MONOGRAFIAS
PREMIADAS
ZUNGU:
RUMOR DE MUITAS VOZES
Carlos Eugênio Libano Soares
ZUNGÚ: RUMOR DE MUITAS VOZES
Carlos Eugênio Líbano Soares
Concurso de Monografias "Memória Fluminense”
1º lugar
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Série Monografias Premiadas - 1998
Capa : ? arte e deçãoMaria Maximina t-
dangou- Voyage
Pittoresque au Brési. Paris Firmin Didot Frêres, 1835.
Tomo 2, pmneha 35/ Museus Castro Maya/ IPHAN/ MInC.
Ficha Catalográfica
Soares, Carios Eugênio Líbano.
Z ozes/ Carlos Eugênio Libano
Soares - Rlo de Jnnolvo Arqulvo Públlco do Estado do
Rio de 8.
118 p.: . - (Série Monograílas premiadas, 1998)
1º lugar no Concurso de monograíflas “ Memória
Fluminense”, promovido pelo Arquivo Público do Estado
do Rio de Janeiro, 1988).
1. Escravidão - Rlo de Janeiro (Estado) - História. 2.
Negros - Rio de Janeiro (Estado) - Condições socials. |.
Arquivo Público do Estado do Rlio de Janeiro. Il. Título.
1. Série.
CDD (18º ed.) 301 .45186098153
ZUNGÚ: RUMOR DE MUITAS VOZES
Governador do Estado do Rio de Janeiro
Marcello Nunes de Alencar
Secretário de Estado de Justiça e Interior
Jorge Fernando Loretti
Diretora do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
Eliana Rezende Furtado de Mendonça
Conseiho Editoria!
Atonso Carios Marques dos Santos
Alaôr Eduardo Scisínio
Exsana Rezende Furtado de Mendonça
Emanvuel de Macedo Soares
Helena Correa Machado
Lucia Carpi Ramaiho
Marco Antonio da Silva Mello
Maria Augusta Machado
Marilena
Leite Paes
Oswaldo
José Campos Melo
Vasco Mariz
Comissão Julgadora
Vasco Mariz
Marco Antonio da Silva Meilio
Maria Augusta Machado
Ismênia Martins
Andréa Daher
SUMÁRIO
Ar çã 9
Agrad T
Introdução, 15
1 — Quitandas e zungús 19
2 — Casas de angu, Casas de zungú 31
3 — No cativeiro urbano 45
4 — Na caçada aos zungús. ss
5 — As últimas perseguiçõ 65
Epílogo. 103
Gráficos. 109
Fontes e Bibliog fi 114
n Memoriam
A Maria José Líibano Soares
minha mãe
APRESENTAÇÃO
Nos anos de 1970. o campo de pesquisa historiográfrca alargou-se,
Tal processo aungru. plenamentc o campo de estudos sobre a escravrdao no
Brasil, ao longo da década seguínte. AÀ
negro mas, sobretudo, as comemorações do centenário da abollção criaram O
espaço favorável para o florescimento de novos trabalhos, sob o impulso da
citada renovação teórico metodológica. Não se procedeu ainda um balanço
sistematizado das contribuições produzidas no quadro do efeméride. Pode-se
afirmar no entanto, sem dúvida alguma, que os encontros preparatórios.
geralmente locais ou regionais, e os grandes congressos internacionais
promovidos no Rio ou São Paulo, que ocorreram naquele ano de 1988,
testemunham, fartamente, o cresclmcnlo exlenswo e mlcnsrvo que obtiveram
os estudos escravistas no Brasil. E
de questões, inclusíve pela incorporação de algumas até então restritas a
pesquisas sobre o mundo dos Jlivres e brancos Intensivo no sentido do
aprofundamento das análises, no trabalh as fontes. Apesar dos
Bgrandes ganhos, os efeitos do que Francisco Iglésias chamou de “história
comemorativa" fizeram-se também sentir nos estudos sobre a escravidão no
Brasil. As disputas pelas verbas, bolsas e outras vantagens, destacaram alguns
pesquisadores despreparados para as tarefas que se propunham.
“Zungá: rumor de muitas vozes" é um livro importante por tudo i<so!
Vem na linha das melhores tradições produzidas pelo citado movimento de
renovação historiográfica.
Definindo com clmzu o recorte lemúuco a Casn dc Angu ou Zungú
o autor
lo. Pelo contrário! A documentação diversificada que citaeas :ln.'lllscs que
procede permitem-lhe aprender os slgml'cudos dos Zungu para à populaçâo
negrado Rio de Janeiro. Mai
e não abandona as preocupações com o todo social, as nelnções de classee
evidenciam o conflito.
Merecedor de destaque, também é o fato de desvendar as relações
q F
escrava no Rio de Janeiro.
nl tn fart, 1 A arão Sstni 1 1. fez disso
P ç
um bom uso. Apresenta o Zungú como um espaço de relaxamento no seio dos
10
d i pois ali i judas p “suponurem
as mazelas de sua condlção Acentue é ã
como alguns trabalhos do centenário que exageram e muito, ao estudarem
outros espaçosou ªllVldªdºs que poderiam ser consideradas como brechas na
idão.Nesle Caso, pelo conlrúno. o aulor ewdencm a dureza
do sistema. formas d. " licial, sendo sua
fonte pnvnleslªdª os Livros da Casa de Delençlo l
A questão das fontes é outro aspecto elogiável do trabalho. E não
apenas pelo seu levantamento, mas sim pelo diálogo que com elas estabelece.
A História não se produz com fontes e sim com questões que se lhe colocam!
Carlos Eugemo qucsuonou bem seus documentos, soube relacioná-
los c tratá-los. É P é alocalizaçã jornais
de ocomrências aomspondcmes aos registros dos anros da Cnsn de Delençllo
compuludu. criando sólida base ernplnca para algumas de suas análises.
do passado!
Isménia de Lima Martins
Doutora em História
AGRADECIMENTO
Os agradecimentos de um texto não se reservam apenas
para aqueles que contribuem diretamente com a produção do
trabalho. Muitas vezes os amigos, profissionais ou não, mesmo
de forma inconsciente, contribuem valorosamente para forjar um
ambiente de camaradagem e respeito, de estímulo e
companheirismo, que é fundamental para o estado de espírito do
escritor. Este círculo de amizade e franqueza é o meio vital - pelo
menos para mim - de onde brotam os textos mais fluidos e ricos.
Este pequeno texto foi lavrado em uma época difícil. O
futuro profissional era incerto, e pessoa muito próxima de mim -
Maria José mlnha mãe -VlVlª seus últimos dias. O calor humano
dos de ofício nesta hora se revelou de
importância fundamental.
Entre todos, como sempre em minha carreira, a presença
leal, combativa e bem humorada de Flávio dos Santos Gomes foi
a força de vontade e a coragem novamente gritando para superar
os mais amargos obstáculos. Ele, um vitorioso, pode saborear
como ninguém esta vitória, que também lhe pertence. O jornalista
Milton Souza era outro dos raros que compartilhou os segredos
de um texto de pseudônimo, cuja natureza exige alta discrição.
Conhecedor das casas de angu do tempo presente e exímio
cozinheiro - além de outras habilidades - é o espírito posítivo que
me acompanha nas horas dilíceis.
Na Unicamp o professor Robert Slenes viu começar o
trabalho, quando ainda era um projeto embrionário para o Centro
de Estudos Afro-Aslático, e com sua carta contribuiu para a
aprovação do projeto, condição sine quanon para o início do
trabalho de pesquisa. A professora Silvia Lara também enviou a
carta de apresentação, e assim também ajudou na conquista da
bolsa da Fundação Ford, em 1997, quando ainda terminava a
tese de doutorado sobre os capoeiras escravos dos primórdios
do século XIX.
A professora Mary Karasch - que gentilmente aceitou
participar de minha banca de doutorado - também teve acesso
ao texto inícial, e percebeu o horizonte novo que o zungú abria
para os estudos da cultura escrava no meio urbano. João José
Reis, outro gigante dos estudos da escravidão, igualmente foi
entusiasta do tema.
12
No Rio de Janeiro Marcus Bretas e o professor José Murilo
de Carvalho representaram o respeito intelectual que sempre tem
força na superação das dificuldades. Margarida Souza Neves e
Ivone Magiee, mesmo sem saber, participaram desta história, com
Suas palavras de encorajamento e estímulo. Marcos Vínicius
Ribeiro, na Biblioteca Nacional, representou o apolo franco de
um profissional vitorioso.
Os amigos Adler Homero e José Neves Bitencourt - como
por mais de uma década - sempre acreditaram na minha
capacidade. Na Universidade Severino Sombra, de Vassouras,
Estado do Rio, onde comecei a lecionar recenternante, reencontrel
o professor Lincoln de Abreu Penna. mestre dos tempos da
graduação, e tive a grata sati hecer o magnífico Reltor
Severino Sombfa. e a Pró-Reitora Nelde Benevides. A minha
divida com eles, por acreditarem em minha capacidade
profissional, é maior que tudo. À minha equipe do Centro de
Documentação Histórica da USS - Bethl, Angela e Adelci - colegas
da maior competência, vibrou quando velo o resultado.
O professor Itmar Rolhof de Matos também fez parte desta
travessia, com seu valioso apreço de grande profisslonal. Todos
estes - e mais alguns que posso ter esquecldo - foram vitais para
superar as injustiças e iniquidades sofridas de parte daqueles
que tentam - inutilmente é verdade - bloquear minha carreira
protissional.
Minha esposa, meu amor, compartilhou as agruras e
felicidades deste pequeno texto. Como as mulheres de coragem
que passam por estas págmas, ela laz sua hlstóna com doçura e
rartata
vão vibrar outra vez.
Mãe Maria faz angu
Faz angu p'ra tu comê
Ô moleque do angu
Fala tu que é falado*
* COSTA, F. A. Pereira da. Vocabulário pernambucano, Imprensa Oficial, Recife, 1937,
e d S fri,
“De uma cantiga de congos, folg 9 " p.33
INTRODUÇÃO
Catarina Cassange estava talvez wvendo a segunda grande
aventura de sua vid scrava, quando
aqui aportou junto com centenas de companhelros malungos, muitos
dos quais deixaram suas vidas no porão do negreiro. Comprada por
Manuel da Rosa, ela antes vivia o condlano das mllhares de afncanas
ca esídiam no Rio de Jan
P
XIX.!
Certa feita ela conheceu um tal Aleixo, africano de nação mina,
com ofício de barbeiro. Além de livre - uma singularidade entre os
africanos da cidade - residia este com vários outros africanos não-
escravos em uma moradia coletiva da rua dos Ferradores, conhecida
como zungu. À casa era frequentada por negros cativos, libertos e livres,
e era ainda local de festas, confraternizações, batuques, ou quaisquer
pretextos para os pretos e pardos da Corte se encontrarem.
Não se sabe o que Catarina conversou naquelas longas noites
no zungú da rua dos Ferradores. Mas o fato é que tempos depois ela,
Junto com o tal Alelxo e outro escravo da cidade, se distanciava da
capltal do Império, e rumava para distantes sertões da província do Rio
de Janeiro, que possivelmente ela jamais antes tinha conhecido. Seu
destino era o distrito de GuapiImirin, no municipio de Magêé, norte da
cldade do Rlo, mais precisamente uma venda que pertencia a outro
africano mina, de nome Joaquim.
Esta não seria a última etapa da jonada de Catarina Cassange.
Em pouco tempo ela conhecena um Iugare]o ainda mais reoóndno da
província. Por ord o b
onde escravos fugitivos recdavam Sua vidas longe do relho senhonal o
quilombo de Laranjeiras. Em sua vida nova Catarina deu a luz a uma nova
vida. Logo depois do nasclmento de seu fitho ela foi levada para a casa de
um tal Paranhos, administrador de uma das lazendas da região, de
propriedade de Damlao Perelra da Costa P a alricana
terla de criar seu outro rebent to, desta vez do dito
Paranhos. Na vila de Magé o filho de Catarina fol batizado - junto com o
irmão de criação - com o nome de José.
Mas a rede de cumplicidades que levou a Catarina Cassange
das estreitas vielas da Corte para os amplos espaços da província era
ainda mais complexa. A conexão rural da casa de zunguú da rua dos
Ferradores - o preto Joaquim Mina - era costumeiro freqientador do
quitombo de Laranjeiras, no distrito de Guapimirim, e costumava se
Códica 323
tulzos do crima, câmaras, on)leoo-luzwlmls á Jâneiro pelo
16
abastecer de lenha no grandioso acampamento de fugitivos, em troca
de produtos não produzidos pelos quitlombolas: sal, farinha, pólvora.
O quilombo contava também com o apoio velado dos
proprietários das terras onde se localizava, em uma espécie de acordo
mútuo: os quilombolas não atacavam os arrabaldes da fazenda, e
compravam oOS produtos necessários à comunidade das mãos do
administrador, e em troca lam enviar os filhos para serem crlados
nas fazendas, onde haviarnf malores recursos para culdar de crlanças
do que no remoto mocambo. Parece que Catarina entrou neste
esquema. De qualquer maneira, o quilombo era protegido de ataques
pelo próprio fazendeiro.º Mas aparentemente Catarina não usufírulu muito
esta nova vida. Alguma desdita a levou a ser aprislonada de novo, e em
pouco ela estava sentada em uma cadeira da Secretaria de Polícia da
Conte, sendo interrogada pelo temido chefe de polícia, Eusóblo de
Queriróz Coutinho Matoso Câmara. Suas Informações permitiram
prescrutar a rede A jo lml d dl 1A ta Á Irtada
. ap da pelos célebres africanos da Costa da Mina
- e fugitivos em longiínquos quilombos do interior. Estes llames entre
cativos do campo 6 cidade ainda darlam muito que falar nas décadas
qQue Se seguirniam.
Este trabalho busca desvelar e analisar uma das mais
importantes instituições forjadas pela experiência escrava na cidade
do Rio de Janeiro e na província Iluminense: a casa de angu, ou zungu.
Estas casas eram normalmente conhecidas como pontos de encontro
para cativos, africanos e crioulos, onde eles encontravam músicas,
comida, prostituição, além da companhlia de seus Iguals, buscando fuglr
da interferência senhorial ou policial. Mas além destas finalidades
aparentemente “inocentes”, o zungu era também temido pelas
autoridades como foco de rebeliões, levantes, ou mesmo para
acobertamento de fugas de escravos, as famosas seduçães, como
aconteceu com Catarina Cassange.
" Essas casas, além de exercerem papeil capital na construção
de uma comunidade escrava no meio urbano, eram também elos
fundamentais na rede que ligava negros da cidade e do campo, dos
porões dos sobrados urbanos até as senzalas das fazendas de café. E
Será esta característica que vamos destacar neste trabalho.
A primeira parte deste texto é a narrativa de um incidente entre
um africano liberto dono de uma casa de quitanda - ou zungú, como
afirmou a autoridade - e uma autoridade judicial representante do poder
senhoria! e do Estado escravista: o juiz de paz da freguesia de São
* ss Sedaxicmaaacbret o vmoo—cmm.ws,wumm.oruoaomapdbhaConanoam.a.
7
José. Através dos protestos e reclamações do africano vemos como a
perseguição às casas coletivas ou zungús de pretos na Corte Imperial
“do Rio '_d_eªªyo se transformou em mais um dos capiítulos da história
da resistência escrava na Corte e província dô Rio de Janeiro.
O segundo capítulo enfoca as diversas vertentes bibliográficas
- viajantes, romancistas, literatos, eruditos, estudiosos acadêmicos,
historiadores - que enfocaram, mesmo de forma muito breve, o tema
das casas de zungú na cidade do Rio do século XIX. A partir destes
dad'mílr_mm“s_un?ã visão conceitual mais sólida sóbre os zungus
e seus a nnra z " n egraa no Rio de Janei
) á Ls *
À segunda parte informa da documentação pollcual que por
todo o século XIX desvela - ou tenta desvelar - a etiva
de escravos e libertos na cidade do Rio, passando das casas de
quilombo do período joanino até os zungus das décadas finais da
escravidão, sem esquecer as casas de anguú dos meados do século.
Por último, através das fichas policiais da Casa de Correção da Corte
vamos analisar detidamente a composição social, ocupacional, entre
outras, dos indivíduos presos nas incursões policiais desencadeadas
contra as casas coletivas de negros.
QUITANDAS E ZUNGÚS
No dia 8 de abril de 1836 um estranho requerimento chegou à
mesa do Regente Diogo Antonio Feijó, que assumira interinamente a
função de governante da nação, junto com vários outros políticos, após
a abdicação de Pedro |, em 1831 Era uma representação de queixa
de um cidadãà q Adão José da Lapa
"preto, casado”" e que se queixava 1 da invasão de sua residência por
um ofícial de justiça do governo da cidade do Rio de Janeiro, mas
particularmente um inspetor de quarteirão.
A representação na realidade era dirigida a “Sua Majestade
Imperial”, o herdeiro do trono, que neste momento tinha 10 anos de
idade, e vivia longe do poder, cercado de tutores, no Paço Imperial de
São Cristovão. Mas Feijó despachou para seu ministro da Justiça,
Antonio Limpo de Abreu, que resolveria como dispusesse.
A representação ao trono do preto Adão era, como todas os
outros requerimentos ao Imperador, carregada de um tom de súplica,
que era típico da visão socialmente consagrada na época do soberano
como o magíistrado magnânimo, último recurso dos injustiçados e
oprimidos.
Senhor
Adão José da Lapa, preto, casado e proprietário, não
pode deixar de vir hoje respeitosamente curvar-se aos
pés do Trono de V. M. |. a pedir e a suplicar a Graça de
ser protegido na sua segurança individual, e no próprio
e sagrado direito de propriedade, que tão atrozmente e
com a violação de todas as leis tem sido, debaixo da
capa de justiça violados, para com o mísero suplicante.
Adão José da Lapa era um africano Moange,* liberto,
morador na rua da Guarda Velha (atual 13 de maio) e possulía uma
casa que ele alfirmava funclonar como casa de quitandas, como eram
conhecidas algumas moradias onde escravos ou pessoas livres
podiam comprar alimentos ou mesmo fazer refeições. Estas casas
'GH«WQ&K“PUHRMC«&WMNWMM*(&W&U&)
m. Wim C2OZU18IE. Arquivo
Nocionsl (doravante AN). Todasos documentos
desto caso
romonozuu.xrªscn.uuyc.m
ET )mmºªmu o norte
€ leste da
Jansino, Princaton, Unarersty Press. 1967. p. 372. ApéndicaÀ,
20
princípios do
pontilhavam no ambiente urbano do Rio de Janeiro dos
século XIX,e eram freq prnncip P _negruwmestiços
- escravos, africanos e seus descendentes, libertos - quando
compravam genêros alimentícios para seus senhores ou suas
residências.
4 tnetia enantra a al " T
como invasão de domícillo por prane do funcionário do governo,
encarregado de fiscalizar o quarteirão onde a casa se ergula.
O Caso vem a ser Imperial Senhor.
Tendo o suplicante uma casa de quitandas na rua da
Guarda Velha, onde vende vários gêneros segundo a
licença que tem da Câmara Municipal qual dizem
documentos anexos, alguns seus vizinhos êmulosS do
suplicante tem querido menoscabar a conduta do
suplicante irreprehensível assás (documentos nº2e3)
dando participações injustas, e pouco airosas contra o
suplicante...
Para o africano o raciamo dos vizinhos brancos, ao verem um
comerciante negro prosperar, era o móvel da atitude Intolerante e violenta
contra ele. À inveja também era um componente, na visão de Adão,
para se misturas ao caldeirão de ressentimentos, ódlios Implacávels,
incômodos, que acabaram desembocando na invasão de sua moradia
por um funcionário da justiça, veículo da discórdia.
de tal sorte que o juíz de paz do 2º distrito de São José
procedendo contra o suplicante e tirando no sumário
os mesmos vizinhos Inimigos do suplicante, e que
denunciaram a este sem prova convincente, o
pronunciou, do que recorrendo à Junta de Paz ali foi
absolvido.
Assim o centro da intriga, na visão do africano, era o julz de
paz do 2º Distrito da freguesia de São José,º João Ricardo Benedíctus
de Abreu Souto. O juiz de paz era um magistrado que, ao contrário dos
anteriores, era eleito, figura única do poder judícia! do Império. Ele tinha
77 ed. Rio de Janeiro, Nova
' Rival, competidaor. FERREIRA,
Fromaesa, 1993.
'OZ'D'BIIodoShmmnuo“dlmamm(doMoUodºMMoMun:'ol).
o Converro da Agia. ó a tadena da Glória € dal sié a casa da Beronesa de Campos (atusl da Marquêsda
mu.mzmaw)-mnrmavmwawmn de Janeo”, (Edtal
fgãªg'ªm)n Colação das decisões do Govemo do império do Braxil, 1833, Puo de Janeiro, TypographiaNacional,
21
amplas prerrogativas policiais e de juiz. E nomeava os fiscais que
vigiavam a sua jurisdição.
Esta plena absolvição irritou o amor próprio daquele
juíz de paz, e muito mais dos satélites seus inspetores
de quarteirão, que desde o dia 7 deste mês não tem
upado, com a máscara da justiça, de perseguirem,
àtormentarem e mal fazerem ào suplicante.
Agora o africano iria entrar na parte mais violenta do caso: a
invasão de sua casa de quitandas pelo inspetor de quarteirão, para ele
com ordens expressas - e ilegais - do juíiz seu superior. A invasão era
parte de uma política de intimidação das autoridades legais - junto com
os moradores brancos - para dobrar o africano, que recorria aos mais
altos poderes para se ver livre da perseguição.
No dia 14 um inspetor de nome Andrade, morador na
rua das Mangueiras, sem aquela insígnia com que
devia ser conhecido, obedecido e respeitado, como diz
o artigo 14 do Decreto de 6 de junho de 1831, e sem
formalidades de justiça, que prescreve o código de
processo passou como partícular e dispoticamente a
invadir o selo da casa do suplicante, e como nada
achasse de criminoso passou a criticar com [sic] o
suplicante, que estava manso e pacífico no interior de
Sua casa
Assim começa a série de agressºes que o alncano dnz ler
sofrido. O próprio Inspetor d
de Adão, pois perguntou se ele era escravo, o que apenas leslemunha
a multipllcidade de arranjos que escravos podiam usuíruir no periodo,
pois o preto era sabidamente proprietário da casa desde longa data.
Desta forma a suspeita do Inspetor revela que podiam existir outros
pretos, escravos, donos de casas de quitandas na cidade.
Mas isso não quer dizer que eles estavam ausentes da
violência de uma sociedade escravagista e no plano racial brutalmente
desigual. Isso seria comprovado por Adão Josê da Lapa.
...interrogando-o se era forro ou cauvo qual era sua
ocupaao que ele na qualidade d petor pela lista
de família devia saber, se era o inspetor de quarteirão
foi criadona retorma de 1627, 4 idéia soirou Dmo
ia minkstro da shpn 6 regento em 1836. Elo desluc reunidas
lgm hlmlues ão. ver HOLL Av Thomu PolcnmRbJ:
om-ummcdadedoslaloxlx Rn:: Janeao, Ed. FundaçãoGetúlio Vargas, 199
ºlull dow pp. 61-62,
respectivo, se não era não tinha autoridade para tais
perguntas, se elas se diriglam a provocar o suplicante,
mas este manso e pacífico tolerou para poder sem
barulho sustentar-se a si e a sua família. E porisso em
tal dia, o despotismo e a violôência de tal inspetor, alóm
da ofensa manifesta da lel, nada prejudicou o
suplicante.
Adão estava sendo vítima da “suspeição generalizada” que
[ on tel inaria da inão africana
mas que se manifestou com malor virulência no século XIX e nas
cidades, poils neste tempo Já existia uma grande população negra IIvre
ou liberta no meio urbano no Brasil. À "suspelção”" part
de que todo neço () om pdnclploum escravo, até prova em conlrárlo,
cabia à polícia | era Intimidar a população mantida
na escravndao. para doseallmular movimentos de Inconformismo -
indagar ao individuo sua verdadeira condição, mesmo que lsso
importasse em atos vexatórios e humilhantes, que allás eram parte da
política de Intimidação.
