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CAMPO LIMPO - CARTOGRAFIA DAS TERRITORIALIDADES CULTURAIS Escola Da Cidade 13092016 - GPEC - P3REDES

Este documento resume uma pesquisa sobre redes culturais no território de Campo Limpo em São Paulo. Ele descreve a metodologia de observação de campo utilizada para mapear fluxos, noções de arte e cultura, e percepções sobre o território entre vários grupos e eventos culturais. O relatório também inclui diagramas que representam as interações entre essas redes culturais.

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CAMPO LIMPO - CARTOGRAFIA DAS TERRITORIALIDADES CULTURAIS Escola Da Cidade 13092016 - GPEC - P3REDES

Este documento resume uma pesquisa sobre redes culturais no território de Campo Limpo em São Paulo. Ele descreve a metodologia de observação de campo utilizada para mapear fluxos, noções de arte e cultura, e percepções sobre o território entre vários grupos e eventos culturais. O relatório também inclui diagramas que representam as interações entre essas redes culturais.

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CRUZAMENTO

TIPO
REDE
CONSTELAÇÕES

P3 REDES
levantamento de campo e
diagramas vetoriais
CAMPO LIMPO
CARTOGRAFIA DAS TERRITORIALIDADES CULTURAIS

P3 REDES

13-09-2016
ÍNDICE

3 7 17
INTRODUÇÃO DESCRIÇÃO REDES
4 metodologia de pesquisa 17 breve digressão
DAS VISITAS DE 18 fluxo e rede
CAMPO 21 espaços, eventos,

1
7 festa julina chico city coletivos
7 sarau da ponte pra cá 22 diagrama de redes

35
8 festival percurso 24 noções de arte e cultura
9 inauguração ateliê 28 discursos sobre
cendira território e apropriação da
11 aniversário de 6 anos do paisagem
maracatu ouro do congo
CONSIDERAÇÕES 11 quebrada de coco com
grupo candearte e baque
GERAIS E

39
atitude
APONTAMENTOS 12 quilombo cultural ybira
samba
PARA A SEQUÊN- 14 sarau do binho
CIA DA PESQUISA 15 CIEJA campo limpo
16 vivendo e convivendo EQUIPE ESCOLA
com povos: os indígenas -
CIEJA campo limpo DA CIDADE

38
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS

P3 redes
2

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
INTRODUÇÃO

O presente relatório corresponde à etapa Levantamento de Campo


e Diagramas Vetoriais (item I.A.III) dos Serviços de Pesquisa –
Intervenção Educativa do contrato Elaboração de Projeto Arquitetônico
da Unidade do Sesc Campo Limpo (contrato Nº 12.511), firmado entre a
Associação Escola da Cidade – Arquitetura e Urbanismo e o Serviço Social
do Comércio (Sesc).

Como já descrito no PLANO DE TRABALHO - P1 (mar./2016) , esta etapa


foi nomeada REDES. Rede é trama de ligações e passagens que conecta
e articula, vincula e relaciona espaços e tempos, extensão e intensidade.
Primeiramente referida por Latour (1994), a modos de interligação de
elementos heterogêneos (científicos e técnicos, políticos e culturais,
materiais e discursivos), que fazem proliferar híbridos, rede é meio de
transporte e tradução: “mais flexível que a noção de sistema, mais

3
histórica que a de estrutura, mais empírica que a de complexidade”.

Aqui, para os fins desta pesquisa, rede é meio de transporte e tradução das
e entre as diversas atividades criativas culturais coletivas que se possam
flagrar no território de influência da nova unidade do SESC Campo Limpo.
A partir do trabalho de levantamento de campo e de elaboração de
diagramas vetoriais, busca-se descrever as escalas nela(s) implicadas
(local, urbana, regional e metropolitana) e os fluxos (de pessoas, de ideias,
de ritmos, de narrativas, hábitos e condutas), que atravessam, arrastam,
operam e dão sentido a cada territorialidade cultural.

Entendendo que o que prevalece, em última instância, em dar sentido


prático a cada territorialidade cultural é justamente a rede de interligações
e interações, horizontal, sincrônica, seus vínculos e relações constituintes,
atuais e em potência, a terceira etapa da pesquisa prevê, portanto, captar
quais seriam as interações entre/em cada territorialidade, observando a
troca de informações e seus ritos atribuídos tanto operacional/cotidiano,
constante/perene quanto transitório/efêmero e verificar quais seriam
seus arranjos e lógicas, e a que escalas se referem e onde estão.

P3 redes
Para isto, de acordo com aquele plano de trabalho, as atividades previstas
se deram como segue:
Organização e revisão dos dados recolhidos e analisados na 1a 1ª
etapa após verificação por parte do CSCLSesc.
Realização de visitas em campo utilizando a metodologia de tipo
etnográfico, para entender e descrever alguns fenômenos sociais (fluxos,
ocorrências, dinâmicas e permanências) inerentes essas territorialidades,
mostrando-se necessária a investigação de parte da vida cotidiana atual
que as povoam.
Sistematização dos dados coletados a partir dos relatos de campo
e fotografias, que deram subsídio para a representações gráficas.
Mapeamento, sem distinção de importâncias e hierarquias, das
forças e interações reconhecidas por parte do GPEC, com intenção de
identificar padrões de comportamento.

metodologia de pesquisa
Em sequência às questões indiciadas pelo trabalho anterior, de mapea-
mento e contextualização das condições de vida (pessoas e domicílios)
e de funcionamento urbano (território) presentes no campo de estu-
do (fundamentalmente, uma leitura sócio-territorial a partir de dados
4

secundários / CONSTELAÇÕES P2, jun. 2016), o presente relatório, como


dito, visa explorar e explicitar por meios textuais e gráficos, conceituais
e práticos, o universo das relações que atravessam, permeiam e dão
sentido social e político a cada conjunto de territorialidades culturais
delimitado. As informações que o alimentam provêm essencialmente de
trabalho de campo, que consistiu em encontros e visitas, de convivên-
cia e participação, de reuniões e entrevistas, consolidados em relatos
produzidos pelos pesquisadores. Estes foram elaborados no confronto
com categorias e conceitos antropológicos e urbanísticos, que puderam
amadurecer no próprio trabalho desta pesquisa.

Para as incursões a campo, foram previamente definidas três questões


centrais, ou três eixos temáticos de observação, que se entenderam
estruturantes para o mapeamento, descrição e caracterização do funcio-
namento das redes de territorialidades culturais identificadas. São elas:

fluxo e rede Quem frequenta, de onde vocês vêm, para onde vão, quais
outros lugares conhecem? Lugares mais relacionados a determinado
gênero, geração, sexualidade, classe social, cor/raça. Preferências sobre
tipo de atividades culturais.
noções de arte e cultura Tentar identificar as noções de arte e cultura,
seu papel no cotidiano, valores e potencialidades que traz consigo no
entendimento das pessoas.

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
discurso sobre o território e apropriação da paisagem Entender
os valores sobre o território (“periferia”, “quebrada”, nomenclatura dos
lugares e o que caracteriza cada um)e saber por que as pessoas estão
em determinado lugar. Relações das pessoas como espaço, escolha de
lugares para permanecer ou trajetos a percorrer (Por exemplo: uma rua
vazia, porque é deserto, alguém não deixa passar por lá? Porque você
passa por aqui e não por lá?).

