0% acharam este documento útil (0 voto)
225 visualizações50 páginas

Arthur Cézar Ferreira Reis - Síntese de História Do Pará

O documento descreve a história inicial da colonização portuguesa no Pará, começando com a viagem de Francisco de Orellana pelo rio Amazonas em 1542. Detalha as dificuldades enfrentadas pela expedição espanhola liderada por Gonzalo Pizarro em busca do lendário Reino do Ouro, e a decisão de Orellana de continuar descendo o rio após assumir o comando da missão.

Enviado por

João Vitor
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
225 visualizações50 páginas

Arthur Cézar Ferreira Reis - Síntese de História Do Pará

O documento descreve a história inicial da colonização portuguesa no Pará, começando com a viagem de Francisco de Orellana pelo rio Amazonas em 1542. Detalha as dificuldades enfrentadas pela expedição espanhola liderada por Gonzalo Pizarro em busca do lendário Reino do Ouro, e a decisão de Orellana de continuar descendo o rio após assumir o comando da missão.

Enviado por

João Vitor
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 50

o Institulo Hislorico e Geogralico Brasileiro, da Academia Nacional de Hisloria do

-~uador, da Sociedade de Geografia de Lima, dos Institutos Historicos e Ceogra-


ficos do Pará, Ceará, Rio Grande do Hmte e Rio Grande do Sul
- I' I I I
;ti) /f-.e-. c- ~ - /1. ~ /
,- -
·a.cP~~~
I cb

SI NT E SE ~aJ:(2LJ
~/ Iv'-~ Lfrv-
E 9-' J
I S -T O R I A
o GdJLi: /YECJ., "H::'LI
lHSIIIUT9 iE li~Sfifli t -~.:!~
PARÁ UNlCAMP,
-, - ~ ~
~.

Belem=1942

.)./>~·c-o,
", f) f>. l o.:t .
HISTÓRIA DO AMAZONAS. Manáos, 1931.
A EXPLOSÃO CíVICA DE 1832. Manáos, 1932.
O ENSINO DA HISTóRIA DO AMAZONAS NA ESCOLA
PRIMARIA. Manáos, 1934.
MANÁOS E OUTRAS VILAS. Manáos, 1934.
A QUESTÃO DO ACRE. Manáos, 1937.
AS INSTITUIÇÕES DO BRASIL COLONIAL. Manáos,
1938.
PANORAMA ECONOMICO-FINANCEIRO DO SEGUNDO
REINADO - A NAVEGAÇÃO A VAPOR, ESPECIAL-
MENTE NO AMAZONAS. Tese oficial do III Congres- A' memoria de minha querida
6 l/
- t] so de História Nacional. Rio, 1940.
J

'Jot ~ A POLíTICA DE· PORTUGAL NO VALE AMAZONICO.


~ Belém, 1940.
AS ORIGENS HISTóRICAS DE PARINTlNS. Comunica-
ção ao IX Congresso Brasileiro de Geografia. Floria-
nopolis, 1940.
A CONQUISTA DO ACRE. Comunicação ao nr Congresso
Riograndense de História e Geografia. Porto Alegre,
1940.
SOLDADOS, CASAES E DEGREDADOS NA COLONIZA-
D.~,. _\ çÃO DA AMAZONIA. Comunicação ao III Congresso
~.tô' Riograridense de História e Geografia. Porto Alegre,
1940.
df.2.g 6J,6LOBO d'.ÀLMADA, UM ESTADISTA COLONIAL. Ma-
A' memoria de
- - náos, 1940.
O CICLO POMBALINO NA AMAZONIA. Belém, 1941.
PAULISTAS NA AMAZONIA E OUTROS ENSAIOS. Rio,
1941. '
D. ROMUALDO DE SOUZA COELHO. Belém, 1941.
A HISTóRIA PARAENSE E A MARINHA DE GUERRA
BRASILEIRA. Belém, 1941. .
VESTIGIOS ARTISTICOS DA DOMINAÇÃO LUSITANA
NA AMAZONIA. Rio, 1942.
O DESCOBRIMENTO DA AMAZONIA. Belém, 1942.
A CONQUISTA ESPIRITUAL DA AMAZONIA. S. Paulo,
1942.
HISTóRIA DE OBIDOS. Em publicação.
FRANCISCANOS DA PROVINCIA DE SANTO ANTONIO
NA CONQUISTA DA AMAZONIA. Em publicação.
ROTEIRO DE FORTIFICAÇÕES NO AMAZONAS. Em pu-
blicação.
MONTE ALEGRE. ASPECTOS DE SUA FORMACÃO. Em
publicação. ~
A história do Pará na de ser escrita,
um dia, como capitulo da história do
mundo amazonico e do Brasil. Na minu-
dencia de seus episodios, no registro de
suas grandes épocas, no perfil de seus me-
lhores nomes, na elucidação de seu dra-
ma economico e social, no pormenor acêr-
ca de sua formação política, moral, na-
val, militar, espiritual. Obra que seja o
retrato fiél do passado e olhedefina as ca-
racteristicas e a contribuição para o pro-
cesso evolutivo do Brasil.
No livro que escrevemos com estas pa-
ginas, evidentemente não se encontra
essa história, que já se principiou a estu-
dar e sonhamos ver divulgada pela ação
coletiva dos que trabalham com amor o
campo histórico local. O que se reune aqui
é um escorço, sem maior intenção que a
de um simples escorço que permita a con-
templação serena do que tem sido a vida
do Pará desde a chegada dos homens que
trouxeram, da Europa, novos costumes,
novas falas, novos processos de trabalho,
uma cultura, enfim, que procuraram
ájustar ao ambiente a que se vinham ra-
dicar e onde pensaram crear uma civi-
lização de tipo europeu.
Partindo da chegada desseshomens e
do esforço que despenderam, passando pe-
las experiências democraticas que se abri-
ram com o século XIX, assistindo à con-
quista da floresta, o episodio que tem sido
dado como o que define o extremo-norte
do país, chegamos aos dias atuais, quan-
do se programa com carinho e sentido
pragmatico a incorporação definitiva da
Amazonia à comunhão nacional, pelo sa-
neamento, pela assistência técnica ao ho-
mem e pela disciplina da produção. To-
dos os quadros, que riscamos, sem carre-
gar nas tinias. Tudo muito medido, den-
tro do objetivo de fazer unicamente uma
síntese.
Belém, 19/7/42.
ARTHUR CEZAR FERRE'IRA REIS.

C I C L O

COLONIAL
A FAÇANHA COLOMBINA assegurou ao mundo europêo
um espaço gigantesco que o tratado de Tordesilas definiu como
parte integrante dos impérios coloniais de Portugal e Espa-
nha. Com o espaço, porém, assegurou tambem a concurren-
da audaciosa entre as potências européas, cujas populações se
voltaram para o noticiário imaginoso que os descobridores co-
meçaram a trazer ao Velho Mundo acêrca de mil riquezas, mil
venturas, mil encantamentos que as Indias Ocidentais agasa-
lhariam em seu seio abençoado.
A migração intensa que se processou então para êsses
paradiziácos terrenos da América trouxe-Ihes multidões de
aventureiros e conquistadores, dispostos aos maiores cometi-
mentos para a descoberta das regiões encantadas que o gentio
indicava como escondidas no interior do espaço sul-america-
no, defendidas por florestas, aguas, mistérios, que seriam
repetições da esfinge.
Entre os vários sitios apontados como novos velocinos, o
mais famoso era o do Dorado, império governado por um mo-
narca que se banhava nas águas perfumadas de um lago, vi-
via na côrte mais faustosa que o sol cobria, império onde até
a pavimentação das ruas era de ouro. Êsse Dorado, localizava-o
a imaginação do gentio no vale das grandes aguas. Seria di-
ficil,impossivel, descobrí-Io e dominá-lo ?
No Natal de 1539, saiu da cidade de Quito uma expedição
espanhola, integrada por trezentos e quarenta soldados, mais
de quatro mil indios, além de vários conquistadores, seduzidos
pelas perspectivas e possibilidades da· jornada. Comandava
essa cidade em marcha Gonzalo Pízarro, irmão -de Francisco
Pizarro, que incorporara ao ultramar de Espanha o império
incaíco. .
A expedição foi assaltada por contratempos de toda or-
dem. Por fim, a fome fez sua aparição, como que condenan-
do a empresa a total fracasso. Em principios de 1542, atin-
gido o vale das grandes aguas, no curso do Coca, afluente do
Napo, Pízarro, desanimado de encontrar o sucesso que o le-
vara a penetrar a selva, ordenou que seu loco-tenente Fran-
cisco de Orelana, tempera rija, bem um daqueles bravos que
tinham dado começo aos feitos de irradiação conquistadora
que tanto imortalizaram Espanha na América, decesse o curso
fluvial em busca dos socorros alimenticios, cuja falta tortura-
va seus companheiros. Orelana, passando ao Napo, foi atingir
o Maranon.
-10- ARTBUR C. F. REIS SINTESE DE mSTóRIA DO P_~RA -11-

A 1 de Março, uma assembléia, reunida a bordo do ber- que tinha sido escrita por Frei Gaspar do Carvajal, mas só
gantím em que viajavam, presidida por Orelana, decidiu que em 1894 viria a publicidade.
se prosseguisse na aventura, continuando para frente, pelo
curso gigantesco que se estava descobrindo. Lavrou-se áto do
compromisso que todos assumiram de avançar pelo desconhe- NAS PEGADAS DO ADELANTADO- Não foram poucas
cido. Orelana foi aclamado chefe. Juraram-lhe fidelidade. as tentativas que se seguiram ás proesas de Orelana. Todas
Descendo o Maranon, o Solimões, o Amazonas, assina- fracassando quasi ruidosamente. Todas até, de certo modo,
lando os aspéctos ineditos da região, reconhecendo a emboca- comprometendo a capacidade dos homens que faziam a con-
dura de outros cursos de ímpressíonante volume dagua, con- quista da sul-américa. De tal modo que as próprias autorida-
táctando com dezenas de tribus, que assediaram a bergan- des espanholas do Perú trataram de impedir que novos em-
tim ou lhes assistiram com provimentos, a 22 de Junho de preendimentos sertanistas tomassem corpo, dado que se per-
1542, quasi à fóz do Nhamundá sofreram a acometida violen- diam energias preciosas, mais uteis em outros setôres da ati-
ta de um grupo gentio, que lhes deu a impressão de obede- vidade que Espanha realizava em seus dominios americanos.
cer ao comando de mulheres. A pugna foi rapida, mas deixou Embora, em 1559 o Vice-rei Marquês de Canete ordenou
uma impressão forte. Seriam mesmo mulheres que alí orien- a realização de uma jornada ao país do Dorado e dos Oma-
tavam, que alí governavam? Seriam apenas mulheres que guas, equipando uma expedição que teve a chefia-Ia o gene-
acompanhavam os maridos ás provas da guerra? Ficou a du- ral Pedro de Ursua, uma das expressões valorizadas nas refre-
vida. Pelos séculos adiante, ethnologos, sociologos, viajantes, gas que caracterisavam a instalação do podério espanhol no
naturalistas discutiriam, sem conclusões seguras, da possibi- Novo Mundo.
lidade desse grupo que atacou Orelana ter sido de mulheres, Em Fevereiro desse ano de 1559, Ursua e seus companhei-
do tipo das amazonas da Capadocia. ros se dirigiram ao Ualaga, onde se procedeu ao aparelhamen-
Orelana vinha chamando de rio Orelana à estrada flu- to necessário à empresa. Em Setembro de 1560, descido o Uala-
vial que singrava. Impunha-se para os séculos, comunicando ga, atingiam o Maranon, por cujas aguas procuraram alcan-
o próprio nome áquela região de motivos incriveis. O episo- çar a zona encantada que lhes movia o cometimento. No So-
dio da bôca do Nhamundá, todavia,' dominou-o fortemente. limões, deram-se cênas de sangue, de que resultou o assassi-
E mudou a denominação do rio para "Rio das Amazonas". nio de Ursua. Chefiava a insurreição o façanhudo Lopo de
A 24 de Agosto de 1542, a expedição alcançou o Atlantico. Aguírre, que aproveitava, para a consumação de seus designios,
Em novo bergantin, atingiu a ilha de Cubagua, de onde Ore- a passividade do fidalgo D. Fernando de Gusman, que êle fez
lana se transportou a Valadolid, onde Carlos V ouviu o relato proclamar Princi'rte ~o Perú. Em áta que se lavrou, o vale ama-
da façanha. Desfeitas as acusações que lhe pesavam aos om- zonico foi declarsão livre de qualquer sujeição a Espanha e
bros, por não ter regressdo ao encontro de Gonzalo Pizarro, o seus monarcas. D. Fernando, titere nas mãos de Lopo de Aguir-
imperador concedeu-lhe o titulo de Adelantado, Governador re, pouco demoraria na posição de soberano daquelas selvas
y Capitan-general das terras que colonizasse para a corôa que estranhas. A 22 de Maio de 1561, ás proximidades do rio Negro,
os Austrias começavam a cingir. Essas terras seriam. daí por Lopo de Aguirre levantava novamente a expedição, agora con-
diante, na geografia oficial, espanhola, a Nueva Andaluzia. tra D. Fernando, sacrificando-o como a diversos componentes
Orelana regressou à Amazonia. Vinha tentar a empresa da côrte, que se haviam mantido fiéis ao assassinado:
que o imperador lhe atribuíra pela cédula de 13 de Fevereiro Aguirre, a frente dos restantes da coluna que Ursua or-
de 1544. Foi mal sucedido: naufragou já na sua Nueva Anda- ganizara no Ualaga, em principios de Julho chegava ao Atlan-
luzia, perdendo a vida. Sua história estava, contudo, corren- tico. Repetira, em paginas de sangue, ao sabôr da corrente, a
do mundo nas paginas de cronistas que a romanceavam, sen- descida de Orelana, escrevendo, com sua gente, um triste ca-
sacionando passagens de -sua penetração pela hinterlandia pitulo na história da Amazonia.
sul-americana. A verdade, numa narrativa ao estilo da época,
constava da "Relacion del nuevo descubrimiento del famoso
Rio Grande que descubrió por mui gran ventura el capitan
Francisco Orelana desde su nascimiento hasta subir à Ia .mar" , A CHEGADA DO LUSITANO - A essa altura, os cris-
-12- ARTHUR C. F. REIS SINTESE DE HISTÓRIA DO PARA -13-

tãos po~tuguêses .c~mbatiam ao longo do litoral atlantíco, para logo ciência do exíto alcançado a Alexandre de Mama, ao Ar-
poder fl~ar don:l.l~lO.Concurrentes francêses, tentados pelas cebispo de Lisbôa e ao governo de Madrid. A estes, por comu-
especiarias brasileiras, procuravam instalar-se definitIvamen- nicação escrita levada por André Pereira e Antonio Fon-
te, desrespeitando as condições diplomaticas assentadas no seca e o piloto Cochado. Aquele, por intermedio de Pedro Tei-
~rata~o ,.?eTordezilas. Aos poucos, de posição a posição, numa xeira, mandado por terra ao Maranhão afim de buscar tam-
Irra~Iaçao em que o mamel~co já trazia a sua contribuição bem provimentos alimenticios e gêneros de guerra para a con-
preciosa ~e sangue e de amor ao berço, os portuguêses avan- solidação do domínio que se começava.
çavam, tríuntando sobre o inimigo, que não desfalecia na em-
preitada mercantil. A fundação estava sendo realizada por portuguêses, para
A b?ca do ~azonas s~ria uma situação ideal para os a corôa comum dos Austrías. Embora, Caldeira de Castelo
portugueses. Notícias as mais desconcertantes circulavam em Branco não esqueceu que a empresa estava a cargo de portu-
torno áquelas paragens, que os espanhóis tinham revelado e guêses. A colonia, em consequência, devia considerar-se como
de dir.eito lhes pertenciam. Sucede, porém, que a dinastia dos território português. Recebeu, por isso, o nome de "Feliz Lusi-
Austnas envolvera Portugal em seus tentaculos políticos ex- tania".
tendendo até lá a dominação que a tornava a casa real ~ais
pod~rosa da Europa. A concurrencia francêsa era em parte um
capítulo dessa guerra que se combatia no Velho Mundo entre OS PRIMEIROS TEMPOS foram de relativa paz. O gentio
francêses e Austrias, para a recomposição do equilibrio políti- da vizinhança, como que ainda surpreso com o desembarque
co.europeu, ameaçado sériamente com a expansão envolvente dos cristãos de fala portuguêsa, não opuzera resistência.
que começara com Carlos V. A braços com um império de as- Os francêses que tinham acompanhado Caldeira, por seu lado,
tronomica extensão, os espanhóis não podiam voltar-se para com êle se entenderam, dado que já o conheciam de jornadas
as terras brasilicas, que haviam ganho sem um tiro mercê da anteriores, aconselhando-o a receber, sem demonstração hos-
perda da independência de Portugal, donde as instruções de tíl, os novos dominadores.
Felipe I~ para 3ue a conquista prosseguisse, nessas paragens, Castelo Branco e sua gente aproveitaram a oportunidade
sob a onentaçao e a cargo dos lusitanos, seus novos subditos. que se lhes abria com a cordialidade celebrada entre os adve-
E a conquista assim se fazia. Com a vitória alcancada em nas e os da terra para riscar os lineamentos da admini.stra-
São Luiz sobre os francêses de La Ravardiere, chegara a hora ção e do burgo que se levantaria à sombra do Presepío. O bur-
de empossamento das ríbas do Amazonas. Alexandre de Moura,
o vencedor milagroso do capitão francê..s.•.jt' trouxera instru-
ções para realizar o feito. Era o ano de .• 1 . Dezembro. A 22,
,. go recebeu o nome de Nossa Senhora de Belém. O fortim foi.
equipado com os elementos que Pedro Teixeira e Custodio Va-
I
lente trouxeram elo Maranhão, e dentro dele ergueu-se uma
devidamente escolhido, Francisco Caldeira e Castelo Branco ermida, sob o orago de Nossa Senhora da Graça. Ao mesmo
antigo capítão-mór do Rio Grande do Norte, recebeu a incum~ tempo, cuidando do aprovisionamento metodico da colonía,
bencia de atingir o Amazonas. Alexandre de Moura expediu- principiou o trato da terra, com uma lavoura bisonha de algo-
lhe um regimento, índícando toda a ação a desenvolver. dão, cana e tabaco.
Com cento e cincoenta homens, levando por guia um Em Lísbôa, a nova do descobrimento e da fundação da
francês e Antonio Vicente Cochado por piloto das três embar- "Feliz Lusitania" enchera de jubilo. Imediatamente viera 01'-
cações em que viajou a expedição, Caldeira de Castelo Branco, dem para o Governador Geral do Brasil prestar todo o con-
cheio de cautela~, c:umprindo a rigor a letra das instruções, curso a Castelo Branco, afim de que tudo corresse com suces-
fundeou no Guajará em Janeiro de 1616, depois de dezoito so. Éntre outros assuntos logo estudados figurou o da coloni-
dias. E a 12 do mesmo mês, lançava os fundamentos de uma zação intensiva, projetando-se então ~ remessa de .colonos das
c~s_aforte, :: que deu o nome de Presepio, situando-a numa po- ilhas dos Açores, que seguramente fanam da colonía um gran-
siçao estratégica : "alta e tendo duas faces para dois rios, sen- de empório agrícola. Se as novas da Amazonia fala 'Iam da
do por êsse lado escarpada, ligada ao continente por uma es- exuberancia da terra, de fertilidade manifesta, dos bons ares
treita faixa de terra, facil seria isolá-Ia e defende-Ia". . da região, da puresa das aguas, das riquezas que se acumula-
Caldeira de Castelo Branco, como era de seu dever, deu de vam pelo interior!
-14-
ARTHUR C. F. REIS
SINTESE DE HISTóRIA DO PARA -15-

Essas providencias não foram prontamente executadas.


Demais, na colonia ocorriam incidentes que a punham em pe- litar quando o capitão Gaspar Cardoso acertou uma ?~la .em
ngo, comprometendo profundamente os resultados até então "Cabelo de Velha", prostrando-o e desarvorando o imrmgo.
con~eguidos. E' que, entre os colonos e militares, questiunculas Algumas cabildas deante do insucesso, depuzeram as ::rmas,
daninhas perturbavam a ordem que devia reinar. E o gentio, aliando-se aos ad~enas brancos. Era o fim? Ainda nao era
em choques que se agravavam a cada momento, por fim se pu-
zera em armas para enfrentar o podério dos brancos do o fi~~formada dos sucessos de Belérn, Lísbôa, manda~'a or~ens
Presepio. . para que o Governador Geral do Brasil soc~rress~ lm~dIata-
Começara a dificuldade quando Caldeira de Castelo Bran- mente o extremo-norte. Já o Governador provIden~Iav~ . ma~-
co, suspeitando da fidelidade dos Tupinambás, mandara ata- dando Jeronymo Fragoso de Albuquerque co:n boa ::Juda rm-
cá-Ios por gente de sua confiança, os capitães Alvaro Néto e litar, em três embarcações, governar a coloma e a por em so-
Gaspar de Freitas de Macedo e o Sargento-mór Diogo Bote- cêgo; mandando ABentoMa~iel Pa:-ente, co:n. 80 s~ldados e 400
lho de Vide, os quais infligiram seria advertencia aos aldea- indios, para impor aos Tupmambas o podérío lusItan.c.
mentos de Mojú e Mortigura. Agravara-se noutra guerra, fei- Fragoso assumiu o governo sem embaraços. Plen~eu e
ta aos mesmos Tupinambás, pouco depois, sob o comando do mandou para a Europa os que tinham. tomad? parte, atIya!I0
alferes Frandsco de Medina. Entre os Pacajás, outra razía, le- conflito com Caldeira, que tambem fOI.remetIdo para LIsboa.
vada a cabo pelo capitão Paulo da Rocha, redundara na morte Estudou as condições da colonia, inclusive a mudança do for-
violenta de mil bugres. Caldeira, excedendo-se, ordenara vío- te para sitio considerado menos máo. Traçou um .pla.no.d~tra-
lencias sem limites contra dois caciques Tupinambás, o que balho que abrangia a paz com os selvagens, a dístríbuíção de
ainda mais tornara delicada a situação. sesm~rias aos colonos, equipamento do fort~, montagem .de
Em Setembro de 1618, ainda mais intranquilizando a co- uma carreira para a construção de embarcaçoes e cultura .ll~-
lonia, pondo-a em maior perigo, Antonio Cabral, sobrinho de tensiva da gleba. Seria, uma vez executado o programa, ~ im-
Caldeira, assassinou o capitão Alvaro Néto, que gosava de ge- cio real da colonização. Em carta que escreveu a 9 de MaIO~e
ral estima. Preso, apesar da má vontade de Caldeira nara com 1619 aS. Magestade, deu conta do qu.eobserva~a.e de seus .p1O-
a medida, só decretada diante do clamor que se levântou en- jétos, peticionando a reme~s8:de meIOSmaten~Is p~ra a Ime-
tre civis e militares, o assassino pouco' depois era solto, a pre- diata realização do que objetívava com tanta leflexa:o. .
texto de que havia necessidade de sua energia para a campa- Nessa mesma fase, Antonio de A.!buqu~rque,FreI Ant~lllo
nha contra o gentio. Ordens de prisão expedidas contra os ca- de Merciana e Frei Cristovam de Sao Jose apelav~:n pala o
pitães Paulo da Rocha e Tadeu dos Passos, que se haviam re- Rei e mais autoridades competentes afim ~e que VIessem em
fugiado no hospicio que os Franciscanos da Provincia de Santo socorro da colonia aparelhando-a convenientemente, sem o
Antonio mantinham no Una, perto de Belém, receiosos das ue fracassaria todo o esforç<:que seAestava d~spende;r.;-do.
De
violencias de Caldeira, deram em resultado um pronuncia- ial maneira impressionantes esses apelos, q?e ficou deliberado
mento da guarnição, em que teve parte saliente, como cabeça, a remessa de ajuda, a cobrir todos os aspectos !Í0 . rn ob~e~a
frei Antonio de Merciana, que dirigia aqueles Religiosos. amazonico proposto pelos missivistas e pelo proprio capitão-
Caldeira posto em grilhões, foi aclamado capitão-mór Bal-
tasar Rodrigues de Mélo, que de toda a ocurrencia deu ciên- mór'1!:ste,por seu lado, antes que os Tupin~mbás tomassem
cia a Madrí e ao Governador Geral do Brasil. Estava, a pri- atitudes mais violentas e fizessem falhar seus mtent?s constru-
meira vista, dominada a situção. No entanto, assim não su- tivos buscou-os sessenta leguas distantes do Presepl~, onde se
cedia. Porque os Tupinambás, sabedores do que se passava no enco~travam em número de vinte mil em preparativos I?ara
Presepio, imaginaram dominar a praça, atacando-a a 7 de Ja- lançar-se novamente sobre as situações lusas. O cho.que fOIas-
neiro, sob o comando de "Cabelo de Velha". O assalto reves- péro. Os Tupinambás perderam a partida, que os deIXOUescar-
tiu-se de violencia e de surpreza. A guarnição do forte ficou mentados para muito tempo. . , .
cercada totalmente. Os Tupinambás, cheios de arrojo, preci- Com a chegada de Bento Maciel, porem, a guerra pro~se-
pitavam-se sobre as posições lusitanas com uma impetuosi- iu. Bento Maciel trazia grosso cabeda~ em gente e m~terl~l.
dade incrível. Já procuravam penetrar o esÜtbelecimento mí- ~nha enfrentando o gentio desde ~apUltaper~, no Maranhâo,
esmagando-o com inaudita víolencía. No Para, caçou-os com
-16- ARTBUR C. 1:'. REIS Sl'NTESE DE BISTÓRlA DO PARA -17-