Mas o pior alnda vira. Aproveltando a ausência do dono da
residência o inspetor Invadiu a casa de quitandas, e mais truculências
cometeria do que no primeiro dia.
No dia 15 deste mês e ano, Imperial Senhor, esperou o
dito Andrade Inspetor que o euplicante estivesse
ausente daquela eaaa eno selo da cidade a promover
do dl [e] passar
a dar um ngoroso varejo na mencionada casa. O qual
foi executado sem que o tal inspetor viesse adereçado
de sua insígnia, sem que religiosamente tivesse antes
formalidades prescritas no art. 192, nº 12, 34 do_;ódígo
de processo criminal. E sem cuja apresentação senão
podia saber se era ou não exegqúlvel segundo o art.
193 do citado código. E igualmente observar o que
preceptuam os artigos 198 e 199 do citado código.
Para um ex—escravo Adáo demonstrava lnve|ável domínio da
uoglolcu,au Cód
IgO criminal
de 1830. Mas na verdade foi o seu “procurador de causas” (como se
chamavam os advogados que atendiam pessoas de situação mediana)
que destrinchou toda a complicada jurisprudência, recentemente
firmada. E na realidade era um legislação voltada à defesa da
propriedade, controlada pela elite branca. Desta forma, para os fiscais
da ordem esta vasta legislação era inútil na defesa de negros como
Adão José da Lapa. Mas o africano não se intimidaria.
Enfim Imperial Senhor, sem alguma jornada ou maneira
prescrita nas leis de V. M. [., sendo por isso não uma
busca legal, mas sim uma violência e um despotismo,
um ataque à segurança individual do cidadão. E
semelhante violência por não ser feita com ordem
devida ocasuonou a ser o supllcanle roubado: 1º em
cada uma, valendo
acima de 10$000 réls 2º em 51$280 rêis em dinheiro,
sendo 50$000 réis em papel e mil e duzentos e trinta
réis em cobre. O roubo foi feito com o arrombamento
das portas de um armário onde (ele) estava guardado,
e cujo roubo deve o dito inspetor pagar porque ainda
que não o fizesse foi causa próxima e Imediata dele ser
cometido.
O africano reclamava não só da invasão mas deste pretenso
roubo cometido na ausência dele, e que resultou na perda de avultada
soma para os padrões da época.º Ele não soube precisar quem foi o
autor imediato do roubo, mas denunclava claramente o inspetor como
aquele que arrombou seu armário, o que permitlu o estravio. O tabaco
também era um produto de valor na época, muito consumido por
escravos, e decerto Adão era um comerciante de prestigio do seio da
comunidade negra e escrava da cldade do Rio de Janeiro do princípio
do século XIX.
Tal fato só por sendo exorbltado da lel [sic), é não uma
açao legal, mas sim um verd. P
.a 285400 náis mew 6 um sargento BS400. Um
anesão bvrea lulaoo IZSOOOA 188000
por mêss, HOLLOWAY, Thorrux.m
nos artigos 133, 145 e 210 do código criminal. E por
isso o suplicante para se remediar [sic] seus direitos,
estribado no artigo 156 do código de processo recorreu
ao juíz de paz do 2º distrito de São José para formar
culpa àquele Inspetor. 2º, para mandar proceder corpo
de delito. Documentos juntos nº 46 5.
E o africano recorre ao juíz de paz, caminho formal para abrir
queixa na justiça por esta época. Mas logo descobre que o juíz de paz
é o cabeça da conspiração, e que deu cobertura - como se podia
esperar, pois o inspetor geralmente age sob seu comando.
E quando o suplicante fundado na garantia que à todos
os cidadãos dão as leis de V. M. |. esperava à
observância destas, é que tal juíz, dôspota assaz, paessa
a arrogar assim o livre arbítrlo e apunhalar
manifestamente os artigos 134, 140, 141 e 144 do
código criminal, [e) injurlando o suplicante, não quer
mandars nem proceder ao corpo de delito, nem mandar
proceder a inquirição das testemunhas sobre a quelxa
OW.J P ) al ) . F q lAn
nos ditos documentos nº 4 e 5. E replicando dá os
asmáticos [sic) despachos que se lôem nas ditas
súplicas, também juntas
A luta do liberto Adão era malis difícil do que esperava. Como
era eleito o juiz de paz Imente contava com o apolo dos cidadãos
mais abastados e poderosos da região, já que o voto era censlitário. E
mlwI.m ". . TEA P I-' o - Em dÉ '-
do imperador Pedro |, o juiz de paz era um Instrumento dócil do ministro
da Justiça e do chefe de polícia, senhores da ordem pública na cidade
do Rio de Janeiro.
Mas o corajoso manifesto contra o poder do juíz de paz era
um raro momento em que uma vóz se levantava contra o poder imenso
que tinham as autoridades do Estado naqueles anos turbulentos, mais
supreendentemente vindo de alguém que algum tempo antes era um
simples escravo.
Eis aqui Imperial Senhor a que estado estão reduzidos
os desgraçados povos de V. M. |. que um mízero idiota
de um juíz de paz [grifo nossojseja acima das leis de V.
25
M. |. e que os povos vivão sujeitos ao querer de juizes
de paz, que arrogando-se a s! o título de juíz de guerra,
IndIVldua! e de
fazendo esta à lei, à segurança
propriedade dos cidadãos, tornam-se déspotas tiranos,
E para
que [tal qual] os Neros e Dioclecianos.
| to d t Idades, como não há recurso
de tais autoridades a respeito de semelhantes
mais ufanosos trilham o caminho da
despachos,
injustiça.
Era o ápice do verdadeiro desabafo que o africano encontrou
em sua luta para ser ressarcido do prejuízo. E um exemplo cristalino de
como o arcabouço jurídico elaborado pela classe dominante para
preservar seus próprios interesses podia ser lido e utilizado por outros
grupos para se contrapor à prepotência da própria camada dirigente
exclusivista do império.
Tais despachos, tais inobservancias da lei, tais
absurdos, que são compreendidos nos artigos 154 e
160 do código criminal obrigam Imperial Senhor a vir
respeitosamente perante o trono de V. M. |. a suplicar
contra tais inobservâncias da lei, todas aquelas
providência que justo pareçam a V. M. |. com tanto que
o suplicante seja desagravado de tais violências que
lhe há feito tal inspetor, autorizado por aquele juíz e
outro sim que seja protegido nos direitos que as leis de
V. M. |. facultam do suplicante e lhes nega
despoticamente aquele juiz de paz do 2º dsitito de São
José. suplicante espera de V. M. |. uma tal graça
por ser um desagravo que se faz as determinações de
V. M. |. expressas nas suas providências, e que tão
claramente apunhaladas estão no caso presente.
S.A.V.M.
Imperial Se digne
Trazer às graças imploradas
17 de março de 1836
A rogo de Adão José da Lapa
Gustavo Lúcio Pereira da Veiga
a Assim termina o inédito e insólito protesto do africano Adão
dirigido ao poder máximo do Império, denunciando seus algozes.
26 VT TT qIANF T
Aparentemente Adão não sabia que .o imparador, nesta época uma
chi)aªnça, estava completamente deslocado neste tempo do exercício do
er, e que o governo era beçado por regentes desde cinco anos
antes. Mas com certeza seu procurador - aquele que redigiu a petição,
o tal Gustavo - sabia. Possivelmente eles eram céticos quanto às
possibilidades de conseguir algo com Diogo Antonio Feijó, célebre-como
carrasco dos movimentos soclais nos anos anteriores, quando fol
ministro da Justiça na crise de 1831, e que mantinha o controle da vida
policial na cidade com mão de ferro.
Na sequência o africano apresenta uma longa lista de Ilcenças
fornecidas pela Câmara Municipal para o funclonamento de sua casa
quitanda, e para venda de tabaco, e até mesmo como açougue de
carne de porco.º
A Invasão da casa de quitandas de Adão José da Lapa na
realidade era mais um epsódio da querra contra as casas de angu ou
Tungus que existiam à época na cidade do Rlo de Janeiro. Estas casas
eram alugadas e treqlentadas por escravos e negros, e perseguidas
pelas autoridades como refúgio de cativos fugidos, locals de batuque,
tertiçana, etc.
Esta foi a alegação do Juíz quando respondeu à petição do
ministro da Justiça Antonio Paulino Limpo de Abreu para se pronunciar
sobre o caso. Antes o chefe de polícia da corte, Eusóblo de Queiróz
Coutinho Matoso Câmara, já pedira informações do caso ao Juíz.'º
itirl longo p diria então ser “verdade
Que eu o processei e o condenel por Infrator de postura da Câmara
Municipal que proibe aàs casas de zungi7 e que o Inspetor fora enviado
para averiguar laso. Afirmaria além dieso que o preto, que o tinha
chamado de “idiota”, recorreu à junta de paz, e fora abgolvido no
processo porque o promotor se ausentara no julgamento, o que não
significava absolvição plena. E afirmava claramente qual o motivo das
Suscessivas atitudes contra o africano:
Devo acrescentar que contra o quelxoso há um geral
dlamor dos moradores da rua da Guarda Velha por fazer
ele da sua casa um zungá, fato peto qual Já velo corrido
do 1º distrito desta freguesia.
A estratégia do africano era, na opinião do lulz, reflexo do
fato dele ser reincidente na infração, específicado no de Posturas
do Município, e porisso tentava embaralhar a ação da ju ” A postura
que proibia casas de zungú era recente, tendo sido votada quase dois
anos antes, no final de 183 .
Artigo nº8: São proibidas as casas conhecidas
vulgarmente pelo nome de casas de zungú e batuque.
* A primeira icerça
7TTNONEIS. Ele aparemenento possuía d As outras aão 11/04/1035,22/10/1834 é
x) um "talho de came da
porca”66 172. janjul 1636, C2/02/18038,
* “Tenho a hon
dal que
São José, 6 juntando
devoivo a V.En O MASMO
e requarimento com tod: h
MGDM“I“'DITZMMIZ ofício
1
|
F
11
" 66 172, 2203/1636, AN,
27
Os dono ou chefes de tais casas serão punidos com
penas de 8 dias
de prisão e 30$000 g& muita e nas
. A queixa contra o inspetor era, para o juíz, uma manobra do
africano para evítar a punição por reincidência, que como vimos acima
era de prisão e multa. Acusar o inspetor de roubo era uma maneira de
colocar, na visão do magistrado, a autoridade contra a parede. Este
tinha claro que Adão queria inventar um crime para encobrir outro. Ele
defendeu seu subordinado afirmando que sendo uma casa de comércio
a entrada do inspetor foi legal, e não invasão de domiícílio, e visava
encontrar os “quartos para zungi ocultos pelo liberto, onde efetivamente
encontrou dois “individuos”.
— Este era, em síntese, o depoimento do julíz, que também
pretendia emitir sua opinião ao “trono de V. M. |.". O ministro da Justiça
resolveu que se o africano quisesse abrir processo contra o juiz e seu
Inspetor teria de recorrer à justiça comum, e não ao beneplático do
imperador."?
Antes mesmo da representação enviada ao imperador o preto
Adão recorrera ao juíz de paz do 1º distrito de São José, colega de seu
desafeto maglistrado. Para provar sua Índole ordeira e trabalhadora
Freclsava mostrar que tinha reputação ilibada, e assim requereu a
nformação do Inspetor de quarteirão da rua de São Diogo, no outro
extremo da cidade, onde residiu'no passado. Ali o africano - que era
casado e carpinteiro “de obra branca” - teve comprovada sua boa
Consta que o senhor Adão José da Lapa, preto forro
de nação moange, casado, é proprietário de duas
equenas moradas de casas na rua de São Diogo.
Outro sim aflirmo que ora reside na rua da Guarda Velha,
casa número, onde tem uma casa de quitandas, e que
a sua conduta é a melhor possível.
Em segulda Adão requereu ao seu arqui-inimigo o juíz de paz
1º
do 2º distrito, que ele atestasse formaimente pelo inspetor do
quartelrão do 2º distrito de São José, Luíz Joaquim de Macedo - onde
se localizava a casa de quitandas - qual conduta do africano, alegando
que em
prevlamente que nunca houve em sua casa reunião maior do
um estabslecimento ordinário de secos e molhados.
Inlclalmente o Inspetor corroborou que o liberto tinha na
mas
realidade uma casa de quitandas, e um “procedimento regula””
reiterou que no dia 27 de feverelro teve uma denúncia por um tal Felipe
servia
José Ferreira - possivelmente um dos vizinhos - de que a casa
afirmou também
como zungú, motivo pelo qual deu parte ao juíz. Mas
pessoas
que quando passava pessoalmente pela porta da casa via
“ das decisões do govemo do império do Brazi Fio de Janeiro, Typographis Nacional, 1873, “Pasturas
estalagens e ou
municipais aprovadas por portaria de 23/12/1639” . pp. 569-673. O artigo 7º proibia que haspedarias, .
"casas públicas” roc: d esttinários.
pplicamte sa quise:
pora mandar proceder ex-olicio” 16 172, 0O8/04/1836.
" 16 172, 06/05/1835,
28
comprando “comidas feitas, e o que mais existe na casa"”."*
Em seguida vem outra petição do africano ao Juíz de paz
pedindo exame de corpo de delito para comprovar a invasão sofrida
em sua casa de quitandas pelo inspetor Andrade. Voltou a apontar a
quantia roubada, o furto das folhas de tabaco, o armário arrombado, e
outras provas do crime, tudo dentro dos artigos do código criminal que
ilícito do evento. O africano demonstrava- possivelmente
com auxílio d . dor - um notável conhecimento da legislação
vigente."*
Furioso com a lerdeza do juíz de paz em promover o corpo de
delito o africano enviou um vigoroso requerimento a este, protestando
veementemente contra a cumplicidade do magistrado, e exigindo a
tomada imediata das medidas legals.
Não mandar V. Exc. Proceder ao corpo de delito éó um
apunhalamento que faz no artigo 134 e 139 do código
de processo. O juíz não deve exorbitar e menos Injuriar
as partes porque lhes veda o artigo 144 do c dlão
criminal. Ólhe que estes despachos são, além de
injuriosos, um tanto anárquicos.
Adão José estava jogando com um dos receios mais
protundos da etlite política de seu tempo: o medo da anarquia, e da
quebra do arcabouço ºLuºrldlco ainda tão recente, e tão ameaçado,
principalmente pelas rebeitiões que explodiam nas províncias, como o
lavante dos malês em Salvador em 1835, e a revolução dos cabanos
no Pará no mesmo ano, entre outros. Em um tom irônico ele passa a
ã;plicar ao juiz os limites e deveres de sua função, numa clara tentativa
irmtar a idade e d loridade d heci t
além da sua cupidez como magistrado: |
V. Exc. nada pode decidir se não a vista da prova dos
autos, E no caso presente é aos peritos, segundo o
anigo 135 do código de proceseo que pertence
conhecer o arrombamento. É ao escrivão escrever.
O africano também fazia alusões ao cativelro, que devia
conhecer muito bem, e passa a dar i íticas. E talvez o ponto
alto de sua fina ironia - talvez já não tão fina - foi a menção a um tema
delicadíssimo da situação política então vívida: a explosão da rebelião
da cabanagem no distante Pará, para ele fruto de despotismo e
arbitrariedades, iguais às que vívia. É al vem a pergunta: poderiam se
repetir aquelas cenas na cidade do Rio de Janeiro
Sr. juíz de paz queira observar a lei que é tão cativo
dela como qualquer ínfimo cidadão. Olho que um
9 56172 2402/1806,
“ 16 172, 15S03/1838,
governo constitucional e uma autoridade popular não
tolera arbitrariedades tão patentes, e tão claro qual o
presente. Estas e outras iguais já deram cabo do Pará
e estes atos já tem posto o Rio de Janeiro no estado
em que se vê. [grifo nosso].
A ) ge termi prédica, que d deixado
o juíz de paz da freguesia de São José numa profunda irritação. Mas
ainda reservou alguns alfinetes para o final, fazendo admoestações
que carregavam a situação insólita d afric. inand
u ) P Dran to da altiva elite diri ta doe imnHnárino
= P ,
a fazer seu trabalho.
Por isso ouça a voz da lei, deixe de paixões, não tolere
roubos, mande proceder o corpo de delito sem fazer
favor, mas por preceito do artigo 138 do código de
processo criminal,
Em um canto do requerimento um apontamento escrito a lápis
testemunha o estado de espírito do juiz quando terminou de ler a
saravaida de cobranças do liberto, e reforça a percepção do medo da
politização das camadas mais baixas da sociedade na dêcada de 1830,
um problema patente em todo império.
O paralelo que faz o suplicante do Pará é muito mal
feito. E como já fol processado ([o africano] pode usar
dos meios que a lel permite. Este é o deferimento.
Adão ficaria ainda malis Irritado com o despacho do juíz de
Faz negando corpo de delito, e enviou outro requerimento, este mais
rado, ameaçando o maglistrado de levar o caso à imprensa, num
autêntico escândalo.
O despacho de V. Exc. sendo visto custa a crer, sendo
contado ninguém acredita porque ele terá a explanação que merece
pela imprensa. Vamos ao caso.
O Ilberto passa a desferir talvez seu ataque mais virulento à
autoridade do Juíz de paz, p do a di um por um qui
- deliberados ou não - cometidos pelo magíistrado, ao explicar sua
decisão de não realizar a investigação.
Desgachar. V. Exc., por velhacada [velhacaria] e por
conhecimento particular é caso novo em toda a
legislação antiãa e modemna, por%ue por aquela nenhum
julz pode decidir pela sua consciência ou pelo que sabe
como particular (Ord. Livro 3 nº 66) por esta, para que
o código de processo autorizasse a queixa e denúncia
a todo olendido.
30
Pacientemente ele enumera um por um os regulamentos e
CÓdIQOS desrespeltados pelo ]ulz. e aoaba provando em sua ótica - a
exercer a Justiça.
No fina! mais uma detalhada reoonsu'uçao da Invasão, e:das violências
praticadas pelo inspetor em sua batida daquilo que ele pensava ser
uma casa de angu ou zungú.
Não sab J ol o fim da história. O maço de documentos
termina com mais um requerimento do africano denunolando e
reconstruindo em detalhes a Invasão que fol vítima.
O caso, já longamente reconstruído, da Invasão da casa de
quitandas do africano liberto Adão José da Lapa é talvez o testemunho
mais candente e documentado da perseguição polícial e senhorial às
casas de zunNgd.
Poucas vezes 08 estudiosos modemnos dedicaram âátenção a
esta forma comunitária, elaborada pelos mundos da escravidão, e que
marcou, mesmo de forma discreta e subterrânea, a cultura popular na
cidade do Rio. Apesar das Informações dos viajantes relatarem eetae
casas como simples locais de “refeitório”para aíri
pratos alricanos - e entre eles o principal, o angú - na realidade elas
tinham uma função mais ampla. All se realizavam festas, encontros,
bafuquos como a leolelaçlo repressiva nao delxou de marcar - e
P ldos, seja por breves
ôncias d h Infítad! ee]amíuoaedeilnltlvaeparaoeertão
nglnquo da província fluminense. Esta última caracteríetica é a que
ais destacaremos neste texto.
a a 4 FP F N
Os zungus eram, em síntese, p
da população negra, escrava “ou llvre,africana ou cfloula, no melo
urbano. E também de encontro entre escravos do Interior rural das
senzalas com cativos das áreas urbanas. À função de local de
alimentação era um ponto lmporlante para chamar eecravoe e até
mesmoa repressão." h ZunNgú
ouangú-paraeaoravoseoeusalgozee teremoequevolfarnoeeos
olhos para os dlversos autores que observaram, brevé ou
século XIX. Desde
E om el mtAN mreb, . haa .b ant,
e;erdade - sobre o zungú. Nosso trabalho agora é levantádos
2
CASAS DE ANGU, CASAS DE ZUNGÚ
Os primeiros escritores, preocupados com a cultura escrava
no Rio de Janeiro, foram os viajantes da primeira metade do século
XIX. Em um movimento de redescoberta do Brasil - e muitas vezes de
descoberta - eles desenharam vários ângulos da vida escrava, e que
ainda hoje são extremamente valiosos para os pesquisadores.
Um dos maiores foi Jean Baptiste Debret. Na obra de Debret
não existem passagens sobre os zungús, mas sim sobre seus possíveis
ancestrais, as vendedoras de angú, que se espalhavam pelas praias
da área centra[ da cidade. Às vendedoras eram mulheres negras, que
Ticavam preferencialmente ao ar livre, nas proximidades da Alfândega.
parentemente estas vendedoras depois teriam 3e deslocado para
casas fechadas na cidade, que seriam denominadas casa de anqu. e
posteriormente passariam a ser denominadas popularmente zungus.
Vamos dar a palavra para Debret.
É ainda na classe das negras livres que se encontram
as cozinheiras vendedoras de angú. Para o exercício
dessa indústria suplementar bastam-lhes duas
marmitas de ferro batido colocadas sobre fornos
portáteis; um pedaço de pano de |á ou de algodão, por
cima da tampa de cada marmita, completa o
aparelhamento cullnário, a que se acrescentam duas
grandes colheres de pau de cabo comprido. Conchas
grandes e chatas e cacos de barro fazem as vezes de
pratos para os transeuntes que se lembram de parar, e
uma concha volumosa de marisco serve de colher.
As“marmitas" referidas por Debret eram na realidade grandes
caldeirões de cobre, como podemos ver na gravura. É curioso o fato de
serem negras livres as que se ocupavam em tal oficio. Não deixa de
guardar semelhanças com o dono do pretenso zungú da rua da Guarda
Velha, que analisamos, o preto Adão José da Lapa, que também era
um liberto. Para os libertos era mais fácil se deslocar e assumir.
ropriedades do que para escravos,
como é lógico, e estes exerciam
* DEBRET, Jean Baptisto. Viag & Tomo |, Voltuma | é 11, São Páuio, Livrana Maruns,
4.d. p. 228, "Neg .
32
papel importante nos zungús, como veremos.
Depois de narrar a vasta coleção de ingredientes que podiam
ser introduzidos, e até a variedade de consumldores" Debret se volta
para as vendedoras, e a vasta cllentela de escravos de ganho que as
cercavam. Esta multidão de comensais de certo acompanhariam as
VP
da cidade.
As vendedoras de angú são encontradas nas praças
ou em suas quitandas que também vendem legumes e
frutas. A venda começa de manhã, lá pelas 6 horas e
vai até as dez, oonunuando de melo dia àe duas. horas
Aal
que nao são alimentados por seus eenhoree. Vê-se
também o escravo mais ou menos mal vestido-de uma
família numerosa e pobre levar conaigo numa sopelra
uma porção de 4 vinténs, recoberta por uma folha de
couva ou mamona. Acrescentando a este prato
suculento algumas bananas tem-se no Rio de Janelro
alimento para cinco ou sels peeeoae
O angu foi sem dúvida o elemento oentral que levou a crlaçao
das casas de anaue zungw Por melo da all Ç )
justificativa nmponante para 8e encontrarem, ee eoolallzarem, trocarem
experiências, e, por que não, reab
natal distante. Não deixa de ser digno de menção o fato de que no
tempo que Debret retrata o angú era vendido também em quitandas.
Mas um elemento para entender a pereegulçlo movlda comra AdAO
José da Lapa e sua
servir como zungáú para escravos
” “O sequ,
com éúma coracão,
figado, bole, ingua.
. án ánua, banhade
porco, azelte de dendá. cêr siga fresca. quisbos, o
acido. tôfhas de nebo, p eh eio, saisa, cebola, louro, esiv e é cozi é
E a iguaria, o que
rmummwmmw.w'ím
Ppp. 228-229.
* DEBRET,
op. a p. 229.
te
Outro elemento que poderia passar despercebido é que o
momento em que os escravos urbanos mais se agregam em torno das
negras dos angús é entre o meio dia e as duas horas da tarde. E
exatamente a hora, como afirma Mary C. Karasch, que os homens
brancos, senhores e comerciantes costumam se recolher para a sesta,
por ser o período mais quente do dia.*' Neste momento os escravos
gozavam de maior liberdade, e assim se encontravam com mais
frequência. Exatamente a hora qu dos angús.
