0% acharam este documento útil (0 voto)
290 visualizações22 páginas

Uma Peça Por Outra - Jean Tardieu

Peça do Teatro do Absurdo.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
290 visualizações22 páginas

Uma Peça Por Outra - Jean Tardieu

Peça do Teatro do Absurdo.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 22
UMA PEGA POR OUTRA de Jean Tardiew ‘Traduzide por Manuel Bandeira, Pina Coco e Renato learahy Adaptado pelo GRUPO TAPA SO BLES O SABEM Pensonacens istiano — Simone = Lauro Cesar = Janete APRESENTADOR = Jean Tardiew costumava dizer gue, muitas veres, os espectadores ‘Go convencidos a seguir uma agio teatral cujos verdadeiros motives les no vem a entender: — Seré conseqiéacie de uma en- fermidade propria a arte dramatica? = Serd por que a vida dos ‘outros no palco, como na realidade, ‘no nos revela seus segredos? = Seri por que as personagens = especialmente nos dramas ditos “realisias” —~ ocupam-se apenas com seus problemas © nunca com os dos espectedores, atitude que denota uma falta de cortesia lamentavel? Sera enfim por que os autores, abusando de sua situacio priv giada, fazem questio de nos de xar sob uma desagradével impces- Sio de mistério? Séo perguntes que, sem divida, vocés no deixario de fazer en- quanto assistem: "SO ELES O SABEM". (Cristiano © Simone estio de pé no meio do paleo, envolvides numa grande discussio. Cristiano vai e vem nervosemente. Simone © acom- panha com os olhos, com sma ex pressio ma. Az cortinas da jancla ‘esto puxadas pela metade. O quar- (0 esti na penumbra.) Cristiano —~ Vocé pode estar certa que eles no vo conseguir me pegar! Simons — Falar € fact CrusTiao — Vocé no perde por esperar. Simon ~ Duvido! Cristiano — Isso € 0 que nos SIMONE (dando de ombros) — No sew lugar eu desisa logo! Crusrano (saltondo) — Desist eu! Depois de tudo que acontecea! Nunco, esté ouvinde, nuncal... E @ logo voce que me da esse conse tho! Ab, obrigado. mito ob gado mesmo. SIMONE — Eu te previno pela al- tima yer, Cristiano, Voc esta: no caminho ecrado, E cle vel te pegan E'tu tenho certexa que ele val te peger. Cristiano — E eu tenho certeza, Simone, que isso nlo vst acabac as sim! Seria muito simples, muito sim- ples!... Quer saber de uma coisa? Voce nto tem nada a ver com Isso nada, entende? Voct # tem uma coisa a fezer: colar @ boca © me deixar agit Stone — Néo, eu no vou me calar! Sei que tenho razio e quer> que voce se renda as evidencias Nao conte... Cristiano (furioso) ~ Voce vai se calar no finall Simons (continnando) —~ Nao conte com meu siléncio, Voce jamais conseguiria uma coisa dessas. Te- ho mew papel aqui tanto. quanto Cristiano — & mentical Eu sei ‘6 que tenho que fazer. Snowe _— Nao, voce nao sabe de nadal Enquanto que eu me sinto ta obrigagio de deixar tudo claro! Eu no quero que nada fique escon- dido! Cnistiano — Eu sei o que ex se Simone — Sempre essas palavras na boca! Definitivamente, meu por bre Cristiano, o que voce espera fae zer_nessa altura dos acontecimen- tos? Eu repito que vocé no sabe de nada, absolutarente nada! Cristiano — B ai que voce se enganal Quando ex digo que eu set © que eu sei, € que eu sei realmente Nao € como vocé, eu dria Stowe (com voz sibilante) — ‘Vamos. conclua 0 que pensou, por favos, eu divia Cristiano — Néo, eu nfo vou dizer, € muito idiotal Simons — Néo fui eu quem disse! Cristiano (subitamente furioso © tomando wma determinacéo) —~ E quer saber de uma coisa? Pra mim chega! Com voce nada € possivell Simons — Realmente, nada do que & impossivel & postivell Pelo menos com isso, eu tenho certeca que voce concordal (Cristiano se 25 dieige para 1, ew espero? Giasnaxo ~ Eu nio tenho que Ihe daz sotisfacoes. Saons (impedindo-o de sair) ~ Tem sim! Eu exijo uma explica- so, E jal Onde voce vait Cristiano — Ande eu bem en- tender! (Ble @ empurra brusca- mente.) Swwows — Seu brutol... Sem educagio! Patifel Canalhal (Cris- iano ‘sai sem dizer nada ¢ bate a porta. Simone fica s6. caminha de tum lado para 0 cutr, © pouco a poco se acalma.) Vamos! Colma, falmal Pata que ficar nervosa? Vamos ver... Das duas uma, ou cle escolhe | primeira. solucio. ft ele opta pela segunda, No pri- mmeiro caso, ha graves inconvenien- tes... No segundo também. Cla- ro, ha vantagens ¢ desvantagens iguais... Mas... slguma coisa me diz... mas pode se que ceja pura usdol... Se ele fosse. ... Néo, no & possivel. (Algaém toca a cam- paltha. Simone vai abrir, Entra Laulo Cesar. Simone de repente rmaita amavel) Ah, Lauro Cesar voc’ chegou em boa hora. Eu es- tava te esperando! Tauko. Cesar (espantado, mas sorridente) — Mas comol- Nem eu sabia que vinkel Simone — Eu quero que... de certa maneira eu esperava sua visi- tan. (afctaosamente) Seate-se aqui perto de mim... Me ajuda: eu estou fpuma perplezidade tercivell (Sen- fase no canapé) Lauro Cisan (sentando-se a seu lado) — Entio, foi tudo ben? ‘Stone — Mais para mal que para ben! Além: disso, ele no esta 26° mais aqui, porta.) Vort nio vai Lauro Cesar — Ah! Bem que eu desconfiaval.., No fundo, ele nao tinka outra opgio. SIMONE — B, mas ndo se pode afirmar que ele no vai voltar. Lauro Cesar — Voltar também & uma opcdo... (Depois de hesitar tum poucd, em voz baixa) E.. la? ‘Simone (dando dle ombros) —~ La? Ew nfo toube de mais nada Eles vie ¢ vémm, de um lado pate 0 cutra, tomam grandes resolucdes € hesitam no ult'mo instante... Enfim. continua tudo no ot. Para dizer a verdade. eu acho que eles nao espe- ram fazer grande co’sa.. Lauro Cusar — Eles néo ma- dam mesmo, Eu bem que avisei que ficessem atentos! Eles nem ligaram! Simone — Meu pobre amigo! Vocé se iludial Eu jé aprendi a Ii- dar com eles. Olha, se voce jurar segredo, eu te mostro uma coisa que voce vai esclarecer tudo... Promete que nio vai contar a alnguém? Lauro Cesar ~ Claro! Stone — Jura? Lauro Cesar — Vamos, Simone! Claro gue eu nfo vou contar a nin- guém! Como ¢ que voce pode duvi- dar de mim? Simone — % verdade! Desculpal Ah, vocé me ajuda tanto... Com voc? eu posso falar claremente, & Juz do dial (Bla se levanta. vai pro- curar uma carta nas gavetas da es crivaninka ¢ volta para_se sentar perto de Lauro Cesar. Entrega-the ‘2 carta) Leial (Lauro Cesar t@ a carta em silén- tio © parece horrorizado) SIMONE (procurando entender sua expressio) — O.que voce acha? Nao @ inerivel? Lauro Crsar — Mas ¢ uma fou- cual... Como se pode chegar a fesse panto? $6 vendo para acreditar numa coisa dessas! Sonu — Agora voce entende porque ew exigi segredo, Uma dessas ndo pode ser do conhecimen- to de ninguém. Lauro Cesar — Claro! De nin- gata! Jé € demais nés dois saber- os disso. Simons — Nés dois... € a pes- soa que escreven a cartal Lauzo Cesar (com raiva) — Ah! Se eu o pegasse! Aliés nao é 06 ele. Tem os outros dois... E além des- set tem também... voct sabe de ‘gem eu estou Falando, Sivont fcuspica) — f, ew sei rauito bem. Lauro Cesar, met caro Lauro Cesar, onde vamos chegar com tudo isso? Lauro Crsar (sé apraximando) — Vamos, Simone! Vocé sabe mui- to bem que enguanto eu estiver aqui vec nao vai Flear sozinha, (Ele Uhe segura a mio. Ele deixa, emociona- da. Lauro Cesat, prosseguindo) En- quanto houver uma luz. uma liz de csperanga, eu vou lutar para que tudo volte a ser como antes. SIMONE (tristomente) ~ Meu:po- bre Lauro Cesar! O ‘pasado & 0 passado! (Ela se debulka em tagei- mas) Lauro Crsar — Mas pode ser também o futuro! (consolande-a) Ora, minha pobre amigat Nao ascim| Pra qué? Bu j& nao disse que estou com voce? (Ele the acaricia docemente a mio) Simone (ensugando as légrimas) = 8 verdade!,.. B preciso que voce me diga para que eu acredite. ‘Launo Crsar ~ Mas claro que ex_estou aquil Voce esté: vendo! Sitone ~ # tdo bom saber disso! Lauro Crsar (largando-the a mao) — E agora Simone, agora que ocd sabe que eu esto aqu. € pre- iso que ew va ‘Simone ~ Ja? Mas n6s ainda néo dlssemos. tudo! Lauro Cesar (grave) — Sem davidal Na verdade nbs no disse- mos nada. Mas s6 em te ver, ew set mais do que voce pensa. Simone — Pode ser... Lauro Cesar — Sim. Em todo caso voce sabe o que me tcouxe, Voct sabe 0 que me prende. mas voce sabe também o que me obriga 2 patti. Sutone — 8 verdade... Eu me esquecia..” Mas voce me promete que voce seré forte? Lauro Cesan — Eu serei forte por voce, SIMONE — B preciso ser forte taibém pelos outres., Por ela principatmente... Mas nao precisa ser imprudenttel Lauro Cesar — Eu no serei imprucente. Eu prometo, Eu serei forte, mas prudente, Suntonz — Enigo eu estou tran- ata, Se voce quiser, pode ir. (Am mos se levantam. Ela’ 0 acompanha Tentamente até a porta) Lauro Cesar (solene) — Simo- ‘ie, eu nao quero ir embora sem (cle aponta diseretamente para uma determinadta parte do apartamento) SiMoxe —"Eu permite, Vi, voce conhece © caminho, Lauso Cesar ~ Obrigado. (Ele beija-the a mio longamente ¢ sai. Simone vad se sentar no ca- napé e fica um instante sonhadore, Depois ie algum tempo, a porta s° abre, Enira Jancte, muito palide, de “peignoie". Ela caminha ‘com dif culdade. Simone, quando a vé. tem uum sobressaita) SimoNE — Vocé se levantou? Isso € uma loucural JANETE — Por que voeé fee isso? Siviowe — Primeiro voce me res- ponde! Por que #e levantou? Voct sabe que 0 médico JANETE (com ama calma tervivel) = Por que vocé fez isso? Simone — Porque era preciso. JaNeTe — Voct sabe que podia ter me matado? Simone — Ev 26 pense! na sua saide. JANETE — Que bela respostal S6 existe 0 corpo! Sitoxz — Primeizo, o corpo. © resto vem em sequida, JaNETE (com ironia) — Quanta icorial Sutons ~ Alem disso... ea pensel que voce ia ficar felizi Janete (deisando-se cair numa cadeica) ~ Bu repito que voce pa- dia ter me matadol... Entio foi voce que mondou ele eatrar? Simone ~ Era preciso que ele te JANEIE — Pols sim! Voce 36 pensou nelel Vames, confesse! Ago ra ele pode partir trangiilo! Mas eu, eu fico com essa lembranca. SIMONE — Se & 56 ume lembran- sa, nada mudou entio: isso Ja exls- tia antes dle vé-lo novamente. Janzre (dace) — Eu ndo estou fazendo um jogo de palavias Nos estamos sts. Podemos falar sem 10- defos, claramente, face a face! Fi nalmente ew saberei. Pode ser gue eu mocra, mas o mistério sera