ARTIGO
ISSN: 1982-8918 ORIGINAL
MULHERES NO BOXE: NEGOCIAÇÕES DE
MASCULINIDADE(S) E FEMINILIDADE(S) NA
ACADEMIA
WOMEN IN BOXING: NEGOTIATIONS OF MASCULINITIES AND
FEMININITIES IN THE GYM +
MUJERES EN EL BOXEO: NEGOCIACIONES DE MASCULINIDADE(S) Y
FEMINIDADE(S) EN EL GIMNASIO +
https://doi.org/10.22456/1982-8918.111694
Ileana Wenetz** <
[email protected]>
__________
*Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Canoas, RS, Brasil.
**Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Vitória, ES, Brasil.
Resumo: Buscamos destacar o quanto as noções tradicionais de masculinidade
e feminilidade (e heterossexismo) afetam a prática do boxe. Com esse objetivo
e por meio de um estudo etnográfico realizado em uma academia, refletimos
sobre a participação de mulheres nas aulas de boxe, identificando as diferenças
entre a prática de homens e de mulheres. Observamos uma “naturalização” do
que tradicionalmente se considera masculino (virilidade, agressividade etc.) e
feminino (comedimento, sensibilidade etc.), mas que não por isso deixam de ser Recebido em: 24 fev. 2021
reconfigurados. Os resultados foram organizados em três categorias: sobre a prática Aprovado em: 07 jan. 2022
no espaço da academia; sobre a separação de gênero; e sobre o atravessamento Publicado em: 09 fev. 2022
de fronteiras de gênero, que é quando a mulher, por objetivos relacionados à luta,
tende a ser masculinizada. Também são tensionados os sentidos atribuídos à prática
do boxe, no qual a própria sexualidade das atletas é questionada, demarcando a Este é um artigo publicado
heterossexualidade como norma. sob a licença Creative
Commons Atribuição 4.0
Palavras chave: Mulheres. Boxe. Masculinidade. Feminilidade. Internacional (CC BY 4.0).
Movimento, v. 28, e28004, 2022. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.111694
ISSN: 1982-8918
Flavio Py Mariante Neto, Ileana Wenetz
1 INTRODUÇÃO1
Neste artigo buscamos entender as relações entre a prática esportiva do
boxe e as conformações de gênero, tendo como referência os Estudos Culturais e
Feministas que se aproximam do pós-estruturalismo de Foucault (2002b), nos quais
a própria concepção de gênero engloba processos de construção social que ocorrem
ao longo da vida dos sujeitos, em interação com diversas circunstâncias em que
estes aprendem a tornar-se homens e mulheres de um determinado modo2. Estas
aprendizagens, que incluem dimensões sociais e culturais, passam também pelo
corpo.
Embora os sujeitos vivam em espaços diferentes, as circunstâncias de cada
situação histórica e social promovem diferentes maneiras de ser. Portanto, a cultura
inscreve particularidades nos sujeitos (LOURO, 1999). Ela não só conforma os
contextos sociais, como conforma influências em diferentes estágios da vida. Assim, é
possível observar diferentes modos de viver e de sentir a feminilidade e a masculinidade
(SCOTT, 1995; MEYER, 2003; GOELLNER, 2007). Pretendemos destacar o quanto
as noções tradicionais de masculinidade e feminilidade (bem como o heterossexismo)
afetam a prática de boxeadoras em uma academia de Porto Alegre.
Nessa direção, buscamos problematizar a compreensão de uma cultura
tradicionalmente masculina associada na prática do boxe e as representações
adjacentes. Essa dimensão permite ampliar as análises, refletir, indagar e
problematizar o modo como determinados papéis correspondem às mulheres e aos
homens produzindo-se como se fossem "desígnios naturais"3. As exigências sociais
que se estabelecem através de mecanismos de poder (FOUCAULT, 2002a) colocam-
se também em diversos espaços do cotidiano, através de comportamentos exigidos
ou permitidos para cada lugar. Quais são os processos imbricados na sociedade
pelos quais mulheres e homens aprendem no esporte a ser femininos ou masculinos
nas academias?
No texto de Wacquant (2002), trabalho fundamental sobre esportes de combate,
encontramos discussões referentes aos significados envolvidos na participação de
indivíduos em uma academia de boxe localizada em uma região periférica da cidade
de Chicago, EUA. Apesar da relevância desse estudo e de suas análises profícuas
e enriquecedoras sobre as lutas, não há uma discussão aprofundada sobre as
questões de gênero, já que esse não era o intuito do trabalho. Mesmo que o livro não
verse sobre essa ótica – do gênero – a falta de uma problematização nos abre uma
lacuna importante de direcionamento teórico do trabalho.
1 O texto é um desdobramento da dissertação do primeiro autor intitulada: Da academia de boxe ao boxe da
academia: um estudo etnográfico. Disponível em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/48994
2 Gênero é um conceito que remete a todas as formas de construções sociais, culturais e linguísticas implicadas nos
processos que operam na diferenciação de homens e mulheres. Nesses processos, incluem-se seus corpos, dotados
de sexo e de sexualidade, mas não por isso biologicamente determinados (LOURO, 1999; MEYER; SOARES, 2003;
SCOTT, 1995;), de modo que aprendemos a nos tornar homens e mulheres de/em determinada sociedade. Para
articular gênero e sexualidade, destacamos que entendemos a sexualidade como os diferentes modos de expressar
desejos e prazeres, os quais têm uma dimensão social, já que as maneiras utilizadas pelos sujeitos para se expressar
são tanto socialmente aprendidas, quanto codificadas em um contexto em particular. Louro (2004, p. 9), entende que
"as identidades de gênero e sexuais são [...] compostas e definidas por relações sociais [...] moldadas pelas redes
de poder de uma sociedade".
