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Ensaio - O Principe

O documento discute a formação de milícias e corpos militares na obra O Príncipe de Nicolau Maquiavel. Maquiavel defendia que um príncipe deve ter suas próprias armas e soldados para garantir a segurança do estado. O texto analisa como Maquiavel descreve a necessidade de um príncipe formar milícias e exércitos permanentes ligados à defesa do território.

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Ensaio - O Principe

O documento discute a formação de milícias e corpos militares na obra O Príncipe de Nicolau Maquiavel. Maquiavel defendia que um príncipe deve ter suas próprias armas e soldados para garantir a segurança do estado. O texto analisa como Maquiavel descreve a necessidade de um príncipe formar milícias e exércitos permanentes ligados à defesa do território.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PERNAMBUCO – UPE

CAMPUS PETROLINA
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA

VAN DIAS DA SILVA BATISTA

“SEM TER ARMAS PRÓPRIAS, NENHUM PRINCIPIADO ESTARÁ SEGURO”: A


FORMAÇÃO DOS CORPOS MILITARES E DAS MILICIAS NA OBRA O PRÍNCIPE DE
NICOLAU MAQUIAVEL

PETROLINA-PE
JUNHO/2022
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PERNAMBUCO – UPE
CAMPUS PETROLINA
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA

VAN DIAS DA SILVA BATISTA

“SEM TER ARMAS PRÓPRIAS, NENHUM PRINCIPIADO ESTARÁ SEGURO”: A


FORMAÇÃO DOS CORPOS MILITARES E DAS MILICIAS NA OBRA O PRÍNCIPE DE
NICOLAU MAQUIAVEL

Ensaio da obra O príncipe (2010), escrito por Nicolau


Maquiavel e apresentado como requisito parcial para
a avaliação da disciplina de História Moderna I do
curso de Licenciatura plena em História da UPE,
ministrada pela Prof. Dr. Thiago Alves Dias.

