Contexto geral do diagnéstico psicoldgico
Maritia Ancona-Lopez
1.1, O termo “diagnéstico”
1.1.1. Sentido amplo e restrito
A palavra diagnéstico origina-se do_grego diagndstikés e signi
ica discernimento, faculdade de_conheser. de avés_de. Com
preendido dessa forma, o diagnéstico € inevtdvel, pois, sempr> que
explicitamos nossa compreensio sobre um fenGmeno, realizamos um
de seus possivels diagndstcos, isto 6, discernimos nele aspects, arac-
teristcas relagdes que compiem'um todo, o qual chamamos de
conhecimento do fenémeno. Para chegermos a esse conhecinento,
tullizamos processos de observagées, de avaliagSes ¢ de interpreta
6es que se baseiam em nossas percepgies, experiénias, informagées
Aadguiridas e formas de pensamento. E nesse sentido amplo que a
compreensio de um fendmeno confundese com o diagnéstco do
mesmo. Em sentido mais restrito, utiizase o termo diagnéstice para
referirse & possiblidade de conhecimento que vai além daquela que
© senso comum pode dar, ou sea, & possbilidade de signif
lidade que faz uso de conceitos, nogées e teorias cientificas.
‘Quando procuramos ler determinado feto a partir de conheck-
mentos especificos, estamos realizando um diagnéstico no camo da
ciéncia 20 qual esses conhesimenios se referem. Uma folha de papel
pode ser compreendida através de um estudo do material que a
compée, de seu custo, da sua utilidade social ou de seu surgimento
1hist6rico, dependendo dos conhecimentos colocados a servigo da
busca de compreensio. Evidentemente, nem todos os conhecimentos
podem ser aplicados a todos os fatos. Conhecimentos de Algebra di
Fieilmente nos serdo iiteis para a compreensio da Histéria do Brasi
vice-versa, Se, porém, o objeto de estudo de diversas ciéncias for
© mesmo, seré possivel aplicar a esse objeto os conhecimentos de
todas essas ciéncias. Por exemplo, ao estudar um animal utilizando
Conhecimentos da Zoologia, enriqueceremos esse estudo recorrendo
Biologia.
1.1.2. 0 diagnéstico psicoldgico
‘A Paicologia se insere no conjunto das Ciéncias Humanas. Uti-
izamos seus conhecimentos para a compreensio de qualquer fend-
meno humano. Esse mesmo fendmeno podera também ser objeto de
festudo de outras ciéndas, o que permitiré integrar conhecimentos,
enriquecendo nossa compreensio. Porém, ainda que empreguemos
dados de outras ciéncias, ao tratarmos das fungdes do psicélogo, esta
remos sempre nos referindo ao conjunto de fendmenos possiveis de
Serem estudados pela Psicologia e ao conjunto de conhecimentos psi-
colégicos que se desenvolveram a partir do estudo desses fendmenos.
De fato, 0 objeto de estudo, os conhecimentos ¢ métodos utilizados
caracterizam nosso trabalho, delimitam nosso campo de competéncia
permitem que se deienvolva nossa identidade profissional.
(Os conhecimentos dentro do campo da Psicologia, como de qual-
quer outra ciéncia, nfo se agrupam indiscriminedamente, Constituem
@ estdo constituidos em teorias das quais decorrem cs proct
eas técni
Na hist6ria da Psicologia encontramos intimeras teorias que defi
nem de forma diferene seu objeto de estudo e 0 método a utilizar.
‘Algumas tomaram métodos emprestados das ciéncies naturais, defi-
rindo em funglo dos mesmos o fendmeno a estudar, ¢ algumas bus-
aram criar métodos proprios. Mesmo a classificagio da Psicologia
como ciéncia humana, ou como ciéncia natural, e © reconhecimento
‘existéncia de teorits psicol6gicas foram e sdo muitas vezes ques
tionados pelos estudiosos do conhecimento. Porém, estas so as or-
ganizagées do conhecimento que encontramos no atual estégio do
‘esenvolvimento da Psicologia. Sao as que estudamos, frente &s quais
nos posicionamos e com as quais trabalhamos.
