0 notas0% acharam este documento útil (0 voto) 290 visualizações22 páginasUma Peça Por Outra - Jean Tardieu
Peça do Teatro do Absurdo.
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UMA PEGA POR OUTRA
de Jean Tardiew
‘Traduzide por Manuel Bandeira,
Pina Coco e Renato learahy
Adaptado pelo GRUPO TAPA
SO BLES O SABEM
Pensonacens
istiano
— Simone
= Lauro Cesar
= Janete
APRESENTADOR
= Jean Tardiew costumava dizer
gue, muitas veres, os espectadores
‘Go convencidos a seguir uma agio
teatral cujos verdadeiros motives
les no vem a entender:
— Seré conseqiéacie de uma en-
fermidade propria a arte dramatica?
= Serd por que a vida dos
‘outros no palco, como na realidade,
‘no nos revela seus segredos?
= Seri por que as personagens
= especialmente nos dramas ditos
“realisias” —~ ocupam-se apenas com
seus problemas © nunca com os dos
espectedores, atitude que denota
uma falta de cortesia lamentavel?
Sera enfim por que os autores,
abusando de sua situacio priv
giada, fazem questio de nos de
xar sob uma desagradével impces-
Sio de mistério?
Séo perguntes que, sem divida,
vocés no deixario de fazer en-
quanto assistem: "SO ELES O
SABEM".
(Cristiano © Simone estio de pé
no meio do paleo, envolvides numa
grande discussio. Cristiano vai e
vem nervosemente. Simone © acom-
panha com os olhos, com sma ex
pressio ma. Az cortinas da jancla
‘esto puxadas pela metade. O quar-
(0 esti na penumbra.)
Cristiano —~ Vocé pode estar
certa que eles no vo conseguir me
pegar!
Simons — Falar € fact
CrusTiao — Vocé no perde por
esperar.
Simon ~ Duvido!
Cristiano — Isso € 0 que nos
SIMONE (dando de ombros) —
No sew lugar eu desisa logo!
Crusrano (saltondo) — Desist
eu! Depois de tudo que acontecea!
Nunco, esté ouvinde, nuncal... E
@ logo voce que me da esse conse
tho! Ab, obrigado. mito ob
gado mesmo.
SIMONE — Eu te previno pela al-
tima yer, Cristiano, Voc esta: no
caminho ecrado, E cle vel te pegan
E'tu tenho certexa que ele val te
peger.
Cristiano — E eu tenho certeza,
Simone, que isso nlo vst acabac as
sim! Seria muito simples, muito sim-
ples!... Quer saber de uma coisa?
Voce nto tem nada a ver com Isso
nada, entende? Voct # tem uma
coisa a fezer: colar @ boca © me
deixar agit
Stone — Néo, eu no vou me
calar! Sei que tenho razio e quer>
que voce se renda as evidencias
Nao conte...
Cristiano (furioso) ~ Voce vai
se calar no finall
Simons (continnando) —~ Nao
conte com meu siléncio, Voce jamais
conseguiria uma coisa dessas. Te-
ho mew papel aqui tanto. quanto
Cristiano — & mentical Eu sei
‘6 que tenho que fazer.
Snowe _— Nao, voce nao sabe
de nadal Enquanto que eu me sinto
ta obrigagio de deixar tudo claro!
Eu no quero que nada fique escon-
dido!
Cnistiano — Eu sei o que ex se
Simone — Sempre essas palavras
na boca! Definitivamente, meu por
bre Cristiano, o que voce espera fae
zer_nessa altura dos acontecimen-
tos? Eu repito que vocé no sabe
de nada, absolutarente nada!
Cristiano — B ai que voce se
enganal Quando ex digo que eu set
© que eu sei, € que eu sei realmente
Nao € como vocé,
eu dria
Stowe (com voz sibilante) —
‘Vamos. conclua 0 que pensou, por
favos, eu divia
Cristiano — Néo, eu nfo vou
dizer, € muito idiotal
Simons — Néo fui eu quem
disse!
Cristiano (subitamente furioso ©
tomando wma determinacéo) —~ E
quer saber de uma coisa? Pra mim
chega! Com voce nada € possivell
Simons — Realmente, nada do
que & impossivel & postivell Pelo
menos com isso, eu tenho certeca
que voce concordal (Cristiano se 25dieige para
1, ew espero?
Giasnaxo ~ Eu nio tenho que
Ihe daz sotisfacoes.
Saons (impedindo-o de sair)
~ Tem sim! Eu exijo uma explica-
so, E jal Onde voce vait
Cristiano — Ande eu bem en-
tender! (Ble @ empurra brusca-
mente.)
Swwows — Seu brutol... Sem
educagio! Patifel Canalhal (Cris-
iano ‘sai sem dizer nada ¢ bate a
porta. Simone fica s6. caminha de
tum lado para 0 cutr, © pouco a
poco se acalma.) Vamos! Colma,
falmal Pata que ficar nervosa?
Vamos ver... Das duas uma, ou
cle escolhe | primeira. solucio.
ft ele opta pela segunda, No pri-
mmeiro caso, ha graves inconvenien-
tes... No segundo também. Cla-
ro, ha vantagens ¢ desvantagens
iguais... Mas... slguma coisa me
diz... mas pode se que ceja pura
usdol... Se ele fosse. ... Néo, no
& possivel. (Algaém toca a cam-
paltha. Simone vai abrir, Entra
Laulo Cesar. Simone de repente
rmaita amavel) Ah, Lauro Cesar
voc’ chegou em boa hora. Eu es-
tava te esperando!
Tauko. Cesar (espantado, mas
sorridente) — Mas comol- Nem eu
sabia que vinkel
Simone — Eu quero que... de
certa maneira eu esperava sua visi-
tan. (afctaosamente) Seate-se aqui
perto de mim... Me ajuda: eu estou
fpuma perplezidade tercivell (Sen-
fase no canapé)
Lauro Cisan (sentando-se a seu
lado) — Entio, foi tudo ben?
‘Stone — Mais para mal que
para ben! Além: disso, ele no esta
26° mais aqui,
porta.) Vort nio vai
Lauro Cesar — Ah! Bem que eu
desconfiaval.., No fundo, ele nao
tinka outra opgio.
SIMONE — B, mas ndo se pode
afirmar que ele no vai voltar.
Lauro Cesar — Voltar também
& uma opcdo... (Depois de hesitar
tum poucd, em voz baixa) E.. la?
‘Simone (dando dle ombros) —~
La? Ew nfo toube de mais nada
Eles vie ¢ vémm, de um lado pate 0
cutra, tomam grandes resolucdes €
hesitam no ult'mo instante... Enfim.
continua tudo no ot. Para dizer a
verdade. eu acho que eles nao espe-
ram fazer grande co’sa..
Lauro Cusar — Eles néo ma-
dam mesmo, Eu bem que avisei que
ficessem atentos! Eles nem ligaram!
Simone — Meu pobre amigo!
Vocé se iludial Eu jé aprendi a Ii-
dar com eles. Olha, se voce jurar
segredo, eu te mostro uma coisa que
voce vai esclarecer tudo... Promete
que nio vai contar a alnguém?
Lauro Cesar ~ Claro!
Stone — Jura?
Lauro Cesar — Vamos, Simone!
Claro gue eu nfo vou contar a nin-
guém! Como ¢ que voce pode duvi-
dar de mim?
Simone — % verdade! Desculpal
Ah, vocé me ajuda tanto... Com
voc? eu posso falar claremente, &
Juz do dial (Bla se levanta. vai pro-
curar uma carta nas gavetas da es
crivaninka ¢ volta para_se sentar
perto de Lauro Cesar. Entrega-the
‘2 carta) Leial
(Lauro Cesar t@ a carta em silén-
tio © parece horrorizado)
SIMONE (procurando entender sua
expressio) — O.que voce acha?
Nao @ inerivel?
Lauro Crsar — Mas ¢ uma fou-
cual... Como se pode chegar a
fesse panto? $6 vendo para acreditar
numa coisa dessas!
Sonu — Agora voce entende
porque ew exigi segredo, Uma
dessas ndo pode ser do conhecimen-
to de ninguém.
Lauro Cesar — Claro! De nin-
gata! Jé € demais nés dois saber-
os disso.
Simons — Nés dois... € a pes-
soa que escreven a cartal
Lauzo Cesar (com raiva) — Ah!
Se eu o pegasse! Aliés nao é 06 ele.
Tem os outros dois... E além des-
set tem também... voct sabe de
‘gem eu estou Falando,
Sivont fcuspica) — f, ew sei
rauito bem. Lauro Cesar, met caro
Lauro Cesar, onde vamos chegar
com tudo isso?
Lauro Crsar (sé apraximando)
— Vamos, Simone! Vocé sabe mui-
to bem que enguanto eu estiver aqui
vec nao vai Flear sozinha, (Ele Uhe
segura a mio. Ele deixa, emociona-
da. Lauro Cesat, prosseguindo) En-
quanto houver uma luz. uma liz de
csperanga, eu vou lutar para que
tudo volte a ser como antes.
SIMONE (tristomente) ~ Meu:po-
bre Lauro Cesar! O ‘pasado & 0
passado! (Ela se debulka em tagei-
mas)
Lauro Crsar — Mas pode ser
também o futuro! (consolande-a)
Ora, minha pobre amigat Nao
ascim| Pra qué? Bu j& nao disse que
estou com voce? (Ele the acaricia
docemente a mio)
Simone (ensugando as légrimas)
= 8 verdade!,.. B preciso que
voce me diga para que eu acredite.
‘Launo Crsar ~ Mas claro que
ex_estou aquil Voce esté: vendo!Sitone ~ # tdo bom saber disso!
Lauro Crsar (largando-the a
mao) — E agora Simone, agora que
ocd sabe que eu esto aqu. € pre-
iso que ew va
‘Simone ~ Ja? Mas n6s ainda néo
dlssemos. tudo!
Lauro Cesar (grave) — Sem
davidal Na verdade nbs no disse-
mos nada. Mas s6 em te ver, ew
set mais do que voce pensa.
Simone — Pode ser...
Lauro Cesar — Sim. Em todo
caso voce sabe o que me tcouxe,
Voct sabe 0 que me prende. mas
voce sabe também o que me obriga
2 patti.
Sutone — 8 verdade... Eu me
esquecia..” Mas voce me promete
que voce seré forte?
Lauro Cesan — Eu serei forte
por voce,
SIMONE — B preciso ser forte
taibém pelos outres., Por ela
principatmente... Mas nao precisa
ser imprudenttel
Lauro Cesar — Eu no serei
imprucente. Eu prometo, Eu serei
forte, mas prudente,
Suntonz — Enigo eu estou tran-
ata, Se voce quiser, pode ir. (Am
mos se levantam. Ela’ 0 acompanha
Tentamente até a porta)
Lauro Cesar (solene) — Simo-
‘ie, eu nao quero ir embora sem
(cle aponta diseretamente para uma
determinadta parte do apartamento)
SiMoxe —"Eu permite, Vi, voce
conhece © caminho,
Lauso Cesar ~ Obrigado.
(Ele beija-the a mio longamente
¢ sai. Simone vad se sentar no ca-
napé e fica um instante sonhadore,
Depois ie algum tempo, a porta s°
abre, Enira Jancte, muito palide, de
“peignoie". Ela caminha ‘com dif
culdade. Simone, quando a vé. tem
uum sobressaita)
SimoNE — Vocé se levantou? Isso
€ uma loucural
JANETE — Por que voeé fee isso?
Siviowe — Primeiro voce me res-
ponde! Por que #e levantou? Voct
sabe que 0 médico
JANETE (com ama calma tervivel)
= Por que vocé fez isso?
Simone — Porque era preciso.
JaNeTe — Voct sabe que podia
ter me matado?
Simone — Ev 26 pense! na sua
saide.
JANETE — Que bela respostal
S6 existe 0 corpo!
Sitoxz — Primeizo, o corpo. ©
resto vem em sequida,
JaNETE (com ironia) — Quanta
icorial
Sutons ~ Alem disso... ea
pensel que voce ia ficar felizi
Janete (deisando-se cair numa
cadeica) ~ Bu repito que voce pa-
dia ter me matadol... Entio foi
voce que mondou ele eatrar?
Simone ~ Era preciso que ele te
JANEIE — Pols sim! Voce 36
pensou nelel Vames, confesse! Ago
ra ele pode partir trangiilo! Mas eu,
eu fico com essa lembranca.
SIMONE — Se & 56 ume lembran-
sa, nada mudou entio: isso Ja exls-
tia antes dle vé-lo novamente.
Janzre (dace) — Eu ndo estou
fazendo um jogo de palavias Nos
estamos sts. Podemos falar sem 10-
defos, claramente, face a face! Fi
nalmente ew saberei. Pode ser gue
eu mocra, mas o mistério sera des-
vendado,
Simone ~ Vocé nio vai saber
de nada
Janters — Pode see que eu mor-
ra, jé disse, mas pelo menos, antes
de morrer, cu terci arrancado seu
segredo!... Ab, como se represen-
ta bem aguil,.. Palavras, sempre
palavras e nunca a verdadel A ver-
dade, estd ouvindo, Simone, eu que-
ro toda a verdade!
