0% acharam este documento útil (0 voto)
168 visualizações23 páginas

AULA 15 - SOCIOLOGIA VIVIANE VIDIGAL - Oficial

Este documento discute o proletariado de serviços e como as plataformas digitais e a inteligência artificial estão contribuindo para a precarização do trabalho. A automação está substituindo trabalhos manuais e reduzindo a necessidade de trabalho vivo, enquanto a digitalização expande a disponibilidade perpétua dos trabalhadores e a perda de direitos.

Enviado por

Geovanna Aragão
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
168 visualizações23 páginas

AULA 15 - SOCIOLOGIA VIVIANE VIDIGAL - Oficial

Este documento discute o proletariado de serviços e como as plataformas digitais e a inteligência artificial estão contribuindo para a precarização do trabalho. A automação está substituindo trabalhos manuais e reduzindo a necessidade de trabalho vivo, enquanto a digitalização expande a disponibilidade perpétua dos trabalhadores e a perda de direitos.

Enviado por

Geovanna Aragão
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 23

AULA 15

SOCIOLOGIA DO TRABALHO

2.5.2 Proletariado de serviços, as plataformas digitais, a inteligência artificial e o


ciberproletariado.

PROLETARIADO DE SERVIÇOS

I. O trabalho em serviços e seus novos significados

Se no período de Revolução Industrial, nós aprendemos que existe um proletariado


industrial, agora o setor de serviço, falamos em proletariado de serviços.

Conforme Ricardo Antunes indica, ao contrário da conhecida tese da perda de


vigência da lei do valor, o capitalismo atual apresenta um processo multiforme, no qual
informalidade, precarização, materialidade e imaterialidade se tornaram mecanismos vitais,
tanto para a preservação quanto para a ampliação da lei do valor.

“O mito de que a “sociedade de serviços pós-industrial” eliminaria completamente o


proletariado se mostrou um equívoco enorme. Evaporou-se. Desmanchou-se no ar. Na
contrapartida, vem aflorando em escala global uma outra tendência, caracterizada pela
expansão significativa de trabalhos assalariados no setor de serviços.”

(Ricardo Antunes)

Vamos, então, avançar alguns pontos importantes para uma melhor compreensão
dessa tendência. As mais distintas modalidades de trabalho presentes no capitalismo
contemporâneo vem – diferente do que foi propugnado nas últimas décadas – ampliando as
formas geradoras do valor, ainda que (e aqui reside o primeiro ponto analítico central)
assumindo a aparência do não valor (Antunes, 2018).

1
RECAPITULANDO

Primeiro ponto analítico central: Ampliação, apesar de não


aparente, das formas geradoras de valor nas modalidades do
capitalismo contemporâneo na exploração dos setores de
serviço.

Como o capital não se valoriza sem realizar alguma forma de interação entre trabalho
vivo e trabalho morto, ele procura aumentar a produtividade do trabalho, intensificando os
mecanismos de extração do sobretrabalho, com a expansão do trabalho morto corporificado
no maquinário tecnológico-científico-informacional ( Antunes, 2018).

Nesse movimento, todos os espaços possíveis se tornam potencialmente


geradores de mais-valor.

As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), presentes de modo cada vez


mais amplo no mundo configuram-se como um elemento novo e central para uma efetiva
compreensão dos novos mecanismos utilizados pelo capital em nossos dias (Antunes, 2018).

Assim, de um lado deve existir a disponibilidade perpétua para o labor, facilitada pela
expansão do trabalho on-line e dos “aplicativos”, que tornam invisíveis as grandes
corporações globais que comandam o mundo financeiro e dos negócios. De outro, expande-
se a praga da precariedade total, que surrupia ainda mais os direitos vigentes (Antunes, 2018).

ALHO
TRAB
PRECARIEDADE
TOTAL
EXPANSÃO TICs

DISPONIBILIDADE PERDA DE DIREITOS


PERPÉTUA

“Se essa lógica não for radicalmente confrontada e obstada, os novos proletários dos
serviços se encontrarão entre uma realidade triste e outra trágica: oscilarão entre o
desemprego completo e, na melhor das hipóteses, a disponibilidade para tentar obter
o privilégio da servidão.” ( Ricardo Antunes)

2
Um grupo cada vez mais minoritário estará́ no topo dos assalariados. Entretanto,
a instabilidade poderá́ levá-lo a ruir face a qualquer oscilação do mercado, com seus tempos,
movimentos, espaços e territórios em constante mutação. A esses se somam ainda uma
massa de “empreendedores”, uma mescla de burguês-de-si-próprio e proletário-de-si-
mesmo (Antunes, 2018).

Mas é bom recordar que há́ várias resistências nos espaços de trabalho e nas lutas
sindicais a essas formas de trabalho que procuram ocultar seu assalariamento, por meio do
“mito do trabalho autônomo”.

A Uber é exemplo mais do que emblemático: trabalhadores e trabalhadoras com seus


automóveis, isto é, com seus instrumentos de trabalho, arcam com suas despesas de
seguridade, com os gastos de manutenção dos veículos, de alimentação, limpeza etc.,
enquanto o “aplicativo” – na verdade, uma empresa privada global de assalariamento
disfarçado sob a forma de trabalho desregulamentado – apropria-se do mais- valor gerado
pelo serviço dos motoristas, sem preocupações com deveres trabalhistas historicamente
conquistados pela classe trabalhadora.

Outro exemplo da forma disfarçada assumida pela exploração do trabalho pode ser
encontrado na Itália, onde há pouco tempo se desenvolveu uma nova modalidade de trabalho
ocasional, o trabalho pago a voucher. Ela é assim denominada porque os assalariados
ganham um voucher pelas horas de trabalho realizadas, o qual trocam pelo equivalente
monetário, segundo o salário-mínimo legal pago por hora trabalhada. Se não bastasse esse
vilipêndio (que em Portugal se denomina trabalho pago por “recibos verdes”), os trabalhos
excedentes muitas vezes são oferecidos por fora do voucher, o que significa uma precarização
ainda maior do trabalho ocasional e intermitente. É como se existisse uma precarização “legal”
e outra “ilegal”.

(Ricardo Antunes)

PRECARIADO

Foi esse conjunto de pragmáticas que possibilitou o florescimento e a ampliação do


chamado precariado, estrato social crescente nos países capitalistas centrais, como na Itália,
na Espanha, na Inglaterra, na França, em Portugal, nos Estados Unidos etc., e que, dadas as
dificuldades de acolhimento dentro do espaço sindical, vem criando seus próprios
movimentos. Em Milão, na Itália, sua organização foi uma das pioneiras, gerando uma forma
de representação autônoma, de que é exemplo o San Precario, que luta pelas conquistas
dos direitos pelo precariado, incluindo naturalmente os imigrantes.

