0 notas 0% acharam este documento útil (0 voto) 185 visualizações 89 páginas Os Dois Nascimentos Do Homem Escritos Sobre Terapia e Educação Na Era Da Técnica
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SENTAGAO 7
LIBERDADE 13
fTICA E MORAL 31
A PROEISSAO DO PROFESSOR 47
|, CORPOREIDADE 75
; EXISTENCIA E PERDA 93
SACRIFICIO DO SONHO = 105
A TERAPIA E A ERA DA TECNICA 123
3 DASEINSANALYSE E CLINICA 141
9, TONALIDADES AFETIVAS NA TERAPIA 161Pelo que, entao, tem de decidir-se o ser-ai? Pela efetiva
recriagdo para si mesmo do saber auténtico sobre em que
consiste 0 que é propriamente possibilitador de seu pro-
prio. E 0 que significa isto? Que para 0 ser-ai enquanto
tal sempre precisa ser uma vez mais iminente 0 instante,
no qual ele é trazido para diante de si mesmo enquanto
© propriamente obrigatério. Diante de si mesmo — nao
como um rigido ideal e um modelo originario firme-
mente fixado, mas diante de si mesmo como o que ar-
ranca para si uma vez mais justamente a possibilidade
propria e precisa se assumir em tal possibilidade”
(Martin Heidegger, Os conceitos fundamentais da me-
tafisica: Mundo, finitude, soliddo, p. 195.)
Aqueles que se dedicam a leitura de um pensador, passam
ses, anos, décadas se dedicando a reconstrugao critica e a pro
Jematizacgao de contextos tedricos no ambito da exposigao e d.
compreensao das ideias desse pensador. Todo esse esforgo acal
ivariavelmente trazendo consigo um adensamento, um apro
ndamento, uma complexificacao do que esté em jogo na vida
sma de seu pensamento. Tudo isso desempenha um
idamental no discurso académico sobre os fildsofos da tradi
), assim como na proliferagéo dos debates eruditos sobre suas
obras. Paradoxalmente, contudo, quanto mais se intensifies a lei
‘a “técnica” do pensador, mais distante ele se mostradas questées propri
mente ditas da vida dos homens em geral
s lo:
‘anto ma i mines
sae Bie le se mostra da materialidade constitutiva
do aqui muitas vezes um fenédmeno semelhante
aquele que Nietzsche expressou certa vez, por meio das palavras
ee cas de seu Zaratustra, como o fendmeno
ae, Ke ue eee ° Mtoe nao faz mais nada para o leitor.
a 10 de leitores e até mesmo o espirito estard fedendo”.
espirito estagnado, apodrecido, vampirizado. E claro que Ni t-
zsche aqui a um leitor bastante especifico: ao oe ae 5
tualizad dec icado antes de tudo ao controle formal do texto, a
2 Pin: ee paeacbce al ao! que busca incessantemente
; passado, esmiugando e esquadrinhando as obr:
oe ee a a idade de uma inteligibilidade total ou nee
al. ‘0 isso faz parte da dinamica do mundo université ic
tende a permanecer fechado no interior dos limites d ae
Romper com tais limites, porém, por nea ie oe
ee ieee foe a principio, é ieee a as
pelenbe a possibilidade de devolver a linguagem do pensamenti
© seu vico, o seu frescor, a sua vitalidade. Nao por meio d a
recaida em um Ambito de pura arbitrariedade ea en
do desenvolvimento de uma forma de exy as Dect S
ne eo ae antes por meio de um sacehenns phere
parceicentay forma inessencial e, por isso mesmo, em ulti
alae , em ultima
eo que o que realmente importa possa
eee ente en seu carater fundamental. Exata-
‘a, por sua vez, € a principal qualidade dos escritos d
Jodo Augusto Pompéia e Bilé Tatit Sapienza contidos ne pee
volume. Mas qual o cardter propriamente dito de tais a
céusticas e paradig
da leiture
Quais os si ‘ios ituai:
§ seus esteios conceituais mais importantes? Com o qu
nos yemos af confrontados? oy
E preciso salientar 2 i
; : eciso salientar antes de mais nada a presenca do pensa-
lento de M is im, Ss
0 de Martin Heidegger como um fio condutor muitas vezes
\ Jado, muitas vezes expresso, que atravessa de qualquer modo
itemente o livro como um todo. A figura de Heidegger
se A base de todos os contextos argumentativos mais
eficont
la em tltima instancia que lhes fornece, em verda-
Hiversos ¢ ¢ el
Je, desde 0 inicio, a sua forga expositiva propria. E isto porquanto
diversos escritos contidos no livro nao repetem simplesmen-
sreensoes e interpretagdes heideggerianas em particular,
contrario, desdobram essas compreensoes & interpreta-
em meio a campos investigativos diversos daqueles com os
quals o préprio Heidegger lidou em sua obra. Seguindo a pro-
tentativa de Medard Boss, empreendida a partir da década
50, de levar a termo uma transformacao nos pressupostos €
ios estruturadores da psicologia em didlogo direto com a
io heideggeriana de ser-ai, algo que acabou redundando no
rgimento da Daseinsanalyse, ha em Os dois nascimentos do ho-
anspor 0 discurso filos6fico de
de fendmenos dnticos
+m uma tentativa incessante de tr
Heidegger para o ambito de considerasao
10 a educacao dos filhos, a relacéo entre liberdade e limite, a
sibilidade de uma agao ética, assim como 0 lugar e os desafios
rapia na era da técnica. Nesse caso, no entanto, 0 que esta em
xo nao € empreender uma fundamentagao da Daseir alyse,
mas sim sondar as repercussdes da Dasei sanalyse sobre proble-
s concretos do existir humano. No que concerne a sondagem
essas repercussdes, o que ha aqui de mais importante éaacima
sncionada apropriagao da nocao de ser-ai (Dasein).
No cerne do pensamento heideggeriano encontra-se a
compreensao fundamental de que 0 ser do homem é marcado
stamente por uma indeterminagao originaria total, por uma
séncia completa de propriedades essenciais previamente da-
Caso queiramos considerar 0 ser homem a partir da pergun-
ta “o que’, somos obrigados a responder a essa pergunta com um
onoro e retumbante; “nada!” Em sintonia com a compreensao
erliana do homem como um ente marcado pela dinamica
pela relacao de atos de consciéncia (pensar,
me
hu
intencional, ou seja,
9» Imaginar etc.) com a génese imanente dos campos de
hjetos correlatos (pensado, lembrado, imaginado etc.), Heide-
gger reduz o ser do homem ao par fenomenolégico existéncia
(como movimento origindrio de ser para fora) e mundo (como
campo de manifestacao dos entes em geral e como horizonte
ermenéutico de estruturagéo de nossos comportamentos em
geral). Com isto, o ser do homem Passa a ser expresso por meio
da nogao de ser-ai, exatamente Porque o homem sé conquista
© seu ser a partir do ai, do mundo que é 0 dele. Dizer isso, por
outro lado, é 0 mesmo que afirmar as possibilidades especificas
do ser-ai como possibilidades especificas de seu mundo. Tome-
mos um exemplo corriqueiro. Nossas salas de aula vém ha mais
ou engs cinco anos sendo tomadas por pequenos aparelhos de
Sravacao que permitem aos alunos registrarem as aulas de seu
nteresse, os famosos MP3. A possibilidade de uso de algo desse
género depende necessariamente de varias coisas: da efetividade
de algo assim como aula, ensino, professor, da presenga de luga-
res. como a universidade, 0 colégio, o instituto avangado de for-
magao, o centro cultural, da capacidade da idéia de formagao, de
aprimoramento ou de cultura geral funcionarem como mobiliza-
dores estruturais dos esforcos de muitas pessoas invariavelmente
to diversas entre si. Tudo isso nem sempre foi possivel. Nao
Fecisamos nos confrontar com a diversidade historica da prepa-
ago dos jovens para a vida em cidades como Atenas e Esparta
\ Grécia Antiga para que percebamos isso. Hoje mesmo, ainda
eriéncias existenciais que prescindem completamente de
a essa paleta de possibilidades. Ao mesmo tempo, porém, se
IMOS Nossas acdes em meio a tais contextos mais amplos,
» 8 porque o nosso mundo permite que o facamos, por-
{He © nosso mundo o permite, porque essa possibilidade é sua
1, Como 0 préprio Heidegger o formula no pardgrafo 31
fenipo, “o ser-ai é existindo o seu af”, ou seja, ele é exis-
‘arialmente as possibilidades que 0 seu mundo traz consigo.
4 sedlugio do ser-af a dindmica intencional que 0 coloca em sin-
tenia com o mundo, contudo, tem ainda uma outra consequ-
‘firia especifica, consequéncia essa que ressoa no proprio titulo
Como o ser-ai s6 se determina a partir de seu mundo,
je no possui nenhuma propriedade essencial previamen-
Ja e como ele se vé inicialmente absorvido no mundo
) sedimentado que € 0 seu, ele tende a principio a se desarti-
mesmo, a se afastar de sua negatividade constitutiva e
r como uma coisa entre coisas. Seu primeiro nascimen-
ortanto, acaba produzindo mais um afastamento de si do
jue uma conquista plena de suas possibilidades mais proprias.
J sse nascimento, porém, nao é 0 fim de seu caminho existencial,
e 0 ser-ai humano nao nasce como uma coisa que vai so-
da live
ean
te de
por
frendo em seguida os efeitos mecanicos de um mundo a priori
‘Ao contrario, o nascimento do ser-ai humano é antes uma
abrupta em um espaco semanticamente estruturado, no
dac
ele mesmo precisa conquistar paulatinamente a sua histéria.