a mesma sofreguidão, indo atacá-Ias no Guamá. Seus feitos Chamava de "herejes". E tanto assim, que continuaram nas
revelando a c~ragem que o animava, embora brutais, talve~ operações coloniais e mercantís, ampliando o campo de ação
mes~o excessivos, seryiram ainda mais que a lição já de si com a montagem de novas feitorias além do Parú e um esta-
severa que ~~agoso dera. Porque os Tupinambás socegaram belecimento fortificado entre os Mariocai, hoje a cidade de
de vez, permitindo que os colonos principiassem uma vida mais Gurupá.
de ac.ord~ com. os sentimentos que animavam o espírito da Em 1623, ante a desenvoltura por que se portavam os
colomzaçao lusítana. "herejes", infrutiféros os protestos que a côrte madrilenha fi-
zera junto a Jaime 1.0 da Inglaterra, aprovado o plano que
Bento Maciel Parente oferecera à consideração das autorida-
des superiores na Ibería, ordenou-se a abertura das hostilida-
. EM FACE DO HERE~E - Havia, contudo, perigo ainda des. Luiz Aranha de Vasconcelos veiu de Lísbôa com a íncum-
mais forte q~e ~ d~ gent~o rebelado e agora vencido. Era o bencía de enfrentar o inimigo e pô-lo fóra da Capitania. Or-
concurrente ínglês, irlandês e holandês, que desde fins do sé- ganizada a expedição, que contou com os melhores elementos,
c~l.o ~VI começ~ra a explorar as riquezas do vale, mantendo recrutados entre a gente da selva já orientada para enten-
feitorías, comerciando intensamente com os nativos e levan- dimento cordial com os lusitanos graças à ação dos Francis-
tando, mesmo pequenos estabelecimentos militares que da- canos da Província de Santo Antonio, Luiz Aranha dirigiu-se
vam, a empresa, o caracter de conquista com ares definitivos. para o forte dos Mariocai. Não conseguiu siquer atacá-Io. Vin-
. Já .antes da chegada de Caldeira as autoridades brasí- do em sua ajuda, com grossos cabedais humanos" ainda em
leíras tínham conhecimento da tentativa dos reformistas. A maioria gentilico, Bento Maciel assumiu o comando das ope-
ordem para a fundação do nucleo do Presepío em parte en- rações, que terminaram depois de sangrentos encontros com
contrava explicação no proposíto lusitano de Iímpar a região o desbarato total do inimigo, que se refugiou na ilha dos To-
da presençadessa gente estranha. E logo que Caldeira come- cujús, onde veiu a sofrer a derrota final. Um navio de grande
çou_a or~al1lzaça? da colo~ia, uma de suas primeiras preocu- porte, que procurou socorre-lo, foi igualmente atacado, in-
P8:ço~sfOItomar mformaçoes minuciosas acêrca 'do poderio do cendiado e afundado já em aguas salgadas.
mimigo, A partida não estava ganha. Os interesses mercantís dos
,Êss~s estra~geiros tinI:a~ suas posições entre o Oiapoc estrangeiros, organizados em companhias sob o patrocinio e
e o P~ru. Man.tmham c,?merclOcom o gentio, dele recebendo a direção de magnatas e figurões flamengos e inglêses, exi-
algodao, .madeíras, urucu. Lavravam a terra, com algodão, ta- giam que a empresa continuasse. E a empresa continuou le-
b~co, cana, de que começavam a fabricar açucaro Seus barcos vando os homens do "Presepio" a novos esforços para manter-
c~rculavam seguramente pelo curso do Amazonas, carregando se sem interferências estranhas na colonia paraense.
generos e de certo procedendo aos reconhecimentos necessá- Em 1625, Pedro Teixeira, com a cooperação de centenas
rios para a ampliação da colonia. de indios dos aldeamentos mantidos pelos Franciscanos da
Caldeira projétara, ou melhor, propuzera-se abrir a cam- Provincia de Santo Antonio, investiu e destruiu as feitorias e
panha contra êles, procurando-os no Oiapoc que era o centro redutos do Xingú, onde se encontrava o principal nucleo, de-
maior de onde irradiavam para o Amazona~. Mas contentou- nominado Mandiatuba, e os do Cajarí. Quatro anos decorri-
se em mandar que Pedro Teixeira e Gaspar de Freitas acome- dos, ainda Pedro Teixeira voltava à luta, atacando a feitoria
tessem uma esquadra holandesa que bordejava nas proxímida- e casa forte do Torrego, que os estrangeiros mantinham na
des do Presepio. Ano de 1616. Os dois alferes com uma dis- ilha dos Tocujús. Venceu. James Purcel, irlandês que coman-
pos~çã~yerdad~iramente singular, em pequen~s canôas, com dava a praça, rendeu-se retirando-se para a Europa. A ilha d.os
guarmçao quasi que de nativos, só encontrando uma embar- Tocujús era uma posição de que se haviam enamorado os here-
c~ção d:: fr?ta, ab?rdaram-na, lutaram corpo a corpo, com a jes. E tanto assim, que a ela voltaram. Feriram-se novos en-
tnpu~açao, 1.ncendIando e por fim afundando o navio, cujas contros, em consequência. Jacome Raimundo de Noronha en-
baterias fuals tarde foram retiradas dagua e vieram contri- frentou-os com exíto. Feliciano Coelho, Ayres Chichorro e Pe-
buir para o melhor equipamento da defesa do "Presepío". d.ro Baião de Abreu destruiram outro forte, o de Cumaú, na
A derrota não desanimou os concurrentes, que o lusitano mesma ilha, destroçando os reforços inimigos que c~egavam
-18- ARTHUR C. F. REIS
SINTESE DE HISTóRIA DO PARA -19-

da Inglater:-a. Roger Fray, que dirigia o estabelecimento e os


reforços, fOImorto em combate. Ano de 1631. entre São Luiz e as mesmas cidades, eram difíceis. Ventos for-
tes atrazavam de muito a navegação entre as duas Capitanias
Era o fim, realmente? As embarcações holandesas não do extremo-norte e o nordeste do Brasil. Os imperativos eram
abandonaram de pronto o caminho do vale. Continuaram a vir impressionantes. Gaspar de Sousa, numas interessantissimas
re~~cIOnar-seem .1uc!at.iyC?s negocios com a gentilidade do Ma- "Lembranças", acerca-das coisas da região, sugerira a auto-
raJ?, sem, f:o~avla, 11!~lStIrna tentativa de plantar mais fei- nomia e uma série de providencias que viessem facilitar a ação
tonas e posiçoes rortírícadas. Em 1639, porém, ainda se regis-
t~ou encontro entreportuguêses e holandeses, que, ao se apro- de quem fosse mandado administrar as duas Capitanias. A
,20 de Junho de 1618, S. M. ordenou a creação do "Estado do
ximarem de Gurupa, foram abordados pela guarnição da pra- Maranhão", compreendendo essa Capitania até o Ceará e o
ça! ~ob C?comand~ do capitão João Pereira de Caceres, caíndo Pará, que ficariam desligados de qualquer subordinação ao
pristoneiros o naVIOe a respectiva guarnição. Brasil.
Essa autonomia, só, porém, em 13 de Junho de 1621, foi
decretada, enquanto que a instalação do novo Estado apenas
OS .LI~NTOS ~CIAIS DA ADMINISTRAÇÃO _ em 1626 se tornou realidade com a posse do primeiro Governa-
C?m a instalação do domínio, os portuguêses cuidaram ime- dor, Francisco Coelho de Coelho, que ficou residindo em São
dIa~~ente ,?a organ.izaç~? dos serviços públicos, serviços de Luiz.
admimstraç~o. ~aldeIra vínha com a patente de capítão-mór. O Pará continuou Capitania de segunda ordem, agora re-
Em consequencia, era a .maior autoridade da colonia. Tinha, cebendo ordens, para sua evolução, da autoridade maior do
de acor~o com a ordem vigente, poderes que se ampliavam até Maranhâo, Para a bôa marcha dos negocios locais, os capi-
a capacidade para fazer a guerra ao gentio, crear os núcleos tães-móres recebiam instruções particulares quando vinham
de povoamento, prover os cargos funcionais fazer construir entrar em exercicio, instruções que lhes indicavam as provi-
embarcações, organizar as forças militares, 'conceder sesma- dencias mais urgentes no momento. Já antes de 1652, toda-
rias, procedendo, enfim', como um governante, mas subordina- via, expedira-se um Regimento para os capítães-móres para-
do:.,ao Governador Geral do Brasil, a quem dava contas de sua enses, estatuindo suas obrigações, de que se não podiam afas-
açao. Essa subordinação não implicava um impedimento de tar sem estar cometendo grave falta política. Era a ordem ju-:-
c~iTespondencia e de subordinação imediata ao Reino. Mas ridica que se constituía, pondo a coletividade a salvo de vío-
nao autorizava essa correspondência e essa subordinacão com' lencías e numa garantia evidente aos seus direitos.
a larguesa que podesse permitir qualquer sentido de autonomia Nos primordios da colonização do Brasil, o governo por-
do capítão-mór. ' tuguês apelara para a energia e para o .capítal de seus homens
Para cooperar com êle, foram aos pouco sendo nomea- de pról, com os quais iniciara o plano de divisão da terra,con-
d?s ou~ros funcio~ári~s, que iam dando à aparelhagem admí- cedida a donatarios, com atribuições quasi feudais. No extre-
nístratíva da Capítanía paraense os seus lineamentos' defini- mo-norte, a imensidade dos chãos, a necessidade de incorpo-
tivos.Os primeiros providos foram os da provedoria de fa- ra-los ao império sem o despendio dos mesmos esforços que
zenda, a c~jo. cargo corriam os serviços do fisco, seguramen- custavam tão caro ao Estado, como que indicava um regresso
te, nos primeiros tempos, de poucas obrigações, dado o pe- ao sistema, que poderia .dar frutos bem apreciaveis. Demais,
queno vulto das operaçoes de comércio. O capítão-mór ven- havia necessidade de premiar a coragem dos que tinham rea-
cia a anualidade de cem mil réis. lizado a façanha das jornadas de conquista e de combate ao
A,subordinação ao Governo Geral, sediado óra em Olinda estrangeiro concurrente. Bento Maciel Parente, em longo Me-
óra ~a cidade .do S~lvador, dificultava de certo modo a pra.: morial, endereçado à consideração do monarca, indicara um
mO?~o de proVI~enCIaScom a urgencia que se impunha numa programa de concessão de Capitanias. Antes, Gaspar de Sou-
regiao onde havia problemas graves a solucionar, como a luta sa, como recompensa aos serviços prestados no Maranhão,
contra o concurrente estrangeiro e a campanha-contra o bu- obtivera um lote, à sua escolha. Em 19 de Março de 1624, o
gre, assanhado, em hostilidades ao conquistador iberico. As governador do Estado ficou autorizado a crear Capitanias,
comunicações entre Belém e aqueles centros políticos, como concedidas a partir de 1627 : a Feliciano Coelho de Carvalho,
a principio a do Caíeté-depoís a do Camutá; a Alvaro de Souza,
-20- ARTRUR C. F. REIS SINTESE DE HISTóRIA DO l"ARA -21-

filho de Gaspar de Souza, a do Caieté; a Bento Maciel Pa- Como "Tropas de Resgates", para escravísar o bugre, e "Tropas
rente, a do Cabo Norte; a Antonio de Souza Macedo a do Ma- de Guerra" expedidas contra os espanhóis, contra os próprios
rajó; a Gaspar de Souza Freitas, a do Xingú. ' índios, mais de uma vez em armas contra o colono escravísa-
O Gurupá ficou constituindo uma Capitania para o Rei. dor, também sertanejaram intensamente, participando da obra
T.inha capítão-mór de nomeação régia, com regimento espe- de reconhecimento e de incorporação da hinterlandia ao domi-
cíaí, mas funcionava mais como registro de embarcações que nío português.
subiam e desciam o Amazonas em operações mercantís. De quantas expedições penetraram o alto sertão. a mais
A experiência feudal foi outro fracasso. Como sucedera famosa, pela repercussão que teve, pelo vulto dos elementos
no litoral brasileiro, na fase inicial, as Capitanias não conhe- de que se aparelhou, pela extensão do territorio alcançado,
ceram progresso. Os donatarios não lhes ligaram a ímportan- pelo significado político que possuiu, pelos resultados que dela
cia devida, donde, no século XVIII, o governo lusitano tê-Ias decorreram, foi a que Pedro 'I'eíxeíracomandou em 1637-1639.
incorporado ao patrimonio estatal. Foi exceção a do Camutá, Governava o Pará o capítão-môr Ayres de Souza Chichor-
cujo donatario nela fundou, para séde da administração, a 1'0, e o Estado, Jacome Raymundo de Noronha. Havia ordens
vila de Santa Cruz do Camutá, no Tocantins, estabeleceu ca- regias para a exploração do rio Amazonas, Aproveitando a
mara municipal, instalou povoadores, montou engenho de oportunidade da chegada de dois frades francíscanos, que ha- .
açucaro Foi a exceção, enquanto viveu nela o donatario. Por- viam descido, do alto Maranon até Belém, descrevendo acôres
que ao seu regresso à Europa, manifestou-se decadência. fortes o que se escondia ás margens da grande arteria fluvial,
Jacome de Nororiha, despresando a opinião derrotista dos po-
vos dó Maranhâo e do Pará, contrários à entrada, determinou
que Pedro Teixeira subisse o rio procurando .atingir o Vice-
A ffiRADIAÇAO BANDEffiANTE - Era uma consequên- Reinado do Perú. O vencedor dos "herejes" habituara-se a em-
cia natural da ocupação da bôca do Amazonas a penetração presas de alto porte. Estava já em seu genio a aventura pelo
da hinterlandia que se começara a descrever como um novo desconhecido, ao encontro do mistérioso e do difícil. A jorna-
velocino, um potosi de infinitas riquezas que os conquistado- da de que o incumbia o Governador sabia admiravelmente
res e colonos deviam descobrir para o bem-estar da colonía e bem à sua natureza desassombrada.
do próprio Reino. A 28 de Outubro de 1637; li bandeira fluvial, saindo de Ca-
Este perdia aos pouco os proventos rendosissimos do metá, se pôz em marcha, integrada por quarenta e cinco CR-
Oriente, até onde estava chegando a cobiça sem freios de con- nôas, setenta soldados e um milheiro de indios. Os melhores
currentes estrangeiros. Ante as noticias das riquezas em espe- cabos de guerra, os melhores sertanistas formavam ó estado-
ciárias, de que sé falava em relação ao Pará, por que não em- maior de Pedro Teixeira : Bento de Oliveira, mestre de Cam-
preender a empresa da irradiação pelo interior na cata dessa po; Feiipe Cotrin, sargento-mór; Pedro da Costa Favela ePe-
matéria prima? Os colonos, por sua vez, estavam carecendo dro Baião de Abreu, capitães da infantaria; Bento da Costa,
de braços para os ensaios agrícolas de suas propriedades, mon- piloto. Frei Domingos de Bríeba, um dos franciscanos qu~ ti-
tadas nas cercanias de Belém. A gentllídade, abundante no in- nham realizado a baixada, tambem acompanhava a partida.
terior, podia ser utilizada nos mistéres econômicos como braço Pedro Teixeira levava a patente de Capitão-mór e General do
para o trabalho. Por fim, a necessidade de combater o estran- Estado.
geiro, que amanhã talvez viésse a ser senhorabsoluto da colo- Foi uma entrada feliz. Depois de mil, sucessos, Pedro Tei-
nia, impunha a expansão para oéste. E a expansão, condicio- xeira atingiu a capital equatoriana, de onde regressou para
nada por tamanhos imperativos, se processou com rapidez e fundar a 16 de Agosto de 1639, na confluência do Napo com
animação. o Agu~rico, o povoado da Fran~isc~na: que ,devia fronteirar,
As especiarias chamavam-se as "drogas do sertão", e no vale amazoníco, as duas naçoes íberícas, ato solene de que
constavâm de cacáu, cravo, salsa, urucú, canela, baonilha. A fez lavrar a conveniente áta, que recebeu a àssinatura de re-
colheita delas representouo fundamento econômico mais for- ligiosos espanhóis seus companhei.ros na desci.da para Be~ém.
te da expansão. Flotilhas, remadas pelo gentio acamaradado, O feito de Pedra Teixeira garantia-lhe um titulo a mais, a
atiraram-se pelo désconhecido recoletando-as afinca ·tamente. acrescentar aos de que se ufunava como soldado das guerras
-22- ARTHUR C. F. REIS SINTESE DE mSTõRIA 00 PARÁ -23-

contra o estrangeiro e sertanista intrepido : o de bandeiran- tião Paes de Barros, Pascoal Paes de Araujo, Antonio Raposo
te maior da Amazonia. Graças à sua entrada, revelava-se aos Tavares, Francisco Fernão Cardoso, João Pacheco do Couto,
colonos de Belém um mundo novo, onde encontrariam de cer- Jacinto de Sampaio Soares, Manoel Felix de Lima, José Leme
to as riquezas que tanto ambicionavam e assegurava-se à ex- do Prado, Leonardo de Oliveira, João de Souza de Azevedo, os
pansão lusitano-brasilica um espaço gigantesco que estava até quais se conduziram com a mesma intrepidez que os distin-
então fóra das cogitações legais das autoridades. guiu noutras partes da colonia brasileira.
Como Pedro Teixeira, distinguiram-se, nessa penetração
do interior, Bartolomeu Bueno de Ataíde, Pedro da Costa Fa-
vela, João de Bitencourt Muniz, Hilario de Souza de Azevedo, A AÇAOMISSIONARIA - No Pará, desde a chegada, sen-
Inácío Corrêa de Azevedo, José Antunes da Fonseca, Diogo tira o conquistador que a vida tinha de processar-se com a
Pinto da Gaya, Francisco de Mélo Palheta, João Paes do Ama- colaboração do gentio, num ambiente diferente dos demais
ral, Belchior 'Mendes de Moraes, que deslocaram a fronteira que tinha encontrado no Brasil. A massa nativa era assom-
tanto no norte como no oéste, tornando letra morta o que fôra brosamente grande. Sem ela, ao seu lado, não seria possivel
estatuído no tratado de Tordesilas entre Portugal e Espanha. caminhar em qualquer tarefa. Mas para ter êsse bugre ao
Essa irradiação se fez quasi sempre ao arrepio da corren- seu lado, aqueles processos de violencia que se adotavam, sob
te, num lance de evidentes consequêncías imperialistas. Tão protestos régios e dos missionarios, talvez não provassem
evidentes que ao atingir o Solímôes, o alto rio Negro e o cabo bem. Donde, de logo, se ter tido a compreensão de que havia
do Norte, os sertanistas paraenses tiveram de chocar-se com necessidade imperiosa da vinda do catequista. Com Caldeira
espanhóis e francêses que procuravam tomar conta daquelas de Castelo Branco, chegavam os Franciscanos da Provincia de
regiões para o patrimonio territorial de suas pátrias. Mas a Santo Antonio, que montaram casa no Una, a certa distancia
posse lusitana foi mantida. No Solimões, até 1710, verifica- do "Presenío". Chefiava-os Frei Cristovam de São José. Cer-
ram-se encontros com os missionarios espanhóis que se am- cados da -confiança geral, os Franciscanos tomaram a seu
paravam em destacamentos militares enviados para garan- cargo a conversão do gentio. Ordens régias mandaram mes-
tí-los. Na direção do cabo do Norte, para assegurar o dominio, mo que a êles fosse atribuido aquele mistér, a que se dedica-
que se estava realizando pacificamente, foram fundados os ram com absoluto exito, logrando organizar os primeiros al-
fortins do Desterro, Araguarí, Camaú e Parú. Mesmo assim, deamentos, que .valeriam de muito aos conquistadores quan-
em 1697 De Ferrolle, da guarnição de Caiena, atacou as posi- do êles tiveram necessidade de lutar contra o concurrente es-
ções portuguêsas, apoderando-se de Camaú e Parú, de onde trangeiro. Nesse periodo, os próprios Franciscanos comanda-
foi expulso pelas tropas paraenses, comandadas pelo capitão ram destacamentos de nativos, recrutados nos aldeamentos
Francisco de Souza Fundão. , que os padres organizavam, trazendo uma colaboração que
Em melados do século XVIII, graças ao esforço dos! ser- mereceu louvores e agradecimentos régios.
-tanístas paraenses, 'a, hínterlandia ;:,estava atingida 'em 'seus
pontos mais distantes, permitindo va ' exploração econômica Seguiram-se, aos Franciscanos, os Jesuítas, q~e tiveral?1
que se operava intensamente e o inicio de uma .oeirpação .per- dificuldades para instalar-se. Defensores imperteritos da li-
manente, que se firmava na série de postos militares e nas berdade do indigena, por onde passavam investiam sem mêdo
fortins que se levantaram nos pontos de maior significação contra as forças escravagistas, numa luta de retumbancia.
estratégíca.. , No Pará os colonos, como os colonos dos outros trechos do
, Nessa irradiação, prestara 9 sertanista um serviço rele- Brasil, procurarain impedir .que a atuação .n:at~'rn~, libera!,
vante à geografia, com o reeonhecímento dos grandes cursos, ds Inacianos se fizesse sentir. Em 1636,. 'LUlZ',FIgueIra realí-
cujasaguas riscam a caracteristica mais forte da Amazonía : zou os primeiros trabalhos, tomando contácto éomo meia, es-
Tocantins, Xingú, Tapajós, Madeira, Araguarí, Parú, Nha- tudando os problemas regionais, indicando, por.·fim, um pla-
mundá, Urubú.vNegro, Branco; f
no de ação. Em 1643, Luiz Figueira regressara com quatorze
Para essa irradiação tinham contribuido tambem ban- companheiros, mas naufragara na baía do Sol, perdendo a
deirantes da Paulicéa, chegados ao extremo-norte -pelo Tocan- vida quasi todos os que integravam a falange a cujo cargo
tins, pelo Tapajós e pelo Madeira, como, entre outros, sebas- estaria o inicio da obra catequista.
SIN'l"'ESEDE HISTóRIA DO PARA -25-

João de Souto Maior e Gaspar Fragoso, vindos em 1652


de~am princ.ipio efetivo à missão evangelizadora, que prosse~ Capitania durante dois séculos. Donde a frase de um h~s~Ó':
guíu em meio a tremendos embaraços, creados por autorida- riador conspicuo : "A luta dos ~ol0!l0s ~om. a~ o~·de.n~rellgl~-
dse civis e pelos colonos, contrariados em seus interesses es- sas, por amor da liberdade dos índios, e quiça a 1elçao domi-
cravagistas. nante da história paràense". . '.
O primeiro episodio ocorreu quando Frei Cristovam de
Os Carmelistas, os Mercedarios, os Capuchos da Piedade, Lísbôa, despachado de Lísbôa com poderes para dírígír o tr~-
os frades da Conceição da Beira e Minho, chegando após os
Franciscanos de Santo Antonio e os Jesuitas, como aqueles tamento liberal do indio paraense, procurou por el? execuçao
agiram com amor e entusiasmo na conversão do gentio, con- o alvará de 15 de Maio de 1624, que, na realidade, apenas VI-
seguindo triunfos assinalaveis. Visitando os altos rios, pene- nha ratificar átos anteriores de monarcas portuguêses e espa-
trando regiões onde os cristãos ainda não tinham chegado, nhóis mandando proíbir a escravísação e con~ide~ar o índio
muitas vezes adiantando-se aos sertanistas, conciliaram cen- como um ser humano igual aos europeus. Frei Cnst?vam so-
tenas de tribus que se guerriavam, amansaram centenas delas, freu a demonstrações de hostilidade do povo em Belem, exal-
modificaram o sistema de vida que viviam, ensinaram-lhes os tado com a possibilidade de vir a perder a mina que se ha-
ideais da cristandade. Fizeram trabalho civilizador com uma .bítuara á explorar. A edilidade belemíta, ~alan~o em ~oI?e da
abnegação verdadeiramente admíravel. população, investindo-se de poderes de ,qu~ ~ao podia mves-
tir-se impediu o cumprimento do alvara regio. Era uma ma-.
Carmelitas e Jesuitas, de todos, foram os que produziram , l1ife~tacão francamente rebelde, mas, nem as autoridades
com mais intensidade. Em 1751, havia no Pará, inclusive o ter- administrativas nem o próprio frade tiveram meios de condu-
rítorío que mais tarde comporia o Estado do Amazonas, en- zir a situação sem graves comoções, pelo que ac~itar~m ~ ~ro-
tão distrito componente da Capitania paraense, sessenta e nunciamento popular, deixando de adotar a leg~slaçao regia:,
três aldeias onde os missionarios das Ordens a que nos refe- Se os Franciscanos cederam ante o protesto popular, ja
rimos ensinavam aos indios o trabalho organizado, artes e ofi- não ocorreu o mesmo com a gente da Companhia de Jesús,
cios mecanicos, levando-os a lavrar a terra e a ter um lar à milícia que se habituara a lutar e a não ceder senão diante da
moda dos homens que chegavam da Europa. Num regime de forca material. E tanto assim, que, à começar de 1652, quan-
disciplina absoluta, os índios passaram a conhecer prazeres do se estabeleceram em Belém João de Souto Maior e Gaspar
menos materiais, a ter aspirações mais espiritualizadas, per- Fragoso, os incidentes se a~riram porque aos Inacü;l1os s.e ~o-
dendo o instinto nomadico, o espirito belicoso, o animo des- deava da suspeita de se nao quererem submeter as exigen-
preocupado. O regime das missões trouxe progresso ás zonas cias dos colonos.
em que elas estavam situadas, progresso constatado por fun- Uma abundantissima legislação, que em 1686, em 21 de
cionários que o governo reinól mandou mais de uma vez em Dezembro, foi consolidada no Regimento .das Missõe~, ~eu
missão reservada para conhecer das condições em que elas quasi sempre ao in~io. o direit? d~ viver em llberdad~, 'atnbUl?-
viviam, principalmente o estado de indigena: havia ordem do, todavia, aos Relígiosos, príncípalmente aos Jesmtas!. a mIS-
e trabalho. são de velar por essa liberdade, assi~tind_o-a par~ que n~o hOl.l,-
vesse desregramentos, licenças e vlOlaço~s: ~aI~, conf~an?o a
Companhia a atribuição de zelar pela civilização ~o mdlO._
A LUTA PELA LIBERDADE - Essa girou em tôrno do Em 1627, Bento Maciel Parente propuzera ~ introdução
braço do indio. O colono não sabia dar um passo sem o esfor- do sistema do "repartimento", usado nas colomas espanho-
ço, a contribuição gratuita do gentio, que êle escravisava sem las. Não interessara a sugestão. Os colonos, por prote.s~os es-
dó nem piedade. Encontrara a instituição entre as próprias critos, por demonstrações vi?le~tas, muitas vezes .f::cIlIta??S~
tribus. O sistema vinha das outras Capitanias, onde tambem zarantídos mesmo nessas atitudes por alguns capítães-móres
se aproveitava a energia do nativo para todas as empresas de ~ Governadores, não desistiram da canwanha a que s~ lança-
caráter econômico ou não. No Pará, quando os missionarios ram para escravisar. Custava-ll1.~s ,aceitarAuma ,doutr!~a qu:
e as autoridades civis meteram ombros a grande empresa da vinha perturbar, destruir a economia que eles. procura •.am ~I-
libertação da raça nativa, os protestos surgiram, agitando a ganízar em proveito de sua fazenda, o que no fI!? d~ c?ntas era
tambem em favor da fazenda do Estado. Sem o índio, eles nada
-26- ARTBUR C. F. REIS SJNTESE DE UISTÓRI ..\ DO PARA -27-