3 A utilização das aspas é para tensionar o sentido tradicional que essas palavras carregam. 02
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Mulheres no boxe: negociações de masculinidade(s) e feminilidade(s) na academia
Refletindo sobre o que foi exposto, consideramos que a prática esportiva por
mulheres era negada e historicamente foi progressivamente liberada (GOELLNER,
2005). Artigos como os de Adelman (2003) analisam a prática feminina nos esportes
do vôlei, basquete e equitação. Além de seus textos, identificamos hoje vários
outros que problematizam a articulação da participação feminina em esportes
entendidos como masculinos, como skate (FIGUEIRA, 2009), rugby (ALMEIDA,
2014), fisiculturismo (JAEGER, 2014), futebol feminino (MARTINS, WENETZ, 2020).
Nas lutas, encontramos o boxe (SILVA; CAVICHILLI; CAPRARO, 2015; CARDOSO
et al., 2012), o boxe feminino e cinema (FERNANDES; MOURÃO, 2014), inserção/
permanência de atletas na Federação Rio-Grandense (BERTÉ 2016), a luta olímpica
(FERNANDES et al., 2014), o boxe e as Mixed Martial Arts4 (FERNANDES et al.,
(2014), e a participação de atletas transexuais (TURELLI; VAZ, 2011) e MMA e o
debate do próprio campo esportivo (SALVINI, 2017). Apesar da recente produção e
considerando a paulatina inclusão de mulheres nas lutas (GRESPAN; GOELLNER,
2014), é perceptível que a prática delas tem aumentado, mas com certas restrições,
configurando-se com determinados recortes/nuances que ainda precisam ser
analisados e aprofundados. Assim, perguntamos: como se conformam as relações
de gênero no contexto de uma aula de boxe na academia? Que dificuldades as
mulheres encontram para ingressar no boxe? O que se espera das mulheres que
praticam o boxe?
2 SOBRE A ETNOGRAFIA, A ACADEMIA E A PRÁTICA DO BOXE
Os questionamentos acima nos conduziram a escolher a etnografia como
instrumento metodológico, pela perspectiva antropológica de investigação que oferece
voltar-se para a própria sociedade. Hoje, a Antropologia se preocupa em entender a
sua própria cultura, relativizando alguns conceitos enraizados no senso comum.
A partir de estudos microscópicos, ela oferece elementos para que o
pesquisador se insira no campo de investigação com uma base teórica específica
e procure, com base num caso particular, articular seus resultados com grandes
debates sobre um determinado tema (GEERTZ, 1989). Neste caso, abordamos
os temas gênero e esportes, ou, mais particularmente, nos debruçamos sobre um
esporte "dito" masculino praticado por mulheres.
Assim, o estudo etnográfico possibilita a análise "por dentro5" na procura daquilo
que se constitui como particular, relacionando-o com a experiência do investigador
de campo, o que permite uma maior proximidade entre esse e os sujeitos integrantes
daquele contexto.
Ademais a etnografia consiste em um conjunto de características como saber
ver, saber estar com outros e consigo mesmo e retraduzir aquilo que se percebeu,
4 Sigla, em inglês, que significa mistura de artes marciais. Assim, os atletas dessa modalidade utilizam elementos de
vários esportes de combate (por exemplo, o boxe, o jiu-jítsu e o Muay Thai) e os utilizam na luta.
5 Ao sugerir uma análise “por dentro”, nos sustentamos nas ideias de Geertz (1989), que sugere que o trabalho
etnográfico oferece condições de perceber idiossincrasias culturais relacionadas ao grupo que possibilitam análises
microscópicas e profundas. Ademais, nos apoiamos nas ideias de Magnani (2002), que sustenta que a etnografia é
resultante de um aprofundamento do pesquisador no campo de pesquisa e de uma análise que relativize, dialogue e
encontre consonâncias e dissonâncias com a sua realidade. 03
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reinterpretando a um terceiro por meio da escrita (WINKIN, 1998). Segundo as ideias
de Geertz (1989, p. 63), o trabalho de articular aquilo que se vivencia no local implica
"uma presença do Lá em um texto elaborado Aqui".
Nessa direção, foi realizada uma etnografia em uma academia na zona central
de Porto Alegre/RS. Foram analisadas 30 visitas a campo e registradas em diários
de campo6 e dez entrevistas7 com pessoas8 que praticavam o boxe. O local em
pauta tem uma trajetória reconhecida na cidade, sendo, por isso, referência entre as
academias. Há quinze anos se oferecem aulas para alunos iniciantes, intermediários
e avançados, que praticam o boxe juntos, nos mesmos horários. Entre os praticantes
há homens e mulheres em turmas mistas. Além disso, a academia oferece aulas da
modalidade nos três turnos e registramos uma predominância masculina de oito a 12
pessoas. A participação feminina não superou duas a quatro mulheres por aula, em
toda a pesquisa.
Os resultados foram organizados em três grandes categorias, a partir da
concepção de desconstrução9 da bipolaridade de gênero. Ao desconstruir, afirmamos
não haver uma maneira "universal", "verdadeira" ou "única" de ser mulher ou de ser
homem, admitida a possibilidade de haver diferenças.
Antes de apresentar os resultados, é importante ressaltar que essa pesquisa
respeitou os critérios éticos. Deste modo, ao iniciar as observações, todos os
interlocutores ficaram cientes do processo metodológico. Ademais, o dono da
academia autorizou execução do trabalho e todos os nomes foram alterados para
respeitar a confidencialidade.
3 SOBRE A PRÁTICA DO BOXE E AS DIFICULDADES NA PARTICIPAÇÃO DAS
MULHERES
Atualmente, a prática esportiva deixou de ser negada ao gênero feminino.
No fim do século XIX, algumas atividades físicas, como a ginástica, foram liberadas
para mulheres, com a ideia de que beneficiavam ou "preparavam" o corpo para a
maternidade (GOELLNER, 2003). Segundo Goellner (2005), as que antigamente
realizavam esportes eram vistas como possuidoras de um comportamento desviante.
"A prática esportiva, o cuidado com a aparência, o desnudamento do corpo e o uso
de artifícios estéticos […] identificados como impulsionadores da modernização da
mulher […]" eram considerados "como de natureza vulgar que a aproximavam do
universo da desonra e da prostituição" (GOELLNER, 2005, p. 145).
6 Entre outubro de 2009 e janeiro de 2010. As aulas observadas eram realizadas à noite e tinham uma hora de
duração, perfazendo duas observações por semana.
