A Matemática e A Música
A Matemática e A Música
As relações entre a matemática e a música são muito antigas. Já no mundo grego, no séc. VI
a.c., os pitagóricos sublinharam o papel desempenhado pelo número e pela proporção na
compreensão do universo. Eles consideravam que a música encerra uma aritmética oculta e que
a harmonia é a proporção que une os princípios contrários presentes na constituição de qualquer
ser. Os pitagóricos distinguiram dois tipos de harmonia, a harmonia sensível, que se faz sentir
pelos instrumentos musicais e a harmonia inteligível que consiste na articulação dos números.
Neste trabalho, de carácter meramente introdutório, não podemos obviamente abordar todas
as dimensões possíveis das relações entre a matemática e a música. Elas são múltiplas e
extremamente complexas. Como diz Oliveira (2000: 12) " Se, por um lado, podemos partir da
observação dos factos naturais, e tentar mostrar onde está a origem dos sistemas musicais, por
outro, podemos também centrar as preocupações teóricas sobre o funcionamento intrínseco da
música, procurando estabelecer leis internas, deixando de lado a sua justificação lógica.
Enquanto que compositores como Rameau, Zarlino, Hindemith ou mesmo Xenakis, têm sido
apologistas convictos do primeiro, do outro lado, nomes como Rousseau, Galilei ou Fétis
marcam a sua posição". E, pergunta ainda, "poderemos nós, Homens do fim do milénio, com
todo o conhecimento histórico que possuímos sobre a tradição da música ocidental, argumentar
com sucesso a favor de uma arte racional, fundada em factos lógicos ou naturais ou, pelo
contrário, essencialmente humana, imperscrutável e imprevisível?"
Não é essa certamente a nossa situação. Limitamo-nos por isso a apresentar alguns exemplos
de como estas duas disciplinas se interligam.
Antes porém, transcrevemos três reflexões de diferentes épocas sobre esta grande questão:
"MESTRE – Certamente temos a liberdade de considerar que razões tinha Deus, e então, de um
modo maravilhoso, poderemos perceber um pouco as razões da concordância e discrepância
dos sons, assim como a natureza dos diferentes tropos (...). Ao contarmos a série numérica
usada (quero dizer 1,2,3,4, e por aí adiante) apercebemo-nos da sua simplicidade, e pela sua
simplicidade esta é facilmente compreensível, mesmo por meninos; mas quando uma coisa é
comparada desigualmente com outra, o procedimento recai sob os diversos domínios da
desigualdade; assim, na Música, filha da Aritmética ( isto é, a ciência dos números), os sons são
enumerados por uma simples ordem, mas quando soam em conjunto com outros, contêm não só
as variadas espécies de harmonias belas, mas também as maravilhosas razões que as
explicam.
DISCÍPULO – Como é que a Harmonia nasceu da Aritmética, como se esta fosse sua mãe; e o
que é a Harmonia, e o que é a Música?
MESTRE – A Harmonia pode ser considerada como uma mistura concordante de sons
desiguais. A Música é a teoria da concordância em si mesma. E a ela se junta também a teoria
dos números, como acontece nas outras disciplinas da Matemática, e é através dos números
que devemos compreender.
(...)
DISCÍPULO – O que é a Aritmética?
MESTRE – A disciplina das magnitudes móveis que contempla os percursos dos corpos
celestes, e debruça-se racionalmente sobre as órbitas das estrelas à volta de si mesmas e à
volta da Terra.
DISCÍPULO – Porque é através da ciência dos números que as outras três disciplinas existem?
MESTRE – “Porque tudo o que é abarcado por essas disciplinas existe através da razão dos
números, e sem números não pode ser compreendida ou transmitida." (Scholia Enchiriadis, séc.
X, cit. in Oliveira, 2000: 13).