‘Neste livro trataremos do diagnéstico psicol6gico. O diagnéstico
psicolégico busca uma forma-de_comprecrsio ito
fa, Em nosso Pais, € uma das fungies exclusivas do psi
logo garantidas por Iei (Lei n* 4119 de 27-8-1962, que dispoe sobre
2
2 formagio em Psicologia e reguamenta s profissio de psicélog
Sutras fungbes exclusiva slo orenagio’ ¢ teleHo.profiasinal
rientagdo Picopedapiyic, solo de. problemas de. sjstameno,
Giregdo de servigos de Piclogia, enna e supervisdo proisinal,
assessor © peices sobre atsuntos de Pscolog.
‘Guando nos dispomos = realizar um psicodiagnéatico, presi
Jes possur conhecmentos teéricos, dominar_prosedimenios © 1c
reas peiclipicas. Como sao mites at teorasexistentes,e nem Sem
pre convergentes, a atuagao do psicdlogo em dagnéstico, asim como
fas outras fungbes privativa profited, yarn consiieravelment.
Em outtas palavas, € porque a atuagio profisional depende de uma
forma de conhecimeno, metodo de estido € procedimentos utiliza
doe = consderando que’ a Priclogia estes 80 mules vers incl
pienies que se encnram muitas concepedes e esrutrapées die
Fontes do dagnéstco picldgio. © proprio uro do termo varia, de
feordo com estas coneepgses. Encontrast, mutes yetes, 20 invés de
iagnosic psiolgica™ 2 wtlizagao dos temas “picodignéstico”,
iagnésco ‘da personalidade”, “estudo ‘de cx#0" ou "avaiagio
pricelogice", Cada um desses trmos € utlizado preferencalnente
por grupos de profsionas poiconados de formas diferens= dante
a Peicologe
‘Assim, antes de nos propormos 4 atusr profisionalment, seré
interesante expictarmos sobre que fendmenor pretendemos sar,
hse srt on rife ort, os mtdoe © poedinenos ©
1.2. A Psicologia Clinica ¢ as abordagens
psicodiagnésticas
0 texmo Psicologia Clinica foi uiizado, pla primeira ves
1896, relerindose a procedimeniee diagnostics uliaads junto 8
linia mien. com rang dfcients sic mentas. O inte
tes por ese ingntico suru a pari do momento em gue as
dcengao metas foram consideradas semeibantes te doengas fica.
Passram, eno, 9 fazer parte do uriveso de estudo da ciel
nfo mal'daveligio, come aneriorment, quando eram considera
Castigo divines potest.
Pareadas com as doengas fiat, foi necesito obserir as
doengas ments, verifier su existnca como entidads capecticas,
descreve los © clasifict-las, Den forma, 9 par da Psiguiata, a
dade médica destinada s combate 4 doenga mental, desenvolveuse
2 Psicopatologia, ou ej, 0 ramo dain voltado 40 tudo do
3comportamento anormal, definindo-o, compreendendo seus aspectos
subjacentes, sua etiologia, classificacdo e aspectos sociais. Do mesmo
modo, a par do desenvolvimento da Psicologia, isto ¢, do estudo sis-
temético da vida psiquica em geral, desenvolveu-se a’ Psicologia Clt-
nica, como atividade voltada & prevencéo e a0 alivio do sofrimento
psiquico.
1.2.1. A busca de um conhecimento objetivo
‘A forma de atuasio inicial em psicodiagnéstico refletiu a pos-
tura predominante, na época, entre os cientistas. Estes consideravam
possivel chegarse ao conhecimento objetivo de um fendmeno, utili-
zando uma metodologia baseada em observacéo imparcial © expet
mentasio. Esta postura, na qual a confirmacio de hipéteses se ba-
sseia em marcos referenciais externos, conhecida em sentido amplo
‘como postura positivsta, predominou principalmente no continente
americano. Dentro dessa orientagio, desenvolveramse 0 modelo mé-
ico de psicodiagnéstico, o modele psicométrico eo modelo beha-
viorista.
