Anais Da X Conferência Nacional
Anais Da X Conferência Nacional
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REPRESENTANTES GOVERNAMENTAIS
Titulares
Telma Maranho Gomes – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
Bárbara Pincowsca Cardoso Campos – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
Solange Teixeira – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
Léa Lúcia Cecílio Braga – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
Jorge Abrahão de Castro – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG)
Elise Andreolla – Ministério da Previdência Social (MPS)
José Ferreira da Crus – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
Célia Maria de S. M. Lima – Representante dos Estados (FONSEAS)
Maria Lúcia Marquim – Representante dos Municípios (CONGEMAS)
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APOIO DE RELATORIA
Abigail Torres
Ana Conegundes
Ana Farias
Ana Lígia Gomes
Carlos Maciel
Darci Maria Vilaça
Elias de Souza
Eutália Barbosa
Fatima Valeria Ferreira de Souza
Heloisa Mesquita
Iraci Andrade
Jaciana Moura Magalhães
Jose Maestro
Jucimeri Isolda
Lídia Lira
Luciano Oliveira
Marcia Biondi
Margareth Coutrin
Maria Eunice Malacarne Bernat
Maria Jose Lanzetti
Maria Rosangela Pinheiro
Natalina Ribeiro
Patricia Larrissa de Lima
Rosa Maria Castilhos Fernandes
Rosangela Paz
Rosária Rabelo
Sandra Nishimura
Stela da Silva Ferreira
Valdete Barros
Valeria Gonelli
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APRESENTAÇÃO
Além da função precípua de registrar o processo conferencial, espera-se que este documento
provoque debates e avaliações futuras para o aprimoramento contínuo da gestão participativa,
oriente a elaboração do plano decenal e balize a preparação da XI Conferência Nacional de
Assistência Social.
Boa leitura!
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Sumário
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................................. 5
PROCESSO PREPARATÓRIO ............................................................................................................................... 7
FUNDAMENTOS NORMATIVOS ......................................................................................................................... 9
PROGRAMAÇÃO .............................................................................................................................................. 10
METODOLOGIA ................................................................................................................................................ 11
PERFIL DOS PARTICIPANTES NA X CONFERÊNCIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL .................................. 13
DESENVOLVIMENTO DA CONFERÊNCIA .......................................................................................................... 18
MESA BALANÇO DO SUAS ............................................................................................................................... 18
ENTREGA DA HOMENAGEM AOS 22 ANOS DE LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL, 10 ANOS DE SUAS . 57
CERIMÔNIA DE ABERTURA .............................................................................................................................. 58
RODAS DE CONVERSAS DO SUAS .................................................................................................................... 70
PLENÁRIAS REGIONAIS .................................................................................................................................. 155
REGIÃO CENTRO-OESTE................................................................................................................................. 155
REGIÃO NORDESTE 1 ..................................................................................................................................... 165
REGIÃO NORDESTE 2 ..................................................................................................................................... 172
REGIÃO NORTE .............................................................................................................................................. 186
REGIÃO SUDESTE ........................................................................................................................................... 199
PLENÁRIA REGIÃO SUL................................................................................................................................... 210
PLENÁRIA FINAL............................................................................................................................................. 221
PRIORIDADES POR REGIÃO ............................................................................................................................ 221
PRIORIDADES POR DIMENSÃO ...................................................................................................................... 228
AVALIAÇÃO PELOS CONSELHEIROS ............................................................................................................... 247
CONCLUSÃO................................................................................................................................................... 252
ANEXOS.......................................................................................................................................................... 253
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PROCESSO PREPARATÓRIO
Nesta perspectiva, o Conselho Nacional constituiu, nos primeiros meses de 2015, uma equipe de
relatoria, responsável por trabalhar, em conjunto com o CNAS, a metodologia e as orientações,
assim como fazer a consolidação desses debates, para que estados e municípios pudessem realizar
seus processos conferenciais, cujas deliberações referentes às prioridades indicadas para o II plano
decenal se consubstanciariam na X Conferência Nacional.
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Decenal da Assistência Social. Esse novo paradigma baseava-se na ideia de que uma postura
propositiva no momento de se planejar e olhar para o futuro deveria se dar considerando-se as
limitações e possibilidades orçamentárias, políticas, históricas e territoriais.
O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) adotou como principal caminho para dar conta
deste olhar inovador o amplo diálogo com os conselhos estaduais e municipais, além da
propositura de uma metodologia que provocava as comissões organizadoras de cada conferência
no país a dar início aos debates antes do evento propriamente dito. Assim, entendendo as
conferências como um processo, foram propostas etapas de mobilização e pré-avaliação,
planejadas para envolver usuários, entidades, trabalhadores, gestores, legislativo, Ministério
Público, entre outros atores. Foram oferecidas questões norteadoras para esses momentos
preparatórios, voltados a avaliar a implementação do SUAS em seus respectivos âmbitos.
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FUNDAMENTOS NORMATIVOS
A realização de Conferências Nacionais está prevista na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS),
em seu artigo 18, inciso VI. Com base nisto, o Conselho Nacional da Assistência Social (CNAS) em
conjunto com o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome publicaram a Portaria
Conjunta MDS e CNAS nº 1, de 9 de fevereiro de 2015 (Anexo), convocando a X Conferência
Nacional de Assistência Social.
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PROGRAMAÇÃO
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METODOLOGIA
Buscar estratégias inovadoras com foco na priorização de diálogos e na intensa vocalização das
diferentes realidades do país foram decisões que balizaram toda a metodologia aprovada pelos
conselheiros nacionais de Assistência Social. Rodas de conversa, plenárias regionais, plenárias por
dimensão e plenária final foram momentos criados com vistas a oportunizar aprendizado, debates
e, principalmente, o protagonismo de todas as pessoas que participaram da Conferência Nacional.
Nas plenárias regionais, a concepção metodológica foi semelhante, porém antecedida de uma
explanação elaborada por um especialista de cada região. As apresentações foram planejadas
considerando toda a complexidade dos territórios de cada região, oferecendo aos delegados e
convidados presentes uma enorme gama de questões para aprofundar, debater e apontar
prioridades para o SUAS.
Cabe destacar que tanto nas plenárias por dimensão, quanto nas plenárias regionais, o
apontamento de novas prioridades foi permitido, salvaguardando as regras pré-estabelecidas no
regimento interno aprovado pelos(as) delegados(as).
Outro ponto importante em todo o processo conferencial que merece destaque foi a preocupação
do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) com a acessibilidade em todos os aspectos do
evento. Audiodescrição, libras, material em braile e ampliado, além de orientações prévias aos
palestrantes sobre boas práticas de acessibilidade, foram medidas que fizeram desse tema um
diferencial metodológico de toda a conferência.
Na plenária final, os produtos das plenárias por dimensão e por região foram intensamente
debatidos, alterados, em alguns casos suprimidos e finalmente validados como deliberações da X
Conferência Nacional de Assistência Social. Nesse momento, moções propostas e validadas pelos
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12%
67%
Equipe Equipe
Delegados Convidados Conferencistas Relatoria Outros
MDS CNAS
67% 12% 1% 12% 2% 2% 4%
Figura 1: Participantes da X Conferência Nacional de Assistência Social
Fonte: MDS/CNAS – Sisconferência, 2015.
Importante observar que os dados acima correspondem à emissão de credenciamento para entrar
no Centro de Convenções, e que somente os delegados tiveram direito a voto – os demais apenas
à voz. Os delegados – um total de 1.182 – tinham o seguinte perfil:
450 413
400
350 295
300
216
250 185 173
200
150
100
50
0
Nordeste Norte Centro-oeste Sudeste Sul
Delegados por região
Centro-
Nordeste Norte Sudeste Sul
Oeste
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RJ
AC
AL
AP
BA
RO
RS
AM
DF
RR
SC
SP
GO
MA
MG
MS
MT
RN
SE
CE
PA
PB
PE
PI
PR
TO
AC AL AM AP BA CE DF ES GO MA MG MS MT PA PB PE PI PR RJ RN RO RR RS SC SE SP TO
29 38 37 29 59 53 67 43 44 47 84 33 41 47 44 51 44 62 60 30 31 10 61 50 38 108 33
18%
16% 51%
15%
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Observa-se pequena variação dos percentuais em relação à paridade instituída, relativa à maior
presença de representação governamental e de usuários, entre os delegados não governamentais.
Quando ponderamos os dados por região, obtemos o seguinte quadro:
100%
17,3 16,9 18,7 18,4 20,0
80% 17,0 13,1 14,9 15,3
18,7
14,2 15,7 16,0
60% 10,4 15,3
40%
51,5 54,2 52,2 50,7 49,4
20%
0%
Nordeste Norte Centro-oeste Sudeste Sul
Centro-
Nordeste Norte Sudeste Sul
Oeste
Governamentais 51,5% 54,2% 57,2% 50,7 49,4%
Trabalhadores 14,2% 15,7% 10,4% 14,9% 15,3%
Entidades 17% 13,1% 18,7% 16% 15,3%
Usuários 51,5% 16,9% 18,7% 50,7% 20%
Figura 5: Delegados da X Conferência Nacional de Assistência Social por Região
Fonte: MDS/CNAS – Sisconferência, 2015.
Podemos observar que a maior presença proporcional dos usuários se deu na região Sul e a menor
na região Norte do país. Inversamente, encontramos maior presença governamental da região
Norte e menor no Sul. Outro dado que chama atenção diz respeito à participação dos
trabalhadores, com destaque para a região Norte novamente. Vale salientar que a distribuição das
vagas previa metade para delegados governamentais e outra metade para sociedade civil,
distribuída nos três segmentos, o que significaria um percentual de 16,6% para cada um.
Quanto ao sexo temos 64% feminino e 36% masculino, dado previsível considerando-se a história
da Assistência Social. Ao ponderarmos as regiões, entretanto, verificamos variação significativa
nestes números:
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100%
90%
80%
70% 65,0 65,2 71,3 70,2
72,9
60%
50%
40%
30%
20% 35,0 34,8 28,7 29,8
27,1
10%
0%
Nordeste Norte Centro-oeste Sudeste Sul
Masculino Feminino
Centro-
Nordeste Norte Sudeste Sul
Oeste
Feminino 65% 72,9% 65,2% 71,3% 70,2%
Masculino 35% 27,1% 34,8% 28,7% 29,8%
Figura 6: Delegados da X Conferência Nacional de Assistência Social por Região e Sexo
Fonte: MDS/CNAS – Sisconferência ,2015.
Na região Nordeste podemos observar que a representação masculina teve uma diferença
percentual de quase oito pontos percentuais em relação ao Norte, que apresentou a maior
presença proporcional de sexo feminino.
Conselheiros Delegados
19%
45%
21%
15%
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Em relação à presença de pessoas com deficiência entre os delegados, verificamos apenas que 4%
dos delegados participantes assim se identificaram. Estes, um total de 60 pessoas, indicaram o
tipo de deficiência, distribuindo-se da seguinte maneira:
7%
48%
45%
Verifica-se que as deficiências visuais (cegueira e baixa visão) tiveram prevalência em relação às
motoras e auditivas, o que pode ser atribuído ao nível de organização do segmento de acordo com
a política de assistência social.
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DESENVOLVIMENTO DA CONFERÊNCIA
Participantes:
Ministra – Tereza Campello
Secretária Nacional de Assistência Social – Ieda Castro
Secretária Maria Lúcia Nogueira Linhares Marquim – presidente em exercício do CONGEMAS
Secretário André Quintão – presidente do FONSEAS
Professora Aldaíza Sposati
Sra. Aldaíza Sposati – doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo
“Boa tarde a todos. Boa tarde Sra. Ministra, boa tarde a todos componentes da mesa, Sra.
Secretária, caro presidente do FONSEAS, amigo de longa data e luta, André Quintão, Léa Braga e
todos os demais presentes nesta mesa.
Senhor Presidente do CNAS, autoridade maior, nesta comemoração dos dez primeiros anos do
SUAS, o SUAS 10.
Quero iniciar agradecendo esta possibilidade que recebo em trazer alguns elementos de reflexão e
discussão sobre esses 10 anos e os cenários que se apresentam para o Sistema Único de
Assistência Social na próxima década.
Considero que a primeira palavra a se dizer é que o SUAS tornou-se tão forte, que nós sentimos
que ele tem agregação e força até mesmo maior do que a nominação da política de Assistência
Social. Essa condição decorre do fato pelo qual o SUAS é, efetivamente, força viva.
As reflexões que desenvolvemos na PUC-São Paulo se deram em parceria; somos quatro autores:
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Dirce Koga, José Maestro Queirós e Carola Arregui. Trabalhamos com muito apoio do
Departamento de Gestão do SUAS, que nos ofereceu muitos elementos, dados e
encaminhamentos, e realizamos algumas discussões com a Sra. Secretária do SNAS Ieda Castro,
pois os pontos de vista são importantes neste momento-chave de travessia entre o SUAS que
temos e o SUAS que queremos.
Nesta jornada começamos por definir alguns princípios orientadores para a reflexão. Antes de
mais nada, partimos do entendimento de que toda política social se constitui concretamente na
relação com o cidadão, a partir do chão, das relações vivas, onde ela está se dando
concretamente. A segunda orientação indicou a preocupação com o movimento histórico entre
resgatar o feito em 10 anos e vislumbrar algo adiante, a partir sobretudo dos elementos que
fortalecem a proteção social da população brasileira.
Portanto, vamos apontar questões relativas ao preparo dos órgãos gestores, mas sempre na
direção e do olhar direto ao fortalecimento dos direitos socioassistenciais.
Demos a esta reflexão o subtítulo ‘diversidade no SUAS’, embora possa parecer que ele seria um
contraponto com o princípio de que o SUAS é unidade. Todavia ser único não quer dizer uma
homogeneidade. Tem-se aqui dois sentidos a destacar. Primeiro, o direito supõe a isonomia, a
igualdade, mas esta implica na equidade, o que significa o respeito à diversidade.
Um segundo sentido deriva do fato de que nós não podemos afirmar que exista um consenso
sobre o conteúdo quanto ao entendimento das responsabilidades da política de Assistência Social
entre os 5.597 entes gestores, que a coordenam desde os municípios brasileiros. Persistem nesse
cenário desde concepções antepassadas de benesses, de costas para os direitos, até concepções
que avançam para os direitos; ou ainda concepções residuais que quase fazem da Assistência
Social um quase Governo paralelo voltado para suprir precariamente uma diversidade de
necessidades de proteção social daqueles que são considerados sem capacidade de consumo, isto
é, sem capacidade financeira para adquiri-las como mercadorias. Essa condição não é
caracterizada como direito, mas como seleção de mérito. Ou ainda, há os que consideram a
Assistência Social nada mais do que uma ação do governo motivadora da intersetorialidade, isto é,
uma política que não tem respostas próprias resguardando-se a ser uma ativadora das outras
políticas governamentais.
O partido analítico que aqui se toma é o da Constituição de 1988, da Política Nacional de 2004, na
qual a Assistência Social é uma das políticas de seguridade social com a responsabilidade de
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exercer a proteção socioassistencial, provendo seguranças sociais. É uma política distributiva, com
campo de ação governamental que define respostas concretas para o alcance dessas proteções
sociais.
Em 2005 decidimos pelo SUAS mais 10, uma decisão coletiva em construir o edifício SUAS, como
Márcia Pinheiro então presidente do CNAS afirmara há 10 anos atrás. E nós construímos, esse é o
fato. Talvez não saibamos quantos andares atingimos, talvez estejamos aqui ou ali ainda em
alicerces, ou num primeiro andar. Considero que estamos em alturas diversas como mostram os
gráficos do Censo SUAS, conforme a conjuntura, a maturidade e as condições objetivas de cada
órgão gestor. Não temos ainda, entre todos os 5.597 entes gestores, um perfil similar quanto ao
entendimento de solidez do SUAS. Mas mesmo assim e apesar disso, podemos afirmar que o SUAS
é uma realidade na gestão social brasileira.
O SUAS, pelo espalhamento da presença dos CRAS, é uma realidade no Brasil, a presença dos
benefícios socioassistenciais é uma realidade no Brasil. Não temos ainda uma rede de serviços
compatível; temos mais proteção básica do que especial, mas, efetivamente, a política de
Assistência Social vingou nesses 10 anos.
O que se apresenta agora é a questão de como dar qualidade, solidez, avanço no campo dos
direitos à proteção socioassistencial distributiva. Um dos feitos maiores nesses 10 anos, mais
emblemático, foi a mudança do CNAS – ele deixou de ser um órgão cartorial, deixou de ser o órgão
da benesse para entidades sociais, da isenção da cota patronal do INSS, para ser, efetivamente, o
órgão sólido, da discussão e direção da política pública de assistência social. Mas há aqui um novo
desafio. Toda a mudança do CNAS não contaminou como deveria os conselhos municipais e
estaduais, isto é, ainda os conselhos municipais têm uma forte presença da ação cartorial. Esta
realidade precisa tomar outro rumo. Não se pode concordar que a demanda pela inscrição de uma
organização em um conselho municipal seja o argumento que vai barrar a reponsabilidade desse
conselho com os rumos da política pública ou fazer derivá-lo daquilo que é sua finalidade.
Direcionando esta reflexão para a gestão e para os usuários, retomo o que se disse de início: que a
política social se faz concretamente no lugar onde o cidadão está. Isto significa que um primeiro
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Nos 5.570 municípios temos altíssima concentração daqueles com até 50 mil habitantes, isto é, só
4.915 municípios, ou 88% dos municípios brasileiros, e neles vivem 32% da população do país. De
outro lado, os 304 maiores municípios, ou 5,5% do total, variam em concentração populacional
entre 100 mil até 12 milhões, mas concentram 56% da população brasileira.
Esta questão paradoxal, presente no SUAS, vem se transformando em uma questão política de
gestão extremamente séria. Vem se instalando um conflito quanto ao número de representação
dos municípios maiores, que concentram população, mas que são em menor número de entes
federativos. Este paradoxo entre a quantidade unitária de entes gestores e o grau de concentração
da população brasileira que representam está a aguardar um novo pacto, pois o atual mostra-se
contencioso.
Uma primeira proposta que apresentamos a esta conferência é a revisão da agregação dos
intervalos de portes populacionais dos municípios que fundearam a PNAS-04. Em vez de
mantermos as cinco agregações de portes da Política Nacional de Assistência Social de 2004, que
antecedeu a implantação do SUAS, é preciso que possamos enxergar as diferenças existentes
entre os 88% dos municípios brasileiros que têm até 50 mil habitantes. Dentre esses, 1.985
municípios não chegam a 5 mil habitantes, isto é, concentram pouco mais do que mil famílias.
Cabe, portanto, a questão fundamental: qual é o modo de gestão do SUAS em um município de tal
porte. Não temos nos dedicado a essa análise. Qual o melhor modelo de gestão do SUAS a
desenvolver? Como nele deve se dar o alcance da proteção básica e da especial? Como é que se
dá a articulação entre serviço e benefício no pequeno município?
Durante esses 10 anos, o lugar da gestão estadual do SUAS mostrou-se um tanto fluido. Todavia,
quando abordamos as distinções entre os municípios, a responsabilidade dos governos estaduais
em efetivar a consolidação do SUAS a partir das condições objetivas das realidades de cada estado
e seus municípios explode claramente ao nosso olhar. Evanesce a fluidez e se apresenta a
realidade, o concreto extremamente forte e bem delineado.
Mas se essa realidade do volume populacional é um ponto de partida, ela é insuficiente para a
efetivação dos SUAS garantidores da proteção social de cidadania, a proteção social da Assistência
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Social. Vários outros atributos dos municípios têm que ser considerados.
A qualidade da atenção a ser prestada pelo SUAS inclui a condição dos acessos ou das barreiras
que introduz para a realização da atenção aos usuários. Pelo estudo que desenvolvemos
encontramos CRAS rural em municípios que não são marcados por tão alta ruralidade e ausência
de CRAS rural em municípios que tem alta ruralidade. Portanto, a gestão do SUAS para o próximo
período tem que atentar para essas condições objetivas da realidade para que suas atenções
sejam acessíveis aos usuários. Há um conjunto de mapas que foram construídos que estão na
publicação SUAS 10 (cada participante está recebendo um exemplar, e essa publicação estará
acessível por via digital no site do MDS).
Uma das responsabilidades da política de assistência social, e que veio a ser um dos seus grandes
resultados nestes seus 10 anos de SUAS, é a ação em retirar da invisibilidade grupos que não são
visíveis para a proteção social. A política mostrou sua capacidade em romper com a invisibilidade
de vários segmentos da população brasileira, e até estrangeira considerandos os migrantes. Esse
resultado mostra o sentido em que a política atuou de forma afirmativa com a justiça social e a
justiça distributiva no país
O Censo SUAS é revelador de um conjunto de grupos tradicionais que não eram sequer nominados
como existentes. Um primeiro segmento que a política incorporou, alterando a LOAS de 1993, foi
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o da população em situação de rua que não é incluída nos Censos do IBGE, pois ela não é
domiciliada. Hoje, o Anderson do Movimento Nacional da População em Situação de Rua está
nesta conferência e é representante de usuários no Conselho Nacional de Assistência Social.
Durante os últimos 10 anos, outros representantes já compuseram o CNAS. A assistência social
mostrou que tem possiblidade de dar atenção a grupos específicos.
Como se percebe estamos aqui caracterizando alguns atributos dos municípios, enxergando-os
não como mero pedaço de chão, que pertence a alguns proprietários, mas desenvolvendo o
entendimento sobre a relação dinâmica de forças sociais quanto à proteção social dos que vivem
nesse chão, e com os donos desse chão. Chegamos, portanto, à concepção de território como
construção socio-histórica que implica condições objetivas da população que nele vive e de seu
cotidiano.
Um novo atributo que se destaca diz respeito aos biomas. O SUAS na Amazônia por certo não
pode ser gerido e caracterizado no mesmo formato que no Rio Grande do Sul. Uma coisa é
considerarmos o SUAS na Amazônia, outra será o SUAS na Caatinga. O regime de água das cheias e
o da água da seca, o que isto provoca, e quais respostas isso exige da nossa capacidade de gestão.
Todos esses elementos são fatores geradores de desproteção social.
Quando os índios amazônicos não dispunham de tempo suficiente para sair de suas casas para
retirarem em dinheiro o Bolsa Família na cidade mais próxima, seu acesso ao benefício
apresentava barreiras. Para se deslocarem eles precisavam de recursos financeiros para pagar a
gasolina da voadeira; enquanto buscavam formas de pagar a tal gasolina, não raro seus benefícios
eram recolhidos pela ausência do interessado. Portanto levar a proteção social pelo benefício a
essa população implicou articular novos prazos, novas formas de acesso, diversas das aplicadas em
outras regiões.
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habita mais de uma família por domicílio, pois isso o IBGE quantifica.
Outra análise realizada foi relativa ao percentual de cobertura pelo Programa Bolsa Família entre
as famílias cadastradas. Aqui novamente aparece profunda heterogeneidade da taxa de cobertura
entre os municípios independentemente do porte. Nenhuma das curvas de cobertura tem
afinidade sob os critérios examinados. Pode ser que o município tenha 70% das famílias no
CadÚnico, mas isso não quer dizer, necessariamente, que ele terá o percentual de cobertura
idêntico ao de outro que tenha 20% das unidades familiares cadastradas. Poderá ser maior, igual
ou menor. O exame de cobertura dos beneficiários do BPC [Benefício de Prestação Continuada]
apresenta comportamento similar, ainda que os beneficiários não estejam incluídos no CadÚnico.
Vamos perceber que no BPC a presença do benefício para pessoas idosas é muito mais forte no Sul
do que no Norte e Nordeste, onde predomina o benefício voltado para pessoas com deficiência.
Algumas hipóteses precisam ser traçadas sobre essas ocorrências e é necessário buscar
explicações. É possível que o trabalho urbano no Sudeste tenha sido mais informal e no Nordeste
o trabalho rural tenha sido formalizado a partir do benefício rural, o que eliminaria mais idosos em
obter o BPC, pois já seriam previdenciários.
Esses aportes são significativos pois indicam que o modo de distribuição da cobertura dos
benefícios e serviços do SUAS pode estar sendo gerador de desigualdade. Para superar tal risco é
preciso estabelecer padrões de cobertura como referência às metas que se pretende atingir. É
preciso que caminhemos para a definição padrões de referência de cobertura nos serviços e
benefícios.
A fase do SUAS de marcar presença, de se espalhar no território nacional para sua visibilidade foi
atingida com êxito, e já está consolidada, mas faltam padrões de operação que possam permitir
verificar a diferenciação de SUAS que cada ente federativo oferece.
Quanto à gestão do SUAS, vive-se formas diferenciadas de institucionalidade dos órgãos gestores
da política. Ainda não são todas as prefeituras ou gestões estaduais que têm o órgão de gestão
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formal, só voltado para Assistência Social. Estamos nos ressentindo da ausência de um estudo de
qualidade sobre esse fato. A estrutura administrativa do órgão gestor da assistência social é
reduzida, mas nela destaca-se a presença de uma unidade de proteção básica, que por vezes é
seguida por outra de gestão do SUAS, e uma terceira de monitoramento e avaliação. A vigilância
socioassistencial, aparece separada de monitoramento e avaliação, e tem aproximadamente cerca
de 8% a mais de presença do que a vigilância. Uma unidade de gestão do trabalho e outra de
proteção especial ainda têm reduzida presença.
Outro aspecto a se registrar diz respeito à presença da parentalidade no órgão gestor. São 1.305
municípios brasileiros que congregam cerca de 31 milhões de habitantes, onde o gestor da
assistência social é um parente do prefeito. Este é um dos pontos que melhoramos na década,
mas ainda não o suficiente, sobretudo em Roraima e em Goiás.
A distribuição dos trabalhadores pelos órgãos tem uma escala bastante diferenciada. Quanto ao
indicador de estabilidade dos trabalhadores da Assistência Social, pode-se detectar que, do total
de trabalhadores, 22% apresentam ótima estabilidade e 21,7% apresentam boa estabilidade.
Portanto, para 44% dos trabalhadores a estabilidade está mais assegurada, mas esta é uma
condição que varia por porte de município e nas gestões estaduais. Ocorre o predomínio do nível
de escolaridade média sobre o superior nos trabalhadores dos municípios. Esse predomínio do
nível médio insiste e persiste, embora em algumas regiões se mostre menor. Construímos o índice
relacional entre trabalhadores de nível superior e população, ficando evidenciada enorme
diferença de situação entre os entes gestores. A escala mostra, de um lado, a realidade de 4
trabalhadores de nível superior para mil habitantes e, de outro, 0,4 trabalhadores para cada mil
habitantes.
São grandes impactos de forte discrepância que se obtém ao examinar a realidade dos entes
gestores e que afetam diretamente a qualidade da atenção que é oferecida.
O exame desses dados nos permitem fortes referências para que sejam estabelecidos horizontes
para que o SUAS caminhe para ser uno, múltiplo e republicano. Ser uno não significa ser
homogêneo. Insistimos no alcance do princípio da territorialização no SUAS, a partir dos
assentamentos humanos, que constituem a população dos municípios e estados do país.
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A construção de padrões de referência para os resultados da política deve ser uma realidade
buscada na próxima década. É preciso fortalecer o SUAS nessa direção. É preciso superar os
paradoxos entre a quantidade e entre federativos e respectivo percentual de população
representada.
O que a análise mostra é que chegamos, sim, a muita coisa em 10 anos, mas precisamos de maior
coesão no processo de gestão entre os entes federativos para que alguns valores sejam
efetivamente assegurados e traduzidos sob a dimensão ético-política, em defesa dos cidadãos e
cidadãs na luta pelos enfrentamentos e superação de desproteções sociais que afetam suas vidas
e reduzem sua dignidade.
Muito obrigada.”
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Abordarei neste momento o balanço dos dez anos do SUAS na perspectiva do controle social,
destacando o diferencial significativo trazido pelo Sistema para a efetivação da política de
assistência social, tal como as normativas, as diretrizes, as orientações técnicas, a
institucionalidade adquirida na LOAS, a previsão de 15 artigos na NOB-SUAS/12, que fortalecem as
instâncias de controle social (conferências e conselhos) e definem instrumentos para viabilizar a
participação dos usuários.
Referendo as análises efetuadas pelo professor Edval Bernardino acerca das dimensões que
conformam o controle social e passo a descrever as iniciativas adotadas pelo CNAS.
Na dimensão ética, que tem por pressuposto os valores éticos da sociedade, como a soberania e a
justiça social, acumula inúmeros avanços, como o reconhecimento dos direitos das populações
dos diversos espaços da nossa sociedade – o reconhecimento de que a população ribeirinha
também tem direito de acesso à política, assim como os povos e as comunidades tradicionais, os
povos indígenas, as pessoas com deficiência etc. Cabe reforçar que a sociedade é dinâmica e que o
Conselho deverá ficar sempre atento para os novos públicos que demandam a proteção social não
contributiva. Tem-se hoje, por exemplo, a questão da migração, que em 2003 não era tão
acentuada quanto agora, e que requer acolhimento da política de assistência social, tanto desses
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povos de distantes localidades do nosso planeta, ou até mesmo dentro de um movimento interno
do país, na perspectiva de um olhar da valorização desse indivíduo enquanto pessoa. A assistência
social e as instâncias de controle social do SUAS tem conseguido construir diretrizes e orientações
para atender estas situações, mas é preciso estar vigilante por causa desse dinamismo que cerca
essa matéria.
Assim, a agenda política do CNAS tem se pautado na atuação colaborativa e em uma parceria
constante com o MDS. Busca-se assegurar que os Conselhos cumpram suas funções de instâncias
deliberativas do SUAS, enquanto estrutura permanente e composição paritária, embora ainda seja
um desafio assegurar a paridade das representações e a proporcionalidade entre os segmentos da
sociedade civil.
O acompanhamento das ações de capacitação dos conselheiros é uma ação que precisa ser
intensificada nos próximos 10 anos, particularmente quanto aos conteúdos de informação para a
gestão e ao controle social da política. Há também que se potencializar a relação dos Conselhos de
Assistência Social entre si, e destes com os demais Conselhos de Defesa de Direitos, e Conselhos
de outras políticas setoriais, bem como com as Comissões Intergestores, tanto as CIBs [Comissões
Intergestores Bipartites] quanto as CITs [Comissões Intergestores Tripartites], no sentido de
ampliar o controle social por meio do acompanhamento e avaliação do SUAS, priorizar o debate
da gestão do trabalho no SUAS e a valorização dos seus trabalhadores, o financiamento e o ciclo
orçamentário.
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Na trajetória histórica da política de assistência social é possível apontar inúmeros avanços que
tiveram o protagonismo do CNAS no desempenho de suas atribuições. Antes de apresentar o
balanço das realizações de 2005 a 2015, temos que registrar que a cada dois anos acontecem as
conferências de assistência social.
Em 2009, a Lei nº 12.101 retirou, como bem lembrou a professora Aldaíza, aquele papel cartorial
do Conselho Nacional, e repassou a competência de concessão do CEBAS para os respectivos
Ministérios (Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Ministério da Educação e
Ministério da Saúde). A tipificação dos serviços socioassistenciais foi um passo bastante
significativo e trouxe a compreensão das prestações ofertadas pela política de assistência social,
que foi um norte, um apontamento de rumo que deu cara para essa política de maneira mais
transparente e mais efetiva.
Em 2010 foi desencadeada a consulta pública sobre a revisão da Norma Operacional Básica (NOB-
SUAS) que efetivou-se em 2012. Na sequência, a edição da Resolução Conjunta do CONANDA
[Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente] e do CNAS, que estabeleceu os
parâmetros para a convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes, e a Resolução do
CNAS que define os parâmetros para a inscrição das entidades de assistência social nos conselhos
de assistência social, que foi substituída recentemente, além do processo de regulamentação dos
benefícios eventuais.
O marco de 2011 foi a Lei do SUAS, Lei Federal nº 12.435, que instituiu o SUAS na LOAS, com uma
atuação bastante acentuada do Conselho para que isso viesse a acontecer, tendo por objetivo que
a LOAS absorvesse todas as construções postas por meio de resoluções do Conselho Nacional, de
portarias, decretos, visando um SUAS mais consistente, e tornando a política de assistência social
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um direito reclamável. Houve ainda a ratificação das equipes de referência do SUAS, com a
Resolução CNAS nº 09; a caracterização das entidades de assessoramento e defesa de direito, por
meio da Resolução CNAS nº 27; a promoção da integração no mercado de trabalho, com a
Resolução CNAS nº 33; e a Resolução CNAS nº 34, que define a habilitação e reabilitação da pessoa
com deficiência no SUAS.
Em 2013 foi instituída a Política Nacional de Educação Permanente, por meio de Resolução do
CNAS nº 03; a aprovação do Pacto de Aprimoramento da Gestão do SUAS nos municípios, com a
definição das prioridades e metas para a gestão municipal; a criação do Programa Nacional de
Aprimoramento da Rede Socioassistencial (Aprimora Rede); o reconhecimento dos trabalhadores
do SUAS com formação de ensino fundamental e médio, com as Resoluções do CNAS nº 19 e 09,
respectivamente.
Além de todas essas conquistas, o CNAS também reconhece a existência de muitos desafios para o
controle social nos próximos 10 anos, como o desenvolvimento de agendas integradas nas
comissões temáticas do CNAS, com questões que contemplem as dimensões políticas, técnicas e
éticas do controle social, conforme já mencionado; a promoção de debates e orientação em
conjunto com os Conselhos de Assistência Social para a implementação da Resolução nº 15/2014
do CNAS, que é o reconhecimento dos Conselhos como instâncias do controle social do Programa
Bolsa Família; a orientação aos Conselhos sobre os mecanismos de divulgação, disseminação das
legislações e normas do Conselho e o seu reconhecimento como instância deliberativa e
permanente; o fortalecimento dos usuários como participantes fundamentais no exercício do
controle social; a construção com os Conselhos de como efetivar o processo de acompanhamento
e fiscalização da Política Nacional de Assistência Social, levando em conta suas respectivas
competências.
Outro aspecto importante trata da retomada junto com o Ministério de Planejamento, Orçamento
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Ainda é preciso dar continuidade ao debate sobre a regionalização do SUAS, a partir das
deliberações desta X Conferência, principalmente as advindas das plenárias regionais, e tantos
outros temas que surgirão.
É preciso avaliar a implementação da Resolução CNAS nº 33, que trata do acesso ao mercado de
trabalho, e da Resolução CNAS nº 34, sobre a competência da assistência social na habilitação e
reabilitação da pessoa com deficiência.
Faço questão de frisar aqui a fala de uma grande amiga minha do Mato Grosso do Sul, Taciana,
que diz que, em grande parte das vezes, a cara da gestão é a cara do conselho e vice-versa, a cara
do conselho é a cara da gestão. Então, para que nós possamos criar essa sintonia entre conselho e
gestão, precisamos aprofundar o debate, principalmente na linha de reconhecer que o conselho e
a gestão não são concorrentes, não são adversários, mas sim tem o papel de fazer uma soma de
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esforços porque a construção da política é de todos nós. Muito obrigado e boa conferência a
todos.”
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Sra. Maria Lúcia Nogueira Linhares Marquim – conselheira nacional/CNAS e representante dos
municípios – CONGEMAS
Maria Lúcia é graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco, vice-
presidente do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (CONGEMAS),
atualmente presidente em exercício. Integra a Comissão Intergestores Bipartite do Estado de
Pernambuco, e é conselheira estadual de Assistência Social de Pernambuco.
“Reforço que estou aqui na presidência em exercício porque nosso presidente José Rodrigues
Rocha Junior precisou se afastar, não podendo participar desta Conferência; temos certeza que ele
lamenta muito, porque é o momento da culminância do que trabalhamos tão bem este ano, nós
que fazemos a representação de todos os municípios. Eu quero iniciar meu pronunciamento
cumprimentando a excelentíssima ministra Tereza Campello e reconhecer sua disposição em
valorizar o diálogo com o CONGEMAS, possibilitando assim a contribuição que nós temos tido para
a consolidação do SUAS. Cumprimento também o Conselho Nacional em nome do presidente
Edivaldo e da vice-presidente Léa Braga, reconhecendo a dedicação para realizar essa Conferência,
que sabemos que acolherá propostas reveladoras sobre nossos avanços e os desafios para os
próximos 10 anos.
Quero destacar também a importância nesta mesa da nossa querida Ieda Castro, secretária
nacional de Assistência Social, que mantém nesse lugar que ocupa seu compromisso municipalista,
que, com tanto entusiasmo e dinamismo, marcou fortemente o CONGEMAS quando foi
presidente. Ao companheiro André Quintão, presidente do FONSEAS, reafirmo o compromisso de
trabalharmos juntos fortalecendo as gestões estaduais e municipais, consolidando o sistema
descentralizado e participativo. Em nome de André, saúdo também esta plenária dando as boas-
vindas aos companheiros e companheiras que atuam nos territórios estaduais e municipais.
Também quero registrar o nome da Professora Aldaíza, expressando o reconhecimento do nosso
colegiado da sua importante contribuição, que tem levado à academia a realidade cotidiana das
nossas famílias, ampliando assim as possibilidades e a construção de praxe que aqui já nos traz
novidades nos dados que nos apresenta.
E, olhando para essa plateia de revolucionários e revolucionárias que bravamente fincam no chão
desse país um modelo de proteção social, cumprimento com respeito e o orgulho de pertencer à
categoria, os membros da diretoria do CONGEMAS e dos COEGEMAS, os conselheiros, os
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De vez em quando vou citar Professora Aldaíza, porque me inquietou para avançar esses próximos
10 anos, mas também para lembrar como éramos lá em 2005, quando se falava de não termos
ainda todas as secretarias municipais como exclusividade da assistência social. Mas a maioria dos
municípios já as tem e isso faz uma diferença enorme, porque até as primeiras-damas não vêm
mais do ‘primeiro-damismo’, mas vem de técnicas que tentam acompanhar o rito e o
conhecimento para efetivamente consolidar o Sistema Único de Assistência Social. As nossas
secretarias eram desmembramento das outras, Secretaria de Saúde e Bem-Estar Social, de Obras e
Ação Social, e era aquela confusão lá em 2005, e hoje temos dados concretos, porque eu não
gostaria de ficar dizendo percentual; eu entendo que esse momento foi para a professora porque
é na academia que se processa isso. Nós apenas queremos legitimar que, de fato, temos a maioria
das secretarias implantadas.
Também queremos dizer que a maioria dos municípios possui plano de ação aprovado pelos
conselhos municipais. Um grande passo, porque sequer lá em 2005 tínhamos os conselhos
municipais na nossa maioria. O fundo municipal, como matriz e o ordenador de despesa, da
Política de Assistência Social, grande conquista municipal de companheiros e companheiras.
Chegávamos a dizer que somente na saúde haveria esse reconhecimento, e nós também
caminhamos destacando que não na totalidade, mas temos, em grande parte, isso já executado.
Também, como já foi dito aqui, a implantação de CRAS com atenção integral às famílias na quase
totalidade dos municípios. A disponibilidade de equipes técnicas de referência, a implantação de
serviços, programas, projetos, benefícios e transferência de renda que na maioria dos municípios
já se executa de forma satisfatória, não ideal, mas de forma satisfatória. Um outro dado era uma
luta permanente e o MDS reconheceu: foi com a liberação da utilização do recurso de IGD/SUAS
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para o fortalecimento das nossas gestões municipais, incluindo o apoio aos conselhos, que se viu
avançar também as nossas estruturações enquanto secretarias municipais.
A responsabilidade pelo CadÚnico, como a professora Aldaíza informou, é quase 100% das
secretarias de assistência social, quando sabemos que se travou um embate no início, quando as
secretarias de saúde e educação também lutaram para ficar com elas. Fomos vencedores e
vencedoras, mesmo sendo uma política ainda menor no entendimento do tempo que tem a
educação e a saúde. Somos na maior parte responsáveis pelo CadÚnico. O controle social também
funcionando como instância de controle social do Programa Bolsa Família é um importante dado,
e através do Conselho Nacional temos feito um trabalho intenso para concretizá-lo em 100% dos
municípios, com o cofinanciamento pelos três entes federados – município, estado, governo
federal –, sabendo da necessidade de ajuste de alguns de nós.
Isso a gente destaca como avanços, destaca como momento único, nesse ano que a gente celebra
os 10 anos do SUAS, os 22 anos de LOAS, e hoje, 7 de dezembro – o dia nacional da Assistência
Social –, queremos dividir com vocês nesse balanço esses avanços que efetivamente acontecem.
Mas a professora já provocou, o presidente Edivaldo também, e temos que continuar avançando,
já temos desafios aqui. Temos um desafio que perpassa todas as conferências, de não se conseguir
tirar do papel, e que se refere à vinculação orçamentária. Companheiros e companheiras, isso é
lamentável, porque nos municípios se se processa 25% para educação, 15% para saúde, e o
restante para todos os outros, e nesses outros está a política de assistência social com
características de política pública de direito tão fortes como educação e saúde, precisamos sair
daqui fortalecidos nessa luta da vinculação orçamentária.
Há pouco espaço para participação dos trabalhadores e usuários nos nossos controles através dos
conselhos, portanto, precisamos, enquanto gestores, ter essa leitura e esse entendimento, e
fortalecer as organizações e fóruns de trabalhadores e de usuários para que se concretize também
na participação dos conselhos municipais. A dificuldade que temos sentido na implantação da
vigilância socioassistencial, ficando à mercê realmente da análise dos dados que são produzidos
nos nossos municípios, pelo ministério, pela academia, pelos órgãos parceiros, mas que nós, nos
municípios, também precisamos crescer com a vigilância socioassistencial ao lado da gestão,
fazendo acontecer, de imediato, após termos os dados tabulados.
Os repasses dos governos federal, estadual e municipal também são ainda insuficientes;
precisamos avançar no pacto federativo – acho que esse é o entendimento já unânime, e que já
estamos começando hoje, terminaremos quinta-feira nesse processo, mas que temos bons
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Está aqui hoje representando um Colegiado de Gestores, o CONGEMAS, que a partir de cada
território municipal desenha esse país contribuindo para a consolidação do SUAS – é sem dúvida
instigante. A força do CONGEMAS não está nos 5 mil gestores municipais, a força do CONGEMAS
se estabelece numa base que se solidifica a partir da atuação de nossas equipes, da participação
dos usuários, das famílias que despertam para um novo olhar sobre a vida com direitos, respeito e
dignidade. Neste país usar sensos e refluxos é surpreendente e revelador. A atual crise econômica
e política é impulsionador de movimentos de vanguarda, reafirmando a nossa crença na
democracia e no papel que hoje é exigido de nós. Não podemos nos deixar abater, não estamos
abatidos, pois temos legados de Josué de Castro, Dom Helder Câmara, Herbert de Souza, Neide
Castanha, Antônio Carlos Gomes da Costa, Zilda Arns e tantos outros e outras, brasileiros e
brasileiras que marcaram a caminhada. Essa caminhada agora, companheiros e companheiras,
está nos nossos passos firmes, crentes e protagonistas de defender esse SUAS que já temos, e que
queremos avançar.
Essa Conferência Nacional agrega num polo as identidades de brasileiros e brasileiras traduzidas
nas necessidades expressas em centenas de propostas construídas de Norte a Sul, de Leste a
Oeste nesse imenso território. 95% dos nossos municípios realizaram conferência, e 100% dos
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estados realizaram conferência, portanto estamos prontos para o enfrentamento que o momento
exige. Estamos cada vez mais atentos às populações ditas minoritárias, e as populações
tradicionais que, na maioria das vezes, tornam-se invisíveis, sendo desconsideradas nas suas
peculiaridades. Hoje, comemorando os 22 anos da LOAS, percebemos o quanto ela já amadureceu
na nossa caminhada, cada traço de sua história revela novos desafios – crescer, crescer, crescer.
Com 22 anos e ‘filhos’ tão legítimos como a política e o SUAS, dona LOAS se estabelece na garra
dos conselhos e dos fóruns das redes. Que, nesta conferência, passos largos sejam dados em
direção às populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas e faxinais; que a nossa conduta seja em
defesa do estado laico contra a diminuição da maioridade penal, pelo respeito às famílias
homoafetivas e pelos direitos das mulheres no que se refere à desconstrução da lógica machista.
Melhor é dizer que, contando com vocês, a gente diz para cada delegado e delegada dessa
conferência… essa mesa reafirma que não vai negociar nossas conquistas, seja no Programa Bolsa
Família, seja nas ações de alta complexidade, seja em todos os avanços que temos que promover.
Portanto, garantir o orçamento é fundamental, consciente de nosso compromisso e
responsabilidade no planejamento para a implantação e implementação da política nos próximos
10 anos. O CONGEMAS já elegeu para o nosso 18º encontro o tema nacional “Plano Decenal
Concretizando Pacto Federativo”, que será realizado em maio de 2016, numa proposta discutida
efetivamente com a nossa ministra e com a nossa secretária Ieda, e que essa pauta está no
Conselho Nacional, no CONGEMAS e no FONSEAS, que a partir de janeiro e fevereiro estaremos
em encontros regionais, culminando com o nacional para que no primeiro semestre asseguremos
que os nossos municípios tenham construído os seus planos de ação para 2016. Temos como
principais indicativos para essa discussão a efetivação da gestão compartilhada entre os entes
federados o cofinanciamento estadual, a expansão dos valores de cofinanciamento federal, a
regularidade no repasse dos recursos, a vinculação orçamentária e a reorganização dos serviços da
proteção social especial de média e alta complexidade. Esses são os desafios que julgamos que
vamos enfrentar.
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Sr. André Quintão Silva – Secretário de Trabalho e Desenvolvimento Social de Minas Gerais e
presidente do FONSEAS
“Considerando ser esta uma mesa de balanços e que a conferência acontece num momento
político muito importante, é dever histórico reconhecer os avanços do SUAS nesses últimos 10
anos. O caminho mais curto para termos retrocessos é exatamente a amnésia histórica, é não
reconhecermos processos de conquistas, até porque estas conquistas são de todos nós usuários,
gestores, trabalhadores, conselheiros, são conquistas republicanas de um país, de uma nação e
não podemos arredar pé delas. Eu fui secretário municipal de capital há 20 anos; na minha época
não havia política nacional unificada, na minha época o SUAS não existia e a política de Assistência
Social não tinha a capilaridade em praticamente todos os municípios brasileiros, inclusive com
unidades públicas como os CRAS e os CREAS. Nós não tínhamos há 10 anos, 12 anos um programa
de renda nacional unificado; nós não tínhamos compatibilização de benefícios e serviços
socioassistenciais; não tínhamos vigilância e monitoramento; não tínhamos pactuações
republicanas entre municípios, estados e a União. Não havia organização e tipificação de serviços
socioassistenciais. Mas o principal era o que tínhamos e que hoje não temos graças ao SUAS e a
um conjunto de políticas públicas. Há pouco tempo tínhamos 40 milhões de brasileiros na
pobreza, na pobreza extrema, e graças às políticas públicas conseguiram a mobilidade, a ascensão,
a dignidade e a retirada do Brasil do mapa da fome. Temos muito a avançar, mas se nós não
reconhecermos que estas conquistas se devem também principalmente a este sistema, nós não
seremos capazes de, na luta política e orçamentária, garantirmos não só a permanência, mas o seu
avanço.
Agora nessa nova etapa é muito importante que os estados façam mais. Quando eu fui eleito,
agora no início do ano, presidente do FONSEAS, no Fórum de Secretários, eu disse de maneira
muito clara para os colegas secretários e secretárias de estado: ‘não sou presidente, não serei
presidente do FONSEAS para fazer defesa corporativa de um ente de governo, quero ser
presidente do FONSEAS para fazer com que os estados, dentro dos seus limites, possam fazer
mais’. É sobre isso que eu queria rapidamente tratar aqui, reconhecendo que neste ano, com os
atuais secretários e secretárias, há uma consciência sobre a importância destes desafios e desta
postura. Se não fosse isso, não estaria presidindo o FONSEAS. E tem sido feito esforço de
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melhorias e avanços; nesses 10 anos ocorreram, sim, avanços em relação à participação dos
estados, mas nós queremos e podemos mais. O primeiro ponto: a questão da ampliação do
cofinanciamento estadual; quando percebemos a curva, os gráficos do cofinanciamento, destaca-
se que o governo federal o ampliou, que nos municípios permanece um pouco o mesmo, mas
fazendo a sua parte, e os estados, ao longo dos anos, decaíram um pouco a sua parcela. Nós não
podemos deixar que essa tendência continue e, mais do que ampliar o cofinanciamento, é preciso
simplificar o cofinanciamento, desburocratizá-lo, tornando-o regular e automático, deixando
condições para que os municípios possam programar e planejar as suas ações.
Nós sabemos, e a Maria Lúcia mencionou, que a ausência de vinculação é um obstáculo para
municípios e estados; independentemente da vinculação, o MDS ampliou de 7 para 80 bilhões seu
orçamento nos últimos 10 anos. Nos estados, a educação e a saúde com orçamentos vinculados, e
a despesa na segurança pública fazem com que, nos momentos de crise e ajuste, a corda
arrebente exatamente para o lado da assistência social, e essa é uma luta que temos que travar
em nosso cotidiano. O segundo desafio que compete aos estados: ampliar iniciativas de
capacitação, qualificação e assessoramento de gestores, usuários, trabalhadores e conselheiros
constitui-se como atribuição estratégica dos estados, e precisamos fortalecer a capacidade
institucional dos municípios. Não é possível que, mesmo com todo esse esforço de 10 anos, ainda
tenhamos um volume grande de saldos em conta; nós não podemos fechar os olhos para essa
realidade; ter mais de 1 bilhão de saldo em conta joga contra a nossa luta pela ampliação do
orçamento da assistência, a nossa luta pela ação continuada vai por água abaixo, porque se se tem
dinheiro parado, deve ter serviço socioassistencial não sendo prestado e/ou ampliado. Mas nós
não podemos culpar simplesmente os municípios, nós temos que ter proatividade no
assessoramento, na qualificação, e não só do gestor da assistência, mas do contador, do escritório
de contabilidade, do advogado, do procurador da prefeitura, porque muitas vezes nós estamos
falando em “SUAS Mais 10”, e o setor meio da prefeitura está 30, 40 anos atrasado, não chegou
ainda nem na LOAS e isso é um entrave para a execução da política pública. Terceiro: nós
precisamos ampliar a cobertura da proteção social especial, principalmente nos municípios com
menos de 20 mil habitantes.
A professora Aldaíza mencionou o fato… a Maria Lúcia, o Edivaldo, nós temos que ter modelos
conjugados, temos que ter os CRAS regionais, mas temos também que apoiar aqueles CREAS
municipais dos municípios que assim desejarem, fortalecendo suas equipes técnicas de referência.
Temos que fazer diagnósticos precisos e identificar as demandas pelos serviços de acolhimento
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nas regiões, inclusive com a organização da demanda e da oferta de vagas. Nós precisamos cuidar
da proteção especial; é lógico que a proteção básica é estratégica, vai ser errado o dia em que a
especial for mais necessária do que a básica, mas nós trabalhamos com um passivo e, para
resgatar esse passivo, é preciso cobrir a proteção social especial, porque senão o que acontece é o
CRAS fazendo o seu papel na proteção social básica, mas também o papel da proteção especial e
virando uma espécie de posto de gasolina, onde todo mundo recorre, inclusive outras políticas
públicas. E para isso é importante também uma discussão franca, sincera, aberta, com o Ministério
Público e o poder judiciário. Porque se é verdade que a judicialização tende a atender o cidadão, é
verdade também que uma judicialização desconectada da política pública prejudica a sua
construção e espreme o gestor e, muitas vezes, desconsidera as próprias pactuações do âmbito do
controle social. Então, para enfrentar esse debate temos que trazer o Ministério Público e o
judiciário nas nossas pactuações de cobertura da proteção social especial. Com relação à rede
privada socioassistencial, temos que reconhecer que antes do SUAS, antes da LOAS, antes da
Constituição de 1988, quem sustentou as ofertas na área social foram essas entidades que, antes
de o poder público assumir, faziam a seu modo, conforme sua ética, princípios e lógica um tipo de
acolhimento. Nós não podemos querer que ela seja substitutiva, a responsabilidade é do poder
público. Mas ela pode e deve ter uma ação de complementariedade e com protagonismo em
alguns setores públicos e em alguns segmentos. Mas para isso nós temos que tratá-las: no âmbito
dos direitos e deveres; com custo e remuneração adequados; e com o tratamento do seu corpo de
pessoal adequado.
É importante lembrar que entrou em vigor o novo marco legal das organizações da sociedade civil,
e nós temos um grande desafio de preparar essas entidades sem gerar nenhum tipo de
descontinuidade naquilo que já é prestado hoje. O Edivaldo aqui discorreu de forma muito
positiva sobre o controle social, nós não podemos ter o controle social ritualístico, conselhos
homologatórios, precisamos disseminar informações, criar canais mais ágeis de comunicação.
Precisamos fortalecer a organização dos segmentos com o apoio às organizações, aos fóruns dos
trabalhadores do SUAS, além de ser igualmente fundamental apoiar o fórum de organização dos
usuários do SUAS. Nós gestores temos que entender esses fóruns, ainda que por vezes com
tensionamentos, com visões diferentes, mas como parceiros e não como adversários na
construção de um sistema que visa o sujeito, o usuário, o cidadão brasileiro. O trabalho que o
Edivaldo coordena atualmente é muito importante e precisa também repercutir nos estados e
municípios. E para isso é preciso criar mecanismos, e eu já falei de um deles, do cofinanciamento.
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Felizmente, nesta mesa há uma convergência, nós temos especificidades de públicos, segmentos
e de desafios. Poderia falar da juventude urbana em situação de vulnerabilidade – a gente faz um
balanço positivo do SUAS e de outras políticas públicas. Mas como explicar que 30 mil jovens
sejam assassinados em nosso país/ano, principalmente jovens pobres e negros? Isso tem que nos
instigar, isso tem que nos provocar. Onde estamos errando? Onde podemos acertar mais? As
pessoas que exigem cuidados, as pessoas com deficiência, os idosos, nós temos especificidades e
desafios dos quais apenas uma política pública não dá conta.
Foi mencionada aqui pela Lúcia a questão dos usuários de drogas, enfrentar o drama da juventude
em situação de vulnerabilidade significa combater a evasão escolar, principalmente no ensino
médio, significa o tratamento do usuário de droga, significa dinamizar políticas de esporte e
cultura nos territórios. E esse conceito de territorialidade é importante – no semiárido mineiro não
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há como combater a pobreza sem nós enfrentarmos a questão do acesso a recursos hídricos como
o Plano Brasil Sem Miséria enfrentou. Tem municípios com distritos rurais – comentei com a
Professora Aldaíza em Minas – que estão a 100 quilômetros de estrada de terra da sede, lá não é
CRAS itinerante e nem busca ativa, tem que ter um CRAS naquele lugar. Então, temos que
construir esses modelos diferenciados e intersetoriais para combater a pobreza rural, os núcleos
extremos ainda que persistem em algumas regiões; e o SUAS nas metrópoles e regiões
metropolitanas.
Muitas vezes o nosso público da assistência não é atendido prioritariamente em outros espaços de
inclusão produtiva, e nós temos que reverter essa lógica. A professora Aldaíza colocou parâmetros
para reflexão instigantes que com o tempo nós temos que aprofundar. O Edivaldo colocou
desafios no campo do controle social fundamentais. A Maria Lúcia fez uma belíssima pauta de
desafios no âmbito dos municípios; e quero dizer a Maria Lúcia que nós vamos construir uma coisa
nova também no âmbito das pactuações. Vai acabar esse negócio de encontro de CONGEMAS
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numa região um dia, encontro de FONSEAS no outro dia, encontro de CNAS no outro. Vamos fazer
o debate juntos, na mesma mesa, estados, municípios, conselho, de peito aberto. Nós retardamos,
no âmbito do FONSEAS, o início da pactuação dos estados de 2016 a 2019 porque dissemos: ‘não
faz sentido pactuar sem ouvir as deliberações da Conferência Nacional da Assistência Social’. E isso
vale para os municípios, e o próprio ministério fez essa sugestão na última CIT; vamos partir destas
deliberações para organizarmos um processo coletivo no qual se pactue metas realistas,
realizáveis, adequadas à realidade regional e à diversidade dos estados. Não adianta um ente
federado jogar a questão para cima do outro, o município jogar para o estado, o estado jogar para
a União e falar que tem que rever o bolo federativo. A União joga para a crise internacional – não
se pode fazer isso, temos que reconhecer quem está fazendo mais, quem está fazendo menos,
quem pode fazer mais, e quem pode, de maneira convergente, apresentar melhores resultados.
Esse é o espírito que está presidindo esse momento positivo da assistência social, e nisto e em
outras coisas o MDS tem sido muito aberto em todas as pactuações como, por exemplo, a
pactuação da simplificação dos blocos de financiamento que facilitará muito o processo para os
municípios.
