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A Ascensão Da Arte Indígena

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questões artísticas

A ASCENSÃO DA ARTE INDÍGENA


Artistas indígenas protagonizam um momento inédito na cultura brasileira
Tatiane de Assis | Edição 199, Abril 2023

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C
om uma máscara de onça e um manto estampado com as formas e cores do felino, o
artista visual Denilson Baniwa percorreu os corredores da 33ª Bienal de São Paulo,
em 2018, até se aproximar de um núcleo com fotos dos indígenas selk’nam, da
Patagônia, entre outras obras. Eram imagens feitas no início do século XX pelo padre e
etnólogo austríaco Martin Gusinde, e não havia na exposição nenhuma referência ao
genocídio sofrido pelos selk’nam. Em repúdio à omissão, Denilson se postou perto das fotos,
pegou um exemplar do livro Breve História da Arte, da britânica Susie Hodge, e começou a
desfolhá-lo. Enquanto fazia isso, declamou uma espécie de manifesto:

Breve história da arte. 

Roubo, roubo, roubo, roubo, roubo.


Tours Virtuais
JHSP

Visualize em tela cheia e acesse na


íntegra os conteúdos das exposições
presenciais.

Japan House São Paulo

Abrir

Arte branca.

Roubo, roubo.

Os índios não pertencem ao passado.

Eles não têm que estar presos a imagens que brancos construíram para os índios.

Estamos livres, livres.

Apesar do roubo, da violência e da história da arte.


Tours Vi)uais JHSP
Visualize em tela cheia e acesse na íntegra os
conteúdos das exposições presenciais.

Abrir

Chega de ter branco pegando arte indígena e transformando em simulacros!

O protesto fazia parte de uma performance que Denilson chamou de Pajé-Onça


Hackeando a 33ª Bienal de Artes de São Paulo. Na cultura do povo Baniwa, ao qual
pertence o artista, pajé-onça é o título máximo dado a um pajé. Ele não pediu
autorização à Bienal para fazer a performance, mas também não foi impedido de
realizá-la. Parecia um ato de rebeldia isolado. O mainstream das artes plásticas no Brasil
ainda não percebera que estava ocorrendo no país um “levante” artístico de pessoas de
origem indígena, como o próprio Denilson Baniwa, Jaider Esbell, Daiara Tukano,
Arissana Pataxó, Glicéria Tupinambá, Joseca Yanomami e o coletivo Movimento dos
Artistas Huni Kuin (Mahku).

O levante não começou naquele ano de 2018. Duas mostras inauguradas cinco anos
antes, em capitais bem distantes, foram pioneiras na exibição das novas artes indígenas.
Entre 11 e 19 de abril de 2013, aconteceu em Boa Vista, Roraima, a exposição Primeiro
Encontro de Todos os Povos, organizada por Jaider Esbell, com artistas de onze povos
originários, no Espaço de Cultura e Arte União Operária. “Vamos discutir de que forma
nós podemos e devemos incorporar outras linguagens e expressões às manifestações
culturais de nosso povo”, disse Esbell na época. “O artista indígena que queira se
expressar em outras formas, por exemplo, nas artes plásticas, não deve achar ou
permitir que qualquer pessoa faça julgamento de que isso é errado ou que diminui a
questão da cultura.”

Em junho de 2013, foi aberta em Belo Horizonte a mostra ¡Mira! Artes Visuais
Contemporâneas dos Povos Indígenas, com curadoria da pesquisadora mineira branca
Maria Inês de Almeida, então professora da Faculdade de Letras da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). “Usualmente, espaços públicos e privados de
exposição não eram abertos aos povos indígenas para além da etnografia ou do folclore,
pois suas artes visuais eram antes tratadas como artesanato”, diz ela. A mostra
apresentou 125 trabalhos de 54 artistas do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador e Peru.
Curiosamente, ou sintomaticamente, a iniciativa não foi gestada na Escola de Belas
Artes, mas na Faculdade de Letras, a partir do Núcleo de Pesquisa Transdisciplinar
Literaterras, coordenado por Almeida.

Outras mostras aconteceram nos anos seguintes, indicando a força crescente dos artistas
originários. Em outubro de 2020, foi inaugurada na Pinacoteca de São Paulo a exposição
Véxoa: Nós Sabemos, com trabalhos de 24 artistas e coletivos, e curadoria de Naine
Terena, artista e pesquisadora de origem indígena – fato inédito na instituição. Também
foi a primeira mostra dessa natureza feita pela Pinacoteca, fundada há mais de um
século.

Em 2021, finalmente, a Bienal de São Paulo abriu os olhos para o levante. A maior
vitrine internacional da arte brasileira decidiu convidar nove artistas indígenas – cinco
brasileiros e quatro estrangeiros – para a 34ª edição. Embora representassem apenas
10% do total de nomes do evento, eles nunca haviam sido tantos em toda a história da
Bienal, criada em 1951. Jaider Esbell, Daiara Tukano, Sueli Maxakali, ÚYRA e Gustavo
Caboco (do povo Wapichana) foram os convidados brasileiros. Os estrangeiros foram
Abel Rodríguez (ou Don Abel, como é mais conhecido, do povo Nonuya, na Amazônia
colombiana), Sebastián Calfuqueo Aliste (do povo Mapuche, no Chile), Pia Arke
(descendente do povo Kalaaleq, da Groenlândia) e Jaune Quick-to-See Smith (originária
de uma federação que reúne os povos Salish-Kootenai e Shoshone-Bannocke Métis-
Cree, da América do Norte).

Os novos artistas indígenas trabalham com a pintura, a escultura, a fotografia, o vídeo e


a performance, sem abrir mão de técnicas tradicionais de seus povos, como a pintura
corporal, a cestaria e a arte plumária. Nas obras, mesclam suas cosmologias com
questões políticas urgentes. “Ninguém está aqui em busca de fama, de virar Romero
Britto”, diz Daiara Tukano à piauí. “Queremos contar uma história diferente sobre os
povos originários. Não cabe mais aos outros, mas sim a nós, indígenas, escrevermos e
desenharmos quem somos.” Ela ressalta que os artistas do levante são também
educadores e ativistas. “Estamos entrando nesse campo e demarcando território,
porque sabemos que as artes são usadas para evidenciar a violência do invasor”, diz ela.
“Não chegamos de repente, nos fazendo de espertos dentro do sistemão. É o sistema
que viu só agora que a gente não é idiota.”

Jaider Esbell, que foi companheiro de Daiara, também não se expressava por meias
palavras. Na época da 34ª Bienal, ele declarou a Artur Tavares, da revista digital
Elástica: “Não estamos satisfeitos. Porque, primeiro, a Bienal disse que não queria índio
nenhum. Agora que está saindo na mídia bonitinha que botou não sei quantos índios,
isso não é verdade, precisamos esclarecer. E tem mais. Se já estão se arvorando disso,
saindo de bonzinhos, isso não está certo. Porque isso tem um custo, e quem está
pagando essa conta basicamente sou eu – e estou falando de dinheiro mesmo. Porque a
Bienal paga um cachê de 12 mil reais, pega sua obra e te esquece. E aí, em se tratando da
arte indígena contemporânea, não basta. Porque, quando você pega uma obra do
artista, pega toda a história dele muito antes da colônia.”