3
O fundamento dessa pragmática que invade todo o universo global do trabalho se
evidencia. Na empresa “moderna”, o trabalho que os capitais exigem é aquele mais flexível
possível: sem jornadas pré́ -determinadas, sem espaço laboral definido, sem remuneração
fixa, sem direitos, nem mesmo o de organização sindical. Até́ o sistema de “metas” é flexível:
as do dia seguinte devem ser sempre maiores do que aquelas obtidas no dia anterior
(Antunes, 2018).

É por isso que, nesse mundo do trabalho digital e flexível, o dicionário empresarial não
para de “inovar”, em especial no setor de serviços. “Pejotização” em todas as profissões, com
médicos, advogados, professores, bancários, eletricistas, trabalhadoras e trabalhadores do
care (cuidadores) e “frilas fixos”, freelancers que se tornam permanentes, mas que tem seus
direitos burlados e se escondem nas redações dos jornais quando as empresas sofrem as
auditorias do trabalho. Ou ainda o chamado teletrabalho e/ou home office, que se utiliza de
outros espaços fora da empresa, como o ambiente doméstico, para realizar suas atividades
laborativas. Isso pode trazer vantagens, como economia de tempo em deslocamentos,
permitindo uma melhor divisão entre trabalho produtivo e reprodutivo, dentre outros
pontos positivos. Mas com frequência é, também, uma porta de entrada para a
eliminação dos direitos do trabalho e da seguridade social paga pelas empresas, além
de permitir a intensificação da dupla jornada de trabalho, tanto o produtivo quanto o
reprodutivo (sobretudo no caso das mulheres). Outra consequência negativa é a de
incentivar o trabalho isolado, sem sociabilidade, desprovido do convívio social e
coletivo e sem representação sindical ( Antunes, 2018).

Assim, movida por essa lógica que se expande em escala


global, estamos presenciando a expansão do que podemos
denominar UBERIZAÇÃO DO TRABALHO.

O resultado mais grave dessa processualidade é o advento de uma nova era de


escravidão digital, que se combina com a expansão explosiva dos intermitentes globais.

INDÚSTRIA 4.0

Tudo isso se coaduna com a denominada indústria 4.0. Essa propositura nasceu na
Alemanha, em 2011, concebida para gerar um novo e profundo salto tecnológico no mundo
produtivo, estruturado a partir das novas TICs que se desenvolvem celeremente. Ela
significará a intensificação dos processos produtivos automatizados, em toda a cadeia
geradora de valor, de modo que a logística empresarial seja toda controlada digitalmente
(Antunes, 2018).

Sua principal consequência para o mundo do trabalho será́ a ampliação do


trabalho morto, tendo o maquinário digital – a “internet das coisas” – como dominante
e condutor de todo o processo fabril, e a consequente redução do trabalho vivo, através

4
da substituição das atividades tradicionais e mais manuais por ferramentas
automatizadas e robotizadas, sob o comando informacional-digital (Antunes, 2018).

No capitalismo avançado, a produção tende a ser cada vez mais invadida por robôs e
máquinas digitais, encontrando nas TICs o suporte fundamental dessa nova fase de
subsunção real do trabalho ao capital (Antunes, 2018)

Como consequência dessa nova empresa flexível e digital, os intermitentes globais


tendem se expandir ainda mais, ao mesmo tempo que o processo tecnológico- organizacional-
informacional eliminará de forma crescente uma quantidade incalculável de força de trabalho
que se tornará supérflua e sobrante, sem empregos, sem seguridade social e sem nenhuma
perspectiva de futuro. (Ricardo Antunes)

PROCESSO TECNOLÓGICO-
ORGANIZACIONAL-INFORMACIONAL
INDÚSTRIA
4.0
FORÇA DE TRABALHO, SUPÉRFUA, SEM
EMPREGOS E SEM SEGURIDADE SOCIAL

Sua denominação, indústria 4.0, estampa, segundo seus formuladores, uma nova fase
da automação industrial, que se diferencia da Revolução Industrial do século XVIII, do salto
dado pela indústria automotiva do século XX e da reestruturação produtiva que se
desenvolveu a partir da década de 1970. A essas três fases anteriores sucederá uma nova,
que consolidará, sempre segundo a propositura empresarial, a hegemonia informacional-
digital no mundo produtivo, com os celulares, tablets, smartphones e assemelhados
controlando, supervisionando e comandando essa nova etapa da ciberindústria do século XXI
(Antunes, 2018).

Como essa lógica que Ricardo Antunes descreve é fortemente destrutiva em relação
ao mundo do trabalho, a contrapartida esparramada pelo ideário empresarial tem de ser
amenizada e humanizada. É por isso que o novo dicionário “corporativo” ressignifica o
autêntico conteúdo das palavras, adulterando-as e tornando-as corriqueiras no dialeto
empresarial: “colaboradores”, “parceiros”, “sinergia”, “resiliência”, “responsabilidade
social”, “sustentabilidade”, “metas”. Quando entram em cena os enxugamentos, as
reestruturações, as “inovações tecnológicas da indústria 4.0”, enfim, as reorganizações
comandadas pelos que fazem a “gestão de pessoas” e pelos que formulam as tecnologias
do capital, o que temos é mais precarização, mais informalidade, mais subemprego, mais
desemprego, mais trabalhadores intermitentes, mais eliminação de postos de trabalho, menos
pessoas trabalhando com os direitos preservados (Antunes, 2018).

Para tentar “amenizar” esse flagelo, propaga-se em todo canto um novo


subterfúgio: o “empreendedorismo”, no qual todas as esperanças são apostadas e
cujo desfecho nunca se sabe qual será́ . ( Ricardo Antunes)

5
Parece evidente que essas mutações que afetaram o mundo produtivo encontraram enorme
impulsão a partir da expansão capitalista do setor de serviços.

II. Os serviços podem gerar mais-valor?

Sabemos que a criação do mais-valor ocorre na esfera da produção, conforme Marx


desenvolve no Livro I de O capital. Mas sabemos também que produção é consumo e que
consumo é produção. O ciclo completo é constituído por produção, consumo, distribuição,
circulação ou troca.

Aflora, então, um novo desafio analítico: qual é o papel efetivo dos serviços
privatizados na criação do valor?

A principal hipótese, que vem sendo desenvolvida por Ricardo Antunes é que estamos
presenciando o advento de novas formas de extração do mais-valor também nas esferas da
produção não material ou imaterial, espaço por excelência dos serviços que foram
privatizados durante a longa fase de vigência do neoliberalismo.

III. O trabalho imaterial pode ser produtivo?

A chave analítica aqui, indica Antunes, está na efetiva intelecção de como se


desenvolve o processo de produção dentro do processo de circulação e das atividades
que incorporam os trabalhos imateriais, como nas escolas e universidades privadas, nos
call-centers, na indústria de software e nas TICs, nas atividades de serviços como Uber,
Cabify e assemelhados, no transporte de mercadorias realizado pelos motoboys, entre tantos
outros. É preciso, pois, investigar, empírica e analiticamente, como se desenvolve o “processo
de produção” dentro desses ramos e setores que se expandem com o trabalho digital e
informacional, quais são as suas condições de trabalho e suas efetivas relações com o
processo de valorização do capital.