7 Foram entrevistados oito mulheres e dois homens. O critério de participação nas entrevistas foi ser praticante de
boxe há mais de um ano, no intuito de o sujeito ter maior conhecimento do universo pesquisado em relação ao gênero.
8 Os nomes dos sujeitos são fictícios, para preservar a ética em pesquisa. Todos os entrevistados preencheram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
9 A noção de desconstrução é um procedimento utilizado por Derrida, que problematiza a construção permanente e
polarizada da oposição binária, como, por exemplo: branco/negro, natureza/cultura, masculino/feminino, etc. Esses
polos se opõem e se diferenciam, mas estão em constante relação. Os polos parecem ser rígidos, determinantes
e naturais, sendo que o segundo polo sempre deriva do primeiro numa relação de poder em que existe a lógica
de dominação-submissão, que parece ser inalterável. A desconstrução dos binarismos de polos opostos permite
problematizar a construção de cada polo, observando que cada um deles constitui o polo contrário, "demonstrando
que cada um na verdade supõe e contém o outro, evidenciando que cada polo não é único, mas plural, internamente
fraturado e dividido" (LOURO, 2001, p.31). 04
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Mulheres no boxe: negociações de masculinidade(s) e feminilidade(s) na academia
Os trabalhos sobre lutas têm apontado na direção de um universo
predominantemente masculino e a prática das mulheres nos esportes tem sido
tensionada (GOELLNER, 2007; THORPE, MARFELL, 2019). A participação de
mulheres está relacionada, em alguns desses ambientes, com outros objetivos, como
estética e atividade física voltada a cuidados corporais. Diferentemente dos homens,
que, na maioria das vezes, têm a luta como um fim (ou seja, estão ali para aprender
a lutar), as mulheres, nesses estudos, usam um discurso de prática de lutas como
meio para conseguirem boa forma. Ferreti e Knijnik (2007), Mariante Neto (2009),
que estudaram discursos de lutadoras de boxe, capoeira e Muay thai, os resumem à
ideia de "proteção", atributos por elas citados para explicar seus objetivos com essas
modalidades.
Isso pôde ser observado também no texto de Fernandes, Mourão; Goellner e
Grespan (2015), e foi corroborado no universo desse estudo já desde as primeiras
observações10. Já desde o início da nossa presença em campo, identificamos – na
terceira parte da aula – que a separação das duplas, momento que promove um maior
contato físico entre os alunos (o sparring11), respeitava uma dinâmica de gênero.
Observamos diferentes argumentos em relação à produção de significados
acerca das feminilidades/masculinidades. Esse movimento discursivo ora reforça
(ao destacar que a academia é de “brutamontes”, mulheres “podem se machucar”,
podem fazer enquanto o “objetivo seja emagrecer” e “não fiquem muito fortes”,
“são delicadas", expressões misóginas e estereotipadas que podemos ouvir com
frequência), ora questiona a separação entre homens e mulheres na realização
de práticas esportivas (ao promover a prática mista ou um treino de alta qualidade
inclusive superando os homens, que elas persigam objetivos competitivos etc.), o
que nos leva a inferir que o boxe tem implicações com a (re)produção de gênero, o
que está implícito nas diferenças de modalidade de realização. Um exemplo empírico
dessa discussão é a fala de uma das alunas da academia, que relatou que não faz
flexões de braços ao final da aula "para não ficar muito forte".
Tais diferenças, que refletem significados ou atributos culturais de feminilidade
e de masculinidade12, são incorporadas/aprendidas pelos sujeitos, e a partir delas
articulam diferentes negociações, rejeições ou aceitações que permeiam as práticas
esportivas.
10 Uma aula básica de boxe começa com exercícios de "sombra" em frente ao espelho. Esta atividade reproduz os
golpes utilizados no esporte (jabs, diretos, esquivas etc.), mas sem implementos (sacos de pancadas ou aparadores
de soco). A intensidade do movimento é baixa, limitando-se ao objetivo de aquecer o corpo e melhorar a técnica.
A "corda de pular" também é utilizada nesse momento. A segunda (e mais longa) parte da aula se dá quando os
lutadores já estão aquecidos. Normalmente, "calçam" luvas e realizam rounds de dois a três minutos nos sacos de
pancada/aparadores. Algumas vezes, simulam lutas (sparring), quando, então, usam capacetes de proteção. Ao final
da aula, realizam exercícios de fortalecimento muscular, como abdominais e flexões de braço.
11 O sparring é uma simulação de uma luta de boxe. Geralmente essa atividade é realizada com proteções como
capacetes e protetores bucais.
12 Operar com gênero como uma categoria social e relacional permite compreender como tanto a feminilidade quanto
a masculinidade são construções relacionais e interdependentes (MEYER, 2003). Assim, pressupõe-se usualmente
que a agressividade, a virilidade, a força e a coragem seriam adjetivos diretamente associados à masculinidade;
delicadeza, intuição, sensibilidade e medo seriam ligados à feminilidade. Nessa direção, podemos afirmar que os
mesmos discursos que permitem que homens sejam narrados como agressivos e inquietos, posicionam as mulheres
como passivas e sedentárias e, simultaneamente, concorrem para que o processo seja entendido como natural.
Connell (1995) entende que a construção da masculinidade é um processo no qual se esperam determinados
comportamentos "apropriados" para os homens. Assim, “os rapazes são pressionados a agir e a sentir dessa forma
e a se distanciar do comportamento das mulheres, das garotas e da feminilidade compreendida como o oposto"
(CONNELL, 1995, p. 190). 05
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Flavio Py Mariante Neto, Ileana Wenetz
Também pudemos observar, de parte das mulheres, alguma dificuldade
em participar das aulas de boxe. Isto foi materializado na entrevista com Aline,
aluna iniciante, que relata a vontade, já há bastante tempo, de fazer a atividade
e ter enfrentado um estranhamento inicial em razão da família não querer que ela
participasse dessa prática:
As pessoas estranham muito, todo mundo acha, porque eu sou
pequenininha, né? Dizem que eu sou muito delicada para fazer boxe, que
boxe é agressivo. Meu pai é o mais apavorado, quando eu disse que ia
fazer boxe, ele se apavorou, ele quase enfartou (risos). […] Mas o problema
mesmo foi meu pai, ele ficou horrorizado, disse ‘como assim?’ ‘Minha
filhinha fazendo boxe?’, ‘mas é perigoso’, ‘tu vai te machucar, vai machucar
o braço, vai machucar a mão, vão te bater’ (ENTREVISTA, 02/04/2010).
