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Não Nascemos Prontos

1) O texto discute como a satisfação limita o desenvolvimento humano, enquanto a insatisfação promove a continuidade e o crescimento. 2) Argumenta-se que não nascemos prontos e que precisamos de desafios para nos tornarmos seres criativos, em constante aprendizado. 3) A insatisfação é positiva pois motiva a querer mais e melhor, ao contrário da satisfação que encerra as possibilidades.
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1) O texto discute como a satisfação limita o desenvolvimento humano, enquanto a insatisfação promove a continuidade e o crescimento. 2) Argumenta-se que não nascemos prontos e que precisamos de desafios para nos tornarmos seres criativos, em constante aprendizado. 3) A insatisfação é positiva pois motiva a querer mais e melhor, ao contrário da satisfação que encerra as possibilidades.
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Não nascemos prontos...

Mario Sergio Cortella

O sempre surpreendente Guimarães Rosa dizia: "O animal satisfeito dorme". Por trás dessa aparente
obviedade está um dos mais profundos alertas contra o risco de cairmos na monotonia existencial, na
redundância afetiva e na indigência intelectual. O que o escritor tão bem percebeu é que a condição
humana perde substância e energia vital toda vez que se sente plenamente confortável com a maneira
como as coisas já estão, rendendo-se à sedução do repouso e imobilizando-se na acomodação.
A advertência é preciosa: não esquecer que a satisfação conclui, encerra, termina; a satisfação não
deixa margem para a continuidade, para o prosseguimento, para a persistência, para o desdobramento.
A satisfação acalma, limita, amortece. Por isso, quando alguém diz "Fiquei muito satisfeito com
você" ou "Estou muito satisfeita com seu trabalho", é assustador. O que se quer dizer com isso? Que
nada mais de mim se deseja? Que o ponto atual é meu limite e, portanto, minha possibilidade? Que de
mim nada mais além se pode esperar? Que está bom como está? Assim seria apavorante; passaria a
idéia de que desse jeito já basta. Ora, o agradável é alguém dizer "seu trabalho (ou carinho, ou
comida, ou aula, ou texto, ou música etc) é bom, fiquei muito insatisfeito e, portanto, quero mais,
quero continuar, quero conhecer outras coisas". Um bom filme não é exatamente aquele que, quando
termina, nos deixa insatisfeitos, parados, olhando, quietos, para a tela, enquanto passam os letreiros,
desejando que não cesse? Um bom livro não é aquele que, quando encerramos a leitura, permanece
um pouco apoiado no colo e nos deixa absortos e distantes, pensando que não poderia terminar? Uma
boa festa, um bom jogo, um bom passeio, uma boa cerimônia não é aquela que queremos que se
prolongue? Com a vida de cada um e de cada uma também tem de ser assim; afinal de contas, não
nascemos prontos e acabados. Ainda bem, pois estar satisfeito consigo mesmo é considerar-se
terminado e constrangido ao possível da condição do momento. Quando crianças (só as crianças?),
muitas vezes, diante da tensão provocada por algum desafio que exigia esforço (estudar, treinar,
emagrecer etc), ficávamos preocupados e irritados, sonhando e pensando: Por que a gente já não
nasce pronto, sabendo todas as coisas? Bela e ingênua perspectiva. É fundamental não nascermos
sabendo nem prontos; o ser que nasce sabendo não terá novidades, só reiterações. Somos seres de
insatisfação e precisamos ter nisso alguma dose de ambição; todavia, ambição é diferente de
ganância, dado que o ambicioso quer mais e melhor, enquanto que o ganancioso quer só para si
próprio. Nascer sabendo é uma limitação porque obriga a apenas repetir e, nunca, a criar, inovar,
refazer, modificar. Quanto mais se nasce pronto, mais se é refém do que já se sabe e, portanto, do
passado; aprender sempre é o que mais impede que nos tornemos prisioneiros de situações que, por
serem inéditas, não saberíamos enfrentar. Diante dessa realidade, é absurdo acreditar na idéia de que
uma pessoa, quanto mais vive, mais velha fica; para que alguém quanto mais vivesse, mais velho
ficasse, teria de ter nascido pronto e ir se gastando... Isso não ocorre com gente, mas com fogão,
sapato, geladeira. Gente não nasce pronta e vai se gastando; gente nasce não-pronta e vai se fazendo.
Eu, no ano 2000, sou a minha mais nova edição (revista e, às vezes, um pouco ampliada); o mais
velho de mim (se é o tempo a medida) está no meu passado, não no presente. Demora um pouco para
entender tudo isso; aliás, como falou o mesmo Guimarães, "não convém fazer escândalo de começo;
só aos poucos é que o escuro é claro"...

MARIO SERGIO CORTELLA, filósofo, professor da PUC-SP e autor de "A Escola e o Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos e
Políticos" (ed. Cortêz/ IPF), entre outros, escreve aqui uma vez por mês

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq2809200027.htm

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