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Registos e Notariado - Apontamentos professor

Direito dos Registos e do Notariado (Universidade de Coimbra)

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Registos e Notariado 2020/2021 Sara Marina Tomé Fernandes

DIREITO
DOS REGISTOS E DO
NOTARIADO 1

Faculdade de Direito
Universidade de Coimbra

2021
SEMESTRE DE PRIMAVERA

Dra. Mónica Jardim


Bibliografia:
— Escritos de direito notarial e registal, Mónica Jardim, Almedina, 2.ª ed., 2017
— Estudos de direitos reais e registo predial, Mónica Jardim, Gestlegal

Programa:
1. Introdução
2. Principais sistemas de notariado (latino, anglo-saxónico e administrativo)
3. Natureza da função notarial nos sistemas de Notariado Latino
4. Breve referência histórica à atividade notarial desenvolvida em Portugal
4.1 Desfuncionarização
4.2 Desformalização
5. O Estatuto do Notariado português
6. Tipos de documentos: escrituras públicas, termos de autenticação e reconhecimentos
7. Alguns atos notariais sujeitos a Registo Predial
8. Registo
8.1. O Registo Predial
8.2. Publicidade registal
8.3. Principais sistemas registais
8.4. O sistema registal português
8.4.1. A atribuição (transferência e constituição) de direitos reais sobre imóveis e móveis
sujeitos a registo
8.4.2. Factos sujeitos a registo;
8.4.3. Atos de registo;
8.4.4. Princípios;
8.4.5. Efeitos (artigo 5.º do C. R. Predial, 291.º CC e 17.º do C. R. Predial).
8.5. Vícios do registo
8.6. O Registo provisório de aquisição versus o contrato-promessa dotado de eficácia

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erga omnes
8.7. Justificação: a escritura justificação (notário) e o processo de justificação
(conservatória do registo predial)

Diferença entre notário e conservador


Para determinados negócios jurídicos, designadamente os que tenham por objeto de imóveis 2
e que visem a constituição ou a transmissão de direitos reais, é necessária forma. Quem dá a
forma (prevista na lei) e quem acaba por redigir a vontade das partes é o notário, que trabalha
no cartório notarial.

Há umas especificidades no direito português, porque, desde janeiro de 2009, substituí-se a


escritura pública pelo documento particular autenticado, documento este que, em teoria, é
feito pelas partes/contraentes e que depois é levado a um advogado, solicitador, câmara de
comércio e indústria ou notário para ser aposto um termo de autenticação.

Sem a forma exigida por lei o negócio é inválido, logo é nulo. Havendo forma e não
padecendo de vícios, o negócio tem de ser registado, pelo conservador, que trabalha na
conservatória
AULA 9 DE MARÇO DE 2021

SUMÁRIO:

Notariado
Introdução
Principais Sistemas de notariado
Breve referência histórica à atividade notarial desenvolvida em Portugal
O estatuto do notariado Português
Natureza da função notarial

9 DE MARÇO – PARTE 1

Importância da atividade Notarial e Registal


Qualquer argumento jurídico, tem como missão combater a insegurança. É, portanto, o
objetivo de qualquer ordenamento jurídico, que se tenta alcançar através de dois meios,

• à posteriori, através do processo, para resolver a incerteza e a insegurança já


corridos;
• e à priori, evitando a incerteza futura, dando certeza e segurança às situações e
relações jurídicas, para tal como é evidente é importante criar meios e instrumentos
aptos a produzir segurança e por outro lado colocá-los à disposição dos particulares.

A atividade dos registos e do notariado, situa-se claramente neste segundo plano: a suposta
incerteza do direito objetivo, a atividade notarial e a atividade dos registos em geral, tende a

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conseguir preventivamente certeza, na aplicação do direito posto/objetivo na aplicação das


situações concretas.

Prevenir e evitar conflitos, é uma consequência, não um resultado normal, quer da atividade
registal, quer da atividade notarial.

Atividade Notarial
3
A origem do notariado
De forma ampla, está ligada à descoberta e difusão da escrita. A escrita possibilitou aos
homens a possibilidade de efetuarem o registo dos atos e dos contratos, que já existiam na
altura.

Antes da escrita, esse registo era efetuado através de testemunhas, através da memória falível
das testemunhas. Com a escrita, criou-se a necessidade de reduzir os documentos à forma
escrita, passando a haver um documento, uma prova do acordo celebrado.

Nesta altura, nem todas as pessoas sabiam escrever, e o redator convénio, representava-se
como uma testemunha privilegiada, presenciava o que ambas as partes criam, e redigiam o
tal acordo.

A origem da atividade notarial encontra-se perto da data em que foi inventada e difundida a
escrita.

Os dados existentes da atividade notarial remontam à data da antiga Grécia, ou ao Egipto, aí


a atividade notarial era um simples redator, os seus escritos eram apenas documentos
privados, sem uma valia maior.

Posteriormente surgem notários públicos, aí a importância do notário era outra, ao notário


cabia recolher, interpretar e exprimir a vontade dos particulares, no documento que estava a
redigir.

Os documentos, são instrumentos públicos, que detém fé pública, o notário, não era um
mero particular, já estava a exercer um cargo de oficial de estado, tendo mais força provatória,
executiva.

Na idade média, sobretudo por influência da doutrina dos glosadores, a atividade notarial
atingiu o máximo do seu prestígio e o notário para além de continuar a ser o tal redator como
oficial público, passou a ter uma fé pública qualificada. Isto porque, não só escrevia aquilo
que as partes pretendiam, não só recolhia a vontade das partes e a interpretava e reduzia a
escrito, mas também fazia em conformidade com a Lei. Esta é uma nova realidade. A
atividade notarial aqui só podia ser realizada por alguém com conhecimentos jurídicos.

Desta forma, em termos históricos conseguimos identificar 3 tipos de notários:

1. O notário como simples redator, que reduzia a escrito o acordo das partes, sendo um
documento privado.

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2. O redator com fé pública, que elaborava um documento dotado de fé pública


3. A atividade do redator com fé pública qualificada, porque quem praticava a atividade
era um jurista que conformava a vontade das partes à lei.

Principais sistemas de notariado


Posto isto, que notário é que existem na atualidade?

A nós interessa-nos em particular o notariado latino, e dele falaremos com mais pormenor. 4

Mas tem que se ter em conta que nem em todos os ordenamentos jurídicos o tipo de notário
é o mesmo.

3 tipos:

1. Notariado anglo-saxónico
Referente ao 1. é aquele que existe na Grã-Bretanha e nos demais países da
Commonwealth, são particulares, profissionais livres que não são
funcionários públicos, nem oficiais públicos (não trabalhando por delegação
do estado), são profissionais liberais que não tem sequer ser formados em
direito, não tendo que ter conhecimentos jurídicos.
Qual é, portanto, a sua função?
A atuação destes notários é posterior, sobreposta, o notário é estranho ao
conteúdo do documento. Não atribui fé pública, nem autenticidade.
Na prática o que acontece é: o documento é elaborado pelos particulares,
redigindo-o onde A vende a B determinado imóvel pelo valor de x, e depois
de o ter elaborado esse documento, e o notário limita-se a reconhecer as
assinaturas das partes, a pôr a sua assinatura e selo branco e quando muito
recolher a declaração das partes, e dizer que o conteúdo do documento está
conforme a vontade das partes.
Porque é assim? É bom é mau? É assim e é adequado tendo em conta a
realidade nestes países, e serve perfeitamente os objetivos que são visados.
Os países da Commonwealth têm um ordenamento jurídico particular, sendo
ordenamentos jurídicos que assentam sobretudo no costume, nas decisões
judiciais, no precedente judiciário, que desconhecem a diferença entre
documento público e documento privado e torna-se desnecessário uma
maior intervenção do notário. Onde a prova oral tem mais importância do
que a prova escrita, sendo assim porque o sistema económico é outro, é
diferente, em questão estão economias sobretudo assentes sobre a iniciativa
privada, e onde o que se busca não é a segurança jurídica, mas a segurança
ressarcitória:
Quem celebra um contrato de compra e venda na posição de comprador, o
que pretende em países destes, não é ter a garantia, ou pelo menos não é
aquilo que o ordenamento jurídico deles oferece não é ter efetivamente a

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garantia que vai adquirir o bem, mas que, caso não adquira o bem, reaverá o
dinheiro pago, que terá de volta o seu dinheiro e uma indemnização.
Este tipo de segurança económica/ressarcitória, em vez de segurança
jurídica, é próprio de uma economia baseada na iniciativa liberal, e é próprio
de países cujo ordenamento jurídico assentam em fontes distintas do direito
relativamente a nós.
Assim, podem constatar que a atividade do notário anglo-saxónico é mais do 5

que suficiente, e o mais indicado para a sua realidade.


Em rigor, não devemos pensar que há tipos de notariados bons e tipos de
notariados maus. Depende da realidade política, jurídica e económica de cada
país.
2. Notariado administrativo
Típico de países comunistas ou socialistas (independente de como os queiram
denominar), como em Cuba.
No notariado administrativo, o notariado é um funcionário do estado, é um
funcionário público, dependente, em que existe uma hierarquia
extremamente organizada, é um elemento da sua estrutura jurídica, que está
ao serviço da infraestrutura económica. A atuação destes notários, ou dos
notários no quadro do notariado administrativo, não tem nada haver, não se
pauta pelos fins pretendidos entre as partes, isso é absolutamente irrelevante.
Nós estamos a falar de países onde o próprio ordenamento jurídico está
subordinado à opção económica, o interesse está na defesa da economia
estatal e a conveniência maior é política e estadual. Procura-se dar
concretização à legalidade e à ordem comunista. Faz sentido, portanto, que
o notário, que faz parte da supraestrutura jurídica ao serviço da infraestrutura
económica, não esteja ao serviço das partes, mas sim, ao serviço do estado,
como funcionário público e integrado numa hierarquia.
Estamos a falar de países, onde existe uma determinada organização política
e económica, onde a apropriação dos meios de produção, é praticamente
proibida. E a nível da aquisição dos meios de produção, é limitadíssima a
liberdade e autonomia privada. Tudo é comum, tudo é do estado, o solo é do
estado, não existe propriedade privada, a realidade é toda outra.
Como é evidente, nesta lógica, o que faz sentido é o notariado administrativo,
é o notariado que esteja ao serviço dos interesses do estado e não dos
interesses dos particulares.
Aqui devemos chamar atenção para o seguinte: este notário, está ao serviço
do estado, ou seja ao serviço de todo o povo. Não está ao serviço de dois
outorgantes que pretendam celebrar o contrato, mas do povo em geral.
Se é bom ou mau? É adequado para os países tem detém regime socialista ou
comunista.

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Consoante a realidade de cada país, varia o tipo de notário que se torna


necessário na sociedade.

(3. Notariado Latino)

Natureza da função notarial nos sistemas de Notariado Latino


6
Por fim o notariado latino.

3. Notariado latino:
É o tipo de notariado que existe na generalidade dos países a nível mundial,
é próprio de países com economia de mercado, com ordenamento jurídico
de raíz romano-germânica, onde a lei escrita, é a fonte básica do direito, e
onde os tribunais se limitam a interpretar direito, não a criar direito.
Nestes países de economia de mercado, assente não só na iniciativa privada,
mas também, com a intervenção do estado, faz sentido outro tipo de notário:
um notário que não seja administrativo, nem anglo-saxónico, e surge assim o
notário latino.
Este tipo é o que existe entre nós, em Espanha, no Brasil, na generalidade da
Europa e na maioria do mundo.
Que tipo de atividade é desenvolvida?
Desde logo é um jurista, e tem como função receber, recolher a vontade das
partes, interpretar essa vontade, e dar-lhe forma legal: conformando a forma
legal ao direito, dando forma ao documento.
O notário é aquele que redige o documento sempre que a lei obriga a uma
determinada forma especial.
O documento regido pelo notário, tem especial força provatória e especial
força no âmbito do processo de execução.
No âmbito da força provatória, basta ler o artigo 371.º e 372.º do CC.
No notário latino nem temos o profissional liberal e independente que
encontramos no notário anglo-saxónico, nem temos o funcionário público
que encontramos no notário administrativo: o notário latino é alguém que
atua por delegação do estado, mas não é um funcionário público, é um oficial
público: atua exercendo poderes que competiam ao estado, é o estado que
concede o título de notário, é o notário que atribui licenças para serem criados
cartórios notariais e que depois procede ao controlo da sua atividade (do
ponto de vista disciplinar).
Temos uma entidade que é oficial público, não sendo um funcionário
público, mas que exerce uma função delegada pelo estado ao serviço das
partes, dos interessados e que têm que ser um jurista que possa servir os
interesses das partes.
A atividade do notário latino, é uma atividade que garante segurança.

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Que tipo de segurança?


NOTA:
Documento público VS documento particular
Documento autêntico VS documento autenticado

A atividade notarial assegura que sejam produzidos documentos


autênticos, com especial força provatória, com especial força executiva.
7

1. Segurança documental: o notário vai redigir o documento por


delegação do estado e, portanto, esse documento vai ter fé pública, é
dotado de autenticidade, e por isso mesmo passa a ser uma prova pré-
constituída, que tem valor no âmbito processual, na ação executiva, e no
mercado em geral.
Desta forma, a primeira segurança que é concedida ao notário latino é a
segurança documental.
2. Segurança substancial, de legalidade: isto porque o notário não vai
reduzir a escrito tudo aquilo que as partes querem, nem tudo aquilo que
as partes dizem, apenas redigirá/outorgará documentos em
conformidade com a lei, existindo, portanto, também essa segurança do
ponto de vista substancial.

Apesar de ser dada muita importância a esta segurança documental, dos notários criarem
documentos com especial força provatória, com especial força executiva, porque se têm
delegação do poder do estado…. Este aspeto documental, na perspetiva da doutora não é o
mais relevante.

Quem recorre ao notário, não recorre para obter um documento, ou uma prova pré-
constituída, ou pensando que assim é melhor para evitar um conflito futuro, recorre ao
notário:

Exemplo: numa compra de uma casa, não nos viramos para o vendedor a dizer: é melhor nós irmos ao
notário, não só porque a lei o impõe, mas também porque eu quero ficar com um documento de que comprei
a casa! E pretendo isso porque pretendo ficar com uma prova pré-constituída, para que, se o senhor negar que
me vendeu, eu tenho aqui o documento de forma a evitar futuros problemas!

Isto não é o que passa pela cabeça das pessoas quando recorrem ao notário!

Quando as pessoas recorrem ao notário, o que pretendem é atingir o resultado que


pretendem efetivamente, ou seja, quando um comprador dirige-se ao notário para se tornar
proprietário da casa, de preferência livre de ónus e encargos, que não esteja a ser possuída
por terceiros… as pessoas recorrem ao notário para obter aquilo que pretendem.

De nada servirá às partes terem um documento comprovativo se não conseguirem atingir o


fim que foi visado, que pretendem ao celebrar o negócio.

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A atividade dos notários não é apenas e só dar forma ao negócio, e garantir que o negócio
esteja conforme à lei.

O notário tem claramente uma ação assessora, formativa das partes.

O notário é a pessoa que vai esclarecer as partes do que querem, porque a ideia de que todos
sabem o que querem quando recorrem ao notário é manifestamente falsa.
8
Muitas vezes as partes não têm consciência das consequências práticas, económicas,
patrimoniais, entre outras, que o ato virá a ter. É suposto interpretar a vontade das partes,
recolher, adequa-la à lei, e reduzir a escrito, MAS É SUPOSTO TAMBÉM dar informações
às partes, das consequências jurídicas, patrimoniais… para assim assegurar se é o que as
partes querem.

Exemplo 1:

Suponham que A pretende fazer uma doação a um filho, e não quere avantajar esse filho perante os demais,
quer apenas fazer uma antecipação do valor que viria a receber no momento da sua morte.

Primeira pergunta que o notário deve fazer: pretende avantajar este filho, ou manter a mesma situação entre
os demais?

Se o notário não fizer esta pergunta, o que vai acontecer é que esta doação, de acordo com o regime supletivo
(a aprender no direito das sucessões), ficará sujeito à COLAÇÃO1: Ou seja: na hora da morte, o filho terá
que restituir à massa da herança o valor, e, portanto, não ficará avantajado, perante os demais.

Na verdade, o que a lei garante, com este regime supletivo, é que seja feita a igualação possível de igualar
todos os filhos, se assim não for, não se faz a igualação possível.

Daí a necessidade da pergunta, porque a pessoa pode querer avantajar esse filho. Nesse caso têm que ser feita
uma doação não sujeita ao regime da colação.

Noutra situação, se numa fase posterior pretender que os filhos fiquem com uma igualação absoluta, têm que
doar sobre o regime da colação absoluta.

Se assim não for podendo haver pequenas disparidades, e se a pessoa se conformar com o regime supletivo,
ficará sujeito ao regime da colação previsto no CCiv.

Exemplo 2:

Pessoa B, dirige-se ao notário para fazer uma doação a favor de um filho, pretendendo avantaja-lo, e o
funcionário não lhe perguntou, e fez uma doação, sem nada dizer sobre isso, aquele filho não vai ficar
avantajado.

Há hora da morte, vai ter que restituir os bens à massa da herança. Mas não era essa a vontade que a pessoa
tinha! Mas ninguém é obrigado a saber do regime supletivo de colação.

1Cadeira de Direito Patrimonial da Família e Sucessões: Consultar livro do Dr F. M. Pereira Coelho do


Direito das Sucessões – Capítulo X – Partilha da Herança, ponto 91.

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Exemplo 3:

O notário esclareceu, e o objeto da doação era um terreno para o filho vir a construir uma casa, que seria
construída com o dinheiro que viesse a ser emprestado, através de um contrato de mútuo por um banco.

Se for introduzida a nota de que a doação está sujeita à colação absoluta, precisamente porque tem que haver
uma igualação total à hora da morte, essa nota da colação absoluta vai ter que ser registada. Pois
eventualmente vai ter que se devolver o bem à massa da herança para todos ficarem iguais. Porque assim é, 9

normalmente os bens não emprestam dinheiro nessa situação.

Nesse caso a doação de um terreno para construir uma casa, perderia toda a sua qualidade.

Dessa forma o notário deverá questionar para que serve o terreno, qual a intenção, para que pretende doar o
terreno.

Esta função assessora, formativa, de proporcionar informação jurídica, tem têm que ter, e
desta forma o notário está ali para dar essas informações.

Por outro lado, existe outro caso para dar conta/demonstrar que as partes nem sempre
sabem aquilo que pretendem.
9 DE MARÇO – PARTE 2

Exemplo 4:

Relativamente à função formativa e assessora que o notário têm que ter junto das partes.

Boa parte da população, quando herda um imóvel e não é o único herdeiro, fica com o terreno e em regra
divide materialmente o terreno com os demais herdeiros.

Suponham que em causa estão 2 irmãos que herdaram um prédio rústico, onde o dividem e um fica com o
lado norte e o outro fica com o lado sul.

No dia em que um deles decide vender, em regra, considera que vai alienar a parte certa e determinada do
terreno, não tendo ideia do que é compropriedade de um terreno, na maioria das vezes já exerceu posse pacífica
em via pública à mais de 20 anos sob aquela parte concreta do terreno, sendo para a pessoa uma coisa
autónoma.

Se pretender alienar essa parte certa e determinada não o pode fazer, sem que previamente separe/autonomize
essa parte do restante, e colocando fim a essa situação de compropriedade, colocando uma ação de divisão de
coisa comum, ou por acordo com o irmão.

Se quiser alienar essa parte do imóvel não vai conseguir, pois não é proprietário do lado norte ou sul.

Compete ao notário informar ao proprietário que aquilo que vai vender é a compropriedade, ou seja a cota
parte do dto de propriedade, que só poderá fazer isso se previamente informar o outro comproprietário e
esclarecer o possível adquirente que vai adquirir uma cota parte do terreno e não uma parte em concreto do
terreno.

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Isto em concreto os particulares em geral não sabem, não sabem como é o regime da compropriedade, não
sabem a diferença de estarem como comproprietário ou como proprietário.

É preciso dar esta informação, e é necessário ter em causa que aquele que vende sabe muito mais do que aquele
que compra.

Exemplo 5:
10
Quem vende um carro sabe o que está a vender, quantos quilómetros tem, se já bateu, senão bateu, e sabe do
ponto de vista jurídico coisas que o comprador pode não saber e compete ao notário eliminar aspetos, dentro
do possível, das suas competências esta assimetria de informação.

Portanto, para além da estabilidade documental, segurança substancial, é suposto este papel
assertivo e assessor.

O notário exerce estas atividades de forma imparcial, independente.

O notário não detém clientes, as partes estão perante si em igual posição, não pretendendo
satisfazer os interesses individuais das partes, mas os comuns.

Em TGDC, foi esclarecido que num contrato existem duas declarações de vontade opostas,
mas convergentes.

O notário não está ao serviço de nenhuma das partes, mas de ambas para atingirem o objetivo
convergente, daí o notário ter que ser imparcial.

Da mesma forma que um advogado tem que ser num divórcio por mútuo consentimento,
estando ao serviço de ambos.

Todas estas funções que são exercidas pelo notário latino:

1. Receber a vontade das partes,


2. Interpretar a vontade das partes,
3. Assessorar as partes,
4. Conformar a vontade que detetou das partes em conformidade com a lei,
5. Dar forma ao negócio jurídico.

São todas atribuições do notário latino.

Notário que se apresenta como oficial público, mas também jurista ao serviço das relações
jurídico privadas.

Atua como oficial público, porque atua por delegação do estado, que é quem lhe atribui o
título de notário, que é quem lhe atribui a licença para montar o cartório notarial, e é o estado
que também controla o exercício da actividade do ponto de vista disciplinar, através do
conselho do notariado (ordem do notariado).

Detém a vertente de oficial público, detendo autoridade para fazer documentos com uma
determinada força provatória e executiva, onde o notário tem o dever de guarda/arquivar,

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porque esses não são seus, são do público, sendo um serviço claramente público, e nessa
medida é um funcionário público.

O arquivo que existe no cartório notarial é público, não é do notário.

O notário é também o jurista ao serviço das relações jurídico privadas, se vai dar forma ao
contrato de compra e venda, se vai garantir que do ponto de vista substancial vai garantir
que o tal contrato de compra e venda está conforme a lei, se só o vai redigir se corresponder 11

à vontade das partes, falo-a de acordo com as partes, sendo um profissional liberal.

É esta ambivalência que conduz que o conceito de notário latino seja original, residindo
precisamente na ambivalência da sua função, pública por um lado, jurídico privada por outro.

É a exercer este tipo de funções que evita conflitos, sendo um a consequência natural do
exercício da atividade notarial.

“cartório notarial fechado, porta do tribunal aberta”

Agora depois de sabermos que tipo de notariado existe, e sabemos que nos nossos notários
são notários latinos.

Breve referência histórica à atividade notarial desenvolvida em


Portugal

• A atividade notarial em Portugal remonta a data anterior ao século XXII e,


portanto, em data anterior à fundação de Portugal (1143), existindo
documentos que comprovam a existência de atividade notarial antes dessa data, e
foram descobertos em ponto de curiosidade na igreja e Sta Cruz e no Lorvão. A
atividade notarial já era exercida por quem escrevia, como o notário como mero
redator dotado de fé publica, e posteriormente de fé pública qualificada.
A maioria das pessoas que sabia escrever e praticava esta profissão era do clero, daí
os documentos serem encontrados no mosteiro de Sta Cruz ou no mosteiro do
Lorvão.
O clero era uma classe social instruída, que sabia escrever, que via na escrita, como
um dom de deus, colocando ao serviço daqueles que não sabiam escrever.
Ao contrário dos documentos de hoje, os dessa época, começavam dizendo,
“Perante Deus” e no fim, como eram notados de fé pública, dizima que tal era a
vontade das partes que prometiam cumprir, e que assim não fosse que poderiam
ficar cegos, apanhar lepra …. Toda uma outra realidade.

• Depois dos primeiros tempos da Nacionalidade Portuguesa (1143), depois da


fundação do país, não havia normas a regular tal atividade, algo perfeitamente
compreensível, onde a grande preocupação do país era a defesa contra Leão e
Castela e contra os mouros.

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• No entanto, já existem ou já se encontram algumas regras que disciplinam a notas


dos notários, designados Tabeliães, em documentos de D.Afonso III.

Não eram normas disciplinadoras apenas dos notários, mas também de quem
exercia a atividade notarial.
12

• É com D.Dinis que surgem as primeiras notas explicitando/especificamente


dirigidas à atividade dos tabeliães. Em 1305, foram redigidos os primeiros artigos
dirigidos ao tabelionado, criando uma tabela de emolumentos (preços para os atos),
criou uma disciplina para o ofício, obrigou a criação de livros para guardar as notas
em papel, onde constassem os atos praticados.

• Com D. Afonso IV, em 1340, ficam previstos os cartórios/tipos de instalações


onde podiam ser praticada a atividade (casas do notários), e o clero fica impedido
de exercer a profissão, ficou claro que o rei queria chamar a si esta atividade. Como
se recordam do ponto de vista histórico, tínhamos o Rei, o Clero, a Nobreza e o
Povo, e quem sabia escrever? Não o Povo. O rei pretendia deixar bem claro que
esta atividade era uma manifestação de ius imperi, de poder, que ele delegava, e
delegava a quem queria, por isso excluiu o clero.

É interessante verificar como se assegurava o cumprimento desta exigência, não


sendo membro do clero: tinha que ser homem casado, se enviuvasse, tinha que
casar no prazo de um ano, tinha que usar corres chamativas no dia-a-dia, deixando
bem claro que o clero não podia exercer.

NOTA: é importante terem bem presente que a partir de 1340, o Rei chamou a si este
tipo de atividade, e ele que podia delegar a atividade e não queria delegar no clero.

• Com D. Fernando, surgem vários preceitos relativos ao exercício da atividade, e a


partir daqui, a LEI D. FERNANDO- 1379, passou a haver uma regulação mais
minuciosa, de seguida a atividade passou a ser regulada pelas Ordenações Afonsinas
e pelas ordenações Filipinas.

Com tudo isto podemos constatar que a Coroa Portuguesa pretendeu colocar o
notariado na sua dependência. Os monarcas regularam o ofício de tabelião como
exclusivamente público, como parte integrante da afirmação do poder do reino, sob
os poderes do clero. O notário era um funcionário público funcionalizado, que agia
em nome do Rei e munido da autoridade do Rei.

Portanto a função notarial era publica, intrinsecamente desligada e acima dos interesses
privados, porque o interesse dominante era o ius imperi.

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• Depois dando um salto em termos temporais cabe fazer referência à Primeira Lei
Orgânica do Notariado Português, publicada em 1899, onde houve uma
reorganização do notariado público:
o os notários passaram a ser magistrados de jurisdição voluntária e foi
determinado que só podiam ser nomeados entre bacharéis formados em
Direito, ou pessoas diplomadas com o curso superior de notariado. Nunca
chegou a haver o curso de Notariado. 13

o A atividade notarial era controlada pelo Conselho Superior do


Notariado (como atualmente é controlado pelo mesmo na parte
disciplinar), revelava alguma autonomia porque era composto por notários
e juízes, sendo a própria classe que se regulava. A este conselho
correspondia determinar o número de notários necessários, a sua criação,
determinar a substituição, garantir a nomeação definitiva, recolher erros de
ofício, prepor ao governo reformas e emitir pareceres. Este conselho
detinha as funções que correspondem atualmente ao mesmo concelho e à
Ordem dos Notários.

• Em 1900, com o Decreto de 14 de setembro de 1900, existe uma alteração na


organização do Conselho.

• Posteriormente foi dissolvido em 1910, com o Decreto de 24 de Outubro de 1910,


voltou a ser restabelecido com o Decreto 4.170, de 26 de abril de 1918, em 1919,
com o decreto 5.625 de 10 de maio de 1919, o Conselho superior do Notariado
passou a ter uma nova composição, em 1926 extinguido definitivamente, passando
a ser denominado de Conselho Superior Judiciário (perdendo autonomia para outra
classe).

• A funcionalização e a colocação dos notários como funcionários públicos,


acaba por ocorrer na altura do ESTADO NOVO, em 1949.

Acaba por fazer sentido, pois tal como num país comunista, numa ditadura de
direita, também fazia sentido, os funcionários públicos incluíssem os notários,
estando ao serviço dos interesses do estado.
Mas não foi por isso que ocorreu esta funcionalização, foi para o bem dos notários,
e para o bem da população em geral. A ideia foi esta: garantir aos notários um valor
mensal fixo e certo.
Em 1949, Portugal era um país fechado, com pouco tráfego jurídico, com o nível
de negócios muito reduzido. E como considerava esta função muito importante,
tornou-os funcionários públicos, para a atividade poder continuar a existir.
Pois tinha que haver notários nos variados conselhos ao longo do país.

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Os notários que eram notários latinos e desenvolviam essas funções, continuaram a


exercer a sua função do mesmo modo: como oficiais públicos e juristas ao serviço
dos interesses dos particulares. Tentando satisfazer os interesses de quem os
procurava.
Já depois de se tornarem funcionários públicos, ingressaram numa ordem
internacional dos notários, sempre atuaram como notários latino, nunca como
notários administrativos. 14

Assim o foi até ao 25 de Abril, e depois até 2004 (exercendo sempre funções como
notário latino)

• Na década de 80/90/2000, a atividade notarial começou a crescer muito. Mas


existia um investimento muito baixo nos cartórios notariais, na formação dos
notários, e começou a verificar-se que os notários não estavam a conseguir dar
resposta ao mercado.
Portanto aquilo que levou a FUNCIONALIZAÇÃO dos notários foi a falta de
trabalho, MAS anos passados, em 2000 a atividade cresceu exponencialmente.
A funcionalização tinha custos, e o rendimento do cartório pertencia ao estado, e
os funcionários tinham sempre o mesmo ordenado, não havendo investimento no
cartório, não podendo contratar novos funcionários, não se informatizou, os
cartórios não tinham internet, não tinham computadores, não era dada formação
aos notários nem aos funcionários.
Até 2004 notários e conservadores eram funcionário públicos, mas a partir de 2004
surgiu um diploma, onde os notários deixaram de ser funcionários públicos,
existindo a DESFUNCIONARIZAÇÃO DO NOTARIADO, habitualmente
como privatização (não sendo a forma mais correta, pois os notários também não
passaram a ser privados).

AULA 16 DE MARÇO DE 2021

SUMÁRIO:

Continuação da Última Aula


Desfuncionarização
Desformalização

16 DE MARÇO – PARTE 3

Continuação da Última Aula

Houve tentativas de desfuncionarização:2

2 Antes da Desfuncionalização de 2004

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• Em 1995, no governo do PSD, cujo primeiro-ministro era o Dr. Cavaco Silva, foi
apresentada uma proposta de desfuncionarização, que não procedeu porque foi
vetada pelo Presidente da República, Mário Soares;

• Em 2000, no governo do PS, houve uma nova tentativa de desfuncionarização, por


iniciativa do ministro Vera Jardim, que também não foi levada a bom termo, agora 15

com a oposição do PSD e do PCP. Nesse ano, o PS deixou claro que não tentaria
mais a desfuncionarização da atividade notarial e introduziu no seu plano político a
futura desformalização, que em verdade não se pode dizer que é uma ausência de
forma, o que se pretendia era atribuir funções que eram exclusivamente dos notários
a outras entidades;
P. ex., em 2000, as juntas de freguesia, os CTT, as câmaras de comércio e indústria, os advogados
e solicitadores passaram a ter competência para extrair fotocópias originais que lhes fossem presentes,
que era competência dos notários; e também em 2000, foi dispensada escritura pública em matéria
de registo comercial e demais atos relativos a sociedades comerciais. No entanto, o grosso da atividade
notarial pertencia aos notários.

• Em 2003, apareceu:

➢ Por um lado, a proposta do PS que elaborou um projeto de Lei de Bases da


Reforma do Serviço Público de Registo e do Notariado. Esse projeto dava expressão
à vontade que tinha sido revelada pelo PS de desformalizar.
Nesse projeto estava previsto, p. ex., que:
‣ A atividade notarial passaria a ser exercida em regime de profissão liberal;
‣ Terminaria o numerus clausus de notários;
‣ Deixaria de existir delimitação territorial, ou seja, os notários não teriam uma área de jurisdição territorial
onde atuar;
‣ Deixaria de haver tabelamentos nos honorários ou honorários tabelados;
‣ Abolir-se-ia a escritura pública como condição de validade de qualquer ato;
‣ Deixava-se nas mãos dos particulares a opção de recorrerem ao notário ou a outro profissional.
Surgiram imensas críticas a este projeto. Em alternativa, o PSD faz uma proposta de
desfuncionarização.

➢ Por outro lado, a proposta do PSD (governo da altura) que queria


desfuncionarização. Cumpre salientar deste diploma:

1) Manutenção do numerus clausus - era e é uma forma de controlo da qualidade de quem é


notário;
2) Manutenção da delimitação territorial, ou seja, os notários têm uma área de circunscrição
em que podem trabalhar. Note-se os notários! As partes podem ir onde pretenderem;

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3) O Governo era o responsável por fixar o número de notários e a sua localização,


garantindo assim que em cada município existisse sempre um notário;
4) Previu-se o exercício em exclusivo da atividade notarial, ou seja, os notários são apenas e
só notários, não exercem outra atividade e exercem essa atividade cumprindo o princípio da
legalidade, da autonomia, da imparcialidade e da liberdade de escolha do notário;
5) Uso de selo branco, enquanto símbolo da fé pública delegada, que só pode ser fabricado 16
pela Imprensa Nacional da Casa da Moeda;
6) Previsão do regime de substituição dos notários;
7) Tabela de retribuição pela prática de atos notariais, aprovada pelo Ministério da Justiça;
8) Previsão de uma remuneração mínima, que era assegurada pelo Fundo de Compensação
- se os notários não conseguissem atingir um determinado valor, receberiam a diferença do
fundo de compensação.3
9) Os notários, ajudantes, escriturários dos cartórios antes públicos que não pretendessem
aderir à desfuncionarização não o tinham de fazer, poderiam continuar como funcionários
públicos, mas agora nas conservatórias, passando a ser conservadores.
Isto só foi possível porque para ser notário ou conservador, antes desta reforma, era suposto
frequentar-se o curso universitário do registo e do notariado que era um curso comum para
os notários e conservadores, que só no final faziam a escolha para a atividade que pretendiam
desenvolver.

• A proposta do PSD acabou por ser a proposta aprovada, em 2004, através do


Decreto-Lei n.º 26/2004 - que veio reformar o sistema dos notários e
desfuncionarizá-los, permitindo-lhes trabalhar efetivamente como notários latinos
que eram e que sempre foram, sem estarem na dependência de receber o ordenado
do Estado.

Não se deve falar de privatização do notariado porque os notários não se tornados


privados em geral, exercendo um função livre, eles têm a tal dimensão de jurista ao
serviço das relações jurídico-particulares e a dimensão de oficial público.

• Em fevereiro de 2005, os primeiros notários desfuncionarizados tomarem posse,


investindo no seu cartório (escolhendo a instalação, contratando funcionários,
comprando computadores e internet, etc.), com o intuito de ir exercer a atividade
como sempre exerceram e ir praticar os atos com a exclusividade que sempre tiveram,
com exceção daqueles que já tinham sido atribuídos a outras entidades. A atividade
notarial sofreu uma enorme mudança.
Cerca de 600 notários, funcionários e ajudantes deixaram de ser funcionários
públicos e aderiram à privatização, outros tantos (cerca de 600 pessoas) foram

3Os primeiros notários desfuncionarizados, tomaram posse em início de 2005. É claro que os primeiros já
eram notários que eram funcionários públicos que o deixaram de ser.

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contratados no mercado, muitos deles desempregados ou licenciados em direito sem


ocupação compatível com a sua formação académica. Na verdade, se tivermos
presente a situação que existia antes da desfuncionarização e àquela que passou a
existir pois privatização, não há como negar que a desfuncionarização foi um sucesso.
Portugal tinha 394 cartórios públicos para 10 milhões de pessoas, enquanto Madrid
tinha 340 cartórios que tinha 3 milhões de pessoas.
17

• Acontece, porém, que, em julho de 2005, nem 6 meses passados sobre a tomada de
posse dos primeiros notários desfuncionarizados, começaram a surgir uma série de
diplomas a atribuir a competência dos notários a advogados, solicitadores, câmaras
de comércio e indústria, e conservadores - o denominado movimento de
desmantelamento da profissão de notário.
Portanto, os notários viram a sua área de atividade de competência exclusiva
praticamente esvaziada. São exemplos de alguns desses diplomas:

• O Decreto-Lei n.º 111/2005, de 8 de julho, através do qual foi criada a figura da Empresa
na Hora perante as Conservatória do Registo Comercial e nos seus postos de atendimento
localizados nos Centros de Formalidades de Empresas. Assim, os interessados na
constituição de uma sociedade comercial ou civil sob forma comercial, podem, em geral,
desde que optem por um pacto ou ato constitutivo de modelo aprovado pelo Instituto dos
Registos e do Notariado, constituir uma sociedade e registá-la em ato imediato;
• O Decreto-Lei n.º 76-A/2006, que aboliu a obrigatoriedade de escritura pública num
vasto leque de atos respeitantes a sociedades (escrituração mercantil e modificação do regime
de fusão e cisão);
• O Decreto-Lei 263.º-A/2007, de 23 de julho, através do qual foi criado um procedimento
especial de transmissão, oneração e registo imediato de prédio urbano, da competência do
serviço de Registo Predial da área da situação do prédio: o procedimento Casa Pronta.
• O Decreto-Lei n.º 40/2007, de 24 de agosto, através do qual foi criado o balcão da
Associação na Hora em que os interessados, se podem deslocar a um balcão denominado
Associação na Hora e, desde que escolham um modelo de estatutos previamente aprovado,
no mesmo ato, conseguem constituir a associação que é imediatamente publicitada.
• O Decreto-Lei n.º 234/2007, de 28 de setembro, através do qual passou a ser possível
aos herdeiros habilitarem-se a uma herança, partilhar os bens e registar aqueles sujeitos a
registo, também em regime de Balcão Único: o Balcão das Heranças. Também criou o Balcão
Divórcio com Partilha, no qual os interessados podem fazer de imediato a partilha do
património comum, efetuar o registo dos bens sujeitos a registo que sejam partilhados e
proceder ao cumprimento das obrigações fiscais associadas, em atendimento presencial
único;
• O Decreto-lei n.º 116/2008, de 4 de julho, foram alterados vários preceitos do Código
Civil, no sentido de dispensar a escritura pública e passar a permitir a formalização da
generalidade dos contratos que têm por objeto bens imóveis por mero documento
particular autenticado.

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O resultado foi de os notários, que até 2005 tinham praticamente uma competência exclusiva
para praticar uma generalidade destes atos e depois de terem feito o investimento, (comprado
cartórios, adquirido computadores, empregado funcionários) subitamente passaram a ser um
de entre os vários sujeitos a poder praticar esses atos.
A par dos sujeitos já mencionados que passaram a poder praticar a generalidade dos atos
que os notários antes detinham exclusivamente, ainda surgem os denominados balcões (o
balcão de partilhas, por morte ou divórcio; o balcão de heranças para habilitar herdeiros; o 18

balcão da casa pronta, onde se faz todo o tipo de negócio que tenha objeto constituição ou
transmissão de direitos reais e outros balcões).
• Os notários, neste momento, têm na sua competência exclusiva, apenas e só:

➢ Testamentos;
➢ Procurações irrevogáveis;
➢ Certificação de atos que tenham presenciado.