Sinton — Nao existe segredoe a
verdade nao € para vocé, nem pra
min! Eu no sei de nada, j disse!
Sua loucal Como eu posso te ajudar
a entender, se ev mesma nio entendo
ada!
Janers (levantando-te com es-
foro) — Bem, se € assim eu sei
© que me resta fazer! (Vai com a
Feuliade até a porte)
SIMONE (levantando-se de um
salto) — Isso ni, isso voct nko vai
Janere (com a celia do deses-
pero) — Se voce soubesse © que
ex quero fazer! Ew também teaho
mew segredo!
SIMONE — Eu nio sei de ned:
mas posso adivinkar. E isso nao,
esta ouvindo, nol Enguanto eu for
viva ew me oporeil (As dues mu-
heres se enfrentam um momento
com a olhar}
Janere ~ Esta bem! Entéo ain
dame resta uma solugie! (Com
suas iltinas encegias, cla se perce
pita para a escrivaninha e antes que
Simone pone the impei, pog tm
JaNere (som apontar para nin-
‘usm, mas segurando como se fosse
airar) — Se nade, nem a persua-
silo nem 0 afeto puderam te arran-
‘ar 0 segredo, 20 menos sziba, que
uma de nds dues teré desapaseddo
antes que a outra tenha saido dae
aul
a7Sitons (atirando-se sobre Jane-
fe, fenta apanhar 0 revdleer) —~
Vocé & loveal Largue essa arma, jal
(Toca o telefone. Elas se olham por
fem momento, paratisacas)
Janets ~ 86 pode ser cle!
Simone (com em riso ne7v0s0)
— Ou ela. (Atende 0 telefone, an-
gustiada) AlB,.. Sim, sou eu! (Ba
fo para Jancée) &ele!... Al6, 0 que
voce quer de mim’... Como?..
Hein’... (Sem rosto exprime de re
pente um expanto alegre) Sera que
tu estou ouvindo bem?... Voct est
dizendo que tudo esta em orden?
((baizo para Jancte) Guarde esse re-
vélver, depressal... (Tanete guarda
0 revdlver na geveta) ...Mas & in-
crivell... ANB... sim 18 por
causa do chofer do caminhso?. .
Nao & possivell.... (Baixo para [2-
rete) & por causa do chofer do ca-
tninhao! (Volta a pegar o fone) Mas
entio venha depressal Claro que
nos esperamos! Esta, esté aqui pes-
to de mim... como’... B, ela es-
tava um pouco chateada, Eu deixel
gque ela se levantasse por um mo-
fheatol,.. Nao, 2 exianga val muito
bem. Vem deptessal (Ela desliga ©
abrase Jancte)
‘Shtonk — Minha pobre Janetel
‘Tudo resolvide! Vem 08 dots!
JANETE (quase chorando de ale-
igri, deixa-se cair no canapé) —
Mas entdo!... Por que nés?...
Simone — Fica quietal Logo tudo
do passara de uma ma lembran-
a... Olha, para eles nio Ecarem
Impressionades, poe um pouco de
rouge, voce esté tio pélida, coltadi-
tha! (Bla the di sua bolsa) Depres-
fa que eles j8 estio chegando! (Ja-
28 ete faz uma eépida maquilagem, en-
quanto Simone egitada vai de um
lado para outro da sala, arramando
‘aqui € ali ura coisa, indo de vez em
quando & janela, abce as cortinas.
© quarto se enche de liz do dia.
Toca a campainka. Ela abee. Entrant
Cristiano, primeiro. ¢ Lauro Cesar.
Eles parecem alegres, Lauro Cesar
traz um bugqué de flores e Cristiano,
‘um pacote)
Cristiano (precipitando-se efust-
swamente nos Brazos de Simone) —
Simone, minha queridal Quem ditia
(que tudo ia terminar assim! (Ele the
entrega 0 pacote) Veja 0 que eu
trouxe pro voce!
Suwone (felicisima) ~ Como
oe encontrou?
Cristiano — Depois eu te conto.
Launo Crsar (oferecendio 0 bi
qué a Jancte) — Pra voce, Janetel
{com ternura) Tss0 niio te faz lem
brar nada?
Janene (pegando © buque emo-
cionada) = Claro gue sim!
Lauro Cesar (conduzindo Jane-
te para diveita) — B 0 nosso se
gredo! Vem, Janete! Eles nao po-
dem entender!
Cristiano (condusinde Simone
para esquerda) — Venha! Nao pre-
cisa contar! Talvez algum dia eles
entendam!
Apresenraor — S6 cles 0 sa-
bem, Por que? So eles o saber, Se-
nihoras, senhores ¢ senhoritas, Um
momento de reflexio sobre 0 tea-
tco, O teatro esté em crise, Eu pego
por favor um minuto de. silencio,
(Passan-se alguns segundos) Bim
do momento reflexivo, Pode conti-
uar a pega.
UM GESTO POR OUTRO.
Parsonaens
Almirante Sepulero
Sr. Garatuja
‘Sra, Garatuja
Sra. Sente-Agui
Baronesa Lampréia
César (mordomo}
Sita, Carregesd
Jovem Grumete
A cena pessa-se no tempo dos
romances de Julio Verne. ©. Almi-
ante parece-se com 0 Capitdo
Grant, vestido como oficial de ma-
rinha ‘de 1860: suigas, sobrecasaca,
one, bindculo a tiracclo, etc.
‘Apresexranor (diante da cortins.
de cabega descoberta, ao centro, em
tom de palestra, como que recordan-
do [atos, andando) — Vamos de-
sembarcar no Arquipélago Sem
Nome — assim chamado por que
fenhum navegante consegui desco-
bri-lo ~ Ia encontraremos uma ci-
vilizaggo muito adiantada: cidades
odernas, gragas a freqientes bom-
bardelos: cidados livres, gragas a
juma policia sempre presente; costu-
‘mes pacificos, defendidos por uma
{orca armada até os dentes; uxt. go-
vyerna solidamente estabelecida s0-
bre as instabilidades das opinioes.
Em resumo, todas as conquistas do——eS<—— ~~
progresso! Entretanto, pondo de
fado esta semelhanca essencial com
2 vida de nossas tociedades, 08:
tumes deste pais irdo a03 surpreen-
der muiissimo, Ate parece que um
tspitito malicioso se diverte. fazen-
do dos hibitos sociais uma absurda
sada, Ievando os idaddos a to-
mar uma atitude pela cutra. um ges-
to por outro... Primero, ficaremos
rmulto espantados com eaves costu-
mes, mas pouco. a pouco, ajudados
pela habilidade de nostos anfitroes,
‘vamos nos habituar. De volta & maz
pittia, nfo compreendo mais por que
Bs pessoas apertam 2s maos quando
fe Encontram, tiram 0 chapéu a0 en
tear numa sala, rednem-se para co-
mer, tem prazer_ em fazer’ fumaca
ou em se esfregar uns a0s outros 20
som da misica, Reconstituiremos
para voeés uma recepsao em um dos
sales mais distintos do Arguipéla-
go Sem Nome. O convite: (tira uma
arta) "A" Sea. Sente-Aqui tem 0
prazer de convida-lo para a recep-
‘Ho que daréem seus sales no dia
I5ide maio, As 18 horas... (00s-
sieze-d).”
(O Apresentador cumprimenta €
sci, O pane é abeeto e surge um sa-
Wo luxuoso, A diccita uma estante
cheia de chapéus, de todos os tipos.
César, 0 mordomo, de casaca € lu-
vas brancas, esid de pé diante da
stante,)
Ska, Senra-Aaut (entrando pele
esquerda, esta. descalga) — ‘Tudo
pronto, César?
Cesir — Sim senhora, Creio que
‘os convidades estio chegando. (A
Sea. Senta-Aqui vai sentar-se em
mma das mesas. A porta se abre e
entra 9 Almirante Sepulcro, um se-
nnhor de idade, muito distinto. César
fapanha sobre a estante un chapéa
de dois bicor com plumas ¢ entre «
2-0 ao Almirante, que tia 03 sa-
patos, que César coloca na estante.)
Cesar (anunciando) — O Almi-
ranie Sepulero! (Da 0 chapéu 20
‘Almicante)
Ausuranrs (com 0 chapéu na
ro. dirige-se 4 Sra, Senta-Agut ¢
beijathe respeitosamente 0 pé dici-
‘o) ~ Encantado, minha senhora.
(Ajecthado 4 meds isabelina)
Sra, Senta-Aaut — O seahor foi
o primeiro a chegar, Almirante. Paca
9 favor de se cobs.
Auauranre (colocande 0 chapéa
com toda a dignidade) ~ Ja que te-
faho a hoara de estar a 66s com a se-
nora, permita-me ofecer-Ihe ume de
rninhas melas. (Tica com dificuldade
as meias © oferece-as a Sra. Senta-
“Aqui
Sua. SENTA-Aaut faceitando-as
com um sorriso encantader ¢ colo-
cando-as sobre a mesa) — Nada po-
dria me agradar mais, Almirante.
Esta Jembranga preciosa ocupara um
lugar de hoara na miska colegio.
(Chegam 0 Sr. a Sra. Geratuia
Tiram os sapates ¢ entregam a Cé-
sar, que 03 coloca na estante. César
«da uma coroa de leutos de papel a0
‘Sr Garatuja eum chapea a Sra
Gacetuia,)
Cesae (anunciando) ~ $1. ¢ Sra
Garatujal
Sha. Senta-Aqut ~ Foram mul-
to amavels em aceitar o meu_con-
vite. Cubramase, por favor. (O Sr
© Sra. Garatuja cobrem 2 cabera)
Sra. Senta-Aaut — Almirante
Sepulero, posto apresentar Sr. Ga-
zatuja, nosso poeta nacionall
Ausuranre, (dicigen-se um a0
outro @ apertamese mutuamente a
ponta do nariz) — Encantado, Sr
Garatuja.
$a, GARATUJA — Muito prazer.
Almirante,
Sea. Sewta-Aou (conduzindo 0
Almicante 4 Sea, Garatuja) — Ae
imirante Sepulero, Sra. Garatuja,
ALMIRANTE (apds beijar_tespei-
sooencee ten Se Ga-
ratuja num tom de galanteio) —
‘Ouvi falar muito a seu respeito, du-
rante a maha dltima batalha, Todos
sabem que seu marido no tem ta-
lento nenhum e que a culpa € exclu-
sivamente da senhors. & 6 privilegio
das mulheres bonitas, poderem rei-
nar no coraggo de um marido a
ponto de priva-lo de todo 0 valor
pessoal
Sea, Gawarusa (muito tolinka)
— 0 senhor é muito amivel, Almi-
rants
‘Sa, SeNtA-Aaut ~ © Almirante
& muito modesto. Hinge esquecer
que, se perdeu a famosa batalha do
Golfo de S. Pedro, fot gracas 20
charme incomparivel de sua esposal
Auazante (suspirando) — %
verdade! Bons tempos aqueles. (A
porta se abre de novo e entra a Ba-
ronesa Lampréia,)
‘Cesan (anunciando) — Baronesa
Lampréia, Srta, Cartegacio € 0 Jo-
vem Grumete.
‘San. Sonta-Aqur (tom uma pa-
lavra arvével ao mesmo tempo que
thes aperta 0 nariz) — Minha que~
sida amiga... (O Sr. Garatuja des-
ce da mesa, tira uma pena de gali-
mha do bolso © comeca a fazer cS
‘eegas no nariz da esposa e do Al-
mitante, até que estes espirram &
agtadecem.)
‘Sma. SENTA-AquI — Como thes
prometi que isfamos tossic, pedi a0
Se. Garatuja para ler um de seus
piores poemas, Mes caro Garatuj2,
eGo que se execute (com malicia) 29‘ou melhor, que nos execute, (Todos
tiem)
Sk. Garatuya (adiantando-se ©
técando um papel do bolso) — 8 urn
poema intitlado "Ode ao Mar”, de
fspicagio maritima, como 0 titulo
inclicar escrevia aun dia em que me
senti particularmente indispasto
portanto, dedique’-o A minha eepora.
(Murmitios de aprovacéo. A Sra.
Goratija parece sonjeada. A Bac
roncsa tosse dicerstamente.)
Sra. Sew7a-Aaut ~ Nossa que
rida am'ga Carregagio estéimpa-
ciente por tossie. Parabéns, queridel
Alias, 6 nosso poeta nacional vat nos
dar ample oportunidade.
Sk Gawatusa (lendo com énfa~
se):
ODE AO MAR
Todos os meus avés eae os
Bote onde me records de minha
antln
Sempre encontro © mar em toda
[perte, o mar de todos;
Bis por que o mar é minha me,
O mar € minha av6,
O mar € minha ied,
© mar é a trma de meu tio
Eo irmao da minha mie, a mie do
Teeseeee,
Eo irmi mais velha de meu ps
Todos os meus antepassados pe:
[comeran os nares
‘Ska, Senta-Aqui ~ Meu Deus,
que horror (Tosse.) & uma droga
(Tosse.) E como esta mal escrito,
ral composto. go acham? (Tosse
cada vez mais)
‘Convioanos (concordando e tos-
30. siado) — # tenrivell Nao tem sen-
tido nenhum! # estupido! Poucas veo
408 ouvi um poema tio mal escrito!
