Livraria Do Convento de Nossa Senhora Do Cardal
Livraria Do Convento de Nossa Senhora Do Cardal
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Número 12 – Junho/2017
Resumo Résumé
Com base num documento inédito do século Basé sur un document inédit du XVIIIème siècle,
XVIII, este artigo pretende dar a conhecer e cet article prétend faire connaître et analyser les
analisar os espécimes que formavam a livraria do spécimens qui formaient la bibliothèque du
convento de Nossa Senhora do Cardal, couvent de Notre-Dame du Cardal, appartenant
pertencente aos religiosos franciscanos da au religieux franciscain de la Province de Saint-
Província de Santo António. O estudo do catálogo Antoine. L'étude du catalogue permet identifier
permite identificar as diferentes temáticas que les différents thèmes qui composent la
compunham a biblioteca e avaliar o peso que cada bibliothèque et d'évaluer le poids de chacun. Par
uma detinha. Por outro lado, possibilita analisar ailleurs, l’étude permet d'analyser les dates, lieux
as datas, os locais de edição e os idiomas em que d'édition et les langues dans lesquelles les
as obras foram dadas à estampa. Dado que as travaux ont été publiés. Puisque les bibliothèques,
bibliotecas, embora incorporassem no seu acervo bien que intégratif de nombreuses matières sur
inúmeras matérias, constituíam sobretudo ses acquis, constituaient essentiellement des
instrumentos de trabalho, pretende-se dar a instruments de travail, il vise à faire connaître
conhecer com rigor a função desempenhada pela rigoureusement le rôle de la bibliothèque en
livraria em apreço, estabelecendo as necessárias question, établissant les comparaisons
comparações com as de outras Casas da mesma nécessaires avec les autres maisons du même
Ordem. ordre.
Palavras-chave: Portugal, século XVIII, livraria Mots-clés: Portugal, XVIIIe siécle, bibliothèque
conventual. conventuelle.
1 Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra (AUC), Informações Paroquiais de 1721, doc. 200;
EUSÉBIO, Joaquim. Pombal 8 séculos de História. 2.ª edição. Pombal, Câmara Municipal de Pombal, 2007,
pp. 116 e 313.
2 Lisboa, Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT), Ordem dos Frades Menores (OFM), Província de
Santo António, Convento de Nossa Senhora do Cardal, mç. 23, documento não numerado, não datado.
Segundo os Estatutos de 1737, o convento em análise tinha capacidade para sustentar comodamente 14
religiosos, cf. Estatutos da província de S. Antonio dos Capuchos do reyno de Portugal, feitos em virtude de
hum breve do Senhor P. Urbano VIII, condedido à mesma província por ordem do capitulo provincial
celebrado em o Convento de S. Antonio da Castanheyra aos 22 de Agosto de 1733. Lisboa Ocidental, Oficina
da Congregação do Oratório, 1737, p. 194. No entanto, esse número chegou a ser ultrapassado. Por
exemplo, a 15 de janeiro de 1805, o convento era habitado por 15 frades, cf. Lisboa, ANTT, OFM,
Província de Santo António de Portugal, mç. 8, macete 5.
3 SANTA MARIA, Agostinho (Frei) de. Santuario Mariano, e Historia das Imagens milagrosas de Nossa
Senhora. tomo IV. Lisboa, Oficina de António Pedrozo Galram, 1712, p. 470.
4 A 1 de julho de 1698, foi concedido alvará régio para um convento de cónegos regulares de São João
Evangelista em Pombal, cf. ALMEIDA, Fortunato de. História da Igreja em Portugal. vol. II. Porto, Lisboa,
Civilização, 1968, p. 168. Segundo CARVALHO, Henriques de, MACEDO, Abílio de. Breve Notícia das
Differentes Terras de Portugal por onde passam os Caminhos de Ferro: Pombal. Coimbra, Imprensa
Literária, 1867, p. 13, os cónegos regulares de São João Evangelista rejeitaram o convento “por a cerca
não ter a área que exigiam”. Sobre os vários conventos oferecidos à Congregação de São João Evangelista
e que por motivos vários ficaram sem efeito cf. SANTA MARIA, Francisco de. O Ceo na Terra. História das
Sagradas Congregações dos Conegos Seculares de S. Jorge em Alga de Venesa & de S. Joaõ Evangelista em
Portugal. tomo I. Lisboa, Oficina de Manuel Lopes Ferreira, 1697, pp. 538-542. CONCEIÇÃO, Apolinário
(Frei) da. Claustro Franciscano, erecto no dominio da Coroa Portugueza, e estabelecido sobre dezeseis
Venerabilissimas Columnas. Expoem-se sua origem, e estado presente. A dos seus conventos, e mosteiros,
annos de suas Fundações, numero de Hospicios, Prefecturas, Recolhimentos, Parroquiais, e Missoens, dos
quaes se dá individual noticia, e do numero de seus Religiosos, Religiosas, Terceiros, e Terceiras, que vivem
Collegiadamente, tanto em Portugal, como em Suas Conquistas. Lisboa Ocidental, Oficina de António
Isidoro da Fonseca, 1740, p. 48. Sobre os franciscanos em Portugal cf. MOREIRA, António Montes.