Então, face a tudo isto, além da atividade ter sido desfuncionarizada, porque ainda foi
desformalizada? Com atribuição de competências a advogados, solicitadores, câmaras de
comércio e indústrias de forma a autenticarem documentos, e terem o mesmo valor de uma
escritura pública? Porque isto aconteceu?

Na perspetiva da DOUTORA MÓNICA JARDIM, mesmo tendo sido a atividade


desfuncionarizada ainda assim se deu a desformalização porque, em 2005, tinha voltado ao
governo o PS, que já tinha anunciado, em 2000, que tinha desistido da desfuncionarização e
que dali em diante se debatia pela desformalização. Isso estava no programa político,
implementando as medidas que tinha no seu programa. Em todo o caso, o Estado não foi
pessoa de boa-fé perante os notários. Eles tinham acabado de aderir à desfuncionarização e
tinham feito investimento enorme, estavam a contar com uma determinada realidade, para
depois ainda se criaram os balcões nas conservatórias e passaram a praticar os funcionários
públicos os atos que até então eram dos notários.

Este aspeto, explica-se, crê a DOUTORA MÓNICA JARDIM, da seguinte forma. Quando
os notários eram funcionários públicos, boa parte do rendimento dos cartórios era para o
Estado, que depois não reinvestia nos cartórios, porque utilizava esse dinheiro sobretudo
para sustentar o sistema judiciário e o sistema prisional. Quando ocorreu a
desfuncionarização, os notários obviamente continuaram a entregar o dinheiro ao Estado,
mas agora na forma de impostos. Só que esse dinheiro já não ia diretamente para o Ministério
da Justiça, mas sim para o Ministério das Finanças. Logo, a Justiça perdeu o valor provindo
da atividade notarial.

Pelo que se pensou que se teria de reaver esse valor diretamente para o Ministério da Justiça,
atribuindo competência às conservatórias para atos que antes eram só dos notários. Tal foi

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conseguido, além de ser estabelecido em diploma legal, porque alguma parte dos notários,
funcionários e escriturários não aderiram à desfuncionarização e continuaram como
funcionários públicos nas conservatórias, portanto havia como exercer nas conservatórias
essa atividade, pois tinham nas conservatórias funcionários capazes de exercer tais funções.

Pode, assim, dizer-se que o Estado voltou a funcionarizar a atividade, porque chamou a
atividade que era dos notários para dentro das conservatórias.
19
Posto isto, neste momento, os atos que os notários antes praticavam em
exclusividade
passaram a poder ser praticados ou nas conservatórias nos referidos balcões ou por
advogados, solicitadores e câmaras de comércio e indústria.
Com as seguintes incongruências:

➢ Todas as profissões jurídicas supõem uma formação específica, mas aparentemente


a atividade notarial não porque qualquer um a pode fazer;
➢ Enquanto os notários só podem exercer a atividade notarial, advogados e
solicitadores podem exercer a atividade de advogado ou solicitador + a prática de
atos notariais;
➢ A atividade notarial é controlada, do ponto de vista disciplinar, pelo Conselho do
Notariado, a atividade notarial dos advogados e solicitadores é controlada pelas
respetivas Ordens.
➢ Quanto às conservatórias, estas têm pessoas competentes para praticar estes atos,
mas a concorrência que fazem aos notários é desleal:
o O notário tem uma tabela de emolumentos à qual acresce o IVA, enquanto
as conservatórias não cobram IVA. Portanto, os valores que se pagam na
conservatória ou balcão são mais baixos do que aqueles que paga junto de
um notário;
o A escritura que é feita no notário, tem de ser enviada a registo que é feito na
conservatória, pelo que o notário é um dos obrigados a solicitar o registo,
mas aí temos duas entidades a atuar: o notário que titula e o conservador que
regista, em momentos diferentes. Ao invés, tudo pode ser feito no mesmo
momento na conservatória, sendo tudo mais célere e mais barato.

AULA 23 DE MARÇO DE 2021

SUMÁRIO:

O estatuto do notariado Português


Natureza da função notarial
Escrituras Públicas, termos de autenticação e reconhecimentos
Alguns atos notariais sujeitos a registo predial
Hipoteca
Hipoteca: Maxime e convencional

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23 DE MARÇO – PARTE 1

O Estatuto do Notariado Português


Do artigo 1.º/1 do CN nos termos do qual que a função notarial destina-se a dar forma legal
e conferir fé pública aos atos jurídicos extrajudiciais — o que resume o que se disse a
propósito da função do notário latino e do seu papel na sociedade e do facto de se traduzir 20

numa figura ambivalente por ter uma função ambivalente — e do n.º 2 resulta que para
efeitos do disposto no número anterior, pode o notário prestar assessoria às partes na
expressão da sua vontade negocial.

Este artigo 1ª resume a função do notário latino e a sua função na sociedade, e o facto de ser
uma atividade ambivalente.

O artigo 2.º do CN fala dos órgãos próprios da função jurisdicional: o notário, apesar de,
neste momento, não é apenas o notário que pratica a atividade notarial, também os
solicitadores, os advogados, as câmaras de comércio e indústria, os oficiais do registo e os
balcões.

O artigo 3.º do CN fala dos órgãos especiais que podem desenvolver a atividade notarial,
nomeadamente os agentes consulares portugueses (n.º1/a), os notários privativos das
câmaras municipais e da Caixa Geral de Depósitos recrutados, de preferência, de entre os
notários de carreira (n.º1/b), os comandantes das unidades ou forças militares, dos navios e
aeronaves e das unidades de campanha, nos termos das disposições legais aplicáveis (n.º1/c)
e as entidades a quem a lei atribua, em relação a certos atos, a competência dos notários
(n.º1/d), bem como, em caso de calamidade pública, podem desempenhar todos os atos da
competência notarial quaisquer juízes ou sacerdotes e, bem assim, qualquer notário,
independentemente da área de jurisdição do respetivo serviço (n.º2).

O artigo 4.º do CN refere quais as competências dos notários, das quais importa conservar
os documentos que por lei devam ficar no arquivo notarial e os que lhe forem confiados com
esse fim (n.º 2/m) — em cada cartório notarial há um arquivo que é público, não pertence
ao notário.

Na aula passada também falamos da importância do notário, da apreensão da vontade das


partes, da interpretação da vontade das partes e ao mesmo tempo só o fazer depois de
esclarecer todas as competências que desse ato pode decorrer.

O artigo 5.º e 6.º do CN referem-se aos casos de impedimentos.

Estes são os artigos mais importantes de rever a propósito da aula anterior.

Tipos de documentos
(não será questionado em prova escrita ou oral)

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Desta forma, cabe por esclarecer o que se entende por documento (em sentido amplo): de
acordo com o artigo 362.º do CC, é qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir
ou representar uma pessoa, coisa ou facto.

Como é evidente, de entre os vários documentos, assume relevância o documento escrito,


uma vez que se trata do documento mais importante em termos de prova dos direitos das
pessoas e é aquele que é visado pela atividade notarial.
21

Quanto às espécies de documentos, de acordo com o artigo 363.º do CC, os documentos


escritos podem ser autênticos ou particulares. Com mais detalhe, aparece esta distinção no
artigo 35.º/1 do CN4, segundo o qual os documentos lavrados pelo notário podem ser:

1. Autênticos:
a. De acordo com o artigo 363.º/2 do CC, são autênticos os documentos
exarados com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites
da sua competência.
b. De acordo com o artigo 35.º/2 do CN, são autênticos os documentos que
são exarados, escritos, redigidos e elaborados pelo notário nos respetivos
livros ou instrumentos avulsos tal como os certificados (artigo 161.º e ss. do
CN), as certidões (artigo 164.º e ss. do CN) e outros documentos análogos
por eles expedidos.

Autêntico é, p. ex., a escritura pública, o testamento, certidão elaborada pelo


notário (é um documento que se traduz numa cópia autenticada de
documentos que constem no cartório), uma pública forma (é a mesma coisa,
mas de documentos que não constem do arquivo do cartório).

O documento notarial é o documento autêntico, ou seja, verdadeiro, dotado


de veracidade plena, dotado de fé pública, salvo se judicialmente for provada
a sua falsidade.

O notário é um jurista ao serviço das relações jurídico-privadas, mas, ao


mesmo tempo, é um oficial público que recebe uma delegação da autoridade
pública para redigir documentos dotado de fé pública. Como oficial público
exerce uma função pública documental ou de autenticação, função dirigida
ao documento na sua expressão externa de autenticidade dos factos ou
declaração de vontade do ato ou da relação jurídica.

2. Autenticados: De acordo com o artigo 35.º/3 do CN, são os documentos


particulares confirmados pelas partes perante o notário (advogado, solicitador,
câmaras de comércio ou industria, etc.). As partes redigem o documento particular e

4 Saliento a importância de rever o artigo 35 e 36 do CN

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apresentam-se perante o notário, confirmando o conteúdo daquele documento,


dando conta de que está conforme à sua vontade.

3. Com reconhecimento notarial/termos de reconhecimento: De acordo com o


artigo 35.º/4 do CN, são os documentos particulares, cuja letra e a assinatura ou
apenas a assinatura ou menções especiais que se mostrem reconhecidas pelo notário.
22
Começando pelos documentos autênticos, apenas podem ser redigidos pelos notários
(escrituras públicas), mas a partir do momento em que o governo deixou de exigir a forma
legal do documento apenas escritura pública e passou a equiparar o documento particular
autenticado à escritura pública, estes atos podem não ser praticados apenas pelos notários,
mas também pelas outras entidades como advogados e solicitadores.

Em relação a estes 3 tipos de documentos, que podem não ser feitos pelo notário, temos que
ter em conta alguns artigos do código do notariado, designadamente:

Os documentos devem obedecer a um conjunto de regras a quando da escrita dos atos,

p. ex.:

• Artigo 38.º (não deve ficar nenhum suporte cópia do testamento);

• Artigo 39.º (deve usar tinta preta, conferindo inalterabilidade e duração à escrita);

• Artigo 40.º (dizeres por extenso, a não ser n.º 3);

• Artigo 41.º (palavras ressalvadas: emendadas, escritas sobre rasuras ou entrelinhas);

• Artigo 42.º (não se deve constar reprodução de preceitos legais, porque o notário já deu
cumprimento aos ditos preceitos, tanto assim é que no n.º 3 se diz que a mera reprodução
dessas normas só será feita pelo notário por indicação expressa das partes);

• Artigo 46.º (requisitos dos instrumentos notariais em geral; estão previstos um conjunto de
formalidades que são comuns aos documentos notariais, se não o ato é nulo; apesar de o
legislador dizer que apenas constará a hora quando solicitado pelas partes, há uma hipótese
em que, em regra, os notários colocam a hora: na feitura dos testamentos, porque o
testamento que vale a final é o que contém a manifestação da última vontade do testador);

• Artigo 47.º (menções especiais);

• Artigo 54.º (princípio da legitimação - só se pode titular um ato que tenha por objeto ou

imóvel ou móvel sujeito a registo se o alienante ou onerante tiver o registo feito a seu

favor);

• Artigo 55.º (dispensa de menção do registo prévio);

• Artigo 56.º a 64.º.

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Escritura pública, Termos de autenticação e Reconhecimentos


Escritura Pública
A escritura, em regra, tem as seguintes fases:

1. Entrada de documentos necessários:

O interessado dirige-se ao cartório e o processo de elaboração de uma escritura inicia-se com


23
a entrada dos documentos de identificação das partes e também dos imóveis. Destacamos a
fotocópia do cartão de cidadão, a caderneta predial, a certidão predial e alvarás de utilização.

2. Elaboração de rascunho:

Com os documentos facultados, os funcionários do cartório fazem um esboço da escritura


que se lavrará, que deverá conter os elementos previstos no artigo 46.º do CN: Data e lugar
(hora facultativo); nome completo do Notário e a designação do cartório; nome, estado civil,
naturalidade e residência habitual dos outorgantes; verificação da identidade - vide artigo 48º
CN; referência a todos os documentos que ficam arquivados, bem como aos exibidos;
menção da leitura e explicação do documento; assinaturas.

3. Escritura:

Na data marcada para a escritura, faz-se a leitura a partir do rascunho. São então assinalados
e depois corrigidos os erros e as imprecisões. É então impressa a escritura definitiva e
assinada. Partimos do pressuposto que a escritura é feita em computador, com a ajuda de
suporte informático, pois ela pode ser lavrada à mão. De qualquer forma, a cor da escritura
será sempre preta, mesmo as assinaturas.

4. Arquivamento:

Em regra, a escritura é feita por computador e depois é impressa em folhas avulsas. Estas
folhas vão sendo reunidas em pastas de arquivo/dossiers até completarem no máximo 150
folhas (artigo 21.º do CN). Estas folhas são depois encadernadas, bem como os documentos
– estes nos Maços de documentos. Temos assim a escritura completa, que é levada para casa
pela parte, permanecendo uma cópia nos arquivos do Cartório onde é lavrada - uma das
funções do notário também é arquivar/guardar os documentos.

Documento (particular) autenticado


Previstos no artigo 150.º e ss. do CN 5 , os documentos autenticados são documentos
particulares (feitos pelos particulares) que ganham a natureza de documentos autenticados
quando as partes confirmam o seu conteúdo perante um notário6(*). O que significa que a
intervenção notarial (etc.) se dá em ato posterior à conclusão do documento.

5 Artigos onde estão regulados


6 Artigo 35.º/3

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(*) Além do notário, tem competência para autenticar documentos particulares, as câmaras de comércio e
industria, oficiais de registo, advogados e solicitadores, com a mesma força probatória que teriam se tivessem
sido realizados com intervenção notarial. A validade dos atos efetuados por estas entidades, depende de registo
em sistema informático. Este registo informático dos atos praticados por estas entidades consta da Portaria nº
627-B, de 29 de Junho. Valem para estas entidades os impedimentos previstos nos artigos 5.º e 6.º do CN,
bem como as hipóteses de recusa previstas nos artigos 11.º/2 e 19.º/ 3).
24
O notário (etc.) não terá qualquer responsabilidade pelo seu conteúdo, ele só vai verificar
certos requisitos e é a esses que confere autenticidade.

Quando um documento particular é apresentado ao notário para fins de autenticação, deve


esta ser reduzida a termo de autenticação (artigo 150.º do CN):

➢ A autenticação do documento garante tão somente que o seu conteúdo está de


acordo com a vontade das partes. Se foram reconhecidas assinaturas, o ato notarial
(…) limita-se a esse reconhecimento pela forma prescrita na lei.
➢ O termo de autenticação deve ser lavrado (artigo 36.º/4 do CN):
o No próprio documento que respeita; ou
o Numa folha anexa: Neste caso, a folha anexa será agrafada ao documento,
de molde a não permitir a sua separação, numerando-se e rubricando-se todas
as folhas e um meio de evitar a separação das folhas será apor a rubrica do
notário e selo branco do cartório de maneira a abranger as 2 folhas (parte na
última folha do documento e a outra parte na folha anexa com o termo de
autenticação).
➢ O termo de autenticação de documentos particulares, para além de terem de
obedecer àquelas exigências previstas no artigo 46.º do CN, ainda têm de obedecer
aos requisitos previstos no artigo 151.º/1 do CN, nomeadamente:
o A declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente
inteirados do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade;
o (por outro lado) A ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços
contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados.
➢ Se o documento que se pretende autenticar estiver assinado a rogo, ou seja, se se
tiver pedido a alguém para assinar por si por não saber escrever ou por não se
poder, deve ainda constar do termo, de acordo com o artigo 152.º do CN e o
artigo 373.º/4 do CC, o nome completo, a naturalidade, o estado e residência
do rogado (pessoa a quem se pediu para assinar) e a menção de que o rogante
(pessoa que pediu) confirmou o rogo no ato de autenticação.

Reconhecimentos
Previstos nos artigos 153.º e ss. do CN, os reconhecimentos podem ser, nos termos do
artigo 153.º/1 do CN:

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Simples Com Menções Especiais


Respeita a letra e assinatura, ou só a Inclui, por exigência da lei ou a pedido dos
assinatura, do signatário do documento - interessados, a menção de qualquer
está- se a reconhecer que aquela letra e circunstância especial que se refira a estes,
aquela assinatura ou só a assinatura é aos signatários ou aos rogantes e que seja
daquela pessoa (artigo 153.º/2 do CN). conhecida do notário ou por ele verificada
em face de documentos exibidos e
referenciados no termo (artigo 153.º/3 do 25
CN).
São sempre presenciais, isto são feitos na Podem ser presenciais ou por semelhança
presença do notário ou realizados estando (artigo 153.º/4 do CN)
o signatário presente ao ato (artigo 153.º/4
do CN).

O artigo 153.º/5 do CN designa por presencial o reconhecimento da letra e assinatura, ou só


da assinatura em documentos escritos e assinados ou apenas assinados, na presença do
notário, ou o reconhecimento que é realizado estando o signatário presente ao ato.

Já o artigo 375.º do CC determina que encontram se reconhecidas presencialmente, nos


termos da lei, a letra ou a assinatura do documento ou só a assinatura elas têm-se por
verdadeiras e é à parte contra quem o documento possa ser apresentado que caberá o ónus
de provar a falsidade.

O artigo 153.º/6 do CN designa por semelhança o reconhecimento com a menção especial


relativa à qualidade do signatário feito por simples confronto da assinatura deste com a
assinatura aposta no bilhete de identidade ou documento equivalente, emitidos pela
autoridade competente de um dos países da União Europeia ou no passaporte ou com a
respetiva reprodução constante de pública – forma extraída por fotocópia.

Nos termos do artigo 38º do DL n.º 76-A/2006 de março, as câmaras de comércio e indústria, os
conservadores, os oficiais de registo os advogados e solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com
menções especiais, presenciais e por semelhança.

Os reconhecimentos efetuados por estas entidades conferem ao documento a mesma forma probatória que teria
se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial.

A validade dos reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança efetuada por
estas entidades depende de registo em sistema informático.

Valem para estas entidades os impedimentos previstos no CN.

Os termos de reconhecimento tem de cumprir determinados requisitos:

Requisitos Gerais Requisitos Específicos


1. Se a assinatura for feita a rogo (se não for 1. Para reconhecimentos simples:
o próprio a assinar por não souber ou artigo 155.º/2 e 5 do CN;
porque não poder assinar), só pode ser
reconhecida como tal através de

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reconhecimento presencial. O rogo deve ser 2. Para os reconhecimentos com


dado ou confirmado perante um notário no menções especiais: artigo 153.º/3 e
próprio ato de reconhecimento da 5 do CN;
assinatura e depois de lido o documento ao
rogante (artigo 154.º do CN e 373.º/4 do 3. Para o reconhecimento da
CC); assinatura a rogo: artigo 153.º/4 e 5
do CN;
2. Os reconhecimentos são lavrados no 26
próprio documento a que respeita ou em
caso de necessidade em folha anexa (artigo
36.º/4 do CN) e aí valem as regras para o
termo de autenticação;

3. Tem de haver indicação do dia, mês, ano,


lugar onde foram lavrados e assinados, de
acordo com as regras gerais do artigo 46.º
do CN.

Há determinados casos em que as assinaturas não podem ser reconhecidas:

Recusas Gerais Recusas Específicas


As que permitem, legitimamente, As previstas no artigo 157.º do CN:
recusar a prática de qualquer ato
notarial que lhes seja solicitado, ou seja, • Quando elas constarem de documento
nos casos do artigo 173.º do CN: cuja leitura não seja facultada ao notário;
• Quando apostas em papel sem nenhuns
• Quando o ato é nulo (artigo 70.º, 71.º e dizeres;
73.º do CN)7; • Quando inseridas em documento escrito
• Quando o ato não couber na sua em língua estrangeira que o notário não
competência ou ele estiver pessoalmente domine, salvo se o documento estiver
impedido de o praticar; traduzido nos termos do artigo 172.º;
• Quando tiver dúvidas obre a integridade • Quando o documento estiver escrito ou
das faculdades mentais dos intervenientes; assinado a lápis ou tiverem sido utilizados
• Quando as partes não fizerem os preparos na sua feitura materiais que não oferecem
devidos; garantia de fixidez;
• Quando as partes não tiverem cumprido • Quando o documento titular ato ou
as obrigações declarativas e de retificação contrato que beneficie de isenção do
para efeitos do Registo Central do imposto do selo, se não estiver mencionada
Beneficiário Efetivo a disposição legal que confere o
beneficiário.

7 Se estiver em causa estiver um ato anulável ou ineficaz, o notário não pode recusar-se a
participar com fundamento de que o ato é anulável ou ineficaz.
Nesse caso, o notário tem de advertir as partes para a existência de um vício e consignar no
instrumento a advertência que tenha feito. É assim porque em causa estão atos anulados ou ineficazes:
o ato ineficaz pode ser sanada a posteriori desde que haja ratificação; o ato anulável pode nunca ser
anulado - há prazo para intentar a ação e apenas determinadas pessoa têm legitimidade para a intentar
e a anulabilidade não é de conhecimento oficioso e, se assim é, se nem os tribunais conhecem a
anulabilidade, o notário também não, em rigor, ele conhece, adverte as partes e dá conta da
advertência no documento.

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Alguns Atos Notariais Sujeitos a Registo


Hipoteca

A hipoteca, nos termos do artigo 686.º/1 do CC, confere ao credor o direito de ser pago
pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou terceiro, com
preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade no 27

registo.

Posto isto, a hipoteca é um direito real de garantia (que, como os demais direitos reais de
garantia, tem caráter acessório ou instrumental, porque está ao serviço de um direito de
crédito, assegura a satisfação de um direito de crédito) que tem por objeto imóveis ou móveis
equiparados por lei (automóveis, navios e aeronaves), que podem ser do devedor ou de
terceiro (artigo 701.º/2 do CC), com preferência sobre os demais credores (o credor
hipotecário tem a garantia de que, se o devedor não cumprir, pode promover a venda judicial
do bem imóvel ou móvel atingido pela hipoteca e com o produto da venda vai ser satisfeito
com preferência face aos demais credores) que não gozem de:

1. Privilégio especial;

2. Prioridade no registo;

3. Direito de retenção (artigo 759.º do CC) - o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca,
mesmo que a hipoteca se tenha constituído anteriormente.

A obrigação que é garantida pela hipoteca, de acordo com o artigo 686.º/2 do CC, pode ser
uma obrigação pura ou uma obrigação condicional.

Na prática, após a constituição de uma hipoteca, acontece uma de duas coisas:

1. O devedor realiza voluntariamente a prestação em dívida e, nesse caso, a hipoteca


permanece reduzida a uma força latente ou potencial que não chega a atuar e que acaba por
se extinguir por morte natural, porque o crédito de garantia é satisfeito e a garantia deixa de
ter função e, portanto, extingue-se;

2. O devedor não realiza voluntariamente a prestação em dívida e, não sendo cumprida, a


hipoteca tem de ser excutida através da ação executiva (artigo 56.º/2, 835.º/1 e 697.º do
CPC).

O credor intenta a ação de execução, nomeia à penhora o bem objeto de hipoteca e o dito
bem vai ser vendido judicialmente e com o produto da venda o credor hipotecário vai
satisfazer o seu crédito com preferência aos demais credores que não beneficiam de privilégio
especial, de hipoteca com registo anterior ou direito de retenção.

A hipoteca leva em si a possibilidade de promover a venda judicial do bem, tal como qualquer
outro direito real de garantia. Por isso mesmo, só tem legitimidade para hipotecar quem pode

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alienar os respetivos bens, naturalmente porque ao constituir-se uma hipoteca sobre


determinado bem está-se a criar a possibilidade de o bem vir a ser alienado no âmbito de
uma ação executiva.

Objeto da hipoteca
O objeto da hipoteca são os bens imóveis e móveis equiparados, previstos, de forma
expressa, nos artigos 688.º e ss. do CC. 28

Podem ser hipotecados:

• Os prédios rústicos e urbanos (artigo 688.º/1/a) do CC) - podem ser hipotecados no seu
todo (com os limites materiais fixados no artigo 1344º do CC) ou em parte, podendo ainda
ser hipotecados os respetivos elementos suscetíveis de propriedade autónoma que possam
ser alienados (artigo 688º/2 do CC);

• O domínio direto e o domínio útil dos bens enfitêuticos (artigo 688.º/1/b) do CC);

• O direito de superfície - que tenha por objeto imóvel (artigo 688.º/1/c) do CC);

• O direito resultante de concessões em bens do domínio público, observadas as disposições


legais relativas à transmissão dos direitos concedidos (artigo 688.º/1/d) do CC);

• O usufruto das coisas - imóveis - e direitos constantes das alíneas anteriores (artigo
688.º/1/e) do CC);

• As coisas móveis que, para este efeito, sejam por lei equiparadas às imóveis (automóveis -
DL n.º 47952, de 22.9.1967 -, navios - artigos 584.º e ss. do C.Com. - e aeronaves - DL n.º
20062, de 30.07.193) (artigo 688.º/1/f) do CC);

• As partes de prédios suscetíveis de propriedade autónoma (artigo 688.º/2 do CC);

• As águas, se separáveis do prédio (artigos 1386.º/a), b) e c) do CC, mas já não as águas


mencionadas nas alíneas d), e) e f) por, nos termos do artigo 1397.º, serem inseparáveis do
prédio a que se destinam);

• A quota de coisa ou direito comum (artigo 689.º/1 do CC);

• As acessões naturais e as benfeitorias feitas na coisa, salvo direito de terceiro no caso das
benfeitorias (artigo 691.º do CC).

Não podem ser hipotecadas, à luz do artigo 690.º do CC (porque estão afetos a um fim
específico):

• A meação dos bens comuns do casal;

• A quota da herança indivisa.

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Registo da hipoteca
A hipoteca é uma exceção ao princípio da consensualidade (artigo 408.º do CC), porque ela
não nasce por mero efeito do título (contrato, lei, decisão judicial, etc.), é preciso o registo,
mesmo para produzir efeitos em relação às partes (artigo 687.º do CC e 4.º/2 do CRP).

Em 1959, quando foi imposto o registo da hipoteca mesmo para a produção de efeitos inter
partes, a doutrina não hesitou em afirmar que o registo era constitutivo e não meramente 29
consolidativo e, consequentemente, havia aqui uma exceção ao princípio da consensualidade.

Não obstante, anos passados, parte da doutrina passou a questionar a natureza constitutiva
do registo, nomeadamente o DR. OLIVEIRA ASCENSÃO que afirmou que o que é dito
na lei é que a hipoteca antes de ser registada não produz efeitos entre os terceiros e entre as
partes, mas isso não quer dizer que a hipoteca não exista, ela existe, mas não e eficaz, portanto
o registo não é constitutivo.

Na perspetiva da DOUTORA MÓNICA JARDIM, o registo da hipoteca é constitutivo. A


hipoteca é um direito real de garantia e um direito real de garantia que confere ao seu titular
o direito de satisfazer o seu crédito à custa de um bem certo e determinado com preferência
face aos demais credores. A preferência é um elemento imprescindível para que tenhamos
um direito real de garantia, preferência que se apura, não pela data do contrato, mas pela data
do registo (a data em que é feita a anotação no Livro Diário, data essa que coincide com a
data em que é apresentado o pedido de registo), ficando graduado em primeiro aquele que
tiver registado em primeiro lugar. O que quer dizer que é o registo que garante a preferência
da hipoteca. Ora, se um direito real de garantia só existe se houver preferência e se a hipoteca
é um direito real e se a preferência é dada pelo registo, se não houver registo, não há
preferência, logo não há direito real de garantia. Isto basta para poder afirmar que o registo
da hipoteca é constitutivo.

Na versão anterior do artigo 6.º/2 do CRP, as hipotecas que fossem registadas com a mesma
data concorriam entre si na proporção dos respetivos créditos, introduzindo assim uma
exceção à regra geral prevista no n.º 1. Entretanto, com o registo eletrónico, passou a saber-
se com precisão quando é que é feito o pedido do registo (hora, minuto, segundo, milésimo
de segundo) e, portanto, o legislador entendeu que não havia necessidade de dizer que as
hipotecas com a mesma data concorriam entre si na proporção dos respetivos créditos,
porque, mesmo com a mesma data, tinham hora, minuto, segundo e milésimo de segundo
diferente e conseguia-se, assim, apurar a prioridade e, por isso, revogou o artigo 6.º/2 do
CRP.

Acontece, porém, que há hipóteses em que efetivamente os pedidos de registo têm de se


considerar feitos em simultâneo: os pedidos de registo feitos pelo correio. Quando se solicita
um registo por correio e não presencialmente ou online, os pedidos de registo são apenas
abertos após a hora de expediente e, por isso, todos eles são considerados como apresentados
em simultâneo. Nesse caso, como decorre do artigo 63.º do CRP, é que, como todos foram
apresentados em simultâneo, devem ser anotados tendo em conta a data que consta do título

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(negócio jurídico, contrato que deu origem à hipoteca). Todavia, pode acontecer que as datas
dos títulos sejam iguais, que os títulos tenham sido celebrados no mesmo dia, e, nesse caso,
os pedidos de registo vão ser anotados sob o mesmo número de ordem, o que quer dizer
que quando os registos forem feitos vão ficar com a mesma data. Este problema, que era
antes resolvido pelo artigo 6.º/2 do CRP, caberá agora ao juiz decidir e espera-se da mesma
forma que era resolvido por aquele artigo, pelo pagamento aos credores na proporção dos
respetivos créditos. 30

Princípios que regem a hipoteca


— Princípio da acessoriedade:
A hipoteca é um direito real de garantia instrumental/acessório, porque está ao serviço de
um direito de crédito. A acessoriedade é uma caraterística da hipoteca e, portanto, a existência
e a validade da hipoteca dependem da existência e validade da obrigação garantida. Por isso,
a extinção da dívida ou do crédito determina a extinção da hipoteca (artigo 730.º/a) do CC).

— Princípio da especialidade:
A hipoteca tem, como qualquer outro direito real, por objeto bens certos e determinados,
mas na hipoteca há um acréscimo de exigências: do registo deve constar o fundamento da
hipoteca, o crédito (dívida garantida) e os seus acessórios (bens atingidos). Só assim se
protege os terceiros e o devedor.

— Princípio da transmissibilidade (artigo 695.º do CC):


O direito de propriedade onerado com a hipoteca é transmissível.

É proibida a introdução de uma cláusula de inalienabilidade dos bens hipotecados, ou seja,


considera-se nula a convenção que proíba o dono de alienar ou onerar os bens hipotecados
porque:

• O dono permanece titular do direito de propriedade, podendo, por isso, transmitir a


propriedade ou onerar o direito de propriedade já hipotecado (com usufruto ou com outro
direito real menor);

• O credor está sempre assegurado/protegido.

No entanto, é lícito convencionar que o crédito hipotecário se vencerá logo que esses bens
sejam alienados ou onerados.

— Princípio da indivisibilidade (artigo 696.º do CC):


A hipoteca é indivisível, porque subsiste por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e
sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que:

• A coisa seja dividida em diversas coisas. P. ex., um prédio sobre o qual recai um único
direito de propriedade foi objeto de hipoteca, de seguida o proprietário sujeitou o prédio ao
regime de propriedade horizontal, o quer era uma coisa passou a ser múltiplas.

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• O crédito seja dividido;

• O crédito seja parcialmente satisfeito.

A hipoteca é um direito real de garantia que, ao contrário do que é regra, pode incidir sobre
mais do que uma coisa. Quando incidir sobre várias coisas, cada uma delas responde pela
totalidade da dívida, ou seja, cabe ao credor intentar a ação executiva e nomear à penhora
aquela que lhe interessar, se tiver de executar à penhora. 31

— Princípio da proibição do pacto comissório (artigo 694.º do CC):


É nula a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não
cumprir, quer essa convenção seja anterior à constituição da hipoteca, quer seja posterior.

De acordo com o regime da hipoteca, o credor não fica com a coisa para si, de acordo com
esse regime, o que o credor pode é, no caso de incumprimento, intentar a ação executiva,
nomear à penhora o bem e promover a venda judicial do mesmo, para com o produto da
venda satisfazer o seu crédito, com preferência face aos demais credores, com as devidas
exceções.

Poderá questionar-se a seguinte situação: Aquando da última crise, os bancos tornaram-se


proprietários de uma série de imóveis que estavam hipotecados. Como isso aconteceu, se é
nula a convenção através da qual se estabeleça o pacto comissório? É impossível estabelecer
esta convenção para uma hipoteca, mas a verdade é que há formas de tornear esta proibição,
designadamente nada impede que seja feita uma dação em cumprimento. Não é o regime da
hipoteca que permite que o credor fique com o bem, são preceitos do direito das obrigações,
mas a final chega-se ao mesmo resultado. Do mesmo modo, os bancos ficarem proprietários
de imóveis através de uma dação e, de seguida, deram em leasing o mesmo bem à mesma
pessoa, que antes era proprietária e pagava a prestação mensal.

Poderia admitir-se uma modalidade de pacto comissório que é o pacto marciano, que supõe
que haja uma avaliação efetiva do bem e que só se possa ficar com o bem pelo valor pré-
determinado. Não obstante abrir-se uma exceção à proibição do pacto comissório.

Tipos de hipotecas
De acordo com o artigo 703.º do CC, existem três grandes tipos de hipotecas:

1. Legal
2. Judicial
3. Convencional

Hipoteca legal
De acordo com o artigo 704.º do CC, as hipotecas legais resultam imediatamente da lei, sem
dependência da vontade das partes, e podem constituir-se desde que exista a obrigação a que
servem de segurança.

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Apesar de não dependerem da vontade das partes, não resultam imediatamente da lei, porque
dependem:

- Da norma legal;

- Da existência da obrigação a que servem de segurança;

- Do registo.
32

A razão de ser destas hipotecas está na necessidade de garantir determinados credores que
não poderiam obter o consentimento do devedor para uma hipoteca convencional.

As hipotecas legais estão previstas tendo em conta:

• A qualidade do crédito;

• A posição do credor; ou

• A natureza da dívida.

De acordo com o artigo 705.º do CC, os credores de hipoteca legal são:

a) O Estado e as autarquias locais, sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos à


contribuição predial, para garantia do pagamento desta contribuição;

b) O Estado e as demais pessoas coletivas públicas, sobre os bens dos encarregados da gestão
de fundos públicos, para garantia do cumprimento das obrigações por que se tornem
responsáveis;

c) O menor e o maior acompanhado, sobre os bens do tutor, acompanhante e administrador


legal, para assegurar a responsabilidade que nestas qualidades vierem a assumir;

d) O credor por alimentos — O direito a alimentos está previsto no artigo 2003.º do CC


onde se diz quem pode pedir alimentos e a quem pode pedir e que é possível que o credor
de alimentos, desde que exista obrigação de prestar alimentos, constituir uma hipoteca legal;

e) O co-herdeiro, sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas, para garantir o pagamento


destas — Uma herança tem de ser partilhada, acontece que alguns herdeiros ficam com bens
e outros ficam com direito a tornas (o valor que tinham direito em dinheiro). O co-herdeiro
tem, em relação aos bens que tenham sido adjudicados a outros e que se tornaram devedores
de tornas, a possibilidade de constituir uma hipoteca legal para garantir o pagamento das
tornas;

f) O legatário de dinheiro ou outra coisa fungível, sobre os bens sujeitos ao encargo do legado
ou, na sua falta, sobre os bens que os herdeiros responsáveis houveram do testador.

A hipoteca legal é suscetível de substituição por outra caução, nos casos em que (artigo 707.º
do CC):

• O tribunal o autorizar, a requerimento do devedor (n.º 1);

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• O credor o exigir, nos termos do artigo 625.º do CC, quando o devedor não tiver bens
suscetíveis de hipoteca ou suscetíveis para garantir o crédito, pode o credor exigir outra
caução, salvo nos casos das hipotecas destinadas a garantir o pagamento das tornas ou do
legado de dinheiro ou outra coisa fungível (n.º 2).

São bens sujeitos à hipoteca legal, quando não forem especificados por lei ou no título
respetivo os bens sujeitos à garantia, quaisquer bens do devedor (artigo 708.º do CC).
33

Hipoteca judicial
Hipoteca judicial (artigo 710.º do CC): É título para o registo de hipoteca sobre quaisquer
bens do obrigado, mesmo que não haja transitado em julgado:

- A sentença que condenar o devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra


coisa fungível (n.º 1).

- A sentença condenar o devedor à entrega de uma coisa (não fungível) ou de uma prestação
de facto, desde que haja conversão da prestação numa indemnização pecuniária (n.º 3).

Apesar de já haver título - a condenação - e de o credor poder imediatamente, na hipótese


de incumprimento, intentar a ação executiva, há vantagens:

• A sentença de condenação pode condenar à realização do cumprimento num determinado


prazo e não de forma imediata, por isso pode ainda não ser possível intentar tal ação,
garantindo, em todo o caso, a hipoteca que o montante vai ser satisfeito;

• Mesmo que já fosse possível intentar a ação executiva, o credor pode não querer já intentar
a ação executiva, pode apenas querer garantir, caso ela venha a ser intentada, que ele será
pago com prioridade em relação aos demais credores.

Portanto, ele pode fazer o registo apenas da hipoteca e se vier a existir uma ação executiva,
seja proposta por si ou por terceiro credor, sabe que tem a garantia a preferência dada pelo
registo da hipoteca.

A sentença não é constitutiva, é de condenação. Portanto, em causa não está


verdadeiramente uma hipoteca judicial, é mais um sub-tipo de hipoteca legal. Uma verdadeira
hipoteca judicial supõe que seja constituída por decisão judicial (como existe, p. ex., em
França).

Hipoteca convencional ou voluntária


Hipoteca convencional/voluntária: De acordo com o artigo 712.º do CC, hipoteca voluntária
é a que nasce de contrato ou declaração unilateral (p. ex., testamento).

O ato de constituição ou modificação, quando recaia sobre bens imóveis, deve constar de
escritura pública, de testamento ou de documento particular autenticado (artigo 714.º do
CC).

Tem legitimidade para hipotecar quem puder alienar os respetivos bens (artigo 715.º do CC).

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As hipotecas voluntárias não podem incidir sobre todo o património do devedor, tem de
incidir sobre bens certos e determinados, devendo ser especificados os bens no título (artigo
716.º do CC). Sempre haveria tal especificação, nunca a hipoteca incidiria sobre a totalidade
dos bens porque a especificação seria feito no registo, mas o legislador veio exigir que na
hipoteca convencional se indique os bens no próprio título executivo.

Mesmo existindo estas hipotecas, nada impede que o dono do bem de voltar a hipotecar o
34
bem (artigo 713.º do CC), podem existir várias hipotecas que onerem o mesmo bem ou
mesmo direito de propriedade sobre o bem. Depois, aquando da excussão das garantias, é
só graduar as hipotecas e ver qual a registada em primeiro lugar e assim sucessivamente.

Redução da Hipoteca
De acordo com o princípio da indivisibilidade, mesmo que o devedor já tiver pago grande
parte do crédito, aquela hipoteca vai continuar a onerar o bem da mesma forma e o registo
continuará a anunciar quanto é que aquela hipoteca garante. Portanto, anunciará a todos os
outros potenciais credores que aquele bem eventualmente não pode voltar a ser hipotecado
por não ter valor patrimonial que permita ser onerado segunda vez, quando, na verdade, o
credor daquela primeira hipoteca só pode, no âmbito da ação executiva, satisfazer o crédito
que efetivamente tenha e não o valor total pelo qual no início que constitui a hipoteca.

Assim, enquanto sobreviver a hipoteca com aquele valor, pode-se estar a impedir o devedor
de voltar a conseguir uma nova hipoteca, quando ele pode ter interesse nisso. Por isso, a lei
prevê a hipótese de redução da hipoteca (artigo 718.º e ss. do CC), para garantir a posição do
devedor.

