educagie
Sgidornie: et pe da: historia ao:
sobre 4 construgée do sistema tational
de edatagae:Copyright © 2013 by Editora Autores Associados Ltda.
“Todos os dios desta digo reserrados Falitora Antores Associados Lida,
Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagao (CIP)
(CAmara Brasileira do Livto, SP, Brasil)
Saviani, Dermeval
Aberturas para a histéria da educaszo : do debate tevrico-metodolégico no campo da
bhistoria ao debate sobre 2 construsio do sistema nacional de educacio no Brasil Dermeval
Saviani. — Campinas, SP = Autores Associados, 2013.
Bibliografia.
ISBN 978-85-7496-300-6
1, Educagio - Brasil - Historia 2. Bducagto - Historia 3. Escolas piblicas- Brasil - Historia
4.Pedagopia - Histéria I. Teulo,
13.0744 cpp -370.981
Indice para catélogo sistemitico:
1. Brasil: Edueago : Kistria 370.981
Impresso no Brasil - setembro de 2013
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Carios Roberto Jamil Gury :
Dermevat Seviant Digan
Gilberte S. de M.Jannect Maisa. Zagria
Maria Aparecida Motta
Walter # Garcia Copa
Maisa 8, Zagria
Dire uestv0 Baseada em Kho, sooner
Flvio Bay dos Res Piere Mignari 1659 antesPreficio
capitulo 1
O debate tedrico ¢ metodolégico no campo da hist6ria e
sua importancia para a pesquisa educacional...+ s+. ++++ seed
capitulo IL
Breves consideracées sobre fontes para a histéria da educagio. .... » veeeell
capitulo TL
O local ¢ 0 nacional na historiografia da educagio brasileira....--.. +++ 19
capitulo IV
Instituigdes escolares: conceito, histéria, historiografia e praticas ....--- 33
capitulo V
Instituigdes escolares no Brasil: a questo da reconstrugio histérica . -..- 5
capitulo VL
Epistemologia ¢ tearias da educagio no Brasil.
capitulo VIL
Educagao e contemporaneidade . . ee enliae $284
capitulo VIII
Transformagées do capitalismo, do mundo do trabalho e da educagao « . . 89
capitulo IX
Historia, educagdo e transformagho: tendancias ¢ perspectivas
para a educagao publica no Brasil ..-.++ 21299
capitulo X .
Historia da escola publica no Brasil: um quadro de referéncia - 119capitulo XI
Histéria da escola publica no Brasil: questdes para pesquisa .. . 133
capitulo XIL
Ensino e pesquisa em histéria da educagio ........ 153
capitulo XI
Trabalho didatico e historia da educacio . =ynve ea ees 173
capitulo XIV
A investigacio sobre ética e politica na dinamica da pesquisa em
educagio no Brasil e sua importincia para a formacio do educador .....195
capitulo XV
Histéria da educagio e politica educacional........ +207
capitulo XVI .
Intelectuais, memoria ¢ politica... 5 cee RS,
capitulo XVII
Estégio atual e uma nova perspectiva para a histéria da educagio .......231
capitulo XVII
Sistema nacional de educagio ¢ participagio popular:
desafios para as politicas educacionais .... fee eeeeeeeees 241
Referéncias. . ee viPREFACIO
Be
Os capftulos que compéem este livro foram escritos em diferentes opor-
tunidades, cobrindo um petiodo que se estende de 1997 a 2013.
Na organizagiio do livto, procurei dispor os textos comecando por aqueles
de carater tedrico-metodologico. Passo, em seguida, aos que envolvem temas
dleterminados como instituigdes escolares; epistemnologia ¢ teorias da educagio;
relagéo entre contemporaneidade, capitalismo, trabalho ¢ educagio; escola
publica; relacio entre ensino € pesquisa. Concluo com a responsabilidade
politica e social do historiador ea abertura de nova perspectiva para a historia
da educagio. E encerro o livro com o momentoso tema da construgéo do
sistema nacional de educagéo no Brasil.
Para situar os leitores quanto 2 origem dos capitulos, apresento agora os
textos na ordem cronolégica de sua produgio.
De 1997 é “O debate tedrico ¢ metodoldgico no campo da historia e sua
importincia para a pesquisa educacional”, que é 0 primeito tanto na ordem
cronoldgica quanto na ordem dos contetides que orientou a disposigao dos
capitulos no livro. Como confeténcia de abertura do IV Seminario Nacional
do Fisreper, que contou com a participagao de convidados internacionais,
esse texto baliza o debate tedrico-metodolégico da historiografia, o qual foi
‘o tema central do evento.
Fundadaem 1999, a Sociedade Brasileira de Historia da Educacao (SBHE)
realizou, em 2000, o I Congresso Brasileiro de Historia da Educagao. Na
condicio de presidente da nova entidade, coordenei a sesso de abertura
do congresso, na qual discorti sobre “Histéria da educagao € politica educa-
cional”. Por abordar a responsabilidade social e politica do historiador da
educago tendo, pois, um carter prospectivo, esse texto foi incluido na parte
final do livro. .vat SRR DERMEVAL AVANT
A tealizaco, em 2001, do V Seminario Nacional do Histepsr ensejou
a conferéncia de abertura “Transformacdes do capitalismo, do mundo do
trabalho e da educagao”, tema geral do seminério, Neste livro, esse texto cons-
titui o capitulo VIIL, antessala do bloco de textos sobre a educacao publica.
Em 2002, realizouse a | Jornada do Histepar em Salvador tendo por
tema a historia da escola publica, cuja conferéncia de abertura, “Historia da
escola publica no Brasil: um quadro de referéncia”, compée o capitulo X.
Ainda em 2002, a Il Jornada do Histener realizada em Ponta Grossa e
Curitiba versando sobre “Fontes ¢ historia das instituigdes escolazes” possibi-
litou a elaboragio do texto “Breves consideracées sobre fontes para a histéria
da educagio”, que compée o capitulo I, situando-se, assim, no primeiro bloco
referente ao ambito tedrico-metodolégico da histéria.
Em 2003, aconteceu em Aracaju o VI Seminario Nacional do Histeppr,
cuja conferéncia de abertura, “Histéria da escola publica no Brasil: questées
para pesquisa”, constitui o capitulo XI.
Também em 2003, a conferéncia “Ensino e pesquisa em historia da
educagio”, proferida na abertura do II Congresso de Pesquisa ¢ Ensino em
Historia da Educacao em Minas Gerais, realizado em Uberlandia, deu origem
a0 capitulo XI.
De 2004 € 0 texto apresentado na mesa de abertura da IV Jornada do
HisTeper realizada em Maringa, com o titulo “Estagio atuale uma nova perspec-
tiva para a historia da educasao”. Por sugerir a abertura de novas possibilidades
para 2 historia da educacdo, foi inserido no tiltimo bloco do presente livro.
Datados de 2005 sao os capitulos IV, Ve VI, que versam respectivamente
sobre “Instituicdes escolares: conceito, histéria, historiografia e praticas”;
“InstituigGes escolares no Brasil: a questdo da reconstrucio histérica”; e “Epis-
temologia ¢ teorias da educagio no Brasil”. Os dois primeiros constituem as
conferéncias de abertura da V e da VI Jornadas do Histenpe realizadas em
Sorocaba e em Ponta Grossa. O terceiro texto, por sua vez, éa conferéncia de
abertura do I Seminario de Epistemologia e Teorias da Educagio (Evisten),
tealizado em Campinas.