Apesar de querer praticar boxe, Aline se vê de alguma forma intimidada pelas
pessoas que a rodeiam, como seu pai, que enxerga o esporte como violento, não
cabendo a uma mulher desenvolver características que, possivelmente, acarretarão
danos físicos compreendendo uma lógica da feminilidade como "sexo frágil".
Assim, o estranhamento do pai em relação à participação da filha nas aulas
de boxe pouco se assemelha ao "mundo masculino" que regula o universo simbólico
do boxe. Wacquant (2002) mostra como os homens são estimulados a praticar a
luta e percebe-se que "boxe é coisa de homem", no sentido da internalização de um
critério de masculinidade, distante da visão hegemônica de feminilidade. Portanto,
se na obra citada os indivíduos são estimulados a participar da academia, incluindo
mostrar suas "marcas de guerra" (WACQUANT, 2002, p. 67) como sinais de bravura
e honra, no local da pesquisa, as mulheres são percebidas como estranhas em um
mundo a elas hostil. A inserção das mulheres se dá, preponderantemente, por outras
modalidades na academia, como a ginástica e a dança. Raramente as mulheres já
entram nas aulas de boxe. Quando entram, vindo de outra modalidade, não há uma
hostilização por parte dos homens, entretanto, eles entendem que elas estão ali por
questões estéticas, e não para lutar ou desenvolver o "olho de tigre13".
As dificuldades de participação foram relatadas também por atletas profissionais
que narram desde comentários desconfiados, ou até proibitivos, pela possibilidade
de se machucarem, embora admitam que, se houver persistência por parte das
lutadoras, passarão a ser acompanhadas e apoiadas por familiares e amigos (SILVA;
CAVICHIOLLI; CAPRARO, 2015; CARDOSO et al., 2012). Resultados semelhantes
sobre a possibilidade de se machucar foram problematizados por Cardoso e
colaboradores (2012) e Cardoso, Sampaio, Mara e Silva (2015).
4 SEPARAÇÃO POR GÊNERO
Para aprofundar as análises de gênero, criticam-se, nesse ponto, noções
essencialistas de homem/mulher e de masculinidade/feminilidade ou, ainda, a ideia
de uma representação única sobre o feminino, como foi destacado por Fernandes,
Mourão; Goellner e Grespan (2015) e Berté (2016). O gênero, como categoria
relacional, nos permite argumentar que os mesmos discursos que possibilitam
que as mulheres sejam encaradas como desprovidas de agressividade, de força,
13 Esse termo será desenvolvido a posteriori. 06
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Mulheres no boxe: negociações de masculinidade(s) e feminilidade(s) na academia
de um desejo de competição ou de certa "adrenalina", ao mesmo tempo encaram
os homens como "naturalmente" dotados dessas características. Não se questiona
sua capacidade corporal; quanto às mulheres, delas se espera que se aproximem o
quanto mais possível desses requisitos, considerados "parte da prática/luta".
Entendemos que a masculinidade e a feminilidade operam em polos diferentes
e contrapostos. Diferentes discursos reforçam a separação entre homens e mulheres
nas aulas observadas, o que tem chamado a atenção de Raquel (aluna) ao fazer
referência à academia estudada (que oferece outras atividades e proporciona
a separação de duplas). Em sua opinião, este fato distingue a referida academia
dos locais tradicionais de treinamento, considerando que as outras são, segundo
as mulheres ao se referir aos homens, “academias cheias de brutamontes14”
(ENTREVISTA, 15/03/2010).
Nessa direção, é possível analisar como as mulheres praticantes de boxe se
inserem em processos de aprendizagem de gênero no espaço da academia e que
significados atribuídos ao gênero são negociados. Retomamos a relação de poder
(FOUCAULT, 2002a) confirmando ser ela de natureza relacional, não existindo a priori,
portanto, uma relação dominante/professor ou colega/homem, mas o estabelecimento
de um binômio que classifica a relação em dominada/aluna ou colega/mulher, e que
esses significados são negociados durante a prática.
Tais relações podem ou não ser "suspensas", como relatam Tunelli e Vaz
(2011), partindo de uma negociação que é refeita diariamente. Entende-se que a
mulher lutadora pode tanto reforçar a separação quanto tensioná-la pelos mecanismos
de resistência/poder utilizados em relação a discursos que são legitimados ou não
cotidianamente.
Para evidenciar esse movimento analítico, enfatizamos a possibilidade de
assistir à atuação/interferência do gênero não só durante a prática de pesquisa, mas
também na própria produção do conhecimento. Isto foi registrado por Tunelli e Vaz
(2011), ao observarem uma mudança de comportamento de uma lutadora de caratê
que, ao começar a pesquisar, provocou também um deslocamento da sua posição
e legitimidade no grupo. Ao mudar de lutadora à mulher pesquisadora, provocou
algumas novas reações de incômodo por parte dos investigados, ou "uma escalada
de agressividade e chauvinismo – também expressão de defesa e demarcação de
território – correspondendo […] à pesquisadora, uma vez quase que 'suspensa' sua
condição de lutadora" (TUNELLI; VAZ, 2011, p. 897). Desafiada por comportamentos
sexistas e pela autoridade ilimitada do sensei15 sobre ela, a situação só foi superada
quando a mulher voltou a se posicionar como lutadora. Este seu recuo à condição de
lutadora teve o efeito de suspender os desafios por parte dos colegas.