Outro exemplo emblemático da ampliação da lei do valor nas esferas


anteriormente consideradas improdutivas se evidencia por meio da tendência global de
expansão da terceirização em todos os ramos da produção e, em particular, nos
serviços. Em nossa formulação, a terceirização se tornou outro mecanismo vital do
capitalismo para intensificar a exploração do mais-valor, ampliando o espaço de incidência do
valor tanto na indústria como na agricultura e, sobretudo nas últimas décadas, nos serviços
(e em suas múltiplas interrelações, anteriormente indicadas, como agroindústria e indústria
de serviços). Esse complexo mecanismo opera no sentido de aumentar de modo
significativo a massa de mais-valor extraída nesses setores e ramos, desprezados no
passado pelo capitalismo (Antunes, 2018).

6
Desse modo, além de a terceirização ampliar espetacularmente a extração de mais-
valor nos espaços privados, dentro e fora das empresas contratantes, ela também inseriu
abertamente a geração de mais-valor no interior do serviço público, por meio do enorme
processo que introduziu práticas privadas (as empresas terceirizadas e seus assalariados
terceirizados) no interior de atividades cuja finalidade original era produzir valores socialmente
úteis, como saúde, educação, previdência etc (Antunes, 2018).

A terceirização acelerada dentro da atividade estatal, nos mais distintos setores


(limpeza, transporte, segurança, alimentação, pesquisa, entre outros), incidindo tanto nas
atividades administrativas como, por exemplo, na área da saúde, com médicos e enfermeiros
terceirizados atuando em hospitais públicos, dentre tantas outras atividades terceirizadas que
se expandem em ritmo intenso no espaço público, começa a corroer por dentro a res
publica, uma vez que as empresas de terceirização passam a extrair mais-valor de seus
trabalhadores terceirizados que substituem os assalariados públicos ( Antunes, 2018).

“Não é difícil concluir que os desdobramentos sociais e políticos de todos os elementos


que oferecemos até aqui são enormes e assumem grande relevância para o conjunto do
mundo do trabalho e, em particular, para a classe trabalhadora. Podemos resumi-los na
seguinte indagação: os trabalhadores e as trabalhadoras de serviços são, em última instância,
partes da classe média emergente ou expressão do novo proletariado de serviços, da
classe trabalhadora em sua nova morfologia, do que denominei classe-que- vive-do-
trabalho?

CLASSE-QUE-VIVE-DO-TRABALHO

Para Antunes, a classe-que-vive-do-trabalho diz respeito à totalidade de homens e


mulheres, produtivos e improdutivos, desprovidos de meios de produção e que são
constrangidos a vender sua força de trabalho no campo e na cidade em troca de
salário; ou seja: o proletariado industrial e rural, os trabalhadores terceirizados,
subcontratados, temporários, os assalariados do setor de serviços, os trabalhadores
de telemarketing e call centers, além dos desempregados. O autor ressalta que o proletariado
industrial é o seu núcleo principal, porque produz diretamente mais-valia. No entanto, estão
excluídos gestores do capital e os que vivem de juros e da especulação, os pequenos
empresários e a pequena burguesia urbana e rural proprietária, ainda que possam se
constituir importantes aliados da classe trabalhadora no campo político.

IV. Classe média ou novo proletariado de serviços?

Ricardo Antunes parte da hipótese de que os trabalhadores e as trabalhadoras em


serviços (como call-centers, telemarketing, indústria de softwares e TICs, hotelaria, shopping

7
centers, hipermercados, redes de fast-food, grande comércio, entre tantos outros) encontram-
se cada vez mais distanciados daquelas modalidades de trabalho intelectual que
particularizam as classes médias e, dada a tendência de assalariamento, proletarização e
mercadorização, aproximam-se daquilo que denominamos novo proletariado de serviços.

Nessa direção, Antunes começa indicando que as classes médias (melhor falar no
plural) configuram um conceito amplo: são, desde logo, compostas pelos que exercem
trabalho predominantemente intelectual (não manual), o que essencialmente as distingue da
classe operária. E, mais, as classes médias buscam uma clara diferenciação em relação à
classe operária também na esfera do consumo, em seu ideário, nos seus valores simbólicos.
Em relação às classes burguesas, o imaginário das classes médias frequentemente transita
na esfera dos valores da classe dominante. Mas, por serem destituídas dos meios materiais
e simbólicos da dominação e da riqueza, vivenciam um cenário em que a oscilação e a
incerteza são mais frequentes do que a estabilidade e a ascensão.

No passado, por exemplo, quando as “profissões liberais” eram mais individualizadas,


a exemplo dos médicos e advogados tradicionais, predominava uma dimensão de trabalho
mais intelectual e não manual.

No presente, com a enorme expansão do capitalismo financeirizado, amplos


setores das classes médias vivenciam um intenso processo de proletarização, como os
trabalhadores de serviços que, uma vez “mercadorizados”, se tornam, como vimos, cada vez
mais partícipes (direta ou indiretamente) do processo amplo de valorização do capital. Assim,
a partir do monumental crescimento dos novos assalariados de serviços (como os de call-
center, telemarketing, hipermercados, fast-food, hotéis, restaurantes, os assalariados do
comércio e de escritório), a tese que aparece como fio condutor deste livro é a de que estamos
presenciando a constituição e a expansão de um novo proletariado de serviços.

Esses novos contingentes assalariados, especialmente os mais precarizados,


que realizam trabalhos esporádicos e intermitentes, sem contratação regulamentada e
formalizada, e que por isso recebem menores salários, são parte da classe trabalhadora
ampliada (como estudos de Ricardo Antunes vem sugerindo), integrantes, portanto, da
classe-que-vive-do-trabalho? Ou constituem uma “nova classe”, a classe do precariado,
conforme a sugestão de Standing? É dessa polêmica que trataremos a seguir.

V. Entre a precarização e o precariado: estamos diante da constituição de


uma nova classe?

Desde 2008, com a eclosão da nova fase da crise estrutural do capital, assistimos à
expansão significativa do processo de precarização estrutural do trabalho. Essa tendência se
desenhava desde princípios da década de 1970, quando deslanchou o processo de
reestruturação produtiva do capital em escala global. Um dos elementos mais expressivos
desse processo pôde ser observado com o ingresso da China no mercado capitalista,
acompanhado da inserção ou da ampliação da atividade industrial em vários países do
mundo asiático (Antunes., 2018).