PETROLINA-PE
JUNHO/2022
No livro O Príncipe (2010), Nicolau Maquiavel exorta a homens e chefes de Estados o
comportamento e as estratégias dos mesmos perante o poder e a administração. Dedicada a
Lorenzo de Médici, governante de Florença no ano de 1500, a obra póstuma foi escrita no ano
de 1513 e publicada pela primeira vez no ano de 1532, sendo essa a responsável por influenciar
o crescente número de tratados e livros de aconselhamentos e atribuições que passaram a ser
escritos após sua publicação. Logo, cita-se como exemplo o Testamento Político (1635), escrito
pelo Cardeal Richelieu (1585-1642), onde o mesmo aconselha e orienta os governantes sobre
as artes da administração do estado, e o Testamento Político ou Carta Escrita ao Senhor Rei D.
José I (1747) escrito por D. Luiz da Cunha (1662-1748) onde passa a observar impasses e
soluções para as políticas de Portugal no século XVIII.
Em As fundações do pensamento político moderno, Quentin Skinner (1996) discorre
sobre as mudanças na organização política e social que ocorreram no norte da Itália no século
XII, marcadas pelo abandono do seu carácter feudal e pela divisão e formação das cidades,
apresentando assim a ideia da criação de um conjunto territorial onde o seu centro político é
ocupado por uma figura centralizadora, eleita anualmente. Ao se deparar com essa indagação,
as características de um estado podem ser diretamente relacionadas, todavia, como poderia essa
estar se remetendo a ideia de estado uma vez que pensá-lo de modo a descrever sobre a
totalidade de um corpo político só passou a ser recorrente ao final do século XVI e em meados
do XVII? (ELLIOT, 1984).
O desenvolvimento de narrativas sobre o estado antes do estado existir, apresentados
por Quentin Skinner (1996), pode ser visto também na obra de Maquiavel (2010), uma vez que
esse passa a definir as atribuições, tarefas, incumbências e jurisdições a serem realizadas pelos
príncipes em prol da manutenção dos chamados principiados, ou estados territoriais,
antecipando assim o sentido de estado da atualidade, desenvolvido ao longo do século XVII.
Contudo, vale salientar que antes de olhar para o príncipe, Nicolau Maquiavel atenta-se para os
principiados, prezando sobretudo pelo bom governo de Florença e pela forma de governança
que viria a garantir sua segurança.
Desse modo, para que Florença viesse a ser governada e assegurada segundo os
preceitos apresentados pelo autor, faz-se necessário que o príncipe cumpra uma série de ações
e comportamentos específicos. Logo, partindo da citação prefaciada: “não existe uma política
intrinsecamente boa ou ruim, e sim útil ou danosa à segurança do estado” (Prefácio, p. XXIV,
2010) o presente ensaio se propõe a analisar sobre a formação das milícias, o uso das armas e a
formação dos corpos militares ligados a ideia de segurança de Florença, uma vez que essa é
uma das incumbências que devem ser asseguradas pelo príncipe. Para tanto, busca-se também
analisar o comportamento do governante ligados a ideia de crueldade e do uso da violência
como forma a se justificar a manutenção do bem comum do principiado.
Para Nicolau Maquiavel “os principais fundamentos de todos os estados, tanto dos
novos como dos velhos ou dos mistos, são as boas leis e as boas armas” (MAQUIAVEL, 2010,
p.59). Logo, o presente ensaio buscará entender como e porque o autor descreve sobre essa
temática, considerada um dos principais alicerces de manutenção dos principiados, nos
seguintes capítulos: “De quantos gêneros há de milícias e de soldados mercenários” (Cap. XII);
“Dos soldados auxiliares, mistos e próprios” (Cap. XIII) e por fim, “Do que convém a um
príncipe em matéria de milícia” (Cap. XIV).
Para tanto, busca-se primeiro entender como esse tema, bem como aspectos ligados a
crueldade e ao uso as armas foram diluídas dentro da obra de Nicolau Maquiavel (2010) de
modo geral. Destarte, é importante entender que na Itália do século XIII, o uso das armas se
deu com o propósito de uma conquista territorial, a exemplo das tentativas de domínio do
Regnum Italicum pelos imperadores germânicos (SKINNER, 1996). Nesse sentido, ao passo
em que nesse período os exércitos foram usados desse modo, na análise da obra de Maquiavel
