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Educador Social

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A formação do educador social e as bases da educação para um mundo melhor

Em razão das profundas mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas, a educação se vê numa
situação especial: ela necessita acompanhar o fluxo das mudanças, buscar sua própria atualização
e, ao mesmo tempo, dar respostas eficazes às novas demandas que se acumulam rapidamente.

Nesse contexto, os profissionais da educação, comprometidos com os ideais da justiça social e da


paz, encontram-se diante de grandes desafios, pois a situação atual (e, certamente, a conjuntura
futura) exige novos posicionamentos e procedimentos. Em particular, o educador social, cuja base
laboral envolve indivíduos em situação de vulnerabilidade socioeconômica, vê a sua própria
formação assumir uma importância ímpar, uma vez que ele exerce um papel de destaque na
construção de uma sociedade mais justa.

Nos anos 90, a Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI produziu para a
UNESCO, sob a coordenação de Jacques Delors, o relatório Educação, um tesouro a descobrir.
Nesse relatório, são apontados os quatro grandes eixos da educação para o século que ora se
inicia com vistas à educação integral do ser humano: aprender a ser, aprender a conviver, aprender
a fazer e aprender a aprender.

Na tentativa de contribuir para o aperfeiçoamento do processo de formação de educadores


sociais, tomarei como fundamentos iniciais desse processo os quatro eixos previstos no citado
relatório e acrescentarei alguns fundamentos complementares.

Aprender a ser

Aprender a ser, segundo o relatório da UNESCO, é o primeiro eixo da aprendizagem indispensável


a ser adotado pela política educacional de todos os países. Essa meta de aprendizagem implica o
desenvolvimento da autonomia e da solidariedade no indivíduo, bem como a construção de um
projeto de vida que leve em conta o bem-estar pessoal e da comunidade.

A referida meta é totalmente compatível com os princípios que regem a ação do educador social,
uma vez que a autonomia e, ao mesmo tempo, a solidariedade estão entre seus valores essenciais.
Quanto à construção de projetos de vida que prezem o equilíbrio entre a satisfação pessoal e a
satisfação social, posso afirmar que isso corresponde à ética da ação coletiva na construção de
uma sociedade mais justa.

Nessa perspectiva, a justiça social, aliada à liberdade individual, guia a ação coletiva dos
educadores sociais, produzindo uma enorme diversidade de iniciativas de ensino-aprendizagem.
Tais iniciativas podem incentivar a concepção de alternativas de vida e trabalho para inúmeras
pessoas que acreditam na transformação das relações entre os homens por meio da expansão das
oportunidades de realização pessoal.

A indicação do crescimento do ser humano como primeiro eixo da nova educação confirma o que
Carl Rogers (1973) já havia proposto como objetivo primordial da educação: a pessoa em pleno
funcionamento. Para o célebre psicólogo americano, a educação libertadora das potencialidades
humanas deveria ser, necessariamente, um processo de ajuda ao indivíduo para que ele se torne
uma pessoa aberta à própria experiência. Essa seria uma pessoa que vive de forma
existencialmente plena, isto é, livre de preconceitos e disposta a mudanças. Por consequência,
torna-se autoconfiante, autêntica e responsável pelos seus atos.
Acredito firmemente que, se quisermos uma educação que incentive a renovação das relações
sociais, primeiro teremos que partir da dimensão individual, identificando quais as qualidades
pessoais que os promotores da ação coletiva (os educadores sociais aí incluídos) poderiam
desenvolver em si próprios visando o fortalecimento de saberes e de práticas voltados para a
emancipação humana. Portanto, o foco inicial na pessoa do educador social em si, no seu
crescimento enquanto ser autônomo e autodeterminado, porém socialmente responsável, é
proposto aqui como um dos fundamentos complementares para a sua formação. Somente se é
para o outro, quando se é plenamente também para si.

Aprender a conviver

Aprender a conviver diz respeito ao crescimento do indivíduo enquanto membro de grupos e de


comunidades. Para tanto, as capacidades de se comunicar, interagir, participar e cooperar devem
ser aperfeiçoadas nesse indivíduo.

Isso significa que o processo educacional deve desenvolver as habilidades individuais necessárias
ao fortalecimento da ação grupal, tais como a decisão em grupo, a valorização das diferenças e a
gestão de conflitos. A consideração desse eixo como um dos fundamentos da formação do
educador social é crucial. O sentido de comunidade e a importância do sentimento de
pertencimento são alguns dos aspectos que podem reconstruir as bases da coesão social num
mundo onde o individualismo foi exageradamente valorizado.

Entretanto, as habilidades acima mencionadas não são de fácil apreensão. Elas requerem uma
atenção sistemática na formação do educador para a questão da democracia. É nesse sentido que
Edgar Morin prega o ensino sistemático da democracia. A democracia, além de ser um ideal a
concretizar, é também um conjunto de práticas complexas que se pode ensinar.

Para Morin (2000, p. 108), “a democracia não pode ser definida de modo simples [...] exigindo ao
mesmo tempo consenso, diversidade e debate, a democracia é um sistema complexo de
organização e de civilização políticas que nutre e se nutre da autonomia de espírito dos indivíduos,
da sua liberdade de opinião, de seu civismo...”. Morin salienta, ainda, que a nossa sociedade
necessita de uma regeneração democrática, pois a redução do político ao técnico e ao econômico
provoca o enfraquecimento do civismo e da vida democrática.

Assim, se depositamos nossas esperanças no trabalho do educador social como uma contribuição
para um mundo melhor, não podemos abdicar de fortalecer sua dimensão política. No interior das
organizações das quais participamos, a ação coletiva deve honrar o princípio democrático através
da decisão em grupo, da valorização das diferenças e da gestão de conflitos, habilidades possíveis
de serem desenvolvidas na e pela educação. Já na esfera pública, interorganizacional por natureza,
aprender a conviver numa perspectiva democrática também está no cerne da ação coletiva de
qualidade superior, ressaltando a importância das capacidades de se comunicar, interagir,
participar e cooperar.

Entendo que aprender a conviver é, sobretudo, respeitar o outro, expandindo o ideal democrático
na prática cotidiana como um todo e, em especial, na prática formativa do educador social.

Aprender a fazer
Aprender a fazer é o terceiro eixo proposto pela UNESCO para a educação neste século. Trata-se,
acima de tudo, de um apelo à prática, lembrando que a educação deve habilitar o indivíduo para o
trabalho na perspectiva das exigências que transformaram o labor no último quarto de século,
dentre elas, ressalta-se o trabalho em equipe e a iniciativa.

Se a educação é entendida como um processo que fomenta a iniciativa, ela pode ser vista então
como um importante propulsor da ação. Em termos de ação coletiva de caráter transformador
empreendida por educadores sociais, essa visão da educação ratifica um princípio estabelecido
pelo educador brasileiro, Paulo Freire (1996), de que “a educação é uma forma de intervenção no
mundo”.

Proponho, então, como um dos fundamentos complementares da formação do educador social, o


estudo do processo que gera aprendizagem sobre as práticas concretizadas nas atividades
cotidianas das próprias comunidades em que esses educadores atuam. A implementação de
tecnologias sociais, uma das metas do educador social, é indiscutivelmente tributária do aprender
a fazer.

Criar condições propícias para a análise crítica e a aprendizagem dessas práticas, sistematizando-
as sob a forma de tecnologias sociais, é uma das tarefas atribuídas ao educador social. Os saberes
e as práticas desenvolvidos pelas comunidades, desde que fiéis aos valores e ideais que norteiam
os Direitos Humanos, poderão engendrar formas criativas de intervenção no mundo, construindo
alternativas ao individualismo e à injustiça social que impregnam perigosamente o tecido social.

Concebendo de forma global o trabalho dos educadores sociais como um dos campos da ação
coletiva para a emancipação do homem, percebemos a contribuição da educação no
fortalecimento e divulgação de um saber que informa a prática transformadora das relações
sociais, principalmente num contexto de fortes crises e desequilíbrios do modelo econômico
dominante.

Aprender a aprender

O último dos quatro eixos é aprender a aprender. Ele chama a atenção para um processo
educacional permanente que desperte e mantenha viva a curiosidade intelectual, o sentido crítico,
que possibilite a compreensão do real e aumente a capacidade de discernimento. Esse eixo põe
em evidência a educação enquanto meio para que o indivíduo construa suas próprias bases e
atitudes para aprender ininterruptamente ao longo de toda a sua vida.

Para Carl Rogers (1973, p. 159), “a aprendizagem socialmente mais útil, no mundo moderno, é a
do próprio processo de aprendizagem”. A educação como processo facilitador do aprender a ser, a
conviver e a fazer no âmbito dos esforços para a transformação social é um processo permanente,
contínuo, dirigido a todos os atores, sem distinção de idade.

Doravante, em todos os setores, a educação passa a ser um processo construído e reconstruído


incessantemente por todos os indivíduos comprometidos com a concretização dos Direitos
Humanos no seio de uma sociedade mais justa. A permanência da educação se justifica não só
porque o mundo atual adentra a chamada “era do conhecimento”, mas, acima de tudo, porque a
educação é a mola mestra da compreensão do real e do discernimento.
No que concerne à formação do educador social, a partir deste quarto eixo indicado pela UNESCO,
eu também gostaria de acrescentar um fundamento complementar, parafraseando Edgar Morin: a
adoção da “ética da compreensão”.

Quanto à compreensão do real e à ampliação da capacidade de discernimento, ambas embutidas


na noção de aprender a aprender, Edgar Morin (2000) prega a adoção de uma “ética da
compreensão” na educação. Essa dimensão ética permitiria compreender o outro através da
tomada de consciência da complexidade e da diversidade humana. Nesse sentido, a abertura ao
outro e a tolerância propiciariam a aceitação de estilos de vida, de valores e de culturas diferentes
dos nossos.

Sociedade multicêntrica

A partir do que discuti acima, gostaria de acrescentar os últimos fundamentos complementares


que proponho para o aperfeiçoamento do processo de formação do educador social,
fundamentos esses que podem ser concebidos como corolário dos anteriores. O que quero
acrescentar diz respeito à compreensão e à aceitação das diferenças que fundamentam a
concepção de uma “sociedade multicêntrica”, tal como discutida pelo sociólogo brasileiro, Alberto
Guerreiro Ramos (1981).

Para o citado autor, a sociedade atual pode ser considerada como uma “sociedade centrada no
mercado”, pois nela o mercado é considerado como a principal dimensão para a ordenação da
vida humana associada. Em contraposição a essa visão, o autor propõe a concepção de uma
sociedade constituída por uma variedade de enclaves (dentre os quais, o mercado é apenas um),
onde o homem se empenha em tipos nitidamente diferentes de atividades, manifestando estilos
de vida, valores e ações coletivas variadas. Assim, em cada enclave específico, as noções de tempo,
espaço vital, trabalho, lazer, dentre outras adquirem uma significação que reflete seu sistema
próprio de valores. Tal concepção de sociedade rechaça as ideias de que a esfera do mercado é a
mais importante e que as atividades econômicas ali desenvolvidas devem sobrepor todas as outras
atividades produtivas realizadas nos demais enclaves da sociedade.

A concepção de sociedade multicêntrica é também tributária de uma compreensão profunda do


real, plena de aceitação das diferenças e de tolerância para com estilos de vida, valores e escolhas
humanas diversificadas. Na dimensão política, essa concepção corresponde a um elevado grau de
democracia no ordenamento social; na dimensão econômica, ela corresponde ao que hoje é
denominada “economia plural” (ENJOLRAS; BERGMAN-WINBERG, 2002; OCDE, 1996). A
consideração da economia plural legitima formas diversas de atividade econômica,
descentralizando a economia de mercado e concedendo um status igualmente importante a
outras modalidades de trabalho e de ocupação, como também de produção e distribuição de
riquezas, tais como a economia social, a economia solidária e a ação das organizações do Terceiro
Setor.

É justamente por essa razão que trago à discussão a concepção de uma sociedade multicêntrica,
pois, em profundidade, ela provém de uma aptidão crucial para a transformação social: a aptidão
democrática para lidar com diferentes lógicas de ação coletiva. Por conseguinte, também
proponho a adoção dessa aptidão e da concepção da sociedade multicêntrica como fundamentos
complementares para a preparação do educador social.

Uma conclusão, mesmo que parcial


 Nos últimos 40 anos, o declínio ininterrupto da ordem socioeconômica dominante vem
provocando conseqüências de grande impacto no meio ambiente, nas relações internacionais, no
ordenamento da vida social e no comportamento individual. O espectro da crise é amplo e seu
período de duração já é suficientemente longo, abalando inclusive a coesão social. Até o presente,
não se conseguiu engendrar soluções em grande escala para os problemas que se acumulam,
principalmente aqueles ligados à questão social.

É nesse momento histórico de enormes dificuldades e mudanças que a capacidade humana de


gerar alternativas, criar o novo e renovar a esperança é posta à prova. A educação pode, então,
afirmar suas possibilidades de apontar caminhos para a renovação da vida humana associada. Para
tanto, a ação coletiva nesse domínio precisa, ao mesmo tempo, acompanhar o fluxo das mudanças
julgadas como benéficas para o crescimento do homem — como a prática da educação
permanente — e empreender a crítica responsável aos descaminhos provocados pela crise e pelas
propostas desumanizadoras. A crítica é quão mais responsável na medida em que é acompanhada
de propostas e, sobretudo, de ações que concretizem exemplos, renovando a esperança de um
mundo mais justo. As mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas desvelam um mundo em
que o saber torna-se cada vez mais importante na busca de soluções para as grandes questões
que nos desafiam. A educação assume, então, uma importância capital.

Neste trabalho, tento contribuir para o debate sobre os fundamentos para a formação de um tipo
muito especial de educador — o educador social —, colocando propostas à luz do contexto em
que vivemos e na perspectiva de um futuro que já se desenha.

Ao lado dos quatro eixos estabelecidos pela Comissão Internacional sobre a Educação para o
Século XXI, divulgados pela UNESCO com vistas à educação integral do ser humano – aprender a
ser, aprender a conviver, aprender a fazer, e aprender a aprender –, proponho alguns fundamentos
complementares para a formação do educador social: 1) o foco na pessoa do educador social em
si , no seu crescimento enquanto ser autônomo e autodeterminado, porém, socialmente
responsável; 2) a aprendizagem sobre as práticas concretizadas nas atividades cotidianas das
próprias comunidades em que esses educadores atuam; 3) a adoção da ética da compreensão; 4)
o desenvolvimento da aptidão democrática para lidar com lógicas de ação coletiva diversas, numa
concepção de sociedade multicêntrica.

Por fim, gostaria de ressaltar que a concretização das propostas aqui colocadas pressupõe, em
última instância, um encontro de saberes. A renovação da ação coletiva em si mesma já aponta
para um encontro de saberes que propiciará a reflexão e a maturidade necessárias à superação
dos grandes desafios de nosso tempo. A (re)ligação de saberes – que estiveram forçosamente,
desde muito tempo, disjuntos – aliada aos valores que traduzem a emancipação do homem
podem tornar a educação um vetor fundamental para a reconstrução da vida humana associada.
Nesse processo, o educador social pode vir a ser um dos atores essenciais.

Formação de educadores sociais na Fundação Banco do Brasil: limites e possibilidades

Esperança contra todos os piores prognósticos” é o título de um documentário produzido pela The
Citizens Foundation (TCF), fundação educacional paquistanesa. Os educadores dessa fundação
atuam em comunidades com milhares de famílias vivendo abaixo da linha da pobreza, marcadas
pela falta de saneamento, escassez de dinheiro, fome, ausência do Estado e pela falta de
perspectivas. Mesmo assim, por meio de uma educação qualificada que lhes é oferecida pela
fundação, essas comunidades estão superando os piores prognósticos e recuperando a esperança
de uma vida melhor e mais digna. O cerne desse modelo de educação, premiado em 2010 na
Conferência Mundial de Inovação em Educação do Qatar, está na formação permanente dos seus
educadores, segundo as palavras do principal dirigente da TCF, Mushtaq Chhapra.

Avaliações da ONU mostram que o crescimento dos investimentos em educação, em muitos


países, não tem sido acompanhado do correspondente incremento nos níveis de qualidade da
educação. No Brasil, em que pesem os avanços recentes na política educacional, ainda são
grandes os desafios do Estado e da sociedade civil. Não apenas para elevar a educação a novos
patamares de qualidade, mas também para levar a educação a todos os cantos de um país de
dimensões continentais, com comunidades vivendo ainda em isolamento, quando não geográfico,
psicológico e político.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que toda pessoa tem direito à educação de
qualidade e gratuita, nos níveis fundamentais, e que essa pessoa deve ser orientada no sentido do
pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos
humanos e liberdades fundamentais. A Constituição Federal do Brasil, por sua vez, assevera que a
educação é um direito social fundamental.

Na Fundação Banco do Brasil (FBB), perseguimos esse ideal, procurando tratar desigualdades no
campo educacional. Fizemos a opção de atuar onde o Estado, historicamente, esteve ausente e as
políticas públicas ainda são pouco sentidas. Lugares em que as populações precisam de recursos,
atenção, afeto, enfim, de condições objetivas e subjetivas para que sua realidade se transforme.
São realidades muito semelhantes às que se pode ver nas zonas mais pobres do Paquistão e de
outros países pobres da Ásia, África e América Latina.

Estratégias e pressupostos de formação

A FBB tem pautado sua atuação na área de educação em três eixos fundamentais: alfabetização de
jovens e adultos, complementação educacional e inclusão digital. Os programas estão alicerçados
especialmente na formação de educadores sociais. A clareza que se busca em relação à missão da
Fundação, como organização do terceiro setor movida por propósitos de cunho emancipatório, é
também fundamental em relação aos pressupostos educacionais que orientam as práticas dos
educadores sociais em todos os programas.

Paulo Freire (1987), ao abordar a dimensão política do papel dos educadores, sempre destacou a
importância de saberem com quem estão em sala de aula, o que teriam que fazer, o porquê de
suas ações e, sobretudo, a serviço do que estariam suas práticas. Nesse sentido, nossos cursos de
formação, presenciais ou a distância, os encontros bienais de educadores ou oficinas são
planejados e conduzidos com base nos seguintes pressupostos:

• Educando como sujeito - O educando é sujeito do processo de aprendizagem. Tem motivações e


expectativas que precisam ser consideradas pelos educadores. E estes devem estimular o exercício
da crítica em relação ao conteúdo e ao processo de aprendizagem.

• Educando como um ser de história e de cultura - Em sala de aula, recebemos pessoas que têm
trajetórias de vida, experiências diversificadas e valores que devem ser respeitados. O educador faz
a mediação entre o educando e o conhecimento, criando um ambiente em que as diferenças são
aceitas e podem ser discutidas.
• Educador como mediador - O educador deve desenvolver a sensibilidade para conhecer a si
mesmo e aos educandos. A partir desse conhecimento, precisa criar estratégicas dinâmicas que
contribuam para despertar a curiosidade e o desejo de aprender.

• Educador competente e transformador – Os educadores sociais devem ter competência científica


e buscá-la continuamente por todos os meios. E devem ter consciência política, ou seja,
compreender o seu papel de agente emancipatório que contribua para que as pessoas possam
fazer escolhas autônomas e conquistem a qualidade de vida a que todo cidadão tem direito. Para
isso, o educador deve estar motivado e envolvido com o que faz.

• Aprendemos pelo diálogo – Nossas práticas devem ser baseadas no diálogo que respeite a
diversidade e promova o confronto de ideias e opiniões de modo a possibilitar um processo
reflexivo que favoreça a produção de conhecimento, pois aprendemos com o outro.

• Aprendemos a partir do que já sabemos - Conhecer o que nossos educandos sabem é


fundamental para estabelecer conexões entre saberes e construir estratégias que levem a novas
aprendizagens. Por essa razão, os desafios propostos não podem envolver conhecimentos que
estejam em um grau de dificuldade tão alto que desestimulem ou tão baixo que não motivem o
aluno a aprender.

• Aprendemos problematizando a realidade - Partindo da realidade dos educandos, os educadores


podem problematizá-la, em conjunto com os próprios educandos, para construir coletivamente
um conhecimento significativo para cada um e socialmente útil.

• Aprendemos com autonomia - Todo adulto aprende com um certo grau de autonomia, ou seja,
tem um potencial que deve ser explorado em nossas estratégias de ensino presencial ou a
distância, de modo a tornar esse aprendizado cada vez mais autônomo.

Caminhos trilhados

No terreno da alfabetização de jovens e adultos, a FBB possui um grupo de educadores


formadores de alfabetizadores que são funcionários de carreira do Banco do Brasil ou ex-
funcionários. No passado, essas pessoas participaram do programa BB Educar na condição de
alfabetizadores voluntários e, assim, credenciaram-se, mediante processo seletivo e formação
específica, para serem formadores dos alfabetizadores vinculados a todos os parceiros
conveniados da Fundação em todo o País.

Trata-se de um grupo que atua ministrando os Cursos de Formação de Alfabetizadores (CFA), ou


monitorando e assessorando pedagogicamente os núcleos de alfabetização em andamento. Como
estão dispersos pelo País, a estratégia de desenvolvimento desse grupo passa pela realização dos
encontros bienais de educadores, sendo que todos participaram de um curso de especialização
em Alfabetização de Jovens e Adultos (AJA), realizado com metodologia de ensino a distância. Na
mesma cadeia do processo formativo, estão os alfabetizadores, cujo desenvolvimento está
concentrado na participação do CFA e nos encontros de monitoramento e assessoria pedagógica,
em geral de três a cinco ao longo de um ciclo de alfabetização.

Na esfera da complementação educacional de crianças e adolescentes, a complexidade está


relacionada à dimensão do desafio. São 400 coordenadores pedagógicos e mais de 3 mil
educadores que participam de um curso de formação inicial onde é trabalhada a proposta política
e pedagógica do Programa AABB Comunidade. Posteriormente, os coordenadores participam dos
encontros bienais e os demais educadores têm acesso a uma formação continuada a distância, por
meio de mídia impressa, em geral realizando de três a quatro unidades temáticas por ano.

No campo da inclusão digital, entende-se que não basta oferecer máquinas e mobiliários para a
abertura de Estações Digitais. É necessário que educadores sociais tenham formação e façam a
mediação na relação das pessoas com a tecnologia. Nesse sentido, os líderes de cada Estação
Digital indicam dois educadores sociais que fazem a formação inicial e, posteriormente, em regime
de alternância, um educador social por Estação participa dos encontros bienais.

Além disso, a Fundação estruturou algumas oportunidades de formação específicas para atender
as principais necessidades dos educadores sociais e das Estações, destacando-se cursos para
multiplicadores nas áreas de manutenção de equipamentos e uso de software livre. Em locais
isolados ou pequenas cidades, é raro esse tipo de conhecimento tão necessário ao funcionamento
das Estações Digitais. Ao oferecer essas formações, a Fundação também tem procurado estimular
a criação de pequenas redes regionais para troca de informações e cooperação mútua na solução
dos problemas que, em geral, são comuns entre os educadores.

Desafios

Ao refletir sobre os caminhos percorridos, uma diversidade de novas demandas desponta,


colocando novos desafios para a gestão da formação de educadores. Destaco, a seguir, alguns
desses desafios, com a pretensão de que estas reflexões possam contribuir para nortear o
planejamento, para os próximos anos, da Fundação e de outras organizações com atuação
semelhante com relação à formação de educadores sociais.

• O isolamento e a dispersão geográfica – Muitos educadores estão dispersos em todo o território


nacional, moram e atuam em comunidades isoladas e de difícil acesso. A questão de isolamento
atinge, particularmente, os educadores quilombolas e indígenas, dificultando a chegada de
informações, materiais e até mesmo a interação entre os educadores.

Uma plataforma de educação a distância certamente poderá significar um avanço no


enfrentamento desse problema. Entretanto, deve-se ressaltar o risco de que isso seja tratado como
uma panaceia para resolver todos os problemas, abandonando-se as ações presenciais, algo que
seria um equívoco, uma vez que a associação de estratégias presenciais e a distância tem se
mostrado o melhor caminho para ofertar educação de qualidade em situações em que a escola é
fator importante.

• Escolaridade, formação técnico-científica e compromisso político – O compromisso político é


algo que se pode verificar na maioria dos nossos educadores sociais. Entretanto, pelo isolamento
em que vivem pela falta de oferta de educação formal em suas cidades, ou mesmo pela baixa
qualidade da educação em certas localidades ou regiões instala-se um dilema muito sério para a
gestão das ações educacionais: desacelerar a realização de convênios em certas regiões ou investir
volumes muito elevados em formação nessas localidades, assumindo um papel que seria até
mesmo do Estado? Ao decidir por investir mais, a forma de operacionalizar tais ações passa a ser o
principal desafio para todos os programas sociais da FBB.

• Os leigos e os profissionais – Esta questão é particularmente relevante no que diz respeito à


formação de alfabetizadores. Diverge-se em relação ao tema, pois numa perspectiva se entende
que é possível enfrentar o analfabetismo com alfabetizadores voluntários leigos, caminho tomado
por muitos programas. Em outra perspectiva, defendida por autores como Grossi (1994), se
entende que alfabetização é tarefa para professores, profissionais da educação. A experiência da
FBB mostra que é possível atuar com voluntários leigos, mas, sem dúvida, isso exige investimento,
energia de formação e assessoramento muito superiores aos que seriam necessários com
profissionais formados.

Por outro lado, quando atuamos na formação de professores ligados a prefeituras, sentimos
fragilidade no compromisso político, algo que deveria ser do perfil do educador que deseja um
resultado transformador para sua atividade. Essa fragilidade está ligada, em muitos casos, à falta
de compromisso do poder público com a alfabetização de adultos, que, muitas vezes, indica
profissionais para essa modalidade de ensino como “punição”.

• As descontinuidades e a restrição à práxis – A questão da descontinuidade ocorre em duas


dimensões: administrativa e política. No campo político, algo que afeta especialmente o Programa
de Inclusão Digital e o AABB Comunidade é a substituição ilimitada de coordenadores e
educadores sociais quando da mudança de gestão municipal por ocasião de eleições.
Desconsideram-se as relações afetivas dos educadores com as crianças, além de todo o
investimento já feito em formação. Outro tipo de descontinuidade tem a ver com a rotatividade
que ocorre como resultado da formação que é oferecida aos educadores.

Mais qualificados, colocam-se melhor no mercado de trabalho, configurando, assim, uma


externalidade positiva da nossa formação de educadores, apesar das implicações disso para a
gestão da formação, que convive com constante déficit de atendimento. Uma possibilidade de
redução disso seria a ampliação das bolsas pagas a esses educadores, algo que poderia mantê-los
por mais tempo na função, ou a contratação definitiva dos mesmos como parte das redes públicas
municipais de ensino. Outro ponto a destacar diz respeito aos ciclos de tempo que são necessários
para que os educadores possam viver o processo de ação-reflexão-ação, aprimorando a nossa
prática e gerando crescimento aos educadores. As descontinuidades configuram, assim, um
processo limitador da práxis.

• Educadores sociais e a transferência de renda - Esta questão afeta a todos os programas sociais,
mas na alfabetização tem se tornado uma questão crítica. Em geral, os educadores sociais
recebem bolsas-auxílio para constituírem núcleos de alfabetização e o que se tem visto é o
crescente número de núcleos constituídos com pessoas já alfabetizadas e que seriam público a ser
encaminhado para a EJA (Educação de Jovens e Adultos). Além disso, percebe-se um número cada
vez maior de alfabetizadores sem o perfil desejado, pois, em geral, buscam nesse tipo de atividade
uma alternativa de elevação de renda. Uma das soluções do problema passaria pelo
acompanhamento do processo de escolha de alfabetizadores e de formação de núcleos junto com
o parceiro local. Mas isso tem esbarrado em algumas variáveis já comentadas acima,
especialmente a dispersão de ações em todo o território e o isolamento de muitas comunidades.

• O tácito e o explícito – Finalmente e igualmente relevante está o desafio relativo à transferência


de conhecimento entre os educadores. O conhecimento explícito é aquele que pode ser
registrado, formalizado, e isso pode ser feito com materiais impressos, como apostilas,
regulamentos, instruções estruturadas e manuais. Já o conhecimento tácito é definido como
aquele que não pode ser formalizado, é transferido por meio da convivência, do fazer junto, algo
que pode ser mais desenvolvido ou não em função de fatores culturais (NONAKA; TAKEUCHI,
1997). Na formação de educadores sociais, essa é uma variável de difícil superação, pois muitos
dos nossos educadores assumem múltiplas atividades como meio de sobrevivência, vivendo
isolados e sem tempo para compartilhamento. O resultado é uma baixa troca com seus
coordenadores pedagógicos e outros educadores, reduzindo, assim, as possibilidades de
assimilação de conhecimentos tácitos pela prática conjunta.

Além do problema do isolamento, a questão das descontinuidades também tem uma relação
direta com o tempo de assimilação de conhecimento tácito. Determinados tipos de saberes
exigem um ciclo mais longo, mais tempo de trabalho conjunto para que os jovens aprendam com
os mais experientes, sendo esse um problema comum a todos os nossos programas. Isso muitas
vezes dá aos gestores uma sensação de que o processo formativo está sempre em déficit, sem
conseguir atender as principais demandas de formação dos nossos educadores que, obviamente,
sabemos, nunca cessarão. Pode-se destacar que o planejamento dos encontros bienais de
educadores é feito sempre para propiciar as melhores condições de troca de experiência entre os
participantes, pois nessa interação percebem que seus problemas são comuns. Como essas ações
ainda são insuficientes, podemos buscar nas modernas tecnologias educacionais e em políticas de
manutenção de educadores as alternativas para a superação do problema.

Educação para todos

Para a FBB, cuja proposta é contribuir para a superação de carências de desenvolvimento não
supridas por sistemas educacionais formais, talvez o maior desafio na formação de educadores
seja: conseguir trilhar o caminho da integração e fugir de abordagens fragmentadas; procurar os
ciclos de longo prazo e fugir das visões de curto prazo; e, sobretudo, buscar uma proposta
educacional de emancipação que fuja das abordagens funcionalistas e que não permita que a
educação se transforme em um fim em si mesma.

Para a educação, enquanto responsabilidade do Estado, o desafio maior será o de ampliar suas
redes de educadores e os mecanismos de formação e acompanhamento, valorizando-os de todas
as formas e aproximando-os por todos os meios. Será necessário, gradativamente, acabar com as
“bolsas” e ampliar o número de “contratos”, enfim, fazer crescer em todas as dimensões a
profissão intitulada professor.

Superar esses desafios significa nunca mais ter que ouvir, como eu ouvi de um líder quilombola
maranhense, a queixa sobre o abandono e a desilusão com as chamadas capacitações para
empreendedorismo ou educação ambiental promovidas por entidades públicas e de terceiro setor,
muitas pensadas sem conexão com a realidade do seu povo: “Eu estou cansado de ver os meus
negros receberem essas capacitações que trazem aqui e depois deixarem a gente abandonado,
sem saber o que fazer com isso”.

Acredito que assim estaremos mais preparados para ajudar a honrar o compromisso de oferecer
educação para todos (EPT) até 2015, assinado em 2000 durante a Conferência Mundial de
Educação em Dacar, Senegal. E fortalecidos para cumprir o que consta em nossa Constituição
Brasileira e na Declaração Universal dos Direitos Humanos com relação à universalização de uma
educação de qualidade e emancipadora, que resgate em todos nós a esperança da qual falei no
início destas reflexões.

O BRASIL SOCIAL E SUA ATUAÇÃO NA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO ÂMBITO DA FUNDAÇÃO


BANCO DO BRASIL
Este artigo propõe uma reflexão sobre o papel do educador social em empreendimentos solidários
com foco em geração de trabalho e renda – GTR. Discorremos sobre economia solidária e o
conceito de educação não formal, para melhor delimitar o campo de trabalho e a atuação do
educador em questão. Buscamos neste material ressaltar a importância da formação do educador
social para o exercício de suas atividades.

Economia Solidária

Segundo Paul Singer (2002), a economia solidária se caracteriza por propor outro modo de
produção, que se caracteriza principalmente pelos seguintes princípios: a propriedade coletiva ou
associada do capital e o direito à liberdade individual. Ocorrem, nesse campo, relações de
colaboração solidária, inspiradas por valores culturais que colocam o ser humano como sujeito e
finalidade da atividade econômica.

Para a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), economia solidária é um jeito diferente
de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver, sem explorar os outros, sem
destruir o ambiente, cooperando e fortalecendo o grupo, sem patrão nem empregado. Essa
economia é entendida como uma estratégia de enfrentamento da exclusão social e da
precarização do trabalho, sustentada em formas coletivas, justas e solidárias de geração de
trabalho e renda.

Pode-se perceber que essa nova idéia de economia está embasada em princípios de solidariedade
entre os agentes socioeconômicos, produtores e consumidores. Tem em si algumas categorias
fundantes que podem ser assim expressas:

• Posse e/ou controle coletivo dos meios de produção, distribuição, comercialização, consumo,
poupança e crédito.

• Gestão democrática, transpar ente e participativa.

