UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
BIANCA DE SOUSA GUIMARÃES
IDENTIDADES APAGADAS, EXISTÊNCIAS INVISÍVEIS: O USO DA OFICINA
PEDAGÓGICA NO ENSINO DE HISTÓRIA DE MULHERES BISSEXUAIS E
LÉSBICAS EM SALA DE AULA
BRASÍLIA,
Dezembro de 2019
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Resumo
Este estudo analisa a experiência do uso de uma oficina pedagógica no ensino de história
das mulheres bissexuais e lésbicas no combate a LGBTfobia na escola. O artigo trata dos
resultados obtidos na vivência experienciada na aplicação da atividade para estudantes do
Ensino Médio de uma escola da rede pública do Distrito Federal. Buscou-se resgatar o
protagonismo e atuação histórica de personagens femininas que não se enquadraram na
norma heterossexual ao longo da história ou que tiveram recaído sobre si o estigma das
sexualidades ditas desviantes, com o objetivo de atuar no combate à misoginia e à
LGBTfobia, entendendo o ensino de história como importante instrumento para a
desnaturalização de estigmas e violências construídas historicamente.
Palavras-chaves: Ensino de história; História das mulheres; História LGBT; Lésbicas;
Bissexuais.
2
À Luana Barbora,
Katiane Campos,
Marcele Ferreira,
Andréia dos Santos
Marielle Franco,
e tantas outras.
Usaremos suas memórias
como combustível para nossa luta.
3
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................……. 5
I: AS PERSPECTIVAS DE GÊNERO, LESBIANIDADE E BISSEXUALIDADE NA
ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS …..…………………………………………….. 12
II: A ELABORAÇÃO DA OFICINA PEDAGÓGICA …....…………………………. 17
III: AS FONTES UTILIZADAS …………………………………………………...… 19
3.1 MARIA ANTONIETA – PRÁTICAS E ESTIGMAS BISSEXUAIS NA ÉPOCA
MODERNA ………………………………………………………………………… 20
3.2 SANTA INQUISIÇÃO NO BRASIL – PERSEGUIÇÃO “LESBIFÓBICA” NO
PERÍODO COLONIAL ………………………………………………………………. 22
3.3 A DITADURA MILITAR BRASILEIRA E AS (IN)EXISTÊNCIAS E
RESISTÊNCIAS LGBTs …………………………………………………….………. 25
3.4 A LGBTFOBIA NO ATUAL CONTEXTO BRASILEIRO: DISCUSSÕES SOBRE
CONQUISTAS, MANUTENÇÕES E RETROCESSOS ………………...….………. 29
IV: A OFICINA EM SALA DE AULA ……..….……………………………………. 32
V: RESULTADOS DA OFICINA – LIMITES E AVANÇOS …………….………..... 36
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 43
ANEXOS ....................................................................................................................... 48
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INTRODUÇÃO
Nos movimentos feministas as discussões sobre gênero na educação e no ensino
de história possuem importância fundamental na luta das mulheres pela igualdade e pelo
combate ao machismo e ao sexismo na escola e na sociedade. No ensino de história e na
historiografia, as mulheres foram e são colocadas como “ahistóricas”, excluídas da
narrativa historiográfica que é patriarcal, racista, classista e heterossexista. Esta lógica,
além de colocar as mulheres à margem do conhecimento histórico produzido, as
representa como incapazes de escrever a sua própria história. As reivindicações das
historiadoras feministas questionam a ideia de que a história teria um sujeito universal,
uma história “do homem” que englobaria também as mulheres (SCOTT, 1992, p. 86).
Negando o universalismo, os esforços de escrita de uma História das mulheres
têm recentemente atuado no sentido de recuperar o protagonismo das mulheres e sua
atuação na história invisibilizadas pela história acadêmica, tradicionalmente escrita por
homens e no masculino (PERROT, 1992, p.185) propondo novos recortes, temas,
conceitos e olhares. Os estudos feministas e de gênero, tanto no meio acadêmico como
escolar, a partir das lutas sociais dos movimentos feministas, buscam transformar as
concepções tradicionais de ciência e de história, denunciando seu caráter androcêntrico,
racista, heterossexual e cristão.
Joan Scott (1995) coloca que a partir das reivindicações dos movimentos
feministas, em certa medida houve o reconhecimento da história das mulheres, mas
também o seu confinamento a um domínio separado, como uma história complementar,
ou a história da família e da vida privada que nada teria a ver com a história política e
econômica, domínios ainda considerados exclusivamente masculinos. Nesse sentido, a
história das mulheres objetiva a construção de uma história científica que utilize o gênero
como uma categoria analítica e problematize a construção sócio-histórica do machismo,
explorando novos caminhos.
A compreensão da categoria mulheres implica também no entendimento de que
5
esse grupo não é homogêneo, mas envolve intersecções de classe, sexualidade, raça,
dentre outros marcadores sociais. Nesta perspectiva, o gênero é tratado nessa pesquisa
enquanto uma construção sociocultural, como postulado por Judith Butler. Esta
construção foge do determinismo biológico que coloca os corpos como passivos para
receberem, a partir de diferenças anatômicas, identidades anteriormente determinadas.
Ao contrário, o gênero é concebido a partir dos discursos, linguagens e performaces
(BUTLER, 2017, p.28).
É preciso, portanto, que a produção de uma história das mulheres não se limite a
falar apenas sobre mulheres brancas, heterossexuais, classe média, cristãs seguindo uma
perspectiva generalizante e excludente do sujeito feminino, mas que seja escrita por e/ou
com mulheres, valorizando as perspectivas históricas, as vozes e denúncias, em suas
pluralidades e singularidades. É neste sentido que se fazem necessários estudos feministas
e de mulheres que sejam interseccionais. Pensar raça, classe e sexualidade se mostram
fundamentais na tarefa de abarcar as diversidades do “ser mulher” ao longo da história.
Nessa perspectiva plural, o presente trabalho buscou, por meio da aplicação de
uma oficina pedagógica no ensino da história escolar, resgatar as histórias e atuação de
algumas personagens bissexuais e lésbicas ou que tiveram recaído sobre si o estigma das
sexualidades ditas desviantes. O apagamento das mulheres que fogem da heteronorma é
uma questão ainda mais recente dentro das histórias das mulheres, e o apontamento dessa
problemática têm se mostrado fundamental para a desnaturalização das discriminações
contra as mulheres lésbicas e bissexuais vivenciadas no presente.
A relação entre poder e sexualidade (FOUCAULT, 1988) é essencial para
compreendermos as razões pelas quais as sexualidades “desviantes”, postas como a fuga
da norma, foram e são marginalizadas na sociedade, resultando em violências para
pessoas que não se concebem dentro da esperada normalidade. Neste sentido, os
silenciamentos na escrita e na pesquisa históricas, e também no seu ensino, precisam ser
apontados e combatidos.
Discutir a história das mulheres lésbicas e bissexuais no ensino de história nas
escolas é um desafio, sobretudo pela necessidade de superação dos estigmas e
preconceitos, e também pela dificuldade de encontrar trabalhos historiográficos sobre a
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temática. Nesse artigo utilizo os estudos de Jules Falquet, Marisa Fernandes, Elizabeth
Sara Lewis, Tania Swain, Monique Witting e Adriane Rich por considerá-los
investigações que contribuem para as discussões teórico-metodológicas sobre as
mulheres lésbicas e bissexuais, resultado das pesquisas e do ativismo dessas autoras.
O esforço de resgatar as histórias destas mulheres se faz importante entendendo
que a memória é uma construção social coletiva (HALBWACHS, 2013) que dialoga com
a ciência histórica. Neste sentido, o ofício histórico é um dos caminhos possíveis no
processo de tensionamento dos lugares sociais que produzem e são resultados das
violências simbólicas e materiais.
Pesquisas recentes mostram um assustador aumento da violência contra pessoas
LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) no Brasil. Desde 2011, o
serviço nacional de denúncia de violações de direitos humanos, o “Disque 100”, passou
a ter uma categoria “LGBT” para especificar as violências sofridas motivadas por
orientação sexual e/ou identidade/expressão de gênero. Dados coletados demonstram que
são denunciadas 30 violações de direitos humanos de caráter LGBTfóbico por dia no
Brasil, e que 15 pessoas são vítimas de violências LGBTfóbicas reportadas diariamente
no país, além de uma estimativa provavelmente subnotificada de mais de 300 assassinatos
por ano de pessoas LGBT no país (ABGLT, 2016).
No ano de 2017 foram registradas 54 mortes de lésbicas no Brasil, maior número
de casos já registrados. Foi também a maior ocorrência de casos de suicídios em toda a
história das pesquisas de lesbocídios no país, totalizando 19 casos. Estes são dados do
Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil, documento marco nas pesquisas sobre violência
contra mulheres lésbicas no nosso país lançado em 2018 que também sublinha as
ausências de pesquisas e dados sobre a temática, realidade que certamente ocasiona a
subnotificação dos casos de violência LGBT, e mais especificamente, das mulheres LBT.
A violência LGBTfóbica ainda se faz presente no cotidiano das escolas, espaços
fundamentais de socialização e onde são colocadas, desde muito cedo, expectativas,
normas e punições em relação ao gênero e a sexualidade dos sujeitos. Sendo esse lugar
social singular na formação dos indivíduos, o ambiente escolar se esforça em contribuir
para criar meninos masculinos e meninas femininas, punindo quem escapa ao controle,
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marcando-os como estranhos, anormais e indesejados (MISKOLCI, 2016). Dados da
Pesquisa Nacional sobre Estudantes LGBT e Contexto Escolar, realizada com 1.016
estudantes com idade entre 13 e 21 anos, mostrou que 73% das/os estudantes foram
agredidas/os verbalmente por causa de sua orientação sexual, e 27% foram agredidos/as
fisicamente (ABGLT, 2016).
O espaço escolar que se obstina a produzir, reproduzir e atualizar os parâmetros
da heteronormatividade (JUNQUEIRA, 2010, p.212) alocando indivíduos naqueles que
seriam os seus devidos lugares sociais também é o lugar onde existe a grande
potencialidade de uma educação aliada a criticidade que desconstrua discriminações. A
escola se mostra cruel para indivíduos que fogem à norma, fazendo com que “ser quem
se é” seja um processo muitas vezes doloroso. A escola ignora a homossexualidade e esse
“lugar do conhecimento”, em relação às sexualidades, é o do desconhecimento e da
ignorância (LOURO, 2000). E, “na escola podemos encontrar homofobia no livro
didático, nas concepções de currículo, nos conteúdos heterocêntricos, nas relações
pedagógicas normalizadoras” (JUNQUEIRA, 2010, p.212).
A escola e o ensino de história são espaços propícios e fundamentais para a
transformação social e mudança de mentalidades, mas atualmente os “bancos escolares”
têm se mostrado insuficientes em dar conta de discutir questões de gênero fora dos
binarismos, androcentrismo e protagonismos masculinos. As ausências de representações
plurais de mulheres e de pessoas LGBTs nos conteúdos e livros didáticos, apesar dos
avanços, ainda persistem, e quando elas aparecem, estão longe de representar as
pluralidades de classes, etnias, raça, religiões, gerações, sexualidades e identidades sendo
ou a representação de um padrão, ou a exotização de tudo que foge a ele. A história
produzida e ensinada continua a ser masculina, heterrossexual e branca sendo todas as
identidades fora estas, colocadas como ahistóricas e destituídas de voz.
Nos últimos anos tentou-se avançar nos debates sobre relações de gênero e
orientação sexual nas escolas. Foram criados, neste sentido, programas governamentais
como o Brasil sem Homofobia, de 2004, e o Programa Gênero e Diversidade na Escola,
de 2008. Destaca-se também a inserção dos ideais de respeito a diversidade nos
documentos norteadores do ensino, como na Lei de Diretrizes e Bases (LDB/1996)
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(WELLER; DA PAZ, 2011) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs/1997/1998).
Estas legislações vão de encontro ao artigo 5º da nossa constituição cidadã de 1988, que
se preocupou em garantir igualdade de gênero, em seu inciso I: “Homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” excluindo as
possibilidades de discriminação relativa ao gênero.
Estas políticas representaram importantes marcos na conquista de legitimidade
para que as abordagens sobre relações de gênero, étnico-raciais e de orientação sexual
fossem feitas nas escolas de forma institucionalizada nos currículos. Porém, na contramão
das determinações legais, vivenciamos atualmente sérias ameaças de retrocessos e de
retirada de direitos adquiridos pelas históricas lutas dos movimentos sociais. A avalanche
conservadora que tomou a política brasileira se refletiu rapidamente nas políticas
educacionais. A visível preocupação da sociedade com a figura do professor doutrinador
ou do propagador da “ideologia de gênero” expõe uma visão simplista e conservadora da
educação que retira o caráter crítico, plural e democrático da prática educativa.