»xisténcia é, em suma, uma tarefa que nunca se resolve de ou-
forma senao por meio do préprio existir. Ao primeiro nas-
rento se liga inexoravelmente o segundo, o decisivo: o nasci-
nto de si, para si como histéria.
Mas nao é apenas em sua ligagéo com o pensamento de
idegger que os escritos aqui presentes se revelam em seu vi-
1 mais primordial. Ha ao mesmo tempo por toda parte um
jogo rico com os mitos fundacionais do Ocidente, um apro-
yeitamento do tesouro significativo dos termos mais simples
© mais decisivos, uma remissio a figuras centrais da filosofi
tradicional tanto quanto do pensamento contemporaneo, uma
bertura constante para se deixar levar pelo fio condutor dos
fenémenos, pela estrela guia das coisas mesmas, as tinicas re-
almente capazes de nos conduzir por entre os labirintos mais
scuros da alma humana.LIBERDADE
Liberdade é uma palavra que circula com muita frequéncia
em nossa fala cotidiana. Falamos do direito a liberdade, alias, pre-
visto na Declaracao dos Direitos Humanos; falamos de governos
» nao respeitam a liberdade, de pais que dao muita liberdade
aos filhos, da liberdade de expressao, do medo da liberdade, da
liberdade de escolha, da liberdade que se conquista, da liberdade
que é importante nao perder, da liberdade que precisa ser bem
usada, e muito mais. Mas exatamente de que estamos falando
com essa palavra? Seria a liberdade alguma coisa que nos dao ou
que nos tiram? Alguma coisa que precisa ser economizada e bem
dosada? Certamente sabemos o que ¢ liberdade quando somos
npedidos de realizar algo, ou de ser de uma de:
eira; ou quando somos obrigados a fazer o que nao queremos.
ai, entao, rapidamente concluimos que ter liberdade é poder
zer 0 que desejamos, dizer o que pensamos, ir aonde quere-
mos, recusar 0 que nao queremos. Certamente, ter esses direitos
nplica liberdade. Mas com isso nao esgotamos 0 que ha para ser
compreendido no conceito de liberdade.A partir do século 18 em diante, o conceito de liberdade
assOul A OCupar uma posi¢ao central tanto do ponto de vista po-
eo, com relagao a liberdade dos povos, como do ponto de vista
da necessidade de respeito pelos direitos individuais.
ssa é uma quest&o que pode ser abordada a partir de di-
ntes referéncias. Um ponto de vista muito importante é o de
ah Arendt em seu livro Entre o passado e o futuro, cuja lei-
nos parece fundamental.
Na reflexao que faremos aqui, seguiremos uma direcdo muito
particular em direcéo a compreensao desse conceito. Trataremos de
compreender a liberdade a partir do referencial da Daseinsanalyse.
O interesse que esse assunto desperta, ou seja, o apelo que
o tema da liberdade exerce sobre nés, torna-se tanto mais forte
quanto mais mergulhamos na época da técnica. Mas esse apelo
se torna maior porque estamos cada vez mais livres ou porque
estamos cada vez menos livres? E 0 que é ser mais livre ou menos
2} tee A es
livre? A medida que o conceito de liberdade ganha mais impor-
tancia, sua compreensio fica mais dificil, mais obscura.
A concepcao de liberdade assume uma forma genérica, pa-
rece que todo mundo sabe o que ela é. Mas quando fener
dizer exatamente 0 que ela é, ficamos perplexos com a dificulda-
de que é descrever o que é isso que chamamos de liberdade. Pa-
rece que acontece algo parecido com o que acontecia com Santo
Agostinho, que se referia a sua dificuldade para dizer o que era
npo. Ele dizia, em seu livro As Confissées: “Quando falamos
de tempo, sem duvida compreendemos 0 que dizemos; 0 mesmo
cerd se ouvirmos alguém falar do tempo. Que 6, pois, 0
po? Se ninguém mo pergunta, eu o sei; mas se me pergun-
, € quero explicar, ndo sei mais nada”! Embora, como todo
», ele soubesse o que era o tempo, na hora de defini-lo era
como se nado o soubesse, tudo ficava muito dificil.
) AGOSTINHO, As Confissdes. Sao Paulo: Editora d
Nao pretendo aqui dar uma definicdo de liberdade, mas
Hiiero me aproximar desse conceito na tentativa de clarear a sua
“omipreensio. Farei, num primeiro momento, uma caracteriza-
Ao do que ¢ liberdade ou do que éser livre, tanto sob 0 ponto de
co como sob 0 ponto de vista ontolégico. Num segundo
ento, falarei do que significa para o Dasein 0 apropriar-se
ser livre.
Comegando a pensar onticamente a respeito do que ¢ liber
lade, vem-nos esta pergunta: 0 que é liberdade? Precisamos antes
saber de que liberdade estamos falando. E da liberdade dos even-
oa? [! da liberdade dos deuses? Ou é da liberdade dos homens?
Pois, a partir do século 19, a liberdade, que era compreendida
itao como algo proprio exclusivamente ao ambito humano,
a-se também uma caracteristica observavel dos eventos. As-
na fisica, fala-se em liberdade como caos, desordem, acaso,
acia de uma determinacao causal detectavel ou observavel
1 os recursos disponiveis num determinado momento da his-
toria da ciéncia, E, quanto a liberdade dos deuses, 0 que seria
0? Aqui nao se trata de uma referéncia religiosa, mas sim de
a certa nogao de liberdade totalmente idealizada que temos
vivido: a liberdade de fazer tudo 0 que se quer. Desse ponto de
vista, liberdade e poder significam a mesma coisa. Temos, entao,
dois extremos: de um lado, a liberdade dos eventos, que significa
cas; de outro lado, a liberdade dos deuses, que significa poder.
Mas a nossa questo éa liberdade dos homens, e essa é dife-
rente. E, ao pensar na liberdade dos homens, a primeira coisa que
re ocorre é que liberdade nao existe, é ilusdo; ela é muito mais
m desejo dos homens que uma realidade. E essa ideia se apre-
nta porque a liberdade tem sido totalmente posta em questéo
desde o século 19. Darwin aponta o homem como resultado de
m processo evolutivo mais ou menos a0 acaso. Marx denuncia
que a liberdade de escolha é orientada e dirigida pela dinami
15tle contlito de classes; o homem é comandado por forgas muito
malores que ele, sem se dar conta disso. Freud diz que, embora 0
homem pense que esta agindo livremente, ele é levado a agir sob
lo de pulsdes do inconsciente que determinam sua ex-
icia e sua conduta. Nietzsche também questiona a autono-
‘a da consciéncia dos homens. Portanto, a nogio de liberdade
\ consciéncia vem sendo praticamente destruida.
O século 20 aprimorou ainda mais a destruico. A histéria
antropologia, e ai temos Lévi-Strauss, mostram 0 quanto o
comportamento do homem é determinado historicamente. As
neurociéncias também contribuem para o descrédito da liberda-
de, e os estudos da genética apontam na mesma direcdo. Assim,
por exemplo, li uma noticia que anunciava a descoberta do gene
responsavel pelo trago que leva alguém a ser revoluciondrio ou
conservador, ou seja, o predominio do determinismo. Ha anos,
vi em um pequeno artigo de jornal a informagio de que o estu-
prador, na verdade, pratica seu ato porque é impelido a dissemi-
Os seus genes da maneira mais eficiente possivel, Esse artigo
me deixou profundamente irritado, porque o estupro nao é um
0 bioldgico, é um fato humano, e nao existe referéncia possivel
de aproximacao entre a realidade do estupro vivido pelos huma-
Nos e€ os conceitos biolégicos de disseminacao de genes. Enfim,
parece que os conhecimentos adquiridos no mundo atual nos
dizem que a liberdade é iluséria.
Mas ha outros pontos de vista a serem considerados. A tra-
dig&o mitico-religiosa, de certa forma, introduz e sustenta 0 con-
ceito de liberdade. O que é a liberdade dos homens na Pperspecti-
mitico-religiosa? Penso que nao é a liberdade de fazer alguma
coisa, mas a de dizer “nao” E a rebeldia. Addo e Eva dizem “nao”
regra de nado comer o fruto da arvore do conhecimento
1e do mal. Edipo, quando sai do oraculo de Delfos e tem
10 desvendado pela pitonisa, diz “nao” diante do que
nte dele como um destino tao terrivel. Parece,
que a liberdade dos homens é a liberdade de oposigao, de
16
1. Mas essa liberdade também se mostra de outra ma
; de de usufruir da liberdade dos deuse:
Ai temosa figura de Prometeu, que rouba 0 fogo dos deuses para
i rnidade, a
si-lo aos homens, dando a eles mais poder. Na mode as
pois vai dando em momentos su-
le dominagao dos homens sobre
io dos recursos que
ee rebela
elra, como uma vonta'
lecnologia faz algo parecido,
vos um aumento do poder d
4 natureza e sobre os outros homens, por me} e i ae tae
disponibilizam. A tecnologia desenvolvi tales
nsacao de uma liberdade andloga
aa varias técnicas
maximo da para os homens a se
4 dos deuses. : a) -
ambém podemos pensar a liberdade considerando ao
wolvida nesse tema €
smo tempo o porqué da dificuldade envolvida nesse
ci Ds: de Hannah Arendt em En-
o como referéncia o pensamento de Hannal Arer
4 ;
ive o passado eo futuro. A pensadora nos diz: “Em sua forma mais
ida c 2 adigao en-
a dificuldade pode ser resumida como a contradicao
os morais, que nos dizem
e a nossa experiéncia
es, ng
10ssa consciéncia e nossos princip!
e somos livres e, portanto, responsavels, ¢ 2 nen
xterno, na qual nos orientamos em co)
¢ ana no mundo e: : vias
tid alidade. Em todas as questoes
midade com o principio de caus:
praticas, e em especial nas politicas,
como uma verdade evidente por si mesma, ae
posigdo axiomatica que as leis sao estabelecidas nas cc
des humanas, que decisdes sao tomadas q oe
O homem nao é completamente determinado. Nossa c' as
as mostra que, em nosso jeito hu:
le de escolha. Essa ideia
saria para a
temos a liberdade hu
e é sobre essa su-
ue juizos sao feitos:
com os outros € com as COIs
ano de ser, atuamos com certa liberdad e
a ave s é neces!
de liberdade pode nao ser demonstrav el, mas é nece
geral e das ciéncias politicas.