"Geralmente, quando se compõe, começa-se por imaginar um som, por vezes verifica-se e
corrige-se ao piano, depois escreve-se: anota-se. Será que existe uma diferença fundamental
entre este método de trabalho tradicional e a composição de música de síntese, feita por um
computador? Quando estamos diante do monitor do terminal, também imaginamos um som,
experimentamo-lo, corrigimo-lo e finalmente armazenamo-lo numa linguagem informática. Neste
processo é claro que estamos a traduzir as nossas reacções em números e quantificamos todos
os parâmetros com a maior a maior precisão, mas a nossa reacção é, sobretudo, emocional. As
palavras e toda a filosofia não são capazes de dar conta toda a precisão e objectividade deste
domínio essencial da actividade humana. Por outro lado, é esta obrigação de nos debruçarmos
sobre a essência de uma emoção e de a traduzirmos em cálculos precisos que torna o trabalho
de composição feito com o auxilio do computador extraordinariamente fascinante. Há um
sentimento de estarmos a contemplar um espelho insolentemente fiel, e que constantemente nos
coloca questões pertinentes. Modificamos um parâmetro e reagimos emocionalmente ao
resultado. Modificamos outro parâmetro e essa mudança produz outra emoção, subtilmente
diferente, até talvez desconcertante. Outra modificação... etc., etc., e assim repetimos centenas
de vezes este vai-vem entre o objetivo e o subjetivo, até se atingir uma espécie de adaptação
mútua.
"Basta-nos debruçar sobre a natureza do Homem, para podermos compreender aquilo que é a
música do Homem. Pois o que pode unir o corpo físico com a atividade incorporal da razão,
senão uma espécie de adaptação mútua, da mesma forma que os sons graves e os agudos se
unem numa consonância única? Que outra operação pode unir as partes da própria alma e
realizar aquilo que, para Aristóteles, é a união do racional com o irracional?" (Boécio).
Até ao momento presente, nunca foi possível analisar a este ponto as relações
desconcertantes e talvez um pouco perturbadoras que ligam a música à matemática. Para o
espirito medieval ( e talvez nos nossos dias ainda seja pertinente), esta relação era de ordem
metafísica; o homem moderno refuta as explicações metafísicas, que considera como sendo
muito generalistas. Ao pôr em destaque as configurações exatas da música matemática – que,
para ser música deve responder a um sentido estético ou espiritual, considerado até então
profundamente irracional – aproximamo-nos de uma melhor compreensão de nós próprios. As
aplicações mais correntes da inteligência artificial, não permitem uma tal compreensão do
cérebro e do intelecto, embora estes domínios não lhe sejam alheios. O que se experimenta ao
trabalhar num programa de síntese, esse sentimento estranho de escrutinar o próprio fundo da
consciência, parece-me que a música, mais uma vez, se aproxima da essência do debate
filosófico. Para certos pensadores, como Marvin Minsky, “a linguagem e a linguística já não
podem fornecer, ao contraio da música, as chaves para a análise do funcionamento intrínseco do
pensamento" (Jonathan Harvay, cit. in Oliveira, 2000: 21).
"É obvio que em arte, o sentido do que é habitualmente chamada "lógica" tem de ser modificado
de alguma forma, mesmo que a mente humana, de uma forma geral, seja capaz de ter uma
única forma de pensamento. Numa construção estritamente lógica, no sentido cientifico, as
variações de um motivo ( ou de um grundgestalt, etc.) teriam de ocorrer de uma maneira
sistemática e deveriam conduzir a uma finalidade pré-estabelecida. No entanto a dificuldade
encontra-se na nomeação dessa finalidade, já que não existe (até agora) uma tal finalidade na
música, e é impossível conceber uma tal ideia musical que para aí se dirija. No entanto, se
deixarmos de tomar em consideração essa finalidade, qualquer desenvolvimento sistemático
poderia ser feito de tal maneira que, primeiramente o ritmo e depois os intervalos ( ou vice-
versa), poderiam ser sujeitos a processos de variação, ou mesmo ambos poderiam ser variados
simultaneamente ou alternadamente. É fácil imaginar que o resultado de tal procedimento
mecanizado não seria equivalente à forma como a música funciona: ou seja obter-se-iam
inumeráveis repetições supérfluas (embora variadas) de gestalten, que seriam, na sua maior
parte, desinteressantes e sem expressão. E ainda poderemos acrescentar que a ciência não se
iria preocupar com a produção de cada um destes gestalten, mas conter-se ia em delinear os
princípios que lhe dão origem." ( Arnold Schoenberg, cit. in Oliveira, 2000:15)
Nestas circunstâncias, não seria natural ver no número o princípio inteligível através do qual o
cosmos divino, governado pelo espírito, manifestava ao homem a sua harmonia interna?