pediam r_ealizar:A introdução do braço negro fazia-se quasi a Quasi que podemos dizer que lutou por êles, tal a atitude' que
me.d? .Não havia recursos para ad9uirir as peças africanas. assumiu contra a preocupação desumana dos colonos. Duran-
solicitadas pelo ~ordeste. E a economia paraense então re~ te sua gestão, a campanha contra a Companhia crescera de
p.ousava na colheita das especiarias, o cue era enca'rgo do gen- vulto, pela interferência dos desafétos dela, pela ação que des-
tIO, conhecedor delas, como nínguem, ê dos sítios ~nde en- envolveu no Reino o procurador das camaras de São Luíz e
contra-Ias. Belém, um Paulo da Silva Nunes, que, para tal, encontrou a
fi contenda, com a chegada do padre Antonio Vieíra que proteção de Berredo. O Governador Maia da Gama foi denun-
chefIava, a obra missionaria em todo o extremo-norte, do Pará ciado. Defendeu-se vivamente, com bôa documentação. No go-
ao Cea~a, tomou corpo. Vieira enfrentou os colonos de visei- verno de Alexandre de Souza Freire, voltaram a carga os ini-
ra erg~Ida. Condenou-lhes as atividades escravistas. Atacou-os migos da Companhia, que teve de invocar novamente as suas
sem mêdo. Co~o era nat~ral, desencadeou-se a ofensiva con- ações, os resultados beneficos que dela advinham para as po-
tr~ a CompanhIa que precisava apoiar-se em bôas provas nara pulações nativas e no fim de contas para o próprio Estado, que
tríunrar sobre. a vontade da coletividade colonial. ~ progridia graças a êsse trabalho de pacificação e de organi-
A luta fOI forte. Com vitórias momentaneas para os co- zação. Souza Freire, a principio guerriado pelos Loiolistas,
l~n?s, que enviaram emissarios ao Reino, munidos de creden- acabou com êles se entendendo, o que já não sucedeu com José
CIaISpara acusl3;ros Jesuitas, envolvendo-os numa ofensiva da Serra, que lhe sucedeu na curul admínístratíva. .
ene:g!ca, ap~drmhada por quanto desaféto da Ordem tinha Até então as acusações contra os Jesuitas tinham sido
posiçao na ~orte ..Em 1661, a tensão atingira o auge Uma re- resolvidas no Reino, mediante as devassas que alí se abriam
belíão em Sao LUlZ,teve éco em Belém, amotinando-se o povo .e alí se encerravam apenas ouvidas as partes, por seus procu-
:ontra os .Ina?Íl;mos,que foram expulsos da Capitania, com radores e as informações prestadas pelos governadores e pelos
eles Antonio Víeíra. Sucede, porém, que em Gurupá o respecti- capitães-móres. Agora, porém, ante o volume sempre crescen-
vo comanda:r;te agl3;salh~raos Inacíanos que haviam abando- te das acusações, de que os Inacianos se serviam dos indios
nado ~s aldeias fugmdo as .violencias dos colonos, perturbando pará satisfazer suas empresas comerciais, altás proíbidas por
destarte o programa" dos jesuttorcbos. Depois de mil peripé- Sua Magestade e pelos Gerais da Companhia, não cumpriam
Cl~S acomodara-se a gente de Belém, não sem antes ter tomado as várias obrigações decretadas pelo monarca, entre elas a de
atI!udes que revelavam um animo francamente desrespeito- ensinar oficios e lingua português a aos catecumenos, nega-
so a vontade real. ~ vam-se a' permitir a, visita paroquial dos Bispos, recusa-
Essa a~it~ção estava, porém, apenas suspensa, Porque vam-se a pagar os dizimos a que todos estavam sujeitos no to-
pouco depois, a execução dos alvarás de 12 de Setembro e 18 cante ao que produziam, deliberou o Conselho Ultramarino di-
de Outubr~ de 1663, ,:oltou a verificar-se comoção popular, rigir um inquerito in loco. O desembargador Francisco Duarte
dado que esses alvaras mantinham a liberdade do indio e Freíre foi encarregado da missão. Ano de 1734. O desembarga-
mandavam que ~s Religiosos das várias Ordens que míssíona- dor ouviu gregos e troianos. Fez o inquerito sem paixão. Pesou
°
vam n~ Capítanía exercessem mistér catequista para defe-
sa da lIberdade do gentio.
tudo com balança sem viciosoE de seu relatório saiu a absol-
vição dos Jesuitas, que não eram os homens sem honra, os fun-
_ Entre ~667 e 1678, feriram~se novos incidentes. No go- cionarios que se desmandavam como constava dos papeis es-
~erno de Crtstovam da Costa Freira, que decorreu entre 1707 e critos contra êles. Ao contrario, sem a ajuda deles, seria um
1718, houv~ como que um equilibrio de forças. O Governador fracasso a experiência que os lusitanos estavam realizando
contemponzou: se não se pôz de todo equidistante dos dois para crear, nos tropicos sul-americanos, um centro de civili-
grupos em .choq~e, agiu com certa serenidade, .conseguíndo zação.
merecer a símpatía de ambos. Foi habil. Já não sucedeu o mes- Antonio v'ieira, mais de uma vez, pulverizara uma a
mo a seu sucessor, Bernardo Pereira de Berredo, que se decla- uma as queixas dos colonos. Jacinto de Carvalho e Bento da
rou pelos colonos, protegendo-os abertamente, dedicando-Ihes Fonseca, com abundante e impressionante documentação, por
a su~ pena e prestígío, mesmo depois que deixou a adminis- seu lado, tambem haviam esmagado as misérias que se atira-
tração do Estado. vam contra seus companheiros. Não satisfaziam essas razões.
João da Maia da Gama' colocou-se ao lado dos Jesuitas. Não eram bastantes. E tanto não eram bastantes. que, se nos
SINTESE DE HISTóRIA DO PAi!A -29-
-28- ARTHUR C. F. ~EIS

governos de João de Abreu Castelo Branco e Francisco Pedro que obtivera o posto em paga aos serviços prestadas na' luta
?e Mend<;>nçaGurjão, não houve incidentes de vulto, nem por contra os Tupinambás.
Seus sucessores foram, até 1751 : Manoel de Souza d'Eça,
ISSO amamara ou passara mesmo o vendaval. Com o advento
de Pombal, a Companhia de Jesús cessaria sua atividade no Feliciano Coelho de Carvalho, Luiz Aranha de Vasconcelos,
vale amazonico, com grandes danos nara a civilizacão rezíonal Jacome Raymundo de Noronha, Antonio Cavalcante de AI-
e sem solução prática para a condição do nativo. ~ <:>
buquerque, Luiz do Rego Barros, Francisco de Azevedo. Ayres
de Souza Chichorro, Feliciano de Souza Menezes, Manoel
Madeira, Pedro Teixeira, Francisco Cordovil Camacho, Pau-
( lo Soares de Avelar, Sebastião Lucena de Azevedo, Iná-
A EVOLUÇÃO POLíTICA - Não decorreu calma a vida cio do Reo'o Barreto, Pedro Corrêa, Luiz Pimente de Mo-
político-administrativa d? Pará durante os seus primeiros cem raes, Feliciano Corrêa, Marçal Nunes da Costa, Francisco de
anos. Podemos me~mo ~~zer que houve uma turbulencia per- Seixas Pinto, Antonio Pinto da Gaya, Manoel Guedes Aranha,
manente,_ que deu a reg~ao u~ ar rebelde, agressivo que, real- Paulo Marfins Garro, Antonio de Albuquerque Coelho de Car-
mente, na~ ~onheceu a intensidade .que a primeira impressão valho, Hilario de Souza de Azevedo, João Velasco de Molina,
pode permitir, Pedro Mendes Tomaz, João de Barros Guerra, João Velho de
Azevedo, Antonio Marreiros, Antonio Duarte de Barros, Custo-
, ~á vimo~, pagi~as atr8:z, ~omo principiara a organização
p::>lltIco-ad~I~lstra~lVo.Os incidentes em que estiveram envol- dio Antonio da Gama, João de Almeida da Mata.
O Senado da Camara de Belém, por duas vezes dirigiu
vidos os capítães-móres que vieram logo após Caldeira de Cas-
a Capitania: entre 16 e 28 de Fevereiro de 1640 e 15 de Se-
telo B.ranco, der~m de logo sinál de que seria necessaria muita tembro de '1642 e 28 de Julho de 1646. Luíz do Rego Barros e
energia para evitar a anarquia entre os colonos. De envolta Antonio Cavalcante de Albuquerque, ...Ayresde Souza Chichor-
com o problema da. dominação do gentio e a expulsão dos con-
ro, Feliciano Corrêa, Antonio Pinto da Gaia e Marçal Nune.s
currentes estrangeiros, essa i~tranquilid~de dos colonos podia
comprometer e talvez destruir a coloma que se principiava da Costa governara~ mais de um~ ~ez. Ayres ~e s~,,:za em-
chorro teve mesmo tres vezes a posiçao de capItao-moI da Ca-
com ta:r:to esfor90' ~altas~r Rod:~iguesde Mélo, aclamado para
conduzir a Capitania ~o impedimento de Caldeira, governou pitania. , . .
Entre 1652 e 1655, ex-vi do rescnto de 23 de Fevereíro
- de
até a chegada de Jerommo Fragoso, sem malquistar-se com o 1652, o Pará estivera desligado do Estado do Maranhao, pos-
pessoal do "Presepio". Já Fragoso teve incidentes com Bento suindo, em consequencia, Governador, que acumulava as f":,n-
Maciel, Parente, que se lhe negou a render obediencia no ne- ções de capitão-mór : Iná~io do Rego Barreto,p~dro Correa,
gocio das guerras .aos Tupinambás. O falecimento de Fragoso Senado da Camara de Belem e Ayres de .Souza Chichorro. Des-
deu. o poder a Matias de Albuquerque, por nomeação que aque- sa data em diante, regressara à condição de Capitania subor-
le fIzer~, antes de morrer, pa:a todos os seus impedimentos e dinada, cujos Governadores e Capitães~Generais m:.;is de um~
ausencias ..Impugnada, todavia, a nomeação, assumiu o gover- vez assentaram a séde do governo na CIdade de Belem, ap~s~I
no Custodío Valente, acessorado por Frei Antonio de Merciana de ordens terminantes para que a capital do Estado fosse Sao
escolhidos ambos pelos que tramaram a quéda de Matias. Ao~ Luiz. Artúr de Sá ,e Menezes, por exemplo, foi, em.21 de De-
dois, veiu pouco depois juntar-se Pedro Teixeira, cujos partida- zembro de 1686 e 14 e 23 de Maio de 1688, ad,:ertIdo porque
:::'10S demonstravam malestar pela exclusão que dele se fizera.
'Peixeira ficou, a seguir, com a direção da cousapública sem transferira a residencia governamental p~ra Belem. . _
E' preciso também. registrar qu~ varios .desses ca:r~Ita~s-
mais companheiros, tendo, porém, de enfrentar Bento Maciel
generais do Estado dedicaram atençao especial ao Par~, d~s-
Parente, que se atribuia direitos ao cargo. A contenda esteve tinguindo-se mesmo mais como governadores da CapItama.
para decidir-se a mão 'armada. Teixeira, energico, dispondo da Entre êles cumpre destacar Francisco Coelho de Carvalho,
confiança da coletividade, disposto a reagir, conseguiu que Ruy Vaz d~ Siqueira, Antonio d~ Albuq,uerque ?oelhO de Car-
Bento abandonasse os planos de alteração da ordem e se reti- valho Cristovam da Costa FreIre, Joao da MaY8:da Gama,
rasse para o Maranhão. Ano de 1621. A 18 de Julho, nomeado Alexa~dre de Souza Freire, João de Abreu Castelo Branco,
eapítão-mór do Pará, era a vez de empossar-se Bento Maciel, Francisco pedro de Mendonça Gurjão.

"
-30- ARTRUR C. F. REIS SINTESE DE HISTóRIA DO PARÁ -31-

Nesse interregno, a sucessão dos capitães-móres fizera-se tovam de São José e Frei Antonio de Mel'ciana, tudo estava
alg:u~as vezes em meio a excessos, sem atenção à lei. Assim, por fazer no burgo belemita. Já em 1637, conforme se lê dos
LUlZao Rego, quando veiu empossar-se pela segunda vez en- memoriais de Bento Maciel Parente e Jacome Raymundo de
controu a oposição declarada do povo que o intimou a' não Noronha as coisas se tinham modificado. Havia ainda pouco
tentar o governo, desrespeitando-o ás proximidades da matriz bem-esta'r para os colonos. Mas se s~ía d~qu:la rustici?ade pri-
de Belém. Essa oposição já o obrigara, uma vez, a retirar-se mitiva, impressionante, que se advínha a leítura das H>:f~rma-
para São Luiz. ções que antes se prestavam para o Reino. Pela descrição de
A Camara Municipal de Belém, por seu lado, ajudando Mauricio de Heriarte, datando possivelmente d~ 1662-1667,_ a
na intranquilidadc que, de certo modo, caracterizou a vida pa- essa altura já se podia falar em relativa melhoría de condição
raense nesse periodo histórico, tomou atitudes algumas ve- de vida. Belém concentrava então quatrocentos ~~radores,
zes imprudente, inteiramente fóra de suas obrigações e com- afóta os que se localizavam pelos sítíos e roças da vízínhança.
petencia. Nos incidentes acêrca da liberdade do gentio, a ca- Sete engenhos movimentavam a econômia local, tambem cara-
mara belemita assumiu posição de franca rebelião. Desaten- cterizada por plantações de algodão, tabaco, ~ravo e. cane!a.
deu a considerações legais de capitães-móres e Governadores, A cidade se não queixava de falta de alimentaçao. HaVIamuita
desconheceu do impéri? de leis decretadas por Sua Magestade, fruta e muito mantimento próprio da terra.
mandou procuradores a presença real para reclamar contra os Uma pequena nobresa empunhava o ?astão da edilid~-
missionarios, exaltou-se incessantemente contra tudo que en- de e da milicia, defendendo com muita altivez as prerrogati-
tendia contrario aos interesses da coletividade que representa- vas que lhe haviam sido conferidas. Os senhores_de engenho,
va. Foi, é certo, acertos aspectos, uma força organizada con- isentados de participar dos trabalhos de v~r.eaç~o, con;o q~e
tra os desmandos governamentais, a opressão política da côr- constituíam uma classe acobertada por pn~llegIOs. O ato rê:
te, na defesa do que julgava compôr o patrimonio de liberda- gio de 20 de Julho de 1655 concedera uma. Imp_ortante.m~r~e
de dos povos. Pleiteando por seus jurisdiciohados, essa cama- aos homens de Belém: igualara-os aos <:ldadaos da 1l1.v~cta
ra foi agente de um liberalismo que ainda não estava perfeita- cidade do Porto, o que queria dizer que nao estavam sujeitos
mente definido. Mas, em ultima analíse, provocou turbulen- à prestação de serviço militar, não podiam ter ~s bens 'penh~-
cias que prejudicaram a bôa marcha dos negocios públicos. rados usufruíam o direito de andar armados dia e noite _e .ll-
A vida político-administrativa do Pará, durante os pri- cava~ no mesmo pé de igualdade aos fidalgos, "intançoes e
meiros cem. anos, constituiu, em consequência, uma irrequie- ricos homens". ~sse titulo de que se ufanavam, mais de uma
tude sensível. O direito colonial, mandando aplicar no vale, vez estiveram a pique êsses povoadores de perde-lo, ante certas
assentou, principalmente, em medidas punitivas, em proibi- atitudes que. assumiram e desagradaram profundamente no
ções, explicaveis em parte por êsse estado de nervosismo que Reino. .' d
andava no ar. Nervosismo que determinou até o atentado con- . 'No cumprimento dé seus deveres funcíonaís, os verea ores
tra a vida de um Governador, José da Serra, que morreu en- belemitas eram de um rigor a toda pro;ra. Preo~upados com o
venenado, acusando-se da façanha os inimigos que conquis- asseio de sua cidade, multavam, sem do nem piedade. quanto
tara à sua passagem pela governança do Estado. morador se descurava com a limpeza da parte externa da casa
, de moradia. Considerando-se a força propulsora do prop'ess?
da Capitania e invocando as.velhas razões 9ue davam as. edí-
lidades portuguêsas a capacidade para pleitear quanto m~e-
o PROGRESSO DA CAPITANIA - Apesar de toda essa ressasse o bem-estar coletivo, o Senado da Camara de Belem
comoção, de todo êsse agir sem regra, a Capitania conheceu correspondeu-se intensamente com. S. M~ges~ad~,com o Con-
progresso. Naturalmente um progresso lento, emperrado pelas selho Ultramarino, sugerindo prOVIdenCIaS,lp~lCando 'planos
possibilidades do meio, pela exíguidade da população, pelas de ação, reclamando contra medidas atentatonas d~s l1?erda-
dificuldades de comunicações co~ centros mais prosperos, pela des públicas ou perturbadoras do progresso da Capítanía ..E~
falta de estimulo que colonos e governantes possuiam. . 1721, solicitava médico para a cidade; ~m 1693, escravos af.r~-
Assim, em 1618, ao que se depreende das cartas e me- canos para satisfazer premente necessidade de .braços habI!I-
moriaís do Padre Manoel Figueira, vigario de Belém, frei Cris- tados na lavoura; em 1693, navios para conduzIr a produçao
S!NTESE DE HISTóRIA DO PARA -33-
-32,- ARTHUR C. F. REIS

da arrematação, adotado em toda a colonia lusitana da Ame-


da colonia; em 1705, frétes menos pesados. rica rendiam: os dos frutos da terra, 10050 cruzados e o do
O burgo belemita fôra condenado por técnicos como mal cacãu e do cravo, 24000. Em 1800, acusavam as rendas públi-
localizado. André Vidal de Negreiros sugerira, em 1655 a tras- cas estes algarismos : 479: 240$813.
ladação para a ilha do Marajó. Ouvida, por ordem real, a ca- Fortins em Gurupá, Parú, Santarém, Obidos, São José do Rio
mara manifestara-se contra. Negro vigiavam a passagem das embarcações que subiam. o
Desde 1640 runcíonva na cidade uma escola para os filhos Amazonas; garantiam os sectanístas ~ docu~l1entayam a eXIS-
dos moradores, creação devida aos Mercedarios, .que ensinavam têncía de uma soberania da qual se nao podia duvidar ou me-
tambem, com aprovação real, "Latim e Bons Costumes". Os noscabar. Nesse particular ecom ~ssa finalidade maior, ha-
Carmelitas mantinham curso de filosofia, teologia, moral, sol- via em Macapá uma casa forte, a cuja sombra Franclsca~os ele
fejo e cantocham. Além das igrejas levantadas ao lado dos con- Santo Antonio e Jesuitastinham realizado a conversao de
ventos de Franciscanos, Carmelitas, Mercedaríos, Jesuitas, es- bandos indígenas, impedindo, destarte, que os. fra~cêses de
tavam abertas ao culto a matriz e as igrejas de São' João e Cayena os viessem seduzir. Ainda dent.ro ~essa f~nahdade, ca-
Nossa Senhora do Rosario, mantidas pela esmola dos mora- pitães de costa, como aqueles dos ,pnmeIros tnnta an.os do,
dores. ' Brasil, percorriam o lítoral entre ~ foz do Amazonas ~.o Oíapoc,
Durante os primeiros cíncoenta anos do século XVIII, ain- de olhos abertos sobre os franceses que nunca deixaram de
da mais se alterou a fisionomia social e material da Caníta- tentar descer sobre a margem, esquerda do Amazonas. Regu-
nia. Belém cresceu, espraiando-se por sobre trechos novos que lando essa físcalizaçâo, além de instruções de quando em vez
foram sendo 'incorporados à cidade e compuzeram um bairro baixadas aos capitães de costa, um dos quais foi Francis~o ~;
novo, chamado a "Campina". Realizaram-se trabalhos de pre- Mélo Palheta, decretara-se um "Regimento de FronteIras.,
paro de um cáís que aguentasse a frente da cidade, ameaça- contendo todo um plano de ação para a defesa das extremí-
da pelas aguas da baía do Guamá. Os conventos das Ordens dades da Capitania.
a que nos referimos perderam o ar primitivo, acanhado, que
apresentavam. Deu-se residencia de bom porte aos Governado-
res e casa para a Camara Municipal mais de acôrdo com a OS PRIMEIROS :TEMPOS DO BISPADO - Foi durante
significação dos poderes que representavam. A população au-
mentou visivelmente. Em 1750, um censo acusou a existência êsse periodo histórico que, para as coisas da religião, Portu-
de mil 'chefes de familia. La Condamine, que visitou a Capital gal e o Papado crearam ,o Bispado, para~ns~:, Em 1?84, Pe~ro
da Capitania em 1743, admirou-se de seu porte grandioso, de Segundo pleiteou, junto a Santa Se, a creaça~ ~o BISpado, ~'1-
suas ruas alinhadas, de seus edificios, de sua graça envolven- dicando para o mítrado Frei Manoel ~a ~atlvldade, f~'anSls-
te, de seu povo comunicativo: "une grande ville" dos rues bien cano que se encontrava a essa altura ~ testa de .seus ~rm~~s
alignées, des maísons riantes, Ia plupart rebaties depuis tren- da Provincia de Santo Antonio em Belem. A providencia piei-
te ans en pierre e en moilon, des Eglises magnifiques". teada não se efetivou, à intervenção do Bispo do Marallhãe;>,que
No interior, Cametá, Gurupá, Vigia, congregavam as po- tinha alçada sobre o territorio par~ense. ,Em 1713, porem, a
pulações não indianas das missões. Possuiam bôas igrejas, con- camara belemita peticionou a D. Joao V, para que o velho pro-
ventos, escolas de primeiras letras para os filhos dos morado- jéto fosse executado. D. João satisfez o pedido de se,us SUb~I~OS,
dizendo-lhes que ficava em sua lembrança a medida solícita-
res. Em Gurupá os Frades da Piedade mantinham tambem .da. E efetivando a promessa, em 1718 atuou perante o Papado,
uma enfermaria, que atendia a guarnição e moradores. No .conseguindo que no ano seguínte.vpela Bulla ,de 4, de .Mar~o,
vale do Tocantins, distrito de Cametá, começava a constituir- Clemente XI atendesse o anceio dos paraenses. O primeiro BIS-
se, instalada nos sitios que se abriam na floresta mediante a
sesmaria concedida a larga a quem a requeresse, uma peque- po, sagrado em 22 de Dezembro de .1720 na igreja p~triarc3:1 de
Lísbôa foi Frei Bartolomeu do PIlar, que fez entrada tr~~n-
na sociedade rural; de gestos afidalgados, viver confortavel. fal, na' capital da Capitania, em meio a estrondosas mamres-
Nos outros cursos fluvíaís-das cercanias da capital, observa-
va-se identico movimento social. tações populares e oficiais, a 16 .de Setembro de 1724., .
Os dizimos de Belém, em 1617, dirétamente coletados pela Frei Bartolomeu, como era natural, entregou-se a orgam-
fazenda real, tinham rendido 47$000. Em 1697, pelo sistema
-34- ARTHUR C. F. REIS ~J.NTESE DE HISTóRIA DO PARA -35-

za~~o de sua igreja, pobre e quasí que reduzida à paroquía de nanceíra, meteu ombros o negocio, lavrando a gleba COl}1 o
Belém. O clero existente estava todo inscrito nas Ordens várias gentio, mobílísado, escravísado para todos os mistéres que se
que miss~onavam ~o int~rior. Cléro secular, portanto. O cléro estavam realizando.
r~gular tinha de VII' de fora, como veiu, na companhia do An- Além das "Drogas", plantadas a tal ponto que em 1731
tístete. Trabalhador, humilde, virtuoso, Frei Bartolomeu dedi- um colono solicitava, ao governo Iísboeta, o pagamento das
cou-se com fervor ao santo místér que lhe cabia. Visitou os mercês e ajudas, a que se obrigara o Estado, ao lavrador que
nu.cleos da hinterlandia. instalou a freguezía de Santana, num cultivasse as especíarías e êle plantara 18900 pés de cacáu, co-
bairro que se povoava n,a,cidade de Belém. Seu sucessor, depois meçava-se a cultura de espécies alienigenas, experimentadas
d~ um ~ongo período 'sede vacante", foi Frei Guilherme de com absoluto sucesso: café, cana, anil, algodão, tabaco.
Sao Jose, como êle todo interesse e amor pelas cousas da dío- O café fôra trazido da Guiana Francêsa por Francisco de
eese. Como êle, tendo necessidade de ímpôr sua autoridade so- Mélo Palheta, um sertanista paraense que, sem o imaginar, in-
bre certos religiosos, que, por pertencerem a Ordens enten- troduzia na colonia o elemento que garantiria, pelos séculos
dia:n estar fôra da juris.diçã9 do Bispo e. em consequêr.~ia, não afóra, o poder econômico brasileiro. E soubera tão bem no Pará,
aC~l~avamsuas determmaçoes no tocante ás obrigações paro- que seu cultivo se intensificara, como o do cacáu, dando mar-
qUIaISquerendo mesmo escapar ás visitas dos' Prelados. gem a que a Camara Municipal de Belém se dirigisse a Côrte
para que fosse proíbida a entrada de similar estrangeiro. no
Reino, pleito em que só foi atendida em 1743.
O .PROCE~S~ E!CONÓMI~?- Nos primeiros tempos, O sub-sólo, segundo o lendario do nativo, permitia gran-
descoberta a exístêncía de especiarias excelentes, que já vimos des esperanças. Várias expedições se puzeram em marcha.para
constantes de cacáu, baonilha, cravo, canela, salsa, Ul'UCÚ, se- descobrir os Potosis que se imaginavam no sertão, tudo resul-
mentes oleoginosas, puxurí, raizes aromáticas e madeiras otí- tando infrutiféro. Demais, cartas régias e alvarás proibiram
mas ~ara construção,. os colonos lançaram-se sofregamente à que os colonos desviassem atenção de suas ocupações agrícolas
colheita delas. No Oriente havia já grandes dificuldades em pará a procura de minerios. Um Francisco Porflix, acompa-
obter as ~icas especiarias q~e tinham determinada a conquis- nhado de técnicos, subiu e desceu rios, no empenho de desco-
ta gueITerr~ daqueles velocínos. A descoberta das riquezas pa- . brir ouro, entre 1710 e 1727, sem resultados positivos.
raenses seriam talvez um alento para o Reino, que não podia No tocante ás.manuíaturas, no Pará elas se foram desen-
esconder seu desapontamento em face da derrota no Oriente. volvendo com muito vagar. Produzira-se logo o açucar, a aguar-
Uma centena de ordens régias, de instruções do Conselho dente e o fumo. A aguardente, vicíando o índio, foi proíbida.
Ult:amarino, qu~ se podem lêr nos arquivos portuguêses e de Embora, em 1751 runcíoi.avam quarenta e duas engenhocas. O
Belem, nesse período, convocou os colonos à empreitada do des- anil, o breu, as madeiras, foram sendo beneficiadas por meios
bravamento da hinterlandia para a colheita do que ficou sen- rusticos. Fabricava-se tambem manteiga e farinha. Esta em
do ch3:ma~o a "I?roga. do_Ser~o". Pode-se mesmo afirmar que quantidades imensas. Porque constituia o fundamento da ali-
a explIcaçao da írradíação rapida que se realizou em direção mentação do bugre e, com o decorrer do tempo, do próprio co-
~~,oeste ~,ovale encontra-se no interesse que despertou a caça lono.
a Droga, encontrada abundantemente e procurada não me- Para operações tão grandes, sentia-se a necessidade de
nos abundantemente pelos mercados europeus. ampliar. o povoamento. Algumas dezenas de degregados foram
As "Drogas", no entanto, precisavam ser cultivadas. () exem- mandados para o Pará. Pequeno grupo de casai.s açorianos,
plo dos inglêses e holandêses que nos principios de XVII já tra- veiu também em 1667 e 1676. Escravos africanos não podiam
balhavam no misté! nas. feitorias. I~ontadas à margem do chegar em porção suficiente, dada a pobresa dos habitantes.
Amazonas, acaso nao sena uma Iíção valiosa? Em meio ás 'Mesmo assim, a Cornpanhía do Comércio do Maranhão, entre
ordens expedídas para realizar a colheita das esneciarías veiu 1682 e 1685 íntrodueíu algumas peças.
tambem a de planta-Ias para que não se tivesse~ de lam~ntar
mais tarde a perda de mais uma conquista econômica. O colo-
no, ante o convite, ante a perspectiva de manter a posição fi- O CICLO POMBALINO - Com o advento de Pombal, o
-38- ARTHUR C. F~ REIS SINTESE DE HISTóRIA DO PATI!A -37-