2 cdo da éticaem
gee bido a liberdade como
Fildsofos e tedlogos tém conce oe
0 livre-arbitrio. Segundo esse ponto de V
possuidor de uma vontade |
a, o ho
exercicio d ve
mem € considerado como
es
eo fut
ARENDI, Hannah, Entre 0 pasado
Perspectiva, 1979, p. 188.per iss6, CoM UM ser dotado da possibilidade d
decidir, independentemente de condicionam ee
Pines entos ou de uma
Ao ee ae Sartre diz que o ato livre sé é
e a é
oe! Weed Isso quer dizer que a ausén-
fe ae ‘a0 no estabelecimento de uma decisaio
a signiica necessariamente que essa decisao tem d.
»surda, Porque, se houver alguma razio em que a es Th .
baseie, se houver uma razio Para a decisao, ela ja ji is m
livre, ela é determinada pela razao que yan a : oth : ae
pelo exercicio da absoluta liberdade do livre-ai bit aes
ee rbitrio daquele
Mas deixemos um pouco de lado essas consideracé
até agora sobre 2 liberdade e Passemos a pensar, nur a A
toldgico, o que € o ser livre do homem. eens es a
por um momento nossos conhecimentos a res; eit zt oe
enquanto objeto da antropologia, da biologia. 4 : i area
da psicologia, € pensemos nele como Dasein, ae Ha
carter peculiar Consiste em, diferentemente a ee mae
>S, Ser exatamente aquele cuja existéncia é ck-sist cme
teralmente significa ser-para-fora. O Dasein ek-si ae ie
cado pelo ser dos entes em geral, ele é a abertur ie = nae
a manifestacao dos entes. Como ek-sistente, nee ion.
mundo como o horizonte a partir do qual ada : a ae a
do qual ele perfaz o poder-ser que ele é, junto oe i a aa
ros. Seu modo de ser é ser-no-mundo e Caen eae
que ele é, ele se caracteriza por estar sempre Eee ‘ a.
livre do Dasein que vamos tratar aqui. oe
A liberdade se identifica com 0 modo de ser di i
ydo de ser do homem. A liberdade é um dad st
ae ; nj sel oe € a forma de ser do Dasein ae
aN ser livre anifesta em trés dimensées; 0 ser aba -
mes : ser fundado nas possibilidades, 0 ser an
O ser livre do Dasein é ser aberto em possibi dades. Porque
4 {ala ¢ propria do homem, porque ele é capaz de ter alinguagem,
pode configurar nao sé 0 que mas também 0 que pode ser,
» possivel. E isso que pode ser éo ainda nao, 0 nao mais e tam-
jem aquilo que € apenas virtualmente possivel.
Seu ser livre é ser fundado nas possibilidades. Nao 6 0 Da-
sein é aberto nas possibilidades, mas ele também se enraiza ne
Jas, Isso porque todo o sentido da ago humana se da a partir do
© ou da finalidade que a acao pretende alcangar, a partir
visa, algo que esté no fim e, portanto, nao exis-
Igo que é uma possibilidade. Assim,
go a que se
inda, ainda nao é real, a
serve de fundamento ou base para a agao humana é, de
inicio, uma possibilidade. Podemos dizer que, para o Dasein, 0
fim & 0 comeco. O sentido ¢ dado pelo possivel e nao pelo real.
© proposito, pro-pésito, ¢ 0 fundamento do agir, é a base, é 0
chao do Dasein.
Ser livre, para 0 Dasein, € também ser langado em possi-
idades, porque o possivel ultrapassa 0 real. Ultrapassando o
al, o Dasein nao pode se limitar ao real. Pretender restringir-se
apenas ao real e fugir do ambito do possivel significa aproximar-
ue
se de uma condigao patoldgica.
Dasein é, ento, aberto, fundado e langado nas
a liberdade do Dasein é 0 habitar no po-
o poder-ser,
possibilida-
des. O que caracteriza
der-ser. Mas, quando queremos saber 0 que é isso,
nossa surpreendente consta-
© possivel em que habita o Dasein,
éhabitar o sem
taco é que o possivel é nada, ¢ 0 vazio. Ser livre
ivre é estar lancado na possibilidade da angustia.
a liberdade nao é uma escolha, ela é dada,
o maior de todos
fundo. Ser |
Para o Dasein,
um dom, e, por ser o dom maior, seu prego é
_ “Qs deuses vendem quando dio”—,, diz 0 verso de Fernando
Pessoa. E nao ha como recusar esse prego. Ser livre nao é uma
é
3 PESSOA, Fernando. Obra pottica. Rio de Janeiro: Companhia José
Aguilar Editora, 1969, p.71.
19peas do homem. Diante desse dom, ele tem duas possibilida-
tles Ot se submete ao ter de ser livre, sendo condenado a ser livre
Femio nos diz Sartre, visto que tal condi¢ao lhe é imposta, ou
entfio abre-se para esse dom, acolhe-o e apropria-se dele.
Bem, mas 0 que significa apropriar-se do dom de ser livre?
Pensemos. O que quer dizer apropriar-se de alguma coisa?
Quando algo que é dado nao é acolhido, a doagio nao acontece.
Para que a doa¢ao ocorra, para que algo seja um dom que possa
se efetivar, aquilo que é dado precisa ser acolhido. No caso da
liberdade, o Dasein nao pode recusar a doacgio do ser livre, mas
pode nao a acolher. E 0 dom nao acolhido é uma condenacao.
Quando Dasein acolhe o dom, este passa a ser mesmo uma doa-
Gao, algo que faz parte da sua vida, do seu jeito de ser, como uma
doagao de fato, que se efetiva o mais plenamente possfvel. Aco-
ro dom é apropriar-se dele, é recebé-lo com propriedade,
Ao falarmos do apropriar-se do dom da liberdade, a palavra
propriedade esta implicita no que dizemos. Por isso, detenhamo-
nos um pouco mais no que significa a palavra propriedade. Essa
palavra, dependendo da frase em que esta, pode ter conotagdes
diversas. Por exemplo: Ser incolor é uma propriedade da agua.
sse terreno € propriedade do meu tio. O aluno respondeu a
pergunta com propriedade. Nessas frases, ora a palavra significa
tica, ora posse, ora adequagao.
» quanto a apropriagio do dom da liberdade, ai a palavra
propriedade esta implicita nesses trés significados. Para o Dasein,
‘opriar-se do seu ser livre é estar de acordo com sua caracte-
\ essencial, que é ser aberto, fundado e lancado em possi-
les de ser. O apropriar-se do dom de ser livre comporta
0 significado de propriedade como posse, porque tomar
posse de um dom quer dizer empunhar esse dom, e empunhar
1 de ser livre é efetivar o modo de existir do Dasein, que é
eh-sistiv, que é ser-no-mundo cuidando da tarefa de vir a ser si
mo. E, no que diz respeito ao significado e es
ypriagao do seu ser livre revela-se como 0 er. a see
esponder ao chamado, ao apelo ate acolher es om
Acolher, porém, nao significa ser passivo, mas an oe
m movimento de responder a algo que anelay ayyen :
1 de ser livre nado é apenas uma ¢ racterisicts pate
algo que o Dasein precisa empunhar, mas é, principa B
‘uma vocacao, um chamado. Ser livre é um chamado see nee
,a partir do Dasein. Ser Dasein é estar aberto nu a
dade que o convoca para ser si iDeSInO: aoa ese ne
ser livre, portanto, € corresponder a vocagao de si
nao é uma coisa simples.