" Não, por Aquele que tenha entregado às nossas almas a Tretraktis, uma fonte que contem as
raízes da natureza eterna"
Ao que parece, este estranho enunciado constitui um juramento secreto sobre o conteúdo da
teoria pitagórica, e era, portanto, reservado apenas a membros da comunidade.
"Aquele" supõe-se que seja o próprio Pitágoras. A "Tetraktis" consiste provavelmente nos
números 1, 2, 3, 4 que os pitagóricos representavam conjuntamente na seguinte forma figurativa:
XX
XXX
XXXX
Mas, que sentido atribuir à tese de que a Tetraktis é " uma fonte que contém as raízes da
natureza eterna"?
Então, como hoje, o segredo compartilhado constituía um forte vínculo de conexão dos
membros de uma comunidade reduzida. No que diz respeito aos pitagóricos, muitas das sua
doutrinas esotéricas prestavam-se de facto, fora do contexto, a mal-entendidos que era
conveniente evitar. Nesse sentido, a comunidade pitagórica chegou a ter uma complexa
organização interna, com provas de silêncio e de robustez do espírito através de experiências
que visavam fomentar a humildade e a assimilação do espírito pitagórico. Com um significado
que vai muito mais além do carácter de mera curiosidade especulativa, as teorias matemáticas
de Pitágoras exigiam um elo especial constituindo, para os iniciados, um suporte do seu caminho
de vida.
Vejamos agora de que modo Pitágoras terá compreendido as relações numéricas entre os
sons consonantes, ou seja, aqueles que cuja produção simultânea origina uma sensação
agradável no nosso ouvido: o tom, a oitava, a quinta e a quarta.
Alguns autores clássicos, como por exemplo Boecius, falam de uma observação que
Pitágoras teria feito de diferentes sons produzidos por martelos de diferentes pesos. Um martelo
cujo peso era 6 produzia o tom, outro com peso 12 produzia a oitava, outro com peso 9 a quinta
e outro de peso oito a quarta. Pitágoras teria colocado os tais pesos sobre quatro cordas iguais e
observado que se produziam os sons consonantes correspondentes.
Este é o exemplo típico de uma dessas histórias. No entanto, a sua falsidade poderia ter sido
comprovada por um historiador com sentido crítico, sem ter que repetir a experiência. É que, a
frequência do som produzido por uma corda vibrante não está em proporção com a tensão mas
sim com a raiz quadrada da tensão.
Diógenes Laercio, por seu lado, apresenta Pitágoras como inventor de um aparelho científico
capaz de verificar a teoria musical utilizada pelos pitagóricos e explica pormenorizadamente a
experiência com que Pitágoras teria comprovado e quantificado a sua intuição genial da relação
existente entre a harmonia musical e os números. Pitágoras teria esticado uma corda musical
que produzia um determinado som que tomou como fundamental, o tom. Fez marcas na corda
que a dividiam em doze secções iguais.