(2010) o exército passará a ser necessário nos primeiros anos do século XVI, sobretudo para a
proteção de Florença.
Em seus 11 primeiros capítulos, Nicolau Maquiavel (2010) passa a apresentar como os
principiados novos, velhos, mistos e hereditários são conquistados e mantidos, além de explanar
sobre como esses governos podem ser mantidos de modo a garantir a centralidade do poder
político na figura do príncipe. Logo, para que esse mantenha as suas conquistas, faz-se
necessário que esse estabeleça uma nova ordem, extinguindo o sangue do antigo príncipe e não
alterando suas leis e nem seus impostos (MAQUIAVEL, 2010, cap. III). O sentido de
“extinguir” apresentado pelo autor é posto no sentido de impedir com que a antiga casa
governante de Florença retorne ao poder, de modo a criar e efetivar um principiado para que a
família Médici possa dar continuidade. Para além disso, Maquiavel (2010) ainda destaca que o
príncipe deve empenhar-se em enfraquecer a todos aqueles líderes e homens privados que
possam vir a atacar o seu território, de modo a impedir que algum desses, que virão a se tornar
seus inimigos, possam ter mais poderes ou, caso ocorra uma tentativa de dominação, o príncipe
deve estar preparado para impedi-la.
Bernard Guenné (1981), em seu livro O ocidente no século XIV e XV, apresenta que
desde o período medieval, as relações sociais na sociedade ocidental foram marcadas por
múltiplas redes de solidariedade, sejam elas vassálicas, econômicas ou até constituídas pelos
“Clãs Familiares” muito presentes nas cidades italianas, sobretudo em Florença, por exemplo.
Essas redes eram constituídas por grupos que seguiam uma mesma bandeira e lutavam em prol
de um objetivo comum onde “constituíam uma força política, militar e econômica” (GUENEÉ,
1981, p.191). Logo, a ideia de formação dos corpos militares entra aqui nessa discussão como
ponto primordial, uma vez que cabe ao príncipe manter o seu território seguro e estar ornado
de homens, armas e meios para assegurá-lo, o que significa dizer que quando esse sabe a quem
convocar no momento necessário, sendo esses homens de confiança e que virão a formar
posteriormente os exércitos permanentes dos estados no século XVII, o mesmo estará se
preocupando com a soberania de seu domínio.
No capítulo IV, o autor irá apresentar que o príncipe deve ter e ser a autoridade maior
dentro de um principiado, o que remete a discussão apontada por Quentin Skinner (1996) sobre
a centralidade de poder na península Itálica. Uma vez que “em toda província não há ninguém
que se reconheça superior a ele” (MAQUIAVEL, 2010, p.19), todas as ações do governante são
justificadas pela boa manutenção e ordem na cidade italiana, onde caso o mesmo necessite
realizar algo mal, ou que tome determinada postura que descontente a população de Florença,
essa deve sempre ser perdoada pelos seus súditos, pois aquelas ações tiveram como propósito
garantir a sua segurança. Ao longo do livro, é perceptível que essa pauta da justificação dos
atos é constantemente enfatizada pelo autor, que postula e descreve todas as ações e decisões
do príncipe, onde naquele momento essas podem ser boas ou ruins, no entanto, deve-se pensar
sobretudo no modo como a população italiana irá entender que essas devem ser aceitas pois são
justificadas pelo bom governo.
Destarte, é importante pensar que durante o capítulo VI, intitulado Dos principiados
novos que se conquistam com armas próprias e com virtú, Nicolau Maquiavel diz que o
príncipe, por muitas vezes, merece estar naquela posição. Ao trazer essa afirmativa, o mesmo
cita o exemplo de Hierão, homem privado que se tornou príncipe de Siracusa. Segundo o autor,
Hierão foi escolhido pelos siracusanos para capitaneá-los. Logo, ao tomar essa posição, o
mesmo extinguiu as milícias antigas e buscou ter a sua própria, para manter assim a sua
influência a partir de soldados e aliados próprios.
Tal exemplo, assim como as demais menções encontradas no livro que remetam a
seleção e a formação de grupos militares para servir ao príncipe e lutar em prol da segurança
territorial são necessários de serem analisados, uma vez que a ideia de formar exércitos
permanentes ainda não havia se consolidado no início do século XVI (GUENNÉ, 1981). Vale