Ser livre implica escolha e decisao. A palavra Eas
entemente mal compreendida. Talvez ela seja ainda Wee
obscura do que a palavra liberdade e costae ee ce. ms
fundida com 0 poder de determinar. Entretanto, ee a
possibilidade de escolher nao é simplesmente isso. Pode:
é ter de escolher. :
Se alguém nao pode escolher, atts sae ee
ne pode escolher, é obrigado a escolher. tle pos s z
bc escolher, mas isso jé é uma escolha. Nao ha como ae
y nesse caso. E precisar escolher pode ser terrivel. Lee Boe
de uma situacdo em que isso ficou muito claro oe pee
muito amorosos estavam com 0 aes a el nea
felizes em proporcionar a ele a liberaa s i
eae a eo aele que Sea oe oral
Nesse momento, comega a tortura da cuanea andando SS es
para ca, olhando tudo, até que enfim diz: “Quero a a oo
vito com ele até o caixa para pagar, mas, nesse perc ro aa Ss
tos outros brinquedos! Todos eles chamam a -_s ee
ssessem psiu, psiu... O menino diz par orn ‘a oe
quero aquele. E o pai responde: “Vocé precisa es¢ ,
21cee que ja esté na sua mao e leva aquele que vocé viu
E eee sa : gone pois o que havia sido escolhido
eine, ae : pai ee e deixa que ele leve os
Mice ta slosidoisy ha também aquele outro chaman-
F ee fal lando mais alto. Agora o menino resolve: “Espera
ieee all que eu quero.” E a mae, j meio impaciente, diz: Mae
“ oe Ea area comega a entrar na tortura
Mateo ee : a terceiro brinquedo também €é tao legal!
ree eae 8 ue choradeira € os pais ficam bravos.
ee el ue a cabins tenha levado varios brin-
ae i ra casa. Se tiver sido assim, ao chegar em casa, deve ter
= ot i escolher com qual brinquedo comegar a
eee justo col ocr elcmanea nessa situa¢do? Interessante
: que) os adultos fazem isso com as criancas com |
intengao, carinhosamente. ad
: eee a primeira referéncia para pensarmos
Sie eee ae : ee nao esta livre para renunciar nao
ee re yee nessa een contraditoria
ie s igado a escolher, porque escolher
ae ea poderte uma limitagao. Se a pessoa nao
poder sal ye eateontundaajorosnastnportte
: s ada. ‘lalvez o mais importante
ep he a eels se isto: o fundamento as poder
ce | posse, & a rentincia, E que, em primeiro lugar,
Bot er escolher significa estar livre para renunciar. Escolh :
coisa € abrir mao de uma série de outras. be ee
oe ae lugar, ser livre iss portanto, poder escolher
ies ap esmente nao estar obrigado a nada. Nao s6 somos
° sedge come tambem a obrigagao nao termina ai.
; asein é estar livre para comprometer-se. E com-
netendo-se com o escolhido que ele exerce o seu ser livre.
Mas t S02 i: -)
pessoa pode dizer: “Nao quero me comprometer com
uma escolha para nao perder a minha liberdade.” Se perguntar-
mos a ela de que liberdade se trata, ela dird que se trata da liber-
dade de poder escolher. Entao, se ela nao escolhe para nao perder
4 liberdade de escolher, porque, depois que escolhe, perde essa
dade, podemos ver que, querendo preservar a liberdade, ela
) age com liberdade, ela nao efetiva sua liberdade. Ela nao es-
orta como
h
colhe para nao precisar se comprometer. Ela se comp
quem supde que a liberdade seja algo consistente em si mesmo,
uma coisa da qual se tem a posse, que pode ser guardada, como o
ayarento guarda dinheiro. E a liberdade nao pode ser guardada.
i verdade, o ser livre do Dasein s6 se consuma quando se con-
ome. £ destruindo a liberdade, a cada vez, a cada escolha, que
exercemos 0 ser livre. Ser livre “de” qualquer deter ninagao
ara o Dasein, ser livre “para” a determinagao,
pensamos a palavra determinagao
&p ser livre para
npromisso. Geralmente,
10 a agio de varidveis sobre 0 individuo. Mas determinagao
significar também a forga da pessoa, quando dizemos, por
plo, “fulano é muito determinado”. Nesse caso, queremos
dizer que se trata de alguém que sabe 0 que quer, que escolhe e e
prometido com as coisas. Nao estar obrigado a nada signi-
1 poder dispor-se a assumir obrigagées com algo, com aquilo
: se escolhe. O compromisso nao € 0 oposto ao ser livre, é a
lizagdo. A necessidade de rentincia € 0 compromisso com
pensar como € complicado deixar nas maos
colher e decidir sozinha em
jpunhar o seu
a escolha nos fazem
dle uma crianga 0 peso de ter de es
certas situagdes, ou seja, esperar que ela possa em)
ser livre coma responsabilidade que isso exige. Por isso, 0 adulto
deve ser o depositario da liberdade dela, educando-a de tal modo
gradativamente ela tenha oportunidades de compreender 0
sua liberdade implica.
Um terceiro ponto a ser lembrado a respeito do ser livre:
Para o Dasein, ser livre significa servir como ocasido para que 0sentes se manifestem em sua verdade. Sendo aberto nas possibili-
dades, o Dasein é aberto também naquilo tudo que esta para além
do real, para o que transcende o real, isto é, sua abertura diz res-
peito ao que ainda nao é mas pode ser, ao que ja foi e nado é mais
€ ao que seria possivel apenas virtualmente. Aberto nas possibi-
lidades, ele escapa dos limites do real, mas esse escapar do real 0
conyoca para voltar ao real, cuidando da realizacao do possivel.
Para tornar mais clara essa ideia, valho-me das palavras de
meu saudoso amigo Paulo Barros, quando ainda éramos estudan-
tes de psicologia. Ele tinha duas imagens para falar de liberdade.
A primeira é a da crianga que esté descobrindo um piano. Ela
chega, abre o piano, comeca a mexer nele: aperta as teclas aleato-
riamente, as brancas, as pretas, pode pisar nos pedais, interessa-
se por tudo. Paulo dizia que, para ele, essa era uma das imagens
mais significativas da liberdade: a curiosidade, o encantamento,
o nao ter nenhuma regra, esse explorar todas as possibilidades
do piano. Nao ha divida de que descobrir, acolher a novidade e
poder explord-la sem referéncias prévias, simplesmente olhando,
mexendo, associando tecla e som, tudo isso é uma experiéncia de
liberdade. Mas essa liberdade se desgasta rapidamente. Em pou-
cos minutos, o brilho daquele encantamento maravilhoso da ex-
ploragao e da descoberta se apaga, e a crianca vira as costas para
0 piano e vai fazer outra coisa, vai procurar outra novidade.
A outra imagem a que o Paulo se referia, essa, sim, represen-
ta a perfeita liberdade. E a liberdade que esté na intimidade e na
familiaridade com que um pianista se relaciona com 0 piano. Ao
ouvi-lo e vé-lo tocar, temos a sensaco de que ele esta absoluta-
mente livre nesse momento, de que transita na relagdo com o pia-
no sem que haja nenhuma resisténcia do piano; é como se hou-
yesse uma entrega do piano as maos do pianista e uma entrega do
pianista ao piano, uma profunda cumplicidade entre os dois.
Rubem Alves, em sua crénica Jardins, fala de seu sonho de
Antar um jardim num terreno baldio que havia ao lado de sua
sa, Mas aquela terra nao era sua. Diz ele: “De meu, eu s6 tinha
m, antes de
© sonho. Sei que é nos sonhos que 0s jal lins existe untes ds
{irem do lado de fora. Um jardim é um sonho que virou re
(...) “Mas um dia 0 inesperado aconteceu, O terreno fi-
alidlac e een9
ou meu. O meu sonho fez amor com a terra € 0 Jardim eases
() jardim surgiu da fecundacao da terra pelo seu sonho, a * ae
ga da terra ao seu sonho e aos seus cuidados. Nessa cump} toe lad i
fjasceu o jardim. Parafraseando essa ideta spodemay ‘s a
focando o piano numa liberdade feita de intimidade ede ara a
ridade, parece que, naquele momento, © pianista ee amor com
10 ¢, nesse amor, ele fecunda o piano, € a musica nasce. ‘i
© ser livre desse pianista é diferente do ser livre e
crianga que brinca no piano. Nao ques euange Sele mien att
masa peculiaridade da liberdade do pianista const ste en 4 bf
liberdade que liberta também 0 piano, isto €, deixa-o eS p a)
nte aquilo que ele é, um piano; deixa que ele se desvel eem #
lidades, Ao tocar com aquela familiaridade, ele possibilita
entido de aletheia, de desvelamento
ma musica que, saindo
a musica que
Oss
ea verdade do piano, no s'
originario, se apresente. E mais, ha també: i
de seu encobrimento, se manifesta. E ainda mais, bee
rge daquele encontro intimo entre o pianista e 0 pia Bo Y ber :
© ouvinte, ou seja, deixa aquele que ouve ser plenamente em sua
condigdo de ouvinte que se entrega a fe
vela em seu ser aberto ao belo, o belo que pode aparecer ne
incrivel que pare¢a, nao cessa ai essa lbertagéo queio in
do pianista engendra, porque, quanto mais familien ein ie ;
a relagao entre ele e o piano, mais familiaridade, ipura Y -
cumplicidade serao dadas. A familiaridade nao se consome, eH
O ser livre desse pianista liberta 0 seu proprio ser
livre, de tal modo que se torna cada vez mais intima a comespalls
déncia com tudo o que com ele se liberta. E, nesse libertar que
berta a si proprio, o tempo se alonga, num alongamento que
musica. O ouvinte se des
E, por
se multiplica.
| ALVES, Rubem, Jardins,in 0 Retorno eterno, Campinas: Papirus Editora,
2010, p. 67.far do tempo temporalidade. E diferente daquele tempo curto
em que todas as coisas precisam ser decididas de imediato. Dife-
yentemente do ser livre da crianga, que rapidamente se esgota, 0
ser » do pianista se amplifica numa perspectiva em que a ee
liberdade liberta para a liberdade: dele, do piano, da musica, dos
ouvintes e da possibilidade de ser livre. a
O ser livre do Dasein faz com que ele ultrapasse 0 real para
nar ao real, e isso quer dizer que ele é convocado para rea-
ar, para tornar real aquilo que era uma possibilidade. Em sua
erdade, Dasein deixa vir a luz 0 que ainda estava no encobri-
mento, ele liberta os entes para que se manifestem em seu ser, ele
é clareira do ser dos entes. Para o Dasein, libertar 0 ente einen
proprio ser significa permitir que ele se manifeste, significa criar,
ecriar é libertar 0 possivel do encobrimento do nada. O Postel
sempre 14, encoberto pelo nada. Criar é trazer ao real, € re-
ar, deixar aparecer na luz aquilo que até entdo permanecia
oculto no encobrimento. O modo de ser livre do Dasein consiste
em dispor-se a servir como oportunidade de desvelamento do
possivel, em deixar-se usar como Aambito da verdade dos entes.