2) © modelo médico
© trabalho em disgnéstico psicoldgico junto aos médicos marcou
© inicio da atuasao profissional. Houve uma transposi¢éo do modelo
médico para o modelo psicol6gico. Este adquiriu algumas caracte-
risticas: enfatizou os aspectos patol6gicos do individuo, usando como
4uadros referenciais as nosologias psicopatoldgicas e enfatizou o uso
de instrumentos de medidas de determinadas caracteristicas do in
dividuo,
'No campo da Psicopatologia, multiplicaram-se as tentativas de
catabclecer dferengas ene devordens orghnias, endogenas,e desor-
dens funcionais, exégenas, procurando-se estabelecer relagées entre
1s mesmas e os distérbios de comportamento. Estabeleceramse, tam-
bém, relagées de causalidade entre os distirbios orginicos e 0s dis-
trbios psicol6gicos, principalmente nas reas da Neurologia e da
Bioguimica. Na procura do estabelecimento de quadros. classiica-
térios das doengas mentais, precisos ¢ mutuamente exclusivos, bus-
cou-se organizar sindromes sintométicas que caracterizassem esses
quadros e pudessem ser observadas.
‘Os comportamentos considerados patol6gicos passaram a ser des-
critos detalhadamente. Elaboraram-e testes para determinar e detec-
tar os processos psiquicos subjacentes, inclusive detectar tendéncias
ppatol6gicas. O objetivo desses testes, na prética, era fornecer infor-
1magées 0s médicos que as utilizavam, como subsidios para deter-
4
rinar os diagnésticos psicopatolégicos. Procuravam-se também, nos
testes, sinais de distirbios organicos que, pareados aos dados sinto-
ustficassem pesquisas médicas mais aprofundadas.
{As dificuldades encontradas nessa abordagem ligavam-se £0 fato
de que os quadros sintométicos nem sempre se adequam 20 quadro
apresentado pelo sujeito. Além disto, os mesmos sintomas fodiam
ter muitas vezes causas diversas e, vice-versa, as mesmas causas
podiam provocar diferentes sintomas.
Do ponto de vista do psicslogo, a grande énfase nos aspectos,
psicopatoldgicos deixava em segundo plano c
s do comportamento das pessoas,
‘Apesar dessas dificuldades, utiliaam-se até hoje classifcagSes
psicopatolépicas, principelmente no que se refere aos grandes grupos
rnosolégicos. Convém lembrar que, dentro da Psicopetologia, hi dife-
rentes classificagdes, ¢ estas obedecem a diferentes critéios. A uti
lizagdo de critérios classificatrios jusifica-se, porém, pela busca de
uma linguagem comum.
1b) © modelo psicométrico
© desenvolvimento dos testes foi, aos poucos, estabelecendo um
campo de atuagio exclusivo para o psicélogo ¢ gerantindo sua iden-
tidade profissional, embora precéria, jé que condicionada a autori-
dade do médico & quem cabia solictar esses testes € receber os
resultados dos mesmos.
Na atuagzo, foi com o uso de testes, principalmente junto a
criangas, que 0s psicSlogos. -autonomia; Neste te
balho, esforeavam-se por determiner, através dos testes, a capacidade
intelectual das criancas, suas aptiddes ¢ dificuldades, assim como
sua capacidade escolar. Esses resultados, com o tempo, deixaram
de ser obrigatoriamente entregues outros profissionais. Utiizados
pelos préprios psicélogos, serviam agora para orientar pais, profes-
Sores Ou os proprios médicos. Na utilizagio dos resultados ‘dos tes-
tes, tomou-se menos importante detectar distirbios ¢ classificdlos
psicopetologicamente, mas sim estabelecer diferencas individusis
orientages especif
‘A visio de homem subjacente ao modelo psicométrico implicava
« existéncia de caracteristicas genéricas do comportamento humano,
$Essus carateriaeas, de ordem genética constucional eran con-
3s relativamente imutdveis. Os testes visavam a identifcé-les,
Glasificdas e medilas. Entre as teoras da Psicologia que. pocir
ram explicitar essa visfo, encontram-se a Tipologia, a Psicologia das
5Faculdades © a Psicologia do Trago, cada uma delas definindo um
coneeito de homem e indicando uma forma de diagnosticé-o.