Tocou a corda na 6ª marca e observou que se produzia a oitava. Tocou depois na 9ª marca e
resultava a quarta. Ao tocar a 8ª marca, obtinha-se a quinta. As fracções 1/2, 3/4, 2/3
correspondiam à oitava, à quarta e à quinta! Verificou ainda que os sons produzidos tocando
outras marcas resultavam discordes ou, pelo menos, não tão acordes como os anteriores! O que
significa que os números 1, 2 ,3, 4, ou seja, a célebre Tetraktis pitagórica, determinavam de facto
as suas proporções relativas os sons mais consonantes!
logo ab = mh
Finalmente, Jamblico afirma que a teoria da média aritmética e da média harmónica teria
procedido dos babilónios e sido importada por Pitágoras. Não há provas que permitam concluir
tal afirmação. Mas não há dúvida quanto à presença destas teorias no pitagorismo primitivo.
Na verdade, a harmonia foi uma ocupação constante na escola pitagórica em todas as etapas
da sua evolução. Platão manifestou o seu descontentamento acerca do carácter empírico tanto
da harmonia como da astronomia dos pitagóricos. Talvez tenha sido por sua influência que,
posteriormente, tenha sido produzida uma axiomática da harmonia pitagórica relatada pelo
astrónomo Ptolomeu na sua obra sobre a harmonia.
A sons musicais correspondem números. Aos do mesmo tom o mesmo número, a tons
distintos números distintos.
Desta forma, resulta por pura dedução lógica, que à quinta deve corresponder 3/2 e à quarta
4/3.
As percursões do ar produzidas simultaneamente por uma corda e uma outra com a mesma
tensão e metade da longitude, tom e oitava, chegam ao tímpano de uma forma representável da
seguinte maneira:
É neste contexto que, em 1923, com a obra Five Piano Pieces, Opus 23, Shoenberg
apresenta o dodecafonismo como um novo sistema de composição.
A tonalidade, isto é, a prática de organizar uma música em redor de uma nota particular (a
tónica), tem sido um aspecto primordial na composição musical. A tónica define um tom central
e, em torno dela, gravitam a harmonia e a melodia. O dodecafonismo criado por Schoenberg tem
a intenção de acabar com este papel central da tónica assim como com a hierarquia que a
tonalidade estabelece entre as 7 notas da escala tradicional.
O princípio básico é o de que cada uma das 12 notas musicais que compõem a oitava deverá
ter o mesmo número de ocorrências em cada composição musical. Este método sofisticado
consiste em fixar uma determinada ordenação das 12 notas da escala cromática previamente
escolhida pelo compositor. Assim, os 12 sons ordenados sequencialmente (sem qualquer
repetição), arranjados numa determinada ordem e usados em qualquer oitava e em qualquer
ritmo, poderão constituir uma série. Após a escolha de uma série de 12 notas, a qual servirá
como base a cada composição, só se poderá utilizar essa série na sua forma original ou, então,
outras que estejam em simetria com esta. É o caso da série invertida ou retrógrada (lida do fim
para o princípio) e da transposta por alguns meios tons. Tendo como regra que nenhuma série
comece antes de terminar a anterior, consegue-se que, no final, apareçam as 12 notas o mesmo
número de vezes.
Mas, qual afinal a relação desta técnica de composição musical com a matemática?
É que as regras deste sistema de composição são passíveis de uma tradução matemática. Na
verdade, as notas podem ser representadas através de números, associando a cada uma delas
um número. Por exemplo, a notas consecutivas podemos fazer corresponder números
consecutivos e, assim, construir uma série efectuando operações no chamado conjunto dos
inteiros módulo 12. Uma série pode então ser definida como uma permutação dos inteiros 0, 1,
2.....,11. No entanto, nem todas estas permutações são utilizadas como séries. Aos
compositores não interessam todos os tipos de séries mas apenas aquelas que têm
determinadas propriedades musicais.
***
Dado um inteiro p, defina-se o conjunto [p] como sendo [p] = {p+kŽ 12, para algum inteiro k}.
Notemos que [1] º [49] º [-11], do mesmo modo que [5] º [29] º [-7].