Mas nada disso vai adiantar, e é a minha última frase aqui, talvez nessa conferência aqui (eu vou
participar dos grupos, da roda de conversa e das discussões regionais). Nós também não podemos
nos fechar dentro do SUAS e fingir que não está acontecendo nada lá fora. Independentemente de
posição política – até porque aqui cada um tem a sua – tem muitos técnicos, gestões municipais,
estaduais de várias bandeiras políticas e ideológicas. Mas aqui nós temos uma bandeira em
comum: é a bandeira do direito social, é a bandeira da cidadania e ela está sendo ameaçada com a
proposta de corte de R$ 10 bilhões do orçamento do Programa Bolsa Família. Este corte vai
representar, delegados e delegadas dessa conferência, nada mais, nada menos do que
aproximadamente 6,7 milhões de famílias fora do Programa, mais de 23, 26 milhões de pessoas
fora do Programa, porque se vai cortar o recurso, vai ter que cortar a família. Do meu estado
Minas Gerais nós temos uma belíssima delegação que veio unanimemente nessa conferência – lá,
companheiros, são 1.149.000 famílias, e se essa proposta passar, 695 mil famílias vão sair do
programa no nosso estado – 61%. E aproximadamente 200 mil retornarão para a pobreza
extrema, e esse é o quadro dos estados brasileiros que serão penalizados. Portanto, eu espero
desta conferência, como diria o saudoso Leonel Brizola, um ‘não rotundo’ a este corte absurdo do
Programa Bolsa Família, corte proposto pelo relator do orçamento. Então, nós temos que
identificar as responsabilidades para buscarmos no convencimento e na mobilização essa
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alteração, essa reversão. Nós não podemos neste caso e em muitos outros deixar que os pilares da
democracia brasileira, que permitiu a emancipação dos pobres no Brasil sejam hoje atacados,
porque por trás do ataque à democracia está o preconceito contra os pobres e contra as políticas
sociais. Muito obrigado.
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Sra. Ieda Maria Nobre de Castro – Secretária Nacional de Assistência Social – MDS
Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará, possui mestrado em Educação
pela Universidade Federal do Ceará e doutorado em Política Social pela UNB. Foi assessora
parlamentar da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, Secretária de Assistência Social e
Cidadania de Maracanaú, e assessora especial da Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social
e Combate à Fome de Fortaleza. Foi também presidenta do Colegiado Estadual dos Gestores
Municipais de Assistência Social – o COEGEMAS Ceará – e posteriormente presidenta do Colegiado
Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social. Atualmente é a Secretária Nacional de
Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
“Cumprimento todas e todos os presentes, e estou muito satisfeita e feliz pelo resultado de chegar
nesta X Conferência Nacional de Assistência Social com o debate do SUAS que temos e o SUAS que
queremos, envolvendo a discussão com quase um milhão de pessoas em todo o país. Tenho
reafirmado nas Conferências Municipais de capitais e nas Conferências Estaduais de Assistência
das quais participei que, nesse processo de 10 anos de SUAS, há muito o que mostrar e
comemorar.
Cumprimento o presidente do CNAS Edivaldo Ramos e o parabenizo pela condução de todo esse
processo, a vice-presidenta do conselho, Léa Braga, militante aguerrida da assistência social, e
atualmente diretora da Proteção Social Básica da Secretaria Nacional de Assistência Social, a
conselheira Margareth Dallaruvera, representante da sociedade civil no CNAS, os segmentos dos
trabalhadores, a professora Aldaíza, que muito engrandece as discussões e as interlocuções, o
presidente do FONSEAS e Secretário Estadual de Minas Gerais, André Quintão, um grande achado
para a assistência social, a presidenta do CONGEMAS em exercício e Secretária Municipal, Lúcia
Marquim. Por fim, cumprimento a ministra Tereza Campello, dizendo publicamente que é uma
honra e uma satisfação poder participar do time do MDS e estar junto com esta grande líder, que
é uma pessoa que aprendeu a conhecer o que é a assistência social fazendo um sistema público,
assim como toda a equipe dirigente do MDS, Thiago Falcão – Secretário Nacional da SESEP
[Superação da Extrema Pobreza], Helmut Schwarzer – Secretário Nacional da SENARC [Secretaria
Nacional de Renda de Cidadania], Paulo Jannuzzi – Secretário Nacional da SAGI [Secretaria de
Avaliação e Gestão da Informação] e Arnoldo Campos – Secretário Nacional da SESAN [Secretaria
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional], salientando que esse é um bom time, e que se
conseguir integrar forças, irá mudar este país, e a assistência social vai estar em outro patamar.
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O SUAS foi pensado na perspectiva de que a política de assistência social seja reconhecida por
cada usuário como um direito, um direito que pudesse ser reclamado. Foi organizado por meio de
um sistema que fosse capaz de criar uma porta de entrada para que o usuário se identificasse e
chegasse à assistência social. Como um sistema público que dialogasse com outras políticas
setoriais para enfrentar a desigualdade social e, principalmente, para ampliar a capacidade de
proteção do Estado. Foi assim que nasceu o SUAS, como modelo de atenção por um sistema não
federal, mas um sistema nacional, construído pela vontade política de gestores municipais,
gestores estaduais, o gestor do Distrito Federal e o Governo Federal.
Vale lembrar que até 2005 a área da assistência social era bastante reduzida, muitas vezes
coordenada pelas primeiras-damas, e com repasse pequeno de recursos via convênios e
programas segmentados. Assim, o Sistema Único de Assistência Social não brotou do chão, ele foi
construído a várias mãos, os usuários foram se reconhecendo como sujeitos do processo, os
trabalhadores assumindo um grande protagonismo e as entidades como grandes parceiras,
também se identificando como ofertas públicas que precisariam ser reconhecidas no sistema. Foi
reafirmado o princípio republicano no SUAS, onde tudo é debatido em instâncias de deliberação,
pactuação e participação – por isso a importância dessa X Conferência, porque ela vai demarcar
uma linha de fronteira, o que era o SUAS 10 anos atrás e o que será o SUAS 10 anos para frente.
Era também preciso imprimir uma nova lógica no financiamento público, pois aquela lógica do
recurso carimbado via convênio não atendia a um sistema público e, para tanto, foi criado o
repasse fundo a fundo. O SUAS previu ainda a constituição de equipamentos públicos para ofertar
os serviços continuados de sua responsabilidade, e definiu níveis de proteção social básica e
especial. Projetou a capilarização dos CRAS em todo território nacional, e tinha uma grande meta,
que é o enfrentamento à pobreza urbana e rural. Tudo isso compunha o plano decenal de 2005-
2015.
Na sequência, a ministra irá discorrer acerca dos grandes ganhos obtidos com o sistema público de
assistência social. De lá para cá muita coisa caminhou, muita coisa mudou. Foram instituídas as
lanchas da assistência social para se fazer busca ativa e chegar até a população ribeirinha e
pantaneira; foi estabelecido um novo modelo de provisão dos serviços; foi acordado um pacto
federativo que determina o que é competência exclusiva da União, o que é competência dos
estados, do Distrito Federal e dos municípios, bem como o que é competência conjunta entre os
estados, o Distrito Federal e a União, e entre a União e os municípios, e entre os estados e os
municípios.
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Coube à União a maior carga de financiamento, que é o financiamento direto das transferências
do governo federal para o usuário, ou seja, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Bolsa
Família, que são os dois grandes benefícios que garantem o acesso à renda no campo da
assistência social. Esta se constitui uma grande vitória assumida pela sociedade brasileira de
assimilar a cobertura de benefícios, e hoje o BPC é realidade na vida de mais de 4 milhões de
pessoas, idosos e pessoas com deficiência, atingindo 81% da população idosa acima de 65 anos
que atende aos critérios de concessão, e o Bolsa Família foi ampliado consideravelmente.
Por isso não podemos aceitar qualquer retrocesso em relação ao Bolsa Família, porque a grande
luta é avançar neste programa e, inclusive, elevar a renda do Bolsa Família e não cortar seus
recursos. Ninguém consegue viver com a renda do Bolsa Família, pois ele não substitui renda, mas,
sim, complementa a renda para que as famílias possam ter o mínimo de dignidade. A luta para
ampliação dos recursos do Bolsa Família e para a permanência da vinculação do BPC ao salário-
mínimo se justifica porque esses são dois instrumentos de redução da pobreza que tem um
impacto muito forte. Os estudos dizem que até 20% da redução da pobreza pode estar associada a
esses dois benefícios.
Com a legislação de 2009, a certificação das entidades beneficentes de assistência social adotou
novo modelo e passou a responsabilidade de análise e concessão do CEBAS [Certificados de
Entidade Beneficente de Assistência Social], antes do CNAS, para a Secretaria Nacional de
Assistência Social. Atualmente já foi analisado todo o passivo e atendida a previsão legal dentro
dos seis meses, sendo que 5.714 entidades estão certificadas.
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Os estados também têm a obrigação junto aos municípios de cofinanciamento dos serviços,
programas e projetos socioassistenciais e do benefício eventual, além de ofertar serviços
especializados regionalizados e oferecer apoio técnico para os municípios. No que se refere ao
cofinanciamento dos estados para os municípios, temos 22 estados que cofinanciam 74% do total
dos municípios. Ainda é baixo o número de estados que cofinanciam os benefícios eventuais, mas
isso é uma luta de um processo histórico de vários sujeitos. A gestão estadual tem feito grande
esforço para implantação dos serviços regionalizados, atingindo 54 CREAS regionais.
E os municípios também têm responsabilidades. É o município que chega mais perto do usuário,
que transforma o SUAS em algo concreto, em algo palpável, sendo que são 30 milhões de famílias
que podem acessar serviços e benefícios por meio dos CRAS e dos CREAS – são 8 mil CRAS e uma
rede de CREAS significativa.
Dos 8 mil CRAS existentes no país, 7.400 são cofinanciados pelo Governo Federal, que também
participa do custeio das equipes volantes, do custeio das lanchas, principalmente nas regiões
Norte e Centro-Oeste, e do custeio de 5 mil municípios oferecendo serviços de convivência. Em
2005 havia muitos vazios de CRAS, e agora em 2015 tem-se quase a universalização de cobertura
de CRAS. Mas o problema não é aumentar CRAS, é ressignificar esse CRAS, é saber o sentido desse
CRAS para a vida das pessoas.
Quanto à rede socioassistencial observa-se que as regiões Sul e Sudeste concentram o maior
número de entidades socioassistenciais, enquanto as regiões Norte e Nordeste dependem
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basicamente das ofertas públicas dos CRAS, dos CREAS, do Centro POP. Em 98% dos municípios já
são ofertados o serviço de convivência e fortalecimento de vínculos, cuja importância do serviço
auxilia na construção de uma contracultura, que é a cultura do viver junto, em contraposição à
uma sociedade muito individualista. Então, fazer grupo de convivência intergeracional, é fazer com
que o idoso volte a participar da vida social, mesmo que não contribua diretamente para a vida
produtiva e para a provisão de seus membros.
Por sua vez, as unidades de acolhimento, conforme o mapa, estão espalhadas em todas as regiões
do Brasil e ofertam 151 mil vagas, mas devem ser encaradas como medida de último recurso, pois
para a assistência social a diretriz é fortalecer o convívio familiar e comunitário. Por isso que a
proteção social básica e a proteção social especial de média complexidade precisam ser
intensificadas e articuladas, adquirindo muito sentido.
O grande gargalo ainda se concentra na gestão do trabalho, e este é um aspecto que precisa
amadurecer. Apesar do Capacita SUAS ainda é preciso incentivar as outras modalidades e
previsões da política de educação permanente. O número de trabalhadores, mesmo tendo sido
ampliado largamente, e obtendo uma média efetiva e estável, ainda representa uma média baixa.
A participação e o controle social são diretrizes bastante caras para o SUAS e encontram espaços
nas CIBs, na CIT, nos fóruns nacionais – Fórum Nacional de Usuários, Fórum Nacional de
Trabalhadores, Fórum Nacional das Entidades, na mesa de negociação da gestão do trabalho,
entre outros.
Também se apresenta como um grande gargalo a participação dos três entes federativos no
cofinanciamento da política de assistência social. Neste sentido, é preciso ter mais transparência e
clareza de quanto cada ente aplica de recursos na assistência social. Como pode ser observado no
gráfico, os dados são declarados por cada ente, e mesmo assim há um distanciamento muito
grande do Governo Estadual, da esfera estadual na participação do financiamento da assistência
social.
Por fim, entre os resultados, vamos ter que aprender a olhar o impacto que isso tudo produz na
redução da desigualdade, no enfrentamento à pobreza. O SUAS não é um sistema estéril, voltado
para si mesmo, o SUAS é um sistema público que visa romper com a lógica do clientelismo, da
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cultura conservadora do atraso, e implantar de vez a lógica do direito nas ofertas da assistência
social.
Que essa conferência seja uma conferência madura, uma conferência de resistência, de embate e
combatividade, porque não vamos aceitar em nenhuma hipótese um passo atrás nas inúmeras
conquistas desses 10 anos.
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Cumprimento a Secretária Nacional de Assistência Social, Ieda Castro e a toda equipe da SNAS que
junto com o Conselho ajudou a organizar a Conferência. Os demais Secretários Nacionais
presentes, Thiago Falcão, Helmut Schwarzer, Paulo Jannuzzi, Arnoldo Campos e o Secretário-
Executivo do MDS Marcelo Cardona. Agradeço ao MDS pelo apoio para a realização dessa
conferência vitoriosa. Também ao presidente do FONSEAS, Secretário de Estado de Assistência
Social e Desenvolvimento Social de Minas Gerais, André Quintão, grande parceiro, que em sua fala
já demonstrou grande capacidade de liderança. Aproveito a oportunidade para ressaltar a
necessidade de a Conferência aprofundar o debate do pacto federativo e de seu desdobramento
para os próximos 10 anos na Política de Assistência Social. Agradeço à presidente interina do
CONGEMAS, Maria Lúcia Marquim, e ressalto o entusiasmo e o compromisso de todos os gestores
municipais para com o SUAS, reforçando a importância dos municípios na construção das políticas
sociais, não só da assistência social, mas da saúde e da educação. Agradeço a grande colaboradora
Professora Aldaíza Sposati e os demais colaboradores que vêm trabalhando para a formação dessa
agenda. Ainda à vice-presidente do CNAS e diretora do Departamento da Proteção Social Básica da
SNAS/MDS, Léa Braga, e a conselheira do CNAS, Margareth Dallaruvera. Agradeço também o
deputado federal Antônio Brito, presidente da Comissão de Seguridade Social e Família, ao
deputado federal Eduardo Barbosa e vários deputados presentes, que sempre apoiaram a
consolidação da assistência social. Ao final, cumprimento os delegados, gestores, usuários,
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Todos esses atores são desafiados no dia a dia a construir o Sistema Único de Assistência Social
(SUAS), e particularmente desafiados nesse momento, diante de uma conjuntura tão complexa, a
olhar para frente, não aceitar retrocesso, continuar construindo políticas sociais e avançar nas
conquistas. Assim, nos impulsionam também a reconhecer o que foram esses 10 anos de
construção do SUAS, e a realizar um balanço desse processo, tema por excelência de abertura
desta Conferência.
O balanço se justifica ainda pelos motivos que o secretário André Quintão explanou
anteriormente, ou seja, para que não se ignore todo o esforço para a estruturação do SUAS, e se
coloque o debate em uma perspectiva estratégica, avaliando o que já foi feito, tendo como
referência: o ponto de partida, o que se conquistou, e onde se quer chegar. Demarcar que esses
10 anos foram de muitos avanços, mas que é possível e necessário, por exigência da própria
população atendida, avançar muito mais.
Diante deste cenário é fundamental dizer: isto é o nosso piso, isto aqui é a nossa laje, daqui nós só
temos que avançar; portanto, o SUAS que nós queremos é muito mais do que o SUAS que nós
temos hoje. Mas ele se constrói a partir dessa história, ele se constrói sobre esse caminho que nós
trilhamos juntos. Por isso nós podemos muito mais. Porque a nossa luta gerou essa conquista, que
é conquista de cada de um vocês, conquista da luta dos trabalhadores do SUAS, conquista na luta
dos usuários que disseram não querer favor, pois reconhecem seu direito ao Sistema Único de
Assistência Social, a um sistema universal, em superação à uma política assistencialista.
(i) Na legislação, com um marco legal complexo, completo, mas que ainda precisa ser
aperfeiçoado, principalmente no que se refere ao pacto federativo, como abordado no
início. Vários estados construíram suas políticas de assistência social, e revisaram suas
legislações, como Minas Gerais, como tantos outros estados e municípios, mas muitos
ainda não se mobilizaram nesse sentido. Continuando no campo legislativo, houve a
aprovação do Marco Regulatório que irá regular a relação do Estado com as entidades não
governamentais. E nesta Conferência, a ministra do MDS vai assinar a Portaria que
normatiza a adoção dos blocos de financiamento da política de assistência social, aprovada
na última CIT;
(ii) Na rede de proteção social e da universalização de suas ofertas, atingiu-se a presença dos
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Este movimento vem sendo delineado ao longo do tempo. Houve um primeiro período de queda
da pobreza em 1994 com o Plano Real, seguido de um período de estabilização na pobreza. A
partir de 2002 ela passa a diminuir de forma consistente e sistemática, e não parou até hoje, com
redução da pobreza e da extrema pobreza em índices abaixo de 3%, que é a meta dos objetivos de
desenvolvimento sustentável para 2030. O desafio atual é não deixar essa população voltar para a
extrema pobreza. Por sua vez, a pobreza multidimensional, que, como disse a professora Aldaíza,
é a pobreza em suas diversas expressões: de renda, de falta d'água, de falta de educação, de falta
de saúde, de falta de energia elétrica, também foi bastante reduzida no Brasil. E vocês foram os
atores fundamentais para garantir que essa população pobre pudesse ter acesso não só ao Bolsa
Família, mas através da referência e da contrarreferência, à educação, à saúde, à energia elétrica,
e a um conjunto de bens e serviços. Portanto, a parcela de contribuição para reduzir a pobreza
crônica no Brasil, de um patamar de quase 9% para 1%, é um trabalho que a assistência social tem
que reivindicar, pois é ela que está na base e que chega à população mais pobre.
Mas ainda existe o desafio para esta Conferência de discutir as especificidades do território, em
especial das regiões do Brasil, do meio urbano e rural, das faixas etárias, entre outras. Por
exemplo, apesar de ter sido onde mais caiu, ainda persiste a pobreza rural, a pobreza nas famílias
jovens com crianças, a pobreza na vertente de raça e cor, com foco na população negra e parda, a
pobreza nas periferias da cidade e nos municípios pequenos. Porque o Brasil continua sendo um
país muito desigual, e há muito o que se fazer; será um trabalho gigantesco para que este país
possa garantir direitos não só de assistência social, mas de educação, saúde, trabalho, habitação
etc. para toda sua população.
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Diante deste balanço, observa-se que há muito do que se orgulhar, por ter sido parte dessa
agenda de construção de uma ação que vai para além da renda. De uma ação que mudou o Brasil;
esse Brasil de hoje é muito diferente do Brasil de 2005. A ação do Estado brasileiro e essa
mudança não aconteceram naturalmente, mas é fruto de uma atuação estatal, e parte importante
dessa transformação se deu pela rede e pelas instâncias do SUAS, que foram criadas em 2005.
Então, esta Conferência tem que olhar os próximos 10 anos tendo como referência tudo o que já
foi feito, mas mirando onde se pretende chegar, com um parâmetro de qualidade para
transformar o território e a vida dos brasileiros, para continuar reduzindo a pobreza, não só a
pobreza de renda, mas de acesso a direitos, a serviços de assistência social e de outras políticas
públicas.
Esta Conferência tem o desafio de olhar para 2026, mas tem outro desafio que é olhar para o que
está acontecendo hoje e para a ameaça de retrocesso que está colocada para o Brasil. O
retrocesso é questionar a maioridade penal, questionar o que é família no Brasil, querer tirar R$
10 bilhões do Bolsa Família. Estes seriam retrocessos que afetam não somente o mandato da
presidenta Dilma, mas fundamentalmente a democracia, quando colocam em questão as
conquistas sociais. Portanto, nós temos um desafio que é avançar – viva o SUAS e viva o Brasil!”
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CERIMÔNIA DE ABERTURA
Mestre de Cerimônia
“Boa noite a todos e todas. Neste momento, convidamos para compor o palco a senhora Maria
Alves de Souza, representante dos usuários da Política de Assistência Social; a senhora Leila
Pizzato, representando a articulação das entidades de Assistência Social; a senhora Luciana
Carvalho Maranhão, representando o Fórum Nacional de Trabalhadoras e Trabalhadores do SUAS;
o senhor Anderson Miranda, representando o Fórum Nacional dos Usuários do SUAS; a presidente
em exercício do Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social, Maria Lúcia
Nogueira Linhares Marquim; o Presidente do Fórum Nacional de Secretários e Secretárias de
Estado da Assistência Social, André Quintão; a Secretária Nacional de Assistência Social, Ieda
Castro; os deputados federais Antônio Britto, presidente da Comissão de Seguridade e Família da
Câmara dos Deputados; deputado Eduardo Barbosa; a senadora Gleisi Hoffmann; o presidente do
Conselho Nacional de Assistência Social, Edivaldo Silva Ramos; os ministros de Estados, Tereza
Campello, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, do Desenvolvimento
Agrário e Nilma Lino Gomes, das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Senhoras e
senhores, a Presidenta da República Dilma Rousseff. Ouviremos neste instante o Hino Nacional
brasileiro.”
Mestre de Cerimônia
“Boa noite. Boa noite, senhores e senhoras. Quero, por meio da nossa Excelentíssima Presidente
Dilma, cumprimentar a todas as autoridades que compõe esse palco. Quero dizer da honra imensa
que temos, de recebermos aqui ilustres atores da política de Assistência Social, os quais não vou
nominar para não incorrer na injustiça de esquecer alguns deles. Faço aqui algumas falas fora do
microfone para que os colegas com deficiência visual possam saber em que posição está a tribuna.
Senhores delegados, senhoras delegadas, senhores convidados, senhoras convidadas, gestores
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aqui presentes, todos os nossos representantes dos diversos segmentos da Política de Assistência
Social. Senhora Presidente Dilma, este momento para nós é ímpar, porque estamos aqui num
espaço para um debate, uma discussão, para uma análise do Sistema Único de Assistência Social –
o SUAS que temos e o SUAS que queremos. A construção do tema dessa Conferência foi pensada
na perspectiva de se planejar um Sistema Único de Assistência Social para os próximos 10 anos,
porque, nesse mesmo exercício, em processo de Conferência em 2005, definimos as prioridades
para a construção do plano decenal 2005-2015, e agora, então, no fechamento desse plano, temos
uma política pensada toda na ótica do planejamento, da orientação ofertada pela norma
operacional básica do SUAS, a NOB/SUAS e pela própria Lei Orgânica da Assistência Social nessa
perspectiva do planejamento.
Então, não poderia ser diferente para fazermos uma Conferência em 2015, que não no exercício
do planejamento. Planejamos este momento, por meio das etapas das Conferências Municipais,
das Conferências Estaduais e do Distrito Federal. Senhora Presidente, senhores e senhoras
autoridades aqui presentes, os delegados já sabem e todos os demais presentes, o quanto lutamos
para chegar aqui hoje. Dos 5.570 municípios, num período de crise e dificuldade econômica que
temíamos no início do ano, não lograrmos tanto êxito, mas conseguimos realizar as Conferências
Municipais em 5.429 municípios, num envolvimento direto de participação, de aproximadamente
1 milhão de pessoas e cerca de 500 mil delegados. E desse universo de aproximadamente 500 mil
delegados, temos aqui praticamente a presença do que estava previsto: 1.800 pessoas já neste
primeiro dia de abertura.
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Tivemos grandes conquistas numa construção coletiva, toda a Política de Assistência Social sempre
pensada na construção da participação de todos no processo de Conferência, desde a conquista,
como eu mencionei hoje à tarde, da inserção da Assistência Social no tripé da seguridade social,
onde diversos atores foram para as galerias do Congresso. Tivemos a construção do SUAS num
processo de Conferência em 2003, tivemos todas as orientações do plano decenal, como eu disse
anteriormente, na Conferência de 2005, enfim, tudo o que se pensa nessa política foi motivado e
orientado pela participação coletiva.
Vivenciamos 10 anos – parece um menino o SUAS, só tem 10 aninhos. No entanto, alcançar o que
alcançamos, em tão pouco tempo, com uma cobertura de 98,4% do território nacional, é o
resultado, é uma comprovação de que só alcançamos isso pela participação de todos. Todos os
atores já nominados são responsáveis por essa conquista e tenho plena convicção de que se
pensássemos uma política desenhada em formato vertical, de cima para baixo, teríamos talvez
alcançado muito menos do que conseguimos, porque, naturalmente, onde não há a participação
do povo, as conquistas são mais lentas, e talvez não teríamos sequer a terça parte do SUAS que
temos. E isso é creditado na fatura de cada um dos senhores e de cada um daqueles que
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participaram desse processo das Conferências e nas demais. Então, vejam os senhores que se
conseguimos ter tamanho avanço em 10 anos, depois de termos acumulado tanto conhecimento,
tanta experiência, qual é o desafio que temos para os próximos 10 anos? Transformar um SUAS
que dê conta de atender às diversas demandas da população brasileira, fazer com que o SUAS
consiga reconhecer ainda mais os direitos que já vem reconhecendo, fazer com que consigamos,
dentro da proposta dessa Conferência e do pacto federativo, a construção da assunção, da
responsabilidade de todos os entes. Tivemos algumas dificuldades, do ente da União, do ente
federal, por exemplo, agora no repasse de recursos, que está praticamente superado, mas tivemos
dificuldades para cumprir aquilo que está posto na norma operacional básica do SUAS, que é o
repasse com regularidade.
Sabemos e temos plena confiança de que esse foi um período muito motivado por questões
adversas e que isso não vai mais acontecer. E, da parte da União, temos tido a demonstração de
diversos exercícios positivos, mas temos desafios a superar com os estados, temos desafios a
superar com os municípios e ainda temos desafios a superar com o próprio ente União também, e
tudo isso temos que debater nestes quatro dias de Conferência.
Para finalizar, senhores delegados, senhores e senhoras que compõem o grupo deste palco, digo
aos senhores, qualquer que seja o esforço que venhamos a fazer nessa política, para nós, já é
muito, já pode ser motivo de festa termos um SUAS nessa proporção, de 98,4% do território
brasileiro. Aliás, a quantidade já foi superada, agora é hora de lutarmos pela qualidade das ofertas
dos nossos programas, projetos e benefícios. É hora de lutarmos pela qualidade da gestão; é hora
de lutarmos pela qualidade do trabalho e aí, naturalmente, o reconhecimento do papel do
trabalhador como principal tecnologia dessa política. Temos desafios, ministra Tereza, presidente
Dilma, de fazer com que este país deixe de tratar o trabalhador da Assistência Social como
mercadoria, sendo submetido à escolha por processo de pregão; temos o desafio de conferirmos
mais voz aos nossos usuários, porque se ele é o público da nossa política, é ele quem tem de dizer
o que é que ele quer, o que é que ele espera, porque como dizia a minha avó: ‘Sabe onde está o
calo quem sente o sapato apertar’. E são os usuários, então, quem tem que ser reconhecidos
como principal definidor daquilo que a gente precisa desenhar para a nossa política. Assim eu
finalizo minha fala, ratificando que todo e qualquer empenho que nós fizermos, toda e qualquer
conquista que nós tenhamos tido até aqui, ainda é muito pouco para a superação da dificuldade
do povo brasileiro, e precisamos enfrentar… O desafio é nosso e vamos à luta. E viva o SUAS e viva
a Conferência de 2015.”
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Mestre de Cerimônia
Mestre de Cerimônia
“Eu quero cumprimentar todas e todos com um saudoso boa-noite. E quero cumprimentar aqui,
todos vocês, que acho que posso chamar de companheiras e companheiros. Aqui não é mesa, mas
acho que é uma bancada que neste momento fortalece o SUAS. A nossa companheira e eterna
lutadora, a nossa presidente Dilma. E também a nossa ministra. E gostaria que todos se sentissem
cumprimentados pelas pessoas aqui citadas, presidente Dilma e ministra Tereza Campello.
Mas eu não poderia deixar neste momento de cumprimentar todos os gestores, delegados e
demais presentes nesta Conferência, em nome do nosso honroso, saudoso Secretário de Estado,
André Quintão, e da nossa Simone Albuquerque, que está aqui também nesta Conferência como
delegada. Cumprimentar também todos os usuários do coração, com esse calor de luta, de força.
Também cumprimentar os trabalhadores que fazem com que o SUAS caminhe cada dia, e as
entidades parceiras que fortalecem a nossa política, para ações cada vez mais efetivas. Eu poderia
continuar aqui saudando todos, os fóruns já construídos, os beneficiários dos programas sociais,
todos os que nos estados fizeram com que as Conferências pudessem acontecer de forma cada
vez mais forte, mais valorosa e democrática. Eu poderia continuar falando aqui dos 10 anos do
SUAS, de todas as conquistas que nós tivemos, o que, inclusive, antes de mim, já foi falado. Eu
poderia enumerar tantas conquistas, pessoas que saíram da condição da extrema pobreza,
pessoas a quem o SUAS deu a oportunidade de pensar na sua própria história, como eu disse no
filme, mas a quem deu, também, a dignidade, o acesso às políticas públicas, pessoas que, muitas
vezes, como aqui todos conhecem no Brasil, não tinham sequer a oportunidade de serem
consideradas gente, de serem consideradas pessoas de cidadania, pessoas que também têm
condição, têm conhecimento e que precisam muitas vezes de uma oportunidade.
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Consolidar o SUAS de vez rumo a 2026
Mas eu quero aqui render uma homenagem à nossa presidenta e dizer para ela que eu, como
mulher, negra, rural, quilombola, tenho a certeza e imagino o quanto ela tem, talvez, nesses
últimos dias, sofrido com a repressão de uma ditadura que assola o Brasil neste momento. Dizer
para ela que nós temos conhecimento do quanto esse Brasil vivia o retrocesso porque nunca se
acreditava na população que sofria neste país; ao contrário, nos usavam, nos mendigavam com
assistencialismo, fazendo com que a gente ficasse na pobreza extrema, para cada política ir lá e
nos tirar a dignidade com a ação de votar no retrocesso. E que foi nos últimos 12 anos desse país
que nos enxergaram e que nos deram a oportunidade. Portanto, nós, aqui com essa Conferência,
queremos reafirmar, presidenta Dilma, a democracia nesse país, queremos aqui dizer que nós não
aceitamos e que o Brasil não vai ter golpe. Não vai ter golpe… E que foi com o SUAS que a
população negra e a igualdade racial, a agricultura familiar, os direitos humanos e as mulheres
tiveram vez nesse país. E que foram nos últimos 12 anos que a gente conseguiu garantir através
das políticas sociais o protagonismo das pessoas mais vulneráveis neste país, presidenta. E que nós
não podemos retroceder, nós não podemos retroceder para que aqueles que historicamente
nesse país tentaram nos tirar a dignidade consigam inclusive fazer com que o SUAS retroceda,
porque nós estamos juntos aqui, gestores, usuários, mulheres, jovens, terceira idade,
trabalhadores, entidades, para fazer com que nos próximos 10 anos do SUAS a gente continue
avançando. Avançando na melhoria da qualidade e da oferta dos serviços, avançando na
qualidade da força e da organização dos trabalhadores, com mais condições e fortalecimento das
entidades e com mais protagonismo dos nossos usuários. E ainda mais queremos, inclusive com as
políticas sociais, garantir que independentemente da condição social, da raça e da cor, nós
mulheres, possamos estar cada vez mais efetivas dentro da política, porque querem nos tirar isso,
querem tirar o direito das mulheres participarem nos municípios, nos estados, aqui, na União.
Querem tirar o direito de nós disputarmos ideias políticas aqui neste país. E nós não vamos
permitir, porque nós acreditamos na democracia, nós acreditamos no SUAS e nós acreditamos e
vamos afirmar cada dia e cada minuto nesta Conferência que nós queremos cada vez mais o SUAS
avançando, e nós queremos estar presentes e fortalecer não só o SUAS, como o crescimento desse
país.
Era isso o que eu queria dizer, é isso o que eu deixo de recado. Mas eu queria dizer para vocês:
vamos juntos unir força em cada lugar desse país, com o calor dessa Conferência, para que isso
que aconteceu conosco, que inclusive eu pudesse estar aqui, porque vir de onde eu venho, antes
do SUAS, antes dos 12 anos de gestão deste país, jamais. Para que uma mulher, negra, rural,
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quilombola, filha de pais analfabetos, pudesse estar aqui neste lugar. É por isso que vamos
continuar juntos e é por isso, presidenta, que nós estamos com a senhora. Pode contar conosco
porque a democracia há de reinar eternamente neste país. Muito obrigada.”
Mestre de Cerimônia
“Eu quero começar dirigindo dois cumprimentos especiais aqui: um para o Edivaldo Silva Ramos,
presidente do Conselho e que fez uma fala maravilhosa, e o outro para essa mulher. Essa mulher,
como ela disse, negra, quilombola, rural, cidadã desse país. Queria, então, cumprimentar a Maria
Alves de Souza. Eu cumprimento a Maria e o Edivaldo e, em nome deles, eu abraço cada uma e
cada um dos delegados desta X Conferência. E porque nós estamos no Natal, eu também vou
cumprimentar o Papai Noel ali, que está muito animado. Quero saudar também os ministros que
estão aqui, todos eles sempre determinados, sempre presentes nas lutas, nas políticas, nas
iniciativas, nas ações para garantir que a Assistência Social seja uma política pública, uma política
que seja a porta e a oportunidade para milhões de brasileiros e brasileiras terem acesso às nossas
políticas, como o Bolsa Família, o PAA, o Programa de Aquisição de Alimentos, como o Minha Casa
Minha Vida e tantos outros. Então, cumprimento a Tereza Campello, a nossa querida ministra do
Desenvolvimento Social de Combate à Fome. Cumprimento também o Patrus, ministro do
Desenvolvimento Agrário e também ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. A
nossa Nilma Lino Gomes, ministra das mulheres, da igualdade racial e dos direitos humanos.
Quero cumprimentar duas mulheres, que foram ex-ministras do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome. Cada uma delas deu sua contribuição para a gente chegar aqui, então, a Márcia
Lopes e a minha querida Benedita da Silva, ali sentada, ex-governadora do Rio de Janeiro. As duas
que colocaram tijolos nessa construção que nós estamos vendo aqui. Queria cumprimentar a
senadora Gleisi Hoffmann, ex-ministra Chefe da Casa Civil; os dois deputados federais, em nome
de quem cumprimento todo o parlamento. O Antônio Britto que é presidente da Comissão de
Seguridade e Família, da Câmara dos Deputados. Parabenizo o Antônio Britto pelo trabalho de
aprimoramento da lei do marco regulatório das organizações da Sociedade Civil. O Eduardo
Barbosa, a quem eu quero agradecer o empenho como relator da AMP 684, que revisou a lei do
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marco regulatório das organizações da Sociedade Civil. Isso, gente, significou a descriminalização
das organizações da Sociedade Civil. E cumprimento também a nossa querida deputada federal
Moema Gramacho, Moeminha. Cumprimento também a Ieda Castro, Secretária Nacional de
Assistência Social; cumprimento o Anderson Miranda, representante dos usuários do SUAS. E
cumprimento cada um dos delegados, 1 milhão de pessoas envolvidas, 500 mil delegados. É a eles
que eu me dirijo, cumprimentando cada um de vocês aqui presentes. Cumprimento também os
conselheiros, os senhores jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas.
Queridos delegados e queridas delegadas, primeiro eu tenho de agradecer e, por isso, as minhas
primeiras palavras são de agradecimento aos gestores, aos trabalhadores, a todos aqueles que se
empenharam e que tornaram possível que milhões de brasileiros fossem também usuários das
políticas sociais, as quais nós, ao longo dos últimos 13 anos, construímos no Brasil. Queria dizer
para vocês que se hoje a Assistência Social é reconhecida e praticada como direito, como base de
cidadania e, ao mesmo tempo, como um dever do Estado, vocês, além da legislação, construíram
isso, tornaram isso realidade. Eu sei do esforço que foi construir as políticas sociais neste país.
Primeiro, porque nós não tínhamos experiências em políticas sociais feitas pelo governo, porque
elas eram ou muito pequenas ou pilotos. E não davam conta de atender à população que tinha
que ser atendida, os milhões de brasileiros mantidos à margem das riquezas desse país. Então, eu
sei que este foi um trabalho, um trabalho para o qual vocês se dedicaram, e a gente pode dizer
que vocês dedicaram sangue, suor e lágrimas. Dedicaram o esforço de construir uma tecnologia.
Nós sabemos, e o Edivaldo até falou nisso, que hoje temos tecnologia, a tecnologia é o grande
mecanismo pelo qual as sociedades, os países, as nações avançam. Pois bem, o Brasil tem orgulho
de ter construído uma tecnologia social, uma tecnologia social cuja expressão máxima é o SUAS, é
um sistema, não é uma única política, é um conjunto de políticas, não é uma única unidade, é uma
rede. Não é uma pessoa, mas é o trabalho cooperativo de milhares e milhares de pessoas que
levam à frente essa que eu considero uma das mais estratégicas políticas que o Brasil adotou nos
últimos anos.
Essa X Conferência se dá num dia especial, 07 de dezembro. Hoje faz 22 anos da promulgação da
Lei Orgânica da Assistência Social, mas faz 13 anos também que nós tivemos a competência em
conjunto, de criar de fato os primeiros passos para que este país tivesse uma política social
adequada a seu tamanho e não a vergonha que nós carregávamos, e ainda carregamos em parte,
de sermos um dos países mais desiguais do mundo. Desiguais porque fomos um país que teve
escravidão e que tem que olhar para a questão de a maioria de sua população ser
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afrodescendente, com orgulho, mas não é só orgulho, tem de cuidar para que as pessoas sejam
capazes de ter oportunidades. Daí, eu me orgulho muito, viu Nilma, da lei de cotas, que é uma
política afirmativa. Eu me orgulho pelo fato de a universidade neste país passar a ter as cores e a
cara deste país. Nós estamos também comemorando, portanto, a primeira década de existência
do SUAS. E aí o sujeito dessa comemoração está aqui presente, representando os 500 mil
profissionais que atuam. Mas, sobretudo, os milhões e milhões de brasileiros, os 36 milhões, aliás,
que saíram da pobreza extrema, e os 40 milhões que se elevaram à classe média. Nós somos os
protagonistas desse processo e vocês são os principais agentes dele. Nós não fomos empurrados
para ele, nós não chegamos nele por acaso; escolhemos um caminho, uma política e podem ter
certeza de que essa escolha, ela sempre, mais cedo ou mais tarde, é cobrada. Por isso, hoje nós
somos cobrados muito mais pelos nossos acertos, como o Bolsa Família, como o Minha Casa
Minha Vida e com todas as políticas sociais. Eu até perguntei para a Tereza: ‘Teresa, você já
explicou aqui para o pessoal o que é que eles chamam de pedalada fiscal?’ A Teresa disse que ela
não explicou, mas ficou de voltar aqui e explicar para vocês. Uma parte do que me acusam é de ter
pagado o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. Uma parte do que me acusam é isso. Paguei,
sim. Mas nós pagamos com o dinheiro do povo brasileiro, não foi empréstimo que pagou o Minha
Casa Minha Vida, foi um dinheiro legítimo dos tributos pagos pelo povo desse país.
Nós, desde o início, assumimos compromissos com o povo desse país, nós sempre assumimos esse
compromisso. E mais, nós assumimos um outro compromisso. O compromisso de criar condições
para que as pessoas tivessem oportunidades iguais. Essa luta ainda continua, nós temos muito o
que fazer no quesito oportunidades iguais neste país onde as pessoas são diferentes. Eu estou
vendo aqui uma das coisas bonitas, que é a diversidade do povo do meu país, a imensa
diversidade. Nós valorizamos isso e valorizamos profundamente. Valorizamos mulheres, negros,
ciganos, quilombolas, indígenas. Nós valorizamos os homens, as crianças, a juventude. Eu quero
dizer também das pessoas com deficiências, todas essas pessoas são portadoras de futuro, elas
carregam o futuro desse país. Como é que elas carregam? Se elas tiverem oportunidades iguais. O
Sistema Único de Saúde, o Sistema Único de Assistência Social e toda a estrutura de educação do
nosso país têm que se voltar para garantir que as pessoas tenham direito a acessar serviços
públicos que levem à melhoria da sua condição de vida, a uma trajetória de crescimento e à
superação da sua condição, principalmente, os mais vulneráveis socialmente.
E eu quero dizer para vocês que nós vivemos um tempo muito estranho; é um tempo em que
muitos lutam como vocês, diuturnamente, para que este país seja cada vez mais desenvolvido, aí
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Esta X Conferência faz parte dessa necessária consciência que a gente tem que ter, do que falta
fazer e do que devemos fazer. Nós temos que aprimorar a estrutura pública de prestação de
serviços de Assistência Social; nós temos que fortalecer a gestão compartilhada e a participação da
sociedade civil; nós temos que fazer do Sistema Único de Assistência Social um elemento
fundamental para que possamos desenvolver este país e, sobretudo, reduzir e superar a extrema
desigualdade. Podemos afirmar com orgulho, fazendo um balanço, que muitas coisas nós
superamos e que hoje são realidades. A Assistência Social pública está em 100% dos municípios
deste país. Temos 8 mil Centros de Referência de Assistência Social, pouco mais de 2 mil centros
especializados, e 16 mil entidades de Assistência Social. Isto vocês podem ter certeza, não é só
uma conquista, mas também a garantia que nós não vamos voltar atrás, que nós não vamos
retroceder. E não porque nós do governo vamos lutar, mas porque vocês não vão deixar. E com
isto, nós chegamos a 30 milhões de pessoas atendidas no SUAS. Hoje são 14 milhões de famílias
no Bolsa Família. Vocês se lembram que falavam que o Bolsa Família era o bolsa-esmola? Que o
Bolsa Família tinha só equívocos, porque ele incentivava as pessoas a não trabalhar. A realidade é
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outra, completamente outra. O Programa Bolsa Família talvez seja o exemplo melhor de igualdade
e de oportunidades.
E vou contar uma história que talvez alguns saibam, mas outros não. Existe uma olimpíada, que é a
olimpíada do conhecimento. E nessa olimpíada do conhecimento entram vários países do mundo,
como o Japão, um especialista em tecnologia, um país reino e pátria da tecnologia; o Japão, a
Alemanha, a França, a Suíça, e vários outros países. Nós ficávamos lá atrás, no 5º ou 6º lugar, a
gente não ganhava. Este ano nós ganhamos o primeiro lugar. Mas a melhor história começa agora:
o rapaz que ganhou o primeiro lugar, ganhou uma medalha de ouro e disse que a mãe dele
recebeu durante esse período, desde o Governo Lula até agora, o Bolsa Família. E por isso ele teve
condições de estudar e fazer o ensino técnico profissionalizante. E com isso foi beneficiado com
uma medalha de ouro. Beneficiado? Não. Ele conquistou sua medalha de ouro, mas teve a
oportunidade dada pelo Estado brasileiro.
Eu acredito também que nós fizemos outra coisa muito importante: nosso país não enxergava a
população de rua e os catadores de materiais recicláveis. Assim, enxergá-los, ouvi-los, discutir com
eles, ter uma política comum, entender que eles são sujeitos da sua história, foi algo muito
importante. Eu tenho orgulho dos Centros POP e das unidades de acolhimento em todas as
capitais brasileiras e municípios. Queria aproveitar e dizer aqui que nós temos uma grande luta
pela frente, que vocês serão essenciais, porque essa luta tem como exército milhões de
brasileiros. É a luta contra o Zika vírus. Nós não temos ainda a completa garantia de que o Zika
vírus é o responsável pelo enorme surto de microcefalia. Então, o que eu peço a vocês? Peço que
participem das campanhas de conscientização das pessoas, orientando que não se deve deixar
água parada em nenhum local, porque aumenta a contaminação, porque ali o mosquito põe seus
ovos, e é assim que se espalha a doença. Eu conto com vocês para a gente enfrentar este
problema de saúde pública.
Vocês sabem mais do que eu que sem o SUAS nós não teríamos o Bolsa Família como ele é hoje;
sem o SUAS nós não teríamos construído o Brasil Sem Miséria, sem o SUAS certamente nós não
teríamos saído do mapa da fome. E nós saímos, construímos e fizemos, e tem muito mais para ser
feito. Por isso eu quero encerrar dizendo o seguinte: vocês são muito bem-vindos a esta X
Conferência Nacional de Assistência Social. No que se refere ao governo, vocês são muito bem-
vindos para dar todas as opiniões, fazer todas as críticas, propor todas as ações que julgarem
necessárias. Eu vou lutar contra o processo de interrupção do meu mandato. Nós, em conjunto,
vamos lutar para que essa política social, que o Brasil iniciou e deu continuidade, avance e seja
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mais forte. Eu desejo a todos os participantes desta X Conferência Nacional muito trabalho, muita
opinião, muita sugestão, e quero dizer que nós estamos inteiramente abertos a receber essa
grande contribuição de vocês. Sejam bem-vindos para dar a contribuição que o Brasil precisa.
Muito obrigada.”
Mestre de Cerimônia
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Convidados:
Formado em jornalismo, com mestrado em ciência política, foi ministro da Secretaria de Direitos
Humanos de 2005 a 2011 durante o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Atualmente é diretor do Instituto Lula e responsável pelo Projeto do Memorial da Democracia;
compõe a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos
[OEA] e é um intenso militante histórico da luta pelos direitos humanos.
Para isto eu comecei a minha preparação procurando o significado das palavras – o que é
dignidade e o que é justiça. Eu lembrei que dignidade é uma palavra que eu aprendi a dizer ainda
em latim quando eu tinha 10 anos de idade, porque eu era coroinha do tempo em que a missa
ainda era em latim e aprendia aquelas coisas como Domine Non Sum Dignus…, isto é, ‘Senhor eu
não sou digno’. Então dignidade é uma palavra que eu usei sem saber o que queria dizer. ‘Justiça’
eu também menino começava a falar que era preciso lutar por paz e justiça social. Quando a gente
vai buscar o significado, a origem da palavra, ou pela etimologia, ou pela semântica, vemos que as
duas palavras são conceitos-chave, portanto, não é como a palavra ‘salário’ que você vai pesquisar
e descobre que vem de sal, porque lá atrás se pagava o trabalho em sal. Quando você começa a
procurar ‘digno’, ‘dignidade’ no Google, você vai ver muito Kant, Tomás de Aquino, Santo
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Agostinho. Eu procurava mais Hannah Arendt, que é um dos temas que eu aprofundei no meu
mestrado em ciência política quando fui estudar democracia, liberalismo e socialismo. Reparei que
o conceito de dignidade é muito vinculado à ideia de ‘a pessoa que tem importância’, a pessoa que
merece ser respeitada, aquilo que é imanente, inerente, intrínseco. Hannah Arendt, que é
conhecida também por discutir um tema absolutamente central do seu trabalho hoje a partir da
dignidade humana, discute a dignidade da política. No momento temos uma campanha de
regressão medieval e de ódio que está em curso no Brasil, que começa a atacar a dignidade da
política. A política está sendo tratada como coisa suja, a política é vista como algo que foi feito
para atrapalhar a vida das empresas privadas. E Hannah Arendt diz que fora da política só existe a
selva, a guerra de todos contra todos, ou a empresa privada, a empresa que contratará
individualmente cada um de nós para trabalhar para ela e demitirá no momento que quiser.
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este o maior achado de Hannah Arendt e, infelizmente, não é tão reconhecido nas centenas de
livros que são escritos sobre ela, quando ela diz que o artigo primeiro quer dizer o seguinte:
‘Saindo da guerra a pretensa comunidade das nações, a ONU recém-fundada se reúne e ousa
estabelecer como o artigo primeiro do que será o programa maior da ONU: que livres e iguais em
dignidade e direitos nascem todos os seres humanos’. Ela quer dizer: é um programa, e é um
programa político. Nós decidimos aqui que todos os seres humanos devem existir, nascem e
devem ser considerados livres e iguais em dignidade e direitos. E assim se desdobra o processo de
construção que a gente sabe.
Outra peça-chave dos direitos humanos é o que Norberto Bobbio vai dizer: ‘Se você quiser ter um
panorama mundial dos direitos humanos’ – e eu falei isso para o Lula no dia que tomei posse em
21 de abril de 2005 no meu posto de ministro –, ‘se você quer ter um panorama dos direitos
humanos no mundo inteiro, tem um exercício muito simples: leia a declaração, é quase uma peça
poética, do trabalho escravo, tortura, a pobreza, exige o direito, o devido processo, ninguém vai
poder ser julgado e condenado sem provas’. Tudo isso e depois dê uma olhada no mundo a sua
volta. Aqui no Brasil ocorre a mesma coisa: o avanço e a afirmação que fazemos e olhamos o que
está acontecendo; quando as pessoas perderam há mais de cinco ou dez anos o elemento mais
central da vida democrática, que é: eu me constituo no outro, eu só existo na relação com meu
semelhante, concordando, discordando... a chamada alteridade. E alteridade não é gostar de uma
pessoa porque ela pensa igual a mim, porque, se for isso, não é gostar, é um exercício narcisista.
Alteridade é aprender a pensar a dignidade das pessoas na diferença, respeitar e proclamar a
diversidade. A maravilha de ter um país com pessoas de cores tão diferentes, com gostos, gestos,
perspectivas, com possibilidades e a partir disso construir…
Toda a declaração dos direitos humanos é assentada no tripé liberdade, igualdade, fraternidade da
Revolução Francesa de 1789. Vamos deixar de lado a fraternidade, porque até no Gênesis, na
Bíblia, uma das origens do mundo, uma das cosmogonias possíveis, vocês sabem o que aconteceu
com os dois primeiros irmãos Caim e Abel. Então vamos atualizar esse conceito para tirar o laço de
sangue e vamos utilizar solidariedade, liberdade, igualdade. Solidariedade é a capacidade humana,
e só humana, de cada um de nós poder entender como se acontecesse com a gente mesmo
qualquer preconceito, discriminação, descaso, violência, opressão, exploração, o que seja. E vocês
são trabalhadoras e trabalhadores, são militantes da solidariedade. Toda a ação política de vocês
com seu prefeito, com o governador, a entidade, a sociedade, a igreja é uma ação política de
construção dessa capacidade humana da solidariedade.
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A liberdade e igualdade vocês sabem o que é liberdade. Conceito difícil, a liberdade será para
Cecília Meireles ‘essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e
ninguém que não a entenda’.
A igualdade é o tema bobbiano que lembra que nos direitos humanos consolidou uma separação
entre dois ramos, alguns falam duas gerações, a primeira dos direitos civis e políticos, quer dizer
direitos fundamentais de crença, expressão, manifestação, organização e do devido processo. Mas
se a igualdade nesses quase 70 anos ficasse abafada no segundo plano, como se houvesse um
predomínio da visão capitalista de que ‘o importante é ter liberdade, e as pessoas vão procurar as
suas oportunidades’. Não, para que haja liberdade é preciso que haja igualdade no ponto de
partida, senão não é liberdade. Não há liberdade possível se eu não assegurar as condições básicas
de igualdade que vocês buscam construir com o seu trabalho. Bobbio diz que a equidade que nós
assim chamamos: ‘equidade, ou justiça do caso concreto, é fazer o que vocês fazem, tratar
desigualmente os desiguais e produzir a igualdade’.
É por isso que há um ódio contra as políticas de cotas, é por isso que querem acabar com
programas como Bolsa Família; querem condenar a presidenta por pedaladas fiscais que todos os
presidentes cometeram, porque queriam ver paralisados os programas sociais. Nesse contexto
histórico, o trabalho que vocês fazem na base é um trabalho de afirmação dessa igualdade, justiça
e liberdade na construção de um processo de solidariedade.
Eu termino com meu tempo para dizer também que, nesse sentido, o meu trabalho na OEA hoje,
na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que tem sua sede em Washington e nós temos
lá sete semanas de sessão por ano – eu sou o responsável exatamente pelo tema dos direitos
econômicos, sociais e culturais – é começar a trabalhar lá dentro que os direitos de liberdade são
importantíssimos, mas não se pode falar em igualdade onde a liberdade é focada. Em Viena, em
1993, a maior Conferência das Nações Unidas já ocorrida sobre o tema proclamou a
indivisibilidade entre essas questões. É uma condenação absoluta aos experimentos socialistas
que diziam: aqui não existe liberdade, mas nós garantimos igualdade. Onde não existe liberdade
essa igualdade nunca se implanta. Sempre vai haver uma camarilha. Na Rússia é a burguesia atual,
que veio do comitê central do partido comunista, de um sistema igualmente ditatorial. A
indivisibilidade quer dizer: não venha também o discurso cínico, neoliberal do capitalismo, de que
o fundamental é valorizar a liberdade. Que liberdade tem uma criança que não pode entrar em um
shopping? Quando não é barrada pela segurança na porta – pelas suas roupas – ela vai ficar na
vitrine vendo a boneca, a Barbie, o seu objeto de desejo, mas não tem dinheiro para comprar.
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Então, nessa construção de igualdade e liberdade eu termino a minha fala e quero ouvir muito e
aprender com os comentários. E dizer que vocês não têm que ter depressão, desânimo, perante
esse movimento difícil em que uma pessoa volta sua vida inteira para estar com os mais pobres
nessa busca de justiça social. Passa a ser quase que um estigma, são pessoas que ficam aí
trabalhando com gente que nunca devia ter entrado em um aeroporto, que invadiram as nossas
praias. Eu ouvi isso em Salvador de amigos meus, branquelos, se lamentando há trinta anos das
primeiras avenidas que permitiram a chegada daquele povo mais pobre às nossas praias. As
“nossas praias” é o que se dizia. A mesma coisa se ouviu no Rio de Janeiro, quando o Brizola cria
canais para trazer para Copacabana, para Ipanema e para o Leblon esse direito.
Então não é hora de esmorecer, não é hora de vacilar, não é hora de depressão, é hora de
reerguer mais alto do que nunca esses sagrados ideais de justiça social, dignidade humana,
liberdade, igualdade, solidariedade. Muito obrigado.”
Graduado em serviço social pela Universidade Federal da Paraíba, tem mestrado em planejamento
do desenvolvimento pela Universidade Federal do Pará e doutorado em ciência política pelo
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Atualmente é professor da Faculdade de
Serviço Social e do mestrado em Serviço Social, ambos do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas.
“Quero dizer da minha alegria em participar desse momento histórico, porque essa conferência,
pelos objetivos que a mobilizaram, é uma conferência altamente significante para a sociedade
brasileira. Projetar a Política de Assistência Social pela segunda vez para dez anos significa
estruturar uma política pública com horizontes para cumprir os ideais que a congregam. Mas essa
conferência é também muito importante pela circunstância histórica em que ocorre. Não haverá o
SUAS que queremos com a ruptura da ordem democrática. O SUAS que queremos é produto de
um projeto político, democrático, comprometido com a redução das desigualdades sociais no
nosso país; portanto, o SUAS que queremos não se limita às deliberações desse magnífico
auditório. Tem a ver com a nossa inserção na luta política em defesa da institucionalidade
democrática e sobretudo em defesa do respeito da vontade popular.
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sociedade que nós desejamos e pretendemos construir. O Brasil nascido das lutas contra o arbítrio
da ditadura se insinua como a sociedade orientada por valores democráticos, cabendo destaque à
afirmação inquestionável da busca para construir uma sociedade livre, justa e solidária. A
seguridade social tem abrigo nesse compromisso. O nosso desafio no presente, portanto, já não é
mais de ordem legal, de aprovar as leis. Pelo conteúdo ético que representa, nosso desafio é de
natureza política, e estamos instigados a construir uma sociedade socialmente justa, que
reconheça o ser humano como seu bem mais precioso. Respeitar a dignidade humana, entre
outros compromissos, significa reconhecer a igualdade como parâmetro das relações humanas,
repudiando-se toda forma de discriminação negativa e toda sorte de privilégios, respeitando a
independência e a autonomia do ser humano e, por decorrência, posicionando-se contrário às
práticas clientelistas e tuteladoras que estão no berço do assistencialismo. Significa repúdio a toda
forma de violação de direitos e, dessa forma, a defesa de uma sociedade amplamente inclusiva e
corajosa na superação dos fatores que envergonham, constrangem e humilham pessoas.
Estamos numa conferência, no momento de debate em que uma questão é inescapável. Nós
precisamos nos perguntar e tentar responder: ‘que contribuições a Assistência Social pode
oferecer para a construção de um país que tenha, como fundamento e como prática, a justiça
social e o respeito à dignidade humana? O que nos cabe neste desafio? O que nos cabe neste
processo?’ Correndo o risco de ser ingênuo ou até mesmo atrevido, quero apontar aqui algumas
indicações e algumas reflexões.
A primeira é que a Assistência Social, que integra a seguridade social, precisa adquirir o estatuto
de uma política com capacidade resolutiva. Precisa se afirmar como uma política que expande a
seguridade social em significância, em serviços, em conteúdos e também em destinatários. A
Assistência Social tem a sua ontologia histórica, sua essência, que não está fora da construção
humana. Portanto, é um equívoco supor que à Assistência Social cabe apenas um horizonte das
práticas pequenas, da atenção do imediato como durante muito tempo vigorou entre nós. A
Assistência Social expande a seguridade social, dando luz e lugar às demandas que não estão
diretamente contempladas na relação capital-trabalho, aí nascida no horizonte das relações
formais de trabalho. O trabalhador existe; o ser humano também. Esse debate exige espírito
aberto, análise dialética, horizonte ético e político expandido. Vejamos alguns limites que, no meu
entendimento, precisam ser superados com urgência: os programas de distribuição de renda, no
que concerne aos critérios de acesso, supervalorizam o critério de renda e minimizam as
circunstâncias sociais que desencadeiam as desproteções. Precisamos assumir esse debate. Nós
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estamos invertendo a lógica do princípio da LOAS – nós devemos zelar pela supremacia dos
interesses sociais em detrimento dos interesses econômicos. Na prática, nós estamos
supervalorizando os critérios econômicos e sabemos disso: porque há um debate que diz ‘não há
dinheiro para as demandas sociais’. As petições que são judicializadas em relação ao Benefício de
Prestação Continuada, por exemplo, na grande maioria dão ‘ganho de causa’ para o requerente,
revelando o limite do critério de renda e também a sua injustiça. Precisamos ir adiante nessa
discussão.
