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CASTILHO, Antonio Feliciano De. Tratado de Metrificação

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TRATADO
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SEGUIDO DE CONSIDERAÇÕES SOBRE A DECLAMAÇAO


- E A POÉTICA

PIÍLO

YISCONDE DE CASTILHO
4.“ EDIÇÃO

nUriíiTA E AEGMEKTADA

PORTO:
L i v - K A R i A i M o n i c —e d i t o r a

1874.
A SE U S F IL H O S

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P R O L O G O D A P R IM E IR A E D IÇ Ã O

BIRUOT c CA
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NunTÃrõ“ 2 ^ 7

0 presente livro é nm quasi tratado, segundo eu


soube e pude fazel-o; e ao mesmo tempo compendio,
que por breve e claro não deixará de aproveitar aos
principiantes.
Tudo que vai em lettra mais grada constitue
doutrina que tenho por indispensável; em typo mais
miudo lancei as explanações, e certas digressões, de
que absolutamente se podia prescindir, mas que
servirão para tornar os preceitos mais convincentes.
A consecutiva leitura das paginas todas sobrará, ou
eu me engano muito, para qualquer completar sem
m estre o seu tirocinio de poeta.
Examinando tudo que sobre versificação se es­
crevera em nossa lingua, convenci-me de que a ma­
téria estava apenas encetada, e por homens que só
viam a arte da parte de fora: muito empirismo, al-
— 6

guma coisa de forma, nada de sentimento poético,


nada absoliitamente de philosopliia.
O amor e consciência com que trabalhei agora
nesta cultura, que ha trinta annos é a minha, á pri­
meira vista os reconliecerá quem folhear este volu-
minho; aqui se lhe depararão trabalhos minuciosos
de analyse, que ninguém antes havia feito, que me
conste, nem talvez tentado, e cujos resultados prá­
ticos devem ser muitos e importantes. Entre esses
trabalhos alguns ha, que pediam e mereciam maior
desenvolvim ento; alguns poderão ser melhorados
por mais hábeis mãos, e' provavelm ente para o fu­
turo 0 hão-de ser; é facil accrescentar; e o progres­
so é para todas as coisas. D ’aqui até lá entendo que
os professores de poética, seguindo as regras que
dou com as elucidações que lhes junto, e ajuntando
elles mesmos a umas e outras o que a sua própria ‘
pericia lhes aconselhar, deitarão das suas escolas
alumnos muito mais aproveitados; esse o unico fim
que me induziu a estas obscuras e inglórias lucubra-
ções.
Se bem soubera alguém , como eu sei, a abun-
dancia de dissabores, e a pouquidade de gostos ver­
dadeiros, que 0 poetar, e em geral o tratar lettras,
me tem acarretado, por muito santa alma e honrada
lingua que elle fosse, temo que me haveria por uma
especie de sectário do diabo, que por estar penando
sem remedio procura attrair para o seu inferno os
espiritos ainda não perdidos. Eu porém , em boa e
leal verdade não prego a ninguém para que seja
poeta ou litterato por vida em Portugal; de certo não;
0 que faço, e o que procuro fazer, é dar a mão aos
im berbes, ás senlioritas, e ainda a algum peccado-
raço calejado que já tem pacto com o demonio da
poesia, e uma vez que já nasceram prescítos para as
rimas e regrinlias deseguaes, induzil-os e acostu-
mal-os a atanasarem, o menos que possam , o ouvi­
do, 0 bom gosto, e o bom senso ao seu proxim o que
nem lhes fez mal, nem tem culpa do seu fadario.
Outro reparo farão ainda alguns, vendo sair este
folheto quando tão fresca anda ainda a historia do
esm erado agasalho, que a outro, très mil vezes mais
util do que este e quantos hei-de jám ais fazer, libe-
ralisaram , com tanta justiça como cortezia e decên­
cia, certos arautos ofíiciaes da litteratura patria. Não
importa; já agora... Quod scripsi, scripsi, e o que
escrevi, ha-de ir aos typos, dê por onde der, e sáia
0 que sair; não é isso que me ha-de a mim desvelar
as noites.

Quero acabar com uma derradeira ponderação


em abono do opusculo. Tenho eu que a materia,
que se nelle ensina, não é só util para os que aspi­
ram a fazer versos; entendo que em toda e qualquer
educação liberal deve entrar infallivelmente como
elemento; assim o fazem em Italia, em França, em
Inglaterra, em muita Allemanha, e até já por terras
da nossa visinha, a velha e juvenil Castella, que em
quanto nós outros nos attascamos, por querer, na

fl
8

ignorância hereditaria, lá se vai alando com o pro-


prio impulso para todo o bom saber.
Se 0 fazer versos é para poucos, o entender de
versos, o poder avalial-os com exacção, e recital-os
com justeza, é para um e outro sexo uma prenda de
manifesta vantagem ; requinta-se o gosto de uma im­
portante especie de leitura, que desenvolve, e pule
0 gosto natural; não se refoge por medo ou justa
vergonha de 1er em voz alta e em publico, e sobre
tudo com este tão facil como agradavel tirocinio se
affaz 0 ouvido para escrever a prosa nacional com
muito mais graça e affinação; verdade esta que po­
derá parecer nova e tonteria a alguém , mas que era
já credo velho para Maury, para La Ilarpe, para Uol-
lin, para Voltaire, para Plinio, para Quintiliano, para
Cicero, e para os m estres de Cicero, os grandes ho­
mens da grande Athenas; verdade que eu sem pre
defenderei, pois a conservo como reliquia de um ex­
cellente e eruditissim o varão, que me honrou com
a sua amizade, e com os seus conselhos me introdu­
ziu ainda menino ao caminho das lettras. Esta auc-
toridade, que ninguém em Portugal recusará, é a
do Sr. Antonio Ribeiro dos Santos, a quem a poesia
serviu muito mais ainda na prosa que no verso.

ADVERTÊNCIA DO EDITOR

Seguindo a indicação do auctor, supprimiram-se por es­


cusados 0 prologo da segunda, e o da terceira edição.
TRATADO DE METRIFICAÇAO

CAPITULO I

O QUE SEJA VERSO

V erso, ou metro, é um ajuntamento de palavras,


e até, em alguns casos, uma só palavra, comprehen-
dendo determinado numero de syllabas, com uma,
ou mais pausas obrigadas, de que resulta uma ca­
dencia aprazivel.
Antos de enumerarmos as differentes especies de versos
usadas em portuguez, e de ensinarmos as regras particulares
de cada uma d’essas especies, é indispensável, como funda­
mento, sabermos o que se entende por syllabas, e o que se
entende por pausas.

DAS SYLLABAS

A contagem das syllabas não é para o poeta o mesmo,


que para o grammatico; num dado trecho de versos aeba o
grarnmatico muito mais avultado numero de syllabas, que o
metrificador; a differença anda em- nossa lingua, segundo o
meu calculo (salvo o erro) por um sexto de excesso.

O grammatico conta por syllabas todos os sons


distinctos, em que as palavras se podem rigorosa­
mente dividir, sendo cada um d’esses sons distinc­
tos, ou uma vogal só per si, ou duas vogaes, quasi
— 10 —

simultaneamente proferidas, a que se chama diton­


go {ão, ae, ai, ao, au, d, eo, eu, io, m, oe, oi, ue,
ni) ^ ou uma vogal com uma ou mais consoantes,
que com elia ferem, quer lhe íiquem antes, quer de­
pois, quer a levem entre si, (como: pa, ar, cre,
trans); ou íinalmente um ditongo com consoantes,
que se lhe articulem, (como: pae, grei, paes, greis,
etc.)
O metrificador, porém, não conta por syllabas,
nem por coisa alguma, as que no modo corrente de
fallar passam, ou sem inteiramente se perceberem ,
ou percebendo-se tão pouco, que é como se não exis­
tiram.
0 grammatico nâo'cura do que parece aos ouvidos, mas
só do que é precisameute. O versilicador não se embaraça com
0 que precisameute é, mas só com os que aos ouvidos se íi-
gura.
Governa-se o primeiro por uma especie de pliilosophia
especulativa, aliás de grande utilidade, e mesmo necessária; o
outro, se assim nos podemos expressar, pela toada da pratica,
segundo a qual não só na recitação dos versos, mas ainda na
leitura da prosa, e até, e sobre tudo na conversação, mormen­
te na familiarissima, a cada passo se omittetn, com a voz, sons,
que aliás com a penna se representam. Além d’esta manifes­
ta diíferença, outra ba ainda muito real, que torna mais nu­
merosas as s}dlabas; porque os ditongos, pbilosopbicarnente
considerados, se reduzem cada um a duas syllabas, por serem
duas as vogaes de que se com})õern; observação esta pouco
importante para aqui, mas importantissima para o bom e mais
facil ensino do 1er. Vá exemplo, que ao mesmo tempo sirva
de exercicio. Eis aqui a primeira fabula de Lafontaine natra-
ducção de Filinfo. Por cima de cada verso se põem as mes­
mas palavras d’elle em lettra gripha, syllabadas grammatical-
mente, e por cima das duas linhas outra, em que as syllabas
são contadas rigorosamente, quando aconteça haver ditongo.

(1) Na 4.a edição do nosso methodo de leitura estabelecemos a dou­


trina ortodoxa de quo, não podendo haver duas vozes simultâneas ou
numa só emissão, os ditongos porluguezes eram cada um do per si uma
syllaba usual, mas essencialmente decomponivel em duas syllabas na-
turaes.
11

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1112 1314
A ci-gar-ra a can-tar pas-sa-ra o es-ti-o
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
A ci-gar-1'á can-tar pas-sá-res-ti-o

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16
E-IS QUE AS-SO-PRA 0 NOR-DES-TE E SE A-CHA BAL-DA
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 13 13 14 15
Eis que as-so-pra o nor-cles-te e se a-cha bal-da
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Eis-qua-so-pro-nor-des-ti-sa-cha-bal-da

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Sem mi-ga-lha de rnos-ca nem de ver-me
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Sem mi-ga-lha de mos-ca nem de ver-me

1 2 3 4 5 6 7 8 9
VA-I GRI-TAN-DO LA-ZE-I-RA
1 2 3 4 5 6 7
Vai gri-tan-do la-zei-ra
1 2 3 4 5 6 7
Vai gri-tan-do la-zei-ra

1 2 9 4 5 6 7 8 9 10 11
A’ for-mi-ga pe-dir su-a vi-si-nha
i 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
A’-for-mi-ga-pe-dir-su-a-vi-si-nha
•2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 U 15
TÈ QUE A NO-VA ES-TA-ÇÃ-0 BEII-VIN-DA A-PON-TE
I 2 3 4 5 0 7 8 9 10 11 12 13 14
Té que a no-va es-ta-ção bem vin-da a-pon-te
1 2 3 4 5 G 7 8 9 10 11
Té-qua-no-ves-ta-ção-])etn-vin-dá-pon-te

l 2 3 4 5 G 7 8 9 10 11 12 13 14
Diz-lhe à fé de ci-gar-ra an-tes de a-gos-to
1 2 3 4 5 G 7 8 9 10 11
Diz-lhá-fé-cle-ci-gá-rran-tes-da-gos-to

(1) Quer parecer ao autor, que em se grneralisamlo mais 'e obser-


rando-se com o devido escrupulo) o ensino da leitura pelo melhodo
portuguez, a pouco e pouco se haverá enfraquecido uma censura, que
estrangeiros, e portuguezes tamheni, fazem á nossa lingua, pelo des­
agrado que dizem provir-lhe do chamado latido canino do ão, que tanto
abunda n’ella. Quem na escola se houver acostumado a dizer ã-u, divi­
didos, antes de pronunciar ão unido, ficará provavelmente amançando
depois na pronuncia esto som, c terá a final desapparecido esta pedra
de escandalo.
Tão bom remedio podessemos nós dar á exprobraçáo que se faz á
lingua portugueza, á conta do som do s no final das palavas ou das
syllabasl Esse sim, que é um desar, e um peceado, tanto mais grave,
contra a euphonia, quanto esses ss chocalhados são de uma superabun­
dância e frequeucia, que chega a enfadar.
- 13

1 2 3 4 5 6 1 8 9 10 11 12
PA-GA-RE-I TU-DO PlUX-GI-PAL E JU-ROS
1 2 3 4 5 6 I S O 10 11
Pa-ga-rei tii-do prin-ci-2)al e ju-ros
1 2 3 4 5 2 1 8 9 10 11
Pa-ga-rei-tu-do-priii-ci-pal e ju-ros

1 2 3 4 5 1 1 8 9 10
NÃ-0 SER FA-CIL NO EM-PRES-TI-MO
1 2 3 4 5 6 7 8 9
Nüo ser fa-cil no ein-pres-ti-mo
1 2 3 4 5 6 7 8
jNâo ser fa-cil nim-pres ti-mo

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
e ’ NA FOR-MI-GA A MA-CU-LA MA-IS LE-VE
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
E ’ na for-mi-ga a ma-cu-la mais le-ve
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
E ’ na-for-mi-gà-ma-cu-la-mais-le-ve

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Coni que diz à que vem pe-dir pres-ta-do
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Com que diz á que vem pe-dir pres-ta-do
1 2 3 4 5 6 7 8 !) 10 11
Em qíie li-da-ims do ca-lor na qua-dra
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
l’ Ein que li-da-vas do ca-lor na qua-dra

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
A-I FA-ÇA-ME FA-VOR E-U NO-I-TE E DT-A

1 2 3 4 5 C 7 8 9 10 11 12
Ai fa-ça-me fa-vor eu noi-te e di-a
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Ai-fa-ça-me fa-vor-eu noi-ti-di-a

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16
CAN-TA-VA A QU-AN-TOS I-Ã-Ü-QU-AN-TOS VI-.NHÃ-U

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Can-ta-va-a quan-tos i-ão-quan-tos-vi-nhão
1 2 3 i 6 5 7 6 g ,6
Gan-tá-vá-quan-tos-i-ão-quan-tos-vi-nhão

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
CAN-TA-VAS-MU-I-TO FOL-GO-DAX-ÇA-A-GO-RA

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 H 12
Can-ta-vas-mui-to-fol-go-dan-ça-a-go-ra
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 H
Caii-ta-vas-niui-to-fol-go-dan-çá-go-ra

Neste sentido e conformidade convirá que o principiante


antes de progredir, se demore a praticar em qualquer livro
de verso ou prosa, pois isso lhe dará a facilidade de reduzir
as syllanas rigorosas ás grammaticaes, e as grammaticaes ás
1o
D —
usuaes; facilidade indispensável para quem tem de metrificar;
mas. para que vá com mais segurança de acerto, aqui llie ot-
ferecemos principios ou regras geraes, que não deve perder
de vista.

D a con tagem das syllaíias

R íígra 1 .''^— Uma vogal antes de outra vogal ab­


sorve-se nella, ficando as duas syllabas a formar
uma só syllaba (os ditongos são fundados neste
principio, que é fundado elle mesmo na própria na­
tureza das vogaes): esta regra não só se applica nos
casos em que uma vogal está em fim de palavra, e a
12 3 I 5 G 7
outra no começo da seguinte, como, felicidade inau­

dita. que se ló felicidddinaudita', mas até nos casos


em que as duas vogaes concorrem dentro na mesma

palavra, como: pi-eJa-ãe, que pronunciamos pie-

da-de e sa-u-da-de, que geralm ente pronunciamos


1 2 3
sau-da-de. (^)

(1) Nas composições dialogadas acontece frequentemente acabar


uma falia em principio ou meio de um verso, e inteirar-sê este com o
principio da falia seguinte. Exemplo:
Amas-me caro Henrique?—Adoro-te, querida!
Pessoa de muito voto nestas matérias propox-nos a sosuinte duvdda;
se sim ou não será bem permittido que na passagem de falia para la a
dentro do mesmo verso se absorva a ultima syllaba breve da talia
precedente na primeira vogal da falia immediata; fundando-se o seu
escrupulo em que passada a voz de pessoa para pessoa ha uma que­
bra que se lhe representa incompatível com a continuidade necessaria
para a absornção. . * 4
Sem escurecermos a tal qual razão do critico, assentamos todavia
em que a absorpçâo se póde n'esses casos effectuar sem escandalo para
0 ouvido; e fundamos esta doutrina ern que assim o praticam senyire
nas tragédias e comédias os melhores versiíicadores da Italia, da ues-
panha, de França, de Portugal, etc., etc., etc. Poderiamos facilmente
encher um volume com exemplos disto.
— 16 —

Exccpnões da regra precedente.— Ila excepções,


e eil-as aqui: se a \ogal antecedente é muito íbrte-
iiiente accentuada, ou é parte de ditongo, não se ab-
1 2
sorve na seguinte; por exemplo: só eu, de que não
1 1 2 3
podemos fazer seu, e, viu uma, que não podemos di-
1 2
zer vúma. (‘)

V o g a c » maist o u mciiosí d i f r i c e i » d c
absorver

Ha vogaes mais ou menos duras: em geral, o o


é mais duro que o a, a a mais que o i, o i mais que
0 e.

l*ro n u u cia ç õ e s da« vo ga es

Cada vogal tem em portuguez diversas pronun­


cias: 0 a duas bem distinctas; uma mais aberta,
como na primeira syllaba de pára (verbo), outra m e­
nos abeida, como na segunda syllaba da mesma pa­
lavra; em P a r á (nome de uma provincia do Brazil)
0 prim eiro a é o menos aberto, e o segundo o mais.
O e tem quatro pronuncias (-j: abertissim a como em
fé; aberta como em mercê; surda como na ultima de
piedade; e de i ou quasi i, como na conjuneção e;
pois escrevendo-se Pedro e Antonio, se lè Pedro i
Antonio: fealdade que lemos fialdade; edição, idição,
etc. O 0 tem pelo menos tres pronuncias; abertissi­
ma como em ;;d, aberta como na segunda de Diogo,

(1) Antonio Ferreira, Francisco Manoel, e outros raetriOcadores in­


cultos, muitas vezes o fazern, mas não são n’lsso para imitar.
(2/ No nosso melhodo de leitura mostramos que em realidade tem
seis; mas para aqui conteuleino-uos cora as quatro.
r

17 —

fechada, surda e como de xi na ultima syllaba do


m esm o nome Diogo. O u não é susceptível de mo­
dificações, por ser dos cinco sons vogaes o menos
substancial, e que se fórma com a boca jrá quasi de
todo cerrada: entretanto, se por esta mesma razão
se não póde transform ar, algum as vezes se póde
om ittir na pronuncia, como em quente, que lemos
como se se escrevesse qente. Comprehendido e ad­
vertido bem isto podemos pôr outra regra.
R cgra 2 .^— Uma vogal será tanto mais facil de
absorver na seguinte, quanto fòr menos forle de sua
natureza, menos accentuada, e menos pausada. As
m ais abertas, m ais accentuadas e mais pausadas não
se elidem sem violência, violência que será sempre
um defeito, e ás vezes um erro im perdoável.
Explicação,— Elidir, ou absorver uma vogal em
outra, não quer sem pre dizer omittil-a inteiramenle
na pronuncia; umas vezes se omitte, outras não:
om itte-se, por exem plo, em bondade infinita o ulti­
mo e de bondade; em minha amada o ultimo a de
minha; em todo o dia o ultimo o de todo; mas já sq
não omitte absolutamente, ainda que deixe de se
1 2 3 4
contar, em Santo amaro o ultimo o de Santo.

Em Santo Antonio, vós ouvireis não só entre os rusti-


1 2 3
COS, mas ainda entre as pessoas cultas, a uns dizer Santanto-
4 1 2 3 4
mo, a outros Santoantonio.

Quando as duas vogaes que se em bebem uma


na outra são idênticas, soam ambas como uma só,
mas 0 mais aberta e forte que é possível, como no já
eitado exemplo de a brando, e a brando, no fim de

I
— 18 —

minh«, e no principio de am ada, onde dos dois se


faz iim só a, mas fortissim o minhdmáda. (‘)
R kgua Não só duas vogaes concorrentes se
elidem , no caso da primeira não ser longa, mas po­
derão elidir-se mais, se mais ahi concorrerem com
12 3 4 5 6 7
O mesmo requisito; em piedade e amor não só ab­
sorvem os a primeira na segunda syllaba, mas tam­
bém a quarta e quinta na sexta, pronunciando d’este
1 2 3 4
modo: pie-da~dea-mor.
Limitação. — A absorpção de quatro vogaes em
uma só syllaba seria ainda possivel, rigorosam ente
faltando, mas deve sem pre evitar-se. Por exem plo:
quem fizesse de gloria e amor— glorarnor commet-
teria um barbarism o, ainda que não um erro.

O l)om ouvido, e afeito á lição dos bons metrificadores,


ensina todas estas coisas muito melhor e mais facilmente do
que todos os preceitos theoricos.

S y s s é r e s e e SysíalepHna

A cada um dos sobreditos modos de diminuir o numero


das syllabas, dão os preceptistas seu nome tecbnico, que bom
é conhecer, ainda que sem elles se possa passar excellente-
mente.

A ’ absorpção das vogaes dentro em uma só pa­


lavra chamam Synérese;á contracção de duas ou mais
syllabas em uma, mas operada na passagem de uma

(1) Temos por vasia de fundamonlo a censura que alguns provincia­


nos perluxos fazem aos lisbonenses, quando estes por analosjia e cohe-
12 3 4
rcncia dizem todódia, pois assim como se faz um á forte do dois aa bran­
dos, se pôde fazer de dois oo l>randos um ó forte. N<ão é isto defender-nos
a nós pessoalmente, que pronunciamos todo o dia, c não todódia.
palavra para outra, dão o nome de Synalepha. Nesta
formula temos tudo:

Vogaes contrahe a Synérese,


dentro na mesma dicção;
mas tu, Synalepha, absorvel-as,
se em duas palavras são.

RESUMO DA DOUTRINA PRECEDENTE

O m etrificador não conta as syllabas pelo que el-


las são grammaticalmente, mas só pelos tempos em
que as pronuncia. Todas as vogaes, que em uma ou
diversas palavras se pronunciam, ou se podem pro­
nunciar como que em um só tempo, são para o me-
triíicador uma só syllaba. O m etriílcador em alguns
casos tem obrigação de elidir as vogaes; em outros
faculdade de elidir, ou não; em outros im possibili-
1 2 3 i
dade de as elidir: obrigação, como em muito amor,
1 2 3
de que fará sem pre mtiifamor: liberdade, como em
1 2 3 4 1 2 3
saudade que póde ser sa u da de ou sau da de: pro-
1 2 3
hibição, como em má alma, que por modo nenhum
1 2
fará málma, posto que similhantes exemplos se en­
contrem em antigos, e até em modernos. O regula­
dor é 0 ouvido, pois as regras só por elle e para elle
foram dictadas.
— 20

SEGUNDO MODO DE A LTERA R 0 NUMERO


DAS SYLLA BA S

Até aqui temos visto o como as syllabas se dimi­


nuem na recitação, sem aliás se violar a sua integri­
dade orthographica: agora verem os o como certas
palavras se podem na escripla reduzir, pela subtrac-
ção de leltras. e outras, por accrescentamento de let-
tras, augm entar-se. 0 augmento ou diminuição pode
ser no principio, no meio, ou em íim de palavra: ao
augmento no principio chamam os gramm aticos Pró-
these, no meio Epênthese, no íim Paragóge.

Exemplos da figura Próthese.—De pastar se fez repastar;


(sem llie aiigmentar a sigiii(icação); de cantar, descantar; de
cypreste, acyprcste; de teimar, ateimar; de tambor, atambor;
de lampeão, alampeão; de levantar e baixar, alevantar e abai­
xar; de chegar, achegar; de lampadario, alampadario; de cos­
tumar, acostumar; de voar, avoar; de credor, acredor; de fó-
ra, afóra; de lagôa, alagôa; de ruido, arruido. Exemplos da fi­
gura Epênthese. — Mavorte por Marte, Pagano e Musulmano
por Pagão e Musulmão, trcáhia, por traba. Exemplos da figura
Paragóge.—Pertinace por pertinaz; felice por feliz; Leonora
por Leonor; Izabela por Izabel; martyre por martyr; produze
por produz; fugace por fugaz; mobiles por moveis; Joane por
João.

A diminuição póde ser egualm ente de principio,


meio, ou fim de vocábulo. A ’ do principio chamaram
os grammaticos Aphérese; á do meio Syncope; á do
fim Apócope.
Exemplos da figura Aphérese.—Splendido, por esplendi­
do; maginação, por imaginação; bobada, por abóbada; praz,
por apraz; ante, por diante; inda, por ainda; poz, por apoz;
ti’az, por atraz; lampejar, em vez de relampejar; rependimen-
to, por arrependimento; venturar, por aventurar; iiança, por
alliança; delgaçar, por adelgaçar; stai‘, por estar; batina, por
- 21
abatina. Exemplo da figura Syncope.— Podvoso, por poderoso;
cuidoso, por cuidadoso; padar, por paladar; sabroso^ por sa­
boroso; insua, por ínsula; eleto^ por eleito; pei la, por pérola;
diíírente, por dilíerente; sedo, por século; p’ra, por para;
mór, por maior; esp’rança, por esperança; moi torio, por mor-
tuorio; folgo, por folego; p’rigo, por perigo; reprender, por
reprebender; taberuaclo, por tabernáculo; esp’rito, por espi­
rito; imigo, por inimigo; asp’ro, por áspero. Exemplos da fi­
gura Apócope. — Simples, por simplices; calix, por cálices;
nume, por numen; germe, por germen; arvor, por arvore;
marmor, por mármore; lisonge, por lisonjeie; esté, por esteja;
lhe, por lhes.

Na seguinte formula podemos sem custo decorar


os nomes, e préstim os das seis figuras, com que as
palavras se podem alterar:

Princípios come a Aphérese;


a Prótese os inventa;
no meio tira a Syncope-,
a Epêntiiese acere seen ta;
corta nos lins a Apocope;
Farogoge os augmenta.

ADVERTEiNCIA HESTRICTIVA

No usar de qualquer das seis figuras sobreditas


deve haver summa cautela, pois que o nome de fi­
gura, como desculpa ou atenuação de culpa, só é
n’estes casos mascara lustrosa, com que se pretende
encobrir um defeito.

O uso geral de um povo altera no correr dos annos mui­


tas palavras, por todos os seis modos indicados; do que seria
facil amontoar para aqui exemplos. Todas essas alterações,
depois de assim generalisadas ficam sendo licitas, até aos mí­
nimos escrevedores; mas adulterar por própria auctoridade
uma palavra, accrescentando-a ou mutilando-a, é ousadia.
que os mesmos escriptores máximos, e mais idoneos para le­
gislar vernaculidade na sua terra, ou não tomam, ou de que
SÓ usam parcissimamente em grandes apertos, e corn boas ra­
zoes para resalva. Os melhores metrificadores sâo os que me­
nos tomam taes licenças; os peiores inçam d’estes aleijôes, en­
feitados coin O titulo de figuras, tudo quanto escrevem. Bo­
cage, de todos os nossos versificaJores o mais delicioso, e o
que mais se deve, quanto ao metro, inculcar aos principian­
tes como carta de guia, Bocage, rarissimas vezes se valeu
d’esses recursos. Ferreira e Filinto, de todos os nossos me­
trificadores os mais duros, e desastrados, não dão passada sem
aquellas muletas.

RE.SUMO DA DOUTRINA PRECEDENTE

Resum am os, e reduzam os a regras geraes o que


0 bom juizo dieta a este respeito.
R egra 1 .^— As figuras Prólhese, Epênthese, Pa-
raçjóge, Aphérese, Syncope e Apocope, consistindo
em viciar as palavras, são essencialm ente defeitos.
R egra 2.^^— O uso d’estas figuras é todavia ad-
missivel nos casos em que, em logar de ser o escri-
ptor 0 primeiro que emprega um vocábulo adultera­
do, 0 recebeu já assim pelo costume geral, ou do fal-
lar do seu tempo, ou dos poetas de boa nota.
R egra 3.^— Quando ou o uso geral do fallar con­
temporâneo, ou 0 dos poetas de boa nota, tem pre­
valecido, e a palavra é já mais conhecida e fam iliar
na sua forma figurada, do que o seria no seu prim i­
tivo e genuino ser, então o vicio e a virtude trocam
entre si os nomes; o figurado fica sendo o natural, e
0 natural figurado.
— 23

CAPITULO II

DOS ACCENTOS PREDOMINANTES, OU PAUSAS


EM GERAL

Accento predominante on pausa num vocábulo


se chama aquella syllaba em que parecem os insistir,
1 2
ou deter-nos m ais, v. g.: em louvo, a prim eira; em
1 2 3 1 2 3
louvado, a segunda; em louvador, a terceira; em
1 2 3 4 3 1 2 3 4 5 C 7
omnipotente, a quarta; em extravagantissimo, a
quinta. A pausa ou accento predominante nada tem
com 0 m ais ou menos aberto da vogal, ou som da
syllaba; mas só com a demora d’ella, como havemos
dito: uma vogal mais aberta pode não ser pausa no
vocábulo, ao mesmo tempo, que outra menos aber­
ta 0 seja; em ambar está a pausa na primeira sylla­
ba, cujo som é 0 mais demorado, ainda que frouxo;
12 3 4
em similhança, está no an da terceira syllaba, do
qual se póde dizer o mesmo; ccm tudo p mais geral
é recahir o accento predominante em vogal abertis-
sim a, como na primeira syllaba de patria, na segun­
da de estólido, na terceira de jacaré.
Toda a palavra tem necessariam ente uma pausa,
nem m ais, nem menos. As rarissim as, que parecem
ter dois accentos, e como taes algum as vezes tem si­
do em pregadas, reflicta-se bem, e acbar-se-ha sem ­
pre que não são uma palavra senão duas unidas por
composição: como horridamente, similhantemente,
valorosamente, etc., que são combinações do subs- P
et;
24 —

tantivo mente com adjectivos, na devida parte fem i­


nina.
Insistim os, portanto, em rpie toda a palavra tem
nma pausa, e nada é mais facil do que reconliecel-a;
citam-se como excepções os seguintes m onosyllabos
0, os, a, as, do, dos, da, das. no, nos, na, nas, ao,
aos, á, ás, me, te, se, lhe, lhes, a conjuneção e, o
qíie, etc. Sem pretenderm os negar que tudo isso se­
jam gramm aticalm ente palavras, observarem os com-
tudo (jue tão dependentes são porindole todas ellas,
que nunca figuram , nem podem figurar, senão con­
chegadas a outras, e tão conchegadas, que m uitas
vezes se escrevem juntas, e até tão juntas, que vão
alterar na orthographia o vocábulo com que se tra­
vam, como: ouvi-Zo, quere-Zos, adora-Zí/., aborrece-
las, aonde o r final dos infinitivos, a que se junta o
artigo como complemento, se transforma em Z para
lisonja do ouvido. Quer, porém, se escrevam estes
ï'\ monosyllabos encorporados com o vocábulo, a que o
sentido os associa, quer se escrevam sobre si, sem ­
pre na recitação lhe ficam pertencendo, sem pre vão
figurando como uma syllaba d'elle, e sem pre essa
syllaba é breve e incapaz de pausa; e quando não,
indagae:
1 2 3 4
h%\mtámos tem a terceira syllaba longa seguin­
do-se-lhe por consequência uma só breve; se juntan-
3 11 1 1 2 3 4
do-lhe 0 com plem ento— « 05— disserdes levantáwo-

nos, sentireis depois d’aquella syllaba longa, não já


uma só breve, mas duas breves; a mesma differen-
ça vai de amámo 5 para amá?«o-Za, de fu^Zmo5 para
íogimos-lhe, etc.
Ainda mais: tão manifesta e incontestável é a
brevidade e fugacidade d’estes pobres m onosyllabos.

que d’elles se podem juntar não só um, senão dois


a outra palavra, cuja penúltima syllaba seja longa,
ficando assim contra o costum e de nossa lingua,
apóz uma syllaba longa, uma seijuencia de 1res bre­
ves, como neste verso:

1 -2 3
A Ticio em geiras nove o corpo estira-se-llie.

O QUE SEJA M PALAVRAS AGUDAS, GRAVES


E ESDRÚXULAS

Segundo o logar em que se acha a syllaba longa,


recebe a palavra, considerada cm relação á metrifi­
cação, 0 nome de aguda, grave, ou esdruxula; nome
que ella communica ao verso em ((ue é posta de re­
m ate. Palavra aguda, se diz a que tem por ultima
syllaba uma aguda, ou uma pausa, o (|ue vale o m es­
mo; se a palavra fôr monosyllaba, visto está, e já o
dissem os, que será aguda: palavra grave se chama
a que tem por penúltima syllaba. uma aguda, e por
ultima, uma breve: palavra esdruxula (inalmente, ou
dactilica, a que tem por antepenúltima syllaba uma
aguda, e depois d’ella duas breves. Exemplos de pa­
lavras agudas: rei, paixão, callosal, contrapezar,
edificação; exem plos de palavras graves: dado, ba­
ralho, recommendo, amoreira, aguafurtada, exqui-
sitamente; exem plos de palavras esdrúxulas: áspero,
pyrarnide, mathematico, encyclopedico, venerabilis-
sirno.
A acertada mistura de palavras agudas, graves
26

e esdrúxulas, não deixa de concorrer para a boa har­


monia d’um verso.
Agora, que já sabemos como se contam as,sylla-
bas, e como as pausas se reconhecem, segue-se ex­
plicarm os de quantas syllabas, e com que pausas,
cada especie de verso se compõe.

CAPITULO III

QUANTAS E SP E C IE S DE M ETROS HA EM
l ín g u a PORTUGUEZA

Muitas são as m edidas usadas mais ou menos


em nossa lingua; tem os versos de duas syllabas, de
très, de quatro, de cinco, de seis, de sette, de oito,
de nove, de dez, de onze, de doze; advertim os que
nos contamos por syllabas de um metro, as que nelle
se proferem até á ultima aguda ou pausa, e nenhum
caso fazemos da urna ou das duas breves, que ain­
da se possam seguir; pois, chegado o accento pre­
dominante, já se acha [rreenchida a obrigação; nisto
nos desviam os da pratica geral, que é designar o
metro, contando-lhe mais uma syllaba para além da
pausa, d’onde veio chamarem todos endecasyllabo
ou de onze syllabas ao heroico, a que nos chamamos
decasyllabo ou de dez syllabas.
Elles, fundando-se etn que os graves são mais frequen­
tes, que os agudos e esdrúxulos, e em que podendo os ver­
sos de dez syllabas deitar até doze, quando terminam por
duas breves, o meio entre o rninimo de dez, e o máximo de
— 27

doze, é onze; e nós, fundando-nos em que ha absurdo em cha­


mar verso de onze syllabas ao que só tem dez e está certo,
como:
E ’ fraqueza entre ovelhas ser leão,
e em que fmalmente em onze ha sempre dez, e em dez não ha
onze nem doze. A’quelles a quem esta innovação parecer mi­
nuciosa, responderemos que não é minúcia ser exacto no fal-
lar, e que o sel-o é obrigação, e muito mais quando nenhum
lucro se tira do contrario; isto posto, fique entendido, que to­
das as vezes que fallarrnos de versos de oito syllabas, nos re­
ferimos ao que os outros designam por de nove; os alcunha­
dos de oito são para nós de sette; os de sette de seis, e assim
por diante. Prosigamos dando exemplos de todas as medidas
supra-indicadas.

Metro» de dua» »yllalia«

Aqui
a ílor
surri
amor.

Metro» de tre» » y lla b a »


I "3
De amor foge,
coração, ,
nao tè arroje
num vblcão.^

Metro» de «luatro » y lla b a »

A prim avera,
nos reconduz
lá de Cythèra
flores e luz.y;
28 —

l l e t r o s d e c i n c o sylSaba«»

0 inverno que imporia


se 0 fogo em meu lar,
fechada esta porta
nos vem alegrar?

metros de seis s y l l a b a s

Salve florinhas sim plices,


que em dita me egualaes;
bellas sem artifícios,
felizes sem rivaes!

llelro s de setie s y lla b a s

Que eu fosse emfím desgraçado,


escreveu do fado a mão:
não se mudam leis do fado,
triste do meu coração!

l l e t r o s d e o i to s y l l a b a s

Acompanhae meu vão lamento,


auras ligeiras, que passaes!
Tu, caro a amor, doce instrum ento,
caza c’os m eus teus frouxos ais!

Metros de n o r e s y l l a b a s

Yem , ó dona das graças e flores;


volve ao mundo leu mago calor:
nos que fogem d’amor, gera amores;
nos que a amores se dão, cria amor.
— 29 —

Sletro« de dez «yllaba*»

Nos deleitosos campos do Mondego,


quando perlo era já teu matador,
tu sonhavas, Ignez, posta em socego,
annos sem termo, que doiravajim or.

SIctroM de o n ze eylBabíis

D’espigas e palmas c’roemos a enxada,


morgado e não pena dos íilhos d’Adao;
mais velha que os sceptros, mais util que a_e§pada,
thesoiro é só ella, só ella brasão.

S3etro^ de doze «ySlabas

Se a fortuna um diadema em teu b erçalia lançado,


d’esse dom casual não me attrahe o esplendor;
tem mais rico diadema, eterno, conquistado;
quem mede em ti o sabio, esquece o Imperador.

SOBRE OS VERSOS PORTUGUEZES DE MEDIÇÃO


LATINA

Nas onze especies que deixámos exemplificadas, temos


quantos metros se podem usar em portuguez; pelo menos ne­
nhum outro se poderá talvez inventar, que Ucão seja compos­
to de algumas das medidas supra-indicadas, e que por sobejo
longo se não deva condemnar A tentativa não já moderna,
mas em que tanto insistiu modernamente o nosso, aliás bom
engenho, Vicente Pedro Nolasco, de fazer versos portuguezes

w»*•1! *
Ã
~ 30 —
hesâmetros c pcntâmetros, é líma quimera sem o minimo vis­
lumbre de possibilidade. Carecendo de quantidades, condição
indispensável para os onze pés do distico, o portuguez nada
mais póde que arremedai o, como um João de las Vinhas, mechi-
do por arames imitaria os passos, gestos e acções de um actor
vivo e excellente; mas insistir em tão evidente materia, e que
de mais a mais ninguém hoje contraria, fôra malbaratar o tem­
po que as sãs doutrinas estão pedindo.