Alimento e sociabilidade estavam perfeitamente amculados
Em seguida Debret narra a gravura que retrata as negras
vendedoras de angú e seus clientes. O local é a Praia do Peixe, nas
proximidades do Paço Imperial, na direção do Arsenal de Marinha, ponto
de grande alluxo de negros de ganho, vendedores, carregadores, etc.
O viajante francês escolheu uma hora precoce da manhã para seu
retrato.
São sete horas da manhã, hora propícia às vendedoras
de angú, fornecedoras privilegiadas do vendeiro e do
freqtientador nômade da Praia do Peixe. As duas negras
que aqui se acham acampadas à sombra de seus
chales estendidos sobre varas, servem no momento
os fregueses de maior apetite, os negros da Alfândega.
AÃo descrever a cena ele n30 esquece que uma das negras
que mexlia as
e turbante caracterlstlco Comc:denlemenle 0u nao Adão Jose da
Lapa era de uma região próxima do rio Zaire, no litoral do antigo Reino
do Congo, local de procedência de muitos congos, como já falamos.
Esta é a mals antiga referência ao angúó como elemento de
soclabilidade escrava na cidade do Rio de Janeiro. À partir dal os autores
vão se dividir entre o angú - alimento, casa, quitanda - e o zungu -
moradia, hospedaria, pousada. Somente nos finais do século XIX -
quando a questão da escravidão e da formação de uma nacionalidade
vão de novo enlrar em debale enlre a mtelectuahdade local, como na
era da ind alguma
preocupaçáo com o tema.
Em 1889 o renomado estudioso Beaurepaire-Rohan, em seu
dicionário dos termos populares no Brasil se refere ao angú como
allmento, típlco da culinária popular carioca.
ANGU: Angu de quitandeira. No Rio de Janeiro é o nome
de uma comida que consiste em angu a que se ajunta
qualquer iguaria bem apimentada, temperagºa com
azeite de dendê e muito ao gosto dos gulosos.
* KARASCH, MaryC. Karasch, op. cit Capítulo 3
. Visconde Satador, É 1956 p 28
1º edição
é de 1889
3
le afinal se- debruça sobre
Somerntte no verbete 'zungú'
a moradia coletiva, e Itoda a forte d
que normalmente os Intelectuals da êpoca exiblam quando deltavam
falação sobre o tema.
ZUNGU: Casa dividida em pequenos compartimentos,
que se alugam, mediante paga, não só para dormilda
da genIe de mais balxa mlo como para a prática dbe
m:nnnlrnn
desordeiros e ôbrios de arnboe O6 sexos L.] Em
Pemambuco é no Pará denominam Calol
Estes preconceitos estavam também vieíveis em dols outro
termos relacionados. Primeiro, “Anguzada”, que era uma forma pejorativa
de se referir à reuniões populares como ajuntamentos caóticos,
desconexos, e porisso desprovidos de periculosidade.
ANAUTADA M eA f A
em que se observa n maior oonluono Uma socledade
que se reúne com determinado fim, e se compõe . de
membros de opiniões opostas sem ee poderem
entendes forma uma Angúzada. É a sarrabulha dos
portugueses, no sentido figurado.”
Assim podemos perceber como a lnterpretaçao de
” 1 n 1 tInrnarla
uma leltum lnúeta das moradlas coletivas de eacravos e população
nm em oeral lraduzlndo um claro pessimismo quanto a capacidade
Y rer Y ões. O termo era talvez elmbolo
P a o s uária ta anaí -ª'ªnªwmm'n
emseubo)otodaahtolerwadasdaasoeabadadaaparacomae
formas autônomas de organização
popular.
No verbarte “Quitandeira”, que como vimos era um tipo social
em geral, vemos nov_a'mente os preoono;noa da elite infelectual se
expressarem de forma transparente.
QUITANDEIRA: Mulher sem educação, que usa de
termos e modos grosseiros
" Biien p244
- Bilen,p.23.
* bidem p.XA5.
35
O rival de Beaurepaire-Rohan nas lides intelectuais do tempo
era Antonio Joaquum Macedo Soares Em seu dlcuonáno da língua
f P dicioná ferido Visconde,
Macedo S se refere ao angú alimento, mas com clara alusão
á presença africana, e dlscorre de forma mais prolongada sobre o
Zungr.
ANGU: Angu de negra mina, angu de quitandeira, são
guisados de carurue outras ervas com ou sem carne,
muito apimentados, com ou sem azeite de dendê,
engrogsados com farinha de mandioca, de milho ou
arroz.
ZUNGUÚ: Barulho, falatório, rixa de negros. Treva,
(pg.218) de Coelho Neto. Encontramos este vocabulário
no seguinte trecho: “Melchior carregou o sobrecenho,
fitando o grupo estarrecido das negras e irrompeu de
repente ameaçador, numa vóz trovejante - mandava
passar toda a canalha no relho, não queria 'zungús'
em casa..” Também se usa para desordem, conflito
mais barulhento que grave: Pandiá Calógeras in B.J.S.
Dicionário, p 433/ Casa dlvldlda por laboques habitada
por gente
e juntas à manelra de cortiços”. (Bráz da Cosla Rub«m
In Revista Trimensal do Instituto Geográtlico e
Etnográfico do Brazil, Rio de Janeiro, 1839, e
Vocabulário brazileiro, Rio de Janeiro, 1853) / É o que
em Pernambuco e Pará chamam Calogi / “Existe na
rua Marquês de Pombal nº 34 um zunguú onde se
reunem vagabundos que se entregam a prática de atos
Imorals," In Jormal do Commércio, 'Gazetilha' 07/04/1884
! "Um zungóú composto de pretas e pardas, onde se
recebem pretos livres e se acoltam escravos fugidos,
para cometerem atos reprovados, e reunem-se alta
nolte vagabundos que fazem um alarido infernal" in O
Fluminense, 07/12/18893./“A macumba se rezava lá no
Mangue, no zungú da tia Clata, feitiçeira como não tinha
outra, mãe-de-santo afamada e cantadeira ao violão.”
in Mário de Andrade, Macunaíma, p.88 / “A polícia do
2º distrito do Sacramento tem ultimamente dados
buscas em dliversas casas denominadas zungús, e
nelas encontrado diversos mdlvlduos sem ocupação.”
Jornal do Commércio, 02/05/1882..
-SO—ARESTA'“M'“ " do. Di . o Rio de Janeiro, INL, 1954 (1)
edição 1689)
?' tbidem, Volume |l po.204.
36
c .n. ta A iei, ário e l.AMAnºA-'A-AA.A | Ag
significados dlspares. e pode ser longamente lnterpretado Em pnmelro
lugar, o somatório de “barulho”, ou “rixa de negros" pode ser articulado
com o de moradia semelhante ao cortiço, onde vive “gente réles”. Assim
podemos afimar que a oonoellueção de Maoedo Soares aproxima o
Maoedo Soares e Beaurepalre—Rohan evocam um tempo em
que a Abolição recente da escravidão e o breve retorno da questão
racial com a Guarda Negra - logo esquecida na República - colocam no
debale a questao da formação da naclonelldade. ea dlcotomla de uma
dos, trabalhadores,
ordeiros - contra uma pale de negros e mulatos “degenerados” pela
escravidão, e que não malis serviam para o forjar de uma pátrla nos
moides das grandes nações da Europa.
Macedo também relaclona notícias de jornal que conflrmam a
visão deletóéria da eiite letrada deste tempo contra as práticas ooletivas
da população negra. À unica cltação que não é carregada de
preconceitos é, não por coincidência, de Mário de Andrade, introduzida
em edições posteriores. Reflete o movimento novo da elite Intelectual
do século XX em rever à cultura popular.
Neele mesma epoca em Pemambuco Pereira da Costa
lar local, e o angu, comida dos escravos,
merece um longo verbete.
Mu , Asml P” P
camarão seco, pleedo. quiabos, bredo, semente de
embira, quitoco, azeite de dendê e pimenta, com pelxe
de salga ou seco e servido com uns bolinhos
ados feitos de fubá de arroz, que tem o nome
partiwlarde botão de angu [...] Refeição originariamente
africana, a sua denommaao. consoante é uma vóz de
origem angolense, segundo Martius, e como escreve o
Padre Ettiéne Brasil é um dos Ogés, iguarias ou visctos
sagrados dos afmnos, variedade angáú de farinha de
Mmandioca, de milho, “Fui almoçar
angú de milho e mungunzá no mercado de São José” (
A Pimenta, nº 542, 1907)
ANGU ou ANGUZADA: Confusão, mescia, mistura de
cousas heterogêneas, mexerico, cousa mal feita, mal
arranjada, “Apareceu no jornal um angu com o nome
de discurso”: O barco dos patoteiros, nº 3, 1864.
37
ANGÚZÔ: O mesmo que Angú, e que segundo
Beaurepaire-Rohan é uma espécie de esparregado de
ervas semelhantes ao carurú, que em Pernambuco tem
o nome de angúzô. “Vai-se ao cemitério no dia de
finados por ostentação ou por folia. Se é vedada a
entrada do clássico violão, o peixe frito e a galinha
assada, o angúzô, o figueira, e até a popularíssima
cana...esses tem lá foros de cidade.” (O diabo a quatro,
nº 174, de 1678). “Tudo faz crer que o remelexo será
ricana”
(A província, nº 49, 1916).?
Assim vemos como o angú alimento - misturado, mesclado -
se torna uma metáfora da cultura popular de origem negra-alricana:
heterogênea, confusa, diíspare, com vários significados - como várias
receitas - e que se amolda com qualquer elemento, por mais diferente
que seja. Vemos que na cultura escrava urbana de Recife - com uma
história mais remota que no Rio de Janeiro, já que foi um dos primeiros
pontos na cosla brasllena que recebeu alricanos escravos - tinha o
i e cultural, centro da culinária,
e também da soclabllldade.
Não deixa de estar presente o paradigma da superioridade e
do preconceito, como na acentuação “confusão, mescia, mistura de
coisas...”" Mas estes esterlótipos podem se relacionar à leitura da casa
de angú como local de encontro de gente de origem dispares - nações
alricanas diferentes - ou mesmo crioulos e africanos. Este é uma
característica evidente do angú, e que depois passa para o Zungu. à
capacidade de reunir grupos e pessoas que antes estariam dispersos,
e mesmo em conílito. À “confusão” pode ser lida como união, reunião,
agregação de diferentes, como já vimos na interpretação de
Beaurepalre-Rohan de “anguzada”.
Também é relevante a orlgem angolana determinada pelo
viajante Martius, um dos i imeira metade
do século XIX. Mas o deslaque de Perelra da Costa é a menção ao
misterioso calogi, que como vl Roh ia a versão
pemambucana e paraense do zungú da cultura afro-carioca. O termo
evoca dialetos da África Ocidental, como o yorúba, e não a clara raiz
bantu da palavra no Rio de Janeiro.
7 COSTA, F. A. Peroka da. Imprensa oficial, Recife, 1937. p.33
imunda,
CALUGI: Espelunca ou casa ordinária, lúgubre,
acoita gente da
situada em lugares escuros, e onde se
reunião ou
mais baixa condição, ou serve de ponto de
“O
parada de desordelros, vagabundos e gatunos.
vôz
maroto morava em um Calug! na rua do Fogo": (A
do Brasil, nº 34, 1848) "“Um calug! onde existe uma súcla
dos
de borracheiros, larápios e vadios”: (O barco
os de
patoteiros, nº 24, 1864) “Os generosos proprietári
seus
calugis visitam diariamente ou semanalmente os
que
inquilinos”: (América ilustrada, nº 46, 1880). Calugl,
à
nos parece termo de origem africana, deu o nome
dois antigos engenhos situados no município de Brejo
da Madre de Deus e de Goiana, mas tratando deste
último Altredo de Carvalho na sua monografla O tupl
e
na chorografia o dá como originário daquela lingua
comupteia de Carú-g-y: rio de comida ou alimento.”*
Assim os significados dos dois termos são convergentes. À
comunidades escrava e negra de Recife e Rlo forjaram Institulçõe
semethantes na luta contra o desenralzamento dellberado no procest
da escravização, e este (enômeno se espalhou por toda a vida urbar
do século XIX no Brasil, como podemos ver em relação ao Pará, onc
o termo calogi também existe. Mas curiosamente está ausente e
Pereira da Costa a palavra Zungú, o que reforça a Idéia de que este
uma instituição social! puramente afro-carioca.
Outro estudioso renomado do calão popular, Rodolfo Garcl!
também interessando na gíria popular em Pernambuco desceu
malores detalhes quando voltou ao termo angú, elaborando até un
ANGU DE CAROÇO: Cousa complicada e confusa; o
que dá ltad trári. q pera. Etimologia:
porque o angú quando encaroçado é de difícil e
desagradável degiuti
ANGUSOÔ: Alimento feito de ervas, que se come com
angu. Etimologia: (Macedo Soares) Angu + Z eufônico
+ Ô desinência que reporta a vóz de FB (jongbê) e ao
iorubá e outros idiomas da Costa dos escravos....
” bidem.p.
15A
CALOGI [repetçoas alirmações de Beaurepaire-Rohan)
casa dividida...
Vemos como Garcia coloca outra raiz Iinguística para angu.
P í mÁAA
L E
f a e mi
mmmea pois em cada sociedade escravista
urbana diferente do Brasul uma raíz étnica se destaca.
No início do século XX o cronista Raul Pederneiras, em seu
vocabulário do falar popular no Rio de Janeiro teceu pequenas
considerações sobre a casa de angú ou zungú, neste tempo já em
acelerado processo de extinção.
ANGU: Confusão. Escandalo. Conílito. Andgu de negra
mina, qç caroço, de frigideira: trapalhada, reboliço,
alarido.
ZÚNGA ou ZUNGÚ: Confusão, barulho, conventilho.
Hospedaria reles.
Na virada do século XIX para o XX surgia o termo “zunga”
que era uma casa de cômodos de condição ainda mais baixa do que o
tradiclonal cortiço. João do Rio, em seus célebres passeios noturnos
na cldade acompanhou um subdelegado de polícia em sua ronda em
busca dos “zungas” e chegou a adentrar um, horrorizado com as
péssimas condições.*
Morals e Silva, em seu diclonário do idioma português do
século XVIIl, em sua primeira edição não menciona nem angu nem
Zungu, mas as edições posteriores Incorporaram o termo com outros
signlficados.
ZUNGA: Mulher de má vida: “Passam os dias nas
batotas reles e as noites rondando as zungas,
percorrendo os alcojeitos, ameaçando mulheres Para
extorquir-lhes dinheiro” Coelho Neto, Turbilhão,p. 59.
Vemos com o termo podia se associar com mulheres, mesmo
carregado dos preconceltos da casta intelectual do virada do século.
* GARCIA, Rodolio, s.0. s5.0e. p.67.
edição, u'ouuodo a1922).p 8.a ir a Rio de Janeiro,
F. Briguiat,
1946,2º
..pvooo RIO, (pseudênimo de João Paulo Barreto)À e
Municipal
de Cultura, 1987, (cmemuc.u' 4)llmwumkh Janeiro, Secrestria
* SILVA, Antonio de Morais o. Grande dicionário da tngua portuguesa jJanei in um
10' edição(1º edição l813) p.904, volume XI. Rio de h .1
40
determinante da mulher nas
Posteriormente vamos comprovar o pape!
e administradoras,
casas de angu e zungús, não apenas Ccomo chefes
mas também como usuárias e clientes.
Mesmo em Portugal parece que o termo zungú teve rellexos.
7ãnn2
H HH P sa "
H .
” =
Lu =
L a”
Quando
possa ser descrita como “Passear ao acaso, vaguear."?**
C'
escravos que
lembramos que a casa de angu era frequentada por
àqueles que
circulavam pela cidade, e assim estava ligada claramente
após horas de
vagueavam pela cidade, multas vezes em descanso
trabalho árduo.
Antenor Nascentes, já em pleno século XX deu uma outra
a língua
interpretação etimológica, relacionando o termo zungú com
a fronteira
quimbundo falada ao norte do planalto central de Angola até
de Luanda.
com o Congo, e que é a lingua predominante dos hablitantes
Vamos depois nos debruçar com as linguas africanas.
ZUNGA: Hospedaria de Ínfima classe, onde dormem
gatunos. Alteração; ZUNGU: casa dividida em muitos
cômodos, hospedaria réles, baile de gente ordinária
(g.n.) Do quimbundo NZUNGU: buraco, cova, ªno. toca
(Cordeiro da Mata e Perelra do Nascimento).
Ela antes colocava uma nova Interpretação - se bem que
aproximada - para “Angú” que vem se somar com os diversos
significados articuláveis já vistos, e que se relacionam sem dúvida com
a repressão desencadeada no século XIX.
ANGU: Porção de coisas falsas ou objetos sem valor.
A palavra é empregada na linguagem familiar como
sinônimo de mistura confusa (ladrão).
Manuel Viotti, em outro vocabulário da gíria, deu uma
interpretação curiosa para angu, ligando com a religiosidade indígena,
e relacionou uma grande quantidade de termos deríivados, que podem
ser comparados com as definições anteriormente colocadas.
ANGU: Palavra originada do tupi, ang, a alma, o espírito,
a sombra; o diabo, donde angu: comida do diabo; 2º
(gíria de gatunos): coisas falsas; 3º angu de caroço:
miçelânia de coisas dispares, desordenadas; Também
coisa confusa, incompreensível, barulho, intrígas, etc.
* BEÇA, Aberto,
Laboa. Carvalho, 1801.
* NASCENTES,
Antencr. A gíria brasileira, Uvreria. Acadêmica,
Fóo de Janéiro, 1959.
» fiien. pS.
41
ANGURREAR: Aborrecer, enfadar
ANGURRIENTO: faminto, esfaimado
ANGUZADA: Mistura de angú e carne de peixe
ANGUZEIRO: Comilão esfomeado, também angueiro
ANGUZÔ: angú de fubá para se comer com verduras.
Na Amazônia o vocábulo citado é carylca de milho
verde, ralado, não passado na peneira.
Mas Viotti não esqueceu os significados de Zungu no
vocabulário popular, os quais muitos deles eram relacionados com
aqueles levantados por outros dicionaristas muitos anos antes, e que
também era compartilhados dos valores da elite dominante no final do
século XIX.
ZUNGA: (gíria de gatunos) “Ilsso mesmo, acertou, deu
no vinte"; também zuncho; 2º albergue Infimo; 3º alcouce
ou mulher de má vida; 4º albergue de ratoneiros; 9º
recruta que ainda não entrou em fogo.
ZUNGU: Albergue Ínfimo; também zunga, refúgio da
raló; 2º alcouce; 3º barulho, conífusão, dosordem briga
de negros [g.n.]); 4º baile réles de gente infima.”
Alinda na segunda metade do século XX os signilicados da
repressão desencadeada ao longo do século XIX faziam sentir seus
eleltos Poucas vezes os Ilteratos e blbllólllos pararam para pensar no
as mariores
arbllrarledades e violências desencadeadas sobre a população negra,
escrava ou livre. Com toda repressão, a casa de angu ou Zungu não
deixou de marcar sua presença por todo o século passado.
Mesmo no remoto sertão o termo angú guardou sentidos
semelhantes com aqueles reglstrados na cidade, como registrou o
estudioso do dlaleto caipira do Interior de São Paulo Amadeu Amaral.
ANGU: Negócio desordenado, teia de intrigas e
mexerlco, coisa confusa e ininteligível [...] negócio
complicado, questão inextricável.
* VIOTTI, Monuel. Rio de 'auito, Livrara Tupà, 3º edição. 1957 p.41.
” ibidfom, p.467.
42
Vamos agora atravessar o Atlântico. Compilando os diferentes
significados do termo zungú nas llnguas africanas dnlerenles que
aportaram no Brasil junto com os cati
COomo oOs escravos aíricanos reordenaram slgmllcados dlterenles em
E enama 7
UPTUSSIVA. É U P
falar de culturas ancestrais perdidas nolempo
Nos dicionários africanos o termo “angu” tem poucas
traduções, ao contrário do termo “zungtf, este vastamente compliado.
O dicionário de Assis Junior sobre a língua dos quimbundos* nada
registra de angu, mas uma palavra aparentada com zunguú tem
significações interessantes: Nzo: (abreviatura de Inzo) editício, morada,
casa.
Se adicionarmos o termo “Nzo” com o termo “Angu” temos
"Nzo à Angqu”: casa de angu. Possivelmente esta é a linha etimológica
que !iga as casas de angu com o zungu. Parece que a mesma Instiluição
social sofreu diversas mutações em sua denominação, num processo
que denominamos de africanização. Mas outras palavras semelhantes
na lnha do " zungu” também aparecem na obra de Assis Junlor:
NGUÁ: não admitem, não aceitam, não consentem,
recusa
NZUNGU: triste, ermo, desolado, desabitado,
despovoado, [substantivo] estado de quem se acha só
[advérbio] ao abandono.
NZÚNGU: Ventosa, pequeno chifre, que se aplica em
lugar golpeado para extração de sangue ou outra
matéria nociva à saúde
NIZUNGA: [sunstantivo] rua, via pública; ambulante;
artigo de venda ambulante;
Nas línguas africanas de ralz bantu é comum uma única
palavra ter grand iedade d dos, dentro de uma mesma
Íngua, e mais ainda em línguas dlferentes Isso tudo só reforça a idéia
"” ASSISJA., A. DE. Dicioná P ás, Luanda, s.d. p.5
43
de uma origem comum para grande quantidade de línguas
africanas.Como já vimos em outros dicionários de línguas africanas,
como Nbundu ou Ngolense e quimbundo o termo nzungútem significado
símiles, como cova, buraco, toca.*
O dicionário do missionário Silva Maia não cita nenhum termo
muito próximo, a não ser nzo para casa.*º Mas quando observamos a
obra de Karl Laman sobre kikongo*? vemos diversos significados
familiares.
NZO; casa
NZO ANGUDI: casa patriarcal
NZO ANKISI: mansão dos deuses; tumba
NZUNGU- caldeirão, panela, marmita, cassarola.
NZUNGU: limite.
Mas é na !íngua cokwe que a palavra zungu tem maior
variedade de signiflcados. Mas nela o termo angú também aparece, e
não podemos deixar de notar que o amarelo é a cor característica do
alimento angú, e assim é possível que haja uma relação mais protunda.
ANGU: pássaro amarelo; usado apenas como
interjeição. Esçrlme aborrecimento, enfado, cansaço.
esgotamento.
ZUNGE: um tlpo de árvore,.
ZUNGO: barulho, bulha, baralfunda. Frequentemente
usado como interjeição para Iimpor silêncio. (p.e.
TWÁNUKE ZUNGO: as crianças estão fazendo
barulho.)
ZUNGO(2) ou ZUNGO:rumor [barulho] de muitas vozes
(9g.n.] tumulto, barafunda.
ZUNGU: A limpadura do cereal (que se extrai no
almotariz, usualmente no plura!)
* MATTA, Conteiro da Dicionário da Ou ngolenta, Luanda, 1864. NL'.CIHENTO Pereirado. Disonário
«quimbundo, Hulla, 1903, v.co.mgoooso.ENEs Roberl “Makngo n'ga ta
no Orast” 2. Dar/JarvFev. 1991-1992, pp. 48-67.
* MAIA, ANntoriod 7 S
Angoia). Alqulilocoso
dn Luanda, vúçlodow á
* LAMAN, K.E. . Bruxeias, 1936.
» BARBOSA, Adriano. h u d i P 1989. p.18.
ZUNGU: espécie de pequena cabaça que se come
cozida ou assada.
ZÚNGU: cria quase adulta de pequenos antílopes
(designa uma fase mais desenvolvida do crescimento
do ngunda)
ZUNGWILO: lugar onde se descascam certos cereais
(no almofariz). *
Os povos de lingua tcholawe ou colowe hablitam o nordeste de
Angota, na região da Lunda, e regiões limítrofes. São possuldores de
uma rica arte mágico-religioaa*“*
Mesmo em regiões distantes de Angola, como Moçambique,
encontramos o lenno zungu, como entre os Cinjaya, oujo sentido de
"passear” se ap do século XIX.** Com certeza
a palvra Zungú perpassa alnda um longo arco de significados nas mais
diversas linguas africanas de raiz bantu. Vamos agora tentar localizar
estas pistas na bibliografia sobre escravidão urbana no Rio de Janeiro.
