A lingua como um
sistema diferenciado
seria, portanto, um primeiro passo necessério para a sugestdo de
‘a busea de descontinuidades linguisticas na sucesséo dos grupos etdrios
Halle receber firme suporte empirivo. oO
3.0 UMA aBoRDAGEM ‘SISTEMATICA DAS ESTRUTURAS HETEROGENEAS
‘VOLTAMOS egora 2 questo fundamental levantada na Segéo
uma lingua tem de ser estruturada, a fim de funcionar eficientemente,
como ela funciona enquanto a estrutura muda? Vamos propor um mo-
Gelo de lingua que evita os infrutfferos paradoxos com que as teorias da
estrutura homogérea tém estorvado a linguistica histérica.
‘Vimos que, para Paul tanto quanto para Saussure, a variabilida:
de e a sistematicidade se exclufam mutuamente. Seus sucessores, que
continuaram a postular mais e mais sistematicidade na lingua, fica~
ram ainda mais profundamente comprometidos com uma concep¢ao
simplista do idioleto homogéneo. Nao ofereceram nenhum meio efe-
tivo para constitu;r uma comunidade de fala a partir de varios desses,
idioletos, nem sequer para representar 0 comportamento de um tinico
falante com divertos idioletos 2 sua disposigao. Tampouco ofereceram
um método efetivo para constituir uma tinica Ingua a partir de
estdgios homogéneos cronologicamente discrepantes. No entanto, @
maioria dos linguistas reconhece a evidéncia que demonstra que a
‘mucanca linguistica é um processo continuo e v subbprudute inevité
vel da interagao linguistica.
Os paradoxos foram sentidos intensamente. Hockett, por exemplo,
exibe uma sensibiidade dolorida frente & dificuldade de reconciliar 0
fato da mudanca com a natureza categérica da estrutura homogénea. Por
tum lado, ele afirma que 0 processo de mudanga sonora é demasiado
lento e gradual para ser observado, exceto em seus efeitos; por outro
Jado, sustenta que o processo de mudanca estrutural é instanténeo e,
portanto, igualmeate inobservavel por seus efeitos. possivel acompa-
rihar, como fizem¢s, os desdobramentos historicos que levaram a essas
posigdes extrema, mas poucos linguistas podem ficar satisfeitos com
86 roNOAMENTO® EMIRICOE PARA UMA TEORIA DA MUDANCR LINDHIETIC® |AUNGUA COMO UM SISTEMA DIFERENCIADO 87‘uma explicagdo da mudanca que depende da inobservabilidade conjunta
de todos os processos envolvidos.
Sugerimos (§0) que a solugfo para essa questo fundamental repou-
sa na decisio de romper com a identificagio da estruturalidade com a
homogeneidade. No lugar dela, propusemos que uma explicagio razoavel
da mudanca dependera da possibilidade de deserever w diferenciagéo
ordenada dentro da lingua. Nesta seco, apresentaremos tal modelo de
estrutura linguistica, junto com alguns dos dados que o sustentam; em
seguida, eshocaremos uma estratégia para um estudo da mudanca
linguistica que se alicerce sobre estes fundamentos empiricos.
3.1 O TESTEMUNHO DA GEOGRAFIA LINGUISTICA
Desde 0 inicio, 0s achados da geografia linguistica tém sido usados
pplos linguistas historicos para sustentar seus pontos de vista tedrieos, mas
raramente 0s dados forneceram as provas que eram desejadas™. Se as
isoglossas para cada palavra envolvida numa mudanga sonora coincidis-
‘sem, a hipétese dos neogramaticos receberia uma poderosa sustentacio.
‘Mas o fato doloroso 6 que elas raramente coincidem, mesmo quando se
‘agregem para compor feixes frouxos. A desculpa de que cada palavra tem
‘sua propria historia reflete nossa incapacidade de predizer ou mesmo de
explicar os modos com uma palavra precede uma outra ao longo dos
‘mapas do ge6grafo-linguista, No entanto, essa suposta evidéncia é apre-
sentada nos textos cléssieos dos neogramdticas junto com pronunciamen-
tos categéricos sobre a natureza nao excepcional das mudangas sonoras
(Bloomfield 1933: 341, 361)°.
(Os linguistas histéricos também esperavam que as isoglossas susten-
tassem a firme divisio dos territérios linguistics em conjuntos hie-
rarquicamente ordenados de linguas, dialetos e subdialetos. Aqui, nova-
mente, as evidéncias foram decepcionantes: um conjunto aleatério de
as
Compares a lltura que Osthoff e Brugmann fazem de Wintel
“© Uma abordagem para recone os fatas da geograla lingistica com a uniformidade
das Is sonoras € arguventar que as HntuacSesatesadas so os resultados de empréstimo
Crteempréstino de um diaeto regular para outro. © procisso de mudanga sonore entio sai
a clase dos fendmenos observives (ef Wentelch 1960: $80 para uma erica da elaboracio
( Hockatt sobre este tema),
{88 FUNDAMENTOS EMPIRICOS PARA UMA TEORIA OA MUDANGA UNGUISTICA
isoglossas nio divide um territério em éreas bem delimitadas, mas, sim,
‘num continuum de fragmentos sutilmente subdivididos. Bloomfield revé
este problerza (1993: 341), mas seus proprios critérios para selecionar as
{soglossas mais significativas para a classficagio dialetal nfo se revelaram
exitosos na pesquisa empirica (Weinreich 1968).
‘Também se esperava que a geografia dialetal oferecesse suporte
para a nogao de que existe uma correlacio negativa entre a“estruturali-
dade” e a comunicabilidade dos fendmenos linguisticos. Para Paul, por
‘exemple, tudo na lingua era infinitamente comunicével pelo intercurso
social, e tudo numa lingua respondia livremente, sem resisténcia, &
influéncia externa ~ exceto as regras fonolégicas. Num espirito bem
semelhante, Saussure alegava que 0 modelo de ondas nos esclarece
sobre as leis primordiais de todos os fenémenos da diferenciacao (p.
287}, embora devamos presumir que para os propésitos da reconstru-
Cio, isto é, de novo, na fonologia, Saussure conservaria a Stammbaum
que postula a dependéncia miitua de inovacdes particulares.
A correlacao negativa entre estruturalidade e comunicabilidade foi
‘uma extrapclagio perfeitamente natural para uma teoria linguistica social
mente agnéstica. Contudo, a correlagao nunca foi mais do que hipotética
ce agora fica evidente que ela era factualmente incorreta. J demos provas
mais acima de que as fusdes fonémicas se expandem para fora, e essa
tendéncia parece, de fato, ser muito geral", Poderia se argumentar que @
expansio das fuses representa a perda de estrutura, mais do que a
transmisséo de estrutura. Entretanto, as evidéncias para a comunicasao de
aspectos estruturais so mais amplas do que isso, Os estudos feitos com
7 Pei se abarvar a expanséo de fusdes numa grande vaiedade de eas dos Estados
‘Unidos com base nes restos do Atlas Linguistio realizado um geracio atrés. A fusfo
Ge vogais bainas pottiore em hock e hawk, Don e dawn esté se expandindo pare além
‘das teas centrais da Nova Inglaterra orenal e da Penslvinia ocidental. Obseva
‘Sstematicas da mema fisdo no Ovste dos Estados Unidos indicam ripida expanséo ©
Soldificagao. A fuss de /V/¢ /e/ antes de nasais esté se expandindo para fora do Sul, ©
foi observada em penlos Uo ao norte quanto Gary (iniana). Vriasdlstingbes antes do r
‘clo sendo pecdidas em reas onde estavam bastante frmes uma gerasio atris:/or~ at/
tm hoarse. hose, pork vs. storm, ém dos exemplos mais notévels, no Sul tanto quanto
to Norte cstinglo de har ~w/ em which, wite, whale vs, waleexibe uma instabiidade
‘comparive, apesar de ser apciada pela ortograia A principal excep a essa tendéncia €
fo avanco éa prominca do rem deas anteiormente ser, resteurando em algumas resis
ditingdo entre ed e guard, sauce e source. O avango deste trago prestigiso, apoiado
pelos meios de cominicagio de mass, & dseutido abaixo (§ 3.3). Notes que na grande
maiora das deas em -, utes desta dstingdes foram mantiéss pela qualidade da voyal
|ALUNGUA COMO UM SISTEMA DIFERENCIADO 89base no Atlas do Ifdiche, por exemplo, estao revelando exemplos interes-
santes, tal como a transmissao de um sistema de género rearientado do
iidiche-nordeste para o ifdiche-central (Herzog 1965: 101-118), Enquanto
o avango global do padrao do nordeste manifesta a perda da categoria do
neutro, também observamos a importacao de uma nova categoria “inter.
mediéria” que € 0 resultado do empréstimo de relagées de concordncia
abstratas mais do que de empréstimo direto de itens lexieais. Além disso,
essa drea de transigao mostra a comunicagio de uma nova restrigo sobre
a atribuigio de género envolvendo a oposicao nomes contaveis vs. nomes
‘ineontaveis, que mio existia no dialeto (p. 103).
