Capa|Artes Capitulares: Néli Rúbia
(Artísticas Criação de Conteúdo Digital)
Revisão: João Carlos Ferreira
Esta é uma obra de ficção.
Há citação de personagens históricos, mas a trama foi criada a
partir da imaginação da autora, e qualquer coisa além disso é mera
coincidência.
Este livro é protegido por direitos autorais, sua reprodução ou
cópia só poderá ser feita mediante autorização expressa da autora.
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Epílogo
Agradeço a todas as amigas do Facebook que
me ajudaram, de um modo ou de outro, com as
pesquisas sobre os detalhes do período medieval, e
principalmente a Néli Rúbia e Leila Romera Fulco
Moredo.
— Apressem–se, homens! Desejo voltar ainda hoje para a
fortaleza! — bradou Alastair, esporeando seu cavalo e chamando os
homens à ordem, os cabelos escuros esvoaçando rebeldes em torno do belo
rosto moreno. O herdeiro do conde Duncan, líder do clã MacConnollyn,
tinha pressa.
O grupo formado por cinco magníficos cavaleiros escoceses
acelerou seus corcéis, levantando grama e terra dos campos em que
passavam. Seus longos cabelos e suas capas a sacudir com violência contra
o vento. Haviam cruzado muitas planícies verdejantes da Inglaterra,
viajando há vários dias quase sem descanso, e seu destino finalmente já
estava próximo.
— Não compreendo tanta urgência. Esse será o casamento mais
apressado da história! — reclamou Derek, o primeiro em comando,
responsável pela segurança do filho do chefe do clã. — Afinal, estamos
em tempo de paz! Que mal há em tomarmos umas cervejas para
comemorar seu matrimônio? Não se importarão em Torquil por
demorarmos mais um dia ou dois.
— Pensei que pelo menos poderíamos nos hospedar com a família
de sua noiva essa noite, Alastair. Enquanto você faz a consumação do seu
matrimônio, nós curamos a bebedeira da comemoração em camas macias!
— Sorriu Ian, o responsável pelas provisões do grupo, os olhos já
brilhando de alegria.
— Conte logo a eles, Alastair! — Blaine, o melhor amigo do noivo,
incitou.
— Sim, Alastair, conte logo para nós porque a pressa e porque
precisamos vir tão longe atrás de uma plebeia inglesa com tantas nobres
escocesas ansiosas para casar com você! — Gavin, primo de Alastair,
estava curioso.
— Esqueça que ela é plebeia e inglesa, pois seus pais são ricos e
estão revertendo essa situação, tomando posse de um feudo em breve. Seu
título de nobreza já está a caminho, de qualquer forma. Ela será nossa lady
por ordem do conde, e não devemos questionar — retrucou Blaine.
Alastair voltou o olhar para os companheiros de viagem:
— Seria bom lembrar que o nosso rei não quer saber de
preconceito contra ingleses em suas terras e eu, certamente, não aceitarei
qualquer tratamento indevido à minha noiva.
Gavin assentiu.
— Só estou curioso, não contra. — Deu de ombros, enquanto
aceleravam ainda mais o galope.
— Meu pai deu ordens expressas de retirar minha noiva de sua casa
o mais rápido possível. Ele tratou com o pai dela. Temem por sua
segurança.
— E por que temem pela segurança da moça? — O primo Gavin
voltou-se, muito sério, os cabelos louros soltos ao vento deixando–o
semelhante a uma figura mitológica, uma mistura de anjo com deus
nórdico.
Lorde Alastair MacConnollyn¹ apertou os belos lábios, aborrecido
por ter que explicar tudo sobre seu noivado enquanto cavalgavam. O
problema é que não havia tido mesmo muito tempo para conversar com
eles antes da viagem, e era justo que afinal seus companheiros soubessem
em que estavam se metendo por sua causa. Respirou fundo antes de
começar a falar:
— Meu pai, como sabem, é amigo do pai da minha prometida, o
senhor Richard Willkinson, que negocia um título na Escócia². O
casamento foi arranjado às pressas porque um dos príncipes da Inglaterra
se encantou com ela. Como é plebeia, o seu pai teme que o príncipe
convença o rei Henrique a mandar que ela siga para o castelo para servir–
lhe à cama. Se o rei der ordem, será difícil recusar–lhe, a menos que já
esteja comprometida. O nosso rei Alexandre³, amigo de meu pai e agora
também do senhor Richard, pediu que nós agíssemos rápido no resgate da
moça. A ordem de voltarmos imediatamente é para que não haja tempo de
articularem alguma emboscada contra nós.
O rei escocês tinha um forte aliado político em Duncan
MacConnollyn, e o mantinha como um de seus conselheiros. O monarca
não desejava uma ofensa ao clã se a família real inglesa atrapalhasse o
casamento arranjado entre eles e os Willkinson, que haviam recebido uma
grande herança há pouco tempo e estavam adquirindo um título de nobreza
e terrenos escoceses na área da fronteira. Alexandre da Escócia desejava
mais essa aliança estratégica para o fortalecimento de seu território. A
união, através do casamento, com um fidalgo escocês também alavancaria
a noiva plebeia à condição de nobre mais rapidamente do que a aquisição
do título, protegendo sua honra e beneficiando a família inglesa. Porém o
rei Alexandre III não podia mandar a guarda real em ajuda aos noivos,
porque a entrada dos soldados com o estandarte escocês nos domínios
ingleses poderia ser vista como afronta, causando um incidente
diplomático entre as coroas, que tinham laços familiares.
Os homens soltaram exclamações de espanto ao saberem da razão
do casamento apressado.
— Os prepotentes Plantagenetas pensam que tudo podem. —
Blaine balançou a cabeça.
— Algumas famílias inglesas se orgulhariam de ter uma filha
como amante de um dos príncipes, mas vejo que seu futuro sogro não é um
inglês sem honra — disse Ian.
Os outros concordaram. Como a maioria dos escoceses, o grupo
não simpatizava com os ingleses, mas o fato da família Wilkinson ter sido
colocada numa situação tão difícil os indignava.
— Isso é uma afronta a qualquer pai! Ter que casar uma filha às
pressas para salvá–la das garras de um nobre sedutor! Aposto que a moça
nem teve tempo de preparar os bordados de seu enxoval. — Derek, o único
do grupo que já era casado e tinha filhos, indignou-se.
— Não me importo com dote ou enxoval. Seu pai e o meu fizeram
um bom acordo para preservar–lhe a honra. Imagino também que ela deve
ser linda, para impressionar assim um príncipe, a ponto de deixar sua
família toda em pânico — replicou Alastair, afastando os cabelos que
batiam em seus olhos azuis por causa das diversas correntes de vento na
planície que percorriam.
— Por que não contou logo para nós a razão dessa correria? Afinal
contaste a Blaine.... — Gavin resmungou.
— Não se aborreça, primo. Se eu contasse no início da viagem teria
que escutar todos vocês tagarelando feito mulherzinhas por todo o
caminho. Blaine sabia porque escutou meu pai falando.
Blaine sorriu vitorioso para Gavin, fingindo ar de superioridade, e
acabando por fazê–lo rir.
Ian perguntou, com olhar travesso:
— E vais consumar o casamento na casa dela ou na fortaleza?
— Na casa dela. Se não for virgem, eu a devolverei imediatamente.
Não vou acobertar uma inglesa amante de príncipe e ser feito de tolo por
preço algum! Nem que meu pai ou o rei Alexandre me ordenem ou me
açoitem!
Todos riram. O grupo estava passando por um íngreme caminho
agora, no alto de uma colina, e precisaram diminuir o ritmo dos cavalos.
Blaine foi o primeiro dos cavaleiros a avistar a moça banhando–se lá
embaixo. Estacou imediatamente, obrigando aos outros que seguiam atrás
dele a também deterem–se. Em poucos segundos os cincos homens
olhavam fascinados a bela figura à distância, na beira de um rio, usando
apenas peças íntimas. Estreitaram a vista, tentando enxergar através da
transparência de suas roupas molhadas. As árvores em volta permitiam
que a admirassem sem serem vistos facilmente, e eles ficaram alguns bons
minutos a observarem a bela mulher de cabelos vermelhos brincar na
água, alheia aos olhos cobiçosos. Na solidão daquela paisagem bucólica,
com o suave murmúrio da natureza a rodear–lhe, ela parecia uma ninfa,
seu corpo espetacular despertando os instintos dos machos que
espreitavam.
— Deliciosa... — murmurou Blaine.
Alastair lentamente saiu do torpor que a visão maravilhosa lhe
causara.
— Sigam em frente, toquem os cavalos! — gritou ele aos
companheiros.
— Ah, Alastair! Que sem–graça é você! Só estamos olhando... —
Gavin inconscientemente ajeitou os lindos cabelos loiros, como se a moça
pudesse vê–lo.
— Nunca vi uma ruiva assim, tão acesa, tão vibrante! Gostaria de
chegar mais perto para vê–la melhor... — sussurrou Ian, lambendo os
lábios, seus olhos cor de âmbar adquirindo um tom dourado cheio de
volúpia.
— Não seja tolo. Deve haver mais alguém por perto, e
arranjaríamos confusão. Nenhuma moça é tão louca para vir banhar–se
sozinha no meio do mato — replicou Derek, sempre mais sábio, mas ainda
assim esticando o pescoço para observá–la melhor. Apesar de ser casado,
ainda era jovem, e a figura feminina, quase nua, também o havia
impressionado, e seu olhar estava fixo nela, transparecendo desejo.
Nenhum deles piscava, presos a cada movimento feminino.
Alastair quebrou o encanto:
— Derek, siga com o grupo para a casa dos Willkinson.
— Não me diga que você vai ficar para trás, Alastair! — Blaine
tentava ganhar mais alguns segundos de visão luxuriante. — Você é o
noivo! Se a sua prometida souber que parou para cortejar outra no dia do
seu casamento...
— Não tire conclusões precipitadas, Blaine. Só vou aguardar aqui,
bem quietinho, até que a moça saia da água em segurança. Não consigo
esquecer o que aconteceu com Delinda, num rio parecido com esse.
— Alastair, o que aconteceu com Delinda foi uma fatalidade, mas
leve em conta que era um rio traiçoeiro, muito mais caudaloso que esse
parece ser, e começou a chover forte, aumentando o volume das águas.
Para piorar, sua prometida na época era uma frágil menina de onze anos...
A situação que estamos vendo é bem diferente, esta aí na água é uma moça
adulta — ponderou seu chefe de segurança, relembrando a mocinha que
havia sido prometida ao lorde quando ambos ainda eram crianças, os olhos
negros ficando tristes por um breve instante.
— Fiquem tranquilos, logo os alcançarei. Apenas façam o que eu
mando. — Começou a impacientar–se.
— Ficarei com você, primo.
— Vá com eles, Gavin. Se eu demorar, você me representará junto
a meu sogro e explicará que já estou chegando. Vão todos, eu já disse,
parem de insistir!
Os homens perceberam que o espetáculo para eles seria realmente
interrompido. Seus rostos demonstravam decepção, mas seu líder parecia
irredutível, e resignaram–se a acatar sua ordem.
Colocaram os animais em marcha, com expressões insatisfeitas.
Alastair continuou observando a moça. Quando ela deu alguns passos para
dentro da água, ele instintivamente tocou seu cavalo para mais perto do
rio, sentindo a virilha reagir violentamente àquela imagem. Olhando
atentamente os seios da moça perguntou–se se aqueles mamilos eram cor
de rosa ou cor de mel, do tipo que escurece quando lábios e língua os
tocam. Céus, pensou ele, aturdido, de onde saiu esse pensamento
indecente? Não estava ali apenas velando pela segurança da jovem ruiva?
Bem, pensando francamente, não era só isso... Aproximou–se mais ainda
de onde ela estava, descendo cuidadosamente a encosta, tentando vê–la
melhor. Não contava, porém, que seu animal pisasse em falso sobre um
cascalho, e soltasse um relincho aborrecido. O cavalo da dama, junto ao
rio, relinchou alto em resposta, assustando sua dona. Com o sobressalto,
ela perdeu o equilíbrio e caiu de costas na água.
Alastair estremeceu ao vê–la submergir, e cavalgou rapidamente
junto ao leito, apeando de seu garanhão e mergulhando imediatamente no
rio, sem tirar as roupas ou as botas. Logo encontrou a moça submersa, e a
puxou pelos compridos cabelos, forçando–a a levantar a cabeça. Deslizou
os dedos pelo corpo molhado, roçando os seios macios até prender–lhe a
cintura fina. Descobriu que era alto suficiente para ficar em pé dentro
d’água, e tentou conduzi–la até a margem.
Por alguns momentos Rebeca não conseguiu entender o que estava
acontecendo. Havia caído de mau jeito na água, mas sabia nadar e estava
já se recuperando quando sentiu um forte e doloroso puxão nos cabelos.
Assustou–se, pensando ter se prendido em algum pedregulho, e então
descobriu que havia alguém na água junto com ela. Ao perceber que a
estavam ajudando, parou de debater–se, e seu cabelo foi solto. Escorou–se
no par de braços fortes que a envolvia pela cintura. Finalmente pôs–se
também de pé, e notou que era bem menor que seu salvador, sua cabeça
abaixo do ombro masculino. Ergueu os olhos lentamente, e espantou–se ao
notar que era um desconhecido, mas encarou firmemente os espetaculares
olhos azuis que cravavam–se nela, enquanto ainda a retinha nos braços.
Os olhos verdes da moça, arregalados e fixos nos dele, e seu rosto
tão próximo, acabaram por desestabilizá–lo. Alastair pisou com as botas
de montaria em uma pedra cheia de limo e escorregou novamente para
dentro d’água, quase levando a dama junto. Levantou cuspindo água.
Descobriu–se em pé numa saliência do rio, uma espécie de vão,
que o deixara momentaneamente mais baixo do que a jovem. Seus olhos
ficaram na altura dos seios dela, o tecido molhado permitindo a visão de
mamilos não róseos ou cor de mel, mas sim castanho–avermelhados,
impressionantes. Nunca havia visto auréolas daquela cor! E o tamanho dos
peitos? Nem grandes demais, nem do tipo pequenino que some na mão de
um homem. Fantásticos, pensou ele, contendo–se para não tocá–los. Seu
pulmão encheu–se num suspiro de desejo, de forma inconsciente, mas que
saiu ruidosamente num gemido. Então levantou os olhos e viu que ela o
observava boquiaberta, sem saber se devia ajudá–lo a levantar–se ou tentar
afogá–lo de vez por sua petulância lasciva.
Alastair murmurou um pedido de desculpas e afastou–se para a
margem. Quando já estavam em terra firme, ele teve o cuidado de não
observá–la abaixo do pescoço, esforçando–se para não voltar a admirar
seus seios de forma tão indiscreta.
— Desculpe, senhora, temo que sua queda no rio foi por minha
causa. Machucou–se?
— Sou uma senhorita. Mas não me machuquei, obrigada. —
respondeu ela, um pouco rude, tentando cobrir os seios com as mãos.
Rebeca não reconheceu aquele sotaque, mas logo percebeu que o homem
que lhe falava era estrangeiro. Suas vestimentas também diferiam dos
trajes dos seus conterrâneos ingleses, e era definitivamente bem mais alto
e mais largo do que eles.
O escocês afastou–se um pouco constrangido, para seguir em
direção ao seu cavalo, mas então lhe ocorreu que deveria ajudá–la a se
recompor e montar em seu próprio animal. Ali, naquele momento, a moça
estava vulnerável demais, e perturbou–o que alguém pudesse fazer mal a
ela. Voltou para onde a jovem estava, a passos largos, fazendo–a tremer.
— Não precisa ter medo. — Tranquilizou–a, percebendo seu temor.
— Quero ajudá–la. Sugiro que ponha logo uma roupa seca e suba em seu
cavalo. Onde está seu vestido?
Ela apontou para o lado direito dele, assustada demais para
conseguir falar. Alastair curvou–se para pegar o vestido que estava sobre
uma pedra, e seus olhos pousaram no triângulo rubro de pêlos pubianos
entre as pernas da jovem, impossíveis de não serem notados através da
roupa íntima, agora transparente. Quanto tempo ficou abaixado naquela
posição, de olhos fixos e boca entreaberta? Tempo suficiente para que ela
notasse e tirasse as mãos que antes cobriam os seios para cobrir agora a
área genital. Então ele ergueu–se devagar com o vestido dela na mão, e
novamente voltou a admirar o belo par de seios, desprotegidos. A moça
voltou as mãos para cima, contorcendo–se para tentar cobrir-se, sem muito
sucesso.
Alastair não conseguia parar de contemplá–la, mesmo sabendo o
quanto a constrangia ao fazê–lo. Deu uma risada curta e nervosa,
entregando–lhe o vestido:
— Desculpe–me mais uma vez, mas é praticamente impossível não
a admirar... Diga, por que se arrisca a tomar banho em um rio no meio do
mato, sozinha? Não acha que pode ser perigoso? — Sua voz soou
levemente rouca pela excitação involuntária.
— Ninguém nunca antes havia aparecido aqui enquanto eu me
banhava e não costumo fazer muito isso. — Cobriu-se como pode com o
vestido úmido, enquanto apressava-se em responder-lhe. Aquele
desconhecido não precisava saber o quanto ela gostava de banhar–se
naquele rio, e que ia até aquele recanto sempre que podia, mesmo com as
advertências paternas. O local trazia–lhe paz de espírito. Até agora.
Ela sentia–se exposta ante aquele olhar firme e penetrante. Mas ao
mesmo tempo pressentira nele honradez. Sim, honradez, pois se quisesse
aproveitar–se, já o teria feito. Pelo tamanho dele era óbvio que sua força a
dominaria por completo. E talvez ela nem tentasse resistir-lhe... Oh,
senhor... Aterrorizou–se com o pensamento permissivo, mas desejava que
ele ao menos a tocasse mais uma vez, como fez dentro d’água. Mesmo na
temperatura fria do rio, as mãos dele passaram–lhe uma energia quente e
vital. Concentrou–se em não pensar mais em tais absurdos, e em manter–
se indiferente. Mas aquelas longas e espessas pestanas, as sobrancelhas
retas e perfeitas, o brilho de topázio de seu olhar... Tentou não deter–se nos
cabelos pingando sobre a túnica que se colava no corpo dele, delineando os
músculos poderosos do tórax e do abdome... Mordeu o lábio com força,
talvez a dor colocasse sua mente no lugar.
— Você costuma sair desse desfiladeiro?
Ela espantou–se quando ele falou com ela novamente.
— Não... Nunca saí...
— Olhe ali para cima, no alto do morro. — Apontou para o local
onde seu grupo havia passado.
— Eu e mais quatro amigos a vimos lá de cima. Há um caminho ali
para contornar o morro. Sabia disso? — Enquanto ele falava, aproximou–
se mais dela, sentindo–lhe o aroma agradável, de flores e plantas,
misturado com o cheiro do rio. Ela olhava para o alto e ele aproveitou para
examiná–la mais uma vez. Nunca vira fêmea mais bonita.
— Não... — Ela empalideceu, consciente de que vários homens já
poderiam tê–la visto seminua, sem perceber como ele estava
perigosamente perto.
— Não deve repetir a aventura, a menos que não se incomode de
ser assediada. Mas deduzo, pelo seu comportamento, que o assédio a
incomodaria muito...
— Senhor do céu... — Espantou–se com o comentário dele, feito
em tom baixo e sensual, e mais ainda, com sua proximidade. Podia sentir–
lhe a respiração, e o hálito morno e doce.
— Não adianta apavorar–se agora, moça. Esperarei que se vista e
monte em seu cavalo, não a deixarei sozinha assim. E repito que não
precisa temer... — e completou, olhando–a de forma maliciosa. — Nunca
fiz nada a uma mulher que ela não quisesse, ou ansiasse.
A moça, porém, não se movia. Finalmente murmurou:
— Não posso trocar–me com o senhor me olhando... Além disso,
não o conheço...
Como ela é linda, pensou ele, definitivamente encantado. Tão
ruiva, com algumas sardas a enfeitar–lhe o rosto claro e perfeito. E os
olhos verdes, enormes, com grandes cílios? Muito belos! Mas a boca era
um espetáculo à parte: carnuda e avermelhada, com a cor parecida ao tom
dos seus mamilos. Alastair queria beijar aquela boca! E também aqueles
seios. Desejava afundar–se dentro dela, mergulhar em suas curvas. Com
dificuldade afastou tais pensamentos. Uma noiva o esperava, embora
dificilmente fosse mais bonita do que aquela jovem à sua frente.
Esforçou–se para sorrir e ser cordial, embora a cortesia não fizesse muito
parte de sua natureza:
— Não me conhece porque não nos apresentamos ainda. Qual seu
nome?
Ela pestanejou. O sorriso dele era amplo, bonito, de dentes claros e
perfeitos. E os olhos azuis, límpidos, também pareciam sorrir, no rosto
ligeiramente bronzeado, emoldurado por cabelos escuros e compridos que
desciam até metade das costas. Era um homem imenso e lindo que a
fitava, e teve muito medo de si mesma por admirá–lo. Era uma moça
comprometida e parecia indigno de sua parte admirar outro homem que
não fosse seu prometido. Repreendeu a si mesma novamente. Gaguejou
seu nome:
— Rebeca. Rebeca Willkinson.
O sorriso dele se ampliou, e os olhos brilharam.
— Que fazes longe de casa? Não sabias que eu estava vindo para
buscar–lhe?
Rebeca piscou, e logo o temor a atingiu.
— O senhor é da corte? Diga ao príncipe que não saio daqui!
— Não sou um mensageiro do príncipe. Sou teu noivo, Alastair, do
clã MacConnollyn. — Observava–a ainda mais atentamente agora, e seu
sorriso diminuiu.
Ela tremeu, e gaguejou mais uma vez:
— Veio rápido, meu senhor!
— Não precisa me chamar de senhor. Não será uma escrava, e sim
uma esposa. Agora ponha esse vestido antes que se resfrie. — Seu tom de
voz havia mudado, ficado mais firme e sério.
Ela fez o que ele disse, colocando o vestido sobre a camisa
molhada, sentindo-se ressentida. Não era uma escrava, mas precisava
obedecer–lhe. Qual a diferença?
— Espere, Rebeca. Está colocando uma roupa seca sobre outra que
está molhada. Tire a camisola molhada.
Ela sacudiu a cabeça em negativa.
— Por que não tiras? — Ele perguntou, ficando já impaciente.
— Não podes me ver nua, ainda não somos casados.
Ele deu uma gargalhada.
— Minha querida, tenha dó! O que está usando já me deixou ver
mais do que o necessário. Pouco ficou para a imaginação.... Teus seios são
lindos, e teu triângulo embaixo, nem se fala! É mesmo deliciosamente
ruiva.
Rebeca abaixou a cabeça, constrangida e pálida. Apertou ainda
mais a roupa contra o peito. Ele deu um passo a frente e ergueu seu queixo
com cuidado:
— Me perdoe, minha noiva, fui muito rude — disse,
imediatamente arrependido, a voz tornando a suavizar.
Ela o encarou com olhos marejados de lágrimas, envergonhada.
Seu rosto estava rosado agora. Alastair não pode resistir a beijá–la.
Depositou seus lábios sobre os de Rebeca bem lentamente, a língua
buscando a dela. Descobriu, com uma ponta de prazer a mais, que a noiva
não sabia beijar daquele jeito. Forçou a boca com mais atrevimento. Logo
que suas línguas se encontraram o beijo ficou mais urgente, e ele enlaçou–
a pela cintura, colando seus corpos. Ela gemeu, extasiada, pensando que
deveria refrear aquela intimidade, mas sem forças para fazê–lo. O gemido
pareceu um convite tentador demais para ser desperdiçado pelo noivo.
Então as mãos de Alastair desceram às nádegas de Rebeca, erguendo–a
ligeiramente, forçando seu quadril contra o dele. Ela pode senti–lo rijo e
potente contra seu corpo, o tecido fino permitindo total liberdade de
sensações. Após alguns segundos de prazerosa intimidade o escocês
afastou–se dela, com dificuldade, deixando–a ainda mais trêmula.
Olharam-se com intensidade.
— Tire a camisa com calma, minha noivinha ruiva, ficarei de
costas para você e de olhos postos no alto do morro, garantindo que
ninguém a veja. Que tal assim?
— Eu agradeço... — Ela retirou a peça molhada rapidamente,
enfiando–se logo no vestido, dando as costas para ele, por via das dúvidas.
— Mas devo dizer–lhe, minha cara, que tenho intenção de casar–
me com você ainda hoje, e seguir viagem de volta. — Estava de costas
para ela, mas arriscou um olhar de soslaio, a tempo de ver suas nádegas
belas e róseas expostas. Sorriu, satisfeito com o que lhe aguardava mais
tarde. — Eu a verei nua em breve, pois serei logo teu esposo...
— Tudo ao mesmo tempo, tão rápido, meu lorde? — Assustou–se
ela. Nunca, em nenhum de seus sonhos, imaginaria que seu noivo, um
completo desconhecido das Highlands, surgiria assim à sua frente, tão
esplendoroso, encantador e... prepotente! Tentava resignar–se, pois a outra
opção que tinha no momento era ver–se humilhada como amante
involuntária de um príncipe já casado. Era melhor aceitar o marido
escolhido por seu pai e não complicar mais as coisas.
— Não me chame de meu lorde, e sim de Alastair. Posso virar–me?
— Sim, meu lorde... digo, Alastair.
Ele respirou fundo ao vê–la tão graciosa dentro do vestido cor–de–
rosa, e adorou o modo que a bela inglesinha pronunciou seu nome.
— Você é linda, Rebeca. Não me admira que o príncipe a tenha
cobiçado. E é por causa dele que temos pressa. Como se conheceram?
— Nos encontramos aqui perto, eu voltava para casa de um passeio
no campo. Ele estava sozinho em seu cavalo, perdido. Explicou que seu
animal havia se assustado com uma cobra e saído disparado,
embrenhando–se no campo. Ele disse que estava muito cansado e apeou do
cavalo. Como eu não sabia bem o que fazer, também apeei de minha
montaria e ficamos conversando. Trajava–se elegantemente, mas nada em
suas vestimentas denunciava que era um príncipe.
— Conversando com um desconhecido, sozinha, em um lugar
ermo... O que você fez? — indagou, com rispidez.
Rebeca encolheu–se ligeiramente diante da aspereza na voz de
Alastair.
— Nada... — ela baixou os olhos, ruborizada.
— Hum, está mentindo. O que você deixou que ele lhe fizesse? —
ele perguntou, rispidamente.
— Nada do que está pensando, meu noivo! Sou virgem! —
protestou ela.
Alastair sentiu-se aliviado. Mas insistiu, abrandando a voz
— Então o que foi? O que fez que o encorajasse e que agora
preocupa tanto a sua família?
Ela respirou fundo antes de responder, tensa:
— Ele beijou meus lábios. Foi rápido, não foi como teu beijo... Não
houve língua. Foi só um beijo roubado e inesperado.
Maldito! Alastair ficou consternado.
— Continue a falar.
— Dei um pulo pra trás, e seus guardas chegaram nesse instante.
Ele pareceu aborrecido com a intromissão, e enfim revelou sua verdadeira
identidade. Disse que era o príncipe e declarou sua admiração por mim.
Pedi–lhe perdão, e solicitei me afastar, pois era aguardada em casa. Ele
prontificou–se a me acompanhar, com sua guarda. Escoltaram–me até bem
perto do meu portão.
— Uma corte bem ostensiva, que visava mostrar a algum suposto
rival que estava reservada a ele.
— Não pensei isso na hora, mas meu pai julgou que sim.
— E o príncipe manteve que estava perdido?
— Sim.
— Ele tentou mais alguma coisa?
— Não. Mostrou–se cavalheiro.
— Ah! Muito cavalheiro...
Olhou–a aborrecido:
— Suba no teu cavalo.
Ela não gostou do tom de voz. Manteve–se imóvel.
— Não ouviu o que te disse, ruiva? Monta no teu cavalo agora e
vamos para sua casa.
— O único homem que manda em mim é meu pai.
— O que? — Ele estava agora, além de irritado, bastante surpreso
com a ousadia da resposta dela — Serei teu marido ainda hoje, e você terá
que me prestar obediência. Vá se acostumando já.
— Não. E gostaria de saber por que ficou tão irritado de repente.
Não tive culpa de o príncipe ter sido rápido e me beijado, eu não o
consenti.
— Banhou-se neste rio no dia que o conheceu?
— Eu... Não me lembro bem...
— Estou certo que te lembras, já que não faz tanto tempo que
aconteceu.
— Sim, banhei-me aqui. — Desalentada, confirmou, já
compreendendo seu erro.
— E ele e seus guardas estavam lá em cima do morro, olhando.
Para sua sorte, devem tê–la visto já se vestindo, mas foi o suficiente para
provocar a luxúria do nobre. Ele certamente mandou que os guardas
aguardassem o tempo suficiente para que deitasse com você na relva. Deve
ter ficado decepcionado ao descobrir que não era uma simples camponesa,
e sim uma moça de família. Então não tentou possuí–la rapidamente, pois
deve ter ficado temeroso que gritasse e atraísse a atenção de outros
colonos. Mas já estava tentando seduzi–la e pretendia sim passar dos
limites. Na verdade a chegada dos guardas dele é que salvou–lhe a honra.
— Oh! Então acha que o príncipe me convenceria a deitar com ele
aqui na relva? — Indignou-se — Acha que sou uma moça fácil?
— Não acho que seja fácil. Acho que é uma tola! Podia ter sido
violentada por ele, ou por qualquer outro. Ou por todos os membros da
guarda, se assim eles decidissem fazer!
Rebeca sabia o quanto Alastair estava certo.
Sabia, tanto quanto qualquer outra moça, que a luxúria masculina
não tinha limites, e que a segurança de uma donzela sozinha no campo
dependeria exclusivamente do caráter do homem que a encontrasse. Havia
escutado muitos relatos assustadores sobre abuso e estupro, mas não
queria dar razão ao noivo arrogante. Empinou o nariz, e respondeu:
— Por você, inclusive.
— Como disse?
— Estou certa que não é surdo — ela replicou, um pouco temerosa.
Mas continuou. — Qual foi a sua intenção ao aproximar–se de mim ainda
há pouco? Não sabia que eu era sua noiva. Pensava que eu fosse uma
criadinha qualquer que se entregaria alegremente? Teve intenção de trair
sua futura esposa!
— Não seja ladina. Não venha inverter a situação. Estive
preocupado com sua segurança dentro desse rio — retrucou, áspero.
— Ah, invente outra!
Alastair arqueou as sobrancelhas. Mocinha petulante essa!
Encarou–a, sério:
— É verdade. Minha primeira noiva morreu afogada num rio
semelhante a esse. — Já não havia raiva na voz.
— Deus! — Ela cobriu a boca com uma das mãos — Me desculpe,
Alastair...
A irritação dele havia esmorecido. Percebeu–se levemente cansado.
Os últimos momentos foram intensos. Encantara–se com aquela dama no
rio, sentira–se confuso diante dela, e em seguida descobrira que aquela
seria sua mulher. Enquanto felicitava–se com o fato, sentia–se ao mesmo
tempo perturbado. Não teve domínio sobre si mesmo, e nem sobre a
situação. Quase perdera–se no olhar daquela sereia de cabelo vermelho.
Não lhe agradava descontrolar–se, mesmo que fosse apenas sua fome de
sexo falando mais alto.
— Esqueça. Por favor, suba em seu cavalo. Vou ajudá–la. — Ao
abaixar–se para dar–lhe apoio, encarou seus lábios novamente. Ela passou
a língua sobre eles, umedecendo–os. Desejos eróticos passaram
imediatamente pela cabeça de Alastair. Beijou–a avidamente, esquecendo
tudo o mais.
Findo o beijo, Alastair sentiu-se confuso. Deu um passo atrás,
procurando controlar seus pensamentos e a ereção crescente. Mas logo
voltou para junto da noiva, segurando-a pela cintura e de uma só vez
colocando-a sobre o cavalo.
— Vamos logo!
Tão abalada quanto o escocês, Rebeca agarrou-se às rédeas de sua
montaria, mas então lembrou-se de comentar:
— Está com os trajes encharcados.
— Não se preocupe comigo, trouxe roupas extras e trocarei na sua
casa, não planejava mesmo casar–me usando roupas empoeiradas pela
viagem. Usarei um traje limpo na cerimônia.
Rebeca procurou manter o tom ameno da conversa.
— Também usarei um traje especial para o casamento. Mas não
consegui bordar meu enxoval a tempo...
— Talvez se não perdesse tanto tempo no rio, pudesse tê–lo
concluído no prazo devido.
Ela mordeu o lábio, aborrecida com o comentário dele. Colocaram
os cavalos para trotar devagar. Alastair manteve–se silencioso. De repente
ocorreu–lhe algumas ideias.
— Tem irmãs, Rebeca?
— Tenho uma, alguns anos mais nova. Também tenho dois irmãos
mais jovens.
Os meninos não preocupavam a Alastair. Mas a menina...
— Ela não está em idade de casar, pois não?
— Ainda não.
— Mas não é uma criança pequena, é?
— Não... Alice já está ficando moça.
— E já está prometida a alguém?
Rebeca sacudiu a cabeça.
— Não. Aonde quer chegar com estas perguntas?
— No óbvio. Ela é como tu?
— Como assim?
Alastair deu um suspiro impaciente.
— Digo fisicamente, Rebeca.
— Somos parecidas, sim. Como eu é ruiva, e tem olhos verdes.
— Em breve também desejável. Em breve também tomando banho
nua no rio, e a história se repetirá com ela.
— Eu não estava nua! — respondeu, com dentes cerrados.
Ele a olhou severamente.
— Basta que me retruques! Admita que cometeu um erro. Não tem
uma tina de banho em casa? — vociferou.
— Ora, tenho sim!
— Então por que te exibes? Porque atrai desgraça para sua casa?
A voz de Alastair já era naturalmente potente, mas quando se
alterava...
Ribombava tal qual um trovão.
Rebeca, atordoada e assustada, sentiu as lágrimas chegarem aos
olhos.
— Oh, você é detestável! — gritou, antes de pôr seu cavalo em
disparada.
Alastair não teve muito tempo para pensar ao ver a futura esposa
fugir a galope. Lançou–se atrás dela, seu rápido corcel negro logo
emparelhando com o de Rebeca. Debruçou–se para agarrar–lhe as rédeas.
Assim que dominou o animal, Alastair olhou enraivecido para a noiva,
controlando a fúria e o medo que sentira ao vê–la em desabalada e
perigosa carreira:
— Não faça mais isso! Se cair do cavalo, quebra seu pescoço,
menina mimada! — Estava surpreso com a impetuosidade dela, mas não
conseguiu refrear uma ponta de admiração por sua habilidade como
amazona. Manteve as rédeas do garanhão de Rebeca, garantindo que
ficasse bem perto, e ao curvar–se por um momento seu rosto enredou–se
nos cabelos úmidos da noiva, que sacudiam soltos ao vento. Aspirou o
odor de rosas, inebriante. Lá estava novamente o inquietante desejo por ela
a consumi–lo. Acalmou–se, controlando o turbilhão de emoções.
Pelo visto a ruiva impetuosa com quem iria casar-se já o estava
enlouquecendo, confundindo-lhe a mente e destemperando ainda mais seu
gênio já difícil.
Seu casamento seria uma árdua batalha a travar.
¹ Alastair é filho de um conde escocês, pertencente à corte de um rei também escocês.
Ele é denominado “lorde”, segundo precedentes encontrados em fontes de pesquisa sobre a
nobreza do período, como por exemplo lorde Walter Comyn, lorde antes mesmo que seu pai
falecesse, e posteriormente conde. Figura-chave no reinado de Alexandre III, principalmente
quando o monarca assumiu o trono, com apenas 7 anos de idade.
² O rei podia conceder títulos, independente de hereditariedade.
³ Alexandre III, da Escócia, tornou-se rei em 1249, aos sete anos de idade. Mais tarde
casou-se com Margarida Plantageneta, filha do rei Henrique III da Inglaterra. Foi considerado
um bom soberano, que manteve a paz e a prosperidade até o dia de sua morte, aos 44 anos.
Com seus herdeiros diretos já falecidos, o país passou a ser liderado pelo rei Eduardo, seu
cunhado, que inaugurou para a Escócia um período sombrio, cheio de atribulações, lutas e
sofrimento.
Avistaram a casa dos Wilkinson, uma grande construção de pedras
e madeira. Percebeu que apesar de não ser nobre, sua família tinha posses,
mesmo antes de receber a herança que seria negociada com os escoceses.
— Vou conversar com seu pai assim que chegarmos à tua casa, e
garantir compromisso entre sua irmã e meu primo Gavin, que é o mais
jovem solteiro do grupo que me acompanha e poderá esperá–la
tranquilamente. Tenho certeza que ele gostará dela, visto a forma que
admirou você! E se são mesmo parecidas poderemos fechar logo o
acordo...
— Fechar acordo? As mulheres não são mercadoria para
negociação! Muito menos minha irmã!
— Discordo, minha querida — Alastair respondeu–lhe,
brandamente. — Tudo na vida têm um preço. Você vale muito, e estou
certo que sua irmãzinha também valerá. Vosso pai não vai querer arriscar–
se com ela também, nem perder tempo aguardando que ela seja assediada
para só então arranjar–lhe um noivo que a salve às pressas. Vou garantir
que também a honra de minha cunhada seja preservada para seu
casamento. Providenciarei que aguarde em um convento até o momento
certo para casar–se.
Mesmo que Alastair adotasse agora um tom de voz tranquilo, a
possibilidade de sua irmãzinha, tão alegre e sempre tão pronta a correr e
brincar pelos campos ingleses, perder sua liberdade subitamente, alarmou
Rebeca. Alice era pouco mais que uma criança ainda!
— Senhor, não aprisione minha irmã!
— Não sou eu que estou fazendo isso. Você quem faz. E não me
olhe como se fosse um monstro, apenas estou garantindo proteção à vossa
irmã, assim como lhe protegerei. Desde quando um convento é a mesma
coisa que uma prisão?
— Mas aqui ela tem liberdade...
— Por que não deixa então que Gavin e vosso pai decidam isso?
Serei generoso em consideração a você, e permitirei que ela seja
confrontada quanto ao assunto. Vamos ver o que os três pensam a esse
respeito.
Ela controlou as lágrimas, irritada demais para chorar.
Alastair a observou. Não pretendia que ela chegasse à casa de seus
pais com semblante tão infeliz. Procurou animá–la:
— Gavin é considerado o moço mais bonito do nosso clã. É bem
educado, de bom gênio e de bom coração. Também têm boa situação
financeira, e poderão viver confortavelmente onde quiserem. Estou certo
que sua irmã gostará dele assim que o vir, e farão um ótimo casamento no
futuro.
Rebeca apenas o ouviu, calada. Pelo menos sua irmã teria
oportunidade de conhecer seu noivo algum tempo antes de casar–se.
Diferente dela, que foi apanhada, devido às circunstâncias, em um
casamento súbito. Por sorte não era com nenhum homem asqueroso, pelo
contrário, era o homem mais bonito que já vira.
Chegaram à porta da grande casa, e apearam de seus cavalos.
Rebeca espantou–se ao ver quatro homens grandalhões e bem-apessoados,
rodeando seu pai, junto ao muro da entrada. Os companheiros de Alastair,
certamente, pensou ela, observando seus trajes e cabelos longos. Os
homens eram mais altos que o patriarca dos Willkinsons. Seu noivo
tomou–lhe a mão, puxando–a para cumprimentar os homens. Os escoceses
estavam surpresos ao ver Alastair trazendo a moça que banhava–se no rio
ainda há pouco, mas não fizeram comentários sobre o fato, apenas
curvaram as cabeças levemente, enquanto a jovem fazia o mesmo.
— Ah, Alastair, bem vindo! Vejo que já encontraste minha filha. Já
disse a ela que deve parar de andar por aí sozinha, mas não gosta muito de
obedecer... — replicou o senhor Richard, amigavelmente.
— Oh, não gosta de obedecer? — O noivo a olhou
significativamente, após saudar o velho amigo de seu pai.
O sogro percebeu que seu comentário não soara bem, e tentou
consertar:
— Mas obedecerá ao marido, não é mesmo, filha?
— Certamente, papai.
— Meu sogro, estou com as roupas úmidas, onde posso trocar–
me?
— Como molhou–se? — perguntou Blaine, provocativo, os olhos
cinza apertados.
Alastair lançou–lhe um olhar severo de
advertência.
— Houve um pequeno acidente...
— E a dama também se acidentou? — provocou, falando em voz
baixa para o lorde.
— Venha comigo, meu filho — chamou o dono da casa, sem notar
a provocação de Blaine.
— Gostaria de falar com você, Gavin. Acompanhe–nos — pediu
Alastair.
Gavin seguiu os dois homens mais velhos para dentro da casa. Os
outros cavaleiros voltaram–se para Rebeca, curiosos.
A jovem não sabia o que dizer diante daqueles olhares
interrogativos, e sentia–se desconfortável. Apontou uma grande mesa de
madeira que ficava mais aos fundos da casa, na sombra.
— Gostariam de sentar um pouco? Estou certa que minha mãe já
está lhes providenciando uma refeição. Aceitariam um pouco de hidromel
enquanto esperam? Ou talvez vinho seja melhor?
Os três homens concordaram alegremente ao ouvirem–na falar do
vinho, e dirigiram–se à mesa indicada.
Rebeca correu para dentro de casa, procurando sua irmã. Ela estava
parada junto a Alastair, Gavin e seu pai, fazendo um sinal afirmativo com
a cabeça. O escocês loiro sorria–lhe largamente. Parecia–se muito com
Alastair, no físico e no porte, e o mesmo ar de homem confiável. Tinham
até os mesmos olhos, embora os de Gavin sorrissem mais, talvez pelo fato
de ser mais jovem. Rebeca esperou até que Alice se afastasse do grupo, e
puxou–lhe pelo braço:
— Me perdoe por isso, Alice, é minha culpa...
— Do que está falando? — perguntou a linda jovenzinha.
— Sei que não planejava comprometer–se assim tão cedo...
— Está brincando? Viste meu noivo? — Ela indicou, enquanto
Gavin se afastava, ainda sorrindo na direção de Alice — Ele é lindo! Juro
que nunca vi moço mais belo! Acho que já estou apaixonada! Vamos
esperar até que eu tenha idade adequada para casar. Dois anos, ou um,
talvez? Mal posso esperar! Devo agradecer–lhe, minha irmã! — Seus
olhos brilhavam de emoção.
Rebeca não esperava tal reação. Via a irmãzinha como uma
menina... Pigarreou, ainda desconcertada:
— Mas... Sabe que terá que esperar em um convento... Não sabe?
Alice suspirou, e concordou, balançando a cabeça.
— Sim. Mas não serei a primeira a passar por isto... Kisrstie e
Tamsin também foram, recorda-se?
Rebeca concordou. Kisrtie e Tamsin eram velhas amigas, vizinhas
dos Wilkinson, que ficaram órfãs cerca de dois anos antes. Seu tutor achou
por bem deixá-las num convento até garantir-lhes bons casamentos. Então
tutor e noivos foram buscá-las na primavera passada, retirando-as do
claustro e levando-as para a antiga morada da família, onde foi
providenciada a cerimônia de casamento das irmãs. Houvera uma grande
festa em comemoração ao casório duplo.
— Assim como Kirstie vou aprimorar minha leitura durante a
estadia no convento e como Tamsin, farei parte do coral! E ainda bordarei
meu enxoval nesse meio tempo.
Rebeca assentiu. Alice havia aprendido a ler com o pai, assim
como ela, mas não tinha acesso a muitos livros... Talvez, se fosse para o
mesmo convento que as amigas, onde a madre superiora era famosa por
seu cuidado e generosidade com as jovens, também tivesse a chance que
Kirstie recebera... podendo usufruir de mais ensinamentos e de mais
livros.
Alice sorria abertamente, já sonhando com as maravilhas que seu
futuro lhe traria. Se as amigas puderam ser felizes durante o tempo em que
viveram com as freiras, ela também seria.
— E acho que no convento trabalharei menos do que aqui em casa,
Rebeca. — Pegou as mãos da irmã entre as suas. — Seremos felizes! Eu e
você!
Rebeca sentiu–se subitamente mais alegre, contagiada pelo
otimismo da irmã. Seria bom que ela estivesse certa, que toda aquela
mudança ocorrendo a volta de sua família fosse para melhor.
Alice continuou tagarelando, alheia às preocupações da irmã mais
velha:
— Teu noivo também é tão bonito, são parecidos demais os primos,
não acha? Pensando bem, não sei qual é mais formoso... Na verdade todo o
grupo é extremamente encantador, eu os cumprimentei quando chegaram,
depois fiquei os observando pela janela. E o que parece ser o mais velho
deles, viu como é altivo, e parece poderoso? Aquele olhar é tão profundo...
senti–me até nervosa! São muito impressionantes estes homens! Tão
diferentes dos nossos vizinhos...
Rebeca concordou com a cabeça. De longe já sentiu–se intimidada
pela forte masculinidade emanada do grupo de guerreiros. Sim, eles eram
guerreiros, todos, seus corpos largos e musculosos não deixavam dúvidas,
e seu modo de encarar as damas, com o olhar um tanto selvagem e
impertinente, também denunciava sua natureza. Diferentes dos homens da
sua região, a maioria deles atarracados, e de olhar tímido. Os escoceses
eram mais altos e tinham postura naturalmente ereta e viril. Buscou–lhes
uma jarra de vinho, e alguns copos. Gavin já estava sentado com eles:
— Rebeca, deixe–me apresentar–me, e ao grupo. Sou Gavin, primo
em primeiro grau de vosso noivo e seu parente em breve. E além disso,
acabo de me comprometer com sua irmã Alice. — Ela pôde observá–lo
mais de perto. De fato era belo. Com seus cabelos loiros e olhos azuis
parecia ter saído da corte francesa, ou direto de um navio viking, não de
uma região montanhosa e remota da Escócia.
Os homens na mesa soltaram gritos empolgados, servindo–se do
vinho e erguendo seus copos em um brinde animado ao anúncio do
noivado. Alastair aproximou–se do grupo, já de roupa trocada, a tempo de
também gritar um Sláinte!
— Felicidades, em gaélico — cochichou para ela, bem próximo ao
seu ouvido, levantando uma mecha de seus cabelos para que seus lábios
quase roçassem seu lóbulo ao falar–lhe, fazendo–a corar timidamente. —
Também seria o mesmo que dizer “saúde” ou “viva”.
— E esses são outros membros do clã Connollyn: Blaine, Ian e
Derek, o chefe da guarda. — Cada um deles se levantou, fazendo–lhe uma
reverência. Ela saudou um a um em resposta, observando–lhes as
características distintas e decorando seus nomes.
Alastair pôs a mão na cintura de sua noiva, e trouxe–a mais para
perto dele. Rebeca não pôde deixar de notar que a túnica clara e limpa do
escocês o havia deixado ainda mais vistoso. Usava braceletes de ouro e de
couro enfeitando os braços, e o cabelo agora ostentava duas tranças finas
que se encontravam unidas por uma faixa junto a base do pescoço,
prendendo o restante das madeixas, deixando o rosto mais evidente ainda.
Esqueceu instantaneamente a raiva que havia sentido antes. Seu noivo era
lindo e havia se enfeitado para ela!
— Viu, minha bela noivinha? Tudo ficou a contento de vossa irmã,
vosso pai e meu primo, todos adoraram a minha ideia. — Ele lhe deu um
belo sorriso.
Ela não pôde resistir a sorrir também, o coração disparado pela
proximidade masculina.
— Minha irmã ficou mesmo muito feliz.
— Ela não é tão bela como tu, Rebeca, mas são mesmo bem
semelhantes e garanto–lhe que Gavin ficou bastante empolgado... Ela já
tem corpo, apesar da pouca idade, e em pouco tempo ficará desejável para
os nobres ingleses que vem caçar ou descansar nesses campos... Percebe o
perigo que ela corre se continuar solteira?
— Você tem razão. Não se sente intimidado de pôr–se no caminho
do príncipe inglês dessa forma?
— Acha que poderia haver alguma represaria por me casar com
você e proteger Alice antecipadamente?
— Bem, ele é o herdeiro...
— O herdeiro? O príncipe que a cobiçou é o mais velho, Eduardo, o
futuro rei da Inglaterra?
— Sim. Ninguém o havia dito?
Alastair estava com as sobrancelhas erguidas, surpreendido.
— Ninguém me disse que era o Pernas Longas, pensei que fosse
Edmundo. Nem sabia que o herdeiro costumava andar por essas paragens,
pensei que havia voltado a se envolver nas batalhas inglesas.
— Espero que ele não volte mais aqui, e encante–se logo por
alguma outra mulher, talvez da corte.
— É o que acontecerá, não se preocupe. Ele não vai perder tempo
conosco. Por via das dúvidas, no entanto, rezemos para que o rei Henrique
tenha uma vida muito, muito longa e seu filho fique muito, muito
ocupado dirigindo suas batalhas!
— Que sua devoção a São Eduardo o sustente e o mantenha!
— Que assim seja! Amém, e amém.
Soltaram uma risada prazerosa. Os homens à mesa observaram
aquele sinal de intimidade e gritaram novamente, erguendo seus copos em
novo brinde:
— Viva os noivos!!!
A mãe de Rebeca surgiu à porta com uma grande travessa de
comida nesse instante, sorrindo contagiada pela alegria dos escoceses. Era
uma senhora ainda bonita, de cabelos também ruivos. Atrás dela vinham
os dois filhos gêmeos, John e Roy, trazendo outras travessas com
alimentos. Eram pouco mais jovens que Rebeca, de cabelos vermelhos
curtos e olhar inteligente. Estavam, como seus pais, alegres e aliviados
com a chegada de Alastair e sua comitiva, e sentiam–se honrados deles
mesmos servirem os convidados. O pai das moças sentou–se com os
outros homens:
— O sacerdote chegará a qualquer momento, Alastair. E também
mandei avisarem aos vizinhos que venham assistir a cerimônia. Agora
sente–se conosco para comer alguma coisa, devem estar famintos com a
viagem.
Alastair encarou sua noiva, os olhos azuis penetrantes:
— Ah, estou faminto, sim...
Rebeca sentiu–se ruborizar e arregalou os olhos ao constatar a
insinuação feita ousadamente na frente de todos. Ele sorriu, satisfeito com
o poder devastador que suas meras palavras exerceram sobre a jovem.
Nem um pouco intimidado pela presença de familiares e amigos, flertava
descaradamente. Inclinou a cabeça para ela antes de dar–lhe as costas:
— Com licença, minha noiva, mas seu pai me chama.
Rebeca afastou–se, nervosa com a proximidade de sua noite de
núpcias, admirando de relance o traseiro firme do seu noivo. Se a voz e o
olhar dele já pareciam lascivos quando estavam rodeados de pessoas,
imagine ao ficarem a sós... Como seria? Ao mesmo tempo em que a ideia
a animava, a assustava. Pois uma amiga havia contado que havia sido
muito doloroso, e ela sentiu–se mal por dias! Outra contou que o marido
tinha hábitos “diferentes”, e fez uso desses hábitos sem dó ou piedade,
seguidamente. A pobre ficou uma semana sem conseguir se sentar! E sua
própria mãe e seu pai produziam sons bizarros à noite, trancados no
quarto. A jovem suspirou, tentando não pensar tanto no assunto. Ficou
observando uma criada pendurar suas roupas íntimas molhadas pelas
águas do rio, e também as de seus noivo. Ele era tão alto e forte... Como
ele seria sem todas as roupas? Sentira–o apertar–se contra seu quadril
mais cedo, forçando uma parte dura de sua anatomia como se quisesse
enterrar–se no centro de suas coxas. Ela se agradara da sensação. Desejou
mais daquilo... Desejou que ele lhe repetisse a impressão sem que os
tecidos os atrapalhassem... Ruborizou só de pensar... Ouvira dizer uma vez
na igreja que era pecado ficar nua na frente do marido, sentir prazer na
procriação, entre outras coisas. Lembrava que sua mãe estava sentada ao
seu lado naquele dia e havia feito um muxoxo quando ouviu isso da boca
do velho sacerdote. Assim que saíram da missa, sua mãe falou para ela:
— Filha, nada que é feito com amor pode ser considerado pecado.
Quando for casada, deve desfrutar de seu marido tanto quanto ele desfruta
de você. Esse ensinamento me foi passado de minha mãe e agora eu lhe
passo. Eu e teu pai não te entregaremos para um marido que não pareça
bom, então não tenha medo de sua noite de núpcias, não importa o que os
padres falem. Se ficar muito nervosa, então poderá ser ruim... E se teu
marido quiser ver–lhe nua, não o negue.
