Universidade de Brasília
Instituto de Letras
Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas – LIP
LARYSSA MARTINS OLIVEIRA
SOBRE O CONCEITO E ENSINO DE GRAMÁTICA NO CURRÍCULO EM MOVIMENTO
(2020): UMA ANÁLISE COMPARATIVA
Brasília – DF
2021
LARYSSA MARTINS OLIVEIRA
SOBRE O CONCEITO E ENSINO DE GRAMÁTICA NO CURRÍCULO EM MOVIMENTO
(2020): UMA ANÁLISE COMPARATIVA
Trabalho de conclusão de curso
apresentado ao Departamento de
Linguística, Português e Línguas
Clássicas como requisito parcial à
obtenção do título de Licenciatura em
Letras.
Professora Orientadora: Doutora Eloisa
Nascimento Silva Pilati
Brasília,
2021
Dedico este trabalho a todos que contribuíram
direta e indiretamente para minha formação
acadêmica.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pela vida, pela saúde e por ter me sustentado em todos os momentos
para que eu finalizasse este ciclo em minha vida.
Agradeço à minha família: Meu pai, Lays, Layany e Clau, que foram minha base e
motivação. Agradeço em especial à minha mãe que tanto se sacrificou para que a
educação fosse uma prioridade em minha vida. Mãe, muito obrigada.
Ao meu esposo, minha eterna parceria e apoio, que compartilhou comigo a aventura e
desafio que é estudar na Universidade de Brasília..
Agradeço a todos amigos que fiz nessa jornada e aos professores que marcaram minha
vida acadêmica, em especial à querida professora e pesquisadora Eloisa Pilati, que me
mostrou que é possível ensinar com amor e empatia.
Por fim, agradeço de todo meu coração à Universidade de Brasília por disponibilizar
uma educação gratuita de qualidade inquestionável.
Quando o homem compreende a sua realidade, pode levantar
hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar
soluções. Assim pode transformá-la e com seu trabalho pode
criar um mundo próprio: seu eu e suas circunstâncias.
Paulo Freire, 1979.
RESUMO
Este trabalho tem o objetivo analisar a proposta para Língua Portuguesa, presente
na última versão do Currículo em Movimento do Distrito Federal, publicada em 2020,
verificando a abordagem dos conceitos estruturais da área, como língua, linguagem
e ensino de gramática, buscando evidenciar o embasamento linguístico e
pedagógico da proposta do Distrito Federal. Para tanto, a pesquisa estabelece
comparação entre dois outros documentos de referência: a Base Nacional Comum
Curricular (2019) e o documento português Aprendizagens Essenciais (documento
oficial que define as aprendizagens essenciais a serem garantidas em Portugal para
a educação básica elaborado em 2018).
Palavras-chave: Gramática; linguística; novo ensino médio.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 8
1 BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR 10
1.1 Língua Portuguesa para o ensino fundamental na Base Nacional Comum
Curricular 13
1.2 Língua Portuguesa para o ensino médio na Base Nacional Comum Curricular
16
2 O CURRÍCULO EM MOVIMENTO DO DISTRITO FEDERAL 19
2.1 Língua Portuguesa para o ensino médio 20
2.2 Objetivos de aprendizagem no Currículo em Movimento para Língua
Portuguesa 22
3 APRENDIZAGENS ESSENCIAIS PARA O ENSINO MÉDIO EM PORTUGAL 31
3.1 Objetivos para o ensino de Língua Portuguesa 32
CONSIDERAÇÕES FINAIS 36
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 38
8
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem o objetivo analisar a proposta para Língua Portuguesa,
presente na última versão do Currículo em Movimento do Distrito Federal, publicada
em 2020,verificando a abordagem dos conceitos estruturais da área, como língua,
linguagem e ensino de gramática, buscando evidenciar o embasamento linguístico e
pedagógico da proposta do Distrito Federal. Para tanto, a pesquisa estabelece
comparação entre dois outros documentos de referência: a Base Nacional Comum
Curricular (2019) e o documento português Aprendizagens Essenciais (documento
oficial que define as aprendizagens essenciais a serem garantidas em Portugal para
a educação básica).
Considerada como componente obrigatório em todas as etapas da educação
básica, a área de Língua Portuguesa assume papel fundamental para o ensino
básico, não apenas por ser um componente obrigatório, mas por ser essencial para
o desenvolvimento de habilidades em outras áreas do conhecimento, tendo em vista
que é por meio do uso da língua, falada ou escrita, que nos expressamos como
cidadãos. Diante disso, é essencial que a proposta curricular seja capaz de
proporcionar ao aluno o desenvolvimento da consciência linguística e um
conhecimento explícito da estrutura da língua portuguesa.
O Currículo em Movimento foi elaborado pela Secretaria de Educação do
Distrito Federal e teve sua última versão publicada em 2020 e foi elaborado de
maneira colaborativa entre voluntários especializados da área de educação no
Distrito Federal. Devido a sua recente publicação, o documento ainda não está
sendo utilizado em todas as escolas públicas do Distrito Federal, porém tem sido
implementado através de projetos pilotos em algumas escolas selecionadas da
região.
Diante da proposta da Secretária de Educação do Distrito Federal, o ensino
médio em Brasília passará por grandes mudanças, pois adotará um sistema mais
flexível de ensino, que levará em consideração os itinerários formativos e o projeto
9
de vida que proporcionarão ao aluno a possibilidade de maior autonomia. Ademais,
uma grande mudança para o aluno e professores é a quebra tradicional do
sequenciamento do ensino médio, que antes era trabalhado em primeiro, segundo e
terceiro ano, essa sequência deixará de existir e o ensino médio passará a ser
trabalhado por semestres.
Logo, produzir uma análise sobre o atual Currículo em Movimento do Distrito
Federal se faz necessária para avaliar a qualidade da proposta e o quão eficaz ela
será para o ensino de Língua Portuguesa e quais serão seus impactos. Com base
nessa necessidade, este trabalho terá como objetivo apresentar a qualidade da
proposta, trazendo aspectos de cada documento sobre o ensino de Língua
Portuguesa.
O trabalho foi dividido em três partes, que foram dedicadas à apresentação da
proposta para Língua Portuguesa dos seguintes documentos: Base Nacional
Comum Curricular, Currículo em Movimento e as Aprendizagens Essenciais de
Portugal.
De acordo com Michael Young, as escolas devem perguntar: “Este currículo é
um meio para que os alunos possam adquirir conhecimento poderoso?” (Young,
2007, p. 1297). Diferente do conhecimento dos poderosos que detém o
conhecimento, o conhecimento poderoso seria o conhecimento especializado e
aplicável e é na escola onde o aluno tem acesso a esse tipo de conhecimento, o
qual raramente teria acesso em casa.
Por esse motivo, a proposta curricular deve fornecer a possibilidade de um
conhecimento poderoso, trazendo aos alunos a aquisição de habilidades em todas
as áreas do conhecimento e não servindo apenas como um documento de consulta
da gestão escolar e professores, mas uma ferramenta fundamental para a educação
básica.
10
1 A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR
Em 20 de dezembro de 1996, foi publicada a Lei 9.394 que no artigo 26
regulamenta uma base comum para a educação básica no Brasil. Porém, é apenas
em 2014 que se inicia uma mobilização pela criação da Base Nacional Comum
Curricular, que teve sua primeira versão publicada em 2015. Após a primeira
publicação, a BNCC passou por três reformulações, a segunda em 2016 e a terceira
e atual versão, homologada em 14 de dezembro de 2018.