E hd ainda uma quarta referéncia para falarmos do ser livre
e da escolha: poder escolher é antes de tudo e principalmente
poder obedecer. Isso pode parecer chocante, porque obedecer
& ger livre so vistos como incompativeis. Dizemos geralmente
que é livre quem nao precisa obedecer. Mas a palavra obedecer,
em sua etimologia latina, carrega também um outro ignite)
Ela provém de ob-audire, e ob € um prefixo que significa estar
dixposto em diregao a, € audire significa escutar. Entao, ob-audi-
fe 6a possibilidade de estar disposto a escutar: obedecer é estar
disposto a dar ouvidos a alguma coisa. Assim, como diz Nancy
Mangabeira Unger, em O Encantamento do humano, “a palavra
obedié pode deixar de ser vivida no sentido repressivo da
moral, da culpa e da punicgao para resgatarmos seu sentido mais
prencial?® E nesse sentido que dizemos que poder ser livre é
poder obedecer, ¢ poder ouvir.
Mas trata-se de ouvir © qué? Em seu ser livre, Dasein € S0-
liitado a dar ouvidos a que? Ele é solicitado a dar ouvidos a tres
pelos que o convocam o tempo todo. O primeiro é 0 apelo de
ei mesmo, é ser capaz de ouvir aquilo que lhe diz respeito. Ouvir
» dizer € poder ser fiel a si mesmo. E isso nao é facil. Nao me
y aqui a fidelidade no sentido de exclusividade. O ser fiel a
que me refiro tem algo em comum com a raiz fé, que significa
poder confiar. Quando falamos em confiar em si mesmo,
jamentavelmente, as pessoas pensam em alguém cheio de si, €
no & disso que se tratas mesmo porque alguém cheio de si é al-
guém cheio de nada. Poder confiar em si, como forma de ouvir ©
que lhe diz respeito, é poder corresponder & sua propria esséncia,
existir, Dasein ek-siste, jeto 6, ele ja € sempre nO mundo,
que ele libera como o horizonte em que os entes vérn 20
que ée
mundo
seu encontro e em que ele pode ser 0 poder-ser qu
aser. Existir é vir-a-ser- Confiar em si é poder confiar
r-a-ser, que caracteriza @ sua esséncia. B se abrir
e ele é,em que
ele pode vir
no proprio vil
na perspectiva daquele tempo que se alonga, que nao éo tempo
do imediato, mas € © tempo do historico. Compreender-se 20
tempo longo € poder confiar no caminho, naquilo que se estende
para além do agora. Ouvit a si mesmo é poder se livrar do ofus-
o do imediato e estar aberto a confianca no caminho.
cament
mo que o Dasein precisa obedecer,
E nao € apenas a si mes
precisa dar ouvidos. Ele também precisa ouvir 0 apelo do mundo.
Ouvindo a si mesmo; de certa forma 0 Dasein alonga 0 tempo €
deixa transbordar para além do imediato em diregao ao futu-
Esse tempo alongado se apresenta como algo
ro e ao passado.
precisa ouvir essa ressonancia do tempo
que ressoa, & 0 Dasein
jJongo. Quando falamos em tempo longo, podemos ser levados a
3 UNGER, Nancy Mangabeira © Encantamento do hur
espiritualidade. Sao Paulo: Editora Loyola, 1991, p. 58.
jano - ecologia &
27pensar num longo que seria uma estreita sucessao de momentos,
representada por uma linha, tal como acontece com o tempo cro-
noldgico. Mas o tempo longo a que me refiro aqui é aquele longo
que é também largo. B 0 largo da ressonancia que se da junto com
0 alongamento do tempo. FE como se transformassemos a linha
do tempo num plano, num tempo aberto, que podemos chamar
de kairés, 0 tempo que é oportunidade, o tempo que é ocasiao, é
© tempo para... para estudar, para descansar, para trabalhar, para
amar, para se divertir, para se esforgar, para plantar, para colher. E
o tempo que inscreve o Dasein no precisar responder 4 convoca-
cao do mundo que se oferece como ocasiao, como oportunidade.
Ouvir 0 apelo do mundo é reconhecer a oportunidade. Quanto
a isso, lembro-me de um episédio da minha infancia. Certa vez,
no sitio em que morava, meu av6 perguntou ao seu Dito, caipira
que cuidava da nossa horta, qual era o seu segredo para conseguir
aquelas verduras maravilhosas. Ele respondeu tranquilamente.
“Nao tem segredo nao, doutor. E que eu sé planto o que a terra
gosta.’ Seu Dito tinha essa sabedoria. Quando plantamos 0 que a
terra gosta, aquilo vai adiante, fica bonito. Reconhecer a oportu-
nidade é plantar o que a terra gosta. Saber ouvir 0 mundo, saber
obedecer, é poder reconhecer a oportunidade,
E, finalmente, ouvindo a si mesmo, ouvindo o mundo, o
Dasein tem a possibilidade fundamental de ouvir o apelo dos
outros, 0s outros que sio também Dasein. Aquele que é capaz
de ouvir 08 outros torna-se capaz de ser porta-voz. Expressao
ser o porta-yoz. O porta-voz é aquele que tem o poder
noder dizer é poder dizer bem. E poder bem dizer os
9s, ¢ bendizer os outros, Bendizer os outros é compreender o
peculiar modo de ser livre com os outros. Quando era adolescen-
te, ouvia dizer o seg a liberdade vai até onde come-
gaa liberdade do outro,’ Nesse caso, 0 limite da minha liberdade
faz fronteira com a liberdade dos outros. Mas quando comecei
a estudar Medard Boss, compreendi que o que limita a minha
liberdade nao é a liberdade do outro, e sim o meu ser mortal, a
28
ha finitude. Se eu estiver com 0 outro, a nossa liberdade sera
lito maior que a minha. Quando a minha liberdade enon
4 liberdade do outro, a minha se expande no compartilhar as
ssas liberdades. Nossa liberdade € mais amplae mais profunda
e aquela que posso ter SoZ aho, Ouvir a liberdade dos outros
« bendizé-la é poder apropriar-se do modo de ser livre com os
ros homens, é poder compartilhar uma liberdade maior.
Retomando o percurso que fizemos, podemos resumir nos-
sa reflexdo dizendo que a liberdade nao estdé num querer viver
a perspectiva da tempo alidade, nem na
0 que
n compromissos, sem a
vealizacao de desejos insacidveis de poder e dominagao,
tem levado o homem a se sentir cada vez mais sozinho, temeroso
e desamparado.
Para o Dasein, o apropriar-se de seu dom de s sig
aquilo a que ele € conyocado, ou seja, signt-
uu modo de ser: servir. Servir
livre sig,
nifica corresponder
fica efetivar o que é peculiar ao se
a? Servir para deixar que os entes do mundo se mani-
fe as coisas se mostrem em sua verdade;
1 0 fio que retine os aconteci-
para qu
festem em seu ser, qu
servir para criar; servir para tecel i q
mentos fazendo deles histéria. isso ele realiza quando faz suse
escolhas. E poder escolher € poder ser livre para renunciar e
2 omprometer.
at ae de seu ser livre é também poder EL livre para
obedecer a si mesmo, numa fidelidade ao seu caminho que se
desdobra no tempo; para comprometer-se com © mundo, na
correspondéncia as oportunidades; para comprometer-se com
os outros, no compartilhar o ser livre dos homens.ETICA E MORAL
Entre pessoas que se preocupam com questées humanas,
ca e moral foram sempre temas presentes por sua importancia.
Mas especialmente em nossa época, a chamada época da técnica,
1 que os homens chegaram a atingir um dominio tao gran-
de sobre a natureza, essas quest6es se tornaram particularmente
significativas. Agora, quando é possivel controlar praticamente
tudo, esses temas ocupam um lugar especial porque ¢ mente
esse dominio mostra para o homem o poder que os homens tém
de fabricar, de manipular quase tudo. Entao, além das ameaga,
que, desde a sua origem no planeta, podem caus: »A08 ho
mens, hoje os homens temem a ameaga que vem dos proprios
homens; eles tém medo do que os homens sao capazes de faze
Nunca esse medo se mostrou como tao
anos. O proprio homem esta no centro das ameagas.
Sentimos que a seguranga int a da sociedade tor-
nam-se um problema grave. E, para garantir a seguranca, 0 que
surge como alternativa sio as medidas coercitivas, controlado-
314s, por meio das quais os homens tém seus comportamentos
vigiados, monitorados. Inaugurou-se, assim, a armadilha da
Seguranga versus liberdade, desde 0 comego do século 21, pois
‘s medidas tomadas em beneficio da seguranga frequentemente
ignificam uma restri¢do da liberdade das pessoas. Queremos a
seguranga, queremos nos ver livres de violéncias, queremos res-
peito. E a liberdade? Queremos liberdade também. Encontramo-
nos num beco sem saida. Se seguranga e liberdade nao puderem
se encontrar num mesmo foco, ou seja, se a questdo for ou segu-
ranga ou liberdade, entao temos pela frente um problema muito
sério. Por isso, os temas relativos a essas palavras ética e moral
nos chamam para que sejam pensados.