* Bidem p.75Ee.
S Escuia
ee Diciondt
J1.U. Missionk J. 1963,
p 291.
3
NO CATIVEIRO URBANO
Um dos estudos pioneiros de escravidão urbana no Rio de
Janeiro - e talvez o mais importante - é o trabalho
da professora Mary
C. Karasch. Defendida como tese de Phd. em 1972
e publicada em
1967, ela ainda é a bíblia dos estudiosos de escravidão
urbana no Rio
de Janeiro do século XIX. Mas Mary Karasch não fala
nas casas de
angu, mas sl g limento.“* Mesmo assim é ainda o melhor
trabalho sobre condições de vida de escravos no Rio
de Janeiro do
século XIX.
Na década de 1980a dissertação d Strado de Leila Mezan
Algranti também não toca na questão dos ZUNgÚs, mas menciona as
casas de quilombo, que surgiram principalmente nos inícios do século
XIX, e que gradualmente desaparecem, e as casas de feitiçaria, ou
calundus. Sobre essas casas, que possivelmente tem relação com os
zungús, Lella (ala longamente.
A e tb " Alaçi idnA
em constante alerta, procurando descobrir casas de
couto de escravos, reuniões suspeitas e ajuntamentos
llegals. Uma de suas grandes preocupações eram as
casas de feltiço frequentadas pelos negros - escravos
Ou livres. Essa atenção especia! talvez se explique
devido ao temor que a população livre sentia dos
poderes e Influências q feltiçeiros iam sobre
a camada escrava, além do perigo da divulgação do
uso de drogas e venenos, que tanto ameaçaram os
senhores durante todo o período da escravidão. Num
ofício de 1-9-1814 o Intendente ordenava ao juíz do
crime do bairro de São Josê que providenciasse busca
fubá c . d do d " o
Um outro muão
L do À tomstas
Pimantão, 6 sal ição de algum óleo d a n d em
tostada servida (ri Qetais, ovos
€ cames p inheiros
tá Ri d E OiA). que
ora o é ainda (oita de polxe. frutas do mas, « A d Óieo de dendá, pumertas lortes.
é tomates *
KARACH, Mary C. Siave Life in Rio da Janeiro, Princeton, Princeton, Universãy Press, 1987, p.231.
ão d seral f vistas na casa
do preto mlna Valente José por ocaslao de sua prlsao
embustes para extorqulr dlnhelro às pessoas rústicas”.
De Irajá foi remetida no início de 1819 uma preta forra
por ter casa de calundus; “onde se fazlam várias
supertições com aluntamgnto de muitas pessoas e
couto a escravos fugidos.”
Possivelmente estas práticas, mostradas por Lella, também
aconteciam nos zungús, mas provavelmente de lorma mals dlscreta,
para ocultar da represalo
de casas de angu ou casas de zungú, mas sim |1 de casas de qullombo,
Cujos dados estudaremos com maior vagar na segundo parte.
Quem realmente entocou diretamente o assunto foi.Luís Carlos
Soares, em sua tese sobre escravidão urbana por todo o 6éculo XIX.
Em primeiro igar “casas de zungú” e batuque eram
proibidas. Zungu era um tipo de aloJamento ou
residência te porárla ond multoa escravos vIvlam e
para rande número deles. Muitas dessas casa
ofer comidas e bebidas para os escravos, que
tinhamal o privilágio de reunirem-se para se divertirem
com cantoriasg e danças ou, em menos profanas
Ocasiões em-se aos seus cultos religiosos em
seus candombléa Batuques. músicas negras e
modar a vizinhança” eram
nonnalmente pfolbldas em Casas e em fazendas”, Isto
é, em residências senhorials. Ajuntamento de escravos
"com música, danças e tumultos” eram também
ng:damente prolbldos em praças publlqçs.
palmente em “casa de bebidas ou tabern
Luís Carios Soares foi o estudioso
de escravidão que forneceu
a definição mais profunda e clara do zungú. Ele apenas confundiu
quando falou em candomblé, pois a religiosidade africana no Rio do
s?oulo XIX - principalmente na 1º metade - era muito mais complexa.
e alimentação sem dúvida atralam grande número de negros, escravos
ou livres.
o que está por trás da bguslaçlo senhorial. Mas sua defínição serve
como um norte inicial para podermos entrar na documemaçâo de época.
Pouco dªls ele menciona as casas da angú, talvez não percebendo
“ALGRANTL Leis 808-1822. Petrópois,
Ed. Vares, lm 147
ªºl:ã.uhc-— po.ie d daneiro, London, University Coltege, (tese de
47
que se tratava da mesma instituição social, com duas denominações
diferentes.
Pela maior parte, entretanto, as investigações da polícia se
dirigiam, particularmente na primeira metade do século, em direção aos
angus, que eram consnderados sistematicamente como refúgio de
escravo Oovis d vagabundos, e receptadores de objetos
roubados. Os angus estavam espalhados pela cidade e serviam como,
locais de encontro para escravos e ex-escravos, onde eles podiam
provar comidas étnicas e a muito apreciada aguardente servida pelos
proprietários, que eram eles mesmo escravos ou livres. Muitos dos
proprietários permitiam a Irequencua de escravos que eram amigos ou
Ifregueses, que tinham fugidod para se refugiar
no angú, misturando-se com outros escravos e ex-escravos que de
forma nenhuma víviam permanentemente ali.
Em 1629 e 1830 a polícia do Rio montou uma intensa
ha contra os angus em uma tentativa de impedir
que escravos lugldos vagabundos e desertores
gravitassem em torno deles. Em uma incursão polícial
em 1829 em um angu na rua do AÁreal [Ireguesia de
Santana N.T.]) um grande número de escravos minas
foi encontrado ali vivendo, alguns dos quais eram
fugidos, junto com “animais, mobiília, canastras, e muitos
outros objetos”, alguns dos quais pertenciam aos negros
e outro, de acordo com a polícia, eram “fruto de roubo”.
No mesmo ano a polícia repetiu à operação contra os
angús na Rua da Vala e no Beco do Cotovelo. Ali
também foram encontrados grande número de escravos
que foram entregues aos seus senhores após serem
severamente punidos no Calabouço. No ano seguinte
fol felito uma Incursão a um angú na Rua do Lavradio
dirlgido por um escravo chamadg Henrique que, como
Já mencionamos no capítulo V , foi denunciado por
seus vizinhos por ajudar e instigar fugitivos. Haviam três
fugltivos vivendo na casa de Henrique mas a polícia só
teve sucesso em capturar dois deles junto com o
proprietário da casa.
a uma “pura”
lemWMpmnvuswmwumwhanwW.quwmummn'.w
domáat. á A Sentel L
jop Á
0 ladrão” da outros escravos. toi p + ddc A
dicin tambá A
quei i lu.” ibidem,
p. 194.
* ibidam, p.348.
48
A história de Henrique se assemelha demais com a de Adão
liberto.
José da Lapa, talvez destoando só pelo fato de que Adão era um
Mas tanto um como outro eram à prova cabal dos complexos
coletivas,
agenciamentos de escravos e negros livres nas moradias
muito antes da ascensão dos cortiços no Rio de Janeiro,
As similitudes entre os zungús e os angús eram gritantes.
Quando analisarmos a distribuição dos zungús e angús na cidade
poderemos constatar se havia algum sentido. Mas a característica
esc s,
marcante de ambos era, para Soares, o impacto
e até o estímulo a estas lfugas.
A polícia bém d stante at ção ã p as casas
de alojamentos e as habitações coletivas (zungús e
cortiços) que proviam abrigo para muitos escravos e
ex-escravos Nelas fugitivos podiam também
certamente encontrar refúgio e apolo da parte de multos
de seus habitantes. Implicito entre os8 motivos que
levaram a Câmara Munlcipal à proibir os zungús na
dêcada de 1830 era o estimulo dado aos fugltivos pelos
habitantes destas moradias temporárias. À mesma
razão foi explicitamente colocada pelo chefe de polícia
Agostinho Luíz da Gama quando ele tentou convencer
a Câmara Municipal a reeditar a proibição dos escravos
alugarem ou sublocarem quartos, particularmente nos
cortiços, em 1860 como mencionado no capítulo
anterior.
Assim para Soares o8 zungús eram um ponto de encontro
entre libertos, livres e escravos, ondes estes encontravam solidariedade.
Mas também eram locais importantes de sobrevivência cultural e
principalmente religiosa, pois ali se reproduziam com malor segurança
as práticas coletivas religiosas vinda da África, transtormadas pela
escravidão mas ainda repositórios vivos de memórias étnicas.
Estes rituais com o tempo foram transferidos para o interior
dos zungús, que eram, de acordo com Soares, menos conhecidos pelas
forças da repressão.
A despeito de sua proibição batuques, obrigações e
dombié Â istir clandestinamente. Os
africanos escravos e seus descendentes óbviamente
tinham de ter mais cuidado em preservar suas tradições
culturais e religiosas, transferindo os candomblés para
os menos notórios zungús, para as florestas em tomo
da cidade ou para qualquer outro sítio onde eles
pudessem celebrar suas crenças religiosas sem a
perseguição das autoridades. *
Assim, para Soares, enquanto os angús eram refúgios de
caráter mais profano, tendo como principal característica a cobertura
das fugas de escravos, e a função de abnr uma atmdade económuca
rentável para lorros,ao ser
os Zungus cumpriam um papel |religioso mais ª'“,':"', setomando
centros de religião. Não concordamos com esta separação, mas
falaremos disto com à documentação coeva sobre o assunto.
Para Soares o angú era maus um negócuo do que um espaço
de reabastecimento cultural, e ent arbitrária.
Haviam alguns senhores de escravos que permitiam
que alguns de seus escravos tivassem seus próprios
pequenos negócios, seu angú ou sua lenda, na
expectallva de receber um maior pagamento mensal
ou semana
Outra prática escrava estimulada pelos Zungus, na visão de
Soares, eram as saídas noturnas, aceitas pelos, mesmo proibidas pelo
toque de recolher das 10 horas, a partir do qual era proibido andar
escravos nas ruas sem bilhete do senhor, sob pena de prisão e multa
para o proprietário. Chegou a ser instituído um toque de sino, que duraria
mela-hora, para que ninguém pudesse alegar desconhecimento da lei.
O famoso “toque do Aragão”", assim denominado pelo intendente de
polícia que o instituiu, não acabou com as saídas noturnas sem licença
de escravos, que eram presos no Jargão pollclal por estarem “fora de
horas”.Ap estas práticas
"subverslvas"
Como a proibição de escravos viverem fora das casas
de seus senhores, esta [de proibir saídas noturnas de
” ibidem, p.312.
* tbidem, p.316.
escravos) falhou na prática porque, como já foi
mencionado no capítulo Ill, para multos senhores de
escravos era de todo impossível manter todos os seus
escravos dentro do confinamento de suas próprias
casas. Por esta razão eles davam permissão para
7 P . e ê " 7 FA |
[À P Vo UU VIVIGNTE
sob o regime de ganho, para alugar quartos em várias
casas de pouso e zungus espalhados pela cidade ou
ainda nos cortiços que prolifereram após a década de
1650. Em muitos casos os senhores de escravos não
desejavam ser responsabilizados pela hospedagem de
seus escravos e simplesmente obrigavam eles a
arranjar um lugar para viver. Aqueles que eram
incapazes de ganhar o bastante para alugar um
pequeno quarto, tinham de dormir a céu aberto,
dormindo em becos ou em torno de praças ou na
floresta.
Assim o zungu, para Soares, era Íruto também da aceiltação
senhoria! no meio urbano de certas liberdades Inerentes a escravidão
local. E lógico, trazia algum lucro para o senhor se vêr livre das
obrigações inerentes ao sustento. Mas acreditamos que O zunguú se
institucionalizou no século XIX mais por pressão escrava do que
propriamente por interesse dos senhores, e estes, no movimento típico
da escravidão nas cidades, tiveram de aceltar esta malor margem de
autonomia dos seus cativos.
Assim, a tese de Luís Carlos Soares é de longe o trabalho da
historiografia recente que mals espaço dedicou aos angús e zungus.
Mas, como um trabalho abrangente, cobrindo todo o século XIX, pouca
atenção pode dar a uma instituição que acreditamos muito importante
para a reprodução da cultura escrava na cidade do Rio de Janeiro.
Posteriormente outros autores se debruçaram sobre o tema,
como o advogado Alaôr Eduardo Scisínio em seu dicionário de termos
da escravidão.º* O verbete angú é apenas o alimento do escravo””
mas o zungú merece uma tenção maior.
“ZUNGU 'São os míseros escravos da senzala, dos
zungus e cafundós...festejando o São João, dançando
peixe. 92 a L o
F 0 peixo, O CAruru, ángombô, eic. é
bravãos À á edo; lambra porém que na ilha do
f_'ªTm.nooolouGu'ú.annmmnMM."MUZO. Espécie do
á p 2.
” Balem. p.315.
* SCISINIO, Alaér Eduardo. o Adião. Rio de Janexo. iano Eddorial, 1997.
o cateretê (Martins Fontes, A Dança, p.90). Conflito sem
gravidade, bagunça, confusão, desordem, como está
no Dicionário do Aurélio. Em ocasiões especiais os
“candomblés” eram permitidos em algumas fazendas.
Eles seriam mais frequent idos nas cidades
e vilas. Há pouca inf ção sob primeiros tempos
das religiões afro-gaúchas. À documentação sugere que
os senhores não distinguiam muito bem as festas
negras dos ritos religiosos de origem africana. Em
muitas cidades do Rio Grande do Sul os “candomblés”,
“batuques”, “danças de negros”, “casas denominadas
zungos" e “reuniões de escravos com tambores e
cantorias” foram terminantemente proibidos. (Apud
Mário Maestre, Escravo gaúcho, p.46).”
Como vemos a definição de Scísinio se aproxima bastante
daquela de Luís Carlos Soares quando ele se refere ao “candomblé”
como a principal religião dos escravos, o que evidentemente
discordamos. As definições do Aurélio Buarque de Holanda são talvez
das mais atualizadas, mas pouco contribuem para a discussão
histórica.?º Também vemos como Scisínio desloca a problemática para
o meio rural - onde tanto o zungú como o angu eram desconhecidos - e
dedica particular atenção ao Rio Grande do Sul, ao invés do Rio de
Janeiro. Esta possível dispersão geográfica do zungu será discutida
com mais vagar no segundo retatório.
Os diversos signlficados que vemos aqui dos termos em
questão podem ser articulados com algum conhecimento da cuitura
construída pelos escravos na cidade do Rio de Janeiro no sêéculo XIX.
Os dicionários Informam principalmente do olhar da elite
que
intelectual, que é influenciada pelas visões de outros grupos. mas
define o espaço ocupado por determinada inslituição social no seio da
aos
cultura letrada formal. Esta intelectualidade está muito mais ligada
o
valores e interesses do grupo dominante do Estado - que controla
aparato polícial - do que aos interesses das camadas subalternas ou
oprimidas.
Assim, as leituras do angú ou do zungú com desordem,
d. a al A
anarquia, confusão, refletem os p g ica e política
——
"ioafom, p.331.
i a bao fusão. desord.
»” à
do Aurékio. Rwo de Janeiro, Nova Frontexa. 1966.
HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionánio
s2
no Rio de Janeiro, às voltas com os ditlemas da ordem social em uma
sociedade urbana escravista. Estas concepções então importam em
intervenções políticas, longe de Iinocentes Informações blibliófilas. E
justificam, por outro tado, a política repressiva contra as formas
comunitárias populares no século passado, que vão culminar com a
guerra contra os cortiços já na virada do século, e princlipalmente na
administração do prefeito Pereira Passos, Já nos primórdios do século
atual.
Mas outro ponto importante que a Informação etimológica
fomece é quanto à origem dos termos. Como o termo angu como
alimento é muito anterior ao seu uso como moradia, flca claro que a
casa de angu originalmente gravitava em torno do alimento angu,
preterido dos escravos urbanos. Iniclalmente, como vimos, era
encontrado somente ao ar livre - tal como está nas gravuras de Debret
- mas depois vemos a6 casas onde ele podia eser saboreado ou
comprado. Assim, casa de angu pode ser um termo cunhado pelos
brancos, sejam policiais ou moradores, como a casa onde se encontra
o anqu.
Mas a raíz etimológica de 16 te africana, e tudo
indica derivada daquele termo Inlclal formando uma equação
etimológica mutante no tempo: angu = Casa de angu, NZO = CABA ; NZO
+ ANQU = NZO angu = Zungú. Assim pilcar co
instituição tenha divereae denomlnaçõee
Tudo indica um processo cde africanização de um termo que
já era em parte african angu seja. É possível
que o aumento da entrada de africanos na oldade da década de 1830
em diante mesmo drante da prolblçao lormal do tráfico - possa ter
exemplo de como
um lermo íonado pela experlenola alricana podla ser plenamente
nal não
é uma coisa rara. eomo são as senzalae no melo rural.
Seria o zungá uma senzala urbana? Não acreditamos, por
um snrnples fator: a senzala é parte do eomplexo produllvo forjado pelo
cl ldná 1
senhorial, mesmo sua denommaçao tendo sido apropnada pelos
africanos.?º O
e proibido, e for persegurdo durante todo o período esoraWSta Era um
esnarr pois os africanos ficavam
« .p ISÍSO.
o0. ck 9.297.
53
ali certo tempo agenciando negócios, ou fugindo de perseguições.
Mesmo assim aparentemente gozava de certa legitimidade entre a
população branca, pois tudo indica que alguns senhores faziam de cego
para a presença de seus cativos nestas casas, e como mostrou Luís
Carlos Soares, alguns cativos até ganhavam dinheiro com isso.
Esta certa complacência senhorial não se repetia ao níve! da
ordem polícial e do Estado. Estes moveram perseguição sem trégua,
mas a persistência do fenômeno até as vêsperas da Lei Áurea mostrou
que muitos tiveram êxito em escapar do olhar vigilante da ordem policial.
Pode ser que, ao nível dos agentes mais diretos do poder do estado -
soldados de polícia e funcionários subalternos - houvesse certa
conivência, como é comum entre a marginalidade e os agentes de
polícia, pois as campanhas eram transitórias, e o zungú era permanente.
Mais por enquanto é esta informação. Vamos agora levantar, a partir
dos arquivos de polícia do século XIX, as idas e vindas do braço
repressor contra os zungus e sua misteriosa clientela.
4
NA CAÇADA AOS ZUNGUÚS.
Os tambores ressoaram por toda a noite. Os moradores e as
“boas famílias” da freguesia do Engenho Velho - onde hoje é a Zona
Norte do Rio de Janeiro, conada pelos tnlhos da Estrada de Ferro Central
do Brasil - estavam m s batuques, que cortavam
a noite silenciosa de uma região alnda bucólica da Corte Imperial. Os
rumores que vinham da casa de onde ecoavam os atabaques davam
idéia de uma grande aglomeração de gente.
Quando a polícia invadiu, veio a primeira surpresa: Quarenta
e duas pessoas, entre livres e escravos, se atulhavam no interior da
casa. AÀ grande maioria eram mulheres, em número de trinta, para
apenas doze homens. Foram todos retirados e Ievados para àas
subdelegacias mais próximas, para “averiguações”
Para a Casa de Detenção, situada no Catumbi, apenas alguns
foram levadas: Martinho de nação Mina, oflício de cavouqueiro, de cerca
de 40 anos, casado, e residente na distante Ilha Grande.º O grande
chapéu de sol que carregava talvez fosse para suportar a tadiga da
longa viagem de sua casa até os arrabaldes da Corte; A também
africana da Costa da Mina Joana Maria da Conceição, 50 anos.
lavadeira, também casada, moradora no Andaral Grande, na vzinha e
vasta fIreguesia do Engenho Novo. Seu turbante de pano branco
possiveimente estivesse relaclonado com a ritualistica religiosa em que
estavam envolvidos antes de serem interrompidos pela
polícia;º Constança Maria da Concelção, igualmente africana., mas vinda
de Moçamblique, na costa orlental do continente. Com seus 25 anos
Constança com certeza velo para o Império brasileiro nas últimas levas
do tráflco clandestino de cativos africanos, que encontrou seu epilogo
em 1850. E morava no centro urbano da Corte, mas precisamente na
rua das Violas, Ireguesia de Santa Rita. Foi solta no mesmo dia em que
entrou .na Detenção, tal como Martinho Mina. Era lavadeira, como
Joana.*
Jólua M o C
Maria da Conceição, Maria Joana, Maria Josna, Mán do Donfim. Mena Mena. Joana Mans da Gión Vimnqgunua Muna de
Atzevedo. Carolina Maria da Quia, D Lrorokina Araônia Sofu Vana da C. mhn
M ds Artórua |
Luiz, menos, Maria Antônis., MU C o
Silva, Cetlp Afomo Gontaga, Jout N PaulinsM.
k
José Vaiquet, Francisoco.de José da Cona, Feliciana, de Jost
de Almexta. Ignez, de F. de Amaranee, Eumu.uk “un Ik-m:u:.
r).lvau do Majos Fróes, . Teresa, de Manoel de UM, Josc(a, de Jacintode tal
cm casta de rungi
e dar fonuna ” Jornal da Camenércio, 28/07/18668. “Garenlha”
“ Detençãoda Contc [dor 3936 F 27:07/1568. Arquivo
Iºiblico Estadual do Rlo de Janciro. [Doravante APERJ|.
“ LMCDC, Nº3956. E.901. APERJ.
* Ibidem, E902, APERIJ.
56
José Nunes da Cunha era o único brasileiro deste grupo que
teve seus dados pessoais recolhidos pelo escrivão da Detenção. Era
um pardo morador na distante Jacarepaguá, e aparentemente não tinha
profissão definida, pois era um simples “trabalhador”. % Como os
africanos, ele ignorava o nome de seus pais. Todos estes foram levados
para a Detenção pelo pedestre José Dias Moreira.
Mas entre os escravos - eram 12 no total - um deles pelo
menos tinha um senhor ilustre: Antônio pertencia ao Barão de Mauá, e
foi o último registrado no boletim da polícia. Todos foram fichados como
tendo sido presos por se encontrarem “em batuque e dar fortuna”, que
era à forma como o jargão policial do tempo se referia às prisões em
centros religiosos, geralmente de extração afro-brasileira.
Pouca informação permanece nos jornais. Mas o dado mais
importante para nós, e que fica claro nas fichas da Casa de Detenção é
que os zungus da Corte, por volta da metade do sóculo, atrafam
indivíduos de toda a província do Rio de Janeiro. E os limites da cidade,
longe do burburinho e da vigilância policial mais intensa - e próximos
das rotas para o interlor - eram, neste momento, os localis prediletos
para as casas de batuque e dar fortuna.
Mas como a tradição dos zungus aparece nas fontes policiais
pela primeira vez? Nos primórdios da Ínstituição de polícia na cidade,
quando a família real portuguesa aqui se encontrava resldindo, nos
albores do século passado, a incipiente documentação policial nada
fala de Zungus e angus. Neste tempo os olhares já severos da ordem
pública se voltavam para o que se denominava de casas de quilombo.
O conceito é algo vago e impreciso, mas possivelmente se
relaciona com certas habitações onde escravos em fuga na cidade
do
Rio encontravam refúgio para preparar sua volta ao “lar senhorial”,
após
desavenças, ou mesmo se abasteciam para tentar a sorte longe
de
Seus proprietários, em pontos distantes da província.
Os livros de prisão da época joanina*“ ajudam a formar um
retrato mínimo da presença das casas de quilombo na cultura escrava
urbana carioca dos primórdios do século XIX. Mas este retrato padece
de lacunas, claros, que dificultam uma leitura tão clara como temos
dos
Zungús da segunda metade do século.
Os registros da polícia joanina poucas vezes mencionam mais
do que o nome do africano preso em casa de quilombo, como
no caso
de Francisco Benguela, o primeiro escravo detido por
este motivo
registrado nos livros de prisão.ºº Pouco depois uma diligência
polícial
no coração da cidade, na então freguesia da Sé, descobriu
uma destas
“ Ibadem, ESO3, APERIJ,
* Câice
403, Relação de ú t1. 1810-1821, 3 volumes.