P~rá ~omeçou a viver outro clima, passando por transforma- o problema do indio era ainda o que prendia atenção mais
çoes violentas qu~ lhe ~odificaram sensivelmente a paisagem. forte. Porque, na realidade, constituia o problema do qual de-
Para começ_ar, fOI desligado de toda e qualquer subordinação rivavam todos os demais na região. Como vimos atraz, não se
ao Maranhao, que perdeu a situação prevílegíada que manti- obtivera para êle a solução precisa. Pombal, cuja preocupação
nha passando a constituir Capitania subordinada ao Pará. maior fôra a posse de um poder absoluto e unico, encontrando
Creava-se assim o Estado do Grão-Pará e Maranhâo .. ·om ca- nos Jesuitas uma força disclplinada que não obedeceu ás suas
pit!i1 em Belém. Primeiro Capitão-General, titulo que se atrí- intenções e vontades, entendeu resolver o problema elo gentio
bUIU 3;0S novo~ governantes, foi o irmão do próprio Pombal, dando-lhe liberdade total, livrando-o do colono que o escra-
Fraz:cI~co X~vIer de Mendonça Furtado, mandado para a alta visava e tirando-o dos missionarios que o catequisavam e tra-
a~lnllmstraçao com instrução especialissimas, algumas de ca- ziam ao gremío da Egreja e do Estado. Os Jesuitas constituiam,
ráter reservado. evidentemente, a grande milícia catequísta com que contavam
A época era de transformações quasi radicais por todo o Portugal e outras nações do império ultramarino Tirando
mundo. O despotismo esclarecido revolucionava, com o adven- o gentio da influencia do catequista, necessariamente estava a
to d~ mil formulas para conduzir os povos, fazer progredir as Companhia de Jesús sem seu maior titulo de gloria e de pres-
naçoes, dar nova direção à coisa pública. Pombal; un~ dos ho- tigio.
mens que int~gra:a.m essa época histórica, agitou o Reino por- ,A proposito das demarcações das fronteiras com as colo-
A

tugues e seu ~perIo ultramarmo, operando modificações, em nias espanholas, Mendonça Furtado incidentou com os Jesuí-
A

todo o ser nacional, que lhe conquistaram admíracões e des- tas. Acusou-os de mil maquinações contra o bom andamento
afeições tremendas. ~ das operações. Acusou-os de mil maquinações para dificultar-
No Pará essas transformações atingiram todos os setôres lhe o governo. Acusou-os de projétos ocultos contra a integri-
do organismo da antiga Capitania. Além de Mendonca Furta- dade do Estado. Pombal, aproveitando a oportunidade. que se
do goverriaram o Estado, nessa fase dinamica Frei lÚio'uel de abriu com uma série de outros incidentes, entre êles as duvi-
Bulhões, Manoel Bernardo de Mélo e Castro, F~rnando da Cos- das que surgiram entre os demarcadores portuguêses do sul
ta de Ataíde Teive e João Pereira Caldas, legitimos agentes da do Brasil e os Inacianos que catequisavam na fronteira sul da
vontade do poderoso ministro. . . colonia, mandou expulsar do Pará vários loiolistas. Vexou-os
. As Capita~ias hereditarias, abandonadas por seus respe- com várias providencias punitivas. Tirou-Ihes, por fim, median-
ctIVOSdonatarios, foram encorporadas ao patrimonio real. No te um decreto régio, de 6 de Junho de 1755, o poder temporal
alto sertão havia premente necessidade de manter autoridades que se lhes atribuira. A_ consequência imediata foi o protesto
que velassem pela ordem, acautelassem os interesses lusitanos dos Jesuítas, enquanto as demais Ordens, também atingidas
~t~ a desenyoltura imperialista de Espanha e. comunicassem pelo áto inabil, cederam sem uma divergência com a vontade
a. hínterlandía um pouco da seiva do litoral. Pela carta régia do ministro e seus delegados no Estado.
de 6 de Março de 1755 foi creada a Capitania de São José do Mendonça Furtado, que representava como ninguém essa
Rio Negro, origem política mais distante do atual Estado do vontade do mano poderoso, onipotente, pondo em execução o
A..lllazonas. Essa Capitania, cujos limites ficaram fixados em áto régio que dava ao inicio a condição social e política de ci-
10 ~e Maio de 1757 por Mendonça Furtado, teve por capital o dadão, com capacidade para agir como os colonos, capacida-
antigo aldeamento de Mariuá, dos indios Manáo, missionados de já se vê, apenas decretada mas muito longe da realidade
pelos Carmelitas, aldeamento solenemente elevado a vila sob peia. natureza sempre primária, sempre infantil, sempre inge-
o nome de Barcelos. Seu primeiro governador foi um sobrinho nua do selvagem, procedeu a uma revisão íntegral dos padrões
de Pombal, Joaquirn<ie Mélo e Povoas. . de vida. Seja no setôr político, seja no setôr social e economico.
Para completar o equipamento do Estado, ás sugestões dos Elevou os antigos aldeamentos de -missionários à condição de
Capitães-Generais, Pombal creou mais: uma Ouvidoria auto- vila. Os mais prosperos. Aos menos prosperes, deu a situação de
noma na Capitania do Rio Negro, a Intendencia Geral do Co- povoados. Naqueles passava a !uncionar uma ~a~ara Muni-
mércio, Agricultura e Manufaturas, o Juizado de Fóra de Be- cipal, cujos vereadores foram tirados da massa indígena. Nes-
lém e uma Junta de Fazenda, que substituiu a Provedoría dos tas havia um diretor, geralmente um colono falhado em seus
Contos. mi~téres particulares ou um soldado a que se dava baixa da
-38- .&.RTHIJRC. F. REIS S!NTESE DE IU3TõRIA DO P_'\RA ..,..39-

tropa. Para a realização do plano de elevamento do nivel men- cacáu foi incentivada. O mesmo ocorreu com a do café, algo-
tal do gentio, organizou um regimento especial, cuja raiz foi o dão, anil, tabaco, todas as variadíssímas espécies vegetais ama-
antigo "Regimento das Missões". O "Diretorio", nome por que zonicas. A colheita das drogas não cessou, é certo, mas a cul-
ficou conhecido o novo regimento, aprovado por S. Magestade, tura dos tipos nativos que a constítuíam se fez com rigor e in-
dava aos diretores amplos poderes e obrigações que, em ultima tensidade, numa experiência que, finalmente,. nos princípíos
analise, impunham a civilização do 'bugre, a prosperidade dos do século XIX, apresentava índices verdadeiramente admira-
núcleos. veis. Transformava-se, assim, a econômia, de apropriativa, des-
As vilas creadas foram: Macapá, Oeiras, Melgaço, PorteI, trutiva, em economia orientada, trabalhada por incentivos, fa-
Arraiolos, Esposende, Almeirim, Monte Alegre, Alter do Chão, . vores de mil espécies.
Boim, Pinhel, Santarém, Vila Franca, Obidos, aumentadas As madeiras foram colhidas também a larga. O açucar foi
mais tarde com a instalação de Acará, Chaves, Vila Nova deI produzido igualmente, de modo a satisfazer as necessidades
Rei, Fáro, Cintra, Mazagão, Ourém, Porto de Móz, São Cae- locais e permitir exportação. Montaram-se estabelecimentos
tano de Oàivelas e Soure. . para o fabrico de panos de algodão, beneücíamento de ~nil.
Nessas vilas, o Bispo Frei Miguel de Bulhões, que servia Para garantir essa atividade, prendendo ~ col~no a tel~ra,
docilmente a política de Pombal, mostrando-se um animado as concessões de sesmarias, reguladas por legislação especial,
de exageros contra os Jesuítas, que acusou de mil desconcertos, onde encontramos a preocupação de impedir a fundação do
creou paroquías, para as quaís obteve a coadjuvação dos Car- latifundio improdutivo, fizeram-se a _lal'.ga. Ao agrícuítor,
melitas, Mercedartos, Franciscanos da Provincia de Santo An- concediam-se isenções para sua produção, instrumentos agra-
tonio, encarregados das funções de vigarios. Fez mais o Bispo: rios. A destruição de certas espécies da flora e da fauna fica-
creou, no alto Amazonas, ajudando destarte na formação da va vedada em certas épocas do ano e certas regiões. Ao lon-
Capitania de São José do Rio Negro, uma Vigararia Geral, que 0'0 do Amazonas até o Solimões, no litoral marítimo, no .'IA:arajó.
b • . .
confiou aos cuidados zelosos e produtivos, como de fato o fo- principalmente, estabeleceral~l-se. pesqueiros reais, CU~8; pro-
ram, do dr. José Monteiro de Noronha, sacerdote paraense de dução alimentou as duas Capitanias do Estado e permitiu ex-
altos merecimentos intelectuais e morais. portação. Até então, todo o trabalho es_tava pesando sobr.e o
No setôr educacional, mandados retirar os Jesuitas, os Ca- braço do nativo. Facilitada a importação d.e escr~~os afnca:
puchos da Piedade, os Franciscanos da Conceição, Mendonça nos se não se abandonou o gentio para muitas utilidades, foi
Furtado tratou de instituir o ensino oficial, com escolas a ins- o n~gro o que se prestou aos místéres agrícol~s das faz~ndas,
talar em Belém e nas vilas e povoados. Só, porém, no governo dos sitios das cercanias de Belém, do Tocantíns e da rede do
de Manoel Bernardo se pôz em execução êsse capitulo do plano Guamá, Capim, Igarapê-mirí, Acará e M<?jú.
pombalino, fazendo funcionar aulas de latinidade em Be- Os colonos tinham chegado ao Para, antes de 1751, em
lém e Cametá e filosofia em Belém. Um seminario. fundado pequenos grupos, sen; o~dem, n~ma aYentu~'a em que s,~a co-
na capital paraense por Gabriel de Malagrída, ficou' em mãos ragem valia como prmclp~l caplt~l. .No peno do pombc-~,mo,a
de Frei Miguel de Bulhões, que, sob aprovação real lhe mante- colonização com ordem fOIum objetivo alcançado. Assim, ~a-
ve as portas abertas, num serviço inestimavel à formação es- vios de contrátadores trouxeram e desembarcaram em Belem
piritual da Amazonia. A lingua portuguêsa era hostilízada pe- alguns milhares de casais de açorianos e de d~gred~dos,. que
los falares indigenas, que o gentio não abandonava e o colono deram começo aos nucleos de Bragança, Macapá e VIla Viçosa
tambem já utilisava. Por edítaís e bandos energícos, Mendon- da Madre de Deus. As colonias então organizadas obedeceram
ça Furtado ímpôz a adoção de idioma europeu, que, todavia, a rigorosos detalhes, havendo, na experiência, um .cuidado
só muito lentamente foi ocupando o logar dos linguajares todo especial, carinhoso mesmo. .. _ _
nativos. Não era, porém, suficiente essa mn~raçao q~e nao_cessou
O setôr econômico foi, de todos, o que realmente apre- até a segunda decada do século XIX. DaI uma orientação nova
sentou modificações apreciaveís, de frutos incontestes. Atra- à política de povoamento. E essa orientaç?o ~onsto~ .do apro-
vés medidas protetoras, Mendonça Furtado e seus sucessores, veitamento da mulher da terra para constituir familía com o
até o fim do periodo colonial, incrementaram o desenvolvi- européu. A míscegcnacão, patl'oeins:da. pelo Estado, que az:n-
mento de todos os elementos da riqueza regional. A lavoura do parava os casais dessa forma const.ituidos, dando-Ihes terra,
-40- ARTHUR C. F. REIS
SiNTESE DE HISTóRIA DO PARA -41-

instrumentos, isenções e outras mercês, inclusive preferência


para os cargos políticos, tomou corpo, explicando e facilitando t~g~l, que, pela ação desses mesmos sertanistas e dos míssío-
o au:ne!lto da P?pulaçâo. :~umento necessaríssimo, porque epi-· nan.os plantara os nucleos iniciais da colonização, donde a ne-
demías tremendas de varíola, ainda entre 1743 e 1749, tinham cessidade de fixar, em novo ajuste, os conterminos dascolonías
disimado cêrca de 40. 000 "idas. das nações ibericas no extremo-norte como sucedia tambem
Para todo êsse esforço que indicava, em ultima analise, o corri relação ao extremo-sul. Em 1750, pelo tratado de Madrí
proposito de valorizar a Amazonia, em especial o Pará; cuja de 13 de Ja~eiro, fica~am assentados êsses conterminos, par~
capital cresceu de importancia na remodelacão de suàs edifi- a demarcaçao dos quais foram nomeadas comissões com o equi-
cações privadas e públicas, obra de técnicos ~comoo arquiteto pamento téc~ico !lecessário e mesmo luxuoso. Mendonça Fur-
bolonhez Antonio José Landí, o Estado português contara com tado teve a direção da comissão lusitana. As demarcações t0-
a ajuda de um organismo estranho ao seu equipamento inter- davia, não foram sequer tentadas. Incidentes vários incl-dsive
no, mas de que as nações européas se tinham valido para to- com os Jesuitas, prejudicaram os serviços, não se r~gistrando
das suas empresas coloniais - as companhias de comércio. o encontro entre as partidas demarcadoras portuguêsa e es-
pmhcla. /
Port.ug~l! para o Pará e Maranhão, serviu-se nessa conjuntu-
ra hístórica da "Companhia do Comércio do Maranhão e Grão- ~m 1777, pelo ~~atad~ de santo Ildefonso, ajustaram por-
Pará", integrada pelo capital dos colonos e do comércio do tugueses e espanhóis, m~ls uma vez, a solução dos conflitos
Reino. que os separavam na América, fixando a linha de limites den-
tro da qual ficariam as colonias das duas .nações. Para chefiar
_A "Companhia" tinha a obrigação de transportar a pro- a comissão portuguêsa veiu o general João Pereira Caldas,que
dução da colonia, trazer a ela os gêneros de que carecesse o desde o tempo de Mendonça Furtado prestava serviços no Pará.
Estado, íntroduzír o braço africano, cooperar no fomento à la- Seu governo no Estado, entre 1772 e 1780, decorrera com or-
voura e à colonização. Quasi que os mais pesados encargos do dem revelando-o u~ administrador cheio de capacidade, ani-
plano econômico pombalino ficavam a cargo da "Companhia". mado da melhor boa vontade. Era um progressista de mão
Sua frota, que foi construi da nos arsenais reinóis e de Belém cheia. À tésta da comissão, deixou Belém, transportando-se ao i

e São Luíz, cortou o Atlantico no cumprimento de seus misté- interior, à Capitania de São José do Rio Negro, onde encontrou
res, sem os louvores da Capitania. Porque os colonos se julga- os demarcadores espanhóis. Como da vez anterior, mangrou
vam prejudicados, uma vez que só tendo agora os navios da todo o esforço para definir os contermínos dos terrítorlos ibe-
"Companhia" para embarcar o que produziam, ficavam sujei- ricos no vale amazonico.
tos aos seus frétes e aos seus caprichos em matéria de preço A fronteira corri a Guiana Francêsa oferecia perigos eví- ,"
para a produção, adquirida quasi que violentamente nos dois dentes. Porque os írancêses não abandonavam os velhos intui-
portos pelos agentes dela. Embora; apesar das acusações que tos de irradiar até o Amazonas. E' certo que se não haviam 1'e-
fizeram, entre elas e de trazer mercadorias más para os colo- gístrado choques violentos entre os colonos e soldados das duas
nos, inclusive fazendas estragarias, meias usadas, alimentos nacionalidades, mas o perigo mostrava-se a todo momento
.apodrecidos, escravos a altos preços e em quantidade muito ob~i~ando o .g~:n~erno português ~ providencias e cautelas .qu~
parca, a "Companhia" prestou serviços, que as paixões do mo- exigiam s~cnflclos fortes. Macapa era uma situação importan-
mente impediram de verificar e assinalar com isenção e esní- te, estrategica. O governo português tratou de aparelhar a
rito de justiça. - praça, construindo importante fortificação e iniciando coloni-
zação intensa. Engenheiros lusitanos e estrangeiros, contra-
tados, trabalhavam sem cessar na posição, que foi armada com
AS DEl\IARCACõES D.(\.S FRONTEIRAS ímnuzeram a 58 peças de artilharia. Uma grande colonia foi estabelecida nas
Portugal um desdobrar de atívídades muito intensas. Pelo tra- proximidades do estabelecimento militar com casais açorianos
tado de Tordesilas; o Pará, com a hinterlandia amazoníca, es- e regulamentação espêclal. Oficiais de confiança tomaram o
tava fóra do dominio lusitano. A penetração ousada de Pedro comal1,dodo nucleo.xmde se fez uma grande experiência agrí-
Teixeira, seguida por uma equipe heroica de sertanistas, con- cola e Urbana.
duzíra ao coração da floresta o dominio quasí manso de Por- . -Era preciso estar sempre de sobre-aviso. Uma patrulha de
embarcações velozes, continuadamente procedia ao reconhe-
-42- ARTBUR C. F. REIS SINTESE DE HISTÓRIA DO PARA -43-

cimento da costa. Até fins do século XVIII duraram essas du- da política ultramarina e interna de Portugal, D. Francisco
vidas inquietantes, que exigiram mobilização de forças, prepa- :trabal,hou .como nenh~m ~utro de seus antecessores.
ro de planos de guerra contra a Guiana, organização de contin- . Planejou a orgamzaçao de um Více-Reinado, com séde em
gentes militares no Marajó, levantamento topografico do li- B,elem, compreendendo as Capitanias da Amazonía, o norte dê
toral até o Oiapoc, construção de defesas na cidade de Belém. Mato Grosso e de Goíaz. Planejou o aumento territorial do
Em 1801, pelo tratado firmado em 29 de Setembro, Portugal Estad? com a conquista e incorporação da Guiana Francêsa,
entrava em acôrdo com a França, aceitando como limite o Ca- P2~~~J~u a organização. de um ~mplo servíço de correios que
rapanatuba, o que, na realidade, valia como uma negação a s::rvIss.:-toda a Amazoma. Planejou um serviço de comunica-
todo o esforço dispendido pelos sertanistas, religiosos e milita- ?,oes ~~tre ~ Amaz.onia e o sul do Brasil, pelas vias do Madeira,
1apajos ~ I'ocantins-Araguaía. Incentivou a agricultura. To-
res que tinham levado até além o dominio lusitano-brasileiro.
Alexandre Rodrigues Ferreira, em duas memorias precíosíssí- mou rr:-e<1ldasacerca da pesca nos rios e no litoral maritimo.
mas, tinha, quasi ás vesperas do tratado, exposto claramente Orgamzou a reforma do ensino, regulamentando-o séríamen-
todos os direitos que assistiam aos colonos do Pará na luta pela te. ~undou u~a colonia no Madeira, com degredados, casais
posse daquela extremidade da Capitania. aron~nos e cIg~nos. Experimentou a fundação de urna orga-
mz~çao b~ncana com o capital dos colonos para os grandes
Procurando proceder à demarcação imediata, os francê- empreendimentos que sonhava para o extremo-norte. Fomen-
ses compareceram à fronteira, mas os delegados portuguêses tou a construção de embarcações para a marinha mercante e
não se moveram com prestesa, não agiram com a intenção de de gue~r~ portuguêsa. Creou uma pequena esquadrilha de lan-
entregar os territorios que passavam ao dominio francês, man- chas rápidas para a defesa das costas paraenses. Levantou o
zrando a tentativa dos vizinhos. Um tratado celebrado em c~nso do Estado. Ordenou atenções especiais para com a situa-
Amiens, no ano seguinte, modificava o anterior. A fronteira çao ~o gentio, em favor do qual sugeriu a revogação do "Di-
com a Guiana ficava cada vez mais dificil de demarcar. ret~)flo", o que conseguiu. Constituiu com os índios compa-
nhías de trabalhadores. Reformou o arsenal de marinha; apa-
relha~do-o para todos os mistéres navais. Fundou um jardim
SOUZA COUTINHO E CONDE DOS ARCOS - O advento botaníco, para tal obtendo a colaboração de um francês emi-
de D. Maria l.a abriu uma éra nova nas coisas coloniais e me- grado de Caiena, o a~ricultor Grenoulier, jardim botanico que
tropolitanas portuguêsas. Como que se atacou de frente tudo prestou grandes serviços, sendo a raiz dos demais que se esta-
quanto se realizara e construira no periodo pombalino, num beleceram por essa mesma época em Pernambuco e na Baía.
afan nervoso para pôr abaixo quanto lembrasse a passagem do Regularizou a situação financeira do Estado, acabando com o
ministro pela alta administração. deficit e conseguindo apresentar saldo. Um grande governo
Para Belém veiu, como agente da nova ordem, um homem empanado em seu brilho pelo incidente que Souza Coutinh~
que soube conduzir-se sem exageros, antes preocupado em pro- sustentou sem razão com o governador do Rio Negro. o briga-
duzir com espírito elevado e sem baixar ao prímarísmo das ne- deiro ManoeI da Gama Lôbo d' Almada.
gações. Ê:sse homem chamava-se José de Nápoles Telo de Me- D. Marcos de Noronha e Brito, Conde dos Arcos veiu a se-
nezes, que governou de 1780 a 1783. Seu substituto, entre 1783 guir. (1803-1806). Serviu o posto com nobreza. Fiscalizou a
e 1790 foi Martinho de Souza e Albuquerque, como êle uma au- arrecadação das rendas públicas. Prosseguiu na paciíícação
toridade com a conciência perfeita de suas responsabilidades. dos Mundurucús, começada no governo de Sousa Coutinho -fa-
Ambos mostraram-se deligentes, interessados no bem-estar de zendo organizar vários povoados, para os quais mandou, ~om
seus governados, por cuja causa se esforçaram de verdade. r
função ,de cateqll:ista, Frei José Alvares das Chagas. Reorgani-
D. Francisco Inocencio de Souza Coutinho encerrou o sé- zou as torças militares do Estado, fardando-as e disciplinando-
culo XIX. Empossou-se na governança do Estado a 15 de Ju- as. O igarapé do Pirí cortava a cidade de Belém, dividindo-
nho de 1790. Sua gestão oferece aspéctos surpreendentes. Por- aem duas partes e creando, no centro' urbano, um tremen-
que não houve setôr da vida paraense que não merecesse o estu- do chavascal, Mandou aterra-to, abrindo três ruas nos 10-
do e uma providencia do Capitão-General. Irmão de D. Rodrigo gares por onde passavam suas aguas. As comunicacões com o
de Souza Coutinho, Conde de Linhares, o grande reformador sul do país pelas vias fluviais do sistema amazonlco constí-
AR'l'BVR C. F. REIS SINTESE DE HISTóRiA DO PARA -45-

tuiam uma preocupação das autoridades remóis. D Marcos assíanalada com 'o empossamento solene que ManoeI Marques
não desamparou o assunto, antes enfrentando-o com a tenta- tomou. A seguir, penetrado o rio, foi ocupado o torte de São
tiva de uma circulação permanente de correios e linhas comer- __
-,Luiz, que os francêses haviam abandonado, e aprisionada uma
ciais pelo Madeira e pelo Tocantins. Assistiu à creação de gado . sumaca inimiga. No Aprouague, travou-se o primeiro encontro,
e à produção de laticinios nó Marajó. Estudando afinca- caindo o forte que defendia o rio e a posição artílhada da fa-
mente os têmas do Estado, propô-los ao entendimento de zenda denominada "Colégio". Nas proximidades de Caíena, no-
seus superiores no Reino, indicando providencias que permi- vos encontros ainda sorriram aos atacantes, que se apodera-
tiriam tirar o Pará da barbaria que êle proclamava ter ainda . ram dos fortins de "Diamant", "Degrad des Canes", "Trio" e
o seu reino instalado na região. "Torcy". Caiena ficara, depois de tais façanhas, exposta ás for-
ças paraenses que ocuparam, a seguir, a posição avançada de
"Le Grand Beauregard". O governador Vitor Hugues, que pre-
tendera -resístir, apelando para Paris, apelando para a ajuda
A CONQUISTA DA GUIANA - A invasão francês a a Por- dos propríetaríos, organízando a defesa com os parcos recur-
tugal, trazendo para o Brasíl a família real lusitana, provocou sos de que dispunha, Inclusive o equipamento de contingentes
um estado de guerra entre Portugal e a' França napoleoníca. de escravos africanos, intimado a render-se pediu armisticio.
D. João, chegando à Baía, em manifesto ás nações amigas E a 12 de Janeiro de 1809 assinava a capitulação, pela qual os
proclamou a existencia desse estado de guerra. Na America,
só poderia ser materializada essa .sítuação com um movimento
francêses se retiravam para sua pátria comtodas as honras de
guerra, conservando os oficiais as espadas, obrigando-se, po-
militar que conquistasse a Guíana, justamente uma fronteira rém todos, a não combater contra os portuguêses pelo espaço
que creava inquietações e sobre a qual havia velhos planos de de rIm ano. Os escravos eram restituídos aos donos. ficava res-
irradiação. ' peitada a propriedade pública e privada, conservava-se na co-
, O Capitão-General José Narciso de Magalhães e Menezes, lonia, em vigor, o "Codigo de Napoleão". Dois dias depois, rea-
que viera gerir o Estado após o conde dos Arcos, teve ordem de,'
plantar a fronteira do Estado no Oiapoc, anulando os ultimos lizava-se a ocupação da cidade.
entendimentos havidos a respeito de limites com a nado azora Manoel Marques foi promovido a Brigadeiro e nomeado
inimiga. Era, evidentemente, o começo da campanha.' ,<:> Comandante das Armas e Governador da colonia. O Capitão- .
José Narciso imediatamente tratou do cumprimento das General José Narciso, promovido a Marechal de Exército. Para
instruções que lhe chegaram, organizando um destacamento a administração da justiça e dos negócios econômicos civis, foi
inicial de 600 homens, que compuzeram o "Corpo de Volunta- nomeado um magistrado, com o título de "Intendente", o dr.
rios, Paraenses". Havia falta de recursos no erario do Estado. João Severiano Maciel da Costa. AOS soldados, concedeu D.
O Capitão-General solicitou a cooperação do comércio. que for- João o uso de um distintivo': um círculo encarnado, fixado na
neceu os elementos financeiros para a preparação da coluna. manga direita da farda, com o nome Caiena.
O tenente-coronel Manoel Marques d'Elvas recebeu o co- A administração militar do territorio decorreu em meio a
mando da unidade, que embarcou em uma pequena frota de _pequenos incidentes. ~odavia, o gov~rno civ~l do !ntende~te
nove embarcações escuna "General Magalhães", eu ter "Vin- . Maciel da Costa ravestiu-se dé excepcional brííhantísmo. Cale-
gança" e "Lédo", barcas canhoneiras 1, 2, e 3, sumaca "Nín- na prosperou. Seus habitantes ti,:eram segurança;, aceitando a
dominacão brasileira com símpatía. Quando, por ISSO, em El de
di.
y.
fa", lancha "S. Narciso" e hiate "Santo Antonio". Todas essas
forças, mais as tripulações dos barcos, eram paraenses. A elas Setembro de 1817, em,consequencia da convenção de Paris, da-
veiu juntar-se um segundo destacamento, composto do rezí .. tando de 28 de Agosto, Caiena foi restituída aos francêses, ao
mento de Extremós e da corveta inglêsa "Confiance", do ;0- findar a cerímonía da transferência de dominio, realizada em
presença de forças franc~sas e brasileiras e da.massa popular,
mando do capitão de mar e guerra James Lucas Yeo, e dos.brí-
gues portuguêses "Voador" e "Infante D. Pedro". dezenas de colonos franceses choravam despedmdo-se dos ocu-
Traz~am êsses no:vos contin~entes or_dens mais amplas - pantes brasileiros, numa tocante demonstração d~ tristeza pela
~ de realizar a conquista da Ouíana e nao mais apenas man- retirada do dominador que soubera fazer-se estimar pelo do-
ter a fronteira no Oiapoc. Esta, a 1 de Dezembro de 1808, foi minado.
-47-
-46- ARTHUR C. F. REIS SlNTESE DE HISTóRIA DO P:\l!Ã