Salvini (2017) pesquisou mulheres profissionais com o objetivo de analisar
as estratégias de funcionamento do subcampo do MMA frente ao campo esportivo a
partir da posição que as mulheres lutadoras ocupam nessa estrutura. A autora, afirma
que "[…] tanto o subcampo do MMA é dominado frente ao campo esportivo, quanto
14 Os “brutamontes” seriam os representantes do conceito de “masculinidade padrão”, indivíduos que apresentam
pouco ou nenhum apreço pela participação das mulheres nas lutas.
15 Esse termo se refere ao professor ou ao mestre nas lutas de origem oriental. 07
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as mulheres são dominadas no interior do subcampo do MMA o que resulta em uma
dupla dominação às lutadoras de MMA" (SALVINI, 2017, p. 245). Embora não se
reconheça certa abertura nem a possibilidade futura de subversão e resistências.
Apesar de o nosso estudo evidenciar a possibilidade de que esse espaço
esportivo venha se "abrindo" às mulheres, algumas observações reforçam a
separação dessa prática por conta do gênero. A simples presença de mulheres nas
aulas não é suficiente para evidenciar uma aceitação por parte dos frequentadores da
academia (BERTÉ, 2016). De acordo com alguns registros, mostram-se resistentes
quando o assunto em questão é tratado. Um exemplo disso é uma conversa por nós
registrada entre uma aluna de boxe da academia e uma nova aluna da musculação
do mesmo local. Elas falavam sobre as aulas de boxe:
O pesquisador relata: chego para dar aula às 21h. Nesse dia não iria dar
aula, porém Ricardo me telefonou para que eu o substituísse. Encontro-
me com Renata na recepção e digo que serei eu que darei aula hoje. Ela
conversa com uma aluna nova de musculação sobre a prática do boxe.
Segue entre elas o seguinte diálogo:
Renata: Vem fazer boxe um dia, é tri bom. Gasta bastante caloria.
Ana: Mas não se machuca?
Renata: Não, os guris é que se batem (risos)
Ana: Eu não posso ficar de olho roxo (risos)
Renata: Nem te preocupa, eu faço isso há dois anos e nunca me machuquei.
Ana: Vou experimentar um dia.
Interrompo o diálogo entre as duas e pergunto: ‘Porque não faz hoje?’. Ela
me responde: ‘Hoje não, vou ficar só olhando’.
Ao final da aula, perguntou para Ana o que ela havia achado da aula e
ela me responde: 'É puxado, mas muito agressivo, vou continuar na
musculação' (D.C, 28/11/2009).
Como se pode verificar pelo aspecto relacional do conceito de gênero, as
mulheres também utilizam diferentes argumentos que reforçam a agressividade dos
homens e a delicadeza nas mulheres. Em outros momentos, podemos mapear uma
negociação ou conflitualidade nesse reforço quando essas atribuições entram em
disputa ou negociação.
5 ATRAVESSAMENTOS DAS FRONTEIRAS DE GÊNERO E DE SEXUALIDADE
Os atravessamentos de fronteiras de gênero e sexualidade acontecem
quando há tensionamento entre o que é entendido como correspondente ao feminino/
masculino. Essa transgressão ocorre quando homens ou mulheres se aproximam de
uma atividade considerada do outro gênero. Por exemplo, quando uma mulher se
propõe a praticar o boxe ou um homem decide praticar o balé.
O que nós chamamos de atravessamento nos permite um movimento de
análise sobre a conflitualidade das fronteiras do gênero, tensionamentos que podem
ser mapeados, por exemplo, quando uma mulher realiza uma prática esportiva
ainda considerada masculina. Raquel (aluna), ao ser perguntada sobre como foi sua 08
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Mulheres no boxe: negociações de masculinidade(s) e feminilidade(s) na academia
entrada no boxe e por qual motivo não começou a frequentar a aula dessa modalidade
anteriormente, respondeu:
Eu achava que eu ia ficar muito mais perdida assim, que era um esporte
realmente mais masculino, não sei se é porque eu ouvi sempre do meu
pai: ‘Aí, como é que tu vai fazer boxe?’. Sabe, tanto é que eu tenho um
saco assim há uns dez, onze anos eu tinha o tal do saco em casa e tipo eu
nunca comecei uma aula assim, eu fiz meu ex-namorado começar a lutar,
daí ele me ensinou (risos) algumas coisas, mas eu mesmo não fui pra aula
(risos). Claro, não é que eu tenha feito ele lutar, mas eu incentivei ele a lutar
pra ele me ensinar. E lá na minha cidade não tinha boxe, mas quando eu
cheguei aqui, tive vontade de fazer, mas não tinha coragem. Eu via lutas
e filmes e achava que era um esporte violento, agressivo, que só homem
fazia (ENTREVISTA, 15/05/2010).
Conforme o relato, a aluna teve dificuldade em ingressar nas aulas de boxe,
ao ponto de incentivar seu namorado a lutar para que ele pudesse lhe ensinar como
aplicar alguns golpes. Mesmo sem conhecer uma academia, sua visão era a de um
esporte violento e masculino, construído pelo cinema (FERNANDES; MOURÃO,
2014) e pela visão da sua família. Esse conjunto de representações se refletiu
em insegurança em começar a frequentar uma academia de boxe. Por outro lado,
seu namorado parece ter mais autonomia em frequentá-la, já que dos homens se
esperam características que vão ao encontro da representação desse esporte, que é
contundente e referido como "agressivo" porque "só homem fazia".
Isto pode ser observado no contexto analisado: a discussão do que seja
"coisa de homem" e do que seja "coisa de mulher" toma destaque e é efetivamente
aplicada à prática do boxe. Sobre isso, Almeida (1996) entende que a masculinidade é
fenômeno discursivo, implicada em um campo de disputa e negociação de condutas,
regras e comportamentos sociais vivenciados pelos sujeitos. O autor destaca que o
princípio organizador é a masculinidade hegemônica, como "modelo cultural ideal
que, não sendo atingível – na prática e de forma consistente e inalterada – por nenhum
homem, exerce sobre todos os homens e sobre as mulheres um efeito controlador"
(ALMEIDA, 1996, p.163).