A conferéncia de abertura da VII Jornada do Hisrepar realizada em
Campo Grande, em 2007, denominada “Trabalho didatico ¢ historia da
educacio”, constitui o capitulo XIIL."ABERTURAS PARA AHISTORIADA EDUCAGAO Re x
De 2008 €0 texto que compoe o capitulo XIV, “A investigacao sobre ética
e politica na dinamica da pesquisa em educacao no Brasil ¢ sua importancia,
para a formacio do educador”, que constituiu a conferéncia de abertura do
I Simpésio Nacional sobre Politica, Etica e Educacio (I PoreTHOs), realizado
em Campinas, Esse texto revestese de um significado especial para mim. Para
situar historicamente o tema da investigacdo sobre ética e politica, recorri &
obra de Cervantes, Dom Quixote, reportando-me a sua expresso musical na
suite “Dom Quixote”, de Georg Philipp Telemann. E nesse mesmo ato de
abertura do I Po:ruos, apresentouse o grupo de musica barroca executan-
do a suite de Telemann com a participagao de meu filho Benjamim Motta
Saviani ao violino.
Em 2009, foi proferida a conferéncia de abertura do I Seminario Discente
Educagao e Contemporaneidade, realizado na Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro, dando origem ao capitulo VII, “Educacao e contemporaneidade”.
Em Campinas realizou-e, também em 2609, o VIII Seminario Nacional
do Histeps, cuja conferéncia de abertura constitui o capitulo IX, “Histéria,
educacio e transformaga
sndéncias e perspectivas para a educacio publica
no Brasil”.
Em 2010, ocorreu em Belém do Para a LX Jornada do Histenaa, cuja
conferéncia de abertura, “O local e o nacional na historiografia da educagao
brasileira” veio a compor o capitulo IIL.
Aconferéncia de abertura da X Jornada do Histepne realizada em 2011 em
Vitoria da Conquista, que teve por tema “Intelectuais, meméria e politica”,
constitui o capitulo XVI desta obra.
Finalmente, a conferéncia “Sistema nacional de educacao e patticipagao
popular: desafios para as politicas educacionais”, proferida na abertura da 36*
Reuniio da Associagao Nacional de Pés-Graduacdo e Pesquisa em Educagéo
(Anred), realizada em Goidnia em 2013, constitui o ultimo capitulo desta obra.
‘Na organizacao do livro preferi, em lugar da ordem cronolégica, dispor
os capitulos conforme o conteiido, disttibuindo-os em cinco blocos ou mo-
mentos diferenciados.
No primeiro momento, que compreende os trés primeiros capitules, reuni
os trabalhos ligados 4 questio tedrico-metodolégica.x Be DERNEVAL SAVIANI
Osegundo momento abrange textos que tratam das instituigdes e teorias
da educagio escolar, estendendose do capitulo IV ao VIIL No terceiro mo-
‘mento, encontram-se os textos que versam sobre a escola piiblica, englobando
08 capitulos IX, X e XI. O quarto momento abrange os capitulos XII, XIIL
XIV, cujo contetdo gira em torno das relagdes entre ensino e pesquisa e
de questées didatico-pedagdgicas. © quinto bloco compreende os capitulos
XV, XVL ¢ XVIL, sendo que os dois primeiros destacam, respectivamente, a
responsabilidade social ¢ politica do historiador da educacao e o papel do
intelectual; fechando 0 bloco, 0 capitulo XVH langa uma nova perspectiva
para a historia da educacio. Finaliza o livro 0 capitulo XVIII, tratando do
sistema nacional de educagao, tema de palpitante atualidade a tal ponto que foi
definido como eixo central da Il Conferéncia Nacional de Educagaio (Conaz)
programada para ser realizada em Brasilia em fevereiro de 2014,
Embora versem sobre temas variados, todos os trabalhos mantém em co-
mum a referéncia a historia da educacio, tendo sido escritos e pronunciados
de conferéncias de abertura de eventos do canipo da historiografia
educacional. Justificase, assim, literalmente, o titulo Aberturas bata a historia
da educacdo atribuido ao presente livro. Mas, além dessa justificativa de ordem
etimologica, o titulo também evoca uma semantica particular, pois indica que
08 educadores, se quiserem compreender a fundo o significado radical de seu
oficio, devem abrirse sem reservas para a histéria da educacio. Nessa condigio
poderao intervir com propriedade e conhecimento de causa no debate sobre
a construgio do sistema nacional de educacio no Brasil.
Campinas, 22 de junho de 2013
Dermeval Savianicapitulo
O DEBATE TEORICO E METODOLOGICO
NO CAMPO DA HISTORIA E SUA IMPORTANCIA
PARA A PESQUISA EDUCACIONAL*
Be
Num encontro de historia da educagao, comecar pela prépria histéria nao
parece coisa vi, ainda que, como veremos mais adiante, no debate em curso
atualmente ela mesma, a historia, vem sendo posta em questo. Acredito,
porém, que, até para nos introduzirmos de forma apropriada nesse debate,
entendendo o grau, 0 sentido e o contexto em que a historia vem sendo
questionada, importa o resgate histérico do problema.
Em visio retrospectiva, é possivel constatar que a historia s6 se pés como
um problema para o homem, isto é, s6 emergitt como algo que necessitava ser
compreendido e explicado, a partir da época moderma. A razio disso é relativa-
mente simples. Enquanto os homens garantiam a propria existéncia no ambito
de condigSes dominantemente naturais, relacionandose com a natureza através
da categoria da “providéncia”, o que implicava o entendimento de que o meio
natural lhes fornecia os elementos bsicos de subsisténcia - os quais eram apro-
priados em estado bruto, exigindo, quando muito, processos rudimentares de
transformaco que, por isso mesmo, resultavam em formas de vida social estéveis
sintonizadas com uma visio ciclica do tempo -, nao se punha a necessidade de se
compreender a razio, 0 sentido ea finalidade das transformacdes que se processam
no temps, isto é, nao se colocava o problema da histéria.
Conferéncia de abertura do IV Seminario Nacional de Estudos ¢ Pesquisas “His-
titia, Sociedade ¢ Educacao no Brasil”. Campinas, 14 a 19 de dezembro de 1997.
Publicado anteriormente em Saviani, Lombardi ¢ Sanfelice (Org.), 2010, pp. 7-17.> BR DERNEVAL SAAN
A ruptura com as formas de vida apontadas, que prevaleceram até a
Idade Média, dé origem a época moderna. Nesta, as condigSes de produgio
da existéncia humana passam a ser dominantemente sociais, isto é, produzi-
das pelos proprios homens. A natureza passa, assim, a ser entendida como
matéria-prima das transformagdes que os homens operam no tempo. E a
visio do tempo deixa de ser ciclica, caracterizandose agora por uma linha
progressiva que se projeta para frente, ligando 0 passado ao futuro por meio
do presente. Surge af a questio de se compreender a causa, 0 significado e
a diregdo das transformacées. A historia emerge, pois, como um problema
nao apenas ptitico, mas também tedrico. © homem, além de se constituir
em um ser histérico, busca agora se apropriar da sua historicidade. Além de
fazer historia, aspira a tornarse consciente dessa sua identidade.