“Franciscanos” In AZEVEDO, Carlos Moreira (Dir.). Dicionário de História Religiosa de Portugal. Lisboa,
Circulo de Leitores, 2000, vol. C-I, pp. 273-280.
2. Entre o património móvel dos conventos figuravam livros, sendo que a quantidade e
a qualidade do seu acervo conferia prestígio às Casas religiosas. As livrarias conventuais
contaram-se, de facto, entre as de maior vulto, sendo algumas delas comparáveis às Reais e à
da Universidade de Coimbra7. Segundo os estatutos, os conventos da Província de Santo
António dos Capuchos deveriam possuir livrarias onde estivessem “todos os livros do
convento, de que avera inventario, por onde conste dos que nellas estão […] e nesta morará o
Pregador da Casa”8. Os provinciais deviam prover tais espaços “dos Livros necessarios,
principalmente dos Escritturarios, Predicativos, e Moraes”9.
Um documento conservado na Biblioteca Nacional de Portugal, intitulado Catálogo da
livraria do convento de Nossa Senhora do Cardal, permite conhecer a biblioteca do convento10.
O inventário, que não se encontra datado, nem assinado, permite identificar os formatos, os
títulos das obras, os nomes e apelidos dos autores, bem como o número, os locais e os anos
5 SANTA MARIA, Agostinho (Frei) de. Santuário […], pp. 469-470. A propósito dos lugares do termo da
vila, cf. OLIVEIRA, Ricardo Pessa de, GOMES, Saul António. Notícias e Memórias Paroquiais Setecentistas –
11. Pombal. Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura – Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, Palimage, 2012.
6 SANTA MARIA, Agostinho (FREI). Santuario […], pp. 470-472.
7 BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond. “As Realidades Culturais”. In SERRÃO, Joel, MARQUES, A. H. de
Oliveira (Dir.). Nova História de Portugal, vol. VII, Da Paz da Restauração ao Ouro do Brasil, coordenação
de Avelino de Freitas de Meneses. Lisboa, Editorial Presença, 2001, pp. 534-536. São conhecidos alguns
inventários e estudos de bibliotecas de conventos de Franciscanos. A propósito cf. CARVALHO, José
Adriano de Freitas. «Nobres leteras»...«Fermosos volumes»... Inventários de bibliotecas dos franciscanos
observantes em Portugal no século XV. Os traços de união das reformas peninsulares. Porto, Centro
Interuniversitário de História da Espiritualidade, 1995. Sobre a livraria do Convento de Xabregas cf.
LOPES, Fernando (Frei) Félix. Colectânea de Estudos de História e Literatura, vol. I, Fontes Históricas e
Bibliografia Franciscana Portuguesa. Lisboa, Academia Portuguesa de História, 1997, pp. 317-369. Sobre
a do convento da Arrábida, um dos raros casos em que a livraria se manteve praticamente intacta até aos
tempos que correm, cf. ROCHA, Ilídio. Catálogo da Livraria do Convento da Arrábida e do Acervo que lhe
estava anexo. Lisboa, Fundação Oriente, 1994; ROCHA, Ilídio. “A Livraria do Convento da Arrábida” In I-II
Seminário. O Franciscanismo em Portugal. Actas. Lisboa, Fundação Oriente, 1996, pp. 185-194;
CARVALHO, José Adriano de Freitas. “Recensão Crítica à Obra Ilídio Rocha, Catálogo da Livraria do
Convento da Arrábida e do Acervo que lhe estava anexo” In Via Spiritus: Revista de História da
Espiritualidade e de Sentimento Religioso. Porto, CIHEUP, 1994, vol. 1, pp. 213-223; CARVALHO, José
Adriano de Freitas (Dir.). Da Memória dos Livros às Bibliotecas da Memória, vol. I, Inventário da Livraria
de Santo António de Caminha. Porto, Centro Interuniversitário de História da Espiritualidade, 1998;
CARVALHO, José Adriano de Freitas (Dir.). Da Memória dos Livros às Bibliotecas da Memória, vol. II,
Inventário da Livraria de Santo António de Ponte de Lima. Porto, Centro Interuniversitário, de História da
Espiritualidade, 2002.
8 Estatutos da Provincia de Santo Antonio […], 1673, p. 88. Cf. igualmente o capítulo XXXI dos Estatutos da
Provincia de Santo […], 1737, p. 58.
9 Estatutos da Provincia de Santo Antonio […], 1673, p. 88; Estatutos da Provincia de Santo […], 1737, pp.
58-59.