A redução assume uma de duas modalidades (artigo 718.º do CC):

1. Voluntária (artigo 719.º do CC):


Só pode ser consentida por quem poder dispor da hipoteca - pelo credor hipotecário
- e é-lhe aplicável o regime da renúncia à garantia. De acordo com o artigo 731.º do
CC, a redução deve ser expressa e escrita em documento que contenha a assinatura
do credor (ou renunciante) reconhecida presencialmente, salvo se esta for feita na
presença de funcionário da Conservatória competente para o registo, não carecendo
de aceitação do devedor ou do autor da hipoteca para produzir os seus efeitos.

2. Judicial (artigo 720.º do CC):


Do n.º 1 resulta que a redução judicial tem lugar, nas hipotecas legais e judiciais, a
requerimento de qualquer interessado, quer no que concerne aos bens, quer no que
respeita à quantia designada como montante do crédito, exceto se, por convenção ou
sentença, a coisa onerada ou a quantia assegurada tiver sido especialmente indicada.

Do n.º 2 resulta que, mesmo nas hipotecas legais, em que a coisa onerada ou a quantia
assegurada tenha sido especialmente indicada, e nas hipotecas voluntárias, pode haver
redução judicial se se verificar uma de duas circunstâncias:

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I. Se em virtude do cumprimento parcial da dívida esta se encontrar reduzida a


menos de 2/3 do montante inicial (al. a);
II. De a coisa ter sido valorizada através acessões naturais ou benfeitorias e de se ter
valorizado em mais de 1/3 do seu valor à data da constituição da hipoteca (al. b).

Do n.º 3 resulta que a redução da hipoteca é possível/realizável quanto aos bens, ainda que
tenha por objeto uma só coisa ou direito, desde que a coisa ou direito seja divisível ou
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suscetível de cómoda divisão.

Substituição ou reforço da hipoteca


A substituição ou reforço da hipoteca existe para garantir a posição do credor, porque pode
acontecer que a coisa objeto da hipoteca se perca ou se deteriore: se a perda é total, o direito
real extingue-se; se a perda é parcial, o direito real subsiste sobre a parte restante da coisa.

Nos termos do artigo 701.º/1 do CC, quando, por causa não imputável ao credor, a coisa
hipoteca perecer ou a hipoteca se tornar insuficiente para a segurança da obrigação, tem o
credor o direito de exigir:

• Que o devedor a substitua ou reforce (cuja vantagem em relação à hipoteca é ser mais
célere);
• Nos casos em que o devedor não substitua ou reforce, o imediato cumprimento da
obrigação ou, tratando-se de obrigação futura, registar hipoteca sobre outros bens
do devedor.

Nos termos do artigo 701.º/2 do CC, não obsta ao direito do credor o facto de a hipoteca
ter sido constituída por terceiro, a não ser que o devedor seja estranho à sua constituição;
porém, mesmo neste caso, se a diminuição da garantia for devida a culpa do terceiro, o credor
tem o direito de exigir deste a substituição ou o reforço, ficando o mesmo sujeito à
cominação do número anterior em lugar do devedor - que é poder ser exigido o imediato
cumprimento da obrigação ou, tratando-se de obrigação futura, registar a hipoteca sobre
outros bens do devedor.

Transmissibilidade da hipoteca
À luz do princípio da acessoriedade, a hipoteca é acessória do crédito - tem uma função
instrumental -, no entanto o legislador admite que ela seja transmitida sem que o crédito
assegurado o seja, isto é, o credor hipotecário transmite a sua hipoteca e permanece como
credor comum. Há, todavia, pressupostos para que possa ocorrer esta transmissão (artigo
727.º do CC):

1. A hipoteca não seja inseparável da pessoa do devedor: Em rigor, não é a pessoa do


devedor que tem relevância, o que tem relevância é do crédito que assegura; a
hipoteca não pode ser inseparável do crédito.

A hipótese de uma hipoteca legal atribuída a um herdeiro por tornas é uma hipótese em que
não pode haver transmissão da hipoteca sem transmissão do crédito.

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2. O cessionário seja credor do mesmo devedor: O credor hipotecário transmite a sua


hipoteca e torna-se credor comum, mas transmite para alguém que já era credor do
mesmo devedor. Isto quer dizer que o credor hipotecário passa a credor comum e o
credor comum passa a credor hipotecário. Passando a hipoteca vai garantir um novo
crédito até ao montante do crédito que originariamente garantia (artigo 728.º do CC).

3. Se a coisa ou direito hipotecado pertencer a terceiro, é necessário consentimento 36

desse terceiro.

A pediu um empréstimo ao banco para montar um negócio e o banco exigiu uma hipoteca e A garantiu a
hipoteca com a casa dos seus pais. Se o banco decidir transmitir a hipoteca a um credor do filho, é preciso que
os pais autorizem, porque estes autorizaram a constituição da hipoteca sobre a sua casa porque era uma
dívida em concreto, um novo credor pode ser credor de uma outra dívida qualquer.

4. Incidir totalmente (e não parcialmente) sobre uma coisa ou direito.

Cessão do grau hipotecário


Na cessão do grau hipotecário, prevista no artigo 729.º do CC, temos dois credores
hipotecários que estão graduados de acordo com a data do registo e que trocam de posição,
ou seja, mudam o grau de hipoteca: o credor que tinha o grau prioritário (credor hipotecário)
transmite-o ao não prioritário (credor comum) e adquire o grau deste (assim, aqui é um
credor hipotecário que passa a credor comum e um credor comum que passa a credor
hipotecário). Tal troca dependerá do cumprimento dos requisitos mencionados no ponto da
Transmissibilidade da hipoteca e terá sempre como limite a medida do crédito originário.

O credor hipotecário com preferência abrirá mão dessa preferência dependendo do quanto
o outro credor se dispuser a pagar.

Extinção da hipoteca
De acordo com o artigo 730.º do CC, a hipoteca extingue-se:

• Pela extinção da obrigação a que serve de garantia: A hipoteca é acessória e


instrumental de determinada dívida, visa assegurar a prestação de um crédito.
• Prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos 20 anos
sobre o registo da aquisição por parte desse terceiro e 5 anos sobre a data do
vencimento da obrigação.
• Perecimento da coisa hipotecada, sem prejuízo das normas que permitem o
reforço ou substituição da hipoteca (artigos 692.º e 701.º do CC);
• Renúncia do credor;
• Pelo cancelamento do registo (com o consentimento do credor)

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Renascimento da Hipoteca8
O artigo 732.º do CC é das normas que mais concede tutela aos terceiros que confiaram no
que consta do registo, mais do que o artigo 291.º do CC.

O que resulta deste artigo é que se o registo de uma hipoteca for cancelada (por se ter
demonstrado junto da conservatória que se havia extinto a obrigação ou que o credor tinha
renunciado à hipoteca) e posteriormente, se vier a constatar que a causa extintiva da 37
obrigação ou que a renúncia do credor era nula ou padecia de anulabilidade e se efetivamente
a causa extintiva da obrigação e a renúncia do credor vier a ser declarada nula ou anulada (p.
ex., renunciou porque foi coagido, porque houve um erro), a hipoteca vai renascer, mas
apenas desde a data da nova inscrição.

A era credor hipotecário na primeira posição e B era credor na segunda posição. Ocorreu o cancelamento da
hipoteca de A em virtude de uma causa extintiva da obrigação ou da renúncia do credor, que afinal vieram
a ser declaradas nulas ou anuladas.

Na vigência do cancelamento da hipoteca, C (credor) concedeu crédito àquele devedor, porque analisou o
registo e verificou que o bem já tinha sido onerado com duas hipotecas: uma a favor de A e outra a favor de
B; mas, neste momento, porque a hipoteca de A foi cancelada, só estava onerado com a hipoteca de B.

Portanto, este bem tem potencial económica para garantir outra dívida. C, confiando no cancelamento da
hipoteca de A, empresta dinheiro à pessoa e regista a sua hipoteca.

Se seguida a tal causa extintiva da obrigação ou a renúncia vem a ser declarada nula
ou anulável e o registo da hipoteca de A vai renascer, mas só a partir da nova data da
inscrição.

O que quer dizer que o credor hipotecário A vai estar posicionado depois de B e depois de
C. C, que devia estar em 3.º lugar, ocupa o 2.º, porque quando consultou o registo a
informação que o registo lhe deu foi de que apenas havia a hipoteca de B.

Desta forma, afastou-se a lei portuguesa da regra geral, segundo a qual a nulidade e a
anulabilidade produzem efeitos retroativos, bem como da exceção introduzida a esta regra
em benefício de terceiros de boa fé consagrada no artigo 291.º do CC.

De acordo com PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, são as necessidades do registo


(proteção de terceiros) que inspiram a doutrina do artigo 732.º. Este artigo protege:

• Aqueles que entre o cancelamento do primeiro registo e a feitura do segundo


constituíram e registaram direitos sobre a coisa porque confiaram na situação registal
(no caso, C); bem como

8Este mecanismo é relevante no caso exposto em aula do Cancelamento indevido (com fraude de
documentos) das Hipotecas da Caixa Geral de Depósitos, e quando as coisas foram verificadas como fraude,
esta tutela foi imprescindível.

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• Aqueles que já na altura do cancelamento tinham direitos registados sobre a coisa


(no caso, B) e que passaram a contar com a extinção da garantia cancelada.

Tendo em conta a tutela que este preceito concede, parece que apesar de a lei se referir apenas
que a causa extintiva da obrigação venha a ser declarada nula ou anulável ou a renuncia do
credor vir a ser declarada nula ou anulada, não nos podemos cingir a estas hipóteses, ou seja,
este artigo deve ser considerado aplicável a todos os casos em que o registo da hipoteca seja 38
cancelado indevidamente, p. ex., o credor consentiu, nos termos do artigo 56.º do CRP.

AULA 6 DE ABRIL DE 2021

SUMÁRIO:

Testamento

Habilitação de herdeiros e testamento


Habilitação de herdeiros
Como resulta do artigo 2024.º do CC, a sucessão consiste no chamamento de uma ou mais
pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a
consequente devolução dos bens que a esta pertenciam.

A atribuição (e a prova) da qualidade de sucessor (os chamados a quem vão ser devolvidos
os bens), bem como a preparação da futura partilha faz-se através da habilitação de herdeiros:

• HABILITAÇÃO NOTARIAL (artigo 82.º e ss. do CN): Dá-se em caso de


acordo, sob forma de escritura pública.

De acordo com o artigo 83.º/1 do CN, a habilitação notarial consiste na declaração, feita em
escritura pública por três pessoas, que o notário considera dignas de crédito, com o seguinte
conteúdo:

1. Os habilitandos são os herdeiros do falecido;

2. Não há quem lhes prefira na sucessão;

3. Não há quem concorra com eles.

De acordo com o artigo 83.º/2 do CN, esta declaração pode ser feita, em alternativa, por
quem desempenhar o cargo de pelo cabeça-de-casal, devendo, neste caso, ser lhe feita a
advertência prevista no artigo 97.º — remissão para o artigos 2079.º (cabeça-de-casal), 2080.º
(a quem incumbe o cargo, pela ordem que aí consta) e ss. do CC.

De acordo com o artigo 83.º/3 do CN, a declaração deve conter a menção do nome
completo, do estado (civil; se casado, deve constar o nome do cônjuge e o regime de bens),
da naturalidade e da última residência habitual do autor da herança (do de cujus) e dos

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habilitandos (os que vão suceder ao de cujus) e, se algum destes for menor, a indicação dessa
circunstância.

No âmbito desta habilitação e de acordo com o artigo 85.º do CN, a generalidade dos
factos consegue-se provar através de certidões do registo civil:

• Prova da morte através da certidão de óbito (al. a);


• Sucessão legitimária (herdeiros legitimários9) (al. b): 39

o Prova que o cônjuge ficou cônjuge sobrevivo através de certidão de


casamento;
o Prova de que são descendentes através da certidão de nascimento;
o Prova de que são ascendentes através da certidão de nascimento do morto.
• Sucessão legítima (herdeiros legítimos: irmãos, primos e sobrinhos) é preciso a
certidão de nascimento do de cujus e a certidão de nascimento dos habilitandos) (al.
b);
• Sucessão testamentária: prova através do testamento (al. c);
• Sucessão contratual: prova através da apresentação das doações mortis causa) (al. c).

Já a prova de que efetivamente não há quem lhes prefira ou quem com eles concorra não se
consegue fazer completamente, é por isso que é mera declaração.

▪ HABILITAÇÃO EM INVENTÁRIO: Torna-se necessária em face de haver


litígio - entre os eventuais sucessores acerca da qualidade de sucessor (quer como
herdeiro, quer como legatário) de algum, alguns ou de todos eles - no (início do)
processo de inventário, que pode correr no cartório notarial ou em tribunal (é opção
do interessado).

Durante anos, havendo inventário, tinha o processo de correr em tribunal. Depois foi
alterada a situação e passou a atribuir-se competência exclusiva aos notários. Entretanto,
desde janeiro de 2020, voltou a atribuir-se competência aos tribunais, mas sem retirar a
competência aos notários.

A habilitação quer seja feita por escritura, quer seja feita por processo de inventário (em
cartório ou em tribunal) produz, de acordo com o artigo 86.º do CN, os mesmos efeitos: a
partir do momento em que estão habilitados os herdeiros e o cônjuge meeiro passam a poder
proceder ao levantamento de dinheiro e de outros valores, a poder fazer registo na
conservatória a seu favor dos bens que antes eram do de cujus e a poder aliená-los e onerá-
los.

O herdeiro preterido pode impugnar a habilitação notarial, nos termos do artigo 87.º do CN,
propondo a ação nos termos da lei do processo civil e solicitando ao tribunal a imediata
comunicação da pendência do processo ao respetivo cartório notarial onde a habilitação

9Herdeiros forçosos: cônjuges e descendentes ou cônjuges e ascendentes. Tendo que também fazer prova de
quem são.

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tenha sido feita, no caso de ser por escritura pública, ou no âmbito do processo a correr no
cartório notarial, para que não sejam, no caso de estar feita a escritura, não serem feitas
certidões.

Pode acontecer que haja habilitação de legatários. O legatário é diferente do herdeiro:


enquanto que o herdeiro é aquele que é chamado a receber uma quota parte da herança ou a
totalidade da herança, o legatário é aquele que é chamado a receber bens certos e
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determinados. Em regra, não há necessidade de habilitar legatários, mas tem de haver
habilitação, nos termos do artigo 88.º do CN, quando:

• Toda a herança for distribuída em legados;

• Os legatários forem indeterminados (p. ex., deixo a minha casa à pessoa que cuidar de
mim nos últimos 5 anos de vida) ou instituídos genericamente (p. ex., deixo o meu carro a
todos os filhos de x).

É relativamente fácil habilitar herdeiros, tendo em conta que é com base na tal declaração
feita por três pessoas dignas de crédito ou por declaração do cabeça-de-casal.

Contudo, há um problema relacionado com a habilitação de herdeiros: 10Antes de ser feita a


habilitação de herdeiros, a cabeça-de-casal ou os interessados vão às finanças para declarar
quais os bens deixados pelo de cujus que vão ser partilhados entre os habilitados (na
habilitação de herdeiros) e aí apresentam/arrolam o conjunto desses bens que pertenciam ao
de cujus. Pode acontecer que se junto ao rol um bem imóvel sujeito a registo, mas que não
esteja registado e que não pertencia ao de cujus, mas sim a outra pessoa que permanece viva.
A partir do momento em que essa listagem é aceite nas finanças, não é preciso fazer mais
prova da existência desses bens - o rol vale para a atuação posterior do notário ou do
processo de inventário. A habilitação de herdeiros vai permitir que aqueles herdeiros do de
cujus venham a obter o registo de um bem que não era do de cujus e em relação ao qual não
houve sucessão, podendo de seguida aliená-lo e onerá-lo.

Este problema, na prática, vai ocorrendo, o que torna mais cauteloso o legislador quando
atribui efeitos ao registo e tutela terceiros quanto ao registo.

Neste caso, se os falsos herdeiros venderem, temos um conflito entre, de um lado, o terceiro
que confiou no registo e achou que aquele bem pertencia àquelas pessoas e, do outro lado,
o verdadeiro proprietário. A questão está em saber se se tutela o terceiro adquirente de boa
fé ou o verdadeiro proprietário que não estava obrigado a efetuar o registo (não havia
obrigatoriedade do registo, até janeiro de 2009) e que é titular do direito real máximo.

10 Exemplo de habilitação: Compareceu perante mim neste cartório notarial cito em… fulano tal… viúvo,

natural de … residente habitualmente em… que a entidade verifiquei com o CC, e por ele foi dito que diante
a lei civil é cabeça de casal por óbito de herança da sua falecida mulher tal…. Onde o declarante disse que no
concelho tal, freguesia tal, faleceu a dital tal, casada com o regime tal…, que sucederam como herdeiros o
fulano e filha tal casada com tal com regime tal de bens e declaram não haver outros herdeiros para a herança.

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Noção de testamento
O testamento, que é um dos poucos atos que permaneceu na competência exclusiva dos
notários, está definido no artigo 2179.º/1 do CC como ato unilateral e revogável pelo qual
uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles.

Esta noção é meramente indicativa, pois só pode aceitar-se na medida em que acaba por
definir o conteúdo mais típico do testamento. De facto, as pessoas recorrem ao testamento 41
para através dele dispor dos seus bens, dispor dos seus direitos de propriedade, em
consonância com o artigo 62.º da CRP que a todos reconhece a possibilidade de terem
propriedade privada e de a transmitirem quer em vida quer por morte. De toda a maneira,
este é o conteúdo típico do testamento.

Em regra, utiliza-se o testamento para fazer disposições de cariz patrimonial, mas também
pode ser utilizado para outros fins, p. ex., pode-se utilizar o testamento para perfilhar (artigo
1853.º/b) do CC), para nomear tutor ou revogar a tutela (artigo 1928.º/3 do CC), para
reabilitar indigno (artigo 2038.º do CC), para confessar uma dívida (artigo 358.º/4 do CC),
para nomear um testamenteiro (alguém que assegure o cumprimento de testamento
previamente feito – artigo 2310.º do CC). Ou seja, se é verdade que o conteúdo testamentário
é composto tipicamente de disposições de caráter patrimonial, é verdade também que pode
ter disposições de caráter iminentemente pessoal.

É o artigo 2179.º/2/parte final do CC que admite o testamento poder conter apenas e só


disposições de caráter pessoal. A lei, neste artigo, ao se referir a disposições de caráter
patrimonial e não patrimonial que a lei permite, não está com isto a pretender dizer que só
se pode recorrer ao testamento para fazer disposições de caráter patrimonial ou de caráter
pessoal previstas na lei. Pode-se recorrer ao testamento para fazer disposições de caráter
pessoal não previstas na lei, desde que não sejam contrárias à lei, à ordem pública e aos bons
costumes (p. ex., pode-se fazer constar no testamento onde se quer que o corpo seja
depositado). Sabendo isto, podemos dizer que a definição que o legislador dá de testamento
é apenas uma definição que identifica o conteúdo mais típico do testamento, na verdade o
testamento é uma forma que pode conter os mais diversos conteúdos.

Características ou caracteres do testamento


▪ O testamento é um negócio jurídico e não é um simples ato jurídico. É um
verdadeiro negócio jurídico porque os efeitos que produz foram os
conformados/queridos pelo sujeito e a lei aceita-os como tal, salvos os limites
da licitude.

Apesar de boa parte do domínio sucessório, sobretudo o que diz respeito à quota
indisponível, ser formado por normas imperativas e por isso subtraídas ao autor da sucessão,
tal não retira ao testamento o caráter de negócio jurídico.

A relevância de estarmos perante um verdadeiro negócio jurídico é que se aplicam


diretamente as normas gerais dos negócios jurídicos, sem ser necessário recorrer à analogia,

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desde que não contrarie a natureza desse negócio e o seu regime especial e sempre que não
existam normas especiais em matéria de testamento, caso em que se aplicam as norma
especiais.

▪ Dentro dos negócios jurídicos, o testamento é um negócio jurídico unilateral,


porque só têm uma parte.

Os negócios jurídicos podem ser unilaterais ou bilaterais. A distinção faz-se tendo em conta 42

o número de declarações de vontade e como elas se articulam: num contrato existem duas
declarações de vontade opostos, mas convergentes, visando um resultado unitário, embora
com um resultado diferente para cada uma das partes; num negócio jurídico unilateral temos
apenas uma declaração de vontade ou mesmo que sejam várias quando se olha para as
declarações elas são paralelas umas às outras, formando como que um só lado (p. ex., a
propriedade horizontal - há uma decisão do proprietário ou dos comproprietários).

O facto de virem a ser chamados os seus herdeiros e legatários, após o falecimento do


testador, e de estes terem de aceitar ou repudiar, em nada muda o facto de estar em causa
um negócio jurídico unilateral.

Na verdade, de acordo com o artigo 224.º do CC, um contrato só está perfeito quando a
resposta contém a aceitação e esta chega à esfera jurídica de ação do proponente. Se
pensássemos o testamento como um contrato, teríamos de dizer que só estaria perfeito
quando a resposta dos herdeiros e legatários contivesse a aceitação que chegasse à esfera
jurídica do testador e este tivesse em condições de a conhecer. O que não acontece, porque
a aceitação só acontece depois da morte do testador.

O artigo 946.º/1 do CC dá-nos conta da existência de doações mortis causa e no n.º 2 é dito
que uma doação mortis causa que não possa valer como tal será válida como deixa
testamentária. Ora, uma doação é um negócio bilateral (contrato) e o legislador admite que
esta doação se converta em disposição testamentária (conversão legal). Isto não quer dizer
que com isso se admita um testamento como contrato, o que acontece é que o contrato
inicial que era uma doação, que não podia valer como tal, se converteu em negócio jurídico
unilateral e a figura do donatário perdeu relevância.

Hipótese diferente, e que envolve uma exceção ao testamento ser um negócio jurídico
unilateral, é o artigo 1704.º do CC, de acordo com o qual a instituição de herdeiro e a
nomeação de legatário feitas por algum dos esposados na convenção antenupcial em favor
de pessoas indeterminadas, ou em favor de pessoa certa e determinada que não intervenha
no ato como aceitante, têm valor meramente testamentário, e não produzem qualquer efeito
se a convenção caducar.

▪ O testamento é um negócio jurídico não recetício, porque ele está perfeito no


momento em que há emissão da declaração de vontade numa das formas previstas
na lei, não sendo necessária comunicação à outra parte, dependendo a sua eficácia
apenas da morte do de cujus (porque o testamento é um negócio mortis causa - que

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tem a sua causa na morte - e, como é evidente, não pode produzir os seus efeitos
antes da sua causa - morte).

Assim, basta a emissão da declaração de vontade e a morte para se produzirem imediatamente


efeitos: imediatamente haverá chamamentos sucessórios, ou seja, a indicação de herdeiros e
legatários que terão o direito de aceitar ou repudiar.

▪ O testamento é um negócio gratuito, porque se traduz numa liberalidade que vai 43

conduzir ao acréscimo do património de outra pessoa, sem contraprestação ou preço.

Isto não significa que não possa existir uma deixa testamentária em que seja imposto um
modo ou um encargo (p. ex., deixo a minha casa a A com o encargo de todos os sábados
abrir a biblioteca às crianças do município), pois esse modo ou encargo não se traduz numa
contraprestação ou num preço.

▪ O testamento é um negócio pessoal (pessoalíssimo), num duplo sentido


(artigo 2182.º do CC):

1. É insuscetível de ser feito por meio de representante, na medida em que é um negócio que
exprime a vontade própria do testador. Enquanto que, p. ex., a perfilhação (artigo 1849.º do
CC) e o casamento (artigo 1620.º do CC) podem ser feitos através de representação, o
testamento não.

Apesar de o testamento ser um negócio jurídico com caráter pessoal, não obsta a que não
possa ser escrito por outrem a rogo do testador e assinado por ele ou escrito e assinado por
outrem a rogo do testador - artigo 2206.º do CC.

2. É insuscetível de ficar dependente do arbítrio de outrem na fixação do conteúdo, bem


como na execução, na medida em que tem de ser uma manifestação de vontade
completa/integral do testador. É este que diz quem são os herdeiros e os legatários, qual o
objeto da herança ou do legado e como deve ser cumprida ou não cumprida cada uma das
disposições.

Exceções:

• Artigo 2182.º/2/a) do CC: O testador pode, todavia, cometer a terceiro a repartição da


herança ou do legado, quando institua ou nomeie uma generalidade de pessoas. Exemplo:
Deixo o bem x a todas quantas foram empregadas na sua casa.

• Artigo 2182.º/2/b) do CC: O testador pode, todavia, cometer a terceiro a nomeação do


legatário de entre pessoas por aquele determinadas. Exemplo: Deixo o bem x a uma das pessoas
que foram empregadas na minha casa e será a pessoa x a determinar a pessoa que ficará com ele.

• Artigo 2183.º do CC: O testador pode deixar a escolha da coisa legada à justa apreciação
do onerado, do legatário ou de terceiro, desde que indique o fim do legado e o género ou
espécie em que ele se contém. Exemplo: Deixo uma das minhas espingardas de caça ao amigo B e ele
ou outra pessoa a pode escolher.

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▪ O testamento é um negócio individual, singular ou unipessoal, porque só


pode ser feito por uma pessoa.

Não são admitidos testamentos de mão comum ou conjuntivos (artigo 2181.º do CC). A
lógica é

(1) tentar evitar que um dos cônjuges ou que um dos testadores (porque podem não ser
cônjuges) exerça influência ascendente sobre o outro, 44

(2) garantir total liberdade na revogação do testamento e

(3) na perspetiva da DOUTORA MÓNICA JARDIM porque à morte de um ficava-se a


saber a vontade do outro que ainda está vivo.

Exceções:

1. Artigo 1704.º do CC: Refere aos pactos sucessórios (introduzidos numa convenção
antenupcial) que não forem admitidos por lei convertem-se em deixas testamentárias. O que
começou por ser uma deixa feita por duas pessoas, depois será como que duas deixas
separadas.

2. Artigo 946.º/2 do CC: O mesmo acontece nas doações mortis causa não admitidas por
lei, serão convertidas em deixa testamentária.

▪ O testamento é um negócio mortis causa, porque só produz efeitos após a


morte.

▪ O testamento é um negócio livre e absolutamente revogável, o que já resulta da


própria noção de testamento do artigo 2179.º do CC.

O legislador, no artigo 2311.º do CC, teve ainda o cuidado de afirmar, no n.º 1, que o testador
não pode renunciar à faculdade de revogar, no todo ou em parte, o seu testamento e, no n.º
2, que se tem por não escrita qualquer cláusula que contrarie a faculdade de revogação.

O legislador pretende assegurar a liberdade negocial do testador até à morte, pretende-se que
o testamento seja a manifestação da última vontade do testador, portanto ele pode revogar a
todo o momento.

A revogação pode ser:

• Expressa (artigo 2312.º do CC): Quando é feita através de um novo testamento ou


escritura pública, onde, de forma expressa, se declara que se revoga, no todo ou na parte, o
testamento anterior.

• Tácita (artigo 231411.º do CC): Ocorre quando surge um novo testamento que é em parte
ou totalmente incompatível com o testamento anterior. Nessa hipótese, tendo em conta que

11 2314 ou 2015? Dúvida

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o testamento é um negócio jurídico onde se manifesta a última vontade do autor da sucessão,


o que conta é o testamento feito em último lugar.

A revogação é tácita porque só pelo confronto do conteúdo dos dois testamentos se chega à
conclusão de que estão em contradição um contra o outro e de qual o feito em último lugar.

Segundo o n.º 2, se aparecerem dois testamentos da mesma data, sem que seja possível
determinar qual foi o posterior, e implicarem contradição, haver-se-ão por não escritas em 45

ambos as disposições contraditórias.

• Real (artigo 2315.º e 2316.º do CC): Quando o testador posteriormente, sem consentir
noutro testamento, por um ato material ou jurídico, revela um comportamento que leva o
legislador a admitir a presunção da revogação. Ocorre quando:

1. Artigo 2315.º do CC: O testamento, na posse do testador ou de terceiro a quem ele


entregue (o que é possível se estiver em causa um testamento cerrado), aparecer
dilacerado ou em pedaços. Aí considera-se revogado, a não ser que exista exemplar
e que se prove que:
a. O facto foi praticado por pessoa diversa do testador;
b. O testador não teve a intenção de o revogar ou se encontrava privado do uso
da razão.
2. Artigo 2316.º do CC: A propósito do legado, diz-se que há revogação real, sempre
que, depois de ter sido feita disposição a instituir legado e indicando o legatário o
bem que era do autor da sucessão, venha a ser por si vendido (exemplo: deixo o meu
Porsche ao primo x, mas depois o testador vendeu o carro, a não ser que se consiga
provar que o testador pretendeu fazer o legado de coisa alheia, ou seja, impor aos
herdeiros adquirirem o Porsche para entregarem ao legatário) ou venha a sofrer
alteração na forma e denominação ou na sua natureza (exemplo: deixo o anel de
brilhantes a Y, mas depois o testador manda transformar o anel em alfinete de peito).

Se o testamento revogatório for revogado, nos termos do artigo 2314.º/2 do CC, o


testamento anterior recobra, todavia, a sua força, se o testador, revogando o posterior,
declarar ser sua vontade que revivam as disposições do primeiro.

▪ O testamento é um negócio formal, porque tem de revestir uma das formas


testamentárias típicas (artigos 2204.º e ss. do CC) - remissão p/ ponto da
Forma do Testamento

Forma do Testamento
O testamento tem de obedecer a uma das formas solenes estabelecidas por lei; se não forem
respeitadas, levam à nulidade do negócio.

Em Portugal, não são admitidos os testamentos verbais ou nuncupativos, nem os


testamentos hológrafos (feito apenas pelo testador, escrito por ele e por ele assinado,
sem mais).

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Em Portugal, são admitidas as seguintes formas de testamento:

▪ Comuns (artigo 2204.º do CC e 4.º/2 e 67.º/1/a) do CN):


o Testamento público (artigo 2205.º do CC): Documento oficial, autêntico,
escrito pelo notário no seu livro de notas e fica no cartório notarial.
A data do testamento é a data em que foi escrito pelo notário.
46
o Testamento cerrado (artigo 2206.º do CC e 106.º a 115.º do CN):
Manuscrito e assinado pelo testador ou manuscrito por alguém a seu rogo e
assinado pelo testador ou manuscrito e assinado por outrem a rogo do
testador (n.º 1) e posteriormente apresentado ao notário para aprovação
(termo de aprovação - n.º 4), aprovação como garantia da regularidade formal
do testamento.
A data do testamento, porque não se admite o testamento hológrafo, é a do
termo de aprovação do notário (artigo 2207.º do CC).

De acordo com a DOUTORA MÓNICA JARDIM, há muito que deveria ter desaparecido
a expressão não saiba do artigo 2206.º/2 do CC. O testador tem sempre de assinar, a não
ser que não saiba ou que não possa, mas a verdade é que o testamento cerrado só pode ser feito
por quem saiba ler, ora quem sabe ler sabe assinar, agora quem não saiba assinar e saiba ler
não há notícia de tal. O que este número devia dizer é que o testador só pode deixar de
assinar o testamento cerrado se não o poder fazer.

Entre o testamento público e o testamento cerrado, é o interessado que escolhe se recorre a


um ou a outro, salvo na hipótese do artigo 2208.º do CC, que são as pessoas que não
sabem ou não podem ler, caso em que essas pessoas têm de fazer testamento público.

▪ Especiais (artigo 2210.º do CN): Apenas em circunstâncias anómalas/


excecionais, em que o testador está perante um perigo.
O testamento é feito de forma válida e eficaz mesmo que as pessoas se encontrem
em situação que as impossibilidade de recorrer às formas comuns de testamento: é o
caso do testamento militar, marítimo, feito a bordo de aeronave e feito em caso de
calamidade pública.

O testamento sob forma especial, de acordo com o artigo 2222.º do CC, perde a sua eficácia
depois de decorridos 2 meses sobre a cessação da causa que impedia o testamento
pelas vias comuns.

No caso de testamento feito por português no estrangeiro, se recorrer aos serviços do


consolado português, o testamento segue a forma comum. De acordo com o artigo 3.º/1/a)
do CN, os agentes consulares desempenham funções notariais. De acordo com o artigo
2223.º do CC, neste caso, o testamento só será eficaz com intervenção do notário ou de outra
entidade dotada de fé pública aquando da elaboração do testamento. O legislador quis que o

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testamento feito por um português no estrangeiro fosse feito perante oficial equivalente ao
nosso notário que terá de aprovar o testamento.

Capacidade de testar
A capacidade de testar é muito ampla, na medida em que o leque de pessoas que não
podem testar é reduzido.

A questão da capacidade ou incapacidade está prevista no artigo 2188.º e 2189.º do CC. Nos 47

termos do artigo 2188.º do CC, podem testar todos os indivíduos que a lei não declare
incapazes de o fazer e, nos termos do artigo 2189.º do CC, são incapazes de testar:

a) Os menores não emancipados — a emancipação, em Portugal, só ocorre com o casamento


(maiores de 16 e menores de 18 anos), de acordo com artigo 132.º do CC.

b) Os maiores acompanhados, apenas nos casos em que a sentença de acompanhamento


assim o determine.

No caso em que o testamento ser feito por essas pessoas, ele é nulo, nos termos do
artigo 2190.º do CC.

Assim, podem testar as pessoas físicas (não coletivas), desde que maiores ou menores
emancipados e maiores acompanhados, nos casos em que a sentença de acompanhamento
não determina a incapacidade de testar.

A data para apurar a capacidade do testador e, consequentemente, apurar que o testamento


é válido ou não, de acordo com o artigo 2191.º do CC, é a data do testamento.

Assim, se o testamento é cerrado é a data da aprovação do notário e se o testamento é público


é a data em que o testamento foi lavrado no livro de notas do notário. O que significa que,
se a essa data, a pessoa era menor e não emancipada ou maior acompanhado e a sentença de
acompanhamento tinha determinado que era incapaz para fazer testamento, o testamento
não é válido.

Mas note-se que a incapacidade superveniente não releva, a não ser na medida em que
impossibilita o testador de revogar a declaração anterior, mas não releva para apurar da valia
do testamento. Assim, se a pessoa que faz o testamento faz-lo quando é maior acompanhado
e a sentença não impediu a feitura de testamento, o testamento é válido, mas se
posteriormente é alterado o regime de acompanhamento a esse maior e determina-se a
incapacidade para fazer testamento, o que conta é a data em que foi feito o testamento, logo
é válido, porque foi feito por alguém que naquele momento era capaz.

Coloca-se uma questão a propósito da capacidade dos menores emancipados que é a


de saber se ele pode testar dispondo da totalidade dos seus bens. Com o artigo 1649.º
do CC, o legislador quis retirar ao menor, nos casos em que o menor casar sem ter obtido
autorização dos pais ou do tutor ou o respetivo suprimento judicial, a disponibilidade sobre
os bens sobre os quais ele não tenha disposição, de acordo com 1604.º/a) do CC. A lei impõe

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uma sanção que é o cônjuge ser considerado menor na administração dos bens que leve para
o casal ou que posteriormente lhe advenham por título gratuito até à maioridade. Portanto,
quando se fala em menor emancipado pelo casamento e poder de disposição de bens, o
menor só pode dispor da totalidade dos seus bens, inclusivamente dos que leve para o
casamento, se tiver atingido a emancipação pelo casamento, devidamente autorizada ou com
suprimento dessa autorização.
48
Indisponibilidades (legitimidades) relativas
A lei refere ainda os casos da indisponibilidade relativa, previstos nos artigos 2192.º e ss. Do
CC.

No Código de Seabra eram hipóteses havidas como hipóteses de incapacidade, mas


depois chegou-se à conclusão que não fazia sentido falar de incapacidade, porque não estava
em causa a qualidade de determinada pessoa, optando-se por falar de indisponibilidades
relativas. O termo indisponibilidades também não é o mais adequado, porque, quando se
utiliza essa expressão, estamos a pretender referir que determinados bens não são disponíveis
e também não é este o caso aqui, os bens podem ser dispostos. Na verdade, estão em causa
situações de ilegitimidades, a pessoa tem capacidade para fazer testamento, pode dispor dos
bens, só não pode é dispor de bens a favor de determinados beneficiários, ou seja, há uma
proibição de testar quando está em causa uma particular relação entre disponente e
beneficiário.

São as seguintes hipóteses:12

▪ Ilegitimidade em relação ao acompanhante ou administrador legal de bens


(artigo 2192.º do CC):
o É nula a disposição feita por maior acompanhado a favor de acompanhante
ou administrador legal de bens do disponente, ainda que estejam aprovadas
as respetivas contas.
o É porém, válida a disposição a favor das mesmas pessoas, quando se trate de
descendentes, ascendentes, colaterais até ao terceiro grau, cônjuge do
testador ou pessoa com quem este viva em união de facto.
▪ Ilegitimidade em relação ao médico, enfermeiro ou sacerdote (artigo 2194.º e
2195.º do CC):
o Artigo 2194.º: É nula a disposição a favor do médico ou enfermeiro que tratar
o testador, ou do sacerdote que lhe prestar assistência espiritual, se o
testamento for feito durante a doença e o seu autor vier a falecer dela.
o Artigo 2195.º: A nulidade estabelecida no artigo anterior não abrange:
▪ a) Os legados remuneratórios de serviços recebidos pelo doente;
▪ b) As disposições a favor das pessoas designadas no n.º 2 do artigo
2192.º

12Estas hipóteses servem para proteger a liberdade do testamento, ou seja, para a pessoa num momento mais
frágil não sentir qualquer obrigação relativamente ao trabalho de outrem

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▪ Ilegitimidade em relação ao cúmplice do testador adúltero (artigo 2196.º do


CC):
o É nula a disposição a favor da pessoa com quem o testador casado cometeu
adultério.
o Não se aplica o preceito do número anterior: a) Se o casamento já estava
dissolvido, ou os cônjuges estavam separados judicialmente de pessoas e bens
ou separados de facto há mais de seis anos, à data da abertura da sucessão; b) 49

Se a disposição se limitar a assegurar alimentos ao beneficiário.

No n.º 2, alínea a), fala-se em 6 anos porque na legislação anterior só podia haver divórcio
sem culpa em hipóteses determinadas e uma delas era de os cônjuges estarem separados (de
pessoas e bens) há mais de 6 anos. Entretanto, houve uma alteração e o legislador esqueceu-
se de alterar esta alínea. Por isso, hoje, nesta norma, onde se fala 6 anos deve ler-se 1 ano
apenas, de acordo com a legislação atual do divórcio.

▪ Ilegitimidade em relação ao notário ou outros intervenientes no testamento


ou na sua aprovação (artigo 2197.º do CC): É nula a disposição a favor do notário
ou entidade com funções notariais que lavrou o testamento público ou aprovou o
testamento cerrado, ou a favor da pessoa que escreveu este, ou das testemunhas,
abonadores ou intérpretes que intervieram no testamento ou na sua aprovação.

▪ Ilegitimidades conjugais (artigo 1650.º/2 do CC): A infração ao disposto nas


alíneas c) e d) do artigo 1604.º importa, respetivamente, para o tio ou tia, para o
tutor, acompanhante ou administrador, ou seus parentes ou afins na linha reta,
irmãos, cunhados ou sobrinhos, e para o adotante, seu cônjuge ou parentes na linha
reta, a incapacidade para receberem do seu cônjuge qualquer benefício por doação
ou testamento.

A data relevante para averiguar das ilegitimidades, na medida em que estas hipóteses
visam proteger a liberdade do autor do testamento, é a data em que é feito o testamento,
ou seja, em que ele foi aprovado pelo notário (no testamento cerrado) ou lavrado no livro de
notas (no testamento público).