‘Oh! Que horror! Que decepséo me-
ravilhosal (A Seta. Carregasao tem
ttm acesso de tesse tio vielento que
todes param de tossic¢ ftarn-na com
admiragio. Depois a tosse. general
zase de novo, O Grameto, entre-
tanto, da sinais evidentes de mal-
ester. Nia podendo mais, apr
Ima-se discretamente de Cesar ¢ per-
gunta baixiaho, enveegonhado)
GAUMETE ~ Por favor, onde fica
a... a... sola de jantar?
Cesar (mostrando a porta, com
leve tom de desprezo ¢ comiseracio)
= No fundo do corredor. & es
querda
Grumers — B tem de tudo?
Cesar (sempre em vor baixa ©
desdenhoso) — Ska, senbor.
Grumere ~ Obrigado, (Sai ra-
pidamente, mas esforcando-se_ para
ndo ser percebido, Cesar apanha na
cestante am recipiente de ciruegia cs
mmaltaco e se aproxina de cada con-
inanclo-se_cerimonio-
samente) — Queira cuspir, obriga-
do. Queira cuspir, obrigado. Queira
cuspic, obrigado. (Os convidados
cospem discretamente no recipiente.)
Sera. Caaresacko (pare a Sta.
Lamptéiay — Esta € wma das re-
cepeoes mais belas que ji vi Que
‘estilo, que clegancia em tudo!
Baronesn — Com efeito, € um
dos sales em que melhor se cospe,
ese tose. (A Sra, Senta-Aqut)
Diga, minha amiga, assistia ao alti-
mo concerto da Sociedade Hermd-
‘Sea, Senra-Agut — Claro! Bai
uma noite inesquecivell Um su: Fol
fimpossivel ouvit © que quer que fos-
se, a tal ponto o ptblico manifesiou
2 saa admiragao.
Auairante — Mas nunca s¢ vi
tum sucesso igual desde aquele fac
moso recital em que o pisnista foi
obrigado a parar de tocar. E quen-
€o, dominado pela emocio € pelo
reconhecimento, aquele artista, in-
comparivel fugiu do pelco, © eatu-
siasmo temou as proporcées de um
delirio coletivo: num segundo o pit-
blo invadia 0 pakco pulverizzu,
Iteralmente, 9 piano: era uma tata
de quem levaria como. Iembranga
uma tecla, uma corda, um pedal.
Tenbo um amigo que se orgulha de
ter consoguido tes teclas brancas
duas_pretas.
‘SRA. GARATUJA (bem tolinha) ~
# uaa grande prova de paixdo pela
ifisica.
Sea. Gararuya (faz sinal a
Cesar) — Cesar, pode trazer a ban-
deja
‘Sera, CaReEcAeio (baizo para 0
Grurcte) — Sentiv-se mal?
Gaumere (beixo) — Oh, uma
fome voraz. simplesmente. (A Sra
Lampréia tosse dizerctamente, Cesar
raz a bandeja cheia de pequenas
bolas de borracha, bevigas vazias.)
Cesar (respeitosamente) — Um
balgo, Sra, Garatuja? Um balio, St.
Almirante? Um balao, Sr. Garatuja?
Um balio, Sra, Lampréia?
Baxonesa ~ Voce esti nos vi-
clando, queridal
‘Asunants — Hé muito no s0-
pro com tanto gosto!
Sra. GARATUJA — Esses baloes
sito deliciosos De onde vem?
Sra. Sunta-Aaut — Encomen-
do-os diretamente a um artesio que
85 trabalha para mim.
Sk. Garatusa (soprano um ba-
lo que cresce muito) — Vejam 6que belera! Parece um balio de ca-
samento ou de batismo!
Ska, Gasatusa (linha) ~ 8
uma grande prove de amzade fe:
recer balées tio deliciosos!
‘Ska. Senva-Aaut (suspirando) —
Muito odrigada, Sinto nao acompa-
anhi-los pois desde que mew marido
faleceu renunclel aos assopros.
Banonrsa — Pobrecinha, como
deve sentir falta! Eu seria incopos
de parar de soprar. Sopro até em
viagen,
Sn. Gararusa (para Sra, Sen-
ta-Aqui com uma pena) ~ Permi-
tame, ao menos, depend-la?
Ska. Senra-Aaut — Com todo
pprazer, caro poeta.
Sr. Garatuya (ajcita @ pena ¢
comeca a fazer cécegas no natis até
ela espirrar) — Embora isto nao
valha um bale...
Sra. Senta-Acut — A sua pluc
mma ¢ 180 delicada, & com ela que 0
senhor escreve?
Sr. Garatusa — Nao, esta é a
minha pena de cerimonia
Sra. Senta-Aau (depois de es-
pitcar) — Obrigada! E. se fizermos
tum pouco de gindstica?
Baxontsa (parando de soprer)
— Excelente idéial Devo confessar
que aguardava impaciente esta pro:
posicio?
‘SRA. Gararuya (muito tolinha)
~E uma grande prova de saide, a
sindstica,
Sra. Senra-Aaut — Tirem os
chapéus, e podemos comecar! (Os
Tromens tirom es chapéus © as se-
horas os véas, Cesar apanha-os €
coloca-oz na estante)
‘SrA. Sonta-Aqui — Espero que
© Almirante consentica em dirigit
‘08 movimentos de nossa pequena
esquadra.
AtMiRaNte — Com muito prazer,
fquerida amiga! Cesas, quer trazet
© gongo, por favor? (Cesar pega na
estante 9 gongo e dé a0 Almirante)
Senhoras ¢ senhores, todos prontos?
Bem! Entio podemos comecar: 1,
2. 1. 2, dobrar os joelhos, levantar
estender o braco direito, esquerdo,
dircito, abaixar a cabecal Otimo!
Senter. levantar. sentar. levantar!
(Cesar pontua as crdens com 0
sgongo.) (Ouve-se uma misica ani-
loga as que acompanham os progra-
mas de enltura Fisica)
Sk. Gararuya (sem félego) —
© que acham da situagio politica?
(Qs exercicios vio sendo feitos en-
quonto eles dialogam)
Barowasa — Eu penso... que 0
governo. .. vai cair... esta noite...
© sera substituido, ., por outro
amanha
Sea. GaRATUyAa (muito totinha)
— Cain... uma grande prova do
governe.
Banonesa — Ja leram o ltimo
lives de,
Sn. GaRATUJA ~ Acho que ¢
um liv... que ehegou @ tempo.
‘Sea, SeNTA-Aatti ~ Como assim?
Se. Gararusa — Chegou a tem
po... de fazer esquecer os prece-
denice!
SRA. GARATUJA (muito tolinha)
—E uma grande prova. .. de amor
pele... literatuca.... esquecer 0 que
ears
Auauranre (muito cansado) —
Acho que a baronesa comeca a se
censar. Permita-se terminor esta
maravihosa diversio que, infeliz-
mente. nao @ mais para a minha
fads,
Sea. Gararuja ~ Eu podia con-
tinuar horas a fol
Sua. SentA-Aaut — De forma
alguma desejaia cansé-lo, Almiran-
te. Mas como inaginar uma recep-
co sem ginistica? (Paz um sina
para Cesar, que traz para cada con-
vidado seu chapéu ou véu)
‘Convioavos — Fot delicioso,
tio distintol Ate parece que esta-
mos na Corte. Néo ha diversi mais
bela que a ginéstical
Sha. SENTA-AquI (amivel) — 8
1 Mes antes de se ire, aczi-
o. sem divida, oferecer-me al-
guna coisal
Cowvinanos ~ Naturalmente! #
caro! Com todo © prazer!
Sra. Senta-Aqut — Cesar, quer
secolher as lembrangas. por favor?
(Cesar pega uma bandoja vazia)
Cusan ~ Para pobre mic da
Sra, Senta-Aguil Para a pobre mie
da Sra, Senta-Aquil Para a pobre
mie da Sra, Senta-Aqui! (Os con-
vidados vio colocandlo religio, pl
svira, pena-de-ceriménia: a Baronesa
coloca a dentadura, etc.)
Bawonesa —~ Agradecemos_pro-
fandamente, minha cara, por todas
as atencées.
ALwinanté — Néo posso deixar
de sair, minha amigo, sem prineizo
dizer-lhe © quanto me encantou a
sua recepgio Celo ser 6 interprete
de todos és, declarando © prazer
que temos em dormie aqui esta noite
@ desejamos que uma chuva reftes-
ante Ihe proporcione wma acite
agadével ne soleisa de sua porta
Sta. SENTA-AOUI — © senhor €
extremaments amivell Obrigada, ¢
ate_breve.
Cesae (apanhe sobre a estente
almofadas © cobertores distribui
entre es convidedos) — Almofadas!
Cobertores! Almofadas! Cobertores!
(Os convidados deitam-se no chao
3132
ocejando ruidosemente, enquanto a
Sra. Semta-Aqui, com um travessei-
rae wim coberter, vat dormic Fora)
Apnesenravor — Dizem que nos-
so. espetacilo ¢ colonizado. Dizem
ate que o teatro brasilelco esta total-
mente celonizado ¢ alguns chegam
ate a dizer que o Bras] € um pais
colonizade, (Numero musical)
UMA PALAVRA POR OUTRA
Apresentapor ~ Por volta de
1900 — epoca das ma’s estranhas
= uma curiosa epidemia alastrou-se
pot entre a populacio das cidades,
atinginde part’cularmente as classes
favorecides, Os infelizes atacados
por este mal passaram a tomar de
Fepente a¢ palavras ums pelas ov-
lias, como se as pescassem a0 acoso
‘num saco, © mais interessante € que
08 doentes nao tinham conse’éncia
da doenca, continuavam al is sios
de espirito, € mesmo, no auge da
epidemia, as conversas_-mundanas
prosseguiam alegremente — enfim,
© tinico 6rgZo atingido era © voca-
ular. Esse fato historica —~ infe-
lismente contestado por alguns eru-
ditos nos leva as seguintes conclu-
sees:
= em geral, falamos para ndo
dizex nada;
= se, por acaso, temos algo a
dizer, podemos faz8-lo de mil fore
mas diferentes; 03 pretensos loucos
86 sao assim chamados porque néo
‘compreendemos sua Lnguagem;
= nas relacdes humanas, muitas
vyezee 03 movimentos do corpo, as
inflexées da voz, ¢ 2 expressio do
rosto dizem bem mais que es pala-
wras:
= ¢ ainda: as palavras no tem
em st outro sentido a no ser 0 que
nes apraz atribuir-lhes pots afina, se
decidiemos de comum acordo que @
voz do cio se chamara relincho. ©
a do cavalo latdo, amanha ouvire-
tos todos os cies rolincharem e to-
dos os cavalos latirem. Gragas a ha-
bilidade das atores, teremos © pra-
zer de Ihes provar estas simples ver-
dades, aliés bem conhecidas, na pe-
fquiena’ cena que se segue
Ewprecapa — Madame, ¢ Mada-
ne de Perleminouse.
Mapas ~ Ah, Que cacho! Fa-
ca-a engordar! (Dirige-se ao piano
© canta)
Tio longe, de mim pedante
Onde esti, onde esté meu
{sacramento?
Quisera comer na hora
Nao esqueceste 0 condimento..
Ewpetcapa — A senhora Con-
dessa de Peslemincuse,
Ab! Querida, quer!
inka pelicial Ha quanto tempé
ha quantas pedrinhas ew nao tenho
© doce'ro de te acucarat!
Conoessn — Nem queiras saber,
queridal Eu andei tio envidragadal
Meas (és Misteuznhos tiveram li-
monada, um depois do outzo, Passel
todo © comego do ccrsiro chocan-
do moinhes, correndo do rufiio para
9 tamborete, passe! no'tes conirclan-
do of carburadores, distriburndo all-
cates © pororocas, Enfim, no tive
tum so. minueto livre!
‘Mapasiz — Pobrezinkal B eu que
nem descongelava de nada!
Coxorssa ~ Melhor assim! Bem
aque merecias descampar, depois das
Boreachas que queimastes! Tmaginal
Desde 0 fez de Paio até meados do
Fuzil ninguém mais te viu, nem no
nter-proof. nem nos entreme'os da
Pinta da Boa Cristal Devias estar
mesmo muito congestionadal
Maoame — & verdade... Ah
Que solventel Nao posso nem mo-
Thar isso sem escurecer.
Cowoessn — Ent nade de co-
Mapas — Nada.
Conpessa ~ Nem um biscoiti-
ho?
Maoame ~ Nenhum! Ele nem s2
dignou a me remexer, desde a pia
fem que me gargarejou!
Coworssa — Que sactistio! De-
vias terlhe raspado umas brasas!
Mapas ~ Foi © que fiz: ras-
peielhe quatio, cinco, seis, talver,
fem poueos holandeses: ele nunca
at'sou..