O projeto de lei Escola Sem Partido1, que visa combater a ameaça dita ideológica
nas escolas e universidades, é o maior e mais preocupante reflexo do pensamento contra
o fantasma da tal “ideologia de gênero” que amedronta não apenas o Brasil, mas também
outros países que vem vivenciando políticas conservadoras. A tentativa de criminalização
das/os professoras/es e as coerções a liberdade de cátedra são a atual realidade vivida em
nosso país.
Apesar das tentativas de ruir o poder da educação faz-se necessária a disputa pela
construção de uma prática educacional engajada que se comprometa com a
desnaturalização das discriminações, entendendo o ensinar como uma prática
transformadora e libertadora (FREIRE, 1996, p. 24). Uma prática com imenso poder de
formação de sujeitos críticos e socialmente atuantes que valorize a capacidade da ciência
1 O projeto de lei parte da organização “Escola sem Partido” e têm ganhado grande
visibilidade ao coibir debates críticos, com foco maior na proibição dos debates sobre questão
de gênero. Ver: MIGUEL, Luis Felipe. Da “doutrinação marxista” à" ideologia de gênero"-Escola
Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro. Revista Direito e Práxis, v. 7, n. 15,
p. 590-621, 2016.
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histórica e do ensino de história de provocar na sociedade um olhar crítico sobre o
passado, o presente, o mundo e o seu papel nele, reflexões necessárias para romper com
a estrutura social patriarcalista e LGBTfóbica.
Neste sentido, buscamos neste estudo analisar o processo e resultado da aplicação
de uma oficina pedagógica e a análise dos resultados dessa experiência escolar na
abordagem crítica e reflexiva da história de mulheres bissexuais e lésbicas em sala de
aula. A oficina pedagógica é um rico instrumento de ensino-aprendizagem. Pensada por
Freire (1998) como uma prática inconformada com o estado social das coisas, construída
sempre por meio de uma relação dialógica, têm o potencial de “construção coletiva de um
saber, de análise da realidade, de confrontação e intercâmbio de experiências”
(CANDAU, 1999, p.23).
A montagem e realização da oficina pedagógica sobre a história das mulheres
bissexuais e lésbicas na escola foi um processo longo que perpassou várias etapas.
Primeiro envolveu a aplicação prévia de um questionário, instrumento metodológico com
a finalidade de entender os conhecimentos prévios sobre a temática, para 21 estudantes
do Ensino Médio de uma escola da rede pública do Distrito Federal em 22 de outubro de
2018. Segundo, a partir da análise das respostas dos questionários foi desenvolvida uma
oficina pedagógica com o objetivo de possibilitar aos alunos conhecer e debater sobre a
história de mulheres bissexuais e lésbicas visando contribuir para desconstruir
preconceitos estereótipos sobre elas e para combater a violência de gênero.
A oficina pedagógica foi montada utilizando fontes históricas de diferentes
períodos históricos possibilitando um diálogo entre o passado e o presente para que os
estudantes problematizem e historicizem permanências e mudanças no tratamento
dispensado às mulheres lésbicas e bissexuais na história e como estas
alterações/permanências influenciam práticas e representações sobre elas no presente.
Ainda, possibilitou desnaturalizar as discriminações sexuais e de gênero, pluralizando as
vozes históricas. Igualmente permitiu compreender as fontes históricas como discursos
que resultam das condições de produção de cada época, em consonância com interesses
políticos, ideológicos, econômicos, religiosos e culturais. Enfim, procurou-se
desconstruir a noção de documento como verdade e como um discurso neutro dialogando
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com as novas exigências curriculares postuladas pela LDB e pelos PCN’s.
O uso das fontes históricas se mostra fundamental em um momento em que o
negacionismo da história e do passado têm se tornado um argumento comum para
deslegitimar os discursos em prol dos direitos humanos. As fontes escolhidas abarcaram
diferentes linguagens, momentos históricos e regiões geográficas. Foram utilizados
panfletos circulados na França no século XVIII que tiveram como alvo a rainha Maria
Antonieta2 com o objetivo de prejudicar a sua imagem política, retratando-a em práticas
sexuais com homens e mulheres. Um trecho da obra do antropólogo Luis Mott sobre a
homossexualidade feminina no Brasil colonial3 abordando a condenação pela Inquisição
de mulheres por suas relações homoeróticas com outras mulheres. Duas fontes sobre o
período ditatorial brasileiro: uma fotografia da primeira marcha do grupo "Somos - Grupo
de Afirmação Homossexual"4 e um trecho do jornal homossexual Lampião da Esquina,
de 1979 que trata das relações e existências lésbicas5. E uma ilustração do cientista
político Ribs6 retratando Marielle Franco e Matheusa Passareli, vítimas de brutais
violências LGBTfóbicas recentes.
A oficina debateu diversos contextos históricos como a Idade Moderna na França,
o Brasil colonial, a Ditadura Militar e o Brasil atual, buscando historicizar as
representações históricas da lesbianidade e da bissexualidade feminina, bem como
trabalhar os conteúdos tradicionais da disciplina de história partindo de uma perspectiva
contra-hegemônica, colaborando para a compreensão crítica de diferentes períodos
históricos e para a construção da naturalização das diversidades sexuais, combatendo as
opressões no ambiente escolar e fora dele, e potencializando os discursos e vivências das
2
Retirados de FRASER, Antonia. Marie Antoinette. Hachette UK, 2010.
3
Texto extraído de MOTT, Luis. O Lesbianismo no Brasil. Porto Alegre, Editora Mercado Aberto,
1987.
4
Fotografia extraída do relato pessoal de Miriam Martinho, “Meus anos sob o regime militar e o
surgimento do movimento homossexual no Brasil”. Disponível em:
http://www.umoutroolhar.com.br/2014/03/meus-anos-sob-o-regime-militar-e-o.html.
5 Jornal Lampião da Esquina. Edição 12, página 7, maio de 1979. Disponível em:
http://www.grupodignidade.org.br/projetos/lampiao-da-esquina/.
6 Disponível em: https://instagram.com/o.ribs. Acesso em 14/11/2019.
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estudantes vítimas de violência de gênero e LGBTfóbica.
Pretendemos aqui analisar as contribuições do ensino das histórias de mulheres
lésbicas e bissexuais no combate a misoginia e na desnaturalização das relações
assimétricas e binárias de gênero, a partir da problematização das construções sócio-
históricas que permeiam a memória, os conceitos e estigmas sociais. Assim, este trabalho
se estruturou em cinco partes: as perspectivas de gênero, lesbianidade e bissexualidade
na análise dos questionários; a elaboração da oficina pedagógica; as fontes utilizadas; a
oficina em sala de aula e resultados da oficina – limites e avanços.
I- AS PERSPECTIVAS DE GÊNERO, LESBIANIDADE E BISSEXUALIDADE
NA ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS
A pesquisa-ação foi realizada inicialmente no âmbito da disciplina Prática de
Ensino de História, estágio supervisionado do curso de licenciatura em história da
Universidade de Brasília na qual desenvolvi atividades de iniciação à docência em uma
escola de Ensino médio da rede pública, localizada no Núcleo Bandeirante, região
administrativa do Distrito Federal. O objetivo do estágio foi analisar criticamente as
práticas docentes empregadas no ensino de história e também produzir, com as/os
estudantes, saberes históricos e práticas educativas a partir de perspectivas pós-
coloniais/decoloniais e feministas, desnaturalizando possíveis visões preconceituosas e
estereotipadas e apresentando uma perspectiva de história que dialogasse com a
construção de uma sociedade mais crítica e igualitária, a partir da defesa dos direitos
humanos.
A escola está localizada geograficamente no Núcleo Bandeirante, a cerca de
20min do Plano Piloto. Apesar de não ser uma cidade situada nas regiões mais periféricas
do Distrito Federal, o que é vivenciado nessa região administrativa, e consequentemente,
no ambiente escolar, é uma alta desigualdade social, com grande concentração de renda
e segregação socioespacial.
A escola foi escolhida por ter sido a instituição na qual estudei durante todo o
ensino médio e a pesquisa foi realizada com o apoio do professor que me deu aulas de
história e aceitou ceder alguns dos seus horários com uma turma de 3º ano do ensino
médio para observações de aulas e aplicação do questionário e da oficina. A escolha da
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escola e do professor já conhecidos por mim não foi feita por mera comodidade, mas por
entender que tratar das temáticas de gênero e sexualidades no ambiente escolar têm sido
um desafio crescente no Brasil, e as iniciativas pedagógicas com o objetivo de promover
a problematização de discriminações e a diversidade são muitas vezes barradas, sobretudo
a partir de iniciativas legislativas nacionais e distritais que objetivam a criminalização de
professoras e professores que discutem essa temática. Neste sentido, o contato com o
professor e uma conversa anterior sobre o tema, meus objetivos de pesquisa e temáticas
a serem abordadas me deram uma maior segurança para a ação em sala de aula.
Realizei as atividades de observação de aulas em turmas do terceiro ano do ensino
médio, no turno vespertino. A aplicação de questionários e da oficina pedagógica foi feita
em uma das turmas escolhida pelo professor a partir da disponibilidade dos horários.
As/os estudantes têm entre 16 e 19 anos e essa turma é uma das exclusivas para alunos
que fazem cursos ou estágio no turno matutino. Foi perceptível em momentos de conversa
durante as observações de aulas que a maioria faz estágio por necessidade financeira, o
que faz com que ocorram atrasos nos primeiros horários, alguns tenham que almoçar em
sala de aula e ocasione um cansaço maior e menor disposição em sala.
O questionário para as/os estudantes (ver anexo 1) foi elaborado com o intuito de
investigar suas visões de história e seus entendimentos prévios a respeito das histórias de
mulheres, com recorte de sexualidade. A aplicação deste instrumento foi pensada tendo
como objetivo a construção de uma pesquisa colaborativa, entendendo-a como
prática que se volta para a resolução de problemas sociais,
especialmente aqueles vivenciados na escola, contribuindo para a
disseminação de atitudes que motivam a coprodução de conhecimentos
voltados para a mudança da cultura escolar e para o desenvolvimento
profissional dos professores (IBIAPINA, 2008, p.23).
A importância da aplicação e análise dos questionários se justifica pela
necessidade de um conhecimento de si do educando no processo de aprendizagem
significativa, propiciando o seu papel como sujeito ativo (AUSUBEL, 1982) sendo o
educador compreendido como mediador dos conhecimentos históricos, práticas e
vivências dos/das estudantes.
O questionário foi aplicado na turma “I” do terceiro ano no início do primeiro
horário de aula com a presença de 21 alunos. Falei, antes da entrega dos questionários,
13
brevemente sobre a pesquisa e a sua finalidade, e dei algumas instruções gerais sobre o
preenchimento. Neste momento, muitos perguntaram sobre a obrigatoriedade da
atividade. Respondi apenas que não seria obrigatório, mas que as respostas eram muito
importantes pra mim e para o meu trabalho. O professor incentivou os alunos e alunas a
responderem o questionário, o que foi fundamental para que não houvesse nenhum
questionário completamente em branco.
Os primeiros campos pediam informações gerais como nome (opcional), série,
idade e sexo/gênero, sendo este um campo livre para preenchimento, sem opções
definidas. Quanto ao gênero, 09 se declararam masculino, 05 feminino, 07 não
responderam.
Na primeira questão, pedia-se para que, entre uma lista que opções, marcassem
aquelas que acreditassem serem mais próximas dos objetos de estudo da história. A lista
incluía: o passado do homem; guerras, conflitos e suas consequências; descobrimentos e
o surgimento de novas nações; os feitos de grandes homens; a vida cotidiana; as trajetórias
de grandes mulheres; as relações sociais; política; o passado; documentos. Observou-se a
partir das respostas que os alunos percebiam a história dentro de uma perspectiva
tradicional. Majoritariamente, foram marcadas as opções: o passado do homem; guerras,
conflitos e suas consequências; descobrimentos e o surgimento de novas nações; os feitos
de grandes homens; o passado; documentos.
A segunda questão pedia para que fossem citadas três personagens históricos
femininos. Ao responderem, os alunos ficaram pensativos, conversaram uns com os
outros e chegaram a olhar o livro didático. Um aluno perguntou ao professor, que citou
rapidamente algumas mulheres: Rainha Maria Antonieta, Joana D’arc, Rainha Elizabeth,
Dilma… Alguns alunos escreveram os exemplos dados, por isso vêem-se estas
personagens repetidas em algumas respostas. Porém, apesar da intervenção do professor,
foi possível observar o desconhecimento da turma de personagens femininos que atuaram
na história. Outras personagens foram compartilhadas por algumas alunas com o restante
da turma, como Malala, Frida Khalo, Marie Currie e Dandara dos Palmares. 03 afirmaram
não saber/não conhecer nenhuma personagem feminina. Tais respostas demonstram a
necessidade urgente de se discutir o protagonismo e atuação das mulheres na história
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como fundamental para o combate as concepções que inferiorizam e silenciam a
autonomia e importância das lutas femininas e contribuem para as desigualdades e
violências de gênero.