Etica e moral so assuntos muito amplos, Aqui, entretanto,
quero me limitar a considerd-los tendo como foco a Daseinsa-
nalyse terapéutica. A tradi¢ao da psicoterapia, desde Freud, pro-
pe uma suspensao do julgamento moral. Julgamentos morais
nao cabem numa sessao de terapia, pois esse é 0 espaco em que
© paciente pode se expor sem restri¢des, pode estar livre para fa-
lar de suas experiéncias sejam quais forem. O setting terapéutico
deve ser moralmente neutro. Dizemos que ali existe uma neutra-
lidade a respeito da moral.
Mas, efetivamente, como a Daseinsanalyse compreende essa
neutralidade? Neutralidade moral é neutralidade ética? E, mesmo
que 0 julgamento moral seja suspenso na sessao, como 0 terapeuta
compreende, como ele lida com os conflitos morais e éticos vivi-
dos pelo paciente? Ele vai lidar com esses dilemas trazidos pelo
paciente impondo a ele uma neutralidade diante dessas quest6es
morais que ele vive em sua vida? Assim, a proposicao da neutra-
lidade do ambiente terapéutico deixa em aberto a questao que diz
speito ao fato de que a vida do paciente comporta também con-
cretamente dilemas morais. Como o terapeuta se aproxima disso?
Para chegarmos mais perto dessas questdes, vamos pensar
© que entendemos por moral, por ética e como esses dois concei-
tos se apresentam na Daseinsanalyse.
42
Moral vem de uma palavra latina, mores, que significa cos
fumes. A palavra diz inicialmente respeito ao modo como os cos~
tumes efetivamente se objetificam na tradicao. O foco da moral
© 4 conduta, 0 comportamento, e isso possui uma relacao direta
uma caracteristica dos romanos, o seu pragmatismo, a sua
ocupag&o com as quest6es marcadas por pontos de vista bem
cretos. Nao é 4 toa que, enquanto os gregos fizeram filosofia,
omanos desenvolveram o direito.
Moral é 0 conjunto de regras, leis ou principios que limi-
tam a liberdade dos homens, possibilitando a ordem social. Esses
princfpios nao sio fundamentados, ele tém cardter axiomitico e
slo mantidos pela tradi¢ao. Um exemplo na antiguidade é 0 cé-
digo de Hamurabi, rei da Babilénia, que constitui a mais antiga
colecao de leis, sendo uma referéncia do certo e do errado no
‘0 antropoldgico. Ja o cédigo de Moisés amplia esse alcance,
dd um salto para o divino, pois traz para os hebreus 0 Decalogo
em nome de Deus. Sao leis fundadas na revelacao divina, que
limitam a liberdade dos homens aproximando-os do bem e afas-
tando-os do mal. Nesse caso, além do certo e do errado, do que é
ou nao é permitido, essas leis dizem respeito ao bem e ao mal.
Quero enfatizar aqui a radical necessidade humana de um
parémetro moral. Ao longo da historia, as civilizagoes mantém
sempre em suas tradi¢ées o que é considerado certo, bom e o que
é errado, 0 que deve ser evitado e mesmo proibido. Do ponto de
vista social, ja aparece em Platao, em seu didlogo Profdgoras, a
necessidade de haver regras morais que organizem o§ compor
tamentos dos homens, para que eles nao se destruam. Nesse ¢
dlogo, encontramos, no que diz respeito aos homens; “ .,. busea
vam, pois, a maneira de reunir-se e de fundar suas cidades para
defender-se. Mas, uma vez reunidos, feriam-se mutuamente, por
carecerem da arte da politica, de forma que comegavam nova
mente a dispersar-se e a morrer. Entéo Zeus, preocupado ao ver
que nossa espécie estava ameagada de desaparecer, mandou que
Hermes trouxesse aos homens o pudor e a justi¢a, para que nas
33cidades houvesse harmonia e lagos criadores de amizade. Her-
mes, pois, perguntou a Zeus de que maneira devia distribuir aos
humanos 0 pudor e a justica (...) ‘Entre todos — disse Zeus —,
que cada um tenha a sua parte nessas virtudes; jd que, se somen-
te alguns as possuissem, as cidades nao poderiam subsistir””! Ja
mais proximo de nds, Freud, em O Mal-estar na civilizagéo, mos-
tra o papel da repressio como fundamento para a organizacdo
em sociedade.
Limites sempre foram considerados necessdrios. Mas em
geral, tendemos a pensar em limite s6 em seu carater restritivo.
Poucas vezes nos damos conta de seu carter protetor. O limite
protege da confusao, porque limite é 0 que da identidade para
algo. Ele é 0 que permite a diferenga, a partir de identificacées
distintas para coisas distintas. E 0 que permite a ordem. Os gregos
tinham esse modo de ser do limite claramente em vista, quando
diziam que, a partir da insercao de limites, 0 caos se transforma
em cosmos, a desordem passa a ser ordem. Também do ponto
de vista cognitivo, destaca-se a importancia de limites: situacées
que sao bem configuradas, figuras cujos limites sao nitidos sio
percebidas melhor,
nites tem uma fungao protetora para os seres huma
nos e especialmente para o desenvolvimento das criancas. Eles
protegem especialmente de duas maneiras, Uma delas é a prote-
sao diante da imprevisibilidade do futuro, em particular diante
da imprevisibilidade das acées humanas. Criangas que vivem a
experiéncia de limites conseguem sentir que vivem num mundo
em que ha a referéncia da justica. Onde ha clareza com relacao
ao que é considerado certo ou errado, a crianga pode antecipar as
consequéncias do que ela faz e se inscrever nesse mundo de uma
forma segura. Quando ela conhece os limites, ela pode se movi-
mentar melhor em seu mundo, sabe que o bem é recompensado
ATAO, Protagoras. Em: Obras completas, Madrid: Aguilar S.A., 1986,
© © mal punido, e esse € um comego para a possibilidade de pen
sar a respeito dessas questdes que sdo tao complicadas tanto a
tir do Angulo psicolégico, quanto do filosdfico e religioso. Ha
tendéncia atualmente para se pensar que por limites para
criangas pode prejudicd-las, que elas precisariam de flexibili-
de, Mas a crianga gosta de coisas bem definidas, que tem uma
constancia, e reclama mesmo quando algo muda a toda hora.
Nesse sentido, ela gosta de rigidez. Temos um exemplo disso ao
tarmos uma historia para ela. Ela quer que a histéria seja to-
8 as vezes repetidas do mesmo jeito. Se um dia alteramos a
storia, ela diz: “Nao é assim, a palavra ndo é essa, era outra a
lavra que a fada falou nessa hora, vocé esta contando errado”
a quer ouvir a historia rigorosamente do mesmo jeito. A falta
de limites constantes desorganiza a vida da crian¢
Outra maneira pela qual os limites sao protetores consis-
te no fato de eles nos protegerem da impoténcia. Essa ideia é
contraria aquela que realca a impoténcia que sentimos ao nos
depararmos com limites. E que, ao encontré-los, vemos q
nao podemos tudo, mas nos damos conta também do nosso
poder: o mundo pée um limite para se defender de uma agio
nossa que possa ser contraria aos seus interesses, ‘Tendemos a
enfatizar que a crianga precisa de limites para a sua protesio.
Por exemplo, ela deve ser limitada em seu acesso a objetos cot
tantes, a lugares que envolvam perigo de queda; nao deve sair
sozinha nem se aproximar de pessoas estranhas. Quando fala-
mos para a crianca que ela nao pode fazer algo, parece que sem-
pre © que esta em jogo é uma situacao de perigo para ela. Um
exemplo disso é uma situagao vivida em minha casa, na minha
infancia, quando minha mae chegou da maternidade com um
bebé recém-nascido. Todos os dez irmaos estavam reunidos
para conhecé-lo, e um dos pequenos, enquanto todos estavam
distraidos, foi até ele no berco e, com curiosidade, colocou sua
mao no rosto do bebé. Os que estavam perto do bergo e viram
disseram para ele: “Pare de por a mio nele, nao podte dessa proibigao, ele perguntou: “Por qué? Ele morde?” Mas
8 limites existem também para proteger o mundo de nos. Era
© recém-nascido quem precisava ser protegido. A nossa acio
pode ser destrutiva para o mundo. E isso nos da uma medida
do nosso poder, da nossa poténcia. Nesse sentido, podemos di-
zer que os limites nos protegem do sentimento de impoténcia;
nés nos damos conta aqui de que nossos atos repercutem ao
nosso redor. E é importante que a crianga aprenda isso. E bom
para ela saber que nao deve brincar perto daquele vaso de que
a mamie gosta tanto, pois, se ela encostar nele, ele pode cair e
quebrar; nao deve estragar as flores do jardim; nao deve mal-
tratar o gatinho; nao deve sair batendo nas outras criangas. Ela
nao pode fazer certas coisas porque, se o fizer, outras pessoas
ficam tristes, sofrem, as coisas ficam destruidas pela a¢io dela.
Saber disso contribui para que ela se sinta como alguém que
tem importancia, ou seja, o que ela faz importa sempre; ela ga-
nha uma sensa¢ao de poder, como se sentisse que o mundo
tem medo dela. Interessante é que o saber desse poder é dado
exatamente pela restri¢do que lhe é imposta.
Os limites existem para todos nds. O mundo mesmo nos
transmite as regras de convivéncia, 0 que cabe e o que nao cabe
fazer, tendo em vista o bem-estar das pessoas, a seguranca de
que sentimos tanta falta, a ordem social, a protecaéo do plane-
ta. Enfim, o mundo pée-nos em contato com valores morais.