No caso da aluna, o esporte parece pronto, conceituado: é violento e masculino,
um meio restrito, fechado e direcionado à agressão e à virilidade, que são "coisas
de homem". O estranhamento não está relacionado ao esporte, mas ao fato de uma
mulher querer praticar boxe, pois o que se espera dela não condiz com esse espaço
esportivo.
Em relação ao ambiente da academia, destacamos o fato de ela já promover
de alguma maneira essa participação. Conforme foi observado por Mariante Neto,
Myskiw e Stigger Neto (2012), o boxe, segundo a análise de Wacquant, por um lado,
já possui algumas características em comum: o esporte estaria relacionado a uma
ascensão social ou status. Como única prática no espaço e serem os praticantes
aspirantes ao boxe profissional, o espaço é caracterizado como predominantemente
masculino e o corpo é compreendido como uma ferramenta exigindo-se do grupo
determinado tipo de características. Por outro lado, o boxe praticado nas academias
seria um esporte tipo lazer, um meio afinado com forma física. Portanto, o boxe
praticado em academias modifica uma lógica apresentada em outros trabalhos.
09
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Embora o boxe faça parte de um conjunto de atividades praticadas por
homens e mulheres, os discursos dos alunos sobre o corpo envolvem diferentes
significados, como saúde, estética e forma física. Por sua natureza, também admite
uma heterogeneidade de sentidos e significados à prática. Estas observações de
Silva, Cavichiolli e Capraro (2015) apontaram uma grande convergência com o boxe
que se pratica nas academias de Curitiba, destacando-se que "isso mostra que a
inserção de mulheres revela um movimento de ressignificação e adaptação do boxe
a esses novos sujeitos praticantes" (SILVA; CAVICHIOLLI; CAPRARO, 2015, p. 133).
Apesar de haver um crescente aumento na participação, as implicações da
prática do boxe são diferentes para as mulheres, como destaca Nunes (2004). Para
os lutadores de MMA, as marcas corporais representam prestígio nas academias
pesquisadas. Tais marcas corporais, e mesmo sinais como hipertrofia muscular
ou algum machucado, resultado de disputas (até motivo de exibição no caso dos
homens), parecem não ser bem vistas no caso das mulheres, de quem se espera um
padrão de comportamento marcado pelo cuidado ou, como afirma Goellner (2003),
por um temor à masculinização.
Ditos sentidos atravessam e configuram uma ampla conceituação de
feminilidade. Fernandes, Mourão, Goellner e Grespan (2015) tiveram como objetivo
analisar as feminilidades de lutadoras profissionais (nesse caso, boxe e artes
marciais mistas) de grande representatividade no país16. As autoras observaram uma
diversidade de significados, pois, enquanto para uma atleta a feminilidade é associada
ao fato de ser mulher e "ser feminina é você ter sua vaidade, é você se sentir e
se achar mulher, independentemente de qualquer coisa e só" (FERNANDES, et al.,
(2015, p. 373), para outra "o esporte, seja qual for, pode comprometer a expressão
da feminilidade normatizada, sendo responsabilidade da própria atleta cuidar para
que isso não aconteça" (FERNANDES, et al., 2015, p. 373).
Deste modo, podemos destacar como existem mecanismos sociais e também
culturais que colaboram para uma manutenção de uma matriz de inteligibilidade
de gênero (BUTLER, 2017). Assim, através de discursos normativos, institui como
natural, normal, fixo, inquestionável a articulação linear entre corpo biológico, gênero
e desejo sexual. Esse movimento discursivo, que coloca sob suspeita a sexualidade
das mulheres boxeadoras, tensiona a matriz de inteligibilidade de gênero (BUTLER,
2017), pois tensiona o borramento das fronteiras feminino/masculino. Ratificando
essas ideias, Louro (2004) confirma a premissa de que a determinado sexo – no
sentido de características biológicas – corresponde um determinado gênero, e este,
por sua vez, indicaria um desejo. Assim, uma pessoa com corpo de mulher seria
feminina e desejaria ter relações sexuais com homens. Essa sequência permite uma
continuidade entre sexo-gênero-sexualidade, que opera reafirmando e repetindo a
norma, baseada na lógica binária masculino/feminino e de que o corpo é identificado
como de macho ou de fêmea.
Nessa direção, espera-se que homens e mulheres sejam definidos de uma
única maneira e que os desejos e as maneiras de viver a sexualidade possuam
16 Neste caso, as falas são de duas atletas que representaram o boxe olímpico nos Jogos de Londres. O boxe
olímpico diferencia-se do boxe profissional por não ter a finalidade dos nocautes. O objetivo é somar pontos através
da aplicação de golpes sobre a linha da cintura. 10
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Mulheres no boxe: negociações de masculinidade(s) e feminilidade(s) na academia
uma coerência interna sustentada numa heterossexualidade compulsória. Partindo
do pressuposto de que a sexualidade também organiza o social, podemos afirmar
que ela também afeta a prática do boxe. Assim, é possível verificar como, a partir
dessas práticas, diversas estratégias são utilizadas para fortalecer determinada forma
de sexualidade, representada como "normal": as masculinidades e feminilidades
heterossexuais.
A academia constitui um espaço em que as mulheres ainda sofrem
discriminações que dificultam sua inserção nesse ambiente, reduzindo a sua
participação nas aulas. Considerando a articulação entre gênero e sexualidade, temos
o relato de Renata: "Minha mãe fala que eu nunca vou arrumar marido porque eu faço
boxe". Nesse exemplo, pode-se observar como a realização de um esporte entendido
como tradicionalmente de homem pode interferir na vida pessoal de uma mulher
que terá, de acordo com o depoimento, dificuldades para "arrumar marido". Aqui
podemos observar como a suspeita recai sobre a sexualidade. Resultados análogos
foram observados em outros estudos, como o de Cardoso et al. (2012, p. 261) que,
ao pesquisarem a prática do boxe por atletas femininas, ouviram de uma delas que
"muitas vezes elas têm sua sexualidade questionada, uma vez que, devido a se
envolverem com um esporte que exige força e golpes, são tachadas como 'lésbicas'".
Mas essa ordem pode ser desafiada, transformada e, inclusive, subvertida.
