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O MUNDO NÃO EXISTE PARA ME APLAUDIR Por JOEL BIRMAN

O documento discute como vivemos em uma cultura da imagem e como isso afeta nossa subjetividade e relações sociais. O psicanalista explica como o mito de Narciso se tornou mais relevante do que o mito de Édipo na sociedade contemporânea e como isso está relacionado a distúrbios narcísicos e à depressão.

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O MUNDO NÃO EXISTE PARA ME APLAUDIR Por JOEL BIRMAN

O documento discute como vivemos em uma cultura da imagem e como isso afeta nossa subjetividade e relações sociais. O psicanalista explica como o mito de Narciso se tornou mais relevante do que o mito de Édipo na sociedade contemporânea e como isso está relacionado a distúrbios narcísicos e à depressão.

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A gente vive hoje – e já faz algum tempo, mas de uma forma

mais radicalizada sobretudo com o surgimento da internet e


esses instrumentos de captação das imagens – naquilo que a
gente poderia chamar de uma cultura da imagem, e você,
querendo ou não querendo, está inserido nela”, disse o
psicanalista Joel Birman à Muito, recentemente, quando esteve
na cidade para fazer a conferência Narcisismo Ontem e Hoje,
durante a XVIII Jornada do Campo Psicanalítico de
Salvador. Para explicar como chegamos a esse ponto – com
desdobramentos na sociedade  de perturbações psíquicas
ligadas à problemática narcísica,  como drogadição,
personagens borderlines, anoréxicos e bulímicos –, ele articula
saberes da psicanálise, mas também das ciências sociais e da
comunicação. Médico de formação, com doutorado em filosofia,
Birman é  autor de livros como Arquivos do Mal-estar e da
Resistência e O Sujeito na Contemporaneidade: Espaço, Dor e
Desalento na Atualidade, entre muitos outros, e colabora
constantemente em publicações especializadas. Pesquisador e
professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em sua
passagem pela cidade ele também lançou o livro Modalidades
de Pesquisa em Psicanálise: Métodos e Objetivos, fruto de um
colóquio desenvolvido neste ano com o grupo de pesquisa
Psicanálise, Cultura e Sociedade – o mesmo com que em 2015
ganhou o Prêmio Jabuti com A Fabricação do Humano:
Psicanálise, Subjetivação e Cultura. Em agosto de 2019, um
novo colóquio vai tratar de psicanálise e política.
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Quais implicações para a nossa vida disso que o senhor


chama de cultura da imagem?

Dizer que a gente vive numa cultura da imagem significa,


fundamentalmente, que a gente está perdendo a cultura da
palavra, da narrativa ou do argumento. De forma que isso que
se convenciona chamar hoje de fake news, política da pós-
verdade, é, na verdade, um ponto de chegada ou uma
radicalização dessa cultura. 

Narciso hoje é mais pop do que Édipo?


Desde os anos 1970 e 1980, quando novas patologias do
narcisismo começaram a ser levantadas, houve uma incidência
na cultura psicanalítica no sentido de se dizer que o mito que
define os processos pós-modernos de subjetivação não é mais
o mito do Édipo, mas o mito de Narciso. Há toda uma
discussão no interior do campo psicanalítico. Nesse sentido,
Narciso é mais pop. Nem sempre pelas melhores razões, mas
ele é mais pop.

Já que os senhor está na Bahia, o que pensa dos versos de


Sampa, composta há 40 anos, em que Caetano Veloso diz
que “Narciso acha feio o que não é espelho”?

Narciso quer ver a sua beleza e perfeição espelhada nos olhos


do outro. Evidentemente, Caetano está fazendo uma ironia
sobre a figura do Narciso. Tudo que não é  espelho que lhe dá
garantia dessa ressonância da sua beleza ou virtude não
serve. Você vê a história do Andy Warhol, de que todo mundo
vai ter 15 minutos de sucesso – isso significa que Narciso vai
ter uma existência de 15 minutos. E Woody Allen vai retificar
essa informação em 1995 e dizer: “Não, não são 15 minutos,
são cinco minutos apenas”. Então, você vê que essa
formulação de gostar do espelho existe, mas o tempo para se
ter sucesso nesse espelho se restringiu para cada um.

Nessa ideia de perfeição, estimulada pelo discurso da


propaganda e o discurso médico, entre outros, nós
falhamos se não correspondemos a esses ideais?