Para orientar e sistematizar a observação, e assim evitar uma dispersão


do olhar frente à pluralidade de estímulos durante o trabalho de campo,
ter como parâmetro básico a observação de três elementos: cenário,
atores e regras. Procedimento elaborado pelo antropólogo José
Guilherme C. Magnani para orientar e sistematizar a observação, e assim
evitar uma dispersão do olhar frente à pluralidade de estímulos durante
o trabalho de campo. Embora se incentive a registrar com detalhes o
contexto delimitado, as observações devem se nortear pelos objetivos e
questões gerais anteriormente delineados.

cenário "O cenário não é, nesta perspectiva, um conjunto de elementos


físicos, nem deve sugerir a idéia de um "palco" que os atores encontram
já montado para o desempenho de seus papéis. Aqui, é entendido como
produto de práticas sociais anteriores e em constante diálogo com as
atuais - favorecendo-as, dificultando-as e sendo continuamente trans-

5
formado por elas. Delimitar o cenário significa identificar marcos, recon-
hecer divisas, anotar pontos de intersecção - a partir não apenas da
presença ou ausência de equipamentos e estruturas físicas, mas desses
elementos em relação com a prática cotidiana daqueles que de uma for-
ma ou outra usam o espaço: os atores". (MAGNANI, 1996. Na Metrópole
- Textos de Antropologia Urbana.)

atores “(...) trata-se de detectar tipos, construir categorias, determinar


comportamentos - agrupando, separando, classificando. (...) Se a obser-
vação direta é o instrumento para captar o cenário e também para obter
um primeiro levantamento dos atores, uma classificação mais precisa e a
obtenção de dados e informações mais completos fazem-se por meio de
entrevistas, questionários e histórias de vida.” (MAGNANI, 2000)

regras “As regras ou script constituem a etapa final desta primeira fase
da análise: os atores, naquele cenário, seguem um roteiro. São essas
regras que dão significado ao comportamento e através delas é possível
determinar as regularidades, descobrir as lógicas, perceber as trans-
gressões, os novos significados. Identificar os movimentos, os fluxos e as
diferentes formas de apropriação, no universo de significado dos atores
é o primeiro passo para se chegar a padrões mais gerais, responsáveis
pela compreensão dos comportamentos articulados a outras instâncias
e domínios da vida social, mais amplos.” (MAGNANI, 2000)

P3 redes
Por fim, gostaríamos de reforçar que este trabalho não pretende realizar um
retrato de toda a rede de atores que operam na região estudada, pesquisa
que exigiria tempo e recurso muito mais extensos do que os mobilizados
nesta ocasião. O objetivo principal desta pesquisa é compreender as
lógicas de funcionamento da rede de atores e produtores do Campo
Limpo, representando-a graficamente e descrevendo-a textualmente.
(MAGNANI, 2000)
6

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
DESCRIÇÃO DAS VISITAS DE
CAMPO

festa julina chico city - 02 de


julho - 17h às 22h
Realizado pelo ponto de cultura Bloco do Beco, ONG que propõe o
aprendizado de jovens e crianças através da arte e da cultura, a festa
tomou a rua Benedito Arruda Vianna ,onde se encontra um dos três
espaços sede do bloco. O evento foi composto principalmente por
moradores da região e frequentadores do bloco, com comidas típicas,
quadrilha e música ao vivo.

sarau da ponte pra cá - 04 de

7
julho - 18h as 22h
O sarau aconteceu na Praça do Campo Limpo próxima as quadras e
mesas, onde já estava montado o som. As pessoas podiam optar en-
tre os colchões dispostos no chão ou observar o evento de pé. Dentre
as árvores acontecia uma exposição de fotografia enquanto ocorriam
apresentações de teatro, declamações de poesia e se oferecia o micro-
fone ao público. A maioria das pessoas que falou no microfone tratou de
temas do cotidiano, como empoderamento da mulher negra, a margin-
alização do negro e periférico, a violência policial e sobre a cultura do
estupro, entre outros. Aconteceram também apresentações de música
e do Maracatu Ouro do Congo, lançamento de um livro, além de grafites
sendo feitos nas mesas próximas e venda de acarajé.

P3 redes
foto encerramento do
sarau com show de artis-
ta local.
Por Marina Dahmer.
8

foto preparativos do
Sarau: exposição de fotos
e teste de som.
Por Marina Dahmer.

festival percurso - 23 de julho -


9h às 23h
O festival foi uma produção do banco comunitário e da União Popular
de Mulheres e foi realizado na Praça do Campo Limpo. Lá aconteceram
diversas apresentações e intervenções artísticas como circo, oficinas,
manifestações e exposições, ocupando diferentes áreas da praça. Um
palco principal foi montado em um patamar já existente na praça para
diversos shows que aconteceram o dia todo. Em algumas ruas próximas
estavam montadas várias barracas de artesanato, roupas e comidas que
formavam a feira de economia solidária. O público foi bem diverso e pela
dimensão do evento estavam sempre em circulação entre as atrações
disponíveis.

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
foto apresentação
circense durante festival. .
Por Pedro Sales.

9
foto barracas das di-
versas entidades partici-
pantes. Por Pedro Sales.

inauguração ateliê cendira - 13 de


agosto - 13h as 20h
Tratava-se da inauguração de um espaço de ateliê, uma casa que acaba-
vam de ser premiadas pelo Vai [Programa para Valorização de Iniciativas
Culturais]. A intenção deste ateliê é produzir e ensinar práticas de costu-
ra e culinária com intuito de repensar a produção e consumo para serem
mais sustentáveis e ao alcance popular. A inauguração se deu com venda
de roupas usadas (brechó), o preparo de comidas vegetariana e oficina
de horta vertical.

P3 redes
foto aula para a con-
strução de horta vertical
na área externa do Ateliê
Cendira. Por Felipe do
Amaral.
10

foto almoço natural


preparado pelo coleti-
vo Cendira. Por Lucas
Rodriguez.

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
aniversário de 6 anos do maracatu
ouro do congo - 20 de agosto - 15h
às 23h
O evento foi sediado no CITA (Cantinho de Integração de Todas as Ar-
tes), espaço da Subprefeitura do Campo Limpo na Rua Aroldo de Azeve-
do, próximo a praça do Campo Limpo. Abriga e é mantido por diversos
grupos culturais, inclusive as oficinas e ensaios do maracatu Ouro do
Congo. Dali saiu o cortejo do maracatu pelas ruas próximas até a praça,
onde se manteve por algum tempo tocando maracatu, retornando de-
pois ao espaço do CITA, onde aconteceu uma apresentação do grupo de
capoeira Irmãos Guerreiros, com feijoada,comes e bebes.

11
foto maracatu alegrando
a Praça Campo Limpo..
Fabio Mosaner.

quebrada de coco com grupo


candearte e baque atitude - 27
agosto - 15h às 23h
O evento aconteceu no Espaço Comunidade, um centro cultural inde-
pendente periférico gerido por coletivos de cultura da região - o Que-
brada de Coco é um desses coletivos. O Espaço Comunidade é uma casa
em meio a um bairro residencial no Bairro Monte Azul. O evento se deu
no segundo piso deste espaço, onde estavam servindo feijoada e bebi-
das, para contribuir financeiramente o local e as pessoas que lá estavam.
Diferentes coletivos se juntaram durante grande tempo em uma roda de
música na laje, e ao entardecer houve um cortejo pelas ruas próximas da

P3 redes
comunidade, do Baque Atitude e ao retornarem ao Espaço Comunidade
aconteceu a apresentação Quebrada de Coco.
12

foto cortejo do Baque


Atitude ocupando as
vielas interagindo com
seus moradores. Por
Marília Serra.

quilombo cultural ybira samba - 28


de agosto - 15h às 20h
O evento foi sediado no CITA (Cantinho de Integração de Todas as Ar-
tes), espaço da Subprefeitura do Campo Limpo na Rua Aroldo de Azeve-
do, próximo a praça do Campo Limpo. Abriga e é mantido por diversos
grupos culturais, inclusive as oficinas e ensaios do maracatu Ouro do

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
Congo. Dali saiu o cortejo do maracatu pelas ruas próximas até a praça,
onde se manteve por algum tempo tocando maracatu, retornando de-
pois ao espaço do CITA, onde aconteceu uma apresentação do grupo de
capoeira Irmãos Guerreiros, com feijoada,comes e bebes.

foto público aproveit-


ando em pé o som dos
sambistas.. Por Marina

13
Dahmer.

foto Organizador falando


sobre o Ybira Samba e
apresentando os músi-
cos. Por Marina Dahmer.