Nesse contexto, todo um conjunto de reflexes sobre a historia vai
desenvolverse a partir do século XVII, reflexdes que atingirao a sua maxima ex-
pressio tedrica no século XIX nas obras de Hegel e Mance, numa outra vertente,
desembocando na corrente positivista derivada de Comte. Sobre a base dessas
teflexdes foi possivel imprimir carter cientifico (no sentido que essa palavra
adquiriu na modernidade) aos estudas histsricos. His porque se pode aftrmar
que, “até por volta de 1850, a Histéria continuou a ser, para os historiadores
€ para o publico, um género literario” (LANGLOIs & SrIGNoBos, 1946, p. 211).
Talvez esse cariter de géneto literario, isto é, a consideracao da historia
como narrativa, seja uma das raz6es da larga e longa predominancia do posi-
tivismo na produgao historiografica. Com efeito, mais do que a exigéncia de
cientificidade, a diretriz positivista de descrigio fiel dos fatos esta em conso-
nancia com a visio j arraigada no senso comum, da historia como narrativa,
ai entendida como descricao dos fatos, ou seja, dos acontecimentos passados
(do latim factus = feito).
Formulando de outra maneira a mesma hipétese, dirse-ia que o que se
entende como predominancia do positivismo nao se configuraria exatamente
como tal, mas se trataria, antes, da persisténcia da historia como narrativa,
continuando a tradicéo que remonta a antiguidade e incorporando, a partir
do século passado, procedimentos formais, derivados do método cientifico,
1no processo de levantamentt e organizacio das fontes & na sistematizagao e
exposicio das informacées. £ nesse ambito que se fara sentir a incidéncia
do positivism, antes que na concepsio de historia ¢ na instituicéo de uma
cigncia da historia/ABERTURAS PARAAHISTORIADA EDUCAGAO a
Essa hip6tese ganhe ainda maior consisténcia quando se consideram as
reiteradas observaces atinentes & pouca familiaridade dos historiadores com
© trato da teoria, com a reflexio filoséfica e a epistemologia da ciéncia. Ciro
Flamarion Cardoso (1997, p. 4), ao referirse & pretensio dos historiadores
de escrever uma historia cientifica e racional, afirma que, no entanto, isso
raramente se pratica com rigor, “mesmo porque muitos historiadores carecem
de uma formagio que a tanto os habilite”. E mais adiante, no mesmo texto, ©
autor, abordando agora as tentativas de utilizacio da ciéncia contemporénea,
em especial a teoria quantica, para contraporse as nogdes de causalidade,
objetividade cientifica, determinagio ou realismo, afirma que isso, porém,
foi feito de um modo que evidencia as deficiéncias de informagies,
em especial da parte dos historiadores, vitimas as vezes de sua falta de prepare
cientifico € filoséfico, que os faz embarcar nas canoas que Thes paregam no
sentido por eles pretendido, sem verificar se estio ou nao furadas: com eftito,
6 frequente que esgrimam argumentos envethecidos, além de conhecidos so de
segunda mao lidem, p. 11].
Essa mesma dificuldade é explicitada também por Francisco Falcon (1997,
p. 97) ao tratar do “territério” histérico denominado de “historia das ideias”,
quando conclui que “as relagdes geralmente mantidas pelos historiadores com
as ‘ideias’ so no minimo precatias”. E aponta, entre os fatores explicativos
dessa precariedade, os seguintes.
1) A manifesta indiferenca de muitos historiadores em matéria de
questdes conceituais, tidas como abstracdes filoséficas complicadas
ou intiteis;
2) © hébito generalizado entre os historiadores de admitir « priori a
transparéncia de significado das categorias utilizadas, que so reme-
tidas com naturalidade ora ao senso comum, oraa contextos tedricos:
especificos, sem nenhum senso critico.
Efetivamente, os historiadores, de um modo geral, nfo tém se ocupado,
com a desejével acuidade, das questdes epistemoldgicas da historia, As exce-
g60s ficam por conta de Alexandru Xenopol, Princtpios fundamentais da histéria« BR DERMEVAL SAVANE
(1899); Paul Lacombe, Da historia considerada como ciéncia (1893); Henri-lrinée
Marrou, Do conhecimento histérico (1954); Paul Weyne, Como se escreve a histéria
(1971). Em-verdade, a produgao nessa area tem sido dominada pelos filésofos
¢, excepcionalmente, por filoséfos-historiadoxes, como € 0 caso de Benedetto
Croce, Teoria e historia da historiografia (1912) e A Histéria como pensamento e
como agdo (1939).
Apés a reacio antitracionalista ocorrida na virada do século XIX para o
século XX, representada, por exemplo, pelas obras de Dilthey e de Spengler,
organizase, na década de 1920, 0 movimento que se traduziu na Escola dos
‘Annales, enquanto busca de superacio dos limites da historiografia tradicional
de fundo positivista, até entio dominante. Nas suas duas primeiras fases que se
estendem até 1969, com aaposentadoria de Fernand Braudel, esse movimento
pautouse pela busca de construgio racional de uma histéria totalizante. A
partir dos anos de 1970, da-se uma inflexio com a adogao de pressupostos
estruturalistas oriundos da filosofia, da linguistica e da etnologia, inflexio
esta que desembocar4 na autodenominada Nova Historia, a qual se converteu,
no pivé do atual debate tedrico e metadoldgico no campo da histétia a0 se
contrapor historiografia que vinha sendo praticada, seja na perspectiva tradi-
cional & qual se atribuia a influéncia positivista, seja na perspectiva critica de
orientag3o marxista ou tributitia da Escola dos Annales, das fases lideradas
por Lucien Febvre e Marc Bloch e, depois, por Fernand Braudel.
Na visio de Ciro Flamarion Cardoso (1997, pp. 1-23), o embate atual
travase entre dois paradigmas que ele denomina de “iluminista”, o primeiro,
¢ “pésmoderno”, o segundo.
‘Como foi acenado no inicio desta conferéncia, a propria historia vem
sendo objeto de questionamento neste momento, quando se torna corrente
aafirmagio da impossibilidade do surgimento de novas teorias globais, o que
inviabiliza “tanto a histéria que os homens fazem, se se pretende perceber
nela algum sentido, quanto a historia que os historiadores escrevem entendida
como uma explicacao global do social em seu movimento e em suas estrutur
tages” (idem, p. 13). Para esse autor,
amelhor resposta a tal desafio seria, ¢ claro, produzir uma teoria holistica do social
‘que, escapando & parte fundamentada das criticas feitas as teorias disponiveis, desse
conta das sociedades de hoje ~ © que a qualificaria também para o entendimento
das sociedades passadas lidem, ibidem|._ABERTURAS PARAA HISTORIA DA EDUCAGAO RRs
Ele perguntase, entio, por que isso nfo ocorreu ainda, e avanga a seguinte
resposta: ’
Parece-me que, nese particular, as ciéncias sociais, entre elas a historia, estio
numa situagdo andloga a das ciéncias naturais por volta de 1890. Naquela
época, haviamse
acumnulado criticas numerosas ¢ irrespondiveis as teorias
vinculadas a uma visio newtoniana do universo. Mas s6 a partir de 1900,
com a teoria quintica e depois a relatividade, um novo paradigraa comecaria
a eshocarse. Os ultimos anos do século XIX caracterisaramse, entio, por
um maLestar tedtico © epistemoldgico entre os cientistas naturais, similar
0 dos cientistas sociais da atualidade: com 0 agravante, para estes iltimos,
de que as teorias disponiveis caducaram sobretude porque o proprio objewo
central - as sociedades humanas contempordneas ~ mudou muito intrinseca-
mente. Ou melhor, o que nos leva a0 cere do problema: ainda esté mudando
radicalmente, mas em um processo que, se jé revela alguns de seus aspectos ¢
potencialidades, longe esti de haver chegado ao fim e portanto de manifestar
todas as suas consequancias lidem, ibidem}.