AS EXPLORAÇÕES GEOGRAFICA .mano, pintaram o costume do bugre, de quem identificaram


de que o Pará era a entrada S' S - ~ v:aleamazonlco, "míl caracteristicos, inclusive as formas morfologicas e sintati-
geografico, sobre que se diziam egura,. constIt~lla um mistério
l~vam, cronistas e víaiant . as. COIsasmais absurdas. Fa- cas da linguagem e os vocabulariós.
De todo êsse material, o mais precioso realmente é' o que
'. does de indigenas de ~igal~~~Sdedremosencantados, de multí- está contido nas paginas do "Tesouro descoberto no Rio má-
nhecidos e feroze;, de espécies 've~ ~n:azon~s, de bicho~ desco- ximo Amazonas", da autoria do jesuíta João Daniel, peça que
~~s. Um dos que mais tinham co~~ ~s .esp""ntos:;s e rntraculo- põe em relevo toda a vida, toda a fisionomia da :Amazonia com
rora o padre Cristovam de A . r~ uído para esses exageros um sentido objetivo e de verdade que causa admiração.
gem de baixada de Pedro Te' .~un a, que d~screve~'a a via-'
da mesma jornada Mauricio~el~, ~omo depois outro cronista Durante o século XVIII, principalmente da sexta decada
sações, riscando q~adros de u te ell~.r~e,ambos pintando sen- em diante, essa literatura começou a tomar um caráter menos
Já nos inícíos da desc ma n:,::,uI~zaespectacular. apressado e mais exáto, mais de acôrdo com o que a técnica
na sua "Relaça~ Sumaria o~=~td ,:,Imao Estacío d~ Silveira, constatava. Comissões de naturalistas, engenheiros, astrono·
mos, médicos, de ordem do governo reinól, percorreram as duas
vera do Amazonas : "Mayor Ri ousas do Maranhao", escre-
da terra". Toda uma literatur o, que h~ eI10toda. a redondeza Capitanias que compunham o Estado, procedendo a pruden-
mos romantícos, sem fundam~~e dev ~ne~os e ímpressíonís- tes e minuciosos inqueritos. Antonio José Landi escreveu, a essa
comprometendo a terra e o 110r1"~ na. ~eal~dade, escrevera-se altura, uma "História Natural do Grão-Pará". O dr. Antonio
mente o que se dizia deles. em que nao era:n absoluta-
J.
Corrêa de Lacerda, a "Zoologia paraense" e a "Flora Paraen-
se e Maranhense". O dr. Francisco ManoeI Pinto Machado,
'. Durante duas centurías um O' do médico do Estado, memoria circunstanciada valendo por um
o Pará e o restante do vale ~ Ai ::budça o interesse despertou
í

10, decifra-Io. . ,e e vm o quantos queriam sabe- epitome de fitogeografia médica. Alexandre Rodriglles Fer-
reíra, mais que nenhum outro, examinou com toda a pene-
Nos primeiros tempos t d tração o contorno fisiografico e geohumano do vale.
fez por intermedio do ue ~e~;.~,u o ~~ t~rra e do homem se
o missionario. Nesse qarticul~;,l o se; (,ams~ae d~,q~e ,apurou pedró Alexandrino, vítórío da Costa, Simões de Carva-
lho fizeram o retrato cartografico do litoral, de rios, das mar-
sante, que ficou reO'd~rada n ,hou\ e .mUl~a noticia ínteres-
'I d b as comumcaçoes de cal" t '00 gens do Amazonas. A geografia, as ciências naturais, a ethno-
CIa os governadores para o R ' ~s . ... 8. er 011-
logia primitiva, a história paraense, mercê a atenção de ho-
os Religiosos foram escrevendoel~o e nc: cartas e 6t~:mjcasque
que nos deixaram André Perei~ essa fase de~e ~ssmalar~se o mens votados à causa da ciência, quando acabou a épocá co-
Silveíra, aquele com a "Relaçan: len:ud~ e Simão Estacio da lonial estavam propostas em suas grandes linhas.
Amazonas novamente desc be ,~q ue a no Grande Rio das E para essa definição contribuira também um nome de
Jornada do Pará" e a "Re~ ~ItO,,' este co~ os "Intentos da grande projeção mundial, o sabio francês Carlos Maria de Ia
l\bnoel de Souza d'É a B a9a~ 8;traz) cIta:da. Seguiram-se Condamine, que em 1743-1744 atravessou o vale, descendo o
vam d L' bô ç .' ento Macíel Parente e Frei Cri t Amazonas, partindo de Quito, para alcançar Belém, com a de-
e IS oa. Este fOIo qu ~' ,~lS 0-
ciência, relatando a história ~arr;~~sse a~hegou a verdade e à vida autorização e assistência das autoridades instruidas para
vendo um "Tratado das Av a con ~a os hereges e escre- cooperar com o ciêntista.
fez o primeiro ensaio de zo~s, plant~s, peixes e animais", onde
mo do Brasil. Luiz FigUein~e~grafIa do ~xtremo-norte e 111es-
Mauricio de Heriarte João d'e saocome~ Falm~ndo de Noronha, OS ULTIMOS TEMPOS COLONIAIS foram assinala-
1\!1" ; , 1<' ll ' uza erreira João de S t
,.,.as: OI, ~e lpê de Bentendorf J 'd . ' ~ ou o dos, na ordem político-administrativa, por certa falta de dire-
seca, João Daniel José ' <~se .e Morais Bento da .Fon- ção, consequência dos governgs que dirigiram o Estado. Entre
de Carvalho, DOI;"ingosL~~ei/~~~~CI~C.~.d~?M~rcQs,Jacinto 12 de Dezembro de 1810 e 19 de Outubro de 1817, esteve com
Antonio, Frei Joaquim d C .J.! 1,,1, Q~ VIsta de Santo
o poder nas mãos uma Junta de três membros, que deixou tris-
Mateo de Jesús Maria aBe~nc~daop F~~l.Jo~o de Jesus, Frei te memoria de sua passagem, pelos desmandos que praticou,
nardo Ferreira Peres João nv~:,o l\elena ae Bel7edo, Leo· provocando reclamações perante a Cõrte de D. João. De quan-
cara t t .,' <'iSCOIanoel de Braum t
, m ore raos g. eograficos da reg; -. ~l' t' .,'
.f
.... ;" . . . ~ao, 1iS OIIaram o .drama, hu-
l. , Ta- tos incidentes lhe mancharam a passagem, o mais triste foi

.CJ:l::r I
SINTESE DE HISTóRIA DO P.UtA -49-
-48- AR1!.'B1JR C. F. REIS

do que a ela se habituara e não a podia dispensar. V6zes le-


o que sustentou com o Bispo D. ManoeI de Almeida de Carva- vahtadas à ultima hora como a de Francisco .Ricardo Zani ~ a
lho, que a integrava, mas fugia a solidarizar-se com os desati- do major Brito Inglês, protestando contra o s~s~emae.sugerm-
nos que ela praticava. do medidas para elevar o indio a uma condição mais huma-
Substituiu-a Antonio José de Souza Manoel de Menezes, na, não tiveram éco. A exploração do homem pelo homem era
Conde de Vila Flor, contra quem se levantaram vózes aspéras uma realidade gritante. ,..,-
que ecoaram com certo escandalo em Lisbôa e no Rio de Ja- As condicões sociais do Para eXIgIam uma com:pr~ensao
neiro. Outra Junta, a 1 de Julho de 1820, assumiu a gerencia menos primaria de seus homens de gove~no. As condições po".
do Pará, em virtude de ausencia do Conde de Vila Flor. Essa líticas não ofereciam garantia ao absolutismo. Os ~xemplos re-
Junta mais se desmandou, desmoralisando-se dia a dia. volucionarios das colonias espanholas q~e rronteíravam <:om
Aproximava-se a hora da agitação democratica que rema- o Estado, na Capitania de São José do RIONegro, nao senam
t~ria com a independência. O procedimento da Junta possibí- um convite? A Guiana francêsa, onde durante anos os s~l-
litava qualquer aventura contra a ordem e o regime absolutis- dados paraenses montaram guard~ ~~mo c~n9:Ulst~dore~,nao
ta vigente. . teria comunicado a êles e seus ofícíaís as Idéias Iíberaís que
O Pará, a êsse tempo, contava trinta e sete municípios com convulsionavam a Europa?
79.730 habitantes. A massa da população dístríbuía-se pelas vi-
las da rêde fluvial das círcunvízínhanças de Belém. Na capital,
havia 24.500 habitantes. A cidade apresentava fisionomia ur-
bana mais definida, com edificações de bom aspécto, algumas
casas residenciais de dois andares, ruas calçadas, arborízadas,
comércio movimentado. Negociantes ínglêses, estabelecidos
desde a abertura dos portos nacionais ás nações amigas, como
negociantes rrancêses.smantínham estabelecimentos de repre-
sentações, operando sobre praças européas com certa desen-
voltura. Em Belém, havia agentes consulares ínglêses e norte-
americanos em franca atividade. As relações comerciais fa-
ziam-se com os Estados Unidos, Inglaterra, Antilhas, Espanha,
Portugal, Brasil. Os mercados de maior aproximação eram os
de Lisbôá, Porto, Gibraltar, Marselha, S. Luiz, Caiena, New-
York. A grande exportação constava de cacáu, arroz, café e
algodão. A borracha da seringueira não tinha significação. O
comércio do interior, processado por via fluvial, em "cobertas"
e outros tipos de embarcações, definia-se por estes prodútos :
anil, píassaba, breu, cacáu, cravo, café, couros de animais, cas-
tanhas, estopa, farinha, manteiga de tartaruga, puchurí, sal-
sa, tabaco, madeiras para construção, oleo de copaíba, mixira,
peixe sêco. Para pesca havia pesqueiros no Marajó e ao longo
do Amazonas. O trabalho continuava sobre o suor do indio. O
contingente negro não se algarismava impressionantemente.
Quem remava as canôas, caçava, pescava, operava nos serviços
domesticos e públicos, creava o gado, compunha a força das
milícias, era o operário dos estaleiros do arsenal de marinha,
constituia finalmente o grosso da população e da ação cons-
trutiva, orientada pelo colono, era o bugre. A liberdade decreta-
da por repetidas leis do Reino continuava letra morta. A es-
cravisação não estava fóra dos índices ínstítucíonaís do Esta-
o

C I C L O

.~
-
I M P ,E R I A L

BIBLIOTECA
.TlTUJO DE fiLOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
UNI'CAMP
A REVOLUÇAOLIBERAL DO PORTO em 1820, refletindo-
se por toda a America Lusitana, ecoou inicialmente na, cidade
de Belém. Foi a 1 de Janeiro de 1821. Felipe Alberto Patroni
Martins Maciel Parente, estudante paraense na Untversídade .:
de Coimbra, entuasiasta do movimento que constitucionalizava
Portugal, integrando-o ao sistema político que modificava o
clima europeu desde o advento da revolução em França, che-
gando à capital de sua provincia entrara em contácto com ele-
mentos militares e civis, que o acolheram sem reservas, plane-
jando o pronunciamento da-Amazonia em favor do regime que
a mãe pátria adotara com tanta retumbancia.
A Junta que governava a Capitania, embora avisada do
que ocorría, não deu um passo para evitar o pronunciamento.
E a 1 de Janeiro de 1821, a guarnição de Belém, sob aclama-
ções de poulares, que se solidarizavam com a demonstração,
ínstítuíndo a nova ordem depóz a Junta e fez organizar outra,
que ficou constituida dos seguintes membros, representantes
de todas as classes sociais: juiz de fóra Joaquim Pereira de Ma-
cedo, coroneis Francisco Rodrigues Barata e Giraldo José de
Abreu, proprietarios João da Fonseca Freitas e José Ruiz de
Castro Góis, comerciante Francisco Gonçalves Lima, tenente-
coronel Francisco José de Faria. Para presídír o governo revo-
lucionario foi escolhido um elemento moderado e até então,
como a maioria dos seus colegas de poder, alheio ao plano, o
vigario geral Romualdo Antonio de Seíxas. Era o começo.
Os primeirs dias correram sem grandes desassocêgos. Nin-
guem reagia, ninguem discordava da atitude dos belemitas
avançados. Sucede, porém, que Patroni, que ficara fóra da
administração e na realidade fôra a alma do movimento, em
breve começou a agitar o ambiente, sugerindo a necessidade do
Pará enviar imediatamente um representante ás Côrtes que
se convocavam em Portugal. O assunto entrou a empolgar. Ao
mesmo tempo, certos extremados, insatisfeitos com a presença'
de reinóis na alta administração paraense, começaram de seu
lado a agitar-se, abrindo campanha contra êles e sustentando
o principio de que a revolução creara para os nativos o direito
de gerir a coisa pública sem a interferencia de estranhos. Era,
evidentemente, o nascedouro dos sentimentos autonomístas.
A Junta procurou evitar desordens, Creou uma comissão de
censura, proclamou aos povos pedindo quietude, união de vis-
tas e confiança nos dirigentes do Estado, Quanto a Patroni,
-54- AItTBUR C. F. REIS
SINTESE DE HISTóRIA DO PARA
. -55-

em tor~o.de quem s~ creava uma atmosféra de suspeita, para


v~r-se Iivra dele confIou-lhe a procuradoria do Pará perante as pátria. Encontrando o ambiente 'trabalhado para a indepen-
Cortes. dência, compreedendo a urgencia de providê~cias q~e acaute-
. Tu~o isso refletia ínsegurança, incapacidade para dominar lassem os interesses de Portugal na Amazoma, sentindo certa
a situação, pelo que, sentmdo-se desprestigiada, a própria Jun- dubiedade ou fraqueza na Junta, entrou a governar como se
ta .tr_ato~~e e~cerrar ~eu período. dé man.do, requ~rendo substi- fôra o senhor unico da situação, quasi que desconhecendo a au-
tuíção, Não fOI atendida. Patroní, no Remo, porem, não a dei- toridade do poder civil. Sua atuação, nesse particul~r, ~oi evi-
x~u em paz, acusando-a sem cessar. Em Belém, os desenten- dentemente notavel. Batista Campos, conego, substituíra Pa-
dlmen~os ~om o governo, da parte dos exaltados, tomava vul- troni na direção de "O Paraense". Moura, por mil m,?dos, ín-:
to. Os ~r~aos Vasconcelos, industriados por Patroni, procura- clusive o assalto ás oficinas do periodico e uma a~ressa_o ao pa-
ram aliciar forças para uma sortida autonomista. Denuncia- dre buscou calar a propaganda insurgente. A situação agra-
dos, presos, o plano mangrou. A 10 de Dezembro em meio a vav'a-se quasi que hora a hora. Demais, incidentando com a
certa intranquilidade, procediam-se ás eleições para os de- Junta Moura, confiante na fidelidade de seus comand~-
putados que deveriam falar pelo Pará na Constituinte Jisbôeta. dos ~omeçou a praticar átos que faziam perigar a pro-
Foram escolhidos o bispo D. Romualdo de Souza Coelho e o pria ordem que êle a todo transe queria _defe~der ~ D?-anter.
dr. Francisco de S.ouza Moreira,. te~do COl~Osuplente o des- Por outro lado, os patriotas davam demonstraçoes públicas de
embargador Joaquím Clemente ua SIlva Pombo. A 12 de Mar- sua decisão. Circulavam boletins contra Moura e contra os de-
ço de 1821, a Junta recebia substituição na Junta Provisoria do mais reinóis, alcunhados de estrangeiros. Manüe,!'ltos ~entan-
Governo Civil, sob a presidencia do dr. Antonio Corrêa de La- do convocar a coletividade para a causa portuftuesa nao pro-
cer~a, not~vel na~urali.sta lusitano. Seria a ordem, por que duziam outro resultado senão permitir exploraçoes dos patrío-
muitos anciavam, unaginando mil desastres se ela não se efeti- tas. Batista Campos, José Batista da Silv~, Silvestre .Ant~nes
vasse? Pereira, pelas colunas do "O ~araense" tinham crea~o clima
Patroni, e~ Lisbôa, desiludira-se de maiores entendimen- propicio à revolução para que ja se ~omeçava a pen~~l.
tos com os ~iberais lusitanos. Compreendera que o pensamen- A 27 de Fevereiro de 1823, realizando-se as eleições para a
to que o guiara, de. uma nação unica, constituida pelo Brasil e Camara Municipal de Belém, nenhum reinól foi escolhido. A
Portugal, nao podia ser realIdade. Os proceres reinóis toma- significação dessa atitude dos.'paraenses entrava pelos olh?S
vam direção ~spéra com relação aos negocios americanos, tei- -dos menos avisados. Por ocasiao do empossamento dos edís, .
mando em ve-Ios de olhos trancados. Patroni falara com des- apresentaram-se êles sob aclamações populares, oste~ta~do
envoltura a D. João VI, provocando escandalo. ReÜrando-se ramos, louros e verdes. Que sucederia, ~ contin:uar aquilo .. A
para Be~ém, proc~ssado pelo desacato a S. Magestade ninguem
J
resposta áquelas desenvol~ur~s ~o partido .da independência,
se atrevera a cortar-lhe o passo. Os escravos viam-no como um que pelo interior da provmcia ja contava com farto ~ claro
redentor dos oprimidos. Os nacionalistas cercavam-no de sim- proselitismo, veiu a 1 de .Março de 18.~3,.com? pronuncl.amen-
patia. Os reinó~s, representados na Junta, apontavam-no como to da guarnição da capítal - que ja ln:pedlra a partida ~o
um hom~m p~r!gos.o ás instituições, rUinoso,.máo elemento que brigadeiro Moura, demetido de suas f~çoes e chamado a LIS-
A

e.ra pre<:lso vigiar mtensamente. Patro~i, sobre cuja persona- bôa ante as denuncias contra ele expedídas pela Junta do Go-
lld~de ainda se nao fez um estudo conclencioso, intempestiv:o verno Civil. A Camara foi dissolvida e a Junta declarada de-
meio desconcertante, psicologia dificil de caracterizar.se de-d posta. Imediatamente voltara~ ao poder os vereadores a~t~-
então à corrente 'nacionalista o vigor de seu entusiasmo' e de riores aos eleitos a 27 de FevereIro. E u~a nov~ Junta, pre~ldl-
~u.a coragem. F~ndou "O Paraense", abrindo fôgo contra os da pelo vigario geral Romua,!do Al?-tomo.~e ~eIxas, assumiu a
mimigos da pátria, Um processo de desacato, porém, veíu tirar- direção da coisa pública. Nao Se!la sU~lCI~n"epara c~~ter a ,
lhe as veleidades autonomistas, que o estavam animando: Por- onda nacionalista, a engrossar dia a d!a. 5> par~ense , con-
que foi preso e remetido para Lisbôa. fiscado, passou a circular sob a ~et.;0ml~açao ~e. O ~uso-~a-
Em Abril de 1821, chegou, todavia, a Belérn o novo Co- raense" a serviço do elemento rem~l. N3:0 surtiria ~als efel~
mandante das Armas, brigadeiro José Maria de Moura absolu- a propaganda do periodico. Moura imagmava domm.ada a SI-
tista intransigente e reínól dos mais apegados ás razõe's de sua tuação. Enganava-se. E tanto assim que a 14 de Abr~l_grossos
contingentes de civis e militres, ao comando do capitão Boa-
-56- .&RTRUR C. F. REIS -5'%-
'SI'NTESEDE HISTõRIADO PA>RA

ventura Ferreíra da Silva, tentaram em Belém, a proclamação


,apla~dido.E a 15, faziam autoridades e povo o juramento de
da independência. Foram batidos. A 23 de Maio, no Marajó, fu- fidelidade a D. Pedro 1.0 econsequente adesão ao Império.
gitivos da refréga de 14 de Abril tentaram outro golpe. Tam-
bem foram batidos. Em meio à inquietação que assumia pro-
porções alarmantes, uma junta de justiça, sob a influência de
reinóis exaltados, condenou á morte os rebeldes. Mas um con- O INICIO DA 'EXPERIÊNCIA LIBERAL ia-ser, porém, re-
selho que reuniu no palacio governamental, ás ponderações gado a sangue. Porque não compreendiam os aut?ppmistas
de Romualdo Antonio de Seixas, comutou a pena numa depor- -nístórícos que se contemporlzasse com o elemento reínól e se~s
tação para Portugal. partidarios. Formaram-se grupos: os exaltad?S, ~s moderados
Os patriotas,apezar de todos os contratempos, não desa- e os sebastianistas lusitanos. Chefiavam o pnmeiro grupo co-
nimaram. Sabiam de todos os passos dos militaristas absolu- nego Batista Campos e Felix Antonio Clemente Mal ..-her. D.
tistas que obedeciam à vontade do brigadeiro. Enviaram dele- Romualdo de Souza Coelho orientou <{)Smoderados, A Junta
gados, por terra, ao Rio de Janeiro, afim de pleitear recursos .~overnativa,a 18, foí substituída por outro goye~no de ~inco
para novas jornadas cívicas, prosseguindo na propaganda que membros, presidido pelo moderado corone! Giraldo Jose de
atingiu, com amplitude gigantesca, o interior da Província, Abreu. Os exaltados tinham perdido a partida, apesar de todo
convocando as populações a todas as atitudes contra o domi- .0 esforço que empregaram ·para impedir que elementos dos ou-
nio estrangeiro. Um recrutamento, ordenado ás camaras do tros bandos integrassem a administração. A re~ç~o,. em con-
interior pelo brigadeiro, revelou o estado d'alma dos homens .sequência, .não tardaria, com?asso~lhavan:, Rrmclprando em
da hinterlandia: ninguem se apresentou. D. Romualdo de manifestações de franca hostilidade aos remois. A seu ver, os
Souza Coelho, que se houvera nas Côrtes lusitanas com gran- estrangeiros e seus adetos devíamquanto antes ser postos tôra
des reservas no tocante a gestos de aplauso a seus companhei- .dos postos e cargos que Ocup~v..a:m,o que cont~astava com a
ros de bancada, que se orientavam pela independência, atitude atitude dos moderados, que desejavam o esquecIme!l~o de an-
essa que lhe valera a suspeita de acamaradado com os reínóís _tigas.:de~afeiçõ~s para que houvesseoro.em, tranquílídade e a
ou a serviço de seus interesses contra a vontade de seus conci- Provincía podesse ascender em progresso.
dadãos, regressando a Belém, a essa altura, substituiu seu so- -~pcideI,ltes, a proposíto de tudo, .começar:am, .cresc.endo
brinho, Romualdo Antonio de Seixas, na presidencia da Jun- .de intensidade e prenunciando dias agitados. E. aSSIm fOI efe-
ta regional. O momento requeria ou prudencia para impedir . tivamente avultando com o atentado contra a vida de Gren-
que se azedassem os animos ou de logo um rompimento com 'fell, obra de marujos portuguêses, que serviam seguramente
o que se poderia já considerar o passado. D. Romualdo, consi- '00 interesses dos sebastianistas, indignados com o capitâo brí-
derando a gravidade do que poude observar, assediado por gre- :tanico que levara aProvincia ao passo imediato da i~depen-
gos e troianos, que o queriam movendo-se de acôrdo com o ner- .dência-Dias depois, ocorreu aquartelada dos ~eglmentos
vosismo reinante, decidiu, para evitar maiores calamidades, de Belém e consequente deposição da Junta. Batlst~ Cam-
aguardar que Pedro 1.0 e D. João VI assertassem, pelas nego- "pos,aclamado pelos ~surge,:~es,_ em ,~reve, ,~odavIa, sen-
ciações diplomaticas que se processavam, a solução definitiva tiu os perigos da situação que janao podia domlqar. A anar-
para o caso da independência brasileira. quia atingiu o auge, com assassimos de portugueses, arrom-
Não foi preciso, todavia, aguardar que essa solução che- bamentos de casas comerciais, saques, desregramentos de toda
gassse. Porque a 11de Agosto, vindo do Maranhâo, fundeou na -ordem.'Satisfazendo uma solicitação dos membros da Ju~ta,
baía de Guajará o brigue de guerra "Maranhão", do comando Grenffel desembarcou e fez uma limpeza nas ruas de Belem.
de John Paschoe Grenfell, enviado do almirante Cochrane, que 'Cinco eabecílhas da desordem foram passados pelas armas!
acabava de integrar a provincia vizinha à comunhão do Impé- "após um julgamneto sumarissimo. Batista Campos, p!eso, fOI
rio. D. Romualdo, apressando-se em satisfazer o anceio que do- .deportado para o Maranhão. 265 prisi?neiros, reco~h~~OSaos
minava a coletividade de sua terra, promoveu grande reunião porões do brigue "Diligente", que depois se chamaria Palha-
de todas as classes no palacio governamental, indicando a ur- ço",' protestando, reclamando ar, luz e agua, padeceram um
gencia da Provincia declarar o seu aplauso ao Sete de Setem- suplicio tremendissimo : fecharam-Ihes as escotilhas da.e~-
bro e conseguintemente a sua incorporação ao Império. Foi barcação, lançaram-lhes cal, deixando que 'morressem asfíxía-
, -58- ARTHUR C. F. REIS SINTESE DE HISTóRIA DO PARA -59-

dos. Escaparam apenas quatro indivíduos. A barbaridade cau- tempo, irradiava sobre Belém, onde se conspirou para a im-
sou uma onda de indignação em toda a Provincia. Grenfell, plantação de novo regime numa adesão ao sistema que con-
acusado de mandant~ ~a façanha, defendeu-se indignado. A vocara os nordestinos na jornada da "Confederação do Equa-
J~nta proclamou, eximindo-se de qualquer responsabilidade. dor". D. Romualdo Antonio de Seixas, Giraldo José de Abreu,
Nao seria .sufIcIent.e. Porque ?O interior, onde a exaltação con- presidente da Junta, foram presos e recolhidos ao forte da Bar-
tra os antigos d?mmador~s vmha tomando corpo, à noticia dos ra. A chegada do primeiro presidente, José de Araujo Roso, pre-
sucessos da capital, os ammos ferveram. Velhas diferencas con- judicou a execução dos planos políticos dos conjurados que,
tra os estrangeiros, nos ultimos dias do sistema colonial ti- surpresos com a presença de Roso, não se moveram pai a uma
nham crea?o um clima ~esado. Autoridades ligadas ao pas- ação imediata, com êle se avistando e colaborando na consti-
sado, com ele comprometido demasiadamente não se libertá- tuição do conselho provincial, que já tinham formado com ele-
vam ~essas ligações, an~es mais a elas se pre~dendo. Demais, mentos seus e o Presidente aceitou sem grandes reservas.
acreditavam as populaçoes nacionais que a independência se- José de Araujo Roso e José Felix Pereira de Burgos, que
ria como que um ajuste de contas com os que até ontem man- governaram a Província entre 2 de Maio de 1823 a 14 de Abril
davam. Populações geralmente pouco servidas de bem-estar de 1328, tiveram seus períodos agitados. Embora procurassem
material, de conforto, parecera-lhes que a hora era de reivindi- trabalhar pelo bem-estar e pelo progresso da Provincía. Bur-
cações totais. Liberdade mal interpretada, diria, em meio des-
á gos sofreu a oposição de Batista Campos, contra quem fez a
ordem, compreendendo o erro que presidia a tudo, o Bispo D. acusação de servir os princípios republicanos, afim de livrar-se
Romual~o.E com~ l~berdade . mal interpretada, deu margem do padre, que chefiava a corrente nacionalista com um ardor
ao desvairar de paixoes que VIeram a furo com uma violencia combativo que lhe assegurou por muito tempo a posição de
desmedida. maior relevo na vida política da Província. Roso não poude con-
Cametá, onde as diferenças com antigos e poderosos ele- duzir-se com o equilíbrio necessario. Encontrou obstaculos for-
mentos reinóis mais avultavam, encabeçou a reação contra o tes que lhe motivaram a quéda. Burgos tambem se não poude
espirito do passado, que pretendia manter-se através dírizentes conduzir com a serenidade bastante. Creou desafeições. Inci-
absolutistas. Baião, Oeiras, PorteI, Melgaço, Anapú Ig~rapé- dentou ruidosamente com o ouvidor de Belém. Caminhou por
n~irí, Mojú, Conde, Beja, Marajó, Cintra, acompanha~do Carne- entre fortes embaraços que lhe impuzeram o afastamento. Li-
ta, pegaram e.m armas. A revolução reivindicadora irradiava. gados aos sebastianistas, pagaram tributo á exaltação política
No Baixo Amaoznas, creou-se um fóco em Monte Alegre, que do momento.
procurou a solidariedade das _vilas vizinhas. Santarém, porém, Paulo José da Silva Gama, Barão de Bagé, que lhe suce-
encabeçou • a contra-revoluçao, organizando
'
um ozoverno de deu, distanciou-se dos partidos. Cuidou. unicamente da admi-
emergencia, que obteve a cooperação do Alto Amazonas e de nistração. Sobrepôz-se ás paixões· dominantes. Trabalhou
várias vilas do Baixo Amazonas. Em Belém, a essa altura em sem resentimentos. À sua saída do governo, gregos e troianos
meio ao desassocego reinante e decorrente da comoção d~ in- manifestaram sua simpatia pelo que realizara com tanta su-
terior, novo pronunciamento militar evidenciava um nervosís- perioridade.
simo estado d'alma, para o qual o governo não dispunha de Veiu a seguir, novamente, José Felix Pereira de Burgos,
remedios eficazes. Procurando, enfim, pôr côbro ao que estava recebido por entre as reservas evidentes e naturais dos que lhe
ocorrendo, a Junta organizou expedições que deviam conter os tinham feito oposição. Como era de esperar, Burgos voltou a
rebeldes. Apelou para a intervenção de D. Romualdo de Souza encontrar dificuldades. Batista Campos, se lhe não fez oposi-
Coelho, que conseguiu celebrar entendimentos com seus copro- ção desabrida, tampouco lhe deu solidariedade. A abdicação de.
vincianos de Cametá, mas teve sua ação prejudicada por cho- Pedro 1.0, fomentando mil desidios, ecoou no Pará de maneira
ques entre legais e rebeldes, provocados pelosprimeirós. Todo lamentavel. O comandante das armas, Francisco José de Sou-
o esforço dos homens de Belém, esforço cometído a parlamen- za Soares de Andréa, era tido na conta de reacionário, contra
tares e nucleos militares e navais, expedidos para dominar a quem deviam os patriotas assentar medidas que o impossibili-
situação, mangraram, vendo-se a Junta forçada a ceder nas tassem de agir em hostilidade ao que se considerava os legiti-
exigências dos rebeldes que, por fim, depuzeram as armas. mas interesses nacionais. A Camara Municipal de Belém, aten-
Serenados os animos? A ideologia republicana, a êsse dendo aos reclamos dos exaltados, que vieram á rua para exi-
SINTESE DE HISTóRIA DÓ PARA -61-
ARTHUR C. F. REIS