‘Nao pretendemos negar que uma dialetologia estrutural sincrénica
seja possivel: como exercicio analitien, nada hé de errado com ela; mas
2 medida que os fatos se acumulam, tal extensdo mecénica do estrutu-
ralismo esté se tornando cada vez menos esclarecedora como explicagao
do modo como a lingua se desenvolve,
[Nao estamos afirmando, é claro, que todas as inovacies sao igual-
mente comunicdveis; se fossem, nao haveria isoglossas interseccionantes
nem diferenciagéo dialetal duradoura. Estamos negando simplesmente
que a estrutura sincrénica da lingua nos forneca os critérios prineipais,
para a comunicabilidade diferencial
‘A rede de isoglossas que deriva de um estudo de geografia dialetal
frequentemente representa o equivalente sincrénico do problema da tran-
sido — isto 6, a trilha pela qual uma mudanga linguistica est4 cami-
rnhando para se completar. Um entendimento da relagiio destas isoglossas
com a mudanga linguistica frequentemente depende de uma solugao
para 0 problema do encaixamento — isto é, a relago delas com os
sistemas linguisticos e com as histérias das comunidades de fala envol-
vidas. E mais provavel que uma dada isoglossa represente uma mudanga
Jingufstica em progresso se sua localizacio nao puder ser explicada pelo
contexto linguistico ou histérico. Podemos distinguir quatro tipos de
soglossas em termes de sua “explicabilidade”.
(1) A isoglossa ou feixe de isoglossas coincide com uma fronteira
politica (ou geogréfica), representando os limites do padrao de
comunicagao que levou & difustio do fato linguistico. As gran-
des descontinuidades no ifdiche do norte da Polonia mostram
varias fronteiras deste tipo (Herzog 1965: 246-252). O feixe
120 INnAMTOS ERTIRICOS BARA UMA TEORIA DA MUDANCA LINGUISTICA
de isoglossas que separa o ifdiche-norte-central do ifdiche-
central coincide com certo niimero de fronteiras potiticas bem
conhecidas do século XVI. A fronteira linguistica entre o ifdiche-
-nordeste ¢ 0 norte-central coincide com uma descontinuidade
social que € menos ébvia: a linha ao longo da qual tolonos
judeus lituanos vindos do norte encontraram colonos judeus
poloneses vindos do sul e do centro, quando esta area foi
aberta para o assentamento judeu no século XVI. Este feixe
\ de isoglossas também é uma grande divisdo na érea da cultura
no verbal
(2) A localizagao da isoglossa é explicada por sua relacao sistema
tica com outras isoglossas que se enfeixam com ela. Os casos
mais claros si0 0s da incompatibilidade linguistica: onde a
‘mudanga em progresso representa um aspecto que no pode
simplesmente ser acrescido ou subtraido do sistema do dialeto
virinho encontrado para além do feixe de isoglossas, Observamos
um exemplo disso na difusdo da monotongacéo de aj do ifdiche:
-central para 0 sul da Ucrania, de modo que hajat (“hoje”)
‘tomou ha:nt,e majlex! (“boquinha”) se tomou mazlexl. A difuséio
deste aspecto mutante terminou de modo abrupto justamente
rnaquele ponto em que a distingéo de comprimento de vogal foi
perdlida no norte da Ucrania, Se a monotongacao tivesse comti-
nuado, 0 monotongo teria coincidido com 0 a breve naquela
regio, de modo que hant representaria tanto “hoje” quanto
“mao”, e malex! representaria tanto“boquinha” quanto“anjinho”
(Herzog 1968: fig. 7)*
() A localizagao da isoglossa ndo se explica por nenhum fator
linguistico ou social, mas a direso do movimento é previstvel
em termos lingufsticos. A Figura I mostra um exemplo de duas,
isoglossas livres": de um lado, a fuséo de ie u movendo-se do
sudeste para o nordeste e, do outro, a fusto de ie i, ue
movendo-se do nordeste para 0 sudeste. Um fator condicionante
geral sobre a mudanca Linguistica diseutida acima, 0 de que as,
0 comprimento também fot subsequentemente perdido no sul da Ucrinia. Por
conseguinte, a (< #2 < a) ooorre em hant Chole") © malex) *boquinha’). No entanto, 0 2
reve origial evoluiu pars um o breve, e*mio"€ hon, e“anjino” € molex.
ALINGUA COMO UM SISTEMA DIERENCIADO 9fusdes se expandem as custas das distingGes, nes leva a predizer
as diregdes das mudangas com base s6 nos fatos sinerénicos.
Observou-se, é claro, que a direco do movimento pode ser
predita em varios casos com base nos fatores geograficos
configuracionais dos mapas dialetais
(4) A localizagao da isoglossa nao se explica por fatores linguis-
ticos nem sociais, e a direcao do movimento io é previsfvel.
“Muitas isoglossas lexicais individuais tém este caréter. E pos-
sivel vorificar que em todos eetes casos estamos lidando com
itens transportados por falantes individuais que se movem 20
longo de linhas de comércio e transito, mais do que com uma
difusdo firme do trago linguistico de uma comunidade de fala
vizinha para outra por padrées de comunicagio mais frequen-
tes e previsiveis.
de um territério parece, portanto, simétrico ao problema de explicar a
‘transicdo de dialetos através do tempo numa comunidade. Em cada caso,
h4 um contato entre falantes com sistemas diferentes. Se quisermos
‘resolver os misteriosos paradoxos da mudanga esborados acima, serd
necessério analisar os processos que ocorrem em tais situagoes de contato
em termos de como um falante pode entender e aceitar como seus 0s
elementos estruturais na Tala de outros.
3.2 LiNGUAS E DIALETOS EM CONTATO
‘Um estudo atento do problema da transicao inevitavelmente nos leva
a considerar a transferéncia de uma forma ou regra linguistica de uma
pessoa para outra — mais especificamente, de um sistema linguistico para
‘outro, O mecanismo mais simples foi 0 proposto por Paul, em que 2
transferéncia ocorre entre dois idioletos isolados, homogineos. Para Paul,
a*mistura de inguas” (incluindo mistura de dialetos, p. 402) surge quando
dois individuos, cada um por definicdo falando seu priprio idioleto, se
comunicam entre si. Quando isso acontece,“o falante influencia as imagi-
nagdes linguisticas relevantes (Vorstellungsmassen) do ouvinte” (p. 390).
Assim, ocorre Gu intercurso de idioletos nao idénticos, ou modificacao de
ijoetos por mitua influéneia
92 FUNDRWERTQS EMPIRICOS PARA UMA TEORIA DA MUDANGA UN
Independentemente de como este modelo de mudanca linguistica,
eja considerado, ele parece impraticdvel, Ele nao corresponde as obser
vvagées empiricas nem oferece um modelo razodvel que satisfaca nossas
intuigGes nativas, O problema é visto em sua forma mais nitida na rapida
‘transferéncia caracteristica da cultura verbal pré-adolescente. Na area de
Boston, as criangas pedem uma fatia de bolo ou um doce a seus amigos
dizendo “Allies”, "Cokes"ou “Checks”. Se uma crianga de Providence ou
‘Nova York se mudar para Boston e tentar pedir uma fatia usando um
termo estranho, seria razodvel esperar que sta tentativa fosse frustrada.
‘No enlanto, de um modo ou de outro, o termo para pedido “Thumbs up”
se difundiu para Boston e outras cidades do norte no final dos anos 1950
desalojou os termos locais. A influéncia direta de um falante sobre outro
‘no processo de comunicaco se op6e claramente ao aparente autointeresse
do receptor.
\¢Go de Paul, o dominio de dois idioletos s6 é considerado
tos histéricos (como uma explicagéo da influéncia de um
idioleto sobre outro). No se propée para a investigagao nenhuma pro-
priedade sincrénica ou de bi-idioletalismo como tal — nem analitico,
nem psicol6gico, nem social. Assim, a teoria de Paul permite trocas para
outros idioletos tanto quanto influéncias interidioletais, mas no a
alternancia entre idioletos**, Se abandonarmos 0 idioleto individual
homogéneo como modelo para @ lingua, pademos sugerir um mecanismo
de transferéncia mais inteligivel. Parece razodvel dizer que a transferén-
cia ocorre quando 0 falante A aprende a forma ou regra usada pelo
falante B, e que a regra entdo coexiste na competéncia linguistica de A
junto com sua forma ou regra anterior. A mudanga entio ocorre dentro
do complexo repertério linguistico de A: um tipo é 0 desfavorecimento
gradual da forma original em prol da nova, de modo que ela assume 0
status de “arcaiea” ou “obsoleta”.