• Distribuição igualitária dos resultados (sobras ou perdas) econômicos.

A economia solidária se apresenta como um campo filosófico, político, social e econômico


adequado aos interesses dos trabalhadores, uma vez que nela esses atores empregam os meios de
produção, comercialização e crédito em função de interesses coletivos. Os públicos que
constituem empreendimentos da economia solidária muitas vezes, porém, apresentam debilidades
que o sistema produz e reproduz: baixa escolaridade, falta de credibilidade em seu próprio
potencial, fragilidade da experiência de associação/organização, marcas de submissão, etc. Enfim,
apresentam uma grande desqualificação para ocupar seus lugares enquanto sujeitos sociais.

Os processos educativos para o desenvolvimento de competências e empoderamento desses


segmentos, por vezes pertencentes às classes menos favorecidas da sociedade, são árduos e
requerem obstinação e persistência. Ocorrem normalmente no âmbito da educação não formal.
Mas o que se entende por esse campo de educação?

Educação não formal e educação popular

Educação, de uma forma geral, envolve processos de ensinar e aprender. Tem amplitude
conceitual e envolve campos diferenciados, a saber: formal, informal e não formal.
Segundo Gohn: Pode-se caracterizar a educação formal como aquela desenvolvida nas escolas, com
conteúdos previamente demarcados; a educação não formal é aquela que se aprende ‘no mundo da
vida’, via processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações
coletivos cotidianos; e a educação informal como aquela na qual os indivíduos aprendem durante
seu processo de socialização gerada nas relações e relacionamentos intra e extrafamiliares (amigos,
escola, religião, clube, etc.). [...] A educação não formal não é nativa, ela é construída por escolhas ou
sob certas condicionalidades, há intencionalidades no seu desenvolvimento, o aprendizado não é
espontâneo, não é dado por características da natureza, não é algo naturalizado. (2010, p. 16).

A educação não formal requer direcionamento, tendo em vista que seus processos são construídos
a partir de intencionalidade e propostas. Entendemos que o processo de educação que ocorre em
empreendimentos de economia solidária, apoiados pela Fundação Banco do Brasil, se constitui
predominantemente no contexto do não formal, sendo assim, apresentamos a seguir alguns
aspectos desse tipo de educação:
A educação não formal é consonante com o que o educador Paulo Freire denominava de
educação libertadora e emancipadora. Para Freire (1987), ocorrem duas formas de educação: a
bancária e a libertadora. A primeira torna as pessoas menos humanas, uma vez que promove
alienação, dominação e opressão; a segunda faz com que as pessoas deixem de ser o que são para
serem mais conscientes, mais livres e mais humanas.

De acordo com a concepção freireana de educação, é preciso construir novas pontes de interação
com a realidade, que permitam aos atores envolvidos a aprendizagem de novas ferramentas de
percepção para a conquista de sua autonomia. A educação libertadora tem como pressuposto que
“ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam
em comunhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p. 79). O pensador apresenta, dentre
outros, os seguintes princípios pedagógicometodológicos:

• A incompletude do ser humano, ser inacabado em busca de sua completude.

• O ser humano com um ser histórico, sujeito da sua história e um ser de relação (ninguém está só
no mundo).

• A educação como ato político.

• A ação educativa como processo e não como conjunto de episódios fragmentados.

• A dialogicidade como fundamental num processo educativo, propiciadora de uma leitura


problematizadora da realidade.

• A consciência crítica como uma condição para leitura de mundo .

• A análise de conjuntura como ferramenta para o entendimento da realidade.

• A construção do conhecimento como processo coletivo.

• O educando e o educador como sujeitos do processo de construção do conhecimento.

• A metodologia dialética como práxis-r eflexão-teorização-ação.

Podemos verificar que há muita congruência entre esses princípios freireanos e a concepção de
educação não formal. De acordo com Gohn (2010), esta última, junto com uma postura crítica e
um questionamento constante sobre os saberes, poderá possibilitar novas perspectivas, além de
incentivar a busca de caminhos alternativos, que não apenas aqueles dos saberes já adquiridos,
instituídos e institucionalizados como importantes, mas incluindo a dimensão dos conhecimentos
adquiridos pelos atores em suas histórias de vida.

O educador social e a sua formação

O educador social tem que ter clareza de que o centro da educação está no outro, que se torna a
figura principal do processo educacional. O grande educador Paulo Freire defendia que, nesse
contexto, “o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em
diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa” (1987, p. 68). Assim, ambos
crescem juntos. Freire, em Pedagogia da Autonomia, enfatiza que “saber ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”
(1996, p. 47).

Paulo Freire (1985) ressalta ainda que o fato de ocorrer problematização no processo de ensino-
aprendizagem não subtrai os elementos da diretividade e da não neutralidade da educação, isso
devido ao engajamento político que visa à emancipação do sujeito. Essa emancipação transparece
nas obras de Freire como conquista política que se dá pela práxis da vida, na luta insistente a favor
da libertação das pessoas de suas vidas desumanizadas pela opressão e dominação social. Nesse
contexto, o educador tem um papel distinto do educando e sua formação como educador social
tem que ocorrer dentro de uma intencionalidade que busque incluir os valores das comunidades e
que se proponha à assunção de compromissos sociais básicos.

O educador social, além de ser um animador cultural, deve exercer um papel ativo, propositivo e
interativo, devendo de forma contínua desafiar os participantes dos grupos para a descoberta dos
contextos em que estão sendo construídos os saberes. Os educadores sociais são importantes
para dinamizarem e construírem o processo participativo com qualidade, por meio de diálogos
autênticos e verdadeiros. Para tanto, é importante que apresentem as características a seguir
listadas:

• Flexibilidade para lidar com o novo e com as diferenças.

• Vontade de trabalhar com grupos heterogêneos, quanto a expectativas, sonhos, escolaridade,


experiências e linguagem.

• Capacidade de ouvir o outro e considerar os saberes que ele traz.

• Capacidade de falar ao outro e não agredi-lo ou desmerecê-lo com os saberes que traz.

• Disposição para buscar continuamente novos conhecimentos que apoiarão a sua atuação como
educador.

Ao nosso ver, a formação do educador social também deve ser balizada por elementos que
contemplem os desafios do futuro. Nessa perspectiva, o Relatório para UNESCO da Comissão
Internacional sobre Educação para o Século XXI, elaborado por Jacques Delors (2003), aponta
quatro pilares para um novo conceito de educação: aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a viver juntos, aprender a ser. Esses pilares são fundamentais para a construção de um
novo paradigma de educação que valorize a vida, as pessoas e proporcione a todos a descoberta,
a reanimação e o fortalecimento de seu potencial criativo.

O educador social e as ações de GTR

A Fundação Banco do Brasil procura influenciar e contribuir para a transformação social. Visa
minimizar as fragilidades do nosso país, promovendo parcerias e alianças locais e nacionais,
mobilizando pessoas e multiplicando soluções sociais. As ações têm como público-alvo segmentos
populacionais da base da pirâmide social, quais sejam os excluídos socialmente ou em risco de
exclusão, priorizados em políticas públicas, entre os quais se incluem: comunidades quilombolas,
indígenas, assentados da reforma agrária e catadores de materiais recicláveis.
Atualmente, ocorre foco em duas áreas prioritárias de atuação: Educação e Cultura e Geração de
Trabalho e Renda (GTR), em sinergia com a reaplicação de Tecnologias Sociais. O propósito das
ações de GTR é promover a inclusão social e inserção econômica dos segmentos priorizados pela
Fundação, que atua por meio de projetos de desenvolvimento territorial, cadeias produtivas,
projetos temáticos, reaplicação de tecnologias sociais, além de projetos que envolvem recursos de
terceiros.

Considerando que estamos tratando principalmente de empreendimentos econômicos de formato


associativo, tudo isso tem muito a ver com tarefas educativas. Registre-se a lentidão do ritmo na
aquisição de novos conhecimentos, que ocorre nos grupos de produtores da agricultura familiar e
segmentos menos favorecidos da sociedade. Não poderia ser diferente, em função de um histórico
de exclusão (baixa escolaridade, submissão, etc.). No entanto, esses segmentos da população
pedem urgência nos resultados, ao mesmo tempo em que se percebe que são muitos os fatores
para garantir a sustentabilidade dos empreendimentos. Uma grande preocupação, em termos de
formação, recai sobre a constituição dos processos decisórios, a montagem da estrutura de
funcionamento e de seus dispositivos de controle, enfim, tudo o que envolve a distribuição de
tarefas e os lugares de exercício da responsabilização.

É bom registrar que não é o educador que vai levar aos grupos um saber novo, a partir do qual
eles vão reorientar suas vidas. O saber do educador vai estimular que outros saberes dos
participantes do empreendimento surjam e possam ser apropriados por eles de uma forma
articulada.

Existe muito espaço para atuação de educadores sociais em empreendimentos solidários apoiados
pela Fundação Banco do Brasil. Atualmente, dois agentes se destacam, uma vez que atuam com
características próximas às defendidas para atuação do educador social: o agente de
desenvolvimento regional sustentável (ADRS) e o consultor de projetos. Esses dois profissionais
atuam em diversas dimensões de empreendimentos, seja nas cadeias produtivas ou em ações de
desenvolvimento territorial, tais como: mobilização, formação de capital social (cooperativismo),
assistência técnica, gestão, comercialização, conhecimentos bancários (financiamentos do
PRONAF), dentre outros.

É necessário que esses atores busquem atuar em sintonia com os princípios educacionais
defendidos neste texto, no intuito de apresentarem maior efetividade em suas ações. Também é
importante que tenham consciência da condição de seres inacabados e, portanto, tendo que estar
sempre prontos para novos aprendizados, que serão compartilhados e socializados com a
comunidade.

Registros no intangível

Os empreendimentos de geração de trabalho e renda (GTR), que têm parceria com a Fundação
Banco do Brasil, buscam se inspirar em princípios da economia solidária. Devido à essência dessa
economia, os públicos que a movem são predominantemente pertencentes à base da pirâmide
social brasileira. Em decorrência disso, as pessoas e grupos inseridos em projetos/programas de
GTR apresentam fragilidades quanto à articulação, comunicação, gestão, além de escolarização
precária, dificuldades infraestruturais, dentre outras.

A atuação do educador social é fundamental para que processos de desenvolvimento sustentável


ocorram, favorecendo a sinergia entre as dimensões econômica, social e ambiental. Essa atuação
deve se pautar na educação não formal. Por sua identidade com a educação libertadora defendida
por Paulo Freire, é a que apresenta atributos que atendem as necessidades dos participantes dos
projetos de cunho associativista/ cooperativista, focados na população com indícios de pobreza.

Na Fundação, existe um espectro amplo de projetos de GTR que requerem a atuação de


educadores sociais. No entanto, detectam-se apenas dois agentes mais próximos do perfil de
educador: os agentes de desenvolvimento regional sustentável e os consultores. Inclusive, ambos
necessitam de maior suporte pedagógico para atuarem no âmbito da educação não formal. São
profissionais que, pelo seu envolvimento com os projetos e interações com os participantes,
buscam desenvolver competências nos envolvidos a partir das práticas deles, de forma a prepará-
los para o embate com as adversidades, visando propiciar o alcance de uma cidadania mais
autêntica.

Comenta-se que a pessoa cumpre seu papel na vida quando constitui família e tem filhos, planta
uma árvore e escreve um livro. Não deixa de ser uma pretensa forma de perpetuar a existência.
Nessa busca pela eternidade, diz-se que os educadores são pessoas privilegiadas, uma vez que,
por meio de processos educativos, conseguem ir imprimindo aprendizagens no âmago de outros:
escrevem no espírito. Ao se desprenderem do mundo físico, deixam algo imaterial que alcança o
eterno, pois se prolonga numa corrente contínua de formação de novos saberes. Os educadores
sociais se inserem nesse contexto. São protagonistas que podem fazer a diferença na vida de
outros, realizando registros no intangível.

Módulo: Desafios da formação de alfabetizadores

A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DO EDUCADOR SOCIAL – ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS

DESAFIOS DA FORMAÇÃO DE ALFABETIZADORES

Ficamos surpresos, em 2009, quando foram divulgados os dados do IBGE sobre o analfabetismo
no Brasil, mostrando que, no ano anterior, o número absoluto de analfabetos adultos havia
aumentado e a taxa de analfabetismo havia caído apenas 0,1%: de 9,9% para 9,8%, entre 2007 e
2008. O número de analfabetos adultos hoje é aproximadamente o mesmo de 1964, quando Paulo
Freire foi exilado: em torno de 15 milhões. Todos reconhecem que houve melhoras na educação
brasileira nos últimos anos, por isso não dá para entender por que o analfabetismo não tenha tido
a mesma atenção de outras modalidades de ensino.

Além da crônica falta de recursos para essa modalidade da educação, um dos fatores que
contribui com essa situação é a inexistência de cursos específicos para a formação de profissionais
dessa área. Nossas universidades não oferecem esses tipos de cursos. Em geral, sua formação é
precária e só é oferecida por organizações da sociedade civil. Uma colaboração entre Estado e
sociedade civil, nessa área, é absolutamente indispensável. Não creio que o analfabetismo no
Brasil seja eliminado sem essa conjugação de esforços. O Estado precisa fazer a sua parte.

Todos sabemos que o fim do analfabetismo não é só responsabilidade do governo federal: é


responsabilidade das três esferas de governo, da sociedade e dos próprios analfabetos. Mas é
inaceitável, seja quem for o responsável, que o direito humano à educação seja negado duas vezes
a 15 milhões de brasileiros. O analfabetismo é uma ofensa ao direito de cidadania: é como negar o
direito humano à comida, à liberdade, o direito a não ser torturado. Será que devemos esperar
que os analfabetos morram para que as estatísticas melhorem? Nesse contexto, como fica a
formação de alfabetizadores?

Educação permanente

A sociedade vem discutindo hoje a qualidade da educação, frequentemente atribuída à formação


do educador, embora se saiba que ela não depende só dessa formação. Para a qualidade da
educação contribuem diversos fatores. Neste texto, gostaria de refletir especificamente sobre a
formação de alfabetizadores de jovens e adultos, mostrando a necessidade de sua
profissionalização para atuar tanto em escolas quanto em outros espaços educacionais.

Essa formação deve, antes de mais nada, enfrentar o descrédito em relação a essa modalidade de
educação, argumentando que os analfabetos não demandam alfabetização, que a alfabetização
não influi no rendimento das pessoas e nem na busca por um emprego e que, para os governos, o
investimento é muito maior do que o retorno.

Os dados, entretanto, demonstram que a alfabetização de adultos não só significa o atendimento


a um direito humano, mas, igualmente, um enorme benefício para a população atendida. É sabido
que os participantes em programas de alfabetização têm maior confiança e autonomia no interior
de suas famílias e comunidades, aumentam sua produção e seus ganhos usando informações
recebidas nos programas de alfabetização ou acessando outras informações, participam mais
efetivamente na comunidade e na política, desenvolvem novas e produtivas relações sociais por
meio de seus grupos de aprendizagem, guardam suas habilidades de alfabetização e as usam para
expandir sua satisfação na vida diária.

Qualquer curso de formação de alfabetizadores deve levar em conta uma visão prospectiva do
campo da EJA (Educação de Jovens e Adultos) e as numerosas lições aprendidas na longa história
dessa modalidade de ensino-aprendizagem. Entre elas, gostaria de destacar: reconhecer o papel
indispensável do educador bem formado; reconhecer e reafirmar a diversidade de experiências;
reconhecer a importância da EJA para a cidadania, o trabalho, a renda e o desenvolvimento;
reconceituar a EJA como um processo permanente de aprendizagem do adulto; e resgatar a
tradição de luta política da EJA pela democracia e pela justiça social.
O direito à educação não se limita às crianças e aos jovens. A partir desse conceito, devemos falar
também de um direito associado – o direito à educação permanente –, em condições de equidade
e igualdade para todos e todas. Como tal, deve ser intercultural, garantindo a integralidade e a
intersetorialidade. Esse direito deve ser garantido pelo Estado, estabelecendo prioridade à atenção
dos grupos sociais mais vulneráveis. Para o exercício desse direito, o Estado precisa aproveitar o
potencial da sociedade civil na formulação de políticas públicas de educação e promover o
desenvolvimento de sistemas solidários de educação, centrados na cooperação e na inclusão.

Possibilidades de transformação

Há um ponto central a considerar ao se refletir sobre a formação de alfabetizadores: o da sua


concepção pedagógica. Mesmo depois de 50 anos de criação do Método Paulo Freire, ainda
existem materiais didáticos utilizados em programas de EJA que não superaram a visão
infantilizada da educação de adultos. É uma humilhação para um adulto ter que estudar como se
fosse uma criança, renunciando a tudo o que a vida lhe ensinou. É preciso respeitar o aluno por
meio de uma metodologia apropriada, uma metodologia que resgate a importância da sua
biografia.

Temos que considerar o que distingue uma criança de um jovem ou de um adulto. Os jovens e
adultos alfabetizandos já foram desrespeitados uma vez quando tiveram seu direito à educação
negado. Não podem agora, ao retomar sua instrução, serem humilhados mais uma vez, por uma
metodologia que lhes nega o direito de afirmação de sua identidade, de seu saber, de sua cultura.
Por isso, essa inclusão do jovem e do adulto precisa ser uma inclusão com uma nova qualidade.
Não é a qualidade da escola que eles não frequentaram quando eram crianças. Não se trata de
uma qualidade formal, mas de construir uma qualidade social e política.

Os jovens e adultos trabalhadores lutam para superar suas condições de vida (moradia, saúde,
alimentação, transporte, emprego, etc.) que estão na raiz do problema do analfabetismo. O
desemprego, os baixos salários e as formas de vida subumanas comprometem o seu processo de
alfabetização. O analfabetismo é a expressão da pobreza, conseqüência inevitável de uma
estrutura social injusta. Seria ingênuo combatê-lo sem combater suas causas. É preciso partir do
conhecimento das condições de vida do analfabeto, sejam elas condições objetivas, como o
salário, o emprego, a moradia; ou subjetivas, como a história de cada grupo, suas lutas,
organização, habilidades, enfim, sua cultura. Mas conhecendo essas condições na convivência com
o analfabeto e não apenas a distância. Não pode ser um conhecimento apenas intelectual, formal.
Por isso, o sucesso de um programa de educação de jovens e adultos é facilitado quando o
educador é do próprio meio.

Um programa de educação de adultos, por essa razão, não pode ser avaliado apenas pelo seu
rigor metodológico, mas pelo impacto gerado na qualidade de vida da população beneficiada. A
educação de adultos está condicionada às possibilidades de uma transformação real das
condições de vida do aluno-trabalhador. Os programas de educação de jovens e adultos estarão a
meio caminho do fracasso se não levarem em conta essas premissas, sobretudo na formação do
educador. O analfabetismo não é doença ou “erva daninha”, como se costumava dizer entre nós. É
a negação de um direito, ao lado da negação de outros direitos. O analfabetismo não é uma
questão pedagógica, mas uma questão essencialmente política.

A experiência do MOVA
Quem é o educador de jovens e adultos?

Já foi comprovado que, pertencendo o educador ao próprio meio, facilita muito. Contudo, nem
sempre isso é possível. É preciso formar educadores provenientes de outros meios, não apenas
geográficos, mas, também, sociais. Todavia, no mínimo, esses educadores precisam respeitar as
condições culturais do jovem e do adulto analfabeto.

Os educadores precisam fazer o diagnóstico histórico-econômico do grupo ou comunidade onde


irão trabalhar e estabelecer um canal de comunicação entre o saber técnico (erudito) e o saber
popular. Ler sobre a educação de adultos não é suficiente. É preciso entender, conhecer
profundamente, pelo contato direto, a lógica do conhecimento popular, sua estrutura de
pensamento, em função da qual a alfabetização ou a aquisição de novos conhecimentos tem
sentido.

E nada melhor do que ilustrar com um bom exemplo ao falar de formação de alfabetizadores.
Refiro-me ao projeto de alfabetização de Jovens e de Adultos, criado por Paulo Freire, em 1989,
quando ele foi Secretário Municipal de Educação em São Paulo. Trata-se do Movimento de
Alfabetização de Jovens e Adultos da Cidade de São Paulo (MOVASP). O MOVA reunia três
condições básicas para que um programa de educação de jovens e adultos pudesse ter êxito:
vontade política da administração, empenho e organização dos movimentos sociais e populares, e
apoio da sociedade.

A concepção pedagógica do MOVA foi se constituindo processualmente com o próprio


desenvolvimento do programa. Os parceiros do MOVA (as entidades), em constante diálogo com
a Secretaria Municipal de Educação, foram determinantes nesse processo, contribuindo, com sua
experiência em programas de alfabetização de adultos, na concepção, execução e avaliação do
programa. Esse traço associativo servia de guia da concepção educacional do MOVA. Todos
tínhamos certeza de que não poderíamos dissociar pedagogia e método, teoria e prática. Nossas
ações práticas deveriam corporificar nossos princípios ético-políticopedagógicos.

O MOVA não adotou uma única orientação metodológica ou, como se costumava dizer, o Método
Paulo Freire. Procurou-se manter o pluralismo, só não aceitando métodos pedagógicos
anticientíficos e filosóficos autoritários ou racistas. Mas isso não poderia ser confundido com
ecleticismo. Sempre houve clareza em relação ao tipo de homem e de mulher que se queria
formar.

Mesmo sem impor nenhuma metodologia, sustentamos nossos princípios político-pedagógicos,


sintetizados numa concepção libertadora de educação, evidenciando o papel da educação na
construção de um novo projeto histórico, a nossa teoria do conhecimento que parte da prática
concreta na construção do saber, concebendo o educando como sujeito do conhecimento e
compreendendo a alfabetização não apenas como um processo lógico, intelectual, mas também
como um processo profundamente afetivo e social.

A metodologia do MOVA começou a ser construída a partir de 1989 e foi se aperfeiçoando em


numerosas outras experiências dos diferentes MOVAs implementados depois e que, inspirados no
primeiro, foram agregando reflexões sobre suas práticas e aperfeiçoando esse instrumento de
educação e de transformação social. O MOVA não pode ser separado de sua metodologia. Por
isso hoje se dá tanta importância à necessidade de manter o que poderíamos chamar de “padrão
MOVA” que está se dando no interior dos encontros nacionais de MOVAs, articulados, atualmente,
pela Rede MOVA BRASIL. Ela é hoje a grande herdeira dessa diversidade de experiências de
MOVAs.

A diversidade não só deve ser respeitada como também deve ser valorizada e estimulada como
uma grande riqueza.

O MOVA pode ser considerado como uma tecnologia social em seu sentido amplo, já que ela
pressupõe a participação dos sujeitos beneficiados pelo projeto ou produto desde a sua
organização e implementação até a sua avaliação final. As tecnologias sociais buscam o
desenvolvimento autônomo das comunidades em suas diferentes demandas: alimentação,
habitação, renda, educação, energia, saúde, meio ambiente, etc., fazendo dialogar o saber técnico-
científico com o saber popular.

O Programa MOVA-SP serviu de referência para outras experiências e se constituiu num processo
muito significativo de formação para todos os que o promoveram. Entre muitas experiências de
implantação da metodologia MOVA, gostaria de destacar o Projeto MOVA-Brasil – uma parceria
entre o Instituto Paulo Freire, a Petrobras e a Federação Única dos Petroleiros –, iniciado em 2003,
não só pela sua abrangência (dez estados), mas também porque ele avançou, de forma
significativa e original, no desenvolvimento de procedimentos metodológicos próprios,
particularmente os referentes à ação política, à participação cidadã e à geração de trabalho e
renda. Esse projeto formou, até 2010, mais de 6 mil alfabetizadores.

A ação pedagógica desse projeto tem como ponto de partida o estudo da realidade do educando,
identificando-se as situações significativas presentes no contexto em que ele está inserido. Desse
estudo, emergem os temas geradores que orientam a escolha dos conteúdos a serem
problematizados no processo de ensino-aprendizagem para a compreensão dessa realidade e na
busca de alternativas de intervenção social.

O ponto de partida para a construção do projeto político-pedagógico do Projeto MOVA-Brasil é o


que Paulo Freire chamava de “leitura do mundo”. Essa construção se inicia com uma primeira
aproximação da leitura que educadores e educandos fazem de sua realidade, utilizando diferentes
formas de expressão. Nesse processo, são desencadeadas questões que orientam o estudo dessa
realidade, realizado por meio de atividades de observação, pesquisa, debates, entre outras.
Identificadas e problematizadas as situações significativas, elegem-se os temas geradores e
subtemas.

A formação continuada se dá por meio do acompanhamento do trabalho cotidiano, que é


realizado pelo coordenador local na interlocução com os monitores, visando à reflexão sobre suas
intervenções junto aos educandos. Esse acompanhamento tem como objetivo: o relato do
trabalho pedagógico; a análise do processo de aprendizagem e da dinâmica do grupo; a
orientação para a organização do dossiê dos alunos; o acerto dos momentos de sua participação
em sala de aula e de troca das suas impressões com os monitores; e o planejamento e
redirecionamento do plano de trabalho e da articulação com outros agentes para a intervenção na
realidade local.

Outra educação possível

Em resumo, reconhecer que a educação é um direito humano implica também reconhecer a


necessidade de educar para os direitos humanos. O que nos leva a concluir que é fundamental
que os conteúdos, os materiais e as metodologias utilizadas na formação de alfabetizadores levem
em conta esses direitos, e os programas propiciem um ambiente capaz de vivenciá-los. Isso
significa, essencialmente, colocar em questão os paradigmas educacionais fundamentados no
pressuposto de que a educação é uma mercadoria que está disponível apenas aos que podem
pagar.

Considerar a educação como um direito humano nos obriga a rever nossos sistemas educacionais
e nossos currículos em função de uma outra educação possível, uma educação para o
desenvolvimento humano pleno e integral, uma educação para a cidadania e a justiça social. Mais
solidária e menos competitiva. As pessoas não precisam competir para progredir, como nos
videogames, onde quem mata mais, mais avança, ganha mais bônus. Precisamos de uma educação
cidadã, emancipadora, que é o oposto da educação que promove o individualismo. Precisamos
cooperar para progredir.

LETRA E LIBERDADE: A EXPERIÊNCIA DO BB EDUCAR NA FORMAÇÃO DE ALFABETIZADORES


EM CONTEXTOS DE LUTA QUILOMBOLA

Dizer a palavra, em um sentido verdadeiro, é o direito de expressar-se e expressar o mundo, de criar


e recriar, de decidir, de optar. (Paulo Freire)

O sentido de pertencimento a uma comunidade emerge de uma complexa lógica de relações


entre os participantes, em que a possibilidade de os desiguais vivenciarem a igualdade é
determinante na dinâmica das tensões sociais. “Os iguais são os diversos que se reúnem para a
participação, para trocar pontos de vista e iniciativas. Fora da igualdade, rosto e voz ficam sem
onde espraiar-se. Igualdade é aparição de vários rostos e diversas vozes”. (COSTA, 2004, p. 38).

Os indivíduos, a partir de suas singularidades, especificidades e diversidades, consolidam esse


estado de pertencimento quando são capazes de lidar com os códigos estabelecidos socialmente.
Entre os equipamentos civilizatórios de mais ampla e profunda relevância social estão a escrita e a
leitura, pois elas permitem às pessoas compreender, utilizar e propor modificações nos protocolos
e regras de convivência presentes em toda sociedade e, assim, equilibrar a balança das
desigualdades. A dificuldade ou impossibilidade de acesso a essas tecnologias da inteligência - a
escrita e a leitura - é uma das principais causas estruturantes das desigualdades sociais.

Segundo dados da UNESCO, são 875 milhões de analfabetos no mundo. No Brasil, apesar dos
avanços no campo da alfabetização, temos ainda cerca de 15 milhões de pessoas que não sabem
ler nem escrever. E esse número, que já é suficientemente preocupante, carrega um dado cruel: a
taxa de analfabetismo da população negra brasileira (14%) é mais do que duas vezes a da
população branca (6,1%) (PNAD/ IBGE, 1981 a 2007).

Os padrões dessa desigualdade na educação de adultos no Brasil refletem o traçado histórico de


distribuição do poder social e dos recursos em nosso país, sobretudo no que se refere às questões
étnicas relacionadas a afrodescendentes, o que exige das instituições uma postura ativa e
emergencial.

Quilombos: território de resistência cultural

Quebrar o ciclo perverso da escravidão à exclusão social impõe políticas orientadas para a
equidade. Isso inclui a titulação de terras remanescentes de quilombos; os programas de
autonomia agroalimentar e outros sistemas produtivos; o fortalecimento da organização social; a
construção de escolas diferenciadas; e a distribuição de cotas de acesso a universidades – ações
que passam pelo aprendizado e pelo uso social da leitura e da escrita.

O conceito de quilombo atravessa o tempo, designando os territórios onde se organizavam


negros libertários que, na busca de soberania e autopreservação, ocuparam, já a partir do final do
século XVI, terras “sem dono”, marginais aos interesses econômicos da época. Hoje, quilombos são
territórios de resistência cultural, e deles são remanescentes os grupos étnico-raciais que se
identificam como tais, com trajetória própria, dotados de relações territoriais específicas, com
presunção de ancestralidade negra relacionada com a luta contra a opressão histórica sofrida.

O posicionamento geográfico, econômico e social dos quilombos, aliado ao processo de exclusão


a que foram submetidos possibilitaram a preservação de estilos de vida peculiares, adaptados aos
recursos ambientais existentes. São comunidades detentoras de conhecimentos e elementos
culturais representativos, percebidos nas tradições religiosas, no respeito à família e nas formas
tradicionais e coletivas de fazer, festejar e viver.

Os contextos apresentados acima evidenciam a premência de iniciativas que amenizem as


desigualdades de ordem ética, política e social a que estão submetidas as comunidades
quilombolas, rompendo com um legado discriminatório que nega direitos e liberdades
fundamentais assegurados pela Constituição Federal.

De acordo com Santos, “esse é um dos desafios mais fortes que temos: como fazer o silêncio falar
de uma maneira que produza autonomia e não a reprodução do silenciamento” (2007, p. 55). No
Estatuto da Igualdade Racial, Capítulo II, Artigo 19 consta: “A população afro-brasileira tem direito
a participar de atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer, adequadas a seus interesses
e condições, garantindo sua contribuição para o patrimônio cultural de sua comunidade e da
sociedade brasileira”.

Atenta às demandas da comunidade quilombola e alinhada às políticas públicas do governo


federal, a Fundação Banco do Brasil (FBB) implementou o Projeto BB Educar Quilombola. Trata-se
de um projeto experimental de alfabetização de jovens e adultos em comunidades quilombolas, as
quais fazem parte do grupo de populações prioritárias para a intervenção social estabelecida pelo
governo federal.

BB Educar e a superação do analfabetismo

O BB Educar – Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos do Banco do Brasil – foi criado em


1991 numa iniciativa pioneira de funcionários do Banco em atendimento a uma demanda interna.
Em 1992, o programa foi disponibilizado à sociedade por meio da rede de agências do Banco.

O BB Educar tem como objetivo contribuir para a superação do analfabetismo no País,


desenvolvendo atividades educacionais voltadas à alfabetização e à promoção da cidadania entre
jovens e adultos. O programa, hoje sob gestão da Fundação Banco do Brasil (FBB), funciona por
meio de convênios firmados com os governos federal, estadual ou municipal e instituições da
sociedade civil organizada. Consiste na formação de alfabetizadores, que assumem o
compromisso de constituir núcleos de alfabetização nas comunidades em que atuam.
O Projeto BB Educar Quilombola foi desenvolvido pela FBB em 2004 com o principal objetivo de
“contribuir para o desenvolvimento socioeconômico das comunidades quilombolas”, capacitando
os alfabetizadores locais em função do papel potencialmente agregador desses agentes sociais.
Além da alfabetização, o projeto objetiva disseminar práticas de consumo sustentável de
alimentos; articular o diagnóstico oftalmológico e aquisição de óculos, quando necessário; e
regularizar o acesso ao registro civil, dos que dele necessitam, uma vez que sua ausência constitui,
junto com o analfabetismo, uma das faces mais inaceitáveis da desigualdade social no Brasil.

O projeto foi concebido pela FBB com enfoque no desenvolvimento humano, social, econômico e
ambiental, buscando preservar os valores culturais de seus integrantes e potencializar os
resultados de outras ações voltadas para a sustentabilidade dessas comunidades. As ações
propostas pelo BB Educar Quilombola, ancoradas na capacitação de alfabetizadores quilombolas e
na consequente alfabetização de seus pares, consideram, em sua implementação, as
especificidades desses grupos sociais colocados à margem dos processos de desenvolvimento e a
necessidade de adotar estratégias de combate à pobreza que guardem sintonia com os aspectos
culturais presentes nas comunidades remanescentes de quilombos.

Os projetos são acompanhados por educadores do BB Educar, cujas atribuições são orientar a
formação continuada dos alfabetizadores, apoiando pedagógica e administrativamente, e
colaborando para um processo de alfabetização que permita melhor compreensão e atuação dos
alfabetizandos no mundo em que vivem. Essa orientação traz o alfabetizador para o centro do
processo e faz de sua formação o eixo em torno do qual o projeto se organiza.

