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Diário Da Alma - João XXIII

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S.

JOÃO XXIII

DIÁRIO DA ALMA

LORIS F. CAPOVILLA

2000, Ed. PAULUS, 379 págs.

Resumido por Pe. Ronaldo Bernardes

Revisado por Mons. Inácio José Schuster

Textos extraídos de:


https://alexandriacatolica.blogspot.com/
BIOGRAFIA do PAPA JOÃO XXIII

Nasceu no dia 25 de Novembro de 1881 em Sotto il Monte, diocese e


província de Bérgamo (Itália), e nesse mesmo dia foi batizado com o nome
de Angelo Giuseppe; foi o quarto de treze irmãos, nascidos numa família de
camponeses e de tipo patriarcal. Ao seu tio Xavier, ele mesmo atribuirá a
sua primeira e fundamental formação religiosa. O clima religioso da família
e a fervorosa vida paroquial foram a primeira escola de vida cristã, que
marcou a sua fisionomia espiritual.

Ingressou no Seminário de Bérgamo, onde estudou até ao segundo ano


de teologia. Ali começou a redigir os seus escritos espirituais, que depois
foram recolhidos no "Diário da Alma". No dia 01 de março de 1896, o seu
director espiritual admitiu-o na Ordem franciscana secular, cuja regra
professou a 23 de maio de 1897.

De 1901 a 1905 foi aluno do Pontifício Seminário Romano, graças a


uma bolsa de estudos da diocese de Bérgamo. Neste tempo prestou, além
disso, um ano de serviço militar. Recebeu a Ordenação sacerdotal a 10 de
Agosto de 1904, em Roma, e no ano seguinte foi nomeado secretário do
novo Bispo de Bérgamo, D. Giacomo Maria R. Tedeschi, acompanhando-o
nas várias visitas pastorais e colaborando em múltiplas iniciativas
apostólicas: sínodo, redação do boletim diocesano, peregrinações, obras
sociais. Às vezes era também professor de história eclesiástica, patrologia e
apologética. Foi também Assistente da Ação Católica Feminina,
colaborador no diário católico de Bérgamo e pregador muito solicitado, pela
sua eloquência elegante, profunda e eficaz.

Naqueles anos aprofundou-se no estudo de três grandes pastores: São


Carlos Borromeu (de quem publicou as Atas das visitas realizadas na
diocese de Bérgamo em 1575), São Francisco de Sales e o então Beato
Gregório Barbarigo. Após a morte de D. Giacomo Tedeschi, em 1914, o
Padre Roncalli prosseguiu o seu ministério sacerdotal dedicado ao
magistério no Seminário e ao apostolado, sobretudo entre os membros das
associações católicas.
Em 1915, quando a Itália entrou em guerra, foi chamado como sargento
sanitário e nomeado capelão militar dos soldados feridos que regressavam
da linha de combate. No fim da guerra abriu a "Casa do estudante" e
trabalhou na pastoral dos jovens estudantes. Em 1919 foi nomeado director
espiritual do Seminário.

Em 1921 teve início a segunda parte da sua vida, dedicada ao serviço da


Santa Igreja. Tendo sido chamado a Roma por Bento XV como presidente
nacional do Conselho das Obras Pontifícias para a Propagação da Fé,
percorreu muitas dioceses da Itália organizando círculos missionários.

Em 1925, Pio XI nomeou-o Visitador Apostólico para a Bulgária e


elevou-o à dignidade episcopal da Sede titular de Areopolis.

Tendo recebido a Ordenação episcopal a 19 de março de 1925, em


Roma, iniciou o seu ministério na Bulgária, onde permaneceu até 1935.
Visitou as comunidades católicas e cultivou relações respeitosas com as
demais comunidades cristãs. Atuou com grande solicitude e caridade,
aliviando os sofrimentos causados pelo terremoto de 1928. Suportou em
silêncio as incompreensões e dificuldades de um ministério marcado pela
táctica pastoral de pequenos passos. Consolidou a sua confiança em Jesus
crucificado e a sua entrega a Ele.

Em 1935 foi nomeado Delegado Apostólico na Turquia e Grécia: era


um vasto campo de trabalho. A Igreja tinha uma presença ativa em muitos
âmbitos da jovem república, que se estava a renovar e a organizar. Mons.
Roncalli trabalhou com intensidade ao serviço dos católicos e destacou-se
pela sua maneira de dialogar e pelo trato respeitoso com os ortodoxos e os
muçulmanos. Quando irrompeu a segunda guerra mundial ele encontrava-se
na Grécia, que ficou devastada pelos combates. Procurou dar notícias sobre
os prisioneiros de guerra e salvou muitos judeus com a "permissão de
trânsito" fornecida pela Delegação Apostólica. Em 1944 Pio XII nomeou-o
Núncio Apostólico em Paris.

Durante os últimos meses do conflito mundial, e uma vez restabelecida


a paz, ajudou os prisioneiros de guerra e trabalhou pela normalização da
vida eclesial na França. Visitou os grandes santuários franceses e participou
nas festas populares e nas manifestações religiosas mais significativas. Foi
um observador atento, prudente e repleto de confiança nas novas iniciativas
pastorais do episcopado e do clero na França. Distinguiu-se sempre pela
busca da simplicidade evangélica, inclusive nos assuntos diplomáticos mais
complexos. Procurou agir sempre como sacerdote em todas as situações,
animado por uma piedade sincera, que se transformava todos os dias em
prolongado tempo a orar e a meditar.

Em 1953 foi criado Cardeal e enviado a Veneza como Patriarca,


realizando ali um pastoreio sábio e empreendedor e dedicando-se
totalmente ao cuidado das almas, seguindo o exemplo dos seus santos
predecessores: São Lourenço Giustiniani, primeiro Patriarca de Veneza, e
São Pio X.

Depois da morte de Pio XII, foi eleito Sumo Pontífice a 28 de Outubro


de 1958 e assumiu o nome de João XXIII. O seu pontificado, que durou
menos de cinco anos, apresentou-o ao mundo como uma autêntica imagem
de bom Pastor. Manso e atento, empreendedor e corajoso, simples e cordial,
praticou cristãmente as obras de misericórdia corporais e espirituais,
visitando os encarcerados e os doentes, recebendo homens de todas as
nações e crenças e cultivando um extraordinário sentimento de paternidade
para com todos. O seu magistério foi muito apreciado, sobretudo com as
Encíclicas "Pacem in terris" e "Mater et magistra".

Convocou o Sínodo romano, instituiu uma Comissão para a revisão do


Código de Direito Canónico e convocou o Concílio Ecuménico Vaticano II.
Visitou muitas paróquias da Diocese de Roma, sobretudo as dos bairros
mais novos. O povo viu nele um reflexo da bondade de Deus e chamou-o "o
Papa da bondade". Sustentava-o um profundo espírito de oração, e a sua
pessoa, iniciadora duma grande renovação na Igreja, irradiava a paz própria
de quem confia sempre no Senhor. Faleceu na tarde do dia 3 de Junho de
1963.
1. "A minha alma está mais nestas folhas do que em qualquer outro escrito
meu”.

PRIMEIRA PARTE

NO SEMINÁRIO DE BÉRGAMO
(1895-1900)

2. "Oração":Concedei-me, benigníssimo Jesus, a tua Graça, para que


esteja comigo e atue comigo, e persevere até o fim. Faz que deseje e queira
sempre o que te for mais aceite e agradável. Que a Tua Vontade seja a
minha, que a minha vontade sempre siga a Tua e se conforme perfeitamente
com Ela. Que tenha um querer e um não querer conforme o Teu, e não
possa querer nem não querer senão o que tu quiseres ou não quiseres.
Concede-me que morra a tudo quanto há no mundo, e que, por Ti, deseje
ser desprezado e esquecido neste século. Concede-me que, para além de
todos os desejos, descanse em Ti e sossegue em Ti o meu coração. Tu és a
verdadeira paz do coração; Tu és o único descanso; fora de Ti, todas as
coisas são molestas e inquietantes. Nesta paz, isto é, em Ti, Sumo e Eterno
Bem, dormirei e descansarei.

1896

Propósitos feitos nos Exercícios Espirituais de 1896 e confirmados


em 1897 e 1898

3. Para a maior Glória de Deus:

01. Proponho-me e prometo nunca me aproximar dos santos


Sacramentos por rotina ou com frieza e nunca empregar menos de
um quarto de hora a preparar-me.
02. Proponho-me também perseverar em fazer todos os dias,
especialmente nas férias, a meditação, o exame particular e geral,
rezar o terço, fazer a leitura espiritual e a visita e demais orações
que é costume rezar no seminário.
03. Quando me for possível, rezarei também em honra de Maria
Santíssima… três Ave-Marias pela "santa pureza.
04. Vigiarei, com todo cuidado, sobre mim mesmo, procurando
não cair em distracções nas orações. E para isso, tanto ao rezar
como em qualquer outra ocasião, pensarei na presença de Jesus.
05. Sobretudo, estarei de guarda a mim mesmo para que não
irrompa em mim a planta da soberba.
06. Quanto ao estudo, aplicar-me-ei com todo o amor e fervor e
com todas as minhas forças. O meu único objetivo no estudo será
a maior Glória de Deus, a honra da Igreja, a salvação das almas, e
não a minha honra ou afã de sobressair entre todos os outros.
07. Porei especial empenho em mortificar-me a mim mesmo, em
reprimir, acima de tudo e sempre, o amor próprio, meu vício
dominante, evitando todas as ocasiões em que ele possa
sobressair.
08. Não terei paz enquanto não tiver alcançado um grande amor e
devoção ao Santíssimo Sacramento, que constituirá sempre o
objeto mais querido dos meus afectos, dos meus pensamentos,
numa palavra, de toda a minha vida de seminarista, e se Ele
quiser, de sacerdote.
09. Prometo e juro a Maria Santíssima que será sempre a minha
Mãe amantíssima.
10. Procurarei inspirar os outros, sobretudo às crianças, a devoção
ao Santíssimo Sacramento e ao Coração de Jesus… à Santíssima
Virgem.
11. Nunca me esquecerei de São José, rezando-lhe todos os dias
por mim, pelos moribundos e pela Igreja.
12. …mortificarei especialmente os meus sentidos, recusando aos
meus apetites o que eles quereriam.
13. Pedirei na minha oração, e farei que outros peçam, ao
Santíssimo Sacramento, a Nossa Senhora e aos Santos, pala
conversão do Oriente e, sobretudo, pela união das Igrejas
dissidentes.
14. Resumindo, farei que todas as minhas obras confirmem a tão
repetida expressão de Santo Inácio do Loyola: “Para a maior Glória de
Deus” .

1897

Da Santa Pureza

4.Convencido pela Graça de Deus, e da minha Mãe Maria Santíssima,


do inestimável tesouro da "Santa Pureza e da grandíssima necessidade que
dela tenho por ter sido chamado ao angélico Ministério do Sacerdócio, fiz
alguns propósitos, nestes santos Exercícios, com a aprovação do meu pai
espiritual, para me conservar sempre límpido e resplandecente.

5.Serei terníssimo, além disso, para com a Rainha das Virgens;


consagrarei sempre a hora prima do ofício menor, a primeira Ave-Maria do
Ângelus, o primeiro mistério do terço, pela consecução e conservação da
"Santa Pureza.

6.Cuidarei de mortificar severamente os meus sentidos, mantendo-os


dentro dos limites da modéstia cristã; e farei jejuar especialmente os olhos,
a que "Santo Ambrósio chamou "redes "insidiosas, e "Santo António de
Lisboa, ladrões da alma…
7. "Não deixes os olhos pelas ruas da cidade, nem vagueis por seus lugares solitários” (Ben
Sira 9, 7).

8.Com mulheres de qualquer condição, mesmo que sejam parentes ou


santas, terei um cuidado especial, fugindo da familiaridade com elas, da sua
companhia ou conversação, particularmente se se tratar de jovens; nunca
fixarei os olhos no seu rosto. Jamais lhes darei a mínima confiança e
quando, por necessidade, tiver que falar com elas, procurarei ser breve e
prudente.

9. Jamais terei nas minhas mãos, nem porei os olhos, em livros de


frivolidades ou imagens que ofendam o pudor.
Além de dar exemplo de suma modéstia no falar, procurarei afastar
10.
das conversas, quando em família, temas pouco convenientes para a "Santa
Pureza.

Corrigirei sempre com caridade qualquer imodéstia que outros


11.
cometam, e se persistirem, afastar-me-ei, mostrando o mais vivo desagrado.

12.À mesa, ao falar e ao comer, não me mostrarei glutão nem


imoderado; farei sempre alguma pequena mortificação; e quanto a beber o
vinho, serei mais que moderado, porque no vinho há o mesmo perigo que
nas mulheres: “O vinho e as mulheres fazem sucumbir os próprios sábios” (Sir 19, 2).

13.Remendar-me-ei, sempre e em tudo, de que devo ser puro como um


anjo, e comportar-me-ei de modo que, de todo o meu ser, dos meus olhos,
das minhas palavras, dos meus gestos, emane o santo rubor tão próprio dos
Santos Luís, Estanislau e João, rubor que tanto agrada, causa reverência e é
expressão de um coração, de uma alma casta, amada por Deus.

14. Jamais me esquecerei de que nunca estou só, inclusivamente quando


estou; que me vêem Deus, Maria e o meu Anjo da Guarda; que sou sempre
seminarista. E quando me vir em ocasiões de ofender a "Santa Pureza, que
me volte, mais do que nunca, para Deus, para o Anjo da Guarda, para
Maria, repetindo com frequência a jaculatória: "Maria Imaculada, ajudai-me.
Pensarei então na flagelação de Jesus Cristo e nos novíssimos, recordando-
me do que diz o Espírito Santo: "Em todas as tuas obras, lembra-te do teu
fim, e jamais havereis de pecar (Sir 7, 36).

1898

Notas Espirituais

15. Deus sabe que, mesmo no meio de todas as minhas misérias, o amo
de verdade e desejo que todos o amem. Que ele me abençoe e não me
rejeite, por mais pecador que seja. Senhor, Tu sabes que te amo.

16. À
medida que avanço, mais dou conta do que me falta.
– observarei um recolhimento especial de manhã e à noite;
– direi inúmeras jaculatórias durante o dia;
– serei menos falador;
– portar-me-ei de maneira que também Jesus possa dizer a mim as palavras
que disse a Santa Tereza: "Chamo-me Jesus de Teresa. Mas antes disso, é
necessário que seja um Ângelo de Jesus. Assim seja. Que São José me
ajude e me dê o seu recolhimento. Jesus meu, misericórdia.

17. Quantas faltas também esta semana. Nas aulas, deixei escapar
algumas palavras inúteis e tontas, fiz o exame de consciência muito
depressa.

18. De qualquer maneira, aconteça o que acontecer, Deus seja bendito,


faça-se a Sua Santíssima Vontade.

19.Em que ponto me encontro no caminho da virtude? Pobre de mim.


Ao fazer um exame geral sobre as minhas acções nestes últimos dias,
encontrei de que me envergonhar e humilhar. Vi que, em todas as minhas
acções, falta sempre algo para a perfeição.

20.Vendo isto, devo humilhar-me profundamente e pensar que não sou


capaz de nada. Humildade, humildade, humildade.

21. Conservo ainda, Graças a Deus, o desejo de ser bom e por isso, sigo
em frente. Mas que digo? Seguir em frente? É preciso começar de novo.
Pois bem, começarei de novo. Que me falta? Em Nome do Pai e do Filho e
do Espírito Santo, sob a proteção da Virgem Maria e de São José, iniciemos
a caminhada. Os pontos em que devo permanecer vigilante são o inverso
das faltas que acabo de assinalar.

22. Meditação sobre os meios que o Senhor me deu para me salvar e


encontrei muito de que me envergonhar. Acabemos de uma vez. Até agora,
andei sempre a brincar com Deus, mas com Deus não se brinca. Daqui em
diante, farei bem as coisas, de verdade.

23. Evitarei, sobretudo quebrar as regras comuns, em particular o


silêncio. Andarei unido a Jesus no Sacramento, meu amigo e alento, e tudo
correrá bem. Jesus meu, misericórdia.
24. Resta-me ainda muito, muito que fazer, especialmente no que se
refere ao recolhimento nas orações. Tenho de me sacrificar, de me
desprezar. Este sacrifício, nesta Semana Santa, pede-mo Jesus que sofre.
Poderia recusar-lho? Não, Jesus, nunca.

25. Pareceque sinto em mim um pouco de amor a Jesus, tenho desejo de


me portar bem e, no entanto, faço bastante mal os exercícios de piedade,
nunca tenho a cabeça naquilo que faço, raras vezes recito uma jaculatória.

26. Há uma coisa em que faltei mais, por estar mais na linha do meu
caráter: querer presumir de sábio, sentenciar, cortar irrefletidamente a
direito. Pobre de mim, soberba, soberba, soberba; é o velho amor próprio
que se deixa ver.

27.Os desgostos da família atormentam-me, mas, enfim, é preciso ter


ânimo. Tudo em Jesus e por Jesus, e depois, aconteça o que acontecer.

28.O Bom Jesus concede-me, também este ano, a Graça de fazer o mês
de maio; ofereceu-me uma nova ocasião preciosíssima de amá-lo mais,
procurando honrar a Santíssima Virgem.

29.São duas as virtudes que neste mês pedirei principalmente a Nossa


Senhora: 1) uma grande humildade, isto é, conhecimento, e desconfiança de
mim mesmo; 2) um grande amor a Jesus no Sacramento; e esta segunda
Graça será a que mais vezes pedirei.

30.Pedirei sempre a Jesus uma grande devoção a Maria, sua Mãe e


minha mãe. Assim, tudo o que enche o meu coração, os meus anelos, as
minhas orações, chegam a Jesus por Maria, e a Maria por Jesus.

31. Far-me-ei todo de Maria para ser todo de Jesus.

32. Jesus vê que não desejo outra coisa senão servi-lo, e que me esforço
por sufocar os movimentos de meu amor próprio.

33. Não cessarei de pedir a Jesus e a Maria que me façam humilde, e a


minha mais querida jaculatória será: humilíssima Maria, faz-me semelhante
a ti. Pedirei humildade a Jesus no Sacramento, experimentarei a humildade,
sobretudo nas coisas adversas, humildade com os outros, humildade nos
pensamentos: é aqui que caio especialmente, e aqui caíram os anjos. Jesus e
Maria, bem sabeis que vos amo. Jesus meu, misericórdia.

34. Maria, minha única confiança, aceitai os meus propósitos, envia-me


o Espírito Santo que me fará conhecer a minha miséria e me fará amar
Jesus.

35. Humildade,portanto, de novo humildade, e, sobretudo especialmente


nos pontos em que se diz – e em parte, tenho, de concordar – que faltei.

36. Éo mês do Sagrado Coração, o meu mês, e, portanto, devo dar algum
passo na humildade e, ao mesmo tempo, no amor; assim me preparei
melhor para essas malfadadas férias, e não darei mais ocasião a que possam
formar novos castelos no ar a meu respeito.

37. Poragora, dou Graças a Jesus Cristo, que me concede pelo menos, a
disposição, de me tornar humilde. Além disso, Jesus vê o meu coração; sabe
quanto desejo amá-lo. Por agora, pois, fervor.

38. Uma vez mais, portanto, falta-me esforço, falta-me atenção, falta-me
humildade. Um pecado que sempre comento é nunca ser ordenado, nem
sequer nas coisas espirituais; e o curioso é que estou sempre a recordar
ordem, inclusivamente aos outros.

39. Éisto que devo fazer: nunca dizer aos outros algo que não me esforce
imediatamente pôr em prática, pois até agora fiz o contrário.

40. “Senhor, salva-nos que pereceremos” (Mt 8, 25).

41.Ó, como o mundo me deixa, precisamente quando procuro agradar-


lhe. Ninguém vê os meus sofrimentos, só Jesus os conhece. Só Ele os
conhece, porque só a Ele os contei, só a Ele quis deixar o cuidado de se
ocupar deles, não para que cessem no que me diz respeito, mas para que
acabem, de uma vez por todas, as histórias que os precederam e com as
quais não se faz bem nenhum. Que o Bom Jesus me dê ao menos a
consolação de poder amá-lo quanto desejo, de poder humilhar-me quanto
necessito e de saber alegrar-me só nas minhas humilhações. "Quanto a mim, de
nada me quero gloriar, a não ser da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Gl 6, 14).

42.No Sacramento Eucarístico tenho à disposição uma aula celestial


onde ensina o melhor mestre que se pode imaginar, Jesus Cristo em pessoa.
E as duas ciências principais que aqui se ensinam, são humildade e amor.

Humildade e amor, e o resto, seja o que Deus quiser; se Jesus quiser


43.
que os meus sofrimentos continuem, faça-se a Sua Vontade; e no que a mim
me toca, que me faça digno de tão grande Graça, ou seja, de poder sofrer
com Ele e por Ele.

A recompensa que espero de Jesus Cristo pelas minhas obras, será


44.
sempre a que queria São Camilo de Lélis: “Padecer e sofrer por ti. Amém”.

45. Que Deus me ajude. Senhor, tu sabes que te amo.

46.É necessário que tenha cuidado em não falar demasiadamente nas


conversas, como estava a começar a fazer hoje; porque, embora quanto a
hoje possa estar tranquilo, é sempre verdade o que diz o provérbio: “O
falador não evita o pecado” (Pr 10, 19).

47. Nãotenho consciência de ter falado mal dos outros, mas há que estar
sempre alerta. Tudo isso é amor próprio que vem de cima, todo desejo de
aparentar. Conhece-te a ti mesmo, amigo meu, e tagarela menos e, em
contrapartida, estarás mais recolhido nas orações, as jaculatórias frequentes.
Jesus, tem misericórdia de mim.

48.Humildade sempre, pois quando se é humilde, Deus ajuda. Guardar-


me-ei, portanto, de proferir até mais pequena palavra de ressentimento a
respeito dos meus, por qualquer ofensa que me façam. Jesus, cuida Tu disto.

Ó Jesus, recebe as minhas penas, as minhas lágrimas, para lavar os


49.
meus pecados, e concede-me, por elas, humildade, a mim e aos meus
parentes. Maria, ajuda-me tu.

50.Com Ele, portanto, desabafarei sempre, manifestar-lhe-ei as minhas


misérias, os meus esforços, e ele me dará a paciência, de que necessito nas
contínuas adversidades em que me encontro. Ele me ajudará a cumprir a
missão de paz no meio de minha família profundamente angustiada. Ele me
ensinará a amar o próximo, a perdoar-lhe, a desculpar-lhe os defeitos.
Assim também, se choro, se me vejo ofendido ou abastado, consolar-me-ei,
pensando que me pareço com Jesus que também, mais do que eu, é
ofendido e abandonado, e nunca cessa de amar. Desta maneira, as minhas
lágrimas serão tanto mais meritórias, mais preciosas, quanto mais amargas
forem, e não desanimarei, mas considerar-me-ei honrado por padecer algo
por Jesus que morreu na Cruz por mim; e que, por mim, está continuamente
encerrado no Sacrário.

51. Assim conhecerei cada vez melhor a dignidade do sacerdócio,


ministério da caridade; e nisto, como não humilhar-me? Como não me calar
em tudo? Meu Deus, meu Deus, faz que te ame e serei humilde, faz que te
ame muito e serei muito humilde.

52. Ó Bom Jesus, acende no meu coração um pouco do teu ardentíssimo


amor.

53. Jesus chama-me, do Sacrário, e eu fujo, fujo como todos, os outros


cristãos do mundo. Ó que coração, que coração! Se ao menos conseguisse
estar unido a Jesus com jaculatórias mais frequentes!

54. "Senhor, se quiseres, podes purificar-me” (Lc 5, 12).

55. Ó Deus humilhai-me cada vez mais, fazei-me conhecer o meu


verdadeiro nada, estreitai a união íntima da minha mente e do meu coração
convosco, caso contrário, se continuar como nestes últimos dias, ver-me-ei
induzido a dar maus passos.

56. Jesus e Maria, sede sempre o meu único amor.

57. Maria, minha Mãe, se não me ajudas agora que tanta necessidade
tenho, que seminarista serei?

58. Devo recordar que não só tenho o dever de evitar o mal, mas também
de fazer o bem.
59. Deus meu, que vergonha pensar que, com as Graças que o Senhor me
deu, deveria ser um Santo e, pelo contrário, sou um grande pecador.

60.Senhor, Senhor, tem misericórdia de mim, que sou o maior pecador.


Que mais posso dizer? Não cumpro em nada os propósitos. Deus meu,
quantos pecados e quanto amor a Deus.

Quantas faltas às promessas. Ó Santo Alexandre, que amanhã quero ir


visitar em peregrinação, dai-me um pouco de fortaleza para não faltar aos
meus deveres de bom seminarista.

61. Oque mais me aterra é a minha inconstância no serviço de Deus. Mil


vezes digo como Santo Agostinho, volto sempre a cair. O curioso é que,
ultimamente, um pouco por negligência minha, um pouco por outras causas,
estive muitos dias sem me confessar.

62. No muito falar não falta pecado.

63. Ó Maria, dá aos meus a verdadeira caridade, para poderem de todo o


coração e suportarem com resignação as cruzes que lhes advêm daqueles
que julgam ser seus inimigos.

64. Maria, inundada de dor, chorai também por mim; não por eu ser
ingrato, mas com a finalidade de as tuas lágrimas me abrandarem o coração,
que tão duro e cruel é para com Jesus. Faça-se a Tua Vontade.

65. Recolhimento, isto é o que preciso. Ó Maria, ajuda-me a consegui-lo.

66. A Santíssima Virgem das Dores chora porque Jesus não é amado,
mas sim ofendido; talvez chore também por minha causa. Ó, consola-te,
Maria, conserva em mim, muito vivo, o desejo, de amar o Teu Filho e faz
que, enquanto de mim depender, mitigue as tuas acerbas dores, levando as
almas a Jesus e a ti. Para que me ajudes, consagrando-te as minhas acções
de amanhã. Purifica-as tu, confere-lhes a perfeição de que precisam…

67. Grande resignação, com a Vontade de Deus, suportando com


verdadeira paciência e sem cair no mau humor, as desventuras que Deus me
manda na família, por exemplo, a grave doença do meu irmãozinho.
Rezemos, rezemos por tudo, e que tudo se faça segundo a Vontade de Deus,
a honra e a Glória de Deus. Sim, para a maior Glória de Deus. Amém.

68. Jesus e Maria, sede a minha salvação.

69. Ir para o inferno, merecê-lo-ia, mas espero que não; pelo contrário,
para o purgatório, sim. E só pensar no purgatório me causou calafrios.

70. Que será de mim? Pobre de mim. Que miserável sou.

71. Bom Jesus, volta o olhar para este miserável, pelo menos em atenção
ao desejo que tenho de te amar e de fazer que outros te amem como
mereces, quanto tu és digno e me for possível. Maria, cura meu irmão
Joãozinho.

72. O Senhor mandou-me, nestes dias, uma Cruz um pouco mais pesada.
Bendita seja: que isto possa tornar-me semelhante a Ele e abolir a pena
devida aos meus pecados, Glória a Deus.

73.Quando me sinto assim oprimido, parece-me que me posso


abandonar com maior confiança nas mãos de Deus e sou feliz.

74. Envia-me a Cruz para que a suporte. Sejas dez mil vezes bendito.

75. Que Cruz caiu hoje sobre mim.

76. Ó Jesus, sabeis a angústia de meu coração.

77. Resta-me Jesus, que me estende os braços, convidando-me a ir ter


com Ele em busca de consolação. Sim, vamos a Ele e, com Ele, em todos os
dias, liberto de outras coisas, unir-me-ei na comunhão feita com este
objetivo.