ressaltar ainda que nesse período, segundo Bernard Guenné (1981), as ordens de cavalarias
foram os grupos que se destacaram pela sua importância política e militar. Logo, o fato de
Hierão ter criado um novo exército composto por homens de sua confiança foi necessário para
que esse tornasse sólido as bases da sua governança.
De modo que tanto os homens podem acender ao principiado por hereditariedade ou em
casos onde os homens privados ocupam-no por meio da fortuna ou do merecimento, graças a
sua virtú, Maquiavel (2010) destaca em seu capítulo VIII sobre os homens que chegaram ao
principiado graças a atos criminosos e, sobretudo, com o auxílio das milícias. É sabido que para
todo aconselhamento dado em O Princípe (2010), o autor apresenta exemplos concretos para
ilustrar o que esse está querendo dizer. Aqui, o mesmo apresenta o exemplo de Ágatocles
Siciliano, um tirano de Siracusa que acendeu ao principiado por via criminosa. Através da sua
inserção nas milícias, esse conseguiu alcançar o cargo de pretor na comuna italiana, onde em
seguida passou a almejar o cargo de príncipe. Logo, decidiu “manter, pela violência e sem
obrigações para com os outros, aquilo que por acordo lhe havia sido concedido”
(MAQUIAVEL, 2010, p.39).
Ademais, Maquiavel (2010) irá narrar o episódio em que Ágatocles Siciliano em acordo
com Amílcar, comandante das tropas cartaginesas na Sicília, passou a reunir os habitantes e
demais pessoas que constituíam o senado siracusano em um local, de modo que esses
intendessem que assuntos pertinentes a república seriam deliberados e discutidos. Todavia, essa
se tratava de uma emboscada planejada por Ágatocles, e após um sinal, “fez seus soldados
assassinarem todos os senadores e as pessoas mais ricas do povo. Mortos estes, ocupou e
manteve o principado daquela cidade sem nenhuma controvérsia civil” (MAQUIAVEL, 2010,
p.40). Aqui, a ação das milícias é apontada como os fatores essenciais para que Ágatocles
Siciliano chegasse ao principiado siracusano, além de manter o domínio sobre a Sicília.
Nesse mesmo capítulo, Nicolau Maquiavel vai apresentar que o conceito de virtú não é
isento de uma significação moral, onde essa não pode ser inserida para denominar assassinatos,
traição ou falta de boa-fé. Desse modo, tais ações possibilitam sim que o império seja adquirido,
como ocorreu com o tirano Ágatocles, mas o autor ressalta que essas ações nunca trazem a
glória e nem possibilitam que esse seja celebrado entre os grandes homens. Todavia, ao passo
em que isso é ressaltado, o mesmo também busca exaltar a virtú de Ágatocles devido a forma
como esse saiu e enfrentou desafios e perigos para conquistar seus objetivos, sendo essa uma
justificativa para que o tirano não seja julgado inferior a qualquer excelente capitão.
Ademais, Maquiavel (2010) passa a citar outro exemplo de indivíduo que ascendeu ao
principiado de modo criminoso, sendo esse Liverotto da Fermo. O mesmo, segundo o autor,
adentrou-se a milícia sob o comando de Vitellozzo Vitelli, após a morte de seu irmão Paolo
Vitelli, a qual alcançou um grande grau de excelência. Esse foi em direção a Fermo para visitar
Giovanni Fogliani, seu tio. Após sua chegada, passados alguns dias, Liverotto passa a planejar
um meio de se tornar príncipe de Fermo, o que resultou na morte de Giovanni e de seus aliados
a mando de Liverotto, que também obrigou o supremo magistrado do palácio de modo que esse
fosse lançado como governante. Logo, o mesmo foi responsável por ordenar os assassinatos de
todos os que se demonstraram descontentes e estabeleceu novas ordenanças civis e militares de
modo a tornar o principiado seguro de ameaças, além de construir uma imagem de temor, o que
ilustra novamente a utilização das armas e a formação das milícias com o propósito de
conquistar os principiados.
Segundo Bernard Guineé (1981) “os príncipes que, na mesma época, se dedicavam a
construir palmo a palmo o seu território ficaram temerosos, pois as cidades, com suas muralhas,
representavam um elemento indispensável de seu sistema de defesa: eram de fato as “chaves”
de seus Estados” (GUINEÉ, 1981, p. 198). Nesse sentido, Nicolau Maquiavel (2010) em seu
capítulo X, cita um importante aspecto que deve ser considerado, para além dos exércitos, como