tes : o lévante da guarnição da Comarca do Alto _Amazonas,


gências cívicas, pleiteou a imediata demíssãó de Ándréa 01 que se proclamara desligada do Pará, e se elevara, pela vonta-
Conselho Provin~ial n~? concordou. A 2 de Junho de 1831, de popular, á categoria: de Provincia autonoma do Império; e
ocorreu um motim !ml.Itar d~ pequenas consequências, mas' à proclamação, por várias vilas do Baixo Amazonas, de Batista
que enche~ a Provm~la de ínquíetação. Por fim, para se- Campos como legitimo presidente da Provincia.
renar os an~mos; o presidente e o comandante das armas foram Machado de Oliveira conseguiu, pelo uso de forças na-
chamados ao Rio, sendo substituídos pelo vísconde de Goiana vais e de terra, vencer à explosão amazonense. Batista Cam-
e pelo coronel José Maria da Silva Bitericourt. pos, por seu lado, não creou dificuldades. Seu reconhecimento
Ber.n:=trdoJosé da. Gama, visconde de Goiana, trazià da côr- como presidente era uma atitude contra _Maf(~elinoA C~rdoso e
te o espírito tra~alhado p~los acontecimentos que culminaram não contra Machado de Olivéira. Este,- em consequencIa, sere-
no Sete ~e Abnl. Sua açao na: Província tinha naturalmente nados êsses incidentes, atirou-se à obra gigantesca de salvar o
de ser orientada pelo nov? clima. pôlítíco do país. E ássím foi, extremo-norte da ruina a que descia vertiginosamente. mercê
p~lo"que o grupo de Bat!s~a Campos, chamado dé "fílantro- do partidarismo estreito que não olhava os reais interesses da
pIC~ , ascendeu em prestígio, provocando fortes receios e írrí- coletividade e permitia que a vida local se processasse com to-
tação nas filei!as ~os "Caramurús", que agremíavam, sob êsse tal esquecimento dos problemas a que se devia atender. Foi
nome! os }?artIdanos da restauração de Pedro 1.0 e se mostra- de uma deligencia verdadeirap1ente admiraveL Como seus an-
vam mconformados com as perspectivas que advinhavam ve tcessores não encontrou ambiente para trabalhar. As paixões
com a-derrota qu~ os punha tóra do poder. políticas' cegavam os homnes. Machado de Oliveira não foi
Bern,ardo Jose da Gama, apesar de tudo, tendo encontra- compreendido senão como um agente deste ou daquele grupo.
do o Para em pessímas condições financeiras, sem mesmo re- O resultado é que em breve estava cercado da desconfiança dos
~.ursos para pagar as forças armad:=ts, tentou trabalhar, rea- "CaratilUrús", que o acusavam de simpatico aos "!i'ilantro-
Iizando um esforço grande no sentido de manter a ordem e
para que a Provincia podesse restaurar-se e progredir'. Em vão. picos". _ . .
Exonerado das funções e nomeado para subStItUI-Io o des-
Porque. os "Caramurús", insatisfeitos, tramaram a' deposição émbargadcr José Martaní, os "Caramurús" preparam-se para
do pres:dente. E do pensa~ento passaram à ação, chocando-se demonstrações de franca hostilidade a Machado e aos "Filan-
em Belem, na~ n~as, partídaríos das duàs fações inimigas. O tropicos" anunciando que iriam ser, de então em diante, nova-
Conselho P.rovmcIal, convocado extraordinariamente, não che- mente os senhores da situação. Os "Filantropicos", de Sf'U lado,
gou a reumr. A.~ de ~gosto, ao amanhecer, estourou a bernar- nãos~ mantiveram inertes ante o perigo que se avizinhava. E
da, com a participação da .~uarnição, encabeçada pelo próprio concertaram impedir que José Mariani assumisse a presíden-
c?ma~dante das armas, alíás um dos que, mais se haviam dis- cia. A chegada do desembargador, representaçoes popu~ar~s,
tínguído no preparo do movimento. Foí deposto o Viséonde e endereçadàs a Machado de Oliveira e ao Conselho ProvmcIal
preso e deportado para o Madeira, juntamente com vários d~ protestaram contra o a~~ento da nov~ .situação, exigindo, em
~e~lsadept<?s ma~s f~rvoros?s, .0 conego Batista Campos. Assu- nome da ordem e da fellclqade da tamilía paraense, ql:e o. pre-
miu a presídencía da Província o dr. Marcelino José Cardoso sidente em exercicio se não afastasse do posto. Os "l,aramu-
que era ,o.membro do Con~elho n;.ais votado após o conego. D~ rús", de armas na mão, dispuzeram-se à luta para. empossar o
logo verificaram-se comoçoes no interior, em desacôrdo com os desembargador, que prot~stou contra o que oc?rna',,~achado
suc;ssos de Belém. Não tiveram grande repercussão. ::3ernardo de Oliveira, por mil maneiras, procurou dIssuadIr .os Fllan~r.?-
Jose da Gama protes~ou em lor:go manifesto contra o que esta- picos", da atitude que assumiam. ~ada conseguiu. A decisão
va o::orren~o: Platomsmo, no_fim ?e contas. Porque a situação pelas armas, a 6 de Abril ?-e 1833, fOl.O resultado. de quanta de-
se nao modiíicou enquanto nao vem, com forte censura da Côr- marche houve para aquietar os ammos. Depois q,e algumas
te, _que desaprovou os, acontecimentos, um novo presidente, o horas de Iógo, os "Caramurús" saíram vencidos, com perdas de
tenente-coronel José Joaquim Machado de Oliveira. quasi uma centena de vidas. A
~ilit~r, homem de larga cultura, paulista, estranho de MachadQ de- Oliveira ainda governou sete meses. Sempre
rodo as trI~as. locais, Machado de Oliveira podia empunhar o dentro dos principios que o vinham guiando para levantar a
rar::o de olíveíra q-qe tod~s e.speravarr:. Ao seu empossamento, combalidissima Amazonia. Apesar de contra seus proposítos
porem, encontrou a Província a braços com inquietações for-
-62- ARTHUR C. F. REIS
SINTESE DE HISTóRIA DO PARA -63-

se haverem como que conjugado forças poderosas que o acusa- Coelho, varão respeitabilissimo, de cuja bondade e espírito de
vam de todos os males que afligiam de ha muito a região. Em fraternidade se valiam os governantes toda vez que o clima po-
suas '.'~alas" ao, C<;ms~lhoProvincial minuceando a situação lítico se alterava. O Bispo fizera imprimir uma "Pastoral", em
que. VIVIao P~r~, IndICaVa-lhe os problemas morais. espírí- que condenava a Maconaria, então a tomar desenvolvimento
tuaís e materiais com um sentido profundamente exáto ao na Provincia. Lôbo dê Souza, que a todo momento recebia no-
m~smo tempo qu~ oferecia sugestões de todo ponto apr~cia- ticias de que no interior e na própria capital sé forjavam J?la-
veis e ~e seguro. exito se fossem exp~ri!llentadas. Sugestões que nos de perturbação da ordem, informado de que a "Pastoral"
e:t,Ivol:yIampartícuíarments as condições do ensino e a reorga- encerrava doutrina subversiva, embora por fim 'se certificasse
rnzaçao economlco-financeira da Provincia.
dê que lhe não haviam falado a verdade, desmandou-se amea-
.Durante êsse per~o~o,pará. o fi,~ de pôr em execução o çando o Antistite de prisão a bordo de um navio de guerra se a
C?dlg_Odo Processo Crímínal do Impeno, procedeu-se à reorga- "Pastoral" provocasse algum desassocêgo. D. Romualdo, ce-
n.Izaç8;0.admlnIstra.tiva da. Província, perdendo a categoria de dendo ao império das circunstancias, retirou a "Pastoral", que
VIla varias das antigas edílídadas creadas no periodo colonial Batista Campos estampou, a seguir, nas colunas da folha em
e ascenden~o _a essa ~Ituaçao outros nucleos que possuíam me- que combatia os "Caramurús".
lhores condições de VIda que os extintos. Nessa reforma, os no- Já as relacões entre Lôbo de Souza e Batista Campos es-
mes lusitanos foram substItuidos por denominações gentilicas, tavam rôtas. Jã o conego assentara suas baterias contra a pra-
c?m o que s.e dava uma demonstração de odiosincracia ao que ça governista. A publicação da "Pastoral", não autorizada,
am~a mantmha o mundo amazonico ligado ás suas oriaens eu- aliás, pelo Bispo, foi o estopim para as violencias que o Pres!-
ropeas. A re~orn:a, todavia, não satisfez as populações~ que so- dente ordenou contra os partidários do conego e contra o pro-
maram o epísodío aos males que as vinham afligindo. prio conego, que desfrutava de gigantesca popularidade entre
Lôbo ?e .Souza, que a 4 de Dezembro começou a gover- as classes desafortunadas, tanto na capital como em todo o
nar, subsütuíndo Machado de Oliveira, dele se distanciou em interior da Provincia.
tudo. Sem serenidade, agindo ao sabôr de quanta coisa lhe vi- . A consequêncía mais imediata do incidente, a que se v~eram
nham contar, íntempestívo, fez crepitar a fogueira que vinha reunir outros foi Batista Campos, servindo-se de um folícula-
ardendo sem labaredas' desde o advento do sistema liberal no rio mandado' vir do Maranhão, de nome Lavôr Papagaio, en-
extre-norte. Sua atuação seria imprudentissima e daria mar- fre~tar Lôbo de Souza, com a mesma virulencia. Este, máo
gem, como vamos vêr, à explosão de uma tremenda guerra psícologo, ordenou a prisão do sacerdote, do folicular~o e ,a
civil. suspensão do jornal, a "Sentinela Maranhense na Oorlta eco
Pará". .
Batista Campos e Papagaio fugiram para o Acará. d~ onde
lançaram proclamações, redigi das pelo s~gundo e assinadas
O DRA~~ DA ~ABAN~GEM, nome que se atribuiu a pelo primeiro, contra o Presidente, que pmtavam como ul?
essa guerra cívíl, precisa, porem, ser entendido antes de lhe
verificarmos os epísodtos, nas suas raizes mais' profundas. E "Monstro". A guerra civil estava a começar. Porq~e, persegui-
essas foram: as ideologias políticas que dividiam a família do Batista Campos, que veíu a falecer de uma espinha carn~ll,
paraenss, ideologias que se confundiam com um [acobínísmo se~ poder receber socorros médicos.. conseguiu o pronuncia-
exagerado, de uma virulencia singular e refletia, de certo mento de seus partidarios, dispostos a defende-lo e a derrubar
modo, um e.stado daI ma que sacudia todo o Império a essa o governante odiado, . _ .
altura; as diferenças sociais e economicas que separavam pro- Antonio Clemente Malcher, os irmaos Vínagre, Eduardo
f':lndamente os homens da Amazonia desde o ciclo colonial, Angelim e outros comandavam os grupos 0I?osici?ni~t~s. Rea-
diferenças representadas no poderio dos estrangeiro e na situa- gindo violentamente contra. as forças leg3-1s,prmclpl~ramo
çao de quasi total miseria em que viviam os filhos da terra. movimento. Malcher, todavia, caru em maos dos legaJ? Mas
estes pouco poderam festejar a vitória, porque os demais che-
Lôbo de Souza, de_visão estreita, sem poder, por isso mes- fes, a frente de alguns milhares de homens em armas, lanç~-
mo, perceber a extensao dos perigos que lhe andavam à volta ram-se sobre Belém, de que conseguiram apoderar-se a 7 ae
começou abrindo incidente com o Bispo D.:Romualdo de Souz~ Janeiro de 1835.
- 6-1- A'RTHUR C. F.REIS SINTESE DE HISTÓRIA DO PARA -65-

Lôbo de Souza e o tenente-coronel Joaquim José da Silva filho, vila tocantina então em armas para reagir contra os
Santiago caíram assassinados no largo de palacio. Os bandos rebeldes. Convocados todos os elementos capazes de uma ação
cabanos soltaram Malcher, que foi aclamado presidente e em- sobre Belém, apesar das juras de Vinagre, que se declarava dis-
possdo perante a Camara Municipal da capital. O edifício da posto e pronto a entregar o governo, a tentativa de desembar-
Maçonaria sofreu destruição. Assumiu o comando das armas que dos legais falhou ruidosamente, comprometendo a ma-
Francisco Vinagre. Praticaram-se atentados contra os amigos nobra para a restauração da ordem. Encontros verificados em
e partídarios de Lôbo de Souza. Era o delírio da vitória facíl. vários outros pontos da Provincia perturbavam, por todos os
Contudo, em breve '3. harmonia entre os que haviam realiza- modos, a paz que se queria restaurar, evidenciando a intensi-
.do a jornada .revolucíonaría começou a romper-se, de um lado dade do movimento que começava a alastrar-se, obrigando os
ficando Malcher e de outro Vinagre. Os animos aos pouco fo- conselhos municipais a organizar a defesa das vilas.
ram encrespando. A dissidência não poude ser derimida. To- O governo regencial, por sua, vez, sentindo a gravidade da
dos os esforços para restabelecer equilíbrio' entre os chefes ca- situação, mandou dirigir a Provincia o marechal Manoel Jorge
.banos mangraram. Ea 19 de Fevereiro chocaram-se as duas Rodrigues, que recebeu de Angelo Custodio, cuja séde de gover-
"fações. Malcher, sentindo a precariedade de suas forças, refu- no estava instalada em Cametá, as rede as do poder, entenden-
:gi'Ou~sea bordo dó capitaneá da esquadra surta no. Guajará, se posteriormntecom Vinagre, para o retorno das autorida-
'Nas ruas de Belém, porém, as escaramuças 'prosseguiam, per- des a Belém. Firmada a tregoa entre legais e cabanos, o Ma-
-dendo a vida vários elementos ·que combatiam nos dois lados, rechal desembarcou, reiniciando-se, destarte, a administração
entre êles o comandante dos malcherístas, o tenente Costa Ca- imperial na capital. O autonomísmo momentaneo passava. Os
'bedo. A esquadra vomitou metralha sobre a cidade. Tudo ín- brasileiros da Amazonía reafirmavam sua confiança no sis-
.frutíféro, porque a 21, vencedor o bando de Vinagre. que era tema imperial.
'aclamado presidente da Província, Malcher fci desembarcado A lua de mel entre o Marechal e os cabanos, todavia, não
·e morto friamente como outros de seu grupo. durou muito tempo. Vontades ocultas trabalhavam para que
Vinagre, 'senhor da capital, tratou de organizar seu gover- a guerra civil reacendesse. Felizes na empreitada, a 14 de
.no. Só lhe reconhecia-o mando a cidade de Belém. Fazendo reu- Agosto recomeçou a sangueira. O marechal apelou para o con-
nir a edilidade belemita, empossou-se a 2 de Março como go- curso dos navios estrangeiros surtos no quadro e para osmo-
vernante da Província que deixava de integrar o Império até radores de Belém. No primeiro momento, todos se mostravam
:ser proc1amadaa maioridade de Pedro Segundo. E' que a Re- prontos para a ação. Quando os cabanas se acercaram dos pon-
gência, aos olhos dos rebeldes, tinha a responsabilidade de to- tos em que os legais ofereciam resistência, o entusia~m? d?s
-dos os infortunios que desciam sobre o extremo-norte. que se haviam prontificado a bater-se pela ordem dlmínuíu
A essa altura governava o Maranhão o dr. Costa Ferreíra, tão intensamente que o Presidente, morto o filho, sem recur-
'que, informado da gravidade e extensão dos sucessos que en- sos para prosseguir na luta, retirou-se para bordo da esquadra,
·sanguentavam a Amazonia e .fazíam perigar a unidade nacio- com centenas de moradores que abandonaram a cidade com a
sial, apressou-se emorgnizar uma expedição naval,_que entre- roupa do corpo.
gou ao comando do capitão-tenente Pedro da Cunha. recebido Senhores da situação em terra, os cabanas aclamaram
'por seus companheiros da esquadra, fundeada-no Guajará, COrIl. presidente a Eduardo Angelim, cearense, de vinte um anos de
·demonstrações de fidé1idade. idade, mas uma tempera de lutador, uma enfribatura a serviço
Vinagre tentou concertar a situação, junto a Pedro da Cu- de uma causa que êle considerava como sagrada e pela qual
-nha, Fracassou no plano. A .armada, pronta para entrar em deu todo seu vigor e entusiasmo.
.ação, esperava apenas uma autoridade legitima para empos- A campanha não estava finda. O interior, ~ofrendo a ac<?-
sar na presidencia restaurando assim .o domínío da lei. Foi metida dos rebeldes, foi cedendo aos poucos. MIlhares de nati-
quando se verificou que, nas eleições para compôr a primeira vos pegaram em armas. Os legais, perdendo terren?, ficaram
assembléia provincial, omaís votado era o dr. Angelo Custodio em pouco reduzidos a poucos pontos. O Marechal, instalando
Corrêa, imediatamente convidado a empossar-se como vice- seu governo em Tatuoca, velho, ferido forte com a perda do fi-
presidente, de acôrdo com a constituição. lho não era homem para a conjuntura.
Angelo Custodio encontrava-se em Cametá, de onde era , Feijó, Regente, ordenou então a remessa. de forças para
SINTESE DE HISTóRIA DO PARA -67-
-66- ARTBUR C. F. REIS

por uma certa liberalidade que fosse aos poucos dando a per-
conjurar a situação, nomeando para dirigir a Provincia, com ceber aos rebeldes que não deviam mais continuar em armas,
poderes especiais, o brigadeiro José de Souza Soares de An- agiram com energia e ao mesmo tempo decidida habilidade.
dréa, que a 11 de Abril de 1836 se empossava no governo, na Ao envez de esquadras possantes, de grossos contingentes do
ilha de Tatuoca, de onde iniciou as operações para vencer a exército, pequenas unidades navais, constantes de cuters, escu-
rebelião. nas, patachos, hiates, brigues,.corvetas, e ~estacament?s volan-
Entre os cabanos, já não havia a mesma inteiriça discipli- tes, forças irregulares de patriotas, organizadas nas vilas e po-
na política. Angelim, cuja administração era honestíssima, voados e conduzidas pelos caudilhos que se i~:ptovisavam. e
perdia aos poucos a popularidade, por procurar evitar os des- eram uma expressão segura de exito pelo prest~glOde que. ~lS-
mandos que seus companheiros desejavam praticar ou mesmo punham e pelos conhecimentos reais que possuíam da regiao.
começavam a praticar. Os Vinagres já se preparavam para Entre outros, padres Prudencio das Mercês.Tav~res, que or-
desconhecer-lhe o poder, quando a presença de Andréa veíu zanízou a defesa de Cametá, onde os cabanos Jamais chegaram
revelar aos rebeldes que havia necessidade de uma frente unica : penetrar; Antonio Manoel Sanches de Bríto, que comand?u ~
para poder impedir o triunfo legal. Mesmo assim, não foi pos- os efetivos de Fáro, Jurutí, Obidos, Santarem, Alenquer, VI~a
sivel manter a capital em mãos. Irritados, sentindo a derrota Franca e obrigou o inimigo a render-se em um de seus redu-
próxima, os cabanos tentaram então incendiar à cidade, no que tos mais fortes, o de Ecuipiranga, no Baixo Am~zonas; A:nbro-
foram demovidos por D. Romualdo de Souza Coelho, que já an- sío Aires, Ó Bararoá, que orientou, com um sentido objetivo fe-
tes os havia impedido de prosseguir na sangueira que Jhes ca- licissimo, as operações no Alto Amazonas. Entre os el~mentos
racterizava os primeiros momentos de triunfo em Belém. de maior relevo entre os militares, tenente-coronel João Hen-
A guerra civil não estava terminada com a ocupação, a 13 riques de Matos, capitão de fraga~a Frede::ico Mariath, ter:-en-
de Maio de 1836, pelas forças de Soares de Andréa. Abrigando- te Manoel Francisco Barroso, majores LUlZde Souza, Monte-
se no interior, os cabanos continuaram nas suas sortidas. Per- roso e Sergio de Oliveira, capitão de fragata Araujo Amazonas,
didos os chefes mais graduados, como o próprio Eduardo An- coronel Miranda Leão.
gelim, que foi capturado no Acará, elegeram outros. sem a Cedendo aqui, alí, acolá, sen~indo o infr_utiféro d:. to~a. e
mesma projeção, sem maiores serviços à rebelião que a cora- qualquer resistência, convocados a colaboraç~o ?om o rmperio
gem que manifestavam ou o barbarismo por que se distin- na reconstrueão da Provincía, mercê uma anístía decretada a
guiam. 4 de Novembro de 1839 a ínstancías dos presidentes Soares de
Conhecendo profundamente o interior da Província, os Andréa Souza Franco e João Antonio de Miranda, os cabanos
cabanos meteram-se pelos rios de grossas aguas como pelos se fora;11 entregando aos bandos. O ultimo grande grupo de
simples igarapés, furos, lagos, assediando vilas, apoderando-se 980 rebeldes, rendendo-se em Lusea, hoje Maués, na Comarca
de vilas, saqueando, matando, numa tremenda vingança so- 'do Alto Amazonas, a 25 de Março de 1840.
bre todos aqueles que êles entendiam responsaveis pelos sofri-
mentos que afligiam as populações da hinterlandia. Escravos
africanos, aproveitando a oportunidade, ligaram-se a êles, A RECONSTRUÇÃO- A guerra civil tinha custado cêr~a
Baixo e Alto Amazonas, como a região das ilhas, a costa ma- de 30.000 vidas à Amazonia, o que significava uma sangria
ritima, desde a fronteira com o Maranhão ao Oiapoc, trechos profundissima em suas energias humanas já de si tão preca-
do Tocantins, padeceram os horrores da guerra sem quartel rias. No decorrer dos cinco anos de luta, por outro lado, a
que se abriu de parte a parte. As colunas cabanas investiam os econômia rezíonal fôra igualmente sacrificada. Em alguns la-
pontos, onde acampavam os legais, de surpreza ou antes por ín- gares do Bai~o Amazonas e do Marajó, ond~ a creação de g~do
termedio de agentes que espalhavam o terror ou creavam a constituia, grosso modo,o fundamento de .VIda.das popula,ç<;>es,
desorientação desmoralizando as defesas governistas. fazendeiros que possuiam, ao começo da tr~ste Jorna~a politíca,
Soares de Andréa, como Bernardo de Souza Franco e João entre cinco e seis mil cabeças de gado, se VIamreduzidos a doze
Antonio de Mendonça, compreendendo a importancia dos su- vacas! As lavouras do cacáu, algodão, café, tabaco, cana es-
cessos, sentindo que a guerra devia ser conduzi da não com a' tavam destruídas. A massa escrava como que desaperecera,
aplicação dos metodos normais da estrategia militar, mas de apesar de toda a preocupação das autoridades em conseguir-
acôrdo com os imperativos fisiograficos da região, ou ainda
SINTESE DE HISTóRIA DO PARA -69-
-68- ARTHUR C. F. REIS

lh~ O aI;>risionamentopara a necessaria devolução aos seus pro- sívas, que revelaram os sentimentos admiraveis de sua gente,
p~IetarIOs..O esf~r90 pa!a a r~construção tinha de ser gígan- que compreendeu a gravidade dos sacrificios que se lhes
tesca. A vida política nao podia ser mais orientada com o es- solicitavam e deu toda sua colaboração sem o registro de
trepit.o, o apaixonamento que resultara naquele desastre. Por um só incidente que permitisse uma direção perigosa ás
tudo ISSO,organizada e instalada, a 28 de Fevereiro de ] 838 a coisas regionais. Já em Agosto de 1851, em consequência, o
Assembléia Legislativa Provincial, os legisladores, conscios 'de Presidente Fausto Augusto de Aguiar, que vinha governando
suas responsabilidades, meteram hombros à dificil tarefa da desde Setembro do ano anterior, podia escrever que as condi-
~est~11:ração,tarefa pesada, que exigia muita demonstração ções existenciais da Provincia se não eram ótimas, em todos os
de CIVI.SI?? e um espirito. de sacrificio a toda prova. setôres, expressavam bem estar, refletido na ordem. inaltera-
Dírigindo-se ao legíslatívo, os presidentes da Província da ha uma decada e nos algarismos da produção, das expor-
nos primeiros anos após o conflito esclareceram minuciosa~ tações, das importações, no crescimento das rendas aduanei-
mente a situação, solicitando providencias que permitissem ras, no crescimento das rendas arrecadadas pelas repartições
uma obra sólida de reconstrução. Falaram sem reservas. Su- fiscais do interior, no movimento do porto, todos êsses algaris-
g.eriram providencias, aconselharam, orientados pelos impera- mos animadores exteriorisando honestamente uma éra de
tlVOSque observavam. Em nenhum momento, por seu lado os tranquilidade que já se estava vivendo.
deput~dos recusara~ as medidas solicitadas ou simplesm'en-
te alvitradas. Esquecidos dos resentimentos que os haviam se-
parado antes, os representantes paraenses trabalharam com SOB O SEGUNDO IMPÉRIO, a evolução política da Pro-
patriotismo assinalavel, aparelhando o executivo para enfren- vincia processou-se sem mais os altos e baixos gritantes das
tar os problemas de toda ordem que lhes embaraçavam o go- crises experimentadas nas duas decadas anteriores. Agrupados
verno. nos dois partidos que levantaram bandeira, o "Liberal" e o
Os particulares, por sua vez, atirando-se ao trabalho, pro- "Conservador", satisfizeram-se os paraenses com as disputas
curaram recupe~ar o que .haviam perdido. Aceitando impostos eleitorais, as polemícas de imprensa, os choques ideologicos
a~mentados, CUIdandoativamente de suas lavouras e da crea- sem mais apêlo ás armas. Nesse particular, póde-se mesmo con-
ç~~,.fugindo ao partidarismo, cooperaram dentro de suas pos- cluir que a vida da Provincia decorreu morna, aqui e alí movi-
sibilidades para a obra de restauração tão necessaria. Os ele- mentada pela ascenção de um dos dois partidos que agremía-
mentos l?-ativos,para o fim de participarem desse esforço re- vam todas as inteligencias e ardores cívicos da Provincia.
construtivo, foram agrupados em companhias de trabalhado- Recebendo os influxos da política central, acompanhando
res em todos os municipios. as vitórias e derrotas que se dividiam pelas duas agremiações,
Ainda em 1841, as condições da Provincia eram delica- liberais e conservadoras paraenses não tiveram particularida-
das. Não havia rendas suficientes para o pagamento das for- des nas atitudes. Quando, por exemplo, ocorreu na Côrte a ci-
ças e a realização de serviços públicos impre~cendiveis. Só ás são entre os liberais, ano de 1866, o éco dessa cisão chegou a
unidades militares que tinham concluído suas operacões con- Belém, como dois anos depois chegou tambem o éco da unifi-
tra os rebeldes, devia o tesouro 31 mêses de soldo! Da tesou- cação operada no Rio de Janeiro, provocando a cisão e a uni-
raria da Baía, por ordem do Ministério da Fazenda durante
seis mêses vieram vinte contos de réis. O próprio Ministério da ficação na Provincia. .
Faz~nda remetera, em três parcelas, entre Dezembro de 1839 e Filiados aos dois partidos, lutaram pela supremacia deles,
Abril de 1840, cento e setenta contos! A receita para o periodo como dissemos, as melhores inteligencias e ardores cívicos lo-
de 1840-1841 fôra orçada em 241 :408$277, e a despesa ascendia cais. Entre êles, merecem um registro especial, pela nomeada
a 834:946$192, o que exigia um suprimento, pelos cofres nacío- de que se cercaram, pela atuação intensa que tiveram, Bernar-
nais, de uma gorda soma. do de Souza Franco, Corrêa de Miranda, Ambrosio Leitão da
~ trabalho, a vontade decidida de vencer, o esquecimento Cunha, Pinto Guimarães, Tito Franco de Almeida, José da Ga-
d~"sdIf~renças, seriam suficientes para permitir a reconstru- ma Malcher, conego Siqueira Mendes, Domingos Antonio
çao? Nao ha negar que foram êsses os melhores instrumentos Rayol, Samuel Mac-Dowell, Barão de Anajás. Bernardo de
de que poude díspôr o Pará, afim de reerguer-se. Forças deci- Souza Franco, de tal maneira irradiando seu nome, suas vir-
-70- ARTHUR C. F. REIS SINTESE DE mSTóRIA DO PARA -71-