0 tratamento dado por Bloomfield as mudangas sonoras no holan-
dés mostrou um claro avango em relagdo a Paul neste aspecto:
‘Todo falante esté constantemente adaptando seus habitos de fala aos
de seu interlocutor; ele abre mao de formas que tem usado, adota
novas e, talvez mais frequentemente que tudo, muda a frequéncia das
No eudo do contatolnguistco também se distingue entre alterncia posterior
anterior e toca de uma vez por todas; ef Weinrich 1953: 68-69
‘A cincua como une serena oirereveIA5o 93formas faladas sem abandonar inteiramente as velhas ou aceitar
qualquer uma que seja realmente nova para ele (1993: 327-328),
O fato de Bloomfield se dispor a aventar a possibilidade de um
nodelo mais complexo de transferéncia indica um reconhecimento geral
a importdncia das alterndncias estilisticas no comportamento linguisti-
20, Os estudos de mudanga linguistica em progresso regularmente trazem
1 tona esse tipo de alternancia (Kékeritz 1953: 194ss.; Labov 1963;
Reichstein 1960). Qualquer atlas dialetal oferece diversos exemplos da
yposigéo arcaico/inovador dentro da competéncia de falantes indivi-
juais. Mas podemos também apontar um mecanismo de mudanca dis-
intamente diferente que pode ocorrer simultaneamente com aquele.
Quando o falante A aprende pela primeira vez uma regra, q, de B, na
de esperar que ele 2 aprenda perfeitamente, Influenciado por sew
sr6prio sistema, P, ¢ sem a gama total de experiéneia de B que suporta
9 sistema Q de B, A adquire uma regra, q’, de um tipo algo diferente
— uma regra fonolégica com tragos alterados, uma regra lexical com
liferentes privilégios de distribui¢ao, ou uma regra gramatical com al-
gumas condigdes especiais perdidas. Assim, nessa transferéncia inicial,
am segundo tipo de mudanca ja aconteceu. Mas a mudanca mais pro:
funda e sistematica deve ser esperada depois que A adquirin a regra de
B, Dentro do repertério tinico dispontvel a A (contendo p em Pe q),
odemos prever uma acomodacao de pe q — normalmente, uma assi
tmilagio de q’ aos tragos caracteristicos de p de modo que se torna
possivel a insergdo final de uma q” modificada dentro do sistema P. Esse
processo tem sido observado diversas vezes no ajuste fonolégico de
palavras emprestadas. Quando Trauma foi emprestado do alemao para
9 inglés, 0 r uvular automaticamente se tornou uma apical surda ame-
ricana; mas no periodo subsequente de ajuste, podemos observar 0 /aw/
mudando para /o/ em conformidade com a regra geral que restringe
/awi/ diante de consoantes labiais. O iidiche Stik, “pedago; travessura” foi
tomacdo emprestaco pelo inglés da cidade de Nova York aproximadamen-
te com 2 mesma forma fonética; mas na comunidade negra, onde o Sno
corre em grupos iniciais*, a forma mudou para [stik], homénima com
stick, com diversas consequencias seménticas.
asm, Sehnelder aparece como (oa
(smu
2}, shmuck como (sav, ¢ shnook como
94 :UNUAMEAIUS ERIRCOS FARA UMA TEDRIA DA MUDANGA LNCUISTICN
Quando um falante negro tradicional do sul dos Estados Unidos
migra para o norte, adquire o termo geral common sense (“senso comum,
‘bom senso”) queé apenas um equivalente parcial para seu termo nativo
mother-wit (“inteligéncia prética, inata”) ou mother-with#. Os dois co:
existem como um mother-wit arcaico versus 0 common sense inovador,
‘mas quando a alterndincia entre os dois se resolve em favor de common
sense, 0 modificador mother- muda de seu significado original, “inato,
original”, para o de “mae”, mais geral. Assim, alguns falantes negros
jovens, indagades se os homens podiam ter mother-wit, se mostraram
espantados e responderam: “Nao”.
estudo de linguas em contato confirma a ideia de que a coexis-
téncia estavel de longo prazo é muito frequentemente uma ilusdo, pro-
movida talver pela existéncia de um léxico e de uma morfofonémica
relativamente estiveis (ou até dessemelhantes). A investigacao de Gumperz
do intimo e prolongado contato do marati e do kannada em Kupwar
(india) (1967) mostra o ajuste mais radical de semAntica, estrutura
frasal, componente transformacional e fonética dos dois sistemas. Por
‘outro lado, o vocabulério e as morfemas gramaticais sio tao patentemen-
te diferenciados que nunca pode haver diivida num dado enunciado se
que est4 sendo falado é marati ou kannada. Linguas que séo obvia-
mente diferentes na estrutura de superficie de fato se tornaram tio
semelhantes, qu? a tradugdo mecénica parece bastante factive] por meio
de uma simples consulta 20 dicionério.
Os achados de Gumperz so 0 produto de um estudo atento do
bilinguismo dentro de seu contexto social; sua abordagem do desenv6l-
-vimento do marati foi um estudo nao s6 do problema da transi¢ao, mas
também do problema do encaixamento. Os objetos que Gumperz ana-
lisou nao foram o marati eo kannada padronizados descritos nos ma-
ruais, mas os sistemas coexistentes que estavam em uso dentro de um.
0 tenno mother wit &arcaica ou erudito na fala dos brancos, mas é um caso de
‘uso cotiiano para os flantes negror do sul Emora selaequivalente a common sense
(Csenso comunt bom senso") na representago do saber corrqueio,prtico, nao aprendido
fem leo difre em sua conexdo mals Brine com 0 concrito de inteligencia natural, inata;
2 inioria dos flares brancos aceditam que se adquire mais bom senso & medida que
Se emvelhece. Um dos fatos notaveis sabre a opesigio motherwit ~ common sense € que
fs brancos sio uniormemente ignoranes do uso negro de mothenwil © os negros 880
thlformeneate eautes de que os brancos nae aanm o termo (dados provenientee de
Invetigages semdzteas sssociadas a Laboy 1963 « 1966),
A UNGUA coMO tar SISTEMA DifeRENEIARG 95contexto social especitico, Parte da solugio para o problema do
encaixamento de uma mudanca linguistica particular é, obviamente, 0
estudo de suas interrelagGes estruturais com os elementos linguisticos que
6 circundam; mas as solugées para estes problemas foram frequentemente
artficiis einsatisfatrias, 4 que comparavam estruturas que nao estavam
em comtato real em nenhuuma situago social real. Em principio, nao existe
diferenga entre os problemas de transferéncia entre dois dialetos intima-
‘mente relacionados e entre duas linguas distantemente relacionadas,
Examinando as mudangas linguisticas que ocorrem dentro da fala
de individuos bilingues ou bidialetais, podemos contemplar fatores pu-
ramente estruturais; mas o isolamento da estrutura tem falhado signifi
cativamente em resolver o problema de especificar a interferéncia bilingue.
Como observou Weinreich:
Obviamente, o linguista esta autorizado a abstrair a lingua de con:
sideragdes de natureza psicolégica ou sociologica. Na verdade, ele
pevEerta postular problemas puramente linguisticos sobre o bilinguismo
[ol Mas a extensio, a diregéo e a nalureza da interferéncia de uma
Tingua sobre outra podem ser explicadas ainda mais amplamente em
termos do comportamento de fala de individuos bilingues, 0 qual por
sua vez € condicionado por relagées socials na comunidade em que
ele vive (1953: 4)
Podemos agora nos voltar para o exame mais especifico da situago
de contato e da nalureza sistemstica da alterndncia de estilo que se
postula aqui,
3.2.1, Sistemas coexistentes
Foi sugerido acima que encontramos certo grau de contato entre
quaisquer dois dialetos regionais: alguns falantes que controlam ambos
0s dialetos ativamente, e um niimero maior que tém conhecimento pas-
sivo do dialeto vizinho, mas comando ativo de apenas um. Também
encontramos na maioria das comunidades de fala formas distintas da
‘mesma lingua que coexistem, grosso modo, na mesma proporgo em todas
as sub-regiées geogrificas da comunidade. Este é o caso néo somente de
reas urbanas como Nova York, Londres ou Paris, mas também em comu-
nidades rurais como Hemnes (Noruega) ou Martha's Vineyard
chusetts). Estas formas coexistentes podem ser conhecidas como
“estilos”, mas também como*padrées”, “girias”, “jargbes”, “jeito antigo de
196 FUNDAMENTOS EMPIRICOS PARA UMA TEORIA DA MUDANGA LINGUISTICA
i
‘
Talar” (“old talk’), *niveis cultureis” ou “variedades funcionais”. Nos termos.
do modelo de um sistema lingufstico diferenciado que estamos desenvol-
vendo, tais formas compartiham as seguintes propriedades:
(1) Oferecem meios alternativos de dizer“a mesma coisa”: ou seja,
para cada enunciado em A existe um entunciado correspondente
em B que oferece a mesma informagao referencial (é sinénimo)
e nio pode ser diferenciado exceto em termos da signifieagdo
global que marca 0 uso de B em contraste com A.
(2) Esto conjantamente disponiveis a todas os membros (adultos)
da comuniade de fala. Alguns falantes podem ser incapazes de
produzir enunciados em A e B com igual competéncia por causa
de algumas restriges em seu conhecimento pessoal, praticas ou
privilégios apropriados ao seu status social, mas todos os falan
tes geralmente tém a capacidade de interpretar enunciados em
‘Ace Be entender a significacao da escolha de A.ou B por algum
outro falar.