Sua mãe nunca mais havia tocado no assunto, de modo que tudo
ainda era um grande mistério. Mas tinha a impressão que os homens
realmente adoravam a coisa. Por que as mulheres não? Bem, a sua mãe
parecia gostar, o que era um bom sinal. Não era?
***
O sacerdote chegou um bom tempo depois, e os vizinhos
começaram também a chegar. Era recém ordenado, e sentou–se
tranquilamente entre os escoceses e convidados para conversar,
aproveitando para apresentar–se como novo pároco da região. O emissário
dos Connollyn já havia partido de volta à fortaleza, com notícias
tranquilizadoras para o conde Duncan. Tudo parecia correr a contento.
A mãe de Rebeca a chamou para trocar–se:
— Está na hora de preparar–se, filha. Seu vestido novo está sobre
sua cama, e quero ter o prazer de ajudá–la a colocá–lo! Venha!
***
Alastair sentia a ansiedade crescer dentro dele, enquanto observava
a alegria contagiante a sua volta. Pensava na consumação de seu
casamento. Havia feito toda a viagem pensando em sexo rápido, somente
para garantir–se que sua prometida havia realmente se mantido imaculada
e resistido às investidas do príncipe inglês. Agora que entendia a história
melhor, e percebido como o contato entre ela e o nobre havia sido fugaz,
estava certo de sua pureza, e seus planos haviam mudado. Portanto
pretendia desfrutar de sua noite de núpcias com tranquilidade,
proporcionando à sua esposa uma perda de virgindade de forma agradável
na medida do possível. Isso significava que esperaria até chegarem à
Escócia, para somente em seu leito de casal consumar o matrimônio. Além
do mais, nunca havia estado antes com uma virgem. Já havia se deitado
com muitas mulheres, nenhuma delas casta. Como seria? Passou a língua
sobre o lábio inferior bem devagar, deliciando–se com a perspectiva de ter
uma moça tão linda em sua cama, sempre que quisesse. Se alguém o
flagrasse nesse momento, associaria imediatamente sua imagem à de um
lobo admirando uma apetitosa ovelhinha.
***
O padre estava dando as bênçãos finais ao casal:
— Agora dêem as mãos, e com as mãos, os vossos corações.
Noivo, pode beijar a noiva.
Alastair beijava Rebeca quando um criado dos Wilkinson chegou
afobado junto ao dono da casa.
Mesmo enquanto a beijava pôde pressentir a tensão se instalando
entre os convidados. Seu treinamento como guerreiro não falhava, assim
como o de seus companheiros, que em poucos segundos já estavam com
suas mãos sobre as espadas, mesmo sem saber o que estava se passando a
volta.
Os homens e a mãe da noiva formaram um grupo ao fim da
cerimônia para ouvirem as notícias que estavam chegando através do
criado:
— É o príncipe Eduardo. Ele foi visto com seus homens pelas
cercanias. Penso que ele já soube do casamento e está vindo para cá!
— O casamento já aconteceu e ele não pode fazer mais nada para
impedir isso, eu sou a autoridade eclesiástica daqui. O príncipe terá que
aceitar o fato. — Tranquilizou–os o sacerdote, amavelmente.
— Todos sabem dessa história, senhor Willkinson? — Alastair
virou-se para o sogro, irritado, ao perceber que até o sacerdote sabia do
interesse de Eduardo em Rebeca.
— Temo que meus criados não saibam manter suas bocas fechadas.
Perdoe–me — respondeu ele, olhando de forma zangada para o criado ao
seu lado.
— Ele não pôde impedir o casamento, pai, mas e se exigir o direito
à primazia com a noiva? — perguntou um dos irmãos ruivos, John.
— Isto não existe, é uma lenda... — O sacerdote garantiu.
O pai de Rebeca não sentiu-se apaziguado com a afirmação:
— Padre, o senhor entende de Deus... mas dos homens, não. Não
confio em quem tem tanto poder, e tantos soldados, perante uma família
sem títulos, moradora de uma aldeia pacata.
— Ele não se atreveria a tentar algo! Somos escoceses, e não
devemos nada a um príncipe inglês — bradou Derek.
— Mas Rebeca é inglesa — John retorquiu.
— Eduardo nem é o rei! — reclamou Ian.
— Mas se ele apresentar o anel real, então representará o
monarca... Sua palavra será a lei. — Suspirou o senhor Richard
Willkinson.
— Ele não é um senhor feudal, nós não somos seus vassalos e esse
direito nunca foi exigido aqui! — Emily, a mãe da noiva reclamou.
— Mas o rei é senhor das terras inglesas, acima de nós. Sejamos
realistas. Se o príncipe vier com a guarda real armada, não teremos
escolha a não ser fazer o que nos for exigido, negarmos suas ordens
significará a morte, ou o resto da vida nas masmorras... — lamentou o
pai.
— O que estão falando? — perguntou Rebeca, aproximando-se do
grupo que confabulava.
O pai foi franco com a filha:
— Tememos que o príncipe possa estar vindo exigir você após seu
casamento, alegando primazia sobre o noivo, por ser o soberano dessa
terra. Em alguns lugares da Europa essa é uma prática exercida pelos
poderosos junto aos plebeus.
O pároco bufou:
— Não é uma prática exercida! É um boato!
— Mas e se for real? Nem posso crer que depois de tanto esforço
esse Eduardo conseguirá pôr as suas mãos em minha filha!
— Não são só as mãos que ele quer botar nela, Richard! —
esbravejou a senhora Emily, e os companheiros de Alastair controlaram–se
para não rir.
Alastair até então estava apenas ouvindo. Não estava disposto a
tolerar qualquer ação contra sua mulher.
— Eu não sou um plebeu, e Rebeca, como minha esposa agora,
também não é. Não permitirei tal coisa!
— Certamente que a igreja não apoia esse abuso! Se o príncipe
exigir tal coisa, eu o repreenderei! E o excomungarei!— replicou o padre.
— Por que todos acham que o príncipe passaria dos limites dessa
forma, se não é prática corrente? — indagou Gavin.
— Primo, é certo que ele poderia tentar. Eduardo viu Rebeca
banhando–se no rio — disse secamente o noivo. Todos se voltaram
novamente para ela, que imediatamente sentiu–se ruborizar.
Depois de alguns segundos de silêncio pensativo, todos os homens
concordaram com a cabeça. Até o padre.
— Sendo assim, está explicado. É isso mesmo que ele vai tentar
fazer — constatou Derek.
— Ah, é claro que ele pelo menos vai tentar valer–se de sua
posição nesse caso — concordou Ian.
— Certamente ele não perderá a oportunidade de usufruir... desse
benefício — completou Gavin.
— Sim, essa vai ser a grande chance, e talvez a única, de conseguir
algo com Rebeca — retrucou Blaine.
Alastair encarou aos homens que falavam tão naturalmente sobre a
possibilidade de Rebeca ser obrigada a render–se a outro homem antes de
deitar–se com o próprio marido. Sentiu algo raivoso fervilhar em suas
entranhas. Seu coração disparou e pareceu querer pular fora do peito.
— Ei, é minha esposa! — reclamou Alastair — Contenham–se em
seus comentários, parece que dão razão à esse absurdo!
Seus companheiros murmuraram pedidos de desculpas.
— Se alguém aqui imagina que permitirei ao Eduardo tomar minha
esposa, mesmo que seja apenas uma vez, está muito enganado!
— Também não permitiremos — afirmou Derek, aprumando–se.
— Conte conosco, primo. Antes degolamos o bastardo!
Os escoceses urraram, erguendo as espadas e incitando–se
mutuamente à luta. Os ingleses se assustaram com o movimento e a
gritaria súbita.
— Deus do céu, ele é o príncipe da Inglaterra! Não podem pensar
em duelar com ele! Vem cercado por guerreiros! — gemeu um amigo de
Richard.
— Se ele pensar em desonrar ao nosso clã, irá conhecer nossas
espadas! — bradou Ian.
— São apenas suposições! — Emily chamou–os à razão.
— Ele pode não ser tão mau... Pode estar só passeando... — O
padre tentou apaziguar.
— Talvez sim, talvez não. Ele não é considerado um homem muito
piedoso... Estou preocupado com o que o príncipe pode realmente
pretender... — replicou o senhor Willkinson.
— Devemos estar preparados.
— Mas não podemos sequer pensar em um confronto. Nós
seríamos mortos, e as mulheres presentes seriam violadas por todos da
guarda do príncipe, como aviso à nossa impertinência. Rebeca, Alice,
minha esposa, e inclusive as nossas convidadas!
— Sim, está certo — Alastair estava ciente de sua desvantagem
numérica perante o pequeno exército armado que certamente
acompanharia Eduardo.
— Talvez seja o caso de partirmos já — sugeriu Blaine.
— Serão pegos no caminho, talvez seja pior.
— Haverá uma forma de evitar um atrito com o príncipe, estou
certo — garantiu o padre, pensativo — precisamos pensar com calma
numa estratégia preventiva ou apaziguadora.
— Há um modo muito simples... — Derek encarou Alastair.
Rebeca apertou de novo a mão de seu noivo. Alastair a encarou,
preocupado.
— Alastair, meu esposo, se for isso mesmo que Eduardo vem
buscar... por favor, não deixe... Eu não quero pertencer a esse príncipe, não
quero essa desonra... não... não sobreviverei com isso.
Rebeca estava muito amedrontada, e seus olhos suplicavam ao
marido por sua proteção. O peito de Alastair se encheu ainda mais. Jamais
permitiria que alguém fizesse mal à sua esposa. Jamais.
— Não se preocupe, minha querida, não deixarei.
Derek deu uma tossidela, e prosseguiu, unindo as mãos e indicando
o casal:
— Se o que Eduardo quer é a primeira vez com a noiva, então basta
que você, Alastair... bem... que você... e sua esposa... vocês dois... hum...
juntos...
Um “OH” compreensivo foi murmurado pelo grupo reunido. Todos
os olhares fixaram–se novamente em Rebeca. Ela não parecera
compreender o que Derek havia sugerido.
Alastair segurou as duas mãos da esposa e beijou–as
carinhosamente.
— Minha querida... entenda que só há uma forma de garantirmos
sua segurança sem que eu precise desafiar o príncipe para um duelo. Nós
vamos consumar o casamento agora, antes que o Eduardo e seus guardas
cheguem, só por prevenção. — Ele tentou falar de forma a apaziguá-la,
mas não sabia se havia realmente conseguido.
O grupo silenciou, prestando atenção à conversa dos noivos.
Richard Willkinson deu um passo à frente.
— Entrem. Usem o quarto de Rebeca. Será melhor assim.
Alastair aquiesceu. Antes de entrar, lembrou–se de algo
importante:
— Por via das dúvidas devem mandar que Alice fique escondida
dentro de casa. Quando formos embora, mais tarde, a deixaremos no
convento de onde o padre foi trazido. Não quero que ela seja atingida por
alguma faísca da fúria do príncipe.
— Está bem, meu genro.
— Imagina então que o príncipe reagirá mal, cunhado — replicou
Roy.
Alastair deu de ombros, como se fosse uma banalidade.
— É que eu e o príncipe já nos conhecemos. E ele me detesta. —
respondeu Alastair, com simplicidade.
— Céus! — O pai da moça estava mais apavorado ainda. — Por
que não me disse isso logo?
— Eu não sabia que se tratava justamente de Eduardo. Só soube
desse detalhe há pouco, mas achei interessante... — respondeu com ar
travesso, se dirigindo para dentro da casa, e empurrando sua consorte
delicadamente.
— Ele diverte–se com a ideia de provocar um inglês — explicou
Derek, também achando graça da situação.
— Oh... Minha Nossa... — murmurou Roy.
— Tudo dará certo. Meu primo sempre foi muito eficiente em tudo
que faz, e será rápido com a consumação. E as mulheres gostam muito
dele. — Gavin procurou acalmar o futuro cunhado.
Rebeca ouvia os escoceses falarem como se tudo fosse muito
simples, e como se ela fosse apenas um objeto inanimado na disputa
masculina. E ainda percebeu a insinuação no tom de Gavin que seu marido
era um sedutor.
— Estou ouvindo tropel de cavalos! — exclamou Derek — Entrem
logo, vocês! Nós vamos ganhar tempo para que façam o que é necessário.
***
— Esse é meu quarto. Ou era, até hoje — comentou Rebeca,
olhando para sua cama de solteira.
Alastair olhou o quarto distraidamente, e percebeu a um canto, que
os pertences de sua noiva já estavam acomodados em uma arca e em uma
bolsa de couro para a viagem até a fortaleza. Seu olhar finalmente recaiu
sobre a pequena cama no centro do quarto, onde Rebeca estava sentada
usando seu belo vestido de noiva, branco com bordados verde esmeralda.
Delicados brincos de pérolas reluziam em contraste com cabeleira
vermelha, meio oculta sob um curto véu de renda. Mesmo trêmula e com
olhar apavorado era uma mulher extremamente desejável. Sua mulher. Ele
condoeu–se de precisar roubar–lhe a castidade de forma abrupta, sem
tempo para carinho ou preliminares. Ajoelhou–se ao lado dela, pegando
em suas mãos gentilmente:
— Rebeca, minha querida, acalme–se... Nesse momento não sei se
você está com mais medo do que há lá fora ou do que pode acontecer aqui
dentro...
Ela não conseguia falar, seu coração parecia ter ido parar na
garganta, os olhos verdes quase saltando do rosto. Seu noivo era lindo e
gentil, mas a verdade é que estava muito assustada, e também não sabia
direito do que tinha mais medo.
Bateram na porta com violência. Era Gavin.
— O príncipe está mesmo chegando perto, com a guarda real.
Vocês podem se apressar?
— Gavin! Saia daí, assim você atrapalha! — gritou Blaine, do lado
de fora, e pelo barulho parecia estar empurrando o amigo.
Alastair não sabia se devia rir da situação. Rebeca conseguiu
relaxar um pouco com a intromissão inusitada, e sorriu para seu noivo. O
sorriso, bonito e triste ao mesmo tempo, teve o efeito de desmontá–lo.
Suspirou profundamente ao perceber que o barulho dos cascos havia
cessado, e os soldados do príncipe Eduardo já deviam estar conversando
com o senhor Willkinson e com Derek, nos portões da casa. Tão pouco
tempo...
— Rebeca, confie em mim. E solte os cabelos... — pediu.
O rei inglês era muito devoto de São/Santo Eduardo
Os vizinhos e amigos dos Willkinson aguardavam nos fundos da
casa conversando em voz baixa, bebericando vinho e hidromel e
observando com preocupação o desenrolar do fatos.
O príncipe Eduardo ainda estava montado sobre seu cavalo,
cumprimentando o pai de Rebeca, quando Alastair surgiu à porta da
grande construção com um lençol de linho dobrado em suas mãos.
Entregou o pano à sua sogra, e ela o trouxe até seu marido, chamando–o
em voz alta.
— Richard, o casamento foi consumado, e aqui está a prova da
pureza de nossa filha Rebeca. — estendeu o lençol sujo de sangue diante
do dono da casa e do príncipe, propositalmente.
Eduardo estava com o rosto impassível, mas mesmo à distância
Alastair percebeu que o outro engolia em seco. Conteve um sorriso de
triunfo, e manteve–se longe.
— Gostaria de cumprimentar o noivo — disse o príncipe,
secamente.
— Alastair, aproxime–se! — chamou o sogro.
— Alastair? Alastair MacConnollyn? — repetiu o príncipe,
piscando os olhos claros rapidamente.
— Sim, alteza. O conhece? — Fingiu estar surpreso.
— Ah, sim. Já nos encontramos antes, não é mesmo,
MacConnollyn? — indagou cortesmente, ao ver o escocês se aproximando.
— Alteza. — Alastair cumprimentou–o, inclinando a cabeça.
Voltou–se para Richard:
— Participamos de um torneio organizado pelo rei Alexandre da
Escócia no verão passado.
— Sim, e Alastair me venceu nas duas disputas em que travamos.
Arco e flecha e corrida de cavalos.
Richard estava tenso. Os dois rivais tinham expressões
indecifráveis, e encaravam–se fixamente. Para piorar, o príncipe
mantinha–se ereto em sua montaria, falando com eles de cima,
provavelmente para transmitir–lhes sua superioridade. Seus trajes
elegantes emanavam poder. Dessa vez havia se dirigido àqueles campos
propositalmente paramentado para exibir sua realeza.
— Parece que você gosta de estar sempre um passo à minha frente,
MacConnollyn — disse o príncipe, cofiando a barba curta e castanha.
— Impressão sua, alteza. Os jogos sempre são uma mistura de
perícia e sorte. — Alastair respondeu sem nenhuma inflexão na voz.
— Sim, mas nem todas as disputas dependem de perícia ou de
sorte. E nem tudo se restringe a jogos. Assegure–se sempre disso, Alastair.
O outro assentiu.
— O farei.
— Bom. Desejo–lhe felicidades e boa sorte no seu casamento.
Onde está a feliz noiva?
— Descansando.
— Descansando? — O príncipe entrecerrou os olhos, sua fala
soando ligeiramente mais alta, a imagem de Rebeca exausta após o sexo
vindo–lhe à mente e incomodando–o. — Se eu soubesse a tempo sobre o
casamento, teria chegado um pouco antes, e trazido um presente...
— Estou certo que traria um presente... — respondeu Alastair, sua
voz também um pouco alterada.
— Chame a noiva para que eu me despeça, afinal de contas deve
levá–la para a Escócia, e possivelmente não a verei mais — ordenou. Logo
em seguida indagou, de forma provocativa — Incomoda–se que eu tenha
vindo cumprimentá–los, mesmo sem ter sido convidado para o enlace?
— Não me incomoda. Vou chamá–la — respondeu Alastair,
visivelmente aborrecido por precisar trazer sua esposa à presença real,
mas tendo o bom senso de não responder a provocação. Relanceou os
olhos para os homens do príncipe, em maior número e mais bem armados
do que os escoceses. Confiou que Pernas–Longas havia falado em
despedir–se apenas, e manteria sua nobre palavra.
O príncipe observava com atenção as pessoas que conversavam
junto à porta aberta dos Wilkinson.
— Não pretendíamos fazer uma festa, alteza. Os vizinhos apenas
foram chegando, é por isso que a casa parece estar cheia. — Desculpou–se
o pai da noiva, ao ver seu genro afastar–se. Preocupava–lhe a fama de
impiedoso que o príncipe havia recebido em uma batalha poucos anos
atrás, mas nunca havia acreditado que ele viria pessoalmente até sua casa
atrás de Rebeca. Até então tentava crer que a questão era mais uma cisma
paterna exagerada. Agora via como a situação era séria e perigosa. E não
havia comunicado ao rei inglês sobre o casamento senão no momento final
do prazo exigido por lei, visando que os proclamas não chegassem aos
ouvidos de Eduardo.
— Não precisa desculpar–se, Wilkinson. Ambos sabemos que
minha presença aqui não é bem vinda. Mas posso pelo menos admirar–lhe
a encantadora filha mais uma vez... — pronunciou as frases bem devagar,
com intenção de aterrorizar o homem à sua frente.
— Alteza... — O homem estava pálido, imaginando o que o nobre
poderia fazer.
— Não se preocupe, não vou causar–lhes nenhum problema, nem
estragar seu dia feliz — replicou, a voz denotando desdém.
Rebeca surgiu ao lado do noivo, tentando prender os cabelos
apressadamente. O príncipe respirou fundo ao vê–la com as madeixas
desgrenhadas, e logo imaginou que era resultado de haver se deitado com
seu marido. Alastair não havia perdido tempo em saciar sua luxúria,
fazendo–o despudoradamente próximo aos familiares e vizinhos da noiva,
pensou Eduardo. Mas podia compreender tal ato. Se fosse ele, também não
resistiria à bela noiva ruiva. E certamente também teria se deleitado em
soltar–lhe os cabelos sedosos e afundar seu rosto neles enquanto
estivessem fazendo amor. Infelizmente aquela mulher maravilhosa não
poderia mais ser sua. Pelo menos não por enquanto, embora o futuro
sempre fosse uma incógnita. Havia se dirigido àquela região mais cedo,
visando realmente encontrar Rebeca, quando soubera por acaso do
casamento, e havia disparado para sua casa sem planejar o que faria, mas
desejando intimamente atrapalhar o enlace de alguma forma. Ao chegar à
residência dos Willkinson deu–se conta da proporção de sua volúpia.
Muita volúpia. Todos estavam alegres, comemorando um casamento, e ele
sentiu–se como um intruso, um invasor desejoso de roubar o que não lhe
pertencia. Estava cansado de batalhas e brutalidades, e farto de pilhagens.
Gostaria de receber algo de bom grado, como se fosse um presente, para
variar. Ansiava conquistar aquela mulher, e ouvi–la suspirar com desejo,
não tomá–la à força, como já poderia ter feito. Não desejava o ódio ou o
medo daquela incrível dama de cabelos rubros, e sim que ela se entregasse
espontaneamente, que se deliciassem juntos. Mas agora via que isso não
seria possível.
Aborrecia–o o fato de haver chegado tarde demais. Ela olhava
apaixonadamente para o marido. E Alastair, o irritante e sempre eficiente
Alastair, parecia apaixonado também. E bastante preocupado. O príncipe
sentiu–se satisfeito por deixar o rival apreensivo, como uma pequena
vingança por ser novamente uma pedra em seu sapato. Mas não planejava
de fato fazer nada mais do que isso. Continuou sobre o cavalo, mesmo
quando o casal aproximou–se. Os guardas continuavam esperando e
observando a uma distância respeitosa, atentos ao menor chamado de seu
príncipe.
— Milady Rebeca, parabéns pelo seu casamento.
— Obrigada, vossa alteza. — Ela inclinou–se respeitosa, e o
príncipe não conseguiu refrear um suspiro de admiração diante de seu
movimento gracioso. E, além disso, do alto do cavalo ele podia ver mais
amplamente a curvatura dos seios da ruiva, valorizados pelo decote do
vestido.
Eduardo mais uma vez surpreendeu–se com o olhar direto dela. Era
uma mulher que fitava os homens nos olhos, mesmo quando estava com
medo, como agora. Agradava–lhe aquele jeito atrevido, sem falar nas
curvas que as roupas molhadas pelas águas do rio permitiram ver, no dia
em que a conhecera. Não havia na corte mulher mais bela, nem dama e
nem princesa.
Alastair levantou uma das sobrancelhas ao perceber o olhar do
príncipe, e seu suspiro abafado.
— Desejo–lhe felicidades, e se no futuro precisar de alguma coisa,
pode contar com esse vosso amigo. — Curvou–se levemente em direção a
ela, com voz e olhar galante.
O escocês conteve–se para não gritar e avançar sobre o filho do rei
inglês. Cerrou os punhos.
— Lorde MacConnollyn, senhor Willkinson. — O príncipe
inclinou a cabeça cordialmente, com um sorriso irônico, colocando seu
cavalo em movimento. — Adeus a todos.
— Adeus, alteza! — respondeu Richard, aliviado por ver o príncipe
finalmente afastar–se.
— Adeus — Alastair murmurou, puxando Rebeca para junto dele.
A jovem recostou a face no peito do esposo, sentindo–se leve
afinal.
***
Os amigos da família, ingleses e escoceses, congratularam–se pelo
feliz desenlace, ao ver o nobre afastar–se com sua guarda, e voltaram a
comemorar o casamento, cantando e batendo palmas, enquanto um dos
vizinhos corria a buscar um alaúde, e outro arranjava uma flauta. A tensão
que todos sentiam antes precisava ser extravasada, e donos da casa e
convidados juntaram esforços para transformar a simples cerimônia numa
festa alegre e memorável, por mais curta que fosse.
— Respeitem a casa — avisou Alastair aos seus homens quando
percebeu a reação das amigas de Rebeca à presença deles. — Não vão
tentar levar nenhuma dessas mocinhas para o mato. Elas vão gostar da
ideia, mas seus pais certamente não. Se quiserem se divertir com
mulheres, que seja aqui na festa. Não desejo problemas com meu sogro.
Os escoceses assentiram, com uma ponta de contrariedade,
consolando–se com o vinho saboroso que lhes era servido. Dirigiram–se às
jovens amigavelmente, como seu lorde havia lhes ordenado.
Ian e Blaine entretinham as moças solteiras com seus flertes gentis,
encantando–as com suas belezas másculas. Algumas não resistiam a
tocar–lhes nos cabelos compridos e brilhantes quando eram tiradas por
eles para dançar. Eram tão simpáticos e agradáveis que os outros homens
da festa acabaram por divertir–se com seus modos galantes, mas ao
mesmo tempo respeitosos. E quando um dos dois sumia com uma moça
por alguns minutos, o outro habilmente lhe fazia cobertura. Derek também
colaborava para animar a festa, contando piadas hilárias aos convidados e
brindando com alguns de seus poderosos olhares às inglesinhas amigas de
Alice e Rebeca, fazendo–as corar e rir nervosamente.
Gavin pôde conhecer melhor Alice, ambos a derreter–se um pelo
outro. Os irmãos da noiva, Roy e John serviam queijos e pães cortados,
dispostos com pedaços de frango assado. Uma vizinha trouxe saborosos
doces de amêndoas.
Logo todos estavam relaxados, dançando e bebendo à felicidade
dos noivos. Alastair cortejava Rebeca abertamente, que se encantava cada
vez mais por seu marido. A cada vez em que ele lhe envolvia a cintura ou
entrelaçava seus dedos nos dela durante as danças, a jovem vislumbrava
como seria quando finalmente ficassem a sós. Os olhares e sorrisos que
dirigia a ela tinham o franco intuito de seduzir.
A família Willkinson estava feliz por ver que o escocês escolhido
para sua filha estava de fato interessado nela, e não apenas em cumprir
uma obrigação contratual definida por seu pai.
O senhor Richard sentia o coração confortado por entregar a
primogênita, cuidada com tanto zelo e carinho, a um homem que a olhava
com amor e admiração, e não apenas com aquele olhar de acintosa e mal
disfarçada luxúria que percebia na maioria dos que se aproximavam de
suas lindas filhas. Aqueles olhares maliciosos sobre suas garotinhas o
revoltavam, elas eram crianças até pouco tempo atrás, e botaram corpo
mais rápido do que suas amigas da mesma idade. Estava farto da cada vez
maior falta de respeito de seus conterrâneos ingleses, e ansiava logo poder
mudar–se daquele local e fincar raízes num país que ainda valorizava a
honra e o respeito às famílias. Portanto também estava satisfeito com o
acerto feito com Gavin para sua caçula, o primo de seu genro se
comprometera, de imediato, a preservar Alice do risco de igualmente virar
alvo de cobiça de algum nobre inglês devasso que estivesse a caçar nas
proximidades de sua casa. Sua filha mais moça prometia se tornar tão
bonita e desejável quanto a irmã, e Richard não se julgava seguro de
conseguir escondê–la de olhos indecorosos enquanto não se mudasse dali.
Negava–se veementemente a entregá–las a qualquer um. Felizmente havia
seu respeitável e velho amigo Duncan Connollyn e seus valorosos homens
para ajudá–lo a proteger suas meninas. Claro que estava consciente de que
o olhar de seus futuros genros também continha o desejo que tanto irritava
qualquer pai de donzela, mas o deles vinha acompanhado de sentimento, e
era então compreensível e aceitável.
A senhora Emily Willkinson partilhava do alívio que seu marido
sentia. Via nos olhos das filhas e de seus prometidos a alegria do amor
recíproco, e isso era o que a consolava ao pensar na distância que se
abriria entre elas antes do final do dia. Regozijava–a o pensamento de que
ao se unirem a tão belos e fortes homens, suas graciosas filhas lhe dariam
lindos netos e netas, que ela compartilharia alegremente, depois que
também partissem para terras escocesas. Casaria também seus filhos com
boas moças no futuro, e sua velhice seria feliz e tranquila!
A comemoração se estendeu ainda mais um pouco, até a hora em
que Alastair e seus companheiros julgaram melhor retirarem–se para
seguir viagem. Era mais sensato partir antes do anoitecer, ou antes que
ficassem totalmente bêbados.
— Temos que ir, esposa. Quero colocar distância entre nós e o
príncipe Eduardo. Caso ele resolva vingar–se e nos seguir, já estaremos
bem longe, e pararemos apenas para comer e dormir. — Alastair puxou
Rebeca contra seu peito, fazendo o coração dela acelerar
assustadoramente. Beijou–a com ardor — Desejo logo que cheguemos à
Torquil, pois mal posso esperar o momento de tê–la total e completamente
minha...
— Foi a consumação mais rápida da história, Alastair.
Blaine e Alastair estavam em pé próximos a um lago muito
límpido, conversando após uma pausa para a refeição durante o percurso
de volta para a fortaleza. Aproveitavam o fato do resto do grupo estar mais
distante, e não poder ouvir a conversa.
— Não conte a ninguém, Blaine, mas não houve consumação ainda.
— Como assim? Todos viram o lençol manchado pela pureza de
sua noiva ontem, depois do casamento.
Alastair arregaçou a manga de sua camisa, mostrando o braço
enfaixado. Retirou a faixa improvisada e exibiu um corte que já começava
a cicatrizar.
— Fiz um corte no braço com minha adaga e sujei o lençol. Um
truque simples que não fui o primeiro e nem serei o último a usar. Rebeca
estava tão apavorada e nosso tempo era tão curto dentro daquele quarto,
que qualquer coisa que eu fizesse teria sido uma violência contra ela. Eu
nunca violentei mulher nenhuma, e não iria fazer isso justamente com a
minha. Quero desfrutar dela, e não deixá–la com horror a mim.
— Estou impressionado, Alastair, mas foi arriscado.
— Sim, mas funcionou. E os cabelos soltos dela também ajudaram
a enganar. Pelo menos o cretino do Eduardo nem saltou do cavalo.
Os dois riram.
— É, você teve presença de espírito, e passou a perna no príncipe.
Você pensa rápido mesmo quando está apaixonado.
— Heim?
— Você está apaixonado pela sua senhora.
— Não seja tolo. Eu mal a conheço.
— E já está apaixonado. Totalmente. De quatro por ela. — Sorriu o
amigo.
— Pareço apaixonado?
— Nunca o vi olhar uma mulher da forma como olha para Rebeca.
Nem mesmo para a Caledônia...
— É só porque ela é a mulher mais linda que já vi.
— Isso eu concordo, ela é mesmo a mais linda, mas não é só
admiração que vi na sua expressão.
Alastair olhou contrariado para Blaine, que continuou:
— Ontem na festa impressionaram a todos com sua felicidade, seu
sogro ficou aliviado ao ver que se entendiam bem. Sou seu melhor amigo e
posso garantir, você fica diferente quando está com ela. Não acha bom?
Penso que é ótimo que ame a sua mulher.
— Penso que vou parecer um frouxo! — Alastair bufou — Sou um
guerreiro, um líder, e um dia serei o chefe do clã! Não posso “ficar de
quatro” por uma mulher! Acaso sou um cão faminto e ela é um osso que
desejo comer? Quando era adolescente, tal comportamento era perdoável,
mas agora sou um adulto e devo agir como tal.
— Ah, não seja tão dramático! Derek também é um marido
apaixonado e é o melhor guerreiro de todos! E olha que a mulher dele é
bonita, mas não tanto quanto a sua!
Connollyn afastou–se aborrecido. Apaixonado, ele? Absurdo! Sua
questão com Rebeca era puramente física. Isso sim, ele conhecia. Estava
era louco para possuí–la desde que a vira à beira do rio, seminua. Estava
alucinado, tal qual o príncipe Eduardo devia ter ficado. Até mais que o
inglês, provavelmente. Depois que fizessem amor ele se acalmaria, e
voltaria a agir como o homem de sempre. Era só isso, nada mais. Iria
desvirginá–la e praticamente devorá–la até saciar–se. Depois disso
voltaria a ser um cavaleiro centrado. Não seria? Sacudiu a cabeça,
contrariado. E se estivesse mesmo apaixonado? Poderia ser tão ruim para
um guerreiro? Blaine citou Derek, o melhor lutador do clã Connollyn.
Alguém já até havia dito que depois que ele se enamorou de Heather, sua
esposa, havia ficado melhor na arte da defesa. E estavam em tempos de
paz, então a arte de guerrear não era a coisa mais imprescindível no
momento... Pensando bem, até que a expressão “de quatro”, e “cão
faminto ”não estava assim tão longe da verdade... Alastair deu de ombros e
voltou para junto de seus homens, observando sua linda esposa sentada
sobre um tronco, solitária e pensativa.
Rebeca sentia–se entediada e um pouco triste nesse momento, e
sabia que ainda havia uma longa viagem pela frente. A primeira parte do
percurso, no dia anterior, havia transcorrido de forma muito agradável. O
grupo ainda estava animado pelo vinho, e os comentários dos homens
eram divertidos. Ela também sentia–se alentada pela festa improvisada.
Havia dançado com seu marido, e sido cortejada por ele diante de todos,
até a hora que os escoceses acharam melhor seguir viagem. O sacerdote
que havia oficializado seu casamento seguiu em seu cavalo junto ao grupo
por algum tempo, e havia se mostrado surpreendentemente bem
humorado, contando várias anedotas, algumas até picantes demais para um
padre, e arrancando muitas gargalhadas dos escoceses, principalmente de
Blaine e de Derek, os mais risonhos. Ela estava viajando no mesmo cavalo
que seu marido, encostada no peito forte dele, e cada vez que Alastair
soltava uma risada e sacudia–se, algumas vezes apenas por escutar o
estridente gargalhar do chefe de sua guarda, ela sentia–se feliz e
emocionada por estar aconchegada a ele. Mas logo o pároco se separou
deles, para visitar uma pequena vila nas proximidades, e a peregrinação
tornou–se mais silenciosa.
Ainda tinha a companhia de Alice, que dividia o cavalo com Gavin,
pois a montaria que seu pai lhes havia cedido estava sobrecarregada com
os pertences das moças. As irmãs conversavam quase o tempo todo,
apreensivas com o momento de sua separação. Por várias vezes Rebeca
flagrou o loiro de olhos fechados, apenas aspirando o perfume do cabelo
de sua prometida, tão agarrada a ele. Admirava a imagem bonita e quase
poética, o jovem e belo casal já parecia mesmo apaixonado. Era tão
romântico... Sobressaltou–se ao perceber em dado momento que seu
marido estava fazendo o mesmo com ela, a respiração quente próxima a
sua nuca.
Alastair notou que além de sentir o aroma de Alice, Gavin estava
excessivamente colado em sua consorte, enterrando seus dedos na cintura
dela, e sua boca começava a percorrer o pescoço da mocinha, que aceitava
as atrevidas carícias languidamente. Fez com que parassem de cavalgar.
Com a voz potente que não admitia contestação, ordenou–lhes:
— Alice, sente–se na garupa de seu noivo. Agora! — ajudou–os na
mudança de posição.
Gavin não gostou, mas nada disse. Alice também não replicou,
apesar do semblante um pouco decepcionado e ruborizado.
— Paciência, crianças... Um ano ou dois já deve ser suficiente para
que Alice esteja pronta para casar–se. Enquanto isso, comportem–se —
retrucou o primo.
Ian, Blaine e Derek pararam para observá–los, com expressões
divertidas.
Assim que os animais voltaram ao trote, o lorde sussurrou para sua
esposa, que estava com olhar agora um pouco preocupado sobre a dupla
próxima a eles:
— O balançar das ancas de sua irmã contra a virilha de Gavin por
causa do trotar do cavalo já estava começando a tirar o pobre homem do
sério, mas agora ele vai se comportar melhor...
— Como assim? Ela o estava incomodando?
Alastair deu uma risada:
— Ah, incomodando-o não, ela o estava excitando-o, e muito,
mesmo sem saber. Já é quase mulher feita... Se estivessem sozinhos...
— Excitando-o? O que está dizendo?
O lorde deu de ombros e respondeu:
— Fazendo-o ter ideias... Pensando em fazer coisas.
— Quer dizer que ele estava pensando em...
— Estava sim, e estava fazendo a sua irmãzinha começar a pensar
também... Viu como ela reagia? Ela estava gostando... — O sorriso dele
ampliou-se.
— Milorde! Minha irmã não é uma...uma... Oh! Isto...isto é
indecente! — ela exclamou, fazendo com que ele erguesse as
sobrancelhas, surpreso.
— Não quis ofender sua irmã nem meu primo. Eles não são
indecentes, nem perversos. São humanos. Estão comprometidos, próximos
demais, e já gostam um do outro.
A nova lady de Torquil bufou, e virou o rosto, pouco convencida.
Alastair atrasou um pouco seu cavalo, colocando uma certa
distância entre eles e o resto do grupo. Parou a montaria atrás de um
arbusto, protegida de olhares curiosos, e apertou a esposa contra seu corpo,
passando os lábios em seu pescoço sedutoramente e mordiscando–lhe sua
orelha, até que ela finalmente virou–se, oferecendo–lhe os lábios para um
beijo sensual. Uma das mãos dele segurava as rédeas, mas a outra
começou a acariciar–lhe um dos seios por cima do vestido. Ela se entregou
à carícia, derretendo–se nos braços dele. Então ele parou de beijá–la
abruptamente.
— Isso não é indecente, esposinha... Isto é natural entre um casal...
Só não deixei meu primo continuar o que estava fazendo porque considero
sua irmã ainda muito menina, somente por isso. Já nós dois estamos no
ponto certo, não vejo a hora de chegarmos em casa... É uma delícia sentir
o tempo todo seu corpo esfregando–se no meu...
Ela concordou com a cabeça, os olhos semicerrados de desejo por
ele.
— Vamos colocar a montaria em movimento antes que sintam a
nossa falta e venham atrás de nós... Mas a minha vontade é descer desse
cavalo e fazer amor com você aqui mesmo, no meio dessa planície... Estou
louco por você, Beca...
Beca! Ele havia lhe dado um apelido carinhoso! Rebeca estava tão
feliz! Mas isso havia sido ontem, e era noite alta quando Alice foi deixada
no convento, após abraçar longamente a irmã e beijar seu tristonho noivo,
sob o olhar atento de Alastair. Pararam para dormir, exaustos,
improvisaram camas com mantas e seu esposo havia se comportado como
um cavalheiro, sem voltar a beijar–lhe e acariciar–lhe como havia feito
antes, apenas deitando–se ao lado dela. Era uma pena. Preferia mil vezes
estar fora de controle de si mesma do que estar tão entediada como agora.
No dia seguinte ao casório, a viagem se tornou cansativa e
silenciosa. Gavin, solitário, evitava conversar, e Ian, Derek e Blaine,
sóbrios e provavelmente com ressaca, também não faziam questão de
manter diálogo. Seu marido, então, era o mais calado de todos. A beleza
sem par da paisagem, de planícies verdes e montanhas frias, começaram a
fazer com que ela se sentisse estranhamente solitária e melancólica.
Dois dias depois, e a irritação de Rebeca era tão grande que parecia
palpável. Agora eram os homens que a observavam um pouco ansiosos. Já
haviam notado seu tremendo mal humor.
Alastair ignorou quando os amigos lhe falaram do problema.
Estava disposto a se mostrar como um guerreiro duro e frio, e não como
um marido sensível. Na manhã anterior acordara com uma tremenda
ereção, e o prolongamento da situação dolorosa obrigara–o a resolver–se
sozinho, o mais distante possível dos olhos dos amigos, e com a desculpa
que precisava apenas aliviar a bexiga. Sua reação à simples presença de
Rebeca embaçava–lhe os sentidos. Desejava que a viagem acabasse logo
para poder saciar–se nas carnes quentes dela, sugar–lhe os mamilos rubros
até que ela enlouquecesse, tomá–la de todas as formas. Evitar conversar
com ela tornava–se de vital importância para sua sanidade, pois cada
momento de intimidade com sua esposa deixava–o mais alucinado ainda.
Os companheiros de Alastair nem aproximavam–se de Rebeca,
supondo que seriam rechaçados, mas já os incomodava sua presença
sempre irritada, deixando o ambiente pesado, e a viagem ainda mais
penosa. Brincavam entre si, e quando riam alto, invariavelmente
encontravam o olhar severo da dama.
Rebeca, por sua vez, ressentia–se da pouca receptividade do marido
e julgava–se cada vez mais posta de lado diante das piadas exclusivamente
masculinas, muitas vezes pronunciadas em um irritante dialeto que ela não
conhecia.
Aquela manhã parecia ter sido a gota d’água. Não tinha conseguido
sequer dormir. O ronco dos homens havia passado dos limites do que era
aceitável em um ser humano. Nem uma noite de tempestade repleta de
trovões em meio a erupção do Vesúvio podia–lhes superar em barulho, ela
pensou, zangada. Pensou em pegar um pedaço de espinheiro e bater–lhes
até que pedissem clemência. Até em Ian, o único que não roncava.
Gostaria de bater nele porque havia conseguido dormir mesmo com o céu
desabando sobre sua cabeça! Levantou–se quando as primeiras luzes da
aurora surgiram, rompendo os nevoeiros. Afastou–se o mais que pode do
grupo, para fazer suas necessidades.
Alastair despertou de um sonho erótico. Estava possuindo Rebeca,
enterrando–se em suas entranhas intensamente. Instintivamente procurou–
a a seu lado, pensando em satisfazer sua ereção pelo menos com algumas
liberdades sobre o corpo feminino, da forma menos barulhenta possível,
para não acordar os companheiros. Não podia mais suportar a espera.
Ficou de pé com um pulo ao perceber que ela não estava adormecida ao
seu lado.
— Mas que merda de aporrinhação dos infernos! — Rebeca soltou
um palavrão.
Alastair parou subitamente, ouvindo com espanto o xingamento.
Sua esposa estava parada próxima a uma pequena e tranquila lagoa,
examinando a parte de trás da barra de seu vestido.
— É uma dama inglesa ou uma criada de taverna de quinta
categoria? — indagou.
Ela arrancou o vestido, exasperada, vociferando palavrões, sem
responder ou voltar o olhar na direção de Alastair
— Epa, uma criada de taverna de quinta categoria, com certeza! —
Riu seu marido, com as sobrancelhas arqueadas.
— Ah! Eu odeio o príncipe Eduardo, eu o odeio, odeio, odeio! —
Ela estava lavando a roupa na beira do lago, ignorando a presença do
marido. — Se não fosse por ele eu não precisaria estar aqui nesse fim de
mundo, com um grupo de homens desconhecidos que só sabem grunhir, e
quando não estão grunhindo, falam só entre si, com o agravante de usarem
um idioma desconhecido para que eu não entenda nada! Mal-educados! E
se não fosse por causa dessa maldita perseguição eu não teria estragado
meu vestido com um monte de titica mole de cavalo! Meu vestido novo!
Na minha terra eu não passaria por essas situações! Não mesmo! Eu odeio
isso tudo!
O escocês não tinha bem certeza se devia rir, ofender–se ou apenas
se manter em silêncio respeitoso. Sentou numa pedra, esperando o que
mais aquela ruiva furiosa iria dizer. Enquanto isso podia admirar as belas
formas de sua dama em trajes íntimos e diáfanos. Sentiu seu corpo reagir
instantaneamente.
— O ronco de vocês é mais alto do que uma banda de bardos
bêbados, pior do que um exército de tocadores de gaita–de–foles! Como é
possível dormir assim?
— É por isso que está tão aborrecida? Por que não dormiu bem
essa noite?
— Nem essa noite, nem as outras, e os dias também são uma
porcaria! Quando essa maldita viagem vai acabar?
— Em cerca de dois dias...
— E mais duas noites infernais!
— Você não reclamou antes...
— Adiantaria? Vocês iam fazer silêncio?
— Suponho que seria um pouco difícil... — Alastair esforçava–se
para conter uma risada.
— É alguma tática de guerra? Uma nova forma de afastar
inimigos? E animais? E possivelmente até as nuvens de chuva?
Ele riu alto, desistindo de conter–se. Rebeca lançou–lhe um olhar
fulminante.
— Você fica ainda mais linda quando está aborrecida. Ainda mais
assim, só com a roupa de baixo...
Rebeca deu–se conta que estava sem seu vestido, e pior ainda, com
a roupa íntima já parcialmente molhada pela tarefa de lavar a roupa no
lago. Sentiu o rosto ficar quente, e tentou cobrir–se com a vestimenta. Que
terrível engano! A roupa encharcada só fez piorar a situação. Agora estava
tudo absolutamente transparente, e parecia que a cena do encontro com seu
noivo, à beira do rio, estava se repetindo.
Alastair ergueu–se da pedra onde estava sentado e aproximou–se
lentamente de sua esposa. Já antecipava sua vitória sobre aquele corpo
feminino. Mas precisava ser cuidadoso com a primeira vez. Esforçou–se
para lembrar–se que um bom guerreiro sabia a hora exata de agir, e
quando agir com calma trazia melhores resultados do que a pressa ou a
violência. De qualquer forma, ela não lhe faria oposição, pois se
derramava em seus braços todas as vezes em que ele a beijava.
— Acho que sei como acalmá–la, Beca... Deixe–me primeiro
ajudá–la a pôr esse vestido para secar...
Tomou o vestido molhado das mãos dela e estendeu–o sobre a
pedra onde estava sentado, e afastou sua esposa da margem da lagoa,
encostando–a numa árvore de tronco muito largo.
Começou a beijá–la sem pressa, mordendo–lhe os lábios
suavemente, até que se abrissem. Suas línguas se encontraram, e o beijo
ficou mais acelerado, assim como as mãos de Alastair, deslizando pelo
corpo de Rebeca. Ele deixou seus lábios, e desceu por seu pescoço,
mordendo levemente os ombros, enquanto retirava-lhe a camisa de linho
fino que servia de peça interior.
— Você tem cheiro de flores, Beca... Desejo possuir–te...
Alastair afundou–se entre seus seios, apalpando–os, beijando–os,
lambendo–os. Rebeca soltou um gemido de prazer. Quase foi a loucura
quando uma das mãos dele se insinuou por entre suas pernas. Fechou as
coxas instintivamente, prendendo–o. O escocês empurrou uma de suas
pernas entre as dela, enquanto desvencilhava–se de suas próprias roupas.
Tocou–a mais intensamente, e ela soltou um soluço descontrolado,
comprimindo o quadril contra o corpo do marido, sem entender
exatamente porque o estava fazendo.
Abrindo caminho entre cachos ruivos ele inseriu um dedo, e logo
outro, acelerando os movimentos de vai e vem.
— Está molhada... E está quente, Beca... Ah, sim... a quero pronta
para mim.
— Alastair...
A menção de seu nome, dito com uma voz sussurrante,
entrecortada de gemidos, acendeu–o ainda mais. Desejava que a primeira
vez dela fosse numa cama macia, na privacidade de seu quarto, mas não
podia mais aguentar. Ele a desvirginaria ali mesmo, naquele momento!
— Sim, querida... Eu vou fazer o que você quer... Eu também
quero... Quero muito... E já esperei demais...
Deitou–a sobre sua manta, e posicionou–se sobre ela, continuando
com os beijos intensos, os dedos mais agressivos dentro dela. Rebeca
contorcia–se, achando que ia explodir de paixão com o que seu marido
estava fazendo a seu corpo.
— Beca, preste atenção, meu bem... Vou consumar nosso
casamento agora... Você talvez sinta um pouquinho de dor... Acha que
consegue não gritar, querida? Se fizer muito barulho, meus homens vão
correr para cá preocupados com sua segurança, e seremos flagrados nus,
em pleno ato...
Ela concordou com a cabeça, silenciosamente. Esticou–se para
olhar o corpo de seu marido. Musculoso, forte, apetitoso. Mas entre as
pernas dele... Oh, assustador! Nunca havia visto um homem nu, mas
percebia através das roupas o volume que eles possuíam onde nas
mulheres não havia nada. Aquele detalhe anatômico notável nas calças
masculinas, não havia lhe passado despercebido. Adivinhou que “aquela”
parte dele iria entrar “naquela” parte dela, e isso iria causar a tal dor de
que tanto se falava. Teriam o encaixe certo? Pela proporção que via, não
parecia muito que iria servir...
Alastair seguiu seu olhar e imaginou o que ela estava pensando.
Tratou de distraí–la de seus temores, voltando a beijar–lhe, e alisar a parte
interna de suas coxas. Sua esposa tornou a relaxar, e abrir–se cada vez
mais, gemendo em seus braços. Quando o escocês achou que ela já estava
pronta, e que ele mesmo já não podia aguentar mais, penetrou–a
profundamente.
E ela gritou.
Derek foi o primeiro a chegar até a lagoa, com a espada em punho.
Os outros três guerreiros chegaram logo em seguida, todos armados e
alertas, apesar dos rostos amassados pelo sono, e os cabelos desgrenhados.
Estacaram ao mesmo tempo, escutando o segundo grito feminino, este
mais abafado, parecido com um suspiro.
— Não parece o tipo de grito... — Blaine começou a falar.
Derek bateu–lhe no peito, silenciando–o e atraindo sua atenção
para onde Rebeca e Alastair estavam deitados, nus e enroscados. O escocês
procurou cobrir o corpo da esposa o máximo possível, as pernas dela
enlaçadas ainda sobre suas nádegas.
— Ela não está em perigo, como podem notar, — retrucou,
olhando–os de soslaio — saiam daqui agora...
— Tem certeza que ela não está em perigo? — caçoou Gavin.
— Saiam daqui, agora!
Eles se afastaram, entre divertidos e envergonhados.
Rebeca soltou um ruído estranho e Alastair surpreendeu–se ao
notar que ela ria, ainda com o rosto escondido em seu ombro. Moça
imprevisível, esta inglesa! Sorriu em resposta imediata.
— Eu tentei sair de você quando gritou a primeira vez, porém me
prendeu com suas pernas... Entendi que deveria terminar o que estávamos
fazendo... — Tentou desculpar–se, beijando–a de leve.
— Isso mesmo...
Ela não havia gritado por sentir exatamente dor. Foi mais como se
seu interior sofresse uma queimadura. Alastair a deixara em brasa por fora
e a acendera por dentro, e isso fora inesperado. Mas a excitação do
momento havia superado a sensação dolorosa, e logo Rebeca se movia
ritmicamente com o marido, que a estava conduzindo a um ponto
incrivelmente desconhecido, maravilhoso, até que parecia transbordar
dentro dela, fazendo–a gritar novamente, de uma forma bem diferente da
primeira. Tinha sido... Bom!
Incrivelmente bom!
Rebeca não esperava sentir-se à vontade com o ato íntimo, embora
estivesse um tanto constrangida por ter sido vista praticando-o. Encarar os
guerreiros agora seria meio estranho...
Alastair levantou–se devagar depois, com os belos olhos fixos nos
dela.
— Está tudo bem com você, Beca?
— Sim, mas... Tem sangue na manta... Um de nós deve ter se
ferido.
Ele olhou para baixo, e ergueu as sobrancelhas, num misto de
constrangimento e diversão.
— Ah, bem... Na verdade, é seu... Espera–se que sempre aconteça
com uma moça que deita com um homem pela primeira vez — ele
examinou a manta onde estavam deitados — Por sorte foi pouco, apenas
uma manchinha pequena que deve sair ao lavar... Sabe quando eu cortei
meu braço em seu quarto e sujei seu lençol? Foi para enganar o príncipe e
mostrar a ele que você já era minha.
— Oh! E se a moça não sangrar?
Alastair conduziu a esposa para o rio, e lavaram-se.
— Muitos casamentos escoceses acontecem mesmo que a moça
não seja virgem, depende da tradição de cada local. Se o noivo espera que
ela seja virgem, então acho que pode ser um problema para ela. Já ouvi
falar de moças que não sangram, ou custam a... romper–se... Então ela
depende um pouco do que seu marido irá pensar... Eu acredito que um
homem percebe muito bem se é a primeira vez de uma mulher ou não.
— Você continuaria me desejando mesmo se eu não... sangrasse?
Ele sorriu, e saíram juntos da água.
— Certamente que sim. Acho que você não tem a real noção de sua
beleza, meu bem.
Ela ficou pensativa, enquanto vestia–se.
— Sendo bonita então nada mais importa, nem inteligência e nem
caráter? E eu só servirei para enfeitar a casa e garantir procriação? Sou
apenas mais uma obrigação a cumprir?
Ele a encarou, apreensivo. Não era uma boa conversa logo depois
de fazerem amor pela primeira vez, e Alastair sentiu–se como se estivesse
adentrando em território inimigo. Precisava ser cauteloso com as palavras,
escolher o que dizer.
Bem cuidadoso.
Encarou Beca, respirou fundo, e respondeu, com voz muito calma:
— As mulheres servem para obedecer, alegrar as noites do marido
e procriar. E tanto faria se fosse feia, careca ou banguela, já que nossos
pais fizeram um contrato para nosso casamento, eu não teria escolha.