Entretanto, agora, quatro annos depois da quarta edi­


ção, refiectindo novamente na matéria, confessamos que a
exclusão absoluta que faziamos da metrificação latina para
o portuguez, já nos não parece tão bem fund.ada. Subsiste
sim a objecçào de não haver em nossa lingua as quantida­
des, como havia no latim; mas a essa póde-se responder
que os entendedores d’esse belle idioma, dado o não saibam
pronunciar, nem por consequência lhe possam conhecer as
longas e as breves, não deixam comtudo de reconhecer a
harmonia des versos de Virgilio ou de Ovidio; tanto assim,
que na leitura, embora rapida, estremam logo, como quer
que seja, um metro que por ventura escapasse mal medido.
Esta só ponderação já persuade que o nosso ouvido, que as­
sim aprecia esses metros pronunciados sem a resiiectiva
prosodia antiga, c á portugueza, bem póde por analogia
achar muzica aceitavei nos que em portuguez se lhes asse­
melharem.
Uma vantagem grande, e grandissima, podeiia ter es­
ta introducção, se por uma parte os hexametros e penta-
metros não fossem feitos senão por quem andasse bem en-
I frascado na lingua do Lacio, e possuisse assaz de engenho
para os imitar com felicidade; e por outra parte, os leito­
res não tivessem negação, ou completa falta de conheci­
mentos, para os apreciarem; a vantagem, repetimol-o, se­
ria 0 muito maior âmbito, que assim adquiriria a emissão
do pensamento poético. O alexandrino, tão guerreado, já a
final pegou, e está generalisadissimo; e porque? não tanto
pela sua muita muzica, como pela sua extensão; logo, a
medição latina, por inda mais extensa, muito melhor se ac-
»' comodaria á ambição de espaço em que os poetas tantas
vezes laboram.
— 31 —

Outra consideração não despicienda: ao mesmo tempo


que todos os nossos outros metros são obrigados a numero
invariavei de s}dlabas, estes novos, pela liberdade de en­
tremear ad libitum arremedos de dactylos e espondens, são
susceptivcis de muito mamr foi ego. O hexametro póde con­
star de treze, quatorze, quinze, dezaseis, ou dezasete syl-
labas; isto é: quatro syllabas mais que o opulento alexan­
drino; e o pentametro de doze até treze ou quatorze sylla­
bas. Mas deixando explicações theoricas, vejamos um fra ­
gmento de uma tentativa feita por poeta devidamente ver­
sado no latim:
1

l l c x a mc í r o s

A bruma do alto mar some ao longe o Real foragido.


Chora-o de pé na torre a constante, a miserriina Dido.
Na tormenta cruel que llie agita as turbadas ideas,
Enêas brilha só; triste Dido, o teu mundo era Enèas!
Í j Enêas vai cortando (impia sorte!) as undosas campinas;
supcrna mão lhe aponta entre névoas as plagas latinas.
Nada espera nem vê, se interroga o cerrado futuro;
se inquire o que la vai . . . só vê Troia abrazada no escuro.
O marullio do Oceano os rugidos do incêndio arremeda;
e os síbilos do vento o estralar da fatal labareda.
E olliando além Carthago a sumir-se entre as sombras da tarde,
em gemidos exhala as profundas saudades em que arde.

&c. &c. &c.

O m e s m o peaasnmeBito e m
«listícos» o u pas-eBians c9e l i e x a m e t r o s
e p e ia ia m e t r o s

A bruma do alto mar some ao longe o Real foragido.


Pranteia em pé na torre a lamentosa Dido.
No rude turbilhão que lhe agita as turbadas idêas,
só 0 vê; triste Dido, era o seu mundo Enêas.
E Enêas vai cortando (impia sorte!) as undosas campinas;
mão superna lhe aponta as regiões latinas.
Nada espera nem vê, se interroga o cerrado futuro;
se inquire o que lá vai, vê Troia a arder no escuro.
0 marulho do Oceano os rugidos do incêndio arremeda;
e o uivar do largo vento imita a labareda.
E olhando além Carthago a sumir-sp entre as sombras da tarde,
em gemidos exhala o acerbo amor em que arde.

&c. &c. &c.


Julio de Castilho.

Se as amostras que deixamos transcritas lograrem a


fortuna de persuadir aos espiritos não hospedes no latim
que a novidade póde ser prestadia, a esses rogamos que
ponderem que iinmensa facilitação não encontraria para o
seu trabalho n’estas amplas formas quem emprehendesse
dar á nossa litteratura os grandiosos poetas romanos! E ’
ponto que vale a pena de ser meditado.

30 de julho de 1871 »

CAPITULO IV

VERSOS AGUDOS, GRAVES E ESDRÚXULOS

Já dissem os o que se entendia palavras agu­


das, palavras graves e palavras esdrúxulas: se a
palavra ultima de um verso qualquer é aguda, agu­
do se nomeia o verso; se grave, grave; se esdrúxula,
esdrúxulo; do que resulta que os versos de duas syl-
labas podem deitar até tres e quatro; os de tres até
quatro e cinco; os de quatro até cinco e seis; os de
cinco até seis e sette; os de seis até sette e oito; os
de sette até oito e nove; os de oito até nove e dez;
os de nove até dez e onze; os de dez até onze e doze;
— 33 —

os de onze até doze e treze; os de doze emfim até


treze e quatorze.

D oa vci'NO« s^raveK c m g e r a l

A grande maioria dos vocábulos portuguezes são


graves; d’aqui vem que em todas as onze medidas
os versos graves são os m ais fáceis c obvios, e os
m ais constantemente seguidos por todos os poetas.
Por esta m esm a razão talvez, de ser esta cadência,
de uma longa, seguida de uma breve, aquella a que
0 nosso ouvido anda mais affeito até na prosa, nos
parece o verso grave, o m ais digno do seu nome, o
m enos affectado, e o mais decente ou unico decente
para os assum ptos beroicos, trágicos, pliilosophicos
e didaclicos; pelo menos estão elles de posse imme­
morial d’estas e de quantas m atérias nobres a poe­
sia m ette em si.

1)0!« vermoM aguclow c m g e r a l

Os versos agudos, pelo seu modo seceo e esta­


lado de acabar, sem elasticidade, sem vibração, se
assim 0 podem os dizer, téem o que quer que seja
de ingrato ao ouvido; seriam insoffriveis, se alguém
se lem brasse de nol-os dar enfiados aos centos e aos
m ilheiros, como os graves nos apparecem, sem nos
cangarem; dem ais, por isso mesmo que os vocábu­
los agudos são menos frequentes, d’aiii tiram os ver­
sos agudos um quid de exbibição e exquisitice, que
não parece frisar senão com as idéas extravagantes,
côm icas, brutescas ou satyricas. Correi os sonetos de
Bocage, poeta que no tocante a decencia, a gosto in­
stinctive, e a incorruptivel delicadeza de ouvido, se-
3
— 34 —

remos sempre obrigados a citar como aiictoridade;


em todos os seus sonetos não encontrareis um sé­
rio com iim só verso agudo, ao mesmo tempo que
jocosos e m ordazes, todos em versos agudos, encon­
trareis muitos.

Dos verso s esd riiv u lo s e m g e ra l

As palavras de duas syllabas breves depois de


uma longa, excedem tanto em musica aos term os só
greivcs, como os graves excedem aos agudos; e é is­
to 0 que faz com que, sem em bargo de serem os
term os esdrúxulos ou dactilicos ainda menos fre­
quentes em nossa lingua que os agudos, nem por is­
so se estranham, quando occorrem naturalm ente.
Ideas ha talvez, corn as quaes a sua toada tem uma
secreta afíinidade; v. g.: a idéa de extensão ou gran­
deza; considerae os superlativos, todos dactilicos:
máximo, optimo, grandíssimo, bonissimo, cdtissimo,
vastíssimo, profundíssimo, amplíssimo, e tc .; não é
verdade que o mesmo tom material d'estes adjecti­
ves assim , tem alguma coisa de representativo? Mas
não é só com a idéa de grandeza que os esdrúxulos
fraternisam , é também com a dos sons apraziveis:
musica, cythara, harmonica, melódica, cântico; é
com as suavidades, am enidades e enlevo: plácido,
tácito, balsamico, odorifero, flórido, sympathico, es­
tático, lagrimas, delicias, extase, angélico, zcphiro,
cândido, cerideo, nmbrifero, selvático, murmurio,
diafano, limpido, morbido; e com as de movimento
e força: trêmulo, rápido, indomito, ejuadrupede, hy-
pogripho, armigero, precipite, vertice, ríspido, bar-
baro, frenetico, trirbido, impeto, súbito, relampago;
é íinalmente até com as oppostas ás suaves: horri-
do, lugubre, fúnebre, lobrego, tumulo, tetrico, ba-
~ 3ü —

ratro, palido, mortifero, pestifero, fimereo, lapide,


sarcofago, pyramide, horrifico, toxico, espiritos, Lu­
cifer, Eumenides.

Quantos outros vocábulos não poderiam enriquecer ain­


da cada um d’estes catalogos, onde só vão os que affluirara
ao correr da penna! E quantos mais ainda se uma philoso-
phia artistica houvesse podido presidir á formação da lingual
Àlas as linguas são grandes obras humanas, que o homem não
faz; fazein-se com elle, talvez d’elle também; porém, mais su­
jeitas a circunstancias fortuitas, e á fortuna, que á vontade,
ao poder, e á força de ninguém. Mas voltando ao assumpto,
d ’onde provirá esta harmonia, se, como cuidamos, ella existe
realmente entre a natureza do dactilico, e estas tão diversas
naturezas de ideas? Ignoramol-o; a não ser por ventura de que
nesse resvalar por duas breves ao cabo da palavra, nesse re-
pousarrno-nos do esforço, que na syllaba longa fizemos, o nos­
so espirito como que vai seguindo por mais tempo, ainda que
vagamente, o seu pensamento ou affecto; assim como um bar­
co, depois do impulso do remo, voga ainda per si na mesma
direcção; assim como á ave depois do ultimo bater d’azas se
continua ainda o vôo; assim como ao instrumento sonoro,
passado o golpe que lhe extrahiu uma nota, só a pouco e pou­
co se vai o som esvaecendo.
Estas são parte das excellencias dos esdrúxulos; mas el­
les téern não menos que os agudos um contra, que não será
fóra de proposito assignalar.

C o n t r a d o« c « d r a x u l o «

Dissem os que, de serem os vocábulos agudos


menos num erosos que os graves, se seguia, o não
poderem sem estranheza em pregar-se, tanto como
os graves, no final dos versos; ora sendo os vocábu­
los esdrúxulos menos frequentes ainda que os agu­
dos, segue-se, e pela mesma razão, que o seu em ­
prego em rem ate de versos, deve ser muito raro.
Uma serie de versos esdrúxulos sem interrupção,
ou com poucas interrupções, tem um ar desnaturai.
affectado, exquisite, e que facilmente degenerará em
ridiculo.
Nos dityrambos do nosso Antonio Diniz da Cruz, 6 nos
dos oulros Arcades, até Belchior Curvo Sernedo, apparecem
os Kyrios de esdruxulos coni a intenção de caractensar o de-
lirio e enthusiasmo da embriaguez.
Todos sabem o efteito que produz em doutos e mdoutos
aquelle trecho de impostura charlatã muito de industria posto
nor Antonio Xavier no seu entremez de Manoel Mendes En­
xúndia,—«Senhor Doutor, eu tenho umas casas na ilha do
«Pico; e maquinava construir-lhe um passadiço cuhico para
«outras que possuo no Báltico; porém, como entre urnas e ou-
«tras ha terriíicos de diversos árbitros, por isso eu nao em-
«prehendo o trafego sem primeiro saber se transgrido as leis
. uridicas.» Outra causa concorre talvez ainda para o ruim
elfeito dos muitos esdruxulos accumulados, que e a supera­
bundância de dactilicos que a technologia das sciencias, mór-
mente das naturaes, vai tornar ao Grego e ao Latim, com que
a linguagem dos seus mais sisudos cultores, e sobre tudo, a
dos
aos seus charlatães
onaudictco •ec •conti’abandistas, faz ----
nos ouvidos
— de to-
• 1 __ - - /fy-v •-I/-V
de cousa Tphan-
Xri A —
das as pessoas não iniciadas, uma impressão
tasmagorica, nebulosa, e só inventada para empalhar e divei-
tir.

PROPORÇÃO DOS VERSOS AGUDOS, GRAVES


E ESDRUXULOS PARA 0 PORTUGUEZ

Do expendido por boa razão se infere: l . ° que


em toda e qualquer especie de metro são os versos
graves que devem predominar; que, sendo es-
lylo serio e grave, e a versificação solta, os agudos
devem ser excluidos, salvo em algum rarissirno ca­
so, em que se em preguem intencionalmente para ef-
feito onomatopico; (Onomatopéa se cliama uma es­
pecie de representação da idéa, pelo som m aterial
37

da palavra; trovão, mar, truz, trom, ai, ciciar, re­


tumbar, murmúrio e murmurinho, ribombar, preci­
pício, sussurro, estoiro, baque, relampago, vórtice,
são onomatopéas); 3.° na poesia rimada os agudos
caem perfeitam ente, sendo postos com sym etria;
mórm ente se com elles se fecham á italiana os dois
ram os parallelos de uma estrophe grave:

Oh que aspérrim o Dezembro!


Trem e o frio em cada m em bro,
se cogito, se me lem bro,
do que lá por fóra vae!

Pelos gelos da vidraça


olho a rua; ninguém passa,
mais que o vento, que esvoaça
sobre a neve, e neve cae!

4.° os esdrúxulos entre versos soltos graves, m ui­


tas vezes se em pregam com felicidade, e com gran­
de effeito onomatopico; entretanto o seu uso deve
ser sobrio e discreto, posto que não tão restricto
como 0 dos agudos; o.° os esdrúxulos em poesia ri­
mada e séria deverão evitar-se como consoantes, mas
nos versos soltos que formam inlervallo aos rim a­
dos, cabem elles peregrinam ente, uma vez que se
colloquem com sym etria e não ao acaso:

Entrae, ruins espiritos,


no lume eterno e fosco!
Espiritos angélicos,
vós ficareis comnosco;
ciareis c’oas azas Candidas
abrigo ao vosso irmão!

Vos sois os prim ogênitos


de todo 0 innocentinho;
para entre nós trouxeste-los
do céo, seu pátrio ninho;
no valle pois das lagrim as
lhes dae consolação.

CAPITULO V

DOS METROS SIMPLICES E COMPOSTOS EM GERAL

As onze variedades de m etros, que já deixám os


especificadas, a saber: de duas syllabas até doze,
pódem dividir-se em duas classes; m etros elem en­
tares ou sim plices, e metros compostos; á prim eira
d’estas classes pertencem os versos de duas sylla­
bas, os de tres, e os de quatro; os m etros d’ahi por
diante são já com postos, isto é, cada um d’elles é
reduzivel a dois ou mais m etros sim plices.

Este conhecimento analytico, e o exercicio que o princi­


piante íizer de decompor os metros da segunda classe em me­
tros elementares, afinando e habilitando singularmente o ou­
vido, 0 farão chegar cm pouco tempo a uma precisão e cor-
recçâo métrica, em que poetas aliás de mérito muitas vezes
falham.
— 39 —

C o m p o s i ç ã o fios v e r s o s d e c i n c o s y l l a b a s

Cada verso de cinco syllabas consta de dois ver­


sos; 0 prim eiro de duas, e o segundo de très. E xem ­
plo:

O inverno que importa


se 0 fogo em meu lar,
fechada esta porta,
nos vem alegrar!

1 2
Oin-ver
1 2 3
no quim -por. . . t;
1 2
sio-fo
1 2 3
goem -m eu-lar
1 2
fe-clia
1 2 3
d a es-ta -p o r.. .ta
1 2
nos-vem
1 2 3
a-le-grar

(entenda-se bem que fallando aqui de metro, não cu­


ramos da integridade das palavras, mas sómente de
som musico, isto é, de numero e pausas.) Outras
vezes, ainda que muito mais raras, poderá esta m es­
ma medida ter por primeiro elemento as tres sylla-
bas, e as duas por ultim o; entretanto os m elhores
versos de cinco syllabas são os de duas e tres.

C o m p o siç ã o do m e tro d e s e is s y l l a b a s

De quatro modos se póde este metro desm em ­


ii- brar; em tres m etros de duas syllabas, ou em dois
de tres syllabas, oii em um de duas e outro de qua­
tro, ou em um de quatro e outro de duas. Felizes
sem rimes: reduz-se a tres m etros de duas sylla­
bas:

1 2
Fe-li
1 2
zes-sem
1 2
ri-vaes

Bellas sem artifícios: contém dois de tres sylla­


bas cada um:

1 2 3
Be-llas-sem
£ 1 2 3
i a r -ti-íi.. .cios.
Que em dita me egualaes: dá um de duas e ou­
tro de quatro:

1 2
Quiem-di
1 2 3 i
ta-mi-gua-laes.
Salm flotinhas simplices: póde dar um de qua­
tro syllabas e outro de duas:

1 2 3 i
Sal-ve-ílo-ri
1 2
nhas-sim . .

Os m elhores versos de seis syllabas são os que


se reduzem a tres m etros de duas syllabas; entre­
tanto todos os outros são bons, e mesm o para varie­
dade é conveniente entrem earem -se de todos os qua­
tro padrões. Os menos bons porém sem pre são os
de tres e tres syllabas.

C om pofiiição d o s m e t r o s d e s e t t e s y l l a b a s

O verso de sette syllabas admitte muito variadas


com posições; ora se divide em um m etro de quatro
syllabas e outro de tres: Triste do meu coração.

1 2 3 4
Tris-te-do-m eu
1 2 3
co-ra-ção,

ou em um de tres e um de quatro: Respirava a sua­


vidade.
1 2 3
Res-pi-ra
1 2 3 4
va-sua-vi-da...de,

ou em tres m etros, o 1." de duas, o 2 .“ de duas, e o


3.° de tres: Cansou-me assás: vês a campa?
4^2

1 2
Can-sou
1 2
m ea-ssás:
1 2 3
vês-a-cam ...pa?

ou em tres m etros, um de tres, outro de duas, e ou­


tro de duas: Uma tocha cor da noite.

1 2 3
U-ma-to
1 2
cha-côr
1 2
da-noi...te.
D ’estas quatro com posições as m elhores são,
quatro e tres syllabas; tres, duas e duas syllabas;
tres e quatro syllabas. Os italianos só por m ilagre
deixam de pausar na syllaba terceira: entretanto
num poema de versos setisyllabos não só é commo-
do para o auctor, mas agradavel ao leitor, que os
haja de todas as contexturas.

C o m p o íiição d o s m e tr o s d e o ito s y l l a b a s

O metro de oito syllabas, póde-se dizer, que


ainda não é usado em portuguez. Nada ha talvez es-
cripto nelle, afóra uma ou duas tentativas de José
Anastacio da Cunha, que por ventura o estreou, e
uma ou duas minhas, sem continuação, nem im ita­
dor; razão porque a sua harmonia se não acha ainda
devidamente fixada, nem o ouvido nacional por ora
se lhe ageita. Todavia quando mais e melhor culti-
— 43 —

vado, este m etro, a julgar-m o-lo pelos seus elem en­


tos, e pelo que os francezes d’elle tem chegado a fa­
zer, póde vir ainda a ser muito apreciado.

Com põe-se elle de dois versos de quatro sylla-


bas: Fatal doença: golpe fero.

1 2 3 4
Fa-tal-do-en
1 2 3 4
ça-gol-pe-fe...ro,

ou de quatro de duas syllabas.

1 2
Fa-tal
1 2
do-en

ça-gol
1 2
pe-fe...ro,
ou um de duas e outro de seis: Morrer! e sem ao
meu encanto.

1 2
Mo-rrer
1 2 3 4 5 6
e-sem -ao-m eu-en-can.. .to,

ou de um de tres, outro de tres, e outro de duas:


Terno amor que me faz feliz.

1 2 3
Ter-noa-mor
1 2 3
que-me-faz

ou finalmenle de um de duas, um de 1res, e outro


de 1res: Um Deus, que ha soffrido, e triumpha. H

1 2
Um-Deus
1 2 3
queha-so-fí'ri
1 2 3
doe-lri-um ...pha.

D ’estas cinco variedades as mais apraziveis são,


a de dois, très e très; a de dois, dois, dois, e dois;
e a de quatro, e quatro. O rhythmo das outras duas
é apenas perceptivel.

C o m p o siçã o do v e rs o d e n o v e s y l l a b a s

O verso de nove syllabas, inquestionavelm ente


bellissim o, com põe-se de tres m elros de tres sylla-
bas cada um: Tu és Vemis, e Deusa da lyra.

1 2 3
Tu-és-Ve
1 2 3
nus-e-Deu M
1 2 3
sa-da-Iy...ra.

Qualquer outra composição deturparia esta m e­


dida.
— 45 —

C o m p o s i ç ã o d o v e r s o d e d e * « y lla t o a *

E ste verso, denominado tam bém italiano, e por


antonom asia heroico, é de grande form osura, de suf-
íiciente grandeza para abranger pensam ento, e sus-
ceptivel de grande variedade.
A sua pausa constante e infallivel é (sabido está)
a da syllaba décima, mas além d’esta tem mais uma
obrigada, que é a sexta:

6 . 10 ,
As armas e os barues assignalados;

ou faltando a sexta, a quarta e a oitava:

4 8 10 *
Nise formosa, como as graças pura.

Com põe-se o verso heroico ou de um m etro de seis


syllabas, e outro de quatro, como:

4 2 3 4 5 C
As-ar-m as-eos-ba-rões
1 2 3 4
as-sig-na-la...dos,
ou de um de quatro, outro de quatro e outro de
duas, como:
D'Africa as terras, do Oriente os mares.

1 » a 3
D ’A-fri-cas-te
4 2 3 4
rras-doO-n-eu
46 —

1 2
teos-m a...res;
ou de cinco metros de duas syllabas cada um:
Prazeres socios meus e meus tyrannos.

1 2
Pra-ze
1 2
res-so
1 2
cios-m eus
1 2
e-meus
1 2
ty-ra...nnos;
ou de um de duas, um de quatro, um de duas, e
um de duas:

A Rita capataz de femeas chôchas.

i 2
A-IU
1 2 3 4
ta-ca-pa-taz
1 a
de-fe
1 2
m eas-chô...chas.
ou de tres, tres e quatro:

Quando amor por meu mal me perseguia.


— 47

1 2 3'
Quan-cloa-mor
1 2 3
por-meii-mal
1 2 3 4
m e-per-se-guia.

Todas estas com posições são boas, mas as m elhores


de todas serão sem pre aquellas, em que maior nu­
mero das supra-indicadas pausas se encontrar.

H a a in d a d u a s v a rie d a d e s d e v e rs o h e ro ic o , n ã o se m b o n s
e x e m p lo s e m a lg u n s p o e ta s ita lia n o s, e a lg u m a vez, a in d a q u e
r a r a , im ita d a p e lo s n o sso s; m a s q u e os o u v id o s m e lin d ro s o s
c o n d e m n a m co m o in a d m is s iv e l: a p r im e ir a c o n s ta d e u m m e ­
t r o d e d u a s s y lla b a s, u m d e c in c o , e u m d e tre s : A ferrea pre­
cipitada bigorna.

i 2
A -fe
1 2 3 4 5
r r o a - p r e - c i - p i - ta
1 2 3
d a - b i - g o r ...n a ;

a se g u n d a c o n s ta do u m m e tro d e q u a tr o sy lla b a s, u m d e tre s ,


e u m d e tre s :

A triumphante vermelha bandeira.

1 2 3 ,4
A - tr i- u m - p lia n
1 2 3
te - v e r- m e
1 2 3
lh a - b a n - d e i ...r a .

T al c o m p o siç ão é f re q u e n tis s im a n o s v e rs o s fra n c e z e s d ’e sta


m e d id a , o q u e to rn a p a ra n ó s su m m a m e n te p ro s a ic a a lição
d o s s e u s p o e m a s d e c assy lla b o s.
P e n s o n ã o o b s ta n te q u e um p e q u e n o p o e m a em n o ssa lin ­
g u a a rm a d o to d o de d e c assy lla b o s p a u s a d o s n a 4.*, 7 .“ e iO.%
- 48 —
p o d e ria s a ir m u ito a p ra z ív e l e so b re m o d o a c c o m m o d a v e l ao
c a n to . V ale ta n to m a is a p e n a d e se e x p e r im e n ta r q u a n to o
b o m re s u lta d o é q u a si in fa lliv e l.
O v e rso h e ro ic o , q u a n d o b em feito , sa e d e tal m a n e ira
b e llo n a n o ssa s o n o ro sa e m u sic a liss im a lin g u a , q u e d is p e n s a
e d e s d e n b a o a r r e b iq u e d o s c o n s o a n te s , ao m esm o p a sso q u e
to d o s os o u tro s m e tro s m a is o u m e n o s o r e q u e ro m .

C o m p o s i ç ã o d o ^ e r s o d e oiiKe s y l l a l > a s

0 verso de onze syllabas, a que chamam de arte


maior, consta de dois m etros, um de cinco syllabas,
outro de seis:

Da serra de Cintra, por Deus enviado.

1 2 3 i 5
Da-se-rra-de-Cin
1 2 3 4 5 6
tra-por-De u s-en-vi-a... do.

ou de um de duas syllabas, e très de très:

1 2
Da-se
1 2 3
rra-de-Cin
1 2 3
tra-por-Deus
1 2 3
en-vi-a...do.
fi-
Os mais perfeitos são aquelles que tem , como se

ÎÏ
V. *

— 49 —

acaba de ver, pausa na segunda syllaba, na quinta,


na oitava, e n a décima prim eira:

2 5 8 11
A ver-vos Rei alto cabeça guerreira.

Adm ittem -se ainda, posto que parcam ente, entre-


sachados com estes, alguns tendo só a quinta pau­
sa, a oitava, e a decim a-prim eira, isto é, faltando-
Ihes das duas a segunda:

5 8 n
Té que alfirn aos d’elles juntando os seus fados.

C o m p o siçã o dos v e rso s d e d o ze s y llo lia s

O verso de doze syllabas compõe-se de dois de


seis:

<íPobreza eu te agradeço, y>o honrado velho diz.

1 2 3 4 5 6
Po bre zaeu tea gra de
1 2 3 4 5 6
çoohon rra do ve llio diz.

Recordado o que dissem os, tratando do metro de


seis syllabas, tem-se quanto poderiamos agora di­
zer a respeito d’este, pois se compõe de dois d’a-
quelles.
Para todas as outras qualidades de versos com­
postos não será fóra de proposito advertir, como de
leve 0 tocámos acerca dos settissyllabos, que é bom
4

V
— 50 —

\’ariarem-se as com posições a fim de se evitar a m o-


notonia, sobre tudo em com posições extensas ^
Cabe advertir por precaução, que muitos, e não
só principiantes, facilmente erram a medida dos ver­
sos de doze syllabas, por snppôrem que sem pre que
tenham dois versos de seis syllabas terão um de do­
ze; não é assim; requer-se indispensavelm ente que
se a ultima palavra do primeiro é grave, a sua íinal
breve se perca, elidida em outra vogal, por onde co­
mece a segunda parte.

A o v e rs o d e doze sy lla b a s c h a m a m alexandrino, e ta m ­


b é m francez; a le x a n d rin o , p o r q u e u m a n tig o p o e ta
d e P a riz , d e ix o u n e s te m e tro u m p o e m a in titu la d o Alexandre
m ag n o ; e fra n c e z p o r q u e e n tr e os fra n c e z e s é e lle o h e ro ic o ,
co m o 0 d e d ez sy lla b a s o te m sid o em P o rtu g a l, C a stella , e
Ita lia , co m o e n tr e os L a tin o s e os G reg o s o fô ra o lie x â m e tro .
A s E p o p é a s , T ra g é d ia s e C o m é d ia s d e PA ança, q u a s i to d a s
e m a le x a n d rin o s são e s c rip ta s , e a lé m d ’esses p o e m a s m á x i­
m o s, g ra n d is s im a p a rte d o s d e m e n o r v u llo . C om ra z ã o o
a p re c ia m elles assim . S u r d a e a n ti-m u s ic a l a s u a lin g u a , m a s
n e c e s s ita n d o em p o e s ia d e u m a m e d id a , q u e p o r s u a e x te n ­
são a b ra n g e s s e m a io r su m m a d e id éa s, so m m a ra m d o is v e r ­
sos d e p a u s a s a ssaz c o n s ta n te s , p a r a a c o n s e g u ire m ; se o s e u
v e rs o h e ro ic o se p a rtis s e , com o o n o sso , em p o rç õ e s d e se g u a e s,
d e ix a r ia d e s e r re c o n lie c iv e l; sem p a s s a r a s e r p ro s a ? d e ix a ­
r ia d e s e r v e rso .
N ão se rá facil a tin a r com a ra z ã o p o r q u e u m v e rs o m a is
e sp aç o so , q u e to d o s os o u tro s , p o r c o n s e q u ê n c ia m a is c a p a z
d e p e n s a m e n to , e com u m a p a rtiç ã o s y m e tric a , o q u e p a r a o
e s p ir ito d e q u e m os faz, e p a r a o a g ra d o d e q u e m os lê é a in ­
da. u m a v a n ta g e m , te m sid o a té h o je tão e s c a ssa m e n te c u lt i ­
v a d o em n o ssa lin g u a . N ão d izem o s q u e se p r o s c r e v a o n o sso

(1) Nesta parte, andoa, a nosso ver, mal aconselhado o snr. Decou-
dret no seu livrinho de rithniica francoza. Alli se exige que todos os ver­
sos de um poema tenham rigorosaraente as mesmas pausas. Juntai lá
mais essa difliculdade a tantas outras com que já se vê abarliado o poeta,
e dir-me-heis se fica sendo possivol, senáo por milagre, o fazer poemas
de valia, sobretudo longos. Esse presumido prazer, e prazer frivolo, dos
ouvidos, sahiria pago muito caro. Nas poesias do proprio author do alvi­
tro temos nós a prova d’isso.— Todo o ponto está em que, das fôrmas
perraissiveis a cada metro se não tomem senão as melhores na conformi­
dade com 0 que temos vindo indicando até aqui.
!
— 51 —

h e ro ic o p a r a d a r e n tr a d a ao p e re g r in o ; m as q iie m a l h a v e ria
e m 0 c u ltiv a rm o s em m a is a b im d a n c ia ? 0 so n e to , p o r e x e m ­
p lo , em a le x a n d rin o s , co m o o s fra n c e z c s, p o ré m rim a d o á n o ssa
m o d a , e to d o g ra v e , e fe ito co m o cá se sa b e faz e r, n ã o s e ria
p e lo m e n o s tã o b o m co m o o d e v e rs o s d e d ez sy lla b a s? e n ã o
p o d e r ia s e r a in d a m e lh o r com o a c c re sc im o d e v in te o ito s y l-
la b a s , e m q u e o ta le n to n e c e s s a ria m e n te se a la rg a ria ?
P a r a a m o s tra e is -a q u i u m rle a u c to r , q u e líie n ã o p a re c e
d o s m a is a feiço ad o s. N ã o é b o m , m a s é d o A b b a d e d e J a z e n -
d e , q u e ta m b é m p e la b ito la u s u a l o s n ã o fazia d o s m e lh o re s .

M u sas d e ix a i-m e em p az, q u e a lie ro ic a h a rm o n ia ,


co m q u e a d o rn a e s d e n o v o a lin g u a p o rlu g u e z a ,
d o s r u d e s lá b io s m e u s m e ttid a n a d u re z a ,
em v ez d e c o n so n â n c ia h o r r o r e s c a u sa ria .

D o e n g e n h o m ais feliz q u e o c c u p e a v a le n tia


m e tr o , q u e d e u m lie ro e te m n o m e e te m g ra n d e z a ;
q u e e u p a r a rne s u r r i r d e a lg u m a lo u c a e m p re z a ,
n o s n ú m e r o s d a P a tr ia e n c o n tro a m elo d ia .

M as se v ó s p r e te n d e is com te m e rá r io in te n to
la n ç a r d o s a c ro m o n te a q u e lle s v e rso s fó ra ,
q u e fazem im m o rta l o lu so a tre v im e n to ;

q u e c o n d u z in d o o G am a ás re g iõ e s d ’A u ro ra ,
lh e são d a g lo ria s u a e te rn o m o n u m e n to ;
m u s a s , se tal q u e r e is .........fiq u e -se o P in d o e m b o ra .

E i s - a q u i o u tro so n e to e g u a lm e n te a le x a n d rin o :

Á IN S IG N E A R T IS T A

A SENHORA ERSILIA AGOSTINI


CANTANDO NA OPERA

I CAPULETI E MONTECHI
N O R E A L T IT E A T R O D E S. C A R L O S D E L IS B O A

a 18 de Abril de 1853

D e R o m e u e J u lie ta ao m e m o ra n d o fado,
110 a m o r e n o in fo rtú n io e x e m p lo s s o b re -h u m a n o s .
— 52 —

d e v ia -s e u m c a n to r, g ig a n te e c o ro a d o :
foi S h a k s p e a r e , o r e i d o s trá g ic o s b rita n o s .

P a r a r o u b a r - lh e á ly ra o c â n tic o in s p ir a d o ,
se u fogo, s u a d o r, se u s in tim o s a rc a n o s ,
foi p re c is o u m H o m an i; o g e n io a v iv e n ta d o
d e to d o 0 im m e n so a r d o r d o s c eo s ita lia n o s.

E is d u p lic e tro p h e o d e g lo ria s o p u le n to !


A c c re sc e , p o r q u e e x c elso e x p le n d a a to d a a p a rte ,
a R o rn a n i, um B e llin i; ao p o r te n to , u m p o r te n to .

M as e is p o r te n to n o v o , o h ! n a tu re z a ! o h ! a rte !
p a r a c ’ro a a B e llin i, e c ’ro a a o m o n u m e n to ,
r e u n e E r s ilia os d o n s q u e o céo p o r m il r e p a r te .

D e p o is q u e n ó s, p o r in te ir a m e n te c o n v ic to s d o p r é s tim o e
d a s e x c e lle n c ia s d o s a le x a n d rin o s n o s e n tre g á m o s d e s e n g a n a ­
d a e a b e rta m e n te ao se u g ra n g e io e s u c c e s s iv e a p e rf e iç o a ­
m e n to em p o r tu g u e z , m u ito s d o s n o sso s m a is b e m n a sc id o s
p o e ta s 0 to m a ra m ta m b é m a si e o tem j á n a v e rd a d e s u b id o
a g ra n d e a p u ro , s e n d o j á h o je facil p r e v e r q u e d e n tr o em p o u ­
co e ste m e tro , q u e ta n to se c o n c h e g a á e le g a n c ia d a fra z e e
d o e sty lo , h a -d e p le ite a r o u s a d a m e n te p r e f e re n c ia s ao n o sso
v e lh o h e ro ic o , a p e z a r d a p r e s c r ip ç ã o da s u a p o sse , a té o d e i­
x a r afin ai, n ã o d ize m o s d e s tr u id o , n e m o d e se ja m o s, m a s q u a n ­
d o m e n o s s u p la n ta d o .
A s o b jec ç õ e s q u e se tem le v a n ta d o c o n tr a o a le x a n d rin o
n e s te s ú ltim o s a n n o s sã o m e n o s so lid a s q u e e sp e c io sa s.
A p r im e ir a , c u ja a u to r ia p e rte n c e ao A b b a d e d e Ja z e n d e
n o so n e to s u p ra c ita d o , fu n d a -s e n u m m al c a b id o e s p ir ito d e
n a c io n a lid a d e : o a le x a n d rin o — d iz e m — é m e d id a fra n c e z a .
Psão p e rc e b e m o s a fo rç a d o a rg u m e n to . S e o t e r sid o u m a
m e d id a u z a d a p r im e ir o n o u tra s te r r a s fosse im p e d im e n to p a r a
a su a n a tu ra lis a ç ã o em P o r tu g a l, te ria m o s p a r a logo d e n o s
d e s p e d ir d e to d o s os m e tro s em q u e a té a g o ra h a v e m o s e sc ri-
p to . S e é p o n d e ra ç ã o p a trió tic a , d e m o s as h o n ra s d e b o n s p a ­
tr io ta s ao s a ld e õ e s s e rra n o s e se m i s ilv e s tre s , q u e b la sfe m a m
c o n tr a o sy ste m a m e tric o -d e c im a l, e a tir a m ao s r io s os p a ­
d rõ e s d a s n o v a s m e d id a s; os v a p o re s p o r m a r, p e la s v ia s t e r ­
r e s tr e s e n a s fa b ric a s h ã o -d e -s e ta m b e in in je ita r co m o g a lic is ­
m o s; e se a ló g ica a p e r t a r m u ito h a -d e - n o s d e ix a r d e sca lço s e
— 53 —

n u s a v iv e r p o r c h o ç as e c o m e r ra iz e s. A té o n d e p ó d e c h e ­
g a r a e x a g e ra ç ã o d e s e n tim e n to s g e n e ro so s!
O u tro c o n tra , c o n s is te em q u e , se o v e rs o d e doze sy lla -
b a s n ã o é se n ã o d o is v e rs o s d e se is sy lla h a s, c a d a u m n ã o se
p o d e c o n s id e ra r co m o v e rs o so b re si, e m a is v a le e s c re v e l-o
d e c o m p o s to n o s s e u s d o is e le m e n to s.
E s t a s u b tile z a só p o d e rá s e d u z ir a q u e m o lh a r as c o isa s
p e la ra m a . O ra eüae commigo co m o d iz ia o n o sso P a d r e V ie i­
r a q u a n d o se e m p e n h a v a em q u e p o r fa lta d e a tte n ç ã o lh e
n ã o d e s a c o m p a n h a s s e m o a i'g u m e n to .
E m p r im e ir o logai’ n e m s e m p re q u e h a d o is v e rs o s d e se is
s y lla h a s se te m n e lle s u m v e rs o d e doze sy lla b a s c e rto , p o is ,
c o m o j á d iss e m o s, se o p r im e ir o d o s d o is fô r g ra v o , e a s u a
s y lla b a u ltim a se n ã o e lid ir, os d o is s e rã o c e rto s , m a s o a le ­
x a n d r in o e rr a d o ; p o r o u tr a : n ã o e x is tir á ta l a le x a n d rin o , m a s
sim u m a le ijã o m é tric o sem n o m e .
E m s e g u n d o lo g ar, n in g u é m d e a p u ra d o g o sto d e ix a r á de
s e n tir q u e 1er d o is v e rs o s d is tin c to s e s e p a ra d o s n ã o p r o d u z
n e m ao o u v id o n e m ao e s p ir ito o m e sm o eíTeito, q u e 1er o s
m e sm issirn o s d o is v e rs o s in c o rp o ra d o s n u m , fo rm o so p e la s u a
u n id a d e , e c h e io d e n o v a a lm a , p e lo c o n c e rto d a q u e lla s d u a s
m u z ic a s n u m a só.
U m a c o m p a ra ç ã o triv ia l fa rá c o m p r e h e n d e r p e rf e ita m e n te
a n o ssa id é a : a p re s e n ta e a q u a lq u e r p e sso a q u e te n h a se d e
m e ia c a n a d a d e u m a h clla a g u a n u m g ra n d e co p o c ris ta lin o ,
e o u tr a m e ia r e p a r tid a em d o is co p o s d e q u a rtilh o . O c o p o
g ra n d e n ã o c o n té m re a lm e n te h e m m a is liq u id o n e m m e lh o r
q u e os d o is p e q u e n o s; m a s se rá o m esm o p a ra a se d e b e b e r
d u m folego a m e ia c a n a d a q u e os d o is q u a rtilh o s p o r d u a s v e ­
z es?
S e ria s u p e rflu id a d e in s i s ti r m a is em co isa tã o m an ifesta.