Outro programa que também é afetado pela lógica da renda é o Programa Bolsa Família.
Estratégico sobretudo quando alcança as populações mais pobres, esse programa no meu
entendimento, padece de dois problemas que precisam de solução. Primeiro, os valores são muito
baixos e é preciso corrigir. É preciso ter ousadia e acabar com essa ideia de que para os pobres não
podem ser distribuídos valores maiores. Todos os preconceitos contra o Bolsa Família estão sendo
historicamente anulados: nem cresceu o número de filhos, nem estimulou o parasitismo, mas o
mercado informal existe, e as condições são desumanas, portanto, esse programa tem
contribuições a oferecer.
Outro problema é que os recursos do trabalho social com as famílias são insignificantes. Tem-se a
distribuição de renda, mas não existem nem recursos, nem meios para que essas pessoas e
famílias possam construir projetos alternativos de vida, porque são problemas complexos que
exigem soluções e resoluções complexas. Não dá para encaminhar como nós estamos
acostumados a fazer. Os programas de distribuição de renda efetuados no escopo da política de
assistência social são devedores de seguranças sociais já tipificadas e reconhecidas como direitos.
Não investir recursos regulares e adequados para assegurar as aquisições corresponde a declinar
da perspectiva emancipacionista que a assistência social tem, e abdicar do seu compromisso com
a justiça e com a dignidade humana. Em síntese, submeter o complexo e difícil trabalho dessas
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Uma sugestão que eu considero ousada: entendo que os trabalhadores que estão no mercado
informal de trabalho, que são beneficiários do Bolsa Família, assim como os jovens beneficiários
do BPC com mais de 16 anos, deveriam ser inscritos no sistema de previdência social como
contribuintes isentos, para assegurar, quando do ingresso no mercado de trabalho, todos os
benefícios de inscrição conquistados pelos trabalhadores. Os benefícios são muito limitados, e nós
precisamos dar à seguridade social uma dimensão mais universalizadora. Já não cabe mais o
recorrente argumento de falta de recursos; os escândalos de corrupção que só conseguiram vir à
luz no governo democrático revelam que dinheiro há, e há muito, porém proliferando nos abjetos
subterrâneos da corrupção. As elites já não têm nem autoridade moral nem argumento político
para dizer que falta dinheiro; elas precisam assumir sua indiferença com a pobreza e o seu
desprezo pelo interesse público.
Uma palavra final: estamos desafiados a corrigir as injustiças sociais e construir uma sociedade
livre, justa e solidária. Voltemos ao filósofo Kant: “Cada coisa tem seu valor; ser humano, porém,
tem dignidade”.
Eurico de Andrade – São João Batista (SC) – Usuário do grupo de idosos. Relata que era
beneficiário do Programa Bolsa Família, não tinha renda nenhuma e não entende porque foi
excluído. Sua esposa é beneficiária do BPC. Ele afirma que ao completar 65 anos se inscreveu para
receber o benefício e lhe foi negado. Precisou recorrer judicialmente para ter acesso, o que
conseguiu. Acrescenta que seu município tem 32 mil habitantes, e que teve um crescimento muito
rápido por causa da migração de trabalhadores para a produção de calçados, e que o município
precisa de mais viaturas para o CRAS e Conselho Tutelar para “atingir mais famílias, para que
venham a receber os seus direitos e estar aptos para divulgar que o cidadão tem valor na
sociedade e pertence à sociedade onde exista a justiça”.
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Jorge Luz – São Francisco de Itabapoana (RJ) – Presidente da associação de moradores da praia de
Santa Clara e também vice-presidente do Conselho de Assistência Social de São Francisco de
Itabapoana, comparou o Bolsa Família a uma “bolsa de fome”, na medida em que “não dá nem
para fazer uma cesta básica durante o mês”, além de apontar que há pessoas que não têm
necessidade de receber Bolsa Família e estão recebendo através de políticos.
Rafael Kelvin Dias (Nordeste) – Afirma que em Brasília não há liberdade para a comunidade LGBT
e comunidade de terreiros. “Quantos terreiros aqui em Brasília foram queimados, foram
apedrejados? Quantos LGBTs aqui em Brasília foram mortos por homofóbicos?” Não vê a presença
da assistência social e do governo nesta hora. Parabeniza o governo da Bahia que assinou um
decreto que faz com que a comunidade de terreiro tenha os mesmos direitos que a comunidade
de uma igreja evangélica ou católica. Parabeniza o governo de São Paulo, que assinou um decreto
no qual um ato homofóbico leva uma multa de R$ 60 mil reais. Sente-se indignado por não ter
esses direitos em Brasília. Faz parte da comunidade LGBT e da comunidade de terreiro também. É
casado no papel e isso considera que é uma conquista depois de muita luta. Questiona se a
comunidade LGBT não têm o direito de ter família e o direito de adotar uma criança, se não seriam
dignos de ser pais, de construir uma família, de educar uma criança só por serem gays. Questiona
ainda os direitos da comunidade trans, de usar a identidade com seu nome de mulher. Cita o
episódio de uma amiga trans que na conferência anterior não pode colocar no crachá seu nome
social e sentiu-se constrangida.
Clécio – São Vicente (RN) – Repudia a situação da assistência social em seu município, que estaria
sendo maquiada. Considera que a presidente muitas vezes leva a culpa, mas que quando chega lá
no município as coisas são desviadas. Aponta que as casas dos programas de moradia estão sendo
trocadas por carro, e as pessoas de baixa renda continuam sem casa. Ocupou uma casa da Caixa
Econômica Federal porque estava inscrito há mais de seis anos e não era chamado, quando
pessoas com um mês na cidade já estavam morando. É usuário do CRAS e do CREAS de seu
município. Faz parte da luta antimanicomial, Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRAS) e
frequenta o CAPS de Currais Novos. Finaliza elogiando a assistente social Paula Erika, que o atende
no CAPS.
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Rafael Machado – Alagoas – Faz críticas ao seu estado porque considera que os direitos dos
usuários não são respeitados. Refere-se à política nacional para a população de rua, prevista no
decreto 7.053 de 23 de dezembro de 2009. Foi usuário dessa política há oito anos e agora é um
militante. É líder do movimento da população em situação de rua de Maceió e funcionário do
SUAS por suas lutas e conquistas. Era usuário de drogas e considera que deve sua saída desta
condição, primeiramente a Deus e ao apoio da Assistência Social. Afirma que para 2026 precisam
ser melhoradas muitas coisas, principalmente, a hospedagem e a alimentação que considera não
serem de qualidade.
Afirma que não está pedindo, mas cobrando o que é seu por direito. Chama todos os usuários a
unir forças para fazer valer a pena a conferência de 2015. Aponta ainda a necessidade de
comprometimento de seu estado com os municípios. Cita a situação de Maceió, que tem uma casa
de passagem que acolhe 50 usuários e este número é insuficiente para o município. Finaliza
parabenizando as assistentes sociais e desejando “dignidade de trabalho para todos”.
JUVENIL – Minas Gerais – Compara o valor recebido por um beneficiário do Bolsa Família com o
recebido por um deputado. Questiona essa diferença e aponta que, com o valor do salário-
mínimo, “como queremos ter um país justo?” Considera que “tem que focar no direito e não é
direito ganhar 30 mil reais quando o salário mínimo é R$ 788,00.”
CLÓVIS PEREIRA – São Paulo – Parabeniza Paulo Vannuchi pela troca do termo “fraternidade” por
“solidariedade”. Questiona até que ponto a democracia, que é tão cara para todos os presentes,
tem braços tão longos a ponto de não atingir as pessoas com deficiência? A falta de acessibilidade,
tanto física quanto em relação às informações, lazer, cultura, educação e trabalho, que são temas
também inerentes à dignidade humana, coloca em xeque a democracia, no seu entender.
Questiona também se os conselheiros municipais, estaduais, distritais e nacionais estão de fato
conseguindo dar conta da demanda da pessoa com deficiência. Finalizou afirmando que “é preciso
dentro do eixo dignidade termos um olhar atento, não só para com a pessoa com deficiência, mas
também para com sua família, sua comunidade, com o professor que muitas vezes não sabe como
receber essa pessoa na sala de aula”.
Keila Pinto Rodrigues – Parintins (AM) – Considera que a assistência social não tem braços tão
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Edineuza Oliveira – Rio de Janeiro – “Dignidade é aquele olhar e o reconhecimento de que existe
o outro, que você não está sozinho e que vive em sociedade”. Considera que os trabalhadores têm
que falar de dignidade e pensar sua dignidade em termos de salários e condições de trabalho.
Refere-se ao depoimento de uma usuária no dia anterior que trouxe confiança nos trabalhadores,
uma vez que falou como cidadã. “Aquela mulher negra que a gente ouviu foi um dos discursos
mais brilhantes que eu ouvi e ela encheu minha vida de esperança; e aponta que é possível a
gente caminhar e ter responsabilidades.”
Francisvaldo Rocha – Piauí – Considera que “a maior deficiência não é a pessoa com deficiência; a
maior deficiência é aquele que acha que não têm deficiência e discrimina as pessoas com
deficiência”. Considera que a assistência social não está funcionando integralmente no interior,
que há secretarias praticamente abandonadas e que as assistentes sociais ganham muito pouco e
não estão sendo valorizadas. Afirma, em relação ao seguro defeso, que há estados que não tem
pesca e tem pessoas recebendo e ninguém fala nisso porque tem vergonha ou medo de morrer.
“Estão recebendo dinheiro que é meu, que é nosso, não é de governo, não, o dinheiro é do povo e
muitas pessoas não têm coragem de falar isso.” Defende ainda que as pessoas com deficiência e
os idosos que recebem BPC tenham direito ao 13º salário, “que possa se transformar em uma
aposentadoria digna para que eles tenham o direito de sobreviver mais dignamente”.
Cristiano Miguel – Alagoas – Enfatiza o fato de ser deficiente visual e que “as oportunidades eram
nulas e eu persisti; hoje estou em uma conferência nacional lutando pelos direitos do meu
segmento, os direitos que existem, as leis estão aí só que não estão sendo cumpridas”. Considera
que as propostas que sejam aprovadas devem englobar todos os segmentos: “pessoas com
deficiência, moradores de ruas, idosos e outros”. Questiona como se pode falar em dignidade e
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acessibilidade na conferência, se nem tudo no evento era acessível – nem todos os materiais
foram entregues em braile desde o início, e um dos hotéis não era totalmente acessível para os
cadeirantes e tiveram que mudar. Como exigir dos municípios e dos estados se nem a nacional
cumpre? Acrescenta, enquanto profissional assistente social que é, que os trabalhadores precisam
ser mais valorizados, incluindo melhores salários. Chama a todos para “lutar pela nossa dignidade
para que nós profissionais também não venhamos necessitar futuramente de programas
socioassistenciais”.
Bianca Fick – Campinas (SP) – É usuária do Centro POP e gostaria de ser tratada com dignidade,
não ficar dependendo só do Bolsa Família ou mesmo de passes para ir até o serviço. Gostaria de
ser incluída também em um emprego para não depender mais dos benefícios. “Gostaríamos ao
menos de ter a oportunidade de dar o primeiro passo como cidadão, como vocês.”
Aparecido Oliveira – Porto Seguro (BA) – Educador Social. Afirma que, em relação à dignidade
humana, a mudança da qualidade de vida decorre de suas atitudes. Considera que é necessário
mais coragem, determinação, fiscalização e engajamento dos trabalhadores do SUAS. Questiona
se quem comanda a política, “ao menos em nível municipal, está realmente imbuído em defender
aqueles que mais necessitam?” Aponta o primeiro-damismo como uma questão ainda não
resolvida.
Wagner Santana – São Paulo – Considera importante, para a discussão da dignidade humana e
justiça social, que sejam abordados os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, sob
responsabilidade da ONU, e dos quais o Brasil é signatário. Refere o primeiro objetivo que trabalha
a erradicação da extrema pobreza e da fome, cuja quantidade está sendo alcançada, mas que até
2030 deve ser erradicada totalmente no território nacional. Considera ainda que para atingir a
justiça social é preciso pensar nos trabalhadores do SUAS, em especial os assistentes sociais e,
neste sentido, defende que o Congresso Nacional aprove o projeto de lei do piso salarial para a
categoria.
Adelina Francisca De Souza – São Sebastião (DF) – É usuária do CRAS e atua no “método saber”.
Afirma que as quatro profissionais envolvidas estão sem receber há quatro meses. Reclama da
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repressão policial em relação aos vendedores informais, sem registro, enquanto não atua em
relação aos ladrões. Afirma que o CRAS tem pessoas boas e outras que não se interessam. Relata
sua experiência de vida – e aos 75 anos trabalha com dignidade: “Eu sou mulher da verdade, criei
nove filhos, adotei mais um, foram dez, já criei cinco netos e peço a Deus forças para me dar,
prolongar a minha vida mais para frente para me deixar criar mais. Ainda tem mais coisas”.
Convidados:
Possui graduação em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
concluída em 1976, mestrado em Educação também pela PUC (1995) e doutorado em Educação
pela PUC (1999). É presidente honorário do Conselho de Educação Popular da América Latina. Tem
experiência na área de educação, com ênfase na área de educação popular, atuando em temas
como educação para a cidadania, políticas públicas, gestão democrática e participação social.
“Bom dia a todos e todas. Queria dizer da minha honra e emoção de estar aqui com vocês nessa X
Conferência Nacional de Assistência Social. Em primeiro lugar, aqui como educador popular, na
minha trajetória sempre tive na Assistência Social e no trabalho que vocês desenvolvem um
alimento fundamental para o trabalho da educação popular. Em segundo lugar, de poder estar
nesse momento tão importante de avaliação de 10 anos do SUAS e de projeção de um futuro para
2026, para consolidar o SUAS de vez. Aqui me cabe falar um pouco a respeito dos fundamentos da
participação social na ideia de um pacto federativo. E eu começaria falando sobre como é
importante pensar no conjunto da política de assistência social, mas isso a minha companheira de
grande jornada, a professora Raquel, vai falar. É preciso pensar um novo pacto federativo pela
participação social. Começo afirmando que em primeiro lugar é fundamental o reconhecimento da
participação social como direito, como direito humano e como direito constitucional. E temos já
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Então, se nós queremos pensar em uma democracia de verdade, tem que associar essas duas
dimensões e tem que incorporar fortemente a democracia participativa como seu elemento
constitutivo. Quando construímos a política nacional de participação social – sobretudo nos doze
últimos anos em que se ampliou muito no âmbito do Governo Federal –, estabelecemos e nos
referimos a algumas diretrizes que são fundamentais para podermos chegar àquilo que considero
elemento efetivo para o pacto federativo: a criação de um sistema nacional de participação social.
Mas falando desse princípio da política, quero destacar alguns deles: primeiro, a necessidade de
que uma política nacional de participação social promova e concretize essa ideia da participação
social como direito humano e como direito constitucional; segundo, que ela promova o que
chamamos de uma cultura da participação social; terceiro, que ela possa fortalecer e aperfeiçoar a
participação social como método de governo, ou seja, que em todas as ações, que em todas as
práticas do governo a participação social seja um ingrediente essencial da acumulação das
políticas; quarto, que ela possa promover a participação social na formulação, implementação,
monitoramento e avaliação das políticas. E aqui fica uma pergunta para vocês também
debaterem: até que ponto a participação social que vem sendo desenvolvida no SUAS tem
conseguido promover a participação em todas essas bases que compõem o ciclo das políticas
públicas, ou seja, na formulação, implementação, monitoramento e avaliação? A participação
social deve também consolidar a relação com a sociedade civil, promovendo e apoiando as suas
iniciativas, contribuindo para o fortalecimento da sua autonomia, e ao mesmo tempo
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Considero, assim, que devemos trabalhar com essa ideia de um novo pacto federativo pela
participação social, que é a constituição de um sistema nacional de participação social ancorado
nessas diretrizes às quais eu me referi. Esse sistema nacional de participação social, para que seja
vivo e promova sinergia entre as três esferas de governo, deve ter algumas características: não
pode ser simplesmente um sistema hierarquizado; não deve ter uma hierarquia; deve ser um
sistema flexível, aberto a mudanças e inovações; deve ser um sistema sustentável, ou seja, que
nas três esferas de governo haja efetivamente empenho, políticas e recursos para que a
participação social possa se desenvolver; e deve promover a articulação dos movimentos de
participação já existentes, dos instrumentos de participação existentes com as novas linguagens
de participação social – falo, em especial, com a linguagem das redes sociais, com a linguagem da
participação digital.
Em que medida temos conseguido associar essas duas formas de participação social: a
participação que se dá em nível presencial, dos canais e instrumentos já existentes, com a
linguagem que vem se consolidando enquanto linguagem de mobilização social, que é a linguagem
das redes sociais, da participação digital? Esse sistema nacional de participação social, portanto,
deve ter algumas diretrizes: uma delas é justamente fortalecer nas três esferas de governo a ideia
de participação social como método de governo, devendo promover o aperfeiçoamento dos
instrumentos de participação já existentes.
Precisamos repensar a questão dos conselhos, das conferências, das ouvidorias, criar novos
instrumentos de participação, novas formas de participação e promover, principalmente, muito
fortemente a articulação e a interdependência entre esses vários instrumentos, tanto os já
existentes, quanto os que se criam. E deve-se promover a ampliação das formas de participação,
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incorporando aquele cidadão que ainda não está presente em nenhum desses mecanismos e
instrumentos de participação social. Para que isso seja possível é preciso estabelecer a construção
de um novo pacto federativo, um verdadeiro pacto nacional pela participação social. Um
compromisso nacional para a participação social deve estabelecer um pacto pela democracia
participativa nas três esferas de governo, consolidar todos os avanços já existentes e promover
novas formas de participação social para que a participação social seja efetivamente um método
de governo. Precisamos investir muito no tema da formação, na formação de gestores e lideranças
da sociedade civil.
Por fim, uma última palavra, é preciso pensar na participação social como algo que se consolida
passo a passo em um método de governo, mas sobretudo em uma política de Estado; e aqui fica
também um recado em relação ao momento que nós estamos vivendo – só é possível termos a
participação social como método de governo e como política de Estado no âmbito de um estado
democrático, que não aceita rupturas institucionais, que não aceita a violação de mandatos
legitimamente constituídos. Muito obrigado.”
Possui graduação, mestrado e doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP) e pós-doutorado pela Universidade Autônoma de Barcelona/UAB (2012-
2013). É professora-assistente doutora da PUC-SP. Foi vice-reitora acadêmica da PUC-SP (2000-
2004) e coordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social (2009-2011;
2011-2013). Atualmente é coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Trabalho e Profissão
do Programa de Estudos Pós-Graduados (PEPG) em Serviço Social da PUC-SP, cadastrado no
diretório do CNPQ. Pesquisadora da Coordenadoria de Estudos e Desenvolvimento de Projetos
Especiais (CEDEPE-PUC-SP) e bolsista produtividade do CNPQ, com produção nas áreas de
fundamentos do Serviço Social, trabalho, política social, gestão pública, política de assistência
social, SUAS, democratização e controle social. Autora de livros, capítulos, verbetes e artigos
publicados em revistas especializadas de serviço social e ciências sociais no país e no exterior.
“Bom dia a todos e a todas, delegados, delegadas presentes nesta X Conferência Nacional de
Assistência Social. Cumprimento o CNAS por essa organização, o MDS e agradeço o convite, a
honra e a grande responsabilidade de estar aqui neste momento para compartilhar com vocês o
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debate, a discussão de um tema tão importante quanto esse da participação e do controle social.
Este é um momento privilegiado, pois as conferências representam espaços privilegiados de
participação, de democratização e de deliberação sobre os rumos da Política de Assistência Social
em nosso país, que tem a atribuição de avaliar o seu desempenho, de conferir o desempenho da
política nos três níveis e propor diretrizes para seu aperfeiçoamento. Mais ainda, porque neste
momento em que estamos realizando o balanço dos dez anos do SUAS e programando,
prospectando o Sistema Único para mais dez anos. Portanto, para debater o tema proposto da
participação e do controle social temos que começar discutindo este próprio espaço em que
estamos, o que implica garantir voz e voto aos distintos segmentos sociais aqui representados
para que possam se expressar, decidir sobre diretrizes e prioridades, produzir impacto nas
agendas governamentais e na vida, especialmente dos usuários, de suas famílias, e da população
em geral.
Como o Pedro acabou de colocar, conferências e conselhos fazem parte de um sistema nacional
de participação que foi definido, no caso da Assistência Social desde a LOAS, desde 1993, e ali já
tinha um sentido que procurava inverter a ideia de controle social, que no capitalismo
historicamente se faz do Estado sobre a sociedade. Então, desde a Constituição Federal, desde a
LOAS, um princípio, um conceito fundamental é a revisão da própria ideia de controle social,
invertendo a direção desse controle, fazendo com que a sociedade, os grupos organizados,
coletivamente possam controlar as ações do Estado, fiscalizar, acompanhar as políticas públicas de
maneira geral.
O tema proposto para essa conferência tem uma importância estratégica, pois vários
conferencistas desde ontem estão colocando esta questão – passados exatamente dez anos de
implantação do SUAS, temos que nos perguntar: o que conseguimos avançar? O que
conquistamos? Quais são os desafios que permanecem? Como faremos para enfrentá-los?
Principalmente diante de uma conjuntura política complexa de implantação de medidas de ajuste
econômico que ameaçam as conquistas sociais da última década, que cortam direitos históricos e
penalizam a classe trabalhadora, especialmente as camadas mais vulnerabilizadas, temos que nos
unir na luta para impedir retrocessos no SUAS e na seguridade social, inclusive lutando por uma
seguridade social mais ampla do que essa definida na Constituição Federal, e isso só se consegue
com muita participação e controle social no sentido em que estão sendo colocados. Esse me
parece um dos maiores desafios do SUAS – fortalecimento da participação e do controle
democrático de sua gestão.
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As práticas de participação e controle social que foram definidas pela Constituição Federal de 88 e
amplamente incorporadas pelas políticas sociais, inclusive pela Assistência Social desde a década
de 90, trouxeram avanços inegáveis na gestão pública, na constituição da política de assistência
social como política pública, mas não significa que deixaremos de reconhecer os limites e o caráter
restrito da efetiva partilha de poder entre governos e sociedade civil. É tarefa dessa conferência
de assistência social problematizar as resistências, as tensões que se colocam nas relações entre
governo e sociedade civil e também em cada uma dessas instâncias, entendendo que essas
tensões são parte da disputa política que se trava hoje em uma difícil correlação de forças para
trabalhadores e para o campo popular.
Embora desde a Constituição Federal muitas práticas participativas tenham sido colocadas em
funcionamento, como, por exemplo, os fóruns, as plenárias populares, as audiências públicas no
processo de construção, priorizamos a participação nos conselhos estaduais, nacional e
municipais. Os conselhos foram privilegiados nesse processo e esse foi um movimento que
mobilizou grande número de sujeitos, principalmente nos municípios, e que permanecem ativos
até hoje em todo o país. Por isso, quero colocar de saída que os conselhos representam uma
conquista da sociedade civil pela democratização do Estado e da própria sociedade, mas que exige
um esforço continuado de todos os sujeitos comprometidos com essa construção. O que está
acontecendo hoje, segundo o que observamos em nossa experiência, nos estudos que têm sido
feitos, depois de mais de duas décadas de experiência conselhista, se pensarmos que a saúde
começou a implantar os conselhos e logo depois a Assistência Social e outras políticas,
percebemos que hoje os conselhos têm sido muito discutidos, avaliados, questionados,
provocando um acalorado debate sobre sua efetiva possibilidade de interferir na produção e nas
prioridades da ação política, para que de fato as necessidades sociais da população possam ser
atendidas.
O acompanhamento dos conselhos indica que inúmeras dificuldades, desde sua criação, precisam
ser enfrentadas, por exemplo, a sonegação de informações, principalmente em relação ao
orçamento, o desrespeito do tempo necessário que conselheiros têm para analisar as propostas
dos governos, estes sempre apressando e dizendo que isso é muito importante, que não tem
tempo, que precisa ser aprovado quando é preciso tempo para debater, para discutir e para
aprovar deliberações tão importantes. Outras dificuldades dizem respeito à nomeação de
representantes da sociedade civil sem processo eleitoral, manipulação de regras eleitorais,
presidências impostas, burocratização dos conselhos e o cartorialismo ainda presente, como disse
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Quero chamar a atenção de vocês para o fato de que no caderno de prioridades há várias
propostas de rediscussão, seja da composição, da representação dos conselhos e outras
experiências como a da saúde que trabalha com outra forma de representação. Há proposta de
eleição de conselheiros nas próprias conferências no sentido de conferir maior democratização
nesse processo, e eu acho que precisamos enfrentar isso, esse é o momento de pensarmos em
alternativas. Mas na Assistência Social permanece uma questão que é incompatível com o perfil da
política pública da Assistência Social e com o processo democrático que ela vive, que é a
permanência do primeiro-damismo, ou seja, ainda é forte a presença das primeiras-damas
presidindo conselhos de Assistência Social em todo país. A nossa luta deve ser incansável no
sentido de romper com esse estatuto do primeiro-damismo, emblemático da cultura política
brasileira, patrimonialista, tuteladora, que representa, como diz o Caetano, ‘o avesso do avesso do
avesso’ da política pública no campo da assistência social.
O que observamos é que muitos falam em nome dos usuários, tanto governos, entidades e mesmo
trabalhadores. É preciso que os usuários falem a própria voz, que não seja sonegado a eles o
direito de sua própria fala através das suas próprias organizações de autorrepresentação. E falo
isso porque mesmo com a resolução do CNAS, que redefine o que são usuários, o que são
organizações de usuários, flexibilizando normas de inscrição das entidades dos usuários nos
conselhos, exigências burocráticas de constituição, de diretorias, de atas e de sede continuam
sendo feitas no âmbito dos conselhos municipais, e isso não podemos aceitar mais. O Pedro falou
da não existência de uma hierarquização no sistema de participação; isso é verdade, os conselhos
estaduais e municipais não são subordinados hierarquicamente ao conselho nacional, no entanto
é preciso que pactuemos o compromisso de resoluções do conselho nacional que são
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O Paulo Vannuchi colocou que a participação exige condições concretas e que não podemos
colocar condições iguais quando as situações são diferentes, quando as condições de cada um são
diferentes. Então eu pergunto: quais são as condições que os usuários da Assistência Social têm de
participar dos conselhos, que são convocados em horários de trabalho, com uma rotina, sendo
que os usuários não podem estar presentes sem apoio material, sem condições de infraestrutura,
sem conseguir faltar no emprego para poder participar da rotina de funcionamento das
instituições, dos conselhos? E isso precisa mudar, se queremos de fato fortalecer essa
representação. Os conselhos, portanto, são espaços importantes de participação, mas eu queria
chamar a atenção para o que eu disse no começo da minha fala: há muitos espaços de
participação, mas os conselhos foram a instância mais valorizada em detrimento de outros
espaços de participação.
Defendo que temos que ampliar o conceito de controle social, visto que os conselhos são muito
importantes e precisam ser fortalecidos, mas não podem ser entendidos como os únicos espaços
de controle social da política de assistência social e do SUAS. Várias experiências, pesquisas e
estudos têm mostrado que os conselhos funcionam melhor quando há uma sociedade organizada,
quando a representação das bases que estão no conselho são ativas, são mobilizadas e, portanto,
é preciso que os conselheiros saiam das suas salas, abram suas portas para a sociedade, para
escutar aquilo que está acontecendo nos movimentos populares, nas associações de bairros, nas
comissões de moradores, nas comissões de serviços dos CRAS e CREAS.
Os conselhos têm que ser desprivatizados e têm que ser ativados pela mobilização, que muitas
vezes está fora dele. Quanto maior a mobilização fora dos conselhos mais os conselhos, as
representações terão força para exigir que os gestores cumpram aquilo que foi deliberado e aquilo
que foi pactuado nos conselhos. Por isso eu diria que é preciso investir na participação, não só nos
conselhos, nos fóruns, nas assembleias, mas é preciso investir na participação, na perspectiva que
o professor Pedro Pontual colocou, no cotidiano dos serviços, é preciso investir no trabalho de
base com os usuários nos territórios onde estão os CRAS, os CREAS, o Centro POPs, porque o
protagonismo dos usuários não se faz apenas nas conferências e conselhos, mas se faz no
cotidiano do trabalho em que esses serviços são realizados. E aí o papel dos trabalhadores é
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Quero terminar dizendo o seguinte, para lutar contra possíveis retrocessos e reafirmar
coletivamente o SUAS que queremos foi dito aqui desde ontem: público, radicalmente
democrático e participativo, capaz de consolidar outro lugar para usuários e trabalhadores; no
SUAS é preciso fortalecer a participação em todos os níveis, e essa conferência tem um papel
fundamental de apontar diretrizes para dez anos na perspectiva de fortalecimento do papel dos
usuários e dos trabalhadores no SUAS. Termino com as palavras de um professor recentemente
falecido, um importante intelectual marxista, Edmundo Dias: ‘A democracia, mesmo a mais
limitada, interessa mais aos trabalhadores do que a ditadura mais esclarecida do capital’. Muito
obrigada.”
Sr. Dipson Flores – Amazonas – “Representando aqui usuários, delegado nacional a convite do
Conselho Nacional de Assistência Social. Eu acho de grande importância esse momento da
discussão, mas não equivale aqui à ‘debatência’, mas sim o dia de amanhã quando vamos discutir
as ideias e as dificuldades que nós enfrentamos. A hipocrisia que se dá é que as falas são muito
bonitas, mas a realidade é totalmente diferente; lá, nós que vivemos no Amazonas, um Brasil
dentro do outro Brasil onde as nossas dificuldades são a logística e o descompromisso que muitas
vezes a fala da professora citou aqui, que a demasia de colocar as primeiras-damas no poder, que
nossos conselhos não funcionam, onde os senhores secretários colocam pessoas de influência
para que não haja democracia e respeito pelas políticas públicas de Assistência Social.
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O nosso município e tantos outros municípios que sofrem pela falta de compromisso dos seus
gestores, que coloca em demasia para que sejam aprovados os seus projetos da forma que
querem sem a participação social. Então é essa a minha revolta de tanto tempo: que não é feita a
participação social, aquilo que se ampara na Constituição Federal, a participação de uma proposta,
de unir o governo e a sociedade e assim de fato teremos uma política que vai abranger e atingir os
usuários. Muito obrigado.”
Sr. Jesaías Rosário – Norte – “Eu queria que vocês olhassem mais pelos moradores de rua; eu sou
representante, morador de rua, e vejo as dificuldades que nós temos no nosso estado. E como eu
vejo em outros estados alguns projetos que são colocados, eu queria que vocês, aliás, nem um
pouco mais para gente, e mostrassem uma coisa mais digna, é isso, muito obrigado e até a
próxima.”
Sr. Richard Campos – “Eu tenho duas… eu tenho duas colocações para fazer: a primeira, ela ainda
antecede um pouco, tem a ver com o tema que surgiu na outra rodada de conversas, eu queria
poder falar sobre isso assim… primeiro, eu acho fundamental a gente poder discutir a participação
social quando a gente tem uma quantidade imensa de usuários participando desse processo. Mas
eu queria também lembrar, porque na outra inscrição teve uma fala que falou muito mal das
atuais condições que se tem nesse processo de conferência para participação social dos usuários.
Eu queria poder lembrar cada delegado e cada delegada que está aqui, para que nós pudéssemos
participar de um Estado democrático de direito. Tiraram muitas outras pessoas que tiveram
condições muito piores do que as nossas para garantir a participação social em processo como
esse. Então, eu queria que a gente pudesse partir do critério da razoabilidade e que a gente não
ficasse só enchendo o conselho de críticas; eu acho que tem de encher, mas que a gente também
lembrasse que pessoas como Dilma Rousseff, como Leonel Brizola, por exemplo, como lutar
contra, eu acho que hoje se tivéssemos direito à livre expressão, essas pessoas tiveram condições
ainda piores. Então que a gente não fique fazendo uma fala de ter em relação as condições da
conferência, porque eu acho que tem muito que melhorar, mas certamente a gente está em uma
condição bem melhor do que muitas pessoas já tiveram.”
Sr. Diomar Duarte – Ceará – “Eu sou Diomar Duarte do estado do Ceará, da cidade de Várzea
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Alegre, a cidade mais alegre do Brasil. Esse conselho é muito importante, porque eu estou aqui
graças à participação em conselhos. Desde 2005 eu participava de conselho de representantes de
pais na escola, e dentro dos conselhos eu resolvi voltar a estudar graças a Deus e melhorar o
grupo de convivência familiar dentro da minha casa. Então depois de quinze anos eu estudei, me
formei, fiz concurso, passei e eu saí da pia e do tanque, e hoje sou Assistente Social em uma
conferência nacional graças a políticas públicas, onde o município faz a participação e usa a
garantia de direito para todos. Está bonito a LOAS, é a pupila dos olhos da assistência, mas é
preciso que chegue aos pequenos municípios, aos gestores, aos secretários, aos profissionais na
garantia de direito, para que façam valer essa lei, porque ela é bonita. O Brasil precisa continuar
com essa garantia de direito para que todo mundo participe, tenha a participação popular.”
Sr. Darci Vale – Rio de Janeiro – “Eu sou Darcy Vale, eu sou do Rio de Janeiro, da cidade de
Porciúncula, cidade mais mineira do estado do Rio de Janeiro. Eu quero dizer que, para nós
consolidarmos o SUAS rumo a 2026, precisamos do nosso município, no estado, onde nós
estivermos, dizer não ao corte na área social, não ao corte na área social, como há rumores. Para
consolidar o SUAS em 2026 nós precisemos mandar e-mails para o Congresso, para todos, senão
nós vamos enxugar gelo, nós vamos retroceder. E nós, como representantes do município e do
estado, podemos mandar e-mails para os nossos deputados, para os senadores do nosso estado.
Nós podemos retroceder e quando nós falamos de projeto social nós não levantamos bandeira
política, nós temos paixão é por pessoas, pelas necessidades das pessoas. Não podemos levantar
bandeiras porque os políticos trocam a todo momento, mas nós estamos lá no nosso município.
Por participar desse projeto aqui eu pude ver, pude participar, conversar com vários
representantes de vários estados, nós precisamos ter paixão por servir as pessoas, porque a gente
segue a Deus quando nós servimos as pessoas. Essa é a minha fala.”
Sr. William – Minas Gerais– “Sou William, sou de Minas Gerais e vim aqui, mas eu tenho uma
colocação. Eu vi uma reportagem durante a semana na Internet, depois no Facebook, Twitter, que
estão querendo tirar os direitos dos deficientes, estão querendo acabar com os direitos que têm
no estudo, no estacionamento, em todos os direitos que nós deficientes temos, vamos lutar para
que os direitos nossos, que é direito federal não sejam ultrapassados. É isso que a gente tem que
fazer, porque se nós não lutarmos pelos direitos nossos quem vai lutar por nós?”
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Sra. Ana Carolina – Rio Janeiro – “Sou Ana Carolina do Fórum Estadual dos Trabalhadores do Rio e
da coordenação do fórum nacional dos trabalhadores do SUAS. Considero esse momento
importante, e é uma pena que, com o avançar do horário, a gente está com espaço esvaziado,
porque é um espaço para gente estar maturando, amadurecendo as discussões para as
dimensões. Bom, estamos aqui discutindo participação social. A professora Raquel colocou de
forma muito feliz, foi muito feliz na colocação quando falou da questão das ações de poder, das
tensões que existem no cotidiano dos demais, dos diversos segmentos; a gente tem o segmento
GOV, a gente tem na sociedade civil as entidades, os trabalhadores, os usuários, e a gente sabe
que na realidade esses espaços não se dão necessariamente de forma harmônica – isso não é um
grande problema, a gente entende que isso faz parte dos processos de construção democrática e
de política pública. Uma coisa importante que a gente tem discutido é a necessidade de
estabelecimento de uma relação, de uma resolução, de uma normatização em âmbito nacional
para a gente pensar nos votos para o processo eleitoral, para gente pensar o processo eleitoral da
sociedade civil. Não é em todo município, não é em todo o estado que a gente tem a eleição por
segmento no sentido de cada par votar no seu par, o trabalhador vota no trabalhador, entidade
vota em entidades, o usuário vota no usuário, isso se faz necessário, isso não é uma realidade de
âmbito nacional; alguns municípios, alguns estados funcionam dessa forma, mas não são todos, e
isso é uma questão importante para gente pensar, porque considerando que esses espaços não se
dão sem tensões é necessário a gente pensar em legitimidade de eleição nas escolhas dos nossos
representantes. Então, algo importante para a gente estar pleiteando, a gente vai levar isso para a
discussão da dimensão dois é por que não em âmbito nacional a gente regulamentar isso? O
trabalhador vai votar no trabalhador, o usuário, quem vai escolher o seu representante de usuário
é o usuário, porque senão a gente tem lá a composição dos nossos conselhos respondendo a
interesses que não necessariamente respondem aos usuários, os trabalhadores das entidades.
Exato, muito obrigada.”
Sr. Leonildo Prado – Maranhão – “Primeiro, eu quero lamentar a vacância do plenário, eu acho
que é uma falta de respeito com as falas dos colegas, pessoas que vão estar na roda de discussão
das propostas, eu acho que elas não têm direito de participar, porque não estão vendo as falas dos
colegas. Sou do estado do Maranhão, estou aqui, eu também reclamo da nossa delegação que, se
brincar, só tem quatro pessoas. Eu quero focar mais a fala da professora Raquel no sentido dos
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conselhos; os conselhos estão formados de direitos, as leis estão aí, mas quando a gente vai lá
para a ponta que é os municípios, é feita ou não eleição dos conselheiros, em especial os usuários
no conselho, infelizmente nossos conselhos têm pessoas que vão lá para defender interesses
pessoais, os seus próprios egos e dizer: hoje eu sou conselheiro. Ou foram colocados pelo prefeito,
ou indicado pelo secretário. E conselho não é para isso, não. É para discutir o que precisam os
usuários e a sociedade nos nossos municípios e no estado. Infelizmente no nosso estado também
há pessoas que defendem seus próprios egos e aqui eu estou representando os usuários, sou vice-
presidente do conselho no meu município, e meu município precisa muito melhorar e essas leis
também – uma vez que são garantidas tem que ser colocadas em prática pelos nossos prefeitos,
nossos gestores, nossos governadores.
O conselho não é só de nome, conselho é para trabalhar, porque no nosso município, no nosso
estado tem muita coisa para fazer, no nosso município, sou do município de Timon, não é
diferente no município do Maranhãozinho, não é diferente no de São Bento e nem no município
de Pinheiros, onde tudo isso acontece. A falta de consideração pelos conselheiros lá, a gente não
pode pegar a prestação de contas, a gente não pode decidir o quanto tem que gastar, a gente não
pode dizer o que tem feito, porque o gestor chega lá e diz: ‘eu quero ver aprovado e preciso que
seja agora’. Muito obrigado.”
Sra. Célia Lurdes – “É uma satisfação muito grande estar aqui participando dessa X Conferência,
porque é um sonho que eu tenho desde 2009 e fico indignada, não só agora, desde do período da
manhã que eu estou percebendo que as pessoas querem consolidar o SUAS de que jeito? Cadê a
plenária? Estão pensando em almoçar, estão pensando em bater perna na rua? Acho que a gente
lutou para estar aqui hoje, é recurso público que está sendo gasto. Gente, que feio, a plenária está
vazia, eu quero deixar aqui a minha indignação de repúdio contra essas pessoas que saíram,
andaram seis quilômetros, 1.200 quilômetros, deixaram suas famílias para vir passear e não vir
aqui defender o SUAS. Muito obrigada.”
Sra. Maria Goreti da Silva – “Sou solidária à fala da colega anterior. Mas eu queria instigar o povo
aqui a pensar que a Assistência Social, saúde, tudo isso, conselho, tudo isso é muito bom, mas eu
acho que a gente deveria consolidar isso dentro da educação. A gente não pode ficar pensando
num passado e num presente com utopia para o futuro; a gente tem que consolidar isso na
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educação, somos grêmios, na juventude, porque o futuro do Brasil eu penso que ainda seja a
herança que nós hoje possamos plantar para o futuro. Então que seja aqui, que seja como reflexão
também para os palestrantes, para que nas suas falas empoderem isso tudo dentro da educação,
para que isso fique sólido de verdade, sem raízes, porque o SUAS se faz ainda hoje pela
necessidade do desconhecimento do cidadão – quando o cidadão realmente precisa do SUAS, ele
precisa na linha do assistencialismo mesmo, ele não entende, o usuário ainda não sabe o que é
essa política, ele não entende para que veio essa política. Se a gente fosse fazer aqui uma grande
votação, e a gente fosse essa para quem é usuário, quem é gestor e profissional, nós usuários
estaríamos no prejuízo. Então, a gente tem que refletir essas questões. Vamos também colocar o
SUAS na educação; eu só vejo o futuro se for começando por aí. Obrigada.”
Sr. Malon Aragão – “Meu nome é Malon Aragão, sou da delegação da terra do frevo e do
maracatu do estado do Pernambuco, estado mais bonito dessa federação. Pois bem, elogios à
parte as minhas terras, eu acredito que a gente deve começar a discutir a participação social a
partir de uma construção histórica do nosso país, em que esse país não foi acostumado, as
pessoas não foram acostumadas a participar. Nós passamos por um grande processo de ruptura
da democracia brasileira com a ditadura militar, e aí eu trago isso com ênfase muito grande até
pela formação de professor de história, porque na realidade nesse período os brasileiros e as
brasileiras foram impedidos depois de 64 de participar. E aí nós queremos como uma fórmula
mágica que essas pessoas participem hoje, nós temos que construir esse processo de participação
social. A ditadura rompeu com isso e nós não podemos fazer com que isso continue. Agora, como
é que nós vamos fazer isso? E aí a companheira, como a companheira falou aqui antes que é a
partir de diversos espaços, como, por exemplo, as pessoas não estão mais participando, os
conselhos escolares, por exemplo, não funcionam muitas vezes, nós temos que fazer com que isso
ocorra. O poder e a legitimidade da representação do conselheiro e da conselheira,
independentemente de sua participação ser governamental ou da sociedade civil.
Nós temos que garantir a existência desses grupos, a persistência dessa função. Uma das
deficiências que nós temos nos próprios conselhos é a autorrepresentação, eu me represento, eu
me basto, eu sou absoluto. Isso acontece porque a representatividade não vem com o arcabouço
por detrás, não tem quem nos dê sustentação, e essa sustentação é necessária para que quando
nós estivermos lá nos conselhos, em diversos espaços, nós possamos ter essa representatividade.
O que ocorre ainda é que muitas vezes muitos oprimidos acabam querendo se tornar opressores,
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e existe essa ideia de que muitas vezes o conselho se torna oposição ou situação, mas o que nós
devemos fazer é fortalecer o conselho.
Sra. Elaine – Espírito Santo – “Meu nome é Elaine, eu sou do município de Vitória, moro no
Espírito Santo e venho aqui fazer a declaração a respeito da fala da mesa, que disse que nós somos
usuárias da assistência social por direito, constituído por lei e que é preciso melhorar muitas coisas
na assistência. Concordo plenamente, e venho também diante da fala de alguns amigos que
moram no interior e que estão insatisfeitos com a gestão de lá. Quero dizer para todos que eu
moro na capital, uma cidade linda, Vitória, mas que infelizmente hoje, exatamente hoje, os CRAS
estão fechados, porque as assistentes sociais estavam pagando passagem com o próprio dinheiro
para ir trabalhar, isso é uma coisa absurda e sabe por que elas tiraram dinheiro do bolso? Porque
elas não queriam ver a porta do CRAS fechada, mas só que pior do que não ter a passagem é o
centro de convivência que está vulnerável, sem os salários de novembro. Então assim é uma
vergonha, e aí o prefeito cortou a verba da Assistência Social, diminuindo −28% o orçamento para
ser aprovado para 2016, quando ao mesmo tempo aumentou na publicação para divulgação, ele
aumentou a verba justamente o que a assistência precisava, de 11,5 milhões, ele liberou essa
verba. Então como que vamos dar poder ao trabalhador do SUAS, se ele não tem nem passagem e
nem salário para ir trabalhar? E eu acho assim, tirar, eu agradeço muito pelo apoio das entidades,
só que o que eu acho é que isso torna o serviço muito vulnerável, porque tem entidade que
trabalha sem receber recursos para os serviços, não é nem com fins lucrativos, são para os
serviços, e aí fica com aquela bomba na mão e joga a bomba fora. E aí somos nós, os usuários que
são prejudicados nessa história. Então precisamos, sim, consolidar o SUAS para 2026,
principalmente com concurso público, porque é mais caro manter a entidade, fazer o serviço
terceirizado do que cumprir a sua obrigação.
Sra. Geílza – Sergipe – “Sou estudante de serviço social. O SUAS de hoje e o SUAS de 2026 têm
que ser totalmente diferente, porque muitos falam de direito igualitário, mas eu pergunto a vocês:
será que é verdade, será que existem mesmo esses direitos igualitários para todos? Não, existem
apenas para aqueles que estão ali, mas tem muitos em situação vulnerável a tudo isso, tem muitos
deficientes que não podem estar aqui, mas estão aqui. Então eu falo em nome daqueles que estão
aqui como eu e com outros mais. Pessoal, o SUAS de hoje, eu sou assistida pelo SUAS, porque
recebo o BPC, é com ele que eu pago a minha faculdade, mas assim, eu não falo tanto por mim,
mas por outras pessoas que necessitam, vamos aprovar projeto que realmente dignifique o ser
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Sra. Cláudia de Jesus Oliveira – São Paulo – “Eu penso que é importante o que a professora
Raquel trouxe sobre a ampliação da participação; o que muitos delegados falaram é que talvez o
que nós vemos aqui representa o quanto nós estamos implicados com a participação, inclusive lá
nos espaços dos municípios. Eu faço parte de um conselho municipal de assistência também, e a
gente sabe cotidianamente: é um desafio todo dos dias fazer controle social, isso passa por
compromisso. E aí eu queria pegar uma fala que foi colocada pela roda de que isso tem que ser
ampliado e cotidianamente no chão de serviços. Eu queria colocar como observação: qual é a
estrutura dos serviços e qual é o conhecimento que os trabalhadores levam para esses serviços, e
como a gente tem se organizado para dialogar com os usuários daquelas realidades que passam
pela vida deles? E eu queria colocar o seguinte: serviço da assistência acontece ou deveria
acontecer como é preconizado na tipificação; infelizmente a gente vê muitas coisas que
atravessam os serviços como prova, por exemplo, a inclusão produtiva, não é uma resposta da
Assistência Social, não deveria ser cobrado do CRAS, por exemplo, não deveria ser cobrado das
equipes de referência, mas por vezes se perde tempo em discutir a inclusão produtiva, oficinas e
não se discute a estratégia de trabalhar a participação com os usuários lá no chão do território.
Obrigada.”
Sr. Carlos Eduardo Queiroz – Bahia – “Pegando gancho da fala dos demais companheiros, como
nós estamos com o tema, consolidar o SUAS até a 2016, eu levanto uma questão companheiros –
inclusive ao professor que construiu conosco a primeira conferência sobre transparência e
controle social. Companheiros, precisamos nessa conferência garantir, sim, a maior efetivação dos
programas de transferência de rendas, sim, mas acima de tudo temos de sair dessa conferência
com o indicativo de 5 ou 10% do orçamento da União destinado ao Sistema Único da Assistência
Social. Porque programa de transferência de renda, isso passa e hoje infelizmente o SUAS não tem
um, que dirá cinco. Outra coisa, eu não me apresentei, eu sou Carlos Eduardo Queiroz, de
Salvador, Bahia. Outra coisa, companheiros, nós trabalhadores precisamos aprovar uma moção
indicativa ou, nos grupos de trabalho, a função de carreira de auditor do Sistema Único Da
Assistência Social para que esses auditores venham auditar conselhos de participação e controle
social. Muitas vezes a representação, ou seja, o conselheiro da assistência é da sociedade civil, na
saúde, e ele é trabalhador, ou seja, fica esse círculo com os mesmos conselhos. Precisamos auditar
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as contas de secretarias de ações sociais e prender esse meio mundo de prefeitos e gestores; me
desculpem o termo, ladrões que roubam o dinheiro da Assistência Social. Muito obrigado.”
Sr. Antônio Regivaldo – Pará – “Somos de uma região amazônica – o fator amazônico pesa –, mas
as dificuldades são territoriais e em nível nacional. Falar de conselheiros é falar de trabalho árduo,
é falar de exclusão, porque quando o conselheiro usuário vai lá com a boa vontade fazer o
trabalho, ele é podado, ele é excluído, ele muito menos é informado de quando vai ser a reunião,
só é chamado na hora de aprovar aquilo que interessa à gestão; só quando interessa aprovar o
relatório de gestão chamam o conselheiro, vai lá, dá cafezinho, dá almoço, promete viagem,
promete aquilo… o conselheiro não tem tempo sequer de olhar, analisar qual é realmente seu
papel. E quando vai fiscalizar o serviço diz: lá vem o capeta, porque ele vai lá olhar como
realmente o usuário está sendo bem tratado, se realmente o espaço é adequado como as normas
dizem. Então, meu amigo, ser conselheiro nesse país parece ser tarefa fácil, mas não é, porque
não é remunerado igual aos nossos deputados, os nossos senadores, que têm esse papel e não
fazem… eles têm o papel de fiscalizar o dinheiro público em cada canto desse país, mas eles não
fazem, porque ele têm conluio com o gestor, as gestoras, para roubarem junto, para comerem
juntos os dinheiros, porque quando o projeto chega, ele diz: ‘Epa, a minha parte tem que vir’. É
desta maneira que funciona, porque se o controle social funcionasse desde o Senado até a Câmara
Legislativa, não precisava de conselheiro, se as leis desse país funcionassem nós não precisaríamos
de vários conselhos, porque a constituição já garante os nossos direitos, viu, senhores usuários, eu
sou usuário. Então, meus amigos, concluindo, ser conselheiro não é caso, fica a aqui a minha nota
de repúdio.”
Sra. Solange Bueno – Florianópolis – “Represento o segmento da pessoa com deficiência visual no
Conselho Municipal de Florianópolis, estou como vice-presidente, estou na militância em defesa
da Assistência Social já há algum tempo como usuária, como militante, mas gostaria de iniciar a
minha fala parabenizando a mesa e também aproveitando esse momento para reforçar os nossos
votos de solidariedade aos fatos que recentemente ocorreram na Europa, com as mortes de
tantas pessoas, que não esperavam; pelo acidente em Mariana que assolou a cidade e que
estamos há um mês acompanhando pelos noticiários; pela chegada dos imigrantes dos outros
países e pelas nossas enchentes nos estados do Sul e outras regiões. E chamar a atenção: qual é a
política que de quem realmente quer acompanhar e está presente nesses momentos, se não a
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política de Assistência social? Onde estão os benefícios? E agora recentemente estamos à mercê
de um golpe político nas bases da nossa política, nas bases do SUAS. Chamou a atenção que
nesses dez anos o controle social está aí, está à frente lutando contra a precarização do
trabalhador, na estrutura dos conselhos municipais, estaduais. Lembrando que nós ainda não
vencemos demandas cartoriais, concordo plenamente, hoje a demanda de entidades, que era do
conselho nacional, passou para os municípios em relação à inscrição. Estamos enfrentando os
processos judiciais, e por isso que eu entendo que nos próximos dez anos é importante efetivar
realmente o controle social. Um bom-dia a todos e uma boa conferência!”
Sr. João Maurício Cecílio – Amazonas – “Queria aqui reforçar a fala dos colegas, dos
companheiros que passaram aqui, e reforçar dizendo que seria trágico – como se não fosse trágico
estarmos falando aqui de participação social justamente quando quem promoveu todo esse
processo de conferências municipais e estaduais, ou seja, os conferencistas hoje estão deixando
esse importante momento de estar participando diretamente com o auditório aí esvaziado,
infelizmente justamente na hora que nós estamos falando de participação social. Sou presidente
do Conselho Municipal de Assistência Social e na fala dos colegas (saúdo aqui os dois
palestrantes) passaram questões importantes referentes à participação social para a consolidação
das diversas políticas públicas. Nós sabemos que as conferências, os conselhos municipais são
importantes mecanismos de controle social, de participação social que promovem a proposição, a
implementação das diversas políticas públicas. É nesse contexto eu trago dois pontos
importantíssimos: o primeiro é de que forma os municípios e os estados estão se empoderando
com essas diversas propostas que saem das conferências municipais e estaduais. Fala-se muito na
responsabilidade do Governo Federal, mas nós sabemos também que a gestão é compartilhada;
temos a responsabilidade do município e dos estados, e infelizmente a gente observa que todas as
propostas que saem das conferências municipais se perdem, os gestores públicos municipais
acabam não tendo o comprometimento, a responsabilidade com aquilo que é deliberado nas
conferências municipais e estaduais. Temos, sim, prioridades, mas muitas questões que seriam de
rearranjo, de reorganização dos serviços, as questões muitas das vezes simples, acabam passando
pela falta de compromisso, de comprometimento aí dos nossos gestores, nossos secretários,
enfim. E um segundo ponto, só para encerrar a minha fala: nesse contexto de intervenção, de
tensionamento, nós conselheiros, nós trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social, o que
nós estamos fazendo para que esse SUAS ganhe novos rumos, ganhe uma nova cara e contemple
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de fato a população? Então façamos essa reflexão, essa autoanálise, essa autocrítica, o que nós,
enquanto participantes da Conferência Nacional de Assistência Social, estamos fazendo para
modificar, alterar esse sistema único de assistência social para melhor? Fica a minha fala e
agradeço a todos. Bom dia.”
Sra. Ana Lygia Gomes – Distito Federal – “Meu nome é Ana Lygia, eu sou daqui e do DF, militante
da Assistência Social. Primeiro eu queria fazer duas propostas, mas antes queria trazer uma
memória aqui – eu fui conselheira do primeiro Conselho Nacional de Assistência Social em 94,
assim que a LOAS foi editada. E queria dizer que aquele governo que tomou posse em 94, como a
vossa memória pode não estar presente, não queria participação social. É importante dizer isso
agora para a gente ter muito claro que participação social é luta, é conquista. A professora
Carmelita Yazbek que estará aqui foi a primeira vice-presidente do Conselho Nacional de
Assistência Social é uma testemunha importante – nós lutamos para tomar posse nesse conselho
que aconteceu em fevereiro, junto com a Abong [Associação Brasileira de Organizações não
Governamentais], com movimento nacional de meninos de rua, com o Ibase [Instituto Brasileiro
de Análises Sociais e Econômicas], com a CUT [Central Única dos Trabalhadores], e eu representei
com muito orgulho o segmento dos trabalhadores pelo Conselho Federal de Serviço Social. Não
vim aqui dar especialmente esse testemunho, mas não resisti em reavivar a memória de que
participação social é conquista, e quando a gente escolhe um projeto político que quer
participação as coisas podem ficar mais fáceis. Mas vim aqui fazer duas propostas importantes – é
importante a gente pensar nas estratégias de escolha dos conselheiros, há tempos que eu tenho
debatido que os usuários têm que ser escolhidos em espaços ampliados que são as conferências;
chega de fazer igrejinha para escolher os conselheiros. Tenho defendido, a conferência nacional de
saúde já tem feito isso, espaços colados na conferência não é tomar o lugar da conferência para
isso, mas espaços amplos colados na conferência, que seja lugar, por exemplo, o Conselho
Nacional de Assistência Social tem que ter seus membros escolhidos em fóruns ampliados, colados
na Conferência Nacional, isso para que todo mundo possa participar. A outra e última questão:
pensar na estratégia de escolha dos usuários é também um espaço para democratizar a escolha
dos usuários. E outra coisa é: o que representa o usuário de fato? Uma vez por todas temos que
pensar que às vezes há entidades que são prestadoras de serviços e se colocam como
representação de usuários – essa é uma questão importante para definitivamente incorporar
essas estratégias para as propostas dessa conferência. Muito obrigada.”