10 Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal (BNP), Reservados, Mss. 2, n.º 4.
das edições. A ausência de obras posteriores a 1763 parece indicar que estamos perante um
manuscrito da segunda metade do século XVIII. Como se sabe, nessa época, a censura dos
livros e das publicações passou para influência direta do Estado11. A 5 de abril de 1768, D. José
I criou uma nova instituição, com competências exclusivas sobre a fiscalização das obras,
leigas ou religiosas, designada por Real Mesa Censória. Por edital de 10 de julho de 1769 12, foi
determinado que todos os livreiros, impressores, mercadores de livros, religiões,
comunidades, corporações e pessoas particulares enviassem o catálogo dos seus livros à nova
instituição. Coloca-se pois a hipótese do inventário ter sido realizado nesse âmbito. O número
de edição, nos casos em que foi apontado, poderia fornecer pistas para a datação do
documento, designadamente quando foi referido tratar-se de uma última edição. No entanto,
tais indicações revelaram-se imprecisas. Por exemplo, o convento possuía a de 1710, da
Polyanthea Mariana de Hippolytus Marraccius13, que no catálogo surge como sendo a mais
recente. No entanto, sabemos da existência de pelo menos uma outra no ano de 1728. O
mesmo sucedeu com as Obras de Lorenzo Gracian de que existia um exemplar de 1664, que se
refere como sendo a última edição quando em 1669 e em 1674 foram impressas novas
edições a primeira em Antuérpia e a segunda em Madrid14.
O catálogo não fornece qualquer elemento a respeito do valor económico da livraria,
nem tão-pouco sobre o estado de conservação das obras. Por outro lado, nada adianta sobre a
formação da biblioteca. Mais uma vez, torna-se essencial recorrer aos textos normativos. Nas
livrarias seriam incorporados os livros dos frades falecidos e os que fossem doados ou legados
por devotos. No caso de existirem exemplares duplicados numa determinada biblioteca
seriam remetidos para outra onde esse espécime não existisse e “quando nem com isto se
supra a falta, que delles ouver em algũa casa dará ordem com que os Guardiães dellas
11 Cf. MACEDO, Jorge Borges de. “Real Mesa Censória” In SERRÃO, Joel (Dir.). Dicionário de História de
Portugal. Lisboa, Iniciativas, 1971, vol. III, pp. 40-42; SANTOS, Piedade Braga. “Actividade da Real Mesa
Censória – Uma Sondagem” In Cultura: História e Filosofia. Lisboa, Instituto Nacional de Investigação
Científica, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 1983, vol. 2, pp. 379-382;
PEREIRA, Isaías da Rosa Pereira. “A Real Mesa Censória e algumas bibliotecas da cidade de Angra em
1770” In Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira. Angra, Instituto Histórico da Ilha Terceira, 1992,
vol. 50, p. 169; MARTINS, Maria Teresa Payam. A Censura Literária em Portugal nos séculos XVII e XVIII.
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2005.
12 O edital encontra-se publicado em PEREIRA, Isaías da Rosa Pereira. “A Real Mesa […]”, pp. 174-175.
13 MARRACCIUS, Hippolytus. Polyanthea Mariana, in qua libris octodecim Deipara Mariae Virginis
sanctissima nomina, celeberrima & innumerata laudum encomia altissimae gratiarum, virtutum, &
sanctitatis excellentiae, & celestes denique praerogativae & dignitates. Editio Novíssima. Colonia
Agrippina, apud Franciscum Metternich, 1710.
14 GRAÇIAN, Baltasar. Obras de Lorenzo Gracian. Ultima impression mas corregida, y enriquezida de tablas.
Madrid, Pablo de Val, a costa de Santiago Martin Redondo, 1664; GRAÇIAN, Baltasar. Obras de Lorenzo
Gracian. Amberes, en casa de Geronymo y Iuanbaut. Verdussen, 1669; GRAÇIAN, Baltasar. Obras de
Lorenzo Gracian. Madrid, Imprenta Real de la Santa Cruzada, a costa de Santiago Martin Redondo
mercader de libros, 1674.
mandem tomar os necessarios pellas esmolas, que tiver o Sindico que precisamente não forem
necessarias para a sustentação dos frades”15.
A livraria em análise compreendia 335 obras, num total de 566 volumes16, sendo 143
in fólios, 131 in 4.º, 42 in 8.º, e 9 in 12.º, não existindo indicação de formato dos restantes. No
que respeita à classificação das obras, o inventário foi dividido em cinco secções: Teologia
(262 obras, 455 volumes), Jurisprudência (quatro obras, dez volumes), Filosofia (três obras,
três volumes), História (45 obras, 74 volumes) e Belas Letras (21 obras, 24 volumes).
Gráfico 1
Temáticas da Livraria do Convento de Nossa Senhora do Cardal
Teologia
Jurisprudência 78%
1%
Tratava-se de uma pequena livraria conventual. Sem prejuízo, possuía mais títulos do
que os inventariados em 1834, nos conventos de Penela e Pedreira. Nessa data, a biblioteca do
convento de Santo António de Penela era constituída por 417 volumes: 57 títulos em 220
volumes e 197 volumes de “livros de capa de papelão de diversos autores” 18. No edifício
existiam ainda Breviários (dois), Cadernos da Ordem (dois), Caderno de Missa de Defuntos
15 Estatutos da Provincia de Santo Antonio […], 1673, p. 88; Estatutos da Provincia de Santo […], 1737, p. 59.
16 Em seis obras não foi registado o número de tomos.
17 Nos gráficos e quadro que se seguem a fonte repete-se pelo que não voltara a ser indicada.
18 RODRIGUES, Alice Correia Godinho, RODRIGUES, Manuel Augusto. “O Convento de Santo António de
Penela – O Inventário dos seus Bens ao Tempo da sua Extinção (1834)” In Boletim do Arquivo da
Universidade de Coimbra. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, 1982, vol. IV, pp. 106-107.