A M VE K TK TVCI.l.
H o je, a n d a d o s só q u a tr o a n n o s d e p o is d ’isto , q u e n a q u a rta
e d iç ã o d iziam o s á c e rc a do a le x a n d rin o , os v o to s q u e e n tã o fa-
ziam o s p a ra q u e e s te e x c e lle n te v e rs o se g é n é ra lisa sse , a c h a m -
se em fim re a lisa d o s. A c u sto se e n c o n tr a r á com p o e ta , q u e r
p o rtu g u e z q u e r b ra z ile iro , q u e lh e n ã o te n h a m o stra d o p r a t i ­
c a m e n te a su a p re d ile c ç ã o . M ais cab al r e s p o s ta ao s a d v e rs a -
r io s , n ã o c u id a m o s q u e a p o ssa h a v e r.
31 d e J u lh o d e 1871.
54

CAPITULO VI

P 0*imeiro e x e r c íc io m é tr ic o

C h e g a d o o d isc ip u lo a e ste p o n to d e th e o r ia , c o n v e m h a ­
b i tu a r 0 o u v id o á c a d e n c ia d a s m e tr o s , o u p e lo m e n o s á d o s
p r in c ip a e s ; a s a b e r: d o h e ro ic o , e d o s e u q u e b ra d o , q u e é o
íle se is sy lla b a s; d o d e s e tte , q u e é ta n to em P o rtu g a l, com o
e m H e s p a n h a o p o p u la ríss im o . U m m e th o d o q u e p a r a e s te
fim im a g in e i, r e u n e cá v a n ta g e m d e e x tr e m a m e n te sim p le s, a
d e fix a r n a m e m ó ria em m u ito p o u c o te m p o e p a r a s e m p re o
r ith m o , com o o p o sso a ffirm a r p e la e x p e rie n c ia , q u e te n h o
fe ito em v á rio s a lu m n o s .

Tentia-se uma cantilena para cada especie de


m etro, com a,qual cada syllaba e cada accento d’el­
le, isto é, cada tempo distincto e cada pausa obriga­
da, se estrem e e caractérisé rigorosam ente.
A to ad a m u sic a l q u e u m a v e z a ju s to u ao v e rs o , p a r a q u e
foi fe ita , fic a rá a ju s ta n d o s e m p re a q u a n to s d e ég u al b ito la se
lh e a p re s e n ta r e m , e p r o v a n d o d e u m m o d o in fa lliv e l o e x ­
c e sso o u a m in g o a d o s e rra d o s . C h a m e m o s-lh e a p e d r a d e
to c a r d a m e trilic a ç ã o .

Estas cantilenas, que devem ser sim plicíssim as,


qualquer as póde fazer para seu uso.
A cantilena é muito, mas não é tudo; quer-se
que, além do ouvido, o tacto mesmo e os olhos ve­
rifiquem a pontualidade m étrica. Dois discípulos sen­
tados defronte e ao pé um do outro baterão sim ul­
taneamente com as mãos abertas: prim eiro nos joe­
lhos; depois cada um com a sua direita na esquer­
da; depois com a sua direita na esquerda do parcei­
ro, e vice-versa; e outra vez cada um com uma mão
na outra; outra vez nos joelhos; e assim por diante
— 55 —

sem pre pela mesma ordem, até que o numero das


pancadas haja egualado o das syllabas cantadas; ha­
vendo cuidado de marcar com pancada mais sonora
as syllabas dos accentos m étricos, e de pôr um pe­
queno intervallo no fim de cada verso. Os resulta­
dos d’este nada, ou antes d’este recreio, são incal­
culáveis para formar um bom ouvido.

Íleg;iiii(lo c x c r c i c i o m c t r i c o

A té a q u i te m o e stu d io so c o lh id o a s re g ra s d o m e trific a r;
r e s ta - lh e p ra tic a l-a s ; p a s s a r, p o r q u e a ssim o d ig am o s, do e x e r-
c ic io p a s siv o ao a c tiv o . P a ra fa c ilita r e to r n a r m a is ra p id a , e
p o r c o n s e q u ê n c ia m a is fru c fife ra , e sta p r a tic a , co n v em sim -
p lific a l-a q u a n to fo r p o ssiv e l, a h s tr a h ir do q u e é p o e s ia p r o ­
p r ia m e n te d ita , p a ra se a té r sim p le s m e n te á s fo rm u la s p r e s -
c r ip ta s d a su a e x p re s s ã o , ao q u e se p ó d e c h a m a r s u a p a r t e
m e c h a n ic a ou p la stic a . O p e n s a m e n to , o aífecto , o id ea l, m u ito
m a is v a sto , m u ito m ais in d e fin id o , e m u ito m e n o s s u je ito a
re g ra s , c o n s titu e u m e s tu d o á p a rte , c o n h e c id o sob o titu lo d e
P o é tic a . A s s u a s d iífic u ld a d e s, são in n u m e ra v e is , e a lg u m á s
d ’ellas im m e n sa s. O p r in c ip ia n te , q u e a m b ic io n a sse c o n c ilia r
o h ello do p e n s a m e n to com o hello d a v e rsificação , a s p ir a r ia
a u m a c h im e ra , e com a a n c ia d e c h e g a r logo ao" m ais, d e ix a ­
r ia d e c o n s e g u ir o m e n o s. A s s e n h o re a e -v o s do in s tr u m e n to :
q u a n d o elle v o s n ã o o p p o z e r j á re s is tê n c ia , q u a n d o o m a n e ­
j a r d e s sem falha, e com o q u e b rin c a n d o ; e n tã o , liv re j á d e
u m a d is tra c ç ã o , q u e v o s p re o c c u p a v a m e ta d e d a s v o ssa s fa ­
c u ld a d e s , p o d e re is p e n s a r em fa n ta sia s d e H a y d n ou d e M o­
z a rt: e n tã o p o d e is d a r larg a s aos c a p ric h o s d a v o ssa im a g in a ­
ção c re a d o ra . S eg u i o e x e m p lo do p in to r : c re d e s v ó s, q u e o
s e u p r im e ir o tra b a lh o foi esse q u a d ro v iv o , q u e v o s e n le v a ,
q u e se a d m ira em to d a a p a r te , e d ia n te d o q u a l os p in to re s
d e to d a s as e d a d e s v irã o m e d ita r e in s tru ir-s e ? E n g a n a e s-v o s.
P r im e ir o a p re n d e u a d a r com um p o b re la p is alg u m as re c ta s
e c u rv a s sem significação; b o sq u e jo u p a rte p o r p a rte , m as des-
c o n n e x a s e m o rta s as feições h u m a n a s, d e p o is com poz a c a ­
b e ç a ; n e lla v eio j á a lv o re c e n d o a v id a ; ju n to u o c o rp o e a at­
titude, co m p o z os g ru p o s , m a n d o u -lh e s s e n tir, e fallar; ás
p la n ta s , q u e v e g e ta ssem ; ao céo , q u e re sp la n d e c e sse ; á s c o r­
r e n te s , q u e fu g issem ; á n a tu re z a in te ir a , q u e sa h isse d o n a d a i
A lg u m d ia fa re is o q u a d ro : ag o ra o s r u d im e n to s , a g o ra o t r a ­
c e ja r, e n a d a m ais.

Começae os vossos trabalhos pelo mais facil dos


m etros, o settissyllabo, (a que chamam redondilho
perfeito). Componde-os de ideas, embora desconne-
xas, até de palavras sem relação gramm atical, mas
prociirae compol-os com perfeita observância das
respectivas regras, e o mais melodiosos que vos fôr
possivel.

V e rso s nonsenses, (sem se n tid o ) d e n o m in a m os In g le z es a o s


e x e rc ic io s d ’e ste g e n e ro , q u e n a s su a s e sc h o la s fazem p a ra o-
T la tim e p a ra o g reg o , e d e q u e tira m o p tim o s re su lta d o s.

Fazei primeiro versos nonsenses; depois com


grammatical depois com pensamento; a final com
poesia e rima. Logo que vos sentirdes senhores
d’esta medida, segui o mesmo processo com o me­
tro de seis syllabas, que é o quebrado ou a primeira
parte do heroico. Do de seis syllabas passae, pelo
mesmo modo, para o heroico inteiro; depois para o
alexandrino; para o de cinco syllabas; para o de no­
ve; para o de quatro; para o de tres; para o de duas;
para o de onze; e ultimamente para o de oito.
E s ta o rd em m e p a re c e a p re fe riv e l, p o is e n te n d o q u e a ssim
se p ro c e d e d o m a is facil p a r a o m a is d iííic il; e n tr e ta n to se a
q u iz e rd e s i n v e r te r , se se vos fig u ra r q u e os m e tro s, q u e v ã o
p r im e ir o s n e s ta escala, n ã o são p a r a v ó s os m a is fác e is, n e ­
n h u m a in c o n v e n iê n c ia h a em q u e os in v e rta e s .
DISPENSÁVEL DIGRESSÃO SOBRE A INDOLE DA
l ín g u a p o r t u g u e z a e m r e l a ç ã o a o s m e t r o s

O p r e s e n te c a p itu lo c u s to u d ia s d e lo n g a, m in u c io sa , e
c a n sa d is siin a a p p lic a ç ã o ; rnas os c o ro lla rio s, a q u e p o r ella
c h e g u e i, d e ix a ra rn -m e b e m p ag o d o m e u tra b a lh o . S e e u h o u ­
v e s s e tid o ta n to te m p o co m o b o a v o n ta d e , e sta e s ta tis tic a d e
n o v a e sp e c ie , s e ria m u ito m ais a m p la . M e d iria d ez o u v in te
v e z e s m a io r e x te n s ã o d e p ro sa , p o sto q u e n a q u e m ed i m e
p a re c e h a v e r j á u m ra so a v e l te rm o m ed io ; os tre c h o s d a p r o ­
sa q u e e u m e d isse n ão s e ria m so m m a d o s to d o s ju n to s in d is-
tin c tá m e n te , m as a g ru p a d o s com m ais d e u m a classificação ;
p o r e x e m p lo ; m e d iria á p a r te o p o rtu g u e z a n tig o , o m o d e rn o ,
e 0 m o d e rn iss im o ; é á p a rte , so b re tu d o , m e d iria os d iv e rso s
g e n e rö s o u esty lo s. O c a m in h o fica risc a d o e a b e rto ; q u e m
q u iz e r p o d e rá seg u il-o .
E is -a q u i co m o e u p ro c e d i n e s ta in v e stig a ç ã o . T o m a d o
sem e sco lh a u m tre c h o em pi-osador p o rtu g u e z leg itim o , p r o ­
c u re i q u e v e rs o s d e doze sy lla b a s se c o n tin h a m n e lle . A fim
d e q u e n e n h u m m e e sc a p a sse , p ro c u re i se c o m e ç a n d o p e la
p r im e ir a p a la v ra , e c o n tin u a n d o p e la s p ró x im a s se g u in te s,
d e s c o b ria um ; p a ssa v a a faz e r eg u al d ilig e n c ia d e sd e a s e ­
g u n d a p a la v r a á v a n te ; d e p o is d e sd e a te rc e ira ; e a ssim p o r
d ia n te , a té ao fim do tre c h o , to m a n d o a p o n ta m e n to d o n u ­
m e ro d o s v e rs o s q u e d e sc o b ria ; id e n tic a m e n te a r e s p e ito d o
m e tr o d e o n ze sy lla b a s, e assim a té ao d e d u a s. N ão d e ix e i d e
c o n s id e ra r p a la v ra s , p a ra c o m e ç a r p o r ellas c a d a m ed ição , os
m o n o sy lla b o s, a rtig o s, o u c o n ju n c ç õ e s, a in d a q u e se. e lid is ­
sem . Do p e n s a m e n to n e n h u m caso fiz, m as só d a fó rm a m a ­
te r ia l em re la ç ã o ao ry th m o ; n ã o c h a m e i só v e rso s aos e x c e l­
le n te s p o r su a c a d ê n c ia ; a d m itti-o s fro u x o s e d u ro s , com sy -
— 58 —

n é re s e s , e d ié re s e s , com h ia to s e a b s o rp ç õ e s q u a s i in so ffriv e is;


e n tr e ta n to s e m p re rig o ro s a m e n te m e tro s. V o u a sso c ia r o s c u ­
rio so s ao m e u tra b a lh o .

D e V ie ira to m ei d o to m o l.° d o s S e rm õ e s , e d iç ã o d e
1 6 7 9 , a c o lu m n a 1 0 3 9 , e tc ., 1.® § d o S e rm ã o d e C in z a s, a s a ­
b e r : i 2 o lin h a s a s q u a e s c o m p re h e n d e m 5 0 8 p a la v ra s . D e ­
ra m - m e esta s:

V e rs o s de doze sy lla b a s . . . . . . 100


» » o n ze » * • • • . . 113
» i) dez » . . . . . . 122
» » nove » . . . . . . 54
)) )) o ito • . . 221
» » s e tte )) . • . . . . 207
)} )) seis » . . < , . . 236
)) )} cin co )) • . . , . . 238
)) )) q u a tr o » • • . . . . 223
)) )) tre s » • • • • . . 261
» )) d u a s P • • . . . . 265

S o m m a , v e rs o s . . . 2 :0 1 0

T o m e i d e F e rn ã o M en d es P in to , d o to m o 13.° d a L iv r a ­
r ia C lassica (1.® e d iç ã o ) a p a g in a s 5 e 6 , os p rim e iro s d o is §§,
a s a b e r: 2 4 lin h a s , a s q u a e s c o m p re h e n d e m 149 p a la v ra s . D e ­
ra m - m e e sta s:

V e rs o s d e doze sy lla b a s 19
J» » onze 46
» » d ez 56
» » nove 39
» » o ito 90
» i> s e tte 62
» » seis 56
D » cin co 81
)) » q u a tro 74
» » trè s 64
)) I) d u a s 58

S o m m a , v e rs o s .
- 59 —

T o m e i d e J a c in th o F r e ir e d e A n d r a d e , d a V id a d e D .
J o ã o d e C a s tro , e d iç ã o d e L isb o a , d e 1 7 0 3 , a té a o fim d o 1.®
§ d o L iv ro p a g in a s 1 e 2 , 2 7 lin h a s , a s q u a e s c o m p re h e n -
d e m 173 p a la v ra s . D e ra m -m e e s ta s :

V e rs o s d e d o ze sy lla b a s 19
)) » o n ze » 2o
» )» d ez )) 78
)) )) nove )) 21
)) Jt o ito » 83
» » s e tte » 93
» » seis 97
» Ï cin co » 102
J) » q u a tr o » 84
» » tre s 72
» )) duas » 84

S o m m a v e rs o s . • • 7S 8

T o m e i d e S á d e M ira n d a , to m o 2 .“, e d iç ã o d e L isb o a , d e


1 7 8 4 , n o p r in c ip io d o a c to 2 ° d o s— V ilh a lp a n d o s — 9 lin h a s,
a s q u a e s c o m p re h e n d e m 6 6 p a la v ra s . D e ra m -s e e sta s:

V e rs o s d e d o ze sy llab as
» « onze »
» » d ez »
« *nove »
» » o ito »
» » s e tte »
» » s e is »
» » cin co »
» » q u a tr o »
» I) trè s »
» »d u a s »

S o m m a , v e rs o s . 347
TV

— 60 —

T o m ei d o P a d r e M anoel B e r n a rd e s , to m o l .° d a L iv ra r ia
C lassica (1.® ed ição ) a p a g in a s 18, d o a rtig o — C o n so la ç ã o — as
p r im e ir a s 13 lin h a s , a s q u a e s c o m p re h e n d e m 70 p a la v ra s . D e ­
r a m - m e e sta s:

V e rs o s d e doze sy lla b a s 12
» « o n ze » 15
» » d ez » 33
» » nove » 21
)) » o ito » 39
)) » s e tte » 43
y> > seis n 43
» c in c o » 33
» » q u a tro » 33
i> M trè s 0 39
» duas )) 30

S o m m a , v e rs o s . 341

T o m ei d e G a rc ia d e R e z e n d e , to m o 1 0 .°, d a L iv r a r ia
C lassica (1.® e d iç ã o ) a p a g in a s 5 , 12 lin h a s , a s q u a e s c o m p r e ­
h e n d e m 9 5 p a la v ra s . D e ra m -m e e sta s:

V e rso s de doze sy lla h a s 23


» u onze 30
» » d ez D 52
» )> n o v e » 15
i> » o ito 65
» u s e tte D 59
)> seis )) 62
D )> c in c o » 52
)i j> q u a tr o » 49
n h tre s » 53
» » duas 0 40

S o m m a , v e rs o s . 500

T o m ei d e R o d rig u e s L o h o , d a — P r im a v e r a — e d iç ã o d e
1 7 0 4 , a p a g in a s 3 , 13 lin h a s , a s q u a e s c o m p re h e n d e m *98 p a ­
la v ra s . D e ra m -m e e sta s:

19 -
V e rs o s d e d o z e sy lla b a s 15
» > o n ze 15
a » d ez » 40
» » nove )) 14
» » o ito » 57
» » s e tte » 54
» seis 56
» » c in c o > 48
» q u a tro )) 52
» » tr è s » 48
9 » duas » 45 ' 'Í

S o m m a , v e rs o s . 444

T o m e i d e F r . L u iz d e S o u s a — V id a d o A rc e b is p o — e d i­
ção d e P a r is d e 1 7 6 0 , to m o i ." , p a g in a 1, as p r im e ir a s 10 li-
n b a s , a s q u a e s c o m p re h e n d e m 79 p a la v ra s . D e ra m -m e e sta s:

V e rs o s d e d o ze sy lla b a s . . 17
» » o n ze W . • 18
i* ^ ■
» » d ez )> 36 '
» nove )> • • 16
)í » o ito » • • 45
» » s e tte » 47
» » seis » 43 ■• i
• k^Ïy
» » cin co » • • 43
JD » q u a tro )) • • 37
)) » tr e s ’ • * 31
)) » duas )> . • 38 ' |Í

• 371 ■- ‘
S o m m a, v e r s o s .

CONSEQUÊNCIAS DOS FACTOS SUPRA-INDICADOS

1. * C o n s e q u ê n c ia .— A p ro s a te m b a rm o n ia o u n u m e ro .
2. * C o n se q u ê n c ia .—-A harnK )nia o u n u m e ro d a p ro s a é
v a ria v e l.
3. * C o n se q u ê n c ia .— C ada a u c to r te m , sem se s e n tir, m a io r
q u e d a p a ra c e rto s m e tro s, q u e p a r a o u tro s. E m ca d a u m dos
o ito a n a ly s a d o s , e is -a q u i a p ro p o rç ã o em q u e se a c h a e sta
te n d e n c ia :
63
o n ze d iffe re n te s m e d iç õ e s, d is trib iiid o s e ste s p o r c a d a u n i d o s
m e tro s , a c h a -s e q u e a p r o p o rç ã o em q u e os m e tr o s e stã o u n s
p a r a co m os o u tro s , em lin g u a p o rtu g u e z a , é a s e g u in te ;

< 0 0 ( X > C O í O O » O t ^ t : ^ C 3 iO
CiCiOO tM CO O-^CiiO C^íM
O » O iO iO O O O C O i—


&Q OOi —I C ^ C O C O C ^ ï O C O C O O O t ^
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5.® C o n s e q u ê n c ia .— D o m a p p a s u p ra se d e d u z q u e : o m e ­
tro m a is n a tu ra i em lin g u a p o rtu g u e z a p a re c e s e r o d e o ito sy l-
la b a s; d e p o is o d e seis; d e p o is o d e c in c o ; d e p o is o d e s e tte ;
d e p o is 0 d e trè s ; d e p o is o d e d u a s ; d e p o is o d e q u a tro ; d e p o is
0 d e d ez; d e p o is o d e o n ze; d e p o is o d e doze; d e p o is o d e
n o v e.

C om isto fica em p a r te c o n firm a d o , e em p a r te re c tific a -


do, 0 q u e a e s te re s p e ito e sc re v i n o to m o 16 d a Livraria Clás­
sica ^ p a g in a s 1!29 e s e g u in te .

G.^ C o n se q u ê n c ia . — L ogo os v e rs o s m a is fáceis d e fazer


em p o rtu g u e z , d e v e rã o s e r os d e o ito sy lla b a s; d e p o is os d e
se is; d e p o is os d e s e tte ; d e p o is os d e dez; d e p o is os d e o n ze;
d e p o is os d e d o ze; d e p o is os d e n o v e . E n ã o se ju lg u e h a v e r
c o n tra d iç ã o em s u p p rim ir m o s a q u i d o se u lo g a r, os m e lro s d e
c in c o , trè s , d u a s, e q u a tr o sy lla b a s, p o is q u e a in d a q u e n a
p ro s a a b u n d e m ta e s c o m p o siç õ e s, o v e rs ific a d o r a c h a s e m p re
n o m e tro c u rto m u ito m a io r re s is tê n c ia , p a r a a h i in tr o d u z ir
b o m p e n s a m e n to ; d iífic u ld a d e d e si m u i g ra n d e , e m a io r se se
a d v e rte em q u e q u a n to m ais p e q u e n o é o v e rs o , ta n to m ais
p a re c e n e c e s s ita r d e rim a .

7 .“ C o n se q u ê n c ia .— O q u e d e ix o e x p re s s o n a c o n s e q u ê n ­
c ia 5.% p o is é fu n d a d o em a u c to re s to d o s b e m v e rn á c u lo s ,
p ó d e s e r v ir d e c ra v e ira , p o r o n d e se g ra d u e , q u a n to ao n u ­
m e ro e h a rm o n ia , a v c rn a c u lid a d e d e q u a lq u e r e s c rip to p o r -
tu g u ez.
O p ro c e sso é s im p le s e claro .
D e c o m p o n d e u m a su ffic ie n te p o rç ã o d ’esse e s c rip to n o s
d iv e rso s m e tro s q u e ella p o ssa d a r d e si, n u m e r a e os v e rs o s
d e c a d a e sp e c ie , e a c a re a e essa n u m e r a ç ã o com e sta .
A c o n c o rd â n c ia o u d is c re p â n c ia g o v e rn a rã o o v o sso ju iz o
á c e rc a do n u m e r o e h a rm o n ia d o e s c rip to r, p o is é essq u m
d o te em q u e g e ia lm e n te se c o stu m a v o ta r á tô a , e so b re q u e
to d o s os d ia s se d is p u ta tã o sem ra z ã o co m o so b re o s g o sto s.
65

CAPITULO VIÍl

OBSERVAÇÕES SOBRE A MELODIA DOS VERSOS

Acertar um verso não é tudo; versos ha que ten­


do 0 numero preciso de syllabas, com as devidas
pausas, destoam ou desagradam , assim como entre
os bem feitos, uns nos contentam mais, outros me­
nos.
O s v e rs o s d e F ilin to d e s a g ra d a m e m a rty ris a m a q u a l­
q u e r o u v id o , a té sem s e r d g s m e lin d ro so s; os d e C am õ es
c o rn m u m m e n te sa tisfa z em ; os d e B ocage e n c a n ta m ; a e ste s,
se a lg u m a co isa se h o u v e s se d e r e p r e lie n d e r s e ria a s u a m e s ­
m a p e rfe iç ã o e x c e s s iv a m e n te c o n s ta n te . A m a io ria d e u m
p o e m a d e v e s e r v e rso s b o n s; e n tr e e sse s d e v e m a p p a r e c e r a l ­
g u n s o p tim o s , m as d e in v o lta com os b o n s e o p tim o s , n ã o só
p ó d e m , se n ã o q u e d e v e m c o a r a lg u n s, n ã o rig o ro s a m e n te fro u -
íío s o u d u ro s , m as d e m en o s m e lo d ia e p r im o r: são co m o o s
e s c u ro s n a p in tu r a ; com o os re c ita tiv o s n a o p e ra ; são os i n -
te rv a llo s q u e re a lç a m os p razt;res.
T o d a v ia a a m b iç ã o e d ilig e n c ia d o v e rsific a d o r, e em p a r ­
tic u la r d o v e rsific a d o r p rin c ip ia n te , d e v e m le v a r s e m p re p o r
a lv o a p e rfe iç ã o m a x im a ; p r o c u r a e v ó s s e m p re os v e rs o s b o n s
q u e os m e n o s b o n s, e os r u in s p o r se u p é v irã o , e talv e z a té
s e m q u e n e lle s a d v irta e s .

Investiguem os pois quaes sejam os principaes


requisitos para o agrado do verso, abstraindo da
idéa, do aííecto, do estylo, e da linguagem. De to­
dos estes requisitos, o prim eiro é que o verso não
seja duro nem frouxo.
66

Do« v e r s o s d u ro «

Por vários modos pode um verso peccar em du­


reza: duro será, quando muitas palavras de diíTicil,
ou desagradavel pronimciação, se incluirem nelle;
ou quando a uma palavra finda em consoante, seguir
outra começada por consoante sua inimiga, como:
ao— r, 0— r; como: nun' revolto; amor reprehenswel;
o— r, ao— s; como: mais rico; sois rei; o— r, ao— l;
mal real; mil riquezas; etc.; ou quando se fizer sy-
nalepha ou absorpção de um diphthongo ou de vo­
gal longa, em outro diphthongo, ou vogal longa, co­
mo: só eu, formando sen; razão alta, formando ra-
zalta, ou mesmo em hreve, de palavra para palavra,
por synalepha; como: só amor, formando samor; já
amava, formando jamava; ou quando por synerese
reduzim os a uma syllaha, as vogaes de duas, que o
uso geral do fallar, manifestamente divide; como:
1 2 3 1 2 3 4 1. 2
(lia lo go em vez de di a lo go, Via na em logar de
1 2 3
Vi a na; ou quando monosyllahos fortemente accen-
tuados superahundam , como:

— Mar chão, sol hom, hom ar, á nau serviam ;—

ou quando se dá repetição consecutiva da m esm a


consoante, como: do dador; — tu tens tempo; — vai
vivo; vicio a que chamam tautologia, ou hatologia,
mas que póde passar a virtude quando ajuda a pin­
tar pelo som a idéa, isto é quando é onomatopico.
— 67 —

V erso s fro u xo s

Frouxo será o verso quando, para chegar á me­


dida, fôr necessário deixar hiatos, isto é, quando se
não absorver uma vogal, que devera sum ir-se nou­
tra:

1 2 3 4 5 6 789 10
— Se au lhe votoamor a alla foge.—

ou quando o uso é fazer-se synérese, e se não faz:

1. 2 3 4 5 G 7 8 9 10
— V icto n a sem par queob teve Annibal.—

ou quando em pregam os vocábulo em demazia esti­


rado:

— Se aproveitou de tal misericórdia. —

ou quando as syllabas das pausas são fracamente ac­


centua das:

— L ei não conheço que possa obrigal-a.—

ou quando o accento se põe em palavra, em que o


-sentido nos não deixa parar, como:

— Testimunho do meu animo grato.—

E s ta u ltim a c la u s u la m e re c e e sp e c ia líssim a a tte n ç ã o . O


d e s p re z o 'd ’ella é talv e z o c a p ita l v icio e c a u sa d e d e sa g ra d o
n a v e rsific a ç ã o d e Jo sé A g o stin h o d e M acedo.

•f
68 —

VersoM m o u o p lio n o !»

Também não contentam aquelles versos, em que


as vogaes não vem sortidas com variedade.
I:--;
— 0 termo d’este império encheu a terra.—
i — A m a rg a s ancias cau sa am ar in gratas.—
— podenos mü caliir no olv/do.—

Nesta parte os m elhores versos, são aquelles em que


as syllabas contêem maior variedade de vogaes, ou,
repetindo-se algum a, leva de cada vez um dos seus
valores differentes:
Rugindo estoira o mar em brutas serras.

Nize formosa como as graças pura.


Am ável Nize como as graças bella.
N e n h u m poeta, é n is to m a is feliz q u e B ocage.

V e r s o » c a c o p lio n ic o s

Sobre modo são reprehensiveis os versos que


têem cacophonia, ou som ruim.
De 1res sortes póde ser a cacophonia: de torpe­
za, de im m undice, e de sim ples desagrado. Torpeza
quando as extrem idades convisinhas de duas pala­
vras produzem um vocábulo indecente:

— A lm a minha gentil que te partiste.—


/

Immundicie, quando de egual reunião, provém um


— 69 —

term o repugnante em conversação cie pessoas deli­


cadas:
— Em M eem m da qual se apresentava.— '

E será ainda vicio eVeste genero o só fazer lem brar


palavra indecorosa:

— Tens-î?^e já daáo amor bastantes penas.— M

O desagrado cacopbonico pode ser ainda de dous


modos; ou quando da continuidade de dois term os
se forma nm terceiro e bem perceptivel, sobre tudo
■ se a significação é desagradavel, ou baixa, como:

Mas morra emfim ás mãos da bruta gente;

ou mesmo quando, sem formar vocábulo algum, dá


uma combinação pouco bella:

Vendo a sua ré linda el-rei perdoa.

A lg u n s o u tro s le v e s d e fe ito s p ó d e a in d a h a v e r n a v e rs i­
ficação , os q u a e s p o r m in u c io so s se o m itte m . mi

CAPITULO IX

A g o ra v a m o s fazer u m a te n ta tiv a , n ã o talv ez a b so lu ta ­


m e n te in ú til p a ra v e rsific a d o re s, so b re c a d a u m a das le ttra s
d o a lp h a b e to .
70

Da le tt r a — A-

Esta lettra é de todas a mais franca; de todas a


m ais facil na pronuncia. E ’ a prim eira e por muito
tem po a só que proferim os. Os nossos vocabulários
se estream por ella; o da infancia não tem outra. E ’ VI
a expressão natural da admiração, da alegria, do al­
voroço, e da ternura; o sentimento de respeito e en-
thusiasm o para com tudo que é grande, parece que
m elhor se exprimirá por term os em que prevaleça
0 A.
O u v i os d o is g ra n d e s É p ic o s ; V irg ilio , e C a m õ es, q u a n ­
d o , se n h o re a d o s d ’e s tio , p ro p õ e m ao m u n d o o o b je c to , q u e
p r e te n d e m im m o rta lis a r.

llo r re n tir t M a rtis


n r m a , v ir u m q u e c a n o T ro jíe q u i p r im u s a b o ris
I ta lia m fa to p ro fu g u s L a v in a q u e v e n it
li t o r a .............

^Is a r m a s e os V a rõ e s a s s ig n a la d o s
q u e d a o c c id e n ta l p r a i a L u s ita n a ,
p o r m a re s n u n c a d ’a n te s n a v e g a d o s
p a s s a r a m in d a a lé m d a T a p r o b a n a ;
q u e em p e rig o s , e g u e r r a s e sfo rç a d o s,
m a is d o q u e p e r m ittia a fo rç a h u m a n a ,
e n tr e g e n te re m o ta e d ific a ra m
n o v o R e in o (jue ta n to s u b lim a r a m ;

E ta m b é m a s m e m ó ria s g lo rio s a s
d a q u e lle s R e is q u e fo ra m d ila ta n d o
a F é , 0 im p é rio , e a s t e r r a s v ic io sa s
d ’v lfric a , e d ’A sia a n d a r a m d e v a s ta n d o :
e a q u e lle s q u e p o r o b r a s v a lo ro s a s
;'f ■ se v a m d a le y d a M o rte lib e r ta n d o ,
c a n ta n d o e s p a lh a r e i p o r to d a a p a r t e
se a ta n to m e a ju d a r o e n g e n h o , e a rte . etc.
71
I n n u m e r a v e is e x e m p lo s a n a lo g o s se p o d e ria m c ita r. D e -
lille c o m m e iita n d o a q u e lle v e rs o d e V irg ilio :

— O m n ia s u b m a g n a l a b e n t i a f lu m in a t e r r a , —

n o ta co m o a q u e lla s d e s in e n c ia s to d a s em A c o m b in a m com a
v a s tid ã o e f re s c u ra d a id é a : Os rios todos que vão manando
por baixo da espaçosa terra.
E a in d a C am õ es:

— B ra m in d o o n e g ro m a r d e lo n g e b r a d a
co m o se d é sse cm v ã o n a lg in n r o c b e d o .—

Mas se 0 A condiz com a m agestade, não condiz m e­


nos com os affectos m aviosos. f
O u v i o u tr a v e z V irg ilio n o in tr o ito d o m a is d r a m a tic o li­
v r o d a a n tig u id a d e , o 4 .“ d a E n e id a :

— At B e g in a g r a v i ja m d u d u m s a u c ia c u r a
Y u ln u s a í i t v e n is , e t cæ co c a r p i t u r ig n i.—

te rm in a ç ã o d a p a r te fe m in in a n o s a d je c tiv o s trifo r -
m e s d o s L a tin o s , e a q u e em P o r tu g u e z lh e c o rre s p o n d e , n ã o
te ria m a s u a o rig e m n u m a e sp e c ie d e c o n sc iê n c ia in s tin c tiv a
d a fe m in id a d e d o A?
^,Não é e n tr e n ó s o A a su a v e m a rc a d o n o m e d a m u lh e r ,
d e q u a n to s o b je c to s lh e p e rte n c e m , d e q u a n ta s q u a lid a d e s se
lh e i-eferem ?

M a ria fo rm o sa , b o a , m o d e s ta , c a s ta , sin g e la .

S e n ã o é p o s s iv e l p r o v a r q u e o A se a p p lic o u ao fe m i­
n in o , p o r e lfe ito d e u m c o n h e c im e n to p ré v io e p h ilo so p h ic o
d o se u v a lo r, é p e lo m en o s in n c g a v e l q u e o u so d e o o u v i r ­
m o s d e s d e o b e rç o fig u ra r s e m p re a ssim n a s m ais a m a n te s r e ­
la ç õ e s , lh e im p r im iu , se elle o n ã o tin h a j á p e r si, o q u e q u e r
q u e s e ja d e m a is n a m o ra d o e v o lu p tu o s o q u e ás o u tra s le ttra s .

Da le tíra —E

A vogal E pode-se haver por uma degeneração


do A ; um sem numero de palavras derivadas o pro­
íV
— 72 —

variam , se para nos convencermos não bastara com­


pararmos os movimentos da boca para formarem um
e outro d’estes sons. Com menor explosão, com me­
nor volume e resonancia, (jue o A, o E parece inca­
paz de valor algum onomatopico, ou representativo, • ïi

a não ser para expressar languidez, tibieza, quieta­


ção, e ainda os gozos serenos, que participam d’es-
tas qualidades; o é de todas as vogaes a menos
ill distincta, e a menos musica.
E ’ talv ez, so b re tu d o , á c o n ta d a s u p e ra b u n d â n c ia d e ee
l l ! î -

q u e a lin g u a fra n c e za ta n to c e d e em m e re c im e n to p h o n ic o á
n o ssa, á c a ste lh a n a e á ita lia n a .
A ssim co m o d o A fo rte se d e sc a e com a voz a té ao A
fra q u iss im o , assim d o A fra q u iss im o se cae, p o r u m a t r a n s i ­
ç ã o facil, p a r a o E fo rte , e d ’e ste p a r a o m e n o s fo rte , e d o
m e n o s fo rte p a ra o fra q u iss im o , q u e j á n o o u v id o se c o n fu n d e
com I; p elo q u e m e p a re c e q u e o A, o E e o / c o n s titu e m
iirn a escala n a tu ra l, co m o o O e o U c o n s titu e m o u tra .

n a le ltr a —I—

Se a vogal A, que nos abriu a prim eira escala


dos sons, expressa a grandeza e a alegria; o /, em
que a mesma escala termina, parece convirá com as
ideas de pequenez e de tristeza.

Q u a n to á id é a d e p e q u e n e z to d o s sem c u s to o r e c o n h e ­
c e rã o ; os d im in u tiv o s , e ssa g ra n d e riq u e z a d a n o ssa lingua,.
q u a n d o o se u u so c o rr e p o r b o as m ão s, m as riq u e z a , q u e c e r ­
to s e s p irito s secco s e sem g o sto d e s e n te n d e m , e m o te ja m ; os
d im in u tiv o s , digo, q u a s i to d o s s e fo rm a m em p o rtu g u e z p e la
a d d iç ã o e sse n c ial d e u m I; ílo r, flo rú ih a , ílo rzta, ílo rfc a ; p o r ­
ta , p o r lín h a , p o r ti ta , p o rtfc a . H a a in d a n o u so fa m ilia rissim o
d im in u tiv o s d e d im in u tiv o s , q u e se fo rm a m p e la a d d iç ã o d e
u m n o v o / ao / j á p o sto ; d im in u tiv o d e p e q u e n o , p e q u e n m o ;
d im in u tiv o d e d im in u tiv o p e q u e n in o , p e q u e m iu n h o , o u p e -
q u e m c l)m h o , o u p e q iu m c h n ib o , o u p e q u e r r u c b ú ih o ; e ca so s
h a em q u e a in d a se c h eg a a u m a te r c e ir a d istilla ç ã o d e p e -
— 73
q u e n e z , co m o p e q u e n /c h íc h ín h o , p o r o n d e p a r e c e e v id e n te
q u e p a r a o n o sso e s p ir ito o I sô a n a tu r a lm e n te co m o signal do
e x ig u id a d e . N e s te p a r tic u la r h a v e m o s q u e a n o ssa lin g u a e a
c a s te lh a n a le v a m v a n ta g e m ás d u a s o u tra s d e o rig e m la tin a ,
e á la tin a m e s m a , p o is o s fra n c e z e s fo rm a m c o m m u m m e n te os
s e u s d im in u tiv o s p e la a d d iç ã o d o a d je c tiv o petit ao p o s itiv o ,
e se a lg u m a s r a r a s v ezes m o d ificam o s u b s ta n tiv o , o u a d je c ­
tiv o p o s itiv o , é d a n d o -lh e s te rm in a ç õ e s co m a s q u a e s o / n a d a
te m q u e v é r; herbe, herhetíe, bergere, bergeréte, Jeanne, Jean­
nette; Louise, Louison; oiseau, oison; vieux, vieillot. O s ita lia ­
n o s fazern o u tro ta n to a se u m o d o . O s la tin o s ta m h e m n â o
a p ro v e ita r a m o I co m o d e s ig n a tiv o d a d im in u iç ã o : os, osm­
ium; liber, lihcllus-, puer, puellus; e d e p o is puellulus; labium,
labellus; e d e labellus, labellulus. A le ttr a L p a re c ia s u p p r ir -
lh e s n is to o n o sso I.
O u v i a s m ã e s e as a m a s e x tre m o s a s , q u a n d o p a lra m com
o s s e u s p e q u e n in o s d e m am a ; d ir- s e - ia q u e tôem p a r a elles
u m a lin g u a g e m to d a m iu d in h a , e to d a d e II; p e lo c o n tr a rio os
a u g m e n ta tiv o s n ã o só e v ita m o I, se n ã o q u e te n d e m p o r s u a
n a tu re z a p a r a o A , o q u e a in d a c o n firm a a n o ssa th e o ria : sá­
bio, sabichão; bebadn, beberrão; velha, velhaça; casa, casarão;
ladrão, ladravaz; linguareiro, linguaraz; bruto, brutaz; e
a n a lo g ic a m e n te , voraz, roaz, pugnaz, e tc .; ás v ezes v ã o ta m ­
b ém p a r a o O (e v e r - s e - h a o p o rq u ó q u a n d o tra ta r m o s d ’es-
sa vogal) cavallo, cnvallorio\ simples, simplorio; e tc .; m as, p r o -
se g u in d o n a p r o p rie d a d e a tte n n a tiv a d o I, p a ra a p r o v a r c ita
m u ito a p o n to B lu te a u a V irg ilio ; fa lla n d o d a s e m b a rc a ç õ e s,
p o r c u ja s g re ta s com s u a d e lg a d e z a p e n e tr a a a g u a , diz V ir ­
g ilio com m u ito I:

............. la x is la te ru in c o m p a g ib u s o m n e s
— A c c ip u m t ú iím íc u m û n b r e in , rû m ’s q u e f a tis c u n t.—

G arcia d e U ez e n d e , in v e c tiv a n d o a s p e q u e n e z a s d o se u
te m p o , e s c re v e :

A g o ra v e m o s c a p in h a s ,
m u ito c u rto s p e llo tin h o s,
g o lp in h o s, e s a p a tin h o s ,
fu n d a s p e q u e n a s , m u lin h a s ,
g ib õ ez in h o s, h a rr e tin h o s ,
e s tre ita s c a b e ç a d in h a s ,
p e q u e n a s n o m in a s in h a s .
e s tr e itin h a s g u a rn iç õ e s ,
e m u ito m á s in v e n ç õ e s,
p o is q u e tu d o são c o isin h a s.