A questão seguinte perguntava “O que é lesbianidade pra você?”. Ao analisar os
discursos, é bastante presente a ideia de que a lesbianidade está relacionada à atração de
uma mulher pela outra, ideia presente em 11 respostas. 03 relataram desconhecer o que
seria. Uma citou a história da origem do termo a partir da ilha de lesbos. Houve outras
visões bastante positivas como “forma de resistência”, “mulher + mulher = amor”. Não
teve respostas explicitamente negativas, mas nas conversas em sala ao responderem os
questionários foram ouvidas algumas piadas sobre o tema, tendo havido uma diferença
entre o que foi dito informalmente e aquilo que foi passado para o papel. As piadas de
teor preconceituoso demonstraram a necessidade de se tratar das mulheres lésbicas no
ensino de história como sujeitos e de romper com a estrutura hegemônica que concebe a
homossexualidade feminina a partir de diversas concepções negativas e violentas.
A próxima pergunta era “O que é bissexualidade pra você?”. Mais uma vez, a
questão do desejo é central, desta vez, por “homens e mulheres” ou “pelos dois gêneros”,
foram as respostas mais dadas, somando 19 das 21. Apenas uma resposta foi deixada em
branco e outra dizia que é “um ato pecaminoso”. Tanto em relação à lesbianidade quanto
à bissexualidade o termo orientação sexual não aparece e foram recorrentes o uso das
expressões “escolha” ou “opção sexual”, evidenciando a visão social de que a sexualidade
é decidida pelos indivíduos, que poderiam ser heterossexuais se assim quisessem.
Orientação sexual é um termo que está relacionado com as diferentes formas de atração
afetiva e sexual dos seres humanos e veio substituir o de “opção sexual” visto que as
pessoas não escolhem sua orientação, ou seja, elas desenvolvem sua sexualidade ao longo
da vida e esta pode sofrer alterações a partir de subjetividades e experiências dos sujeitos.
A quinta questão perguntava “Você acredita que as pessoas sofrem algum tipo de
violência por seu gênero e/ou orientação sexual?”, com um campo para resposta
discursiva. Todas as respostas afirmavam a existência de violência, como “sim,
principalmente no Brasil”, “sim, eu mesma já sofri”, e “sim, principalmente se o
presidente apoia violência” e não houve nenhuma em branco. Muitas tratavam de
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aceitação ao “diferente” e tolerância. É importante que os/as estudantes percebam que a
orientação sexual de uma pessoa é motivo de violências sofridas por sujeitos que não se
adequam ao binarismo de gênero. O fato de ser lésbia ou bissexual é tratado no imaginário
social hegemônico com preconceito, discriminações e diversas formas de violências e
abusos. Nesse sentido, as respostas apontando para a “tolerância” e a aceitação da
pluralidade de gênero são fundamentais para a construção do respeito e da cidadania das
mulheres lésbicas e bissexuais.
Na sexta questão pediu-se que fosse marcado “sim” ou “não” para responder a
pergunta: “Nas aulas de história já foi discutido o tema da lesbianidade ou
bissexualidade?”. 17 marcaram “não”, 01 escreveu “não me recordo”, 02 marcaram “sim”
e 01 marcou “sim”, completando com “negativamente. O professor estava fazendo
piadas”. Aqui novamente percebe-se o silenciamento e apagamento das mulheres lésbicas
e bissexuais no ensino de história, inclusive com a reprodução de estigmas pelo próprio
professor que abriu espaço em suas aulas para a discussão.
A sétima questão perguntava “Você conhece algum personagem histórico lésbica
ou bissexual? Quais?”. Os alunos mais uma vez discutiram entre si e levantaram
suposições sobre a sexualidade de alguns personagens e também nomes de artistas
LGBTs, não necessariamente mulheres. A turma chegou à conclusão de que artistas e
esportistas são sim personagens históricos, o que fez com que encontrassem mais
facilmente alguns nomes. Em 09 respostas apareceram artistas contemporâneos, como
Pablo Vittar, Ruby Rose, Renato Russo, Angelina Jolie, Cássia Eller, Freddie Mercury,
Rafaela (lutadora de judô), entre outros. Uma aluna citou a escritora feminista e ativista
dos direitos humanos Audrey Lorde, lésbica negra e 10 responderam não saber ou não se
lembrar e uma deixou em branco. A última questão perguntava “Você acha que esses
temas são importantes nas aulas de história?” e as respostas possíveis eram “sim” ou
“não”. Houve 10 “sim”, 08 “não” e 03 escreveram “talvez”.
Percebe-se, a partir da análise das respostas, ausências de discussões sobre
história, gênero e sexualidades em sala de aula a partir da dificuldade das alunas e alunos
em se recordar de figuras históricas femininas e também de relacionar a disciplina de
história com aspectos além dos grandes objetos de estudo tradicionalmente vistos como
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importantes. Porém, foram bastante positivas as respostas no sentido de reconhecimento
das violências contra mulheres e/ou LGBTs, apesar de quase metade dos/as estudantes
acreditarem que estas não são temáticas a serem tratadas no ensino de história.
II - A ELABORAÇÃO DA OFICINA PEDAGÓGICA
A oficina pedagógica (ver em anexo 2) teve como norteamento teórico a
pedagogia crítica de Paulo Freire que se baseia na visão de que estamos no mundo como
agentes de mudança, em um mundo que não é, mas está sendo, aliando a prática educativa
ao entendimento de que nossa presença no mundo, enquanto sujeitos políticos e
educadoras/es “não é a de que a ele se adapta, mas a de quem nele se insere” (FREIRE,
1996, p.53), e de que as/os educandos podem, através da formação de uma compreensão
histórica, inserirem-se no processo histórico promovendo o conhecimento da realidade e
possibilitando a sua transformação, colocando a si como problema (FREIRE, 1970),
sendo esta a essência da mudança das visões de mundo e do outro.
Há cada vez mais a necessidade de se reinventar a figura do professor e as formas
de ensinar. Apesar de haver um discurso que a rejeite, a metodologia tradicional,
academicista, ainda é a mais presente no cotidiano escolar (VASCONCELLOS, 1992).
As formas tradicionais de ensinar são majoritariamente reproduzidas mesmo por aqueles
docentes que não acreditam que elas são a melhor estratégia, mas pela dificuldade de se
imaginar/criar formas outras que não o método de aula expositivo. Vasconcellos
apresenta sua crítica a esta metodologia expositiva utilizada como simples transmissão de
conhecimentos do professor ao aluno. Segundo o autor,
poderíamos dizer que o grande problema da metodologia expositiva, do
ponto de vista pedagógico, é seu alto risco de não aprendizagem,
justamente em função do baixo nível de interação sujeito-objeto de
conhecimento, ou seja, o grau de probabilidade de interação significativa é
muito baixo. [...] Do ponto de vista político, o grande problema da
metodologia expositiva é a formação do homem passivo, não crítico, bem
como o papel que desempenha como fator de seleção social, já que apenas
determinados segmentos sociais se beneficiam com seu uso pela escola
(notadamente a classe dominante, acostumada ao tipo de discurso levado
pela escola, assim como ao pensamento mais abstrato)
(VASCONCELLOS, 1992, p. 2).
Pensando uma outra forma de significar a aprendizagem, o autor defende o uso da
metodologia dialética. Entendendo que “o conhecimento não é ‘transferido’ ou
17
‘depositado’ pelo outro, nem é ‘inventado’ pelo sujeito, mas sim que o conhecimento é
construído pelo sujeito na sua relação com os outros e com o mundo”
(VASCONCELLOS, 1992, p. 2). Neste sentido é que penso a oficina pedagógica como
um espaço em que se possibilita a construção dos diversos saberes de forma dialética,
conectada com as subjetividades de cada um, com o outro e com a sociedade, trazendo o
significado que faz com que os conteúdos escolares tenham sentido. A oficina pedagógica
pode ser definida como
Uma oportunidade de vivenciar situações concretas e significativas,
baseada no tripé: sentir-pensar-agir, com objetivos pedagógicos. Nesse
sentido, a metodologia da oficina muda o foco tradicional da aprendizagem
(cognição), passando a incorporar a ação e a reflexão. Em outras palavras,
numa oficina ocorrem apropriação, construção e produção de
conhecimentos teóricos e práticos, de forma ativa e reflexiva (PAVIANI,
2009).
A construção de um saber reflexivo e com significado se mostra ainda mais
fundamental quando se pretende trabalhar Direitos Humanos no ensino, abarcados de
modo geral pelos chamados “temas transversais” (BRASIL, 2000). Compreendo a
perspectiva de ensino em direitos humanos como a pensada por Benevides (2003), como
uma educação que deve ser permanente, voltada para a mudança e construção de valores.
A construção de uma cultura em direitos humanos possibilita “uma mudança que possa
realmente mexer com o que está mais enraizado nas mentalidades, muitas vezes marcadas
por preconceitos, por discriminação, pela não aceitação do direito de todos, pela não
aceitação da diferença” (BENEVIDES, 2003, p.310).
Candau (2008) aponta três núcleos fundamentais para uma educação intercultural
em direitos humanos. O primeiro consiste em “desconstrução”, o segundo “articulação”
e o terceiro “resgate”. Para a autora, é necessário se inserir na realidade de discriminações
e preconceitos e atuar para a sua desconstrução, promovendo a naturalização de estigmas,
sendo necessária a articulação entre igualdade e diferença, rompendo assim com o
monoculturalismo, podendo afirmar as diferenças e estabelecer igualdades. O terceiro
núcleo propõe o resgate das histórias de vida, reconstruindo a memória e possibilitando
outras narrativas. Candau defende que
Um elemento fundamental nessa perspectiva são as histórias de vida e da
construção de diferentes comunidades socioculturais. É muito importante
esse resgate das histórias de vida, tanto pessoais quanto coletivas, e que
18
elas possam ser contadas, narradas, reconhecidas, valorizadas como parte
de processo educacional (2008, p.53).
Neste sentido, construo a oficina pedagógica alicerceada na defesa dos direitos
humanos e reconhecendo como urgente e necessária a abordagem dos temas de gênero e
sexualidade nas escolas, que encontram embasamento legal nos norteadores da educação
brasileira, marcos da defesa do ensino da diversidade, com destaque para a Lei de
Diretrizes e Bases (LDB) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Os PCN’s
destacam:
A discussão sobre relações de gênero tem como objetivo combater relações
autoritárias, questionar a rigidez dos padrões de conduta estabelecidos para
homens e mulheres e apontar para a sua transformação. A flexibilização
dos padrões visa permitir a expressão das potencialidades existentes em
cada ser humano que são dificultadas pelos estereótipos de gênero. […] As
diferenças não devem ficar aprisionadas em padrões preestabelecidos, mas
podem e devem ser vividas a partir da singularidade de cada um, apontando
para a equidade entre os sexos (MEC, 1997, p. 99).
A partir destes pressupostos, oficina foi estruturada tendo como objetivo central a
construção de uma atividade dialética e crítica que dialogasse com os conteúdos de
história do Ensino Médio e com a realidade das/os estudantes, atuando na defesa dos
direitos humanos e no combate às discriminações de gênero, sexualidades e raça. Para
isso, foram utilizadas fontes históricas, descritas a seguir.
III – AS FONTES UTILIZADAS
As fontes, ao não se limitarem a ideia positivista de documento escrito, nos
mostram uma variedade de novas possibilidades de trabalhar com imagens, relatos, artes,
tradições orais, dentre outras manifestações dos sujeitos no tempo. As fontes históricas
são uma importante ferramenta pro ensino, pois
Ao construir narrativas sobre os temas abordados nas fontes os estudantes
também produzem sentidos e significados para o passado. Estas narrativas
permitem ainda ao/à professor/a uma percepção das representações
históricas construídas e assimiladas pelos estudantes durante o processo de
aprendizagem (OLIVEIRA, 2011 A).
As fontes escolhidas versaram sobre diferentes períodos históricos: Idade
Moderna na França, Brasil colonial, Ditadura Militar brasileira e Brasil atual. Buscamos
situar historicamente ao longo do tempo a existência da diversidade sexual e as visões de
mundo estigmatizadas da sociedade em diferentes períodos e lugares, mas com um
19
marcador comum: o gênero.