Por causa de sua atividade pioneira e a campanha combativa que fazia, mas também da
tendência do mercado de arte de eleger líderes para movimentos, Esbell se tornou o
principal nome do levante de artistas originários. Com a abertura da Bienal, em
setembro de 2021, ele logo pôs de lado o título oficial da mostra, Faz Escuro Mas Eu
Canto (a partir de um verso do poeta amazonense Thiago de Mello), adotando outro
epíteto para o evento, em suas declarações públicas: “A Bienal dos Índios.” Seus
trabalhos ainda estavam sendo exibidos na mostra internacional quando Esbell se
suicidou, em 2 de novembro de 2021, em uma pousada do litoral paulista. Tinha 42 anos
e estava no auge de seu prestígio artístico.

D
enilson Baniwa conta que, certo dia, ele, Esbell e Daiara brincaram de imaginar
quais personalidades da Semana de Arte Moderna de 1922 os três seriam. “O
Jaider, por ser neto de Macunaíma, seria o Mário de Andrade. Daiara seria a
Tarsila. E eu, por ser cheio de piadas, o Oswald de Andrade.” Reivindicar o título de
“neto de Macunaíma” era um importante tópico para Esbell. Ele sempre lembrava que o
personagem de Mário de Andrade vinha de uma releitura de um mito dos indígenas que
vivem perto do Monte Roraima, entre eles os macuxis, povo de Esbell. Contra a
fabulação do escritor, que tachou Macunaíma de “herói sem nenhum caráter”, o artista
visual defendia a grandeza da entidade mitológica, responsável pela criação das plantas
comestíveis. E aconselhava que o nome do mito fosse grafado com “k” e tivesse a
seguinte pronúncia: Makunaímã.

Esbell nasceu em 1979, no município de Normandia, em Roraima. Ainda jovem, se


mudou para Boa Vista e trabalhou como eletricista concursado na Eletrobras. Também
estudou geografia na Universidade Federal de Roraima (UFRR), enquanto se dedicava
às artes plásticas e à literatura. Em 2012, lançou seu primeiro livro, Terreiro de
Makunaima: Mitos, Lendas e Estórias em Vivências, sobre a cultura macuxi. No ano
seguinte, abriu uma galeria de artes indígenas no bairro de Paraviana, em Boa Vista, e
organizou o Primeiro Encontro de Todos os Povos, que o projetou para além de Roraima.
Em 2016, foi indicado ao Prêmio Pipa online, láurea importante para talentos que estão
entrando no circuito de artes. Pela primeira vez, o prêmio agraciou artistas indígenas:
Esbell ficou em primeiro lugar e Arissana Pataxó, em segundo.

A consagração chegou em 2021, quando Esbell foi um dos destaques da 34ª Bienal. Ele
apresentou quatro projetos artísticos no evento, entre eles, A Guerra dos Kanaimés (série
produzida de 2019 a 2020), hoje um de seus trabalhos mais celebrados, composto por
onze telas em grande formato e de efeito hipnótico, que fisgam o olhar do espectador
como um peixe em uma rede. Sob um fundo negro, ele mescla formas figurativas e
abstratas, em padrões variados e cores vibrantes. Na época, Esbell explicou quem são os
kanaimés, entidades da cosmogonia macuxi, em geral associadas a acontecimentos
fatídicos: “Eles são muito temidos, exatamente por praticar uma ideia de justiça para
nossa sociedade (que é bem diferente de uma justiça branca, ocidental).” O artista
relacionava a ação dos kanaimés a situações de conflito vividas por seu povo, como a
demarcação morosa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. O processo foi iniciado em
1977, mas a homologação do lugar onde hoje vivem os povos Macuxi, Taurepang,
Ingarikó, Patamona e Wapichana ocorreu somente 28 anos depois, em 2005, devido a
embates com agricultores, garimpeiros e o próprio estado de Roraima.

O curador italiano Jacopo Crivelli, que esteve à frente da equipe curatorial da 34ª Bienal,
diz que, além da produção artística “riquíssima” de Esbell, chamou sua atenção a
personalidade do artista e o seu papel de articulador e fomentador cultural. Crivelli
ficou surpreso, em especial, com a habilidade de Esbell para lidar com instituições
artísticas já fortemente consolidadas, como a própria Bienal. “Mesmo eu sendo um
curador com vários anos de experiência, aprendi muito com o conhecimento dele no
campo das relações institucionais”, diz à piauí. “Por mais que nós, curadores,
critiquemos o sistema da arte, muitas vezes não rompemos com ele e reproduzimos o
modus operandi. O Jaider, não: ele colocava as suas opiniões de forma que fossem
ouvidas e respeitadas.”

Crivelli traz à conversa uma sigla: AIC. “Não era um movimento, mas uma provocação
criada por Jaider: o sistema da Arte Indígena Contemporânea. Uma forma de ele dizer
que as culturas dos povos originários pertencem ao presente, e não ao passado.” A AIC
também era uma estratégia para retirar a produção de artistas originários de categorias
preconceituosas, como arte primitiva, naïf ou étnica. “A arte indígena contemporânea
vem juntamente com tudo o que há de tecnologia”, escreveu Esbell, na revista de artes
SeLecT, em junho de 2018. No mesmo texto, ressaltou a dimensão política e
cosmopolítica da produção indígena. “Fazemos política de resistência declarada, com a
arte em contexto contemporâneo aberto. Em contexto fechado, ressignificamos nossas
estruturas culturais e sociais com arte e espiritualidade em um mútuo alimentar de
energias para compor a grande urgência de sustentar o céu acima de nossas cabeças.” 

Em um texto publicado em seu blog, em 16 de abril de 2020, ele aprofundou a definição


da Arte Indígena Contemporânea, ao dizer que era dotada da “capacidade literal de
interagir com a ideia de além”. Escreveu: “Passado para nós nunca vai existir, assim
como a ideia de futuro ou outro tempo, senão o eterno. O além para nós é aqui mesmo,
diferente. O além para o mundo não indígena é algo realmente além. Eu sinto muito,
mas quem não está no círculo nunca vai poder acessar. Respeitar é o que faz fazer parte,
parte de nossa arte. A gente só está nesse ‘palco da Arte’ para falar da existência de
nossos sistemas. Eles existem independente de tudo.”