O conjunto Z12 = {[0], [1], [2], ..., [11]} é chamado o conjunto dos inteiros módulo 12 enquanto
que a cada [p] chamamos classe de equivalência do inteiro p (módulo 12).
A adição no conjunto Z12 (adição módulo 12) é definida a partir da adição usual de inteiros,
tendo apenas em conta a equivalência entre números que diferem entre si de um múltiplo de 12.
Deste modo, temos (3+8) mod12 = 11, (5+7) mod12 = 0 ou mesmo (7+7) mod12 = 2.
A partir da equivalência ente números inteiros que diferem entre si um múltiplo de 12,
podemos ainda definir simétrico de um número inteiro módulo 12, obtendo, por exemplo, (-5)
mod12 = 7, (0) mod12 = 0, (-11) mod12 = 1.
Podemos agora definir série de 12 sons como uma permutação dos inteiros 0, 1, 2, ..., 11
(recordando que cada inteiro deve ser visto como uma classe de equivalência).
Exemplo 1
No Concerto para Piano e Orquestra, Opus 42, de Schoenberg (escrito em 1942), a série base
é Mib, Si, Ré, Fá, Mi, Dó, Fá#, Láb, Réb, Lá, Si, Sol. (neste caso, a letra b significa meio-tom)
Fazendo Mib = 0, Mi = 1, etc, a série base, que representaremos por S, pode rescrever-se do
seguinte modo:
A transposição musical por k meios tons de uma série é representada pela adição de k
(módulo 12) a cada entrada da série, enquanto que a inversão da série é representada pela
substituição de cada entrada da série pelo seu simétrico em relação à adição em Z 12
(propriedade apenas válida se associarmos à primeira nota o número 0, como veremos de
seguida.
Depois de escolhida a série principal que servirá de base para a composição musical, há que
listar todas as séries que se obtêm dela por simetria, para agrupar todo o material sonoro que
pode eventualmente ser utilizado na composição musical.
P = (a1, a2, a3, a4, a5, a6, a7, a8, a9, a10, a11, a12) (2)
A retrógada da série principal é a série que representamos por R(P) e que se obtém de P
lendo esta do fim para o princípio:
R(P) =(a12, a11, a10, a9, a8, a7, a6, a5, a4, a3, a2, a1) (3)
A inversão da série principal, que representamos por I(P), obtém-se de P mantendo a primeira
nota, mantendo os intervalos entre duas notas consecutivas, mas trocando-lhes o sentido, ou
seja, fazendo com que um intervalo ascendente passe a descendente e vice-versa. Se
designarmos as notas de I(P) por ak*, k = 1, ..., 12, estas verificam o seguinte:
a1* = a1
Encontradas as séries associadas à série principal P, estas podem ser organizadas sob a
forma de uma matriz M(P). Seja P a série
P = (a1, a2, a3, a4, a5, a6, a7, a8, a9, a10, a11, a12), com a1 = 0.
Seja M(P) a matriz 12 x 12 construída do seguinte modo: a 1ª linha coincide com a série
principal (P): a 1ª coluna coincide com a inversão (I(P)) da série principal: como a 1 = 0, as
entradas da 1ª coluna são obtidas tal como se apresenta em (4). As restantes linhas são
transposições de P, sendo essa transposição por k meios-tons se for k a 1ª entrada da linha.
Deste modo, as restantes colunas são transposições por k meios-tons da inversão (I k) da série
principal (k é a 1ª entrada da coluna), a 1ª linha lida do fim para o princípio é a retrógrada (R(P))
da série principal, a coluna lida de baixo para cima é a retrógrada da inversão (RI(P)) da série
principal, as restantes linhas lidas do fim para o princípio são transposições da retrógrada (R k) da
série principal e as restantes colunas lidas de baixo para cima são as transposições da
retrógrada da inversão (RIk) da série principal.
Estas séries associadas à série principal, que são no máximo 48 (menos se houver simetrias
na série principal) são a base de construção de cada composição decafónica.