Ao longo das éécadas de 1920 e 1930, ¢ possivel rastrear uma ten-
éncia geral dos linguistas na Europa e na América a se afastar de
unidade psicol6gica simples do idioleto tal como postulada por Paul,
Mathesius e seus colegas em Praga usaram uma abordager
‘multiestratificada para caracterizar sistemas coexistentes na mesma co-
‘munidade, Jakobson (1931) declarou que a alternancia de estilo é uxr
falo permanente que nao compromete a sistematicidade de cada estile
‘como um objeto da descricio linguistica, Nos Estados Unidos, vimos que
Bloomfield considerava a existéneia de formas arcaicas e inovadoras ne
mesmo falante. Alén disso, Bloomfield foi totalmente capaz de corrigh
‘sua prépria opinio anterior de que as complexidades dos estilos de falc
“bons” e“ruins” sdo artefatos das culturas letradas; quando confrontadc
com a situago dos menomini’, ele reconheceu que estilos hierarquica
‘mente organizados s40 0 produto de processos sociais gerais (1927)
Confrontado com a erescente consciéncia da heterogeneidade da lingu:
usada por cada individuo, Bloch procedeu ao desenvolvimento de um:
nogéo do idioleto que representava apenas um dos possiveis sistema
dentro da competéncia individual (1948: 7)
enomini ou menominee: membro de um grupo indigena norte-americano (ead
440 Wisconsin) (N. do T).
|
\ |ALUINGUA COMO UM SISTEMA DIFERENCIADO 9
\Hoje pode parecer ingénuo Bloch ter imaginado que poderia
evitar encarar os fatos da heterogeneidade limitando 0 idioleto a um
falante e um ouvinte Se os idioletos de Bloch realmente pudessem
aleancar a homogeneidade, entdo o tépico, a situagao e até o tempo
teriam que ser rigidamente controlados (Ervin-Tripp 1964; Labov
1966: 90). A medida que foi crescendo a consciéncia da complexidade
do comportamento lingiiistico, © dominio do idioleto foi encothendo
— até, finalmente, desaparecer.
Nem todos 8 lingiiistas americanos se consagraram & separagao
entre os objetos lingiifsticos homogéneos e a situagdes helerogéneas da
vida em que eles se localizam, Alguns nao se recusaram a descobrir
dentro do idioleto uma multiplicidade de camadas. Fries e Pike, em sew
artigo “Coexistent Phonemic Systems” (1949), levantaram a possibilida-
de de que sistematicidade e variabilidade no eram mutuamente
excludentes. Embora os autores se restringissem & fonologia, tudo 0
que disseram sobre sistemas coexistentes poderia ter sido estendido,
mutatis mutandis, 20 resto da lingua. O artigo de Fries e Pike ndo
lidava com um exemplo realmente substancial de subsistemas concor-
rentes; 08 elementos drabes no suaili discutidos por Harris (1951), por
exemplo, tém muito mais coeréneia interna do que os poucos elementos
espanhéis demarcados por Fries e Pike. Mas o artigo deles marca um
real avango porque fizeram mais do que pOr de lado aqueles elementos
como estranhos: viram que poderia haver uma rica variedade de rela-
des sistematicas dentro de tais sistemas mistos complexos. Tampouco
sua inovagao foi puramente sincronista: as implicagdes para a histéria
estavam bastante claras para os autores, muito embora tivessem a
aautela de declard-las como meras “suposigoes":
No processo de mudanga de um sistema fonémico para um sistema
fonémico diferente da mesma Kingua, pode haver um tempo durante 0
qual partes dos dois sistemas existam simullaneamente ¢ em conflito
dentro da fala de individuos particulares.[..] F impossivel ofereeer uma
deserigio puramente sinerdnica de um sistema misto complexo; a direcéo
da mudanga ¢ uma caracteristica permanente do sistema e precisa tam-
bem ser conhecida se se descjar ter uma deserigéo completa da lingua
enquanto estruturalmente constituida (pp. 41-12).
Por mais estranho que pareca, no entanto, 0 avango s
de Fries ¢ Pike quase nao foi ulilizado no trabalho hist6rico concreto.
F verdade que seu esquema se tomou uma peca-chave para 0 estudo
198 FUNDAMENTOS BMIHRULLU PARA LIMA TEORIA DA MUDANCA LINGDISTICA
do bilingitismo — especificamente para as descrigdes “dialingiifsticay
que servem como um tipo de especificacdo da competéncia de falantas
bilingties (por exemplo, Haugen 1954, 1957; Weinreich 1953, 1957).
Contudo, muito embora a teoria do contato fosse perfeitamente capaz
‘em principio de lidar com pares de dialetos cronologicamente *marca-
dos”, bem como com o contato entre sistemas mais dissimilares
(Weinreich 1953: 2, 94-95), de fato parece nao ter ocorride a ninguén
que a teoria pudesse servir como uma base socialmente realista para
a investigagio da mudanga lingiistica. Ninguém tampoueo sentiu a
urgéncia de testar a opiniio de Jakobson de que a alternéincia de estilo
era um aspecto permanente da lingua dentro dos poucos estudos exis-
tentes de mudanca sonora em processo (Gauchat. 1905; Hermann 1929),
As deserigées mais detalhadas e confidveis destas formas
coexistentes tim sido oferecidas por estudiosos que trabalharam zo
Oriente Médio e no sul da Asia. Um rico volume de dados qualitativos
© descritivos sobre niveis sociais ¢ estilisticos foi compilado por
Ferguson, Gumperz, Bright, MeCormack, Kelley, Ramanujan, Levine e
outros, e Ferguson e Gumperz conseguiram agrupar este material
num conjunto coerente de prinefpios que tém sido sustentados por
estudos ulteriores (Ferguson e Gumperz 1960; ver especialmente a
introduc). Bright ¢ Ramanujan (1964) foram os primeinos a desen-
sociolingiifstica. Gumperz foi consideravelmente além da simples des-
crigdo em seu estudo sobre Hemnesherget: aqui, pela primeira vez,
temos dados controlados sobre grupos naturais dentro da comunida-
de que demonstram de modo conclusive o mecanismo de alternancia
entre estratos que estéo funcionalmente disponiveis a todos os mem-
bros da comunidade (1964). Friedrich (1966) oferece agora a explice:
0 mais detalhada da mudanga paralela em sistemas sociais lin-
gilfsticos complexos. Estes estudos empiricos tém confirmado o mode-
lo de um sistema ordenadamente helerogéneo em que a escolha entre
alternativas Iingitisticas acarreta fungdes sociais e estilisticas, um sis-
tema que muda acompanhando as mudangas na estrutura social.
% Uma excegio notével é uum artigo de Polgram (1961)
ALUNGUA COMO UM SISTEMA DIFERENCIADO 99A fim de assegurar a acuidade de nossa orientagao, observemos
que a histéria nao 6 a Giniea direcio em que se pode aplicar a abor
dagem lingiifstica de sistemas coexistentes; o interesse motivador para
seu desenvolvimento de fato repousa em outro lugar. Mathesius, cujas
reflexdes sobre a variabilidade inerente dos subsistemas componentes
sero consideradas mais adiante, ofereceu uma distingdo sinerénica
entre porgdes de um vocabuldrio que tém diferentes origens hist6ricas
(1934) — uma aplicagio que coincidia com o estimulo de Fries e Pike.
A concepgao multiestratificada também pode ser usada com fins
puramente analiticos para representar uma lingua como um
“diassistema” composto de dialetos-membros (Weinreich 1954). Para
que 4 teoria tenha importncia na lingiiistica historica, por outro
lado, nés especificamos que os estratos que ela encerra, embora fun:
cionalmente distintos, tém mesmo assim de estar funcionalmente dis-
poniveis a um grupo de falantes.
Insistimos na distintividade funcional por duas razies. Primeiro, os
estratos tém de estar em competicéo, néio em complementaridade. Os
subsistemas fonoldgicos coexistentes descobertos no vocabuldrio do
inglés, do mazateco ou do tcheco sio complementares — no existe,
qm regra, uma escolha por traduzir a mesma palavra em outro sistema,
Nao constituem, por conseguinte, os estratos em que estd interessado
© observador da mudanga, Em segundo lugar, € necessirio formecer
uma descrigo rigorosa das condigSes que governam a alternancia dos
dois sistemas. Regras desse tipo (ém de incluir fatores extralingtifsticos
‘como ambientes condicionadores (Geertz 1960; Martin 1964), j4 que
todos os subsistemas paralelos satistazem as condicées lingiisticas. As
regras em si, abstrafdas de seus elementos ambientais externos, tém de
fornecer uma descrigio lingitistica das relagdes que governam unida-
des igualmente presentes a0 longo dos cstratos. Se os subsistemas
coexistentes tiverem coeréncia interna, como discutido, por exemplo,
em Gumperz (1964: 140, com referéncias ulleriores), entio um conjunto
de rogras compartilharé os mesmos ambientes gerais externos*
Tso io sigaifies negar que competigdes ovssionis pela “vaya” ocouran entre
‘membros de sistemas complementares, por exemplo, defendable ~ defensible, mustéche ~
_mistache. Quando ocorsem, & passivl tirar dai conseqtiéneias dinamicas correspandents,
“Em saa andlise de um tipo de hidialetaliam historicamente estahilizado (“iglessia"),
Ferguson (1959) deu umn passo romo a caractezacin lingiistiea das variaveis, Assim, ele
100. FuNDANER-TOS EMPIRICNS PARA UMA TEORIA DA MERANGA LINGHISTICA
sen
sence niente
Queremos também insistir na disponibilidade dos estratos para
‘um grupo real de falantes. Qualquer par de dialetos pode ser colocado
sob a rubrica de um tinico “diassistema”; a operacao pode ser executada
mesmo sobre dialetos espacialmente néo-contiguas, ¢ pode servir a0 ‘itil
propésito da reconstrugao. Mas somente quando um par de dialetos esta
conjuntamente disponivel a um grupo que alterna num vaivém entre eles
— mesmo que alguns membros do grupo apenas oucam um dos estilos
e nunca o falem — € que a formulagao multiestratificada 6 relevante
para se entender a mudanca lingiistica®, Fm sociedades urbanas, des-
cobrimos que varios estratos est4o disponiveis populagdo como um
odo, a0 menos no sentido passivo: sua competéncia inclui a eapacidade
de decifrar versies altemativas do c6digo.