tudes políticas e espirituais, que governou outras Provincías, se alguns dos munícípios que ~i~I:an;t p~~di~o aqu,~la situa-
foi membro do Conselho de Estado e Ministro das Relações Ex- ção, reformou-se o quadro da divisão JUdlClana,. mal;:' de uma
teriores e da Fazenda, respectivamente, nos gabinetes Paula vez com a ínstalacão de novas comarcas e, por lei nacional de 6
Sousa e Marquês de Olinda. de Agosto de 1873"creou-se o Tribunal da Relação, com alçada
As idéias dos partidos sustentavam-se nos ruídos legisla- e jurisdição sobre o Amazonas.
tivos ou nas colunas da imprensa. Esta, representada príncí- Ao extínauír-se a monarquia, havia em toda a Província 46
'palmente nos jornais "Díarío do Grão-Pará", orgão dos con- b .
municípios e 16 comarcas,
servadores, e "Jornal do Amazonas", substituído em 1869 pelo
"O Liberal do Pará" e de 1878 em diante pelo "A Provincia do
Pará", orgam dos liberais.
Sessenta cidadãos, como presidentes e více-presidentes em A QUESTÃO RELIGIOSA, que tanto agitou a nação, teve
exercicio, governaram a Província nesse periodo da evolução no Pará um de seus capitulos mais movimentados.' pela atua-
nacional, procurando satisfazer-lhe os anceios e estabelecer ção energica de D. Antonio de Macedc;.> ~osta, que vm~a co~du-
equilibrio necessario à bôa marcha dos negocios públicos. Não zindo as coisas espirituais da Amazoma com uma tntensída-
será acertado afirmar que todos realizaram obra administra- de de ação patriotica que envolvia os problemas de ,n~tur~z:'l
tiva notavel, ou acertaram sempre nos empreendimentos a que propriamente religiosa e os problemas de natureza CIV1CO-CIVI-
se dedicaram. Pela organização do Império, nomeados os pre- lizadora.
sidentes sem consulta ás provincias, o que valia dizer que os Vindo governar uma provincia eclesiastica por onde _ti-
homens mandados dirigi-Ias nem sempre traziam conhecimen- nham cassado figuras dá estatura de Frei Caetano Rrandao,
to objetivo dos problemas que teriam de solucionar ou estudar, D. Manoel de Almeida Carvalho, D. Romualdo de souza ~oe-
por isso mesmo falharam muito, quando não quizeram ou não lho, D. José Afonso de Morais Torres, varões de excelsas yIrtu-
poderam ouvir a palavra de experiência dos elementos ligados des que dedicaram sua vida ao bem-estar ,de seus p~r09ll:Iados,
à vida local pelo nascimento ou pelo domicílio permanente. por êles sacrificando-se, por êles e a serviço dos, pnn:-!p~os da
Desses sessenta cidadãos que dirigiram o Pará, exigem catolicidade, promovendo obras pias. e ?-~sentld~ civilizador
referência especial Bernardo de Souza Franco, Jeronimo Fran- Que lhes imortalizaram o nome na hístóría 9-0 pais, D ..Anto-
cisco Coelho, Araujo Brusque, Couto de Magalhães, Vicente de nio de Macedo Costa sagrou-se um benen:-ento p~las atitudes
Azevedo, cujos periodos ficaram assinalados por medidas que e nela obra cristã que tornou uma explendlda realIdade.
promoveram, de maneira sensivel, o progresso do extremo- •. Inteligência e cultura, dignidade e vont~de, quan~o se ve-
norte. . rificaram os primeiros incidentes que .rompiam a unidade ~a
A 5 de Setembro de 1850 e a 12 de Junho de 1852, duas família brasileira, dividindo-a em catohca e.maç,on, D. An~omo
medidas legislativas vieram retalhar a extensão do territorio declarou a sua solidariedade a D. Vital Mana, BISpOde Ol1~da,
paraense. Pela primeira, a Comarca do Alto Amazonas, que . que combatia contra, a Maçonaria,)~r~,íb,~nd? a le~~ura dos jor-
desde 1798 lutava por autonomia política, e viu seus anceios nais "Liberal do Para", "Santo OflCIO, Tnbun~ ~que ataca-
satisfeitos pela ação da representação paraense, que desde 1828 vam os gestos anti-maçonicos dos :prelados brasileiros, e ,orde-
vinha advogando no Parlamento Impérial a concessão pleitea- nando que os membros das confranas que pertencessem a ma-
da pelos amazonenses, foi elevada a categoria de Provincia, no- çonaríá imediatamente dela se desligassem. ~ !uta,~ue teve
meando S. Magestade, para governá-Ia, o paraense João Batis- seus aspéctos vibrantes, defendendo-se o ~tIst1te petas colu-
ta de Figueiredo Tenreiro Aranha, uma das mais ardorosas nas do "A Bôa Nova", tomou ~aráter I?aIs agudo. qua~do os
expressões do civismo e da inteligencia paraenses áquele tem- irmãos da Ordem Terceira de Sao FranCISCO~a P.em,tenCla e d:'l
po, Pela segunda, o municipio de Turiassú foi transferido à Irmandade da Santa Casa recusaram obedlencla as d~terml-
vizinha Provincia do Maranhão, apesar de todos os titulos his- nações do Prelado e recorreram ao Imperador, que, aceitou as
tóricos e políticos que possuia o Pará, razões do recurso. D. Antonio, que de ha muito ".mha re~l~-
No tocante à organização administrativa e judiciaria do mando contra a interferência excessiva das au.tondades ClViS
Pará, as alterações posteriores.à divisão feita pelos conselhei- em assuntos que na realidade consultavam partlC1.:larmente10s
ros provinciais em 1833 não foram marcantes. Restauraram- interesses domesticos da Igreja, mesmo dentro do sistema CO_1S-
-72- ARTHUR C. F. REIS SlNTESE DE HISTÓRIA DO PARA -73-

titucional que regia o Império, ante a atitude do Monarca, ,tomo? parte, entre outros, no da ilha da Redenção, e entrou
lançou o seu protesto, que provocou uma sensação extraordi- em diversos canhoneios e combates, sendo destes mais notaveis
naria na conciência nacional. 4 de Outubro de 1873. Seis mêses o do Rincon do Passo da Pátria, o do Estero.Belaco e o de An-
depois, decorridos por entre luta acesa, D. Antonio foi preso gustura, no qual tomou o redúto do inimigo". Comandou es-
e recolhido ao Rio de Janeiro, onde o Supremo Tribunal o jul- tando p:-esente a Tuiutí, a 17.a brigada, as forças de euarnição
gou, condenando-o a quatro anos de prisão com trabalhos por de Cornentes e no Chaco. Em Sauce, desalojou os paraguaios.
crime de sedição. A 6 de Dezembro, no combate de Itoróró sua acão foi decisiva
O incidente não terminara, porém, com a detenção do Bis- Depois de três vezes passada a ponte sob~e aquele curso fluviaÍ
po. Porque novos e graves se registraram na Províncía, dando as torças brasilei:as haviam sido forçadas a recuar. O fogo das
em resultado a prisão do governador do Bispado, conego Se- baterias contrarias era tremendo, causando baixas elevadas
bastião Borges de Castilho, protestos do cléro paraense, mais em nossos homens. Gurjão, então, no posto de general de bri-
rude campanha de imprensa, violencias contra membros da g~da, despresando os perigos a que se expunha, sentindo a gra-
Igreja e outras ocurrencias que revelavam um estado de espi- vídade do momento, compreendendo a necessidade de uma ati-
rito fortemente abalado. tude que levantasse o moral de seus comandados e lhes désse
o entusiasmo preciso para ocupar definitivamente a posição,
de espada em punho, a cavalo, atirou-se sobre a ponte. excla-
mando: "Vejam como morre um general brasileiro".
EM FACE DAS JORNADAS MILITARES NO PRATA, o
Pará comportou-secam evidentes demonstrações de concíên- O gesto decidiu da batalha. Porque os soldados, eletrisa-
cia cívica elevada. Já por ocasião dos ultimos episodios que as- dos, avançaram com um impéto imenso, pondo em fuga o íní-
sinalaram o encerramento do ciclo revolucionario no Impé- migo e ocupando a passagem, de importancia particular no
rio, nos entreveros contra os republicanos gaúchos, a Provín- decorrer das operações que se realizavam. Gurjão, ferido gra-
cia remetera, apesar de combalida pelo drama domestico da- vemente, faleceu pouco depois. Seu exemplo, insista-se, mar-
cabanagem, os contingentes de que poderá dispôr para con- cara-lhe a memoria. .
tribuir na obra da pacificação nacional. Como em 1849 esteve
presente, em Pernambuco, com o 3.0 Batalhão de Artilharia, na
taréfa de dominar alí a chamada Revolta Praeira. .. - LIBERTAÇÃO DOS ESCRAVOS - O contingente negro
Verificado o casus beli" contra o ditador Solanr Lopes, na formação social e econômica da Amazônia, como já se re-
imediatamente a Provincia compareceu aos campos de bata- gistrou !!m pagin3:s anteriores, não foi de molde a permitir a
lha, com os efetivos de suas guarnições normais do exército e conclusa:> de que tivesse havido, no extremo-norte, um fóco for-
dois batalhões de voluntarios da pátria, o 13, integrado por seu te de. afr.ICanos. Chegando ao vale trazidos pelos inglêses para
Corpo Provincial de Caçadores da Policia, e o 34. além de as feítorías que montavam entre o Parú e o Xingú, utilizados
grossos contingentes de guardas nacionais, recrutas, libertos, -na cultura da cana e das outras espécies que se principiavam a
o que atribuiu à Província uma contribuição de perto de cinco experimentar, seguramente em nada influiram nessa primei-
mil homens, numero expressivo, considerando-se o pequeno ra fase, desaparecendo com a destruição desses estabelecimen-
vulto da população paraense. tos estrangeiros. O braço indigena, abundante, bastava nessas
Nos campos de batalha, os soldados paraenses souberam horas iniciais, aos colonos, para a aventura da colheita das
revelar ótimas qualidades militares, participando dos choques "drogas" .
com o inimigo com a mesma galhardia dos soldados das demais Com a intervenção decidida dos missionarios, que defen-
regiões do Império. E um de seus filhos, Hilario Maximiano diam a liberdade do gentio, os colonos, ao mesmo tempo que
Antunes Gurjão, vocação de militar incontestavel, soube impôr batalhavam pela escravização do nativo, sem o qual, como sa-
admiração especial a seus comandados e superiores peia soma bemos, não podiam dar um passo, pleitearam ativamente e in-
de feitos que o singularizaram. tensamente, junto à Corôa, a vinda de braços africanos, a bem
Tendo dirigido cêrca "de cincoenta bombardeamentos, dos interesses econômicos da colonia o que significava, em últi-
entre os quais os das baterias paraguaias do forte de rtapirú, ma analise, interesses econômicos 4.0 império lusitano. Ordens
-74- ARTHUR C. F. REIS SINTESE DE HISTÓRIA DO PARA -75-

régias várias, a princpiar de 1 de Abril de 1680, determinaram Redentora dos Cativos da Provincia do Pará", a "União Rea-
a remessa de negros para Belém e para São Lui.z. Os colonos tora contra a Escravidão", a "Socíedadede Senhoras Auxilia-
do Maranhão eram, porém, mais afortunados e melhor aqui- doras da Liga Redentora", convocando inteligências enerzías
nhoados. Em consequência, os colonos paraenses sentiram-se cívicas, espiritos avançados, orientaram essa c~mpaI~ha.
com a preferencia que se dava ao Maranhão, mais de uma vez Bairros de Belém e trechos do municipio como Batista Campos
protestando contra a injustiça que havia de descarregarem os e Trindade, o Pinheiro e Mosqueiro, declararam livres os seus
navios negreiros a mercadoria africana na vizinha capital, em escravos. A vila do Mojú a 25 de Abril de 1888, adotava ídenti-
desrespeito ás cartas régias e em evidente menosprezo aos pa- ca atitude. O movimento empolgava a alma paraense. Desem-
raenses, que lutavam com falta de gente para os seus mistéres bargador Pais de Andrade, Paulíno de Brito, conegos Andrade
agrícolas. Os preços, pesados para os colonos paraenses, que Pinheiro e Perdigão, professor Camílo- Salgado, conselheiro
não possuiam recursos bastantes para enfrentar a despesa, Tito Franco de Almeida, jornalista Marques de Carvalho, João
constituiam uma razão forte alegada pelos negreiros para e~- Campbell, dr. Raimundo Leal Castelo Branco, professor Ber-
quecer o Pará ou preferir o Maranhão. A primeira "COmpanhia toldo Nunes, entre muitos outros, dedicaram-se de corpo e
do Comércio do Maranhão", embora, deante dos protestos dos alma à obra manumissora, que encontrara apoio decidido nas
belemitas e das instruções reais, trouxera sempre alguns centos lojas maçonicas, de Belém. Quando a nova da abolição total
de escravos, que não foram suficientes para as exigências da chegou à capital da Provincia, já decrescera, fortemente o nú-
econômía regional. mero de escravos, fruto da ação dos abolicionistas.
A "Companhia do Comércio do Grão-Pará e Maranhão",
organizada no consulado pombalino, trouxe milhares de ne-
gros, adquiridos sofregamente para as lavouras do cacáu, cana,
café e outros gêneros que se lavraram intensamente no Estado, NO SETôR DA INTELIGÊNCIA, a Provincia viveu não
tendo introduzido, nos seus 22 anos de existência, 12.587 es- mais aquela experiência medrosa da ação dos Religiosos ou a
cravos. De 1778, a 1792, chegaram a Belém mais 7. 60S. De das escolas primárias creadas já por fins do século XvIII. Fei-
1810 a 1816, cêrca de quatro mil. I ta a independência, os governos provinciais preocuparam-se
Com o inicio da experiência liberal-democratica, verificou- com o desenvolvimento da instrução, ao mesmo tempo que os
se a primeira demonstração contra o sistema da escravidão do conselhos municipais reclamavam, em nome de seus munícipes,
negro. Patroni, em meio ás novidades políticas de que se fizera a creação de escolas que alfabetisassem as populações
arauto, falava em/liberdade dos negros e igualmente absoluta Fôram por muitas dezenas, em consequência, as aulas de
entre os homens. . primeiras letras instaladas nas vilas e povoados do interior,
Mas, só em 1858,Tenreiro Aranha e o médico militar Antonio r. sob fiscalização das autoridades provinciais, dentro do metodo
David Vasconcelos Canavarro fundaram a "Sociedade Ipiran- I lencasteriano, adotado para toda a nação. Várias reformas,
ga", que pode ser tida como o primeiro nucleo organizado para todas procurando melhorar as condições do ensino e dar me-
a defesa do principio da liberdade dos negros. Essa sociedade, lhoria ao corpo de professores, recrutado a principio sem gran-
porém, teve duração efemera. Seguiram-se outras atitudes iso- des provas de capacidade ou solicitado ao cléro. Já em 1851,
ladas, entre elas a do dr. Agostinho dos Reis, que pelas colunas funcionavam 45 escolas primárias, com a matricula de 1.354
de jornais e em conferências combateu o sistema escravocra- alunos. Os professores vitalícios venciam 400$000 e os interi-
ta com uma energia especial. No'jornal "A Inquisição", o pro- nos 300$000.rEm 1862, essas escolas tinham ascendido para 81,
fessor José Teodoro Saraiva da Costa escreveu uma série de' - ~
r, sendo 71 oficiais e 10 particulares, todas somando frequêncía
artigos mostrando a necessidade da abolição. Manifestações maior de quatro mil estudantes. Em 1884, num orçamento de
clarissimas, não expressavam, todavia, senão, insistamos, esta- receita de 4.467:535$860, a Provincia dispendia com a instru-
dos dalma isolados, que deviam ser reunidos como nas outras ção 531:091$147.
Provincias para um movimento ordenado e util. Sentindo êsse ' Em 1841, governando o dr. Souza' Franco, foi creado o Liceu
imperativo, os que comungavam os ideais libertaríos organiza-
Paraense, que mantinha cursos secundarias e comerciais. Em
ram então vários centros, que irradiaram da capital para o in-
terior, onde se fundaram tambem nucleos de combate. A "Liga 1871, na administração Machado PorteI a, a Escola Normal, .
-76- ARTHUR C. F. REIS SINTESE DE HISTóRIA DO PARA -77-

c?m O que se dava um passo forte nos cuidados com a inteligên- do mundo paraense, que permitiu, a Raimundo Ciriaco Alves
era paraense. da Cunha e ao Barão de Marajó, os retratos, de certo modo
Esta manifestava-se brilhantemente, pelos circulos de pen- perfeitos, com que apresentaram a Provincia, corrigindo afir-
samento que começaram a formar-se, pelos jornais literarios, mativas, avançando sensivelmente sobre os ensaios anterio-
pela imprensa diaria que entrou a abrir espaço para a inser- res que, na espécie, deviamos a Monteiro Baena e Inácio Acíolí
ção de ensaios literarios e ciêntificos, para o debate no terreno de Cerqueira e Silva.
das idéias, para o' estudo dos têmas regionais, o que permitia ,
a conclusão do Barão de Marajó, em face de certas reservas que
se faziam ao extremo-norte,' noutros pontos do Império: o O DESENVOLVIMENTO ECONôMICO, no decorrer do pe-
Pará, no terreno da educação de seus filhos, possuia institui- ríodo imperial foi, a todos os aspéctos, notavel. Porque a Pro-
ções de que nenhuma outra Provincia dispunha a êsse tempo, vincia, tomando conciencia de suas possibilidades e de suas
como o Instituto de Educandos Paraenses, estabelecimento de realidades, após a dolorosa experiência da cabanagem, cuidou
instrução profissional verdadeiramente notavel, e o Colégio de ativamente, como já vimos, de construir seu futuro através a
Nossa Senhora do Amparo, escola domestica para a educação exploração das riquezas de seu sólo. Se era um espaço imenso
de meninas pobres. a reclamar ocupação permanente, reserva de matérias primas
que despertavam interesse particular no estrangeiro, conhece-
dor do que valia a região pelas identificações rigorosas que seus
SOB O OLHAR DA CI:B:NCIAestiveram sempre as terras, homens de ciência realizavam intensamente, interesse desper-
as aguas, as riquezas e particularidades humanas, zoogeogra- tado em publicações de vária espécie, que provocaram certos
ficas e fitogeograficas paraenses. Ora isoladmente, ora inte- receios nas altas esféras da administração nacional!
grando comissões de centros de alta cultura européa e amerí- Toda a vida decorrendo, na região, em função das aguas
cana, etnologos, botanicos, zoologos, geologos andaram estu- da grande bacia, que lhe dá a feição mais típica fisi::HPafica e
dando detidamente a região, conseguindo resultados verdadei- geohumana, natural que o problema do aproveitamento dessa
ramente sensacionais que lhes consagraram o nome. Entre massa dagua fosse uma preocupação imediata. Desde o pe-
muitos queremos deixar registrado os de Luiz Agassiz, Henri ríodo colonial, o assunto da navegação constituira objéto de
Condreau, Henri Walter Bates, Principe Adalberto, da Prus- cogitações, donde o funcionamento de estaleiros que cons-
sia, A. Wallace, Carlos e Guilherme von Stein, Ehrenreích, Or- truiam as embarcações que a técnica da época aconselhava ou
ville Derby, Charles Frederic Hartt, Herbert Smith, Francis permitia. Em 1833, duzentos barcos serviam ao comércio entre
Castelnau, que examinaram mil aspéctos das condições re- o Pará e o Alto Amazonas, não entrando no ·computo as peque-
gionais. nas embarcações, de tipo indigena, matriculadas nas vilas e
A essa atuação ínteressante da ciência estrangeira, po- utilisadas em operações de menor extensão, nem as que circu-
rém, faz-se necessario assinalar o contingente brasileiro, abun- lavam pelo Tocantins, ou cortavam as aguas do oceano, as fa-
dante e em certos setôres tendo conseguido maiores exítos que mosas vigilengas. A navegação a vapor, todavia, estava natu-
os dos homens de ciência de fóra. :Esse contíngente, represen- ralmente indicada para resolver o problema navegatório. Ten-
tado por civis e militares do exército e da marinha de guer- tativas isoladas, procurando a ajuda oficial, tinham mangrado,
ra nacionais, constantes dos seguintes nomes: João Martins como a de Joquim José de Siqueira, a do Barão de Jaguararí, a
da Silva Coutinho, Ferreira Pena, Barbosa Rodrigues, Barão de João Diogo sturz e a de João Augusto Corrêa, que movimen-
de Marajó, Couto Magalhães, Francisco Paraibuna dos Reis, taram capitais, apresentaram planos, interessaram energias
Antonio Gonçalves Tocantins, João Corrê a de Miranda, padre nacionais e estrangeiras. A resistência à iniciativa baseava-se
Nicolino de Souza, Marcos Pereira de Sales, que levantaram em que o barco a vapor seria a destruição da pequena econômía
cartas geograficas, exploraram cursos fluviais, ídenttfícaram de mil proprietarios de embarcações movidas a remo e de seus
tribus, linguas indigenas, condições de cultura de grupos pri- remeiros. Um sentido, evidentemente, longe do progmatismo, ,
mitivos, problemas econômicos, extensão da navegabilidade mas profundamente humanitario.
da bacia amazônica, realizando um trabalho de identificação Em 1852, porém, vencidas ezitações e reservas, Irineu "
-78- ARTHUR C. F. REIS
SINTESE DE RISTõRIA DO PARA -'79-