(um), Cadernos de Ofício de Sepultura (cinco), Cerimonial (um), livros de Cantochão (dois),
livros para oração (um), Manuais (dois), Martirológio (um), Missais (cinco) e Saltério (um). Por
sua vez, a biblioteca do Convento de Santo António da Pedreira, em Coimbra, possuía 250
títulos em 855 volumes19. No coro existiam ainda Breviários (cinco), Martirológio (um) e
Saltério (um), enquanto na sacristia estavam Missais (três), Livro de Cantochão (um) e Livro da
Paixão (um)20. Já a livraria de Santo António de Ponte de Lima possuía cerca de 930 obras 21 e
a congénere de Caminha mais de 500 títulos22.
A propósito dos inventários realizados após o decreto de 28 de maio de 1834, que
determinou a extinção das Ordens Religiosas masculinas, importa referir que o do convento
do Cardal não catalogou a livraria. Nesse documento, foram unicamente registados livros de
missa e de coro: quatro Breviários, um Missal, um Discurso sobre a História Eclesiástica, um
livro Cantochão de Coro, um Martirológio Romano, um Ritual Romano, um Decreto Autêntico,
um Theatro ecclesiastico23, um Director Fúnebre, um Ofício Omnia, um Cânticos Eclesiásticos e
um livro que serviria para determinados registos. Como explicar que a biblioteca não tivesse
sido inventariada em 1834? Por um lado, é possível que tenha sido destruída durante a
terceira Invasão Francesa (1810-1811). O referido conflito provocou caos, destruição, morte e
pilhagem em todo o território do atual concelho de Pombal24. Além do sofrimento da
população, os prejuízos materiais foram avultados. Na vila, os cartórios foram consumidos
pelas chamas ou sofreram extravio, caso do da Santa Casa da Misericórdia 25. No que respeita
ao convento em apreço, sabemos que foi ocupado por tropas francesas e inglesas, sendo
19 RODRIGUES, Alice Correia Godinho. “O Convento de Santo António da Pedreira de Coimbra. Inventário
dos seus Bens ao Tempo da sua Extinção (1834)” In Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra.
Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, 1982, vol. IV, pp. 195-206.
20 RODRIGUES, Alice Correia Godinho. “O Convento de Santo António da Pedreira […]”, pp. 179, 184 e 186.
Estes números parecem não corresponder à totalidade da biblioteca porquanto foi declarado existir
“uma livraria que se compõe de muitos volumes da qual se tem feito discripção de uma grande parte.
Parte cuja discripção se apensa a estes autos para nelles ser entranhada logo que ella se conclua […]”, cf.
Idem, Ibidem, p. 147.
21 CARVALHO, José Adriano de Freitas (Dir.). Da Memória dos Livros […], vol. II, p. 10.
22 CARVALHO, José Adriano de Freitas (Dir.). Da Memória dos Livros […], vol. I, p. XIII.
23 ROSÁRIO, Domingos (Frei) do. Theatro ecclesiastico, em que se acham muitos documentos de canto-chão
para qualquer pessoa dedicada ao culto divino nos officios do coro, e altar. Lisboa, Oficina Joaquinianna da
Musica de D. Bernardo Fernandez Gayo, 1743.
24 EUSÉBIO, Joaquim. Pombal […], pp. 154-164; MARQUES, António Manuel Erse. O Concelho de Pombal nos
Finais do Antigo Regime. Aspectos Demográficos e Sociais (1782-1834). Coimbra, Tese de Mestrado em
História Moderna, Poderes, Ideias e Instituições, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, 2011, pp. 66-73, exemplar mimeografado; LOPES, Maria Antónia. “Mujeres (y Hombres),
víctimas de la 3.ª Invasión Francesa en el Centro de Portugal” In El Comienzo de la Guerra de la
Independencia. Congreso Internacional del Bicentenario. Madrid, Editorial Actas, 2009, pp. 750-772;
LOPES, Maria Antónia. “Sofrimentos das Populações na Terceira Invasão Francesa. De Gouveia a Pombal”
In O Exército Português e as Comemorações dos 200 Anos da Guerra Peninsular. Lisboa/Parede, Exército
Português/Tribuna da História, 2011, vol. III, pp. 299-323.
25 Sobre esta instituição cf. OLIVEIRA, Ricardo Pessa de. História da Santa Casa da Misericórdia de Pombal
(1628-1910). Pombal, Santa Casa da Misericórdia de Pombal, 2016.
célebres os desacatos cometidos sobre os restos mortais de Sebastião José de Carvalho e Melo,
1.º marquês de Pombal26. Na freguesia vizinha de Abiul, os franceses destruíram “todos os
livros particulares, e ainda mesmo os livros dos assentos da mesma igreja queimando e
rasgando todos os cartorios dos escrivais e asentos da mesma camara” 27. Por outro lado, o
reduzido valor económico da biblioteca poderia explicar a inexistência de inventário. É
possível que, confrontados com essa realidade, os louvados tivessem optado por não proceder
ao catálogo e posterior envio para o porto de embarque, como sucedido com a livraria do
convento de São Jerónimo do Mato, da ordem dos Jerónimos, em Alenquer28.