des- vendado, Simone ~ Vocé nio vai saber de nada Janters — Pode see que eu mor- ra, jé disse, mas pelo menos, antes de morrer, cu terci arrancado seu segredo!... Ab, como se represen- ta bem aguil,.. Palavras, sempre palavras e nunca a verdadel A ver- dade, estd ouvindo, Simone, eu que- ro toda a verdade! Sinton — Nao existe segredoe a verdade nao € para vocé, nem pra min! Eu no sei de nada, j disse! Sua loucal Como eu posso te ajudar a entender, se ev mesma nio entendo ada! Janers (levantando-te com es- foro) — Bem, se € assim eu sei © que me resta fazer! (Vai com a Feuliade até a porte) SIMONE (levantando-se de um salto) — Isso ni, isso voct nko vai Janere (com a celia do deses- pero) — Se voce soubesse © que ex quero fazer! Ew também teaho mew segredo! SIMONE — Eu nio sei de ned: mas posso adivinkar. E isso nao, esta ouvindo, nol Enguanto eu for viva ew me oporeil (As dues mu- heres se enfrentam um momento com a olhar} Janere ~ Esta bem! Entéo ain dame resta uma solugie! (Com suas iltinas encegias, cla se perce pita para a escrivaninha e antes que Simone pone the impei, pog tm JaNere (som apontar para nin- ‘usm, mas segurando como se fosse airar) — Se nade, nem a persua- silo nem 0 afeto puderam te arran- ‘ar 0 segredo, 20 menos sziba, que uma de nds dues teré desapaseddo antes que a outra tenha saido dae aul a7 Sitons (atirando-se sobre Jane- fe, fenta apanhar 0 revdleer) —~ Vocé & loveal Largue essa arma, jal (Toca o telefone. Elas se olham por fem momento, paratisacas) Janets ~ 86 pode ser cle! Simone (com em riso ne7v0s0) — Ou ela. (Atende 0 telefone, an- gustiada) AlB,.. Sim, sou eu! (Ba fo para Jancée) &ele!... Al6, 0 que voce quer de mim’... Como?.. Hein’... (Sem rosto exprime de re pente um expanto alegre) Sera que tu estou ouvindo bem?... Voct est dizendo que tudo esta em orden? ((baizo para Jancte) Guarde esse re- vélver, depressal... (Tanete guarda 0 revdlver na geveta) ...Mas & in- crivell... ANB... sim 18 por causa do chofer do caminhso?. . Nao & possivell.... (Baixo para [2- rete) & por causa do chofer do ca- tninhao! (Volta a pegar o fone) Mas entio venha depressal Claro que nos esperamos! Esta, esté aqui pes- to de mim... como’... B, ela es- tava um pouco chateada, Eu deixel gque ela se levantasse por um mo- fheatol,.. Nao, 2 exianga val muito bem. Vem deptessal (Ela desliga © abrase Jancte) ‘Shtonk — Minha pobre Janetel ‘Tudo resolvide! Vem 08 dots! JANETE (quase chorando de ale- igri, deixa-se cair no canapé) — Mas entdo!... Por que nés?... Simone — Fica quietal Logo tudo do passara de uma ma lembran- a... Olha, para eles nio Ecarem Impressionades, poe um pouco de rouge, voce esté tio pélida, coltadi- tha! (Bla the di sua bolsa) Depres- fa que eles j8 estio chegando! (Ja- 28 ete faz uma eépida maquilagem, en- quanto Simone egitada vai de um lado para outro da sala, arramando ‘aqui € ali ura coisa, indo de vez em quando & janela, abce as cortinas. © quarto se enche de liz do dia. Toca a campainka. Ela abee. Entrant Cristiano, primeiro. ¢ Lauro Cesar. Eles parecem alegres, Lauro Cesar traz um bugqué de flores e Cristiano, ‘um pacote) Cristiano (precipitando-se efust- swamente nos Brazos de Simone) — Simone, minha queridal Quem ditia (que tudo ia terminar assim! (Ele the entrega 0 pacote) Veja 0 que eu trouxe pro voce! Suwone (felicisima) ~ Como oe encontrou? Cristiano — Depois eu te conto. Launo Crsar (oferecendio 0 bi qué a Jancte) — Pra voce, Janetel {com ternura) Tss0 niio te faz lem brar nada? Janene (pegando © buque emo- cionada) = Claro gue sim! Lauro Cesar (conduzindo Jane- te para diveita) — B 0 nosso se gredo! Vem, Janete! Eles nao po- dem entender! Cristiano (condusinde Simone para esquerda) — Venha! Nao pre- cisa contar! Talvez algum dia eles entendam! Apresenraor — S6 cles 0 sa- bem, Por que? So eles o saber, Se- nihoras, senhores ¢ senhoritas, Um momento de reflexio sobre 0 tea- tco, O teatro esté em crise, Eu pego por favor um minuto de. silencio, (Passan-se alguns segundos) Bim do momento reflexivo, Pode conti- uar a pega. UM GESTO POR OUTRO. Parsonaens Almirante Sepulero Sr. Garatuja ‘Sra, Garatuja Sra. Sente-Agui Baronesa Lampréia César (mordomo} Sita, Carregesd Jovem Grumete A cena pessa-se no tempo dos romances de Julio Verne. ©. Almi- ante parece-se com 0 Capitdo Grant, vestido como oficial de ma- rinha ‘de 1860: suigas, sobrecasaca, one, bindculo a tiracclo, etc. ‘Apresexranor (diante da cortins. de cabega descoberta, ao centro, em tom de palestra, como que recordan- do [atos, andando) — Vamos de- sembarcar no Arquipélago Sem Nome — assim chamado por que fenhum navegante consegui desco- bri-lo ~ Ia encontraremos uma ci- vilizaggo muito adiantada: cidades odernas, gragas a freqientes bom- bardelos: cidados livres, gragas a juma policia sempre presente; costu- ‘mes pacificos, defendidos por uma {orca armada até os dentes; uxt. go- vyerna solidamente estabelecida s0- bre as instabilidades das opinioes. Em resumo, todas as conquistas do ——eS<—— ~~ progresso! Entretanto, pondo de fado esta semelhanca essencial com 2 vida de nossas tociedades, 08: tumes deste pais irdo a03 surpreen- der muiissimo, Ate parece que um tspitito malicioso se diverte. fazen- do dos hibitos sociais uma absurda sada, Ievando os idaddos a to- mar uma atitude pela cutra. um ges- to por outro... Primero, ficaremos rmulto espantados com eaves costu- mes, mas pouco. a pouco, ajudados pela habilidade de nostos anfitroes, ‘vamos nos habituar. De volta & maz pittia, nfo compreendo mais por que Bs pessoas apertam 2s maos quando fe Encontram, tiram 0 chapéu a0 en tear numa sala, rednem-se para co- mer, tem prazer_ em fazer’ fumaca ou em se esfregar uns a0s outros 20 som da misica, Reconstituiremos para voeés uma recepsao em um dos sales mais distintos do Arguipéla- go Sem Nome. O convite: (tira uma arta) "A" Sea. Sente-Aqui tem 0 prazer de convida-lo para a recep- ‘Ho que daréem seus sales no dia I5ide maio, As 18 horas... (00s- sieze-d).” (O Apresentador cumprimenta € sci, O pane é abeeto e surge um sa- Wo luxuoso, A diccita uma estante cheia de chapéus, de todos os tipos. César, 0 mordomo, de casaca € lu- vas brancas, esid de pé diante da stante,) Ska, Senra-Aaut (entrando pele esquerda, esta. descalga) — ‘Tudo pronto, César? Cesir — Sim senhora, Creio que ‘os convidades estio chegando. (A Sea. Senta-Aqui vai sentar-se em mma das mesas. A porta se abre e entra 9 Almirante Sepulcro, um se- nnhor de idade, muito distinto. César fapanha sobre a estante un chapéa de dois bicor com plumas ¢ entre « 2-0 ao Almirante, que tia 03 sa- patos, que César coloca na estante.) Cesar (anunciando) — O Almi- ranie Sepulero! (Da 0 chapéu 20 ‘Almicante) Ausuranrs (com 0 chapéu na ro. dirige-se 4 Sra, Senta-Agut ¢ beijathe respeitosamente 0 pé dici- ‘o) ~ Encantado, minha senhora. (Ajecthado 4 meds isabelina) Sra, Senta-Aaut — O seahor foi o primeiro a chegar, Almirante. Paca 9 favor de se cobs. Auauranre (colocande 0 chapéa com toda a dignidade) ~ Ja que te- faho a hoara de estar a 66s com a se- nora, permita-me ofecer-Ihe ume de rninhas melas. (Tica com dificuldade as meias © oferece-as a Sra. Senta- “Aqui Sua. SENTA-Aaut faceitando-as com um sorriso encantader ¢ colo- cando-as sobre a mesa) — Nada po- dria me agradar mais, Almirante. Esta Jembranga preciosa ocupara um lugar de hoara na miska colegio. (Chegam 0 Sr. a Sra. Geratuia Tiram os sapates ¢ entregam a Cé- sar, que 03 coloca na estante. César «da uma coroa de leutos de papel a0 ‘Sr Garatuja eum chapea a Sra Gacetuia,) Cesae (anunciando) ~ $1. ¢ Sra Garatujal Sha. Senta-Aqut ~ Foram mul- to amavels em aceitar o meu_con- vite. Cubramase, por favor. (O Sr © Sra. Garatuja cobrem 2 cabera) Sra. Senta-Aaut — Almirante Sepulero, posto apresentar Sr. Ga- zatuja, nosso poeta nacionall Ausuranre, (dicigen-se um a0 outro @ apertamese mutuamente a ponta do nariz) — Encantado, Sr Garatuja. $a, GARATUJA — Muito prazer. Almirante, Sea. Sewta-Aou (conduzindo 0 Almicante 4 Sea, Garatuja) — Ae imirante Sepulero, Sra. Garatuja, ALMIRANTE (apds beijar_tespei- sooencee ten Se Ga- ratuja num tom de galanteio) — ‘Ouvi falar muito a seu respeito, du- rante a maha dltima batalha, Todos sabem que seu marido no tem ta- lento nenhum e que a culpa € exclu- sivamente da senhors. & 6 privilegio das mulheres bonitas, poderem rei- nar no coraggo de um marido a ponto de priva-lo de todo 0 valor pessoal Sea, Gawarusa (muito tolinka) — 0 senhor é muito amivel, Almi- rants ‘Sa, SeNtA-Aaut ~ © Almirante & muito modesto. Hinge esquecer que, se perdeu a famosa batalha do Golfo de S. Pedro, fot gracas 20 charme incomparivel de sua esposal Auazante (suspirando) — % verdade! Bons tempos aqueles. (A porta se abre de novo e entra a Ba- ronesa Lampréia,) ‘Cesan (anunciando) — Baronesa Lampréia, Srta, Cartegacio € 0 Jo- vem Grumete. ‘San. Sonta-Aqur (tom uma pa- lavra arvével ao mesmo tempo que thes aperta 0 nariz) — Minha que~ sida amiga... (O Sr. Garatuja des- ce da mesa, tira uma pena de gali- mha do bolso © comeca a fazer cS ‘eegas no nariz da esposa e do Al- mitante, até que estes espirram & agtadecem.) ‘Sma. SENTA-AquI — Como thes prometi que isfamos tossic, pedi a0 Se. Garatuja para ler um de seus piores poemas, Mes caro Garatuj2, eGo que se execute (com malicia) 29 ‘ou melhor, que nos execute, (Todos tiem) Sk. Garatuya (adiantando-se © técando um papel do bolso) — 8 urn poema intitlado "Ode ao Mar”, de fspicagio maritima, como 0 titulo inclicar escrevia aun dia em que me senti particularmente indispasto portanto, dedique’-o A minha eepora. (Murmitios de aprovacéo. A Sra. Goratija parece sonjeada. A Bac roncsa tosse dicerstamente.) Sra. Sew7a-Aaut ~ Nossa que rida am'ga Carregagio estéimpa- ciente por tossie. Parabéns, queridel Alias, 6 nosso poeta nacional vat nos dar ample oportunidade. Sk Gawatusa (lendo com énfa~ se): ODE AO MAR Todos os meus avés eae os Bote onde me records de minha antln Sempre encontro © mar em toda [perte, o mar de todos; Bis por que o mar é minha me, O mar € minha av6, O mar € minha ied, © mar é a trma de meu tio Eo irmao da minha mie, a mie do