Notas espirituais no retiro mensal depois da morte do Pároco Pe.


Francisco Rebuzzini, o santo sinal da minha infância e da minha
vocação
78. Jesus Eucarístico, por quem queria consumir-me de amor, conservai-
me sempre unido a Vós; que o meu coração esteja junto do Vosso; quero
ser, para convosco, o Apóstolo João.

79. Fazei-me humilde, humildade profunda, caso contrário, edifico sobre


a areia. Jesus meu, tem piedade de mim.

80.Humildade, portanto, e desconfiança de mim mesmo que, sozinho,


nada posso fazer. Ó Jesus, na comunhão de amanhã, abrasa o meu coração
de modo que possa amar-te perenemente, mas com o amor dos Santos.

81.Santos e Santas de Deus, intercedei por mim, preparai-me para o


novo ano de felicidade seminarística.

82. Jesus, misericórdia para mim e paz para os defuntos.

83. Deus meu, tende compaixão de mim que desejo amar-vos.

84.Ah, se a minha vida fosse uma verdadeira reparação pelas minhas


ofensas! Jesus, por que não havia de ser, se Vós me ajudais?

85.Jesus, Maria e José, amores meus dulcíssimos, que viva, sofra e


morra em vós.

86. Viva Maria Imaculada. A única, a mais formosa, a mais santa, a mais
do agrado de Deus entre todas as criaturas. Ó Maria, pareces-me tão
formosa que, se não soubesse que só a Deus se deve tributar a honra
suprema, te adoraria. És formosa, mas quem saberá dizer quanto és boa?

87. Ó Maria, já que não fui como devia ser, já que me recordas, mais
vivamente que nunca, os meus deveres especiais, conserva-me sempre
nestas disposições, isto é, com o máximo fervor de espírito para praticar o
bem. De novo me consagro a ti ó Mãe; dá-me um pouco de bom gosto,
delicadeza em fazer o bem que tanto me falta e que tanto aperfeiçoaria as
minhas obras. Que meu pensamento voe muitas vezes para ti, que de ti fale
a minha boca e por ti suspire o meu coração. Acima de tudo, recomendo-te
aquele assunto que tu bem conheces; tu entendes-me: faz-me humilde, e
serei Santo; faze-me humílimo, e serei santíssimo. Consagro-te as pequenas
mortificações que, com a tua ajuda, me proponho fazer.

88. Peço-te que estejas sempre ao meu lado na piedade, e também no


estudo; ilumina a minha mente quanto às verdades que se referem a ti e ao
teu Filho. Por último, ó grande Mãe Imaculada, leva-me a Jesus, meta
última dos meus afectos; abraço-me com Jesus, inteiramente, ajuda-me a
enlouquecer de amor por Ele. Assim seja.

89.O meu coração, a minha mente, devem estar impregnados do


pensamento, do amor de Jesus Menino. Ó Jesus, faz-me pequeno como tu;
bem sabes quanto o desejo.

Máximas extraídas das meditações dos Exercícios Espirituais

90. Deus é o meu grande dono que, por inaudita bondade, me tirou do
nada para que o louve, o ame, o sirva e procure a sua honra. Sou, portanto,
uma coisa toda de Deus, e não posso nem devo fazer senão o que Deus
quer, o que for para a Sua Glória.

91. Ó Espírito, que me acompanhas, roga a Deus por mim, para que não
faça, não diga nem pense nada que possa ofender os teus olhos puríssimos.

92. "Se nos examinássemos a nós mesmos, não seríamos julgados” (1 Cor 11, 31).

93.Devo convencer-me, para sempre, desta grande verdade: Jesus não


quer de mim somente uma virtude medíocre, mas a máxima virtude.

1899

Notas espirituais

94. No que se refere às preocupações da família, renovadas


especialmente nestes dias de férias, depositei-as todas no Coração Bendito
de Jesus, meu único amor. Ele sabe que, para os meus, não desejo riqueza e
prazer, mas apenas paciência e caridade.
95.Senhor, perdoai-me que sou o maior pecador. Que mais posso dizer?
Quer queira quer não, tenho de confessá-lo. É este o pensamento que pode
curar-me de todos os meus males.

96. Ó Espírito Santo, ó meu Jesus Eucarístico, ó Imaculada, vós


conheceis a minha necessidade de permanecer escondido, de me rebaixar,
de ser desprezado, e apesar de todos esses defeitos, o meu desejo de amar,
de me tornar Santo; humilhar-me, pois, cuidai de mim, fazei-me Santo.
Humildade e amor.

1900

Inspirações e reflexões dos Exercícios Espirituais do Ano da Graça,


Seminário de Bérgamo

97.Quem sou? De onde venho? Para onde vou? Sou nada. Tudo o que
possuo, o ser, a vida, o entendimento, a vontade, a memória, tudo me foi
dado por Deus, logo, tudo lhe pertence.

98. Deus meu, num gesto do Teu Amor inefável, tu que existes desde o
princípio e desde antes dos séculos, tiraste-me do meu nada, comunicaste-
me o ser, a vida, a alma, numa palavra, todas as faculdades do corpo e do
espírito; abriste as minhas pupilas à luz que irradia os seus fulgores à minha
volta, e criaste-me. Portanto, és meu dono e eu sou tua criatura. Nada sou
sem ti, e por ti sou tudo o que sou. Sem ti nada posso; mais ainda, se não
me sustentasses a cada instante, voltaria ao ponto de onde saí, ao nada.

99. Deus criou-me; e, no entanto, Ele não tinha necessidade de mim

100. Por que me julgo, então, tão necessário neste mundo? Eu, que não
passo de uma formiga, de um grãozinho de areia? Por que me considero,
então, tão grande perante mim mesmo? Soberba, orgulho, amor próprio.
Para que estou neste mundo? Para servir a Deus. Ele é o meu dono absoluto
porque me criou, porque me conserva o ser, logo, seu servo.

Sou um peregrino na terra, olho para o Céu, meu fim, minha Pátria,
101.
minha morada. Ó, Céu, és belo e és para mim! Nas contradições, nas
amarguras, no desânimo, será esta a minha consolação: encher o coração da
bendita esperança e depois, pôr os olhos no pensamento do Céu, do Paraíso.
Assim o fizeram os Santos.

Sou nada, e considero-me um grande homem; venho do nada e


102.
envaideço-me de mim mesmo pelos dons que são de Deus. Devo servir ao
meu Criador e pelo contrário, às vezes esqueço-me Dele, sirvo a minha
ambição, o meu amor próprio

103. Sou chamado ao Paraíso e só penso na Glória do mundo. Que


contra-senso! Senhor, que possa compreender-te como te pedia Santo
Agostinho; que te conheça a ti e me conheça a mim, para que te ame a ti e
me despreze a mim. Senhor, escuta este cego que, quando passas, te pede, aos gritos, te
suplica, que o cures, tu que és a luz dos meus olhos. Dá-me luz, sim, para que veja.

Tenho uma alma. Que grandeza! Não sou de pedra, nem planta, nem
104.
qualquer animal; sou um homem, e sou-o devido à alma que me vivifica.

105.A alma é destinada a gozar da própria felicidade de Deus. Como me


atreveria, pois, a ofender esta alma, bela da mesma beleza de Deus?

Todos os homens que há na terra têm em si mesmos a imagem de


106.
Deus; custaram-lhe imensas dores. E, no entanto, são muitos aqueles que
não amam a Deus, que não o servem, mas que, pelo contrário, o ofendem; e
são muitíssimos aqueles que nem sequer o conhecem.

Se todos os homens são imagem de Deus, por que não amar a todos,
107.
por que os desprezar, por que não ser respeitoso com eles?

108. Diante de Deus, pois, a minha conduta deve ser a do publicano que,
longe do altar, bate no peito, dizendo: “Meu Deus, tem compaixão de mim que sou
pecador” (Lc 18, 13); e quando recebo graças e consolações, devo considerar
todos esses dons como esmolas que Deus me concede, sem me vangloriar
deles, reconhecendo que não os mereço.

109. "Se nos examinássemos a nós mesmos, não seríamos castigados" (1 Cor 11, 31).

110. O pensamento do inferno aterra-me; não, não posso suportá-lo


111.Se não lutar contra o meu orgulho, a minha soberba, o meu amor
próprio, aguarda-me o inferno, infeliz de mim. Será então verdade,
amantíssimo Jesus, que deixarás de mim. Será então verdade, amantíssimo
Jesus, que deixarás de poder amar-nos? Que já não veja o vosso rosto? Que
me veja lançado para longe de vós? Esperemos que isto não suceda; mas
pode acontecer, portanto devo viver sempre com temor e tremor, e trabalhar,
assim pela minha salvação. “Trabalhai com temor e tremor pela nossa salvação” (Fl 2,
12).

112.Meu dulcíssimo Jesus, atende a minha súplica. Envia-me, eu te


peço, toda a espécie de doenças nesta vida; prende-me para sempre ao leito;
reduz-me ao estado de leproso na selva; carrega aqui o meu corpo com
todas as dores mais torturantes, tudo aceitarei em penitência dos meus
pecados e te ficarei muitíssimo agradecido; mas, por caridade, não me
mandes para o inferno, não me prives do teu amor, de poder contemplar-te
por toda a Eternidade. Sim, Jesus, peço-te de todo o coração.

113. Terríveis são, Deus meu, os decretos da tua justiça, e só com


imaginá-los, tremo de terror. Mas, quem poderá medir a profundidade da
Tua misericórdia? Exalte, pois, quem quiser, os outros atributos teus, elogie
a tua sabedoria, louve o teu poder, que eu, pelo meu lado, não cessarei
nunca de cantar as tuas misericórdias. “Cantarei eternamente a misericórdia do
Senhor” (Sl 88, 2). Não estará cheia a terra, ó dulcíssimo Jesus, da tua
misericórdia? “A terra está cheia da bondade do Senhor” (Sl 32, 5). E a Tua
misericórdia, não estará no Céu, estendendo-se sobre todas as tuas obras?
“A tua bondade, Senhor, chega até aos céus, e a tua fidelidade, até às nuvens” (Sl 35, 6). E
não és Tu o Pai das misericórdias e Deus de todas as consolações? “Pai das
misericórdias e Deus de toda a consolação” (2 Cor 1, 3). Não disseste tu que não
queres o sacrifício, mas misericórdia? “Misericórdia quero, e não o sacrifício”.

Eu sou, infelizmente, o filho pródigo que dissipou todos os bens, os


114.
dons naturais e sobrenaturais, e me vi reduzido à condição mais lamentável,
por fugir para tão longe de Ti, que és o Verbo por quem todas as coisas
foram feitas, sem o qual todas as coisas são más, porque nada são. Tu és o
Pai amorosíssimo que me recebe com regozijo quando, caindo na conta do
meu erro, decido voltar para Tua casa, procuro novamente refúgio à Tua
sombra, nos Teus braços. Recebes-me novamente como filho, admites-me
novamente à Tua mesa, à Tua felicidade, chamas-me novamente para
participar na Tua herança. Que digo? Eu sou o pérfido discípulo que te
atraiçoou, o presunçoso que te negou, o vil que Te escarneceu; o cruel que
Te coroou de espinhos, Te flagelei, Te carreguei com a Cruz, insultei as
Tuas dores atrozes, Te dei uma bofetada, Te dei a beber fel e vinagre, Te
trespassei o coração com um fria lança. Tudo isto e muito mais, fiz com os meus
pecados.

115. Tu és o meu Bom Jesus, o mansíssimo Cordeiro que me chamou seu


amigo, olhou para mim, cheio de amor, no meu pecado, me abençoou
quando o amaldiçoava; na Cruz, intercedeste por mim, e do Coração
transpassado fizeste brotar um manancial de sangue Divino que me lavou
das minhas imundícies, purificou a minha alma das minhas iniquidades; me
arrancaste à morte morrendo por mim e, vencendo a morte, me adquiriste
vida, me abriste o Paraíso.
Ó, amor de Jesus! Por fim, esse amor venceu, e estou contigo, meu Mestre,
meu Amigo, meu Esposo, meu Pai: eis-me aqui, junto do Teu coração. Que
queres, pois, que faça? Ia pelo caminho da iniquidade e tu deslumbraste-me
com a Tua luz Divina, como a Paulo no caminho de Damasco. “Que hei de
fazer, Senhor?” (At 22, 10).
Ensina-me a Tua verdade, o caminho que devo seguir. “Mostra-me o caminho a
seguir” (Sl 142, 8). Abraçar-me-ei a Ti, amar-te-ei, ó meu Jesus, amar-te-ei
com o amor de Paulo, do teu amado João, de todos os teus Santos; com
amor de obras, com o amor que é forte como a morte. O que poderia
separar-me do Teu amor? Nem a fome, nem a pobreza, nem o frio, nem as
tribulações, nem os tormentos, nem a morte. Quanta confiança tenho no
auxílio da Tua Graça, ó Meu Jesus! E, entretanto, já que amando-me até o
fim te esqueceste das minhas iniquidades e me chamaste para estar mais
perto de Ti, que quiseste teu Ministro, teu íntimo familiar, despenseiro dos
teus Mistérios, e a isso me moves continuamente com as secretas e
dulcíssimas comunicações do teu amor, com infindas aspirações, com o mel
e o néctar celeste das tuas consolações, que arda e se consuma inteiramente
este meu coração, em holocausto por Ti, sobre o Altar do teu Sacratíssimo
Coração, que suspire sempre por Ti, te procure, tenda para Ti; que se revista
do Teu espírito, espírito de sabedoria e de entendimento, e se acenda
também nos pecadores sentimentos de conversão, de regresso a Ti, e que
todos, acolhendo-nos à sombra da Tua Cruz adorável, possamos cantar
perenemente as tuas misericórdias

116. “Bem-aventurados os pobres em espírito porque deles é o reino dos céus”.

117.Jesus, o esplendor da substância do Pai, nasce nas ásperas palhas do


presépio, treme de frio, numa palavra, é importunado por todas as
inclemências, sujeita-se, desde agora, pela salvação do homem, a toda a
espécie de tormentos, cala-se e sofre. Quanta mortificação!

118. Como era a vida de Jesus em Nazaré? Uma vida oculta. Ninguém
sabia nada Dele; exteriormente, só viam Nele o filho de Maria, o filho do
carpinteiro. Que bela lição para mim, que tão cheio estou de mim mesmo, e
a quem o amor próprio incita sempre a manifestar os poucos dons naturais,
acompanhados, por outro lado, dos inumeráveis defeitos que possuo. Devo
permanecer oculto para que, longe do estrépito do mundo, possa ouvir a voz
do meu Jesus que me fala ao coração. O meu maior cuidado deve ser
ocultar o pouco bem que, com a Graça de Deus, conseguir fazer, não vá a
vaidade prejudicá-lo, e o demónio roubar-mo.

119.Que castelos no ar são esses que o meu cérebro sabe construir


segundo as inspirações do amor próprio? Soberba, soberba. É o que é.

120. Este é, pois, traçado pelo próprio Deus, o caminho que me levará ao
Altar. Vida oculta, oração e trabalho. Orar e trabalhar, trabalhar orando.
Trabalhar, empenhar-me no estudo, sempre, sempre: é este o meu dever.
Estudar e não fazer alarde dos progressos no saber, estudar incansavelmente
e ir ter com Jesus, que é quem dá luzes, que é o esplendor da luz Eterna, e
orar de maneira que o próprio estudo se transforme em oração. Neste
mundo precisamos curvar as costas com esforço. Armemo-nos, pois, de
coragem e trabalhemos por amor, porque assim o quer o Senhor. E
trabalhando como Jesus de Nazaré, escondido e em oração, preparar-me-ei
para cumprir mais perfeitamente a missão que me espera, missão de
sabedoria e de amor, e merecerei ser coroado por Jesus com a coroa, com as
estrelas do apostolado.

121. O pecado mortal. Que infâmia! Dá horror, só pensar nele.


122. O pecado venial, pois embora não mereça o inferno e a perda da
Graça, no entanto desagrada enormemente a Deus. Pois bem, se quero amar
de todo para sempre o meu Deus, tenho de evitar qualquer acção, por
mínima que seja, que possa causar-lhe o menor desagrado, pois o amor é
muito delicado.

123. Ajuda-me, Senhor, a conservar a minha alma pura, imaculada e


agradável aos Vossos olhos puríssimos; que possa abandonar-me totalmente
no Vosso Coração amoroso e que ninguém, ninguém, seja capaz de me
separar. Conheceis o meu ser, as más raízes que tenho em mim; estendei-
me, pois a Vossa mão benfeitora para que não tropece no caminho; iluminai
minha mente para que conheça os defeitos que causam fealdade ao meu
espírito, acendei em mim, cada vez mais, o desejo vivíssimo de Vos agradar
somente a Vós, que sois infinitamente digno de ser amado.

Solene promessa ao Sagrado Coração de Jesus, sob os auspícios de


São Luiz Gonzaga

124. Aceita, meu Dulcíssimo Jesus, esta pequena prova do meu afecto
ou, pelo menos, do vivíssimo desejo que acalento no meu peito de Te amar
com todo o coração. De me consumir de amor por Ti, que és o meu Amigo,
o meu Pai, o meu Esposo amorosíssimo. Olha para ele, eu te suplico, com
olhos compadecidos, e o que é mais, junta-lhe o apoio da Tua Graça, sem a
qual, como Tu próprio disseste aos teus discípulos antes de os deixares, e
como eu sei muito bem, nada posso. Coração de Jesus abrasado de amor,
inflama o nosso coração com o Teu amor.

Jesus, Maria e José


Ano Santo de 1900

125.Tratando-se da humanidade, apenas possuo as aparências; dentro de


mim conservo ainda uma boa dose de amor próprio que não cessa de
reclamar os seus direitos. Tratando-se da caridade, sim, há fervor, pelo
menos parece-me que há; tenho bons desejos; mas a verdadeira caridade
dos Santos, a caridade a toda a prova, o amor forte, generoso, ao meu Deus,
ao Coração de Jesus, ainda está longe.
126. Renovo o meu propósito de querer tornar-me Santo de verdade, e
confirmo uma vez mais diante de Ti, ó Coração dulcíssimo do meu mestre
Jesus, que quero amar-te como Tu desejas, que quero revestir-me do Teu
Espírito.

127.Jesus, tu vês o vivo desejo que me arde no coração de te amar, de


vir a ser um verdadeiro Ministro teu; concede-me a Graça de fazer,
realmente, algo de bom.

128. É muito verdade aquilo que diz “A Imitação de Cristo”, a saber, que
há certos momentos em que, quer queiramos quer não, a parte menos nobre
do homem assume o comando sobre a outra e a oprime.

129. Que fazer? De qualquer modo, Deus seja louvado; estamos sempre
nas suas mãos, no frio e no calor.

130.Ó Mãe e Senhora minha, faz também tu qualquer coisa, porque eu


sozinho, como vês, sou bastante miserável.

131. “Jesus, meu rochedo e minha fortaleza” (Sl 30, 4).

132. Jaculatórias, jaculatórias: estas são as setas de amor que, ferindo-o,


farão jorrar do Coração de Jesus a verdadeira caridade cristã.

133. Ó Jesus dulcíssimo, ajudai-me, não cesseis de me fazer ouvir a


vossa voz que é sempre doce, mesmo quando repreende. Deixa-me ouvir a
tua voz (Ct 2, 14). De resto, os latejos do meu coração são todos para Vós,
ó Jesus; e assim, julgo poder confessá-lo, não encontro em mim nenhum
rancor contra ninguém. Guarda-me, pois, e o resto virá por si. Viva Jesus,
Maria e José.

134.Foi um espinho que me encheu de amargura, que me feriu as fibras


mais íntimas e delicadas do coração. Como não havia de chorar? Ó minha
mãe, se soubesses quanto te amo e quanto desejo ver-te contente, não, não
poderias aguentar tanta alegria. Jesus meu, aceita este verdadeiro sacrifício
que te faço e que entrego ao Teu Coração, e dá-me cada vez maior
mansidão e doçura, embora conservando a serenidade que se requer, e dá à
minha boa e pobre mãe, mais fortaleza. Maria Dolorosa, ajuda-me sempre.
135. “Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa” (Ecl 3, 1).

136.Não desperdicemos estas ocasiões tão belas de honrar Maria,


especialmente nesta novena da Natividade.

137. Jesus e Maria, protegei-me para que nunca me afaste de Vós.

Recolhimento e mortificação. Jesus, Vós vedes que tenho desejos de


138.
Vos amar de verdade com todo o coração, com todo o meu ser.

139. Estou disposto, pela Sua bondade, a sofrer tudo pelo meu Jesus, pelo seu coração, que
tanto bem me quer.

140. Senhor, vede o meu coração com os seus desejos.


SEGUNDA PARTE

NO SEMINÁRIO DE ROMA
(1901-1903)

2. Meu bom São José, cujo poderoso patrocínio a Igreja exalta neste dia,
consagro-te de novo todo o meu ser, recomendo-te estes propósitos. Que,
pela tua intercessão, consiga cumpri- los; especialmente te peço a Graça do
recolhimento nas minhas orações, e a prática da vida interior como admiro
em ti.

1902

Exercícios Espirituais com o Pe. Francisco Pitocchi

3. Quem sou eu? Qual é o meu nome? Quais são os meus títulos de
nobreza? Nada, nada. Sou um servo e nada mais. Nada me pertence, nem
sequer a vida. Deus é dono de mim, dono absoluto, para a vida e para a
morte. Pais, parentes, senhores do mundo: o meu único e verdadeiro dono é
Deus.

4. Devo considerar-me sempre nesta condição de servo; não tenho um


único momento em que possa ocupar-me de mim mesmo, servir o meu
capricho, a minha vaidade, etc. Se o fizer, sou ladrão, porque roubo um
templo que não é meu, sou um servo infiel, indigno de recompensa.

5. Senhor, Deus meu, reconheço os teus direitos sobre mim. Perdoa as


minhas infidelidades. Frequentemente, as más tendências distraem-me, e
deixo de atender ao Teu Divino serviço… Ato-me de mãos e pés e
apresento-me diante de ti como Xavier. Olha para mim, Senhor. “Eu sou teu
servo, dá-me inteligência para que aprenda os teus decretos” (Sl 119, 125).

6.O Senhor, meu dono, deu-me a conhecer as suas ordens. Conhecê-lo,


amá-lo, servi-lo durante toda a vida.
7. Todas as criaturas da terra, os dons da natureza, foram postos à minha
disposição unicamente para que me sirva deles exclusivamente para me
elevar até ele, para amá-lo. Esta é a razão de possuí-los. Por isso, quando
me sirvo das criaturas para o meu prazer, transformo a ordem da
Providência, quebro a admirável harmonia do universo, vou contra Deus.

8. Ó, se pudesse adquirir a tranquilidade de espírito, a paz de alma nas


coisas prósperas e adversas, que me tornaria a vida mais agradável e alegre,
mesmo no meio das tribulações! Pobre ou rico, honrado ou desprezado,
pobre pároco de aldeia ou bispo de uma grande diocese, tudo me deve ser
indiferente, desde que assim faça a vontade do meu Senhor, cumpra o meu
dever de servo fiel, e me salve.

9. Quais são as minhas riquezas, as minhas posses, os meus capitais?


Desobediências, actos de soberba, negligências nos meus deveres, pouca
vigilância nos meus sentidos, distracções icnumeráveis, amor próprio em
pensamentos, palavras e obras; pecados e pecados: esses são os meus
títulos, verdadeiramente meus. E com estas misérias penso sobressair, criar
um nome, subir muito alto, fazer alarde de mim mesmo. E julgo ser um
excelente jovem, um bom seminarista, quando não deveria sequer pensá-lo.
É o cúmulo da desorientação, do absurdo, para alguém que julga ter o uso
da razão.

10.Sou o pecador que sou, extremamente frágil. Se a justiça de Deus


excedesse a sua misericórdia… Senhor, Senhor, Faz-me experimentar tudo,
menos o inferno. Pelo contrário, faz- me arder perenemente no fogo do Teu
Santo Amor.

11. Todos havemos de morrer, todos, e não penso nisso. Cada passo que
dou, cada minuto que passa, aproxima-me da morte. Quantos pensamentos
tenho na cabeça, quantos ideais de estudo, de trabalho, de vida ativa para a
Glória de Cristo, para bem da Igreja e da sociedade

12. E quem sou eu para pretender conhecer os seus desígnios? Por outro
lado, terá agido de modo diverso com São Luís, Santo Estanislau e São João
Berchmans? Senhor, faz também de mim o que quiseres, aceito inclusive a
morte com satisfação e contentamento, se assim for do Teu agrado. És Tu o
centro, a síntese, o objeto último de todos os meus ideais. Mas, ao menos,
que morra no Teu Santo Amor.

13.O pensamento da morte que pode estar perto, servir-me-á para me


ocupar com pensamentos mais sólidos. Abaixo o amor próprio, as
ambiçõezinhas, a vaidade. Hei de morrer, hei de morrer, e presto atenção a
estas misérias?

14. “Assim, está determinado que os homens morram uma só vez e depois tenha lugar o
julgamento” (Hb 9, 27).

15.Ó Meu Deus, comunica-me hoje um pouco da Tua luz Divina, para
que distinga, nas minhas coisas a parte fraca e a purifique. Abre-me os
olhos para que nada me escape, por imperceptível que seja, daquilo que, um
dia, não escapará à tua luz. “Ilumina os meus olhos para não adormecer na morte” (12,
4).

16. Um globo de puríssimo cristal, iluminado pela luz do sol, dá-me uma
ideia de pureza do coração dos Sacerdotes. A minha alma deve ser como
um espelho que reflita a imagem dos anjos, de Maria Santíssima, de Jesus
Cristo.

17. Dou-te Graças, Deus meu, que me preservaste de tanta corrupção;


esta é, verdadeiramente, uma das maiores Graças, pela qual te ficarei grato
toda a vida. Eu não pensava que um homem racional pudesse descer tão
baixo. No entanto, assim é; e hoje, com a minha pouca experiência, creio
poder afirmar que mais de metade dos homens, durante algum tempo da sua
vida, se convertem em vergonhosos animais. E os Sacerdotes? Deus meu,
tremo em pensar que não são poucos, também entre eles, os que desfiguram
o Sagrado Caráter.

18. Para não cair em conversas impuras, julgo oportuno falar


pouquíssimo, ou quase nada, da própria pureza. “Levamos este tesouro em vasos de
barro” (2 Cor 4, 7).

19.Salve, Cristo Rei. Tu me convidas a lutar nas tuas batalhas, e a não


perder nenhum minuto de tempo; com o entusiasmo que me dão os meus
vinte anos e a Tua Graça, inscreve-me, animado, nas fileiras dos teus
voluntários. Consagro-me ao teu serviço, para a vida e para a morte. Tu
ofereces-me, como emblema e como arma de guerra, a Tua Cruz. Com a
direita estendida sobre essa arma invencível, dou-Te solenemente a minha
palavra e juro-Te com todo o ímpeto do meu coração juvenil, fidelidade
absoluta até a morte. Assim, tendo-me Tu criado teu servo, adoto Tua
divisa, faço-me soldado, cinjo a tua espada, chamo-me, com orgulho,
cavaleiro de Cristo. Dá-me um coração de soldado, ânimo de cavaleiro, ó
Jesus, e estarei sempre contigo nas durezas da vida, nos sacrifícios, nas
provações, nas lutas, contigo alcançarei vitória.