A os o b jec to s tris te s e lu c tu o so s a c c re s c e n ta o j á c ita d o


B lu te a u , c o n v ir a le ttr a / ; d o q u e a d d u z p a ra e x e m p lo a q u e l-
les v e rso s, q u e V irg ilio p õ e n a b o c a d e E n e a s , n o liv ro 2.®,
p r e p a r a n d o -s e p a r a c o n ta r a d e s tr u iç ã o d a s u a p a tr ia :

— E r u e r m t D a n a i; q u se q u e ip s e m is é rr im a v id í^
e t q u o ru m p a r s m a g n a f u i .............

O m e sm o V n g ilio n a E g lo g a 1.®, e n tr e os q u e ix u m e s d e M e-
lib e u , p õ e e ste v e rso :

— S p e m g re g is, ah ! s ilic e in n u d a c o n n ix a r e l i q u i t .—

e e ste s:

— N o n e q u id e m in v id e o : m ir o r m a g is, im d iq u e t o ti s —
U s q u e a d e o tu r b a t u r a g r i s .............

^N ão p o d e rá s e r q u e a te rm in a ç ã o d a p r im e ir a p e s so a
d o s in g u la r d o s p r e té rito s re c e b e s se o I, q u e ta n to n o la tim ,
co m o n o p o rtu g u e z a c a ra c té ris a , p o r s e r e s ta le ttr a m a is c o n ­
fo rm e á m ag o a e s e n tim e n to q u e n a tu r a lm e n te a c o m p a n h a a
id é a d o q u e j á lá v a i? — amava, amei— vidi, vi— vixi, v ivi=
audivi, ouvi.
C am õ es, d e p lo ra n d o a m o rte d e u m a p e sso a m u ito q u e ­
r id a , r o m p e o se u so n e to p o r u m v e rs o p a u s a d o to d o em / :

A lm a m in h a g e n til, q u e te p a rtis te .

O s se g u in te s se is v e rs o s do m esm o C am õ es a p re s e n ta m
o rd e n a d o s com so ífriv e l c o iib e c im e n to os os aa.
d e m s e r c o n firm a ç ã o d o q u e d e ix a m o s c o n sid e ra d o .

V eifio m o r r e r com fom e os fd b o s c a ro s,


em ta n to a m o r g e ra d o s, e n a scid o s,
v e rã o os C afres á s p e ro s , e a v a ro s
t ir a r á lin d a d a m a se u s v e stid o s:
o s c ris ta lin o s membi'OS, e p re c la ro s
á c a lm a, ao frio , ao a r v e rã o d e s p id o s .
0 0 é na segunda escala das vogaes o que o A
é na prim eira; som franco, rasgado, energico, e co­
mo que uma explosão da alma. O chamar, o excla­
m ar, por elle se exprim em . Parece ter um não sei
que de varonil e de activo, de forte e imperioso.
N a s b o a s d c s c rip ç õ e s d e te m p e s ta d e s d a n a tu r e z a o u do
a n im o , d e b a ta lh a s , e tc ., q u a n d o e s c rip ta s p o r p o e ta s e s m e r a ­
d o s , o b s e rv a r -s e -h a co m o o O p re d o m in a , e com q u e eíTeito.

lla Icttra -

D o som d o O se p a ssa tã o n a tu r a lm e n te p a r a o d o U,
q u e em to d a s as p a la v r a s te rm in a d a s p o r O b r e v e , e ste a s s u ­
m e 0 v a lo r d e ,[7 ; co m o : Santo-Antonio, q u e se lê com o se se
e s c re v e ss e Santu Antoniu. O a rtig o m a sc u lin o èom o U se p r o ­
fe re , a ssim n o s in g u la r, co m o n o p lu ra l; e n o m eio d o s v o c á ­
b u lo s tã o id ê n tic o ao v a lo r do U é m u ita s v e z e s o d o O, q u e
faz d u v id a r n a o rth o g ra p b ia . F ic a logo c la ro q u e fallan d o n ó s
a q u i d o v a lo r, e n ã o d a íig u ra d a s le ttr a s , tu d o q u e do U
d is s e rm o s , ao O q u e tiv e r v a lo r d e U se d e v e rá ig u a lm e n te
a p p lic a r.

E ’ O U um som abafado, que se emitte com a


boca já quasi de todo cerrada. Sumido e soturno
parece convir á desanimãção, á tristeza profunda, aos
assum ptos luetuosos; sepulchro, tumulo, fúnebre,
funereo, lugubre, carrancudo.

A in d a a m e d o d e in c o r r e r n a c e n s u r a d e m in u c io so , e
d e o b s e rv a d o r d e p u e rilid a d e s , n o ta r e i, q u e to d o s os d ia s as
a m a s e p e s so a s in d is c re ta s , q u a n d o p r o c u r a m in tim id a r a o s
m e n in o s , fa z e n d o -lh e s v ê r côcos, e p h a n ta s m a s n a e s c u rid a d e ,
o u a p ro fu n d e z a d e u m p o ço , n e n h u m o u tro so m e m p re g a m
s e n ã o o do U, q u a si a s p ira d o e p ro lo n g a d issim o . E aos q u e
ta x a s s e m d e fú te is os r e p a ro s d ’essa e sp e c ie , re s p o n d e ria m o s .
— 76 —
I
q u e , p a r a a s in v e stig a ç õ e s q u e e sta m o s faz e n d o , as q u a e s ta l­
v e z n ã o são d e to d o in ú te is , n e n h u m g u ia se p ô d e p r o c u r a r
m a is se g u ro , q u e a p r o p r i a n a tu r e z a , e q u e os o rá c u lo s d ’ella,
m a is d e p re s s a e m a is g e n u in o s se h ã o d e e n c o n tr a r n o s e n te s
r u d e s , e so h re tu d o n a p u e r ic ia , e n a in fa n c ia , d o q u e n o s e s ­
p ír ito s em q u e m a in s tru c ç ã o , e a s c o n v e n ç õ e s j á te m d e s -
tr u id o , em g ra n d e p a r te , o p r im itiv o s e r.
Hlii,''

RKCAPITULACÃO SOBRE A ÍNDOLE DAS CINCO VOGAES

0 A é brilhante e arrojado; o E tenue e incerto;


0 I subtil e triste; o O aniuioso e forte; o U carran­
cudo e turvo.
S e o u sá sse m o s n ã o te m e r o rid íc u lo , c o m p a ra ría m o s o
to m d o A á h a rp a ; o d o ao m a c h e te ; o do 1 ao p ifa ro ; o d o
O á tro m p a ; o d o U ao z a h u m b a .

CAPITULO X

DOS DIPHTONGOS E DAS VOGAES NAZALADAS

(a u t i g o novo na p r e s e n t e edi ção)

Dando os diphtongos som mais cheio que uma


qualquer vogal só per si, e havendo nas vogaes na-
zaladas muito mais ressonância que nas vogaes sin­
gelas, claro fica logo, que os diphtongos e vogaes
nazaladas dão ao verso muito maior força. Bem o
tinha Bocage adivinhado para o seu uso. Um só
exem plo citarem os; vão n’elle assignaladas as sylla-
bas em qae predominam sons das duas especies:

SO NETO

Ao c re b r o som d e lu g u b re w ístrum ew to
com ta rd o p é c a m in h a o àdinquenio,
Um Deus c o n so lad o r, um Deus clemente,
lh e m s p ir a , lh e v ig o ra o soffriw icnto.

D u ro n ó p e la mão d o algoz c ru e n to
e s ír e ita r - s e n o collo o réo j á sen te.
M u ltip lic a d a a m o rte , anceia a m en te!
b a te h o r r o r s o b re h o r r o r n o pensa?nento.

O lh o s e ais d irig in d o á d im n d a d e ,
so b e, e n v o lto n a s n u v e n s d a tris te z a ,
ao te rm o e x p ia d o r d a in iq u id a d e .

D as leis se cw m pre a s a lu ta r d u re z a .
Sai a a lm a d ’e n tre os veos d a h u m a n id a d e ;
folga a J u s tiç a , e gem e a N a tu re z a .

C o n tê e m -se n o s q u a to rz e v e rs o s n a d a m e n o s d e 10 d i-
p h to n g o s , e 2 2 v o g a e s n a z a la d a s; so m m a 3 2 so n s fo rte m e n te
m u zic ae s. (1)

(1) Veja*se o que adiante diremos surespeito da consoante M.


íi

— 78 —

REDUCCÃO DA DOUTRINA PRECEDENTE ÀCERCA


DOS SONS OU VOZES DA LINGUA PORTUGUEZA

(a r t i g o novo na p r e s e n t e edição)

Temos nove sons oraes, oii puros, a saber: —


1.“ a forte como na primeira syllaba cie casa; 2." a
brando como na segunda syllaba da cia m esma pala­
vra; 3." e forte como em fó; 4.° e medio com em vê;
5.° e fraco e quasi mudo como na preposição de; G.®
i como em vi; 1.^ o forte como em pó; 8.° o brando
como em grou; 9." u como em tu.
Além destas vozes oraes temos outras cinco m ais
resoantes designadas pelo nome de nazaes ou naza-
ladas qlie são:— an, cn, in, on, mi.
Sommam portanto ao todo os sons da lingua por-
tugueza quatorze.
E ’ claro que fallando dos sons ou vozes não con­
tamos as variedades das outras com que alguns dos
m esm os sons se podem representar, m ateria essa
que pertence exclusivam ente <áortographia, a qual na­
da tem que ver com o assum pto de que tractam os.

FORMULA MÉTRICA EM QUE VAE CIFRADA TODA A


CLASSIFICAÇÃO DAS VOZES E INFLEXÕES
DA l ín g u a PORTUGUEZA

O s e le m e n to s d a falia
d a n o ssa e d a s m ais n a ç õ es
d iv id e m -s e em d u a s classes
q u e são v o z e s e i n f l e x õ e s .

N a s v o zes d u a s fam ilias


d istin g u im o s b e m m a rc a d a s;
- 79
a p n m e ira : o ra es ou p u ras
a seg u n d a; n a za l a d a s .

S ão v o zes puras: à â
é ê i 0 0 u:
n a z a l a d a s : an en in
on un (v a e ro l n u e c ru ).

N a s in fle x õ e s se is fam ilia s


b e m d is tin c ta s e n c o n tra e s ;
é GUTURAES a p r im e ir a ;
e a s e g u n d a lin g u a es;

LiNGuo-PALÀTAES te r c c iia ;
a q u a r ta l in g u o - d e n t a e s ;
DENTO-LABiAES a q ui i i t a ;
a s e x ta em íim la b ia e s .

S ão GUTURAES guc e q;
são Ç Z j X LÍNGUAES;
são rr r l Ui n nh
a s LIXGUO-PALATINAES.

S ã o LINGUO-DENTAES (1 t;
f V DE.NTO-LABIAES;
SÓ & p e m n o s re sta m
q u e se c h a m a m la b ia e s .

CAPITULO XI

DAS LETTRAS CONSOANTES EM GERAL

Cada um dos quatorze sons, cujo valor acabamos


de considerar, e cada um dos diphtongos ou sons
duplices, é susceptível de mui variadas modificações,
segundo as articulações que na mesma syllaba pre-
— 80 —

cedem ou seguem, islo é, segundo as consoantes


com que se travam; ora, assim como o som, a alma
da syllaba, a vogal, é susceptível de uma especie de
significação vaga, que póde ajudar ou contrariar o
effeito da palavra, assim também as consoantes, que
fazem corpo com essas vogaes, tem muitas vezes re­
lações tacitas com taes ou taes objectos conhecidos,
e fazendo com que nol-os recordemos, d’elles assu­
mem uma tal qual similhança para si.

O e x a m e d e c a d a u m a e os e x e m p lo s n o s fa rã o m e llio r
c o m p re lie iid e r. A d v ir to q u e h a v e n d o e n tr e as c o n so a n te s a l ­
g u m a s com id ê n tic o v a lo r, e fallan d o n ó s só d ’e ste , e n ã o d a
fig u ra d a s le ttra s , n o s n ã o d e te re m o s a d iz e r d o C b ra n d o o
q u e a liá s vai im p lic ite n o S b ra n d o ; n e m do S á s p e ro o q u e
é co tn m u rn com ò Z; n e m d o C á s p e ro , e d o K, o q u e v a i n o
Q; 0 Ph e 0 F s e rã o r e p u ta d o s com o a m esm a co isa; b e m c o ­
m o o G b ra n d o e o / ; o C/í e o A". D o H in ic ia l, e sem v a lo r,
n e n h u m ca so farem o s.

l>a» l e i t r a s — B , e P-

0 B e O P, articulações sobre modo similhantes,


e formadas ambas pela separação repentina da ex­
tremidade dos lábios, poderão, pelo tal qual estalido
que as acompanha, frizar mui bem com os objectos
em que pouco ou muito houver um soido repentino,
breve e destacado: em estylo familiar, p itig a e p i n ­
g a r ninguém dirá que não sejam onomatopicos.

N o m esm o e sty lo se r e p r e s e n ta com m u ita p r o p r ie d a d e


p e la s y lla b a pa o e s tro n d o d e u m a b o fe ta d a , e p o r p iim u m
tir o . O e sta m p id o d a g ra n a d a foi e n g e n h o sa m e iite d e s c rip to
n a q u e lle b e m sa b id o v e rso la tin o :

— H o rrid a p e r c a m p o s 6 u m hum io m fta rd a so n a ò a t.—

Bcnnba, zabumba^ bombo o u bumbo, co m o b o je lh e c h a ­


m a m ; atabaleSf o u timbales', baque, aboccar, bicar, picar, api-
— 81 —

to, embicar, tropicar, tropeçar, esbarrar, pôr, beijo, e c o m »


e s te s m il o u tro s v o c á b u lo s a ju d a m n ã o le v e m e n te a n o ssa p e r ­
su asão .

D a » l e t t r a » — C* e S-

0 soido que por estas duas leltras se represen­


ta, é tão facil e natural, que, segundo observa Esca-
ligero, não depende de industria; basta só lançar­
mos um pouco mais fortemente a expiração para se
elle ouvir; é talvez isto, sobre tudo, o que torna o
seu uso frequentíssimo.
S e P in d a ro o e v ita v a , d e v ia d e s e r isso o u p o r p a r t i c u ­
la r a n tip a th ia , d iílic u lto s a d e e x p lic a r, o u p o r q u e e n tr e o s
s e u s T lie b a n o s se p r o n u n c ia s s e m u i d iv e rs a m e n te d o q u e e n ­
t r e n ó s.

Tem a natureza animal e a inanimada sons que


arrem edam com muita propriedade o S, taes como:
0 silvo da serpente-, o siciar da seara-, o assoviar do
vento pela enxarcia-, e o ruído macio da ressaca,
quando o mar arregaça brandamente as fraldas de
cima das areas declives de suas praias. E ’ logo ma­
nifesto que onde houvermos de imitar estas ou si-
milhantes vozes da natureza, o em prego de palavras
com S ou C ajudará material, mas eílicazm ente, a
representação da idéa. Os exemplos são triviaes em
todos os poetas de alguma conta.
E n te n d id o e stá , q u e n ã o falíam os a in d a a q u i d o S, final
d o s p lu ra e s p o rtu g u e z e s , n e m do Z, final de a lg u n s v o c á b u lo s,
p o is q u e so am com o v a lo r d e X; com o: em casas, q u e s o a
casax; em homens, q u e soa homenx; e em paz, q u e soa pax-^
ta e s SS e ZZ s e rã o c o m p re h e n d id o s n o q u e h o u v e rm o s d e d i­
z e r do X e do Ch.
— 82 —

D a» l o t i r a s — B>, e T —

Proferint1o-se ambas estas lettras quasi do m es­


mo modo, que é ferindo subitamente com a ponta
da lingua os dentes superiores, idêntico fica sendo o
seu effeito artístico na composição dos vocábulos;
effeito muito analogo ao úo B e P, de que já trata­
II;- mos; só com a differença, que sendo a pancada da
lingua nos dentes no D q T mais forte que o estali­
do com que os lábios se despegam no e no P ,
também a sua representação fica sendo por isso m es­
mo mais energica. Por D e Tse representarão, pois,
com assaz de naturalidade as pancadas seccas e for­
tes, ás quédas repentinas e duras, os tropeços e as
topadas violentas, os tiros e as explosões: d’ahi vem
em parte a propriedade das palavras: martellar, dar,
bater^ truz, traz, triz, trovão, tambor, tantan, as­
sentar, açoitar.
T rè s p a sso s d e V irg ílio , g ra n d e s a b e d o r e p ra tic o d ’e s ta s
v ir tu d e s e e líe ito s d a s le ttra s , d a rã o lu z d e sol ao q u e d iz e ­
m o s. P in ta u m e m b a te d e c a v a lla ria , e diz;

------p r e fra c ta q u e q u a d ru p e d a n tu m
p e c to ra p e c to r ib u s r u m p u n t . . . .

N o liv ro 8.° d e s c re v e u m a c a rr e ir a d e c a v a lla ria e p õ e ;

Q u a d ru p e d a n te p u tre m so n itu q u a tit u n g u la c a m p u m .


~ 83 —
Q u e re is m a is? o u v i C am õ es:

C a b e ç as p e lo c a m p o v ão sa lta n d o ,
b ra ç o s , p e rn a s , sem d o n o , sem s e n tid o ,
e d ’o u tro s as e n tr a n h a s p a lp ita n d o ,
p a llid a a c ô r, e o g esto a tn o rte c id o ;
j á p e rd e o c a m p o o e x e rc ito n efatid o ;
c o rre m rio s d o sa n g u e d e sp a rz id o .

D a s l e t t r a s — F , PU , e V —

0 soido do F, quer o escrevam os com F, quer


com Ph, e o do V, tão similhantemente se formam
nos lábios, que não passam de duas variedades de
uma só e mesma especie; o V, é o F mais áspero, o
F, é 0 V mais suave. Quanto á representação, am­
bos se póde dizer que tem a mesma, só com' a diífe-
rença de mais ou menos caracterisada.
Algum a coisa que lembra estes soidos, se en­
contra realmente na natureza; reparae no vento que
silva pela frinciia de uma porta, ou pela espessura
de um arvoredo, que lhe resiste e o rasga; percebe­
reis 0 que quer que seja, ora de F, ora de V. O res­
folegar de um folie; o zoar de um pião em certos
momentos; o zunido de uma pedra pelos ares; o zum ­
bir de alguns insectos; o vóo das aves valentes e ve­
lozes; 0 murmurinho da prôa, que fende as aguas; o
rugir do fogo, quando em dadas circumstancias se
liberta de uma forte compressão, como em alguns
artifícios de foguetaria; o bufar do gato e das cobras,
e mil outros effeitos naturaes, se se poderam expri­
m ir, ninguém diria que fosse por outras lettras.
D ’a q u i v e m , q u e p o r u m a p re d isp o siç ã o irn ita tiv a in n a ta
n o hom em , u m g ra n d e n u m e ro d e v o c á b u lo s, d e stin a d o s a
r e p r e s e n ta r e ste s o u s im ilh a n te s o b jec to s, lev am n o p rin c ip io ,
o u n o m eio o F , o u o F; com o fogo, /b rja , fo g u ete , r a l r e i d e ,
1/ < — 84 —
v ulcão, /'aisca, ave, vòo, fe n d e r , fô fo , asso v io , v e n to , veloz,
voga, v e la , v e ad o , v e rr u m a , fo rm ã o , v a sso ira , folego, v ó rtic e ,
f e r v u r a , v e rg a sta , e sb afo rid o , fa rfa lh a d a , etc.

Convém ainda notar a respeito d’estas duas ar­


ticulações, que, pelo esforço com que as pronuncia­
mos, parecem prestar-se de boa mente a significar
os objectos fortes e resistentes, ou a valentia que ac-
commette e atropella as difficuldades.
D ’isto são te s tim u n h o s , se m e n ã o en g a n o ; fo rç a , f o rte ,
v a le n te e v a le n tia , ac tiv o , vivo, fe ro , fe r r o , t r i u m p / a r , c o n fu n ­
iS' ’' ' I d ir , s u b v e rte r, fa z e r, d es/azei', v ib ra r, f e r ir , a fe rro lh a r, v aga,
v a g a lh ã o , v o m ito , fo rta le z a , a fin c a d a m e n te , fúo, alvo, vag ão ,
v o ra g e m , f o rja , e tc .

D a s l e t t r a s — Ci» (c o m ^ a lo r d e Ciue)
do C ásp ero » d o K» e d o —

Em todos estes diversos modos de escrever, não


temos em realidade mais que duas articulações, a
saber: G (soando como Gue); 2.^ o Q.
O som d’este G e áo Q tem entre si a mesm a si-
milliança de formação e a mesma aífinidade, que já
observám os existir entre o C brando e o S, entre o
D e 0 1\ entre o F e o F e entre o B e o P; tanto
assim, que os etymologos, nas palavras derivadas»
nos descobrem um sem numero de exemplos da
troca do som Giie em Q, e do som Q em Gue. Um e
outro se dão asperamente e com difíiculdade, rete-
zando e curvando a lingua para o pádar, e arrojando
com força a expiração, d’onde resulta convirem am­
bas estas articulações á expressão dos objectos dif-
ficeis, resistentes, escabrosos, e similhantes, como:
agonia, angustia, esf/alhar, estroncar, accarretar,
a(/uentar, agarrar, garrar, en^as^/ar, cortar, conter.
— 85 —

en^íanchar, í/ato, Wgre, arcabuz, lascar, riscar, ras­


car, agvo, acrimonia, inimigo, tronco, barroca, enca­
lhe, acre, ^a<70 , í/uincbo, conter, cair, erguer, guer­
ra, vaga, beliscão, furacão, agatanbar, agraço, mala­
gueta, beleguim , briga, afôgo, íincar, arrancar, dis­
cordância, algaravia, grito, gosm a, etc., etc.
Já se v é, q n e se n d o e ste s so n s in g ra to s, se d ev em p o r
v ia d e re g ra e v ita r, m as q u e p o r isso m esm o p a r a os ca so s
a p o n ta d o s p o d e m s e rv ir g a lh a rd a m e n te .

D a s l e t t r a s — G , (com v a l o r €le Ge), Jí, X, CIi


e S, e Z— n o f in a l d e p a l a v r a

P a ra e v ita r c o n fu sã o , á v ista de ta n ta m u ltip lic id a d e d e


l e ttr a s , com o a q u i a b ra n g e m o s em u m só c a p itu lo , a d v irta -s e ,
q u e em to d o s e ste s d iv e rso s m o d o s d e e s c re v e r, n ão h a r e a l ­
m e n te m a is d e d u a s a rtic u la ç õ e s , e m u i sim ilh a n te s, q u e p o r
isso se r e u n e m , a s a b e r: o G e o Ch; p o is q u e o J se id e n ti­
fica com 0 G, a ssim com o o X .s e id e n tific a com o C /i,e c o m
0 S fin al, com o em casas, q u e soa com o se e sc re v e ra m o s ca-
sax, e com o Z final, q u e tem e g u al so id o , v. g., em capaz,.
q u e a rtic u la m o s co m o se e s c re v e ra m o s , cupcra:. N o te m o s m a is ,
q u e d o s m u ito v a ria d o s v a lo re s que o X tem em n o ssa lin -
g u a , só c o n s id e rá m o s a q u i o p rim á rio e n a tu r a l, Q u a n d o fi­
g u ra d e Cs, co m o em connexo, c a b e -lh e o q u e p o n d e ra m o s
s o b re o Q e so b re o C; q u a n d o fin a lm e n te v ale p o r Z, com o
em exemplo, c o m p e te -llie o q u e h a v e m o s de p ro p ô r so b re o
Z. Isto e n te n d id o , p a sse m o s a e x a m in a r os d o is v a lo re s p u ­
r o s ; Ch e J.

Tanto 0 Ch, como o J, são, até certo ponto, uma


artificial reproducção de alguns sons da natureza,
e nomeadamente do soido das folhas e das aguas.

D izia a c e le b re p o e tisa fran ceza M.me A m aW e T a stu , q u e


a re g a la v a , e lh e r e frig e ra v a a alm a, o u v ir fallar o p o rtu g u e z ,
p o sto 0 n ão e n te n d e s s e ; p o rq u a n to a q u e lla fre q u e n c in , e q u a si
86 —

c o n tin u a ç ã o d o s so n s d e X , r e s u lta n te , s o b re tu d o , d o s S S n o s
p lu ra e s , ih e fazia ao o u v id o o eíTeito d e u m a c a sc a ta p e r e n n e .
A p a la v ra fresco, p o sto se n ã o o rth o g r a p h e com u m o u
co m o u tro sig n al d ’e ste s, j á n o s p o d é ra s e r v ir d e e x e m p lo ,
p o r t e r n o se u S o v a lo r d e X e o u tro ta n to p o d e ra m o s d i ­
z e r d e cascata; m a s c o n sid e ra e a e u fo n ia d e , chuvA, jorro,
c/iocalhar, cfeafariz. c /ía fu rd a r, e n x a m e , c /ia m u sc a r, c/teia, j a -
c u la ç ã o , rep u c/ío ,. c/iam a.

D a « l e t t r a « — li e l i l i —

Ao L, que é articulação de sua natureza m ui


branda, não chegámos ainda a descobrir indole al­
guma representativa, a não ser, que a especie de es­
talido, que a ponta da lingua íáz para o proferir, ex­
pedindo do ceo da boca, o torna por ventura apto
para significar a acção de quebrar, ou partir, como
na própria palavra e sta lid o ; em esta/o, esta/ar; ou
■ estra/ar; marte/ar, desco/ar, /ascar, a//uir, des/ocar,
app/audir.

O s fra n c e z e s p a re c e m a ttr ih u ir - lh e a m esm a v ir tu d e : écht,


é c /a te r , souíT /eter.

Quanto porém ao Lh, facil é perceber-lhe um não


sei quê no som, que muito bem conforma com a
idéa de coisa esmiunçada, ou dividida em m iúdos,
como: esmiga///,ar, choca//<ar, casca//^ar, rama///ar,
bara//?ar, esgaZ/^ar, esbanda//?ar, escangaZ/^ar, raZ//.ar,
bataZAa, maruZ/m, merguZ/m, cascabuZAo, serrabuZ/m,
cntuZZio, enguZ/íO, vidriZ/m, espaZ/^ar, ciscaZAada,
maZAar, taZ/^ar.

Q u em h e m r e p a r a r em c e r ta a n a lo g ia fô n ica, q u e se d á
e n tr e Lh e a a rtic u la ç ã o Ch, d e q u e falíárn o s, p o d e r á ta lv e z
d e s c o b r ir n a in d o le p e c u lia r d o H p o r o n d e e x p liq u e e s ta s e -
— 87 —
m i-c o in c id e n c ia , e s ta p r o p r ie d a d e q u e e lle p a re c e t e r n u m e
n o u tr o caso p a r a se tra n s fo r m a r em so id o d e liq u id es^ e d e
o u tr o s c o rp o s m iú d o s , e fa c ilm e n te d iv is ív e is .

D a l e t t r a — 51—

Duas diversas propriedades sentimos n’esta let­


tra; a primeira é de affecto.

A o rev e z d e to d a s a s o u tra s le ttr a s , e sta p a re c e , a in d a


q u e assim n ã o se ja , p r o fe r ir -s e to m a n d o a p e s so a q u e falia o
a r a si, em v ez d e o e x p e d ir , e u n in d o os lá b io s, com o p a r a
b e ija r. P o r M se c o m e ç a ta lv e z em to d a s a s lin g u a s o n o m e
d e m ã e , e em a m o r p re d o m in a o M. A p a la v ra am o p a r a o s
fra n c e z e s é o p r o p rio n o m e d a le ttr a sem n a d a m ais. E m q u a n ­
ta s e x p re s s õ e s d e t e r n u r a n ão fig u ra e lla em n o sso id io m a e
e m o u tro s m u ito s? ?neu, m in h a , am igo, am iga, a m a n te , a m a ­
d o r , a m ad o , a m a d a , m an o , m e ig u ic e , m im o , etc.

O segundo valor é mais acústico. O I f em fim


de syllaba, e principalmente depois de A, O e U,áà
á palavra, uma extraordinária resonancia, como: re-
tuw bar, ribombar, zabum ba.
P a r a fa lla r com m a is c x a c ç ã o , o i l í u m a s v ezes é c o n s o a n ­
te , o u tr a s m e ro sig n al p a ra in d ic a r, n o fim d e p a la v ra ou sy l-
ía b a , q u e a vogal q u e o p re c e d e m u d o u d e v a lo r, p a ssa n d o d e
s im p le s a n azaíad a. A c la re m o s isto com e x e m p lo s:
N a s p a la v ra s cama, semente, caminho, gamo, múmia, é
le t tr a , e le ttra labial. N as p a la v ra s , campo, sempre, timpano,
trompa, zumbido, o M n a d a diz se n ão q u e essas vo g aes A, E ,
I, O, U, p a ssa ra m a n azalad as.

D a s l e l t r a s — IV e IVIi—

O N collocado emfim de syllaba, é como o M; dá


á vogal uma certa resonancia, ou echo; um nazal, que
fez com que os Romanos a appellidassem littera ti-
w

— 88 —

nicns, letlra que retine, com o que ganham os vocá­


bulos um accrescimo notável de eufonia: tirae ás pa­
lavras, monte, esplendido, vingança, estrondo o N,
e vereis quanto não perdem do seu effeito, e para
aqui vem inteiramente cabida a observação que dei­
xam os feita acerca do M. Assim como o M ,o JS q
lettra consoante, sem pre que se acha anteposto á vo­
gal; e posposto a vogal, nem consoante, nem lettra
é; não passa de signal de que a vogal anterior se
converteu em nazalada. Seguido de II, o iV perde o
echo, mas essa perda é por ventura ressarcida pela
secreta virtude, que o //tem para exprim ir os sons
de liquido, ou miudeza, segundo já o advertim os.

Vinho é p re fe rív e l a o vino dos h e s p a n h o e s , e d o s ita lia ­


n o s, e ao vinum dos la tin o s; m as o pequenho d o s h e s p a n h o e s
é p re fe rív e l a pequeno.
N ão é sem raz ã o q u e d e inho e inha se fez a m a io r p a r t e
d o s n o sso s d im in u tiv o s . Q u a n to á v e r d a d e ir a n a tu r e z a d o H,
p e d e a bo a p h ilo s o p h ia q u e o n ã o c o n s id e re m o s co m o le ttr a
d e v a lo r, m as com o u m s im p le s sig n al in d ic a tiv o d e q u e o N
o u 0 L q u e lh e fica a tra z , se p r o fe r e com o se u s e g u n d o so m ,
a q u e c h a m a m m o lh a d o : LH, NH.

D a l e lt r a — B-

Não ha lettra cujo valor imitativo seja tão incon­


testável e tão universalm ente reconhecido como o
do R. Quer fortissimo, como na palavra, ram a, quer
só forte como em a?^ma, é formado, quando se pro­
fere, por um tremor na ponta da lingua revirada pa­
ra cima, d’onde vem que mesmo por instincto, se
applica para designar aquellas coisas, que de si lan­
çam algum som duro e tremulo, ou com isso pare­
cido: trovão, raio, artilheria, granada, tiro, retinir,
resoar, ribom bar, vibrar, trompa, rufo, carro, car-
— 89 —

reira, trote, trem or, horror, rouco, frêm ito, arru i­


nar, arrazar, arrastar, arrastrar, rabecão, trom be-
ta, rugido, arranco, tropear, quadrúpede, relincho,
corrente, groza, serra, etc.
V e rs e ja d o re s , q u e n u n c a s e q u e r s u s p e ita ra m p re s tim o a l­
g u m in d iv id u a l e sig n ific a tiv o em n e n h u m a d a s o u tra s le ttra s ,
o u v il-o s -h e is , ch e g ad o s a d e s c re v e r u m c h a rc o d e r ã s , o u u m
te m p o ra l, d e s a b a r so b re v ó s com rid ic u la a ííe c ta ç ã o u m v e n -
d a v a l d e RR, q u e p o r p o u c o bo m gosto q u e te n b a e s , vos fa ­
rã o q u a s i to m a r te iró com o n o m a to p é ia s. P o sto q u e d e B o c a ­
g e , n ã o d e ix a m d e s e r v icio so s os se g u in te s v e rso s; p o is q u e
a h i a a r te , q u e n ã o so u b e e sc o n d e r-se , d e ix o u d e s e r a rte .

R u em p o r te r r a as e m p e rra d a s p o rta s ,
d a s E ó lia s h o rris o n a s m a sm o rra s,
q u e d ’um fero e n c o n trã o ru g in d o a rro m b a
a c a te rv a dos E u ro s .

Q u a n to m e lh o r V irg ilio em a ssu m p to id ê n tic o , e fallan d o dos


v e n to s ao sa ire m d a c a v e rn a do se u rei!

Q u à d a ta p o r ta , r u u n t , e t te r r a s tu rb in e p e ríla n t.
In c u b u e r e m a ri, to tu m q u e à se d ib u s im is
u n ã E u r u s q u e N o tu s q u e r u u n t, c re b e r q u e p ro c e llis
A fric u s; e t v a sto s v o lv u n t a d litto ra flu c tu s.
I n s e q u i tu r c la rn o rq u e v irú m , s tr id o rq u e r u d e n tú m .

Dast l e t t r a s — Z e S, v a l e n d o Z —

São estas articulações as mais affins por sua in­


dole aquell’outra do S, de que já tratamos, só diffe-
rindo uma de outra em que o S assovia mais do que
zune, e que o Z znne mais do que assovia. Em mui­
tos casos se poderão usar promiscuarnente, mas o
soido do Z virá sempre mais bem cabido ás coisas,
cujo som tiver uma certa aspereza: zunido, zumbi­
do, zurro, bezoiro, zoada, horrísono, zabum ba,zum -
zum, zangão^ zanguizarra, zarabatana, aza, sanzála,
zás, dezancar, desabar, zorra, azoinado, azoado.
RESUMO DE TODA A DOUTRINA PRECEDENTE A RESPEITO
DAS CONSOANTES

Tern cada uma das lettras consoantes, pelo ma­


terial do seu proprio som, e relações que se dão en­
tre elle e alguns outros da natureza, um caracter
distincto, que muito póde contribuir para accrescen-
tar ás palavras o seu effeito.
O B e 0 P exprimem percussão súbita; o D e o
T 0 mesmo, porém com mais energia; o C com va­
lor de S, e 0 S, silvo; o S com valor de Z, e o Z, zu­
nido; 0 F , e 0 Ph com valor de F , e o V, os sons
analogos como quer que seja ao bufar dos gatos; o
G com 0 valor de J, e o o X com o valor de Ch, e
0 Ch, e 0 S e Z finaes, o correr dos liquidos; o G
com 0 valor de A", e o F , o Q, e o G com o seu valor
áspero, aspereza, escabrozidade, e resistência; o A,
estalido; o Lh esmiunçamento, ou divisão em m iú­
dos; 0 il/, aíTecto mavioso, servindo em íim de syl-
laba para augm entar a resonancia; o R, sons fortes
e trêmulos.

CAPITULO XÍI
DIGRESSÃO

E M iafiN tica d o s s o n s e a r lic n H a ç õ e s


n a lin g fu a portu g^ iieza

P a re c e -m e q u e , p a ra b em se a v a lia r u m a lin g u a q u a n to á
e u fo n ia , s e ria n ã o só u til, m as n e c e ssá rio , a v e rig u a r em q u e
p ro p o rç ã o e n tra m n e lla os so n s e as a rtic u la ç õ e s ; assine com o
s u s p e ito , q u e , p a r a a c o m p a ra ç ã o d as lin g u a s u m a s co m a s
o u tr a s , s o b re m o d o se ria c o n d u c e n te u m s im ilh a n te in q u é r ito
fe ito em c a d a u m a d ’ellas; m as o tra b a lh o é dos m ais fa s tid io ­
s o s , e n ã o sem e s p in h o s e d u v id a s . E r n p re h e n d i- o , e fd -o
q u a n to á n o ssa , co m o j á se v a e v e r. A d v irto , p o r é m , q u e n ão
to i 0 m e u fim c o n ta r as v o g aes e c o n so a n te s q u e e n tra m , p o r
e x e m p lo , em u m a fo lh a d e co m p o siç ão p o rtu g u e z a ; q u a lq u e r
f u n d id o r d e ty p o s , o u c o m p o s ito r d e im p r e n s a , p o d e ria d iz e r
iss o ; tra te i u n ic a m e n te do q u e e ra m v a lo re s re a e s ; a ssim , t o ­
d a s a s c o n s o a n te s , q u e so am co m o sin g elas, co m o sin g e la s as
c o n te i; to d as as q u e n a p ro n u n c ia se o m itte m , o m itti-a s ; t o ­
d a s as q u e n a c o m p o siç ão to m a m d iv e rs o v a lo r, to m e i-a s n ’e s-
s e s caso s p a r a o ro l a* q u e e sse v a lo r m ’as a d s c re v ia ; a ssim ,
d o S e n tr e d u a s vo g aes n a m esm a p a la v ra , o u em p assag em
d e p a la v ra p a ra p a la v i a , fiz Z; do S o u 2^ fin al, X ; p e la m e s ­
m a raz ã o , o E v a le n d o p o r J, a rr u m e i-o p a r a o I; e o O v a ­
le n d o U, p a r a o U; e o U d e p o is d e Q on G, d e s p re z e i-o ,
e tc ., e tc . O s tre c h o s , em q u e se o p e ro u , fo ram c o lh id o s em
d iv e r s o s a u c to re s ; o re s u lta u o foi o se g u in te ;

• 444 D ...............................
A m , A n, A . . 37 481 X , Ch, e S e Z (finaes)
G e S . . . .
E . . . . . 338 C (á sp e ro ) K e Q .
Em , En . . . 36 374 M ...............................
N ...............................
U . . . . . 272 L ...............................
Um, Un . 9 281 P ...............................
V . . . . «
I e Y . . . . 204 Z e S (e n tre vogaes)
Im , I n . . . 12 2 1 6 G (á s p e ro ). . .
FePh. . . .
0 .. . . . 131 B ...............................
Om, On . 9 160 G e J .
N h ...............................
R . . . . . . 220 L h ...............................
T . . . . . . 136
AMPLIAÇÃO DA THEORIA DOS VALORES DAS
VOGAES E CONSOANTES

Bem que á primeira vista pareça que os sons,


singelos ou articulados, não podem representar se­
não sons, já pelo que deixamos considerado e exem ­
plificado, se haverá entrevisto a possibilidade de es­
tender 0 seu uso a objectos, que nenhum som fazem,
a coisas incorpóreas, até a attributos do espirito. E
como? pelas translações. Assim , quem exprim isse o
susto por termos em que predominassem o w e o r,
ajudaria pelo som a pintura d’esta paixão; porque,
ao mesmo passo que o u sympathisa com o pavor, o
r , designativo dos sons trémulos, expressaria figu­
radamente a trepidação das idéas, natural a esta pai­
xão, ou a convulsão, que d’ella resulta nos dentes e
em todo o corpo.