P3 redes
sarau do binho - 29 de agosto -
19h30 às 22h
Evento realizado no CEU Capão Redondo, onde ocorrem aulas no perío-
do do evento. As portas estavam abertas e tinha um movimento con-
siderável nas quadras , onde jovens se encontravam para ouvir música.
Próximo dali localizava-se, o auditório, onde acontecia o sarau. O local,
que abriga aproximadamente 200 pessoas, estava cheio. A maioria dos
participantes eram conhecidos e já tinham ligações com o Binho, porém
alguns alunos do CEU também participaram e assistiram. Aconteceram
declamações de poemas, apresentações de músicas, dança e stand-up,
todos abordando questões de opressão de vários âmbitos.
14

foto CEU Capão Redon-


do durante o intervalo
das aulas do período
noturno. Por Pedro
Norberto.

foto apresentação de
dança de aluno do CEU.
Pedro Norberto.

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
cieja campo limpo - 30 de agosto -
8h40 às 11h40
Este dia foi caracterizado mais como uma visita de reconhecimento do
espaço, onde nenhum evento marcado estava sendo realizado. A visita
se deu para conhecer tanto o espaço do CIEJA (Centro Integrado de Ed-
ucação de Jovens e Adultos) como a proposta deste, que é considerada
modelo. A escola que tem objetivos claros de dialogar com a comu-
nidade e de ser algo diferente da rede escolar vigente, onde recebem
diversos alunos que procuram um ensino mais libertário, tanto quanto
alunos com deficiências que precisam de uma educação diferenciada,
com o objetivo de fortalecer a autonomia dos estudantes. Foi apresen-
tado o espaço e suas edificações, estas alugadas pela prefeitura de onde
recebe a verba para a maioria das ações, outras são de parcerias com a
comunidade local.

15
foto intervenção dos
próprios alunos no pátio.
Por Pedro Norberto.

foto conexões entre as


duas casas que com-
põem o Cieja. Por Pedro
Norberto.

P3 redes
vivendo e convivendo com povos:
os indígenas - cieja campo limpo -
31 de agosto - 12h as 21h
O IV encontro CIEJA - Campo Limpo se deu com uma programação
cheia por várias partes da escola, tiveram rodas de conversas indíge-
nas, oficinas, venda de artesanatos, culinária, pintura corporal, dança e
celebração indígena. A programação se estendeu pelo dia inteiro com
almoço, lanche e jantar disponível pra quem aparecesse, como já é práti-
ca comum da escola. O espaço estava repleto de representantes indí-
genas, de estudantes e de pessoas interessadas. Uma boa oportunidade
de discussão com a comunidade sobre questões do cidadão indígena,
principalmente no contexto urbano.
16

foto exposição e venda


de produtos confeccio-
nados pelas tribos. Por
Fabio Mosaner.

foto teatro de sombra..


Por Fabio Mosaner.

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
REDES

breve digressão
Se, teoricamente, a noção de rede é de absoluta e inequívoca pertinência
à descrição e interpretação da sociedade (e da cidade) contemporânea,
particularmente no caso dos distritos do Campo Limpo e do Capão Re-
dondo (focos principais do presente estudo), rede é evidência empírica
de modos de vida e das relações econômicas e políticas, sociais e cul-
turais que re-unem, regem e fazem funcionar as lógicas identitárias e co-
laborativas de grande parte da população moradora daqueles distritos.
A flexibilidade, a historicidade e a complexidade, constituintes da rede de
Latour encontram um sentido específico, produtivo e positivo, quando
confrontadas com o universo de resistência (à violência, à exclusão, ao

17
esquecimento), e de busca de reconhecimento próprio à periferia sul da
cidade.
Entendendo que este não seria lugar mais apropriado para se revisitar o
processo de construção e desenvolvimento do movimento de resistên-
cia e valorização da periferia (assunto tratado entre outros, de forma
mais ou menos ideológica, menos ou mais “científica” ou “prático-par-
ticipativa”, por estudiosos e ativistas como DUARTE (2016), MAGNANI
(2000), TURRIANI et. al. (s/d), para ficar nos mais “próximos”), não se
pode deixar de circunstanciar, mesmo que de modo sumário e indicial,
as características da formação e fortalecimento dos movimentos sociais
e redes solidárias e culturais de resistência no Campo Limpo e Capão
Redondo.

Resultante das lutas por melhores condições de vida (COHAB, melhoria


viárias, canalização de córregos, construção de escolas e centros po-
liesportivos) em um contexto de expansão e adensamento da periferia
(sobretudo zonas Leste e Sul) dos anos 1970 e 1980, os movimentos
culturais dos anos 1990, teriam inovado formas de resistência com uma
produção artística e política voltada para “dentro”, mediante a articu-
lação de pessoas, coletivos e projetos autônomos, mas colaborativos,
propositivos e exemplares, multiplicadores.

P3 redes
De modo geral, ligados à cultura periférica, ou melhor, à produção cul-
tural das periferias da cidade, os projetos que alimentam tais redes “não
estão inseridos nas grandes universidades, não estão ligados aos centros
de poder” e, principalmente, são tocados “por moradores de bairros da
periferia, atendidos precariamente pelos aparatos públicos, seja [sic]
ligados à cultura, educação, transporte” .

Daí a importância da valorização da linguagem e da cultura cotidiana,


urbana, marginal”, assim como do artista periférico, “expondo suas
esquetes, sua poesia, sua música (sobretudo samba e maracatu) em
construção, trabalhando o medo, a vergonha, a sua experiência em viver 1. DUARTE, op.cit.
das artes, suas maneiras de ver o mundo”1.
E também da consolidação dos modos de organização colaborativa,
solidária, de apoio mútuo.

fluxo e rede
Na etapa anterior identificamos quatro agrupamentos de espaços cul-
turais - Campo Limpo, Capão, Jardim São Luiz e Jardim Monte Azul. A
partir do mapeamento de Territorialidades Culturais realizado na últi-
ma etapa, ampliamos a identificação dos Espaços e Eventos a partir de
pesquisa em redes sociais digitais e blogs na internet. Criamos um perfil
18

na rede social Facebook para fazer este tipo de sondagem, onde agre-
gamos os eventos, instituições e espaços ligados à cultura do Campo
Limpo, Capão e Jardim São Luiz. Assim, nos dividimos em quatro equipes
para a realização das visitas de campo. Com base nas visitas de campo,
percebemos que o Jardim Monte Azul muitas vezes era entendido por
seus habitantes como parte Jardim São Luiz. Ainda assim, consideramos
o Jardim Monte Azul como distinto do Jardim São Luiz.

Das diversas redes que operam no Campo Limpo (rede de escolas, rede
de instituições de saúde, redes ligadas a religiões, etc.), a rede abordada
nesta pesquisa se distingue por ser uma rede de produtores culturais
que trabalham para o fortalecimento de uma identidade cultural própria
local (Campo Limpo, Capão e Jardim São Luiz), com objetivo de for-
talecer e retornar benefícios àquelas comunidades. Portanto, os produ-
tores culturais do Campo limpo serão nossos pontos de partida para o
entendimento dessa rede.

Fazem parte desta rede tanto o evento Festival Percurso, que aglutina
diversas iniciativas e manifestações culturais, como o Ateliê Cendira,
espaço aberto por iniciativa de duas mulheres em imóvel próprio sub-
utilizado com intuito de repensar a produção e consumo para serem,
segundo suas fundadoras, mais sustentáveis e ao alcance popular. O
que conecta essas iniciativas é a ideia de valorizar a cultura local. No

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
primeiro caso, no sentido de ter uma identidade própria, distinguindo-se
da cultura "do outro lado do rio" (o centro da cidade). No segundo, o de
reforçar a capacidade (e afirmar o direito) de produzir manifestações
culturais que antes existiam apenas "do outro lado do rio", e que ago-
ra se manifesta também no Campo Limpo. As fundadoras do espaço
citaram iniciativas de brechós de venda de produção própria de roupas e
alimentos orgânicos encontrados nos bairros Vila Madalena e Pinheiros:
"Aqui também temos isto".