Estamos, pois, numa fase de transicao em que novas condicdes jé estéo
configurando-se, mas ainda nao amadureceram o suficiente para permitir
a formulacdo e sistematizacao da teoria adequada para compreendélas
¢ explicélas. Essa circunstincia favorece as concepgdes de dissolugio da
historia em miultiplas historias e o abandono das explicagdes de amplo
alcance, que passam a ser taxadas como invidveis e sem sentido, aspectos
esses que integram o chamado “paradigma pés-moderno”. Ao mesmo
tempo, a revalorizagio da historia como narrativa sugere um retorno aos
idos de 1850, quando a histétia era entendida pelos historiadores, assim
como pelo publico de um modo geral, como um género literério, conforme
afirmagio de Langlois ¢ Seignobos na obra Introdugdo aos estudos histéricos
(1946), publicada em 1897.
Quanto ao “paradigma pés-moderno”, apés apresentar as suas principais
caracteristicas, Ciro Flamarion Cardoso faz o inventirio das principais criticas
que, a seu ver, devem ser dirigidas a essa tendéncia:
1) O antirracionalismo tipico dessa corrente acompanhase, por vezes, de
certo desleixo tedrico e metodoligico e, 0 que & especialmente grave no
caso de historiadores, até mesmo no que diz respeito & critica das fontes.o Bae DDERMEVAL SAVIANI
2) Os posmodernos costumam set mais apodieticos e retdricos do que
argumentativos, lancando mao de afirmag6es apresentadas como se
fossem axiomiticas e autoevidentes, no sendo entio demonstradas -
como se bastasse dizer “eu acho”, “eu queto”, “minha posico ¢...”,
nao se preocupando, também, com a refutagao detalhada e rigorosa
das posig&es contrarias
3) Ha paradoxos © aporias insoltiveis em muitas das posigoes pos.
-modernas. Exemplos: a) na defesa da “desconstruciio”, sendo os
pontos de partida a negagio de um sujeito agente e de qualquer
relagio referencial entre discurso ¢ realidade, por que o discurso da
desconstrugio seria mais accitével, teria maior autoridade do que
qualquer outro dos discursos ¢ escritas, no jogo dos significantes
que se multiplicam até o infinito? b) e como conciliat a negacgdo do
sujeito e do homem com um método hermenéutico relativista que,
na pratica, descamba para o subjetivismo?
4) Poderse-ia invocar também, contra muitos membros da corrente
atual, o fato de cairem no velho “facam o que eu digo, nao o que ew
fago”. A dentincia da ciéncia ¢ do racionalismo como terrorismos a
servigo do poder esti longe de significar que os pés-modernos, uma
ver encastelados em posigio de poder, sejam mais tolerantes na pra
tica, devido ao relativismo que em tese pregam, do que agueles que
ctiticam ¢ combatem idem, pp. 19-20, passim].
Essa contraposic&o apresentada por Ciro Flamarion Cardoso entre os pa-
radigmas “iluminista” e “pos moderno”, aliés, 4 proposta por ele em 1991 no
[Seminario desse grupo de pesquisas, quando proferiu conferéncia intitulada
“Paradigmas tivais na historiografia atual” (CARDOSO, 1994), nao deixa de ser
instigante. Entretanto, ¢ forgoso reconhecer que implica uma esquematizacdo
um tanto simplificadota, ja que coloca em uma mesma rubrica correntes bas-
tante distintas e até mesmo opostas entre si. Com efeito, embora o marxistno
participe, com as demais correntes do século XIX, do entendimento de que a
razio humana € capaz de conhecer a realidade objetivamente, a obra de Marx
formulouse em contraposi¢io tanto ao iluminismo quanto ao positivismo,
ctiticando-os de forma contundente. ‘
De qualquer forma, o debate esti instalado e tem consequéncias da maior
importincia para a pesquisa educacional, de modo geral, e para a pesquisa
histérico-educacional, em especial. Efetivamente, dada a historicidade doABERTURAS PARAA HISTORIA DA EDUCAGAO we;
fendmeno edycativo, cujas origens coincidem com a origem do proprio
homem, o debate historiogréfico tem profundas implicagdes para a pesquisa
educacional, j4 que o significado da educago esta intimamente entrelacado
ao significado da historia. E no ambito da investigacao hist6rico-educativa essa
implicacao 6 duplamente reforgada: do ponto de vista do objeto, em razio
da determinacdo histérica que se exerce sobre o fendmeno educativo; e do
ponto de vista do enfoque, uma vez que pesquisar em histdria da educagdo é
investigar 0 objeto “educacio” pela perspectiva historica.
‘A propésito, cabe observar a dificuldade dos historiadores em reconhecer
a educaciio como um dominio da investigagio histérica. Vejase o exemplo do
livro Dominios da historia: ensaios de teoria e metodologia (CARDOSO & VAINEAS,
1997), recentemente publicado. A obra compdese de 19 capitulos distribuidos
em trés partes.
Aparte | trata dos “Territérios do historiador: areas, fronteiras, dilemas”.
Os cinco capitulos af incluidos versam sobre: “Historia econdmica”; “Historia
social”; “Historia e poder”; “Historia das ideias”; “Historia das mentalidades
¢ histéria cultural”. Nao sé nao aparece um “territdrio” chamado “historia da
educagao”, como esta no é sequer mencionada nos “territérios” reconhecidos
como a histéria social, a historia das ideias ou a histéria cultural.
A parte II é dedicada aos “Campos de investigacio e linhas de pesquisa”,
abrangendo dez capitulos: “Histéria agraria”; “Historia urbana”; “Histéria
das paisagens”; “Historia empresarial”; “Historia da familia e demografia
histérica”; “Hist6ria do cotidiano e da vida privada”; “Historia das mulheres";
“Historia ¢ sexualidade”; “Historia e etnia”; “Historia das religides e religiosi-
dades”. Aqui, também, nenhuma mencio & histéria da educagéo.
Finalmente, a parte III trata dos “Modelos tedricos ¢ novos instrumentos
‘metodolégicos: alguns exemplos”. So os seguintes os quatro capitulos que com-
‘poem essa parte: “Historia ¢ modelos”; “Histiria e andlise de textos”; “Historia
imagem: os exemplos da fotografia e do cinema”; “Historia e informatica: 0
uso do computador. De novo, nenhuma palavra sobre a histéria da educacio.
De outro lado, as dificuldades teéricas dos historiadores, como ja foi
apontado, se manifestam também, ¢ até mesmo se poderia esperar que fosse
em grau ainda maior, no caso dos educadores. Devese, porém, reconhecer
que 0s investigadoreseducadores especializados na historia da educagéo tém
feito um grande esforgo de sanar as lacunas teéricas, adquirindo competéncia
no Ambito historiogrifico capaz de estabelecer um dislogo de igual para igual
com os historiadores. E, ao menos no caso do Brasil, cabe frisar que esse did-5 Se DERMEVAL SAVIANI
logo tem se dado por iniciativa dos educadores, num movimento que vai dos
historindores da educagao para os, digamos assim, “historiadores de oficio”, ¢
no no sentido inverso.