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Sr. Wagner Santana – São Paulo – “Primeiro quero parabenizar as falas que me antecederam e
dizer que fiquei muito feliz em ouvir esse histórico aqui da querida companheira Ana Lygia. Veja
só, ao defender a participação, para mim existe uma diferença muito grande quando você faz com
a pessoa, com a participação do que fazer para ela, quando você envolve a participação com a
pessoa conforme está na política nacional de Assistência social, o impacto e o resultado é muito
mais positivo, é muito mais participativa a discussão. Agora, de fato, o CNAS como recomendação,
no meu ponto de vista, precisaria rever a Resolução 237, se não me falha a memória, de 2006, que
recompõe e que estrutura os conselhos municipais de assistência social e dos conselhos estaduais
e do Distrito Federal, precisa rever. Quando saiu aquela resolução em 2006 nós estávamos com
um ano de SUAS, muita coisa avançou. Então é preciso que aquela resolução seja revista por
completo; essa discussão, principalmente, nessa dimensão dois, que falamos da participação
social, participação social que envolve a participação de todos. E quando você faz com a pessoa,
com a participação envolvendo, envolvendo serviços, programas e projetos, e a rede
complementar do SUAS, o impacto é muito maior. E aí eu quero parabenizar muito, não posso
deixar de registrar a fala do Pedro Pontual que trabalhou muito bem e, principalmente, da
professora Raquel, que falou aqui brilhantemente a sua fala do que precisamos ampliar, e
ampliação faz dessa fala que eu vou colaborar com a querida Ana Lygia, ampliando e não fazendo
em pequenos currais, a participação tem que ser feita para todos, com todos, por todos e juntos
por um SUAS mais democrático e participativo. Muito obrigado.”
Sra. Márcia Lopes – Professora – “Eu queria dizer um pouco na mesma linha da Ana Lygia, porque
nós somos das antigas, estávamos desde a constituição de 88. E para dizer para vocês e para uma
geração que vem vindo a nossa responsabilidade de sermos protagonistas nesse processo, que
hoje nós conquistamos uma política nacional de participação social. Nós enfrentamos a ditadura,
enfrentamos todos os regimes que não admitiam que a sociedade civil falasse, que as pessoas
falassem. Então eu quero dar um depoimento de que, a partir de 93 da LOAS até 2003, os
primeiros dez anos foram anos decisivos de mobilização, de consciência política, de ir para a rua,
de realizar audiências públicas, de construir fóruns e de qualificar os nossos conselhos municipais,
estaduais e o conselho nacional. O conselho nacional, nós sabemos, foi sempre um grande cartório
da certificação das entidades e nós lutamos, enfrentamos e hoje o conselho nacional é um
conselho que de fato tem a condição de deliberar sobre a política nacional de Assistência social,
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nós temos que olhar para o interior dos nossos conselhos e ver que perfil de conselheiros nós
temos, que decisão, que visão, que consciência política essas pessoas têm para estarem na
militância, conselheiros jamais podem pensar em remuneração. Senão nós não estamos fazendo o
contraponto com o Estado; o contraponto com o diálogo, com a sociedade. Então me parece que
esse é o momento. O Pedro Pontual e a Raquel Raichelis falaram muito bem disso; que a gente
leve para as nossas plenárias amanhã esse debate nas prioridades para que nessas próximas
gerações nós tenhamos conselhos fortes, democráticos, participativos, que a gente ocupe o
espaço das nossas cidades para debater o controle social. Obrigada.
Convidados:
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Tem trabalhado como consultor nacional e internacional e hoje dirige o Centro Rio Mais de
Desenvolvimento Sustentável vinculado ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD).
“Eu queria conversar nesta tarde com vocês partindo de três ideias básicas: quando a gente pensa
que, por exemplo, a assistência social é dever do estado, podemos analisar isso de três formas:
podemos olhar a legislação, ou seja, o que uma sociedade escreve no seu corpo de leis e que
define o que é o básico para todos os cidadãos de um país. Significa dizer qual é a
responsabilidade que se assume enquanto sociedade e que o Estado é o guardião dessa
responsabilidade. Podemos também fazer uma avaliação mais econômica, observando o
investimento que o Estado faz para que dê consequência a algo definido em lei ou, ainda, mesmo
quando não esteja está definido em lei, mas que se entenda como necessidade de uma sociedade,
de um país, de uma população. Há uma terceira forma, que é avaliar até que ponto a política
pública, quando materializada enquanto serviços e bens, é consistente com o que se pretende na
lei. Quando nós pensamos essas três formas de observar essa questão, a primeira delas, do ponto
de vista legal, é muito importante, e isso traz muita segurança para que a política pública seja
definida em lei, quais são as atribuições do estado em relação a vários temas. Entretanto, é
preciso entender com muita clareza a limitação que existe entre definir enquanto lei e aquilo que
se constitui enquanto políticas públicas. Há uma distância razoável em relação a esses dois níveis.
Vou dar um exemplo para vocês: a União Africana, que trabalha com todos os países da África.
Quando nós olhamos o que está definido enquanto acordo de países pela instância máxima que é
a cúpula presidencial em relação às políticas de proteção social, só 60% dos acordos do continente
se convertem em políticas nacionais. O que chega a ser implementado nos países enquanto
política pública de fato, serviços constituídos e bens transferidos é menos de 40%. Isto é um
exemplo importante porque mostra que muito do que se escreve em lei, que é a inspiração de
uma parte da sociedade, uma parte que se expressa majoritariamente no Congresso, não
necessariamente se converte em política pública. Algumas ficam flutuando nesse espaço legal e
nunca aterrissam. Nós podemos pensar o seguinte: como é que eu posso aferir que o direito se
converteu em política pública e, portanto, foi realizado? Eu posso olhar do ponto de vista do
investimento. Para quem tem uma experiência de gestão pública, essa é uma coisa muito prática.
Quando alguém diz que uma política é importante, você logo pergunta: quanto do orçamento do
Estado está alocado para esta política? Aí temos um indicador muito claro da importância deste
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No caso da assistência social, sabemos que, se formos comparar os últimos 15 anos do Brasil, essa
foi uma das áreas de maior investimento de política pública. Se nós compararmos as três grandes
políticas sociais: assistência social, educação e saúde, vamos observar que na saúde há mais ou
menos seis anos a proporção do investimento em relação ao PIB está mantida de forma constante.
Na educação houve um crescimento, mas um crescimento muito inferior do que, por exemplo, na
assistência social. Se pegarmos o orçamento do surgimento do MDS para hoje, que tem mais de
R$ 80 bilhões de orçamento anual, verificamos que o crescimento foi mais de 12 vezes. Em relação
aos serviços prestados, há 15 anos nós tínhamos somente na rede vinculada à Política de
Assistência Social – composta por servidores públicos ou contratados pelo poder público – algo
inferior a 40 mil pessoas, hoje nós temos 600 mil. Um número muito expressivo.
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Assistência Social. Tivemos também uma mudança nas estruturas administrativas e políticas do
Estado brasileiro com a evolução da Secretaria Nacional de Assistência Social que se tornou o
Ministério de Assistência Social e depois Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Da mesma maneira, tivemos o surgimento de várias secretarias no nível estadual e no nível
municipal, com atividades mais específicas. Sabemos que a força desse investimento veio
principalmente do Governo Federal, do ponto de vista dos recursos financeiros, mas
implementado no plano municipal, o que fez com que os municípios criassem estruturas
específicas para isso e também desenvolvessem seus recursos humanos nessa direção. Há muita
precariedade nos contratos de trabalho, e essa precariedade faz com que grande parte dos
trabalhadores vinculados a essas atividades sejam jovens, mas muito qualificados. Esses são
processos ainda próprios de um sistema em transição.
Uma outra questão é a forma de medir, de aferir o grau de comprometimento de um país com
determinada política, e isto depende do que está escrito em lei, depende do grau de investimento
que se faz, dos recursos alocados, sejam recursos financeiros, recursos humanos e estrutura
política administrativa. É fundamental refletir sobre a qualidade dos serviços e benefícios e ainda a
cobertura em relação à população que necessita deles. Investir muito dinheiro não implica bom
investimento. É importante investir, mas é importante investir com qualidade. É preciso medir até
que ponto a política que se pratica com o investimento realizado e o que está escrito em lei. Há
vezes em que o processo de implementação da política pública transforma profundamente seus
objetivos. Implementar política pública, sobretudo serviços de boa qualidade é muito difícil. Fazê-
lo de forma rápida, com uma cobertura muito grande num país desse tamanho é incrivelmente
difícil.
Existe um estudo feito pelo Flávio de Castro, um arquiteto que trabalhou no MDS e que olhava a
adequação dos CRAS em relação ao que está escrito e à agenda de políticas públicas na qual
deveria fornecer os serviços. A simples análise do espaço, sem entrar na dinâmica dos serviços,
segundo o autor, indicava que assim não daria para funcionar porque a maioria dos CRAS tem
problemas na estrutura física. Escrever a política como lei e transferir recursos é muito
importante, mas é preciso observar como a política é praticada, como nós conseguimos nos
organizar para responder às demandas de forma efetiva. Para isso precisamos ter parâmetros e
ter critérios de avaliação, ter mecanismos de comunicação com os usuários e mecanismos de
comunicação entre os gestores. Para nós, interessados nesta política, é importante que saibamos
a qualidade do serviço prestado. Esse desafio é maior do que escrever em lei, é maior do que
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Diante de uma crise econômica e política podemos nos perguntar se ela pode gerar uma
oportunidade para a assistência social. A crise tem um aspecto fundamental para a Política de
Assistência Social. Ela testa o país, o quanto consistente esse país é no compromisso do Estado
com esta política. Porque a crise cria também as oportunidades de fazer mudanças estruturais que
já estão lá há décadas. Está acontecendo na Europa agora, questões que são conhecidas há muito
tempo. Para nós, uma política de 13 anos, mais recente, tem problemas estruturais no nível
federal, estadual e municipal. A crise cria uma oportunidade porque as pessoas estão mais
dispostas a mudar na crise, porque querem soluções, aceitam mais sacrifícios. É claro que isso tem
um limite que pode levar a uma ruptura. Eu particularmente não acho que essa crise levará a isso.
E penso que esta crise é uma oportunidade para quem vem construindo o SUAS, no seguinte
sentido: existem reformas estruturais necessárias, como, por exemplo, a capacidade de execução
dos recursos transferidos aos municípios pelas dificuldades que as prefeituras têm em usá-los.
Para concluir esta minha conversa nesta primeira abordagem, quero dizer o seguinte: este país na
minha percepção é comprometido com a Política de Assistência Social, é comprometido com o
SUAS. Ele escreveu em lei e há muito ainda a ser escrito. Ele transferiu recursos de forma
impressionante, mais do que qualquer outra política. E este país tem melhorado na qualidade dos
serviços prestados. Mas, como disse a vocês, é aí que reside o maior desafio, precisa melhorar
ainda muito mais. Muito obrigado.”
Doutor (2013) e mestre (2005) em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP). Coordenador e docente no curso de Serviço Social da Universidade Federal de Goiás
(UFG). Assessor, coordenador-geral e técnico na Secretaria Nacional de Assistência Social do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (Brasília – DF – 2005-2012) e conselheiro
(2008-2010) e vice-presidente (2010-2012) do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).
Tem experiência na área de políticas públicas com ênfase nas de seguridade social, gestão pública,
políticas sociais, controle social, desenvolvimento urbano, comunidades, criança e adolescente,
fundamentos do serviço social, tendo produção acadêmico-científica nestas áreas.
“Primeiro eu quero dizer que não é muito fácil pensar um sistema ao qual a gente consegue
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atribuir esse sistema de substantivos que o adjetivam infinitamente. O que é que eu quero dizer
com isso? Vejam vocês que o nosso tema diz que o SUAS, que nós defendemos tem que ser
público, tem que ser universal, tem que ser federativo e republicano. Eu acrescentaria outros
substantivos adjetivadores nesse processo. Diria também que o SUAS tem que ser laico, tem que
ser democrático, tem que ser participativo e descentralizado. Ou seja, nós estamos falando de um
sistema que, pela vontade que temos de fazer dar certo, nos possibilita adjetivá-lo com inúmeros
substantivos. Quando a gente vem para uma conferência como esta, encontra vocês que vieram
dos municípios e o pessoal costuma dizer: ah, eu venho lá da ponta. Eu não gosto muito dessa
palavra ‘ponta’, que eu acho meio estranha, mas, enfim, quem veio do município, se frustra ou
fica muito incomodado quando percebe que a implementação do SUAS não está sendo pública,
nem universal, nem federativa, nem republicana, nem laica, nem democrática, nem participativa,
nem descentralizada.
E a gente vem para uma conferência como essa e quer evidentemente expor as nossas angústias e
discutir por que é que esses substantivos adjetivadores não estão ‘rolando’. Aqui a proposta que
nos foi feita de discutir esses adjetivos, e eu quero combinar com vocês um esquema: nós
podemos pegar esses quatro adjetivos e reuni-los em dois grupos. O primeiro grupo poderíamos
pensar como ‘federalismo e republicanismo’, ou seja, o SUAS federativo e republicano. E num
outro grupo, pensar o SUAS ‘público e universal’.
Pensar um SUAS federativo e republicano significa que, por tabela, estamos dizendo que
queremos um SUAS democrático, porque a história do federalismo no Brasil é antiga e acompanha
a própria história da república brasileira. O federalismo no Brasil começa desde 1889 quando a
República é proclamada. De lá para cá, o nosso federalismo tem tido momentos de muito ataque.
Atacar o federalismo significa também atacar a democracia. Desde a Proclamação da República
até mais ou menos os anos 30, nós tivemos no Brasil o federalismo como uma condição para que
essa República acontecesse. A partir dos anos 30, temos aquilo que na história conhecemos por
Estado Novo, onde esse federalismo, de maneira geral, pode significar uma forma democrática de
Estado, pois mesmo existindo um poder central, este poder é partilhado com os outros entes da
federação. A partir de então, esse federalismo, essa descentralização, essa partilha de poder no
Brasil é ameaçada pelo Estado Novo, e a gente tem uma enorme concentração de poder na esfera
central. Eu não sei se vocês têm conhecimento disso, mas nessa época Getúlio Vargas, numa das
suas cerimônias de posse, marca uma posição no sentido dessa centralização, no sentido da
destruição do federalismo, queimando as bandeiras dos estados, vocês sabiam disso? Isso
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significou simbolicamente uma forma de mostrar que o poder era central. E isso dura mais ou
menos até o fim do Estado Novo, quando a gente tem uma nova tentativa de colocar na nossa
agenda a república, a democracia e o federalismo. Isso dura muito pouco porque a História mostra
que em 1964 acontece um novo ataque à ideia de se implementar o federalismo. Que ataque é
esse que acontece em 64? O golpe civil-militar. Isso dura mais ou menos até a segunda metade
dos anos 80 e de lá para cá a gente então vem tentando fazer uma nova implementação dos ideais
republicanos e federativos. Por que é que eu usei um pouco do meu tempo para compartilhar esse
resgate histórico com vocês? Para que a gente entenda que a construção, não só do SUAS, mas de
todas as políticas públicas numa República Federativa como o Brasil pressupõe o nosso
entendimento do que significa essa partilha de poder e a descentralização. No nosso caso
especificamente, como a Constituição Brasileira estabelece as competências dos três entes, mas,
ao mesmo tempo, não cria uma instância de articulação interfederada, isso acabou ficando por
conta de cada uma das políticas públicas especificamente.
Então, a saúde tem que dizer na sua formatação como vai lidar com a lógica federativa e a
articulação entre os entes federados no Brasil. A educação tem que dizer como vai fazer isso e a
assistência social também. No caso da assistência social, quando falamos do federalismo e dos
ideais republicanos da política, a gente pensa só na esfera da gestão, porque precisamos
aprimorar a relação entre União, estados e municípios. Mas eu queria dialogar com vocês que um
SUAS federativo e republicano significa pensar essa partilha de poder e essa relação entre as três
esferas, em todas as instâncias do sistema e isso inclui também as conferências.
Aqui quero abrir um parêntese para discutir uma impressão que eu tenho tido desde o início desta
conferência, mais especificamente hoje na parte da manhã. A gente cobra muito dos entes
federados, não só o financiamento, mas a qualidade dos serviços, o atendimento, abrangência etc.
O que nós estamos fazendo aqui, participando de uma conferência, é o exemplo claro e vivo de
que esse federalismo, ou seja, essa relação entre os entes federados que a gente quer que
aconteça pode também partir da qualidade que se imprime a esse processo conferencial. Por
exemplo, nós estamos numa Conferência Nacional que o CNAS tentou inovar na maneira em que o
diálogo é feito com os delegados. E eu perguntaria para vocês: nas conferências municipais e nas
conferências estaduais tem havido esforços no sentido da inovação dessa interlocução ou as
conferências municipais e estaduais ainda seguem aquele mesmo modelo, aquele mesmo padrão
de fazer aquelas mesas, as palestras com muito tempo e depois, na hora da deliberação, há pouco
tempo? E a confusão maior fica na hora da eleição do delegado? Ainda é assim? Eu entendo que
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nós devemos rever isto, porque se vocês acabaram de dar aqui um uníssono ‘sim’, que o nosso
modelo nos estados e municípios continua o mesmo; então, cabe tirar o maior proveito das
inovações que são propostas nesta Conferência Nacional para que as nossas aspirações e aquilo
que a gente quer que aconteça comecem a ter resolutividade lá no município, porque não adianta
chegar numa Conferência Nacional e querer resolver aqui. Eu não estou dizendo que nós não
devemos discutir as questões locais na Conferência Nacional. Eu estou dizendo que devemos
mudar o paradigma da centralização, da ideia da centralização do poder na esfera nacional, como
se a esfera nacional fosse resolver as particularidades dos municípios. O processo conferencial é o
maior exemplo que a gente pode dar do entendimento que temos do que significa a lógica
federativa no Brasil. E é por isso que estamos discutindo o pacto federativo nessa conferência
como eixo central da implementação do SUAS e da proposta de construir um plano para os
próximos 10 anos da Assistência Social. Então, eu queria partir dessa reflexão, em que eu trouxe
alguns elementos para a gente pensar, por exemplo, a democracia a partir da lógica republicana e
federativa.
E temos também a lógica pública e universal. Vejam os senhores que a LOAS, todo mundo aqui
conhece a LOAS? Muito bem (esse ‘sim’ foi menos uníssono do que o outro), mas eu vou partir do
princípio de que vocês conhecem a LOAS, e que lá no seu artigo 4º traz, como princípio da
Assistência Social, a universalização dos direitos sociais e no artigo 5º a primazia da
responsabilidade do Estado. E vamos aqui tentar traduzir esses dois elementos, para que a gente
possa discutir este eixo e esta dimensão de maneira a subsidiar o debate que vamos fazer nos
grupos pequenos, mas subsidiar, sobretudo, aquilo que vocês vão levar desta Conferência
Nacional de volta para os estados e para os municípios, para que possamos fazer as coisas
acontecerem lá nos estados e municípios. Então, do ponto de vista da universalização, quando o
SUAS e a LOAS trazem o princípio da universalização, nós estamos entendendo que há uma opção
pela especificidade da assistência social que não esvazia o aspecto relacional da política, ou seja,
ainda que a assistência possa ser pensada, e é nisso que a gente acredita a partir da sua
especificidade, essa especificidade não se constrói se não for em relação a outra coisa. Se não for
em relação à saúde, à educação, ao trabalho, e isso não significa que ela seja uma ação
processante, daquela política que processa coisas para as outras. Não se trata disso, mas de
pensar um universalismo onde os acessos possam ser garantidos na perspectiva da especificidade
desta política e esta especificidade só pode ser entendida em relação a, e isso traz para a gente
uma série de dificuldades, porque a gente tem muita dificuldade de construir a intersetorialidade,
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e eu quero lançar para o nosso debate esse como um dos primeiros desafios que nós temos para
avançar na construção deste plano decenal que essa conferência se propõe a subsidiar, que é a
intersetorialidade. E um segundo desafio: quando a LOAS fala da primazia da responsabilidade do
Estado, ela está falando de uma opção pela esfera pública como responsável pelo alcance e como
guardiã dos princípios e diretrizes constitucionais dos direitos sociais.
E isso nos traz o segundo desafio que eu quero colocar também para o nosso debate aqui, que é o
desafio da construção do trabalho em rede. E aí quando a LOAS diz primazia, ela não está falando
da exclusividade do Estado, não está dizendo que o Estado deve fazer sozinho, mas que o estado
tem uma responsabilidade primaz, tem uma responsabilidade primeira em garantir que os acessos
aconteçam, isso na articulação com todos os segmentos da sociedade interessados em fazer a
coisa dar certo. Então, vejam, o segundo desafio é esse trabalho em rede que nós temos que
construir. E aí eu queria caminhar para o final da minha fala… além de colocar esses dois desafios
para o debate, eu quero lançar para nós um terceiro desafio. Justamente pensando no pacto
federativo e pensando que o processo conferencial é um ator extremamente potente e
importantíssimo para que a gente possa mostrar como é que o pacto federativo funciona, eu
queria refletir com vocês a seguinte questão: todo mundo aqui sabe o que é um CRAS? Todo
mundo aqui sabe o que é Centro de Referência da Assistência Social, o CRAS? Todo mundo aqui
sabe o que o CRAS tem como diretriz? Diretriz da assistência Social que é o CRAS que viabiliza?
Que é o princípio da territorialização, já ouviram falar nisso? Pois bem, se a gente quer entender
como funciona a relação entre os entes federados, União, estados e municípios, na lógica
republicana, federativa, democrática, participativa, por que é que a gente não tenta implementar
o princípio da territorialização a partir do CRAS, como se o CRAS fosse uma pequena unidade
federada? Estou lançando aqui um desafio para vocês que estão no município começarem a
pensar nisso. Porque é que a gente não pensa o princípio da territorialização como se aquele
território fosse um pequeno país onde as relações federativas têm que acontecer? Se a gente fizer
esse exercício, a gente vai ter muito mais clareza da diversidade que acontece, da diversidade que
existe na hora da implementação das políticas públicas que devem obedecer
àquilo que a constituição diz que é responsabilidade da União, dos estados e dos municípios. E
aquilo que deve ser compartilhado entre União, estados e municípios. Já pensaram nisso? Eu
gostaria então de deixar essa reflexão aqui para vocês e gostaria que talvez na próxima
conferência quem sabe a gente pudesse ouvir: olha, Renato, você falou lá na X Conferência de a
gente fazer essa experiência, nós voltamos lá no nosso município e começamos a pensar a
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territorialização nessa perspectiva, como se o território onde o CRAS está instalado fosse uma
pequena unidade federativa e, a partir dali, a sua diversidade, as suas relações, as suas interações.
Isso é um exercício que pode dar certo. Eu não coloquei isso na fala, não, isso eu pensei aqui
agora, como nós podemos dar conta de entender melhor esse funcionamento republicano e
federativo. E a nossa experiência lá na base pode nos ajudar inclusive a enfrentar, e aí eu queria
concluir dizendo isso, a enfrentar um momento no Brasil que é muito interessante e que nós da
assistência social precisamos ter muita clareza do momento em que vivemos.
Vocês sabem que em época de Copa do Mundo todo brasileiro é um pouco técnico de futebol, não
é? Todo mundo entende, todo mundo sabe qual jogador tem que entrar, que jogador tem que
sair, não é assim? E nós estamos vivendo um momento no Brasil onde todo mundo agora é
cientista político. Todo mundo agora sabe tudo de política e todo mundo agora discute política,
isso é muito bom, mas o que eu queria chamar a atenção de vocês é que infelizmente nós estamos
fazendo o debate da política, abrindo mão daquilo que fundamenta a esfera política, que é o
diálogo. E a sociedade brasileira hoje lamentavelmente tem substituído o diálogo pela
intolerância. Então, o debate político hoje, vocês sabem disso, deve estar na vida cotidiana de
vocês, de todos nós. Quando a gente começa a discutir política hoje em dia dá briga, não dá,
gente? Ou seja, daquilo que funda a política que, o diálogo, nós estamos abrindo mão, como dizia
o Aristóteles, da política que é a arte do diálogo, pela intolerância. E isso coloca em risco todos
esses princípios que nós queremos adjetivar o SUAS, coloca em risco o universalismo, o
republicanismo, coloca em risco o federalismo, a participação, que é o que vocês estão mais
reivindicando nessa conferência, mas coloca em risco, sobretudo, a democracia. E nós queremos
construir políticas públicas democráticas e participativas. Então vamos agora para o nosso
debate… gostaria que essas reflexões pudessem subsidiar aquilo que a gente tem que discutir para
sair dessa conferência mais animados e otimistas para construir um Brasil melhor para todos nós.
Muito obrigado.”
Sra. Ângela Pérsico – Feira de Santana/BA – Relata a dificuldade que tiveram para receber as
orientações do Conselho Nacional com a antecedência necessária à realização das conferências
municipais, no sentido de seguir a mesma dinâmica da Nacional. E também esperava que os
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convidados fizessem as devolutivas após a participação dos delegados que vivem na ponta o
cotidiano do SUAS, com as especificidades das inúmeras dificuldades, inclusive nessa questão da
descentralização, das dificuldades pelos atrasos nos repasses, com CRAS fechando como já foram
denunciados. E também sobre as fragilidades do SUAS, não sendo só problema da conferência e
conselho, mas cada um fazendo o seu papel. Relata que não se tem monitoramento, vigilância
socioassistencial, a presença do estado vivo nas supervisões. E conclui afirmando a importância do
trabalho em rede, mas que geralmente o CRAS acaba assumindo tudo o que não é resolvido na
saúde, na educação e na própria gestão da assistência social.
Sr. Aparecido Oliveira – Cabrália – Parabeniza o Dr. Rômulo Paes e Dr. Renato de Paula pelas
colocações e retoma as questões sobre a consistência da política e a diferença entre o que está na
lei e o que é realmente feito. E ressalta o tema da crise que gera oportunidades e os
embasamentos históricos do federalismo e o trabalho em rede. Traz uma reflexão perguntando
para quem é mesmo o SUAS público, os desafios do cotidiano, a interferência da questão política,
do poder econômico influenciando a gestão, tirando assim o foco muitas vezes daquilo que é
oferecido e para quem é de direito. A importância de colocar o usuário no centro da “gerência e
da fiscalização”, através de organismos mais fortes, públicos e locais, garantidos pela
descentralização. “O recurso é alocado e cabe às comunidades interagirem, mas de uma forma
democrática, de uma forma direta e corajosa, agindo mais em conjunto, participando, porque na
hora de reclamar é muito fácil, aparece um monte, mas na hora de participar e construir são
poucos que aparecem.”
Sra. Cízia de Assis – Paraíba – Ressalta o grande avanço e também o grande desafio que é o
trabalho social com famílias no âmbito do Programa de Atenção Integral à Família (PAIF) e do
Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI). Na sua visão, a
primeira dificuldade é atender ao critério de referência para 5 mil famílias no território com uma
equipe de quatro técnicos num CRAS, sendo irreal esse referenciamento. Do mesmo modo, relata
as dificuldades do número de profissionais que atuam no PAEFI e nas unidades,
independentemente do porte do município, para assegurar atendimento especializado de
diferentes violações de direitos, onde cada uma tem sua complexidade. Reafirma o orgulho que
tem de todos os atores que estão nessa conferência, inclusive o próprio MDS, que tem contribuído
e feito avançar bastante a consolidação da política da assistência social e buscado qualidade nos
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serviços. Aborda o tema da intersetorialidade, chamando a atenção para o risco de misturar o que
é privativo de cada política pública, exemplificando o caso da Paraíba, informando que o MDS
publicou uma portaria em que estabelece as atribuições dos CRAS, CREAS, Centros-Pop e as
comunidades distribuidoras do programa de aquisição de alimentos. E que em alguns municípios
do estado da Paraíba, acreditando que issoi ocorra em outros estados também, são os CRAS e
outras unidades socioassistenciais que estão distribuindo cestas hortifrúti. Assim, Cízia solicita que
o MDS revise essa publicação, porque segundo ela, “a gente não fortalece o PAEFI dessa forma,
pelo contrário, a assistência social se torna assistencialista. Obrigada”.
Sr. David Santos Miranda – Mato Grosso do Sul – Apresenta-se como conselheiro do CRAS do
Jóquei Clube e também da Casa dos Conselhos e CMAS. Ressalta que se interessou pela fala do
Professor Renato, quando este afirmou que temos que começar a ver nossos problemas “lá de
casa, lá do município, lá de onde a gente está”. E que exige para Dourados, a segunda capital de
Mato Grosso do Sul, uma conferência só para os conselhos dos usuários “que estão juntos, que
falam a mesma linguagem, que tem como saber onde vamos e onde não vamos”. E também
convoca a assistência social para fazer uma reunião com a população em geral, para explicar o que
significa o SUAS, que muitas vezes “a gente vai falar: olha, eu vou numa reunião do SUAS, ah, do
SUS? Não, o SUAS, que todo mundo sabe que é aquela Secretaria Social. Então, temos que abrir
mais o olho da população, como o colega acabou de falar que na hora de cobrar, na hora de brigar
aparece muita gente, mas quando ch, fazer qama para participar, poucos vêm. Então temos que
fazer mesmo um chamamento, avisar na mídiaualquer coisa para convocar o pessoal para poder
chegar até lá. Meu muito obrigado”.
Sra. Luciana dos Santos – Populina – São Paulo – Ressalta a importância da participação, numa
conferência nacional, dos municípios de pequeno porte 1 e 2, que realmente são a maioria dos
municípios do país e também em ver os profissionais engajados na luta pela garantia de direitos.
Sugere uma reflexão no sentido de avaliar se na prática do dia a dia “estamos realmente nos
apropriando do conhecimento suficiente para fortalecer a nossa atuação, principalmente quando
se fala em recursos financeiros, orçamento e financiamento”. E acrescenta reforçando que,
enquanto trabalhadores do SUAS, enquanto profissionais que visam assegurar direitos, devem
saber realmente com o que trabalham, o quanto trabalham, não devendo ser só conhecimento
privativo dos gestores, mas sempre compartilhado com os trabalhadores, porque só assim haverá
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Sra. Télcia Lamônica – Londrina – Paraná – Inicia sua fala, manifestando seu constrangimento
pelo fato de que houve poucas manifestações do poder público no período da manhã. Se
apresenta como gestora municipal de Londrina, trabalhadora do SUAS e da Política de Assistência
Social há mais de 20 anos. Reconhece as diversas realidades do Brasil e a impressão de que “o
poder público e sociedade civil, trabalhadores e usuários, ficam em pontas diferentes”. Mas
defende que todos devem estar na mesma luta pela construção e consolidação desse sistema no
Brasil. E que todas as questões colocadas pela manhã realmente sejam superadas nos municípios.
Sugere uma reflexão sobre o pacto federativo, sobre como concretizar a responsabilidade dos três
entes da federação. Lembra que na efetivação dos serviços locais, embora tenha havido
crescimento no cofinanciamento do Governo Federal, nos vários processos de reordenamento que
impactaram em valores, há ausência do estado no cofinanciamento ou pouquíssima participação,
o que tem acarretado sobrecarga para os municípios. Reitera a necessidade de se encontrar uma
forma mais concreta de responsabilização no cofinanciamento e no acompanhamento por parte
dos estados junto aos municípios. E também uma análise sobre a manutenção e implementação
dos serviços, considerando que muitos municípios de pequeno porte, aproximadamente 80%, tem
ainda estruturas muito pequenas, muito precárias, poucos profissionais, estruturas
compartilhadas e pouco aporte de recursos aos municípios, o que demanda a responsabilização
dos estados no cofinanciamento.
Sra. Maria Rosilene – Rio de Janeiro – É assistente social e trabalha num CRAS na capital.
Ponderou que a Conferência que trata de avaliar o SUAS que temos e o SUAS que queremos para
os próximos 10 anos tem dado espaço a vários debates sobre todos os aspectos da gestão,
repasse, política, serviços, enfatizando, no entanto, que se não houver a devida valorização da
mão de obra humana que está no SUAS, não haverá os avanços esperados. Exemplificou com
municípios do estado do Rio de Janeiro que estão fazendo concurso público, indicando salário de
R$ 788,00 para assistentes sociais, psicólogos e outros profissionais, “o que é uma vergonha”. E
fez uma convocação a todos os trabalhadores do SUAS para essa luta em defesa da melhoria das
condições de trabalho, afirmando que “esse é o momento, porque estamos numa Conferência
Nacional, assim como ontem gritamos todos juntos que não vai haver golpe, querendo que nossa
representação chegue onde tem chegar. Da mesma forma, temos que usar esse espaço para fazer
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com que o piso salarial do trabalhador do SUAS, de todos eles, nível superior ou não, seja
estabelecido. Trabalhador do SUAS tem que ter condições dignas de trabalho; trabalhador do
SUAS tem que ser tratado com respeito e dignidade desde esta Conferência Nacional”.
Sra. Telma Maria de Albuquerque – Manaus – Amazonas – Apresenta-se como representante das
pessoas com autismo, enaltecendo a fala dos palestrantes sobre justiça social, participação social,
igualdade, mas acrescentando que, para a pessoa com deficiência, faltou a palavra respeito. E faz
uma observação em relação ao Caderno das Deliberações sobre as poucas prioridades para as
pessoas com deficiência. E afirma que falta conhecimento sobre programas específicos como o
“Viver Sem limite, a convenção da ONU e outros”. Reconhece que as prioridades apresentadas não
vão contemplar jamais as necessidades de pessoas com autismo, como é o caso de seu filho e
também de outras associações de autismo que existem Brasil afora. Faz um apelo para que os
vários grupos, de acordo com cada dimensão, que vão analisar as deliberações, incluam serviços
como os Centros-Dia, Residência Inclusiva, Transporte acessível, que atende a todos e não só às
pessoas com deficiência.
Sra. Dirce Koga – São Paulo (SP) – Manifesta sua preocupação com o debate em torno do pacto
federativo, de modo que não seja confundido com territorialização. Entende que a esta última é
muito específica e implica uma forma de gestão, sendo que o pacto federativo é outra forma de
gestão que não necessariamente a operacionalização da política. Segundo ela, a territorialização
só pode nascer do chão, não pode vir de cima para baixo. Nesse sentido, aponta que já se tem
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experiências nessa área, mas ressalta o perigo de se confundir o CRAS como uma instância da
federação. “O CRAS é espaço de serviço, de prestação de serviço e não se pode exigir dele uma
responsabilidade de algum ente federativo ainda que seja numa alusão ou comparação.”
Sra. Evanir – Macaíba – Rio Grande do Norte – Apresenta-se como usuária dizendo que o faz “de
coração”, e lembra o público que são 2.226 delegados e 228 usuários, mostrando que “são
minoria, mas protagonistas”. Diz não saber usar palavras bonitas, sabe da realidade de ser uma
usuária dessa história da vida real. Faz a seguinte colocação: “O que nós fazemos como usuários
para que os profissionais que vêm a cobrir a área saiam daqui profissionalizados? Foi falado de
concurso público, mas que estão ganhando menos que um salário-mínimo. E é daqui que temos
que apoiar o profissional, o concurso público e um piso salarial, para que ele aprenda, para que
tenha o estudo e que a pessoa saia daqui satisfeita, porque nós usuários sofremos quando o
gestor leva o seu assistente social, leva aqueles que estavam cuidando de nós. Então que se crie
hoje aqui um piso salarial, um curso profissionalizante para cada um da assistência social, para que
saibam cuidar de nós. Como usuária cheguei lá em 2012 e fui bem acolhida. E hoje eu sei
reconhecer o que é um CRAS, eu sei porque estou até hoje como usuária, mas faço um trabalho lá
ajudando. Somos ponto de referência do CRAS e podemos dizer: é assim, tem pessoas que não
prestam, mas tem muitas outras que prestam. E o que é que nós podemos fazer?”.
Sra. Miriam Correa – São Paulo – Integrante da delegação do estado de São Paulo, faz parte do
Conselho de Políticas Públicas para as Mulheres e iniciou a fala demonstrando sua preocupação
pelo fato de tema ainda não sido tratado na conferência, enfatizando a relevância da questão de
gênero, da diversidade e do respeito pelas mulheres. Diz que a palavra “diálogo” chamou sua
atenção durante as reflexões, termo que entende transmitir a intersetorialidade nos serviços da
Secretaria de Assistência Social, nos serviços dos CRAS, dos CREAS e dos Centros Pop. O diálogo
leva a interagir com diversos outros setores, tendo o CRAS como porta de entrada e
encaminhamento para as diversas políticas públicas no município e no estado. No entanto,
ressalta a dificuldade, afirmando que “o ego é muito grande entre os nossos pares. E acredito que,
assistente social não deixa de ser assistente social na saúde, não deixa de ser assistente social na
educação, não deixa de ser psicólogo na saúde e não deixa de ser psicólogo na educação. Então,
onde está o erro e o porquê dessa diferenciação e essa falta de união entre nossos
companheiros?” Propõe que essas reflexões feitas na conferência sirvam para repensar a
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intersetorialidade, o papel que os profissionais têm que desenvolver e sobre as dificuldades que
têm sido cotidianamente enfrentadas. Conclui, conclamando mais diálogo, maior aproximação
entre os profissionais e serviços, para que o usuário seja bem atendido e bem representado nas
políticas públicas.
Sr. Francisco Bispo – São Miguel da Baixada Grande – Piauí – Reconhece a importância das
pessoas virem de tão longe para defender os interesses de todo o país e apresenta sua
preocupação com os problemas de toda a natureza, desde a hospedagem até a alimentação.
Expressa ainda sua preocupação por ser a conferência um espaço dos delegados para defender e
debater os interesses da sociedade, mas ter se “transformado num verdadeiro palco de defesa do
governo. Este espaço é um espaço meu, seu, de cada delegado para defender o interesse do povo
brasileiro, o interesse da sociedade e do nosso país. Então nós estamos aqui porque nós queremos
resposta – é dinheiro público que está em jogo. Em 2013 nós estivemos aqui em 13 de dezembro,
foram quatro dias de conferência, e tudo que nós aprovamos aqui quase nada se fez. Não se pode
repetir mais este erro – o que nós temos de fazer de fato é cobrar cada delegado e delegada para
que se cumpra o que é aprovado aqui durante essa conferência. Eu tenho a capacidade de
reconhecer de fato que mudou muito nesses 10 anos. Mas aqui não está se discutindo quem fez e
o que se deixa de fazer. Aqui estamos abertos ao debate, ao diálogo para tratar de assunto para
10 anos, da construção de um plano para 10 anos. E esse momento eu espero que, de amanhã em
diante, de hoje em diante seja tratado de fato os interesses do qual aqui viemos representar”.
Sra. Marlene Severo – Fortaleza – Inicia sua fala manifestando sua insatisfação por não ter
conseguido falar até aquele momento, mesmo tendo apresentado seu crachá, nas outras duas
rodas de conversa. Apresenta-se como gerontóloga, 59 anos de idade, e 35 anos de experiência
com a pessoa idosa, lamentando que até o momento, não havia sido tratado esse tema. Solicita
que os convidados nas suas exposições falem também sobre esse segmento dos “excluídos dos
excluídos”. Aponta que apesar do SUAS ter 10 anos e a tipificação, seis anos, “ainda hoje não tem
definido piso de atenção para a pessoa idosa; tem para a criança, o adolescente, mas para a
pessoa idosa não tem. Porque ela não é vista; quando se fala em dignidade, respeito, liberdade,
todos os direitos que uma pessoa tem, parece que a pessoa idosa não existe, talvez porque ela
não tenha poder para guerrear, muitas vezes porque ela já está sem forças. Então, o que eu queria
deixar para vocês aqui é a minha indignação e dizer para vocês o seguinte: eu não vou parar de
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lutar enquanto eu estiver viva, não quero para minha velhice os abrigos que eu vejo hoje aí,
nenhuma opção e ainda cada vez mais sucateados. Não se dá um olhar para as pessoa que estão
lá, que precisam. E eu jamais seria louca de dizer que eu não posso precisar de um abrigo. Então,
eu gostaria que vocês também tivessem atentos a isso, porque ninguém aqui pode dizer que não
vai precisar de um abrigo”.
Sr. William – Minas Gerais – Aborda dois temas, sendo o primeiro, em relação à importância da
união entre as entidades de Assistência Social e a área governamental, explicando que muitas
vezes o serviço que é do órgão gestor da assistência social vai para uma entidade. William é
representante de usuário, mas também representante de entidade, presidindo o Conselho
Vicentino. E afirma que “muitas vezes o serviço da assistência social sobra para nós, que a
assistência social pede para nós o serviço que é dela, de visitar e de ver se a pessoa precisa ou não
realmente do serviço de assistência social”. Nesse sentido, reforça a necessidade do trabalho
conjunto entre a sociedade civil, entidades e órgão gestor, entendendo que um não trabalha sem
o outro. E o segundo tema trata das dificuldades enfrentadas pelos asilos, “a entidade ‘asilo’ que
chamam de obras unidas ‘de casa de repouso’”, sugerindo que o órgão gestor acompanhe mais
porque, segundo ele, existem muitas entidades de asilos que estão fechando por falta de verbas.
Sra. Adelina – Brasília – Distrito Federal – Apresenta-se como “baiana de cocos com muito
orgulho e vim morar em Brasília por problema de doença e estou aqui até hoje, precisando de
uma casa para morar, porque eu crio cinco netos e pago aluguel. Então eu queria também dizer
que às vezes as pessoas falam muito da Dilma… porque, assim, eu vou comprar um remédio na
farmácia que custava R$ 10,00, agora é R$ 20,00. Quem mandou você votar na mulher? Aí eu falo
assim: não, na próxima política você me mostra quem está com estrela para eu votar, porque o
que eu tenho que dizer é isso. Agora a Dilma pode ser ruim em outro lugar, mas na minha Bahia
foi a melhor presidente que teve no Brasil. Eu vim para Brasília e sou conhecida de todos os
hospitais aqui. E aqui eu sou bem atendida em qualquer hospital que eu vou, conquisto tudo que
eu quero. Vi os doentes da Bahia tudo para minha casa, quando chegava aos hospitais a primeira
coisa que fazia era para saber se tinha doença de Chagas, porque todos os baianos que vinham de
lá estavam com Chagas, o coração do tamanho do coração de um boi. Não era fácil para mim,
então lá hoje todo mundo tem casa boa para morar, todo mundo tem um tanque de água, todo
mundo bem organizado nas casas. Então eu tenho que parabenizar a Dilma, que nem tudo que o
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povo fala é verdade. Às vezes o povo fala mal dela e pode entrar outro pior do que ela, que pelo
menos no exterior ela foi uma grande presidente e que Deus a abençoe. E não importa a crítica
que o povo faz”.
Convidados:
Márcio Pochmann
Graduado em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tem doutorado em
ciência econômica pela Unicamp (SP), onde também exerce a função de professor e é livre
docente nessa universidade.
“Esta grande conferência tem um papel histórico de refletir a trajetória que permitiu chegar até
esse momento na construção da cidadania, do processo de inclusão social brasileiro, e ao mesmo
tempo também a oportunidade de fazer uma boa reflexão a respeito dos desafios em que nos
encontramos, e para quais caminhos devemos direcionar nossa luta, a luta pela transformação do
Brasil. Antes até de expor a minha fala muito brevemente, eu gostaria de solicitar que as pessoas
que estiverem participando pela primeira vez de uma conferência que levantem o braço para dar
uma ideia da constituição, os que estão participando pela primeira vez. Temos uma boa
participação, talvez um terço, 40%, se o olhar me permite, de companheiros e companheiras que
estão participando pela primeira vez de uma conferência dessa natureza.
O tema que eu vou abordar aqui é basicamente apresentar o segundo ciclo de transformações na
relação do trabalho com a vida, de certa maneira abrindo um pouco o tema para que a professora
Maria Carmelita possa expor de forma mais concreta a realidade do trabalho de vocês que levam
avante o SUAS nesse país. E o que eu poderia dizer de uma forma muito objetiva? Segundo nosso
modo de ver, estamos diante de uma segunda grande transformação da relação do trabalho com a
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vida, não apenas a realidade que vocês possuem na atuação do dia a dia, mas olhando o conjunto
dos trabalhadores. Para chamar a atenção a esta transformação que nós estamos vendo agora,
uma segunda grande transformação, como impacta nossa vida, e como a nossa vida de certa
maneira termina sendo condicionada pela natureza do trabalho que vocês exercem, que tem a
natureza de um trabalho de serviço, e hoje o serviço basicamente representa as maiores
possibilidades de geração de emprego, não apenas no nosso país, mas em grande parte dos
países. E esse trabalho de serviços muito diferente do trabalho de maneira geral que predominava
no nosso país, que era o trabalho material, o trabalho vinculado, por exemplo, na agricultura, na
pecuária, na indústria, na construção civil. Nós estamos falando no serviço como sendo o trabalho
imaterial, é um trabalho que não resulta a partir do esforço físico e mental do homem e da mulher
em algo concreto, palpável, tangível. Na indústria, na agricultura, na construção civil o esforço
físico e mental do homem e da mulher produz algo concreto, palpável, tangível. Um pé de alface,
uma plantação na agricultura, uma ponte, uma fábrica na construção civil, uma camisa, um
calçado, um automóvel na indústria. Então, o esforço físico e mental no trabalho material resulta
em algo concreto e palpável. Nos serviços não há essa materialidade; pelo contrário, o esforço
físico e mental resulta em trabalho, mas um trabalho que é intangível, que é cada vez mais
condicionado pelo conhecimento, pela capacidade de o ser humano exercer sua atividade sem a
obtenção de algo concreto como é a natureza do trabalho imaterial.
E essa mudança é muito importante porque coloca em xeque o sistema de regulação de trabalho,
e as formas de representação dos trabalhadores; coloca em xeque as formas de remuneração
deste tipo de trabalho e também a relação do trabalho com a vida. Para chegar a essas mudanças
eu gostaria de fazer aqui um breve retorno a uma importante mudança que ocorreu há uns 100,
200 anos atrás no Brasil, que foi a transição do antigo trabalho agrário para o trabalho industrial. E
é desta transição que surge o Estado que nós conhecemos hoje, que surge as formas de regulação
do trabalho que nós temos hoje, que é justamente essa transição do trabalho agrário para o
trabalho industrial, trabalho urbano. Na sociedade agrária o que acontecia? A expectativa de vida
média da população encontrava-se ao redor dos 34, 35 anos de idade. As pessoas começavam a
trabalhar aos cinco, seis anos de idade, ajudando em casa ou na lavoura, na pecuária. As pessoas
trabalhavam e moravam no mesmo lugar, moravam e trabalhavam na fazenda. Começava-se a
trabalhar aos quatro, cinco anos de idade, trabalhava-se praticamente até morrer, aos 34, 35 anos
de idade. Por quê? Porque não havia sistema de aposentadoria, pensão, não havia sistema
educacional para as crianças. Então estamos falando do Brasil do século XIX. Se nós fôssemos fazer
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um evento como esse em 1915, bom, dificilmente eu teria condições de participar de um evento
como esse em 1915 porque a expectativa de vida do brasileiro era de 35 anos de idade, mas
infelizmente já passei dessa faixa etária. A presença feminina na sociedade agrária seria residual,
por quê? Porque as mulheres, assim como os homens, viviam em média 34, 35 anos de idade, e as
mulheres tinham cerca de 10 a 15 filhos ao longo de seu ciclo de vida. Portanto, a possibilidade da
mulher exercer alguma atividade fora de casa, fora do lar, era muito difícil, era muito restrita.
Estamos falando de uma sociedade do trabalho agrário em que predomina o sexo masculino, que
é mais valorizado nessa circunstância. Mas a transição para o trabalho industrial, o trabalho na
cidade, é na verdade um trabalho de novo tipo, um trabalho exercido na fábrica e, portanto, há
uma separação do tempo da vida com o tempo do trabalho. Não é possível levar para a fábrica as
crianças; então há uma separação das crianças dos pais porque em geral o pai e a mãe vão sair
cedo de casa, 5 horas, 6 horas, para se deslocar até o local de trabalho e voltarão mais
tardiamente. Então, temos a separação, uma mudança na estrutura das famílias, em vez de
famílias com 10, 15 pessoas, vamos agora ter famílias de cinco, seis pessoas, dois adultos e quatro
ou três crianças. Nesse trabalho material na indústria há uma atenção muito grande em relação à
jornada de trabalho, pois as jornadas de trabalho na sociedade agrária, em que as pessoas
começavam na hora que o sol aparecia às 5 horas, 6 horas e trabalhavam até o final do dia,
quando o sol se punha. Portanto, estamos falando de jornada de 12, 13, 14 horas diárias.
Obviamente que esse tipo de jornada na indústria, que é muito mais intensiva, gera tensão e
conflito, e nós teremos a construção de uma jornada semanal de trabalho de 40 horas, 44 horas,
48 horas semanais; portanto, uma jornada menor, a chamada semana inglesa que se trabalha 8
horas a cada cinco dias, e se folga em geral dois dias por semana. Não apenas essa mudança
importante, como também a introdução da criança e do adolescente no mercado de trabalho que
antes ocorria aos cinco, seis anos de idade, vai se dar a partir dos 15, 16 anos de idade. E depois de
percorrido 30, 35 anos de trabalho, o cidadão se aposenta e poder viver cinco, seis anos na
inatividade, sem precisar trabalhar. São conquistas importantes do trabalho da era industrial,
conquistas que foram herdadas de muita luta, muita pressão popular. Esse período é importante
porque nós ultrapassamos a expectativa média de vida de 34, 35 anos na sociedade agrária, para
uma expectativa de vida de 50 anos, 55 anos de idade.
Bom, mas isso diz respeito à primeira transição do trabalho agrário para o trabalho industrial. Eu
iniciei falando que nós estamos vivendo uma segunda transição, um segundo ciclo que decorre
justamente da transição do trabalho industrial para o trabalho de serviços, que é o que
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predomina. Hoje praticamente 4/5 dos postos de trabalho abertos no Brasil são postos de
trabalho no setor terciário, no setor de serviços da economia. E não apenas é um trabalho
imaterial como explicávamos no início, mas é também um trabalho cada vez mais vinculado à
presença das tecnologias de informação e comunicação. Está cada vez mais presente no nosso
cotidiano, mas também no trabalho a internet, o telefone celular, o computador, o iPad, o iPod, os
vários novos instrumentos da tecnologia de informação que estão acoplados ao trabalho e à vida.
Bom, o que significa isso? Significa que na verdade nós estamos expostos a jornadas mais
intensivas de trabalho, mas também jornadas extensas de trabalho, porque acontece que, no
trabalho imaterial, há a possibilidade desse trabalho se tornar portável, eu posso realizar o
trabalho imaterial não apenas no local específico onde eu estou contratado, mas eu posso levar
esse trabalho para outros lugares, para além daquele específico lugar determinado onde eu sou
empregado. Isso faz com que na verdade haja uma extensão da jornada de trabalho, porque as
pessoas levam o trabalho para casa, sonham com o trabalho, dormem com o trabalho, estão
plugados com o trabalho. A internet nos faz permanecer conectados com o trabalho, os novos
métodos de gestão do trabalho, de certa maneira gestão compartilhada do trabalho, as
remunerações de acordo com metas de produção, metas de vendas, nos impõem, na verdade, um
vínculo direto com esse trabalho.
Portanto, é uma etapa em que há uma exploração crescente do trabalho por força da
intensificação do trabalho no local, mas também pela sua extensão. Pesquisas realizadas na
Inglaterra com trabalhadores e serviços que utilizam tecnologia de informação e comunicação
apontam que naquele país, por exemplo, não existe mais a semana inglesa para esses
trabalhadores, porque eles levam trabalho para casa, chegam à noite e estão conectados no
computador com a internet, interados com o trabalho. Essa pesquisa demonstrou que as pessoas
voltam sexta-feira para casa e continuam conectados, e só desconectam com as tecnologias de
informação no sábado à tarde, mas já no domingo de manhã voltam a estar conectados. Essa é
uma outra realidade, pois nos diziam há 20, 30 anos, antes das inovações tecnológicas, que nós
teríamos uma vida mais disponível, maior tempo de vida, mas também maior tempo livre de vida.
E nós estamos vivendo uma sociedade cuja expectativa de vida aumenta dos 60 anos para 100
anos de idade. As gerações que estão nascendo, nasceram na década passada, vão nascer nessa e
na próxima década, vão viver em média 100 anos de idade. Quem chega ao Brasil nos dias de hoje
na chamada fase sexagenária que, segundo o IBGE, tem uma expectativa de viver mais 22 anos, vai
a 82 anos de idade. Portanto, é uma sociedade muito diferente, uma sociedade em que as
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instituições começam a ser questionadas, por exemplo, a instituição casamento, que é uma
instituição inventada na sociedade agrária em que as pessoas viviam 35, 38, 40 anos de idade,
então casava aos 15, 20 anos e morava com a pessoa durante 15, 20 anos, e a vida se encerrava
ali. Nós estamos falando agora de uma sociedade em que as pessoas vão viver 100 anos, casam
aos 20 e vão viver 100 anos, 80 anos com a mesma pessoa, o amor é lindo, mas obviamente que
isso implica transformações significativas na sociedade, mudanças na questão de gênero, as
mulheres têm tido melhor desempenho escolar, por exemplo. As novas oportunidades de trabalho
em geral são oportunidades em que a mulher se sobressai ao homem. Então, essa é uma realidade
que nos coloca agora situações que nós não imaginávamos, o casal recém-casado tem filhos e
quem vai ficar cuidando da criança: a mulher que ganha mais ou o homem que ganha menos?
São questões de gênero que estão sendo abertas, e que precisam ser melhor analisadas, pois isso
consagra na verdade um novo código do trabalho, pois o código que nós temos é um código que
se relaciona com o século passado da era industrial. Como medir a jornada de trabalho, se as
pessoas estão trabalhando não apenas no local específico, mas também levando o trabalho para
casa? Na sociedade do trabalho material eu não podia levar um pedaço da fábrica de construção
de automóvel para minha casa. Eu não podia levar um pedaço do canteiro de obra da ponte para
minha casa, não podia levar uma parte da produção da fazenda para minha casa, mas o trabalho
de serviço eu posso levar para casa. Imagino que aqui muitos estão acompanhando, mas também
de olho na internet, atendendo a alguma chamada, estão conectados com o trabalho. Se há mais
trabalho, há mais riqueza, se há mais riqueza é possível evidentemente distribuir mais.
E o que significa isso? A redução da jornada de trabalho, criar novas condições para que o trabalho
possa ser de fato efetivo no local do trabalho. É preciso pensar o ingresso no mercado de trabalho,
não aos 15, 16 anos de idade, mas depois da conclusão do ensino superior. Se a pessoa vai viver
100 anos de idade, para que iniciar muito cedo? No Brasil de hoje os filhos dos pobres estão
condenados a iniciar muito cedo no mercado de trabalho, os filhos dos ricos entram depois,
depois de ter estudado, ter feito a universidade, a pós-graduação, e aí eles entram para ocupar os
principais cargos do país. Portanto é preciso na verdade considerar essa nova realidade do
trabalho imaterial, dos serviços, ela abre uma grande possibilidade de relacionarmos melhor o
trabalho com a vida, reduzindo a parte do trabalho na nossa vida, e abrindo, na verdade, a
oportunidade do trabalho criativo, do trabalho autônomo, do trabalho comunitário, do trabalho
em vida coletiva. São oportunidades que nós temos… Como dizia alguém no século XIX: só se
consegue mudar a realidade quando a gente conhece a realidade. E eu não tenho dúvida que um
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evento como esse que parte do pressuposto que é melhor, é necessário conhecer melhor a
realidade para transformá-la, e é esse o caminho que eu espero que a gente possa seguir aqui
nessa grande conferência. Muito obrigado pela oportunidade.”
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Assistente social, mestre, doutora em serviço social pela PUC-SP; fez pós-doutoramento pelo
Instituto de Estudos Avançados da USP em São Paulo no âmbito de fundamentos políticos e ideias
contemporâneas. É professora do curso de pós-graduação da PUC-SP. Foi também a primeira vice-
presidente do Conselho Nacional de Assistência Social. A Professora Carmelita participou
palestrando em todas as 10 conferências de assistência social.
“Muito boa tarde aos presentes. É com muita satisfação que eu partilho com vocês algumas
reflexões para o debate obviamente, sobre as condições dos trabalhadores do nosso Sistema
Único de Assistência Social no contexto desse segundo ciclo de relações de trabalho, e em tempos
políticos e sociais tão complexos, tão acelerados, que nos colocam diante de inúmeros desafios,
inclusive diante do enorme desafio de trabalhar na contradição e na ambiguidade. Pois os
trabalhadores da assistência social vivenciam no seu cotidiano de trabalho as consequências das
transformações que caracterizam atualmente o mundo do trabalho, mas, mais do que isso, as
consequências das transformações, políticas, sociais, culturais, entre as quais eu incluo a força
feroz do renascimento do pensamento conservador. Como lembra a Professora Raquel Raichelis,
as transformações que o mundo do trabalho vem experimentando nas últimas décadas
caracterizam uma nova era de precarização estrutural do trabalho, de acordo com Ricardo
Antunes. Estas incidem tanto nas condições do uso da força de trabalho, como nas suas formas de
contratação e gestão, diante das novas exigências de flexibilização e de precarização.
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Para vocês terem uma ideia, programas de transferência de renda existem em todos os países da
América Latina, em diversos países da Europa e da África. Obviamente os trabalhadores do SUAS,
com suas diversas formações, sofrem as consequências desse quadro, desse contexto de
mudanças, no mundo do trabalho, sim, mas há retorno no mundo da política, no mundo da
cultura, no mundo dos valores, e se veem submetidos a muitos constrangimentos no seu cotidiano
de trabalho. Essa é uma frente a ser analisada e enfrentada pelos trabalhadores do SUAS. Eu
entendo que o melhor caminho para enfrentar essa situação de precarização e intensificação do
trabalho, apesar do peso determinante, estrutural conforme foi apontado aqui pelo professor
Pochmann. A grande alternativa para enfrentar as sequelas dessas transformações se dá no
âmbito da organização coletiva. Eu não entendo que haja saídas individuais no campo do trabalho
dos trabalhadores do SUAS. Nós temos alguns mecanismos, alguns espaços que devem ser
fortalecidos, ocupados, como o fórum dos trabalhadores, a mesa de negociação, as ações das
entidades dos assistentes sociais, dos psicólogos e de outros profissionais que estão buscando
articular a luta que não é só de um trabalhador, mas uma luta coletiva como deve ser o trabalho
com os usuários também numa dimensão sempre coletiva.
