O Dia da Liberdade— 25 de Abril de José Jorge Letria
Todos os anos têm um mês de abril e todos os meses de abril têm o dia 25. Porém, o dia 25 de abril
de 1974 foi um dia especial para os portugueses. Porquê? Porque o País e os seus habitantes
voltaram a viver em liberdade, depois de quase 50 anos de ditadura, de tristeza e de silêncio.
O poema "O Dia da Liberdade” de José Jorge Letria, presente na sua obra “Livro Dos Dias”, reflete a
importância do dia 25 de abril de 1974, esta data significativa em que Portugal se libertou do regime
ditatorial do Estado Novo. Apesar de celebrar a conquista da liberdade naquela época, o poema
também evoca a ideia de que a liberdade não é algo estático, mas sim algo dinâmico e em constante
crescimento.
Passemos então à sua leitura e respetiva análise:
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Este dia é um canteiro
com flores todo o ano
e veleiros lá ao largo
navegando a todo o pano.
E assim se lembra outro dia febril
que em tempos mudou a história
numa madrugada de Abril,
quando os meninos de hoje
ainda não tinham nascido
e a nossa liberdade
era um fruto prometido,
tantas vezes proibido,
que tinha o sabor secreto
da esperança e do afecto
e dos amigos todos juntos
debaixo do mesmo tecto.
Relativamente à estrutura formal, o poema segue um esquema de rimas ABAB em cada estrofe –
rima cruzada.
O poema possui dezasseis versos, sendo a métrica do poema variada, o que confere uma sensação
mais livre e fluída.
Como podemos constatar ao longo das estrofes, o dia 25 de abril, este “Dia da Liberdade”, é
recordado como um momento de celebração e renovação constante. Na verdade, em diversas
entrevistas, o próprio autor relembra o “seu” 25 de Abril como dia mais feliz da sua vida.
Efetivamente, o medo saiu do seu quotidiano e o escritor não viu mais os seus artigos censurados.
"Este dia é um canteiro / com flores todo o ano / e veleiros lá ao largo / navegando a todo o
pano."
A primeira estrofe estabelece uma imagem harmoniosa e otimista do Dia da Liberdade,
comparando-o a um jardim cheio de flores. Assim, no primeiro verso "Este dia é um canteiro com
flores todo o ano", através de uma metáfora, sugere-se que a liberdade não é algo passageiro, mas
sim, algo belo, constante e perene, que “floresce” continuamente ao longo do tempo.
Já a passagem "veleiros lá ao largo navegando a todo o pano" transmite uma sensação de
movimento. Os veleiros são personificados criando uma imagem dinâmica e evocativa, como se o
país estivesse a navegar em direção a um futuro promissor após se libertar das amarras do regime
autoritário.
"E assim se lembra outro dia febril / que em tempos mudou a história / numa madrugada de Abril,
/ quando os meninos de hoje / ainda não tinham nascido"
"E assim se lembra outro dia febril” - A escolha da palavra "febril" sugere um dia de grande agitação
e fervor, reforçando o impacto do momento histórico representado pela Revolução dos Cravos. É
possível, ainda, realçarmos a antítese entre as expressões "dia febril" e "flores todo o ano" (que se
inclui na a primeira estrofe do poema). Enquanto "dia febril" sugere uma atmosfera de agitação e
intensidade, "flores todo o ano" transmite um sentido de tranquilidade, beleza e constância. Deste
modo, cria-se uma oposição marcante entre a ideia de um dia histórico e tumultuado com a ideia de
algo pacífico.
De seguida, encontramos uma reflexão sobre o passado e o presente, ao se mencionar que "os
meninos de hoje ainda não tinham nascido" quando a liberdade foi conquistada. Ora, isto ressalta a
importância de se lembrar e valorizar a luta daqueles que vieram antes de nós para garantir a
liberdade que desfrutamos hoje.
"e a nossa liberdade / era um fruto prometido, / tantas vezes proibido,"
Nesta passagem, identificamos uma metáfora: "a nossa liberdade era um fruto prometido". Neste
contexto, claro que a liberdade não é literalmente um fruto. Portanto, o autor utiliza este recurso
expressivo para demonstrar o quão fortemente desejada e aguardada era liberdade para o povo
português (como se fosse uma promessa que finalmente se realiza).
A aliteração ao repetir o som do fonema "p" nas palavras "fruto prometido" e "proibido", cria uma
harmonia e musicalidade no verso, destacando as palavras-chave da estrofe e enfatizando o seu
significado.
"que tinha o sabor secreto / da esperança e do afecto / e dos amigos todos juntos / debaixo do
mesmo tecto."
A última estrofe do poema transmite um sentimento de nostalgia e união, ao mencionar "a
esperança e do afeto e dos amigos todos juntos debaixo do mesmo teto". Isto sugere que a liberdade
não é apenas uma conquista política, mas também um estado de espírito que nos une e nos faz
valorizar os laços humanos e a solidariedade.
Por fim, importa salientar mais uma vez a utilização da metáfora. Neste contexto, a liberdade é
descrita como tendo "o sabor secreto". Assim, a liberdade não é literalmente algo que se possa
saborear, mas a metáfora sugere que ela é uma experiência profundamente significativa e
gratificante, algo que é sentido e apreciado de maneira íntima e pessoal.
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Comemorar 50 anos de democracia, meio século, é uma grande responsabilidade. Mas será que as
gerações de Abril, os avós e pais, conseguiram construir uma herança de cidadania democrática?
Bem, por um lado, Portugal tornou-se uma democracia consolidada, com instituições democráticas
estáveis e uma sociedade que desfruta de liberdades fundamentais, como a liberdade de expressão,
de associação e de escolha política. Esses são, sem dúvida, grandes avanços que merecem ser
celebrados.
No entanto, não podemos negar que os desafios em relação à liberdade persistem. A polarização
política, o populismo, as desigualdades sociais e económicas, bem como ameaças à liberdade de
imprensa e aos direitos das minorias, são alguns dos desafios que Portugal e muitos outros países
democráticos enfrentam atualmente.
O poema relembra que a liberdade é um valor precioso que deve ser defendido e renovado a cada
geração. Não é algo garantido, mas sim algo que deve ser constantemente protegido e cultivado
pela sociedade. Portanto, mesmo após 50 anos do 25 de abril, a mensagem do poema permanece
relevante e inspiradora.