Teeseeee, Eo irmi mais velha de meu ps Todos os meus antepassados pe: [comeran os nares ‘Ska, Senta-Aqui ~ Meu Deus, que horror (Tosse.) & uma droga (Tosse.) E como esta mal escrito, ral composto. go acham? (Tosse cada vez mais) ‘Convioanos (concordando e tos- 30. siado) — # tenrivell Nao tem sen- tido nenhum! # estupido! Poucas veo 408 ouvi um poema tio mal escrito! ‘Oh! Que horror! Que decepséo me- ravilhosal (A Seta. Carregasao tem ttm acesso de tesse tio vielento que todes param de tossic¢ ftarn-na com admiragio. Depois a tosse. general zase de novo, O Grameto, entre- tanto, da sinais evidentes de mal- ester. Nia podendo mais, apr Ima-se discretamente de Cesar ¢ per- gunta baixiaho, enveegonhado) GAUMETE ~ Por favor, onde fica a... a... sola de jantar? Cesar (mostrando a porta, com leve tom de desprezo ¢ comiseracio) = No fundo do corredor. & es querda Grumers — B tem de tudo? Cesar (sempre em vor baixa © desdenhoso) — Ska, senbor. Grumere ~ Obrigado, (Sai ra- pidamente, mas esforcando-se_ para ndo ser percebido, Cesar apanha na cestante am recipiente de ciruegia cs mmaltaco e se aproxina de cada con- inanclo-se_cerimonio- samente) — Queira cuspir, obriga- do. Queira cuspir, obrigado. Queira cuspic, obrigado. (Os convidados cospem discretamente no recipiente.) Sera. Caaresacko (pare a Sta. Lamptéiay — Esta € wma das re- cepeoes mais belas que ji vi Que ‘estilo, que clegancia em tudo! Baronesn — Com efeito, € um dos sales em que melhor se cospe, ese tose. (A Sra, Senta-Aqut) Diga, minha amiga, assistia ao alti- mo concerto da Sociedade Hermd- ‘Sea, Senra-Agut — Claro! Bai uma noite inesquecivell Um su: Fol fimpossivel ouvit © que quer que fos- se, a tal ponto o ptblico manifesiou 2 saa admiragao. Auairante — Mas nunca s¢ vi tum sucesso igual desde aquele fac moso recital em que o pisnista foi obrigado a parar de tocar. E quen- €o, dominado pela emocio € pelo reconhecimento, aquele artista, in- comparivel fugiu do pelco, © eatu- siasmo temou as proporcées de um delirio coletivo: num segundo o pit- blo invadia 0 pakco pulverizzu, Iteralmente, 9 piano: era uma tata de quem levaria como. Iembranga uma tecla, uma corda, um pedal. Tenbo um amigo que se orgulha de ter consoguido tes teclas brancas duas_pretas. ‘SRA. GARATUJA (bem tolinha) ~ # uaa grande prova de paixdo pela ifisica. Sea. Gararuya (faz sinal a Cesar) — Cesar, pode trazer a ban- deja ‘Sera, CaReEcAeio (baizo para 0 Grurcte) — Sentiv-se mal? Gaumere (beixo) — Oh, uma fome voraz. simplesmente. (A Sra Lampréia tosse dizerctamente, Cesar raz a bandeja cheia de pequenas bolas de borracha, bevigas vazias.) Cesar (respeitosamente) — Um balgo, Sra, Garatuja? Um balio, St. Almirante? Um balao, Sr. Garatuja? Um balio, Sra, Lampréia? Baxonesa ~ Voce esti nos vi- clando, queridal ‘Asunants — Hé muito no s0- pro com tanto gosto! Sra. GARATUJA — Esses baloes sito deliciosos De onde vem? Sra. Sunta-Aaut — Encomen- do-os diretamente a um artesio que 85 trabalha para mim. Sk. Garatusa (soprano um ba- lo que cresce muito) — Vejam 6 que belera! Parece um balio de ca- samento ou de batismo! Ska, Gasatusa (linha) ~ 8 uma grande prove de amzade fe: recer balées tio deliciosos! ‘Ska. Senva-Aaut (suspirando) — Muito odrigada, Sinto nao acompa- anhi-los pois desde que mew marido faleceu renunclel aos assopros. Banonrsa — Pobrecinha, como deve sentir falta! Eu seria incopos de parar de soprar. Sopro até em viagen, Sn. Gararusa (para Sra, Sen- ta-Aqui com uma pena) ~ Permi- tame, ao menos, depend-la? Ska. Senra-Aaut — Com todo pprazer, caro poeta. Sr. Garatuya (ajcita @ pena ¢ comeca a fazer cécegas no natis até ela espirrar) — Embora isto nao valha um bale... Sra. Senta-Acut — A sua pluc mma ¢ 180 delicada, & com ela que 0 senhor escreve? Sr. Garatusa — Nao, esta é a minha pena de cerimonia Sra. Senta-Aau (depois de es- pitcar) — Obrigada! E. se fizermos tum pouco de gindstica? Baxontsa (parando de soprer) — Excelente idéial Devo confessar que aguardava impaciente esta pro: posicio? ‘SRA. Gararuya (muito tolinha) ~E uma grande prova de saide, a sindstica, Sra. Senra-Aaut — Tirem os chapéus, e podemos comecar! (Os Tromens tirom es chapéus © as se- horas os véas, Cesar apanha-os € coloca-oz na estante) ‘SrA. Sonta-Aqui — Espero que © Almirante consentica em dirigit ‘08 movimentos de nossa pequena esquadra. AtMiRaNte — Com muito prazer, fquerida amiga! Cesas, quer trazet © gongo, por favor? (Cesar pega na estante 9 gongo e dé a0 Almirante) Senhoras ¢ senhores, todos prontos? Bem! Entio podemos comecar: 1, 2. 1. 2, dobrar os joelhos, levantar estender o braco direito, esquerdo, dircito, abaixar a cabecal Otimo! Senter. levantar. sentar. levantar! (Cesar pontua as crdens com 0 sgongo.) (Ouve-se uma misica ani- loga as que acompanham os progra- mas de enltura Fisica) Sk. Gararuya (sem félego) — © que acham da situagio politica? (Qs exercicios vio sendo feitos en- quonto eles dialogam) Barowasa — Eu penso... que 0 governo. .. vai cair... esta noite... © sera substituido, ., por outro amanha Sea. GaRATUyAa (muito totinha) — Cain... uma grande prova do governe. Banonesa — Ja leram o ltimo lives de, Sn. GaRATUJA ~ Acho que ¢ um liv... que ehegou @ tempo. ‘Sea, SeNTA-Aatti ~ Como assim? Se. Gararusa — Chegou a tem po... de fazer esquecer os prece- denice! SRA. GARATUJA (muito tolinha) —E uma grande prova. .. de amor pele... literatuca.... esquecer 0 que ears Auauranre (muito cansado) — Acho que a baronesa comeca a se censar. Permita-se terminor esta maravihosa diversio que, infeliz- mente. nao @ mais para a minha fads, Sea. Gararuja ~ Eu podia con- tinuar horas a fol Sua. SentA-Aaut — De forma alguma desejaia cansé-lo, Almiran- te. Mas como inaginar uma recep- co sem ginistica? (Paz um sina para Cesar, que traz para cada con- vidado seu chapéu ou véu) ‘Convioavos — Fot delicioso, tio distintol Ate parece que esta- mos na Corte. Néo ha diversi mais bela que a ginéstical Sha. SENTA-AquI (amivel) — 8 1 Mes antes de se ire, aczi- o. sem divida, oferecer-me al- guna coisal Cowvinanos ~ Naturalmente! # caro! Com todo © prazer! Sra. Senta-Aqut — Cesar, quer secolher as lembrangas. por favor? (Cesar pega uma bandoja vazia) Cusan ~ Para pobre mic da Sra, Senta-Aguil Para a pobre mie da Sra, Senta-Aquil Para a pobre mie da Sra, Senta-Aqui! (Os con- vidados vio colocandlo religio, pl svira, pena-de-ceriménia: a Baronesa coloca a dentadura, etc.) Bawonesa —~ Agradecemos_pro- fandamente, minha cara, por todas as atencées. ALwinanté — Néo posso deixar de sair, minha amigo, sem prineizo dizer-lhe © quanto me encantou a sua recepgio Celo ser 6 interprete de todos és, declarando © prazer que temos em dormie aqui esta noite @ desejamos que uma chuva reftes- ante Ihe proporcione wma acite agadével ne soleisa de sua porta Sta. SENTA-AOUI — © senhor € extremaments amivell Obrigada, ¢ ate_breve. Cesae (apanhe sobre a estente almofadas © cobertores distribui entre es convidedos) — Almofadas! Cobertores! Almofadas! Cobertores! (Os convidados deitam-se no chao 31 32 ocejando ruidosemente, enquanto a Sra. Semta-Aqui, com um travessei- rae wim coberter, vat dormic Fora) Apnesenravor — Dizem que nos- so. espetacilo ¢ colonizado. Dizem ate que o teatro brasilelco esta total- mente celonizado ¢ alguns chegam ate a dizer que o Bras] € um pais colonizade, (Numero musical) UMA PALAVRA POR OUTRA Apresentapor ~ Por volta de 1900 — epoca das ma’s estranhas = uma curiosa epidemia alastrou-se pot entre a populacio das cidades, atinginde part’cularmente as classes favorecides, Os infelizes atacados por este mal passaram a tomar de Fepente a¢ palavras ums pelas ov- lias, como se as pescassem a0 acoso ‘num saco, © mais interessante € que 08 doentes nao tinham conse’éncia da doenca, continuavam al is sios de espirito, € mesmo, no auge da epidemia, as conversas_-mundanas prosseguiam alegremente — enfim, © tinico 6rgZo atingido era © voca- ular. Esse fato historica —~ infe- lismente contestado por alguns eru- ditos nos leva as seguintes conclu- sees: = em geral, falamos para ndo dizex nada; = se, por acaso, temos algo a dizer, podemos faz8-lo de mil fore mas diferentes; 03 pretensos loucos 86 sao assim chamados porque néo ‘compreendemos sua Lnguagem; = nas relacdes humanas, muitas vyezee 03 movimentos do corpo, as inflexées da voz, ¢ 2 expressio do rosto dizem bem mais que es pala- wras: = ¢ ainda: as palavras no tem em st outro sentido a no ser 0 que nes apraz atribuir-lhes pots afina, se decidiemos de comum acordo que @ voz do cio se chamara relincho. © a do cavalo latdo, amanha ouvire- tos todos os cies rolincharem e to- dos os cavalos latirem. Gragas a ha- bilidade das atores, teremos © pra- zer de Ihes provar estas simples ver- dades, aliés bem conhecidas, na pe- fquiena’ cena que se segue Ewprecapa — Madame, ¢ Mada- ne de Perleminouse. Mapas ~ Ah, Que cacho! Fa- ca-a engordar! (Dirige-se ao piano © canta) Tio longe, de mim pedante Onde esti, onde esté meu {sacramento? Quisera comer na hora Nao esqueceste 0 condimento.. Ewpetcapa — A senhora Con- dessa de Peslemincuse, Ab! Querida, quer! inka pelicial Ha quanto tempé ha quantas pedrinhas ew nao tenho © doce'ro de te acucarat! Conoessn — Nem queiras saber, queridal Eu andei tio envidragadal Meas (és Misteuznhos tiveram li- monada, um depois do outzo, Passel todo © comego do ccrsiro chocan- do moinhes, correndo do rufiio para 9 tamborete, passe! no'tes conirclan- do of carburadores, distriburndo all- cates © pororocas, Enfim, no tive tum so. minueto livre! ‘Mapasiz — Pobrezinkal B eu que nem descongelava de nada! Coxorssa ~ Melhor assim! Bem aque merecias descampar, depois das Boreachas que queimastes! Tmaginal Desde 0 fez de Paio até meados do Fuzil ninguém mais te viu, nem no nter-proof. nem nos entreme'os da Pinta da Boa Cristal Devias estar mesmo muito congestionadal Maoame — & verdade... Ah Que solventel Nao posso nem mo- Thar isso sem escurecer. Cowoessn — Ent nade de co- Mapas — Nada. Conpessa ~ Nem um biscoiti- ho? Maoame ~ Nenhum! Ele nem s2 dignou a me remexer, desde a pia fem que me gargarejou! Coworssa — Que sactistio! De- vias terlhe raspado umas brasas! Mapas ~ Foi © que fiz: ras- peielhe quatio, cinco, seis, talver, fem poueos holandeses: ele nunca at'sou.. Coxnissa — Ah! Cottad'nho do meu chazinho de melissal... Se eu fosse tu, artanjesia outro elefante! MapaMe — Impessivell .Ve-se Jego que no © aqueces! Ele me e2- rabina completamente! Sou sua mi a, sta hvinha, seu bem-te-vi: ee meu bombu, meu trombone de vara: sem ele no posso espremer nem Invi: jamais 0 fechare’! Mas que revoada que soul Nao queres Hutvar alguma coise? Una bolha de zulu, dois dedos de vispora? ‘Conpessa — Obrigada, com mui- to splendor Mapane ~ Mary... Maryl. Oh, essa calgadal B turca como uma pereal Com licenga, preciso ir & ma- gistzatura, esconder esse chinelo. Solto dentro de um minucto. (Sai) Conpsssa (dirigindo-se ao piano) = Oh!