Estava decidido e ponto final. — Finalizou dando de ombros.
— Oh! — Os olhos de Rebeca se arregalaram tanto, que por pouco
não saltaram das órbitas.
— Você é ótimo com as palavras! — Blaine divertia–se ao ouvir
Alastair contar com detalhes sobre sua terrível briga com Rebeca depois
da consumação, os olhos cinzentos brilhando — Por que falou em contrato
de casamento quando era óbvio que ela desejava ouvir uma declaração de
amor? Podia ter evitado ouvir uma chuva de impropérios... Alguns
xingamentos que ela direcionou a você eu nem conhecia...
— Acredite–me, foi mais fácil falar do contrato de casamento...
— Sua esposa é uma mocinha romântica, que esperava um
casamento por amor. Você cortejava as mulheres nas tavernas e feiras com
muita facilidade, e jogava bem com as palavras, use um pouco disso.
Esqueceu como se faz?
— É diferente, não acha? Eu queria algo em troca e procurava
agradá–las. Agora sou um homem casado, não preciso esforçar–me tanto.
— Discordo, lorde MacConnollyn. — Opinou Derek, aproveitando
que Gavin, Ian e Rebeca concentravam–se em assar um peixe e uma lebre
para o almoço, em uma clareira próxima. — Sua mulher não parece do
tipo submisso, assim como minha Heather também não o é. Você deve se
mostrar agradável para com ela, senão ela acabará por arranjar formas de
fugir de suas obrigações matrimoniais cada noite. Acredite–me, elas são
muito criativas, e podem enlouquecer um homem com facilidade, ao
privar–nos do sexo.
— Ela não se atreveria...
— Todas elas usam isso contra nós mais dia ou menos dia. Não lhe
dê motivos...
Alastair cruzou os braços.
— Se ela se negar, outra mulher não se negaria a mim.
— Pode ser. Mas olhe bem para ela. — Apontou Derek. — Já viu
outra mais linda na vila onde moramos, ou até além? Minha Heather é a
mais bonita do povoado, mas a sua dama... Duvido que conseguirá deitar–
se com outra mais bela.
Blaine concordou:
— Você têm a mulher mais bonita que já vi até hoje, não há dúvida,
Alastair.
— Eu já aprendi como lidar com a minha esposa, meu lorde. Trate
bem a sua, não desdenhe de sua sorte grande. E não se esqueça que o
príncipe Eduardo a desejou, e se souber que você não a trata da forma
devida, poderá se converter em um grande incômodo... Ele estará sempre à
espreita... E ademais, não somente ele estará à espreita de uma
oportunidade. Verá que uma mulher bonita, mesmo casada, é sempre
assediada por outros homens, sei disso bem. Não convém a nós, maridos,
facilitar aos gaviões. E faremos isso se tratarmos nossas fêmeas mal. —
finalizou Derek, afastando–se para ajudar Ian.
Alastair suspirou. Privar–se do corpo de Rebeca, do aroma de seus
cabelos, de sua voz suave? Não aguentaria, certamente. Ainda mais agora
que era sua mulher de verdade. Tão apaixonada, inexperiente e tão —
excitou–se com o pensamento — tão deliciosamente estreita... Mas não
tinha intenção de parecer um fraco, um cordeirinho. Como agir? Era uma
questão a ser pensada com calma. O problema é que quando se tratava
daquela dama ruiva, nunca conseguia pensar com clareza. Mas era certo
que enciumava–se só de imaginar outros desejando sua mulher. Precisaria
mantê–la sempre por perto, sob sua proteção, e seguindo os conselhos de
Derek, satisfeita.
Quando Ian os chamou para comer, Alastair sentou–se ao lado da
esposa, disposto a fazer as pazes.
— Não tive oportunidade de perguntar antes, mas fiquei curioso
em saber como aprendeu aqueles palavrões que falou mais cedo. E os que
usaste contra mim.
Ela o olhou enviesado, enquanto mastigava, decidindo como devia
responder–lhe. Ainda estava abalada com a lembrança do que ele havia lhe
dito sobre seu casamento, e a maneira terrivelmente impertinente,
reconhecia, de como ela havia reagido. Felizmente Alastair não era um
homem violento e não a agrediu pelas ofensas gritadas, foi até ela a passos
firmes e com rosto furioso, mas depositou toda sua ira num beijo tão
arrebatador, que ao separar–se dela, fez com que cambaleasse e precisasse
apoiar–se em uma árvore para não cair. Ficava demarcado ali quem tinha o
controle, quem mandava, e Rebeca ainda não havia conseguido digerir a
forma como seu marido enxergava seu relacionamento, ela que sempre
sonhara com um casamento apaixonado, com uma união justa como a de
seus pais. Estava casada com um homem que era o líder de muitos, e antes
de ser seu marido, era também, agora, seu senhor. Ela, pouco mais que
uma camponesa, estrangeira, criada com uma liberdade fora dos padrões
convencionais, não sabia como agir diante da nova situação que vivia,
apesar da mãe garantir–lhe que tudo ficaria bem, instruindo a filha a ser
cautelosa, e tentar domar o gênio impulsivo. Os outros homens estavam
sentados em volta, prestando atenção, e ela não poderia faltar ao respeito
com seu o lorde na frente deles. Mesmo magoada, não desonraria o marido
com uma afronta pública.
— Que história é essa de palavrões? — Quis saber Ian, insistindo
na conversa.
Ela ergueu os ombros. Viu que não havia escolha senão satisfazer
logo a curiosidade deles.
— Vai parecer estranho... Aprendi quando era criança.
Todos ergueram as sobrancelhas, e começaram a falar ao mesmo
tempo. Ela continuou comendo calmamente, fazendo um sinal com as
mãos para que esperassem ela terminar de mastigar a carne.
— Eu tenho um parente muito especial, e divertido. Viajou por
muitos lugares, e conhecia muitas línguas. O tio Rudy... ele sempre
conversou muito comigo, e com todos os amigos e amigas que viviam às
brincadeiras pelos campos de nossa região, quando tínhamos tempo livre.
— Por um momento ela se perdeu em lembranças da infância, quando ela,
e as crianças da vizinhança, se sentavam em torno do simpático marujo,
para ouvir suas aventuras, histórias divertidas, e recomendações.
— Esse tio muito divertido ensinava os maiores palavrões ingleses
e estrangeiros às criancinhas! — Blaine adivinhou.
Rebeca sorriu.
— Sim, mas não só isso. Incentivava a nossa curiosidade e
imaginação, e ensinava a lutar com faca, e a duelar com espadas. Mesmo
quando resolveu voltar à vida no mar e foi embora, ficamos por um bom
tempo seguindo seus ensinamentos, e passando–os aos mais jovens da
região, mas... Alguns pais não viam com bons olhos meninos e meninas
juntos no meio no mato.
— Eu acho ótimo meninos e meninas juntos no meio do mato... —
replicou Ian, provocando risadas.
— Quando os mais velhos começaram a ser solicitados para
trabalhos junto aos rebanhos, plantações, ou até para as guerras, e algumas
moças casaram–se ou foram servir como criadas seguindo as tradições
familiares, o grupo foi diminuindo e acabou por se perder. Alguns
ensinamentos ficaram. Os palavrões são um alívio na hora da raiva.
— Sim, mas um duelo de espadas também acalma os nervos.
Nunca mais tentou lutar? — indagou Derek.
— Treino um pouco em casa com meu pai, meus irmãos e até com
Alice.
— Quero ver, se teu marido permitir. — Convidou Ian, terminando
a refeição.
— Empresto–lhe minha espada, prima. — Ofereceu Gavin.
Todos voltaram seu olhar para Alastair. Ele deu de ombros, sem
levar muito a sério:
— Vão em frente.
Rebeca e Ian tomaram as espadas e se afastaram um pouco do
grupo. Começaram a lutar. Foi uma grata surpresa, e Ian parecia
verdadeiramente encantado ao ver que a nova lady do clã Connollyn era
uma ótima espadachim. Travaram a luta sorrindo. Gavin, Derek e Blaine
levantaram–se, entusiasmados. Alastair sentiu–se orgulhoso de sua mulher
a princípio, mas então percebeu que ela parecia radiante enquanto lutava, o
peito arfante e a luminosidade em seus olhos começou a instigá–lo... e a
todos a volta! Constatou, aborrecido, que seus homens estavam
hipnotizados por Rebeca, por seu belo rosto sorridente, e por seu generoso
decote, os movimentos com Ian no bailar metálico das espadas era quase
como uma dança luxuriante, fazendo as curvas realçarem ainda mais...
Conhecia a característica de seu amigo quando excitava–se: os olhos
mudavam de castanho para um tipo de amarelo dourado, e quando
reconheceu a mudança, não pode mais conter seu ciúme, e interrompeu:
— Ótimo! Parabéns, esposa! Você luta bem, mas acho que já
chega. Deve descansar após a refeição. E daqui a pouco seguiremos
viagem.
Todos o olharam com espanto. Rebeca suspirou, devolvendo a
espada a Gavin. Ele lhe fez uma mesura, pegando–lhe a mão e beijando
seus dedos, o rosto angelical do primo nesse momento transformado em
uma expressão sedutora:
— Milady, encantado por ver como luta bem, fique a vontade para
usar e abusar o quanto quiser da minha espada, e pegá–la quando desejar...
Ian logo aproximou–se, prendendo–lhe a outra mão entre as suas,
os olhos claros, como ouro, faiscando:
— Certamente estou honrado por ter aceitado duelar comigo.
Minha espada estará sempre à sua ordem... — E beijou–lhe a outra mão,
retendo–a enquanto lhe olhava fixo.
Blaine e Derek também estavam a volta dela, oferecendo suas
espadas. Todos próximos. Excessivamente próximos e íntimos... — pensou
seu marido — E ela lhes sorria! Sorria para eles, que a estavam cortejando
escancaradamente, com expressões que ele já os havia visto usar ao
seduzir outras mulheres, fazendo insinuações a respeito de “espadas”!
Alastair explodiu em um grito irado:
— Saiam de cima, assim ela nem consegue respirar!
O grupo pareceu levar um choque ao ouvir o grito enfurecido.
Afastaram–se imediatamente da moça.
O marido puxou–a pelo braço, colocando–a distante dos homens.
Rebeca achou mais sensato não dizer nada e apenas obedecer.
— Sente–se um pouco para descansar, ruiva. — Ele falava com
dentes cerrados.
A passos largos aproximou–se de seus homens, ao mesmo tempo
que eles faziam menção de dispersar um para cada lado diante de sua
aproximação tempestuosa.
— Parados, engraçadinhos! Acham que não entendi as insinuações
que fizeram à minha esposa? Estão esquecendo que sou seu líder? Que tal
um duelo de verdade por sua falta de respeito?
Os quatro homens pararam todos juntos, formando quase um muro
de massa musculosa, fitando–o com ar perplexo:
— Com todos nós ao mesmo tempo? Por quê? — Blaine riu,
surpreso.
— Do que está falando, primo? Está louco? — Os olhos azuis de
Gavin, iguais aos de Alastair, estavam arregalados, quase saltando da face.
— Não insinuamos nada! — protestou Ian, com ar inocente.
— Você está imaginando coisas, Alastair — afirmou Derek, a
expressão grave.
O lorde titubeou. Os seus amigos estavam sérios. Será que ele
estava imaginando coisas mesmo?
— Está com ciúmes? De nós? — Blaine divertia–se com a
situação.
Alastair deu–lhe as costas, afastando–se, desconfiado, e indo em
direção à sua esposa, que voltara a ter o olhar triste e melancólico.
Depois que ele se distanciou, Derek sussurrou:
— Você estava certo, Blaine. Lorde MacConnollyn já está
apaixonado por ela...
—Será que exageramos nas espadas? — indagou Gavin,
esforçando–se para não rir.
— Claro que exageramos. Mas foi divertido! Percebeu a fúria dele?
Essa foi uma oportunidade imperdível! — emendou Ian, também em voz
baixa.
— Também, você e Gavin não desgrudavam da mão da mulher
dele, e teu olhar, Ian, te denuncia... — replicou Derek.
— Não pude evitar, ela estava muito perto, e me encarando...sou só
um homem! — Desculpou–se Ian.
— A minha futura cunhada é linda, fiquei meio enfeitiçado por
estar tão próximo, e não pude largá–la logo... — Gavin piscou.
Blaine deu–lhe um tapa forte no peito, fazendo o outro curvar–se
ligeiramente:
— Contenha–se, homem! Em breve você vai casar com a irmã
dela!
— Olhar não tira pedaço! — Defendeu–se Gavin, massageando o
peito atingido.
— Isso é verdade! — replicou Derek, sorrindo.
— Juro que nunca tentaria nada com a esposa de meu primo,
respeito nossa família.
— Sabemos disso. Só espero que esse mau humor de Rebeca e
Alastair acabe logo e eles se entendam de uma vez!
— Ela parece muito contrariada por afastar–se de sua antiga
família. Devia alegrar–se por estar casada. Não é o que toda mulher quer?
— Ruivas! Parece–me que todas são temperamentais...
— Deve ser uma mula teimosa!
— Igual ao marido...
***
Alastair sentou–se ao lado da esposa. Levantou–se. Sentou
novamente.
— Vai me deixar tonta... Decida–se de uma vez se senta ou levanta!
— resmungou ela.
Ele a fitou, aborrecido. E resolveu que apenas se manteria calado.
Até o fim da viagem.
Rebeca, porém pensava diferente. Gostara de treinar com a espada
e ser elogiada pelos homens de seu clã. Mas gostara mais ainda de
perceber o ciúme de seu marido diante da provocação descarada que seus
amigos estavam fazendo. Ela notara a brincadeira, por isso seu sorriso
abriu mais largamente quando eles a rodearam. Mas quando Alastair
gritou furioso, ela assustou–se de verdade, achando que os guerreiros
pudessem ter exagerado na troça, e ela nos sorrisos. Os escoceses, no
entanto, deviam estar já habituados com o temperamento de seu lorde, e
juntaram–se para desmentir qualquer abuso. Ficara tudo bem, enfim. E já
que eles haviam se arriscado a indispor–se com seu líder para reaproximá–
los depois da briga matinal, ela também tentaria colaborar.
— Do que vive um clã? — perguntou, reclinando–se para falar ao
ouvido do marido, com vergonha de ser ouvida pelos outros homens e ser
considerada ignorante.
— Como disse? — Estava imerso em seus pensamentos e
sobressaltou–se com a voz dela tão próxima a seu ouvido.
— Não grite... — Pediu ela, pondo a mão no joelho dele — Eu
perguntei do que vive um clã, como ganham dinheiro...
— Eu não gritei — resmungou, mas então quedou–se na mão dela
sobre seu joelho, e cobriu–a com a sua. E esqueceu a resolução de manter–
se silencioso. — Alguns clãs vivem da agricultura e venda de gado, outros
de treinar guerreiros ou oferecer proteção... Nosso clã tem mais de uma
fonte para gerar recursos: temos uma grande criação de carneiros que nos
faz estar entre os maiores fabricantes de lã, e também produzimos água da
vida.
— Água da vida?
— Uisge beatha, ou só uísque, para os ingleses. — Alastair sorriu.
— Ah, uísque é a água da vida... Imagino que seja lucrativo.
— Bastante razoável, embora estejamos negociando o uísque há
poucos anos. Antes nós nos concentrávamos mais em vender lã, cevada e
centeio, pois temos uma extensa área de cultivo, mas depois de algum
tempo percebi que poderíamos ir além. — Enquanto falava, estudava a
delicada mão de sua esposa, alisando–a languidamente com a ponta do
indicador.
— Ah, a ideia da produção é sua!
— Sim. Meu pai me deu plenos poderes, e repartimos as funções.
Nosso povo vem a mim tanto quanto a ele, e discutimos juntos as decisões
importantes a tomar, embora a palavra final no julgamento das contendas
mais sérias do nosso clã ainda seja a dele, e a parte comercial seja minha.
Torquil tem dois senhores, e assim funciona bem. — Finalmente ergueu o
olhos, concentrando–se no rosto de sua consorte.
— Estou orgulhosa. Você é tão jovem para já ser o chefe dos
Connollyn. — Ela lutava para não perder–se no mar profundo daquele
olhar.
— Não me subestime.
— Nunca o farei.
Alastair colocou a outra mão sobre a de Rebeca, fechando-a entre
as dele, com cuidado.
— Quando chegarmos a Torquil providenciaremos alguns vestidos
novos para você, para compensar o que foi estragado à beira do rio.
— Muito gentil de sua parte, mas não precisa se preocupar,
milorde.
— Será um prazer.
— Não sei nada sobre você, meu marido... — Ela olhava agora para
os lábios perfeitos dele.
— O que há para saber? — Ele parecia perceber que estava sendo
admirado, e divertia–se com isso.
— Já sabe tudo sobre mim, e sobre minha família. Sabe até de
minha boca suja quando estou raivosa.
— Sei que gritas quando fazes amor... — sussurrou ao ouvido dela,
causando–lhe um arrepio.
— Como pode ser tão sedutor em um momento e tão irascível em
outro? — Espantou–se ela, num murmúrio.
Ele riu:
— Os homens são assim.
— Não o meu pai.
— Então os ingleses são diferentes. Que tal um passeio pelo
bosque agora? Levo minha manta... — perguntou, com olhar penetrante.
— Não é bem um passeio que queres... — ruborizou Rebeca.
— Não mesmo...
Ela remexeu–se, nervosa. Ele voltou à carga:
— Vou te ensinar algumas palavras do gaélico que nos ouviu falar
durante a viagem, esposa. Quero escutar como pronuncia certas
coisas...quando estivermos a sós...
Rebeca sentia um calor tão intenso que abanou–se com as mãos.
Percebeu que os outros escoceses os observavam de longe, com sorrisos
marotos. Retesou–se:
— Vamos continuar a conversa. Quero saber sobre sua família.
Ele suspirou, contrariado. Tentaria seduzi–la novamente mais
tarde.
— Você será a senhora do nosso castelo. Não tenho mais mãe, ela
faleceu há alguns anos e meu pai até hoje não quis casar–se com outra.
Minha tia, a mãe de Gavin, viúva há mais tempo que meu pai, mora com
uma das irmãs em Glasgow. Tenho uma irmã mais velha, Chrystal, casada
e com três filhos, que mora a dois dias da nossa fortaleza. Ela nos visitará
quando souber que me casei. E tenho uma irmã caçula, Marian, de oito
anos, que vive no castelo comigo e com meu pai. Conto com você para me
ajudar com ela. Fica a maior parte do tempo com as criadas, e temo que
sinta–se um pouco solitária.
— Posso imaginar. Não a deixa brincar com outras crianças?
— Quero que ela seja uma dama, e faça um bom casamento.
Afinal, é filha de um grande lorde. Não a quero suja de lama, rolando por
aí como um menino.
Ela não sabia se deveria esboçar uma opinião. Havia tido uma boa
infância, criada quase como um garoto, mas ao mesmo tempo sua mãe não
descuidara de sua educação, passando aos filhos seus conhecimentos da
época em que vivia com o tio, um nobre abastado. Rebeca sabia se
comportar muito bem à mesa, e tinha boas maneiras, mas não teve uma
criação de lady. Acreditava, como seus pais, que as meninas tinham direito
de brincar tanto quanto os meninos.
— Não fui criada na corte, como sabe... Minha família têm boas
condições, mas meus pais nunca receberam nenhum título. Não tive uma
governanta.
— Mas sei que tem bons modos. Eu vejo. Só não vá, por favor,
nadar com Marian no rio usando apenas peças íntimas...
— Milorde, nunca esquecerá isso?
— Seria impossível, Beca. Impossível.
— Não cansa de fazer perguntas? — Suspirou Alastair, cavalgando
com Rebeca encostada em seu peito.
— Só desejo saber como é a vida que me espera, não precisa ser
rude.
— Se deseja um marido solícito pela manhã, esposinha, garanta ser
solícita a ele na noite anterior...
— E não o fui?
— Com muito custo.
— Já expliquei. Não desejava ser flagrada novamente por teus
homens. Que respeito terão por mim se a todo o momento me encontram
seminua pelos campos?
Ele sorriu.
— Pelo menos eles saberão, ao vê–la, que Deus existe.
— Não tem graça para mim. Fico envergonhada. E tive medo que
nos ouvissem também.
— Mas no final rendeu–se e não fomos pegos. Pouparia–nos tempo
e energia se tivesse se entregado logo. Não sou de desistir fácil. Por sua
causa dormimos pouco. Embora não me incomodasse nada ficar a noite
toda acordado com você sobre mim...
Rebeca riu nervosamente. A noite passada seu marido havia
deitado com ela mais afastado do resto dos homens, e assim que se
convenceu de que os outros estavam dormindo, tratou de seduzir a esposa.
Ela resistira bravamente, aflita com a possibilidade de despertar o resto do
grupo. Mas seu marido não era homem de aceitar um não como resposta.
Fez uso das armas mais vis que podia: suas habilidosas mãos e sua
sedutora boca. Havia por fim se rendido, exausta pelo embate, e agora
tinha consciência que sua tentativa de resistência fora mesmo uma tola
perda de tempo. Não para ele, lógico. Parecia–lhe que o não entregar–se
logo havia despertado nele ainda mais fogo, e a encarou como um
delicioso desafio. Bem, aquele não era um território em que ela
conseguisse sair vitoriosa facilmente. Alastair parecia bem treinado para
aquele tipo de luta, e isso a aborreceu um pouco. Onde e como aprendera
aqueles truques? Usava–os com frequência? Chegaria em seu novo lar com
a sombra das amantes de Alastair sobre sua cabeça? Não poderia perguntar
nada disso diretamente, pois ele descobriria que estava enciumada, e pior
ainda, apaixonada. E pelo menos esse sentimento ela gostaria de guardar
por orgulho, já que havia sido privada de tudo o mais ao ser obrigada a
largar família, amigos e hábitos tão bruscamente, para se meter em uma
outra pátria, com gente desconhecida a ditar–lhe novas regras, e pior,
novas ordens.
— Por que não paramos em uma hospedaria? Haveria mais
privacidade.
— E arriscar uma emboscada do príncipe Eduardo? Ele pode ter
mudado de ideia e querer você de qualquer modo. A pensar bem, já não
sendo mais virgem seria até mais fácil para ele...
Rebeca aceitou o argumento.
— Compreendo... Façamos um trato, marido. Conversas comigo
sem reclamar durante o dia, e não lhe oporei resistência logo mais a noite,
seja onde for...
Ela pode perceber que ele sorria, mesmo sem virar–se no cavalo
para vê–lo. Sentiu, com um arrepio, que as mãos dele seguravam as rédeas
do cavalo e lhe roçavam nos seios propositalmente.
— Acha que está em posição de fazer acordo? Posso viajar
silencioso ao seu lado e mesmo assim convencê–la a satisfazer–me à
noite. Sabe que posso ser bem persuasivo... Me agrada até a ideia de que se
faças de difícil...
— E lhe agrada a ideia que eu não me divirta no leito tanto quanto
você? — perguntou, petulante.
— Nem tente reclamar. Sei que aproveitaste. Tenho meu ombro
dolorido pelos teus dentes para provar. E me arranhaste as costas também.
Ela ficou rubra. Sim, cravara os dentes na carne dura de Alastair
para não gritar de prazer no instante do clímax. No momento ele não
pareceu se importar nem um pouco com a mordida ou com os arranhões.
Ele pareceu ler seus pensamentos:
— Não se preocupe com a mordida. Adorei teu jeito selvagem.
Também adorei quando gritaste na primeira vez. De qualquer forma,
quando se entrega o faz totalmente, então me agrada de todos os modos.
Você é fogosa, milady. — Enquanto falava, sentia–se mais uma vez
excitado. Colou–se ao corpo dela, juntando seu quadril às nádegas da
mulher, roçando mais ainda suas coxas às dela.
Ela percebeu a rigidez, e rebolou discretamente contra o corpo
masculino.
— Beca, que fazes? Assim me endoidas... — Sua voz soou um
pouco tensa.
— Distraio a você, milorde?
— Se continuar fazendo isso, precisaremos parar o cavalo, minha
querida, e eu a possuirei em plena relva...
Dessa vez foi ela que sorriu. Estava aprendendo a comandar a
brincadeira. Parou de movimentar–se subitamente.
— Ah... — reclamou ele — agora me decepcionas...
— Não quero interromper a viagem...
— Faça suavemente... Posso aguentar... Fará uma viagem mais
agradável para teu marido...
— Não sei... Reclamaste de mim ainda há pouco, disse que
pergunto coisas demais...
— Eu disse isso? Tolice minha, fique a vontade... Beca, não seja
malvada... Continue a mover–se daquele jeito...
***
— E acabamos por dar graças a Deus pela existência de Heather —
concluiu Blaine, sob o olhar divertido dos companheiros.
A viagem já estava chegando ao fim, e os escoceses estavam mais
bem dispostos para conversar, contando peculiaridades sobre os membros
do clã. Rebeca ouvia fascinada. Agora as histórias eram sobre o passado de
Derek. Ele havia sido um grande sedutor, e as mulheres caíam a seus pés.
Segundo o relato de seus companheiros, nenhum outro tinha chance
quando o chefe da guarda dos MacConnollyn resolvia conquistar uma
moça. Surpreendeu–se com isso, pois ele parecia o mais respeitável
homem do grupo. E apesar da boa aparência, não era o mais belo entre
eles.
— Heather o domou. Claro que quando ela chegou em nossa aldeia,
ficamos todos como uns bobos atrás dela. Era a moça mais bonita, e ainda
por cima espirituosa e inteligente. Foi um pouco frustrante perceber que
Derek também queria a mesma coisa que nós, diminuindo sensivelmente
nossa chance. Mas quando fez–se claro que era decente e correta, e só se
dignaria a envolver–se com ele se firmasse compromisso, todos saímos do
caminho e deixamos as coisas correrem em seu curso natural, afinal nós
queríamos que ele casasse e parasse de assediar todas as mulheres.
Resultado: um bom marido, uma boa esposa, e duas belas crianças! —
arrematou Ian, sentado ao lado dos companheiros.
Derek estava deitado na relva, escutando os relatos sobre ele,
preguiçosamente. Respondeu um pouco sonolento, os inteligentes olhos
negros querendo fechar–se após fartar–se no jantar preparado por Ian e
lady Rebeca Connollyn:
— E agora Blaine e Ian disputam o posto que antes era meu no
coração das mocinhas... Andaram treinando no seu casamento, lady
Rebeca, e não foram tão inocentes como os pais das moças de lá estavam
pensando, eu conheço seus truques, eu os ensinei...
— Então é tudo verdade, Derek? Não é mesmo brincadeira? —
Rebeca ainda não estava certa se devia acreditar completamente no que
havia escutado. Logo lembrou–se de Alice falando sobre como Derek era
impressionante e altivo, e como ao encará–la fizera–a tremer, e a forma
que suas amigas haviam reagido à sua presença na festa, mais do que aos
outros. Observando–o agora mais detidamente, pode realmente notar que
havia uma espécie de aura em torno dele, e mesmo que ele já não
desejasse exercer seu poder de sedução, estava ali, latente. Sua esposa
devia ser maravilhosa, por operar tal mudança. Desejou logo se tornar
amiga de moça tão esperta.
— É verdade, Rebeca. Meu amigo Derek era um homem terrível
com as mulheres. Eu e meu pai tivemos muito trabalho com ele —
replicou seu esposo.
— Tiveram trabalho com ele?
— Quebraram meu nariz pelo menos duas vezes tentando me
impor juízo. Alguns pais reclamavam de mim...
— Sir Derek! — ela o repreendeu, tentando não rir.
— Não era tão grave assim, milady, eu garanto que não roubava a
castidade das moças. Eram apenas alguns beijos...
— Mentira! Todos sabem que levava as garotas para o celeiro... —
acusou Gavin.
— Nem todas — protestou.
— Peguei–o com minha irmã Chrystal — replicou Alastair.
Derek arqueou uma sobrancelha:
— Só beijos, Alastair... E ela ainda não estava comprometida.
Hum... Aqueles belos olhos cor do mar... Não pude resistir... — fez uma
cara maliciosa, propositalmente.
— Viu? Por isso quebrei seu nariz. O problema de ter sido criado
com esses homens é que eles a toda hora esquecem que eu sou o chefe do
clã, e preciso lembrá–los de vez em quando... — disse Alastair, sorrindo
diante da provocação.
— E você, Gavin, não andou também tentando ocupar o lugar vago
do Derek? — perguntou ela, irônica.
— Olhe para ele, milady! — resmungou Ian — É o moço mais
bonito da vila. Não precisa esforçar–se nem para falar. Se ele sorri, as
mulheres já estão dispostas a erguerem suas saias.
— Ian! Cuidado com a boca — reclamou Alastair, com a sombra
de um sorriso nos lábios bonitos.
Gavin exibiu seu sorriso perfeito diante do comentário do amigo,
consciente de sua beleza de deus nórdico. Os MacConnollyn pareciam
produtores de homens bonitos, todos os cavaleiros ali eram da mesma
estirpe, com ramificações de parentesco direto ou indireto. O que a fez
pensar se também seu esposo não disputava o cargo de garanhão do clã.
Voltou–se para ele lentamente. Ele logo imaginou o que ela estava
pensando.
— Ah, não olhe para mim assim! — defendeu–se — Juro que nem
tenho tempo para envolver–me nos longos jogos de sedução que Ian ou
Blaine se propõem. E também não poderia usar o charme desavergonhado
que meu primo usa. Sou o senhor do castelo. Não posso dar mal exemplo.
Ela o estudou atentamente, calculando se dizia a verdade.
— É verdade sim, prima — defendeu–o Gavin. Os outros homens
assentiram com a cabeça.
Rebeca não os levou a sério. Sabia que podiam se unir para mentir
descaradamente. Já vira seus rostos sonsos fazendo isso no dia anterior,
sem nem precisar de combinação prévia, apenas usando um misterioso
código masculino.
— Me lembro de ter ouvido da sua boca, Gavin, no dia do meu
casamento, que as mulheres gostavam muito de seu primo...
Blaine soltou uma sonora gargalhada, antes de emendar:
— É passado, milady. Não precisa ter ciúmes.
Todos sorriam para ela, inclusive Alastair. Rebeca bufou.
— Quem disse que estou com ciúmes?
— Seu rosto diz, prima.
— É mesmo, Gavin? Veremos o que o rosto de Alice dirá quando
eu contar a ela que gastas seus sorrisos seduzindo as moçoilas de nossa
aldeia, e das nossas aldeias vizinhas.
Ele ergueu uma sobrancelha, ainda divertido, mas uma ponta de
preocupação surgiu em seu rosto:
— Também é passado, Rebeca.
— Como pode dizer isso e manter–se sem rir? Dois anos sem
mulher... Essa eu quero ver! Logo você? — provocou Ian.
Os outros guerreiros divertiam–se com a conversa, mas Alastair só
havia se concentrado em uma coisa quando sua esposa fez a advertência a
seu primo: ela havia falado “nossa aldeia”. Rebeca já assumira que era
uma MacConnollyn, e não mais uma Willkinson. Sua prometida agora era
uma escocesa das Terras Altas!
O castelo Torquil, dos MacConnollyn, podia ser avistado de muito
longe. Era grandioso e belo. Via–se a imensa muralha de pedras
abrangendo toda a fortaleza, com várias torres de segurança, protegendo as
choças e vielas que formavam a aldeia; e o muro interior, circundando o
lar do lorde, o canil, a capela e os casebres dos guardas e servos que
trabalhavam diretamente com os senhores do castelo. As brumas que
começavam a dissipar–se sobre a construção traziam–lhe um ar de
mistério. Os vastos campos plantados em volta, e as amplas fazendas
próximas às florestas completavam a visão impressionante, e
denunciavam a riqueza e boa administração do feudo.
Highlands!
Era mesmo uma paisagem de tirar o fôlego de tão bonita, o
ambiente de magia já se fazia notar no início de seus territórios. Quase
podia ouvir o entoar de cânticos e vozes de raças e culturas antigas
perdidas no rico passado do lugar. Estava mesmo em outro mundo, e já
gostava dele.
— É magnífico, Alastair! Eu estou absolutamente encantada! —
Beca exclamou. Todos os homens do grupo encheram o peito de orgulho
pelo elogio.
Estava encantada e aliviada também, por finalmente terem
chegado. Seu corpo já ressentia–se de ficar por tão longo tempo no lombo
de um cavalo, não estava habituada a cavalgar tanto, diferente de seus
companheiros de viagem, que pareciam centauros, de tão integrados a suas
montarias. Suas pernas estavam um pouco dormentes, sem falar sobre
como estava seu traseiro! Precisaria de ajuda para desmontar, e sentiu–se
agradecida quando apeou.
Dentro das muralhas foram saudados afetuosamente pelos
moradores. Algumas mulheres fitaram Rebeca com curiosidade, outras
com inveja, mas no geral o ambiente era bem acolhedor. Alastair fez
algumas apresentações breves, e conduziu a esposa ao seu novo lar.
O interior do castelo também era bonito e organizado, mas não
havia ali nenhum toque feminino que lhe desse impressão de acolhimento
ou aconchego. O único adorno do salão era o brasão da família em uma
das paredes. Observou o símbolo do clã com muita atenção. Era
imponente, com o mesmo desenho central que vira no ornato que Alastair
usara no dia do casamento, envolto em arabescos e armas cruzadas. O
emblema era tão másculo como os highlanders que o empunhavam.
Olhou tudo a volta, com atenção.
Rebeca registrou mentalmente que deveria trazer algumas
tapeçarias para as paredes, e poltronas de couro e almofadas para distribuir
por todo o grande salão. Também algumas peles macias no piso, próximas
a lareira, ficariam bem. E mais tochas deveriam ser espalhadas, a
iluminação ali era parca. Iria arregaçar as mangas em breve, seria bom
ocupar–se com algo útil, e a administração de um local tão grande devia
dar trabalho.
— Ah, finalmente vou conhecer a dama do rio! — A exclamação
proferida por uma voz de barítono vinda do alto das escadas sobressaltou
Rebeca. Olhou curiosa em direção ao som. Um homem grande, com alguns
fios grisalhos entre os cabelos negros, descia os degraus, trajando um
elegante manto axadrezado. Adivinhou que era o patriarca do clã.
Ele aproximou–se, pegando as mãos dela entre as suas.
— Sou teu sogro, Duncan MacConnollyn. Seja bem vinda, filha.
— É um prazer, meu senhor. Agradeço muito por ter me acolhido
em sua casa. — Curvou–se, flexionando os joelhos, e ele a reergueu,
pousando um beijo em seu rosto.
— O prazer é meu. Seu pai é um caro amigo. E esta casa é sua
agora. — Tinha os mesmos olhos azuis de Alastair e Gavin, e um sorriso
tão generoso quanto o deles.
— Por que chamou–me de dama do rio, senhor?
— Tua fama a precede, Rebeca. Meu emissário contou-me sua
história... Penso que sua história se espalhará como fogo em palha,
atravessando fronteiras, correndo mais rápido que seus cavalos. Até os
bardos irlandeses cantarão como a moça mais bonita da Inglaterra fez com
que um nobre se apaixonasse ao vê–la tomando banho nua em um rio. E
contarão também que o malvado licencioso queria roubar–lhe a pureza
mas foi impedido por um heróico cavaleiro escocês. — Olhou
significativamente para seu filho, que sorriu.
— Meu Deus! — Ela arregalou os olhos verdes. — Não foi assim,
senhor conde! Eu não estava nua, o príncipe não é um imoral, ele não
tentou forçar–me...
Seu sogro ergueu a mão para que silenciasse.
— Não fique nervosa, moça. Certamente que as coisas não
correram exatamente assim, mas cada poeta que contar sua história a
aumentará um pouco, não haverá jeito de controlar isso.
— Isso irritará o príncipe Eduardo se chegar a seus ouvidos...
Minha mãe e meu pai podem sofrer as consequências por causa disso... —
Rebeca levou a mão à testa, perturbada.
Alastair envolveu os ombros dela com seus braços:
— Acalme–se, minha ruiva. Ei, ei, Beca, olhe para mim!
Ela finalmente saiu de seu estado de pânico, ao ser chamada pelo
apelido íntimo. Ergueu os olhos para encarar seu marido, que a olhava
ternamente:
— Tudo ficará bem, querida, verá.
Ela balançou a cabeça, tensa. Alastair beijou-a.
— Tranquilize-se, esposa. Quem poderá saber que trata–se dele? Se
isso chegar a acontecer, acabará se tornando apenas uma lenda, e será
esquecida com o tempo.
Alastair fez sinal a uma criada:
— Emma! Esta é minha esposa, lady Rebeca. A nova senhora do
castelo. Leve–a para os meus novos aposentos, prepare–lhe um banho e a
auxilie no que mais ela precisar.
— Sim, meu senhor. — Assentiu a criada. Rebeca a seguiu, ainda
apreensiva.
Quando viram–se a sós, pai e filho se aproximaram e apertaram–se
as mãos amigavelmente.
— Parabéns, meu filho. Ela é mesmo linda!
— Eu sei, pai. Foi muita sorte a minha! — Sorriu, orgulhoso.
— Mas a história provavelmente correrá, Alastair.
— Possivelmente, mas não quero deixá–la mais preocupada. Talvez
tenhamos que escrever ao rei Alexandre, para que se entenda com o rei
Henrique e evite quaisquer problemas diplomáticos.
— Pode ser...
— E se acontecer, será que podíamos pedir a um desses menestréis
que acrescente nas canções o fato do escocês salvador da donzela ser
produtor de uisge beatha? Imagine como favoreceria nossos negócios...
— Pela virgem Maria! — disse o pai, sorrindo — Tripudias dos
ingleses até quando a coisa é séria...
O filho sorria abertamente, dirigindo–se à porta do castelo onde
seus companheiros o esperavam:
— O que não tem remédio, remediado está, meu pai. De que
adianta desesperar nesse momento? Vou dar uma volta pela fortaleza. Nos
vemos mais tarde.
***
Rebeca olhou os amplos aposentos destinados à ela e o esposo.
Três aposentos interligados, mas apenas uma cama, grande e confortável,
posta entre as janelas e a lareira, ladeada por uma grande arca e uma
mesinha para refeições. Sentiu–se satisfeita ao constatar que Alastair
desejava dormir com a esposa todas as noites. O outro recinto tinha uma
banheira grande de madeira, e o último, baús, uma escrivaninha e cadeiras.
Corou ao imaginar–se na tina junto com o marido, ou rolando com ele
sobre o colchão, gozando da privacidade de seu novo lar. Aceitara o fato de
que aquele completo estranho de alguns dias atrás agora era seu marido,
seu senhor, e seria pai de seus filhos. Da mesma forma aceitara o fato de
que estava cada vez mais apaixonada por ele. Tentaria manter a paz entre
os dois para conquistar–lhe o afeto, mesmo sem saber exatamente como
poderia fazer isso. Ele um dia também teria que amá–la, mesmo que fosse
bem pouquinho. Banhou–se com o auxílio da criada e vestiu uma camisola
fina e delicada que sua mãe havia lhe dado de presente para as núpcias.
Depois aguardou, nervosa, a chegada de seu lorde, sentada numa das
poltronas aconchegantes em frente à lareira, olhando ansiosamente para o
leito matrimonial. Era, definitivamente, o começo de sua nova vida.
Alastair voltava das destilarias com Ian e Blaine, depois de mais
um dia exaustivo, quando viu Gavin treinando luta de faca com um
cavalheiro ruivo de cabelos presos.
— Quem é esse? — perguntou Blaine, estreitando os olhos à
distância.
— Não sei... Parece pequeno perto de Gavin... — respondeu Ian,
enquanto se dirigiam às estrebarias.
O lorde entregou as rédeas de seu animal ao responsável pelos
estábulos e dirigiu–se para o pátio onde seu primo treinava com o outro
cavalheiro. À uma certa distância reconheceu quem era. Blaine, ao seu
lado, também:
— É lady Rebeca! Ela está usando calças de homem!
Aproximaram–se. Alastair estava lívido. Havia outras pessoas em
volta olhando, inclusive seu pai e sua irmãzinha Marian. Rebeca usava
calças compridas de homem, que lhe pareceram bem apertadas, e uma
túnica também masculina, tão larga que ela havia precisado amarrar as
pontas na cintura para não atrapalhar seus movimentos.
— Não, milady! — explicava Gavin, guardando sua adaga. — Está
baixando demais a guarda! Assim leva uma estocada na barriga. Encolha o
estômago! Assim!
Gavin aproximou–se, espalmando a mão no estômago de Rebeca,
para que ela se curvasse ligeiramente. Continuou com a mão ali alguns
segundos, enquanto explicava:
— Teu agressor tentará te acertar em qualquer parte, como sabes,
mas a barriga geralmente é o que a faca intenta cortar primeiro, pois
sangra mais e assusta, então o adversário aproveita esse momento de
distração para fazer pior. Proteja–se mais. — Afastou–se novamente,
tirando sua adaga da bainha. — Podemos continuar?
Ela concordou com a cabeça. Gavin fez um movimento para frente
e Rebeca pulou como um felino. Nova tentativa dele e nova fuga dela. O
escocês riu:
— Só sabes defender–se? Ataque!
— Tenho medo de lhe machucar!
Todos riram gostosamente. Até Alastair sorriu do comentário,
mesmo ainda contrariado por ver seu primo tocar Rebeca com intimidade.
— Pode tentar, milady Rebeca... — Gavin sorria.
Ela não se deixou intimidar pelo pouco caso, e sorriu também.
Num movimento de espantosa rapidez, trocou a faca de mãos, confundindo
seu oponente. Então esticou o braço em um gesto fluido, e a ponta de sua
adaga deslizou no punho da camisa de Gavin, fazendo um corte horizontal
no tecido.
Ele olhou para o corte, admirado.
— Desculpe pela camisa, primo. Depois eu costuro.
As pessoas que assistiam deram novas risadas. O guerreiro loiro
curvou–se galantemente para ela:
— Parabéns, Milady! Se desejasse, teria cortado fora o pulso de
seu oponente.
— Agradeço o treinamento, Gavin. — Rebeca guardou sua adaga
na bainha do cinto.
A assistência foi se dispersando, e só sobraram Alastair, seu pai,
Marian, Blaine e Gavin. O marido aproximou–se da esposa. Ela logo
percebeu seu olhar de poucos amigos.
— O que é tudo isso, Rebeca? Essa brincadeira? Essas roupas? —
Olhou–a de cima a baixo, julgando que a calça justa revelava muito das
formas de sua esposa.
— Alastair, a culpa é minha. Vi sua esposa vagando dentro do salão
como um bicho enjaulado e recordei-me de ter contado que treinava luta
de faca com seus amigos. Eu tive a ideia de chamá–la para treinar aqui
fora, a fim de que se distraísse um pouco. — Adiantou–se Gavin.
Alastair voltou os olhos para o primo, lentamente. Observou–o
bem de perto, com expressão de desagrado.
— E se você a tivesse ferido?
— Sabe que eu nunca a machucaria. — Gavin o olhou com
firmeza. — E nem faria nenhuma outra coisa também, se é que está
pensando. Qual o seu problema?
Alastair apontou um dedo no peito do primo, empurrando-o:
— Não gosto que mande minha esposa vestir roupas justas para
exibir–se em público! E não admitirei que tente tomar intimidades com
ela!
— Alastair!
O conde gritou para seu filho, logo pondo–se entre os primos
enquanto os dois estufavam os peitos, como galos prontos para uma briga.
— Ele não fez nada de mais, e a ideia da calça longa foi minha.
Como ela poderia se movimentar direito usando saia comprida?
Blaine postou–se ao lado de Gavin, apreensivo, pronto para apartar
uma briga.
Rebeca estava muito séria, observando os homens que discutiam.
Esticou a mão para Marian. A menina a pegou.
— Venha, Marian. Vamos comer alguma coisa. Deixe os homens
conversarem. — Deu–lhes as costas, aborrecida.
Nos últimos dias havia tentando treinar espadas com Ian, arco e
flecha com Blaine, cavalgada com Heather, brincadeiras de bola com
Marian, e em cada uma das vezes havia enfrentado uma reação negativa de
seu marido. A cada momento ele encontrava um ponto negativo para o que
ela fazia. Ora era o risco que corria, ora era a desculpa que poderiam
pensar mal dela. Assim que colocava o pé fora do castelo seu esposo ou
algum de seus vigias já se aproximavam, dizendo que não devia fazer isso
ou aquilo. As pessoas se afastavam cada vez mais de Rebeca, para evitar a
ira de Alastair. E agora ele também estava se indispondo com o primo, a
quem dizia ser como um irmão.
O que Alastair parecia tolerar um pouco mais era que Rebeca se
mantivesse em companhia feminina. Ele as poupava de suas intensas
crises de mau humor, embora também desaprovasse que ela, Heather e
Marian se lançassem às carreiras, gritando alegremente no meio de um
monte de crianças, com suas saias meio amarradas como fraldas para que
não se enredassem em suas pernas e as fizessem cair, jogando bola ou
brincando de pegar, e também implicasse com suas cavalgadas.
Felizmente a caçula de Duncan e a esposa de Derek estavam a salvo de
grosserias. Só olhava suas vestimentas, aborrecido por ver que as três não
se incomodavam em mostrar parte das pernas, coisa que outras damas
faziam questão de ocultar. Algumas vezes Rebeca viu o olhar do marido
buscar apoio em Derek, mas o esposo de Heather parecia divertir–se com
as brincadeiras da esposa, simplesmente dando de ombros pela sua falta de
modos, e várias vezes aproveitando para elogiar–lhes as pernas, fazendo–
as rir e corar. O conde MacConnollyn também deixava a filha à vontade,
satisfeito por vê–la finalmente alegre, entre outras crianças.
Porém, mesmo assim, Alastair resmungava tanto sobre as
brincadeiras inventadas, que até estas diversões procuravam fazer
escondido. Não era muito engraçado ver–se diante de um olhar duro de
censura, e muitas vezes acabava voltando cabisbaixa para o interior do
castelo, evitando confronto.
Isto quando se encontravam durante o dia.
Os Connollyn, pai e filho, estavam sempre correndo para lá e para
cá; o pai resolvendo as questões dos moradores de seu feudo e da produção
de lã, e o filho envolvido com a fabricação de uísque e os preparativos da
armazenagem de alimentos para o tempo gelado que viria, sem tempo de
qualidade para dedicarem–se a uma boa conversa ou alguma diversão.
Tinham muitas encomendas, e as entregas precisavam ser feitas antes do
inverno. Havia pouco tempo. A inglesa tentava desesperadamente
acreditar que vinha dessa correria e trabalho excessivo o temperamento
quase insuportável de seu consorte quando a via divertindo–se durante o
dia. Devia julgar que ela deveria estar trabalhando também, o tempo todo,
como ele. Mas isso era desnecessário. Cumpria suas obrigações matinais
com rapidez e eficiência, e haviam empregados demais para que ela
precisasse ocupar–se diretamente dos afazeres domésticos que faziam a
residência funcionar. Ficar sentada em casa era muito tedioso.
Além da intemperança de Alastair, havia algumas coisas que a
incomodavam ainda mais. O fato principal era que ele não se contentava
em apenas reclamar de tudo que ela fazia. Ele queria mesmo mandar em
suas vontades. Isso era o mais irritante. E a outra questão era que só a
noite o homem se tornava doce e agradável, quando conseguia tudo dela
sem o menor esforço. Rebeca julgava, quase resignada, que essa atitude a
mantinha também num tipo de prisão. Tinha consciência que ele já havia
aprendido como manipulá–la nesse ponto, sempre conseguindo os
resultados almejados. E depois disso, já saciado pela manhã, podia dar–se
ao luxo de voltar a ser o carrancudo de sempre. Era como se tivesse dois
maridos: um brutamontes de dia, e um carinhoso de noite.
Não sabia como resolver isso, pois não podia negar–se ao esposo, e
mesmo que pudesse, não conseguiria fazê–lo, pois ansiava pelos
momentos em seus braços. Seus carinhos, seu afagos... Migalhas que
fossem, de seu afeto.
Já subia os degraus do castelo quando seu marido a alcançou,
puxando–a pelo braço.
— Será possível, Rebeca? Não tem um dia que eu volte para casa e
a encontre como uma esposa normal, sossegada, dentro de casa? Deve
sempre se colocar em evidência, sempre arriscando–se de alguma forma?
Você não vive mais com o papai e a mamãe, deve agir como adulta! Não
percebe que seu estilo de vida temerário levou seus pais a mandarem você
para o outro lado da fronteira por que nem eles conseguiam mais protegê–
la? Nunca aprende? Vou mantê–la trancada no quarto se continuar a fazer
loucuras! Se teu pai não soube impor–lhe limites, o farei eu. Tu aprenderás
a seguir as regras por bem ou por mal!
Rebeca estava imóvel e pálida, de mão dada com a menininha a seu
lado, que apertava–lhe os dedos nervosamente, os olhinhos arregalados.
Forçou–se a manter a voz calma e sorriu apaziguadoramente para a
criança:
— Querida, entre e peça a Emma para preparar uma refeição para
nós. Logo estarei com você.
A menina assentiu, olhando antes para o irmão, e fazendo–lhe uma
careta.
Alastair franziu as sobrancelhas, ainda mais.
Assim que Marian se afastou, Rebeca voltou–se para o marido, os
olhos verdes parecendo soltar faíscas de raiva, não podendo conter–se
mais:
— Eu não me ponho em risco diariamente! Isso é desculpa para teu
jeito possessivo! Não sou um troféu que ganhaste numa disputa com o
príncipe Eduardo! Sou humana, sinto–me entediada e solitária, e não me
deixas fazer nada!
— Como te sentes solitária, se não lhe falto uma noite sequer,
“milady“? — Ele arrastou a palavra final, provocando–a.
— Sim. Visita–me a noite como quem visita uma meretriz... Só
para aplacar teu desejo, nada mais. Tenho sentimentos, “milorde” —
respondeu, amarga, dando ênfase ao título dele no mesmo tom que ele
usara para com ela.
Alastair recuou um passo, e os olhos escureceram:
— Não diga uma coisa dessas! É minha esposa, a senhora de
Torquil, e é claro que sei que tem sentimentos, eu vejo quando está em
meus braços!
— Ah, para você a esposa é só isso, como já fez questão de dizer–
me. Minhas noites podem ser quentes, mas meus dias não conseguem nem
mesmo alcançar tepidez!
— Não está satisfeita aqui? Então eu posso...
— Alastair, o que há com você ultimamente? — interrompeu o
conde, aproximando–se para salvar a situação mais uma vez. — Vamos
todos entrar, estão dando um pequeno espetáculo aqui fora. As pessoas já
estão olhando! — Colocou o casal para dentro, atravessando a pesada
porta do salão.
Já no interior do castelo, empurrou gentilmente a nora para uma
mesa posta com o alimento pedido por Marian, e arrastou seu filho para o
outro lado, onde ficava a grande lareira. Agora havia macios tapetes de
pele de animais no chão, e agradáveis poltronas de madeira e couro.
Algumas cadeiras em volta de mesas preparadas com tabuleiros de xadrez
tinham almofadas bordadas e encosto de pêlo de carneiro. Sobre a lareira
Rebeca havia mandado pendurar uma cópia do brasão MacConnollyn feito
em metal pintado, sob encomenda com o melhor artífice da região, assim
como escudos e espadas que haviam pertencido a antepassados famosos do
clã, e saíram de baús poeirentos, sendo limpos e polidos para serem
exibidos em toda a sua glória e brilho nas paredes antes vazias.
— Vê como esse castelo ficou mais agradável com a ajuda de tua
esposa? O que ia dizer a ela antes que eu te interrompesse? Ia dizer que a
devolveria? Sem minha permissão? E depois de desfrutar tanto dela à
noite que até do meu quarto posso ouvi–los? A vergonha maior seria a
minha se o fizesse, e ainda me indisporia com meu amigo inglês! Sabe
quem se deliciaria com essa devolução? Teu amigo, o príncipe Eduardo. —
Enfatizou a frase, e viu seu filho fazer uma careta de ódio. Prosseguiu:
— Certamente ele a recolheria alegremente em seu palácio,
transformando–a numa luxuosa e poderosa concubina. E ela seria uma tola
se não aceitasse! Porque seria coberta de atenção e carinho pelo futuro rei
da Inglaterra!
— Eu não a devolveria nunca! Não a entregaria de bandeja para
aquele homem! Jamais! Falar isso para mim é um ultraje!
— Então tenha modos dignos e honrados! Você tem uma boa
mulher, de coração honesto e bom, e a mais linda de todas que já vi.