A concepedo multiestratificada da lingua, iniciada por Mathesius
€ Jakobson em Praga, desenvolvida por Fries e Pike na América ¢
alualmente aplicada mais sistematicamente aos estudos sociolingiiisticos
por Gumperz, abriu novos horizontes para a teoria da mudanga lin-
giifstica, Ela substituiu 0 coneeito de empréstimo dialetal — em prin-
cipio, um evento momentaneo e acidental — pelo conceito de alterndncia
‘ok mais loage do que Cumpera (1964), que também contribuit com dados extremamente
valiosos, mas — talver por causa de uma hesitasio em compronicter o rigor estrutural da
Tingivistica a0 estendé-Wo a objetos multiestraifcadas — postula wim repertrio verbal”, caja
cestralurad descritivas[uniestratifcadas] ordimiras” i. 197). As dere
centro os dois ‘lo noruegiés sao exemplificadas por Gumperz através de lisa
roxas, sem tuna tentative de masirar por algum tipo de forma "Aiassistémica™a presenga,
‘de relagiesfamiliazes, como correspondéncias de Tonemas dois-a-um ou sneretiamos de cases
através dos estratos, Note'se, porém, que mum irabalho mais recente sobre a situacao marat
kannada em Kupwrar (1967), Gumperz explorou as relagies sisteméticas dos dois sistemas
rmuilo mais profundamente, e sea conceito de um Unico repertrio lingistco wssummiu maior
solide, Para uma artieulagio ulterior do conceito de diglosia, ver Fishman (1967); notese
‘que existem situaybes de diglesia em que as camadas no estéo conjuntamente dsponives
Para uma distingo comparavel entre sociedades hilingies (sem presenca nevesséria
fe individues bilinges) e grupos bilingies em lingua materaa (com individuos bilingées
presente por cfinigio), ver Weinrich (1953: 83-80). Em seu prefacio aque iro, Marlinet
lagoa 0 esbago de uma unificagéo tedrica de trés topicos de estuds: eonlalo lingtistico,
diselologiae akernfincia de estilo. Infelizmente, essa unificagio permaneceu nac-implemenixa
por demusiado tempo, Moniton (1962) eritienn acertadamente a idéia de formulas
iassstémieas sob « leguggio de que seria, 1a prtica, de uma complexidade inadministrvel
Contudo, sob a exigencia socialmente realista de disponibilidade conjunta dos estratos, tal
‘roposta aqui, eslariamnos lidando normabmente eom nto mais do que dois au trés
festratos por vez; em tal caso, a eomplexidale da descrigo teria menos chance de eseapar
das noseas mos, E preciso acrescentar que os postulads dos estratos malliplos podem ser
cexpressos em qualqucr formatao deseritiva; para uma abordagem gerativita do fendmeno
sintitico mulliestralificado, ver Klima (1064).
LINGUA COMO UM SISTEMA DIFERENCIADO 101de estilo — em principio, um fendmeno duradouro e recorrente. “Tornou,
assim, desnecesséria a busca infrutifera (empreendida, por exemplo, por
Paul e Bloomfield) de dialetos puros sofrencio mudanga sem interferén-
cia, Em suma, ela justificou 0 estudo da mudanga lingiistica in vivo e
tornou desnecessério recorrer ao passado, o qual — por mais ricamen-
te registrado e engenhosamente estudado® — munea pode substituir
presente como laboratério para o lingiiista.
A AVALIAGAO SUBJETIVA DA ALTERNANCIA DF CcODIGO. A grande maioria das
investigagdes de comunidades de fala heterogéneas tém sido estudos
do comportamento lingiiistico: os autores tém objetivado separar os
varios niveis e determinar as condigées para a escolha dos falantes ou
para suas alternancias entre os niveis. Algumas previsées do curso da
mudanga lingiiistica em comunidades multilingties tém se apoiado
inteiramente numa segunda fonte de dados — os fatores demogréficos
(Deutsch 1953) —, mas a maioria das discussées introduz uma tercei-
ra fonte — as atitudes sociais frente @ lingua (Kelley 1996; Rona
1966). Uma série de investigacdes sisteméticas dessas atitudes tem
sido levada a eavo com considerdvel engenhosidade por Lambert e
seus colegas (1960, 1967) com resultados extremamente regulares: os
correlatos subjetivos da alterndncia de linguagem revelam ser mais
uniformes que 0 préprio comportamento.
A técnica bisica de Lambert emprega matched guises (disfarces
combinados) — 0 mesmo falante € escutado em diferentes momentos
falando francés ou inglés, ou hebraico e drabe, ou inglés com ou sem
solaque judaico — ¢ os informantes avaliam essas vores segundo uma
série de tragos de personalidade, sem estar cientes de que esto avalian-
do a mesma pessoa duas vezes"". Nao pode haver diividas de que con-
juntos de atitudes sociais hem sedimentadas so fatores poderosos na
© Entre os tballios que mais admiramos extdo Kokeritz (1963) para o inglés e
Fénagy (1956) para o francés, Esses brilhantes estudos se baselam nim reeomhecimento
consciente de que as futusgoes bem docamentadas ¢ socialmentr eondicionadas que eles
retraghm pertencem nos mecanismos centrais da mudang ngiistica, nfo a algum processo
narginal de “mishara de dialtos". Comparado a essas anilises, 0 esquematismo. dos
neogramaticos e le alguns estruturalstas modernos, gerativistas ou uulzus, € surprectilen
temente aati nisione
5 Portanto, os dades bens consistom das diferencas entre tragos de personalidade
atsibuidas & mesma pessoa em dois*disfarces” diferentes (isto 6, falante de franets vs, falamte
de inglés). Essas reacoes sao, portanto, avaliagies do uso de uma lingua ow dialelo como
lin toda, Para as reaghes subjtivas a variévels lingiistiess individuals, ver abatxo.
102, ruNDAMENTOS EMIfAICOS PARA EMATEDRIA DA MUDANGA LINGCISTICA,
determinagio do curso da historia da lingua em comunidades mullilingiies;
© caso da India (Kelley 1966; Weinreich 1957) é testemunho suficiente.
Numa série posterior de investigagées, Lambert descobriu que estuden-
tes anglo-canadenses que compartilham 0 conjunto de atitudes negativas
em relacio aos falantes de francés tém muito maior difieuldade em apren-
der o francés do que os estudantes nos Estados Unidos (1967: 101-102).
Portanto, 0 estudo do problema da avaliago na mudanca lingiis
tica ¢ um aspecto essencial da pesquisa que conduz a uma explicagio
da mudanga. Nao é dificil ver como tragos de personalidade inconsvi-
entemente atribuidos a falantes de um dado subsistema determinariam
a significago social da alterndncia para esse subsistema e assim seu
desenvolvimento ou obsolescéneia como um todo. Mas 0 efeito dos
valores sociais sobre 0 desenvolvimento interno de um sistema lingitis-
tico é uma questo mais dificil, que consideraremos na seco seguinte,
‘3.3 VARIABILIDADE DENTRO DO SISTEMA
© carter heterogéneo dos sistemas lingitisticos discutidos até
agora 6 0 produto de combinagdes, alterndncias ou mosaicos de
subsistemas distintos, conjuntamente disponiveis, Cada um desses
subsistemas é concebide como um corpo coerente e integral de regras
do tipo categérico, neogramético: 0 tinico aparato teérico adicional
necessério € um conjunto de regras que afirmem as condigées para a
alternanncia. Embora tais regras possam ser bastante complexas (Geertz
1960; Martin 1964), elas no interferem com o isolamento de um
subsistema ou do outro — um procedimento que é tipico da aborda-
gem tradicional dos dialetos ndo-padrio. Tem-se suposto que 0 lin-
giista pode abstrair um nivel ou subsistema de um tal complexo sem
perder qualquer informacdo necessdria para a andlise lingiistica, e
diversos estudos que isolam um de varios desses sistemas conjunta-
mente disponiveis foram empreendidios sob a suposigo adicional de
que a tinica base possivel para a descrigao é um sistema homogéneo,
invariante. Assim, descobrimos que Sivertsen, em sen excelente estudo
do inglés cockney (1960), fez abstragdiv dos dados reais para oferecer
uma descrigao homogénea de um cockney independente de quaisquer
allerniincias com sistemas coexistentes. Bailey fez 0 mesmo em sua
penetrante investigagao da sintaxe do crioulo jamaicano (1966). Em
ALINGUA COMO UM SISTEMA PEERENCIADO 103ambos os casos, foi assumido que os elementos varifveis nos dados
eram produtos da mistura de dialetos — insercdes irregulares da
lingua-padrao com a qual os falantes estavam em contato. O sistema
coerente do cockney ou do crioulo foi identificado com o conjunto de
variantes que eram as mais diferentes da lingua-padrao.