A Base Nacional Comum Curricular, elaborada por especialistas das diversas
áreas do conhecimento, visa alinhar e nortear os currículos dos sistemas e redes de
ensino das Unidades Federativas, conforme definido na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996):
Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do
ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em
cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade,
da cultura, da economia e dos educandos.
Segundo o site oficial da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), 1“A Base
estabelece conhecimentos, competências e habilidades esperadas que todos os
estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade básica.” Dessa forma, a fim de
atingir uma maior equidade e garantir um patamar comum no ensino básico do
Brasil, a BNCC elencou dez competências gerais a serem alcançadas por cada
aluno durante as três etapas da Educação Básica (Ensino infantil, ensino
fundamental e ensino médio).
Para a BNCC, a competências são definidas como “a mobilização de
conhecimentos (conceitos e procedimentos)” (Brasil, 2018 p.8). Já as as habilidades
1 Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: Educação é a base. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/, Acesso em 5 de abril de 2021.
11
“expressam as aprendizagens essenciais que devem ser asseguradas aos alunos
nos diferentes contextos escolares. Para tanto, elas são descritas de acordo com
uma determinada estrutura” (Brasil, 2018, p. 29).
Dessa forma, em cada área do conhecimento são elencadas aprendizagens
essenciais que deverão ser trabalhadas visando atingir as dez competências abaixo:
Competências gerais da educação básica
1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o
mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade,
continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa,
democrática e inclusiva.
2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências,
incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a
criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e
resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos
conhecimentos das diferentes áreas
3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às
mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-
cultural.
4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e
escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das
linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e
produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.
5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação
de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais
(incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações,
produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria
na vida pessoal e coletiva.
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de
conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações
próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da
cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência
crítica e responsabilidade.
12
7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular,
negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem
e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo
responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em
relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,
compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e
as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação,
fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos
humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de
grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem
preconceitos de qualquer natureza.
10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade,
resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos,
democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
Fonte: Base Nacional Comum Curricular. (Brasil, 2018, p. 9-10)
Além das dez competências gerais, cada uma das quatro áreas do
conhecimento (Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias,
Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas)
estabelecem competências específicas que devem ser desenvolvidas ao longo do
ensino médio. Dessa maneira, as decisões pedagógicas tomadas pela gestão
escolar ou pelo professor, devem estar inclinadas para o desenvolvimento dessas
competências, tanto as competências gerais quanto as competências específicas.
A Base Nacional Comum Curricular fornece quais objetivos espera alcançar
de maneira geral, sendo o maior deles a superação de um ensino fragmentado e
desigual no Brasil. Além disso, é possível afirmar que o documento proporciona a
possibilidade de uma educação com foco na autonomia para a elaboração de
currículos, na flexibilidade e na diversidade, que são aspectos essenciais para uma
base comum em um país multicultural e de tão vasto território geográfico como o
Brasil.
13
1.1 Língua Portuguesa para o ensino fundamental na Base Nacional Comum
Curricular
Para analisarmos o componente de Língua Portuguesa para o ensino médio,
é necessário realizar também algumas considerações referente à proposta da BNCC
para o ensino fundamental. Logo no início da proposta para o ensino fundamental, o
documento define o que seria a linguagem, utilizando-se da mesma perspectiva dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), para os quais a linguagem é “uma forma
de ação interindividual orientada para uma finalidade específica; um processo de
interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes numa sociedade, nos
distintos momentos de sua história” (BRASIL, 1998, p. 20).
Dessa maneira, a BNCC trabalhará o componente de Língua Portuguesa de
forma a “relacionar os textos a seus contextos de produção e o desenvolvimento de
habilidades ao uso significativo da linguagem em atividades de leitura, escuta e
produção de textos em várias mídias e semioses.” (Brasil 2018, p.67)
A proposta de trabalhar os componentes de Língua Portuguesa considerando
a perspectiva de que a linguagem é um processo que se realiza nas práticas sociais
e é fundamental para que o aluno possa não apenas compreender os recursos
linguísticos e textuais, mas saber como e onde aplicá-los.
Ao componente Língua Portuguesa cabe, então, proporcionar aos
estudantes experiências que contribuam para a ampliação dos letramentos,
de forma a possibilitar a participação significativa e crítica nas diversas
práticas sociais permeadas/constituídas pela oralidade, pela escrita e por
outras linguagens.” (Brasil, 2018, p. 67)
Com base na proposta para o ensino fundamental, é possível afirmar que o
ensino de gramática estará voltado não apenas para a aquisição dos conhecimentos
sobre o funcionamento da língua, mas sobretudo na aplicação desses
conhecimentos em diversos contextos sociais visando ampliar a capacidade dos
alunos na aplicação da língua.
Outro aspecto importante da proposta para o ensino fundamental é a
utilização de eixos de integração para o ensino de Língua Portuguesa que são:
“oralidade, leitura/escuta, produção [...] e análise linguística/semiótica (que envolve
14
conhecimentos linguísticos – sobre o sistema de escrita, o sistema da língua e a
norma-padrão [...]” (Brasil, 2018, p. 71)
No ensino fundamental, a proposta no âmbito da gramática aborda os
aspectos sintáticos apenas dentro do nível do cognitivo da memorização e do
conhecimento mais básico, como no exemplo abaixo retirado dos objetivos
gramaticais em sintaxe:
Quadro 1: Sintaxe
Conhecer e analisar as funções sintáticas (sujeito, predicado, objeto, modificador etc.).
Conhecer e analisar a organização sintática canônica das sentenças do português do Brasil e relacioná-la
à organização de períodos compostos (por coordenação e subordinação).
Conhecer e analisar a organização sintática canônica das sentenças do português do Brasil e relacioná-la
à organização de períodos compostos (por coordenação e subordinação).
Perceber a correlação entre os fenômenos de concordância, regência e retomada (progressão temática –
anáfora, catáfora) e a organização sintática das sentenças do português do Brasil.
Fonte: Base Nacional Comum Curricular (2018, p. 83).
No quadro apresentado, os conhecimentos ficam no nível do conhecimento e
da percepção, que são níveis adequados ao ensino fundamental onde os alunos
ainda não tiveram contato com os conhecimentos abordados. Dessa forma, os
conhecimentos acima devem ser trabalhados de forma aprofundada no ensino
médio, para que aluno não tenha como conhecimento apenas aquilo que foi
trabalhado no ensino fundamental.
No eixo referente à análise linguística/semiótica, há a preocupação de
trabalhar aspectos da língua durante todo o ensino fundamental, possibilitando a
reflexão sobre a língua e seus fenômenos. Além dos conhecimentos linguísticos
grafofônicos, ortográficos, lexicais, morfológicos, sintáticos, textuais, discursivos,
sociolinguísticos e semióticos serem trabalhados durante todo o ensino fundamental,
eles deverão ser operados em todos os campos de atuação abaixo:
1 Campo da vida pessoal (Trabalhado apenas no ensino médio)
2 Campo artístico-literário;
3 Campo das práticas de estudo e pesquisa;
15
4 Campo jornalístico-midiático;
5 Campo de atuação na vida pública.
Os campos de atuação apresentados na BNCC são uma das maiores
mudanças para o ensino de Língua Portuguesa, que antes se organizava em Língua
Oral, Língua Escrita e Análise e Reflexão sobre a língua, divisão utilizada pelos
PCNs. Os campos de atuação têm como objetivo contextualizar o ensino em cada
área do conhecimento e proporcionar o protagonismo dos alunos. A BNCC dessa
forma estabelece uma forma específica de trabalhar os componentes em Língua
Portuguesa, de forma a refletir sobre seu uso e suas possibilidades, trazendo ao
aluno a capacidade de se empoderar do uso da língua nas diversas esferas sociais.