Para mantê-la, precisam ser realizados diversos investimentos, "continuados e
repetidos", assim como não se devem poupar "esforços para defendê-la [...], pois dita
sequência não é natural, nem segura" (LOURO, 2004, p. 81). De alguma maneira
aqui destacamos práticas corporais dissonantes ou inclusive corpos abjetos pois
escapam daquilo que é esperado para gestos ou práticas esportivas tradicionais.17
Com a finalidade de visualizar como essa lógica opera, citamos, inicialmente,
um exemplo sobre a força feminina e sua relação com a forma corporal.18 Embora hoje
a sociedade não se surpreenda com a força feminina e a inserção das mulheres nos
esportes, o aumento do número dessas participantes não significa, necessariamente,
que elas escapem do estereótipo de "mulher masculinizada" e, mais ainda, de "mulher
que tem desejo sexual por mulheres".
Como já referimos, na academia estudada o espaço é dividido segundo o
gênero (aqui o espaço reforça o sentido tradicional: mulheres espaços da sala de
ginástica e vestiários específicos). Em nossas observações, não localizamos nenhuma
lutadora de boxe, ou seja, uma mulher com objetivos de combate, que buscasse
profissionalização ou mesmo lutar de forma amadora, mas com fins competitivos19.
Também não encontramos homens que se propusessem a esses fins. Mesmo assim,
percebemos que mulheres e homens não compartilham dos mesmos objetivos na
prática do boxe.
Como é o boxe reapropriado para/pelas mulheres? A explicação dada para
explicar os benefícios da luta é direcionada aos "cuidados com o corpo", não para
17 Para aprofundar as definições de práticas dissonantes ou corpos dissonantes ou abjetos, ver (BUTLER, 2017;
CAMARGO, 2016).
18 Aqui, nos referimos ao exemplo da página sete, em que uma das interlocutoras relata que não faz flexões de braço
para “não ficar muito forte”.
19 Em atletas aprofundar em (BERTÉ, 2016). 11
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"a luta". O uso desse esporte assume, neste caso, outro significado. Confirmando
a entrevista de Ricardo, Vítor (aluno) conta o que pensa sobre a participação das
mulheres em sala de aula: "Eu acho que elas fazem mais pelo preparo físico, né.
Pro físico em si, para ficar em forma. Não para objetivar uma luta ou mesmo para se
defender; acho que lutar nem passa pela cabeça delas" (ENTREVISTA, 20/06/2010).
Nesta fala, observa-se que o objetivo da mulher na aula é cuidar do corpo, não
cabendo a ela lutar. Esse discurso está presente também no depoimento de Ricardo,
que, sobre suas alunas lutarem, discorre:
A maioria que está aqui está pela atividade física, eu já tive algumas que
queriam lutar, mas eu tento meio que desmotivar elas pra lutar, eu acho que
elas meio que se enganam um pouquinho porque no treino, elas treinam
bem […] elas batem forte, eu tenho que me cuidar que elas batem forte,
sabem como bater, eu acho que, por outro lado, pra entrar no ringue,
competitivamente, já é outra mentalidade, a mulher ia se machucar e
depois ia desistir (ENTREVISTA, 06/05/2010).
Nessa fala, podemos ver como o próprio professor não estimula a luta
profissional porque, para isso, elas precisam ter "outra mentalidade" ou elas podem
"se machucar", pois são elas "que se enganam" e assim desistir. Aqui vemos a matriz
da inteligibilidade (BUTLER, 2017) operando no sentido de reiterar que as mulheres,
embora batam forte e queiram competir, se enganam em ter outros objetivos que vão
além do treino do dia a dia e do cuidado da forma física.
É com base nessa diferenciação entre luta competitiva e o fitness que se admite
para as mulheres um lugar nas aulas de boxe. De acordo com vários depoimentos,
elas estariam ali para fazer uma atividade física. A expectativa é em torno de uma
preocupação estética e elas enfrentariam, provavelmente, resistências por parte de
colegas e professores se apresentassem alguma agressividade ou vontade de lutar
e competir no esporte.
Este entendimento cabe no que Adelman (2003) chamou de "estética da
limitação", e confirma a ideia de que o boxe continua sendo uma prática que pode
"comprometer" a feminilidade da mulher, pois a busca de uma feminilidade pode ser
aplicada tanto ao comportamento quanto ao corpo feminino, sendo negociada por
aceitação e restrições de diversos elementos/aspectos. Por exemplo, as mulheres
podem realizar a prática esportiva e ser fortes embora sempre femininas. Aqui opera
uma restrição ou limitação, na qual a participação esportiva pode se tornar uma forma
de resistência se ela tensiona aqueles sentidos esperados para o comportamento/
corpo feminino.
Caracterizando essa resistência, ou "o que se espera de uma mulher nas
aulas de boxe", temos o depoimento de Rodrigo sobre o tema:
Eu acho indicada a participação da mulher no boxe, eu só acho que, e aí
vai um pouquinho de machismo, eu não tenho muito gosto pela mulher que
se torna, vamos dizer assim, ‘uma fera’ do boxe, ou a mulher que tem o
‘olho de tigre’; a mulher não tem que ter o olho de tigre. O olho de tigre é
uma agressividade inata a determinadas pessoas, né. Algo que demonstra
que elas foram ou não feitas especificamente pro boxe. Na minha forma de
ver, mulher com olho de tigre, e aí acho que vai um pouco de machismo, eu
não acho muito legal (ENTREVISTA, 10/05/2010).
12
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Mulheres no boxe: negociações de masculinidade(s) e feminilidade(s) na academia
Nessa fala, podemos perceber como o próprio entrevistado reconhece a sua
dificuldade em aceitar que a mulher realize o boxe com fins competitivos, em aceitar
que ela se torne profissional e que tenha "olho de tigre". O termo "olho de tigre" é
comumente usado em ambientes de luta e serviu, no caso desta pesquisa, para
representar o contrário do que se espera das mulheres, inclusive das que praticam
boxe. O "olho de tigre" representa a agressividade, a masculinidade, um desejo
de nocautear o adversário, características daqueles que o possuem e que seriam
dotados de um desejo "natural" para as lutas, ou seja, uma mulher que mantenha sua
prática do boxe dentro da fronteira da feminilidade tradicional.