Coxnissa — Ah! Cottad'nho do
meu chazinho de melissal... Se eu
fosse tu, artanjesia outro elefante!
MapaMe — Impessivell .Ve-se
Jego que no © aqueces! Ele me e2-
rabina completamente! Sou sua mi
a, sta hvinha, seu bem-te-vi: ee
meu bombu, meu trombone de
vara: sem ele no posso espremer
nem Invi: jamais 0 fechare’! Mas
que revoada que soul Nao queres
Hutvar alguma coise? Una bolha de
zulu, dois dedos de vispora?
‘Conpessa — Obrigada, com mui-
to splendor
Mapane ~ Mary... Maryl.
Oh, essa calgadal B turca como uma
pereal Com licenga, preciso ir & ma-
gistzatura, esconder esse chinelo.
Solto dentro de um minucto. (Sai)
Conpsssa (dirigindo-se ao piano)
= Oh!_Um enorme erocodilo de
cauda! E, aqui esta naturelmente 0
ultimo albino de mésculos da
modal... Vejamos.., Oh! Estaaqui, que & tho. to-be-or-not-to-be!
(Canta misica) Vai avio, avio es-
trangeiro, cai
Conor — Chapéus!
colher!
Conoussa — Chapéus! Meu ra-
poso! Adalgonso, 0 que, 0 que, 0
senhor aqui? Como entregou?
‘Cond — Mas... pelo soquete.
Connessa ~ E 0 senhor, costu-
sma sempre entregar aqui?
Conos — Claro que no, minha
am'ga, minha palma, meu. bisio.
Eu... ew pensava encaixé-la, por
fsso entreguel, Eu...
Cowonssa — Bastal Ja. contral
tudo! Entio era 0 senhor © miste-
rioso trombone de vara de quem ela
era a luvinha © 9 bem-te-vil O se-
aahor. sim o senhor, que vinha aqut
bancar @ zebu, 0 salsichao, 0 pé-de-
-valsa, enquanto que eu, eu fezia das
ipas confusio cochichando meus
pobres filisteus... ©. seahor no
passa de um... (Chega Madame,
dirigindo-se & empregada; 0 Conde
se esconde © a Condessa disfarva)
Mapanie ~ Entéo, Mary, esta-
mos entupidas, nio é? Dois pedact-
anhos de dolma com cambraia, alguns
sweaters imberbes, por cima, um to-
{que de pombos salpicados no pacha
‘© umas gotinhas de esparadrapo co-
zido 20 freio. (Vé 0 Conde) Chae
peusl... Meu elefantel (Disfargan-
do} Ora, 0 senkor aqui, caro Con-
de? Que étina sobremesal Veio es-
borrachar sua querida colher? Mas...
Como foi que © senhor entregou?
Conoe — Pois bem. imagina que
eu estava gargarejando nas garar
gens, apds minha sessto de sleeping.
entéo, pensei com meus ladies, de
certo Irene esté com sua farinke,
Misha
vou sussurrar as duas 20 mesmo
tempol
Mapamn — Caro Conde, ponha
ali sua assinatural,.. Ali, E tome
este assuato. O senor deve estar
muito cariado?
Conor — Ah, cariadissimo! O
molho parda durou a tarde toda.
espumamos, gargarejamos, reespu-
mamos , regargarejamos, brincamos
com holinkas a todo tambor; eu me
pergunto onde nos levard toda essa
spoa!
Conpessa — Queridal Mew ra-
poso parece téo alvaiado neste teu
encantador salpicdo... que até pa-
rece... no set se devo cozer.
Mapawx — Mas claro, coze, coze,
pot calor!
Conpessa — Pois bem! Parece
que ele vem sempre aqui roer os seus
sapos! Vai entregando todo triguei-
Fo, como se esiivesse em seu pré-
prio cemitériol
Mapawx — Ah! Tu sempre brin-
dando! Que macaneta! Ora, imagina
© Conde! B tio gladiolo, tio ever-
sharop, tio furta-cor no edredon,
gue nfo se contentaria com mish
pobre chaleira, nem... com este
modesto alcatrdo!
Conve — Este aleatrio € um
babador que seré sempre pare mim
repleto de percevejos. cara amiga!
‘Mapawe ~ Chega! Mas ele tem
outeas garrafas na sua bodegal No
mesmo, caro Conde?
‘Conve — Mas eu nfo
pretende incinerac?
MADAME — Mas como? Nao €
vor corrente que © senhor nio sai
da casa da mulher do General Mi-
tropoulos © que anda semeando seu
g'd’0, como se Fosse uma palmeira
medieval!
que
Conve — Mas... mas... sem
compotciral Nao ha minima sau-
dade neste paio, eu the asseguro.
Maoame — Pais sim! E aguela
pelicia da Senhora Verjus, néo
esta sempre pendurada em seu ale
mogol
Coxpe — Mas
calor, por calor!
Conpessa — Ora, ora! Vejo que
‘amassas meu raboso melhor que eu
mesma! Bravos! E se eu botasse
senha nessa ladeira? Ah, ah, meu
caro! Quem esperneia dentro, bole
com vontade! Devo acresceatar que
© senhor tem sido visto com 0 sae
bre enfiado nos batentes da qran-
de Altam'ra?
mas... por
Conn — Tu também, minka
bandeirola?
Conpessa — Bandsirola, coisa
nenhumal Ora, vamos, todo 0 mua-
do sabe que o senkor tava com
Lady Bractsel
Maname_~ © que? Com esse
padim de plo? Nao seria antes com
& Boronesa de Mesmita?
Conpessa ~ O qué? Com essa
abobsinha? Pois em seu lugar, mew
caro, eu preferiria a velha lita que
foz 0 militar nat beiras do sanguel
Coxoe — Mas... mas ¢ uma
transpisagio, uma verdadeita trans-
piracao!
MADAME-ConpEssa — O seahor
io passa de um saboroso!
Mapame — Um alfarrabio!
Coxoussa — Un baldaguim!
Mapas — Un dicta
Cowoessa — Um colicromot
Maname — Ue percevejo deli
rantel
Conoessa — Un filantropo deli
ante e estragado!
3334
Maoawe — Um pompom asma-
tical
Conpessa — Va plantar festbes
nas bananeiras!
Mapau — Va cacar defiuxos
nos diepasdes!
Maoame-Coxoesia — Val Vat
val
Conpe — Beta bem, esti bem! Ja
contrai tudo! Aceitem minhas co-
michaes. Nao guera ser incandes-
conte... J estou desatarrachando,
Ja vou sacudiz, Minha cara ¢ esti-
mada chaminél (A Madame) Minha
doce Fechadural (A Condessa)
Ate mais ver, até @ noite. (Sai)
Conpessa — Estavamos ardendo?
Manone — Mas, minha querida,
famos chover! Olha, ci esta Mary!
(Secoc) Um pouco de footing?
Connessa — Com pressio!
Manamz ~ Um pouguisho de
forcat
Conpesn ~ Apavorada!
Maoante — Um ou dois martelos?
Connessa — Un 86, por calor!
Niimero musical
© QUE FALAR QUER DIZER
Nannapor — Vamos apresentor
pela primelta vez nos paleos dequi
© recenseamento. daquelas pequenas
palayzas aparentemente insignifican-
{es eno entanto muito difundidas
= diminutives: familiares, fonemas
imitotives, ete. —, que percorrem
nosso discurso deixando entrever,
subitamente, remotos e terificos re-
flexes de balbuciar primitive das so-
ciedades, ecos indistintos de uma
dlanga ritual de selvagens em plena
Floresta virgem: galopar de popés,
firia de pipos, bumbum des tans-
tans, papas dos beb8s, espinhos dos
plu-pits, husros dos b-bis e fon-fon-
fons, ondular dos xisis ¢ aw
clic e elac e bing e crac, patati-pata-
18, upa, bang pum! Vejamos, vejo-
‘més, 0 senhor poderia dar a defini-
<0 da palavra "bibi?”
Uw (de possivelorigem indigena)
— Erva de pequeno ports, da fami-
Na das iridaceas.
Dots — Princesa ou grande se-
hora muculmana no Oriente.
Tals — Automével. Bibi fon fon
Narnavor ~ Perfelto... Ea se-
hort, pederia me dizer 0 signifi-
cado de chuchu?
UN — Espécie de trepadeiea
Fruto da mesma planta
Dos ~ Fruto da mesma planta
Caxixe,
Trts — Alcunha de pessoa que
rnasce em Petrépolis, Dai a expres-
sho: Marlazinha dé mais que chuchu
Quareo ~ Girla, Pra chuchu.
© dinheizo da produgto vai demorar
pra chueht, Popular: forma carinko-
sa de chemar alguma coisa ou
alguém. Fofinho, engracadinho
Exemple: Elavinho & um chuchu
Nannanon — Perfeito! E agora
© significado da palavea “Dudu?”
Us — Dirinutive de Eduardo.
Por extensio serve também de di-
rminutive de Alfredo. Gasigo, Anto-
nip, Bustbio, Pedeo ¢ Emilio,
Nareaoon ~ Tat?
Dos — A irmi da nossa mie.
A Tata tombém € filha da vovd.
Nannapor — Cz... e2... 2...
css
“Tas ~ Fonemas catridentes atea-
vés dos quais se excita eo combete,
contra 9 adversario, algiém por
quem se torce, Exemplo: "C2..
cz! Faziam os romenos durante ¢
combate entre os Horacios e Curia-
‘Narranon ~ Brree!,.. Bere!
Us — Acolhida glacial; °O mi
nistro acaba de me receber, bert
Doris ~ Honor: "Bre:!.., Um
fantasmal”
‘Tats ~ Admite-se que este 6r-
gio esteja situado num poato qual
uer entre os maxilores © os pes.
1" significado: pipi est do lado
posto 20 papa.
Quarno ~ 2° significado: (bra
Ieirismo) Mucurucaa. Em frances,
Jaki, “Ver rikik.
Nageaoor — Rikki?
Unt — © estilo rikiki nao € 0 es-
tig z0e0e8.
Naracon ~ Roco:é?
Dors — Ver cocé. © coc6. esti
ppara 0 rococé assim como o kiki esta
para o kiki
Nannaon — Coeé?
Un (bras,) Penteado femini
no, coque, bate, pericate. (fan
Golinka. O cocé fez caca.
Doss — Nao cenfundit oes com
c6co, bactéria de forma acredondada
Nos euforbiiceas 0 fruto tipico &
uma trlcoca, cada parte forma us
bce.
Tris — Medida japonesa de ca-
pacidade, equivalente a 6 alquelces.
‘Quarno ~ Céco, designagiio ¢o-
mum @ numetosas espécies de pal-
melras: cOco-deavasssura, cOco-le-
Featulé, ele, Trepa-no-coquei-tita-
<8co, jipe, fipe, nheco-nheco.Us — Danga popular de roda,
oniginaria de Alageas. acompanha-
dade canto e percussio. Coco de
ganzé, tem bububu no bobobs, ete
“Tats — Cabecar bati 0 coco e
fuadi a cuca!
Dots. (bras, Infantil e popaler)
— Excremento, Vide coca,
Nannapor — Perfeito! Uma aula
formidével... Muito obrigado! Ago-
fa vou apresentar na mesma série,
tuna demonstragio pratiea, cajo sen-
tide € de tal ordem que... creio
ser mea dever advertit 0s mies €
os pais de familia. Se houver nesta
sala criangas de. -. menos de 20
‘anos, aconselho que saiom por unt
momentos, apenas durante essa cena.
(O Narrador pra ¢ escuta a assis-
féncia, Do meio do piiblico levan-
fese onto turt rapaz enorme. com
buco incipiente e roupas curias de-
mais. Sei com dificuldade das filas
Ge espectadores, rosto vermelho €
com um ar terrivelmente pouco 4
vontade)
Naraaoor — Obrigede, meu jo-
vem! Fo muito ponderade.
(Néimero masical: “O despertar da
(Odalisca”)
Fim do I? Ato
OSVALDO E ZENAIDE
Apezsentavor — Exegerende
ptopositadamente um recurso teatral
raulto usado antigamente, este pe-
‘queno ato pretence estobelecer um
contraste cOmico entre a pobreza das
séplicas trocadss “em voz alta" ea
abundancia dos apartes,
Zenaoe — Quem esté ai? (A
parte) Tomara que no seja Osval-
do, meu noive! Nao botei meu ves-
tido predileto. E também, pra que?
Depois de tudo © que houve..
Osvatoo ~ Sou eu, Osvaldot
Zexnoe. (a parte) — Que droga.
€ Osvaldo! (Alto) ‘Entre, Osvaldo!
{A parte) % minha oportunidade!
Que devo dizer a ele? Nunca terei
coragem de revelar-lke a triste ver
dade!
Osvaupo — Voce, Zenaile, voce!
(A parte) Que posso eu dizer? Ela
€ to coniante, to ingénua! Nunca
terei a crueldade de confessarlhe a
grave deciséo que acaba de ser to-
mada sem que ela 0 saibe!