Você tem uma exigência narcísica da sociedade moderna em


que você quer corresponder a uma imagem de perfeição. Você
quer atingir um ideal em todos os setores da vida, então,
quando não corresponde a esses ideais esperados, você se
sente um fracasso. Essa é uma das razões pelas quais a
experiência depressiva se dissemina na contemporaneidade,
porque existem milhares de pessoas que não correspondem a
esses ideais. A depressão é uma experiência de decepção
consigo próprio. Você tem poucos vencedores e muitos
perdedores no mundo contemporâneo.
Qual é a relação entre o que vemos no espelho e o que
pensamos que o outro vê em nós?

A nossa tentativa é fazer que o outro acredite no que está


sendo projetado no espelho. Você é uma pessoa que trabalha
na imprensa e  sabe muito bem que todas as pessoas que têm
um certo capital econômico ou certo capital simbólico, mas
sobretudo capital econômico, têm assessores midiáticos que
vivem para produzir publicitariamente a imagem desses
personagens. Essas imagens têm um impacto social e um
impacto econômico de retorno sobre esses personagens.
Então, toda essa produção de assessoria de imprensa privada
que utiliza jornais e revistas para plantar notícias sobre um
personagem alimenta uma produção narcísica para aumentar o
prestígio social do personagem. E tem eficácia.

A depressão é uma experiência de decepção


consigo próprio. Você tem poucos
vencedores e muitos perdedores no mundo
contemporâneo
Quem a gente ama é sempre um pouco a imagem do que
pensamos que somos?

Psicanaliticamente, você sempre escolhe alguém baseado nas


imagens da sua história. Seja o que você é, seja o que você foi,
seja o que você gostaria de ser. São três variações narcísicas.
Eu posso escolher um objeto de amor que é a minha cópia e
semelhança; eu posso escolher alguém por aquilo que eu fui e
perdi mas que quero encontrar no outro; ou ainda posso me
apaixonar por alguém que eu quero me tornar. São três
formulações narcísicas.

O ciúme tem mais a ver com o narcisismo ou a histeria?

Você tem um narcisismo mais autocentrado e um narcisismo


mais autoritário. Freud vai falar que existem duas variações de
narcisismo: o Eu Ideal e o Ideal do Eu. O Eu Ideal é aquilo em
que você quer ser seu próprio ideal, aquilo que eu fixo como
sendo o meu ideal a partir do meu umbigo. Enquanto que o
Ideal do Eu, eu me submeto a um ideal maior, que quero
alcançar. Então, eu diria que a experiência do ciúme está
instituída no campo do Ideal do Eu. Quer dizer, se você tem
aquilo que eu gostaria de ter, se você é aquilo que eu gostaria
de ter, eu posso ficar com ciúme de você. Agora, no plano do
Eu Ideal, eu quero destruir alguém que realize o ideal que eu
acho que é meu. Aí o que está em jogo não é o ciúme, é a
inveja.

Esse mecanismo também se apresenta em crianças, não?

Em crianças e adultos. Do ponto de vista da experiência


infantil, você tem uma tensão entre o Eu Ideal e o Ideal do Eu,
e essa tensão vai permanecer na experiência adulta. Cada um
de nós, adultos, psicanaliticamente falando, carrega essa
criança dentro de si.

Se não me engano, Lacan faz uma referência a um relato


de Santo Agostinho em que ele observa uma criança de
colo, que ainda nem fala, tendo inveja de outra criança...

Exato, ele tem inveja de que outra criança está sendo


amamentada pela mãe e ele está excluído, então, ele quer
destruir o outro, isso é inveja.

Essa agressividade do narcisismo, quando pensamos nas


redes sociais, parece que também conjuga,
indistintamente, a amabilidade, com uma demanda por
likes, curtidas...

Quando alguém clica aprovando o que eu disse, isso é vivido


pelo sujeito como uma espécie de confirmação de que é
amado. Isso é uma alimentação narcísica. Se alguém discorda,
posso transformar a discordância numa hostilidade e, portanto,
posso reagir agressivamente. Essa reação agressiva de rejeitar
a crítica é uma reação narcísica, ou eu posso aceitar que as
diferenças existem. O mundo não existe para me aplaudir.

No Brasil, está havendo um certo elogio da violência e da


discriminação sustentado por figuras de autoridade,
políticos, religiosos... Isso tem a ver com narcisismo em
relação a quem os apoia porque se identificam com tais
posições?