Durante a montagem dos trabalhos da 34ª Bienal, no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no


Parque do Ibirapuera, ele e Daiara Tukano convidavam com entusiasmo o público para
ver também outra exposição. Era Moquém_Surarî: Arte Indígena Contemporânea, que
reunia 34 artistas e coletivos, com curadoria do próprio Esbell, no Museu de Arte
Moderna de São Paulo (MAM), distante apenas três minutos a pé do pavilhão. “Essa
exposição é um desdobramento da minha participação na Bienal”, explicou ele, na
época, à Veja São Paulo. “Inicialmente, me chamaram para pensar uma individual só
minha no MAM, mas fiz uma contraproposta, e defendi que fosse uma mostra coletiva.”
Esbell não gostava de andar sozinho.

Antes da Bienal, Esbell apresentou em São Paulo a mostra individual Apresentação:


Ruku, na galeria Millan, uma das principais da capital. As relações dele com a galeria
foram bastante atípicas, o que é uma constante entre os artistas indígenas. Entrevistado
sobre a exposição, o artista disse: “Eu não sou representado por essa galeria, o que
estamos fazendo aqui é uma experiência.” O galerista André Millan conta que queria
representá-lo, mas Esbell não quis. “Ele preferia ter autonomia total sobre tudo que
fazia, e vendia suas obras pelo Instagram, na galeria dele”, diz. “O Jaider era muito
inteligente. Perspicaz. Era duro, mas colocava as pessoas no bolso.”

Para Millan, o trabalho de Esbell traz mais perguntas que respostas. “Ele instiga, você
quer saber como foi feito, se aquilo é uma lenda, se é figurativo, se é abstrato. É um
trabalho extremamente provocativo e belíssimo. Acho que arte não foi feita para ser
bonita ou ser feia, mas no caso dele, o trabalho é muito bonito.” O galerista ressalta que
o objetivo de Esbell não era só fazer arte: era ajudar o seu povo, comprando terras. “Era
meio um projeto de governo. Eu mesmo não conheço direito esse projeto, não consegui
alcançar. Ele sempre dizia: ‘Eu tô aqui comendo com você, mas quero que você também
vá lá comer com meu povo, participar de uma fogueira.’”

O ano de 2021 foi tão intenso para o artista, que talvez se possa dizer que, nas artes
plásticas, o ano foi de Jaider Esbell. Além de participar da 34ª Bienal, fazer a curadoria
da exposição Moquém_Surarî e apresentar a individual Introdução: Ruku, ele integrou as
mostras Frestas – Trienal de Artes, no Sesc de Sorocaba, no interior de São Paulo, e
Brasilidade Pós-Modernismo, no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio. Também exibiu
trabalhos na exposição Véxoa: Nós Sabemos, na Pinacoteca de São Paulo. Em outubro
daquele ano, o Centro Georges Pompidou, em Paris, adquiriu dois trabalhos dele, Carta
ao Velho Mundo e Na Terra Sem Males, por indicação de Paulo Miyada, recém-empossado
curador de arte latino-americana da instituição francesa.

No início de 2022, poucos meses depois de sua morte, Esbell foi anunciado como um
dos nomes da mostra principal da Bienal de Veneza. A curadora italiana Cecilia
Alemani optou por apresentar as pinturas fulgurantes da série Transmakunaimî: O
Buraco É Mais Embaixo (produzida entre 2017 e 2018), em que ele reforça a dimensão
cosmopolítica do mito de Macunaíma. “Mesmo quando suas imagens beiram a
abstração total, as pinturas de Esbell expressam a continuidade e o poder da natureza
como resposta às explorações da sociedade hegemônica”, escreveu o crítico britânico
Ian Wallace no catálogo da Bienal italiana.

Tudo isso tornou os trabalhos de Esbell bastante cobiçados pelo mercado de artes. Seu
espólio é gerido pela Galeria Jaider Esbell de Arte Indígena Contemporânea, em Boa
Vista, que tem a mãe dele como diretora honorária e um amigo, Parmênio Citó,
professor da Universidade Federal de Roraima, como conselheiro. A galeria é parceira
da Millan desde 2021, mas disse que “atualmente essa relação está sendo reconfigurada,
no contexto da estruturação do espólio”. A galeria Millan não informa os valores atuais
das obras de Esbell, mas estima-se que uma pintura de tamanho médio chegue a ser
comercializada atualmente por cerca de 200 mil dólares (aproximadamente 1 milhão de
reais).
F
oi por intermédio das redes sociais que Denilson Baniwa e Esbell se conheceram.
O primeiro contato presencial aconteceu no Rio de Janeiro, em 2017, em um
encontro de escritores promovido pelo ativista Daniel Munduruku. Os dois
travaram amizade e, no final de 2018, passaram uma temporada em São Paulo, durante
a qual arregimentaram curadores, críticos e galeristas para a causa dos artistas
indígenas. “Muita gente que hoje me abraça, nessa época me virava a cara”, diz
Denilson.

O artista de 38 anos descreve assim sua relação com Esbell, cinco anos mais velho. “A
gente concordava em muita coisa, mas brigava muito também. Em 2018, quando eu
invadi a Bienal, para a performance Pajé-Onça Hackeando a 33ª Bienal, o Jaider estava no
Parque Ibirapuera, não quis participar e foi dormir na grama”, ele conta. Denilson
demarca a principal diferença entre seu comportamento e o de Esbell: o modo de lidar
com os contatos pessoais. “O Jaider conversava com muita gente que eu não converso
ainda hoje.”

A distância entre os dois se ampliou durante a 34ª Bienal. Entre os cinco artistas
brasileiros de origem indígena convidados para o evento, não estava o nome de Denilson.
“Eu não fui, e nem aceitaria um convite para essa exposição, que nasceu como um grande
organismo de visibilidade para jovens artistas no Brasil e virou uma feira de arte.” Para
ele, o “grande gesto” de Esbell durante o evento não foram as obras mostradas na Bienal,
mas sim a exposição Moquém_Surarî, no MAM.

Após a morte de Esbell, em novembro de 2021, Denilson escreveu uma carta,


impressa e apresentada na exposição Máscaras: Fetiches e Fantasmagorias, inaugurada
no mesmo mês, no Paço das Artes, em São Paulo. Dizia o seguinte:

Jaider chegou a esse lugar, e o que para os brancos é considerado sucesso (ou a melhor fase de sua
carreira, como li em matérias de jornais), para nós dois esse fake-sucesso-branco foi dia a dia
tornando-se um peso. Infelizmente ficou pesado demais para ele, mas poderia ter sido para
qualquer um de nós, artistas indígenas. A cobrança de respostas para salvar a arte, a pressão por
não falhar em nossa caminhada ou com nossos parentes indígenas, a ininterrupta fome de quem
nos vê como uma novidade devorável no mercado, tudo isso que é considerado sucesso e o auge da
carreira é um muro que nos cerca e nos tira do que é mais importante: uma vida saudável.
D
enilson de Oliveira Monteiro é o nome do registro civil do artista, que nasceu em
1984, na aldeia Dari, no município de Barcelos, no Amazonas. Denilson Baniwa é
como o chamam desde os 14 anos, quando começou a atuar no movimento
indígena. “Minha família é de um território tradicional Baniwa, o Aiairi”, diz ele. “A
gente desceu para este lugar, Barcelos, que foi construído por meio da escravidão de
povos indígenas.”