“ Códxe 403 V.1,OO7/IBIL AN.
S7
casas onde se escondiam nada de quatorze indivíduos, a maioria
libertos.º A forte presença dos congos pelo menos sugere uma certa
identidade étnica que facílita a organização de grupos ocultos dentro
de certas habitações, protegidos das intolerâncias policiais para se
relacionarem e tecerem planos. Mas parece que desta vez O segredo
foi quebrado, e muitos foram parar no Calabouço.
A casa de quilombo traz todos os indícios de ser o ancestral
dos zunguús. À sua denominação possivelmente se liga a um certo
vocabulário polícial que remete a refúgio coletivos de escravos fugidos,
que é o significado básico de quilombo. Assim, a casa de quilombo da
era joanina pode estar intimamente ligada com o padrão de fuga de
escravos no ambiente urbano. Mas a presença saliente de libertos, como
vimos no caso acima, extrapola os limites da condição escrava, e indica
proximidade de experiências entre libertos e cativos. Assim, libertos
desfrutavam de mobilidade impensável para muitos escravos, o que
pode facilitar o alugue! de casas, e a organização de “famílias" sem
despertar a atenção das autoridades políciais.
Um ano depois, em 1814, uma batida numa casa de quilombo
revelou a presença de três pretos forros solitários, o que reforça a 1dêia
de grupos organizados compostos principalmente de livres e libertos
que aliciam escravos em troca de refúgio e alimentação.* À identidade
étnica - mesmo que baseada na etnias forjadas pelo tráfico negreiro
antes que pela experlência tribal africana - tal qual mostramos antes.
parece fator de peso na formação de casas de quilombos., como a
encontrada na rua da Guarda Velha. Três africanos de nação Monjolo
coabitavam com um do Congo.”º Colncidência ou não, era na mesma
rua onde vinte anos depois o africano Moange Adão José da Lapa
construlu sua casa de quitanda, como vimos no Início do texto. Termos
diferentes para um mesmo signíficado social.
Mas longe da movimentação da cidade também existiam
pontos de predileção em áreas mais calmas, nos arrabaldes da Corne.
Como na então distante praia do Flamengo, onde libertos e escravos
conviviam clandestinamente sobre um mesmo teto. Além de ser “coito”
para escravos fugldos, a casa era mencionada num processo-crime da
Ireguesia de São José. Entre os detidos um certo Carlos. “pardo forro
americano”. Desta forma a casa de quilombo também servia como ponto
de Interação para escravos e pretos livres vindos de lugares distantes,
mas que tinham em comum as agruras, passadas ou presentes, do
cativeiro.”'
..— &e nação Cong reios forras”. Aot COd. 40% VL1209'
1813, folla [(doravante [) 1S1, AN "
CRLSON,V 29081814.1207, AN E ó Lmndo. CS3.403,
VILIGUOISIS L270, AN
* COd.403, V1.0HOVISIS.
1241 AN
UCOd. 03 V DLOWISIS. 1254 AN,
S8
A repressão desencadeada na Corte pela Guarda Reai levou
as casas de quilombo ainda mais fundo no interior da província
fluminense. No distrito de Macacu, caminho para a recém fundada
colônia suíça de Nova Friburgo, o preto forro Antônio Francisco da Rosa
acoitava os fugilivos Manoel Cabinda e José Benguela."? A rede de
cumplicidades, que nas dêcadas de 1830 e 1840 vai ligar os zungús
urbanos com os quilombos da àárea rural cafeeira, começava a ser
montada. Na mesma reglão o pardo liberto Ricardo de Andrade Costa
foi preso por consentlr em sua casa “batuques” de escravos, cujos
proprietários reclamavam que chegavam a fugir do serviço para usulruir
da folia. Festividade e proteção se irmanavam nas casas de quilombo
da província fluminense.”*
Os minas, que assumiriam Importante papel na década de
1840 em diante, já começavam a se Insinuar no comando das casas
coletivas de pretos. Como no caso de Antônio Mina, preso junto com o
preto forro Simão Joaquim Freire, dono de uma casa de quilombo na
Corte."* Pode ser que Antônio Mina funclonasse como um elemento de
ligação com a comunidade de escravos africanos da cidade, vasta e
heterogênea.
Alêm das casas de quilorbo havia outros pontos de encontro
de “portas para dentro” abertos para a comunidade de africanos e
Crioulos da cidade. As casas de calundú eram especificamente ligadas
a práticas religiosas, e congregavam vasta clientela, como a da preta
forra Maria Jacques, na distante localidade de Irajá, fronteira com a
região rural. Conforme as palavras do escrivão do Calabouço nela “se
faziam várias superstições, com ajunt; to de muitas pesso. aeacnitao
VUIIO
a escravos fugidos.""* Nos meados do século estes centros religiosos
alro-cariocas trocariam .a sua denominação para casas de dar fortuna.
Conforme veremos, estas estavam llgados profundamente com os
Zungus.
Nos anos imediatos a terminologia polícial sofreria mudanças
drásticas. Na década de 1820 as casas de quilombo começam a se
tornar raras, e surgem outras d inações, como casa de ajunt. fo,
como uma que apareceu na freguesia da Lagoa, onde foi encontrado
numeroso grupo de escravos ocultos de seus senhores.Ӽ Mas na
periferia da cidade estes verdadeiros quilombos urbanos cumpriam
importante função de apoio dos negros longe das paredes senhoriais,
como no caso de José Manuel, encontrado na freguesia de Inhaúma,
Uuma tranquila região de chácaras e engenhos na década de 1820.77
TCOL4O), V2,27:001818, AN.
UCOS 0NV 101 LIBIB, AN
CNOL, .2. 01OVISI9, AN.
"C«*AI'Ú).V.I..IOMIBW.AN.
MCOLOS, V3 10/06/1826, .95, AN.
TCOL4O), V3 06061876 (67, AN
Como vimos, as casas de quilombo dos primórdios do século
XIX estavam longe de serem invenções culturais exclusivas do meio
urbano, e atravessavam com relativa facilidade os limites entre campo
e cidade, entre a sede da Corte real e depois imperial e a província das
fazendas de café e de suas senzalas. Eram fronteiras sensíveis entre
cativos dos dois primordiais mundos da escravidão.
Nas décadas de 18630 e 1840 as casas de quilombo
desaparecem bruscamente. Seu destino enigmático ainda não foi
decifrado f. tígi jud Í quad Ccári
com muitas falhas: casas de pouso para escravos, libertos,
fggunlst[adas por alforriados, localizadas em pontos estratégicos das
e fuga para dent para fora d icípio da Corte
- Inhaúma,
Cachoeira de Macacu, rua da Guarda Velha - locais de “ajuntamentos”
e “calundóús”.
Na década de 18620 já restavam poucos Indícios das casas
de quilombo dos tempos de Dom João.”* A década de 1830 foi a época
áurea do zunguú. As autoridades usavam o termo as vezes como
sinônimo de desordem, confusão turbulência, males típicos, na visão
das autoridades da época, da população escrava ou de cor. Como no
caso de uma casa abandonada Ironicamente em frente ao quartel da
Guarda Imperial em Mata-Porcos (atual Estácio) e que servia como
abrigo para escravos e negros livres que transitavam de noite. Ao
relaclonar as perturbações da ordem levadas pelos negros na casa
abandonado chefe de polícia usou o termo zungu no sentido que seria
crietalizado petos diclonaristas e bibilófilos da vírada do século.
Não falando no zungú que de noite (azem da mesma
casa, onde tem ocorrido freqientes desordens que os
pretos a!l fazem, puxando facas e paus, como de tudo
tenho sido testemunha ocular.”
Mas o mals comum nesta época era o significado de zungu
como colto para escravos fugidos. À polícia dava batidas em casas
suspeltas de servirem de zunguú, não apenas por isso mas para coibir
ritos rellglosos coletivos, encontros com vistas a preparar rebeliões, ou
qualquer forma articulada que ligasse forros e escravos em uma rede
de relações que pudesse ameaçar a ordem pública e a propriedade
escrava. rta feit Santa Rita, quando oito indivíduos,
entre escravos e forros, foram presos em uma casa de zungu.*
crigainoso tinha 1130 mMeato cm don
* Em 1831 o comandante do Corpo bMuniciaal de Permancntes Ofícios que um Incêndio mm&mmmm
uelh:lmmmamm:womamm-«wac«;a 'nonnudocawll—-r—lm_||3|.
com| hmelmnmiilnm-nlt—bd—mu—-.lpl
1845, 24/07/1891,
Amquivo Nackonsl.
"US117), 170710%, AN.
à “Enlf-qo.
escuro. CariosE Mina, cxtIo, m. À
» No 1º Disirso da fc t&ªlªímmmmp:(nm
Antônio Mº?báos . Todos mf«ml«whm Adio c Calsbar.Polícia” L
Maria do Desterro: foram cncontrados em um sengel. 17T1. "Extrato das pares dades 20 Iotendecer Geriê do
OISITAN.
60
Algumas vezes eram presos homens hvres e libertos que
chefiavam casas para servirde abrig de zungú,
como José Severiano de Santana, preso na freguesia de São José. O
padrão geral das casas de quilombo do período joanino ainda se
mantinha muitos anos depois. Até marinheiros eram encontrados nos
zungús, procurados como espaços de socialização, troca social e
cullural ugualdade cousas raras numa socledade violentamente
era avista, mesmo para homens livres
de baixa condição, como marujos.
Envio a V. Exc. o marinheiro Manuel Nunes por ter sido
encontrado esta manhã em uma casa de zungú com
outras muitas pessoas sem terem-se dado o manifesto
a autoridade competente, visto que acho nas
circunstâncias de ser empregado na Armada Nacional
que tanto necessita de braços."º
Interessante também neste caso que as reuniões em zungú
eram precedidas oficialmente de uma autorização, como flca claro. Mas
desde 1833 manter zungús eram proibido pelo Código de Posturas do
Município, como já vimos, e com base nisso reprimidas.
Na década de 1840 a sedução de escravos - como Já vimos
para o caso de Catarina Cassange, no início do trabalho - tinha
alcançado seu ponto mais alto, e os alricanos da Costa da Mina,
principalmente os de condição livre, eram responsabilizados
diretamente. Em um relatório de 1845 sobre sedução, o chefe de polícia
da Corte apontou nominalmente os responsáveis.
Estes são os negros forros e principalmente os minas,
que com um insignificante negócio que chamam
“pombear” ou casa de vender angu atraem al os pretos,
e os seduzem, prometendo-lhes risonho futuro.
Agenciadas, poís, as peças, são elas entregues aos
condutores que os levam, voltando os sedutores para
novas tarefas.º
Otráfico ilícito de africanos, após 1830, com certeza estimulou
a sedução de escravos que estavam interessados de sacudir o jugo de
senhores irados e violentos, ou deixar as cidades para se embrenhar
nos sertões, como aconteceu com Catarina Cassange. O alto preço de
* 16 187. Extraso.
.” ONOS/1838, AN.
lkmdoChrfedePolkuaConcwlmMrudoAmlaMm nº 60119
ov 1838. Scrviço de Documentaçãods rquivo da Marinha.
*VIJ6208, LLUOGIBAS, AN
61
africanos na cotação do mercado clandestino estimulava a rede
subterrânea que ligava casas de angu, na Corte, com quilombos nos
grotões, e fazendeiros interesseiros e acumpliciados como
intermediários, tal qual em Magé.
Ca tn " P l hafa (1 mmietira a netra
a sedução pouco tinha do roubo de escravos. Enquanto neste caso os
escravos eram traficados muitas vezes contra a própria vontade, por
especialistas no comércio de mercadoria humana, como os ciganos, e
tratgqos quase como um bem no tráfico ilegal, na sedução havia
“ Am irafinada mua , TEA inhao
'sey novo senhor, ou mesmo 'Ã rota da liberdade, para algum remoto
qun!ombo do Interior, e principalmente o agente da sedução era alguém
a FL , PP P P . ml d P” A ) 'lll'l'llíl'lªdn
ou um africanos de condição lívre. A comunicação era fundamental na
sedução.
Assim, a seduçãose aproxima mais da fuga do que do roubo,
podendo ser arrolado como um dos mecanismos de resistência que o
escravo dispunha na barganha com senhores Inexperientes ou cruéis.
Entre o6 agentes da sedução despontavam os minas. No próprio ofício
do chefe de polícia que vemos acima ele arrolou aquele que seria o
malor sedutor de escravos na Corte por volta de 1645: o preto mina
Henrique José, conhecido como Riscadinho - um apelido possivelmente
ligado as marcas faclaies características dos africanos de nação mina.
. dimta a ilmbh A ” tm A (T
pols como-ohefe de zunguú ele desírutava de lugar na Cúpula da rede de
seduções montada a partir das casas de angu, rede que igava africanos,
crioulos, escravos, Iibertos e pretos llvres, e cativos da cidade e do
na
campo. À única solução, para o responsável pela ordem pública
cidade do Rio, era a deportação para a Átfrica.
Além dos pretos forros, alguns há cativos também
coniventes e cúmplices, sobre os quais tenho dado
providências que julgo oportunas. Acresce que
finalmente dentre os pretos forros há um de nome
Henrique, conhecido por “Riscadinho” que tendo sido
empregado da polícia,é o negro hoje mais temiívl pel
vinte
astúcla e sagacidade de que é dotado, enganando
vezes a polícia [grifo nosso] para lhe relatar, por uma
vez, um objeto inslgnificante.”*
62
“Riscadinho” fora preso, e deportado para Angola.na manhã de
30 de junho de 1845. Mas a rede de sedução permaneceria por muitos
anos alinda. E não eram somente libertos e escravos que desírutavam
dos canais subterrâneos que ligavam as casas de zungúina Corte. Até
comerciantes africanos, de condição llvre, vindo no vigoroso trânsito
maritimo entre África e Brasil - por cima dos porões dos negreiros, é
lógico - gozavam da hospitalidade das casas coletivas de pretos na
cidade. Eles buscavam o grande mercado consumidor de produtos
africanos que era a cidade do Rio de Janeiro da primelra metade do
século X!X, mas estabeleciam outras relações que eram vistas como
perigosas pelos donos da ordem pública na Corte.
Quando nove mercadores angolanos desembarcaram no Rio,
em 16831, com passaportes oficlais, como “mascates”, o intendente de
polícia desconfiou que eles pudessem trazer mais coberturas para as
atividades ilicitas de escravos. Como quitandeiros eles eram um
potencia! foco de perigo e o que era plor
...atulhando casas, onde várias vezes se tem dado
busca por servirem de alcouces, ou de receptáculo de
roubos, escravos fugidos, etc. promovendo desordens
de muitas casas sorratelramente pela aliclação de
escravos delas ou para que roubem, ou para [os)
roubarem e entregarem a vários agentes, que os
conduzem para fora (da Corte). Este último delito
plausivelimente presos, nrem tão pãuco e'e_rem
pr como vadios, por viverem acobertados
com o título de quitandelros...”*
Assim, não era preciso passar pela experiência restrita da
idão - como possiveimente não p por elaos mercadores
africanos de 1631 - para usuíruir a rede de compadrio e cumplicidade
forjada dentro dos zungús. Isto facilitata a entrada de não-negros no
circuito dos zungús na segunda metade do século XIX.
Mas, paradoxalmente, a provável experiência de mercadores
de escravos de muitos minas da África Ocidental deve têr auxiliado
estes africanos sedutores a convencer cativos a abandonhar senhores,
amigos, lares, para tentar a aventura nos sertões. Como sabemos,
muitos africanos ocidentais que entraram no clrcuito-gojtráªeo attântico
Ls Ls V ,
“ 1)6165, AO7/1031.
AN.
63
agora tragados pela guerra crônica por cativos que marcava esta parte
do continente nos inícios do século XIX.º* De uma forma ou de outra,
eles ainda viviam de enviar peças para tongínquos destinos, mesmo
que pare por aí as semelhanças.
Mas os zungús também serviam para fugas dentro do perímetro
urbano. Nem todo cativo urb d traç ta | motas
montanhas, em busca de um refúgio idílico longe do severo senhor. Na
vgsta tipologia das fugas alguns escravos escolhiam permanecer na
cidade, longe de seus donos, é verdade, mais próximo das quitandas,
ruas e becos famíliares. Este padrão de fuga se liga com aquilo que
Sidney Chalhoub chamou de “Cidade Negra”, ou, em outras palavras,
a rede de esconderijo e disfarce que escravos forjaram na cidade do
Rio de Janeiro no século XIX, onde eles podiam viver como livres - ou
“sobre si” usando o falar da época - e ao mesmo tempo na condição
jurídica de cativos.º”
Na “cidade negra” de 1849 uma personagem típica era Maria
Mina. Personagem de um dos tantos anúncios de fuga que percorem
por décadas seguidas os jornais carlocas do século passado, ela optou
por continuar na cidade, e seu senhor avisou para os rondantes ou
qualquer um que quisesse ter a recompensa, quais seus hábitos.
Marla, de nação mina...aluga quartos nas casas de
Zungus, ou nas casas em que costuma alugar. Roga-
se mais expressamente aos delegados de polícia e
recomendamos aos Iinspetores de quarteirão para
examinarem as casas de seus distritos que costumam
alugar quartos e 08 zunguús, que de certo em algumas
destas [ela] será encontrada, como Já em outra ocasião
o fez em uma casa da rua da Vala...º*
Marla - como muitas outras africanas no Rio de seu tempo -
percorria com desenvoltura o labirinto de quartos é casas coletivas na
cidade africana. Aléóm de partilhar das comunidades de zungus, ela
podaeri lonalment chefe d deles tando o embrião
de uma nova casa comunitária, na complexa rede de porões, quintais,
e fundos que eram as casas geminadas na época, como explica o
anúncio. Nas décadas seguintes, como veremos, às mulheres assumirão
papel de relevo na estrutura social por trás dos zungús.
Mas o anúncio de fuga com informações mais densas sobre o
zungú no marcante ano de 1649 sinalizava que OS crioulos e pardos
que Mansformavã EeRmRHoS cm STD fuher TONT, E ee prerpuieres 04 cagieios -x
T SRmA gueros IiUiDAL
filhosde Al na Dahia”
c Um califado balano? os maiés
€ a mebelido.”
P Puuk
“ CHALVNOUDB, Sidney. Viutes da tiberdade: uma história das álri
Leinas, 1990, principalmente o capitulo 3 “Cenasda cidade negra”.
“ Didrin do Rio de Jancimo, 28/0X1819.(.4,
64
coletivas,
brasileiros estavam herdando o legado Cultural das casas
construído por anos pelos africanos em terras brasileiras. Em janeiro
deste ano cinco escravos tinham fugido de uma Cchácara no Saco do
Alferes, confins da freguesia de Santana.
A descrição retrata aqueles que serão a ampla maioria nas
casas de zungú nas dêcadas seguintes, quando a malor parte dos
africanos na Corte será tragado pelas fazendas de café da provincia
fluminense: João, 19 anos, usava uma calça de casimira, e uma jaqueta
em
de riscado, tinha marca de variola, esteve por um tempo alugado
um açougue na rua da Cadeia; José, pardo, condutor de carroças, magro
e jovem; Manoel, Iça e chapéu b Japona verde, costumava
ficar =ao ganho”; Joaquim envergava uma jaqueta surrada de fuzileiro
naval, chapéu preto e calça branca. Tinha ofício de cozinhelro; E por
último o único africano, Meira, nação Angola, que costumava aparecer
no Beco do Carmo. E será exatamente no Beco no Carmo que os quatro
cnoulos - a exceção do africano - terão seu ponto de encontro: em
frente a uma casa de angu.*
Esta será a nova geração de clientes das casas de angu e
zungus na última metade do século. Com o fim do tráfico de alricanos,
em 1850, a sombra de uma grande levante escravo na cldade do Rio
se desanuviou. A chegada da massa migrante européia,
pred te portug d res ao mundo do trabalho
urbano, e livrou um pouco a população negra da pecha de Iinimigo n 1
da ordem pública. Nestes anos os zungus licaram ainda mais ocultos
do olhar policial, agora atarefado em dar conta dos cortiços, a moradia
precária do imigrante luso, foco de “desordens, atos Imorais e
pestilências” para usar os termos da época.”*
Mas, volta e meia, o braço repressor voltava seus músculos
contra a porta d. térreas, apertadas entre vielas, e agora o olhar
“científico” da nova polícia, registrava detalhes antes perdidos pelos
escrivães da primeira metade do século. Este novo olhar abriria um
mundo novo de evidências para os estudiosos da posteridade.
“ Sobre corniços deverJ de CHALHOUB.
05601/188.Si Pp
.*Dakb do R
é Imperial. SSo Paulo. Companhiadas
to 195%
5
AS ÚLTIMAS PERSEGUIÇÕES
O manto da noite já começava a cobrir a cidade do Rio, quando
o Dr. Possolo, 2º Delegado - o segundo homem da hierarquia da
$çc_retaría de Polícia da Corte, abaixo somente do chefe de polícia -
iniciou uma diligência. Acompanhado de dois o delegados, os Drs.
Félix da Costa e Bulhões Ribeiro, ele se dirigiu à rua Príncipe dos
Cajueiros,*'
Havia informações de que no número 236 desta rua havia um
Zzungú, ou “casa de dar fortuna” outra denominação característica das
décadas finais do século XIX. O endereço era de uma pequena casinha
de porta e janela, como tantas casas térreas do Rio colonia! que ainda
subsistiam naquele tempo. Forçando a porta as idades ad
e logo perceberam que a casa era divídida em di parti
Interrogando os moradores da frente sobre as supostas práticas de
“feitiçaria" o delegado logo percebeu que eles não tinham o menor
conhecimento do que se passava mais para o interior do edifício.
Nos fundos do prédio, cujo interior se achava em “grande
imundice”%ººo delegado encontrou um quintal, com uma pequena
casinhola de tábuas e telhas vãs. Arrombada a porta, ele e seus asseclas
depararam com uma cena Imprevisível: cinco jovens mulheres negras.
completamente nuas, com as cabeças raspadas, conservadas em total
escuridão e reclusão. As jovens, como se comprovou depois nas
investigações, llcaram vários dlas fechadas no pequeno compartimento.
“a flm de se purificarem as neófitas que deviam habilttar-se para serem
admitidas e receber a fortuna”.
Quando a escuridão se dissipou, o delegado e sua equipe
ficaram alnda mais espantados com a cena seguinte: diversas vasilhas
de barro se dispunham no chão de terra da casinhola, algumas com
azelte de coco, outras com sangue, ervas, cabeças decepadas de
cabritos, búzios, que cercavam o exíguo espaço onde as “neófitas”
estavam sentadas. Para o delegado até respirar naquele ambiente era
difícil, pelo “ar Infecto” e as “exalações pestiferas” que saiam dos
vasilhames de barro, formando um quadro “repugnante”.
No primeiro interrogatório, feito ali mesmo, as “aprendizes”
recusaram qualquer colaboração. Somente depois de levadas para a
estação policial elas declararam seus nomes: Eva Maria da Conceição,
27 anos* nascida na Corte, de cor preta, Etelvina Maria da Purificação,
Joana Maria da Glória, Amância do Esplrito Santo e Domingas
Constança.
Aubicico d do Rio de &. Rw
*' Atual tua Serudos Pompeou, p BERGLR. Pauko
e Janeira, Olimpica Editorial, 1974 2409 187. O título
do amugço é “A Ravahtua Mandança”
"E Eutes
dados prssodis vieram de
de umum ficha polkiã
1882 Ver LMCDC.nº
2961 f.1960, folha 163 v. 1NO418S82, Al .
66
Mas a líder maior da “casa de dar fortuna" ainda daria o ar de
sua graça: Leopoldina Jacques da Costa era a dona da casa, sacerdotisa
de
principal do recinto sagrado e “Ministra e Mãe dos Santos, além
pela
Chefe da Mandinga e Rainh&. [grifo nosso]. Era a responsável
reclusão das jovens.