Outro aspecto importante observado é que esta rede, apesar de ter em


sua configuração instituições e agremiações, tem seus vínculos mais
importantes formados por relações e iniciativas individuais. A caracteri-
zação em instituições é necessária para facilitar parcerias, especialmente
aquelas com o poder público e outros espaços mais formalizados, por
isto formam-se grupos, até para os indivíduos afirmarem-se como parte
de alguma iniciativa cultural, no entanto, nesta rede os vínculos individu-
ais mostram-se mais importantes que as instituições.

Uma evidência do que move as conexões dessa rede foi o relato de uma
visita ao Espaço Comunidade:

"A maioria das pessoas já se conhecia e era uma


relação de música entre amigos, todos envolvidos
2.Relato de Campo, com questões de produção cultural, alguns en-

19
Equipe Escola da Cidade, volvidos com o Espaço Comunidade, outro grupo
2016. envolvido com o Candearte (que tem uma sede de
‘produção cultural’ no Taboão) e o grupo do Baque
Atitude". 2

Para nossos interlocutores, a atuação em rede é óbvia, gerando estran-


hamento pensar que haveria outra forma de se articular. A rede é pro-
duzida de forma consciente o tempo inteiro, como forma estratégica de
se colocar - é através da rede que se garante legitimidade das iniciativas
culturais e também se divulgam eventos e se chama o público.

O Caso do CIEJA Campo Limpo se mostrou exemplar para observar di-


versos aspectos a respeito da redes no Campo Limpo. O primeiro deles é
ao modo como diferentes redes podem se relacionar. A escola faz parte
de uma rede institucional de escolas de ensino para jovens e adultos, e
de uma rede mais ampla de educação pública no bairro, ligando-se com
a rede estadual de ensino. Somando-se a estas redes, a diretora e os pro-
fessores dessa escola se interligaram fortemente com a rede de relações
locais do bairro que, como vimos, foi e é constituída principalmente por
compromissos firmados entre pessoas. A diferença qualitativa do CIE-
JA em comparação com outras escolas públicas da região é evidente,
tanto para o visitante quanto para os professores novatos, segundo eles
próprios. Mas por que esta escola é tão diferente?

P3 redes
Primeiramente, pela prática de uma escola onde o espaço para o diálo-
go é efetivamente aberto. Isto se dá com as aulas em torno de temas,
juntando português com teatro, ou física com artes,em aulas onde os
alunos têm liberdade de entrar e sair.

Depois pelas conexões com os grupos locais e o trânsito das pessoas


entre os grupos e instituições:

"Kátia (professora do CIEJA) menciona alguns dos


grupos com quem tem contato quais listamos aqui:
Brava; Companhia de Teatro Nós Mulheres da Per-
iferia, da qual Kátia é integrante; Projeto Criar do
Tv.Doc; Projeto Plano de Menina; Cursinho Popular. 3. Relato de Campo,
Ao comentar cada um, se levantou para pegar de Equipe Escola da Cidade,
alguns panfletos/documentos impressos/ revistas de- 2016.
les. Mostrou-nos uma das mulheres negras da zona
sul e a Revista Guará, da qual aquela edição tinha o
título de “A História da Luta pela Moradia”. 3

No evento Vivendo e Convivendo com Povos: os Indígenas - CIEJA


Campo Limpo, tivemos oportunidade de observar a amplitude destas
redes. É significativo que no Dia do indígena, no lugar de falas de estu-
20

diosos, os próprios índios foram convidados a falar e produzir a festa. Lá


estavam lideranças de nove linhagens indígenas diferentes, que venham
de longe, como dos estados da Paraíba, Pernambuco, Bahia, como de
locais próximos, como Pico do Jaraguá e Guarulhos 4. 4. "Era dia de festa, o IV
encontro indígena do
CIEJA Campo Limpo [...]
Por outro lado, é exemplar (nos dois sentidos mais usuais do termo, no CIEJA foi criado o dia
modelo e lição), um dos principais motivos que torna o CIEJA diferente do negro e do indígena
das outras escolas: seu corpo docente e direção foram além da rede em dias separados, pois
institucional ao incorporar a rede local, com muita habilidade, através de as lutas por inclusão
do negro e do indígena
construção de vínculos individuais /pessoais(compromisso firmado entre estão em estágios bem
pessoas) com a diversidade de atores do bairro. De fato, os professores diferentes. Segundo dona
conseguem mobilizar uma rede de parcerias enorme (incluindo posto Eda (diretora do CIE-
de saúde, metrô) com muita permeabilidade na região Nesse contexto, JA-CL), a luta pelo direito
o vínculo com os produtores culturais cumpre papel importante. Assim, de igualdade dos negros
está mais avançada em
como primeira e mais importante estratégia de abertura para as redes, comparação com a dos
foi a atitude de deixar abertas, tanto o portão de entrada como as portas indígenas. Ela lembrou o
das salas de aula, em todo o período de funcionamento da escola. fato de muitas pessoas
acreditarem que não
"A escola abre às 9 e fecha às 22, e é literalmente existem mais indígenas
no Brasil [...]. Por isso
aberta; todos saem e entram a hora que quisessem, trazem representantes
sem necessidade de identificação. Mas esta liber- de comunidades indí-
dade foi longamente construída, não sem tensões e genas para esta festa,
disputas."5 para eles falarem sobre

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
espaços, eventos, coletivos
si próprios e mostra- Na etapa anterior iniciamos nosso mapeamento por dois tipos de pontos
rem que existem, o que de rede: Espaços e Eventos. Nos Espaços, identificamos os lugares
fazem e como vivem. que ocorrem atividades culturais. Estes lugares podem ser tanto praças
Chamou minha atenção
uma dramatização que
públicas, como a praça do Campo Limpo; instituições que abrem suas
consistia em uma sen- portas para eventos culturais, como o CIEJA Campo Limpo e os CEUS; ou
hora que se dizia índia, espaços abertos a partir de iniciativas de pessoas da comunidade, como
no centro de uma roda o Bloco do Beco ou Espaço Comunidade. Nos Eventos, identificamos os
de pessoas (alunos com eventos culturais realizados na região, como o Festival Percurso ou os
deficiência intelectual),
que gritavam os precon-
Sarais.
ceitos correntes (falas
escolhidas pelo grupo): Nesta etapa incluímos uma terceira categoria que denominamos Coletivos.
“índio é vagabundo”; Os coletivos são atores que se caracterizam por serem associações de
“índio não trabalha”. Esta
pessoas que se identificam com algum objetivo em comum ou uma causa,
mulher é aluna do CIEJA
e só lá, depois de algum
mas não são instituições formalizadas nem possuem espaço próprio (se
tempo, admitiu-se índia tiverem sede, são identificados nesta pesquisa como Espaços), tão pouco
fora de sua própria produzem eventos com o seu nome, mas se mostraram muito presentes
tribo natal. tanto no eventos como nos espaços pesquisados. Exemplos dos coletivos
são o Território do Povo, Fala Guerreira e RUA - Juventude Anticapitalista.
Muitas pessoas que fazem parte desses Coletivos têm relações ou
5. Relato de Campo,
Equipe Escola da Cidade, também fazem parte dos espaços e eventos pesquisados.
2016.