Embora estudos isolantes desse tipo possam fornecer valiosos
pontos de partida para a andlise lingiifstiea, na nossa opinizio, eles
nao oferecem nenhuma base racional para a explicagio da mudanga
lingiifstica. Tais abstragiies so, sem ditvida, mais coerentes do que os
dados reais e, portanto, mais indutoras & redagdo de regras sem
exceciio. Por outro lado, se alguém tentasse descrever como um falan
te de cockney ou de inglés jamaicano realmente usa a lingua, haveria
diversas incoeréncias intrigantes ¢ inexplicdveis nos dados. Tais incoe
réncias seriam explicdveis dentro de um modelo mais adequado de
uma lingua diferenciada aplicado & comunidade de fala em sew todo,
modelo que inelui elementos varidveis dentro do proprio sistema.
3.3.1 Varidveis lingiifsticas dentro do sistema
Nao ha diivida de que 0 modelo diferenciado de uma comunida-
de de fala apresentado até agora nao é inteiramente adequado para
explicar a complexidade de estrutura observada. E verdade que em
varios casos encontramos allernancia de cédigo regular entre duas
estruturas integradas, como na alterndncia do franeés canadense para
© inglés. Essa alternancia implica uma estrita co-ocorréncia entre os
elementos e regras lingtifsticos coneernidos. Um eddigo ou sistema &
concebido como um complexo de regras ou categorias inter-relacio-
nadas que nao podem ser misturadas aleatoriamente com as regras,
ou categorias de outro eédigo ou sistema, Assim, por exemplo, alguém
normalmente em crioulo jamaicano: im tired a tired, ou em
inglés-padrio: he's tired, that’s all, mas nfo: he’s tired a tired.
A co-ocorréncia estrita é freqitentemente atribuida &s regras de
um dialeto, mas as provas raramente sfio dadas. Um requisite minimo
seria que 0 analista declarasse que, numa populac3o suficientemente
ampla de sentencas, A e A’ estavam associados na mesma sentenca,
€ Be BY, mas que nenhum exemplo de A e B’¢ A’e B foi encontrado:
contudo, esse tipo de declaragio raramente é feita,
104 rusmanen os evrffucos Para usta TEOELA DA MUDANCA LINGHSTICA,
seqmeninenn sntnenensiii
J& que freqiientemente ocorre que os detalhes da situagdo de
alternancia nao sustentam aquela alegacao, o analista é forcado a sus-
tentar que 0s falantes podem altemar cédigos no meio de um enunciado,
de uma frase ou de uma oracdo, no uma ver mas varias vezes. Por
exemplo, alega-se que na fala de criencinhas negras nas cidades do
Norte, a cépula néo aparece no presente, como em You a swine Ora,
para todos os falantes dessa comunidade, a cépula is aparecera
freqiientemente nessa porgdo. Nao é incomum encontrar, na interagao de
grupos de pares mais excitados, enunciados como Make believe this is a
team and this a team! Alegar que este e centenas de outros exemplos
semelhantes sao instancias de alterndncia de oédigo seria um arielato da
teoria ¢ dificilmente uma conclusio inescapavel exigida pelos dados.
Para dar conta dessa variagao intima, € necessirio introduzir
outro conceito no modelo de heterogeneidade ordenada que estamos
desenvolvendo aqui: @ varidvel Jingtifstiea — um elemento varidvel
dentro do sistema controlado por uma tinica regra.
A variabilidade inerente dos fenémenos lingiiisticos foi de inte-
resse considerdvel para os membros do Cireulo de Praga, Em 1911,
Mathesius fez objegdes & exigéncia de Paul de que as linguas sejam
necessariamente estudadas sob 0 aspecio de sua homogeneidade. Os
lingilistas tém esquecido, argumentou Mathesius, que a homogeneidade
da lingua ndo 6 uma “qualidade real dos fendmenos examinados”,
mas “uma conseqiiéncia do método empregado” (p. 2). Na realidade,
a lingua é caraeterizada por oscilacao sinerénica™ na
viduos. O aspecto sistematico (codificado) desta oscilaglo Mathesius
chamou de “potencialidade”:
Se qualquer dialeto fosse absolutamente constante do ponto de vista
fonético, isso implicaria a constincia de seu inventario de sons e da
constituigao fonética de eada palavra individual; ao contrério, a
potencialidade fonétiea de um dialeto implica potencialidade do inven-
tario e/ou de sua distribuigdo em palavras (pp, 23-24)*.
Compare-se Stewart 1868. Para uma anslise dos argumentossinticos e dads sobre
variveislingiisticas na fala das negros, ver Labov e Cohen 1967
© Seguimos otradutoreditr, Vache, que inlerpretau “esata”
|__ Entre os antecessores ele Mathesius, segundo sea prio comentrio,honta especial
«she a Daniel Jones, que tina earacterzad diferentes ells de inglés em termosfondtcos
le Mathesius camo
{A LINGUA COMO UM SISTEMA DIERENCIADO 105Mathesius teve o cuidado de deixar claro que a potencialidade
que ele discute é primordialmente um fenémeno sincrénico, Também
pode haver, é claro, oseilagdo dindmica (diacrdnica), mas
as questdes dindmicas [= diaeninieas] s6 podem ser resolvidas depois que
‘uma investigagao mais cabal em linguas individuais liver estabelecido
firmemente quais fenmenos podem ler sido considerados nelas, num
momento dado, como constantes e quais como polenciais, S6 entao al-
guém estaré em condigSes de perguntar por quanto tempo um fendmeno
potencial & pode ainda ter sido considerado como basieamente o mesmo
fenémeno, s6 ligeiramente afetado por uma iudanca de sua
potencialidade, ¢ quando ja se deve admitir a existéncia de um novo
fendimeno B, substituindo a. As investigagées necessérias serio muito
diffceis, mas depois de terem sido realizadas estaremos mais bem infor-
mados dos fundamentos do que est acontecendo numa lingua do que
estamos até agora (p. 31).
Os exemplos de Mathesius mostram um claro reconhecimento do
problema da transi¢io que esbocamos acima; contudo, nao mostram
que ele tenha tido éxito em integrar sua nocdo de “potencialidade”
numa descricéo sistemdtica da lingua. Esses exemplos mostram uma
distribuigdo quase-aleatéria de extensdo ou oscilacdo de opcdes gra~
maticais — variagdo sem direcdo. A énfase esté na variabilidade do
individuo em vez de nas regularidades inerentes em tal variacio.
Os autores da escola de Praga continuaram, nas duas ultimas
décadas, a desenvolver seu interesse pela vatiabilidade e pela mudan-
¢a continua. Estamos particularmente impressionados com os ensaios
de Neustupny (1961, 1966), reformulando as opinides de V, Skaliéka,
© que apresentam criticas penetrantes a0 rigido areabouco categorial
normalmente empregado pelos lingitistas. Neustupny insiste no reconhe-
cimento do carter complexo das categorias lingiiisticas e da importin-
cia de elementos marginals e periféricos; ele nao deixa de sublinhar a
importancia destes conceitos para a teoria da mudanga lingiiistica:
Classes fechadas nao admitem a transi¢ao de um fonema para outro [..]
‘Nao foi por acaso que R. Jakobson [...] postulou para a mudanga fonolégica
0 carter de saltos absolutlos. Contudo, © método deseritn porle explicar
a mudanga pelo desenvolvimento interno, gradual dentro de uma classe
fonoldgica ou grupo de classes (1961: 16).
Os estudos de mudanea histérica empreendidos por Vachek (1964a)
contribuiram muito para nosso entendimento do papel das elementos
106 RunoaMeNTOs EwetRACOS FARA UMA TEORIA DA MUDANCA LNGOISTICA
periféticos e sua falta de integragdo sistemstica, em termos totalmen-
te consistentes com as opinides de Martinel, Mas, apesar de nossa
profunda simpatia te6riea pela posicao da Escola de Praga, é preciso
reconhecer que seus membros ndo apresentaram suas opinides com
uma precisio formal adequada para complexidade dos dados lin-
giiisticos. Tampouco desenvolveram métodos empiricos para trabe-
thar dentro da comunidade de fala, 0 que lhes permitiria investigar os
processos de mudanga continua de maneira convincente™. E, portan-
to, compreensivel que esses escritos nao tenham tido o impacto sobre
© cendirio americano que sua importancia te6rica teria permitido.