um mecanismo de garantia de segurança do principiado, sendo essa a fortificação das cidades.
Ao mencionar que um príncipe deve “fortificar bem sua cidade e se comporta em relação a seus
súditos” (MAQUIAVEL, 2010, p.51), Maquiavel (2010) estabelece condições para que o
príncipe possa evitar que ocorram ataques contra o seu território, uma vez que “são sempre
inimigos de quem veem dificuldades, e não se pode facilitar atacar alguém que tenha sua cidade
fortalecida e não seja odiado pelo povo” (MAQUIAVEL, 2010, p.51-52).
Nos capítulos anteriormente, Nicolau Maquiavel passou a discutir especificamente
sobre como os estados são formados/conquistados, todavia, pouco se fala sobre a forma como
esses príncipes irão defender-se ou atacar, de forma específica. Logo, os capítulos XII, XIII e
XIV a serem discutidos daqui em diante tem como objetivo demonstrar como esses príncipes
irão oferecer os alicerces necessários para garantir a segurança do principiado. No capítulo XII,
o mesmo passa a discorrer sobre os ataques e as defesas que podem ocorrer dentro dos tipos de
principiados citados ao longo do livro (mistos, eclesiásticos, novos, antigos etc.). Em um
primeiro momento, devemos retornar à citação referenciada no início deste ensaio: “os
principais fundamentos de todos os estados, tanto dos novos como dos velhos ou dos mistos,
são as boas leis e as boas armas” (MAQUIAVEL, 2010, p.59).
Para Maquiavel (2010), as boas leis e as boas armas devem coexistir simultaneamente
dentro de um principiado, de modo que os exércitos serão os responsáveis por garantir a
segurança, e as leis, a manutenção da ordem, uma vez que ambos os elementos são considerados
o alicerce para o seu desenvolvimento. Todavia, é possível perceber que o autor se abstém de
falar sobre as leis ao relatar que “não se pode ter boas leis onde não há boas armas, e onde há
boas armas costumam ser boas as leis, deixarei de refletir sobre as leis e falarei das armas”
(MAQUIAVEL, 2010, p.59). Logo, por qual motivo Maquiavel (2010) se atem unicamente aos
exércitos?
Ao analisa-lo, é possível perceber que Maquiavel (2010) passa a estabelecer que um
príncipe deve antecipar a formação dos exércitos, sendo uma condição para a construção de um
poder político dentro do território, e logo após deve se debruçar na reformulação de um conjunto
de leis, de modo a tornar legitimo as ações do príncipe para com a política e organização desses
espaços. Para tanto, é possível perceber também que para Maquiavel (2010), as leis não se
sobrepõem aos exércitos, mas devem ser estabelecidas de modo que atuem como instrumento
de regulação das ações e até dos benefícios a serem garantidos pelos corpos militares.
De todo modo, é imprescindível não notar o valor que o autor atribui aos príncipes que
passam a conquistar e assegurar os seus territórios a partir da utilização e formação desses
corpos militares. Aqui, deve-se retomar novamente a perspectiva apontada por Quentin Skinner
(1996), ao evidenciar que o aspecto que torna a obra de Nicolau Maquiavel (2010) memorável
se dá pelo fato do autor antecipar toda uma construção do sentido de estado que será
posteriormente desenvolvidos séculos após a escrita de seu livro. Nesse sentido, as armas e os
exércitos, assim como apresentados na menção feita a Hierão de Siracusa, foram os
protagonistas para que ocorresse o domínio.
Destarte, segundo o autor, as armas utilizadas para a defesa do seu principiado ou são
próprias (exércitos próprios), mercenárias, auxiliares ou mistas. Nesse cenário, para além de
defender que a fundação de um estado sob a égide de armas mercenárias constitui portanto uma
ameaça para a manutenção do estado, uma vez que são essas desunidas, ambiciosas e pouco
confiáveis, o autor ressalta que não só deve o príncipe ter os seus próprios homens a quem
recorrer em momentos de crise, e na ausência delas, como também deve, em pessoa, exercer o
duplo papel de líder do estado e comandante dos exércitos, de modo a estabelecer uma única
autoridade política dentro dos principiados, além de defender para com os seus súditos a
imagem de um príncipe comprometido para com a segurança dos mesmos.
Portanto, deve o príncipe evitar fundar e manter os seus estados com o uso das milicias
