“A LENDA DE HÉBER”
Hebreus são os seguidores ou descendentes de Héber.Sirén.
(extraído de um antigo livreto, cujo autor não foi identificado)
PARTE II
Toda a noite trabalhei, nem um escravo, sob açoite, jamais trabalhara como eu,
lépido e esforçado, diligente e animado, embalava-me o sonho de liberdade
além das limitações dos míseros mortais comuns, nem cogitei de ser
enganado, o prêmio era demais, era ir da semiescravidão, quase coisa, ao
limiar dos deuses, à antessala dos reis, potentados, decidir com o dedo o
destino da vida de pessoas, animais e coisas. Era a aurora a se anunciar,
por isso esforcei-me até a exaustão e o amanhã contemplou-me desfalecido
em meio às tábuas feitas, todas as necessárias, adiantando o trabalho
atrasado e possibilitando a vez, pela ordem, do homem mais rico do mundo.
Dias depois, já restabelecido do mal que me acometera, ao palácio dirigi-me do
Homem mais rico do Mundo, acudiam-me pensamentos tormentosos e eu os
tangia com a razão e ponderava: Que podia eu fazer? Se continuar como
estou, nada perdi, salvo uma noite de cansaço e sonho. Mas agraciado, terei
tudo ganho, valeu toda a pena, mesmo só o sonho e a esperança já me eram
recompensa deliciosa. À entrada, senti a magnitude da minha ousadia, os
próprios escravos-guardas do portão se trajavam ricamente frente aos meus
trapos, olharam-me do alto de sua importância e disseram que tinham ordens
expressas de me deixar entrar. Em meio à estonteante riqueza, minha limpeza
era lixo e reduzia-me a nada, enquanto atravessava, escoltado por numerosos
escravos finos, rebrilhando em suas roupas e jóias, por salas e corredores
cintilantes ao recinto esplendoroso onde vi reclinado o anfitrião. _____Pede-me
o que quiseres, qualquer coisa que eu tenha e será teu, já viste algo do que
tenho, pode ter o que quiser e já será muito mais do que uma noite de trabalho
por mais árdua que tenha sido. Só um desses vasos que se amontoam em
minha casa, vale mais que dúzias de escravos de boa cepa. _____Perdoe,
meu Senhor, nada sou e me atrevi pedir. Só em sua imensa generosidade
assentiu e concordou com a exorbitância pretendida. Entrego-me em sua mão
para julgar o que o Senhor deva me dar, pois como o Senhor mesmo disse, é
absurdo demais o que pedi por uma única noite trabalhada. _____Aprenda a
primeira lição: Preço só é demais ‘antes’ de pactuado livremente, depois,
adquire o valor do seu caráter, da sua honra e o contratado vale o que você
vale com tudo que você tem. Tudo o que sou e tenho, respondem pelo que
digo, minha palavra é uma só. Você terá o combinado. Perguntei, porque não
quero perder tempo com quem não sabe oque quer, ou não sabe o que
realmente pediu, se aceitasse, ia-se com a menor fortuna. Ensinarei o que
aprendi quando pequeno e pobre. Não importa quem você é ou o que tem, nem
de onde você veio, ou onde está, mesmo os outros não contam, só conta
aonde você quer ir. “Sonhe firme, e constantemente com o que realmente quer,
todo dia e toda hora. Deleite-se continuamente com o que anseia!” Mergulhe
intensamente no prazer de viver o seu sonho! Não importa quanto você ganha,
separe 10% (dez por cento) a cada recebimento e reserve juntando até atingir
um valor significativo para aplicar em algo que dê retorno. (Procure entre os
pobres, pois por sua fraqueza, comercializam coisas de pouco valor, e que
para o nível deles, significativo, é algo logo atingível e pela multidão dos
mesmos, facilmente negociável).Segui meditando nesses ensinos, e apliquei-
me a exercê-los, pois apesar do nada que recebia pelo meu esforço na Casa