20. Quando penso nas humilhações do Verbo Divino, nas grandezas de


Maria, prémio da sua humildade, na vida de Jesus nos seus primeiros trinta
anos, e depois olho para mim, fico confundido e não sei que dizer. Esta
tarde, recordando que “lhe era submisso” (Lc 2, 51) como diz a Escritura,
no colóquio que travei com o Coração de Jesus jovem na oficina de José, as
lágrimas vieram-me aos olhos e chorei como uma criança. Ó meu Senhor
Jesus, será possível, que nunca venha a conseguir provar-te que, com a Tua
Graça, serei capaz de imitar os teus luminosos exemplos, não só com
palavras, mas com factos? Tu rebaixaste-te infinitamente, aniquilaste-te;
não preciso de tanto, já que nada sou; basta-me que abra os olhos e que
lance um olhar a mim mesmo.

21. “A minha alma está saturada de males e a minha vida chegou às


portas da morte” (Sl 87, 2).

22. Em silêncio, retirado na casa de Nazaré, viveste os primeiros trinta


anos, e há mais de dez que eu me retirei do mundo e que vivo guardando
vosso Santuário. Quem mais favorecido do que eu pelos teus benefícios, e
colocado no caminho da tua imitação, com meus sacrifícios e maior
felicidade?

23.Senhor, na confusão em que me encontro, digna-te ao menos indicar-


me o que devo fazer para cumprir a Tua Vontade.

24.Que delícia pensar no que Jesus fez para fundar a Igreja! Em vez de
chamar alguém das Academias, das Sinagogas, das Cátedras dos Doutores,
dos Sábios, pôs os olhos, amorosamente, em doze pobres pescadores, rudes,
ignorantes. Admitiu-os na Sua escola, deu-lhes parte das Suas mais íntimas
confidências, fez deles objeto das Suas mais amorosas delicadezas, confiou-
lhes a grande Missão de mudar a humanidade. No decurso do tempo, Jesus
dignou-se chamar-me também a mim para dilatar o Seu Reino, para
participar, de algum modo, na obra dos Apóstolos. Tirou-me do campo
desde pequeno, e com afecto de mãe amorosa, proveu-me de tudo o que era
necessário. Não tinha pão, e arranjou-me, não tinha com que me vestir e
vestiu-me, não tinha livros para estudar e também deles se ocupou. Às vezes
esquecia-me Dele, e Ele chamava- me novamente com doçura; esfriava-me
na Sua amizade, e Ele dava-me o calor do Seu peito, da chama que arde
perenemente no Seu Coração.

25. E depois de tudo isso, em recompensa de tantos cuidados, só sabe


perguntar-me com ansiedade: Filho meu, tu me amas? Senhor, Senhor, que
posso responder-vos? Vê as minhas lágrimas, escuta como palpita o meu
coração, como tremem os meus lábios, como a caneta me escapa das mãos.
Que posso dizer? Senhor Tu sabes que te amo. Que Te possa amar com o amor de
Pedro, com o entusiasmo de Paulo e dos vossos mártires; que a caridade se
junte à humildade, a pouca consideração de mim mesmo, ao desprezo das
coisas do mundo e depois, faz de mim o que quiseres: um Apóstolo, um
mártir, ó Senhor.

26. O importante é que nunca me envergonhe da minha pobreza, mas


que me sinta grandemente orgulhoso dela, como fazem os senhores do
mundo a respeito de sua ilustre linhagem, dos seus títulos de nobreza, do
seu vestuário. Sou da família de Cristo; que mais poderia desejar? Preciso
de alguma coisa? A Providência proverá com abundância, como sempre fez
até hoje.

27. Quando o amor próprio se cala um instante, e eu, pensando na


obrigação de me dar a Deus e de mostrar com actos, que me consagro a ele
inteiramente e de verdade, sem reservas, e quero tornar-me Santo, sinto-me
perturbado, sem coragem, e tenho de me consolar pensando que Jesus, que
tão grandes coisas fez por mim, as fez com alguma finalidade especial,
digna Dele e que, como até agora tudo fez, com maior razão estará disposto
a multiplicar as suas Graças para aperfeiçoar a sua obra, quando vir que
tenho boa vontade.

28. Se é verdade que o amor afugenta o temor, este torna-o mais delicado e circunspecto.
29.Vendo o nosso dulcíssimo Jesus a humilhar-se e a sujeitar-se, como
manso Cordeiro, à perseguição, aos tormentos, às traições, à morte, a alma
sente-se acabrunhada, confundida, aniquilada; fica sem fala, e até o amor
próprio renuncia às suas pretensões. Jesus, consolação da alma que vai peregrinando.
Diante de Ti, a minha boca fica muda, e fala-te o meu silêncio

30. “Tomai e comei. Isto é meu corpo” (Mt 26, 38). Esgotaram-se as delicadezas
do Seu amor; deu tudo, inclusivamente a vida, por mim. Senhor, assim
como Vos pusestes nas nossas mãos, à nossa disposição, assim vos consagro
outra vez o meu corpo, o meu sangue, todo o meu ser, para que façais de
mim o que Vos agradar. “A minha alma está numa tristeza de morte; ficai aqui e vigiai
comigo” (Mt 26, 38). Portanto, também Jesus passou por horas tristes,
experimentou os efeitos da fragilidade humana. É uma consolação para nós que
desanimamos por tudo e por nada, é um exemplo Divino a imitar. Quando a tristeza invade
a alma e o coração sangra, aproximemo-nos de Jesus, do Seu Altar,
confiemos-Lhe as nossas amarguras, e teremos forças e paz.

31. Ó Jesus, recebe no Teu Coração os meus beijos afetuosos de filho que Te ama, Te pede
perdão dos pecados e Te promete não mais Te ofender.

32. 32. “Jesus continuava calado” (Mt 26, 63). Acusam-me? Caluniam-me?
Repreendem-me com razão ou sem ela? Dizem mal de mim? O amor
próprio quer que ostente ciência, virtude? Jesus permaneceu calado.
Gravemo-lo bem na mente. O silêncio é de ouro. “Cuspiam-lhe no rosto e batiam-lhe;
outros esbofeteavam-no” (Mt 26, 67). Quantas noites terá passado Jesus em casa
de Caifás, tendo-o os discípulos abandonado e negado vilmente? Este é o
prémio dos verdadeiros Sacerdotes de Deus neste mundo: “Cheios de alegria por
terem sido considerados dignos de sofrer vexames por causa do nome de Jesus” (At 5, 47).
Senhor, digna-Te tornar-Me também participante desta Glória, por Teu
amor; ou pelo menos, que possa vir a ter o desejo de ser desprezado por
causa de Ti”.

33.Viva o Sagrado Coração de Jesus. Também desta vez, a Graça


superabundou verdadeiramente. Talvez nunca, como hoje, me senti
verdadeira e firmemente convencido da necessidade absoluta de me dar ao
meu Senhor, de todo e para sempre, já que quer servir-Se da minha pobre
pessoa para fazer bem à sua Igreja, para levar almas ao Seu amável
Coração.
34.Em mim, Deus é tudo e eu não sou nada. Sou pecador, bastante mais
miserável do que poderia imaginar. Se algo de bom fiz na minha vida, é
tudo obra de Deus, que teria produzido melhores frutos se eu não o tivesse
estorvado e impedido.

35. Disto deverei andar sempre bem persuadido. Tenho que ser Santo, custe o
que custar. O pouquíssimo que fiz até agora, não passa de uma brincadeira de
crianças. Tenho que chegar a um tal ponto de união, de entrega total de mim
mesmo nas mãos de Deus, que esteja disposto a sacrificar tudo,
inclusivamente o estudo, para obedecer à sua divina vontade. Todas as
minhas acções, a minha afeição às coisas aqui na terra, deverão orientar-se
sempre em conformidade com este princípio. Tenho que me aniquilar no Coração
de Jesus.

36. O caminho que devo percorrer e que corresponde exatamente ao meu caso, é o da
humildade.Tenho de avançar por ele, sempre em frente, sem nunca voltar
atrás. Declarei guerra ao amor próprio, sob todas as suas formas.

37.O meu Deus quer hoje de mim que, sem perder de vista esses Santos
Ideais, o meu fervor, o meu entusiasmo, o fogo vivo que se agita dentro de
mim, os transfira e aplique a tudo o que sirva para fazer de mim um
verdadeiro, um perfeito seminarista.

38. “Não devo desejar ser o que não sou, mas ser muito bem o que sou”. É o que diz
São Francisco de Sales.

39.Esforçar-me-ei para o por em prática de tal maneira que o facto e a


ternura para com o Divino Coração Sacramentado tudo em mim vivifique, os meus
pensamentos, as minhas palavras, as minhas obras, e impregne cada uma
das minhas acções. Daí, máxima união com Jesus, como se a minha vida
devesse decorrer inteiramente diante do Sacrário.

40.Máxima mortificação, sobretudo da língua; em todo o caso,


humilhar-me-ei sempre, especialmente quando as coisas correrem mal.

41.Alegria sempre, paz, serenidade, liberdade de espírito em todas as coisas. Deus


permiti-lo-á para que me humilhe cada vez mais e me abandone
inteiramente ao Seu Amoroso Coração. Depois, voltarei a começar, alegre
sempre, sorridente, como se Jesus me tivesse feito uma festa, me tivesse
dado um beijo, me tivesse levantado com as Suas próprias mãos, e
retomarei a caminhada seguro, confiante, ditoso, em nome do Senhor. Ó Bom
Jesus, Tu sabes que desejo amar-Te.

Diário espiritual

42. A prontidão, o bom-humor, também são necessários nas práticas de


piedade, de modo que as orações e as próprios afectos não sejam
apresentados ao Senhor como que adormecidos. Os nossos defeitos são
mais uma razão que nos impele a unir-nos cada vez mais com Deus, o único
que pode curar as nossas doenças. Hoje, portei-me mal. Que poderia esperar
de mim? Amanhã, mais atenção e mais confiança: Senhor, Tu vês a minha
indignidade, socorre-me, Tu és minha esperança.

43. Meu Senhor Jesus, que as tuas Graças não sejam vãs. Já não tenho
coragem de me apresentar diante de Ti. Ajuda-me para que, nestes, dias,
repare o passado, prepare a minha alma para a Tua Vinda, de modo que, no
dia de Natal, a minha alegria seja mais profunda, ao saber que olhas para
mim com complacência, me acaricias e me inflamas na Tua Santa Caridade.
Maria, São José, um olhar e uma súplica também por mim. Jesus, Maria e José,
que viva sofra e morra por vós. Que doce é repetir estas palavras.

44. Vem, Jesus, e não tardes: a minha alma descansa agora, esperançada.

45. Vem, vem Jesus, estou à Tua espera. Maria e José, sentindo
aproximar-se a hora, rejeitados pelo povo da cidade, saem para o campo em
busca de algum albergue. Eu sou um pobre Pastor, só tenho um miserável
estábulo, um pequeno presépio, alguma palha; ofereço-vos tudo, dignai-vos
aceitar este pobre tugúrio (barraco). Apressa-te, Jesus, aqui tens o meu
coração; a minha alma é pobre e está desprovida de virtude, as palhas das
minhas inúmeras imperfeições magoar-te-ão, far-te-ão chorar; mas, ó meu
Senhor, o que quereis? Isto é o pouco que tenho. A Tua pobreza comove-me,
enternece-me, arranca-me lágrimas; mas não sei oferecer-Te coisa melhor.
Jesus, embeleza a minha alma com a Tua presença, adorna-a com as Tuas
Graças, queima estas palhas e transforma-as em leito macio para o Teu
Santíssimo Corpo.
46. Jesus estou à Tua espera; maus rejeitam-te; lá fora, sopra um vento
glacial; deixam-Te enregelar (esquentar), vem ao meu coração; sou pobre,
mas dar-te-ei todo o calor que puder.

47. Tu que és rico, e vês as minhas necessidades; que és fogo de caridade


e purificarás o meu coração de tudo o que não é o Teu Santíssimo Coração;
que és a Santidade incriada, cumular-me-ás de Graças fecundas de
verdadeiro progresso no espírito. Vem, Jesus, tenho tantas coisas para Te
dizer, tantas penas para Te confiar, tantos desejos, tantas promessas, tantas
esperanças. Quero adorar-Te, beijar o Teu rosto, ó Jesus Menino, dar-me a
Ti uma vez mais, para sempre. Vem, Jesus, não tardes mais, aceita o meu
convite, vem.

48. Ó meu São Luís, o São João Berchmans, que longe me vejo da vossa
união com Deus!

49. O caminho da humildade, a união com Deus, a procura, nas minhas


obras, não do meu gosto, mas do de Deus, são os três pontos principais em
que o meu pai espiritual tem concentrado os seus conselhos para o meu
verdadeiro progresso espiritual.

50. Meu Senhor Jesus, querida Mãe Maria, se os meus sacrifícios


puderem servir, de algum modo, para lhe aliviar os sofrimentos e esconjurar
todo o perigo, aqui estou disposto a tudo, fazei-me inclusivamente sofrer o
que quiseres, ser-me-á muito grato provar-vos, ao menos uma vez, com
actos, o meu amor para convosco e, em vós, para com o meu irmão que vos
representa.

51. "Meu Senhor Jesus, Tu és sempre o mesmo e os teus anos nunca acabam” (Sl 102,
28).

52. Jesus dou-te Graças, amo-te.

1903

Notas espirituais
53.Vi a primeira luz de outro ano. Bem vindo em nome do Senhor;
consagro-o ao Coração amoroso de Cristo, para que seja um ano
verdadeiramente fecundo para mim em boas obras, um ano em que seja
Santo de verdade. Jesus, outra vez e sempre, estou contigo.

54.Humildade em tudo, especialmente nas palavras; união com Deus, e


esta é a coisa principal, da qual sinto hoje uma maior necessidade; procurar
em tudo e sempre o que agrada a Deus e não a mim.

55. Jesus, fico à tua espera; cansado do meu longo divagar distraído,
virei refugiar-me no Teu Coração para me refazer e retomar alento no meu
caminhar. Jesus, olha para a tua ovelha que regressa; prepara-me o
alimento, pois tenho fome.

56. A Imitação de Cristo: “Certamente, no dia do Juízo, não nos perguntarão pelo que lemos,
mas pelo que fizemos; nem quão bem falamos, mas quão religiosamente vivemos… É
verdadeiramente grande aquele que se retém pequeno e considera como nada a mais elevada
honra. É verdadeiramente prudente aquele que considera esterco tudo o que é terreno para
ganhar a Cristo. É verdadeiramente sábio aquele que faz a vontade de Deus e não a sua”.

57. A minha vida é um contínuo sacrifício. “Já não sou eu que vivo, é Jesus que
vive em mim”.

Senhor, dá-me Graça para que possa mostrar-te com obras que Te
58.
amo de verdade. Não esbanjarei mais palavras: sou um pobre pedinte, como
me diz sempre o meu pai espiritual; estendo a mão e peço com voz chorosa:
Senhor, Jesus, que és rico e bom, dá-me uma esmola.

59. Lede pouco, lede pouco, mas bem.

60.Não tenhas demasiado desejo de saber, porque nisso se acha grande


estorvo e engano.

61.Estou sempre a serviço do meu rei Jesus Cristo, e sirvo a Jesus Cristo
atendendo os meus companheiros que estão na enfermaria. O sol ardente,
levo-o no meu peito, desde a Sagrada Comunhão da manhã. Já não sou eu
que vivo, é Jesus que vive em mim. Jesus, se pudesse estar sempre, de
verdade, arquejante e transpirando de amor, prestando-te serviço a ti, meu
glorioso capitão!
62. A imitação de Cristo: “Por, isso vigiemos e oremos, não nos passe o tempo em vão. Se
puderes e for conveniente falar, que sejam coisas que edifiquem”.

E quanto a falar, imponho-me como princípio nunca falar de mim,


63.
nem bem nem mal, nem sequer aludir actos meus, a não ser que me
perguntem expressamente.

64.Ó Senhor Jesus, a Tua estrela apareceu em toda a parte, mas quantos
não a conhecem ainda; a voz dos Apóstolos ressoou nos confins da terra,
mas quantos não a escutam ou tentam sufocá-la! Um dia, os reis vieram de
Társis e das ilhas trazer-vos os dons; hoje, os reis da terra não se preocupam
absolutamente nada Contigo, não reconhecem os Teus direitos, lançam-Te
em rosto a triste negação do Faraó: “Não conheço o Senhor” (Ex 5, 2). Que
horror! Faz que se cumpram as Tuas Palavras. Agora, que estás levantado
da terra, atrai a Ti todas as coisas. Ilumina as trevas do paganismo, lança
fora e expulsa a falsa luz da heresia. Que todos os povos da terra Te sirvam,
Te amem, Te aclamem como seu Senhor. “Teu é o Reino, o poder e a Glória para
sempre”.

65.Procurarei a perfeição nas minhas práticas de piedade, nas principais


e nas pequenas. Atenção escrupulosa à língua, evitando conversas
prolongadas, temas candentes que, na prática, são quase inúteis; morrer ao
eu nas conversas; o eu deve estar no mundo como se não existisse de modo
nenhum; delicadeza e caridade extrema ao falar dos outros. Por fim, mente
recolhida, alma alegre, mesmo nos revezes do amor próprio, toda ela atenta
a realizar exclusivamente o que tem que ser feito, aqui e agora, com a maior
perfeição; e além disso, coragem, no Senhor Jesus.

São Sebastião… Santa Inês: dois jovens, dois heróis, um soldado,


66.
uma virgem. Para eles dirijo o meu fervoroso pensamento, a minha oração,
para que, à coragem, ao entusiasmo do soldado e à imaculada pureza da
virgem, se junte em mim a sua perseverança de mártires.

67. “Águas imensas não poderiam apagar o amor; nem rios, submergi-lo”.

68.Seja como for, como o futuro está nas Suas mãos, estou certo de que
tudo redundará em Glória Sua, e isto me basta e me consola. Seja qual for o
rumo que tomem as coisas, continuarei a rezar… Jesus, Maria e José, meus amores
dulcíssimos: que eu viva em vós, sofra por vós, morra por vós

69.São Francisco de Sales, meu Santo queridíssimo. Que bela figura de


homem, de Sacerdote, de Bispo! Se eu fosse como ele, nada me importaria,
mesmo que me fizessem Papa… Que suaves ressoam suas sentenças aos
meus ouvidos! Como me sinto mais disposto a ser humilde, pacífico, calmo,
à luz dos seus exemplos. A minha vida, segundo me diz o Senhor, deve ser
uma cópia perfeita da vida de São Francisco de Sales, se quiser fazer algum
bem. Nada de extraordinário em mim, no meu comportamento, para além
da maneira de fazer as coisas ordinárias. Amor grande, ardentíssimo, a
Jesus Cristo e à Sua Igreja; inalterável serenidade de espírito, mansidão
inefável para com o próximo, e é tudo. Ó meu amável Santo, aqui, diante de
ti, neste momento, quantas coisas poderei dizer-te! Amo-te com ternura:
terei sempre um pensamento para ti, o meu olhar. Ó São Francisco, não
tenho palavras, vê o que sinto, e faz aquilo de que preciso para ser parecido
contigo.

O meu bom pai espiritual continua a dizer-me que devo procurar


70.
sempre o que for mais perfeito, o que for mais agradável a Deus… Jesus, vê
a minha miséria; só tu me podes erguer até Ti; ponho-me nas tuas mãos
como um morto. Jesus, dá-me a vida.

71.A alegria pura, delicada, de que deve estar sempre cheio o meu
coração, tem a sua mais autêntica manifestação nas acções minúsculas.
Muita atenção: não basta, portanto, saber aguentar as coisas adversas com
uma certa paciência, de tal modo que os outros mão dêem conta de nada;
tenho de sentir dentro de mim uma suavidade e uma doçura inefáveis que
nunca me abandonem, que façam aflorar sorrisos aos meus lábios, sorrisos
que hão de ser precisamente mais joviais quando, fazendo esforço para não
me alterar, me sinto pelo menos inclinado para a serenidade, não
demasiadamente séria, caso contrário corro o risco de perder todo o mérito.

72.O pensamento de que sou obrigado, como minha tarefa principal e


única, a ser Santo custe o que custar, deve ser a minha preocupação
constante; mas uma preocupação serena e tranquila, não angústia tirana.
Nesta tarefa e neste empenhamento, ajuda-me, Bom Jesus. Maria, mostra
que és minha Mãe.
73. Coração de Jesus, que ardeis de amor por nós, inflamai o nosso coração de amor por
Vós.

A minha verdadeira grandeza consiste em cumprir totalmente, e com


74.
perfeição, a Vontade de Deus.

A perfeição consiste em amar a Deus, e em me desprezar a mim


75.
mesmo diante dele.

A única explicação parece-me ser esta: que o Senhor me deixa nas


76.
minhas faltas para que me humilhe cada vez mais, e à vista das minhas
misérias me aproxime cada vez mais do Seu Coração amoroso, que é a
minha verdadeira vida. Portanto, Jesus bendito, abandono-me a Vós, ao
vosso Coração, com as minhas distracções actos de soberba e pecados. Não
sei fazer outra coisa. Não faço propósitos especiais. O pensamento sempre
em Vós, sobretudo nestes dias de carnaval; grande tranquilidade e contínua
coragem nas minhas faltas de cada momento; o regulamento de tudo e por
tudo, e dando Graças a Deus. Jesus, esperança de alma, lembra-te de mim.

O homem nunca é tão grande como quando está de joelhos. É uma


77.
bela frase, digna do grande cavaleiro de Cristo que foi Luís Veuillot.
Recordemo-la sempre. Portanto, a ciência não é o auge da grandeza e da
glória, mas o conhecimento próprio, do nada que somos diante de Deus; a
consciência da necessidade de Deus, sem o qual somos sempre muito
pequenos, embora nos ergamos à altura dos gigantes. Ó Maria, ó Maria.

78. O carnaval.
Graças a Deus, também este ano já acabou. Entretanto,
nesta última noite, o mundo continua entregue às suas loucuras e em que
medida, com que descaramento, nos teatros, nos bailes de máscaras, nas
casas de pecado, nos jardins e até nas ruas e praças.

Entretanto, o Coração amoroso do meu Jesus é ofendido. Ó Jesus, vou


dormir participando da Vossa dor, e pensando na Vossa dolorosa Paixão.
Que o meu vivo desejo de vos amar, vos faça esquecer os diabólicos desejos
de tantos desgraçados irmãos meus e a alcance para todos que amanhã
desçam, solenes e fecundas de melhores propósitos, as palavras da Igreja,
recordando que somos e o que seremos no dia maior da nossa vida: "és pó e
em pó te hás de tornar”.
79. Ó Jesus, uno-me a Ti em espírito, que jejuaste no deserto quarenta
dias e que, por meio da oração, te preparaste para a tua vida pública. Que
aprenda algo de Ti nestes dias, para que o dia da Páscoa marque outro passo
no caminho da virtude, da unidade e da glorificação do Espírito contigo.

80. Em São Pedro, o meu coração sentia-se como que submerso naquele
oceano de amor ao Papa… diante do túmulo dos Apóstolos, os meus
propósitos firmíssimos de trabalhar e consumir as minhas forças no serviço
de Jesus Cristo, da Igreja, do Papa. Santo Padre, sou todo vosso, apresento-
vos armas. Abençoai-me para que me faça Santo, digno de ser vosso filho.

81. Doutor Angélico, São Tomás de Aquino. Quanta grandeza naquele


pobre Frade, quanta sabedoria, quanta santidade! Dá a todos os que
estudam, a mim em particular, uma grande lição. Quantas vezes, no ardor
do estudo, a piedade passa para segundo lugar; e quase parece que o tempo
consagrado às práticas de devoção é inútil. E, no entanto, foi um Santo, e
precisamente porque foi Santo, chegou a tão alto grau de sabedoria. São
Tomás, enquanto estudo nos vossos preciosos volumes, fazei-me
compreender bem esta verdade: que, se quiser chegar a ser verdadeiramente
um homem capaz em toda linha, alcançar plenamente os meus ideais, ser
útil à causa de Cristo e da Igreja, devo santificar-me a todo o custo.

82. Que terno, tranquilo, suave, sereno é o pensamento de São José! No


meio da minha persistente inapetência, pedi-lhe uma coisa: o verdadeiro
espírito da vida interior, especialmente a Graça de fazer bem a meditação e
a Sagrada Comunhão. São os resultados práticos do meu retiro; e considero
a sua aplicação como a coisa mais necessária nas presentes condições da
minha vida espiritual. Glorioso São José, rogai por mim.

83."Aplica-te à leitura. Cuida de ti mesmo e do que ensinas” (Tm 4, 13.16). Ó


Senhor, ó Senhor, sou teu? Senhor, não sou digno.

84.Maria, entre as vozes que a ti se elevam jubilosas, benigna, doce e


piedosa Virgem, escuta também a minha. Ave Maria.

85. "O Verbo fez-se carne” … Que grandeza para a Santíssima Virgem,
quanta Glória! Pois bem, um dia, semelhante acontecimento repetir-se-á por
meio de mim. O Verbo feito carne virá às minhas mãos, descerá ao meu
coração sob as espécies de pão e vinho, outra vez sacrificado pela minha
salvação e pela de todo o mundo. O tempo aproxima-se: como posso pensar
noutras coisas? Como posso permitir que a minha mente se aparte, por um
só instante, deste pensamento? Ó Jesus, ó Maria!

86. Vem, Espírito Santo, luz incriada, enche de caridade a minha mente,
acende no meu coração o Santo desejo da virtude, lava as minhas manchas,
abranda a minha dureza, cura as minhas feridas. Maria, Virgem dolorosa,
que nas angústias da Cruz me deste à luz como filho, mostra-te minha Mãe.
São José, que me destes exemplos tão claros, fazei que alcance a vida
interior. Santos apóstolos Pedro e Paulo, a vossa fé, o vosso amor.
Protetores meus dulcíssimos, São Francisco de Sales, São Filipe Néri, Santo
Inácio de Loyola, São Luís, Santo Estanislau e São João Berchmans, Santo
Alexandre mártir, São Carlos Borromeu, intercedei por mim. Anjo da
Guarda confio-te especialmente o meu recolhimento nestes dias; afasta as
distracções, dá-me alento na inapetência, conserva-me tranquilo, sereno,
disciplinado em tudo. Ilumina-me, guarda-me, governa-me. Assim seja.

Exercícios Espirituais da Páscoa, para a Ordenação Subdiácono


(01 a 10 de abril de 1903)

87. Jesus, encontro-me outra vez diante de Vós, este ano, para escutar as
Vossas divinas lições. O meu coração anseia por se consagrar solenemente a
Vós, de uma vez para sempre. A Igreja chamou-me, Vós convidai-me: “Aqui
estou” (Sl 39, 8). Não antecipo pretensões, não trago planos pré-concebidos;
esforço-me por me despojar inteiramente de mim mesmo, já não sou meu.
A minha alma está diante de Ti como uma página em branco. Senhor,
escreve o que Te agradar; sou Teu.

88. Amigo, a que vieste? A conhecer a Deus, a amá-lo, a servi-lo durante


toda a vida; depois da morte, a gozá-lo para sempre no paraíso… Os
deveres da minha vida resumem-me nestas, três palavras, é só isto que
tenho que fazer: conhecer, amar, servir a Deus, sempre e a todo o custo; a
Vontade de Deus deve ser a minha, a única que devo procurar.

89. Os bens da fortuna, as riquezas, o Senhor podia dar-nos ou não mos


dar; não tinha nenhum direito a eles. Foi da sua vontade privar-me deles.
Por que havia de me lamentar? A sua ausência é, para mim, um meio de
satisfação. Portanto, bendito seja o Nome do Senhor.

90.O talento, a memória, são dons de Deus. Porquê entristecer-me se


outro é mais rico neste aspecto do que eu?… se tiver feito tudo o que Deus
queira de mim, que importa o êxito ou o fracasso dos meus estudos?