A formação dos alfabetizadores

A formação dos alfabetizadores foi concebida pela FBB em conjunto com consultorias
especializadas em educação, meio ambiente, antropologia e segurança alimentar. E foi organizada
e implementada em etapas sucessivas de estudo, por meio do Curso de Formação de
Alfabetizadores (CFA); de pesquisa de campo, através de mobilização social comunitária; de
vivências pedagógicas, por meio de prática supervisionada; e de encontros pedagógicos de
aprofundamento teórico.

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os
educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a
experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante,
comunicante, transformador, criador [...]. (FREIRE, 1996, p. 46).

Trabalhar com alfabetizadores que sejam das próprias comunidades constitui um grande desafio e
determina o rumo do projeto, especialmente pelo importante papel de mobilizador social desses
alfabetizadores. Inobstante a inquestionável aderência à cultura comunitária, a baixa escolaridade
e as precárias práticas de leitura, escrita e elaboração matemática da maioria dos voluntários
exigem do BB Educar um repensar crítico e sistemático sobre a proposta metodológica, de forma
que os alfabetizadores elaborem as condições essenciais à função. Porém, ainda que os baixos
níveis de escolaridade exijam um minucioso investimento educacional, as implicações de ordem
identitária remetem a benefícios sociais inquestionáveis.

Educação: direito fundamental


Refletir sobre os processos de formação de alfabetizadores abre espaços para um diálogo que
remete a importância de aprofundar a questão quilombola. A perspectiva da formação continuada
proposta pelo projeto cria condições para que os alfabetizadores, ao resgatarem a história da
comunidade, ancorada na ancestralidade e na oralidade, revisitem e ressignifiquem suas próprias
trajetórias.

Todas as experiências de um grupo são uma fonte para a construção de símbolos. [...] O horizonte
simbólico africano foi desenraizado a partir do momento em que não só seus corpos físicos foram
sequestrados, mas também o corpo das práticas sociais, que eram produzidas como indicação do
sentir, do pensar e do agir no seu mundo cotidiano. (ANDRÉ, 2008, p. 96-97).

A perspectiva democrática assegura a educação como um direito fundamental, um direito de


todos, uma chave que permite o acesso aos direitos humanos básicos. Como tal, a educação pode
contribuir para o fortalecimento de uma estratégia de luta por dignidade e justiça, no contexto das
comunidades quilombolas que, cada vez mais, se organizam na busca por direitos sociais
historicamente vilipendiados.

Formar educadores sociais, alfabetizadores pertencentes às respectivas comunidades, faz parte das
políticas necessárias ao enfrentamento do duplo desafio da baixa participação e alta desigualdade
na educação de adultos. E estão sendo fortalecidos os vínculos sociais internos e criadas condições
de empoderamento, autonomia e emancipação desses grupos.

A experiência dos diversos projetos de alfabetização desenvolvidos pela FBB em comunidades


quilombolas, desde 2005, confirma o acerto da opção feita. Os educadores constituem-se
lideranças. E essas lideranças, equipadas de conhecimento e da letra, tornam-se capazes de
multiplicar as vozes que os séculos de desigualdade e a falta de liberdade não conseguiram
silenciar.

SABORES DO ALFABETIZADOR: SUPERANDO O PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Nossa prática educativa revela nossa visão de mundo e os valores em que acreditamos. Esse é o
chão em que se enraíza nossa concepção de educação. Somente a constante reflexão sobre nosso
fazer educativo nos possibilitará exercer a crítica sobre esse fazer, crítica essencial para que nós,
educadores, superemos os preconceitos linguísticos que trazemos de nossa vivência, em particular,
de nossa passagem pela escola.

No Programa BB Educar, assumimos o compromisso com a concepção de Educação Libertadora.


Esta vê a educação como processo, o educando como sujeito que faz história e o educador,
também sujeito histórico, exercendo o papel de mediador nesse processo. A Educação Libertadora
é instrumento de transformação de uma ordem social injusta, buscando a humanização dos seres
humanos.

Paulo Freire (1993) nos diz que todo educador deve ter competência científica e clareza política.
Isso implica que a formação de educadores deve, obrigatoriamente, tratar dessas duas dimensões.

No caso da alfabetização, competência científica significa conhecer como se dá o processo de


construção de conhecimento sobre a língua escrita, estar atento aos saberes que educandos e
educandas trazem para a sala de aula e às hipóteses que eles já formularam ao longo de sua
existência sobre a escrita (o que a escrita representa e como se dá essa representação). O
educador precisa saber como se faz a mediação entre o que o educando já conhece e o que
precisa conhecer.

A clareza política está em saber a favor de quem se educa. Para Paulo Freire (1993), todo educador
é um sonhador político, pois sonha com um modelo de sociedade que é político. Ele educa a favor
ou contra o modelo político vigente. Se seu sonho é uma sociedade em que haja justiça e
oportunidade para todos, em que não haja miséria, em que os direitos básicos sejam garantidos,
ele se colocará contra os que desejam mantê-la como está: com concentração de renda, de terra,
de poder e de saber. Por isso, a prática educativa não é neutra, pois, mesmo quando se omite, o
educador toma uma posição política: a de deixar tudo como está.

Questionamento aos preconceitos

Um grande desafio que temos como educadores é o de estarmos atentos à ideologia dominante
que incute em todos nós os mais diversos preconceitos, manifestados em vários elementos da
cultura, como piadas, músicas, ditados populares. Nem sempre enxergamos os preconceitos que
carregamos. Assim, a reflexão sobre a prática educativa deve, também, contemplar esse aspecto.
Em sala de aula, não podemos nos omitir diante de falas ou de textos que expressem desrespeito
ou menosprezem pessoas seja por questão de raça, de gênero, de orientação sexual, de origem
geográfica, de classe social, entre outras.

Historicamente, o conhecimento construído pela humanidade tem sido apropriado por grupos
dominantes e usado para subjugar outros grupos. A colonização da América, de norte a sul, e da
África se fez à custa de muito sangue. Povos inteiros desapareceram e, com eles, suas línguas. Esse
massacre foi acompanhado da imposição da língua dos colonizadores – inglês, espanhol e
português – em detrimento das línguas nativas.

Nos processos de colonização, o que vem da metrópole é visto como o certo, o modelo a ser
seguido. O que é produzido na colônia é vulgar, inferior. Até hoje valorizamos o que vem do
“estrangeiro”, o que é importado, e desprezamos o que é produzido localmente, inclusive a
linguagem. As consequências são: pessoas que não pertencem à classe dominante são tidas como
ignorantes, seus saberes são considerados inferiores. Quem fala “certo” é a elite, o povo “não sabe
falar”. Puro preconceito. As elites se esquecem de que a Língua Portuguesa tem sua origem no
latim popular, falado pelos soldados do exército romano, e não no que era falado pela elite
romana.

Lembremos que, na época do Brasil Colônia, os filhos da elite branca iam completar seus estudos
na Europa, enquanto aos pobres era reservada apenas a instrução catequética que se prestava a
educar para a “obediência”. Os negros, trazidos como escravos, eram de diversas etnias africanas e,
aqui chegando, eram misturados para dificultar que se comunicassem uns com os outros. O
colonizador sabia do poder da linguagem.

Carboni (2003, p.82) afirma que “no Brasil, o uso da cultura e da língua como forma de
discriminação social constitui herança da colonização portuguesa” e, citando Antonio Houaiss, se
refere à preocupação das classes dominantes em permitir que “as comunidades nativas e africanas
tivessem um conhecimento do português reduzido ao mais mínimo gramatical e vocabular, para a
sobrevivência e obediência.”
Esse passado se reflete nos dias de hoje, por exemplo, na imagem que vários educandos têm de si
mesmos. Ao dizerem “eu não falo direito”, “quero aprender a falar certo” estão denunciando o
preconceito de que são vítimas e, ao mesmo tempo, se achando inferiores, pois a variedade
linguística que dominam não é a socialmente prestigiada.

Riqueza dos falares e saberes

Para superar essa visão, é preciso que o educador conheça nossa história, como se deram os
processos de dominação, como a riqueza de poucos foi construída com o suor e o sangue de
muitos, por que existe a concentração de renda, de terra, de poder e de saber. Essa compreensão
ajudará o educador a lidar com a diversidade linguística presente na sala de aula, mostrando a
riqueza desses falares e, dessa maneira, valorizar os saberes que esses sujeitos trazem para o
núcleo de alfabetização.

Quando se defende uma pretensa unidade linguística, se desqualifica todas as variantes e seus
falantes. Luft (1993, p.69) coloca que o professor, em geral de classe média, “desconhece ou
aprendeu a rejeitar como ‘coisa de ignorantes’, as regras específicas das gramáticas socialmente
inferiores. [...] Seu dever é corrigir os erros dos alunos, impondo-lhes formas corretas”. Por isso,
tantas “pessoas arrastam pela vida preconceitos que lhes bloqueiam a livre expressão. Nunca se
sentem à vontade no terreno que mais lhes pertence: a sua língua de berço” (1993, p.92).

Ao tratar dessa questão, Bagno (2004) pontua a necessidade de se reconhecer a grande


diversidade linguística em nosso país e, com isso, as diferentes normas linguísticas usadas pelos
falantes de Língua Portuguesa. Para o aluno que fala uma variedade linguística que não é a
padrão, a ensinada na escola é como se fosse uma língua estrangeira.

Em vez da noção de “erro” que está vinculada à ideia de um padrão rígido, Bagno (2004, p.130)
propõe ao professor de língua materna que trabalhe com seus alunos a linguagem adequada ao
interlocutor e ao contexto em que é usada. Em casa se fala de um jeito, na escola, no trabalho, de
outro. Não se fala com uma criança da mesma maneira que com um adulto, um jovem ou um
idoso. Logo, “tudo vai depender de quem diz o quê, a quem, como, quando, onde, por quê e
visando que efeito” (BAGNO, 2004, p.131).

Para ajudar os educandos a superarem o preconceito linguístico, o educador, em especial o


alfabetizador, não pode descuidar de garantir, em seu planejamento, os momentos de oralidade,
de leitura e de escrita. O círculo de cultura, por exemplo, possibilita aos educandos se expressarem
oralmente sem medo de errar ou de serem ridicularizados por não dominarem a variedade
“padrão”. Além de valorizar a cultura popular, o círculo de cultura promove o diálogo: os
participantes emitem opiniões, falam, ouvem, compartilham e organizam ideias. É o momento em
que os educandos dizem sua palavra, expressam sua leitura de mundo, se apropriando de sua
própria existência, pela troca de saberes no grupo.

Na leitura, seja a do educador para o grupo, com o grupo ou individual, podemos desmistificar
esse conceito de “língua certa”, trazendo textos de autores de diferentes épocas e regiões do país.
Patativa do Assaré e Adoniram Barbosa, para citar alguns, revelam em seus escritos a cultura de
um povo, numa linguagem que encanta pela autenticidade e sabor de terra. Os “causos” são outro
exemplo revelador da diversidade cultural.
Na escrita, é preciso superar o medo de escrever que os educandos trazem, acreditando que “só
posso escrever certo”. Esse pensamento bloqueia a livre expressão, a criatividade e torna o ato de
escrever um tormento. Por isso é importante deixá-los à vontade, conversar antes para encontrar
ideias e organizar o pensamento, valorizar a clareza de ideias, a objetividade e a criatividade.

A superação do preconceito linguístico, como tantos outros, é um processo sócio-político-


histórico-cultural que só virá quando houver uma transformação da sociedade em que vivemos
(BAGNO, 2004). Cabe a nós, educadores, aproveitar todas as ocasiões, dentro e fora da sala de
aula, para desconstruí-lo.

FORMAÇÃO DE ALFABETIZADORES INDÍGENAS: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA

Cada hora, de cada dia, a gente aprende uma nova qualidade de medo!...Queria entender do medo e
da coragem, e da gã do que empurra a gente por fazer tantos atos, dar corpo ao suceder. (Guimarães
Rosa)

O escopo deste artigo é refletir sobre o planejamento e o desenvolvimento do curso de formação


de alfabetizadores do BB Educar em comunidades indígenas de São Gabriel da Cachoeira e
Iauaretê, no Amazonas, pontuando questões sobre a capacitação de educadores na perspectiva da
educação libertadora. Os questionamentos estão organizados em três eixos: contexto, sujeitos e
metodologia.

As palavras de Guimarães Rosa sobre o medo e a coragem ajudam a traduzir os sentimentos com
os quais iniciamos este trabalho. O desejo de contribuir para a redução do analfabetismo entre
jovens e adultos indígenas veio acompanhado do medo de errar, de dilemas inerentes à formação
de alfabetizadores nesse contexto, e de muitas perguntas.

Ao aceitarmos o desafio, a primeira questão que nos ocorreu foi: de quem partiu o interesse em
alfabetizar jovens e adultos nessas comunidades? Queríamos saber qual o papel dos indígenas
nessa escolha, e a primeira resposta que recebemos foi que o desejo partiu dos próprios sujeitos.
Instituições locais associaram-se para a realização do projeto, que se viabilizou pela parceria entre
a Fundação Banco do Brasil e a Associação de Professores Indígenas do Alto Rio Negro.

Seguiram-se indagações relativas ao contexto, pois, como Freire (1989), entendemos que a
alfabetização só despertará interesse se estabelecer um forte liame psicológico entre a atividade
alfabetizante e as situações de vida do alfabetizando, apresentando-se como possibilidade para a
solução de sua problemática vital. Logo, seria essencial perguntar: Onde vivem os alfabetizandos?
Em que cenário se dará a formação e a alfabetização? Como é a realidade das comunidades
indígenas e o que oferecem para a continuidade do processo de escolarização?

Além dos problemas que caracterizam os grupos excluídos da população brasileira, a exemplo da
desnutrição e da pobreza, nos deparamos com dificuldades de ordem sociocultural e econômica,
como: diversidade étnica e linguística; confronto entre a cultura das comunidades tradicionais, que
sobrevivem da agricultura de subsistência, e a sociedade de consumo; e longas distâncias entre o
interior e a cidade, dada a extensão territorial do município, um dos maiores do País, onde vivem
mais de 40 mil indígenas de 23 etnias.
Também conhecido como Cabeça de Cachorro, São Gabriel da Cachoeira tem o mérito de ser o
único município brasileiro a conquistar a cooficialização das línguas, passando a ter como línguas
oficiais, ao lado do Português, o Nheengatu (ou língua geral), o Tukano e o Baniwa.

Demandas e expectativas dos educandos

Uma vez que partir da realidade sociocultural, afetiva e cognitiva dos educandos é uma das
premissas da formação do BB Educar, além do contexto, precisávamos compreender os interesses
e expectativas dos educandos. Os desejos dos alfabetizandos direcionam a prática pedagógica do
educador, favorecem o vínculo entre ele e o educando, subsidiam a escolha dos temas e das
palavras geradoras e dão significado às faltas individuais e coletivas, ampliando a condição de
discuti-las.

A informação de que a demanda por alfabetização partiu dos próprios indígenas foi animadora,
mas insuficiente, gerando outra questão: o que move os indígenas a se alfabetizarem? Poderíamos
discorrer sobre esse tema de forma ampla, na perspectiva da educação como um direito de todos
ou como um pressuposto para o desenvolvimento local. Mas o que queríamos descobrir eram os
motivos específicos que levaram aqueles grupos a buscarem a alfabetização.

A investigação sobre os sujeitos do processo de alfabetização revelou que conhecíamos muito


pouco sobre a realidade das comunidades indígenas, socialmente invisíveis para nós. Por trás das
nossas perguntas, escondiam-se conceitos equivocados sobre os indígenas, que fixavam esses
povos em um momento histórico em que viviam afastados do meio urbano, sobreviviam
exclusivamente da produção coletiva - extrativismo, caça e pesca - e eram ágrafos.

Constatamos que, mesmo de forma subalterna, os indígenas estão inseridos na sociedade nacional
e sofrem as mesmas privações dos demais excluídos. As causas do analfabetismo nessas
comunidades não se diferenciam muito das causas estruturais do analfabetismo da população
branca, pobre, urbana ou rural brasileira. Entre essas causas estão: o trabalho braçal exaustivo que
afasta o aluno da escola; a falta de professores, escolas, transportes, energia elétrica; problemas de
saúde e até mesmo o alcoolismo.

Descobrimos, também, causas específicas advindas da exclusão dentro da exclusão, consequência


de um processo histórico de urbanização que promoveu o encontro e o confronto com a
“população branca” e com as contradições da sociedade capitalista.

Segundo um alfabetizador, “a língua materna interfere no relacionamento. Ao sair da comunidade


a pessoa sente timidez, humilhação, medo e preconceito”.

Situação bem distinta foi relatada por outro educador indígena ao falar sobre a vida em sua
comunidade: “A relação de parentesco faz com que a vida em grupo seja mais aconchegante. As
pessoas tiram benção, cumprimentam-se e ninguém é zé-ninguém, todos são reconhecidos”. Essas
falas exemplificam os motivos de ordem sociocultural e afetiva que geram a necessidade de
instrumentalização para a convivência no mundo urbano letrado e para o desenvolvimento das
comunidades.

Outro comentário referenda esse entendimento: “Eles arrancaram, na marra, o nosso modo de
viver, sem perguntar se a gente queria. Agora não querem que a gente viva como o branco, mas
que volte a viver como antigamente? E como resolver a miséria do nosso povo? Isso é o que me
preocupa. A educação escolar indígena não pode representar atraso, mas uma vida melhor para
todos nós”.

Qual língua?

Esse complexo contexto sociocultural e a diversidade étnica e linguística nos colocaram diante de
outro dilema: em que língua alfabetizar? A primeira resposta obtida foi de que deveria ser em
Português, para atender às necessidades de interação dos indígenas no meio urbano. Mas, na
maioria das comunidades, a Língua Portuguesa está em segundo lugar, pois predomina o uso da
língua materna. Por outro lado, a alfabetização na língua materna também impõe seus desafios,
especialmente a pouca disponibilidade ou ausência de materiais escritos. Se um dos fundamentos
de nossa proposta de alfabetização é a ampliação do uso social da língua, o que priorizar? O uso
social do Português, menos falado, ou da língua materna, pouco escrita?

O caminho evidenciou-se em um debate entre educadores indígenas, que sugeriram alfabetizar


inicialmente em Português, em função das urgências manifestadas pelos indígenas, como:
autonomia para realizar serviços bancários; desejo de não ser enganado; ruptura com o
isolamento e com a vergonha do analfabetismo; vontade de ajudar os “parentes”; entre outras.
Mas enfatizaram que era preciso lutar por uma alfabetização bilíngue, em Português e na língua
materna.

Além do conhecimento dos alfabetizandos, um processo de formação pressupõe o conhecimento


da realidade dos educadores. Nesse sentido, entre as questões que precisávamos responder antes
do curso estavam: Os alfabetizadores falam Português e uma língua indígena? Possuem
experiência com alfabetização? Entendíamos que sim, mas essa não foi a realidade encontrada.

Os alfabetizadores pertenciam a oito etnias distintas. Alguns apenas falavam Português, outros se
expressavam melhor na língua mãe. Uma educadora havia sido alfabetizada em espanhol e muitos
não tinham experiência de alfabetização. Um fato de grande relevância é que a maioria pertencia
ao próprio meio onde iriam atuar, o que facilitaria a inter-relação
educando/conhecimento/contexto.

A solução encontrada foi dar o curso em Português com tradução simultânea para o Tukano, o
que prolongou o tempo de duração das atividades, mas acenou para uma alternativa que se
mostrou viável também nos núcleos de alfabetização: o diálogo entre os diferentes e o
aprendizado com as diferenças.

Construção coletiva

Analisando tais tensões culturais e cognitivas, percebemos que foi acertada a decisão de
construirmos coletivamente a proposta metodológica do programa, buscando-se uma comunhão
entre a metodologia do BB Educar, a educação escolar indígena e os saberes e quereres locais.

Essa construção contou com debates sobre a educação que tivemos, perspectiva histórica; a
educação que temos, análise de conjuntura; e a educação que queremos, visão de futuro, pois
entendemos que a concepção de educação é mais um dos fundamentos da formação.

Os educadores falaram de uma formação tradicional, que reprimiu as crenças locais e impôs a
língua e a religião dos brancos, proibindo o uso da língua materna. Além disso, mostraram que
hoje a educação lida com as diferenças culturais, étnicas, multilinguísticas e religiosas, embora não
tenha se libertado da educação tradicional. Os educandos querem uma educação voltada para a
realidade e para as necessidades da comunidade, com educadores poliglotas e métodos
inovadores voltados à religião, à economia, às tradições e à revitalização da cultura.

Essa reflexão embasou a construção da proposta metodológica do BB Educar indígena,


estruturada a partir dos seguintes aspectos: marco histórico e teórico, concepção de alfabetização,
métodos e estratégias pedagógicas, relação educador-educando, conteúdos/temas geradores,
planejamento e avaliação.

O suporte metodológico trazido pelos educadores, mesclado com a vivência e o conhecimento da


realidade, possibilitou o desenvolvimento de oficinas de alfabetização contextualizadas e criativas.
Os alfabetizadores trabalharam a matemática por meio de uma caminhada na serra e venderam
beiju, tucumã e paineiros de arumã na feira. Planejaram círculos de cultura, tendo árvores e
madeiras como temas geradores, criaram e interpretaram textos coletivos sobre preservação e
degradação das matas e compararam escritas das palavras louro, (loua, laura, lour e loiro) ou cedro
(cedr; cd e cedrou), produzidas pelos alfabetizandos. Após as oficinas, posicionaram-se
criticamente em relação ao próprio trabalho, destacando a importância das práticas
alfabetizadoras em que o alfabetizando é autor do seu aprendizado.

Os alfabetizadores indígenas aprenderam princípios fundamentais da educação libertadora,


mostrando de forma simples como partir da realidade dos educandos para ampliar a leitura de
mundo e intervir na realidade por meio da alfabetização.

Nós, formadores, conhecemos a riqueza da multiculturalidade e experienciamos as possibilidades


da educação escolar indígena, pensada pela comunidade para solucionar as questões locais. Como
Freire (1979), todos nós compreendemos que uma alfabetização significativa, que contribua para
as mudanças sociais, envolve práticas pedagógicas que respondam às necessidades e
características da população, valorizem a diversidade cultural e tomem a realidade existencial e
social dos sujeitos como ponto de partida para a construção de uma nova ordem.

É certo que este relato abrange apenas o primeiro momento de um processo de formação que,
segundo Freire (1994), tem como objetivo desenvolver a clareza política, a competência técnica e a
compreensão crítica da experiência de vida do educador e do educando. No entanto, foi suficiente
para revelar que vale a pena colocar o medo de errar ao lado da coragem de fazer. Parafraseando
Guimarães Rosa, para aprender do medo e da coragem, do que empurra a gente por fazer tantos
atos, temos que dar corpos ao suceder.

 4° Módulo: O combate ao analfabetismo

FORMAÇÃO DE FORMADOR DE PROFESSORES: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

Para melhorar as condições de aprendizagem dos alunos é preciso identificar e alimentar o percurso
de aprendizagem dos professores. Mas para que esse seja um exercício permanente e frequente nas
redes, há ainda uma outra dimensão que precisa ganhar destaque: a formação dos formadores de
professores; o ‘empoderamento’ de lideranças pedagógicas capazes de garantir e alimentar a
engrenagem necessária para uma rede de ensino eficaz. (CARDOSO & GUIDA, 2007, p. 328).
A formação continuada em serviço como um direito dos profissionais da educação tem ganhado
força ao longo dos anos desde a sua regulamentação na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, de 1996. Porém, ainda há muito a avançar para que a formação dos professores consiga
realmente resultar na melhoria das condições de aprendizagem dos alunos.

Ao considerarmos as necessidades de avanços na formação dos professores, é inevitável se


discutir a formação daqueles que são responsáveis – nas redes de ensino – por essa formação: os
formadores de professores.

No entanto, ao chegarmos nesse grupo, várias questões se colocam: se o formador é quem forma
os professores, quem é responsável pela formação desse formador? Quais são as competências
profissionais exigidas? Quais conhecimentos didáticos precisa ter? Quais são os conhecimentos
específicos relacionados ao papel de formador?

Na tentativa de contribuir para a reflexão de algumas dessas questões, apresentaremos o trabalho


realizado pela Comunidade Educativa Cedac em projetos que têm como premissa para a
sustentabilidade da formação a qualificação de quadros locais que atuem no processo de
formação continuada dos profissionais da rede de ensino. Ou seja, a formação de uma equipe
como liderança pedagógica local que proporcione ações diretas com os professores, de maneira a
impactar positivamente as aprendizagens dos alunos.

Os projetos de formação desenvolvidos possuem uma abordagem metodológica que considera


uma perspectiva sistêmica, ou seja, as ações desencadeadas estão relacionadas e são
interdependentes. Com o objetivo de garantir melhores condições de ensino e de aprendizagem
às crianças, é feita a formação dos professores para a reflexão e aprimoramento da prática
pedagógica.

Ao mesmo tempo, e com outros atores, é realizada a formação dos formadores para reflexão e
aprimoramento da formação continuada em serviços desses professores, bem como a formação
de gestores escolares para reflexão e aprimoramento das condições institucionais para garantia
das aprendizagens dos alunos. Com o intuito de enraizamento e devolução progressiva da
responsabilidade pela formação local, é feita a formação da equipe técnica da secretaria para
reflexão e aprimoramento das políticas públicas relacionadas à educação escolar, inclusive a
implantação da formação continuada dos educadores da rede.

A Escola que Vale

O programa Escola que Vale, iniciado em 1999 e que atualmente é realizado em 26 municípios, em
diferentes etapas de desenvolvimento, tem tratado da formação dos formadores de professores.
Esse programa é executado visando atingir metas objetivas com cada tipo de participante no
processo de educação pública, em cada município. Há metas relacionadas aos alunos, aos
professores, aos diretores, à secretaria de educação e aos formadores. Em relação aos formadores,
a meta é desenvolver a competência profissional para formação de professores.

A formação dos profissionais é realizada considerando o contexto do trabalho. Assim, no caso dos
formadores, o contexto são as reuniões de formação; no caso dos professores, a prática de sala de
aula. Devido à maneira com que atuamos, a formação dos formadores é estritamente relacionada
à formação dos professores. Por esse motivo, as ações propostas serão apresentadas
conjuntamente para melhor explicitação das estratégias formativas.
Consideramos como conteúdos para a formação dos formadores os mesmos conteúdos tratados
na formação dos professores (conteúdos didáticos transversais, como planejamento, gestão de
sala de aula e avaliação; conhecimentos didáticos e conteúdos relacionados às práticas
profissionais de leitura, escrita e comunicação oral), acrescidos dos conteúdos relacionados ao
acompanhamento pedagógico e às estratégias formativas.

Desse modo, para que os formadores desenvolvam as competências profissionais necessárias para
a formação dos professores, iniciamos o trabalho “reconstruindo” o problema do desempenho dos
alunos da rede. O objetivo é fazer com que os formadores assumam a responsabilidade pela
melhoria da qualidade da educação oferecida, entendendo que isso pode ser alterado com o
aprimoramento da prática pedagógica e das condições garantidas para a aprendizagem dos
alunos.

Etapas da formação

Para realizarmos a formação dos formadores, a atuação da Escola que Vale, junto aos professores,
cumpre – além do objetivo de possibilitar o aprimoramento da prática pedagógica com ações
desde o início que impactam na atuação em sala de aula – também o papel de servir como
laboratório para a formação dos formadores. Isto é, os formadores locais têm a oportunidade de
observar a formação realizada por parceiros mais experientes e depois tematizá-la de forma a
distinguir os conhecimentos didáticos tratados com os professores e os conhecimentos específicos
relacionados ao papel de formador. A formação dos professores (tratada como objeto de estudo
com os formadores) é organizada de forma a possibilitar um diálogo entre as práticas e os
conteúdos previstos na formação. Para isso, realizamos dois tipos de reuniões que se
complementam. Uma é identificada como reunião de supervisão da prática, e a outra, como
reunião geral. Na primeira, são realizadas reuniões por série/ano escolar ou ciclo, em que são
tratados os conteúdos a serem colocados em ação. Isto é, são planejadas atividades de forma
compartilhada para serem realizadas com os alunos, levando em consideração os conhecimentos e
as dificuldades reais das turmas e suas necessidades de aprendizagem. Na segunda – reunião
geral – é realizada reunião com professores de séries/anos escolares diversos para tratar dos
conteúdos que foram objeto de ação, agora com o objetivo de refletir sobre eles e possibilitar que
os conteúdos, que na supervisão estavam bem contextualizados em situações específicas, sejam
descontextualizados e possam ser objeto de reflexão, de generalização e de reconceitualização,
possibilitando que a próxima ação seja de natureza superior à realizada devido aos novos
conhecimentos adquiridos.

Na formação dos formadores, tais reuniões de professores são analisadas tanto pelo foco dos
conhecimentos didáticos quanto pelo que há por trás do planejamento das reuniões: a definição
dos conteúdos tratados, a seleção das estratégias utilizadas em cada proposta, as intervenções
previstas na pauta e aquelas realizadas no decorrer da formação, a avaliação dos objetivos
previstos para a reunião, etc.

Ao longo do processo, de observador da prática de formação, o formador de professores vai


assumindo gradativamente seu papel de formador, realizando algumas reuniões em parceria,
outras individualmente, com a pauta planejada de forma compartilhada com o parceiro mais
experiente até realizar a formação autonomamente, recebendo acompanhamento de seus
planejamentos e relatórios por meio de devolutivas feitas pelo formador responsável por sua
formação.
Desenvolvendo a autonomia

Tanto na formação do professor quanto na formação do formador é dado destaque aos


conteúdos relacionados às práticas profissionais de leitura, escrita e comunicação oral, como
forma de desenvolver a autonomia e o aprimoramento constante. Assim, são tratados a leitura
profissional de textos de estudos, seus propósitos e procedimentos, a escrita profissional como
forma de reflexão sobre a própria prática, a documentação, o registro de seu trabalho, a
divulgação e a publicação de sua prática profissional, e a comunicação oral formal como forma de
apresentar a outros educadores seu trabalho, seja em seminários, palestras ou troca de
experiências.

A formação no Escola que Vale tem comprovado que investir no grupo de formadores locais
resulta, realmente, em avanço para as redes de ensino, seja porque fortalece profissionais que
estão diretamente envolvidos com a educação e que permanecem na rede, seja porque garante
que um grupo assuma a responsabilidade de manter a formação dos professores, tendo traçado
um caminho, mesmo que seja longo e difícil, iniciando os passos com conhecimentos que
proporcionam condições para garantir a continuidade.

O COMBATE AO ANALFABETISMO: A EXPERIÊNCIA DA FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL

O projeto de organizar uma fundação no Banco do Brasil que tivesse suas funções voltadas para o
desenvolvimento social do País surgiu em 1985, mas somente foi iniciado em fevereiro de 1988,
com a proposta de financiar projetos que buscassem soluções para os problemas sociais.

A partir do ano de 2000, a Fundação Banco do Brasil (FBB) estabeleceu seu foco na educação e na
geração de trabalho e renda. Os projetos passaram a ser desenvolvidos em sinergia com a
reaplicação de tecnologias sociais, tendo como suporte o Banco de Tecnologias Sociais (BTS), além
de dar ênfase às questões ambientais, como o gerenciamento de recursos hídricos.

Na base da ação da FBB, está a valorização do protagonismo do ser humano e o respeito às


diversidades regionais, buscando uma gradativa integração com os programas de educação e
cultura.

O BB Educar

Dentre os projetos de Educação da FBB, destacamos o Programa de Alfabetização de Jovens e


Adultos (BB Educar). Esse programa consiste na formação de alfabetizadores que assumem o
compromisso de construir núcleos de alfabetização nas comunidades em que atuam.

O BB Educar surge a partir de uma experiência bem sucedida de alfabetização de funcionários da


carreira de serviços gerais (carpinteiros, eletricistas, pedreiros, pintores, etc.) desenvolvida por
funcionários voluntários do próprio Banco do Brasil.

Em janeiro de 1992, o Banco do Brasil colocou o programa a serviço da sociedade, por meio de
sua rede de agências, e, a partir do ano de 2000, passou a ser coordenado pela Fundação Banco
do Brasil. O programa está presente em todo o País e, desde sua criação, já atendeu cerca de 600
mil alfabetizandos e formou mais de 31 mil alfabetizadores.
A metodologia do Programa BB Educar é concebida com base nos princípios de uma educação
libertadora e na prática da leitura do mundo, considerando a realidade do alfabetizando como
ponto de partida do processo educativo. Essa metodologia identifica-se com:

a) os princípios filosóficos e políticos de educação, concebidos por Paulo Freire;

b) os fundamentos epistemológicos do processo de conhecimento de Jean Piaget;

c) os estudos psicolinguísticos de Emília Ferreiro; e

 d) a realidade histórica, política, socioeconômica e cultural do alfabetizando, considerados por


Vygotsky.