O reconhecimento do empenho dos historiadores da educacéo nao deve
obscurecer, porém, as reais dificuldades tedricas. Dirse-ia que, até mesmo em
Tazo do mencionado empenho em se colocar em dia com os avangos no cam-
po da historiografia, se detecta uma tendéncia em aderir muito rapidamente
4s ondas supostamente inovadoras que ai se manifestam. Apenas a guisa de
exemplo, lembro a influéncia de Foucault, ransformado praticamente no gurt
da historiografia dita avangada. O problema é quea maiotia dos historiadores,
deum modo geral, ¢ historiadores da educacao, de modo especial, tem pouco
dominio sobre o universo epistemolgico em que se move Foucault e, menos
ainda, sobre a matriz filoséfica de que é tributario, o que obrigariaa remontar
ao pensamento de Nietzsche. Talvez esteja ai a raziovda grande receptividade
conferida a Foucault nas pesquisas de historia da educa¢ao, acolhido como o
arauto da defesa da subjetividade humana. Logo ele que escreveu As palavras
eas coisas para demonstrar que “o homem é uma invencio recente”,.cujo fim,
jf se anuncia, como se evidencia nestas palavras finais do livro:
Se estas disposicbes viessem a desaparecer tal como apareceramn, se por algum.
acontecimento de que podemos, quando muito, pressentir a possibilidade, mas
de que nfo conhecemos de momento ainda netn a forma nem a promessa, se
deavanecessem, como sucedeu na viragem do sécuilo XVI ao solo do pensamento
classico - entio podese apostar que « homem se desvaneceria, como A beica do
mar um rosto de areia [FOUCAULT, 1968, p. 502]
Para Foucault, o pensamento classico, isto ¢, aquele que se constituiu nos
séculos XVII e XVIII, entrando em crise no século XIX, tinha por base um
“campo epistemolégico” gerador das categorias “sujeito” “consciéncia”, as
quais nfo passam de ficcdes desse mesmo campo epistemoldgico. Isso porque,
como esclarece Eduardo Lourenco na introdugao a traducio portuguesa de As
alaveas ¢ as coisas, a nocao de “campo epistemolégico” traduz uma intencao
implicita que estrutura uma érea cultural permanecendo, porém, invisivel
aqueles que a utilizam, melhor dizendo, aqueles que ela utiliza. Eis por que
Eduardo Lourenco di este significativo titulo a sua introducao: “Foucault ou
© fim do humanismo”.ABERTURAS PARA AHISTORIADAEDUCAGAO BR
Essa ideia esta explicitamente formulada na obra, como se pode ilustrar,
por exemplo, no tépico denominado “O sono antropolégico”, no qual, apés se
referir a Nietasche, que teria reencontrado o ponto em que a morte de Deus
sinénimo do desaparecimento do homem, sendo a promessa do superhomem,
a iminéncia da morte do homem, afirma Foucault:
A todos os que pretendem ainda falar do homem, do seu reine ou da sua libertacio,
a todos os que formulam ainda questées sobre o que ¢ © homem na sua esséncia,
a todos os que querem partir dele para ter acesso & verdade, a todos aqueles, em
contrapartida, que reconduzem todo o conhecimento as verdades do proprio
homem, a todos os que nfo pretendem mitologizar sem desmistificar, que ndo
-querem pensar sem pensar logo que é o homem que pensa, a todas essas formas de
reflexio canhestras ¢ torcidas, nao se pode senao opor um riso fileséfico ~ quer
dizer, em certa medida, silencioso [idem, pp. 445-446].
E nesse contexto que Foucault se revela assumidamente estruturalista, 0
que se manifesta mesmo na introdugio a A arqueologia do saber quando, 20
tratar dos problemas do campo metodologico da historia, afirma: “a estes
problemas podese dar, se se quiser, a sigla do estruturalismo” (1972, p. 19).
E verdade que, nessa mesma introducio, ele iré, mais adiante (idem, p. 25),
fazer uma autocritica de suas obras anteriores, entre elas, As palavras e as coisas.
Nao, porém, para abandonar aquela rota, mas para assumila de forma mais
consequente e radical. Com efeito, a0 referiese & Histoire de la folie a Vage
classique, ele ira lamentar o quanto permaneceu ai proximo de “admitir um
sujeito andnimo e geral da historia”, E se entristece por nao ter sido capaz de
evitar, em Les Mots et les choses, que “a auséncia de balizagem metodologica
permitisse que se acreditasse em andlises em termos de totalidade cultural”
(idem, ibidem). Em outros termos, para ele essas insuficiéncias decorreriam
da forea de atragio ainda exercida pelo “campo epistemoldgico” classico, que
© teria levado a se aproximar da ideia de um sujeito geral da historia, num
caso, € da categoria analitica da totalidade cultural, no outro.
Parece, pois, no minimo estranho que esse autor seja tomado, com
alvorogo e entusiasmo, por jovens investigadores da historia da educagao,
como aquele que teria vindo a resgatar a liberdade e autonomia dos sujeitos
tanto no ambito da ago historica, como da pesquisa histérica. Tratase, salvo
melhor entendimento, de um tema que esté a exigir um estudo sistematico,
cuidadoso aprofundado.10 SBR DERMEVAL SAVIANI
O Grupo de Estudos ¢ Pesquisas “Historia, sociedade e educacio no
Brasil”, cuja origem data de 1986, surgiu, como sugere o seu nome, com a
Preocupacio de investigar a historia da educacao pela mediaciio da socieda-
de, 0 que indica a busca de uma compreensao global da educacio em seu
desenvolvimento. Contrapunhase, pois, 4 tendéncia que comegava a invadir
‘© campo da historiografia educacional.
O inicio formal de suas atividades deu-se em 1991 com o I Seminétio,
realizado em duas etapas (maio e setembro), com o Ppropésito de discutir
a concepcao ¢ a metodologia da investigacio hist6rica, ocasiio em que a
chamada crise dos paradigmas se manifestou com toda a evidéncia. Tendo-
‘se decidido iniciar as atividades pelo projeto “Levantamento e Catalogacéo
das Fontes Primarias e Secundarias da Educaco Brasileira”, mantendo-se a
necessaria abertura tedrica sem dogmatismos ou préjulgamentos de qualquer
espécie, foi organizado em 1992 o II Seminério para discutix especificamente
os problemas relativos as fontes da pesquisa em histéria da educagdo. As
equipes iniciaram os trabalhos indo aos arquivos e familiarizandose com 28
fontes disponiveis, dat partindo para estudos de carter temético de acordo,
com as perspectivas tedricas entendidas, a luz das informagdes a que tinham
acesso, como as mais adequadas a andlise dos temas definidos como objetos
de investigaciio. O TI Seminario Nacional, realizado em novembro de 1995,
permitiu que se tracasse um amplo painel dos projetos temiticos desenvolvidos
ou em desenvolvimento nos diversos Grupos de Trabalho (GT) estaduais.
Diante do caminho percorrido ao longo dos tiltimos seis anos, evidenciase a
necessidade de retomarsea discussiio tedtico-metodolégica de modo que garanta
a.consisténcia e a consolidacao das pesquisas realizadas e em realizacdo no ambito
ddos diferentes GTs estaduais. Dafa temstica central e as mesas propostas pata
este IV Seminario Nacional. Empenharnosemos, entéo, em estabelecer um
clo entre as mesas-redondas do periodo matutino e as sessdes de comunicacio
vespertinas. Nesse quadro releva de importancia a Plenaria das Comunicacées
revista para a quintafeira a tarde. Ai ensainremos verificar o influxo do de-
bate instaurado nas mesas-tedondas sobre o andamento dos nossos trabalhos
de pesquisa para garantirlhes a necesséria consisténcia teético-metodolégica.