91.Às vezes, até mesmo nas práticas de piedade, apesar do esforço de


todo o meu ser por me conservar recolhido, por experimentar toda a doçura
de conversar com Deus, nada consigo: o coração parece pedra, as
distracções sucedem-se sem interrupção, o Senhor parece ter-se escondido.
A tristeza, o desalento, assaltam-me, perturbam-me. Fora, fora com todas
essas fraquezas… devo permanecer sempre de igual humor: jamais uma
palavra de queixa ou de desaprovação, nem em público nem em privado;
nos meus lábios deve aparecer sempre um sorriso alegre, sincero, cordial.

92. Jesus,manso e humilde, que possa compreender esta verdade e pô-la


em prática, com perfeição, na minha vida. Sim, Senhor, porque assim te
pareceu bem, fecho a boca e não volto a abri-la, pois és tu quem age. Seja
sempre Bendito o Nome do Senhor. Maria, Virgem e Mãe dulcíssima,
ajuda-me… Que lição para mim! Se é verdade que, a cada pequeno acto de
virtude, corresponde um montão de Graças, também deve ser verdade que
descuidar, por pouco que seja, semelhantes actos, quando o Senhor me
proporciona a ocasião de os realizar, pode ser, o princípio da falta de muitas
Graças, sem as quais não posso fazer nada, absolutamente nada… As
Graças estão sempre prontas, as nossas faltas impedem a sua atuação.

Sou, pois, pecador, e grande pecador, bem o vejo e sinto, estou


93.
convencido e envergonhado. Ó Deus, suplico-te que me perdoes.

94.Jesus, eu Te bendigo, te dou graças, te amo. Mesmo no meio das


minhas misérias, o Senhor cumulou-me de contínuas Graças, grandes e
singularíssimas.

95. São Francisco de Sales: “Deixar que o demónio (a outra razão, ou seja, a do
outro eu) bata e grite à porta do vosso coração, apresentando-vos mil imaginações e importunos
pensamentos; como ele não pode entrar senão pela porta do consentimento, conservai-a bem
fechada e não vos preocupeis com nada mais. Não vos preocupeis se as trevas rodarem em torno
da vossa barca, nem temais enquanto Deus nela estiver”.
96.E pensar que Jesus passou trinta anos de vida oculta, sendo Deus,
sendo o esplendor da substância do Pai, tendo vindo salvar o mundo, o que
fez tudo isso semente para nos ensinar quão necessário é a humildade e
como deve ser praticada…

97. Impressões especiais destes Santos Exercícios: 1)


serei Santo mais realmente
grande e digno de reputação diante de Deus e diante dos homens, e o meu
ministério será tanto mais frutuoso, quanto mais amar o escondimento; 2
quanto à verdadeira humildade, estou ainda muito longe de conhecer e
praticar sequer o primeiro grau; 3 devo pedir continuamente ao Coração
amoroso de Jesus, manso e humilde, de despreocupação coma a própria
estima, com a própria honra. Não me esquecerei de que o Senhor quer de
mim, não só que deseje ser ignorado e ser considerado como nada, mas
também ser desprezado. Tenho de chegar a ter humildade suficiente para
poder dizer: “Estou crucificado com Cristo” (Gl 2, 19). Jesus, concede-me ao
menos que o deseje deveras.

98.Sinto que o meu Jesus se vai aproximando de mim cada vez mais.
Permitiu que, nestes dias, eu caísse no mar, me afundasse na consideração
das minhas misérias, da minha soberba, para me fazer compreender mais a
imperiosa necessidade que tenho dele. Quando estava prestes a afundar-me,
Jesus, caminhando sobre as águas, veio sorridente ao meu encontro para me
salvar. Eu queria dizer-lhe como Pedro: “Afasta-te de mim, que sou um homem
pecador” (Lc 5, 8); mas a ternura do seu coração, a suavidade do seu tom,
advertiu-me: “Não tenhas medo” (Lc 5, 10). Nada temo, ao Vosso lado.
Descanso no Vosso peito; como a ovelha perdida, escuto os latejos do Vosso
Coração; Jesus, sou Vosso, uma vez mais, sempre vosso. Contigo, sou
verdadeiramente grande; débil talo de junco sem ti, sou uma coluna apoiado
em Ti. Não me hei de esquecer nunca da minha miséria, para recear sempre
de mim mesmo; mas, embora humilhado e confuso, devo, com confiança
crescente, abraçar-me ao Vosso Coração, porque minha miséria é o trono da
Vossa misericórdia e do vosso amor. Bom Jesus, estou sempre Contigo, não
Te apartes de mim.

99. "Um dia em teus átrios vale por mil; antes quero ficar no limiar da casa do meu Deus, do
que habitar nas tendas dos maus” (Sl 83, 11).
100. Só desejo uma coisa: perseverar constante no teu Santo amor, ser
um Contigo como Tu és um com o Pai. Leio-o nas tuas últimas palavras, na
tristeza do Teu divino rosto, no estalido infernal do beijo de Judas, o traidor.
Jesus, suplico-te de mãos postas, tremendo de espanto: se souberes que
algum dia faltarei às minhas promessas, faz-me morrer imediatamente,
antes que dê o grande passo e te jure fidelidade.

101.O meu grande livro, de onde hei de receber, daqui em diante, com
maior cuidado e afecto, as Divinas lições de suma Sabedoria, é o Crucifixo.
Tenho de me habituar a julgar os acontecimentos e toda a ciência humana
segundo os princípios desse grande livro. É demasiadamente fácil deixar-
me enganar pelas vãs aparências e esquecer-me da autêntica fonte da
verdade. Olhando para o Crucifixo, verei que se me resolvem todas as
dificuldades, as questões modernas, teóricas e práticas, no campo dos
estudos. A solução de todas as minhas dificuldades é Cristo.

há de servir-me de motivo de grande alento e alívio nas


102. O Crucifixo
minhas misérias. Jesus estende os braços na Cruz para abraçar os pecadores.
Quando cometer alguma falta ou me sentir perturbado, imaginarei que estou
prostrado aos pés da Cruz como Madalena, e que recebo sobre a minha
cabeça aquela chuva de sangue e água que brotou do Coração ferido do
Salvador.

O Calvário, conclui "São Francisco de Sales, é o monte dos


103.
amantes, a academia do amor. Por isso, tenho de torná-lo muito familiar;
também porque ali teve lugar a primeira e mais solene aparição do Sagrado
Coração.

104. Ternura inefável. O meu Bom Jesus, ao morrer, inclinou a cabeça


para beijar os que amava. E nós damos tantos beijos a Jesus quantos forem
os nossos actos de amor. Longino, diz Santo Agostinho, abriu-me com a
lança o lado de Cristo, e entrei nele e aqui descanso seguro. “Eu te louvo,
Senhor, porque me libertaste, porque não deixaste que se rissem de mim os meus inimigos”.

105.Aproxima-se a hora. Pronto, preparemos as candeias: Aí está o


Esposo. Que gozo e que consolação! Dou-te Graças, ó Jesus, porque tão
sensivelmente me fazes pressentir o deleite daquele grande momento em
que, diante de toda a Igreja, me consagrarei irrevogavelmente ao teu serviço
no Teu Altar.

106.Vem, Espírito Santo, nestas poucas horas que restam da noite:


inflama, abrasa, destrói, vivifica, transforma o meu pequeno coração,
converte-me num vaso digno de Jesus.

107.Maria, Mãe queridíssima, enxugai as vossas lágrimas: Rainha do


Céu, alegra-te, abandono-me nos vossos braços, apresentai-me a Ele. São
José, esposo castíssimo de Maria, São João Evangelista, em cujo grande
templo serei ordenado, tu me conheceste os latejos do Coração de Jesus,
comunicai-me uma fagulha do vosso amor. Santos Pedro e Paulo, santos
mártires de Roma e do mundo, doce São Francisco de Sales, e todos vós,
meus Santos protetores especiais e amantíssimos, intercedei por mim.
Prostro-me diante de toda a corte celestial, eu pecador, mas abençoado por
Jesus; recomendo-me às orações de todo o Paraíso. Anjos puríssimos que
seguistes o Cordeiro Imaculado, recolhestes o Seu Sangue no Calvário e
anunciastes a Sua Gloriosa Ressurreição, uni-vos ao meu Anjo da Guarda
para suplicar ao Divino Espírito que supra a minha impotência, que assista à
minha festa e interceda por mim. Vem, vem, Senhor, que a minha alma
espera por Ti.

108. Quebela é Tua morada, Senhor onipotente. A minha alma suspira e


desfalece pelos átrios do Senhor. Na verdade, o meu coração e a minha
carne entusiasma-se na busca de Deus Vivo.

A língua não é capaz de exprimir a ternura desse momento, mas a


109.
sua recordação permanecerá para sempre no meu coração, e nunca deixarei
de bendizer o amor do meu Deus, a Sua grandeza, as Suas Glórias. A única
palavra que consigo balbuciar é a expressão de São Paulo:

“Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20). Não, já não sou
meu, sou de Jesus. Disse-o muitas vezes, mas hoje repito-o com maior
entusiasmo: Sou de Jesus. Recebei, Jesus, toda a minha liberdade.

Perdoai-me, Senhor, pois, cansado como estou, confuso por tão


110.
grande profusão de Graças, não sei exprimir-vos a minha gratidão.
111. O Senhor revestiu-me com a túnica da alegria: Aleluia, aleluia.

112. "Este é o Dia que o Senhor fez, alegremo-nos e rejubilemos”


… uma prova das
suas mais íntimas carícias, deu-me a saborear de antemão, até de um modo
sensível, que servir a Deus é reinar.

113.Jesus, trémulo de reverência e de amor, antes que termine este dia


sonhando e esperado durante todo o tempo, prostro-me diante de Ti, para Te
dar novamente Graças, como sempre farei até que a minha vida se apague,
pela alegria com que inundaste o meu coração, pela honra Divina que me
concedeste, admitindo-me no número dos vossos eleitos. Ressuscitado
Contigo, iluminado pelos esplendores de Glória e de amor de Teu Coração,
no dia solene do triunfo, fazei que saiba manter sempre viva esta Graça que
recebi na Sagrada Ordenação de ontem e que, a partir deste dia, progrida
verdadeiramente.

114.Não devo estranhar nem lamentar-me por não sentir sempre o meu
Jesus tão perto… O pensamento de agradar a Jesus e de amar, deve como
que envolver as minhas obras num banho saudável, com recordações
frequentes e com todo um modo de agir que é sustentado pela vida interior.
São José trabalhava de manhã à noite e, no entanto, a sua alma e o seu
coração estavam sempre em Jesus. Ó Amado Santo, ajuda-me a imitar-te.

Devo estar convencido de que o meu próximo é sempre melhor do


115.
que eu, e por isso, digno de maior respeito. Ó Bom Jesus, põe na minha boca uma
sentinela e um guarda à porta de meus lábios

116. Ó meu Jesus, não, não quero afastar-me de Ti. “Fica conosco, Senhor,
porque a noite vai caindo e o dia já está no ocaso” (Lc 24, 29). Sobretudo durante o
dia, nas ocupações habituais, atenderei especialmente a duas coisas: a
humilhar-me sempre, em tudo, esforçando-me por me desprezar diante de
Deus e também diante dos meus companheiros, porque tenho disso muita
necessidade, palpável a cada momento. Em segundo lugar, a permanecer
sempre assim humilhado na presença de Jesus, radiante e luminoso no
esplendor do seu Sagrado Coração sob as espécies Eucarísticas. Ó minha
boa Mãe, mestra de humildade, faz-me semelhante a ti.
117.Humildade, pois; humildade sempre unida à alegria de Espírito,
ininterrupta, ditosa. Ó Jesus, faz-me humilde.

118. Ó Senhor meu, pelas súplicas deste vosso ilustre imitador, concede-
me uma grande e alegre paciência nas minhas tribulações, e uma sede de
tudo suportar contigo e por teu amor. "Se sofremos com ele, também com ele seremos
glorificados” (Rm 8, 17).

119. Há um Deus que vê e ouve tudo, e perante o qual todos estes festejos
de hoje, e também ele, este homem, são como átomos de pó; um Deus que,
um dia, os julgará sendo tão humilhados, aniquilados, esmagados. Que
tonto é o Mundo nas suas apreciações, que cego nos seus juízos!

120. "Ilusão das ilusões, tudo é ilusão” (Ecl 1, 2).

121. Dacaducidade das coisas terrenas, o pensamento corre veloz para as


grandezas do Céu; do falso brilho da pompa mundana, para o esplendor
sereno da virtude. É consolador pensar na Santa de hoje que, abjeta e
desprezada, chegou a ser digna das obras mais enérgicas e proveitosas para
o bem da Igreja. O facto de Deus escolher o que o Mundo tem por louco
para humilhar os sábios, e o fraco, para humilhar os fortes, verifica-se
perfeitamente na grande Virgem de Siena, Santa Catarina. A ela, que só
pensava em humilhar-se, esconder-se, amar o seu divino Esposo, estava
reservada a tarefa de devolver a paz à Igreja, fazendo que o Papa voltasse
para Roma. Comparados com ela, o que são os sábios, os conquistadores, os
grandes do seu tempo? Que sublime lição para o amor próprio e, ao mesmo
tempo, que motivo de confiança em Deus que tudo pode, que supre a nossa
deficiência e nos torna verdadeiramente grandes a seus olhos e perante toda
a terra.

122. Eu,
com todo o ímpeto do meu amor a Maria, me lanço aos seus pés,
consagrando-lhe este mês de maneira especial, o meu ser e todas as minhas
acções, para que me alcance um amor cada vez mais ardente a Jesus.

Ó Maria, tu me geraste: ajuda-me a seguir-te sempre com o


123.
pensamento, o coração e as obras.
124. Volto ao peito de Maria, ao Coração amoroso de Jesus, e tanto mais
me abraço a ele, quanto maior é a necessidade que sinto dele; quanto mais
profundo é o vazio que as festas mundanas em mim deixaram, mais ardente
é o desejo de dar algum passo em frente.

125.Rezei com fervor diante do Santíssimo Sacramento, verdadeiro Pão


Celeste, que verdadeiramente dá a vida ao mundo; aos pés da Branca
Virgem Imaculada.

126.Ó Coração Divino, Tu és verdadeiramente a solução de todos os


problemas; em Ti pomos as nossas esperanças, de Ti esperamos a Salvação.

127. Voltai, Jesus, à sociedade, à família, aos espíritos, e reinai como


Soberano pacífico. Iluminai, com os esplendores da fé e da caridade do
vosso Dulcíssimo Coração, as almas dos que se ocupam do bem do povo,
dos vossos pobres; infundi neles o Vosso Espírito, Espírito de disciplina, de
ordem, de doçura, mantendo sempre viva, nos seus peitos, a chama do
entusiasmo.

128. “Mas há um momento para tudo e um tempo para cada coisa”… Maria, sou
miserável e sou teu filho; vê o meu coração. Hoje, o pensamento de São
Filipe sustentou-me suavemente durante todo o dia.

Retiro de férias: Roccantica

129. A experiência do passado serve, sobretudo, para me conservar


humilde, para me fazer ver que sou incapaz de algo realmente bom. Mas
nada de desânimos, apenas mais afinco e maior denodo. A minha morte
pode estar próxima e se a minha candeia estiver vazia… Ó Jesus Bendito,
tem piedade de minha alma.

Exercícios Espirituais para a Ordenação de Diácono

130. "Ensina-me a cumprir a tua vontade, pois és o meu Deus"


(Sl 142, 10). Uma vez
mais – e é a terceira no breve espaço de um ano – o Senhor chama-me neste
Santo retiro. O Mestre está ali e chama-te. Estes Exercícios deviam ser três
marcos geodésicos no caminho da virtude; pelo contrário, apesar de ter
havido algo positivo, resta muitíssimo, tudo, por fazer. Humilho-me,
envergonhado da minha miséria, mas não me acovardo. Como peregrino,
durante os grandes calores do verão, à beira de um rio, lanço-me de novo
nas águas salutíferas da Graça, onde Jesus me aguarda, sorridente, na outra
margem. Tudo, Deus meu, está nas vossas mãos.

131. "Dá-me inteligência para cumprir a tua lei” (Sl 118, 34).

132. O homem foi criado por Deus para que O reverencie, O louve, O
sirva e com isto se salve. Como pessoa que reverencia a Deus, devo manter-
me sempre compenetrado do sentimento da Sua Divina presença… Toda a
minha atitude exterior deve mostrar ao meu próximo que estou ocupado
com o pensamento em Deus, a quem contemplo, embora invisível, a todo o
instante. O espírito deve deixar-se absorver por esse sentimento. Deus, que
me vê e me ilumina com a Sua luz, repara em todos os meus pequenos
actos, inclusivamente nos movimentos quase imperceptíveis do coração.

133.Conformar o meu entendimento e a minha vontade com o querer e


conselho dos superiores, passando por cima das minhas opiniões pessoais,
embora aparentemente belas e santas, e das tendências da imaginação e do
outro eu.

134. "Só uma coisa é necessária” (Lc 10, 42)… Serei o que o Senhor quiser
que seja. É duro pensar numa vida escondida, esquecida, talvez desprezada
por todos, só por Deus conhecida. É o amor próprio que se opõe. No
entanto, enquanto não fizer uma violência tal que se opõe, que essa vida me
venha a ser, não só indiferente, mas agradável e apetecível, não terei feito
tudo quanto Deus quer de mim.

135. A penitência é, neste mundo, um elemento essencial de uma vida


boa e o meio necessário para a plena felicidade depois da morte. Portanto,
há que não acalentar ilusões: tenho de me habituar quanto antes, a nestes
anos que são os mais belos de minha vida, a sofrer, a amar, a mortificação.
Imitar os Santos nos seus rigores, parece-me impossível. No entanto, devo
tornar-me familiar o pensamento da mortificação, sempre, nas coisas
pequenas, especialmente na alimentação.
136. Entre as coisas que não consigo imaginar, figura também esta: a
possibilidade que existe, também para a minha alma, de ir, um dia, para o
inferno… Senhor, me repito uma vez mais: desde que me livres daquele
lugar, estou disposto a tudo, inclusivamente a deixar-me pisar como o pó do
caminho. Abrasa-me com a chama do teu amor.

137. "Ó morte, que doce é a tua sentença”


(Sir 41, 2). Devo fazer, com toda a
diligência do espírito, tudo quanto Deus quer de mim em cada momento,
deixando de que ele se preocupe com o futuro.

138. Outra observação: por que tanta angústia e preocupação com o êxito
dos meus estudos? No fundo, é tudo por causa da opinião que possam ter
acerca da minha pessoa, porque sou escravo do juízo dos homens, escravo
do meu amor próprio. Que insensatez! O que me importa o juízo dos
homens? Serão eles que hão de premiar-me? Não são para Deus, afinal,
todos os meus actos? Tenho de aprender a enfrentar o juízo dos homens, a
despreocupar-me, a não deixar que me afete de modo nenhum; porque, no
desempenho do Ministério Sacerdotal. Ver-me-ei obrigado, com frequência,
a contrariá-lo e a desafiá-lo, se quiser fazer algum bem. “Se tratasse de agradar
aos homens, dizia São Paulo, não agradaria a Deus”.

139. Omeu pai espiritual insiste em que, durante estes santos Exercícios,
me ocupe, sobretudo do meu amor próprio, do outro eu, pois não serei
realmente grande, nem útil para nada, enquanto não me despojar por
completo de mim mesmo. O amor próprio. Que problema se bem
pensarmos.

140. Amável Jesus, prostro-me a vossos pés, certo de que sabereis


realizar aquilo que nem sequer sou capaz de imaginar. Quero servir-vos até
onde quiserdes, custe o que custar, sob pena de qualquer sacrifício. Não sei
fazer nada; não sei humilhar-me, é a única coisa que sei dizer-vos e digo –
vo-la firmemente: quero humilhar-me, quero amar a humilhação, a falta de
atenções que o meu próximo tiver para comigo; lanço-me de olhos
fechados, de boa mente, no mar de desprezos, sofrimentos e objeção a que
vos agrade sujeitar-me. Sinto repugnância em vê-lo dizer, sinto angústia no
coração, mas prometo – vo-lo; quero sofrer, quero ser desprezado por vosso
amor. Não sei o que vou fazer, nem sequer acredito em mim mesmo, mas
não desisto de o querer com toda a força de minha alma: padecer, padecer e
ser desprezado por Teu amor.

141. Ao ler o precioso livro do Pe. Faber, O Santíssimo Sacramento,


pensamento… Entre as flores do Altar, isto é, entre os efeitos de uma boa
devoção ao Santíssimo Sacramento, tem o primeiro lugar a alegria
espiritual; a alegria como elemento importantíssimo da vida espiritual,
atmosfera das virtudes heróicas, espírito, instinto, génio, Graça
indescritível. A alegria, concretamente, há de ser considerada como factor
daquela liberdade de espírito que é a única capaz de unir as qualidades
aparentemente incompatíveis da vida espiritual, soltando as rédeas à
familiaridade do amor, e em segundo lugar, como amiga inseparável da
mortificação. Devemos procurar a alegria para manter mortificado o nosso
espírito, e praticar a mortificação para aumentar a nossa alegria. Devo, pois,
conservar-me sempre e invariavelmente alegre, mas sem deixar de me
mortificar nem sequer por um momento. É o amor próprio que paralisa a
expansão do espírito e infunde tristeza; a mortificação é princípio de vida,
serenidade e paz.

142.A fé é uma virtude tão corrente que, por parte dos eclesiásticos,
quase não é tida em conta. É como que a atmosfera da vida cristã, e quem
dá conta, quem presta atenção ao ar que respira? Tudo isso me indica uma
aplicação prática desta virtude, muito importante nos tempos que correm.
Procurarei guardar bem a minha fé, como um santo tesouro, e porei sumo
cuidado em me impregnar do espírito de fé que está a desaparecer, pouco a
pouco, por causa das chamadas exigências da crítica, ao sopro e à luz dos
novos tempos. Se o Senhor me conceder uma vida longa e chegar a ser,
como Sacerdote, de algum proveito para a Igreja, quero que se diga de mim
– e gloriar-me-ei disso mais do que de qualquer outro título – que fui um
Sacerdote de fé viva, simples, unido ao Papa, e sempre ao lado do Papa,
mesmo nas coisas não definidas, nos mais pequenos modos de ver e sentir.

143. Para mim, a crítica é luz e verdade, e a verdade é Santa e uma só.

144. “Em verdade vos digo, se não vos tornardes a ser como as criancinhas, não podereis
entrar no Reino do Céu” (Mt 18, 3).
145. A prática da Santa Humildade, suscitou em mim um certo
cepticismo quanto ao meu aproveitamento espiritual e ao meu progresso
real no caminho da perfeição cristã.

146. Para não me sobrecarregar demasiadamente e não me perturbar sem


obter nenhum resultado positivo, devo fazer uma única coisa – é o meu pai
espiritual que me impõe: viver o dia a dia como Santo Estanislau Kostka,
ou hora a hora, como São João Berchmans.

147. Deus não olha o número de acções, mas para o modo como as faço;
ele reclama o coração, nada mais. Um exigente sentido da presença de
Deus, como síntese de tudo, e um total esquecimento de mim mesmo: só
estas duas coisas; a minha acção, seja ela qual for, ficará completa.

148. O Pe. Faber diz que as nossas acções devem ser como outras tantas
estátuas ajoelhadas, numa atitude amorosa, com as mãos juntas e os olhos
postos no céu, cheias de adoração e em total esquecimento próprio.
Atenderei às minhas ocupações conforme se forem sucedendo, com calma,
com compostura, com inefável simplicidade, como se tivesse vindo ao
mundo precisamente para essa acção, como se Jesus me tivesse ordenado
com os seus próprios lábios e estivesse ao meu lado, olhando, para mim.

149. A solução para todas as dificuldades é Cristo, e Cristo crucificado.

150. À viva luz dos exemplos de Jesus, renovo – e não me cansarei de


renovar – o meu firme propósito de ser humilde; humilde e desprezado.
Jesus foi atraiçoado por um discípulo que acabava de se levantar de sua
mesa; foi abandonado por todos, e só responde com palavras de amizade e
com olhares amorosos de perdão. Assim, pois, guardar-me-ei de mostrar
sinais de desagrado pelas faltas de atenção à falta de gratidão ou respeito da
parte de pessoas a que tiver feito algum bem.

151. Jesus, caluniado como sedutor, apelidado de ignorante cujas


doutrinas foram falseadas, exposto ao escárnio e às burlas de todos, cala-se
humildemente, não confunde os seus caluniadores, deixa-se bater, cuspir no
rosto, açoitar, tratar como louco, e não perde a serenidade, não quebra o seu
silêncio.
152. Jesus na Cruz, naufragando num mar imenso de dor e ignomínia,
não profere nenhuma queixa, só tem sentimentos de compaixão e de perdão
para com os seus inimigos. Também eu, nas provas que o Senhor houver
por bem mandar-me, esforçar-me-ei por não dizer nada, nem sequer
desabafando com os amigos; se me mortificarem, especialmente por causa
dos maus resultados nos estudos… com alegria e sem ficar angustiado por
isso, como se se tratasse de uma prenda, de uma palavra meiga, de uma
carícia que Jesus me fizesse. Em todas as circunstâncias, “só quero
vangloriar-me da cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Gl 6, 14).

153. Depoisde ter meditado na paixão de Jesus Cristo, senti-me cheio de


uma grande paz.

154. Não cesso – nem nunca cessarei – de pedir ao bom Jesus que não se
canse de conservar o meu ímpeto, com os mesmos sentimentos que hoje
estou a experimentar; que tenha sempre piedade de mim, me ampare em
todas as circunstâncias. Prevejo as quedas, infelizmente. Mas não as quero,
Jesus, não as quero. Coração de Jesus, está tudo nas vossas mãos; sou
miserável, mas amo-vos, amo-vos, amo-vos.

155. Cada vez que ouço falar do Sagrado Coração de Jesus ou do


Santíssimo Sacramento, percebo uma impressão de inefável alegria; sinto
como que uma onda de queridas recordações, de ternos afectos e alegres
esperanças que se comunicam a toda a minha pobre pessoa, que me
sacodem, enchendo-me a alma de suave ternura. São chamamentos
amorosos de Jesus, que me quer todo seu, ali onde está a fonte de todo o
bem, junto do seu Sagrado Coração, misteriosamente palpitante por detrás
dos Véus Eucarísticos.
156. Doce Coração de Jesus, faz que te ame cada vez mais.

157. Hoje, tudo quanto se refere ao Sagrado Coração de Jesus, é para


mim familiar e duplamente querido. A minha vida parece destinada a
desenvolver-se à luz irradiante do Sacrário; parece-me que hei de encontrar,
no Sagrado Coração de Jesus, a solução de todas as minhas dificuldades.
Parece-me também que estaria disposto a dar o meu sangue pelo triunfo do
Sagrado Coração. O meu mais ardente desejo é poder fazer algo por esse
precioso alvo de amor. Às vezes, o pensamento da minha soberba, do meu
incrível amor próprio, da minha grande miséria, aterroriza-me, faz-me
desanimar, e perco alento; mas depressa encontro motivo de consolação
naquelas palavras que Jesus disse à Bem-Aventurada Margarida Maria: “Eu
escolhi-te para revelar as maravilhas do meu Coração porque és um abismo de ignorância e de
miséria”.

Sim quero servir ao Sagrado Coração de Jesus, hoje e sempre. Quero


que a minha devoção por ele, oculto no Sacramento do Amor, seja o
termómetro de toda a minha vida espiritual… Assim, o pensamento da
presença de Deus e do espírito de adoração, terá por fim imediato, em todos
os meus actos, Jesus, Deus e homem, realmente presente na Santíssima
Eucaristia. O espírito de sacrifício, de humilhação, de desprezo de mim
mesmo aos olhos do mundo será iluminado, sustentado e confortado pela
lembrança contínua de Jesus humilhado, aniquilado no Santíssimo
Sacramento.