A referéncia moral funda e sustenta a seguranga das criangas ea
dos seres humanos em geral. A seguranga nao nasce do controle,
ela nasce antes na confianga na lei moral. Quando essa sensacao
de confianga na lei pode ser compartilhada, nés nos sentimos
seguros num mundo razoavelmente ordenado, previsivel, onde
podemos atuar levando em conta uma dialética de poténcia e
impoténcia peculiar a condi¢géo humana.
As leis e as regras baseiam-se no principio de igualdade en-
tre os homens e, sendo assim, sao impessoais, genéricas e sem
exto, Por isso, torna-se necessario que haja uma instituigéo
36
ou figura de poder, por exemplo, pai, juiz, sacerdote, para fazer a
insercado das regras em cada contexto.
Pensemos agora na ética. Essa palavra vem do grego ethos,
» significa originariamente o lugar onde se habita. Foi tradu-
no latim por habitat. No pensamento de Heidegger, ethos,
» onde provém ética, nao é 0 mero espago fisico, mas sim a
morada, 0 abrigo, o lugar onde vivo, onde habito, no sentido de
© lugar onde estou “em casa’. E o lugar da liberdade. A palavra
liberdade esta sendo tomada naquele sentido como quando dize-
mos — sinta-se em casa, 4 vontade, protegido; tenha a liberdade
de movimentar-se tranquilamente. Liberdade aqui nao quer di-
ver poténcia, mas sim familiaridade, intimidade. Sendo o ethos
orada, 0 foco da ética nao é a conduta, e sim 0 significado do
e pode ser, em liberdade, o poder compartilhar a morada com
outros homens. O foco da ética é a relacgao do homem com os
outros homens, com as coisas. Ela instaura essa forma de liber-
dade constituida pela intimidade.
E como é esse local, a morada? Como se cria esse espago
de intimidade?
Para a compreensao desse espago que constitui a mora
da, quero trazer uma proposic¢aéo que ja pertencia aos gregos.
E a seguinte: Os animais nascem uma vez. Os homens nascem
duas vezes. O segundo nascimento do homem é o surgimento
do propriamente humano, a sua esséncia, a sua humanitas, que
é ser livre.
Isso ja era claro para os gregos do século 6 a.C., com a fun-
dacao dessa coisa nova, a polis, a cidade. O homem livre é 0 ci-
dadao, cujo ethos é a polis; ai se acha a sua morada, é ai onde
ele habita. O ethos € 0 jeito peculiar de estar com os outros na
constituigdo da polis. Essa criagao grega representa uma virada
no pensamento ocidental, pois a pdlis tem as suas leis, e nessas
leis esta implicita uma recusa do homem a ser simplesmente ser:
47vo das leis da natureza ou dos deuses. O homem se autorizaa ser
legislador; nado so sé os deuses que fazem as leis. Os homens
fazem as leis dos homens. As leis dos homens vao constituir 0
ethos dos homens, a cidade dos homens. Mas essas leis nao po-
dem ultrapassar as leis dos deuses, pois essas nao pedem a opi-
nido dos homens, essas se impéem. Assim, dentro do campo ja
imitado pelas leis divinas, os homens introduzem uma nova lei
que implica aumentar mais as restrigGes. Introduzem, por exem-
plo, 0 tabu do incesto. E como se o homem dissesse: “Eu, como
qualquer outro animal, posso me relacionar sexualmente com
qualquer parceiro. Mas como homem, nao me relaciono sexual-
mente com meus irmaos, meus filhos, meus pais.” Ele nao trans-
gride uma lei da natureza, mas cria um limite a mais, introduz
uma modula¢ao: posso nao fazer coisas que a natureza permite
fazer. Ele afirma sua liberdade impondo-se essa restrigao. Nisso,
ele habita o ethos dos homens.
No primeiro nascimento, 0 homem habita a morada dos
pais. No segundo, ele habita o ethos dos homens, nao apenas a
morada natural. Mas como é esse habitar 0 etos dos homens?
E apenas curvar-se diante das leis que os homens inventam?
Neste ponto, gosto de trazer o exemplo de uma figura exem-
plar, Edipo. Gosto especialmente dessa historia porque Edipo é
0 herdi que encarna a contradi¢ao prépria dos homens: 0 poder,
pelo limite; a liberdade, pela restrigdo. Nele, tudo é contradigao.
Diferentemente dos outros herdis, que sio semideuses, Edipo é
completamente humano. Numa cultura como a grega, que valo-
riza a perfeicao fisica, ele nao é bonito, é aleijado, como indica
© seu nome, que significa pés inchados. Heréis so sempre, pelo
menos no fim da historia, bem-sucedidos, mas, quanto a isso,
Edipo é o fracasso total. Ele é errante pelos caminhos e, quando
derrota a Esfinge, 0 que parecia ser uma vitoria se transforma
desgraga de se casar com Jocasta. Heréis sio recompensados,
48,
mas Edipo é castigado por Creonte e por si mesmo, Os herdis
mam as tradigées, mas Edipo é transgressor, e nio pede
desculpas. Talvez o significado do seu nome permita-nos pens
je como alguém com pés inchados por ser 0 que erra pelos
caminhos, o andarilho, o mendigo. Por que entao tomo Edipo
no exemplo de homem livre? Que tipo de herdi ele é?
O ordculo ja havia previsto que Edipo estava destinado a
seu pai e a se casar com sua mie. Ele n4o escolheu isso,
is, fez 0 possivel para escapar desse destino. Depois de tudo,
ao constatar o que havia feito, tendo todos os argumentos para
» desculpar, ele assume como sua uma culpa absurda. Ele podia
ibuir o acontecido aos designios dos deuses. Mas ele nao se
desculpa. Seu movimento é justamente o contrario, ele se agarra
41 essa culpa. Edipo se apropria da culpa. Mas por que ele faz
isso? Seria por teimosia? E que, desculpando-se, isso equivaleria
4 se ver como fantoche nas maos dos deuses, do destino ou das
circunstancias. Assumindo a culpa, é como se ele dissesse que,
idependentemente da origem dos fatos, 0 que esta em curso
a histéria dele. E a historia dele é dele. E como se ele gritasse
que os fatos estéo nas maos dos deuses, mas aos homens cabe a
possibilidade de fazer a histéria, de costurar os fatos numa estru-
(ura Unica de sentido, isso que inaugura a condi¢ao dos homens.
Os homens sao histdrias.
Os homens sao histérias constituidas pela articulacao dos fa
tos que eles nao determinam, mas que, ao se articularem, fazem a
historia que é a de cada um. Cada homem pode dizer: “Esses siio
os fatos que me foram destinados, mas esta histéria sou eu; e esta é
a minha falta: ser uma hist6ria que ainda nao acabou, que esta em
curso. O homem livre nao apenas é, o homem livre ek-si
esta vindo a ser a hist6ria que ele esta sendo. Quando o homem
é livre, essa histéria que ele esta sendo ainda nao acabou, es
curso. O estar em curso de sua historia éa sua liberdade, A liberda
de dos homens nao é onipoténcia, como a dos deu consiate
antes no fato de eles serem historias que permanecem sempre EM
40que estao sendo escritas pelas vivéncias, a medida que eles
se apropriam dos fatos que acontecem em suas vidas.
No final da tragédia Edipo Rei, 0 coro, que na tragédia
grega tinha a fungao de dar a moral da histéria, de orientar 0
espectador, diz:
Concidadaos de Tebas, patria nossa,
olhai bem: Fidipo, decifrador
de intrincados enigmas, entre os homens
o de maior poder — ai esta!
Quem, no pais, nao lhe invejava a sorte?
E agora, vede em que mar de tormento
ele se afunda! Por esta razio,
enquanto uma pessoa nao deixar
esta vida sem conhecer a dor,
nao se pode dizer que foi feliz’.
Ou seja, até que a vida termine, nao se pode dizer que um
homem foi feliz ou infeliz, como nao se pode dizer que foi nada,
pois, para quem uma histéria se encontra sempre em aberto,
como Edipo, enquanto essa histéria nao acabar, em um dia — e
um dia € 0 espago de tempo em que se desenrola a tragédia grega
— tudo pode acontecer. Tudo pode acontecer na vida desses ho-
mens cuja liberdade é ser histéria.
Sera que 0 mito reconhece Edipo como herdi? Na descri-
G40 da morte de Edipo, aparece uma condi¢ao curiosa. Edipo
nao morre como qualquer mortal. Depois de ter se afastado de
Antigona, que o acompanhava, ele desce aos infernos. Empunha
a sua morte e sai do mundo dos homens se movimentando por
si mesmo, com suas pernas, cego, aleijado, miserdvel, expulso da
cidade. Esse descer aos infernos com suas préprias pernas signi-
fica um apropriar-se da sua morte. Nao é a morte que cai sobre
SOFOCLES. Edipo rei, Sao Paulo: Abril Cultural, 1976, p. 91
40
m acontecimento; ele nao é vitimado, ele faz a sua
z dela um processo. Morre no sentido mais pleno do
e er. E poder morrer dessa forma ¢ a homenagem que
+> detses prestam a um mortal. Sé Hércules e Edipo sao destina-
W554 poder fazer isso, com 0 respeito dos deuses.
fidipo afirma o espaco humano no qual os deuses nao po-
Jem interferir, o espaco em que o homem livre pode fazer da sua
istéria uma histéria propriamente sua.