Quando criança, foi matriculado em regime de internato na Escola São Francisco de


Sales, em Barcelos. Ficou um ano nesse colégio católico, um período conturbado
segundo ele. “Os livros e a música foram meu refúgio.” Em 1999 participou de uma
atividade importante para sua futura trajetória: um curso de comunicação e multimeios,
promovido pela USP, o Instituto Socioambiental e a Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro, entidade na qual atuava um tio seu, Benjamin Baniwa. O
curso, realizado em São Gabriel da Cachoeira (a cerca de 470 km de Barcelos), incluiu a
produção de um jornal e de programas de rádio. Em 2000, aos 16 anos, Denilson foi
morar com uma jovem baniwa, e logo tiveram um filho.

Quatro anos depois, ele se mudou, sozinho, para Manaus, a fim de trabalhar na
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Também
ingressou no curso de tecnologia em processamento de dados, na Universidade do
Estado do Amazonas, que não chegou a concluir. Participou de duas bandas: uma de
covers do grupo de heavy metal Black Sabbath, outra de rap. “Na de covers, em
Manaus, eu tocava guitarra, era uma coisa entre amigos. No grupo de rap, eu era vocal,
e os outros integrantes eram meus primos.” Ele também gostava, desde a adolescência,
do trabalho em rádio.

O ritmo intenso de atividades na capital manauara acabou por distanciá-lo da esposa e


do filho. O casal se separou de forma amigável. Alguns anos mais tarde, Denilson se
casou com uma colega de trabalho sem ascendência indígena direta, com quem teria
dois filhos. Em 2013, o casal se mudou para Niterói. Denilson decidiu voltar à
universidade e optou pelo curso de publicidade na PUC-RJ, que não chegou a terminar.
Em Niterói, criou a primeira rádio indígena na internet, a Yandê, com a jornalista
Renata Machado Tupinambá e o comunicador Anápuáka Muniz Tupinambá Hãhãhãe.
De programação variada, a Yandê, que ainda existe, chegou a transmitir músicas feitas
em mais de 190 idiomas originários.

Além de atuar na rádio, Denilson trabalhou em uma agência de comunicação como


designer gráfico. Um dia, descontente com o emprego, pediu demissão e resolveu voltar
para o Amazonas. “Eu estava bem desmotivado, não me reconhecia”, diz. Um convite,
porém, o fez mudar de planos. Ele foi chamado para participar da exposição Dja Guata
Porã – Rio de Janeiro Indígena, no Museu de Arte do Rio (MAR), inaugurada em maio de
2017. “Primeiro, o Denilson veio para pensar as instalações sonoras, comissionadas à
Rádio Yandê. Depois, desenvolveu um trabalho artístico, a obra Grande-Trovão-Cobra-
Canoa. Por fim, criou, com a designer Priscila Gonzaga, o material gráfico da mostra”,
lembra Clarissa Diniz, uma das curadoras da exposição.

Pamëri Pirõ Yuhkësë [Grande-Trovão-Cobra-Canoa] trata de um mito partilhado por


diferentes povos amazônicos, segundo o qual o mundo foi gestado no ventre de uma
gigantesca serpente. A pintura da cobra, com quase 60 metros de comprimento,
percorria grande parte do espaço expositivo, apresentando uma linha do tempo das
populações originárias no território brasileiro por meio de grafismos, vídeos, fotografias
e recortes de jornais. O trabalho projetou o nome de Denilson e o estimulou a se
enveredar pelas artes plásticas.

Seguiram-se várias exposições no Rio e em São Paulo, embora ele não fizesse parte de
nenhuma galeria e vendesse os trabalhos pessoalmente ou pela internet. “Até pouco
tempo, quem manteve nossa vida de mimos foram os colecionadores, sobretudo um de
São Paulo. Foi natural. Algumas pessoas se interessaram pelo meu trabalho e foram
comprando”, conta o artista. Em 2022, ele passou a ser representado pela prestigiosa A
Gentil Carioca, à qual estão ligados alguns nomes significativos da arte brasileira atual,
como Maxwell Alexandre, Renata Lucas, Laura Lima e Marcela Cantuária.

Na tarde de 11 de novembro passado, vestido de bermuda jeans e camiseta preta com o


nome da banda punk Cólera, Denilson finalizava no sobrado da Gentil Carioca – um
belo exemplar da arquitetura do Centro do Rio no início do século XIX –, a montagem
dos trabalhos da exposição Frontera, que seria inaugurada no dia seguinte. O tema do
descimento dominava a mostra, com treze telas e cinco esculturas. A palavra
“descimento” é utilizada nos livros de história para definir as violentas expedições de
arregimentação e escravização de indígenas, ocorridas a partir do século XVII – e que,
de fato, nunca cessaram. As obras faziam referência, mais especificamente, ao trabalho
servil dos indígenas na extração de borracha e na comercialização de piaçava e peixes
ornamentais. Barcelos, a cidade natal de Denilson, é um dos polos do comércio de
peixes ornamentais, que o pai do artista, Delmo de Almeida Monteiro, costumava
pescar e vender, recebendo na época cerca de 1,5 real (em valores corrigidos) por 1 mil
peixes entregues.

Para a exposição, Denilson trouxe da aldeia de Canafé, na região de Barcelos, cinco


esculturas com fibra da piaçava, o nome popular de dois tipos de palmeira. As peças
longilíneas lembram as obras do artista baiano Mestre Didi (1917-2013). “A diferença é
que essas são feitas pelos povos indígenas do Rio Negro há mais de dois mil anos.
Fazem parte do cotidiano das comunidades daquela região, e não só dos baniwas, e são
vistas no contexto de ensinamentos e histórias”, comentou o artista.

As telas figurativas mostravam mulheres, homens e crianças indígenas. Na pintura


Ocupação dos Sonhos (2022), grafismos à maneira de petróglifos – inscrições rupestres –
povoam um fundo azul e se precipitam para o primeiro plano, no qual se vê uma garota
de cabelos longos lendo um livro, Ideias para Adiar o Fim do Mundo, de Ailton Krenak.
“Eu tinha esse livro sempre à mão, como uma espécie de missionário, para presentear
as pessoas”, recorda Denilson. “Eu falava para elas: ‘Se você quer entender mais como a
gente pensa, vê isso aqui.’”

Em Conexões (2022), também mostrada na exposição Frontera, vê-se um rapaz com um


aparelho de rádio no ombro e, ao fundo, mais imagens rupestres. Em letras brancas, no
canto esquerdo do quadro, aparece a expressão ON LINE. Como em outras telas,
Denilson reforça a relação das comunidades originárias com instrumentos
contemporâneos, numa atitude contra o engessamento temporal dessas culturas. É
como se ele dissesse ao espectador: “Sim, indígena tem rádio, televisão, celular. Por que
a surpresa?”