Quando chegou com ela julguei que seria um bom marido, Alastair. Mas
vejo os dias passarem e você mal olhar para tua esposa. Sei que dizemos
que as mulheres existem para saciar e servir os homens, mas sabemos na
prática que não é bem assim.
Alastair ergueu uma sobrancelha. Saciar–se? Nem depois de
fazerem amor estava saciado de Rebeca. Parecia uma fome sem fim, a
arder–lhe as entranhas. Ela lhe pertencia, e ele gostava de estar no controle
e seduzi–la, mas sentia–se também atado a sua presa. Quando a encontrava
à noite no quarto, esquecia–se de tudo o mais e era sempre um homem
amável e gentil, e ela acabava por entregar–se totalmente, ambos
esquecendo das desavenças do dia. Não deixara de mergulhar nas dobras
úmidas dela nem uma noite desde que chegaram. Estava sempre sentindo–
se faminto e atormentado por ela, a ponto de quase enlouquecer de desejo
e amor. Não podia imaginar–se sem Rebeca. Não podia imaginá–la com
outro. E ela era irritantemente atraente. Que homem não a desejaria?
— No entanto, todos os outros daqui a acolheram bem. — O
patriarca continuou — Marian a venera! Os empregados a adoram, seus
homens a respeitam! Você é o único aqui que a trata mal. Diariamente.
Alastair sacudiu a cabeça com veemência.
— Eu não, pai! Eu não bato em minha esposa!
— Ah, sei que não bates nela, e sei que ela é feliz com você dentro
do quarto, mas no geral não é mesmo um bom marido. Hoje quem deveria
estar treinando corpo a corpo com ela lá fora era você, e não teu primo.
Ontem era você que deveria estar cavalgando e mostrando nossas terras
para ela, e não a Heather. E anteontem não era o Blaine que deveria estar
ensinando arco e flecha a ela. Deveria ter sido você. Você! Mas não a
acompanha em nada, nem sequer uma vez. E ainda fazes pior, maltratas
quem quer ser agradável com ela! Tem ciúmes de teus amigos, de teu
primo, de teus guardas! Teve ciúmes até de Heather! E não pense que não
notei seu olhar furioso sobre mim hoje pela manhã quando me atrevi a
beijar minha nora nas bochechas ao desejar–lhe bom dia. Senti–me
ofendido com teu olhar. Rebeca para mim já é como uma filha. Gavin saiu
daqui destruído com seu tratamento para com ele, pois o tem como a um
irmão. Que loucura vai na tua cabeça? Não percebe que está passando dos
limites?
Alastair estava rígido na poltrona, tal como uma estátua. Saiu com
dificuldade do estado letárgico que se encontrava. Levou uma mão ao
rosto, alisando a testa. Jamais admitiria a qualquer um como se sentia
angustiado por estar apaixonado e tentar negar o fato. Mas estava diante de
seu pai e seu senhor, o homem que mais confiava no mundo e o único com
quem podia conversar sem sentir–se rebaixado:
— Agora sim percebo que estou passando dos limites... Não sei o
que me acontece. Desde que conheci Rebeca vivo em conflito, sem saber o
que fazer. Sou louco por ela. Acho que aí está o problema. Sei que Eduardo
também ficou louco por ela, e me incomoda que possa cruzar nosso
caminho novamente. Eu queria esganá–lo no dia do meu casamento. E se o
senhor tivesse visto a reação dos homens que estavam comigo quando
vimos Rebeca pela primeira vez, na beira do rio, entenderia talvez o meu
ciúme. Eu nunca pude esquecer aquela visão magnífica! Não acredito que
nenhum homem que a tenha visto daquele jeito, quase nua, também
esqueça.
— Talvez eles realmente não tenham esquecido a tal visão
magnífica, mas já lhe ocorreu que você é que é o marido dela? Você que se
deita com ela todas as noites. É a você que ela está unida. Qualquer outro
homem apenas a admira, como quem vê uma bela pintura na parede. Não
pode tratá–la como os outros a vêem. Ela não é um objeto, nem um troféu,
como ela mesma disse. Ela será a mãe dos teus filhos, e a companheira até
o fim de seus dias!
Alastair anuiu, cabisbaixo.
— Está bem, meu pai. Serei menos ciumento.
— E arranjará mais tempo para ela?
— Não posso, tenho que apressar a produção do uísque e despachar
as encomendas.
— O príncipe Eduardo comanda os exércitos do rei da Inglaterra e
encontrou tempo para cortejar Rebeca. Você não tem mais
responsabilidades do que ele.
— Eu arranjarei tempo. — Suspirou.
— Perfeito! E hoje, ao jantar, acertará as coisas com teu primo.
Como senhor deste clã e teu pai, eu o ordeno. Não vou tolerar picuinhas
sob meu teto.
— Sim, senhor.
Conde MacConnollyn retirou–se do salão, e Alastair aproximou–se
lentamente da mesa onde estava sua esposa.
***
— Vou fechar os olhos, Marian, e você irá se esconder. Contarei até
vinte e depois vou procurá-la! — avisou Rebeca, enquanto cobria os olhos
com as mãos. A bela menina saiu correndo, já às gargalhadas.
Quando terminou de contar em voz alta e tirou as mãos do olhos,
Rebeca viu–se diante de seu marido. Suspirou profundamente antes de
falar:
— Não diga nada, milorde, deixe–me adivinhar... Você vai dizer,
mais uma vez, que não fica bem a lady MacConnollyn ficar brincando de
correr com as crianças.
— Eu não ia dizer nada disso. Gostaria de saber se quer dar um
passeio comigo depois dessa brincadeira. A cavalo, e só nós dois —
respondeu ele, suavemente.
Sentiu uma estranha sensação no peito quando observou o rosto de
sua esposa desanuviar–se e adquirir uma aparência gentil. Os olhos verdes
fixaram-se intensamente no rosto dele. Alastair pareceu enxergar alguma
coisa diferente naquele olhar, mas não conseguiu definir exatamente o
que. Seria apenas alívio? Ou algo mais?
— Eu adoraria, Alastair. Deixe–me encontrar Marian primeiro, e
depois colocá–la aos cuidados da ama.
Ele segurou a mão dela antes que se afastasse.
— Não troque de roupa. Cavalgar de calças vai ser muito fácil do
que usando um vestido comprido.
Rebeca olhou–se, pasmada. Havia ficado tão perturbada pela
grosseria do marido que esquecera de trocar–se. E a roupa era tão
confortável que ela nem percebera que ainda a estava usando.
— Não é minha, sabe? Acho que era de sua irmã mais velha.
— Eu reconheci as calças. Eram mesmo de Chrystal. Ela usava
quando ia tratar os cavalos nos estábulos. Sempre teve muito jeito com os
animais.
— Não achava isso condenável em uma dama? — perguntou, um
pouco mordaz, mas ele sorriu.
— Minha mãe ainda era viva na época, e convenceu a todos nós
que não havia problema algum nisso. E realmente não houve, porque
Chrystal fez um bom casamento e pelo que eu soube é responsável pela
saúde de todos os cavalos dos estábulos de seu marido.
— Então... — começou a falar, mas ele a interrompeu:
— Marian gosta de se esconder na cozinha. Vou comer uns pães
enquanto você a procura. Ela é boa nisso, então sentarei aqui e esperarei
pacientemente.
— Está bem.
Rebeca sorriu de novo, percebendo que o marido não queria mais
brigar, e o coração de Alastair pareceu encher–se novamente. Deu-se conta
que havia algum tempo que sua esposa não concedia-lhe um sorriso de
verdade, mas estava fazendo isso agora. E ele decidiu que se esforçaria
para fazê–la sorrir com mais frequência.
— E qual o nome dela?
— O nome dela? — repetiu Alastair olhando espantado para sua
esposa.
— Sim. Qual o nome dessa égua que você está me dando de
presente?
Ele abriu um grande sorriso:
— Que tal chamá–la de “Égua”?
Foi a vez de Rebeca sorrir:
— Tudo bem. Vou escolher um nome. — Esporeou o animal para
que corresse mais.
Alastair havia presenteado Rebeca com a égua branca antes de
saírem, explicando que era mais rápida que a montaria que havia trazido
da Inglaterra. Mas o escocês ainda era o melhor cavaleiro, e seu cavalo o
mais rápido, e havia total sincronia entre os dois. Rebeca precisava
esforçar–se para acompanhá–lo na carreira. Ela estava adorando a aventura
e a companhia do marido, principalmente após a discussão mais cedo. Seu
lorde parecia tranquilo agora, e mais bem-humorado do que de costume.
Não sabia o que o sogro dissera ao filho depois da briga, mas o que quer
que fosse, tinha surtido efeito positivo.
— Você é boa amazona. Agora vou ensinar–lhe a fazer um cavalo
saltar. Curve–se sobre o animal, como se fossem um só. É preciso inspirar
confiança, senão ele vai parar diante do obstáculo ou simplesmente
empinará e a derrubará no chão. Firme as coxas na montaria quando ela
pular. Pronta?
Ela fez um sinal afirmativo com a cabeça, um pouco ansiosa.
— Atenção, dama do rio! Prepare–se e vamos!
Dispararam os cavalos em direção a um obstáculo de pedras que,
segundo Alastair, havia sido preparado há muito tempo para treinamento
dos guardas de seu clã.
O corcel de Alastair rasgou o ar primeiro, em um salto magnífico.
Logo adiante, ele puxou as rédeas do garanhão e voltou–se, aguardando o
salto de Rebeca. Estava apreensivo. Sabia que se ela falhasse poderia
machucar–se seriamente caindo sobre as rochas enfileiradas. Mas já a
havia visto cavalgar na Inglaterra e a vira apostar corrida com Heather, e
sabia que ela tinha talento para dar um bom salto. Hoje ela havia
demonstrado mais uma vez sua perícia com a égua que ele lhe dera.
Desejara dar à sua mulher um voto de confiança, e ensinar–lhe algo útil e
agradável, que superasse o que havia aprendido com os outros escoceses
nos últimos dias. Sempre fora um exímio cavaleiro, e gostava de
pessoalmente ensinar seus homens técnicas de montaria. Orgulhava–se de
ter uma boa intuição a respeito dos homens que treinava, percebendo à
primeira vista quem eram os mais capazes e quem eram os mais fracos.
Esperava estar certo no julgamento com Rebeca também. Tinha apenas
uma certeza: Sua ruiva era uma aluna dedicada e atenta, e tinha pernas
fortes, que conseguiam até mesmo prendê–lo, apesar da diferença de
tamanho entre eles. Excitou–se lembrando como ela enlaçava–se ao redor
de seus quadris ao fazerem amor. Essa firmeza nas coxas garantia–lhe que
se o animal empinasse, ela se manteria firme na sela, evitando a queda.
Aguardou que a esposa saltasse, a respiração suspensa.
Rebeca incitou sua égua. O animal ganhava velocidade
rapidamente. Ergueu suavemente as rédeas, como Alastair havia ensinado.
As duas fêmeas moldadas uma a outra como se fossem uma só.
Saltaram.
Um salto espetacular, sem erros. Ela diminuiu o galope,
aproximando–se do marido. Tinha o rosto úmido pela tensão, vibrante com
o sucesso:
— Você viu, Alastair? Eu consegui! O que achou? — Ela ansiava a
aprovação dele.
Alastair olhava a esposa, sério. Seu coração desanuviou–se no
momento em que ela saltava. Antes que elas tocassem o chão ele já sabia
que tudo estava bem. Um sorriso orgulhoso foi surgindo em seus lábios, ao
constatar que aquela era a mulher de sua vida, e que a amava totalmente:
— Perfeita! — Sim, perfeita para ele, em todos os sentidos.
Debruçou–se sobre seu corcel negro, e aproximou–se da esposa
para beijá–la. Ela correspondeu imediatamente, entregando seus lábios.
Quando suas bocas de afastaram, Beca sussurrou:
— Você é muito bonito, marido... Toda a vez que olho para você,
sinto meu coração disparar... — Ela realmente o admirava, e tocou os
cabelos ondulados e escuros dele, que desciam soltos até bem abaixo dos
ombros, como usavam a maioria dos homens do seu clã.
— Minha aparência a agrada e emociona, Beca? Minha beleza?
Lembro que tivemos uma briga terrível no caminho para as Highlands
porque julgou que fiz pouco caso da sua.
Ela pareceu um pouco desconcertada:
— Não. Julguei que fez pouco caso de nossa união.
— Não gostaria que brigássemos de novo.
Ela suspirou.
— Não desejo brigar também, Alastair.
— Então vamos pôr os animais em marcha. Quero mostrar–lhe
uma coisa antes que a noite caia. De qualquer forma, devo esclarecer que
não tive intenção de julgá-la por sua aparência, nem de fazer pouco caso
de nossa união, minha senhora. Eu respeito nosso casamento.
— Nesse caso, peço desculpas por lhe haver xingado naquele dia...
— ela corou.
Alastair deu um sorriso breve, lembrando do fato acontecido na
viagem até Torquil, porque ele falara que simplesmente tinha que cumprir
o acordo de casamento, fosse ela feia ou bonita. Rebeca o havia xingado
dos piores nomes, deixando–o sem ação. Era mesmo uma moça muito
atrevida, a sua inglesa. Ele encerrara a briga dando–lhe um beijo que a fez
ficar com os joelhos moles.
Os cavalos trotaram devagar por uma trilha rodeada por flores e
árvores frutíferas. O aroma do ambiente embriagava.
— Na volta colheremos algumas flores para espalhar no pátio do
castelo. Minha mãe fazia isso para perfumar o ambiente.
— Mas que ótima ideia! Posso vir colher as flores diariamente,
fazer disso um hábito! — Animou–se Rebeca.
— Não deve sair sozinha do castelo. Nunca. — Ele preocupou-se.
— Mas não falaram que estamos em tempos de paz? Temos algum
problema com outro clã?
A boca de Alastair contraiu–se.
— Não são os outros clãs que me preocupam. Um grupo de
ingleses foi visto errando por aí.
— Oh! São da guarda real?
— Não. Não portam o estandarte da coroa inglesa, e nem usam
uniforme.
— Ah, ainda bem... — Ficou aliviada.
— Não é melhor, Rebeca. Podem ser ladrões ou mercenários. E
certamente não respeitarão nossas mulheres. Entende o que digo?
Ela assentiu.
— O que está na fortaleza é meu, Beca, e você é minha. Não posso
suportar a ideia que alguém lhe toque, lhe deseje, lhe faça mal. E sua
beleza é tentadora demais para arriscar–se a sair sem segurança. Prometa
que não tentará voltar aqui para colher flores. Prometa que nunca virá
cavalgar sozinha longe das muralhas.
— Eu prometo, meu marido.
Alastair apeou e ajudou sua esposa a desmontar e conduziu–a pela
mão até uma clareira.
Oculta pelas árvores que ladeavam a trilha erguia–se a mais
verdejante paisagem que Rebeca já vira, e uma esplêndida cascata descia
pelas rochas formando um lago pequeno e límpido. Um filete de água
esgueirava–se por um sulco e abria–se num riacho que alargava–se e
seguia por longa extensão.
— Em breve o inverno chegará e as águas ficarão geladas, mas por
enquanto, se pisar no lago, verá que é agradável. Mesmo com o pouco sol
que bate na cascata, a temperatura dessa bacia é quase morna.
Acreditamos haver magia aqui. — Ele sorriu. — Que não me ouça nenhum
padre... Tire as botas e as calças compridas para molharmos os pés. Você
vai gostar, minha dama do rio...
Rebeca mordeu o lábio. O gesto não passou despercebido pelo
marido. A olhou mais intensamente. Insistiu:
— Tire, Rebeca. Não há peixes perigosos aqui, nem cobras, não se
preocupe...
Ela tirou as botas de montar, e ele fez o mesmo. Alastair tirou as
calças e resolveu tirar também a túnica e a capa, ficando totalmente nu.
Entrou na água até os joelhos e a aguardou. A esposa não fez menção de
mexer–se. Ele a observou:
— Qual o problema? Tire as calças para não ficar com a roupa
molhada no corpo.
— Não posso — ela murmurou, abaixando a cabeça.
— Por quê? — ele imitou–lhe o murmúrio de forma travessa,
achando graça dela falar–lhe em segredo, já que estavam sozinhos ali.
— Porque não estou usando nada por baixo das calças de sua
irmã...
— Ah, não?
Ela temia a reação dele. Estivera lutando num corpo a corpo com
Gavin mais cedo, e havia outros homens a volta. A calça não era fina, mas
o que seu possessivo esposo poderia pensar? Já o vira explodir por coisas
menores.
— É que acho que sou um pouco mais... redonda que vossa irmã.
Tentei botar as calças curtas por baixo, mas então as calças de montar não
cabiam...
Os olhos azuis estavam cravados nela. Mas não era possível
decifrar o que passava na cabeça de Alastair. Ele falou lentamente, a voz
aparentemente tranquila:
— Não tem nada por baixo de uma roupa que já a expõe em
demasia... Sabe que precisarei castigá–la por esse descuido, não sabe?
— Castigar–me?
— Sim. Você é minha esposa, a lady do clã, deve ser cuidadosa
com o que usa...
— Ninguém pode perceber, a roupa é grossa.
— Quem disse que não se percebe? Eu já havia percebido.
Ela lembrou que ele havia passado a mão em seu corpo no
estábulo, antes de montarem, fazendo–a quase delirar com suas atrevidas
carícias enquanto a beijava. Seu marido parecia divertir–se em excitá–la e
deixá–la temerosa de serem flagrados ao mesmo tempo.
— Se milorde já sabia...
— Tire as calças, Rebeca, vou castigá–la como merece. — Ele saiu
da água e sentou–se numa rocha, como um pai que prepara–se para colocar
um filho sobre os joelhos e dar–lhe umas boas palmadas.
— Não se atreveria a machucar–me...
— Machucá–la, Beca? Quem falou em machucar? Nunca lhe
causaria dor, meu bem. Teu castigo será outro... Prometo que vai gostar...
Ela sorriu, entendendo o que ele queria, observando que o corpo
dele reagia ao vê–la aproximar–se insinuantemente. Parou diante do lorde.
Tirou as calças. E tirou a blusa.
Estava excitada somente de olhar para seu marido. Alastair tremia
ligeiramente quando a depositou de frente para ele sobre seu colo, abdome
contra abdome. Os olhos estavam fixos um no outro.
—Vou tomá-la sem delicadeza, sabe.
— Não quero delicadeza agora.
— Muito bem, porque estou excitado demais para conseguir ser
gentil.
Alastair segurou Rebeca firmemente pela cintura, e a afundou nele,
com força, fazendo-a soltar um longo e jubiloso gemido. Ainda mais
excitado com a reação dela, ele repetiu o movimento, várias e várias
vezes, ora terno, e ora violento, numa cadência enlouquecedora, marcada
por arquejos de prazer. Demoraram–se no ato muito mais do que de
costume, ficando molhados de suor, mesmo não sendo uma tarde quente.
Alastair e Rebeca estavam em brasa. Enquanto os dedos dele
cravavam-se na pele feminina, as unhas dela riscavam-lhe as costas.
Gritaram juntos quando o êxtase chegou, arrebatador, a semente
dele inundando–a totalmente. Alastair manteve–se dentro da esposa ainda
algum tempo, enquanto descansava o rosto no ombro macio, sentindo seu
aroma agradável, aguardando os corações voltarem aos batimentos
normais. Só depois do ato envolveram–se em beijos. Muitos beijos. O
lorde não tinha mais nenhuma dúvida sobre o que sentia. Sim, estava
completamente apaixonado, desde o primeiro momento que a vira, e agora
reconhecia que o desejo entre eles era mesmo imenso, mas o amor era
ainda maior. Só que não conseguia demonstrar em palavras. Esperava que
a amada entendesse através de suas atitudes, e que o sexo que fizessem
fosse sempre como uma nova declaração de amor. Levou–a pela mão para
banharem–se nas águas cálidas do lago, e namoraram–se um pouco mais.
Rebeca nunca sentira–se tão apaixonada como nesse momento.
Sentia que a entrega dele também havia sido diferente. Deitada ao seu
lado sobre o manto, vendo o céu começar a escurecer, ela alisou o ventre.
Será que dessa vez Alastair havia deixado sua semente brotando dentro
dela? Pensando bem, há quanto tempo não lhe vinham as regras? Talvez já
estivesse grávida! Como seria a mistura inglesa e escocesa? Desejava dar
um filho a seu marido. E ter algo dele para chamar de seu. Gostaria, na
verdade precisava, que ele a achasse importante. E que a amasse. Ah,
como ela queria que ele a amasse, e não a visse apenas como um corpo
bonito ou um contrato de casamento. Fechou os olhos enquanto o esposo
lhe afagava os cabelos. O escocês percebeu a mão dela no ventre.
— Acha que dessa vez a engravidei? Pensei nisso. Mesmo depois
de termos feito amor tantas vezes, hoje senti que foi diferente...
— Você estava diferente, Alastair... — Não quis dizer–lhe que já
suspeitava estar grávida, mas receava que ele a qualquer momento fizesse
os cálculos e percebesse que não havia tido período feminino desde que
chegara a Torquil. Rebeca precisava ter certeza antes de contar–lhe.
— Serei um homem melhor para você, minha ruiva. Tentarei
controlar minha ira e meus ciúmes, e procurarei fazer tudo para deixá–la
feliz. E garanto que serei um bom pai para os filhos que você me der...
Quero você para sempre, Beca...
Ela apertou–se a ele, as lágrimas brilhando nos olhos. Ele a amaria.
Ele a amaria um dia. Havia aceitado às investidas noturnas de seu marido
e tolerado sua falta de interesse durante o dia na esperança de que enfim se
rendesse a ela da mesma forma que havia se rendido a ele, mas só agora
vislumbrava uma real mudança de atitude da parte de seu amado.
— Devemos ir embora — anunciou ele, sem ver–lhe as lágrimas.
Ao vê–la já vestida, prendendo a adaga na cintura, Alastair
aproximou–se. Num gesto rápido desarmou–a. Rebeca encarou–o,
perplexa.
— Beca, só deve usar adaga na cintura quem sabe realmente
manuseá–la, senão sua arma volta–se contra ti. Vou revezar-me com Gavin
no seu treinamento, até que fique apta a usar isso. Mas enquanto não
estiver preparada, deixe–a guardada. — Observou a peça, de cabo
trabalhado. — Foi feita por um artesão para uma mulher. Meu primo lhe
deu?
— Não, foi Heather. Ela disse que uma escocesa precisa ter uma
arma para defender–se.
— Ah! Compreensível. — Ajudou–a a montar, subindo em seu
cavalo em seguida, pondo–se de volta para o castelo.
— O que quer dizer?
Alastair ergueu as sobrancelhas.
— Ela não lhe contou que foi atacada enquanto procurava ervas
fora da fortaleza?
— Não...
— Ela havia vindo morar aqui havia pouco tempo, com os tios, e à
época do ataque já estava comprometida com Derek. Saiu sozinha, durante
um dia ensolarado, achando que não haveria problema, já que também há
choças do lado de fora e nos bosques, distantes dos vilarejos. Não deveria
mesmo haver nenhum problema, porque estava bem próxima dos muros,
mas imprevistos acontecem. Assim que o grupo de patifes a viu, anunciou
suas intenções e tentou cercá–la. Ela correu, mas era uma mulher contra
três homens... Por sorte um dos vigias do alto da muralha ouviu seus gritos
e percebeu que havia algo de errado. Quando chegamos, ela já estava
sendo dominada por um homem, e outro já estava agarrado em seus seios,
pronto para estuprá–la. O terceiro aguardava sua vez. Derek matou os dois
que a seguravam, e eu matei o terceiro, que tentou fugir. A adaga dela
estava no chão, não conseguiu usá–la. Se não fosse por nós termos
chegado a tempo...
— Meu Deus... Esses homens eram conhecidos?
— Não. Eram ingleses. Como sempre. Seus conterrâneos acham
que podem vir aqui fazer sua sujeira como fazem em seu próprio
território. Só que ninguém toca nas mulheres do clã MacConnollyn e
sobrevive para contar a façanha. Nós matamos os inimigos e mantemos
respeito ao nosso nome.
— O estupro não é exclusivo dos homens ingleses.
— Não. Infelizmente, há perversos à espreita em qualquer lugar.
Escondidos nos bosques ou posando de nobres. Não é novo que certos clãs
fazem uso do estupro como arma quando estão em guerra, as mulheres dos
inimigos podem ser sequestradas e violadas. E, quando sobrevivem, só são
devolvidas perante pagamento de resgate.
— O que? As famílias ainda são obrigadas a pagar o resgate para
receberem as moças de volta depois delas serem torturadas e abusadas? —
Rebeca horrorizou–se com a ideia. Sempre vivera entre gente pacata, e o
pouco que sabia da maldade humana vinha dos casos narrados pelo tio
Rudy. Só depois de travar contato com o príncipe Eduardo é que tivera o
entendimento de que também ela poderia se tornar vítima de sequestro e
violação.
— Pelo menos voltam vivas — replicou Alastair.
— Que humilhação...
— A intenção é exatamente essa...
— E fica tudo por isso mesmo? Não há leis contra isso? Me revira
o estômago que ninguém se apiede dessas moças...
— Nunca fica por isso mesmo. A coisa toma proporções terríveis,
Beca, os dois lados acabam perdendo a razão... Deflorar a filha do inimigo
passa a ser visto como um direito, não importando o quanto a moça é
inocente na história. Alegam, em nome da família, que tem direito de
desonrar a quem também os desonrou...
— Sinto-me mal só de pensar nisso... Por que vocês, homens,
julgam que podem dispor das mulheres dessa forma?
— Eu não julgo isso, nem gostaria que fizessem isso com você,
minhas irmãs ou minhas sobrinhas. Se dependesse de mim, todos os
violadores estariam mortos, ingleses, escoceses, irlandeses... Não
importaria sua
origem.
Rebeca observava o marido discretamente. Ele parecia estar
trincando os dentes enquanto pensava no assunto, o maxilar forte ficando
ainda mais evidente com o gesto. O lorde parou por um momento no
caminho, apeou e recolheu rapidamente uma braçada de flores, entregando
à esposa, com um beijo suave. Voltou logo a montar e seguiram caminho,
enquanto ela aspirava o doce aroma das pétalas que mais tarde
perfumariam o salão do castelo.
Alastair não conseguia deixar de pensar que sua esposa, impetuosa,
provavelmente acabaria por esquecer suas advertências e acabaria pondo–
se em risco, e poderia passar por uma situação semelhante à de Heather.
Bem, se isso acontecesse, ele esperava que, no mínimo, ela soubesse se
defender até chegar à sua montaria e fugir. Era preciso, realmente, que
treinasse mais o uso da espada, do arco, e da adaga.
Cavalgaram em silêncio até a ponte da fortaleza, estendida sobre o
fosso. O portão foi fechado logo que entraram. A noite já caía.
— Decidiu–se pelo nome da égua? — ele perguntou, enquanto
levavam os animais para a estrebaria.
— O que acha de Pérola?
— É um bom nome.
Rebeca admirou seu marido, majestosamente montado em seu
garanhão negro. Ambos combinavam. Grandes, fortes, imponentes.
Alastair havia colocado uma capa preta e comprida hoje, que se fechava no
pescoço. Junto com o cabelo escuro e os olhos impressionantemente azuis,
fazia um conjunto espetacular. Era uma mulher de sorte por ter se casado
como um homem como aquele.
— Qual o nome do seu cavalo?
Ele sorriu amplamente, os olhos com um brilho divertido.
— Ah, já sei, Alastair. Vai dizer que seu cavalo se chama Cavalo.
— Exato!
— Por que não escolhe um nome para ele?
— Por que você não o faz?
Ela olhou o animal. Era bem maior que Pérola, negro e com crina e
cauda longas e espessas. Não era um animal manso ou dócil, e só aceitava
os afagos de seu dono.
— Que tal Dragão?
— Por mim está ótimo. Perguntaremos depois se ele também
gostou — respondeu, brincalhão, tomando–a pelo braço para que
entrassem em Torquil.
O jantar começava a ser servido no ruidoso salão, e Gavin estava
em uma das pontas da mesa principal, comendo assado de cordeiro e
conversando com Ian e Blaine. Alastair foi até seu primo, batendo–lhe no
ombro amigavelmente. O outro levantou–se e apertaram–se as mãos
cordialmente:
— Eu tenho sangue quente, Gavin. E admito ser bastante
possessivo quando se trata de Rebeca, mas ficaria grato se continuasse a
treinar minha esposa na luta com adagas.
— Ficarei feliz em ajudar lady Rebeca a lutar. E espero não ser tão
ciumento com Alice quando for casado como tu és com sua esposa... —
Sorriu.
— E tu, Ian, continuará a treinar Rebeca na espada?
— Se assim quiser, meu senhor.
— Sim, uma MacConnollyn precisa ser capaz de defender–se
sozinha. Preocupo–me deveras com sua segurança. E ficarei satisfeito se
me ajudarem. Blaine poderá treiná–la com o arco e flecha.
— Não tentará nos matar por ficarmos próximos de sua esposa, e
por tocá–la? — indagou Blaine, sempre o mais atrevido e direto dos
amigos. Os outros aguardavam um rompante de fúria, mas a resposta de
Alastair foi um sorriso:
— Confio nela e confio em vocês. Não precisam temer por suas
vidas...
— Ian deve discordar — replicou, lembrando o dia que Ian e
Alastair haviam rolado por terra numa briga porque o lorde não gostou de
vê–lo observando Rebeca com o olhar dourado que lhe era característico,
ao treinarem esgrima no pátio. Depois de trocarem murros sacudiram a
poeira das roupas e se afastaram um do outro como se nada houvesse
acontecido, para espanto total da senhora do castelo.
— Sabe que para ensiná–la com o arco eu ficarei muito, muito
próximo dela, e provavelmente a tocarei algumas vezes na cintura? —
Blaine ergueu uma sobrancelha.
— Sim, estou ciente disso — respondeu, divertido, com uma
sobrancelha erguida, adivinhando a provocação.
— Então, já que não tem mais ciúmes nenhum, também autoriza a
flertar com ela um pouquinho?
— Claro! Se me permitir antes transformá–lo em eunuco...
As risadas soaram altas e estrondosas, ecoando pelos corredores do
castelo.
Rebeca sentia-se grata agora por Alastair tê–la presenteado com
vários vestidos elegantes quando ela havia chegado às Terras Altas. Seu
marido e o conde MacConnollyn alegavam que ela precisaria estar
preparada para uma eventual visita à corte do rei Alexandre, na posição de
nova lady Connollyn. Quando recebera os vestidos, e a costureira fazia os
ajustes devidos em seu corpo, não ficara muito empolgada. Eram todos
bem bonitos, mas julgava–os desnecessários. Na verdade incomodava–a a
possibilidade de ter que visitar a corte. Sabia que estava cheia de intrigas e
de pessoas sórdidas, e, o que mais temia, pessoas que já deviam saber de
sua história com o príncipe Eduardo da Inglaterra. Queria esquecer o fato,
apagá–lo da memória. Cada vez que alguém tocava no assunto, ou quando
escutava uma das canções que supostamente a homenageavam por fugir do
assédio de um nobre aproveitador, sentia seu coração apertar–se por sua
família e por seu marido. Desejava que a transição de seus pais para a
fronteira escocesa se desse rapidamente, mas sabia que as coisas não eram
simples, e que a proximidade do inverno só iria atrasar mais ainda a
mudança. Receava pela segurança dos entes queridos, afinal um homem
desprezado podia ser perigoso, e o desprezado em questão era uma pessoa
poderosa e considerada implacável com seus inimigos de batalha. A
possibilidade de que também fosse inclemente na vida pessoal era grande,
ainda mais ao ver–se exposto ao ridículo.
Agora estava chegando ao castelo real, com seu marido, seu sogro
e um grupo de escolta do clã, e já podia avistar a flâmula amarela com o
leão rampante vermelho da Escócia tremulando no alto da torre. Não
tivera escolha diante da exigência do rei Alexandre III em conhecê–la
quando lorde MacConnollyn viesse tratar dos interesses da fortaleza.
Como a audiência com Duncan já estava marcada, só restou a Alastair e
Rebeca acompanhá–lo. A aparência e a localização do castelo eram
imponentes, e um tanto opressores, graças ao penhasco e montanhas
escuras em torno. Suspirou profundamente, montada em Pérola. Blaine,
próximo a ela, olhou–a curioso, ao ouvir–lhe suspirar tão sonoramente,
aproximando mais seu cavalo para poderem conversar:
— O que houve, senhora?
— Você sabe o que houve, Blaine. Eu não queria estar aqui. E logo
quando eu e meu marido estávamos começando a nos entender. Agora ele
está distante e arredio novamente...
— Não, Rebeca. Seu comportamento é fruto do aborrecimento em
deixar a produção do uísque por conta de Gavin e dos empregados. Seu
esposo gosta de estar à frente dos negócios de nosso clã.
— É possível que seja isso. Eu poderia lhe pedir um favor?
— Certamente.
Ela olhou para os dois lordes MacConnollyn, que trotavam seus
cavalos emparelhados mais à frente, fazendo planos sobre sua estadia no
palácio. Adiante deles seguia o cavaleiro com o estandarte do clã.
— Tenho certeza que Alastair e seu pai me deixarão sozinha várias
vezes enquanto estivermos aqui, e não tenho amigos aqui. Poderia me
auxiliar a lidar com essas pessoas que não conheço? Me ajudará a não
cometer nenhuma gafe?
Ele deu uma risada alta, e Alastair olhou para trás, um pouco
desconfiado.
— Milady, você seria incapaz de cometer uma gafe, e mesmo que o
fizesse, quem perceberia? Estarão todos de boca aberta diante de sua
beleza.
Ela sorriu:
— Veja só! Guarde seu charme para uma moça solteira, Blaine.
Ele deu de ombros:
— É a pura verdade, e sabe disso.
— Não sei, não. E nunca estive diante de um rei.
Quando estavam entrando na impressionante fortaleza real,
assentada no topo de um rochedo e dominando toda a paisagem, Blaine
lembrou de algo que lhe pareceu importante:
— Ah, quanto a isso... Ao ser apresentada ao rei, não se espante
com sua juventude, que faz contraste com a velhice do rei inglês. Não se
deixe enganar pela aparência, pois o soberano é muito competente e
inteligente, e estamos em um período de paz e prosperidade graças a ele,
que recebeu a coroa em tenra idade. Geralmente é afável, mas é um rei,
portanto sempre aguarde que ele lhe dirija a palavra primeiro.
— Sobre a juventude dele eu já sabia. O rei foi apresentado ao meu
pai pelo conde MacConnollyn, quando herdou a herança de um tio nosso
muito rico, e demonstrou interesse na compra de terras escocesas. Meu
sogro tem intermediado as negociações.
— Tem mais uma coisa, não sei se sabe... Alexandre, o Glorioso, é
casado Margarida, irmã do príncipe Eduardo.
Rebeca estremeceu:
— Esqueci-me deste detalhe.
— O casamento garante a paz entre os países. Mas soube que se
gostam e se dão muito bem.
— Corro o risco de encontrar o príncipe aqui em visita a irmã...
— Eduardo não é nenhum tolo. Ele deve estar evitando a Escócia
desde que a lenda da dama do rio começou. Por enquanto as canções não
esclarecem se o nobre inglês é sir, duque, príncipe ou rei. Mas se
perceberem algum olhar diferente da parte dele para você, então logo
saberão de quem se trata... Ele não vai facilitar as coisas e sabe que você
também não sairá por aí falando, já que colocaria sua família numa
posição ruim.
— Bom, os vizinhos de meu pai sabem...
— Sim, mas seus vizinhos já devem ter percebido que pode ser
perigoso troçar do príncipe.
— Espero, para o bem deles, que fiquem de bocas fechadas para
não perderem suas línguas.
***
— Então é você quem encantou meu cunhado Eduardo! Posso
compreender muito bem o interesse dele... — O rei Alexandre III olhava
Rebeca com visível curiosidade.
O rei voltou–se amigavelmente para Alastair, depois de admirar
longamente a jovem ruiva à sua frente:
— Está de parabéns, Alastair. Sua mulher é uma bela moça. Sorte
eu ser bem casado, pois do contrário estaria tentado a desafiá–lo para um
duelo pelo coração da dama.
Alastair sorriu para o monarca de cabelos dourados. Já se
conheciam havia muitos anos, e tratavam–se com amizade.
— Seu cunhado me detesta um pouco mais agora que eu casei com
Rebeca, meu senhor.
— Ele não engoliu até hoje o fato de você ganhar disparado na
corrida de cavalos do último torneio.
— E o arco e flecha...
— É verdade, também houve a prova de arco e flecha... — O rei
ficou pensativo. — Seria sensato evitar disputas diretas com ele no
próximo campeonato, para que não se alimente mais rancor.
— Seguirei seu conselho, majestade.
— Bem, vamos ao salão do banquete, antes que os outros súditos se
ressintam da preferência que tenho por vocês.
O rei e sua comitiva seguiram pelo corredor principal do castelo,
na frente do clã Connollyn.
***
Os Connolyns estavam sentados próximos ao rei, e Rebeca vagueou
o olhar em torno. Muitos nobres a encaravam diretamente, sem se
inibirem pelo fato dela ser uma mulher casada. Estava sentada entre
Blaine e Alastair, e percebeu, aborrecida, que várias damas da corte
voltavam os olhos para seu marido. Enquanto os líderes do clã
conversavam com o rei, cochichou com o amigo, que também estava
sendo alvo da admiração feminina:
— Essas pessoas não temem uma briga com alguma esposa
violenta ou algum marido ciumento?
Blaine flertava abertamente com uma dama loura, provavelmente
casada, sentada em outra mesa, e teve um sobressalto:
— Marido ciumento? Onde?
— Blaine! Esse ambiente o está corrompendo...
— Perdoe–me.
— Alguma dessas senhorinhas já se envolveu com meu marido?
Blaine imediatamente enfiou um grande pedaço de pão na boca,
demorando–se na mastigação.
— O que está fazendo? Ganhando tempo para decidir se deve ou
não contar–me as peripécias de seu melhor amigo?
Alastair pegou, distraidamente, a mão de sua esposa por sobre a
mesa. Algumas das damas que admiravam seu marido desviaram os olhos
diante do gesto, procurando outro foco de interesse. No entanto ainda
havia as que não se desencorajavam fácil, e insistiam no flerte descarado,
mesmo sendo totalmente ignoradas pelo nobre.
— Meu pai acha que a Escócia é um paraíso familiar. Vai ficar
decepcionado... — retrucou, aborrecida, prometendo a si mesma nunca
deixar o marido voltar à corte sem ela.
— Acho que é o ambiente do castelo, a sensação de poder fazer
coisas aqui que não seriam feitas em casa... — replicou Blaine, engolindo
o restante do pão, sem dar-lhe a resposta à pergunta anterior.
— Fazem coisas na casa do rei que não fazem em suas próprias
casas. Isso não é respeitoso! — Apertou fortemente os dedos de Alastair,
que voltou–se, alertado pela pressão do toque dela.
— Algum problema, minha esposa?
— Gostaria de saber se alguma dessas... — interrompeu–se ao ver
que o rei esticava seu pescoço para ouvir a pergunta que ela fazia.
Alexandre deu um belo sorriso ao ver que ela ficava corada:
— Não se iniba por mim, dama do rio. Pode continuar a falar com
seu marido.
Rebeca ouviu, horrorizada, um murmurinho correr por todo o salão
quando os convidados escutaram a forma como o rei se referia a ela. O
soberano elevou ainda mais a voz, para que todos no salão pudessem
escutá–lo:
— Sim, meus queridos, não é sempre que estamos diante de uma
lenda viva... Essa linda senhora aqui é a famosa Dama do rio, esposa do
lorde MacConnollyn Connollyn! Podem ver que ela realmente é tudo ou
até mais do que as canções dizem... Exceto pelo fato que nesse momento
está vestida...
Todos no salão riram, mas Rebeca gostaria de esconder–se debaixo
da mesa.
Alastair beijou Rebeca sofregamente, no salão principal. Ele a
prendia fortemente contra seu corpo, impedindo–a de desvencilhar–se.
Quando a soltou, ela sentiu–se um pouco envergonhada por estar sendo
observada pela maioria das pessoas que estavam presentes.
— Alastair! Que está fazendo? Estão nos olhando!
— Não me importo. Você é minha mulher e quero que isso fique
bem claro para todos aqui.
— Ainda bem que você não resolveu urinar em mim para demarcar
seu território!
Ele deu uma gargalhada:
— Ah, minha dama malcriada! Demorou para seu mau humor
transformar-se em palavras. Pena que eu não possa ficar com você para
escutar teus adoráveis desaforos, Beca. Agora tenho audiência particular
com o rei. Portanto é melhor que vá para nossos aposentos e me aguarde
lá. Você não vai gostar muito das pessoas que estão aqui, são bem
diferentes de nossos amigos.
— Está bem. Não desejo mesmo conversar futilidades. Até mais
tarde.
Ela afastou–se. Alastair chamou Blaine.
— Pode ficar de olho em Rebeca para mim? E, Blaine, deixe para
enfiar–se debaixo das saias de alguma dama depois que minha esposa
estiver segura dentro do quarto. Não quero que ela dê ouvidos aos
maledicentes da corte.
— Fique tranquilo.
***
Rebeca não havia andado muitos passos quando duas mulheres bem
trajadas barraram seu caminho. Havia sido apresentada a elas mais cedo.
Eram jovens e bonitas, mas seus rostos transmitiam amargura e inveja.
Tinha sido apresentada também a seus maridos, homens velhos, lordes de
aparência suja e devassa. Conteve uma careta de desagrado ao ver–se
obrigada a falar com aquelas damas antipáticas, tão diferentes de suas
amigas inglesas e das amigas que fizera no clã. Fitaram–na, com olhar
maldoso. A mais velha adiantou–se:
— Ah, lady Connollyn! Perguntei a minha amiga uma coisa, mas
ela não soube responder. Acredito que você saiba: Quem é melhor de
cama, um nobre inglês ou um nobre escocês?
Rebeca não andava mesmo de bom humor, então nem pestanejou
antes de responder:
— Ah, questão difícil... Mas eu tenho uma mais simples, que
qualquer uma das duas pode responder. O que é melhor: Poder escolher
entre dois nobres jovens, bonitos e limpos, ou ser obrigada a deitar–se
diariamente com um velho decrépito, sujo e depravado? Vou dar–lhes
tempo para pensar na resposta...
Afastou–se, enquanto as damas a encaravam, boquiabertas.
Vivera toda a sua vida em uma casa com apenas um piso e um
sótão, e ainda estranhava o tamanho exagerado de Torquil, o lar dos
MacConnollyn, mas o castelo de Edimburgo era um labirinto! Será que
virara mesmo no corredor certo? Cada corredor era idêntico ao outro! E as
tochas presas às paredes não ajudavam muito a diferenciar os cantos, ao
lançar sombras a toda parte. Além disso aquelas damas cretinas e aqueles
nobres que a despiam com os olhos haviam realmente conseguido
perturbá–la. Seus vizinhos ingleses podiam ser uns tolos caipiras, mas
nunca, nunca, faltaram ao respeito com ela como os emproados nobres
faziam. Sabia que era bonita, mas seria necessário a tratarem dessa forma?
Com inveja ou com tanta lascívia? Era constrangedor e deveras ofensivo.
Respirou fundo e parou, dando meia volta em seguida e retornando ao
salão, disposta a procurar alguém do seu clã para pedir ajuda e chegar ao
quarto destinado a ela e Alastair. Engoliria o orgulho e admitiria que
estava perdida. Sua cabeça começava a doer, então acelerou o passo para
livrar–se logo do problema e poder deitar–se o mais breve possível. Quase
caiu ao receber um encontrão de um homem que vinha na sua direção.
Ergueu os olhos, assustada. Ele era bem maior que ela, talvez do tamanho
de seu marido. O que havia com esses escoceses? Tomavam fermento de
pão para crescerem tanto? Murmurou um pedido de desculpas e já ia
contornar o homem, quando ele colocou–se a sua frente novamente,
negando–lhe passagem. Encarou-o. Era belo, com cabelos negros e longos
presos num rabo de cavalo frouxo. Suas roupas elegantes denunciavam,
mesmo que ligeiramente desgrenhadas, denunciavam que tratava-se de
alguém de posses. Os olhos castanhos dele pareciam injetados e com
olheiras. Via–se que bebera.
Rebeca sabia que isto não era bom sinal.
— Com licença, senhor. Meu marido me aguarda.
— Não fomos apresentados. Sou sir Adriel MacNab, de Inverness.
— Rebeca Connollyn, senhora de Torquil. Agora, com licença, por
favor. — Já estava um pouco nervosa por ver–se sozinha no corredor vazio
com um homem que era quase o dobro de seu tamanho.
— Eu sei quem você é, dama do rio, e sei que faz parte do clã de
valentões Connollyn. Eu estava no banquete quando o rei anunciou sua
identidade. Fiquei pensando sobre uma das músicas que os menestréis
cantam sobre você. Aquela que diz que cavalgou nua a noite inteira sobre
um garanhão para fugir do nobre devasso. Gostaria de saber se o garanhão
é um corcel de verdade ou se montou a noite inteira em lorde
MacConnollyn, antes dele se tornar seu marido.
Rebeca ficou rubra, e fez um movimento para empurrá–lo. Mesmo
bêbado ele teve reflexo e segurou seus pulsos com garras de aço.
— Não se ofenda. Você é mesmo muito linda. Eu adoraria ser
cavalgado por você a noite inteira. — Inclinou–se para beijá–la.
Beca tentou desvencilhar–se, contorcendo–se para evitar o beijo.
Sentiu o cheiro da bebida aproximar–se cada vez mais de seu rosto. Ele
era um homem vistoso, não precisaria forçar mulher nenhuma, muito
menos numa corte onde haviam tantas disponíveis e solícitas! Por que a
escolhera? Por que as coisas mais complicadas sempre lhe aconteciam?
— Largue–me! Largue–me agora! Sou uma mulher casada! Meu
marido vai matá–lo!
— Não resista. Não vou violentá–la. Só quero provar os teus
lábios... — Os olhos estavam semicerrados enquanto sua boca começava a
roçar suavemente nos lábios de Rebeca.
— E eu quero arrancar os seus com a ponta da minha espada,
Adriel! — disse uma voz masculina, tão alta como um trovão.
Rebeca surpreendeu–se ao ver Blaine parado atrás de Adriel
MacNab, com a mão no cabo da espada. Nunca o ouvira falar daquele
jeito, nem tinha visto sua expressão transfigurar-se pela fúria, como agora.
— Largue a senhora agora mesmo, Adriel. Tem sorte de estar
dentro da morada do rei, porque se estivéssemos em uma das vielas de
Edimburgo eu o daria uma lição e tanto para que nunca mais mexesse com
a mulher alheia.
— Ah! Blaine Connollyn... O braço direito de Alastair. São tão
amigos assim, que chegam a compartilhar a mesma mulher? — Adriel,
virou–se, meio trôpego. — Posso compreender... é saborosa demais para
pertencer a um só! Bem, onde comem dois, certamente que...
Blaine arremessou–se para frente, desferindo um murro tão
violento em MacNab, que este caiu no chão e não teve forças para
levantar–se. Rebeca imediatamente tratou de se interpor entre eles para
evitar que o homem caído apanhasse mais.
— Não vale a pena, Blaine. Este homem está totalmente
embriagado.
— É muita provocação, milady! Já me embebedei mais vezes do
que pude contar e nem assim ofendi outras pessoas de tal modo!
— Sim, eu entendo, mas deixe–o, por favor. Ele perdeu a razão,
mas não é justificativa para que você perca a sua.
— Está bem — retrucou, olhando com desprezo para o homem
caído. — Veja, já está dormindo, no chão mesmo... Talvez amanhã nem
lembre o que lhe aconteceu, bêbado inútil.
— Poderia não contar a Alastair?
— Não peça–me isto. É uma coisa séria. E Alastair não é só meu
amigo, é o senhor de nosso clã. Sabe que a fidelidade a ele e a Duncan está
em primeiro lugar.
— Vai achar que a culpa foi minha...
— Claro que não, milady!
— Mas achou que a culpa foi minha na história do Eduardo —
murmurou.
— Nunca tinha ouvido dizer que MacNab era um canalha, mas pelo
que vi a culpa não foi sua, não pense nisso. Vamos, milady Rebeca, vou
acompanhá–la até seu quarto.
— Por que os homens sempre querem dominar e subjugar as
mulheres?
Blaine finalmente sorriu, enquanto caminhavam pelos corredores
do castelo.
— Ah, não sei... Somos assim?
— Sim, são desse modo. Estão sempre dificultando a vida das
mulheres.
— Bem, então perdoe–me por tudo isso. — Ele inclinou–se, com
um floreio.
Foi a vez de Rebeca sorrir:
— Muito obrigada, é muito gentil. Acho que é a primeira vez que
vejo um homem desculpar–se por alguma coisa. E nem foi por algo que
você fez.
Chegaram à porta dos aposentos destinados à lorde Alastair Mac
Connollyn e sua esposa.
— Vê? A humanidade não está perdida. Agora descanse e aguarde
seu marido aí dentro. Preciso resolver... algumas questões...
— Ah, sim. Imagino que as questões usam belos vestidos...
— Milady... Posso ser gentil, mas ainda sou um homem... — Ele
deu um sorriso atrevido, e se afastou.
Rebeca acordou sobressaltada, sentindo uma mão a roçar–lhe o
seio.
— Não se assuste, Beca. Sou eu, Alastair.
Sim, ela não precisava de velas a iluminar o quarto para saber que
era ele. Seu próprio corpo já o dizia, começando a arfar com seu toque,
sentindo–lhe a forte presença.
Alastair já havia a desembaraçado de uma parte da camisola e
mantinha um bico de seio rígido entre os dedos, inclinando–se para tomá–
lo nos lábios quando Rebeca foi envolvida pelo forte cheiro de bebida que
emanava dele. Ergueu–se subitamente.
— Lorde MacConnollyn, está bêbado?
— Só um pouquinho...
Rebeca rolou na cama e levantou–se. Acendeu uma das velas do
castiçal seu lado. Voltou–se e deparou com seu marido a sorrir–lhe
tolamente, deitado na cama, usando apenas uma túnica.
Era possível? O que a corte fazia à mente das pessoas? Todos ali
estavam fora do seu normal, menos ela? Com os ultrajes sofridos no salão
e no corredor ainda a martelar–lhe na cabeça, indignou–se com os modos
de seu lorde. Olhou–o, severa:
— Acho melhor dormirmos. Já deve ser alta madrugada, e você
não está em condições...
Em um segundo se viu envolvida pelos braços fortes de seu
marido. Ele sussurrou junto a seu ouvido:
— Vou mostrar que ainda estou totalmente senhor do meu corpo. E
do teu também...
Mordeu–lhe a orelha delicadamente, deslizando a língua
sensualmente pelo seu pescoço e seus ombros. Com um movimento sutil
fez a camisola da esposa escorregar pelo corpo até o chão. Beijou os
ombros nus demoradamente. Seus olhos brilharam ao ver que ela já não
conseguia mais opor–lhe resistência.
Rebeca deu–se conta, aborrecida, que pouco importava o quanto
seu cérebro desejasse punir a embriaguez do marido. Seu corpo ignorava
as ordens mentais e abria–se a ele tal como uma flor na chegada da
primavera.
Finalmente chegou aos seios da esposa, já mais escuros pela
excitação involuntária. Sorriu ao vê–los tão rígidos, já adquirindo a cor
que ele tanto amava ver. Sugou cada um deles sofregamente, enquanto a
conduzia ao leito novamente. Deitou–a com cuidado e sua boca desceu até
o umbigo, mordendo o ventre liso, fazendo–a arquear o corpo. Ela gemia
intensamente, enquanto ele escorregava cada vez para baixo, até deter–se
no triângulo ruivo entre suas pernas.
— Quero sorver teu néctar, Beca...
Ela pensou que enlouqueceria de vez, o prazer alcançando picos
inimagináveis! Não somente Alastair estava senhor do corpo de Rebeca,
como fazia dele o que bem entendia, elevando–a às alturas! Quando
achava que o marido já havia lhe mostrado tudo, eis que vinha agora com
uma nova forma de arrebatar–lhe.
— Alastair... — Soluçou, descontrolada.
— Diga–me, Beca, sou ou não o senhor do teu castelo? — ele
indagou, sua língua e seus lábios trabalhando incessantemente dentro dela,
acendendo toda a luxúria possível.
— Sim, sim! Este castelo é todo teu... — Ela arquejou, tentando
puxá–lo para si.
Ele colocou–se enfim sobre ela:
— Então, minha querida, deixe–me entrar...