3.1 Maria Antonieta - práticas e estigmas bissexuais na época moderna
A primeira fonte da oficina são os panfletos pornográficos com o objetivo de
difamar a imagem da rainha Maria Antonieta que circularam nas ruas francesas no
período pré-revolução. As imagens representavam a rainha em relações sexuais com
homens e mulheres e as discussões realizadas a partir do uso dessa fonte pretenderam
explorar as razões pelas quais as práticas “bieróticas” foram utilizadas como um
desqualificador moral e político da rainha e suas relações com o imaginário hegemônico
da época. Uma questão inicial é pensar a condição das mulheres na França no período
que inaugurará a contemporaneidade. Lynn Hunt (2009) nos mostra que a libertária
França que pregou os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade não os tinha como
universais, sendo as mulheres excluídas, de forma geral, das conquistas da Revolução.
De acordo com a autora,
A Revolução Francesa, mais do que qualquer outro acontecimento, revelou
que os direitos humanos têm uma lógica interna. Quando enfrentaram a
necessidade de transformar seus nobres ideais em leis específicas, os
deputados desenvolveram uma espécie de escala de conceptibilidade ou
discutibilidade. Ninguém sabia de antemão que grupos iam aparecer na
discussão, quando surgiriam ou qual seria a decisão sobre o seu status.
Porém, mais cedo ou mais tarde tornou-se claro que conceder direitos a
alguns grupos (aos protestantes, por exemplo) era mais facilmente
imaginável do que concedê-los a outros (as mulheres) (HUNT, 2009, p.
150).
A partir dessa discussão sobre a exclusão e o silenciamento das mulheres na
Revolução Francesa, podemos perceber que Maria Antonieta continua sendo uma das
poucas figuras femininas faladas na historiografia e no ensino de história sobre a
revolução, sendo suas representações quase sempre são repletas de estereótipos, exageros
e caricaturas. Neste ponto, é importante a discussão das ausências de mulheres na história,
assim como os lugares-comuns em que as imagens femininas tendem a ser colocadas.
Refletindo as representações sociais a partir da visão de Roger Chartier:
As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre
determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso,
20
o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de
quem os utiliza. (...) As percepções do social não são de forma alguma
discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares,
políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas
menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os
próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. Por isso esta investigação
sobre as representações supõe como estando sempre colocadas num campo
de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos
de poder e dominação. As lutas de representações têm tanta importância
como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais
um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os
valores que são seus, e o seu domínio (CHARTIER, 1988, p. 17).
As representações da rainha foram utilizadas para atacar a corte e ao rei, que
também foi alvo da circulação de difamações. Porém, são claras as diferenças entre os
modos de se retratar o casal real. Ao contrário da rainha, retratada a partir dos estigmas
da mulher infiel, insaciável sexualmente e por isso incapaz de receber confiança ou
prestígio político, ao rei a única representação de cunho sexual colocada, o traz como
incapaz de satisfazer os desejos da rainha, que o rejeita, abalando então os signos da
masculinidade que deveriam estar presentes na figura masculina real.
Imagem 01: Panfleto pornográfico representando Maria Antonieta com a sua amiga, a duquesa de Polignac.
Imagem 02: Panfleto ponográfico retratando Maria Antonieta em uma orgia no Palácio de Versalhes.
Na imagem 01, em que a rainha é representada com a duquesa de Polignac, o
objetivo é o de demonstrar que Maria Antonieta mantinha relações homoeróticas e casos
extraconjugais no seu casamento com o rei Luís XVI. Na imagem 02 há a representação
da rainha em um ato sexual com outras duas pessoas, ilustrando a sua suposta insaciedade
21
sexual e promiscuidade que a faria procurar por homens e mulheres para ter relações
sexuais.
A utilização da pornografia como desqualificador moral para as mulheres pode
ser entendida a partir das reflexões de Monique Wittig:
As imagens pornográficas, os filmes, as fotos de revistas, os pôsters
publicitários que vemos nas paredes das cidades, constituem um discurso,
e este discurso cobre o nosso mundo com os seus signos tem um
significado: as mulheres são dominadas. […] O discurso pornográfico é
uma das estratégias de violência que são exercidas sobre nós: ele humilha,
ele avilta, ele é um crime contra a nossa "humanidade". Como técnica de
assédio tem uma outra função, a de ser um aviso. Ordena-nos que nos
mantenhamos na linha e mantém na linha aquelas que teriam tendência a
esquecer quem são; esse discurso chama o medo (WITTIG, 1978, p. 3).
A partir destes aspectos, o ponto central de discussão é o de que as práticas do que
hoje é entendido como bissexualidade já existiam enquanto estigmas mesmo antes da
ascensão das identidades LGBTs. Portanto, diferencia-se práticas de identidades (LEWIS,
2012), e enxerga-se as raízes históricas profundamente marcadas pelo heterossexismo.
A intenção aqui não foi a de classificar personagens históricos enquanto LGBTs,
mas sim fazer uso destas categorias do presente para uma análise histórica que
compreenda o passado e seus sentidos hoje, pensando as relações possíveis com a
atualidade. Nesta perspectiva, Maria Antonieta não é compreendida enquanto uma mulher
bissexual, e também não se objetiva questionar se as relações sexuais retratadas ocorreram
ou não. O que se coloca é a reflexão da figura de Maria Antonieta como uma mulher que
teve sua representação política construída a partir dos estigmas da sexualidade feminina
e das práticas bissexuais, com o sentido político de a desqualificar.
A partir destas reflexões podem ser feitas inúmeras ligações com as questões de
gênero e sexualidade na atualidade, sobretudo nas diferentes formas em que retratamos
homens e mulheres ao os desqualificar, as cargas negativas das relações entre mulheres e
os preconceitos relacionados à bissexualidade feminina.
3.2 Santa Inquisição no Brasil – perseguição “lesbifóbica” no período colonial
A segunda fonte utilizada nos permite uma discussão sobre a perseguição das
práticas sexuais entre mulheres pelos Tribunais do Santo Ofício no Brasil a partir da
confissão de Paula de Sequeira ao inquisidor Furtado de Mendonça, em 1591 na Bahia.
22
Os Tribunais do Santo Ofício cujo objetivo foi o de investigar, julgar e punir heresias que
ameaçavam a supremacia da doutrina cristã empreenderam visitas ao Brasil durante o
período colonial. A fonte em questão é resultado da Primeira Visitação do Santo Ofício à
Bahia (1591-1593) em que estava a frente Heitor Furtado de Mendonça, responsável por
inaugurar a atuação inquisitorial no Brasil. O trecho utilizado narra a confissão de Paula
de Sequeira, mulher branca, nascida em Lisboa, cristã-velha, letrada, casada, tinha 40
anos na ocasião da visitação. Paula confessara o envolvimento que tivera com Felipa de
Souza, natural do Algarve, 35 anos. Segue o trecho utilizado como fonte para a oficina:
A primeira a se confessar perante o Visitador foi Paula de Sequeira, aos 20
de agosto de 1591. Nascida em Lisboa, tinha então 40 anos. Disse que há
2 anos vinha recebendo cartas de amor de uma viúva chamada Felipa de
Souza, com a qual trocara alguns abraços e beijos, chegando a ter
“ajuntamento carnal uma com outra, por diante, ajuntando seus vasos
naturais (vaginas), tendo deleitação.” Acrescentou um detalhe, certamente
mediante pergunta do Inquisidor: “Usava ela confessante, sempre do modo
como se ela fora homem, pondo-se em cima. E que antes de ir para sua
casa, lhe contou a dita Felipa de Souza que tinha pecado no dito modo com
Paula Antunes, Maria de Peralto e com outras muitas mulheres e moças,
altas e baixas, e também dentro de um mosteiro. E que em Salvador havia
muita murmuração da muita conversação que a dita Felipa tinha com a dita
Paula Antunes (MOTT, 1987).
A confissão de Paula se deu por acreditar que dada a “conversação” que havia
pelo povo, seus atos poderiam ser delatados. Acrescenta-se o fato de que “Felipa de Sousa
já era famosa em Salvador justamente por namorar ‘molheres’ e ter ‘damas’, como
atestam as ‘murmurações’ ecoadas das ruas” (LOPES, 2006). Paula então resolve
confessar “por desconfiar, imaginar, temer ser denunciada por qualquer um – e
ponderados os flagelos que isso lhe poderia suceder –, sensatamente Paula resolveria
confessar-se ao Visitador” (idem). Percebe-se a atuação da “pedagogia do medo”, que
fazia com que houvesse o temor dos castigos mesmo sem a ameaça real, implicando no
controle social.
Em visitação ao Brasil, foram apontadas pelo tribunal 29 mulheres, tendo a
maioria delas escapado das punições. O pecado da sodomia, passou a ser interpretado
pelos inquisidores “enquanto ato, desvios da genitalidade na cópula entre indivíduos do
mesmo sexo ou até de sexo diferente, e com mais frequência o coito anal homossexual
ou heterossexual” (VAINFAS, 1989, p.154). Quanto as mulheres lesbianas, há a questão:
23
considerar ou não como sodomia? Esse era um impasse porque “os amores entre as
mulheres eram considerados destituídos de importância: não eram sexuados, pois apenas
o sexo masculino, o falo e sua semente dariam sentido, valor e materialidade ao sexual”
(SWAIN, 2016).
A centralidade da penetração para se conceber a ideia da sodomia se explica pelo
papel fundamental dado ao falo para o ato sexual. Eram inclusive questões sempre
colocadas às mulheres nos julgamentos se fazia-se uso de objetos que pudessem simular
o falo. A ideia do falocentrismo e da impossibilidade do sexo entre mulheres resultava
em uma discussão por parte dos tribunais se haveria de se classificar tais atos como
sodomia, resultando em uma menor relevância dada aos atos de lesbianismo.
Decorre disso uma maior escassez de fontes, pois as perseguições de mulheres
foram bastante inferiores aquelas empreendidas contra os homens, que seriam então
capazes de realizar a sodomia perfeita e mais abominável, que necessitaria de coito anal.
É entendido que a lesbianidade carregava estigmas por ser comparada primeiro à
heterossexualidade, e segunda, aos atos homossexuais masculinos. Nos dois casos, o que
há é a falta. Apesar desta visão, mulheres como Paula e Felipa foram julgadas pela Igreja
e tiveram suas vidas marcadas pelas discriminações sociais que passarão por
transformações, mas que estão ainda hoje estão enraizadas e apresentam muitos paralelos
com os estigmas do séc. XVI.
A sodomia passou, ao longo do séc. XIX, por um processo que afastou as práticas
sexuais do pecado criminoso, para o que agora seria uma identidade homossexual, com
novos estigmas, como refletiu Foucault:
O homossexual do séc. XIX se torna uma personagem: um passado, uma
história, uma infância, um caráter, uma forma de vida; também é
morfologia, com uma anatomia indiscreta e, talvez, uma fisiologia
misteriosa. Nada daquilo que é, no fim das contas, escapa à sua
sexualidade. Ela já está presente nele todo: subjacente a todas as suas
condutas, já que ela própria é o princípio insidioso e infinitamente ativo
das mesmas; inscrita sem pudor na sua face e no seu corpo […] A
homossexualidade apareceu como uma das figuras da sexualidade quando
foi inserida, da prática da sodomia, para uma espécie de androgenia
interior, um hermafroditismo da alma. O sodomita era um reincidente,
agora o homossexual é uma espécie (1993, p. 43).
O que se observa portanto é a passagem do pecado a um processo que levará à
24
patologização das sexualidades “desviantes” da norma heterossexual, um histórico que
reverbera até os dias de hoje. Apenas recentemente, em 1990, tivemos a exclusão da
homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças (CID) pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), e apenas em 2018 a alteração da transexualidade que deixou
de ser considerada um distúrbio mental para entrar na categoria de “saúde sexual”.
As ligações entre passado e presente, aspecto fundamental da oficina, são
aprofundadas, suscitando debates que em muito ultrapassam o período da fonte. À luz da
fonte são possíveis problematizações sobre a criminalização e patologização das
diversidades sexuais, os estigmas sociais da lesbianidade, o papel político central da
igreja, a negação às mulheres do direito de vivenciar a própria sexualidade, entre outras,
no passado e no presente.
3.3 A ditadura militar brasileira e as (in)existências e resistências LGBTs
A Ditadura Civil-Militar brasileira que vigorou entre 1964 e 1985 foi um período
de intensa repressão e negação dos direitos humanos, mas foi também o momento em que
floresceram lutas e resistências a partir dos movimentos sociais e das manifestações
culturais e políticas. A organização do movimento LGBT brasileiro se inicia em 1978
(GREEN, 2000) se opondo ao regime ditatorial, denunciando suas violências e fazendo
importantes debates sobre ser gay no Brasil dos militares.