do Tabelião, eu sabia que “se continuasse a agir como vinha agindo, receberia
mais ou menos o que vinha recebendo”, e receber eternamente o que estava
acostumado era desanimador, assim por mais impossível que fosse, eu ia fazer
tudo o que me fosse mandado, para adentrar o limiar dos deuses. Depois de
alguns meses já não era tão difícil, e a rotina foi-se estabelecendo, afinal, por
que eu seria diferente da esmagadora maioria que vivia todo dia com menos do
que eu? Era até orgulho nefasto acreditar, ou achar que eu não conseguiria
viver como que eles viviam, no fundo era apenas vaidade para exibir o que não
podia realmente e que, só destruía além de empáfia, que empanturrava e
empurra para a miséria e necessidades perenes. De dívida em dívida, é o viver
comum! Depois do trabalho para me disciplinar e viver dentro dos 90%
(noventa por cento), ainda me vinham sustos, quando o inesperado batia à
minha porta; era uma doença, um aumento no preço da comida, um acidente,
tudo parecia conspirar para que não separasse os 10%, mas agora eu já era
diferente de todos os que me circundavam, além de perseguir tenazmente meu
ideal, quando o devorador entrou em meu lar, eu pude pagar o médico e salvar
da morte minha mãe, sem ter que empobrecer mais, como vi outros em meu
bairro a vender o que tinham por qualquer preço, para fazer frente à
exorbitância cobrada com juros. Comecei a ser tido como previdente, e todos
me queriam para amigo. Também comecei a ser visto como um bom partido e
as moçoilas mais lindas e gentis preferiam-me aos garotões exibidos e fortes.
Foi então que outra pressão começou. Todos queriam meu dinheiro
emprestado. Irmãos, parentes, amigos e conhecidos, todos tinham um bom e
urgente motivo para usá-lo, mas não conseguiam, mesmo ganhando muito
mais do que eu, estocar nada, tudo era emergência, imperativo mesmo!
E comecei a entender porque o coração deve ser dirigido pela cabeça, mas
como isso doía. Os meus me condenavam por ser tão duro, e eu mesmo
chegava a me questionar. Ouvi então a voz do Mestre, “os errados tentam
nivelar por si, assim como os certos buscam mais acertos” ou “sendo o homem
um animal social, ele quer viver entre seus iguais” ou “mesmo que deseje o
melhor, quer manter-se entre iguais”. Realmente, não era para todos as
delícias da vida, porque não queriam caminhar pagando o preço certo, que
sempre é adiantado. Sendo e fazendo igual ao que sempre é feito, implica que
os resultados continuarão semelhantes e nesse caso medíocres e sofridos. Ao
cabo de bons anos, eu amealhara uma pequena fortuna. Um honesto pedreiro,
muito trabalhador, que poupara como eu, entrou em sociedade comigo para ir
com nosso dinheiro a Bagdá, onde se vendiam pedras preciosas a bom preço,
e depois com as vendas nós teríamos excelente lucro, multiplicando nosso
investimento. Ao contar ao mestre o que fizera, ouviu-me em silêncio e depois
com um longo suspiro comentou: Com pequenas mudanças, eu mesmo já vivi
a sua vida. Cremo-nos tão originais, e repetimos ordinariamente tudo com uma
simetria impressionante. Sempre nos achando exceções! Ou então que agora é
diferente! Até mesmo que, não tem nada a ver! Veja bem meu filho, e entenda
o segredo que os envolvimentos encerram: _____Por que achou que um
pedreiro, perito em construções, vá entender as sutis nuances envolvidas nas
avaliações, compras, transportes, guardas e vendas de algo tão díspare de sua
atividade, quanto para você dirigir um grande navio? Você se acharia capaz de
fabricar hoje uma delicada peça de fino valor que jamais viu? Então porque