Rebeca não percebia que gritava febrilmente quando Alastair a
penetrou, atordoada por ele conseguir tornar única cada uma das vezes que
faziam amor.
***
Alastair acordou com a cabeça latejando.
— Por tudo que é sagrado... Acho que extrapolei mesmo na bebida
ontem... — O rei Alexandre fez questão que experimentasse diversos
licores e cervejas estrangeiras, e Alastair não se negou a provar de todas as
garrafas oferecidas
Rebeca estava numa cadeira próxima a ele, uma caneca de chá
fumegava ao seu lado, sobre uma mesinha. Sorriu–lhe docemente:
— Imaginei que talvez não acordasse mesmo sentindo–se muito
bem. Tome esse chá de ervas. Vai sentir–se melhor.
Ele tomou um gole, fazendo uma careta em seguida:
— Credo! Não sei o que é pior... O gosto desse chá ou a dor na
minha testa...
— Lembrará disso da próxima vez que estiver tentado a beber em
excesso. — Sorriu Rebeca.
Ela aguardou que o esposo bebesse todo o líquido. Respirou fundo,
um pouco temerosa antes de falar:
— Alastair, preciso falar com você sobre a noite passada...
— Meu bem, não perdi a memória só porque bebi. Lembro de tudo
que fizemos ontem, e pretendo repetir em breve... — Gemeu ao mexer–se
e logo deitou novamente — Depois que minha cabeça parar de doer...
— Não é isso. — Ela começou a apertar os dedos.
Alastair percebeu que havia uma coisa séria a ser dita. Sentou–se
devagar, ereto, esperando.
Rebeca ficou ainda mais tensa perante o olhar agudo do esposo,
mas começou a falar, ainda que de modo gaguejante.
— Ontem, depois que nos despedimos no salão, tentei vir direto
para nosso quarto, mas acabei perdendo–me nesse monte de corredores...
Os olhos azuis de Alastair estavam ligeiramente apertados agora,
colocando Rebeca ainda mais nervosa.
— E então um homem...
— Quem era? — Cortou–a, ríspido, parecendo adivinhar o que
havia acontecido.
Diante da fisionomia furiosa de Alastair, Rebeca julgou melhor
contar logo toda o acontecido.
— Adriel. Acho que Adriel MacNab. Ele apresentou–se, estava
muito embriagado...
— Ah, eu disse a Blaine que não se afastasse de você! Mas o torpe
deixou-a à mercê dos descarados da corte! — Jogou os lençóis que o
cobriam no chão, expondo a magnífica nudez.
— Deixe–me terminar de falar! Ele apenas tentou me beijar!
— Apenas tentou beijá-la?
— Blaine chegou e impediu-o!
Ela estava desesperada, temerosa que ele não a julgasse inocente, e
que tudo entre eles fosse arruinado.
— Ah, então Blaine pelo menos estava por perto!
— Sim! Acredite-me, Blaine afastou o homem, e foi somente isso.
— Acredito que foi somente isso, pois se fosse mais, Blaine teria
ido até a presença do rei para chamar–me, e faríamos justiça da forma
correta.
Alastair começou a vestir–se, os lábios contraídos pela raiva.
— Mas isso não me impede de estar furioso, e não posso deixar a
afronta passar.
— Ele estava bêbado!
— Eu estava bêbado ontem! Mas não cobicei mulher alguma pelos
corredores onde passei. MacNab merece uma lição de qualquer modo. Há
muitas mulheres solícitas por aí, e ele não precisa meter–se justamente
com uma que é comprometida. Ah, agora tudo parece claro... A reunião
com Alexandre foi interrompida a certa altura, e depois disso o rei fez
questão que bebêssemos juntos. Manteve a mim e a meu pai em sua sala
por muito tempo. Provavelmente para que o clã MacNab levasse Adriel
embora, antes que eu pusesse as minhas mãos nele. — Enquanto sentava e
calçava as botas, fechou os olhos por um instante, respirando fundo,
sentindo náuseas pela bebida exagerada do dia anterior.
— Por favor, Alastair, se não se sente bem, deite–se mais um
pouco, e depois...
— Estou ótimo! — Bradou, a raiva explodindo.
Rebeca estremeceu, encolhendo–se na cadeira. Ele notou quanto o
seu berro a havia assustado, e moderou o tom de voz:
— Eu não deveria ter gritado. Não quero que tenha medo de mim,
minha ruiva.
— Não provoquei a situação, Alastair, juro! — Conteve as
lágrimas com esforço.
— Não provocou, eu sei. Mas poderia ter evitado, se houvesse
aguardado a proteção de Blaine. Essas suas descabidas tentativas de ser
independente sempre resultam em desastre, e alguém acaba precisando
salvar–lhe a pele.
— Isto é tão injusto de sua parte...
— Mas é justo comigo, suponho! Arrumar confusão com o príncipe
da Inglaterra é insuficiente, então temos que arrumar confusão também
com o clã que domina as tavernas de Inverness! — rugiu.
— Acho que voltou a gritar... — ela murmurou, de cabeça baixa.
Alastair bufou, parecendo cansado.
— Percebi, pois minha cabeça quase explodiu agora. — Esfregou
as têmporas, baixando o tom de voz.
Mantiveram–se quietos por algum tempo, em silêncio. Alastair
sentou–se na beira da cama e segurou a mão da esposa, arrependido por ter
gritado, mas irritado demais para pedir desculpas:
— Não foi bom trazê–la ao castelo, não é mesmo? — Puxou um
lenço que estava sobre a cômoda e enxugou as lágrimas que teimaram em
rolar no rosto de Rebeca.
— Não foi nada bom...
— A não ser a parte que fizemos amor... — Deu–lhe um sorriso
encantador. Ela não pôde evitar sorrir–lhe em resposta.
— Essa parte foi boa. Muito boa.
Alastair depositou um beijo nos lábios da esposa.
— Vou falar com Blaine e depois irei descobrir se Adriel realmente
deixou o castelo.
— Não podemos tentar esquecer isto? O homem estava totalmente
ébrio, e decerto teria dirigido suas atenções a qualquer mulher que
estivesse passando.
— Não podemos esquecer, não. Não foi com qualquer mulher. Foi
com a minha.
***
Alastair e Blaine passaram pelo rei Alexandre, que estava cercado
por seus guardas, conversando com alguns bispos no salão principal.
Curvaram–se respeitosamente diante do monarca.
— Aonde os MacConnollyn vão com tanta pressa? Procuram,
talvez, os MacNab? — O rei sorriu — Não percam seu tempo. Partiram
durante a noite.
Os dois amigos se entreolharam significativamente.
O rei Alexandre meneou a cabeça:
— Vocês não vão atrás deles. Sou teu soberano e os proíbo. A mão
do rei protege Adriel. Ele ficou viúvo há poucos meses e tem se
embebedado constantemente a partir daí. Sua mulher morreu de parto, e
além de deixar–lhe uma filha recém–nascida, deixou–lhe mais cinco filhos
para cuidar. Não vou permitir que espetem suas espadas num viúvo
desesperado e momentaneamente sem juízo, e deixem seis crianças órfãs,
por causa de algo que sequer aconteceu de fato!
— Minha esposa...
O rei cortou a fala de Alastair, com um gesto impaciente, olhando–
o firme:
— Já se meteu também com uma mulher casada. Você foi
protegido naquela época, e sabes bem que tua ofensa ao marido da dama
foi muito mais grave do que o acontecido noite passada. Pois bem, eu me
responsabilizarei por Adriel MacNab agora. E não me desobedecerá,
Alastair, senão esquecerei nossa amizade de longa data.
— Então já sabe mesmo o que houve, meu senhor. Bem dizem que
as paredes tem ouvidos... — retrucou Alastair, contendo–se para não
bradar que se fosse com a rainha, a afronta não seria considerada de pouca
importância.
— Sou o rei, e sempre sou informado do que acontece em meu
reino. Imagine se não saberia o que passa nos corredores da minha própria
casa. Releve a atitude imprópria dessa vez, caro amigo. Acho que Adriel
está tão desnorteado com o que lhe aconteceu, que tem tentado chamar a
morte para si mesmo. Só posso interpretar assim a série de bobagens que
anda fazendo. Mas a família dele vai apoiá–lo intensivamente a partir de
agora, e eu mesmo terei uma séria conversa com ele em breve. E como
forma de mostrar que lamentam muito o ocorrido, os MacNab
ofereceram–lhe uma proposta de paz muito interessante.
— Uma proposta de paz? Qual? — Alastair pasmou-se.
— Encomendaram a vocês três carroças carregadas de uisge beatha
para abastecer as suas tavernas em Inverness.
Alastair e Blaine olharam um para o outro, com espanto, mas logo
o rosto do primeiro ficou sombrio:
— Majestade, se Adriel pensa que pode comprar–me...
— Quieto, Alastair. — O rei ergueu a mão, fazendo o outro calar-se
imediatamente. — Meu amigo, você tem um temperamento terrível para
um comerciante. Controle isso. Adriel estava tão bêbado que saiu daqui
carregado, pelo que eu soube. Não deve lembrar nem o que fez. E, caso se
lembre, estará mortificado pela vergonha. Ninguém está tentando lhe
comprar. Ora, vamos, você sabe que ele não é mau, já conversaram e
beberam juntos algumas vezes. Quando o viu bêbado para valer?
Alastair pensou por alguns instantes e logo respondeu, agora menos
irritado que antes:
— Na verdade acho que nunca vi Adriel bêbado antes. Não sabia
nem que ele havia ficado viúvo. Lembro da esposa dele. Era bela e gentil.
— Pois então. Eu estou intermediando essa compra, e tenho
interesse direto em que o abastecimento aconteça até o inverno. Creio que
essa bebida quente venderá melhor do que cerveja ou vinho. Desejo que as
tavernas de Inverness gerem mais receita no tempo frio e estou certo de
que com a qualidade de seu uísque as vendas aumentarão. Aumento de
receita implica em melhores resultados nos pagamentos de impostos, e
consequente aumento nos cofres públicos. Preciso de mais recursos para
consertar as estradas, Alastair, e você vai cooperar, não vai?
— Certamente, majestade.
— Ótimo. Então está tudo a contento.
— Precisarei tomar providências para que esse carregamento seja
entregue a tempo. Me autoriza a partir imediatamente para Torquil?
— Não. Darei um baile essa noite e como minha rainha está em
viagem, dançarei com todas as nobres aqui hospedadas. Inclusive a sua
esposa. Vocês poderão partir outro dia.
Alastair sorriu:
— Majestade, não confia em mim? Não irei atrás de Adriel se eu
partir hoje.
— Claro que confio em você. Ainda mais quando posso vê–lo.
Conheço–o bem, meu caro. Você e seus homens só irão amanhã. — Ele
deu um pequeno sorriso, mas sua voz soou bastante dura no final. — Fui
bem claro?
— Bastante, meu senhor. Se me permite, retornarei aos meus
aposentos. — Alastair curvou–se e depois afastou–se com Blaine.
— A rainha Margarida era muito amiga da esposa do Adriel, e os
soberanos são padrinhos do filho mais velho deles — retrucou, quando já
estavam a uma boa distância do rei —, por isso o defende tão
calorosamente. Além de ser uma amizade bem lucrativa!
— Resigne–se, amigo. E leve em conta que cheguei a tempo de
impedir que Adriel realmente beijasse vossa esposa.
— Sim, e conto com você para ajudar–me a protegê–la enquanto
estivermos nesse covil de lobos!
— Certamente, ficarei atento.
Rebeca sentia–se grata por ver–se agora entre um pequeno grupo
formado por mulheres gentis e simpáticas. A chegada à corte, pela manhã,
de nobres amigos do clã Connollyn havia sido um alívio para ela. Estava
principalmente feliz por conversar com lady Evelyn MacMilan, mãe de sir
Lorne, casado com Aileen, uma grávida com rosto de anjo peralta, que
nesse momento alisava a barriga que despontava, e de Izobel MacCallen,
viúva de aparência espetacular, dona de um pequeno castelo bem próximo
de Torquil, e que tocava habilmente os negócios herdados do marido
falecido. As damas ali conheciam a família de conde MacConnollyn há
muitos anos. A senhora Evelyn, diferentemente de Blaine, alegrava–se em
contar tudo que lhe era perguntado sobre os Connollyn.
— Com cerca de quinze anos Alastair já era essa beleza que você
vê agora. Meu filho Lorne aprendia as artes de luta com seu clã, e ele,
Alastair e Blaine eram inseparáveis. Quando não estavam treinando,
estavam correndo atrás das mocinhas. Eram uns beijoqueiros.
— Revezavam–se em correr atrás de nós. — Riu Davina, sobrinha
de Evelyn, e esposa de Sean MacAvory. — Éramos todos muito jovens na
época, tudo era engraçado... Não nos leve a mal...
Rebeca sacudiu a cabeça, compreensiva. Sua juventude não havia
sido então tão diferente da vivida por seu marido.
— A verdade é que os lordes não se incomodavam muito com o
fato de três meninos bonitos quererem estar aos beijos com as meninas, e
acabavam fazendo vista grossa, e até achando graça. Porque não passava
disto, e nunca houve algum grande escândalo. Além do mais, o fato da
prometida de Alastair ter morrido afogada cedo fez com que a ele fosse
permitido muita coisa que não seria se a situação fosse outra — explicou a
senhora Evelyn.
— Ou seja, além de se apiedarem dele por perder a noiva, algumas
famílias aguardavam ansiosamente que conde MacConnollyn escolhesse
uma de suas herdeiras para consorte de seu filho — completou Aileen.
— É verdade. Mas o tempo foi passando e Alastair foi chegando à
idade adulta sem que Duncan lhe arranjasse um casamento. Sim, Duncan
sempre foi um homem que fazia o que tinha vontade, sem se ater muito à
convenções, não fazendo o que era esperado de um lorde de sua posição
— replicou lady MacMilan.
Rebeca compreendia bem o que ela queria dizer. Seria de esperar
que Alastair casasse com uma nobre de um clã tradicional escocês, e ao
invés disso, Duncan e seu filho se lançaram em uma união improvável
para salvaguardar a filha de um amigo. Uma inglesa plebeia, criada de
forma completamente oposta à deles.
— E então, aconteceu Caledônia. — Izobel sacudiu a cabeça
desaprovadoramente.
As mulheres dos outros clãs ficaram em silêncio reflexivo, e se
entreolharam. Pareciam analisar intimamente se deveriam continuar
falando ou se seria melhor encerrar a conversa nesse momento. A dama
grávida alisou a barriga de cinco meses mais uma vez:
— E você, lady Rebeca, pretende ter filhos?
— Pretendo sim, adoro crianças. — Olhou–as em expectativa, sem
mencionar que seu ciclo já estava atrasado há mais de um mês, e que
estava certa de já estar grávida — Mas... Quem é essa Caledônia?
Aileen suspirou, e Davina desviou os olhos.
Izobel, ou Izzie, como a chamavam as amigas, estalou a língua:
— Em algum momento ela vai ficar sabendo mesmo, e é melhor
que seja através de gente amiga. Caledônia foi o primeiro amor de
Alastair.
— Primeiro amor?— indagou Rebeca, tentando falar com
calma.
— Sim, mas nada inocente. Nada dos simples beijos de antes. E
logo tudo entre eles tornou–se exagerado e escandaloso — completou
Aileen, diante dos olhos contrariados das outras damas. — Não me olhem
assim. Se é para contar, vamos contar tudo. Caledônia Paltrow era uma
mulher casada, e fez de Alastair seu amante, por um longo e intenso
período.
Davina concordou.
— O marido de Caledônia era um porco. Diziam que foi um
monstro com ela na noite de núpcias, aquele velho horrendo e cruel. Ela
precisou ser atendida por curandeiras na manhã seguinte, e o que se
comentava era que sangrava por várias partes, e que as servas nem
esperavam que ela sobrevivesse... Era pouco mais que uma criança quando
casou–se, por ordem dos pais dela, porque o noivo degenerado possuía
fortuna.
Aileen concordou com a cabeça, fazendo cara de nojo ao lembrar
do homem.
— O marido de Caledônia ausentava-se muito, à serviço do rei.
Quando viajava, a esposa podia aproveitar a liberdade e o consolo de suas
dores. Era de se esperar que uma mulher infeliz e jovem acabasse por
procurar alívio para suas mazelas nos braços de um homem gentil, e a
maioria das pessoas compreenderia tal atitude, se fosse com discrição.
Mas Caledônia e Alastair passavam dos limites do que conhecemos como
amantes. Eles não se preocupavam com recato, e não temiam ser
descobertos, e todos nós começamos a nos preocupar com sua segurança.
— Ah, a juventude tende a ser tola, e a achar que tudo pode fazer.
— murmurou lady Evelyn.
— Mas a história do adultério deve ter chegado um dia aos ouvidos
do marido — comentou Rebeca, cada vez mais curiosa com o caso que lhe
era relatado.
— Ah, sem dúvida. Mas quando ele soube, o conde MacConnollyn
já havia tomado uma atitude para evitar a tragédia que anunciava-se,
separando Alastair de Caledônia, e o enviando para as terras dos parentes
Bontine, onde ele viveu durante bastante tempo. O próprio rei pôs sua mão
sobre Alastair, protegendo–o do marido traído, e advertindo–o que se algo
acontecesse ao rapaz, seu feudo lhe seria retirado e entregue aos
Connollyn como pagamento por privar–lhe do herdeiro e também
promissor guerreiro. O Conde MacConnollyn já era influente e respeitado
na época, e sempre foi interessante mantê–lo como aliado político.
— E as coisas foram se acertando? — indagou a dama do rio.
— Sim, aos poucos. Alastair era tratado com zelo por lorde
Bontine, esposo de Gwendoline, irmã de Gavin, que também vivia no
feudo. Pelo que soubemos os moços tornaram-se grandes companheiros, e
começaram a correr atrás das mocinhas das redondezas lá. Caledônia
acabou por ser esquecida. — Evelyn deu de ombros — Não houve escolha
para Alastair senão seguir adiante.
— E Caledônia?
— Caledônia era promíscua, o que acabou sendo bom para Alastair.
Ela envolveu–se com vários homens depois dele, e seu marido, então
enfrentando uma sucessão de traições escandalosas, ocupava-se em afastar
novos rivais. MacConnollyn, que na verdade era o mais moço de todos os
amantes, foi perdendo sua importância. — Aileen não parecia simpatizar
nada com a antiga amásia de seu amigo.
— Não gosta de Caledônia, lady Aileen? — indagou Rebeca.
— Nunca gostei de Caledônia, e muito me incomoda que não haja
nela nenhuma sensibilidade para com outros, depois de ser vítima de
desmazelos. Não acho que seu casamento ruim justifique tentar destruir o
casamento dos outros. Ela se envolvia com homens casados, e promovia
intrigas e sofrimento. E se já era uma vergonha antes, quando casada,
agora viúva, desvirtuou-se por completo!
Rebeca ficou alarmada:
— Ficou viúva há pouco?
— Sim, faz poucos meses. Mas não se incomode, lady Rebeca, se
Alastair a quisesse, teria a desposado, pois ela enviuvou bem antes de
vocês dois se casarem. Ele é ciente de que Caledônia não presta.
— E você é muito mais linda que ela, nem se compara! — replicou
Davina. — E mais jovem.
— Como é essa mulher?
Todas as mulheres começaram a falar ao mesmo tempo:
— Peituda como uma vaca!
— Arrogante!
— Não tem amigas.
— Uma vergonha para nós, mulheres. Veste–se de forma vulgar,
oferece–se aos homens. É terrível que muitos achem isso encantador.
Davina ergueu as mãos, e as outras acalmaram-se:
— Ela é uma figura exótica. Tem um rosto até bonito, mas o que se
destaca é uma singularidade em seus cabelos. Ela os tem muito brilhantes
e pretos, com uma grande mecha branca no centro. Dizem que a mancha
apareceu no dia seguinte à sua noite de núpcias. Parece que foi provocada
pelo trauma de ser agredida e deflorada violentamente por seu marido.
Rebeca franziu o nariz:
— Sorte dela que o marido morreu.
Rebeca apiedara-se de Caledônia e seu matrimônio infeliz,
imaginando se isto havia norteado o caráter da mulher.
— Sim, e deixou–lhe a propriedade e dois filhos que sei que ela
preferia nunca ter tido. Pobres crianças. É irônico que mulheres sem
nenhum senso materno sejam abençoados com filhos, e outras que os
desejam não recebam essa dádiva — lamentou Izzie. Aileen pegou sua
mão:
— Ah, querida cunhada, ainda é jovem e bonita, casará de novo, e
terá vários filhos.
— Ah, não sei se conseguirei outro homem tão bom como o Cole,
que Deus levou, e não me deu nenhum bebê. Ele sempre foi um bom
marido, e era tão diferente desses homens tacanhos que nos cercam. E se
eu nunca...?
— Bobagem! É jovem, filha. Só que é muito exigente — Lady
Evelyn deu uma palmadinha no ombro de Izzie.
— Mas aqui na corte, entre tantos cavaleiros de Alexandre, talvez
possa achar alguém que lhe agrade de fato.
As mulheres mudaram de tema, e começaram a falar sobre
amenidades. Porém Rebeca tinha dificuldades de concentrar–se. Seu
marido já havia amado outra. Amado. Mas não amava sua própria esposa.
***
Alastair havia ficado sem fôlego quando vira sua esposa Rebeca
dentro do vestido de festa vermelho com bordados dourados. Estava
deslumbrante, apesar do ar um tanto introspectivo, talvez por causa do
acontecido com Adriel. Alastair não se incomodou com a expressão
taciturna dela, logo querendo exibi–la no salão e feliz por tê–la nos braços.
No entanto só havia conseguido dançar com ela uma vez. Após a primeira
dança Rebeca havia sido tomada dele por Duncan, depois Blaine, Lorne,
lorde MacMilan, Sean MacAvory... E agora o próprio rei Alexandre. Seus
amigos, conscientes de que era extremamente ciumento, se divertiam com
a situação e ainda o provocavam com palavras, agora que cansara de
dançar com outras damas, e resignara–se a apenas observar sua mulher.
— É seguramente a dama mais bonita do castelo.
— Do castelo? Quer dizer de toda a Escócia, não é, Blaine?
— Ah, sim, Sean. Na verdade de toda a Escócia e também da
Inglaterra. Assim reza sua lenda.
— Junte a isso a Irlanda e Gales — completou Lorne, piscando um
olho.
— Não vou aceitar a provocação. Prometi a Rebeca que me
esforçaria para ser um homem de paz — resmungou Alastair.
— O rei parece apreciar lady Rebeca — comentou Sean.
Blaine deu de ombros:
— Quem não a apreciaria?
— Desejo que sua futura esposa seja muito mais bonita que a
minha, Blaine — disse Alastair.
O amigo estourou na gargalhada:
— É a praga mais estranha que eu já ouvi!
— Vais ver quando todos ficarem de olho na tua mulher, Blaine. Aí
irei à forra.
***
Rebeca ainda estava um pouco distraída pelas lembranças da
conversa que havia tido com suas quatro novas amigas sobre Alastair e sua
antiga amante, quando foi retirada de seus pensamentos pela voz agradável
de Alexandre III:
— Ficará feliz em saber que conde MacConnollyn levará para
Torquil os documentos das terras de seu pai, assim como seu título.
Quando sua família vier até mim para prestar fidelidade, você e Alastair
talvez queiram acompanhá–los, Rebeca — dizia o rei, enquanto dançavam,
tocando com graça a ponta dos dedos da moça, e fazendo–a deslizar
encantadoramente pelo salão, entre os outros casais.
— Ah! Estou muito feliz e certamente viremos todos acompanhar o
juramento. Será uma grande honra! É uma grande felicidade ter minha
família mais perto! — Estava tão feliz que fez menção de abraçar o rei. O
olhar de espanto dele fez com que se detivesse.
Alexandre sorriu do embaraço de Rebeca:
— Não me desagradaria de forma alguma o abraço de tão formosa
dama, mas causaria alvoroço no salão, milady, e Alastair não gostaria
tampouco, tenho certeza!
Rebeca sorriu, um pouco ruborizada.
— Oh, não gostaria mesmo. Ele acha que tenho um talento natural
para embaraçar a mim mesma! Acho que está certo. Não sei me comportar
na corte, majestade, não sei como agir diante de um rei. Minha família não
frequentava a nobreza.
O rei deu um sorriso, agradando–se da sinceridade da inglesa:
— Pois já me basta que não seja uma dama afetada. Não creio que
tenha um talento natural para embaraçar a si mesma. É muito agradável,
senhora, e já deve ter percebido que seus talentos naturais são outros...
— De que adianta, vossa alteza, ser bonita e agradável quando o
marido ama outra? Quando o casamento para ele nada mais é do uma
obrigação desagradável a cumprir? Bem dizem que o amor não é para a
esposa, e sim para a amante! — concluiu, amargamente.
— Do que está falando? — Surpreendeu–se o Glorioso. — Seu
marido ama outra? Como eu não soube tal coisa acontecendo entre meus
nobres? Quem é a dama?
— Lady Caledônia — respondeu ela, com um suspiro.
A resposta do rei Alexandre foi uma risada alta, que fez várias
cabeças voltarem–se para eles. Ele não pareceu se importar, e Rebeca
sentiu o rosto esquentando. Ah, tinha mesmo um talento para embaraçar–
se...
— Lady Caledônia e Alastair! Oh, não, isto é história antiga, eu sei.
Francamente, Rebeca, seu marido não é mais um rapazola... Naquela
época, sim, estava muito envolvido com ela. Natural, pois ela oferecia a
ele de bom grado o que as outras mocinhas solteiras não lhe podiam dar...
Nós homens, minha cara, não pensamos sempre com o cérebro...
Principalmente quando estamos na puberdade. — Ele deu mais uma
risada, dando uma piscada divertida para a dama com quem dançava —
Quase acreditei que ele estava louco, pois tendo um banquete sempre à sua
disposição, um homem não precisa ir buscar migalhas em outras mesas...
Isso é até uma afronta aos menos afortunados...
Rebeca reprimiu–se para não sorrir com o elogio, procurando
manter–se humilde. Mas ainda tinha dúvidas:
— Acha que não há mais nada entre eles?
— Não há. Acabou faz muito, muito tempo. Ela já teve um sem
números de homens depois dele. E não creio que houvesse amor ali. Era só
luxúria. Lamento enrubescê–la dizendo isso, mas é a verdade — replicou,
olhando–a de soslaio.
A música acabou, e os músicos prepararam–se para começar outra.
Rebeca ia curvar–se para agradecer ao rei pela dança, mas ele prendeu
seus dedos.
— Vamos continuar dançando. Ainda temos o que conversar. — A
voz dele soou baixa, mas não deixava dúvidas que era uma ordem. Rebeca
olhou direto para os olhos dele, alarmada com o que o soberano podia
estar desejando naquele momento, receosa de ser assediada mais uma vez.
O rei compreendeu imediatamente o olhar preocupado dela, e
enquanto a conduzia novamente, falou em voz apaziguadora:
— Não se preocupe, minha querida, sou teu soberano e não
necessito de preâmbulos. Se a quisesse em meus lençóis, já teria lhe dito
diretamente.
Ela quase pôde ouvi–lo completar: “e você teria ido”.
Rebeca encarou o rei novamente. Deteve–se um momento na boca
firme e bonita, e nos olhos inteligentes. Estava certa que ele não teria
dificuldade nenhuma de levar para cama a mulher que desejasse, sem
precisar coagi–la. Ruborizou–se com o pensamento inadequado. Mais uma
vez ele entendeu o que ela pensava, e acrescentou num tom malicioso:
— Embora seja muito tentador realmente... — Os olhos de
Alexandre fixaram–se por alguns segundos nos lábios carnudos de Rebeca,
e um brilho de admiração passou por seu olhar. Mas rapidamente o rei
retomou seu tom amigável — Talvez se fosse em outra época, ou em outro
lugar, minha linda dama do rio...
Ela conteve um suspiro aliviado, com o rosto ainda em brasa, e
assentiu com a cabeça para o soberano:
— Sorte minha que seja um homem honrado e um amigo fiel,
majestade.
O Glorioso relanceou-lhe um olhar bondoso:
— Um rei não pode se dar ao luxo de ser impulsivo, Rebeca.
Sempre considero muito tudo o que faço, e estimo Alastair, tenho–o como
amigo. Nossas famílias são aliadas há gerações, assim como a sua
também o será. Quis continuar dançando contigo porque me causou
estranheza julgares que teu casamento é para vosso marido apenas “uma
obrigação desagradável a cumprir”. Estava apenas sob o efeito do ciúme
ou há algo mais aí? Sou solidário convosco por também eu ser casado com
uma inglesa, e admitir que nossos hábitos podem causar um certo conflito
com os seus. Sinto–me responsável pelo vosso matrimônio, pois fui eu
quem sugeriu a Alastair que a buscasse de imediato, quando vosso pai e
Duncan inteiraram–me da preocupação acerca de Eduardo.
— Não é um casamento que me desagradou, majestade, e há
poucos dias Alastair começou a se comportar melhor comigo, mas antes
disso... Meu marido ou me ignorava completamente ou se dirigia a mim
aos gritos, como se eu fosse um fardo pesado demais, sempre causando
problemas ou constrangendo-o.
— Prossiga. Conte-me tudo. — Alexandre estava pensativo.
— E também... Envergonha–me um pouco dizer... Alastair só
queria saber mesmo de mim à noite, como se eu fosse uma... o senhor
sabe. Ao amanhecer afastava–se sem nem sequer desejar–me bom dia.
— Hum... — O rei fitava o vazio agora — Já compreendo.
— Perguntaste–me, meu senhor, por isso contei-lhe como era. Mas
não quero queixar–me de meu marido, pois sei que muitos matrimônios
são ainda piores, e entendo que os esposos esperam que suas mulheres
apenas sigam as suas ordens. Não esperam que suas esposas pensem, ou
sofram.
— É um tolo o marido que acha que sua esposa não pensa e nem
tem sentimentos. Isto Margarida ensinou–me. E como rei posso fazer ou
desfazer acordos, dama do rio. Se o casamento atual não agrada milady e
Alastair, posso revogá-lo. Desejaria que lhe fizesse outro matrimônio?
Tenho vários nobres e cavaleiros honrados buscando uma boa esposa.
— Não, majestade, de jeito nenhum! Alastair me garantiu que se
esforçaria para ser um marido melhor. Agora suspeito que minha queixa
tenha vindo mais por causa do ciúme do passado do meu lorde — replicou,
arrependida de ter falado demais. — E amo meu marido de qualquer
modo...
Rebeca fitava o rei, preocupada. Por que não controlara sua
língua? Maldita impetuosidade a sua!
Talvez Alastair estivesse certo, afinal. Ela atraía problemas. Ou
pior, os causava.
Alexandre deu um meio sorriso diante do horror estampado na face
de Rebeca.
— Eu já esperava que não quisesse outro, percebo que é
apaixonada por seu marido. O que a incomoda mais é a forma que ele a
trata ou o fato de não dizer que a considera? Ou como tanto desejam as
mulheres, não ter feito uma declaração de amor?
Ela pestanejou. O rei continuou a falar, sem dar–lhe chance de
responder:
— Quantas vezes você mesma disse a seu esposo que o amava?
O rei voltou a encará–la, dessa vez aguardando uma resposta.
— Na verdade, nunca falei. — Sua voz era quase um lamento.
— Se uma dama como você não se declara, como espera que um
guerreiro o faça? Sabe como foi a criação que vosso marido recebeu? Foi
criado para ser líder, para assumir o lugar do pai como chefe de muitos.
Duncan o educou como senhor e guerreiro desde bem pequenino. É um
homem de ordem, de autoridade, de ações e decisões, não foi treinado para
ser gentil ou sentimental.
Ela manteve–se silenciosa, e instintivamente seu olhar procurou o
marido. Durante a dança seus olhos buscaram seu esposo várias vezes,
sempre o encontrando a conversar com os outros amigos, ou dançando
com as esposas desses. Agora, no entanto, tinha dificuldade de localizá–lo.
— A música já vai acabar, Rebeca, então serei franco e rápido: está
sendo tola. Espera que seu marido pense como você. Isto nunca será
possível. Ele é homem, escocês, guerreiro, e senhor de um clã. Se ele
comprometeu–se contigo e ainda por cima tem se esforçado para fazer seu
casamento agradável, não há motivo para desconfiança ou reclamação. Ele
já a ama. E esqueça essa bobagem com Caledônia.
A música parou mais uma vez, e o rei Alexandre brindou Rebeca
com mais um de seus marotos sorrisos:
— Ah, a música acabou! Minha honra está salva! Dançar com você
pode ser perigoso, linda dama do rio...
Assim que terminou de curvar–se diante do rei para agradecer a
dança, Rebeca afastou–se procurando seu marido. Ainda estava
impressionada porque o rei tinha lhe dado a honra de ouvi–la e conversar
com ela. Sabia que não era muito usual o soberano falar tanto com uma
mulher que não fosse de sua família ou que não estivesse cortejando. Bem,
esperava que as gargalhadas dele e o rubor dela não gerassem novas
canções irônicas dos menestréis, mas tinha a ligeira impressão que se isso
acontecesse, o rei Alexandre as escutaria dando boas risadas, e não se
incomodaria com o fato.
***
Alastair observava discretamente sua esposa Rebeca dançando com
outros homens. Era aceitável que dançasse com o sogro, mas com os
outros, nem tanto. Distraiu–se bailando com as esposas de Sean e Lorne,
com Izzie e com outras velhas amigas. Evitou habilmente todas as damas
que o admiravam com expressão cobiçosa, não desejando problemas com
sua lady, e finalmente pôs–se a apenas esperá–la.
Quando pensou que resgataria sua dama das mãos do rei para mais
uma dança, percebeu, com desagrado, que Alexandre a retinha. A conversa
devia estar mesmo muita boa! Não era hábito que o soberano dedicasse
tanto do seu tempo com uma nobre, ainda mais uma que nem era
originariamente escocesa. Bufou discretamente. Quando a música
recomeçou, e o monarca não trocou de par, Alastair sentiu os olhares dos
amigos recaírem sobre ele. No entanto, nenhum deles fez-lhe troça.
Sabedores da história com o príncipe Eduardo e bastante conscientes da
intensa beleza de Rebeca, os companheiros de Alastair começaram a ficar
um pouco apreensivos, e pareciam estar com a respiração quase suspensa,
presos a cada um dos movimentos do casal. A jovem fitava o rei que não
soltara sua mão com um pouco de temor. Quando a dupla voltou a
conversar normalmente, e o Glorioso desviou o olhar para o salão, o
herdeiro dos MacConnollyn e seus amigos esvaziaram o ar de seus
pulmões quase ruidosamente. Animaram–se a tomar uma cerveja e
voltaram a conversar alegremente, satisfeitos com a lealdade e
autocontrole de seu soberano, e já despreocupados. O grupo afastou–se um
pouco para um canto, onde suas piadas e risadas não atrapalhariam a
concentração dos dançarinos.
Alastair estava sob o efeito tranquilizador da cerveja, sentindo
ainda a vibração pelos momentos de tensão dos minutos anteriores,
quando sentiu uma mão tocar seu ombro. Reagiu instantaneamente,
afastando-se bruscamente.
— Muito tenso, guerreiro — sussurrou uma voz feminina. Antes
mesmo de voltar–se para trás, Alastair já sabia de quem se tratava.
— Caledônia! — Sorriu, virando–se para beijar a face da dama.
Olhou–a de cima a baixo, rapidamente. Continuava bonita, e trajava–se
elegantemente, como sempre. A mecha branca entre os cabelos pretos
parecia ter aumentado. Seu olhar havia mudado um pouco, parecia mais
sensual que antes.
— E então, meu lorde? Terminou de examinar–me?
Os outros homens interromperam a conversa para prestarem
atenção à Caledônia e Alastair. As expressões de Blaine, Lorne e Sean
eram desaprovadoras.
— Gostou do que viu, lorde MacConnollyn? — ela perguntou,
provocante.
— Certamente — respondeu ele, impressionado com os lábios
muito vermelhos dela. Aquela cor o impressionava. Era a mesma cor do
vestido de Rebeca. Desviou o olhar imediatamente, buscando ver a esposa
no salão. Confirmou que a música ainda não havia cessado, e ela
continuava a deslizar com Alexandre entre as outras duplas.
A distração dele irritou Caledônia:
— Alastair! Que falta de cortesia, estou falando com você e fica
olhando para o outro lado!
Alastair piscou e voltou o olhar para Caledônia, de modo vago,
antes de desviá–lo mais uma vez.
— Lamento. O que dizia?
Os amigos de Alastair reprimiram uma risada quando viram a
expressão de raiva mal contida da mulher.
— Não importa. — Suspirou. — Cheguei ainda agora à corte.
Havia muito tempo que não o via, querido, quais as novidades?
— Casou–se! — respondeu Blaine, prontamente, apenas esticando
o corpo, sem aproximar–se.
Alastair virou–se para olhar o amigo, uma expressão surpresa e
divertida no rosto. Conteve o riso, tomando um gole de cerveja. Imaginou
o quanto eles estavam incomodados com a presença da ex–amante, tão
próxima de Rebeca. Felizmente, sua esposa não a conhecia, então podia
ficar descansado, sem temer alguma cena ou mal-estar.
— Casou–se... — Caledônia repetiu a frase, quase num sussurro.
Alastair assentiu, com um sorriso nos lábios.
— E quem é a feliz esposa?
— Você não conhece. É inglesa.
— Ah! Uma inglesa! Essas uniões estão em moda, ultimamente. —
Caledônia riu, debochada — Uma dama gorda e vermelha, suponho.
— Gorda, certamente não. — Alastair sacudiu a cabeça, e seus
amigos repetiram o movimento vigorosamente, sorrindo e murmurando
elogios à Rebeca.
— Vermelha em alguns pontos bem saborosos e específicos, sim...
— continuou o lorde, com um tom de voz aveludado e malicioso.
Os homens se deleitaram com a revelação íntima, fazendo um coro
de assobios.
— Uma informação como essa merece mais uma rodada de
cerveja! — Animou–se Sean, enchendo as canecas.
Os amigos estavam rindo, mas Caledônia mantinha–se muito séria.
— Ouvi dizer que as inglesas são frígidas...
Alastair ergueu as sobrancelhas, e sorriu, indulgente:
— Isto é uma crença que posso seguramente desmentir.
Caledônia deu um passo à frente, chegando mais perto de Alastair,
e o encarando de forma lânguida:
— E qual mulher não acabaria por derreter–se em seus braços? Eu
senti tanto a sua falta... — Ela pôs as mãos na cintura de Alastair, e ele
delicadamente as retirou.
— Caledônia, nosso tempo já passou, não seja tola...
— Não, meu querido, nosso tempo está para começar... Nos
separamos antes por causa de meu marido, mas agora ele já não existe
mais, e podemos finalmente ficar juntos! — Ela alterava–se.
— Foi uma paixão juvenil, agora somos adultos. — Alastair
começava a impacientar–se. Não gostava muito de conversar com
mulheres, eram quase sempre entediantes, com exceção de sua adorável
esposa e poucas além dela, mas falar com uma que parecia prestes a
explodir em lágrimas era particularmente desagradável.
— Você está certo, Alastair. Mas... Sinto–me mal... Poderia, por
favor, acompanhar–me até a porta do meu quarto? Não sei se eu
conseguiria... — Caledônia gaguejava.
Alastair queria livrar–se logo daquele inconveniente. Segurou o
braço de Caledônia, sem delicadeza:
— Venha logo.
— Alastair, não acho que deva... — Interpôs Blaine.
— Acha que não sei me livrar de uma mulher inconveniente? Volto
logo — murmurou junto a Blaine.
Alastair não olhou o salão novamente enquanto se dirigia a um dos
corredores conduzindo Caledônia. Não percebeu que a música terminava e
que Rebeca já estava à sua procura.
***
— É este o meu quarto... — Caledônia o olhava com ar triste.
— Então, boa noite.
— Espere! — Segurou-o pela roupa, puxando–o para mais perto.
— Está certo disso, Alastair? Não me deseja mesmo? Olhe para mim!
Ainda tenho o mesmo corpo. Na verdade, acho que estou melhor do que há
alguns anos atrás...
Ele esforçava–se para não olhar o generoso decote.
Involuntariamente relembrou dos encontros tórridos com aquela mulher.
Eles faziam sexo de formas que não havia feito nem com sua esposa.
Analisou rapidamente o que seria adequado praticar com Rebeca. Sentiu a
virilha começar a ferver. Caledônia reconheceu a luxúria no olhar do
homem à sua frente. Tocou–lhe o membro, sem inibições, e ao descobrir a
ereção dele, julgou erroneamente que fosse para ela.
— Vejo que ainda me deseja... — Empurrou–o contra a porta de
madeira.
— Não, Caledônia! — Alastair tentava desvencilhar–se, mas ela o
mantinha firmemente preso pelo membro. Preocupava–se com o olhar
alucinado dela. Não estava bem certo se a situação era engraçada ou
assustadora. — Eu estou casado agora!
— Eu não sou ciumenta... — Ela revirou os olhos, sapeca.
Alastair não conseguiu evitar uma risada. Caledônia também riu,
afrouxando a mão que o prendia por baixo.
— Seja boazinha, e tire a mão daí...
— Tirarei, depois de beijá–lo. Sinto saudades de sua boca,
Alastair...
Ele tentou mover o rosto para trás, evitando o beijo, mas Caledônia
era eficiente, e alcançou–lhe a boca mais rápido, imprensado como estava
contra a porta. No entanto ela não conseguiu que ele lhe abrisse os lábios.
Foi um beijo sem emoção, e Alastair manteve seus olhos abertos, o
pescoço retesado enquanto a mulher que o beijava ficava nas pontas dos
pés.
***
Rebeca avistou o marido e os amigos conversando no fundo do
salão. Passou pelo conde MacConnollyn, que conversava com alguns
nobres e a chamou para apresentá–los. Ela tentou ser gentil e cordial, e
logo que pode, pediu licença e seguiu na direção de seu esposo. Viu–o
afastando–se com uma mulher. O coração quase saltou pela boca ao notar a
mecha branca destacada entre a cabeleira negra. Com dificuldade abriu
caminho entre os nobres já alegres pela bebida, que insistiam em lhe fazer
galanteios e postarem–se à sua frente. Criados, pajens e escudeiros
também atrapalhavam, cruzando adiante dela, parecendo conspirar de
modo cruel para impedir-lhe a passagem, quando lutava desesperadamente
para impedir a traição do amado.
Divisou o corredor que o casal tomou, e seguiu por ele quase
correndo. Ouviu a risada familiar e acelerou o passo. Levou um choque ao
ver o marido beijando outra na porta de um quarto, e mais ainda quando
viu aonde estava a mão da vagabunda.
Os olhos do escocês abriram desmesuradamente ao avistarem
Rebeca.
— Alastair!
Caledônia se afastou dos lábios de Alastair assim que ouviu o grito
feminino às suas costas. Rapidamente refez-se do susto, e o triunfo surgiu
em sua face ao avistar a moça ruiva que a encarava cheia de horror.
— Sua esposa, presumo...
Alastair ignorou Caledônia, sua atenção estava totalmente focada
em sua esposa.
— Rebeca, ouça–me...
Alastair não conseguiu terminar a frase. Sentiu–se congelar quando
viu a esposa levantar uma ponta da barra do vestido, e arrancar sua adaga
do cano da bota que calçava.
— Tire a mão daí, vadia, antes que eu corte–lhe os dedos.
O sorriso de Caledônia paralisou na face. Já havia se deparado com
outras esposas ciumentas antes, mas as damas da corte geralmente só lhe
lançavam pragas ou ocasionalmente uma bofetada. Nunca havia se visto
diante de uma mulher furiosa que estivesse armada. E Rebeca parecia
muito selvagem. Recolheu as mãos, erguendo–as para mostrar que não
fizera nada além de mantê–lo parado:
— Juro–te que não estava com os dedos brincando em seu marido...
Eu só... eu só... lhe prendi...
— E na boca, brincavas ou só... lhe prendia? — vociferou.
Alastair olhava fascinado para sua esposa. Nunca a havia visto tão
enfurecida. Os cabelos vermelhos arrumados em um penteado que
emoldurava o lindo rosto fez–lhe pensar por um momento que ela era uma
deusa vingativa em chamas. Uma deusa vingativa em chamas... Olhando
para ele, enraivecida... E com uma faca!
Em um gesto quase involuntário pôs as duas mãos sobre o próprio
sexo, protegendo–o daquela ira.
— Foi só um beijo. — Caledônia respondeu, com ligeiro desdém.
Rebeca voou sobre ela, derrubando–a no chão:
— Pois para mim já foi muito!
A dama do rio sentou sobre Caledônia, e aproximou seu rosto da
rival, ameaçadoramente:
— Vamos deixar as coisas bem claras: você não é uma dama de
verdade, e eu não sou uma coitadinha como as que você passa para trás.
Nunca mais quero vê–la perto do meu marido, entendeu? E não tornarei a
avisar–te!
Alastair deu um pulo para segurar Rebeca quando viu o brilho da
adaga cortando o ar, mas não conseguiu detê–la a tempo. Sua esposa
ergueu, vitoriosa, um punhado de cabelos que havia rapidamente enrolado
na mão, como um rabo de cavalo. Sacudiu o monte diante da face da rival,
para que ela visse o tamanho do estrago feito, e lançou-o no piso de pedra,
feito lixo, espalhando toda a extensa massa de fios escuros pelo corredor.
O lorde piscou, com assombro, enquanto Caledônia ficava histérica:
— Meu cabelo! Que fizeste? Me deixou careca!
— Quase, meu bem. Por sorte pode crescer de novo. — Olhou para
Alastair de forma significativa, enquanto levantava–se. — Mas tem certas
coisas que nunca mais crescem depois de cortadas.
O escocês caminhou até a esposa, esticando o braço para segurá–la,
mas ela o ameaçou com a adaga:
— Afaste–se!
— Rebeca, já está vingada. Agora vamos conversar.
— Não! E não se atreva a chegar perto de mim!
Rebeca saiu correndo, e Alastair a seguiu, saltando sobre a mulher
sentada no chão, que olhava, horrorizada, os pedaços cortados de suas
longas madeixas, espalhados por toda a volta.
Havia um grupo entrando no corredor no momento em que Alastair
tentava sair. Seu tamanho não o favorecia para vencer logo a pequena
multidão e alcançar Rebeca. Atrasou–se, perdendo–a de vista na
aglomeração no salão.
***
Era com aquela prostituta disfarçada de dama que Alastair havia
aprendido tudo o que fazia com ela no leito matrimonial? Pois se era
assim, tão cedo não o deixaria tocá–la novamente. Talvez nunca mais!
Rebeca desejava sumir, e corria desesperada para afastar–se do escocês,
fugindo da sua voz doce e persuasiva. O ódio naquele momento era tanto
que não queria nem pensar em perdoá–lo pela infidelidade. E o maldito
homem tinha um poder tão forte sobre ela, que temia o seu toque. Se ele
lhe pusesse as mãos em cima, não sabia se conseguiria repudiá–lo como
desejava. Deveria ter cortado o cabelo irritantemente bonito de Alastair
também. Talvez assim ele não usasse mais sua aparência como arma de
sedução. Sacudiu a cabeça, ainda mais furiosa. Mesmo sem cabelo o
descarado libidinoso ainda continuaria lindo. Que raiva!
***
Blaine arrepiou–se ao perceber uma sombra vermelha passar como
vento ao seu lado. Foi necessário apenas uma fração de segundo para
perceber que era lady Connollyn quem passava correndo. Não perdeu
tempo pensando, seguiu–a imediatamente.
Lorne e Sean entreolharam–se com espanto ao verem Blaine deixar
em disparada o salão. Só saíram de seu torpor quando Alastair surgiu no
meio deles, com olhar assustado:
— Viram Rebeca?
— Passou correndo há alguns minutos. Blaine foi atrás.
— Por onde?
Eles apontaram para a passagem, e Alastair correu na direção
indicada, sendo seguido pelos dois amigos, que muniram-se de archotes
para iluminar o caminho ao perceberem que a rota de fuga de Rebeca
levava para fora do castelo.
— Como uma mulher de saias compridas pode ser tão rápida? Não
vejo nem sombra dela — resmungou Sean, na escadaria do castelo. Eles
olhavam de um lado para outro, incertos de qual caminho tomar.
— Ela amarra o vestido e fica parecendo com calças de sultão. Já a
vi fazendo várias vezes quando brinca com as crianças, assim pode correr
sem muita dificuldade — respondeu Alastair, distraidamente, enquanto
olhava para todos os lados.
Lorne deu uma risada:
— Sua esposa é muito peculiar... Mas afinal o que você fez para
que ela saísse correndo feito uma louca?
— Ei, olhem isso! — chamou Sean, vendo umas manchas no chão
— Que estranho, pensei que fosse sangue, mas são apenas pedaços de
tecido vermelho...
— Ela rasgou uma parte do vestido! Já sei para onde foi! —
Alastair gritou, apressando-se em direção aos estábulos.
Antes mesmo de alcançarem seu destino, ouviram um trotar
furioso.
Rebeca vinha galopando em Pérola. Os homens postaram–se em
seu caminho.
— Saiam da frente! — Ela não diminuiu o ritmo da corrida.
Quando Lorne e Sean perceberam que ela não ia mesmo parar,
abriram–lhe caminho. Montava escarranchada, tendo parte das pernas à
mostra, graças ao vestido parcialmente rasgado.
Alastair colocou-se ao lado do animal e da amazona, com braços
erguidos e mãos abertas:
— Rebeca, pare! Fale comigo!
Rebeca voltou–se, e fez Pérola parar subitamente. Alastair correu
em sua direção, o mais próximo que podia, enquanto ela incitava
suavemente a égua a afastar–se a cada vez que o marido dava um passo a
frente. Lorne e Sean aproximavam–se sorrateiramente pelos flancos da
montaria, um à direita e outro pela esquerda. Estacaram quando a ruiva
lançou a cada um deles um furioso olhar de advertência, e empinou o
animal. A visão ampla das coxas espetaculares da dama por um instante os
deixou ainda mais desnorteados. Seu marido precisou concentrar–se antes
de falar:
— Beca, o que viu lá dentro não foi realmente o que pareceu e nem
teve importância! — Antes de terminar a frase, já havia se dado conta do
erro na escolha de suas palavras. Amaldiçoou–se que um simples olhar às
pernas de sua dama já o distraísse tanto a ponto de nem saber o que dizer.
— Pois para mim importou, maldito seja! Posso aceitar que você
não me ame, Alastair MacConnollyn, mas que esteja com outra mulher
diante de mim, dormindo com ela sob o mesmo teto que eu estou, é
imperdoável!
— Acalme–se, Rebeca, acalme–se! O que pretende fazer? Cavalgar
sozinha à noite é perigoso, apeie logo desse animal!
— Não vou me acalmar coisa nenhuma! E não vou apear, você não
manda em mim! Quando se embebedou na outra noite, em que Blaine é
que foi meu protetor, estava nos braços dessa rameira?
— Não, juro–te! Ela só chegou à corte hoje!
Rebeca não confiava mais no marido.
— Mandou chamá–la, então, seu devasso?
— Não! Está imaginando coisas demais! E não sou um devasso! —
Alastair gritou, começando a impacientar–se com a obstinação da esposa.
A fúria de Rebeca pareceu tomar novo fôlego com o grito dele:
— Sabe o que mais imagino? Imagino que um viúvo bonito com
seis filhos para criar, lá de Inverness, seria um marido extremamente fiel e
amoroso à nova mãe dos filhos dele!
— Como ousa?! — Alastair investiu na direção da esposa, com
intenção de tentar arrancá-la de cima da água.
Tensa e indócil, Pérola bateu os cascos com força no chão,
afastando-se mais.
Antes que a discussão prosseguisse, ou que alguém se ferisse, Sean
puxou Alastair pelo braço, olhando–o com censura.
— Pelo amor de Deus, Alastair, cale a boca e deixe sua esposa
gritar tudo que tem vontade! Deixe ela botar a raiva para fora e assim
acalmar–se.
Alastair calou-se, mas sentia a raiva tremular seu corpo.
Porém Rebeca tremia ainda mais.
— Imagino também que com o príncipe Eduardo eu não sofreria de
traição. E eu não precisaria ter expectativas! Não ansiaria mais do que o
posto de companheira de alcova, e não necessitaria impor–me durante o
dia a quem só deseja minha presença de noite, quando o leito é
convidativo e a penumbra pode dar a ilusão de que está se deitando com a
pessoa certa!