21
Para efeitos de classificação e cruzamento (etapa posterior deste estudo,
denominada GRID), pode-se tentar individualizar os modos e tipos de
organização coletiva a partir das seguintes definições:

as “redes de apoio” como nós espacialmente fixados da rede


para elaboração, desenvolvimento, parceria e ajuda mútua nos projetos
(fortemente vinculados à atuação cultural de jovens) e para troca de
experiências e reflexões (Grupo Clariô de Teatro, Candearte, CITA, União
Popular de Mulheres, Sacolão das Artes);
o “sarau, lugar (itinerante ou não) de apresentação de produção
literária, musical, de dança, além de reflexões sobre os conflitos cotidiano
e os cuidados da saúdes (Sarau do Binho);
os “coletivo”, associação de pessoas com fins culturais e políticos,
de expressão e reivindicação social;
a “feira” ou “festival”, para reunião de movimentos sociais de
economia solidária, de coletivos culturais e de população tradicional
(FELIZS, Percurso);
o “evento”, manifestações ou encontros periódicos e episódicos
de reunião, alimentação e apresentação de rodas, cortejos, desfiles, shows
musicais (Bloco do Beco, 100% Periferia etc).

P3 redes
diagrama de redes
O diagrama de redes busca mapear e evidenciar os circuitos através
dos quais espaços, eventos e coletivos se interligam e fazem transitar os
fluxos culturais, tanto no âmbito interno a cada agrupamento espacial
das territorialidades (Campo Limpo, Capão Redondo, Jardim São Luís
e Jardim Monte Azul), quanto entre eles e também externamente ao
recorte espacial (sobretudo referente ao município de Taboão da Serra).
O diagrama sugere, ademais, a prevalência das conexões internas a cada
territorialidade cultural, não sem apontar a importância de ligações
externas das redes de apoio (União Popular de Mulheres, Espaço Clariô,
Cita, Candearte).
22

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
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SARAU PONTE PRA IRM
MARACATU OURO
DO CONGO
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2o O REV MPO PO CAD.
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Eventos
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AT QU ATU Conexões fora da área de estudo
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Conexões internas aos agrupamentos

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Conexões entre os agrupamentos

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SARA RANCO
U PR
ETO
Cartografia das Territorialidades
LIMPO INDADE
CIEJA CAMPO
AGÊNCIA PO
PULAR Culturais
FALA
EA
D
CIA BRAVA GUERREIRA Data: 10/09/2016
(TEATRO)
E
Fonte: Pesquisa em campo
ZUL
CAPAO R
23
noções de arte e cultura

A análise de material colhido nas visitas de campo nos oferece algumas


possibilidades para interpretar as noções de arte e cultura vigentes nos
círculos sociais investigados por essa pesquisa na região do Sesc Campo
Limpo. De maneira geral, é comum entender este território como isolado
do Centro de São Paulo, tomando o Rio Pinheiros - e suas pontes - como
emblema dessa separação. Essa imagem do rio como elemento que
produz a separação se reflete em uma figura de linguagem muito utilizada
pelas pessoas com que os pesquisadores entraram em contato: o “lado
de cá da ponte” e o “lado de lá da ponte” são figuras que buscam marcar
na linguagem não apenas a divisão territorial, mas também estabelecer o
lugar de onde se fala.

O “lado de lá”, tomado nesse contexto se refere ao Centro, enquanto o


“lado de cá” abrange todo o território mais periférico. A cultura, nesse
contexto, se faz entender como um meio de estabelecer conexões (novas
"pontes") entre os dois lados.

Há algumas formas de se compreender o papel da cultura e, especificamente


da atividade de produção cultural do “lado de cá da ponte”. Uma delas
24

enxerga a “cultura periférica” como fator que possibilita a transformação


social. A cultura, nesse aspecto, engendra não apenas as dimensões
estéticas e políticas, mas também uma perspectiva mais material - a
produção cultural em muitos casos é vista na chave do trabalho, envolvendo
uma profissionalização desses agentes. Nessa acepção, a cultura assume
um papel transformador não apenas da sociedade em geral, mas uma
possibilidade na lógica do trabalho, através do estabelecimento de uma
linguagem e campo simbólico que são próprios da periferia.

A atividade do agente de cultura se torna um passaporte para uma outra


situação socioeconômica. O desenvolvimento da "cultura periférica"
aparece, nesse sentido, como uma alternativa, principalmente para a
juventude, a outras situações de trabalho, mais precárias.

O LP Escolha seu caminho (1992), dos Racionais MC´s, apresenta um jogo


de imagens de capa e contracapa, fazendo um contraponto entre duas
opções de vida a serem escolhidas: de um lado, a imagem associada a
armas e ao uso de drogas; e do outro, a livros e ao estudo, ainda com um
alerta explícito: “Diga não à violência e as drogas”. Provavelmente, à época
em que o álbum foi lançado, o mercado da cultura periférica ainda se fazia
incipiente e os Racionais MC´s despontavam com uma posição artística

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
destaque. Porém, é possível notar que hoje essa oportunidade de escolher
o caminho da cultura se faz forte, devido a uma ampla organização de
agentes institucionalizados, que transcende o território da periferia.

Nesse âmbito, a atividade do articulador cultural, isto é, um agente de


bastidores, desponta como uma fonte de renda regular, que garante a
permanência do jovem no mercado, e também como uma perspectiva
de carreira a ser desenvolvida, que pode levá-lo a outros horizontes, isto
é, como uma maneira de jovens da periferia adentrarem o mercado de
trabalho com uma perspectiva de oportunidades mais igualitárias em
relação ao Centro.

Em artigo, Marta Bergamin busca compreender alguns aspectos do

25
trabalho juvenil a partir da experiência da Agência Popular de Cultura
Solano Trindade, que busca conquistar novas práticas de trabalho para os
jovens mais pobres. Sua hipótese é de que "a conquista de outras formas
de entrada e permanência no mercado de trabalho podem levar a um
ganho de autonomia. [...] A atuação da Agência Popular de Cultura Solano
Trindade pode ser vista como um movimento social que articula uma rede
de coletivos de cultura preocupados com as formas de trabalho. [...] A
ideia inicial era incentivar os jovens da comunidade a se profissionalizar
artisticamente, também em outras atividades da produção cultural e em
6. <http://www.kas.de/wf/ áreas afins, para uma articulação em rede de coletivos e profissionais da
doc/16495-1442-5-30.pdf>
zona sul."6

Nesse âmbito, o termo "cultura periférica", pode ser entendido como um


"circuito cultural nas regiões periféricas de São Paulo com características
e proposições estéticas próprias, que inclusive transcendem o território
circunscrito às margens da cidade, influenciando o repertório cultural de
segmentos mais amplos da população."
Ou seja, uma possibilidade de, através da cultura, ascender a um papel
social estável.

Em editorial da ONG Ação Educativa, esse caráter da cultura de periferia é


colocado a partir de sua capacidade de transformação social:

P3 redes
“Entendemos que é exatamente a tomada de
consciência como produtores, por parte dos artistas
e ativistas, que fez surgir um movimento cultural nas
periferias de São Paulo. Os moradores tomaram para
si a tarefa de construir espaços de produção e fruição
cultural em localidades onde, apesar de alguns terem
populações com mais de 400 mil pessoas, não existia
um equipamento cultural sequer. [...] 7. <http://www.acao-
educativa.org.br/index.
Sendo assim, entendemos a cultura não só como php/cultura/80-cultur-
um setor do mercado no qual os artistas podem se a/10004822-editori-
inserir economicamente, mas também um campo de al-a-cultura-periferi-
ca-e-a-cultura-comum>
atuação social e política."7

Ao mesmo tempo se observa um outro movimento cultural, que também


se mantém na vanguarda contra-hegemônica, mas que se coloca na
contramão dessa relação de dependência periferia-centro. Através de
uma iniciativa cultural, ele busca levar para a periferia uma oportunidade
de fazer circular ali algo que é próprio da cultura vigente no Centro. Num
caminho reverso, o que se busca é também uma condição igualitária
em relação às práticas culturais do Centro. Trata-se de uma acepção de
cultura que realiza a contramão do caminho de corte de classe e almeja
uma tradução de valores para um vocabulário possível às condições da
periferia.
26

O Ateliê Cendira é um espaço viabilizado por meio do PROGRAMA VAI -


Valorização de Iniciativas Culturais, da Secretaria Municipal de Cultura da
Prefeitura de São Paulo. Aparentemente, o espaço procura reunir linhagens
culturais sem forte conexão no mercado cultural: entre outros assuntos,
moda e vegetarianismo. Porém, a união se justifica no discurso das
fundadoras na medida em que elas afirmam que fazer isso é proporcionar
uma forma de realizar na periferia aquilo que é valorizado na cultura do
Centro, oferecendo aos participantes das oficinas uma oportunidade de
acesso a baixo custo àquele conhecimento. Dessa maneira, procura-se
inseri-los no âmbito das discussões sobre permacultura e sustentabilidade,
num modo de fazer característico das práticas culturais da periferia.