Alguns dados sobre os trabalhadores do SUAS, os dados que me foram fornecidos muito
recentemente pelo próprio MDS, extraídos do Censo SUAS e de outras fontes: nós temos hoje
como trabalhadores do SUAS 597.432 pessoas. Quase 600 mil trabalhadores. Destes, 270.571
estão na rede estatal. E 326.861 na rede privada. Além daqueles considerados formalmente
trabalhadores do SUAS, nós temos um número de voluntários que alcança aproximadamente 190
mil pessoas, o que vai implicar consequências como nós todos que cotidianamente estamos nas
entidades sabemos. Bom, como é que estão distribuídos esses trabalhadores? Eu tenho mais
dados sobre os assistentes sociais, que é o meu campo de formação e de exercício. 75% deles
estão no âmbito municipal, nos municípios; 3% na gestão estadual; e 22% na rede privada, embora
seja essa rede que tem o número maior de trabalhadores. A questão dos vínculos é extremamente
variada, mas, em média, nós temos por volta de 41% desses trabalhadores com vínculos
permanentes, estatutários; 8% CLT; 9% comissionados; e outros 42% sem vínculos permanentes,
com vínculos estáveis, precários.
Nós temos ainda um grupo significativo de trabalhadores com situações de trabalho bastante
instáveis. Na última Conferência Nacional de Assistência Social, eu acompanhei a questão do
trabalho também. Lá apareceram muito fortes dois pontos que parecem permanecer e que eu
estou retomando: a precarização. A precarização do trabalhador, principalmente dos
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trabalhadores que têm contratos sem vínculos permanentes, são trabalhadores terceirizados,
trabalhadores contratados por tarefa, com responsabilidades, por exemplo, de acompanhar a
assistência social em mais de um município, mantendo as históricas relações de subalternidade
dos trabalhadores da área social do âmbito da própria seguridade. Essa questão aparecia lá e
ressurge esse ano como decorrente das fragilidades do cofinanciamento da política de trabalho.
Nós sabemos que na área, no Brasil de um modo geral, a questão dos recursos humanos, a
questão dos trabalhadores da área pública constitui um desafio para a administração. Situação
que na assistência social ganha complexidade por causa desses 42% de trabalhadores sem vínculos
permanentes, e também em razão do número de voluntários que atuam no campo.
Uma história que já vem, se você retomar um pouco a história do Brasil como o professor fez, quer
dizer, vem pelo menos dos anos da sociedade industrial, marcada pela tradição de não política.
Basta lembrar da LBA criada pelo Getúlio Vargas e que traz uma política de convênios, uma política
gerida por mulheres, quando as mulheres vão para o mundo do trabalho, elas vão para três
profissões: assistência social, enfermagem e educação. Foram as primeiras profissões consentidas
ao perfil da mulher, que se achava que cabiam no perfil da mulher. As atividades desses
trabalhadores no SUAS se distribuem em atividades de gestão, de modo geral atividades
relacionadas à gestão, à prestação de alguns serviços, como o PAIF, como o PAEFI, a convivência
familiar e o fortalecimento de vínculos. A operacionalização das medidas, o acompanhamento de
medidas e operacionalização de medidas socioeducativas, como prestação de serviços
comunitários, liberdade assistida, abordagem social e atualização do CadÚnico, atualização
cadastral. Em linhas gerais, os trabalhadores vêm colocando no âmbito dos seus questionamentos
uma lista de questões que parecem ainda serem objeto das preocupações daqueles que
trabalham – a questão da contratação temporária, os baixos salários, a precariedade de recursos
materiais disponibilizados para desenvolver o trabalho, a morosidade, a burocratização no repasse
de recursos destinados à gestão do trabalho, o desvio desse dinheiro para outras prioridades etc.
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censo comum, sem o entendimento do que está por trás deles. Em relação ao trabalho com
famílias, já que eu mencionei o pensamento conservador, há o risco insidioso de uma perspectiva
conservadora no trabalho com essas famílias. A ilusão de que se resolvem muitas questões no
âmbito das famílias, no campo individual, há uma perspectiva muito forte de individualização dos
serviços, quando sabemos que muitas das questões que alcançam a vida das famílias têm a sua
raiz em conflitos e contradições da própria sociedade capitalista, conflitos de natureza macro,
societária, ou conflitos que dizem respeito a outras dimensões da vida, não apenas a classe, a
classe fundamental obviamente, mas a questão de gênero, a questão de etnia tem um peso muito
grande nos grupos com os quais trabalhamos.
Para finalizar é importante lembrar que, obviamente, as políticas sociais, e entre elas a Assistência
Social, têm limites de ordem estrutural, que agravam a sua baixa efetividade. É preciso lutar num
sentido um pouco mais amplo, criar condições de resistência nessa população, sempre
coletivamente; criar espaços para o protagonismo e para a ação coletiva dos sujeitos políticos que
chegam à Assistência Social, e que lutam pela realização do caráter público e do direito que
possuem de acessar a essas políticas.
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Quando falo de relações de poder, não estou excluindo as relações dos profissionais com a
população; é o poder das triagens, da elegibilidade, da governabilidade, da concessão de laudos,
das visitas controladoras – veja, uma visita pode ser uma possibilidade de encontrar as pessoas no
seu universo, nas suas condições, e pode ser também uma estratégia de controle de
enquadramento das classes subalternas. As definições de quem fica e quem não fica, de quem
pode participar de um programa, em síntese, em diferentes situações precisamos expressar que
caminhamos profissionalmente junto com nossos usuários, levando em conta o papel estratégico
da comunicação, da informação, para mostrar que não se está só na luta. E nesse âmbito
evidencia-se a relevância da dimensão cultural e política de nossos trabalhos. Combater o
pensamento conservador, combater o falso moralismo e enquadrar as pessoas nesse contexto
sem que ela desenvolva atitudes de questionamento, não é compatível com aquele enunciado que
às vezes é muito vazio. Permitir o protagonismo, a emancipação, a autonomia, isso exige uma
efetiva inserção da população e dos profissionais nas lutas sociais mais amplas.
Sra. Ana Caroline – Rio Grande do Norte – “Eu queria fazer rapidamente uma reflexão sobre a
conferência passada e sobre a conferência atual em relação à situação do trabalho no Sistema
Único de Assistência Social. Na conferência passada, nós discutimos a questão do trabalhador, dos
trabalhadores do SUAS. Em dois anos muito pouco foi modificado, a gente tem aqui uma realidade
onde os municípios trouxeram, os estados, concursos que oferecem vagas de um salário-mínimo
para um profissional que precisa ser altamente qualificado para atender na proteção social básica
e na especial de média e alta complexidade.
A Professora Yazbek trouxe aqui uma questão que o serviço social vem discutindo há muito
tempo: o trabalhador precisa se organizar. Mas como é que esse trabalhador vai se organizar
numa situação onde há um desmonte total das políticas públicas, cortes públicos em todos os
recursos de execução da política, como é que esse trabalhador vai se organizar se ele não é
efetivo? Como é que ele vai se organizar se é perseguido? Então, acho difícil demais lutar contra o
capital nesse contexto social, e acho que a gente vai ter que conseguir, de alguma forma, ver como
vai resolver esse problema, que nunca consegue ser resolvido. A União, o estado e o município
não conseguem modificar essa realidade. Então, eu pergunto para todos os trabalhadores que
estão aqui, como podemos ter um SUAS de qualidade, ofertar um serviço de qualidade, quando
nem nós somos respeitados? Obrigada.”
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Sra. Greice Barros – Goiás – “Quero aproveitar a fala do Professor Márcio quando ele tratou do
envelhecimento. De fato, temos conhecimento de que o Brasil está envelhecendo. O que nós,
enquanto assistência social e o Brasil em geral, estamos fazendo para contribuir para que esse
envelhecimento venha de forma digna? No meu município, há dois abrigos de idosos que são
movidos por entidades civis e pelo município. Não temos ajuda do governador do estado; nossos
idosos ficam à mercê de conseguirmos vagas para eles em abrigos, até mesmo em estados
diferentes do nosso. Muitas vezes acontece de ter alguma denúncia de maus-tratos com idosos,
ou até mesmo a família não tem condições de cuidar do seu idoso, e nós recebemos ordem do
Ministério Público para tirarmos esse idoso em até 24 horas do seu local de origem e colocá-lo
num abrigo. Não conseguimos abrigo dentro do nosso município, dentro do nosso estado,
precisando pedir para um estado diferente. Isso é uma violação de direitos, pois estamos tirando
nossos idosos do local de origem para levar para outros estados onde eles não têm ninguém para
cuidar deles. Precisamos olhar essa questão, olhar pelos nossos idosos.”
Sr. Aparecido oliveira – “Eu gostaria que fosse chamada a atenção para a responsabilidade e a
motivação das equipes que trabalham diretamente com as pessoas. Outra questão: a coordenação
deve ser alguém especificamente qualificado, o ‘primeiro-damismo’ deve parar. Isto porque ele
tira a oportunidade de pessoas mais interessadas e que se colocariam diante de uma instituição
tão importante para a garantia dos direitos do SUAS. Sou educador social. Na minha unidade,
presencio o despreparo; então, eu gostaria de chamar a atenção para a qualificação, gostaria que
ela fosse colocada de forma aberta nas redes sociais, que ela fosse difundida.”
Sra. Simone Lisboa – Amazonas – “A minha participação é no sentido de contribuir para o debate
que iniciou há pouco na fala da professora doutora Carmelita Yazbek, quando ela falava da
importância das alianças. A colega que me antecedeu fez um levantamento sobre a questão dos
concursos públicos. Assim, na pauta do trabalhador, eu não consigo perceber uma forma de
organização, articulação e fortalecimento do trabalhador sem reconhecermos a importância e a
relevância dos sindicatos de categoria. Num determinado momento da história do sindicalismo,
nós deliberamos pelo Sindicato de Ramos, mas aquele foi outro momento da história. Hoje,
vivemos outra realidade, e o que percebemos a cada dia, com a precarização do trabalho, as
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condições de trabalho, as mazelas sociais que nós passamos, corremos sério risco de nos
transformarmos em beneficiários usuários da assistência por conta dos salários baixíssimos que
recebemos; eu não vejo como a gente não repensar esse discurso, e nos organizarmos enquanto
sindicato de categoria, até por que em nível nacional está sendo instalada uma mesa de
negociação, e a gente sabe que na mesa de negociação o peso maior será dos sindicatos, nós
precisaremos dos sindicatos das categorias dos trabalhadores do SUAS conforme rege a legislação.
Então, o que eu estou colocando aqui é essa discussão, essa reflexão: nós precisamos, sim, fazer
alianças, novas alianças e repensar nossas condutas. E uma delas é a necessidade da importância
do sindicalismo por categoria para que a gente possa ocupar os nossos espaços verdadeiramente
na discussão sobre as nossas demandas que estão aí nas prioridades nas nossas mãos. Obrigada.”
Sra. Edivane Melo de Sousa – Taquatiara – Amazonas – “Estamos aqui nesse ato para falar
especificamente sobre a situação do trabalhador do SUAS no interior, especificamente na área
rural. No Amazonas, com os nossos rios, lagos, com nossos igarapés, nós temos muita dificuldade
para chegar até o nosso usuário. Na última conferência, fomos contemplados com as lanchas para
a equipe volante, que ainda precisa ser adaptada. Outra situação, como falar em qualificação do
trabalho no SUAS sem concurso público, sem efetividade para os trabalhadores – o trabalhador
precisa ser valorizado. Como falar num SUAS para todos, se nós que estamos lá na ponta atuando
diretamente com os usuários não somos valorizados. Eu hoje tenho a plena convicção de que o
SUAS em que estamos atuando realmente ainda não é o SUAS que queremos; falo para vocês com
toda convicção: eu acredito nesse SUAS, o SUAS que nós sonhamos será realidade, sim, se nós
trabalhadores formos valorizados, se tudo que preconiza nas legislações de fato for acontecer de
verdade, porque teoria e discursos não mudam o mundo. Eu costumo dizer, ratificando as palavras
de Karl Marx, o que muda o mundo é ação prática, ação concreta no cotidiano das nossas
atividades. Obrigada.”
Sra. Michele cristina Matarazzo – São Paulo – “Com relação à capacitação dos trabalhadores, eu
acho que é importante lembrar também que nós não somos capacitados nas universidades.
Começa uma luta também nossa que é importante ter o SUAS dentro das universidades. E quando
se supera isso, o psicólogo, o assistente social, o trabalhador do SUAS, todos eles vão atrás da sua
capacitação. A gente depara com gestores e com políticas que nos proporcionam a falta de
autonomia no trabalho, assédio moral, castigos; climas muitas vezes de medo pelo autoritarismo e
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Sra. Ângela Maria Aguiar – Porto Alegre – Rio Grande do Sul – “Quero continuar um pouco a fala
da colega que me antecedeu, o quanto nós trabalhadores precisamos ser protagonistas também
na nossa cidade e nos nossos estados. E a gente só vai ser protagonista quando conseguir
participar dos fóruns e ter ações conjuntas enquanto trabalhadores. De um lado tem o usuário, e a
gente precisa fazer o atendimento com qualidade, com condições, e do outro lado nós temos o
gestor que não nos dá a mínima condição de fazer nosso trabalho. Os trabalhadores desta política
sofrem no dia a dia do seu trabalho as consequências de não conseguir atender com qualidade e
com o respeito, e muitas vezes rompem com o seu código de ética enquanto trabalhador. E isso é
inadmissível. Não podemos permitir mais, nós temos um Censo SUAS que faz uma avaliação que é
quantitativa, não faz uma avaliação qualitativa – diz qual é o espaço, se temos sala, mas não sabe
qual é a qualidade dessa sala; sabe os profissionais que existem lá, se são concursados ou se não
são, mas não sabe quais são as condições que esse trabalhador tem para conseguir de fato fazer o
atendimento. Eu quero concluir dizendo o seguinte: nós estamos todos do mesmo lado, todos do
mesmo lado. E somente juntos e unidos vamos conseguir avançar e ter um SUAS de qualidade,
somente juntos, trabalhadores e usuários, vamos conseguir avançar no protagonismo de fato.
Estar aqui na conferência sem dúvida é um processo de democracia e de participação, mas é na
nossa cidade, nos fóruns e conselhos que de fato vamos exigir que o gestor implemente a política
de qualidade. Eu posso vir aqui denunciar que o meu prefeito não está colocando as condições,
mas é lá na minha cidade com a minha organização que eu vou fazer esse enfrentamento. Então, a
luta continua somente com todo mundo junto.”
Sra. Elaine – “Eu quero dizer da minha fala mais cedo aqui, a respeito da crítica que eu fiz ao meu
município e ao meu prefeito. Fui até a câmara dos vereadores e pedi até uma emenda
parlamentar, porque CRAS já estão fechados, centros de convivência, e Centros-Pop correm o
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risco de serem fechados. Aquelas pessoas que já são atendidas no Centro Pop, onde elas vão ter
um lugar de dignidade para tomar banho, para se alimentar, para poder estudar no EJA. Quero
dizer também que sou usuária do serviço, sou usuária do CRAS e do Bolsa Família, e tenho um
marido que vive com obesidade mórbida, ele pesa 207 quilos. Tenho quatro filhos, então o Bolsa
Família não é dado nas minhas mãos para me deitar e ficar relaxada, não, apesar de que não dá
nem para sustentar os meus filhos, mas é com esse dinheiro que eu invisto no meu trabalho. Eu
sou autônoma, vendo milho, papa, pamonha, água de coco, e eu venho reivindicar aqui por essas
pessoas que estão dentro do CRAS e que não querem só ganhar uma cesta básica; elas querem
oportunidade de romper, de mudar a história da sua vida. Eu tive oportunidade infelizmente de
ser presa duas vezes, mas eu disse: vou mudar de vida, não é isso que eu quero para o futuro dos
meus filhos. Hoje eu batalho dia e noite, só que eu vejo que o CRAS dá oportunidade para a
pessoa aprender um curso, aí eu vou lá, faço curso, vou para a rua vender aquele bolo, aquele
pão, aquele bombom que eu aprendi a fazer no CRAS. Mas o mesmo governo que apoia o curso
dentro do CRAS, é o mesmo que vai lá e tira o ambulante da rua, tirando da boca dos meus filhos a
alimentação. Então eu acho que realmente tem que haver uma construção de continuidade ao
serviço, de não simplesmente colocar oficinas dentro do CRAS, mas ter uma visão
profissionalizante, porque nós somos capazes. E eu agradeço.”
Sra. Alcimar de Sousa – Pernambuco – “Eu quero fazer só algumas pontuações com relação à fala
da professora Carmelita Yazbek quanto à precarização do trabalhador do SUAS. Em primeiro lugar,
eu acho que precisa se entender que a precarização tem diversos fatores, porém todos eles são
frutos dos ordenamentos do capital, inicialmente. E pensar a precarização do trabalho profissional
no SUAS na atual lógica de financiamento… nós estamos sofrendo há algum tempo com a lógica de
financiamento da assistência social com pisos que estão desatualizados há muito tempo, eu vejo
exemplos das cidades de pequeno porte 1 e 2 que são cerca de 80% dos municípios do Brasil, onde
um CRAS recebe R$ 6 mil ou R$ 6,5 mil de financiamento, que muitas vezes as prefeituras não têm
nenhum tipo de arrecadação, vivem estritamente do FPM [Fundo de Participação dos Municípios],
então não há uma inserção de recursos municipais na Assistência Social, onde muitas vezes os
estados ainda não participam do cofinanciamento da Política de Assistência. Então, primeiro é
preciso, importante que nós façamos, revisitemos a atual lógica de financiamento da assistência
social no nosso país, para se pensar a desprecarização dos trabalhadores da Assistência Social.
Importante também pensar na falta de condições materiais em virtude da não condição de
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reprodução desses trabalhadores. Nós temos, na maioria das vezes, salários precários, salários
baixíssimos para os trabalhadores da Assistência Social, não temos condições de nos reproduzir
socialmente, então isso desmobiliza a nossa luta. Se eu não tenho condições de me reproduzir
socialmente, com certeza eu não vou ter condições de lutar e me articular enquanto categoria. E
pensar também na subalternização dos profissionais da Assistência Social atualmente ao
judiciário, onde os profissionais da assistência têm sido intimidados, obrigados a fazer laudos e
perícias para o Judiciário, esquecendo-se que muitas vezes os tribunais de justiça têm concursos
realizados, e os profissionais não são chamados, e nós da assistência somos muitas vezes
intimados com oito dias, sete dias, obrigados a fazer laudos e perícias para o Judiciário, senão nós
corremos o risco de ser presos. Então, eu penso: que condição de trabalho é essa dada ao
trabalhador da assistência? É preciso que nós urgentemente façamos uma reflexão sobre esses
que são alguns dos muitos desafios que temos enquanto trabalhadores.”
Sra. Maria de Lourdes – Amazonas – “Falou-se sobre o esforço que o profissional tem que ter para
ser protagonista, mas como se esforçar sob as condições de trabalho oferecidas dentro da
instituição onde o profissional atua. Eu não sou trabalhadora do SUAS, trabalho na área da
educação, mas estou aqui porque acredito que você não precisa necessariamente trabalhar
dentro da política para defendê-la, porque, afinal de contas, aquele cidadão é um cidadão de
direito, e ele não é só necessário na política de assistência, ele é de educação e de saúde. Mas,
para a assistência acontecer de fato e de direito, o usuário precisa também que os profissionais
das demais políticas atuem junto com a Assistência Social para que de fato ele seja contemplado
no seu direito. Estou aqui para falar sobre o indígena que é alguém que não foi tocado, que não foi
mencionado aqui. O indígena é um usuário da assistência que precisa ser olhado com carinho, com
particularidade, porque ele tem situações específicas, tem sua especificidade e, na Amazônia, boa
parte da população é constituída de povos indígenas, povos quilombolas, comunidades
tradicionais, ribeirinhas que não têm os mesmos problemas que se encontram no Sul e no Sudeste
do país, ou no Nordeste, mas que se encontram em situações que estão para além da assistência
nesse momento resolver, por quê? ‘Porque nem a política ainda não contempla essas
particularidades’, pensa um profissional que vai até uma comunidade indígena que não fala a
língua de um Sateré-Mawé, de um Hixkaryana que são etnias de nossa região do baixo Amazonas.
Como trabalhar a política, como levar, como falar de direitos a essas pessoas, se o profissional não
é capacitado para trabalhar nesse âmbito? E aí eu entro na questão da formação, da continuidade,
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Sr. Jeová Botelho – Pará – “Eu quero falar sobre a questão da acessibilidade aos municípios, no
estado, em todas as regiões, da inclusão social, inclusão no mercado de trabalho. As leis existem,
só precisam ser aplicadas e colocadas em prática, ou seja, precisam sair do papel. As pessoas com
deficiência… Vou falar particularmente do meu caso: há oito anos eu estou de cadeira de rodas;
estava recebendo o benefício pelo INSS no meu município, e os assistentes sociais queriam me
encaminhar para a capital do meu estado para fazer uma RP [Reabilitação Profissional]. Acabei
fazendo essa RP porque eu não tinha como me deslocar, eu teria que bancar a minha viagem, e
eles me ressarcissem quando eu voltasse. Então eu não fui porque eu não tinha condições; por
fim, cortaram meu benefício. Fiz um concurso público, passei, hoje eu sou uma pessoa concursada
dentro do meu município, mas o que eu quero falar aqui é que a inclusão também dos professores
possa existir dentro dos colégios. Essa inclusão toda tem que existir dentro da sociedade, todos
têm que estar incluídos; se é inclusão, então vamos trabalhar dentro disso. Outra questão é o BPC
[Benefício de Prestação Continuada]. Vamos dar direito, vamos usar, vamos aplicar isso, vamos
trabalhar. Eu só queria colocar mais uma coisa aqui, que todos olhassem bem, porque na minha
cidade tenho pessoas, professoras cadeirantes, assistente social, psicólogo. Eu fiz três processos
seletivos na empresa Vale que é multinacional, fiz três processos seletivos, a própria assistente
social chegou para mim e falou: eu não posso te colocar porque a gente não tem espaço aqui para
cadeirante. Isso é uma indignação para mim, estou compartilhando com vocês. Obrigado, boa
tarde.”
Sr. João Maurício – Amazonas – “Muito foi falado em relação à questão do concurso público, em
relação à questão do piso salarial dos nossos profissionais, mas a professora Yazbek trouxe um
ponto importante, o número de profissionais hoje que compõe o Sistema Único de Assistência
Social, que está na base de 500 mil, 200 mil nas instituições públicas e o resto nas instituições
privadas. E se nós formos pegar a NOB-RH/SUAS que coloca como condição a questão da equipe
mínima de dois assistentes sociais, dois psicólogos, enfim, para cada serviço, isso é um problema
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muito grande no que diz respeito à consistência do trabalho dentro do Sistema Único de
Assistência Social. O número de profissionais é insuficiente para fazer um trabalho consistente, um
trabalho que realmente interfira na realidade da nossa população. Então, é uma questão que eu
estou trazendo que nós precisamos pensar amanhã nos grupos de trabalho, no aumento desse
quantitativo profissional. Nós temos aí a proteção por família, referenciadas, e na especial por
número de atendimentos. E esses profissionais são colocados por serviço, e aí os municípios
muitas vezes utilizam essa equipe mínima, e não a aumentam. O SUAS fica fragilizado nesse
sentido; o trabalho voltado para nossos usuários fica fragilizado nesse sentido. Então é uma
questão sobre a qual nós precisamos refletir, e amanhã tentar de alguma forma inserir para
modificar mesmo a NOB-RH/SUAS no que diz respeito ao acréscimo, ao aumento de profissionais.
Porque senão nós vamos continuar com a inconsistência por conta das fragilidades. Já temos a
fragilidade institucional, a estrutura institucional, a falta de prédios próprios dentro dos CRAS, do
próprio CREAS, e temos também esse problema grandioso que é a questão do quantitativo
profissional. Então, que nós possamos refletir sobre essa questão, e de alguma forma amanhã
nesse momento importantíssimo nós vamos ter que apresentar uma proposta de alteração da
NOB-RH/SUAS para que essa equipe mínima de referência possa ser aumentada. E assim o
trabalho deles de assistência social possa ser mais consistente, direcionado aos nossos usuários.
Muito obrigado.”
Sr. Idelfonso – Amapá – “Primeiro eu quero dizer aos trabalhadores do SUAS que vocês são
guerreiros e guerreiras, porque vocês são pessoas dedicadas, pessoas que não medem esforços
para fazer a política acontecer. Mas é preciso que o Estado brasileiro reconheça os esforços de
vocês, porque sabemos que aqui neste plenário tem trabalhador no SUAS que está com 10 meses
de salários atrasados, porque o estado não está fazendo a transferência de recursos para seus
municípios. E isso faz com que o Estado se torne fragilizado nas políticas públicas da assistência
social. Para finalizar, companheiros e companheiras, esse legado não pode ser dirimido, nós temos
que avançar e não repaginar políticas públicas para a assistência social. Muito obrigado.”
Sra. Valdelice Mota – Bahia – “Nós dos municípios de pequeno porte temos trabalhadores que
são contratados e serão dispensados no final do ano. É preciso concurso público, espaço dos
conselhos estruturados; nós não temos o espaço do conselho onde o conselheiro possa ir lá e
exercer sua função. Precisamos de financiamento; esta é a questão dos estados que demoram
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para fazer os seus repasses. Precisamos trabalhar aqui para que seja revertida a precariedade;
precisamos de serviços completos, onde os programas sejam efetivados de fato, não maquiados e
depois preenchidos no sistema dizendo que está tudo muito bem. No SUAS queremos
conselheiros autônomos que participem das reuniões sem medo. O conselho estruturado,
trabalhadores com concurso, isso é o SUAS que a gente quer até 2016, é preciso um trabalho
educativo para os usuários, que possibilite entender que são cidadãos de direitos e de deveres
também. Financiamento para o social de acordo com as necessidades de cada município. Serviços
como preconiza os programas, completos, decentes, e espaços próprios para os conselhos.”
Sr. Marcio Pochmann – “Eu queria de imediato cumprimentar as considerações, questões que
foram realizadas, de certa forma materializando o objetivo dessa roda de conversa, que é de
explicitar as angústias, os desejos, as dificuldades que vocês encontram no seu dia a dia. Na
verdade, oferecer aqui uma possibilidade a partir da interpretação das diferentes realidades
nacionais; nós estamos falando de um país republicano, uma república federativa, nós temos mais
de 200 países no mundo, mas apenas 30 são repúblicas federativas, ou seja, pelo menos três entes
do executivo no plano federal, estadual e municipal e, ao mesmo tempo, a professora Carmelita
nos informou a respeito da constituição de uma categoria – vocês hoje representam uma
categoria nacional que saiu de 50 mil para quase 600 mil trabalhadores. Nessa circunstância, eu
fico imaginando aqui a possibilidade de vocês ajudarem a construir na verdade um contrato
nacional de trabalho, um contrato que estabeleça os mínimos que devem ser seguidos
independentemente das localidades em que vocês se encontram situados, porque temos uma
heterogeneidade muito grande de condições de trabalho e, já que vocês oferecem um trabalho
que é praticamente igual, independentemente da localidade, é mais do que justo que as condições
de trabalho e de remuneração sejam justamente equivalentes a isso. E a história, o aprendizado
da classe trabalhadora foi justamente quando se estabeleceram condições dessa mesma natureza,
o contrato coletivo nacional é uma alternativa a ser configurada. Muito obrigado a todos, um bom
congresso, uma boa conferência para todos e um bom retorno também a suas moradias. Muito
obrigado.”
Sra. Maria Carmelita Yazbek – “Bem, vocês levantaram muitas razões, e também foi apontado
aqui agora, e durante as falas de vocês, a força do coletivo. A companheira do Rio Grande do Sul
chamou a atenção… é em cada lugar que tem que haver articulação, os fóruns têm que pipocar
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pelo país, a organização tem que ser de base. Eu tenho acompanhado uma coisa que eu havia
previsto da minha fala, duas questões que eu havia previsto, o tempo não permitiu, uma delas é a
questão da capacitação. A gente sabe que, obviamente, o Capacita SUAS, por exemplo, que já
alcançou 30 mil trabalhadores, não é suficiente para o nível de capacitação que nós, que vocês
estão demandando. Então, é preciso aprofundar a questão da universidade, a universidade tem
que ter um compromisso na qualificação dos profissionais, não pode ignorar as políticas públicas,
e a gente sabe que muitas universidades ignoram essa dimensão, seja na formação do assistente
social, seja na do psicólogo. O outro ponto que eu queria reiterar é a questão do sofrimento dos
trabalhadores. E o assédio moral, sofrimento moral ou adoecimento. Porque também foi dito
aqui, trabalhar sem salário vai refletir em última instância no trabalho que a gente faz, no usuário,
quem vai pagar o preço de condições precárias de trabalho é o usuário. Então mais uma razão
para a gente lutar para ser melhor, para oferecer um serviço melhor, e para ser respeitado
também como apareceu tão forte aqui na fala de vocês. Vamos continuar esses dias aprofundando
as temáticas levantadas aqui. Muito obrigada.”
Convidadas:
Sra. Denise Ratmann Arruda Colin – Introduziu o tema “Assistência Social é Direito” com enfoque
nas responsabilidades do Pacto Federativo, enquanto princípio a ser reafirmado na X Conferência
Nacional de Assistência Social. Direito à política de assistência social, direito a um sistema público
e republicano, direito de acesso a bens, serviços e riquezas, direito à participação popular e ao
controle social, direito à vocalização das necessidades, demandas e anseios, direito à visibilidade
da população em situação de vulnerabilidade e risco por direitos violados.
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Passou a palavra para as expositoras, justificando que a professora doutora Ana Paula Costa não
estava presente por motivos de saúde, mas que gravou um vídeo introduzindo o tema. Ana Paula
é professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em
Ciências Criminais e doutora em direito pela PUC-RS, e ultimamente atuou como pesquisadora do
Projeto Pensando Direito, desenvolvido pelo Ministério da Justiça e pelo IPEA [Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada]. Na sequência foi reproduzido o vídeo.
Graduada em Direito pela PUC/RS (2000), advogada, bacharel em ciências sociais pela UNISINOS
(1990). Pós-graduada em Educação pela UFRGS (1992), mestre em ciências criminais pela PUC-RS
(2004) e doutora em direito pela PUC-RS (2011), tendo realizado estágio doutoral na Universidade
Pablo de Olavide, na Espanha, em 2009. Sua tese, aprovada com louvor, recebeu menção honrosa
no prêmio CAPES 2011. É professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), onde está vinculada ao Departamento de Ciências Criminais e ministra as
disciplinas de direito penal e criminologia; coordena projeto de pesquisa inscrito no CNPQ e
Projetos de Extensão Universitária. É Professora do programa de pós-graduação – mestrado do
Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) – mestrado em direitos humanos. Tem experiência
na área de direito, com ênfase em direito da criança e do adolescente, atuando principalmente
nos seguintes temas: adolescência, infância, Estatuto da Criança e do Adolescente e medidas
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Para substituí-la houve a explanação da professora doutora Abigail Torres, da PUC de São Paulo,
consultora e apoiadora de muitos municípios que estavam presentes, e consultora do Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, mais particularmente na Secretaria Nacional de
Assistência Social, que gentilmente aceitou o convite do Conselho e propôs abordar os
fundamentos que sustentam o direito à assistência social.
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Possui graduação em serviço social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1990),
mestrado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001) e doutorado
em serviço social, políticas sociais e movimentos sociais pela PUC-SP (2009-2013). Pesquisadora do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Seguridade e Assistência Social da PUC-SP. Linha de pesquisa:
Seguridade Social e Assistência Social. Docente de pós-graduação. Atua como consultora em
gestão social, principalmente nos seguintes temas: política pública de assistência social, políticas
públicas para a infância e adolescência e controle social.
“Boa noite a todas as pessoas aqui presentes, delegados, participantes e autoridades. Agradeço ao
CNAS a oportunidade e o voto de confiança para fazer essa dobradinha com a parceira Luziele
Tapajós, e dizer que, como só soubemos hoje pela manhã da impossibilidade da professora Ana
Paula, portanto a elaboração dessa comunicação teve um tempo de produção reduzido, mas
contou com a colaboração de minha parceira de trabalho, Stela Ferreira. Eu vou fazer uma leitura
não só para respeitar o tempo, mas também para controlar minha ansiedade nesse momento.
Fizemos algumas escolhas para falar do direito à assistência social.
Primeiro, é fundamental reconhecer as pessoas nas políticas públicas como cidadãos. A relação do
direito pressupõe um sujeito que o vive e que é o cidadão. Ser sujeito de direito significa que a
sociedade brasileira, por meio da ação estatal, deve indenizar as pessoas por violências e violações
presentes em toda sua trajetória. No entanto, não é raro dizermos: só se fala em direitos, onde
estão os deveres? Especialmente em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente, essa é uma
questão que muito se coloca. Mas quando a legislação estabelece direitos, por consequência,
estabelece imediatamente deveres. Ela diz: é direito do cidadão e dever do Estado. Então,
necessariamente, essa relação está dada entre o sujeito que vive o direito e a política social.
É necessário também destacar que a transição da assistência social como prática assistencialista
para a lógica do direito se constituiu sem a ampla mobilização e a participação dos sujeitos
usuários dessa política pública. A conquista na Constituição Federal de 1988 e na LOAS é fruto de
legítimas forças sociais que intensamente lutaram por esse dever de Estado. Todavia, entre essas
forças, não estavam presentes os usuários. Esse reconhecimento produz um desafio desde então,
e para os próximos 10 anos se descortina como uma dimensão inescapável. Como faremos para, a
partir da presença de serviços e das unidades públicas nos territórios, definirmos os rumos desta
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Isso redefine o trabalho social que deve ser desencadeado no SUAS, distinto de práticas
imediatistas e clientelistas, centradas nas limitadas condições existentes e em concepções que por
vezes tomam essas pessoas como coitadas, carentes e devedoras morais para com aqueles que
lhes concedem ajuda. Essa questão já foi inclusive bastante explorada nas mesas de hoje. Esse
reposicionamento da política pública para atender a um direito estabelece medidas de igualdade
entre os agentes públicos e a população, pois é necessário reconhecermos que estamos a serviço
do direito do outro, e que os conhecimentos que temos não são hierarquicamente mais
importantes que os conhecimentos de vida trazidos pelos usuários. Assim, precisa haver uma
medida de igualdade entre esses saberes e a compreensão de que a fala de um é tão legítima
como a do outro. O desafio, portanto, é abrir espaços para a fala dos sujeitos, valorizar e facilitar
sua elaboração e a expressão daquilo que é importante e relevante para si e para seu grupo de
pertencimento.
Nos parece, inclusive, que precisamos azeitar ouvidos, mudar posturas e respeitar as
manifestações de usuários que, por vezes, utilizam suas formas de comunicação, e que os
trabalhadores devem estar preparados para compreender e respeitar. Ao perceber a potência
desse modo de se relacionar, afirma a professora Vera Teles: “Aí está também o lado mais
importante dos direitos, quando visto pelo prisma dos sujeitos falantes, que se apresentam na
cena pública. Essa presença desestabiliza consensos estabelecidos e permite alargar o mundo
comum, fazendo circular na cena pública outras referências, outros valores, outras realidades que
antes ficavam ocultadas ou então eram consideradas irrelevantes, desimportantes para a vida em
sociedade”.
Dito isso, caberia então indagarmos: o que o reconhecimento de direitos exige como mudanças na
atenção em serviços e benefícios, e que efeitos viver os direitos da assistência social provoca e
mobiliza nas pessoas? Nesse sentido, uma importante contribuição está presente na teoria do
reconhecimento formulada por Axel Honneth. Para esse autor, a vivência da experiência de ser
considerado um cidadão portador de direitos é expressa pelo reconhecimento jurídico que
provoca no cidadão o sentimento de autorrespeito, ou seja, a compreensão de que ele é
merecedor do respeito de todos os outros, e que a atenção recebida não é um ato de vontade
unilateral de quem o atende, mas uma obrigação inscrita na lei. Diríamos que essa é a dimensão
declaratória e necessária do direito à assistência social, afinal é ela que assegura a continuidade da
atenção, qualifica esse sistema como uma política estatal e não um projeto social de uma entidade
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ou de um governo. Não basta dizer que é direito; o sujeito tem que viver o direito.
Hoje mesmo tivemos oportunidade de ouvir vários relatos de pessoas vivendo situações de
injustiça, de humilhação, logo, de não cidadania. E quais são os direitos da assistência social? Visto
que é mais comum conseguirmos identificar a sua resolutividade quando se efetiva a
intersetorialidade, ela não tem uma resposta em si. O pacto feito em 2004 e registrado na Política
Nacional de Assistência Social disse que ‘sim’, que ela produz como política de seguridade social a
certeza para as pessoas de que sua sobrevivência será garantida, que ela será acolhida em
situações de abandono, e que ela terá oportunidade de ampliar o seu convívio e ter vínculos de
proteção diversificados e sustentados no tempo, para além do seu universo familiar.
Em termos de trabalho social, precisam ser incorporadas como objeto de intervenção nas
entrevistas, registradas nos instrumentos de trabalho, ser objeto de observação na leitura da
dinâmica territorial, no conhecimento sobre as cidades, nas estratégias de vivências grupais.
Portanto, não se trata de uma intervenção limitada a ser um frágil apoio à política de inserção no
mundo do trabalho, por vezes ilegal, desprotegido e insalubre. A construção política da assistência
social não pretendeu substituir uma política de trabalho que deve estar presente em todos os
entes federados para assegurar o direito, a garantia de desenvolvimento pelo trabalho e de acesso
aos direitos a ele correspondentes. Não temos conhecimento, nem recursos institucionais para
assegurarmos inserção digna no mundo do trabalho. Só para lembrar, a assistência social não é
política complementar ao trabalho, à saúde, à educação e à habitação. É uma política de
seguridade social que oferece atenção profissionalizada, continuada e universal, construída sob as
bases de um sistema único para todo território nacional.
O que muda no cotidiano, que indicadores poderiam nos demonstrar que estamos pautados pelo
direito? Alguns elementos nos parecem consensuais para indicar uma ação que garante direitos.
Primeira questão: uma ação que assegura direito se estabelece em modos democráticos de
organizar o serviço com a participação dos usuários nos processos de trabalho, como disse o Pedro
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Pontual hoje de manhã, em todas as etapas de uma política pública. Há que se discutir a
participação de usuários em processos conferenciais, no controle social. Mas essencialmente há
que se discutir a participação dos usuários no cotidiano dos serviços.
Costumo afirmar e quero repetir aqui: cada vez que tomamos uma decisão nos serviços, seja por
profissional ou por um gestor, que irá incidir sobre a vida de um usuário, mas que desconsidera
suas vontades, seus desejos, seus sonhos, sua trajetória de vida, estamos reafirmando a
subordinação dentro de uma política que foi militada, que foi projetada, que foi pensada para a
garantia de direitos. Toda vez que tomamos decisão pelo outro dizemos: você não tem condições
de tomar decisão sobre a sua própria vida, e eu pelo meu conhecimento, pela minha formação irei
fazê-lo, e desse modo se reafirma a subalternidade.
É necessário também que no cotidiano tenhamos posicionamento político em relação aos direitos,
pressionando decisões de Estado e não suspendendo os serviços, ou interrompendo os
atendimentos. Nos parece que no âmbito dessa Conferência temos maior assertividade para
defender a responsabilidade de Estado e o direito do usuário, mas no cotidiano dos serviços e na
hora dos posicionamentos políticos coletivos para alargamento de direitos, para ampliação de
serviços, essa capacidade mobilizadora não está tão presente.
É necessário ainda que tenhamos prestação de contas da atenção realizada, não do dinheiro gasto
tão somente, embora essa seja uma questão relevantíssima, mas também das atenções prestadas,
dos procedimentos adotados nos serviços, lembrando que quando se opera direitos, não há
desistência diante da não adesão do usuário ao que está sendo proposto. A dita fala de que as
pessoas não aderem ao serviço não pode significar e não significa uma suspensão de
responsabilidade, a responsabilidade pública não cessa. Mesmo sobre quem nem chegou ao
serviço, ou até quem ao frequentá-lo deixou de vir por não responder às suas necessidades, este
comportamento indica que há que se rever a condição do serviço para responder à necessidade
do sujeito. Assim, o direito não é só de quem chega, mas, sobretudo, de quem não consegue
chegar.
Exige ainda uma ação pautada no direito, exige que as informações sobre o trabalho sejam
acessíveis, sejam claras, sejam compreensíveis para quem é atendido no serviço. Inclusive com
acesso ao seu próprio prontuário – eis aí um desafio importante, temos visto muitas discussões e
dificuldades entre os trabalhadores, inclusive de partilharem entre eles o prontuário, quiçá
partilhar com o usuário que é o proprietário do prontuário, o que vem sendo discutido e definido
para atendê-lo.
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Exige ainda uma ação pautada no direito; exige que as pessoas sejam atendidas por profissionais
qualificados e preparados para lidar com as situações complexas que afetam suas vidas. Hoje
mesmo também ouvimos uma intervenção de uma usuária dizendo isso, defendendo o piso
salarial para os trabalhadores e dizendo: é um direito meu ser atendida por um profissional em
condições dignas de trabalho e com qualidade de formação para responder às minhas
necessidades. De fato, nos direitos socioassistenciais está previsto que os usuários da assistência
social teriam direito a uma atenção qualificada profissionalmente.
Queria dizer ainda que uma ação pautada no direito reconhece que na assistência social o
benefício financeiro se constitui em um direito das pessoas, está associado à segurança de
sobrevivência; portanto, não cabe nenhuma ação controladora, fiscalizatória, que estabelece valor
moral sobre o consumo que as pessoas fazem. Inclusive as condicionalidades, como inicialmente
pensadas, especialmente para o programa Bolsa Família, representavam mecanismos para facilitar
ou identificar as famílias com maior vulnerabilidade e dar uma melhor resposta à política de
educação e saúde. Em nenhum momento pensou-se em condicionalidades como mecanismo de
punição de famílias. E existem várias manifestações, inclusive nessa plenária, em mais de uma
situação dizendo ‘tem gente que não precisa do benefício e recebe’. Vejam, o tempo inteiro quem
recebe benefício está sob o olhar da sociedade, dos trabalhadores, dos seus vizinhos, ele está o
tempo inteiro exposto, como se estivesse devendo algo para a sociedade, porque recebe um
benefício estabelecido na legislação.
Há que se reconhecer, como hoje acho que até o professor Edivaldo mencionou de manhã, que o
benefício tem valores baixos, que a nossa luta deve ser para ampliá-los, que a nossa luta deve ser
para alargar o acesso e não para controlar as pessoas que recebem. Não raras vezes nós ouvimos
depoimentos em espaços coletivos públicos, as pessoas dizendo que uma família veio, entregou o
cartão dizendo que se sente digna por poder entregar o cartão de benefício e não mais depender
de benefício. Ou ainda famílias que se sentem pressionadas pelos seus filhos a entregar o cartão
porque tem vergonha de recebê-lo. Ora, se é um direito, por que as pessoas se sentem indignas ao
recebê-lo? Isso tem a ver com o imaginário criado de que as pessoas nestas condições devem ser
controladas, fiscalizadas, julgadas por terem um benefício.
Por fim, eu queria dizer que pautar uma ação no direito significa abrir oportunidades para que as
pessoas manifestem o que elas avaliam dos serviços pelos quais são atendidas. E que essa
manifestação não pode significar, de maneira alguma, um modo de represália ou de discriminação
no serviço, porque alguém se manifestou falando dele.
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Então, eu busquei destacar aqui alguns elementos que constituem uma relação de direito, e quais
elementos do cotidiano alteram uma política pública quando está assentada no direito. E para
terminar eu queria ler um pensamento que me parece que sintetiza essa expressão, porque trata
da vivência do direito. O raciocínio que faço é que não basta declarar direitos, direitos têm que ser
vividos. Diz, então, esse autor: ter direitos nos capacita a mantermo-nos como seres humanos. Ao
olhar os outros nos olhos nos faz sentir, de uma maneira fundamental, iguais a qualquer um.
Considerar-se portador de direito não é ter orgulho indevido, mas justificado, é para ser altivo, é
para ser orgulhoso, é para andar de cabeça erguida, não é para ter vergonha de ser atendido no
serviço de assistência social. É ter aquele autorrespeito mínimo, necessário para ser digno do
amor e da estima dos outros. De fato, o respeito por pessoas pode ser simplesmente o respeito
por seus direitos, de modo que não pode haver um sem o outro. Obrigada.”
“Olá a todos. Vou ser a última pessoa a falar nessa série de roda de conversas, e a minha
responsabilidade se triplica, porque nós já estamos com a hora adiantada, muitas plenárias
ocorrendo, mas certamente depois dessa fala da Abigail, o que eu tenho vontade mesmo é de
cantar, de dizer: mas e o SUAS, e o SUAS o que é, diga lá meu irmão, ele é a batida de um coração,
ou não é? É isso aí. Meu nome é Luziele Tapajós, e eu vivi em Brasília desde 2004 até o comecinho
de 2015 no MDS, e eu fiz o SUAS acontecer. Muita falta de modéstia não é mesmo, mas todos
vocês podem ser e portar-se também assim, sem nenhuma modéstia quando se pensa no SUAS
que temos. E todos vocês podem falar essa frase de várias formas, exagerando como eu, tanto no
verbo, como na falta de modéstia, adjetivando o verbo, por exemplo: eu fiz o SUAS acontecer de
uma forma maravilhosa, eu fiz o SUAS acontecer radicalmente, ou então mudando o tempo do
verbo: eu estou fazendo o SUAS acontecer, eu construo o SUAS no meu dia a dia, e por aí vai.
O fato é que nada se tornou assim por acaso, foi igual na vida de muitos brasileiros, incluindo nós,
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muitos de nós depois da Conferência de 2003, quando numa articulação nada monótona, mas em
tudo babélica, de babel mesmo, e muito animada, decidimos não apenas dar nome, mas
sobrenome ao sistema descentralizado e participativo que a LOAS desde 93 sugeria e exigia. O
nome foi Sistema Único de Assistência Social. Mas não foi um nome que decidimos coletivamente,
embora tenha sido concebido como um sistema capaz de materializar isso que a Abigail acabou de
falar, materializar a assistência social como direito, uma certeza do direito do presente para o
futuro. O amanhã que vivemos hoje. O que a história vem registrando na construção do SUAS, de
que SUAS nós estamos falando? Que SUAS nós estamos vivendo? Que SUAS nós queremos
consolidar?
Ontem, na primeira fala no balanço, foram indicadas realidades, respostas e perspectivas, mas
vejamos hoje com outros olhos, outros ouvidos, outras mentes e corações. Se nós, todos juntos,
em 2003 assumimos que governos e sociedade têm responsabilidade na organização do SUAS, na
sua gestão, na oferta de benefícios e serviços tipificados e com qualidade assegurada por meio de
uma rede estruturada, devemos ser consequentes com esse novo contrato social, com este
compromisso, governantes, gestores, trabalhadores, rede, usuários etc.
Este é um sonho do SUAS? Este é um SUAS de sonhos? Um sistema de proteção social que não
seja real não é um sistema e não pode ser chamado de sistema de proteção social. Somos de fato
real ou somos de viés? Somos o que queremos ser, ou o que podemos ser? Em se tratando de
SUAS, pouco ou nada está relacionado com o eu, com o nós individualmente, com aquilo que eu
quero, e sim com aquilo que a Abigail disse, com o que a coletividade quer, com o que a
coletividade quer construir. O SUAS não é uma etiqueta, o SUAS não é um registro, não é um
relato, não são pontinhos no mapa, não são sistemas, não são cadastros e nem nossa incessante
luta por atingir metas.
O SUAS é vida nova, é vida real de pessoas, das comunidades, dos territórios. Assim como o CRAS
não é uma placa, assim como o CRAS não é uma casa, nem uma porta de entrada e muito menos
de saída, nem porta, nem janelas, coletivamente nós precisamos estar à altura do SUAS que nós
vimos e decidimos em 2003. Nós precisamos estar à altura do SUAS esperado, do SUAS necessário
e estar à altura do SUAS urgente, do SUAS das gentes, do SUAS que concretize direitos
conquistados.
Sem isso a Assistência Social não é direito, e sim discurso, letra linda e poética da lei. Deve-se
insistir em fazer o SUAS acontecer para esse direito existir. Quantas vezes chamamos de realidade
aquilo que é apenas uma versão lapidada da realidade, a partir dos nossos filtros, filtros que nós
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mesmos escolhemos. E filtros que escolhemos dependendo da nossa condição, filtros que
refrigeram o nosso sofrimento, que acalantam os nossos desencantos cotidianos, que aliviam as
nossas triviais e comuns desesperanças.
Eu vou ter sempre orgulho de dizer que eu sou Luziele Tapajós e fiz o SUAS acontecer. E vocês
também vão ter orgulho de dizer isso sempre, mas a questão central não é essa. Após 14 anos
passados daquele dezembro de 2003, estamos aqui para um novo dezembro, e para arquitetar o
SUAS do futuro; o que está em jogo hoje nesta Conferência é saber como alicerçar a esperança de
ontem em direito de hoje e de amanhã. Até que possamos um dia dizer com toda tranquilidade
“ouviram do Ipiranga às margens SUAS, um povo heroico brado SUAS, e um SUAS da igualdade em
raios fúlgidos brilhou no céu da pátria nesse instante’. Obrigada.”
Sr. Rafael Kelvin Dias Gadioli (usuário) – Brasília– Distrito Federal – Reforça a necessidade dos
equipamentos da política de assistência social, em especial o Centro de Referência Especializado
de Assistência Social (CREAS) estar preparado para atender a um conjunto de diversidades, ou
seja, população LGBT, população indígena, povo cigano, povo de terreiro e demais comunidades.
Informa que este é o único órgão de dentro de Brasília que acolhe todas essas comunidades
citadas.
Sr. Leonilton da Silva Prado (usuário) – Timon – Maranhão – Enfatiza o papel dos usuários na
fiscalização dos benefícios, das ofertas dos serviços com qualidade e da forma como os
trabalhadores atendem à população. Também incentiva a todos a participar dos conselhos e das
conferências, para nestes espaços expressar as demandas, as necessidades e os desejos dos
usuários. Segundo ele, é preciso deixar claro aquilo que precisam e que deve ser oferecido pelos
equipamentos, pelos municípios e pelos estados. Alerta que, enquanto não houver essa
conscientização e a adoção dessa dinâmica por todos os usuários, não adianta ficar pensando nos
próximos 10 anos e nas outras décadas.
Sra. Beatriz Chaves (usuária) – Delegação do Ceará – Identifica-se como uma mulher transexual e
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traz a preocupação de que os trabalhadores não estão preparados para lidar com as diversidades
sexuais, por exemplo, de travestis e transexuais, e que isto deve ser pensado para construir o
SUAS para daqui a 10 anos. Solicita que todos os delegados presentes, particularmente nos grupos
e na plenária, sejam sensíveis a essa população que até então há anos era invisível, mas existe – “e
eu estou aqui para comprovar”, reafirmou Beatriz.
Sr. Josiano Batista (usuário) – Delegação do Pará – Menciona que o trabalho oferecido nos
serviços socioassistenciais não é ruim, mas que há muito a ser melhorado, principalmente em
relação às condições dos trabalhadores do SUAS para desenvolver o atendimento da população
usuária. Discorre que representa os moradores de rua do município de Belém, e que, apesar de
estar nessa situação não se coloca na situação de coitadinho, pelo contrário, corre atrás dos seus
direitos – acesso à educação, cursos de qualificação profissional etc. Sugere que o poder público
deve intensificar a intermediação entre as pessoas que estão em condição de vulnerabilidade
social para inseri-las no mercado de trabalho, tendo em vista que será muito difícil o mercado
colocar essas pessoas como trabalhadoras, já que há muita discriminação e preconceito.
Sra. Keila Pinto Rodrigues (psicóloga do CRAS) – Parintins – Amazonas – Referenda a exposição
da professora Abigail Torres, e compartilha do pensamento de como tratar os usuários enquanto
sujeitos que vivenciam o exercício do direito. Acredita que o trabalho da assistência social não
pode ter apenas enfoque quantitativo, como querem muitos governantes, mas precisa ser
integrado pela avaliação qualitativa, de reconhecimento dos usuários, de poder ver se realmente
os usuários estão sendo ouvidos, se o serviço está sendo feito de acordo com a opinião dos
usuários. Explica que no local onde trabalha, geralmente após as rodas de conversa, as palestras,
os encontros, são realizadas avaliações com os usuários, o que é de fundamental importância para
construir o SUAS também com os usuários. Todavia, alerta que ainda existem alguns governantes
que estão no poder e não gostam que as pessoas menos favorecidas saibam dos seus direitos, e
que, muitas vezes, alguns funcionários/trabalhadores se colocam na condição de submissão, não
fazendo questão de realmente colocar em prática tudo o que a LOAS e a Tipificação Nacional dos
Serviços Socioassistenciais estabelecem.
Sra. Antônia Maciete Macedo Ferreira (usuária) – Marituba – Pará – Descreve que faz parte da
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construção do SUAS e que fica muito feliz com a fala das palestrantes ao esclarecer para todos os
presentes que receber o Bolsa Família não é ser alguém miserável, é receber um benefício que se
constitui como um direito da população. Além disso, à medida que o usuário participa das dos
serviços, das conferências e dos fóruns, ele também encontra um espaço para exigir e ampliar
seus direitos. Aproveita a oportunidade para fazer um agradecimento a todos os assistentes
sociais, porque foi dentro de um CRAS que conseguiu se enxergar como uma mulher que têm
direitos, porque vem de uma situação de violência extrema, e quando lá chegou não sabia nem
falar. E agora se encontra na Conferência, construindo juntamente com todos o SUAS para 2026.
Também agradece a sua família, porque apesar de todas as situações que vivenciou, aprendeu a
exercitar seus direitos dentro do município. Hoje Antônia está à frente de um movimento de
mulheres, com outras companheiras que lutam pela garantia dos direitos de todos, não somente
delas, mas dos idosos, das crianças e de todos aqueles que necessitam. Finaliza dizendo ter
esperança de que se pode fazer muitas coisas, mas juntos; fragmentados, nada.
Sra. Paloma Lírio Santos Maia (usuária) – Delegação do Ceará – Se apresenta como presidente da
Associação dos Ciganos do Ceará, cigana legítima, filha de pai e mãe ciganos com muita honra.
Aborda a situação dos ciganos, porque falar sobre os ciganos é fácil, mas o que realmente importa
é analisar se os profissionais do SUAS se deslocam para seus espaços, se perguntam o que o que
eles estão querendo, o que estão precisando, se os encaminham para acessar os seus direitos. E
isto deve ser estendido para todos os usuários – moradores de rua, lésbicas, gays, ciganos,
qualquer pessoa, especialmente os que são esquecidos e que sofrem muitos preconceitos. Conclui
que mesmo que essa Conferência fique apenas em fogo de palha, como muitas já ficaram, todos
os presentes na plenária vão continuar lutando para que esse SUAS que a nação cigana passou a
conhecer há apenas seis meses realmente venha crescer e a favorecer a todos e a todas que dele
precisam.
Sra. Jucimeri Isolda Silveira (convidada e expositora na plenária da região Sul) – Curitiba –
Paraná – Registra a importância da inovação na dinâmica da X Conferência, e parabeniza o
Conselho e a Secretaria Nacional de Assistência Social por propiciar o exercício de um dos
princípios fundamentais da democracia que é a democracia participativa direta, por meio de
diferentes falas que expressam importantes diretrizes, e que exigem uma escuta muito atenciosa e
uma capacidade de registrar e dar continuidade às grandes questões que foram colocadas.
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Descreve que ficou bastante emocionada com as falas dos usuários e usuárias que expressam o
que vivem no dia a dia, e de trabalhadores e trabalhadoras que sabem da luta que é atuar com a
tragédia social e pessoal, com a desigualdade nas suas várias expressões e desenvolver um
trabalho de absoluta relevância pública no enfrentamento da desigualdade, da violência e de
outras formas de opressão. Ressalta a importância da mesa no sentido da qualificação legal e
institucional do direito à assistência social. Política esta que precisa continuar garantindo
legislações e normativas, ampliando infraestrutura, aumentando o financiamento continuado,
aprimorando a cooperação entre os entes federados, e mais que tudo, que precisa reconhecer e
fortalecer a sua dimensão sociopolítica, na defesa de um projeto de sociedade.
O direito é uma travessia, não é um fim em si mesmo, e portanto não pode ser visto apenas do
ponto de vista legal das instituições, pois esta seria uma visão muito limitada do direito. É preciso
vocalizar, trazer para a esfera pública, apontar as contradições da sociedade, desencadear um
processo de mobilização, de organização para defender o direito constitucional que amplia
também a seguridade social brasileira. E, nesse sentido, é preciso radicalizar mais, revitalizar mais
as instituições e não deixar que elas sejam permeadas por aquilo que mais torna desigual a
América Latina e o Brasil, ou seja, a permanência da pobreza, e a pobreza focada na figura
feminina, no negro, na área rural etc. A desigualdade se oculta muitas vezes lá no dia a dia, e a
assistência social tem a obrigação ética de revelar as desigualdades por meio da vida da
população, e de construir na relação com outras políticas públicas a ampliação dos direitos.