mercenárias, já que esse foi um dos motivos que levou a destruição de vários poderes. De todo
modo, é sempre importante reiterar que o sentido dado por Maquiavel (2010) aos exércitos se
deu não para que os príncipes invadissem ou conquistassem territórios alheios, mas sim para
garantir a segurança dos seus. Nesse sentido, Maquiavel (2010) constrói uma perspectiva de
que armas mercenárias e auxiliares são maléficas por não possuírem uma ligação direta com os
príncipes, uma vez que são formadas por indivíduos que possuíam na “arte da guerra” o seu
ofício e manutenção, onde a lealdade não fará parte da relação entre ambos, logo, estão aptas a
causar-lhes empecilhos. Ainda no capítulo XII, Maquiavel (2010) apresenta ao leitor o perfil
dos capitães mercenários, sendo esses homens excelentes ou não, e caso não sejam, é possível
que esses aspirem para si o poder e a influência do príncipe, ou seja, a sua própria grandeza,
uma vez que não possuem obrigações para com ele.
De modo a exemplificar de forma concisa como a utilização das armas mercenárias são
prejudiciais ao principiado, Nicolau Maquiavel (2010) rememora os anos em que a Península
Itálica foi governada por esses grupos. Ao narrá-lo, é possível identificar na fala do autor sobre
o início da formação territorial do Norte da Itália, discutido por Quentin Skinner (1996), onde
a península passa a ser constituída por um maior número de cidades. Desse modo, Maquiavel
(2010) irá discorrer que as populações que ocupavam essas cidades tomaram armas contra
nobres e imperadores, fazendo menção a formação da liga lombarda e toscana, criadas com o
objetivo de combater a tentativa de domínio do Regnum Italicum pelos imperadores
germânicos, a exemplo de Frederico Barbarossa, o primeiro a iniciar essas tentativas de
conquista (SKINNER, 1996).
Para tanto, o mesmo ainda apresenta sobre a presença do papa, uma vez que prezava
sobretudo pelo controle das cidades italianas. Logo, esses indivíduos que vieram a constituíam
o corpo religioso da península também chegaram a contratar mercenários mediante o
pagamento de soldos. Aqui, Maquiavel (2010) irá destacar a figura de Alberigo da Corria, um
dos primeiros mercenários contratados pelo papa. Nesse sentido, cumprir os seus serviços e
adquirir o seu pagamento foram as únicas e exclusivas preocupações das tropas mercenárias,
uma vez que interessadas pelo soldo não haviam motivação alguma para estabelecerem laços
de lealdade.
Dessa forma, Maquiavel (2010) atribui o uso das tropas mercenárias como motivo que
resulta na ruina de um principiado, sempre reiterando que o príncipe deve atuar ele mesmo
como capitão dos grupos militares que esse mesmo deve formar, pois caso os seus homens
sejam guiados por líderes mercenários, que devem ser exímios entendedores da “arte da
guerra”, caso contrário, esse causará apenas danos. Para tanto, o autor irá apresentar no seu
capítulo XIII uma análise sobre outros tipos de soldados que constituem o grupo das armas
auxiliares.
Assim como é apresentado sobre o uso das armas mercenárias ser prejudicial ao
príncipe, as armas auxiliares são mencionadas por Maquiavel (2010) como “inúteis”, além de
serem compostas por características específicas que atuam negativamente sob a ação dos
governantes. Destarte, as armas auxiliares são adquiridas após o príncipe recorrer a um outro
líder governante, de modo que esse possua exércitos e recursos fortes, aptos a auxiliarem os
príncipes de outras localidades na defesa do seu território. Todavia, Nicolau Maquiavel alerta
aos leitores sobre os perigos da busca pela defesa a partir de armas que não são suas. Isso pode
ser remetido novamente a menção apresentada no início deste ensaio sobre a necessidade de o
príncipe evitar a entrada de indivíduos na sua cidade que possam vir a superar os poderes
destinados aos grandes homens. Logo, a procura por auxílio em outros homens mais fortes e
poderosos que você pode resultar nas tentativas de tomada do poder e da influência do príncipe
para si. De todo modo, as tropas auxiliares, segundo o autor, não fornecem conquistas seguras.
Para ilustrar essa afirmação, o autor irá citar sobre o uso de armas auxiliares advindas