Esta, assim, aberto o debate. Acreditamos, pois, haver cumprido a fina-
lidade desta conferéncia que era tao somente introduzirnos no tema geral
deste seminario, a saber, “o debate tedrico e metodolégico na histéria ¢ sua
importancia para a pesquisa educacional”.capitulo
I
BREVES CONSIDERAGOES SOBRE
FONTES PARA A HISTORIA DA EDUCAGAO*
Be
Observando a programacao da Jornada Sul do Grupo Nacional de Estudos
e Pesquisas “Histéria, Sociedade e Educaciio no Brasil” (Hisrepea), verifico
que, na sua estrutura organizacional, foram previstas trés mesas-redondas
tendo como tema central a questio das fontes. A vista do convite que recebi
para participar da primeira dessas trés mesas, julguei relevante tecer algumas
consideracées precisamente em torno desse tema central como uma contribut-
‘40 para o seu entendimento global, o que, espero, possa ser util ndo apenas
para o desenvolvimento das discusses que se travardo nas outras duas mesas-
aedondas, mas também para a continuidade de nossas pesquisas no ambito
dos diversos Grupos de Trabalho (GT) que integram o Histzosr e para a érea
de histéria da educacao de modo geral.
Para atender a esse propésito, organizei minha exposic¢ao em trés topicos.
No primeito, examinarei sucintamente o proprio conceito de fonte, conside-
rando os sentidos da palavra em sua relagio com o significado que assume no
ambito da historiografia, Num segundo momento, procurando nio frustrara
expectativa quanto a inseroio de minha fala na mesaredonda incumbida de
examinar a questio das fontes no ambito da historia das instivuigdes escolares,
farei uma breve incursdo nessa temitica especifica. Finalmente, no terceiro
item, lango para debate a proposta de formulacao ¢ implementacao de uma
Exposigio na meseredonda “Fontes e hist6ria das instituigées escolares”, realizada
na il Jornada do Histeppr - Regio Sul, em Ponta Grossa ¢ Curitiba, de 8 a If de
outubro de 2002. Publicado anteriormente em Lombardi e Nascimento (Org.),
2004, pp. 3-12,2 ee DERMEVAL SATAN
politica de fontes para a histéria da educacio brasileira, uma ver que a fonte
emerge como um problema de transcendental relevancia para 0 incremento
quantitativo ¢ qualitative da historiografia da educacio brasileira.
O CONCEITO
Fonte é uma palavra que apresenta, via de regra, duas conotacées. Por um
ado, significa o ponto de origem, o lugar de onde brota algo que se projeta
e se desenvolve indefinidamente ¢ inesgotavelmente. Por outro lado, indica
a base, 0 ponto de apoio, o repositsrio dos elementos que definem os fend-
menos cujas caracteristicas se busca compreender. Além disso, a palavra fonte
também pode referirse a algo que brota espontaneamente, “naturalmente”, €
aalgo que é construido artificialmente. Como ponto de origem, fonte é sind
nimo de nascente, que corresponde também. a manancial, 0 qual, entretanto,
no plural, j4 se liga a um repositério abundante de elementos que atendem
a determinada necessidade.
F interessante observar que, em portugués, a palavra fonte ¢ de uso mais
generalizado, correspondendo a diversos contextos de elocugio e nao tendo,
propriamente, uma denominagio alternativa que Ihe corresponda. Com
efeito, a palavra nascente, assim como manancial, € usada apenas para se refe-
rir 20 ponto de origem de um curso ou corrente de égua, E comum, porém,
encontrar em outras linguas duas palavras referentes a fonte, com sentidos
correspondentes entre si, mas com conotagbes diferenciadas. Assim, em ita
liano nés temos fontana ¢ sorgente, cujos correspondentes morfolgicos sao,
em francés ¢ em inglés, respectivamente, fontaine ¢ source ¢ fountain e source,
tendo como traducio literal, em portugués, fonte e nascente. Entretanto, em
francés e em inglés! essas palavras sio usadas com sentidos mais ou menos
equivalentes, havendo, porém, cesta linha demarcatéria que faz com que source
nao seja utilizada no caso das construcées artificiais, como, por exemplo, as
fontes ou os chafarizes das pragas publicas. Em italiano, essa demarcagao é
mais nitida: fontana é usada para nomear os chafarizes (Fontana di Trevi) e
1 Em inglés utilisase também a palavra spring, cujo sentido literal se aproxima de
ascent‘ABERTURAS PARA A HISTORIADA EDUCAGAO RR
sorgente reporta as fontes naturais, ainda que se admita também um uso.
figurado em determinadas situagées. Além disso, o italiano dispée de um
terceiro termo, fonte, que, além de fonte de 4gua, significa principio, origem
de alguma coisa e, especialmente no plural, documento original do qual se
extraem testemunhos e dados pata um trabalho histérico. Em francés e em.
inglés este dltimo sentido é expresso pela palavra source e, em portugués,
pelo terme fonte,
No caso da historia, evidentemente nao se poderia falar em fontes naturais
j4 que todas as fontes historicas, por definicao, s&o construidas, isto é, s20
producdes humanas (no esta em causa, aqui, a questo relativa a uma possi-
vel historia natural). Além disso, € preciso considerar que, a rigor, a palavra
fonte é usada em historia com sentido analdgico. Com efeito, nao se trata
de considerar as fontes como origem dé fendmenc histérico considerado.
‘As fontes esto na origem, constituem 0 ponto de partida, a base, © ponto
de apoio da construcéo historiogrifica que € a reconstrucio, no plano do
conhecimento, do objeto histérico estudado. Assim, as fontes histéricas no
so a fonte da historia, ou seja, nao é delas que brota e flui a historia. Elas,
enquanto registros, enquanto testemunhos dos atos histéricos, sio a fonte do.
nosso conhecimento histdrico, isto é, é delas que brota, é nelas que se apoia
© conhecimento que produzimos a respeito da historia.
Podese perceber, ainda, que a analogia nio se limita apenas a0 carter
de origem (a fonte, em sentido literal, como o lugar de onde brota a égua,
transposto para a historiografia no plural, fontes, como os hugares de onde
brota o nosso conhecimento da historia). Também o carater de inesgotabi-
lidade das minas de agua se transpde analogicamente para a historiografia,
expressandose no sentimento amplamente generalizado entre os historiadores
quanto A inesgotabilidade das fontes historicas: sempre que a elas retornamos
tendemos a descobrir novos elementos, novos significados, novas informacoes
que nos tinham escapado por ocasido das incursdes anteriores.
Mas, se as fontes histéricas séo sempre produges humanas, nao se
podendo falar em fontes naturais, é preciso distinguir entre as fontes que se
constituem de modo espontaneo, comportando-se como se fossern naturais
e aquelas que produzimos intencionalmente. E nessa iiltima categoria cabe,
ainda, diferenciar entre aquelas que disponibilizamos intencionalmente tendo
em vista possiveis estudos futuros, independentemente de nossos interesses
especificos de pesquisa, e aquelas que, no nos sendo dadas previamente, nosuu Be DERMEVAL SAAN
proprios, enquanto investigadores, as instituimos, as criamos, por exi
do objeto que estamos estudando.