O artigo de jornal que narrava esta Insólita dillgência vinha
nomeado com seu título: “A Rainha Mandinga”". Além das “fllhas de
santo” - para utilizar termos do candomblê moderno, aparentemente a
religião dominante neste tipo de culto - foram também para a delegacia
as auxiliares imediatas da “Rainha Mandinga”: as pretas Fellclana Rosa
de Jesus e Maria das Virgens, sintomaticamente chamadas
“matadouras”, porque encarregados dos sacrifícios rituais, sempre de
cabritos e galinhas de cor preta. O sangue destes animais era jepositad
nos alguidares de barro, onde p lam durante dlas, para alimentar
os “espíritos” que vagavam pelo templo.
Toda a hierarquia da casa religiosa foi levada para a estação
policial, apesar da resistência da sacerdotisa-mor, que empregou todos
os meios para evitar “semelhante ofensa a sua alta categorla”. Mas
existia um outro personagem, igualmente importante, e que
aparentemente era o elo que ligava o zungú da rua dos Príncipes dos
Cajueiros com toda a tradição africana da primelra metade do século: o
preto mina Quintino, que gozava de alta estima da tal Ralnha Mandinga.
Ele também teve de se explicar para a autoridade polícial.
No fim da fila dos recothidos pela “jangada” pollclal um casal de
pretos velhos, como fechando a galeria de personagens de terrelro, tão
comuns no imaginário religioso afro-brasileiro. Todos passaram a nolte
no xadrez da subdelegacia da (reguesia de Santana.
No dia seguinte, a notícia da razia policia! já tinha se espalhado
pelos quatro cantos da cidade. Aparentemente a “Rainha Mandinga”"
acalentava uma vasta tegião de afilhados rituais, pols em pouco tempo
a repartição de polícia estava coalhada de fléis que vinham dar sua
solidariedade a líder encarcerada. A intolerância polícial não demorou
a coloca-lo todos no olho da rua.
Além dos praticantes, o 2º delegado também recolheu para a
estação polícial os di bjetos d itual que tanto temor tinham
causado em seus agentes na hora da diligência. O repórter, testemunha
ocular do episódio, somente relatou os mais insólitos: 4 jabutis, um cesto
com crânios humanos, cabeças de cabritos, 7 peles de cabritos, argolas
de diversos tamanhos, uma frigideira com vários bustos, colados com
uma substância que parecia argamassa e tinha o formato de bolo,
Além disso a polícia ap;eendeu tambores “africanos”º colares, e um baú
velho com roup e bn
imente tinham uso rítual, pois o jornalista
67
que cobriu a diligência disse serem “fantasias”. Muitos outros objetos
escaparam do olhar minucioso do repórter.
Nas celas da subdelegacia a “Rainha Mandinga" concentrava
as preocupações de seus “filhos” espirítuais e até dos funcionários da
polícia. Em adiantado estado de gravidez, ela estava constantemente
sobressaltada pela desdita, e “muito impressionada” conforme as
palavras do jornalista que cobriu o inusitado evento.
Mas a multidão de fiéis não deixava os arredores da estação
de poílícia, criando p paç bdelegado. A “Rainha Mandinga”,
mesmo no cárcere, continuava, em sua majestade, cercada pelos seus
súditos, do seu reino dos espíritos.
O caso da Rainha Mandinga do zungú da rua Príncipe dos
Cajueiros é o mote ínicial para entrarmos num dos momentos
privilegiados da história das casas de zungú do Rio escravista: a
perseguição movida nos últimos anos da instituição do cativeiro, e que
também seriam as últimas décadas em que ainda se poderiam ver
zungús na cidade do Rio de Janeiro, misteriosamente desaparecidos
na vaga demolidora da virada do século.
O conjunto de reglstros da Casa de Detenção da Corte é o veio
principal de informações sobre a atividade polícial contra os zungus
nesta época. À Casa de Detençã desti p por pequenos
delitos e contravenções, ou que ainda não tivessem sido condenados
pela Justiça. Após o veredicto, o8 condenados cumpririam a pena na
Casa de Correção. Os culpados de pequenos delitos eram logo soltos.
e multas vezes retornavam. Assim, a Detenção era o grande xadrez da
capital do país, para onde converglam todos os dias a massa de
deserdados, desocupados e desvalidos que calam na maiha fina da
rigorosa polícia da época.
Os registros começam em 1860, mas somente a partir da
década de 1880 passam a cobrir ano a ano, sem interrupções. até bem
dentro do século XX. O primeiro registro de escravos é de 1863, e
surpreendentemente nenhum escravo neste ano (oi para a Detenção
por estar em zungú, mas sim por serem encontrados em lupanar, que
aparentemente era uma casa de jogos e prosliluiçno."- Mas cativos
tam m ti h . Ar $ q H vezes sS d ªbngo
para fugidos, como Caetano Cabinda, preso na Detenção por dar quarida
as
a escravos em fuga.* Também não deixa de ser digno de destaque
prisões de catlivos por estarem em “casas suspeitas”. Não sabemos se
era feltiçaria, prostituição, ou qualsquer outros dos pretextos que a
autoridade pollcial usava para perpetrar invasões de dOlTllCÍ'IIO.".
Somente em 1868 - quando a Guerra do Paraguaíi rugia nas
fronteiras do sul - é que temos as primeiras evidências de perçeguuçâo
as zungús, nos livros de prisão para homenS livres que sobreviveram.*”
Migael Retolo,
** Cinco escravos foram presos por cIarem h , '
LMCDC, nº 404 fichas 951 3 954, APERI. —
Ls tA
“ LMCDC, nº1987, [.4009, 1L20V186),
.1104, APERI,
* L MCDC. nº4042, Joaquina c Apolinária, fichas 1068 e 1066 APERI.
68
O mês de junho de 1868 parece ter s!do de grande agitação do aparato
repressivo contra às casas de zungú.
No começo de junho, na freguesia de Santa Rita nos arredores
do antigo Cals do Valongo - que serviu por longos anos.como ponto de
desembarque obrigatório para os africanos remetidos pelo tráfico
atântico de escravos - uma batida políclal resultou em pelo menos três
: Damião, africano da Costa da Mina, 45 anos, servente, morador
na rua Nova de São Bento - próximo ao mostelro - era forte-sinal de que
as tradições alricanas remanescentes das casas de zungú da primelra
metade do século ainda eram bem vivas no final dos anos 1860.*º
Mas ele não estava só. Domingos do Carmo Ferrelra, carloca,
cor preta, 12 anos, filho de Luiz Ferreira e de Maria Rosa, aprendiz de
pedreiro, morador na rua do Livramento 69, naquele mesmo balrro, lhe
fazia companhia. Era a prova cabal de que uma nova geração estava
compartilhando das relações de “parentesco” e compadrio
tradicionalmente forjadas dentro dos zungús. A família escrava por
excelância, no meio urbano. Mas uma criança sozinha dentro da casa
comunitária?”O próximo & colocar seu nome para o escrivão da
Detenção era Luiz José Maria Ferreira, naecldo na África Ocldental, de
nação mina, 50 anos, de pais Ignorados - como todos o8 africanos -
sotteiro, sem prolissão, residente no mesmo endereço do pequeno
Domingos.'*
Não pode haver dúvidas: Pai e filho foram eurpreendidos pelo
braço policial compartilhando da mesma comunidade de zungu, e
lgndos juntos para a distante prisão do Ca"lqmbl. Pal mina, filho crioulo,
e reconstrução familiar que fez a história da cldade negra por séculos.
Na mira da intolerância policial, eles deixaram um silencioso mas
pungente testemunho de como forros e livres não estavam Isentos de
passar p l d q “párlas” escravos quando caiam
nas garras do aparato repressor.
Damião foi sotto no mesmo dia em que adentrou o8 sombrios
portões da Casa de Detenção. Mas Luiz José e seu filho Domingos
ainda amargaram mais 24 horas em um dos inúmeros é escuros
cubículos que se espalhavam pelos longos corredores da Casa. .
A operação no 2º distrito de Santa Rita não era uma ação
isolada. P q Jtas autoridades plane) ções simuitá
em vários pontos da cidade, não ap ntra os zungús, mas também
contra as casas de alcouce, lupanares, casas de jogos, casas de
tolerância, ou quaisquer outras denominações do jargão polícial para
identificar habitações utilizadas pelas classes marginais como lJocal de
socialização e troca.
Sintomaticamente, o Jornal de Commércio - porta-voz dos
d YUVEelNToo dor - no mesmo dia em quê o zungu da
1860 4784 para 1861 c 3956
" Na década 4059 o
p 1856
Mumlú?,c CT2A, OB/06/1008, APERI.
""Thidem. (.72%6,
69
freguesia de Santa Rita era invadido pela polícia publicava
vociferando com fúria moralista contra as casas de um artigo
jogos, “focos de
vadiagem e imoralidades”.'º!
Dn n GTOAUES.
P rtida, desta vez na freguesia vizinha
g_º SatlzramJento. Desta vez a rede veio cheia. Pelo menos treze pessoas
dando um pouco a medida de gente que gravitava em torno de apenas
um zungd.
Foram presos no dia 10 de junho...no 1º Distrito do
Sacramento Jacinto, escravo de Manoel Rodrigues Gil,
Afonso, de Francisco Pereira Neves, Francisco de Assis
Ramalho, José Lopes Faria Monteiro, Carlos e
Francisco, escravos de Joaquim Machado Rodrigues,
Henrique Valério, Felicidade Maria Antônia da
Conceição, Florinda, escrava de Joaquim de tal, Matilde,
escrava de Lourenço Gomes Varela, Angélica Romana
do Nascimento, Elvira Maria da Conceição e Claudina
Garcla Rosa, por serem encontradas em casa
denominada zungú.'º
Uma babel indiferenclando livres e escravos. Mas
aparentemente somente dols foram parar na Detenção: Francisco de
Assls Ramaiho, de cor parda, pintor - cuja mãe, de nome Leocádia.
posslvelmente era uma escrava - solteiro, 21 anos. Ele morava na
distante rua Velha de São Dliogo, próximo ao Campo de Santana.“**
O outro Indivíduo levado para Detenção tinha muitas
proximidades com o pardo Francisco. Josó Lopes de Faria Moreira - no
Jornal está Josó Lopes de Faria Monteiro - também iÓó Core,
pintor, de cor parda, e também usava chapéu baixo, apesar de mais
velho: 34 anos anos.'** Mas José Lopes residia provavelmente no Zungu
Invadido, pols a rua Gonçalves Dias nº 1, de acordo com outras
Informações jornalísticas, era onde a polícia deu a batida. Aliás,
b ) a
o qu'adro sobre este incidentes.
O Sr. Subdelegado do 1º Distrito da freguesia do
Sacramento acompanhado de 3 inspetores qe
quartelrão
rialrA
P coro
do mesmo distrito e de algumas praças, prenderam
anteontem as 9h30m da nolte treze indivíduos
vagabundos, entre eles seis mulheres, que se reuniam
todas as noites em grupos tumultuosos na rua de
* Jornalda Commnércio,
"S Diário do Rio de Janeiro, 11/06/1868.
" LMCDC, nº3956, (.731. 1006/1568. APER).
* Ibidem, f.2732,
Gonçalves Dias, perto do Largo da Carioca, proferindo
palavras obscenas e desrespeitando os que
passavam.'
Inasae
A n m s d. a Ô d nmim t " s
do zungú na
que contribuem para O entendimento dos significados
Fica claro que os frequentadores dos zungús
cultura popular urbana.
cessado para
eciam de nolte, quando a rotina de trabalho já tinha
espaço de encontro
cativos e livres. O zungú era ao mesmo tempo um
e descanso.
de zungú.
Mas este detalhe também tra! a ralz escrava da casa
para eocolalizar-se,
Cativos tinham à nolte como um espaço priviteglado
contra olhares
e muitas vezes a escuridão noturna servia como proteção
senhorês eram os
indevidos da ordem senhoria! e policial. Os próprios
para a vida soclal e
primeiros a perceber como & noite era Importante
permitilam suas padas na escur ldão
comunitária de seus cativos, e
mesmo contra a vontade das autoridades pollclais.
natureza
Também fica claro no zungú da rua Gonçalves Dias a
08 pobres urbanos
de entretenimento, divertimento mesmo que
Jornalista sobre àas
poderiam usulruir nestas casas, no comentário do
zungú funclonava como uma
“palavras obscenas” e desrespeitosas. O
de escravos e
válvula de escape da rotina massacrante e opressiva
E as
dos iguais, o papel religioso de algumas, entre outras finalidades.
autoridades precisavam sempre de motivos extras para desarticularem
ou mesmo a
as casas coletivas, como “desordem”, “imoralidades”
alegado
presença de “vagabundos”, o motivo de prisão mais comum
nos registros da Casa de Detenção da Corte.
papel
Será que aqueles enviados para a Detenção exerclam
destaque
de liderança no grupo? Difícil afirmar, mais uma coisa fica-em
ou meamo
no zungú da rua Gonçalves Dias: a ausôência de africanos,
mina, que
de um africano mais velho, quase sempre de nação
do passado e a
aparentemente servia como um elo entre as tradições
monopolizada
realidade do presente. Esta casa coletiva era, tudo Indica,
no outro lado do
pelos crioulos, já numa época em que 08 nascidos
Atlântico começavam a diminuir seu número sensivelmente.
depois um
Mas novos elos atlânticos se abrem. Poucos dias
de um zungú da mesma região.
insólito personagem é achado dentro
Unidos
Henríque Ilálise, 21 anos, cor preta, pintor, nascido nos Estados
Passos,
da América, filho de Doblin e Anna, residente na rua Senhor dos
usava camisa branca, calça de cor, paletó branco e chapéu de pêlo de
" Joraal
do Comeírcio. 11/06/1668. “Garrúlia”.
71
lebre, preso no 1º distrito de Sacramento.**
Seu nome não consta na lista de presos no zungú, mas sim um
tal de Henrique Valério. Será que o americano tentou esconder seu
nome das autoridades, temendo represálias? Mas o que é mais
lmponanle é o que podemos lntuur da presença de um negro norte-
Aan naulas
e afncanosna capital do Império Brasileiro. Esta presença tem de ser
contextualizada.
A Guerra Civil dos Estados Unidos forçou um êxodo de escravos
norte-americanos para as costas brasileiras, por conta de senhores
sulistas temerosos de perderem de vez sua propriedade no desenrolar
do conílito. E a abolição americana teve forte impacto no imaginário
político dos escravos e negros livres no Brasil. A participação negra na
guerra civil carregou um forte impacto simbólico, que seria seguido no
Brasil, em certa medida, na Guerra do Paraguai.'"” O desenlace da Lei
do Ventre Livre em 1871, togo após o conflito, corrobora esta
proximidade.
Henrique l!lálise simbolizava este elo atlântico, que aproximava
as experlências escravas e negras dos dois países. E a busca da
libertação definitiva - no Brasil ainda um sonho - devia animar as
conversas dos brasileiros com seu companheiro do norte. No mesmo
que entrou na Detenção Henrique foi solto. Talvez tenha sido
encamlnhado apenas para preencher uma ficha, que as autondades
com certeza, temendo desentaces políncos
inesperadoa.
A olenslva policlal contra o8 zungús não cessava. Já vumos o
desbaratar da grande reunião no Engenho Velho, onde uma festa
coletiva de fundo relígioso foi interrompíida, isto pouco mais de um mês
depois das ações no coração urbano da cidade. Com toda certeza estas
ações eram coordenada para colbir escravos e livres pobres de
Iormarem comunldades autOnomas lora do conlrole das autondades.
Estas b Í modemnos
- vão se conformar como o padrão de almdada pohcual na segunda
metade do século XIX.
Ep | da surtida municiava as
S | Á
mais
míormações que possibilitavam novas diligências, no sentido de
desmantelar a rede de casas de zungú que de longa data existia na
cidade. Um mês após a ocorrência do Engenho Velho nova investida,
desta vez na freguesia do Santo Antônio - onde foi certo tempo o morro
de Santo Antônio, no centro da cidade. A única vitima levada para a
Casa de Detenção foi o africano de Moçambique Isaías, carpinteiro, 40
"" LMCDC, nº3956, (.723, 12 06/1868, APERJ.
“ Sob do P:
no Rio de Janetro, Rio de Janeiro, L 1994
72
anos, morador no início da rua Mata-cavalos.* Remanescente com
certeza dos os d barq landestinos de africanos no Brasil,
não se sabe se Isaías era liberto, ou apenas escondia sua condição de
seus algozes. Mas sua calça de brim e seu chapéu de alpaca preto
denotavam pelo menos a tentativa de se misturar entre os homens livres
de condição mediana, uma tentativa reiterada entre escravos e libertos
cidade na é; .
á A ” idezco b | Lai -” r tos em liberdade
indica que as autoridades não viam tanta periculosidade em frequentar
estas casas, como por exemplo viam na capoelra, nos roubos de
residências, entre outros crimes. O fato do zunguú nunca ter se tornado
mais do que uma infração de postura municipal - e por Isso allançáve! -
e jamais ter entrado no Código Penal, testemunha esta percepção. Allás,
nenhum dos presos na Casa de Detenção por serem encontrados em
zungu loi submetido a processo. Mas, o zungu retinha um potencial
preocupante para as autoridades de segurança pública, que era
possibilitar a agregação de indivíduos dos setores mais marginalizados
da sociedade longe do olhar vigilante do aparato do Estado.
Entretanto, este perigo também passava pelos cortiços, apesar
do cortiço sarvir fundamentalmente como moradia, enquanto o zungú
era por excelência um local de pouso temporário, pelo menos para a
ampla maioria de seus frequentadores. Então porque os coriiços não
sofreram o mesmo cerco das forças policiais que recalu sobre o Zzungu
durante dêcadas? Com certeza o componente racial ajuda a explicar
18to: o Zzungu era primordial espaço Ido pela população
negra - pretos, pardos, crioulos - dentro do perímetro urbano, que
se
relacionava historicamente com as estratégias escravas de
resistência
cultural. Mesmo com à idão urbana em deciínio após 1650, estas
estratégias estavam sendo - como muito da cultura escrava
- herdadas
por livres, libertos, e até brancos pobres e imigrantes
europeus, como
veremos adiante. O zungú, não era o perigo em si, mas
o que ele podia
ocultar. Repressão e medo sempre caminham junto na
cabeça dos
donos do poder.
O cortiço, aparentemente, guardava maiores receios
no campo
da salubridade pública, da prevenção de doenças ,
já que sua gênese
coincide com a chegada das duas maiores epidemias
do século na
Corte: a febre amarela e a cólera, que ceifaram a vida
de muitos milhares
de seus moradores.
Estra'nhamente, para grande parte da década de
1870, parece
queê o zungú desaparece das preocupações políciais.
Isto pode ser
explicado em parte pelas grandes lacunas de
registros nesta época,
amda.muito fragmentários."* Mas, como uma
compensação, de 1879
em diante temos uma enchente de informações,
inclusive sobre a
Poputação escrava.
O final de 1879 é um tempo de grand gitações. As mudanças
&Cmm [.1032, 28/08/1868, APERJ,
í úmero 2 é p 20 Arcos da
** Na década
de 18670
Tâ
políticas, com a queda dos conservadores no ano anterior, o
início da
cçmpanha abolicionista, e a crise social que desemboca na Revolta do
Vintém são ingredientes de uma conjuntura de confiito urbano cada
vez mais gritante, e que o estado era muitas vezes impotente para
debelar. A Ppopulação escrava, mesmo com uma cada vez menor
presença numérica no conjunto da massa trabalhadora, ocupava um
papel de relevo na manutenção da cultura e das tradições populares.
Rosa Benguela, escrava de Genovesa Dias, ou de Hilberta -
confusão de identidade de senhores é algo comum nos registros de
escravos - com a idade provecta de 69 anos, foi presa num zungú na
freguesia do Espírito Santo (correspondendo hoje ao bairro do Estácio
e parte do Catumbi)'"º quase no mesmo dia em que o zungu da Rainha
Mandinga era invadido, e seus fiéis detidos, junto com a vasta
parafernália rítual, que já vimos. Pelos indícios, era mais uma operação
articulada contra a rede de zungus da cidade. Como sSempre as
Doliciais
Y , yJ p -
BUSCA POLICIAL. O Subdelegado da freguesia do
Espirito Santo deu busca ontem em um zungú da rua
do Porto”"" onde encontrou Adão Zeferino Gomes e
Leopoldina Rosa do Nascimento, e uma filha destas
menor de 11 anos de idade e uma escrava de nome
Rosa. Foram remetidos para a Casa de Detenção, com
exceção da menor, que foi posta a disposição do juiz
de órfãos da 2º vara. A maestrado zungu é a preta mina
Maria do Carmo, que fol intimada a assinar termo de
bem viver."*º
Temos agora uma casa coletiva com uma comunidade menor,
ou pealo menos um Zungú sem a totalidade de seus frequentadores
habituals. Rosa era uma afíricana da outrora numerosa nação
Benguela", mas que mesmo com Idade avançada vivia nas ruas, pelo
seu ofício de vendedora de doces. Mas aparentemente não tinha pape!l
de liderança. Este era exercido - como já era tradicional nas casas de
zungu - por uma africana mina, que devia ser livre. Decerto a africana
ocldental Marla do Carmo conhecia os clientes da Rainha Mandinga,
alguns metros dali, terrâneo o preto mina Quintino. As mestras
de zungú formavam uma casta poderosa, uma alta hierarquia no seio
das camadas populares, que se reuniam em torno delas também
buscando proteção, espiritual ou mesmo física, derivada de sua alta
influência. Dois d N " P ta P an D, t a liberdade
" LMCDC, nº$454, [,1296, 2579'1879, APER).
* Atual nua Comandame Mauriu, na Cidade Nova, BERGER. qn cir. 194
" Jormald jo. 26091879 1.2. InfelL 1s5.
“ De acord
op. ci,. 20
74
casa, o que revela
Rosa não pertencia a nenhum dos detidos na
mas sim para
que ela não fora ali encontrada por estar em serviço,
relevante na c_ullura
compartilhar camaradagem é troca social, tão
Seu trânsito no
quotidiana das camadas baixas urbanas da época.
facilitava encontros
ambiente das ruas como vendedora ambulante
funivos.
Somente no final do ano vamos ter novos indícios sobre a
de
perseguição policial. Domingas, da nação Congo, quitandeira,
propriedade de Ana Teresa da Fonseca Azambuja, 80 anos,"* foi achada
numa casa da rua do Núncio (atual rua República do Líbano)'"* pare
da cidade onde se concentrava grande número de zungús. Mas, como
sempre, ela não estava só.
Em um zungú da rua do Núncio foram encontradas pela
polícia anteontem diversas mulheres e os segulintes
escravos: Domingas, de Dona Ana da Concelção, Adão,
de Antônio Pinto Ferreira Morado, Augusto, de Dona
Ana da Conceição e Manuel, de F. Filgueiras, e Antônio,
dem. *
Domingas ficou relativamente fongo tempo atrás das grades da
Detenção: somente seis dias depois ela foi solta. Talvez a burla de
asconder o verdadeiro nome de sua senhora tenha lhe custado alguns
dias mais no cubiículo, pois as autoridades com certeza ficavam irritadas
de serem enganadas por uma velha africana. Os outros catlvos podem
ter permanecido apenas na subdelegacia, e logo depois restaurados
aos seus legitimos donos. Era um testemunho do vigor da comunidade
escrava dentro das casas de zungu, no momento em que a instituição
do cativeiro no país entrava em sua última década.
Os casos se intensificam com o correr do ano. No natal de 1879
o crioulo Lúcio, nascido no distante Rio Grande do Sul, e acostumado a
longas viagens oceânicas - era marítimo e pertencia a Companhia de
Transportes Marítimos - foi remetido pelo Chefe de Polícia á Casa de
Detenção por ter sido achado no interior de um zungú.“”* Com seus 51
anos não devia gozar de boa saúde. Várias vezes deu baixa na
enfermaria, e só recobraria a liberdade em março de 1880. O velho
homem do mar tinha as casas coletivas como um ponto de descanso
antes de nova viagem.
i Nem sempre as reportagens jornalísticas trazem informações
ricas sobre os eventos. Muitas vezes subsistem apenas nomes, muito
POuco se comparado com as fichas pessoais da Casa de Detenção.