1.2 Língua Portuguesa para o ensino médio na Base Nacional Comum Curricular
Como resultado da proposta para o ensino fundamental, a proposta para o
ensino médio parte da afirmação de que os alunos já possuem condições de
“participar de forma significativa de diversas práticas sociais que envolvem a
linguagem, pois, além de dominarem certos gêneros textuais/ discursivos que
circulam nos diferentes campos de atuação social” (Brasil, 2018, p.498).
Na seção anterior, vemos que de fato a proposta para o ensino fundamental
proporciona ao aluno a possibilidade de um ensino sobre a língua de forma reflexiva
e prática, além de fornecer ao professor estratégias para possibilitar a autonomia e
protagonismo aos alunos. Dessa maneira, o ensino médio tem como dever o
aprofundamento dos aspectos da língua trabalhados no ensino fundamental, por
esse motivo, é essencial que a proposta para o ensino médio esteja alinhada à
proposta do ensino fundamental.
O aprofundamento das habilidades a ser realizado no ensino médio deve ser
feito de forma a considerar todos os níveis de aprendizagens antes não trabalhos no
ensino fundamental, levando ao aluno a compreensão de que todas esses níveis
são utilizados nas práticas sociais fora da escola, desde as cotidianas ou as que o
aluno ainda não está inserido, porém requerem um nível de habilidade linguística
mais avançado. Podemos citar como exemplos a criação de conteúdos digitais,
16
discursos e produção textual.
Uma vez que muitas habilidades já foram desenvolvidas e um grau de
autonomia relativo às práticas de linguagem consideradas já foi alcançado,
as habilidades passam a ser apresentadas no Ensino Médio de um modo
próximo ao requerido pelas práticas sociais, muitas vezes misturando, ao
mesmo tempo, escuta, tomada de nota, leitura e fala. (Brasil, 2018, p. 501)
Adicionalmente, o documento também define a progressão das habilidades,
essencial para que o ensino de Língua Portuguesa possa ser trabalhado seguindo
os níveis de aprendizagens adequados.
Diferentemente da proposta para o ensino fundamental, no ensino médio há
uma maior complexidade nos objetivos propostos para a área de Língua Portuguesa,
pois já não há mais o nível da apresentação e conhecimento, mas níveis mais
complexos como análise e produção. O quadro abaixo apresenta esses exemplos:
Quadro 2: Habilidades - Leitura, escuta, produção de textos (orais, escritos, multissemióticos) e análise
linguística/semiótica
(EM13LP34) Produzir textos para a divulgação do conhecimento e de resultados de levantamentos e
pesquisas – texto monográfico, ensaio, artigo de divulgação científica, verbete de enciclopédia (colaborativa
ou não), infográfico (estático ou animado), relato de experimento, relatório, relatório multimidiático de
campo, reportagem científica, podcast ou vlog científico, apresentações orais, seminários, comunicações em
mesas redondas, mapas dinâmicos etc. –, considerando o contexto de produção e utilizando os
conhecimentos sobre os gêneros de divulgação científica, de forma a engajar-se em processos significativos
de socialização e divulgação do conhecimento.
(EM13LP27) Engajar-se na busca de solução para problemas que envolvam a coletividade, denunciando o
desrespeito a direitos, organizando e/ou participando de discussões, campanhas e debates, produzindo
textos reivindicatórios, normativos, entre outras possibilidades, como forma de fomentar os princípios
democráticos e uma atuação pautada pela ética da responsabilidade, pelo consumo consciente e pela
consciência socioambiental.
Fonte: Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2018, p. 514-518)
Apesar do documento trabalhar com um nível maior de complexidade na
elaboração das habilidades para a área de Língua Portuguesa, os conhecimentos
sobre análise aspectos linguísticos/gramaticais só foram localizados em uma
habilidade dentro de todos os campos de atuação:
17
(EM13LP10) Analisar o fenômeno da variação linguística, em seus
diferentes níveis (variações fonético-fonológica, lexical, sintática, semântica
e estilístico-pragmática) e em suas diferentes dimensões (regional, histórica,
social, situacional, ocupacional, etária etc.), de forma a ampliar a
compreensão sobre a natureza viva e dinâmica da língua e sobre o
fenômeno da constituição de variedades linguísticas de prestígio e
estigmatizadas, e a fundamentar o respeito às variedades linguísticas e o
combate a preconceitos linguísticos. (Brasil, 2018, p.508)
A falta de habilidades relacionadas à gramática e ao conhecimento linguístico
é preocupante para a formação do aluno no ensino médio, pois mesmo que alguns
conhecimentos gramaticais tenham sido trabalhados no ensino fundamental, sem
continuidade no ensino não há eficácia. Não há como o aluno conseguir o
aprofundamento esperado dentro dos campos de atuação quando conhecimentos
essenciais deixaram de ser trabalhados na proposta para o ensino médio.
O documento prioriza a formação voltada para o ensino de Língua Portuguesa
de forma autônoma, crítica e consciente dos processos linguísticos, que consiga
produzir textos, participar de debates e compreender textos científicos. No entanto,
essas habilidades são dificilmente alcançadas quando o aluno não possui o
conhecimento adequado sobre a estrutura de sua própria língua. Para que o aluno
consiga produzir textos com um maior nível de complexidade, é imprescindível que
ele tenha tido acesso aos conhecimentos sobre os aspectos sintáticos e lexicais,
minimamente.
Portanto, apesar da Base Nacional Comum Curricular apresentar habilidades
importantes no ensino fundamental para o aprendizado em gramática, não promove
a continuidade do desenvolvimento dessas habilidades no ensino médio. Dessa
maneira, não há como desassociar as propostas das duas etapas de ensino, pois
ambas devem culminar para o mesmo fim: a aquisição das aprendizagens e
competências essenciais ao aluno de forma continuada.
Além disso, o documento traz pouco conteúdo referente à conceituação e
aspectos estruturais sobre língua, o que resulta na incompletude em ambas as
propostas para Língua Portuguesa (Ensino fundamental e médio), pois não
contemplam de forma clara os conceitos como língua e gramática, apenas recorrem
à uma breve citação sobre o que seria a linguagem de acordo com os PCN’S
18
(Parâmetros Curriculares Nacionais) e não proporcionam o aprofundamento nas
habilidades essenciais para que o aluno compreenda a estrutura do português em
seus diversos níveis.
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2 O CURRÍCULO EM MOVIMENTO DO DISTRITO FEDERAL
No Distrito Federal, após a homologação da Base Nacional Comum
Curricular, em 2018, houve o movimento de revisitação do Currículo em Movimento,
que passou por 3 versões e consultas públicas, até chegar à versão de caráter
definitivo publicada em 2020.
Diferentemente da Base Nacional Comum Curricular, o currículo não traz
aprendizagens e competências gerais a serem alcançadas, pois esses dois aspectos
já são contemplados pela BNCC. O propósito dos currículos é a adequação e
contextualização do que é proposto pela base, levando em consideração a
especificidade de cada contexto social em cada região. Além disso, é a partir do
Currículo em Movimento que serão elaborados projetos pedagógicos e os planos de
aula dos professores no Distrito Federal.
Com base nos princípios da BNCC, o currículo do Distrito Federal foi dividido
entre formação geral básica e itinerários formativos, visando atingir as competências
e habilidades propostas na base.
Assim como elencado na BNCC, as áreas consideradas como formação geral
básica são: Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias,
Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
Todas essas áreas juntas terão uma carga horária de até 1.800 horas. Já os
itinerários formativos deverão ser trabalhados em até 1.200 horas. Conforme
previsto pela BNCC, esses itinerários têm como objetivo a flexibilização da oferta na
etapa do ensino médio.