No térreo da galeria, estava a pintura Época de Pesca e de Abrir as Roças (2022), de 3,4
metros de altura por 3,9 metros de largura, formada por seis telas ajustadas umas ao
lado das outras. Sobre o fundo dourado, navegam desenhos de peixes ornamentais
recortados de livros, entremeados por figuras de animais em preto, como uma tartaruga
ou uma cobra, tudo construído à maneira dos petróglifos encontrados na região do Rio
Negro, que banha Barcelos.

As obras de Denilson apresentadas na exposição no Rio lembram, numa primeira


mirada, os trabalhos do afro-americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988). Mas ele diz:
“Se for para pensar em uma referência, acho que olhei mais para o Cy Twombly.” O
pintor norte-americano Cy Twombly (1928-2011) ficou conhecido por suas telas
abstratas, cobertas por caligrafias, formando composições visuais carregadas de
velocidade e certa violência. “Convivem no trabalho de Denilson uma camada, com
mais cara de pintura e outra, mais gráfica”, diz a curadora branca Clarissa Diniz, que
assinou o texto de apresentação da mostra na Gentil Carioca. “Mas essa leitura da forma
não pode se dar de forma isolada, como se fosse um campo autônomo, como quer a arte
moderna. Denilson é um ativista, e essa leitura dita formal anda junto, colada, com as
estratégias de negociação e comunicação que o artista utiliza, inclusive ao fazer seus
trabalhos adentrarem uma galeria.” Alguns trabalhos estão em processo de aquisição
pelo Instituto Inhotim, que prefere não se pronunciar até a conclusão da compra. A
Gentil Carioca não divulga os preços das obras. Pessoas do mercado de arte estimam
que comecem em 50 mil reais.

Os trabalhos da exposição Frontera foram produzidos em pouco mais de um mês num


ateliê alugado no Centro do Rio. Denilson se lembra de Elsa Ravazzolo Botner, uma das
diretoras da Gentil Carioca, comentar, surpresa: “Nossa, você pensou muito rápido no
que fazer.” Ao que o artista respondeu: “Rápido, não. São 38 anos que eu resolvi em um
mês.” Ele diz que, para realizar a exposição, passou alguns dias em Manaus. “Fiz uma
viagem para lá e fiquei um tempo, acumulando informação, conversando com a minha
mãe, meu pai, minha avó, lendo muito, visitando museus.”

Apesar de seus conhecimentos sobre arte ocidental, Denilson prefere recorrer às


referências da cultura indígena. É uma estratégia para que sua produção não seja
legitimada a partir de cânones externos à sua cultura de origem – cânones com os quais,
aliás, ele gosta de brincar, como ao fazer uma Gioconda Kunhã \\ Mona Lisa Kunhã, em
que a personagem de Da Vinci aparece com pinturas indígenas no rosto e em meio a
folhagens tropicais. “Eu apresento meu trabalho de forma a não tolerar que ele seja
colocado em categorias, como arte primitiva ou arte étnica. E de modo que não se possa
falar de branco como influência. Minha influência na exposição foi Feliciano Lana
(Sibé), do povo Desana, foi Gabriel Gentil, pajé do povo Tukano.” Sibé foi artista
plástico e morreu em 2020, aos 83 anos. Gentil (1953-2006) foi um intelectual e xamã que
escreveu sobre a história e os mitos dos tukanos.

Denilson observa que o levante indígena nas artes, apesar de expressivo na cena
cultural, não possui unidade nem direção única. “Há certa falta de comunicação entre a
gente, o que é uma falha.” Outro ponto levantado por ele é a respeito da crítica. “Tem
muito artista indígena, mas tem pouco escritor, pesquisador, crítico de artes indígenas.
Os textos sobre nossos trabalhos ainda estão sendo feitos por brancos.”

A situação de escassez de obras críticas afeta bastante a análise dos trabalhos indígenas,
feita em geral por pessoas que não estão inseridas nas culturas e cosmogonias dos
diferentes povos. As dificuldades para os “brancos” não são pequenas, como ressalta
Fernanda Pitta, professora da USP e ex-curadora-sênior da Pinacoteca de São Paulo. “O
artista Ibã Huni Kuin, por exemplo, fala que quem o ensinou a pintar foi a cobra. Se
você vai para uma análise calcada na história oficial, vai tentar interpretar o que é a
cobra dentro das categorias da antropologia, da arte, da ciência”, diz ela. “Mas a
questão não é essa. Para os Huni Kuin, a cobra não é apenas um bicho: é um ser, outro
agente, que tem os seus processos de relação com os humanos. Ou seja, você precisa
entrar por outra percepção da história dessas relações, suas dinâmicas e protocolos.”
A escassez no Brasil de textos críticos aprofundados sobre as artes indígenas e os
artistas em particular, do passado e do presente, chamou a atenção inclusive da
curadora da última edição da Bienal de Veneza, a italiana Cecília Alemani, radicada em
Nova York. “Há pouca literatura sobre esse assunto, uma falta de conhecimento sobre
artistas originários”, afirma ela à piauí. Apesar disso, Alemani ressalva que no Brasil a
produção desses textos é mais expressiva do que nos Estados Unidos. “Fiquei bastante
impressionada com a exposição Véxoa: Nós Sabemos, feita na Pinacoteca de São Paulo e
com o catálogo produzido.” Em 2022, Denilson esteve à frente, com a curadora
afroindígena Beatriz Lemos, da exposição Nakoada: Estratégias para a Arte Moderna, no
MAM do Rio de Janeiro, quando foi editado um catálogo também relevante, com textos
de Francy Baniwa, Idjahure Kadiwel, Braulina Baniwa, Daniel Dinato e Jaider Esbell,
entre outros. Até 30 de julho, ele apresenta na Pinacoteca de São Paulo um novo projeto
artístico, a Escola Panapaná, uma construção em três pavimentos, na forma de um casulo,
dentro do qual serão realizados debates, apresentações musicais, aulas da língua
baniwa, entre outras atividades.

N
a época em que era curadora da Pinacoteca de São Paulo, Fernanda Pitta
participou da equipe que reformulou a exposição permanente com obras do
acervo do museu. Durante o processo de seleção dessas obras, ela ficou
assustada. Até 2019, a Pinacoteca tinha apenas uma obra de artista de origem indígena
no acervo, uma boneca produzida por mulheres karajás, na década de 1940. O debate
interno sobre essa carência resultou num convite para que a artista e curadora Naine
Terena, de origem indígena, fizesse a curadoria de Véxoa: Nós Sabemos, inaugurada em
outubro de 2020. A exposição reuniu artistas e coletivos contemporâneos, entre eles
Jaider Esbell, Denilson Baniwa, Daiara Tukano e a Ascuri (Associação Cultural dos
Realizadores Indígenas), que congrega a produção audiovisual de jovens terenas,
quéchuas e kaiowás. O catálogo, editado pelo poeta e antropólogo Idjahure Kadiwel,
contém textos da própria Naine, do escritor Daniel Munduruku, dos artistas Denilson
Baniwa e Gustavo Caboco e da antropóloga branca Ilana Seltzer Goldstein. A
apresentação é assinada por Jolchen Volz, diretor da Pinacoteca.