Por isso, essa conferência tem que se posicionar contrária à redução do direito à assistência social.
Segundo ela, “o deputado Ricardo Barros, infelizmente do estado do Paraná, de onde eu venho,
propôs a redução do orçamento do benefício do Bolsa Família, que vai significar uma redução em
40% das bolsas já concedidas. Essa conferência tem que se posicionar contra as investidas
conservadoras, que impõe uma lógica de família e desconsideram as diversidades. Foi muito
importante que essa conferência tenha colocado o eixo dos direitos humanos como discussão
para reconhecer o papel que as políticas públicas têm no enfrentamento das desigualdades, além
de outros processos necessários que reduzam as desigualdades do ponto de vista estrutural. É
preciso, então, combater o conservadorismo que também se encontra dentro da assistência
social, que desconsidera essas realidades. Reafirma, por último, que um sistema forte depende,
sobretudo, da participação direta da sociedade civil, posto que o direito à assistência social é uma
conquista que foi construída com muita luta por trabalhadores, usuários e usuárias no Brasil.”
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Sra. Solange Bueno (usuária e conselheira municipal de assistência social) – Florianópolis – Santa
Catarina – Destaca que o dia proporcionou momentos significativos, de reflexões, momentos em
que os delegados presentes reforçaram seu papel no SUAS e reafirmaram que estão em luta.
Momentos que proporcionaram também ouvir a fala das expositoras e se emocionar – “Porque a
professora Luziele, que é de Santa Catarina e que volta para o mundo acadêmico, ela fez uma nova
leitura do SUAS, em uma fala com alegria, trazendo a emoção, a poesia para amenizar as questões
enfrentadas no cotidiano e que nos faz refletir, como as vulnerabilidades que ainda comparecem e
que nos mobilizam para enfrentar”. Menciona ainda a necessidade de se definir um valor de
referência para garantir a qualidade e a continuidade dos serviços do SUAS, principalmente em
função das alegações de muitos estados e municípios de que a assistência social não possui um
percentual mínimo definido. Para finalizar, chama a atenção para a questão legal dos Conselhos,
visto que as resoluções e documentos emitidos não estão sendo respeitados em algumas
localidades. É importante o diálogo com o Ministério Público e com o Poder Judiciário para
assegurar o exercício do poder deliberativo dos Conselhos, conforme as previsões de suas leis
estaduais e municipais.
Sra. Jane Mara Silva de Moraes – Delegação do Amazonas – Retoma a afirmação de Luziele
Tapajós e de Abigail Torres de que também está contribuindo para a construção do Sistema Único
de Assistência Social, na ótica da proteção social, dentro do pacto federativo, com o conjunto de
compromissos assumido pela União, estados e municípios. Ao falar de proteção social há que se
remeter ao processo de inclusão. Há, portanto, que se discutir sobre as peculiaridades regionais,
como do Amazonas, com o maior número de populações indígenas do país, embora outros
estados também possuam populações indígenas, e sobre quais estratégias podem ser
desenvolvidas para essas populações. Isso porque muitos avanços já foram conquistados no SUAS,
mas estiveram concentrados em uma vivência mais urbana, e ainda não se conseguiu acumular
uma discussão mais aprofundada para a população.
Sra. JANE – Delegação de São Paulo – Defende que a conferência precisa dar conta de cumprir
uma tarefa muito importante, que é garantir o direito de toda população brasileira conhecer o que
é o SUAS, porque atualmente essa política é valorizada e compreendida apenas pelas pessoas que
são atendidas nos equipamentos da assistência social, nos CRAS, nos CREAS, nos serviços, e ele vai
conhecer o SUAS de acordo com o profissional que o atender, porque, segundo ela, “como a
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professora Carmelita Yazbek falou hoje, o trabalho social tanto pode servir para manter a condição
de subalterno como pode trabalhar para superação das vulnerabilidades. No entanto, toda
população brasileira precisa saber o que é o SUAS, até por que qualquer um, qualquer brasileiro
pode um dia precisar do SUAS. Essa conferência precisa pensar um mecanismo de apresentação
do SUAS a toda população brasileira”.
Sr. José Vanilson Torres da Silva (usuário) – Natal – Rio Grande do Norte – Menciona que morou
27 anos nas ruas por questões familiares, e que o processo de sua saída ocorreu há um ano e meio
porque obteve o apoio de uma pessoa que resgatou sua autoconfiança e sua condição de sujeito,
o que considera fundamental para reinserção social. Mas nem todos os serviços funcionam assim,
e outros não atendem à demanda. Ainda existem gestões que oprimem os trabalhadores e,
consequentemente, os trabalhadores oprimidos oprimem os usuários, e isso até pode ser muito
bom para algumas gestões, na medida que suscita desentendimentos entre os usuários e os
trabalhadores, mantém a falta de união dessas duas classes, e enfraquece ainda mais o SUAS.
Considera que os usuários são construtores do SUAS, pois ocupam os conselhos e exercem o
controle social. Conclui reafirmando que deseja um SUAS mais forte, um SUAS igualitário para
todos, que possa se estruturar cada vez melhor.
Sra. Célia lourdes Sales Roque da Silva (gestora municipal) – Nova Fátima – Paraná – Parabeniza
a fala da professora Luziele Tapajós e menciona que também participa da construção do SUAS até
hoje. Mas que esta função é muito difícil no cotidiano. Primeiro porque enquanto gestora tem que
convencer o prefeito acerca da necessidade de se organizar o SUAS conforme todas as previsões e
regramentos, especialmente da NOB/RH, o que tem conseguido. No município de apenas 8.150
habitantes instituiu equipe completa concursada, sendo que apenas o cargo de secretária é
comissionado. Segundo porque, pela ausência de cofinanciamento do Estado, e pela dificuldade
financeira do município em arcar com as despesas de manutenção e de investimento, a
infraestrutura do CRAS ainda é bastante precária. O Estado do Paraná assinou um convênio, mas
não cumpriu com sua parte e não liberou o recurso para construção. Então, ainda há muito para
melhorar no SUAS dentro do pacto federativo.
Sra. Francisca Célia Rodrigues Lima (usuária do SUAS e agente comunitária de saúde) –
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Consolidar o SUAS de vez rumo a 2026
Delegação do Ceará – Relata sua inquietação no sentido de consolidar o SUAS até 2026,
particularmente para atender a situações que ocorrem em sua comunidade e atingem pessoas
bem carentes, usuárias do SUAS. Registra a necessidade de aperfeiçoamento dos critérios de
concessão e manutenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC), e de instituir outros
benefícios destinados à cobertura de situações específicas. Cita um exemplo que vivenciou em sua
comunidade: de uma pessoa com problema renal, que recebia o BPC. Quando faleceu, o benefício
foi cortado, mas a família era composta pela esposa, que teve que parar de trabalhar para cuidar
do marido doente, e uma filha de três anos. Essa mãe, que vivia somente para cuidar desse
homem, agora se vê sem nada, além da perda do marido, ela se vê com a perda financeira, e foi se
prostituir porque a filha estava passando fome. Isso tem que ser repensado, principalmente se
definimos que a criança é prioridade na sociedade brasileira, e que o Brasil é signatário das
Declarações e dos Tratados de Direitos Humanos.
Sr. Gilvan Santos Pereira (usuária e líder comunitária) – Teresina – Piauí – Informa que, no dia 28
de novembro de 2015, foi publicada, no Diário Oficial da União, a Portaria nº 410, que assegura a
gratuidade para a pessoa com deficiência viajar com acompanhante. Destaca que apesar de
observar a presença de muitas pessoas com deficiência nessa conferência, ainda persiste a
dificuldade de acessibilidade para esse público, de adaptações dos meios de transporte, de acesso
às tecnologias assistivas etc.
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Consolidar o SUAS de vez rumo a 2026
PLENÁRIAS REGIONAIS
REGIÃO CENTRO-OESTE
Valdete de Barros Martins – “Primeiro, gostaria de destacar, como já foi falado em várias mesas,
que este é um momento fundamental para o processo de consolidação do Sistema Único de
Assistência Social, e que é importante estarmos juntos aqui, fazer esse debate por região. Nós
estamos fazendo uma avaliação desses dez anos decorridos e pensando nos próximos dez anos.
Desde a I Conferência Nacional, temos uma luta exatamente pela construção de uma política
pública que tenha como paradigma a proteção social. O ano de 2003 foi um grande marco –
tínhamos uma lei aprovada em 1993 e depois de muito tempo conseguimos aprovar o Sistema
Único de Assistência Social, desde o primeiro governo do presidente Lula – porque temos que
dizer qual foi o governo que realmente fez com que essa política avançasse de fato e tivesse o
sistema único, público e universal. Esse é o caminho que nós estamos trilhando. Então é a luta
pela universalização do acesso da população brasileira aos direitos socioassistenciais para superar
o legado assistencialista que nós vivemos por muito tempo. Esse caminho percorrido
evidentemente tem como grande protagonista o governo, mas tem também como protagonista
nesse processo a sociedade civil organizada, usuários, trabalhadores e governos de outras esferas.
É um processo coletivo que nós temos buscado trilhar.
Nesse contexto, nessas duas décadas, tem-se fortalecido e ampliado a participação dos setores
engajados na consolidação dessa política pública. Nesses dez anos tivemos uma etapa da
construção de um aparato legal: nós temos a Norma Operacional Básica (NOB), várias resoluções,
temos pactos e um aparato legal importante para implementar essa rede de proteção social.
Temos uma significativa capilaridade no Estado brasileiro. Então, esses avanços passam a exigir
novas estratégias. O que nós temos que fazer? Qual a mobilização, qual o compromisso para que a
gente possa potencializar esse sistema? Criar uma capacidade de gestão e articulação
intersetorial, qualificação das prestações e ampliação das capacidades de incorporar as
especificidades dos territórios e das populações atendidas. Assim é preciso preparar essa nova
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Consolidar o SUAS de vez rumo a 2026
década pensando num contexto maior, porque o SUAS está num contexto de uma política
econômica e social. Os desafios que as conferências já identificaram… vocês já participaram das
conferências estaduais, municipais e agora estão aqui na nacional para mais uma etapa. Tudo o
que nós estamos fazendo aqui, avaliação, a construção de novas propostas, é exatamente para o
futuro. Não vamos pensar no ano que vem; lógico que o ano que vem está incluído, mas nós
devemos pensar mais para o futuro. O que nós queremos com esse sistema nos próximos dez
anos? O que ele deve enfrentar e propor? É exatamente essa visão de futuro que deve nos
orientar a partir do que foi colocado como tema na conferência. Tínhamos três subtemas que
foram trabalhados: enfrentamento das situações de desproteções versus cobertura de serviços. O
que tem de desproteção em relação à cobertura de serviços? A segunda: o pacto federativo. Como
está questão do pacto federativo na implementação desse sistema? E o terceiro: a participação e o
controle social, porque se é um sistema descentralizado e participativo, há necessidade de
fortalecer essa participação. Quais mecanismos temos que aprimorar? A partir desses três
subtemas, nós trabalhamos as cinco dimensões (a dignidade humana e justiça social como
princípio desse sistema; a primazia da responsabilidade do estado para um SUAS republicano; a
participação social como fundamento desse sistema, e a qualificação do trabalho no SUAS), que
vão fazer um cruzamento sempre com esses três subtemas, e foram expressas nas rodas de
conversas de ontem e são muito interessantes porque resgataram conceitos, analisou estratégias.
Agora, falando da região Centro-Oeste, quais são as diversidades dessa região? Quais são as
especificidades dessa região? Porque é importante debatermos juntos com os estados da nossa
região e o DF? O que existe de particularidade? Esse caderno que vocês receberam que é a
pesquisa realizada pela professora Aldaíza e que traz importantes dados, baseados no CENSO
SUAS, no IBGE, na PNAD, contém informações importantes que podem nos respaldar para
construção de prioridades. Nós podemos analisar e pensar sobre o SUAS que queremos e, ainda,
indagarmos quanto ao SUAS que temos.
Nós queremos ampliar, adotar novos critérios que contemplem a caracterização da diversidade
dos municípios brasileiros de modo a corresponder com maior proximidade às necessidades da
população, ou seja, aquilo que a política tem como um dos seus grandes fundamentos que é o
território. Olhar o território e refletir: que território é esse? Não só numa dimensão de espaço,
território enquanto tamanho do município, mas quais características tem esse município, esse
estado, essa região. Queremos um SUAS para ampliar as referências para o dimensionamento
mais equitativo da distribuição da rede socioassistencial e da cobertura dos benefícios
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Consolidar o SUAS de vez rumo a 2026
Temos muitos desafios para implantar o Sistema Único de Assistência Social e, a partir daí,
orientar a distribuição desses serviços para responder à proteção social dos grupos específicos que
ainda hoje se encontram em situação de desprotegidos, isto é, grupos específicos, tradicionais, e
superar a limitação do entendimento de que as desproteções sociais e sua intensidade são
manifestações enraizadas no indivíduo, dependentes da capacidade de consumo do indivíduo ou
de sua renda. Então precisamos mudar essa visão, com um olhar dessa questão das
vulnerabilidades.
Eu vou passar alguns dados da região Centro-Oeste, no sentido de poder pôr o pé na nossa região.
Esse documento – a pesquisa – faz uma classificação dentro do pequeno porte 1, dentro do
pequeno porte 2, dentro do médio, que vai aproximar a realidade de cada município. Outra
questão que esse documento traz é a densidade demográfica, classificando-a em densidades
desde muito altas a baixíssimas. Na região Centro-Oeste temos baixíssima densidade, duzentos e
dez municípios da região Centro-Oeste, ou seja, 45,2% municípios estão com baixíssima densidade
populacional e 16,5% com baixa densidade. Esse é um dado importante pois indica que temos
muito território, muita terra e pouca gente. O mapa [apresentado na tela] aponta a densidade
baixíssima, que está representada pelo cor mais escura. Com relação à população rural, também
teve uma classificação de altíssima até baixa concentração. E na região Centro-Oeste, 365
municípios tem baixa população rural, a gente tem 11,5%. Se nós falamos da densidade
demográfica, temos Mato Grosso do Sul com 6,8 habitantes por km 2; Mato Grosso com 3,36;
Goiás com 17; e o Distrito Federal com 440 habitantes por km2.
Vamos ver, a partir do documento, os grupos específicos que foram formados no IBGE e no Censo
SUAS que estão relacionados ao meio ambiente. Os extrativistas, pescadores artesanais e
ribeirinhos; grupos por etnias: ciganos, quilombolas, indígenas; grupos por normas de situações
urbanas: população em situação de rua e catadores de papel. Na região Centro-Oeste, o que nós
temos em maior número são indígenas: 14.1%. Depois ciganos, 7.1%, e quem não pertence a
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Consolidar o SUAS de vez rumo a 2026
Outra questão importante são os municípios de fronteiras. Temos a fronteira de Mato Grosso do
Sul e Mato Grosso. O Mato Grosso do Sul tem 78 municípios, sendo que 44 municípios fazem
fronteira com Paraguai e com a Bolívia; Mato Grosso tem 22 municípios, ou seja, um total
considerável de municípios de fronteira.
Em relação aos dados do SUAS trazemos aqui alguns mais relevantes: famílias cadastradas no
CadÚnico – famílias em unidades domésticas: 4 milhões; beneficiadas e recebendo o BPC,
1.102.070; e famílias do CadÚnico, 2.098.000. O percentual então de famílias do CadÚnico na
região Centro-Oeste é 7,2%, incluídos os dados do Distrito Federal. Percebe-se que 48% das
famílias são atendidas, portanto ainda não temos 100%. Na Proteção Social Básica, a distribuição
de CRAS na região Centro-Oeste 7,6% dos CRAS da totalidade dos 8 mil e poucos CRAS que temos
no Brasil. Sobre a localização dos CRAS, do total da região só 1,1% estão em zonas rurais, ou seja,
temos um número muito pequeno de CRAS em áreas rurais. Com relação aos CREAS, são 9,4% dos
CREAS do país implantados, isto é, existem 2.372 Centros de Referência Especializados da
Assistência Social e a região Centro-Oeste conta com 38,4% dos municípios com CREAS. A região
Centro-Oeste e a Norte estão acima da média nacional com relação à implantação dos CREAS.
Com relação a trabalhadores, nessa região C temos 22.356 trabalhadores, o que corresponde a
8,7% do total nacional, e a maioria têm formação até o Ensino Médio. Neste sentido, a região
Centro-Oeste está com a menor relação de trabalhadores com formação de nível superior, com
uma média de 0,5 trabalhador para cada mil habitantes. Quanto à Vigilância Socioassistencial na
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Consolidar o SUAS de vez rumo a 2026
“É um prazer e uma honra estar participando junto com vocês de uma discussão tão importante
sobre uma região tão importante do país: a região Centro-Oeste, uma região muito diversificada
que tem no seu interior a capital do país e uma especificidade totalmente diferenciada do restante
da região.
Fica difícil fazer um perfil da região Centro-Oeste, incluindo o Distrito Federal, porque como vimos,
a região é essencialmente rural, tem um traço rural muito grande e por isso a presença de grandes
grupos específicos vinculados à área rural, como os indígenas, quilombolas, as populações
ribeirinhas, traço que não é do Distrito Federal que, embora tenha uma área rural, é muito
pequena; tem outras demandas muito mais de metrópole (ou urbanas), como é a questão da
população de rua, por exemplo, a ocupação territorial na questão imobiliária, mas com toda essa
diversidade nós estamos fazendo um trabalho aqui e um debate para nos vermos enquanto
região, apesar das nossa diferenças dentro dela.
O que nos unifica? O que nos aproxima? Quais são os nossos desafios, enquanto populações
específicas, tradicionais e diferenciadas? Quais são os grandes desafios para prestar assistência
social a esses grupos de forma que o SUAS seja mesmo universal?
Eu fiquei com a tarefa de apresentar algumas considerações que eu tirei ao ler as 21 prioridades
que a região Centro-Oeste tem, vindo dos estados da região pelo sistema de dados.
Eu percebi na leitura dessas 21 propostas que foram sistematizadas para o Centro-Oeste que
predomina o cofinanciamento dos serviços, especialmente colocando esse cofinanciamento para
área do Governo Federal. Então, colocaram: aumentar o cofinanciamento da área federal para
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Consolidar o SUAS de vez rumo a 2026
isso, para implantar tal e tal serviço. Então há ainda uma visão de que a responsabilidade maior do
serviço é do Governo Federal. Se a gente fizer uma relação com a mesa de segunda-feira de
balanço dos dez anos do SUAS, o que foi falado pelo Presidente do FONSEAS, o Secretário de
Minas Gerais? Que a união em 10 anos aumentou de 7 para 80 bilhões o financiamento do SUAS.
Os estados tiveram uma pequena queda e os municípios mantiveram o financiamento. Então essa
aqui é uma reflexão: temos que repensar como é a base do cofinanciamento, a medida que
continuamos sempre colocando na área federal a maior responsabilidade.
Outro dado para discutirmos essa questão é a existência de 1 bilhão de recursos nos Fundos
Municipais de Assistência Social, como foi dito também na mesa de balanço dos 10 anos. Os
municípios estão com dificuldade de utilizar os recursos que recebem.
Então, temos duas questões relacionadas ao financiamento: (1) Existe um Pacto Federativo, as três
unidades devem se responsabilizar pelo financiamento. Queremos o aumento do cofinanciamento
só do recurso federal ou também o aumento do cofinanciamento dos estados e dos municípios?
Porque até então predomina o cofinanciamento federal. A segunda questão é: (2) o que é preciso
para melhorar a gestão? Porque há recurso que não está sendo utilizado e ainda estão pedindo
mais recursos. Não é uma coisa pela outra, do tipo mais recursos ou gastar mais, são as duas
coisas. É preciso saber até mesmo o que deve aumentar, quanto e para que deve aumentar. Para
quais serviços, para quais ações? Precisamos ver também o que não foi gasto e aí precisamos
pensar: o que é necessário para melhorar a gestão do recurso? É capacitação de gestor, de
técnicos, pessoal da contabilidade, o que é? A questão da gestão tem muito a ver com o
financiamento e com a prestação de serviços de proteção para as comunidades específicas e as
comunidades tradicionais.
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específicos e as populações tradicionais. Aqui vocês vejam que não apareceu nenhuma proposta
de instalar equipamentos nas áreas rurais, instalar equipamentos em comunidades específicas ou
tradicionais. Será que é porque essas comunidades são muito pequenas e não justifica ter um
CRAS? Então vem também aquela discussão que a professora Aldaíza fez da dispersão da
densidade populacional. Ela disse que não devemos considerar só a quantidade de pessoas da
população para instalar os equipamentos, mas também considerar a densidade populacional. Será
que toda população que está na área rural tem uma densidade pequena? Pode ser que sim ou
não. Pode ser que em uma área rural haja uma densidade populacional significativa, e valha a
pena colocar um equipamento. Então, também temos que problematizar, discutir, que já temos
meios colocados na nossa mentalidade de que na área rural necessariamente a população é
dispersa, logo só a modalidade de equipe volante é que pode atendê-los.
Outra questão que eu trago aqui é: que discussão temos, que debate, que conhecimento sobre as
experiências de polos regionais, consórcios? É preciso refletir também a proposta de modalidades
que estão incluídas na Política Nacional e na NOB, mas que temos que ver também em termos
financeiros, de articulação política que deve haver entre gestores dos municípios, a quantidade de
recursos financeiros necessários e como gerir recursos de vários municípios. É preciso refletir se
devemos optar por modalidades mais simples de implementação para não correr o risco de
inviabilizá-la em nome da falta de recursos, ou de poucos recursos, ou então pensarmos em
modalidades complexas de se operar. É uma problematização. Não estou dizendo que é isso ou
aquilo, mas para pensarmos um pouco: o que é preciso para organizar um consórcio de
municípios? É algo fácil de se fazer? O que é um consórcio de municípios, nós sabemos? O que é
um polo regional?
Outra observação recai sobre a preocupação com a busca de maior conhecimento sobre as
comunidades específicas e tradicionais e que é mais difícil de entender. Essa preocupação aparece
de duas formas especialmente: uma pela proposta de elaborar diagnóstico socioassistencial e
socioterritorial, o diagnóstico para elaborar políticas públicas regionais com corte étnico-raciais,
cultural, de gênero e orientação sexual através de equipes específicas de vigilância
socioassistencial. Também foi apresentada uma proposta de implementar uma prioridade no setor
de vigilância socioassistencial.
Aí eu queria fazer alguns comentários: primeiro que se ainda tem que implementar a vigilância
socioassistencial, isso revela que a nossa região ainda tem dificuldade de fazer a vigilância porque
não tem setor próprio, não tem equipe própria. Isso prejudica nosso conhecimento sobre essas
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populações específicas que hoje são uma pauta. É bom lembrar que há algum tempo atrás não se
falava de quilombola, de população ribeirinha. Então, com a implantação do SUAS começamos a
entender melhor, que deveria ser universal, tivemos e temos que saber quem são esses todos que
a assistência social tem que atender porque ela é universal. Nós temos que nos debruçar e
identificar, conhecer o nosso território e descobrir: tem quilombola, tem índio, tem ribeirinho,
tem pantaneiro. Isso foi um primeiro passo. Nós descobrimos que existem comunidades desses
grupos, mas nós sabemos como são, como vivem, quais são seus valores, éticas, o que é específico
deles, o que é comum a todos os brasileiros e de que maneiras eles se incorporam à sociedade
brasileira. Para universalizar o SUAS, para incluir todos, temos que conhecer todos eles. O SUAS
tem esses dados. É fundamental fazer o diagnóstico, implementar o setor de vigilância
socioassistencial.
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especificidades que a gente precisa cada vez mais aprender, conhecer e entender quais são suas
especificidades. A preocupação aqui é de que maneira reconhecemos o que realmente é
específico, para que não criemos CRAS para cinco tipos de grupo; CREAS para não sei quantos
tipos de grupo; albergues para não sei quantos tipos de grupo, e assim por diante. É o
equipamento que tem que ser específico, é a equipe que tem que ser específica, é o serviço que
tem que ser específico. Então, é urgente se capacitar para conhecer essa população tão
diversificada e pensar os serviços adequados às suas necessidades. A capacitação sobre a temática
dos grupos específicos e comunidades tradicionais, como estratégia e qualificação do atendimento
das necessidades das populações, não está destacada no conjunto de deliberações. Se for verdade
que nós conhecemos pouco desses grupos, a capacitação é estratégica, é fundamental para
universalizar o serviço.
Diante de tanto desconhecimento e preconceito com o modo de pensar e viver dessas populações
é tarefa e desafio do SUAS, de seus gestores, trabalhadores e entidades, superar a desinformação
e preconceitos. A qualificação da gestão do trabalho técnico com grupos específicos e populações
tradicionais, a universalização da proteção à assistência social, o reconhecimento e identificação
das necessidades desses grupos e populações e a estruturação de proteção adequada a essas
necessidades são questões urgentes para a sociedade justa e igualitária que pretendemos
construir, e isso é uma questão de direito e justiça social. Fica o desafio de, ao estruturarmos a
proteção social do SUAS aos grupos específicos e populações tradicionais de acordo com suas
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Elaborar diagnóstico socioassistencial e socioterritorial para implementar políticas públicas regionais com
recorte étnico-racial, cultural, de gênero e de orientação sexual, através de equipes específicas de
vigilância socioassistencial.
Fortalecer o diálogo e implantar processos de decisão conjunta entre os conselhos de assistência social e
os coletivos que tratam da migração, refúgio e tráfico de pessoas, visando a garantia dos direitos desses
públicos.
Garantir recursos e implantar serviços de PSB e PSE às populações indígenas como construção e
manutenção de CRAS e CREAS, implantação de serviços especializados em famílias acolhedoras a crianças
e adolescentes, albergues e abrigos para a população indígena migrante, garantindo formação específica
para trabalhadores do SUAS em comunidades indígenas, respeitando a Convenção 169/OIT e a
Constituição Federal de 1988.
Garantir recursos federais para implantar equipes volantes, CRAS e CREAS específicos para municípios e
áreas de fronteiras, populações tradicionais como comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas,
comunidades de religião de matriz africana e de terreiro, oriundas de acampamentos ciganos,
acampamentos da reforma agrária e assentamentos rurais, conforme a lei brasileira de inclusão, e garantir
a execução dos serviços com equipamentos e veículos adequados.
Implantar e cofinanciar unidades de acolhimento para mulheres vítimas de violência e Centros POP em
polos regionais;
Implantar e implementar um Sistema Nacional de Vigilância Socioassistencial, de forma integrada entre as
três esferas de governo, garantindo cofinanciamento.
Inserir no PEP-SUAS – inclusive com a participação dos usuários – os conteúdos referentes à migração,
refúgio, tráfico de pessoas, população em situação de rua e povos tradicionais, capacitando a Rede SUAS
para a atenção integral, visando a prevenção, atendimento e vigilância socioassistencial às ordens de
violações de direitos desses públicos.
Integração e fortalecimento das redes de atenção regionalizadas aos direitos dos(as) migrantes nacionais e
estrangeiros(as) – independentemente da condição de entrada e do status jurídico –, implantando,
implementando e qualificando serviços na PSB e PSE, visando a atenção integral aos (as) migrantes,
população local, populações tradicionais, pessoas em situação de tráfico, refúgio, resgatados do trabalho
escravo e população em situação de rua, assegurando dotação orçamentária específica nas três esferas de
governo, ampliando o cofinanciamento da assistência social Proteção Social Básica e Proteção Social
Especial.
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REGIÃO NORDESTE 1
Coordenadora:
Rosária Rabelo
Convidadas:
Lídia de Oliveira Lira
Ana Maria de Farias Lira
A coordenadora do grupo, Sra. Rosária Rabelo, deu início à plenária da região Nordeste e
procedeu sua apresentação, enquanto assistente social, militante da política pública de assistência
social, ex-gestora municipal e ex-presidente do COEGEMAS de Sergipe. Em seguida, esclareceu
que devido ao número de estados que compõem a região Nordeste, com elevado quantitativo de
delegados nessa conferência, os quais foram subdivididos em 2 (dois) grupos, estando este
denominado como Região Nordeste 1 e composto pelos estados de Alagoas, Bahia, Paraíba,
Pernambuco e Sergipe, e fez o chamamento das delegações presentes.
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Consolidar o SUAS de vez rumo a 2026
Sra. Patrícia Alves, de um representante da coordenação geral da relatoria, Sra. Denise Colin, e das
integrantes da equipe de relatoria Fátima Valéria e Estela Ferreira. Também estão acompanhando
essa plenária as conselheiras Léa Braga, vice-presidente do CNAS, e Lúcia Marquim, vice-
presidente do CONGEMAS.
Informa que está disponível o serviço de audiodescrição, e quem precisar de fone pode se dirigir à
cabine no fundo da sala.
Sra. Ana Maria de Farias Lira – Abordou o resgate histórico das Conferências e pontuou que a
facilitadora Lídia fará a colocação das especificidades que serão trabalhadas. Perguntou quem já
participou de três conferências nacionais e identificou um número pouco superior a vinte pessoas,
um grupo menor participou de duas e outro está participando pela primeira vez, além de também
ter registrado quem participou de dez. Demarcou a grande diferença de metodologia que está
sendo utilizada nessa conferência por várias razões. Diante dessas 10 Conferências, e ao longo
desses 20 anos de realização, que têm servido de lastro para que a Política da Assistência Social e
o SUAS tenham sido implantados, observou-se a necessidade de uma profunda avaliação do
percurso seguido até então, desde quando começou em 1995 até agora em 2015.
“Essa conferência tem um marco da maior importância, que é justamente projetar para mais de
dez anos os caminhos que a Política da Assistência Social deve percorrer no fortalecimento tanto
das conquistas sociais quanto do processo democrático brasileiro e, particularmente, do
aprimoramento do SUAS. No momento em que todos estão organizando as conferências, e que
está sendo oportunizada a presença, a participação, a contribuição, todos estão fazendo história, e
retomando a fala da Luziele Tapajós ontem, quando ela disse: eu fiz o SUAS, então todos nós
fizemos o SUAS, e estamos participando do processo de democracia desse país.
Outra característica fundamental é que pela primeira vez na história das Conferências atingiu-se
um número tão significativo de usuários, uma conquista da maior importância política no processo
de formação da cidadania do povo brasileiro e no processo de participação, aquilo que a LOAS
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Consolidar o SUAS de vez rumo a 2026
coloca no parágrafo 1º, do seu art. 1º, de uma política de assistência social participativa,
descentralizada, com o objetivo de garantir acesso aos direitos e à proteção social não
contributiva. E isso também nos remete a outra atividade de hoje de tarde, que é justamente
discutir a questão dos direitos humanos e a consequente instituição do princípio da dignidade
humana, que é nada mais nada menos do que o reconhecimento de vários direitos, inclusive e
principalmente da participação.
Nesse momento é preciso que os usuários digam como estão percebendo a política de assistência
social e do SUAS, como querem que sejam organizadas e prestadas na próxima década, e atendam
às suas necessidades, demandas e proposições. Nos dois primeiros dias teve-se a oportunidade de
participar nas rodas de conversa, de ouvir os expositores que representam pessoas que já vem
também nessa luta há bastante tempo, mas agora cabe a cada delegado exercitar a participação,
de modo a expressar seus pensamentos, seus sentimentos em relação à construção do SUAS e/ou
fortalecimento do SUAS por mais 10 anos.”
Sra. Lídia de Oliveira Lira – Inicia esclarecendo que sua contribuição será provocativa a partir das
rodas de conversa, e que a ideia não é repetir o que já foi colocado, mas aproveitar para revisitar
as concepções e conceitos, e ampliar o momento de participação.
O tema da conferência “Consolidar o SUAS de vez rumo a 2026” não quer dizer que nunca mais
será revisitado, mas que é preciso consolidá-lo na concepção de um novo projeto de sociedade,
um projeto de sociedade que revoluciona, de uma revolução pautada nos paradigmas
emergentes, na forma de compreender o mundo, a partir do local para o global, e a partir do
global para o local. É preciso olhar a estrutura do país, como ele foi pensado, sob a lógica de
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Consolidar o SUAS de vez rumo a 2026
Questiona o que marca a identidade dessa construção, o controle social, todos os avanços e os
enormes desafios? E afirma que marca é a renovação permanente de um movimento pautado nos
direitos humanos. Movimento necessário e pautado desde 515 anos atrás, desde a lógica de
colonização desse país sob o viés da exploração, e que ainda está muito forte no imaginário
coletivo, e justifica a desproteção social e a ameaça à dignidade humana.
“A professora Abigail Torres falou muito sobre a proteção social no âmbito do SUAS, mas claro que
não é só no âmbito do SUAS, a proteção social deve se estabelecer em todas as políticas sociais.
Um outro elemento se refere a um projeto de sociedade direcionado à inclusão. Isso pode ser
plenamente reconhecido pelos estados do Nordeste, que vem o tempo todo se reafirmando nessa
condição e, muitas vezes, enfrentando o preconceito. Impera a necessidade de transformar o
pensado no vivido, em cada estado, em cada município, em cada localidade. Essa leitura precisa
trabalhar a forma de pensar e a forma de viver a proteção social, considerando todos os
elementos abordados nas rodas de conversa no dia de ontem, como a questão do direito à
assistência social, da dignidade humana, participação, qualidade das ofertas, condições de
trabalho, do SUAS que queremos. E hoje, nesse grupo, iremos pensar o Nordeste, com suas
especificidades e com as demandas das populações que ainda estão nesse campo de exclusão,
para propor um projeto de sociedade mais inclusiva, dentro do âmbito de tudo o que já foi feito
no SUAS.
O desafio será eleger prioridades estratégicas que sejam revisitadas no período de 10 anos,
atualizando assim propostas e metas diante das conjunturas. Então, são grandes diretrizes para
essas populações, para que lá na frente se consiga transformá-las em propostas ou atualizá-las.
Daqui a dois anos, na próxima conferência, diante da conjuntura, será revisitada esta, é isso que
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Consolidar o SUAS de vez rumo a 2026
A facilitadora apresentou algumas imagens para quebrar um pouco a rigidez da letra: pessoal de
uma tribo de Rodelas na Bahia, comunidades quilombolas, comunidades ribeirinhas, comunidades
de pescadores, do semiárido, e do Distrito Estadual de Fernando de Noronha.
Salientou que, embora grande parte do território nordestino seja ocupado pelo semiárido,
curiosamente, vieram poucas, quase nada de propostas elencando as prioridades para a
população destes lugares – o que denominou de surpreendente, questionando a banalização do
olhar.
“É preciso pensar tratar essa questão, não apartando as outras, porque lá no semiárido, naquele
espaço geográfico, também existem negros, índios, população de matriz africana, quilombolas.
Além de serem pesadas as especificidades da região, há que se considerar ainda as várias
peculiaridades, como a questão do meio ambiente, até todas as violações de direitos. Mas não só,
existem também os diferentes formatos de ofertas de serviço adotados pelas localidades. Por
exemplo, em Noronha, um CRAS com alma de CREAS. Outra discussão é a de gênero, que é
transversal a todas essas – há um índice altíssimo de violência contra a mulher em todos os cantos
do país. A violência contra a mulher precisa ser trabalhada no campo da equidade de gênero, não
é no campo de lutas de sexos, é no campo da equidade de gênero, um projeto de sociedade em
que homens e mulheres consigam tratar-se respeitosamente, e não numa hierarquia, machismo
versus feminismo.
No relatório elaborado pelo MDS em conjunto com a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial,
constam dados bem interessantes sobre a população quilombola – uma minoria acessa serviços do
conjunto das políticas públicas, indicando frágeis respostas para a quantidade de jovens negros
assassinados nesse país, o elevado número de jovens que estão nas unidades de acolhimento,
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jovens que estão na internação por cumprimento de medidas socioeducativas. Nas comunidades
quilombolas, 55,6% dos adultos e 41% das crianças e adolescentes vivem com fome e sobre risco
de inanição. Esse é um dado muito grave e urgente de ser abordado.
Por sua vez, os programas de transferência de renda precisam ser entendidos para além do
preconceito. Sua finalidade primeira foi garantir a vida e a sobrevivência. Mas como diz a canção: a
gente não quer só a vida, a gente quer a vida, diversão e arte. Então, o fundamental é que as
pessoas tenham essa oportunidade de sobreviver.
“As tribos indígenas do Nordeste foram identificadas na década de 1940, e hoje apenas dez etnias
mantêm a língua-mãe, que é um instrumento de identidade cultural. Entre outros motivos, o
desenraizamento cultural tem levado à miséria, alcoolismo, desnutrição, suicídio, violência
interpessoal, pois afeta consideravelmente a autoestima dos indígenas. Tais situações demandam
os serviços da Política de Assistência Social, principalmente da alta complexidade, e revela a pressa
em se trabalhar o serviços da proteção social básica.
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Os ribeirinhos, as comunidades ribeirinhas que convivem com o rio, com o qual têm toda uma
relação, visto que o rio é sua rua, é do rio que tira seu sustento, seu lazer, sua vida, mas ao mesmo
tempo corre o risco de isolamento muito grande. Por exemplo, no Nordeste está o Rio São
Francisco, que percorre muitos estados, e está em fase de transposição, mas para que se possa
cuidar do rio, garantir a sobrevivência da população, é preciso um movimento de visão de
ecossistema. Essa visão de ecossistema aponta para o paradigma do pertencimento. Mas a
população ribeirinha, uma população não só de pescadores, vive no isolamento. E existe a
população de pescadores na parte litorânea que exige outro movimento de inclusão, na medida
que sofrem com a pressão do mercado imobiliário.” Citou o caso de Porto de Galinhas, uma das
praias mais bonitas do Brasil, que fica no estado de Pernambuco. Era uma praia de pescadores, e
hoje os pescadores estão em uma área de favela, ocupação desordenada, dificultando toda a sua
atividade pesqueira, porque Porto de Galinhas foi reservada para especulação imobiliária para
quem tem poder aquisitivo.
Para finalizar, apresentou alguns desafios para o SUAS, e solicita que sejam analisados em
conjunto com tudo o que foi falado no balanço do SUAS, nas rodas de conversa de ontem, de
todas as contribuições que os usuários fizeram no microfone, os trabalhadores, os gestores,
pensando, particularmente, nos cinco estados da região Nordeste que integram esse grupo, e
correlacionando-os no contexto nacional. E orienta que o trabalho dos subgrupos será identificar
nas prioridades elencadas no Caderno de Prioridades, as quatro de maior significância e
abrangência, aquelas que contemplam o princípio da dignidade humana, do direito
socioassistencial e o protagonismo das populações mais excluídas, reconhecendo o que pode
marcar e demarcar o projeto de uma sociedade mais inclusiva. Isso é importantíssimo: “Apontar,
no SUAS que queremos, caminhos para alcançar essas populações mais excluídas. Assim, é
importante analisar a capacidade de olhar na dimensão da dignidade, da participação, e como isso
repercute no trabalho, na organização dos trabalhadores e na integralidade das proteções”.
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REGIÃO NORDESTE 2:
Coordenadora:
Convidada:
Maria Zelma de Araújo Madeira
Relatoria:
Elias de Souza
Acho que para a gente trabalhar a diversidade nos territórios e a garantia da inclusão, precisamos
fazer uma discussão sobre o que eu estou chamando de diversidade. O que são as diferenças,
esses paradigmas que nos informam a forma como nós estamos lidando com os diferentes
territórios e os grupos populacionais que lá habitam, porque o território é para quem vive, quem
sabe falar desse território é quem está lá instalado, vivo e cotidianamente nas suas práticas é
quem sabe dizer.
Primeiro, a gente precisa entender essa diversidade em termos étnicos-raciais. Nós precisamos
fazer uma revisão da formação sócio-histórica do Brasil, ou seja, é preciso conhecer essa
sociedade brasileira a partir de uma colonização de exploração.
A gente lembra muito o que estudou na história dessa colônia de exploração. Os pesos, as
consequências e os impactos que temos até hoje enfrentado. Então, temos um acúmulo de
desigualdades sociais e raciais, de gênero, de outra sorte, que já vêm nessa composição, nessa
feitura de Brasil como nação. Eu diria que o projeto de nação brasileira é um projeto racista, por
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isso nós não pensávamos iríamos estar hoje no século XXI com essa composição. Por exemplo, em
1929, no Congresso de Antropologia diziam já os antropólogos e cientistas que em 2012, ou seja,
três anos atrás, nós teríamos a seguinte composição étnica na sociedade brasileira – 80% dessa
população seria de brancos e apenas 20% de mestiços, mas nós não teríamos mais nenhuma
população, ninguém negro e nenhum indígena. Isso descreve um projeto de nação, um projeto de
nação racista e antinegro, e anti-indígena, e contra outras comunidades das quais nós vamos falar
aqui. Então isso não é inocente, isso vai comprometer o modelo de desenvolvimento que esse
país, onde essa região Nordeste que nós queremos trabalhar vai estar posta.
Nós temos um projeto de nação racista e antinegro, ao mesmo tempo que se edifica uma
sociedade que se diz capitalista, que se diz moderna. Nesta modernidade, nós, dentro de uma
vertente do liberalismo, onde todos somos iguais perante a Lei, teremos a igualdade, a liberdade e
a fraternidade. Então temos a igualdade, e todos somos iguais, somos livres para concorrer, e a
sociedade é fraterna.
Se você não prosperar o problema é teu, se essas populações negras, se essas populações
indígenas, se essas populações de comunidades tradicionais, se esses ciganos não prosperaram o
problema é deles, o problema reside nele que está na sociedade, que tem igualdade, que tem
liberdade. A sociedade é fraterna, tem tudo na mão, se você não foi e correu, porque você não
desenvolveu seus esforços, você é preguiçoso, você é preguiçosa. É por isso que você não vence,
não é?
Nós vamos ter uma igualdade formal, mas nós precisamos trabalhar com a igualdade material e é
isso que a gente precisa pensar. Por isso quando nós falamos de cota, ação afirmativa assusta
muita gente, por quê? Porque nós vamos contrariar um ideal de liberalismo, de que todos nós
somos iguais perante a Lei, e não precisa defender negócio de negro, não, negócio de indígena,
negócio de cigano, cada um cuide de si. Se se esforçar, oh! Você não se esforçou, no seu tempo?
Pela sua idade nós estamos notando, não tinha cota, Zelma, e você não conseguiu!
É assim que a gente parte de um pressuposto, mas eu não quero que as minhas gerações, as
gerações futuras dos meus filhos, meus netos, meus parentes e outros, em outras populações
negras, passem pelo que eu passei, não precisa.
Nós precisamos constituir uma civilidade, uma civilização, e a ruptura com as práticas racistas não
depende só de negros, de negras, de indígenas, daqueles ciganos que estão numa condição de
invisíveis, mas de todos, romper com o racismo é uma tarefa de todos nós, brancos e não brancos.
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Vamos trabalhar a diferença e a diversidade, entender as variáveis ‘sexo’ e ‘gênero’, ser homem,
ser mulher, etnia como eu já vinha falando, e raça que a gente sabe que não tem.
A raça é humana, mas na sociedade brasileira por conta do racismo, desde a pele, se tem muita
melanina, pouca melanina, o ângulo facial, os cabelos, o formato do rosto, do nariz, os lábios, tudo
isso conta, porque, na verdade, nós temos um silenciamento acerca das relações raciais no Brasil
há pelo menos 80 anos.
Tem gente que tem até medo de falar: ‘Zelma, chegou uma mulher negra, vai que eu chamo a
mulher de negra e a mulher se zanga, eu fico com medo! Será que eu posso chamar aquela mulher
de negra, ela não vai se zangar? Por quê?’ Porque nós não comentamos isso, nós não falamos
sobre as relações raciais na sociedade brasileira, há um silenciamento. Então a gente precisa tocar
neste ponto, o porquê de nós explicarmos sempre pela mestiçagem. Vão dizer: não, mas não tem
como a gente ir atrás desse negócio aí não, Zelma, esse negócio dessa regional aí a manhã toda
falando de indígena, de comunidades ribeirinhas, só para dividir o povo. É bom pensar todo
mundo pobre, todo mundo pobre, não é? Ou então uma coisa que garanta uma unidade.
Não queremos isso. Nós precisamos trabalhar essas especificidades, porque nas especificidades
nós vamos enxergar as vulnerabilidades, mas também vamos enxergar a resistência. Porque as
pessoas não estão nesse território lá do Nordeste, Maranhão, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte
esperando pelo CRAS no dia que cheguem duas assistentes sociais e dois psicólogos para poder
viver, não. As pessoas já têm uma dinâmica que precisa ser interpretada, compreendida para que
a gente possa fazer as resistências acontecerem e, por consequência, a consolidação da nossa
política de Assistência Social.
Então, como eu venho dizendo que raça não existe? Ela existe em termos sociais e políticos. A raça
é humana, não existem esses aspectos biológicos, mas na sociedade brasileira existe. Existe com
cunho, por isso que nós não podemos deixar de falar de raça; não é que a gente pensa que tem
uma raça superior e uma inferior, como do século XVIII, não é isso, mas nós precisamos entender
que esses traços características biologicamente demarcam e definem lugar de homens e mulheres
na mesma sociedade. Então, nós temos o gênero que demarca, a faixa etária, a dimensão da
geração, jovens idosos, orientação sexual, as lésbicas, os gays, os trans, elas definem lugar de
homens e mulheres na mesma sociedade.
As pessoas dizem: ‘Acho que quando começou a discussão desse negócio de cota foi que trouxe a
inimizade, a desarmonia’. A gente tem muito medo dessas diferenças, mas nós não temos que ter
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medo da diferença quando a diferença é aberta à reciprocidade e à diversidade. Nós temos que
relutar contra essa diferença quando levar a hierarquias, quando levar a desigualdades de um ser
superior e outro inferior, mas quando nós estamos dentro, por exemplo, dessa sala há uma
diversidade, há diferenças aqui desde a dimensão do território, de onde nós viemos, da maneira
como nós nos portamos, da classe a que nós pertencemos, do gênero, da nossa orientação sexual,
da nossa pertença étnico-racial, essa sala é diversa e não tem problema, isso pode dar uma
riqueza maior do mundo que nós vamos ver daqui a pouco no segundo momento, que é o debate,
que é a propositura a partir de cada lugar, de cada diferença. Então assim nós vamos ter um
grande círculo e vamos ter a reciprocidade e a diversidade. Quando nós escalonamos a diferença
de quem é superior e inferior, aí sim, aí existe um problema, porque a diferença hierarquiza e aí
vai excluir alguns segmentos em relação ao outro.
Esse discurso liberal que estamos aqui a discutir é abstrato, é oco quando diz que todos nós somos
iguais perante a Lei. Porque não somos uma dimensão material, e precisamos das políticas
públicas para enfrentar as diversas expressões da questão social, desses grupos diferentes, desses
grupos que estão em desvantagem, desses grupos que não contam com oportunidade ao longo de
500 anos de existência do Brasil.
Nós precisamos ter esse olhar para esses diferentes, para pessoas com deficiência, para pessoas
na dimensão da geração. Vejam que as plenárias lá no auditório vêm denunciando e reivindicando
direito à diferença. Eu tenho direito a ser diferente, eu tenho que ter respeitado esse meu direito,
e eu não tenho. Eu percebo muito isso na universidade, tem gente que chega lá, por exemplo, com
problema degenerativo de visão e aí não há uma diferença no trato, o que se quer é que continue
do mesmo jeito, fazendo a mesma prova. Sabemos que tinha que ter um tratamento diferenciado,
e a gente ainda resiste, mesmo a universidade dizendo que tem que trabalhar a diversidade, a
diferença, mas mesmo assim a gente percebe essas exclusões.
Todos os seres humanos nascem livres e iguais. Eu acho que também foi essa discussão ontem da
dignidade humana: todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, sem distinção de raça,
cor, sexo, idioma, religião, origem nacional ou social. Essa posição expressa uma ideologia
universal que defende a igualdade e a liberdade. Claro que é esse horizonte em que queremos
chegar, mas não chegamos ainda, por isso precisamos de ação, de iniciativas que possam levar a
isso. Queremos a verdadeira liberdade, a verdadeira igualdade, a verdadeira fraternidade – é o
caso de uma verdadeira abolição que não seja uma abolição inacabada; que essas populações
consigam ter lugar, um lugar diferenciado, um lugar que garanta qualidade de vida para elas.
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Dialogando com Hanna Arendt, é preciso dizer que a cidadania é o direito de ter direito, pois a
igualdade e a dignidade são direitos dos seres humanos. Por isso que é importante ter uma
Conferência, ter o Controle Social e a participação. É como se a gente estivesse ilustrando aqui
uma grande roda e nessa roda alguns segmentos não estivessem incluídos. Então, a nossa luta é
para que tenha essa reciprocidade e que todos consigam entrar nessa roda e ampliar o exercício
da sua cidadania. É preciso construir essa convivência coletiva, que requer o acesso a um espaço
público comum. Vamos partir de questões individuais, com certeza, mas essas questões têm que
passar dessa esfera individual e ser politizada para entrar numa esfera pública. Na violência contra
a mulher – a Dona Maria, por exemplo, sofre violência contra a mulher. Essa é uma questão
individual, mas nós precisamos publicizar, ou seja, retirar de uma dimensão particular individual e
trazer para esse âmbito público − como é que eu faço isso? A partir do fortalecimento da esfera
pública, e esse espaço da Conferência é o lugar em que a gente tira do particular para uma
dimensão coletiva, uma dimensão pública que não fica individualizada; fica, na verdade, na esteira
desse social, na esteira desse histórico e do político que nós podemos alterar, que é o que nós
vamos fazer na manhã de hoje, e no período da tarde também, quando formos discutir nas
plenárias das dimensões, e amanhã com certeza na plenária final que irá elencar as prioridades.
Todas elencadas, então é esse acesso ao espaço público, o direito de pertencer a uma comunidade
política. Isso aqui é uma comunidade política que permite a construção de um mundo comum
através do processo de ascensão dos direitos humanos e, no caso dessa Conferência, dos direitos
socioassistenciais, dos direitos que nós estamos aqui na luta para a efetivação, principalmente
para esses grupos nos seus territórios que são excluídos, que são discriminados desse usufruto da
riqueza. Essa esfera pública requer essa participação, a cidadania aí concebida como direito a ter
direito, pois sem ele não se trabalha a igualdade, que exige o acesso ao espaço público, pois os
direitos não são dados, mas eles são construídos no âmbito de uma comunidade política. Sabemos
que não vai estar nada dado para nós, nós temos mesmo que ter essa construção coletiva, esse
debate, essa reflexão a partir do meu território, de onde eu moro. Que contribuição? O que eu
vivo, as demandas que eu trago e de que forma isso pode entrar dentro dessa comunidade
política, construída coletivamente.
Vamos tratar das relações étnico-raciais. Você percebe que temos essa mistura, um processo de
miscigenação, esses traços biológicos das nossas características, embora silenciados dizendo que
não temos preconceito, que não temos discriminação, que não temos racismo, e esse é um grande
problema, porque enquanto não assumirmos que temos problemas, não vamos correr atrás de
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soluções.
Então dizem assim: ‘Não, mulher, não tem que ficar discutindo esses territórios, esse negócio de
quilombola, cigano, comunidades tradicionais, comunidade de terreiro, esse povo chamado de
‘macumbeiro’, fica dividindo as coisas…’. Essa é uma não concepção de um paradigma, mas, ao
contrário, queremos sempre algo que dê essa unidade, mas possamos trabalhar essa diferença,
essa riqueza para alcançar a unidade que desejamos, mas a partir do respeito à diferença. Tivemos
essa miscigenação – aqui existiam os povos nativos, as populações indígenas, depois chegaram os
portugueses na condição de colonizadores, depois os negros africanos do continente africano na
condição de escravizados e aí outros grupos também vão se incorporando. E vamos ter essa
brasilidade que as pessoas dizem: ‘Olha aí, é uma coisa tão rica e às vezes as pessoas querem
atrapalhar. É bonito o Brasil, porque ninguém vai encontrar um povo tão lindo que nem nós,
misturado’. Quando falamos de ações afirmativas e trabalhamos a equidade, as pessoas acham
que vamos tirar o que é mais belo do Brasil, que é a mistura, mas nós queremos é politizar, falar
criticamente dessa mestiçagem e desconstruir o mito da igualdade, o mito da democracia racial,
que não existe, já está dito ‘é um mito’.
Dizem assim: ‘Não, Zelma, mas não concordo, não. Acho que é porque vocês negros, por exemplo,
vocês são pessoas assim complexadas, porque já temos mais de 100 anos que nós abolimos a
escravidão e vocês ficam chorando. Eu acho que é um problema de vocês’. Então retira dessa
comunidade política que é o que estamos querendo trazer para cá, para um terreno político sair
de uma dimensão particular, assim: ‘Ah, Zelma, a pessoa é até boa, mas é uma mulher
impressionada com negócio de raça. É uma pessoa até boa, mulher, é até inteligente, mas ela só
pensa nisso’. Então você vai, me retira de uma condição coletiva das relações sociais, dessa
comunidade política e me deixa só, enfatizando o sentido de que ela é a complexada. É isso que
precisamos enfocar no nosso trabalho social, lá na nossa proteção social, seja básica, especial, nos
equipamentos. Como é que nós estamos recebendo essas populações diferentes? Precisamos
entender como ocorre esse mito da democracia racial de dizer: ‘Aqui se convive pacificamente.
Zelma, esse negócio aí de apartheid, esse negócio de racismo é coisa dos Estados Unidos, que tem
uma rua de branco e uma rua de negro, uma escola de branco e uma escola de negro, um ônibus
de branco e um de negro, mas aqui não, é todo mundo lindo, todo mundo se mistura, veja só
como é lindo o futebol, tantos negros no estádio que a gente joga banana e diz que é macaco’.
Então precisamos discutir isso. Nós estamos com mais de 80 anos de atraso porque a gente não
fala, porque a gente diz que quem pauta o debate sobre as relações étnico-raciais é que é o
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racista. Ou a gente vai mudar essa concepção ou fica difícil trabalhar com as populações e os
grupos diferentes.
Então eu trouxe aqui essas comunidades quilombolas, indígenas, extrativistas, ribeirinhas, ciganas,
outras comunidades tradicionais. É preciso compreender a dinâmica populacional, o tamanho, o
porte, e também como vivem e sobrevivem nos territórios, quais as suas riquezas, suas
fragilidades, suas vulnerabilidades, suas potencialidades nesse dinamismo que é preciso
interpretar. Dentro desse território, essas famílias vão ser plurais, hoje são e sempre foram
historicamente. Sempre se pensava na família da colônia que era extensa, e agora
nuclear, nunca de diferentes formas. Convivemos com famílias nucleares, que é aquela composta
por pai, mãe e filhos, e que pode ter várias gerações, temos as famílias extensas, temos as famílias
adotivas, temos as famílias de casais que fazem ou por opção ou porque não podem ter filhos,
temos as famílias monoparentais lideradas por homens e mulheres, a nossa história de Nordeste é
muito as famílias lideradas pela mulher mãe. Essa é a realidade nossa. Temos as famílias dos
homossexuais, das lésbicas com ou sem filhos, temos as famílias reconstruídas após o divórcio. Eu
tinha dois filhos, era casada, me juntei com outra pessoa que já tinha três, tivemos mais dois, são
as famílias reconstruídas pós-separação e divórcio.
‘Zelma, mas você quer dizer que esse negócio vai dar certo?’ Não, eu estou querendo dizer que
existe, e tem um dinamismo, e nós temos que interpretar o dinamismo, não podemos dizer
‘família desestruturada’. Não, ela não é desestruturada, ela é estruturada a partir dessa
recomposição do divórcio. Ela tem uma estrutura e uma dinâmica. ‘Mas você quer dizer que lá
todo mundo é feliz com esse monte de mãe, com esse monte de pai e com esse monte de filho?’
Não sei, a gente precisa analisar a dinâmica, se é aberta ao diálogo ou se há negligência ou
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violência. Precisamos também entender que há famílias que são várias pessoas vivendo juntas,
mas sem esse compromisso. Precisamos ver, e os nossos dados dentro do nosso material indicam
para mais de 11% das famílias unipessoais com uma tendência da contemporaneidade, que elas
precisam ser analisadas, elas têm uma estrutura? Têm uma estrutura e uma dinâmica, por isso
que eu tenho dificuldade de entender famílias atípicas: “Ah, não tem tipo”. Tem sim, é porque já
colocamos na nossa cabeça que as boas são as que chamamos estruturadas e as ruins são aquelas
que têm uma composição que para nós não é interessante, mas que, historicamente, se você for
ver, já tivemos essas famílias.
Eu chego e digo: ‘Eu sou cigano’. Às vezes dizem: ‘Mas, Zelma, uma mulher lá disse para mim que
mora no meio rural, e ela disse para mim que era branca, mas só que ela tem muita melanina, mas
é uma autoafirmação’. Eu tenho que respeitar essa autoafirmação, eu tenho que respeitar essa
autoafirmação do mesmo jeito que eu também tenho que ter a autoafirmação das populações
indígenas, das populações ciganas, das populações quilombolas, e tirar essa visão moralista: ‘só
querem, porque querem a terra, estão aí atrás porque querem terra’. A gente tem que respeitar o
autorreconhecimento, a autoidentidade deles, a luta pela terra. Eu não tenho como trabalhar
nessas comunidades tradicionais, se não vejo em que pé anda a posse da terra, a titularidade da
que está vinculada à política de Assistência Social, mas essas outras que se entrecruzam.