O que Green (2000) nomeia de primeira onda do movimento gay e lésbico, surge
em um momento de promessa de liberalização do regime, durante o governo do general
Geisel (1974-1979), responsável pelo início de um processo de “abertura lenta e gradual”
que, contudo, não excluiu a permanência de procedimentos de repressão dura e violenta,
como lembra Ângela de Castro Gomes (2004, p.159). O que se viu no período foi uma
ditadura que deixou rastros de violações de direitos e negação de cidadania, até mesmo
nos últimos dos seus 21 anos de duração.
As violações dos direitos LGBTs se ancoravam em pressupostos legais,
largamente utilizados para o controle social daqueles e daquelas que fugiam das
expectativas das performaces de gênero e demonstrações de sexualidade nos espaços da
cidade. As acusações que recaiam aos homossexuais eram, sobretudo, as de atentado ao
pudor e vadiagem que
25
deram a polícia o poder de encarcerar arbitrariamente os homossexuais que
expressassem publicamente sua feminilidade, usassem roupas ou
maquiagem feminina, ganhassem a vida através da prostituição, ou que
usassem um cantinho escuro de uma praça pública para um encontro sexual
noturno (GREEN, 2000, p. 277).
Apesar da ausência na análise de Janes Green, mais focado nas
homossexualidades masculinas, as repressões nos espaços públicos também se fizeram
presentes para as lésbicas. A “Operação Sapatão”, iniciada em 15 de novembro de 1980,
comandada pelo delegado José Wilson Richetti, teve o objetivo de fazer uma “limpeza
social”. Estas e outras atuações de repressão foram investigadas pela Comissão da
Verdade do Estado de São Paulo – Rubens Paiva7, que mostra que Richetti foi
responsável por outras ações de perseguição à população LGBT, mas dessa vez, a
operação focou no ataque aos bares frequentados por lésbicas.
Estes lugares de socialização noturnos LGBTs, onde seria possível “ser quem se
é” e demonstrar suas afetividades em um ambiente de aceitação, também se mostraram
excludentes para as mulheres. O Ferro’s Bar, histórico pro movimento de mulheres
lésbicas e palco da repressão de Richetti foi cenário do protagonismo no enfrentamento
ao silêncio e à violência imposta pelo dono do bar, que não aceitava a distribuição da
publicação ChanaComChana8.
Ademais da perseguição nas ruas, outras manifestações lésbicas foram
perseguidas. Cassandra Rios, escritora lésbica, é o maior exemplo da censura
empreendida pelo regime. Seu primeiro livro, A volúpia do Pecado, foi escrito quando
tinha 16 anos e sua obra foi considerada pornográfica e uma ameaça a moral conservadora
por ter como tema central as relações entre mulheres. A literatura de Cassandra, “ainda
que na marginalidade intelectual, a tornou uma escritora com produção literária com cerca
de 50 livros, cada um com mais de dez edições, sendo a primeira escritora brasileira a
7
Disponível em: <http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/relatorio/tomo-i/parte-ii-cap7.html>.
Acesso em 02/09/2019.
8 O boletim ChanaComChana foi criado em 1981 por militantes do GALF (Grupo de Ação Lésbico-
Feminista). Ver: LESSA, Patrícia. Visibilidade e ação lesbiana na década de 1980: uma análise a partir do
Grupo de Ação Lésbico-Feminista e do Boletim Chanacomchana. Revista Gênero, v. 8, n. 2, 2012.
26
atingir a marca de um milhão de exemplares vendidos” (BACCI, 2016, p.42).
A intensa censura aos seus livros não foi simplesmente por tratar do tema
lesbianidade, mas pela ousadia com que construía suas personagens lésbicas. As mulheres
retratadas por Cassandra não tinham medo de buscar o prazer e a realização afetiva e
sexual com outras mulheres, rompendo com o imaginário hegemônico que concebia a
homossexualidade feminina como doença, perversão, motivo de infelicidade e frustração,
dentre outras classificações negativas.
Além da perseguição que partia dos aparelhos de repressão do Estado, as mulheres
sofreram no período (e em certa medida, ainda sofrem), com uma invisibilidade tripla
dentro dos próprios movimentos. Nos movimentos feministas, quase não há espaço para
a lesbianidade, nos movimentos homossexuais, a centralidade é dada aos homens gays, e
na militância de esquerda, destaca Marisa Fernandes:
As mulheres ligadas a organizações políticas de uma esquerda autoritária,
centralizadora, patriarcal e reacionária pregavam não existir violência
contra a mulher, mas sim a violência ditatorial contra homens e mulheres
da classe operária, e que propostas de se refletir sobre as especificidades
das mulheres eram pequeno-burguesas e elitistas e que pouco interessavam
ao povo e à revolução (FERNANDES, 2015, p.129).
Dos grupos “liderados” pelos homens homossexuais, o pioneiro e de maior
repercussão foi o SOMOS – Grupo de Afirmação Homossexual, que teve sua estreia em
um evento do Departamento de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP),
aonde foi apresentado um painel sobre homossexualidade, com representantes do Jornal
Lampião e do SOMOS.
Mais de 300 pessoas lotaram o auditório. A discussão que se seguiu foi
eletrizante, com a troca de farpas e acusações entre os estudantes de
esquerda e os representantes homossexuais. Pela primeira vez, lésbicas
falaram abertamente sobre a discriminação que elas encontravam.
Estudantes gays reclamavam que a esquerda brasileira era homofóbica.
Defensores de Fidel Castro e da revolução cubana argumentavam que a
luta por direitos específicos, contra o sexismo, o racismo e a homofobia,
iria dividir a esquerda. Eles argumentavam que o povo devia se unir na luta
geral contra a ditadura (GREEN; FERNANDES, 2003, p. 51).
Apesar presença de ativistas lésbicas no grupo SOMOS, a invisibilidade e a
misoginia fizeram com que fosse criado a facção Lésbico-Feminista (LF). A saída das
lésbicas do grupo e sua organização no LF, foi chamada pelos gays de divisionista
27
(BACCI, 2016), mas representou o início dos movimentos por cidadania lésbica no
Brasil.
Outra forma de manifestação do movimento homossexual, o jornal Lampião da
Esquina circulou entre os anos 1978-1981, O tabloide era produzido por um grupo de
escritores e intelectuais do Rio de Janeiro e São Paulo e se declarava um veículo para
discussão de sexualidade, discriminação racial, artes, ecologia, e machismo (GREEN,
2000) sendo um importante espaço de discussão, informação e denúncia, manifestando
tudo aquilo que não apareceria nos meios tradicionais. Ao longo de 03 anos e meio de
circulação do jornal foram produzidas trinta e sete edições, além do número zero e mais
três edições especiais, sendo amplamente consumido pelo público LGBT.
O Lampião foi um importante instrumento de mobilização e de rompimento de
estigmas para a população LGBT e é bastante sintomática a constatação de que, de suas
mais de 37 edições, apenas uma foi produzida especificamente sobre a lesbianidade,
escrita por mulheres lésbicas. A edição nº 12 trouxe o título “Amor entre mulheres: elas
dizem onde, quando, como e porquê”, e, em cinco páginas, discute a sexualidade de
mulheres que se relacionam com mulheres e denuncia a lesbofobia e as ausências. Abaixo
o trecho desta edição, que aborda o atraso das suas chegadas no lampião e o silenciamento
de suas vozes, que foi fonte da oficina:
Imagem 3: Trecho do Jornal Lampião da Esquina. Edição 12, página 7, maio de 1979.
A segunda fonte da oficina sobre o período ditatorial militar é um registro
fotográfico da primeira marcha do grupo "Somos - Grupo de Afirmação Homossexual",
28
em São Paulo, 1979, em que aparecem de braços dados as mulheres do grupo, em
momento anterior a saída delas do movimento.
Imagem 4: Primeira marcha do grupo "Somos - Grupo de Afirmação Homossexual", em São Paulo, 1979.
As duas fontes objetivaram a abordagem do contexto histórico abordado nas
linhas anteriores, pensando não apenas a história das mulheres na ditadura militar, mas
sobretudo, refletindo sobre a ditadura militar a partir destas perspectivas dissidentes,
ausentes no ensino de história. E, mais uma vez, nos possibilita pensar as relações entre
passado e presente a partir da atuação e organização destas mulheres pioneiras do
movimento LGBT no Brasil.
Algumas questões que surgem a partir das fontes são: a negação dos direitos
humanos na ditadura militar; os efeitos específicos da repressão na população LGBT e,
mais especificamente, nas mulheres lésbicas e bissexuais; as pautas do movimento LGBT
no seu surgimento e atualmente; os avanços, manutenções e retrocessos da cidadania
LGBT.
3.4 A LGBTfobia no atual contexto brasileiro: discussões sobre conquistas,
manutenções e retrocessos
A partir das fontes anteriores foi possível traçar um paralelo entre diferentes
contextos históricos e o presente aprofundando destas discussões com foco no Brasil hoje.
A última fonte é uma ilustração do artista e cientista político Ribs, que tem tido grande
repercussão, sobretudo nas redes sociais, com suas charges sobre acontecimentos atuais,
denunciando violências e apresentando forte crítica política. A fonte traz duas
29
personagens vítimas de violências fatais recententemente: Marielle Franco e Matheusa
Passareli. A charge foi publicada em maio de 2018, quando Matheusa foi brutalmente
assassinada no Rio de Janeiro. Na ilustração, ela encontra e abraça Marielle Franco,
assassinada em 14 de março do mesmo ano, no mesmo estado.
Imagem 5: Ilustração de Ribs. 2018.
Matheusa Passareli, estudante de artes na Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ), pessoa negra e não binária, ativista LGBT, foi morta aos 21 anos no Rio de
Janeiro. De acordo com as investigações feitas, Matheusa foi morta por traficantes após
entrar no Morro do 18, na Zona Norte da cidade. Testemunhas disseram que ela chegou
ao local em surto durante a madrugada e houve um “tribunal” para julgar Matheusa antes
da execução. Sem condições de se defender, Matheusa foi morta e possivelmente teve seu
corpo queimado.
Marielle Franco, socióloga e vereadora do Rio de Janeiro para a candidatura de
2017-2020, mulher favelada, negra, bissexual e ativista pelos direitos humanos foi
assassinada aos 38 anos. O crime político ocorrido em março de 2018. Hoje, um ano e
meio após o crime, seu assassinato segue sem respostas para as perguntas quem mandou
matar e quem matou Marielle. Marielle, que estava em um veículo acompanhada de
Anderson Pedro Gomes, motorista também morto no crime e sua assessora foi alvo de
disparos na cabeça, após homens em outro veículo terem atirado pelo menos nove vezes.
Marielle saía de uma roda de conversa com um coletivo de mulheres negras.
30
A intervenção federal no Rio de Janeiro, iniciada em fevereiro de 2018 e
comandada pelo interventor General Braga Netto, atuou na segurança pública e foi alvo
de intensas críticas devida a violência policial, inclusive com casos de estupro de
mulheres pelos agentes federais, e por sua pouca efetividade. Duas semanas antes do
assassinato, Marielle havia assumido o posto de relatora de uma comissão criada para
monitorar as ações da intervenção.
Hoje, há novas informações que ligam a atuação de milícias ao crime em meio a
usurpação de provas e obstrução da justiça. Marielle foi, a partir do assassinato, vítima
das chamadas “Fake News”, com notícias mentirosas que objetivavam destruir sua
imagem e justificar a sua morte. A notícia de maior repercussão foi a que alegou o
envolvimento de Marielle com as milícias, postada por páginas como a do Movimento
Brasil Livre (MBL).
Morta por questionar as estruturas do Estado, Marielle foi silenciada de forma
brutal em um crime que muito diz sobre a crise democrática em que vivemos. A ausência
de respostas, ainda hoje, é significado da negligência estatal brasileira, denunciada por
todo o mundo que segue exigindo justiça por Marielle. A naturalização da violência se
constrói com o auxílio das atitudes omissivas do Estado e da sociedade, como evidencia
o Mapa da Violência de 2015:
A violência torna-se uma linguagem cujo uso é validado pela sociedade,
quando esta se omite na adoção de normas e políticas sabidamente capazes
de oferecer alternativas de mediação para os conflitos que tensionam a vida
cotidiana, aprofundam as desigualdades e promovem injustiças visíveis. A
tradição de impunidade, a lentidão dos processos judiciais e o despreparo
do aparato de investigação policial são fatores que se somam para sinalizar
à sociedade que a violência é tolerável em determinadas condições, de
acordo com quem a pratica, contra quem, de que forma e em que lugar
(WAISELFISZ, 2015, p.9)
Em oposição a ideia de democracia racial, o genocídio da população negra está
em curso no Brasil e Matheusa e Marielle têm em comum o marcador social da negritude,
e também do gênero e da sexualidade. Racismo, sexismo e a LGBTfobia são opressões
que precisam ser analisadas de forma interseccional, entendendo que:
A interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar
as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais
eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o
31
racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas
discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições
relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. Além disso, a
interseccionalidade trata da forma como as ações e políticas específicas
geram opressões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos
dinâmicos ou ativos do desempoderamento (CRENSHAW, 2002, p. 176).