O tamanho do desafio

Gadotti, em artigo que abre o Eixo Alfabetização deste livro, comenta os dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios de 2009 (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).

Esses dados mostram que ainda estamos com o mesmo número absoluto de analfabetos5 da
época em que Paulo Freire foi exilado, em 1964: aproximadamente 15 milhões. Gadotti reconhece
que a educação sofreu melhoras, mas ressalta que o combate ao analfabetismo não tem merecido
a mesma atenção dada às outras modalidades de ensino.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2010) expõe uma redução inequívoca das taxas
de analfabetismo que, em 2010, estavam em torno de 9,7% da população com 15 anos ou mais. O
ritmo de queda, porém, é moderado (0,1% ao ano, desde 2007) e existe uma grande disparidade
entre as regiões do Brasil com relação aos níveis de alfabetização da população, exacerbada por
conta dos fluxos migratórios.

Diante dessa situação, um desafio se apresenta: como alcançar essa população analfabeta nos
longínquos lugares do País e atendê-las em seus anseios e expectativas? Antecipando-se aos
dados do IPEA (2010), que mostram a disparidade entre as regiões brasileiras, o BB Educar, a partir
de 2008, entra numa nova fase, passando a atender as comunidades tradicionais e/ ou
preexistentes, tais como: quilombolas, comunidades indígenas, catadores, assentados e os
públicos atendidos pelos programas de geração de trabalho e renda.

Destacam-se, como exemplos de formação oferecida a essas comunidades, as experiências


relatadas pelas educadoras do BB Educar, Toniazzo e Almeida, em artigos presentes neste Eixo
sobre Alfabetização. As autoras tratam especificamente de duas comunidades: quilombolas e
indígenas. Essas comunidades possuem suas especificidades, porém as duas apresentam
características comuns: a exclusão social e a luta intensa para assegurar a posse da terra e manter
vivas suas crenças e culturas.

O trabalho com as comunidades indígenas, relatado por Almeida, teve início em 2009, quando
foram convidados educadores indígenas para participar do curso regular e para uma imersão na
Fundação Banco do Brasil, com o objetivo de adaptar o curso de Formação de Alfabetização do BB
Educar, a fim de que atendesse aos anseios específicos da comunidade indígena. Contou-se com a
participação do professor João Bosco Marinho, docente indicado pela Secretaria de Educação de
São Gabriel da Cachoeira (AM), que também participou ativamente do curso de Formação em São
Gabriel da Cachoeira, sendo um dos tradutores (Tucano – Português) durante a formação.

Almeida, em seu artigo, relata que muitos eram os receios e dúvidas, porém, ao final do projeto
piloto, que se iniciou em agosto de 2009 e findou em outubro de 2010, por meio do
acompanhamento pedagógico, verificou-se obtenção de total êxito, sobretudo na comunidade
mais distante, Iauaretê, reserva indígena no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), na
fronteira Brasil-Colômbia.

Destaca-se como obtenção de sucesso do projeto piloto, a qualificação de nove alfabetizadores,


indicados pela Secretaria de Educação do Município a se graduarem em licenciatura, oferecida
pela Universidade Federal do Amazonas. Ao término da licenciatura, esses educadores serão
convidados a se tornar professores do EJA.

Diante disso, verifica-se que as organizações da sociedade civil têm uma grande mobilidade para
atingir as regiões mais distantes do Brasil, realizando e estimulando a criação de cursos de
alfabetização. Uma articulação entre o Estado e essas organizações, a exemplo do que afirma
Gadotti, faz-se indispensável, estimulando o que, na visão desse autor, é fundamental: a oferta de
formação adequada e profissional para os educadores alfabetizadores de jovens e adultos, o que
ainda falta ou é realizado de forma precária em nosso país.

Formação continuada

Caminhando pela seara da formação, a educadora Secco trata, em seu artigo neste Eixo do livro,
de umas das questões mais delicadas dos cursos de alfabetização vivenciadas pelos educadores
formadores do BB Educar: a diversidade linguística de nosso país, pois os cursos são ministrados
em várias regiões brasileiras. Respeitar cada característica e o modo de ser de cada cultura é uma
arte que exige preparo e atenção, ensinamentos esses ofertados na formação dos educadores do
BB Educar.

Corroborando a preocupação de Secco quanto à formação de nossos educadores, a Fundação


Banco do Brasil entende que a formação é um dos pilares fundamentais para uma educação de
qualidade. No sentido de buscar contribuir ainda mais com a erradicação do analfabetismo, a FBB
lançou-se ao desafio da formação continuada de educadores e está em pleno desenvolvimento
um projeto de fortalecimento da Educação de Jovens e Adultos que passa pela formação de
professores, entre outras ações.

Esse curso buscará preencher a lacuna existente em função da precária formação dos professores
que atuam na Educação de Jovens e Adultos, inclusive nas escolas técnicas federais. Tal ausência
fora evidenciada no I Congresso Internacional sobre a Cátedra Unesco de Educação de Jovens e
Adultos, realizado em João Pessoa, na Paraíba, em julho de 2010, e teve por inspiração a VI
Conferência Internacional sobre a Educação de Adultos (CONFINTEA), realizada pela primeira vez
no Hemisfério Sul, em novembro de 2009, em Belém, no Pará.

Sabemos que o desafio é grande e que muito há por se fazer na Educação de Jovens e Adultos.
Todavia, sabemos que as mudanças podem ocorrer, especialmente quando há envolvimento das
organizações e comprometimento das pessoas. O que hoje parece tão distante de se obter,
amanhã será lembrado como uma vitória de muitos que se dedicaram a ela, principalmente
quando olhamos para trás e vemos o quanto já caminhamos.
 

5° Módulo: Educação para o mundo do trabalho

A IMPORTANCIA DA FORMAÇÃO DO EDUCADOR SOCIAL – COMPLEMENTAÇÃO


EDUCACIONAL

A formação do educador social e a Pedagogia da Convivência

Vamos andando, Leonardo. Tu vais de estrela na mão, tu vais levando o pendão tu vais plantando
ternura na madrugada do chão. Meu companheiro menino, neste reino serás homem, um homem
como teu pai. Mas leva contigo a infância, como uma rosa de flama ardendo no coração: porque é
de infância, Leonardo, que o mundo tem precisão. (Thiago de Mello – Toada de ternura)

Os excluídos, aqueles que não têm vez nem voz, têm sido esquecidos ao longo dos séculos pelas
políticas públicas do Brasil. A exclusão se dá nos planos social, cultural e econômico, e se
manifesta na falta de acesso a condições dignas de vida, como habitação, saúde, educação e lazer,
causando danos irreparáveis, como a perda da autoestima e da identidade, entre outros. Entre os
excluídos estão: doentes, mendigos, prostitutas, encarcerados, idosos, crianças e adolescentes de
rua, e tantos outros. Essa massa excluída clama por uma sociedade democrática, menos
discriminadora, mais igualitária e mais justa, pois anseia integrar-se à vida em sociedade,
assumindo os deveres e desfrutando dos direitos fundamentais de cidadão.

O grau máximo de exclusão é atingido quando o povo internaliza a cultura dominante, o que
ocorre, especialmente, via meios de comunicação. A mídia falseia a realidade e direciona a vontade
política da população. Apenas em alguns poucos momentos, a cultura popular se manifesta, como
no carnaval, na música, na dança e na religiosidade.

É necessário criar condições para a transformação dessa realidade, pois faltam mecanismos para
reverter a subalternidade, a tutela e o clientelismo político. Mudanças consequentes e profundas,
porém, apenas acontecem quando há uma ação educativa que questione os valores estabelecidos
e proponha novas possibilidades de participação social.

Para tornar o cidadão apto a compreender a dinâmica da sociedade e a desenvolver mecanismos


de participação, com consciência crítica e autônoma, é preciso romper com a visão ingênua que se
tem das forças políticas e dos interesses econômicos que sustentam o status quo que se quer
transformar. E é necessário romper com a visão idealista do próprio trabalho educativo, o que
significa que o saber pedagógico deve questionar seus pressupostos, seus hábitos e tradições.

Fazer pedagogia hoje é confrontar-se com a diferença, superar o preconceito e promover a


emancipação. A reflexão pedagógica, portanto, deve submeter à crítica preconceitos culturais e
educativos; questionar a relação homemsociedade, homem-mulher e homem-meio ambiente;
propor novos valores e modelos antropológicos e culturais, promovendo, com isso, a
compreensão, a tolerância, o respeito e o intercâmbio multicultural.

Nesse contexto, ganha relevância o trabalho do educador social, especialmente por atuar além das
iniciativas convencionais de ensino, o que lhe permite desenvolver, com mais radicalidade, práticas
pedagógicas alternativas, direcionadas à transformação da realidade. Para essa missão, é preciso
coragem, intuição, percepção, compromisso social, maturidade pedagógica e capacidade de
trabalho em grupo.

Reinterpretar papéis

É difícil encontrar um educador pronto para participar dessa tarefa desafiadora: um educador que
compreenda a realidade socioeconômica e cultural que o cerca e que assuma responsabilidades
sociais e profissionais como agente de transformação social. É necessário investir na capacitação
desse educador, valorizando nesse processo a reflexão problematizadora sobre a prática
educativa. Ao serem confrontados com as condições sociais sob questão, os educadores vão
reinterpretando seus papéis, ampliando sistematicamente suas competências, e, assim, se
colocando a serviço de ideias e ideais de uma educação democrática e libertadora.

Para uma ação consequente, exigese do educador social uma visão problematizadora da realidade
que atravesse o saber que ele traz consigo, passe pelo referencial teórico apreendido e chegue até
o cotidiano que se quer transformar. Esse é o caminho para a formação de um educador
emancipado, ético, autônomo e, acima de tudo, político, que se articule com outros agentes do
processo educativo e se organize coletivamente para a construção permanente de um
conhecimento transformador e para elaboração conjunta de propostas de intervenção.

Para romper com práticas educativas equivocadas e discriminatórias, convém adotar, na formação
do educador social, uma visão de mundo profunda e crítica, como a proporcionada pelo
pensamento complexo (MORIN, 1998), que não fragmenta a realidade em relações binárias
(mal/bem, oriente/ocidente, certo/errado), mas a vê com entrelaçamentos inter-relacionados em
que cada elemento depende do outro. A partir desse novo olhar sobre a realidade, que amplia a
visão de mundo, da sociedade e do homem, será possível corrigir rotas, redefinir caminhos, rever
posturas inadequadas e buscar novas formas de trabalhar.

Pela prática reflexiva e problematizadora, o educador reinterpreta o seu papel como sujeito
histórico, crítico e criativo, passando a se reconhecer como sujeito da ação educativa,
transformador de sua história e da história social. Com essa visão crítica e transformadora, busca-
se entender as causas dos fenômenos e identificar seus efeitos, para poder resistir criativamente à
banalização do mal, das violências, às explorações sociais que há muito tempo têm, de forma
avassaladora, atingido o mundo inteiro, como guerras, devastação ambiental, preconceitos
religiosos, entre outros.

Junto com essa postura problematizadora e questionadora que se espera do educador social, é
fundamental uma postura de acolhimento e manifestação de amor e respeito ao outro, expressada
na disponibilidade para o diálogo e na valorização das relações solidárias. Quando nos sentimos
acolhidos, ouvidos, valorizados, integrados e amados, desenvolvemos a autoestima e nos
disponibilizamos para a aprendizagem.

É essa a proposta da chamada Pedagogia da Convivência (JARES, 2006), também conhecida como
“pedagogia do coração”, e que está no cerne do modelo educacional do Programa Integração
AABB Comunidade, objeto de reflexão de vários artigos neste Eixo do livro.

Pedagogia da Convivência
A Pedagogia da Convivência reconhece que são direitos legítimos da criança e do adolescente o
direito à liberdade, à dignidade, à integridade física, psicológica e moral, à educação, à saúde, à
proteção no trabalho, à assistência social, à cultura, ao lazer, ao desporto, à habitação, a um meio
ambiente de qualidade e outros direitos sociais, individuais e coletivos diante do Estado e da
sociedade.

A Pedagogia da Convivência se instaura no âmbito das relações sociais e da experiência concreta


do convívio cotidiano dos educadores com as crianças e adolescentes, pais, formadores,
mediadores e instituições. Ela se baseia, portanto, em determinadas relações sociais e em códigos
valorativos marcados pelo contexto de uma sociedade historicamente constituída. Compreende-se
assim que, embora os processos de convivência e os conflitos decorrentes sejam inerentes a todas
as formas de organização social, cada comunidade desenvolve, a partir do contexto social e
histórico do qual participa, acordos singulares de convivência. E esses acordos irão definir em que
patamares se darão os relacionamentos, as interações e as experiências afetuais propostas pela
Pedagogia da Convivência ou pedagogia do coração.

Visibilidade e inclusão

A negação do outro, diferente de mim, tem sido considerada, no mundo contemporâneo, um dos
piores fatores geradores de conflitos sociais, dissabores pessoais, revoltas e agressões, entre
outros. A invisibilidade do outro que está ao meu lado é um dos componentes do processo da
exclusão, seja ela causada por preconceito étnico, cultural, religioso, por discriminação de gênero,
opção sexual ou desigualdade social.

O ser humano não gosta de se sentir segregado, solitário, abandonado, pois essas situações
causam medos, angústias, esgotamentos físicos e emocionais, sentimentos de autodesvalorização,
impotência, fragilidade e desesperança. Somos seres integrais, plenos, que desejamos ser cuidados
e merecemos ser reconhecidos em nossa singularidade, exclusividade e potencialidade, para
participar da construção coletiva de possibilidades de uma vida comunitária saudável e profícua.

Se todos devemos estar entrelaçados, abraçados e inter-relacionados para viver em plenitude,


então precisamos ver e enxergar, ouvir e escutar, tocar e sentir uns aos outros. A Pedagogia da
Convivência propõe reaprender a utilizar nossos espaços de interação para melhor compreender o
outro e suas intenções. É necessária, para isso, uma ética do diálogo que estimule o
questionamento, com liberdade, sinceridade e respeito mútuo, sem determinação institucional.
Perguntar mobiliza quem questiona e quem formula a resposta.

O que define uma cultura é o conteúdo das redes de conversação que a compõe. Os processos
dialógicos acontecem entre os interlocutores, no espaço comum criado entre eles ou por eles. No
caso que estamos analisando, ocorre entre o educador e o educando, sujeitos do processo de
aprendizagem.

Olhar, reconhecer e acolher o outro significa percebê-lo sob várias e diversificadas dimensões
expressivas: na linguagem escrita, falada, na expressão corporal, na produção de imagens e
símbolos, enfim, em todas as possibilidades através das quais possa se expressar.

Cada pessoa se identifica com uma linguagem, ou seja, com uma forma de expressão. Por isso, é
importante que o educador social seja motivado e preparado a experimentar diferentes
linguagens, como teatro, música, dança, desenho, pintura, dobradura, colagem, expressão corporal
e outras técnicas. Em muitos processos educacionais, se nega, se manipula ou se permite a
expressão apenas da unidimensionalidade do ser.

Somos diferentes em relação à ideologia, crença, gênio, perspectiva, modo de vida, pensamento,
modos de entender o mundo, etc. Na leitura dos diferentes textos expressivos, podemos melhor
perceber a pluralidade da pessoa humana e a sua importância na composição do grupo.

Quando os seres humanos atingem, pelo convívio, a felicidade solidária compatível com a
dignidade humana, essa felicidade se eterniza na própria essência do viver. A fonte da renovação e
encantamento se situa no próprio desejo de amar e ser amado, e essa aspiração percorre todos os
momentos da vida, por mais fluidos que sejam, pois o que se busca é manter a relação de
confiança e companheirismo. Esse desejo pulsante é alimentado na Pedagogia da Convivência ao
propor que nos relacionemos de forma benévola com tudo e com todos.

Essa experiência amorosa do ser humano, concretizada em experiências diversificadas na vida e


particularmente na educação, necessita ser colocada no epicentro existencial, uma vez que possui
a capacidade dinâmica de mover nossos sonhos, nossas utopias, nossas perspectivas. Quando a
pedagogia do coração se instaura no corpo da proposta político-pedagógica de nossas ações
educativas, concretizase a base a partir da qual se poderá construir um outro mundo possível.

Experiência amorosa

Todo processo educativo sistematizado deve ter objetivos especificados e até mesmo metas
estabelecidas. Não podemos, porém, ansiar por resultados imediatos, com relação a qualquer
projeto educacional que proponha questionamentos e mudanças. Como se trata de um processo
de construção coletiva, é preciso reaprender a aguardar o nascer do dia, o cair da noite, a chegada
da primavera, as fases da lua, o desenvolvimento das idéias e dos ideais.

Os prazos estabelecidos em um processo sistematizado de ensino e aprendizagem devem ser


observados, mas essa percepção de uma temporalidade que transcende os calendários
administrativos tem que compor as expectativas dos educadores sociais, uma vez que cada
educando tem um ritmo singular de aprendizagem, de percepção do ciclo da vida e de apreensão
do mundo.

Um projeto de educação libertadora é de difícil aplicação e pode até mesmo gerar conflitos e
resultar em eventuais fracassos. Se defendemos uma educação democrática e comprometida com
valores da justiça, da paz e dos direitos humanos, temos que ser tolerantes e compreensivos
diante dos conflitos, que são inevitáveis, especialmente em ambientes em que se aceita a
diversidade.

Viver em comunidade exige saber conviver consigo mesmo e com os outros. Significa relacionar-
se com a igualdade e também com a diferença. Convivência humana pressupõe receber o outro
com hospitalidade, reconhecê-lo como semelhante, aceitá-lo com suas diferenças e respeitá-lo em
seu movimento, não admitindo, em qualquer hipótese, situações segregadoras, excludentes e
discriminatórias. Nesse sentido, o educador social deve privilegiar sempre a experiência amorosa,
pois esta se constitui em uma das forças mais poderosas em qualquer relação social, seja ela
individual, institucional ou grupal, e será fundamental no processo educativo.
O Programa Integração AABB Comunidade procura atuar dentro dos pressupostos aqui discutidos.
E investe na formação dos educadores sociais que participam do programa para que os princípios
e concepções afetivas façam parte de sua ação pedagógica, como um caminho para a construção
de uma nova geração de protagonistas cidadãos do Brasil. E assim, de sonho em sonho, vamos
construindo a realidade que almejamos: que é uma sociedade justa, igualitária e afetuosa.

DEMOCRATIZAÇÃO E UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO À ÁGUA: A EXPERIÊNCIA DO PROJETO


OLHOS N’ ÁGUA

Este artigo traz reflexões que podem contribuir com a formação sócio-histórica do educador
social, para que sua atuação seja balizada por uma concepção socioambiental, tendo como
perspectiva a democratização e universalização do acesso à água.

Partimos dos pressupostos teórico-metodológicos definidos no Projeto Olhos N’água, atividade


educativa complementar do Programa Integração AABB Comunidade, instituído pela Fundação
Banco do Brasil (FBB) e Federação Nacional das Associações Atléticas Banco do Brasil (FENABB),
com o objetivo de atender crianças e adolescentes com ações educativas complementares. Para
tanto, apresentamos as diretrizes político-ideológicas do projeto e os procedimentos
metodológicos utilizados em sua realização. É imperioso dizer que essa experiência com o Projeto
Olhos N´água marca posição no cenário político da educação socioambiental brasileira, pois
contribui para um olhar crítico sobre os diversos conflitos sociais decorrentes de problemas
ambientais. Também prepara educadores e educandos para a mobilização social com vistas a sua
atuação política nos diversos espaços democráticos da hidrografia.

Vale destacar que o desenvolvimento desse projeto se pautou, sobretudo, por uma estrutura
analítica, a partir da disputa dos projetos societários que buscam a apropriação da água de acordo
com interesses particulares.

Água: três olhares

Para se discutir projeto político no âmbito da disputa de poder pela apropriação da água,
precisamos considerar três projetos políticos1 presentes nas relações sociais com finalidades
distintas: a água concebida como mercadoria, como bem da humanidade e como direito
socioambiental.

A água como mercadoria – A água no sistema de produção capitalista é colocada, principalmente


pela elite dominante, como sendo mercadoria. Noutras palavras, é uma moeda de troca do câmbio
econômico e político, em que, sem sombra de dúvida, os mais afetados com essa conversão são as
populações que vivem em situação de vulnerabilidade social.

A água como bem da humanidade – Esse discurso é perceptível na atuação de representantes de


projetos societários distintos, inclusive de movimentos sociais e de intelectuais renomados. No
entanto, não se atenta para o perigo dessa posição, pois quando se defende a água como sendo
um bem da humanidade, os primeiros a chegarem para defendê-la são as agências multilaterais
“que cuidam da humanidade”, como a UNESCO, a ONU, dentre outras citáveis (aparentemente
terra de ninguém).

A água como direito socioambiental - Nesta perspectiva, a água deve ser reconhecida como sendo
ontológica à produção e reprodução da biodiversidade, inclusive da vida humana, portanto deve
ser assegurada a todos que dela necessitem. Mas a água não pode ser vista apenas como recurso
para exploração de quem quer que seja – ela precisa também ser concebida e cuidada devido ao
seu próprio valor de existência na composição do planeta Terra.

São distintas e complexas as tensões que envolvem a água, mas grosso modo temos uma
polarização visível contraditória: de um lado a luta de movimentos (populares, sociais, intelectuais,
gestores) para assegurar a água para todas as populações; de outro, a água é vista pelos grandes
grupos do capital como mera mercadoria de troca. Essa dualidade coloca em risco a segurança
nacional. Não é por acaso que o Exército Brasileiro vem desenvolvendo uma força tarefa para a
distribuição de água potável, principalmente para as populações que residem no campo. A falta de
água coloca o Estado brasileiro em risco, enquanto aparato social obrigado a responder pelo “bem
comum de todos os seus cidadãos”.

Olhos N’água: a água como direito de todos

A formação de educadores sociais deve pensar criticamente e proativamente como a educação


socioambiental pode contribuir para a garantia da democratização e universalização das águas,
delimitada por uma disputa de poder num imbricado campo de forças tensionado por distintos
interesses sociais.

É nessa perspectiva que se desenvolve o Projeto Olhos N’água. Sem ser o único, coloca-se como
uma iniciativa contrahegemônica frente ao projeto societário que compreende a água como uma
moeda de troca no câmbio social, que expropria não apenas as águas, superficiais ou
subterrâneas, mas também a infância de muitas de nossas crianças e adolescentes, inclusive as
atendidas no Programa Integração AABB Comunidade, que se submetem a trajetos longínquos
com peso insuportável ao carregar galões ou latas na cabeça ou nas costas. E o que é pior, ainda
que nem sempre carreguem água potável, precisavam consumi-la como se o fosse.

Portanto, escrever sobre o Projeto Olhos  N’água é manter viva uma paixão, uma luta social, uma
empreitada de compromissos constituídos por um processo participativo, impulsionado pela
concepção de educação socioambiental transformadora e, sobretudo, por meio do protagonismo
infanto-juvenil presente no Programa Integração AABB Comunidade.

Olhos N’água: ações integradas

Para uma melhor compreensão dos procedimentos metodológicos utilizados no projeto,


salientamos que é uma iniciativa presente em mais de 400 municípios brasileiros onde está
implantado o Programa Integração AABB Comunidade, que, por sua vez, atende mais de 50 mil
crianças e adolescentes dos distintos territórios do País.

O Projeto Olhos N’água se desenvolveu a partir de ações substanciais pautadas na experiência


metodológica, circunstanciada pela concepção socioambiental crítica, a saber:

a) Diagnóstico Nacional Socioambiental do Programa Integração AABB Comunidade – Foi


realizada pesquisa com a participação dos coordenadores pedagógicos, tendo como objetivo:
identificar a hidrografia local; conhecer as legislações estaduais e federais de recursos hídricos;
levantar as ações existentes de educação socioambiental; verificar as condições de preservação e
de acesso às águas e as condições humanas em relação aos problemas ambientais; e colher
sugestões que pudessem contribuir para o enfrentamento dos problemas identificados.
b) Encontros das Águas – Trata-se de encontros com coordenadores do Programa AABB
Comunidade nos locais onde o Projeto Olhos N’água está em desenvolvimento. O objetivo foi
mapear, socializar e ampliar as experiências de educação socioambiental e discutir a contribuição
do programa para a garantia socioambiental dos recursos hídricos, a partir da reflexão crítica e
participativa sobre a Lei 9.605/98 (crimes ambientais) e a Lei 9.433/97 (recursos hídricos).

Nesses encontros, foram elaboradas, também, propostas de ação multiplicadora dos conteúdos
debatidos para os demais programas que ainda não desenvolviam ações socioambientais.

c) Assessoria Pedagógica – A assessoria consiste em apoio político e pedagógico, fornecido a


distância por telefone, e-mail, fax e, pontualmente, com visitas presenciais.

d) Publicações de produções coletivas – Por meio de artigos ou de relatórios circunstanciados,


socializa-se com educadores, coordenadores e educandos o esforço coletivo desenvolvido no
projeto. Foram várias publicações nos módulos do Programa Educação Continuada a Distância do
Programa Integração AABB Comunidade, dando devolutiva do Projeto Olhos N’água, além dos
relatórios das ações multiplicadoras realizadas pelos coordenadores que haviam participado dos
Encontros das Águas. Esses coordenadores tiveram como meta contribuir com a capacitação de
outros municípios vizinhos que ainda não apresentavam experiência em educação socioambiental.

e) I Mostra Nacional de Educação Socioambiental do Programa Integração AABB Comunidade – A


mostra foi realizada em Brasília com o intuito de socializar e divulgar as experiências de educação
socioambiental realizadas no Programa Integração AABB Comunidade. É importante dizer que
participaram desse processo coordenadores e educadores, representando os seus respectivos
estados e regiões geográficas. Além disso, contamos com a participação de educandos nas
apresentações culturais sobre a importância de se preservar e garantir a água. Também
participaram desse momento representantes da Agência Nacional das Águas (ANA), da
Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM)2 e do Programa Nacional de Educação do
MEC – Ministério de Educação e Cultura.

f) Concurso de histórias em quadrinhos – O concurso teve como objetivo incentivar a produção


artística sobre a preservação e democratização das águas, potencializando, assim, o protagonismo
das crianças e dos adolescentes do Programa Integração AABB Comunidade. Para isso, houve
mobilização, por meio de e-mail e telefonemas aos coordenadores e educadores, para explicar a
importância da participação no concurso e informar sobre o edital que estabelecia como participar
e as formas de premiação.

g) Ações permanentes – O Projeto Olhos N’água conta com ações permanentes estruturais do
Programa Integração AABB Comunidade que dão substancialidade às suas ações, como o Curso
de Formação do Educador Social; Programa de Educação Continuada a Distância; Encontro
Nacional de Educadores, que ocorre de dois em dois anos com os coordenadores pedagógicos;
troca de experiência, que ocorre por meio de publicações dos programas locais, como o Jornal do
Educador da FENABB; e encontros regionais entre as próprias AABBs.

Olhos N’água: participação coletiva

O Olhos N’água é um projeto construído por muitas mãos. Envolveu diversos atores sociais,
saindo, assim, do interior do Programa AABB Comunidade e ganhando notoriedade e força social
na busca coletiva por ações concretas de resolução de problemas socioambientais identificados e
problematizados no decorrer do projeto. Muitos projetos de leis foram reformulados, políticas
públicas ampliadas, experiências socializadas, espaços democráticos ocupados, principalmente nos
Comitês de Bacias Hidrográficas.

Nesse sentido, o Projeto Olhos N’água tem na sua gênese e na sua desenvoltura uma concepção
socioambiental capaz de dar uma contribuição ímpar rumo à construção da garantia da água
como um direito socioambiental, rompendo, assim, com o paradigma estrutural das condições
violentas impostas às populações historicamente aviltadas dos seus direitos enquanto sujeitos
sociais. Desse modo, acreditamos que estamos contribuindo para o fortalecimento político-
ideológico da construção de outro projeto societário, guiado por princípios e valores da Carta da

Terra – respeito e cuidado pela comunidade de vida; integridade ecológica; justiça social e
econômica; e democracia, não violência e paz.

EDUCAÇÃO PARA O MUNDO DO TRABALHO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Se tendes o dom de ler as sementes do tempo, e dizer quais hão de germinar, e quais não, falai!
(William Shakespeare – Ato I de Macbeth)

O mundo do trabalho e das relações sociais vem passando por transformações em velocidade
inédita na história da humanidade. A ampliação do comércio mundial e a expansão do mercado
financeiro, aliadas às fortes ondas de inovações tecnológicas, vêm causando mudanças
significativas na estrutura de produção. Somam-se o desenvolvimento e a ampliação do acesso às
novas tecnologias de informação e de comunicação nas relações sociais e no mundo do trabalho,
e visualizamos um horizonte de demandas por trabalhadores com novas competências.

Assim como a revolução industrial resultou em mudanças no perfil do trabalhador, exigindo


aptidão para o desempenho de processos mais fragmentados e realização de atividades
repetitivas e mecânicas, atualmente se exige um novo trabalhador, com mais escolaridade,
capacidade analítica e formação generalista.

A despeito de todos os indicadores de oferta de emprego terem melhorado significativamente nos


últimos anos, temos ainda uma inserção bastante problemática dos jovens no chamado mundo do
trabalho. O desemprego juvenil continua sendo um problema social e a taxa de desemprego desse
grupo é muito maior que a de trabalhadores adultos. Especialistas e estudiosos vêm se
perguntando quais seriam as estratégias mais adequadas para uma inserção segura do jovem no
mundo do trabalho.

Historicamente, o ingresso no mundo do trabalho constitui-se em um dos marcos da passagem da


condição de jovem para a chamada vida adulta. Isso se mantém nas sociedades ocidentais
contemporâneas (Brasil inclusive), não sendo, porém, o único sentido que o trabalho do jovem
contém. O trabalho pode adquirir diferentes significados a partir da condição econômica do
sujeito. Por exemplo, nas classes trabalhadoras, na maioria dos casos, é uma imposição ditada pela
necessidade de contribuir para a subsistência familiar (na condição de filho, de marido ou pai).
Mas o trabalho pode adquirir outros sentidos para a juventude, como uma oportunidade de
aprendizagem, a conquista de uma certa autonomia econômica e a via de acesso ao lazer e à
cultura que os recursos advindos de seu trabalho podem propiciar. É fato que a produção e
consumo de bens culturais e de lazer numa comunidade dependem, também, da circulação de
recursos financeiros dos jovens.
Que mundo e que trabalho?

Para discutir a inserção do jovem no mundo do trabalho, temos que nos perguntar inicialmente
sobre que mundo e que trabalho falamos, pois vivemos num momento histórico em que as forças
produtivas se desenvolvem sob a égide do conhecimento, com mudanças profundas trazidas pelas
tecnologias de informação. Não podemos, porém, cair num discurso apressado de que tudo
mudou, encobrindo o fato de se tratar de um processo que não se dá do mesmo modo e no
mesmo ritmo em todos os recantos do planeta.

É preciso ponderar que as transformações ocorrem nas regiões econômicas mais dinâmicas e
atingem especialmente as organizações de grande porte. Ainda vivemos um momento de
convivência entre o tradicional e o inovador, entre o trabalho convencional e o trabalho com os
símbolos, entre os tempos da graxa e uma exuberante e caótica era do conhecimento. Não é difícil
encontrar ainda situações de convivência de um trabalho altamente qualificado ao lado de um
trabalho precário, degradado e, infelizmente, penoso. É esse mundo do trabalho, que transita
entre o novo e o antigo, que se apresenta aos nossos jovens. Desse modo, a pergunta seguinte
passa a ser como ajudá-los a se prepararem para essa realidade.

É na juventude que o indivíduo vai se constituindo como ser autônomo, principalmente pelas
relações com suas redes sociais: a família, a escola, a igreja, os amigos e sua comunidade, e pela
forma como se dá sua integração no mercado de trabalho. Diante do desafio de orientar esses
jovens que ingressam na vida adulta e no mundo do trabalho, devemos nos indagar de que modo
as exigências do sistema econômico e produtivo são interiorizadas e articuladas com os seus
desejos e expectativas, gerando uma coisa próxima da chamada escolha profissional. Num
contexto de vulnerabilidade econômica e social, há sempre o risco de adolescentes ingressarem de
forma prematura e precária no mercado de trabalho, ou, ainda pior, desenvolverem alguma
atividade econômica com o consequente abandono da escola.

Muitas vezes também a escolha do jovem é influenciada pela ideologia do mercado, reforçada,
não raramente, na escola e na própria família. Nesses casos, é mais do que urgente que se
envolvam a família e a escola na preparação do jovem para o mundo do trabalho.

Nos processos formativos dos jovens para o trabalho, discutia-se, no passado, o conceito de
qualificação como o saber do trabalhador que se associava à prática e à experiência.
Posteriormente, em vez do saber do trabalhador, o conceito de qualificação passou a se vincular
ao posto de trabalho e às demandas das máquinas. Hoje, o conceito de qualificação se relaciona
com as capacidades subjetivas e cognitivas do trabalhador, que passaram a desempenhar papel
tão ou mais relevante do que a sua capacidade técnica.