Regressando à análise do catálogo da livraria da segunda metade de Setecentos,
verificou-se que entre as obras de teologia contavam-se bíblias e comentários, obras de
patrística, livros de devoção mariana, manuais de confessores, sermões, regras e cerimoniais.
De entre os autores, destaque para Alonso de Andrade, António das Chagas, António Vieira,
Bartolomeu do Quental, Carlos Borromeu, Cornelius Jansenius, Diogo de Cellada, Diego de
Estella, Felix Potestas, Francisco Garau, Francisco Mendonça, Hipólito Marracci, Hugo de
Santo Caro (cardeal), Jerónimo de Belém, João de Ceita, João Duns Scotus, Luís de Granada,
Manuel Bernardes, Manuel Rodrigues, Martín de Torrecilla, Nicolau de Lira e Rafael Bluteau.
Refira-se ainda a existência da obra Diferença entre o Temporal e o Eterno do jesuíta Juan
Eusebio Nieremberg; e a ausência de qualquer título do jesuíta Paolo Segneri, presença
massiva em tantas outras livrarias conventuais29. Em filosofia, secção parcamente
representada, destaque para a Filosofia Moralis de Aristóteles30. No ramo das belas letras
evidencia para os dicionários de Ambrósio Calepino31 e de Jerónimo Cardoso32, e para a
Gramática Inglesa de Carlos Bernardo da Silva Teles de Menezes33. A temática de história
26 MARBOT, General Barão de. Memórias sobre a 3.ª Invasão Francesa. Introdução de António Ventura.
Lisboa, Caleidoscópio, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2006, pp. 74-75; CARVALHO,
Henriques de, MACEDO, Abílio de. Breve Notícia das Differentes Terras de Portugal […], pp. 25-26; A
Defesa, n.º 777, de 22 de agosto de 1909.
27 Coimbra, AUC, Cat-Cor.B.Pimenta, doc. 117.
28 BARATA, Paulo Jorge dos Santos. Os Livros e o Liberalismo. Da livraria conventual à biblioteca pública,
uma alteração de paradigma. Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, 2003, p. 155.
29 CARVALHO, José Adriano de Freitas (Dir.). Da Memória dos Livros […], vol. II, pp. 98-99, 137, 242, 248 e
255.
30 ARISTÓTELES. Aristotelis Stagiritae libri omnes quibus tota moralis philosophia, quae ad formandos
mores, tum singulorum, tum familiae, tum civitatis, spectat, continentur; omnia ad grecum exemplar
recognita quorum seriem versa pagella indicabit. Lugduni, sumptibus Horatij Cardon, 1618.
31 CAPELINO, Ambrósio. Dictionarium octo linguarum. Paris, apud Nicolaum Nivellium, 1588.
32 CARDOSO, Jerónimo. Dictionarium latino lusitanicum et vice-versa lusitanico latinum. Conimbricae, [s.n.],
1584.
33 MENEZES, Carlos Bernardo da Silva Teles de. Gramatica ingleza ordenada em portuguez. Lisboa, Oficina
Patriarcal Francisco Luís Ameno, 1762.
compreendia, entre outras obras, o primeiro tomo do Agiologio Lusitano de Jorge Cardoso34, o
Gran diccionario histórico de Louis Moreri35, o Castrioto Lusitano de frei Rafael de Jesus36, uma
Historia Naturalis de Caius Plinius Secundos37 e a Prompta bibliotheca de Lúcio Ferraris38.
Nesta classe figuraram ainda crónicas de várias ordens religiosas, com destaque para as das
províncias franciscanas, obras sobre determinados conventos, tais como a Historia da
Fundação do Real Convento do Louriçal39, e biografias de religiosos de que é exemplo a vida da
Madre Maria do Lado40.
Apenas foi inventariado um manuscrito titulado Postilha de Moral, da autoria do padre
José de Múrcia, com a data de 168241. De referir ainda a existência de cinco espécimes da
autoria de religiosas: Maria de Jesus de Agreda42, Santa Teresa de Jesus43, Abadessa do
Louriçal44 e Madre Maria Clementina45.
O catálogo revelou algumas surpresas, designadamente a ausência de textos legais da
Província. Não deixa de ser estranha a inexistência dos Estatutos da Província de Santo
António, tanto os impressos em 1645 e em 1736, como o manuscrito Modificação dos Estatutos
34 CARDOSO, Jorge. Agiologio lusitano dos sanctos, e varoens illustres em virtude do Reino de Portugal, e suas
conquistas. Lisboa, Oficina Craesbeekiana, 1652, tomo I.
35 MORETI, Louis. El gran diccionario historico, o miscellanea curiosa de la historia sagrada y profana,
traduzido del frances de Luis Moreri con amplissimas adiciones y curiosas invertigaciones relativas à los
Reynos de España y Portugal por Don Joseph de Miravel y Casadevante. Paris, a costa de los Libreros
Previligiados en Leon de Francia, de los Hermanos de Tournes, 1753.