Esse tempo é longo, esse tempo é árduo, esse tempo é difícil entre fazer autorreconhecimento e
ter a titularidade da terra. Então há, na verdade, que se trabalhar tanto esse autorreconhecimento
como a titularidade das terras. É um longo período, com tensionamentos, e precisamos trabalhar
com programas de apoio às vítimas, defensores de direitos humanos, lideranças, ativistas, com os
que são perseguidos com acusação ou com ameaças de morte por parte daqueles que se dizem
proprietários daquelas terras.
A gente mexe também com isso. Requer um trabalho social de fortalecimento identitário, dentro
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dos meios urbanos também, quantos de nossa juventude não querem se identificar com negros e
negras e indígenas, porque nunca foi bom nesse país você se autoafirmar negro e negra. Quando
você vê uma criança dizer com toda alegria que ela é quilombola, que é negra, que é indígena, que
é cigana, tenha certeza de que tem processo de empoderamento, porque dentro desse discurso
liberal de que todos nós somos iguais perante a Lei, que existe a igualdade, a liberdade e a
fraternidade, você não vai entender. Então a gente diz: ‘Ah, esse negro é que é preconceituoso;
ele não foi socializado dentro de uma bolha, ele tem influência da sociedade abrangente; se a
sociedade abrangente é racista, é homofóbica, com certeza isso está dentro dos processos de
socialização, seja primário dentro da família ou secundário de mais espaço’.
É preciso entender e fazer a tipificação de serviço e de ações a partir dessas demandas específicas,
que considerar os povos de terreiro, as religiões de matrizes africanas que constituíram desde
sempre as famílias de santo e algumas pessoas não consideravam, diziam assim: ‘Não, isso aí não é
família, esse negócio não é família, não’. Porque a família não está no laço da consanguinidade
para eles, mas está no pertencimento religioso, na figura das ialorixás, das mães de santo, e isso
tem que ser mapeado, têm que serem feitos a análise de situação e o diagnóstico para entender
que essas pessoas têm seu próprio dinamismo, elas não estão esperando para viver suas práticas
cotidianas. No dia que os técnicos, no dia que a Política de Assistência lá chegar, quando
chegamos como gestores, como trabalhadores, temos que interpretar a maneira de viver dos
usuários dos nossos serviços, porque eles têm a maneira de viver e sobreviver.
A Carta Aberta dos Povos Ciganos no Nordeste elaborada em 2015 teve por objetivo garantir o
acesso às políticas públicas, o exercício da cidadania plena, a proteção e preservação de sua
tradição e cultura. O eixo que eles reivindicam na carta é da sua garantia e da sua identidade a
partir da sua autoafirmação, a proteção e preservação de uma cultura cigana, a saúde específica
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Vamos agora abordar os dados na dimensão do gênero. O Mapa da Violência nos traz a grande
preocupação dos homicídios contra as mulheres e a incidência de maior homicídio com as
mulheres negras. Temos aí a dimensão do sexismo, a força do patriarcado, acrescida ao racismo.
Entre 2003 e 2013 a taxa de homicídio de mulheres negras no Brasil aumentou 19.5%, enquanto a
taxa de homicídio contra as mulheres brancas caiu 11.9. Por isso precisamos trabalhar as
diferenças e analisá-las minuciosamente. Não é que as mulheres brancas não estejam também
sendo mortas, mas existem diferenças, existe o racismo.
Mas não podemos ter harmonia em torno de uma mentira, em torno de desigualdades gritantes,
de mortes, desse extermínio da juventude negra, da forma como a juventude negra é abordada
pela polícia. Quem é negro, quem é indígena, quem é cigano, quem é quilombola sabe o que eu
estou dizendo. A forma como a mídia veicula o racismo… lembram de um quadro do programa da
Rede Globo, o Zorra Total? Teve vários processos e nunca tirou o quadro do ar. Eu acho que se o
quadro não existe mais é porque ele saiu mesmo, mas não tinha processo nenhum que
conseguisse tirar essa imagem de mulher negra, fétida, desonesta. Ela é esteticamente fétida, ela
é feia, mas ela é instituída de uma ética e de uma moralidade. Foi isso historicamente que
disseram dessas comunidades tradicionais e dessas populações ciganas, indígenas, negras que nós
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não temos ética, que nós não temos moralidade e isso está posto.
De que forma será que estamos atendendo essas pessoas, de que forma essas pessoas chegam
para acessar serviços no nosso território? Precisamos pensar sobre isso e tivemos boa parte da
inteligência brasileira reafirmando esse lugar de que somos destituídos de uma ética para o
trabalho, de que não queremos trabalhar, de que queremos um Bolsa Família para ficar deitado
dentro de casa eternamente e não lutar. Foi isso que disseram dessas populações historicamente
discriminadas. Então, precisamos ressignificar e ver, com a forma crítica, como que essa dinâmica
territorial está posta com essas populações?
Outra questão: existe a homofobia. Nós temos uma sociedade homofóbica. Nós temos que
também respeitar que o corpo é nosso e eu posso chegar e dizer: esse corpo é meu, ninguém toca,
eu estou dizendo que eu sou lésbica, ou eu sou gay, eu sou trans, e temos que respeitar as pessoas
na sua orientação, na sua sexualidade. Essa autoafirmação… deixemos de ter esse moralismo e
essa maneira dura de querer dar identidade ao outro, pois quem dita a minha identidade sou eu,
eu sei onde eu estou, eu sei o que eu sou. ‘Ah, mas na minha graduação, por exemplo, eu não vi
nada disso, Zelma! Acho até legal, mas eu não vi.’ Pois vamos estudar, pois se a gente não viu na
formação inicial vai ter que ver na capacitação continuada, que necessariamente deverá falar
sobre isso. Não é mais desculpa dizer: ‘Eu não sei história de África, eu não sei dos povos ciganos,
eu não sei dos povos indígenas’. Pois vamos aprender. Se o texto desses profissionais requer que
tu saibas disso, tu vais ter que estudar.
Eu penso também que à medida que temos as vulnerabilidades, vivemos e sobrevivemos em sinais
de pobreza, de miséria, historicamente também nós resistimos. Eu não gosto de achar que nós só
tivemos vulnerabilidade; temos que demarcar a vulnerabilidade para trazer as estatísticas e
discutir, mas dizer da resistência, porque a resistência que faz e explica porque estamos hoje aqui,
porque queremos fazer daqui uma comunidade política, porque queremos qualificar a
participação. Penso que nos resta fazer, e temos feito isso, a ampliação dos espaços de controle
social. Temos que ter a qualificação dessa participação, não é só estar, mas é debater, propor,
diagnosticar, analisar a situação dessas populações nos devidos territórios, quem elas são, como
elas vivem, como elas sobrevivem, por que sobrevivem, não podemos achar que as pessoas só vão
viver no dia em que o SUAS chegar lá. Pelo amor de Deus! Elas já vivem e que bom que vivem, que
bom que elas têm a dinâmica, e os assistentes sociais e os psicólogos do CRAS têm que entender
qual a dinâmica daquele território.
Aí vem alguém e diz assim: ‘Não, Zelma, mas é porque esse povo é difícil, pense num povo difícil,
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Zelma. Eita povo difícil para a gente fazer o trabalho! Mulher, pois não é que eu fiz uma reunião
tão bonita, minha reunião de segunda-feira ou sexta-feira, eu fiz a reunião, sabe? Aí eu fiz uns
circos, Zelma, eu fiz mosquitinho, andei de casa a casa e você acredita que foram duas
pessoinhas?’ Mas o que essas pessoas fazem nesse horário? Porque se essas pessoas têm as
religiões de matrizes africanas e tem a chamada Gira, quem é das religiões sabe o que eu falo, ela
já está há não sei quantas décadas em Pagira, ela não vai para a reunião do CRAS, não, ela vai para
aquilo que já tem historicamente cimentado, que é do contexto dela. É preciso mapear quantas
igrejas evangélicas, quantas igrejas católicas, quantas roças, terreiros das religiões de matrizes
africanas, umbanda, candomblé ou que receba o nome diferenciado nessa extensão territorial
nossa, mas precisamos saber o substrato, como eles vivem e sobrevivem para, a partir daquilo,
poder ter o projeto técnico de intervenção, de como é que vai ganhando força com o que eles já
fazem. Isso é que é a metodologia do trabalho com família, e que temos contribuído com o MDS e
me coloco à disposição também, como estudiosa da família, para continuarmos a propor.
Temos que saber que o trabalho é em rede, que requer considerar a intersetorialidade e a
transversalidade das políticas públicas, o mapeamento das potencialidades criativas e produtivas,
e que não se pode chegar, por exemplo, com a proposta de inclusão produtiva já pronta, mas que
é preciso pensar no que essas pessoas fazem ou fizeram naquela sua história. É por uma outra
lente que precisamos enxergar, apostando na potencialidade dessas populações, entendendo ela
de dentro, entrando, sabendo, estudando, analisando como é que elas vivem e sobrevivem.
As mulheres negras em novembro marcharam e nessa marcha elas vêm dizendo: ‘Sabe por que
nós estamos marchando? Porque nós queremos mostrar para a sociedade e mostrar para o Estado
brasileiro que nós sabemos, nós queremos dizer o que nós passamos como demanda, mas
também as soluções para as políticas públicas’. Isso quer dizer que não é só denúncia não, é
denúncia e propositura, e é isso que precisamos entender. E a juventude? A juventude indígena, a
juventude negra, a juventude cigana está dizendo o quê? Não podemos pensar esse jovem só
como um ser destituído, precisamos entender suas potencialidades, porque a partir daí o
trazemos para nosso âmbito.
Eu digo assim porque eu me coloco como trabalhadora também – desculpa quando eu estou
chamando e trazendo para a nossa a política –, porque estou me incluindo como trabalhadora.
Podemos pensar essas políticas, pensar projetos interventivos. Temos a experiência das mulheres,
quantas mulheres do nosso território vieram para Brasília? Ou mesmo que não vieram, mas
fizeram parte do Comitê Impulsionador dentro do seu território e marcharam lá, marcharam no
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Ceará, marcharam no Maranhão, no Rio Grande do Norte, no Piauí. Eu sou do Piauí, estou em
Fortaleza há mais de 20 anos, mas sou do Piauí. Então temos a experiência das mulheres negras
que marcharam e disseram por que marcharam. Fizeram denúncia, mas também apresentaram
soluções. E a Marcha das Mulheres Negras contra o racismo, contra a violência e pelo bem viver.
Então o que elas reivindicavam? Direito à vida, à liberdade, a promoção pela igualdade racial,
educação, a justiça. Temos as mulheres de terreiro que abriram a marcha, mulheres que têm
resistido historicamente e que temos que respeitar, não é só tolerar as religiões de matrizes
africanas, é respeitar as religiões como forma de religação com o plano divino, que é também uma
possibilidade, como também são os evangélicos, e que temos as mulheres pastoras, as mulheres
católicas, as mulheres espíritas, as mulheres de todas as religiões que precisam ser respeitadas e a
forma como elas se vinculam ao território e podem contribuir para a resistência.
Há também a questão dos marcos legais para poder pensar o enfrentamento ao racismo para as
populações indígenas, para as populações ciganas, para a população negra, para a população
quilombola. Existe todo um marco legal que precisamos procurar e entender, como o Estatuto da
Igualdade Racial, a Lei nº 10.639 que está em atraso, a Lei nº 11.645, entender a Lei das Cotas,
como funciona nas universidades públicas e nas universidades federais. A Convenção nº 169 da
OIT [Organização Internacional do Trabalho] prevê, só para saber, que não podemos entrar nas
aldeias indígenas, nas comunidades ciganas, quilombolas ou mesmo em outras dessas
comunidades tradicionais sem contar, sem autorização dos seus membros para participar da
consulta, do diálogo, do atendimento. Assim, precisamos dialogar, interpretar como entrada das
políticas públicas nessas comunidades e propor um trabalho conjunto. Pronto, termino aqui e
obrigada, vamos conversar.
Prioridades aprovadas nas plenárias regionais Nordeste 1 e 2, encaminhadas para a plenária final:
Ampliar e garantir o cofinanciamento e a cobertura dos serviços, programas e projetos nas áreas rurais,
no enfrentamento das situações de desproteções, mapeando as situações que necessitam de cuidados
mais urgentes e extremos, especialmente no atendimento nas áreas mais vulneráveis como semiárido,
áreas de barragens e impactadas por grandes projetos.
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Garantir o cofinanciamento dos serviços por parte dos estados, além de ampliar o cofinanciamento
federal existente, de forma a universalizar as proteções sociais a todos os municípios brasileiros.
Implantar, implementar, cofinanciar e garantir a manutenção de CRAS e CREAS itinerante nas áreas
rurais, ribeirinhas, novos aglomerados habitacionais, ciganos, marisqueiros, pescadores, populações do
semiárido, povos de terreiro, indígena e outras comunidades, ofertando lanchas e equipes volantes.
Qualificar os profissionais no que diz respeito às normativas, metodologias e especificidades dos usuários
(LGBTT, negros, quilombolas, indígenas, pescadores, extrativistas, ciganos, ribeirinhos, pessoas com
deficiência, idosos, população de rua, comunidades tradicionais e de terreiros, adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa, entre outros) ressignificando o trabalho social com famílias.
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REGIÃO NORTE
Coordenador:
Carlos Maciel
Convidados:
Joaquina Barata Teixeira
Edval Bernardino Campos
Sra. Joaquina Barata Teixeira – Universidade Federal do Pará – “Bom dia, e o meu respeito aos
que compareceram à plenária da região Norte. Cumprimento autoridades do MDS, conselheiros,
gestores, delegados, pessoas convidadas, pessoal de apoio. Cumprimento e agradeço aos
companheiros de mesa, Professor Edval, Professor Carlos Maciel. Agradeço a Márcia Lopes que me
trouxe aqui para trabalhar com todos da nossa região.
A região Norte cuja análise devemos processar aqui sob a ótica do SUAS com a contribuição de
todos e todas. Nós apenas vamos dar o ponto de partida. Como todos sabem, é a maior região do
Brasil em dimensão territorial, 45,5%. Sua composição envolve os sete estados cujos
representantes estão aqui presentes: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e
Tocantins. Abordar a região Norte num evento como este nos obriga a não situá-la stricto senso
nas fronteiras de um mapa cartográfico, como este que intitulamos região Norte com os seus sete
estados, entre os quais dois são de grande extensão territorial, mas nos impõe situá-la em sua
dimensão relacional, tanto no que toca às suas questões sociais, quanto ao seu território, para o
qual envolve mais duas cartografias convencionadas no âmbito da geografia – a da Amazônia Legal
que abriga mais de dois estados da federação, e a da Pan-Amazônia onde se situam sete países
vizinhos de fronteira, com similitudes e diversidades: Colômbia, Venezuela, Suriname, Guiana
Francesa, Guiana, Peru e Bolívia.
A população da região Norte, a área e o número de habitantes segundo o IBGE estão assim
distribuídos: o Acre, com uma área de 152.581.388 quilômetros quadrados, 776.463 habitantes;
Amapá com uma área de 142.814.585, com população de 734.995; Amazonas com uma área de
1.570.745.680 e população de 3.807.923 habitantes; o Pará é menor do que o Amazonas, com
1.247.689.515, população de 7.969.655 habitantes; Rondônia tem 237.576.167 de área e
população de 1.728.214; Roraima com uma área de 224.298.980 e população de 488.072, e
Tocantins com uma área de 277.620.914 e população de 1.427.827. Todos totalizam 16.953.149,
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quase 17 milhões de habitantes. O Pará é o mais populoso da região, mas não o melhor no Índice
de Progresso Social (IPS), que é o indicador criado recentemente e, segundo os pesquisadores da
Amazônia, também vem sendo usado para representar a situação social das populações no
mundo. Vejamos como os estados se situam por ordem do IPS. Tocantins está em cima com 59,46,
depois Rondônia com 59,21 e Amapá é o terceiro com 56,80. Pará é o quarto com 55,40.
Amazonas é o quinto com 54,92, Roraima é o sexto com 54,38 e Acre com 54,09. Então é uma
região reconhecidamente com grande diversidade em relação às demais regiões brasileiras, e
também com diversidades internas, quer do ponto de vista de suas áreas, quer da quantidade de
suas populações, quer do ponto de vista cultural, quer do ponto de vista do território, o que leva
alguns pesquisadores a falar em ‘Amazônias’, no plural. É a maior região que abriga a maior
quantidade e pluralidades de etnias indígenas do país. Todos os seus estados possuem grupos
étnicos diversificados e grande concentração de quilombolas conforme demonstra o mapa. Vejam
lá a distribuição de quilombolas na região, que até me surpreendeu porque eu não supunha que a
região tivesse a maior quantidade de territórios quilombolas. E vejam lá no mapa: então é nesse
território, às vezes independentemente de fronteiras, que transitam e circulam diferentes
situações e questões que articulam na mesma raiz a questão social e a questão ambiental na
Amazônia. E que desafiam nossas políticas públicas e nossa capacidade de intercâmbio e
diplomacia para o enfrentamento do que ali acontece. Eu vou situar apenas algumas questões: o
tráfico de drogas com a cooptação de jovens e adolescentes. Pasmem com o que eu vou dizer: em
um dos municípios da região Norte o traficante de drogas é o filho do prefeito; o tráfico humano
de mulheres e crianças e, pasmem mais uma vez, em um município da região Norte, em outro
município da região Norte, eclodiu o escândalo de um prefeito pedófilo; a saída ilegal da madeira
saqueada e devastada da Floresta Amazônica, e o contrabando de mercadorias. O trânsito do
trabalho escravo, o trânsito do trabalho infantil. O conflito que é mais do que um conflito, é uma
guerra, em torno dos territórios de ocupação das populações tradicionais, especialmente
indígenas, quilombolas e agricultores herdeiros das culturas originais. E a tendência, a
concentração nas periferias urbanas das populações expulsas do campo, onde explode a violência
e a rebeldia despolitizada. Infratores matando policiais e vice-versa, policiais matando infratores.
Tudo isso parece ganhar mais visibilidade e sobrepor-se com sua força deletéria subsumindo e
ocultando o que tem a Amazônia de extraordinário, de mais belo, de mais rico, ou seja, sua
fantástica biomassa com a maior riqueza florestal do mundo, fonte de descobertas científicas que
estão por serem desvendadas. No campo da farmacologia, da cura de doenças, da fabricação de
óleos, perfumes, doces, entre outras. E cujos segredos do processo de fabricação os índios
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conhecem mais do que nós. Segundo, seu imenso manancial de água potável, com seus rios
navegáveis de grande extensão e de grande limpidez, alguns já sofrendo a contaminação e
poluição por parte da exploração transnacional do minério. E principalmente seu maior reduto de
etnias, com suas pluralidades linguísticas, diversidades culturais, suas artes, seu conhecimento da
biosfera e sua relação harmoniosa com a natureza que é uma lição para o mundo de
sustentabilidade.
Não se pode falar em região Norte no Brasil também sem referir que a maioria de suas questões
resulta das determinações de uma ordem social econômica e social injusta, que chegou à região e
ao país com a colonização, desde a colonização, com seus crimes violentos, suas doenças
europeias que dizimaram etnias indígenas. Ordem que militarizou o poder do capital com uma
ditadura, cuja visão truculenta, distorcida e cega diante do diferente, do singular e do diverso,
acabou substituindo na região o caminho dos rios por horríveis estradas mal construídas. Ordem
que tem hoje seus representantes no Congresso Nacional, e que estão muito assanhados para
retomar o poder e continuar avançando com suas políticas neoliberais. Políticas que são
favorecedoras do latifúndio, dos enclaves transacionais e que alimentam o processo de separação
de agricultores da terra na região amazônica. Tudo isso sem falar nos seus ciclos de crise pontuais
e agora permanentes.
Foi no rastro dessa investida e descaso que foram intensificadas na Amazônia as determinações
dessa ordem. Ou seja, escassez onde antes havia a fartura, poluição onde antes havia a limpidez,
devastação onde antes havia a preservação. A abordagem da questão social, a questão indígena e
a questão dos povos tradicionais na Amazônia de interesse do SUAS precisam ser vistas também
em sua dimensão relacional. Porque não há pobreza sem uma relação com a riqueza, e o que sai
de riqueza da Amazônia para outros países tem valores gastronômicos. Não há exploração do
trabalho e devastação ambiental sem uma relação com o capital, não há desproteção que possa
ser analisada sem uma crítica pesada e contundente ao reinado do capital parasitário.
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O SUAS tem que ser uma referência nesse avanço, e tem que dar concretude ao que já está
assegurado no plano legal, e tem que forçar a barra, porque muitas unidades da federação ainda
estão presas a velhas concepções que alimentam o assistencialismo e colocam as etnias no
interior da noção genérica de povo, tornando-as invisíveis em suas particularidades. E expostas a
estigmas e preconceitos que ainda perduram no Brasil e no mundo. É do interesse da região Norte
que o SUAS assuma, como prioridade, os indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais como
sujeitos de direitos diferenciados em suas ações. Sabe-se hoje que a categoria populações
tradicionais que se referia mais a indígenas e quilombolas sofreu deslocamentos no seu significado
desde a Constituição. E hoje ela é acionada também para designar outros sujeitos com existência
coletiva, a maioria vivendo na Amazônia. Essa categoria passou a incorporar o critério não só
natural, mas político, organizativo e uma diversidade de situações específicas. Tem-se como
exemplo os seringueiros, os garimpeiros, as quebradeiras de coco de babaçu, os ribeirinhos, os
castanheiros e os pescadores.
Nesses grupos, indígenas, quilombolas e seringueiros ganharam visibilidade como formações que
enfrentam a luta em defesa do território ocupado e do meio ambiente. É célebre no mundo a luta
do seringueiro Chico Mendes em Xapuri que ensejou a sua morte em 88. São muitos os eventos de
violência contra indígenas e quilombolas. Quem esquece o ato bárbaro de jovens racistas daqui da
elite brasiliense que queimaram vivo o indígena Galdino? A despeito da mobilização desses
sujeitos coletivos não ter diminuído, há entraves políticos e impasses burocráticos administrativos
que procrastinam a efetivação do seu pleno reconhecimento, principalmente quanto à garantia
dos territórios que é a base de sua autonomia. Sabemos que mesmo as terras homologadas dos
indígenas e tituladas dos quilombolas, cujo usufruto foi assegurado constitucionalmente, não têm
segurança na região, porque sofrem o intenso processo de intrusão por parte de mineradoras,
minerodutos, hidrelétricas e por parte dos violentos e reacionários madeireiros e fazendeiros do
Brasil, que estão lá na Amazônia, e que pagam milícias particulares para expropriar pela força,
para assassinar, intimidar e calar.
Todos sabem que em 2013 uma liderança quilombola foi assassinada no Pará, e em 2014 uma
liderança ambientalista e uma liderança indígena também foram assassinadas. É preciso dizer que
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algumas das ações para o âmbito da região Norte estão, sim, carregadas de equívocos, ou
enfrentam sérias dificuldades de implementação por três razões que se constituem desafios ao
trabalho de proteção social. A primeira razão por não serem operacionalizadas, considerando os
distintos paradigmas culturais dos diferentes grupos da região, balizadas no conhecimento das
diferentes formações sociais, das diferentes culturas. A segunda razão dá-se por não promoverem
um diálogo entre o saber profissional acadêmico, científico, e o saber das etnias da região, que
também acumularam mais de 10 mil anos de conhecimento dos ecossistemas amazônicos e de
respeito à natureza. A terceira razão: por não haver uma convergência das políticas sociais com a
mais importante delas, qual é a mais importante? A defesa e proteção dos territórios de ocupação
e trabalho, de agricultores, de populações caboclas, indígenas, quilombolas, o território é a base
fundamental para a autonomia desses grupos.
É por tudo isso que agrupamos em três blocos os enfrentamentos na região Norte, que devem ser
processados nas prioridades do SUAS e nas políticas de Estado. O primeiro e mais duro já falei, e
que repercute sobre os demais, é o da expropriação e intrusão nos territórios. O segundo é o da
expropriação da propriedade intelectual de suas tecnologias e saberes no campo dos
medicamentos, do manejo da floresta, dos alimentos, produtos oleaginosos, perfumes e
conhecimento da biodiversidade. Empresas europeias já patentearam a fabricação de perfumes
com base no conhecimento indígena. Vocês lembram de uma história há algum tempo de que os
japoneses iam patentear o processamento do açaí? Então, o chocolate já foi patenteado há
tempos por outros países.
O terceiro enfrentamento foi destacado pelo antropólogo Alfredo Wagner e diz respeito a políticas
sociais inadequadas no campo da saúde, no campo da educação, no campo da habitação e da
assistência social. Sobre isso ele diz o seguinte: ‘Essas políticas destinadas aos pobres, carentes,
excluídos, de baixa renda, ou o que é mais comum, vulneráveis, instrumentalizam-se de forma
inadequada para a abordagem das etnias indígenas e populações tradicionais’. Por quê? Porque
detonam o princípio étnico da coletividade, ferem o paradigma cultural e individualizam pessoas
em detrimento do grupo ou da etnia. Que outras ações prioritárias a região Norte requer para o
trabalho de proteção social? Dá para mapear algumas hipóteses. Primeiro, fugir da padronização
que iguala o atendimento às populações da região Norte ao da realidade urbana do Centro-Sul. É
necessário um rigoroso conhecimento das especificidades regionais, as quais envolvem
diversidades étnicas e diferentes universos culturais. Para quê? Para uma identificação tanto dos
espaços de potencialidades, quanto de possíveis ameaças à reprodução das famílias. O SUAS tem
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que incluir entre suas perspectivas não só a identificação da falta de seguranças sociais, mas
também os espaços de potencialidades que todas as regiões têm. E esse trabalho no caso da
região Norte requer uma complexa instrumentalidade no campo teórico, técnico e ético político.
Segunda hipótese: no trabalho com as etnias é imperioso que elas sejam ouvidas sobre suas
próprias dificuldades, necessidades e forças. O diálogo étnico tem sido nulo nas políticas de
Estado, e os profissionais de todas as áreas, exceto os da antropologia estão despreparados para
essa relação interétnica.
Outra sugestão de prioridade que ousamos reproduzir aqui vem da proposta de lideranças
indígenas da região: transformar o Bolsa Família em bolsa aldeia para que os recursos sejam
investidos em projetos coletivos. O Bolsa Família com seu encaminhamento individualizado, como
eu disse, viola valores e práticas milenares de coletividade e de socialização. Quarto: incluir
representações indígenas e quilombolas nos conselhos de Assistência Social. Finalizo com a
confiança de que este fórum possa aprovar avanços na política de proteção social. Que o poder
público em todos os âmbitos – Legislativo, Executivo e Judiciário – avance no reconhecimento das
especificidades da região Norte, no reconhecimento da necessidade de proteção de suas riquezas
materiais e imateriais, entre elas as ricas culturas das populações tradicionais.
Sr. Carlos Maciel – “Obrigado, professora Joaquina pela sua exposição carregada e eivada não só
de uma capacidade analítica profunda, mas principalmente de um sentimento regional, de um
sentimento de reconhecimento da importância dessa diversidade na região Norte.”
Sr. Edval Bernardino Campos – Universidade Federal do Pará – “Bom dia. Gostaria de
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No início aqui dos trabalhos houve uma manifestação da Amazônia regional, Amazônia ocidental
etc. Acho que a gente precisa ter cuidado com as metodologias, e eu estou aqui apenas fazendo
uma observação, porque o Brasil é uma República Federativa organizada em torno de estados e
municípios. E desde os anos 50, do ponto de vista geopolítico, os estados organizaram regiões
para poder estabelecer interlocuções com o poder central. Por isso que nós temos cinco regiões
que não têm nenhuma autoridade institucional para representar, mas uma legitimidade política
como um fator de congregação de interesse de vários estados. Ora, se essa organização é o que
permitiu e tem permitido uma interlocução melhor no processo de distribuição de recursos, é
preciso ter toda cautela para que não estimule metodologias que possam enfraquecer. Por isso
que a gente precisa compreender o Norte na sua integralidade de sete estados. Melhor seria se
fosse Amazônia Legal. Claro que isso daria um poder de representatividade muito maior. Mas essa
é uma metodologia que dificulta acertos no campo geopolítico. Isso não é questão menor.
A Amazônia brasileira não pode ser caracterizada como região pobre. Caracterizar a região
amazônica como pobre, oculta de um lado as suas imensuráveis riquezas naturais – florestas,
mananciais, recursos minerais, biodiversidades –, como uma área estratégica em recursos do
ponto de vista internacional, para além da Pan-Amazônia. A Amazônia é cobiçada pelo grande
capital, e não é pelo encanto das suas florestas, é pela reserva de riquezas que existe. Caracterizar
a Amazônia como a região pobre, por outro lado, ocultaria ou dissimularia as desigualdades sociais
como produtos de opções históricas, de opções sociais e políticas, porque compreendendo como
pobre é natural que a grande maioria possa ter uma condição de vida abaixo da média. Mas isso
não é natural, as desigualdades são produtos de opções políticas e precisam ser problematizadas
para poder adquirir o status de questão social. Ou seja, de desnaturalização das desigualdades
socialmente produzidas. A Amazônia tem sido em escala crescente objeto de cobiça e de
exploração desenfreada por parte de interesses poderosos externos em prejuízo das opções dos
seus residentes. Trata-se de um processo secular cujo produto histórico é a inscrição da Amazônia
no ranking dos piores indicadores sociais do Brasil. Nós temos a impressão de que é o Nordeste, e
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não é. A Amazônia foi incorporada de uma forma subalterna a uma estratégia de desenvolvimento
nacional econômico que já é subordinada a uma diretriz de desenvolvimento econômico
internacional. Ou seja, nós somos dependentes de uma estratégia dependente, por isso que a
Amazônia é tratada com tanto desdém pelas autoridades que governam o país. Isso precisa ser
problematizado. Essa região com 450 municípios e concentra 8% apenas dos municípios
brasileiros. Mas vejam, desses 450, 36 integram o ranking dos municípios com o pior IDHM do
Brasil. Dos 100, 36 estão na nossa região, representando 8% dos nossos municípios. Os demais são
do Nordeste, mas proporcionalmente representam 0,36 dos municípios nordestinos. Então nós
temos que compreender isso, entender essa proporcionalidade que nos coloca numa condição
preocupante.
Esta situação social pode ser muito pior quando consideramos que a região Amazônica e o Norte é
a que tem o maior percentual de população não urbana do Brasil – e tradicionalmente essa
população é precariamente alcançada, senão invisível nas pesquisas e estatísticas oficiais. É
possível que nossa condição de desigualdade seja ainda mais profunda, mas a nossa região, como
diz a professora Joaquina, tem como marca, como característica central, a pluralidade étnica. O
que nos coloca desafios gigantescos para pensar políticas para a região e em particular política de
Assistência Social, sobretudo se consideramos como eixos objetivos estruturantes a
territorialidade e a matricialidade familiar. Pensar um plano estratégico decenal para a região a
partir da perspectiva da assistência social exige, em primeiro lugar, uma adequada tradução da
realidade regional, e depois a definição de prioridades e diretrizes consentâneas às demandas
regionais e às demandas de atenção às necessidades sociais.
Somos uma região economicamente muito rica em recursos reais e potenciais, e ao mesmo tempo
com populações em profunda situação de pobreza e desproteção social. Somos uma região com a
qual o Brasil tem uma enorme dívida secular, uma dívida social e é necessário saldá-la. Nós não
podemos esperar muito. Somos uma região na qual as vastidões territoriais impõem custos
diferenciados aos produtos de mercados e também aos processos de gestão, não tem por que
compartilhar recursos para a região adotando os critérios que são aplicados para as outras regiões
do país – isso é um diferencial fundamental. Nós temos o maior número de municípios por região
na fronteira internacional: 10% dos nossos municípios estão na fronteira internacional, não é
qualquer demanda, não é qualquer particularidade, porque aí a qualidade, a natureza do trabalho
é muito diferente, é preciso decifrar antes que seja devorado. 60% dos municípios são de pequeno
porte, e quando nós somamos pequeno porte 1 e 2 isso chega a 86%. Sabe o que é que significa
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isso? 86% dos municípios não dispõem de orçamento próprio para ter iniciativa política, precisam
necessariamente do posicionamento cooperativo de uma federação cooperativa. Porque se for
uma federação egoísta, que não tenha como princípio a solidariedade federativa, estaremos
condenados a um sofrimento maior. Esse é um problema crucial para nós, a defesa da federação
cooperativa. Que desafios podem ser assumidos para o próximo milênio na próxima região, no
próximo decênio? Primeiro eu penso que nós precisamos adotar algumas cautelas metodológicas
para aprimorar o processo de proposição de ideias. Definir prioridades por porte de municípios e
por grupos de municípios com características assemelhadas é uma questão crucial. Porque senão
nós vamos ter um retrato idealizado da região, sem compreender sua heterogeneidade. Nós
temos um Norte que é igual ao Brasil, e temos um Norte que é totalmente diferente. Então nós
temos que compreender essas particularidades do ponto de vista metodológico, do contrário nós
vamos propor prioridades que podem ter aplicação em uma região e não ter aplicação em outro.
Vale lembrar que as duas principais regiões metropolitanas do Norte, congregadas em torno de
Manaus e Belém, apresentam o pior IDH de todas as regiões do Brasil. Ou seja, são regiões
metropolitanas que concentram algo em torno de 35% da população com condições de vida
precárias para a maioria da população. É preciso indicar as prioridades para os municípios de
pequeno porte onde predomina o trabalho não estável, a infraestrutura mais precária e onde
predomina, sobretudo, as práticas de gestão doméstica e o assistencialismo. Nós temos um
compromisso muito sério, para afirmar o paradigma da assistência social como direito com os
municípios de pequeno porte. Lá onde as relações são mais domésticas, onde o poder do prefeito
se dá na relação direta com o cidadão, com o usuário e com o servidor, corroendo os fundamentos
da vida republicana.
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compulsão de um pequeno rei, eleito, tem dificuldade de dialogar com a sociedade, nós
precisamos retomar isso.
Quais são as proposições que eu gostaria de apresentar rapidamente para poder não escapar
desses 15 minutos que eu combinei aqui com a mesa? Primeiro precisamos alcançar, nesse plano
decenal, 100% do cofinanciamento dos estados da região. Hoje apenas 17% dos estados praticam
o cofinanciamento, isso precisa ser uma deliberação da conferência. O cofinanciamento é regra,
mas a atitude do cofinanciamento resultará de pressão política, e nós precisamos definir isso
como uma demanda. Segundo, precisamos profissionalizar a gestão da proteção especial em
100%, com equipes completas e concursadas. Não dá para tratar demandas desta magnitude
improvisando trabalho, improvisando intervenções. Essas equipes precisam ser completas,
precisam ser qualificadas e precisam ser do quadro, como um corpo permanente a serviço dos
interesses e as necessidades da sociedade. Precisamos construir equipes multiprofissionais e
unidades especiais em todos os municípios com presenças de populações quilombolas e povos
indígenas. Eu estou chamando unidades especiais porque considero rigorosamente inadequado a
ideia do CRAS e de CREAS conforme concebemos para essas localidades. Precisamos estudar as
formas desse atendimento, porque a lógica aqui estrutura essas sociedades, e a Joaquina já
destacou, é uma lógica diferente da lógica que estrutura a sociedade urbana industrial brasileira.
Portanto, não podemos usar a mesma metodologia, nem o mesmo equipamento, é preciso pensar
em unidades especiais. Nós precisamos assegurar o planejamento estratégico e cooperativo entre
as regiões metropolitanas; precisamos investir na construção de, no mínimo, 50% da
infraestrutura para o funcionamento das unidades do SUAS. Nós temos hoje um processo de
gestão muito caro, e parte disso é pelo aluguel de unidades sem qualidades, para atender a
interesses políticos locais e econômicos. E nós precisamos adotar uma diretriz com, no mínimo,
50% das unidades construídas como patrimônio do município, e não como recurso utilizado para
patrimônios particulares. Casas que são alugadas no bairro por um valor, quando alugadas para
unidade pública o aluguel é três ou quatro vezes superior; isso onera a gestão, e nós aceitamos
esse processo de corrupção administrativa legitimada. É preciso combater. Nós precisamos regular
os benefícios eventuais em 100% dos municípios sob pena de não assegurar o direito do cidadão.
Não podemos deixar a cargo do prefeito ou do gestor municipal a vontade, o desejo e o tempo
para instituir os mecanismos que asseguram o direito. Temos que investir nisso, e aqui os
conselhos têm papel fundamental; não havendo a adesão dos prefeitos por meio dos processos
políticos, não tem outro caminho. O Ministério Público precisa judicializar para que o cidadão seja
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acolhido e respeitado naquilo que a legislação lhe atribui como direito. Nós precisamos assegurar
infraestrutura, recursos e pessoal adequado para o funcionamento dos Conselhos Municipais de
Assistência Social. Não haverá controle social enquanto o conselho e a sua estrutura couber na
bolsa da primeira-dama; o conselho é uma unidade de poder, e como unidade de poder, a
exemplo da câmara de vereadores, precisa dispor de infraestrutura e de meios para
funcionamento regular. O conselho não é uma concessão, o conselho é uma conquista dessa
sociedade que nós estamos construindo. E nós precisamos avançar neste processo para que essa
sociedade seja a sociedade democrática que o Brasil precisa e que a Constituição já reconhece.
Nós precisamos assegurar o planejamento e a gestão intersetorial, principalmente entre a política
de assistência, de saúde e de educação para enfrentar demandas relacionadas aos programas de
distribuição de renda e ao cumprimento das medidas socioeducativas. Esses programas, se não
forem agregados com estratégias que assegurem novas aquisições sociais, sobretudo o programa
de distribuição de renda, poderá se converter em um assistencialismo de cartão magnético;
distribuição de renda em si mesmo não resolve o problema – é um mecanismo para soerguer as
pessoas a outros patamares de vida social.
Mas esse trabalho não resultará exclusivamente da vontade e da orientação subjetiva dos
técnicos, precisa de recursos. É preciso investimento, quando os empresários querem ampliar os
seus negócios, eles não vão no Sebrae, eles vão no Banco do Brasil, na Caixa Econômica e no
BNDES. Só se consegue empreendimentos emancipatórios com recursos, e nós estamos
trabalhando na assistência a empreendimentos emancipatórios com orientação subjetiva.
Precisamos dar um passo adiante, precisamos da orientação, mas precisamos de meios para que
projetos alternativos sejam possíveis. Do jeito que está, não é possível. Precisamos garantir a
aquisição e apoio financeiro para uso e manutenção de meios de transportes adequados para as
demandas regionais. Esse negócio de só ter transporte não resolve, você manda uma lancha para
o município, e a manutenção da lancha é mais cara do que o gabinete do prefeito. É preciso ter
recursos. Ora, se eu quero assegurar a mobilidade, se eu quero assegurar as condições para que a
gestão alcance os usuários nos seus diferentes lugares, é preciso ter meios, não só de transporte,
mas meios de manutenção e de operacionalização dos transportes. Alguns ônibus escolares não
funcionam porque a prefeitura não tem como manter o ônibus. Se quebrar uma peça não tem
como corrigir. Conceber o plano decenal de Assistência Social nos impõe olhar para o futuro com
coragem, ousadia e espírito transformador. Por isso temos um desafio que é indeclinável:
precisamos investir na organização sociopolítica dos usuários da Assistência Social.
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Não se forma cidadão por obra e graça do divino acontecimento, é preciso investir, é preciso ter
vontade política, é preciso ter diretriz. Uma sociedade socialmente justa, fundada no ideal de
dignidade da pessoa humana não será produto do acaso, depende das opções que nós vamos
fazer agora e das lutas que nós vamos ter para cumprir o plano decenal. Eu acho que o SUAS já
avançou muito, diria que é a política pública que mais evoluiu, mas nós estamos desafiados a
produzir mais. E nós sabemos que há uma orientação metodológica para isso, quem nos ensina é o
poeta de Barreirinha, Tiago de Melo: “Quem sabe aonde quer chegar, escolhe o caminho certo e o
jeito de caminhar”. Muito obrigado!”
Considerar o fator amazônico e a grande extensão territorial no critério populacional para implantar
CRAS e CREAS e demais equipamentos públicos.
Garantir a aquisição de meios de transporte terrestre e fluvial adequados à realidade local (ribeirinho,
indígena, quilombola, rural e outros).
Instituir rede de combate do uso de drogas, tráfico de pessoas e exploração sexual em parceria com
Sistema de Garantia de Direito e demais políticas públicas incluindo as diversidades municipais.
Integração e fortalecimento das redes de atenção aos direitos dos(as) migrantes nacionais e
estrangeiros(as), independentemente da entrada e do status jurídico, implantando, implementando e
qualificando serviços na proteção básica e especializada, visando atenção integral aos(as), migrantes e as
populações locais tradicionais, especialmente as pessoas em situação de tráfico, de refúgio, resgatadas
do trabalho escravo e em situação de rua.
Pactuar a nova escala de porte de município com desagregação dos intervalos populacionais, a partir do
proposto na PNAS 2004 compreendendo as especificidades e diversidade dos municípios brasileiros.
Propor alteração constitucional na definição do percentual de no mínimo 10% da receita corrente líquida
no orçamento geral da União, estados e municípios para o financiamento do SUAS.
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Realizar qualificação das equipes fixas e volantes sobre o trabalho ofertado às famílias de comunidades
tradicionais.
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REGIÃO SUDESTE
Coordenadora:
Abigail Torres
Convidadas:
Rosilene Cristina Rocha
Dirce Harue Ueno Koga
Sra. Dirce Harue Ueno Koga – “O fato de a gente estar aqui, enquanto a região Sudeste é um
marco importante de aproximação da conferência para as diversidades e especificidades que nós
temos nesse grande país… Que bom que estamos juntos; acho que nós estamos vivendo um
momento em que precisamos dessa unidade regional e ao mesmo tempo uma unidade de
propósito do nosso de país. Eu gostaria de lembrar que nós tivemos antes da Política Nacional de
Assistência Social de 2005, a Política Nacional de 1999 que trazia para nós um retrato do Brasil nas
cinco regiões. Um retrato que, naquele momento, era um retrato regionalizado, ainda de forma
homogênea, que não expressava as diversidades e ainda as especificidades do nosso país. Em
2005, pela primeira vez nós tivemos uma Política Nacional que vai trazer na sua primeira parte a
diversidade dos municípios brasileiros. Então, as regiões são, em 2005, uma expressão da
diversidade e das especificidades. Hoje dos 5570 municípios… eu gostaria de demarcar bem isso,
porque é uma sinalização em uma nova direção de enxergar a assistência social. A partir não só do
seu público-alvo, mas também do lugar onde esse público vive, isso faz muita diferença. Eu acho
que essa é uma virada importante da Assistência Social, e não há como negar que isso faz parte de
um novo projeto de país que nós inauguramos em 2003, com o governo Lula. À época, nós
tivemos a ministra Benedita, logo em seguida o Ministro Patrus Ananias, uma nova perspectiva de
país em que a assistência social de fato vai fincar uma visão na qual o município entra em cena de
fato. O nosso desafio para daqui a dez anos é justamente não perder essa diversidade, essas
especificidades e ao mesmo tempo buscar a unidade socioterritorial.
Eu queria partilhar com vocês três pontos de partida. De fato, eles são só ponto de partida para a
gente caminhar e contribuir nesse processo dessa plenária regional. São reflexões, são estudos
que vão se basear no Documento do SUAS 10. Vocês vão poder encontrar essas informações um
pouco desagregadas, e a gente vai tentar focar na região Sudeste, mas sempre tendo a perspectiva
do país e desse país continental que eu acho que é importante. Então, são esses três pontos que
eu pretendo aqui trabalhar: primeiro, a diversidade que a Política Nacional de Assistência Social
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inaugura. A primeira política que vai distribuir o país em cinco grandes polos populacionais. O IBGE
até então reconhece apenas três portes de cidades: pequeno, médio e grande. É a Política
Nacional de Assistência Social que vai então reconhecer os pequenos na sua multiplicidade, por
isso tem pequeno porte 1, pequeno; porte 2, médio; grande e a metrópole. E aqui a gente vê [no
mapa apresentado na tela]… onde está azul é onde temos os municípios pequenos. Então aqui
vamos ver dois estados cuja marca é a presença dos municípios pequenos, que são justamente os
dois estados com maior número de municípios, Minas Gerais e São Paulo.
Interessante a gente perceber na nossa região como o azul predomina, em municípios de pequeno
porte. Eu queria lembrar que, para além dos portes, a gente precisa reconhecer que um município,
não é porque ele tem cinco mil habitantes e o outro tem mil é que eles são iguais. O porte é só
uma das características que a gente tem, e tem outras características que a gente precisa levar em
conta para começar a pensar socioterritorialmente a assistência social no Brasil. Então, algumas
características, por exemplo, densidade e rarefação, tudo isso, essas características que nos ensina
o geógrafo Milton Santos, que eu tenho como uma referência, uma referência importante, uma
referência que hoje contribui muito para o nosso debate aqui da Assistência Social. Outro
geógrafo que contribuiu para esse nosso estudo e que também tem uma referência como Milton
Santos, mas estuda hoje, especialmente, a ruralidade brasileira e nós vamos tratar disso, porque
entre as prioridades da região Sudeste, o que mais apareceu foi a demanda por priorizar as áreas
rurais. Realmente isso faz muito sentido, esse geógrafo chama Jean Bitoun, é um francês que está
radicado em Pernambuco já há muitos anos.
O Milton Santos vai falar, por exemplo, (i) de densidade e rarefação. O que é isto? Nós temos
cidades aqui no Brasil com população reduzida, mas o território onde está situada é muito grande.
Então, um município de cinco mil habitantes, mas cuja população está espalhada em um território
muito grande, é diferente de uma população que tem cinco mil habitantes e tem uma área
pequena, portanto, com uma alta concentração. (ii) Rapidez e lentidão, é interessante ver que os
lugares têm tempo diferente. A gente vai a um lugar e acha que o tempo passa mais rápido, vai em
outro parece que o tempo passa mais devagar. Milton Santos dizia que a mudança está nos
homens lentos, dentro de uma cidade que tem ritmo forte, como em uma metrópole, como Rio,
Belo Horizonte, Vitória, São Paulo, a gente tem um ritmo alucinante, mas dentro desse ritmo a
gente vai ter homens lentos, homens que não conseguem acompanhar esse ritmo e uma dessas
populações é justamente a população em situação de rua, que anda a pé pela cidade, que não faz
uso daquele outro ritmo. Nós temos (iii) rugosidades. Todos os territórios nossos, nós como aqui
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territórios do Brasil nós temos heranças, heranças políticas, heranças culturais, portanto, a gente
se faz território não só pelas nossas características naturais, mas também pelo uso que a gente faz
desse território, pela produção que existe nesse território. Os territórios são constantemente
produzidos e reproduzidos e isso vai dando rugas para o nosso território. Há territórios mais (iv)
jovens no país, há território mais jovem em Minas, em São Paulo, e tem território mais velho em
Minas, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo. Rio de Janeiro é um dos territórios mais velhos
que a gente tem, do ponto de vista da sua ocupação. É diferente um Rio de Janeiro mais velho de
uma cidade do próprio Rio de Janeiro mais jovem. Tem características diferentes.
E aqui a gente começa a entrar um pouquinho nessas especificidades em que a gente pega os
municípios com até vinte mil habitantes que são todos esses que estão manchados no país, e
quando a gente começa a olhar para dentro deles de dois mil até vinte mil, a gente vai encontrar
municípios de dois mil habitantes, de três mil habitantes, de cinco mil, até chegar nos vinte mil,
são vários portes dentro dos pequenos e é por isso que nesse documento existe uma proposta de
a gente trabalhar com mais divisão dentro de cada porte, para reconhecer também esses
municípios, porque simplesmente esses municípios com até vinte mil habitantes correspondem a
70% do total de cidades do Brasil. Então, não é desprezível. Ao mesmo tempo, a gente vai ter
metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro, Belo Horizonte, onde nós vamos ter mais de vinte
por centro de toda a população do país. Então, é um grande quebra-cabeça que a gente tem na
mão, nós como trabalhadores, técnicos, gestores da política de assistência social. Como a gente
vai lidar com essa diversidade de cidades? E aqui é muito pequeno o número, mas é a distribuição
nos estados brasileiros em que Minas Gerais e São Paulo são aqueles estados em que a gente vai
ter uma forte presença de municípios de pequeno porte.
Fica no estado do Rio de Janeiro São João de Meriti, na Baixada Fluminense, considerado o
município de maior densidade populacional. Isso significa treze mil pessoas em São João do Meriti
por quilômetro quadrado. O que é fazer proteção social em São João de Meriti, onde em cada
quilômetro tem uma cidade de pequeno porte 1? É isso aqui [mapa apresentado na tela] São João
de Meriti. Só tem cinza, isso significa que só tem gente, não sobrou uma arvorezinha de tanta
gente em São João do Meriti, não é São Paulo. São Paulo é a cidade com maior número de
habitantes, mas não é a mais densa, por incrível que pareça, o povo de São João de Meriti vive
muito mais apertado do que o povo que vive em São Paulo e no próprio Rio.
Aqui está o mapa em que existe essa proposta no livro SUAS 10, essa maior desagregação dos
portes populacionais. Aqui, por exemplo, Espírito Santo, onde está em tom de verde e amarelo,
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onde é município pequeno. Então vejam [mapa apresentado na tela] que no Espírito Santo há
quase um meio a meio entre município pequeno, município médio e município grande. Isso aqui
[mapa apresentado na tela] é Minas Gerais. Minas Gerais só tem município pequenininho,
oitocentos e cinquenta e três municípios, a grande maioria deles muito pequeno, por isso que a
gente tem aqui pequeno 1-A, B, quase que o alfabeto inteiro de pequeno, mas ali a gente está
propondo outros portes. Agora, vejam, [mapa apresentado na tela] que incrível, o estado do Rio
de Janeiro. O estado do Rio de Janeiro são os dois únicos estados do país em que o predomínio é
de municípios de médio para grande. Rio de Janeiro e Pará. No Rio de Janeiro a predominância é
de município grande. Vejam isso na mesma região Sudeste. Pensar o Sudeste vai ser um desafio
para nós aqui. Como que a gente pensa prioridade para essa região que tem Minas Gerais e Rio de
Janeiro com configurações populacionais muito diferentes, dinâmicas muito diferentes? E São
Paulo, onde nos 645 municípios do estado, predominam os municípios pequenos.
Aqui uma característica do que a professora Aldaíza falou na mesa do Balanço do SUAS e que é
interessante nós levarmos em consideração, que é a configuração natural dos nossos biomas. A
gente precisa levar em consideração a natureza. A natureza faz parte da nossa vivência, quando a
gente fala de degradação da natureza significa que também estamos fazendo a degradação
humana que vive nessa natureza, então não dá para a gente dissociar bioma, ambiente, questão
ambiental da questão social, a gente precisa reconhecer também essas diversidades. Então, por
exemplo, no Espírito Santo a gente reconhece uma zona costeira e ao mesmo tempo uma região
metropolitana. Uma zona costeira e uma zona não costeira, Espírito Santo não é só praia, como
não é só montanha. Como Minas Gerais, que não tem praia – lamentavelmente não tem praia –,
mas tem um semiárido que faz parte do norte de Minas. Esse pedaço de Minas é mais parecido
com a Bahia do que com o resto de Minas, mas é Minas. Então como vamos reconhecer também
na região Sudeste essas diferenças ambientais. O Rio de Janeiro, zona costeira também, mas
também não é só zona costeira – o piscinão que o diga. Espírito Santo, dos lagos, tem região dos
lagos, por exemplo.
Aqui [mapa apresentado na tela] estão os povos tradicionais que moram no nosso território, e
aqui a gente pegou o IBGE e tentou identificar os extrativistas, ciganos, ribeirinhos, indígenas – em
alguns lugares estão esses quatro presentes, alguns têm duas comunidades presentes. E aqui,
pegando o Espírito Santo, a gente vai ver que tem a presença desde ciganos, alguns ribeirinhos ali,
na zona costeira, como também a gente vai ter ciganos, ribeirinhos e quilombolas ao longo do
Espírito Santo. Faltaram os índios? Eu lembro que ali na parte norte do Espírito Santo a Aracruz
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nasce de um conflito indígena muito forte. O povo continua bem briguento lá, ainda bem, porque
tem que resistir. Aqui [mapa apresentado na tela], Minas Gerais, também com uma forte presença
de grupos e comunidades tradicionais em que a gente vai ter quilombolas, indígenas, ciganos,
extrativistas, e lugares em que a gente vai ter presença de dois ou três grupos juntos nesses
municípios. No oeste de Minas, o vermelhinho indica ribeirinhos, ciganos. Aqui [mapa apresentado
na tela], o Rio de Janeiro tem uma população indígena em Parati, em Angra. Ali a gente vai ter
também ciganos, ribeirinhos, quilombolas, indígena. Tem dois pontos vermelhos, tem ribeirinho e
cigano. Aqui [mapa apresentado na tela] São Paulo, vocês vejam que há população indígena em
São Paulo, inclusive na cidade de São Paulo a gente tem população indígena. Também extrativista,
ciganos, ribeirinhos, além da população indígena. Aqui [mapa apresentado na tela] é a densidade
populacional no Brasil, o vermelho é muita gente concentrada, cidades com uma altíssima
densidade populacional, é muita gente morando no mesmo espaço. Nas beiradas onde começou o
povoamento do Brasil é que a gente concentra mais população morando. Minas Gerais: parece
que o norte de Minas é uma coisa e o sul é outra. A concentração da população, a densidade
populacional está mais ao sul. No Rio de Janeiro [mapa apresentado na tela] há uma altíssima
densidade e aqui [mapa apresentado na tela] São Paulo, a concentração da população é mais ao
leste do que a oeste. O estado de São Paulo tem uma altíssima concentração na região
metropolitana e também na área do litoral. Tem 26 tipos de ruralidade segundo aquele estudo do
Jean Bitoun. Pela primeira vez a gente tem um estudo reconhecendo a diversidade de ruralidade e
aí vai fazer um alerta importante para a política de assistência social. Ele vai dizer: Cuidado para
não fazer o rural como se ele fosse o contrário do urbano, tendo o urbano como referência.
Quando a gente estiver falando de cidade, a gente vai falar de urbano e rural juntos. Cada qual
com as suas especificidades; o rural não é contrário de urbano. Urbano é urbano, rural é rural,
certo? Por isso ele vai falar de ruralidades.
Aqui no SUAS 10 a gente identificou a concentração de população morando em área rural [mapa
apresentado na tela] – é onde está em azul. Apesar de nós sermos um país com 90% de
urbanização, temos alta concentração de gente morando em área rural. Olha aqui [mapa
apresentado na tela], no Espírito Santo onde está azul é a concentração de população rural. Olha
[mapa apresentado na tela] Minas Gerais, a alta concentração de população rural. Olha [mapa
apresentado na tela] o estado de São Paulo, vocês vejam então que São Paulo, reconhecida como
capital, tem uma grande concentração, e aqui a gente tem o mapa do Brasil mostrando o Brasil do
Jean Bitoun, na sua heterogeneidade de rural e urbano, onde ele vai classificar, por exemplo, o
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município que é essencialmente rural e isolado, essencialmente rural e próximo da sede, isolado
em relação à sede e também municípios que são predominantemente rurais isolados,
predominantemente rurais e próximos. E aquelas manchinhas vermelhas [mapa apresentado na
tela] que são de áreas metropolitanas e capitais regionais. Isso aqui é o retrato dos municípios do
Brasil que são essencialmente rurais e isolados, e esse é um grande desafio para a proteção social
na Assistência Social. Como a gente chega nessas comunidades, nessas populações isoladas?
Aqui [mapa apresentado na tela] está o INSS, as agências do INSS. Aqui a gente vai ver como o
INSS está onde há gente, que acha que há concentração de gente, ou então não tem concentração
de gente, não tem INSS, e é onde as pessoas mais precisam do INSS, e é longe. Eu trouxe isso e
depois vocês podem ver aí como a população do Norte e Nordeste, não que o Sudeste não tenha,
mas isso a gente tem que levar em conta. E por isso que nós estamos na luta para que o Benefício
de Prestação Continuada seja administrado não mais pelo INSS, mas pela Política de Assistência
Social. Nós temos muito mais CRAS do que agência de INSS. Aqui [mapa apresentado na tela] é a
concentração de número de CRAS. Onde está em azul é onde a gente tem de um a dois CRAS, e
onde está em vermelho é onde a gente tem mais CRAS.
No Espírito Santo e Minas Gerais existe cobertura de, pelo menos, um CRAS em todos os
municípios. No Rio de Janeiro, vejam [mapa apresentado na tela] como a quantidade de CRAS está
de acordo com a população. Aqui [mapa apresentado na tela], o estado de São Paulo. E aqui
[mapa apresentado na tela] os números de CREAS por microrregião, porque o CREAS não é um
serviço que precisa estar necessariamente em cada um dos municípios. É outra discussão para a
gente pensar. Aqui [mapa apresentado na tela], no Espírito Santo a gente mostra, onde está em
vermelho mais CREAS, onde está em azul menos CREAS. Aqui também em Minas Gerais, onde se
concentra na área metropolitana de Belo Horizonte, aqui também no Rio de Janeiro onde a gente
tem mais CREAS e aqui também na área metropolitana de São Paulo, alta concentração de CREAS.