do governo de Fernando, rei da Espanha, para o Papa Júlio II, que desejava conquistar Ferrara.
Logo, o mesmo impõe sob as mãos das tropas de Fernando da Espanha sua conquista. Aqui,
Maquiavel (2010) alerta aos governantes que a utilização dessas pode até auxiliar na conquista
e manutenção, mas “quando perdem és derrotado com elas, e quando vencem, aprisionam-te”
(MAQUIAVEL, 2010, p.65), ou seja, a conquista de uma vitória a partir das armas auxiliares
significa dizer que o príncipe acaba se tornando prisioneiro das vontades daqueles que as
comandam, uma vez que não possui força o suficiente para dispensá-las, além de ressaltar que
essas estão comprometidas sobretudo com a Virtú do seu verdadeiro líder, a quem se uniram e
se fortaleceram e a quem devem obediência.
Logo, “quem não quiser vencer, deverá valer-se dessas tropas, por que são muito mais
perigosas” (MAQUIAVEL, 2010, p.65), onde as vitórias conquistadas com armas alheias
devem ser consideradas derrotas para os príncipes que a buscaram. Destarte, novamente
Nicolau Maquiavel (2010) reitera que deve um príncipe formar o seu próprio corpo militar, de
modo que esse prefira perder desde que esteja utilizando as suas armas, do que vencer com as
de outrem.
Nesse âmbito, aparentemente Maquiavel (2010) possui um grande apreço pela
exemplificação dos fatos através da imagem do Duque César Bórgia, a qual é citado novamente
para tratar sobre as armas auxiliares. Segundo o autor, esse adentrou ao território da Romanha
graças as armas auxiliares compostas por tropas francesas, o que possibilitou a conquista de
Ímola e Forli, ambas localizadas na península Itálica. Após isso, o duque passa a perceber que
a utilização dessas tropas não viria a trazer segurança para si, logo, optou pela busca as armas
mercenárias, contratando a soldo os Orsini e os Vitelli. De todo modo, o líder italiano passa a
desconfiar da dubiedade apresentada por esses grupos, que se mostravam ser infiéis e perigosas,
logo, “voltou-se então para as armas próprias” (MAQUIAVEL, 2010, p.66) onde passa a se
firmar enquanto líder dos seus próprios soldados.
Para além das tropas auxiliares, Maquiavel (2010) cita um terceiro tipo de exército, os
mistos. Para apresenta-lo, o autor usa os exércitos franceses como exemplo, constituídos em
parte por soldados franceses e outra por tropas mercenárias, uma vez que na ausência de
mecanismos que o tornem forte o suficiente para atuar independentemente, esses necessitam de
buscar mais força. Ao citá-las, Nicolau Maquiavel (2010) apresenta que a formação de um
exército constituído por ambos os grupos é mais favorável do que utilizar um puramente
mercenário. Todavia, é importante salientar que mesmo que o príncipe seja o responsável por
ordenar esses e suas ações, é possível que a parte mercenária busque expor e conquistar
ambições pessoais, a qual o príncipe deve se atentar.
Com base nisso, conclui-se que “sem ter armas próprias, nenhum principiado está
seguro; aliás, estará inteiramente obrigado à fortuna, não havendo virtú que confiavelmente o
defenda as adversidades” (MAQUIAVEL, 2010, p.68). Ao trazer essa citação, Maquiavel
(2010) procura deixar claro ao leitor que na ausência de um exército próprio, que esteja sob
total e única dependência centrada na figura do príncipe, esse estará à mercê das tropas
mercenárias que atuam mediante aos pagamentos em soldo pelos seus serviços, logo, devem
ser evitadas.
Desse modo, é importante ressaltar ainda que um príncipe armado, de modo a garantir
a segurança do seu território, deve ser visto com mais respeito pelos súditos, além de destacar
que esse deve estar comprometido com a arte da guerra, “por que esta é a única arte que compete
a quem comanda” (MAQUIAVEL, 2010, p.71), não com o propósito de invadir/saquear, mas
sim de estar pronto para lidar com futuras ameaças. Com isso, deve o príncipe se ater a esses
aspectos tanto nos tempos de guerras como nos tempos de paz. Em seu capítulo XIV, Maquiavel
(2010) estabelece que o “estar armado” é uma condição obrigatória para aqueles que desejam
manter os seus estados, além de ressaltá-la como um modo a qual os homens privados ascendam
ao grau de príncipe. Aqui, cita-se como exemplo o caso de Francisco Sfonza, que “por estar