vimenio da Psicologia nessas diregSes foi bastante
iado por acontecimentos histéricos, principalmente nos Es-
tados Unidos. Neste fais, durante a Segunda Guerra Mundial str
‘buiu-se & Psicologia a funcio de selecionar individuos, aptos ou no
para 0 exércto, © avaliar os efeitos da guerra sobre os que dela
retornavam. Foi destinada maior verba as pesquises psicolégicas
proliferaram os testes. Estes foram amplamente difundidos no Brasi
©) O modelo behaviorista
Enfatizando a postura positivista, desenvolveram-se as teorias
behavioristas. Estas, partindo do principio de que o homem pode ser
cestudado como qualquer outro fendmeno da natureza, incluiram 2
Pricologia entre as citncias naturais © transportaram seus métodos
ppare 0 estudo do homem. A fim de poder aplicar 0 método das cién-
ias_naturai jc
jensuravel, € declararam 0 comportamento observivel como 0 tinico
objeto possivel de ser estudado pela Psicologia.
Consideraram que © comportamento humano no decorre de
ccaracteristicas inatas e imutdveis, mas é aprendido, podendo ser mo-
dificado. Passaram a estudé-lo, preocupando-se em alcangar as leis
que o regem e as variiveis que nele influem, a fim de se poder agir
sobre ele, mantendo-o, substituindo-o, modelando-o ou modificando-o.
Os behavioristas criaram formas préprias de avaliacio do com-
portamento a ser estudado. Ndo utilizaram o termo “psicodiagnds-
tico”, valendo-se dos termos “levantamentos de repert6rio” ou “ané-
lises ‘de comportamenta’
1.2.2. A importdncia da subjetividade
Paralelamente a essas tendéncias, desenvolveu-se uma nova for-
1a de conhecimento que repercutiu consideravelmente na Psicologia
Desde 0 inicio do século, alguns filésofos insurgiram-se contra a
vislo de ciéncia que considerava possivel uma total separasio entre
© sujeito € 0 objeto de estudo. Para esses filésofos, todo 0 conhe-
cimento € estabelecide pelo homem, nio se podendo negara par
cipasio de sua subjeividade. Dessa forma, néo € possivel admitir
como valida uma psicologia positivist, objtiva e experimental. ©
hhomem no pode ser estudado como um mero objeto, fazendo parte
4do mundo, pois o préprio mundo néo passa de um objeto intencional
para o sujeto que 0 pensa. Desse modo, os métodos das ciéncias
naturais no poderiam ser transpostos para as ciéncias humanas, jé
que estas possuem caractersticas especificas.
Esta forma de pensar foi marcante para a Psicopatologia e para
' Psicologia. No campo desta ditima, deu origem & Psicologia Feno-
rmenoldgico-existencial e a Psicologia Humanista. Todas essas corren-
tes afirmam que consciéncia, a vide intencional, determina © é
determinada pelo mundo, sendo fonte de significacdo ¢ valor. Se
Tientam o cardter holistico do homem sua capacidade de escolha €
‘utodeterminacio.
Partindo dessa posiglo frente ao homem ¢ = ciéncia, inimeras
cescolas surgiram e encararam de formas diversas a questio do psi-
codiagnéstico.
a) © Humanismo
‘As correntes humanistas, evitando posigées reducionistas a0
lidar com 0 homem, procuraram manter uma visio global do mesmo
compreender seu mundo e seu significado, sem as referéncias ted-
ricas anteriores. Insurgiramse contra 0 diagndstico psicolégico, cri-
ticando seu aspecto classificatério ¢ 0 uso do individuo através dos
testes. Procuraram restifuir ao ser humano sua liberdade e condigdes
de desenvolvimento, repudiando 0 psicodiagnéstico e considerandoo
‘um verdadeiro leito de Procusto.* Para os humanistas, os procedi
‘mentos diagn6sticos so artificiais. Constituem-se em racionalizagGes,
acompanhadas de julgamentos baseados em constructos tedricos que
descaracterizam o ser humano. Esses psicélogos no se ultilizam de
diagndsticos e de testes, considerando que, através do relacionamento
estabelecido com o cliente, durante a psicoterapia ou aconselha-
‘mento, alcangam uma compreensiio do mesmo.
b) A Paicologia Fenomenolégico-xistencial
Algumas correntes da Psicologia Fenomenolégico-xistencial re-
formularam a visio do psicodiagnéstico. Para estes psicdlogos, os