Ser-me-á doce humilhar-me e ser confundido em união com o Divino


Coração, tão ultrajado pelos homens; e quando o mundo não tiver para
comigo senão esquecimento e desprezo, a minha maior alegria será buscar e
achar alento apenas nesse Coração que é a fonte de todas as consolações.
Chamo a atenção da minha mente e vontade para duas práticas especiais da
vida diária: a Sagrada Comunhão e a visita Vespertina, sem falar das
contínuas aspirações com que me esforçarei habitualmente por disparar
setas ao Coração do Verbo, como fazia São Luís. Resolvo não me conceder
repouso até que possa considerar-me realmente aniquilado no Coração de
Jesus.

Ó Coração Divino, mais não sei fazer do que prometer e mostrar assim
o afecto que hoje me parece sentir por ti, com um grande temor, isso sim,
pelo cumprimento dos meus propósitos.

158.Presença de Deus, humilde, amor ardente a Jesus: e é tudo. “Fazei


isso e viverás” (Lc 10, 28).

159. O tempo é breve, por isso, não nos detenhamos, aproveitemos o


tempo praticando o bem. Jesus e Maria, ajudem-me para que este seja,
definitivamente, o meu ano de salvação.
TERCEIRA PARTE

ORDENAÇÃO SACERDOTAL E SECRETÁRIO DE MONSENHOR TEDESCHI


(1904-1914)

1904
Ano da Ordenação Sacerdotal

2. Nasconversas, muito cuidado com o que se diz; nunca falar mal de


ninguém, mesmo que indiretamente; observar sempre certa dignidade não
afetada; máxima delicadeza ao referir-me aos superiores; muito cuidado
também em não falar demasiado de coisas relacionadas comigo mesmo; não
despejar tudo – nem a todos – o que sinto dentro de mim.

3. Em geral, união familiar e afetuosa ao Sagrado Coração, à Virgem


Imaculada, através de jaculatórias, pensamentos e aspirações. Deixar-me-ei
levar menos pelo amor próprio que me estimule, fixando-me sempre com a
energia da alma na atividade que eu tiver entre as mãos, sem preocupar-me
com mais nada. Espero em Ti, Senhor Jesus.

Exercícios Espirituais de preparação para o Presbiterado, no retiro dos


Padres Passionistas dos Santos João e Paulo no Céu
(01-10 de agosto de 1904)

4.Deus preserva-me de cair em pecados graves que, certamente cometeria


com grande facilidade. Afirmo também que quero chegar à perfeição, mas,
de facto, queria que o caminho da perfeição fosse traçado por mim e não
por Deus… A minha indiferença deve ser uma grande simplicidade de
espírito, disposta a qualquer sacrifício e pouca filosofia; sobretudo,
sobretudo oração e confiança em Deus.

5. Devo procurar evitar, especialmente quando as coisas não vão a meu


gosto, desabafar com qualquer pessoa, a menos que seja com quem dirige o
meu espírito ou com quem, de algum modo, possa ajudar-me… a santa
alegria nunca deve abandonar-me, pois em qualquer acontecimento “é Nele
que vivemos, nos movemos e existimos” (At 17, 28).
6. Omeu Deus é tudo: Meu Deus e meu tudo. Tudo isso, os meus ideais de
ambição ou de ser alguém diante do mundo, Jesus transformá-los-á em
fumo. Devo me convencer de que, já que Deus me ama, não deverei ter
nenhum projeto em que entre a ambição; portanto, ser-me-á inútil cismar
demasiado nisso.

Sou um escravo: não posso mover-me sem o consentimento do meu Dono.


Deus conhece meus talentos, o que posso e o que não posso fazer pela sua
Glória, pelo bem da Igreja e pela salvação das almas.

“Toma todas as providências para que o trabalho seja executado segundo o modelo que te
mostrei” (Ex 25, 40): tudo. Os meus projetos de palavra e de obra são puro
amor próprio; se seguir as minhas maneiras de ver, trabalharei, suarei e,
depois, vento, vento. Se eu quiser ser verdadeiramente grande, um grande
Sacerdote, devo despojar-me de tudo, como Jesus na Cruz, e julgar com
espírito de fé todos os acontecimentos da minha vida e as disposições
superiores que me afetarem. Por favor, não levemos a crítica para esse
campo: ó santa simplicidade, ó santa simplicidade!

7. Caminhemos não de dia em dia, mas de hora para hora. Devo deixar-me
governar por Deus com suavidade e também com sacrifício de mim
mesmo, para conservar o fervor, a paz do coração e conseguir um
verdadeiro progresso espiritual.

8. O estudo não deveria ser considerado assim tão importante: o segundo


elemento de uma vida Sacerdotal eficaz e também uma segunda tábua de
salvação nos nossos tempos. Deus me livre de ter o estudo em pouca conta,
mas também devemos precaver-nos para não darmos ao estudo um valor
excessivo e absoluto. O estudo é um olho, o esquerdo; mas, se faltar o
direito, de que valerá um só olho, só o do estudo? Afinal, o que é que eu
sou com o meu doutoramento? Nada, um pobre ignorante… Estudar
sempre, sem permitir-me descansar: "Digo a cada um de vós que não se
considere mais do que deve, mas que procure pensar sempre de si com
simplicidade”… Como é sábia a frase do nosso Santo Padre Pio X aos
jovens seminaristas: - "Meus filhos, estudai, estudai muito; mas sede bons,
amor a Deus” … devo procurar estudar mais para a vida do que para os
exames…”.
9. Ó
Jesus, infunde em mim o espírito de penitência, de sacrifício e de
mortificação.

10. “O louvor do Senhor está sempre na minha boca’’ (Sl 33, 2).

11. Pensemos no Sacerdócio, mas façamo-lo seriamente. Encontro-me aqui,


precisamente com este fim. É muito importante o acto mais solene de minha
vida. Se, do alto deste monte, a cujo cimo chegarei daqui a poucos dias,
olhar para trás… foi amadurecendo então cada vez com mais força no meu
espírito um desejo intenso, um propósito de aniquilamento total de todo o
meu ser junto do Coração de Jesus, para que, despojando-me de mim
mesmo, o meu Divino Mestre me encontre mais dócil às suas insinuações e
instrumento mais valioso para fazer o bem, o grande bem da Igreja, não nos
lugares e nas maneiras que o meu amor próprio preferiria, mas com toda a
simplicidade, cegamente, abandonando-me à vontade dos superiores…
Senhor, quantas Graças Te dou por me teres mandado para aquele santo
lugar para minha preparação imediata para o Sacerdócio.

12. Quando, após tudo ter terminado, levantei os olhos depois de pronunciar
o juramento eterno de fidelidade ao meu superior "Praelato Ordinário", vi a
bendita imagem da Virgem, em que – confesso – antes não tinha reparado:
parecia sorrir-me daquele Altar e infundir-me com o seu olhar um
sentimento de doce tranquilidade espiritual, de generosidade e disposta a
proteger-me sempre; em suma, parecia comunicar ao meu espírito uma
onda de paz dulcíssima de que nunca me esquecerei.

13. Disseao Senhor, junto do túmulo de São Pedro: Senhor, Tu sabes tudo,
tu sabes que Te amo. Saí de lá como que aturdido.

14. Audiência com Pio X:


… o Papa, permanecendo inclinado e pondo-me a mão
na cabeça, quase falando-me ao ouvido, disse-me: “Meu filho, vou pedir ao
Senhor que abençoe especialmente esses bons propósitos para que sejas,
verdadeiramente, um Sacerdote segundo o Seu Coração. Abençôo também
todas as tuas outras intenções e todas as pessoas que, nestes dias, se alegram
contigo”. Abençoou-me, e deu-me a mão a beijar. Depois, segui e falou
com outros; creio que com um polaco. Mas, de repente, como que
retomando o fio do seu pensamento, voltou para mim e perguntou-me
quando regressaria eu a casa. Disse-lhe: No dia da Assunção. “Que grande
festa – respondeu – haverá na sua terra (antes tinha me perguntado qual era)
e como tocarão nesse dia os belos sinos de Bérgamo”. E continuou o seu
caminho a sorrir.

15. Ao Santíssimo Sacramento e ao Sagrado Coração de Jesus devo tudo;


por isso, serei uma alma enamorada do Santíssimo Sacramento… O facto
de ser sacerdote não me preserva das quedas graves. O cuidado da modéstia
serve muito para manter-me recolhido e conservar o fervor do espírito…
Em tudo, humildade, grande fervor de espírito, discrição e cortesia com
todos, alegria sempre e tranquilidade de espírito e de coração. Coração de
Jesus, inflamado de amor por Vós, inflama o nosso coração no Teu amor.

1907
Exercícios na Casa da Sagrada Família em Martinengo
(01-07 de setembro)

16. Aminha vida Sacerdotal ressentiu-se bastante diante das vicissitudes


destes meus primeiros anos de Sacerdócio, nos quais nunca tive tempo de
pensar seriamente em mim mesmo. A minha alma esteve sempre como que
repartida pelas mil pequenas preocupações e compromissos, coisinhas de
nada, mas que nunca mais acabam. Sinto necessidade de agradecer a Deus,
não só por me ter preservado de culpas graves… Quantas Graças, meu
Deus, especiais e inefáveis. Basta-me este pensamento para me convidar a
reavivar o fervor e recordar-me o propósito de uma vida Sacerdotal
realmente Santa. Sim, Jesus, aceito o vosso convite: talvez seja mesmo o
último, porque quem conhece os vossos desígnios sobre a minha vida? E
volto para os vossos braços e para o vosso coração amoroso.

17. Nestes Exercícios também senti grandes impulsos pela devoção ao


Santíssimo Sacramento e ao Coração de Jesus. Esta devoção foi tudo para
mim: agora que sou Sacerdote, devo ser tudo para ela: com Ele vai, com Ele
vem, com Ele está sempre a mente apaixonada, dizia Tasso da alma
enamorada de Deus. Assim deve ser minha vida – sempre à volta do
Santíssimo Sacramento. Nunca omitirei a visita diária; mas esforçar-me-ei
por voltar frequentemente para junto de Jesus, ao longo do dia, mesmo que
seja só para saudá-Lo. Devo ter para com Jesus as mesmas atenções que
teria com um amigo a quem tivesse de fazer as honras da casa. A minha
devoção ao Santíssimo Sacramento e ao Coração de Jesus deve reflectir-se
em toda a minha vida: nos pensamentos, nos afectos e nas obras, de maneira
que viva só para ela e nela. Insisto muito na minha preparação e na acção de
Graças de Santa Missa.

18. Devo encontrar o modo de fazer muitas coisas em pouco tempo; por isso
terei muito cuidado em não perder um único minuto em coisas inúteis,
como conversas sem uma finalidade concreta, etc.

19. Devereipraticar uma delicada reserva nas palavras: falar pouco e bem e,
sobretudo, saber calar-me, embora sem ostentação e sem me tornar pesado a
ninguém, mas, antes, conservando a máxima tranquilidade de espírito e
serenidade com todos, a máxima cortesia nas maneiras e nas palavras, de
modo que ninguém se ofenda. Em suma, seguirei o preceito de São Paulo a
Tito: Apresentando-te como exemplo de boas obras, e nunca me esquecerei
do que o Santo Padre Pio X desse quando veio a Bérgamo como o senhor
Bispo: “Deste modo, Dom Ângelo, servo fiel e prudente… e prudente.
Quanto às observações do mundo, alegrar-me e fazer o bem e deixar que os
pássaros cantem”.

1908
Exercícios espirituais com o Senhor Bispo Martinengo
(25-31 de outubro)

20. Uma vez mais, dou Graças a Deus, por Se ter compadecido de mim até
ao presente e pela nova Graça destes santos Exercícios.

21. Ainda
noto em mim falta de calma e de tranquilidade nas minhas obras,
mesmo que isso não se veja externamente.

22. Sintogrande necessidade de um espírito mais fervoroso de oração e de


união mais íntima e confiada ao Senhor no meio das minhas ocupações. Por
isso, proponho-me com todas as minhas forças ser fiel – até ao escrúpulo –
às minhas práticas de piedade.

23. Nestes dias, aprouve ao Senhor fazer-me penetrar mais na ideia que devo
ter de reflectir na minha vida de Sacerdote. Deverei considerar-me sempre
nas mãos de Deus como uma vítima disposta ao sacrifício de mim mesmo,
das minhas ideias, das minhas comodidades, da minha honra e de tudo o
que tenho: pela Glória de Deus, pelo meu Bispo e pelo bem de minha
querida Diocese: “Sacrifício vivo consagrado e agradável a Deus” (Rm 12, 1).

24. Como é bom trabalhar incansavelmente, sofrer em silêncio as pequenas


amarguras do dia-a-dia, sem nunca me descompor, conservando sempre
melhor com o verdadeiro bem da Diocese para agradar ao nosso bom
Mestre Jesus Cristo.

25. Continuo a ser o mesmo, pecador e ingrato às delicadezas da vossa


caridade. No entanto, é meu desejo trabalhar e santificar-me sempre, para
imediatamente servir para alguma coisa na Igreja. O exemplo dos vossos
Santos, cujas vidas leio, espicaça-me a imitá-los corajosamente. Ó Bom
Jesus, ajuda-me e apoia-me nos bons propósitos.

1909
Exercícios espirituais com o Senhor Bispo Martinengo
(19-25 de setembro)

26. Éhumilhante ter de confessar sempre as minhas negligências, mas é


também um dever indesmentível. Seguirei mais o conselho do meu director
espiritual: deitar um pouco mais cedo à noite para ser pontual às cinco e
meia da manhã. O bom andamento da jornada depende de me levantar à
hora exata e sem atrasos. Também porei em prática o bom costume de rezar
ordinariamente o Ofício Divino na capela, diante do Santíssimo
Sacramento.

27. Nestesdias, decidi ingressar na nova Congregação Diocesana de


Sacerdotes do Sagrado Coração… A minha incorporação na nova
congregação obrigar-me-á a manter vivo em mim o espírito da mais
humildade e obediência, e conservar-me-á mais empenhado em, de modo
nenhum, me procurar a mim próprio, mas buscar sempre a Vontade de
Deus, expressa na do meu Bispo. O Senhor e a Virgem me abençoem neste
feliz propósito.
28. SãoCarlos Borromeu. Esforçar-me-ei por fazer alguma coisa por ele em
Bérgamo… Por mim, procurarei que este grande Santo seja cada vez mais
familiar à minha mente e ao meu coração, procurarei invocá-lo com
frequência e imitá-lo. Talvez, com a ajuda do Senhor, o nosso Clero para
figura de São Carlos, se consiga aumentar o seu fervor apostólico, para
maior proveito espiritual de toda a Diocese. Mesmo que a obra
empreendida me custe alguns sacrifícios, fá-los-ei com todo o gosto em
honra de São Carlos, seguro de que, assim, contribuirei muito para a
consecução do objetivo desejado.

1910
Exercícios espirituais com o Senhor Bispo Martinengo
(02-08 de outubro)

29. Em tudo, um sentimento cada vez mais delicado e profundo do meu


nada; sentimento também de habitual abandono a Deus, que é e pode tudo:
só unido a Ele poderei conseguir alguma coisa. Devo pensar que o Senhor
leva tudo em conta, inclusive a palavra não dita, o olhar mortificado, a
jaculatória e o suspiro imperceptível. Portanto, insistirei com grande
cuidado em conservar-me na presença de Deus que me alegra e me anima
sempre.

30. JesusBendito houve por bem conceder-me, nestes exercícios, uma luz
especial para compreender ainda mais vivamente a necessidade de manter
íntegro e puríssimo o meu sentido de fé e o meu sentir com a Igreja,
mostrando-me também, a uma luz mais resplandecente, a sabedoria, a
oportunidade e a beleza das medidas pontifícias dirigidas para defender
principalmente o Clero do contágio dos erros modernos (chamados
modernistas) que, de maneira enganadora e fascinante, pretendem abalar os
alicerces da doutrina.

31. Deve lembrar-me sempre de que a Igreja guarda em si a Eterna juventude


de Cristo, que é de todos os tempos, e que é a Igreja quem transforma e
salva aos povos e os tempos e não eles a ela. O primeiro tesouro da minha
alma é a fé, a santa fé leal e ingénua dos meus pais e dos meus bons
antepassados. Serei escrupuloso e austero comigo mesmo, para que, de
modo nenhum, a pureza da minha fé sofra dano algum.
1911
Exercícios espirituais com o Senhor Bispo Martinengo
(01-07 de outubro)

32. Proponho-me e espero ser, desta vez, com mais fruto, muito fiel à ordem
e o recolhimento nas minhas práticas de piedade.

33. Ajuda-me, Senhor, nada mais quero além de Ti.

1912
Exercícios espirituais com o Senhor Bispo Martinengo
(13-19 de outubro)

34. Mascomo será esse futuro? Talvez brevíssimo. Em todo o caso, seja
longo ou breve, repito-Te Senhor, é todo Teu.

35. Éhumilhante para mim, mas é um dever recordar os propósitos já feitos


de fidelidade absoluta ao meu método de vida.

36. Ó Senhor, reconheço que sou fraco. Ajuda-me a manter-me firme nestas
práticas; ajuda-me para que, no próximo ano, não tenha a vergonha de ter
de confessar-me infiel.

37. Estoucontente por menosprezar todas as coisas e correr generosamente


para onde Jesus me chama e me deu a entender que me quer… A minha
intenção, que o Senhor vê, é reta e pura. Quero que a promessa que vou
fazer também seja uma declaração diante da Igreja do meu desejo de ser
aniquilado, desprezado e esquecido, por amor de Jesus, para o bem das
almas; o desejo de viver sempre pobre e desapegado de todos os interesses e
bens da Terra.

38. Nestesdias, o Senhor dignou-Se fazer-me compreender uma vez mais a


importância que tem para mim e para os êxitos do meu Ministério
Sacerdotal este espírito de imolação com que quero a partir de agora, mais
ainda, impregnar a minha conduta, pois “estou prisioneiro de Jesus Cristo” (Ef 3,
12) … Ó Jesus Bendito, é muito o que proponho fazer e sinto-me fraco
porque me vejo cheio de amor próprio; contudo, a vontade permanece
intacta e decidida. Ajuda-me, Tu, ajuda-me.

39. O
sentimento vivo do meu nada deve fazer amadurecer e aperfeiçoar em
mim o espírito de bondade, de muita bondade, de paciência e indulgência
com os outros no modo de julgá-los e de tratá-los.

40. Aexperiência do passado é um alento para o futuro. Mas também nisto,


ser-me-á uma grande defesa julgar-me severamente, desconfiar e ter o
pensamento sempre elevado para o Céu e voltar aos braços de Jesus logo
depois de terminada a minha tarefa. Mal de mim, se nesta matéria, chegasse
a presumir de mim próprio, nem que fosse apenas por um instante!…

41. Queo Sagrado Coração de Jesus, a minha querida Mãe Maria e os meus
bons Santos protetores – que vêem o que não sei exprimir, mas sinto
vivamente no coração – que ajudem a conservar-me firme, bom e fiel, e me
abençoem.

1913
Exercícios espirituais com o Senhor Bispo Martinengo
(19-25 de outubro)

42. "Para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro” (Fl 1, 21).

43. Que venha de bom grado a escassez purificadora; que venham as


amarguras, as humilhações e as dores. Aceitá-las-ei de boa vontade, como
prenda da sinceridade dos meus sentimentos de amor a Jesus. Portanto, será
para mim uma satisfação aceitar com Santo prazer todas as ocasiões,
grandes e pequenas, que eu tiver durante o dia de confundir-me, de
mortificar o meu amor próprio… Não me importa que me humilhem, desde
que tudo seja para Glória de Deus e para que meu verdadeiro bem, para
santificação do meu espírito. Procurarei viver neste contínuo sentimento da
minha pequenez e indignidade, e quando alguma coisa me molestar serei
feliz em repetir.

1914
Depois de dez anos de Sacerdócio
44. "Já não vos chamo servos, mas amigos” (Jo 15, 15).

45. Com as Graças que eu recebi e até com muito menos, quantos já seriam
agora Santos! Quantos apelos se fizeram ao meu coração e não foram
escutados. Senhor, reconheço as minhas deficiências, a minha profunda
miséria; perdoa-me e tem compaixão de mim. Juntamente com a
complacência e a necessidade de perdão floresce o sentimento da gratidão.
Tudo, Senhor, se cumpriu na Tua Glória; agradeço-Te agora e sempre.

46. Noentanto, o pensamento mais forte que hoje, na felicidade dos meus
dez anos de Sacerdócio, me enche o espírito é este: não sou de mim mesmo
nem dos outros, mas do meu Senhor, na vida e na morte.

47. O sorriso habitual que aflora aos meus lábios deve saber ocultar a luta
interior, por vezes tremenda, do egoísmo, e representar, quando for
necessário, as vitórias, do espírito sobre os movimentos, dos sentidos ou do
amor próprio, de maneira que Deus e o meu próximo tenham sempre a
melhor parte de mim mesmo.

48. Senhor Jesus, vinde e recebei-me. Quero que, independentemente de a


minha vida se prolongar por poucos ou muitos anos, eles sejam anos, de
trabalho intenso, sempre na Santa Obediência, com uma grande linha que
assinale todo um programa, mas sem nenhum pensamento que ultrapasse a
Santa Obediência.

49. Quero conservar a minha paz que é minha liberdade; por isso, terei
sempre presentes aquelas quantas coisas de que fala Kempis: O caminho de
paz e a verdadeira liberdade que são: Procura, filho, fazer antes a vontade
de outro e não a tua; escolhe sempre ter menos que mais; busca sempre o
lugar mais baixo e estar sujeito a todos; deseja sempre e pede que se
cumpram em ti inteiramente a Vontade Divina. Ó Meu Senhor, é com estas
disposições que volto a apresentar-Te hoje o Cálice precioso do meu
espírito santificado pela tua unção. Enche-o com a tua virtude que criou os
Apóstolos, os mártires e os confessores. Faz com que sirva para algo de
bom, generoso e grande; para Ti, para a tua Igreja e para as almas. Não,
vivo, não quero viver a não ser para isto.
50. Senhor Jesus, levanto as minhas mãos sacerdotais sobre o Corpo Místico
e repito entre lágrimas a oração de São Gregório, repito-a com especial
fervor de espírito: que hoje disponhas os nossos dias na Tua Paz.

Exercícios Espirituais com os Sacerdotes do Coração Bérgamo


(27 de setembro-03 de outubro de 1914)

51. Nahora da angústia e da dor, senti uma grande abundância de paz e de


consolação espiritual.

52. Tratareitodos com muita humildade e amabilidade, procurando


contribuir para a harmonia entre todos e para a mútua edificação do
espírito…

53. Relaçõesdiferentes me imporão formas diferentes; mas estas, sejam


como forem, deverão ser sempre inspiradas nas razões de respeito,
prudência, delicadeza fina e sincera, que são a flor da Caridade.

54. Nascipobre e devo e quero morrer pobre, certo de que, no momento


oportuno, a Divina Providência, tal como no passado, não permitirá que no
futuro me falte o necessário, concedendo-me até o conveniente e o
superabundante. Ai de mim, se, nem que seja em pequena medida, me
agarrar aos bens da terra!…

55. Devo preocupar-me em conservar-me humilde, humilde, humilde,


deixando ao Senhor qualquer outro compromisso.

56. Oração diante do túmulo de São Carlos:


Renovo a minha entrega absoluta ao
Senhor para a vida e para a morte, oferecendo-me completamente, corpo e
alma, ao serviço Divino pela Igreja, pelas almas e em tudo segundo a
Vontade Divina, disposto a qualquer sacrifício agora e sempre. Assim seja.
QUARTA PARTE

A GUERRA
DIRETOR ESPIRITUAL DO SEMINÁRIO DE BÉRGAMO E
MUDANÇA PARA ROMA AO SERVIÇO DA PROPAGAÇÃO DA FÉ

1915
A Primeira Guerra Mundial

2. Nada sei; a única coisa que quero é a Vontade de Deus em tudo e sempre
e a sua Glória no sacrifício completo do meu ser… O espírito está pronto e
alegre. Senhor Jesus, conserva-me sempre nestas disposições. Maria, minha
boa mãe, ajuda-me, para que Cristo seja glorificado em tudo.

1919
Exercícios Espirituais depois da Guerra, com os Sacerdotes do Sagrado
Coração
(28 de abril-03 de maio)

3. Em quatro anos de guerra, passados num mundo convulso, quantas


Graças me concedeu o Senhor, quanta experiência, quantas ocasiões de
fazer o bem aos meus irmãos. Meu Jesus, agradeço-Te e bendigo-Te.
Conservo a recordação das muitas almas de jovens com quem entrei em
contacto durante esse tempo: a não poucas acompanhei até à outra vida.

4. Quero que a base do meu Apostolado seja a vida interior, encaminhada


para a busca de Deus em mim, para a meditação habitual e tranquila das
verdades que a Igreja me propõe e segundo a perspectiva dos seus ensinos.

5. Sinto-me disposto a abandonar tudo imediatamente e sem lamentações; e


esforçar-me-ei por conservar sempre, enquanto viver, este desapego em
relação a todas as coisas, mesmo relativamente àquelas que me são mais
queridas.

Obrigo-me especialmente a procurar a perfeita pobreza de espírito na


renúncia absoluta a mim mesmo, não me preocupando absolutamente com
nada, com postos, carreira, distinções, etc.

6. “Eu, porém, estou feliz por estar com Deus e em Deus colocar o meu refúgio” (Sl 73, 28).

7. "Nada tendo, mas tudo possuindo” (2 Cor 6, 10).

8. "Aprendei de Mim que sou manso e humilde de Coração” (Mt 11, 19).

9. Senhor,
Senhor, ajuda-me para que siga, pelo menos de longe a minha
pequenez, esses luminosos exemplos de Apóstolos insignes da juventude.

1921-1924
Ao serviço da Propagação da Fé

10. Tudosempre me assististe, Meu Senhor Jesus, com bondade e


misericórdia: “Os teus mandamentos são firmes” (Sl 93, 5).

11. Poreicuidado especial em não deixar para o dia seguinte o que deve ser
feito com rapidez; mas antes, fá-lo-ei imediatamente.

12. A Obra da Propagação da Fé é o alento da minha alma e da minha vida.


Para ela, tudo e sempre: cabeça, coração, palavra, pena, orações, fadigas,
sacrifícios, de dia e de noite, em Roma e fora de Roma; repito: tudo e
sempre. Aceitarei outras preocupações de Ministério, mas só dentro do
possível, em segundo plano e desde que sejam compatíveis – e as possa
realizar – com a primeira, que é a razão de ser da minha presença em Roma.

13. Insistirei
no bom uso da mortificação em coisas livres, para que o Senhor
envolva numa luz de pureza Sacerdotal toda a minha pessoa, alma e corpo,
para que o perfume de Cristo se estenda a todas as partes (2 Cor 2, 14-15),
pensando que, se Deus me ajudar, posso ser capaz de qualquer coisa.

14. A Igreja, para além dos meus méritos e em atenção ao meu ofício,
conferiu-me a dignidade e honra de Prelado. Desejo ilustrar esta
condescendência da Santa Sé para comigo com um grande espírito de
humildade interior (considerando-me, como o sou, o último e o mais
miserável de todos) e de humildade com todos, sobretudo com os pequenos
e os humildes.
15. Proponho-me dedicar com cuidado especial ao domínio da minha língua,
evitando todas as palavras – digo todas as palavras – que de algum modo
possam ofender a caridade.