8
O aumento da exploração do trabalho, que passou cada vez mais a se configurar
de fato como superexploração da força de trabalho, além de aumentar o desemprego,
ampliou enormemente a informalidade, a terceirização e a flexibilização da força de
trabalho, processo esse que atinge não só́ os países do Sul, as periferias do sistema,
mas também os países centrais ( Ricardo Antunes)

Esses exemplos, dentre tantos outros, constituíram-se na base de um amplo debate,


sobretudo nos países do Norte, acerca da emergência desse novo contingente da classe
trabalhadora, com perfil claramente diferenciado em relação ao operariado europeu
tradicional. Foi dentro desse debate que nasceu a polêmica proposta de Standing que
vislumbrou o advento de uma nova classe – o precariado.

Vamos, então, à luz da concepção ampla de classe trabalhadora, problematizar essa


formulação. Segundo Standing, o precariado é uma classe distinta daquela que se conformou
durante o capitalismo industrial. Seria uma nova classe, diferenciada do proletariado herdeiro
da era taylorista- fordista. Sua configuração se aproximaria, então, de uma nova classe mais
desorganizada, oscilante, ideologicamente difusa e, por isso, mais vulnerável, mais facilmente
atraída por “políticas populistas”, suscetíveis de acolher inclusive apelos “neofascistas”.

Com esse desenho crítico – ainda que a descrição empírica de Standing seja ampla e
com informações relevantes –, sua análise confere o estatuto de classe ao que de fato é uma
parcela do proletariado, e a mais precarizada, geracionalmente jovem, que vive de trabalhos
com maior grau de informalidade, muitas vezes realizando atividades parciais, por tempo
determinado ou intermitente. A resultante desse equívoco analítico levou o autor,
inclusive, a concebê-la como “uma classe perigosa”, “em-si” e “para-si” diferenciada
da classe trabalhadora .

A formulação crítica de Ricardo Antunes caminha em direção oposta às formulações


que visualizam o precariado como uma nova classe. Entende, ao tratar da realidade presente
em alguns países de capitalismo avançado, que a classe-que-vive-do-trabalho, em sua nova
morfologia, compreende distintos polos que são expressões visíveis da mesma classe
trabalhadora, ainda que eles possam se apresentar de modo bastante diferenciado
(diferenciação, aliás, que não é novidade na história da classe trabalhadora, sempre clivada
por gênero, geração, etnia/raça, nacionalidade, migração, qualificação etc.)

São, portanto, setores diferenciados da mesma classe trabalhadora, da classe-


que-vive-do-trabalho em suas heterogeneidades, diferenciações e fragmentações. Nos
países capitalistas avançados, os mais precarizados ou os jovens, que compõem o
chamado precariado, nascem sob o signo da corrosão dos direitos e lutam de todos os
modos para conquistá-los. Os setores tradicionais da classe trabalhadora, herdeiros do
welfare state e do taylorismo-fordismo europeu, mais organizados e que conquistaram direitos
ao longo de muitas e seculares lutas, debatem-se no presente para impedir um
desmoronamento e uma corrosão ainda maiores de suas condições de trabalho. Lutam para
não se precarizar ainda mais (Antunes, 2018).

Exemplos verdadeiros de outra dialética, esses dois segmentos importantes da mesma


classe-que-vive-do-trabalho, em sua aparente contradição, parecem ter seu futuro ligado de
modo indelével: o jovem precariado, em suas lutas, aparentemente mais “desorganizado”,
9
quer o fim da precarização completa que o avassala e sonha com um mundo melhor. Por sua
vez, os trabalhadores mais tradicionais, mais organizados sindical e politicamente,
herdeiros do welfare state, querem evitar uma degradação ainda maior e se recusam a
converter-se nos novos precarizados do mundo ( Antunes, 2018).

Como a lógica destrutiva do capital é múltipla em sua aparência, mas una em sua
essência, se esses polos vitais do mundo do trabalho, que vivenciam situações tanto de
heterogeneidade quanto de homogeneização, não forem capazes de se conectar de modo
solidário e orgânico e de articular elementos de unificação em algumas de suas lutas, tenderão
a sofrer uma precarização ainda maior. Uberização, walmartização, intermitência,
pejotização, esse será o léxico dominante no mundo do trabalho se a resistência e a
confrontação não forem capazes de obstar o vigoroso processo de precarização
estrutural do trabalho. (Ricardo Antunes)

Assim, a precarização da classe trabalhadora é uma processualidade resultante


também da luta entre as classes, da capacidade de resistência do proletariado,
podendo, por isso, tanto se ampliar como se reduzir. Dessa forma, esse movimento ocorre
tanto em função do aumento da exploração capitalista quanto das lutas da classe
trabalhadora, em suas greves, lutas sindicais e embates contra o capital (Antunes, 2018)).

Aqui o papel do novo proletariado de serviços é emblemático. Sua aglutinação


como parte constitutiva e crescente da classe trabalhadora ampliada, como parte integrante
de suas lutas, de seus embates e resistências, tem (e terá́ cada vez mais) repercussões de
grande importância nas lutas do conjunto da classe trabalhadora, do proletariado em geral,
em todos os seus segmentos, contra a lógica destrutiva que preside o sistema de metabolismo
social do capital na era da financeirização (Antunes, 2018).

Por fim, dada a conformação desigual e combinada da divisão internacional do


trabalho, é preciso fazer algumas mediações quando se trata de tematizar o precariado. A
primeira delas é dada pelas clivagens existentes entre Norte e Sul. Nas periferias, o
proletariado nasceu eivado da condição de precariedade ( Antunes, 2018).

Bastaria dizer que o proletariado no Brasil – e em vários outros países que


vivenciaram o escravismo colonial – efetivamente floresceu a partir da abolição do
trabalho escravo, herdando a chaga de um dos mais longevos período de escravidão,
de modo que sua precarização não é a exceção, mas um traço constante de sua
particularidade desde a origem. (Ricardo Antunes)

Desse modo, o precariado – se assim o quisermos chamar – deve ser


compreendido como parte constitutiva do nosso proletariado desde sua origem, o seu
polo mais precarizado, ainda que seja evidente, que entre nós também venha se
desenvolvendo com rapidez um novo contingente do proletariado, largamente
vinculado aos serviços, com um traço geracional marcante (juventude) e cujas relações
de trabalho estão mais próximas da informalidade, do trabalho por tempo determinado,
dos terceirizados e intermitentes, modalidades que não param de se expandir. ( Ricardo
Antunes)
10
Já́ nos países capitalistas centrais, especialmente os da Europa, o precariado é
uma criação mais recente, ao menos em sua conformação atual, impulsionado pela crise
estrutural do sistema capitalista, pelo advento do neoliberalismo e pelo comando do capital
financeiro, que fizeram emergir um proletariado muito mais explorado em pleno coração do
capitalismo. A superexploração do trabalho, então, deixou de ser um discreto charme da
burguesia dependente e subordinada e adentrou o coração do welfare state (Antunes, 2018).