Zxae — Bom dia, Osvaldo!
(A parte) Como & possivel que tudo
esteja_acabadol Ah! Enquanto ele
Imprime seus labios sobre minha
mio, meu Deus, nao prolongueis
todo esse meu suplicio, fazei que
este minuto, que parece um século,
passe mais yeloz que 0 Zéfiro no
mar marmurante!
‘Osvarpo — Bom dia, Zenaide!
(A parte) Ab! Este gesto gracioso
fe espontaneo, mais elogiente que o
maior discurso! Sempre adorei o 5
Jencio que ela produz & sua volta:
@ como que animado de palavras
misterfosas que escapam a0 ouvide,
mas que a alma compreendel..
Zexmpz_— Sentz-se, Osvaldo!
(A parte) Ele se cala o infeliz! Pa-
rece-me ouvir seu coragio batendo
rapidas pancedes, no mesmo sitmo
do meu, No eatanto, ele sem devida
de nada sabe ¢ ainda acredita em
nossa unigo!
Osvarvo — Obrigado, Zenaide
(A parte) Esta cadeira com certeza
estava preparada paca mim. A po-
bre crianga me experava e no po-
dia peever 0 motive de minha visit
Zenaton — Cinco horas. (A
fe) Mas jé € noite em mes coragio!
Osvarno — Pois & cinco horas
(A parte) Para mim, € @ aurora dos
condenados!
Zenaron — Ainda § dial (A. par-
te, com um jeito estipido, como s¢
recitasse um exemplo de geamétice)
‘Mas as eravince cerram sins corel
rainha av6,prefere ervilhas-de-chei
rove o jardmeiro arrumou suas fer~
Osvaipo — E a primavera, Ze-
aide! (A parte. sombrio © quase de-
Tiante) Biinverno. nos Antipodas!
Congo. os lapdes se reiinem nas ge-
Ieitas: 08 bavaros van beber ceeveja
nas tavernas; no Canada, 06 espa-
nhéis dancam a sequidilha!
Zaaiwe — Pois é, € dial (A parte
alucinadamente) Este sléncio me
prime! A beagala do meu to tioka
tim castio de owro, a margiesa sai
as cinco horas; minha rasio ee per-
del Devo dizerlhe tudo? on delxar
que va tudo pro infemot
OsvaLpo — E dia! Voce ja dis-
ae iv, Zenaide! (A parte com v2e-
méncia) Agora estou ficando bra-
tall Fogo © demaio, sangue e ine
fecao! Vamos, calma, vamos! Eu de-
via exa revelar-the esse segredo qe
me sufoca!
‘Zanaws (a parte) — Néo posso
‘Osvaivo (@ parte) — # intole-
ravell
Zexawe (a parte) — Eu morro!
‘Osvaupo (8 parte) — Eu enlon-
queso!
35Zeexaioe-Osvatno (a paste ¢ jan-
fos, no auge do desespero) ~ Aide
mim! Minha familia ndo quer nosso
ccasamento!
Zexawe — Voce estava dizen-
co?
Osvatpo — Eu? Nadal
Zenaioe — Ab, bom. Pensei..
Osvapo — Quer dizer
Zexame — O qué?
Osvatvo — Ah! Bobagem....
Zexawe — Diz!
Osvaro0 — Quase nada.
Zenawr — Verdade?
Osvaino — # verdade! Alias,
vvow Ihe escrever (A parte) Tomara
que jamais minka carta chegue 20
seu destino, tomara que Fecunde 0
abismo do esquecimento; no entanto,
irei, nas arcias da Austrélia, em
busea de um tesouro menos precioso
gue 0 que perco!.
Zunaive — Talvez eu responda!
{A parte) Sera a titima carta ende-
recada 30 mundo antes de sepultar
num convento minha juventude de-
sesperada!
Osvatoo_— Até logo, Zenaide
(A parte) © padeiro amassa a mas-
sa, 8 amazona monta © cavalo, ©
navegante acerta o rumo, as chami-
és fumegam, 0 so! brilha, mas eu,
ev tenho que dizer adeus a jovem
que anol
ZeNADE — Até logo, Osvaldo
(A parte) Ji nfo sei 0 que penser,
id nao sei o que dizer, sou como
tums folha morta que cai num pin-
tano & meia-noit
‘Sk, PONACHAO ~ Ah! Meus fic
thos! Peguei, ah-ah-, peguei!
Zenae (4 parte) — Meu Devs,
meu pail
‘Osvatoo (a parte) — Aquele que
36 poderia ter sido mew sogro!
SR. Ponacuo ~ Vamos, va-
mos! Calmal Nao vou comer voces,
que diabol No lugar de vocts com
sua idade, ha muito que... esta
abragado!
Zenawz — Mas que quer dizer?
Sk. Ponaciio — Quer dizer,
meus franguinhos, quer dizer, meus
coelhinhos que voces foram vitimas
de uma carinhosa armadilha! Quer
dizer ue ¢& estou para ajcitar tudo
da parte de sua mae, minha querida
Zenaide; da parte de seus pais, meu
querido Osvaldo. ‘Tinhamos deci-
dido por & prova seus sent’mentos.
Quando vocés pensaram que tudo
estava perdido, seu desespero foi a
prova que «esse atracdo mitua io
era um desses fogos de palha, dese
ses namoricos de um dia, desses.
dessas... coisas que néo duram ©
que... mas voces nao dizem nada?
Ora bolas! Parece que esto petri
ficades?
Zennpe (8 parte) ~ Deus! Sera
possivel tamanha felicidad?
Osvatco (a parte) — Bendito
seja o dia em que a av6 de minha
noiva dew & luz meu sogrol
Sk. Ponactio — Bem. bem!
Vejo que a emogio Ihes tira a falal
Ora boles! No lugar de vocts © na
sua idade eu j4 estaria pulando! En-
fim, bem, néo quero insistit. Dei-
xo-08 sua alegria, Amanha fala-
remos do casamento... Se voces
secuperarem a fala! Até logo, meus
peixinhos, até logo, meus coligris!
Ora bolas, ofa bolas!
Osvatno — © Primavera! Gio-
ventu dell’ anol O Gioventu! Pri
mavere della vita!
ZeNne (4 parte) — Que jeito
amais esquisito de falar! Nao enten-
do nada. mas um tom de alegria
viril cessoa em suas polavras! Oh!
‘Who is me to have seen what I have
seen, to see what I see!
Osvatvo (a parte) — Que ¢ gue
ela disse? Que lingua esizanhal O
miisica da voz da bem-amada! Sua
melodia faz vibrar nossa alma, mes-
mo que nao compreendamos suas
palaveas. Sao cineo horas, Zenaide.
Zaatwe (i parte) — Continua
errando a hora, mos tenho gue
aprender a nfo contrariar meu es-
poso! ~ Pols ¢, ja ¢ tarde, Osvaldo!
Osvato (a parte) — Coisa ne-
nhuma, ainda é dia, mas munca se
deve contrariar as mulheres! Ente
vece ¢ minha, meu anjo?
Zenaroe (i parte) — Ercou de
novo, ele € que € meu, mas tanto
faz! ~ Pois €, somos um do outro
Osvatne (& parte) — Um do
outeo, ela disse um do outro! Ela €
minha, eu dela, um do outro? —
Para sempre?
Zennoe (a parte) — Para toda
ae ee
‘Osvaupo (a parte) — Até ques
morte nos sepate,
HAVIA UMA MULTIDAO NO
SOLAR ou
OS MONOLOGOS
ApaeseNrapor — Esta comédia
tem por objetivo sublinkar o carater
artificial e cémico dos mon6logos de
teatro. & por isso que, embora ela
comporte varios personagens, néo
hha nunca mais de um personagemfem cena. Portanto ela pode ser re
presentada por apenas dois atores,
um homem e¢ uma mulher, encar-
nando ripida e sucessivamente os
diversos papéie graces a alguns a:
lificios de aderegos. figurinos € ex-
presséo dos tipos. A cena acontece
em 1880. Representa uma espécie
de vestibulo no castelo no campo
onde se vé ao fundo a esquerda e
a direita duas portas que dao para
5 salées. Na parede, um armasio
embutido. Ouve-se ao longe uma
valea antiga, Entra Dubois-Dupont
A mésica para assim que comeca a
{alae
Duvors Duvonr (estd vestido
com um “plaid” de pelerine xadeez
coberto por um boné inglés combi-
nando) ~ Eu me apresento: sou 0
detetive Dubois, apelidado Dupont,
or me parecer com o célebre poli-
cial inglés Smith. Aqui esta mea
cartdo: Dubois--Dupont, homem de
confianca de desconfianga. Encon-
tra a chave dos enigmas ¢ dos cofre-
fortes. Destrdi os lares ¢ os recons-
tr6i a0 gosto do fregues. Pregos mé-
dicos, As razdes de minha preseaca
aqui sio misteriosas, bem como.
misteriosas. .. mas logo voces sabe-
#0, Nao digo mais nada. Eu me
‘elo. Siléncio! Basta-me indicar-Ihes
que nos encontramos em uma bela
noite de primavera (Mostra um ga-
the), no solar do Berio de Z... 22
de zebra e de Zéfiro... (Ri como unt
idiota.) Pess! Isso poderia colocé-
los na pista. Como podem ouvir. 0
Bardo e stra encantadora esposa dio
festa noite um suntucso baile, A fee-
ta esti no auge, Hi uma multidio
no solar. (A valsa recomera, acom-
panhada de risadas, vives, ruido de
copos se chocando, De repente tudo
pica bruscaments.) Ouvirom? 1
pprodigioso! © barulho do. baile
essa quando eu falo. Quando eu
me calo, ele recomesa, (No mo-
mento em que cala. com efeitos. 0s
rruidos recomegam, parando em se-
guida.) Ouviram?... (Uma série de
tuidos de baile)... Quando me calo.
(Ruidos de baile)... ele recomesa...
quando eu recomeco, ele cessa. E
maravilhoso! Mas, chega de con-
versal Estou agui para cumpric uma
missfio perigose. Alguém aqui sa-
bbe quem eu sou. Todos os outros
ignoram minha identidade. Tenko
tantas identidades diferentes! Ques
dizer que me tomam pelo que nao
sou. O crime — pois haveré um erie
me — ainda nfo foi consumado. E
no entanto, coisa estranka, eu, 0 de-
tetive, estou exatamente onde ele
serd cometido! Por qué? Mais tarde
voeés saberio, Vou thes deixar am
instente, para me misturar incognita
a faiscante mult'do de convidados
Quantas joias! Quantes candelabros!
Quanto cetim! Th, ver alguém ai!
Pass! Vou sumir, escafeder-me! (Ele
sal pola dircita, na ponta dos pés,
com o dedo nos libios. Logo que sai,
@ porte da esquerda se abre, ene
trando por ela a maravithosa Baro-
nnesa de Z... vestida em teaje de
noite.)
BAnONEsA — Eu sow a maravi-
thosa Baroneza de Z.... a mulher
mais invejada e mais cortejada das
redondesas. Admiem 26 meu yes-
tido de noite: repacem esta bainha
estteita de acafrao salpicado de breu,
este falso busto de penas de aves-
truz africana, estes opliques em pi-
nha de riga. este corpet= em Tancli-
ra caneladal E minhss j6ias, minkos
j6ies famosas er toda o regio: meu
colar de algas marinhas, meu enor-
me solitério no dedinho, meu bra-
celet de Coryza Luis XVI... E es-
tes “pizzicatti" na minka pinpinela?
Nio sio as mais belas joies do mun-
do? (De repente melaneélica) # por
isso que fico desolada de ser abane
donada por mew marido. Ble s6 pen-
sa na cagal No verio em perseguir
as pacas do brejo selvagem: no our
tono, em rastrear a pelicia — estes
#0 08 passatempos prediletos do
meu marido! (Suspira) Enquanto
isso, longe das minkas amigas do
Sacte-Cocur, eu que no suporto 0
jogo, nem a misica, nem a leitur,
fico aqui me aborrecendo, mofando
neste imenso solar bretio! Ou me-
Ihor, eu me aborrecia até que 0 Bae
ao teve a imprevista idéia de or;
aizer aqui mesmo um baile! Un
Je! Ele, 0 cacador. um baile em seus
dominios solitirios| Incrivell Eu ain-
da estou aturdida com isso ~ e ene
cantadal Pois eu tenho de reconhe-
ceri €.a mais bela noite de minha
vida. A festa esté no auge e ha uma
multidde no solar! Bem, agora ea
yolto depressa para o salio a fim
de me ocupar dos meus convidados!
Meu Deus, como estou me divertin
do! (Ela sai por onde entrou. De
novo cuve-se raidos da festa. De
repente, wm grito de mulher corta
© barutho do baile que cessa. A por-
ta se abre bruscarsente.)