Os desafios atuais para os jovens que iniciam sua preparação para o mundo do trabalho
apresentam-se, portanto, de forma multifacetada e amplificada, pois o que se espera deles, como
trabalhadores, é que apresentem um conjunto de competências que vão além da habilidade
operacional. Não há atalhos individuais na busca dessa formação. As ações devem acontecer de
forma coletiva, envolvendo, além da família e da escola, o Estado e os governos, aliados às
iniciativas de projetos e programas, dos quais o AABB Comunidade1 é um bom exemplo. Também
devem envolver a execução de políticas públicas que impulsionem o mercado de trabalho e a
geração de renda, e estimulem o cooperativismo, o associativismo e a economia solidária.
Para os educadores sociais, o desafio é ir além do que está aparente e interpretar as necessidades
e demandas dos adolescentes e de suas famílias, e a partir do que realmente veem, planejar suas
atividades visando à preparação desses jovens para o mundo do trabalho e para a vida adulta. O
Programa AABB Comunidade assumiu o compromisso de contribuir para a construção de
respostas a algumas dessas questões. Dentre suas diversas ações, se preocupa em dar suporte e
atendimento às famílias dos jovens atendidos pelo programa, orientando-as para que não
permitam a inserção do jovem de forma precoce e precarizada em trabalhos aviltantes ou
indecentes para complementar a renda familiar, além da luta incessante pela erradicação do
trabalho infantil.

As estratégias pedagógicas da educação complementar devem ter como objetivo a formação do


jovem como cidadão, o que significa tornálo protagônico em seu meio social mais imediato,
partícipe das ações de caráter público de sua região e solidário na defesa dos direitos civis,
políticos e sociais em sua comunidade. Ainda que o atingimento desses objetivos seja desafiador,
não é suficiente, pois o jovem deve ser também preparado para o trabalho e para a vida
econômica, qualificando-se assim para a inserção cidadã e ativa no mundo social e do trabalho. De
certo modo, a Fundação Banco do Brasil (FBB) e a Federação Nacional das Associações Atléticas
Banco do Brasil (FENABB) incorporaram essa perspectiva no Programa AABB Comunidade por
meio do projeto experimental Educação para o Mundo do Trabalho.

Educação para o Mundo do Trabalho

Em 2009, por iniciativa da FBB, em conjunto com a FENABB e a PUCSP, foi elaborado e executado
um projeto em caráter experimental, então denominado Educação para o Mundo do Trabalho,
para atender os jovens de 14 a 18 anos que participavam do Programa AABB Comunidade.

Essa iniciativa ocorreu em cinco municípios brasileiros: Anápolis (GO), Araraquara (SP), Coronel
Vivida (PR), Marau (RS) e Quixadá (CE), envolvendo, além dos jovens, famílias, poder público e
empresários locais. O objetivo era, em nove meses, por meio de mobilização e articulação local,
aliadas a atividades pedagógicas, possibilitar ao jovem articular um projeto de inserção no mundo
do trabalho, levando em conta a realidade local e os conhecimentos adquiridos durante o projeto
experimental.

Por tratar-se de um experimento, alguns resultados foram muito interessantes e forneceram


subsídios para responder aos desafios tratados neste artigo: preparação e inserção do jovem no
mercado de trabalho. Foi possível concluir que as ações desenvolvidas no projeto podem
contribuir para estabelecer novos valores sobre o trabalho. A partir de uma forma crítica de
encará-lo, que permita compreender sua lógica, rompem-se alguns mitos, principalmente
advindos da publicidade e das mídias atuais, que valorizam a celebridade e enfatizam o sucesso
financeiro como medidor de realização pessoal e profissional. Os participantes rapidamente
compreenderam que a realização profissional passa pela formação, pela vida de estudos, pela
constituição de redes de apoio na família e na comunidade, e pela constituição de um projeto de
vida que transite em dois territórios: o dos sonhos e desejos, e o da realidade e necessidades
concretas.

Outro resultado relevante observado no processo experimental referese ao envolvimento dos


familiares, que compreenderam que o AABB Comunidade não faria um agenciamento de jovens
para as empresas locais, mas sim um trabalho de preparação para o mundo do trabalho e criação
de uma ambiência favorável a esses jovens, de modo a garantir no futuro uma inserção segura e
permanente na vida profissional.

O projeto mostrou a importância da constituição de uma rede de apoio social, para o


fortalecimento do jovem num momento crucial de sua vida, em que está conquistando níveis
crescentes de autonomia. Mostrou ainda que, por meio de estratégias coletivas que envolvam a
comunidade, é possível pressionar os governos por políticas de emprego e renda voltadas para a
inserção e permanência, no mundo do trabalho, dos jovens que desejam de forma digna prover o
seu sustento.

Em 2011, prevê-se a ampliação do projeto Educação para o Mundo do Trabalho, reconhecida a


importância da formação do jovem, por meio de práticas pedagógicas em educação
complementar. Afinal, aqueles que estão adentrando no mundo adulto buscam uma sociedade
generosa que os oriente a exercitar seus direitos, a reconhecer seus deveres e compromissos
sociais e, enfim, a definir os rumos de sua vida.

AABB COMUNIDADE: PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

Afagar a terra Conhecer os desejos da terra Cio da terra propícia estação E fecundar o chão. (Milton
Nascimento e Chico Buarque – Cio da Terra)

O Programa Integração AABB Comunidade tem como objetivo contribuir para a inclusão e
desenvolvimento educacional, com atendimento a famílias em vulnerabilidade social. O programa
está estruturado em dois grandes eixos que norteiam suas ações educativas: a Pedagogia dos
Direitos e a ludicidade. Além disso, tem fundamentação no Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) e integra os três pilares básicos da formação: a família, a escola e a comunidade.

Esses elementos corroboram a construção de projetos políticos pedagógicos adequados a cada


comunidade onde o programa se desenvolve. Em nível local, são promovidas as necessárias
adaptações, respeitando-se peculiaridades do lugar e contemplando ações esportivas, culturais,
ambientais e educacionais. Para tanto, o programa se desenvolve a partir do tratamento de temas
atuais considerados como transversais nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), mas
internamente considerados temas centrais. Entre alguns dos temas tratados, têm sido discutidos:
bullying, drogadição, sexualidade e, ainda, questões de relacionamentos administrativos e
pedagógicos.

Ao desenvolver essas novas atividades nos espaços das Associações Atléticas Banco do Brasil
(AABB), desde 1987, o programa transformou essas associações. O desafio foi ocupar com ações
de cidadania o tempo que antes era voltado apenas para o lazer dos funcionários do Banco do
Brasil. Vale destacar que, historicamente, essas pessoas marcaram suas vidas com envolvimento na
área de voluntariado e na construção de uma cidadania ativa.

O programa conta com os instituidores: Federação Nacional das AABBs (FENABB), Fundação Banco
do Brasil (FBB) e parceiros locais com responsabilidades distintas, mas com objetivos específicos e
comuns voltados para uma aprendizagem com intencionalidade pedagógica na formação de
cidadãos e cidadãs.

Com a entrada da Fundação Banco do Brasil, em 1996, e da Assessoria do Núcleo de Trabalhos


Comunitários da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (NTC/PUC-SP), em 1997, houve a
definição de eixos pedagógicos, de projeto político pedagógico, de planejamento e de ações
voltadas para investimento na formação dos educadores sociais. Também se estendeu a
participação na formação continuada a outros educadores dos municípios onde o programa
estava inserido.

A partir de atividades lúdicas, dialogicidade e criticidade democráticas, os textos são estudados,


discutidos e os relatórios enviados ao NTC. Os eventos formativos buscam reforçar, com encontros
posteriores, a premissa de que o conhecimento é condição prévia e imprescindível para quem
assume o compromisso de cuidar de crianças e adolescentes dentro desse projeto revolucionário
de educação.

Educador social: ser holístico e planetário

Os educadores sociais necessitam ampliar seus conhecimentos. Somente assim podem se assumir
como seres holísticos e planetários, aptos a lidar com a complexidade e a diversidade da
vulnerabilidade social. Ademais, devem permanecer abertos à sua formação continuada a
distância, fazendo o diferencial que o programa tem conseguido ao longo dos 23 anos de
existência, cujo marco ou divisor de águas, a nosso juízo, coincide com a entrada da Fundação
Banco do Brasil e do NTC.

Os princípios filosóficos adotados são fortemente assentados nos ensinamentos de Paulo Freire.
Particularmente, o programa enfatiza a tolerância, o respeito, a curiosidade, a esperança, a alegria,
o diálogo, a autogestão, a “desordem”, as ações de comunicação, o direito de sonhar, a acolhida, o
cuidar, tendo como ponto de partida a realidade de cada um, mas nunca numa perspectiva
individualista. Colocando todas essas importâncias de forma mais atual, podemos dizer que os
educadores sociais poderiam ser contemplados nos paradigmas holonômicos, diante das ações
desenvolvidas no programa. Nele, o imaginário e a utopia fazem parte da concretude dos sonhos
e da vida dessas pessoas.

A prática e a reflexão são ações indissociáveis da organização e da interterritorialidade,


necessidades prementes nas atividades educacionais, bem como das atitudes autogestionadas,
mesmo em se tratando de educação popular. Afinal, como modalidade socialmente engajada, a
educação popular se propõe à construção de uma sociedade democrática, de maneira constante,
nas ações comunitárias, com envolvimento das famílias, escolas, municípios e sociedade, tanto na
educação ambiental quanto na autossustentabilidade.

A práxis desses educadores sociais é, por certo, uma atividade consciente, podendo existir
somente na lucidez, na opção preferencial de saber cuidar. Ela é diferentemente aplicada a partir
dos saberes preliminares de cada educador ou educadora, embebidos de suas realidades e
entendendo que é nessas práxis, tão bem desenvolvidas em algumas localidades do País, que há
um por-fazer, e esse por-fazer é específico sobre o desenvolvimento da autonomia do outro ou
dos outros. Conforme Castoriadis (1982), práxis é o desenvolvimento da autonomia como fim e
utiliza para esse fim a autonomia como meio3.

A atividade de planejar é intrínseca à educação, pois evita o improviso, fortalece as ações de


acompanhar e avaliar a própria ação. Os modelos de administração e gestão exigem documentos
formais para registro e conhecimento das ações realizadas, e isso tem exigido dos educadores
sociais mais essa atividade que é feita e ainda pouco documentada.
Há uma exigência de gestão pelas implicações econômicas, políticas e culturais, portanto, uma
necessidade de unir mais o administrativo com os atos pedagógicos e com as abordagens
interdisciplinares e da multirreferencialidade4. Mas esse registro tem também valor histórico e
serve de orientação aos futuros educadores. Daí a importância de entender o Projeto Político
Pedagógico do Programa, pois é a partir dele que os educadores se reúnem e discutem: Que
atividades irão desenvolver? Que tipo de cidadãos se quer formar? Que projeto de sociedade se
pretende construir?

A música Cio da Terra (Milton Nascimento e Chico Buarque) representa muito o estado desses
educadores. Esses, por sua vez, representam o alimento (espiritual e material), a doçura (o afeto, o
cuidar e o se lambuzar naquilo que faz) e, principalmente, o desejo (vontade política, voluntariado
e ação) de transformar com iniciativas que provocam a construção de políticas públicas fundadas
nas necessidades demandadas da sociedade.

Envolvimento e compromisso

A FBB encomendou uma avaliação externa do Programa Integração AABB Comunidade, em 2005,
à EMP Consulting. Entre os resultados encontrados, foi relevante a diferença entre os educadores
que participaram da formação prevista no programa e os que não participaram. Em 2007- 2008, a
Fundação encomendou um estudo externo avaliativo à mesma EMP Consulting e foram
comprovados, dentre outros avanços, mais uma vez, o importante papel dos educadores sociais,
seu envolvimento e compromisso com o programa.

Então, diante de uma orientação sobre o Projeto Político Pedagógico do Programa – sua filosofia,
seus eixos de atuação –, percebe-se que cresce e se edifica a consciência e necessidade dos
educadores sociais na busca de novos conhecimentos. Nesse contexto, destacase a realização de
encontros para troca de experiências. Cada vez mais, esses educadores estão estudando, cursando
graduações, pós-graduações, mestrados, doutorados. Ou seja, eles sabem que o problema da
complexidade não é da completude, mas o da incompletude e das lacunas do conhecimento.

Ensinantes e aprendentes

O sistema escolar convencional foi criado por forças políticas distantes das salas de aula. Os
“pacotes pedagógicos” eram feitos em gabinetes. O diferencial do sistema educacional utilizado
nos espaços sociais das AABBs é que, entre o estudo dos textos e as tarefas realizadas, acontecem
mobilizações com as questões ambientais, com a alimentação sustentável e com as campanhas
pontuais em cada localidade.

Paulo Freire nos diz: “Para que os professores se transformem, precisamos, antes de mais nada,
entender o contexto social do ensino, e então perguntar como é que esse contexto distingue a
educação libertadora dos métodos tradicionais” (1986, p. 45-46). A educação popular e libertadora
implantada no programa, conforme os princípios freireanos, é fundamentalmente uma situação na
qual tanto educadores como educandos devem ser os que aprendem, os verdadeiros ensinantes e
aprendentes.

A principal consequência da sociedade do conhecimento, que hoje está posta, é a necessidade de


uma aprendizagem ao longo de toda a vida. Por conta dessa demanda, são adotados os quatro
pilares da educação defendida em relatório enviado à Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), por Jacques Delors (1998), com os temas fundamentais
de conhecimento que podem funcionar como bússola para nos orientar rumo ao futuro: aprender
a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver junto e a conviver com os outros; e aprender a ser,
compreendendo que a dialética constitui-se, até hoje, no paradigma mais consistente para analisar
o fenômeno da educação.

A riqueza do programa é traduzida em variadas formas de linguagem e expressão: música (canto


coral), desenhos, pinturas, peças teatrais, poemas, poesias, fortalecimento da palavra oral e escrita,
construção de livros, participação em fóruns diversos. E essas atividades são desenvolvidas de
maneira que o texto sirva de pretexto para se conhecer e analisar os contextos.

No que tange à motivação, o programa é movido pela alegria, compromisso, diversidade e busca
da consciência política, em que educadores, educandos e familiares são protagonistas de ações
ousadas, fincadas na adversidade e coragem daqueles que se solidarizam com esse público em
vulnerabilidade social. Aqui, mais uma vez, Paulo Freire é chamado a nos mostrar com sua
sabedoria que ensinar é estar aberto ao novo, é saber conviver com o diferente para alcançar o
objetivo maior, que é uma sociedade mais justa e fraterna.

Para encerrar, trago este trecho de um texto de Frei Betto, que nos ajudará a refletir sobre a
formação do educador e sobre nosso projeto de sociedade:

Tenho certeza de que nada torna uma pessoa mais feliz do que empenharse em prol da felicidade
alheia: isto vale tanto na relação íntima quanto no compromisso social de lutar pelo “outro mundo
possível”, sem desigualdades gritantes e onde todos possam viver com dignidade e paz. (BETTO,
2009).

Diz ainda Frei Betto que o direito à felicidade deveria constar na Declaração Universal dos Direitos
Humanos. E que os países não deveriam mais almejar o crescimento do PIB, e sim do FIB – a
Felicidade Interna Bruta.

6° Módulo: Educação Complementar

CONTINUAÇÃO DO MÓDULO ANTERIOR

COMBATE À VIOLÊNCIA NA FAMÍLIA, ESCOLA E COMUNIDADE

Vivemos em uma sociedade em que a cultura da violência assume contornos bastante explícitos.
Os desenhos animados da TV, as novelas, os filmes e os livros que propagam e até incitam a
violência; as lutas de boxe, os ringues de vale-tudo, as corridas de Fórmula , as touradas, o
treinamento dos conscritos, as exigências escolares, os abusos patronais, as leis com suas
obrigações irracionais, as mentiras sedutoras da mídia/marketing são apenas algumas das formas
evidentes da violência incorporada nas práticas sociais. Como combater essas e tantas outras
espécies de violência?

Diz-nos a pesquisadora Marilena Chauí:


Em nossa cultura a violência é entendida como o uso da força física e do constrangimento psíquico
para obrigar alguém a agir de modo contrário à sua natureza e ao seu ser. A violência é violação da
integridade física e psíquica, da dignidade humana de alguém. Eis que o assassinato, a tortura, a
injustiça, a mentira, o estupro, a calúnia, a má-fé, o roubo são considerados violência, imoralidade e
crime. (CHAUÍ, 2000, p. 337).

Assim como as pessoas, outros seres e elementos da natureza sofrem violência direta causada por
ações humanas. A violência se opõe à ética, pois trata seres racionais ou irracionais com
desrespeito e descuido, objetificando a vida em suas múltiplas formas de manifestação. É próprio
da violência perturbar acordos e regras que pautam as relações, o que lhe confere uma carga
negativa, define A. Zaluar (2000). A violência gera sofrimento, causa danos físicos e psicológicos,
humilhação, desespero, desamparo, desesperança e anuncia a barbárie da qual todos podem ser
vítimas.

O neuropsicólogo norte-americano James W. Prescott aponta para outra etiologia da violência:

A privação do prazer físico-sensorial é a principal causa da violência. Experiências com animais em


laboratórios revelam que prazer e violência têm uma relação recíproca: a presença de um inibe a do
outro. Entre os seres humanos, uma personalidade predisposta ao prazer raramente demonstra
comportamentos agressivos, já uma personalidade violenta tem pouca capacidade para tolerar,
experimentar ou apreciar atividades prazerosas. (PRESCOTT, 1975, p. 239).

Educação social como proposta de mudanças

Se a agressividade é inata e necessária à sobrevivência dos indivíduos, mas ao mesmo tempo é


capaz de ferir, destruir, oprimir e subjugar, como modificar esse comportamento? Como dirigir o
impulso agressivo, competitivo e combativo para a promoção da paz? Para produzir mudanças
positivas significativas no comportamento dos indivíduos em relação à violência, é preciso uma
educação com base em valores humanos. De acordo com Seabra (1994), a escola tem sido,
durante anos, um local que se identificou com o trabalho, que em nossa sociedade nada tem a ver
com prazer. Assim, o lúdico, o colorido, o mágico ainda não encontraram o espaço necessário
nessa instituição, por natureza, séria, austera e inflexível. Essa é a escola que tem marginalizado
tantos alunos, que deveria formar para a bondade, a paz e a cidadania.

O Brasil é um país plural, com diferenças regionais e intrarregionais. Seja nas grandes metrópoles
ou no campo, milhões sofrem com a falta de escolas de boa qualidade. Do total de 1,8 milhão de
professores que lecionam na rede pública de ensino, 594 mil não têm curso superior. Outros 127
mil trabalham em áreas diferentes daquelas nas quais se formaram. Os dados fazem parte de um
estudo do Ministério da Educação, com base no Censo Escolar 20071. A equação é simples: baixa
qualificação  docente conduz a níveis sofríveis de escolaridade. Precisamente nesse contexto se
insere o educador social, cuja base laboral envolve indivíduos em situação de vulnerabilidade
socioeconômica, principais partícipes de programas e projetos sociais.

Tais educadores devem assumir não apenas um caráter pedagógico, mas também político e
ideológico. A ideologia de uma educação baseada em respeito real e profundo pelo ser humano,
pelo apoio às pessoas (homens, mulheres, crianças, adolescentes e suas famílias) no
desenvolvimento de competências que as empoderem na resolução dos problemas individuais e
grupais. Empoderar um indivíduo é torná-lo capaz de entender e atuar dentro de sua comunidade,
através de suas próprias perspectivas, conhecimentos e habilidades.
Aquisição de competências de intervenção

Ao conversarmos com educadores  sociais sobre o modo como eles estão lidando com os
problemas comportamentais dos seus educandos, tais como violência doméstica, bullying,
agressividade, drogas, sexo, indolência, irresponsabilidade e tantos outros, percebemos que
algumas atitudes representam uma verdadeira quebra de paradigma em relação ao modelo
tradicional de ensino, que mantinha uma distância afetiva muito grande entre o professor e o
aluno. Talvez o distanciamento, proposital ou imposto pelas estruturas institucionais, decorresse
do despreparo das instituições de ensino e dos professores para lidarem adequadamente com os
problemas. Por outro lado, ainda há o medo da transposição de limites, da mistura de papéis.
Educadores receiam ter atitude maternal/ paternal na relação pedagógica com os seus alunos.

É essencial que os educadores sociais ressignifiquem seus papéis e desenvolvam competências de


intervenção, como facilidade de comunicação, dinamismo, criatividade, liderança e iniciativa, para
realizar com eficácia o trabalho de mediador no grupo de alunos sob a sua responsabilidade.

A capacidade para atuar como mediador e conhecer a realidade de seus alunos em todas as
dimensões (pessoal, social, familiar e escolar) é de fundamental importância para que, de algum
modo, o educador ofereça possibilidades permanentes de diálogo, sabendo ouvir, sendo empático e
mantendo uma atitude de cooperação, e possa proporcionar experiências de melhoria de qualidade
de vida, de participação, de tomada de consciência e de colaboração consonantes aos próprios
projetos de vida do aluno. (GONZALEZ, 2005, p. 107).

Não existe receita pronta quando se trata da imensa mutabilidade, imprevisibilidade e demandas
das necessidades humanas, especialmente de crianças e adolescentes. Apesar disso, os educadores
devem tratálos de forma que eles se percebam como sujeitos livres e responsáveis por seus atos.
O educador social deve ter embasamento teórico e experiência prática para tal. Encontrar
respostas não significa resolver o problema, mas, sim, desencadear ações para que ele seja
solucionado.

É papel do educador social o desenvolvimento do senso crítico e da consciência dos educandos


quanto ao valor do exemplo, das atitudes e comportamentos exibidos dentro e fora do ambiente
educacional. Eles devem ser incentivados a aprender por sua própria experiência e a partir dos
próprios erros, assumindo a responsabilidade sobre suas decisões e ações. Do mesmo modo, o
comportamento não ético de um educador poderá interferir negativamente na interação com os
seus educandos.

Na práxis educativa, o educador social terá a oportunidade de demonstrar com exemplos o


exercício da cidadania, envolvendo pais, alunos e demais membros da comunidade. Ao propor
ideias que possam melhorar a condição de vida comunitária, ao emitir opiniões e sugestões sobre
como tornar o bairro, a cidade, o país e o mundo melhor, o educador estará promovendo uma
cultura de paz e combatendo a raiz da violência. Ao propor alternativas que provoquem mudanças
positivas no meio ambiente, combate ao desemprego, redução da pobreza e de tantos outros
problemas sociais, o educador consolida o processo educacional que terá continuidade em outros
setores da sociedade. A discussão aberta, franca e honesta sobre os problemas socioeconômicos,
a batalha contra a pobreza, a luta pela justiça social e o enfrentamento do problema da violência
servirão para o desenvolvimento de competências indispensáveis à comunidade. Os efeitos
positivos resultarão em novas propostas de intervenção solidária que privilegiam o respeito aos
valores humanos e consideram a diversidade sociocultural das populações onde está inserido o
educador.

Especialmente no que diz respeito ao combate à violência em suas múltiplas formas, o educador
social se configura como o profissional que tem um olhar diferenciado ante as circunstâncias que
lhe são apresentadas, pela aquisição de sensibilidade social. A educação social tem capacidade
metaeducativa, na medida em que auxilia o educador a lidar com a resiliência, a desenvolver sua
capacidade de superação das adversidades e a resistência às frustrações, a reagir, deixar o
sofrimento para trás e recuperar-se em prol de uma causa maior.

EDUCAÇÃO COMPLEMENTAR: A EXPERIÊNCIA DA FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL

Em novembro de 1986, foi concebido pela Federação Nacional das Associações Atléticas Banco do
Brasil (FENABB) e pelo Banco do Brasil o projeto Integração AABB Comunidade. Esse projeto se
baseava em uma abertura das Associações Atléticas Banco do Brasil (AABB) para a comunidade,
por intermédio de dois focos de ação: inclusão de pessoas do local como sócios das AABBs e
disponibilização das instalações nos momentos ociosos para crianças e adolescentes de famílias
de baixa renda que frequentassem escolas da rede pública, na faixa etária de 7 a 16 anos, para
desenvolvimento de atividades lúdicas e reforço escolar. Assim, em agosto de 1987, têm início as
atividades em 16 AABBs, em caráter experimental.

Em 1996, a Fundação Banco do Brasil (FBB) aliou-se à FENABB para expansão do Programa
Integração AABB Comunidade. Em setembro desse ano, foi promovido o lançamento da parceria,
contemplando, em caráter experimental, 2.266 crianças e adolescentes nas 16 AABBs que
desenvolviam o programa.

Em julho de 1997, o programa incorporou proposta metodológica desenvolvida pelo Núcleo de


Trabalhos Comunitários da Pontifícia Universidade Católica (NTC/PUC-SP), tendo como princípio a
Pedagogia dos Direitos, a leitura da realidade social e a valorização da cultura do educando, da
família e da comunidade. O programa é fundamentado no Estatuto da Criança e do Adolescente –
ECA e tem como objetivo a complementaridade escolar, desenvolvida por meio de atividades
lúdicas em torno de áreas como saúde e higiene, esporte e linguagens artísticas, possibilitando a
construção de conhecimentos, o acesso à cidadania e a inserção social. O público atendido é
formado por crianças e adolescentes na faixa etária de 6 a 18 anos incompletos e o programa é
conduzido nos locais por educadores sociais e um coordenador pedagógico.

Os educadores são selecionados pelos parceiros locais e devem ter:

• Formação/experiência nas áreas de educação, esporte, arteeducação, complemento educacional


ou de saúde. Verificam-se, no Conselho Regional da área, as normas vigentes na região.

• Motivação para desenvolver ações complementar es à escola.

• Disposição para concretizar os objetivos do programa a partir das premissas estabelecidas.

Para o coordenador pedagógico, deverá ser observado ainda:

• Disponibilidade e habilidade para coordenar equipes de forma democrática e compartilhada.


• Capacidade de mediar conflitos.

• Disponibilidade para desenvolver trabalho integrado: família-escolacomunidade.

• Formação superior na área de educação (licenciatura).

O AABB Comunidade está presente hoje em 400 municípios de 26 estados brasileiros. Em 2010, o
programa contou com 51.822 mil educandos inscritos, e 3.735 educadores. Os instituidores do
Programa AABB Comunidade investem na formação dos educadores com as seguintes ações:
formação inicial, formação continuada à distância, encontros nacionais bianuais e capacitação em
projetos transversais.

Ações de capacitação

As normas determinam, como condição indispensável para o educador social atuar no programa,
fazer o curso de formação inicial. Está a cargo da FENABB oferecer o curso de formação inicial de
40 horas (uma semana), arcando com despesas de deslocamento, hospedagem e alimentação dos
participantes. O conteúdo envolve metodologia e proposta políticopedagógica. Esse conteúdo é
reforçado com os módulos da formação continuada a distância.

Encontros Nacionais de Educadores

Para dar continuidade à formação dos educadores do Programa AABB Comunidade, a cada dois
anos os instituidores realizam um encontro nacional de coordenadores pedagógicos com o
objetivo de resgatar as dimensões do Projeto Político Pedagógico do Programa, além de ser um
espaço de socialização das experiências vivenciadas nas localidades onde ele está presente. Cada
coordenador tem a responsabilidade de, ao voltar para sua comunidade, multiplicar para sua
equipe pedagógica todos os temas trabalhados e as diretrizes construídas no Encontro.

Até 2008, os Encontros, ainda que denominados nacionais, eram realizados regionalmente. O VII
Encontro de Educadores, em agosto de 2010, foi também o I Encontro Nacional, reunindo
coordenadores dos 400 municípios onde o programa funciona. Foi uma experiência exitosa, que
atendeu uma antiga reivindicação dos coordenadores de poder trocar ideias com participantes de
outras regiões.

Capacitação em projetos transversais

Entende-se por projetos transversais ações definidas pela FBB e FENABB, no âmbito do Programa
AABB Comunidade, que têm como objetivo o desenvolvimento de temas específicos nos
municípios onde está presente o programa. Podemos citar como exemplo os projetos: Olhos
N’água1, Alimentação Sustentável, Educação para o Trabalho, Jogos Cooperativos, Vozes do Brasil.

Para cada um desses projetos, foi planejada uma capacitação específica para o educador sobre seu
eixo temático. Assim, para o projeto Olhos N’água, que tem como objetivo contribuir para a
educação socioambiental, foi prevista a formação permanente do educador, com encontros
regionais e um nacional. Toda a assessoria pedagógica foi feita pelo NTC/PUC-SP, que, em
conjunto com a FBB e a FENABB, definiu as melhores ações dentro do projeto para serem
apresentadas na mostra nacional.
Para o projeto Alimentação Sustentável, cujo objetivo é inserir o tema “alimentação inteligente”
nos programas da FBB, a formação foi dada a um educador e a uma merendeira, que têm a missão
de multiplicar o conteúdo aos educandos e suas famílias, tanto do programa BB Educar como do
AABB Comunidade. A continuação desse projeto resultou na implementação do projeto Fábrica de
Multimisturas.

O projeto Educação para o Trabalho, também vinculado ao AABB Comunidade, tem por objetivo
promover a integração social e a iniciação dos adolescentes no mundo do trabalho. Para atuar
nesse projeto, foram capacitados o coordenador e um educador pelo NTC/PUC-SP, com um curso
de cinco dias. Eles têm a missão de multiplicar os conteúdos do curso para os educadores do
programa de sua cidade e para os parceiros locais.

O projeto Jogos Cooperativos visa capacitar os educadores físicos do programa e da rede


municipal de ensino das cidades participantes para disseminar a cultura da cooperação entre os
educandos do programa e alunos da rede de ensino. São dois dias de oficina, intercalando teoria e
prática.

O projeto Vozes do Brasil tem como objetivo incentivar a atividade musical dentro do Programa
AABB Comunidade, por meio da formação de corais, de forma sistematizada, para despertar a
musicalidade e a sensibilidade dos educandos. Foram escolhidas 25 cidades que já tinham alguma
ação voltada para música e corais. Em novembro de 2010, foi realizado um workshop, que
envolveu o coordenador e o regente das cidades escolhidas, que serviu para padronizar os
procedimentos de formação e manutenção dos corais.

Fazendo maravilhas

Após seis anos de convívio diário com os educadores, não resta dúvida de que o principal pilar do
programa reside neles, que conseguem fazer maravilhas com os educandos, dando-lhes uma
perspectiva de vida diferente da que a eles estava destinada.

Trabalhar com o público que faz parte do programa é uma tarefa para quem tem
comprometimento com o próximo e demanda planejamento, seriedade, persistência e
profissionalismo. O educador, ao iniciar sua trajetória no programa, se apaixona de tal maneira
pelo trabalho que passa a considerar os educandos como uma extensão de sua família. E para
esses educandos, o educador deseja o melhor, e por eles luta e se entrega. Não são poucos os
depoimentos de educadores que se envolvem de tal maneira com os educandos a ponto de ir às
últimas instâncias para resolver os problemas deles.

É óbvio que toda essa dedicação precisa ser alicerçada por uma formação que dê equilíbrio às
ações, das mais simples às mais complexas. E a preocupação com essa formação fica evidenciada
nas capacitações realizadas nos projetos transversais. Sabemos que, para se obter um resultado
positivo, é fundamental que o coordenador, ao retornar dessas capacitações, multiplique a sua
aprendizagem com os demais educadores.

Apesar das avaliações favoráveis dos participantes e dos bons resultados dos cursos, temos muito
a aprimorar nos processos de formação contínua dos educadores sociais. O desafio é fazer uso das
novas tecnologias de informação e comunicação e desenvolver programas de educação a
distância através da internet. Essa metodologia nos permitirá difundir ações de capacitação para
todos os lugares onde existam educadores sociais atuando e ampliar as oportunidades de
participação em cursos.

A FBB e FENABB estão certas de que é o trabalho dedicado dos educadores sociais e os
investimentos em sua formação e capacitação que fazem do AABB Comunidade o maior programa
de inclusão social de crianças e adolescentes da América Latina.

7° Módulo: Inclusão Digital

A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DO EDUCADOR SOCIAL – INCLUSÃO DIGITAL

Inclusão digital: o papel do educador social na efetividade das iniciativas

O desafio deste artigo, que abre o capítulo Inclusão Digital, é conseguir traduzir, em palavras e
conceitos tão múltiplos quanto os olhares que nos leem, a importância dos educadores e
educadoras sociais nos processos de inclusão digital da população. Isso tem a ver com colocar as
pessoas no centro do debate sobre as tecnologias de informação e comunicação (TICs).

Para isso, vamos contextualizar a inclusão digital, apresentando a multiplicidade de ideias e valores
em torno do termo. Pretende-se contribuir para a visão de que a inclusão digital é um novo direito
de cidadania, necessário à garantia dos direitos historicamente consagrados. E isso pressupõe
considerá-la não apenas como acesso e uso, mas como apropriação efetiva das tecnologias
digitais de informação e comunicação pelas pessoas.