C o m o s e d e ^ e u s a r d a t h e o r ia p r e c e d e n t e

Seria mais que puerilidade, seria empenho de.


néscio, ou de louco rematado, querer em um escri-
pto afinar sempre os sons e articulações, isto é, as
vogaes e consoantes, pelas coisas e idéas designa­
das nos vocábulos; tal correlação e correspondência,
não se dá senão em certos casos. Aproveital-a sa­
gazmente, quando nos cáe debaixo da mão, ou se
nos acha muito ao alcance, é obra de bom engenho,
e documento de instincto poético; desviar, porém .
— 93 —

do caminho direito do pensamento, ir arrancar ao


longe, e trazer forçados para a phrase esses meios
accidentaes de eífeito, é o mais seguro meio de não
conseguir nenhum, afora o desprezo e o escarneo.
Negar a realidade e a conveniência das onomato-
peas, como alguns teem feito, é bruteza decidida;
querer ser a todo o proposito, e a todo o despropó­
sito, onomatopico, fôra vaidade insensatissim a. N’is-
to, como em tudo, é só no meio que está a virtude.

D igressão sobre a com posição fo u ic a


d as p a la v r a s

F a c ilm e n te c a irá e ste c o n selh o a q u e m q u e r q u e a n a ly s e


b o m n u m e ro d e p a la v ra s d e q u a lq u e r lín g u a , p o is p o r c a d a
p a la v r a o n o m a to p ic a e n c o n tra rá d ú z ia s d ’ellas, q u e n ã o s ó ­
m e n te 0 n ão são , p o d e n d o -o s e r, se n ão q u e os e le m e n to s de
q u e ellas se co m p õ e m d ão o e iíe ito c o n tra rio ao q u e se ria
p a r a d e s e ja r. E x e m p lo : se descarga p in ta a su a id é a p e la s a r ­
tic u la ç õ e s D, X, Q, R, G, a p r im e ir a p a ra o estallo do g a ti­
lh o , a s e g u n d a p a ra o a r d e r d a e sco rv a , a te r c e ir a p a ra o r e ­
c u o o u co ice d a a rm a , a q u a rta p a r a o e sta m p id o tro a n te , a
q u in ta p a r a o z u n id o á sp e ro d a b a la e p a ra o g o lp e; e se
e g u a lm e n te a p in ta p e la s vogaes, a p r im e ir a s u rd a , a se g u n d a
a b e rtis s im a , a te r c e ir a a b e rta ;— a p a la v ra tiro, com in te n ç ã o
d e r e p r e s e n ta r a m esm a id é á , n a d a p in ta p e la tib ie z a do I,
p e lo s u rd o do O com o v a lo r d e U, e p e la in s u f ic iê n c ia do
s e u R b ra n d o . A s p a la v ra s a ssim m alfeita s sã o , m esm o em
n o s s a lin g u a , co m s e r n e s ta p a r te u m a d a s m e lh o re s , m u ito
m a is n u m e ro s a s q u e as p e rfe ita s. E com o d e ix a ria d e s e r a s ­
sim ? ta n to s e le m e n to s h e te ro g e n e o s, r u d e s , c a su a e s e c a p ri-
ch o so s, e n tra m n a confeição, e su c ce ssiv a s tra n sfo rm a ç õ e s d a s
lin g u a s , q u e p o r d e m a is s e ria p r o c u r a r n e lla s ura sy ste m a
q u a lq u e r.
A m a is fo rm o sa, a m ais a rtis tic a . a m ais facil d e a p re n d e r
e d e c o n s e rv a r, d ’e n tr e to d as as lin g u a s, e d ’e n tr e to d a s a
m a is d ig n a do n o m e d e n a tu ra l, s e ria a q u e lla , q u e , n ã o n a s ­
c id a d e o u tra alg u m a, se tiv e sse ido fo rm a n d o p o r u m a razão
s u p e rio r e c o n s ta n te so b re o reflex iv o e stu d o e re c o n h e c i­
m e n to d a Ín d o le p r o p ria d e ca d a u m d o s so n s e cad a u m a
— 94 —
d a s a rtic u la ç õ e s , c o lh e n d o e ste s e le m e n to s em p rim e ir a m ão
d o seio da p r ó p r ia n a tu re z a . E ssa lin g u a , se fô ra p o ssiv e l
c ria l-a , se fo ra p o ssiv e l, so b re tu d o , m a n te l-a , te ria u n id a d e
a d m ira v e l, com v a rie d a d e su rn m a ; m u sic a , p o e sia , e c la re z a
n o m ais a lto g ra u . A s c o n v e rs a ç õ e s d a s p r im e ir a s fam ílias d o
m u n d o , só n e ssa o u em m u i s iin ilh a n te lin g u ag em se d e v e ­
ra m p a s s a r . D e tal lin g u a p r im itiv a e p rim e v a a lg u n s d e s-
c o n n e x o s e a d u lte ra d o s v e stig io s se p o d e m talv e z a in d a r e c o ­
n h e c e r em cada u m a d a s c o n h e c id a s; e esses v e stig io s m a is
o u m e n o s co n fu so s, n ã o são o u tro s se n ã o os te rm o s o n o m alo -
picos.
O u tre m q u e siga, se q u iz e r, e sta ris o n h a u to p ia ; e u n ã o
m e a tre v o .
O u tre m q u e la n c e co m o se m e n te n o e s p ir ito d o g e n e ro
h u m a n o a id éa de u m c o n g re sso u n iv e rs a l, co m o o d e V o l-
n e y , p a ra n e lle se e la b o ra r, e p o r elle se d e c re ta r u m a lin g u a
u n iv e rs a l; esse desiderandum m á x im o d a p h ilo s o p h ia , esse
c a m in h o d e fe rro d o e n te n d im e n to , esse laço d e f ra te r n id a d e ,
q u e fa ria d e to d o s os p o v o s u m só p o v o ! T ão a lta n ã o é a
m issã o , n e m a a u c to rid a d e d e u m c o n ta d o r d e sy lla b a s.

L ín g ;iia p i* im it i« a

Só a n n o s d e p o is d e e s c rip to o q u e se a c a b a d e 1er, e
q u a n d o j á se a c h a v a ty p o g ra p h ic a m e n te c o m p o sto e im p re s s o
e ste le v e esb o ço so b re as o n o m a to p e a s, é q u e tiv e o c e a siã o
d e p e r c o r r e r a a d m ira v e l e e ru d itis s im a o b ra de M r. Coivrt
de òébelin. Monde primitif, analysé et compare avec le monde
moderne, considéré dans rhistoire naturelle de la parole, ou
origine du langage et de l’écriture.
P o s to q u e n e sse e s c rip to d e m ila g ro sa fe lic id a d e , o a u -
c to r, p o r urn e stu d o p ro fu n d a m e n te re fle x iv o d o in s tr u m e n to
vo cal h u m a n o , e p o r u m a c o n fro n ta ç ã o m in u c io sa d e u m se m
n u m e ro de lin g u a s, n o s h a ja com o q u e re v e la d o a lin g u a p r i ­
m e v a d o g e n e ro h u m a n o , lin g u a n e c e ssá ria e e sse n c ia lm e n te
q n o m a to p ic a , e c u jo s v e stig io s se d e sc o b re m em to d a s as a n ­
tig a s e m o d e rn a s u n iv e rs a lm e n te , q u a n d o se a p re n d e u a b e m
o b s e rv a r; p a re c e -m e , salv o o a ta c a m e n to d e v id o a tão g ra n d e
h o m e m , q u e p a ra o o b jec to q u e e u a q u i tra ta v a , isto é , p a r a
a in te llig e n c ia e p r a tic a d a s o n o m a to p e a s, a m in h a ta b e lla z i-
n h a de v a lo re s, p o r m a is c irc u n s c rip ta q u e o se u , p ro fu so , e ,
p o r isso m esm o , á s v ezes m u i vag o tra ta d o , p o d e rá s e r p r e ­
fe rid a . A s u a a n a ly se d a s vogaes é e n g e n h o sa , e ta lv e z em
— 9o —
g ra n d e p a r te v e rd a d e ir a ; m as p e la s c o n v e rsõ e s n u m e ro s a s a
q u e to d a s ellas são su je ita s , e q u e o a u c to r m esm o re c o n h e c e
e s u b m e tte a re g ra s ig n o ra d a s p e lo c o m m u m , d e ix a m d e t e r
p a r a o c o m m u m d o s o u v id o s e e n te n d im e n to s e ssa o rig in a ria
e ra d ic a l sig n ificação ; ao m esm o te m p o q u e em o n o sso o p ú s ­
c u lo , em q u e se c o n s u lto u m e n o s a a rc h e o lo g ia q u e o sen so
g e ra l, a in te n ç ã o sig n ific a tiv a q u e ás vogaes se a ttr ib u e , é o b v ia ,
m u ito c la ra , e m u ito m a is sim p le s. A s a rtic u la ç õ e s o u in to -
n a ç õ es, isto é, a s c o n so a n te s, p o u c o d ifte re m no se u tra ta d o
e n o m e u o p u s c u lo ; n a m a io r p a rte d ’ellas tiv e o gosto d e v e r
a s m in h a s fa n ta s ia s c o n firm a d a s p e lo se u s a b e r . N os p o n to s,
p o ré m , em q u e d isc re p a m o s, p o sto q u e o s e r p a r te litig a n te
rn e v e d e o s e r j u iz , p a re c e -m e q u e se v a i m ais se g u ro d e ef-
fe ito p e la m in h a th e o ria ; e q u a n d o n ã o , c o m p a re -s e p o r
e x e m p lo o q u e elle e s ta tu e co m o d o u trin a so b re to d a s as la -
b ia e s , e o q u e e u em d iv e rs o , e talv e z em c o n tra rio s e n tid o ,
p r o p o n h o e c o m p ro v o , c u id o e u , so b re a lg u m a s d ’ellas.

CAPITULO XIV

AMOSTRAS E EXERCÍCIOS ONOMATOPICOS

APPENDIX AS DOÜTUINAS PRECEDE.NTES

S e 0 e sp aç o , q u e a raz ã o d e m a rc a a e ste c o m p e n d io , n ã o
fosse tã o e s tre ito , q u e de d o c u m e n to s d a re a lid a d e e v a n ta ­
g e n s d a s o n o m a ío p e a s n ã o p o d e ria m o s d e p o s ita r a q u i? M as
p o r n ã o p o d e rm o s o m ais, n ã o d e ix a re m o s d e faz e r o m en o s,
Mil c o n s id e ra ç õ e s e sta v a m p e d in d o q u e to d o s o s e x e m ­
p lo s, q u e h o u v e s s e d e p r e s e n ta r , fossem a lh e io s e d e a u c to -
r e s c e le b re s. A p re s s a m e p r o h ib iu p ro c u ra l-o s . L im ite i-m e
ao q u e a m e m ó ria m e s u g g e riu . S e a lg u n s v ã o de m in h a
p r o p r i a la v ra , p e ç o v e n ia : to m e i os q u e m e v ie ra m . 0 m e ­
n o s b o m é a in d a m e lh o r q u e o n a d a .
96

F ilin to , C a n to l . ° d o O b e ro n .
HUÓL TRANSVIADO NA MATTA DO MONTE LIBANO:

L e v a a p é , p e la s re d e a s o cav allo ,
q u a n to o p e rm itte a b re n lia ; n a s raiz es,
>V.' n a s frag as, c a d a p a sso , é u m tro p ê ç o .
E n c a p o ta -s e o céo com n e g ra s n u v e n s ;
iiiv ia , ig n o ta é. a b r e n h a . L e õ e s iio rrid o s
ru g e m , s tru g e m -lb e in so lito s o u v id o s:
iI•),l.-< '!'i
• (• re p e te m - lb e o ru g id o a lp e s tre s ro c h a s ,
ifa:V? q u e CO’a in u d e z d ’ap o z calam m o r s u s to ,
>._i( ■, I .
!V e 0 p e ito m ais v a le n te a b a la ria m .
O n o sso h e ro e , a q u e m n e n h u m g u e rre iro ,
d e u p a v o r, s e n te os n e rv o s r e la x a r e m - s e -lh e ;

D á c ’u m a lap a , q u e ro m p e u n a tu r a
n a p ro fu n d e z do m o n te , a c u ja u m b re ira
a rd ia e c re p ita v a a c c e sa ram a .
A r e s p le n d e n te c im a d o ro c h e d o ,
d e se lv á tic a s ç a rç a s a sso m b ra d a ,
(com o p o r a r te m agica) d e sp e g a -se
d a n e g ra n o ite ; e as ç a rç a s q u e se a lp e n d ra m
d a s fen d a s dos p e n h a sc o s a ffig u ram
o s re fle x o s d u m fogo, q u e v e rd e ja .

II

CONFUSÃO NOS PAÇOS DE CARLOS MAGNO, PELA IRA


DO IMPERADOR QUE PRETENDE VINGAR EM
HUÓL A MORTE DO FILHO:

J á se e rg u e m p a la d in s ; j á n o a r fu zilam ,
d e sp e d e m s u sto s la m in a s m in a c e s;
— 97 —
fe ro s u iv o s n a s b ó b e d a s re s tru g e n i.
T re m e o c h ã o , a s v id ra ç a s , v e lh a s rin g e m :

III

i:
MORTE DE AMA.URI NO DUELLO COM HUOL:

V o m ita o n d a s de sa n g u e o m o n s tr o e m o rr e .

IV

SCHERASMIM ATERRADO AO DAR COM O ANAO NA SELVA


ENCANTADA, FOGE EMPUCHANDO PELA RlÍDEA O
CAVALLO DO AMO:

____P a r te o v e lh o , com o um gam o,


tir a rijo tra z si d o a m o o cava 11o,
sa lta b a rra n c o s , tro n c o s a b a liô a ,
d á d ’e s p o ra s té v e r-s e b o sq u e em fóra.
E m ta n to se e rg u e b o rriv e l te m p e s ta d e :
tro v õ e s ro n c a m , re lâ m p a g o s fu zilam ,
d e n s a tre v a , q u e c h o v e , e sc o n d e a lu a ;
b r a m a e re b ra m a em e c h o s o e s ta m p id o ,
p o r ôcas fu rn a s , re b o a n tc s b re n h a s .
C rê ra s , q u e ca d a tro n c o e sta la , e escaclia.
T ra v a m g u e rr a e n ra iv a d a os e le m e n to s.
N a tu r b u le n ta frá g u a d a to rm e n ta
d o g ê n io a m eig a vo z se d e u a o u v ir- s e ;
98

DANSA DOS FRADES E FREIRAS DA PROCISSÃO AO


TOQUE DA BUZINA MAGICA DE OBERON:

N o v o d e lirio a c c e n d e os d a n sa rin o s!
A iT erv en ta-se a v a lsa , e th e o r le v a
d e tu rb o re d o p io .— A lto s os p u lo s,
cegas a s ro d a s, em s u o r d e rre te m -n o s ,
com o a s n e v e s, em d ia d e desgêlo.
B a te -lh e o p e ito a p u lsa ç õ e s re d o b re s ,
a r q u e j a m ..............................................................

F ilin to só á s u a p a r te d a ria p a r a v o lu m e s d e e g u a es e x -
c e r p to s . T o d o s e ste s são c o lh id o s d e p o u c a s p a g in a s, m a s
n ’essas m esm a s d e ix a m o s a m in a q u a si in ta c ta .

VI

T ra d u c ç ã o d a s M e ta m o rp h o se s d e O v id io .
RIO EM QUE DIANA APPETECE BANHAR-SE:

E n tr o u a D e u sa em g é lid a e s p e s s u ra ,
o n d e ia com fre s q u issim o m u rm u rio
p o r so b re fina a rê a m o v ed iça
e sc o rre g a n d o u ra r io p re g u iç o s o .

VII

CAVERNA ONDE OS COMPAHEIROS DE CADMO VÃO


BUSCAR AGUA PARA OS SACRIFÍCIOS:

N e g re ja a n n o sa m a tta , o n d e o m ac h a d o
ja m a is e n tro u ; lá se a b re u m a c a v e rn a
— 99 —
d e v im e s e d e a rb u s to s e n ric a d a .
F o r m a m -lh e o a rc o hum ilde" u n s se ix o s toscos
e em c o p io sa s a g u a s s e m p re a b u n d a . ^
INella m o ra D ra g ã o , sa g ra d o a M arte:
a u r e a e c ris ta d a a fro n te , os o lh o s lu m e ,
tu m id o 0 c o rp o d e le th a l v e n e n o ,
tríp lic e a lin g u a , os d e n te s em trè s o rd e n s.
JNeste a rv o re d o os ty rio s e m issá rio s
e n tr a m com p é s in is tro : m al q u e a u r n a
d e s c e n d o ás a g u a s re tu m h o u p e lo a n tro ,
e is d o fu n d o d o longo e sc o n d e rijo
e rg u e o d ra g ã o c e rú le o a fro n te e n o rm e ,
e h o rre n d o s silv o s so lta; ao v e l-o , e o iiv il-o ,
lo g e 0 sa n g u e ; d a s m ão s as u r n a s ca em ;
s u h itã n e a tr e m u r a os a c c o rn m e tte .
V e l-o em v o lú v e is v o lta s d e s c o n c e n tra
o s escam o.sos c irc u lo s; e a p u lo s
co lle an d o a v a n ç a ; m ais d e m eio e rg u id o
d o m in a to d a a selva; ein c o rp u lê n c ia ,
n e m ce d e, ao q u e s e p a ra a s U rsa s am b as.
HiOiquanto, ou p a r a a b rig a os ty rio s se a rm a m ,
m i se d isp õ e á fuga, ou fu g a e b rig a
lh e s im p e d e o p a v o r, c o a t u r b a in v e ste !
u n s , n o s d e n te s os lev a; o u tro s , n a s ro sc a s
e n ta la d o s a r r a s tr a , e ste s, d e rr ib a
CO 0 bafo immujido; aquelles, co a peçonha.

.lá 0 sol a p in o as so m b ra s en co lh ia;


u a ta rd a n ç a d o s se u s C adm o se e sp a n ta ,
e a p ro c u ra l-o s p a r te : h ir s u ta p e lle
d e v e n c id o leão lh e c o b re o c o rp o ;
p o r a rm a s le v a u m d a rd o , a v a s ta lan ça,
e 0 b rio , em p e ito lie ro e, m e lh o r q u e a s a rm a s ,
J>ial p o e no b o s q u e a p la n ta , a v is ta os m o rto s;
0 e n o rm e v e n c e d o r so b re elles p o isa ;
l ^ b e - l h e as f rid a s c o ’a sa iig u in e a fa rp a .
« L o m p a n lie iro s fieis, p o r m im v in g ad o s,
«o u seg u id o s p o r m im sereis,» ex clam a.
R o c h a , q u e cg u ala a s m ó s, to m a n a d e x tra ,
b a la n ç a -a , d á -lh e im p u lso egual ao peso,
fa l-a v o a r tro a n d o ; ao r u d e e m b a te
to rr e a d a s m u ra lh a s tre m e ria m ;
a s e rp e fica ille sa , q u e a escam o sa
lo rig a n a tu r a l, e o co iro n e g ro
re p e r c u te m o tiro : e g u a l v e n tu r a
— 100 —

c o n tra o d a rd o c o m tu d o a n ã o d e fe n d e ,
p e lo m eio d a e s p in h a d o b ra d iç a
v a ro u , lá ja z n a e n tr a n h a o fe rro in te iro .
F u rio s o c o ’a d ô r r e to rc e o m o n stro
a fro n te so b re o d o rso ; o lh a a ferid a ;
n a h a s te a , em si c ra v a d a , e n te r r a os d e n te s ;
p a r a a q u i, p a r a a tli, re v o lv e , a la rg a ,
a té q u e a a rra n c a em fim ; m a s fica o fe rro .
C o ’a fe rid a re c e n te a f u ria in n a ta ,
c re sc e , r e q u in ta a g o ra: in c h a m -lh e o collo
tu m id a s v é a s; d e e sp u m o sa b a b a
a lv e ja a la rg a , a p e s tile n te boca;
d a s e scam as ro ça d o o c h ã o resô a ;
o b afo e sc u ro d a s ta r ta r c a s fau ces
in fe c ta as a u ra s , c o n ta m in a as p la n ta s ;
o r a e sp ira l se a p e rta em o rb e im m e n so ,
o r a a rv o ra d o m a s tro im ita a p r u m o ,
o ra n o s v a sto s im p e to s sim e lh a
r io feroz c o ’as c h e ia s e n g ro ssa d o ;
ro m p e , a lv o ro ta as a rv o re s p a ssa n d o .
R e tro c e d e a lg u n s p a sso s o A g en o reo ;
c o ’o leo n in o e sp o lio n a s in is tr a ,
lh e a p a ra a fu ria , o p p õ e -lh e a la n ç a em ris te .
B ra v e ja o D rag o affoito; n o im p a ssiv e l
fe rro os d e n te s a m o la , e m o rd e o g u m e.
J á d o p a d a r p u n g id o e stá c o rre n d o
s a n g u e e m p e sta d o , q u e ro c ia as h e rv a s ;
m a s é le v e a fe rid a , p o rq u e o m o n s tro
s e n te o p ic o , e r e tr a n e - s e ; o d a m n o e n c e ta ,
s u rg e a tra z , nem d á te m p o a q u e e n tr e o golpe.
O A g e n o rid e e n tã o d o b ra n d o esforço, í1
j á m ersiu lh ad o n a g u e la o fe rro ,
se g u e -o , le v a -o d e e n c o n tro , a té q u e o b sta n d o
n o c a m in h o u m c a rv a lh o , collo e tro n c o
d o m esm o lan ç o alli d e ix o u p re g a d o s;
d o b ra -s e a a rv o re ao p e so , e gem e ao s g o lp es,
c o m q u e a c a u d a in d ig n a d a a ç o ita o tro n c o .
CASTIGO INFLIGIDO POR BACCO AS FILHAS DE MINEO^
POR ESTAS LHE PROFANAREM COM O TRABALHO
DO THEAR E ROCA O SEU DIA DE FESTA:

R o m p e m s u b ito e s tre p ito a ta b a le s


r a u c itr o a n te s , c u rv ic o rn c a s g a ita s,
m e ta e s d e r e tin tin u lo s re p iq u e s ;
tu d o in v isiv el! d e a ç a frõ e s, d e m y rr h a s
n a d a m n o a r su a v íssim a s fra g ra n c ia s.
E is j q u e m lh e d a rá fé! o a lv o r d a s tê a s
q u e se e n tr a a e s v e rd e a r! os larg o s p a n n o s
em g u isa d e h e r a a fro n d e ja r-se ! os tio s,
n ã o ta p a d o s a in d a , a a la r-s e em v id es!
E s ta m e s , q u e d as ro c a s vem sa h in d o ,
v e m sa h in d o em festõ es d e fre sc a s p a rra s !
e d a s lu stro sa s p u r p u r a s , lu z e n te s
cach o s se e n tu fa m d e fo rm o sas u v a s!

C om o e n c o n tra d a d e u m tu fã o re tr e m e ,
d o fu n d a m e n to ao te c to a e sta n c ia toda!
R e sin o so s a rc h o te s v o a m , z u n e m !
R e tin g e as c asas c ré p ita n te in cê n d io !
C o rre m p h a n ta s m a s d e u lu la n te s feras!
P e lo s a lto s d e sv ão s cegos de fu m o
v ã o -s e as im p ia s irm ã s , d is p e rs a s , loucas^
c o n tra o fogo e c la rã o b u sc a n d o a sy lo .

ATHAMANTE DESPEDAÇANDO O FILHO


L^1 •

102 —

INO COM 0 FILHINHO PRECIPITAiiDO'SE DO MAR:

S u rg e u m p e n h a sc o á s a g u a s so b ra n c e iro .
D as o n d a s o v a iv e rn p o r b a ix o o m in a ,
v a s to p ég o co"a a b o b a d a p ro te g e ;
ita n to a fro n te e sc a b ro sa in v e s te os m ares!
In o , p o is Ibe ala fo rças o d e lirio ,
lá v in g a ; e, sem te m o r, c o ’a lin d a c a rg a
s a lta ao p ro fu n d o ja b y s m a -s e l c o ’o b a q u e
a s a g u a s a lv e ja n d o e sp a d a n a ra m .

XI

COMBATE DE PER SEü COM O MONSTRO MARINHO PARA


SALVAR ANDROMEDA:

................................................. eis d o p ro fu n d o
re m u g e u m ro u c o e s tro n d o , eis s u rd e , ao larg o ,
m o n stro , q u e v a sto m a r c o ’o p e ito a b a rc a ,
c o ’a fro n te e rg u id a s o b re le v a ás o n d a s,
e c o n tra a c o sta re m e ssa d o in v e ste .

N ’isto , q u a l vo g a com so n o ra p r ô a
le n h o im p e llid o d e su a d o s re m o s ,
ta l 0 m o n stro c o ’o p e ito as v ag as ra sg a
d ire ito á s ro c h a s , d e q u e d ista a p e n a s,
q u a n to a fu n d a b a le a r c o ’o tir o a lc a n ç a .
ISa te r r a os p é s com fo rç a re p e llin d o *
foge 0 m a n c e b o , e se re m o n ta á s n u v e n s .
A ’ s o m b ra , q u e d e lá n o p ég o e sta m p a ,
a fera , e s b ra v e ja n d o , se a rre m e ç a .
M as, com o a g u ia re a l, q u e em ra so a v is ta
liv id a e scam ea s e rp e ao sol ja z e n d o ,
d e tra z a in v e s te , e, p o r v e d a r, q u e os d e n te s
lh e r e v ir e , á c e rv iz lh e a fe rra a s g a rra s;

'1
— 103 —
b a ix a d o s c eo s o v o a d o r, d e c h o fre ,
c o n tra o d o rso fe rin o , in te ir o o c u rv o
f e r r o lh e e n s o p a n a d ir e ita e sp a d u a .
R u g e , e tro v e ja o m o n s tro c o ’a fe rid a ;
o r a se a t i r a ao s a re s , o r a ao fu n d o
m e rg u lh a , o ra se v o lv e e se re v o lv e ,
q u a l b r u to ja v a li n u m c e rc o e s tre ito
d e la d ra d o re s c ã es d e sa tin a d o .
O a rg iv o h e ro e ^ v o a n d o s e m p re , illu d e
a b o c a e n o rm e , q u e o p e rs e g u e s e m p re ,
e , v o a n d o , r e ta lh a á s c u tila d a s ,
q u a n to á flo r d ’a g u a a sso m a , a g o ra o d o rso
d e c o n c h a s e n c ru s ta d o , a g o ra os la d o s ,
a g o ra , o n d e a c a u d a se a d e lg a ç a ,
e a c a b a em p e ix e .— A fe ra j á v o m ita
a u m te m p o o n d a s d e m a r, e o n d a s d e sa n g u e.
P e r s e u , q u e d ’e ste s s o rd id o s b o rrifo s
h u m e d e c id o s os ta la re s se n te ,
te m e a r r is c a r - s e m ais; n o ta u m p e n h a sc o ,
q u e ao s m a re s s o b re s a h e , q u a n d o q u ie to s;
q u a n d o a g ita d o s, c o b re -s e ; táz d ’elle
c o n tr a p é ; n o p e n e d o m a is v isin h o
a fe rra a e s q u e r d a , e c o ’a d ire ita a rm a d a ,
d e b ru ç a n d o -s e , e is, trè s , eis, q u a tr o v ezes
a s e n tr a n h a s lh e p a s sa , e lh e re p a s s a .

Com p a lm a s , e c la m o re s r e p e n tin o s ,
r e tu m b a a p r a ia , os a lto s ceo s se e stru g e m .

XII

0 BANQUETE DE NOIVADO NOS PAÇOS d ’e L-R EI CEPHEO


DESATANDO-SE EM TUMULTO:

E is , ru id o so a lv o io to a tr ô a os á trio s!
N ão é d e p o v o c o n ju g a l d e sc a n te ,
s e n ã o feroz r e b a te . O festim led o ,
d e g e n e ra d o em tre p id o tu m u lto ,
le m b ra o m a r, q u e os tu fõ e s c o lh e ra m liso ,
e , d o s tu fõ es e n tra d o , e s to ira , e sp u m a .

if
104

XIII

N O ITE DE S. JOÃO NA ALDÉA ( d e iim p o e m a i n é d i t e ) :

V e rá s g ira r se u s b a ile s r e b a tid o s


em r e d o r d a s e s trid u la s fo g u eiras,
o u v irá s os se u s c â n tic o s eni c ô ro
d e v o to e e n a m o ra d o ; a b o m b a foge,
z u n e fu g in d o e so la p a d a e s to ira ;
o b u s c a p é n o a r c a ra c o la n d o ,
m o rd e n ’u m , m o rd e n o u t r o , a m e a ç a a to d o s,
d is p e r s a os gj’u p o s , g a s ta -se ra iv a n d o ,
e e n tre os ris o s r e b e n ta a tro a n d o o s a re s;
alli c irc u la em v ó rtic e v isto so
a ro d a le v e e sp a d a n a n d o in c ê n d io s,
c h o v e n d o o iro lu z e n te , e e s trc lla s a lv a s;
a q u i tlo ré a o fu lg id o v a lv e rd e ,
v olcão so n o ro , q u e a rr e m e tte á s n u v e n s ;
v ô a , r e m o n ta im p a c ie n te a o s a re s ,
0 ig n iv o m o fo g u ete e s tre p ito so .

XIV

ASCENÇÃO DE ROMULO AOS cÉos, da traducção dos


Fastos de Ovidio, no livro 2.°

C a p re a p a lu d e , se c h a m o u d e a n tig o s
0 lu g a r o n d e R o ín u lo p o r u so ,
ju s tiç a , e le is ao s s ú b d ito s d ic ta v a .
L á e ra : foge o so l, n e g re ja in n u v e n s ,
0 céo se o b u rn b ra , h o rris o n o c h u v e ir o
se d e sa ta , p r e c ip ite , re b ra rn a
tro v ã o te tro , re lâ m p a g o s tre m u la m ,
ro x o s c o risc o s p e la s s o m b ra s g ira m !
F o g e -se ; n e s te h o r r o r , rn av o rc io c o c h e
v ô a a o s céos! lá v ai R o m u lo s e r N u m e .
CÂPITÜLO XV

NOVO e x e r c íc io d e v e r s i f i c a ç ã o

o (le scrip tivo

i I
! 0 prim eiro exercicio rpie propuz aos principian­
tes, fimdando-me na experiencia, foi o de com passar
com certa cantilena e palmas, versos alheios, e com
grande continuação; o segundo fazer versos chama­
dos nonsenses. Agora é preciso adiantar já um pas­
: so, e entrar um pouco por dentro na poesia. l£!
Os versos devem já ter intenção e pensamento.
Seguindo o nosso costume, iremos também aqui do
'm ais facil para o mais difficil, e propor-nos-hemos
antes de mais nada o sim ples descriptive.
ItitI
iSão é 0 d e s c rip tiv o u m g e n e ro e sp ec ial d e p o e s ia ; é u m
e le m e n to , q u e em m a io r o u m e n o r a b u n d a n c ia e n tr a n a c o m ­
p o s iç ã o d e to d o s os g e n e rö s . D e sc re v e r p o r d e sc re v m ’ foi j á
s y s te m a e se ita . D elille q u a s i n ã o fez o u tr a coisa. O s s e u s
p o e m a s o rig in a e s , so b re tu d o o d a Imaginação, são g a le ria s d e
p e q u e n a s p in tu r a s ; c a d a u m a fo rm o sa, a lg u m a s p e rte ita s , m as
d e s c o im e x a s , fria s, e q u e , a p e s a r d o se u b rilh o p a rc ia l, n o s
n ã o sa b em in te re s s a r, e a p o u c o s p a sso s n o s fatig am . Os p o e ­
ta s p a s to ris d o sécu lo a tra z , e os a lle m ã e s e su isso s em p r i ­
m e ir a lin h a , tam b é m c o n c o rre ra m m u ito pelo a b u so p a ra o
d e s a p re ç o e m ofa em q u e o d e s c rip tiv o se v iu c a ir. E ’ p o r ­
q u e 0 d e s c r ip tiv o é s im p le s m e n te m a te ria , c o rp o e fó rm a . A
, 1-u
a lm a , a v id a , é a id e a lid a d e ; faltan d o o p e n s a m e n to fo rte e
c re a d o r, q u e se c o llo q u e com o c e n tro n o m eio d o s d ilfe re n te s
v u lto s do u n iv e rs o , so b re o q u a l elles a c tu e m , e q u e re a ja s o ­
b r e e lle s, e q u e d 'e lle s e d e si c o m b in a d o s e x tr a ia u m u n i ­
v e rs o n o v o , u m a n o v a re v e la ç ã o o u a s p ira ç ã o do b ello ; a a u ­
r o r a m a is b e m d e s c rip ta , o sol, a lu a , o u o rio , m ais b e m d a -
106
g u e rre o ty p a d o s , ficarão e te rn a m e n te m u d o s e sem sig n ific a ­
ção .
R e ta lh a e u m q u a d ro d e R a p h a ë l n a s in n u m e ra v e is p a rte s
d e q u e o se u g e n io o co m p o z; te re is n a v e rd a d e lin d a s m ão s,
fo rm o so s o lh o s e b o cas, a d m irá v e is p a n e ja m e n to s , v iço so s r a ­
m o s, tu d o ; e esse tu d o se rá n a d a ; p o r q u e fa lta rá a h i o c o n ­
c e rto , 0 e n th u s ia sm o q u e p o z e ra tã o d iv e rs a s co isas em r e la ­
ção m a ra v ilh o s a , n ã o j á com os o lh o s, se n ã o com o e s p ir ito
d e ca d a e sp e c ta d o r.
E n tr e ta n to , a ssim co m o sem e ssa s p a r te s n ã o h a q u a d ro ,
ta m b é m sem d e s c rip ç ã o n ã o h a p o e m a ; p e lo m e n o s a in d a o
n ã o v im o s, n e m lh e im a g in á m o s a p o s s ib ilid a d e . A c o stu m e -
se p o is, 0 e stu d io so a tra n s la d a r d o n a tu r a l p a r a a su a p h r a s e
m é tric a d is tin c te s o b je c te s d a n a tu re z a o u d a a r te , co m o o
p i n to r n o v e l se a d e s tr a a n te s d e se a b a la n ç a r ás g ra n d e s c o m ­
p o siç õ e s, em c o p ia r os p o rm e n o re s co m e x a c ç ã o e g ra ç a .

Neste exercido persevere por algum tempo, ap-


plicanclo a cada objecto que elegeu, prim eiro aquella
especie de metro para que já reconheceu ter mais
disposição, depois a immediata, logo a outra, e as­
sim até á ultima, aquella em que sentiu maior re­
beldia. Evite porém ainda a rima em todas estas
tentativas; assaz e sobejas difficuldades encontrará
já no reduzir a numero e a pausas de syllabas a ex ­
pressão da sua idéa, sem ser necessário que essa
nova tyrannia o venha desesperar.

O u tra v a n ta g e m d e n ã o le v e m o n ta lh e p r o v ir á d ’e sta e x e r-
c ita ç ã o : a c o s tu m a r -s e - h a d e s d e logo a v a ria r p o r jn u ito s m o ­
d o s a lin g u a g e m , p a ra o c e o rre r á s su c c e ssiv a s e x ig ê n c ia s d o s
v á rio s m e tro s; e x tr a o rd in á rio r e c u r s o q u e d e p o is se a p p la u -
d irá d e p o s s u ir .
A lg u ém a c o n se lh a ria p a r a a q u i o s c h a m a d o s d ic c io n a rio s
p o é tic o s ,— esses a ç o iig u es em q u e os ta le n to s d e p r im e ir a o r ­
d e m se a c h a m c o rta d o s ao s p e d a ç o s, e s c o rre n d o sa n g u e , e im -
p o ssiv e is d e re c o n h e c e r: os Gradus ad parnasum, e regia
parnasi, os thesaurus phrazium poeticarum, a Prosodia d e
B e n to P e r e ir a , e o Biedonario d e C â n d id o L u s ita n o ; n ó s p e lo
c o n tra rio re c o m m e n d a ria m o s q u e d e liv ro s ta e s a té a m e m o ­
r ia se p e rd e s s e ; e re a lm e n te , se q u e re is d e s c r e v e r a m a d r u -
— 10 7 —
g a d a , c a re c e is d e q u e o u tre m a v iss e a n te s d e v ó s? n ã o é m a is
s e g u ro p a ra effeito d e n a tu ra lid a d e , le v a n ta r-v o s u m d ia ced o ,
e ir - lh e to m a r a s in sp ira ç õ e s em p r im e ir a m ão ? q u e m se le m ­
b r o u já m a is d e p i n ta r u m o b je c to v iv o e p r e s e n te , p o r o u tro
r e t r a t o j á feito , p o r m a is bello, p o r m a is fiel q u e elle p o d e sse
t e r sa íd o ? Im ita e , m a s im ita e a n a tu re z a , e n ã o os s e u s im i­
ta d o re s .
T o d a s as lu a s d e s c rip ta s h a d o is m il a n n o s n ã o v a le m
ta n to co m o u rn a d o n o sa lu a c h e ia , q u e p e la c a la d a d e u m a
n o ite d e e stio v o s co m ece a a lv o re c e r lá ao lo n g e p o r d e tra z
d o s c a b eç o s; q u e v o s vem d e s p o n ta n d o , p o r e n tr e a e s c u ra
c o n fu sã o d a m a tta , com o u m p e n s a m e n to s u a v e p o r e n tr e p e ­
n a s sa u d o sa s ; e q u e d a o rla d o h o ris o n te , s u b iu ris o n h a e s e ­
g u r a p e la a m p lid ã o in fin ita e d ia fa n a d o s a re s , o ííu sc o u a s e s ­
tre ita s , p r a te o u a s a g u as, e sc la re c e u o vosso v a lle , e s c in tilla
lá ao longe n a v id ra ç a d a v o ssa q u e rid a , e a c o rd o u ao m esm o
te m p o a v ira ç ã o fre sc a d a n o ite , o c a n to d o ro u x in o l, e u n s
so n s d e fla u ta , q u e vos ch eg am n ã o sa b e is d ’o n d e , e v o s e n ­
feitiç a m .
N ã o d iss im u la m o s q u e , p a r a o in te ir a m e n te b iso n h o n o
p o e ta r , p o d e rã o s e r c o n v e n ie n te s, e a té n e c e ssá rio s, a lg u n s
m o d ello s q u e o e n c a m in h e m ; m as esses m o d ello s n ão são, n e m
d e v e m , n e m p o d e m s e r, p o e ta s m o rto s e m u tila d o s; — esses
m o d ello s são as o b ra s in te ir a s e c o m p le ta s ;— é le r com a tte n -
ção os a u c to re s re c o m m e n d a d o s, m e d ita l-o s p a rte p o r p a rte ,
c o s tu m a n d o -s e a d is c e r n ir o o p tim o d o b o m , e o bo m d o m e ­
n o s b o m , p r o c u r a n d o o q u ê, e o p o r q u ê d e ca d a p h ra s e ; o
co m o a e x p re s s ã o u su a l e fa m ilia r se n o b ilito u , c o n v e rte n d o -
s e n a fo rm u la p o é tic a ; o q u e n e ssa fo rm u la se e n c o n tra lo u ­
v á v e l, se g u n d o o te m p o em q u e foi e s c rip to , m as j á re p u g n a -
d o o u d e s d e n h a d o p e lo gosto m o d ern o . E s te s sim , q u e são
e s tu d o s n ã o se rv isI e ste s sim , q u e fe c u n d a m o ta le n to , e p o ­
d e m fazer d o im ita d o r u m c re a d o r, p re fe rív e l ao se u m o-
d ello !