18 Cantantia (entrando pela es-
querda) — Eu sou a primeira co-
mareira. © bario me cortejava um
pouco, Gostava da cor de meus cam
helos!... Mas por que falar sobre
isso?... A baronesa esti pasando
mal Depressa, 0s sais aromaticos €
sum médicol (Sai pela dircita)
It Crapo (enizando pela diccite,
‘Meias brancas, nvas brancas © pe
37ruc) — Que morte horrivel para
née todos! Como & que foi aconte-
cer tamaaha desgraca! Numa noite
de festa! E ev, que amava tanto meu
mol... Ah, ja ia esquecendo de di-
Zer que eu soto 1° criado de quar.
tol O primeiro! Um lugar de honral
(Sai pela esquerda.)
2+ Castanea (entrando pela e3-
‘querda. B uma camponesa, que fala
com rudeza) —~ Eu sou a Julio, a
segunda camareira. Eu também
cuido da cozinha, © pobre Senhor,
fostava tanto de apalpar meus pel
tos pelos cantos!... Isso tudo, apos-
to com voces, ¢ cilpa da Madame
Madame nio gestava da caca. Ma-
dame nfo gostava de comer os
igeus e 08 javalises que o seu ba-
rao matava com a espingarda. Pois
foi por causa dela que 0 coitado fi-
cou com os nervor em frangalhos.
(Sai pela diecita.)
2 Cuno (entrando pela direita)
= Pode ser que eu néo passe de
tam segundo criado de quatto, Tudo
bem. Mas eu sei muito mais que of
outros! Ha muito tempo eu descon-
fiava de alguma coisal Mas eu nao
queria dizer nada a ninguem! Por
isco € que ninguém sabia de nada
(Sai pela. esquerda.)
“Miss Issiree (ontrando peta diret-
ta. Ela & jover ¢ bela ¢ tem um For-
fe sotque americano) —~ Eu ser a
fenime fatale” deste castelo. Ser
conhecida como Miss Essipee. Ah, eu
© amo, © adoro, 0 Vener, sa ar-
madura, seu brasio de descendeate
da eruzadal.... Vou fingit que pres-
to socorro 8 baronesal.., Mas
Jogo estazei tomando a locomoti-
val... Enguanto espero, vou pro-
curar a sale a vinagre! (Sai pela
38. esquerda,)
Duvots Durowr (vindo da direi-
ta, Esta em traje de noite e segura
na méo uma cartole) — A trama se
acirra, a intriga se arme, o mistério
se adensa.... Gragas ao mex plano
diabolico, a Baronesa de Z foi infor-
mada, em plena festa, da stblta
morte de seu esposo! Tera sido um
crime? ou um suicidio? A multidao
dos convidados que ainda ota os
saldes do solar se faz tais perguntas
com angistia, Oucam! (Pela porta
aberta, ouve-se diverses vozes se
interpelando.)
‘Vozxs (a0 fonge) — Crime?
Swicidio?... Nao, nfo! # impossi-
yell Seré que ele se suicidou? To-
mara que nfo!... Sim! Suicidio!.
Um crime, com certeza... Vamos
procurar © assassino!
Duaois Duron (esfregando 2
mios de satisfacéo) — Perfeito!
Perfeito! Tudo esta correndo bem!
Vem alguém! Vou desaparecer de-
ppressa nos meandros empoeicados
deste castelo, cujas saidas mais se-
cretas conhego bem. (Sai pela direi-
1a.)
‘Miss Issipee. (reaparece a esquer-
ia Gms a Boro re to) ~ Bate
guel a sale a vinagre para a camar
reita para cla entupir as ventas da
baronesa. (Mostra o Fiero) E pe-
guei o roteiro dos trens. Ja que a
morte sai “exactly” come se previ
posso partir contente. O mew queti-
do no precisa desesperar muito na
plataforma da estacio. (Ouve-se unt
galope de cavalo que se distancia)
‘Ah, € 0 galope do cavalo dele! Vi
‘9 castor pelide de Oklahoma! (Sai
pela. diccita,)
1 Cnavo (entrando pela diret-
ta) — Essa americana néo prestal
Que pena! Meu amo tinfia um fra-
co por ela! Ela vinha sempre se es-
fregar nele, que horror! E era eu
que escevava 0 pé de arroz das rou-
pes dele, Que pecado, um senhor
tio bom! (Sai pela esquerda.)
2° Cantantiea (enteando pela di-
reita. Traz um saleiro e uma galhe-
ta de vinagee) — O que els quee
com esse saleiro e esse vinagreico
fessa vaca! Ah! Ela a mia aio me
engana, Quer fingie que € boazi-
aha? Ab, ela néo me passa pela gar~
gantal E além do mais, tudo isto
etd muito esquibito! Como € que o
bario esti morto no jardim se ele
estava agora mesmo vivinko da sil-
val Hum! Quem vivo cadaver?
Aguele rapazote! O que ele viu foi
tum desses convidados bebados cal-
do aa relval Agh! Isso no me chei-
ra. bem! (Sai pela cequerda.)
2 Crnpo (entrando pela esqier-
da) = Eu nfo catendo nada de
nade, quando nada se casa. Mas
quando fem alguasa coisa, at eu en-
tendo, Mas vocés pensam que eu
vou dizer © que eu sei? Nunca! No
vou dizer neca de pitbiribas, (Sai
pela diceita,)
16 Camanuina ~ Isso até parece
tam petadelo, Quando eu fut buscar
«@ médico, eu vi o vulto de um ho-
mem se arrastando contra as pare-
des que depois desapareces atti de
‘uma tapecatla, Bu no posso ter cer~
teza porque o coredor estava multo
escuro. Mas eu acho que era 0 se-
hor barso, ow entio_alguem multo
parecido com ele. Nao & pora en
ouquecer qualguer um? (Sai pela
dirsita, A cona permanece vazia por
figure insiates. O vento comese &
Ssoprar violentamente, rangendo nas
portas.)Banonesa (entrando pela esquer-
da ¢ falando com alguéra na coxia)
= Nio obrigada, pode deixar, ex
estou melhor! Eu quero ficar sozi-
ha uns instantes. (Fecha a porta)
Que noite! Mal et tinha tomado
consciéncia da minha felicidade, 10
meio da brilhante multidio de con-
vidados, mal tinha dangado apenas
uma ow duas valsas — eis que me
foi trazida a terrivel noticia pela
boca de um garoto inocente! Como
uma frigil felicidade se deixou so-
sobrar ante as garras crueis do des
tino! Quanto teatrol Ah! Enquanto
eu for vive jamais me esquecerel
dessa valsal (Ouve-se como um so-
mho, em surdina, a valsa do
da festa, Depois diversas vozes di-
zendo: Crime? Suicidio? Ela sonha
um momento enzuga ax lagrimas)
Mas como posso entender tudo
isso? As dez horas um garoto diz
ter visto 0 corpo inanimado de
meu marido, caido no parque com
a cartola estramhamente enflada na
ccabeca.até o gueixo! As dez e cinco,
quando todos acorreram 20 local,
do suposte crime, o corpo havia de-
separecidat De qualquer forma, mew
marido ndo mais aparece no cas-
telol Mas quem feria interesse em
assassinar um homem tio rico? E
por que ele haveria de se suicidar se
gosteva tanto de cacar? Por outro
lado, sera que devo confiar na pa
Tavea de um garoto assustado? Ab,
cstes enigmos me matam! Minha ca-
beca, oh, como doi! (Durante todo
© monélogo da baronesa, 0 vento
soprou cada vez mais forte, até que
de repente. 2 porta clo armirio se
abre de tal mancica que somtente 03
‘personagens possam ver 0 que hd
dentro. A baronesa, mergulhada em
seus pensamentos vai e vem cm cona,
até que so encontra defronte do ai
mécio aberto. Ele dé um grito estei-
dente e Joge pela esquerda. Logo
depois aparece correndo pela dirsi-
faa 2 camarcira.)
2 CaNareiern — Quem gritou?
(Percebe 0 acmério aberto ¢ grita)
Ai! Jesus! Um eadavee! (Foge, per-
signado-se por onde apareceu. Lo-
90 aparece & esquerda o 1° Criado
de quarto.)
1 Crav0 — Oh, um defunto!
Mas € 0 Senhor Bardo! Sim, € 0
coitada do mex amo! Socorro! So-
corto! (Desaparece por onde en-
cou.)
1 Cawartina (da dircita) —
Que confusio! O que sera dessa vez?
(Ela se volta e otha para 0 armario)
‘Oh, que horror! (Recobrando-se do
susio) # verdade, & muito parecido!
Vamos, coragem! Tenho que olhar!
Ora, mas esse, mas eu juro que esse
iio € o Senhor Bardo! (Apontando
para 0 cadaver e falando em um tom
tragico) B alguem que queria se pa-
recer com o Senhor Basco! Mas que
nfo era o Senhor Bario! (Ouve-se
outro grito estridente 20 fonge) Ci
a baronesa ja esti tendo outra crise
de nerves! Tenho que levar-the os
sais! SO para mim que ninguém traz
sais, © eu bem que precisaval (Ela
cai corajosamente pela dircita, A
cena permanece vazia por instantes.
Ouverse gritos. pessoas que se ine
ferrogam, passos apressades. O ven-
to redobra a forca e de repente 0
“cadaver” amarrado ¢ amordacado,
com @ certola enterrada até 0 quci-
0 cai do azmario, de cara no chao)
Miss Issipex. (aparecendo a es-
querda. atravessa rapidamente até
2 diroita. Dirigindo-se ao “cadaver")
~ Muito agrodecida, Senhor Faz-
“Tudo! © verdadeiro bardo jf esta
Jonge dagui! Eu me encontro com
ele, esta noite, no cais do porto, O
senhor receberi seu cheque pelo
pombo-correio, By! (Ela desaparece
pela diteita. Togo 0 "cadaver" se
enrosca no chio © retira a cartola
que the escondia 0 resto’ & Dubois-
“Dupont, radiante)
Dusois Durowr (secudindo a
pocica de suas vestes) — Pouah!
‘Vocés nem imaginm a quantidade
de potira que se acumula em um
armario velho de um castelo, princi-
palmente quando ele se comunic
com uma escada que ficou fechada
desde at Cruzadas! Isso vai me en-
sinar a brincar de fantasmas! Azer!
Tanto faz! Enquanto eu quase su
focava sob aquela cartola do crime
(ou do suicidio, munca se saberé)
© baréo fugia, para logo se encon-
trar com sua Dulcinéia, a intrigante
americana! Crime ou suicfdio, pou-
co importa: de qualquer maneira, a
morie sibita do bario ficara impres-
s2 na meméria de todo 0 mundo,
Alguns terio até visto © cadaver,
nesta sinistra noite de vento, O que
mais € preciso pera comecar vida
nova, quando se¢ um homem apai-
xonado, ¢ louco para se ver livre da
mulher, ¢ para ir cogor 0 castor pe-
Indo de Oklahoma! Este foi 0 plano
imaginado pelo barao de fugir para
sempre com Miss Issipee, levando
seus lingotes de ouro na mala e de-
xando uma viva inconsolavell Bem
agora € minha vez de fugir! A bo-
talha esté vencida. Espero que meu
cheque nao se percal Nao. confio
‘muito em pombos-correio! (le apa-
nka no etmicio seu “plaid” © seu
boné. cobre-se c sai trangitilamente
pela dircita. Do mesmo lado apa
rece a camareita)
3940
1 Camarsira (vendo 0 armirio
vazio) — Mas ¢ claro! O armario
std vasiol Bem que ex desconfiaval
Até gue esse cadaver tem boas per-
nnas! Tudo no passou de uma co-
média ridfeula! Ah! Como a baro-
esa é boba de ter acreditado em
tudo isto! (Sai pela esquerde. O
paleo permanece vazio wm instante.
Ouve-se novamente a valea.)
2° Caiano (pela esquerda. falan-
do para a coxia) — Ei, minka po-
bre patroa, venha por aqui! Nio te-
nha medal A senhora vai ver que
io ha mais bario nenhum nem ca-
daver aqui! Ah, ele deve estar lon-
ge, seu marido! (Para 0 piblico)
Hum, eu bem que desconfiava de
alguma coisa, mas eu no queria
dizer nada de nada, (Sai pela di-
reita,)
Banonasa (pela dicta, atraves-
sando melancolicamente 0 paleo) —
E fol assim © meu tinico dia de fe-
licidadel Bicou perdido para sem-
pre no mistério ¢ na solidio! Ai de
min! Jamais me esquecerei dessa
noite de festa! Esta noite havia uma
multidéo no solar!(Ela sai pela
reita enquanto a vatsa toca em sur-
dina.)
‘AResenTApon —
14 morto por que fazé-lo?
CONVERSAGAO SINFONIETA
PERSONAGENS
© Ensaiador
(Os seis coristas: BY, B2, C1. C2,
SeT
© Locator de Radio
© Regents
A cena representa um estidio de
radio ou_uma sala de concertos de
onde a Sinfonieta sera transmitida.
Ko se descerrar a cortina, a sala
esti vazia, As cadeiras © as estan-
tes dos corisias esto dispostas de-
fronte a0 piblico, em semictreulo,
assim como o estrado e a estante do
regente. Ha ainda dois mictofones
dispostos de um Jado e um outro 10.
estrado do regente. O ensaiador che-
ga trazendo as partituras. Dispoe-
nas cuidadesamente nas estantes,
desloca de alguns centimeiros os
‘mlecofones e em seguida se retira.