Dos homens e mulheres jovens mais qualificados aos imigrantes pobres; dos
imigrantes com qualificação às jovens nativas sem formação; das mulheres brancas às
imigrantes negras, indígenas, amarelas, enfim, em um amplo espectro da população
excedente de trabalhadores e trabalhadoras, que Marx denominou superpopulação relativa
ou exército de reserva, podem-se encontrar, hoje, incrustados neles, cada vez mais
contingentes que no centro do mundo são definidos (ou se definem) como precariado. Seja
nos seus contingentes flutuantes, latentes ou estagnados, seja em outros que possam
aparecer, a precarização se amplia de modo exponencial e cada vez com menos limites e
crescente desregulamentação, ainda que essa expansão ocorra de modo desigual, quando
se toma o mundo em sua globalidade ( Antunes, 2018).

Assim, se parece plausível e pertinente reconhecer empiricamente, no Norte, a


emergência recente do precariado como sendo um dos polos mais precarizados da
classe trabalhadora e muito diferenciado e distanciado do proletariado herdeiro do
welfare state, no Sul, no espaço periférico, o que poderíamos chamar de precariado tem
singularidades e particularidades muito distintas em relação àquele que floresceu no
Norte. ( Ricardo Antunes)

Contrariamente, portanto, às teses que advogavam a perda de importância da classe


trabalhadora, que estaria sendo substituída pela “sociedade de classe média”, ou ainda
àquelas que vislumbram a criação de “novas classes” (para não falar daquelas que
propugnaram o “fim” das classes sociais), estamos desafiados a compreender sua nova
polissemia, sua nova morfologia, cujo elemento mais visível é o desenho multifacetado, que
faz aflorar tantas transversalidades entre classe, geração, gênero, etnia etc. Clivagens que se
desenvolvem em interrelação com o mundo do trabalho, entre homens e mulheres; jovens e
idosos; nacionais e imigrantes; brancos, negros e indígenas; qualificados e desqualificados;
estáveis e precários; formalizados e informalizados; empregados e desempregados; dentre
tantos outros exemplos (Antunes, 2018).

Essa nova morfologia compreende não só́ o operariado herdeiro da era taylorista e
fordista, em relativo processo de encolhimento especialmente nos países centrais (mas que
segue um movimento diferenciado em vários países do Sul, como China, Índia, Brasil, México,
Coreia, África do Sul etc.), mas deve incluir também os novos proletários precarizados
de serviços, parte integrante e crescente da classe-que-vive-do-trabalho. Trabalhadores
e trabalhadoras que com frequência oscilam entre a heterogeneidade em sua forma de ser
(gênero, etnia, geração, qualificação, nacionalidade etc.) e a homogeneização que resulta
da condição crescentemente pautada pela precarização, cada vez mais desprovida de
direitos do trabalho e de regulamentação contratual (Antunes, 2018).

Não menos importante é dizer ainda que a classe trabalhadora, em sua nova
morfologia, participa cada vez mais do processo de valorização do capital e da geração de
11
mais-valor nas cadeias produtivas globais. As formas de intensificação do trabalho, a burla
dos direitos, a superexploração, a vivência entre a formalidade e a informalidade, a exigência
de metas, a rotinização do trabalho, o despotismo dos chefes, coordenadores e supervisores,
os salários degradantes, os trabalhos intermitentes, os assédios, os adoecimentos,
padecimentos e mortes decorrentes das condições de trabalho indicam o claro processo de
proletarização dos assalariados de serviços que se encontra em expansão no Brasil e em
várias partes do mundo, dada a importância das informações no capitalismo financeiro global.
Constituem-se, portanto, numa nova parcela que amplia e diversifica a classe trabalhador
(Antunes, 2018).

As consequências dessas mutações são profundas no que concerne às lutas sociais


e sindicais, incluindo aquelas que assumem uma conformação anticapitalista. Se há uma nova
morfologia do trabalho, ela inclui o advento de uma nova morfologia das lutas, das formas
de organização e da representação do trabalho. (Ricardo Antunes)

O mundo hoje é um excepcional laboratório para se compreender tanto essa tendência


de precarização intensificada do trabalho, que amplia exponencialmente as modalidades cada
vez mais intermitentes e desprovidas de direitos, quanto a nova era das lutas sociais que
acompanham essa processualidade complexa em expansão de escala global.

(Ricardo Antunes)

VI. O advento do infoproletariado

As diversas teses e formulações que defendiam o descentramento do trabalho e sua


perda de relevância enquanto elemento societal estruturante, anunciadas por Gorz e
desenvolvidas por Offe, Méda e Habermas – fortalecidas pela contextualidade de mudanças
no mundo da produção no último quartel do século XX – propugnavam que o trabalho vivo se
tornava cada vez mais residual como fonte criadora de valor, dado que estaríamos
presenciando a emergência de novos estratos sociais oriundos das atividades
comunicativas, movidas pelo avanço tecnocientífico e pelo advento da “sociedade da
informação” ( Antunes, 2018).

De certo modo, essas formulações recuperavam o argumento na linhagem das


sociedades pós-industriais, que proclamava a superação do trabalho degradado, típico
da fábrica taylorista e fordista, pela “criatividade” presente nas atividades de serviços,
associadas às tarefas de concepção e planejamento de processos produtivos,
presentes nos trabalhos das chamadas TICs. ( Ricardo Antunes)

Mas essas teses não tiveram força duradoura. Decorridas poucas décadas, inúmeras
pesquisas recentes vêm problematizando de forma aguda tais assertivas, demonstrando que
o infoproletariado (ou cibertariado), ao contrário do desenho acima esboçado, parece
exprimir muito mais uma nova condição de assalariamento no setor de serviços, um novo
segmento do proletariado da indústria de serviços, sujeito à exploração do seu trabalho,
desprovido do controle e da gestão do seu labor e que vem crescendo de maneira
exponencial, desde que o capitalismo fez deslanchar a chamada era das mutações
tecnológico-informacionais-digitais.
12
CIBERTARIADO

Ursula Huws cunhou o termo "cibertariado" para descrever uma nova forma da classe
trabalhadora na era digital. O termo é uma combinação de "ciber" e "proletariado" e é
utilizado para caracterizar a natureza em transformação do trabalho no contexto das
tecnologias digitais e da internet.

Em seu livro "The Making of a Cybertariat: Virtual Work in a Real World" ("A Formação de
um Cibertariado: Trabalho Virtual em um Mundo Real"), Huws explora as maneiras pelas quais
as tecnologias digitais transformaram o trabalho e o emprego. Ela discute o surgimento do
trabalho virtual, a economia gig, e as maneiras pelas quais a tecnologia remodelou a relação
entre empregadores e trabalhadores.