Alastair engoliu a saliva com dificuldade. Rebeca devia estar muito
ferida mesmo se conseguia citar ela e o príncipe Eduardo, de quem tinha
tanto medo, como amantes, apenas para tentar atingi–lo. E havia
conseguido. Faltou–lhe palavras para responder, apenas balançou a cabeça,
atordoado.
— Não, Rebeca, não diga isso....
Mas ela não quis mais ouvir. Esporeou Pérola com uma violência
incomum, e saiu em disparada.
Blaine passou com seu cavalo, galopando velozmente atrás da
dama do rio, sem olhar os homens à volta. Alastair espantou–se por não
haver percebido que o amigo aguardava em algum recanto próximo a eles,
oculto entre as sombras. Estava mesmo distraído. Sua habilidade como
guerreiro estava comprometida, graças aquela ruiva tinhosa.
Lorne e Sean o observavam com expressão acusadora.
Estalou a língua e defendeu-se antes que as acusações
começassem:
— Foi só uma porcaria de beijo! Vocês sabem que não houve
tempo para nada além disso! Estavam comigo no salão quando fui
acompanhar Caledônia!
— Não estou certo disso, senhor rapidinho! Só sei que Ian disse
que você consumou seu casamento em tempo impressionante lá na
Inglaterra, porque teu rival estava à porta! Deve ter feito isso de novo aí
no castelo — Lorne resmungou.
— Tua mulher viu mais do que um beijinho para estar tão brava —
replicou Sean, mordaz. — O que ela pegou vocês fazendo, heim, devasso?
Alastair teve vontade de rir, mas não conseguiu. A sucessão de mal
entendidos era tão grande que levaria tempo demais os esclarecendo.
Apenas deu de ombros enquanto montavam seus cavalos.
Logo estavam cavalgando atrás de Blaine e Rebeca, auxiliados pela
luz da lua cheia.
Alastair estava irritado. E um pouco desesperado também, admitiu.
Justo quando as coisas entre os dois estavam se acertando, acontecia isso!
Porque cargas d’água havia se prestado a acompanhar Caledônia até seu
quarto? Agora podia compreender como sua mulher se sentia quando ele
tinha um ataque de ciúmes. Só que o arroubo de Rebeca era infinitamente
pior do que qualquer um dos seus. Não podia nunca mais esquecer–se
disso. Ela virava o diabo!
***
Rebeca estava mesmo furiosa. E com o orgulho muito ferido. Como
Alastair podia traí–la dessa forma? E logo depois de haver se
comprometido a ser um marido melhor, e se mostrado tão apaixonado
noite passada? Será que essa Caledônia havia sido tão importante na vida
dele que não conseguia resistir–lhe mesmo após tantos anos? Ou será que
o caso estendera–se, em segredo? Ainda a amava, apesar de tudo? Essa
era a pior parte. Prometera a si mesma declarar seu amor ao esposo, logo
que acabara de dançar com o rei, mas depois de vê–lo com a amante, sua
vontade esvaecera. Não desejava dar esse gosto a ele, depois do que lhe
fizera. Como poderia encará–lo novamente, sem que a profunda decepção
que sentia não lhe embaçasse as vistas? Ora, a mão daquela vadia estava...
Nem aguentava lembrar! Precisava colocar as ideias em ordem e acalmar–
se. Cavalgar era um bom modo de fazer a raiva passar, e era só o que
queria no momento. Mas os homens que corriam atrás dela pareciam não
concordar. Julgavam, provavelmente, que era uma louca, e que pretendia
fugir deles até a Inglaterra. Não tinha ânimo para explicar que só pretendia
ficar um pouco sozinha. Logo foi ultrapassada pelo corcel de Blaine. O
escocês fechou–lhe a passagem, forçando–a a parar.
— Senhora, por favor, seja sensata! Não há sentido em correr
sozinha por essas paragens à noite... E seus trajes... — Olhou rapidamente
as belas pernas de Rebeca, engoliu em seco e procurou concentrar–se —A
expõem ainda mais ao perigo...
— Ah, não precisa me chamar à razão, Blaine, pois não a perdi. Só
desejava ficar um pouco sozinha, pensar...
— Pensar?
Rebeca sacudiu uma mão no ar, impaciente.
— Sim, pensar! Ah, por um momento esqueci–me que é um
escocês igual a Alastair, e que julgas, como ele, que as mulheres não
pensam!
— Eu não falei isso...
Um tropel de cavalos aproximou–se. Rebeca respirou fundo e
soltou o ar sonoramente.
— Ótimo... Minha escolta chegou... Sinto–me uma prisioneira que
fugiu da masmorra...
Alastair, Lorne e Sean pararam seus cavalos à volta de Rebeca,
cercando–a.
— Isso é ridículo... — resmungou Rebeca, enquanto os homens a
fitavam.
O herdeiro de Torquil estava aliviado ao ver que sua esposa
aparentemente recobrara a calma. Não precisava ser muito inteligente para
perceber que sua ira vinha principalmente da insegurança que sentia em
relação ao afeto de seu marido. Mas não estava claro que a amava? Se ela
ainda tinha dúvidas, apesar da forma apaixonada que a tratava, e como
faziam amor, então precisava mesmo declarar–se. Mas não podia fazê–lo
ali, diante de amigos de infância, que haviam treinado com ele para ser
escudeiro e cavaleiro, e viram–no tornar–se um valoroso guerreiro. Não
pretendia dar–lhes motivo para chacotas.
— Podemos voltar agora, Rebeca? — pediu Alastair.
— Tenho escolha? — Olhou para sua roupa rasgada — Pensando
bem, como eu poderia entrar novamente no castelo e atravessar o salão de
baile com esses trajes? Como podem ver, destruí meu lindo vestido, para
poder montar adequadamente. Um desperdício, pois mesmo assim fui
alcançada!
— Quem sabe lança uma nova moda? — Brincou Sean. A dama
sorriu, mas Alastair o olhou com cenho franzido.
— Me adiantarei na volta ao castelo e pedirei a uma criada que
busque um vestido em seu quarto, e trarei para que a senhora se troque.
Estou certo que seu esposo estará ansioso para colaborar e a ajudará a
mudar de roupa e evitar qualquer constrangimento. — Lorne voltou o
olhar para seu amigo Alastair, que assentiu.
Lorne MacMilan deu rédeas a seu cavalo, retornando ao palácio em
disparada.
O restante do grupo preparava–se para voltar também, quando
Pérola soltou um relincho estridente. O animal avistara uma cobra ao
mesmo tempo em que Rebeca e Alastair. A égua corcoveou e saltou várias
vezes, enquanto pisoteava o réptil, os pinotes quase lançando sua amazona
ao ar. Quando enfim parou de pular, Pérola estava excitada demais para
deter–se. Partiu em corrida desembestada, ignorando os comandos da dona
em seu lombo, fazendo os cavaleiros zunirem atrás dela.
Rebeca tentou controlar sua égua, sem sucesso. Nunca lhe
acontecera montar um animal enlouquecido. Havia forçado sua montaria a
correr com muita violência antes, talvez por isso estivesse tão arisca,
pressentindo a raiva da sua dona, irritando–se também. Tentou não entrar
em pânico, mas era difícil numa situação como aquela. Piorava o fato de
não estar em seu melhor estado de ânimo, e não conseguir pensar com
clareza. Deixou–se levar algum tempo, forçando as rédeas, confiando que
em algum momento Pérola se acalmaria e obedeceria seus comandos.
Vislumbrou a curva da estrada que ladeava um precipício ao mesmo tempo
que os cavaleiros atrás dela gritavam que freasse o animal. Puxou as
rédeas com toda a força de seu corpo, conseguindo enfim que a potranca
diminuísse o ritmo. Ainda nervosa, antes de parar completamente, a égua
empinou. Beca tentou manter as coxas bem firmes no dorso do animal,
sem conseguir compreender exatamente qual erro de manejo havia
cometido quando se viu arremessada longe, aterrissando com violência no
chão.
Os homens apearam dos cavalos, horrorizados. Alastair abaixou–se
junto à esposa desacordada, erguendo parcialmente seu corpo, com
cuidado.
— Meu Deus! Rebeca!
— Ela respira?
— Sim! Sim, respira! — Alastair quase engasgou com as palavras,
abraçando a esposa junto ao peito. Nunca se perdoaria se algo grave
acontecesse a ela, como revés à sua tolice em escoltar Caledônia pelos
corredores do castelo. Criticava duramente a esposa por ser impulsiva,
mas também agira sem pensar àquela noite, e Rebeca estava pagando por
isso. Por erro dele!
— Graças a Deus! — Os amigos falaram ao mesmo tempo,
aliviados.
Alastair deu suaves pancadinhas no rosto da esposa, tentando fazer
com que acordasse.
Rebeca demorou muito a reabrir aos olhos.
Quando acordou do desmaio surpreendeu–se com os olhares
preocupados à sua volta. Lorne, que já havia retomado do castelo, estava
sentado sobre um tronco caído, tendo Sean e Blaine ao seu lado. Ela
começou a mover-se, e descobriu que sua cabeça estava recostada no
peito de seu marido.
Alastair a olhava, enternecido:
— Enfim acordou, minha querida... Não sabíamos o que fazer...
Sentes dor? Receamos que tenha quebrado algum osso...
— O que houve? — perguntou ainda um pouco confusa.
— Pérola a derrubou, o animal parecia enlouquecido. Foi uma
queda bem feia... Mas não há nenhum ferimento visível e...
Rebeca cortou a frase do marido, soltando um gemido angustiado.
— Não! Não! — Ergueu o pedaço de saia que sobrara de seu
vestido, ante o olhar atônito dos homens ao seu redor. Não precisou
procurar muito para confirmar suas suspeitas. O sangue escorria–lhe pelas
pernas. Seu grito logo transformou–se em choro. Havia perdido seu filho.
O olhar de Alastair para seus amigos foi o suficiente para que
entendessem que deviam afastar–se. Levantaram em silêncio, deixando o
casal sozinho.
Os soluços de Rebeca foram diminuindo, diminuindo, até
esparsarem.
Alastair deixou que a esposa derramasse seu pranto até cansar–se.
Sabia que consolá–la não seria possível, então manteve–se quieto, apenas
afagando–lhe o cabelo.
O choro alto foi transformando num lamento até cessar, deixando-a
trêmula e levemente ofegante.
— Preciso lavar–me antes de colocar outro vestido — A voz de
Rebeca soou fraca.
— Sean trouxe um odre com água para lavar–lhe o rosto, a fim de
que acordasse mais rápido. O que não foi usado deve resolver... — Alastair
a ajudou a erguer–se.
— Consegue ficar de pé?
—Sim. — Ela não o encarava.
— Por que não me contou, Rebeca? Porque não quis me dizer que
estava grávida? — A voz dele não continha recriminação, mas havia uma
nota de sofrimento, e Rebeca sentiu–se ainda mais triste por isso.
— Porque não tinha certeza. Não tenho ciclos regulares... Estava
atrasada um pouco mais de um mês, talvez dois...
— Podia ter me dito, mesmo assim. — Alastair tocou com
suavidade o cabelo de Rebeca, afastando uma mecha de sua fronte.
— Sim, você está certo.
Ele rasgou mais uma tira do vestido danificado e embebeu com a
água do odre. Abaixou–se diante dela, enquanto a limpava.
— Não, Alastair! Eu mesma faço isso!
— Faço questão. Por favor, fique quieta, por favor.
Terminou de limpá–la e pegou o vestido que Lorne trouxera e
deixara sobre o tronco onde antes esteve sentado. Ajudou a esposa a
vestir–se, pegando-a no colo em seguida. Rebeca protestou debilmente,
mas acabou por deixou–se levar até os cavalos. O silêncio do grupo ao
retornarem ao Edimburgo era opressor.
Alastair não permitiu que sua mulher montasse novamente em
Pérola, e a égua foi conduzida pelas rédeas por Blaine. A dama ruiva
atravessou as muralhas do castelo montada com o marido, tentando não
apoiar seu corpo no dele, esforçando–se para manter–se ereta e forte.
Antes que todos entrassem, pediu a Alastair que parassem. O lorde fez um
sinal para os outros homens, e eles aproximaram–se, olhando–os
atentamente.
— Gostaria de pedir–lhes, encarecidamente, que não contem a
ninguém sobre o que me aconteceu. Não desejo que a amante de meu
marido regozije–se com mais essa vitória sobre mim.
— Rebeca, eu não tenho uma amante. — O marido tentou
defender–se.
— Por favor, Alastair, não fale mais nada. Não importa, o mal já
está feito. Mas gostaria de manter o resto de dignidade que ainda me
restou. — Voltou–se aos cavaleiros que a fitavam — Poderei contar com
vocês para que não me transforme mais uma vez em motivo de mexerico
entre o povo?
— Daremos nossa palavra quanto a isso. — Adiantou-se Lorne, e
os outros concordaram.
Todos deram sua palavra e entraram no castelo, e o segredo sobre o
aborto sofrido pela dama do rio estava assim protegido de virar uma
terrível e bizarra cantiga na boca dos menestréis.
— Rebeca, precisa de cuidados... Ouça, sei que o rei mantém um
médico aqui na corte...
Rebeca ergueu a mão, interrompendo–o:
— Já lhe disse que não quero que ninguém saiba! Qualquer médico
ou servo do rei irá espalhar o que vir e ouvir, sabe disso. Deixe–me quieta,
é só o que preciso para sentir–me melhor. Não sou a primeira e nem serei a
última mulher a passar por isso.
Alastair podia compreender e concordar que os abortos
infelizmente eram comuns... Mas isto não significava que permitiria sua
esposa sofrer mais do que o necessário por causa disso. Ainda mais se ele
tinha culpa do terrível acontecimento.
— Precisarei insistir, Beca.
— Não! Não vou deixar que me examinem!
Rebeca levantou-se da cama onde estava sentada, e caminhou até a
janela, com semblante abatido. Começava a sentir dores no corpo, graças à
brutal queda. E prenúncios de cólicas.
— Se insistir, Alastair, sairei do quarto e pedirei a uma das criadas
que me consiga outro aposento onde poderei ficar sossegada.
— Não fará isto! E não permitirei que corra o risco de sofrer uma
infecção por causa de um aborto!
Alastair estava numa preocupação crescente pela saúde da esposa.
Já havia visto resultados desastrosos em abortos mal sucedidos, e em
mulheres que sangravam até a morte após um parto... Nem gostava de
pensar em tal coisa.
— Eu não aceitarei nenhum médico ou curandeiro, de modo
algum!
— Trarei alguém aqui. E será examinada à força, se for preciso.
Cheguemos a um acordo para que eu não precise ir tão longe, milady.
— O odeio, Alastair — ela murmurou, sentando-se novamente na
cama. Estava cansada. Da viagem, daquele noite, de sentir raiva, e de
discutir.
— Não me odeie. Apenas quero seu bem. Preocupo–me. — O lorde
falava suavemente, enquanto agachava–se diante da esposa. Segurou as
mãos delas entre as suas, massageando a pele fria, com carinho.
Rebeca retesou-se, puxando as mãos. Não desejava contato.
Não desejava contato com ele.
Alastair sentiu o frio chegando até ele, e a dor que isto trazia
agravou ainda mais sua sensação de infelicidade.
— Rebeca... Um aborto mal curado... Pode... Lhe trazer morte... Ou
infertilidade. Entenda.
A dama do rio enfim assentiu, engolindo a saliva com dificuldade.
Sentia-se mal, com as cólicas aumentando, e estava exausta. Deitou–se
sobre os cobertores de lã fornecidos pelos servos do rei.
— Então traga Izobel, sinto que posso confiar nela para manter
meu segredo.
— Izobel MacCallen?
— Sim, ela mesma.
Alastair sentiu seu temor abrandar-se. O fato de Beca aceitar ser
cuidada já era bom sinal. E Izzie tinha bom conhecimento como
curandeira, que herdara da mãe, mesmo que pouco praticasse nos últimos
tempos. Também era sensata o bastante para convencer Rebeca a receber
ajuda de alguém com mais experiência, se fosse assim necessário.
— Eu trarei Izzie!
Alastair saiu em busca de Izzie antes que Rebeca pudesse mudar de
ideia.
Izobel se prontificou a tratar Rebeca, garantindo-lhe silêncio sobre
o acontecido. E absteve-se de indagar como tal tragédia acontecera àquela
noite, quando o casal deveria estar salvaguardado dentro dos muros do
castelo, na festa promovida para a alta sociedade escocesa.
E depois que a amiga fez sua parte, garantindo o bem estar da
mulher acidentada, o casal voltou a ficar a sós. Contudo, estavam ainda tão
abalados, que não voltaram a conversar.
***
— Considero imprudente seguirmos viagem com Rebeca nesse
estado — grunhiu Duncan, observando à distância a nora, seguindo numa
carroça junto à comitiva. — Deveríamos esperar mais alguns dias.
— Não permita que ela o ouça, pai. Exigiu silêncio de Blaine,
Lorne e Sean, e estou certo que espera o mesmo da minha parte. Se souber
que lhe contei, se sentirá traída. Mais uma vez. — Passara a noite toda
acordado, velando Rebeca, observando-a ter um sono agitado, povoado por
pesadelos que a faziam gemer e chorar, e várias vezes precisou acalentá–la
nos braços até que se acalmasse e voltasse a dormir. Ao tentar conversar
com ela pela manhã, foi ignorado com frieza.
Os lordes do clã Connollyn e Blaine marchavam devagar de volta
ao castelo Torquil, a dama inglesa seguindo afastada do grupo, porém
flanqueada pelos guardas da comitiva, alheia às conversas e à bela
paisagem. Eles a observavam com cuidado, sem perdê–la de vista.
— Já foi difícil convencê–la a ficar mais um dia e uma noite em
Edimburgo, meu pai. Ela não desejava continuar sob o mesmo teto que
Caledônia. E não queria retornar na carroça, junto com sua criada.
Desejava cavalgar. — Alastair soltou o ar ruidosamente, recordando a
pequena discussão acontecida antes da partida. Rebeca o fitou com
desprezo quando ele não permitiu que fizesse a viagem montada em
Pérola.
— Tudo por causa daquela maldita rameira! Eu sabia que aquela
mulher sem moral ainda seria sua ruína! Como pode, Alastair? —
Explodiu conde MacConnollyn, sem conseguir mais manter–se
condescendente.
— Não dormi com ela!
— Não interessa! Conversou com Caledônia no salão de baile,
onde todos sabem do passado que tiveram, flertou com ela diante da corte!
Mesmo tendo uma mulher infinitamente melhor e mais bonita! O que te
deu na cabeça? Se queres uma amante, tenha pelo menos a decência de ser
discreto! Parece até que voltamos no tempo, quando as pessoas o
flagravam repetidamente em situações de devassidão que constrangiam a
qualquer um, menos a tu mesmo!
— Meu passado me dá o veredicto de culpado injustamente, já que
não sou mais aquele rapazola dissoluto. Não desejo uma amante e sei o
quanto Rebeca é preciosa. Fui um idiota e paguei um preço alto por isso.
Meu filho morreu e minha esposa me odeia.
— Não se martirize. Apenas tente apoiar sua esposa, ela não o
odeia, só está ferida — replicou Blaine, que até então ouvia tudo calado.
— Ela não me deseja por perto. Esteve mais fria comigo que as
águas do Ness no inverno.
— Então dê–lhe espaço, se julgas ser o mais sensato a fazer —
retrucou seu pai. — Mas não acho boa ideia, ela parece–me tão pequena e
frágil nesse momento....
— Tentarei reaproximar–me, mas não imporei minha presença se
ela não a quiser. Por enquanto.
— Conseguiu, pelo menos, explicar–lhe que Caledônia é passado?
— indagou Blaine.
— Sim, disse isso à ela. Pasmou–me saber que já conhecia toda a
minha antiga história. Imagino que Lady Evelyn deve ter–lhe contado tudo
em detalhes.
— Sua antiga amante nunca mais será problema para vocês. Tomou
pavor de Rebeca. Uma dama me contou que Caledônia disse que só
deixaria o quarto que estava ocupando quando a senhora Connollyn fosse
embora do palácio — disse Blaine.
Alastair e seu pai sorriram.
— Tinham que ter visto como Rebeca saltou sobre Caledônia e a
derrubou no chão. Quando vi a adaga na mão de minha esposa, pensei que
ela degolaria a outra.
— Mas então nossa lady mostrou–se mais sensata do que tu
esperavas. Sabia que matar alguém dentro do palácio, principalmente por
um motivo tão frágil como o ciúme, causaria sua prisão, mesmo o rei
sendo–lhe tão simpático. Penso que lady Rebeca tem mais juízo do que
pensa, Alastair.
— Também julgo assim, Blaine. — Ficou pensativo, lembrando das
palavras de advertência do soberano antes de deixarem o palácio. O rei
havia posto a mão em seu ombro e adquirido uma expressão severa e
paternalista:
— Tenha mais cuidado, Alastair. Evite mulheres ardilosas. Não
busque em outras árvores o que tem fartamente em seu próprio pomar... Só
um tolo não vê a fruta apetitosa que tem à sua frente. Cuidado, pois outros
desejam colhê–la..
Alastair aquiesceu. A mensagem e o olhar do soberano eram bem
óbvios e não mais se deixaria enredar numa situação como a da noite do
baile.
***
Rebeca fazia o cavalo de Blaine trotar de um jeito brincalhão pela
estrada, quase como se dançasse. Sorriu dos movimentos dele. Era um
animal castanho, bonito e forte, e muito mais obediente que Pérola.
Alastair lhe permitira cavalgar um pequeno trajeto, desde que não
corresse. Para isto cedeu–lhe a montaria de Blaine, melhor adestrado que
Pérola, e menos arredio que Dragão. Enquanto isto o amigo usaria sua
égua. Fez carinho no pescoço do garanhão, que relinchou como a
responder–lhe. Rebeca achou graça:
— Gosta de carinho, heim, Castanho? Também, quem não gosta?
Você tem saudade de sua casa? De sua família? Bem, eu tenho tanta que às
vezes me dói... — Suspirou. A que ponto chegara, conversando com um
cavalo! Bem, no momento o animal a quem apelidara de Castanho era
companhia mais agradável do que qualquer ser humano. Sorriu tristemente
ao recordar-se da última conversa com o rei Alexandre antes de deixarem
o palácio. O monarca havia lhes recebido na sala do trono, a fim de
despedir–se:
— Esforça–se mesmo para fazer de tua visita à Edimburgo um
evento memorável, Rebeca! Não se contentando em impressionar a todos
com sua extasiante beleza, deliciar nossa imaginação com tuas lendas
provocantes e encantar nossos ouvidos com as canções apaixonadas
dedicadas a ti, resolves agora atuar como vingadora? Sim, tu vingastes
todas as damas traídas da Escócia ao privar Caledônia de seu maior
orgulho: o longo cabelo. Terei prazer de eu mesmo narrar teus feitos à
minha esposa assim que ela regressar da Inglaterra. Diante de tal proeza,
logo as canções sobre você e o nobre inglês serão substituídas por outras
que a citarão como grande heroína! — Alexandre beijou–lhe a testa. — Eu
a abençôo, e desejo que viaje em paz, mas quando a encontrar novamente
não quero ver essa sombra de tristeza que agora marca tua face. Pressinto
que algo mais aconteceu além de encontrar teu marido em situação
comprometedora. É que vejo em teus olhos, dama do rio, teus olhos não
escondem segredos. Isso é bom. Tens um coração puro.
O rei voltou–se para Alastair, que ouvia a conversa em silêncio
respeitoso:
— Eu o abençôo também, meu nobre amigo. Aproxima–te mais,
quero falar–te especialmente.
Rebeca não pode deixar de notar qual tenso seu marido ficou
quando aproximou–se do rei e Alexandre pôs a mão sobre seu ombro,
dizendo coisas que ela não conseguiu escutar.
Partiram logo depois que Blaine e o conde MacConnollyn também
foram cumprimentados pelo rei.
Os homens à sua volta pareciam tratá–la como se fosse de
porcelana, e agradou–se quando finalmente afastaram-se, deixando-a à
vontade, imersa em seus próprios pensamentos. Não conseguia tolerar a
presença de Alastair ao seu lado, lembrando–lhe involuntariamente de seu
próprio erro. Se não houvesse sido tão impulsiva cavalgando à noite
enquanto estava raivosa, não teria caído e perdido o filho que começara a
formar–se em seu ventre. Envergonhava–se imensamente por isso. Enfim
seu marido estava certo ao dizer que arriscava–se em excesso, e que seu
estilo inconsequente punha em risco outras vidas, além dela mesma.
E ainda estava magoada por seu marido ter–se deixado envolver
por Caledônia novamente, por ainda amá–la mesmo após tantos anos. Ele
o negava, mas qual outra explicação poderia haver para o fato de estar às
portas do quarto da ex–amante em uma posição tão embaraçosa? Escutou
o som de cascos e olhou para o lado. O Senhor de Torquil,em seu corcel
malhado, aproximava-se.
— Filha, vamos parar um pouco para descansar e fazer uma
refeição.
— Seu desejo é para mim uma ordem que anseio em cumprir —
respondeu ela, de olhos baixos.
Duncan sorriu-lhe.
— No local onde armaremos acampamento existe um lago cálido,
adequado para que se refresque com privacidade. Gostaria disso?
— Sim, milorde.
Duncan assentiu, entristecido por ver Rebeca tão apática, sem ao
menos retribuir-lhe o sorriso.
— É uma boa filha, Rebeca. Uma moça de valor.
Rebeca balançou a cabeça debilmente, e um pálido sorriso surgiu.
— Obrigada, meu senhor.
Pararam um pouco mais adiante e Duncan ajudou a nora a
desmontar.
— Vá com Alastair, minha querida, assim que a refeição estiver
pronta eu os mandarei chamar.
Ela concordou, enquanto seu marido aproximava–se, estendendo–
lhe a mão. Não precisava encará-lo para perceber o olhar cravado nela.
Deixou–se conduzir até o lago.
— Só desejo molhar os pés — sussurrou ela, erguendo a vista.
Deus, como ele era ofensivamente bonito! Olhou–o novamente a partir das
distintas botas de couro e das calças de montaria. Sobre as calças usava
uma túnica longa, de mangas largas e elegantes barrados, e sobreposta a
ela uma peça de tecido vermelho, atada na cintura com um cinto trançado,
além da manta quadriculada transpassada sobre o ombro. Para completar,
os incríveis olhos azuis a brilhar no rosto encantador, com os cabelos
longos surpreendentemente lhe deixando ainda mais másculo. Era mesmo
um lorde. Como poderia resistir ao carisma viril emanado dele? Sabia que
não conseguiria manter–se firme no intuito de afastá–lo por muito tempo.
Podia entender, contrariada, porque Caledônia tanto o queria, mesmo
podendo usufruir de quantos homens quisesse.
— Como desejar, Beca — respondeu suavemente, os olhos
acompanhando a análise que ela fazia. Sorriu por dentro ao perceber a
admiração dela.
Sentou–se num tronco caído às margens do lago enquanto a
observava tirar o vestido longo e ficar apenas com a vestimenta curta de
baixo. O tecido mais fino revelava as formas harmoniosas de sua esposa.
Alastair sentiu uma dor no peito. Lembrou–se de quando a vira pela
primeira vez. Desejara–a imensamente naquele dia, e desejava–a muito
mais agora. Quando ela lhe permitiria deitar–se com ele novamente? Era
terrível, mas apesar de tudo estava excitado. Maldito pervertido que era,
não conseguindo respeitar o tempo de recuperação da esposa. Quanto
tempo ela precisaria? Uma semana? Um mês? Afastou o pensamento
luxurioso. Arriscara–se a perdê–la ao tratá–la mal em Torquil e arriscara–
se mais ainda em Edimburgo. Rebeca seria capaz de abandoná–lo, de fugir
dele? Amava-a loucamente, não a deixaria nunca afastar-se, de nenhum
modo. Não cometeria mais erros. Era hora de revelar–se à mulher amada.
Rebeca caminhou um pouco às margens do lago, os pés afundando
na água e sendo massageados pelos cascalhos. A temperatura já dava
mostras que em breve o inverno chegaria. Então as folhas das árvores, já
tingidas de amarelo e dourado, cairiam, e seus galhos ficariam cobertos de
flocos de neve. Se tudo já mostrava-se tão bonito com aquelas cores, qual
lindo não seria quando toda a natureza se vestisse de branco? Saiu da água
fria e reclinou–se numa grande rocha, fechando os olhos e tentando não
pensar em coisas ruins. Ao abri–los viu Alastair diante de si. Não se
surpreendeu. Na verdade até imaginara que isso aconteceria. Os
MacConnollyn eram unidos e seria natural que planejassem aquele
momento íntimo.
— Sei que não quer conversar, mas preciso realmente falar–te,
Beca. Não sou mais amante de Caledônia fazem muitos anos.
— Pronto, já falaste, e eu já te ouvi. É o suficiente. — Fez menção
de afastar–se, e Alastair esticou os braços à sua volta, um de cada lado,
colocando as mãos na rocha onde ela se encostara, aprisionando–a
rapidamente num exíguo espaço.
— Não é o suficiente, e mal comecei. Também preciso dizer–lhe
que não desejo e nem amo Caledônia.
Rebeca perturbou–se ao tê–lo tão próximo de seu corpo.
Concentrou–se em ouvir o que Alastair dizia, já que não tinha escolha e a
pedra fria às suas costas lhe impedia uma fuga.
— Eu desejo e amo apenas você, Beca. Pensei que a forma que
fazemos amor fosse o bastante para que soubesse.
Os olhos dela se arregalaram de espanto. Ele continuou a dizer tudo
que havia ensaiado mentalmente desde a madrugada insone no castelo:
— Eu te amo desde sempre, Rebeca. Eu a amei quando era apenas
uma bruma no meu pensamento, e eu corria contra o tempo e a distância
para salvar–lhe de um príncipe que planejava tomá–la de mim. Eu te amei
quando deixaste de ser uma promessa e tomaste forma à beira de um rio.
Eu te amei quando permitiste entregar–te ao meu desejo, depondo tuas
armas em campo aberto. Eu te amei quando foste amorosa, gentil,
aventureira. E te amei também quando foste rebelde, impulsiva, feroz. A
amo de todas as formas que se mostra, e de todas as formas que ainda
poderá tomar. Você é minha senhora, Rebeca, e eu sou todo teu.
Rebeca se impulsionou para frente, e o abraçou tão forte que
Alastair pensou que não conseguiria respirar. Não importou–se tanto, na
realidade. Morrer nos braços de Rebeca seria a mais doce das mortes, seria
morrer feliz.
— Se tivesse me falado antes, Alastair...
— Sim, eu sei, teria evitado muito do seu sofrimento. Perdoa–me
por isso, Beca. Perdoa–me por ter sido severo quando deveria ser suave, e
por ter sido fraco quando deveria ter sido forte.
Ela o beijou.
— Nada mais importa, Alastair. Nada mais.
Alastair dormia já havia mais de um mês na destilaria para acelerar
a produção de uísque e cumprir com todas as encomendas, inclusive as
carroças para Inverness e mais alguns barris pedidos de última hora por
clientes fiéis. Deitava–se muito tarde e acordava bem cedo, liderando a
equipe que fabricava as bebidas até quase a exaustão. Achou que foi um
bom arranjo, pois dava tempo para que Rebeca se recuperasse
adequadamente antes de recebê–lo novamente em seu interior. Dormirem
juntos a cada noite seria muita tentação. Quando a saudade era tão forte
que não podia mais suportar, cavalgava até Torquil e roubava sôfregos
beijos da amada. Ela também o visitava ocasionalmente, com a desculpa
de trazer–lhe pão e queijo frescos. Já não se importavam com os olhares
divertidos à sua volta quando trocavam afagos em público. Enquanto o
marido estava detido com suas incumbências, Rebeca extravasava suas
emoções com treinos de arco e flecha, espada e luta de faca, ou distraía–se
fazendo pequenos passeios pelas redondezas, quase sempre com Heather e
algum guarda a fazer–lhes segurança. Visitou algumas vezes o castelo da
amiga e vizinha Izzie MacCallen e encantou–se com o modo gentil que
comandava as pessoas à sua volta, além de descobrirem que tinham muita
afinidade, arrebanhando assim mais uma companheira para cavalgadas. Já
não sofria tanto ao lembrar da imprudência que havia levado ao seu
acidente em Edimburgo, e a perda que sofrera logo no início da gestação.
A declaração de amor de Alastair a consolara, embora ele não mais a
houvesse repetido. Não podia esperar muito, mesmo, já que quase não
ficaram juntos desde aquele dia. E Rebeca também não havia se declarado.
Por que? Não sabia explicar a razão exata de não dizer ao marido o quanto
o amava. Talvez, em seu íntimo, ainda tivesse medo que ele a chutasse
fora de sua vida. E se ele tivesse confundido atração com amor?
Acreditara plenamente nas palavras dele, mas e se ele estivesse iludido ou
influenciado pelo sentimento de dor que vivenciavam? Talvez precisasse
de um pouco mais de confiança para colocar em palavras o que lhe ia no
peito.
Rebeca já estava assentada sobre Pérola, aguardando Heather, para
colherem ervas nas cercanias da fortaleza.
— Rebeca, vamos apostar corrida? — A esposa de Derek convidou,
enquanto montava seu cavalo.
— Valendo o que?
— Quem perder será obrigada a tomar três jarras de cerveja de uma
vez, sem parar.
— Não vale. Nós duas vamos nos esforçar para perder. A cerveja
aqui é muito boa.
Heather olhou em volta, e seus olhos avistaram Ian entrando na
fortaleza, fazendo seu cavalo mover-se a trotes lentos.
— Quem ganhar leva um beijo de Ian como prêmio. Dizem que
seus olhos cor de mel ficam lindamente dourados quando pensa em
saliências...
Trocaram risadinhas.
— Hum... Não pode negar que ele é um belo troféu...
— Convidativo, de fato. Mas o que será do pobre depois que o
marido da vencedora souber como foi pago o seu triunfo? — Sorriu,
sabendo que a amiga não falava sério.
Ian parou ao lado delas, ainda montado, e as cumprimentou.
Observou mais atentamente suas faces ruborizadas, desconfiado dos
risinhos que havia escutado ao aproximar-se, e brindou–as com um sorriso
travesso.
— Ah, gostaria de saber o teor dos pensamentos inadequados
dessas moças levadas... Mas sei que não vão querer contar-me. — Sacudiu
a cabeça levemente e seguiu seu caminho, ainda sorrindo.
— Ui, senti até calor com esse olhar! — Heather riu alto e abanou–
se, quando Ian se afastou.
Puseram os animais em marcha.
— Ah, Heather! Há um mês que não me deito com Alastair. Sinto
falta de ficarmos juntos...
— Eu a compreendo. As funções dele tem exigido demais.
— Tudo me faz lembrar dele. — Rebeca suspirou profundamente.
— Falta pouco para concluírem a produção do uísque. E quando
Alastair retornar você vai precisar de muitos unguentos para suportar
encostar uma coxa na outra... ou sentar... e precisará de mais um tanto para
usar na garganta.... Depois que fizer... — Heather fez um movimento com
a mão e a boca, simulando o sexo oral.
A outra deu uma boa risada:
— Não tem modos, Heather!
— Eu tinha, até Derek pôr–me a perder... — Sorriu, com malícia.
— Vamos correr, sua pervertida!
— Sem valer prêmio? — Dispararam os cavalos.
As duas mulheres fizeram suas montarias passarem ventando pelos
portões da fortaleza.
Ian balançou a cabeça ao vê–las saírem sem proteção. Alastair se
enfureceria se soubesse daquela exposição descuidada!
Blaine estava na destilaria, e Derek estava atarefado com a
vigilância dos muros, então era a sua vez de resguardar as damas, pensou,
resignado. Esporeou o seu corcel, chispando atrás delas.
***
Ian estava sentado na relva, recostado em uma árvore enquanto
observava Rebeca e Heather recolhendo ervas e plantas para remédios e
unguentos, e aspirando o aroma das urzes que ainda resistiam à friagem.
Com o inverno se aproximando rapidamente, colher o que ainda restava
para armazenar parecia uma medida sensata. À princípio impacientara–se
em bancar o guarda–costas, mas a visão das duas mulheres correndo
diáfanas entre as árvores era como um doce vislumbre do paraíso. Um
ruído vindo da direita alertou–o. Levantou–se de um pulo, com a mão no
cabo da espada:
— Rebeca, Heather, venham cá!
O tom imperioso e informal assustou as moças. Correram para
junto dele quase ao mesmo tempo que três homens surgiram entre as
folhagens. Pelos trajes adivinharam que eram ingleses.
— Veja o que temos aqui, marujos! — Um homem gordo e de
barba escura, que parecia o líder do trio, falou para seus companheiros
mais jovens. Eles sorriam, satisfeitos, o olhar ávido sobre as belas
mulheres que postaram–se uma a cada lado de Ian.
— Estão invadindo terras particulares, homens. Esse território
pertence ao clã MacConnollyn — falou Ian, a voz firme. — Sugiro que
partam imediatamente, enquanto podem.
Eles gargalharam, divertindo–se com o fato de um homem sozinho
mostrar–se tão petulante.
— Nós vamos partir, sim, já, já. — Olhou significativamente
Rebeca e Heather. — Olha aqui, amigo, você é grande, mas não é dois. Não
precisa de duas mulheres. Passe uma para cá, que iremos embora sem
machucar a outra ou causar problemas a você.
— Ah, acho que não. Ambas me pertencem e assim continuará. —
Ele encarou as damas que o ladeavam piscando discretamente para cada
uma. — Gosto das duas por igual e não pretendo abrir mão de nenhuma.
Rebeca e Heather, ruborizadas e trêmulas, seguravam firme cada
braço do amigo, que estava com um sorriso provocativo nos lábios.
— Dê–me logo uma e vamos evitar mais confusão! — Bufou o
barbudo, irritado e impaciente. — Veja, as moças tem medo...
— Não é de vocês que elas tem medo. É de vosso cheiro.
Elas riram.
— Vou me lembrar disso quando me enterrar dentro dessas carnes
mais tarde! — vociferou o inglês.
— Isso não vai acontecer. Elas estão acostumadas com coisa boa e
não posso permitir uma queda tão brusca em seu padrão de qualidade. —
O escocês sorria calmamente, enquanto o outro se descontrolava.
— Não me provoque! Estou sem mulher há muito tempo e você
tem duas das melhores espécimes que eu já vi! Está em desvantagem, não
percebe? Tento ser justo, mas você é apenas um contra três!
— De onde estou não vejo nenhuma desvantagem numérica. E lhes
darei uma chance: afastem–se agora e os deixarei ir embora com vida.
Os ingleses riram alto.
— Você é atrevido, homem! Sinto quase pena de lhe matar.
Faremos uma luta justa: eu contra você. Mas quando caíres, ao invés de
ficar com apenas uma das suas amantes, levarei as duas.
— Pode tentar... — Deu de ombros. Desvencilhou–se
delicadamente das mulheres que apertavam seus braços e sussurrou para
que mantivessem a calma.
— Tolo escocês lascivo! Porque queres manter teu leito em brasa,
pagarás com a vida! Mas garanto que tuas mulheres serão bem
aproveitadas! — O homem não conseguia disfarçar seu aborrecimento.
— Veremos quem voltará bem acompanhado para um leito quente,
e quem ficará morto e sozinho no chão frio. — Sorriu, zombeteiro.
Ian confiava em suas habilidades como espadachim. E era
realmente exímio nessa arte. Postou–se tranquilamente esperando o
adversário. Já havia se divertido previamente com o homem, deixando–o
tenso e ansioso pelo combate. Quando o inglês barbudo investiu contra ele,
surpreendeu–se com sua destreza:
— Ora, que diabos! É um guerreiro! Por isso estava tão seguro!
— Rende–se, velho?
— Nunca! Se não te mato, meus homens o farão! — Estava furioso
enquanto batiam as espadas.
— Então faça as pazes com Deus, inglês, pois vai encontrá–lo em
breve...
O escocês brincara com as palavras antes, mas agora estava sério.
E não era do tipo que torturava o inimigo. Quando viu que o outro não se
renderia e entediou–se com seus golpes, enterrou sua espada no peito do
oponente numa estocada rápida e eficiente.
O inglês barbudo desabou, morto. Ian limpou o sangue da lâmina
na roupa do homem e tomou sua espada. Voltou–se para os outros dois.
Encarou–os com expressão fria e calma, mantendo uma espada em cada
mão:
— Esse é o momento em que vocês vão embora.
— Não! Você matou nosso amigo! Agora vamos nos vingar!
— Sim, e vamos levar suas mulheres! — O outro gritou.
Ian suspirou, revirando os olhos em sinal de pouco caso, e entregou
uma espada a cada uma das moças. Elas o olharam surpresas.
— Treinei–as bem. Está na hora de usarem o que aprenderam.
As duas encararam Ian, de olhos arregalados.
— Mas, Ian! — balbuciou Rebeca.
— Milady, esses homens sujos e fedorentos querem enfiar–se
debaixo de suas saias. É motivo suficiente para que use a espada.
Voltou–se aos dois homens que o fitavam boquiabertos:
— Querem minhas mulheres? Venham buscar...
Os dois homens se entreolharam desconcertados, mas lançaram–se
contra as damas, empunhando suas espadas.
— Podem usar a adaga para auxiliar na contenda, queridas
senhoras. Lembrem–se, adaga na mão esquerda, espada na mão direita. —
Instruiu Ian distraidamente, sob o olhar perplexo dos adversários.
Ian pressentira logo que os dois rapazes não eram muito bons com
a espada, senão teriam lançado-se contra ele assim que o mais velho caiu.
Ao invés disso, titubearam, e o encararam com olhar temeroso. Apenas sua
vaidade não lhes permitiu fugirem correndo, e o orgulho ferido os fez o
desafiarem. Era uma oportunidade para testar o conhecimento das moças
que estava treinando a pedido de Alastair e Derek, e o guerreiro decidiu
não desperdiçar a chance. Se Rebeca ou Heather dessem sinal verdadeiro
de fraqueza, ele entraria em ação imediatamente, e cortaria o pescoço dos
perversos. No entanto, estava certo que estariam aptas a vencer.
— A adaga apara os golpes de espada do adversário — completou
o escocês, dando–lhes as costas.
Abaixou–se para apanhar a cesta com ervas que as mulheres
haviam recolhido, sem sequer olhar o cenário da luta. Ouvia o clangor
metálico das espadas. Olhou Heather erguendo a adaga contra a espada do
oponente:
— Muito bem, moça. Experimente bater sua adaga na ponta da
espada dele quando tiver oportunidade.
Ela o fez.
A têmpera mais forte da adaga destruiu a ponta da espada do
adversário, e o inimigo gritou furioso, arremessando–se contra ela.
Heather atravessou–o com sua lâmina sem nem pensar direito o que estava
fazendo. Olhou aterrorizada para o homem que tombava aos seus pés.
Ian aproximou–se e retirou a espada de sua mão. Afastou–a do
homem caído e ficou ao seu lado, amparando–a pela cintura quando
desconfiou que ela pudesse desmaiar. Heather o encarou agradecida,
apoiando–se nele. O guerreiro apenas inclinou a cabeça, amigavelmente, e
ficaram observando Rebeca lutar.
— Alguma possibilidade de voltarmos até a hora do almoço,
milady? Estou ficando com fome e não há mais frutos nas árvores...
— Estou fazendo o que posso, Ian! — Rebeca reclamou, sem
desviar os olhos do adversário.
— Ah, não está não! Heather já despachou o adversário dela para o
além, só falta você fazer o mesmo.
O inglês que lutava desviou o olhar para o companheiro, assustado.
Ian esperava por isso. Esse segundo de distração foi o suficiente para que a
dama do rio espetasse o oponente de forma certeira. Ele logo caiu, ainda
com expressão de espanto.
Rebeca deu um passo para trás, nauseada. Levou a mão à boca. Em
um segundo Ian estava ao seu lado, amparando–a e colocando–a sentada
em uma rocha.
— Respire fundo, minha senhora. Não vai vomitar agora, vai? —
Ele sorriu, sustentando o rosto dela nas mãos até que se controlasse.
Enquanto as mulheres recobravam-se do duelo, Ian recolheu as
armas dos adversários, limpando-as, e dispensando a espada de ponta
quebrada.
— O vencedor tem direito de ficar com as armas do oponente
vencido. É justo, já que vocês não tem mesmo espadas. E agora não será
mais útil a eles.
Heather e Rebeca olharam as espadas, agradecidas. Em seguida Ian
distribuiu os punhais que encontrara na bainha dos cadáveres. Eram peças
bonitas, com empunhadura incrustada com pedras brilhantes. O escocês
observou cuidadosamente o terceiro punhal, que retivera para si. Apertou
os lábios.
— Algum problema?
— Preciso falar com Alastair... Vamos voltar, mandarei que alguns
homens venham enterrar os cadáveres. — Ele estava pensativo.
Antes de ajudá–las a montar, segurou a mão de cada uma:
— Estou muito orgulhoso de vocês, minha damas. Não gritaram
quando viram os bandidos, não entraram em pânico diante da perspectiva
do estupro, e ainda derrotaram seus adversários. Comportaram–se como
guerreiras!
— E tu, Ian, foste nosso defensor!
— Seremos eternamente gratas por ter vindo atrás de nós e nos
protegido!
Elas finalmente sorriram, e então tiveram uma reação bem
feminina e pouco guerreira. Atiraram–se aos braços de Ian, cobrindo seu
rosto de beijos. Ele sorriu, ligeiramente ruborizado.
Quando já voltavam à fortaleza, Heather sussurrou à amiga:
— Viu, Rebeca? Os olhos de Ian ficaram douradinhos, lindos!
Ian deixou Heather com Derek e seguiu com Rebeca para a
destilaria. Inteirou Alastair e os outros companheiros sobre os
acontecimentos da manhã e deu sua opinião sobre quem eram os homens
que os atacaram.
— Piratas ingleses, Ian? Será mesmo? Aqui nas Terras Altas? —
Alastair ainda mantinha–se descrente.
— Suas roupas e seu cheiro eram inconfundíveis. O mais velho
chamou os companheiros de marujos. E olhe só isso. — Mostrou–lhe o
punhal ornamentado com pedrarias.
— Muito bonito. Parece muito caro. E não é escocês e nem inglês...
— Sim. Havia mais dois desses. Entreguei um à Heather e outro à
sua esposa. Simples salteadores não teriam acesso à peças tão nobres.
Devem ter desviado algum carregamento. E uma carga valiosa assim deve
viajar cercada de guardas, o que me faz pensar que o grupo de piratas é
numeroso.
— Concordo. Avise a Derek que reforce a segurança na muralha, e
mande avisar aos moradores do lado de fora para tomar cuidado
redobrado. Os aldeões que desejarem podem juntar–se a nós na fortaleza.
Nenhuma mulher ou criança deve atravessar a muralha sozinha. — Olhou
Rebeca. — Isso inclui você e Heather. Saíram mais uma vez sem avisar. Se
não fosse Ian estar por perto...
— Elas teriam que tomar a iniciativa de lutar, Alastair. Mas confio
que sairiam vitoriosas da mesma forma. Modéstia à parte, treinei–as bem.
— Ian defendeu–as.
Alastair encarou Ian.
— Sim, treinou–as bem, e sou grato por isso, pois tudo deu certo
no final, mas sabe muito bem que sua presença influenciou no resultado da
contenda. Se estivessem sozinhas não teriam acesso às espadas, e teriam
que defender–se apenas com as adagas.
Gavin, de braços cruzados a um lado, ouvindo o relato de Ian,
intercedeu:
— Mas eu treinei lady Rebeca para isso também, e Derek treinou
Heather.
— Ainda assim, tenho dúvidas como teria sido o final dessa
história sem um dos nossos ali presente.
— Obrigada pelo voto de confiança, marido! — Rebeca fez uma
cara feia.
Alastair segurou sua mão, e sorriu, olhando–a ternamente:
— Tenho direito a preocupar–me com sua segurança, minha dama.
E afinal, como se sente após sua vitória com a espada?
Um rápido tremor percorreu Rebeca.
— Não me sinto feliz, embora tenha ficado aliviada no final da
luta. Estes perversos não vão mais ameaçar ninguém.
— Creia–me, milady, existem homens muito piores lá fora. Esses
ainda tentaram negociar antes do ataque. Percebi no líder do trio que
seguia algum tipo de código de honra, quando disse que só levaria uma
mulher e não tocaria na outra. Geralmente os bandidos não propõem
nenhum acordo — explicou Ian. — Ainda mais quando se vêem diante de
duas mulheres bonitas.
Alastair concordou:
— Sim, Rebeca, tiveram sorte hoje, mas não podem arriscar–se
mais. Esses homens não devem estar sozinhos. Terei que avisar aos clãs
vizinhos sobre essa ameaça e mandar batedores verificar se encontram o
acampamento desses bandidos. Sean, Lorne, Izzie e todos os outros líderes
terão que fazer o mesmo em suas terras. Como se não bastasse a correria
com a produção do uísque e da lã, e do trabalho pesado para garantir
mantimentos no inverno, vem mas essa agora! Não sei se terei pessoal
suficiente para tantas coisas!
— E por que esses piratas ingleses estariam invadindo terras
estrangeiras? Por que esses homens não estão no mar, que é seu lugar? —
indagou Gavin.
— Em Edimburgo falava–se que as coroas estão apertando o cerco
aos piratas, e que alguns deles estão seguindo novos caminhos. Dizem que
têm feito suas pilhagens sob encomenda. Então vem em terra, tomam o
que lhes foi encarregado de conseguir, e partem em seus navios carregados
de mercadorias, sem hastear a bandeira pirata, se passando por
comerciantes respeitáveis — disse Blaine.
— Então agora devem ter uma encomenda de produtos escoceses...
Todos ficaram silenciosos, imersos em teorias e suposições.
Alastair olhou a esposa mais uma vez, pensando em quantas vezes
esteve tão próximo de perdê-la. Não suportaria que algo lhe acontecesse.
Havia lhe dado mais liberdade como oferta de paz, mas agora arrependia–
se disso, pois ela começava a esquecer–se novamente de ser prudente.
Desejava, no íntimo, gritar que Beca estava se comportando de forma
errada mais uma vez, mas conteve–se. Durante todo o tempo em que
esteve trabalhando na destilaria, essa era a primeira vez em que sua dama
saía sem escolta. Devia estar um tanto arrependida por ter se colocado em
risco, pela sua expressão temerosa ao chegar acompanhada de Ian. E se
por acaso fossem os homens de Eduardo à espreita de uma oportunidade
para sequestrarem–na? Terrível perspectiva.
Rebeca é minha. Minha mulher, e de mais ninguém, pensou
Alastair, admirando–lhe a beleza e tocando–lhe a longa trança. Excitou–se
com a lembrança de vê–la de cabelos soltos esperando por ele no leito,
com sua nudez ruiva. Sentiu o corpo responder de imediato e remexeu–se
na cadeira:
— Dormirei em Torquil essa noite — anunciou.
Os outros voltaram sua atenção para o líder, surpresos.
— Já estamos quase no fim da produção, e Gavin pode assumir o
meu lugar. Estou cansado do desconforto daqui...
Ian deu um sorriso perspicaz:
— Ah, claro, a razão é essa, o desconforto daqui!
Rebeca esforçava–se para não sorrir exageradamente, mas estava
radiante com a notícia. Sentia muita falta do marido, e das noites de
paixão vividas por eles. Um mês sem elas parecia–lhe um terrível suplício.
Banhar–se–ia com as mais perfumadas ervas, e lavaria seus cabelos com
as melhores essências, presenteando seu esposo ao apresentar-se a ele em
sua melhor forma.
— Esta noite as paredes do Torquil vão tremer! — cochichou
Gavin para Ian, e os dois riram.
— Com uma mulher como lady Rebeca esperando em minha cama
toda a noite, eu já teria mandado a produção de uísque às favas.
— Alastair deve estar abalado por mais uma vez Rebeca ser
assediada. — replicou Blaine. — Existe um preço a pagar por ter uma
mulher tão bonita.
— Não vejo a hora de sofrer esse terrível martírio com Alice! —
Gavin deu de ombros.
***
O salão do castelo estava cheio. Conde MacConnollyn estava
sentado na cadeira destinada ao chefe do clã na mesa principal,
conversando com seu filho e mais um grupo barulhento de homens
enquanto começavam a jantar no momento em que Rebeca surgiu.
O recinto imediatamente silenciou.
Alastair não percebeu de pronto que havia prendido sua respiração,
e que a mão que erguia uma coxa de frango até à boca ficara suspensa no
ar. Não demorou a notar que os outros homens à mesa haviam tido uma
reação semelhante à deusa ruiva que se aproximava num caminhar lento e
sensual, com um suave e convidativo balançar de ancas.