Naine Terena tem 42 anos, vive em Cuiabá, no Mato Grosso, é doutora em educação
pela PUC-SP, mestre em artes pela Universidade de Brasília (UnB) e uma das raras
curadoras de origem indígena. Em 2022, depois de um imbróglio no Museu de Arte de
São Paulo (Masp), ela foi convidada a assumir o lugar da antropóloga Sandra Benites –
primeira curadora indígena de um museu brasileiro –, que havia se demitido e é
atualmente consultora de programação cultural e exposições do Museu das Culturas
Indígenas, em São Paulo. Naine preferiu chamar uma convocatória informal com
parentes (termo usado entre os indígenas para designar diferentes povos irmãos), que
resultou na indicação de um trio de curadores para a divisão de artes indígenas do
Masp: Edson Kayapó, Renata Tupinambá e Kássia Borges Karajá.

Um dos grandes desafios para o entendimento das artes indígenas, segundo Naine, é
narrar a própria história dessas artes. Ela acha que o próprio conceito “arte indígena
contemporânea”, formulado por Esbell, apaga artistas veteranos da narrativa oficial.
Mas Naine diz que alguns são lembrados, como Ailton Krenak, de 69 anos, mais
conhecido como escritor e ativista. Em 1998, ele expôs 48 gravuras na galeria Kakibaia,
em Tóquio. No ano passado, teve uma pintura e um desenho incluídos na exposição
Contramemória, no Theatro Municipal de São Paulo. Também fazem parte dessa lista de
veteranos os artistas Feliciano Lana (Sibé), do povo Desana, apontado por Naine como
um dos precursores das artes indígenas feita atualmente, e Carmézia Emiliano, do povo
Macuxi. No passado, ambos tiveram suas produções classificadas na categoria “arte
primitiva”. No último dia 24 de março, uma mostra de Carmézia Emiliano, que tem 62
anos, foi inaugurada no Masp, com 35 pinturas, agora livres de rótulos pejorativos. No
mesmo mês, ela foi anunciada como artista da Central, uma nova galeria de São Paulo,
com prestígio no meio.

Até o fim do século XIX, era corriqueiro ler a produção material de povos originários
apenas pelos olhos da antropologia e da arqueologia. Assim, qualquer trabalho artístico
era classificado na categoria de “artefato”. Isso começou a mudar no século XX, quando
se adotou a expressão “arte primitiva”, na qual cabia tudo: desde as artes indígenas até
os trabalhos produzidos por pessoas com transtorno mental. “Nos primeiros autores,
quando se usa essa categoria, ‘arte primitiva’, há todo um processo de valorização de
produções culturais que não eram entendidas como arte e passaram a ser
compreendidas assim. Há uma tentativa de rompimento com as práticas acadêmicas
das belas-artes”, explica Pitta. Ela salienta, porém, que a inserção dessas obras ditas
“primitivas” no sistema da arte não se deu em pé de igualdade: trabalhos fiéis à
tradição ocidental dominante ainda eram vistos como superiores.

Nos anos 1950, outras expressões surgiram, como “arte índia” e “arte indígena”, usadas
tanto pelo casal de antropólogos Berta Gleizer Ribeiro (1924-97) e Darcy Ribeiro (1922-
97) quanto por relevantes historiadores, como Walter Zanini (1925-2013) e Ulpiano
Bezerra de Menezes (1936-). Berta Ribeiro é autora de Arte Indígena: Linguagem Visual, de
1978, estudo pioneiro sobre a produção propriamente artística dos povos originários.
T
odas essas questões têm preocupado atualmente o meio artístico e curatorial, e
não só no Brasil. Como os descendentes de indígenas ganham espaço em mostras
e museus em várias partes do mundo, esses temas emergem nos debates críticos
em vários países. “O primeiro que começou a ter essa movimentação foi a Austrália”,
diz Daiara Tukano. “Mas a gente também tem artistas no Canadá, nos Estados Unidos,
na Ásia e na África.” A pesquisadora Ilana Goldstein explica que, na Austrália, o boom
das artes indígenas se deu entre os anos 1990 e 2000. “O que está ocorrendo hoje no
Brasil não faz cócegas no que acontece há décadas por lá, apesar da velocidade
impressionante que o movimento está adquirindo aqui”, diz ela. “Todos os museus
australianos que visitei tinham uma coleção originária ou uma ala para arte indígena.
Os principais têm também curadores aborígines, responsáveis pela aquisição de obras e
a organização das exposições. O governo financia cooperativas de arte, mas quem toma
as decisões são os líderes aborígenes.”

No Canadá, um dos especialistas no assunto é o artista e curador indígena Gerald


McMaster, professor da Universidade Ocad (antes chamada Ontario College of Art and
Design), em Toronto. Quando indagado por que ainda há tão poucos indígenas em
exposições, sejam artistas ou curadores, ele solta uma risada, antes de responder. “É
uma questão muito fácil de responder. Obviamente, é uma situação de poder”, diz. “No
caso do Brasil, o país continua voltado para a história da arte europeia, nas suas
atitudes e perspectivas. De um modo geral, segue rejeitando as contribuições das artes
indígenas, colocando esses agentes como passageiros de segunda classe.” McMaster,
que recebeu em 2005 a comenda Ordem do Canadá, conta que em seu país já existem
indígenas lecionando nas universidades, como ele próprio. “Na National Gallery do
Canadá, em Ottawa, também temos essa presença, fora de uma perspectiva colonial.”

Daiara Tukano, de 40 anos, diz que faz parte de uma geração “descarada” e que “não
tem paciência nenhuma em ser subserviente”. “Se hoje conseguimos um espaço para
falar da arte indígena contemporânea, é porque a gente precisou insistir e criar certo
desconforto com os representantes desses espaços”, afirma. “Chegamos para
constranger, para mostrar que essa dinâmica de apagamento de visões e abordagens
indígenas é feia, é racista, é brega, totalmente démodé. É preciso se atualizar, e isso passa
pelo nosso protagonismo.”

O discurso de Daiara casa com sua produção. Em uma série de pinturas chamada Hori,
ela trabalha com grafismos tradicionais e faz experimentações cromáticas. Hori, na
língua dos tukanos, se refere à “miração”, diz Daiara. “São as visões do caapi
[ayahuasca], que é a medicina de origem de todos os conhecimentos, histórias, línguas,
cantos e desenhos do meu povo. É uma forma de debater o que é arte para nós.” A
artista apresentou algumas telas de Hori na exposição Amõ Numiã, exibida até 11 de
março, na galeria Millan, que agora representa Daiara. No Museu da Língua
Portuguesa, em São Paulo, ela fez a curadoria da mostra coletiva Nhe’ẽ Porã: Memória e
Transformação, em cartaz até o dia 23 deste mês de abril.