O conceito de cibertariado reflete a ideia de que, na era digital, as formas


tradicionais de trabalho estão evoluindo, e novos tipos de arranjos de trabalho estão
surgindo. Isso destaca o impacto da tecnologia na classe trabalhadora, enfatizando o papel
das plataformas digitais e espaços virtuais na moldagem dos ambientes de trabalho
contemporâneos. O trabalho de Huws contribui para a discussão mais ampla sobre as
implicações sociais e econômicas das transformações digitais no mercado de trabalho.

CIBERPROLETARIADO

Termo utilizado por Nick Dyer-Witheford autor de Cyber Marx.

O argumento de Nick Dyer-Witheford se insere, em linhas


gerais, no que se chama de marxismo autonomista, mas dentro
de uma corrente menos conhecida que a de Hardt e Negri – em
particular a partir do trabalho de Karl Heinz Roth e seu conceito
de “proletariado global”.

13
INFOPROLETARIADO

Nomenclatura dada na coletânea organizada por Ruy Braga e Ricardo


Antunes.

O termo "infoproletariado" não é tão amplamente reconhecido quanto o "cibertariado" de


Ursula Huws, mas, em algumas discussões, ele pode ser usado para descrever uma forma
de classe trabalhadora vinculada principalmente à produção e manipulação de informações,
dados e conhecimento na era digital.

O prefixo "info-" sugere uma conexão com a informação, enquanto "proletariado" mantém
a conotação de uma classe trabalhadora. Assim, o "infoproletariado" pode ser interpretado
como uma classe trabalhadora que realiza atividades relacionadas à produção, distribuição
ou processamento de informações na era digital. O Info foi escolhido a partir de informacional-
maquínico-digital.

Essa terminologia destaca a mudança no cenário econômico em direção a uma


economia mais baseada em dados e conhecimento, onde o trabalho está mais centrado
na manipulação e gestão de informações do que em atividades físicas tradicionais.
Lembre-se de que o uso e significado específicos do termo podem variar dependendo do
contexto em que é empregado.

Características do Info/Ciber proletariado

I. Eis o Infoproletário

“O proletariado não acabou, ao contrário do que muitos previram e desejaram. Ele se


transformou. Infoproletariado, ou ciberproletariado, são termos que compreendem uma ampla
gama de trabalhadores que floresceu nas últimas três décadas e meia a partir do aumento do
uso da tecnologia da informação, da globalização e da degradação das condições de trabalho.
Esse triplo processo originou um tipo de proletário contraditório. Ele é de ponta, moderno,
porque usa tecnologia avançada, mas é atrasado, porque herdou condições de trabalho
vigentes no início do século 20. Analisar esse fenômeno é ir além do invólucro místico de certa
sociologia segundo a qual a tecnologia traria para o trabalho o admirável mundo novo. Talvez
fosse mais correto falar em abominável mundo novo”.

“O operador de telemarketing é a expressão mais completa de infoproletário. Um


trabalhador sob controle absoluto. Ele fica isolado em baias de modo que não converse com
o colega do lado, tem tempo contado para ir ao banheiro, é punido se não cumpre metas e,
como na indústria fordista, faz um trabalho prescrito e repetitivo levado ao limite. Um quadro
de sofrimento e sujeição totalitária. Em franca expansão mundial, os call centers são,
obviamente, importantes empregadores de jovens. Mas até eles percebem a tragédia em que
se encontram. Em poucos meses não suportam o emprego, mas não podem sair, pois lá fora

14
a opção é o desemprego. Sintomático que antes do início da jornada diária os teleoperadores
se reúnam em um momento de concentração, com música agitada, palavras de ordem, etc.

II. E aí, parceiro?

“O infoproletário não se rebela. Afinal, ele não é um trabalhador, ele é um “colaborador”.


Eis uma engenharia ideopolítica das empresas, nascida nesse novo mundo do trabalho. Elas
precisam da aquiescência e do envolvimento dos trabalhadores para tê-los só pensando
nelas. No seu jogo de palavras, um colaborador não é parte da classe operária, não se
sindicaliza, não pensa em política. Colaborador é parceiro, quase sócio. Por isso até almoça
no mesmo restaurante dos gestores. Como, por definição parceria implica ajuda mútua, na
bonança ou na tragédia, eu pergunto a essas empresas: por que o seu colaborador é o
primeiro a ser penalizado em tempos de crise? Estamos diante de uma falácia, logicamente”.

III. Voluntário não

“É o caso também da chamada web 2.0, em que os indivíduos são “convidados” a


colaborar com empresas de internet. Há uma utilidade social clara nisso, não nego: o cidadão
pode dividir com outros cidadãos quaisquer informações que julgue importantes. Porém, há
um segundo elemento, que é o capital se aproveitando de mais uma brecha para gerar valor.
Como no trabalho voluntário, mais uma forma de mascarar a autoexploração. Ao procurar
emprego hoje você estará em desvantagem se não mostrar no currículo que fez ou faz
trabalho voluntário. As empresas valorizam isso. Mas se você tem que fazer trabalho
voluntário para conseguir um emprego, então ele se tornou trabalho compulsório. No Brasil
existem perto de 20 milhões de trabalhadores voluntários. É evidente que eles substituem 20
milhões de assalariados que estariam recebendo para realizar um trabalho agora feito por
voluntários que são obrigados a sê-lo”.

IV. Home office

“Outro desdobramento do cibertrabalho é o trabalho a distância, o melhor dos mundos


para o capital. Você trabalha em sua casa, onde o público e o privado se embaralham: como
não há definição do que é trabalho e do que é descanso, a jornada se estende. Você fica
sempre disponível e pode ser incomodado a qualquer hora por questões de trabalho, afinal
você não está só em casa, está também no escritório. A noção de tempo desmorona com a
vida privada. É uma nova modalidade de precarização permitida pela tecnologia. O pior é que
virou tendência, essa é a nossa tragédia. Sou capaz de compreender o lado positivo do
trabalho a distância para certo tipo e trabalhador que dispõe de “capital cultural” e acha bom
ter controle sobre o próprio tempo. Mas o inverso disso é a individualização, o isolamento, o
fim do trabalho coletivo e a quebra dos laços sociais”.

15
ESCRAVIDÃO DIGITAL

Trata-se de uma metáfora cunhada por Ricardo Antunes.

Por ele faz uma alusão à escravidão? “Na escravidão o trabalhador era vendido. Agora
ele é alugado. É uma locação de força de trabalho.”

“É evidente que não estamos voltando ao trabalho escravo de 1500, estamos falando
de uma escravidão inclusive digital, do trabalho terceirizado, precarizado, informal, do trabalho
sem direitos, de uma dependência do sistema perverso de metas, que tem levado a suicídios
e adoecimentos do trabalho.” ( Ricardo Antunes)

16
REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era


digital. São Paulo: Boitempo, 2018.

17
QUESTÕES

Ø O proletariado de serviços e o ciberproletariado.