Jamais havia visto Rebeca em tão intenso esplendor. Ela usava um
vestido branco com decote discreto, mas o tecido caía tão moldado a sua
pele, que mesmo sendo longo até cobrir–lhe os pés, e tendo apenas como
adorno bordados dourados nas mangas e no peito, e um cinto fino de ouro
sobre os quadris, despertava as mais fortes fantasias eróticas. Ela soltara
os cabelos vermelhos, que desciam até a cintura, lisos e brilhantes, e os
enfeitara com pequenas e delicadas florzinhas brancas. Seu suave perfume
continha promessas que perturbavam a mente de qualquer macho. Ela
parecia ignorar o quanto sua presença perturbava os homens à sua volta, os
olhos verdes fixos no marido. Parou diante dele, enquanto abria–se um
lugar às pressas para que sentasse. Rebeca permitiu um sorriso de
agradecimento aos escoceses que cederam–lhe espaço, deixando–os ainda
mais atordoados, esbarrando uns nos outros. Sentou–se ao lado de Alastair
e só então ele saiu do transe em que se encontrava. Lentamente as
conversas retornaram às bocas masculinas, num murmúrio que crescia
devagar, mas que não se converteu na algazarra anterior. Os homens ainda
estavam em estado de reverência pela deusa sentada entre eles. Até conde
MacConnollyn parecia um pouco desconcertado com aquela presença
feminina tão impressionante.
— Minha senhora... — cumprimentou Alastair, numa voz
ligeiramente rouca. Como havia conseguido manter–se distante dela tantos
dias, contentando–se com um ou outro beijo ocasional? Rebeca soltara os
cabelos sabendo o quanto seu marido gostava de encostar seu rosto neles
para sentir seu perfume e maciez. Arrumara–se especialmente para
agradá–lo! Estava a ponto de largar a refeição e arrastá–la correndo para o
quarto, mas sabia que sua dama o repreenderia por tal ímpeto. Não faria
nenhum movimento que pudesse deixá–la avessa à ele. Traçara planos
para aquela noite, e desejava sua esposa totalmente receptiva às suas
carícias.
— Meu senhor... — respondeu suavemente. — Senti muito a sua
falta nesse salão. Me parecia vazio sem sua presença.
O escocês esqueceu–se da comida. Estava preso e algemado por
Rebeca. Seus olhos não sabiam se encaravam a vibração do olhar
esmeralda, ou o poder dos lábios rubros, e corriam de um para o outro
quase em desespero.
— E sentiu minha falta em seu leito? — sussurrou pra que apenas
os ouvidos da mulher o escutassem. — Pareceu–lhe também vazio?
— Sim, vazio e muito frio... — ela respondeu, no mesmo tom.
Ele pensou que as calças iam arrebentar, tal violenta era a ereção
que sentia. Felizmente estava sentado, e ninguém perceberia.
— Compensarei isso mais tarde, minha dama do rio...
— Conto com isso... — ela sorriu, enquanto pegava o copo de
vinho que lhe era servido por uma criada.
O sorriso dela fez correr mais rápido o sangue nas veias dele. Que
os santos me ajudem, pois precisarei de um controle sobre–humano para
resistir e não possuir essa mulher antes mesmo de entrarmos no quarto!
Esforçou–se para parecer tranquilo, a mão ansiosa quase
derrubando a taça de vinho. Levou o líquido à boca bebendo tudo de um só
gole. A bebida talvez o acalmasse. Pediu que enchessem de novo.
Percebeu seu pai observando–o, divertido, enquanto lhe erguia o copo,
fazendo um brinde silencioso. Alastair sorriu, e ouviu um suspiro ao seu
lado. Voltou os olhos para Rebeca, que o observava com olhos
semicerrados. Ela suspirara?
— Disse algo, Beca?
— Não, milorde, apenas pensei. É que meus pensamentos tem sido
muito intensos ultimamente.
Ela está me cortejando! Sentiu o rosto ficar um pouco quente. Que
novidade era essa? Sentia–se um adolescente, ávido pelo prazer da
conquista. Estava gostando muito da brincadeira.
— E qual seria o teor desses pensamentos?
— Penso que seria impróprio dizê–los em público. Meu senhor
poderia não gostar...
— Estou certo que seu senhor gostaria de ouvir cada palavra que
compõe seu pensamento.
— Acredito que lhe traria ainda mais felicidade se ao invés de
palavras eu lhe demonstrasse de forma prática.
— E o faria quando?
— Agora mesmo, se assim o agradasse.
— É uma proposta irrecusável. — Alastair ergueu–se da cadeira
instantaneamente, deixando o prato intocado, e puxou Rebeca pela mão até
as escadarias. Subiram os degraus correndo.
Antes mesmo que a porta do quarto se fechasse, já estavam aos
agarrões, batendo–se contra as paredes, aos beijos, em fúria insana,
enquanto Alastair lançava longe as botas e o cinturão. As mãos corriam
vorazes pelo corpo da amada, erguendo–lhe a barra da saia, e verificando
se ela estava pronta para recebê–lo com a urgência que ele necessitava. Ela
parecia mais do que preparada para ele.
Beijou-a com ainda mais sofreguidão ao senti-la tão úmida.
— Ardo por você. Enlouqueço por você, Beca. Vou tomá-la de
todos os modos que puder...
O ofego dela ao sentir os dedos do marido afundarem-se em sua
intimidade foi o prenúncio de sua súplica por mais:
— Assim que eu quero, Alastair!
Mas então ele subitamente parou com os beijos, e cessou o toque
invasivo, retesando-se:
— Rebeca, acha que já podemos? Acha que teu corpo já... está
recuperado?
Ela gesticulou que sim, veemente, tremendo de ansiedade.
— Sim, por favor, não pare...
Seus lábios buscaram os de Alastair, seduzindo-o, enroscando sua
língua na dele, enquanto as mãos espalmadas corriam sobre os músculos
masculinos, contornavam o quadril, deslizavam pelas coxas de carne dura,
e por fim, tocavam-lhe o sexo, de ponta a ponta, e de novo, e de novo, e de
novo.
Mais rápido.
E mais rápido.
E ainda mais rápido.
Alastair soltou um arquejo, rendido.
— Farei tudo o que você quiser, Beca.
A mão insinuou–se novamente entre as pernas dela, fazendo–a
contorcer–se em desespero. Não podiam mais esperar, não com o desejo
selvagem que os estava dominando. Alastair não preocupou–se em tirar
sua túnica, e nem o vestido de Rebeca, ergueu–lhe simplesmente a barra
da saia até a cintura e levantou a esposa, enroscando as pernas femininas
em volta de seu quadril, enquanto lhe invadia de uma vez. Ela gritou, tensa
e excitada com a violência em que ele a adentrara, apertando–se ainda
mais contra o seu corpo, enquanto movimentavam–se em ritmo alucinado.
Alastair beijou a mulher no pescoço, arranhando com a barba que
já começava a surgir, uma mão apalpando os seios, atiçando os mamilos,
já duros como pedra. Não resistiu a eles, curvando-se para alcançá-los com
a boca, sugando forte cada um, sem deixar de movimentar-se em
investidas duras e ferozes.
Rebeca impulsionava o corpo para frente, respondendo-lhe à altura.
Ele soltou um som semelhante a um rosnado, erguendo o rosto e
voltando a beijar a dama do rio.
Ainda com Rebeca agarrada a ele, Alastair sentou–a na mesa de
madeira maciça do quarto, posicionando–a na beirada.
Afastou–se, retirando–se parcialmente de dentro dela, admirando–a
por um só instante, com olhar possessivo e apaixonado. Em seguida,
segurando–a firme pela cintura, voltou a preenchê–la com força, deliciado
ao ouvi–la arfar enquanto enterrava as unhas em suas costas, mergulhando
nela ainda mais profundamente, com golpes vigorosos, estremecendo a
mesa e sacudindo-os até finalmente alcançarem o clímax, num gemido
longo e uníssono.
Afundou a face nos cabelos dela, enquanto aguardavam os corações
se acalmarem, e a respiração normalizar.
Depositou pequenos beijos, curtos e rápidos, por todo o rosto de
sua esposa.
— Perdoe se fui bruto, Beca, perdoe. Não pude conter–me...
— Não, Alastair, não foste. E desfrutei muito... — Sorriu, um
pouco tímida. — Também eu estava um tanto febril...
Ele sorriu, erguendo o queixo dela com as pontas dos dedos:
— Foi difícil ficar tanto tempo longe. Mas não me afastarei mais.
Virei todas as noites para casa, mesmo que fique tarde. Faltam poucos dias
para terminarmos todas as encomendas, e então serei totalmente teu.
— Desejas me manter bem aquecida no inverno?
— Sim. Aquecida, quente, ou como disseste agora, febril...
Beijaram–se longamente. Alastair teve dificuldade para afastar–se
de Rebeca, mas tinha a sensação que sua barriga começava a grudar nas
costas. Colocou as calças e as botas apressadamente, pensando no prato de
comida que havia abandonado na mesa. Com um pouco de sorte ainda
estaria lá a sua espera.
— Beca, estou morto de fome, fiquei horas sem comer. Meu
estômago está roncando. Preciso mesmo jantar. Trago algo para você
também?
Estava com a porta entreaberta e com a mão no ferrolho quando
voltou–se para olhar a esposa. Ela havia levantado da mesa onde estivera
sentada minutos antes, e agora retirava o vestido lentamente, os olhos
pregados em Alastair. Quando deixou a roupa deslizar até o chão e exibiu
sua gloriosa nudez, o marido não conseguiu refrear o gemido que lhe subiu
a garganta. Por um segundo ainda vislumbrou o prato apetitoso de comida
fumegante. Mas a delícia à sua frente era mais saborosa e mais tentadora
do que qualquer outra coisa. Fechou a porta, voltando ao interior do
quarto.
***
Mais tarde, quando Alastair chegou correndo ao salão, descalço e
com os cabelos desgrenhados, os empregados que limpavam as compridas
mesas o fitaram com espanto. A decepção era clara em seu rosto ao ver
que nada de comer havia restado sobre a banca. Resolveu ir até a cozinha.
Emma estava sentada em um canto, conversando com o cozinheiro e seus
ajudantes, quando o líder mais jovem do clã entrou. Ela levantou–se
prontamente:
— Ah, senhor, bem que o conde avisou que viria. Pediu que lhe
entregasse isso quando aparecesse. — Ela exibiu uma bandeja com dois
pratos de comida, pão, doces, e queijos.
Alastair quase pulou de alegria. Tomou a bandeja nas mãos,
agradecido, e pediu que fosse enviada ao quarto uma jarra de vinho.
Pretendia que ele e Rebeca ficassem bem alimentados para aguentar o que
ele havia planejado durante o dia inteiro: passar a noite fazendo amor. A
privação sexual havia sido extensa e cruel. Precisavam compensar até a
total e mais deliciosa exaustão.
Os primeiros raios de sol da manhã entravam pela janela quando
Alastair foi acordado por uma batida suave na porta. Espreguiçou–se,
ainda sonolento, sentindo um agradável cansaço. A porta rangeu, e Gavin
surgiu na abertura. Imediatamente o rapaz pôs a mão sobre os olhos,
tapando–os.
O lorde deu–se conta de sua nudez, e a de sua esposa, esparramados
e exaustos pela ardorosa noite passada. Cobriu–a com o lençol
rapidamente, e saltou da cama.
Aproximou–se do primo, olhando–o com aborrecimento.
— Chegaste a ver algo?
— O suficiente para alegrar meu dia.... — Não conseguiu segurar
uma risada. — Posso olhar agora?
— Pode — retrucou Alastair, com os olhos azuis cintilando
perigosamente, diante do esforço de não socar o primo pela provocação
deliberada. — O que é tão importante para que venha ao meu quarto tão
cedo? Pretendo seguir para a destilaria após o desjejum.
Gavin tirou a mão dos olhos e esforçou–se para não voltar a olhar o
leito do casal. O primo percebeu, e o virou de costas para a cama, com
brusquidão:
— Permita–me livrá–lo da tentação que sentes. Embora já não seja
a primeira vez que nos flagra desnudos, agradeceria se conseguisse ao
menos fingir decoro!
— Perdoa–me, primo, mas há de convir que tua mulher é muito
parecida com a irmã que vou desposar, e admirar as belas formas da tua
dama antecipa os prazeres que terei com a minha.
— Compreensível... Assim que casares gostaria de também
verificar se tua esposa, nua, tem as mesmas formas da minha. Não se
importará, é claro, já que lhe parece tão natural espiar tua cunhada...
O rosto de Gavin ficou rubro.
— Ora! Isso é um abuso!
— Ah, achas?
— Mudemos de assunto. O que me trouxe aqui foi que há chegado
no salão um emissário do rei que deseja falar–lhe.
— Creio que envia os termos de pagamento para as carroças de
uisge beatha de Inverness. O rei está intermediando a compra. Me vestirei
e já desço. Agora saia da minha frente, seu pervertido.
***
— É alguma brincadeira? — Alastair estava perplexo com a
mensagem do rei. — Então terei que receber em minha casa Adriel
MacNab para que me faça o pagamento da bebida encomendada
pessoalmente? Preferia que ele me enviasse o valor através do meus
homens quando a mercadoria chegasse em Inverness!
— Compreendo, lorde MacConnollyn, mas não estou autorizado a
negociar essa condição em nome do rei. Fui encarregado apenas de passar–
lhe essa mensagem. E sua majestade exige que seu hóspede seja bem
tratado — explicou sir Collin, homem de confiança da corte. — Talvez lhe
sirva de consolo saber que Adriel também não ficou nem um pouco
confortável com esse arranjo, mas o Glorioso envia MacNab aqui também
para que se desculpe pela ofensa cometida à sua família.
— Desnecessário. O tempo faria esquecer o incidente. Trazer esse
homem...
— Sua majestade terá suas ordens atendidas — disse conde
MacConnollyn, cortando as reclamações do filho antes que suas palavras
pudessem se tornar ofensivas e perigosas. — Quando chegará o MacNab?
— Em breve. Ele já partiu de Inverness.
— Fantástico — retrucou Alastair, esforçando-se para reprimir sua
fúria.
— O rei tem um senso de humor muito estranho... — murmurou
Gavin quando sir Collin afastou–se, conversando com conde
MacConnollyn.
— Penso que está me enviando algum tipo de recado. Não ficou
satisfeito com o modo que conduzo meu casamento e quer me lembrar
quem manda nos matrimônios arranjados por ele.
— Como assim?
— Estou certo que não titubearia em retirar Rebeca de mim e casá–
la com outro homem se julgar que não a trato bem. Chamou–me a atenção
no castelo, numa ameaça velada.
— E por que ele julgaria que não é bom marido?
— Por causa do incidente com Caledônia. E o rei também teve
longas conversas com minha esposa no palácio. Não pude ouvi–las. Talvez
minha dama tenha se queixado de mim. Afinal, eu não era mesmo o mais
gentil dos maridos... E ele pode ter sabido também que não estávamos
dormindo juntos desde que retornamos de Edimburgo... Embora houvesse
uma boa razão para isso.
— Oh, Senhor, o rei também se encantou por Rebeca! — Gavin
estava boquiaberto.
— Não! Ela o cativou. Se fosse algo mais do que isso, Rebeca nem
conseguiria sair de Edimburgo.
— De fato. Bem, então o rei quer lembrá–lo que deve ser um bom
marido, ao mesmo tempo que penaliza Adriel fazendo–o vir aqui se
desculpar. Os dois terão que resignar–se e manterem–se cordiais.
— Sim, exatamente isso. O rei deve querer humilhar a nós dois ao
mesmo tempo. Boa demonstração de apreço pela nossa
amizade!
— Acredito que a vida de casado é uma complicação, primo, e ter
se casado com a dama do rio não a torna mais fácil.
— Certo, mas tem suas compensações... — Sorriu maliciosamente
o lorde. Seu olhar voltou–se para a escada. Rebeca estava descendo.
Alastair sentiu o coração descompassado. Não porque ela era bonita, nem
porque estava um esplendor trajando carmim, e nem mesmo pelas novas
formas de amar que haviam experimentado durante a noite, mas sim
porque verdadeiramente a amava.
Era bela sua senhora, por completo, tanto em aparência quanto em
seu interior. Era amável, generosa, inteligente, prestativa... e possuía
outras tantas qualidades que aprendera a valorizar. Levantou–se para
recebê–la e fez com que sentasse ao seu lado.
— Bom dia, minha querida.
— Bom dia, meu querido. — Sorriu quando ele beijou a ponta de
seu nariz. Voltou–se para Gavin. — Bom dia. Por que me olha assim?
Gavin a fitava com um sorrisinho estranho nos lábios, a mão
sustentando o queixo.
— Se o sorriso dele a incomoda, esposa, posso tirá–lo da cara dele
em um minuto — retrucou Alastair, olhando irritado para o primo, e
sacudindo um punho fechado na direção dele. Sabia que o outro estava
lembrando da visão de Rebeca na cama. Nua.
— Heim? — Assustou–se Gavin, se aprumando.
Mas a dama do rio já havia desviado sua atenção para o conde
MacConnollyn, que conversava com um homem elegantemente vestido no
outro canto da mesa principal.
— Quem é esse?
— Sir Collin, mensageiro do rei, veio com mais alguns homens de
confiança.
— E o que deseja? — Alarmou–se. — Algum problema com o
título do meu pai?
— Não, essa questão já está resolvida, e a essa altura seu pai já
deve ter recebido a notificação real avisando que tudo está arrumado, e sua
família é aguardada na Escócia após o inverno. A razão de sua visita é
outra.
Ela voltou–se, olhando–o intensamente.
— Diga logo.
— O rei mandou que recebêssemos Adriel MacNab na fortaleza.
— E por que? — Ela franziu a testa.
— O rei deseja punir Adriel pela afronta cometida a uma mulher
bem casada dentro do palácio. Ele vem pedir–me desculpas e fazer o
pagamento do uísque encomendado.
— Estranho... Tanto tempo depois...
— Deseja punir–me também, provavelmente.
— A você? Não entendo.
— Alexandre recomendou, antes de deixarmos o palácio, que eu
fosse mais cuidadoso com você. Ele tem olhos e ouvidos em todos os
lugares e possivelmente soube que não estávamos nos deitando juntos
desde que chegamos a Torquil, então está me mandando uma advertência
ao impor, dentro de meus domínios, a presença de um homem que desejou
você.
— Mas não nos deitávamos juntos devido ao... meu acidente. — Os
olhos dela estavam arregalados.
— Só que o rei não sabe deste detalhe — disse simplesmente.
— Que acidente? — indagou Gavin.
— Minha égua me derrubou. Desmaiei, e fiquei muito machucada.
Além disso, havia a urgência com a produção de bebidas — mentiu.
— Mas que situação terrível! Devemos relatar todos esses fatos a
sir Collin, para que vejam que vocês formam um casal feliz.
Alastair franziu o cenho.
— Se eu cometer mais algum erro com Rebeca, na certa nosso
soberano mandará o próprio Eduardo bater à minha porta.
— Lamento, Alastair, isso tudo é culpa minha. Se aquela noite eu
não tivesse saído a cavalo...
Ele pôs um dedo sobre seus lábios, fazendo–a calar.
— Não diga mais nada, já está feito e pronto, não vamos remoer,
senão sofreremos mais. Também tenho responsabilidade no rumo desses
acontecimentos, porém quero olhar para a frente, Beca.
Ela o fitou, com lágrimas já umedecendo os cílios. Conteve–se a
custo.
— Está certo.
— Sugiro que fiquemos tranquilos. Sir Collin permanecerá alguns
dias aqui, acompanhando a visita dos MacNab, e deve ter sido instruído
para observar não somente se eu e Adriel nos comportamos como
cavalheiros, como também a forma como eu trato você.
— E se ele não julgar nosso comportamento satisfatório?
— Corres o risco de ganhar um novo marido.
— Alastair! E dizes isto com a maior simplicidade? — Observava–
o, atônita.
— Eu lhe disse que devíamos ficar tranquilos. Não permitirei que
vá embora com outro, você é minha, acalme–se. — Tentou sorrir, mas ao
transpor a situação em palavras, desanimou.
— E se não passarmos no teste do casal perfeito? A quem ele me
entregaria?
— Imagino que a Adriel.
Rebeca levou as mãos ao rosto. Praguejou em voz baixa. Gavin e
Alastair esticaram–se para ouvir os palavrões, e depois deram uma boa
risada.
— Mesmo sendo amigo da família, e tratando ao conde
MacConnollyn com deferência, Alexandre ainda é o rei, e se desejasse
realmente separá–los, já o teria feito. Deixem que sir Collin veja que estão
muito bem juntos e aplaque a ira do nosso soberano quando lhe relatar o
que viu aqui. Tudo dará certo. — consolou–os Gavin.
Rebeca apertou a mão do marido, e ele lhe piscou, animando–a.
Mas ainda assim ela estava com muito medo.
***
— Lorde MacConnollyn. — O homem, muito bem vestido e com
expressão grave, inclinou a cabeça para cumprimentá–lo antes de subir as
escadas de Torquil.
— Sir Adriel — cumprimentou de volta, com igual inclinação de
cabeça, aguardando o visitante no alto da escadaria.
Fitaram–se por um instante, observados de perto por homens do
rei, do clã MacConnollyn e do clã MacNab.
— Fez boa viagem? Temos um bando de salteadores ingleses
rondando as florestas, e preocupou–me que viajasse com valores.
— Tudo correu bem. Agradeço a preocupação.
— Vamos entrar para que se lave e aprecie uma boa refeição.
Mandarei que preparem acomodações para seus homens.
— Ficarei grato. E onde está vosso pai?
— Está visitando algumas de nossas fazendas e reunindo–se com
arrendatários. Voltará amanhã.
— Compreendo. Pergunto porque preciso fazer uma coisa antes de
pisar em vossa casa, e seria bom que ele estivesse presente, sendo o
patriarca do clã.
— E o que seria essa coisa? — Alastair estreitou a vista.
— Pedir–lhe desculpas pela atitude indevida que tive com vossa
esposa.
Alastair apenas aguardou, encarando Adriel fixamente. Não
facilitaria para o dono das tavernas. Esperou que o outro prosseguisse.
— Sei que não é uma boa justificativa, e no seu lugar também teria
ficado furioso, mas eu estava muito bêbado, e fora de mim. Não sou assim,
garanto–lhe, Alastair. Você sabe, já me conhecia. Conheceu minha família,
e minha falecida. Fiquei desnorteado por muito tempo após a viuvez, e fiz
muitas tolices, mas me arrependo verdadeiramente. Me perdoará? —
Estava ansioso.
Alastair havia pensado muito sobre a situação. O fato continuava
desagradando–o, claro, porque era absolutamente louco por Rebeca, e
muito possessivo, mas conseguia imaginar–se no lugar do outro. Um
homem bêbado e solitário, uma mulher linda e um ambiente vazio e com
pouca luz eram mesmo a receita perfeita do desastre. Blaine havia
garantido que Adriel não chegara a realmente beijar Rebeca, o que era
menos grave que um beijo de verdade, e havia ainda outra questão: o rei
mandara que essa história fosse esquecida e a instrução devia servir para
ambos, ou seja, Adriel estava pedindo perdão não somente por estar
arrependido, mas também por ter recebido ordens para fazê–lo, assim
como Alastair tinha ordens para tratar bem os MacNab.
— Sim, o perdôo. E lembrar–me–ei de mantê–lo bem longe dos
meus alambiques enquanto estiver hospedado aqui. — Sorriu.
Adriel deu um sorriso aliviado:
— Jurei, no dia seguinte a esse incidente, pela alma de minha
esposa, que nunca mais tornaria a me embebedar daquela forma. Parei
antes que fizesse uma bobagem maior, contra meus princípios e minha
consciência. Dou–lhe minha palavra que o que aconteceu em Edimburgo
não se repetirá.
— Suas palavras me tranquilizam. Agora, vamos entrar.
Rebeca terminava de inspecionar os afazeres dos criados na
limpeza do salão, e dava ordens para que colocassem madeira perfumada
na lareira quando Alastair entrou, seguido por Adriel, sir Collin e mais
alguns homens. Pediu que Emma trouxesse alimentos e bebidas para os
hóspedes e também providenciasse acomodações e banho para o recém
chegado. Cumprimentou–os com uma mesura cortês, sem aproximar–se.
Era um pouco difícil reconhecer naquele homem de expressão solene e
preocupada o bêbado de olhos gulosos que tentara agarrá–la no castelo do
rei. Tremeu com a possibilidade de ser obrigada a casar–se com aquele
homem. Não que ele não tivesse atrativos. Era belo, e muito, e tão grande
e largo quanto seu marido. Mas não era Alastair, não era seu amor. A ideia
de ser separada dele era apavorante. Desde que sir Collin havia chegado,
ela e seu lorde tratavam-se com o cuidado de que nenhum tipo de
desentendimento acontecesse na frente do emissário. O sogro havia
instalado o nobre de Edimburgo no quarto vago ao lado do casal, e a
princípio Rebeca não percebeu que esse pequeno detalhe era parte de uma
estratégia. Só deu–se conta disso diante do olhar perturbado de sir Collin
na manhã seguinte à sua chegada. Deduziu que ele havia escutado os
ruídos que ela e o esposo faziam na cama. Ruborizou, mas afinal pensou
que aquilo era bom. O rei seria avisado que o casal tinha uma intensa vida
sexual. Isso talvez ajudasse a resolver as coisas.
Ariel voltou-se para Alastair.
— Devo desculpar–me também com sua esposa. Permite-me?
Preferia que Adriel nem chegasse perto de sua esposa, mas o olhar
curioso de sir Colin sobre ele fez com que fingisse não se incomodar:
— Ah, sim, podes fazê–lo.
Quando Adriel fez menção de erguer-se e dirigir-se a lady
Connollyn, uma menina passou correndo por ele, de braços estendidos
para a senhora do castelo:
— Rebeca! Olha as minhas mãos!! Dói muito! — Marian
choramingava. Alastair levantou-–se de um salto e correu até a irmã.
Rebeca abaixou–se preocupada, vendo as mãos raladas, com vários
filetezinhos de sangue.
— O que houve, meu bem?
— Corria com os meninos, e caí! Para não bater de rosto no chão,
usei as mãos...
Alastair pegou–a no colo, olhando–a firme:
— Pois foi muito esperta. Não ia ficar nada satisfeito de ver esse
rostinho lindo todo arranhado. — Beijou–lhe a testa e a embalou com
ternura, até que se acalmasse.
Rebeca sentiu–se aliviada por Alastair não repreender a menina por
brincar com garotos, e nem a ela por incentivar que Marian se envolvesse
em travessuras.
— Vou buscar minha bolsa com unguentos. — Rebeca avisou,
voltando logo com panos limpos e bálsamos de ervas. Assentaram a
menina em uma cadeira grande e começaram a cuidar dela,
carinhosamente.
Sir Adriel e sir Collin observavam a tudo, na outra extremidade da
mesa.
— Parecem um casal harmonioso... — murmurou Collin.
— Sim, parecem. E por que não seriam? — indagou o outro,
surpreso, servindo–se de leite de cabra e dispensando as bebidas fortes
postas a seu alcance.
— O rei pediu que os observassem. Achava que Alastair talvez não
fosse bom para a esposa.
— Alastair seria um idiota completo se não fosse bom para uma
mulher como essa. É uma deusa de perfeição. — Balançou a cabeça,
aborrecido consigo mesmo. — Talvez se não fosse tão bonita eu não
tivesse perdido a cabeça e nem precisasse passar pelo constrangimento que
estou passando agora.
— Sim, é uma mulher lindíssima de fato, e parece resplandecer
ainda mais quando Alastair se acerca dela. Quase pode se ver uma chama
entre eles. Mas a beleza dela não justifica seu ato, MacNab, você estava
fora de controle, e se não fosse com essa moça, seria com outra. Serviu
para que tomasse jeito. Seus filhos precisam de um pai sóbrio.
— Nunca mais beberei tanto ao ponto de faltar ao respeito com
qualquer mulher que seja. Serei um exemplo de recato. — Sorriu.
— Exemplo de recato? Espero que sua estadia aqui seja curta,
então. — Suspirou sir Collin, os olhos presos no rosto da dama do rio.
— O que quer dizer?
— Oh, estou aqui há poucos dias e digo–lhe, este castelo é muito
agradável, os anfitriões cordiais, a comida é farta e os servos solícitos,
mas o que fazem com seu vizinho de quarto à noite é torturante. Não há
como não olhar uma mulher de modo lascivo pela manhã. E para piorar, a
senhora e suas amigas vestem–se de forma... inadequada... Calças
masculinas... e justas. Instiga mais ainda os instintos que já estão mexidos.
Adriel estava confuso:
— Não consigo compreender.
— Os sons, meu Deus, os sons que saem do quarto do casal... Eles
realmente sabem se entender, entende? A tal chama entre eles, que se nota
até durante o dia, bem... à noite então, vira um incêndio. Quase morri de
inveja! Não consegui mais voltar a dormir direito depois de ouvi–los...
Quantas noites posso aguentar assim? Sinto que precisarei perseguir
alguma criada hoje para suportar mais um dia que seja nesse castelo!
Adriel tentou abafar uma risada, mas não teve muito sucesso. E sir
Collin acabou por rir também.
***
Depois de receber o pagamento adiantado pela remessa de uísque
de Inverness, e almoçar um bom assado de carne de cervo, Alastair partiu
para a destilaria. MacNab estava sentado em uma poltrona confortável no
salão quando viu Rebeca passar. Estranhou seus trajes. Vestia–se como
homem, usando calças compridas, botas longas de couro de veado, e
punhal na bainha, mas mesmo assim estava extremamente feminina. Ah,
sim, agora via a roupa inadequada a qual sir Collin havia falado. Bem, a
roupa parecia muitíssimo adequada, na sua opinião. Muito reveladora,
provocante até. Sacudiu a cabeça, mantendo a postura séria, e afastando os
pensamentos impróprios que tentavam formar-se. Chamou–a antes que
atravessasse a grande porta de entrada.
— Milady, não havia tido ainda a oportunidade de me desculpar
por minha atitude no palácio do rei. — Ele manteve uma distância
respeitosa ao falar–lhe.
— Está desculpado, senhor — respondeu, constrangida,
esforçando–se para não intimidar–se em sua própria casa.
Depois balançou a cabeça, e completou:
— Para ser franca, surpreende–me que consiga se lembrar o que
fez estando tão alcoolizado.
Ele sorriu amplamente, e coçou a cabeça.
Rebeca admirou-se de que um sorriso pudesse mudar tanto a
expressão de uma face. O homem pareceu até rejuvenescer.
— Bem, já que estamos sendo francos, senhora, não recordo com
exatidão o que fiz... Sei que tentei beijá–la, isso eu sei. Ofendi–a além
disso?
Rebeca reviveu as memórias daquela noite. Embora Adriel
MacNab estivesse muito embriagado e a tivesse retido pelos pulsos, não a
havia ferido realmente, e quando seus lábios roçaram os dela, foram com
suavidade. Obviamente não era um homem de índole violenta, apesar das
palavras agressivas que usara.
— Assustou–me bastante prendendo–me os pulsos.
— Oh, não... Perdoe–me se a machuquei. — Os olhos castanhos de
longos cílios pareceram tristes, e o sorriso sumiu.
— Disse algumas coisas também que eu não ousaria repetir...
Adriel desviou o olhar.
— Lamento tudo o que fiz. E estou muito envergonhado.
Rebeca sentiu um pouco de pena dele. Suspirou, e tentou consolá–
lo:
— Bem, soube que houve um sério motivo para essa perda de
razão. — Nem queria pensar o que faria se enviuvasse de Alastair.
Certamente também ficaria um tanto louca.
— Não justifica... Eu... Já deveria ter superado a perda. Não sou um
viúvo recente, muito menos o único a enfrentar tal situação — murmurou
ele.
— Não diga mais nada, milorde, não se pode comparar aos outros,
e cada um tem seu tempo para superar perdas ou danos.
— Sim. — E talvez saber que o tempo de luto já havia acabado o
desorientasse e assustasse mais que a dor sentida antes. Possivelmente
lutar contra a consciência que lhe pesava por estar vivo e a esposa morta
fosse o que lhe impelisse a agir de modo indevido. Adriel parecia perdido a
maior parte do tempo.
— Agora, se me der licença, senhor.
Ouviram gritos na porta. Rebeca foi até lá, acompanhada de perto
por Adriel. Izzie chamava por ela a plenos pulmões, montada em seu
corcel, aguardando aos pés da escadaria.
— Vamos ou não vamos, dama do rio? — gritou mais uma vez a
bela mulher sorridente, usando também calças compridas, as longas
tranças negras caindo sobre os seios. Seus olhos pousaram curiosos no
homem de cabelo escuro, preso por uma tira de couro, que vinha atrás da
amiga.
Adriel parecia congelado na porta, a boca ligeiramente entreaberta.
Engoliu em seco.
— Quem é essa moça?
— Minha amiga Izobel MacCallen. Izzie.
Ele não conseguia desviar os olhos da impressionante amazona.
Perguntou em um fio de voz:
— Casada?
Rebeca sorriu.
— Viúva. Há mais de dois anos.
Heather surgiu no pátio, montada em seu cavalo, puxando Pérola
pelas rédeas.
— Os guardas que vão nos acompanhar já estão nos portões, à
nossa espera. — Heather avisou.
— Com licença, meu senhor. Vou dar um passeio com minhas
amigas. — Rebeca deu um passo a frente para descer os degraus, mas
Adriel a deteve pela mão, suavemente, ainda encarando Izzie.
— Senhora, eu posso ir também?
— Alastair, Alastair!
Mal havia pisado no salão quando viu sir Collin gesticulando feito
louco em sua direção:
Ah, Deus me livre de mais atribulações!
Alastair estalou a língua, antecipando problemas.
— O que houve, sir? — O que houve dessa vez?
— Já é noite, senhor, e não acho sir Adriel em lugar algum!
Um alarme soou na cabeça de Alastair:
— Onde está lady Rebeca? — perguntou, ríspido, para uma criada
que passava.
— Aqui estou, meu marido. — Ela saía da cozinha. — Estava
mandando cobrir a horta, parece que vem uma geada e não quero perder os
condimentos. Algum problema?
Ele beijou–a rapidamente, aliviado:
— Sir Collin diz que Adriel desapareceu.
— Não o vejo desde cedo! — disse o nobre.
— Ele foi acompanhar lady MacCallen até seu feudo. — Rebeca
explicou, abaixando–se para fazer carinho em dois cachorrinhos que
haviam nascido há alguns dias e escondiam–se debaixo da mesa. Marian
os havia adotado.
— Acompanhar Izzie? — Alastair mostrou-se surpreso.
— Sim, ela veio visitar–me depois do almoço para cavalgarmos
com Heather — disse vagamente, sem encará–los.
— E ela estava sem nenhum guarda?
— Na verdade ela estava com dois guardas. — Rebeca suspirou,
visivelmente contrariada pela insistência masculina em fazer perguntas.
Alastair e Collin se entreolharam.
— Se a dama tinha segurança e companhia, porque Adriel
precisaria ir... — a pergunta de sir Collin foi morrendo na garganta
enquanto imaginava o porquê — Oh!
— E ele, levou sua própria guarda para voltar a Torquil? —
questionou Alastair.
— Não. Ele dispensou os guardas. Os homens voltaram comigo e
com Heather.
Alastair sorriu. Homem esperto. Sabia que Izobel não o deixaria
retornar pelos campos sozinho, à noite, num local que desconhecia, e onde
se havia visto ladrões estrangeiros. Ela o convidaria para pernoitar em sua
casa.
— Não se preocupe, sir Collin. Adriel não está correndo risco. E
certamente só voltará amanhã. Só não estou bem certo se ele dormirá tão
aquecido e satisfeito como espera...
— Alastair! — repreendeu Rebeca.
— Milady, desejo do fundo do meu coração toda a sorte para Adriel
esta noite. — Levou a mão ao peito, solene.
Izzie já havia sido cortejada muitas vezes depois de ter ficado
viúva, e sempre foi taxativa na sua recusa aos pretendentes. Mas seria o
melhor arranjo do mundo se aceitasse a corte de Adriel. Na verdade, seria
perfeito, em todos os sentidos, pensou Alastair. E se fosse preciso, ele até
ajudaria a unir o casal.
Abaixou–se, feliz, junto à esposa para também brincar com os
filhotes, sob o olhar surpreso de sir Collin.
Provavelmente era o último piquenique que fariam antes que o
inverno chegasse. Já fazia frio, mas a paisagem em volta continuava
encantadora. Rebeca estava sentada em frente a Alastair, que parecia
relaxado como nunca. Sir Collin havia partido para Edimburgo satisfeito
com tudo o que vira e ouvira, e certamente o rei Alexandre os deixaria em
paz. Adriel também já havia regressado ao seu lar, e sua estadia em
Torquil havia sido muito mais agradável do que todos, inclusive ele
mesmo, poderiam imaginar. Todas as encomendas feitas aos Connollyn já
estavam finalizadas, e seguindo para seu destinos.
A vida era boa, pensou Rebeca, satisfeita, admirando o homem
sensual que agora a fitava com olhos de desejo. O amor de sua vida!
Ah, a vida não era boa, era ótima! Alastair sentia–se radiante.
Tudo enfim estava se ajeitando. Sir Collin havia deixado Torquil
totalmente convencido que ele e Rebeca eram um casal perfeito, Adriel
deixara de ser um rival em potencial para se tornar um amigo, a produção
de uísque já estava sendo distribuída, e finalmente tinha tempo livre para
aproveitar a maior dádiva que Deus já havia lhe dado: Rebeca. Apesar de
sua beleza ser o que realmente chamava atenção à primeira vista, ele a
amava em sua totalidade, além do que os olhos podiam ver. Adorava cada
minuto ao seu lado. Todos os empecilhos que se erguiam diante deles
haviam sido derrubados. Ele olhou a esposa sentindo o desejo por ela
aumentando:
— Há quanto tempo não fazemos amor ao ar livre, Beca?
— Seremos flagrados... — ela protestou, enquanto o esposo se
inclinava sobre ela, deitando–a no manto que haviam estendido.
— Se aparecer alguém eu cubro você com meu corpo...
— E todo mundo verá seu traseiro!
— E daí? Todo mundo tem um.
Os dois sorriram.
— Seu argumento é frágil, Alastair, precisa de mais para me
convencer.
— Ah, preciso? Terei prazer em convencê–la. Muito prazer,
mesmo... — murmurou, enquanto sua boca tomava posse dos lábios de
Rebeca.
Em poucos minutos estavam nus, se movendo ritmicamente, tal
qual um só, esparramados sobre a relva, dando vazão a todos os seus
instintos.
***
Marian terminava de trançar o cabelo de Gavin, sob o olhar de
aprovação de Rebeca.
— Aprendeu a trançar muito bem, Marian. Estou orgulhosa!
O salão do castelo estava quase vazio, e as pessoas ali bebericavam
uísque, hidromel e cerveja, conversando amenidades enquanto a noite caía
lá fora.
Estavam sentados tranquilamente, Gavin quase cochilando
enquanto Marian treinava trançado em seus cabelos dourados, Rebeca
bordando, Alastair e Ian jogando xadrez numa das mesas, e Blaine e conde
MacConnollyn se aquecendo perto da ampla lareira, languidamente
estendidos em confortáveis cadeiras de braço.
— Olhe, Alastair, Gavin não parece um autêntico viking? — falou
Marian para o irmão.
— Hum... Parece sim uma linda moça viking... Tão loura, graciosa
e feminina!
Todos riram, inclusive o próprio Gavin, espreguiçando–se
ruidosamente:
— Você é um invejoso, Alastair. Estou certo que fiquei muito
bonito. Obrigado, priminha.
— Por nada. Você é o primo que eu mais gosto. — Beijou–lhe o
rosto.
Ian e Blaine, de laços de parentesco mais tênues, porém ainda
assim também primos, protestaram alto, fingindo ciúme e batendo em seus
próprios peitos com punhos fechados.
— Fere-me!
— Mata-me!
A criança sacudiu as mãos no ar, com olhinhos arregalados:
— Está bem! Gosto de todos!
— Mas saibam que sou o preferido! — tripudiou Gavin.
Marian deu uma risadinha, sem negar, e voltou–se para a cunhada:
— Rebeca, posso trançar o seu cabelo agora? É tão comprido e
bonito! Você deixa?
— Claro. — Quando ela soltou os cabelos e eles deslizaram como
uma cascata vermelha e brilhante sobre seus ombros, busto e costas, todos
os homens que estavam por perto pararam o que faziam para lhe admirar.
— Deus... — murmurou Ian, olhando a dama, esquecendo o
tabuleiro à sua frente, e fazendo uma jogada mal estudada.
— É, Ian, Deus existe, sim. E mandou que não cobiçássemos a
mulher do próximo — sorriu Alastair. — Xeque Mate!
— Eeeei! — reclamou o outro. — Combinaste esse truque com sua
esposa?
Ainda estavam rindo quando Derek entrou tempestuosamente,
acompanhado de mais dois homens do clã, sobressaltando a todos.
— Milorde, é o carregamento para Inverness! Foi roubado!
— Minha espada, já! E selem os cavalos! — vociferou Alastair aos
criados, que correram a atender–lhe. Voltou–se para um dos homens que
entrara com Derek — Onde e quem, Bruce?
— Homens ingleses, desconhecidos. O líder tem barba ruiva, nunca
o vi antes! Não estávamos muito longe daqui quando fomos abordados. Eu
e Liam conseguimos voltar para pedir ajuda, enquanto os outros tentam
atrasá–los ao máximo.
— Devem ser os piratas! — Ian gritou. Ele, Blaine e Gavin
correram a buscar suas espadas.
Rebeca deu um pulo, esquecendo o bordado e as tranças que
Marian lhe fazia.
Alastair estava em fúria:
— Ladrões idiotas! Não sabem que estão roubando o rei Alexandre
da Escócia! Não posso permitir!
O escudeiro de Alastair estendeu a malha e a armadura para seu
senhor.
— Não há tempo — respondeu ao garoto. — Dê-me apenas espada
e punhal.
O criado entregou-lhe a espada e ajudou-o com a bainha e a adaga.
Os guerreiros se dirigiram rapidamente à porta, adiantando-se a seu
líder, esvaziando o salão.
— Alastair, espere! — gritou Rebeca, correndo ao seu lado.
— Fique aqui, Rebeca, isso não é coisa para mulher! — bradou,
mas em seguida respirou fundo, tentando ser paciente, e a encarou. —
Fale, milady.
Ela o olhou nervosa, torcendo os dedos da mão.
— Alastair, eu preciso dizer–lhe...
Os homens gritaram à porta:
— Se pretende recuperar a carga, devemos ir logo!
— Cada minuto é precioso!
Alastair olhou a esposa com ternura:
— Não se preocupe. Eu prometo que volto para você. — Beijou–a
de leve, e assim que as bocas se tocaram, ele pôs sua língua para fora,
roçando–a e provocando–a travessamente. Um sorriso surgiu nos lábios
bonitos — Espere por mim acordada.
Conde MacConnollyn estava ao seu lado também, Alastair o
deteve.
— Pai, por favor, espere aqui. O castelo não deve ficar sozinho
com essas pessoas perigosas aí fora. E fique de olho em Rebeca por mim,
sim?
O senhor de Torquil assentiu, sensatamente.
— Deus os abençoe.
O filho curvou a fronte, recebendo a benção, e partiu.
Os guerreiros saíram correndo enquanto alguns criados traziam os
cavalos.
— Marian, hora de deitar–se, meu bem.
Conde MacConnollyn beijou a filha e a ama a levou. O homem
estava apreensivo. A nora observava ansiosamente os homens deixarem a
fortaleza. Não devia permitir que sua preocupação afetasse a moça.
— Não é a primeira vez que eles correm atrás de ladrões, Rebeca.
Mas Alastair é excelente lutador. Ele sempre volta. Retome a seu bordado
e relaxe.
Ela aquiesceu. Duncan ficou mais tranquilo em vê–la resignar–se.
Pediu licença à Rebeca e deixou o salão, para aliviar-se após
algumas canecas de cerveja.
Ao retornar havia apenas uma criada passando um pano sobre a
mesa principal, retirando os respingos de bebidas. O senhor do castelo
olhou em volta:
— Onde está Rebeca?
***
O vestido só iria atrapalhar seus movimentos. O tempo perdido em
buscar suas armas não havia permitido que colocasse as calças de montar.
A noite estava fria, mas só havia um jeito: livrar–se daquele monte de
tecido indesejável. Rebeca jogou o traje no chão enquanto montava Pérola,
sob o olhar espantado do cavalariço. Usava uma túnica íntima por baixo,
então não ficou nua. Não totalmente. As pernas estavam expostas, assim
como os braços e o colo. O tecido fino não protegia do frio, e ainda por
cima colava–se ao corpo. Os cabelos talvez aquecessem um pouco a nuca,
ainda bem que estavam soltos, graças a trança não concluída. Não havia
muita escolha no momento se realmente pretendia seguir adiante com seu
plano de chegar até Alastair e os saqueadores.
Galopou a toda velocidade, tentando seguir o rastro dos cavaleiros
retardatários. Aparentemente todo o clã já sabia do ocorrido e pelo menos
metade dele já estava animado com a possibilidade de uma boa briga, e
seguia atrás dos primeiros guerreiros.
***
Alastair e Derek galopavam imediatamente atrás de Liam e Bruce,
dois dos homens responsáveis pela entrega do uísque. Depois deles
vinham Blaine, Gavin, Ian e mais um batalhão de guerreiros vencendo a
distância até o ponto onde estavam as três carroças carregadas de barris, e
vários homens em volta cruzavam espadas. O líder olhou para trás,
passando as ordens ao grupo:
— Abrir formação e cercar! Nenhuma carroça pode ultrapassar
nosso cerco! Arqueiros, cuidado com suas flechas, não quero perder um só
barril! E não esqueçam: o líder do bando é meu! — bradou Alastair,
erguendo a espada acima de sua cabeça.
Blaine liderou os arqueiros, rodeando o grupo que lutava, e já
posicionando–se, as flechas mirando ameaçadoramente os inimigos.
O restante do grupo apeou e Derek abriu espaço a golpes de aço até
alcançar o indivíduo barbudo que Liam havia apontado como líder dos
bandidos. O homem estava observando a confusão a sua volta apoiado em
sua espada, como se ela fosse uma bengala, com a ponta espetada no chão.
Tinha uma expressão tranquila e quase divertida no rosto enquanto
esperava o resultado das contendas. Ao avistar Derek aproximando-se com
sua lâmina em riste, sorriu alegremente:
— Você deve ser o líder desse grupo que está me atrasando. Faça o
favor de mandar que se afastem e pouparemos fazer orfãozinhos escoceses
esta noite.
— Preocupa–se mesmo com os órfãos escoceses ou teme que se
façam muitos orfãozinhos ingleses?
O homem de barba ruiva deu uma boa risada:
— Vocês escoceses se acham superiores aos ingleses! Nós lutamos
melhor!
— Lutam tão bem que até minha mulher os vence num duelo. Ela
matou um do seus há poucos dias, e a amiga matou o outro. Enfim o
terceiro também foi espetado. — Ironizou Derek.
O chefe dos bandidos arqueou as sobrancelhas e deu um sorriso
sutil.
— Ah, então por isso senti falta daqueles três... Disse-lhes que não
perseguissem as camponesas... — Deu de ombros. — Mas, se
desobedeceram as regras, então a justiça foi feita.
— Quer me fazer crer que existe agora um código de honra entre os
piratas, e que são bonzinhos? — Derek soltou uma gargalhada.
— O código de honra existe sim, e meus homens estão comigo
porque respeitam isso, não que sejamos bonzinhos. — Ele sorria. —
Minha palavra é a lei aqui, e quem não quiser obedecer vai embora ou
sofre as consequências. Eles acham que vale a pena ficar, tem que
alimentar seus bastardinhos e meu negócio é mais lucrativo que o dos
concorrentes...
— Deve ser mesmo lucrativo se não investe em teus negócios um
tostão, roubas e vende em seguida os produtos alheios! — disse Alastair
aproximando–se, depois de cruzar espadas com alguns dos ladrões.
— Ora, outro escocês bem apessoado... Coitadinhas das mulheres
escocesas... Vão chorar muito essa noite! — O pirata empunhou a espada,
calmamente.
— Escute aqui, homem, esse uísque foi encomendado pelo próprio
rei Alexandre III. Irá poupar sua vida e a de seus homens se desistir da
ideia insana de roubar o soberano da Escócia. Mesmo se conseguisse
escapar de nós, o que não acontecerá, ele o perseguiria até os confins do
mundo só para que pagasse a afronta.
O ladrão de barba ruiva olhou em volta, com o sorriso brincalhão
no rosto:
— Não vejo nenhum estandarte real aqui... O leão rampante deve
estar dormindo...
— Não, o leão rampante está sempre acordado, e tem olhos por
toda a Escócia. Eu sou o fabricante desse uísque e não vou deixá–lo
passar! — retrucou.
— Ah! Parabéns pela bebida de boa qualidade, eu provei, e devo
dizer, é mesmo uma das melhores. — Olhou para Derek — Pensei que tu
fosses o líder, mas vejo que é esse teu amigo aqui. Aguardava mesmo
conhecê–lo, e ter uma boa conversa de chefe para chefe.
***
Pérola era um excelente animal de corrida, não havia dúvida sobre
isso. Rebeca ultrapassou alguns cavaleiros do clã, tomando a dianteira, e
procurando Alastair ansiosamente, enquanto puxava o arco e flecha.
— O que foi isso? — perguntou assustado um dos homens, quando
ela passou chispando.
— É a dama do rio! Lady Rebeca! — exclamou o outro, espantado.
— Está nua? — indagou um terceiro, de olhos arregalados.
***
— Façamos o seguinte: luto com você, e quem ganhar leva as
bebidas. — Propôs o pirata.
— Tenho um acordo melhor: Desista dessa tolice e mantenha–se
vivo — respondeu Alastair, calmamente.
— Bem, se não aceita meu acordo terei que matar você para que
seus homens saiam da minha frente.
Alastair fez um muxoxo, e coçou o queixo.
— Eu estava pensando a mesma coisa.
O pirata deu uma risada estrondosa.
— É espirituoso, moço. Se fosse em outra ocasião gostaria que
tomássemos umas canecas juntos.
— Sim, eu também! Mande teu piratas guardarem as armas e
procuremos uma boa taberna para nos embebedarmos agora mesmo.
Enquanto conversavam ambos moviam-se — sem perder contato
visual —, seus passos respeitando as linhas de um círculo imaginário,
como se estivessem numa pequena arena. Analisavam-se mutuamente.
— Não vais mesmo facilitar as coisas, não é?
— Não, mesmo.
— Então... Empunhe sua espada!
Começaram a duelar.
***
Ouviu o grito de guerra do clã Connollyn retumbar pela floresta e
sentiu um frio na espinha. Os homens estavam ávidos por combate, após
um período de trabalho com lã, uísque, lavoura, estocagem e outros
serviços entediantes — e o sangue do inimigo seria derramado com ânimo
e alegria. Rebeca enfim conseguiu avistar seu marido. Ele brandia sua
espada furiosamente contra um homem grande e de barba ruiva, próximos
às carroças cheias de barris de uísque. Esporeou Pérola e correu em
direção a eles, gritando a plenos pulmões para se fazer ouvir sobre o
clangor da batalha que acontecia a volta. Sabia que não eram tantos os
homens que lutavam, mas, pelo barulho que faziam, parecia uma multidão.
Gritou novamente ao ver Alastair já dominando a luta, e se fosse como
Ian, desferiria o golpe fatal em seu oponente a qualquer segundo:
— Alastair, pare! Esse é meu tio Rudy! Titio, pare! Parem, os dois!
***
As espadas se batiam com violência. O adversário era mesmo
competente. Mas não podia vacilar, pois pretendia voltar bem vivo para
casa. Pareceu escutar seu nome se elevando entre o chocalhar metálico ao
redor. Estaria ouvindo coisas? Uma voz feminina gritava seu nome, sim,
não havia dúvidas. Parou de lutar e ficou duro como uma estátua quando
viu a mulher nua e de cabelos de fogo surgir em meio a confusão, montada
sobre o cavalo. Os homens congelavam à sua passagem, boquiabertos,
abrindo–lhe caminho, com as lâminas suspensas no ar, como a fazer–lhe
uma reverência.
Alastair e o pirata Rudy exclamaram aos mesmo tempo, lívidos, o
nome da dama ruiva que vinha galopando em sua direção:
— Rebeca!
— Parem de duelar! — ela gritou — Pare, tio Rudy! Este é
Alastair, é meu marido e teu sobrinho agora!