6 CONCLUSÃO
Após as reflexões apresentadas, cabe a nós compreender que essa relação
entre boxe e gênero é tensionada, na medida em que dita relação se configura de
maneira tortuosa, pouco linear e cheia de conceitos e padrões que distanciam a
prática das lutas das mulheres. Chamamos a atenção, também, para a pouca, mas
profícua, produção acadêmica direcionada ao tema.
Ao entrar na academia, percebemos que a participação das mulheres estava
balizada em acordos tácitos, próprios daquele contexto, que colocavam a mulher em
um lugar diferente dos homens. Esta afirmação se materializava na atuação durante
as aulas. Percebemos que as praticantes encontravam dificuldades para se inserir
nas aulas de boxe. Reconhecemos a existência de uma barreira social, materializada
em discursos e atitudes representados pelo desconforto dessas mulheres em relação
à luta. Assim, o boxe se reafirma no cotidiano dessa academia e se materializa nas
observações realizadas como "esporte de homem".
O que se espera dessas mulheres? Podemos dizer que nessa academia espera-
se que elas não deixem de ser femininas (no sentido do "feminino hegemônico").
Esta afirmação permite um aprofundamento reflexivo, pois podemos pensar nos
atributos característicos delas. Deixar de ser feminina seria assumir uma postura de
agressividade e de combate típica dos homens. O "olho de tigre", como afirmou um
de nossos interlocutores, não corresponderia à maneira de uma mulher se comportar
em um treinamento, e mesmo "na sociedade". Delas se espera um tom mais brando,
e que para elas o boxe seja apenas um meio – e não um fim – para conseguir boa
forma. Questões como autodefesa ou combate passam longe do que se configura
como a “boa maneira” de uma mulher se comportar.
É possível afirmar que as mulheres transgridem uma norma de gênero ao
cruzar a fronteira estabelecida no universo do boxe e, simultaneamente, mantêm
alguns atributos de gênero e de sexualidade em funcionamento. Além de enfrentar
resistências para ingressar na prática do boxe, as praticantes dessa modalidade
ainda precisam provar que não deixaram de ser femininas nem heterossexuais.
13
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ISSN: 1982-8918
ABSTRACT
ISSN: 1982-8918 RESUMEN
Abstract: We seek to highlight how traditional notions of masculinity and femininity
(and heterosexism) affect the practice. To this end and through an ethnographic
study carried out in a gym, we reflect on the participation of women in boxing
lessons, identifying the differences between the practice of men and women. We
observed a "naturalization" of what is traditionally considered as male (masculinity,
aggressiveness, etc.) and as female (restraint, sensitivity, etc.), but which
nevertheless are reconfigured. The results were organized into three categories:
about the practice in the space of the academy; about gender separation; and about
the crossing of gender boundaries, which is when the woman, for objectives related
to the fight, tends to be masculinized. he meanings attributed to the practice of boxing
are also tensioned, in which the athletes' own sexuality is questioned, marking here
heterosexuality as the norm.
Keywords: Women. Boxing. Masculinity. Femininity.
Resumen: Buscamos destacar hasta qué punto las nociones tradicionales de
masculinidad y feminidad (y heterosexismo) afectan la práctica del boxeo. Con ese
objetivo y a través de un estudio etnográfico realizado en un gimnasio, reflexionamos
sobre la participación de mujeres en las clases de boxeo, identificando las diferencias
entre la práctica de hombres y de mujeres. Observamos una “naturalización” de lo
que tradicionalmente se considera masculino (virilidad, agresividad, etc.) y femenino
(comedimiento, sensibilidad, etc.), sin que por ello dejen de ser reconfigurados. Los
resultados fueron organizados en tres categorías: sobre la práctica en el espacio
del gimnasio; sobre la separación de género y sobre el cruce de fronteras de
género, que es cuando la mujer, por objetivos relacionados a la lucha, tiende a ser
masculinizada. También son tensionados los sentidos atribuidos a la práctica del
boxeo, en el cual la propia sexualidad de las atletas es cuestionada, enmarcando a
la heterosexualidad como norma.
Palabras clave: Mujeres. Boxeo. Masculinidad. Feminidad.
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NOTAS
ISSN: 1982-8918 EDITORIAIS
LICENÇA DE USO
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative
Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0), que permite uso, distribuição
e reprodução em qualquer meio, desde que o trabalho original seja corretamente
citado. Mais informações em: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0
CONFLITO DE INTERESSES
Os autores declararam que não existe nenhum conflito de interesses neste trabalho.
CONTRIBUIÇÕES AUTORAIS
Flávio Py Mariante Neto: Realização do trabalho de campo; Interpretação dos
dados de campo; Conceptualização do boxe; Estabelecimento dos critérios; Análise
dos dados e Escrita do artigo.
Ileana Wenetz: Conceptualização do debate teórico de gênero; Interpretação dos
dados de campo; Estabelecimento dos critérios; Análise dos dados e Escrita do
artigo.
FINANCIAMENTO
O presente trabalho foi realizado sem o apoio de fontes financiadoras.
ÉTICA DE PESQUISA
A pesquisa seguiu os protocolos vigentes nas Resoluções 466/12 e 510/2016 do
Conselho Nacional de Saúde do Brasil.
COMO REFERENCIAR
MARIANTE NETO, Flavio Py; WENETZ, Ileana. Mulheres no boxe: negociações
de masculinidade(s) e feminilidade(s) na academia. Movimento, v.28, p. e28004,
jan./dez. 2022. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.1116947. Disponível
em: https://seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/111694. Acesso em: [dia] [mês
abreviado]. [ano].
RESPONSABILIDADE EDITORIAL
Alex Branco Fraga*, Elisandro Schultz Wittizorecki*, Ivone Job*, Mauro Myskiw*,
Raquel da Silveira*
*Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia
e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.
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Movimento, v. 28, e28004, 2022. DOI: https://doi.org/10.22456/1982-8918.111694
ISSN: 1982-8918