A segunda contribuição deste artigo se refere ao “como fazer” inclusão digital nesse contexto.
Apresentam-se aspectos que programas e projetos de inclusão digital têm demonstrado ser
fundamental na formulação e execução de ações. A discussão em torno das condições de
efetividade das iniciativas dessa inclusão nos traz, necessariamente, ao foco nas pessoas e no
desenvolvimento de habilidades específicas relacionadas à apropriação tecnológica. Compreende-
se que essas dinâmicas não são estanques. São necessárias, portanto, a construção e reconstrução
contínua por todos os atores envolvidos, para que possamos avançar na inclusão digital como
ferramenta de cidadania, tendo o educador social papel fundamental nesse processo.

Pretende-se, com isso, situar os demais artigos que compõem esta seção e que abordam casos
práticos de “como fazer” inclusão digital centrada nas pessoas, englobando a garantia de direitos,
o aprofundamento da democracia e, ainda, a participação do conjunto da sociedade nos
processos de desenvolvimento e governança das tecnologias da informação e comunicação.

Inclusão digital: conceitos

Ações de promoção da inclusão digital se pautam pela visão de que a disseminação de


tecnologias digitais de informação e comunicação, como a conhecemos, vem alterando
profundamente a dinâmica da sociedade. O formato digital permitiu que se desenvolvessem novas
formas de organizar, combinar, processar, armazenar, difundir e fruir informações, além de
possibilitar o surgimento de novas possibilidades de comunicação em rede. As TICs digitais foram
incorporadas não apenas em âmbito econômico, mas também social, político, cultural e em outras
diversas dimensões da vida humana (CASTELLS, 1999).
No Brasil, apesar da crescente presença das TICs em todas as esferas da vida social, a desigualdade
em termos de acesso e uso reproduz as persistentes desigualdades socioeconômicas individuais e
regionais. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, 2005 – apontou que 31,9
milhões de pessoas (21% da população à época) haviam acessado a internet nos três meses
anteriores à pesquisa (BRASIL, 2005). Em 2009, esse contingente havia aumentado para 67,9
milhões, ou seja, 35,4% da população (BRASIL, 2009). Ainda que a evolução seja notável e tenha
ocorrido num contexto de expansão econômica com forte atuação do governo federal no estímulo
à inclusão digital, a disseminação ainda precisa garantir uma distribuição mais uniforme entre o
conjunto da população.

De acordo com a pesquisa TIC Domicílios e Usuários, do Centro de Estudos sobre Tecnologias da
Informação e da Comunicação (CETIC.br) do Comitê Gestor da Internet Brasil (CGI.br) há uma
diferença expressiva na distribuição do acesso à internet por faixa de renda e estratificação social.
Em 2009, 85% de indivíduos da classe A tinham acesso freqüente à internet, mas o percentual se
reduzia progressivamente conforme decrescia a condição socioeconômica do respondente: 72%
da classe B; 42% da classe C; e somente 14% das classes D e E. Outro indicador é o percentual de
indivíduos que nunca havia tido acesso à internet: nas áreas urbanas, 51% em 2009; nas rurais,
77% (CETIC.br, 2009).

Contudo, os dados de acesso são apenas um primeiro indicador. Isso porque é possível identificar
ao menos três formas de se compreender o que é inclusão digital: a) acesso às TICs; b)
“alfabetização digital”; e c) apropriação das tecnologias. Inclusão digital, como acesso à
infraestrutura de TICs, se concentra nas condições materiais de uso de bens e serviços de
informática e telecomunicações (computadores, telefones celulares e outros dispositivos, além das
redes técnicas, especialmente a internet).

Para além do acesso aos meios físicos, há a vertente que compreende a inclusão digital como
“alfabetização digital”, reconhecendo a necessidade de se desenvolverem habilidades de uso das
tecnologias. Há, ainda, quem defenda a inclusão digital como apropriação das tecnologias. Para
esta última vertente, as pessoas não devem ser apenas consumidoras das TICs, mas capazes de
compreender o significado desses meios, reinventar seus usos e interferir no processo de
desenvolvimento tecnológico.

Além dessas três abordagens, deve-se considerar que não existe uma divisão simples entre
incluídos e excluídos digitais. O que se percebe são formas bastante desiguais de acesso e
capacidade de uso das tecnologias de informação e comunicação, relacionadas a dinâmicas sociais
mais amplas do que a dimensão tecnológica em si, e, também, decorrentes da lógica que
propulsiona o desenvolvimento das TICs. Afinal, as tecnologias não se desenvolvem
“naturalmente”. A intensificação do uso dessas tecnologias na sociedade tem início nos países
centrais do capitalismo, sendo progressivamente expandida aos países periféricos. Esse processo
em escala mundial decorre de escolhas deliberadamente provocadas por sujeitos históricos,
movidos por interesses e intencionalidades, e não devido a uma propriedade natural das
tecnologias de se expandirem, como supõe o determinismo tecnológico embutido em algumas
visões sobre inclusão digital.

O contexto de disseminação das TICs digitais no final do século XX se deu sob um forte
predomínio da lógica de mercado se sobrepondo à lógica da cidadania. Isso significa que o
desenvolvimento dessas tecnologias foi e permanece sendo mais fortemente movido a gerar lucro
e expansão de negócios para as empresas do que a promover cidadania e dignidade a seres
humanos em todo o mundo. A obsolescência programada dos produtos, o predomínio de
hardwares e softwares fechados, o acesso a conteúdos mediante pagamento são elementos de
uma economia digital capitalista que se move essencialmente pelo lucro.

Não é do mercado a tarefa de garantir que os benefícios oriundos do usufruto das TICs estejam
disponíveis de maneira equânime ao conjunto das pessoas. Também não faz parte das tarefas do
mercado promover que os diversos interesses presentes na sociedade tenham a possibilidade de
participar dos processos de desenvolvimento e governança dessas tecnologias. Disseminadas sob
uma visão predominantemente de mercado, a distribuição das TICs se concentra segundo a lógica
da sociedade de consumo, ou seja, de diferentes capacidades de aquisição e habilidades de uso.
Por isso, o acesso às TICs digitais reflete desigualdades sociais historicamente construídas.

Mas há quem não se contente com essa tendência predominante. São iniciativas de inclusão
digital que buscam trazer as pessoas para o centro do desenvolvimento tecnológico, promovendo
dignidade e cidadania. Além da apropriação dos aparatos técnicos, a inclusão digital, com foco nas
pessoas, deve possuir interfaces com as áreas de educação, saúde, cultura, assistência social,
previdência, geração de emprego e renda, além de todas as outras dimensões dos direitos de
cidadania. É, sobretudo, nas possibilidades de integração com atividades dessas diversas
dimensões que a inclusão digital mais tem a oferecer.

Inclusão digital: o importante são as pessoas

Apresentado e contextualizado o conceito de inclusão digital, cabe aprofundar o “como fazer”.


Segundo Warschauer (2006), as ações de inclusão digital devem garantir quatro tipos de recursos
para serem bem sucedidas: infraestrutura física (equipamentos e conectividade); recursos digitais
(softwares e conteúdos); recursos humanos (pessoas e sua formação em habilidades específicas de
uso e apropriação das TICs); e recursos sociais (legitimidade da inclusão digital na sociedade e nas
comunidades onde se desenvolvem as ações).

Mas não basta garantir que esses recursos estejam presentes e instalados. Eles precisam ser
mantidos e atualizados de maneira contínua, ao menos para acompanhar o desenvolvimento
tecnológico – ou, ainda melhor, para que a comunidade possa participar ativamente desse
desenvolvimento. Fundamental ao processo de inclusão digital efetiva é a apropriação da gestão
dos recursos instalados pelas pessoas às quais as iniciativas se dirigem, ou seja, pelas comunidades
locais em que as ações se desenvolvem.

Ainda que na teoria pareça simples, a garantia desses recursos e das ações a eles relacionados
consiste no principal desafio das iniciativas de inclusão digital. São necessárias estratégias que
coloquem em andamento dinâmicas voltadas à gestão continuada desses processos.

Gestão diz respeito ao financiamento das ações, ao envolvimento de instituições que mobilizem
suas capacidades para o apoio às atividades, e a mecanismos de pactuação. Estes, por sua vez,
devem levar em consideração as diferentes culturas organizacionais envolvidas, em especial as
relações entre Estado, sociedade, mercado e as demais instituições envolvidas. E gestão depende,
principalmente, de pessoas capazes e motivadas a criar, levar adiante e recriar, constantemente, as
dinâmicas e processos colocados em prática.
Nesse sentido, a formação das pessoas envolvidas deve ser o principal foco das ações. Equalizar o
contexto entre os participantes, compartilhar os desafios, permitir que todos os envolvidos
contribuam com suas experiências e dialoguem entre si são as melhores formas conhecidas de
avançar nessa direção. É a partir das interfaces entre os atores que estão nas diversas instâncias
das iniciativas de inclusão digital que se constroem processos participativos e dinâmicos de
apropriação social dessas tecnologias.

Além de participar nessa construção coletiva, o educador social que atua na inclusão digital é
diretamente responsável por promover a apropriação local desses processos. Para desempenhar
da melhor maneira esse papel, o educador costuma ser uma pessoa da própria comunidade,
conhecedora das dinâmicas locais. Isso o ajuda a trazer a comunidade para debater o projeto de
inclusão digital desde sua concepção, compartilhar a gestão do espaço em que os equipamentos
são instalados, estabelecer as regras de uso e convivência no local, além de realizar atividades que
promovam a apropriação tecnológica pelas pessoas daquele lugar. E, principalmente, a
desenvolver projetos que integrem o uso das tecnologias digitais da informação e comunicação à
garantia de direitos de cidadania e à melhoria da vida das pessoas.

É também o educador social que pode estimular, como nenhum outro agente desse processo, um
olhar crítico sobre as tecnologias, para que as pessoas se tornem sujeitos efetivos da apropriação
tecnológica. Isso significa construir um conhecimento conjunto sobre a lógica de desenvolvimento
e disseminação das TICs, podendo chegar até a reinvenção da democracia e da participação social
com o auxílio das tecnologias. Para tanto, é preciso permitir que as pessoas “coloquem a mão na
massa” para desvendar a “mágica” por trás dos recursos tecnológicos. É assim que elas se sentirão
capazes de recombinar hardware, software, conteúdos digitais, serviços e aplicações para as suas
necessidades.

Quanta coisa, não? É verdade. Por isso, cada educador social será ainda mais bemsucedido se
conseguir multiplicar essa visão, estimulando que cada pessoa da comunidade se perceba como
parte ativa desse processo de construção coletiva. Dessa forma, todos também poderão se sentir
educadores sociais e se inspirar para promover a inclusão digital focada naquilo que efetivamente
importa: as pessoas.

TELECENTROS. BR: UMA REDE NACIONAL DE FORMAÇÃO A INCLUSÃO DIGITAL

O Programa Nacional de Apoio à Inclusão Digital nas Comunidades – Telecentros.BR foi lançado
em 2009, com o objetivo de “desenvolver ações que possibilitem a implantação e a manutenção
de telecentros públicos e comunitários em todo o território nacional”.

O texto ora apresentado visa descrever o histórico de construção do programa, bem como expor
os principais eixos nos quais ele se funda. Objetiva, ainda, trazer destaque a um dos focos do
programa relativo à Rede Nacional de Formação para Inclusão Digital.

A construção do Programa Telecentros.BR

A construção do Telecentros.BR teve início em 2007, quando um grupo operacional constituído


por representantes de diferentes órgãos e entidades do governo federal se reuniu na Presidência
da República, sob a condução do Gabinete Pessoal do Presidente, para dialogar sobre a política de
inclusão digital àquela época em curso e os desafios que ainda precisariam ser enfrentados.
Para que o diálogo fosse estabelecido, o grupo de trabalho, como primeiro produto, desenvolveu
uma abordagem para a política pública de inclusão digital:

A política pública de inclusão digital deve ter como objetivo garantir que cidadãos e instituições
disponham de meios e capacitação para acessar, utilizar, produzir e distribuir informações e
conhecimento, por meio das Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC, de modo que possam
participar de maneira efetiva e crítica da sociedade do conhecimento.

Tal abordagem passou a ser o norte na condução dos debates empreendidos no âmbito do grupo.
E para que esse objetivo referente à inclusão digital fosse alcançado, o grupo operacional
desenvolveu um mapeamento das iniciativas que já estavam em curso no governo federal e das
medidas que ainda necessitavam ser criadas ou aprimoradas.

Ao segmentarem a política pública de inclusão digital em algumas dimensões, concluiu-se que a


dimensão do acesso comunitário era a que mais necessitava de atuação governamental naquele
momento. As outras dimensões sobre as quais se chegou a tecer análise foram: acesso a
equipamentos, infraestrutura para conexão em banda larga e educação.

No que dizia respeito à dimensão do acesso comunitário, foram mapeadas as iniciativas em curso
no governo federal. Elas eram muitas e assumiam diferentes características em termos de forma de
operação e dimensão de atendimento. O diagnóstico relativo à inclusão digital pelo acesso
comunitário concluía que o apoio a telecentros comunitários do governo federal era marcado pela
falta de escala e, por outro lado, sobreposição das iniciativas, pela elevada fragmentação da oferta
de apoio (financeiro, de equipamentos, de conectividade), pela ausência de critérios comuns para
esse apoio e pela baixa sustentabilidade dos telecentros ao longo do tempo.

Foi nesse contexto que o grupo apontou para a necessidade de uma proposta de atuação
estruturada para apoio aos telecentros comunitários. E passou a construí-la. Em 2008, estava
formatado um projeto para implantação e fortalecimento dos telecentros. Em 2009, foi publicado
o Decreto instituindo o Programa Nacional de Apoio à Inclusão Digital nas Comunidades –
Telecentros.BR.

Características do Programa Telecentros.BR

Como diretriz para as ações do programa, ficou estabelecido que deveriam ser definidos critérios
comuns de organização da oferta de telecentros, buscando harmonizar a sua distribuição pelo País
e evitar a duplicação de esforços, incentivadas as parcerias com outros entes federados e
organizações da sociedade civil, estimulada a gestão participativa e o software livre.

Uma primeira informação relevante quanto ao programa refere-se ao conceito definido para
telecentros comunitários, conforme texto do Decreto: “Espaços que proporcionem acesso público
e gratuito às tecnologias da informação e da comunicação, com computadores conectados à
internet, disponíveis para múltiplos usos, incluindo navegação livre e assistida, cursos e outras
atividades de promoção do desenvolvimento local em suas diversas dimensões”. Ou seja, ao se
referir aos telecentros, implícitas nesse conceito adotado estavam algumas características
importantes, entre elas, espaços públicos conectados e para múltiplos usos. Nessa medida,
deveriam se caracterizar telecentros como espaços comunitários de agregação social, formação,
cidadania e lazer abertos ao público.
Compõem o escopo do programa: a) oferta de equipamentos – novos e recondicionados; b) oferta
de conectividade em banda larga; c) oferta de bolsas para monitores de inclusão digital; d) oferta
de formação para monitores de inclusão digital.

A coordenação do programa foi atribuída a três ministérios: Ministério do Planejamento,


Orçamento e Gestão, das Comunicações e da Ciência e Tecnologia. A cada um desses foi dada
responsabilidade pela gestão de alguns elementos constitutivos do programa. O Ministério das
Comunicações está incumbido de ofertar os equipamentos e a  conectividade em banda larga. A
responsabilidade do Ministério da Ciência e Tecnologia refere-se à concessão de bolsas aos
monitores de inclusão digital e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão está
responsável pela articulação da Rede Nacional de Formação, pela coordenação da distribuição de
equipamentos recondicionados6 e, ainda, pela coordenação executiva do programa.

Os Monitores de Inclusão Digital e a Rede Nacional de Formação

Uma das dimensões do programa que merece ser destacada se refere à preocupação em garantir
um grupo de pessoas qualificadas – os monitores de inclusão digital – para apoiar as atividades
dos telecentros, buscando garantir a efetividade dos objetivos pretendidos.

O Programa Telecentros.BR tem uma forte dimensão de qualificação dos monitores de inclusão
digital, assim considerados aqueles que se responsabilizam pelo atendimento ao público no
telecentro, auxiliando e propondo processos que permitam aos frequentadores fazer uso das
tecnologias da informação e comunicação disponíveis de maneira articulada ao desenvolvimento
da comunidade.

Tendo por princípio que os monitores de inclusão digital são parte essencial para êxito do
programa, para garantia da sustentabilidade dos telecentros e para a efetiva apropriação da
tecnologia, o Programa Telecentros.BR, como uma de suas dimensões, instituiu a concessão de
bolsas para manutenção de monitores nos telecentros por ele apoiados.

Os monitores devem ser jovens de baixa renda entre 16 e 29 anos, de ambos os sexos, moradores
da comunidade na qual está localizado o telecentro, devendo participar de processos de formação
presenciais e a distância promovidos no âmbito da Rede Nacional de Formação.

A Rede de Formação foi pensada para funcionar como instrumento de articulação de uma ampla
variedade de iniciativas de formação para a inclusão digital existentes no País. Nesse sentido, seu
objetivo não é o de substituir, tampouco centralizar, os processos de formação para inclusão
digital, mas o de articular as iniciativas já existentes, otimizando esforços, buscando-se a
pactuação de diretrizes, princípios, objetivos, critérios e procedimentos para a formação no que se
refere à inclusão digital.

A formação dos monitores de inclusão digital, importante ressaltar, não se restringe ao


aprendizado da tecnologia como algo em si. Essa é apenas uma vertente de um processo de
formação mais amplo, visando à apropriação da tecnologia enquanto ferramenta para
proporcionar transformações sociais na comunidade na qual se insere o telecentro.

Nesse sentido, a Rede de Formação irá trabalhar com a elaboração e implementação de projetos
comunitários pelos monitores, participação em rede e também com acesso a conteúdos e
atividades formativas em temas como:
• Gestão do telecentr o, monitoramento e avaliação.

• Participação comunitária.

• Tecnologia da informação.

• Produção e publicação de conteúdos.

Para o desenvolvimento das atividades de formação, a Rede conta com cinco polos regionais e
dois estaduais, responsáveis pela condução das atividades de formação, e um polo nacional,
responsável pela supervisão e coordenação pedagógica dessas atividades. Na primeira fase,
estima-se que 16 mil monitores sejam formados, todos eles bolsistas dos Telecentros.BR.

As diretrizes pedagógicas da Rede Nacional de Formação reforçam a preocupação do Programa


Telecentros.BR com a apropriação da tecnologia enquanto indutora do desenvolvimento social.
São elas:

• Desenvolvimento da autonomia e de valores éticos, por meio de processos formativos


participativos, cooperativos e solidários.

• Respeito às diferenças entre as comunidades urbanas e rurais, valorização da diversidade étnico-


racial e sexual, equilíbrio nas relações de gênero e intergeracionais.

• Adoção de perspectiva sistêmica da realidade, por meio da metodologia da resolução de


problemas locais concretos.

• Adequação a cada r ealidade local.

• Desenvolvimento de potencialidades que o indivíduo possui, valorizando o saber local e


incentivando a formação de sujeitos autônomos.

• Promoção de processos cooperativos, como a pesquisa e a produção coletiva, incentivando a


construção de uma identidade coletiva.

• Familiarização e desmistificação das tecnologias para que se estimule seu uso em busca da
autonomia, da ação colaborativa em rede e da transformação social.

Instrumento de transformação social

O Programa Telecentros.BR tem o objetivo de estimular a implantação de novos telecentros, bem


como o de fortalecer os já implantados. Tal objetivo tem como ponto importante e fundamental a
presença dos monitores de inclusão digital. Os telecentros devem ser apropriados pela
comunidade na qual se inserem, enquanto instrumento de transformação social e, nesse sentido, é
preciso de pessoas que apoiem o desenvolvimento desse uso qualificado.

A Rede Nacional de Formação está construindo, de maneira colaborativa e dialogada, o curso para
os monitores do programa, contando com conteúdos transversais capazes de garantir a
diversidade de propósitos e características de cada telecentro, inserido em comunidades e
condições específicas. Com a presença dos monitores, esperamos que os telecentros se traduzam
em espaços dinâmicos, vivenciados pela comunidade, pois somente assim promoveremos a
sustentabilidade e a apropriação efetiva das tecnologias pelas comunidades.

OFICINA PARA INCLUSÃO DIGITAL

O desafio de ampliar o acesso às tecnologias de informação e comunicação (TICs) começa, no


Brasil, no final dos anos noventa e início da década seguinte, quando os microcomputadores
passaram a figurar em espaços como os das universidades, centros de pesquisa, grandes empresas
e instituições públicas. Desde então, a sociedade civil organizada passou a pautar a administração
pública para que ações, projetos e programas favorecessem o acesso da população às TICs,
promovendo, assim, o que entendemos hoje por inclusão digital.

Em maio de 2001, aproximadamente 400 pessoas, entre elas, membros do governo, estudiosos e
organizações da sociedade civil, se reuniram em Brasília para discutir propostas de políticas
públicas para a ampliação do acesso às TICs, sobretudo, à internet. O fosso entre a demanda dos
cidadãos e a realidade em relação ao acesso às tecnologias era um grande desafio a ser superado.
O evento, organizado por instituições da sociedade civil e pela Secretaria de Logística e Tecnologia
da Informação do Ministério do Planejamento, foi batizado de Oficina para a Inclusão Digital. Entre
as premissas da carta elaborada ao final do encontro1, está a afirmação de que a exclusão digital
aprofunda a exclusão socioeconômica; que o objetivo central da inclusão digital é o conjunto de
processos de comunicação e processamento de conhecimento relativo à vida do cidadão; que a
inclusão digital não se limita ao usufruto de serviços prestados pelos governos eletrônicos, nem às
aplicações de comércio eletrônico, nem à capacitação para o trabalho; e que a capacitação e o
treinamento devem ser sempre previstos nos orçamentos das ações de inclusão digital.

Desde 2003, a Oficina acontece anualmente, reunindo aproximadamente mil pessoas por edição.
O evento constitui um espaço de discussão e proposição de estratégias, políticas públicas e
diretrizes de acesso às TICs no País. Sua promoção é de responsabilidade do Comitê Técnico de
Inclusão Digital do Governo Federal e da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do
Ministério do Planejamento, em parceria com outras instituições públicas, como as empresas
estaduais de TIC e processamento de dados, e organizações da sociedade civil, entre elas,
Sampa.org, Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits),

Cidadania Digital, Coletivo Digital, Projeto Saúde & Alegria e Instituto de Pesquisas e Projetos
Sociais e Tecnológicos (Ipso).
Foco de cada Oficina

Na primeira edição, em 2001, os esforços estavam voltados para ações de estruturação física e
lógica de telecentros e outros pontos de acesso público às TICs. Era consenso que aquele era o
momento de implementar telecentros. Nas duas edições seguintes, além de discutir a necessidade
de implementação de mais e melhores espaços, as discussões se aprofundaram em relação aos
locais e ao modo como esses equipamentos deveriam ser instalados. Ficou evidente que a
preocupação dos envolvidos era atingir aqueles que acessavam desigualmente os bens e serviços,
como as mulheres, os negros, as minorias étnicas e os pobres. Nessa ocasião (2004), a Oficina foi
realizada em São Paulo, ao mesmo tempo em que ocorria o II Encontro Nacional de Telecentros e
o III Encontro Latino-Americano de Telecentros, destinado à troca de experiências entre os
principais agentes envolvidos em programas de inclusão digital na América Latina e Caribe.

Nos encontros posteriores, especialmente em 2006 e 2007, a Oficina fez balanços dos primeiros
anos de inserção do debate sobre inclusão digital na agenda pública. Discutiram-se ações,
programas, projetos, conceitos e foram socializadas as boas práticas. Foi também nesse período
que monitores e demais participantes do evento ganharam espaços específicos para a troca de
experiências e para aprender uns com os outros.

Da 7ª à 9ª Oficina, os participantes, além de promoverem balanços sobre a política pública de


inclusão digital, discutiram temas como o descarte e recondicionamento de computadores e
outros equipamentos, a gestão de cooperativas de tecnologia e telecentros, redes sem fio,
cibercrimes, segurança da informação e acessibilidade, entre outros temas.

A Oficina para Inclusão Digital manteve, em todas as edições, espaço para análise, debate,
proposição, reivindicação e monitoramento das políticas públicas e para a troca de experiências
sobre o processo de inclusão digital no País. Os participantes foram aos poucos pautando a
administração pública para a promoção da inclusão digital, com foco no cidadão.
O papel dos educadores

Durante esse período, consolidou-se a ideia de que, a despeito dos avanços citados, ainda há um
longo caminho a ser percorrido. E firmouse a convicção de que inclusão digital se faz, não apenas
com a aquisição de equipamentos e a disponibilidade de conexão, mas, especialmente, com a
apropriação efetiva das tecnologias digitais de informação e comunicação por parte dos cidadãos.

Para a disseminação desse entendimento, o papel dos educadores e facilitadores de inclusão


digital é fundamental. Conhecidos como monitores, eles constituem o principal público da Oficina.
É através da experiência cotidiana dessas pessoas nos telecentros que grande parte das
reivindicações sinalizadas nas cartas seladas ao final dos encontros, políticas públicas e outras
ações promovidas pela própria sociedade civil são efetivadas. A reunião desse público permite à
Oficina mapear, avaliar e promover novas ferramentas de suporte à inclusão digital, além de
debater outros assuntos como o acesso à banda larga e o desenvolvimento e uso do software
livre.

Os avanços

Se o avanço da penetração da internet e o acesso aos equipamentos de TIC são os resultados


concretos da política de inclusão digital, o que podemos destacar como impactos fomentados nas
Oficinas para Inclusão Digital?

Onid – Lançado em 2007, o Observatório Nacional de Inclusão Digital é uma iniciativa do governo
federal em conjunto com a sociedade civil organizada, que atua na coleta, sistematização e
disponibilização de informações para acompanhamento e avaliação das ações de inclusão digital
no Brasil. O Onid disponibiliza informações sobre os telecentros de todo o País, e para isso está
constantemente cadastrando telecentros, centros de inclusão digital, infocentros ou outros
espaços coletivos sem fins comerciais de uso da tecnologia da informação conectados à internet.

Programa Telecentros.BR – Instituído em 2009, por decreto presidencial, o Programa Nacional de


Apoio à Inclusão Digital nas Comunidades - Telecentros.BR é resultado de um esforço do governo
federal de coordenação do apoio aos espaços públicos e comunitários de inclusão digital. O
objetivo é oferecer condições ao aperfeiçoamento da qualidade e à continuidade das iniciativas
em curso, assim como à instalação de novos espaços. Esse apoio se dá em três esferas: conexão e
equipamentos (computadores), bolsas de auxílio financeiro para jovens monitores, e formação de
monitores bolsistas e não bolsistas que atuem nos telecentros.

Rede Nacional de Formação para Inclusão Digital – Constitui-se de um conjunto de atividades de


qualificação de agentes de inclusão digital dos telecentros apoiados pelo Programa
Telecentros.BR. O Curso de Formação de Monitores do Telecentros.BR é o primeiro projeto dessa
rede e atende uma das reivindicações mais pautadas pelos monitores de telecentros durante as
oficinas: a construção de uma rede de formação. A meta é formar 16 mil monitores que atuam nos
telecentros, todos bolsistas apoiados pelo programa. A implementação do curso está sob a
responsabilidade de cinco polos regionais, um para cada região do Brasil, dois polos estaduais e
um polo nacional, que faz a coordenação pedagógica e a supervisão geral das atividades.

Recondicionamento de computadores – A implantação de Centros de Recondicionamento de


Computadores faz parte do Projeto Computadores para Inclusão (Projeto CI). O objetivo dos
Centros de Recondicionamento é recuperar milhares de computadores descartados pelos órgãos
governamentais e pela iniciativa privada e destiná-los a iniciativas de inclusão digital como
telecentros, escolas e bibliotecas. Para viabilizar o projeto, o governo federal estabelece parcerias
com instituições locais, que se responsabilizam pela manutenção e pelo funcionamento das
unidades. A coordenação está a cargo da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do
Ministério do Planejamento.

Os desafios

Dez anos após a primeira Oficina, ações, projetos e programas proliferaram. Conforme pesquisa de
2009 do Comitê Gestor da Internet no Brasil, a penetração do computador e da internet nos
domicílios brasileiros aumentou. Naquele ano, 34% dos domicílios possuíam pelo menos um
computador. Segundo os dados do Cadastro Nacional de Inclusão Digital, existem hoje no país
mais de 8 mil telecentros e mais de 94 programas de inclusão digital.

Os avanços são muitos, os desafios também e entre eles está a conexão. Enquanto equipamentos,
acesso, formação e qualificação já são processos em andamento, a expansão da banda larga ainda
é um grande desafio e impacta diretamente na oferta de serviços públicos on-line. A infraestrutura
de comunicação é cara, falha e desigual. O Plano Nacional de Banda Larga se propõe a maximizar
até 2014 a oferta de acesso à banda larga no País.

A implantação do governo eletrônico no Brasil é um incentivo para a política de inclusão digital,


porque amplia o envolvimento do Estado com o tema e desperta a percepção da sociedade
quanto às novas possibilidades de exercício da cidadania, participação no progresso social e
acesso aos serviços públicos.

Uma discussão acalorada que deverá acontecer nos próximos anos diz respeito às lan houses e à
formalização desses pequenos negócios, reconhecido seu potencial de colaborar com as ações de
e-Gov e de inclusão digital. A grande maioria dos acessos à internet nos espaços de oferta pública
ou lan houses se dá pela necessidade dos cidadãos de acesso aos serviços públicos.

Os próximos anos serão de muito trabalho e a administração pública, a sociedade civil organizada
e os cidadãos terão papel relevante nesse processo. A internet é local gigantesco, fértil, pouco
conhecido, mas onde todos os temas podem ganhar espaço e profundidade, se levada em conta a
importância da dimensão digital na sociedade da informação.

EDUCADOR SOCIAL: UM ARTICILADOR DA COMUNIDADE

Sempre me lembro do caso de Santa Quitéria, no Maranhão. Ao montarmos a Estação Digital, a


grande reivindicação da comunidade era a de ter acesso à internet. Algum tempo depois de
inaugurada, o Ministério das Comunicações disponibilizou um ponto de conexão à internet via
satélite pelo programa Governo Eletrônico de Serviço ao Atendimento ao Cidadão (GESAC). A
entidade parceira local iniciou, na época, uma grande campanha de sensibilização dos moradores
para a emissão de certidão de nascimento. Os educadores sociais tomaram a iniciativa de utilizar a
Estação Digital como ponto de apoio para a campanha. Os computadores facilitaram os cadastros,
e a internet – o único ponto de acesso público da cidade – possibilitou a realização de consultas e
o envio dos requerimentos. Resultado: em menos de um ano, Santa Quitéria do Maranhão passou
a ser a primeira cidade brasileira onde 100% da população possuía certidão de nascimento. Esse
documento é a porta de entrada de reconhecimento da pessoa como cidadã brasileira e a garantia
de acesso a outros direitos, como a matrícula na escola, e a uma série de outros documentos,
como a carteira de identidade, CPF e a carteira de trabalho.

Esse é o modelo de formação de educadores sociais em que nós, da Programando o Futuro1,


acreditamos. Aquele que envolve o ser humano em sua comunidade, proporcionando intercâmbio
e integração com outros projetos e, principalmente, facilitando o acesso a serviços por meio da
Estação Digital.

A Programando o Futuro é parceira da Fundação Banco do Brasil (FBB) desde a concepção do


Programa de Inclusão Digital da Fundação, em 2003. Com o apoio de parceiros locais,
organizações da sociedade civil e instituições públicas, a FBB implantou as Estações Digitais em
todo o território nacional, em diversas comunidades, como as quilombolas, aldeias indígenas,
colônias de pescadores, comunidades ribeirinhas e em localidades de baixo IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano) dos grandes centros urbanos.

Uma Estação Digital se materializa num laboratório de informática com computadores conectados
à internet disponível a toda a comunidade. Mas só os equipamentos não são suficientes para
garantir a eficácia da iniciativa, é fundamental o trabalho dos educadores sociais. São eles que
recepcionam, auxiliam e orientam os usuários no manuseio dos equipamentos e na busca das
informações. Além disso, os educadores sociais são responsáveis pela gestão da Estação Digital e
também pela divulgação das atividades desenvolvidas.

Formação

A capacitação dos educadores sociais das Estações Digitais é feita pela Programando o Futuro e
está focada na formação humana do indivíduo, respeitando e valorizando suas culturas,
habilidades e conhecimentos, com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade de vida
do indivíduo e da comunidade do seu entorno.

A formação é presencial com duração de cinco dias e carga horária de 40 horas. Os conteúdos
estão distribuídos em quatro eixos: Planejamento e Gestão da Estação Digital, Iniciação
Pedagógica, Comunicação Comunitária e Conhecimentos Técnicos de Informática. O objetivo
dessa formação é orientar os participantes sobre as inúmeras possibilidades de trabalho junto à
comunidade que a Estação Digital agrega e instrumentalizá-los para um modelo eficaz de gestão.