“Selma Paiva, uma das fundadoras do espaço, é formada em Design de


Moda na Universidade Anhembi Morumbi [“do lado de lá da ponte”] e
filha de costureira. Possui no seu ateliê - antiga casa de seu pai, que ela
“ocupou” - três máquinas de costura profissionais, com as quais produz 8. Relato de Campo,
suas roupas a partir de retalhos industriais de tecidos e assim pretende Equipe Escola da Cidade,
2016
ensinar outras pessoas a produzir roupas com recursos próprios.”8

Portanto, um sistema que também sustenta a relação periferia-centro,


porém acessa uma outra lógica de mecanismos para a realização e
viabilização, para criar meios de articulação.

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
Há ainda mais uma acepção de cultura percebida nas visitas. Uma "cultura
de resistência", cuja participação é predominante aos que se identificam
como pertencentes a ela e que tem destaque para o fator da cultura
enquanto performance artística. Assim, o lugar de fala se constrói a
partir de uma noção de pertencimento a uma cadeia cultural que possui
força e história. Esta desponta com caráter de performance, na exaltação
aos poetas locais e na referência aos familiares e ancestrais e está
profundamente ligada a uma formação de identidade cultural própria,
e portanto, se conecta fortemente à noção de “cultura periférica”,
compondo assim o elemento estético que se faz circular nesse mercado
que cruza a ponte em direção ao Centro (e ao mundo).

São concepções diferentes, porém não excludentes, e que muitas vezes


se sobrepõem no painel cultural. Ainda porque nessas transição entre
modelos, os papéis de produtor de cultura e público (plateia) se misturam:
são as mesmas pessoas que assumem os papéis de produtor e público,
variando com o evento. Essa duplicidade de papéis é valorizada como
forma de aumentar as potencialidades para a cultura na região:
9. <http://www.
"O grande desafio é dar a todos a condição de serem consumidores e
acaoeducativa.org.br/
index.php/cultura/80- produtores de cultura e assim poderem contribuir para o repertório da
cultura/10004822- cultura comum, conceito formulado por Raymond Williams.”9
editorial-a-cultura- Nos espaços culturais, isso se reflete, por exemplo, na separação dos
periferica-e-a-cultura- espaços - “palco”, “plateia” e “bastidores”, para utilizar uma imagem

27
comum>
de salas de espetáculos, que nesse contexto apresentam uma grande
permeabilidade.

“O corredor era o principal lugar de passagem. Além de observar as


retiradas dos tambores e das pessoas circulando com bebidas e comidas
entre o caixa a sala ‘camarim’, ouvia-se o Jorge (conhecido como ‘Jota’ e
líder do maracatu) gritar pelo corredor: ‘A ideia hoje é tocar até sangrar
a mão. Vão ficando prontos.’ Não estava ali preocupado em esconder os
bastidores.”

Há ainda uma noção de cultura como mercadoria, que é mais difusa,


e mais ligada a noção de coisas do dia a dia (a comida, o encontro, os
saraus), mas se associa às formas de financiamento/viabilização das
práticas culturais. Assim, os produtos são vendidos como uma forma de
apoio e financiamento direto dessas iniciativas.

P3 redes
discursos sobre o território e
apropriação da paisagem

As incursões a campo, bem como as análises realizadas nas etapas


anteriores, mostraram que há vários sistemas de divisão, classificação
e valoração territorial desta região da cidade em estudo. Além da
segmentação administrativa, cadastral, provida pelo poder público e
mesmo esta é distinta para cada órgão ou esfera administrativa (pense-
se no caso dos setores do censo demográfico e das divisões da pesquisa
origem e destino), o território reconhecido pelos bairros da região carrega
consigo uma história própria e características distintivas e singulares, ou
melhor dizendo, configuram territorialidades que se definem por sua
localização geográfica, topográfica, no espaço, mas sobretudo, pelas
relações que entretêm com outras áreas, outras vizinhanças, outros
bairros.

recortes
Os territórios são caracterizados a partir de divisões simbólicas, percebidas
28

ainda na primeira reunião no Sesc Campo Limpo em 11 de junho, que


reuniu pesquisadores da Escola da Cidade e produtores culturais locais
indicados pelo Sesc. De acordo com os relatos desse dia:

“Foi feita uma separação rápida e espontânea entre


agentes culturais e instituições. Nas palavras de um
dos grupos, ficou clara uma cisão entre todos os 10. Relato de Campo,
presentes, que passaram a se identificar como Capão Equipe Escola da Cidade,
2016
Redondo versus Campo Limpo”10

Além disso, as falas dos participantes evidenciaram ainda mais essa


divisão, colocando o Capão Redondo como local de uma produção
cultural consolidada (e até por isso, mais reticente à inauguração de uma
unidade do Sesc), enquanto o Campo Limpo era visto como local de
conflitos entre classes sociais e com uma cena cultural mais incipiente e
mais aberta à entrada do Sesc. Chamou a atenção também que no grupo
espontaneamente identificado com o Capão, havia uma predominância de
coletivos e produtores culturais, enquanto no Campo Limpo os agentes
ligados a instituições como Igrejas, Escolas e o Estado eram maioria.

Outro recorte territorial pode ser evidenciado, parcialmente, pela


nomeação dos lugares: nesse sentido, por exemplo, o Capão Redondo seria
definido como a área que envolve Casa do Zezinho, Cohab Adventista, Vila

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
Fundão, Jardim Valquíria, atrás da Estação Campo Limpo, Parque Santos
Dias, Estação Capão e Terminal Capelinha, recorte que não corresponde a
uma continuidade geográfica mais evidente.

Recortes menos definíveis são aqueles relatados a partir de outros


referentes. Como por exemplo o estabelecido a partir micro instâncias
de poder marginal (ou não). Segue um trecho transcrito da conversa do
mesmo dia:

"[...] um projeto que reúne jovens na faixa de 10 a 12


anos e realiza palestra sobre uso de drogas, na casa
das pessoas com cerca de 5 famílias, incluindo pais e
filhos. [...]
Segundo a pessoa, traficantes dizem a ele “você dá
camisa de marca [pros meninos]? Dá tênis? Então,
não venha interferir no nosso trabalho”. Por causa
disso, o projeto acontece de maneira “anônima”,
com divulgação apenas entre as famílias participantes
e de maneira itinerante em diferentes áreas de
11. Relato de Campo, abrangência do tráfico a cada semana, normalmente
Equipe Escola da Cidade,
próximo a escolas."11
2016

Outro fator poderoso de definição/apropriação/pertencimento próprio a

29
cada territorialidade é o uso de vestimentas e acessórios. Ainda, outra
escala de distinção é a que diz respeito ao que está “dentro” e “fora” do
território: na visão mais formal das educadoras, os problemas apontam
para um choque cultural entre os alunos vindos da rede particular para a
pública, embora, paradoxalmente, aqueles que se encontram “fora” sejam,
ao mesmo tempo, os vetores de oportunidades para resolver problemas
de “dentro”.