_Um enorme erocodilo de cauda! E, aqui esta naturelmente 0 ultimo albino de mésculos da modal... Vejamos.., Oh! Esta aqui, que & tho. to-be-or-not-to-be! (Canta misica) Vai avio, avio es- trangeiro, cai Conor — Chapéus! colher! Conoussa — Chapéus! Meu ra- poso! Adalgonso, 0 que, 0 que, 0 senhor aqui? Como entregou? ‘Cond — Mas... pelo soquete. Connessa ~ E 0 senhor, costu- sma sempre entregar aqui? Conos — Claro que no, minha am'ga, minha palma, meu. bisio. Eu... ew pensava encaixé-la, por fsso entreguel, Eu... Cowonssa — Bastal Ja. contral tudo! Entio era 0 senhor © miste- rioso trombone de vara de quem ela era a luvinha © 9 bem-te-vil O se- aahor. sim o senhor, que vinha aqut bancar @ zebu, 0 salsichao, 0 pé-de- -valsa, enquanto que eu, eu fezia das ipas confusio cochichando meus pobres filisteus... ©. seahor no passa de um... (Chega Madame, dirigindo-se & empregada; 0 Conde se esconde © a Condessa disfarva) Mapanie ~ Entéo, Mary, esta- mos entupidas, nio é? Dois pedact- anhos de dolma com cambraia, alguns sweaters imberbes, por cima, um to- {que de pombos salpicados no pacha ‘© umas gotinhas de esparadrapo co- zido 20 freio. (Vé 0 Conde) Chae peusl... Meu elefantel (Disfargan- do} Ora, 0 senkor aqui, caro Con- de? Que étina sobremesal Veio es- borrachar sua querida colher? Mas... Como foi que © senhor entregou? Conoe — Pois bem. imagina que eu estava gargarejando nas garar gens, apds minha sessto de sleeping. entéo, pensei com meus ladies, de certo Irene esté com sua farinke, Misha vou sussurrar as duas 20 mesmo tempol Mapamn — Caro Conde, ponha ali sua assinatural,.. Ali, E tome este assuato. O senor deve estar muito cariado? Conor — Ah, cariadissimo! O molho parda durou a tarde toda. espumamos, gargarejamos, reespu- mamos , regargarejamos, brincamos com holinkas a todo tambor; eu me pergunto onde nos levard toda essa spoa! Conpessa — Queridal Mew ra- poso parece téo alvaiado neste teu encantador salpicdo... que até pa- rece... no set se devo cozer. Mapawx — Mas claro, coze, coze, pot calor! Conpessa — Pois bem! Parece que ele vem sempre aqui roer os seus sapos! Vai entregando todo triguei- Fo, como se esiivesse em seu pré- prio cemitériol Mapawx — Ah! Tu sempre brin- dando! Que macaneta! Ora, imagina © Conde! B tio gladiolo, tio ever- sharop, tio furta-cor no edredon, gue nfo se contentaria com mish pobre chaleira, nem... com este modesto alcatrdo! Conve — Este aleatrio € um babador que seré sempre pare mim repleto de percevejos. cara amiga! ‘Mapawe ~ Chega! Mas ele tem outeas garrafas na sua bodegal No mesmo, caro Conde? ‘Conve — Mas eu nfo pretende incinerac? MADAME — Mas como? Nao € vor corrente que © senhor nio sai da casa da mulher do General Mi- tropoulos © que anda semeando seu g'd’0, como se Fosse uma palmeira medieval! que Conve — Mas... mas... sem compotciral Nao ha minima sau- dade neste paio, eu the asseguro. Maoame — Pais sim! E aguela pelicia da Senhora Verjus, néo esta sempre pendurada em seu ale mogol Coxpe — Mas calor, por calor! Conpessa — Ora, ora! Vejo que ‘amassas meu raboso melhor que eu mesma! Bravos! E se eu botasse senha nessa ladeira? Ah, ah, meu caro! Quem esperneia dentro, bole com vontade! Devo acresceatar que © senhor tem sido visto com 0 sae bre enfiado nos batentes da qran- de Altam'ra? mas... por Conn — Tu também, minka bandeirola? Conpessa — Bandsirola, coisa nenhumal Ora, vamos, todo 0 mua- do sabe que o senkor tava com Lady Bractsel Maname_~ © que? Com esse padim de plo? Nao seria antes com & Boronesa de Mesmita? Conpessa ~ O qué? Com essa abobsinha? Pois em seu lugar, mew caro, eu preferiria a velha lita que foz 0 militar nat beiras do sanguel Coxoe — Mas... mas ¢ uma transpisagio, uma verdadeita trans- piracao! MADAME-ConpEssa — O seahor io passa de um saboroso! Mapame — Um alfarrabio! Coxoussa — Un baldaguim! Mapas — Un dicta Cowoessa — Um colicromot Maname — Ue percevejo deli rantel Conoessa — Un filantropo deli ante e estragado! 33 34 Maoawe — Um pompom asma- tical Conpessa — Va plantar festbes nas bananeiras! Mapau — Va cacar defiuxos nos diepasdes! Maoame-Coxoesia — Val Vat val Conpe — Beta bem, esti bem! Ja contrai tudo! Aceitem minhas co- michaes. Nao guera ser incandes- conte... J estou desatarrachando, Ja vou sacudiz, Minha cara ¢ esti- mada chaminél (A Madame) Minha doce Fechadural (A Condessa) Ate mais ver, até @ noite. (Sai) Conpessa — Estavamos ardendo? Manone — Mas, minha querida, famos chover! Olha, ci esta Mary! (Secoc) Um pouco de footing? Connessa — Com pressio! Manamz ~ Um pouguisho de forcat Conpesn ~ Apavorada! Maoante — Um ou dois martelos? Connessa — Un 86, por calor! Niimero musical © QUE FALAR QUER DIZER Nannapor — Vamos apresentor pela primelta vez nos paleos dequi © recenseamento. daquelas pequenas palayzas aparentemente insignifican- {es eno entanto muito difundidas = diminutives: familiares, fonemas imitotives, ete. —, que percorrem nosso discurso deixando entrever, subitamente, remotos e terificos re- flexes de balbuciar primitive das so- ciedades, ecos indistintos de uma dlanga ritual de selvagens em plena Floresta virgem: galopar de popés, firia de pipos, bumbum des tans- tans, papas dos beb8s, espinhos dos plu-pits, husros dos b-bis e fon-fon- fons, ondular dos xisis ¢ aw clic e elac e bing e crac, patati-pata- 18, upa, bang pum! Vejamos, vejo- ‘més, 0 senhor poderia dar a defini- <0 da palavra "bibi?” Uw (de possivelorigem indigena) — Erva de pequeno ports, da fami- Na das iridaceas. Dots — Princesa ou grande se- hora muculmana no Oriente. Tals — Automével. Bibi fon fon Narnavor ~ Perfelto... Ea se- hort, pederia me dizer 0 signifi- cado de chuchu? UN — Espécie de trepadeiea Fruto da mesma planta Dos ~ Fruto da mesma planta Caxixe, Trts — Alcunha de pessoa que rnasce em Petrépolis, Dai a expres- sho: Marlazinha dé mais que chuchu Quareo ~ Girla, Pra chuchu. © dinheizo da produgto vai demorar pra chueht, Popular: forma carinko- sa de chemar alguma coisa ou alguém. Fofinho, engracadinho Exemple: Elavinho & um chuchu Nannanon — Perfeito! E agora © significado da palavea “Dudu?” Us — Dirinutive de Eduardo. Por extensio serve também de di- rminutive de Alfredo. Gasigo, Anto- nip, Bustbio, Pedeo ¢ Emilio, Nareaoon ~ Tat? Dos — A irmi da nossa mie. A Tata tombém € filha da vovd. Nannapor — Cz... e2... 2... css “Tas ~ Fonemas catridentes atea- vés dos quais se excita eo combete, contra 9 adversario, algiém por quem se torce, Exemplo: "C2.. cz! Faziam os romenos durante ¢ combate entre os Horacios e Curia- ‘Narranon ~ Brree!,.. Bere! Us — Acolhida glacial; °O mi nistro acaba de me receber, bert Doris ~ Honor: "Bre:!.., Um fantasmal” ‘Tats ~ Admite-se que este 6r- gio esteja situado num poato qual uer entre os maxilores © os pes. 1" significado: pipi est do lado posto 20 papa. Quarno ~ 2° significado: (bra Ieirismo) Mucurucaa. Em frances, Jaki, “Ver rikik. Nageaoor — Rikki? Unt — © estilo rikiki nao € 0 es- tig z0e0e8. Naracon ~ Roco:é? Dors — Ver cocé. © coc6. esti ppara 0 rococé assim como o kiki esta para o kiki Nannaon — Coeé? Un (bras,) Penteado femini no, coque, bate, pericate. (fan Golinka. O cocé fez caca. Doss — Nao cenfundit oes com c6co, bactéria de forma acredondada Nos euforbiiceas 0 fruto tipico & uma trlcoca, cada parte forma us bce. Tris — Medida japonesa de ca- pacidade, equivalente a 6 alquelces. ‘Quarno ~ Céco, designagiio ¢o- mum @ numetosas espécies de pal- melras: cOco-deavasssura, cOco-le- Featulé, ele, Trepa-no-coquei-tita- <8co, jipe, fipe, nheco-nheco. Us — Danga popular de roda, oniginaria de Alageas. acompanha- dade canto e percussio. Coco de ganzé, tem bububu no bobobs, ete “Tats — Cabecar bati 0 coco e fuadi a cuca! Dots. (bras, Infantil e popaler) — Excremento, Vide coca, Nannapor — Perfeito! Uma aula formidével... Muito obrigado! Ago- fa vou apresentar na mesma série, tuna demonstragio pratiea, cajo sen- tide € de tal ordem que... creio ser mea dever advertit 0s mies € os pais de familia. Se houver nesta sala criangas de. -. menos de 20 ‘anos, aconselho que saiom por unt momentos, apenas durante essa cena. (O Narrador pra ¢ escuta a assis- féncia, Do meio do piiblico levan- fese onto turt rapaz enorme. com buco incipiente e roupas curias de- mais. Sei com dificuldade das filas Ge espectadores, rosto vermelho € com um ar terrivelmente pouco 4 vontade) Naraaoor — Obrigede, meu jo- vem! Fo muito ponderade. (Néimero masical: “O despertar da (Odalisca”) Fim do I? Ato OSVALDO E ZENAIDE Apezsentavor — Exegerende ptopositadamente um recurso teatral raulto usado antigamente, este pe- ‘queno ato pretence estobelecer um contraste cOmico entre a pobreza das séplicas trocadss “em voz alta" ea abundancia dos apartes, Zenaoe — Quem esté ai? (A parte) Tomara que no seja Osval- do, meu noive! Nao botei meu ves- tido predileto. E também, pra que? Depois de tudo © que houve.. Osvatoo ~ Sou eu, Osvaldot Zexnoe. (a parte) — Que droga. € Osvaldo! (Alto) ‘Entre, Osvaldo! {A parte) % minha oportunidade! Que devo dizer a ele? Nunca terei coragem de revelar-lke a triste ver dade! Osvaupo — Voce, Zenaile, voce! (A parte) Que posso eu dizer? Ela € to coniante, to ingénua! Nunca terei a crueldade de confessarlhe a grave deciséo que acaba de ser to- mada sem que ela 0 saibe! Zxae — Bom dia, Osvaldo! (A parte) Como & possivel que tudo esteja_acabadol Ah! Enquanto ele Imprime seus labios sobre minha mio, meu Deus, nao prolongueis todo esse meu suplicio, fazei que este minuto, que parece um século, passe mais yeloz que 0 Zéfiro no mar marmurante! ‘Osvarpo — Bom dia, Zenaide! (A parte) Ab! Este gesto gracioso fe espontaneo, mais elogiente que o maior discurso! Sempre adorei o 5 Jencio que ela produz & sua volta: @ como que animado de palavras misterfosas que escapam a0 ouvide, mas que a alma compreendel.. Zexmpz_— Sentz-se, Osvaldo! (A parte) Ele se cala o infeliz! Pa- rece-me ouvir seu coragio batendo rapidas pancedes, no mesmo sitmo do meu, No eatanto, ele sem devida de nada sabe ¢ ainda acredita em nossa unigo! Osvarvo — Obrigado, Zenaide (A parte) Esta cadeira com certeza estava preparada paca mim. A po- bre crianga me experava e no po- dia peever 0 motive de minha visit Zenaton — Cinco horas. (A fe) Mas jé € noite em mes coragio! Osvarno — Pois & cinco horas (A parte) Para mim, € @ aurora dos condenados! Zenaron — Ainda § dial (A. par- te, com um jeito estipido, como s¢ recitasse um exemplo de geamétice) ‘Mas as eravince cerram sins corel rainha av6,prefere ervilhas-de-chei rove o jardmeiro arrumou suas fer~ Osvaipo — E a primavera, Ze- aide! (A parte. sombrio © quase de- Tiante) Biinverno. nos Antipodas! Congo. os lapdes se reiinem nas ge- Ieitas: 08 bavaros van beber ceeveja nas tavernas; no Canada, 06 espa- nhéis dancam a sequidilha! Zaaiwe — Pois é, € dial (A parte alucinadamente) Este sléncio me prime! A beagala do meu to tioka tim castio de owro, a margiesa sai as cinco horas; minha rasio ee per- del Devo dizerlhe tudo? on delxar que va tudo pro infemot OsvaLpo — E dia! Voce ja dis- ae iv, Zenaide! (A parte com v2e- méncia) Agora estou ficando bra- tall Fogo © demaio, sangue e ine fecao! Vamos, calma, vamos! Eu de- via exa revelar-the esse segredo qe me sufoca! ‘Zanaws (a parte) — Néo posso ‘Osvaivo (@ parte) — # intole- ravell Zexawe (a parte) — Eu morro! ‘Osvaupo (8 parte) — Eu enlon- queso! 35 Zeexaioe-Osvatno (a paste ¢ jan- fos, no auge do desespero) ~ Aide mim! Minha familia ndo quer nosso ccasamento! Zexawe — Voce estava dizen- co? Osvatpo — Eu? Nadal Zenaioe — Ab, bom. Pensei.. Osvapo — Quer dizer Zexame — O qué? Osvatvo — Ah! Bobagem.... Zexawe — Diz! Osvaro0 — Quase nada. Zenawr — Verdade? Osvaino — # verdade! Alias, vvow Ihe escrever (A parte) Tomara que jamais minka carta chegue 20 seu destino, tomara que Fecunde 0 abismo do esquecimento; no entanto, irei, nas arcias da Austrélia, em busea de um tesouro menos precioso gue 0 que perco!. Zunaive — Talvez eu responda! {A parte) Sera a titima carta ende- recada 30 mundo antes de sepultar num convento minha juventude de- sesperada! Osvatoo_— Até logo, Zenaide (A parte) © padeiro amassa a mas- sa, 8 amazona monta © cavalo, © navegante acerta o rumo, as chami- és fumegam, 0 so! brilha, mas eu, ev tenho que dizer adeus a jovem que anol ZeNADE — Até logo, Osvaldo (A parte) Ji nfo sei 0 que penser, id nao sei o que dizer, sou como tums folha morta que cai num pin- tano & meia-noit ‘Sk, PONACHAO ~ Ah! Meus fic thos! Peguei, ah-ah-, peguei! Zenae (4 parte) — Meu Devs, meu pail ‘Osvatoo (a parte) — Aquele que 36 poderia ter sido mew sogro! SR. Ponacuo ~ Vamos, va- mos! Calmal Nao vou comer voces, que diabol No lugar de vocts com sua idade, ha muito que... esta abragado! Zenawz — Mas que quer dizer? Sk. Ponaciio — Quer dizer, meus franguinhos, quer dizer, meus coelhinhos que voces foram vitimas de uma carinhosa armadilha! Quer dizer ue ¢& estou para ajcitar tudo da parte de sua mae, minha querida Zenaide; da parte de seus pais, meu querido Osvaldo. ‘Tinhamos deci- dido por & prova seus sent’mentos. Quando vocés pensaram que tudo estava perdido, seu desespero foi a prova que «esse atracdo mitua io era um desses fogos de palha, dese ses namoricos de um dia, desses. dessas... coisas que néo duram © que... mas voces nao dizem nada? Ora bolas! Parece que esto petri ficades? Zennpe (8 parte) ~ Deus! Sera possivel tamanha felicidad? Osvatco (a parte) — Bendito seja o dia em que a av6 de minha noiva dew & luz meu sogrol Sk. Ponactio — Bem. bem! Vejo que a emogio Ihes tira a falal Ora boles! No lugar de vocts © na sua idade eu j4 estaria pulando! En- fim, bem, néo quero insistit. Dei- xo-08 sua alegria, Amanha fala- remos do casamento... Se voces secuperarem a fala! Até logo, meus peixinhos, até logo, meus coligris! Ora bolas, ofa bolas! Osvatno — © Primavera! Gio- ventu dell’ anol O Gioventu! Pri mavere della vita! ZeNne (4 parte) — Que jeito amais esquisito de falar! Nao enten- do nada. mas um tom de alegria viril cessoa em suas polavras! Oh! ‘Who is me to have seen what I have seen, to see what I see! Osvatvo (a parte) — Que ¢ gue ela disse? Que lingua esizanhal O miisica da voz da bem-amada! Sua melodia faz vibrar nossa alma, mes- mo que nao compreendamos suas palaveas. Sao cineo horas, Zenaide. Zaatwe (i parte) — Continua errando a hora, mos tenho gue aprender a nfo contrariar meu es- poso! ~ Pols ¢, ja ¢ tarde, Osvaldo! Osvato (a parte) — Coisa ne- nhuma, ainda é dia, mas munca se deve contrariar as mulheres! Ente vece ¢ minha, meu anjo? Zenaroe (i parte) — Ercou de novo, ele € que € meu, mas tanto faz! ~ Pois €, somos um do outro Osvatne (& parte) — Um do outeo, ela disse um do outro! Ela € minha, eu dela, um do outro? — Para sempre? Zennoe (a parte) — Para toda ae ee ‘Osvaupo (a parte) — Até ques morte nos sepate, HAVIA UMA MULTIDAO NO SOLAR ou OS MONOLOGOS ApaeseNrapor — Esta comédia tem por objetivo sublinkar o carater artificial e cémico dos mon6logos de teatro. & por isso que, embora ela comporte varios personagens, néo hha nunca mais de um personagem fem cena. Portanto ela pode ser re presentada por apenas dois atores, um homem e¢ uma mulher, encar- nando ripida e sucessivamente os diversos papéie graces a alguns a: lificios de aderegos. figurinos € ex- presséo dos tipos. A cena acontece em 1880. Representa uma espécie de vestibulo no castelo no campo onde se vé ao fundo a esquerda e a direita duas portas que dao para 5 salées. Na parede, um armasio embutido. Ouve-se ao longe uma valea antiga, Entra Dubois-Dupont A mésica para assim que comeca a {alae Duvors Duvonr (estd vestido com um “plaid” de pelerine xadeez coberto por um boné inglés combi- nando) ~ Eu me apresento: sou 0 detetive Dubois, apelidado Dupont, or me parecer com o célebre poli- cial inglés Smith. Aqui esta mea cartdo: Dubois--Dupont, homem de confianca de desconfianga. Encon- tra a chave dos enigmas ¢ dos cofre- fortes. Destrdi os lares ¢ os recons- tr6i a0 gosto do fregues. Pregos mé- dicos, As razdes de minha preseaca aqui sio misteriosas, bem como. misteriosas. .. mas logo voces sabe- #0, Nao digo mais nada. Eu me ‘elo. Siléncio! Basta-me indicar-Ihes que nos encontramos em uma bela noite de primavera (Mostra um ga- the), no solar do Berio de Z... 22 de zebra e de Zéfiro... (Ri como unt idiota.) Pess! Isso poderia colocé- los na pista. Como podem ouvir. 0 Bardo e stra encantadora esposa dio festa noite um suntucso baile, A fee- ta esti no auge, Hi uma multidio no solar. (A valsa recomera, acom- panhada de risadas, vives, ruido de copos se chocando, De repente tudo pica bruscaments.) Ouvirom? 1 pprodigioso! © barulho do. baile essa quando eu falo. Quando eu me calo, ele recomesa, (No mo- mento em que cala. com efeitos. 0s rruidos recomegam, parando em se- guida.) Ouviram?... (Uma série de tuidos de baile)... Quando me calo. (Ruidos de baile)... ele recomesa... quando eu recomeco, ele cessa. E maravilhoso! Mas, chega de con- versal Estou agui para cumpric uma missfio perigose. Alguém aqui sa- bbe quem eu sou. Todos os outros ignoram minha identidade. Tenko tantas identidades diferentes! Ques dizer que me tomam pelo que nao sou. O crime — pois haveré um erie me — ainda nfo foi consumado. E no entanto, coisa estranka, eu, 0 de- tetive, estou exatamente onde ele serd cometido! Por qué? Mais tarde voeés saberio, Vou thes deixar am instente, para me misturar incognita a faiscante mult'do de convidados Quantas joias! Quantes candelabros! Quanto cetim! Th, ver alguém ai! Pass! Vou sumir, escafeder-me! (Ele sal pola dircita, na ponta dos pés, com o dedo nos libios. Logo que sai, @ porte da esquerda se abre, ene trando por ela a maravithosa Baro- nnesa de Z... vestida em teaje de noite.) BAnONEsA — Eu sow a maravi- thosa Baroneza de Z.... a mulher mais invejada e mais cortejada das redondesas. Admiem 26 meu yes- tido de noite: repacem esta bainha estteita de acafrao salpicado de breu, este falso busto de penas de aves- truz africana, estes opliques em pi- nha de riga. este corpet= em Tancli- ra caneladal E minhss j6ias, minkos j6ies famosas er toda o regio: meu colar de algas marinhas, meu enor- me solitério no dedinho, meu bra- celet de Coryza Luis XVI... E es- tes “pizzicatti" na minka pinpinela? Nio sio as mais belas joies do mun- do? (De repente melaneélica) # por isso que fico desolada de ser abane donada por mew marido. Ble s6 pen- sa na cagal No verio em perseguir as pacas do brejo selvagem: no our tono, em rastrear a pelicia — estes #0 08 passatempos prediletos do meu marido! (Suspira) Enquanto isso, longe das minkas amigas do Sacte-Cocur, eu que no suporto 0 jogo, nem a misica, nem a leitur, fico aqui me aborrecendo, mofando neste imenso solar bretio! Ou me- Ihor, eu me aborrecia até que 0 Bae ao teve a imprevista idéia de or; aizer aqui mesmo um baile! Un Je! Ele, 0 cacador. um baile em seus dominios solitirios| Incrivell Eu ain- da estou aturdida com isso ~ e ene cantadal Pois eu tenho de reconhe- ceri €.a mais bela noite de minha vida. A festa esté no auge e ha uma multidde no solar! Bem, agora ea yolto depressa para o salio a fim de me ocupar dos meus convidados! Meu Deus, como estou me divertin do! (Ela sai por onde entrou. De novo cuve-se raidos da festa. De repente, wm grito de mulher corta © barutho do baile que cessa. A por- ta se abre bruscarsente.) 