16. A delicadeza nas palavras que pretendo praticar com o próximo, em


especial com os superiores, quero-a principalmente em todos os meus
exercícios de piedade, que recitarei digna, atenta e devotamente, mesmo
para meu gozo espiritual e para edificação do próximo. Coração de Jesus,
inflamado de amor por mim, inflama o meu coração com o Teu Amor.
Maria, Mãe da Graça, roga por mim. São José, roga por mim. São
Francisco Xavier, roga por mim. São Pedro e São Paulo e todos os Santos
intercedei por mim.

17. Confessei-me ao Padre Folli e tenho uma grande paz. A coisa está clara:
o amor de Deus, não o meu; a vontade dos outros e não a minha. E tudo
isto, sempre, em toda a parte, com grande alegria… Jesus Cristo
ressuscitado fez da vida do homem uma festa contínua. Este pensamento de
Santo Atanásio encerra bem estes dias, dias de amor e santos, de emoções
espirituais.
QUINTA PARTE

CONSAGRAÇÃO EPISCOPAL
REPRESENTANTE PONTIFÍCIO NA BULGÁRIA
(1925-1934)

2. Não procurarei nem desejarei este novo Ministério. Mas o Senhor


escolheu-me com sinais tão evidentes da Sua Vontade que me fez
considerar culpa grave qualquer oposição. Ele, pois, está obrigado a suprir
as minhas misérias e a cobrir as minhas deficiências. Isto conforta-me, dá-
me tranquilidade e firmeza.

3. O mundo não tem nenhum atrativo para mim. Quero ser todo e
unicamente de Deus, penetrado pela sua luz, resplandecente de caridade
para com a Igreja e as almas.

4. Cap. IX, liv. III, de A Imitação de Cristo:


Refere tudo a Deus, sem quem o
homem nada tem. Causou-me grande impressão na solidão destes dias.

5. Quero que os louvores da minha pessoa sejam unicamente os do


Pontifical e não outros: constância na fé, amor na pureza e sinceridade na
paz. Os meus pés, valiosos para evangelizar a paz e o bem de Deus. O meu
Ministério será de reconciliação em palavras e obras.

6. A Igreja quer-me como Bispo para mandar-me para a Bulgária como


Visitador Apostólico em ministério de paz. Talvez me esperem muitas
tribulações no meu caminho. Com a ajuda do Senhor, estou disposto a tudo.
Não procuro nem quero a Glória deste mundo, espero-a muito maior no
outro.

7. “Obediência e Paz”… Estas palavras, de certo modo, a minha história


e a minha vida. Que elas sejam, a glorificação do meu pobre nome pelos
séculos.

1926
Retiro Espiritual, Mosteiro de São Paulo
(Roma 17 de novembro-e de dezembro)

8. Devo e quero habituar-me a levar esta Cruz com espírito de maior


paciência, calma e suavidade interior do que consegui até agora. Sobretudo,
terei cuidado nas manifestações com qualquer pessoa a este respeito.
Qualquer desabafo que possa fazer tirará o mérito à paciência. "Coloca, Senhor,
uma guarda na minha boca”. Farei este silêncio – silêncio que deve ser, como me
ensina São Francisco de Sales, afável e sem fel – objeto dos meus exames
de consciência.

9. O tempo que dedico à acção deve ser proporcionado ao que dedico à


oração. Preciso dar à minha vida um tom de oração vibrante e continuado…
A companhia de Jesus será a minha luz, a minha consolação e a minha
alegria.

10.O silêncio e a mansidão são qualidades que tornam mais frutuoso o


sofrimento por amor de Jesus.

11.A breve experiência destes meses de episcopado vem-me confirmar


que, para mim, não há nada melhor na vida do que levar a Cruz, da maneira
que Jesus ma colocou nos ombros e no coração. Devo considerar-me o
homem da Cruz e amar a que Deus me dá, sem pensar noutra coisa. Tudo o
que não é honra de Deus, serviço à Igreja e bem das almas deve ser
acessório e sem importância para mim.

1927
Retiro espiritual, casa dos Jesuítas
(Ljubliana, Eslovénia 09-13 de novembro)

12. Devo e quero ser, cada vez mais, homem de intensa oração.

13. O meu dever segundo os impulsos da caridade e nada mais. O Senhor


sabe dirigir tudo para o triunfo do Seu Reino, inclusivamente o facto de eu
não poder fazer mais… devo inspirar aos outros esta tranquilidade e esta
paz com a palavra e o exemplo.
14.Devo ser mais reservado em expressar os meus juízos, mesmo com
as pessoas mais íntimas.

15. Nas
minhas relações com todos – Católicos ou Ortodoxos, grandes e
pequenos –, procurarei deixar sempre uma impressão de dignidade e de
bondade luminosa, dignidade amorosa.

16. Jesus, Maria e José, as almas a Igreja e o Papa, no coração; serenidade, tranquilidade e
alegria em dar-me, em sacrificar-me, segundo as exigências do meu Ministério Apostólico; e em
relação aos outros, dignidade, mansidão e longanimidade, a paciência, paciência.

1928

Retiro Espiritual, residência dos Padres Lazaristas


(Babek, junto do Bósforo 20-24 de dezembro)

17.O Senhor não me promete vinte e cinco anos de vida episcopal, mas
diz-me que, se eu quiser ser Santo, me dará tempo e Graças oportunas.
Jesus, dou-Te graças e prometo, diante do Céu e da Terra, que farei toda a
espécie de esforços para consegui-lo, começando desde já. Maria
Santíssima, minha boa mãe celestial, São José, meu queridíssimo protetor,
faço-vos fiadores da minha promessa presente diante do Trono de Jesus e
rogo-vos que me socorrais e ajudeis para que seja fiel.

18.Como compreendo – e agora sem dificuldade – que o princípio da


santidade é o meu completo abandono à Santa Vontade do Senhor,
inclusivamente nas pequenas coisas, insisto neste ponto. Não desejo nem
quero nada fora da obediência às disposições, instruções ou desejos do
Santo Padre e da Santa Sé.

19. Santo Inácio no Livro dos Exercícios:


"Recebe, Senhor, toda a minha
liberdade"; e a outra que começa assim: "Eterno Senhor de todas as coisas,
entrego-me a Ti". Nestas duas orações "está todo o meu espírito”.

20. No
trato com o próximo, sempre dignidade, simplicidade e bondade;
bondade serena e luminosa. E também, manifestação constante do amor à
Cruz: amor que me desapaixone cada vez mais das coisas da Terra; que me
torne paciente, inalterável no caráter, esquecido de mim próprio, sempre
alegre nas efusões da caridade episcopal.

1930

Retiro Espiritual, casa dos Padres Passionistas


(Ruschuk 28 de abril-04 de maio)

21.Faz com que me embriague da Cruz. Um conjunto de circunstâncias


confere ao meu recolhimento espiritual uma nota concreta de abandono, em
Jesus, sofrendo e crucificado, meu Mestre e meu Rei.

22. Por
Graça de Deus, sinto-me e quero ser deveras indiferente a tudo o
que o Senhor quiser dispor de mim quanto ao meu futuro… “Obediência e Paz”
é o meu lema Episcopal. Quero morrer com alegria de ter honrado sempre a
minha divisa, mesmo nas coisas pequenas.

– conclui a grande meditação do reino de Cristo. Ó Eterno


23. Santo Inácio
Senhor de tudo, entrego-me a Ti. Na realidade, custa-me um pouco. Mas,
como verdadeiramente quero continuar mergulhado por completo na Santa
vontade de Deus e no espírito de Jesus, crucificado e desprezado…”

25. O amor da Cruz do meu Senhor atrai-me cada vez mais nestes dias.
Ó Jesus Bendito, que isso não seja um fogo inútil que se apague com a
primeira chuva, mas um incêndio que arda sempre sem nunca se
consumir… São João Eudes. Eu, humildemente, faço-a minha. E espero que
isso não seja demasiada presunção. No texto, chama-se Profissão de Amor
a Cruz. Ó Jesus, meu amor crucificado, adoro-Te em todas as tuas penas.
Peço-Te perdão por todas as faltas que cometi até ao presente nas aflições
que houveste por bem enviar-me. Entrego-me ao Espírito da Tua Cruz e,
neste Espírito e também em todo o amor do Céu e da Terra, abraço de todo
o coração, por teu amor, todas as cruzes de corpo e de espírito que me
sobrevivem. E faço profissão de pôr toda a minha glória, o meu tesouro e a
minha alegria na Tua Cruz, ou seja, nas humilhações e nos sofrimentos,
dizendo como São Paulo: “Quanto a mim, que não me glorie a não ser na Cruz de Nosso
Senhor Jesus Cristo” (Gl 6, 14). Não quero para mim outro paraíso neste mundo
que não seja a Cruz do meu Senhor Jesus Cristo.
O Senhor me quer todo para Si, pelo caminho real da Cruz. Por este
26.
caminho, e não por outro, desejo avançar.

27. Queira Deus que eu, pobre educador, consiga o grande esforço que
recomenda Santo Inácio na meditação das dores de Jesus, para me apiedar,
entristecer e para chorar.

28. Tenho de sofrer sem nunca sequer dar a entender que sofro.
Não foi essa uma das
últimas lições de Mons. Radini, de venerável memória?

Para mim, deve ser um convite perene e imagem de São Francisco de


Sales que, entre outras, gosto de repetir: Eu sou como um passarinho que
canta num bosque de espinhos. Assim, pois, poucas confidências sobre o
que possa fazer-me sofrer. Muita discrição e indulgência no meu juízo
acerca das pessoas e das situações; inclinação para orar especialmente por
quem for para mim motivo de sofrimento; e, em tudo, grande bondade e
paciência sem limites, lembrando-me de que qualquer outro sentimento…
Prefiro ser considerado um pobre homem, desde que, a qualquer preço, faça
triunfar a caridade. Deixar-me-ei esmagar, mas quero ser paciente e bom até
ao heroísmo. Só então, serei digno de que me chamem Bispo perfeito e
merecerei participar no Sacerdócio de Jesus Cristo que, ao preço das suas
condescendências, humilhações e sofrimentos, foi o verdadeiro e único
médico e salvador de toda a humanidade: “Através dos seus sofrimentos é que fomos
curados” (1 Pd 2, 24).

Encomendo à minha querida Mãe Maria e ao meu bom patrono São


José estas exigências de vida espiritual. Ao sair deste retiro, tomo de novo
com alegria a minha Cruz. Sempre para a frente. Como me lembro do lema
de Mons. Facchinetti, de venerável memória, o amoroso pai espiritual dos
meus primeiros dez anos de sacerdócio: sempre na Cruz sob a obediência.

29. Oferecimento para uma vida crucificada.


Ó meu Jesus, concede-me uma vida
dura, laboriosa, apostólica e crucificada. Digna-Te aumentar na minha
alma a fome e a sede de sacrifício e padecimentos, de humilhações e
renúncia de mim mesmo. Já não quero satisfações, descanso, consolos nem
gozos. A única coisa que ambiciono, ó Jesus, e imploro do Teu Sagrado
Coração é a de ser sempre – e cada vez mais – vítima, hóstia, apóstolo,
virgem e mártir por Teu amor.
1931

Breve retiro Espiritual Casa dos Padres Conventuais


(Bujukada, junto do Bósforo 18-21 de junho)

30. Como gosto do pensamento de Santo Agostinho que chama Porta da


Vida ao Coração de Jesus. Por vezes, parece que, nestes últimos anos… se o
Coração de Jesus é realmente a porta, nada haverá de excessivo ou de
exagerado. Será por aí que, quer se queira quer não, se terá de passar para
sair ou para entrar. É por aí que quero passar.

31. Nestesúltimos tempos, torna-se-me espontâneo a prática da devoção


às Santas Chagas de Jesus Crucificado. São o complemento da devoção ao
Coração de Jesus. Insistirei mais nela.

32. As circunstâncias levaram-me a uma acentuação do amor à Cruz e


aos padecimentos com Jesus, meu Mestre e meu Rei. Pela Graça do Senhor,
aquela profunda meditação não foi em vão… Voltarei com frequência a
essas considerações, procurando aumentar em mim o desejo, a Santa
Vontade de sofrer com Jesus que sofre, de amar a minha situação presente
de pouco fazer, sem me sentir atraído por outra coisa: a penumbra em que a
vontade do Senhor me encerrou, impossibilitado como estou pelas
circunstâncias de fazer mais, como me pedem a minha inclinação e o meu
temperamento.

33. Humilho-me e confundo-me diante do Senhor: peço-Lhe perdão


pelos meus inumeráveis excessos, mas contemplo o futuro com
tranquilidade firme e confiada. Coração de Jesus, em quem o Pai se
compraz. Esta invocação impressionou-me nestes dias. Quando se ouviu a
voz do Pai que exprimia as suas complacências, Jesus tinha apenas vivido
uma vida oculta, em silêncio, em trabalho humilde e em oração calada. Que
grande desalento neste ensinamento.

34. Contudo, sobretudo e em tudo, preocupado em exprimir na minha


vida interior e na minha atividade exterior a imagem de Jesus manso e
humilde de Coração. Que Deus me ajude.
1933

Retiro Espiritual com os Padres Capuchinhos


(Sófia 04-08 de setembro)

35.Lamento ser mesquinho e miserável, mas persevero no propósito de


querer santificar-me a todo o custo, com calma, com paciência e com um
abandono absoluto a Jesus Pastor e guardião da minha vida. O futuro geral
das minhas resoluções destes dias está expresso nas palavras simples de A
Imitação de Cristo: “Deseja que não te conheçam nem te estimem” … Jesus, José e
Maria, em vós descanse em paz a minha alma.

36. Mas tudo suporto e suportarei de bom grado, mesmo até com alegria,
por amor de Jesus para assemelhar-me a Ele o mais possível, para fazer em
tudo a Sua Santa Vontade, pelo triunfo da Sua Graça no meio deste povo
simples e bom, mas tão desventurado, para o serviço da Santa Igreja e do
Santo Padre, e para minha santificação. Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que
Te amo.

1934

Retiro Espiritual com os Padres Passionistas


(Ruschuk 27-31 de agosto)

37. Quanto me pergunto que o Senhor fará de mim. No entanto, quando


me pergunto que devo fazer para agradar mais ao Senhor, para ser Santo, só
percebo esta reposta: continua na obediência, como estás; faz as tuas coisas,
dia após dia, sem inquietações nem singularidades, realizando tudo com um
afã de fervor e perfeição… Não te preocupes em nada com o teu futuro,
pensando que estás talvez junto da porta da Eternidade e mostra-te cada vez
mais contente por viver assim, longe dos olhares e talvez das atenções dos
teus superiores, não sofrendo por seres pouco apreciado, esforçando-te por
saborear cada vez mais por te considerares nada.

38.Mediante a santificação de si mesmo, da sua simplicidade, da sua


bondade e alegria, abriu uma fonte de bênçãos e de Graças – na sua vida e
na sua morte – para toda a Bulgária. Assim deveria ser. Mas são essas
grandes palavras e maiores realidades. Meu Jesus, fico confuso ao pensar
nelas e envergonho-me ao dizê-las. Apesar disso, dá-me a Graça, a força e a
glória de realizá-las. O resto pouco importa. Tudo o mais é vaidade, grande
miséria e aflição de espírito. Jesus, José e Maria, dou-vos o meu coração, e
a minha alma, agora e sempre.
SEXTA PARTE

REPRESENTANTE PONTIFÍCIO
NA TURQUIA E NA GRÉCIA
(1935-1944)

1935

Exercícios espirituais com os meus Sacerdotes


(Istambul 15-22 de dezembro)

2. Que Graças ou ocasiões me faltam aqui para fazer-me Santo?

3.Bendigo a Deus que me cumula de consolações do Sagrado


Ministério. Devo, porém, insistir ainda em pôr mais calma e ordem em
todas as minhas coisas… Que o Coração de Jesus me inflame, me apoie e aumente em
mim o seu Espírito. Amém.

1936

Casa das Filhas do Sagrado Coração


(Ranica, Bérgamo 13-16 de outubro)

4.Parece-me que estou desapegado de tudo: de todo o pensamento de


ascensão e de tudo o mais. Não mereço nada nem tolero impaciências. No
entanto, custa-me muito comprovar a distância que existe no meu modo de
ver as situações no terreno e certas formas de apreciar as mesmas coisas em
Roma: é a minha única verdadeira Cruz. Quero levá-la com humildade,
sempre disposto a agradar aos meus superiores maiores, porque é isso e só
isso que desejo. Direi sempre a verdade, mas delicadamente, passando em
silêncio tudo o que me parecer inútil ou ofensa recebida, disposto a
sacrificar-me a mim mesmo e a ser sacrificado. O Senhor vê tudo e far-me-á
justiça. Sobretudo, quero continuar a pagar o mal com o bem e esforçar-me
por preferir, em tudo, o Evangelho aos artifícios da política humana.

5. "Salva o teu povo, abençoa a tua herança” (Sl 27, 9).


1937

Retiro Espiritual com o meu Clero secular


(Istambul 12-18 de dezembro)

6. ASanta Confissão… Enche-me de paz. Mas o Senhor estará contente


com a minha conduta? Tenho medo de pensar nisso. Só me dá ânimo a
confiança e o abandono Nele.

Senhor, ajudai-me, porque a tentação pode surgir facilmente e sou


7.
miserável.

8. Homem Eucarístico. Quero sê-lo de verdade.

9. Insistireino esforço tranquilo por ser especialmente amável e benigno,


sem fraquezas, mas com perseverança e paciência para com todos. O
exercício da bondade pastoral e paternal – pastor e pai – deve resumir todo
o ideal da minha vida de Bispo. A bondade e a caridade, que imensa Graça.
“Com ela vieram-me todos os bens e nas suas mãos há riquezas incalculáveis. (Sb 7, 11).

1939

Exercícios Espirituais:
Pensamentos e propósitos Casa dos Jesuítas de Ayas Pasa
(Istambul 12-18 de novembro)

Eu Vo-lo agradeço. Sinto-me ainda jovem em saúde e energia, mas


10.
não pretendo nada. Quando me quiserdes, estarei disposto. Inclusive para
morrer – sobretudo, para morrer –, faça-se a Tua vontade.

Horrorizam-me os meus pecados e envergonham-me; não me


11.
condenes.

12. "Darei o que é meu e dar-me-ei a mim mesmo pelas vossas almas”
(2 Cor 12, 15):
não adormeço nos meus deveres Episcopais, mas quantos defeitos em
cumpri-los. Sobretudo, atormenta-me a desproporção entre o que faço e o
que fica por fazer e queria fazê-lo, mas não consigo.

13. Outros propósitos especiais? Não os encontro, pois sinto-me


totalmente Crucificado na minha vida de Vigário e de delegado Apostólico.
Conservar a minha paz e, na paz, um grande fervor.

14. Na outra noite, por volta da uma, chovia a cântaros, mas os


pescadores estavam lá, impávidos na sua rude tarefa. Que confusão para
mim – para nós os Sacerdotes, pescadores de homens – perante este
exemplo. Passado da figura ao figurado, que panorama de trabalho, zelo
Apostólico que se oferece à nossa atividade. Do Reino do Senhor Jesus
Cristo resta aqui bem pouca coisa. Restos e sementes. Mas há tantas almas a
ganhar para Cristo, que vogam neste mar do Islamismo, do Judaísmo, e da
Ortodoxia. Imitar os pescadores do Bósforo, trabalhar dia e noite com as
lâmpadas acesas, cada um no seu barco, às ordens dos chefes espirituais: é
esse o nosso grave e Santo dever.

15. "Os que semeiam em lágrimas, ceifam cantando” (Sl 125, 5).

1940

Exercícios Espirituais: Notas. Terapia junto do Bósforo.


Casa das Religiosas de Nossa Senhora de Sião
(25 de novembro-01 de dezembro)

16. Santificaros seus começos com a oração e a meditação no espírito de


penitência já é alguma coisa; alguma coisa que agrada o Senhor: é súplica
de misericórdia.

17. Procurarei conservar a simplicidade da palavra e do trato, sem


atitudes afetadas; pelo contrário, todos devem perceber a gravidade e a
amável distinção do velho prelado que difunde à sua volta um ar de
dignidade, de prudência e de Graça.

18.Meditei de novo nos meus deveres episcopais. Sobretudo detive-me


no da humildade e paciência na guarda de mim próprio e na maneira como
ensinar isto aos outros. Mas há sempre algum espinho que se crava e, por
vezes, com força. Com todo o rigor, devia tomar decisões peremptórias.
Tiraria algum espinho. Mas não mereceria outros, talvez mais dolorosos? E
onde ficam a verdade, a caridade e a misericórdia? E o Espírito do Senhor
no trato das almas, no trato da minha alma?

19. Segundo o critério do mundo, que chega a penetrar nas interioridades


santas do clero, segundo o parecer da prudência humana, fui um pobre de
espírito. Agora, com efeito, encontro-me de novo na pobreza. O Senhor seja
bendito. Parece-me que, com a Sua Graça, fiz bem. Volto a confiar-me à
Sua bondade no que se refere ao futuro. “Dai e dar-se-vos-á” (Lc 6, 38).

20. "Tende piedade de mim, ó Deus, pelo teu amor!” O pranto das nações.

21. A guerra é uma das mais tremendas sanções. Deus não a quer, mas
sim os homens, as nações e os estados por intermédio de quem os
representa. Os terremotos, as inundações, a fome e a peste são a aplicação
das leis cegas da natureza; cegas porque a natureza material não tem
inteligência nem liberdade. A guerra, pelo contrário, é coisa querida pelos
homens, com os olhos abertos, apesar das leis mais Sagradas. Por isso, é
muito mais grave. Quem a determina, quem a fomenta é sempre o príncipe
deste mundo, que nada tem a ver com Cristo, Príncipe da Paz.

22. "O pranto da minha alma”…Longe de mim procurar nas comparações


uma espécie de desculpa. O Miserere pelos meus pecados deveria ser a
minha oração mais familiar. Além disso, o pensamento de que sou
Sacerdote e Bispo – e, por conseguinte, especialmente consagrado à
conversão dos pecadores e ao perdão dos pecados – deveria acentuar muito
mais a minha atitude. O que será deixar-se açoitar, deitar-se diretamente no
chão, sobre a cinza, para morrer, senão um continuado Miserere da alma
sacerdotal, ansiosa por ser sempre hóstia de expiação pelos pecados do
mundo e pelos seus próprios?

23. "A grande misericórdia”.


Não basta uma misericórdia qualquer. O peso
das injustiças sociais e pessoais é tão grave que não basta um gesto de
caridade ordinária para perdoá-las. Esta é proporcionada à própria grandeza
de Deus. Porque “a sua misericórdia é como a sua grandeza” (Sir 2, 18).
Com razão se disse que as nossas misérias são o trono da Misericórdia
Divina… Tende piedade de mim, ó Deus, pelo teu amor! Pela tua grande
compaixão apaga a minha culpa!

24. "Pela tua grande compaixão apaga a minha culpa!”


A Misericórdia do Senhor
não é simplesmente um sentimento do coração, mas uma profusão de
benefícios. Se considerarmos quantas Graças descem à alma pecadora,
simplesmente pelo perdão de Deus, ficaremos realmente confundidos: 1) a
remissão amorosa da ofensa; 2) a nova infusão da Graça Santificante,
como a um amigo, como a um filho; 3) a reintegração dos dons, dos hábitos
e das virtudes anexas à Graça; 4) a restituição do direito à herança celeste;
5) a revivescência dos antigos méritos anteriores ao pecado; 6) o aumento
de Graça que se acrescenta por este perdão às Graças anteriores; 7) o
aumento dos dons que acontece em proporção com o aumento da Graça, do
mesmo modo que, com o avanço do sol crescem os raios e com o
incremento do manancial crescem os rios.

25. "Lavai-me da minha injustiça e purificai-me de meu pecado!


"A Santa Confissão.
Três verbos: apagar, lavar e purificar… Três operações sucessivas. A
primeira pertence exclusivamente a Deus: apagar. A Deus, em colaboração
com a alma, a segunda e a terceira: lavar, purificar. Façamos nós, pobres
pecadores, o que pudermos: arrependamo-nos e, com a ajuda do Senhor,
lavemo-nos e purifiquemo-nos. Tenhamos a certeza de que o Senhor fará a
primeira operação… “Lavai-me da minha injustiça e purificai-me do meu
pecado!”

26. "Jesus Cristo tornou-Se para nós sabedoria que vem de Deus, justiça, santificação e
libertação” (1 Cor 1, 30).

27. "Porque eu reconheço a minha culpa e o meu pecado está sempre na minha frente”.
A
frase conhece-te a ti mesmo da sabedoria antiga era já uma boa base para a
vida honesta e digna.

28.Tenho sempre presente o meu pecado. Quer dizer, diante de mim.


Como estavam presentes os pecados dos homens diante de Jesus no
Getsémani, diante de Pedro no auge do seu magistério, diante de Paulo na
glória do seu apostolado, diante de Agostinho no fulgor da ciência universal
e santidade episcopal. Ai dos infelizes que, em lugar de ter o pecado diante
dos olhos, o têm atrás das costas. Nunca poderão precaver-se dos males
passados nem dos futuros.

"Pequei contra Ti, somente contra Ti, praticando o que é mau


29. aos teus olhos”. O
pecado é ofensa a Deus e somente por isso um mal grave.

30. "Eu dizia: Senhor, tem piedade de mim! Cura-me porque pequei somente contra Ti" (Sl
40, 5).

31."Pequei somente contra Ti”.


O pecado, mesmo o que vai contra o próximo
ou contra quem o comete, ofende diretamente a Deus na sua Santa Lei.
Ganha em gravidade porque se realiza diante do olhar de Deus.

32. "Eis que eu nasci na culpa e minha mãe me concebeu pecador”.

33.É grande a nossa responsabilidade em conservarmos a Graça que


temos na nossa mão, em travarmos a natureza. É que aninham-se na
pobreza as inclinações perversas de ambição, orgulho, gula, impaciência,
inveja, avareza, preguiça e luxúria… “Para nos defender, o Senhor construiu
muralhas e baluartes” (Is 26, 1).

34."Tu amas o coração sincero, e no íntimo, ensina-me a sabedoria”. O salmista


proclama no seu Deus o amor da verdade. A verdade está em Deus como na
sua fonte. Deus é toda a verdade; e Jesus, o Verbo Divino, disse-o com toda
a clareza: “Eu sou a Verdade” (Jo 14, 16). Esta declaração seria digna de
um louco, se não tivesse saído dos lábios de um Deus feito homem. O
procurador romano ficou atrapalhado com esta declaração feita por Cristo e
perguntou-Lhe: “E o que é a verdade?”.

A verdade – diz Segneri – é uma virtude transcendente que entra em


todos os assuntos bem regulados e, segundo a sua diversidade, toma
diversos títulos. Nas escolas, chama-se ciência; no falar, veracidade; nos
costumes, pureza; na conversação, sinceridade; no obrar, retidão; no
contratar, lealdade; no aconselhar, liberdade; no cumprir as promessas,
fidelidade; e nos tribunais tem o título sublime de justiça. É esta a verdade
do Senhor que permanece para sempre.
Amar a verdade. Assim Deus me ajude. Repeti isto mesmo muitas
vezes, jurando sobre o Evangelho.

35. “Aspergi-me com um ramo de hissopo e ficarei puro. Lavai-me e tornar-me-ei mais
branco do que a neve”… Que o Senhor me purifique do meu amor próprio, que
inclui – como diz Segneri – três apegos: à minha vontade, ávida de agir a
seu modo; à minha reputação, que não tolera o desprezo; e às minhas
comodidades, inimigas de sofrimentos e amigas de passatempos.

36. "Concedei-me ouvir o júbilo e a alegria para que exultem os ossos que esmagaste”.

37. "O próprio Espírito assegura ao nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8, 16).