A questão educacional traz também uma outra abordagem, mais


abrangente, como por exemplo no caso do CIEJA, que, como Centro de
Educação Municipal de Ensino Supletivo (Ciemens), em sua origem seguia
a moldes em relação aos quais, a partir das suas indagações, se concluiu
que não se adequavam a realidade dos alunos, fosse por trabalho, fosse
pela maneira como eram tratados na instituição.

acesso
Em grande parte das visitas, foi possível perceber estratégias de
acolhimento de visitantes. Os espaços físicos, sedes de iniciativas
culturais, escolas ou mesmo casas ocupadas por agentes produtores de
cultura apresentam características que buscam atrair vizinhos e marcar
sua presença no bairro.

P3 redes
foto Fabio Mosaner

Alguns espaços são marcados por elementos visuais, como grafites, foto Rebeca Domiciano
palavras de ordem e estêncis, que diferenciam as fachadas das demais. Os
espaços que já passaram por um processo de formalização institucional 12. Ela descreve como
a rotatória acumulou
ainda podem apresentar banners com informações de seus apoiadores, lixo de um tempo desde
uma logomarca ou a programação do espaço. então, e que teve a ideia
de tentar fazer algo com
ela para não ter mais
de lidar com aquilo. Os
alunos sugeriram fazer
30

uma horta ali, e como


tal descrevera algumas
vezes, foi lidar com ‘a
comodidade do poder
público’. Teve de adequar-
se a algumas regras,
como altura inferior a
2m para não atrapalhar
a visibilidade do trânsito,
e uma vez resolvido
isto foi promovida uma
atividade de sala de aula
de ELA(Ensaios Lógicos
e Artísticos), que mistura
Matemática as Artes, para
a medição do perímetro,
definição do material
Há também formas de se fazer presente no bairro, a partir da extrapolação e das espécies a serem
do espaço-sede. Alguns casos mostram como isso pode acontecer. Há cultivadas. Eda relatou
intervenções mais permanentes, como a transformação da rotatória que já colheram, rúcula,
próxima ao CIEJA em um jardim montado sobre pneus12. escarola e uma variedade
de hortaliças como
resultado disto, e que
tal local era estratégico
por ser visível da linha de
metrô. (Relato de Campo,
Equipe Escola da Cidade,
2016)

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
Outras ocorrem de forma provisória, durante os eventos culturais:

“Para “encher” (de gente) a praça (do Campo


Limpo), os promotores apostam na apresentação
de músicos de diversas vertentes, desde o RAP até
o reggae. Portanto são com estes componentes
principais — barracas e palco — que o festival
reorganiza transitoriamente o espaço da praça.”13

31
Eventos realizados em locais fechados ou particulares costumam assumir
uma postura de “abrir as portas”, como um convite para entrar. Mesmo
assim, a entrada nos espaços não passa despercebida - há um processo de
transformação desse visitante em alguém “familiar”. E com o familiarizar
facilita o reconhecimento do espaço público como seu, diversifica as
formas de apropriação e ativa espaços no seu entorno.

foto Pedro Norberto

13. Relato de Campo,


Equipe Escola da Cidade,
2016

foto portão de entrada


do espaço comunidade
por Marilia Serra

P3 redes
Não existe uma preocupação em conter o som produzido por eventos
culturais. Em um raio de alguns quarteirões, já era possível ouvir o samba
produzido no Bloco do Beco, guiando os interessados pelo som para
dentro da casa. Em um evento no Espaço Comunidade, uma roda de
samba foi feita dentro da casa, na laje frontal, visível e audível da rua. No
ateliê Cendira, durante uma oficina de permacultura, o portão da casa
ficou aberto, permitindo a visão da oficina e de uma espécie de vitrine de
roupas usadas e produzidas nas oficinas do local.

Essa preocupação em se mostrar para a parte externa dos locais em que


os eventos acontecem é percebida também em um tipo de construção
discursiva recorrente:

"O caráter de feira tira partido das ruas “internas”,


que, fechadas ao trânsito, alinham barracas e,
assim, atraem e orientam o maior fluxo de pessoas,
proporcionando encontro e interação[...]. A
localização central de duas quadras alambradas
secciona este movimento daquele ativado pela
música, criando dois ambientes mais ou menos
apartados[...]. Isso não impede, pelo contrário, a
formação, no espaço da praça propriamente dita,
de pequenas concentrações em torno de atrações
circenses, poéticas e de formação e debates.[...] Tal
32

descrição parece sugerir uma imagem de espaços


e usos desconectados, mas a “internalização” do
foco do evento, isso é o fato de este se afastar, dar
as costas, para o intenso movimento das avenidas
comerciais que ladeiam a praça talvez confira relativa
unidade e continuidade espacial a ele: os espaços 14. Relato de Campo,
abertos da praça e das ruas internas se fundem como Equipe Escola da Cidade,
o espaço do festival." 14 2016

Seguimos rua adentro e quase perdemos a entrada do lugar. Era um


portão com barras tubulares marrons, e aparentava a uma distância ser
de madeira. Acuados num primeiro momento, entramos junto com um
homem que adentrava no momento e que nos disse: “Pode entrar, a porta
tá sempre aberta. A secretária é a primeira a direita.”15

Bem próximo ao centro cultural está localizado o


Espaço Comunidade, uma casa com os portões
abertos e a música chamando a atenção.16 15. Ibid.

Em uma das ruas que davam nessa rotatória, ouvimos


um som alto de samba e seguimos o som para chegar
em um muro decorado com estêncil e um banner, 16. Ibid.
encoberto por vegetação, que trazia um

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
grande número de nomes de instituições parceiras
(Assoc. Cultural Santa Josefina, Programa Vivenda,
Casa do Bairro). A pequena passagem (uma porta)
para dentro do terreno indicava a palavra Revolução
e trazia o número 02 (antigo 30). 17

As portas abertas, mais que uma figura de linguagem para demonstrar


acolhimento, são uma descrição dos espaços de reunião e produção de
cultura. Portas abertas, portões destrancados, visibilidade das atividades
e uma ocupação sonora são características comuns, que diluem o limite
entre público e privado e criam momentos diversos na experiência que,
ao se combinarem entre si, formam os espaços de referência de redes
culturais no território.

“Cheguei sozinha no Espaço Comunidade, uma casa


com o portão aberto como convite para entrar,
subi as escadas e sentei em uma das mesas na
área da cozinha/bar, peguei meu caderno e fiquei
desenhando. Como todos ali se conheciam, já sabiam
que eu não era dali, mas a Ana, integrante de um
dos grupos que iria se apresentar, veio falar comigo
perguntando quem eu era e me convidando pra
sentar perto dela e participar da roda de samba.
Sentada no meio da roda, já todos que chegavam

33
me cumprimentavam como se eu já fizesse parte do
17. Relato de Campo,
Equipe Escola da Cidade,
grupo dos conhecidos.”18
2016
Há ainda outra forma de trazer público que são manifestações artísticas
18. Ibid. em formato de “cortejo”, tipicamente relacionados à cena do maracatu,
19. Ibid. mas que também podem aparecer com outras manifestações. No cortejo,
os participantes saem de um local de referência para realizar um percurso
pelas ruas do bairro, carregando um estandarte que os identifique e
puxando cantos e batuques. Com isso, de forma itinerante, anunciam sua
presença, atraindo alguns participantes para o cortejo e convidando-os
para frequentarem o espaço de referência.

“Às 18:30 saiu o cortejo do Baque atitude pelas ruas,


e adentraram a comunidade, grande parte do pessoal
que estava no espaço acompanhou o grupo, e as
pessoas foram saindo das casas para assistir e poucas
para acompanhar. Ocuparam as ruas e as vielas, sem
fechar nada mas mudando o ritmo do fluxo desses
locais. Ficaram tocando em uma quadra no centro
da comunidade por algum tempo, onde apareceram
muitas crianças observando e interagindo e depois
voltamos às 20:00 pelo mesmo caminho que
tínhamos feito até o espaço.”19

P3 redes
Durante o cortejo, o grupo estabelece uma boa relação com os moradores
locais, procurando organizar os participantes de modo a permitir a
passagem de carros e ônibus. O cortejo e os eventos que expandem seu
público são uma boa oportunidade para que os atores estabeleçam novas
relações entre si, e, em decorrência, que ampliem a rede de contatos de
seus coletivos, espaços e instituições.