Eu só queria terminar dizendo o seguinte: para pensar em região, a gente precisa considerar que,
apesar de todos esses mapas, ainda há mapas vazios, isto é, situações que ainda não foram
mapeadas; há situações que a gente já mapeou, mas continua invisível e vocês sabem quem são os
invisíveis. Há um território que ainda não foi mapeado, continua invisível e que é um grande
desafio para nós: os territórios de vivência, aqueles que têm o ‘sangue quente’. Aquilo que a gente
só vai conseguir capturar a partir do cotidiano do nosso trabalho. E, por isso, eu acho que é para a
gente pensar região na assistência social, não a partir só da localização, dos potinhos no mapa.
Como dizia a Luziele Tapajós ontem: a gente tem que partir do ‘lugar quente’, do lugar onde tem
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vida, porque ali está o segredo e onde a gente vai descobrir o que nos une. Nesse emaranhado de
coisas não são os pontinhos no mapa é aquilo que a gente vivencia no dia a dia. Eu posso estar no
estado de São Paulo, como acontece com Barretos, e a área rural de Barretos está mais próxima
de Frutal, que fica no estado de Minas Gerais. E, aí, então, Barretos, na área rural, não pode cessar
os serviços de Frutal porque é São Paulo e lá é Minas Gerais. Acho que a gente precisa superar
essa visão administrativa de território e partir para pensar a região a partir das vivências que nós
temos no nosso trabalho, no nosso cotidiano com a população.”
Rosilene Cristina Rocha – Secretária de Estado Adjunta em Minas Gerais – “Eu havia preparado
uma apresentação para pontuar alguns desafios que nós temos para o sistema para os próximos
anos, pensando em médio e curto prazo, pensando que essa conferência também tem que dar
diretrizes até 2016. E, aí, depois da fala da professora, é impressionante que ela mesmo, com esse
tanto de mapa, faz a gente perceber e entender tudo com uma clareza gigantesca.
Eu queria fazer uma introdução brevíssima. Nós somos de uma região que exige muito, e eu acho
isso bom, felizmente, mas também acho, como disse a professora, nós não podemos esquecer do
tanto de coisa que a gente fez num período curtíssimo de tempo. É um sistema novo, a gente tem
uma capilaridade gigantesca. Sempre que encontro um médico lá de Minas falo assim: O SUS tenta
colocar um psicólogo em cada cidade do Brasil ligado ao setor de saúde, nunca conseguiu e vocês,
em um período muito mais curto, têm praticamente pelo menos um. Então nós temos que
lembrar disso para poder impulsionar; já fizemos muita coisa. Avançamos no atendimento, estão
gritando para publicizar os direitos, e a gente tem sempre que se lembrar disso, sem deixar para
trás esses desafios novos que se apresentam no cotidiano do nosso atendimento. Nesse trabalho
maravilhoso que elas produziram na PUC e que a professora Dirce Koga apresentou há um bocado
de informação que a gente vai ter que ficar estudando um bom tempo.
Queria lembrar que é um momento de luta política, e nós estamos em um processo conservador
no Brasil. Não podemos esquecer-nos disso, senão ficamos aqui dentro discutindo direitos, e lá no
Congresso estão cassando direitos. Nós temos que equilibrar as duas coisas, temos que fazer
enfrentamentos políticos.
Uma coisa que a gente repete vendo a propaganda, mas não atina com os dados e informações
que a Dirce foi falando: a gente diz que quem sustenta, quem põe comida na mesa do Brasil é a
agricultura familiar, porque a grande agricultura produz grãos e vende. Se a gente está dizendo
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isso, quer dizer que boa parte do nosso povo está morando lá no sítio e lá se produz. É a
agricultura familiar. E a gente foi tomando decisões que foram colocando o urbano e as grandes
regiões metropolitanas no centro de nossas decisões e do rumo das políticas da assistência e de
outras tantas outras, mas aqui, no caso da assistência, isso foi importante em determinado
momento e continua sendo. A gente foi deixando para trás alguns públicos importantes.
Então, no caso da questão da agricultura, a área rural é um dos primeiros desafios que a gente
encontrou em Minas Gerais, que tem 30% da população caracterizada como rural. Isso é o que a
prefeitura, o governo local diz, que o IBGE usa como fonte. Mais de 50% da nossa pobreza, da
pobreza extrema está no campo, ou seja, nós andamos e largamos o povo do campo para trás.
Não é à toa que isso mostra o compromisso e o bom trabalho que o sistema está fazendo.
No Sudeste, as propostas prioritárias estão voltadas para o campo, porque nós temos que
enfrentar uma desproteção que nós, lamentavelmente, viemos também aprofundando por falta
de capacidade do sistema, por falta de financiamento do sistema, por falta de gente lá no campo,
e por mil motivos, isso é só uma constatação, eu não tenho nenhuma avaliação de juízo. Essa é
uma questão importante para a gente começar a construir uma identidade de região, o que nunca
fizemos no SUAS. Quem às vezes faz uma avaliação é o Colegiado de Gestores Municipais, o
CONGEMAS que faz encontros regionais. Só que essa ideia da construção de uma identidade
regional a gente começa a fazer com mais consistência neste momento. A questão, por exemplo,
de migrantes e apátridas, é um tema importante em São Paulo, fortíssimo em Minas. Se a gente
combina o jogo, uma boa recepção no aeroporto do Rio de Janeiro e de São Paulo ajuda muito. Eu
não sei como está a situação no Espírito Santo, mas, por exemplo, nós estamos colocando uma
recepção no aeroporto de Confins. As pessoas saem literalmente andando pela BR até chegar a
Belo Horizonte; nós descobrimos cinco mil haitianos, a meia hora de Belo Horizonte, vivendo em
condições absolutamente absurdas de pobreza. Então, nós temos temas comuns e podemos nos
ajudar, fazer gestão e melhorar, inclusive, resolutividade, eficiência, eficácia etc.
Tenho uma lista de temas, não vou falar sobre todos, mas é só para dizer a vocês como a gente
precisa de fato construir e enfrentar alguns problemas juntos, os estados e municípios do Sudeste,
com acompanhamento, financiamento, estudos que o Ministério pode proporcionar para a gente
ter mais resultado.
Outra coisa para a qual eu queria chamar a atenção é o tema do pacto federativo. Ele está com a
força que está nesta conferência porque temos que admitir um problema. Se a gente não admitir,
nunca vai superá-lo. Historicamente, no sistema é a ausência do nível estadual no SUAS, sobre
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todos os aspectos. Não estou dizendo aqui que não houve avanços; alguns estados avançaram
mais e outros menos, mas, na média, os municípios e a União vêm fazendo muito mais o seu papel
no sistema do que os estados. Então, esse debate do pacto federativo tem que botar uma cunha
do que foi até agora e do que será para frente. Ou nós dos estados assumimos de fato que é
preciso financiar mais, preparar-se para financiar e acompanhar os municípios. Não estou falando
nada que não esteja na política de assistência social, só que essa dificuldade não é só política. Isso
seria reduzir o debate. Ela é uma dificuldade histórica, porque constitucionalmente os estados têm
um papel mais nebuloso. Todo mundo aqui já sabe; só que isso não pode servir de desculpa.
Alguns estados já implantaram, por exemplo, a alta complexidade de maneira direta, com
servidores seus, enfrentando o sistema de justiça, com uma parceria com o sistema de justiça;
alguns estados, não; alguns estados passam para o município, outros não, ou seja, nós temos que
fazer essa discussão.
Se a gente quer avançar no debate do pacto federativo, e mais, se a gente quer de fato construir
uma identidade de região – porque evidentemente nasce dos municípios –, esta precisa ser
coordenada, assessorada, financiada, do ponto de vista, inclusive das suas respostas, pelos
estados. Essa dúvida de papel não existe, está muito bem escrita na Política Nacional e nos pactos
que fizemos ao longo dos últimos anos em todas as instâncias, de gestão e de controle, CIB, CITs,
Conselho Nacional etc.
Eu queria também chamar a atenção para o fato de termos 67,3%, quase 70% de municípios de
pequeno porte I. Este é um desafio a mais para a gestão estadual, não é fácil. Minas Gerais sempre
enfrentou esse desafio. Está ali a secretária Albanita Roberta, ela sempre dizia isso, é uma
dificuldade enorme você dar conta de acompanhar 853 municípios. Nós temos que pensar saídas
para isso, temos que colocar a cabeça para funcionar, e aqui é o pontapé para pensarmos em
soluções de região que nos ajudem a responder problemas comuns, como o tema rural, como o
tema dos imigrantes, apátridas etc.
Há pontos muito comuns nos desafios dentro dos estados, junto com os municípios e
regionalmente; por exemplo, nós podemos ter metas regionais que o Sudeste em tanto tempo
garanta, acompanhe e incentive, que os municípios tenham um percentual de municípios com a
Lei do SUAS aprovada, ou seja, garantias das conquistas. Isso é uma forma – não a única – de
resistirmos aos avanços conservadores que estamos vivendo. A gente pode também conversar
sobre metas regionais neste sentido, que são típicas do Sudeste.
Finalizando, eu queria dizer que a gente tem que construir esse SUAS rumo a 2026 no conjunto
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dos quatro estados, que é o que a gente vai aprofundar aqui e pensar como a gente vai lidar com
os riscos de homogeneidade. Não podemos tratar tudo da mesma forma. Precisamos respeitar a
diversidade. Eu considero que a proposta de ter portes distintos é fundamental, especialmente
quando se fala em enfrentar a questão do campo, da pobreza rural. Os problemas do campo, a
distância, a questão da identidade, a questão do respeito – porque ao falar de dignidade humana
e de direito, nós temos que pensar que na hora que estou fazendo o desenho da intervenção, do
atendimento, como eu garanto que ali eu tenho respeito à dignidade humana e à diversidade.
Para além de termos a questão dos portes, um avanço rumo a 2026, acho que nós temos que os
territórios com suas distinções, municípios que são mais rurais, municípios rurais em si,
quilombolas, indígenas etc. Ou seja, temos que trabalhar com porte e especificidades. Fazer um
programa, um serviço, qualquer uma das ofertas do sistema, sem colocar, na hora que eu estiver
desenhando os critérios de atendimento, por exemplo, a questão de gênero, raça, não estou
fazendo nada do que estamos discutindo, nem de respeito aos direitos humanos, nem a garantia à
diversidade. Ou isso desce ao ponto em que as intervenções são desenhadas, municípios, estados
e União, nessa ordem, ou a gente vai daqui a dez anos enfrentar um problema parecido com esse
diagnóstico atual. Nós fizemos muita coisa boa, mas vejam a pobreza, nas ribeirinhas, nas
indígenas, por exemplo, nem sei se é possível fazer uma propositura nesse sentido, porte e essas
especificidades.
Ampliar e garantir apoio técnico, cofinanciamento e ações de formação e capacitação, pelos entes
federados, de forma contínua, para a execução de serviços, benefícios, programas e projetos
socioassistenciais.
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Ampliar o cofinanciamento compartilhado pelos três entes para a garantia da ampliação do CRAS, para o
acesso da população em situação de vulnerabilidade e de risco social nas áreas rurais e de grande
extensão; equipes volantes e infraestrutura necessária para garantir o atendimento às especificidades
desse seguimento, incluindo as populações indígenas, quilombolas, assentamentos, mananciais e outras
comunidades tradicionais e garantir transporte específico para acesso aos serviços, programas e projetos
socioassistenciais.
Implantar serviços regionalizados de alta complexidade a partir da execução do Estado com
cofinanciamento estadual e federal, considerando as demandas municipais.
Incluir nas orientações técnicas e metodológicas dos serviços formas específicas para oferecer o
atendimento que assegure a atenção às especificidades de público e diversidades territoriais como: Zona
Urbana, Zona Rural, área de proteção indígena, assentamentos, população cigana, quilombola,
comunidades tradicionais, com temas relacionados ao ciclo de vida, gênero, localização geográfica,
deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, questões étnico-raciais e problemas oriundos de
questões ambientais.
Mobilizar os usuários do SUAS e a população em geral através de campanhas, fóruns e afins, visando
garantir o empoderamento político e a efetiva participação da população.
Pactuar nova escala de porte de municípios com desagregação dos intervalos populacionais, a partir do
proposto na PNAS/2004, compreendendo as especificidades e diversidades dos municípios brasileiros.
Rever a NOB-RH, considerando a composição das equipes de referência das unidades e dos serviços, a
instalação das mesas de gestão do trabalho nas três esferas (incluindo o PCCS do SUAS, jornada de
trabalho de 30 horas), a PNEP e a instalação dos núcleos de Educação Permanente nas três esferas.
Garantir o cofinanciamento nas três esferas para construir unidades da rede socioassistencial, com
infraestrutura e acessibilidade adequadas à especificidade do território com provisões de equipamentos
e transporte.
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Convidadas:
Lúcia Cortes da Costa
Jucimeri Isolda Silveira
Relatoras:
Maria Eunice Malcarne Bernat – Assistente Social – Santa Catarina
Iraci Andrade – Assistente Social – Santa Catarina.
Sandra Regina Nishimura – Assistente Social do Paraná
A plenária teve início com a coordenadora esclarecendo a metodologia que incluía a exposição
pelos palestrantes, com foco na realidade da região Sul, o debate e a escolha das prioridades,
considerando as especificidades regionais. No caso específico da região Sul, foi possível a
proposição de até seis prioridades novas, em razão do fato de que dois de seus estados não
haviam encaminhado ao CNAS as respectivas deliberações. Isto posto, deu-se início às exposições
que iluminaram as deliberações posteriores.
Sra. Lúcia Cortes da Costa – Universidade Federal de Ponta Grossa – Paraná – “Bom dia a todos e
a todas. Bom dia, meu nome é Lúcia, eu trabalho na Universidade Estadual de Ponta Grossa, no
Paraná, e a minha tarefa aqui, junto com a Jucimeri, é questionar alguns aspectos desse nosso
processo de consolidação do SUAS. Primeiro eu quero agradecer – é um enorme prazer participar
hoje dessa Conferência e, junto com a nossa região Sul, poder problematizar algumas questões.
A primeira questão que eu quero pontuar, e que vem imbricada com a dimensão dos direitos
humanos e da cidadania, é o sentido do SUAS dentro do sistema de proteção social brasileiro.
Estamos vencendo um processo de inovação da proteção social brasileira. O nosso histórico de
proteção social sempre esteve vinculado ao sistema contributivo para trabalhadores; era
vinculado à condição de trabalho, e não à condição de cidadania e de direitos humanos. Então, nós
estamos inovando e ousando construir o Brasil a partir de 1988, com a Constituição Federal, mas,
essencialmente, a partir da constituição do SUAS, de 2005 para cá, que é demarcar a
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A nossa Constituição Federal inova quando constrói o conceito de seguridade social. O que é esse
conceito de seguridade social? É a ideia de que todos que participam de uma sociedade devem ter
assegurados direitos e cidadania que lhes permitam enfrentar situações de risco e de
vulnerabilidade. É rever o papel do Estado, rever a primazia da responsabilidade do Estado na
proteção social. Ninguém deve ser abandonado à própria sorte numa sociedade. A sociedade não
cria condições iguais de acesso a bens, serviços ou mercado de trabalho para todos. E esse é um
problema da sociedade, e não dos indivíduos. As pessoas e as famílias não podem ser
abandonadas à própria sorte, ainda mais num país que tem um mercado de trabalho
desestruturado, pois não temos um mercado de trabalho como os países europeus que têm um
sistema de bem-estar social muito mais efetivo e amplo.
E a condição de vida das pessoas e das famílias não podem pesar sobre seus próprios ombros sem
que a sociedade crie mecanismos para atender a suas demandas. Nesse sentido, há uma profunda
transformação cultural, na maneira como olhamos as pessoas que precisam de proteção social. Ele
não é um carimbo, não é um necessitado, ele é um cidadão. Portanto, eu tenho que reconhecer
nele dignidade humana. Esse é o nosso desafio, trabalhar com o paradigma de direitos humanos e
direitos de cidadania.
A população que está em situação de rua deve ser acolhida. Nós trabalhamos nos anos 80 e 90,
quem foi assistente social no final dessas décadas trabalhou muito na mobilização pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), lembram disso? Tínhamos um dizer: “Rua não dá criança, a
criança é da família, é da sociedade, é do estado. Não existe criança de rua, porque rua não dá
criança. As crianças são nossas”. Não existe população de rua, existe cidadão desprotegido. E de
quem é a responsabilidade? Esses são os enfrentamentos que nós temos que trazer.
Para isso, de 2005 para cá decidiu-se, uma decisão ousada, que o Estado tem que ter equipamento
para operar como política pública. Como nós operávamos no campo da assistência, primeiro, nem
política era, correto? Assistência não era política pública. Nós tínhamos a Legião Brasileira de
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Assistência (LBA), que articulava uma rede filantrópica e que repassava um subsídio, uma
subvenção do Estado para que prestassem o atendimento via entidades sociais, pois o Estado se
ausentava da atenção direta. Isso mudou. Quando decidimos levar a sério que é responsabilidade
do Estado, começamos a construir uma rede para atender às pessoas que demandam serviços da
política pública de Assistência Social, e começamos a implantar os equipamentos CRAS e CREAS,
correto? E que dificuldade, gente! Mesmo assim, dá para pintar aquele cantinho e só pôr a placa?
Não, não dá. Não dá só para pintar o cantinho e pôr a placa, porque é para atender com
dignidade. E quem vai trabalhar para atender a essa população tem que ter também a sua
dignidade no espaço de trabalho, não pode ser um cantinho que nenhuma Secretaria quer e é
repassado para a Assistência Social.
Outra questão que temos que rever no âmbito da região Sul, tanto no órgão gestor estadual
quanto nos órgãos gestores municipais, é a visibilidade da política pública de Assistência Social, e
dizer no nome do órgão que se trata de uma Política de Assistência Social. Só Santa Catarina tem
essa nomenclatura no nome do órgão gestor. Vejam, quando mandamos nominar as coisas, é com
o objetivo de construir sentido para as coisas. E quando não nominamos que essa é uma Política
de Assistência Social não damos o sentido. Portanto, não é só uma briga pelo nome, temos que
construir, inclusive no campo simbólico, o espaço dessa política dentro do sistema de proteção
social brasileiro. Na esfera dos estados ainda estamos muito vinculados à política do trabalho. E aí
não se cria uma identidade própria.
Porque é tão importante ter a placa do CRAS e do CREAS? Para que a população nos reconheça.
Criar identidade, inclusive, simbólica. Se eu tenho direito à educação, sei muito bem qual é a
secretaria que eu procuro. Sim ou não? E se eu tenho direito à Assistência Social? Como eu me
saio? Então, simbolicamente também temos que construir, nominar as coisas.
O sentido do SUAS dentro do Sistema Brasileiro de Proteção Social é alargar a proteção social,
reclamando o papel do Estado. E em tempos neoliberais, em tempos de ajuste, nossa missão é não
aceitar precarização da Política Pública de Assistência Social. É resistir e dizer quanto mais estamos
a atender as pessoas, mais estamos cumprindo nossa função. Não podemos aceitar a fragilização
da política pública quase sem recursos. Por isso é muito importante uma tarefa nessa história,
brigar em cada município pelos fundos destinados à assistência social, regulamentar em lei qual o
percentual que temos que destinar, regulamentar em lei o que são os benefícios eventuais. Muitos
municípios não têm regulamentação, e aí o que vira? Um pacotinho de entregas com um carimbo
do gestor recriando práticas inglesas. Não é possível.
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E quando alargamos o escopo da nossa política, nós alargamos a compreensão de que não é
política para pobre, mas uma política pública de proteção social para o cidadão e apresenta vários
desafios. Um dos desafios é dar materialidade aos serviços; não basta que a população compareça
aos serviços, temos que dizer o que fazemos dentro dos serviços, quais entregas conseguimos
assegurar. Já conseguimos alguns avanços em termos técnicos, tirando a assistência social daquele
campo do voluntariado – isso já é um avanço. Quando eu me formei em serviço social em 1988, a
grande briga era que não tínhamos equipamento de política pública. Eu era funcionária do
Governo Municipal, mas o equipamento era da rede filantrópica. Hoje, não, hoje nós já temos
equipamentos. Só que agora nós temos que qualificar as ofertas. O que fazemos nos serviços? O
nosso serviço é o registro no CadÚnico? Um encaminhamento? Ou nós temos entregas
importantes dentro dos serviços?
E aí vem o debate do trabalho social. Eu só quero levantar mais uma questão, e registrar que
trabalhar as políticas públicas e, particularmente, a Assistência Social é trabalhar a dimensão
política de que país nós queremos. Nós temos um histórico nesse país de desigualdade absurda
que se transforma num apartheid, produzindo muitos excluídos. É contra a desigualdade absurda,
contra a desigualdade que fere direitos humanos e direitos de cidadania que nós temos que
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trabalhar. Nós estamos mudando o país, cada um no seu espaço. Temos que levantar de manhã e
dizer: ‘Eu vou mudar esse país’. É isso o que nos move; é essa luta que nos traz aqui e que nos
reúne. Muito obrigada.”
Sra. Jucimeri Isolda Silveira – “Bom dia a todos, bom dia a todas. Depois dessa fala apaixonada da
Lúcia, vamos tentar manter a mesma direção no sentido sempre de afirmar a nossa luta coletiva
para construir o direito à Assistência Social no Brasil, ampliando a seguridade social. Eu vou trazer
algumas questões mais objetivas para a finalidade dessa plenária. Como vamos conseguir, no
estágio atual do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), garantir que as discussões que foram
sendo desencadeadas durante as mesas de ontem, nos debates, e numa inovação importante – as
pessoas puderam se expressar –, ainda que tivéssemos algumas queixas com relação ao limite do
tempo, visto que precisamos ter regras para o funcionamento da Conferência, em razão da
quantidade de participantes.
Neste espaço foi importante ver e localizar demandas, inclusive demandas que ainda não
asseguram, de certo modo, a transversalidade dos direitos humanos e que nos trazem alguns
sinais daquilo que nós precisamos avançar, uma vez que as políticas públicas, especialmente no
nosso caso, a de Assistência Social, são expostas a graves desigualdades regionais, locais e, quando
eu digo ‘regionais’, também incluo as marcas da desigualdade na América Latina, que na região Sul
tem expressões importantes para considerarmos. Por exemplo, na realidade latino-americana, o
atendimento às migrações forçadas, no caso do Paraná, e nos espaços metropolitanos, uma das
demandas principais de migração, além dos haitianos, é o atendimento aos argentinos. Temos,
atualmente, uma migração regional em fluxo, e não sabemos em que medida a política de
Assistência Social e as demais políticas setoriais e de defesa de direitos estão dando conta dessas
questões específicas na região Sul.
O SUAS avançou em escala. Hoje temos uma ampla territorialização de equipamentos, são mais de
7 mil no Brasil. A região Sul tem contribuição importante na universalização dos equipamentos, ou
do acesso aos direitos socioassistenciais no Brasil. Apesar de região Sul ter uma tradição de possuir
uma rede não governamental maior, um volume maior em relação às outras regiões, com exceção
da região Sudeste, que sempre tem sido considerada na sua especificidade, por ser São Paulo a
megalópole, e por outras características, mas a região Sul tem um importante adensamento. Eu
oferto esses serviços que agora estão num processo maior, na sua unificação ao SUAS, da
vinculação das entidades chamadas privadas e, apesar disso, a região Sul fez um movimento
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Isso tem relação com a nossa tradição municipalista, principalmente no Rio Grande do Sul. E uma
experiência de federalismo municipalista, que são os municípios se colocando numa relação com
os estados e a União, porém numa relação mais autônoma. Então, percebemos uma organização
forte da região Sul na estruturação dos serviços. Percebemos uma autonomia grande dos
municípios em se organizar. E, muitas vezes, a relação com os estados fica um pouco tensa nesse
aspecto. Como eu vou me colocar em relação a um Estado que monitora e “apoia”, se alguns
municípios já estão até à frente em termos de estruturação dos seus serviços? Isso traz para os
estados um desafio grande, em ter uma supervisão mais regionalizada e fortalecida, uma relação
mais cooperativa e, talvez, rever o seu papel na estruturação de alguns serviços de maior
complexidade em regiões com baixa capacidade de gestão ou com baixa demanda, dada essa
força que os municípios têm.
A região Sul também carrega o cofinanciamento em nível nacional. Ela tem, em estudos em
execução no país, enfim, estudos do Colegiado Nacional de Gestores Municipais, que mostra que
os municípios da região Sul, principalmente os do Paraná, muito contribuem para a contabilizar
recursos da função assistência social no Brasil. Então, percebemos um movimento nesses anos de
SUAS com os municípios. E temos aí uma tarefa importante, de priorizar as ações que fortaleçam o
pacto federativo de um novo modo. Nesse sentido, trago algumas reflexões para pensar, no
tempo que temos nessa manhã, as prioridades que considerem essa realidade da região Sul.
Em levantamento realizado em alguns estados, a característica rural aparece muito forte na região
Sul, e também as especificidades que marcam as regiões metropolitanas. Especificidades
socioculturais no meio rural e nas grandes cidades. Temos muitas comunidades quilombolas
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Então, nesse sentido, é importante adotar novos critérios para analisar municípios e sua
organização em termos de rede de proteção socioassistencial. Temos um descompasso entre a
realidade e o desenvolvimento do SUAS. Por exemplo, os critérios de porte dos municípios. Portes
de municípios não cabem mais em nossa realidade. As exigências, os requisitos para estruturar os
serviços, os níveis de gestão estão em descompasso com a realidade. Precisamos priorizar a
reorganização com o próprio município, líderes de gestão, para que os municípios possam planejar
a estruturação nos próximos anos. Estamos pensando um SUAS para os próximos anos e, como
prioridade, precisamos rever os critérios de organização dos serviços por porte, por exigências de
gestão e serviço. Colocar a mão nos critérios para análise e organização dessa rede, considerando
as espacialidades. Da mesma forma que fomos estimulando os CRAS para que, em alguns
municípios, tivessem estratégias diferentes para atender a suas realidades, como unidades de
atendimento e equipes volantes, também devemos pensar em equipes volantes no SUAS para
regiões ribeirinhas e, inclusive, para as grandes cidades, e em outros critérios.
Os critérios de veículos urbanos, por exemplo. Há uma dificuldade, muitas vezes, de posicionar
determinados equipamentos em alguns espaços. Então, considerando essas espacialidades
desprotegidas, e como forma prioritária de fazer diagnósticos maiores do Brasil ou, senão, as áreas
que não têm proteção socioassistencial, em que medidas o SUAS está pensando essas dinâmicas
intraurbanas. Regiões metropolitanas que atraem muitos, por exemplo, fluxos migratórios, que
exigem outro volume de serviços e que têm um adensamento populacional maior, e que precisam
estar integradas com as agendas de desenvolvimento das cidades.
Assim, temos que discutir a Assistência Social para dentro dela mesma e para a realidade e
especificidades regionais, não são só regiões e capitais dos estados do sul, mas outras macro ou
micorregiões que compõem os estados da região Sul, que atraem população e que precisam de
uma política de desenvolvimento regional mais estruturada – realidades rurais isoladas, dispersas,
regiões de fronteiras. Precisamos colocar no nosso sentimento essa prioridade de reorganização
dos serviços que considere essas dinâmicas territoriais, realidades que envolvem populações
tradicionais, indígenas, e também dinâmicas que demandam normas específicas. A regionalização
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da Assistência Social está bastante pensada nos municípios menores, com uma demanda menor,
mas que exigem uma presença maior do estado. Temos que pensar novos critérios para a
regionalização dos serviços que considerem essas dinâmicas setoriais. Migrações forçadas,
fenômenos climáticos, como a professora Lúcia falou, há períodos sazonais de muito frio na região
Sul, e isso entra na agenda do SUAS. Então, como estruturar os nossos serviços de modo a
considerar nossos fenômenos climáticos etc.
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mais vulneráveis. Já está na hora de pensarmos quais são os territórios de proteção social, ou seja,
que precisa de um complexo de serviços mais integrados, para superarmos essa fragmentação e as
ideias muitas vezes burocratizadas. Então, o que precisamos integrar nesses territórios? Alguém
tem alguma sugestão? Responsabilidade das áreas, investir mais na vigilância socioassistencial e
nos diagnósticos dos territórios, posicionar de forma mais integrada estados e municípios. Quais
os parâmetros necessários para a organização da equipe de serviços, qual infraestrutura?
Precisamos de cofinanciamento e normas específicas nacionais e estaduais que autorizem os
municípios a fazer a reforma e construção dos equipamentos, porque a qualidade dos serviços
também está na qualidade das estruturas que trabalhamos, nas condições objetivas dos nossos
trabalhadores.
Garantir uma educação permanente, metodologias que permitam análises, diagnósticos, uma
atuação mais estratégica nesses territórios, intervenções mais planejadas, para também superar
essa fragmentação de quem planeja e executa. As equipes estão lá, muitas vezes, no dia a dia,
pressionadas por um atendimento gerencialista, pressionadas pela quantidade dos atendimentos,
e não conseguem, muitas vezes, fazer o papel dos equipamentos e reorganizar essa rede em
territórios, se integrar melhor com outras políticas de proteção, com ações de defesa do direito,
ter uma atuação mais proativa, mais transformadora desses territórios.
Por último, aprimorar a relação entre segurança alimentar, transferência de renda e previdência
social, com os benefícios e serviços, de modo a termos novos critérios, novos incentivos em
gestão, novos incentivos em cofinanciamento, benefícios eventuais. Temos uma lacuna muito
grande ainda. Há uma insegurança muito grande na execução dos benefícios e a maior
responsabilidade é dos municípios. Então, para terminar, é essa a reflexão que fazemos aqui,
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Garantir, portanto, um pacto federativo forte, um Sistema mais fortalecido, mais universalizado,
que considere as demandas e as especificidades territoriais, as diversidades culturais, e enfrente
as desigualdades sociais e territoriais.
Que a gente possa ter como prioridade a garantia que as receitas da Assistência Social não sejam
confraternizadas para fins, no limite, senão a gente sempre fica pressionada pela incapacidade de
avançar numa rede universal, que é estruturada a partir do princípio da universalidade, assim
como é a educação em saúde, mas fica presa. Isso é uma prioridade, eu acho que é importante a
gente avançar. E novos incentivos para estruturar a gestão. Então, nós temos um cadastro único
de consórcios e municípios, em sentido de gestão, para a manutenção dessas funções de gestão.
Claro que nada disso vai avançar em termos de diversidades e éticas raciais, diversidades
climáticas, diversidades nos aspectos territoriais, com o grau ‘intraurbano metropolitano’, se não
os não regulamentarmos no sistema único dos municípios e estados, de modo a garantir o
princípio estruturante do SUAS como comando único e a relação cooperada entre estados,
municípios e União.
Avançarmos em nossa resistência posto que, diante dos ciclos de crise econômica, o que primeiro
se coloca em xeque é a continuidade do financiamento na Assistência Social. Temos que ter uma
firme posição, já que está mais do que comprovado, principalmente em países com povos tão
desiguais, com desigualdades histórias, o papel estratégico das políticas sociais no
desenvolvimento desses territórios e, mais do que isso, na garantia do direito como um meio de
ação fundamental, que amplia o Estado, amplia a seguridade social, amplia as políticas públicas
universais e amplia a qualidade das ofertas. Muito obrigada.”
Após as apresentações, a plenária da região sul elegeu as prioridades, destacando-se que parte
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delas foi construída em conjunto, uma vez que não haviam sido enviadas em número suficiente
por dois estados (Paraná e Rio Grande do Sul).
Apoiar a implementação da política nacional de migração, com articulação da política de Assistência Social e
das demais políticas, ampliando o cofinanciamento das três esferas de governo com o estabelecimento de
metodologia e capacitação específica. No que concerne à capacitação, incluir o ensino da língua estrangeira
para os técnicos e língua portuguesa para os imigrantes, sendo esta responsabilidade da Política de
Educação.
Aprimorar o apoio técnico da União e estados, priorizando a orientação e assessoria técnica às entidades e
aos serviços voltados para mulheres e jovens da zona rural e urbana, população indígena, quilombolas e
pessoas com deficiência, promovendo a integração ao mundo do trabalho.
Criar equipes multidisciplinares volantes que atendam aos povos tradicionais, assentamentos, imigrantes e
população rural com cofinanciamento estadual e federal para estruturas e veículos nos municípios,
independentemente do número de habitantes, porte dos municípios e extensão do km2.
Criar unidades de acolhimento e serviços de média complexidade para atender a migrantes tanto em
regiões de fronteira como em centros onde haja demanda, a partir de um estudo qualificado e da
implantação de um diagnóstico social através de um sistema integrado de informações. Além do
cofinanciamento estadual e federal, são necessários apoio técnico e capacitação para esse serviço
específico.
Garantir cofinanciamento nas três esferas para construir unidades da rede socioassistencial com
infraestrutura, acessibilidade adequada às especificidades do território.
Integrar e fortalecer as redes de atenção aos direitos dos(as) migrantes nacionais e estrangeiros(as),
independentemente da condição de entrada e do status jurídico, implementando e qualificando serviços na
proteção básica e especial, visando a atenção integral aos(às) migrantes, especialmente as pessoas em
situação de tráfico humano, de refúgio e resgatadas do trabalho escravo.
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PLENÁRIA FINAL
Centro-Oeste
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Assistência Social e os coletivos que tratam da migração, refúgio e tráfico de pessoas, visando a
garantia dos direitos desses públicos;
3. Garantir recursos e implantar serviços de PSB e PSE às populações indígenas, como construção e
manutenção de CRAS e CREAS, implantação de serviços especializados em famílias acolhedoras a
crianças e adolescentes, albergues e abrigos para a população indígena migrante, garantindo
formação específica para trabalhadores do SUAS em comunidades indígenas, respeitando a
Convenção 169 da OIT e a Constituição Federal de 1988;
4. Garantir recursos federais para implantar equipes volantes, CRAS e CREAS específicos para
municípios e áreas de fronteiras, populações tradicionais como comunidades indígenas,
ribeirinhas, quilombolas, comunidades de religião de matriz africana e de terreiro, oriundas de
acampamentos ciganos, acampamentos da reforma agrária e assentamentos rurais, conforme a lei
brasileira de inclusão, e garantir a execução dos serviços com equipamentos e veículos adequados;
8. Integração e fortalecimento das redes de atenção regionalizadas aos direitos dos(as) migrantes
nacionais e estrangeiros(as), independentemente da condição de entrada e do status jurídico,
implantando e qualificando serviços na PSB e PSE, visando a atenção integral aos(às) migrantes,
população local, populações tradicionais, pessoas em situação de tráfico, refúgio, resgatados do
trabalho escravo e população em situação de rua, assegurando dotação orçamentária específica
nas três esferas de governo, ampliando o cofinanciamento da Assistência Social Proteção Social
Básica e Proteção Social Especial.
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Nordeste
4. Garantir o cofinanciamento dos serviços por parte dos estados, além de ampliar o
cofinanciamento federal existente, de forma a universalizar as proteções sociais a todos os
municípios brasileiros;
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Norte
4. Instituir rede de combate ao uso de drogas, tráfico de pessoas e exploração sexual em parceria
com Sistema de Garantia de Direito e demais políticas públicas, incluindo as diversidades
municipais;
5. Integração e fortalecimento das redes de atenção aos direitos dos(as) migrantes nacionais e
estrangeiros(as), independentemente da entrada e do status jurídico, implantando,
implementando e qualificando serviços da proteção básica e especializada, visando a atenção
integral aos(as) migrantes e às populações locais tradicionais, especialmente as pessoas em
situação de tráfico, de refúgio, resgatadas do trabalho escravo e populações em situação de rua;
8. Realizar qualificação das equipes fixas e volantes sobre o trabalho ofertado às famílias de
comunidades tradicionais.
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Sudeste
2. Ampliar o cofinanciamento compartilhado pelos três entes para a garantir a ampliação do CRAS,
visando o acesso da população em situação de vulnerabilidade e de risco social das áreas rurais e
de grande extensão, equipes volantes e infraestrutura necessária para assegurar o atendimento às
especificidades desse segmento incluindo as populações indígenas, quilombolas, assentamentos,
mananciais e outras comunidades tradicionais, garantindo transporte específico para acesso aos
serviços, programas e projetos socioassistenciais;
4. Incluir nas orientações técnicas e metodológicas dos serviços formas específicas para oferecer o
atendimento que assegure atenção às especificidades de público e diversidades territoriais, como:
zona urbana, zona rural, área de proteção indígena, assentamentos, população cigana,
quilombola, comunidades tradicionais, com temas relacionados ao ciclo de vida, gênero,
localização geográfica, deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, questões étnico-
raciais e problemas oriundos de questões ambientais;
6. Pactuar nova escala de porte de municípios com desagregação dos intervalos populacionais, a
partir do proposto na PNAS 2004, compreendendo as especificidades e diversidades dos
municípios brasileiros;
7. Rever a NOB-RH, considerando a composição das equipes de referência das unidades e dos
serviços, a instalação das mesas de gestão do trabalho nas três esferas (incluindo o PCCS do SUAS,
jornada de trabalho de 30 horas), a PNEP e a instalação dos núcleos de Educação Permanente nas
três esferas;
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Sul
3. Criar equipes multidisciplinares volantes que atendam aos povos tradicionais, assentamentos,
imigrantes e população rural com cofinanciamento estadual e federal para estruturas e veículos
aos municípios independentemente do número de habitantes, porte dos municípios e extensão do
km2;
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2. Alterar os critérios de concessão do BPC estabelecendo: a) aumento de renda per capita para
um salário-mínimo; b) redução da idade do idoso para 60 anos; c) não computação do valor do
benefício na renda per capita para efeitos de concessão do BPC a uma segunda pessoa com
deficiência; d) não computação de benefícios previdenciários de até um salário-mínimo no cálculo
da renda per capita para concessão do BPC à pessoa idosa e à pessoa com deficiência; e) não
computação da renda do curador no cálculo da renda do curatelado para fins de acesso; f)
ampliação em 25% do valor do BPC para pessoas que necessitam de cuidador; g) inclusão do
microempreendedor (MEI) por até dois anos em condição análoga ao aprendiz; h) concessão de
13º parcela anual;
3. Revisar o Art. 18 do Decreto-Lei 5.209, criando critérios objetivos para a correção anual do teto
de renda per capita para concessão do Programa Bolsa Família, observando aspectos
constitucionais, orçamentários e de razoabilidade;
4. Validar o parecer social dos técnicos de CRAS, no sentido de ser considerado na concessão dos
benefícios de transferência de renda BPC;
5. Estabelecer o aumento anual dos valores dos benefícios e do valor per capita dos programas de
transferência de renda federal, aprimorando-os e ampliando-os, de forma a garantir a formação
para profissionais e o encaminhamento ao mercado de trabalho para as famílias beneficiárias
como direito, revisando os critérios de definição de público-alvo prioritário, inclusive mediante
estabelecimento de, no mínimo, 10% de orçamento público de cada ente federativo para a
Assistência Social;
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10. Fomentar e ampliar os serviços voltados à família em situação de risco e vulnerabilidade social
que promovam a prevenção contra a violência, abuso, exploração sexual, tráfico de seres
humanos, bem como o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, contribuindo para a
efetivação do Plano Nacional de Garantias, Convivência Familiar e Comunitária e os princípios e
direitos humanos;
12. Assegurar que os estados e municípios tenham aprovadas as suas respectivas Leis Estaduais e
Municipais da Assistência Social em consonância com Lei Federal 8.742/1993 modificada pela Lei
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Federal 12.435/2011, até julho 2017, para aprovação nas Assembleias Legislativas e Câmaras
Municipais, garantindo princípios de dignidade e justiça social;
13. Aquisição de meios de transporte adequados, bem como sua manutenção, ao atendimento de
populações tradicionais indígenas e não indígenas de acordo com suas especificidades regionais;
14. Aprimorar a articulação das diretrizes da política de assistência social com as particularidades
da política de direitos humanos de promoção da igualdade racial, de mulheres, de pessoas com
deficiência, população LGBT, povos indígenas, ciganos e idosos, partindo do pressuposto da
equidade no atendimento;
16. Ampliar o acesso e qualificar a PSB e PSE, contemplando os benefícios eventuais e serviços de
média e alta complexidade, garantindo a ampliação do cofinanciamento do Governo Federal,
Estadual, Municipal e DF, com prioridade para o atendimento às pessoas idosas e com deficiência
em Centros Dias e população em situação de rua em Centros Pops, garantindo a acessibilidade a
todos os serviços e com especial atenção para a zona rural;
17. Revisar a estimativa de famílias em situação de pobreza, de forma a garantir a inclusão de mais
famílias no programa Bolsa Família, e diminuir o tempo entre cadastramento e concessão dos
benefícios nos casos de famílias com perfil para participar do programa;
19. Regular e cofinanciar os Serviços de Proteção Social Básica e Especial no Domicílio para
Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias; ampliar residências inclusivas, reordenar e
ampliar serviços de acolhimento para pessoas idosas e unificar nacionalmente os critérios de
acesso ao passe livre para pessoas com deficiência e idosos.
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2. Ampliar o acesso às informações do papel dos usuários sobre a participação social, através de
meios de comunicação (televisão, rádio), mídias alternativas, cartilhas, materiais didáticos, com
linguagem acessível que traga conhecimento aos usuários sobre seus direitos e deveres para a
efetivação de uma gestão participativa;
6. Criar mecanismos para garantir avaliações periódicas com os usuários dos programas, projetos,
serviços e benefícios do SUAS, através do CMAS, objetivando aprimorar os trabalhos e favorecer a
participação destes no planejamento das atividades dos programas e na participação do controle
social para a gestão democrática;
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7. Garantir recursos para incentivar nos níveis federal, estadual e municipal a criação e o
fortalecimento de fóruns, comitês, conselhos locais e outras organizações, para estimular a
articulação e a mobilização dos movimentos sociais, de modo que propiciem uma permanente
participação da sociedade, em especial, dos usuários no SUAS;
9. Incluir no campo de doações do imposto de renda, pessoa física e jurídica, a possibilidade dos
fundos de Assistência Social captar recursos de deduções fiscais (parte do imposto de renda
devido), garantindo destinação de percentual de recurso para o fomento e manutenção de fóruns
de usuários, trabalhadores e entidades, sendo regulamentado pelos conselhos e ouvidos os
fóruns;
10. Garantir a criação e a implantação da ouvidoria do SUAS nas três esferas de governo;
11. Criação de normativa de validade nacional pelo CNAS que oriente municípios, estados e União
a garantir a participação efetiva e autônoma de trabalhadores do SUAS, nas capacitações e nas
atividades de representação nos conselhos e fóruns em horário de trabalho para os quais tenham
sido eleitos;
12. Garantir um cofinanciamento específico entre União, estados e municípios para construir,
equipar e manter a estrutura física da sede do CMAS nos municípios e ampliar o IGD SUAS e IGD
PBF de 3% para 10%, para sua adequada manutenção e funcionalidade;
13. Estruturar mecanismos estratégicos específicos, bem como garantir o financiamento para a
capacitação continuada de conselheiros (sobretudo usuários, entidades e trabalhadores) e
secretarias executivas, incluindo modalidades a distância e presencial, além de inovações como
escolas de conselheiros, visando fortalecer o controle social no SUAS em consonância com a
Política Nacional de Educação permanente do SUAS.
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2. Assegurar que as receitas da política pública de assistência social e suas despesas com pessoal
não sejam computadas para fins dos limites estabelecidos na Lei de Responsabilidade Fiscal;
4. Definir como um dos critérios de partilha os custos dos programas, projetos, benefícios e
serviços da Política de Assistência Social nas três esferas de governo, considerando as
especificidades regionais, até 2017, com atualização financeira dos pisos de proteções para o
financiamento dos programas, projetos, benefícios e serviços do SUAS, cumprindo o artigo 30 da
Lei do SUAS;
5. Ampliar a participação da União e dos estados no pagamento dos profissionais das equipes de
referência dos serviços do SUAS e da gestão, incluindo a vigilância socioassistencial, definindo-se
um percentual de cofinanciamento das três esferas de governo, assegurando a adequação da
NOB-RH, a fim de contemplar a atual tipificação dos serviços socioassistenciais, atualizando-a
sempre que houver o reconhecimento de novas ofertas de serviços no SUAS;
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11. Fortalecer a articulação do Poder Legislativo nas três esferas para assegurar que legislações e
outras medidas adotadas por este Poder sejam coerentes com as normativas da Política de
Assistência Social e respeitem as competências do Executivo, Legislativo e Judiciário;
12. Garantir recursos das três esferas de governo para a implantação e manutenção dos serviços
socioassistenciais tipificados, estabelecendo sanções para as esferas estaduais quando do
descumprimento das responsabilidades estabelecidas no Pacto Federativo.
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2. Garantir sanções efetivas aos municípios, estados e União que descumprirem as metas
estabelecidas no pacto federativo no que se refere à realização de concurso público para todos os
trabalhadores do SUAS e sua efetiva nomeação, considerando as demandas e especificidades dos
serviços e territórios de forma a garantir a continuidade e estabilidade dos serviços;
3. Assegurar que as receitas da política pública de assistência social e suas despesas com pessoal
não sejam computadas para fins dos limites estabelecidos na lei de responsabilidade fiscal, a fim
de que se viabilize a realização dos concursos públicos, garantindo a efetivação dos aprovados
para composição das equipes do SUAS, bem como propor definição do piso salarial e a jornada de
trabalho de, no máximo, 30 horas para todos trabalhadores do SUAS;
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Assistência Social e o Executivo pela não utilização das equipes do SUAS para atender às
demandas do Poder Judiciário e Ministério Público, que extrapolam o âmbito das competências
profissionais na execução da Política de Assistência Social e do SUAS, evitando a fragilização das
relações entre profissionais e usuários;
9. Criar uma Normativa Federal que assegure aos técnicos(as) do SUAS a recusa de realizar
estudos, pareceres e congêneres para o Poder Judiciário e Ministério Público, que não sejam
condizentes com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais;
10. Propor alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal, no que se refere aos recursos financeiros
da Assistência Social destinados aos Recursos Humanos, a fim de que se viabilize a realização dos
concursos públicos para compor as equipes do SUAS, garantindo que o vínculo dos trabalhadores
não seja terceirizado;
11. Definir equipe de referência efetiva para o Cadastro Único, incluindo obrigatoriamente as
categorias de digitador, entrevistador e técnico de nível superior, levando em consideração o
número de habitantes e a territorialização do município;
12. Normatizar condições para que trabalhadores e trabalhadoras possam participar da criação e
funcionamento dos Fóruns dos Trabalhadores do SUAS, nas três esferas de governo, garantindo a
democracia como valor principal, sem criar obstáculos para que os trabalhadores participem das
instâncias de debate e deliberação da PNAS (fóruns, conselhos e conferências), reconhecendo esta
participação como serviço de utilidade pública, sem prejuízos de descontos aos seus salários
quando se ausentam de seus locais de trabalho nestas oportunidades em que fazem a construção
do SUAS;
13. Cumprir a deliberação da VIII Conferência Nacional de Assistência Social que propõe projeto de
lei nas respectivas esferas de governo e no Distrito Federal e que garanta a implementação de
plano de carreira, cargos e salários (PCCS) específicos para todos os trabalhadores do SUAS,
construído a partir das mesas de negociação com a instituição de piso e isonomia salarial para as
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equipes de referência, com jornada de trabalho de até 30 horas semanais, sem redução salarial e,
quando for o caso, o adicional de risco, noturno, penosidade e condições especiais de trabalho,
entre outras garantias, com base nas diretrizes da NOB-RH SUAS e resoluções do CNAS;
14. Criar lei que garanta, nas três esferas do Governo e no Distrito Federal, instituindo a gestão do
trabalho, implementando o Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS), específicos para todos os
trabalhadores do SUAS da rede pública e privada, visando ainda a constituição de piso e isonomia
salarial das equipes de referência, jornada de até 30 horas semanais, Mesa Nacional, Estadual e
Municipal de negociação do trabalho, política de segurança e saúde do trabalhador e previsão de
aposentadoria especial aos 25 anos de trabalho, adicional de risco, adicional noturno e
insalubridade, penosidade e condições especiais de trabalho, entre outras garantias, com base nas
diretrizes da NOB-RH SUAS e de acordo com a Resolução CNAS 17/2011 e CNAS 09/2014;
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4. Disponibilizar transporte acessível para pessoas com deficiência e/ou de mobilidade reduzida
para o atendimento das demandas nos Centros-Dia, do Serviço de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos e demais serviços socioassistenciais;
5. Realizar atividades de formação cidadã com foco no reconhecimento da Assistência Social como
direito para os usuários do SUAS, criando cartilhas, materiais educativos e lúdicos em braile,
janelas em Libras, com legendas, com fonte ampliada sobre as ações e os serviços
socioassistenciais com veiculação nacional;
8. Fortalecer, em âmbito nacional, o debate com o Sistema de Justiça, para evitar o crescente
processo de requisições pelo Poder Judiciário e Ministério Público, e mobilizar para que estes
órgãos constituam suas próprias equipes interdisciplinares nos municípios;
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11. Criar novas estratégias de oferta de serviços e benefícios em territórios com grande extensão e
em territórios urbanos com alta incidência de violência;
121. Fortalecer, em âmbito nacional, o debate com o sistema de justiça, para evitar o crescente
processo de judicialização da Política de Assistência Social, entendido como a necessidade de
provocar o Poder Judiciário para garantir os direitos que devem ser acessados diretamente no
SUAS.
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MOÇÕES
Nº Destinatários Moção
Tema: Repúdio ao crime socioambiental ocorrido no município de Mariana,
especificamente no distrito de Bento Rodrigues, no dia 05/11/2015, diante
do descaso incalculável aos danos ambientais à fauna e à flora, a ruína das
bacias dos rios Doce, Gualaxo do Norte e do Carmo, e a irresponsabilidade
da empresa Samarco para com o meio ambiente e a população da respectiva
localidade diante das vidas perdidas.
Os delegados eleitos(as) na conferência municipal/estadual de Assistência
Social de Minas Gerais vêm publicamente formalizar veemente repúdio à
tragédia ocorrida no município de Mariana, em específico no distrito de
Bento Rodrigues, no dia 05 de novembro de 2015, diante do descaso
incalculável aos danos ambientais à fauna e à flora, a ruína das bacias dos
rios Doce, Gualaxo do Norte e do Carmo, a exploração do setor de
mineração de forma irreparável, além da incalculável e irreversível
omissão/irresponsabilidade da empresa Samarco para com o meio ambiente
Governo Federal, e a população das respectivas localidade diante das vidas perdidas na
Fundação Estadual do tragédia que perpetuou sofrimento e angústia por toda uma vida perante o
1 Meio Ambiente luto de um distrito, município, estado de uma nação. Diante do exposto,
(FEAM), Procuradoria nós, representantes de Minas Gerais enquanto delegados(as) eleitos(as) na
Geral da República X Conferência Nacional de Assistência Social, solicitamos, demandamos,
exigimos, pedimos, provocamos, requeremos, requisitamos e rogamos
providências imediatas perante as ações inconsequentes, imprudentes e
levianas da empresa de mineração Samarco e demais responsáveis e
evidenciamos nossa indignação, revolta e repúdio aos(às) responsáveis pela
tragédia de Mariana. A letra da música de Thiago Delegado e Márcio Borges,
cantores mineiros, com o título “Quem vai pagar o que não tem preço?”
expressa nossos sentimentos e angústias: “Quem vai dizer fim da esperança/
essa herança irracional/ que outros filhos terão./ Lama letal,/ Lamaçal!//
Água da gente beber/ o dragão/ arrastou na lama,/ quem vai pagar tão
imenso mal?/ Matou o rio afinal./ O que era doce acabou.// Antes da lama
tocar meu blue, o verde vale era azul, azul blue…/ a plantação queria dar,/ o
peixe só queria/ nadar/ e eu também ser/ alguém feliz, então cantar./ Mas
quem vai pagar o que não tem preço/ me devolver o que não tem mais?/
Quem vai virar o que está ao avesso,/ quem vai salvar o meu blue?”.
Tema: Aquisição do piso salarial para a categoria dos Assistentes Sociais,
realização de concursos públicos, melhores condições de trabalho e
cumprimento das trinta horas.
Os delegados e delegadas da X Conferência Nacional de Assistência Social
realizada no período de 07 a 10 de dezembro de 2015, em Brasília (DF),
entendendo a importância do trabalho dos profissionais do Serviço Social
Câmara dos
para o desenvolvimento das mais diversas políticas públicas e sociais em
Deputados –
execução no Brasil, nos três níveis de gestão, viemos solicitar a correção de
Brasília/DF; ao Senado
uma falha histórica que será possível com a aprovação dos seguintes
2 Federal – Brasília/DF;
Projetos de Lei: 5.278/2009 que trata da regulamentação do piso salarial
à Presidenta da
para os profissionais do Serviço Social; o 3.688/2000, inclusão de Assistentes
República Federativa
Sociais na área de Educação; o 3.145/2008, da contratação de Assistentes
do Brasil – Brasília/DF
Sociais; 0428/2015 sobre a inclusão dos profissionais do Serviço Social nos
PSFs, e o 430/2015 sobre condições de trabalho dos Assistentes Sociais,
todos em tramitação na Câmara Federal. Destacamos ainda a necessidade
do cumprimento da carga horária de 30 horas semanais, realização de
concursos públicos, nas três esferas, ressaltando que a ausência destes
perpetua a prática assistencialista de todas as políticas sociais.
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O texto que segue é a síntese da avaliação realizada pelo Conselho Nacional de Assistência Social,
em reunião realizada no dia 15 de fevereiro de 2016.
A análise do processo e dos resultados dessa Conferência trazem à luz os avanços e desafios desta
política, considerando as dimensões abordadas: 1. Dignidade Humana e Justiça Social: princípios
fundamentais para a consolidação do SUAS no pacto federativo; 2. Participação social como
fundamento do pacto federativo no SUAS; 3. Primazia da responsabilidade do Estado: por um
SUAS público, universal, republicano e federativo; 4. Qualificação do trabalho no SUAS na
consolidação do pacto federativo; 5. Assistência Social é direito no âmbito do pacto federativo.
O evento teve como eixo central a reflexão dos elementos que estruturam o pacto federativo e de
sua relação com a sociedade civil, acompanhada das indicações para o aprimoramento constante,
consubstanciadas na proposição de diretrizes e prioridades para a elaboração do Plano Decenal
2016-2026.
Essa conjugação imputa ao Conselho o fortalecimento de seu papel essencial no controle social
com ênfase numa visão prospectiva do SUAS. Para subsidiar a avaliação dos conselheiros
nacionais, a comissão de relatoria apresentou um balanço geral da Conferência, abordando desde
os processos preparatórios que resultaram na produção dos informes e reuniões de orientação,
até as etapas de realização no âmbito municipal, estadual, do DF e nacional, e do quantitativo dos
participantes (conselheiros, delegados, expositores, convidados e autoridades).
De modo geral, as manifestações dos conselheiros do CNAS versaram acerca dos aspectos
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qualitativos e políticos da Conferência e sobre as perspectivas para o SUAS, a partir dos seguintes
tópicos:
1. Etapas preparatórias:
Aspectos positivos: realização da conferência na grande totalidade dos municípios (97,5%)
e em 100% dos estados e no Distrito Federal; viabilidade de conferência do SUAS nas
respectivas esferas de governo; identificação das fragilidades e experiências positivas nos
municípios e estados; conferências estaduais denunciaram o desmonte dos gestores
estaduais, unificando diversas áreas em uma mesma pasta; participação dos conselheiros
em todo processo de realização das conferências nos municípios e estados; participação do
CNAS nas conferências municipais das capitais e estaduais; suporte qualificado da relatoria
e da comissão organizadora, contribuindo para o sucesso da Conferência; cumprimento de
todas as etapas do processo conferencial; superação dos desafios criados pela crise política
e econômica para a realização das Conferências.
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Aspectos negativos: falta de debate sobre a relação do SUAS com o Sistema de Justiça;
ausência de enfoque da questão de gênero e de igualdade racial; momento da entrega da
premiação e do formato de avaliação das experiências; problemas na coordenação de
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Aspectos positivos: atendimento de reivindicação antiga dos delegados para discussão das
especificidades das diferentes regiões do país; identificação substancial das especificidades
das respectivas regiões; qualidade e entusiasmo dos participantes; apresentação de
insumos para o Plano Decenal; possibilidade de reprodução nos encontros regionais do
CONGEMAS.
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– retomada e análise das prioridades e deliberações das Conferências Municipais e Estaduais para
a construção do Plano Decenal;
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CONCLUSÃO
Deve-se ressaltar que o pacto federativo permeou todas as discussões trazendo como imperativo
a primazia da responsabilidade do Estado, com a efetiva presença dos entes federados. Somando-
se a isso, evidenciou-se a vocalização de múltiplas bandeiras de luta manifestadas por segmentos
diversos, que foram prontamente acolhidas no espaço conferencial e mostraram a viabilidade de
convergências em torno do direito universal de acesso e do imprescindível reconhecimento das
peculiaridades.
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ANEXOS
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