38."Esconde dos meus pecados a tua face e apaga toda a minha culpa”. Devo
familiarizar-me com este versículo, para me compungir constantemente.
Não devemos ter medo de nos confessar pecadores. Todo o exagero nas
formas acaba por estropiar e cada um de nós deve exprimir-se segundo o
seu temperamento; mas, já que temos sempre necessidade do perdão do
Senhor, devemos manter-nos permanentemente em atitude de súplica e de
confiança na clemência divina. Senhor, não desprezes um coração contrito e
humilhado.

39. "Ó Deus, cria em mim um coração puro e renova no meu peito um espírito firme”…
O
coração não consegue transformar-se por si mesmo. Quando se perdeu,
deixando-se enfraquecer pelas superfluidades, torna-se necessário uma
Nova Criação. De pouco servem os remendos. Volta-se a cair
imediatamente. O coração de Paulo e o coração de Agostinho foram criação
nova. Santo Deus, que prodígio! Uma vez tomada a nova direção, aquelas
vontades não se desviarão um ápice. E na hora final possuíam ainda o toque
do metal precioso.

40. "Não me rejeites para longe da tua face e não retires de mim o teu Santo Espírito”…
Uma coisa é que Deus afaste os olhos da iniquidade e outra que afaste o
pecador da sua vista… Que o Senhor me conceda a Graça de não ser
rejeitado. Que me admita na Sua Misericórdia, mesmo que seja o último de
todos e o mais indigno, a contemplá-Lo sem fim.
41. A atividade da Graça na alma se expressa nas palavras: “Eu e meu Pai
viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14, 23). O Espírito Santo é Senhor e
vivificante. É a Ele que toca a santificação da alma. Porventura o cristão
não é templo vivo do Espírito Santo? E que riqueza de frutos para a alma
provém desta permanência do Espírito do Senhor nela. São Paulo enumera-
os. São vinte e quatro. Começam com a paz e o gozo.

42."Devolve-me o júbilo da tua salvação e que um espírito generoso me sustente”.


Devolve-me a segurança gozosa que será a minha salvação: a gozosa
segurança do Teu Salvador. O verdadeiro gozo da alma perdoada, o
primeiro fruto do Espírito Santo que habita em nós consiste em sabermos
que estamos entre a multidão dos eleitos. E tudo, pelos méritos de Jesus,
que derramou o seu sangue para redimir a nossa alma, para penetrá-la com
a sua virtude e com a sua vida. Essa segurança deve ser acompanhada de
temor, pois levamos o tesouro da Graça num vaso frágil; um pequeno
tropeço pode-nos fazer peregrinar: o vaso quebra-se novamente: pobres de
nós!

43. "Livra-me do sangue, ó Deus, meu salvador! E a minha língua cantará tua justiça”.

44.O apego exagerado às pessoas da família que, quando ultrapassa os


limites da caridade, se transforma em estorvo e prisão… amar os meus
parentes e afins, remediar a sua eventual pobreza – coisa obrigatória para
quem faz tantas esmolas e pessoas estranhas –, mas tudo com discrição,
com espírito delicadamente sacerdotal, com ordem e imparcialidade.

45.O sentimento do amor à Pátria, que é legítimo e pode ser santo, mas
também pode degenerar em nacionalismo, sumamente prejudicial à
dignidade do meu ministério episcopal… Ó Deus, meu Salvador, o
Salvador Jesus que morreu por todas as nações, sem distinção de raça nem
de sangue, é o primeiro dos homens da nova família humana, fundada sobre
Ele e sobre o seu Evangelho.

46.Com quanta decisão e quanta maior liberdade poderá assim a língua


do Sacerdote e do Bispo, desligado dos estorvos terrenos, anunciar os
preceitos do Senhor a todos, louvar festivamente a Sua justiça, a Sua
misericórdia e a Sua paz, em Nome do Pai, que é Deus de Justiça, do Filho,
que é Deus de Salvação, e do Espírito Santo, que é Deus de Paz. No gozo
desta Santa liberdade torna-se mais alegre o mistério das almas. “Os teus
estatutos são canónicos para mim, na minha casa de peregrino” (Sl 119, 54). “Vinde,
exultemos no Senhor, aclamemos o rochedo que nos salva” (Sl 95, 1).

47."Senhor, abre os meus lábios e a minha boca anunciará o teu louvor”… O


Sacerdote é também mestre e os seus lábios devem guardar a ciência. Seria
muito bom que se começassem as práticas e os sermões, e todas as formas
de ensino com esta frase: Senhor, abre os meus lábios!

“O Senhor é grande e muito louvável na cidade do nosso Deus” (Sl 48, 1). Mas,
48.
onde? Na terra? Na água? No ar? No fogo? No firmamento? Nas estrelas?
No sol? Não; mas na cidade do nosso Deus, no Seu monte santo.

49. "O seu monte santo, belo em altura, alegria de toda a terra, o monte Sião, vértice do céu,
cidade do grande rei” (Sl 48, 3)… Quem, pela pregação, se dedica a obra tão
bela, diga ao Senhor como anúncio do seu Evangelho: “Senhor, abre os meus
lábios, e a minha boca anunciará o teu louvor”.

50. "Porque Tu não queres sacrifício e nenhum holocausto Te agrada”.

51. "O Senhor perdoa o teu pecado, não morrerás”.

52.Pronta disposição para o sacrifício, da maneira que o Senhor quer


para cada um e na medida em que Ele quer, que deve constituir um grande
ensinamento e advertência para mim. É essa a devoção leal e mais segura.
Não consiste simplesmente em derramar lágrimas compungidas durante a
oração, mas ter uma perfeita disposição de vontade para qualquer Serviço
Divino. “O meu coração está firme, ó Deus, o meu coração está firme” (Sl 57, 8) para o
muito e para o pouco, para o que Deus quiser e para o que Deus não quiser
e que, portanto, não se deve fazer. E neste ponto quantos desenganos.
Facilmente inventamos formas de serviço ao Senhor que não são mais do
que o nosso gosto, a nossa ambição e o nosso capricho.

53. "O meu sacrifício é um espírito contrito. Tu não desprezas um coração contrito e
humilhado”. O que mais agrada ao Senhor é o sacrifício e o espírito
atribulado ou, melhor, mortificado, porque, frequentemente, junta-se ao
sofrimento do espírito o sofrimento físico do corpo que teve uma parte
muito importante com a alma ao fazer o mal. Elevando esta doutrina acima
das contingências particulares de David, pecador arrependido, coloca-nos
diante do grande mistério da Cruz e do sofrimento, que constitui o caminho
mais seguro da perfeição sacerdotal e episcopal.

Antes de terminar a minha pobre vida, o Senhor me visite com


54.
tribulações particularmente dolorosas. Sim, estou disposto, desde que o
Senhor, que as envia, me conceda também força para enfrentá-las com
calma, com dignidade e com mansidão… Desejo estar sempre muito atento
ao sacrifício interior, suportado com humildade, com espírito de penitência,
com o coração contrito - coração contrito como cinzas… São Francisco de
Assis, cuja oração era sempre a mesma: Jesus tem piedade de mim pecador.

55. "Favorece Sião, por tua bondade, reconstrói as muralhas de Jerusalém”.

56. "A bondade e o amor de Deus, nosso Salvador, manifesta-se e Ele salvou-nos” (Tt 3,
4).

Jerusalém é a Igreja Santa que estende os seus pavilhões a todas as


57.
partes do mundo e tem muros sólidos e fortes, por vezes rasgados em
brechas aqui e acolá, mas imediatamente reconstruídos e defendidos melhor
que nunca. Da mística Jerusalém ou Igreja triunfante que nos aguarda na
consumação final. As últimas notas do Miserere de David dão tom ao
Apocalipse de São João, que termina, depois da descrição da Bem-
aventurada visão da paz com “Vem, Senhor Jesus” (Ap 22, 20).

58. "Então, aceitarás os sacrifícios rituais, ofertas totais e holocaustos, e no teu altar se
imolarão novilhos”. Trata-se do grande e verdadeiro sacrifício que, de si
próprio, ofereceu Jesus por nós, quando “Cristo nos amou e Se entregou a Deus por
nós, como oferta e vítima, como perfume agradável” (Ef 5, 2).

Que grande responsabilidade perante o céu e a terra! Senhor Jesus,


59.
mergulho no meu nada; suplico piedade e perdão para as minhas misérias,
renovo a consagração da minha vida ao vosso culto, ao vosso amor, ao
vosso altar. Misericórdia, Senhor, misericórdia.

1942
Exercícios Espirituais com o meu clero.
Da festa de Cristo Rei à Festa de Todos os Santos
(Istambul 25-31 de outubro)

60. Queo Senhor me conceda um espírito de penitência cada vez maior.


Aproxima-se o tempo da grande penitência para o mundo inteiro.

61. Devo aceitar tudo o que é motivo de humilhação e tomar a devida


nota; mas não posso perder a calma e a paz interior. É este o meu suplício…
Como diz Kempis: Se não puderes sofrer com alegria, ao menos, sofre com
paciência… devo considerar verdadeiramente humilde enquanto não
reconhecer que sou verdadeiramente inferior a todos.

62. Os pontos fundamentais da vida espiritual estão bem firmes, graças a


Deus. Desapego absoluto em relação ao meu nada; abandono completo à
vontade do Senhor; desejo de viver exclusivamente para fazer um pouco de
apostolado e de bom serviço à Santa Igreja; nenhuma preocupação com o
meu futuro; prontidão para qualquer sacrifício, inclusive o da vida – se o
Senhor me considerar digno de tanto –, pela Glória Divina, pelo
cumprimento do meu dever; grande fervor de vida espiritual… zelo
vigilante e manso, estando atento a todas as coisas, mas sempre com muita
paciência e delicadeza, lembrando-me daquilo que o Card. Mercier diz de
Gratry: que a delicadeza é a plenitude da força; por último, familiaridade
com o pensamento da morte, que serve, para dar tanta agilidade e alegria à
minha vida.

…muita prudência, silêncio respeito e correção em todos os


63.
momentos.
SÉTIMA PARTE

REPRESENTANTE PONTIFÍCIO EM FRANÇA


(1945-1952)

1945

Retiro durante a Semana Santa


(Solesmes, 26 de março-02 de abril)

2. "Os que confiam em Deus não temem”…


De novo, a Obediência e a Paz me
trouxeram Bênção. Que tudo isto me sirva de motivo de mortificação
interior, para a busca de uma humildade ainda mais profunda, para um
abandono confiado, para consagrar ao Senhor a minha santificação, para
edificação das almas, durante os anos que ainda me falta viver e servir a
Santa Igreja.

3.Não, não choro nem sequer desejo voltar-me para trás para trabalhar
melhor. Confio à misericórdia de Deus o que fiz mal ou menos bem e olho
para o futuro, breve ou longo, [para ver] como poderá ser aqui embaixo,
porque quero que seja santificado e santificador.

4. Para imprimir simplicidade a tudo, recordarei as virtudes teologais e


as cardeais. A primeira das cardeais é a prudência. É precisamente aqui
onde combatem e, frequentemente, são vencidos os Papas, Bispos, os reis e
dirigentes… Cuidado! Saber calar, saber falar com medida, saber abster-me
de julgar as pessoas e tendências [e não fazê-lo], a não ser quando me
impõem os meus superiores ou os interesses mais graves. Em tudo, é
preferível dizer de menos do que demais, temendo dizer demasiado,
lembrando-me do elogio que Santo Isidoro de Sevilha faz de São Fulgêncio.
Vigiar especialmente a guarda da caridade. É esta a minha regra.

1947
Retiro durante a Semana Exercícios Espirituais: Pensamentos e
propósitos.
Villa Manresa dos Padres Jesuítas
(Paris 08-13 de dezembro)

5. O sentimento da minha pequenez não deixa de fazer-me boa


companhia: torna-me habitual a confiança em Deus e, dado que vivo em
constante exercício de obediência, dá-me alento e dissipa todo o temor. O
Senhor houve por bem ajudar-me. Bendigo-O e dou-Lhe graças.

6. Quanto à minha vida, o pensamento central destes dias é o da morte,


talvez próximo, e o de estar preparado para ela.

7. O Senhor vê o meu desapego dos bens da terra, em espírito de pobreza


absoluta. Se ficar alguma coisa, será para o asilo da Paróquia e para os
pobres.

8. A Santa Liturgia e a Sagrada Escritura proporcionam-me um precioso


alimento para a alma. Assim, simplifico cada vez mais e encontro-me
melhor. Quero, no entanto, prestar atenção mais fiel e mais devota à
Santíssima Eucaristia.

9.A paciência ajuda-me nos meus defeitos e nas minhas imperfeições e


dos que trabalham comigo.

10. O meu temperamento e a educação recebida ajudam-me no exercício


da paciência. Não me afastarei deste caminho. São Francisco de Sales é o
meu grande mestre. Quem me dera que me assemelhasse a ele, deveras e
em tudo. Desde que não falte ao grande mandamento do Senhor, estarei
disposto a enfrentar até zombarias e desprezos. A frase “afável e humilde de
coração” (Mt 11, 29) não deixará de ser a auréola mais resplandecente e
gloriosa de um Bispo e de um representante do Papa.

1948

Retiro anual. Mosteiro Beneditino do Sagrado Coração


(Calcat, Dourgne 23-27 de novembro)
11. Neste 25 de Novembro, entro nos meus 68 anos de idade… Na minha
pequena cama beneditina fiz a minha preparação para a morte… O que o
Senhor ainda houve por bem conceder-me, em anos ou dias, receberei como
Graça. Devo repetir com frequência as palavras de São Paulo e vivê-las:
“Morri e a minha vida está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3, 3).

12.O cume da filosofia consiste em sermos simples com prudência. O


pensamento é de São João Crisóstomo, o meu grande patrono do Oriente.
Senhor, Jesus, conserva-me o gosto e a prática desta simplicidade que,
mantendo-me humilde, me aproximo mais do Teu Espírito e atrai e salva as
almas.

13.Qualquer forma de desconfiança ou de tratamento descortês com


alguém – sobretudo se se tratar de fracos, pobres ou inferiores –, qualquer
dureza ou inflexão de juízo me provocam pena e sofrimento íntimo. Calo,
mas o meu coração sangra. Estes meus colaboradores são uns magníficos
eclesiásticos: aprecio as suas qualidades excelentes, estimo-os e merecem
tudo. Mas sofro por o meu espírito discordar deles. Há dias e circunstâncias
em que sou tentado a reagir com decisão. Mas prefiro o silêncio, esperando
que ele seja mais eloquente e eficaz para a sua educação. Mas isto não será
fraqueza? Devo e quero continuar a levar em paz esta leve Cruz, que se
junta ao sentimento já mortificante da minha pequenez, e deixarei que o
Senhor atue, Ele que penetra os corações e os atrai para as delicadezas da
sua caridade.

14. "Quem é sábio e inteligente entre nós? Pois, então, mostre com a sua boa conduta que as
suas acções são de uma sabedoria de rivalidade, não vos gabeis nem mintais contra a verdade.
Esse tipo de sabedoria não vem do alto; é sabedoria terrena, animal e demoníaca. De facto, onde
há ciúme e espírito de rivalidade, existe também desordem e todo o género de más acções. Ao
contrário, a sabedoria que vem do alto é, antes de tudo, pura, pacífica, humilde, compreensiva,
cheia de misericórdia e de bons frutos, sem discriminações nem hipocrisia. Na verdade, o fruto da
justiça é semeado na paz àqueles que trabalham pela paz” (Tg 3, 13-18).

1950

Notas Espirituais do meu breve retiro


Quinta, Sexta, Sábado Santos e Páscoa
(Oran, Argélia 06-09 de abril)
15. Imitação de Cristo: Cap. IX. liv. III, “Refere tudo a Deus como ao
fim último”.

16. Meu Jesus, quantas graças Te dou por me teres conservado fiel a este
princípio: De mim tiram água, como de fonte viva, o pequeno e o grande, o
pobre e o rico. Eu conto-me entre os pequenos e os pobres.

Ó meu Jesus, Tu penetras os corações e só Tu conheces o ponto


17.
exacto em que a própria busca da virtude desembocar por defeito ou por
excesso.

Gosto muito da expressão: "O meu mérito é a tua misericórdia”; e


18.
daquela outra de Santo Agostinho: "Coroando os méritos, coroas a Graça”.

19. A caridade divina vence tudo e dilata todas as forças da alma. Se


entenderes bem, só em Mim te hás de alegrar e só em Mim hás de esperar,
porque só Deus é bom (Lc 18, 19).

20. Sexta-feira Santa: o meu presente. Aqui estou vivo, com sessenta e nove
anos em curso, prostrado diante do Crucifixo, para beijar-Lhe o rosto e as
chagas santíssimas, para beijar-Lhe o coração descoberto; aqui estou eu em
acto de amor e de dor. Como não renovar a Jesus os meus agradecimentos
por me encontrar ainda jovem e robusto de corpo, de espírito e de coração?
Alguns olham para a minha pobre pessoa com admiração e simpatia; mas,
graças a Deus, envergonho-me de mim mesmo, das minhas insuficiências,
do pouco que sou para um posto tão importante… E permaneço fiel ao meu
princípio que, na minha opinião, continua a ter um lugar de honra no
Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os pobres, os mansos, os pacíficos, os
misericordiosos, os que têm sede de justiça, os puros de coração, os atribulados e os perseguidos”.
O meu presente é feito de energia, em acto de fidelidade a Cristo obediente
e crucificado, como tantas vezes repeti nestes dias: Cristo fez-me obediente,
pobre e humilde como Ele, com ardor de Divina Caridade, disposto ao
sacrifício e à morte, por Ele e pela Sua Igreja.

21. Sábado Santo: o meu futuro. Com quase setenta anos, devo contar pouco
com o futuro. “Setenta anos é o tempo da nossa vida; oitenta anos; se ela for vigorosa. E a
maior parte deles é fadiga inútil, pois passa depressa e nós voamos” (Sl 90, 10-11).
Portanto, não devo ter ilusões, mas familiarizar-me com o pensamento do
fim… Se o recordo frequentemente não é para aborrecimento dos outros,
mas para eu o ter sempre presente, porque o pensamento da morte, quando
o tornamos familiar, é bom e útil para mortificar a vaidade, para impor a
tudo o sentido da medida e da serenidade. Relativamente às minhas coisas,
temporais, darei um retoque no meu testamento. Sou pobre, graças a Deus,
e assim pretendo morrer.

22. Deveanimar-me o pensamento de que os meus conhecidos, as almas


que amei e que amo, já estão quase todas na outra vida, à minha espera e
rogando por mim. Querer-me-á o Senhor imediatamente na Pátria
Celeste?… Mas também nisto a Santa Vontade do Senhor e nada mais.
Termino estas notas ao som dos sinos de Páscoa da vizinha Catedral do
Sagrado Coração… São Gregório Nazianzeno: "A Vontade de Deus é a
nossa paz”.

1952

Retiro Espiritual. Quinta, Sexta e Sábado Santos.


Religiosos do Carmelo
(Montmartre 10-12 de abril)

23.Dar graças. A duração ordinária da vida humana – os setenta anos –


já está ultrapassada. Devo dizer: “Hei de passar todos os anos da minha vida com a
alma amargurada” (Is 28, 15).

24. “O seu louvor estará sempre na minha boca” (Sl 34, 2).

25. Simplicidade
de coração e de palavras… Ser simples com prudência.
O lema de São João Crisóstomo. Quanta doutrina em quatro palavras.

26.Amabilidade, calma e paciência imperturbável. Devo lembrar-me


sempre de que a palavra delicada amansa a ira. Quantos fracassos nascem
da dureza, da impulsividade e da falta de contenção.

27. Grande compreensão e respeito para com os franceses… Sou livre de


julgar, mas devo abster-me da crítica, mesmo que leve e benévola, que
possa ferir a sua susceptibilidade. Não fazer nem dizer aos outros o que não
gostaríamos que nos fizessem ou dissessem de nós… Digo-o por mim e
devo ser mestre e exemplo disso junto dos meus colaboradores. Mais vale
uma carícia do que um beliscão, trate-se de quem se tratar.

Em todas as coisas tem sempre o fim. O final sai ao meu encontro à


28.
medida que se sucedem os dias da minha vida. Devo-me preocupar mais
com morrer imediatamente e bem do que com perder tempo em sonhos de
vida longa. Mas sem melancolia, sem sequer falar demasiado disso. A
vontade de Deus é a nossa paz. Sempre na vida, mais ainda na morte.

29.Só desejo que a minha vida acabe santamente. Temo diante do


pensamento de ter de suportar dores, responsabilidades e provas superiores
às minhas pobres forças, mas confio no Senhor, sem nenhuma pretensão de
triunfos ou méritos espetaculares e especiais.

30. Estarei atento a uma piedade religiosa mais intensa.

31. Parece-me que tenho a consciência em paz e confio em Jesus, na sua


e minha Mãe, gloriosa e amantíssima, em São José, o santo predilecto do
meu coração… E disponho-me a subir ao templo do Sagrado Coração que
me aguarda para uma noite luminosa e solene, que quer ser símbolo da
ressurreição das almas, da Santa Igreja e das nacções. A Cruz de Jesus, o
Coração de Jesus, a Graça de Jesus; isso é tudo na terra; é o começo da
Glória futura, reservada aos eleitos para sempre: “Coração de Jesus, nossa vida e
ressurreição, salvação dos que esperam em Ti, esperança dos que em Ti morrerem, tem
misericórdia de nós”.
OITAVA PARTE

CARDEAL PATRARCA DE VENEZA


(1953-1958)

1953

Retiro Espiritual com os Bispos da Província Trivéneta


Pregador: Pe. Federico da Baselga, Capuchinho
(Seminário de Veneza, 15-21 de maio)

2. Agora me encontro diante dos verdadeiros interesses da Igreja, em


relação com a sua fidelidade, que é salvar almas e guiá-las para o Céu. Isto
me basta e agradeço ao Senhor… Não desejo nem me preocupa outra coisa
que viver e morrer pelas almas que me estão confiadas. “O Bom Pastor dá a vida
pelas ovelhas… Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10-11).

3.Meu, Jesus, primeiro Pastor e Bispo de nossas almas, o Mistério da


minha vida e da minha morte está nas Vossas mãos, junto do Vosso
Coração. Por um lado, temo a proximidade da hora extrema; mas por outro,
confio e olho para a frente dia após dia. Sinto-me na condição de São Luís
Gonzaga. Continuar as minhas ocupações, sempre com ânsias de perfeição,
mas ainda mais ao pensar na Misericórdia Divina.

4.A minha jornada deve ser sempre uma oração: a oração é o meu
alimento. Prometo rezar diariamente o rosário completo de quinze
Mistérios, com a intenção de encomendar assim ao Senhor e à Virgem – se
possível na capela, diante do Santíssimo Sacramento – as necessidades mais
graves dos meus filhos de Veneza e da Diocese: Clero, Seminaristas,
Virgens Consagradas, autoridades públicas e pobres pecadores.

5.Agrada-me louvar o Senhor por esta pobreza um tanto humilhante e,


frequentemente, embaraçosa. Graças a ela, pareço-me mais com Jesus
pobre e com São Francisco, seguro como estou de que não morrerei de
fome. Bem-aventurada pobreza que me garante uma maior bênção para as
outras coisas e para o que é mais importante no meu ministério pastoral.
6.Humildade, simplicidade e fidelidade ao Evangelho, com mansidão
intrépida, com paciência inexpugnável, com zelo paternal e insaciável pelo
bem das almas.

A Vontade do Senhor continua a ser minha paz. A duração da minha


7.
vida humilde – demasiado honrada pela Santa Sé, muito acima dos meus
méritos.

1954

Exercícios pregados por Mons. Landucci


(Terreglia 06-12 de junho)

8. A Imitação de Cristo: Exortação da vida interior: da conversação


interior. Da submissão humilde. Do homem bom e pacífico. Do coração
puro e intenção simples. Da consideração de si próprio. Da alegria da boa
consciência. Do amor a Jesus sobre todas as coisas. Do carecer de tudo. Do
agradecimento pela Graça de Deus. "De como são poucos os que amam a
Cruz de Cristo. Do caminho real da Santa Cruz".

1955

Exercícios Espirituais com o Episcopado Trivéneto


Pregador: Pe. Ricardo Lombardi, SJ
(Villa Imaculada de Torreglia, Pádua 20-25 de maio)

9.… a vida que me resta não deve ser senão uma gozosa preparação
para a morte. Aceito-a e espero-a com confiança, não em mim mesmo, pois
sou pobre e pecador, mas pela infinita Misericórdia do Senhor, a quem devo
tudo o que sou e tenho. “Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor” (Sl 89, 2).

Devo amar os meus parentes no Senhor, tanto mais que são todos
10.
pobres e digníssimos cristãos e deles nunca recebi mais do que respeito e
consolação; hei de viver sempre separado deles, para exemplo deste bom
clero de Veneza que, por razões diversas, em parte desculpáveis, tem
consigo demasiados familiares que se tornam um não pequeno impedimento
ao seu ministério pastoral na sua vida, na morte e depois da morte.

11. Quer dizer da minha vida pastoral que, agora, é a minha vida? Estou
contente porque, em verdade, proporciona-me grandes consolações. Não
preciso empregar formas duras para manter a boa ordem. A bondade atenta,
paciente e generosa chega muito mais longe e mais rapidamente do que o
rigor e o chicote… o Pastor, deve ser, sobretudo, bom, bom. De outro
modo, sem ser lobo como o mercenário, corre o risco de adormecer, de
tornar-ser inútil e ineficaz. Ó Jesus, Bom Pastor, que o Teu Espírito me
invada completamente, de modo que a minha vida seja, nestes últimos anos,
sacrifício e holocausto pelas almas dos meus queridos venezianos.

12. Manter-me sempre com Deus, desde manhã à tarde e mesmo até à
noite, com Deus ou com as coisas de Deus, dá-me um gozo perene e induz-
me à calma e à paciência em tudo.

13. "Examinai tudo e ficai com o que é bom”


(1 Ts 5, 21)… Minha alma, a tua
estada neste mundo está a chegar ao fim; os teus passos dirigem-se para o
ocaso. Para a frente sem desfalecimento; não te faltará a luz, nem a Graça,
nem alegria.

1956

Retiro Espiritual no Seminário da Salvação


(Veneza 11-15 de junho)

14. O facto de encontrar-me com os meus sacerdotes e em contacto com


os seus problemas tirou-me a tranquilidade para pensar em mim próprio.
Portanto, decidi visitar noutra ocasião os meus sacerdotes e conversar
oportunamente com eles nas suas reuniões ou onde quer que se encontrem;
mas ficarei com os Bispos, para atender unicamente à minha alma.

15. O Evangelho é imutável, de que o ensino de Jesus no Evangelho é a


mansidão e a humildade; naturalmente que não é a fraqueza nem a burrice.
Tudo o que tem ares e tom de imposição pessoal não passa de egoísmo e
fracasso.
16. A recordação de Fátima e das consolações que lá recebi tornam-me
cada vez mais amável o preceito do Senhor: “Evangelizar os pobres e curar os de
coração contrito” (Lc 4, 18).

1957

Exercícios Espirituais com os Bispos do Episcopado Trivéneto


Pregador: Mons. Van Lierde, Sacristão de Sua Santidade
(Torreglia, 02-07 de junho)

17. Notas pessoais minhas… A vida é um grande dom do Pai Celestial…


Não me perturba o pensamento da morte… A minha saúde é excelente e
ainda robusta, mas não devo confiar muito: quero manter-me em condições
de poder dizer aqui estou a qualquer chamada, mesmo que seja rotineira.

18. O envelhecimento – que é também um grande dom do Senhor – deve


ser para mim motivo de silencioso gozo interior e de abandono diário ao
próprio Senhor, em Quem pus o meu olhar, como uma criança nos braços
abertos de seu pai.