O atro e x e r c íc io

Para alguns poderá ser conveniente, além de


coinmodo, o traduzir, ou, melhor ainda, o imitar ou
paraphrasear, quer de auctor estrangeiro, quer m es­
mo de prosa nacional para verso, ou de poeta nosso
antigo para a linguagem e estylo moderno.
108 —

Hail« u m e x e r c í c i o

EXPRESSÃO DOS AFFECTOS

Ganha facilidade nos exercicios precedentes, é


passar avante, e pôr peito a pinturas de uma ordem
superior e mais difficeis; á pintura dos afíectos.
Nesta parte do tirocinio não duvidaremos acon­
selhar 0 uso dos romances modernos de melhor no­
ta, nunca para os traduzir, nem ainda para os para-
phrasear, ou imitar, mas só para ganhar o geito e
facilidade de analysar e exprim ir as paixões e todos
os diversos movimentos d’alma; genero em que afoi-
tamente podemos dizer que os modernos, e os con­
temporâneos levam a palma aos antigos. Quanto á
rima, repetimos ainda aqui o que aconselhámos tra­
tando do descriptivo: evitar por ora esse grilhão,
pois é agro e escabroso o caminho por onde subis;
só quando as forças se vos houverem desenvolvido
de victoria em victoria, só quando sentirdes que po­
deis levar sem violência e com graça esse novo pe­
so, só então vos consentimos que subm ettàes a elle
os hombros, se quizerdes.

CAPITULO XVI

LEXICOLOGIA

S e ao o ra d o r com ta n ta raz ã o a c o n se lh a v a m C ic e ro e Q u in -
tilia n o q u e fizesse p o r a d q u ir ir a m a io r c o p ia d e v o c á b u lo s
em to d a s as m a té ria s, a íim d e t e r n u m a p r e s s a com q u e v a -
— 109 —

r i a r a s u a p h r a s e , q u a n to m a is se n ã o d e v e p re g a r ao s q u e se
d e s tin a m á p o e s ia , q u e e s tu d e m com d d ig e n c ia a lín g u a p a -
t r i a c o lh e n d o , a n a ly sa n d o , re g is ta n d o e c o o rd e n a n d o do m e ­
lh o r m o d o a s d i v e r t s p a la v ra s e p h r a s e s co m q u e cad a id e a
n o d e se r e x p re s s a ! Q u a n to m a io r fo r e ste p e c ú lio , ta n to m ais
facíl f d e le ito s a se to r n a r á a fab rica ç ã o d o s v e rso s so n o ro s
v a ria d o s , e x p re s s iv o s e o n o m a to p ic o s; assim com o A em os q u e
ta n to m ais p e rfe ita e r a p id a v a e s u rg in d o u m a ^
m ã o s d o a lv e n e u , q u a n to m a is d iv e rs a s sao em ta m a n h o e fi­
g u r a as a c h eg a s d e p e d ra s , casc a lh o e tijo lo s q u e te m ao se u

^ '^ ^ O ^ triste q u e p a r a u m a id ó a n ã o p o s s u e m a is q u e u m a só
p a la v r a , m u ita s v ezes p a r a r á c o n s te rn a d o a c o m p a ra l-a coni o
v ã o q u e n o se u m e tro te m d e e n c h e r, a c h a n d o o ra q u e so b ra ,
o ra a u e m in a ú a . A in d a se, com o os v e rs ilic a d o re s ita lia n o s,
tiv é s s e m o s u m a g ra n d e lib e rd a d e d e a c c re s c e n ta r os v o c á b u ­
lo s com p r o tlie s e ^ e p e n th e s e s e p a rá g o g e s, e d e os d im in u ir
com a p h é rè s e s , s y n c o p e s e a p ó c o p e s ! ... m as os \o c a b u lo s p o i-
tu e u e z e s são rn u ito m e n o s e lástico s, e ta e s fig u ra s, com o ja o
n o u l s A t o s e m p re p a ra ,.6 s d e fe ito s m a,s o u u .eu o s g ra-

v e rs ific a d o r p o b r e d e v o c a b u la rio v e r - s e d ia a c a d a p a sso


n e c e s s ita d o d e r e c o r r e r ás c o n stru c ç õ e s v io le n ta s, as e x p r e s ­
sõ es im p ró p ria s , ao s p le o n a sm o s o u re d u n d â n c ia s , aos e p ith e -
to s q u e e n e rv a m , e a o u tro s m is e rá v e is su b síd io s d a im p o -

m o d o d e g ra n g e a r g ra n d e so m m a d e p a la v ra s , e
n lic id a d e d e e x p re s s õ e s, p a r a c a d a id é a , é 1er n ao só p o e ta s,
m à s os p ro s a d o re s, com re fle x ã o , e com a p e n n a s e m p r e j n
p u n h o , p a ra e x tr a c ta r, com o p o r toda a s u a laig a M da o p i a
tic o u 0 n o sso d o u tíssim o 1). F r. F ra n c is c o d e b . L uiz. Um
d o s fru e to s d ’esses se u s o p tim o s tra b a lh o s foi o e n saio s o b ie
os sv n o n v m o s em lin g u a p o rtu g u e z a ; o b ra q u e n a o p o d e m o s
d e ix a r de“ re c o m m e n d a r p a ra o p re s e n te e stu d o com o
e n tr e as p rim e ira s ; p o is ao m esm o te m p o q u e
u m a g ra n d e so m m a d e te rm o s n o s e n s in a a
ç a l-o s ! e n o s h a b itu a a essa a n a ly se c o in p a ra tiv a , sem a q u a l
n u n c a iám a is h a v e rá e s c rip to r d e v e rd a d e iro m e n to .
O s d ic c io n a rio s, e n o m e a d a m e n te o f®. ‘
tcau - 0 q u e so b re esse e s c re v e u e p u b lic o u , em p e q u e n o e
po.“ : , t í . ï ù u u e , Jo sé d a F o n se c a; e os o u tro s v o c a b u to
p a rc ia e s com q u e o g ra n d e do m esm o e ru d ito B ^
ro o u , são tu d o e x c e lle n te s a u x ilia re s p a r a o e stu d o q u e l e
c o m m e n d àm o s.
— 110 —

D O S V E R S O S S O L T O S E D O S R IM A D O S E M G E R A L

M u ito se tem d is p u ta d o so b re o d e v e r-s e , o u n ã o se d e v e r


lim a r . P o r a m b a s a s p a r te s se d is p a ra ra m b o n s a rg u m e n to s
e m e lh o re s e p ig ra m m a s; h o je q u a si to d a a g e n te se a c h a con-’
c o rd e : a r n n a é u m p o stiç o e u m e n fe ite ; a s lin g u a s d e si
fo rm o sas d isp e n s a m -n a ; a s m e n o s b ellas, têe m razão p a r a a
to m a r; as feias, n e c e ssid a d e . P o r fo rm o su ra e fe a ld a d e a a u i
e n te n d e m o s só a m elo d ia e a c a rê n c ia do m elo d ia. Os írre ra s
e ro m a n o s n ã o rim a ra m ja m a is ; os fra n c e ze s, p o r m a is e s fo r­
ços q u e fizessem , n ã o se lib e rta ra m , n e m se b ã o -d e lib e r ta r
n u n c a , d a r im a : os ita lia n o s, os c a ste lh a n o s e n ó s, rim á m o s
o u d e ix a m o s d e r im a r se g u n d o n o s a p ra z .

V a n ta g e n s dos verso s n ão rim a d o s

Os v e rs o s sem r im a o u so lto s, a q u e ta m b é m c h a m a m
b ra n c o s , têem p o r si: l.<> m a io r fa c ilid a d e d e se fazerem - 2.»
n a o p o re m o p e n s a m e n to d o p o e ta n u m co m o le ito d e P r o -
c u ste s, q u e ao s p e q u e n o s os e s tira e deslo ca, ao s g ra n d e s os
e n n o v e lla e esm ag a, p a ra se a ju s ta re m á m e d id a ; 3 .“ a p o ssi-
b ilid a d e d e e s te n d e r o u e n c u r ta r cad a p e rio d o ; 4.° m a is v a ­
rie d a d e ; ô.o m a io r n a tu ra lid a d e .

V a n ta g e m dos verso s rim a d o s

O s v e rso s rim a d o s têe m n ã o m en o s q u e a lle g a r em se u


fa v o r: 1.« q u e se as rim a s e x c lu e m id é a s, ta m b é m ás v e z es as
a p re s e n ta m , o u a s c h a m a m ; 2.« q u e p o r isso m esm o q u e r e ­
ta rd a m 0 tra b a lh o , fazem c o n c e n tra r n e lle m a io r a tte n c ã o e
c o n s e g u in te m e n te lh e p ro p o rc io n a m m ais p r im o r; 3.» o u e d is ­
fa rç a m d u re z a s , fro u x id õ e s, e o u tro s v icio s, q u e , em v e rs o s
so lto s, se n ã o d e sc u lp a ria m ; 4 .° q u e d ão ao s p e rio d o s sy m e -
tria ; o .“ q u e to rn a m a fó rm a p o é tic a m a is p e rc e p tiv e l e s a b o ­
ro s a ao co m m u n ! dos le ito re s e o u v in te s; 6 .“ q u e a ju d a m a
m e m o iia , p o is c h a m a n d o c a d a d e sin e n c ia p e la s u a s im ilh a n te
m ais p ro m p ta m e n te su s c ita a p a la v ra , e com a p a la v ra v e n í
a p h r a s e to d a com o q u e ap eg ad a.
— 111 —

E m q a c o b r a s sã o p r e fe r ív e is
o s v e r s o s s o lto s

Generös ha para os quaes os versos soltos são


innegavelm ente preferíveis; os assum ptos mais gra­
ves e sisudos, como as obras moraes e clidacticas;
aquelles em que se expressam as paixões vehemen­
tes, como a tragédia, deverão lim itar-se ao verso
solto, porque a rima a cada linha nos está descobrin­
do artificio.

E m q a e obras» s ã o p r e f e r í v e is
o s v e r s o s r im a d o s

Os poemas de qualquer extensão que sejam, des­


tinados simplesmente a agradar; os que nascem para
as sociedades, para as damas, e para a musica; os
que tratam os affectos como sim ples passatempo; os
que, ainda que tendam a instruir e moralisar, em ­
pregam como meio a mordacidade e o riso; a com e­
dia jocosa; o namorado, o cam pestre, o ameno, re­
ceberão da rima o realce, que uma pequena pintura
recebe do verniz.

N ã o q u e ro d iz e r, q u e a ssim e s ta re g ra g e ra l, co m o a p r e ­ l-i';
c e d e n te , n ã o a d rn itta e x c ep ç õ e s; os d o ta d o s d e bo m g o sto , e
q u e p e lo e s tu d o o h o u v e re m a p e rfe iç o a d o . Lá e x a m in a rã o em
su a c o n sc iê n c ia e á v is ta d o se u o b jec to , q u a l m ais lh e c o n ­
v e m d ’e s ta s d u a s fô rm a s; a th e o ria , se q u ize sse d e s c e r a tae s
p o rm e n o re s , a c h a r-se -h ia p e r d id a n u m la b y rin th o e sp in h o -
sissim o .

Q u a l é o m e tr o portag^nez q u e m e lb o r
. k Í.Í
p ód e d is p e n s a r a r i m a

Até hoje ainda em lingua portugueza se não fi-


112

zeram inleiramente soltos, que nos conste, senão:—


l.° os versos heroicos ou de dez syllabas, seguidos
e sem mistura: — 2.*^ os versos de dez syllabas, re­
gular, ou irregularm ente intermeados dos seus res­
pectivos quebrados, isto é, dos versos de seis: —
3.° os versos de dez syllabas, seguidos, de très em
très, de iim de quatro syllabas, chamando-se a es­
ses quatro juntos, uma estropbe sapbica. Algum as
outras tentativas lerá havido; mas ou nos não cons­
tam ou não nos occorrem: só sim nos versos de sette
syllabas: tentativa de Garcia de Rezende, e renova­
da em tem pos modernos, mas que por de ruim sa­
bor não pegou. Das quatro fôrmas supra-indicadas,
a primeira é a mais plausivel e a mais usual, e para
0 dizer temos por nós não só Portugal, senão Cas­
tel la e Italia.
Parece-nos todavia que não perderiam o seu tem ­
po os nossos poetas feitos, se experim entassem li­
bertar da estropbe, e do grilhão da rima algumas
outras especies de metros, sobre tudo os de maior
medida; os de onze syllabas, os de doze, os de no­
ve, tomados, já se sabe, e seguidos cada um d’elles,
sem mistura de outros, tenho por sem duvida que
dariam grande effeito. Se assim fosse numa coisa
excederiam desde logo os de onze aos de dez, e os
de doze aos de onze, que alargariam o campo ao
pensamento.

Algnmas» c l a u s u l a s cfiie s e elevem


o b s e r v a r p a r a o s v e r s o s s o lto s

O verso solto, qualquer que seja a sua medida,


pois que se livrou do captiveiro das desinências uni­
formes, é, em compensação obrigado a ter nellas a
maior diversidade; não só o consoante lhe fica sendo
I i3

um defeito im perdoável, senão qne alé se lhe estra­


nha a coincidência das m esm as vogaes na ultima
pansa de dois versos a fio, sobre tudo se na syllaba
breve, que á pausa se seguir, se der também outra
idêntica coincidência.

Por meio d'esla selva inextricável


vaga sósinha a esposa do Tonante.

São dois versos aliás bons, mas que para soltos


não deveriam ir um após o outro, pois que á syllaba
ca de inextricável, corresponde a syllaba nan de to­
nante; e á syllaba vel, a syllaba te, á, é no primeiro e
á, é no segundo; uma vez por outra poderá, comtu-
do, perdoar-se este senão: os melhores versiíicado-
res nem sempre o evitam.
As vogaes deverão ser em cada verso solto o
mais variadas que se possa; o verso que tiver todas
as cinco será a este respeito o melhor, como o já ci­
tado:
— Rugindo estoura o mar em brutas serras.—

O de quatro vogaes distinctas será rico:

— D ’elle serão meus últimos su sp iros.—


O de très bom:

— Por lagrim as de sangue o quero, ó Numes.

O de duas já será mau:


— Este fez sem pre o mal alegrem ente.—
De uma só seria diíTicil encontral-os. A esta se-
8
114

m i-regra cabe pôr uma excepção: quando a mesma


vogal se repetir, e embora dominar todo o verso
para eífeito onomatopico, o defeito passará a ser
uma excellencia.
Além d’isto tanto a dureza como a frouxidão são
no verso solto sobremodo repreliensiveis.
Sobre o que seja frouxidão e dureza já noutra
parte dissem os quanto basta.
As syllabas mais cheias, as de sons mais aber­
tos, e de articulações mais résonantes, são no verso
solto, e sobre tudo em seus accentos, as mais plau­
síveis.
— Se tentas sublimar-te a grandes coisas,
se mais que a força tua, é tua empreza,
eis numen bemfazejo, inspira o canto;
numen de quem lával não fòi‘a Apollo,
nem de Aonias irmãs turba engenhosa.—

Outra clausula apontaremos ainda para a perfei­


ção dos versos brancos: convem dar aos seus perío­
dos a maior variedade de cortes; ora o sentido ap-
pareça redondo e absoluto num só verso; ora se atire
ao principio, ao meio, ou ao lim do segundo; ora ao
terceiro; algumas vezes mesmo até ao quarto, e ao
quinto, mas na pluralidade dos casos quanto menos
versos se fecharem entre dois pontos íinaes, tanto
maior será cceteris paribus a elegancia; a sentença
ou conceito num só verso, brilha como um diamante
grande engastado entre pérolas. Advirta-se porém ,
que 0 excesso até nas virtudes se torna vicio; que
um poema todo, ou quasi todo em versos destaca­
dos fôra intoleravelmente monotono; que no variar
é que está a summa arte.
115

Divii^ão (]»$( rgma»« <»m c o n s o a n t e s


e to a n tes

Rimas se chamam em fierai todas as palavras de


idêntica ou mui parecida terminação, sendo o som e
não as lettras o que constitue as rimas. Se duas pa­
lavras se confoi’inam inteiramente no som, desde a
vogal ou ditongo, do accento predominante até á ul­
tima syllaba, rimam perfeitam ente, e chamam-se
consoantes. Exem plos de consoantes agudos: chão,
paixão, vencerão, etc. Exem plos de consoantes gra­
ves: aza, caza, braza, etc. Exem plos de consoantes
esdrúxulos: estatístico, encharistico, místico, etc. Se
porém , duas palavras, só conformam uma com a ou­
tra em ter na pausa a mesma vogal ou ditongo, e
H ainda sirnilhança de vogaes na syllaba breve que se
lhe siga, e havendo duas sylhibas breves depois do
accento, coincidência também na vogal ultima, cha-,
mam-se toantes. Exem plos de toantes agudos: chá,
mortal, paz, etc. Exem plos de toantes graves: man­
to, casco, banhos, etc. Exem plos de toantes esdrú­
xulos: horrifico, santíssimo, delírio, etc.

Do tisio cEosi to asstes

D os to a n te s n in g u e rn h o je se s e rv e n a E u r o p a se n ã o o s
c a s te lh a n o s ; fo ram elles os q u e em P o rtu g a l os g e n e ra lis a ra m
com o u s o (la s u a lin g u a p e lo s te m p o s d o s F ilip p e s , e a m o ­
d a , p o s to q u e n ã o d a s m a is g u a p a s, so b re v iv e u a in d a á s u a
d o m in a ç ã o : p e lo re in a d o d e D. Jo ã o a in d a os discretos se
p re s a v a rn d e e s c re v e r em to a n te s longos ro m a n c e s, sé rio s, j o ­
co so s e jo c o -s e rio s , q u e p o r v ia d e re g ra só faziam r i r q u a n d o
m e n o s o d e seja v am .
C om os conceitos, gongorismos, e trocadilhos d e p a la v ra s ,
p a s s a r a m os to a n te s.
D a A rc a d ia p a r a cá p o u c o s v e stig io s d ’elles se e n c o n tra -
— H6 —
rã o , a n ã o se r p e lo s se rõ e s d ’a h lé a , a lg u m a tro v a im p ro v is a d a
em d e s c a n te s d o s rú stic o s ; p o r isso é q u e n e s ta m a te ria só
d ire i q u a n to b a s te , p a r a q u e o e s tu d io s o d e v e rsific a ç â o n ã o
íiq u e to ta lm e n te d e s c o n h e c e n d o e sta p a rtic u la fossil d a s u a
a r te .
U m illu s tre c o n te m p o râ n e o b ra z ile iro , o S n r. C o n se lh e iro
M iguel d a S ilva L isb o a , a c tu a lm e n te m in is tr o do Bi-azil n ’e sta
c ô rte , p u b lic o u , h a p o u c o s a n n o s , u m e stim a d o v o lu m e d e
c h a c a ra s em q u a d ra s s e ttis y lla b a s em to a n te s ; m as o e x e m ­
p lo , a in d a q u e d e tã o d is tin c to e s c r ip to r , n ã o e n c o n tro u s e ­
g u id o re s n e m lá, q u e n ó s sa ib a m o s, n e m p o r cá.
A rim a to a n te só se e m p re g a v a em p e rio d o s re g u la re s d e
q u a tr o v e rso s, q u e r d e d ez sy lla b a s — ou b e ro ic o s , q u e r d e
s e tte s y lla b a s — o u re d o n d ilb o s; esta se g u n d a e ra a m ais u su a l;
o p r im e ir o e te r c e ir o v e rs o e ra m so lto s; os to a n te s e sta v a m
n o se g u n d o e q u a rto . O c a n to c o m eçad o p o r u m a e sp e c ie d e
to a n te tin h a o b rig a ç ã o d e c o n tin u a r p o r ella, a té ao fim , o
q u e , b em la n ç a d a s as c o n ta s , v in h a a n e u tr a lis a r o q u e aliás
se q u e ria f o r r a r d e tra b a lh o em fu g ir d e rim a p e rfe ita : a ssim ,
se os v e rso s p a r e s d a p r im e ir a q u a d ra tin h a m n a p e n ú ltim a
s y lla b a um J , e n a u ltim a u m 0 , to d o s os v e rso s p a re s a té á
q u a d r a d e r r a d e ir a ficavam c a p tiv o s ao m esm o I e ao m esm o
0. S e 0 p o e m a tin h a m a is d e u m c a n to , os to a n te s p o d ia m
s e r d iv e rs o s em c a d a um d ’elles.
D ois c o n so a n te s o u rim a s p e rf e ita s n u m a só q u a d ra , era m
p a ra elle s tã o d efeso s, com o o s e ria p a r a n ó s u m a rim a im ­
p e rfe ita .

C o o ib S n a cã o d os to a n io s c o m os
co n so an tes p a ra c lia c a r a

A c h a c a ra , o ro m a n c e p o p u la r , p o p u la riss im o , d a s H e sp a -
n h a s , esse fo rm o so e in v e ja d o q u a si e x c lu siv o d a s n o ssa s g e n ­
tes, tin h a p o r fo rm u la q u a si c o n s a g ra d a e in d is p e n s á v e l o
v e rs o s e ttis y lla b o em q u a d ra s , com rim a to a n te , a in d a q u e a l­
g u m a s v ezes se en fia v a to d a a n a rr a ç ã o , só u m o u o u tr o l a ­
p s o , em rim a s p e rfe ita s, q u e c o rn m u m m e n te n ão p a s sa v a m d o
ia. R e n a s c e u a c h á c a ra em n o sso s d ia s, p o ré m tão d e s fig u ra ­
d a q u e faz p e n a . N ão se lh e e s tu d o u a ssaz a in d o le s in c e ra ,
g ra c io sa , h y p e rb o lic a , e in fa n til ao m esm o te m p o , a q u e lle quê
p a r tic u la r d e e sty lo q u e a c a ra c te ris a v a , e d e q u e a in d a a h i
p e la s s e rr a s a lg u m a \ e l h a to n ta sa b e m a is d o q u e to d o s os
— 117 —

n o s s o s p o e ta s ; s o b re tu d o n ã o se c u ro u de a r e v e s tir com c o isa


q u e se a s s im ilh a s s e , p o r p o u c o q u e fosse, á s u a rim a . S o b o
n o m e d e c h a c a ra se liz e ra m u n s p e q u e n o s p o e m a s, talv e z d e
m a io r q u ila te p o é tic o a b s o lu to , m as q u e n ão e ra m c b a c a ra s , e
q u e , se a q u i o u acobá a faziam le m b ra r, e ra só p a r a s a u d a ­
d e s. E" p o is e sta u m a ric a m in a , q u e e stá a in d a p a r a e x p lo ­
r a r , e q u e d e v e r á e n r iq u e c e r ao s q u e d e v id a m e n te p r e p a r a ­
d o s, e co m bo m a n im o , a te n ta re m . O s e x e m p la re s p a ra e s­
tu d o , a in d a q u e n ão so b e jo s, e x is te m em suíT iciente n u m e r o ;
são o s ro m a n c e iro s c a ste llia n o s; são a lg u n s tre c b o s de p o e s ia
d e G il V ic e n te , fó ra d o se u T h e a tr o ; são a lg u n s d ’e sse s a u to s
m a l in ip re s s o s , m a s r e im p re s s c s c e m v e z e s, e c u jo s ú n ic o s
c o n s u m id o re s são o p o v o in fim o e os a ld e õ e s; o C a n c io n e iro
o rig in a l d e Ig n a c io P iz a rro d e M o raes S a rm e n to , o C a n c io ­
n e ir o d o m e u a n tig o am igo G a r r e tt, e o C a n c io n e iro do A l­
g a rv e do ta m b é m m e u a m i g o o S n r . E s ta c io da V e ig a . A ’q u e l-
le s q u e a tal e m p re z a h o u v e s se m de p ô r p e ito , a p ro v e ito e u
e s ta o c c a siã o p a r a le m b ra r, q u e a r im a é u m a d a s p r in c ip a e s
fe iç õ e s p o r o n d e a c h a c a ra g e n u in a se c o n tia s te a e r e c o n h e ­
ce," e q u e s u b s titu ir - lh e c o n s o a n te s v a ria d o s é m a ta l-a .
C o m o p o r é m o u s a re m o s r im a r cm to a n te s?
N ão é n e c e s s á rio ; rim a e c a d a q u a d r a em c o n so a n te s, e c a ­
d a q u a d ra com as O utras d o c a n to em to a n te s; o u to d a s a s
q u a d ra s em c o n so a n te s p e rfe ito s , e os m e sm o s se q u iz e rd e s .
P a r a q u a lq u e r d ’e ste s d o is m o d o s v o s dão e x e m p lo s e a b o -
n o s os C a n c io n e iro s; e s ta c o n c ilia ç ã o n e m é im p o ssiv e l n e m
d ifficil, p o is q u e e u m esm o m a is d e u m a vez a te n h o feito ,
co m o SC p ô d e v e r n a C h a c a i’a d a S e n h o ra d a N a z a re th , e n a s
C h a c a ra s d e S a n ta I ria , e d o A c a le n ta r d a N e ta , q u e in s e ri
jia s m in h a s — E sc a v a ç õ e s P o é tic a s .— T e rm in a re i e s te c a p itu lo
d o s to a n te s , n o ta n d o q u e e n tr e to a n te s ag u d o s a lg u m a s vezes
se e n c o n tra m n o s ro m a n c e s v e lh o s p a la v ra s g ra v e s , d e c u ja
u ltim a sy lla b a p o r c o n se q u ê n c ia se n ã o faz caso , e o u tra s v e ­
ze s e n tr e os to a n te s g ra v e s p a la v ra s e s d rú x u la s , c u ja p e n ú lt i ­
m a s y lla b a se d e s p re s a .

DííTercnea. rte m o r i l o d e coB isoaw tes


o u rimaiH p e r fe ita s i

Nem todos os consoantes se podem ter por de


egual valor.
1 Os sons mais triviaes como o ão, ar, or, ado,
— 118 —

oso, issimo, etc., merecem menos apreço do que ou­


tros mais raros, como arte, uria, érno, etc.

N e s te p a r tic u la r são c o m rn u m m e n te d e sle ix a d o s os n o sso s


p o e ta s a n tig o s; C am ões»inesnio se n ã o e x im e d a c e n s u ra ; logo
a s p r im e ir a s rim a s d o s Lusíadas a e stã o p io v o c a iid o — a d o s—
ana— aram— ozas— ando— etc.

2. ° A s rim as exquisitissim as, que são o extre­


mo opposlo das triviaes, devem ser em pregadas
com parcimônia, porque ás vezes roçan) pelo esco­
lho do ridiculo.
3. ° As palavras de idêntica indole gram m atical,
são rimas geralmente mais pobres, que as palavras
de indole grammatical diversa.

Isto é, rim a rá m e lh o r q u e m r im a r u m v e rb o com u m s u b ­


s ta n tiv o , um a d je c tiv o e u m a d v e rb io , do q u e q u e m r im a r
u m a d je c tiv o com o u tto s a d je c fiv o s, um a d v e rb io com o u tro s
a d v é rb io s , e tc . Assignalados, navegados, esforçados, tu d o a d -
je c tiv o s , e d e m ais a m ais p a r l i c i p io s ; — edificaram, sublima­
ram, a m b o s v e rb o s e n o m esm o m odo. te m p o , n u m e ro e p e s ­
s o a ; — p /o rm sa s, viciosas, valorosas, tu d o a d je c tiv o s , e a d je c ti-
v o s q u a li tic a tiv o s ;— foram dilatando, andaram devastando,
vão libeo'tando, tu d o g e rú n d io s ; — fizeram, tiveram, obedece­
ram, tu d o ta n d je m v e rb o s , e tarn b em n o m esm o m o d o , t e m ­
p o , n u m e ro e p e sso a — são d e p lo r á v e is d e s a re s n o p r im e ir o
i n tr o ito d e tal p o e m a co m o os Lusíadas.

D ’entre as palavras de idêntica indole gram m a­


tical, as que dão rim as menos mesquinhas são os
substantivos; depois os adjectivos; depois os ver­
bos.
A rima de verbo com verbo, póde passar de v i­
ciosa a plausivel, quando cada um d’elles for diver­
so em modo, tempo, numero, e pessoa; ou pelo m e­
nos em algum as d’estas clausulas. Se edificaram, e
sublimaram, rimam mal, edificaram e param, ri-
— 119 —

mam excellentemente; assim como, está e fará; —


diz e ouvis; — vigia e cantaria;— estivesse e téce; —
adoçon-se e fosse;— disse e subisse, etc. Estes quasi
preceitos não são inspirações cio mero instincto; ex­
plicam -se pela razão. A rima é uma clifíiculdade ven­
cida para agrado do ouvido. Se as rimas são corri­
queiras, nenhuma difficuldade com ellas se venceu;
se irmãs quanto a classificação dos gram m aticos, ac-
crescentam á monotonia do som, uma nova monoto­
nia, e com esta annullam áquella todo o seu mérito,
mais convencional que real.
O q u e n e s te c a p itu lo d e ix á m o s d ito , são m e n o s leis a b s o ­
lu ta s , q u e a v is o s e c o n se lh o s, os q u a e s é to d a v ia bo m não
p e r d e r ja m a is d e v ista , se se a s p ira , com o se d e v e a s p ir a r , á
m a x im a p e rfe iç ã o d a í ó n n a p o é tic a. B ocage é a in d a n isto u m
d o s m o d ello s m en o s a rrisc a d o s. E m d iv e rs o g e n e ro , a rim a d e
T o le n tin o é tam b é m m a g istra l. S e e u m e n ã o tiv e sse im p o sto
co m o o b rig a ç ã o o n ã o c ita r n e s te tra ta d o os c o n te m p o râ n e o s ,
n ã o p o r a lg u m a re p u g n â n c ia q u e te n h a ao lo u v a r, m as p o r ­
q u e 0 lo u v o r d a d o a u m , m u ito s o u tro s o to m a m co m o i n ju ­
r ia , p o d e iã a j u n t a r a e ste s d o is h e llo s n o m e s, os d e m a n c e ­
b o s q u e a lg u m d ia téem de p r e e n c h e r lo g ar b r ilh a n te n a n o ssa
h is to r ia lítte r a r ia .

Rima«« opulonfa««

Hesitei sobre se traria para aqui uma proposta,


já por alguns adoptada, de aperfeiçoamento no sys-
tema de rimar. Fallo das rimas ricas e opulentas.
Afinal, decido-me pela afíirmativa.
Chamamos rima opulenta áquella em que não só
as vozes íinaes de um verso conformam rigorosa­
mente com as vozes íinaes de outro verso, mas até
num e noutro são idênticas as inflexões que formam
syllaba com essas vozes. Exemplo: grado e agrado,
monte e remonte, passo e espaço, Lado e palacio,
capa e escapa.
120

Muitos poetas, aliás excellentes, tem este rigor


tie exacção por excessivo; e entendem que elle não
vale tanto quanto custa, e uma vez que as rim as não
incorram em algum dos graves defeitos acima apon­
tados, sáiam ellas com que inflexões saírem, todas
acham acceitaveis por egual.
Póde ser que até esta perfeita identidade de syl-
labas lhes |)areça grandemente arriscada a monoto­
nia. Impertinente seria ventilarmos aqui essa ques­
tão, na qual os votos dos competentes até cm Fran­
ça andam muito repartidos; mas sem pre direi (jue,
se a rima assim opulenta é um novo e pesadíssim o
grilhão pai'a os poetas cujo lavor, mesmo sem isso,
já de si é tão diilicil, esse onus, esse mal, teria rne
parece em compensação a vantagem de assustar e
pôr fóra da liça muitos intrusos que verdadeiram ente
não entram nella senão para fazer pejamento e des­
ordem, tomar o campo aos bons cavalleiros e des-
gostal-os.
Como quer que seja, o rei dos poetas e rimado-
res actuaes, Victor Hugo, vé-se que adora para si
as rimas opulentas, e outro tanto se póde dizer
daqueiroutros dois principes da arte, Méry e Barthé­
lemy; e não são os únicos; o nosso amigo Monteiro
Teixeii'a, o Barthélemy portuguez, nas suas admirá­
veis poesias francezas timbra e capricha em correr
sob 0 peso d’esta cadeia de bronze com tanta ligei­
reza e graça como se inteiramente andára ás soltas.
O Brazil possue hoje na pessoa do illustrado
poeta 0 B ev .‘'° Srir. José Joaquim Corrêa d’Alm eida,
um observante perpetuo e admiravel da rima rica
em nossa lingua.
Claro está que um poema todo com esta rigorosa
observância não seria exequível sem frequentes e
gravíssim as lesões para o pensamento poético; lodo
0 caso está em que as rimas assim cabaes predom i-
fl

— 121 —

nem e que entre as restantes nenliuma se possa ta­


xar de pobre.

C om o e m P o rtu g a l e sta m a n e ira d e r im a r se n ã o a c h a p o r


o ra p la n ta d a n e m q u a s i c o n h e c id a , se ja -n o s p e rm ittid o , p o is
so m o s talv ez p o r em q u a n to q u e m só a te m c u ltiv a d o , faze-la
c o n h e c e r ao s n o sso s p r in c ip ia n te s p o r u m a p e q u e n a a m o s tra
d a tia d u c ç ã o d a s Georgicas d e V irg ilio . E so b re tã o m e lin ­
d ro so a s s u m p to n a d a m ais a c c re s c e n ta re m o s :

PRINCIPIO DO LIVRO I

O q u e as m esse s ale g re; o a s tro q u e m ais convide


a r e v o lv e r o so lo, e a a r m a r n o o lm e iro a vide;
c ria ç ã o d e a rm e n to e fiito; e q u a n to d e sciencia
0 p a rc o e n x a m e p e d e , e e n sin a a experiencia.
M ecen as, v o u c a n ta r.
F a n a e s do e th e re o espaço^
q u e p elo s ceo s g u ia e s o arm o a p a sso e passo!
B a c c h o , a lm a C eres, v ó s p o r q u e m a te r r a snúiga
m u d o u c h a o n ia g lan d e em su b s ta n c ia l espiga,
e a o s c o p o s d ’A cb elu o u n iu do m osto o achado!
F a u n o s b o n s , p o r q u e m s e m p re o a g re s te é despachado!
c o rre i, F a u n o s ! c o rre i, ó D ry a d e s donzelías!
d e s c a n to os vossos dons.
A rb itro d a s procedas,
q u e ao t n i s d o g rão tr id e n te o in co g n ito ciivado
r o m p e r d o c h ã o fizeste ao s rin c h o s , e a e s c a re a /-o ,
N e p tu n o !
O ’ m o ra d o r dos m e m o ra e s encerros,
p a ra q u e m to sa em Ceia a rm e n to de b e z e rro s
tre z e n to s c ô r d e n e v e ás sa rç a s com o relv a!
O s b o sq u e s do L y cêo d e ix a n d o , e a p a tr ia selv a,
t u , d e o v e lh a s p a s to r, se os M enalos íxmenos
te im p o rta m . P a u T egêo, a ssiste -m e n ã o menos!
M in e rv a , ó m ãi d a oliva!
O ’ m oço a u to r do arado!
O ’ S ilv a n o , q u e em p u n h o o s te n la s ar\orado,
c o ’a ra iz to d a, o escol d o s ju v e n is eyprestes!
Q u a n to h a ’hi d e u s ernfim , q u a n ta h a ’hi d e u sa , prestes
s e m p re ao c am p o a a c u d ir, c re a r-lh e sem semente,
e e s p a lh a r n o sem e a d o as c h u v a s largam e/iíe.'
— 122
Numes de tnvto amor, não me seja es a d v e rs o s :
as vossas glorias canto; anxiliae meus v erso s!
E tu , Cesiir, ta m h e m ; tu és tam ljprn d e id a d e ;
o q u e só p o r e m q u a n lo ig n o ra a h u m a n id a d e
é de q n a e s lia s-d e e n tr a r no e te rn o a ju n ta m e iiío ;
d a s t e ir a s , d as n a ç õ e s, a p r a z - te o i-egiweido?
e do 0)1)8 a iin m e n s id a d e , a c co rd e ein c o n fe rii’- t ’o,
c in g in d o -te o m a te rn o e g lo rio so in y rto ,
1er-"se-ha p o r in flu id o r dos f. u c to s e d a s quadras?
O u , d e u s do in lin d o rn ar, nos tra n s e s d a s esquadras
s e iá s 0 só c h a m a d o ? ahivangeiás no mando
T h u le , do m u n d o e x tre m a ? e T e th y s, p ro c la m a n d o
o p o d e rio teu , p o r su a s vagas to d as
c o m p r a r- te - h a pai’a g e n ro , ufan a com ta e s b o d a s? |r
O u . c o n ste lia ç ão n o v a , eleges ir gn\par-te
CO as d o s m ezes do ta rd e , e n c h e n d o a q u e lla parte
q u e e n tr e lírig o n e se a lu e , e o ^corpicão q u e a segue?
T e u d e sejo sem c u sto o e x ito consegue,
q u e 0 p r o p rio m o n s tio a rd e n te os h ra ç o s d ’im p i’o v iso
e n c o lh e , a te alai’g a r m ais c a m p o q u e o p re c iso .
S eja qual for teu re in o (o T a rta i’O e x c e p tiia ;
r e i n a r lá, fô ra a tro z ; n ã o seja a m b iç ã o tua,
p o r m ais q u e a G récia a d m ire a e ly sia am en id ad e,,
e P ro s é rp in a fuja á m a te rn a l sa u d ad e )
fa c ilila -m e o p a sso ; a n n u e -m e á a u d a z e m p re z a ;
com igo ao carn p o n ez q u e da ig n o ia n c ia é presa,
d á c o m p a ix ã o , põ e luz; sê guia aos te u s denofos.t
P r in c ip ia j á h o je a a c o s tu m a r-te a votos!