No primeiro caso, esto todas as fontes que encontramos nos varios tipos
de acervos com as mais diferentes formas. Sio documentos, vestigios, indicios
que foram acumulandose ou foram sendo guardados e aos quais recotremos
quando buscarnos compreender determinado fendmeno. A rigor poderiamos,
pois, dizer que a multidao de papéis que se acumulam nas bibliotecas ¢ nos
arquivos pablicos ou privados, as miriades de pecas guardadas nos museus ¢
todos os miiltiplos abjetos categorizados como novas fontes pela corrente da
Nova Histéria no so, em si mesmos, fontes. Com efeito, 05 mencionados
objetos sé adquirem o estatuto de fonte diante do historiador que, ao for-
mular o seu problema de pesquisa, delimitara aqueles elementos a partir dos
quais serao buscadas as respostas &s questdes levantadas. Em consequéncia,
aqueles objetos em que real ou potencialmente estariam inscritasias respostas
buscadas se erigirio em fontes a partir das quais o conhecimento histérico
referido poderd ser produzido.
No segundo caso, situase 0 nosso empenho em preservar os materiais de
que nos servimos, seja como educadores, seja como pesquisadores, tendo em
vista sua possivel importéncia para estudos futuros quando esses materiais
serio, eventualmente, tomados como preciosas fontes pelos historiadores em
sua busca de compreender o seu pasado que o nosso presente,
No terceiro caso, estio os registros que efetuamos quando recorremos,
por exemplo, a restemunhos orais, para neles nos apoiarmos em nossa inves:
tigactio. Com isso, ao mesmo tempo em que construimos as fontes de nosso
préprio estudo, as disponibilizamos também para eventuais estudos futuros.
‘AS FONTES PARA A HISTORIA DAS INSTITUIGOES ESCOLARES
Quando consideramos o tema proposto para esta mesa, referente as fontes
para a historia das instituicdes escolares, todos concordardo que a escolha
das fontes dependers nao apenas do objeto e dos objetivos dapesquisa, mas
também da delimitacio, isto é dos recortes efetuados. Assim, para tratar
especificamente das fontes para a historia das instituigdes escolares seria con-
veniente, preliminarmente, indicar as condigoes particulares da investigagao-ABERTURAS PARA AHISTORIADA EDUCAGAO Mes
a ser encetada, Do contrario caberia responder genericamente que as fontes
para a histéria*das instituigdes escolares compreendem todos os registros,
dos mais variados tipos, que podemos encontrar e que, de algum modo,
poscam apresentarnos indicios que nos permitam compreender essa area da
historia da educacéo. De qualquer modo, parece pertinente tecer algumas
consideragées de ordem geral.
‘A primeira observagio a ser feita parece-me ser a de que a escola é uma
instituigdo educativa entre outras com as quais se relaciona em termos dia-
crdnicos ¢ sincrénicos. No primeiro caso, coloca-se a questo da génese que
pode envolver a passagem, 2 transformacio ou a ruptura entre diferentes
modalidades de instituigdes educativas. No segundo caso, colocase a questo:
da coexisténcia entre diferentes instituigoes que podem complementarse ou
oporse, aproximarse ou distanciarse.
Se tomarmos, por exemplo, o caso brasileiro, vamos detectat a importancia
das instituigées Igreja ¢ Familia no ambito da educagéo, as quais podem ser
consideradas seja como precursoras da escola, seja como suportes diretos ou
indiretos da escola, seja como instituigdes em disputa com a escola quanto
& primazia edueativa. Dependendo do enfoque adotado e do recorte efetua-
do, vatiard nao somente a escolha das fontes, mas, de modo especial, a sua
hierarquizacio.
Assim, se se pretende investigar a propria familia como uma institui¢ao
educativa, procurando compreender como essa instituigéo exerceu a tarefa
educativa em relacao a seus filhos verificandose o grau em que supriu a ine-
xisténcia ou a auséncia da escola; ou, estando presente a escola, em que grav
a familia interagiu com ela no exercicio da tarefa educativa, evidentemente as
fontes principais desse tipo de estudo serio aquelas constituidas e guardadas
nos proptios acervos famsiliares. Do mesmo modo, se o objeto escolhido for,
por exemplo, 0 preceptorado, entendido como uma instituicao escolar em
que o preceptor era contratado pelas familias para a instrugio de sua prole,
08 registros familiares iro constituirse em fontes indispensaveis para a sua
hist6tia. Igualmente parao estudo dos colégios jesuiticos, a histéria da propria
Companhia de Jesus vai configurarse como uma fonte importante. Se, porém,
o objetivo precipuo for a reconstituicao dos métodos de ensino praticados nos
colégios jesuiticos, as fontes principais serio dadas pelos registros relativos
4 organizagio e aos procedimentos adotados pelos professores no trabalho
com 0s alunos. Mas, se o objetivo for contraporse a tese do obscurantismo1s BRR DERMEVAL SAVIANI
pedagégico dos jesuitas (ViLLa1TA, 2002), as fontes principais serio aquelas
que nos permitem entender as ideias filos6ficas ¢ pedagégicas dos jesuitas,
‘em sua relacéo com 0 pensamento moderno.
‘Outro exemplo: se o objeto é a histéria da escola ptiblica, as fontes oft
ciais nao deixarao de ter relevancia. Quando, porém, se parte de evidéncias
favordveis & hipdtese de que a negacéo da escola no século XIX brasileiro,
operada por Fernando de Azevedo (1971, pp. 561-612), era infundada, cabe,
como fez Maria Licia Hilsdorf (2002), mergulhar na documentacio da série
Offcios diversas da capital do Arquivo do Estado de So Paulo para identifi-
car “os agentes, as instituigdes e os processos de formasiio € ensino” (idem,
p. 187) a partir dos quais se deu a construgio da escolarizagio em S80 Paulo
entre 1820 ¢ 1840. Nas palavras da propria autora:
Operando um movimento de leitura desse acervo a perspectiva de uma historia
concreta do cotidiano material ¢ das relagies pedagogicas esécioeducacionais, foi
possivel flagrar instituigdes ¢ profissionais de educagio e ensino, desconhecidos,
cow desconsiderados pela literatura azevediana, recuperar as midtiplas privicas
sociais, educacionais ¢ pedagigicas que enchem esses anos, ¢ resignificar o que
erag escolar e 0 nao-escolar na Historia da Educaggo paulista da primeira metacle
do século XIX fider, ibidem|.
POR UMA POLITICA DE FONTES PARA A HISTORIA DA
EDUCACAO BRASILEIRA
Considerandose que as fontes so 0 ponto de origem, a base eo pontode
apoio para a producio historiogréfica que nos permite atingir o conhecimen-
to histérico da educacio, releva de importincia o desenvolvimento de uma
preocupacao intencional e coletiva com a geracio, manuten¢io, organizacio,
disponibilizacdo e preservacio das multiplas formas de fontes da historia da
educacio brasileira. :
Iniciativas como a que vem sendo tomada pelo Grupo de Trabalho de
Ponta Grossa, vinculado ao Histeprr, revestemsse de grande relevancia. O
referido grupo vem instando junto a todas as escolas da regio dos Campos[ABERTURAS PARAAHISTORIADA EDUCAGAO BR
Gerais do Parana para que preservem adequadamente as proprias fontes ,
caso nao tenham condi¢ao de fazélo, que procedam ao termo de doacao &
‘Universidade Estadual de Ponta Grossa, a qual, mediante gestio do préprio
grupo, se encontra preparada para a guarda de todo material de interesse para
as pesquisas relativas 4 historia da educacio dessa regiao. Evidentemente, &
medida que esse tipo de iniciativa fosse senclo adotado por todos os grupos de
pesquisa e por todas as universidades de todas as regides do pais, estatiamos
dando um grande passo no que se refere & garantia da base de apoio indis-
pensével as pesquisas no campo da historia da educagio brasileira.