Os passos dos artistas indígenas são velozes e múltiplos. E, agora, eles podem ganhar
ainda mais fôlego com o novo governo, que parece ter uma genuína preocupação com
as populações originárias, tanto assim que tomou duas iniciativas inéditas nessa área.
Criou o Ministério dos Povos Indígenas, chefiado por Sonia Guajajara, e indicou uma
indígena, Joênia Wapichana, para presidir a Fundação Nacional dos Povos Indígenas
(Funai). Não à toa, aconteceu na época da posse de Lula, no Museu Nacional da
República, em Brasília, a mostra Brasil Futuro: As Formas da Democracia, que deu
destaques às obras de vários indígenas, entre eles Jaider Esbell, Denilson Baniwa,
Daiara Tukano, Arissana Pataxó, Gustavo Caboco, Yacunã Tuxá e um nome mais jovem
do levante: Aislan Pankararu.

Aislan Pankararu – registrado ao nascer como Aislan Felipe da Silva Santos – foge
bastante do estereótipo físico de um indígena. Tem 1,90 metro de altura, e cabelos
crespos, cortados bem rentes. Ele nasceu há 32 anos em Petrolândia, em Pernambuco,
onde seu pai tinha um restaurante no qual Aislan e seu irmão ajudavam, fazendo
pastel. A mãe era professora, formada em história. “Ela me influenciou muito. Sempre
acreditou na educação como uma forma de mudança”, diz o artista, que hoje mora em
São Paulo. Seu pai e sua mãe são do povo Pankararu, cujo nome Aislan acabou por
adotar.

Antes de se dedicar inteiramente à arte, ele se formou em medicina na Universidade de


Brasília. “Na universidade, fui juntando o quebra-cabeça do racismo estrutural: era a
palavrinha de um professor ali, a indireta de um gesto aqui. Ficou evidente que aquele
lugar não era para mim.” Em 2019, um amigo da república onde vivia em Brasília se
mudou e deixou para trás um punhado de folhas de papel Kraft. Com uma escova de
dente e uma tinta que achou, ele fez duas pinturas: uma de um corpo e outra de um
mandacaru. “Eu tinha uma saudade da Caatinga e de participar das atividades do meu
povo”, ele recorda.

A primeira exposição, Abá Pukuá: Homem Céu, aconteceu em 2020, no Hospital


Universitário de Brasília. “Depois não teve nenhuma grande exposição ou grande
movimento. O que projetou meu trabalho, na verdade, foram as redes sociais.” Em
dezembro de 2022, a nova galeria Galatea, de São Paulo, passou a representá-lo. “O que
me chama atenção nos trabalhos dele é a organização espacial dos elementos na
superfície, seja tela ou papel. Há uma iminência de movimento. O uso das cores
também é bastante complexo e intuitivo, o que gera obras extremamente vibrantes”, diz
Tomás Toledo, um dos sócios da Galatea e ex-curador-chefe do Masp.

Aislan diz que traz dentro de si a defesa dos povos indígenas do semiárido nordestino.
“São comunidades que primeiro enfrentaram os invasores, quase desapareceram e que
passam até hoje por um apagamento maior, porque o fenótipo esperado de populações
originárias é o das comunidades amazônicas, com cabelos lisos e olhos puxados. Há
muito mais que isso. Indígena também tem cabelo crespo.” Ele adiciona à conversa o
complexo tema dos “indígenas em retomada”. São pessoas que, criadas fora do contexto
cultural, buscam agora voltar e reconhecer as suas origens. “É preciso olhar caso a caso.
É importante esse reconhecimento, mas eles não podem tomar o lugar dos aldeados,
que não vivem em um contexto urbano, às vezes não dominam bem o português e
passam por muito mais dificuldades”, diz. Para ele, seu trabalho é essencialmente
político. “Porque não é só beleza: estou entrando em espaços que não estou acostumado
a entrar. A arte serve de canal para o meu grito, para o grito do meu povo.” No final da
conversa com a piauí, ao saber que Arissana Pataxó também seria entrevistada, Aislan
retirou um desenho de uma pasta e disse: “Você pode entregar para ela? Admiro o
trabalho da Arissana.”

E
m 2013, quando ainda era estudante, o antropólogo branco Daniel Dinato, hoje
com 32 anos, foi a Belo Horizonte especialmente para ver a mostra ¡Mira! Artes
Visuais Contemporâneas dos Povos Indígenas. A exposição pode ser considerada –
com o Primeiro Encontro de Todos os Povos, promovida por Jaider Esbell – o marco zero da
difusão das novas artes indígenas no Brasil.

Ao visitar a ¡Mira!, o que primeiro chamou a atenção de Dinato foi o espaço expositivo.
“Tinha paredes brancas, mas nem de longe lembrava um cubo branco: era um espaço
estranho, meio recortado e labiríntico.” Ele conta que ficou “incrédulo e deslumbrado”
com as obras expostas. “Eu não tinha bagagem de leitura para entender aqueles
trabalhos. Cheguei, no máximo, a estabelecer uma correspondência entre uma pintura
de Jaider Esbell, O Parto (2012), com a A Origem do Mundo (1866), de Gustave Courbet.”

De volta a Porto Alegre, Dinato deu prosseguimentos aos estudos para entender aquele
movimento que se formava e dedicou seu mestrado ao coletivo Mahku. “É
impressionante pensar nos espaços que os artistas indígenas conquistaram no circuito
tradicional desde aquela época até agora.” Ele também conheceu Denilson e Esbell.
Deste último, recebeu uma divertida dedicatória: o artista desenhou um homem
pendurado numa corda sobre um abismo e escreveu embaixo a frase ambígua “Salve o
antropólogo”.

A exposição em Belo Horizonte foi importante não apenas para os brancos, mas para os
artistas originários. Arissana Pataxó, uma das participantes da ¡Mira!, conta: “Eu expus
duas telas, em uma retratei minha mãe, com mais ou menos 20 anos, e em outra, minha
prima. Quando eu vi a exposição, fiquei encantada com a diversidade da produção dos
artistas. Eu não tinha até então nenhuma referência de nomes indígenas. Na
universidade onde estudei eles não falavam disso.” Em 2016, quando ficou em segundo
lugar no Prêmio Pipa online, Arissana foi a primeira mulher indígena a receber a
premiação.

Ela também foi a primeira de sua família a nascer em um hospital, há 39 anos. Com os
sete irmãos, Arissana vivia em uma região chamada Serra do Gaturama, na região de
Porto Seguro, na Bahia, onde seu pai tinha uma pequena propriedade. Aos 16 anos,
mudou-se para a “metrópole Pataxó”, como ela apelidou de forma brincalhona a parte
urbana da Terra Indígena Coroa Vermelha, no município de Santa Cruz Cabrália, a
cerca de 20 km de Porto Seguro. Arissana foi morar com uma tia e ficar mais perto da
escola onde concluiu o ensino médio. “Estudar abre a mente e eu sempre estimulei
meus filhos nesse caminho”, diz a mãe de Arissana, Cremilda Braz Bomfim, de 62 anos,
mais conhecida por seu nome indígena, Meruka.