Erro» o u qtinaitlo mono«« g r a v o «losciiido*


c m fiiic akBgiiiiM €*ácm ibo r ã m a r

Se a rima é objecto de hixo, como realmente é,


claro está que se não fôr perfeita não se deve admit-
tir. Póde-se-llie appiicar o (pie dos poemas em ge­
ral dizia Iloracio: «N’ um banquete, musica desafi­
nada, esseiicias rançosas, papoilas com mel sardo,
levam -se a mal porque sem essas coisas se podia
muito bem comer. Assim a poesia que se inventou
1

— 123 —

I para deleitação dos ânimos, por pouquíssim o que se


& aparte do apice descamba para o infimo.» —
Não basta pois para que duas rimas sejam acei­
I! tas 0 serem idênticas as inflexões que se lhes refe­
t : rem . E ’ necessário que essas vogaes sejam de egual
r Talor. Se o não forem, o versificador brioso tem de
1 regeitar essa rima como falha. Ponhamos exemplos:
l prego, e nego — rimam bem; prego e Mondego — ri­
í mam mal; prelo e velo, bem; prelo e camello, mal;
>', vesta e esta, bem; mesta e cesta, mal; socego e Moti~
dego, bem: cego e morcego, mal; echo e especo, bem;
boneco e peco, mal; ceus e veus, bem; cens e Deus,
mal; fé e sé, bem; José e dê, mal.
O som iu monosyllabo também alguns o confun­
dem erradamente com o dissylabo io, e assim rimam
0 substantivo rio que é grave com o riu terceira pes­
soa do preterito de rir que é agudo. Fica assigna-
lado 0 escolho aos principiantes.

D O M ODO D E U S A R D O S C O N S O A N T E S

Q u a n to ao m o d o d e u s a r d o s c o n so a n te s, é im p o ssív e l n ã o
r e c o n h e c e r u m a lin h a d e d e m a rc a ç ã o , q u e n o s s e p a ra dos n o s ­
so s a n tig o s . P a r a os a n tig o s tu d o e sta v a p a u ta d o se g u n d o
os p a d rõ e s d T ta ü a e C astella: p a r a fó ra d a s d e m a rc a ç õ e s s a ­
b id a s , e m u i lim ita d a s em n u m e ro , n in g u é m a v e n tu r a v a n e m
u m p asso . E m n o sso s d ia s n ã o só c a d a q u a l e n g e n h a n o v a s
c o m p o siç õ e s d e e s tro p h e s, se n ão q u e n o m esm o p o e m a , p o r
m a is c u rto q u e seja, as v a ria a s e u s a b o r, e m u ita s v ezes co m
y io la ç ã o n o tá v e l d a raz ã o e d a h a rm o n ia .
— 124 —

CAPITULO XVII

K m p r e g o <ioM c o n » o a n ( c s e n t r e o s a n t i g o » '

Os nossos m aiores tinham para o verso heroico ^


(decassyllabo), as parelhas, os tercetos, as sextinas> |
)
as oitavas e os sonetos.
PARELHAS

As sem sabores parelhas são os versos decassyl-


labos rimados a dois e dois.
E x e m p lo :

P a sse a n d o o p a v ã o corn u faiiia,


é fam a q u e d is s e ra ao c o rv o u m d ia:
« R e p a ra q u a n to d e v o á n a tu re z a ,
«ollia q u e lin d a s co res! q u e v iv eza!
« q u e a d o rn o ! q u e m atiz ! O lh a e s te rab o !
«em m im n ã o h a se n ão . E tu , d iab o ,
« n e g ro com o u m c a rv ã o , com o u m b iso iro ,
« in d a és, d e m a is a m a is, a v e d e agoiro.»
O c o rv o q u e n a lin g u a n ã o tem p a p a s,
lh e r e s p o n d e : « E ssa s p e n a s são m u i g u a p a s ,
« m as, p a r a r e f r e a r te u d e s v a rio ,
« o b se rv a d ’essas p e rn a s o feitio.»
A in d a (q u em d a rá c re d ito a isto !)
as p e r n a s o p a v ã o n ã o tin h a v isto .
M as q u e m u ito , se h a g e n te , e g e n te g ra v e ,
q u e em se u s o llios n ã o vé n e m u m a tra v e !
( b o c a g e .)

TERCETO.S

Os tercetos são períodos de très versos, riman* |


— 125 —

do 0 verso prim eiro com o terceiro, e o do centro


com as duas extrem idades do terceto seguinte; o
centro d’esse com as duas do immediato, e assim
por diante, até ao íim da composição, que necessa­
riam ente rematava n’um quarteto com as rimas cru­
zadas.

E x e m p lo :
í' ■

A ’ foz d o T e jo , em b ro n c a p e n e d ia ,
m in a d a p e la s o n d a s sa litro sa s,
p r is io n e ir o d ’a m o r T r itã o g e m ia .

L u z ia m -lh e a s e s p a d u a s escam o sas;


s u s te n ta v a o m a ritim o in s tr u m e n to ,
0 b u s io a tro a d o r, n a s m ão s calosas.

C o n ch as da c ô r d o liq u id o e le m e n to ,
p a r t e do c o rp o e n o rm e lh e v e s tia m ,
ig u al n a lig e ire z a ao p r o p r io v e n to ,

« R e b e n ta e d e v u lc ã o , q u e o m u n d o a b a le ,
e a p e s te , q u e e x h a la e s d o p e ito h o rre n d o i.?
o fero c o ra c ã o d e L ilia rale .»
i Ä
C alo u -se, e do a lto e sco lh o á p re s s a e rg u e n d o
o fo rm id á v e l c o rp o , in d a m a is a lto ,
e as n e g ra s m ão s fre n e tic o m o rd e n d o ,
p o r e n tr e as o n d a s se a b y sm o u d ’u m salto .
( bocage .)

Esta era a fôrma usualissim a das elegias e epis­


tolas.
Eram as sextinas geralm ente consagradas a as*
sumptos amorosos. Não eram propriamente rimas,,
mas também não deixavam de o ser; consistiam em
seis versos todos com desinências differentes, e que
deviam ser substantivos, e geralmente de duas syl-
labas; todas as sextinas de que uma com posição
constasse, por mais que ellas fossem , baviam de
conter cada uma as m esm issim as seis palavras, no
remate dos seus seis versos; o l.° verso da segunda
sextina, terminava como o ultimo da primeira; o 2.®
da segunda como o 1.® da primeira; o 3.® como o
5.°; 0 4.® como o 2.®; o 5.® como o 4.®; o 6.® como
0 3.®; a sextina, terceira, correspondia á 2.^ como a
segunda correspondia cá 1 a quarta á terceira, e
assim por diante; o fecho eram très versos, concluí­
dos ainda por très d’aquellas já estafadas palavras,
e que para não ficarem devendo nada, levavam den­
tro em si as outras très.
E x e m p lo :

O h tris te ! oh te n e b ro s o ! oh c ru e l d ia!
A m a n h e c id o j á 'p a r a m eu d a m n o !
P o d e s te -m e a p a r t a r d ’a q u e lla v ista ,
p o r q u e m v iv ia com m e u u n a l c o n te n te ?
A h ! se 0 s u p re m o fô ra s d ’e sta v id a,
q u e em ti se c o m e ç a ra a m in h a g lo ria!

M as co m o e u n ã o n a sc i p a r a te r g lo ria ,
s e n ã o p ç n a , q u e c re sç a cad a d ia ,
0 ceo m e e stá n e g a n d o o fim da v id a ,
p o r q u e n ã o te n h a tim com e lla o d a m n o ,
p a r a q u e n u n c a p o ssa s e r c o n te n te .
D a v ista rne tir o u a q u e lla v ista .
N ã o v ia m a io r gloria, q u e o m e u d a m n o ,
q u a n d o do d a m u o m eu er;is c o n te n te ;
ag o ra m e é toi in en to a m a io r gloi ia
q u e p ó d e p r o m e tte r - m e a m o r u a v id a,
p o is t ir a r - te n ã o p o n d e a m o r d a v ista ,
q u e só n a tu a a d ia v a a lu z do d ia .

E p o is d e d ia em d ia c re sc e o d a m n o ,
n e m p o sso sem tal v ista s e r c o n te n te ,
só co m p e r d e r a v id a a c h a re i g lo ria.
(CAMÕES.)

S e 0 s e n h o r p o e ta to scan o A rn a u d o D a n ie lo , n ão i n v e n ­
to u em s u a v id a a lg u m a coisa m e lh o r q u e e sta s m ó lh a d a s d e
d o rm id e ira s , e scu sa v a m u ito b e m o te r n a scid o ; as s e x tin a s ,
d e q u e h a a in d a o u tra s co n feiçõ es, são s e m p re tã o in su lsa s
co m o d ifficeis; C am õ es, c re a d o com a le itu ra de D a n te e P e -
t r a r c a , ta lv e z só p a ra m o s tra r e n g e n h o a s com poz; m as sã o
d e s s a b o ro s a s , corno p e la a m o s tra se a c a b a d e v ó r; q u e a d m i­
r a ? im p o s s ív e is n in g u é m os faz.

OITAVAS

A composição da oitava empregada com preferen­


cia na poesia epica, e em geral na narrativa, não ca­
rece de certa syrnetria graciosa: as suas rimas são
très, a saber: verso 1.«, 3.° e 5.°; verso 2.^ 4.° e
6.°; verso 7.° e 8.*^; os prim eiros quatro versos cer­
ram um periodo.
E x e m p lo :

N em d e ix a rã o m e u s v e rso s e sq u ec id o s
a q u e lle s , q u e n o s re in o s lá d a a u ro ra
se fizeram p o r a rm a s tão su b id o s,
v o ssa b a n d e ira s e m p re v e n c e d o ra :

u m P a c h e co fo rtissim o , e os te m id o s
A lm e id a s , p o r q u e m s e m p re o T ejo c h o ra ;
A lb u q u e rq u e te r r ib il. C a stro fo rte ,
e o u tro s em q u e m p o d e r n ã o te v e a m o rte .
(CAMÕES.)
128 —

SOiNCTOS

1)0 soneto ba varias composições; mas a mais


usada entre os antigos, e a unica usada entre nós, é
a seguinte: dois periodos; um de oito versos, outro
de seis; o prim eiiu subdividido em dois de quatro
versos, cbamados quartetos; o segundo em dois de
très cbamados tercetos; os quai tetos com duas ri­
m as, os tercetos com outras duas; das duas rimas
dos quartetos uma é nos versos 4.°, 5.*^ e 8.°,
a outra nos versos 2.°, 3.*’ , G.° e 7.°; das duas ri­
mas dos tercetos uma é nos versos 9.°, 1 i.° e 13.°;
a outra íinalmente nos versos 10.», 12.° e 14.°

E x e m p lo :

S o b re e sta s d u ra s c a v e rn o s a s fra g a s,
q u e 0 m a rin h o fu ro r v ai c a rc o m e n d o ,
m e e stã o n e g ra s p a ix õ e s n ’a lm a fe rv e n d o ,
co m o fe rv e m n o p ég o as c re s p a s vagas.

R azão fero z , o c o ra ç ã o m e in d ag a s
d e rn eu s e rro s a so m b ra e sc la re c e n d o ,
e v a is n ’elle (ai d e m im !) p a lp a n d o , e v e n d o
d e a g u d a s a n c ia s v e n e n o sa s ch ag as.

C ego a m e u s m ales, s u rd o a te u re c la m o ,
m il o b je c to s d e h o r r o r c o a id é a e u c o rro ,
so lto g em id o s, la g rim a s d e rra m o .

R azão, de q u e m e s e rv e o te u so c c o rro ,
m a n d a s -m e n ão a m a r: e u a rd o , e u am o :
d iz e s-m e q u e so ceg u e: e u p e n o , eu m o rro .
( bocage .)

Os ita lia n o s e os n o sso s q u in h e n tis ta s p u n h a m ás v e z e s


n o s te r c e to s do so n e to tre s rim a s d iv e rs a s em v ez d e d u a s .
D am o s p o r e x e m p lo o final do p r im e ir o so n e to de C am ões:
— 129 —
0 ’ v ó s q u e a m o r o b rig a a s e r s u je ito s
a d iv e rs a s v o n ta d e s ; q u a n d o le rd e s
n u m b r e v e liv r o ca so s tã o d iv e rs o s ;

v e rd a d e s p u r a s sã o , e n ã o d e fe ito s;
e n te n d e i q u e s e g u n d o o a m o r tiv e r d e s ,
te r e is o e n te n d im e n to d e m e u s v e rso s.
(CAMÕES).

•f J
0 u s o d e s te r ro u com ra z ã o os te rc e to s d ’e s ta e sp ec ie.
Q u a n to ao s q u a r te to s dos so n e to s h a ta m b é m o u tra m a ­
n e ir a d e os r im a r, q u e é p o n d o a p r im e ir a d a s su a s d u a s r i ­
m a s n o s v e rs o s im p a r e s : 1, 3, o , e 7; e a s e g u n d a n o s v e rs o s
p a r e s : 2 , 4 , G, e 8 . N o so n e to a le x a n d rin o a'^pag. 3 9 se p ó d e
v ê r 0 e x e m p lo .
O s q u in h e n tis ta s á im ita ç ã o d o s ita lia n o s faziam ás v e z e s
n n s s o n e to s a q u e c h a m a v a m d e c a u d a , q u e e ram com u n s
p o u c o s d e v e rs o s, m ais o u m en o s, p o s to s d e p o is dos q u a to rz e
em a r d e p o s ts c r ip tu m , a n o m a lia q u e ta m b é m p a sso u co m o
o u tr a s m u ita s . P o r c u rio s id a d e e x e m p lific a re m o s com C a ­
m ões:

T a n to se fo ra m , N im p h a , c o stu m a n d o
m e u s o lh o s a c h o r a r tu a d u re z a ,
q u e vão p a ssa n d o j á p o r n a tu re z a ,
o q u e p o r a c c id e n te iam p a ssa n d o .

n o q u e ao so m n o se d e v e e sto u v e la n d o ,
e v e n h o a v e la r só m in h a tris te z a ;
o c h o ro n ã o a b ra n d a e s ta a sp e re z a ,
e m e u s o lh o s e stã o s e m p re c h o ra n d o .

A ssim d e d ô r em d ô r , d e m ag u a em m a g u a ,
c o n s u m in d o -s e v ã o in u tilm e n te ,
e e s ta v id a ta m b é m v ã o c o n su m in d o .

S o b re o fogo d e a m o r in ú til agua!


P o is e u em c h o ro e sto u c o n tin u a m e n te ,
e do q u e v o u c h o ra n d o te vais rin d o .
— 130 —
A ssim n o v a c o rr e n te
le v a s d e c h o ro em fo ro ,
p o r q u e d e v e r - t e r ir , d e n o v o c h o ro .
(CAMÕES, j

SOBRE OS CINCO PRECEDENTES GENERÖS DE RIMA

A sextina é, redonda e inquestionavelm ente, in-


adm issivel; a parelha deve ser condemnada pela sua
insipidez; o terceto e a oitava podem ainda em pre­
gar-se com vantagem , posto hajam caido geralm ente
em desuso; o soneto é uma belia composição, mas
pelo abuso que d’ella se fez, tanto como pelas suas
apertadíssim as difficuldades, também já quasi se
não faz. O soneto portuguez podemos dizer sem exag-
geração nasceu com Bocage, e com Bocage m orreu.

D e m a is: u m e n g e n h o q u e r e s p e ita a s u a p r ó p r ia l ib e r d a ­
d e , e sa b e com o os a rro jo s p o é tic o s I b e v e e m in c a lc u la d o s, r e ­
p u g n a fo rç o s a m e n te a c irc u m s c re v e r p o r fo rç a o se u p o e m a
em c e n to e c in c o e n ta e q u a tr o sy lla b a s, d iv id id a s p o i q ^ t i o
p e río d o s p re e s ta b e le c id o s : d o is, d e q u a r e n ta e q u a tr o sy lla b a s
c a d a u m , e d o is d e tr in ta e tre s.
O so n e to p o r ta n to n ã o p a re c e m u ito c o m p a tív e l com a
Ín d o le d a escola p o é tic a h o d ie rn a , o q u e p o d e r á em p a r t e e x ­
p lic a r a s u a r a r id a d e .

í'j
J 31

CAPITULO XVIÍI

CONTINUAÇÃO SOBRE A RIMA DOS ANTIGOS


VERSOS DE SETTE SYLLABAS

O verso lyrico de sette syllabas, o mais frequen­


tado dos nossos m etros, era variamerile combinado
e rimado pelos nossos maiores; as formas principaes
eram quadras, quintillias, e décimas; mas tinham ou­
tras: parelljas, tercetos, sextinas, estroplies de sette
versos, oitavas, e estrophes de nove versos.

PARELHAS

Eram dois versos rimando um com outro, e que


commummente serviam para motes e divisas.
E x e m p lo :

S e r r a q u e tal g ad o tem
n ã o n a s u b ir á n in g u ern .

TERCETOS

Usavam-se principalmente para moles; por exem­


plo, apoz um verso settisyllabo solto, uma parelha
de eguaes versos rimados.
Í32

E x e m p lo :

E sfo rç a , m e u co ração !
N ã o n a m a te s , se q u iz e re s;
le m b ra -te q u e são m u lh e re s .

QUADRAS

São estrophes de quatro versos, cujo quarto ri­


ma com 0 segundo, ficando soltos o prim eiro e o
terceiro.

E x e m p lo :

D e fe n d e r os p á tr io s ta re s,
d a r a v id a p e lo re i,
é d o s lu so s v a lo ro so s
c a ra c te r, c o stu m e e lei.

Ha também quadras todas rim adas, a saber: o


prim eiro verso com o terceiro, e o segundo com o
quarto.
E x e m p lo :

A lm a tã o sem assocego,
q u e n e m d ’e ste a r m e fa rto ,
d ’o n d e com q u e ix u m e ch eg o ,
com m il q u e ix u m e s m e a p a rto .
_,!í3í

ou O primeiro com o quarto, e o segundo com o ter­


ceiro.

E x e m p lo :

Q ual v o s v i, e q u a l m e v iste s ,
m e u s a m ad o s a rv o re d o s,
fu i com o v ó s q u a n d o ledos,
a g o ra co m o e u sois tris te s .
— 133 —

Achám os também quadras em que os très prim eiros


versos rimam entre si, e o quarto com o quarto da
quadra seguinte.
E ’ m u ito a g ra d a v e l fo rm a e s ta d e r im a r , q u e e u p r o c u ­
r e i e c o n seg u i in tr o d u z ir e n tr e os c o n te m p o râ n e o s : p a r a l h e
r e q u i n t a r o s a b o r c o n v e m m u ito n e sta s q u a d ra s q u e os t r è s
p r im e ir o s v e rs o s se ja m g ra v e s , e o q u a rto a g u d o : a s sim m e s ­
m o a s a c h á m o s j á n o c a n c io n e iro d e R e z e n d e .

E x e m p lo :

L iiid a c a ç a m u i s u b id a ,
se d e sc o b re em n o ssa v id a ,
a q u a l n u n c a foi sa b id a ,
n e m se u p re ç o q u a n to v a i.

O h! d a griã m a tta L is b o a ,
o n d e toda a c a ç a v o a ,
A ra b ia , P e rs ia , G oa,
tu d o ca b e era se u c u rr a l.

QUINTILHAS

Estrophes de cinco versos e duas rimas; estas


podem ser diversam ente collocadas, a saber: uma
no 1 .“, 3.® e 5.° verso; outra no 2 .“ e 4.°; ou uma
no l.° , 3.° e 4.°, e a outra no 2.® e 5 .“ Acham-se
exem plos de composições, nas quaes as quintilhas
d’ambas estas contexturas se vão alternativamente
revezando.

E x e m p lo :

P e la s r ib e ira s d e u n s rio s
p o r o n d e c a n ta m a s a v e s,
p o r e n tr e b o sq u e s so m b rio s,
d e p o is de c o n to s m ais g ra v e s,
o u v i d ’e ste s m a is b a ld io s .
— 134 —
E p o r q u e e u ta m b é m m e afasto
d o p o v o q u e m e n ã o v e ja ,
e tra z si m e le v e a ra sto ,
v e d e do te m p o em q u e g a sto ,
O que me ás vezes sobeja.

Em Sá de Miranda, o príncipe das quintillas portu-


guezas, achamol-as ainda com outra variedade, a sa­
ber: uma rimando o I v e r s o com o 4." e o 2.*’ com
0 3.° e 5.°; e a seguinte rimando o l.° com o 3 .“ e
4.°, e 0 2.° com o 5.°

E x e m p lo :

C om o e u vi c o r r e r p a rd a o s
p o r C a b e c e ira s d e B asto,
c re s c e r em c e rc a s e g asto ,
e vi p o r c a m p o s tã o m ao s
tal trilh a , e ta m a n h o ra sto !

N e ssa h o ra os o lh o s e rg u i
á c asa a n tig a e á to r r e ,
d iz e n d o co m m ig o a s s i : '
se nos D eu s n ão Vai a q u i,
p e rig o so iin ig o c o rre .

SEXTINAS

A mesma difficultosa semsaboria, que já sob este


titulo apontamos, feita com versos heroicos, se fazia
não menos com os de sette syllabas.

E x e m p lo :

N ão p o sso t ir a r os o lh o s
d o n d e os n ão lev a a raz ã o .
Q u em p o rá lei á v o n ta d e .
— 13 5 —
c o n firm a d a d o c o stu m e ,
v o n ta d e , q u e á s su a s leis
m a n d a o b e d e c e r p o r força.

Isto q u e al é s e n ã o fo rç a
q u e m e fazem os m e u s o lh o s
q u e b r a n ta d o r e s d a s le is?
l ir a d a a p o z m i a ra z ã o ,
m a s q u e vai c o n tr a o c o stu m e
e m q u e e s tá p o s ta a v o n ta d e ?

E ' m o rta o u d o rm e a ra z ã o ,
o u n ã o s e n te p o r c o s tu m e ,
q u e fa re i á m a io r fo rça?
H a ja m p ie d a d e a s leis
d e q u e m e n tre g u e á v o n ta d e
v a i p re s o ap o z os s e u s o lh os.

O lh o s a p o z a v o n ta d e , 1 I'
a s leis a p o z o c o stu m e ,
a p o z a fo rç a a razão .
r, n

KSTKOPÍIES DE SETTE VERSOS

Compõe-se de 1res lim as; a 1.^ nos versos l.° e


3.°; a 2.^ nos versos 2.®, 4.° c 5.°; a 3.^ no G.° e 7 .“

E x e m p lo :

O jo g o s e m p re tra z d a m n o ,
a q u e m jo g a m ais v e rd a d e ;
0 g a n h o v em p o r e n g a n o ,
p o r b u rla s e falsid a d e ;
e d e tal e n fe rm id a d e
p o u c o s p o d e m e s c a p a r,
se n ã o d e ix a m d e jo g a r.
m
— 136

OITAYAS DK SETTE SYLLABAS


LO i

D’estes versos faziam lam bem um as oitavas que


eram propriamente duas quadras, com duas rim as
cada uma; na primeira rimando verso 1 .“ e 4.°, e
verso 2.° e 3.°; na segunda verso l.° e 3.°, e verso
2.0 e 4.°

E x e m p lo :

N ão sei q u e p o ssa d iz e r
p o r v ó s q u e se ja lo u v o r!
fti'v -.::' Í: q u e se tã o o u sa d o fô r,
J ; : . - Í; ••il
p e r d e r e i o in te n d e r.
Q u a n d o q u e ro c o m e ç a r
é co isa q u e n ã o tem c ab o :
a n te s m e q u e ro c a la r
q u e c u id a re m q u e v o s g ab o .

A ’s vezes a oitava tinha a quadra rimada, como esta


segunda, em l.° logar, e a rimada como a prim eira
no 2.0
E x e m p lo :

V ó s n ã o n o to rn a e s p o r v ó s,
m a s v ó s so is tã o d e sa iro so ,
q u e fazeis q u a lq u e r d e n ó s
d e s e m sa b o r g rac io so .
D e m u la e d e c a v allo
n o te r r e ir o , e n o se rã o ,
so is tã o fó ra d e fe iç ã o ,
q u e e u j á n ã o p o sso ca la l-o .

ESTROPHES DE NOVE VERSOS

Compunham-se, ainda que não frequentemente,.


um as estrophes de nove versos, divididos em dois
periodos, e cada periodo de duas rimas; um perio-
do de cinco versos rimando, como já dissem os da
quinlilha, e outro de quatro rimando entre si os pa­
res, e entre si os im pares.

E x e m p lo :

D os no sso s S ás C olonezes
g ra m tro n c o , n o b re c o lu in n a ,
g ro sso ra m o d o s M enezes,
em sa n g u e , e b e n s d e fo rtu n a ,
q u e é tu d o e n tr e os p o rtu g u e z e s.
M as v ó s q u e s e m p re v o s ris te s
d o p o v o q u e n ã o vê m a is,
ric a m e n te a lm a v e s tis te s ,
o m a is te n d o p o r d e m a is.

DECIMAS

A décima divide-se em dois periodos; um de


quatro versos; outro de seis; as suas rimas são: 1."
com 4.° e 5.°; 2.° com 3.°; 6.° e 7.° com 10.®; 8.'
com 0 9.°: ao todo quatro rimas diversas.

E x e m p lo :

T re s v ezes so b re m e u s la re s,
v o zeo u q u a n d o e u n a scia
a v e , q u e a b o rre c e o d ia,
q u e p re v ê c ru é is a z a re s.
A m o r d iv id ira os a re s
d e se u s to rm e n to s c e rc a d o ,
á fu n d a e sta n c ia d o fado
0 v ô o h a v ia a b a tid o ,
e am b o s tin h a m re so lv id o
q u e e u fosse em fim d e sg ra ç a d o .
( bogage .)
— 138 —

Em tempos mais antigos davam o nome de decima


a-; umas estroplies dividii'as em duas quintilhas, e
talvez mais enjíraçadas: uma das quintilhas com duas
rim as alternadas; a outra rimando o 1.*^ verso com
0 2.° e 0 5.°; e o 3.° com o 4.°

E x e m p lo :

Q ual s e rá o co ra ç ã o ,
tã o c rú e sem p ie d a d e ,
q u e lh e n ã o c a u se |)aix ã o
u m a tã o g ram c ru e ld a d e ,
e m o rte tã o sem razão!
T r is te d e n )im , in n o c e n te ,
q u e p o r t e r m u ito fe rv e n te
le a ld a d e , fé. a m o r
ao pi in c ip e , m eu s e n h o r,
m e m a ta ra m c ru a m c n te .

SOBRE AS CINCO PRECEDENTES CO.^IPOSIÇÕES DE RIMA

Exceptuando as sextinas. todas as especies exem ­


plificadas acima são susceptíveis de bello effeito,
quando tratadas por mãos hábeis; sobre tudo as
quadras, as quintilhas, e a liga da quintilha com a
quadra. Quanto á quintilha per si só observarem os,
que admitte ainda uma nova variedade, a saber:
rima do 1 verso com o 2." e 4.°; e do 3.° com o 5.®

E x e m p lo :

E is 0 n o sso p e g u re iro ,
p la n ta n d o em to in o do o h n e iro ,
v e rd e p u i p u r e o ro sa i,
n)OiUim enlo de um p rim e iro
d o c e b e ijo v irg in a l.

Como a variedade sem confusão, seja um dos prin-


cipios de agrado para o ouvido, bom acerto será em
— 139

um poema de quintilhas revesal-as sym etricam ente,


quando menos de duas diversas com posições; o
m esm o diremos quanto ás quadras; muito melhor
faria quem as alternasse rimadas de diverso modo;
quanto á décima, alguma coisa se podéra dizer; mas
0 seu tempo parece ter passado com os oiteiros, e
as glosas: um gosto extremado não achará nessa
perda muito que deplorar.
De todas estas formas, a quadra, em que só ri­
mam 0 segundo com o quarto verso, é a mais cos­
tumada por facillima, e a que sae de im proviso até
aos que não sabem 1er.
O m ittim o s o u tra s c o m p o siç õ es h y b r id a s de e s tro p h e s e
c o n so a n te s d o s v e rs o s d e s e tte sy lla b a s; o q u e fica p o sto é
j á so b e jo .

C O N T IN U A Ç Ã O DA R IM A D O S A N T IG O S

VcFKos d e o n x e s y l l a b a s

OITAVAS

Gompunha-se de dois periodos com très con­


soantes; 0 l.° verso rim ava com o 3.^^; o 2.® com o
4.°, 5.° e 8.0; o 6 .“ com o 7.°
E x e m p lo :

M eus o lbos m ais ag u a q u e fo n te s la n ç a v a m ;


m u i g ra n d e s g em id o s a v o lta s se iam ;
m e u s tris te s se n tid o s já m a is re p o u sa v a m ,
m as a n te s se u s m ales d o b ra d o s se n tia m .
P r a z e r e d escan ço d e m im se p a rtia m ,
á c o n ta d a q u e s te s , com igo ficava:
se m in h a firm eza e sp e ra n ç a m e d a v a ,
v o sso s d e sfa v o res rn a ta r-m e q u e ria m .
Do«« %^er»oM «luebraclofi«» c Heu uho na»
rim a» don autigOH

Costumavam os nossos antigos m isturar sym e-


tricamente com certas especies cie versos, os seus
respectivos quebrados, isto é, a sua prim eira meta­
de ou hemistichio; com o verso de dez syllabas, o
de seis; com o de sette syllabas, o de tres ou de
quatro; com o de onze, o de cinco; e assim, riman­
do, se lhes aprazia, variavam as suas estrophes.
E x e m p lo d e e s tro p h e s d e c a sy lla b a s com q u e b ra d o s :

O h! D e lia , q u e a p e s a r d a n e v o a g ro ssa ,
c o o s te u s ra io s d e p r a ta
a n o ite e sc u ra fazes q u e n ã o p o ssa
e n c o n tr a r o q u e tra ta ,
e 0 q ue n a lm a re tra ta
a m o r, p o r te u d iv in o
ra io , p o r q u e e n d o id e ç o e d e sa tin o .
(CAMÕES.)

E x e m p lo s d e v e rso s re d o n d ilh o s co m os se u s q u e b ra d o s :

— « S e n h o ra , p o is m in h a v id a
« te n d e s em vosso p o d e r:
« p o r s e rd e s d ’ella s e rv id a ,
« n ão q u e ira e s q u e d e s tr u íd a
« p o ssa s e r.» —
— «F also c a v a lle iro in g ra to ,
« e n g a n a e s-m e ,
« vós d izeis q u e e u v o s m ato ,
«e v ó s m a ta e s-m e .»

E x e m p lo s d e v e rso s d ’a rte m a io r com os s e u s q u e b ra d o s :

O q u a l se la m e n ta
d a a d v e rs a f o rtu n a , em q u e c o rre to rm e n ta ,
e p o rq u e a c o m e d ia v ai tã o d e c ra ra d a ,
e tã o ra so o e sty lo , n ã o s e rv e d e n a d a
0 m a is a rg u m e n to , e c e rro a e m e n ta .
— 14 1 —

CONCLUSÃO DA MATÉRIA PRECEDENTE

A lém d ’e s te s p a d rõ e s p rin c ip a e s , p o d e ría m a p o n ta r -s e c o m ­


p o s iç õ e s a n tig a s com d iffe re n te s c o m b in a ç õ e s m é tric a s e a c ­
c id e n te s d e rim a s; o c u rio so sem g u ia os e n c o n tra rá , q u e r e n ­
d o fo lh e a r os a u c to re s ; n ó s ju lg á m o s s e r j á te m p o d e le v a n ta r
m ã o d ’e s ta m a té r ia , p a r a v irm o s a o s c o n te m p o râ n e o s.

CAPITULO XIX

DAS ESTRO PH ES E RIMAS DOS


CONTEMPORÂNEOS

U m to m o h o u v ê ra m o s d e e n c h e r, a q u e re rm o s m iu d e a r e
e x e m p lific a r to d a s a s v a rie d a d e s d e co m p o siç õ es m é tric a s dos
n o sso s d ias. N isto a lib e rd a d e , q u a n to a n ó s, te m p a ssa d o a
lic e n ç a e a n a rc h ia ; é sim a v a rie d a d e u m a o rig e m de p ra z e ­
r e s ; m as, q u a n d o o bom g o sto lh e não p re s id e , d e g e n e ra fa ­
c ilm e n te em c o n fu são , q u e fatig a e e n fa stia ; razão p o rq u e os
p r in c ip ia n te s , em q u a n to o fo re m , fa rã o m e lh o r em se i r fo r­
m a n d o n o s b o n s e a p p ro v a d o s e x e m p la re s , do q u e em se
a b a la n ç a re m a in n o v a ç õ e s; p o r o n d e os D ed alo s v ó a m , p r e c i­
p ita m - s e os íc a ro s .

Em duas especies podemos dividir a actual poe­


sia rim ada,— regular e irregular. A primeira é para
todos a mais segura; a segunda é capaz de grandes
eíTeitos, mas sobre modo occasionada a precipicios.
A primeira, a de estrophes uniformes, offerece a
diííiculdade de sujeitar a compartimentos de eguaes
dimensões os pensamentos dos mais diversos volu­
mes; mas a segunda, pelas suas ostentosas presum -
— 142 —

pções, obtem menos indulgência quando pecca, e


pecca muitas vezes.

R e q u e r ella e sse n c ia lm e n te :— 1.“ u m g ra n d e c o n h e c im e n to


d a s a fíin id a d e s, e re p u g n â n c ia s m u tu a s dos m e tr o s ;— 2 .° u m
tin o n ão v u lg a r n o a u c to r p a r a b em c o m p r e h e n d e r a s e c re ta
re la ç ã o o u re p u g n â n c ia q u e se d á e n tr e ta l o rd em d e id é a s e
tal r itb m o , q u e se lh e s d e s tin a . V a r ia r d e m e d id a só p o r v a ­
r i a r , m a is v ezes in d ic a e s te rilid a d e , q u e a b u n d a n c ia . O le i-
to i’, a c a d a u m a d 'e s s a s tra n s fo rm a ç õ e s d e fo rm a , e sta c a , sem
s a b e r com o léa: é o q u e su c c é d e r ia n u m a d a n s a se o to c a d o r
m alic io so in o p in a d a m e n te lh e in v e rte s s e os co m p asso s; e o
le ito r in ic ia d o n a a rte , n ã o p e rc e b e n d o logo o p o iq u ê d e ta l
c a p ric h o no p o e ta , diz com sigo s o r r i n d o — « a c a b a ra m -se -lh e
a s fo rç a s p a ra p ro s e g u ir p o r o n d e ia .» — S e j á H o ra c io a c im a
c ita d o com ta n ta razão e sc re v ia , q u e os p o e m a s in v e n ta d o s
p a r a d e le ite , cin d e c lin a n d o u m p o u c o c h in h o d o o p tim o , iam
logo p e n d id o s p a ra o p é ssim o , e p iu d ia co m o ra z ã o q u e em
co isas d e lu x o se não p e rd o a v a á m e d ia n ia , q u a n to m ais s e ­
v e ro se n ão d e v e se r com o q u e é m ais lu x o q u e p o e sia , p o is
é p o e sia rim a d a ; e m ais lu x o a in d a q u e p o e sia rim a d a , p o is
é rim a d a a c a p ric h o , e com a tre v im e n to só a ra riss im o s c o n ­
cedi vel!
D e ix a n d o , p o rta n to , e sta m a té ria , q u e p e rte n c e e x c lu s iv a ­
m e n te á q u e lle s q u e n ão c a re c e m d a s n o ssas re g ra s , fallem o s
só d a s e s tro p h e s re g u la re s.

Di). co m p o íiiçã o (Sa!>« s tr o p h e s reg ;iB lares

Como principio muito prudente e seguro, assen­


temos em que as estrophes ou periodos métricos
eguaes, em que um poema longo ou curto se divi­
de, devem compor-se, ou de versos inteiros todos
da mesma medida, ou symetricamente entrem eados
ou rematados pelos seus quebrados respectivos.
Segundo o que. onde na 1.^ estrophe ficarem versos
graves, onde agudos, onde esdrúxulos, devem egual-
mente cair em todas as outras estrophes, versos
graves, versos agudos, e versos esdrúxulos. N isto
— 143 —

julgo cifrados os principaes preceitos. Ha, porém,


ainda advertências, a (|ue o principiante deverá dar
muita attenção.
Quando as estrophes constam de dois ram os,
quer estes sejam eguaes em quantidade de versos,
quer desegnaes; oor exem plo, quatro e quatro, (jua-
tro e très, très e quatro, cinco e très, seis e dois,
etc., 0 ouvido approva muito, não só que esses dois
ram os rimem um com o outro pelo lim, mas que ri­
mem em agudo.

E x e m p lo :

lu
V ó s á te r r a e ao ceo p ro p ic io s,
q u e d a e s com m il b e n e lic io s,
c o n tra a fom e, e c o n tra os v icio s,
asy lo ao b a n d o in fa n til; tl'
le d o b r a e com m ão s p ie d o sa s
«
esm o las, q u e , m ilag ro sas,
re c o b ra re is feitas ro sa s,
n o s c a m p o s d o e te rn o a b ril.

0 su ltã o e n tr e c o lu m n a s
so b re c o x in s d ’e sc a rla ta ,
o iça do e u n u c o a v o lata, ' 1
v e ja seio s n ú s p u la r ;
n ã o se m ove; in e r te e frio , il
é q u a l idolo vasio
e n tr e a ro m a s, so b re o a lta r. b-r■
îl'

N asci n o ric o O rie n te ,


c r ie i- m e e n tr e as v e rd e s p a lm a s 1■ if;
p a ra a m o r. ■'If*
A m o r m e poz n o O c c id en te , ÏJU.
fez -m e d ’alm a d u a s alm as
p a r a a d o r.

R e c o rd a s -te , in g ra ta ,
q u a n d o eu te d izia,
__ 144 —

q u e em so n h o s A rm ia
c e d ia a m e u s ais?
s o rria s ; c ó ra v a s;
fu g ias; ju r a v a s
q u e n u n c a m e u s so n h o s,
se ria m leaes.

Os versos que antecedem ao ultimo em cada


ramo da estroplie, convem sejam ou todos graves,
como nos exem plos precedentes, ou sym etricam ente
entrem eados de esdrúxulos.
S ão e ste s u n s p r im o re s , q u e n o sso s m a io re s n e m s u s p e i­
ta v a m ; p e rte n c e m to d o s á a rte m o d e rn a ; a su a o rig e m d e v e -
se á I ta lia , e n o m e a d a m e n te ao p o p u la ris s im o M e ta sta sio . T h o -
m az A n to n io G onzaga, na su a Mai ilia d e D irc e o , p ó d e s e r h a ­
v id o p o r in tr o d u c to r d e tã o h o m c o stu m e e n tr e nós.