Com linguagem coloquial e atividades lúdicas e práticas, as oficinas partem do conhecimento e da


realidade local dos educadores, o que facilita a compreensão e a construção dos instrumentos
utilizados na Estação Digital pelos próprios alunos, como o projeto pedagógico, a definição da
utilização do espaço, horários de funcionamento, a divulgação das ações, etc.

Essa metodologia é facilitada pelo perfil da equipe da Programando o Futuro. São jovens que
iniciaram sua trajetória como educadores sociais em telecentros e que acreditam na difusão do
conhecimento como viabilidade de desenvolvimento de suas comunidades. Ter uma equipe assim
possibilita falar a mesma linguagem, vivenciar os mesmos problemas e apontar horizontes
possíveis. Toda essa vivência contribui positivamente para o processo de aprendizagem.

Nossa atuação na formação de educadores sociais é o compartilhamento de nossa experiência nas


Estações Digitais, tendo como desafio a implantação dessas ações em suas comunidades,
respeitando as culturas, tradições e recursos disponíveis.
Além da capacitação presencial, o programa realiza encontros bienais de formação e atualização
dos educadores, além de oficinas periódicas de reciclagem técnica. Desde o início de nossa
parceria com a Fundação Banco do Brasil, tivemos clareza de que o coração do Programa de
Inclusão Digital está na formação dos educadores sociais.

Caldeirão de culturas e adequações

Antes de começar uma oficina de formação para educadores sociais, a equipe da Programando o
Futuro estuda a comunidade, a cultura do lugar e os trabalhos desenvolvidos pela entidade
parceira local. Isso ajuda no desenvolvimento das atividades da oficina bem como nos exercícios
temáticos com as ferramentas de tecnologias de informação.

As diferenças culturais das localidades onde as Estações estão instaladas são determinantes para a
definição do funcionamento e do cotidiano do trabalho. Além da variedade de horários de
atendimento das Estações, em função da região, há ainda a diversidade dos parceiros locais.
Prefeituras e organizações não governamentais são as mais comuns.

Em Florianópolis e em Salvador, há Estações Digitais onde os parceiros locais são cooperativas de


catadores de materiais recicláveis, tendo como principal público os catadores. Eles desenvolvem
suas atividades durante todo o dia na rua, embaixo de sol forte – são cidades litorâneas – e, ao
término da jornada de trabalho, têm a oportunidade de frequentar as Estações Digitais. Essas
questões são trabalhadas no curso de formação, quando se enfatiza a importância de o educador
social considerar no planejamento de sua aula que muitos alunos participam das atividades
noturnas depois de um cansativo dia de trabalho. Nesse sentido, os educadores procuram sempre
oferecer um tratamento acolhedor ao usuário, além de outros cuidados, como a ampliação da
definição da tela do monitor e a preocupação de trazer para os conteúdos técnicos assuntos de
interesse comum.

A integração dessa diversidade no curso de formação de educadores sociais pode gerar


transformações muito eficientes. Certa vez, recebemos uma turma em que todos os participantes
eram de empreendimentos solidários da Bahia, Piauí, Ceará, Pará e Mato Grosso. Quando
iniciamos o trabalho com a planilha eletrônica, gerou-se uma situação muito interessante. Como a
aula era focada em fórmulas e gráficos, optamos por utilizar como referência a cultura da
mandioca e do mel, além de aplicarmos os valores reais de comercialização em suas comunidades.
No meio dos cálculos, os colegas mato-grossenses chegaram à conclusão de que a mandioca
produzida na Bahia, se levada para o Mato Grosso, mesmo com o frete e os impostos, era cerca de
15% mais barata do que o mesmo produto vindo do Paraná. Foi uma surpresa geral para a turma.
E o planejamento dos “negócios” não parou aí. Eles observaram também que o açaí enviado de
Belém para Mato Grosso sairia mais barato do que o que vinha de Açailândia, no Maranhão. Mais
uma surpresa! Esse estudo acabou virando intercâmbio comercial e, cerca de três meses após a
aula, descobrimos que a cooperativa em Mato Grosso, enfim, começou a comprar o açaí do Pará.

A diversidade nas formações

Costumo dizer que a diversidade cultural dos educadores sociais sempre foi a riqueza da
formação. Ao mesmo tempo em que havia educadores que atuavam em São Paulo, que é o maior
centro urbano da América Latina, tínhamos, na mesma turma, uma dupla de educadores que
atuaria em Anagé, cidade do sertão baiano, que fica a quase 400 quilômetros da capital, Salvador.
Proporcionar um entendimento comum, compartilhar as experiências e equalizar com esses
educadores um modelo de gestão para as Estações Digitais que funcionasse bem em Anagé ou
em São Paulo, sempre foi nosso desafio.

O módulo Comunicação Comunitária é um dos pontos altos do intercâmbio cultural entre os


educadores. Os canais utilizados, disponíveis ao redor da Estação Digital, são os mais diversos e
curiosos: rádios comunitárias, cartazes, blogs, rádio alto-falante, reuniões, avisos paroquiais,
bicicleta de som, TV comunitária, e até festas agropecuárias.

Ainda durante a formação, é visível a apropriação tecnológica por parte dos educadores sociais.
Mesmo que o foco da atividade seja no planejamento das ações a serem divulgadas, o produto
final é muito diversificado e rico. Os educadores utilizam celulares e câmeras fotográficas para a
produção de vídeos, vinhetas e, até mesmo, chegam a produzir entrevistas para serem veiculadas.
Tudo isso, claro, quando se tem tempo e equipamentos disponíveis no decorrer da formação. Isso
gera um grande interesse sobre a produção a ser feita pelos educadores sociais quando regressam
a suas comunidades.

O desafio da formação continuada

Praticamente nenhuma Estação Digital funciona sozinha no seu espaço físico. Quase todas elas
possuem outra atividade funcionando em conjunto, como bibliotecas, escolas públicas, entidades
comunitárias, rádios comunitárias e cooperativas. E com o passar dos anos, esses outros projetos
que aconteciam em paralelo foram se apropriando das tecnologias da informação e comunicação,
proporcionando maior integração entre a Estação e a comunidade.

Ficamos pensando sobre qual seria o papel do educador diante desse processo natural de
apropriação. Ao mesmo tempo em que empreendimentos solidários passam a utilizar as
tecnologias, tornase fundamental a capacitação dos funcionários. Fazer fluxo de caixa, controle de
estoque, de insumos e de matéria-prima são exemplos de necessidades cotidianas que podem ser
facilmente absorvidas a partir do simples uso de uma planilha eletrônica ou um banco de dados.
Em outra realidade, o acesso a serviços eletrônicos do governo, os chamados e-Gov, passou a ser
cotidiano em várias Estações Digitais, bem como as consultas e as solicitações de serviços
previdenciários.

Como o estímulo à apropriação tecnológica é, e sempre será, um dos principais objetivos do


programa, a formação dos educadores sociais necessita de um constante olhar atencioso. Além da
formação do educador para atuar no programa, devemos pensar em formações complementares,
presenciais ou a distância, com o objetivo de contribuir para o funcionamento cotidiano da
Estação Digital, promovendo o desenvolvimento humano do educador social e da comunidade
onde ele está inserido, pois programar o futuro é cuidar todo dia do nosso presente.

7° Módulo: Inclusão Digital

A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DO EDUCADOR SOCIAL – INCLUSÃO DIGITAL

Inclusão digital: o papel do educador social na efetividade das iniciativas

O desafio deste artigo, que abre o capítulo Inclusão Digital, é conseguir traduzir, em palavras e
conceitos tão múltiplos quanto os olhares que nos leem, a importância dos educadores e
educadoras sociais nos processos de inclusão digital da população. Isso tem a ver com colocar as
pessoas no centro do debate sobre as tecnologias de informação e comunicação (TICs).

Para isso, vamos contextualizar a inclusão digital, apresentando a multiplicidade de ideias e valores
em torno do termo. Pretende-se contribuir para a visão de que a inclusão digital é um novo direito
de cidadania, necessário à garantia dos direitos historicamente consagrados. E isso pressupõe
considerá-la não apenas como acesso e uso, mas como apropriação efetiva das tecnologias
digitais de informação e comunicação pelas pessoas.

A segunda contribuição deste artigo se refere ao “como fazer” inclusão digital nesse contexto.
Apresentam-se aspectos que programas e projetos de inclusão digital têm demonstrado ser
fundamental na formulação e execução de ações. A discussão em torno das condições de
efetividade das iniciativas dessa inclusão nos traz, necessariamente, ao foco nas pessoas e no
desenvolvimento de habilidades específicas relacionadas à apropriação tecnológica. Compreende-
se que essas dinâmicas não são estanques. São necessárias, portanto, a construção e reconstrução
contínua por todos os atores envolvidos, para que possamos avançar na inclusão digital como
ferramenta de cidadania, tendo o educador social papel fundamental nesse processo.

Pretende-se, com isso, situar os demais artigos que compõem esta seção e que abordam casos
práticos de “como fazer” inclusão digital centrada nas pessoas, englobando a garantia de direitos,
o aprofundamento da democracia e, ainda, a participação do conjunto da sociedade nos
processos de desenvolvimento e governança das tecnologias da informação e comunicação.

Inclusão digital: conceitos

Ações de promoção da inclusão digital se pautam pela visão de que a disseminação de


tecnologias digitais de informação e comunicação, como a conhecemos, vem alterando
profundamente a dinâmica da sociedade. O formato digital permitiu que se desenvolvessem novas
formas de organizar, combinar, processar, armazenar, difundir e fruir informações, além de
possibilitar o surgimento de novas possibilidades de comunicação em rede. As TICs digitais foram
incorporadas não apenas em âmbito econômico, mas também social, político, cultural e em outras
diversas dimensões da vida humana (CASTELLS, 1999).

No Brasil, apesar da crescente presença das TICs em todas as esferas da vida social, a desigualdade
em termos de acesso e uso reproduz as persistentes desigualdades socioeconômicas individuais e
regionais. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, 2005 – apontou que 31,9
milhões de pessoas (21% da população à época) haviam acessado a internet nos três meses
anteriores à pesquisa (BRASIL, 2005). Em 2009, esse contingente havia aumentado para 67,9
milhões, ou seja, 35,4% da população (BRASIL, 2009). Ainda que a evolução seja notável e tenha
ocorrido num contexto de expansão econômica com forte atuação do governo federal no estímulo
à inclusão digital, a disseminação ainda precisa garantir uma distribuição mais uniforme entre o
conjunto da população.

De acordo com a pesquisa TIC Domicílios e Usuários, do Centro de Estudos sobre Tecnologias da
Informação e da Comunicação (CETIC.br) do Comitê Gestor da Internet Brasil (CGI.br) há uma
diferença expressiva na distribuição do acesso à internet por faixa de renda e estratificação social.
Em 2009, 85% de indivíduos da classe A tinham acesso freqüente à internet, mas o percentual se
reduzia progressivamente conforme decrescia a condição socioeconômica do respondente: 72%
da classe B; 42% da classe C; e somente 14% das classes D e E. Outro indicador é o percentual de
indivíduos que nunca havia tido acesso à internet: nas áreas urbanas, 51% em 2009; nas rurais,
77% (CETIC.br, 2009).

Contudo, os dados de acesso são apenas um primeiro indicador. Isso porque é possível identificar
ao menos três formas de se compreender o que é inclusão digital: a) acesso às TICs; b)
“alfabetização digital”; e c) apropriação das tecnologias. Inclusão digital, como acesso à
infraestrutura de TICs, se concentra nas condições materiais de uso de bens e serviços de
informática e telecomunicações (computadores, telefones celulares e outros dispositivos, além das
redes técnicas, especialmente a internet).

Para além do acesso aos meios físicos, há a vertente que compreende a inclusão digital como
“alfabetização digital”, reconhecendo a necessidade de se desenvolverem habilidades de uso das
tecnologias. Há, ainda, quem defenda a inclusão digital como apropriação das tecnologias. Para
esta última vertente, as pessoas não devem ser apenas consumidoras das TICs, mas capazes de
compreender o significado desses meios, reinventar seus usos e interferir no processo de
desenvolvimento tecnológico.

Além dessas três abordagens, deve-se considerar que não existe uma divisão simples entre
incluídos e excluídos digitais. O que se percebe são formas bastante desiguais de acesso e
capacidade de uso das tecnologias de informação e comunicação, relacionadas a dinâmicas sociais
mais amplas do que a dimensão tecnológica em si, e, também, decorrentes da lógica que
propulsiona o desenvolvimento das TICs. Afinal, as tecnologias não se desenvolvem
“naturalmente”. A intensificação do uso dessas tecnologias na sociedade tem início nos países
centrais do capitalismo, sendo progressivamente expandida aos países periféricos. Esse processo
em escala mundial decorre de escolhas deliberadamente provocadas por sujeitos históricos,
movidos por interesses e intencionalidades, e não devido a uma propriedade natural das
tecnologias de se expandirem, como supõe o determinismo tecnológico embutido em algumas
visões sobre inclusão digital.

O contexto de disseminação das TICs digitais no final do século XX se deu sob um forte
predomínio da lógica de mercado se sobrepondo à lógica da cidadania. Isso significa que o
desenvolvimento dessas tecnologias foi e permanece sendo mais fortemente movido a gerar lucro
e expansão de negócios para as empresas do que a promover cidadania e dignidade a seres
humanos em todo o mundo. A obsolescência programada dos produtos, o predomínio de
hardwares e softwares fechados, o acesso a conteúdos mediante pagamento são elementos de
uma economia digital capitalista que se move essencialmente pelo lucro.

Não é do mercado a tarefa de garantir que os benefícios oriundos do usufruto das TICs estejam
disponíveis de maneira equânime ao conjunto das pessoas. Também não faz parte das tarefas do
mercado promover que os diversos interesses presentes na sociedade tenham a possibilidade de
participar dos processos de desenvolvimento e governança dessas tecnologias. Disseminadas sob
uma visão predominantemente de mercado, a distribuição das TICs se concentra segundo a lógica
da sociedade de consumo, ou seja, de diferentes capacidades de aquisição e habilidades de uso.
Por isso, o acesso às TICs digitais reflete desigualdades sociais historicamente construídas.

Mas há quem não se contente com essa tendência predominante. São iniciativas de inclusão
digital que buscam trazer as pessoas para o centro do desenvolvimento tecnológico, promovendo
dignidade e cidadania. Além da apropriação dos aparatos técnicos, a inclusão digital, com foco nas
pessoas, deve possuir interfaces com as áreas de educação, saúde, cultura, assistência social,
previdência, geração de emprego e renda, além de todas as outras dimensões dos direitos de
cidadania. É, sobretudo, nas possibilidades de integração com atividades dessas diversas
dimensões que a inclusão digital mais tem a oferecer.

Inclusão digital: o importante são as pessoas

Apresentado e contextualizado o conceito de inclusão digital, cabe aprofundar o “como fazer”.


Segundo Warschauer (2006), as ações de inclusão digital devem garantir quatro tipos de recursos
para serem bem sucedidas: infraestrutura física (equipamentos e conectividade); recursos digitais
(softwares e conteúdos); recursos humanos (pessoas e sua formação em habilidades específicas de
uso e apropriação das TICs); e recursos sociais (legitimidade da inclusão digital na sociedade e nas
comunidades onde se desenvolvem as ações).

Mas não basta garantir que esses recursos estejam presentes e instalados. Eles precisam ser
mantidos e atualizados de maneira contínua, ao menos para acompanhar o desenvolvimento
tecnológico – ou, ainda melhor, para que a comunidade possa participar ativamente desse
desenvolvimento. Fundamental ao processo de inclusão digital efetiva é a apropriação da gestão
dos recursos instalados pelas pessoas às quais as iniciativas se dirigem, ou seja, pelas comunidades
locais em que as ações se desenvolvem.

Ainda que na teoria pareça simples, a garantia desses recursos e das ações a eles relacionados
consiste no principal desafio das iniciativas de inclusão digital. São necessárias estratégias que
coloquem em andamento dinâmicas voltadas à gestão continuada desses processos.

Gestão diz respeito ao financiamento das ações, ao envolvimento de instituições que mobilizem
suas capacidades para o apoio às atividades, e a mecanismos de pactuação. Estes, por sua vez,
devem levar em consideração as diferentes culturas organizacionais envolvidas, em especial as
relações entre Estado, sociedade, mercado e as demais instituições envolvidas. E gestão depende,
principalmente, de pessoas capazes e motivadas a criar, levar adiante e recriar, constantemente, as
dinâmicas e processos colocados em prática.

Nesse sentido, a formação das pessoas envolvidas deve ser o principal foco das ações. Equalizar o
contexto entre os participantes, compartilhar os desafios, permitir que todos os envolvidos
contribuam com suas experiências e dialoguem entre si são as melhores formas conhecidas de
avançar nessa direção. É a partir das interfaces entre os atores que estão nas diversas instâncias
das iniciativas de inclusão digital que se constroem processos participativos e dinâmicos de
apropriação social dessas tecnologias.

Além de participar nessa construção coletiva, o educador social que atua na inclusão digital é
diretamente responsável por promover a apropriação local desses processos. Para desempenhar
da melhor maneira esse papel, o educador costuma ser uma pessoa da própria comunidade,
conhecedora das dinâmicas locais. Isso o ajuda a trazer a comunidade para debater o projeto de
inclusão digital desde sua concepção, compartilhar a gestão do espaço em que os equipamentos
são instalados, estabelecer as regras de uso e convivência no local, além de realizar atividades que
promovam a apropriação tecnológica pelas pessoas daquele lugar. E, principalmente, a
desenvolver projetos que integrem o uso das tecnologias digitais da informação e comunicação à
garantia de direitos de cidadania e à melhoria da vida das pessoas.
É também o educador social que pode estimular, como nenhum outro agente desse processo, um
olhar crítico sobre as tecnologias, para que as pessoas se tornem sujeitos efetivos da apropriação
tecnológica. Isso significa construir um conhecimento conjunto sobre a lógica de desenvolvimento
e disseminação das TICs, podendo chegar até a reinvenção da democracia e da participação social
com o auxílio das tecnologias. Para tanto, é preciso permitir que as pessoas “coloquem a mão na
massa” para desvendar a “mágica” por trás dos recursos tecnológicos. É assim que elas se sentirão
capazes de recombinar hardware, software, conteúdos digitais, serviços e aplicações para as suas
necessidades.

Quanta coisa, não? É verdade. Por isso, cada educador social será ainda mais bemsucedido se
conseguir multiplicar essa visão, estimulando que cada pessoa da comunidade se perceba como
parte ativa desse processo de construção coletiva. Dessa forma, todos também poderão se sentir
educadores sociais e se inspirar para promover a inclusão digital focada naquilo que efetivamente
importa: as pessoas.

TELECENTROS. BR: UMA REDE NACIONAL DE FORMAÇÃO A INCLUSÃO DIGITAL

O Programa Nacional de Apoio à Inclusão Digital nas Comunidades – Telecentros.BR foi lançado
em 2009, com o objetivo de “desenvolver ações que possibilitem a implantação e a manutenção
de telecentros públicos e comunitários em todo o território nacional”.

O texto ora apresentado visa descrever o histórico de construção do programa, bem como expor
os principais eixos nos quais ele se funda. Objetiva, ainda, trazer destaque a um dos focos do
programa relativo à Rede Nacional de Formação para Inclusão Digital.

A construção do Programa Telecentros.BR

A construção do Telecentros.BR teve início em 2007, quando um grupo operacional constituído


por representantes de diferentes órgãos e entidades do governo federal se reuniu na Presidência
da República, sob a condução do Gabinete Pessoal do Presidente, para dialogar sobre a política de
inclusão digital àquela época em curso e os desafios que ainda precisariam ser enfrentados.

Para que o diálogo fosse estabelecido, o grupo de trabalho, como primeiro produto, desenvolveu
uma abordagem para a política pública de inclusão digital:

A política pública de inclusão digital deve ter como objetivo garantir que cidadãos e instituições
disponham de meios e capacitação para acessar, utilizar, produzir e distribuir informações e
conhecimento, por meio das Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC, de modo que possam
participar de maneira efetiva e crítica da sociedade do conhecimento.

Tal abordagem passou a ser o norte na condução dos debates empreendidos no âmbito do grupo.
E para que esse objetivo referente à inclusão digital fosse alcançado, o grupo operacional
desenvolveu um mapeamento das iniciativas que já estavam em curso no governo federal e das
medidas que ainda necessitavam ser criadas ou aprimoradas.

Ao segmentarem a política pública de inclusão digital em algumas dimensões, concluiu-se que a


dimensão do acesso comunitário era a que mais necessitava de atuação governamental naquele
momento. As outras dimensões sobre as quais se chegou a tecer análise foram: acesso a
equipamentos, infraestrutura para conexão em banda larga e educação.
No que dizia respeito à dimensão do acesso comunitário, foram mapeadas as iniciativas em curso
no governo federal. Elas eram muitas e assumiam diferentes características em termos de forma de
operação e dimensão de atendimento. O diagnóstico relativo à inclusão digital pelo acesso
comunitário concluía que o apoio a telecentros comunitários do governo federal era marcado pela
falta de escala e, por outro lado, sobreposição das iniciativas, pela elevada fragmentação da oferta
de apoio (financeiro, de equipamentos, de conectividade), pela ausência de critérios comuns para
esse apoio e pela baixa sustentabilidade dos telecentros ao longo do tempo.

Foi nesse contexto que o grupo apontou para a necessidade de uma proposta de atuação
estruturada para apoio aos telecentros comunitários. E passou a construí-la. Em 2008, estava
formatado um projeto para implantação e fortalecimento dos telecentros. Em 2009, foi publicado
o Decreto instituindo o Programa Nacional de Apoio à Inclusão Digital nas Comunidades –
Telecentros.BR.

Características do Programa Telecentros.BR

Como diretriz para as ações do programa, ficou estabelecido que deveriam ser definidos critérios
comuns de organização da oferta de telecentros, buscando harmonizar a sua distribuição pelo País
e evitar a duplicação de esforços, incentivadas as parcerias com outros entes federados e
organizações da sociedade civil, estimulada a gestão participativa e o software livre.

Uma primeira informação relevante quanto ao programa refere-se ao conceito definido para
telecentros comunitários, conforme texto do Decreto: “Espaços que proporcionem acesso público
e gratuito às tecnologias da informação e da comunicação, com computadores conectados à
internet, disponíveis para múltiplos usos, incluindo navegação livre e assistida, cursos e outras
atividades de promoção do desenvolvimento local em suas diversas dimensões”. Ou seja, ao se
referir aos telecentros, implícitas nesse conceito adotado estavam algumas características
importantes, entre elas, espaços públicos conectados e para múltiplos usos. Nessa medida,
deveriam se caracterizar telecentros como espaços comunitários de agregação social, formação,
cidadania e lazer abertos ao público.

Compõem o escopo do programa: a) oferta de equipamentos – novos e recondicionados; b) oferta


de conectividade em banda larga; c) oferta de bolsas para monitores de inclusão digital; d) oferta
de formação para monitores de inclusão digital.

A coordenação do programa foi atribuída a três ministérios: Ministério do Planejamento,


Orçamento e Gestão, das Comunicações e da Ciência e Tecnologia. A cada um desses foi dada
responsabilidade pela gestão de alguns elementos constitutivos do programa. O Ministério das
Comunicações está incumbido de ofertar os equipamentos e a  conectividade em banda larga. A
responsabilidade do Ministério da Ciência e Tecnologia refere-se à concessão de bolsas aos
monitores de inclusão digital e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão está
responsável pela articulação da Rede Nacional de Formação, pela coordenação da distribuição de
equipamentos recondicionados6 e, ainda, pela coordenação executiva do programa.

Os Monitores de Inclusão Digital e a Rede Nacional de Formação

Uma das dimensões do programa que merece ser destacada se refere à preocupação em garantir
um grupo de pessoas qualificadas – os monitores de inclusão digital – para apoiar as atividades
dos telecentros, buscando garantir a efetividade dos objetivos pretendidos.
O Programa Telecentros.BR tem uma forte dimensão de qualificação dos monitores de inclusão
digital, assim considerados aqueles que se responsabilizam pelo atendimento ao público no
telecentro, auxiliando e propondo processos que permitam aos frequentadores fazer uso das
tecnologias da informação e comunicação disponíveis de maneira articulada ao desenvolvimento
da comunidade.

Tendo por princípio que os monitores de inclusão digital são parte essencial para êxito do
programa, para garantia da sustentabilidade dos telecentros e para a efetiva apropriação da
tecnologia, o Programa Telecentros.BR, como uma de suas dimensões, instituiu a concessão de
bolsas para manutenção de monitores nos telecentros por ele apoiados.

Os monitores devem ser jovens de baixa renda entre 16 e 29 anos, de ambos os sexos, moradores
da comunidade na qual está localizado o telecentro, devendo participar de processos de formação
presenciais e a distância promovidos no âmbito da Rede Nacional de Formação.

A Rede de Formação foi pensada para funcionar como instrumento de articulação de uma ampla
variedade de iniciativas de formação para a inclusão digital existentes no País. Nesse sentido, seu
objetivo não é o de substituir, tampouco centralizar, os processos de formação para inclusão
digital, mas o de articular as iniciativas já existentes, otimizando esforços, buscando-se a
pactuação de diretrizes, princípios, objetivos, critérios e procedimentos para a formação no que se
refere à inclusão digital.

A formação dos monitores de inclusão digital, importante ressaltar, não se restringe ao


aprendizado da tecnologia como algo em si. Essa é apenas uma vertente de um processo de
formação mais amplo, visando à apropriação da tecnologia enquanto ferramenta para
proporcionar transformações sociais na comunidade na qual se insere o telecentro.

Nesse sentido, a Rede de Formação irá trabalhar com a elaboração e implementação de projetos
comunitários pelos monitores, participação em rede e também com acesso a conteúdos e
atividades formativas em temas como:

• Gestão do telecentr o, monitoramento e avaliação.

• Participação comunitária.

• Tecnologia da informação.

• Produção e publicação de conteúdos.

Para o desenvolvimento das atividades de formação, a Rede conta com cinco polos regionais e
dois estaduais, responsáveis pela condução das atividades de formação, e um polo nacional,
responsável pela supervisão e coordenação pedagógica dessas atividades. Na primeira fase,
estima-se que 16 mil monitores sejam formados, todos eles bolsistas dos Telecentros.BR.

As diretrizes pedagógicas da Rede Nacional de Formação reforçam a preocupação do Programa


Telecentros.BR com a apropriação da tecnologia enquanto indutora do desenvolvimento social.
São elas:
• Desenvolvimento da autonomia e de valores éticos, por meio de processos formativos
participativos, cooperativos e solidários.

• Respeito às diferenças entre as comunidades urbanas e rurais, valorização da diversidade étnico-


racial e sexual, equilíbrio nas relações de gênero e intergeracionais.

• Adoção de perspectiva sistêmica da realidade, por meio da metodologia da resolução de


problemas locais concretos.

• Adequação a cada r ealidade local.

• Desenvolvimento de potencialidades que o indivíduo possui, valorizando o saber local e


incentivando a formação de sujeitos autônomos.

• Promoção de processos cooperativos, como a pesquisa e a produção coletiva, incentivando a


construção de uma identidade coletiva.

• Familiarização e desmistificação das tecnologias para que se estimule seu uso em busca da
autonomia, da ação colaborativa em rede e da transformação social.

Instrumento de transformação social

O Programa Telecentros.BR tem o objetivo de estimular a implantação de novos telecentros, bem


como o de fortalecer os já implantados. Tal objetivo tem como ponto importante e fundamental a
presença dos monitores de inclusão digital. Os telecentros devem ser apropriados pela
comunidade na qual se inserem, enquanto instrumento de transformação social e, nesse sentido, é
preciso de pessoas que apoiem o desenvolvimento desse uso qualificado.

A Rede Nacional de Formação está construindo, de maneira colaborativa e dialogada, o curso para
os monitores do programa, contando com conteúdos transversais capazes de garantir a
diversidade de propósitos e características de cada telecentro, inserido em comunidades e
condições específicas. Com a presença dos monitores, esperamos que os telecentros se traduzam
em espaços dinâmicos, vivenciados pela comunidade, pois somente assim promoveremos a
sustentabilidade e a apropriação efetiva das tecnologias pelas comunidades.

OFICINA PARA INCLUSÃO DIGITAL

O desafio de ampliar o acesso às tecnologias de informação e comunicação (TICs) começa, no


Brasil, no final dos anos noventa e início da década seguinte, quando os microcomputadores
passaram a figurar em espaços como os das universidades, centros de pesquisa, grandes empresas
e instituições públicas. Desde então, a sociedade civil organizada passou a pautar a administração
pública para que ações, projetos e programas favorecessem o acesso da população às TICs,
promovendo, assim, o que entendemos hoje por inclusão digital.

Em maio de 2001, aproximadamente 400 pessoas, entre elas, membros do governo, estudiosos e
organizações da sociedade civil, se reuniram em Brasília para discutir propostas de políticas
públicas para a ampliação do acesso às TICs, sobretudo, à internet. O fosso entre a demanda dos
cidadãos e a realidade em relação ao acesso às tecnologias era um grande desafio a ser superado.
O evento, organizado por instituições da sociedade civil e pela Secretaria de Logística e Tecnologia
da Informação do Ministério do Planejamento, foi batizado de Oficina para a Inclusão Digital. Entre
as premissas da carta elaborada ao final do encontro1, está a afirmação de que a exclusão digital
aprofunda a exclusão socioeconômica; que o objetivo central da inclusão digital é o conjunto de
processos de comunicação e processamento de conhecimento relativo à vida do cidadão; que a
inclusão digital não se limita ao usufruto de serviços prestados pelos governos eletrônicos, nem às
aplicações de comércio eletrônico, nem à capacitação para o trabalho; e que a capacitação e o
treinamento devem ser sempre previstos nos orçamentos das ações de inclusão digital.

Desde 2003, a Oficina acontece anualmente, reunindo aproximadamente mil pessoas por edição.
O evento constitui um espaço de discussão e proposição de estratégias, políticas públicas e
diretrizes de acesso às TICs no País. Sua promoção é de responsabilidade do Comitê Técnico de
Inclusão Digital do Governo Federal e da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do
Ministério do Planejamento, em parceria com outras instituições públicas, como as empresas
estaduais de TIC e processamento de dados, e organizações da sociedade civil, entre elas,
Sampa.org, Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits),

Cidadania Digital, Coletivo Digital, Projeto Saúde & Alegria e Instituto de Pesquisas e Projetos
Sociais e Tecnológicos (Ipso).

Foco de cada Oficina

Na primeira edição, em 2001, os esforços estavam voltados para ações de estruturação física e
lógica de telecentros e outros pontos de acesso público às TICs. Era consenso que aquele era o
momento de implementar telecentros. Nas duas edições seguintes, além de discutir a necessidade
de implementação de mais e melhores espaços, as discussões se aprofundaram em relação aos
locais e ao modo como esses equipamentos deveriam ser instalados. Ficou evidente que a
preocupação dos envolvidos era atingir aqueles que acessavam desigualmente os bens e serviços,
como as mulheres, os negros, as minorias étnicas e os pobres. Nessa ocasião (2004), a Oficina foi
realizada em São Paulo, ao mesmo tempo em que ocorria o II Encontro Nacional de Telecentros e
o III Encontro Latino-Americano de Telecentros, destinado à troca de experiências entre os
principais agentes envolvidos em programas de inclusão digital na América Latina e Caribe.

Nos encontros posteriores, especialmente em 2006 e 2007, a Oficina fez balanços dos primeiros
anos de inserção do debate sobre inclusão digital na agenda pública. Discutiram-se ações,
programas, projetos, conceitos e foram socializadas as boas práticas. Foi também nesse período
que monitores e demais participantes do evento ganharam espaços específicos para a troca de
experiências e para aprender uns com os outros.

Da 7ª à 9ª Oficina, os participantes, além de promoverem balanços sobre a política pública de


inclusão digital, discutiram temas como o descarte e recondicionamento de computadores e
outros equipamentos, a gestão de cooperativas de tecnologia e telecentros, redes sem fio,
cibercrimes, segurança da informação e acessibilidade, entre outros temas.

A Oficina para Inclusão Digital manteve, em todas as edições, espaço para análise, debate,
proposição, reivindicação e monitoramento das políticas públicas e para a troca de experiências
sobre o processo de inclusão digital no País. Os participantes foram aos poucos pautando a
administração pública para a promoção da inclusão digital, com foco no cidadão.

O papel dos educadores

Durante esse período, consolidou-se a ideia de que, a despeito dos avanços citados, ainda há um
longo caminho a ser percorrido. E firmouse a convicção de que inclusão digital se faz, não apenas
com a aquisição de equipamentos e a disponibilidade de conexão, mas, especialmente, com a
apropriação efetiva das tecnologias digitais de informação e comunicação por parte dos cidadãos.