achou que o pedreiro conseguirá bem se haver, em uma atividade tão diferente
da que ele está acostumado? Mas, agora já nada mais importa, a única coisa
que realmente importa é: _____Está você disposto a recomeçar tudo de novo,
pelo seu ideal, seu sonho de vir a ser o homem mais rico do mundo em seu
tempo? É altamente improvável que seu dinheiro retorne a você e..., assim
como não se aprende a andar sem cair, é mister recomeçar sem desanimar,
tantas vezes quantas necessárias. Você já suplantou nove em dez homens, só
um em dez atinge o patamar que você galgou, porém agora está para decidir
se vale mesmo perseverar para obter o que traçou para seu destino. Quem
afinal você será? Como saída da boca de um adivinho, de um profeta, tudo se
cumpriu, conquanto fosse honesto, e sortudo em negociar, sua língua
alardeava seus projetos, e não demorou para que ladrões o despissem de
tudo, roupas, sonhos e até saúde, pois o aleijaram. E de quase livre, converteu-
se num mendigo inútil, lamentando a sorte como se os deuses o tivessem
destinado a sofrer, e por ousar lutar para vencer, tivessem-no condenado a
miséria soturna. Bradava vociferando: É destino! “Pau que nasce torto morre
torto” ‘filho de gato gatinho é’, tudo já está escrito, somos o que temos de
ser! Aprendi então que quem escolhe se a derrota será a professora para a
vitória ou o fim da própria guerra, é o homem, e determina sua derrota final ao
fazer a escolha errada. Se aprendemos e reiniciamos até vencermos, então
convertemos a derrota passageira em nossa aliada – é a mágica de
transformar os oponentes em amigos e aliados. Mas, se aceitarmos
esse péssimo resultado como o último resultado, somos o fracasso em
pessoa, perdemos e nada mais “podemos” fazer, resignando-nos à
Derrota. Recomecei. Foi muito mais penoso. Acusaram-me de estar sendo
justamente castigado pelos deuses, escarneceram, desestimularam-me e toda
sorte de maus presságios apontavam a mim, achavam demais eu sonhar com
o cimo, esperar o melhor que a vida pode dar. Achavam que todos seriam
castigados porque eu atentava contra os desígnios divinos, e até me
sabotavam fazendo pior tudo o que já era ruim. E eu perseverei, mesmo meus
queridos me irritavam e me queriam como eles “sofredores e pobres”,
lamentando e chorando, e seguindo na vidinha que diziam, estava marcada
definitivamente para sofrermos. Se o sofrimento apertava, forçava-me a
focalizar nas delícias da recompensa sonhada. Aprendi que é possível aliviar a
dor e o sofrer se nos obrigamos a sonhar com o que acreditamos que virá, e
que nos agrada sobremaneira, afinal tudo acaba sendo uma questão de
hábitos, bons hábitos! Aos vinte e cinco anos, restaurara a situação anterior.
Com um saquitel cheio de moedas de ouro, podia pensar, como fizera junto
com o pedreiro – anos antes -, num pequeno negócio. Não me livraria do
emprego, que me sustentava e consumia todas as minhas horas, atenções e
nada melhorara apesar de tantos anos. Onde via outros já no fim da vida,
fazendo há cinquenta anos o mesmo que eu fazia, e recebendo igual a mim.
Era grato, mas meu tempo lá chegaria ao fim um dia. Tendo aprendido a
penosa lição, dirigi-me ao mestre com o precioso fardo. Levou-me a um
conhecido comerciante que arbitrou um percentual enorme para administrar
meus parcos recursos. Orientado, aceitei e quando depois conversamos, disse-
me: O bom e honesto quase sempre custa caro, mas vale a pena
dormir tranquilo e ter o patrimônio crescendo, já é difícil encontrar
trabalhadores bons em qualquer área do conhecimento humano e combinar a
isso a honestidade, é como achar tesouros, custa muito.