Exemplo 2
De seguida podemos observar a matriz das séries para o Concerto para Piano e Orquestra,
Opus 42, de Schoenberg que já tínhamos considerado no exemplo 1
I0 I7 I11 I2 I1 I9 I3 I5 I10 I6 I8 I4
P0 0 7 11 2 1 9 3 5 10 6 8 4 R0
P5 5 0 4 7 6 2 8 10 3 11 1 9 R5
P1 1 8 0 3 2 10 4 6 11 7 9 5 R1
P10 10 5 9 0 11 7 1 3 8 4 6 2 R10
P11 11 6 10 1 0 8 2 4 9 5 7 3 R11
P3 3 10 2 5 4 0 8 6 1 9 11 7 R3
P9 9 4 8 11 10 6 0 2 7 3 5 1 R9
P7 7 2 6 9 8 4 10 0 5 1 3 11 R7
P2 2 9 1 4 3 11 5 7 0 8 10 6 R2
P6 6 1 5 8 7 3 9 11 4 0 2 10 R6
P4 4 11 3 6 5 1 7 9 2 10 0 8 R4
P8 8 3 7 10 9 5 11 1 6 2 4 0 R8
RI0 RI7 RI11 RI2 RI1 RI9 RI3 RI5 RI10 RI6 RI8 RI4
A 1ª linha contém os elementos a 1, ..., a12 e a 1ª coluna contém os elementos -a 1, ..., -a12. Como
cada linha i é obtida da linha 1 adicionando - a i, que é a 1ª entrada da linha i, o elemento da
matriz na posição (i,j) (linha i, coluna j) é o elemento a j - ai. Designando por a ij o elemento na
linha i, coluna j, conclui-se que a ij + a ji = 0, para i, j Î {1, ..., 12}. A diagonal principal da matriz
M(S) é nula porque a ii = ai – ai, i = 1, ..., 12.
Se pensarmos numa série como uma permutação dos 12 inteiros 0,1,...,11, então o número
total de possíveis séries será
Mas, é claro que nem todas estas permutações são utilizáveis como séries. Aos compositores
interessam séries com determinadas propriedades musicais. A selecção de uma série passa
muitas vezes pelo estudo de certos subconjuntos de Z12." (Carlota Simões, 1999: 49-51).
A MÚSICA E O ACASO
Suponhamos que são feitas extrações de uma caixa preta em que se conhecem os
resultados. Esses resultados fazem parte de um conjunto que se designa por U.
Não se sabe qual será o resultado da experiência seguinte. É necessário que esta regra
também se aplique após uma experiência de duração arbitrária. Aqui, o futuro não tem
informação acerca do passado. Se, por exemplo, foram registrados 1000 resultados mas, por
qualquer motivo, se perdeu um dos resultados, não há possibilidade de o reconstituir a partir dos
outros 999.
A qualquer subconjunto E de U, está associado um número P(E) que pode variar entre zero
e um tal que, de um elevado número de tiragens, a fracção daquelas cujo resultado pertence a E
será muito aproximada de P(E). Isto significa que, com o tempo, surgem algumas regularidades.
Para ilustrar a noção abstrata de acaso, tomemos como exemplo uma moeda de duas faces,
cara e coroa, representadas por 1 e 2 respectivamente. Neste caso, "experiência" significa atirar
uma moeda ao ar e registrar a face voltada para cima (cara ou coroa). Naturalmente, U é o
conjunto dos números 1 e 2. A segunda propriedade significa que nunca se sabe que face surge
no próximo lance, independentemente do número de lançamentos já realizados. Contudo, no
caso de uma moeda equilibrada, tanto 1 como 2 (cara e coroa) irão ocorrer aproximadamente
com a mesma frequência: em 10000 lançamentos, aparecerão aproximadamente cerca de 5000
caras e 5000 coroas.
Existem duas atitudes relativamente ao lugar do acaso na composição musical clássica.