Certamente no basta apontar a existéncia ou a importancia da va~
riabilidade: 6 necesséio lidar com os fatos de variabilidade com pre-
ciséo suficiente para nos permitir incorporé-los em nossas anélises da
estrutura lingiiistica,
Uma varidvel lingiiistica tem de ser definida sob condigoes estri-
tas para que seja parte da estrutura linglistiea; de outro modo, se
estaré simplesmente escancarando a porta para regras em que
“freqiientemente”, “ocasionalmente” ou “as vezes” se aplicam. A evi-
déncia quantitativa para co-variagao entre a varivel em questio
e algum outro clemento lingiistico ou extralingiiistico oferece uma
condigao necesséria para admitir tal unidade estrutural. A co-varia-
¢4o pode ser oposta A co-ocorréncia estrita, ou a co-ocorréncia pode
ser concebida como o caso-limite da co-variagdo, Provas das relagées
de co-ocorréncia estrita podem emergir, de fato, de uma investigagio
quantilativa-do tipo que oferece provas de co-variagao. Todas as
regras podem ser consideradas como sendo da seguinte forma:
Ma>eBl/xT Vy
2) g IB} =f (CDE...)
onde B é um ou mais tragos de A, e C, De E sao varia
‘ou extralingtiisticas. A expresso g{B] € a varidvel lingi
“Vachek, por exemplo, se baseia numa misoelanea de observagbes fonétieas coletagas
na Hiteratura para argumentar que [W] ([w] surdo) foi ¢ € agora oposto a fh] como ma
variivel social eestlstica (194a: 29-46) o esla proposta eonstitud a hase para sa alse
dos desenvolvimentos lingisticas,
A LINGUA COMO UM SISTEMA DIFERENCIADO 107pela regra, normalmente nolada (B). Assim, a variabilidade da pro-
mincia do r na cidade de Nova York pode ser representada’
(8) A= ete 7 — (5)
(4) gi] = flestilo, classe, idadey,
im (3), a categoria /r/ € reeserita como a variével (x) em posi-
cdo final e pré-consonantal, equivalente A freqiiéncia da consoante
suprimida [r], uma fungdo de estilo, classe ¢ faixa etdria do falante.
A regra categérica usual tem o valor de g colécado em 1. Quan-
do sistemas inteiros de varidveis co-variam juntos, 0 valor da fungéio
controladora g é idéntico para cada regra que diferencia os sistema
© valor de g pode também ser idiossi
particular, mas relacionado com outras varidveis de maneira mais ou
menos regular. 0 sistema heterogéneo 6 entio visto como um conjun-
to de subsistemas que se altemam de acordo com um conjunto de
regras co-ocorrentes, enquanto dentro de cada um desses subsistemas
podemos encontrar varidveis individuais que co-variam mas ndo co
ccorrem estritamente. Cada uma dessas varidveis acabara sendo
definida por fungées de varidveis independentes extralingitisticas ou
lingiiisticas, mas essas fungdes ndo precisam ser independenles umes
das outras. Pelo contrério, normalmente se esperaria encontrar inti-
ma co-variagio entre as varidveis lingtisticas.
A TRANSIGAO. Qualquer estudo atento da transigéo de um
0 para outro exigird a determinagao do valor de
uma varidvel lingilistica. B possivel, obviamente, que uma mudanca
lingiifstica ocorra como um paso discreto — uma mutacao simulté-
nea de graméticas por parte de grande mimero de falantes, apesar
das dificuldades postuladas acima (§ 2.41). Contudo, as mudangas que
© Uma reqra prévia desenvolve o /e/ em bird, work, shirt numa diregdo diferente ¢,
‘assim, () nao se aplica a esta classe (Labow 1968: 837-312). Um eanjunto algo diferente
de convengies formais pare regras varaveis, ineorparando os mesraos principios gers,
apresentadto cm Labov, Cohea., Robins ¢ Lewis (1968); estes lidam primordialimente cam
varldveis consonantais de dois valores do ingles negra nao-padrao cam considerdvel
‘condicionamento contextual ¢ grammatical, eneaisadas num conjimto mais abrangente de
dezesseis regras fonolégicas do inglés. 8 regras dadas aqui simbolizam as relacoes de
variveis de mitiplos valotes dentro de um espago voedlico cariesiano, relagies que estio
‘no momento sendo investigadus num estudo instrumental de mudanga sonora em progresso,
108 uNDAMENTOS EMPIRICOS PARA UNA TEORIA DA MUDANGA LINGCISTICA
tém sido estudadas mais de perto (p. ex., Gauchat 1905; Hermann
1929; Reichstein 1960; Labov 1963, 1966) mostram transigdes conti-
nuas nas freqiiéncias ¢ valores modais de formas. Assim, podemos
escrever para a comunidade de Charmey estudada por Gauchat:
(5) egle!]
(6) ¢ = fltempo),
isto 6, a variivel (ey) representando a ditongacao de fe] é uma funco
do tempo. A varidvel independente tempo € freqiientemente inferida
somente de um estudo de distribuicdo através das faixas etdrias; este
foi de fato 0 caso com Gauchat, que realmente sé mostrou isto:
(6) g = Midade).
© trabalho de Hermann, uma geragio depois, trouxe os dados
os para nos movermos das observacdes de faixas etrias para
afirmagées sobre 0 tempo real, pois o ditongo [el] de fato nao se tomnou
geral por toda a populagdo, Em outros casos, estudos quantitativos
detalhados de distribuigdo pelas faixas etdrias serviram para suplemen-
tar observagies mais fragmentarias feitas uma geragéio antes ccm 0
intuito de fornecer o necesséio ponto de ancoragem ¢ fazer uma dis-
tingdo entre o aumento de idade € 0 processo de mudanca lingiiistica,
Se a varidvel lingiistica fosse uma simples distribuigdo pelas faixas
etarias, entao o processo de transferéncia de um grupo de falantes
ara outro um pouco mais jovem seria um fato mislerioso, mais facil
de notar do que de explicar. Podemos postular uma intrincada série
de empréstimos (Bloomfield 1933: 403) ou alegar, com Ilalle, que as
gramiticas de falantes mais jovens s4o reconstruidas ao longo de
linhas mais simples com conseqiientes mutagées nas
acima). No entanto, os casos z
samenle mostram a variavel como uma fungo de estilo tanto quanto
de idade, mesmo nos estagios iniciais. Verificamos que falantes com
baixa escolarizacdo, que mostram pouea consciéneia da propria fala
e nenhuma corregao nos estilos formais, ainda assim exibirdio uma
diferenciagao cstilistica entre modos areaicos ¢ inovadores. Por exem-
plo, falantes operirios de Nova York usam vogais ligeiramente mais
altas em coffee, more, lost em expresses enfaticas e afetivas, embora
nao passem a vogais mais baixas em estilo formal como fazer os
ALINGUA COMO.UM SiSrEata DIFERENCIADO. 109falantes de classe media
fala deles a diferencia
varidvel (oh):
(7) (oh) = f(idade, estilo).
(Labov 1966; 206). Observamos, assim, na
de variantes inovadoras e areaicas desta
O prontess vo EXcuXAMENTO. Os lingtiistas naturalmente desconfiam de
qualquer explicagéo da mudanga que deixe de mostrar a influéncia do
ambiente estrutural sobre 0 trago em questo: é razodvel presumir que
© aspecto est encaixado numa matriz lingliistica que muda com ele.
Além disso, podemos argumentar que fatores externos tém menos efeito
sobre um traco que é membro de um sistema em equilibrio do que sobre
‘tragos isolados. Estudos detalhados de co-variagio intima entre varié-
veis lingiisticas em processo de muclanga oferecem a evidéncia empirica
mais persuasiva de tais efeitos sistemticos, embora explicagdes de mnu-
dangas completadas ndo deixem de ter valor neste particular.
Assim, no sistema de vogais da cidade de Nova York (Labov
1966: 507ss.), encontramos uma varidvel (ah), representando o grau
de posteriorizacao da vogal longa e ingliding em father, pa, car, guard,
bar. Esta varidvel é uma fungio de outra varisivel lingiiistica (oh),
mencionada acima. Podemos representar esta co-variaglo pela nota-
cdo abreviada
(8) (ah)
Esta expresso pode ser relacionada a uma notagao mais analitica
de traco_no ponto onde © conjunto bindrio de tracos numa fonologia
gerativa é substitufdo por um conjunto menor de dimensoes lineares. Por
razies esbocadas acima (§2.41), 0 aparato de tragos distintivos tem de
ser substituido aqui por um conjunto homogéneo de dimensdes que de-
finem localizagdes mo espago fonolégieo, eontudo, nio podemes delinear
a base quantitativa para tais dimensOes aqui ¢, portanto, conservaremos
© bindrio. As regras dadas abaixo se aplicam somente a vogais tensas
geradas num sistema sem-r depois que [r] se toma vocalizado e prece-
dendo vogais alongadas, e portanto os tragos [+tenso, +vocilico, -con-
sonantal] so entendidos para cada segmento com que se operou”.
floh).