Nas com posições em períodos de quatro versos,


de qualquer medição que elles sejam, a m elhcr ri­
ma é a do 1." com 0 3 .“ em grave, e a do 2.° com o
4.0 em agudo.

E x e m p lo :

V o to a A llá, m eu la ú d e c a n ç a d o ,
se co n sig o e sta flô r d a s H u ris,
q u e h a s -d e em M ecca p e n d e r m a rc h e ta d o
d e o iro e p e rla s , de p r a ta e ru h ís .

0 pôr sem pre tantas rimas graves como agudas,


não é, porém, para nos uma obrigação rigorosa,
como é para os Irancezes; e para nossa lingua seria
isso muito mais difficil, do que o é para a d’elles;
entretanto chegando-se a conseguir e bem , ter-se-
Iia feito boa obra; os versos agudos no l.° e 3.°, e
os graves no 2.*^ e 4.°, ou os graves no l.° e 4.®, e
os agudos no 2.° e 3.®, já não provam tão bem; o
14 5 - -

l.° e 3.° soltos sao adm issíveis; quando, porém,


esses soltos são esdrúxulos, podem -se haver por u
muito mais ricos, do que se rim a fossem .
E x e m p lo :

S a lv e f ro n d e n te a b ó b a d a .
S a lv e c a la d o o lm e iro ,
v ó s te s tir a u n h a s ú n ic a s
d o b e ijo m e u p r im e ir o .

Todo O verso agudo ou esdruxulo posto ao aca­


so, onde nas outras estrophes do mesm o poema se
poz sem pre grave, e por isso o ouvido tinha direito
de contar com elle, se não é erro, é um defeito.

Do m odo de p r o c u r a r a s r im a s
#

A fa c ilid a d e d o r im a r é filh a d o u s o ; n o p r in c ip io n i n ­
g u é m a p o s s u e , m a s a p o d e r d e e x e rc ic io a ta l p o n to c h e g a
ella,. q u e se im p r o v is a . E s t e e x e rc ic io faz -se p o r d o is m o d o s
c o n ju n c ta m e n te : le n d o com atten ç.ão p o e sia s b e m rim a d a s , e
rim a n d o ao c ab o ; tã o d e im p ro v is o se a c h a m as rim a s co m o
ü m e tro ; p o is q u e o u tr a c o isa é a fa c ilid a d e d e r im a r se n ã o
t e r a m e m ó ria b e m p r o v id a d e c o n s o a n te s , e o h a b ito d e os
e s c o lh e r co m ra p id e z ?
E is a q u i u m re m e d io c a se iro e facil p a r a s u p p r i r d icc io -
n a r io d e rim a s.

Vam os combinando mentalmente com a desinên­


cia, para a qual desejam os rima, cada uma das let-
tras do alphabeto, e em cada uma detendo-nos o
tempo necessário para nos occorrerem as palavras
nossas conhecidas, que assim terminam; v. g. quer-
se rima em asco? A, asco; B, barbasco; C, chasco,
casco nome e casco verbo, descasco, entrecasco; D,
nada;^ F, nada; G, gasco; J, nada; L, lasco, Nolas-
co, Velasco; M, masco, damasco; JS, 'penhasco; P,
10
146

nada; Q, nada;'/?, rasco, enrasco, desenrasco, fras­


co; T, atasco; V, Yasco; X, nada; Z, nada.

C o n se lh o o p tim o s e rá , q u e n a s h o r a s o c io sa s o p r i n c i ­
p ia n te se a d e s tr e em e s c o g ita r a ssim os v o c á b u lo s, p a r a q u a n ­
ta s d e s in ê n c ia s lh e o c c o rr e re m ; é u m d iv e r tim e n to q u e d á
fru c to , e elle o s e n tir á d e p o is em q u e re n d o r im a r; é u m s u a v e
e m p re g o p a ra o s a g ra d a v e is m in u to s q u e m e d ê a m e n tr e o
a n in h a r n a c a m a , e o p e g a r n o so m n o , e d e tal n a tu rp z a , q u e
a té a ju d a a c o n c ilia l-o .

CAPITULO XX

SOBRE A RECITAÇÃO DOS VERSOS

A g o ra q u e ju lg o t e r d is p o s to , co m a ssaz d e d e s e n v o lv i­
m e n to , tu d o q u e r e s p e ita á p a r t e m e c h a n ic a d a c o m p o siç ã o ,
c o n v é m q u e d e sfa ç a m o s u m a n d a in m q u e h a v ía m o s a rm a d o
p a r a n o s s e r v ir n e s ta c o n s tru c ç ã o , q u e d u r a n te ella n o s foi
u til, m a s q u e j á d a q u i á v a n le se n ã o p o d e ria s o ífre r; fallo
d a c a n tile n a com q u e o o u v id o se h a b itu o u p a r a re c o n h e c e r
d e u m m o d o c e rto e in fa lliv e l a ju s te z a d e c a d a m e tro .

A recitação dos versos não ha-de ser modulada


como geral mente a costumam .

E m v e r d a d e q u e é e s te u m a b u s o b e m diíTicil d e d e sa r-
re ig a r; é a n tig o , e é d e to d o s o s p o v o s. Os p o e ta s , q u e são os
q u e n isso m ais p e jtle m , fo ra m p ro v a v e lm e n te os se u s in tio -
d u c to re s ; d o s a u c to re s d o s p o e m a s p e g o u -s e a o s le ito re s d 'e l ­
le s; a p o sse 0 fez p a r e c e r n e c e s s id a d e n a tu ia l.
E r a m is te r n a d a m e n o s q u e u m a re v o lu ç ã o c o m p le ta n a s
— 147 —

a rte s , p a ra lh e d e m o n s tra r o a b s u rd o e e s tirp a l-o ; e ssa r e v o ­


lu ç ã o fez -se, o u , p e lo m e n o s , e s tá c o m e ç a d a . O th e a tro , cpie
e ra o m a is c o n ta g io so p r o p a g a d o r d a falsa d e c la m a ç ã o , d o lo in
a rtilic io s o , e n fá tic o , e m o n o to n o , o th e a tr o , b e n z id o p e la p h i -
lo s o p h ia n o v a , d e s e n d e m o n in h o u -s e , e fallo u ; v o lto u p a r a a
n a tu r e z a s im p le s q u e tin h a re n e g a d o , o u s o u s e r v e i'd a d c iro ,
e p a r a logo a p o e sia , q u e se a rr e h ic a v a p a r a lh e c o m p ra z e r,
a rr e m e ç o u os o iro p e le s , e tra jo s r id ic u lo s , q u e a d e s tig u ra -
v a m , e a p p a re c e u c o m o as d e u s a s d o c in z e l g re g o , r ic a e o r ­
n a d a d e s u a m e sm a d e sn u d c z . S e tra tá s s e m o s a q u i d e a lg u m a
c o is a m a is d o q u e d e d e c la m a ç ã o , p o d e ria m o s , e d e v e ria m o s
ta lv e z , n o ta r e x c e sso s d ’e s ta re a c ç ã o d a n a tu i’eza c o n tra o a r ­
tific io , p o r q u e a d e s n u d e z d a p o e s ia r e n a s c e n te tim b ro u ta n to
em a s s o a lh a r o q u e e ra o b sc e n o , to rp e e r e p u g n a n te , co m o
m il g ra ç a s n a tiv a s , q u e d ’a n te s se m ra z ã o e c o n tr a to d a a r a ­
zão se re c a ta v a m ; m a s n ó s tra tá m o s h o je u n ic a m e n te d a d e ­
c la m a ç ã o , e a té d e u m a só e m in im a p a r te d ’ella; o s e s tu d o s ,
q u e s o b re o to ta l d ’e ssa im p o r ta n te a r te te n h o feito , r e q u e ­
re m e h ã o -d e te r u m liv ro á p a r te ; d ig o , p o is , em s u rn m a , o
q u e j á o u tr a v ez p o n d e re i a r e s p e ito d a r e c ita ç ã o d o s v e rs o s
n o p ro lo g o á m in h a tra d u c ç ã o d a s M é ta m o rp h o sé s, p ag . 21 e
s e g u in te s , q u e ;

recitar versos não deve ser m edil-os nem cantal-os;


os tons e inflexões da voz devem -se variar, como até
na prosa, para fugir da monotonia, alternando-se to­
das as diversas notas sem i-m usicas, que houver na
escala natural da voz do recitador; o em prego d’es-
tas notas não deve ser ao acaso, mas regular-se pelo
discernim ento; pois ha verdadeiras correspondências
de sympathia ou antipathia, entre cada uma d’ellas,
e cada uma das idéas; as notas mais graves, condi­
zem com os pensamentos mais graves e pausados;
as mais agudas, com os mais im petuosos, com os
mais ardentes; a desauimação e a melancolia, que­
rem tons baixos; a alegria, o enthusiasm o, tons su­
bidos; é espreitar miuuciosamente a natureza, co-
Ihel-a, e seguil-a.
As pausas do recitador não devem ser determ i­
nadas pela contagem das syllabas, mas pelos cortes
— 148 —

mais ou menos profundos do pensamento ou do affe-


cto que se expressa.

O s v e rs o s p o n tu a d o s co m m iu d e z a , co m o e u m e p r o p u z e
p r a tiq u e ! n a tra d u c ç ã o d a s M e ta m o rp h o se s, p o d e ria m n e s ta
p a r t e a ju d a r os e x e rc ic io s d o p r i n c i p ia n te .

Nem 0 hemistichio necessita de ser com a reci­


tação extrem ado do hem istichio, nem m esm o cada
m etro dividido do seguinte, salvo quando no hernis-
tichio ou metro a idéa mesm a vier pedindo uma pa­
ragem .
A velocidade da recitação, variando-se calcula-
damente, contribue sobre modo para cornmover,
persuadir e arrastar o ouvinte.
Neste particular a boa declamação só póde ser
filha de um estudo prévio c profundo; do trecho que
se pretende declamar; para direcção eis-aqui alguns
principios geraes: o que é raciocínio e meditação, re­
quer m orosidade; o que é extem porâneo, subito e
como que inspirado, exige rapidez; a melancolia é
morosa; a jocosidade, o alvoroço, o enthusiasm o, os
aífectos vivos, a ira, são tanto mais velozes quanto
maior é a sua intensidade; a vingança costum a ser
tardia nas suas concepções, como que hesita de p as­
so a passo; a benevolencia brota do instincto e corre
caudalosa. O que se refere á velhice, á desgraça, ao
outomno e inverno, á noite e á m orte, assum e em
geral o caracter do recolhimento; pelo contrario o
que é da meninice e adolescência, dos folgares da
prim avera e estio, etc., arrem essa-se com facilida­
de. A s excursões do espirito pelas regiões d’além
mundo são constantemente precedidas da sonda, em
quanto pelo tumulto da vida social, e delicias do v i­
ver cidadão, a alma se precipita como por terreno
conhecido e declive.
— 149 -

Entre os graus de velocidade, e os da escala de


tons, lia secretas harmonias, mas que se reconhe­
cem facilmente; os tons mais baixos sym pathisam
com as pausas mais dilatadas; os m ais agudos com
as mais ligeiras.
A força de voz deve ser proporcionada tá inten­
ção que acompanha cada idéa; esta escala é vastis-
sima, pois corre desde o tom confidencial e do se­
gredo, que são característicos da tristeza, da inveja,
e de outros affectos que a si m esm os se aborrecem ,
até ao brado, ao grito, ao clamor, que parecem es­
pontâneos no alvoroço e nas paixões nobres. Não
quero dizer que havem os de seguir aqui á risca a
natureza, tomando como expressão d’ella o familiar;
digo, porém, que atravez das modificações exigidas
pelo decoro do declam ador e dos ouvintes, essa m es­
ma natureza se deve sem pre reconhecer, como por
baixo dos panejamentos da estatua, da pintura ou
do vivo, avultam ou se adivinham as fôrmas do cor­
po humano.
É um estudo este, mui delicado, mui difficil, e
em que os nossos actores ainda desgraçadam ente
não cairam.
Quanto mais perfeitam ente se com prehenderem ,
e com mais exacção se desempenharem estas re­
gras, tanto menos distará de perfeita a declamação,
assim dos versos, como da prosa.
A respiração é outro ponto muito digno de es­
tudo; todos os dias ouvim os cantores, aliás excellen-
tes, por não haverem aprendido a tomar o fôlego a
tempo, deitarem a perder as suas arias, desfallecen-
do-lhes, ou faltando-lhes de todo a voz, onde mais
careciam dfôlla; e outro tanto se haverá observado
em tocadores de instrum entos de sopro.
A recitação, quer de verso, quer de prosa, tem
de apresentar, assim como a m usica, periodos mais
ISO

ou menos longos, e em cada um dos quaes pode ha­


ver mais ou menos dispendio de expiração; por con­
seguinte devem regular-se prudentem enle os tem ­
pos das aspirações, assim como a maior ou menor
abundancia d’ellas.
Depois de ponto final é sem pre conveniente en­
cher de ar toda a caixa do peito, assim como o é,
quasi sem pre, depois da interrogação ou da adm ira­
ção; apoz os dois pontos, e mesm o apoz o ponto e
virgula, poderão ainda os pulm ões prover-se com
bom acerto; na sim ples virgula será já im proprio; e
onde nem virgula cabe, será absolutam ente inadm is­
sível. Em surnma, haver-se-ha cuidado em que a as­
piração coincida, quanto possivel íõr, com as pausas
ou cortes racionaes, por maneira que o ouvinte a não
perceba, pois não sendo ella dedam ação, nem parte
de dedam ação, mas só uma condição physica para
que a dedam ação exista, o deixar-se perceber dis-
trahe a quem escuta, e faz recair da illusão na reali­
dade, e do ideal no positivo, como nestas caixas de
m usica mechanica o estridor de certas molas ou ro­
das mais asperas, ou menos bem assentes, nos veda
attender ás melodias e harmonias das sonatas. Tra-
tae de reconhecer a extensão ordinaria do vosso fo-
lego, comparando-a repetidas vezes com periodos de
diversas extensões; obtido este conhecimento neces­
sário, medi com os olhos, antes de encetardes cada
peribdo que haveis de 1er, o comprimento d’esse
m esm o periodo, isto é, certiíicae-vos se o numero
de vocábulos com prehendidos entre ponto e ponto,
entre ponto e dous pontos, ponto e admiração, etc.,
vos cabe sem violência em uma só aspiração; achan­
do que sim, tomae-o e accommettei-o; aliás, registae
de antemão alguma paragem interm edia, como pon­
to e virgula, em que disíárçadamente aspireis.
15 1
C o n c lu in d o e s ta p a r t e d o n o sso tra ta d o , n ã o p o d e m o s a b s te r -
n o s d e fa z e r u m a p e q u e n a e x c u rs ã o p o r u m a s s u m p to c o n v isi-
n h o , d e m u ito m a is im p o r tâ n c ia d o q u e á p r im e ir a v is ta p o d e rá
p a r e c e r . O m e ta l d a voz, d e q u e d e p e n d e in e g a v e lm e n te u m a
g ra n d e p a r t e d o e ífe ito fa v o ra v e l o u d e sfa v o rá v e l d o q u e se
r e c ita , é sem d u v id a u m d o te n a tu r a l; é co m o a fo rm o s u ra o u
a fe a ld a d e , u m a g ra ç a o u u m a d e s g ra ç a o rig in a l. S e b e m o o b ­
s e rv a r d e s , n o ta r e is c e rta s v o z e s, ta n to em m u lh e r e s co m o em
h o m e n s , d e ta l m a n e ira s y m p a th ic a s , q u e tu d o q u a n to p r o ­
fe re m 0 a fo rm o se a m , e v o s c a p tiv a m e p e rs u a d e m in d e p e n ­
d e n te m e n te d a ra z ã o , e m u ita v e z a d e s p e ito d ’ella; q u e vos
fazem a m a r m a is o e rr o c o n h e c id o , d o q u e o u tra s a v e rd a d e
m a n ife s ta . O m e ta l d e v o z re s u lta d o d o d iâ m e tro e c o m p r i­
m e n to d a tra c h e a , d a c o n s tru c ç ã o d a la ry n g e , d a fa ry n g e , d a
b o c a , d a s fo ssas n a sa e s, e tc ., é in q u e s tio n a v e lm e n te , co m o d is ­
se m o s, u m d o te n a tu r a l; e n tr e ta n to com e s tu d o b e m d irig id o
e p e r s e v e r a n te , te n h o , q u e s e rá p o ssív e l, se n ã o Ira n s fo rm a l-o
d e feio em fo rm o so , p e lo m e n o s m o d iíic a l-o g ra n d e m e n te ; e
q u e p e rd e r ia m o s m al a q u in h o a d o s d a n a tu r e z a cm o te n ta r ?
0 o r a d o r g re g ro n ã o d o m o u v icio s re b e ld e s d a s u a falia á fo rç a
d e te im a r ? e S . J e ro n y m o n ã o c h e g o u a lim a r o s d e n te s p a r a
b e m ,p r o n u n c ia r o h e b ra ic o ?
Á q u e lle s , q u e p o r lh e s p a r e c e r n o v a a p ro p o siç ã o , p a ra
logo a e sc a rn e c e sse m e re g e ita s s e m co m o u to p ia , p e d ir ia eu,
q u e ; a n te s d e r i r , se d e sse m ao tra b a lh o d e p o n d e r a r a lg u n s
fò cto s,-c u ja e x is tê n c ia n ã o p o d e m n e g a r; e a d m ittid o s os q u a e s,
a u to p ia d e ix a p o r v e n tu r a d e o se r; e sse s fac to s e il-o s a q u i;
sã o c o m m u n s. D o m é stic o s a n tig o s c o n tra h e m in v o lu n ta r ia ­
m e n te , e sem se s e n tir, n ã o só p a r te do p e n s a r d o s s e n h o re s
co m q u e m c o n v iv e m , e m u ito d a s s u a s m a n e ira s e g e sto s, s e ­
n ã o ta m b é m o q u e q u e r q u e se ja d a s u a voz. O s a c to re s d e
p r im e ir a o rd e m , d ir-s e -ia q u e tra n s fo rm a m ta n ta s v e z es o
se u o rg ã o v o c a l, q u a n to s sã o os c a ra c te re s q u e d e s e m p e ­
nham .
l í a p e s so a s em q u e m a fac u ld ad e im ita tiv a d a falia c h eg a
ao p o n to d e q u a si c o m p le ta illu são .
A s m u lh e re s c u ja v id a lic e n cio sa as tra z m ais fa m ilia risa -
d a s com os h o m e n s do q u e com os in d iv id u o s d o se u se x o , e
q u e n e lle só tra ta m com e n te s já e g u a lm e n te d e s n a tu ra lis a -
d o s, têc m n o se u fa lla r um n ão sei q u ê de m asc u lin o , q u e se
n ã o d e v e a ttr ib iiir só á c iá p u la , e a o a b u so dos p ra z e re s. F i ­
n a lm e n te os p ro p rio s in s tru m e n to s m ú sic o s, q u e pela su a m a ­
te ria e p i'la s u a c o n s tru c ç ã o , p o d e ra m p a re c e r m onos s u je ito s
a in llu x o s ta e s, com o a íía u ta , a c la rin e ta , a c o m e ta , a tr o m ­
p a , se é' v e rd a d e o q u e d izem os se u s p ro fe sso re s, aprendem
— lo2
a s p e re z a s e d e safin aç õ e s q u a n d o b a r b a r a m e n te to c a d o s, a ssim
co m o , com a b o a e c o n s ta n te e d u c a c ã o se m e lh o ra m , e a p u ­
ra m . * ^
V ó s a q u e m a n a tu r e z a r e c u s o u u m a d a s p r im e ir a s e m a is
irr e s is tív e is sè d u c ç õ e s, a d a falia, p o n d e p e ito a c o n s e g u il-a
se sois p o e ta s; p o n d e -o , se so is o ra d o re s , a c to re s , e d u c a d o re s ,
m e s tre s o ra e s d e q u a lq u e r sc ie n c ia o u a rte ; e p o n d e -o , a in d a
q u e n ã o se ja e s c o u sa a lg u m a d ’e sta s; p o r p o u q u ís s im o e ffe ito
q u e v o s s u rta m os v o sso s e sfo rç o s p o r b e m p a g o s d ’e lle s v o s
d a re is.
O n o sso a m ig o sn r. D u a rte d e S á , q u e to d o s re c o n h e c e m
p o r m e s tre , e e x e m p la r p e ritis s im o d e r e p r e s e n ta ç ã o e d e c la -
m a ç ã o , a p r e s e n ta r á n u m liv ro q u e tra z e n tr e m ã o s , p a r a in -
s tru c ç ã o e a p e rfe iç o a m e n to d e a c to re s , u m sem n u m e r o d e
v e id a d e s u te is e u tilis s im a s , q u e o se u e s tu d o , a p r a tic a , e a
re fle x ã o , lh e te e m fe ito d e s c o b r ir á c e rc a d e to d a s e s ta s co isa s,
JNós só d e ix a m o s a p o n ta d a s a lg u m a s id ê a s g e ra e s; o d e s e n -
v o lv e l-a s e c o m p le ta l-a s to c a ao b e n e m e rito p ro fe sso r.

CAPITULO XXI

DA POESIA

C o n s tru im o s, e afin am o s o in s tr u m e n to ; a p re n d e m o s - lh e
a e sca la e os se g re d o s ;— falta o h y m n o q u e o lia -d e a n im a r, e
d iv in is a l-o . '
0 c s c u lp to r tem p r e s te s a a rg illa e os u te n s ís d e m o d e l­
izar; 0 p in to r a p a lh e ta e os p in c é is ; m a s a e s ta tu a e stá p o r
lo ir M r; a tela , q u e b a -d e s e r q u a d ro , c o n s e rv a -s e em b ra n c o .
O te m p lo , os in c e n so s, e a s flo re s, e stam p r e s te s ; o s a c e r ­
d o te p e ra iite a a ra , e o D e u s, a q u e m to d o e ste c u lto se e n -
d e r í^ a , n ã o b a ix o u . O se u o rá c u lo , a p o e sia , n ã o e x is te a in d a .
O s v e rso s, d e q u e a té a q u i te m o s tra ta d o , n ã o são m a is
q u e a fóiaua s e n s ív e l, e co m o q u e r q u e se ja m a te ria l, com
q u e a p o e sia se n o s r e v e lia . C om o to d a s a s a rte s p la s tic a s , a
v e rs ific a ç ã o p ó d e s e r fa c ilm e n te s u b m e ttid a á a n a ly s e , e su -
— 153 —
je ita a re g ra s , n ã o a ssim o e n th u sia sm o . A su a esso n cia é li-
n e id a d e . L re a d o r, com o o C re a d o r d e q u e m p ro c e d e , é ao
n o v o , ao d e sc o n h e c id o , q u e o e n th u s ia s m o a s p ir a d e c o n ti­
n u o . D eb ald e e s tu d a rie is a su a h isto ria par<a lh e p ro fe tis a r-
d e s 0 p o r v ir ; e m ais d e b a ld e a in d a p a ra p o r ella lh e im p o r-
d e s le is . \ a r i a v c l com o P ro te o , e in e x h a u riv e l com o a n a ­
tu re z a , in c a rn a -s e em to d a a e sp ec ie d e g ig an te s re p e n tin o s e
in e s p e ra v e is ; a q u i, sob o n o m e d e Hom ei-o; a lé m , d e M ovsés
d e J e re m ia s , d e B a ru c , d e D av id , de S alom ão, de V irg ílio d e
1 lo p e rc io , d e D a n te , d e S h a k s p e a re , d e K lo p sto c k . d e C a ­
m õ es, d e H ugo, d e L a m a rtin e ; é o W is h n o u da in y tb o lo " ia
In d ic a , a p p a re c e n d o ca d a v ez com u m a d iv e rs a m e ta m o r­
p h o s e , e c u ja d e rr a d e ir a e s tá a in d a e e s ta rá s e m p re p o r ch e-

A o b s e rv a ç ã o e o e stu d o c o n se g u ira m re d u z ir a codi^^os


n a o só as a cçõ es do h o m em , se n ão a in d a os tra b a lh o s da n a ­
tu re z a . P re d iz e m -s e ao m u sg o e ao c e d ro to d as as fases da
s u a e x is tc n c ia ; ao m o sq u ito e á ag u ia, to d as as su a s o b ra s; ao
o c e an o , aos p la n e ta s, ás co n stc lla ç õ es, os se u s m o v im e n to s' a o
e s tro não. ^Q u em d ir á o n d e elle p o isa , e q u e p r e p a r a em cad a
h o r a . ^ D o rm ita so n h a n d o a felicid ad e do g e n e ro h u m an o ^
^ In c h n a a su a fro n te m e d ita tiv a p a ra o aby srn o do p a ssa d o ’,
o u p a ra o do f u tu r o ? — O n d e e s p e ra e s q u e vos b a ix e do céo
co m o p o m b a C andida, su rg e -v o s d o a b y s rn o ;— q u a n d o aos
a b y s m o s p e rg u n ta e s p o r elle, v o s b a ix a d a s a ltu ra s . U m a vez
a lv o re c e com a a u ro ra to d o a rir-s e p a ra a te r r a ílo re sc e n te ;
— o u tra s , s e n ta d o aos p é s d a c ru z na c la re ira dos b o sq u e s’
v e rte lag rim as su a v es, em q u e a luz in istic a d as e stre lla s se
a p ra z d e re fle c tir-s e .
S e já in a is , p o ré m , a p o e sia com o in sp ira ç ã o foi p o tê n c ia
in c o e rc iv e l, é h o je; hoje q u e a te m p e s ta d e e n tro u n a c a v e rn a
d a S y b illa , a lv o ro to u , c o n fu n d iu , e p e rd e u to d as as folhas em
q u e ella h a v ia e s c rip to as su a s a n tig a s re sp o sta s:

. . . .n e c p o n e re in o rd in e c u ra t.

Os c e n te n a re s d e poéticas a n tig a s, q u e n ão p a ssa v a m de


re g isto s o u a ctas, do q u e a p o e sia d e ix a v a apoz si em tal o u
tal sécu lo e p aiz, legislam h o je ta n to com o as m ú m ias dos
P h a ra ó s d e n tro n a s su as p y ra m id e s no m eio dos a re a e s d e ­
s e rto s . O m u n d o v e lh o d e s a p p a re c e u com a su a e s p ir itu a li­
d a d e in a te ria listic a , com a su a fa ta listic a lib e rd a d e , com os
s e u s c â n tico s d e luz e ro sa s, com as su as d u a s e x tre m id a d e s
c ifra d a s a m b a s n o seu p r e s e n te ;— p a sso u ! os seu s d e rra d e iro s
— 154 — I

é c h o s, q u e a in d a p o r d ezo ito sécu lo s lh e so b re v iv e ra m , a c a ­


b a m de se e sv aecer.
A lógica e o s e n tim e n to v ed am q u a lq u e r p a sso r e tr o g ra d o
p a r a o q u e foi, A nossa e ra é c h ris tã ; não c h ris tã co n fe sso ra ,
n em m a r ty r , nem a p ó sto la com o a p r im itiv a d a eg reja; n ã o
de fé p o sitiv a , e x p lic ita e a rd e n te ; n ã o d e c a rid a d e su l)lim e;
m as chi istâ p o r p h ilo s o p h ia ; c h ris tã d e e s p e ra n ç a ; c h ris tã de
re m o rso s; c h ris tã d e a sp ira ç õ e s p a ra o su m m o hem ; c h r is tã
d e a m o r vago; de sy m p a th ia p a ra com tu d o ; c h ris tã em fim ,
m e n o s p o r a u lh o r id a d e , ou p o r c o n v ic ç õ e s d e m o n s tra tiv a s ,
d o q u e p o r d e sejo , p o r in stin c to , e p o r in fo rtú n io s. E s ta i n ­
filtração d o e s p irito do c h ristia n isrn o no in tim o dos e n te n d i­
m e n to s q u e 0 d ire ito d iv in o fez p rin c ip e s e c o n d u c to re s p o r
e n tr e a im ita tiv a p le b e dos e sp irito s, p ro d u z iu o m ais n o tá ­
v el c a ra c te rístic o d a p o e sia h o d ie rn a . A p o e sia a n tig a p o u c o
m ais tin h a q u e a a c tu a lid a d e :

Q uod sit fu tu ru m e ra s, fuge quoerere;

a d e h o je, p e lo c o n tra rio , q u a si q u e n ão sab e c o n s id e ra r o


p r e s e n te em a b s tra c to das rela çõ e s com o q u e e ra , e com o
q u e h a -d e se r; a a n tig a c a n ta v a as d e lic ia s do v iv e r, i n t e r ­
ro m p e n d o -se a p e n a s com u m g e m id o , q u a n d o u m e sp in h o p o r
e n tre as su a s ro sa s a p ic a v a , q u a n d o d ’e n tr e os se u s ly rio s a
m o rd ia u m a a b e lh a :

M eus sa n a in c o rp o re sano;

a p re s e n te , a c c e ita as d o re s, p ro c u ra -a s e e n th e s o ira -a s , p e d e
ao p r e te rito o ra sa u d a d e s, o ra a rr e p e n d im e n to s ; ao p o s s iv e l,
o ra re c e io s, o ra e sp era n ç as.
O a m o r p a ra com a m ãe, e o a m o r p a ra com os filh o s,
sy m b o lisa ria m e sta p o esia; sy m b o lisa i-a -h ia a in d a o a m o r d a
te r r a , q u e é de alg u m a so rte c o m p le x o d ’a q u e lle s dois. A p o ­
b rez a e 0 in fo rtú n io são m ais in sp ira d o re s p a ra e sta p o e s ia ,
d o q u e os d e le ite s e a se re n id a d e o fo ram p a ra a q u e m o rre u .
A s in c e rte z a s m esm as d o s n o sso s te m p o s; as c o n tin u a s d e s ­
tru iç õ e s a q u e a ssistim o s; o a n h e la r de to d a u m a g era ç ã o p a r a
0 p ro g re sso , são in co in m o d o s, m as são p o esia. A n tig a m e n te ,
a p o e s ia fa z ia -se , o u a p a n h a v a -s e feita, com o se colhem p o ­
m o s e b o n in a s; h o je a p o e sia v iv e -se ; re s a lta d e tu d o q u e n o s
c e rc a ; p o d e n d o -se d iz e r com assaz d e e x a cção , o q u e j á a l­
g u é m d isse; q u e a artificial é a p ro sa , e a p o e sia a n a tu r a l;
p o r q u e o n a tu r a l d a a lm a in te llig e n te e a ffe c tiv a, é m u ltip li-
n
— 155 —
c a r c a d a v ez m a is as su a s re la ç õ e s com os e n te s do m u n d o
e x te rn o .
A p o e s ia g reg a, a ro m a n a , e a ro m a n isa d a , tin h a m o seu
p e n d o r p a ra a s y n th è s e ; a n ossa tem o se u p a ra a a n a ly s e ;
d ’ah i p r o v in h a s e r a q u e lla su s c e p tív e l d e m a io r p e rfe iç ã o de
c o n to rn o s , e d e u m gosto m a is irre p re h e n s iv e l; ao m esm o
p a s so q u e e s ta faz a b so lv e r as su a s m esm as irre g u la rid a d e s ,
p o r u m c a rd u m e d e p e q u e n o s e lte ito s n o v o s e im p re v is to s ;
o s p ro d u c to s d a q u e lla e ra m com o os d a e s ta tu a ria , em q u e a
fó rm a e x triu s e c a é tu d o ; os d ’e sta lem bi'am os tra b a lh o s d a
a n a to m ia e d a p a th o lo g ia , n o s q u a e s o d e s e n c a n ta m e n to d e
m ilh õ e s d e a rc a n o s, co m p en sa m u ita re p u g n â n c ia e m u ito a s ­
c o ; lá, m o s tra v a -s e do v iv e r h u m a n o a sala e o ja r d im ; c á ,
d e s c e rra m -s e , talv e z com d e m a sia d a fra n q u e z a , to d o s os, r e ­
c a n to s e p e n e tra e s m ais in tim o s; o c a m a rim , a alcova7“o s u b ­
te r r â n e o , 0 o ra to rio , e o m ira n te ; o n d e n ã o ch eg a a luz d o d ia ,
v a e -s e com a la n te rn a e x p lo ra d o ra . E m su m m a , e n tã o o c a n ­
to e ra só m elo d ia, o P a rn a s o o se u m u n d o ; a g o ra to d o o
m u n d o , e to d o s os m u n d o s, são o seu P a rn a s o ; e os se u s c a n ­
to s u m a h a rm o n ia in fin ita n ’u m a h a rp a de m il c o rd a s. D ’u ni
lad o a p e rfe iç ã o , m as d e sa n im a d a ; d o o u lro , as c o m m o çõ es,
m a s a m iu d o a c o m p a n h a d a s do d e lirio . P a ra A n a c re o n te b a s ­
ta v a u m a taç a e v io le ta s; p a ra H o racio a fo n te de B la n d u sio ,
e u m b a n q u e te de e p ic u re o em casa de M ecenas; o g e n io a a
p r e s e n te n e c e ssita d e q u e o seu a la ú d e tro v e je n o in fe rn o ,
c a n te ou gem a n a te r r a , s u s p ire n o ceo, e se d isp e rso p e lo in ­
fin ito .
O desiderandim, a a m b iç ã o de to d o o v e rd a d e iro p o e ta ,
d e v e ria s e r c o n to rn a r, se é p o ssív e l, to d a a p a ix ã o m o d e rn a
com a s e v e rid a d e d a s fô rm a s a n tig a s; fu n d ir com a g raç a e le ­
g a n te e irre p re h e n s iv e l de V irg ílio , a d e sg re n h a d a n u d e z d e
b h a k s p e a r e ; p r o d u z ir d 'e s te s e le m e n to s d iv e rso s, m as n ã o o p -
p o sto s, u m to d o m ais p rec io so q u e elles a m b o s; com o dos v á ­
rio s m eta es, d e rre tid o s p e lo in cê n d io , a p p a re c e u p a ra e s ta ­
tu a s d e d e u s e s o m eta l d e C o rin th o . ^Q ue se ria n e c e ssá rio
p a r a o c o n seg u ir? o e s tu d o p ro fu n d o dos m odelos a n tig o s, d e ­
te rm in a n d o 0 q u e lh es fallece; e egual e stu d o d as o b ra s p r i ­
m a s m o d e rn a s, a p o n ta n d o o q u e lh es so b ra; te r s e m p re p r e ­
s e n te ao e s p irito , q u e a a rte é alg u m a co isa m ais do q u e a n a ­
tu re z a , e p a ra o s e r n ão póde p re s c in d ir de su b lim a r o v e r ­
d a d e iro a té ao id ea l, isto é, d e a s p ir a r ao bello, á p e rfe iç ã o
a r c b é ty p a em tu d o e c o n sta n te m e n te . N u m a p a la v ra , e p o r
d e rra d e iro , se é diíficil e im p ra tic á v e l p re s c re v e r b o je leis á
p o e sia , u m c o n selb o sau d av el se p ó d e , e d e v e d a r c o m tu d o
ao s se u s n o v c is c u lto re s; este c o n selh o n ão é no v o ; j á ha
— 15G —

d e z e n o v e sé cu lo s, j á a n te s q u e d e s p o n ta s s e d a J u d é a o sol d a
m o ra l, d a s a rte s e d a c iv ilisa ç ã o , j á n o se io d a m a is c o rro m ­
p id a c id a d e do m u n d o , p a r a p a g ã o s o h a v ia e s c rip lo o p r i ­
m e iro m e s tre d a p o é tic a .
« A p re n d e i a p h ilo s o p h ia d o s d e v e re s,« d izia elle, « a p re n ­
d e i 0 q u e se d e v e á p a tr ia , ao s am ig o s; o a m o r q u e v o s m e ­
re c e m vossos p a e s, v o sso irm ã o , e o v o sso h o s p e d e ; a s o b r i­
g a ç õ es d o so ld a d o , d o g e n e ra l, d o ju iz ; se ja S o c ra te s o v o sso
m e s tre .»
M ais do q u e S o c ra te s , se ja o n o sso ; se ja a q u e lle , q u e , c i ­
fra n d o em si a h u m a n id a d e e a d iv in d a d e , n ã o só c o m p le to u
e e x e m p lific o u a lh e o ria d e to d as a s v ir tu d e s , m as foi elle
m esm o o p r o to ty p o d a m a is c o m p le ta , d a m ais a b s o lu ta p o e ­
sia ; a c o n c ilia ç ã o m ais p o r te n to s a d o p o s itiv o com o id eal.

P . S .— O a u c to r a n n u n c iá r a h a a n n o s u m a te n ta tiv a so ­
b r e p o é tic a p a ra se a ju n ta r co m o c o m p le m e n to ao p r e s e n te
o p u s c u lo so b re rn e trilic a ç ã o . P a r te d ’esse p ro je c to , p r in c ip io u
a s e r im p re ss a ; m as ta e s m o n ta n h a s d e d iffic u ld a d e s a to d o s
os m o m e n to s lh e su rg ia m em tã o v a sto , tã o co m p lic a d o , e tã o
c o n tro v e rtid o a s su m p to , q u e o o b rig a ra m a p a r a r , e a d e s is ­
t i r d o e m p e n h o , e p a ra se m p re . U m a p o é tic a g e ra l p a ra h o je ,
fig u ra -se -lh e co isa im p o ssív e l. C ada u m tem a su a b o a , o u
m á , e n e n h u m a o u tra a c e ita ria .

F IM .
Pag.
Dedicatória.................................. -.................... 3
Proiogo............................................................... 5

CAPITULO I

O que seja verso.............................................. 9

CAPITULO II

Dos accentos predominantes, on pausas em


geral............................................................... 23

CAPITULO III

Quantas especies de metros ha em lingua


portugueza.................................................... 26

CAPITULO IV

A’^ersos agudos, graves eesdrúxulos............ 32

CAPITULO V

Dos metros simplices e compostos em geral 38


CAPITULO VI

Primeiro exercicio métrico............................ 54

CAPITULO YII

Dispensável digressão sobre a iudole da lin­


gua portugueza em relação aos metros. . 57

CAPITULO VIII

Observações sobre a melodia dos versos. . . 65

CAPITULO IX

Tentativa sobre cada uma das lettras do al- '


ph abeto..........................................................

CAPITULO X
»

Dos diplitongos e das vogaes nazal adas.. . . 76

CAPITULO XI

Das lettras consoantes em geral................... 79

CAPITULO XII

Di gressão—Estatistica dos sons e articula­


ções na lingua portugueza........................ 90

CAPITULO XIII

Ampliação da theoria dos valores das vogaes


e consoantes.................................................. 92
INDEX

CAPITULO XIV

Amostras e exercícios onomatopicos............. 95

CAPITULO XV

Novo exercício de versificação...................... 105

CAPITULO XVT

Lexicoloma........................................................ 108

CAPITULO XVII

Emprego dos consoantes entre os antigos... 124

CAPITULO XVIII

Continuação sobre a rima dos antigos ver­


sos de sette syllabas................................... 131

CAPITULO XIX
UM
Das estropbes e rima dos contemporâneos. 141

CAPITULO XX

Sobre a recitação dos versos.......................... 146

CAPITULO XXI

Da Poesia.......................................................... 152
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