Na primeira, o compositor utiliza a sua intuição musical para escolher a forma da peça que vai
criar, como se fosse algo que só ele pudesse compreender. Desta maneira, o compositor
recusa o acaso e constrói o seu próprio caminho no quadro da estrutura musical do seu
tempo.
Quanto à segunda, a atitude do compositor nos momentos em que tem que tomar decisões
pode ser comparada aos resultados produzidos por um gerador aleatório. Contudo, nem
todas as decisões tomadas ao acaso são aceites pelo compositor. Muitas vezes, o "gerador
interno" do compositor tem que trabalhar repetidamente até que o resultado seja aceitável.
Um exemplo de procedimento comum da "música aleatória" consiste em introduzir o factor
acaso para determinar a ordem das várias partes de uma peça musical por meio de
lançamento de dados.
Uma das vantagens da aplicação das técnicas de Markov, é ser possível criar música que
poderia ter sido escrita por um compositor que tivesse vivido séculos atrás. Ao analisar, através
de um computador, as frequências das notas de um grande número de composições típicas de
uma época é possível "compor" melodias sujeitas às probabilidades de Markov.
***
Iannis Xenakis nasceu na Grécia em 1922. Foi membro da resistência na segunda guerra
mundial. Presentemente vive em Paris onde, desde 1966, é director do CEMAMU (Centre d’
Études de Mathématiques et Automatique Musicales).
Talvez tenha sido Xenakis quem mais usou as ideias matemáticas de estrutura e de acaso
nas suas composições. Seguem-se alguns exemplos:
Geração do som
Xenakis não foi o primeiro a criar novos sons através de um elaborado equipamento
electrónico. Contudo, o método usual era recorrer à síntese de Fourier que consistia em
sobrepor ondas sinusoidais de diferentes frequências. Outro método, também bastante
divulgado, consistia em recorrer ao uso de filtros capazes de modificar sons "interessantes" (que
também podiam ser um ruído qualquer) através de dispositivos electrónicos.
Xenakis inventou outro processo de criação de som. O ponto de partida é a própria onda
transformada em algo que pode ser ouvido recorrendo a dispositivos analógico-digitais. Há
essencialmente duas possibilidades de criar uma onda. Ou a sua forma é desenhada
directamente numa mesa especial - uma invenção do CEMAMU que se chama UPIC - ou é
definida gerando uma versão por amostragem (50000 amostras por segundo) com um
computador que usa probabilidades pré-fixadas. Os sons são geralmente muito interessantes.
Em função da lei de probabilidades subjacente, podem assemelhar-se a um barulho ou a um
som bem conhecido. Por vezes, estas curvas também servem para enquadrar composições para
vocalistas e para solistas.
Uma ideia vaga do tipo "as cordas tocam um pizzicato usando a parte superior do Dó Maior",
foi introduzida numa partitura concreta através de uma simulação em computador sujeita a
probabilidades pré-fixadas. Segundo as palavras do próprio Xenakis:
"Isto, penso eu, foi a minha contribuição mais importante para a música contemporânea: deduzir
montanhas de sons, criados como nuvens pelo uso de probabilidades:"
A música estocástica é, por vezes, combinada com aspectos estruturais. Por exemplo, em
Herma, 1962, as notas são primeiro repartidas num número finito de subconjuntos. A partir
destes constroem-se novos conjuntos por meio de certas operações teóricas, tais como
intersecções, uniões e complementos. Por fim, as notas de tais subconjuntos são ordenadas
aleatoriamente por simulação em computador.
Convém fazer duas observações. Primeiro, é claro que uma ideia estocástica qualquer pode
dar origem a muitas composições completamente diferentes. O produto dependerá do resultado
concreto do processo aleatório. Segundo, é importante notar que não está garantido que uma
simulação particular conduza a um resultado satisfatório. Como Xenakis acentua, a decisão final
pertencerá sempre ao ouvido do compositor.