Já o caráter de feira tira partido das ruas “internas”,


que, fechadas ao trânsito, alinham barracas e,
assim, atraem e orientam o maior fluxo de pessoas,
proporcionando encontro e interação[...]. A
localização central de duas quadras alambradas
secciona este movimento daquele ativado pela
música, criando dois ambientes mais ou menos
apartados[...]. Isso não impede, pelo contrário, a
formação, no espaço da praça propriamente dita,
de pequenas concentrações em torno de atrações
circenses, poéticas e de formação e debates[...]. Tal
descrição parece sugerir uma imagem de espaços
e usos desconectados, mas a “internalização” do
foco do evento, isso é o fato de este se afastar, dar
as costas, para o intenso movimento das avenidas
comerciais que ladeiam a praça talvez confira relativa
unidade e continuidade espacial a ele: os espaços
34

abertos da praça e das ruas internas se fundem como


20 Relato de Campo,
o espaço do festival.20 Equipe Escola da Cidade,
2016

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
CONSIDERAÇÕES GERAIS E APON-
TAMENTOS PARA A SEQUÊNCIA DA
PESQUISA

redes e fluxos A rede abordada nesta pesquisa se distingue por ser uma
rede de produtores culturais que trabalham para o fortalecimento de uma
identidade cultural própria local, com objetivo de fortalecer e retornar
benefícios àquelas comunidades. Outro aspecto importante observado
é que esta rede, apesar de ter em sua configuração instituições e
agremiações, tem seus vínculos mais importantes formados por relações
e iniciativas individuais. Nesta rede, os vínculos individuais mostram-se
mais importantes que as instituições.

noções de arte e cultura Foram identificados três movimentos de


valorização da cultura local. No primeiro caso, no sentido de ter uma
identidade própria, distinguindo-se da cultura "do outro lado do rio". No
segundo, o de reforçar a capacidade (e afirmar o direito) de produzir
manifestações culturais que antes existiam apenas em locais mais centrais

35
da cidade, e que agora se manifesta também no Campo Limpo. No terceiro,
a arte e a cultura aparecem como produto, fazendo com que a “cultura de
periferia” se estabeleça como marca e sua atividade de produção cultural
surja como possibilidade de caminho profissional.

discursos sobre o território e apropriação da paisagem As portas


abertas, mais que uma figura de linguagem para demonstrar acolhimento,
são uma descrição dos espaços de reunião e produção de cultura, que
diluem o limite entre público e privado e criam momentos diversos
na experiência que, ao se combinarem entre si, formam os espaços
de referência de redes culturais no território. Outra forma de se fazer
e ampliar a dimensão coletiva e popular das manifestações culturais
periféricas é a ocupação do espaço público de forma periódica (feiras,
festivais, shows) e/ou de forma itinerante, como ponto de encontro
referência para ampliar e fortalecer as conexões em rede. A produção de
arte e cultura apresenta uma relação íntima com o território. Como visto,
as estratégias de relacionamento com a vizinhança, bem como as relações
que se estabelecem entre bairros e localidades informam a produção
cultural. Elas mostram ser importante compreender as concepções sobre
o espaço para entender de que forma a “cultura periférica”, da zona sul,
ou cada uma das territorialidades que puderam ser identificadas define-se
a si mesma.

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Apontamentos para as próximas etapas:

Na fase TIPOS, procuraremos identificar, caracterizar e agrupar em séries


pertinentes as estruturas morfológicas e/ou estratégias de ocupação
da cidade e dos edifícios que, reconhecidas e enunciáveis em termos
de geometria, dimensão e uso, constituem o(s) “lugar(es)” de cada
territorialidade cultural. Trata-se de configuração (espacial dimensional,
geométrica e construtiva) dos lugares (rua, praça, quadra, galpão etc.)
onde se dá a produção cultural coletiva, propriamente dita.

A partir das visitas realizadas nesta etapa, conseguimos identificar algumas


primeiras regularidades nos espaços que constituem os lugares das
territorialidades culturais abordadas e servirão de base para a sequência
do trabalho.

Fica proposto, para compor a matriz da futura GRID, definir, além do


tipo ou modo de organização coletiva, um modelo, ou critérios para
sistematizar a informação colhida nos relatos sobre os três eixos de
observação referidos, que pudesse agrupar as redes segundo modos de
seu funcionamento.

nós pontos territoriais povoados por atividades culturais criativas


coletivas. Dependendo de suas características intensivas (duração),
extensivas (espaciais) e de natureza, estes podem ser divididas em:
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permanentes (espaços) e temporários (eventos); abertos e fechados;


públicos e privados; sagrados e profanos.

rede relação de interação/intercâmbio/interdependência que se


estabelece entre um e todos os outros nós de um universo. Seu modo
funcionamento pode ser de ordem:

hierárquica, do tipo árvore ou pirâmide, onde a relação de um


ponto de ordem inferior a um superior é de subordinação e dependência;
rizomática, do tipo a-centrado, onde cada nó pode entrar em
contato de troca e interação com qualquer outro, podendo afetar ou
incidir em qualquer outro por múltiplas conexões que são estabelecidas a
todo o momento, num fluxo constante e itinerante (de desterritorialização
e reterritorialização): Sarau do Binho;
isotrópica, também do tipo não hierárquico, suas propriedades
e formas de expansão não variam em função da direção considerada.
Exemplo: União das Mulheres.

Parece evidente que tal classificação dependerá do campo de relações


considerados, que desde já, para o caso do território em estudo, poderá
ser dividido e definido como interno (“prá cá da ponte”) e externo (“prá
lá da ponte”).

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


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canais, fluxos e circuitos circuito constitui o sistema de canais (matérias
e/ou imateriais) através dos quais os nós se relacionam entre si, às mais
diversas escalas, operando fluxos das mais diversas ordens e naturezas
(musicais, financeiras, literárias, solidárias etc.).

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REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS

DUARTE, Diego E. S. Sarau do Binho Vive! Identidades alteradas e o sarau


como processo de identificação periférica. Dissertação de Mestrado. São
Paulo: USP/FFLCH/Departamento de geografia, 2016.

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.

MAGNANI, José Guilherme Cantor. Quando o campo é a cidade. Fazendo


antropologia na metrópole, in MAGNANI, J. Guilherme & TORRES, Lilian.
Na metrópole: textos de antropologia urbana. São Paulo: Edusp/Fapesp,
2000.
____________________. Da Periferia ao Centro: trajetórias de pesquisa em
Antropologia Urbana. São Paulo: Terceiro Nome, 2012.
38

TURRIANI, Anna et al. (org.) Cartografias da Memória. Disponível em https://


issuu.com/anitaprades/docs/af_completo_cartografia_issuu. Acessado em
01/08/2016.

campo limpo cartografia das territorialidades culturais


grupo de pesquisa escola da cidade
EQUIPE ESCOLA DA
CIDADE

PROFESSORES Arqº. Pedro M. R. Sales (coordenação)


Arqº. Fábio F. L. Mosaner

ALUNOS ESCOLA DA CIDADE Felipe A. Brunelli, 3º ano


Lucas B. Rodrigues, 3º ano
Marília Serra, 5º ano
Marina D. L. Schiesari, 2º ano
Marina D. Bagnati, 4º ano
Pedro Henrique Norberto, 4º ano
Rebeca D. de Paula, 5º ano
Stella B. Tamberlini, 4º ano

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CONSULTORES EXTERNOS urbanismo Arqº. Pedro Vada
etnografia Antr. Me. Yuri B. Tambucci
supervisão em psicanálise Anna Turriani

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