Evangelist~ de .Souz~, com a contribuição financeira rIas pra-


ç~ d~ Belem e Manao~, e a concess~o impéri8;1do monopolio, tou-se pela lavoura do cacáu, café, algodão, cana de assucar,
orgamzou a Companhia de Navegaçao e Comercio do Amazo- tabaco, arroz. Do cacáu, em 1780-1789, a produção atingira
nas 9.ue organizou serviços, iniciando a conquista dahinter- as 619~239 arrobas. Entre 1852-1862, 2.094.119 arrobas. O al-
landía, no terreno econômico, com uma fróta que subiu o godão, entre 1852-1862, alcançava 26.168 arrobas. .
Amazonas e vários de seus afluentes. . O gado vacum algarísmara-se em 1861-1862 em 210.742
C? exemplo, convidativo, constituiram-se a seguir a Com- cabeças; o cavalar, em 10.551, distribuidos por 523 fazendas.
panhia Fluvial do Alto Amazonas e a Companhia Fluvial Pa- Em 1880, os números eram 355.451 vacum e 30.532 cavalar,
raense. Essas organizações, finalmente, em 1874 se fundiam na num total de 385.983 unidades no rebanho da Provincia.
"~mazon. steam Navegation Company Limited", enquanto sur- A produção nativa, de seu lado, não desaparecera e se cor-
giam mais a "E;mpresa de Marajó e a "Pará e Amazonas" to- porificava no cumarú, na salsaparrílha, no urucú, na piassaba,
das servindo os interesses da Provincia cujo progresso e;a a na salsa, no cravo grosso e fino, nas madeiras, nas castanhas,
olhos vistos. a que se juntava a produção industrializada. Esta. ídentí-
As ~igações com.o e~terio~ faziam-se igualmente a larga. ficada pelos oleos, pelos grudes de peixe, pelo assucar, pelo
Uma frota estrangeira, impedida de subir o Amazonas che- álcool, pelos couros, pela farinha, pelos peixes sêcos, princi-
gava até Belém, verdadeiro entreposto ou porta de saída de palmente pirarucú. Em 1862 existiam, só na capital, 1.273 pe-
. todo o.vale, inclusivé da produção dos territorios amazonicos quenos estabelecimentos industriais, que empregavam 7.956
das Repúblicas vizinhas. Já em 1826, fundeara na Guajará o braços. O maior volume era apresentado pelos engenhos, para
"Amazonas", embarcação norte-americana pertencente à "New o fabrico de assucar e aguardente os quais se totalizavam, nes-
York s<2ciety",il~co~porada nos Estados Unidos graças à ín- se ano, na Provincia, por 16l.
tervenç,,:-ode ~o~e SIlvestre Rebelo, encarregado dos negocios Com a entrada da borracha para os graficos da produção
do Brasil. Proibida de executar seu programa de subir o rio ~ d~ exportação, todos êsses gêneros, começaram a perder pro-
déra margem aos primeiros protestos contra a política de tran~ jeçao. A hevea, desde o começo do seculo XIX, comoarecía ás
can~ento da bacia, política que o Império seguia, receíoso da tabelas otícíaís, mas foi já da terceira decada em diante que
cubíça estrangeira. ela principiou a ter posição, pesando na balança. Assim, des-
Tavares Bastos, Tenreiro Aranha, Souza Franco, Domin- cobertos seringais nas ilhas, no Tocantins, no Tapajós e no
gos Anton~oRay?l, Tito Franco de Almeida, numa campanha Xingú, para lá S8 dirigiu o braço que trabalhava na colheita
que a naça<;>oUVIUpor entre reservas, negativas, acusações e das outras especiarias ou na lavoura. Entre 1836-1852, os da-
cautelas, dado que nações estrangeiras vinham advogando dos oficiais falaram em 44.276 arrobas. Em 1854-1855, as cifras
com um interesse particular a abertura das aguas do Ama- acusaram já 178.840 arrobas, cotadas a 36$000 a arroba. Em
zonas à navegação internacional em nome da cívilízação, o que 1861-1862, só a goma elastíca fina figura nos quadros da pro-
pode~'iaescon~er intuitos imperialistas que o Brasil temia, con- dução com 106.046 arrobas.
seguiram, porem, a 7 de Dezembro de 1866, o decreto imperial . Para a creação e a movimentação dessa riqueza, a Pro-
que declarava a bacia franqueada ás bandeiras mercantes de vincia não contava com uma população numerosa. Seus indi-
todas as nações. ces demograficos não impressionavam. O contingente africa-
Até meiados do século XVIII, o Pará vivera da especiaria. no não se somava por unidades muito elevadas. Em 1248, eram
rendosa, abundante, tentadora. Experimentada a lavoura des- 29.706; em 1862, totalizava-se em 30.623; em 1888, 10.535.
sas mesmas especiarias e de outros gêneros de significação nos O movimento ímigratorio europeu não tinha importancia. Dás
mercados externos e internos, fortalecera-se a convicção de colonias fundadas em épocas diferentes, nenhuma progredira.
que a terra poderia proporcionar riquezas impressionantes se Os colonos estrangeiros tinham vindo dos Açores, Italía, Es-
a tentativa fosse bem orientada e seguida sem esmorcimentos. panha e Estados Unidos. O aumento dos coeficientes popula-
Ao ciclo da especiaria, seguiu-se, em consequêncía bem cionais do Pará só se modificaram de maneira sensível com a
impressivo, um ciclo agrícola, ancilado pela creação de' reba- chegada dos contingentes nordestinos, principalmente cearen-
nhos nas regiões do Marajó e do Baixo Amazonas. Êsse ciclo ses, tangidos para o extremo-norte pelos dolorosos imperativos
agrícola durou até a setima decada do século XIX. Represen- clímatíeos. Em 1877, era a vez dos primeiros 860; em 1889
3.480. Ao todo, entre 1877 e 1889, 17.166. A população do Pará,
-80- ARTHUR C. F. REIS SINTESE DE HISTóRIA DO PARA -81-
I'

em consequência, em 1832, era de 149.854, Indivíduos: em 1848, antes de findar a monarquia, titulos que nenhuma outra ci-
de 156.775; em 1862, atingia os 215.923; em 1872, nos onze dade do Império possuía.
municipios em que se dividia a Provincia, viviam 238.489 ha- Visitando-a em 1828, Hercules Florence descrevia-a como
bitantes. uma cidade bonita, de bôa edificação, inclusive o palacio go-
O comércio, no periodo imperial, irradiava para a Europa vernamental, que considerou o mais notavel de todo país, as
e para os Estados Unidos. Ano a ano aumentava, proporcío- . residencias dos comerciantes de melhores posses trabalhadas
nando receitas apreciaveis e a organização dos recursos locaís com cantaria trazida de Lisbôa. Havia lindos passeios cercan-
em bancos e companhias de seguro. Quanto a bancos, em 1847 do o velho burgo de Caldeira de Castelo Branco.
fundava-se o primeiro o Banco Comercial do Pará, com o ca- Em meiados do século, J. C. Fletcher e Luiz Agassíz não
pital de 400 contos, di~ididos por quatro mil ações d~ ~em mil escondiam sua admiração pelo panorama que Belém lhes ofe-
réís cada uma. Seguiram-se-Ihes : outra casa de credito c?m recia. Panorama em que. não trabalhava a natureza, mas a
o mesmo nome, de vez que a primeira transformara-se em c,alxa mão do homem, afeiçoando ao seu sentido estético os trechos
filial do Banco do Brasil, o Banco do Pará e o Banco de Belem. novos que se abriam no chamado bairro da Compina. Em 1889,
As rendas públicas em 1838-1839 montavam a . Alfred Marc encontrou-a com uma fisionomia ridente, vida co-
230:799$534· em 1852, a 295:201$819; em 1884, a . mercial e social impressiva, numa seivosidade perturbadora
3.160:035$7~W; em 1887, a 6.347:984$893. As ~espesas subia!? que seus cem mil habitantes aproveitavam para deíini-la como
nas mesmas proporções, o que impunha a conflssao do penultí- uma "Liverpool brasileira". Sua situação geografica, que o jor-
mo Presidente sobre pessimas condições da Província "devido nalista proclamava admiravel, adquirira-lhe desenvolvimento
à imorudencia que presedia à organização dos orçamentos" e importancia dia a dia mais visivel. Se em Belém havia, en-
com deficit calculado, para 1889, em mais de dois mil contos. tão, dez mil casas !

O PROGRESSO DE BELÉM, sob o Império, marcava-se


ante a impressão que os visita~t~s estrangeiros e;q>ressavam
em seus livros, nem sempre cordíaís para com o'p~us. G~verna-
da pelo conselho municipal, era séde da admínístração pro-
priamente provincial, donde melhoramen~os que ~he garan-
tiam crescimento e ar urbano agradavel, pitoresco, Imponente
em alguns aspéctos.
Já em 1821 o engenheiro militar Antonio Ladislau Monteiro
Baena fôra consultado acêrca das condições da capital e dos
melhoramentos a nela se introduzirem. Falara como técnico, •
indicando providencias, ínclusívé o aterro de trechos =nchar-
cados.
Essas obras, tendentes a promover o saneamento da ca-
pital, dar-lhe traçado de acôrdo com a situação política de que
se ufanava permitir o crescimento de sua area, aos poucos se
foram enfr~ntando, ora por concessão a particulares. ora di-
rétamente pelos departamentos oficiais. Belém, assim, foi se
destacando das demais cidades capitais do norte. Em 1833, ha-
bitavam-na 12.467 pessôas que moravam em 1.935 casas; em
1885 êsses algarismos estavam modificados para 70.000. O
Teatro da Paz, a Catedral, com os paíneís de De Angelis e ?~
marmores de Luca Carimini, e o Museu Paraense davam-lhe ja
o

C I C L O

REPUBLICANO
OS ULTIMOS TEMPOS DA MONARQUIAdecorreram por
entre grande insatisfação coletiva na Provincia. O Império
como que ignorava os problemas, as necessidades do extremo-
, norte, o que ia permitindo a formação de uma conciência que
• se orientava para o rompimento da unidade nacional. Se não
havia ainda uma bandeira partidaria alinhando as queixas dos
paraenses e levantando o principio da autonomia para as po-
pulações do vale, já a idéia fermentava, levando mesmo o go-
verno central a adotar medidas para evitar incidentes. O briga-
deiro Rufino Enéas Galvão, mandando dirigir a Província,
trazia instruções particulares sobre o assunto, tendo, nesse par-
ticular, realizado uma obra impressionante em favor da uni-
dade brasileiro.
O descontentamento. ou melhor, a falta de confiança na
forma monarquica, no entanto, não desapareceu, dando mar-
gem a que os principios republicanos fossem creando ambien-
te. Em Abril de 1886, aos influxos da pregação que se fazia por
todo o país, em pról da república, um grupo de afeiçoados à
doutrina democratico-republicana fundou o Clube Republica-
no, a que aderiram inicialmente cento e vinte três pessoas, sen-
do escolhida uma diretoria composta de : dr. Paes de Carvalho,
presidente; dr. Gentil Bitencourt, vice-presidente; dr. Justo
Chermont, 1.0 secretario; dr. Barjona de Miranda, 2.0 secreta-
fio; José Duarte Bentes, tesoureiro. Entre outros, filiaram-se
ao partido, instalado solenemente a 31 de Maio com o lança-
mento de seu estatuto-manifesto, Lauro Sodré, Henrique Ame-
rico Santa Rosa, O' de Almeida, Manoel Barata, Mata Bacelar,
Marques de Carvalho. Empregados no comércio, médicos, ba-
chareis, ágrícultores, comerciantes, militares, aos poucos fo-
ram ingressando na família republicana, que a 1 de Setembro
fez circular o primeiro número do jornal "A República", que
abriu campanha em favor da mudança do regime.
As autoridades monarquicas, a êsse tempo pertencentes ao
partido liberal, que estava no poder, não se apressaram em
combater os novos inimigos, mas não deixaram de lhes emba-
raçar os movimentos, quando perceberam a irradiação que to-
mava. Essa irradiação representava-se nos nucleos que princi-
piaram a ser fundados no interior : Vizeu, Bragànça, Obidos
e Monte Alegre.

A ADESÃO A REPÚBLICA ocorreu sem incidentes de vul-


SINTESE DE HISTóRIA DO PARA -87-
-86- ARTHUR C. F. REIS

rismo oficial, por mais de uma decada, foi figura centr3:1 da


to. A 14 de Novembro, pela manhã, assumira a presidencia da vida política do Estado. Um movimento popular em 1910, tírou-
Provincia o dr. Silvino Cavalcanti de Albuquerque. A 15 à tar- lhe, porém, a leaderança que não encontrou outras mãos com
de, começando a circular rumores de que Pedro II fôra destro-
nado e a república instituida pelas forças militares. os mem- a mesma habilidade para empunha-Ia.
bros do Clube procuraram tomar posição. No dia seguinte, de- . Três episodios, logo na primeira de~ada republicana, de-
pois de entendimentos entre civis e militares, no quartel do ram à história paraense um relevo especial no qu~dro do~ fas-
15 de Infantaria, uma comissão, integrada pelos drs. Justo tos brasileiros: a atitude do Estado em face da dissolução da
Chermont e Paes de Carvalho, procurou o presidente Silvino constituinte o encontro com as forças navais francesas na
para que êle entregasse o governo. Em resposta, o delegado do fronteira co~ a Guiana e a atuação brilhante da milícia es-
Imperador declarou que aguardava pormenores do Rio, com tadual na campanha contra os rebeldes de Canudos.
quanto pela força os republicanos podessem tomar conta da No primeiro, o governador Lauro Sodré, inteirado do ges-
administração pública.· . to marcial do marechal Deodoro da Fonseca, declarou a sua
Ante essas considerações, o 15 de Infantaria, o 4 de Arti- integral desaprovação ao áto intempestivo q,ue representava'
lharia e o Corpo Policial, com seus comandos, em perfeita con- uma violação do pacto fundamental da naçao, E d~rante ~s
fraternização, acompanhados de grande massa popular, diri- acontecimentos que se seguiram,.na pres:dencIa Flonano PeI-
giram-se ao palácio presidencial, onde o corpo de bombeiros xoto, manteve o Estado ausente das sortidas que ensanguen-
fez causa comum com os, patriotas. O dr. Silvino Cavalcantí, taram o país. .
sem forças, nada poude mais fazer. O dr. Pais de Carvalho, das O encontro com as forças navais francêses no .t\mapá ocor-
janelas do palácío.ianuncíou, então, a adesão do Pará ao novo reu a 15 de Maio de 1895. Velha diferença, a proposl~O dos con-
sistema proclamado na capital do país. terminos entre o Brasil e o territorio francês da GU1an~, sep.a-
Assumiu o governo uma Junta, composta dos dr. Justo rava as populações da fronteira. Apesar .de todas as Arazoes.hIS-
Chermont, tenente-coronel Bento José Fernandes e canítão de tóricas e juridicas invocadas pelo B~as~l, os francescs._teIm3:-
fragata José Maria do Nascimento, a qual empossou-se a 17, I vam nos propósitos de ampliar seus Iimites sobre a regiao, ev:-
perante o Conselho Municipal de Belém, e dirigiu o Estado até dentemnte brasileira, A 27 de Dezembro de 189~, ante os pen-
17 de Dezembro quando assumiu o dr. Justo Chermont, nomea- gos que decorriam da pouca vigilancia. q~e havía de parte de
do por decreto do governo provisório. 'nossas autoridades, um grupo de hraslleíros, encabeçado por
O "Clube Republicano", transformando-se' em "Partido Francisco Xavier da Veiga Cabral e dr. Gonçalves ToCa?tms,
Republicano Federal", assumiu o controle da política no Es- organizou governo que tomasse a seu cargo os negocies do
tado, desaparecendo, em consequência, os antigos grupos libe- Amapá, evitando a.íníütraçâo francêsa. Essa tinh.a por agente
ral e conservador, cujos membros, grossa maioria, aceitaram um preto escravo de nome Trajano. Preso por Veíga Cabral, o
os fatos consumados, ingressando com seu contingente cívico I
governador da Guiana, Mr. Charvein ordenou que? aV1SOde
para a formação da mentalidade que devia realizar os pro- suerra "Beno'ali", empreendesse uma ação nayal-pol1c1al sobre
gramas democraticos que se anunciavam com o novo regime .. ~ Amapá, lib~rtando o preto, e.aprisionando VeIga Cabal e seus
As quatro primeiras decadas .republicanas no Estado de- companheiros de jornada CIVIca.
fluiram em meio a choques que por vezes tiveram um acentua- A expedição foi infeliz para; as armas f~ancêsas. porq~e
do tom de violencia. As paixões partidarías mais de uma vez devido à maré, tendo chegado ja pela manha de 15 de M.a~o,
levaram os homens ao apêlo das armas. Quinze cidadãos, nesse quando o plano cogitara de uma empresa. noturna, o capitão
periodo, passaram pela direção suprema da coisa pública, por i Lunier, comandando a infantaria de marinha que der.embar-
entre aplausos e acusações de seus concidadãos. As preferên- cou por vários pontos, pretendeu apoderar-s~ do povo~do, d~-
cias populares, todavia, estiveram sempre com o general Lauro tendo Cabral, que o desarmou e com o proprio ~evolver do ofi...
Sodré, sendo, todavia, de assinalar os quatrienios Pais de Car- I
cial estrangeiro tirou-lhe a vida. A luta generalIzou-se. Os con-
valho, Augusto Montenegro, Dionisio Bentes e Eurico Vale, tingentes invas~res bem armados, aos poucos foram ganhando
pelo conjunto de serviços de natureza material ou financeira terreno. A resistên~ia, operada co~ os. pa~cos re:ursos ~e ~o-
que lhes marcou a passagem. O intendente de Belém, Antonio mento, teve de ceder, não sem ter ínflingído fortes perdas aos
José de Lemos, empunhando o bastão de comando do partida-

1
\
-88- ARTHUR C. F. REIS SINTESE DE HISTóRIA DO PARA -89-

atacantes, que marcaram a vitória com o assassinio de "mu- corrida do ouro negro. Atingindo os pontos mais distantes do
lheres, velhos e creanças". Xingú e do Tapajós, do Jarí, do Parú, penetrados ousadamen-
Os animos, como era natural, exaltaram-se por todo terri- te outros cursos menores, exploradas as margens, fixados os
tório nacional. A arbitragem do Conselho Federal Suisso, en- acampamentos, os "seringueiros" escreviam os capitulos ma-
cerrando a contenda, que datava do periodo colonial e já por gnos do verdadeiro "rush", que se inaugurava no extremo-nor-
vezes se manchara em sangue, assegurou ao Brasil, conse- te. Flotilhas de "gaiolas" e embarcações menores, subindo e
quêntemente ao Pará, a integridade de sua faixa lindeira, pro- descendo rios, atravessando corredeiras, carregando prodútos,
clamando o fundamento de todas as razões que apresenta- conduzindo os sertanistas que iam à ventura da borracha, da-
vamos. vam o tom mais vivo desse movimento que sensacionava o país
No episodio de Canudos, a presença do Regimento Poli- e o fazia volver suas vistas espantadas para os novos distritos.
cial do Estado foi assinalada por átos de bravura de seus sol- A "A Província do Pará" e "Folha do Norte" convocavam as
dados e oficiais, que combateram com decisão e sem apêlo à grandes penas para suas colunas. O Museu Paraense. mais 'tar-
barbaria de 25 de Setembro de 1897, ocupando posições salien- de chamado Museu Goeldi, dirigido pelo grande cíêntista Emí-
tes que de certo modo garantiram os sucessos posteriores de 1 lio Goeldi, com suas publicações, com as expedições cíêntíflcas
de Outubro, quando o mesmo Regimento teve nova atuação que promovia, a Sociedade de Estudos Paraenses, como o pri-
destacada, que lhe grangeou a admiração dos demais corpos meiro Instituto Histórico, congregavam as melhores inteligên-
em operações .. cias locais, atraindo para o Estado a admiração do mundo in-
Nessa justa domestica, o Regimento Paraense, dlvídido em teiro e significando que a civilização amazonica não se expres-
dois corpos, esteve sob o comando dos tenente-coronelAntonio sava apenas no esforço material da colheita da borracha.
Sergio Dias Vieira da Fontoura e major João de Lemos. aquele A cuncurrencia da produção agricultada do Oriente, fe-
se tendo sagrado o grande herói do encontro de 25 de Se- rindo fundo a econômia regional, perturbando a rapidês que
tembro.
;
distinguia a evolução paraense, capitulo impressionante da
: evolução amazonico-brasileira, por fim fez findar a caminha-
da triunfante, espectacular mesmo. Em 1912, a exportação ele-
vara-se a 116.112:152$000. O governo federal arrecadara, em
A EVOLUÇÃOSOCIAL E ECONôMICA do Estado; no ci- 1910, mais. de trinta mil contos de réis, papel, e mais de onze
clo republicano, decorreu por entre oscilações sensiveis. Fun- mil, ouro. De 1889 a 1916, o Estado entregara à União, nas vá-
dando toda sua vida na industria extrativa, representada prin- rias arrecadações que lhe cabiam, mais de quatrocentos mil
cipalmente na borracha, o Estado pudera alcançar dias de pro- contos de réis. A arrecadação estadual, por' seu lado, em 1910,
gresso vertiginoso, refletidos nos algarismos de sua receitá e cifrava-se em rs. 20.255:070$604. Já em 1918, a União só obti-
despesa, nas cüras de sua exportação e importação, no movi- nha rendas no valor de 8.320:094$405. O Estado no ano ante-
mento incessante de seu principal porto, no crescimento de sua rior vira descer sua receita para 6.277:720$243, face a uma
capital, valorizada por uma extensa área, enriquecida por me- despesa que se avolumava em treze mil.
lhoramentos urbanos notaveís, por uma população cosmopo- Em todo êsse ciclo, a agricultura perdera sua força. Não
lita de crescimento rápido e incessante e por uma construção havia braços disponiveis para lavrar a terra. Com a decaden-
monumental e pitoresca. cia registrara-se o natural regresso à lavoura das espécies ali-
Toda uma civilização começara a ter suas características menticias, ao algodão e a pouco mais. Surgiu, porém, na cas-
através as, mil circunstancias provocadas pela procura da he- tanha outra especiaria valorizada. Os oleos, as madeiras, os mil
vea, que os seringais não cessavam de entregar aos grandes prodútos naturais de tipo colonial voltaram a figurar nas ta-
mercados consumidores. Lucros astronomicos, para a época e . bélas da exportação. Um pequeno parque industrial começou
para o meio, consentiam em gastos tambem de vulto, Ao mes- a constituir-se em Belérn. Os engenhos de assucar voltaram a
mo tempo que Belém se transformava, pelo dinamismo do ín- movimentar-se. Tudo, porém, sem permitir as larguezas an-
tendente José Antonio de Lemos, multidões integradas por teriores e sem poder permitir a ascenção, senão vertiginosa
gentes de toda parte, mas sensivelmente marcados pelo dos dias anteriores, pelo menos capaz de permitir que o Estado
contingente cearense, se atiravam ao ataque à floresta, na cumprisse seus compromissos internos e externos.
- 90- ARTHUR C. F•.REIS
BIBLIOGRAFIA
A REVOLUÇÃO DE 1930, ecoando em Belém pelo pro-
nunciamento do 26 Batalhão de Cacadores e de elementos ci- Artúr Viana - Noticia Histórica. Belém, 1900.
vis, deu ao Estado um governo provisórío e esperanças de res- Teodoro Braga - Apostilas de História do Pará. Belém, 1915.
tauração de suas energias. 1l'::ssegoverno provisório esteve inte- Te?doro Braga - História do Pará. S. Paulo, sld.
grado por civis e militares, os drs. Abel e Mario Midosi Cher- Raímundo Proença - Pontos de História do Pará. Belém, 1937.
mont, tenente do Exército Ismaelíno de Castro e tenente de Ernesto Cruz - Noçõesde História do Pará. Belém, 1937.
Marinha Alvaro do Cabo, tendo sido substituido, poucos dias Jorge Hurlei - Noções de História do Brasil e do Pará. Belém
depois de empossado, a 28 de Outubro, por outra Junta. Con- 1938.
comitantemente funcionava um governo militar de que foi de- Jorge Hurlei - A Cabanaçem. Belém, 1935.
tentor o major Landri Sales. A 12 de Novembro, essa situação Manoel Barata - A Antiga Produção e Exportação do Pará.
de fato encerrou-se empossando-se na administração estadual Belém, 1915.
o então tenente Joaquim Cardoso de Magalhães Barata, cujos ManoeI Barata - A Jornada de Francisco Caldeira de Castélo
ardores revolucionarios datavam de 1924. Branco. Rio, 1910.
Este governou em meio ao desajustamento violento, con- Paulo Eleuterio - Os Portuguêses na Amazônia. Rev. do I. H.
sequente aos acontecimentos que derivavam, por sua vez, do do Amazonas. Manáos, 1937.
movimento triunfante. Procurando afeiçoar o Estado ás con- Arthur Cesar Ferreíra' Reis - História do Amazonas. Manáos
tigencias e perspectivas que se abriam com a éra anunciada 1931. '
pela revolução, chocou-se com uma tremenda oposição, do Arthur Cesar Ferreira Reis - Navegação Fluvial, especialmen-
mesmo modo porque se via cercado de gigantesca poputarídade te no Amazonas. Rio, 1941.
no seio das massas populares, mercê reformas e medidas que Arthur Cesar Ferreira Reis - Paulistas na Amazonia e outros
lhes satisfaziam os anceios. Ensaios. Rio, 1941.
A 29 de Abril de 1935, porém, após sangrentas ocurren- Arthur Cesar Ferreira Reis - A Política de Portugal tio-vale
cias políticas, a Assembléia Constituinte elegeu governador o Amazonico. Belém, 1940.
dr. José Carneiro da Gama Malcher. O Estado, pela gravidade Arthur Cesar Ferreira Reis - D. Romualâo de Souza Coelho.
de acontecimentos anteriores à eleição do chefe do executivo, Belém, 1941.
fôra sujeito ao regime interventorial, decretado pelo presiden- Arthur Cesar Ferreira Reis - O Ciclo Pombalino na A mazonia.
te Getulio Vargas, sendo executor das medidas ordenadas pelo BeIém, 1941.
governo federal o major Carneiro de Mendonça.
O advento do Estado Novo, conservando na direção dos Arthur Cesar Ferreira Reis-A Conquista Espiritual da Amazo-
negocias estaduais, na qualidade de Interventor Federal, o dr. nia. S. Paulo, 1942.
José Malcher, que se caracterisa pela serenidade, pela pruden- Palma Muniz - Colonização e Itniçração no Estado da Grão-
Pará. Belém, 1916. ~ .
cia, restabeleceu a paz pública, contendo nervosismos ídeolo-
gicos, permitiu novas perspectivas. A paisagem econômica do Palma Muniz - Adesão do Pará à Indepedencia. Belém, 1923.
Estado, nesse novo periodo histórico, evidentemente se reno- Manoel Barata - Apontamentos para asjEfemerides Paraen-
va. Belém toma proporções. E após a segunda visita qUE'o pre- ses. Rev. do'I. H. Bras. Rio, 1921.
sidente Getulio Vargas fez à região quando pronunciou um Luiz Lôbo - História Militar do Pará. Dic. do lns. H. Brasilei-
discurso de repercussão nacional acêrca do sentido civilizador ro. Rio, 1922. ' ,_
da grande arteria, foram programadas serviços de valorização H. Santa Rosa - História Política do Pará. Dic. do L H. Bras.
econômica, social e de saneamento, que prenunciam o advento Rio, 1922.
positivo de um periodo construtivo no vale todo. H. Santa Rosa - História, do Rio Amazonas. Belém, 1926.
Braga Ribeiro - História Religiosa do Pará. Dic. do I. H. Bras.
Rio, 1922.
Baena - Compendio das Eras da Província do Pará. Belém
l838. '
D. Antonio de Almeida Lustosa - D. Macedo Costa. Rio, 1939.
João Lucio de Azevedo - Os Jesuiias no Grão-Pará. Lísbôa,
1901 e 1930. INDICE
João Lucio de Azevedo - Estudos da História Paraense. Be-
Iém, 1893.
A Façanha Colombina .. .. .. Pago 9
Roberto Simonsen -
1937.
História Econômica do Brasil. S. Paulo,
Nas Pegadas do Adelantado .. .. 11
José Verissimo - A Pesca na Amazonia. Rio, 1895. A Chegada do Lusitano .. .. 11
Domingos Antonio Rayol - Motins Políticos: Rio, Belém, Os Primeiros Tempos .. .. .. .. .. .. .. .. " 13
1865-1890. Em F'ace do "Herege" .. .. .. " .. .. .. .. 16
Fernando Saboia de Medeiros - A Liberdade de Navegação do Os Lineamentos Iniciais da Administração .... 18
Amazonas. S. Paulo, 1938.
A Irradiação Bandeirante .. .. .. .. .. .. .. 20
Moacír Paixão - Formação Econômica do Amazona~. Porto
Alegre, 1940. A Ação Míssíonaría .. 23
..
o. •• •• •• •• •• •• ••

Artúr Porto - Fundação da Cidade Paraense. Rio, 1933. A Luta pela Liberdade .. .. .. .. .. .. o. •• •• 24
Mélo Leitão - Descobrimento do Rio das Amazonas S. Pau- A Evolução Política . 28
lo, 1941. O Progresso da Capitania .. .. .. .. .. .. .. 30
Ernesto Cruz - Como se tez a República no Pará. Belém, 1942.
Os Primeiros Tempos do Bispado .. .. .. 33
Serafim Leite - Luiz Figueira. Lisbôa, 1940.
Revista do Instituto Histórico G. e E. do Pará. O Processo Econômico .. .. .. . o ••
.. 34
Anais da Bibliotéca e Arquivo Público Paraense.
Revista da Sociedade de Estudos Paraenses.
O Ciclo Pombalino .. .. .. .. .. .. ..
As demarcações das Fronteiras .. .. .. .." 35
40
Revista do Instituto Histórico e Geograüco do Pará. Souza Coutinho e Conde dos Arcos .. 42
A Conquista da Guiana .. .. " .. 44 ~
As Explorações Geograficas .. .. o o •• •• " 46
Os Ultimos Tempos Coloniais .. o. o' •• 47 -
A Revolução Liberal .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. " 53 ~
O Inicio da Experiencia Liberal .. .. .. .. .. 57 -
O Drama da Cabanagem .. 62
A Reconstrução .. .. .. .. .. 67
Sob o Segundo Império .. .. .. .. 69
A Questão Religiosa .. .. .. .. .. .. 71
Em Face das Jornadas Militares no Prata:. .. 72
Libertação dos Escravos . .. 73
No Setôr da Inteligência . 75
Sob o Olhar da Ciência .. .. .. ., .. ., ",
.. 76
to
O Desenvolvimento Econômico 77
O Progresso de Belém .. .. .. " 80
Os Ultimas Tempos da Monarquia .. . o 85
A Adesão à República .. o' •• • o •• ••
85
A Evolução Social e Econômica do Estado 88

A Revolução de 1930 .. .. .. .. .. .. .. .. ,. 90
1IIIIIIIIIi
1010052604
.,~. IFCH
1981.13 Rrlís

EMPRÉSTIMO DE
PUBLICAÇÃO

Esta publicação deverá ser


devolvida na última data indicada.
~~ OU 20:E
't v ..
,- ~

, ..
p

't.
,
12'
.

-
--
I
!
i
r I
I
I

i I
. ·1
l I
J
I

....... .'
.
' /.'
.

Você também pode gostar