Metastasis
Existe aqui uma mistura de estrutura e acaso. Imagine-se um dado no espaço e associe-se a
qualquer dos seus vértices um evento musical. Figure-se agora um segundo dado onde os
vértices estão ligados a possibilidades de execução musical (determinados instrumentos,
maneiras de tocar, etc). A ideia musical consiste em lançar o segundo dado ao acaso e fazê-lo
coincidir com o primeiro dado, surgindo assim oito decisões musicais. O aspecto mais
interessante é a intervenção de grupos - o grupo de transformação de similaridade dum dado -
aspecto que tem larga tradição na música. Para dar um exemplo lembremos que refletir uma
melodia ou executá-la em ordem inversa são exemplos particulares de aplicação de um grupo
simples constituído por quatro elementos. O grupo de dados de Xenakis tem 24 elementos."
MOZART E OS NÚMEROS INTEIROS
55=1+2+3+4+5+6+7+8+9+10
O sistema numerológico atrás referido controla todos os aspectos da Flauta Mágica. Inclusive,
a própria data da estreia desta ópera foi meticulosamente escolhida: 30 de Setembro
(30.7embro), data que, para um mação como foi Mozart, correspondia a 1 de Outubro (18obro),
visto o espetáculo começar depois das 18 horas. Outro exemplo, também relativo aos 18 diz
respeito à personagem Sarastro. O seu papel na ópera é controlado de modo significativo por
este número: Sarastro tem 18 participações cantando em 180 (18x10) compassos, e cada uma
das suas duas áreas tem 18 melodias. Além destas duas áreas, os sacerdotes de Sarastro (em
número 18) abrem a mudança de cena 5, cada um levando a sua pirâmide e cantando aos
deuses egípcios. As seis linhas de texto dos sacerdotes ocupam 18 compassos, com 4
compassos no fim para permitir que as últimas palavras sejam cantadas 3 vezes no fim.
Mozart também usou a gematria na Flauta Mágica, tanto em palavras como em frases de
texto, fazendo corresponder números inteiros aos nomes das pessoas que participaram na
ópera.
As últimas três sinfonias de Mozart
No verão de 1788, sem que ninguém lhes tivesse encomendado, Mozart escreveu três
sinfonias que viriam a serem as suas últimas. A elaboração destas três obras foi consequência
da sua profunda adesão dos ideais maçónicos. Mozart estava prestes a completar 33 anos -
número de elevada importância para a Maçonaria - que, segundo a interpretação ortodoxa da
Bíblia, seria a duração em anos da vida de Cristo.
Existem três tonalidades ligadas à Maçonaria que Mozart fez questão de utilizar: Eþ (mi
bemol), a tonalidade preferida na Maçonaria; C (dó), a chamada tonalidade "branca"; e G (sol),
tonalidade muito especial em Mozart e que representava um símbolo importante na Franco-
Maçonaria.
O 18 aparece em grande relevo na sinfonia de sol maior cuja grande parte dos temas têm
essa base. As duas outras sinfonias, embora em menor escala, também revelam exemplos de
numerologia. Um exemplo - que mostra um claro carácter maçónico é a sinfonia em Mi bemol,
particularmente a exposição tripla do floreado inicia l. A primeira parte do segundo tema é
novamente um 18 (6+6+3+3), tal como em 18 é o primeiro tema do segundo andamento (6+12).
***
Com o intuito de mostrar que Mozart não utilizava a numerologia apenas nas suas
composições, apresentamos duas cartas que Mozart mandou à sua mulher, Constance.
10+9+50+60+43+70+82=324=18^2,
A segunda a 6 de Junho (6/6) "es fliegen 2999 und ein 1/2 bisse von mir", que corresponde
a
29+99=128=2^7,
que é a força, sete vezes sagrada, entre o homem e a mulher (e "1/2" para o bebé que
Constance esperava).
(Cf.,Grattan-Guinness,