No Currículo em Movimento do Ensino Médio, as áreas de conhecimento
estão estruturadas em torno de unidades temáticas e objetivos de
aprendizagens interdisciplinares, que instigam e motivam o trabalho docente
20
de forma cooperativa e dialógica.” (BRASÍLIA, 2020, p.43)
Segundo o Currículo em Movimento (2020), a educação contemporânea
passa por grandes desafios e um deles é compreender a educação não mais como
algo voltado para a organização da sociedade, mas voltada também para a
singularidade de cada aluno. Portanto, a organização do currículo e os objetivos
propostos valorizam a construção de um pensamento crítico, colaborativo, que
promova a cidadania e empatia.
2.1 Língua Portuguesa para o ensino médio
Obrigatória em todas as etapas da educação básica, a Língua Portuguesa
está elencada dentro da área de Linguagens e suas Tecnologias. O ensino de
Língua Portuguesa foi dividido em seis unidades temáticas e além de ser
considerado obrigatório, é considerado também como aprendizagem essencial para
que o aluno seja capaz de inserir o conhecimento sobre a língua e suas facetas em
todos os contextos sociais.
Espera-se, assim, que a comunidade escolar envolvida no processo de
ensino e aprendizagem visualize a Língua Portuguesa como um meio para o
ensino e o aperfeiçoamento no uso da língua em âmbitos variados: na vida
cotidiana; no projeto de vida; no protagonismo; nos cenários cultural, social
e ambiental; na arte e literatura; e em e para os Direitos Humanos.
(BRASÍLIA, 2020 p.48)
Em relação à estruturação do ensino de Língua Portuguesa, o Currículo em
Movimento traz a importância de trabalhar as práticas de linguagens, adquiridas na
leitura, produção textual, oralidade e análise linguística e semiótica. Segundo a
proposta do currículo, é a partir do desenvolvimento das práticas de linguagens que
o aluno pode alcançar uma formação sobre conhecimentos sobre a língua e suas
possibilidades.
A proposta do Currículo em Movimento também traz um conceito sobre a
língua. De acordo com o documento, “o ensino de língua corresponde ao saber
intuitivo que todo falante tem de sua própria língua, a qual tem sido chamada de
gramática internalizada” (Brasília, 2020, p.47).
21
Nesta definição, percebe-se uma relação incompleta com a teoria gerativista
de Noam Chomsky, que considera o conhecimento linguístico como um
conhecimento internalizado, onde a gramática universal (GU) seria o estado inicial
da linguagem que proporciona qualquer ser humano de adquirir uma língua a partir
do momento em que é exposto a uma.
Resumidamente, de acordo com a teoria gerativa (Chomsky, 1965), temos o
conhecimento internalizado como uma competência e o uso concreto da língua para
o desenvolvimento de habilidades linguísticas mais complexas como desempenho.
Com base nos conceitos gerativistas sobre aquisição de língua, pode-se afirmar que
a língua não é um saber intuitivo, mas sim uma competência inata em todo ser
humano. Portanto, apesar da pequena relação com o conceito do inatismo na teoria
gerativa, não há como considerar que o saber intuitivo da língua seja equivalente a
gramática internalizada (GU).
Após a conceituação sobre língua, o documento traz o papel do professor no
ensino de Língua Portuguesa, “cabe ao professor de Língua Portuguesa trabalhar
não apenas os ditames gramaticais, mas facilitar a inserção dos estudantes na
vivência cotidiana dos processos comunicativos, multiculturais e multissemióticos.”
(Brasília, 2020 p.47)
A proposta para Língua Portuguesa no currículo tem como objetivo ir além do
ensino tradicional de gramática voltada apenas para as regras gramaticais. Porém,
não há como facilitar a inserção dos estudantes na vivência cotidiana de processos
comunicativos, uma vez que o aluno já está inserido nesse contexto enquanto
falante da língua. O papel do professor não seria de facilitar a inserção nesses
processos (comunicativos, multiculturais e multissemióticos), mas proporcionar o
desenvolvimento de habilidades que o façam compreender estes processos e a
utilização deles.
Logo, se há o objetivo de se afastar do tradicional ensino de Língua
Portuguesa em que apenas se trabalha conceitos gramaticais, é necessário
aprofundar a proposta dentro da perspectiva de que o aluno já possui uma gramática
adquirida. Sobre isso, Lúcia Lobato afirma:
22
Se adotamos o conceito de gramática como algo dinâmico, interno ao
indivíduo e dotado de propriedades que explicam a característica criativa
das línguas naturais, vemos que o aluno, de qualquer série, já chega em
sala de aula com uma gramática adquirida, e com propriedades tais que lhe
permitem o uso criativo da língua. A escola não vai, portanto, ensinar
gramática ao aluno, pois o aluno já chega com uma gramática adquirida.
(LOBATO, 2015, p.19)
Em seguida, além de não aprofundar qual seria o papel ou papéis a serem
desempenhados, o documento aborda o desenvolvimento de habilidades que não
são papéis do educador de Língua Portuguesa desenvolver, como: “é necessária,
também, uma abordagem das habilidades com foco na educação das emoções, ou
seja, a promoção de um pensamento autônomo dos estudantes e suas
potencialidades, no intuito de promover o desenvolvimento de competências
cognitivas e socioemocionais.” (Brasília, 2020, p.48)
O papel de desenvolver competências cognitivas e socioemocionais não é
papel do professor de Língua Portuguesa, essas competências apesar de serem
essenciais para a formação do aluno, não devem ter suas responsabilidades
atribuídas para o professor que não possui habilidades específicas para trabalhar
esses aspectos. A educação das emoções é papel da escola de forma geral,
sobretudo da equipe psicopedagoga que possui formação e habilidades voltadas
para este fim.
2.2 Objetivos de aprendizagem no Currículo em Movimento para Língua
Portuguesa
Nesta seção apresentaremos alguns domínios apresentados no Currículo em
Movimento para a área de Língua Portuguesa no aspecto linguístico/gramatical.
Cada domínio apresentado possui um nível de habilidade diferente que visa garantir
aprendizagens essenciais no ensino de Língua Portuguesa.
Para analisarmos os domínios aqui apresentados, utilizaremos a taxonomia
de Bloom para classificá-los. A taxonomia de Bloom (1956) se tornou uma
23
ferramenta importante, pois proporciona a possibilidade de definir níveis e objetivos
de aprendizagens em diversas áreas do conhecimento.
A taxonomia trouxe a possibilidade de padronização da linguagem no meio
acadêmico e, com isso, também novas discussões ao redor dos assuntos
relacionados à definição de objetivos instrucionais. Neste contexto,
instrumentos de aprendizagem puderam ser trabalhados de forma mais
integrada e estruturada, inclusive considerando os avanços tecnológicos
que podiam prover novas e diferentes ferramentas para facilitar o processo
de ensino e aprendizagem. (FERRAZ, BELHOT, 2010, p.3)
Na taxonomia de Bloom, há a definição de 6 níveis de aprendizagem, sendo
eles: Lembrar, entender, aplicar, analisar, avaliar e criar. Quando utilizamos os níveis
de aprendizagem da taxonomia de Bloom para avaliarmos um currículo ou proposta
pedagógica, podemos verificar se tal proposta ou currículo são adequados ou não
para um determinado nível cognitivo, de acordo com idade e etapa escolar.
Buscando aprofundar a análise da proposta do Currículo em Movimento,
foram analisados todos os objetivos para Língua Portuguesa no ensino médio,
verificando como cada um se adequa aos objetivos educacionais da taxonomia de
Bloom. Ao todo, trinta objetivos foram analisados com o intuito de verificarmos o
quão adequados para os alunos do ensino médio.