5A fim de interpreta as gras (11) (1), € preciso entender o tro fare
‘110. FUNDAMENTOS EMPIRICOS PARA LMA TEORIA DA MUBANGA LINGCISTICA
A regra (2) celine a variavel (oh), e (10) define (ah). © statis
sistemético de (ah) é estabelecido por (11), pois, sem este relaciona-
mento, (10) declararia meramente que a gravidade de (ah) varia.
3 (oh)
(9) [ss : comp.
~dit. = ] 7 [+ rave]
+arredond, ] p arredond.
onde 1
');
falantes que usam [a] em bird ridicularizam o esteredtipo [pi] que eles
percebem no boid de outros; muitos que usam altas porcentagens de
oclusivas lenizadas para as fricativas interdentais ficam profundamente
magoados se Ihes é dito que tém problemas com seus dems € doses.
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FGURA 4. AVALIAGAO SUBUEIIVA DE @ POR DADE ENTIRE FALANTES NATVOS DE NOVA YORK
A investigagao destas pervep¢des sociais ferece um rico volume
de dados sobre estagios recentes da mudanga lingiistica, embora nao
revele os aspectos mais sistemdticos da evolucéo lingliistica. 4 corre-
‘co social explicita € esporddica to logo os falantes — quando uma
variivel lingiiistica adquire importancia social — substituem a norma
de prestigio pelo vernéculo basico como um controle no audiomo-
nitoramento. A disjungdo entre producao e percepgio, tal como estu-
dada por meio dos testes de auto-avaliagao (Labov 1966: 455-480),
oferece mais um caminho para a andlise da mudanga em progresso.
"© Ver Whyte (1948: 316) pars um exemplo dramatico,
120 TUNDAMENTOS EMPTRICOS PARA UMA TEORIA DA MUDANCA INGUISTICA
O estudo de declaragies explicitas sobre a lingua suscita diversos insights
acerca dos fatores sociais que pesam sobre a mudanga lingiiistica, e
acerca das fontes de irregularidade que perturbam 0 curso da mudanga
sonora; mas relacionar estes dados a evolugao do verndculo basico
uma tarefa que exige um conhecimento detalhado da comunidade de
fala e uma considerdvel sofisticacao sociolingiiistic«
3.4 PRINCIPIOS EMPIRICOS PARA A TEORIA DA MUDANCA LINGCISTICA
Na terceira parte deste ensaio, apresentamos alguns achados
empiricos que tém importaneia para a teoria da mudanca lingiifstica,
¢ também algumas conclusdes extraidas destes dados acerea da com-
plexidade minima de uma teoria da estrutura lingiistiea que pode
explicar esta mudanga. Também nos preocupam os métocos para
relacionar os conceitos e¢ postulados de uma teoria da mudanga &
evidéncia empirica — ow seja, evidéncia baseada em regras para a
concordincia intersubjetiva. Nesta seco final, vamos sintetizar al-
guns principios concernentes aos fundamentos empiricos para uma
teoria da mudanca; organizaremos a discussio, como fizemos anterior
mente, em termos dos problemas a serem resolvidos.
© ProsLEMA pos FxToRES coNpicONaNTES. Sugerimos que um possivel
objetivo para uma teoria da mudanga € determinar 0 conjunto de
mudangas possfveis e condigdes possiveis para a mudanga; na medida
em que tal programa deriva de um estudo minucioso de mudancas em
progresso, acreditamos que € possivel avancar, Um desses fatores
condicionanies gerais parece se aplicar a areas em que um sistema de
dois fonemas esté em contato com um sistema de um fonema fundido:
argumentamos que, exceto sob determinadas condigées espe
diregdo da mudanga seré em favor do sistema de um fonema. Obser
vamos, como outro exemplo, diversos casos de cadeias de mudanga
correlatas em que vogais [lensas] perifféricas se elevam, mas nenhuma
na diregdo contréria
Podemos também observar que nem toda combinagio de fato-
res lingitisticos e sociais tem sido observada em estudos alé 0 mo-
‘mento, nem tem sido observada toda possivel combinagao de varid-
veis lingiiisticas. Em nenhum caso, por exemplo, encontramos uma
variavel que se originou como um estereétipo social com estratifica-
ALINGUA COMO UME SISTEMA DIFERENCIADO 121‘$40 estiisiica €, num estagio posterior, emergiu como um variavel
social sem troca estilistica.
O proutems ps TRaNsi¢io, Todas as mudangas submetidas ae exame
empirico cuidadoso até agora tém mostrado distribuigo continua
através de sucessivas faixas etérias da populagio. Entre quaisquer
dois estgios observados de uma mudanga em progresso, normalmen-
te se tentaria descobrir o estagio interveniente que define a trilha pela
qual a estrutura A evoluiu para a estrutura B.
Deseobrimos que a teoria da mudanga lingiistica pode aprender
mais com os assim chamados dialetos transicionais do que com os
dialetos “nucleares” [“core”] (Herzog 1965: 1-5), De fato, ganha-se
mais considerando-se todo dialeto como transicional. Por conseguin-
te, ndo ha qualquer necessidade de distinguir entre mudanga intradia-
letal e mistura de dialetos (conjuntamente disponiveis},
Ao considerar alguns subsistemas ou varidveis como mancados
pelo trago arcaico/inovador, a teoria da lingua pode observar a
mudanga lingiiistica enquanto ocorre. Pela observacao in vivo, pode-
mos aprender coisas sobre a mudanga lingiiistica que esto simples:
mente perdidas nos monumentos do pasado.
Esta transigdio ou transferéneia de tracos de um falante para
outro parece ocorrer por meio de falantes bidialetais ou, mais geral-
mente, falantes com sistemas heterogéneos caracterizados pela dile-
renciagéo ordenada. A mudanga se da (1) 4 medida que um falante
aprende uma forma altemativa, (2) durante o lempo em que as duas
formas existem em contato dentro de sua competéncia, ¢ (3) quando
uma das formas se toma obsoleta. A transferéncia parece ocorrer
entre grupos de pares de faixas eldrias levemente diferentes; todos as
evidéncias empiricas reunidas alé agora indicam que as criangas nao
preservam as caracteristicas dialctais de seus pais, mas sim as do
grupo de pares que domina seus anos pré-adolescentes.
O prontess Do EXCUNaMENTO, Laver’ pouca discordineia entre os lin-
giiistas de que as mudangas lingiiisticas sob investigagdo devem ser
vistas como encaixadas no sistema lingitistico como um todo, O pro-
blema de oferecer fundamentos empiricos solidos para a teoria da
mudanga traz a lona diversas quesles sobre a natureza ¢ a extensio
deste encaixamento.
122 ruNpaMeNTOS EMPIRICOS 23H LMA TEORIA DA MUMANCA LINGEISTICA
(a) Encaixamento na estrutura lingiistica. Se a teoria da evolu-
cio lingiifstica quiser evitar notérios mistérios dialetais, a
estrutura lingitistica em que os tragos mutantes se localizam
tem de ser ampliada para além do idioleto. O modelo de
lingua proposto aqui tem (1) estratos discretos, coexistentes,
definidos pela co-ocorréncia estrita, que so fancionalmente
diferenciados e conjuntamente disponiveis a uma comunida-
dee de fala; ¢ (2) variaveis intrinsecas, definidas por co-varia-
40 com elementos linglistioos ¢ extralingifsticos. A mudan-
a Tingiistica, ela mesma, raramente é um movimento de um
sistema inteiro para outro, Em vez disso, descobrimos que
um conjunto limitado de variaveis num sistema altera seus
valores modais gradualmente de um pélo para outro. As
variantes das varidveis podem ser continuas ou discretas; em
qualquer dos casos, a varivel mesma tem um espeetro con-
tinuo de valores, jé que ele inchui a freqiiéncia de ocorréncia
de variantes individuais na fala estendida. O conceito da
variével como um elemento estrutural torna desnecessario
ver flutuagées no uso como externas ao sistema, pois 0 con-
trole de tal variagio faz parte da competéncia lingiiistica dos
membros da comunidade de fala.
(b) Encaixamento na estrutura social, A estrutura lingiiistica
mutante esta ela mesma encaixada no contexto mais araplo
da comunidade de fala, de tal modo que variagGes sociais e
eograficas so elementos intrinsecos da estrutura. Na expli-
cagio da mudanga lingiistica, € possivel alegar que os fato-
res sociais pesam sobre o sistema como um todo; mas a
significago social nao é eqiiitativamente distribuida por iodos
‘os elemet sistema, nem Lampouco todos os aspectos do:
itativamente mareados por variaglo regio-
nal. No desenvolvimento da mudanga lingiifstica, encentra-
mos estruturas lingiifsticas encaixadas desigualmente na es-
e nos estigios iniciais e finais de uma mudan-
¢a, pode haver muito pouca correlagao com fatores sociais,
Assim, a tarefa do lingtista no 6 tanto demonstrar a motl-
vagdo social de uma mudang quanto determinar o grau de
correlacao social que existe e mostrar como ela pesa sobre
9 sistema lingiiistico abstrato.
A LINGUA COMO UM SISTEMA DIFERENCIADO 123