Conservação e apresentação do testamento


Depende do tipo de testamento:

▪ Se o testamento for cerrado, de acordo com o artigo 2209.º/1 do CC, o testador


pode:
o Conservar o testamento em seu poder;
o Entregá-lo à guarda de um terceiro;
o Depositá-lo num cartório notarial.

De acordo com o artigo 2209.º/2 do CC, a pessoa que tiver em seu poder o testamento é
obrigada a apresentá-lo ao notário em cuja área o documento se encontre, dentro de três dias

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contados desde o conhecimento do falecimento do testador; se o não fizer, incorre em


responsabilidade pelos danos a que der causa, sem prejuízo da sanção especial da alínea d)
do artigo 2034.º.

Cfr. ainda artigo 115.º do CN.

▪ Se o testamento for público, ele está no cartório notarial.


50
Neste caso, como não há meio de fazer controlo das mortes dos autores do testamento, há
muitos testamentos que não chegam a ser abertos, porque o notário não teve conhecimento
da morte do seu autor.

Note-se que os notários têm de fazer o registo de todos os testamentos que fazem e têm de
enviar essa informação mensalmente para a conservatória dos registos centrais (artigo 207.º
do CN). Se assim é e se quando alguém morre tem de ser feito o registo do óbito e se essa
informação também chega à conservatória dos registos centrais, seria fácil de resolver o
problema. Bastava que a conservatória dos registos centrais, que tem o registo de quem fez
testamento, quando recebesse a informação do óbito de uma pessoa, fizesse o cruzamento
da informação e verifica-se se aquela pessoa tinha alguma vez feito um testamento. Se consta-
se que sim, sabia quem era o notário que tinha lavrado no livro ou que tinha aprovado o
testamento e informava-o para este proceder em conformidade.

Contudo, infelizmente, isso não ocorre.

Caducidade testamentária
De acordo com o artigo 2317.º do CC, a caducidade testamentária consiste na causa de
ineficácia do testamento ou disposição testamentária, válidos e não revogados, derivada da
verificação ou não de um circunstancialismo superveniente, previsto na lei ou de uma
condição suspensiva ou resolutiva.

A lista deste artigo é meramente enunciativa dos casos de caducidade ex lege: As disposições
testamentárias, quer se trate da instituição de herdeiro, quer da nomeação de legatário,
caducam, além de outros casos:

a) Se o instituído ou nomeado falecer antes do testador, salvo havendo representação


sucessória;

b) Se a instituição ou nomeação estiver dependente de condição suspensiva e o sucessor


falecer antes de a condição se verificar;

c) Se o instituído ou nomeado se tornar incapaz de adquirir a herança ou o legado;

d) Se o chamado à sucessão era cônjuge do testador e à data da morte deste se encontravam


divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens ou o casamento tenha sido
declarado nulo ou anulado, por sentença já transitada ou que venha a transitar em julgado,
ou se vier a ser proferida, posteriormente àquela data, sentença de divórcio, separação judicial
de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento;

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e) Se o chamado à sucessão repudiar a herança ou o legado, salvo havendo representação


sucessória.

AULA 13 DE ABRIL DE 2021

SUMÁRIO:
51

Registo
Registo Predial
Publicidade Registal
Principais sistemas registais
O sistema registal Português
Efeitos do Registo

Registo
O registo Predial
Para falar do registo predial temos de falar dos direitos reais que são os direitos tipicamente
publicitados pelos registos prediais dos diversos países.

O direito real traduz-se numa relação jurídica por força da qual uma coisa fica direta
e imediatamente subordinada a uma pessoa.

Precisamente porque assim é, os direitos reais são direitos eficazes erga omnes, na medida em
que deles resulta um esfera de domínio/soberania exclusiva sobre a coisa em relação
a todos os demais (não titulares do direito real), que estão vedados de perturbar essa
zona de soberania - todos os não titulares do direito real estão vinculados pelo o dever geral
de abstenção.

Porque assim é, o titular do direito real está mais exposto à violação do seu direito do que o
titular do direito de crédito. Enquanto o titular do direito de crédito tem um (ou vários)
devedor(es) certo(s) e determinado(s) e apenas este(s) pode(m) violar o direito, o titular do
direito real encontra em todos os outros sujeitos o dever geral de abstenção e, portanto, sabe
que qualquer outro homem, apesar de não ter com ele qualquer relação jurídica, pode violar
o seu direito, mesmo que atue de boa fé, mesmo que atue sem culpa e mesmo que não cause
dano.

Publicidade Registal
Um qualquer terceiro que pretenda adquirir um direito real sabe, na ausência do registo
predial, que pode vir a ser defraudado nos seus interesses adquirindo uma coisa ou direito
cuja titularidade não pertence ou nunca pertenceu ao seu transmitente ou adquirindo um
direito real que afinal está onerado com outros direitos reais.

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Exemplo 1. Uma determinada pessoa, na ausência do registo predial, pretendia adquirir o direito de
propriedade sobre um imóvel. Corria o risco de estar a negociar com o potencial proprietário e depois constatar
que ele nunca foi proprietário ou tinha sido e que já não era.

Exemplo 2. Alguém se disponibilizada para ser credor de outrem, mas exige uma garantia real – uma
hipoteca sobre o bem - e pensava que tinha sido assegurado aquele bem e que este estava livre e desonerado.
Haveria sempre o risco de já existir hipoteca na ausência de registo e aquele credor acabar por não reaver o
52
dinheiro por existirem garantias prioritárias.

Estes riscos imanentes aos direitos reais para os terceiros eram riscos relativamente
atenuados quando as sociedades eram compostas por núcleos populacionais
reduzidos e quando o tráfego imobiliário era também reduzido. Nessa altura, a
publicidade dos direitos acabava por ser dada pelo próprio negócio de transmissão
ou constituição do direito real ou deste acompanhado da entrega.

A partir do momento em que ocorreu o crescimento demográfico dos núcleos populacionais


e aumentou o trafego imobiliário, chegou-se à conclusão de que o negócio só por si ou
acompanhado da entrega da coisa era insuficiente para publicitar a transmissão ou
constituição do direito real, era necessário apurar se efetivamente o transmitente ou onerante
do direito tinha legitimidade para tal. Ou seja, tornou-se evidente que era insuficiente e
arriscado para o mercado jurídico estar a reconhecer eficácia erga omnes aos direitos reais como
consequência direta, imediata e exclusiva do negócio sem mais ou da entrega da coisa. Era
preciso equilibrar as forças: por um lado, tutelar o titular do direito real e, por outro
lado, acautelar o tráfego jurídico e aqueles que pretendam adquirir direitos reais.

Quando se chega a esta conclusão, de que os direitos reais não podem ser oponíveis erga
omnes como consequência direta e imediata dum contrato ou de um contrato acompanhado
de tradição da coisa, surge a necessidade de dar publicidade de forma estável, permanente e
mais eficiente aos direitos reais. É nessa altura13 que aparecem os diversos sistemas de
registo (predial) a nível mundial, para dar publicidade aos factos constitutivos,
translativos, modificativos, extintivos dos direitos reais relacionados com imóveis
(que eram aqueles que tinham mais valor e os mais facilmente determináveis) para
assegurar o tráfego jurídico.

13(*) Segunda metade do séc. XIX: Bélgica - 1851; França - 1855; Espanha - 1861; Portugal
- 1863; Itália - 1865; Áustria - 1871; Alemanha - 1896 (com a ressalva de Munique - século
XIV). A par destes países, os países da commom law, também porque sentiram a necessidade
de assegurar o tráfico jurídico e os terceiros não titulares de direitos reais, criaram outro
instituto: o seguro de títulos. Este seguro é um seguro ressarcitório que não garante alguém
perante um risco futuro, mas sim perante um risco passado - garante-se ao adquirente de um
direito real que, caso não venha a adquirir o direito ou que não o venha a adquirir com a
amplitude que pretendia, receberá um determinado valor, será ressarcido.

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Nessa altura, os ordenamentos jurídicos tomaram uma de duas posições:

1. Atribuir ao registo uma função constitutiva (Alemanha, Áustria, Suíça): Os direitos reais
não podem ter eficácia erga omnes como consequência direta do negócio ou do negócio com
traditio, Portanto, os direitos reais apenas existem e são eficazes erga omnes após o registo.

2. Atribuir ao registo uma função consolidativa: A regra de direito substantivo mantém-se,


nos termos da qual os direitos reais se constituem, transmitem e modificam em virtude do 53

simples contrato ou do contrato e da entrega da coisa e são eficazes erga omnes, mas é necessário
serem registados para consolidarem a sua oponibilidade perante certos e determinados
terceiros.

Principais sistemas registais


A partir da segunda metade do séc. XIX, começam a surgir sistemas registais, todos eles com
os mesmos objetivos:

(1) de dar segurança ao tráfico jurídico,

(2) de dar segurança aos terceiros que pretendiam celebrar negócios tendentes à aquisição,
constituição e transmissão de direitos reais e

(3) de impedir que os direitos reais fossem oponíveis erga omnes como consequência
direta do negócio ou do negócio e da traditio, optando uns pelo registo constitutivo e outros
pelo um registo consolidativo.

Em função destas opções, podemos dizer que, atualmente, temos 3 sistemas de aquisição,
constituição, modificação ou extinção de direitos reais: o sistema do título, o sistema
do título e do modo (podendo o modo ser simples ou complexo) e o sistema do modo.

1. Sistema do Título (vigora em Portugal, França, Itália, Bélgica, Luxemburgo):


Para que o direito real se constitua, transmita, modifique ou extinga é apenas
necessário e suficiente um título, uma justa causa, um fundamento jurídico (pode ser
a lei, uma sentença jurídica, um negócio jurídico unilateral ou um contrato).

No caso do contrato, basta o acordo de vontades, não é preciso um ato de execução


dessas vontades (o modo). Porque assim é, vale o princípio da consensualidade, segundo
o qual a mutação da relação jurídico-real (a constituição, transmissão, modificação e extinção
dos direitos reais) dá-se por mero efeito do título (da lei, da decisão judicial, do contrato ou
do negócio jurídico unilateral), não sendo necessário um modo (um ato de execução das
vontades, p. ex., a entrega da coisa, o pagamento do preço, o registo).

Num sistema de título, vigora (ainda) o princípio da causalidade, segundo o qual tem
de haver uma justa causa - um fundamento - para a ocorrência do efeito jurídico-real.

O que significa que o título tem de ser um bom título, ou seja, tem de ser um título:

I. Existente;

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II. Válido (não padeça de causas de nulidade ou de anulabilidade ou de ineficácia);

III. Procedente (apto a produzir efeitos reais).

Porque não é preciso um qualquer modo, nestes sistemas, o registo não é, em regra,
constitutivo, o registo serve apenas para consolidar a oponibilidade erga omnes dos direitos reais
(perante certos e determinados terceiros). Se não se der publicidade aos direitos reais que já
nasceram e que já são dotados de oponibilidade erga omnes e posteriormente aparecer um desses 54

terceiros, o tal direito real (que era oponível erga omnes) pode extinguir-se ou ficar onerado.

2. Sistema do Título e do Modo


a. Sistema do título e do modo simples (vigora em Espanha e no
Brasil):
O título não é suficiente, é ainda preciso o modo (o ato de execução). No caso do
contrato de compra e venda, que produz simultaneamente efeitos obrigacionais (obrigação
de entregar a coisa, obrigação de pagar o preço, etc.) e efeitos reais, este negócio (título) não
basta para a produção do efeito real, é ainda preciso um ato de execução (modo): em
Espanha, a entrega da coisa (quer seja móvel ou imóvel) e, no Brasil, a entrega da coisa (se
for móvel) ou o registo (se for imóvel).

Se assim é, se não basta o título e se exige um modo, não vigora o princípio da


consensualidade, mas vigora o princípio da causalidade, porque é suposto que o título
que antecede o modo seja também um título bom, ou seja, existente, válido e procedente.

O registo é constitutivo quando é o modo:

- No Brasil, estando em causa imóveis, o registo é o modo, logo é constitutivo, já não o é


para os móveis, pois o modo é a entrega da coisa.

- Em Espanha, o registo nunca é o modo (o modo é a entrega da coisa), por isso o registo
não é constitutivo.

b. Sistema de título e modo complexo (vigora, p. ex., na Áustria e na


Suíça):
O título não produz efeitos obrigacionais e reais.

Nestes sistemas, há um primeiro negócio que é meramente obrigacional, através do qual


as partes apenas se obrigam a vir a transmitir, constituir, modificar ou extinguir um direito
real, e que é o título (a causa/fundamento) para um posterior negócio real. O negócio real
é o cumprimento das obrigações assumidas no negócio obrigacional, mas para o
direito real se transmitir, constituir, modificar ou extinguir é ainda preciso acrescentar um
modo: relativamente às coisas móveis, é a entrega da coisa e, relativamente às coisas imóveis,
é o registo.

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O modo é complexo porque formado por dois elementos: negócio real + entrega da
coisa ou registo, consoante em causa estejam, respetivamente, móveis ou imóveis.

Não vigora o princípio da consensualidade, mas vigora o princípio da causalidade,


porque o negócio real não se abstrai da sua causa - do negócio obrigacional - e pode ser
afetado por invalidades do negócio obrigacional.

O registo é constitutivo quando é o modo: 55

- Para o móveis, o modo é entrega da coisa e não há registo;

- Para os imóveis, o modo é o registo e ele é constitutivo.

3. Sistema do Modo Complexo (apenas vigora na Alemanha):


Para a aquisição, constituição, transmissão e extinção do direito real, é preciso que seja
celebrado um negócio obrigacional, pois o negócio não produz, simultaneamente, efeitos
obrigacionais e reais, e depois é preciso que se celebre um negócio real, apto a produzir
efeitos reais. Contudo, só por si não basta, por fim é necessário proceder-se à entrega da
coisa (se for móvel) ou ao registo (se for imóvel).

A diferença do sistema de modo complexo perante ao sistema de título e modo complexo é


que, no sistema alemão, também não vigora o princípio da consensualidade, mas não
vigora o princípio da causalidade, ao contrário do que acontece no sistema de título
e modo complexo. No sistema de modo complexo é apenas necessário o negócio real
+ a entrega da coisa ou o registo.

O modo é complexo porque é formado por dois elementos e abstrai-se do título (do negócio
obrigacional) - vale o princípio da abstração.

O registo é constitutivo quando este é modo e isso acontece quando em causa estão imóveis.

O sistema registal Português


Características
— É um sistema de fólio real (tal como na Alemanha, Suíça e Brasil), porque os atos
sujeitos a registo respeitam à coisa que é objeto da relação jurídico-real (a prédios) e não às
pessoas titulares de direitos reais (como acontece em França, Itália e Bélgica). Por isso, é
importante a descrição do prédio (antes da descrição, não pode haver inscrição no registo) e,
por isso, é também importante o princípio da especialidade física (identificar perfeitamente
o prédio).

— Os serviços de registo são desenvolvidos por serviços públicos – as conservatórias


de registo predial.

As conservatórias de registo predial integram-se no Instituto dos Registos e do


Notariado (IRN) (que faz parte da orgânica do Ministério da Justiça) e os funcionários das

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tais conservatórias (do registo predial) são os conservadores e adjuntos e outros funcionários
que são funcionários públicos (que estão integrados na orgânica do Ministério da Justiça).

Nos termos da legislação em vigor, existe uma vinculação hierárquica do responsável pela
feitura dos registos perante o presidente do IRN. Os funcionários públicos estão vinculados
hierarquicamente ao presidente do IRN e estão sujeitos a sanções disciplinares, além de
poderem incorrer em responsabilidade civil e responsabilidade criminal. No entanto, apesar
56
de serem funcionários públicos, no momento da feitura do registo, enquanto responsável
pela feitura do registo, o conservador está incumbido de realizar uma ato que envolve
valoração jurídica, feita de forma imparcial e independente e, portanto, não atua como um
mero funcionário administrativo, mas como um árbitro independente e imparcial,
não subordinado - remissão p/ o princípio da legalidade e p/ os recursos.

No entanto, não é assim em todos os países. Em muitos países, os conservadores ou


registradores são desfuncionarizados, tal como os notários, ou seja, os conservadores
desempenham uma função também ambivalente: por um lado, pública e, por outro lado, ao
serviço dos particulares. É o que acontece na Espanha, no Brasil, etc.

— O território nacional está dividido por circunscrições e cada conservatória tem a


sua área de circunscrição.

Isto era relevante até janeiro de 2009, porque os factos que tivessem por objeto um
determinado prédio tinham de ser registados na conservatória cuja área de circunscrição
abrange-se a localização daquele prédio. A partir de janeiro de 2009, deixou de valer a regra
da territorialidade e porque assim é, neste momento, pode-se solicitar o registo de um facto
jurídico relativo a um prédio em qualquer conservatória do registo predial do país.

O que esteve na fase do fim da competência territorial foi facilitar da vida do cidadão, não o
obrigando a deslocar-se à conservatória do registo predial. Note-se que se pode fazer pedidos
de registo presencialmente, por correio ou online. E essa eliminação foi possível porque o
registo é todo feito em suporte eletrónico - é um registo eletrónico único para todo o país.

A DOUTORA MÓNICA JARDIM tem dúvidas em relação ao princípio da


territorialidade.

Porque o conservador quando decide se vai ou não realizar o registo, e no caso de fazer se o
faz como definitivo ou como provisório, está a atuar como arbítrio imparcial. Porque assim
é, era suposto não ser escolhido, da mesma forma que não podemos escolher o tribunal em
que queremos ver julgada determinada causa e muito menos o juiz. Acresce que quando se
pode escolher a conservatória que vai efetuar o registo e, portanto, o conservador, com isso
estamos também a definir qual vai ser o tribunal que vai julgar um potencial recurso. Ou seja,
o fim da competência territorial conduziu a que não só se possa optar pelo conservador que
vai decidir se efetua o registo ou se o recusa e, no caso de efetuar, se o efetua como definitivo
ou como provisório, como ainda conduziu a que, com isso, se esteja a escolher o tribunal da

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área de circunscrição que vai decidir um potencial recurso, caso a decisão não agrade a quem
solicitou o recurso.

A DOUTORA MÓNICA JARDIM compreende as razões que conduziram ao fim da


competência territorial, no entanto entende que se teria chegado ao mesmo objetivo de
outro modo: bastaria que o interessado/cidadão solicita-se o registo em qualquer
conservatória e que essa conservatória reconduzisse o pedido para a conservatória
57
competente. Com isso evita-se deslocações, poupava-se tempo e estava resolvida a questão.

Não foi essa a opção. Pôs-se fim à competência territorial e, com isso, Portugal é o
único país no qual não rege a regra da competência territorial.

— O registo, desde janeiro de 2009, não é apenas e só feito pelos conservadores.

Até 2009, os atos de registo eram da competência exclusiva dos conservadores (das pessoas
habilitadas, formadas especificamente para efetuar registos). Depois, os conservadores
podiam delegar a competência aos funcionários da sua confiança, nos funcionários que
entendessem que estavam mais habilitados para o fazer, mas a responsabilidade era sempre
do conservador.

Desde janeiro de 2009, o legislador entendeu que os funcionários poderiam praticar


uma generalidade de atos de registo (passaram a ter competência própria, não tendo de
haver delegação por parte do conservador para a prática de determinados atos),
independentemente do seu tempo de serviço em conservatória, das suas habilitações e dos
seus conhecimentos.

Nada nos garante que, em janeiro de 2009, não se tenha considerado competente um
funcionário de uma conservatória, porque todos passaram a ser considerados competentes,
que tivesse mudado para a conservatória há dias.

O legislador atribui essa competência, talvez, porque o trabalho era muito e os conservadores
eram poucos, em vez de formar novos conservadores e atribuir-lhes as respetivas
competências.

— O registo é obrigatório, desde janeiro de 2009.

No sistema registal português, o registo não é o constitutivo (é condição necessária, embora


nunca seja condição suficiente, para a aquisição, constituição, modificação do direito), ele
visa apenas consolidar a oponibilidade erga omnes dos direitos reais ou das situações jurídico-
reais, mas é obrigatório (é aquele que, não sendo feito, conduz a que aquele que o deveria
solicitar fique sujeito a uma sanção de cariz pecuniário).

Na generalidade dos ordenamento jurídicas onde o registo assume uma função constitutiva,
ele não é obrigatório, porque não há sanção maior do que não ocorrer a aquisição,
constituição, modificação de um direito real.

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Em Portugal, desde 2009, passou a ser obrigatório. No entanto, em data anterior, já se tinha
tentado implementar o registo obrigatório:

1. Em 1951, tentou fazer-se o cadastro geométrico obrigatório (previsto em 1947) e, na


sequência desse cadastro, surgiu o registo obrigatório em determinadas áreas do país.

Esse cadastro nunca foi feito em todo o país e, então, desde 1947 até 1984 (data do atual do
CRP) em certas zonas do país o registo obrigatório (porque nelas vigorava o sistema de 58

cadastro geométrico da propriedade) e no resto do país (onde não existia o cadastro


geométrico - do centro ao limite norte do país) o registo era facultativo.

2. A partir de 1984, com a entrada em vigor do CRP, o registo obrigatório cessou totalmente,
quer nas áreas em que existia cadastro geométrico quer nas áreas em que não existia.

3. A partir de 2009, e em relação a atos praticados a partir dessa data, o registo passou a ser
obrigatório.

A obrigatoriedade do registo está prevista no artigo 8.º-A e ss. do CRP onde se pode
ler o seguinte: É obrigatório submeter a registo (alínea a) os factos referidos no artigo
2.º e (alínea b) as acções, decisões e providências, referidas no artigo 3.º, salvo as
acções de impugnação pauliana e os procedimentos mencionados na alínea d) do n.º
1 do mesmo artigo.

O artigo 2.º do CRP é o artigo que elenca (de forma não taxativa quanto aos factos)
os factos sujeitos a registo. Já o artigo 1.º do CRP indica quais os fins do registo: O
registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios,
tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.

Estão sujeitos a registo todos os factos jurídicos que tenham a ver com direitos reais sobre
imóveis e qualquer direito real que tenha por objeto imóvel e que sofra uma qualquer
mutação depois da sua constituição (neste caso, os factos são os que estão no artigo 2.º e
outros que tenham por objeto direitos reais sobre imóveis). Além destes, os factos
relacionados com alguns direitos de crédito ou com direitos que se pretendem que passem a
ser dotados de eficácia real (neste caso, são só e apenas aqueles indicados no artigo 2.º) (p.
ex., um arrendamento por mais de 6 anos, um contrato-promessa dotado de eficácia perante
terceiros, um pacto de preferência dotado de eficácia perante terceiros).

O artigo 3.º do CRP diz que estão igualmente sujeitos a registo:

a) As ações que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a


modificação ou a extinção de algum dos direitos referidos no artigo anterior, bem como as
ações de impugnação pauliana;

b) As ações que tenham por fim, principal ou acessório, a reforma, a declaração de nulidade
ou a anulação de um registo ou do seu cancelamento;

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c) As decisões finais das acções referidas nas alíneas anteriores, logo que transitem em
julgado.

d) Os procedimentos que tenham por fim o decretamento do arresto e do arrolamento, bem


como de quaisquer outras providências que afectem a livre disposição de bens;

e) As providências decretadas nos procedimentos referidos na alínea anterior.


59
No artigo 8.º-A/1/a) do CRP diz-se ainda que estão sujeitos a registo os factos
referidos no artigo 2.º, exceto:

i) Quando devam ingressar provisoriamente por natureza no registo, nos termos do n.º 1 do
artigo 92.º;

ii) Quando se trate de aquisição sem determinação de parte ou direito;

iii) Aqueles que incidam sobre direitos de algum ou alguns dos titulares da inscrição de bens

integrados em herança indivisa;

iv) A constituição de hipoteca e o seu cancelamento, neste último caso se efetuado com base
em documento de que conste o consentimento do credor — Na hipoteca o registo é
constitutivo, o credor saberá se quer ou não constituí-la, se não a registar não tem a hipoteca,
além disso a existência (em abstrato) de uma hipoteca sem registo não perturba a posição de
terceiros, porque na verdade ela não existe.

v) A promessa de alienação ou oneração, os pactos de preferência e a disposição


testamentária de preferência, se lhes tiver sido atribuída eficácia real — Quanto ao contrato
de promessa e quanto ao pacto de preferência a mesma coisa, se não forem registados não
produzem efeitos perante terceiros e também não se pode obrigar o titular do direito (o
promissário ou preferente) a beneficiar dessa eficácia.

São sujeitos da obrigação de registar, de acordo com o artigo 8.º-B do CRP:

1. O titulador (aquele que dá forma ao negócio), ou seja, o notário, o advogado, solicitador


ou as câmaras de comércio e indústria — as entidades que celebrem a escritura pública
[notários], autentiquem os documentos particulares [notários, solicitadores, advogados,
câmaras de comércio ou funcionários das conservatórias] ou reconheçam as assinaturas neles
apostas [advogados, solicitadores, câmaras de comércio e indústria e funcionários das
conservatórias e notários].

2. Na ausência de pedido por parte do titulador, os sujeitos ativos do facto jurídico (p. ex. o
alienante, o onerante e o donatário).

São ainda obrigados a promover o registo:

a) Os tribunais no que respeita às ações, às decisões e a outros procedimentos e providências


ou atos judiciais;

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b) O Ministério Público, no que respeita às apreensões em processo penal que tenha


autorizado, ordenado ou validado, e quando, em processo de inventário, for adjudicado a
incapaz ou ausente em parte incerta qualquer direito sobre imóveis;

c) Os agentes de execução, ou o oficial de justiça que realize diligências próprias do agente


de execução, quanto ao registo das penhoras, e os administradores judiciais, quanto ao registo
da declaração de insolvência.
60

De acordo com o artigo 8.º-C, são prazos a promover o registo:

- Quanto aos factos jurídicos sujeitos a registo do artigo 2.º, em regra, são 2 meses (n.º 1):

• Em janeiro de 2020, surgiu um novo direito real, o direito real de habitação duradouro,
cujo registo deve ser solicitado no prazo apenas de 1 mês (não se sabe o porquê da diferença
de prazo). Em relação a esse direito real, o primeiro obrigado não é o titulador, é o sujeito
ativo, ou seja, o morador.

- Quanto ao registo de ações referidas no artigo 3.º/1/a) e b), sujeitas a registo obrigatório,
são 10 dias, após a data da audiência de julgamento (n.º 2).

- Quanto ao registo de decisões proferidas nas ações é 1 mês, a contar do trânsito em julgado
(n.º 3).

- Quando ao registo das providências cautelares decretadas nos procedimentos referidos no


artigo 3.º/1/d), assim como o registo do ato a que se refere o artigo 2.º/1/p), devem ser
pedidos no prazo de um mês, a contar da data em que os factos tiverem sido titulados (n.º
4).

Atos sujeitos a registo


O sistema de registo, em Portugal, é um sistema de fólio real, o que significa que os factos
jurídicos inscrevem-se em relação a um determinado prédio. Daí a importância de saber qual
o prédio em concreto e o princípio da especialidade.

Quando se pretende fazer a inscrição de um facto jurídico, ocorrem os seguintes atos:

1. Descrição do prédio: A descrição está prevista no artigo 79.º e ss. do CRP e desses
preceitos resulta que a descrição tem por objeto o prédio e é o ato de registo que se dirige à
identificação física (é suposto dar indicações de como é o prédio) e fiscal (n.º fiscal do prédio
que consta nas finanças) do prédio - hoje já não se exige a identificação económica (o valor
patrimonial).

Quanto à descrição física:

- Sendo um prédio rústico: nome, localização, área, tipo de cultura, confrontadno a norte
com e a sul com;

- Sendo um prédio urbano: rua, n.º de polícia, localidade, n.º de pisos, composição, destino
(habitação ou comércio), n.º matricial (matriz que consta nas finanças).

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Quanto à descrição é habitual dizer-se que a descrição é o retrato escrito do prédio.

Contudo, a descrição dos prédios e a descrição que consta do registo está longe de
ser o retrato escrito do prédio. Na verdade, diz-se que:

• O prédio tem uma determinada área e, na maioria das vezes, o prédio tem uma área
superior, porque os proprietários declaravam menos área nas finanças para pagar menos e
no registo a área era em conformidade com a das finanças. 61

• O prédio confronta com pessoas, quando os prédios, na realidade, confrontam com outros
prédios.

De acordo com a DOUTORA MÓNICA JARDIM, a descrição que consta do registo


é muito pobre, precisávamos que dissesse onde o prédio se situa, qual a sua área, as suas
confrontações, qual o seu polígono e não temos nada disso. Tal podia ser feito através do
levantamento cadastral e depois fosse levada a imagem do prédio e a área para o registo.
Neste momento, tem-se algo em marcha o denominado bupi, que é o balcão único do prédio
onde pode ser feita a georeferenciação do prédio, mas é também muito incipiente.

2. Inscrição: Inscrevem-se os factos jurídicos que têm por objeto aquele prédio. Portanto
inscrevem-se tantos factos jurídicos quantos aqueles que forem ocorrendo.

3. Averbamentos: Podem ser:

• À descrição: Modificam, complementam e retificam a descrição.

• À inscrição: Complementam, restringem ou atualizam a inscrição.

4. Anotações: São meras notícias de circunstâncias previstas na lei que não têm reflexos
diretos na situação substantiva. É apenas para dar alguma publicidade e serve para
internamente os funcionários e conservadores compreenderem e fazerem ligações.

Eficácia do Registo (das inscrições)


O ato de registo mais importante para nós é a inscrição. As inscrições têm de ser distinguidas
em função da sua eficácia (no sentido do tempo que duram). Portanto, fala-se em:

• Registo provisório (inscrições provisórias):

- Por dúvidas: O registo é provisório por dúvidas quando não poder ser lavrado tal como
foi pedido, também não pode ser recusado porque não cabe em nenhuma das hipóteses do
artigo 69.º e também não deve ser feito como provisório por natureza porque não é nenhum
dos casos previstos no artigo 92.º.

Contudo, antes de o conservador fazer o registo como provisório por dúvidas, deve solicitar
ao interessado (a quem apresentou o pedido de registo) o suprimento das insuficiências do
pedido:

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• Se as dúvidas forem supridas em 6 meses, o registo converte-se em definitivo e conserva a


prioridade que tinha enquanto provisório;

• Se as dúvidas não forem supridas em 6 meses, o registo caduca.

São hipóteses exemplares em que o registo é lavrado como provisório por dúvidas:

1.Não se comprovou que ocorreu o cumprimento das obrigações fiscais;


62

2. Solicita-se um registo de aquisição juntando um documento de aquisição no qual consta


como transmitente outra pessoa que não é o titular registal - tal violaria o princípio do trato
sucessivo.

- Por natureza: O registo só pode ser lavrado como provisório por natureza nas hipóteses
(taxativas) do artigo 92.º do CRP. Essas hipóteses podem juntar-se em alguns grupos:

I. Caráter preliminar ou precário do facto a inscrever:

• al. a): Das acções e procedimentos referidos no artigo 3.º. Exemplo: Intentada uma ação de
reivindicação onde se pede o reconhecimento do direito e a restituição da coisa. O pedido de restituição da
coisa tem cariz obrigacional, não está sujeito a registo, o que está sujeito a registo, de acordo
com o artigo 3.º do CRP, é o pedido de reconhecimento do direito. Quando se intenta a ação
e se solicita o registo da ação ainda não se sabe se vai ser reconhecido o direito ou não,
portanto este facto tem caráter preliminar os precários.

Se a decisão for de procedência e for reconhecido o direito, o registo provisório é convertido


em definitivo e tudo se vai passar, perante terceiros, como se o reconhecimento do direito
de propriedade, para efeitos registais, tivesse ocorrido na data da propositura da ação.

• Al. b): De constituição da propriedade horizontal, antes de concluída a construção do


prédio (sobre uma coisa futura).

• O facto jurídico que se inscreve ainda não ter ocorrido (pretende-se assegurar o credor
hipotecário ou o futuro adquirente):

- Al g): De aquisição, antes de titulado o contrato;

- Al. i): De hipoteca voluntária, antes de lavrado o título constitutivo.

• Al e): De negócio jurídico anulável por falta de consentimento de terceiro ou de autorização


judicial, antes de sanada a anulabilidade ou de caducado o direito de a arguir.

Exemplo: O notário (etc.) não deve recusar-se a reduzir esta compra e venda a escritura pública, se o negócio
foi celebrado por um menor ou por um cônjuge sem o consentimento do outro. O negócio é anulável porque
falta o autorização de alguém e ela não foi suprida judicial. Se o negócio foi celebrado de acordo com a lei
depois também há-de ser registado, como provisório por natureza. Se decorrido o prazo para arguir a
anulabilidade e ninguém a arguir, foi sanada e o registo converte-se em definitivo.

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• Al. f): De negócio jurídico celebrado por gestor ou por procurador sem poderes suficientes,
antes da ratificação — depois de ocorrer a ratificação converte-se em definitivo.

II. O registo que é pedido está dependente de outro que também está feito como provisório.
Se aquele de que depende for convertido em definitivo este também será, se ao invés aquele
de que depende for cancelado ou caducar este não será convertido.

Exemplo: A (titular registal) vendeu o bem a B e B solicitou o registo a seu favor, mas não comprovou o 63

cumprimento das obrigações fiscais e, por isso, o seu registo ficou como provisório por dúvidas. A seguir, B
titular registal, mas com registo provisório por dúvidas, constituiu uma hipoteca a favor de C. Esta hipoteca
a favor deC não pode ficar como definitiva, porque depende da aquisição a favor de B e o registo a favor de B
está como provisório. Portanto, a hipoteca vai ficar como provisória por natureza. Se o registo de aquisição de
B for convertido em definitivo também o registo da hipoteca será; ao invés, se o registo de aquisição de B
caducar (ao fim de 6 meses) também o registo da hipoteca terminará.

III. O registo pedido seja incompatível com um anterior que ainda não esteja como
definitivo.

Exemplo: A celebrou um contrato de compra e venda com B e B obteve o respetivo registo de aquisição.
Entretanto, A intentou uma ação tendente à declaração de nulidade ou de anulação do negócio entre si e B.
A ação está em curso e B, na pendência da ação, vende o imóvel a C e C vem solicitar o registo a seu favor.
B tem o registo definitivo, mas depois deste registo há o registo de uma ação que ficou provisória por natureza
nos termos da al. a). Se aquela ação proceder, a seguir virá o registo de uma sentença que declare nulo ou
anule o negócio e se for julgada procedente a ação tudo se passa como se o bem nunca tivesse saído da esfera
jurídica de A. Logo, C, que quer um registo a seu favor, quer um registo que é incompatível com o registo da
ação existente. Portanto, se o registo é incompatível como o anterior, que também não foi feito como definitivo,
também ficará como provisório.

• Registo definitivo (inscrições definitivas).

O registo pode ser recusado e as hipóteses de recusa estão taxativamente enunciadas no


artigo 69.º do CRP, designadamente:

- Quando for manifesto que o facto não está titulado nos documentos apresentados (p. ex.,
solicita-se o registo da aquisição da propriedade e não se junta o contrato de compra e venda,
mas o contrato de promessa);

- Quando se verifique que o facto constante do documento já está registado ou não está
sujeito a registo (na primeira hipótese, p. ex., o sujeito ativo do ato, imediatamente após o
ato, solicitou o registo e, de seguida, o titular solicitou também o registo; na segunda hipótese,
apenas estão sujeitos a registo os factos constantes do artigo 2.º e 3.º do CRP);

- Quando for manifesta a nulidade do facto (p. ex., dois comproprietários querem por fim
amigavelmente à compropriedade e dividir o prédio único, que era de ambos, em dois e que
da divisão resultam prédios com a uma área inferior à unidade de cultura e não podia resultar

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e a sanção é a nulidade). A lei utiliza a expressão manifesta nulidade, mas manifesta não é no
sentido de ostensivo;

- Quando o registo já tiver sido lavrado como provisório por dúvidas e estas não se mostrem
removidas — Se antes tiver sido formulado um pedido de registo e o conservador tiver
solicitado o suprimento de insuficiências e tal não tiver acontecido e o registo tiver lavrado
como provisório por dúvidas e se tiver decorrido o prazo de 6 meses, caduca o registo. Se o
64
mesmo interessado vier a solicitar o mesmo registo e se suscitarem as mesmas dúvidas, o
conservador já não o faz por dúvidas, recusa-o, se não seria uma forma de manter a
prioridade até regularizar a situação.

- Quando o preparo não tiver sido completado.


AULA 20 DE ABRIL DE 2021

SUMÁRIO:

Efeitos do registo
Artigo 5.º do Código do Registo Predial

Na última aula demos conta dos sistemas de registo predial, depois passamos a analisar as
características do sistema registal Português, e por fim a análise dos sujeitos a registo e atos
praticados pelo conservador.

Também falamos do atos sujeitos a inscrição (definitiva ou provisória) e para explicar melhor
como se chegava a essa conclusão analisamos o artigo da recusa do registo.

Agora passamos a analisar como se pode recorrer da decisão do conservador.

Recurso da decisão do conservador ou do funcionário da


conservatória

Como se pode recorrer da decisão do conservador ou do funcionário da conservatória que


recusou o registo ou que o fez provisório por dúvidas, quando a pessoa entende que deveria
ter sido feito como definitivo?

O recurso está previsto no artigo 140.º e ss. do CN e na verdade são dois recursos. O
interessado tem a possibilidade de optar pelo(a):

1. Recurso hierárquico dirigido ao presidente do IRN: A opção por este recurso não obsta a
que posteriormente ainda haja impugnação judicial.

2. Impugnação/recurso judicial: A opção por este recurso já obsta a que posteriormente haja
recurso hierárquico.

De acordo com o artigo 142.º do CN, quer se opte pela impugnação judicial, quer se opte
pelo recurso hierárquico, o requerimento ou a interposição do recurso é apresentado/

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entregue na própria conservatória cujo ato está a ser objeto de recurso. Depois, de acordo
com o artigo 142.º-A do CN, independentemente de quem tenha praticado o ato, ou seja,
independentemente de ter sido um conservador ou um funcionário da conservatória, o
recurso vai ser sempre analisado, num primeiro momento, pelo conservador. Ou seja,
impugnada a decisão, hierárquica ou judicialmente, o conservador vai ter que se debruçar de
novo sobre o assunto e vai, no fundo, ter que proferir um despacho a sustentar ou a reparar
a decisão tomada por ele ou por um dos funcionários. 65

Se sustentar a decisão, é o próprio conservador que faz chegar o processo ao tribunal, se a


impugnação for judicial, ou ao IRN, se o recurso for hierárquico.

O caso de o recurso ser hierárquico, de acordo com o artigo 144.º/1 do CN, ele tem de ser
decidido no prazo de 90 dias, pelo presidente do IRN e este pode decidir que previamente
seja ouvido o conselho técnico, que, de acordo com o artigo 144.º/2 do CN, deve
pronunciar-se num máximo de 60 dias. Na prática, nem todos os recursos vão diretamente
ao presidente do IRN:

- As questões mais simples, ficam pela secção jurídica do IRN e depois são apenas
homologadas pelo presidente;

- Nas questões complexas, o presidente pode pedir para que o conselho técnico se pronuncie,
para que seja previamente ouvido.

Se o presidente do IRN deferir o recurso, ou seja, se achar que quem intentou o recurso tem
razão, decorre do artigo 144.º/4 do CN, deve ser dado cumprimento à sua decisão, devendo
haver alteração e ser feito o registo no mesmo dia. Se o presidente do IRN, ao invés,
improceder o recurso, ou seja, se achar que a decisão foi bem tomada pelo conservador ou
pelo funcionário da conservatória, das duas uma: (1) ou o interessado se conforma ou (2)
ainda pode impugnar judicialmente. Neste último caso, o que o interessado vai impugnar é
apenas e só a decisão do conservador ou do funcionário da conservatória (a decisão de base
que deu início ao recurso), nunca recorre da decisão do próprio presidente do IRN.