Quadro 1:
Domínio cognitivo Aparição na proposta para Língua
Portuguesa
Nível 1 - Memorização 2
Nível 2 - Compreensão 2
Nível 3: Aplicação 5
Nível 4: Análise 14
Nível 5: Avaliação 7
Fonte: Currículo em Movimento, Brasília, 2020
O nível 1 (memorização, definição, etc) aparece apenas em 2 dos objetivos, o
que demonstra que aparentemente não serão apresentados conhecimentos novos
que exijam esse nível cognitivo.
24
Quadro 2 - Objetivos voltados para o nível da memorização
LGG05FG Reconhecer diferentes contextos e práticas de produção musical, tradicionais e
contemporâneas, a fim de aprofundar e experimentar noções estéticas, linguísticas da música com
elementos da linguagem musical, notação e registro; estudando as influências de outras culturas no
contexto artístico, literário e musical brasileiro.
LGG07FG Identificar as produções e manifestações artístico-visuais de diferentes tempos e espaços,
associando-as à contemporaneidade e às suas linguagens e tecnologias (grafismos, escritos,
desenho, pintura, escultura, gravura, fotografia, cinema, audiovisual) para desenvolver o repertório
estético, a dimensão e a fricção cultural, histórica e hodierna das visualidades artísticas (texto,
imagem, som, oralidade, corpo) e suas distintas formas de letramentos e multiletramentos,
fortalecendo o senso crítico.
Fonte: Currículo em Movimento, Brasília, 2020.
Após os objetivos voltados para memorização, percebe-se que apenas 2
objetivos estão voltados para a compreensão, nível cognitivo essencial para a
continuidade do processo de aprendizagem que é construído no ensino
fundamental.
Quadro 3 - Objetivos voltados para o nível da compreensão
LP13FG Distinguir as partes constituintes dos diversos gêneros textuais argumentativos e expositivos
(assim como seus recursos de coesão e coerência), proporcionando a elaboração da argumentação
para o desenvolvimento crítico relacionada aos direitos individuais e coletivos.
LP03FG Selecionar os recursos fonéticos e fonológicos relacionados aos aspectos morfológicos e
semânticos, consoante à posição do enunciador em relação à intencionalidade do texto,
proporcionando maior criticidade nos mais variados contextos para a produção linguística e
literária.
Fonte: Currículo em Movimento, Brasília, 2020.
Já o nível da aplicação, aparece 5 vezes, o que é considerado pouco, pois no
ensino médio deve haver a aplicação dos conhecimentos que estão sendo
trabalhados durante todo o ensino fundamental de maneira à proporcionar o ensino
de forma continuada.
Quadro 4 - Objetivos voltados para o nível da aplicação
25
LP01FG Aplicar os recursos de coesão (preposições, conjunções, pronomes, advérbios) a fim de
proporcionar a produção crítica de relações lógico-discursivas em diferentes tipos de possibilidades
textuais.
LP02FG Empregar os recursos expressivos de comunicação a fim de possibilitar a ampliação do
conhecimento lexical (sinonímia, antonímia, paronímia, neologismo e hibridismo), em seu uso
cotidiano, e a apropriação dos diversificados modos de formação vocabular existentes na língua
materna
LP07FG Aplicar a língua portuguesa como língua materna, tendo em vista os diferentes tópicos
gramaticais identitários da norma padrão (ortografia, acentuação, pontuação), mas sem retirar a
perspectiva geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria
identidade segundo a realidade da variação linguística, adaptando a língua a cada situação de uso
sem manifestações do preconceito linguístico e da hipercorreção
LP20FG Aplicar situações de estudo, procedimentos e estratégias de leitura e escrita (com uso dos
aspectos morfossintáticos e semânticos), escolhidos e adequados aos objetivos e à natureza do
conhecimento proposto, de modo consciente e ativo para a divulgação de estudos específicos.
LP12FG Operar os aspectos metodológicos de análise e pesquisa linguística a partir do uso da
análise linguística (período simples e composto, regência, concordância), desenvolvendo a
concepção crítica do uso da língua de acordo com a adaptação que ela pode sofrer, segundo cada
situação de uso, tendo em vista a construção da cultura linguística do sujeito.
Fonte: Currículo em Movimento, Brasília, 2020.
Percebe-se que a falta de sequenciamento nos níveis de aprendizagens traz
incoerências e incompletudes nos objetivos apresentados, como é o exemplo do
objetivo LP07FG:
Aplicar a língua portuguesa como língua materna, tendo em vista os
diferentes tópicos gramaticais identitários da norma padrão (ortografia,
acentuação, pontuação), mas sem retirar a perspectiva geradora de
significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade
segundo a realidade da variação linguística, adaptando a língua a cada
situação de uso sem manifestações do preconceito linguístico e da
hipercorreção. (Currículo em Movimento, Brasília, 2020, p.52)
O objetivo acima é preocupante ao não considerar que o aluno já faz essa
aplicação antes mesmo de entrar na escola, pois se é sua língua materna, não há
necessidade de ingressar no ensino médio para aplicá-la. Considerando que o aluno
já faz a aplicação de sua língua materna desde que faz uso da fala, o objetivo
poderia ser inserido em um outro nível de aprendizagem, como analisar a língua
26
materna ou diferenciá-la de outras, pois uma abordagem mais adequada contribuiria
para o aprofundamento dos conhecimentos sobre a língua materna.
Além disso, vemos que o documento traz a ideia de aplicar a língua materna,
mas não aborda a importância de trabalhar o conhecimento prévio sobre a língua
que o aluno já possui. Logo, ignorar esse conhecimento é deixar de trabalhar uma
série de aspectos da língua partindo daquilo que o aluno já sabe. Segundo o
psicólogo Ausubel, o conhecimento prévio é o fator singular que mais influência
aprendizagem:
Se eu tivesse que reduzir toda a psicologia educacional a um único
princípio, diria isto: o fator singular que mais influencia a aprendizagem é
aquilo que o aprendiz já conhece. Descubra isso e ensine-o de acordo”
(AUSUBEL, 1980, p. 137)
Ainda sobre os objetivos que não seguem um sequenciamento adequado, o
objetivo LP12FG compartilha também aspectos problemáticos:
Operar os aspectos metodológicos de análise e pesquisa linguística a partir
do uso da análise linguística (período simples e composto, regência,
concordância), desenvolvendo a concepção crítica do uso da língua de
acordo com a adaptação que ela pode sofrer, segundo cada situação de
uso, tendo em vista a construção da cultura linguística do sujeito. (Currículo
em Movimento, Brasília, 2020, p.53)
O objetivo acima está dentro do nível da aplicação (nível 3) da Taxonomia de
Bloom. No entanto, esse objetivo não esclarece e não traz exatidão sobre quais
aspectos metodológicos de análise e pesquisa linguística devem ser abordados,
além de relacionar a pesquisa linguística com elementos sintáticos que não são
capazes, sozinhos, de fornecer ao aluno uma base para realizar o que é proposto
nesse objetivo. Não há como propor para alunos do ensino médio uma pesquisa
linguística que desenvolva a concepção crítica partindo apenas de elementos
sintáticos, pois é necessário um aprofundamento maior sobre outros aspectos da
língua que não foram trabalhados em outros objetivos.
O nível de análise foi o nível que mais apareceu durante toda a proposta para
Língua Portuguesa e apesar de ser um nível essencial, como todos os outros, de 30
27
objetivos no documento para o ensino de língua portuguesa e literatura, 14 são
voltados para esse nível. Essa divisão acaba tomando uma proporção desigual na
proposta do Currículo em Movimento pois o aluno terá poucos domínios além da
análise para serem trabalhados e desenvolvidos durante o ensino médio.