REROEA o ii pageo0A 1TISTO, APERI
[durnalda Cammércio 04 12/1879,13
UMCDC. nº S4Sd, [1751. 2412/18679, APER).
15
Mas somente compilando com os jornais podemos ter certeza se o
quebra-cabeças das casas de zungúda Corte Imperial do Rio de Janeiro
pode - ao menos em parte - ser desvendado.
'0 início de 1880 é rico de novas vítimas do longo braço polícia!.
Marcelino crioulo, também um forasteiro como Lúcio, pois era
pernambucano de nascimento, 27 anos, escravo de Bernardo Valente -
ou .será Pedro Roberto? - atém do paletó branco envergava chinelas,
ao invésdos tradicionais pés descalços da condição escrava.""º
O chefe
de polícia da Corte na certa queria confirmar certas informações, por
isso Marcelino embarcou no carro gradeado da Casa de Detenção, de
onde só saiu em 20 de março.
Prisões isoladas pontilham nesta época, mais pelos meandros
da polícia do que por falh ist pressivo. Alg ão liberados
após ficarem nos xadrezes das subdelegacias - onde a superiotação
devia ocorrer com facilidade - e outros remetidos para a Detenção para
melhor serem averiguados. Este o destino da crioula Josepha? O jornal
indica que ela foi pega com mais três cativos."”*
Nascida em Santos, província de São Paulo, ela somente
voltaria as ruas em 30 de abril, quase dois meses após sua prisão. Sua
longas estadas na enfermaria demonstram uma saúde precária. Um
dla após a prisão de Josepha a africana Maria Conga - que incomumente
pertencia a uma mulher alforriada - seria a próxima a ser arrancada de
um zZzungú para uma cela na Detenção.'” Mas as duas pretas toram
vítimas de mais uma operação conjunta para dar cobro das casas
comunitárias de escravos, efetivada em pontos separados da cidade
Apesar do zelo repressivo, a instituição do zungu sobreviveria ao regime
da escravidão.
No mês de abril mais um solitário f(requentador de zungus
adentra o complexo da Detenção: Silvestre pardo, propriedade de
Joaquim de Oliveira Marques, 42 anos, ofício de marceneiro, membro
da numerosa e Influente colônia balana no Rio."**
Infelizmente, o ano de 1880 é parco de registros de escravos
presos na Casa de Detenção. Somente em 1881 podemos retomar o
fto condutor, e adentrar de novo as misteriosas casa de zungu, olhando
por cima d bros dos gend da Corte. A crioula Vitória, gaúcha
de Porto Alegre como Lúcio crioulo, exercendo a profissão dominante
entre os escravos urbanos nos estertores do cativeiro - cozinheira - de
idade de 39 anos, talvez não esperasse que a polícia da Corte batesse
a porta da casa onde estava, na freguesia de Santana, próxima ao
Campo da Aclamação.'? .
Sua desdita foi ( à da quitandeira Luiza
- que teimava
em ser chamada Luzia - filha do Nordeste, mais precisamente a província
fn Rrda fterha haviam Maria, de Ana d Josá Curdoso. Jaraa! do Camendreio,
02 0) 1880. LMCDC
n7$454, [.307, OLOVI8SO, APER)
1% Ibidem, C316.03/031880.
” L“Cm.n'ml. C1240, 31081881 APER)
Ec
que teve grande crescimento no
da Paralíba.'*? O tráfico interprovincial,
colapso d árcio atlântico de africanos, trouxe para as ruas da Corte
um grande número de cativos das províncias do norte, como Se
vistos com suspeita pelos
chamavam na época, e estes cativos eram
s policlais, como portadores
seus novos senhores e pelas autoridade
“doméstico”, como se
de um indole rebelde, altiva, e de difícil domínio
que prolbia
dizia naquele tempo. Desrespeltar a postura municipal
- era um sinal de
escravos em zungus - por temor do estímulo a fugas
sua postura inquieta.
era
Leopoldino crioulo, nascido no distante Maranhão, também
excltou
fruto desta nova e crescente rota dos escravos, e também não
gem à sombra da
em tentar reconstruir laços de compadrio e camarada
além mar,
casa de zungu.”* Como muitos africanos que vinham de
parentes,
também os pardos e crioutos do norte perdiam famlliares,
quando
amigos, nos negócios de compra e venda de seus donos,
E
embarcavam como "peças” para as fazendas de café do sudeste.
nos zungus buscavam restaurar os liames fundamentais da vida soclal:
troca. amizade.
Mas Leopoldino tinha perdid patrão, Jos6 Joaquim Ferrelra
Lima, e estava no espólio do finado, possivelmente disputado
avidamente na justiça pelos parentes mais próximos do falecldo, como
era usua! na época. Longe destas Intrincadas disputas dos brancos,
Leopoldino estava desfrutando do ambiente de um zungú, com toda
ceneza menos pesado do que a casa senhorial.
Em outubro de 1881 um cerco à uma casa na freguesla no
Sacramento levou a um relativamente grande grupo de escravos. Pela
primeira vez temos capacidade de reconstruir os padrões que levam à
tormação d idade de escravos, escondidos no meio do mosaico
” .
nas viela; estreitas da; ruas da Corte. '
ZUNGÚS: O subdelegado do 2º distrito do Sacramento
deu cerco anteontem em alguns zungús do mesmo
distrito, nos quais prendeu vagabundos e os seguíntes
escravos: Luiza, de F. Leite, Margarida e Felizardo, de
Aprígio José de Souza, Isidora, de Dona Rufina Maria
Rodrigues Monteiro, e Marcelino de Marcos Francisco
de Faria.'*
Marcelino era um crioulo nascido na Corte, com a idade
avançada de 70 anos, mas na realidade era um liberto, como à polícia
“2Tosdem.
o 1316 19031868
, . 4O anca, trabraltador, soleeiro. C.1419, 15/10/108]. APERJ.
oraal
do Camemárcio. VEBL 1.
T7
constatou depois. Muitos libertos eram confundidos com escravos, e
muitos mais escravos eram confundidos com livres e libertos, no
caleidoscópio de cores, profissões e nacionalidades que era o Rio de
Janeiro das últimas décadas do século XIX.'2
Luiz, nascido em Sergipe, 26 anos, era mais um cativo do
Nordeste na Corte.'?! [Isidora também era carioca - ou fluminense, como
se dizia na época dos nascídos na cidade do Rio - como Marcelino, e
fugiu do serviço doméstico na casa de Dona Rufina Maria Rodrigues
Monteiro para usuíruir de suas horas de folga na casa de pouso, onde
decerto encontraria amigos e companheiras de jornada.*
Mas a polícia tinha de ter muitos olhos para detectar a variedade
de tipos potencialmente perígosos que se ocultavam na massa de
excluídos que vagava pelo centro. Marinha, cativa nascida em
Paranaguá, lavadeira, moradora na freguesia do Espirito Santo, foi detida
pelo insólito motivo de “prática de feitiçaria”.'*
Aatita À P
No final deste estudo f. áli
padrões que podemnos lados pela estatística e pel
IAI-AI -l fierh licial a NOS reagistras
da Detenção.
Somente no começo de 1882 vollarlamos a encontrar nossos
incômoda polícia. Julião Mina,
escravo de Tomas da Silva | Brandao ara da Iradicional nação afncana,
domlnanle dentro das casas de zungu. e comportando uma quantidade
ªªªªªªªª para à Casa de Detenção *
Flepresentava um típlco mestre de casa de Zungu, com sóiido prestigio
dentro da comunidade majoritariamente crioula de escravos. e entre
multos livres de cor, filhos e netos de escravos. As informações
Jornalísticas Indicam que ele era o único escravo capturado numa
varredura em dilerentes casa suspeitas de ocuttarem zungu. E. quem
saboe, o único africano.
A polícia deu busca em diversos zungús das ruas de
São Joaquim e da Alfândega, nos quais prendeu
vagabundos e um escravo.”'
A polícia já sabia, por longa experiência, onde se ocultavam os
zungus, e a (reguesla do Sacramento - em que um dos limites era
exatamente a rua Larga de São Joaquim - era o principal viveiro delas.
Em fevereiro o 2º distrito da freguesia de Sacramento é de novo
I.MCDC n'lºll 11434, 1610/1881, APERJ.
' Ibidem, S
'lNdrm
“Ibldtm ÍI—IID. 12101881, APERI.
Deienção, 1158 Em 1682 quie vinte an
depois, sh com 19,48, perdend biral
". t: SNAOVISSA. , P ; Julvio. excrno de “Toraás de t21 "
7B
N A anraccão 1 a ol d b tar
pobres. À prisão de
novo pontorde engontro entre escravos e livres
se tornado, por volta desta
frequentadores de casas de zungu tinha
0S Mesmos grupos Se
época, uma rotina, e não deve surpreender que
sido violado
encontrem depois, em torno, Ou no mMesmo lugar que tinha
pouco depois pela brutalidade policialesca.
O Sr. Subdelegado do 2º Distrito do Sacramento,
acompanhado pelo tenente comandante da 2º Estação
Policial, deu busca ontem em diversos zungús, onde
prendeu vagabundos e escravos.
Pela polícia foram presos os seguintes escravos:
Jeremias, de João Brum; Prudência e Crispim, de D.
Gulhermina Durão Coelho; Margarida, de Sailes Aprigio
José de Souza; Florencio [sic] de Braz de tal; Roberto,
de Galdino Soares.'*
Geremias era um crioulo de 50 anos, baixo, e usava calça de
cor, camisa de meia e chapéu de palha.'** Ele não declinou aua origem
para o escrivão da Detenção. Prudência era uma parda de cerca de 40
anos, nascida na longinqua proviíncia de Santa Catarina.'* Escravos
de todas as partes do Brasil, comprados por abastados senhores da
capital do Império, que convivlam na Corte, tinham o zungú como um
ponto comum de troca e interação soclal com seus iguais, e esta arco
vai se ampliar ainda mais. Crispim, o próximo da fila, era um cozinhelro
nascido no Espirito Santo, 38 anos.** Margarida era carioca, jovem de
25 anos, lavadeira - a ocupação da esmagadora maloria das mulheres
pobres."* Florência - erroneamente reglstrada pelo repórter polícial
como Florêncio - lavadeira, 40 anos, não deu sua origem, como
Geremias, aos seus algozes.'* Por último Roberto, nascido na vila mais
próxima de Porto das Caixas, no fundo da Bala da Guanabara, 52 anos,
envergando um paletó pardo e um chapéu preto velho.'*
Infelizmente os registros de escravos na Casa de Detenção
não contêm endereço, e assim não podemos comparar de onde vieram
para poder encontrar seus iguais, ou mesmo se moravam no Zzungú,
como acontecia com uns poucos. Somente com os livres e libertos
poderemos ter noção do arco de influência que o zungú exercia ao seu
redor, atraindo indivíduos das mais diversas partes da cidade.
O ano de 1882 é o mais rico de informações sobre escravos. É
':Íl:uldac_lvrio. 10721882 /1
PICDCA4041, /.183, 0 02/1882. folha 241 APERIJ.
"'nun [P
79
o último registro de cativos entrando na Casa de Detenção antes da Lei
AÁurea. O mês de abril de 1882 foi pleno de atividades policiais. Ana foi
à primeira a embarcar na “gaiola” (carro da polícia). Africana da Costa
da Mina, 48 anos, quitandeira como grande parte das outras mulheres
de sua nação, Ana Ípica africana ocidenta! da Corte, cortejada
por escravos e pretos | peitada por alguns brancos de condição
mediana. e até temida por sua habilidade nos feitiços
e nas
mandingas."* Com sua saia de chita e seu indefectivel pano da costa,
era personagem imprescindível da paisagem carioca da época. Mas
todo seu garbo não impediu a humilhação de ser levada pelos
“meganhas”'* até a Estação mais próxima.
Os mais jovens logo seguiriam seus passos. Juvêncio - que
insístia em falar para os guardas que seu nome correto era Jovino - foi
pego na mesma leva.'*' Capixaba, como o crioulo Crispim, preso dois
meses antes, Juvôêncio vivia um cotidiano algo diferente da massa dos
outros escravos urbanos, pois sendo padeiro deveria conviver com
muitos outros llvres, bem longe da rotina senhorial doméstica. Venância
velo no mesmo carro que Juvêncio para o presídio.'º Filha da Bahia,
aproveltava às fugas ocaslonais do serviço doméstico para conversar
com suas amigas e amigos no zungu, longe da hierarquia do lar. Mas
a polícia buscava os refúgios de escravos fugidos em duas freguesias
ao mesmo tempo: Santa Rita e Sacramento.
A polícia deu busca anteontem nos zungús 169 da rua
de Teófilo Otoni e 175 da rua do Núncio, nos quais
prendeu diversos vagabundos.'*
O últlmo da lista no mês de abril foi o eríoulo Florentino, nascido
no outro lado do Município Neutro, em Guaratiba, já ancião com seus
60 anos.'* Seu elegante colete preto não permitia distinguir de imediato
que era um cativo. Oflclalmente a perseguição aos zungus era para
colbir refúgios para os últimos escravos da cidade, mas a presença
cada vez mais ostensiva de h U e libertos nestas casas trazia
novos signlflcados para o zelo repressor. Qualquer margem de
autonomia do trabalhador livre pobre era vista com desconfiança pelas
autoridades, e numa cldade coalhada de imigrantes europeus e pretos
llvres qualquer possibilidade de uma grande explosão social tinha de
ser abortada. :
No mês de outubro deste ano as medidas repressivas se
tornarlam ainda mais duras. Respondendo às ordens emanadas da
chefla de polícia, na rua do Lavradio, poucos metros dali, as patrulhas
éárcio. 2A OLV1682
1” LMCDC, nº5634, (.518, 27/0V1882, APERI. A prisão de
em ingamç à erbeios p
' Tbidem, [.526, 2904188?.
e Tbidem, (527,
. OLOS/1882.
' LMCDC, nº$634, (.1530, 3O0-V1882, APERJ.
80
de Sacramento botaram novamente a máquina na rua, e OS
“cardeais”'*já aprontavam O faro para à próxima caçada.
Não tardaram a dar com oS mesmos personagens, e no mesmo
no
endereço: um sobrado de dois andares, com três janelas colônias
alto, e seis portas, aparentando ser um botequim, '*ºna rua Gonçalves
Dias, nº 1 - que já tinha sido alvo de uma balrda no distante ano de
1868, como vimos - voltava a sentir o da Guarda Urbana.
Este episódio mostra que a ação pollcral nao rnllmldava os moradores
Irequentadores e mestres dos zungus. Depo
eles vottavam a seus hábitos costumeiros, Íossem lúdicos, rellglosos.
ou mesmo comunitários, as vezes na mesma casa. Desta vez a imprensa
deu uma cobertura mais ampla, talvez porque desta vez envolvesse
muita gente.
BUSCA: Pelo subdelegado do 1º Distrito do Sacramento
foi ontem dado busca nos zungús da rua Gonçalves
Dias, nº 1, 11 e 13, sendo presos os seguintes
individuos: Angeio Alonso, escravo de J, Larecl; Tomé
Ovidio, escravo do comendador Antônio José da Costa
Braga; Chnspiniana, escrava do Dr. Amaro Bezerra;
Máximo, escravo de Pedro Lopes da Silva; Maria Marta
e as pretas livres Marla Rufina, Jacinta Lúcia de
Azevedo, Virgínia Ferreira de Oliveira, Senhorinha
Gonçaives de Freitas, Marla Magdalena, Marcolina
Rosa de Jesus e Dolores Rios, paraguaia.'“'
Pela primeira vez t dad isd grand
de escravos e livres dentro do zungu. ea pamr distopode ter de alguma
forma os padrões que apontavam a f çã
e compadrio à sombra das casas coletivas de pretos e pardos. Ângelo
Alonso era um crioulo da Bahia com profissão de padeiro - mesma
prohssao do preto brasrlerro Juvenero. preso num zungu em abnl mas
jetar sangue
novo numa instituição quasesecular *o Cunoso que o escrivão da Casa
tenha registrado que ele trazia dois paletós. Tomé Ovídio vinha da mas
distante província do Pará, na Amazônia? Sua cor fula talvez traísse a
presença do sangue indígena.'** Máximo tinha vindo das Alagoas,
comprado por Pedro Lopes da Costa. Mesmo com a rdade madura de
42 anos ainda era copeiro, uma funçãog
A preta Chrispiniana era uma cozinheira pemambucana. Seu
senhor sendo um desembargador possivelmente pudesse livra-la de
7
“ CARDEAL F
ráeal ú PEDERNEIRAS, Raul, of. c
* Recomirocio
De ). Rocha Fragono. 1874.
ª/lmlnloC “ammér:
*- LMCDC oeº S6x nºrf omorsa. APERI.
eilr
um longo tempo no xadrez. Mas, ao contrário, foi das últimas a ser
Ilbe'rta.d'a.'ª' Hermínia parda era a última da fila. Conterrânea de
Chrispiniana, ela desírutava uma ocupação que dava mais autonomia
para agenciar redes de compadrio e solidariedade: vendedora de
quitanda,'*º
i Refletindo o peso do tráfico interprovincial, todos os cativos
vinham de bem longe do Rio, mais precisamente das províncias do
norte. Apesar de grande parte dos escravos desembarcados no Rio
estarem em trânsito para as vastas fazendas de café, a Corte tinha
uma camada proprietária suficientemente abastada para pagar os altos
preços do mercado de escravos do ínício dos anos 1880. Pode ser que
o fato de serem forasteiras, e quase todos do nordeste, ajudasse a
cimentar laços de companheirismo.
E osllvres e libertos?
O q dados p i di
de seu destino e sua desdita? Maria Marta, era uma parda, mas sua
pátria-mãe era a distante Corrientes, na Argentina."** Provável filho de
escravas - seu pal chamava-se simplesmente Pantaleão - ela era
da bacla do Prata, muitas décadas antes."* Com o fim do cativeiro nas
terras portenhas ela embarcou para a cidade do Rio, talvez em busca
de trabalho, ou fugindo do renitente racismo argentino. Na Corte do
Império ela sem dúvida encontrou muiltas mulheres mestiças que
passaram pelas mesmas agruras. Mais não conseguiu ascender
soclalimente: aos 47 anos Maria Martha ainda vivia de “serviço
doméstico". E a rua São Martinho, onde residia, ficava fora do centro
mais populoso e conhecido da Corte.
Jacinta Lulza de Azevedo já tinha mais intimidade com a vida
carioca, sendo nasclda na Corte, mas o pal, de nome Luiz, parece que
também era escravo."* Como Maria Marta, ela também fugia do serviço
doméstico para encontrar suas amigas na casa da rua Gonçalves Dias.
A preta Virginia Ferreira da Oliveira tinha a mesma origem, a mesma
profissão e a mesma Idade - 30 anos - de Jacinta, mas residia um pouco
mals longe: enquanto Jacinta era quase vizinha, residindo na rua da
Assembléia, Virgínla morava na rua do Bom Jardim, na freguesia de
Santana.**
Senhorinha Gonçalves de Freitas era mineira de 25 anos, e
apesar do nome, parecl fllha d Casimiro e Ana. Também
morava longe da Cldade Velha, ou p fregueslas urb WÊ
f " "
fgsse
possível que o zungú onde estas mulheres Se encontravam
livres
próximo da casa onde prestavam serviço, pois todas as mulheres
* Ioldem, .1214, n
" okiem. f.1215.
* LMCDC, nº4049, (.4769. 01/10'1882, APER).
À t ANDI
180
Y LMCDC nº4049, [.4770, ATERJ.
“ Ibldem, 4771
* Ibidem, (.4772.
82
eram empregadas domésticas. A balana Maria Magdalena foi a primeira
deixou
que morava na rua onde a polícia realizou a batida. Como ela não
o número, não podemos saber se era vizinha ou moradora dos zungús
se deslocar
da Gonçaives Dias.'** Mas para ela era na certa mais fácil
40 anos
para encontrar suas companheiras de profissão. A carioca de
Marcolina Rosa de Jesus também morava na mesma rua. Filho de
Manoel e Rosa, foi a seguinte na fila para deixar seus dados no grande
livro de matrículas da Casa de Detenção.'* h al
Já Dolores Rios, O Seu nome d | ão
Seu paiís de nascença era o Paragual, e nos seus 30 anos de idade
decerto ela sofreu as amarguras da guerra que destroçou sua pátria.
Como muitas, deve ter realizado a viagem ao Império Brasileiro em
busca de sobrevivência, Impossível na sua terra em ruínas.'* Seu
cabelo liso e negro e sua tez morena Indicam a ascendência guaran|
tipica. Isto não a impediu de conviver entre negras e mulatas, que eram
a maioria nos zungus. Atê porque morava na mesma rua. À morena da
Bahia Maria Rufina, a última na fila do escrivão, também não era negra,
com seus cabelos crespos, e com certeza era (ilha de pessoas livres,
mas andava um bom pedaço de sua casa - rua Formosa, no Mangue -
para conviver com suas colegas de ocupação.'*'
Todas de serviço doméstico, quase todas pretas ou pardas.
4 pacionals e de cor são fat important truçã
de uma comunidade em torno do zungu. E também a solidariedade na
perseguição. Mesmo não sendo escravas fugidas - que era oficlalmente
m áAria ta nria4ão
o alvo das
fichamento e interrogatório de suas camaradas cativas. Nos gráficos
trataremos melhor estas questões. E Jog: luz partícul te nos
dadosdo zungu d Gonçalves Dias. Vamos agora levantaros últimos
dados, referentes a homens livres, presos nos derradeiros anos da
perseguição polícial aos zungús ou zungas. E também nos estertores
da era das casas de angú da Corte Imperial do Rio de Janeiro.
O subdelegado da Glória, Dr. Francisco Correia Dutra, esperou
a madrugada para realizar sua operação. Ele sabia que nas casas de
seus
dar feitiço somente de noite poderia encontrar as mestras e
discípulos, que aproveitavam a escuridão para realizar seus “trabalhos”.
a
Acompanhado dos inspetores de quarteirão, e do escrivão, ele subiu
Seu
rua das Laranjeiras, rumo ao bairro conhecido como Cosme Velho.
objeto: o zungú da ladeira dos Guararapes.'º
Na casa suspeita ele prendeu o
A missão foi bem sucedida.
mestre Laurentino dos Santos junto com cerca de vinte pessoas, entre
escravos e livres, a quem este “prodigalizava fortuna”. Na casa,
localizada no antigo Pendura Saia, o subdelegado encontrou diversos
83
vasilhames de barro com raízes, pós e águas, onde haviam grandes
favas. Uma grande variedade de búzios, ervas e caramulos também
foram encontrados. Em um dos quartos as com
numerosa quantidade de lmagens de santos, desde santos católicos
até indecifráveis totens “africanos
Nos interrogatórios subsequentes os clientes do mestre
ter decidido recorrer a ele para buscar cura para seus “males
físicos”, pois Laurentino tinha grande fama de curandeiro. Entre estes,
uma criança: Júlia, 9 anos, liberta, que mesmo tão nova tinha ocupação
de costureira."** Pode ser que fosse aparentada com o mestre
Laurentino, pois o endereço dado para o escrivão foi “rua dos
Guararapes”
Outro detalhe curioso: ao ser perguntada sobre sua filiação
respondeu ser filha de Florentino e de Maria Luiza. Coincidência - ou
não - um Florentino foi preso em uma casa de zungu em abril de
1882 .(ver nota 143) Como liberta Júlia teve país escravos, o que aumenta
ainda mas nossas suspeitas. Sobre a mãe, nenhum indício. Muito dificil
será resolver este enigma.
Com seu vestidinho de chita Júlia deve ter ficado vários dias
num cubículo individual da Detenção. O escrivão não registrou a data
de sua saída. Pela sua idade, pode ter sido entregue ao juiz de órtãos
Júlla, já desde a tenra infância, vívia as agruras de seus pais e parentes
próximos, na fuga interminável do braço policial, que os caçava onde
esllvesse na rua, no trabalho, ou ocullas em casas secretas.
quulldv fichas das vitimas da viqit:a
polícial conlra oS zungus parece que tocamos numa imensa de rede de
família a compadrio, onde personagens saltam de uma casa coletiva
para outra, I(requentadores de uma casa de Zungu conhecem os de
outra, e vice-versa. Multo difícll recompor toda a tecitura social que se
esconde por trás Já que a rede de casas de pouso de pretos se
organlzava nos subterrâneos. Os momentos infelizes, para suas vitimas,
da incursão políclal, são as únicas horas em que o olhar do pesquisador
adentra as portas destas misteriosas micro-comunidades urbanas.