18 Cantantia (entrando pela es- querda) — Eu sou a primeira co- mareira. © bario me cortejava um pouco, Gostava da cor de meus cam helos!... Mas por que falar sobre isso?... A baronesa esti pasando mal Depressa, 0s sais aromaticos € sum médicol (Sai pela dircita) It Crapo (enizando pela diccite, ‘Meias brancas, nvas brancas © pe 37 ruc) — Que morte horrivel para née todos! Como & que foi aconte- cer tamaaha desgraca! Numa noite de festa! E ev, que amava tanto meu mol... Ah, ja ia esquecendo de di- Zer que eu soto 1° criado de quar. tol O primeiro! Um lugar de honral (Sai pela esquerda.) 2+ Castanea (entrando pela e3- ‘querda. B uma camponesa, que fala com rudeza) —~ Eu sou a Julio, a segunda camareira. Eu também cuido da cozinha, © pobre Senhor, fostava tanto de apalpar meus pel tos pelos cantos!... Isso tudo, apos- to com voces, ¢ cilpa da Madame Madame nio gestava da caca. Ma- dame nfo gostava de comer os igeus e 08 javalises que o seu ba- rao matava com a espingarda. Pois foi por causa dela que 0 coitado fi- cou com os nervor em frangalhos. (Sai pela diecita.) 2 Cuno (entrando pela direita) = Pode ser que eu néo passe de tam segundo criado de quatto, Tudo bem. Mas eu sei muito mais que of outros! Ha muito tempo eu descon- fiava de alguma coisal Mas eu nao queria dizer nada a ninguem! Por isco € que ninguém sabia de nada (Sai pela. esquerda.) “Miss Issiree (ontrando peta diret- ta. Ela & jover ¢ bela ¢ tem um For- fe sotque americano) —~ Eu ser a fenime fatale” deste castelo. Ser conhecida como Miss Essipee. Ah, eu © amo, © adoro, 0 Vener, sa ar- madura, seu brasio de descendeate da eruzadal.... Vou fingit que pres- to socorro 8 baronesal.., Mas Jogo estazei tomando a locomoti- val... Enguanto espero, vou pro- curar a sale a vinagre! (Sai pela 38. esquerda,) Duvots Durowr (vindo da direi- ta, Esta em traje de noite e segura na méo uma cartole) — A trama se acirra, a intriga se arme, o mistério se adensa.... Gragas ao mex plano diabolico, a Baronesa de Z foi infor- mada, em plena festa, da stblta morte de seu esposo! Tera sido um crime? ou um suicidio? A multidao dos convidados que ainda ota os saldes do solar se faz tais perguntas com angistia, Oucam! (Pela porta aberta, ouve-se diverses vozes se interpelando.) ‘Vozxs (a0 fonge) — Crime? Swicidio?... Nao, nfo! # impossi- yell Seré que ele se suicidou? To- mara que nfo!... Sim! Suicidio!. Um crime, com certeza... Vamos procurar © assassino! Duaois Duron (esfregando 2 mios de satisfacéo) — Perfeito! Perfeito! Tudo esta correndo bem! Vem alguém! Vou desaparecer de- ppressa nos meandros empoeicados deste castelo, cujas saidas mais se- cretas conhego bem. (Sai pela direi- 1a.) ‘Miss Issipee. (reaparece a esquer- ia Gms a Boro re to) ~ Bate guel a sale a vinagre para a camar reita para cla entupir as ventas da baronesa. (Mostra o Fiero) E pe- guei o roteiro dos trens. Ja que a morte sai “exactly” come se previ posso partir contente. O mew queti- do no precisa desesperar muito na plataforma da estacio. (Ouve-se unt galope de cavalo que se distancia) ‘Ah, € 0 galope do cavalo dele! Vi ‘9 castor pelide de Oklahoma! (Sai pela. diccita,) 1 Cnavo (entrando pela diret- ta) — Essa americana néo prestal Que pena! Meu amo tinfia um fra- co por ela! Ela vinha sempre se es- fregar nele, que horror! E era eu que escevava 0 pé de arroz das rou- pes dele, Que pecado, um senhor tio bom! (Sai pela esquerda.) 2° Cantantiea (enteando pela di- reita. Traz um saleiro e uma galhe- ta de vinagee) — O que els quee com esse saleiro e esse vinagreico fessa vaca! Ah! Ela a mia aio me engana, Quer fingie que € boazi- aha? Ab, ela néo me passa pela gar~ gantal E além do mais, tudo isto etd muito esquibito! Como € que o bario esti morto no jardim se ele estava agora mesmo vivinko da sil- val Hum! Quem vivo cadaver? Aguele rapazote! O que ele viu foi tum desses convidados bebados cal- do aa relval Agh! Isso no me chei- ra. bem! (Sai pela cequerda.) 2 Crnpo (entrando pela esqier- da) = Eu nfo catendo nada de nade, quando nada se casa. Mas quando fem alguasa coisa, at eu en- tendo, Mas vocés pensam que eu vou dizer © que eu sei? Nunca! No vou dizer neca de pitbiribas, (Sai pela diceita,) 16 Camanuina ~ Isso até parece tam petadelo, Quando eu fut buscar «@ médico, eu vi o vulto de um ho- mem se arrastando contra as pare- des que depois desapareces atti de ‘uma tapecatla, Bu no posso ter cer~ teza porque o coredor estava multo escuro. Mas eu acho que era 0 se- hor barso, ow entio_alguem multo parecido com ele. Nao & pora en ouquecer qualguer um? (Sai pela dirsita, A cona permanece vazia por figure insiates. O vento comese & Ssoprar violentamente, rangendo nas portas.) Banonesa (entrando pela esquer- da ¢ falando com alguéra na coxia) = Nio obrigada, pode deixar, ex estou melhor! Eu quero ficar sozi- ha uns instantes. (Fecha a porta) Que noite! Mal et tinha tomado consciéncia da minha felicidade, 10 meio da brilhante multidio de con- vidados, mal tinha dangado apenas uma ow duas valsas — eis que me foi trazida a terrivel noticia pela boca de um garoto inocente! Como uma frigil felicidade se deixou so- sobrar ante as garras crueis do des tino! Quanto teatrol Ah! Enquanto eu for vive jamais me esquecerel dessa valsal (Ouve-se como um so- mho, em surdina, a valsa do da festa, Depois diversas vozes di- zendo: Crime? Suicidio? Ela sonha um momento enzuga ax lagrimas) Mas como posso entender tudo isso? As dez horas um garoto diz ter visto 0 corpo inanimado de meu marido, caido no parque com a cartola estramhamente enflada na ccabeca.até o gueixo! As dez e cinco, quando todos acorreram 20 local, do suposte crime, o corpo havia de- separecidat De qualquer forma, mew marido ndo mais aparece no cas- telol Mas quem feria interesse em assassinar um homem tio rico? E por que ele haveria de se suicidar se gosteva tanto de cacar? Por outro lado, sera que devo confiar na pa Tavea de um garoto assustado? Ab, cstes enigmos me matam! Minha ca- beca, oh, como doi! (Durante todo © monélogo da baronesa, 0 vento soprou cada vez mais forte, até que de repente. 2 porta clo armirio se abre de tal mancica que somtente 03 ‘personagens possam ver 0 que hd dentro. A baronesa, mergulhada em seus pensamentos vai e vem cm cona, até que so encontra defronte do ai mécio aberto. Ele dé um grito estei- dente e Joge pela esquerda. Logo depois aparece correndo pela dirsi- faa 2 camarcira.) 2 CaNareiern — Quem gritou? (Percebe 0 acmério aberto ¢ grita) Ai! Jesus! Um eadavee! (Foge, per- signado-se por onde apareceu. Lo- 90 aparece & esquerda o 1° Criado de quarto.) 1 Crav0 — Oh, um defunto! Mas € 0 Senhor Bardo! Sim, € 0 coitada do mex amo! Socorro! So- corto! (Desaparece por onde en- cou.) 1 Cawartina (da dircita) — Que confusio! O que sera dessa vez? (Ela se volta e otha para 0 armario) ‘Oh, que horror! (Recobrando-se do susio) # verdade, & muito parecido! Vamos, coragem! Tenho que olhar! Ora, mas esse, mas eu juro que esse iio € o Senhor Bardo! (Apontando para 0 cadaver e falando em um tom tragico) B alguem que queria se pa- recer com o Senhor Basco! Mas que nfo era o Senhor Bario! (Ouve-se outro grito estridente 20 fonge) Ci a baronesa ja esti tendo outra crise de nerves! Tenho que levar-the os sais! SO para mim que ninguém traz sais, © eu bem que precisaval (Ela cai corajosamente pela dircita, A cena permanece vazia por instantes. Ouverse gritos. pessoas que se ine ferrogam, passos apressades. O ven- to redobra a forca e de repente 0 “cadaver” amarrado ¢ amordacado, com @ certola enterrada até 0 quci- 0 cai do azmario, de cara no chao) Miss Issipex. (aparecendo a es- querda. atravessa rapidamente até 2 diroita. Dirigindo-se ao “cadaver") ~ Muito agrodecida, Senhor Faz- “Tudo! © verdadeiro bardo jf esta Jonge dagui! Eu me encontro com ele, esta noite, no cais do porto, O senhor receberi seu cheque pelo pombo-correio, By! (Ela desaparece pela diteita. Togo 0 "cadaver" se enrosca no chio © retira a cartola que the escondia 0 resto’ & Dubois- “Dupont, radiante) Dusois Durowr (secudindo a pocica de suas vestes) — Pouah! ‘Vocés nem imaginm a quantidade de potira que se acumula em um armario velho de um castelo, princi- palmente quando ele se comunic com uma escada que ficou fechada desde at Cruzadas! Isso vai me en- sinar a brincar de fantasmas! Azer! Tanto faz! Enquanto eu quase su focava sob aquela cartola do crime (ou do suicidio, munca se saberé) © baréo fugia, para logo se encon- trar com sua Dulcinéia, a intrigante americana! Crime ou suicfdio, pou- co importa: de qualquer maneira, a morie sibita do bario ficara impres- s2 na meméria de todo 0 mundo, Alguns terio até visto © cadaver, nesta sinistra noite de vento, O que mais € preciso pera comecar vida nova, quando se¢ um homem apai- xonado, ¢ louco para se ver livre da mulher, ¢ para ir cogor 0 castor pe- Indo de Oklahoma! Este foi 0 plano imaginado pelo barao de fugir para sempre com Miss Issipee, levando seus lingotes de ouro na mala e de- xando uma viva inconsolavell Bem agora € minha vez de fugir! A bo- talha esté vencida. Espero que meu cheque nao se percal Nao. confio ‘muito em pombos-correio! (le apa- nka no etmicio seu “plaid” © seu boné. cobre-se c sai trangitilamente pela dircita. Do mesmo lado apa rece a camareita) 39 40 1 Camarsira (vendo 0 armirio vazio) — Mas ¢ claro! O armario std vasiol Bem que ex desconfiaval Até gue esse cadaver tem boas per- nnas! Tudo no passou de uma co- média ridfeula! Ah! Como a baro- esa é boba de ter acreditado em tudo isto! (Sai pela esquerde. O paleo permanece vazio wm instante. Ouve-se novamente a valea.) 2° Caiano (pela esquerda. falan- do para a coxia) — Ei, minka po- bre patroa, venha por aqui! Nio te- nha medal A senhora vai ver que io ha mais bario nenhum nem ca- daver aqui! Ah, ele deve estar lon- ge, seu marido! (Para 0 piblico) Hum, eu bem que desconfiava de alguma coisa, mas eu no queria dizer nada de nada, (Sai pela di- reita,) Banonasa (pela dicta, atraves- sando melancolicamente 0 paleo) — E fol assim © meu tinico dia de fe- licidadel Bicou perdido para sem- pre no mistério ¢ na solidio! Ai de min! Jamais me esquecerei dessa noite de festa! Esta noite havia uma multidéo no solar!