Há uma ideia muito rica de Freud que ele chama de


“narcisismo das pequenas diferenças”. É um conceito que ele
enunciou em 1921, em Psicologia das Massas e Análise do Eu.
Ele se referia à sociedade europeia pós-Primeira Guerra
Mundial. Dizia que estava surgindo naquele contexto uma
intolerância em relação ao diferente. Aquilo que é diferente do
que eu sou em nível individual, ou aquilo que é diferente nos
segmentos das classes sociais. Por exemplo, um branco que
não gosta do negro ou do asiático, por exemplo; ou no nível
das classes, das classes populares ou burguesas, em que o
diferente não é aceito. Então, Freud diz que o que está
caracterizando aquela modernidade avançada é que o
diferente era tomado não apenas como diferente que eu
pudesse conviver com ele, mas era tomado como um
adversário e como inimigo. E como inimigo significa que eu
tenho que destrui-lo para manter a minha condição daquilo que
sou. Acho que esse clima que Freud descreveu ali, do
narcisismo das pequenas diferenças, é aquilo que está
existindo hoje no Brasil num estado altamente acirrado. Nós
não aceitamos – e não estou falando que não tenham pessoas,
ou até que nós aqui sejamos diferentes disso – mas existe no
imaginário brasileiro um acirramento muito grande de não
suportar a experiência do diferente, de aceitar as diferenças, de
forma que a diferença é tratada pela via da guerra e da
eliminação, e não como alguma coisa que enseja o diálogo,
como exigem as regras de uma sociedade democrática.
Momentos de crise são momentos de
desorganização de laços sociais. O problema
é saber como a gente vai resolver essa crise
Um amigo disse recentemente que o Brasil virou um
hospício a céu aberto. Mesmo questionando essas
categorias entre o normal e o patológico, podemos dizer
que uma nação surta?

Eu acho que isso significaria uma espécie de psicologização


das relações sociais e não concordo. Você pode usar isso
como uma metáfora, mas não concordo que se possa usar
como uma leitura do que se estabelece na sociedade. Acho
que os momentos de crise são momentos de desorganização
de valores, conceitos e perspectivas. Acho que estamos
vivendo um momento desses. Esses momentos de crise são
momentos de desorganização de laços sociais. O que seu
amigo chama de loucura ou surto seria essa desorganização
que a crise coloca. O problema é saber como a gente vai
resolver essa crise. Se a gente vai acirrar a crise, se  vai acirrar
o narcisismo das pequenas diferenças, ou a gente vai voltar a
criar as regras democráticas e dialógicas da cultura do
argumento.

Acredita que a essa altura do capitalismo financeiro, que


coloca em xeque os valores e princípios democráticos,
isso ainda é possível?

Olha, o capitalismo financeiro não saiu da crise de 2008. De


uma certa maneira, é por conta desse neoliberalismo
globalizado que começaram a surgir aquilo que na Europa
seriam os populismos da extrema-direita. Esses movimentos de
extrema-direita são uma reação ao neoliberalismo. Exatamente
porque a crise do neoliberalismo não superou a crise de 2008.
Você tem toda uma reação que veio pela extrema-direita. O
que alguns autores discutem hoje é se é possível fazer um
populismo democrático. Mas o que está em foco é a crítica ao
neoliberalismo pela crise do neoliberalismo.
Muitos psicanalistas estão fazendo atendimentos
coletivos, gratuitos, em grandes cidades. Acredita que
funciona?

Acho que a cultura psicanalítica durante muitas décadas ficou


ligada à burguesia e classes médias-altas, de forma que os
psicanalistas sempre tiveram uma postura muito conservadora
e reacionária em achar que a psicanálise não teria nada a ver
com política. Acho que está existindo, nos últimos anos, até
mesmo por causa de uma certa crise da psicanálise, o
entendimento de que a psicanálise não se restringe mais a
atender as classes médias-altas ou a burguesia, e ela trabalha
com a classe média-baixa. Os psicanalistas trabalham em
instituições públicas, em hospitais, ambulatórios... Acho que
essa ida para atender classes populares e oferecer consultas
nesse setor é um desdobramento atual no Brasil, em São
Paulo, no Rio, em Porto Alegre, dessa realocação maior da
psicanálise no espaço público hoje.

É possível chegar ao cerne da questão do narcisismo atual


sem ser pela via da psicanálise?

Acho que tem maneiras de você poder se confrontar com o


autocentramento das pessoas no espaço público. Isso não
quer dizer que isso vai curar ninguém do seu narcisismo, mas o
mais importante não é isso: você vai dar um limite à arrogância
das pessoas no espaço público, que é o que interessa. Agora,
acho que é um jogo de corpo da própria conflitualidade social
para dar um limite a esse excesso de expansão de si que
provoca mal em quem está em volta. Então, do ponto de vista
político, social e ideológico, você consegue fazer isso. Não
significa que as pessoas vão ser curadas do narcisismo delas,
mas vão ser colocadas no seu lugar. E aquelas que sofrerem
por causa disso podem tentar esclarecer psicanaliticamente
esse sofrimento. 

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