Para a disseminação desse entendimento, o papel dos educadores e facilitadores de inclusão


digital é fundamental. Conhecidos como monitores, eles constituem o principal público da Oficina.
É através da experiência cotidiana dessas pessoas nos telecentros que grande parte das
reivindicações sinalizadas nas cartas seladas ao final dos encontros, políticas públicas e outras
ações promovidas pela própria sociedade civil são efetivadas. A reunião desse público permite à
Oficina mapear, avaliar e promover novas ferramentas de suporte à inclusão digital, além de
debater outros assuntos como o acesso à banda larga e o desenvolvimento e uso do software
livre.

Os avanços

Se o avanço da penetração da internet e o acesso aos equipamentos de TIC são os resultados


concretos da política de inclusão digital, o que podemos destacar como impactos fomentados nas
Oficinas para Inclusão Digital?

Onid – Lançado em 2007, o Observatório Nacional de Inclusão Digital é uma iniciativa do governo
federal em conjunto com a sociedade civil organizada, que atua na coleta, sistematização e
disponibilização de informações para acompanhamento e avaliação das ações de inclusão digital
no Brasil. O Onid disponibiliza informações sobre os telecentros de todo o País, e para isso está
constantemente cadastrando telecentros, centros de inclusão digital, infocentros ou outros
espaços coletivos sem fins comerciais de uso da tecnologia da informação conectados à internet.
Programa Telecentros.BR – Instituído em 2009, por decreto presidencial, o Programa Nacional de
Apoio à Inclusão Digital nas Comunidades - Telecentros.BR é resultado de um esforço do governo
federal de coordenação do apoio aos espaços públicos e comunitários de inclusão digital. O
objetivo é oferecer condições ao aperfeiçoamento da qualidade e à continuidade das iniciativas
em curso, assim como à instalação de novos espaços. Esse apoio se dá em três esferas: conexão e
equipamentos (computadores), bolsas de auxílio financeiro para jovens monitores, e formação de
monitores bolsistas e não bolsistas que atuem nos telecentros.

Rede Nacional de Formação para Inclusão Digital – Constitui-se de um conjunto de atividades de


qualificação de agentes de inclusão digital dos telecentros apoiados pelo Programa
Telecentros.BR. O Curso de Formação de Monitores do Telecentros.BR é o primeiro projeto dessa
rede e atende uma das reivindicações mais pautadas pelos monitores de telecentros durante as
oficinas: a construção de uma rede de formação. A meta é formar 16 mil monitores que atuam nos
telecentros, todos bolsistas apoiados pelo programa. A implementação do curso está sob a
responsabilidade de cinco polos regionais, um para cada região do Brasil, dois polos estaduais e
um polo nacional, que faz a coordenação pedagógica e a supervisão geral das atividades.

Recondicionamento de computadores – A implantação de Centros de Recondicionamento de


Computadores faz parte do Projeto Computadores para Inclusão (Projeto CI). O objetivo dos
Centros de Recondicionamento é recuperar milhares de computadores descartados pelos órgãos
governamentais e pela iniciativa privada e destiná-los a iniciativas de inclusão digital como
telecentros, escolas e bibliotecas. Para viabilizar o projeto, o governo federal estabelece parcerias
com instituições locais, que se responsabilizam pela manutenção e pelo funcionamento das
unidades. A coordenação está a cargo da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do
Ministério do Planejamento.

Os desafios

Dez anos após a primeira Oficina, ações, projetos e programas proliferaram. Conforme pesquisa de
2009 do Comitê Gestor da Internet no Brasil, a penetração do computador e da internet nos
domicílios brasileiros aumentou. Naquele ano, 34% dos domicílios possuíam pelo menos um
computador. Segundo os dados do Cadastro Nacional de Inclusão Digital, existem hoje no país
mais de 8 mil telecentros e mais de 94 programas de inclusão digital.

Os avanços são muitos, os desafios também e entre eles está a conexão. Enquanto equipamentos,
acesso, formação e qualificação já são processos em andamento, a expansão da banda larga ainda
é um grande desafio e impacta diretamente na oferta de serviços públicos on-line. A infraestrutura
de comunicação é cara, falha e desigual. O Plano Nacional de Banda Larga se propõe a maximizar
até 2014 a oferta de acesso à banda larga no País.

A implantação do governo eletrônico no Brasil é um incentivo para a política de inclusão digital,


porque amplia o envolvimento do Estado com o tema e desperta a percepção da sociedade
quanto às novas possibilidades de exercício da cidadania, participação no progresso social e
acesso aos serviços públicos.

Uma discussão acalorada que deverá acontecer nos próximos anos diz respeito às lan houses e à
formalização desses pequenos negócios, reconhecido seu potencial de colaborar com as ações de
e-Gov e de inclusão digital. A grande maioria dos acessos à internet nos espaços de oferta pública
ou lan houses se dá pela necessidade dos cidadãos de acesso aos serviços públicos.
Os próximos anos serão de muito trabalho e a administração pública, a sociedade civil organizada
e os cidadãos terão papel relevante nesse processo. A internet é local gigantesco, fértil, pouco
conhecido, mas onde todos os temas podem ganhar espaço e profundidade, se levada em conta a
importância da dimensão digital na sociedade da informação.

EDUCADOR SOCIAL: UM ARTICILADOR DA COMUNIDADE

Sempre me lembro do caso de Santa Quitéria, no Maranhão. Ao montarmos a Estação Digital, a


grande reivindicação da comunidade era a de ter acesso à internet. Algum tempo depois de
inaugurada, o Ministério das Comunicações disponibilizou um ponto de conexão à internet via
satélite pelo programa Governo Eletrônico de Serviço ao Atendimento ao Cidadão (GESAC). A
entidade parceira local iniciou, na época, uma grande campanha de sensibilização dos moradores
para a emissão de certidão de nascimento. Os educadores sociais tomaram a iniciativa de utilizar a
Estação Digital como ponto de apoio para a campanha. Os computadores facilitaram os cadastros,
e a internet – o único ponto de acesso público da cidade – possibilitou a realização de consultas e
o envio dos requerimentos. Resultado: em menos de um ano, Santa Quitéria do Maranhão passou
a ser a primeira cidade brasileira onde 100% da população possuía certidão de nascimento. Esse
documento é a porta de entrada de reconhecimento da pessoa como cidadã brasileira e a garantia
de acesso a outros direitos, como a matrícula na escola, e a uma série de outros documentos,
como a carteira de identidade, CPF e a carteira de trabalho.

Esse é o modelo de formação de educadores sociais em que nós, da Programando o Futuro1,


acreditamos. Aquele que envolve o ser humano em sua comunidade, proporcionando intercâmbio
e integração com outros projetos e, principalmente, facilitando o acesso a serviços por meio da
Estação Digital.

A Programando o Futuro é parceira da Fundação Banco do Brasil (FBB) desde a concepção do


Programa de Inclusão Digital da Fundação, em 2003. Com o apoio de parceiros locais,
organizações da sociedade civil e instituições públicas, a FBB implantou as Estações Digitais em
todo o território nacional, em diversas comunidades, como as quilombolas, aldeias indígenas,
colônias de pescadores, comunidades ribeirinhas e em localidades de baixo IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano) dos grandes centros urbanos.

Uma Estação Digital se materializa num laboratório de informática com computadores conectados
à internet disponível a toda a comunidade. Mas só os equipamentos não são suficientes para
garantir a eficácia da iniciativa, é fundamental o trabalho dos educadores sociais. São eles que
recepcionam, auxiliam e orientam os usuários no manuseio dos equipamentos e na busca das
informações. Além disso, os educadores sociais são responsáveis pela gestão da Estação Digital e
também pela divulgação das atividades desenvolvidas.

Formação

A capacitação dos educadores sociais das Estações Digitais é feita pela Programando o Futuro e
está focada na formação humana do indivíduo, respeitando e valorizando suas culturas,
habilidades e conhecimentos, com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade de vida
do indivíduo e da comunidade do seu entorno.

A formação é presencial com duração de cinco dias e carga horária de 40 horas. Os conteúdos
estão distribuídos em quatro eixos: Planejamento e Gestão da Estação Digital, Iniciação
Pedagógica, Comunicação Comunitária e Conhecimentos Técnicos de Informática. O objetivo
dessa formação é orientar os participantes sobre as inúmeras possibilidades de trabalho junto à
comunidade que a Estação Digital agrega e instrumentalizá-los para um modelo eficaz de gestão.

Com linguagem coloquial e atividades lúdicas e práticas, as oficinas partem do conhecimento e da


realidade local dos educadores, o que facilita a compreensão e a construção dos instrumentos
utilizados na Estação Digital pelos próprios alunos, como o projeto pedagógico, a definição da
utilização do espaço, horários de funcionamento, a divulgação das ações, etc.

Essa metodologia é facilitada pelo perfil da equipe da Programando o Futuro. São jovens que
iniciaram sua trajetória como educadores sociais em telecentros e que acreditam na difusão do
conhecimento como viabilidade de desenvolvimento de suas comunidades. Ter uma equipe assim
possibilita falar a mesma linguagem, vivenciar os mesmos problemas e apontar horizontes
possíveis. Toda essa vivência contribui positivamente para o processo de aprendizagem.

Nossa atuação na formação de educadores sociais é o compartilhamento de nossa experiência nas


Estações Digitais, tendo como desafio a implantação dessas ações em suas comunidades,
respeitando as culturas, tradições e recursos disponíveis.

Além da capacitação presencial, o programa realiza encontros bienais de formação e atualização


dos educadores, além de oficinas periódicas de reciclagem técnica. Desde o início de nossa
parceria com a Fundação Banco do Brasil, tivemos clareza de que o coração do Programa de
Inclusão Digital está na formação dos educadores sociais.

Caldeirão de culturas e adequações

Antes de começar uma oficina de formação para educadores sociais, a equipe da Programando o
Futuro estuda a comunidade, a cultura do lugar e os trabalhos desenvolvidos pela entidade
parceira local. Isso ajuda no desenvolvimento das atividades da oficina bem como nos exercícios
temáticos com as ferramentas de tecnologias de informação.

As diferenças culturais das localidades onde as Estações estão instaladas são determinantes para a
definição do funcionamento e do cotidiano do trabalho. Além da variedade de horários de
atendimento das Estações, em função da região, há ainda a diversidade dos parceiros locais.
Prefeituras e organizações não governamentais são as mais comuns.

Em Florianópolis e em Salvador, há Estações Digitais onde os parceiros locais são cooperativas de


catadores de materiais recicláveis, tendo como principal público os catadores. Eles desenvolvem
suas atividades durante todo o dia na rua, embaixo de sol forte – são cidades litorâneas – e, ao
término da jornada de trabalho, têm a oportunidade de frequentar as Estações Digitais. Essas
questões são trabalhadas no curso de formação, quando se enfatiza a importância de o educador
social considerar no planejamento de sua aula que muitos alunos participam das atividades
noturnas depois de um cansativo dia de trabalho. Nesse sentido, os educadores procuram sempre
oferecer um tratamento acolhedor ao usuário, além de outros cuidados, como a ampliação da
definição da tela do monitor e a preocupação de trazer para os conteúdos técnicos assuntos de
interesse comum.

A integração dessa diversidade no curso de formação de educadores sociais pode gerar


transformações muito eficientes. Certa vez, recebemos uma turma em que todos os participantes
eram de empreendimentos solidários da Bahia, Piauí, Ceará, Pará e Mato Grosso. Quando
iniciamos o trabalho com a planilha eletrônica, gerou-se uma situação muito interessante. Como a
aula era focada em fórmulas e gráficos, optamos por utilizar como referência a cultura da
mandioca e do mel, além de aplicarmos os valores reais de comercialização em suas comunidades.
No meio dos cálculos, os colegas mato-grossenses chegaram à conclusão de que a mandioca
produzida na Bahia, se levada para o Mato Grosso, mesmo com o frete e os impostos, era cerca de
15% mais barata do que o mesmo produto vindo do Paraná. Foi uma surpresa geral para a turma.
E o planejamento dos “negócios” não parou aí. Eles observaram também que o açaí enviado de
Belém para Mato Grosso sairia mais barato do que o que vinha de Açailândia, no Maranhão. Mais
uma surpresa! Esse estudo acabou virando intercâmbio comercial e, cerca de três meses após a
aula, descobrimos que a cooperativa em Mato Grosso, enfim, começou a comprar o açaí do Pará.

A diversidade nas formações

Costumo dizer que a diversidade cultural dos educadores sociais sempre foi a riqueza da
formação. Ao mesmo tempo em que havia educadores que atuavam em São Paulo, que é o maior
centro urbano da América Latina, tínhamos, na mesma turma, uma dupla de educadores que
atuaria em Anagé, cidade do sertão baiano, que fica a quase 400 quilômetros da capital, Salvador.
Proporcionar um entendimento comum, compartilhar as experiências e equalizar com esses
educadores um modelo de gestão para as Estações Digitais que funcionasse bem em Anagé ou
em São Paulo, sempre foi nosso desafio.

O módulo Comunicação Comunitária é um dos pontos altos do intercâmbio cultural entre os


educadores. Os canais utilizados, disponíveis ao redor da Estação Digital, são os mais diversos e
curiosos: rádios comunitárias, cartazes, blogs, rádio alto-falante, reuniões, avisos paroquiais,
bicicleta de som, TV comunitária, e até festas agropecuárias.

Ainda durante a formação, é visível a apropriação tecnológica por parte dos educadores sociais.
Mesmo que o foco da atividade seja no planejamento das ações a serem divulgadas, o produto
final é muito diversificado e rico. Os educadores utilizam celulares e câmeras fotográficas para a
produção de vídeos, vinhetas e, até mesmo, chegam a produzir entrevistas para serem veiculadas.
Tudo isso, claro, quando se tem tempo e equipamentos disponíveis no decorrer da formação. Isso
gera um grande interesse sobre a produção a ser feita pelos educadores sociais quando regressam
a suas comunidades.

O desafio da formação continuada

Praticamente nenhuma Estação Digital funciona sozinha no seu espaço físico. Quase todas elas
possuem outra atividade funcionando em conjunto, como bibliotecas, escolas públicas, entidades
comunitárias, rádios comunitárias e cooperativas. E com o passar dos anos, esses outros projetos
que aconteciam em paralelo foram se apropriando das tecnologias da informação e comunicação,
proporcionando maior integração entre a Estação e a comunidade.

Ficamos pensando sobre qual seria o papel do educador diante desse processo natural de
apropriação. Ao mesmo tempo em que empreendimentos solidários passam a utilizar as
tecnologias, tornase fundamental a capacitação dos funcionários. Fazer fluxo de caixa, controle de
estoque, de insumos e de matéria-prima são exemplos de necessidades cotidianas que podem ser
facilmente absorvidas a partir do simples uso de uma planilha eletrônica ou um banco de dados.
Em outra realidade, o acesso a serviços eletrônicos do governo, os chamados e-Gov, passou a ser
cotidiano em várias Estações Digitais, bem como as consultas e as solicitações de serviços
previdenciários.

Como o estímulo à apropriação tecnológica é, e sempre será, um dos principais objetivos do


programa, a formação dos educadores sociais necessita de um constante olhar atencioso. Além da
formação do educador para atuar no programa, devemos pensar em formações complementares,
presenciais ou a distância, com o objetivo de contribuir para o funcionamento cotidiano da
Estação Digital, promovendo o desenvolvimento humano do educador social e da comunidade
onde ele está inserido, pois programar o futuro é cuidar todo dia do nosso presente.

8° Módulo: Acessibilidade

O DESAFIO DA FORMAÇÃO DE EDUCADORES SOCIAIS A ACESSIBILIDADE

As inovações tecnológicas incorporadas nos sistemas de produção nas últimas décadas, aliadas à
crescente globalização dos mercados, desencadearam nas organizações demandas por um novo
profissional, com competências diferentes daquelas exigidas no mercado de trabalho até um
passado não muito distante. A formação profissional é hoje um dos grandes desafios para
empresas, governo e sociedade.

Longos passos foram dados nessa difícil caminhada, no sentido de preparar o trabalhador para
operar com novas tecnologias de produção e sob novos métodos de organização do trabalho. As
oportunidades de aprendizagem e capacitação, antes restritas a espaços ocupados apenas por
uma parte elitizada da sociedade, foram ampliadas para outras parcelas da população. É fato,
porém, que, especialmente por falta de investimentos, essa ampliação não aconteceu de forma
homogênea e não contemplou todos os segmentos da sociedade. Alguns ficaram marginalizados
nesse processo, como os portadores das chamadas necessidades especiais.

Essa expressão “especial” tem, entre outros, o significado de particular, privativo. As pessoas com
deficiência vivenciam condições especiais, particulares e privativas, que devem ser respeitadas e
zeladas pela sociedade. Os últimos dados do IBGE sobre a população com deficiência são de
20001 e mostram que mais de 24 milhões de brasileiros possuíam algum tipo de deficiência, ou
seja, perto de 15% da população na época. Mantida essa proporção, teríamos hoje em torno de 29
milhões de portadores de algum tipo de deficiência. É um número expressivo de brasileiros que
querem, podem e merecem desenvolver alguma atividade produtiva.

Existe um esforço governamental para disciplinar e orientar a oferta de acessibilidade aos


portadores de deficiência. Segundo o Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, acessibilidade
está relacionada à disponibilização de condição para utilização, com segurança e autonomia, total
ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de
transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa
portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida. O conceito se estende à possibilidade de
usufruir de todos os benefícios da vida em sociedade.

Para implantar condições de acessibilidade física, são necessários recursos financeiros e materiais.
Fomentar acessibilidade comportamental, porém, vai além desses recursos. É muito mais do que
construir rampas e acessos. Envolve valores que são construídos desde a infância na família e
endossados ao longo da vida da pessoa, permeando todos os núcleos de convivência dos quais
participa, como grupos de amigos, local de trabalho, escola, igreja, etc. Esse trabalho educativo,
que parte da mobilização dos valores históricos da pessoa para desenvolver nela competências
para uma vida social mais gratificante e produtiva, tem sido desenvolvido por meio de iniciativas
conduzidas pelos chamados educadores sociais.

Educando para a vida

Os valores atuais pregados na sociedade valorizam as escolhas e buscas individuais, e isso tem se
refletido na formação das famílias e da cultura. Os educadores sociais vêm se contrapor a esse
paradigma, quando absorvem um conceito amplo de cuidado e valorização da pessoa humana,
que transcende o individualismo. Dessa forma, a atuação dos educadores sociais não se limita a
repassar assuntos técnicos. Vai além. Esses profissionais buscam educar para a vida, propondo
reflexões sobre questões como a inclusão das minorias e de pessoas em situação de
vulnerabilidade social.

A formação de educadores sociais para a acessibilidade, porém, está muito precária no Brasil. O
investimento por parte das escolas é insignificante e não existe a preocupação de oferecer cursos
de nível superior ou mesmo técnico relacionados a manejo de pessoas com deficiência, com
conteúdos sobre acessibilidade comportamental. Conhecer o que é uma pessoa com deficiência e
compreender suas necessidades vai além de entender sobre leis e decretos. É necessário, dentre
outras competências, sensibilidade, e envolve, além de estudo e pesquisa, dedicação, carinho e
rejeição de qualquer forma de discriminação, ou seja, respeito à pessoa humana independente de
sua classe social, gênero, raça ou condição física.

A baixa oferta de cursos de formação e preparação de educadores para atuarem com portadores
de deficiência, especialmente com essa perspectiva da acessibilidade comportamental, levou
entidades, que lutam por essa parcela da população e possuem conhecimento técnico e
experiência da causa, a desenvolverem seus próprios programas de formação de educadores.

Formação humanizadora

Um exemplo é a formação de educadores sociais oferecida pelo Instituto Cultural, Educacional e


Profissionalizante de Pessoas com Deficiência do Brasil (ICEP BRASIL), entidade filantrópica que
atua em Brasília (DF) desde 1999, com capacitação e inserção profissional de pessoas com
deficiência. A instituição, ao longo dos seus 11 anos de existência, já beneficiou cerca de 40 mil
pessoas. Por ter dificuldade de encontrar profissionais no mercado que apresentem perfil
profissional para trabalhar com pessoas com deficiência, o ICEP capacita seus educadores sociais.

Essa capacitação acontece todo ano e é ministrada por uma profissional que alia conhecimentos
aprendidos na academia aos aprendidos na vida. Possui Mestrado em Psicologia e muita
experiência na área de educação e no trabalho com deficientes. O grande desafio que clama por
mais discussões e estudos é a multiplicação dessas técnicas nas escolas e demais locais que
recebem pessoas com deficiência, para que o conhecimento extrapole as barreiras de Brasília e
consiga de fato introduzir um pouco de humanização na formação dos educadores e na vida das
pessoas.

Central de Libras

Diante dos desafios sociais de capacitar educadores e ter projetos de inclusão efetiva que vão ao
encontro das necessidades dos assistidos, o ICEP Brasil desenvolveu um projeto denominado
Central de Libras, que tem como propósito multiplicar a Língua Brasileira de Sinais (Libras) para
melhorar o atendimento e a integração da pessoa com deficiência auditiva em locais como
hospitais, delegacias, escolas, serviços de utilidade pública, etc.

O curso, na sua primeira semana de inscrição, recebeu mais de mil inscritos interessados em
aprender a língua de sinais. Foi feita uma triagem por área de atuação e capacitadas 120 pessoas.
Outros eventos de formação serão oferecidos para atender a grande demanda pelo curso.
Paralelamente a essa ação de capacitação, a Central de Libras realiza atendimentos diversos nas
áreas de educação, esporte, lazer, cultura, saúde, documentação, dentre outros, totalizando em
oito meses de atividades mais de 900 atendimentos em diversas áreas. Os profissionais que
trabalham nesse projeto receberam capacitação direcionada para lidar com pessoas com
deficiência auditiva.

A deficiência auditiva ou surdez é definida como qualquer alteração produzida tanto no órgão da
audição como na via auditiva. Essa alteração se dá não apenas na fala, mas também no
comportamento, pois muitos dos estímulos que aprendemos ao longo de nossa vida vêm através
da comunicação verbal. Como o surdo não utiliza essa forma de comunicação, o processo vivido
por ele, de entendimento das informações e compreensão do mundo, se dá de forma diferenciada.
Para atender esse público, os 60 colaboradores do ICEP que trabalham no projeto Central de
Libras receberam capacitação específica de como lidar com pessoas com deficiência auditiva.

Gerenciamento da diversidade

A missão dos educadores sociais para a acessibilidade se complementa quando os participantes


dos processos formativos conseguem se colocar no mercado de trabalho. Em 2010, 527 pessoas
qualificadas pelo ICEP conseguiram emprego em Brasília, número que poderia ser multiplicado em
todas as regiões do País se as organizações repensassem suas práticas de gestão e oferecessem
oportunidades para todos os cidadãos que desejam participar da vida produtiva.

Para tanto, é necessário um olhar para a pessoa humana que reconheça suas diferenças e
potencialidades, e que respeite suas especificidades físicas e comportamentais. Para haver
igualdade de oportunidades e possibilidade de participação plena em todos os processos sociais,
as pessoas devem ser tratadas como grupos e não como exceções, o que significa tratar os
desiguais na medida das suas desigualdades.

O gerenciamento da diversidade nas organizações, quando vai além dos discursos, permite, além
da representatividade dos grupos, uma melhor oportunidade para que todos os membros possam
aprender a se integrar com grupos diferentes. Esse é o caminho para a construção de uma
sociedade inclusiva que promova a convivência harmoniosa, a partir do respeito às diferenças, com
a valorização dos potenciais das pessoas e não de suas carências. Diminuir os espaços de
segregação passa por uma ruptura de paradigmas de exclusão. Esse é o desafio que os
educadores sociais vêm enfrentando e que deve ser assumido por toda a sociedade.

INCLUSÃO DIGITAL: A EXPERIÊNCIA DA FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL

Este artigo, fecho do eixo Inclusão Digital, aborda ações da Fundação Banco do Brasil. Na
Fundação, investir na formação dos educadores sociais é pilar fundamental da Divisão de
Educação e Cultura – EDUCA, e a capacitação se constitui em materialização do seu propósito e
vocação, configurando-se na mais importante ferramenta para multiplicar o conhecimento e
fomentar o desenvolvimento e a autonomia das pessoas.

O Programa de Inclusão Digital da Fundação Banco do Brasil foi implantado em 2004 e se


materializa através das Estações Digitais, que são instituídas por meio de parceria com
organizações da sociedade civil sem fins lucrativos ou instituições públicas. A Fundação investe
recursos para instalação dos espaços de inclusão digital, custeando infraestrutura, mobiliário,
equipamentos e acesso à internet. No entanto, são as pessoas que atuam em cada Estação Digital
que fazem a vida acontecer no programa. São as pessoas que transformam o caos em cosmos,
atribuindo valor, ordenamento e significado às coisas e às ações institucionais. Assim, nas
estações, a mediação deve ser feita por educadores sociais capacitados, visando facilitar a
apropriação do espaço pela comunidade. Cada estação deve contar com dois educadores sociais
com conhecimentos básicos de informática, percepção sociocultural da comunidade e com
capacidade de agregar pessoas, estimulando vínculos comunitários.

Ações da FBB

Para investir na formação dos educadores sociais, a Fundação Banco do Brasil tem realizado as
seguintes ações: capacitação de educadores sociais das Estações Digitais, capacitação de atores
sociais do Modelo de Inclusão Digital para Empreendimentos Produtivos (MIDEP), capacitação de
educadores sociais dos telecentros do Programa de Inclusão Digital do Banco do Brasil,
capacitação técnica para multiplicadores, encontros nacionais de Estações Digitais, projeto de
acessibilidade, participação nas Oficinas Nacionais para Inclusão Digital e no Programa
Telecentros.BR. Neste artigo, serão abordadas apenas algumas dessas iniciativas.

Capacitação de educadores sociais das Estações Digitais

A capacitação inicial dos educadores sociais é feita pela OSCIP Programando o Futuro e é a
principal ação formativa da Fundação para fazer com que o Programa de Inclusão Digital atinja
seus objetivos.

O educador social capacitado tem melhores condições de contribuir para a formação e


qualificação dos usuários das Estações Digitais, proporcionando melhores informações de uso do
equipamento, acessos e demais utilizações dos recursos. A FBB oferece capacitação de uma
semana, envolvendo despesas de passagem aérea, hospedagem, alimentação e material didático.
O conteúdo, organizado em quatro eixos, envolve metodologia, proposta político-pedagógica,
liderança, gestão para telecentros, comunicação comunitária, desenvolvimento local e
sustentabilidade, além de conhecimento técnico diversificado.

Ao longo dos anos, ao implantar mais de 300 Estações Digitais no país, a Fundação já capacitou
mais de 600 educadores sociais, investindo mais de R$ 3 milhões para isso e mais de R$ 1,5 milhão
no custeio de bolsas para esses educadores sociais voluntários.

Realização de Encontros Nacionais de Estações Digitais

A Fundação realiza a cada dois anos o Encontro Nacional de Estações Digitais, com a participação
dos educadores sociais. É um evento de formação que propicia o aprimoramento dos processos e
atividades desenvolvidas nas Estações Digitais, bem como o alinhamento das ações às políticas de
intervenção social na perspectiva de uma educação efetivamente inclusiva.
Os dois primeiros encontros, em 2006 e 2008, foram destinados, principalmente, à reflexão crítica
e debate sobre a metodologia do programa, temas e conteúdos essenciais às comunidades. O
terceiro encontro, em 2010, representou uma mudança quantitativa e qualitativa nos encontros,
em razão do intenso foco na capacitação dos educadores sociais, com a realização de diversas
oficinas para alcançar todos os níveis de conhecimento dos participantes do evento.

Capacitação de atores sociais do MIDEP

No escopo do Programa de Inclusão Digital da Fundação e baseada em uma estratégia de


integração entre as ações de educação e cultura e as de geração de trabalho e renda, a Fundação
desenvolveu o Modelo de Inclusão Digital para Empreendimentos Produtivos (MIDEP). O modelo
apresenta uma estratégia de atuação na qual as tecnologias da informação e da comunicação
(TICs) são utilizadas para auxiliar na gestão dos empreendimentos de economia solidária. O MIDEP
é focado na participação efetiva dos cidadãos, principalmente dos jovens, nos empreendimentos.

O MIDEP é estruturado em três ambientes: uma Estação Digital; uma Estação Multiuso destinada a
capacitações, reuniões e à realização de iniciativas socioculturais; e uma Estação Administrativa,
que é um ambiente projetado para atender as necessidades da utilização dos recursos das TICs
nos empreendimentos.

Também neste caso, a capacitação é o pilar principal do modelo e, em vez dos cinco dias da
capacitação tradicional, preenche nove dias de trabalhos intensos, preparando para a utilização de
todos os espaços e para a aplicação da filosofia do programa. Além dos dois educadores sociais
da capacitação tradicional, participam também um assistente técnico do empreendimento e o
dirigente da entidade.

Participação nas Oficinas para Inclusão Digital

O governo federal realiza anualmente uma Oficina para lnclusão Digital que, a cada edição, ocorre
em uma cidade diferente, já tendo percorrido todas as regiões do país. A Fundação, além de ser
uma das patrocinadoras do evento e participar enviando representantes, também faz com que
estejam presentes, no maior número possível, os educadores sociais da região em que a Oficina
acontece como mais uma forma de investir em sua formação continuada.

Participação no Programa Telecentros.BR

A Fundação firmou convênio de cooperação técnica com o governo federal no âmbito do


Programa Telecentros. BR, tornando-se entidade proponente e inscrevendo 335 educadores
sociais para receberem formação como monitores bolsistas do programa.

Promoção da acessibilidade

Para contribuir com a questão da acessibilidade física, comunicativa e virtual, iniciou-se em 2010
um processo para oferecer, aos educadores sociais e aos usuários das Estações Digitais, temas
para refletir e recursos para implementar ações nesse sentido. Dessa iniciativa resultou a formação
de um grupo de trabalho e a produção e distribuição de uma cartilha sobre o tema que também
se tornou um novo Caderno da Estação Digital. Além disso, houve palestras e participação em
fóruns e oficinas nos quais a Fundação apresentou sua iniciativa. Dentre os próximos passos
previstos, estão a provisão de orçamento específico para promoção de acessibilidade e a inclusão
do tema na capacitação dos educadores sociais.

Um mundo melhor

Ao concluir este artigo, peço vênia para ser prosaico e lúdico, em uma homenagem aos
educadores sociais das Estações Digitais. Trabalhar com inclusão social demanda planejamento,
seriedade, persistência e profissionalismo, mas, acima de tudo, disposição para participar de um
ambiente de sonhos, de utopias, de esperança e de luta pela beleza, pela verdade e pela vida. Por
mais ingênuo que possa soar, a luta é para que nossa passagem por aqui não seja em vão, e que
nossos esforços, por singelos que sejam, contribuam para que deixemos a nossos filhos e netos o
melhor mundo possível, ou, pelo menos, melhor do que aquele que recebemos.

Trabalho com inclusão digital desde 2004 e com inclusão social há muito mais tempo. Certa vez,
junto com um amigo, fomos levar equipamentos a um quilombo no Vale do Ribeira e a balsa para
atravessar o rio Ribeira de Iguape estava desativada. Chovia, e tivemos que atravessar o rio em um
pequeno bote, protegendo os equipamentos com algum plástico e com nossos corpos para que
chegassem sem dano. Nós, porém, molhados pela chuva, tivemos a alegria de, depois, ver um
pequeno telecentro cheio de crianças e saber que era assim o tempo todo, com ocorrência de filas
de espera e que os micros a mais chegaram para ajudar muito.

Em 2006, eu e dois outros companheiros voluntários passamos noites e um final de semana


montando 40 computadores e dois servidores em duas salas de aula de um convento para que,
durante a semana, educadores sociais de diversas cidades do estado de São Paulo pudessem
participar de uma capacitação. Muitos deles relataram ao final do curso ter sido uma das
experiências mais significativas de suas trajetórias.

Duas coisas são gratificantes ao escrever este artigo. A primeira é saber que vários escritores deste
livro são dessa mesma prática, ou seja, é gente que pôs e põe a mão na massa e que pode
multiplicar relatos de eventos como os descritos acima. São pessoas cuja mente e coração estão
na luta. São pessoas que estão liderando processos, porque são militantes cuja biografia e
repertório falam por si mesmos. A segunda é ver o investimento permanente da Fundação Banco
do Brasil na formação dos educadores sociais, pois, sem educação, nenhum investimento
transformará consistentemente a realidade rumo a um futuro de redução das desigualdades
sociais, uma vez que estão postos vários desafios a serem enfrentados, entre os quais, a
necessidade da generalização do acesso às novas tecnologias da informação e da comunicação.
Por isso mesmo, instalar Estações Digitais em cidades, favelas, quilombos, assentamentos e aldeias
demanda responsabilidade em formar pessoas para que atuem na capacitação de outras pessoas,
fazendo com que sua comunidade tenha mais possibilidade de inclusão na sociedade da
informação.

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