Se houver a impugnação judicial ad initio ou depois do recurso hierárquico valem os artigos 145.º
e ss. do CN, devendo ser ouvido o Ministério Público, nos termos do artigo 146.º do CN,
para emitir parecer. Depois da decisão judicial, ainda há possibilidade de recurso da sentença
para a Relação.

Princípios de direito registal


— PRINCÍPIO DA INSTÂNCIA (artigo 41.º do CRP): O registo efetua-se mediante
pedido de quem tenha legitimidade e tem legitimidade para solicitar o registo quem consta
do artigo 36.º do CRP:

• Os sujeitos ativos e passivos da relação jurídica (no caso de uma compra e venda, tanto o
vendedor (sujeito passivo) como o comprador (sujeito ativo); numa doação, tanto o
donatário (sujeito ativo) como o doador (sujeito passivo));

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• Qualquer outro interessado - todas as pessoas que revelem interesse na feitura do registo.

Exemplo: A, que consta do registo como titular registal, vendou o imóvel a B que se tornou proprietário por
aquisição por compra e venda, mas B não solicitou o registo, porque foi antes de 2009 quando não era
obrigatório o registo. Entretanto, B conseguiu alienar o bem a C sem que tivesse o registo a seu favor (era, p.
ex., uma das hipóteses de exceção ao princípio da legitimação, ou seja, em que alguém pode alienar sem que
previamente tenha o registo a seu favor). C solicitou o registo da sua aquisição, juntando o título nos termos
66
do qual adquiriu o direito de B. O conservador, perante os registos existentes, a informação que tem é que o
proprietário é A e o registo gera a presunção da titularidade do direito de A. Então, se assim é, o conservador
não pode fazer o registo de C, de acordo com o princípio do trato sucessivo. C que não vai conseguir o registo
definitivo, apenas vai conseguir, em virtude deste princípio, um registo provisório por dúvida, pode, durante os
6 meses que vigorar o registo por dúvidas, solicitar o registo a favor de B, do seu alienante, porque logo que o
registo de B seja feito, o seu registo converter-se-á em definitivo.

• O primeiro obrigado a solicitar o registo, ou seja, o titulador.

Salvo os casos de oficiosidade previstos na lei - p. ex., artigo 92.º/7 e 8, artigo 98.º/3, artigo

101.º/4, artigo 119.º/3, etc.

— PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE: O registo deve ter sempre o prédio o melhor


identificado possível, até porque o nosso sistema registal é um sistema de fólio real:
inscrevem-se os factos por referência a prédios e não aos titulares dos direitos. Portanto, é
preciso que o registo predial tenha por objeto um prédio certo, determinado e localizado
concretamente num determinado espaço - isso consubstancia o princípio da legitimação
objetiva.

— PRINCÍPIO DA PRIORIDADE (artigo 6.º/1 do CRP): O direito primeiramente


inscrito prevalece em face de outro publicitado posteriormente. Prevalece conduzindo ou
impedindo a entrada no registo de outro direito que com ele seja totalmente incompatível (p.
ex., direito de propriedade vs. direito de propriedade) ou, no caso de haver compatibilidade
de direitos (p. ex., hipoteca vs. hipoteca), impondo uma graduação - é uma mera decorrência
da oponibilidade/ eficácia erga omnes dos direitos reais, que é consolidada com o registo.

Do n.º 3 e n.º 4 decorre que o registo convertido em definitivo conserva a prioridade que
tinha como provisório, ou seja, a data do registo definitivo é, para todos os efeitos, a data do
provisório.

Se o registo foi recusado ou se foi lavrado como provisório (apesar de não dito
expressamente aqui já resultava do n.º 3) e se chega à conclusão, no final do recurso (seja
hierárquico seja judicial), que o registo devia ter sido feito como definitivo, o registo que é
feito na sequência do recurso mantém a data da apresentação do ato que foi objeto de recusa,
ou seja, tem a data que teria se tivesse sido lavrado logo bem.

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A data do registo não é a data em que o registo é feito, é data em que é feita a anotação do
livro diário e a data da anotação corresponde à data em que é feito o pedido, seja online,
presencialmente, seja por correio.

É habitual dizer-se que os efeitos do recurso (do registo definitivo) retroagem à data em que
foi feito o pedido de registo e ele foi recusado (ao do registo provisório). Podendo dizer-se
isto, tem de se ter em atenção que são os efeitos do registo e não os efeitos substantivos, se
67
em causa estiver uma ação.

Exemplo: Intentada uma ação de execução específica, esta é provisória por natureza (artigo 92.º/1/a) do
CN). A ação corre e passado uns anos a ação é julgada procedente e há sentença que é constitutiva, porque
dá por celebrado o contrato prometido. Os efeitos que retroagem são os efeitos do registo da sentença à data do
registo da ação. O registo, uma vez convertido em definitivo, conserva a prioridade que tenha como provisório.
A celebração do contrato e a aquisição do direito real em decorrência da celebração coerciva do contrato através
da sentença proferida em ação de execução específica ocorre no dia em que a sentença transita em julgada.

A propósito da hipoteca se disse que, antes de 2009, ou seja, antes de o registo em Portugal
ser eletrónico, existia um n.º 2 do artigo 6.º nos termos do qual as hipotecas concorriam entre
si na proporção dos respetivos créditos sempre que tivessem a mesma data. Esta solução
sempre foi criticada, porque sempre se entendeu que o registo da hipoteca ser constitutivo
não havia porque equiparar registos feitos no mesmo dia, mas em horas diferentes. Mas, com
a entrada em vigor do registo eletrónico e dos livros de registo em suporte digital e um único
livro para todo o país, passou a ser fixava a data, hora, minuto e milésimo de segundo de
cada pedido de registo, independentemente da forma como este é feito. Porque assim é,
entendeu o legislador que não fazia sentido esta solução.

No entanto, pode acontecer que entrem dois pedidos de registo de hipoteca sobre o mesmo
bem por correio no mesmo dia e se os pedidos forem feitos por correio, o conservador vai
anotar no livro diário apenas no fim do expediente. Se forem pedidos dois registos de duas
hipotecas sobre o mesmo imóvel por correio, o conservador não vai optar por dar prioridade
a uma ou a outra. De acordo com o 63.º do CRP, o que vai acontecer é que o conservador
vai ter de verificar qual delas foi primeiro titulada, ou seja, qual foi a que primeiro foi objeto
de negócio jurídico, contrato, disposição legal ou decisão judicial. Se, por hipótese, os factos
jurídicos (títulos) tiverem a mesma data, de acordo com o artigo 60.º/4 do CN, as hipotecas
serão anotadas sobre o mesmo número de ordem, e se assim é, há uma hipótese em que fazia
sentido manter o artigo 6.º/2, ou seja, fazia sentido dizer-se que as hipotecas com a mesma
data concorrem entre si na proporção dos respetivos créditos. O legislador esqueceu-se desta
hipótese e, portanto, neste momento, cabe ao tribunal decidir caso tal ocorra, caso surjam
duas hipotecas com a mesma data.

— PRINCÍPIO DA LEGITIMAÇÃO REGISTAL (artigo 9.º do CRP e 54.º do CN):


Ninguém pode alienar ou onerar um direito - surgir na posição de sujeito passivo - se não
tiver o registo previamente lavrado a seu favor, porque o titulador se recusará a dar forma ao
ato - é ele, titulador, que controlo o cumprimento deste princípio, Este princípio não é

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comum na generalidade dos ordenamentos jurídicos, mas é útil. Por força deste princípio,
no fundo, está logo salvaguardado o cumprimento do princípio do trato sucessivo.

Este princípio foi introduzido no ordenamento jurídico português, em 1984, com o CRP.
Por força deste princípio, muitas vezes, a doutrina afirmava que em 84 tinha terminado a
obrigatoriedade do registo em parte do país, mas que tinha surgido outro tipo de
obrigatoriedade para todo o país. Desde 1947 até 84, o registo era obrigatório nas zonas do
68
país onde existia cadastro geométrico e não nas outras zonas do país onde não existia tal
cadastro. Em 84, acabou o registo obrigatório e foi introduzido o princípio da legitimação.
Então, parte da doutrina dizia que o registo tendo deixado de ser obrigatório, quer vigore
quer não vigore o cadastro geométrico, a verdade é que passou a ser indiretamente
obrigatório, porque no dia em que a pessoa que não fez registo a seu favor quiser alienar ou
onerar vai ter de registar - a pessoa pode adquirir o direito que se torna oponível erga omnes,
mas não consolida essa oponibilidade e, portanto, corre os riscos daí inerentes.

Para a DOUTORA MÓNICA JARDIM, não havia obrigatoriedade indireta, o registo


é obrigatório quando, caso não seja feito, aquele que estava obrigado a solicitá-lo
estiver sujeito a uma sanção pecuniária, o que não era aqui o caso.

Exceções ao princípio da legitimação:

1. Artigo 9.º/3 do CRP: Tratando-se de prédio situado em área onde não tenha vigorado o
registo obrigatório, o primeiro ato de transmissão posterior a 1 de Outubro de 1984 pode
ser titulado sem a exigência prevista no n.º 1, se for exibido documento comprovativo, ou
feita justificação simultânea, do direito da pessoa de quem se adquire

— Qualquer primeiro ato (de alienação ou oneração) posterior a 1984.

2. Artigo 9.º/2/c) do CRP: Os casos de urgência devidamente justificada por perigo de


vida dos outorgantes.

Exemplo: Se o doador está prestes a falecer e não tem o registo a seu favor, não se exige o registo.

3. Artigo 9.º/2/a) do CRP: A partilha, a expropriação, a venda executiva, a penhora, o


arresto, a apreensão em processo penal, a declaração de insolvência e outras providências ou
atos que afetem a livre disposição dos imóveis. Em relação ao arresto, penhora, declaração
de insolvência e outras providências, chama-se a atenção, no entanto, para o artigo 92.º/2/a)
do CRP, nos termos do qual estes registos serão feitos como provisórios, e para o artigo
199.º do CRP, de acordo com o qual, havendo arresto ou penhora ou apreensão de um bem
num processo de insolvência que não esteja registado a favor do devedor, deve, neste caso,
ser notificado o titular registal para vir dizer se o bem lhe pertence:

- Se o titular registal nada disser ou se disser que o bem não lhe pertence, o registo provisório
converte-se em definitivo.

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- Se ao invés, o titular registal disser que o bem lhe pertence, o interessado será remetido para
os meios processuais comuns para resolver a questão da titularidade, uma vez que o registo
gera a presunção de que o direito pertence ao titular inscrito.

4. Artigo 9.º/2/b) do CRP: Os actos de transmissão ou oneração praticados por quem


tenha adquirido no mesmo dia os bens transmitidos ou onerados.

São hipóteses em que temos num só instrumento (título) ou em dois instrumentos (títulos) diferentes dois atos 69

sucessivos/seguidos/consecutivos.

Exemplo de um só instrumento e de dois atos sucessivo: A pretende adquirir a propriedade de um bem imóvel,
no entanto não tem dinheiro para proceder à compra do imóvel e contratou com um banco para celebrarem
um contrato de mútuo. O banco aceitou, mas exigiu como condição a constituição de uma hipoteca como
garantia do seu crédito, sobre o imóvel que A vai adquirir.

Através do mesmo instrumento, a mesma escritura ou o mesmo documento particular


autenticado, o A pode adquirir do até ali proprietário - X, que não tinha o registo a seu favor
– e imediatamente de seguida - por ato sucessivo - constituir a hipoteca a favor do banco.

Num só instrumento temos dois negócios: a compra e venda feita por X a A e a constituição
da hipoteca feita por A a favor do banco.

Para o primeiro negócio, o notário dirá que não pode reduzir escritura pública ou o outro
titular não pode termo de autenticação enquanto o X não tiver o registo feito a seu favor.

Mas a verdade é que, através daquele instrumento, não vai ocorrer apenas a transmissão de
X para A, vai também acontecer, imediatamente de seguida, a constituição da hipoteca de A
a favor do banco.

Se se dissesse a A que não podia constituir a hipoteca a favor do banco enquanto não tiver o registo lavrado
a seu favor, isso implicava que os dois atos não pudessem ser celebrados no mesmo instrumento, o que não se
justificaria pois o que interessa é saber se o X é titular registal e sendo pode transmitir a A e seguir o A
solicita o registo a seu favor depois de já ter constituído a hipoteca a favor do banco, mas imediatamente a
seguir.

No segundo caso, em que há em dois instrumentos diferentes dois atos sucessivos, por um
lado, não se podia exigir ao primeiro adquirente que já tivesse o registo feito a seu favor para
praticar o ato porque tinha acabado de receber, portanto ia-se criar um lapso temporal. Por
outro lado, não se justificava esse lapso temporal porque temos a certeza quem é o
transmitente ou o alienante porque tinha o registo feito a seu favor.

Se o princípio da legitimação não for cumprido, ou seja, se o titulador apesar de estar


vinculado a controlar e a garantir a aplicação do princípio da legitimação não o fizer
e o negócio for na mesma celebrado:

• O DOUTOR MENESES CORDEIRO entende que é inválido e que existe um vício de


forma;

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• À DOUTORA MÓNICA JARDIM não lhe parece que assim seja. Não se trata de uma
exigência de forma, além disso não à fixação da sanção por falta de cumprimento do princípio
da legitimação e, portanto, não se pode dizer que o negócio é nulo. O que vai acontecer neste
caso é a consequência do direito substantivo, ou seja, a consequência pode ser a nulidade ou
a inexistência:

- Se o alienante ou onerante afinal não fôr o titular do direito, o negócio jurídico é nulo;
70

- Se o alienante ou onerante for o titular do direito e não o titular registal, o negócio é válido.
Mas o adquirente só obterá o registo definitivo a seu favor se previamente for feito o registo
a favor do alienante ou onerante (isto em virtude do princípio do trato sucessivo).

Exemplo: A pretende vender a B um bem imóvel e A celebra o negócio sem demonstrar ao notário que é
titular registal e ele até é. Porque haveremos de considerar o negócio nulo? Não faria sentido. Ou, então, A
não é o titular registal, mas é o titular do direito e tem a documentação toda e pode promover o seu registo a
qualquer momento. Porque se haverá de considerar o negócio nulo? O A ainda pode solicitar o registo e o B
também o fará. Na hipótese de o A não ser titular do direito, nem titular registal aí o negócio é nulo, mas
porque se traduz numa alienação ou oneração de bem alheio.

Pode-se dizer que o princípio da legitimação se destina a quem pretenda onerar ou alienar e
que o seu cumprimento é assegurado pelos tituladores.

Este princípio, sendo cumprido e desde que não se esteja no âmbito das suas exceções,
automaticamente se está a cumprir o princípio do trato sucessivo. O princípio do trato
sucessivo, previsto no artigo 34.º do CRP, tem duas modalidades, sendo a mais aplicável é a
do n.º 4, segundo o qual o adquirente não conseguirá obter o registo definitivo a seu favor,
se, quando o solicita, o titular registal não for aquele que lhe alienou ou onerou o direito.

Exemplo: B se se apresentar na conservatória e pedir o registo de um direito de propriedade porque celebrou


um contrato de compra e venda com A ou de um direito de usufruo porque este foi constituído a seu favor por
A, o B não conseguirá obter o registo definitivo da sua aquisição ou do usufruto se na altura em que pedir o
registo não constar como titular registal o A.

Por isso se dizia, se no momento em que B tiver adquirido de A for cumprido o princípio da
legitimação, o que se vai passar é o seguinte: o titulador não dá forma ao negócio porque A
não é titular registal e enquanto não for não titula. A irá solicitar o registo a seu favor e depois
poderá alienar ou constituir usufruto a favor de B. Já sendo titular registal, logo quando B
for confrontado com o princípio do trato sucessivo não vai ter qualquer problema, porque
o seu registo foi feito como definitivo. Ao invés, se não se cumprir o princípio da legitimação,
se o alienante ou onerante não for o titular registal e ainda assim o negócio for celebrado, o
adquirente quando quiser o registo do seu direito não vai conseguir o registo definitivo,
apenas vai conseguir o registo provisório por dúvidas.

— PRINCÍPIO DO TRATO SUCESSIVO: Consagrado no artigo 34.º do CRP, ele


tem duas modalidades:

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1. Primeira modalidade (n.º 1 e 2): Para hipóteses em que os imóveis nunca ingressaram
(estiveram escritos) no registo ou para hipóteses em que ingressaram (estiveram escritos),
mas não têm registo de aquisição ou de mera posse em vigor.

Nesta modalidade há uma bifurcação:

I. Se o que se pretende é registar uma aquisição derivada translativa – a aquisição de


um direito previamente existente -, vale o n.º 2, segundo o qual o registo definitivo de 71

aquisição de direitos - aquisição derivada translativa - depende da prévia inscrição dos bens
em nome de quem os transmite, salvo quando apresentado o documento comprovativo do
direito transmitente perante o serviço de registo.

A hipótese mais flagrante é a de aquisição da propriedade.

Portanto, um prédio não descrito ou descrito, mas sem inscrição em vigor, se for objeto de
negócio jurídico, violando-se o princípio da legitimação registal ou não se violando porque
se está no quadro das exceções ao princípio da legitimação registal, o que vai acontecer é que
depois de o negócio estar feito, o adquirente não vai conseguir registar a seu favor enquanto
não for feito o registo a favor do seu transmitente. A não ser que, como diz a lei, for
apresentado documento comprovativo do direito transmitente perante o serviço de registo.

II. Se o que se pretende é registar uma aquisição derivada constitutiva, vale o n.º 1,
segundo o qual o registo constitutivo de constituição de encargos - aquisição derivada
constitutiva - por negócio jurídico, depende da prévia inscrição dos bens em nome de quem
os onera.

Exemplo: Se tiver adquirido, através de negócio reduzido à forma de escritura pública, um direito de usufruto
de quem não consta no registo como titular registal e sobre um prédio que nem sequer está descrito no registo,
não vou conseguir registar o meu direito de usufruto enquanto não for descrito o prédio e não for registada a
propriedade a favor de quem lhe constituiu o usufruto.

Poderá achar-se que este princípio, nesta primeira modalidade, não tem assim tanta
relevância, mas tem. Este princípio, na primeira modalidade, só surgiu em 1959 e o que
acontecia até aí era que determinado prédio descrito e que nunca tinha consta dono registo,
consequentemente não tinha inscrição em vigor, não se sabia quem era o proprietário,
portanto:

A podia apresentar-se na conservatória levando um contrato visando a constituição de uma


hipoteca a seu favor e este contrato foi celebrado com X proprietário do imóvel Y, mas que
cujo imóvel não está descrito e registado e, consequentemente, o seu titular não é o titular
registal. Portanto, registe-se a hipoteca sobre o prédio Y que pertence a X. Como não havia
o princípio do trato sucessivo na primeira modalidade, fazia-se o registo da hipoteca a favor
do A. Como se quem tivesse constituído a hipoteca fosse X sobre o prédio Y.

De seguida, podia aparecer na conservatória o C que leva um contrato tendente à constituição


de uma hipoteca sobre o prédio Y que não está descrito e que pertence a Z que foi o senhor

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com quem C celebrou o contrato. Perante a inexistência do princípio do trato sucessivo na


primeira modalidade, registava a hipoteca de C sobre o prédio Y.

Assim, haveria duas hipotecas pertencentes a pessoas diferentes sobre o mesmo prédio que
até aí não estava descrito e que passa a estar apenas para ter as hipotecas e fazia-se o registo
de direitos reais menores sem que estivesse previamente registado o direito de propriedade.

Nota 1. Direitos reais menores só acedem ao registo depois de estar descrito o prédio e de 72

estar efetuado o registo de propriedade do respetivo prédio. Se não se quiser constituir um


direito real menor, mas se quiser transmitir também não se pode admitir que aceda ao registo
o direito adquirido sem que previamente esteja o prédio descrito e a descrição da aquisição
feita a favor do alienante.

Nota 2. O princípio do trato sucessivo só funciona se em causa estiver negócio jurídico. O


que quer dizer que, quando são hipóteses de penhoras ou sucessão mortis causa ope legis, não
funciona este princípio e pode haver mais do que uma inscrição sobre o mesmo prédio
indevidamente.

2. Segunda modalidade (mais vulgar): Para hipóteses em que os imóveis estão descritos
e existe um registo de aquisição ou de mera posse em vigor (de aquisição, em regra, vale o
n.º 4, segundo o qual é necessária a intervenção do respetivo titular para poder ser lavrada
nova inscrição definitiva. Ou seja, é necessário que o título, que contenha o negócio jurídico,
tenha como sujeito passivo o titular registal. Assim, aquele que adquira um direito sobre um
prédio descrito com inscrição em vigor não vai conseguir o registo a seu favor enquanto não
estiver feito o registo a favor do seu alienante.

Exemplo: O prédio está descrito e consta como titular registal A e apresenta-se C que vem apresentar um
contrato de compra e venda nos termos do qual adquiriu o direito de propriedade de B. O conservador diz que
não pode fazer o registo como definitivo porque para isso C teria de ter adquirido de A que é titular registal
e a favor de quem funcionam as presunções. Só poderá fazer o registo como provisório por dúvidas. O C vai
ter de conseguir, para ter o seu registo como definitivo, que ingresse no registo o registo de B que está em falta.
Para tal terá de demonstrar que o B efetivamente adquiriu e que depois lhe podia transmitir validamente. B
poderá ter adquirido de A (titular registal) ou pode ter adquirido contra A (originariamente por usucapião,
p. ex.). Depois de ser feito o registo de B, aí já pode ser feito o registo a favor de C.

Na parte final diz salvo se o facto for consequência de outro anteriormente registado - é uma
situação de exceção em que se admite o registo definitivo apesar de no registo não constar
como titular do direito aquele que alienou ou onerou o direito.

Exemplo: Constava como titular registal - proprietário - A e A celebrou com B um contrato promessa dotado
de eficácia real e o contrato-promessa foi registo e o seu registo é o registo definitivo, no caso, a favor de B.

A violou a obrigação por si assumida e vendeu o imóvel a C, que solicitou o registo e conseguiu obte-lo como
definitivo, porque ele adquire de quem constava como titular registal que era A. É feito porque o conservador
não tem como saber se aquele contrato-promessa foi incumprido ou resolvido e, mais do que isso, porque os

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negócios celebrados que impossibilitem o cumprimento de um contrato-promessa dotado de eficácia real,


designadamente o negócio entre A e C que pode pôr em causa o contrato-promessa onde foi interveniente o
promissário B são perante B ineficazes. Portanto, pode ser feito o registo definitivo, mas será havido como
ineficaz perante B.

Assim, temos A como titular registal, o contrato-promessa a favor do B e a seguir o registo


de aquisição a favor de C e o negócio entre A e C violou aquele contrato-promessa. Se o B
73
intentar a ação de execução específica, ganha a ação porque o registo do contrato-promessa
é anterior ao registo a favor de C. O negócio é havido como ineficaz perante B e, porque
assim é, o B vai conseguir registar o seu direito como definitivo depois do C. Consegue-o
porque o facto, a aquisição através da ação de execução específica, é consequência do
anteriormente inscrito, do contrato-promessa que foi inscrito antes do registo de aquisição a
favor de C.

O princípio do trato sucessivo destina-se a quem adquiriu o direito, impedindo aquele que
adquiriu o direito de obter o registo definitivo se tiver adquirido de quem não é o titular
registal e quem faz o controlo deste princípio é o conservador.

— PRINCÍPIO DA LEGALIDADE: Previsto no artigo 68.º do CN, de acordo com o


princípio da legalidade ao conservador compete apreciar a viabilidade do pedido de
registo e vai apreciar tendo em conta:

(1) As disposições legais aplicáveis: Não são apenas e só as disposições existentes no CRP
ou no CRP e no CN, são todas as disposições legais que possam ter relevância para a situação
concreta. Tais como as normas do CC, as normas em matéria do direito do urbanismo, as
normas fiscais, etc.

Ao contrário do que se pode imaginar, a atividade do conservador não é meramente formal


e adjetiva, não se cinge, muito longe disso, à análise das normas do CRP. Por isso mesmo,
em causa têm de estar juristas bem formados e especializados. Daí a crítica da DOUTORA
MÓNICA JARDIM à atribuição de competência própria a funcionários que podem não ser
licenciados em direito ou que até podem ser licenciados em direito, mas ter pouca experiência
na conservatória.

(2) Os documentos juntos pelo interessado que visam promover a feitura do registo: Irão
sustentar/suportar o pedido de registo.

Exemplo: Se A pretende que seja registada a seu favor a aquisição do direito de propriedade dizendo que
adquiriu através de um contrato de compra e venda vai ter de o juntar.

(3) Os registos anteriormente existentes: Para ver se pode fazer aquele registo sem violar o
princípio do trato sucessivo.

Assim, é de concluir que o conservador não tem de levar em linha de conta factos que
conheça em virtude da sua vida privada.

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Tendo em conta aqueles 3 elementos, haverá a viabilidade do pedido de registo, verificando


-se especialmente:

1. A identidade do prédio, o que se prende com o fólio real e o princípio da especialidade


física, é suposto dar publicidade aos direitos que tenham por objeto Distinção entre o
princípio da legitimação e o princípio do trato sucessivo:

O primeiro impede a celebração do negócio jurídico porque impede a intervenção dos 74

tituladores, destina-se a quem quer onerar ou alienar e é controlado pelos titulares. O


segundo já o negócio foi celebrado e destina-se a quem adquiriu, em virtude do 408.º do CC,
desse negócio e é controlo pelo conservador. aquele prédio e não outro qualquer;

2. A legitimidade dos interessados, o que nos remete para o artigo 36.º do CN;

3. A regularidade (valia) formal dos títulos (ou seja, se a escritura pública foi bem lavrada ou
se o termo de autenticação tem todos os elementos que deveria ter) e a validade (valia)
substancial dos atos (,dos factos jurídicos ou dos negócios) neles contidos (nos títulos).

O controlo é de valia formal e substancial, não é apenas formal, não se vai limita a ver se o
facto jurídico está contido em escritura pública ou documento particular autenticado, vai ver,
também, se o facto é por si válido do ponto de vista substancial, se não padece de causas de
inexistência ou de nulidade, se não padece de vícios que possam ou devam conduzir à recusa
do registo - note-se que o registo deve ser recusado sempre que seja manifesta a nulidade do
facto jurídico.

Este princípio, com toda esta amplitude, não existe em todos os ordenamentos jurídicos. Há
ordenamentos jurídicos que apenas impõe ao conservador o controlo da valia formal do
título. Assim acontece, p. ex., em Itália, na França, na Bélgica e no Luxemburgo.

A questão dos conservadores fazerem este controlo quanto a regularidade formal do título e
valia substancial já conduziu a polémicas, porque os notários vinham dizer que se gera um
duplo controlo da legalidade.

O notário controla a legalidade para saber se pode ou não lavrar a escritura publica, verifica
se existem vícios substanciais ou não, designadamente se há coação ou simulação - porque
ele tem as partes perante si -, ele cumpre as normas quanto ao modo de redigir a escritura ou
o documento particular autenticado. Portanto, ele cumpre formalmente as normas para que
o título seja formalmente válido e faz o controlo da valia substancial do ato antes de o reduzir
a escrito e depois disto o conservador ainda vai verificar se o trabalho do notário foi ou não
bem feito.

De facto, há aqui algum duplo controlo, sobretudo na parte formal, mas aí é o primeiro
controlo, porque o notário foi o primeiro autor daquela escritura e, portanto, não se estava
a autocontrolar. Quanto aos vícios substanciais, naqueles que podem ser apurados também
pelo conservador, há um claro duplo controlo.

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Exemplo: Não se pode dividir um imóvel em duas frações que sejam inferiores à unidade de cultura. O
notário tem de efetuar esse controlo, sob pena de o facto jurídico ali contido ser nulo e o conservador também
vai ter de fazer o controlo, antes de efetuar o registo.

Portanto, há hipóteses em que há um duplo controlo, mas é um controlo que é efetuado em


perspetivas diferentes e ao serviço de interesses diversos. O notário quando está a atuar atua
no interesse público, é certo, mas também como jurista ao serviço dos privados, ou seja,
75
como terceiro imparcial ao serviço de ambos os outorgantes. O conservador, por sua vez,
quando vai decidir se vai efetuar ou não o registo está a tentar dar segurança ao tráfico
jurídico, aos terceiros que não participaram no negócio e que vão passar a ter a possibilidade
de conhecer os factos através do registo.

Efeitos do registo
— O registo gera duas presunções: De acordo com o artigo 7.º do CRP, o registo gera
a presunção de que:

(1) O direito existe: Presume-se que o direito é válido e apto a produzir efeitos reais e que
existe tal como é publicitado, com aquela qualificação, conteúdo e amplitude.

(2) O direito pertence ao titular registal inscrito;

São presunções ilidíveis, de acordo com a regra geral do artigo 350.º/2 do CC e isso mesmo
resulta também de algumas normas do CRP, como p. ex., o artigo 8.º, 13.º e 17.º, artigos em
que se admite a possibilidade de impugnar factos e se há possibilidade de impugnar factos é
porque se pode provar o contrário. Mas a verdade é que são presunções fortes, ao ponto que
quem quiser alegar o contrário é que vai ter que o provar.

— Efeito (típico) consolidativo: A regra, em matéria de registos, é de que o registo é


consolidativo, ou seja, ele serve para consolidar a oponibilidade erga omnes que foi obtida
quando o direito real nasceu em virtude do título.

Assegura que caso o autor ou causante venha a provocar um ato posterior incompatível ou
tenha praticado um ato anterior, se não registado não será oponível.

Exemplo: A vende a B, B, por mero efeito do contrato, por força do artigo 408.º do CC, por força do princípio
da consensualidade, adquiriu o direito de propriedade, que é um direito real, portanto oponível erga omnes.
Mas deve registar o seu direito para consolidar a oponibilidade, para impedir que possa surgir um terceiro
(com determinadas caraterísticas) que participando num determinado facto jurídico conduza a que o seu
direito, o direito de B, venha a decair ou a ficar onerado.

O efeito consolidativo é a contra-face do efeito atributivo, por força do artigo 5.º.

— Registo meramente enunciativo: O registo é enunciativo quando nada acrescenta para


o titular do direito, não consolida a oponibilidade erga omnes previamente existente.

Acontece nas hipóteses do artigo 5.º/2 do CRP:

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1. Servidões aparentes (servidões que se revelam por sinais visíveis - que não necessitam de
ser sempre os mesmos - e permanentes);

2. Aquisição por usucapião.

Nestas duas hipóteses, por disposição expressa da lei, independentemente do registo, o titular
da servidão ou do direito adquirido originariamente por usucapião, pode sempre opor o seu
direito, não necessitando do registo para consolidar a oponibilidade do seu direito. 76

A estas situações acrescenta-se:

1. Expropriação;

2. Outras forma de aquisição originária, como, p. ex., a acessão (as formas de aquisição
originária dão origem ao nascimento do direito).

Neste casos, o registo é meramente enunciativo, no entanto, recorde-se que quem tiver
adquirido um direito originariamente nunca poderá alienar ou onerar o seu direito sem o
registar previamente, a não ser que se esteja no campo das exceções do princípio da
legitimação. Já as servidões são insuscetíveis de serem transmitidas sem que seja transmitido,
em simultâneo, o direito de propriedade do prédio dominante e sendo transmitido o prédio
serviente também segue com o encargo.

— Efeito constitutivo: O registo é constitutivo quando é o registo é condição necessária


(mas não suficiente, pois é necessário título) para que ocorra a mutação jurídico-real, ou seja,
quando é condição necessária para que o direito se constitua, modifique, transmita ou
extinga.

Em Portugal, o registo é constitutivo em matéria de hipoteca. O registo é condição de


existência da hipoteca, por força do artigo 4.º do CRP, nos termos do qual os factos sujeitos
a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus
herdeiros, exceptuam-se, de acordo com o n.º 2, os factos constitutivos de hipoteca, cuja
eficácia entre as próprias partes depende da realização do registo.

Portanto, sem registo, a hipoteca não produz efeitos para terceiros, nem inter partes.

Não é uma questão de eficácia, é uma questão de existência do direito, porque a hipoteca é
um direito real de garantia. Os direitos reais de garantia atribuem ao seu titular o poder de
promover a venda judicial do bem e com o produto da venda satisfazer o seu crédito, com
preferência face aos demais credores. Não há, por isso, direitos reais de garantia sem
preferência. O que acontece na hipoteca é que a preferência das hipotecas é fixada pela data
do registo, ou seja, antes do registo, a hipoteca não assegura o credor e a sua preferência.
Assim, sem registo não há preferência e sem preferência não há direito real de garantia,
portanto o registo é constitutivo em matéria de hipoteca.

— Efeito atributivo: O registo, em casos previstos na lei, quando se junta a um determinado


negócio (com determinadas caraterísticas) atribui o direito. Isso acontece no:

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• Artigo 5.º/4 do CRP: Surge na hipótese em os terceiros são aqueles de quem o mesmo
autor ou causante adquiriram direitos total ou parcialmente conflituantes.

Exemplo: A vender a B e B registar imediatamente, consolida a oponibilidade erga omnes do seu direito, e,
portanto, se A (indevidamente) de seguida vender a C, C não conseguirá registar e, do ponto de vista
substantivo, não terá qualquer direito porque participou de uma venda a non domino - efeito consolidativo a
favor de B.
77

Ao invés, se A vender a B e B não registar, não consolida a oponibilidade erga omnes do seu direito, e,
portanto, se (de seguida) A vender a C e C obtiver o registo, este registo a favor de C juntando-se com o
negócio jurídico que ele celebrou com A, negócio que era nulo porque de bem alheio, mas que não padece de
outra invalidade, dá o direito a C - efeito atributivo a favor de C.

Este artigo que protege os terceiros que participaram num negócio nulo e que, por isso, se
traduz a uma exceção ao princípio do nemo plus iuris. Esses terceiros saem beneficiados,
porque vêem o seu registo produzir (a seu favor) um efeito atributivo, que não se produziria
se o primeiro adquirente tivesse consolidado a oponibilidade erga omnes do seu direito.

• Artigo 291.º do CC: Surge na hipótese em que os terceiros são aqueles que, integrando-se
numa mesma cadeia de transmissões, poderão ver a sua posição afetada por uma invalidade
anterior ao negócio em que participaram.

É uma exceção ao princípio do nemo plus iuris e à regra da eficácia retroativa da nulidade e
da anulabilidade do artigo 289.º do CC, pois tudo se passa como se o negócio nulo ou anulado
nunca tivesse sido celebrado.

Exemplo: A vende a B um determinado bem e este negócio padecesse de uma causa de nulidade ou de
anulabilidade, mas antes de ser declarada a nulidade ou a anulabilidade ou antes de ser até registada a ação
tendente à declaração de invalidade, o B tivesse vendido a C e C, se não existisse o 291.º, nunca estaria seguro
de que a sua posição jurídica não podia vir a ser afetada em virtude de uma invalidade anterior ao ato em
que ele interveio.

O artigo 291.º prevê que o terceiro se tiver adquirido a título oneroso, de boa fé, bem imóvel
ou móvel sujeito a registo, se tiver efetuado o registo com prioridade - ou seja, antes do
registo da ação de nulidade ou de anulação - e se já tiverem decorrido 3 anos sobre a data do
negócio originariamente inválido, C não vai ser afetado pelo eficácia retroativa da nulidade
ou da anulabilidade. O registo juntamente com o negócio em que C interveio, e que não pode
padecer de causa de invalidade própria, vai ter o efeito atributivo, vai dar o direito a C.

Enquanto o artigo 5.º do CRP protege o terceiro perante um ato anterior válido, mas não
registado, o artigo 291.º do CC protege o terceiro perante um negócio anterior inválido,
mesmo que registado.
AULA 20 DE ABRIL DE 2021

SUMÁRIO:

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Efeitos do registo
Artigo 5.º do Código do Registo Predial

O artigo 5.º da CRP


No ordenamento jurídico português, a inscrição registal definitiva assume, em regra, a função
de consolidar a oponibilidade erga omnes já anteriormente obtida.
78
Os direitos reais, constituem-se, transmitem-se, modificam-se e extinguem-se por
mero efeito do contrato (com mais rigor, com base num título, sem ser necessário
um modo) e constituindose o direito real ele constitui-se com eficácia erga omnes e
para consolidar essa oponibilidade erga omnes, perante certos e determinados
terceiros ou perante todos, ele deve ser registado/ publicitado.

Há é alguns terceiros perante quem o direito real é sempre oponível - não são esses
os que nos interessam, pois não são os do artigo 5.º do CRP -, mas perante os
terceiros do artigo 5.º do CRP é necessário registar/publicitar o direito para
consolidar a oponibilidade erga omnes; se não registados, tornam-se inoponíveis
perante esses terceiros.

Na falta de publicidade registal, o titular do direito sujeito a registo corre o risco de ver
constituída e registada a favor de outrem (que seja terceiro registal) uma situação jurídica
incompatível com a sua e que vai prevalecer sobre a sua, por beneficiar de registo prioritário
– a situação concreta pressuposta é a de um conflito entre titulares de direitos ou pretensões
sujeitos a registo.

Isto é assim porque o registo tem de assegurar aos terceiros (para efeitos de registo) que o
seu transmitente ainda não alienou ou onerou o bem anteriormente a outrem. Não podendo,
por isso, esses terceiros, ver a sua posição jurídica ser posta em causa em virtude da dita
alienação ou oneração que devia ter sido publicitada e não o foi. Assim, tudo se passará,
perante si, como se a alienação ou oneração não existisse, vai ser-lhe inoponível.

Os terceiros, para efeitos do artigo 5.º do CRP, são aqueles que adquiram do mesmo autor
ou causante (que tenham um causante ou autor comum) direitos total ou parcialmente
conflituantes sobre a mesma coisa - para resolver conflitos entre aquisições derivadas de
direitos sujeitos a registo -, direitos esses que têm de aceder ao registo, sob pena de
inoponibilidade:

I. Não precisam de consolidar a oponibilidade erga omnes:

1. Os direitos que sejam adquiridos originariamente (usucapião, acessão e expropriação)


(artigo 5.º/2 do CRP)

A é proprietário e posteriormente B adquire o direito de propriedade sobre a coisa que era


de A invocando a usucapião. Se depois de B ter invocado a usucapião e de ter adquirido o
direito de propriedade da coisa, o A ainda celebrar um negócio jurídico tendente à

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transmissão do direito de propriedade, que viu decair em virtude da usucapião, a favor de C,


C não vai ser protegido, porque está em conflito com B que adquiriu originariamente por
usucapião e o mesmo se dirá por acessão.

2. As servidões aparentes (artigo 5.º/2 do CRP)

3. As aquisições ex lege
79
A é proprietário de um imóvel e deu-o de arrendamento a B. Posteriormente, pretendeu alienar o seu imóvel.
De acordo com a lei, o arrendatário tem direito de preferência. É um direito que emerge da lei e, porque assim
é, não tem de ser registado para ser oponível perante terceiros. Portanto, se o A não cumprir a sua obrigação
de dar preferência e vender o bem a C, C não poderá dizer que o direito de preferência de B lhe é inoponível
porque não foi registado, o B adquiriu um direito por força da lei.

Sempre que em causa esteja uma aquisição deste tipo, estas prevalecem independentemente
de serem registadas ou não. Nestes casos, o registo não é condição de oponibilidade ou não
é um pressuposto para que se consolide a oponibilidade destas situações jurídicas. Portanto,
quanto a estas não há conflitos quanto a terceiros.