A perspectiva interseccional é útil para que os aspectos anteriores da oficina sejam
conectados uns aos outros e para que a ligação entre a historicidade das opressões sociais
e as violências vivenciadas hoje sejam possíveis. A partir da fonte e das ideias já
apropriadas pelos/as alunos/as sobre os casos apresentados, há alguns caminhos possíveis
para a reflexão sobre as discriminações atuais, em um contexto mais amplo e também a
partir dos seus espaços e lugares, refletindo inclusive sobre as opressões dentro da escola.
Algumas possibilidades são: entender quais as narrativas dos alunos sobre os
casos, o que ouviram falar na mídia e o que pensam a respeito; o reconhecimento da
LGBTfobia enquanto uma opressão a ser combatida a partir da discussão dos índices de
violência LGBTfóbica no Brasil e no contexto escolar; a presença dos discursos de ódio
nas mídias e nas redes sócias; os recortes de raça, classe e território nos casos de violência;
e pensar coletivamente o que pode ser feito para o combate efetivo destas violências, entre
outras.
IV - A OFICINA EM SALA DE AULA
A atividade foi planejada como um processo de ensino aprendizagem dialogado e
com produção de sentido, incentivando a participação das/os estudantes como atores, sua
plena liberdade de pensamento propiciando e estimulando “a pergunta, a reflexão crítica
sobre a própria pergunta, o que se pretende com esta ou com aquela pergunta, em lugar
da passividade” (FREIRE, 1996, p. 83).
A aplicação da oficina iniciou-se na divisão da turma em quatro grupos, pois
muitas vezes os alunos se sentem mais confortáveis em falar para alguns colegas que para
a turma toda. Para os grupos foram distribuídas as fontes selecionadas impressas para
análise e discussão no grupo. O objetivo desta primeira discussão era, a partir da fonte e
de uma curta legenda/descrição, levantar hipóteses sobre quem eram os personagens
presentes, qual contexto era retratado e quais interpretações poderiam ser feitas a partir
dos documentos.
32
No segundo momento ocorreu a apresentação das considerações feitas pelos
grupos para toda a turma, aberta a perguntas dos/das estudantes e da professora. Um a
um, os grupos mostraram suas fontes aos colegas e ao fim de cada apresentação, fiz, com
o auxílio de perguntas previamente elaboradas por mim (VER ANEXO 2), um debate
com a turma.
Por último, ocorreu um debate em diálogo com os objetivos da atividade,
direcionando as problemáticas apresentadas e foi construída uma narrativa que
possibilitou um novo olhar sobre as questões das diversidades sexuais e de gênero e sobre
história, suas funções e possibilidades.
A oficina foi aplicada no terceiro horário do dia e teve duração de 45 minutos.
Iniciei a atividade com um breve resumo da oficina e seus objetivos, resgatando
referências dos questionários respondidos anteriormente. Achei importante de início
ressaltar que, apesar de grande parte ter respondido que não acredita que seja importante
abordar as questões de lesbianidade e bissexualidade no ensino de história, essa discussão
é importante e necessária para o combate às discriminações de gênero e que há respaldos
legais que orientam e defendem o ensino de história para a diversidade.
Ressaltei também o uso das diferentes fontes históricas, desconstruindo a ideia de
fonte como documento escrito e institucional e afirmando a importância de construir
narrativas plurais a partir de outras formas de escrita da história como panfletos, jornais,
charges, fotografias, etc. O objetivo de refletir sobre diferentes contextos históricos
também foi colocado, destacando que é possível e relevante refletir sobre os conteúdos
tradicionais e cobrados nos vestibulares, nos quais as turmas de terceiro ano estão focadas,
a partir das histórias historicamente marginalizadas.
Após a apresentação inicial, expliquei a dinâmica da atividade e dividi a turma em
quatro grupos entregando as fontes e os estimulando a interpretá-las e discuti-las entres
si. Neste momento, houve discussões em todos os grupos e também muitas perguntas.
Apenas observei e os orientei para levar as perguntas ao grupo na próxima etapa. Em
seguida formou-se uma roda e cada grupo mostrou sua fonte para a turma, fazendo uma
breve apresentação, ainda sem colocar muitas ideias próprias, falando sobre a legenda,
lendo os textos e descrevendo as imagens, apontando o que os documentos representariam
na visão deles. A partir disso, apresentei minhas interpretações das fontes, levantando
33
questões sobre cada uma delas.
O primeiro grupo apresentou suas ideias com relação as imagens de Maria
Antonieta nos panfletos franceses do pós-revolução, mas apenas meninos falaram. Ficou
clara uma relativa timidez entre as meninas em falar sobre sexo e sexualidade diante da
turma. Os meninos disseram, em linhas gerais, que as imagens foram feitas para acusar a
rainha de traição e assim prejudicá-la.
A partir da apresentação, foram discutidos brevemente alguns aspectos da
Revolução Francesa, com a intervenção do professor, que apresentou apenas os seus
aspectos políticos. Levantei algumas das questões pensadas previamente para o debate
das fontes, como descrito e analisado nessa pesquisa, mas, com o pouco tempo, não foi
possível aprofundar todas as questões. Na apresentação da fonte sobre a rainha Maria
Antonieta perguntei se eles viam diferença entre a forma com a qual se difamam mulheres
e homens. Alguns meninos comentaram que não, seria igual. Dei alguns exemplos a partir
disso para problematizar a questão como pensarem as narrativas e imagens difundidas na
mídia sobre a presidente Dilma, como histérica, louca, masculina e lésbica e eles
conseguiram enxergar alguma diferença entre as representações da presidenta e dos
presidentes homens. A partir deste momento as meninas ficaram mais à vontade para de
colocar, dizendo que sim, havia diferenças e que as representações eram machistas.
Questionei em seguida qual seria a razão das representações da rainha em relações sexuais
com homens e com mulheres. Uma aluna respondeu que “era pior se relacionar com
pessoas do mesmo sexo”. A partir de então foi também bastante proveitoso o debate sobre
o uso da sexualidade das mulheres para a construção de uma visão negativa e o tabu da
sexualidade feminina, trazendo a perspectiva da lesbianidade e bissexualidade.
O segundo grupo discutiu o fragmento de texto sobre o processo inquisitorial de
Paula de Sequeira. Um aluno perguntou a razão dela ter confessado e iniciamos a
discussão a partir disto. Foi abordado o que eram os tribunais inquisitoriais e fiz uma
ligação com a matéria passada pelo professor no horário anterior, sobre a Idade Média na
Europa. Respondi a pergunta dizendo que Paula provavelmente acreditava que seria
descoberta, por conta dos rumores na cidade, e apostou que conseguiria que seu “pecado”
fosse relevado por conta da confissão, e que, talvez, ela também acreditasse que o que fez
seria digno de julgamento, por ter internalizado o discurso religioso e social sobre as
sexualidades desviantes. Analisando o texto da fonte, discutimos quais eram os crimes
34
condenados pela Igreja, o que seria a sodomia e, mais superficialmente, as diferenças da
visão da Igreja entre a sodomia homossexual praticada por homens e por mulheres. As
reações dos alunos misturavam curiosidade e surpresa, mas também se fizeram presentes
risadas e piadas uns com os outros.
O grupo seguinte apresentou as fontes sobre ditadura militar. Neste momento,
restavam poucos minutos de aula. Discutimos, eu e o professor, mais uma vez fazendo
paralelo com a matéria abordada anteriormente nas aulas, por ter sido um conteúdo
recentemente trabalhado em sala. Mas de forma geral, foi possível pensar com a turma a
criação da imagem de subversão e risco à “família”, à “moral” e aos “bons costumes”,
legitimando a perseguição e suprimindo o direito de existir das pessoas LGBTs durante a
ditadura e também o surgimento dos movimentos sociais de gays e lésbicas como
resistência a essa perseguição. Percebi que pela aproximação do intervalo, eles não
quiseram fazer perguntas para prolongar a atividade. Algumas alunas conversaram
comigo, após a aula, sobre as lésbicas na ditadura e tive a oportunidade de dialogar com
uma profundidade maior com o pequeno grupo que se interessou.
A última fonte discutida foi a ilustração representando as mortes simbólicas de
Marielle Franco e Matheusa. Este foi o momento mais difícil da oficina para mim. O
grupo mostrou a charge e leu a legenda. Perguntei em seguida o que eles sabiam sobre
estas mortes e houve comentários, de forma geral, bastante negativos. A visão de que as
mortes foram merecidas foi bastante frequente, com argumentos diversos. A ligação de
Marielle com facções criminosas, notícia falsa comentada anteriormente, e que Matheusa
teria abusado do uso de drogas no dia de sua morte foram as justificativas mais defendidas
e não houve posições contrárias. Falei dos índices de violência LGBT que temos no
Brasil, sobre os marcadores raciais e sobre as violências destes dois casos específicos.
Tentei sublinhar o caráter político de silenciamento das vozes marginalizadas pela
violência. Comentei as violências cotidianas que muitas vezes são naturalizadas, inclusive
na escola. Mas, infelizmente, o tempo já havia esgotado. Fiz o fechamento da atividade
falando sobre a importância de uma história que tenha como personagens aqueles que
foram apagados da escrita e dos discursos historiográficos e da necessidade de, para além
de não ter atitudes discriminatórias, se posicionar e ser contrário a todo tipo de
discriminação e violência, de forma rápida, pois neste momento as turmas já estavam
agitadas pelo fim da aula. Terminei agradecendo, mas bastante angustiada por sentir que
35
não consegui dizer tudo o que poderia ser dito e que muitas das visões estereotipadas e
negativas permaneceriam.
No entanto, avalio como positivos os resultados obtidos através dos debates. A
atividade foi pontual e é difícil dimensionar os seus impactos, positivos ou negativos. É
bastante provável que minha prática em sala de aula não tenha transformado mentalidades
e desconstruído os preconceitos contra lésbicas e bissexuais ou outras identidades de
gênero estigmatizadas. O tempo foi curto e não foi possível aprofundar grande parte das
questões e discussões que planejei, mas acredito na potência de inserir o debate e de
apresentar outras possibilidades de ser mulher e de história.
V - RESULTADOS DA OFICINA – LIMITES E AVANÇOS
As ausências de referências históricas que fujam da história política construída
por homens brancos e heterossexuais é uma problemática apontada na introdução deste
trabalho e percebida a partir da prática de pesquisa e de docência desenvolvidas nesse
trabalho. A escrita da história no Brasil foi, e se mantém sendo, fabricada de modo a
silenciar as narrativas negras, indígenas, femininas e LGBTs. Ao passo que foram
inseridos novos sujeitos na história, mas pela ação destes em levantar sua própria voz que
por uma vontade da história hegemônica de preencher suas lacunas percebe-se ainda os
lapsos de uma memória histórica marcada pela dissidência.
O que se deve ou não ensinar nos “bancos escolares” de história é um campo de
disputa. Deste modo, a análise das representações femininas nos livros didáticos, e aqui
falo dos livros de história em especial, mas não apenas destes, se mostra importante. Os
livros consumidos por estudantes e professores desde o século XIX reforçam o
silenciamento e a marginalidade das mulheres sendo os homens os sujeitos protagonistas
e centrais na narrativa histórica. Cristiani Bereta da Silva (2007) percebe que nos últimos
anos há avanços que surgiram muito a partir da lógica de mercado que dita a demanda
pelos temas de gênero a partir das contribuições da academia e dos movimentos sociais.
Apesar disto, as construções das referências de mulher (e não mulheres, em seu sentido
plural) ainda estão sendo alicerceadas em estigmas machistas, patriarcais e binários que
precisam ser repensados. Sobre o lugar marginal das mulheres dos livros didáticos, Silva
evidencia:
36
As mulheres parecem permanecer como um grupo desviante entre os
saberes históricos escolares, ao passo que os homens ainda ocupam a “base
da elaboração da regra”. A história das mulheres e, mesmo as formulações
sobre as diferenças e desigualdades de gênero, são, ainda, adendos da
história geral (2007, p. 229).
O livro didático é ainda, apesar da propagação dos meios de informações digitais,
o principal instrumento norteador tanto da prática docente, quanto das referências das/dos
estudantes, guiando visões de mundo, de conhecimento e de sociedade. Ademais da sua
importância social, as ausências de reflexões comprometidas com as questões do nosso
tempo “aponta a permanência de uma tradição escolar que olha o passado como algo
distante no tempo, sem qualquer conexão com o presente, o que permite a desumanização
dos sujeitos históricos” (OLIVEIRA, 2019, p. 496). As ausências de referências de
personagens históricas femininas, no momento da aplicação do questionário feita para a
turma, evidenciou que esta reivindicação continua sendo necessária e urgente.