Depois de termos trazido Edipo como exemplo do homem
livve, do homem que se apropria dos acontecimentos de sua vida
favendo deles a sua histéria, que afirma sua liberdade aceitando
4 restri¢do, que afirma seu poder aceitando a culpa, podemos
a falar sobre a ética.
A ética diz respeito, como dissemos, ao segundo nascimento
omem, do homem livre. Pois todos nascemos homens, mas
ornamos humanos. A condicdo humana nao é uma proprie-
ide, nao é uma qualidade. E uma obra permanentemente cria-
sustentada e produzida. E uma histéria feita pela apropriagéo
dos acontecimentos da vida de cada um. Ser humano nao é uma
licdo dada e pronta. Nascemos homens e cotidianamente nos
zemos humanos, ou nao. E porque é assim, os homens podem
> tornar desumanos. Sartre diz, num prefacio de um livro sobre
tortura, que s6 os homens podem ser desumanos.
Quando o homem se aliena da sua historia, da historia que
sendo, naquele sentido em que Hannah Arendt se refere ao
lar da banalidade do mal, ele perde a condi¢ao de humanida-
de que o caracteriza como aquele a quem compete ser dia a dia
tecelao de sua histéria, cuidando de sua morada humana. Ao
cuidar do seu ethos como quem tem a liberdade da intimidade
com a sua morada, ao cuidar assim da morada que o faz humano,
ele vai se tornando seu ethos, ele se torna ético. O homem livre se
histéria sendo o ethos, a morada dos acontecimentos da suavealidade, Para o homem, liberdade e construg4o do ethos sao
\uma coisa so, Disso decorre que:
S6 ¢ livre propriamente, no sentido da pdlis, o homem que
é ético,
$6 é ético o homem que se disp6e para a liberdade.
O homem se faz humano na ética.
Btica 6a obra humana que constitui a humanidade dos ho-
mens. Da mesma forma que cada homem cotidianamente se faz
humano, também a morada dos homens, a polis, precisa ser sus-
tentada pela ética para ser o lugar onde os homens podem ser
histéria e fazer historia.
Etica é a apropriacdo da moral no sentido da autenticagao
da liberdade que ¢ restrigado e do poder que € culpa. Restri¢ao,
porque o ser livre do homem inclui limites e porque suas esco-
lhas implicam rentincias. Culpa porque, sendo uma historia em
aberto, o homem esté sempre em falta diante de seu poder-ser,
de sua necessidade de corresponder a sua esséncia, que consiste
no cuidado de si mesmo, dos outros e do mundo.
Dissemos antes que a moral diz respeito ao conjunto de
princfpios e regras que norteiam o comportamento dos homens,
estabelecendo restrigdes da liberdade individual com vistas 4
harmonia do convivio social. Essas regras, ao serem estabeleci-
das, devem poder ter uma universalidade, ou seja, devem servir
para todos. Isso corresponde a tradi¢ao judaico-crista e também
ao pensamento de Kant quanto a esse tema. Subjacente ao es-
tabelecimento das leis morais esta presente a questao da justi-
¢a, ¢ isso implica que deveres sejam assumidos e direitos sejam
respeitados, Por isso, frequentemente, a violagao daquelas leis
morais consideradas fundamentais numa sociedade podem ser
objeto de sangdes.
Mas quando pensamos na palavra ética, vemos que ela su-
pde algo mais do que a moral. Como dissemos antes, a palavra
#{ica liga-se ao poder habitar 0 ethos, 0 espago ou a morada onde
hhomem livre, 0 cidadao, compartilha a sua liberdade com os
sutros homens, liberdade que nao significa exercicio de poder,
mas sim familiaridade com o pér em pratica o cuidado, exata-
mente isso que caracteriza o homem livre.
contramos no livro de Yves de La Taille, Vergonha, a
jerida moral, um relato que ilustra bem o que dizemos aqui.
Fle cita um estudo de Carol Gilligan, pesquisadora americana,
fo qual essa mostra como a ética pede que mais coisas, além
ireitos e deveres formalmente considerados, sejam levadas
em conta.
Gilligan, em seu estudo, faz uso de algo proposto pelo psi-
jogo americano Kohlberg. Trata-se de um famoso dilema que
costuma ser dado para ser resolvido pelos sujeitos de pesquisas
dentro do campo da psicologia moral. Eo “dilema de Heinz’,
1 que estao implicitas questoes de direitos e deveres: direito a
vida, direito & propriedade; dever de roubar um remédio, dever
de facilitar ou de dar um remédio, O dilema ¢ 0 seguinte: um.
homem sem recursos deve ou nao roubar um remédio para sal-
var sua esposa da morte, se esse remédio salvador ¢ propriedade
de um farmacéutico que se recusa a qualquer negociagao em
relago ao prego?
Gilligan propés esse dilema a dois sujeitos de onze anos,
um menino, Jake, e uma menina, Amy. Os dois deram respostas
muito diferentes a pergunta. O menino diz que é absolutamente
légico que Heinz deve roubar o remédio, pois a vida humana
yale mais do que o dinheiro. Jake encaminha sua resposta de
uma forma racional, partindo de um principio que poderia ser
reconhecido por qualquer pessoa. Para Amy, a situagao apresen-
tada é um verdadeiro dilema, é um desafio. Ela é menos catego-
rica do que Jake. Ela hesita e diz: “ele nao deve roubar o remédio,
mas também sua mulher nao deve morrer” (...) “Se ele roubasse
o remédio, ele poderia salvar sua esposa, mas, Se fizesse isso, po-
deria ir para a cadeia, e, entao, sua mulher poderia ficar mais
43doente de novo, e ele nao poderia obter mais remédio, e isso nao
podia ser bom. Por isso, eles deviam realmente conversar sobre
© assunto e achar algum outro meio de conseguir dinheiro.”*
A menina concentra-se em aspectos particulares e concretos das
relagdes humanas envolvidas no caso.
Gilligan, embora reconhega alguma ingenuidade em Amy,
da importancia 4 sua capacidade de nao equacionar o problema
como uma questao de légica e de ver nele um fato humano, em
que estao envolvidas relagées entre pessoas concretas. Amy nao
vé af uma questo de justica somente, ela vé um drama pessoal
— o que sera da vida da esposa de Heinz se ele for preso? Ela
recorre a outras possiveis saidas.
Esse dilema costuma ser visto pelos pesquisadores como
uma questéo moral a ser pensada a partir do ponto de vista da
necessidade de justica. Mas Carol Gilligan trouxe um outro olhar
sobre 0 assunto e chamou a atengao para a questo ética existente
na situacao, chamando-a de ética do cuidado.
Nos podemos ver na resposta da menina algo fundamen-
tal: o tempo. Na ética da justica, o tempo nao aparece. Mas,
na ética do cuidado, o tempo aparece como muito importan-
te, pois os atos humanos tém desdobramentos no tempo. As
quest6es dos homens nao se resolvem levando em conta s6 0
momento, porque os homens sao histérias. O homem se alonga
no tempo histérico,
Quando nos aproximamos da ética do cuidado, vemos
que os dilemas humanos pedem mais do que o imediatismo de
solugées baseadas apenas em valores e juizos morais rigidos.
O dilema precisa ser superado com 0 cuidado que o considera
como algo que esta se dando no presente, mas que faz parte de
uma histéria que esta aberta para o futuro e que, por isso, vai
necessitar ser integrado nessa historia. E, nos conflitos entre
DELA TAILLE, Yves. Vergonha, a ferida moral. Petropolis: Editora Vozes
2002, p. 22.
homens, é importante buscar acordos, buscar a mediacao
de outros homens. Os homens, que se tornam humanos dia a
, que habitam a pélis, que tém no ethos a sua morada, nao
devem se alienar dos outros homens, eles precisam contar uns
m os outros.
Ea ética na terapia?
JA nas primeiras entrevistas, no momento do contrato, é
© para o paciente que o que ele expressa ali nao é objeto de
gamento moral. Nesse sentido, aquele ¢ um espaco de neu-
dade moral. Mas, em beneficio da seguranga do paciente e
do terapeuta, um limite existe. E um unico limite. E esse limite €
exatamente aquilo mesmo que constitui o recurso fundamental
do nosso trabalho: a linguagem. Na sessao, tudo poder ser dito,
pode ser expresso de alguma maneira, mas nada além da lingua-
gem. Nesse caso, limite e recurso séo a mesma coisa.
No trato com as questées trazidas pelo paciente, frequente-
mente aparecem temas ligados a dilemas morais. Nao € papel do
terapeuta julgar moralmente os atos do paciente, nem tampouco
dar ligdes. Mas faz parte de seu trabalho olhar com ele para a
questao que esta sendo vivida, pois ter de se haver com esse as-
sunto faz parte da vida humana.
© trabalho da terapia envolve 0 cuidado compartilhado
entre terapeuta e paciente, tendo em vista o desenvolvimento
do homem livre, o segundo nascimento do homem, pelo qual
os homens se fazem propriamente humanos, pelo qual eles se
tornam capazes de se apropriar das restrigées morais dentro da
vivéncia da liberdade ética. Esse trabalho envolve a dedicagao 4
tarefa de tecermos com aquele paciente a ética que permite que
os acontecimentos que se dao na sua vida sejam acolhidos como
algo que deve se integrar na sua histéria que esta sendo vivida,
sem alienacio, mas com 0 comprometimento de quem sabe que
aquela histéria é a sua, diz respeito a ele.
Como terapeutas, precisamos nos lembrar de que as questées
humanas nao podem se restringir ética da justiga, embora a j
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