No entanto, sabemos que essa iniciativa, apesar de altamente meritéria,
no é suficiente. Isso porque, além de depender da boa vontade dos grupos
e respectivas instituigdes, em grande medida sua viabilidade resultaria com-
prometida pelas deficiéncias de infraestrutuira que atingem tanto as escolas
como os grupos de pesquisa ¢ as instituigdes de ensino superior.
‘Acresce que, atualmente, as questées de preservagio e de descarte de
fontes nao se referem apenas aos materiais reais, mas também aos virtuais,
em decorréncia da proliferagdo em grande escala das novas tecnologias de-
correntes dos processos de informatizagio. Nesse contexto, néo é mais sufi:
ciente preservar acervos destinados & guarda de documentos fisicos dos mais
diferentes tipos. A preservacdo de informagdes guardadas em meios virtuais
implica, indissoluvelmente, a preservagao dos instrumentos que permitem @
sua leitura. Nessa linha de consideracéo, penso ser pertinente o alerta apre-
sentado por Diana Vidal:
Os perigos da nova tecnologia, seus desafios, esto relacionados a sua répida obso-
lescéncia, Um livro altese sempre & leitura. Os segredos que guarda precisam ser
decifrados, mas o othar percorre suas piginas. Os cédigos de leicura necessitara
ser partilhados e construidos historicamente, No entanto, seu fechamento nun-
ca é tho completo quanto 0 disquete ou CD-ROM, cuja leieura deve ser sempre
mediatisada por uma maquina {2000, p. 35}.
Portanto, de nada adiantara preservar as fontes eletrénicas se, a0 mes-
‘mo tempo, nao forem preservadas as tméquinas que permitem a sua leitura.
Com efeito, dada a ripida obsolescéncia das novas tecnologias, poderemos
defrontarnos com a situagio de dispormos de informacées armazenadas em
dispositivos eletrénicos como os disquetes ¢ CD-ROMs, cujas maguinas de1s SRR DDERMEVAL SAVIAN
leitura, entretanto, por terem sido ultrapassadas, ja no estejam mais dispo-
niveis para sere operadas.
Impéese, pois, a necessidade de formulacdo ¢ implementacio de uma
politica de fontes. E essa a ideia que julgo oportuno langar para o HisteDBR
@, através dele, para a SBHE, a Sociedade Brasileira de Histéria da Educacio,
Penso que jé esté na hora de desencadeat um movimento amplo dirigido as
escolas, as organizagbes da area de educagio ¢ aos érgios do Estado, tendo
como mote a questio da politica de fontes para a historia da educacio bra-
sileira. Essa politica deverd contemplar os critérios tanto para a definigao
do que preservar como do que descartar, estabelecendo as metas € 08 meios
que permitirao assegurar a disponibilidade das fontes para o incremento das
pesquisas em historia da educacéo brasileira. Assim, nfo apenas cada um de
nds se empenharia individualmente nessa diregao. Toda a sociedade seria
mobilizada tendo em vista a realizacao desse objetivo.|
i
'
O LOCAL E O NACIONAL NA
HISTORIOGRAFIA DA EDUCAGAO
BRASILEIRA*
Be
Como se sabe, as investigacdes em histéria da educacdo brasileira re-
montam ao final do século XIX e sua origem se liga ao Instituto Histérico e
Geogrifico Brasileiro, fandado em 21 de outubro de 1838. Seguindo uma
orientacdo positivista, o Insticuto valorizava a tarefa de coletar, arquivar e
publicar documentos visando preservar a meméria histérica e geografica do
pais. A guisa de ilustragio, destaco, pela relevncia ¢ extensiio das obras, duas
contribuigdes caracteristicas desse vetor, as quais, de certo modo, inauguram
os estudos de histéria da educacao brasileira.
LOCAL E O REGIONAL NA HISTORIOGRAFIA DA
EDUCAGAO BRASILEIRA
A primeita contribuicio diz respeito a José Ricardo Pires de Almeida,
que foi membro honorario do Instituto Historico e Geogrifico Brasileiro.
Sua obra, Liinseruction publique au Brésil (1500-1889): histoire et legislation, €
considerada a primeira historia sistematizada da educacio brasileira. Foi
publicada em francés em 1889 e sé foi traduzida para o portugués um século
depois, em 1989. Pires de Almeida eva médico, mas estudou direito por trés
> Conferencia de abertura da IX Jornada do Histeper, proferida em 7 de julho de
2010, em BelemPA.20 Be DERMEVAL SAVIANI
anos ¢ foi arquivista da Camara Municipal, além de adjunto na Inspetoria
Geral de Higiene da Corte. Dai sua facilidade em coligir documentos e dados
estatisticos sobre os quais apoia a narrativa histérica que compée sua exposi-
‘io da trajetdria da instrucdo publica no Brasil. Além de citar passagens dos
documentos legislativos ¢ estatisticos no corpo do trabalho e em notas de
rodapé, varios desses documentos so incorporados integralmente & narra
tiva constitutiva da obra. Na tradugio em portugués (AIMEInA, 1989), os 29
documentos que, no original, compunham as notas de rodapé da introducio
do livo, cujo objeto 6 2 educagao no periodo colonial, foram reunidos num
anexo, sendo introduzido, também, um indice dos 46 quadros estatisticos
que se disttibuem ao longo do texto.
Nesse seu estudo, José Ricardo Pires de Almeida se propés a tragar um.
quadro geral da hist6ria da educagio brasileira desde 0 descobrimento do
Brasil, em 1500, até o ano da publicagao, em 1889. Entretanto, nao deixaram
de estar presentes em sua investigacao referéncias as manifestagSes locais ou.
regionais, como o demonstram os varios quadros em que apresenta dados
relativos as escolas e cadeiras existentes nos diversos locais de cada provincia,
com as datas de fundacdo de cada uma delas; a populacao ¢ matriculas, por
provincia, no ensino primério e secundério, piblico ¢ particular, de meninos
¢ meninas; também por provincia ¢ apresentada a quantidade de estabele-
cimentos de ensino primério ¢ secundario, piblicos e particulares, com o
tespectivo numero de alunos e 0 montante das despesas com 0 ensino piblico.
Outros quadros apresentam, para cada provincia, o néimero de aprovados; a
proporcdo entre suas receitas e despesas com a instrucio publica; o nimero
de escolas abrangendo 0 primario (pablico e particular), o secundétio (publi-
co, particular e subvencionado), os liceus ¢ seminarios, as escolas normais,
escolas profissionais, cursos ¢ cadeiras avulsos, ntimero de alunos por sexo.
O mesmo € feito com estabelecimentos de ensino especificos, como o Liceu
de Artes ¢ Oficios do Rio de Janeiro, Liceu Literario Portugués, Associacao
Promotora de Instrucio e Mosteiro de Sio Bento,
© segundo destaque reportase a Primitivo Moacyr, também vinculado
a0 Instituto Histérico e Geogrifico Brasileiro. Como advogado e funcionario
da Camara dos Deputados desde 1895 até sua aposéntadoria, efi 1933, acu-
mulou 0 cargo de chefe da redagio de debates com 0 servico de documentos
parlamentares. Ancorando-se nessa experiéncia, Primitivo Moacyt levou 20
pé da letra o lema positivista “o documento fala por si”. Dedicouse, assim,