II. Não é terceiro:

1. Aquele que adquire um direito de crédito ou um direito pessoal de gozo não sujeito
a registo.

A vende o imóvel a B e B não regista. Por força do princípio da consensualidade, B tornou-se proprietário do
imóvel e, em virtude do princípio da publicidade, ele deveria ter solicitado o registo do seu direito de propriedade
para consolidar a oponibilidade perante quem quer que fosse e, sobretudo, perante certos e determinados
terceiros.

Depois da sua aquisição, A dá em comodato o imóvel a C. C adquire um direito pessoal de gozo que não é
sujeito a registo. C não é terceiro. C não pode dizer que não respeita o dever geral de abstenção e que não
reconhece o direito de B uma vez que esse não foi registado, porque ele não é terceiro.

2. Os herdeiros das partes, os seus representantes e aqueles que estejam obrigados a


solicitar o registo.

A vende a B, B não regista e A depois morre. Em partilhas, o bem coube ao herdeiro de A que é C. C não
beneficia da tutela do artigo 5.º. C não pode dizer que a aquisição lhe é inoponível por não ter sido registada
porque C é herdeiro de A.

III. A incompatibilidade pode ser total ou parcial

Confronto entre dois direitos de propriedade:

A vende a B e B não regista e A vende a C e C regista. É uma dupla alienação, pelo mesmo autor, da
mesma coisa, a duas pessoas diferentes. Vai prevalecer a segunda aquisição, que é a primeiramente registada,
apesar do negócio entre A e C se traduzir numa venda a non domino ou numa venda de coisa alheia. Esta é
a hipótese em que, por força do negócio celebrado entre A e C, o C acaba por adquirir o direito. O registo de

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C, que se junta a um negócio que não padece de qualquer causa de invalidade, para além da ilegitimidade do
causante decorrente de uma anterior disposição válida - este registo e este negócio - atribui o direito a C. E
porque atribui o direito a C e porque não podem existir dois direitos reais incompatíveis sobre a mesma coisa,
este registo tem uma função resolutiva do direito de B e uma função atributiva para C.

Confronto entre um direito real menor (constituído em 1.º lugar) e o direito de propriedade
plena (constituído em 2.º lugar): A constitui a favor de B um direito de usufruto e B não
80
regista o seu direito. De seguida, A aliena propriedade plena a C e C obtém o registo da
propriedade plena.

Quando A aliena a C a propriedade plena já não era titular da propriedade plena, era apenas titular do
direito de propriedade de raiz ou da nua propriedade. No entanto, B não tinha registado, ou seja, não tinha
consolidado a oponibilidade erga omnes do seu direito. Consequentemente, C não pode ficar prejudicado por
tal situação. Então, o registo de C da propriedade plena juntamente com o negócio padecido de invalidade,
que era a ilegitimidade do A, decorrente da anterior constituição do usufruto - o registo e este negócio - tem
uma função resolutiva do direito de B e uma função atributiva para C, porque atribuem a C a propriedade
plena e porque ela é incompatível com o usufruto primeiramente constituído, o usufruto vai decair.

Quer dizer que o direito primeiramente adquirido cai, não só quando tem o mesmo âmbito
ou conteúdo que o direito adquirido em segundo lugar, mas primeiramente registado, mas
ainda quando tem um âmbito menor.

O direito primeiramente constituído e não registado ser mais amplo do que o constituído em segundo lugar: A
transmite a B o seu direito de propriedade, que não registou, e depois A hipoteca o imóvel ou constitui um
direito de usufruto sobre o imóvel. C participou de um negócio nulo porque em causa estava a constituição de
hipoteca ou usufruo sobre coisa alheia. No entanto, se registar, o registo mais este negócio celebrado com A,
desde que esse negócio não padeça de outra causa de invalidade para além da ilegitimidade de A, decorrente
da anterior disposição válida, o registo e o negócio vão dar o direito a C, que se torna credor hipotecário. C
vai poder, caso não veja satisfeito o seu crédito, nomear à penhora e promover a venda judicial do bem,
satisfazendo com preferência o seu direito de crédito perante os demais credores, com um bem que afinal já não
era de A, era de B.

C fica credor hipotecário, mas não é preciso que B deixe de ser proprietário, porque o direito
constituído em segundo lugar, mas registado prioritariamente, tem um âmbito menor do que
o primeiro. É suficiente, quando a lei atribui o direito a C, que este direito fique onerado com
o direito mais amplo que foi constituído anteriormente, mas não foi registado. Ou seja, a
atribuição do direito ao terceiro registal não conduz à extinção da totalidade do direito, mas
há oneração do direito primeiramente constituído e não registado.

IV. O terceiro participa num negócio a non domino, mas adquire o direito. Em causa
está um facto aquisitivo complexo a favor do terceiro que supõe dois elementos
(cumulativos) para que o terceiro adquirir:

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1) O negócio celebrado por si com o terceiro é existente e é válido, só padecendo de


uma única causa de invalidade que é a ilegitimidade do tradens, decorrente da
anterior disposição válida;

2) Inscrição definitiva válida.

A atribuição ao terceiro do direito, porque não podem existir dois direitos incompatíveis
sobre a mesma coisa, conduz à resolução do direito primeiramente adquirido e não registado. 81

Ou seja, o registo tem uma função atributiva do direito para o segundo adquirente e uma
condição resolutiva de todo o direito ou parte do direito em relação ao primeiro adquirente
que não registou.

Ocorre esta aquisição quando o facto aquisitivo complexo está completo - com o registo,
com eficácia para o futuro (ex nunc e não ex tunc). É isto que faz sentido porque:

- Por um lado, porque as condições legais, em regra, produzem efeitos para o futuro;

- Por outro lado, está em causa o facto complexo com dois elementos, por isso não pode
produzir efeitos antes que o segundo elemento esteja verificado.

V. O artigo 5.º só se aplica às hipóteses que nele caibam, por isso não se resolve com
o artigo 5.º o seguinte caso:

A vendeu a B e B não registou e a seguir A vende a C e C regista. De seguida, C vendeu a D e D registou


ou não. Neste momento, o conflito é entre B e D: entre B que não registou e D que registou ou não. Não
temos conflito para efeitos do artigo 5.º, pois não temos dois direitos conflituantes adquiridos do mesmo autor
ou causante sobre a mesma coisa: B adquire de A e D adquire de C.

No entanto, apesar desde conflito entre B e D não conduzir à aplicação do artigo 5.º, o mesmo é dizer o facto
de um conflito entre o adquirente imediato de A (B) e o adquirente mediato de A (D) não ser resolvido pelo
artigo 5.º, a verdade é que, antes desse conflito, houve um conflito entre B e C (A vendeu a B que não registou
e A vendeu a C e este registou e depois este é que vende a D) que já é suscetível de ser resolvido pelo artigo
5.º.

Então, sempre que tal aconteça, sempre que antes do conflito atual tenha existido um conflito
para efeitos do artigo 5.º, aplica-se o artigo 5.º para resolver esse conflito e com isso sabe-se
como resolver o atual.

De acordo com o artigo 5.º, o C vai ser titular do direito - o registo feito por C juntamente
no negócio em que interveio vai-lhe atribuir o direito, porque lhe atribui o direito, em
consequência e em conformidade com o que são os direitos reais e os princípios dos direitos
reais, o direito de B decai, deixa de existir. Assim, quando C transmite o direito a D transmite
um direito que é seu, logo D adquiriu a domino.

Por isso, o conflito que há é entre a posição do B (que é nada) e a de D (que é do titular de
um direito real, porque adquiriu de quem era titular de um direito real).

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À solução seria a mesma quer D registasse ou não.

VI. O terceiro que é tutelado pode ou não ser acautelado quando adquira
gratuitamente?

Atualmente a polémica está sanada e a doutrina e a jurisprudência estão de acordo de que


não se exige a onerosidade da aquisição do terceiro.
82
Tempos houve em que parte da doutrina entendia que o terceiro só devia ser acautelado se
tivesse adquirido a título oneroso, mas, entretanto, esses argumentos foram sendo superados.

Argumentos a favor da onerosidade:

1) O terceiro não devia ser protegido quando adquiria a título gratuito porque não tinha feito
um esforço económico e, portanto, não fazia sentido que saísse a lucrar;

2) O registo visava dar segurança ao comércio jurídico e que este não era composto por
operações gratuitas, mas sobretudo por negócio onerosos;

3) O artigo 291.º do CC e o artigo 17.º do CRP também exigiam a onerosidade e, por isso,
devia-se aplicar por analogia este requisito ao artigo 5.º.

Argumentos contra a onerosidade:

1) O primeiro adquirente só corre o risco de perder o seu direito se não registar, se cumprir
o ónus de registar e, desde 2009, a obrigação de registar, nunca perderá o seu direito, portanto
não faz sentido estar sempre a acautelá-lo a ele em detrimento de quem adquire a título
gratuito;

2) Se é certo que o comércio jurídico é formado, sobretudo, por negócios onerosos, também
é verdade que tem mais certeza e estabilidade se todos aqueles sobre quem impende o ónus
de registar e, desde 2009, a obrigação, se efetivamente registarem;

3) Exigir a onerosidade da aquisição de um terceiro adquirente a título gratuito é pôr em risco


os credores desse terceiro que confiaram no registo;

4) Se os terceiros adquirentes a título gratuito não têm a tutela do artigo 5.º, só vão registar
quando quiserem registar ou onerar, por força do princípio da legitimação;

5) Porque é que o registo de aquisições gratuitas deve ser obrigatório se nenhuma tutela dá a
estes terceiros?;

6) Não podia ser aplicado o requisito da onerosidade por analogia com o artigo 291.º do CC
nem com o artigo 17.º do CRP, porque só deve ser aplicado por analogia uma norma ou um
requisito se as situações forem análogas e, no caso, não o são. Ora, a situação prevista no
artigo 5.º do CRP é diferente da que está prevista no artigo 291.º do CC e também no artigo
17.º do CRP. No artigo 5.º do CRP são terceiros aqueles que do mesmo autor ou causante
adquirem direitos total ou parcialmente conflituantes - este protege o terceiro que primeiro
regista e que participa de negócio inválido, mas que só padece dessa causa de invalidade,

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perante um negócio anterior válido, mas não registado. No artigo 291.º são terceiros aqueles
que integrando-se numa mesma cadeia de transmissões poderiam ver a sua posição afetada
em virtude de uma invalidade anterior ao ato em que intervieram, por força da eficácia
retroativa da nulidade ou anulabilidade - protege o terceiro que regista perante um negócio
anterior inválido registado ou não. O artigo 17.º do CRP protege um titular registal e a valia
do seu registo perante uma invalidade de um registo anterior.
83
VII. O terceiro tem ou não de estar de boa fé?

Este requisito continua a ser debatido: Tanto a jurisprudência, como a maioria da doutrina
exige a boa fé do terceiro. A diversidade das suas posições passa pelo tipo de boa fé exigida:
há quem entenda que é boa fé em sentido psicológico e há quem entenda que é boa fé em
sentido ético. Já a Escola de Coimbra nunca defendeu o requisito da boa fé para que o
terceiro pudesse ser tutelado.

Argumentos de toda a jurisprudência e da doutrina maioritária:

O terceiro só é protegido porque confia que o registo espelha a realidade substantiva e porque
desconhece, com ou sem culpa, consoante as posições assumidas, que anteriormente o
causante já tinha alienado ou onerado.

Não faz sentido proteger um terceiro que tem conhecimento da situação e que sabe que está
a participar num negócio a non domino. Portanto, exige-se a boa fé.

Não há necessidade de dar publicidade através do registo de uma situação jurídica anterior
quando o terceiro a conhece ou devia conhecer, consoante se exija a boa fé em sentido ético
ou psicológico.

Argumentos da Escola de Coimbra:

1) O primeiro adquirente só corre o risco de ver decair o seu direito se não cumprir o ónus
ou a obrigação de registar e, portanto, não faz sentido exigir o requisito da boa fé ao terceiro.
Não exigir o requisito da boa fé para o terceiro ser tutelado é, até, uma forma de estimular o
registo, de conduzir a que o primeiro adquirente de facto cumpra o ónus ou a obrigação de
registar;

2) Exigir a boa fé ao terceiro conduz inevitavelmente a que o primeiro adquirente, colocado


perante a hipótese de ver o seu direito decair a favor do terceiro, venha a tribunal dizer que
o terceiro não deve ser protegido porque está de má fé, mesmo quando o terceiro está de
boa fé. Ou seja, seria a tendência natural, por parte do primeiro adquirente que não tinha
registado, tentar evitar a perda do direito dizendo que o terceiro não estava de boa fé, que o
terceiro sabia, mesmo quando o terceiro estava de boa fé.

A estes argumentos, a DOUTORA MÓNICA JARDIM acrescenta outros:

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1) Não se deve exigir a boa fé por aplicação analógica do artigo 291.º do CC e do artigo 17.º
do CRP, pois as situações não são próximas e, por isso, não justificam uma aplicação
analógica;

2) O legislador português já teve oportunidade de se pronunciar sobre o requisito (quer da


onerosidade, quer da boa fé) - designadamente, em 1999, quando introduziu o novo número
4 do artigo 5.º do CRP (para vir dizer que quem são os terceiros para efeitos de registo) - e
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não o introduziu e, por isso, pode-se entender que não pretende que se exijaa boa fé de
terceiro, até porque esta polémica já é antiga;

3) Proteger o terceiro de má fé pode ser visto como a única forma de proteger os seus sub-
adquirentes de boa fé.

A vende a B a propriedade de um bem imóvel e B não registou. A vende esse imóvel a C, que sabia do negócio
entre A e B, e regista para que o artigo 5.º funcionasse a seu favor, mas como estava de má fé não funciona
o artigo 5.º. Mas o C, a seguir a ter celebrado este negócio a non domino e a ter registado, hipotecou o imóvel
a um sub-adquirente de boa fé, que nada sabia sobre o negócio entre A e B e quanto ao facto de C saber do
negócio entre A e B.

Estes terceiros sub-adquirentes de boa fé do adquirente de má fé vão ficar desprotegidos a


partir do momento em que dizemos que o terceiro só é protegido se estiver de boa fé; quando
ele estiver de má fé não adquire o direito e, portanto transmitiu ou onerou um bem alheio.

4) É muito maior a certeza e a estabilidade para o tráfico jurídico e do sistema registal se não
se exigir boa ou má fé, ou seja, podemos pensar que não exigir o requisito da boa fé e tutelar,
eventualmente, um adquirente de má é um mal necessário, é o preço que se aceitou pagar.

No fundo, a DOUTORA MÓNICA JARDIM crê que todos os outros argumentos


invocados pela Escola de Coimbra são válidos e que não se justifica a exigência da
boa fé e que a má fé é irrelevante. No entanto, crê que não se pode ficar apenas por
aqui: quando se diz que o terceiro pode adquirir, desde de que registe, nos termos
do artigo 5.º do CRP, independentemente da sua boa ou má fé, não podemos querer
dizer que o terceiro adquire o direito e não responde perante o primeiro adquirente.

Quando A celebra negócio com C quer A quer C estão a praticar um facto ilícito e deve-se
apurar da eventual responsabilidade de ambos.

Quando A vende a B e transmite o seu direito de propriedade sabe que fica privado dele. Se
B não regista e se de seguida A aproveita-se desse facto e transmite o mesmo direito a C, que
conhece o negócio entre A e B, quando A celebra o negócio com C está claramente a praticar
um facto ilícito, está a violar o direito de propriedade de B que se tornou proprietário por
mero efeito do contrato, por força do princípio da consensualidade, e está a celebrar um
negócio a non domino.

Claro que este segundo negócio - entre A e C -, num primeiro momento, é ineficaz e é nulo,
porque é venda de coisa alheia, mas a verdade é que é este segundo negócio que permite o

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registo do facto aquisitivo. Portanto, quando A celebra o negócio com C assume um


comportamento idóneo a causar dano, porque é abstratamente idóneo à feitura do registo.
Logo, o autor comum atua com culpa, comete um facto ilícito que viola o direito (real)
adquirido por B.

Consequentemente, na perspetiva da DOUTORA MÓNICA JARDIM, o A incorre


em:
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— Responsabilidade extracontratual, nos termos do artigo 483.º do CC, porque, no


quadro deste artigo, não incorre apenas nesta responsabilidade quem exerce atividades que
afetem a consistência da coisa objeto de um direito real, mas também quem assume
comportamentos que ponham em causa a própria titularidade do direito real.

— Responsabilidade contratual ou pós-contratual, porque:

• Ou ainda não concluiu o contrato e, por isso, houve violação do dever acessório ou lateral
de lealdade que impede que as partes assumam compromissos que frustrem o objeto visado
pelo negócio ou comportamentos que afetem o equilíbrio das prestações fixadas pelas partes;

• Ou, estando concluído, mesmo que já estejamos no campo da pós-eficácia das obrigações,
houve violação do dever de lealdade, pois não basta celebrar o contrato e cumprir as
obrigações a ele inerentes. A lealdade traduz-se na necessidade de, para além da realização
formal da prestação, providenciar a efetiva obtenção e manutenção do escopo visado, ou
seja, de omitir de comportamentos que prejudiquem o fim do negócio.

Assim, A incorre em responsabilidade extracontratual e em responsabilidade contratual ou


póscontratual. Havendo as duas, a contratual consome a extra-contratual, portanto presumir-
se-á culpa de A, que no caso é manifesta.

Todavia, não é apenas o A que é o responsável. O C também responde, porque também


incorre em responsabilidade extracontratual perante a B. Se C conhecendo o negócio jurídico
entre A e B ainda assim celebra o negócio com A, é porque está de má fé e quer obter um
benefício e, ao celebrar este segundo negócio a non domino, ele comete um facto ilícito
culposo que é causa da lesão do direito do primeiro adquirente e, por isso, ele deve ser
chamado a responder, nos termos da responsabilidade extracontratual.

Não se pode dizer que, ao celebrar o segundo negócio, ele não comete nenhum facto ilícito
porque não decorre nenhum dano, que o dano só decorre depois com o registo, pois o
negócio é pressuposto do registo. É claro que o negócio antes do registo era nulo e perante
B era ineficaz, mas a verdade é que se C estava de má fé quando celebra o negócio e ele
celebra-o porque sabe que vai obter o registo e porque vai sair ganhador.

Portanto, ele pratica um facto ilícito quando celebra aquele negócio, negócio que é causa
adequada para gerar o dano, é abstratamente idóneo para obtenção do registo. Mais, desde
2009, em que o registo se tornou obrigatório, o C, se estiver de má fé, sabe que nem precisa

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de fazer mais nada para além de celebrar o negócio, a não ser pagar os emolumentos ao
titulador, porque será este o obrigado a solicitar o registo.

Também não se pode vir dizer que o primeiro adquirente sempre poderia evitar o dano se
tivesse solicitado o registo e, por isso, o C não deve incorrer em responsabilidade. O
argumento de que o primeiro adquirente poderia ter registado, evitando o dano, aqui, quando
se tenta apurar se o C de má fé deveria ou não responder, já não procede.
86

Temos dois comportamentos:

1. O primeiro adquirente que não solicita o registo e não cumpre um ónus ou um ónus e
uma obrigação;

2. A celebração do negócio pelo segundo adquirente de má fé.

O primeiro comportamento, que é contrário à lei, porque conduz ao não cumprimento de


um ónus ou de uma obrigação, tem como consequência a perda do direito. O segundo
comportamento, que é o praticado por C, tem a consequência do ressarcimento dos danos
causados a B.

Ou seja, não se pode comparar um comportamento ilícito com o não acatamento de um


ónus ou de um ónus e de uma obrigação. Por isso, não se pode afirmar total ausência de
responsabilidade do segundo adquirente com o argumento de que o primeiro sempre poderia
ter evitado o dano.

Assim sendo, na perspetiva da DOUTORA MÓNICA JARDIM, não se deve exigir a


boa fé do terceiro, mas o terceiro incorre em responsabilidade extra-contratual
perante o primeiro adquirente juntamente com o dante causa comum, que incorre
em responsabilidade contratual e extracontratual - portanto, estamos perante um
hipótese de responsabilidade solidária, do autor comum com o terceiro de má fé.

Por isso, o primeiro adquirente, que vê o seu direito decair, tem direito a ser ressarcido do
dano, nos termos do artigo 562.º do CC.

De acordo com o artigo 562.º do CC, o ressarcimento não tem de ser (porque não pode ser)
in natura e, sempre que o ressarcimento não pode ser in natura, é feito em dinheiro/ pecunia.
Neste caso, não pode ser in natura porque não se consegue colocar o primeiro adquirente na
situação em que estaria caso mantivesse o direito adquirido. Na melhor das hipóteses,
poderia-se pensar a condenar o terceiro a transmitir o seu direito ao primeiro adquirente, mas
este não ficaria na mesma situação, porque, nesse caso, iria adquiria do terceiro e adquiria a
partir daquele momento; quando, antes, se terceiro não tivesse tido qualquer intervenção, o
primeiro adquirente manteria o seu direito adquirido, desde a data em que celebrou o
negócio.

O facto de ser indemnização, no entanto, não é pior do ponto de vista conceptual ou teórico,
porque podemos levar em linha de conta a atuação ou o comportamento culposo do próprio

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primeiro adquirente. Nos termos do artigo 570.º do CC, na hipótese de facto culposo do
lesado ter concorrido para a produção ou agravação dos danos, cabe ao tribunal determinar,
com base na gravidade das culpas de ambas das partes e das consequências que dela
resultaram, se a indemnização deve ser (1) totalmente concedida, (2) reduzida ou (3) excluída.

Neste caso concreto, quando se fala de culpa do lesado utiliza-se a expressão culpa com
pouco rigor, porque a culpa pressupõe um facto ilícito danoso para outrem, que não é o caso.
87
Portanto, quando se fala aqui em culpa do lesado, o que se quer dizer é que desde que o
lesado tenha assumido um comportamento ou praticado um ato que tenha sido concausa do
prejuízo, mesmo que esse ato não tenha caráter ilícito.

Ora, no nosso caso:

• Antes de 2009, B, ao não cumprir o ónus de registar, praticava um comportamento que era
concausa para o dano e, portanto, a indemnização poderia ser reduzida.

• Depois de 2009, quando já há obrigação de registar, se houver ausência de registo por parte
de B teremos que ver se a ausência do registo se traduz num comportamento culposo do
lesado ou não.

Pode acontecer que B tenha celebrado o negócio jurídico com A e tenha imediatamente
entregue os emolumentos para o registo ao titulador e que, dentro do prazo de 2 meses, o
titular ainda não tenha solicitado o registo e seja celebrado o segundo negócio entre A e C.

Caso em que o B foi zeloso. Nesta hipótese, não se pode dizer que o comportamento de B
foi con-causa do dano e ele vai ser ressarcido na integra.

Ao invés, na hipótese em que B tenha recusado os emolumentos ao titulador, caso em que


há culpa do lesado porque atua criando uma con-causa para o dano, pode haver uma redução
da indemnização.

Isto para dar conta que esta solução de não exigir a boa fé do terceiro, mas de o
responsabilizar, do ponto de vista da responsabilidade extracontratual, solidariamente com o
dante causa, que incorre em responsabilidade contratual e extracontratual, poderia faciliar
muito a situação na prática:

1. O primeiro adquirente perdia o direito, mas era ressarcido do dano, na medida devida,
tendo sempre em conta se ele tinha ou não colaborado na ocorrência do dano;

2. O dante causa comum e o segundo adquirente de má fé não saiam impunes da situação;

3. Protegiam-se os sub-adquirentes de boa fé do segundo adquirente de má fé;

4. Protegia-se o mercado e a circulação de bens;

5. Assegurava-se uma aplicação automática do artigo 5.º do CRP, sem ser perturbado por um
elemento psicológico ou ético - a boa fé.

VIII.A conceção (restrita, ampla, amplíssima ou intermédia) de terceiros

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Será que terceiros, para efeitos do artigo 5.º do CRP, são apenas aqueles que adquiremcom
base na vontade do autor comum (dante causa) ou também são aqueles que adquirem direitos
ao abrigo da lei, tendo como sujeito passivo aquele causante, não obstante ele não ter
participado nos atos jurídicos de que tais direitos resultam? É suposto haver vontade do
dante causa comum ou não?

A é proprietário de um prédio e transmite o seu direito propriedade a B e B não registou. A


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devia dinheiro a um banco e o banco intentou a ação executiva e nomeou à penhora aquele
bem que estava registado em nome de A, mas que pertencia a B. O bem foi apreendido, o
processo de execução correu e o bem foi vendido. O banco enquanto exequente beneficiado
com a penhora é terceiro perante B ou não? Ou B, no âmbito da ação executiva, podia ter
deduzido embargos de terceiro, para dizer que ele é o proprietário, de acordo com o artigo
408.º do CC, apesar de não ter registado? E se B não o fizer, pode ainda fazê-lo a final depois
de todo o processo ter corrido e de o bem ter sido vendido a um terceiro? Tanto o banco
como o adquirente no âmbito da vendaexecutiva - que não adquiriram com base na vontade
de A - são ou não terceiros perante B?

Esta é uma polémica que dura até hoje na doutrina.

Até 1997:

• A jurisprudência afirmava, de forma maioritária, se não unânime, que terceiros eram apenas
aqueles que adquirissem com base na vontade do autor ou causante comum.

Portanto, não era terceiro aquele que obtivesse uma hipoteca judicial, um arresto ou uma
penhora nem aquele que adquirisse no final da ação executiva (conceção restrita de terceiro).

• A doutrina maioritariamente defendia que terceiros eram aqueles que adquiriam do mesmo
alienante direitos incompatíveis com base na vontade desse alienante, mas também aqueles
cujos direitos fossem adquiridos ao abrigo da lei e que tivessem esse alienante como sujeito
passivo, mesmo que ele não tivesse intervido diretamente nos atos jurídicos de que tais
direitos resultaram, ou seja, para a doutrina, a vontade do autor comum não assumia
relevância. Se o terceiro adquiriu ao abrigo da lei contra o autor comum, mas contra ele,
designadamente por penhora, por arresto, por hipoteca judicial ou a final no âmbito da ação
executiva, devia ser havido como terceiro (conceção ampla de terceiro) Exemplo de penhora
(cont. do exemplo supra): De acordo com a jurisprudência, o banco não era terceiro, pois a
penhora tinha ocorrido contra a vontade de A - o artigo 822.º do CC determina que o
exequente, após a penhora, passa a ter o direito de satisfazer o seu crédito com preferência
face aos demais credores, à custa do bem penhorado. A doutrina era contra e avançou um
um conjunto de argumentos que valiam para a penhora, para o arresto e para a hipoteca
judicial:

1. A penhora é um facto sujeito a registo que, se não for registado, não consolida a sua
oponibilidade perante aos terceiros. Então, factos também sujeitos a registos, sob pena de

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inoponibilidade, têm de ser registados, se não devem ser considerados inoponíveis perante a
penhora, ou seja, é preciso defender a conceção ampla;

2. Com a penhora e com o respetivo registo, de acordo com o artigo 822.º do CC, o
exequente adquire um direito real de garantia. Portanto, o exequente passa a poder satisfazer
o seu crédito com preferência face aos demais credores à custa daquele bem, por isso não
faz sentido distinguir o exequente que nomeia o bem à penhora de um credor que tenha uma
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hipoteca;

3. É indiferente sabermos se houve ou não vontade de A, não é essa vontade de lesar o


primeiro adquirente que não registou que conduz à tutela do segundo adquirente.

Portanto, não deve ser essa a razão de ser;

4. O artigo 822.º do CC consagra um verdadeiro direito real e, portanto, não faz sentido que
este direito real do terceiro não seja oponível sem registo, mas que contra ele seja oponíveis
direitos anteriores, adquiridos e não registados quando deviam ter sido;

5. O artigo 824.º do CC seria contrariado, artigo que determina que os bens, no âmbito da
ação executiva, são transmitidos livres dos direitos de garantia que os oneram, bem como
dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou
garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação
a terceiros independentemente de registo;

6. Acresce que defender a conceção restrita de terceiros põe em causa todo o procedimento
judicial, a ação executiva e a justiça.

7. A tutela concedida a terceiro não pode depender do intuito espoliatório do titular registal,
não é razoável.

Por isto, em 1997, a maior parte da doutrina dizia que não era razoável distinguir a hipótese
de aquisição por diferentes pessoas de direitos incompatíveis sobre o mesmo bem, por atos
negociais sucessivos, do titular inscrito da aquisição, em consequência de ato unilateral de
terceiro intermediado ou não pela autoridade pública, mas nos termos da lei. Ou seja, não
fazia sentido distinguir o terceiro que tinha adquirido com base no autor comum do terceiro
que tenha adquirido num arresto, numa penhora, numa hipoteca judicial ou que tinha
adquirido no final da ação executiva.

Em 1997, o STJ teve de se pronunciar sobre esta matéria, porque começaram a surgir
posições contraditórias de diversos tribunais, através de acórdão de uniformização de
jurisprudência e optou pela conceção ampla de terceiros (defendida pela doutrina e ao
contrário do que era defendido pela generalidade da jurisprudência).

No entanto, o aresto que saiu do Supremo não foi bem formulado. Nos termos do dito
aresto, terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que tendo obtido o registo de
um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito arredado por facto jurídico anterior

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não registado ou registado posteriormente. O que se pretendeu no aresto foi consagrar a


conceção ampla de terceiros – não fazer depender as aquisições de terceiros da vontade do
autor comum -, mas, apesar disto, por falta de rigor na expressão escrita, começou-se a
afirmar que, com este aresto, terceiros seriam mesmo aqueles que adquirissem de diversos
autores (ex: A vendia a B e B não registava, B vendia a C e C registava e C vendia a D, que
registava – B e D seriam tidos como terceiros nos termos daquele aresto).
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O STJ não teve o cuidado de dizer que era do mesmo autor ou causante e, portanto, começou
a afirmar-se que o STJ tinha consagrado uma conceção amplíssima de terceiro: terceiro eram
também aqueles que adquiriam de autores diferentes.

Porque este acórdão não estava de acordo com a maior parte da jurisprudência, em 1999, o
STJ volta-se a pronunciar sobre esta questão, afastando a conceção amplíssima e ampla de
terceiros e, portanto, (aparentemente) consagrando a conceção restrita, nos termos da qual
era suposto adquirir com base na vontade do mesmo autor ou causante exige boa fé por
parte do terceiro. Acontece, porém, que quando se analisa em rigor o acórdão de 1999, o STJ
adotou uma conceção intermédia (entre a restrita e a ampla): são terceiros os adquirentes de
boa fé de um mesmo transmitente comum de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa
(aquisição derivada translativa).

De acordo com o STJ, apesar de não ter dito isto, mas ser isto que resulta da fundamentação
do aresto, o credor que nomeia o bem à penhora e que passa a ter o direito, nos termos do
822.º do CC, ou o arrestante ou o credor que beneficia de um hipoteca judicial não é terceiro
(aquisição derivada constitutiva - adquire um novo direito e não o direito que o executado
tinha), mas se a ação executiva correr os seus termos e chegar ao fim e, a final, ocorrer a
venda e a adjudicação do bem, o adquirente por adjudicação ou por venda judicial já é
terceiro. Era suposto haver vontade do mesmo autor ou causante, mas essa vontade só era
relevante no início da ação executiva. Por isso, se a ação chega ao termo com venda ou
adjudicação o adquirente, apesar de adquirir da ação executiva e contra a vontade do
executado, já era havido como terceiro.

Esta posição do STJ compreende-se, do ponto de vista prático, porque defender a posição
restrita põe em causa o processo executivo, a posição do credor e a credibilidade da justiça,
mas, do ponto de vista conceptual, é estranhíssima, porque os argumentos que poderiam
servir de base aos embargos de terceiro, quando os embargos de terceiro não devam ser
julgados procedentes, também não podem ser julgados procedentes no fim da ação executiva.
Quando se deduz os embargos e se vem dizer levanta-se a penhora sobre esse bem, porque
o bem é meu, com isto diz-se que se levarem até ao final a ação executiva depois vou pedir
a ação de nulidade da ação e vou intentar a ação de reivindicação.

O que o STJ diz, de acordo com este aresto, é o seguinte: A vende a B e B não regista e se o
credor intentar uma ação executiva e nomear à penhora o bem de B, registado em nome de
A, no âmbito da ação executiva, B não pode vir deduzir embargos, porque não precisa.

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Fazer ou não é igual, será sempre protegido a final, porque o exequente não é terceiro e não
é protegido. Portanto, se B deduzir embargos a ação executiva para, mas se nada fizer e se
deixar a ação chegar ao fim e se o bem for vendido a um terceiro, B não pode pedir a ação
de nulidade da venda executiva nem intentar a ação de reivindicação.

O que não faz sentido, porque quando os embargos são julgados procedentes, apesar de não
terem sido no final da ação executiva, pode vir a ser pedida a declaração de nulidade da venda
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e intentada a ação de reivindicação. Defender a posição restrita perante o exequente implica
defende-la perante o adquirente da venda executiva. Se se disser que ao deduzir os embargos
pode ver levantada a penhora e não pode se fazê-lo a posteriori através de uma ação de
nulidade e de uma ação de reivindicação é criar confusão.

Em 1999, através do Decreto-Lei n.º 533/99, o legislador veio tomar posição no assunto,
introduzindo o artigo 5.º/4 do CRP. No preâmbulo, o legislador tomou posição pela
conceção restrita de terceiro, sem exigir a onerosidade nem a boa fé. No entanto, o artigo
5.º/4 do CRP diz-se apenas que são terceiros, para efeitos de registo, aqueles que tenham
adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si. Diz-se de um autor comum,
não se diz com base ou contra a sua vontade e introduziu-se a expressão autor para não
limitar a tutela do terceiro à aquisição derivada translativa (como tinha sido feito pelo STJ,
em 1999), abrangendo quer a aquisição derivada translativa, quer a aquisição derivada
constitutiva.

Portanto, o legislador afastou a conceção amplíssima de 1997, a conceção ampla, a conceção


intermédia de 1999, e veio adotar a conceção restrita, que não resulta de forma clara do artigo
5.º/4, mas sim do preâmbulo do diploma legal que o veio introduzir.

Para DOUTORA MÓNICA JARDIM é claro que, desde 1999, vigora, entre nós, a
conceção restrita de terceiro – são aqueles que do mesmo autor ou causante, com base na
sua vontade, recebam direitos incompatíveis entre si. Esta conceção é indefensável!

Não faz sentido que o penhorante, o arrestante, o titular de uma hipoteca judicial, o
adquirente de uma venda executiva e aquele que adjudica no âmbito da ação executiva não
possa ser havido como terceiro. Todos os argumentos avançados pela doutrina quanto à
conceção restrita, em 1997, continuam a valer aqui! O legislador não devia ter consagrado a
conceção restrita, fê-lo indevidamente e devia voltar a trás, pois essa conceção é o descrédito
da ação executiva, é o descrédito do processo executivo, é a incerteza e a insegurança dos
credores.

Desde 2011, a jurisprudência uniformemente, sem exceção, decide com base na conceção
restrita: terceiros são só aqueles que adquirem com base na vontade do autor comum (até
então, a jurisprudência ia exitando, adotando a posição intermédia ou a posição restrita). Ao
invés, a doutrina, toma a posição inversa, defende a conceção ampla, tal como defende
DOUTORA MÓNICA JARDIM:

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• OLIVEIRA ASCENSÃO: Defende que o legislador utiliza a expressão autor comum


porque quis adotar uma conceção ampla, mais ampla do que o STJ em 1999 — o que não é
verdade.

• CLARA SOUTO MAIOR: Defende que, fazendo uma interpretação com base em
elementos racionais e sistemáticos, se pode chegar à conclusão que o legislador consagrou
uma conceção ampla — DOUTORA MÓNICA JARDIM não vê como, porque o legislador
92
foi claro no preâmbulo.

• REMÉDIO MARQUES: Entende que o arrestante, o exequente que nomeia o bem à


penhora, o adquirente a final da venda executiva, também adquirem com base na vontade do
autor comum. Tanto adquire do autor comum aquele que adquire com base num negócio
jurídico, como no fim da ação executiva ou no âmbito da ação executiva, encontrando ainda
algum suporte na vontade do executado — DOUTORA MÓNICA JARDIM não entende
que o executado queira ser executado e que na base da penhora do bem esteja a sua vontade
e muito menos na base da venda na ação executiva. Não parece que o titular de uma hipoteca
judicial ou quem intentou um arresto ou nomeou um bem à penhora ou adquiriu no âmbito
da ação executiva adquira com base na vontade do executado ou do arrestado, adquire sim
contra essa vontade. Portanto, não pode ser protegido no quadro da conceção restrita.

Posto isto, devia ter sido adotada a conceção ampla e não a conceção restrita, como foi
adotada.

Se A tiver transmitido o seu direito de propriedade sobre um imóvel a B e B não tiver


solicitado o registo e se depois o credor de A obtiver uma hipoteca judicial que tenha por
objeto o bem transmitido a B, mas não registado a seu favor, ou um arresto ou uma penhora,
não é havido como terceiro. Se não forem deduzidos embargos e deixar a ação chegar ao fim
e se o bem vier a ser vendido ou adjudicado, o B a seguir pode intentar a ação para a
declaração de nulidade de venda executiva e a ação de reivindicação, porque o adquirente
não é havido como terceiro porque foi consagrada a conceção restrita.

Até porque a conceção restrita é claramente contrária, na perspetiva da DOUTORA


MÓNICA JARDIM, ao artigo 824.º/2 do CC. Enquanto que o artigo 5.º/4 do CRP
determina que a aquisição não registada é eficaz face à penhora e posterior venda executiva,
o artigo 824.º/2 do CC estatui que o direito adquirido antes do registo da penhora, mas não
publicitado, caduca. Portanto, a única forma de conciliar estes artigos é defender que o artigo
824.º do CC foi parcialmente revogado pelo artigo 5.º/4 do CRP.

Neste momento, por força do artigo 824.º do CC, quanto aos direitos reais menores de gozo
constituídos antes do registo da penhora ou antes de qualquer garantia feita valer na ação
executiva, mas que não tenham sido inscritos no registo ou só tenham sido inscritos
posteriormente à penhora ou à garantia que é feita valer na ação executiva, temos de
distinguir:

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— Se o direito real de gozo foi publicitado pelo registo após o registo de uma garantia real
convencional feita valer no processo executivo, esta hipótese, mantém-se em vigor o n.º 2
do artigo 824.º do CC porque, como é óbvio, a conceção restrita de terceiros não assume
aqui relevância – o conflito é entre um direito real menor de gozo e um direito real de garantia
adquirido com base na vontade do executado; ambos os direitos foram adquiridos com base
na vontade do executado e, como é evidente, a garantia primeiramente registada prevalece.
93
— Se o direito real de gozo foi publicitado pelo registo após a inscrição de uma hipoteca
judicial ou arresto (convertido em penhora) ou penhora, feitos valer no processo executivo
(portanto, em confronto já está um direito fundado na vontade do autor comum contra uma
direito não fundado na vontade), o direito real de gozo, apesar de não registado, não caduca
e prevalece, porque não temos terceiros, na defesa da conceção restrita de terceiros. Por
isso, nesta hipótese, o artigo 824.º/2 do CC é revogado, no entender da DOUTORA
MÓNICA JARDIM, pois, em princípio, nesta hipótese, o direito real de gozo caducaria,
perante a garantia real feita valor na ação executiva.