Questão 1: Assinale a alternativa correta que corresponde ao posicionamento teórico de


Antunes e Alves quanto às principais determinações concretas da crise e das metamorfoses do
mundo do trabalho no contexto da mundialização do capital.
A) Confirmam a tendência de ampliação do significado do mundo do trabalho
contemporâneo com a diminuição significativa do trabalho infantil e escravizado, que
atingia mais de 60% da força de trabalho em diversos países avançados, e que tem sido
absorvido pelo capital, preferencialmente no universo do trabalho part-time, qualificado
e regulamentado.
B) Consideram o fim do proletariado, portanto defendem a ideia do descentramento da
categoria “trabalho”, da perda de relevância do trabalho como elemento estruturante da
sociedade, embora haja uma significativa expansão dos assalariados médios no setor de
serviços, que incorporou parcelas significativas de trabalhadores expulsos do mundo
produtivo industrial.
C) Com a retração do binômio taylorismo/fordismo, consideram que vem ocorrendo uma
redução do proletariado industrial, fabril, tradicional, manual, estável, herdeiro da era
da indústria verticalizada de tipo taylorista e fordista. Esse proletariado vem diminuindo
com a reestruturação produtiva do capital, dando lugar a formas mais
desregulamentadas de trabalho, reduzindo fortemente o conjunto de trabalhadores
estáveis que se estruturavam por meio de empregos formais.
D) Afirmam a tendência que se caracteriza pela diminuição do novo proletariado fabril e
de serviços, em escala mundial, presente nas diversas modalidades de trabalho
precarizado. São os terceirizados, subcontratados, entre tantas outras formas
assemelhadas, que se restringem em escala global.

Questão 2: Profundas transformações marcam o capitalismo contemporâneo com sua face cada
vez mais financeirizada onde a integração das cadeias produtivas globais vem se consolidando
uma nova morfologia do trabalho, a qual tem como um de seus eixos:
A) O incremento do proletariado industrial.
B) O crescimento dos empregos no setor de serviços.
C) O aumento relativo da média salarial dos que se mantém empregados.
D) A uberização a partir da perda de eficácia do maquinário tecnológico- informacional.
E) A diversificação das modalidades de lucro das empresas com o trabalho a partir do
decréscimo dos índices de sobretrabalho.

Questão 3: Antunes e Alves nos apresentam as novas configurações que são postas ao mundo
do trabalho. Partindo do pensamento dos autores, assinale a alternativa correta.
A) O proletariado fabril e de serviço tem uma significativa diminuição ao passo que temos
um crescimento dos postos de trabalho estáveis.
B) Outra tendência presente no mundo do trabalho é a crescente inserção dos jovens,
sobretudo em postos de trabalho estáveis.

18
C) Temos a expansão de um novo proletariado de serviços, em escala mundial, presente
nas diversas modalidades de trabalho precarizado.
D) É perceptível também, particularmente nas últimas décadas do século XX, uma
significativa diminuição dos assalariados médios no “setor de serviços”.
E) Observamos uma significativa diminuição do trabalho feminino e uma equiparação
salarial entre homens e mulheres.

Questão 4: Ricardo Antunes, no livro Os Sentidos do Trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a


negação do trabalho (1999), apresenta uma noção ampliada de classe trabalhadora. Utilizando
a expressão “classe-que-vive- do-trabalho”, o autor quer evidenciar:
A) a nova composição da classe trabalhadora que inclui os gestores do capital, os altos
funcionários que detêm o papel de controle no processo de trabalho, afinal, eles também
são assalariados
B) a nova composição da classe trabalhadora que exclui os desempregados, pois os mesmos
encontram-se fora do processo de trabalho
C) a nova composição da classe trabalhadora que inclui os trabalhadores terceirizados e
subcontratados, porque eles se constituem como trabalhadores produtivos
D) a nova composição da classe trabalhadora que inclui todos aqueles e aquelas que
vendem sua força de trabalho em troca de salário: o proletariado industrial, os
assalariados do setor de serviços, o proletariado rural, o proletariado precarizado

Questão 5: Antunes e Alves (2004) analisando as mutações processadas no Mundo do Trabalho


a partir da mundialização do capital indicam que tivemos alterações na categoria “trabalho”,
trazendo implicações para a classe trabalhadora. Considerando as colocações dos autores,
podemos dizer que atualmente, a classe trabalhadora, tem vivenciado um processo de mudança
multiforme, expresso por meio de determinadas tendências, dentre as quais, podemos citar:
Analise as afirmativas abaixo e assinale a alternativa correta.
I. A diminuição da formalidade dando lugar a formas mais desregulamentadas de trabalho,
reduzindo fortemente o conjunto de trabalhadores estáveis que se estruturavam por meio de
empregos formais.
II. A crescente absorção dos jovens, quando atingiram a idade de ingresso no mercado de
trabalho.
III. O aumento do novo proletariado fabril e de serviços, em escala mundial, presente nas
diversas modalidades de trabalho precarizado.
IV. A expansão do trabalho feminino, entretanto, vemos um movimento inverso quando se trata
da temática salarial, na qual os níveis de remuneração das mulheres são em média inferiores
àqueles recebidos pelos trabalhadores, o mesmo ocorrendo com relação aos direitos sociais e
do trabalho, que também são desiguais.
V. Uma significativa diminuição no “setor de serviços”, que inicialmente incorporou parcelas
significativas de trabalhadores expulsos do mundo produtivo industrial, como resultado do
amplo processo de reestruturação produtiva, das políticas neoliberais e do cenário de
desindustrialização e privatização.
Estão corretas:
A) II, III e V.
B) I, IV e V.
C) II, III e IV.
D) I, III e IV.
E) I, II e IV.
19
Questão 6: Entende-se questão social por: I- Um conjunto de expressões de uma sociedade e
suas desigualdades. II- Adversidades enfrentadas devido as condições fornecidas por políticas
públicas precárias e, consequentemente, o crescimento da pobreza. III- Disparidades
econômicas, políticas e culturais disseminadas por relações sociais desiguais entre proletariado
e classe burguesa. Está(ão) correta(s):
A) I e II, somente.
B) I e III, somente.
C) I, II e III.
D) II e III, somente.
E) I, somente.

Questão 7: O mundo do trabalho viveu situação fortemente crítica, transformando o próprio


processo produtivo e repercutindo nas relações de trabalho. De um lado, o operário passa a
operar máquinas informatizadas, de outro há a intensificação levada ao limite das formas de
exploração do trabalho, presentes e em expansão no novo proletariado, no subproletariado
industrial e de serviços. Quais expressões representaram a lógica do capital nessa nova
configuração do mundo do trabalho?
A) Avanço tecnológico; acumulação flexível; ampliação dos direitos sociais.
B) Homogeneização; simplificação das relações trabalhistas; sindicalismo.
C) Desregulamentação; flexibilização; terceirização.
D) Polivalência; trabalhadores médios; pleno emprego.
E) Informatização; intensificação; estabilidade profissional.