armado, de homem privado se tornou duque de Milão” (MAQUIAVEL, 2010, p.7).
Para além da conservação, formação e ordenação dos exércitos, Nicolau Maquiavel
(2010) estabelece outras incumbências para a figura do príncipe. Uma dessas, que merece
atenção, diz respeito ao conhecimento dos territórios a qual se localizam os principiados. Para
ele, conhecer bem o seu território permite que o seu governante possa melhor planejar sua
defesa. Nisso, é interessante refletir que o florentino, ainda no início do século XVI, passava a
encorajar o príncipe para que esse construísse mapas que delimitassem os seus locais de
domínio e influência, bem como compreender sobre os territórios inimigos que possam vir a
atentar contra a sua segurança.
Logo, é de suma importância analisar como o autor passa a discutir sobre o
estabelecimento de fronteiras, espaços e fixação das narrativas territoriais no período vigente
(Séc. XVI) uma vez que “somente no século XIX é que se completa a demarcação da maior
parte dos limites internacionais, não só na Europa, mas em outras partes do mundo”
(MACHADO, 2002, p.1). Com base nisso, deve um príncipe conhecer o seu território para que
esse possa ser protegido de modo efetivo. Nesse sentido, Maquiavel (2010) atribui esse
conhecimento à 1° qualidade que deve estar presente em um capitão, “por que esta te ensina a
ir de encontro ao inimigo, tomar os alojamentos, conduzir os exércitos, ordenar as batalhas e
situar as cidades de maneira vantajosa” (MAQUIAVEL, 2010, p.72).
Para tanto, é necessário analisar sobre o papel atribuído ao povo. Segundo Maquiavel
(2010), o exército deve ser formado por homens de confiança do príncipe. De modo a
oficializá-lo enquanto responsável pela liderança desses comandos militares, o autor irá dizer
que quando um príncipe se deparar com o povo desarmado, esse deve armá-los, uma vez que
“dar-lhes armas, estas tornam-se tuas” (MAQUIAVEL, 2010, p.101), ou seja, tornam-se fiéis e
partidários ao príncipe.
Diante do exposto, é perceptível que a formação dos corpos militares foi apontada como
um alicerce necessário para que ocorresse a manutenção e o desenvolvimento do estado. Logo,
foi possível compreender como os temas sobre a crueldade, as milícias e os tipos de tropas
foram retratados em sua obra, bem como entender que todos os atos do príncipe, sejam bons ou
ruins, sejam justificados em prol da boa fundamentação do poder político e militar exercido por
esse. Nisso, “será necessária, como verdadeiro fundamento de qualquer empresa, prover-se de
armas próprias, porque não pode haver soldados mais fiéis, nem verdadeiros, nem melhores
(MAQUIAVEL, 2010, p. 130). Destarte, a valorização dada a essa temática não se fez presente
apenas em O Principe (2010) uma vez que Maquiavel (2010) também escreve, durante o século
XVI, o documento histórico denominado como A arte da guerra (1521). Essa é dividida em
sete livros que constroem diálogos específicos sob a organização do exército e das armas
(VILALBA, 2018).
Conclui-se, portanto, que durante o início do século XVI o florentino foi responsável
por apresentar os primeiros indícios de uma perspectiva que será desenvolvida apenas no século
XVII, a monopolização da violência. Logo, ao profissionalizar essas instituições militares,
monopolizando-as para si, o representante maior passa a estabelecer em sua figura a soberania
de manter a coerção externa, controlando assim o que virão a ser os exércitos permanentes e,
posteriormente, a formação das polícias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
ELLIOTT, J. H. A Europa dividida, 1559-1598. Lisboa: Editorial Presença, 1984.
GUENÉE, Bernard. O Ocidente nos séculos XIV e XV: Os Estados. São Paulo:
Pioneira/EDUSP, 1981.
MACHADO, Lia Osório. Sistemas, fronteiras e território. Rio de Janeiro: Grupo Retis/UFRJ,
2002.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. 4 ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996.
VILALBA, M. O papel das armas e do exército em a arte da guerra de maquiavel. Saberes:
Revista interdisciplinar de Filosofia e Educação, [S. l.], n. 17, 2018. Disponível em:
https://periodicos.ufrn.br/saberes/article/view/12596. Acesso em: 15 maio. 2022.

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