A exemplo dos livros didáticos, as representações devem ser entendidas como
fator social que, defende Jodelet, engajam uma moral social. As representações sociais
“nos guiam na maneira de nomear e definir em conjunto os diferentes aspectos de nossa
realidade cotidiana, na maneira de interpretá-los, estatuí-los e, se for o caso, de tomar uma
posição a respeito e defendê-la” (JODELET, 2001 p.1). Utilizo esta categoria também
para analisar as narrativas dos estudantes enquanto um conhecimento que é:
designado como “saber do senso comum” ou ainda “saber ingênuo”,
“natural”, esta forma de conhecimento distingue-se, dentre outros, do
conhecimento científico. Mas ela é tida como um objeto de estudo tão
legítimo quanto aquele, por sua importância na vida social, pelos
esclarecimentos que traz acerca dos processos cognitivos e as interações
sociais (JODELET, 2001, p.5).
A representação então é resultado da atuação do sujeito remetendo “ao caráter
construtivo, criativo, autônomo da representação que comporta uma parte de
reconstrução, de interpretação do objeto e de expressão do sujeito” (JODELET, 2001,
p.5). O esforço feito aqui de resgatar memórias de mulheres que fogem da
heterossexualidade, questionando a natureza inata da norma hétero, é o esforço de colocar
em questão os sentidos sociais e as lógicas que constituem as opressões por meio das
relações de poder.
Cabe aqui pensar esta lógica de poder a partir da visão foucaultiana. Compreender
37
o discurso como prática social, estando associado sempre constituído através das relações
de poder, implica a noção de que o discurso molda as práticas sociais e é por elas moldado
(FOUCAULT, 2005), e que o corpo “não é um dado passivo sobre o qual age o biopoder,
mas antes a potência mesma que torna possível a incorporação prostética dos gêneros”
(PRECIADO, 2011, p. 14).
Situa-se nesta concepção o objetivo de compreender e contrapor as diversas
representações sociais, o que se justifica ao entendermos que a memória é uma construção
coletiva da qual fazemos parte, permeada por representações, discursos e signos. Maurice
Halbwachs já relacionava a memória e a sociedade, destacando que a memória só existe
quando relacionada a um grupo, pois:
Não é suficiente reconstituir peça por peça a imagem de um acontecimento
do passado para se obter uma lembrança; é necessário que esta
reconstrução se opere a partir de dados ou de noções comuns que se
encontram tanto no nosso espírito como no dos outros, porque elas passam
incessantemente desses para aquele e reciprocamente, o que só é possível
se fizeram e continuam a fazer parte de uma mesma sociedade
(HALBWACHS, 2004, p. 35).
A partir do postulado de Halbwachs, Michel Pollak também nos alerta que a
memória não é individual ou fruto de um construto exclusivo, e que “mesmo no nível
individual o trabalho da memória é indissociável da organização social da vida”
(POLLAK, 1989, p. 14). Portanto, a memória coletiva dominante e/ou oficial que afirma
terem uns superioridade em relação à outros, que subalterniza e invisibiliza outras
possibilidades de memória, deve ser contraposta, sendo a memória um campo em disputa.
O objetivo de tensionamento da memória se articula ao ensino, e sobretudo, ao ensino de
história, por ser este um espaço também em disputa, e a partir das contribuições da
educação para a formação social crítica dos indivíduos.
A memória LGBT é um direito suprimido quando nos são retiradas todas as
referências de personagens, histórias e lutas que apontem para a possibilidade de existir
fora da matriz da heterossexualidade. O desamparo provocado por estas faltas deve ser
combatido com o resgate das memórias, com a valorização das nossas influências
culturais e através da potencialidade das nossas vozes.
A oficina pedagógica se estruturou na defesa a esse direito à memória LGBT para
38
opor-se a história que perpetua estigmas e discriminações. Para isso, se faz necessário o
tensionamento da heterossexualidade natural, provocado pela existência e luta dos
movimentos lésbicos. Falquet aponta como contribuição destes movimentos
a inversão completa da perspectiva naturalista do senso comum sobre a
sexualidade, os gêneros e sobretudo os sexos. Esta inversão é levada a cabo
pelo reexame e questionamento da ideia, aparentemente simples e
inocente, de que a heterossexualidade seria um mecanismo natural de
atração entre dois sexos (2012, p. 18).
Entendendo que o binarismo heterossexual é a norma, a ameaça lésbica é a recusa
do contrato sexual instituído pela heteronormatividade (SWAIN, 2016), confirma-se e
cria-se a todo momento discursos que legitimam violências e são, eles próprios, violentos.
O lesbianismo (sic), no discurso social, aparece obscurecido ou negado
enquanto prática ligada ao humano, ou desqualificado enquanto mutilação
do ser mulher, reles imitação do macho. As conotações que acompanham
o epíteto “lésbica” são sempre negativas: mulher-macho, paraíba, mulher
feia, mal amada, desprezada. As imagens revelam assim ou uma caricatura
do homem ou uma mulher frustrada, uma mulher que foge ao paradigma
da beleza, da “feminilidade” e escolhe a companhia feminina por não atrair
os homens (SWAIN, 2016, p. 18).
Dito isso, compreende-se o que afirma Monique Wittig: a heterossexualidade não
é apenas uma prática sexual, mas um regime político (WITTIG, 1978). E também a defesa
de Foucault: A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico
(FOUCAULT, 2005). A lesbianidade portanto, não se constitui também estritamente de
sexualidade inata, abarcando o social e as relações de poder. É necessária a reflexão, a
partir da ideia de que a sexualidade não é puramente natural, de que a heterossexualidade
é sustentada por violências e pela invisibilização da lesbianidade, tornando-se então
compulsória (RICH, 2015).
A invisibilidade é também parte central das razões pelas quais sobre a
bissexualidade recaem diversos outros estigmas. Apesar das práticas bissexuais existirem
desde períodos muito anteriores a contemporaneidade (LEWIS, 2012), a identidade
bissexual é contestada, não sendo legítimo, mesmo hoje, se afirmar bissexual.
Indo contra a ideia de que só existem dois grandes grupos identitários, de
heterossexuais e de homossexuais, a bissexualidade se constitui como uma identidade que
também é vista como uma não-identidade, questionando o que é colocado histórico-
39
socialmente como um não-lugar, inclusive dentro da comunidade LGBT. Lewis destaca
que “na visão dos/as epistemólogos/as bissexuais, a bissexualidade pode ser usada como
uma posição epistemológica para desconstruir o binário heterossexual/homossexual e a
noção moderna de definir a sexualidade com base no sexo/gênero do objeto do desejo”
(LEWIS, 2012, p. 66). Pensando esse lugar não-identitário é que vêm sendo pensadas
epistemologias bissexuais a partir da Teoria Queer. Assim, a bissexualidade parece ser
inerentemente queer, e, quando aplicada como uma posição epistemológica, a teoria
queer colabora no sentido de desconstruir e desestabilizar os binários, subverter as normas
(LEWIS, 2012, p.66).
A partir da constatação da bissexualidade como a fuga do binarismo sexual,
percebe-se uma dupla opressão vinda dos monossexuais heterossexuais e homossexuais
que questionam a bissexualidade enquanto existência possível e apagam a existência das
identidades e das histórias das pessoas que se identificam enquanto bissexuais. Enquanto
sujeitos, não é possível existir enquanto identidade legítima, e quando esta identidade é
reconhecida, a ela são colocados diversos estereótipos tido como negativos pelas pessoas
heterossexuais e homossexuais.
O sempre presente estigma da indecisão, que coloca a bissexualidade como uma
fase transitória para a heterossexualidade ou para a homossexualidade, atrelada também
a heterossexualidade compulsória. A identidade das pessoas bissexuais também é sempre
colocada a partir do seu objeto de desejo e seus relacionamentos, parecendo haver uma
fluidez entre ser hétero ou homo a partir do outro com o qual se relaciona, colocando
as/os bissexuais em um limbo sexual que não é reconhecido como identidade de fato, e
havendo uma constante vigilância para averiguar se a pessoa bissexual realmente se
relaciona em uma quantidade aceitavelmente proporcional com pessoas de mais de um
gênero.
São comuns as ligações de pessoas bissexuais a infidelidade, poligamia,
promiscuidade. A oficina pretendeu, através das fontes sobre Maria Antonieta,
desconstruir a imagem selvagem, voraz e insaciável da mulher bissexual, entendendo que:
A identidade bissexual tem a ver com a probabilidade de se relacionar com
ambos os sexos, mas não implica que isso aconteça de forma obscura ou
promíscua. Embora seja problemática a visibilidade dos bissexuais no
40
movimento em favor dos direitos sexuais, isto não significa que eles não
estejam presentes na luta. O reconhecimento da bissexualidade não
atrapalha a luta e visibilidade de gays e lésbicas. Ao contrário, a ampliação
da diversidade sexual revigora a busca de cidadania por parte das minorias
sexuais (CAVALCANTI, 2007, p. 95).
Defendo então a necessidade de um ativismo e da afirmação da identidade
bissexual por acreditar na necessidade de uma luta coletiva para o alcance da visibilidade
e superação do apagamento histórico, disputando espaços políticos, acadêmicos e
culturais como ferramenta para combater a bifobia.
A oficina também se preocupou em pensar, a partir da perspectiva interseccional,
a violência racial, que não pode ser dissociada do sexismo. Neste sentido são importantes
as contribuições de Sueli Carneiro, que lembra:
Para nós se impõe uma perspectiva feminista na qual o gênero seja uma
variável teórica, mas como afirmam Linda Alcoff e Elizabeth Potter, que
não “pode ser separada de outros eixos de opressão” e que não “é possível
em uma única análise. Se o feminismo deve liberar as mulheres, deve
enfrentar virtualmente todas as formas de opressão”. A partir desse ponto
de vista, é possível afirmar que um feminismo negro, construído no
contexto de sociedades multirraciais, pluriculturais e racistas – como são
as sociedades latino-americanas – tem como principal eixo articulador o
racismo e seu impacto sobre as relações de gênero, uma vez que ele
determina a própria hierarquia de gênero em nossas sociedades (2003, p.
50).
É fundamental a racialização ao pensarmos a sexualidade feminina para
pensarmos as diferenças que são historicamente postas para mulheres brancas e mulheres
negras. Bell Hooks explica algumas destas questões:
As mulheres brancas e os homens justificaram a exploração sexual das
mulheres negras escravizadas argumentando que elas eram as promotoras
das relações sexuais com os homens. De tal pensamento emergiu o
estereótipo das mulheres negras como sexualmente selvagens, e em termos
sexuais uma selvagem sexual, uma não-humano, um animal não podia ser
violado (1981, p.39).
Em razão disso, a sexualidade na mulher negra lésbica ou bissexual é
experienciada a partir do marcador racial que perpassa as violências as quais são
submetidas. Além do mais, levar as questões raciais para sala de aula é uma obrigação,
pelo menos desde a lei 10.639 de 2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de
história e cultura afro-brasileira, além de estabelecer o dia da consciência negra. Para
tanto, refletir as opressões assim como elas aparecem no mundo, juntas, possibilitam a
41
criticidade do educando em estabelecer conexões e também a identificação a partir de
suas vivências.
A oficina buscou, a partir destes entendimentos teóricos, colaborar para uma
prática educacional que, além de emancipadora, tenha um caráter humano. A educação,
ao colaborar para a manutenção dos lugares sociais hierarquizados de gênero e as
expectativas quanto à sexualidade, reforça o lugar marginal e não natural das mulheres
que ousam existir e se relacionar de formas outras que não a da subserviência aos homens.
Como aponta Louro, “todos os processos de escolarização sempre estiveram - e ainda
estão - preocupados em vigiar, controlar, modelar, corrigir, construir os corpos de
meninos e meninas, de jovens homens e mulheres” (LOURO, 2000, p. 60).
A atuação do educador pode provocar um impacto positivo ou negativo na saúde
mental das/os estudantes. Ao se comprometer com uma educação de combate às
discriminações LGBTfóbicas, machistas e racistas, entre outras, a prática docente se
coloca como agente de mudança social, em um espectro maior, e também de
transformação individual. A população LGBT apresenta altas taxas de suicídios,
tentativas e ideações, sendo estas evidências que “indicam que esse sofrimento psíquico
ocasionado pelo preconceito, discriminação e violência gera uma vulnerabilidade dos
integrantes LGBT para a adoção de comportamentos de risco” (BARBOSA;
MEDEIROS, 2018, p. 258). A escola pode assim impactar positivamente suas relações
no mundo e até mesmo entendimento das/os educandos de si.