Questão 8: “As transformações ocorridas no capitalismo a partir das últimas três décadas do
século XX impactaram profundamente o mundo do trabalho. Após o longo período de
crescimento da economia capitalista, iniciado no pós-guerra, os anos 1970 seriam marcados
pela estagnação e pela crise do padrão de acumulação taylorista e fordista, que encontrava suas
determinações mais profundas na própria estrutura do sistema do capital”. (ANTUNES,
Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 1.ed. São
Paulo: Boitempo, 2018, p.137). Tomando como referência o excerto e seus conhecimentos
sobre o trabalho na sociedade capitalista, analise as proposições a seguir:

I. A enorme expansão do trabalho em call-centers e telemarketing das empresas de TIC, cada


vez mais inseridas no processo de valorização do capital, gerou o nascimento de um novo
proletariado de serviços, o infoproletaridado ou cibertariado.
II. O fenômeno da flexibilização se expressa na diminuição drástica das fronteiras entre a
atividade laboral e espaço da vida privada, no desmonte da legislação trabalhista, nas diferentes
formas de contratação da força de trabalho e em sua expressão negada, o desemprego estrutural.
III. A origem dos processos de adoecimento no universo laboral, tem como pano de fundo, entre
outros, o crescente processo de individualização do trabalho e a ruptura do tecido de
solidariedade antes presentes entre os trabalhadores.
IV. Entre os diferentes mecanismos que buscam o envolvimento e o engajamento dos
trabalhadores nos objetivos das corporações, assumem destaque na transição da década de 1980
para a seguinte, aqueles organizados a partir de sistemas de metas.
V. Nas últimas décadas, a terceirização vem se convertendo em instrumento central das
estratégias de gestão corporativas. A importância desse mecanismo de contratação se deve,
entre outros aspectos, ao fato de que, ao dissimular as relações inter-empresas, viabiliza maior

20
flexibilidade das relações de trabalho.

Assinale a alternativa CORRETA


A) Apenas a I é verdadeira.
B) Apenas III, IV e V são verdadeiras.
C) Apenas a II é verdadeira.
D) Apenas III é verdadeira.
E) Todas as assertivas são verdadeiras.

Questão 9: A desestruturação do Welfare State, o crescimento do desemprego estrutural e a


crise do capital são mediações importantes para compreender o fenômeno do novo proletariado
fabril e de serviços. Assinale o ponto comum que aproxima as heterogêneas formas de
composição desses trabalhadores na atualidade.
A) O trabalho improdutivo.
B) A feminização do trabalho.
C) O trabalho precarizado.
D) A imaterialidade do trabalho.
E) A emergência do “terceiro setor" e da economia solidária.

Questão 10: As consequências no interior do mundo do trabalho evidenciam que, sob o


Capitalismo, não se constata o fim do trabalho como medida de valor, mas uma mudança
qualitativa, dada por um lado, pelo peso crescente da sua dimensão mais qualificada, do
trabalho multifuncional, do operário apto a operar com máquinas informatizadas, da
objetivação de atividades cerebrais. Por outo lado, pela intensificação levada ao limite das
formas de exploração do trabalho, presentes e em expansão no ______, no __________ e de
__________, no enorme leque de trabalhadores que são explorados crescentemente pelo capital,
não só nos países subordinados, mas no próprio coração do sistema capitalista. Preencha as
lacunas com as palavras corretas.
A) desemprego / subemprego / terceirização
B) novo proletariado / subproletariado industrial / serviços
C) proletariado fabril / exército industrial de reserva / desempregados
D) espaço da produção / espaço do consumo / serviços
E) proletariado rural / proletariado urbano / precarizados

21
GABARITO

Ø O proletariado de serviços e o ciberproletariado.

Questão 1:
Gabarito: C.
Comentário: A tese central é a de que, se a classe trabalhadora não é idêntica àquela existente
em meados do século passado, ela também não está em vias de desaparição, nem
ontologicamente perdeu seu sentido estruturante. Agora ela é de serviços e desregulamentada,
na informalidade.

Questão 2:
Gabarito: B.
Comentário: No capitalismo contemporâneo, vem se expandindo em escala global o trabalho
assalariado no setor de serviços, corporificado na consolidação do maquinário tecnológico
científico-informacional, gerador de maior valor a partir de jornadas de trabalho mais extensas,
flexibilidade nos contratos, pressão por maior produtividade e perdas na proteção ao trabalho e
na seguridade social.

Questão 3:
Gabarito: C.
Comentário: Há uma tendência que se caracteriza pelo aumento do novo proletariado fabril
e de serviços, em escala mundial, presente nas diversas modalidades de trabalho
precarizado. São os terceirizados, subcontratados, part-time, entre tantas outras formas
assemelhadas, que se expandem em escala global,

Questão 4:
Gabarito: D.
Comentário: Para Antunes, a classe-que-vive-do-trabalho diz respeito à totalidade de homens e
mulheres, produtivos e improdutivos, desprovidos de meios de produção e que são
constrangidos a vender sua força de trabalho no campo e na cidade em troca de salário; ou seja:
o proletariado industrial e rural, os trabalhadores terceirizados, subcontratados, temporários, os
assalariados do setor de serviços, os trabalhadores de telemarketing e call centers, além dos
desempregados.

Questão 5:
Gabarito: D.
Comentário: O conteúdo das alternativas I, III e IV refere-se corretamente às atuais mutações
do mundo do trabalho.

Questão 6:
Gabarito: C.
Comentário: Questões sociais como o trabalho plataformizado, o ciberproletariado, o
proletariado de serviços, etc. estão na ordem do dia, pelo que merecem estudo aprofundado.

22
Questão 7:
Gabarito: C.
Comentário: Desregulamentação das relações de trabalho, flexibilização do trabalho e
terceirização são processos que dizem sobre as atuais configurações do mundo do trabalho.

Questão 8:
Gabarito: E.
Comentário: O conteúdo de todas as alternativas refere-se corretamente às mutações
enfrentadas pelo mundo do trabalho contemporâneo.

Questão 9:
Gabarito: C.
Comentário: A precarização do trabalho é um processo que abarca diversas mutações
contemporâneas da realidade laboral.

Questão 10:
Gabarito: B.
Comentário: Essas consequências no interior do mundo do trabalho evidenciam que, sob o
capitalismo, não se constata o fim do trabalho como medida de valor, mas uma mudança
qualitativa, dada, por um lado, pelo peso crescente da sua dimensão mais qualificada, do
trabalho multifuncional, do operário apto a operar com máquinas informatizadas, da
objetivação de atividades cerebrais. Por outro lado, pela intensificação levada ao limite das
formas de exploração do trabalho, presentes e em expansão no novo
proletariado, no subproletariado industrial e de serviços, no enorme leque de trabalhadores
que são explorados crescentemente pelo capital, não só nos países subordinados, mas no próprio
coração do sistema capitalista.

23

Você também pode gostar