(Ela sai pela reita enquanto a vatsa toca em sur- dina.) ‘AResenTApon — 14 morto por que fazé-lo? CONVERSAGAO SINFONIETA PERSONAGENS © Ensaiador (Os seis coristas: BY, B2, C1. C2, SeT © Locator de Radio © Regents A cena representa um estidio de radio ou_uma sala de concertos de onde a Sinfonieta sera transmitida. Ko se descerrar a cortina, a sala esti vazia, As cadeiras © as estan- tes dos corisias esto dispostas de- fronte a0 piblico, em semictreulo, assim como o estrado e a estante do regente. Ha ainda dois mictofones dispostos de um Jado e um outro 10. estrado do regente. O ensaiador che- ga trazendo as partituras. Dispoe- nas cuidadesamente nas estantes, desloca de alguns centimeiros os ‘mlecofones e em seguida se retira. Logo depois chegam os coristas. ‘Tém aspecto qualquer, mais para triste, Sentam-se em seus lugares € aguardam com at guase indiferente. Chega enfim 0 locutor. vai colo- car-se em pé, de face para o pi- bilico, diante de um dos microfones, Traz na mio wm papel, que rele Tosse um poco, limpando a ga ganta, depots lanca um olhar para ‘5 bastidores, do lado por onde saiu fo ensaiador. A um sinal que este Ihe tera feito, principla a ler 0 texto de ‘apresentagio de Sinfonieta, Locutor — Minhas senhoras € seus seahores, fala aqui a Radio em ‘Toda Parte, Dentro de alguns mi- nutes daremos Inicio a itradiaggo Conversagio Snfonieta, do compo- sitor Johann Spatgott. Compde-se ‘essa sinfonia vocal de trés movimen- tos: Allegro ma non troppo, Andan- te Sustenuto € Scherzo Vivace. 0 Allegro, apés uma exposicio répida, Gesenvolve com autoridade o tema de opoticio entre © sonho, simbolt- zado pelo par tenor-soprano, e a realidade, cujas afirmagSes peremp- torias esti principalmente confiadas fas vozes graves. Estas impoem afi- nal as suas conclusées, num canto trinfal a gloria do equileio. hue mano; a saiide antes de tudo. TENSAIADOR (aparccendo ¢ fatando 4 meia-vdz) — Reelera um pouco 0 movimento, sendo vai prejudicar 0 hhorario! (Desaparece) Locuror (com volubilidade © a toda velocidadte) ~ O andante, mo- Vimento lento € meditative, desen- rola uma lamentacso sonkadora e arvasteda, que fez apacecer em pri- meio plano 2s inflexdes patéticas dos vores femininas, cujos recitati- vos comovidos, consagrados aos es- piritos © aparigees, nos conduziriam 0 dominio inguietante do além, se nao fosse in fine contraditados pela placida intervengdo dos baixos, que mais uma ver retomam o cena da Vida todo-poderosa: “Com um bom jantar.” Ensnapor (mesmo jogo de cena) = O regente esta atrasado, convém falar mais devogar para it entre- tendo o auditério. Locuror (muito lentamente, de- pois de dar de ombros. amolado) 7 Bafim. .. 0 Scherzo... Vivace. fetomanda wm ritmo... endiabra~ do... 0 tema precedente... for- mma.- uma... como que farandola vertiginosa. .. de movimentos vives... em toro do tempo... i cial, gue se toma... subitamen- fe... tao leve,.. quanto répido. (Enquanto 0 locutor pronancia as iltimas palavras, vem chegando 0 regente, cle casaca, com um ar é¢~ doroso ¢ atarofads, sata 0 pabli- co, voltalics as costas € sobe 20 estrado. O regente empunha a ba- fata, vica a primeice pagina de sua partitira eda o tom aos coristas, Féilo pronunciando a mezza-voce —" i ~~ silaba BA, A partie dessa indicacio, os baixos repeter por um momento tnis silabas, cada qual para si, em desoedem, como urta orquestra que afina seus instrumentos. O regente. que é papel mudo, regerd, realmente, dentro em pouco: dando entrada de cada parte, recitativg o conjunto, © indicando as nuangas, Os coristas falario, tanto quanto postivel. sem modulacdo cantada, s6 com efeitos de ritmo ou de intonsidacie. Nao re- presentardo 0 significado do que di- ‘zem, conto comediantes, mas 0 som, ‘coma instrumentistas. Havers pols lum contraste entee 0 que dizom, ¢ as suas atitudes, que permanecerdo sérias e impessoais, com aqucla es pécie do desprondimento préprio de certos miisicos profissionais, que se ‘empenham em focar bom, som asst mie 0 ar de participarem no que es- tio fazendo.) Locutor ~ Oucamos, a seguir 9 Allegro ma non troppo. (Locuror vai sentar-se numa cadeira do ¢s- tiidio) BI — Bom dia, minha senhora! C2 ~ Bom dia. B2 — Bom dia, minha senhoral Bom dia, minha senhora! Cle C2 (forte ¢ juntos) — Bom dia BI e B2 e Cle C2 continuam @ replicar em surdina, num tom igual, monétono, muito maxtelado: “Bom dia, Bom dia”, enquanto tenor ¢ s0- pprano que se puseram de pé, tro- cam as suas replicas muito em sa- ligncia e com fraseado comovido. T — Bom dia, Mademoiselle! Como tem passado, Mademoiselle! S (um tompo_e em seguida) ~ Bem, obrigada. E 0 seahor, bem? "T’— Bem obrigado, Madcmoisel- le, e @ senkora? 'S — Bem, obrigads, T — Obrigado, e a senhora? S — Bem obrigada, ¢ 0 senhor? (De ‘repente tudo para. O- tenor senta-se, B2 erguendo-Se) B2 ~ Estou encentado de ser re- cebido aqui pela senhora, Depois de tema avséneia tio ploloagads. BI (maito depressa) —~ Quem es- tove ausente? C1 (muito depressa) — Quem? S (muito depressa) — Quem? T (muito depressa) ~ Quem? C2 (muito depeessa) — Quem? B2 (sempre de pé) ~ Nio set quem esteve ausente, Se a senhora ‘ou se ev. Convenhamos. Que um de nés esteve ausente. Pois niio nos en- contramos. (Senta-se) Cl- (erguendo-se) — B! Cada qual pra 0 seu lado, Vive agora tao ‘cupado. BI ¢ B2 (jantos) — Ocupado, ‘ocupado, ocupado, C1 (continzando) ~ Lamento-o infinitamente: gosto tanto de rece- ber! (Senta-se. O tenor e 0 soprano Ievantam-se 26 mesmo tempo) T (inclinando-se para 0 soprano) ~ Conheso alguém, Mademoiselle, que esteve sempre presente quando 2 senhora estava aqui S (terna) — Esteve sempre pre- sente? C1 — Esteve sempre presente! C2 ~ Esteve sempre presente! S (continuando) — Esteve sem- pre presente? E eu que nio sei por isso! Cle C2 (juntas) — Ela nao dew por isso! Ela néo dew por isco! (Curto silencio) Cl e C2 (juntas) — Rapaz, por que, por qué. Néo responde voce. BI — Vamos, rapez, respondal B2 — Vamos, rapa2. responda! Cl — Parece que 0s dois, Estio encabulados. Deixemo-los pois. Fa- Jemos de outra coisa! (T eS sentamese) BI — A estagio anda bem fraca. C2 — Acho que anda horrorosa, C1 = Imaginem que hoje € tar de. B2 — A estacio anda bem fraca. BI — Nao interrompa a senhoral B2 ~ Perdio, minha senhora Por tela. interrompido, Eu estava dis- ttafdo. Cl — Imaginem que hoje a tarde Vinka eu deseendo os Boulevards.. B2 — A pel Cl — A pé. Sim. a pé, a pé. Gos- to de andar a pe BI ~ Ora, ndo interrompa a se- ahora! Cl — Como ia dizendo, hoje vinha eu descendo 0s Boulevards, quando encontro, adivinhem o qué? B2 ~ O qué? C2 ~ O que? T — O ve? S ~ 0 que? Cl — Um navio de velat Tonos 0s OUTROS CANTORES JUN- 703 — Um navio de vela em plena rua, que coisa mais estranhal C1 (rindo) — Mas era um navio- reclame. ‘Ah ah oh ah ah! ab! ah! ah! ah De papelio e madeira pintada, Conduzido num automovel a 42 B2 — Ah! Compreendo, C2 — Ea também BI — Eu tambem. C1 ~ Bra a Companhia Dos turistas reunidos Que fezia publicidede Para os cruzeiros de verlo S (etgaendo-ee) — Que decepeto Me dew agoral Eu queria que fosse Um navio de verdade! A vida é tio monétoaa! BI (carrancado) —~ Qual nada, qual nada, qual nada! B2 ~ Qual nada, qual nada, qual nada! BI e B2 (juntos) — Qual nada qual nada, qual nada! (Continam em surdina dizer: “qual nada, qual nada”, enquanto dara o recitativo seguinte) C2 (erguendo-se) — As mocas [so roménticas Hu também fei assim, Querendo no sei o qué... (BI e B2 param de cantar) Cl —B sim, € sim, € sim, Cle C2 (juntas) — B sim. € sim. é sim. BI e B2 (juntos) — Qual nada, qual nada, qual nadal Cle C2 (juntas) — B sim, € sim, 6 sim BI (crguendo-se) — A vide est [bem como esta preciso se contentar Com o que se tem, sem se deixar Levar por devancios ints (Senta-se) Cl = No fwndo, © senhor tem razé0. B preciso saber viver. C2 (patetica) ~ Sem divida, sob condigio. De ter “de que” viver! BL — Mas eu sempre vivi B2 — E eu continuo vivendo. C1 = Isso € 0 essencial C2 — A sve antes de tudo. (De pé) T (muito sentimental) — Com tum pouco de amor! Toe S (crescendo) — Com um pouco de amor. ‘Com muito, mito amor! BI e B2 (juntos) ~ Saide aniés de tadol Saude antes de tudo! Tonos (juntos, forte) — Saide [antes de tudo! Sade antes de tude! Satide antes de wade! (Pause) Locuron (erguendo-se ¢ pondo- -se dante do microfone) — Andan- te sustenutol (Torna a sentar-s0) T — Mas o espirito, podem cres, ¢ quem faz tudo! Bl © B2 (restritivos) — Quase Tesido! Quase tudo! Quase tudo! Quase tudo! Cl = Onde esta cle? C2 = Onde esté ele? S — Onde esti? Esté em nés! C1 (misterosamente) — Eu vou aiais longe, Senhoras e senhores: Os expiritos esto Em toda a parte! C2 — Onde estio? S ~Onde estao? CI — Onde estamos, em tome nos, deslizando, esgueirando-se, hl Os 6 conistas (juntos) — Uh, Teh. uh, uh, wh, whl Ub, ub, uh, uh, uh, uh! (Esse uh!’ de pavor é antes muc« marado, mas om croscendo, numa modalacéo ascendente e em seguide descondente © de durario igual & dos versos precedentes) S — Sio mausi Nao posso crer Na maldade dos nossos Pobres antepassados. C1 = Quando sio desgracados E, noite morta, param ‘Nos lares. que em vida habitacam Alguns. dizem, sio mais daninhos Mais ferozes que os lobos, uh! Os seis (juntos) — Uh, wh, uh. th, ua, uh, uh, uh, uh (como acima) Cl — Outros, a0 contritio, si0 Uns verdadeitas eriangos. Que se pelam por ser ninados €2 (erguendo-se © comecondo um recitativo) — Eu tive uma vizinha Cujo irmio era doudo... Bie B2 (juntos) — Cujo ieméo era dodo, Cujo irmio era doudo. C2 — E como 05 demais doudos Via mais que nds todos. BI e B2 (juntos) ‘Via mais que nés todos, Via mais que nés todos... C2 = Pois bem BI — E entéo? B2 — E entio? Cl ~ E entéo! C2 — Muitas vezes vinha a [eozinha © fantasma de algum defunto Burtar-lke 0 presunto (Ow uma empadinka, BI (incrédulo ¢ chocareivo) ~ Legumes também? C2 — Legumes, nao! BI — Entao era 0 gato! B2 — Era o gato, era 0 gato! Bi ¢ B2 — Era o gato o ladrio! C2 (indignedo) — (© rapaz era doudo, ja disse Mas no que confundisse Um gato vagabundo Com alma do outro mundo! Cl — E saiba o senhor que lé [em casa Certo fantasma sorrateiro, Nao hi muito, Vinha furtar-nos dinheiro. S — O qué? Dinheis Cle C2 (juntas) — Sim, dinhei- 9, dinkeito, dinhelt. BI (chocarciro) — Era outro? B2 (no mesmo tom) — Ou papel? BI (com harmonia) ~ Minha boa [senhora, use 0 erinio E reflita um momento a sério. B2 — Ou mesmo aéreo. BI_— Isia fazer com dinheiro, Coisa instil no outro mundo! S — Talver 14, em matéria de [cimbio, Lhe fizesse arranjo Espitito néo € anjo. C1 = Eos homens que serio enti? ‘C2. ~ Ah, os homens, nem € bom flac! 