Por lidar com vidas, histórias e sensibilidades, é que a escola deve exercer o papel
fundamental de uma prática educacional para os direitos humanos contínua. As
dificuldades de tratar de temas de gênero e sexualidade na educação básica são muitas.
Reforço que este trabalho se insere em um contexto político de avanço de ideias
conservadoras e que criminalizam, perseguem e pretendem punir estes debates em sala.
Essas contribuições porém são necessárias para que fique latente o papel social e
político da escola, do qual não podemos abrir mão. Para que a naturalização das
diversidades sexuais, o fim da violência de gênero e da opressão racial sejam caminhos
possíveis. Paulo Freire nos ensinou: “Nós, professores, estamos vivos, e mudar o mundo
é tão difícil quanto possível”.
42
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47
ANEXOS
ANEXO 1 – QUESTIONÁRIO
1. O que a história estuda? Marque, dentre as opções abaixo, as que mais se encaixam
na resposta.
□ O passado do homem;
□Guerras, conflitos e suas consequências;
□ Descobrimentos e o surgimento de novas nações;
□ Os feitos de grandes homens;
□ A vida cotidiana;
□ As trajetórias de grandes mulheres;
□ As relações sociais;
□ Política;
□ O passado;
□ Documentos;
2. Cite 03 personagens históricos femininos que você conhece:
______________________________________________________________________
3. O que é lesbianidade para você?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
4. O que é bissexualidade para você?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
48
______________________________________________________________________
5. Você acredita que as pessoas sofrem algum tipo de violência por seu gênero e/ou
orientação sexual?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
6. Nas aulas de História já foram discutidos os temas da lesbianidade ou bissexualidade?
( ) SIM ( ) NÃO
7. Você conhece algum personagem histórico lésbica ou bissexual? Quais?
______________________________________________________________________
8. Você acha que esses temas são importantes nas aulas de História?
( ) SIM ( ) NÃO
49
ANEXO 2 – PLANO DE OFICINA PEDAGÓGICA
INTRODUÇÃO
A presente oficina foi estruturada com os objetivos de abordar e discutir as temáticas da
lesbianidade e da bissexualidade feminina em sala de aula com estudantes do ensino médio. A
atividade foi pensada a partir dos resultados obtidos nos questionários aplicados sobre o tema
e compreenderá a análise de fontes históricas que tenham como sujeitos mulheres lésbicas e
bissexuais de diferentes períodos e contextos históricos.
A observação crítica das fontes iconográficas e textuais será feita em grupos e será
seguida de uma roda de conversa mediada, onde todas/os apresentarão suas impressões sobre
seus objetos de análise, propiciando uma discussão com a finalidade de problematizar e
desnaturalizar violências, estereótipos e discursos discriminatórios de gênero.
OBJETIVO
A temática LGBT se mostra ausente nos currículos e discussões em sala de aula, apesar
de presente nas escolas e nas vivências das/os estudantes. A proposta pedagógica aqui colocada
visa problematizar essas ausências, com foco na lesbianidade e da bissexualidade feminina,
bem como trabalhar os conteúdos tradicionais da disciplina de história partindo de uma
perspectiva contra-hegemônica, colaborando para a compreensão de diferentes períodos
históricos e para a construção da naturalização das diversidades sexuais, combatendo as
opressões no ambiente escolar e fora dele, e potencializando os discursos e vivências das
estudantes vítimas de violência de gênero e LGBTfóbica. Esta atividade se insere em um
contexto político de tentativa de proibição das temáticas de gênero e sexualidade no ensino, e
se mostra fundamental na luta por uma educação libertadora engajada com a defesa dos direitos
humanos para todas e todos.
FONTES
Fontes 1 e 2 - Idade Moderna na França
50
Figura 1: Panfleto pornográfico no qual Maria Antonieta protagoniza uma orgia no Palácio de Versalhes.
Figura 2: Panfleto pornográfico retratando a rainha da França, Maria Antonieta, em um romance lésbico com a sua
amiga, a duquesa de Polignac.
Fonte 3 - Brasil Colonial
Trecho sobre o processo inquisitorial de Paula de Sequeira
A primeira a se confessar perante o Visitador foi Paula de Sequeira, aos 20 de agosto de 1591.
Nascida em Lisboa, tinha então 40 anos. Disse que há 2 anos vinha recebendo cartas de amor
de uma viúva chamada Felipa de Souza, com a qual trocara alguns abraços e beijos, chegando
a ter “ajuntamento carnal uma com outra, por diante, ajuntando seus vasos naturais (vaginas),
tendo deleitação”. Acrescentou um detalhe, certamente mediante pergunta do Inquisidor:
“Usava ela confessante, sempre do modo como se ela fora homem, pondo-se em cima. E que
antes de ir para sua casa, lhe contou a dita Felipa de Souza que tinha pecado no dito modo com
Paula Antunes, Maria de Peralto e com outras muitas mulheres e moças, altas e baixas, e
também dentro de um mosteiro. E que em Salvador havia muita murmuração da muita
conversação que a dita Felipa tinha com a dita Paula Antunes”.
Texto extraído de. MOTT, Luis. O Lesbianismo no Brasil. Porto Alegre, Editora Mercado
Aberto, 1987.
Fonte 4 e 5 - Ditadura Militar no Brasil
51
Figura 3: Trecho do Jornal Lampião da Esquina. Edição 12, página 7. Maio de 1979.
Figura 4: Primeira marcha do grupo "Somos - Grupo de Afirmação Homossexual", em São Paulo, 1979.
Fonte 6 - Atualmente no Brasil
52
Figura 5: Ilustração de Ribs. 2018.
CENÁRIOS PEDAGÓGICOS
Fontes 1 e 2:
As imagens são panfletos circulados na França no século XVIII, que tiveram como alvo a rainha
Maria Antonieta. As caricaturas tinham o objetivo de prejudicar a imagem política da rainha.
Para isso, ela foi retratada em práticas sexuais com homens e mulheres. As fontes poderão
propiciar o debate de questões como:
1) O tabu da sexualidade feminina na sociedade ao longo da história e atualmente;
2) As construções sociais negativas e permeadas de estereótipos das práticas sexuais entre
mulheres, as ideias de pecado, culpa, honra feminina e proibição;
Fonte 3:
O trecho da obra de Mott sobre homossexualidade feminina no Brasil aborda um importante
tema de nossa história, a inquisição. As tradicionais abordagens sobre os temas quase nunca
destacam os julgamentos de mulheres condenadas por suas relações homoeróticas com outras
mulheres, ato considerado como sodomia. Resgatar estes fatos históricos é de grande relevância
para a discussão da temática em nosso período colonial, refletindo sobre as mudanças e também
as permanências, e abordando, entre outros temas:
1) A vigilância da vida privada através do discurso de preservação da moral no passado e no
presente;
2) A sodomia e o falocentrismo nas discussões da igreja sobre as práticas sexuais entre
mulheres;
53
3) A negação às mulheres do direito ao próprio corpo, aos seus desejos e prazeres;
4) A posterior patologização da homossexualidade e as lutas dos movimentos LGBT.
Fontes 4 e 5:
Durante a Ditadura Militar, a homossexualidade constituía, segundo a própria visão oficial do
governo, uma ameaça subversiva ao regime autoritário, sendo um risco à “família”, à “moral”
e aos “bons costumes”, legitimando a perseguição e suprimindo o direito de existir das pessoas
LGBTs. Mas essa repressão coexistiu com a liberdade e a resistência. A partir das fontes é
possível abordar os temas:
1) O processo sócio-histórico que levou ao golpe civil-militar;
2) As violências físicas e simbólicas contra as pessoas LGBTs durante o período e os impactos
do Ato Institucional nº5;
3) A luta histórica por direitos a partir do momento de 1974 com abertura política apesar da
persistente existência das perseguições.
Fonte 6:
A ilustração de autoria do cientista político Ribs retrata duas personagens vítimas de violências
LGBTfóbicas recentes, Marielle Franco e Matheusa Passareli. As brutais execuções tiveram
marcadores claros das violências sofridas pela população LGBT e negra no Brasil. Os fatos
recentes e ainda sem respostas das autoridades judiciais são importantes de serem destacados e
marcados em nossas memórias. A discussão em sala de aula se mostra fundamental através da
possibilidade de trazer diversas questões:
1) A discriminação atual contra a população LGBT;
2) A preocupante naturalização de discursos de ódio na mídia, na política e nas redes sociais;
3) Os marcadores de raça, classe e território como determinantes nos casos de violência;
PROPOSTAS PEDAGÓGICAS
Metodologia:
Em grupos, as/os estudantes analisarão cada uma das fontes, acompanhadas de uma breve
descrição/legenda. Posteriormente, cada grupo apresentará a sua fonte para toda a turma,
colocando as suas impressões discutidas dentro do grupo.
54
Após esta primeira etapa, a facilitadora da oficina exibirá novamente cada uma das fontes,
desta vez levantando um debate direcionado a partir de algumas questões norteadoras,
oportunizando a participação geral de forma dialogada e dinâmica.
Roteiro para direcionamento dos debates:
Fontes 1 e 2
As imagens mostram panfletos que circularam na França no séc. XVIII e que tiveram o
intuito de difamar a rainha Maria Antonieta.
Questões para debate:
- Por que vocês acreditam que usaram representações sexuais para injuriar a rainha?
- A rainha foi representada em atos sexuais com homens e com mulheres. Por que vocês
acham que isso foi feito?
- Em períodos recentes tivemos a imagem com teor sexual da ex-presidenta Dilma em
adesivos usados em bombas de gasolina, fazendo alusão ao estupro. A Dilma também
foram comuns julgamentos, inclusive em grandes jornais e revistas, sobre a sua
sexualidade. Por que vocês acham que isso aconteceu? O tratamento dado a mulheres e
homens no intuito de difamar suas imagens é o mesmo? Por que?
Fonte 3
O fragmento de texto fala sobre os julgamentos de mulheres que se relacionaram
sexualmente com outras mulheres na Inquisição no Brasil, reproduzindo um relato de uma
mulher, Paula de Sequeira, que confessou o crime de sodomia.
Questões para debate:
- Você sabe o que foram os Tribunais de Santo Ofício? Que crimes eles julgavam? Quais
eram os responsáveis pela inquisição?
- Por que as relações entre pessoas do mesmo sexo eram condenadas como crime?
- Haviam diferenças entre os crimes praticados por homens e por mulheres, sendo as
relações entre mulheres menos perseguidas por não haver a penetração através de um falo,
requisito fundamental para uma “sodomia perfeita”. Por que vocês acham que havia esta
separação nos julgamentos?
- A sexualidade feminina é um tabu inclusive atualmente. Vocês concordam com esta
afirmação?
55
Fonte 4 e 5
As duas fontes são do período militar no Brasil. A primeira é um trecho do jornal
“Lampião da Esquina”, imprensa alternativa LGBT e denuncia as ausências das mulheres,
reivindicando espaço. A segunda é uma foto da primeira marcha do grupo SOMOS,
responsável pelo jornal da fonte anterior. As mulheres que fizeram parte do grupo,
posteriormente formaram o Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF), para construir um
movimento que pautasse as suas questões.
Questões para debate:
- Vocês acreditam que houveram efeitos específicos da ditadura no cotidiano de mulheres
que amavam outras mulheres?
- A situação de gays, lésbicas, travestis e transexuais piorou ou melhorou durante os anos
60, 70 e 80?
- E atualmente, vocês sabem algo sobre a situação das pessoas LGBTs no nosso país?
Vocês acreditam que elas ainda sofrem violência por suas orientações sexuais e/ou
identidades de gênero?
- E o movimento social LGBT, como foi afetado pela conjuntura da ditadura? Como ele
se articula atualmente? Quais são as pautas? Há manutenções, avanços, retrocessos?
Fonte 6
A ilustração retrata suas vítimas recentes de violências LGBTfóbicas brutais e fatais,
Marielle Franco e Matheusa Passareli.
Questões para debate:
- Vocês viram em algum lugar algo sobre estas mortes? Quais foram suas fontes? O que
elas falavam?
- Vocês sabem o que é LGBTfobia?
- As violências sofridas por pessoas LGBT no Brasil possuem índices alarmantes. No
Brasil, de 2016 para 2017, houve um aumento de 30% dos assassinatos de pessoas LGBT,
passando de 343 para 445. O que vocês acham destes números?9
9 Dados de pesquisa realizada em 2017 pelo Grupo Gay da Bahia (GGB).
56
- 73% dos jovens LGBT dizem já terem sido agredidos na escola. Vocês já presenciaram
alguma agressão deste tipo? O que pode ser feito?10
10 Pesquisa Nacional sobre Estudantes e o Ambiente Escolar realizada pela ABGLT (Associação
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais).
57