Logo depois chegam os coristas.
‘Tém aspecto qualquer, mais para
triste, Sentam-se em seus lugares €
aguardam com at guase indiferente.
Chega enfim 0 locutor. vai colo-
car-se em pé, de face para o pi-
bilico, diante de um dos microfones,
Traz na mio wm papel, que rele
Tosse um poco, limpando a ga
ganta, depots lanca um olhar para
‘5 bastidores, do lado por onde saiu
fo ensaiador. A um sinal que este Ihe
tera feito, principla a ler 0 texto de
‘apresentagio de Sinfonieta,
Locutor — Minhas senhoras €
seus seahores, fala aqui a Radio em
‘Toda Parte, Dentro de alguns mi-
nutes daremos Inicio a itradiaggo
Conversagio Snfonieta, do compo-
sitor Johann Spatgott. Compde-se
‘essa sinfonia vocal de trés movimen-
tos: Allegro ma non troppo, Andan-
te Sustenuto € Scherzo Vivace. 0
Allegro, apés uma exposicio répida,
Gesenvolve com autoridade o tema
de opoticio entre © sonho, simbolt-
zado pelo par tenor-soprano, e a
realidade, cujas afirmagSes peremp-
torias esti principalmente confiadas
fas vozes graves. Estas impoem afi-
nal as suas conclusées, num canto
trinfal a gloria do equileio. hue
mano; a saiide antes de tudo.
TENSAIADOR (aparccendo ¢ fatando
4 meia-vdz) — Reelera um pouco 0
movimento, sendo vai prejudicar 0
hhorario! (Desaparece)
Locuror (com volubilidade © a
toda velocidadte) ~ O andante, mo-
Vimento lento € meditative, desen-
rola uma lamentacso sonkadora e
arvasteda, que fez apacecer em pri-
meio plano 2s inflexdes patéticas
dos vores femininas, cujos recitati-
vos comovidos, consagrados aos es-
piritos © aparigees, nos conduziriam
0 dominio inguietante do além, se
nao fosse in fine contraditados pela
placida intervengdo dos baixos, que
mais uma ver retomam o cena da
Vida todo-poderosa: “Com um bom
jantar.”
Ensnapor (mesmo jogo de cena)
= O regente esta atrasado, convém
falar mais devogar para it entre-
tendo o auditério.
Locuror (muito lentamente, de-
pois de dar de ombros. amolado)
7 Bafim. .. 0 Scherzo... Vivace.
fetomanda wm ritmo... endiabra~
do... 0 tema precedente... for-
mma.- uma... como que farandola
vertiginosa. .. de movimentos
vives... em toro do tempo... i
cial, gue se toma... subitamen-
fe... tao leve,.. quanto répido.
(Enquanto 0 locutor pronancia as
iltimas palavras, vem chegando 0
regente, cle casaca, com um ar é¢~
doroso ¢ atarofads, sata 0 pabli-
co, voltalics as costas € sobe 20
estrado. O regente empunha a ba-
fata, vica a primeice pagina de sua
partitira eda o tom aos coristas,
Féilo pronunciando a mezza-voce—" i ~~
silaba BA, A partie dessa indicacio,
os baixos repeter por um momento
tnis silabas, cada qual para si, em
desoedem, como urta orquestra que
afina seus instrumentos. O regente.
que é papel mudo, regerd, realmente,
dentro em pouco: dando entrada de
cada parte, recitativg o conjunto, ©
indicando as nuangas, Os coristas
falario, tanto quanto postivel. sem
modulacdo cantada, s6 com efeitos
de ritmo ou de intonsidacie. Nao re-
presentardo 0 significado do que di-
‘zem, conto comediantes, mas 0 som,
‘coma instrumentistas. Havers pols
lum contraste entee 0 que dizom, ¢
as suas atitudes, que permanecerdo
sérias e impessoais, com aqucla es
pécie do desprondimento préprio de
certos miisicos profissionais, que se
‘empenham em focar bom, som asst
mie 0 ar de participarem no que es-
tio fazendo.)
Locutor ~ Oucamos, a seguir
9 Allegro ma non troppo. (Locuror
vai sentar-se numa cadeira do ¢s-
tiidio)
BI — Bom dia, minha senhora!
C2 ~ Bom dia.
B2 — Bom dia, minha senhoral
Bom dia, minha senhora!
Cle C2 (forte ¢ juntos) — Bom
dia
BI e B2 e Cle C2 continuam @
replicar em surdina, num tom igual,
monétono, muito maxtelado: “Bom
dia, Bom dia”, enquanto tenor ¢ s0-
pprano que se puseram de pé, tro-
cam as suas replicas muito em sa-
ligncia e com fraseado comovido.
T — Bom dia, Mademoiselle!
Como tem passado, Mademoiselle!
S (um tompo_e em seguida) ~
Bem, obrigada. E 0 seahor, bem?
"T’— Bem obrigado, Madcmoisel-
le, e @ senkora?
'S — Bem, obrigads,
T — Obrigado, e a senhora?
S — Bem obrigada, ¢ 0 senhor?
(De ‘repente tudo para. O- tenor
senta-se, B2 erguendo-Se)
B2 ~ Estou encentado de ser re-
cebido aqui pela senhora, Depois de
tema avséneia tio ploloagads.
BI (maito depressa) —~ Quem es-
tove ausente?
C1 (muito depressa) — Quem?
S (muito depressa) — Quem?
T (muito depressa) ~ Quem?
C2 (muito depeessa) — Quem?
B2 (sempre de pé) ~ Nio set
quem esteve ausente, Se a senhora
‘ou se ev. Convenhamos. Que um de
nés esteve ausente. Pois niio nos en-
contramos. (Senta-se)
Cl- (erguendo-se) — B! Cada
qual pra 0 seu lado, Vive agora tao
‘cupado.
BI ¢ B2 (jantos) — Ocupado,
‘ocupado, ocupado,
C1 (continzando) ~ Lamento-o
infinitamente: gosto tanto de rece-
ber!
(Senta-se. O tenor e 0 soprano
Ievantam-se 26 mesmo tempo)
T (inclinando-se para 0 soprano)
~ Conheso alguém, Mademoiselle,
que esteve sempre presente quando
2 senhora estava aqui
S (terna) — Esteve sempre pre-
sente?
C1 — Esteve sempre presente!
C2 ~ Esteve sempre presente!
S (continuando) — Esteve sem-
pre presente? E eu que nio sei por
isso!
Cle C2 (juntas) — Ela nao dew
por isso! Ela néo dew por isco!
(Curto silencio)
Cl e C2 (juntas) — Rapaz, por
que, por qué. Néo responde voce.
BI — Vamos, rapez, respondal
B2 — Vamos, rapa2. responda!
Cl — Parece que 0s dois, Estio
encabulados. Deixemo-los pois. Fa-
Jemos de outra coisa!
(T eS sentamese)
BI — A estagio anda bem fraca.
C2 — Acho que anda horrorosa,
C1 = Imaginem que hoje € tar
de.
B2 — A estacio anda bem fraca.
BI — Nao interrompa a senhoral
B2 ~ Perdio, minha senhora Por
tela. interrompido, Eu estava dis-
ttafdo.
Cl — Imaginem que hoje a tarde
Vinka eu deseendo os Boulevards..
B2 — A pel
Cl — A pé. Sim. a pé, a pé. Gos-
to de andar a pe
BI ~ Ora, ndo interrompa a se-
ahora!
Cl — Como ia dizendo, hoje
vinha eu descendo 0s Boulevards,
quando encontro, adivinhem o qué?
B2 ~ O qué?
C2 ~ O que?
T — O ve?
S ~ 0 que?
Cl — Um navio de velat
Tonos 0s OUTROS CANTORES JUN-
703 — Um navio de vela em plena
rua, que coisa mais estranhal
C1 (rindo) — Mas era um navio-
reclame.
‘Ah ah oh ah ah! ab! ah! ah! ah
De papelio e madeira pintada,
Conduzido num automovel
a42
B2 — Ah! Compreendo,
C2 — Ea também
BI — Eu tambem.
C1 ~ Bra a Companhia
Dos turistas reunidos
Que fezia publicidede
Para os cruzeiros de verlo
S (etgaendo-ee) — Que decepeto
Me dew agoral
Eu queria que fosse
Um navio de verdade!
A vida é tio monétoaa!
BI (carrancado) —~ Qual nada,
qual nada, qual nada!
B2 ~ Qual nada, qual nada, qual
nada!
BI e B2 (juntos) — Qual nada
qual nada, qual nada!
(Continam em surdina dizer:
“qual nada, qual nada”, enquanto
dara o recitativo seguinte)
C2 (erguendo-se) — As mocas
[so roménticas
Hu também fei assim,
Querendo no sei o qué...
(BI e B2 param de cantar)
Cl —B sim, € sim, € sim,
Cle C2 (juntas) — B sim. € sim.
é sim.
BI e B2 (juntos) — Qual nada,
qual nada, qual nadal
Cle C2 (juntas) — B sim, € sim,
6 sim
BI (crguendo-se) — A vide est
[bem como esta
preciso se contentar
Com o que se tem, sem se deixar
Levar por devancios ints
(Senta-se)
Cl = No fwndo, © senhor tem
razé0. B preciso saber viver.
C2 (patetica) ~ Sem divida, sob
condigio. De ter “de que” viver!
BL — Mas eu sempre vivi
B2 — E eu continuo vivendo.
C1 = Isso € 0 essencial
C2 — A sve antes de tudo.
(De pé)
T (muito sentimental) — Com
tum pouco de amor!
Toe S (crescendo) — Com um
pouco de amor.
‘Com muito, mito amor!
BI e B2 (juntos) ~ Saide aniés
de tadol Saude antes de tudo!
Tonos (juntos, forte) — Saide
[antes de tudo!
Sade antes de tude!
Satide antes de wade! (Pause)
Locuron (erguendo-se ¢ pondo-
-se dante do microfone) — Andan-
te sustenutol (Torna a sentar-s0)
T — Mas o espirito, podem cres,
¢ quem faz tudo!
Bl © B2 (restritivos) — Quase
Tesido! Quase tudo!
Quase tudo! Quase tudo!
Cl = Onde esta cle?
C2 = Onde esté ele?
S — Onde esti? Esté em nés!
C1 (misterosamente) —
Eu vou aiais longe,
Senhoras e senhores:
Os expiritos esto
Em toda a parte!
C2 — Onde estio?
S ~Onde estao?
CI — Onde estamos, em tome
nos, deslizando, esgueirando-se, hl
Os 6 conistas (juntos) — Uh,
Teh. uh, uh, wh, whl
Ub, ub, uh, uh, uh, uh!
(Esse uh!’ de pavor é antes muc«
marado, mas om croscendo, numa
modalacéo ascendente e em seguide
descondente © de durario igual &
dos versos precedentes)
S — Sio mausi Nao posso crer
Na maldade dos nossos
Pobres antepassados.
C1 = Quando sio desgracados
E, noite morta, param
‘Nos lares. que em vida habitacam
Alguns. dizem, sio mais daninhos
Mais ferozes que os lobos, uh!
Os seis (juntos) — Uh, wh, uh.
th, ua, uh, uh, uh, uh (como acima)
Cl — Outros, a0 contritio, si0
Uns verdadeitas eriangos.
Que se pelam por ser ninados
€2 (erguendo-se © comecondo um
recitativo) — Eu tive uma vizinha
Cujo irmio era doudo...
Bie B2 (juntos) —
Cujo ieméo era dodo,
Cujo irmio era doudo.
C2 — E como 05 demais doudos
Via mais que nds todos.
BI e B2 (juntos)
‘Via mais que nés todos,
Via mais que nés todos...
C2 = Pois bem
BI — E entéo?
B2 — E entio?
Cl ~ E entéo!
C2 — Muitas vezes vinha a
[eozinha
© fantasma de algum defunto
Burtar-lke 0 presunto
(Ow uma empadinka,
BI (incrédulo ¢ chocareivo) ~
Legumes também?
C2 — Legumes, nao!
BI — Entao era 0 gato!
B2 — Era o gato, era 0 gato!
Bi ¢ B2 — Era o gato o ladrio!
C2 (indignedo) —
(© rapaz era doudo, ja disse
Mas no que confundisse
Um gato vagabundo
Com alma do outro mundo!Cl — E saiba o senhor que lé
[em casa
Certo fantasma sorrateiro,
Nao hi muito,
Vinha furtar-nos dinheiro.
S — O qué? Dinheis
Cle C2 (juntas) — Sim, dinhei-
9, dinkeito, dinhelt.
BI (chocarciro) — Era outro?
B2 (no mesmo tom) — Ou papel?
BI (com harmonia) ~ Minha boa
[senhora, use 0 erinio
E reflita um momento a sério.
B2 — Ou mesmo aéreo.
BI_— Isia fazer com dinheiro,
Coisa instil no outro mundo!
S — Talver 14, em matéria de
[cimbio,
Lhe fizesse arranjo
Espitito néo € anjo.