'S — Nem é bom falar! C1 — Nem ¢ bom falar! C2 — Nem ¢ bom falar! BI — Em alma do outro mundo B que eu nao posto acreditar! Ba (efiemativo, acelerando) — Tao pouco eu posso acreditar! O que ha neste mundo Nas mos. sob os pés. Barece comigo e vor Se ouve, se ve! BI (mesma jogo de cena) — Tem pss0, volume, Se come cw bebe ‘Se bebe ou se come! T (ergucndo-se com ardor) —~ Se estreita ‘20. coragio! S (ousede) — Se baja com pai- Os 6 yunros — Ob, ob, oh, ob, oh, oh, ‘Oh, ob, ob, oh, oh, oh. (crescendo e decrescende como acina) BI — Oh, oh, na mocidade Ha tal fogosidade. B2 — Falemos baixe, falemos baixo. BI ~ Falemos haixo. BI, B2, Cl ¢ C2 (juntos) — Falemos baixol Falemos baixo! Ealemos baixo! Falemos baixo! Cl = B chegado 0 momento. C2 — B chegado 0 momento. Cl = De explorar-lhes 0 senti- [mento De anunciar-the 0 casamento.... C2 — Com um bom jantas! 1 _— Uns bom jantatt Um bom jantai Bi e B2 — Um bom jantar! Um bom jantar! (Os 6 juntos (muito beixinho) ~ Um bom jonter, Um bom jantar! Um bom janter! Um bom jantac! (decreseendo) Uma pausa © rocutor (erguendo-se € vate tanto ao microfone) — Scherzo Vi- vace! (Torna a sontar-se) BL © B2.(repetindo, em ritmo muito marcado, cite veces as mes- maz dias silabos) — Gosto, gosto, gosto, gosto, Gosto, gasto. gosto, gosto. C1 = De ores B2 — De frutas BI — De fritas B2 — De vishos S = De creme T — De grogues BI e B2 (mesmo jogo de cena) — Gosto, gosto, gosto, gasts Gesto, gosto, gosto, gosto T De grogues § — De creme B2 — De vinhos Bi — De fritas C2 — De frutas Cl = De flores Cl (erguendo.se para dizer a sua parte © tornando logo a sentar-se) Quer servido quente ou frio. Gosto de lett assado. C2 (mesmo jogo) — De miolos com farofa, De um franguinho bem dourado BI (mesmo jogo) — De aipo co- zinhado em Ieite. . B2 (mesmo jogo) ~ De alcacho- fras com aceite... ‘T — De um chateaubriand a0 onto... S (postion) ~ Tris fatias de ett BI ~ Como consegue obte-las? B2 — Como consegue obté-las? $ (cada vez mais poética) — Com dois raios de estrelas C1 ~ Corto-as em pedacinhos. C2 — Muito pequenininhos. BI — E como é que as prepara? B2 — E como € que as prepara? T = E como @ que as prepara? S — Aw gratin ndo ext bem? Bie B2 (maito martelado) ~ *Sta bem, ‘ota bem, ‘sta bem, ‘sta bem, ‘sta bem! Cl = Em fomo, em grelha (ace- lecando até tarteletes) C2 — Com sal ov agtcar S$ — Ao marasquino BI ~ Ash, os salsichoes Paios, feijées B2 — Pudins. pudins Cl — Os lagostin T = As cosieletas S — As tarteletas 43 44 BI e B2 (juntos) — ‘Sta bem, ‘std_bem! Cl — Eu os bato Esmago E moo $ ~ Eu os mimo, os aceriaho BI ~ Eu os coo Enlato Engulo S {melocicamente) ~ Eu os sic- vo flambés ao rapaz de quem gosto! BI — A mulher de quem gosto! C1 (melancélica) — Ao de quem eu gostaval ‘T (apaixonadamente! ~ Aquela de quem gosto!....(ligerra patisa) BI e B2 (juntos) — Gosto, gosto. gosto! Gosto, gosto, gosto! Gosto. gosto. gosto! Cl — De frutas C2 — De flores BL — De fritas B2 — De vinhos S = De aspargos T — De couves BI © B2 — Gosto, gosto. gosto, gosto! T ~ De calor S = De ftio B2 — De acicar Bl — De sal Cl = Do vehido C2 — Da chita T — De manga S — De jaca B2 — De abiu BI = De abrics (Todos juntos. Efeitos “ad lbi- tum”. Crescendo e decrescendo, pac rodiando certas conelusses inteemi- néveis de misica eldssica) Tooos ~ De tudo! De tudol De tudo! De tudo! De tudo de tudo de tudo de tudo [de tudo de tudo De tudo de tude de tudo de tudo [de tudo de tudo! (Pausa) (Depois de saudar 0 piblico, 0 regente e coristas retiram-se na pone ta dos pés) UMA VOZ SEM NINGUEM Sciam transparentes ov opacas, Modestas ou coloridas de imagens, Nossas palavras no terio mais [sentido que Um sopro sem resto ressoando Sobre as ruinas de um templo ou Num enorme campo deserto Desde sempre ignorado dos homens Assim, que deixe um nome eu [permancsa Anonimo, que acrescente um termo [a linguagem ou Se apague num suspico, de todo [modo, © potie desaparece. traldo por seu [proprio murmario E nada fica depois dele, seaio uma [vor — Sem ninguém. MONSIEUR MOI (Monsieur Mot, personagem pre- tensioso que fala por frases feitas) Mowsisur Mor — Voce, que tem sido meu fiel companheiro, pare por aqui! Paacetro ~ Ta bem, ta bem, ta bem, ta bem. Moxsiun Mot — E ponha a lanterna no chao para desenferru- jar os dedos. Pronto! Parcero — Ufa! Moxsiiux Mot — Imposswel i- Parcetro ~ Otimo, étimo! Mowsisur Mot ~ Voce sem di- ‘vida me perguntar por que para- Parceino — Bem... claro! Monsieur Mor — Na verdade, esperava por esta pergunta, Agra- deyorhe por tela eit tiske- mente vood, Paaceina ~ Ah! Akl ‘Monsitur Mo: ~ Perfeito! No entanto, antes de responder, peco- lhe que me considere, por’ favor, na situaggo em gue me encontro, cu seja, no ponto exato a que chega- mos. Largue essa lanternal & com fs olhos dalma que voce deve me Pagceio — Pronto! Monsieur Mor — Responda! Diga Ié se me vejo tal como devo ser: agui no meio do caminho, um homem Iégico, no € isso que sou? Parceiro — # isso all Moxsipur Mor — Entio um ho- mem que raciccina, ou seja, que mede, compara, soma, subtrai, en- fim, que efetua operagées exatas: ado € esse 0 homem gue sou? Pancetno — Dois e dois ~ tac! Mowsizue Mot ~ Pelo menos ex era esse homem no camisho que ercorriamos, antes de pararmos. Ora, paramos, ndo ¢ verdade? Paaceiro — Crac! ‘Monsitur Mot ~ Pois bem! Co- hecendo voce come conheco, sinto que vat fazer mais uma vez essa eterna pergunta: Por que paramos? Pagcziro — Desculps! ‘Monsitur Mot ~ Nao, néo, nade de desculpas! Pelo contrario, para- béns! Parabéns por sua insisténcia e perspi is € precisamente este o problema. O grande proble- ma. E voce sabe qual seré minha Fesposta? Parceino — Quem ex? Naot Mowsixur Mot — Minha res- posta é que nio sei por que par mos. Nao sei! Desculpe, nfo esti com medo? Panceno — Oh, niol Oh, nfo ‘Mowsizur Mor ~ Néo sei por que paramos, dizia eu, mas veja ber, € exatamente por isso que pa- Parceiro ~ Poxal Mowstsur Mot — Havia nesta etapa do camiaho, um obstaculo: algo de inexplicavel, algo de irre- dutivel, opaco, contra 0 que nos chocamos. Pagceiro — Bum! Monsieur Mor — Nao se pode- ia dizer melhor. Chocamo-nos pre- cisamente contra o que nos impedia de prosseguir. Ora, no conhecemos fesse obsticulo € ha pouces possi lidades de que cheguemos a conhe- . Hein? O qué? Parceiro — Nada! Monsisur Mor — Como? Penset ue tivesse dito alguma coisa. Parceino ~ Quem? Eu? Moxsisur Mor — B! Vocé! Parceio ~ Eu néo! Moxstzun Mot — Entio talver tenha sido cu mesmo. Sim, deve ter sido eu, pois justamente ‘me dizia ‘que a minha vida 6 bem estranha, Parco — Nem digel Monsieur Mot ~ Sim, ha aa minha vida um no sei que de in- compreensivel e inaceitavel, uma cof 0 talver grandiosa, talvez atroz — de qualquer forma algo de mensura- do em relag3o a mim e mo entanto, em toro de que toda minha vida esta construida, Penso nisso muitas vveres e a cada vez tenho medo, pois io posso nem adivinhar © que seja. Qualquer coisa como uma lembrance, tum acontecimento estranho € que n0 entanto pesa-me sobre 03 ombros como um fardo pessoal. Foi talvez tum momento de deméncia que se ine filtrou no cerne de minka razéo, talvez a imensidio do nada em meto Panceito ~ Opal Monsieur Mor ~ Suas reflextes provam enfaticamente o interesse que vocé tem por mim. Vocé € real mente um grande apovo Panceito ~ Bem... Monstur Mor — Mas claro! Mas claro! Nada de protestos! De qualquer forma, voce me acompa- hou oté aqui ~ & um fato, E se paramos nfo foi seguramente por sua eulpa. Parcsino ~ Ah, isso € que nfo! Monsieur Mor ~ Na minha opi- nifio, essa coisa estava ai, nos espe- rando, bem no meio do caminho, © embora ela esteja af, af na nossa frente, é impossivel saber 0 que sejal Confesse que € uma situac&o emba- racosa pata espiritos tao desavisados quanto os nossos? Panczito ~ Ah, claro. Logical Moxsitur Mor ~ Mas vou sur- preendé-lo ainda mais. Eu, que c& estou falando com voce e a quem oo? responde com tanta pertinén- cia, et que tenho medo desta coisa incompreensivel, posso, 20. menos, ter a vantagem de contorné-la, Voce esta entendendo? Posto contornar este obstéculo com minha cazio, ‘Voce esta me seguindo, nio €? Com ‘minha 1: Parceizo ~ Com minha razio Monsieur Mor ~ Alias, com meus pés também, Voc® esta me se- guiado? Com meus pés. Paaceszo — Com meus pés. Mowsteur Mor — E quando a tiver contomado entio, de repente, num_movimento rspido, como um ilusionista, posso pér a coisa na mi: taba sacolal Sem testemunhas! Um passe de magica! Panceio ~ Hac! Monsteur Mor — E com aisha sacola nas costas, paderel enfim con- tinuar a caminhadal Parcereo ~ Pfuit! Monsteur Mor ~ Veja bem, € uum grande alfvio poder cezear 0 que nos ameaca, quero dizer cercar com ‘© pensamento, ot com uma simples imagem, talvez com um gesto.. Ni vou 20 cere do abismo: como poderia? Mas contorno-0, e, quando sei gue a minha loucura, com a lou- cara do mundo, esta contida em mic tba razfo, quando fago cair em meu olhar este imenso céw incompreensi- vel confundido com minhas préprias trevas. quando manejo minha vida com solicitude, entio sustento todos 0s trovées num Fio e meu crime des- cankecido na nebreza de minha ino- céncia. Adormeso reconciliado, Parcrmo — E dai? ‘Mowsteur Mot ~ Hein? © qué? Como e dai? 46 Panceio — Dai... vam’embora? Monsieur Mot — Sim! Vamos, como se diz “contornar a dificulda- de", Existe néo longe dagui, um desfiladeiro. Vamos por ele’ sem medo. Mas nem uma palavra, ne- ahum aide! Cuidado com as ava- Janches! Chu-u-t! Parcsixo — Chat! Mowsteur Mor ~ Chut! Chut! Parcsino — Chut! Chut! Chut! (Pegam suas tanternas e seen nas pontas dos pés, lentamente, un atrés do cutro)

Você também pode gostar