Os primeiros trabalhos de Arissana foram colocados à venda na loja de artesanato de


sua mãe em Coroa Vermelha. “Vendi tudo”, lembra a artista. Eram pinturas feitas em
telas, com tinta acrílica, que retratavam pessoas da família. Levando à risca o conselho
da mãe, ela fez vestibular para artes plásticas em 2005, um ano depois que começou a
ser aplicada a Lei de Cotas na Universidade Federal da Bahia (UFBA). “Vinte pessoas
de Coroa Vermelha tentaram entrar na universidade. Três conseguiram.” Um ano
depois, seu marido, Jussimar Guedes de Souza, também pataxó, foi para Salvador fazer
ciências sociais na UFBA.

Outros pataxós começaram a chegar, ano após ano, juntando-se a eles. “A gente vivia
uma vida meio nômade, de um contrato de aluguel para o outro, com as roupas na
mala, cada qual com um colchão, e só”, recorda Arissana. “No começo, não tinha ajuda
nenhuma para a gente viver lá. Fomos à pró-reitoria de assistência estudantil e a
funcionária disse que ‘coisa de índio era com a Funai’.” A ignorância da comunidade
universitária sobre os povos indígenas funcionou como tema para a obra dela. “Eu
pintava telas não apenas sobre o povo Pataxó, mas também sobre outros povos. Na
aula, esses trabalhos eram uma oportunidade para falar aos meus colegas.”
Depois de se graduar, ela fez mestrado no Centro de Estudos Afro-Orientais com um
trabalho sobre a produção e distribuição de adornos corporais pataxós. O Centro fica
em Salvador e foi lá que o escritor Itamar Vieira Junior, autor de Torto Arado, também
defendeu o seu doutorado. Em 2020, Arissana voltou à Escola de Belas Artes da UFBA
para o doutorado, que está em andamento. Como pesquisadora, ela integra o projeto
Culturas de Antirracismo na América Latina (Carla), uma iniciativa da UFBA com a
Universidade de Manchester.

Arissana dá aulas de artes e de patxohã, língua do seu povo, no Colégio Estadual


Indígena Coroa Vermelha, voltado para o ensino médio. Seu marido é professor de
história e geografia. Ela segue atuando na comunidade sempre que tem a oportunidade,
indicando artistas que ainda não tiveram reconhecimento. “Você precisa conhecer o
Oiti”, diz. “Ele criou uma casa da memória pataxó com obras dele e de outros artistas
na Jaqueira.” Trata-se de Oiti Pataxó (Fernando Santana Carvalho), da Reserva Indígena
Pataxó da Jaqueira, em Porto Seguro.

Com o marido e a filha Atxinãy, de 12 anos, Arissana vive num sobrado na área urbana
da Coroa Vermelha, perto de uma avenida movimentada, com supermercado, farmácia
e restaurantes. Os cobogós garantem o charme da construção de pé-direito alto, com
mais de 3 metros, e janelões de madeira. “As paredes de fora ainda não foram pintadas,
estão só rebocadas, mas estamos nessa luta aí, desde 2014, para terminar”, diz Arissana,
sorrindo. O conjunto forma uma típica casa de classe média do interior, não fosse por
várias peças indígenas, como uma panela de barro do povo Kiriri, um samburá pataxó e
um cesto guarani. “Uma vez uma pesquisadora branca veio aqui e pareceu estranhar
que a minha casa não fosse ‘exótica’”, diz.

O ateliê da artista fica no segundo piso e funciona também como quarto de visitas, com
uma cama de casal e duas camas de solteiro. São nelas que dormem sua mãe, as irmãs e
os sobrinhos, quando vão visitá-la. Perto da mesa de trabalho da artista, fica uma
pequena estante com pincéis e livros. Atxinãy é presença constante no ateliê. De vez em
quando, ela ajuda a mãe a decidir qual o melhor caminho para um trabalho. Outro dia,
Arissana ficou em dúvida onde situar a figura de um garoto em um desenho feito a
pedido de Daniel Munduruku. “Coloca ali”, sugeriu a menina. A mãe seguiu à risca.

Algumas das pinturas de Arissana são figurativas, retratando pessoas e cenas da vida
dos povos originários. Outras são abstratas, a partir de grafismos pataxós. Ela também
se aventurou pela cerâmica, como em Kitok (2009), um de seus principais trabalhos, no
qual criou um grupo de crianças brincando, em roda. “Eram netos do meu tio-avô, o
Albino. Eles estavam brincando e tirei uma foto”, diz a artista. “Quando vou produzir,
tiro muitas fotos. É a cena que me captura. Eu deixo guardadas e depois penso como
trazer isso. Nesse caso, dei ênfase às linhas do contorno do corpo das crianças, como
elas estão em um círculo, os traços reforçam essa ideia de união.”

Arissana acha que fazer o curso universitário foi essencial para sua trajetória, porque
lhe deu acesso aos espaços da arte. “Por mais que se diga que não é preciso ter
graduação em artes visuais para se inserir, a coisa não é bem assim. Tem muitos artistas
dentro da comunidade que são tão artistas quanto os outros, mas não são integrados,
porque não fizeram graduação.” A outra questão é que nem toda pessoa que faz
faculdade de artes plásticas conseguirá entrar no circuito artístico. “Isso depende muito
do diálogo. Entrar nesse mundo nada mais é do que ter indicações e contato. Não tem
nada a ver com o seu trabalho ser melhor do que o dos outros.”

A artista não está ligada a nenhuma galeria e diz que, atualmente, nem coloca seus
trabalhos à venda. “Recebo mais projetos comissionados, e pessoas que eu conheço
também me procuram para comprar”, diz. O marido conta que Arissana é determinada,
estudiosa, escreve muito bem e sempre teve um jeito despretensioso. “Mas, depois que
o pai dela morreu, ficou mais assim, sem dar muita importância ao sucesso.”

O pai de Arissana, Wilson Garcia do Bonfim, morreu em 2017. “Foi ele quem criou meu
nome, dizia que significava ‘Sol da tarde’”, ela conta. Para os que estranham ao saber
que seu pai era branco, a artista responde com uma história: “Outro dia, um aluno me
contou que um turista na praia perguntou se ele era pataxó. O menino disse que sim.
Então, a pessoa falou: ‘Ah, mas você não parece.’ E o garoto respondeu: ‘É porque eu
sou mais escuro, sou misturado.’ Eu disse a meu aluno: ‘Você não tem que dar
justificativa nenhuma. No Brasil, todo mundo é misturado. Por que só indígena não
pode ser misturado?’ Não explique nada, mande a pessoa ler, estudar.”

Esse conteúdo foi publicado originalmente na piauí_199 com o título “O levante”.

Tatiane de Assis
Repórter da piauí
piauí, é crítica de artes visuais com especialização pela Unicamp.
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