36 JESUS, Rafael (Frei) de. Castrioto Lusitano, parte I, entrepresa, e restauraçaõ de Pernambuco; & das
Capitanías confinantes, varios, e bellicos successos entre portuguezes, e belgas acontecidos pello discurso de
vinte e quatro annos, e tirados de noticias, relaçoes, & memorias certas. Lisboa, António Craesbeeck de
Mello, 1679.
37 O catálogo apenas indica Plínio, Historia Naturalis, 1 tomo em fólio, pelo que é difícil, senão impossível,
identificar com precisão o local de edição, o impressor e o ano em que foi dada à estampa.
38 FERRARIS, Lúcio. Prompta bibliotheca, canonica, juridica, moralis, theologica, nec non ascetica, polemica,
rubricistica, histórica, opera et studio monachorum Ordinis Sancti Benedicti, Bononiae, sed prostant
Venetiis, Apud Franciscum Storti, 1758. FERRARIS, Lúcio. Prompta Bibliotheca canonica, juridica, moralis
theologica, Aditiones I Suplementa. Bononiae, [s.n.], 1763.
39 MONTEIRO, Manuel (Padre). Historia da Fundação do Real Convento do Louriçal de Religiosas Capuchas
Escravas do Santissimo Sacramento, e vida da veneravel Maria do Lado, sua primeira instituidora, e de
algumas Religiosas, que falleceraõ no mesmo Convento com opiniaõ de virtude. Lisboa, Oficina de
Francisco da Silva, 1750.
40 Compendio da admiravel vida da veneravel Madre Maria do Lado, offerecida à Magestade Fidelissima do
Senhor D. Jozé I, Rei de Portugal &c, pela Abbadessa, e Religiosas do convento do Santíssimo Sacramento
do Lourisal. Lisboa, Oficina de Miguel Rodrigues, Impressor do Cardeal Patriarca, 1762.
41 Lisboa, BNP, Reservados, Mss. 2, n.º 4, fls. 17v-18.
42 JESUS De AGREDA, Maria de. Mystica ciudad de Dios, historia divina, y vida de la Virgen Madre de Dios.
Antuérpia, Henrico y Cornelio Verdussen, 1696.
43 JESUS, Teresa (Santa) de. Cartas. [Bruxelas], [Francisco Foppens], 1676; JESUS, Teresa (Santa) de. Obras
de la gloriosa Madre Santa Teresa de Jesus, fundadora de la reforma de la Orden de Nuestra Señora del
Cármen. [Bruxelas], [Francisco Foppens], 1684.
44 Compendio da admiravel vida da veneravel Madre Maria do Lado […].
45 CLEMENTINA, Maria (Madre ). A Preciosa Allegoria Moral. Lisboa, [s.n], 1731.
de 171246. Na categoria dos cerimoniais apenas foi arrolado o Ceremonial Seráfico Romano47,
carecendo o convento do Ceremonial da Provincia de S. Antonio dos Capuchos do Reyno de
Portugal48 e do Ceremonial Reformado49. Tais ausências não foram um exclusivo da livraria de
Nossa Senhora do Cardal. O inventário da biblioteca do convento da Pedreira registou
somente o Ceremonial Reformado50, enquanto o de Penela arrolou meramente um “Estatuto de
São Francisco”51. Já no convento de Santo António de Ponte de Lima, que até 1705 pertencera
à Província de Santo António, entre os vários cerimoniais, contava-se o Ceremonial de frei Luís
de Santa Maria. No que respeita a estatutos era proprietário, entre outros, dos da Província da
Conceição e dos da Província de Santo António dos Capuchos52. No convento de Caminha, que
passara igualmente à Província da Conceição, existia somente o Ceremonial de frei Manuel da
Conceição, o Mestre de Cerimonias53 e os Estatutos da Província da Conceição54.
A maior parte das obras existentes na livraria do Cardal havia sido impressa no século
XVII (49 por cento), seguindo-se as dadas à estampa na centúria seguinte (37 por cento). No
entanto, uma outra análise demonstrou que o maior número de obras presentes na biblioteca
(110) foi editado na primeira metade do século XVIII. Os livros impressos no século XVI,
estavam mais parcamente representados correspondendo a 11 por cento do total da livraria.
O título mais antigo era uma Bibliam em seis tomos do Cardeal Hugo de Santo Caro publicada
46 Estatutos da Provincia de Santo Antonio do Reyno de Portugal, confirmados por Authoridade Apostolica,
tirados de varios Estatutos da Ordem, & da Provincia, acrescentando nelles o que servia para mais
reformaçaõ do instituto da vida Capucha, feitos, & ordenados com o consentimento, & approvação do
Diffinitorio, & Discretorio no Capitulo, que se celebrou nesta Casa de S. Antonio de Lisboa, no anno de 1645.
em que sahio eleito em Provincial o irmaõ Fr. Manoel da Purificaçaõ. [S.l.], [s.n.], 1645; Estatutos da
província de S. Antonio dos Capuchos do reyno de Portugal, feitos em virtude de hum breve do Senhor P.
Urbano VIII, condedido à mesma província por ordem do capitulo provincial celebrado em o Convento de S.
Antonio da Castanheyra aos 22 de Agosto de 1733. Lisboa Ocidental, Oficina da Congregação do Oratório,
1737.