Exemplo: A constituiu um direito real de gozo (usufruto) a favor de B e B não registou. A


seguir, A constituiu uma hipoteca a favor de C. C não viu satisfeito o seu crédito e teve de
executar a hipoteca, intentou a ação executiva e nomeou à penhora o bem hipotecado. No
confronto temos B (usufrutuário) e C (credor hipotecário de um bem hipotecado como se
estivesse em propriedade plena). Temos confronto entre um direito real de gozo anterior e
não registado e um direito real de garantia que está a ser feita valer na ação executiva e que
foi devidamente registado, que são dois direitos reais, apesar de um de gozo e outro de
garantia, que surgiram com base no mesmo autor ou causante. Logo, de acordo com a
conceção restrita, prevalece o direito registado, ou seja, o direito de C.

Agora se a situação for a de que A constituiu o usufruto a favor de B e B não registou e


depois disso um credor de A obteve uma hipoteca judicial, o arresto ou a penhora do bem
que tinha sido dado em usufruto a favor de B, mas cujo usufruto não tinha sido registado.
Nessa hipótese, de acordo com o artigo 824.º do CC, o direito real de gozo anterior, mas não
registado, devia deixar de existir e o bem deveria ser transmitido livre e desonerado de tal
direito, ou seja, quem adquirisse na venda executiva adquiria a propriedade plena. Mas
estando consagrada entre nós a conceção restrita, o tal usufrutuário pode vir deduzir
embargos de terceiros e conseguir que a penhora ou o arresto seja levantado. O direito que
decorre para o credor exequente do arresto, penhora ou hipoteca judicial não foi adquirido
com base na vontade do autor e, portanto, esses não são havidos como terceiros, o que quer
dize que aquele que adquiriu o usufruto e não o registou efetivamente pode vir deduzir
embargos. Se não vier a deduzir embargos e não levantar o arresto ou a penhora, pode deixar
decorrer a ação executiva e quando ela findar pode vir intentar uma ação tendente à nulidade
daquela venda e uma ação de reivindicação, porque não foi consagrada a conceção ampla de
terceiros e, assim sendo, o credor hipotecário, o arrestante, o exequente que nomeia o bem
à penhora não é havido como terceiro e, consequentemente, o titular do direito real de gozo
adquirido antes, mas não registado ainda assim vai poder opor o seu direito.

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AULA 27 DE ABRIL DE 2021

SUMÁRIO:

Efeitos do Registo
Artigo 291.º do CC

O artigo 291.º do CC
94
O artigo 289.º do CC consagra a eficácia retroativa da nulidade ou da anulabilidade, o que
significa que se um negócio padecer de nulidade ou de anulabilidade, uma vez declarado nulo
ou anulado, é como se não tivesse sido celebrado.

A vende um bem a B e depois B vende/doa/permuta a C, se depois da aquisição por C o


negócio entre A e B vier a ser declarado nulo ou anulado, B é como se nunca tivesse sido
titular daquele bem e, consequentemente, por força do artigo 289.º do CC e da eficácia
retroativa, a venda/doação/permuta que tenha existido entre B e C vai ser havida como nula,
porque a non domino, e a consequência natural seria o facto de C ver a sua posição decair e
ser havido como alguém que nunca adquiriu o direito.

Esta a situação-regra na generalidade dos países, ou seja, os terceiros que se integrem numa

mesma cadeia de transmissões podem ver a sua posição jurídica afetada em virtude de uma

invalidade anterior ao ato em que participaram, invalidade anterior que uma vez declarada
produz efeitos retroativos e que consequentemente vai gerar uma invalidade em sequência
dos negócios posteriores.

Se o negócio entre A e B é nulo ou anulável e a nulidade ou anulabilidade é declarada, todos


os negócios posteriores caem porque se traduzem em negócios sobre coisa alheia (a non
domino), uma vez que B nunca chegou a adquirir o direito.

Esta realidade gera incerteza e insegurança aos terceiros, porque eles nunca podem

confiar que vão permanecer titulares do direito, na medida em que não sabem se o seu
causante participou ou não de um negócio que a final era nulo ou que viria a ser anulado e,
se tal acontecer, se o negócio for declarado nulo ou vier a ser anulado, produzir-se-ão efeitos

retroativos, ou seja, haverá invalidade consequencial e o próprio negócio do terceiro será


afetado porque a non domino. Assim sendo, a única solução que o terceiro tem é apenas e
só negociar com quem possa invocar a usucapião.

Esta era a realidade em Portugal, até ao atual CC. Nos trabalhos preparatórios do CC, estes

artigos foram atribuídos ao DOUTOR RUI ALARCÃO que entendeu que era preciso dar
maior segurança ao comércio jurídico e tutelar os terceiros (aqueles que pretendiam adquirir
a garantia de que efetivamente adquiriam, para não estarem sempre e a todo o momento
sobre a possibilidade de ser posto em causa o seu negócio, em virtude da eficácia retroativa
da nulidade ou da anulabilidade). É neste quadro que, em 1967, surge o artigo 291.º do CC,

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que afasta a eficácia retroativa da declaração de nulidade e de anulabilidade e que se traduz


numa exceção ao princípio do nemo plus iuris, a favor de terceiros que preencham um
conjunto de requisitos. Assim sendo, o terceiro adquirente não será afetado com a eficácia
retroativa da nulidade ou da anulabilidade se:

1. Tiver adquirido: Coloca-se aqui a questão de saber se é necessário, em matéria de

direito registal, que este terceiro tenha de adquirir de quem conste como titular registal 95

ou não (questão esta que é relativamente recente, pois não se colocava até 1984, porque até
aí não existia o princípio da legitimação). Questiona-se isto, mesmo entre nós onde vigora o

princípio da legitimação registal (artigo 9.º/1 do CRP), porque existem exceções ao

princípio da legitimação (artigo 9.º/2 e 3 do CRP) e também porque pode acontecer

que o princípio da legitimação registal não seja cumprido (este princípio impõe-se àquele

que quer alienar ou onerar e é objeto de controlo por parte do titulador, mas se o titulador
não der cumprimento ao princípio da legitimação o negócio é celebrado e válido). Na
perspetiva da DOUTORA MÓNICA JARDIM, não é requisito de aplicação do artigo 291.º
adquirir de titular registal;

2. A título oneroso;

3. De boa fé: A boa fé que é exigida ao terceiro é a boa fé em sentido ético e não em

sentido psicológico, o que significa que é considerado de boa fé o terceiro adquirente,

que no momento da aquisição, desconhecia e não devesse conhecer, sem culpa, o vício

do negócio anterior;

4. Por negócio jurídico: Este artigo aplica-se a negócios jurídicos e não a vendas executivas;

5. Bem imóvel ou móvel sujeito a registo;

6. Obtiver o corresponde registo: O efeito do registo, juntamente com os outros

requisitos, é atributivo, porque o terceiro que preencha esse conjunto de requisitos vai

adquirir o direito, excecionalmente, perante o princípio do nemo plus iuris, e, se adquire

o direito, não podem existir dois direitos incompatíveis - o direito do terceiro e o direito

do que antes era proprietário -, logo o proprietário vê o seu direito cair.

No caso de o terceiro adquirir de não titular registal, o registo será provisório por

dúvidas, porque o terceiro não está adquirido do titular registal, de acordo com o

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princípio do trato sucessivo. Assim, neste caso, o terceiro ou:

1) Pede o registo a favor do seu causante e depois o seu, caso em que são ambos

feitos como definitivos; ou

2) Pede o seu registo sem o registo do seu causante e o seu registo será feito como

provisório por dúvidas. Caso em que para ver seu registo convertido em definitivo 96

terá de solicitar o registo a favor do seu causante, de acordo com o princípio do

trato sucessivo.

Apesar do princípio do trato sucessivo nos conduzir a que se afirme que o terceiro só
consegue ter o registo definitivo a seu favor se previamente for feito o registo definitivo

a favor do seu dante causa, isto não implica que se diga que o terceiro não pode beneficiar
do artigo 291.º do CC se o terceiro não adquirir de titular registal, porque é possível solicitar-
se posteriormente o registo definitivo do dante causa.

7. Com prioridade sobre a ação de nulidade ou de anulação: Note-se que este artigo só

protege o terceiro perante nulidade ou anulabilidade anterior, não perante inexistência.

(p. ex., forjou-se uma escritura de compra e venda ou houve coação física).

8. Decorridos 3 anos desde a data da invalidade do negócio: Estes 3 anos traduzem-se

numa enorme redução temporal para reagir contra a nulidade, porque a nulidade pode

ser arguida a todo o tempo (artigo 286.º do CC). Já se em causa estiver um negócio que

padeça de uma anulabilidade, o prazo para intentar a ação é o prazo que está previsto

na lei (artigo 287.º do CC).

O artigo 291.º do CC pode não conceder uma tutela imediata ao terceiro, pois o terceiro, que
regista o negócio em que interveio com prioridade sobre o registo da ação de nulidade ou de
anulação do negócio anterior ao seu, o terceiro só é protegido imediatamente se já tiverem
decorrido mais de 3 anos sobre a data do negócio nulo ou anulável.

Esta foi a forma encontrada para, por um lado, tutelar os terceiros e o comércio jurídico, e,
por outro lado, permitir que o verdadeiro proprietário ainda tenha tempo para reagir contra
a nulidade ou anulação, porque pode suceder que o verdadeiro proprietário tenha celebrado
o negócio, p. ex., sobre coação.

O artigo 17.º/2 do CRP


De acordo com o artigo 17.º/2 do CRP, a declaração de nulidade do registo não prejudica
os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos

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correspondentes factos for anterior ao registo da ação de nulidade. O terceiro adquirente é


tutelado pelo artigo 17.º/2 do CRP se:

1. Tiver adquirido a título oneroso;

2. Estiver de boa fé: Segundo a DOUTORA MÓNICA JARDIM, a boa fé que é exigida
ao terceiro é a boa fé em sentido psicológico e não em sentido ético, o que significa que é
97
considerado de boa fé o terceiro adquirente que desconhecer o vício anterior. Não se deve
exigir uma boa fé em sentido ético, porque:

(1) Não parece legítimo exigir ao titular registal (homem médio) que desconheça, sem culpa,
vícios registais anteriores, porque isso implicaria exigir-lhe que tivesse conhecimentos
jurídicos, conhecimentos próprios de um profissional técnico especializado formado para ter
a competência de lavrar registos;

(2) Sempre que em causa estejam vícios intrínsecos (traduz-se na violação de regras
estritamente registais quanto à feitura do registo) ou um vício extrínseco que se traduza numa
nulidade manifesta, ou seja, que envolva a violação do princípio da legalidade, e que,
portanto, devesse ter conduzido à recusa do registo, mas mesmo assim o registo tiver sido
feito, este registo, para além de ser extrinsecamente inválido, também o é intrinsecamente
por violação do princípio da legalidade. Nestes casos, impor a boa fé em sentido ético
implicaria impor ao titular registal (ao terceiro) um ónus de controlar a atividade do
responsável pela feitura dos registos, no sentido de ver se essa atividade tinha sido realizada
de forma correta e adequada, em cumprimento das regras da atuação registal.

3. O registo anterior ao seu e que suportou o seu for declarado nulo(*);

4. Tiver registado o seu direito (é titular registal) antes do registo da ação de nulidade;

A tutela do terceiro é uma tutela imediata, não há um decurso de tempo pelo qual o
terceiro

tenha de passar, ao contrário do artigo 291.º.

(*) As causas de nulidade do registo estão previstas no artigo 16.º do CRP:

1. Al. a): Quando for falso (p. ex., na altura em que os registos constavam de um livro e

passaram para um registo eletrónico - para um livro digital -, foi efetuado um registo que não

existia nos livros, um registo falso que publicita um facto inexistente) ou tiver sido lavrado

com base em títulos falsos

2. Al. b): Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova

legal do facto registado (p. ex., foi lavrado o registo de uma aquisição de um bem imóvel,

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aquisição essa que ocorreu através de documento particular não autenticado, quando a lei
exige documento particular autenticado ou escritura pública)

3. Al. c): Quando enfermar de omissões ou inexatidões de que resulte incerteza

acerca dos sujeitos ou do objeto da relação jurídica a que o facto registado se

refere (p. ex., se do registo não se conseguir apurar quem é o sujeito passivo e quem é o
98
sujeito ativo ou o imóvel que é objeto do facto jurídico)

4. Al. d): Quando tiver sido efetuado por serviço de registo (materialmente, porque,

desde 2009, já não há incompetência territorial) incompetente (p. ex., se for lavrado um

registo predial na conservatória do registo civil ou do registo comercial) ou assinado por

pessoa sem competência (p. ex., se o funcionário que praticou o ato estava fora das suas

competências próprias), salvo o disposto no n.º 2 do artigo 369.º do Código Civil e não

possa ser confirmado nos termos do disposto no artigo seguinte

5. Al. e): Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia (neste primeiro caso

supõe-se que ninguém tenha solicitado o registo, que em causa não esteja uma das

hipóteses de registo oficioso e que o registo tenha sido feito e que, portanto, tenha

havido violação do princípio da instância e, por violação desse princípio (que nos diz

quem é que o registo deve ser solicitado e o conservador não deve lavrar registos de modo

próprio, fora dos casos de oficiosidade), o registo tem de ser havido como nulo; e o registo

é nulo porque a data do registo é a data em que tiver sido feita a anotação no livro

diário e essa data corresponde com a data da apresentação do pedido e, se não houver

pedido de um registo que não seja oficioso, não há data) ou com violação do princípio

do trato sucessivo (neste segundo caso, não estando cumprido o princípio do trato

sucessivo, o registo pode ser lavrado como provisório por dúvidas e, durante os 6

meses da sua vigência, pode ser feito o registo em falta como definitivo, para que este

registo lavrado como provisório se converta em definitivo).

A questão que se tem colocado na doutrina é se estas hipóteses de nulidade do registo

(artigo 16.º do CRP), se reduzem a vícios intrínsecos ou próprios (o registo é nulo porque
não foram cumpridas as regras que comandam a feitura/realização dos registos e da atuação

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dos conservadores - princípio do trato sucessivo, princípio da instância, o princípio da


legalidade, etc. -, ou seja, em virtude de causas próprias) ou se também abrangem os vícios
extrínsecos ou consequenciais (o registo é nulo em consequência dos vícios do facto jurídico,
ou seja, o registo é nulo quando dá publicidade a um facto jurídico inexistente, nulo, anulado
ou ineficaz, porque deixou de produzir efeitos e essa cessação de eficácia produziu efeitos
retroativos).
99
➡ Boa parte da doutrina diz que o registo é nulo por vícios intrínsecos, e não extrínsecos;

➡ Outra parte da doutrina diz que o registo é nulo não só por vícios intrínsecos, mas
também por vícios extrínsecos.

Quem entende que o registo apenas padece apenas de vícios intrínsecos, não tem problemas
em saber como se aplica o artigo 291.º do CC e o artigo 17.º do CRP: o artigo 291.º tutela os
terceiros perante a nulidade e anulabilidade de um negócio jurídico anterior que podia pôr
em causa a valia do negócio em que interveio; o artigo 17.º protege o terceiro de um registo
anterior que seja nulo por vícios intrínsecos.

Quem entende que o registo padece tanto de vícios intrínsecos como extrínsecos, já se pode
ter mais dificuldades de compatibilização entre o artigo 291.º do CC e o artigo 17.º do CRP:

• O CONSELHO TÉCNICO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO (que adota esta


posição), entende que o artigo 291.º do CC se aplica a vícios substantivos e o artigo 17.º do
CRP se aplica a vícios registais.

• O DOUTOR CARVALHO FERNANDES e a DOUTORA ISABEL PEREIRA


MENDES (tal como a DOUTORA MÓNICA JARDIM) defendem que:

• Quando estamos perante um vício registal intrínseco, aplicamos o artigo 17.º do CRP;

• Quando estamos perante um vicio registal extrínseco temos de ver ser aplicamos o artigo
291.º do CC ou o artigo 17.º do CRP:

- Quando o terceiro tenha adquirido do titular registal à data do negócio, aplicamos o artigo
17.º do CRP, porque o terceiro consultou o registo e verificou que o seu causante, que ia
praticar o ato de alienação ou oneração, era o titular registal e confiou no registo e, portanto,
merece tutela imediata, deste que cumpridos os requisitos, mesmo que o negócio anterior
àquele emque participou padeça de inexistência, ou seja, o artigo 17.º do CRP é aplicável a
vícios substantivos;

Exemplo 1. Se A era titular registal e proprietário e se nada tiver feito e B forjar uma

escritura de compra e venda da qual conste que A lhe vendeu o imóvel ou se B ter

feito uma falsa invocação da usucapião e conseguir registar, se B de seguida vender a C e C


conseguir registar, se C adquirir a título oneroso e de boa fé, porque adquire

de um titular registal (B), não vai ser afetado por aquela inexistência e, portanto, será

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tutelado imediatamente pelo artigo 17.º do CRP, uma vez que regista antes do registo

da ação tendente à declaração de nulidade do registo.

Exemplo 2. B fez um habilitação de herdeiros. Quando previamente foi às finanças e

apresentou o rol de bens, juntou ao rol de bens do de cujus um bem de um vizinho 100

que não tinha o registo feito a seu favor e, assim, aparentemente, passou a adquirir

mortis causa e conseguiu vender a C. A sucessão mortis causa não ocorreu e o

terceiro também não seria tutelado pelo artigo 291.º que não cobre hipóteses de

inexistência. Se entendermos como o Doutor Carvalho Fernandes e a Doutora Isabel

Pereira Mendes que os vícios registais são intrínsecos, mas também são extrínsecos

e quando são extrínsecos, quando decorrem de um vício substantivo, aplica-se o

17.º, a partir do momento em que o terceiro tenha adquirido do titular registal o

terceiro é protegido.

- Quando o terceiro adquirente tenha adquirido de alguém que não era o titular registal à data
do negócio, aplicamos o artigo 291.º do CC, porque o terceiro não confiou no registo e,
portanto, a tutela pode não ser imediata, depende se à data da aquisição do terceiro já havia
decorridos os 3 anos perante o negócio inválido, tutela essa que só é dada perante a nulidade
e a anulabilidade.

O que dizer desta polémica? A posição de CARVALHO FERNANDES e ISABEL


PEREIRA MENDES está certa, contudo:

1. Reduzirá imenso o campo de aplicação do artigo 291.º do CC, pois a tutela dada por

este artigo passará a ser menos frequente, porque o princípio da legitimação está

previsto entre nós desde 1984, as exceções não são assim tantas e os tituladores, na

sua larga maioria e na maioria das hipóteses, dão cumprimento ao princípio da

legitimação. Portanto, em regra, o terceiro que adquire a título oneroso e de boa fé

adquire de titular registal inscrito.

2. Apesar de os vícios registais tanto poderem ser intrínsecos (o registo pode ser nulo

em si e por si, porque aquele que fez o registo não cumpriu as regras que regem a sua

atividade) como extrínsecos (o registo pode ser nulo em consequência de um vício do

facto jurídico que publicita — é o que acontece, desde logo, quando o registo é falso

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por dar publicidade a um facto jurídico que nunca ocorreu ou registo ser falso por ser

lavrado com base num título falso - casos que cabem no artigo 16.º/a) do CRP, a

inexistência do facto jurídico está coberta pela alínea a) - ou quando o registo é lavrado

com base em títulos insuficientes (p. ex. documento particular não autenticado, contrato

promessa, com base num documento que titula um negócio que é inexistente, é nulo ou vem 101

a ser anulado) - casos que cabem no artigo 16.º/b) do CRP), não será de acompanhar a

posição de Doutor Carvalho Fernandes e da Doutora Isabel Mendes de que

quando o vício seja extrínseco se tem de delimitar o campo de atuação do artigo

291.º do CC e do artigo 17.º do CRP. Isto porque não parece que o âmbito de

aplicação destes artigos se sobreponham por algum modo, pois uma coisa são os

vícios do facto jurídico (inexistência, nulidade e anulabilidade) e outra coisa é o vício do

registo (nulidade) que publicita esse facto inexistente, nulo ou anulável e aí os efeitos

são diferentes:

• Tanto o artigo 291.º do CC, como o artigo 17.º do CRP surgiram em 1967 e os

dois códigos (o CC e o CRP) foram publicados no mesmo dia, pelo que, se

assim é, não faz sentido que haja uma sobreposição dos artigos que contêm

requisitos diversos.

Poderá dizer-se que nessa altura já se pretendia tutelar de forma mais célebre/

imediata aquele que adquiri-se de titular registal e impor o prazo de 3 anos a quem

não adquiri-se de titular registal, mas tal não é um argumento credível porque, por

um lado, em 67, vigorava o princípio da obrigatoriedade do registo apenas em

metade do país e nem vigorava o princípio da legitimação, pelo que eram muito

poucos os registos que eram feitos e a maioria das aquisições eram feitas a não

titulares registais e porque, por outro lado, só haveria esta tutela imediata de quem

adquirisse do titular registal se o legislador confiasse no registo e era claro que não

confiava, pois o nosso sistema não oferecia garantias de exatidão.

Portanto, não é credível que efetivamente o legislador português quisesse dar esta

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amplitude ao artigo 17.º, permitindo que o 17.º protegesse até o terceiro perante os

vícios substantivos e dentro destes vícios até da inexistência.

• Independentemente destes argumentos, quando um registo é nulo por o negócio

padecer de inexistência (padecer de inexistência ôntica, do ponto de vista de

nunca ter ocorrido, ou de padecer de causas geradores de inexistência, p. ex., 102

coação física, declarações não sérias), nulidade ou anulabilidade e vier a ser

anulado, nós temos claramente dois factos: 1) o negócio que padece de

inexistência, nulidade ou anulabilidade ou a inexistência do negócio; 2) o registo.

O negócio é que padece de causas de inexistência, nulidade ou anulabilidade e é

em consequência desses vícios que o registo é nulo, nos termos do artigo 16.º/b)

do CRP. Temos dois factos e dois vícios: um que afeta o negócio e outro que afeta

o registo.

O facto de o registo ser afetado consequencialmente pelos vícios do negócio que publicita
não cria ou não devia criar qualquer perturbação aquando da aplicação do artigo 291.º do CC
ou do artigo 17.º do CRP, pois o artigo 291.º do CC protege o terceiro perante os vícios
substantivos e o artigo 17.º do CRP protege o terceiro perante o vício registal, o que quer
dizer que:

- Quando o registo padece de um vício extrínseco, o terceiro que tem a tutela do 17.º não
está definitivamente protegido, ele só tem uma tutela provisória, porque pode ser sempre
invocada a invalidade substancial e, nesse caso:

• Se a invalidade for a inexistência, o terceiro não está protegido de qualquer forma, porque,
a qualquer momento, pode ser invocada a inexistência do facto aquisitivo do seu dante causa
e a nulidade consequencial do seu facto aquisitivo e o consequente cancelamento doregisto;

A é proprietário de um imóvel. B forja uma escritura de compra e venda dizendo que A lhe
vendeu o imóvel e consegue o registo a seu favor. B vende a C e C regista, de boa fé e adquire
a título oneroso. Se A, verdadeiro proprietário, vier pedir a declaração de nulidade do registo
de B dizendo que o registo de B é falso, porque foi lavrado com base num título falso, o
registo de B é nulo, nos termos da al. a) do artigo 16.º do CRP, e depois pedir, em
consequência, a declaração de nulidade do registo de C, C poderá dizer que o registo de B é
nulo, mas ele adquiriu de boa fé e a título oneroso, o que o deixa protegido de acordo com
o artigo 17.º/2 do CRP, não podendo o seu registo ser afetado.

Mas esta tutela do artigo 17.º não protege o terceiro definitivamente porque estamos

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perante um vício extrínseco - o negócio inexistiu. A pode intentar nova ação a

pedir que se reconheça que aquela escritura foi forjada, que inexistiu qualquer

negócio entre ele e B e que, por isso, seja declarado nulo o registo de B e

intentar a ação também contra C e pedir que seja declarado nulo o negócio

entre B e C, por se tratar de um negócio que padece de um vício substancial, 103

que é a venda a non domino, porque o bem sempre foi de A. Quando A põe em

causa a posição de C dizendo que o negócio onde C interveio é nulo, porque a

non domino, o C só tem tutela se pudesse recorrer ao artigo 291.º, mas

acontece que a aquisição de B foi inexistente. Logo, C não obtém tutela.

• Se a invalidade for a nulidade ou a anulabilidade, o terceiro só estará

definitivamente protegido se preencher os requisitos do 291.º.

Se o negócio entre A e B tivesse efetivamente sido celebrado e padecesse de

nulidade ou anulabilidade, o mesmo podia acontecer, ou seja, A, depois de

invocar a nulidade do registo de B e de C beneficiar de tutela do artigo 17.º, podia vir pedir
a declaração de nulidade do negócio de B e C por ser nulo, po

ser uma venda a non domino, porque entre A e B há um negócio nulo o

anulável. Nesta hipótese, o C eventualmente beneficiaria de uma tutela, ma

não do artigo 17.º, seria do artigo 291.º. Verificados todos os requisitos

beneficiaria eventualmente porque não se tratava de um caso de inexistência

mas só depois de decorridos os 3 anos sobre a data do negócio inválido

durante esses 3 anos não tivesse sido proposta e registada a ação.

- Quando o registo padece de um vício intrínseco, o artigo 17.º apena

protege definitivamente os terceiros e mesmo quando são vícios intrínsecos é

suposto que não seja pelo registo ser falso por dar publicidade a um facto

que nunca ocorreu, ou seja, não se pode estar no âmbito da alínea a) do

artigo 16.º.

Tutela dos sistemas registais e do registo português


Quanto à tutela concedida pelos sistemas registais, deve-se distinguir os sistemas registais

de tutela mínima dos terceiros e os sistemas registais de tutela máxima dos terceiros:

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• Sistemas de tutela mínima de terceiros (França, Itália, Bélgica, Luxemburgo, Portugal):

Quanto a estes sistemas registais que apenas concedem a tutela mínima ao terceiro,

dizemos que concedem uma fraca tutela ao terceiro e, nestes sistemas, são

considerados terceiros apenas e só aqueles que adquiram do mesmo autor ou causante

direitos total ou parcialmente conflituantes. 104

Os sistemas registais surgiram porque, a dada altura, tendo em conta o crescimento

demográfico dos grupos populacionais e o aumento do tráfico imobiliário, os legisladores

concluíram que não era equilibrado reconhecer aos direitos reais eficácia erga omnes

apenas decorrente de negócio jurídico ou do negócio jurídico e da entrega da coisa.

Nessa altura, foram criados os sistemas registais para garantir que os terceiros só seriam

afetados por direitos reais aos quais tivesse sido dada a publicidade. Tentou-se

equilibrar-se a segurança estática – a segurança da posição de quem já é titular registal –

e a segurança jurídica – a segurança dinâmica do comércio jurídico e dos terceiros - e os

legisladores fizeram uma posição: ou o registo é constitutivo ou o registo é consolidativo.

Por esta razão de ser dos sistemas registais, a tutela mínima que é concedida a um

terceiro é o terceiro, na medida em que registe, sabe que, quando negoceia com o

titular registal, não verá a sua posição jurídica ser posta em causa em virtude de

um facto jurídico anterior e válido, celebrado pelo seu dante causa com outrem,

que não tenha acedido ao registo e que incida sobre o mesmo bem ou direito, na

medida em que sejam total ou parcialmente incompatíveis ou contraditórios entre si.

Ou seja, a tutela mínima assegura ao terceiro que o seu dante causa ainda não

alienou ou onerou validamente a um terceiro e que, caso o tenha feito, essa

alienação ou oneração não lhe será oponível, porque não foi publicitada pelo

registo, mas o registo já não garante ao terceiro que ele está a negociar com quem

é efetivamente o titular do direito, porque não garante que aquele que está a alienar ou

onerar adquiriu de forma válida o direito e que agora também o pode transmitir ou onerar

dessa forma, pois nada garante que o transmitente não tenha participado de um negócio

que padeça de causa de inexistência, seja nulo, venha a ser anulado ou venha a ficar

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destituído de eficácia (e ex tunc) e que consequentemente a posição do terceiro seja

afetada, isto é, o terceiro nunca está seguro perante estas invalidades anteriores ao facto

jurídico em que intervém, invalidades essas que o podem afetar consequencialmente.

Logo, não são protegidos aqueles terceiros que, integrando-se numa e mesma cadeia de

transmissões, podem ver o seu facto aquisitivo ser posto em causa em virtude de uma 105

invalidade anterior.

Posto isto, podemos dizer que nos sistemas de tutela fraca o registo é completo ou

integro, no sentido de que todos os factos jurídicos que a ele devem de aceder têm de lá

estar, sob pena de inoponibilidade a terceiros, mas não é exato, porque não se garante

que quem consta como titular registal seja o titular do direito, porque pode ter

participado de um facto jurídico inexistente, nulo ou anulável.

• Sistemas de tutela máxima de terceiros (Espanha, Áustria, Suíça e Alemanha): Quanto

a estes sistemas registais que concedem a tutela mínima ao terceiro, dizemos que

concedem uma forte tutela ao terceiro.

Estes sistemas garantem não só ao terceiro que o seu dante causa ainda não

alienou ou onerou validamente a outrem e que, caso ele tenha alienado ou onerado,

tal facto não lhe será oponível, porque não foi publicitada pelo registo, como

garantem também ao terceiro que ele está a negociar com quem é efetivamente o

titular do direito, nesse sentido o terceiro é protegido perante vícios de negócios

jurídicos anteriores (note-se que até são protegidos perante vícios do próprio registo), o

que quer dizer que se o negócio em que o dante causa participou for inexistente, nulo,

vier a ser anulado ou deixar de produzir efeitos ex tunc, o terceiro nunca será afetado,

pois o registo garantiu que o dante causa era o proprietário e o terceiro confiou no registo

e pode nele confiar.

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Posto isto, podemos dizer que nos sistemas de tutela forte o registo é integro, completo e
exato.

Se A vender a B que não regista e depois A vender a C e este regista, o C é protegido, como
no sistema de tutela fraca - o sistema é integro e completo. Mas o C também é protegido se
A vender a B e B vender a C (terceiro) e o negócio entre A e B for nulo, inexistente ou
anulável - o sistema é também exato.
106

Dum registo consta que o proprietário é A e o usufrutuário é B e o direito de usufruo já


caducou e não houve o cancelamento do registo. B, aproveitando-se dessa posição registal,
hipotecou o seu direito. O credor hipotecário não adquiria o que quer que fosse porque o
usufruto já havia caducado, mas o registo continuava a espelhar que B era usufrutuário, então,
apesar de já não haver usufruto, o credor hipotecário não será afetado.

A é proprietário e B usufrutuário e indevidamente foi cancelado o registo do usufruto. A,

aproveitando-se desse facto, constituiu uma hipoteca sobre a propriedade plena. O credor

hipotecário não vai ficar com uma hipoteca sobre a nua propriedade por existir, do ponto de
vista substantivo, um usufruto. O credor hipotecário não pode ser prejudicado, porque o
registo publicitava que já não existia direito de usufruto e o credor hipotecário vai
efetivamente adquirir sobre a propriedade plena.

Num sistema registal de tutela forte protegem-se os terceiros nas hipóteses em que, em

Portugal, se tutela o terceiro por força do artigo 5.º do CRP, do artigo 291.º do CC, do

artigo 17.º do CRP e, ainda, em qualquer hipótese de inexistência do facto jurídico do

dante causa do terceiro.

O terceiro está protegido contra tudo, o que não quer dizer que o verdadeiro titular do

direito, do ponto de vista substantivo, não possa pedir a declaração de nulidade, a

anulação ou a declaração de inexistência. Ele pode, mas depois não pode opô-la ao

terceiro e, portanto, terá de ter apenas um ressarcimento em dinheiro. Daqui retira-se que

os sistemas que atribuem esta tutela forte aos terceiros deixam desprotegidos os

verdadeiros titulares dos direitos.

Estes sistemas de tutela forte são os que dão mais garantia e segurança ao tráfego

imobiliário e aos terceiros. É o que acontece na países como Espanha, Áustria, Suíça e

Alemanha, que são países consagram o princípio da fé pública registal, que tutela o

terceiro perante todas as hipóteses, no fundo garantem ao terceiro que o sistema é

completo, integro e exato. No entanto, o princípio da fé pública registal varia em vários

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pormenores de país para país:

- Pressupostos comuns:

‣ Adquirir de um titular registal;

‣ Registar.

- Pressupostos que variam: 107

‣ Boa fé em sentido ético (Áustria) ou em sentido psicológico (Espanha e Alemanha);

‣ Adquirente por negócio jurídico (Alemanha e Espanha) ou por negócio jurídico

ou outro qualquer meio, p. ex., ação executiva (Áustria);

‣ Aquisição onerosa (Espanha) ou onerosa ou gratuita (Alemanha e Áustria);

‣ Tutela de forma imediata, ou seja, basta adquirir de titular registal e registar

(Alemanha), ou a tutela é imediata umas vezes e outras não (Áustria) ou, em

regra, é imediata, mas se adquirir daquele que primeiro descreveu o imóvel e

obteve a primeira inscrição ou se se adquirir de um sucessor mortis causa

voluntário já não é imediata, só ao fim de 2 anos (Espanha);

‣ Há factos que não têm de ir a registo para serem oponíveis perante terceiros

e, por isso, os terceiros não são protegidos em relação a eles.

Afirmar que os ordenamentos jurídicos que concedem a tutela forte a terceiros são

aqueles em que:

- O registo é constitutivo, não é verdade! onde o registo é constitutivo, não é

verdade. Há ordenamentos jurídicos onde o registo é constitutivo e em que o

registo apenas concede uma fraca tutela aos terceiros. É o que acontece, p. ex., na

Grécia, na Holanda, no Brasil. Já em Espanha, que concede uma tutela forte, não

tem registo constitutivo, o registo é um mera condição de oponibilidade a terceiro.

Portanto, não há correlação entre o registo constitutivo e tutela forte.

- Consagram do princípio da causalidade, o que também não é verdade. O princípio

da causalidade vigora nos sistemas de título e nos sistemas de título e modo. Ora,

Espanha é um sistema de título e modo simples, a Áustria é um sistema de título e

modo complexo, em que vigora o princípio da causalidade e, não obstante,

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Espanha e Áustria concedem uma forte tutela aos terceiros. Portanto, também não

há correlação entre o princípio da causalidade e tutela forte.

O que se pode dizer é que há um conjunto de regras e princípios que são

imprescindíveis para que o legislador possa consagrar a tutela forte:

1. Sistema registal de fólio real, não de fólio pessoal (França, Itália, Bélgica, Luxemburgo 108

são sistemas registais de fólio pessoal e não têm tutela forte);

2. Acesso ao registo das aquisições mortis causa e aquisições inter vivos;

3. Consagração do princípio do trato sucessivo, quer na 1.ª quer na 2.ª modalidade

(França, Bélgica e Luxemburgo) e do princípio da legalidade em sentido amplo

(como controlo da valia formal e da valia substancial, princípio este que permite o

funcionamento das presunções - em Portugal: de que o direito existe e de que o

direito pertence ao titular inscrito).

Estes tratam-se de pressupostos necessários, mas não suficientes para que exista

uma tutela forte. Na verdade, em Portugal, todos estes requisitos se verificam e, no

entanto, o nosso país é um sistema de tutela fraca.

A DOUTORA MÓNICA JARDIM entende que a tutela forte não é consequência daquelas

caraterísticas, aquelas caraterísticas, apesar de necessárias para a tutela forte, são mais

consequências da opção feita do legislador. É ainda preciso que o legislador que opta

pela tutela forte e, em função dessa opção (pela tutela forte ou pela tutela fraca), o

legislador molda o sistema registal e atribui-lhe essas caraterísticas e consagra os

princípios necessário.

Prova do que tudo passa por uma opção do legislador, é a circunstância de a

generalidade dos legisladores, no século XIX e no século XX, terem posto à discussão a

possibilidade de consagrar ou não o princípio da tutela forte ou o princípio da legitimação

registal e de o terem aceite ou de o terem rejeitado. Houve países que o rejeitaram

liminarmente, p. ex., França, por entender que não podia pôr em causa o seu direito

substantivo e optou pelo sistema de tutela fraca. Já em Itália, a opção foi por não

consagrar a fé pública registal e de tentar equilibrar a posição do verdadeiro titular do

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direito e do terceiro, através do próprio direito substantivo.

Muitos países, nomeadamente Portugal, fortaleceram o seu sistema registal

consagrando as regras e princípios de um sistema de tutela forte — dotando o

sistema registal de maior credibilidade —, mas depois não aderiram aos sistemas de

tutela forte, porque, na ponderação de interesses entre a segurança estática e a 109

segurança dinâmica, não quiseram, no caso português, optando por uma situação

idêntica à italiana, ou seja, de encontrar o equilíbrio no direito substantivo e não no direito

registal: foram consagrados os artigos 243.º (inoponibilidade da simulação a terceiros de

boa fé), 291.º (inoponibilidade da nulidade e da anulação) e 732.º do CC (renascimento

da hipoteca) e não se dotou de eficácia resolutiva a resolução perante terceiros que

tivessem obtido primeiramente registo.

Note-se que estes preceitos não se traduzem em qualquer manifestação do princípio da

fé pública registal, uma vez que, para além de proteger os terceiros, protegem também,

no caso do artigo 732.º, os adquirentes de direitos registados em data anterior à do

cancelamento da hipoteca.

Qual é a melhor opção? A da tutela fraca, a da tutela forte ou a da tutela de terceiros do

ponto de vista substantivo?

A DOUTORA MÓNICA JARDIM entende que é da tutela forte, do ponto de vista registal
e não apenas do ponto de vista substantivo. No entanto, a tutela forte não pode ser
consagrada sem mais. É preciso analisar as deficiências do sistema e eliminá-las e, em
Portugal, temos diversas deficiências, p. ex., a facilidade com que se faz uma habilitação de
herdeiros, a facilidade com que se obtém um título para registo através de uma justificação
de direitos, a duplicação das descrições prediais e consequentemente as duplas inscrições, a
falta de cadastro, etc.

Enquanto estas falhas graves do sistema não forem reconhecidas e não forem eliminadas,
não se pode consagrar um sistema de tutela forte e temos de nos bastar com a tutela
concedida pelo direito substantivo.

Na verdade, um qualquer sistema que consagra uma tutela forte, consagra a possibilidade de

o verdadeiro proprietário vir a ser expropriado, ou seja, de ser privado do seu direito em face
de um terceiro e de apenas poder ser ressarcido pelo danos sofridos. Como é evidente, a

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possibilidade de o verdadeiro proprietário ser expropriado é mínima e, para haver esse


pequeno risco, é preciso que todo o sistema esteja blindado, ou seja, é suposto que a
arquitetura organizacional e a gestão do sistema registal sejam praticamente à prova de erros.
Apenas quando a possibilidade de o proprietário ficar privado do seu direito exista de forma
mínima, é que se pode consagrar um sistema de tutela forma, porque, se o sistema registal
permitir sucessivamente a expropriação do verdadeiro titular do direito, cai em descrédito e
entra em colapso. 110

AULA 4 MAIO DE 2021

SUMÁRIO:

Efeitos do Registo
Artigo 17.º da CRP

Justificação de direitos
Nem sempre os intervenientes no tráfego jurídico conseguem reunir os documentos

necessários que comprovem o facto jurídico (aquisitivo) de que derivou o seu direito. Se nada

fosse feito para solucionar este problema:

• Por um lado, os intervenientes no tráfico jurídico titulares de direitos sem documentos

comprovativos da aquisição desse direito nunca poderiam obter o registo dos

correspondentes direitos e nunca se poderiam tornar titulares registais, e, consequentemente,


não poderiam retirar os benefícios inerentes à posição de titular registal;

• Por outro lado, não poderia ser implementado o princípio da obrigatoriedade do registo,

nem o princípio da legitimação registal (que existem entre nós) e o registo não espelharia

toda a realidade substantiva, ou seja, no registo não estariam todos os direitos

efetivamente existentes na realidade substantiva, o que tornaria o registo muito menos

relevante e poderia descredibilizar o mesmo.