19. A minha humildade e já longa vida tem-se ido desbobinando como


um novelo, marcada pela simplicidade e pela pureza. Não me custa
reconhecer e repetir que não sou nada nem valho absolutamente nada. O
Senhor fez-me nascer de família pobre e foi-Se preocupando com tudo. E
eu deixava-O fazer. Ainda jovem sacerdote, chegou à minha alma a
obediência e a paz do Pe. César Boronio, com a cabeça inclinada a beijar o
pé da estátua de São Pedro; e eu deixarei fazer e deixei-me levar em
perfeita conformidade com as disposições da Providência.
Verdadeiramente, a Vontade de Deus é a minha paz. E a minha esperança está toda
na Misericórdia de Jesus que me quis seu sacerdote e seu ministro; que foi
indulgente com os meus inumeráveis pecados, ofensas e negligências e
conserva-me ainda ágil e vigoroso.

20.As portas do Paraíso são duas: inocência e penitência. Quem pode


pretender, pobre homem frágil, achar a primeira porta? Mas a segunda
também é segura. Por ela passou Jesus, com a Cruz às costas, como
expiação dos nossos pecados e convida-nos a segui-Lo. E segui-Lo significa
fazer penitência, deixar-se flagelar e flagelar-se um pouco também. Meu
Jesus, as minhas circunstâncias permitem-me uma vida de mortificação,
entre tantas consolações que o meu ministério me oferece. Aceito-as com
todo o prazer. Por vezes, fazem sofrer um pouco o meu amor próprio; mas,
mesmo sofrendo, gozo e repito-o diante de Deus: “A humilhação é um bem para
mim”. A grande frase de Santo Agostinho acompanha-me e conforta-me.
NONA PARTE

PAPA
(1958-1963)

1959

Retiro Espiritual no Vaticano Pregador: Mons. José Angrisani, Bispo


de Casale, convidado por mim, causou uma expressão geral e edificante
(29 de novembro-05 de dezembro)

2. InspiraçãoInaciana. Fundo geral das meditações e práticas: a Sagrada


Escritura: o Evangelho, São Paulo e São João. Simples, transparente e
animador. Infelizmente, a minha aplicação pessoal foi, uma vez mais,
distraída pelas circunstâncias, a que não me pude subtrair por completo.
Graças a Deus e em tudo bênção e paz.

3.Desde que o Senhor me quis, miserável como sou, para este grande
serviço, já não me sinto pertencer a nada especial na vida: família, pátria
terrena, nação, orientações particulares em matéria de estudos e de projetos,
mesmo que bons. Agora, mais do que nunca, reconheço-me indigno e
humilde servo de Deus e servo dos servos de Deus. A minha família é todo
o mundo. Este sentimento de pertença universal deve dar o tom e colorido à
minha mente, ao meu coração e às minhas acções.

4. Senhor não sou digno. Sê sempre a minha fortaleza e a alegria do meu coração. Meu
Deus, minha Misericórdia.

1960

Retiro Espiritual no Vaticano Pregador:


Mons. Pirro Scavizzi, Missionário
(27 de novembro-03 de dezembro)
5. Alguns pensamentos de fervor sacerdotal. Considero como início de
uma grande Misericórdia do Senhor Jesus para comigo conservar-me a sua
paz e os Seus sinais, inclusive externos, da Sua Graça que explicam, pelo
que ouço dizer, a perenidade da minha calma. Esta permite-me desfrutar de
uma simplicidade e mansidão de espírito que me conserva sempre, em
todos os momentos da minha jornada, a disposição para deixar tudo e partir
imediatamente para a Vida Eterna.

6. Em Ti, Senhor, não ficarei confundido.

7.Aos meus oitenta anos começados, o que importa é isto: humildade,


confundir-me no Senhor e permanecer em atitude de confiada esperança na
Sua Misericórdia, para que me abra a porta da "Vida Eterna. Jesus, José e
Maria em vós descanse em paz a minha alma.

1961

O meu retiro Espiritual como preparação para o termo do


octogésimo ano de minha vida
(Castelgandolfo 10-15 de agosto)

8. Ó Deus, minha fortaleza” (Sl 59, 18).

9. Depois da minha primeira Missa no túmulo de São Pedro, as mãos do


Santo Pio X pousaram na minha cabeça em bênção de augúrio para mim e
para a minha vida sacerdotal incipiente; mais de meio século depois
(exatamente cinquenta e seis anos), as minhas pobres mãos abrem-se sobre
os Católicos – e não só sobre os Católicos – do mundo inteiro em gesto de
paternidade Universal, como sucessor do mesmo Pio X proclamado Santo,
e que sobrevive nesse seu Sacerdócio e dos seus antecessores e sucessores,
encarregados como São Pedro do governo de toda a Igreja, Una, Santa,
Católica e Apostólica.

10. … encontre-me como São Martinho: "Nem temo a morte nem recuso
a vida”.
11.Devo estar sempre preparado para morrer, mesmo imediatamente, e
para viver o que o Senhor houver por bem deixar-me aqui embaixo. Sim,
sempre. Às portas do meu octogésimo aniversário devo estar disposto: a
morrer e a viver; em qualquer dos casos, a atender à minha santificação. Tal
como em todos os lugares me chamam – Santo Padre – assim devo e quero
ser realmente.

12.A minha santificação… A página inesperada é de um livro de


António Rosmini, "La "perfezione cristiana", intitulada: "Em que consiste a
Santidade": Tendo presente o grande pensamento de que a Santidade
consiste no gosto de ser contrariado e humilhado com razão ou sem ela; no
gosto de obedecer; no gosto de esperar com grande paz; no de ser
indiferente ao que os superiores determinam e carecer de vontade própria;
em reconhecer os benefícios recebidos e a indignidade própria; em sentir
uma grande gratidão, em relação às outras pessoas, especialmente aos
ministros de Deus; na caridade sincera; tranquilidade, resignação,
mansidão, desejo de fazer o bem a todos e laboriosamente. Devo partir e
não posso dizer mais, mas isto basta”.

13.É esta a primeira luz deste estudo que repito como exercício de
perfeição como preparação da minha entrada na velhice, a vontade de Deus
é a minha santificação em Cristo. Ó Jesus: “Tu foste um socorro para mim e, à
sombra das tuas asas, eu grito de alegria. A minha alma está ligada a Ti e a tua direita me
sustenta” (Sl 63, 8-9).

14.Antes de tudo: confesso a Deus Todo-Poderoso. Durante toda a


minha vida fui sempre fiel à confissão semanal. Várias vezes na vida
renovei a confissão geral. Nestas circunstâncias, contento-me com uma
evocação mais geral, sem pormenores minuciosos, mas, atendo-me às
palavras do Ofertório da Missa diária pelos meus inumeráveis pecados,
ofensas e negligências; tudo já confessado, uma e outra vez, mas sempre
lamentando e de novo detesto.

15. Pecado.
Castidade: nas relações comigo mesmo, em intimidades não
modestas: nada de grave, nunca. Obediência: nunca tive nem sofri
tentações contra a obediência e dou graças a Deus por não ter permitido
nenhuma nem sequer quando esta obediência me custava bastante, como
também agora me faz sofrer, ao ver-me Servo dos Servos de Deus…
Humildade: mantenho vivo seu culto e o seu exercício exterior. Isto não me
tira a sensibilidade interior por alguma falta de consideração que creio que
me fazem. Mas também gozo por isso diante de Deus como em exercício de
paciência e de alívio oculto pelos meus pecados e para alcançar do Senhor o
perdão de todos os pecados do mundo inteiro. Caridade: é este o exercício
que menos me custa, embora, às vezes, constitua para mim um sacrifício e
me tenta e provoca alguma importância que, talvez, sem eu saber, faz com
que alguém sofra.

16."Senhor Jesus, continua a ter piedade de mim, pobre pecador, da mesma maneira que me
asseguras o teu grande e eterno perdão".

17.A Santa Confissão bem preparada, repetida todas as semanas, na


sexta-feira ou no sábado, é sempre uma base sólida para avançar no
caminho da santificação; e, ao mesmo tempo, visão pacificadora e que
qualquer hora, a qualquer momento da jornada… Portanto, estejamos
sempre em atitude de caminhar para Ele, como se Ele me esperasse sempre
de braços abertos.

18. Pe.Garaffa que foi o sétimo Geral da Companhia de Jesus, dizia que
estava sempre ocupado a meditar três letras que se lhe tinham tornado
muito familiares: uma letra preta, outra vermelha e uma terceira branca. A
letra preta, os seus pecados; a letra vermelha, a Paixão de Jesus Salvador; a
letra branca, a Glória dos Bem-aventurados.

19. "Os sofrimentos do momento presente não se comparam com a Glória futura que deverá
ser revelada em nós” (Rm 8, 18).

20.Jesus Crucificado e a Virgem Dolorosa… Muitas vezes medito no


Mistério do Precioso Sangue de Jesus, cuja devoção senti repentinamente
que tinha de inspirar, enquanto Sumo Pontífice, como complemento da do
Nome e do Coração de Jesus, bastante conhecidas e difundidas.

Que doçura e que paz! Assim e sempre assim deve ser vivificada a
21.
vida que ainda me falta viver aqui embaixo, aos pés da Cruz de Jesus
Crucificado, regada com o seu Preciosíssimo Sangue e com as lágrimas
amargas da Senhora das Dores, Mãe de Jesus e minha Mãe.
22. Sinto no meu coração este impulso interior que se apoderou de mim
nestes dias; sinto como um palpitar e um Espírito novo, uma voz que me
infunde generosidade e grande fervor, que quero exprimir em três
manifestações características: 1) "Desapego absoluto de tudo e perfeita
indiferença tanto às censuras como aos louvores e por tudo aquilo que de
grave há e poderia acontecer no mundo, relativamente a mim; 2) Diante do
Senhor sou pecador e pó; vivo pela Misericórdia de Jesus, à qual tudo devo
e da qual tudo espero: a Ele me submeto até para me transformar pelas suas
dores e sofrimentos, em radical abandono de absoluta obediência e de
conformidade com sua vontade. Agora, mais do que nunca, e enquanto eu
viver, em tudo obediência e paz; 3)Disposição completa para viver e morrer,
como São Pedro e como São Paulo, e para encontrar de tudo, mesmo a
prisão, os sofrimentos, a anátema e o martírio, pela Santa Igreja e por todas
as almas que Cristo redimiu sinto a gravidade do meu compromisso e tremo
porque me reconheço fraco e frágil. Mas confio em Cristo Crucificado e na
Sua Mãe e olho para a Eternidade.

23. Exercício da prudência do Papa e dos Bispos. Fé, Esperança e Caridade


são três estrelas da glória episcopal… A tarefa sublime, santa e divina, do
Papa em toda a Igreja e dos Bispos em cada Diocese, é pregar o Evangelho
e levar os homens à Salvação Eterna, com o cuidado de que nenhuma outra
preocupação terrena impeça, estorve ou perturbe este primeiro Ministério.

24.Pregar a todos igualmente e de modo geral a justiça, a caridade, e


humildade, a mansidão, a delicadeza e as outras virtudes evangélicas,
defendendo com delicada coragem os direitos da Igreja quando e onde
forem violados ou estiverem comprometidos.

25. Sugestões de bom Apostolado. Tratar todos com respeito, com


prudência e com simplicidade evangélica. Crê-se comumente e aprova-se
que a linguagem, mesmo a familiar, do Papa tem um ar de mistério e de
terror circunspecto. E, em compensação, é mais atraente, não da prudência
dos sábios e dos santos. Que como a ajuda de Deus. A simplicidade pode
suscitar, não digo desprezo, mas menor consideração entre os sabichões…
O simples, recto e temente a Deus é sempre o mais digno e o mais forte.
Naturalmente apoiado sempre por uma prudência sábia e graciosa. E possui
esta simplicidade quem não se envergonha de confessar o Evangelho,
mesmo diante dos homens que o consideram uma fraqueza e coisa de
crianças, nem confessá-lo em todas as suas partes e em todas as ocasiões e
na presença de todos; não se deixa enganar ou influir pelo próximo nem
perde a serenidade…

26. Prudente é quem sabe calar uma parte da verdade cuja manifestação
seria importuna; e que, calada, não prejudica a verdade que diz falsificando-
a; quem sabe conseguir os bons fins que se propõe escolhendo os meios
mais eficazes de querer e agir; quem em todos os casos sabe prever e medir
as dificuldades apostas e contrárias e sabe escolher o caminho do meio com
dificuldades e perigos menores.

27. A simplicidade não tem nada que contradiga a prudência nem vice-
versa. A simplicidade é amor; prudência, pensamento. O amor ora, a
inteligência vigia. Velai e orai, conciliação perfeita. O amor é como a
pomba que geme; inteligência ativa é como a serpente que nunca cai na
terra, nem tropeça, porque vai apalpando com a sua cabeça todos os
estorvos do caminho.

28. Manter-se tranquilo perante qualquer acontecimento. É o Senhor


Jesus, fundador da Igreja, que regula com sabedoria, poder e bondade
inefáveis todos os acontecimentos segundo o seu beneplácito e para maior
bem dos seus eleitos que compõem a sua amada mística esposa. Embora os
acontecimentos pareçam contrários ao bem da Igreja, devo gozar de uma
tranquilidade perfeita que, por outro lado, não me dispensa de gemer e de
suplicar: faça-se a Tua vontade assim na terra como no Céu.

29.O que importa é cooperar com Deus na Salvação das almas e do


mundo inteiro. É esta a tarefa segura que corresponde ao Papa na sua
expressão mais alta.

30. Em todas as coisas tem presente o fim.

31. O dever sacrossanto do humilde Papa é purificar todas as suas


intenções a esta luz de Glória, e viver em conformidade de doutrina e de
Graça, de modo que mereça a honra mais excelsa de assemelhar-se em
perfeição a Cristo, como seu Vigário: a Cristo Crucificado e Redentor do
mundo com o preço do Seu Sangue, único e verdadeiro mestre dos séculos
e dos povos.

32. Seis máximas de perfeição.


1) Desejar unicamente ser justo e santo e, com
isto, agradar a Deus. 2) Orientar tudo, pensamentos e acções, para o
crescimento, para o serviço, para a Glória da Santa Igreja; 3) Sentindo-me
chamado por Deus, e precisamente por isso, manter-me em perfeita
tranquilidade, sobretudo em relação a mim, mas também em relação à
Igreja, embora sempre em atitude de trabalhar pelo seu bem e de sofrer com
Cristo por ela; 4) Abandonar-me sempre à Divina Providência; 5) Dispor
sempre a minha jornada com uma visão clara e ordem perfeita.

33. Ele olha-me ensanguentado, destroçado, pendente da Cruz. Com o


peito perfurado e os pés e as mãos trespassados, Ele olha para mim e
convida-me a olhar sempre para Ele. A justiça levou-O diretamente à
caridade; e a caridade imolou-O. Deve ser esta a minha sorte: “O discípulo não
esta acima do Mestre” (Mt 10, 24).

34. Jesus, estou aqui diante de Ti, desfalecido e moribundo por mim, já
velho e muito perto do fim do meu serviço, da minha vida. Agarra-me bem
e abraçado ao Teu Coração, num só bater com o meu. Quero seguir-me
atado indissoluvelmente a Ti com a corrente de ouro feita de belos e
delicados elos. O primeiro: a Justiça que me arrasta a buscar sempre o meu
Deus em tudo. O segundo:a Providência e a bondade que guiará os meus
passos. O terceiro: a Caridade com o próximo, inesgotáveis e pacientíssima.
O quarto: o Sacrifício que me deve acompanhar e que quero e devo saborear a
todas as horas. O quinto: a Glória que Jesus me assegura nesta vida e na
Eterna. Jesus Crucificado, meu amor e minha misericórdia, agora e sempre.
“Pai, se queres, afasta de mim este cálice. Contudo, não se faça a minha vontade, mas a Tua”
(Lc 22, 42).

35.Utilidade das tribulações… Como agradecerei, meu Deus, o bom


tratamento que recebi sempre em todos os lugares aonde cheguei em teu
nome, e sempre em pura obediência, não por minha vontade, mas pela tua?
"“Como retribuirei ao Senhor todo o bem que Ele me fez?” (Sl 116, 12). Vejo muito bem
que a minha resposta a mim próprio e ao Senhor é sempre: “Erguerei o cálice da
salvação, invocando o nome santo do Senhor” (Sl 116, 13)… “A nossa tribulação momentânea é
leve, em relação com o peso extraordinário de glória Eterna que ela nos prepara” (2 Cor 4,
17).

36. "Contentar-me com o apostolado quotidiano: não perder tempo a prognosticar o futuro.
Jesus Cristo é o mesmo ontem e hoje e será sempre o mesmo”
(Hb 13, 8). A experiência
destes três anos do meu serviço pontifício que, com temor e tremor, aceitei
em estrita obediência a vontade do Senhor expressa na voz do Sacro
Colégio de Cardeais em conclave, é testemunha e motivo esclarecedor e
perene de fidelidade do meu espírito a esta máxima: absoluto abandono em
Deus quanto ao presente e perfeita tranquilidade quanto ao futuro.

37. Virgem Gloriosa, como rainha e propiciadora de paz em toda a terra.

38. AJesus por Maria. Realmente, esta minha vida que agora desce para
o ocaso não podia acabar melhor do que num acto de me concentrar todo
em Jesus Filho de Maria e oferecido pelos seus braços para suavidade e
alento de meu espírito. Por isso, atenderei com especialíssimo cuidado e
com alegria íntima e serena a estas três principalíssimas e esplêndidas
palavras que devem construir o resumo do meu esforço de perfeição:
piedade, mansidão e caridade.

39. Vigáriode Cristo? Não sou digno deste nome, pobre filho de Batista
e Maria Roncalli, dois bons cristãos, certamente, mas muito modestos e
humildes. Vigário de Cristo: portanto a minha missão é essa. Sacerdote e
Vítima: o sacerdócio exalta-me, mas o sacrifício que o sacerdócio pressupõe
fazer-me tremer. Jesus Bendito, Deus e homem. Ratifico a minha
consagração a Ti, na vida, na morte e na Eternidade.

Ao considerar tudo o que acontece na vida e tudo o que me rodeia, é


fácil deter-me, com frequência, no Calvário e lá conversar com Jesus
moribundo e com Sua Mãe; e do Calvário descer até ao Sacrário, a morada
de Jesus no Sacramento.

40. Sobre
o exercício da mansidão não acrescento nenhuma palavra. Dou
graças ao Senhor que, com a Sua bondade me assiste na prática do manso e
humilde de coração, palavra e obra. Idem quanto à caridade. É o Espírito
Santo que habita, fala e atua em nós, e se derrama no clero e no povo santo
com muita paciência e bondade autêntica.
41. "Creio, Senhor, mas aumenta a minha fé”.

42. "Cuida das minhas ovelhas”


(Jo 21, 17). Grande prestígio nessas palavras
divinas: é a investidura do Papa na sua tarefa de Pastor Universal, em troca
de uma tríplice afirmação de amor por seu lado a Jesus que Se digna pedir-
lhe com terna insistência. Portanto, o amor está presente. Jesus pergunta por
esse amor a Pedro e Pedro confessa-o. O sucessor de Pedro sabe que na sua
pessoa e na sua atividade é a Graça e a Lei do Amor que sustenta, vivifica e
embeleza tudo; e, diante do mundo inteiro, a Igreja Santa eleva-se acima do
intercâmbio de amor entre Jesus e ele, Simão ou Pedro, filho de João, sobre
um alicerce visível e invisível: Jesus invisível aos olhos da carne, o Papa
Vigário de Cristo visível ao mundo inteiro. Meditando neste mistério de
amor íntimo entre Jesus e o seu Vigário, que honra e que felicidade para
mim, mas, ao mesmo tempo, que motivo de confusão pela pequenez, pelo
nada que eu sou.

43. Aminha vida deve ser toda de amor a Jesus e, simultaneamente, uma
completa efusão de bondade e de sacrifício por cada alma e por todo o
mundo. É rapidíssima a passagem do episódio evangélico que proclama o
amor do Papa a Jesus e, através dele, às almas, à lei do sacrifício. O próprio
Jesus anuncia-o assim a Pedro: “Eu te garanto: quando eras mais novo, punhas o cinto e
ias para onde querias. Quando fores mais velho, estenderás as mãos e outro te apertará o cinto e te
levará para onde não queres ir” (Jo 21, 18).

44. Devo estar preparado para este último trajecto da minha vida em que
me esperam as limitações e os sacrifícios, até ao sacrifício da vida corporal
e ao abrir da Vida Eterna. Jesus, estou disposto a estender as minhas mãos,
já trémulas e fracas, a deixar que outro me ajude a vestir-me e me ajude na
caminhada.

45.Senhor, a Pedro acrescentaste "“e te levará para onde não queres ir”. Depois
de tantas Graças, multiplicadas durante a minha longa vida, não há nada
que não queira. Jesus, “revelaste-me o caminho, seguir-Te-ei para onde quer que fores”
(Mt 8, 19), para o sacrifício, para as mortificações, para a morte.

46. Quefelicidade – aquela que todos esperamos – quando pudermos ver


o Senhor e receber o prémio. O pensamento da morte, talvez próxima,
certamente não muito distante, faz-me lembrar o meu São José, justamente
venerado também como protetor dos moribundos, por ter tido Jesus e Maria
a assistir ao seu bendito e ditoso passamento, da mesma forma que toda a
sua vida se tinha desenrolado na sua companhia.

47. O hino da Igreja continua com esta evocação: Tu a gozas já cada dia
junto de Jesus. Como me agrada selar as últimas notas deste retiro espiritual
com a recordação da última estrofe do hino litúrgico que a Igreja dedica à
augusta Santíssima Trindade, da qual nos desce, pelos méritos de São José
esposo de Maria, toda a Bênção e toda a segurança de vida esplendorosa e
Eterna.

Retiro no Vaticano
Pregador: Pe. Hilário de Milão, Capuchinho
(26 de novembro-02 de dezembro de 1961)

48. Não desejo ser mais nem menos do que aquilo que o Senhor continua
a dar-me. Agradeço-Lhe e bendigo-O todos os dias: disposto a tudo.

49. Noto no meu corpo o começo de alguma fadiga que deve ser natural
a um velho. Procuro vivê-la com paz.

50. Quero insistir no cuidado da Santa intimidade com o Senhor: estar


sempre em conversa tranquila e amorosa com Ele. A Palavra do Pai fez-Se
Carne; centro e vida do Corpo Místico; e continuando a fraternidade Divina
- divina e humana -, pela qual sou seu irmão por adoção e, com Ele, Filho
de Maria, sua Mãe.
Começo do meu retiro pessoal para o Concílio na Torre de São João

51. Mas o que é esta vida do Papa senão uma continuação diária de
verdadeiro exercício espiritual pela salvação da sua alma, ocupada em
salvar as almas de todos os redimidos de Cristo Jesus, salvador do mundo?

52.Santíssimo Nome de Maria. Como é suave ao coração o teu nome,


Maria! Toda a minha doçura vem desse teu nome. Que bela ideia de amor
aprendi do teu nome, que belos e ardentes desejos desperta sempre no meu
seio.
53. São Maurílio. A posse da virtude da justiça tem uma grande
aplicação – li uma vez numa página do Cardeal Mercier; e eram umas
palavras do Eclesiástico. Como é belo todo o capítulo que fala da justiça de
Deus, e rico de ensinamentos para a vida íntima, privada e pública.

54. Senhor Jesus, supre as minhas deficiências. Senhor, Tu sabes tudo, Te sabes que te amo.

55. Compêndio de graças feitas a quem tem uma fraca auto-estima.


Compêndio das grandes Graças a quem tem uma fraca – auto-estima, mas
recebe as boas inspirações e aplica-as com humildade e confiança.

Primeira. Aceitar com simplicidade a honra e o peso do pontificado,


com a alegria de poder dizer que não fez nada para provocá-lo.

Segunda. Tomar como simples e de imediata execução algumas ideias


nada complexas, mas simplíssimas e de grande alcance e responsabilidade
para o futuro, e com êxito imediato. Expressões como estas: acolher as boas
inspirações do Senhor com simplicidade e confiança.

Últimos apontamentos de 1962

56. Rainha do Santíssimo Rosário, rogai por nós.

57. A Festa dos Santos Anjos é toda para mim, a quem as pessoas
chamavam desde a infância "Angelono pretino". Aos 81 anos, é-me grato
invocar todo o exército das milícias celestiais para que protejam e sirvam a
Igreja Universal, em cujo vértice foi colocado este insignificante filho de
Batista e de Marianna Roncalli. Ó Santos Anjos, continuai a proteger-me e,
comigo, a Santa Igreja.

58. Mal começa o dia, eis Santa Tereza do Menino Jesus que o Papa Pio
XI declarou padroeira das Missões. Rogo e desejo que seja impulsionadora
de pureza e espírito missionário entre as jovens inocentes do mundo inteiro.

Este é o dia da abertura solene do Concílio


59. 11 de outubro de 1962.
Ecuménico. Todos os jornais dão a notícia e Roma está no coração de todos.
Agradeço a Deus por ter-me tornado digno da honra de abrir, em seu nome,
este princípio de grandes Graças para a Igreja Santa. Ele dispôs que a
primeira centelha que preparou, durante três anos, este acontecimento saísse
de minha boca e do meu coração. Estava disposto a renunciar até a alegria
desta abertura. Com a mesma serenidade repito o “faça-se a Tua vontade” em
relação ao facto do tempo e para todas as circunstâncias de minha humilde
vida ou, então, ser interrompido a qualquer momento porque este
compromisso de iniciar, continuar e concluir passe para o meu sucessor.
“Faça-se a Tua vontade, assim na terra como no céu”.

1963

Palavras de despedida

60. Louvado seja o nome do Senhor, agora e para sempre.

61.O Senhor ajuda-me a continuar, com a intenção de que tudo seja em


proveito da alma e do corpo.

62. De boa vontade “me gastarei e desgastarei totalmente” (2 Cor 12, 15) pela
minha grei espiritual, a primeira e a mais importante para o sucessor de
Pedro.

63. "Quando estou fraco, então é que sou forte”


(2 Cor 12, 10). Queira Deus que
estas palavras possam ser o começo entre a união de alguma dor física ou
moral minha e o maior êxito em frutos espirituais do meu ministério pela
causa da Igreja nestes momentos de tanta dúvida.

64. A
Virgem, São José e a Igreja – na grande audiência desta manhã em
São Pedro sejam a nota de anúncio reverente e ressonante da minha
homenagem a Maria.

65. O Senhor nos conceda uma noite serena e um repouso tranquilo.


Estas palavras
litúrgicas concluem muito bem o que teve lugar nestes últimos dias, em que
se proclamou o triunfo da paz a partir daqui, do centro do Mundo.

66. Voltando ao assunto, também eu – apesar de ser um pouco frio nestas


coisas – não consigo controlar a minha emoção e agradecimento ao Senhor
“que olhou para a humildade do seu servo… e realizou grandes coisas em meu favor” (Lc 1,
48-49).

67.Querido São Bernardino, predilecto entre os meus Santos. Com a


ternura da tua lembrança deste-me vários sinais da continuação de uma
grande dor física que não me dá tréguas e me faz pensar e sofrer muito. Esta
manhã, pela terceira vez, tive de conformar-me com receber a Comunhão
na cama, em vez de gozar da Celebração da Missa. Paciência, paciência,
mas não pude renunciar a receber, em visita de despedida, o Cardeal
Wyszinski, Primaz da Polónia, Arcebispo de Gniezco e de Varsóvia, com
quatro dos seus Bispos recentemente regressados à Pátria. O resto do dia na
cama, com vários ataques de intensa dor física. Assistem-me sempre, com
grande caridade, os meus familiares, o Cardeal Cicognani, Mons. Capovilla,
Frederico Belotti e criados.

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