C1 = Eos homens que serio
enti?
‘C2. ~ Ah, os homens, nem € bom
flac!
'S — Nem é bom falar!
C1 — Nem ¢ bom falar!
C2 — Nem ¢ bom falar!
BI — Em alma do outro mundo
B que eu nao posto acreditar!
Ba (efiemativo, acelerando) —
Tao pouco eu posso acreditar!
O que ha neste mundo
Nas mos. sob os pés.
Barece comigo e vor
Se ouve, se ve!
BI (mesma jogo de cena) —
Tem pss0, volume,
Se come cw bebe
‘Se bebe ou se come!
T (ergucndo-se com ardor) —~ Se
estreita ‘20. coragio!
S (ousede) — Se baja com pai-
Os 6 yunros —
Ob, ob, oh, ob, oh, oh,
‘Oh, ob, ob, oh, oh, oh. (crescendo
e decrescende como acina)
BI — Oh, oh, na mocidade
Ha tal fogosidade.
B2 — Falemos baixe, falemos
baixo.
BI ~ Falemos haixo.
BI, B2, Cl ¢ C2 (juntos) —
Falemos baixol Falemos baixo!
Ealemos baixo! Falemos baixo!
Cl = B chegado 0 momento.
C2 — B chegado 0 momento.
Cl = De explorar-lhes 0 senti-
[mento
De anunciar-the 0 casamento....
C2 — Com um bom jantas!
1 _— Uns bom jantatt Um bom
jantai
Bi e B2 — Um bom jantar! Um
bom jantar!
(Os 6 juntos (muito beixinho) ~
Um bom jonter, Um bom jantar!
Um bom janter! Um bom jantac!
(decreseendo)
Uma pausa
© rocutor (erguendo-se € vate
tanto ao microfone) — Scherzo Vi-
vace! (Torna a sontar-se)
BL © B2.(repetindo, em ritmo
muito marcado, cite veces as mes-
maz dias silabos) —
Gosto, gosto, gosto, gosto,
Gosto, gasto. gosto, gosto.
C1 = De ores
B2 — De frutas
BI — De fritas
B2 — De vishos
S = De creme
T — De grogues
BI e B2 (mesmo jogo de cena) —
Gosto, gosto, gosto, gasts
Gesto, gosto, gosto, gosto
T De grogues
§ — De creme
B2 — De vinhos
Bi — De fritas
C2 — De frutas
Cl = De flores
Cl (erguendo.se para dizer a sua
parte © tornando logo a sentar-se)
Quer servido quente ou frio.
Gosto de lett assado.
C2 (mesmo jogo) —
De miolos com farofa,
De um franguinho bem dourado
BI (mesmo jogo) — De aipo co-
zinhado em Ieite. .
B2 (mesmo jogo) ~ De alcacho-
fras com aceite...
‘T — De um chateaubriand a0
onto...
S (postion) ~ Tris fatias de
ett
BI ~ Como consegue obte-las?
B2 — Como consegue obté-las?
$ (cada vez mais poética) — Com
dois raios de estrelas
C1 ~ Corto-as em pedacinhos.
C2 — Muito pequenininhos.
BI — E como é que as prepara?
B2 — E como € que as prepara?
T = E como @ que as prepara?
S — Aw gratin ndo ext bem?
Bie B2 (maito martelado) ~
*Sta bem, ‘ota bem, ‘sta bem, ‘sta
bem, ‘sta bem!
Cl = Em fomo, em grelha (ace-
lecando até tarteletes)
C2 — Com sal ov agtcar
S$ — Ao marasquino
BI ~ Ash, os salsichoes
Paios, feijées
B2 — Pudins. pudins
Cl — Os lagostin
T = As cosieletas
S — As tarteletas
4344
BI e B2 (juntos) — ‘Sta bem,
‘std_bem!
Cl — Eu os bato
Esmago
E moo
$ ~ Eu os mimo, os aceriaho
BI ~ Eu os coo
Enlato
Engulo
S {melocicamente) ~ Eu os sic-
vo flambés ao rapaz de quem gosto!
BI — A mulher de quem gosto!
C1 (melancélica) — Ao de quem
eu gostaval
‘T (apaixonadamente! ~ Aquela
de quem gosto!....(ligerra patisa)
BI e B2 (juntos) —
Gosto, gosto. gosto!
Gosto, gosto, gosto!
Gosto. gosto. gosto!
Cl — De frutas
C2 — De flores
BL — De fritas
B2 — De vinhos
S = De aspargos
T — De couves
BI © B2 — Gosto, gosto. gosto,
gosto!
T ~ De calor
S = De ftio
B2 — De acicar
Bl — De sal
Cl = Do vehido
C2 — Da chita
T — De manga
S — De jaca
B2 — De abiu
BI = De abrics
(Todos juntos. Efeitos “ad lbi-
tum”. Crescendo e decrescendo, pac
rodiando certas conelusses inteemi-
néveis de misica eldssica)
Tooos ~ De tudo! De tudol De
tudo! De tudo!
De tudo de tudo de tudo de tudo
[de tudo de tudo
De tudo de tude de tudo de tudo
[de tudo de tudo! (Pausa)
(Depois de saudar 0 piblico, 0
regente e coristas retiram-se na pone
ta dos pés)
UMA VOZ SEM NINGUEM
Sciam transparentes ov opacas,
Modestas ou coloridas de imagens,
Nossas palavras no terio mais
[sentido que
Um sopro sem resto ressoando
Sobre as ruinas de um templo ou
Num enorme campo deserto
Desde sempre ignorado dos homens
Assim, que deixe um nome eu
[permancsa
Anonimo, que acrescente um termo
[a linguagem ou
Se apague num suspico, de todo
[modo,
© potie desaparece. traldo por seu
[proprio murmario
E nada fica depois dele, seaio uma
[vor —
Sem ninguém.
MONSIEUR MOI
(Monsieur Mot, personagem pre-
tensioso que fala por frases feitas)
Mowsisur Mor — Voce, que
tem sido meu fiel companheiro,
pare por aqui!
Paacetro ~ Ta bem, ta bem, ta
bem, ta bem.
Moxsiun Mot — E ponha a
lanterna no chao para desenferru-
jar os dedos. Pronto!
Parcero — Ufa!
Moxsiiux Mot — Imposswel i-
Parcetro ~ Otimo, étimo!
Mowsisur Mot ~ Voce sem di-
‘vida me perguntar por que para-
Parceino — Bem... claro!
Monsieur Mor — Na verdade,
esperava por esta pergunta, Agra-
deyorhe por tela eit tiske-
mente vood,
Paaceina ~ Ah! Akl
‘Monsitur Mo: ~ Perfeito! No
entanto, antes de responder, peco-
lhe que me considere, por’ favor,
na situaggo em gue me encontro, cu
seja, no ponto exato a que chega-
mos. Largue essa lanternal & com
fs olhos dalma que voce deve me
Pagceio — Pronto!
Monsieur Mor — Responda!
Diga Ié se me vejo tal como devo
ser: agui no meio do caminho, um
homem Iégico, no € isso que sou?
Parceiro — # isso all
Moxsipur Mor — Entio um ho-
mem que raciccina, ou seja, que
mede, compara, soma, subtrai, en-
fim, que efetua operagées exatas:
ado € esse 0 homem gue sou?
Pancetno — Dois e dois ~ tac!
Mowsizue Mot ~ Pelo menos ex
era esse homem no camisho que
ercorriamos, antes de pararmos.
Ora, paramos, ndo ¢ verdade?
Paaceiro — Crac!
‘Monsitur Mot ~ Pois bem! Co-
hecendo voce come conheco, sintoque vat fazer mais uma vez essa
eterna pergunta: Por que paramos?
Pagcziro — Desculps!
‘Monsitur Mot ~ Nao, néo, nade
de desculpas! Pelo contrario, para-
béns! Parabéns por sua insisténcia
e perspi is € precisamente
este o problema. O grande proble-
ma. E voce sabe qual seré minha
Fesposta?
Parceino — Quem ex? Naot
Mowsixur Mot — Minha res-
posta é que nio sei por que par
mos. Nao sei! Desculpe, nfo esti
com medo?
Panceno — Oh, niol Oh, nfo
‘Mowsizur Mor ~ Néo sei por
que paramos, dizia eu, mas veja
ber, € exatamente por isso que pa-
Parceiro ~ Poxal
Mowstsur Mot — Havia nesta
etapa do camiaho, um obstaculo:
algo de inexplicavel, algo de irre-
dutivel, opaco, contra 0 que nos
chocamos.
Pagceiro — Bum!
Monsieur Mor — Nao se pode-
ia dizer melhor. Chocamo-nos pre-
cisamente contra o que nos impedia
de prosseguir. Ora, no conhecemos
fesse obsticulo € ha pouces possi
lidades de que cheguemos a conhe-
. Hein? O qué?
Parceiro — Nada!
Monsisur Mor — Como? Penset
ue tivesse dito alguma coisa.
Parceino ~ Quem? Eu?
Moxsisur Mor — B! Vocé!
Parceio ~ Eu néo!
Moxstzun Mot — Entio talver
tenha sido cu mesmo. Sim, deve ter
sido eu, pois justamente ‘me dizia
‘que a minha vida 6 bem estranha,
Parco — Nem digel
Monsieur Mot ~ Sim, ha aa
minha vida um no sei que de in-
compreensivel e inaceitavel, uma cof
0 talver grandiosa, talvez atroz —
de qualquer forma algo de mensura-
do em relag3o a mim e mo entanto,
em toro de que toda minha vida
esta construida, Penso nisso muitas
vveres e a cada vez tenho medo, pois
io posso nem adivinhar © que seja.
Qualquer coisa como uma lembrance,
tum acontecimento estranho € que n0
entanto pesa-me sobre 03 ombros
como um fardo pessoal. Foi talvez
tum momento de deméncia que se ine
filtrou no cerne de minka razéo,
talvez a imensidio do nada em meto
Panceito ~ Opal
Monsieur Mor ~ Suas reflextes
provam enfaticamente o interesse
que vocé tem por mim. Vocé € real
mente um grande apovo
Panceito ~ Bem...
Monstur Mor — Mas claro!
Mas claro! Nada de protestos! De
qualquer forma, voce me acompa-
hou oté aqui ~ & um fato, E se
paramos nfo foi seguramente por
sua eulpa.
Parcsino ~ Ah, isso € que nfo!
Monsieur Mor ~ Na minha opi-
nifio, essa coisa estava ai, nos espe-
rando, bem no meio do caminho, ©
embora ela esteja af, af na nossa
frente, é impossivel saber 0 que sejal
Confesse que € uma situac&o emba-
racosa pata espiritos tao desavisados
quanto os nossos?
Panczito ~ Ah, claro. Logical
Moxsitur Mor ~ Mas vou sur-
preendé-lo ainda mais. Eu, que c&
estou falando com voce e a quem
oo? responde com tanta pertinén-
cia, et que tenho medo desta coisa
incompreensivel, posso, 20. menos,
ter a vantagem de contorné-la, Voce
esta entendendo? Posto contornar
este obstéculo com minha cazio,
‘Voce esta me seguindo, nio €? Com
‘minha 1:
Parceizo ~ Com minha razio
Monsieur Mor ~ Alias, com
meus pés também, Voc® esta me se-
guiado? Com meus pés.
Paaceszo — Com meus pés.
Mowsteur Mor — E quando a
tiver contomado entio, de repente,
num_movimento rspido, como um
ilusionista, posso pér a coisa na mi:
taba sacolal Sem testemunhas! Um
passe de magica!
Panceio ~ Hac!
Monsteur Mor — E com aisha
sacola nas costas, paderel enfim con-
tinuar a caminhadal
Parcereo ~ Pfuit!
Monsteur Mor ~ Veja bem, €
uum grande alfvio poder cezear 0 que
nos ameaca, quero dizer cercar com
‘© pensamento, ot com uma simples
imagem, talvez com um gesto..
Ni vou 20 cere do abismo: como
poderia? Mas contorno-0, e, quando
sei gue a minha loucura, com a lou-
cara do mundo, esta contida em mic
tba razfo, quando fago cair em meu
olhar este imenso céw incompreensi-
vel confundido com minhas préprias
trevas. quando manejo minha vida
com solicitude, entio sustento todos
0s trovées num Fio e meu crime des-
cankecido na nebreza de minha ino-
céncia. Adormeso reconciliado,
Parcrmo — E dai?
‘Mowsteur Mot ~ Hein? © qué?
Como e dai?46
Panceio — Dai... vam’embora?
Monsieur Mot — Sim! Vamos,
como se diz “contornar a dificulda-
de", Existe néo longe dagui, um
desfiladeiro. Vamos por ele’ sem
medo. Mas nem uma palavra, ne-
ahum aide! Cuidado com as ava-
Janches! Chu-u-t!
Parcsixo — Chat!
Mowsteur Mor ~ Chut! Chut!
Parcsino — Chut! Chut! Chut!
(Pegam suas tanternas e seen
nas pontas dos pés, lentamente, un
atrés do cutro)