47 CONCEIÇÃO, Manuel (Frei) da. Ceremonial serafico, e romano para toda a Ordem Franciscana, e em
especial para a observancia da provincia dos Algarves. Lisboa Ocidental, Oficina da Musica, 1730.
48 SANTA MARIA, Luís (Frei) de. Ceremonial da Provincia de S. Antonio dos Capuchos do Reyno de Portugal.
Em o qual com toda a clareza se trata do modo & ceremonias, com que se haõ de celebrar os officios
divinos, assim no coro, como no altar. E os maís actos da communidade, exercicios da religiaõ, & custumes
da Provincia conforme os ritos da S. Igreja Romana, decretos apostolicos, & ceremoniaes reformados.
Lisboa, Impressão de Bernardo da Costa de Carvalho, 1696.
49 SÃO JOSÉ, Clemente (Frei) de. Ceremonial Reformado, segundo o Rito Romano e Serafico para o uso dos
Religiosos da Reformada Provinda de Santo António de Portugal. Lisboa, Oficina de Inácio Nogueira Xisto,
1763.
50 RODRIGUES, Alice Correia Godinho. “O Convento de Santo António da Pedreira […]”, p. 199.
51 RODRIGUES, Alice Correia Godinho, RODRIGUES, Manuel Augusto. “O Convento de Santo António de
Penela […]”, p. 106.
52 CARVALHO, José Adriano de Freitas (Dir.). Da Memória dos Livros […], vol. II, pp. 18-19 e 309-310.
53 SÃO LUÍS, António (Frei) de. Mestre de Ceremonias que ensina o rito romano e seraphico aos religiosos da
reformada e real Província da Immaculada Conceição do Reino de Portugal. Lisboa, Miguel Manescal da
Costa, 1766.
54 Estatutos da Província da Conceição no Reyno de Portugal Ordenados e Reformados por Frei Manuel da
Natividade. Coimbra, Oficina de Luís Seco Ferreira, 1735. CARVALHO, José Adriano de Freitas (Dir.). Da
Memória dos Livros […], vol. I, pp. 161, 164 e 166.
em Basileia no ano de 1504, enquanto as obras mais recentes eram a Theologia Morallis de
Alfonso María de Ligorio55 e a Prompta Bibliotheca de Lucio Ferraris56, ambas impressas em
1763.
Gráfico 2
Edições existentes no Convento de Nossa Senhora do Cardal por séculos
s.d XVI
3% 11%
XVIII
37%
XVII
49%
Gráfico 3
Obras impressas segundo o século e a temática
Belas Letras
História
Filosofia
Jurisprudência
Teologia
0 50 100 150
Quadro 1
Principais locais de edição
França 33 10 %
Península Itálica 26 8%
Flandres 18 5%
Império 14 4%
Pese o catálogo não o referir, foi possível apurar o idioma para a quase totalidade dos
títulos. Dos 335 espécimes inventariados, 133 haviam sido escritos em latim, 127 em
português e 65 em castelhano. Não conseguimos identificar a língua em que haviam sido
redigidas dez obras. Excetuando a classe da história onde a percentagem de obras em
português era de 58 por cento, o latim dominava em todas as restantes categorias,
correspondendo a 100 por cento das obras em filosofia, 75 por cento em jurisprudência, 47
por cento em belas letras e 41 por cento em teologia.
Gráfico 4
Obras por Século e Idioma
80
70
60
N.º de obras
50
40
30
20
10
0
séc. XVI Séc. XVII séc. XVIII
Século
século XVIII, a língua portuguesa afirmou-se como a predominante57, facto que não pode ser
desligado da defesa e da valorização do idioma nacional que a centúria de Setecentos
acentuou58.
Não existiam títulos em italiano e em francês, ainda que existissem traduções de obras
naqueles idiomas59. Contabilizámos um total de 15 traduções: sete do castelhano para
português; seis traduções de obras italianas, três para português, duas para castelhano e uma
para latim; e duas traduções de obras em francês, uma vertida em português e outra em
castelhano. A título exemplificativo refira-se a obra do francês Louis Moreri autor do Le Grand
Dictionnaire historique traduzido em espanhol por D. José de Miravel y Casadevante60, ou
ainda a Arte de Bem Morrer traduzida do italiano para o português por António de Vilas Boas e
Sampaio61.
O acervo das bibliotecas, não obstante ser constituído por diversas matérias, detinha
uma ligação evidente com a atividade profissional dos proprietários62. As livrarias
conventuais refletiam idêntica realidade. A dos franciscanos de Caminha possuía mais de 300
títulos de sermões, facto que levou José Adriano de Freitas Carvalho a classifica-la como uma
“biblioteca para pregadores”, referindo que as livrarias das Casas religiosas masculinas,
sobretudo as que não eram casas de estudo, eram formadas na maioria dos casos para o
estudo dos pregadores63. Já a biblioteca do convento de Santo António de Ponte de Lima
parece ter sido uma biblioteca de casa de estudos e formação, não obstante possuir uma
percentagem considerável de sermões64.