Os dois homens se entreolharam, atônitos. Então foram abaixando
suas armas bem devagar, enquanto Rebeca procurava aproximar-se.
Olhando mais detidamente podiam ver que usava uma peça curta e justa,
quase da cor da sua pele, por isso parecia estar nua à distância. Era um
alívio que Rebeca não fosse tão louca para andar despida entre guerreiros e
piratas, e ainda à noite. Um sorriso involuntário surgiu em suas bocas ante
a constatação.
Entreolharam-se, e um elo de simpatia os ligou.
— Louca...
— Sim, ela é!
Ambos riram, esquecidos da contenda.
Súbito, Alastair franziu o cenho, o sorriso convertido em uma
careta de dor. Cambaleou para frente, e os braços sacudiram de um modo
estranho. Cruzou-os para trás, tentando tocar algo às suas costas. Voltou-se
perplexo para seu adversário, com a arma pendida frouxamente na mão e
semblante tão surpreso quanto o dele. Depois para o amigo Derek, alguns
passos à sua esquerda. Piscou, preso pela dor inesperada e aguda. Seu
último olhar foi para a linda esposa, que o observava estupefata. Tombou
pra frente. Atrás dele havia um pirata segurando uma espada
ensanguentada.
— Pelas costas? — Rudy vociferou — Ataca um cavaleiro
valoroso pelas costas?
— Eu quis ajudar, ele estava nos atrasando! E lutava melhor do que
o senhor, capitão. Ele iria matá-lo... — Tentou explicar o marujo, temeroso
pelo olhar carregado de ódio de seu capitão.
— Idiota! A luta já estava finda! — gritou o capitão.
O homem com a espada deu em passo em direção a Rudy, mas
estacou, paralisado por uma agulhada profunda no peito. Olhou para baixo
e descobriu uma flecha cravada em seu coração. Não conseguiu pensar em
mais nada enquanto desabava, sem sentidos.
Rebeca custou um pouco a sair de seu estupor, o arco ainda
envergado na mão. Jogou a arma longe, saltando da montaria e correndo
até o marido. Não podia acreditar que estava morto.
A confusão à volta havia cessado, ingleses e escoceses de espadas
na mão, imóveis, observando seus líderes.
Tio Rudy já estava abaixado junto a Alastair, improvisando um
torniquete com a ajuda de Derek, para estancar o sangue. Os outros
guerreiros começaram a formar um círculo à volta, tentando ver o que
acontecia.
— O que estão olhando, idiotas? — O pirata sacudiu as mãos,
furioso. — Ajudem–me aqui! Tragam uma das carroça para carregar o
homem! Não vou deixá–lo se esvair em sangue até à morte!
Assim que colocaram o guerreiro em uma das carroças, o homem
ruivo pôs as mãos na cabeça, nervoso:
— Meu sobrinho... Por Netuno, por Deus... Como eu poderia saber?
Rebeca chegou até eles, empurrando os homens que se
acotovelavam. O tio ergueu–se rápido quando a viu, e tirando a casaca que
vestia cobriu a sobrinha imediatamente, preocupado com a aparência
azulada de seus lábios, vendo como tremia dentro da vestimenta curta e
fina.
— Ele ainda está vivo. Se a sua morada for próxima daqui, há
chances que sobreviva. Mas deve ser tratado logo! — Rudy balançou a
cabeça — E depois teremos uma séria conversa sobre os trajes adequados
a uma moça de família.
A carroça parou ao lado deles, e o highlander ferido depositado
com cuidado sobre ela.
Rebeca não conseguia desviar os olhos do rosto pálido e
inconsciente de Alastair. Na faixa de torniquete improvisada, perto da
barriga, uma mancha de sangue surgia, sinalizando aonde a espada
transpassara. Conteve–se para não chorar. Se começasse, entraria em
pânico e não conseguiria ajudar em nada. Pior, os outros a afastariam,
julgando–a uma histérica.
— Vamos levá–lo já! — a voz saiu tão gutural que ela mesma se
espantou com seu som.
— Tragam todos os feridos para Torquil — ordenou Derek aos
outros membros do clã —, escoceses ou ingleses.
Conde MacConnollyn olhava horrorizado enquanto seu filho
adentrava o castelo em uma maca improvisada, carregado por Blaine,
Gavin, Ian e um homem corpulento e barbudo. À frente deles vinham
Derek e Rebeca, e por último um grande grupo de homens, muitos do clã
Connollyn e vários mal encarados, de barba por fazer e argolas grandes e
reluzentes nas orelhas, muitos deles feridos. Alguns criados e curandeiras
da aldeia se aproximaram e logo trataram de cuidar dos ferimentos dos
guerreiros.
Havia muito sangue sobre a roupas de Alastair, e olhos dele
estavam fechados. Assim que depositaram a maca sobre a maior mesa do
salão, Duncan cercou–o, aproximou seu ouvido do peito de Alastair e ficou
algum tempo assim, só escutando–lhe o coração, certificando–se que
estava vivo.
Fechou os próprios olhos, agradecendo por ouvir os batimentos. Os
seus deviam estar disparados. Parecia-lhe que também os estava ouvindo.
Murmurou algumas orações, e fez promessas ao céu se poupassem
seu menino. Não era homem de chorar, mas como todos da família movia–
o uma forte paixão, que agora o deixava a ponto de desabar de desespero.
Sentiu mãos o puxarem gentilmente, e percebeu todos a volta olharem–no
com tristeza.
— Milorde, precisamos tratar dele com urgência.
Voltou–se para certificar–se que aquela voz tão calma e centrada
era mesmo de sua nora. Ela estava surpreendentemente serena. Duncan
trocou olhares rápidos com Derek, que assentiu, arqueando levemente as
sobrancelhas em resposta. Afastou–se, enquanto outras mulheres, com
panos limpos e ervas, despiam Alastair e começavam a limpar-lhe e
aplicar-lhe unguentos. Emma desinfetou as agulhas de Rebeca com uisge
beatha, e a inglesa começou a fechar a pele lancetada do marido, com
cuidado. Muitos homens se afastaram nesse instante, impressionados e
sensíveis aos movimentos da agulha, incomodados com a operação
realizada, e com os gemidos sofridos que escapavam como um sopro da
boca de seu lorde.
Cada ponto dado, cada nova espetada na carne, provocava
murmúrios dos criados e amigos, que misturavam-se a outros lamentos
que erguiam-se pelo salão, ecoando como coro dos outros feridos. Vários
feridos.
Alastair, no entanto, era o centro das atenções, e o enfermo em
estado mais grave.
— Penso que ela está em estado do choque — sussurrou o homem
da barba ruiva, olhando a sobrinha, que trabalhava concentrada. Só então
percebeu que estava na residência de um nobre e nem sequer o
cumprimentara. Tirou o grande chapéu que usava. — Mil perdões, meu
senhor, por invadirmos seu lar dessa forma. Sou Rudolph Rubi, tio de
Rebeca, e esses são meus homens, ou o que restou deles.
— Sou Duncan MacConnollyn, o Senhor de Torquil. Penso que
devo dizer que são bem vindos, já que ajudaram a trazer meu filho. O que
aconteceu exatamente?
— Sem saber que tínhamos laços de parentesco, tentei furtar seu
uísque. Minha menina Rebeca chegou a tempo de evitar que eu e seu filho
lutássemos até a morte. Perdi alguns dos meus homens no confronto, mas
faz parte do risco. Os seus, por outro lado, só se feriram. Tem bons
guerreiros ao seu lado.
— E quem feriu meu filho?
— Um cretino. E maldito. Atacou o rapaz pelas costas, porém
minha sobrinha o matou logo em seguida. — Sorriu, orgulhoso.
— O matou? A minha nora Rebeca, a dama do rio? — Estava
incrédulo.
Foi a vez do outro se espantar, desviando os olhos de onde o ferido
estava estendido.
— Dama do rio? A “Dama do rio” das histórias e cantigas? Ela não
é real, milorde.
— Ela não apenas é real, como é a sua sobrinha ali. Não estou
brincando, nem teria humor para isso.
O inglês estava de queixo caído. Demorou a falar:
— Fiquei tanto tempo afastado da família que nem sei mais o que
acontece. Foi mesmo atacada por um nobre?
Conde MacConnollyn balançou a cabeça levemente:
— Não exatamente. Mas precisou deixar a Inglaterra para evitar o
pior.
— E então conheceu seu filho... — Rudy Rubi subitamente
conscientizou-se de que sua sobrinha podia estar ali contra sua vontade, e
a raiva começou a surgir no rosto, vociferou quase espumando pela boca:
— O quê? Ele a desonrou? Ele a raptou para obrigá-la a casar-se?
— Claro que não! Que pensa de nós? Casou–se com ele pura, na
casa de seus pais, e conforme desejo deles, e só depois seguiu viagem.
Meu filho não abusou de tua sobrinha! — respondeu em tom muito alto e
ofendido.
Alguns olhos voltaram–se para eles com censura, inclusive os de
Rebeca.
Os dois homens pigarrearam, contrariados.
— Lamento. Sou um tio protetor, minha sobrinha é bonita e já vi
coisas terríveis acontecerem às mulheres! Sinto–me quase pai de Rebeca,
peguei–a no colo, a vi crescer e tornar-se uma menina graciosa, e
apresentei–lhe a arte de lutar com armas para defender–se... Para que não
fosse uma presa fácil de algum vilão...
— E ensinou–lhe os palavrões! — exclamou Ian, que havia se
aproximado com Derek e Gavin, prontos para apartar qualquer briga, caso
fosse preciso.
O pirata riu:
— Isso também, embora não seja um ensinamento do qual me
orgulho. Podem entender que me incomodaria muito se um homem
planejasse torná-la sua amante só para divertir–se. Ela é uma boa menina,
que todas as mocinhas, sempre acalentou sonhos de um dia casar–se com
um príncipe encantado.
— Bem, o príncipe ela dispensou — respondeu secamente Derek.
— E de encantado ele nada tinha, nem pretendia pedi-la em casamento. A
família real inglesa se julga importante demais para desposar plebeias,
mas não para desfrutar delas. Esse deve ter sido um golpe e tanto para seus
sonhos de menina. No final, casou–se com um desconhecido, às pressas,
sem tempo nem de bordar seu enxoval.
— Oh, minha pobre criança... — Rudy estava penalizado — Mas
não é infeliz, pois não? Estava sinceramente preocupada, pude ver.
—São felizes, não se preocupe. — O pai de Alastair sentiu um
aperto no peito ao falar do filho no tempo presente. Jamais usaria o verbo
no passado: “eles foram felizes”. Não, precisava acreditar que seu filho
aguentaria os primeiros dias depois do ferimento, o período mais perigoso
para recuperação. Nenhuma tripa havia saído pelo corte, e nenhum osso ou
órgão vital parecia ter sido atingido. Se os pontos não inflamassem, se não
tivesse febre, sobreviveria.
— De fato penso que Rebeca jamais poderia ter se casado com um
homem melhor ou mais adequado para ela do que Alastair. Se completam
bem — murmurou Gavin, a tristeza estampada no rosto ao observar o
primo. — E ele viverá ainda muitos anos, e terão montes de filhos!
Todos em volta queriam acreditar. Subitamente a voz de Rebeca,
alta e límpida, interrompeu as conversas e sussurros no recinto:
— Sei que todos se preocupam com Alastair e o estimam muito, e
agradeço em nome dele a preocupação, mas devo lembrar–lhes que as
carroças de bebida ainda precisam ser entregues antes que o inverno
abata–se sobre a Escócia e as estradas fiquem cobertas de neve. Sir Adriel
conta com esse carregamento, e nem quero pensar o que o rei Alexandre
dirá se não for entregue no tempo previsto. — Ela olhou em volta
rapidamente, sem interromper os cuidados ao marido.
Os homens do clã imediatamente se reuniram em torno do conde
MacConnollyn, aguardando as ordens.
— Minha nora está certa, devem partir já. — Duncan olhou para o
pirata Rubi, enquanto alguns homens do clã saíam apressados para
entregar a encomenda.
— Não irei atrapalhar. Meus homens não seguirão os seus. Sabem
que não se rouba a própria família — disse Rubi.
— Então o senhor e todos os seus homens agora são parentes de
meu filho? — Divertiu–se com a ideia.
— Mais ou menos isso. — Riu o homem barbudo. — Bem, penso
que eu e meus homens também deveríamos seguir viagem. Temos que
repor nossa encomenda.
— Sugiro que não tentem mais cercar os escoceses. A essa hora
vários clãs já devem estar em alerta e à sua procura.
— Já pensei nisso. Daqui seguiremos para a Irlanda. Lá também se
produz um bom uísque.
— Não tão bom como o nosso.
— Verdade. Mas, como deve imaginar, o uísque não é para mim, e
o homem que o encomendou terá que se contentar com outro. —
Subitamente voltou os olhos arregalados para conde MacConnollyn. —
Ah, agora vejo tudo tão claramente!
— O que é tão claro?
— O nobre inglês que encomendou o uísque pediu especificamente
o do seu clã, alegando que era o de melhor qualidade, mas agora percebo
as reais intenções... O homem me disse que era provável que o fabricante
da bebida viesse atrás de mim, disse até que me pagaria a mais se eu
acabasse de vez com o escocês impertinente! Chegou até a descrever seu
filho: um homem de boa aparência, jovem, de olhos claros e cabelos
escuros e longos...
Duncan fechou os punhos com força, fazendo os nós dos dedos
embranquecerem. Gostaria de socar alguém. E muito.
— A intenção desde o início era matar Alastair, mas sem levantar
grandes suspeitas! O roubo era apenas uma desculpa!
— Esse que me encomendou a bebida deve estar ciente da história
do príncipe com Rebeca, e quer comprar as graças do futuro rei matando
Alastair! — O pirata estava tão rubro como seu cabelo, fazendo jus ao
apelido ao nome Rubi.
— Ou o próprio príncipe pediu ao amigo que encomendasse o
serviço! — O conde estava furioso.
— Mas isso não fica assim! Entregarei o uísque ao nobre, e
providenciarei que sofra um acidente fatal em seguida, para que sirva de
lição. Isso ficará de aviso a outros amigos de Eduardo, e até ao próprio
príncipe, e os deixarão quietos por um bom tempo. — Pensou um pouco,
deixando a raiva passar. — Todavia seria sensato que o seu filho evitasse o
solo inglês.
O lorde assentiu, perturbado:
— Se não fosse um carregamento de uísque intermediado pelo
nosso rei, Alastair nunca teria ido ao seu encontro, nem estaria lutando por
sua vida!
Rubi amassava seu chapéu com as mãos, constrangido:
— Eu vou consertar o estrago que é de minha responsabilidade. E
estou certo de que vosso filho viverá ainda muitos anos ao lado da minha
Rebeca.
***
Rebeca havia pedido que virassem Alastair para que pudesse dar os
pontos em suas costas. Blaine o escorou com o próprio corpo, deixando–o
de lado para não estragar o curativo recente ao comprimi–lo contra a
mesa. O melhor amigo do lorde cruzou olhares com a dama ruiva, ambos
preocupados. Ela pensou que as pernas não iam obedecer quando
levantou–se para examinar melhor o ferimento do marido. Os unguentos
haviam conseguido estancar o sangue, e isso era bom. Emma esterilizou a
agulha e a nova linha, e Beca concentrou–se novamente na terrível tarefa
de espetar a pele já sofrida do amado. Mais uma vez, e outra, e novamente,
até que, quase ao final, os dedos começaram a tremer. Mesmo assim
obrigou–se a fazer o trabalho com capricho, para que a cicatriz não ficasse
feia ou grande demais. Faltava pouco.
Rubi percebeu.
— Rebeca está chegando ao limite. Vai desabar a qualquer
momento.
— Foi bastante forte até agora. Me surpreendeu.
O tio colocou–se atrás dela. Assim que a sobrinha terminou de dar
os pontos, o tio a amparou:
— Está usando apenas meu casaco desde que chegou, filha. É hora
de vestir–se com algo mais adequado. Depois vá descansar. É preciso que
cuide–se também.
— Vamos levar Alastair para seu quarto — anunciou o conde.
— Ajudarei. E partirei em seguida — avisou Rudy Rubi.
Conde MacConnollyn apertou o ombro do pirata:
— Ficarei grato se vingar meu filho, Rubi.
— Conte com isso. E lamento que tenhamos todos nos conhecido
dessa forma, senhor.
Rebeca havia adormecido em uma cadeira ao lado da cama onde
estava adormecido seu marido. Observou o peito enfaixado subir e descer
com muita lentidão, no sono profundo induzido pelas ervas das
curandeiras. A noite passada fora quase insone, e só quando estava perto
de amanhecer ela conseguira descansar um pouco. Sentado em outra
cadeira o conde MacConnollyn ainda ressonava. Sorriu com ternura ao
olhar o sogro. Se a peça do mobiliário já havia sido bem ruim para ela,
quanto não teria sido desconfortável para ele, que era muito maior? Olhou
pela janela e assustou–se ao ver alguns flocos de neve caindo. O inverno
parecia estar chegando mais cedo, pensou um pouco triste. Olhou mais
uma vez o esposo, e pôs a mão em sua testa, como já fizera antes. O susto
a fez pular, ao mesmo tempo em que Blaine abria a porta.
— Ele está quente!
Blaine e Gavin entraram a passos largos, colocando as mãos no
companheiro. Duncan acordou sobressaltado e fez o mesmo.
— Sim, está bem quente!
— Temos que baixar a febre! — Rebeca começou a desesperar–se.
Então uma ideia surgiu em sua cabeça. Voltou–se para os homens que
haviam acabado de entrar, bem agasalhados com peles de carneiro nos
ombros e botas de couro forradas com lã — Tragam–me neve! Rápido, por
favor!
Ela mal terminara a frase quando os dois saíram correndo,
descendo a escadaria a toda velocidade.
Alastair esquentava mais rapidamente e agitava–se, parecendo
tentar dizer alguma coisa.
— Ele começa a delirar! — Duncan horrorizou-se.
Conde MacConnollyn arrancou as meias que o filho usava, para
que as extremidades fossem esfriadas primeiro.
Os amigos voltaram, trazendo a neve em montinhos armazenados
sobre largas tiras de couro.
Em poucos minutos a neve recolhida estava sendo envolvida em
um tecido fino e colocada sobre os pés, o ferimento no peito e a testa de
Alastair. Ele estremeceu, emitindo alguns ruídos desconexos.
— Chama seu nome, Rebeca — avisou Gavin, aproximando o
ouvido dos lábios do primo.
— Estou aqui, meu amor! Pode ouvir–me? — Ela abaixou–se junto
a Alastair, colocando suas mãos sobre as dele, mas o esposo pareceu
ignorá–la. Meu amor, meu grande amor!
Nunca se declarara a ele!
E se ele morresse?
E se ele morresse sem saber o quanto havia sido amado? Não era
justo, após tudo que haviam passado, logo agora que a paz reinava!
Não, ele não poderia morrer!
Não antes de presenciarem de mãos dadas todas as mudanças das
estações do ano, não antes de lhe dar filhos e vê–los crescerem, não antes
de envelhecerem juntos...
Conseguiu reunir forças para falar, a voz entrecortada de emoção,
os olhos ardendo:
— Prometeste que voltaria, Alastair, amor da minha vida, tu
prometeste! Cumpra sua palavra de cavaleiro. Eu o estou aguardando.
***
Mais dois dias se passaram com Alastair inconsciente. Felizmente
a febre havia baixado e não voltara. Os pontos pareciam cicatrizar de
modo satisfatório, sem inflamação visível. Conde MacConnollyn, Gavin e
Marian faziam visitas constantes ao quarto do enfermo, mas Rebeca não se
afastara do leito senão para suas necessidades pessoais. Uma curandeira da
aldeia a ajudava diariamente com bálsamos e beberagens que mantinham o
valente adormecido, evitando–lhe maior sofrimento. A intenção era
mantê–lo imóvel o maior tempo possível, até estar bem recuperado.
Porém, mesmo com toda a quantidade de poções que havia sido forçado a
beber, e ao absurdo número de linimentos que eram esfregados
diariamente em seu corpo, Alastair muitas vezes agitava-se, mesmo de
olhos fechados, deixando a esposa sempre em estado de alerta.
— Se despertar muito nervoso, amarramos o touro à cama. —
Blaine sugeriu, observando como o amigo se mexia.
— É bom que se agite, sinal de que reage e seu corpo rebela–se a
ficar parado — disse Gavin.
Era fato. Rebeca colocou sua mão sobre a do esposo e assustou–se
quando ele a apertou. Encarou–o e percebeu seus olhos se abrindo:
— Beca... — ele murmurou, e então contraiu o maxilar com força,
e os olhos se apertaram, deixando lágrimas de dor escapulirem.
Alastair possuía alta resistência a medicamentos. O que significava
que estava sofrendo e sentindo dor. Muita.
— Estou aqui, meu marido. Mandaste que eu esperasse você
acordada, e aqui estou. — Ela sorriu docemente. — Agora fique quieto,
por favor, não deve mexer–se, senão arrebentará os pontos.
E não aguentarei costurar–te novamente. Desabarei, pensou
Rebeca.
Alastair apertou sua mão novamente, como se estivesse
respondendo.
— Gavin, por favor, dê-me a poção que está sobre a mesa.
O escocês prontamente atendeu. Ia entregar–lhe a caneca com o
líquido escuro, quando viu a mão dela firmemente cativa na de seu primo.
— Eu o faço beber, Rebeca. — Levantou a nuca de Alastair com
cuidado, e pacientemente o fez beber todo o líquido.
— Deseja que a solte, milady? — indagou Ian, alarmado, olhando a
mão dela avermelhar–se.
— Não se preocupe, ele soltará quando dormir... — Ela tentou
sorrir.
Os homens a cumprimentaram e saíram do quarto, para terminar
seus afazeres.
***
Rebeca despertou ao som de batidas na porta. Estava sentada ao
lado de Alastair, com a mão ainda aprisionada na dele, e havia cochilado.
Perdera a noção do tempo, não sabia quanto havia passado.
— Entre!
Blaine abriu a porta e aproximou–se do leito do amigo.
Sobressaltou–se vendo a cor da mão de Rebeca, por horas fechada sob o
aperto firme do esposo. Soltou–a com o máximo de cuidado que pode e
sentou–se na cadeira ao lado dela, massageando seus dedos e seu pulso,
preocupado.
— Acho que ele sente muita dor, Blaine, por isso aperta forte... —
desculpou–se pelo marido.
— Eu sei que ele sente. Desde criança era quase imune aos
medicamentos. Mas está reagindo bem, e isso é ótimo. Seus cuidados o
têm curado. — Estava concentrado em fazer o sangue voltar a circular na
mão da dama. — Em breve ele estará totalmente desperto. Devemos dar
graças.
Ela concordou com a cabeça. Ansiava por ver Alastair bem
acordado. Ainda temia por ele.
***
O despertar de Alastair foi gradativo. Os olhos abriam-se por
alguns minutos, ele ouvia o que lhe diziam, e voltava a dormir.
Algumas vezes assentia, movendo o rosto devagar, como se não
conseguisse controlar os movimentos direito.
Foi assim durante todo um dia, e a curandeira principal da aldeia,
sempre por perto, garantiu-lhes que este era o efeito esperado, e que em
breve o herdeiro da fortaleza acordaria de vez.
Os familiares regozijaram-se. Faltava pouco para sua recuperação
total.
Rebeca escondeu-se dos outros, para que não vissem suas lágrimas
de alívio e felicidade. O choro misturou-se ao riso, enquanto o corpo
sacudia em espasmos nervosos.
No meio da noite Alastair despertara e tentara levantar–se a
procura do urinol. Uma dor lancinante nas costas fez com que um gemido
escapulisse de sua boca. Em um minuto Rebeca e Duncan estavam ao seu
lado. Percebeu que havia algo de errado e ficou confuso.
— Pai? O que está fazendo no meu quarto? E que dor filha da mãe
é essa que estou sentindo? — gemeu Alastair.
— Você foi atacado pelas costas por um ladrão há alguns dias.
— E o uísque? — Sobressaltou–se, e com o movimento sentiu mais
uma pontada de dor.
— Foi enviado a MacNab. Está tudo bem. Deite–se de novo, filho.
Ah... Agora lembrava-se. Já haviam lhe explicado tudo isso, não
sabia exatamente quando. A mente ainda estava meio confusa, embotada,
mas logo retornaria ao normal. Mas, no momento, tinha uma questão mais
urgente a pensar.
— Preciso ir... aliviar–me. — Olhou constrangido para a esposa,
falando baixo.
Ela assentiu. Nem conseguia falar, tão feliz estava em ver o marido
extremamente lúcido e articulado novamente. Afastou–se, dando–lhes as
costas para que Conde MacConnollyn ajudasse Alastair.
Alastair protestou, desconcertado, quando percebeu que o pai se
prontificava a ajudá–lo, mas descobriu que não seria fácil realizar aquela
tarefa sozinho. Precisava mesmo de auxílio.
— Agora deve descansar mais. Deite–se. — Ordenou o pai.
— Ainda não, pai. Rebeca, venha cá.
Ela aproximou–se, apreensiva com o tom de voz dele.
— Estou aqui, meu marido.
Quando ela inclinou–se para ouvi–lo melhor, Alastair voltou seu
rosto e beijou–a levemente. Os olhos dela se umedeceram de imediato.
Ele estava beijando–a como fazia quando chegava ao castelo. Era
um beijo de olá!
— Voltaste para mim...
— Sim, como eu disse que faria. — Ele fez uma pausa, parecendo
lutar contra a dor — Rebeca, por que você não gosta de usar os vestidos
que lhe dou?
— O quê?
— Por que você destrói os vestidos que lhe dou e sai sempre por aí
cavalgando pelada?
Ela quase riu, mas conteve–se. Conde MacConnollyn, no entanto,
soltou uma risada alta.
— Eu nunca cavalguei pelada. E não destruí o último vestido.
Deixei–o na cavalariça. Mas já mandei pegá–lo de volta. Está limpo e
guardado em um dos meus baús. Naquela noite eu usava roupa de baixo.
— Defendeu–se.
— Por quê?
— Por quê? — Ela repetiu.
Alastair suspirou, sentindo–se cansado.
— Você entendeu a pergunta. Não me canse mais...
— Eu tinha pressa para falar-lhe, e o vestido prenderia minhas
pernas, e atrapalharia os movimentos com Pérola.
Ele continuava encarando–a com os profundos olhos azuis. Mesmo
à luz bruxuleante das velas no quarto, podia ver como era intenso aquele
olhar.
— Eu desconfiei que o ladrão fosse o meu tio Rudy quando Bruce
disse que o bandido era um pirata, de barba ruiva. Quis impedir que um de
vocês dois se ferisse.
— Adiantou ter ido? — perguntou, pondo a mão no ferimento.
Rebeca baixou os olhos:
— Não foi meu tio quem fez isso. E você também não o feriu.
— Por que não contou, na nossa viagem para cá, que aquele parente
que ensinava vocês a lutarem era um titio pirata?
— Havia acabado de conhecer vocês. Seria estranho dizer que tinha
um tio pirata, perseguido pelas coroas de todos os reinos conhecidos.
Fiquei, de fato, receosa de contar a verdade...
— E depois, por que não falou de sua suspeita logo, enquanto
estávamos aqui?
— Tentei. Mas faltou–me coragem de falar diante de todos no
salão.
— Então achou que lá na floresta, no meio da contenda, era um
ambiente mais adequado e íntimo para falar comigo? — Ele tinha a
sombra de um sorriso no rosto.
Rebeca mordeu o lábio inferior. Depois perguntou-lhe, receosa:
— Não está aborrecido?
— Adiantaria? Você é uma transgressora sem remédio, e eu a amo
até mesmo por isso. Agora acho que preciso mesmo descansar. — Alastair
fechou os olhos.
Ela levou um pouco do chá calmante ao lábios do marido,
sussurrando ao ouvido dele, como havia feito nas noites anteriores, desde
que ele fora ferido:
— Eu também te amo, Alastair. — Mas ele não respondeu.
Dormira.
***
Quando Alastair abriu os olhos novamente, já com a claridade do
dia entrando pela janela, não eram Rebeca e Duncan que estavam com ele,
e sim Blaine. O amigo se adiantou para ajudá–lo a sentar-se na cama.
Entregou–lhe uma tigela com mingau de aveia e uma caneca com chá.
— Precisa que lhe dê na boca? — Perguntou, risonho.
— Não. Minhas mãos estão ótimas.
Blaine fingiu um olhar triste, e esticou o lábio inferior, ao mesmo
tempo que batia a mão na testa:
— Me magoa com sua recusa. Se fosse lady Rebeca, aposto que
aceitaria.
Alastair conseguiu sorrir.
— E por falar em Rebeca, onde ela está?
— Foi colher mais ervas para os remédios. Graças à sua
dificuldade para absorver medicamentos, os bálsamos e unguentos feitos
para você precisam ser mais concentrados, e o estoque do castelo está no
fim. Sua esposa temia não conseguir mais, por causa do inverno que vem
chegando. Já tivemos até alguma neve, dias atrás.
Blaine pensou um pouco, depois continuou:
— Pensando bem, aquela neve foi um pequeno milagre.
— Um pequeno milagre? — Levou uma colherada do mingau à
boca.
— Sim. Você teve febre alta. Lady Rebeca teve a ideia de usar neve
para baixá-la. Deu certo, a febre não voltou mais.
— Ela salvou–me... — Bebeu o chá, pensativo, fazendo uma ligeira
careta diante do gosto amargo.
— Ela tratou seus ferimentos quando chegou, e costurou você.
Pontos pequenos, num trabalho minucioso e caprichado. Depois explicou
que assim sua cicatriz não ficaria feia. Fiquei surpreso que ela conseguisse
manter a calma durante todo o tempo, por ser justamente você o enfermo,
e por haver tanta gente em volta.
Alastair ergueu as sobrancelhas.
— Ah, e foi ela quem matou o pirata que furou você. Deu uma
flechada certeira no coração do homem. Fiquei orgulhoso, afinal eu
aprimorei a mira dela no arco — continuou Blaine.
— Essa ruiva petulante sempre surpreende... — Sorriu.
— E tem mais, meu amigo. Quem encomendou o roubo do uísque
foi um dos melhores amigos de Eduardo da Inglaterra. E a intenção por
trás do roubo era que Rudy Rubi o matasse. Obviamente não imaginava os
laços de parentesco que uniam Rebeca ao pirata, já que aparentemente ele
prefere manter o fato em segredo. O tio de vocês matou o nobre e espalhou
que a Irmandade Corsária do Rubi era amiga do clã MacConnollyn. Rudy
tem vários navios a seu comando e seus braços se estendem como
tentáculos entre a toda a Europa. É um adversário de respeito, até mesmo
para a coroa inglesa! — Aproximou–se e falou em voz baixa, embora
estivessem sozinhos. — A família de sua esposa vivia tão bem
financeiramente sem depender diretamente de algum grande senhor, não
apenas por ter uma boa herança, mas também pelo lucro destra frota,
decerto.
Alastair estava abismado com o relato.
— E ainda fui apadrinhado por um poderoso pirata... — comentou
o herdeiro do Torquil.
— Acho que agora terá sossego, muitos vão pensar duas vezes
antes de meter-se com você. — Blaine deu de ombros, com ar satisfeito.
— Então direta ou indiretamente o meu ferimento é culpa do
maldito Eduardo! — reclamou em voz alta. — Rebeca deve estar se
sentindo um tanto culpada por essa confusão. Ela sempre temeu que
Eduardo um dia se aborrecesse com as paródias sobre ele.
— É possível que sinta um pouco de culpa, embora nada tenha
falado a esse respeito.
— Aonde disse que ela foi buscar as ervas?
— Suponho que além das muralhas.
Alastair começou a levantar–se da cama, ainda vacilante.
— O que pensa que está fazendo?
— Vou buscar minha esposa.
— Você está convalescendo. Enlouqueceu? — Blaine ergueu–se,
atravessando–se em seu caminho.
— Estou com um mau pressentimento. Saia da minha frente.
— Alastair, seja razoável. Sua esposa não ia se arriscar a sair
sozinha por aí.
— Não? É de Rebeca que estamos falando. Ela nunca age como as
outras mulheres. E temo que ela irá colher as ervas próximas ao rio do
lado Norte, onde as ervas medicinais são mais abundantes... — Tentava
colocar as calças desajeitadamente ao falar —, o rio do lado Norte, o rio
de Delinda.
— Ah, mas você não vai sair desse quarto de jeito nenhum!
***
Rebeca ainda estava indecisa se devia ou não tirar o vestido para
atravessar o rio e pegar as ervas de que precisava do outro lado, ou se só
devia tentar puxar a barra da saia o mais alto possível, quando lembrou das
reclamações de Alastair sobre andar quase nua por aí. Optou pela segunda
opção, e tirou os sapatos e as meias. O riacho parecia raso e calmo. Por
que nunca tinha vindo ali antes? Pena que Heather não pudera vir junto,
ocupada que estava com a gripe de Drake, o filho caçula. Também não
achara ninguém disponível para acompanhá–la, já que a fortaleza estava
numa correria insana para os últimos preparativos antes da chegada
definitiva do inverno. Então só precisaria ser rápida em sua colheita e
voltar para cuidar de seu marido. Entrou na água e atravessou o rio até a
outra margem.
***
— Como conseguiu me convencer a deixar que saísse nesse estado
e ainda lhe acompanhasse? — Blaine resmungou.
— Porque é meu melhor amigo, porque sou teu lorde, ou
simplesmente porque no fundo sabe que minha esposa pode ser muito
imprudente — respondeu Alastair, sentindo uma fisgada em cada trote de
seu cavalo.
— Você não parece bem, está pálido. Que tal esperar aqui enquanto
eu procuro sua dama?
— Não se preocupe. Estou ótimo.
Aproximaram–se do rio que Alastair tanto temia. Em algumas
áreas era quase um filete. O problema era que sua nascente era em uma
alta montanha, e quando chovia a água descia com violência e rapidez
surpreendente. Fora assim que várias pessoas haviam se afogado em sua
extensão durante anos, inclusive Delinda. Poucos se arriscavam em suas
águas sabendo como podia ser enganoso. Blaine e Alastair olharam em
direção ao morro onde nascia o rio e perceberam, contrariados, a densa
formação de nuvens escuras sobre as montanhas.
— Lá em cima já deve estar chovendo.
— Sim, e é dessa forma que esse rio maldito leva as pessoas. Ah,
graças a Deus, avisto Rebeca em terra firme, do outro lado. — Tocou seu
cavalo até estar na mesma direção da esposa, que estava distraída junto às
plantas. — Vê que ela veio mesmo sozinha, como suspeitei.
— Você está certo. Pérola está pastando logo ali, e não há sinal de
nenhum outro cavalo por perto. Mas, perceba a boa mudança: sua esposa
está totalmente vestida!
— Ela nos viu e está acenando— replicou Alastair, ignorando o
sarcasmo do amigo.
Os dois homens acenaram em resposta, e então tiveram um
sobressalto quando ela ergueu um pouco as saias para pisar na água.
Começaram a fazer sinais vigorosos para que voltasse para junto das
plantas, afastando–se da margem.
Rebeca recuou, assustada. Então olhou atentamente para o rio.
Ela havia se assustado com a presença de Alastair e Blaine do outro
lado do rio. Seu marido estava recuperando-se de um grave ferimento, e
não deveria estar montando. Como os homens podiam ser imprudentes e
teimosos!
Já havia recolhido todas as ervas possíveis, e era uma boa hora de
voltar, ainda mais agora, que teria companhia e maior segurança. Mas
então os homens gesticularam, preocupados, mandando que ela não
atravessasse de volta. E ela percebeu, surpreendida, que as águas do rio
haviam subido.
***
— Isso pode demorar. Quanto tempo esperaremos até que as águas
se acalmem e ela possa atravessar? — indagou Blaine, preocupado com o
mal estar visível na face do amigo.
— Não pretendo esperar. Se chover por aqui, ou se nevar, ficará
mais difícil voltar para a fortaleza. E não me agrada nada que Rebeca
esteja do outro lado, sozinha, sem ninguém que a possa proteger em caso
de surgir salteadores. E aposto que ela só levou consigo um punhal para
cortar as ervas.
— E como pretende que ela atravesse se não há ponte?
— Por isso trouxe uma corda grossa no meu alforje. Atravessarei
com Dragão e a amarrarei em uma árvore do outro lado. Tu prendes do
lado de cá. Depois volto com Rebeca, e a corda nos servirá de apoio se as
águas ficarem revoltas.
— Não, eu atravesso e você amarra a corda desse lado.
— Teu corcel não é grande e forte como o meu. Sabes disso.
— Desmonte, eu irei em Dragão, então.
— Ele não o obedecerá. Não aceita outro cavaleiro. Além de mim,
só gosta de Rebeca e do chefe da cavalariça, que comprou suas graças a
custa de muitas e muitas maçãs.
— Hum, não gosto disso...
— Eu também não, mas é minha mulher. E estou de quatro por ela,
como você mesmo disse uma vez. — Alastair sorriu para o melhor amigo
— Ora, vamos, meu velho, vai dar tudo certo. Dê-me seu apoio mais uma
vez.
— Então vamos à essa loucura antes que esse rio fique ainda pior!
***
Quando Rebeca viu Alastair entrando no rio montado em seu
cavalo negro, sentiu o coração quase parar. O que ele estava fazendo? Ele
estava doido de vez? Desde quando uma estocada no pulmão afetava o
cérebro? Ele ainda estava convalescendo, pelo amor de Deus! Foi a vez
dela gesticular vigorosamente para que voltasse, em vão.
***
Blaine quase riu da situação quando viu Alastair se metendo nas
águas do turbulento rio e Rebeca pulando feito uma louca do outro lado
para que o marido parasse.
Estava no meio de dois malucos, e sentia–se nesse instante também
um descerebrado. Se conde MacConnollyn soubesse que ele estava
colaborando com essa exposição excessiva de seu filho enfermo, o
mataria. Suspirou. Era bom que amarrasse a sua ponta da corda muito,
muito firme mesmo. Pois se acontecesse alguma coisa com aquele casal
intempestivo, seria melhor pedir abrigo em outro clã...
***
Alastair simplesmente ignorou os receios de Blaine e os gestos de
Rebeca. As águas ainda estavam relativamente rasas e Dragão avançou
sem problemas. O lorde, no entanto, enfrentava suas próprias dificuldades,
mas não poderia vacilar agora. Dominou–se, tentando controlar a dor que
aumentava a cada minuto por causa do esforço que fazia sobre seu corcel.
Chegando ao outro lado, não desmontou. Não sabia, de fato, se conseguiria
ter forças para montar novamente caso apeasse. Procurou não encarar a
esposa, para que ela não ficasse mais nervosa. Cumprimentou-a rápida e
brandamente, enquanto fazia seu cavalo circular em redor de uma árvore
bem grossa, onde firmou a ponta da corda. Ao certificar–se que estava
bem amarrada, chamou Rebeca. A esposa puxou sua água, prendendo a
rédea na lateral do cabresto de Dragão.
Rebeca ignorou a mão estendida do marido, ciente que a força
empregada para erguê–la causaria mais dor. Montou sozinha e colocou–se
à frente dele.
— Alastair, por que veio? Vejo na sua fronte que sente dor, meu
marido! Eu esperaria as águas baixarem antes de atravessar.
— Você não aguentaria esperar, esposa, pensaria em levar as ervas
logo para mim e acabaria cometendo uma imprudência. Eu perdi Delinda
para esse rio, e não vou perder você. Não suportaria... eu te amo, tu sabes.
— Beijou–lhe o rosto. — Prepare–se, vamos atravessar.
— Me desculpe, não sabia que esse era o rio. Ninguém havia me
dito, nem mesmo Heather contou.
— Heather talvez nem saiba, e é bom que seja avisada o quanto
antes. Ela veio morar em nossa aldeia anos depois da tragédia com a
minha prometida, deve ter ouvido falar de um ou dois afogamentos e não
lhes deu importância. Mas os nascidos aqui sabem como essas águas
podem ser traiçoeiras. — Parou de falar, e não conseguiu evitar pôr a mão
sobre o ferimento que incomodava. — Agora vamos, antes que fique mais
perigoso.
— Preciso falar–te. — Fitou–o, séria, quando já estavam entrando
nas águas.
— Agora? — ele perguntou, incrédulo, a água do rio chegando em
suas pernas — Este não é um bom momento!
— É que eu nunca consigo falar!
Ele disfarçou uma risada, enquanto concentrava–se na travessia.
— Você não consegue nunca falar?
— O que quer dizer? Eu falo muito? — Franziu o cenho.
Ao alcançarem a outra margem, Rebeca sentiu o corpo do marido
encostar nela mais pesadamente. Observou–o, preocupada.
— Alastair, o que houve?
— Acho que preciso descansar um pouco... — Ficara exausto com
a tensão de atravessar o rio.
Quando Alastair fez menção de apear, alguns pingos de chuva
começaram a atingi–los. As árvores desfolhadas pelo outono não
ofereciam proteção e não havia nenhuma gruta por perto. Ele tomou
fôlego, e olhou para o amigo que o estava observando com expressão
apreensiva:
— Não estamos longe. Vamos para casa. Ajude Rebeca a montar
em sua égua, eu não estou em condições de fazer isso.
— Eu vou com você em Dragão. Blaine, por favor, prenda Pérola à
cela de Dragão — ela retrucou, enquanto elevava a capa de Alastair para
cobrir–lhe a cabeça, e erguia seu próprio capuz. Ele apenas inclinou–se,
aceitando docilmente a ajuda.
— Eu conduzirei Pérola — respondeu Blaine, alarmado com a
apatia do companheiro.
— O que querias dizer–me? —A poção analgésica já não estava
mais surtindo efeito algum em Alastair, e a dor aumentava.
— Agora queres que eu fale? — Rebeca estava assustada. Seu
marido pedindo que conversasse?
— Distraia–me.
— Já nem sei mais se é oportuno... Penso que o momento já
passou... — Ela mordeu o lábio, enquanto colocava as suas mãos sobre as
do marido, e deslizava habilmente os dedos para as rédeas de Dragão.
Temia que o marido soltasse o garanhão sem perceber.
— Fale assim mesmo... — Alastair percebeu que ela havia
colocado as mãos sobre as rédeas de sua montaria, mas não teve ânimo
para protestar.
— Eu...Eu...
— Hum ?
— Eu pretendia dizer que te amo.
— Pretendia?
Ela virou–se para encará–lo. Os olhos azuis pareciam brilhar mais
intensamente, e havia um prenúncio de riso nos cantos de sua boca,
mesmo sentindo dor.
— Pretendia que soasse romântico, não engraçado e tolo!
Alastair ficou satisfeito por sentir mais uma pontada de dor
naquele momento, pois do contrário riria da fisionomia aborrecida da
esposa, e ela ficaria ainda mais contrariada.
— Não é engraçado e tolo, meu amor... Pensei que queria dizer que
pretendia declarar–se, mas se arrependeu.
— Não. Só achei que não era adequado agora dizer que te amo.
Alastair, você me confunde! — balbuciou, desconfiada de que ele
estivesse se divertindo com seu modo atrapalhado de declarar–se.
— Por quê?
— Por quê? — ela repetiu.
— Tenho a nítida sensação de que já tivemos conversa semelhante
a essa... — ele abraçou–a e fechou os olhos.
— Eu o amo, Alastair. — Apressou–se em dizer, nervosa com o
silêncio repentino dele. — Amei–o desde o início, quando me vi diante de
você na beira do rio ainda na Inglaterra. Não soube logo o que era aquilo
que sentia, e havia a questão de já ser noiva. Está me ouvindo? Responda!
— Sim... — Ofegou.
— E quando me beijou pela primeira vez naquela margem...
Desejei que não parasse jamais... — Um pouco constrangida relanceou os
olhos para Blaine, que havia se aproximado e obviamente escutava a
conversa, mas mantinha o semblante discreto e impassível — Meu corpo e
meu coração já eram seus naquela hora. Meu amor só fez crescer com o
tempo.
— Se eu soubesse... que conseguiria uma declaração sua... só por
salvá–la desse rio maldito... já a teria trazido antes — ele falou com
dificuldade, tentando manter o bom humor.
— Bobo! Eu já devia ter falado isso há muito tempo. Mas tinha
medo.
— Medo?
— Sim. Que você só amasse a minha aparência.
— O que a fez mudar de ideia? — Perguntou Blaine,
intrometendo–se e poupando Alastair de fazer a indagação.
— Tudo que você faz e diz, Alastair. E sua atitude heróica e
arriscada para me resgatar do rio afastou de vez minha preocupação tola.
Se eu fosse apenas um bibelô para se admirar, era só mandar alguns
guardas atrás de mim. Não precisaria dar–se ao trabalho de fazê–lo.
— Que bom... que entendeu... — Alastair suspirou, parecendo não
conseguir falar mais, a dor tirando o último resquício de suas forças.
A chuva cessou, e alguns flocos de neve começaram a cair sobre
eles quando já se aproximavam das muralhas da fortaleza dos Connollyn.
— Veja como é lindo, marido.
Ele não respondeu, limitando–se a entreabrir os olhos, enquanto os
pequeninos flocos brancos cobriam suas cabeças e seus ombros.
Rebeca manteve–se quieta e tensa o restante da viagem de volta,
guiando Dragão, enquanto sentia a respiração entrecortada do marido às
suas costas, o peso do corpo dele ficando mais evidente. Blaine seguia
emparelhado com eles, e a todo instante lançava olhares preocupados a seu
amigo. Estavam tão absortos em chegar logo com Alastair em casa que
mal conseguiam admirar a paisagem mudando a sua volta, tingindo–se de
branco, trazendo uma sensação de paz e quietude ao ambiente, quebrada
apenas pelo som dos cascos de seus cavalos.
Assim que atravessaram a ponte de Torquil, Derek e o conde
MacConnollyn já estavam ao seu lado, ajudando o casal a desmontar.
Alastair praticamente escorregou da montaria e foi amparado pelos outros
homens.
— Blaine não tem culpa, pai. Eu é que quis cavalgar um pouco. —
O herdeiro do clã conseguiu falar, ao ver o olhar furioso de Duncan,
direcionado a Blaine.
— Depois que você descansar terei uma séria conversa com os três
sobre teimosia e desobediência — resmungou o senhor Duncan, ajudando
a sustentar o peso do filho —, vamos para casa.
— Esperem! — pediu Alastair, o tom de voz mais alto do que
todos esperavam ouvir num homem que parecia tão debilitado — Não sem
a minha esposa. Nunca sem a minha esposa.
Ele estendeu a mão, que Rebeca logo tomou entre as suas.
Sorriram um para o outro, cúmplices.
— Vamos, minha dama do rio, tem que me fazer chás e unguentos,
e deixar-me logo apto para as longas caminhadas e discussões que teremos
pela frente.
— Por toda a nossa vida, meu esposo e senhor. — Ela deu uma
risada.
Alastair assentiu.
— Que assim seja, minha esposa e senhora.
Duncan respirou aliviado ao constatar que a cura de seu filho
estava literalmente ao alcance das mãos. Ajudando-os a caminhar,
dirigiram-se todos ao castelo.
Rebeca correu para a cozinha com as ervas recém-colhidas, não se
importando com suas roupas molhadas pela chuva e neve, adiantando–se
para providenciar os remédios que aliviariam as dores de seu esposo.
Dessa vez faria uma medicação ainda mais potente, garantindo o pronto
restabelecimento para Alastair, o homem que mudara seu destino, e
enchera sua vida de amor e emoção.
Alastair ouviu as batidas na porta do quarto e já ia mandar que
entrassem quando lembrou que estava nu. E Rebeca, deitada a seu lado,
também. Descobriu que estava com a mão sobre um dos seios dela. Sorriu,
apertando o seio levemente e fazendo–a gemer e contorcer–se
languidamente, pondo–se de lado, mas sem abrir os olhos:
— Você não se cansa? — ela murmurou.
— Não. Na verdade, acho que estou pronto de novo — respondeu,
encostando–se nas nádegas dela. — Percebe?
Bateram novamente na porta. Alastair soltou uma imprecação e
levantou–se, enrolando um lençol na cintura, e cobrindo a esposa com
outro. Abriu a porta, contrariado.
— Ah, só podia ser você, Gavin. Adquiriu esse costume
inconveniente de interromper–me desde minhas núpcias, na casa de
Rebeca.
Gavin encarou–o divertido, vendo o primo envolvido no lençol:
— Atrapalho?
— E já não é a primeira vez. Pergunto–me se você gosta de me ver
nu.
— Bem, a você não... — Arriscou um olhar para dentro do quarto,
provocando.
— Cuidado. Sua noiva Alice pode não gostar tanto de você com um
nariz quebrado e alguns dentes faltando...
— Uh, que medo... Vim lhe chamar a mando de seu pai. A manhã
está bem adiantada e vocês vão receber visitas, lembra?
— Lembro, sim. Obrigado e com licença. Avise que desceremos
em breve.
Fechou a porta e enfiou–se novamente no leito, encaixando–se
atrás da mulher, roçando seu sexo nas nádegas macias.
— Nossos amigos já chegaram e temos mesmo que levantar, não é?
— perguntou ela, ainda sonolenta.
— Ainda não. Adriel falou que Izzie é a grávida mais dorminhoca
do mundo, então ainda temos tempo.
— Eu também seria uma grávida dorminhoca, se você me deixasse
dormir.
Ele riu.
— E você acha realmente que Adriel deixa Izzie dormir tanto
quanto ela gostaria?
— Acho que não.
Ele estava agora dando mordidas suaves nos ombros e costas dela,
e descendo cada vez mais.
Rebeca gemeu de prazer, contorcendo–se.
— Você me acha desejável mesmo com essa barriga toda? — Ela
alisou o ventre proeminente.
— Claro que sim. Amo você, amo sua barriga linda, e amo o nosso
bebezinho que está aí dentro. — Beijou o ventre da esposa com carinho, e
ficou deitado ao seu lado, apoiado nos cotovelos, admirando–a um pouco.
Estava radiante. O cabelo e os olhos pareciam ainda mais brilhantes, os
seios já haviam aumentado, e os quadris haviam ficado mais largos.
Depois que a criança nascesse, o corpo da esposa prometia tornar–se ainda
mais apetitoso.
— Eu o amo também. — Ela enfiou os dedos nos cabelos do
marido, atraindo–o mais para perto para depositar um beijo em seus lábios
e outro na pequena cicatriz deixada pelo golpe de espada, fazendo–o
estremecer de excitação. — Não é espantoso que eu, Izzie e Heather
tenhamos ficado grávidas quase ao mesmo tempo? As crianças irão nascer
com pouco menos de um mês de diferença entre uma e outra.
— Ian diz que nunca viu um inverno tão produtivo como o desse
ano... E que isso vai render novas canções nas bocas dos menestréis...
Rebeca deu uma risada.
— Precisávamos nos aquecer nesse inverno tão rigoroso... —
replicou, alisando o corpo musculoso do marido, até chegar em sua
masculinidade, fazendo–o retesar–se e soltar um murmúrio de apreciação.
— Sim, e ainda sinto frio. Preciso continuar me aquecendo... —
Ele inclinou–se sobre ela, tendo o cuidado de não colocar seu peso sobre a
amada, o desejo visceral por ela já se tornando latente.
— Acho que sou a solução para seu problema, milorde.
— Com certeza, você é a única solução para mim, Beca...
Livro II da série Cavaleiros das Terras Altas:
O arqueiro e a senhora do castelo
Blaine desde cedo precisou lutar para se impor e conquistar seu espaço no clã
MacConnollyn. Com firme determinação traçou seus objetivos, decidido a alcançá-los, usando
todas as armas que tivesse, desde que de forma correta e honrada. Jamais permitiria que regras
absurdas, ou outras pessoas, ditassem sua vida.
Destacando-se como exímio arqueiro conseguiu o reconhecimento almejado e a oportunidade de
ter, finalmente, um lugar para chamar de seu. No entanto, acabou por defrontar-se também com
uma dama que poderia fazê-lo enxergar tudo a volta de outro modo, e questionar se realmente
viver sob suas próprias normas era a melhor escolha.
Mas talvez a dama que o fazia hesitar, duvidasse, do mesmo modo que ele, de seus próprios
princípios e convicções. Prudence viveu toda sua vida sob leis rígidas, sempre respeitando as
convenções. E o que ganhara com isso? Frustração, sofrimento, decepção.
Diante da paixão que os envolve Blaine e Prudence devem descobrir se vale mesmo a pena
continuarem seguindo os padrões que os norteiam, e que até então julgaram corretos.
Afinal, se o amor não tem regras, porque vivê-lo teria?
Imagem: Torre de Belém, Janela
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