Quadro 5 - Objetivos voltados para o nível da análise
LP09FG Detectar, em textos multimidiáticos, estratégias argumentativas empregadas para o
convencimento e a persuasão do público, tais como intimidação, sedução, comoção, chantagem,
entre outras, e inferir quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu públicoalvo, pela análise
dos procedimentos argumentativos utilizados, a fim de posicionar-se de forma responsável diante
das possibilidades de manipulação da comunicação.
LP11FG Observar, a partir da leitura e descrição de textos, as diferentes concepções de mundo, de
ser humano e de conhecimento que constituem as diversas possibilidades de identidades sociais e
individuais, nos seguintes estilos e épocas literárias: Trovadorismo e suas cantigas, Humanismo
(transição do medieval para o Renascimento), Classicismo e o Quinhentismo (literatura informativa
sobre o Brasil), Barroco, Arcadismo/Neoclassicismo.
LP22FG Analisar e propor discussões sobre os sistemas de comunicação e informação, tendo em
vista temas e acontecimentos de interesse local ou global, dos mais diversos gêneros, próprios das
formas de expressão das culturas juvenis (vlogs e podcasts culturais, gameplay, etc.), em várias
mídias, vivenciando de forma significativa o papel de repórter, analista, crítico, editorialista ou
articulista, leitor, vlogueiro e booktuber, entre outros.
LP19FG Analisar a relação do eu-social, pelo uso da leitura e do estudo da construção de gêneros
textuais de predominância descritiva, informativa e narrativa (assim como a estrutura e os
elementos da narração), construindo, paulatinamente, o processo identitário sob a ótica das
metodologias ativas e do protagonismo juvenil.
LP23FG Analisar como ocorre a formação cultural e individual do ser humano e da sociedade, bem
como suas respectivas influências no processo de mudança social, a partir da leitura e descrição de
textos diversos e de estilos das seguintes épocas literárias: pré-modernismo, movimentos europeus
de vanguarda e Semana da Arte Moderna.
LP24FG Analisar, com o uso de textos literários diversos, a construção da identidade crítica da
classe artística brasileira, de acordo com as características do Modernismo e suas fases (poesia e
prosa) e do Pós-modernismo, além das diversas possibilidades de identidades sociais e individuais
refletidas na produção artístico-literária de uma época e sua influência na contemporaneidade.
28
LP25FG Analisar, em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais (memes, gifs,
infográficos, mapas mentais e conceituais, infozines, vlogs e blogs) utilizados com a finalidade de
criar e mudar comportamentos e hábitos, para uma realidade mais ética nas relações interpessoais
físicas e virtuais.
LP26FG Examinar os aspectos de produção referentes à criação de textos multimodais, unindo
linguagem verbal e não verbal e suas aplicações, com o intuito de possibilitar a emancipação
criativa de sentidos e a criticidade, com a finalidade de formar cidadãos mais cientes da
possibilidade do uso do valor inventivo da linguagem para cada situação.
LP27FG Analisar textos de diferentes gêneros do campo jornalístico e midiático, utilizados com a
finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos, a partir do uso de novas tecnologias digitais
de checagem de informação e da web 2.0, para o desenvolvimento de uma atitude analítica e
crítica diante da propagação da informação como mercadoria.
LP28FG Analisar, com o uso de textos literários diversos, a produção, em diferentes plataformas
digitais, da literatura engajada no período de governo militar, da literatura contemporânea e da
Música Popular Brasileira (MPB) e a produção literária contemporânea nos países africanos de
língua portuguesa.
LP29FG Discutir as relações entre o texto literário e o momento de sua produção (mediante suas
diversas concepções filosóficas e estéticas), situando aspectos do contexto histórico; promovendo,
assim, a produção oral e escrita do raciocínio crítico-avaliativo sobre os principais artistas e suas
obras (brasileiros, africanos, europeus), em meios digitais da cultura juvenil.
LP21FG Comparar sentidos construídos na leitura/escuta de textos literários de autoria própria ou
de outros, construindo ‒ por meio de participações em eventos culturais e artísticos ‒ um diálogo
esteticamente crítico sobre as diferentes práticas culturais de seu tempo.
LP08FG Comparar diferentes projetos editoriais-institucionais, privados, públicos, financiados,
independentes, ampliando o repertório de escolhas possíveis de fontes de informação e opinião
reconhecendo as posições críticas aos usos sociais que são feitos dos recursos linguísticos.
LP05FG Diferenciar o texto literário e não-literário a partir do uso das figuras de linguagem, bem
como da sua plurissignificação e manifestação nos diversos contextos culturais, para a construção
de uma perspectiva estética e ética sobre indivíduo, cultura e sociedade.
Fonte: Currículo em Movimento, Brasília, 2020.
Diferente do nível da análise que foi muito valorizado na proposta curricular,
os níveis de avaliação e criação aparecem em apenas 7 dos objetivos, conforme
quadro abaixo:
Quadro 6 - Objetivos voltados para o nível da avaliação e criação
29
LP15FG Relacionar o teatro romântico brasileiro com o processo histórico do Brasil e seu
aprimoramento como nação independente, quanto aos seus direitos e garantias fundamentais,
partindo da perspectiva do texto literário como fonte de socialização da cultura e da identidade
brasileira.
LP30FG Apreciar obras do repertório artístico-literário contemporâneo brasiliense e nacional de
acordo com as preferências individuais dos estudantes, construindo um acervo pessoal e
apropriando-se dele para uma inserção e intervenção, com autonomia e criticidade, no meio digital.
LP18FG Valorizar, a partir da leitura e descrição de textos diversos, os estilos das seguintes épocas
literárias, intrínsecas aos aspectos do Brasil como um país em ascensão: Realismo, Naturalismo,
Parnasianismo e Simbolismo, como registros histórico-literários do ser humano e sua relação com o
meio ambiente e a sua diversidade
LP10FG Desenvolver estratégias de escolha lexical por meio de textos multimodais e
multissemióticos referentes às práticas sociais, tendo como base as estruturas e os processos de
formação das palavras da Língua Portuguesa, com o fim de estabelecer o uso adequado a cada
situação comunicativa por intermédio dos aspectos morfoestruturais da língua.
LP14FG Explicar o processo de amadurecimento da arte brasileira como fundamento da identidade
artística a partir do Romantismo e suas gerações (prosa e poesia), bem como a relação do indivíduo
e sua cultura como elementos fundamentais de mudança social.
LP17FG Avaliar como obras significativas das literaturas brasiliense, brasileira e de outras
nacionalidades (especialmente a portuguesa, indígena, africana e latino-americana) dialogam com a
questão socioambiental, no intuito de desenhar um repertório crítico-cultural complexo e
harmônico do indivíduo e da sua relação com o meio ambiente.
LP16FG Selecionar textos de diferentes gêneros, em plataformas informacionais da internet, sobre
aspectos socioambientais que promovam um engajamento mais crítico do mundo; abordando,
também, seus elementos morfossintáticos.
Fonte: Currículo em Movimento, Brasília, 2020.
A quantidade reduzida dos níveis de avaliação e criação no documento
mostram que há de fato uma disparidade na organização dos objetivos. O impacto
dessa redução poderá ser refletido diretamente na organização dos conteúdos
realizada pelo professor e na quebra de sequenciamento no desenvolvimento de
habilidades essenciais que só são alcançadas nestes dois níveis mais avançados.
Além disso, o ensino de gramática e a compreensão do funcionamento da língua
não se dão apenas no nível da análise. Logo, é necessário trabalhar com a mesma
importância os níveis de compreensão, aplicação e avaliação.