No catálogo da livraria do convento do Cardal foram registados 77 títulos de sermões
em 165 tomos o que corresponde a 22,9 por cento dos títulos da biblioteca e 29,4 por cento
dos títulos que compunham a secção de teologia. Se a estes juntarmos os 13 títulos de obras
consagradas à prédica a percentagem sobe para 26,8 e 34,5 por cento, respetivamente. Dado
57 Caso semelhante ocorreu na biblioteca do Convento da Arrábida onde a percentagem de obras em latim
foi decaindo com o passar dos séculos, cf. ROCHA, Ilídio. “A Livraria do […]”, pp. 192-193.
58 Cf. BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond. “As Realidades […]”, pp. 469-479.
59 A respeito das traduções cf. BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond. “As Realidades […]”, pp. 479-480.
60 MORERI, Louis. El gran diccionario histórico […].
61 Arte de Bem Morrer, industrias para fazer huma boa morte. Tradução de António de Vilas Boas e Sampaio.
Coimbra, José Ferreira, 1685. Diogo Barbosa Machado na Bibliotheca Lusitana, vol. 1, pp. 427-428 não
referiu o nome do autor da obra, mencionado somente o nome do tradutor. No catálogo da livraria do
convento do Cardal a obra é atribuída ao padre Júlio César, cf. Lisboa, BNP, Reservados, Mss. 2, n.º 4., fls.
2v.-3.
62 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A Cultura Luso-Brasileira. Da reforma da Universidade à independência do
Brasil. Lisboa, Editorial Estampa, 1999, pp. 129-133. Um exemplo pode ser encontrado na biblioteca que
Jorge Cardoso reuniu para elaboração da sua obra, cf. FERNANDES, Maria de Lurdes Correia. A Biblioteca
de Jorge Cardoso (1669), autor do Agiológio Lusitano, Cultura, Erudição e Sentimento Religioso no Portugal
Moderno. Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2000.
63 CARVALHO, José Adriano de Freitas (Dir.). Da Memória dos Livros […] vol. I, p. XXIII.
64 CARVALHO, José Adriano de Freitas (Dir.). Da Memória dos Livros […], vol. II, pp. 11-12.
que os exemplares duplicados são caso singular na livraria em estudo, não deixa de ter algum
significado a presença de dois espécimes da Pancarpia de António Lopes Cabral, o que reforça
a importância que a sermonária detinha neste espaço65. Se aos títulos de sermões juntarmos
as bíblias e comentários, as obras de Padres da Igreja e os textos de espiritualidade temos
aquilo que Federico Palomo referiu como sendo o núcleo básico do acervo literário dos
pregadores66. Podemos, pois, afirmar que a livraria em análise destinava-se ao uso dos
pregadores67 o que, de resto, era válido para a quase totalidade das bibliotecas das casas
religiosas masculinas.
3. O catálogo da livraria do convento do Cardal deu conta de 335 títulos, sendo que 79
por cento dos mesmos integravam a classe da teologia. O estudo do inventário revelou que as
edições existentes eram na sua maioria anteriores à fundação do convento, que Portugal foi o
principal local de edição das mesmas, seguido de Espanha, e que a língua portuguesa foi
ganhando importância face a outros idiomas, dominando entre as edições do século XVIII. O
documento evidenciou ainda a falta de textos legais da Província. Os títulos arrolados não
compreenderiam com toda a certeza a totalidade dos livros existentes no convento uma vez
que fora da biblioteca existiam outras obras de pouca “sustancia, & não accomodados às
livrarias, como são alguns de devoção, ou outros pequenos de outras materias”68. De igual
forma, podiam ser encontrados manuscritos nas celas dos pregadores, já que estes estavam
autorizados a possuir um armário ou gaveta para o efeito69. Em pouco mais de um século de
existência o convento em apreço tornou-se proprietário de uma pequeníssima livraria em que
a sermonária ocupou um lugar de destaque entre as obras conservadas. A formação contínua
e estudo dos pregadores eram deveras importantes, não tivesse sido a pregação um dos
principais instrumentos de doutrinação, assumindo um papel crucial no disciplinamento dos
fiéis.
65 No catálogo, não obstante tratar-se da mesma obra, as entradas foram registadas de diferentes formas:
uma com o título de Sermões, Lisboa, 1694 e outra com o título de Pancarpia, Lisboa, 1694. A propósito
da singularidade dos exemplares repetidos de uma mesma obra, convém referir que os estatutos
ordenavam “que os que ouver dobrados nas Cazas, se repartão pelas que estiverem faltas delles”.
Procurava-se por este meio evitar custos com o transporte dos livros levados pelos pregadores, cf.
Estatutos da Provincia de Santo Antonio […], 1673, pp. 24-25.
66 PALOMO, Federico. A Contra-Reforma em Portugal 1540-1700. Lisboa, Livros Horizonte, 2006, pp. 79-80.
67 Esta parece ter sido uma constante nas livrarias da Província, tanto mais que “o Pregador more sempre
na livraria, & tomarà entrega della pelo inventario, fazendo por escrito termo de acceitação que assinará
com o Prelado, & Discretos […]”, Estatutos da Provincia de Santo Antonio […], 1673, pp. 25 e 88.
68 Estatutos da Provincia de Santo Antonio […], 1673, p. 89.
69 Estatutos da Provincia de Santo Antonio […], 1673, p. 25.