Foi a pensar neste problema que o nosso legislador, aquando da nossa primeira lei

hipotecária, resolveu arranjar um meio fácil e simples para justificar direitos.

A justificação de direitos surge, portanto, para tentar acautelar quem se arroga titular de

um direito e que não tem na sua posse documentos — o que há é falta de documentos e não

falta de direitos — que provem o facto jurídico aquisitivo do seu direito e traduz-se num

meio simplificado que permite a esse titular obter o registo correspondente a esse direito,

mas apenas e só quando a existência e a titularidade desse direito não é contestada, ou

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seja, quando se verifique uma total ausência de conflito/controvérsia.

Num primeiro momento, com a lei hipotecária, o legislador não admitiu a justificação de

direito, apesar de ter pensado logo nele, o legislador seguiu uma posição mais acanhada:
previu a justificação da posse. Assim, quem se arrogasse titular de um direito e não tivesse

documentos para obter o correspondente registo, se possuidor, podia justificar a posse (que
111
tinha de ser pública, pacífica e durar um determinado número de anos). Justificada a posse,
esta convertia-se em mera posse e, depois, com base na decisão judicial transitada em julgado
no processo de justificação, poder-se-ia obter o registo da mera posse (em termos de direito
de propriedade). Era um registo de apenas de posse, não de direito, mas que gerava a
presunção da titularidade do direito e que reduzia os prazos para depois se poder invocar a
usucapião e que, por isso, se revelou muito útil. Até porque, aquando da lei hipotecária, era
muito vulgar que os proprietários, que já eram proprietários aquando da entrada em vigor
da lei, não tivessem títulos e, assim, justificavam a posse, nos termos já mencionados.

Atualmente, o registo da mera posse não tem relevância prática, porque a maioria das

pessoas, se não for titular do direito e se não tiver tempo necessário para invocar a usucapião,

também não alerta do verdadeiro proprietário com um processo de justificação da posse para

obter o registo da mera posse, porque isso vai acordar o titular do direito para que ele venha
se opor à posse e interrompe-la e impedir que o prazo termine para a invocação da usucapião.

No entanto, na altura da lei hipotecária foi muito útil, porque em rigor quem estava a justificar
a posse eram, de facto, os proprietários que tinha a posse, mas não tinham títulos e ainda
não podiam invocar a usucapião.

O Código de Seabra começou apenas por admitir a justificação da posse, mas, em 1918,

admitiu a justificação de direitos. O titular do direito de propriedade (que, na altura, era o


único direito que podia ser justificado), desde que fosse um direito cuja existência ou
titularidade não fosse contestada, que não conseguisse apresentar o título aquisitivo porque
não o tinha e, portanto, não conseguisse obter o registo, passou a poder recorrer ao processo
(simplificado) dejustificação de direitos e, no termo desse processo, tinha um título formal
que permitiria ao titular do direito fazer o respetivo registo.

Apesar de termos a justificação de direitos desde 1918, a verdade é que esta foi sofrendo

alterações ao longo do tempo, quer quanto à sua forma (a quem se recorre para obter a
justificação de direitos), quer quanto às suas modalidades (que tipo de justificações existem),
quer quanto ao seu âmbito de aplicação (que direitos são suscetíveis de serem justificados),
quer quanto à legitimidade para recorrer à justificação (quem pode recorrer à justificação),
etc.

Em traços largos, podemos dividir a história em 2 grandes momentos:

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➡ De 1918 a 1951:

• Forma: Apenas e só a justificação judicial (quem queria obter o tal título comprovativo

do seu direito para depois conseguir registá-lo tinha de recorrer a tribunal) - a justificação

judicial de direitos seguia os mesmos tramites que a justificação da posse e estava prevista

no CPC e era admitida desde que não deduzida contestação, pois suponha inexistência de 112

conflito/controvérsia;

• Modalidades: Apenas e só a justificação com vista à primeira inscrição, ou seja,

em relação a prédios não descritos no registo ou descritos, mas sem qualquer

inscrição em vigor;

• Âmbito de aplicação: Apenas e só a justificação para direitos que, mesmo não

sendo publicitados pelo registo, consolidavam a sua oponibilidade erga omnes,

ou seja, direitos em relação aos quais o registo tinha um mero efeito publicidadenotícia ou
enunciativo (p. ex., o direito de propriedade adquirido antes de 1918, quer

originária quer derivadamente, consolidava a sua oponibilidade perante terceiro

independentemente do registo);

• Legitimidade: Aquele que se dissesse titular do direito.

Entre 1918 e 1951, a justificação de direitos não foi particularmente procurada pelos

particulares, porque:

- A justificação era judicial, ou seja, só podia obter o título para conseguir o registo

quem fosse a tribunal e o povo português é avesso a ir a tribunal;

- O processo de justificação servia para obter um documento para aceder ao registo,

ora, neste período, o registo não era obrigatório e não vigorava, entre nós, o

princípio da legitimação, o que quer dizer que quem fosse titular do direito podia

alienar ou onerar o seu direito sem que lhe fosse exigida a prova de ser titular

registal;

- Apenas podiam ser justificados direitos que, mesmo que não acedessem ao

registo, consolidavam a sua oponibilidade perante terceiros, ou seja, apenas se

podia justificar direitos em relação aos quais o registo tinha um mero efeito de

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publicidade-notícia/enunciativo.

➡ De 1951 até à atualidade:

• Forma: A justificação de direitos foi ampliada, porque, em 1947, foi implementado,

em Portugal, o cadastro geométrico obrigatório (ou levantamento cadastral) e, nas

zonas onde foi feito (e não foi feito em todas as zonas, mas havia a pretensão de ser 113

estendido a todo o país), o registo passava a ser obrigatório. Como se sabia que

muitos titulares de direitos não tinham o registo feito a seu favor e não tinham títulos

que lhes permitissem fazer o dito registo, ampliou-se a possibilidade de recorrer à

justificação e retirou-se a competência exclusiva dos tribunais, atribuindo-se a outras

entidades, porque se pensou que iria haver uma grande procura pela justificação de

direitos.

A par da justificação judicial apareceu, em 1951, a justificação extrajudicial, que

era feita por, aquilo que se denominava na altura, missões (as missões eram

dirigidas por inspetores de conservatórias do registo ou por conservadores e seus

funcionários). Entretanto, as ditas missões acabaram por se extinguir e com elas

a justificação extrajudicial, pois, na verdade, o cadastro geométrico não se

estendeu a todo o país e foi-se enfraquecendo a tendência para se fazer essa

extensão e aceitou-se que onde ele estava feito o registo era obrigatório e onde não

estava feito o registo era facultativo.

Em 1956, aparece, ao lado da justificação judicial (que existe desde 1918), a

justificação notarial (nos cartórios notariais), que é feita através de escritura de justificação.

Em 1990, aparece, a par da justificação judicial (que existe desde 1918) e da

justificação notarial (que existe desde 1956), com o Decreto-Lei n.º 312/90, de 2 de

outubro, uma outra forma de justificação extrajudicial, o procedimento especial a

correr nas conservatórias do registo predial, com vista ao suprimento da falta de

títulos formais necessários ao registo.

Então, em 1990, passamos a ter 3 formas de justificar direitos:

1) Mediante processo de justificação a correr nos tribunais;

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2) Indo ao cartório notarial e fazer uma escritura de justificação;

3) Indo à conservatória e fazer correr um processo de justificação.

No entanto, o procedimento especial a correr nas conservatórias do registo predial

não teve grande êxito:

- Este procedimento surgiu na sequência de incêndios que ocorreram em duas 114

conservatórias e, portanto, a necessidade sentida colocava-se, sobretudo, para

hipóteses em que o interessado viesse recorrer à justificação com vista ao reatamento do


trato sucessivo, por terem desaparecido documentos em virtude

do incêndio. No entanto, atribuiu-se competência às conservatórias para as três

modalidades de justificação (para a primeira inscrição, para o reatamento do

trato sucessivo e para o estabelecimento de novo trato sucessivo).

- Este procedimento decorre por auto-requerimento, ou seja, é o conservador que

decide se aceita ou não e fá-lo tendo em conta o trabalho que tem: se tiver

muito trabalho ou se tiver trabalho em atraso pode recusar-se a fazê-lo.

O que aconteceu foi que houve uma conservatória que se recusou a fazer correr

este procedimento especial de justificação e, entretanto, o Instituto de Registos

e Notariado teve de se pronunciar e o seu Conselho Técnico decidiu que os

serviços de registo não estavam obrigados a organizar o procedimento de

justificação, ele estava previsto, mas não estavam obrigados.

A justificação que vingou e a mais utilizada foi a justificação notarial.

Em 2001, ocorreu um processo de desjudicialização de um conjunto de processos,

isto é, houve um conjunto de processos que passaram da competência dos tribunais

para a competência das conservatórias do registo predial (e do registo comercial),

por serem de caráter eminentemente registal e um dos processos que foi

desjudicializado foi o processo de justificação. Consequentemente, passamos

apenas a ter a justificação de direitos extrajudicial: justificação notarial (através

de escritura de justificação), prevista no Código do Notariado, e justificação através

de procedimento a correr nas conservatórias (através de processo idêntico ao que

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corria antes em tribunal), prevista no Código de Registo Predial.

Até janeiro de 2009, tínhamos de recorrer à conservatória de registo predial cuja área

de circunscrição abrangesse a área onde estava localizado prédio. A partir de janeiro

de 2009, com o fim da competência territorial, podemos justificar um prédio

localizado em qualquer parte do país numa qualquer conservatória do país. 115

• Modalidades: Desde 1951, passou-se a admitir, a par da justificação de direitos

para a primeira inscrição (ou seja, para adquirir um título que nunca se teve), a

justificação para o reatamento do trato sucessivo (ou seja, para a pessoa que

adquiriu derivadamente adquirir um novo título, porque ele perdeu-se, extraviou-se,

foi destruído ou outro motivo atendível - há falta de um documento que comprove

todas as aquisições derivadas).

Em 1984, admitiu-se a justificação para o estabelecimento de novo trato

sucessivo (ou seja, para a pessoa que adquiriu originariamente, independentemente

e contra aquele que consta como titular registal, adquirir um título que comprove o seu facto
aquisitivo originário, p. ex., que adquiriu originariamente por usucapião, que

exerceu o direito potestativo de invocar a usucapião para, com base nesse

documento, fazer o registo, sem a colaboração do titular registal, porque foi uma

aquisição originária e foi contra a sua posição).

Porque se admitiu a justificação na modalidade de estabelecimento de novo trato

sucessivo, veio-se a prever que, sempre que existisse titular registal inscrito, o que

pode acontecer também na justificação para reatamento o trato sucessivo, tinha de

haver notificação do mesmo no âmbito da justificação, o que antes não estava

previsto. Isto faz todo o sentido, quer quando a justificação é para o reatamento do

trato sucessivo, quer quando a justificação é para estabelecimento de novo trato

sucessivo, porque o titular registal tem a seu favor a presunção de que o direito

existe e de que lhe pertence. Portanto, é preciso notificá-lo para que ele se possa

contestar ou nada fazer. No fundo, impõe-se a notificação por respeito à presunção.

Se o titular registal se opuser, a justificação de direitos não chega ao fim (porque a

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justificação de direitos pressupõe hipóteses em que não existe conflito) e o potencial

interessado é remetido para o processo comum em tribunal no qual deva provar a

titularidade do seu direito.

• Âmbito de aplicação: A partir de 1951, começaram a ser suscetíveis de serem

justificados não apenas os direitos que antes o eram, ou seja, aqueles que sempre 116

seriam oponíveis a terceiros independentemente de registo, aqueles em relação

aos quais o registo tinha apenas uma função enunciativa ou de publicidade-notícia,

mas passou-se a admitir-se também a justificação em relação a direitos que, caso

não acedessem ao registo, não consolidavam a sua oponibilidade erga omnes.

• Legitimidade: Em 1959, para além do titular do direito, a justificação foi permitida

ao representante daquele que se arrogasse do direito e aos seus sucessores

inter vivos ou mortis causa e, a partir de 2001, a qualquer interessado com

interesse legítimo (p. ex., um credor).

Hipóteses que conduzem os particulares a recorrer à justificação de


direitos
Recorre-se à justificação de direito quando se entende ser titular de um direito, não

contestado, mas não se tem título que comprove o facto aquisitivo de tal direito. Isso
acontece,

na prática, em uma de duas situações:

I. Nunca se tentou adquirir derivadamente o direito (logo, não houve uma qualquer

aquisição derivada válida, apenas se exerceu posse) ou tentou-se adquirir

derivadamente o direito e adquiriu-se esse direito, mas não se celebrou o ato jurídico válido
de acordo com a lei, na medida em que o negócio padeceu de um

qualquer vício (formal ou substancial) e o interessado exerceu posse pacífica e pública

por anos suficientes para invocar a usucapião e vai obter um título formal que demonstre

que comprova a sua aquisição originária;

II. Tentou-se adquirir derivadamente o direito, de facto adquiriu-se derivadamente

esse direito e essa aquisição ocorreu validamente, mas por um qualquer motivo

não se consegue ter o documento que comprove que ocorreu essa aquisição (p.

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ex., o cartório notarial sofreu um incêndio, houve uma inundação, os suportes em papel

desapareceram e não podem ser reproduzidos, não há documento do próprio ou de um


anterior).

Justificação de direitos notarial

A justificação notarial pode assumir uma de 3 modalidades:


117

1. Justificação de direitos para estabelecimento do trato sucessivo (artigo 89.º do

CN): É uma justificação para a primeira inscrição, ou seja, para as hipóteses em que o

prédio não está descrito ou, estando descrito, não tem inscrição de propriedade ou

equivalente em vigor.

Nos termos do n.º 1, a justificação, para os efeitos do n.º 1 do artigo 116.º do Código

do Registo Predial, consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se

afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a

causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar

pelos meios normais.

Nos termos do n.º 2, quando for alegada a usucapião baseada em posse não

titulada, devem mencionar-se expressamente as circunstâncias de facto que

determinam o início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a

posse geradora da usucapião. Isto tudo para se apurar se a posse é pacífica e pública,

porque a usucapião só ocorre quando assim seja. Sendo a posse não titulada, presumese de
má fé e no cartório notarial não se pode fazer prova de boa fé, faz-se apenas uma

declaração e, portanto, é preciso saber todas as circunstâncias, incluindo o tempo de

posse, porque uma posse não titulada vai ter de ter durado mais de 20 anos.

2. Justificação de direitos para reatamento do trato sucessivo (artigo 90.º do CN): Já

há descrição, já há titulares registais, mas falta, no âmbito das aquisições derivadas, um

documento comprovativo de uma das aquisições derivadas e é preciso obter título para

obter esse registo e reatar o trato sucessivo.

Nos termos do n.º 1, a justificação, para os efeitos do n.º 2 do artigo 116.º do Código

do Registo Predial, tem por objecto a dedução do trato sucessivo a partir do titular

da última inscrição, por meio de declarações prestadas pelo justificante.

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Nos termos do n.º 2, na escritura de justificação devem reconstituir-se as

sucessivas transmissões, com especificação das suas causas e identificação dos

respectivos sujeitos — o justificante vai declarar o que é que aconteceu desde a data

o titular registal o deixou de ser até àquele momento. Isto porque há uma aquisição que

não está titulada, portanto é preciso titulada e registá-la para tentar reatar o trato. 118

Nos termos do n.º 3, em relação às transmissões a respeito das quais o interessado

afirme ser-lhe impossível obter o título, devem indicar-se as razões de que resulte

essa impossibilidade.

3. Justificação de direitos para estabelecimento de novo trato sucessivo (artigo 91.º

do CN): O prédio está descrito, tem inscrição é vigor, mas aparece alguém que diz que

adquiriu originariamente (por usucapião) contra o titular registal e é preciso dar início a

um novo trato.

Nos termos do n.º 1, a justificação, nos termos do n.º 3 do artigo 116.º do Código do

Registo Predial, consiste na afirmação, feita pelo interessado, das circunstâncias

em que se baseia a aquisição originária — há sempre invocação de usucapião —,

com dedução das transmissões que a tenham antecedido e das subsequentes,

devendo na escritura reconstituir-se as sucessivas transmissões - apesar de ser uma

aquisição originária - e dos respetivos sujeitos (por remissão do n.º 2 para o artigo 90.º/

2) e indicar-se ainda relativamente àquelas transmissões em relação aos interessados

afirme ser impossível obter o título e as razões que justificam essa impossibilidade (por

remissão do n.º 2 para o artigo 90.º/3) e as circunstâncias de facto que determinam o

início da posse, bem como as que consubstanciam e caraterizam a posse geradora da

usucapião (por remissão do n.º 2 para o artigo 80.º/2).

O que se tem de fazer na justificação de direitos notarial?

I. O interessado, na falta de controvérsia ou conflito, vai ao cartório notarial (vigora aqui

o princípio da instância) e diz que pretende fazer uma escritura de justificação.

Para tal, o justificante tem de:

1) Apresentar documentos (artigo 98.º do CN), designadamente deve apresentar a:

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• Certidão do teor da inscrição matricial, ou seja, a certidão comprovativa de

que aquele prédio está inscrito nas finanças;

• Certidão da conservatória do registo predial que comprove que o prédio é

omisso, que não está descrito – no caso de justificação para estabelecimento

de trato sucessivo – ou uma certidão comprovativa de que o prédio está 119

registado – nesse caso a certidão de teor da descrição e de todas as

inscrições em vigor.

2) Apresentar 3 declarantes para confirmar a sua declaração (artigo 96.º/1 do

CN), que, de acordo com o artigo 96.º/2 do CN que remete para o artigo 84.º,

não podem ser:

• Aqueles que não podem assumir a posição de testemunhas instrumentárias

(ou seja, pessoas que não estejam no seu perfeito juízo, menores, que não conheçam

a língua portuguesa, surdos-mudos);

• Parentes sucessíveis do justificante;

• O cônjuge do justificante.

II. O notário, antes de fazer a escritura de justificação, se verificar que há titular registal

inscrito, tem de notificá-lo (artigo 99.º do CN), tal acontece se estiver em causa uma

justificação para reatamento do trato sucessivo ou uma justificação para

estabelecimento de novo trato, e já não se estiver em causa uma justificação para

estabelecimento do trato sucessivo.

Esta é uma imposição surgiu, em 1994, em respeito à presunção de que o direito

pertence ao titular registal, pois há alguém que está a dizer que é o titular do direito e o

registo revela algo diverso.

— Se o notificado (titular registal) se opuser e contestar, o notário não deve fazer a

escritura de justificação. Não há uma qualquer norma que diga isto, ou seja, que o

notário não deve fazer escritura de justificação, mas isto é o que resulta claramente da

história da justificação de direitos – ela foi pensava para hipóteses em que há total

ausência de conflito. Além disso, se o notário fizer a escritura depois de ter notificado o

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titular registal e dele ter contestado, o que vai acontecer é que a escritura será

impugnada, em princípio, pelo titular registal. Portanto, o notário estará apenas a fazer

gastar dinheiro ao seu cliente.

— Se o titular registal inscrito não se opuser, o notário vai reduzir em escritura

pública as declarações que lhe foram prestadas (perante mim notário x, com cartório sito 120

em x, apresentou-se sujeito x, com os declarantes x, x e x, os documento e disse - o que foi


dito

pelo justificante). Note-se que a justificação não é mais do que uma declaração do

justificante confirmada pelos três declarantes.

III. Feita a escritura, é feito um resumo ou extrato da escritura e este tem de ser publicado,
nos 5 dias posteriores à feitura da escritura, no jornal mais lido do concelho

do concelho ou, não existindo este, no jornal mais lido da região (artigo 100.º do CN).

Dá-se publicidade à escritura para que potenciais interessados possam ainda vir pôr em

causa as declarações prestadas pelo justificante e a confirmação dos declarantes.

IV. Após a publicação do extrato ou resumo, o notário, nos 30 dias seguintes, não

pode passar certidões daquela escritura que possam conduzir à feitura do registo,

para se aguardar a ver se vai haver impugnação.

Se não houver impugnação (prevista no artigo 101.º do CN), o notário extrai certidão

da escritura decorridos os 30 dias, entrega-a ao interessado e este, com base nessa

certidão, pode obter o correspondente registo e tendo o registo pode alienar ou onerar,

dando cumprimento ao princípio da legitimação.

O facto de a lei prever os 30 dias após a publicitação da escritura de justificação,

não impede que, decorridos esses 30 dias, o interessado ainda conteste. A ideia é:

• Se reagir durante os 30 dias, não vai ter de provar que é titular do direito, quem

tem de fazer essa prova é o justificante, porque ainda não há registo, logo não há

presunção a favor do justificante;

• Se reagir decorridos os 30 dias, passadas as certidões pelo notário e feito o

registo a favor do justificante, o que acontece é que o justificante passa a ter registo

e a beneficiar da presunção, por isso a impugnação por parte do interessado

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daquele facto justificado torna-se mais difícil, porque vai ter de lutar contra a

presunção decorrente do registo.

Esta arquitetura conduz a que sejam feitas demasiadas escrituras de justificação que

contém falsas declarações, ou porque:

- O justificante invoca uma posse pacífica e pública que durou mais de 20 anos e que 121

nunca existiu ou que não existiu durante 20 anos e os declarantes confirmam porque são

amigos, porque foi combinado ou porque foram pagos;

- A utilizam como forma de evitar a celebração de uma escritura de compra e venda e de

pagar os impostos respetivos e, muitas vezes, aquele que seria o vendedor na escritura

de compra e venda é um dos declarantes.

Esta facilidade em declarar e em declarar falso tem conduzido, ao longo do tempo, a que a

escritura de justificação, por ser tão simples de obter, tenha caído em descrédito. A
DOUTORA

SABEL PEREIRA MENDES (conservadora) chegou a denominar as escrituras de


justificação como

escrituras de mentira, porque era sabido que a maioria dos justificantes, quando prestavam a

declaração, estavam a declarar falso e que os declarantes ou eram amigos ou era aquele que
queria vender o imóvel, mas não queria pagar impostos, ou era alguém a quem se tinha pago

para fazer o papel de declarante.

Ainda por mais a publicidade é pouca, pois a maioria da população não lê o jornal, nem os

que lêem procuram os extratos de escrituras de justificação. Devia ser feita uma publicitação
de

forma muito mais alargada e mais eficiente, p. ex., nas câmaras municipais, junto à
conservatória,

junto dos cartórios notariais, através de afixação do extrato no próprio imóvel, porque aí o
seu

proprietário dar-se-ia imediatamente conta, o que não acontece.

Por fim, apesar de os notários até questionarem os declarantes e o justitificante, em

rigor não têm de o fazer, eles não têm de tentar apurar se a declaração é verídica e se aqueles

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que estão a confirmar sabem o que estão a confirmar, wles só têm de receber a declaração e
a

confirmação dos três declarantes, nada mais

Processo de justificação nas conservatórias do registo predial


A justificação pode assumir uma de 3 modalidades:
122
1. Justificação para estabelecimento do trato sucessivo (artigo 116.º/1 do CRP);

2. Justificação para reatamento do trato sucessivo (artigo 116.º/2 do CRP);

3. Justificação para estabelecimento de novo trato sucessivo (artigo 116.º/3 do CRP).

O que se tem de fazer na justificação de direitos nas conservatórias do registo predial?

I. O interessado (artigo 117.º-A/2), na falta de controvérsia ou conflito, apresenta o

requerimento ao conservador (vigora também aqui o princípio da instância), a um(a)

qualquer conservador/conservatória, porque não há competência territorial (artigo

117.º-B/1), e, nos termos do artigo 117.º-B/2:

1) Pede o reconhecimento do direito em causa;

2) Oferece e apresenta os meios de prova, que, à luz do artigo 117.º-C/1, são:

a) Testemunhas, em número de três - nos termos do artigo 117.º-C/2, às

testemunhas aplica-se o disposto quanto aos declarantes no processo de

justificação notarial;

b) Documentos comprovativos das transmissões anteriores e subsequentes ao

facto justificado a respeito das quais se não alegue a impossibilidade de os

obter;

c) Outros documentos que se considerem necessários para a verificação dos

pressupostos da procedência do pedido — como é a certidão matricial ou, no

caso das conservatórias, pedido de inscrição do prédio na matriz;

3) Indica, consoante os casos:

a) A causa da aquisição e as razões que impossibilitam a sua comprovação

pelos meios normais, quando se trate de estabelecer o trato sucessivo

relativamente a prédios não descritos ou a prédios descritos sobre os quais

não incida inscrição de aquisição, de reconhecimento ou de mera posse;

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b) As sucessivas transmissões operadas a partir do titular inscrito, com

especificação das suas causas e identificação dos respetivos sujeitos, bem

como das razões que impedem a comprovação pelos meios normais das

transmissões relativamente às quais declare não lhe ser possível obter o

título; 123

c) As circunstâncias em que baseia a aquisição originária, bem como as

transmissões que a tenham antecedido e as subsequentes, se estiver em

causa o estabelecimento de novo trato sucessivo nos termos do n.º 3 do

artigo 116.º.

Sendo invocada a usucapião como causa de aquisição, nos termos do artigo

117.º-C/3, são expressamente alegadas as circunstâncias de facto que

determinam o início da posse, quando não titulada, bem como, em qualquer caso,

as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião.

O interessado tem ainda de, nos termos do artigo 117.º-D/2, efetuar o pagamento

do preparo inicial. Se não proceder imediatamente ao preparo, pode haver

indeferimento liminar do processo de justificação.

O processo de justificação considerar-se-á instaurado, à luz do artigo 117.º-D/1, no

momento da apresentação do pedido, dos documentos e dos emolumentos devidos

pelo processo, no serviço de registo, a qual é anotada no diário.

II. O conservador, perante o requerimento ou pedido, pode:

1) Indeferir liminarmente o pedido, quando este seja manifestamente

improcedente (artigo 117.º-F/1) (p. ex., não se invocou posse pacifica e pública por

mais de 20 anos; não se declarou o que está previsto na lei);

2) Convidar a aperfeiçoar o pedido ou requerimento, em 10 dias; se não for

aperfeiçoado, dá-se o indeferimento liminar (artigo 117.º-F/2).

3) Aceitar o pedido ou requerimento.

Ocorrendo o indeferimento liminar, o interessado pode recorrer:

• Se não recorrer, o processo é arquivado;

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• Se recorrer, o conservador vai se voltar a debruçar sobre a questão e sobre a

decisão por si tomada e, se a mantiver de forma sustentada de indeferimento

liminar, perante aquele recurso, o processo deve ser remetido para o tribunal (artigo

117.º-F/6).

Ocorrendo o aperfeiçoamento ou tendo o conservador aceite o pedido, havendo 124

titular registal inscrito, o conservador tem de o notificar, por respeito à presunção

decorrente do registo e o notificado tem 10 dias para se opor (artigo 117.º-H/1).

— Se o titular registal se opuser, o procedimento extingue-se e a questão vai

seguir para tribunal, num processo comum para reconhecimento do direito, nos termos

gerais e já não no âmbito de uma justificação de direitos, porque esta apenas pode

ocorrer na ausência de conflito (artigo 117.º-H/2).

— Se o titular registal não se opuser, o procedimento prossegue na

conservatória e começa a fase de instrução, porque o processo que corre nas

conservatórias era o processo que corria nos tribunais - o conservador analisa os

documentos que foram juntos e vai ouvir as três testemunhas apresentadas na petição,

sendo os respetivos depoimentos reduzidos a escrito por extrato (artigo 117.º-H/3).

III. Decorrida a fase de instrução, compete ao conservador proferir decisão, no prazo

de 10 dias e, sendo caso disso, especifica as sucessivas transmissões operadas, com

referência às suas causas e à identidade dos respetivos sujeitos (artigo 117.º-H/4).

IV. Proferida a decisão, vão ser notificados os titulares registais (que não se tenham

oposto), no prazo de 5 dias (artigo 117.º-H/5), para ver se estes a contestam ou não.

Se não contestar, o conservador publica, oficiosa e imediatamente, a sua decisão

preliminar ou prévia num sítio da internet (artigo 117.º-H/7).

Nota: Tudo o que se disse sobre a pouca publicidade ou o pouco alcance da publicidade num

jornal através de um extrato da escritura, aqui amplia-se, é apenas num site da internet, que
a

maioria da população não conhece.

Publicitada essa decisão prévia, o Ministério Público e qualquer interessado pode

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recorrer, no prazo de 30 dias, para o tribunal de primeira instância (artigo 117.º-I/1 e 2):

— Não sendo apresentado recurso (impugnação judicial, como a lei denomina) e

passando o prazo, são feitos os registos e a decisão definitiva volta a ser publicitada

no mesmo site da internet (artigo 117.º-H/6).

— Sendo apresentado recurso (impugnação judicial, como a lei denomina), o 125

conservador deve remeter o processo para o tribunal competente e esperar a decisão

(artigo 117.º-I/4).

Antes do tribunal decidir, deve ouvir o Ministério Público (artigo 117.º-J) e só depois

proferir decisão, que é suscetível de recurso para a Relação (artigo 117.º-L).

Sendo proferida decisão final e transitada em julgado, é informado o conservador

(artigo 117.º-M), que deve fazer os registos oficiosamente e, de seguida, deve publicitar

a decisão definitiva no mesmo sítio da internet (artigo 117.º-H/6).

Vantagens e desvantagens da escritura notarial e do procedimento a


correr na conservatória
A escritura notarial, apesar do fraco meio de publicidade, garante uma publicidade mais

efetiva do que a publicidade no sítio da internet.

Quanto ao procedimento a correr na conservatória, teoricamente, há vantagens. É um

processo idêntico àquele que corria no tribunal, na medida em que há uma fase de instrução,

uma fase de análise da prova, de ouvir testemunhas e, portanto, os conservadores podiam ir

além do daquilo que o notário faz, que se limita a receber a declaração do justificante e a

confirmação dos declarantes. No entanto, na prática, os conservadores fazem o mesmo que


os

notários, eles não aproveitam a fase da instrução. Este procedimento de justificação não nos

oferece mais seguranças e certeza do que a justificação notarial e é tão criticável quanto ela
por

abrir de forma clara um fissura na segurança do nosso sistema registal, que impede o
legislador

de fazer a opção por um sistema registal de tutela forte. Esta é uma das razões, a par da

habilitação de herdeiros, da falta de cadastro, etc.

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Alguns problemas quê se tem suscitado em torno da justificação


para fins de registo, sobretudo em matéria de escritura
I. Dado que a justificação não serve para suprir a falta de direitos, mas sim a falta de

títulos comprovativos do facto aquisitivo do direito, aquele que pretende dizer que adquiriu

por usucapião (e para tal é preciso ter posse pacífica e pacífica durante um lapso de tempo e
126
invocação) tem de invocar primeiro a usucapião e só depois é que pode recorrer à

justificação?

Não! Neste caso concreto, quando é invocada a usucapião, a justificação funciona como um

dois em um, ou seja, a justificação serve para a invocação da usucapião e depois para a

obtenção de título. Assim, através da escritura de justificação ou do processo nas


conservatórias,

exerce-se o direito potestativo de adquirir por usucapião e solicita-se o título que permita o

registo dessa aquisição por usucapião.

II. A usucapião só pode ser invocada através da justificação de direitos (seja através de

escritura de justificação ou de um processo de justificação) ou pode ser invocada por outro


meio (como perante testemunhas, através de carta registada com aviso de receção, por

notificação judicial avulsa)?

A DOUTORA MÓNICA JARDIM, entende que a usucapião pode ser invocada por
qualquer meio,

porque a lei não impõe qualquer forma para a sua invocação.

III. Se forem prestadas falsas declarações perante o notário e se os declarantes

confirmarem essa declaração, a escritura de justificação é falsa e o registo feito com base

nessa escritura é nulo com base na al. a) do artigo 16.º do CRP? Ou essa escritura de

justificação é nula e o registo feito com base nela é nulo com base na al. b) do artigo 16.º

do CRP?

A escritura não é falsa, nem é nula: a escritura não é falsa e o registo não é nulo, com base

na alínea a), e a escritura não é nula e o registo não é nulo, com base na alínea b).

Em primeiro lugar, a escritura de justificação não é falsa. A escritura é um documento

autêntico, de acordo com o artigo 363.º/2 do CC, e, porque assim é, de acordo com o artigo

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369.º do CC e com o artigo 35.º/2 do CN, a escritura de justificação faz prova plena dos
factos

praticados pelo oficial público (pelo notário) e dos factos por ele atestados com base nas suas

percepções, ou seja, faz prova plena de que a declaração foi feita (de que se apresentou
alguém
127
como justificante, que fez uma declaração, que levou três declarantes e que estes
confirmaram a

declaração). A escritura de justificação nunca garante a veracidade do conteúdo das


declarações

dos outorgantes, ou seja, está para além da sua finalidade probatória.

De acordo com o artigo 372.º/2 do CC, um documento autêntico só é falso quando:

(1) Nele se atesta como tendo sido objeto da perceção da autoridade oficial público

qualquer facto que, na realidade, não se verificou; ou

(2) Nele se atesta como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer ato que

na realidade o não foi.

E isto não é o que acontece quando na justificação são prestadas declarações falsas.

Portanto, a escritura de justificação não é falsa, apesar de o declarado e o confirmado ser


falso,

e, se a escritura não é falsa, o registo não é nulo com base na alínea a) do artigo 16.º.

Em segundo lugar, a escritura não é nula, porque as hipóteses de nulidade dos atos notariais

estão previstas taxativamente no Código do Notariado nos artigos 70.º e 71.º e este caso não

está previsto nesses artigos. Portanto, a escritura não é nula e, portanto, o registo não é nulo

com base na alínea b) do artigo 16.º.

Assim sendo, temos uma escritura que é verídica e válida, mas que é o continente de

declarações falsas, feita pelo justificante e confirmadas pelos declarantes. Portanto, o que se
tem de atacar é aquilo que é falso, que são as declarações, ou seja, o facto jurídico que se

diz ter ocorrido e não ocorreu.

Se o notário lavrou a escritura, reduziu a extrato ou resumiu e deu publicidade ao extrato

num dos jornais mais lidos do concelho ou, na falta deste, da região, e o interessado quer

impugnar:

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— Se impugnar nos 30 dias seguintes ao da publicação do extrato ou resumo, como

nesta fase da escritura ainda não foram extraídas certidões e, portanto, a escritura ainda não

atingiu o fim para o qual foi procurada, que era ser título para ser feito o registo, o que se
deve

fazer é pedir:
128

1) A declaração de falsidade e ineficácia das declarações;

2) O reconhecimento de que aquela escritura, apesar de válida, eficaz e não falsa,

contém um facto aquisitivo que não ocorreu e que não deve ser havida como apta

para ser registada (e que não deve ser registada), por conter declarações falsas e

conter um facto que nunca chegou a existir.

— Se deixar passar o prazo de 30 dias após a publicação do extrato ou resumo, se já

forem passadas certidões e o registo estiver feito, o que se deve fazer é atacar o facto jurídico

justificado e publicitado, pedindo a declaração de inexistência do facto jurídico justificado


(com

base em falsas declarações), registado e publicitado.

IV. Quando o facto jurídico justificado e registado nunca ocorreu, nomeadamente a

aquisição por usucapião, porque foram feitas falsas declarações, o terceiro adquirente, de

quem prestou falsas declarações, a título oneroso e de boa fé, vai ser protegido?

Temos duas decisões do STJ: uma nos termos da qual o terceiro é protegido, nos termos do

artigo 291.º do CC, e outra nos termos da qual o terceiro é protegido, nos termos do artigo
17.º

do CRP.

O terceiro não será protegido pelo artigo 291.º do CC, porque, se houve falsas declarações,

o facto jurídico justificado não ocorreu, ou seja, ele é inexistente (não ocorreu a usucapião)
eo

artigo 291.º do CC não tutela terceiros perante a inexistência, apenas perante a anulabilidade
ou

a nulidade do negócio jurídico anterior àquele em que ele interveio.

O terceiro também não será protegido pelo artigo 17.º do CRP, porque ele tutela os

terceiros perante vícios registais que podem ser consequência de vícios substantivos, mas que

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não diferentes dos vícios substantivos e só tutela definitivamente um terceiro perante um


vício

registal intrínseco que não seja a falsidade do registo por inexistência do facto jurídico.

Posto isto, não há tutela, na nossa legislação, para um terceiro adquirente a título

oneroso e de boa fé quando o seu dante causa nunca adquiriu, porque o facto jurídico que
129

diz ter ocorrido e que foi publicitado pelo registo e nunca ocorreu.

V. Há um acórdão de uniformização de jurisprudência, de 4 de dezembro de 2007,

publicado a 31 de março, nos termos do qual sendo impugnadas as declarações prestadas

(sendo as mais das vezes as declarações prestadas impugnadas por serem falsas, mas não é

necessário que assim seja) na escritura de justificação (o facto justificado e publicitado), quer

nos 30 dias posteriores à publicação do extrato (quer quando ainda esteja na posição de

justificante, porque ainda não obteve o registo), quer posteriormente ao registo (quer quando

esteja na posição de titular registal), o justificante (no primeiro caso) ou o titular registal (no

segundo caso), não beneficia da presunção de titularidade do registo.

A DOUTORA MÓNICA JARDIM entende que as coisas não se podem passar assim e
discorda do

acórdão de uniformização:

➡ Há que dividir as fases:

- Se já foi feita a escritura, se foi feito o extrato, se este foi publicitado e se estão a

correr os 30 dias previstos no artigo 101.º do CN, como ainda não há registo, o

justificante não goza de nenhuma presunção e, se houver impugnação, compete-lhe

a ele fazer prova de que é titular do direito que quer justificar;

- Se já correram os 30 dias, se já se extraíram certidões e se já está feito o registo,

o registo gera a presunção da titularidade do direito, como em qualquer outra

hipótese.

➡ Não procede o argumento de que o registo não pode gerar a presunção porque foi

feito com base na escritura de justificação que está a ser impugnada.

Repare-se que se alguém conseguir forjar uma escritura pública de compra e venda e

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Registos e Notariado 2020/2021 Sara Marina Tomé Fernandes

apresentar a registo e obtiver o registo a seu favor e se o proprietário depois vier

contestar a titularidade e pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade, também

está a impugnar uma escritura forjada que foi o que permitiu fazer aquele registo e, no

entanto, vai-se debater contra a presunção registal a favor de quem forjou e, nesse caso,

a escritura é falsa. 130

Aqui é igual, a escritura foi feita, foi registada, o registo produz os seus efeitos, a lei não

abre qualquer exceção, não há como dizer que a presunção não funciona porque a

presunção do registo não funciona porque o registo foi feito com base naquela escritura

que está a ser impugnada, pois o mesmo acontece noutras hipóteses.

➡ Esta posição do acórdão de uniformização de jurisprudência também não faz

sentido perante o artigo 101.º do CN, onde se diz claramente que é suposto esperar

30 dias depois da publicitação, sem extrair certidões; só decorridos os 30 dias e não

havendo impugnação é que são extraídas certidões e o interessado pode efetuar o

registo. Se quer o justificante, quer o justificante e já titular registal, nunca beneficiassem da


presunção registal, bastava dizer que o notário tinha de dar publicidade à escritura

dentro de 5 dias posteriores à sua realização através de extrato. Não se justificaria os

tais 30 dias de espera sem passar certidões e sem serem feitos registos se do registo

não resultasse uma qualquer presunção.

➡ Vai contra o artigo 9.º do CC.

AULA 11 MAIO DE 2021

SUMÁRIO:

A escritura justificação e o processo de justificação

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