30
O documento além de trazer objetivos que não seguem uma sequência
adequada dos níveis de aprendizagens apresentados, também traz poucas reflexões
sobre a língua e sobre sua estrutura. O problema de conceituação é observável logo
ao início do documento, em que não há uma definição clara do que seria a língua e
que também não é desenvolvimento dentro dos objetivos para Língua Portuguesa.
Dessa maneira, não proporcionam ao aluno a compreensão sobre a língua e sobre a
importância de entender sua estrutura através do ensino de gramática. Sobre esse
problema, Pilati afirma:
Desconsiderar as reflexões gramaticais inviabiliza um aspecto crucial para o
desenvolvimento da análise e produção textual, que é a reflexão gramatical.
É por meio do manejo das estruturas gramaticais da língua que o produtor
de textos irá expressar suas ideias, organizar argumentações, escolher
formas de expressar pensamentos. Quando dispensamos as aulas de
gramática, por exemplo, perdemos a oportunidade de apresentar a nossos
alunos a ferramenta crucial para a leitura e produção autônomas e críticas –
a reflexão gramatical. (PILATI, 2017, p. 93)
Com base na quantificação e qualificação dos dados retirados da proposta do
Currículo em Movimento, é possível afirmar que os objetivos estão inadequados
para o nível dos alunos do ensino médio, pois não seguem uma sequência de
acordo com os níveis cognitivos. Os dois objetivos citados foram os únicos objetivos
voltados especificamente para os conhecimentos linguísticos e gramaticais, sendo
dessa forma uma proposta bastante reduzida e não voltada para o ensino da língua
portuguesa, além de não proporcionar ao aluno a compreensão e apropriação do
conhecimento sobre a estrutura da Língua Portuguesa.
É possível notar que a proposta inicial de ir além dos ditames gramaticais e
fornecer ao aluno um ensino da língua com base nas práticas de linguagens não é
refletido nos objetivos. Desse modo, o documento não está de acordo com seu
princípio norteador. Infelizmente, essa proposta reduzida sobre o ensino de língua e
de sua gramática é prejudicial à formação do aluno que terá um ensino que o fará
compreender como sua língua funciona.
Além de prejudicial à formação do aluno, é também um grande problema para
o professor que tem o papel de desenvolver um plano de aula de acordo com aquilo
que é proposto no Currículo em Movimento, ou seja, se no Currículo em Movimento
não há uma proposta voltada para a priorização do ensino da estrutura da língua e
31
dos conceitos essenciais sobre ela, logo esses aspectos não serão priorizados no
plano do professor.
Após a análise do Currículo em Movimento para Língua Portuguesa, pode-se
afirmar que o documento não contempla aprendizagens essenciais sobre a língua
para os alunos do ensino médio e também não aborda conceitos essenciais sobre a
língua e sua gramática, que não é apenas o conjunto de regras, mas a gramática
interna que o aluno já possui antes mesmo de chegar na escola e que não foi levada
em consideração na elaboração da proposta.
32
3 APRENDIZAGENS ESSENCIAIS PARA O ENSINO MÉDIO EM PORTUGAL
Buscando compor a análise dos documentos do novo ensino médio no Brasil
e no Distrito Federal, foi incluído o documento oficial de orientação curricular para
Portugal para que possa haver uma comparação entre modelos diferentes de ensino
de uma mesma língua. Ainda que existam diversos aspectos diferentes entre o
português brasileiro e o português de Portugal, sabe-se que o português parte de
uma só estrutura.
De acordo com o site oficial da Direção Geral da Educação em Portugal, as
aprendizagens essenciais “são a base comum de referência para a aprendizagem
de todos os alunos”. Dessa maneira, o documento que cumpre esse papel no Brasil
é a Base Nacional Comum Curricular que também estabelece uma base comum
para que os currículos sejam criados. Em Portugal, o ensino médio se divide em 10º,
11º e 12° anos do ensino médio, totalizando três etapas, assim como no Brasil. Para
essa análise comparativa, foi escolhido o documento voltado para o primeiro ano do
ensino médio (10º ano em Portugal).
Mesmo sem abordar conceitos explícitos sobre língua e linguagem, o
documento traz sua perspectiva sobre o ensino de gramática considerando a língua
como uma estrutura e não como um saber intuitivo, como abordado no Currículo em
Movimento:
É na interseção de diversas áreas que o ensino e a aprendizagem
português se constroem: produção e receção de textos (orais, escritos,
multimodais), educação literária, conhecimento explícito da língua (estrutura
e funcionamento). Cada uma delas, por si e em complementaridade,
concorre para competências específicas associadas ao desenvolvimento de
uma literacia mais compreensiva e inclusiva: uma participação segura nos
«jogos de linguagem» que os falantes realizam ativando saberes de uma
pluralidade de géneros textuais, em contextos que o digital tem vindo a
ampliar; uma correta e adequada produção e uma apurada e crítica
interpretação de textos; um conhecimento e uma fruição plena dos textos
literários do património português e de literaturas de língua portuguesa, a
33
formação consolidada de leitores, um adequado desenvolvimento da
consciência linguística e um conhecimento explícito da estrutura, das regras
e dos usos da língua portuguesa. Do todo daqui resultante emergem as
aprendizagens essenciais da disciplina de Português. (PORTUGAL, 2018,
p.2)
A proposta das Aprendizagens Essenciais é holística em relação ao ensino de
Língua Portuguesa, encarando todas as facetas da língua como aprendizagens
essenciais, sendo trabalhadas de forma individualizada, mas que devem funcionar
de maneira complementar. Por exemplo, não há como alcançar um nível satisfatório
em leitura e produção de texto, sem que se compreenda a estrutura e funcionalidade
da língua, assim como o ensino da literatura, que complementa e é complementado
por essas áreas. Além disso, o ensino da estrutura e funcionamento da língua é tão
primordial quanto o ensino dos outros aspectos que compõem o ensino de
Português.
3.1 Objetivos para o ensino de Língua Portuguesa
No currículo de Portugal para o ensino secundário, o ensino aprofundado da
gramática da língua também é elencado nas competências previstas para o 10º ano
do ensino secundário, “na competência gramatical por meio de um conhecimento
explícito sistematizado sobre aspetos essenciais dos diversos planos (fonológico,
morfológico, das classes de palavras, sintático, semântico e textual-discursivo) da
língua” ( p.4)
O primeiro domínio voltado para o ensino de gramática é: “conhecer a origem,
a evolução e a distribuição geográfica do Português no mundo.” (p.10). Esse
primeiro domínio voltado para o ensino de gramática está de acordo com o nível dos
alunos do 11º ano do ensino secundário, equivalente ao 1º ano do ensino médio no
Brasil. Diferente do Currículo em Movimento, o documento de Portugal contempla o
primeiro domínio da Taxonomia de Bloom que é o conhecer.
Esse domínio é essencial para compreender o funcionamento do Português
não somente na realidade de Portugal, mas de uma forma mais ampla nos países
lusófonos. Além disso, fornecer o conhecimento sobre a distribuição do Português
no mundo é possibilitar também o conhecimento sobre as variações linguísticas e
34
que é contemplado logo no segundo domínio: “Reconhecer processos fonológicos
que ocorrem no português (na evolução e no uso).” (Portugal, p10).
O terceiro domínio está relacionado a estrutura da língua e a sintaxe,
importantes aspectos para se compreender a língua:
Analisar com segurança frases simples e complexas (identificação de
constituintes e das respetivas funções sintáticas, incluindo complemento do
nome e do adjetivo, divisão e classificação de orações, incluindo orações
subordinadas substantivas relativas). (PORTUGAL, 2018, p.10)
Essa competência proporciona ao aluno uma maior compreensão sobre o
funcionamento da língua. Dessa forma, o ensino da sintaxe não é somente repassar
os ditames gramaticais, mas proporcionar ao aluno uma imersão maior sobre o
funcionamento da língua.
Já no quarto domínio, há a abordagem sobre a semântica, “reconhecer
valores semânticos de palavras considerando o respectivo étimo.” A semântica é um
dos aspectos da língua que são essenciais para a compreensão da língua como um
sistema multifacetado, em comparação com o Currículo em Movimento, vemos que
esse domínio não foi abordado.
No quinto domínio, “explicitar o significado das palavras com base na análise
dos processos de formação.” (Portugal, p.10), vemos que está voltado para o ensino
sobre os aspectos morfológicos da língua. Mais uma vez, o documento apresenta o
ensino da língua como uma estrutura multifacetada e que deve trabalhar todas
essas facetas com a mesma importância.
No sexto domínio, novamente é abordado os conhecimentos sintáticos, “usar
de modo intencional diferentes valores modais atendendo à situação comunicativa
(epistémicos, deônticos e apreciativos).” (Portugal, p. 10).
Já o sétimo domínio é voltado para a produção textual, “Reconhecer a anáfora
como mecanismo de coesão e de progressão do texto.” (Portugal, p. 10). Neste
35
domínio, é importante perceber como o documento não aprofunda o objetivo desse
domínio, que é relativo ao nível cognitivo 2 (compreensão) de acordo com a
Taxonomia de Bloom. Pode-se afirmar que diferente da proposta do Currículo em
Movimento, as Aprendizagens Essenciais estão voltadas em primeiro momento para
o conhecimento profundo sobre a língua e não prioritariamente sobre a produção
textual e literária como é visto no Currículo em Movimento.
O oitavo e último domínio proposto é “relacionar situações de comunicação,
interlocutores e registos de língua (grau de formalidade, relação hierárquica entre os
participantes, modo oral ou escrito da interação), tendo em conta os diversos atos de
fala.” (Portugal, p. 10). O último domínio leva em consideração todos os domínios
trabalhados anteriormente, estando elencado no nível 3 (análise) da Taxonomia de
Bloom.
Nas Aprendizagens Essenciais, o ensino do Português é formado através de
diversos elementos e todos são trabalhados na proposta curricular. Em relação ao
ensino voltado para gramática, vemos que esse aspecto da língua não é trabalhado
de maneira fragmentada, mas todos os aspectos gramaticais são levados em
consideração nos domínios apresentados.
A partir desses domínios, as aprendizagens essenciais esperam obter o
seguinte resultado: No domínio gramatical, no final deste nível de ensino, os alunos
deverão revelar um conhecimento metalinguístico seguro dos aspectos de estrutura
e de funcionamento da língua considerados essenciais ao longo da escolaridade
obrigatória. (Portugal, 2018, p.3)
De acordo com a proposta das Aprendizagens Essenciais, pode-se afirmar
que é apenas após o conhecimento sobre a estrutura da língua que o aluno
consegue compreender como as situações de comunicação funcionam e como cada
uma delas requer um nível diferente no uso da língua. Dessa maneira, além de
conseguir fornecer ao aluno um ensino gramatical que não envolva apenas regras,
as Aprendizagens Essenciais também conseguem proporcionar ao aluno habilidades
para as situações práticas relacionadas ao uso da língua, seja falada ou escrita.
36
Com base na proposta portuguesa, vemos que o Currículo em Movimento, a
Base Nacional Comum Curricular e as Aprendizagens Essenciais possuem grandes
diferenças na abordagem e nos conceitos sobre o ensino de Língua Portuguesa.
Enquanto os documentos brasileiros tentam preparar o aluno para as práticas
sociais sem que antes a estrutura da língua seja apresentada de forma completa, o
documento de Portugal possui uma perspectiva diferente: É na interseção de
diversas áreas que o ensino e a aprendizagem do português se constroem:
produção e receção de textos (orais, escritos, multimodais), educação literária,
conhecimento explícito da língua (estrutura e funcionamento). (Portugal, 2018, p.1)
37
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa buscou analisar de maneira comparativa a proposta do
Currículo em Movimento para o Distrito Federal visando compreender seu
embasamento linguístico e pedagógico. Os resultados das análises mostraram que o
documento é incompleto na proposta para Língua Portuguesa e com lacunas que
vão desde os conceitos da língua não apresentados, no papel do professor e no
desenvolvimento dos objetivos para a área.
O resultado dessas lacunas na proposta do Distrito Federal é um ensino de
Língua Portuguesa que não proporciona ao aluno a compreensão de aspectos
básicos que compõem a estrutura do português. As lacunas aqui citadas são
facilmente percebidas nos objetivos de aprendizagens que não seguem
corretamente os níveis de cognição adequados para o desenvolvimento de forma
continuada.
Nota-se que apesar da proposta do Distrito Federal se mostrar flexível e
influenciada pelo uso da tecnologia e das novas metodologias de ensino, ainda não
considera a Língua Portuguesa como uma área em que o instrumento de estudo é a
própria língua e que é por meio do aprofundamento do conhecimento linguístico e de
seus recursos que o aluno poderá se aprofundar nas habilidades que vão além do
conhecimento gramatical.
Do mesmo modo, percebe-se que a Base Nacional Comum Curricular
também não contempla a área de Língua Portuguesa de maneira a considerar a
estrutura da língua, gerando também lacunas e objetivos de aprendizagens
gramaticais insuficientes para o ensino médio. Sem dúvidas, essas lacunas e
38
insuficiências são refletidas diretamente na proposta do Distrito Federal e nas
propostas de outros estados que utilizam a BNCC2.
Em contrapartida às propostas realizadas pelo Currículo em Movimento e pela
BNCC, chegou-se à conclusão de que as Aprendizagens Essenciais conseguem
abordar o ensino de Língua Portuguesa considerando a língua como uma estrutura
com os diversos aspectos estruturais que a compõem.
Assim, o documento conseguiu abordar cada aspecto da língua (morfológico,
sintático, semântico, fonológico, etc), não deixando lacunas conceituais e aspectos
essenciais de lado. Como resultado, a proposta das Aprendizagens Essenciais
permite que o aluno desenvolva a habilidade de compreender e reconhecer
aspectos linguísticos em níveis mais complexos.
Este trabalho buscou trazer a importância de avaliar a proposta curricular para
Língua Portuguesa no Distrito Federal a fim de evidenciar aspectos que podem
prejudicar à formação dos alunos, pois não há como fornecer um ensino adequado
do português quando não há a evidência de quais metodologias foram levadas em
consideração na proposta e nem a explicitação dos conceitos adequados. Além
disso, o pouco conteúdo referente à gramática da língua revela que a proposta não
será capaz de fornecer ao aluno um ensino sobre a estrutura do português,
diferentemente do que ocorre na proposta de Portugal.
Por fim, pensar na qualidade da educação sobre a língua é pensar também na
educação básica de forma geral. A língua é um pilar para as outras áreas do
conhecimento e um dos conhecimentos prévios mais consolidados que o aluno traz
antes de ingressar na escola, trabalhar esse conhecimento prévio de forma
adequada é proporcionar ao aluno que este conhecimento se potencialize em
conhecimento profundo.
2
Base Nacional Comum Curricular
39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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para consulta pública). Secretaria de Educação do Distrito Federal. Brasília, DF.
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AUSUBEL, D. P. et al. Psicologia Educacional. 2. ed, Rio de Janeiro:
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CHOMSKY, N. 1980. Reflexões sobre a linguagem. São Paulo: Cultrix.
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