Tal como ocorreu com os escravos, será na virada das décadas
de 1870 e 1880 que teremos mais evidência da presença de indivíduos
livres nas casas de zungú. Como já vimos, o ano de 18698 foi de grandes
sustos para os aqueles que pedlam acolhida nos zungus. Mas será a
partir de 1879 que a ofensiva das hostes da ordem pública será mais
forte.
Mesmo sendo uma época onde a legitimidade da propriedade
escravista estava sendo contestada em todos os meios, e na qual! o
debate político se tornava cada vez mais acirrado, à imprensa ainda
observava os zungús com os mesmos olhares preconceituosos da
"“ LMCDC, nº40S1. [.87. OS V11879. APERJ.
84
sociedade senhorial. Até a imprensa mais avançaqa. como a Gazela
de Notícias - porta-voZ pioneira da campanha abolicionista - ao_lralar
da
dos zungus repetia os ranços do passado. Num comentário crítico
pouca salubridade d tações policiais da Guarda Urbanao articulista
repete os tradicionais estereótipos das elites dirigentes sobre as casas
coletivas, pretextos para a rigorosa vigilância policial sobre elas.
As tais estações dificiimente podem ser diferencladas
dos imundos zunguús, em que se reúnem os criminosos
e se premeditam os crimes.'*
Nos últimos dias desta ano Maria Francelina do Amor Divino
vai se tomar mais uma mulher fichada pela polícia por estar em um
zungu proibido por lei. Mas ela destoava da maloria das participantes.
Cozinherra, nascida em Aracati, Ceará, branca, de cabelos grisalhos,
estava se tornando sutici te elástica para abarcar trabalhadores
hvres, brancos, europeus, estrangeiros.'* Além disso ela também serla
deuda por ter injuriado o polícia! rondante que deu o flagrante.
Mas seria em 1881 que os livres e libertos - que Já eram a
ampla masoria na sociedade carioca - entrariam com toda a força nos
registros policiais da perseguição aos zungús. Em 16 de outubro de
1881 uma varredura na rua do Núncio rendeu pelo menos três prisões:
Agostinho Gonçalves Coelho Valadão, 44 anos, nascido em Angra dos
Reis, casado foi detido por ser “vagabundo e ser encontrado em
zungu”."* No dia seguinte ele recobraria a liberdade. Suas
companheiras teriam menos sorte. Diolinda Cândida da Silva, 27 anos,
mineira, como muitas d. lh gras de zungú vivendo do “serviço
doméstico”, só foi solta dia 24."'* Como Maria da Conceição, morena
de Pernambuco, viúva, também “doméstica”, e que ao contrário de seus
dois parceiros de infortúnio, não residia na rua do Núncio, mas na rua
Machado Coelho, no subúrbio.'*
Somente no final de dezembro à caçada aos zungús lria
recomeçar. Mas desta vez um personagem da alta hierarquia das casas
coletivas de negros iria cair na rede. Francisco Antônio, nação mina,
nã ap particip d itárias, mas um mestre,
responsável pela organização dos eventos ali realizados, até mesmo
perante as autoridades policiais."* Nascido na África Ocidental, de
Profissão “ganhador” - com certeza uma herança dos tempo do cativeiro
-do alto de seus 79 anos era sem dúvida figura respeitada pelos outros
MaiS novos, fossem escravos ou não. A autoridade responsável pela
EEmA & Nodraa a
"“LHCDC.
mcn::;:;" r'.zgl.lzlªum. APERJ.
:I DTRN. (.4%67, 1610/168], APERJ. .
.
M LMCDC 31 [5723, 22/12/108), APERJ.
85
prisão registrou sua detenção por “consentir dentro dentro do zungu"
que ficava no Beco dos Ferreiros, quase nas escarpas do Morro do
Caste]o, onde também residia. Menos de um ano depois o mina
Francisco Antônio enfrentaria de novo o escrivão da Detenção."”*
o Uma semana depois da prisão do mestre Francisco a rua do
Núncio assistiria outra batida polícial, já quase uma rotina para os
moradores pobres desta área. À parte policial do Jornal do Commércio
deu seu muito destaque.
VADIOS. Foram presos anteontem pelo subdelegado
do 1º Distrito do Sacramento, por terem sido
encontrados em um zungú da rua do Núncio, o preto
livre Manoel Francisco, Francisco Pereira da Silva, Maria
Carolina e Maria Filomena Conceição Barreto.'”*
Maria Filomena foi a primeira na fila do escrivão. Maranhense
de nascimento, 23 anos, filha de Lucas e Dionísia, lavadeira, morava
no Estácio, na rua São Carlos.""? A cozinheira carioca Maria Carolina,
parda de 40 anos, viúva, seria a seguinte. Mas residia mais próximo., na
rua do Espirito Santo, que desembocava na praça da Constituição -
atual Praça Tiradentes.””*
Duas semanas depois nova diligência na área, é como sempre
parece que os detidos não esboçaram qualquer resistência. No mesmo
dia em que o africano mina Julião ia para trás das grades (ver nota 129)
mulheres llvres também eram trancafiadas, mas com o pretexto de não
terem “ocupação honesta”.
POLÍCIA. Os Sr. Desembargador Chefe de Policia
expediu ontem os seguintes ofícios. Ao sr. subdelegado
do 2º Distrito do Sacramento recomendando que faça
assinar termos de bem viver...Joaquina da Conceição
e Romana da Conceição, as quais não tem ocupação
honesta."”*
Mas na verdade o motivo das prisões de Joaquina e Romana
foi por serem encontradas em um zungu. Aparentemente, dentro dos
códigos usados pelos policiais e seus superiores, a repressao' aos
zungus Se ligava com a repressão a prostituição, pois as mulheres Ilw_es
de cor eram, na cabeça dos policiais, prostitutas até prova em contrário.
Este p ito deve ter atingid duas pretas. Mas Joaquina,
nascida Bahia, 26 anos, moradora no distante Engenho Novo, afirmou
ao escrivão ser lavadeira.”"* Mesma alegação da carioca Romana, 16
anos, filha de Bernardo e Rogéria, talvez escravos, mas que morava na
mais próxima rua Estreita de São Joaquim.""*As duas receberam o
' LMCDC, nº1962, ( 2900. 07T.06'1882. APERJ.
"" Joenaldo Commércio, VIVISSO.
" LMCDC nº1981, .6 29 1UISSE APERJ,
" Ibidem, (.66)
v Jarnaldo Commércio, 20011882
OALMCDC, n*3981, (.207, 190V18S2, APERJ.
86
nas alegações
epiteto menos honroso de “vagabundas”, algo comum
Detenção.
de prisão de milhares de indivíduos na
das
O ano de 1882, como já vimos, 6 de Intensa perseguição
aos zungús. Tudo indica que neste ano teve lugar a última
autoridades
a 2 . iainlaennira 1tl ” aa a llharino
clímax destes
;ntes da onda repressiva de 1890. O mês de abril foi o
recebeu onze
ataques. Em apenas um dia a Casa de Detenção
indivíduos encontrados em zungús, uns em “desordem” outros
praticando “imoralidades”. ” Ba s " nia
r— : : á, l
30 anos,
O português Francisco Rodrigues, orlundo da cidade do Porto,
cozinheiro, poderia estar procurando alguma mulata sestrosa, lá queo
nº1960,
zungu tinha lorte participação feminina.'"? O detento seguinte, de
jáà parecia bem mais famitiarizado: Eva Maria da Concelção, 30 anos,
zungú
doméstica, era a mesma jovem negra encontrada como yaô no
da rua Principe dos Cajueiros nos Idos de esetembro de 1879 (ver nota
91) Três anos passados ela continuava sendo freguentadora de zungús,
tudo indica, e a coação policia! do passado não bastou para alastá-la
ela
das casas de coletivas e de “dar fortuna”.""* Coincidência, ou não,
fora
morava na rua do Livramento, bem próximo da cagea que em 1879
a
palco dos misteriosos e obscuros ritos religiosos que acabaram
levando para a cadeia.
Já Florinda Maria da Conceição formava a típica mulher negra
o
de zungu. 40 anos, nascida na Corte, trabalhadora doméstica. Ignora
nome do pai e a mãe é simplesmente Joana.'* E morava bem longe,
nos arrabaldes da cidade.
Efigênia Maria Rosa da Concelção, 60 anos, filha de Joaquim e
de
Pulcheria, nascera na província do Rio, mas precisamente na vila
Maricá, mas residia na mais próxima rua Larga de São Joaquim,.'*
Todas as mulheres usavam roupa “de cor”. Será que era algum código?
Rafael
O próximo da lista era o elo de sempre com à tradição africana.
Mina insistiu com os polícia que era livre, apesar destes não ficarem
muito convencidos.'"' De idade 60 anos, sem ocupação, parecê que
no zungú da rua do Núncio, pols somente ele
era o único que residia
2º Distrito do
morava dentro da jurisdição do subdelegado do
Sacramento.
era Catarina
Catarina Maria - que de acordo com os policiais
os padrões etários
Maria Amadeu - era também de Idade avançada para
nasclda na Corte,
da época: 43 anos.'º Filha de Félix e Joaquina,
também usava saia e paletó “de cor”, e era oria gad
das mulheres - de ocupação “doméstica”. O último desta leva foi o balano
"” hidesa 30
"” LMCDC nº396]. L1959. 1MOA/1682. APERSJ.
"“ butom .1.1960.
67
Eduardo Ferreira dos Santos, preto, calafate, que do alto de seus 68
anos parecia ser o único filho de pessoas livres ou libertas."º Tal qual o
africano Rafael el idi rua do Núnci, A Imant,
P
a batida. '
— — Tudoindicaqueestasdetenções foram de apenas uma casa,
pois à alegação de estarem em zungú"praticando i lidades” remete
a alguma noção de prostituição ou “tolerância” como se dizia na época.
Outras prísões no mesmo dia indicam Motivações diferentes.
O dia 13 de abril foi de ampla varredura no 2º distrito. Diversas
habitações forgm vítimas da sanha polícial, e dentro de uma delas foi
encontrada !.unza Gomes da Mota, parda de Niterói, 36 anos, filha
de
um homem lívre - Antônio de Melo - e de uma escrava - Luiza, costureira,
presa por “desordem em zung(r”.'*” A motivação diferente aponta alguma
forma de música ou festa barulhenta, como era o estereótipo de zungú
forjado por policiais e literatos.
Seu companheiro de “gaiola” foi Manoel Liberato do Nascimento,
22 anos, pardo, nascido na pitoresca Parati, no su! (luminense."* Como
sua colega anterior ele residia na conhecida rua do Núncio. Quando
perguntado da lillação, só leambrou da mãe, Camila Maria Liberata. Em
seguida vinha Felismina Maria da Conceição."* Nascida na Corte,
adolescente de 16 anos, “doméstica”, muito provavelmente ela era imà
ou parente de Manoel Liberato, pols sua mãe tinha o nome de Camila
Liberata da Silva. Seria a mesma mãe de Manoel? Esta dúvida talvez
fique para sempre.
No fim da IiInha estava a preta Maria Felícia da Silva, também
da Bahia como Eduardo Ferreira dos Santos. Filha de Marcolino e
Matllde, 21 anos, ofício “doméstico”, a preta Maria, como os quatro
personagens anteriores residia na rua do Núncio, o alvo da truculência
policlal.'” Estes últimos parecem todos residirem no mesmo lugar. no
zungú vasculhado pelas agentes da ordem pública, ou então, como
forma de despíistar os repressores - que sabiam que o Zungu era uma
casa de pouso, ou moradia temporária - alegaram morar na casa, o
que não era muito comum para um zungu. Todos estes quatro úlpmos
foram detidos por "desordem no zungú”, diferentemente dos antenores,
indicando que foram várias batidas num mesmo local, desbaratando
diferentes comunidades, num dla agitado na freguesia do Santíssimo
Sacramento.
Somente em junho o Carro da Casa de Detenção torna a trazer
um morador de zungúpara o presídio no Catumbi. Francisco Antônio, o
africano mina mestre do zungudo Beco dos Ferreiros volta ao arçer_e.'ª
Era a segunda prisão em uma ano (ver nota 168). E na certa ele já tinha
passado por esta situação antes. Desta vez o escrivão esqueceu de
“ Ibldem. L1969,
« LMCDC nº 2962, 1.2900. 07/06'1882. APERJ.
88
Mais
anotar o dia da soltura, e acrescentou que ele era “ébrio habitual”.
um pretexto para o Xadrez.
Nos últimos meses do ano a engrenagem repressiva voltava a
preta de
funcionar. Alexandrina Maria Rosa da Conceição, 30 anos,
do preto
Niterói foi presa na mesmo beco onde funclonava o zungú
Seria
mina Francisco Antônio, no 1º distrito da freguesla de São José.'*
Alexandrina uma discipula do velho africano? Com certeza ele tinha
vasta clientela, e grande prestígio entre a população negra, escrava ou
livre, da cidade - como muitos outros velhos africanos na Corte - no
papel de guardião das tradições ancestrais.
Em seguida vem a batida no zungúda rua Gonçaives Dlas, que
já vimos. Escravos, libertos 6 livres estavam agora Juntos, Irmanados
para
pelo olhar implacável do (aro policial. Teremos de esperar um ano
de
ver nova incursão polícial, arrancando homens, mulheres e crianças
donos
seus lares e amigos para prestarem esclarecimentos perante os
da ordem na Corte Imperial.
Desta feita as inf ções Indicam que tinha se fechado
podemos
sobre uma única casa, na já conhecida rua do Núncio. Assim,
micro-
ter certeza que o grupo capturado corresponde a uma só destas
comunidades, com uma identidade própria, e laços de compadrio,
de
indicando quais os fatores que poderiam contribuir para a crlação
diferente
uma destas casas coletivas. Cada jornal enfatiza um detalhe
da operação.
BUSCA. O Subdelegado do 2º Distrito
do Sacramento deu busca ontem às 8
horas da noite em um prédio da rua do
Núncio 35F e ali prendeu vários
vagabundos.'*
Já a Gazeta de Notícias registrou a hora em que a polícia deu a
de
batida, e a quantidade de vítimas, apesar de deixar a responsabilida
do ato para o inspetor de quarteirão, não para o subdelegado.
35 F
Na casa denominada zungú da rua do Núncio nº
pelo
foram presas anteontem as 8 horas da nolte
foram
inspetor do 11º Quarteirão sete mulheres que ali
encontradas na prática de atos imorais."*
Elvira
Elvira Maria da Conceição - conhecida também como
Júlia - era uma simples lavadeira, parda de 25 anos, rosto
* LMCDC
e 4049, (405], 15/0/1882. APERI.
7 fornal
do Cameníreio, 1$/11/1883.
m Gazeta
de Notícias, 1611/1883. 62
89
redondo.'*? Residia muito próximo da casa invadida pela Guarda Urbana,
no número 17 da mesma rua do Núncio. Foi encontrado no 2zungú
“praticando atos imorais”. Leonor Fernandes da Costa, 21 anos, de cor
parda, casada, com ocupação de “doméstica”, a próxima a desembarcar
da gaiola, já resídia um pouco mais longe: na rua da Misericórdia 58, na
freguesia de São José.”** Leonor usava um chapéu branco, algo
incomum no traje feminino do tempo. As duas eram nascidas na Corte.
Já Carminda ou Carolina Maria da Glória, tinha nascido na
bucólica Maricá, 19 anos antes. O ofício de engomadeira era mais um
fator que a aproximava de suas companheiras. Como Leonor, ainda
teve de suportar à acusação de “vagabunda”" e desordeira. Mas ao
contrário de suas colegas, vinha de longe para se socializar com suas
iguais: resídia em Praia Grande, hoje Niterói."**
Amélia Maria da Glória eram uma jovem de apenas 17 anos, e
pode ter acompanhado sua irmã Carminda - ambas filhas de Antônio
Fernandes dos Santos e de Maria Rita da Conceição - da distante Maricá
para as movimentadas e perigosas ruas da Corte, pois também residia
em Prala Grande. Sua trajetória repõem em questão os canais
subterrâneos que ligavam a capíital do Império com os quatro cantos da
província fluminense, e como estas moradia coletivas de escravos e
forros retinham encruzilhadas decisivas nesta rede, cuidadosamente
didas das autoridades políciais. As duas irmãs seriam soltas juntas.
quatro dlas depois da sua entrada na Casa de Detenção.
Felismina Marla da Conceição já era familiar para os olhares
pollcials. Era a mesma Fellsmina que já tinha sido presa em abril de
1882! (ver nota 186) É multo provável que alguns indivíduos tenham
sido presos várias vezes, como frequentadores contumazes de
habitações coletivas de pretos, e assim passado inumeráveis vezes
pelos mesmos corredores policiais, para enfrentar a catadura sinistra
de escrivães e carcereilros.
Curloso que em novembro de 1883 Felismina residisse no Morro
da Providência, a cavaleiro da Estrada de Ferro Pedro Il. e ainda
(requentasse os zunguús da rua do Núncio. Quando da prisão de 1882
ela morava nesta própria rua, Será que o paletó branco que envergava
em 1883 é o mesmo de um ano antes?
Maria Antônia da Concelção, 20 anos, cor parda, lavadeira,
nasclda na longínqua Paraíba do Norte, guardava uma singularidade
de suas colegas de boletim de ocorrência: morava no mesmo endereço
do zungú vasculhado pela polícia. Escaldados de décadas de
suas
perseguição polícial, os participantes de zungus ocultavam
comunidades no labirinto de cortiços, quintais, quartinhos, numa
barafunda sem fim, exatamente para escapar de seus algozes. À
geogralia da “Cidade Negra", como diz Sidney Chalhoub, ajudava a
" LMCDC, n 2. 1.6712. 1111888 APERI,
v Ibldem. .573. Vánrios p ç h ds Casa. Dal o
desoomçasto do mimero dn fichas.
v lbidem, [.3938,
que muito possivelmente
manter encoberto estas micro-comunidades,
se relacionavam entre si. i
da cidade - na
No mesmo dia uma batida em outro canto
ainda pouco
freguesia de Santa Rita - revelava uma face do zungú
As informações
conhecido: um casa coletiva somente de homens.
uma casa de zungú.
jornalísticas não indicam que seja
O zeloso Sr. subdelegado do 1º Distrito de Santa Rilta,
comendador Anardino Borges de Almelda,
panhado de pollciais da 6º Estação, deu um cerco
ontem, as 5 horas da manhã, nas casas de alugar
cômodos da rua da Prainha nº 13 e 100, prendendo na
primeira 30 e tantos Indivíduos, e na segunda 3, por
não terem dado explicações satisfatórias àquela
autoridade da sua permanôncia all. Foram intimados
os locatários das mesmas casas por faita de asselo.'*
Dois dias depois o mesmo jornal publica outro artigo exlIbindo
outra faceta do perigo desencadeado pelas casas coletivas: a ameaça
à salubridade pública, igualmente visível nos cortiços, onde resldia
grande massa de trabalhadores desvalidos.'** Era mais um motivo para
legitimar a truculência polícia!.
O Sr. Subdelegado de Santa Rita diriglu o segulinte ofício
a presidência da Junta de Higlene Pública: no exercício
de minhas funções policiais, visitando diversas casas
do 1º Distrito de Santa Rita, verifiquel a não observância
dos preceitos higiênicos tão recomendados por esta
ilustre junta. A faita de asseio nas casas , a agl çã
de d quadra que at constituem
um perig te para a saúde pública. Não existindo
nessa freguesia comissão sanitária cumpre-me levar
ao conhecimento de V. Exc. estes fatos, para que se
digne a providenciar como convém a saúde pública da
Capital,*
Os receios dos zunguús servirem de esconderijos de escravos
diminulam na mesma intensidade que a própria propriedade escrava
na cidade encolhia assombrosamente, agora sob os golpes da
campanha abolicionista. Entretanto, o medo da cidade insalubre, da
epidemia, da “peste amarela” como os jornais divulgavam, municiava o
arsenal das autoridades p stimular a caçada aos zungús. As elites
sempre arranjam um motivo “científico” para esconder seus próprios
* Gazriade Natícias, 1$/11/188),
* Va CHALHOUB,
" Gazria
de Notícias. UIN/1883.
91
temores e interesses.
Apesar dos jornais relutarem, os agentes i bidos de realizar
as detenções foram unânimes em afirmar que aquela casas suspeita
em Santa Rita era um zungú. Um zungú sui-generis, é verdade, pois ao
contrário da presença feminina majoritária, como vimos antes, este era
aparentemente um reduto masculino.
a .? Ef)du.gu_es. de Efraga !Áanoel Moreira testemunha a intensa
g portug população negra na Corte,
escrava ou livre, africana ou crioula. Esta circularidade foi possível! pela
proximidade ocupacional e social entre lusos e negros, característica
da sociedade urbana brasileira das últimas décadas do século XIX. O
carroceiro Manoel, de 32 anos, além de ser encontrado num zungú,
ainda teve o agravante de não provar, para os agentes de polícia, que
era trabalhador, alegação comum para todos nesta “jangada”.'*
A P PP imianaranta6 ares
s retrata i[
r ” Lai
s. m
as Ç étnicas R q tinham lugar demroíâas casas
de zungú. Apropriadas por não-negros e não-escravos, elas ampliavam
seu arco de clientes, se tornando até mais perigosas do ponto de vista
das autoridad gadas d trole da massa trabalhadora. João
da Cruz também apontava para isto. Marinheiro, 45 anos, português de
Santiago - o escrivão registrou “brasileiro" mas logo depois corngru com
lápis acima - ele devia morar a bordo de um dos navios surtos na Baia
da Guanabara, pois perguntado de seu endereço disse não ter
moradia.'**
O próximo homem era alnda mais “estrangeiro” que os
anteriores. Teólilo FIguelredo era da mesma pátria que à paragua'a
Dolores Rios, presa um ano antes (ver nota 160). Branco de um pais de
onde
guaranis, o catraieiro Teófilo deu como endereço a mesma casa
no
existia o zungú: Largo da Prainha 13.ºº Quase todos os presos
em uma
zungú masculino da Prainha eram das profissões da estiva,
por navios vindos de todas as partes da
região de marinha frequentada
cor fula. maritimo
Baía e além. Como Migue! José de Lemos, 33 anos, de
Batista. 49 anos,.
de Pernambuco.2º Quase conterrâneo de Cândido Josê
também maríitimo.“?
nascido na Paraíba do Norte, também de cor fula,
mar, bem diferente
Eles formavam uma comunidade de homens do
daquelas da freguesia do Sacramento, mas não podemos esquecer
já era conhecida
que na repressão de 1868 a freguesia de Santa Rita
das autoridades.
João Vãz, o seguinte na fila da identificação, era estranhamente
ser quê o so! forte do
um caboclo nascido em Braga, Portugal.?* Pode pele do português que
a
trabalho naval tenha encrestado de tal forma
de indígena, dentro dos
ele tenha passado frente ao escrivão com a cor
PM
v LMCDC, nº4312, (375), VOLVISSA APERJ,
1 Ibidem. (.8734,
* Ibidem,. 1.5755.
“ Ibrdem, 1.5756,
“Ibidem, 1.5187,
“bukem, 1.8788,
92
padrões d las autoridades da polícia. Mas este lusitano
ficaria pouco lempoencarcerado no dia segumte ele poderia recobrar
a liberdade, algo raro neste grupo
João Natunha - ou João Naluba como gostaria de ser chamado
- já vinha de um local bem mais próximo: Irajá, na freguesia do Engenho
Novo.º* Mas não declarou sua profissão. O que não ocorreu com o
alagoano de Maceió Henrique Antônio Lessa, maritimo de 18 anos.ºº*AÀ
mesma cidade de João Lopes de Faria, 26 anos, que foi o único que
residia fora do zungu, na rua da Sabão, no Mangue.?*”
A grande comunidade balana da Corte se fez representar pelo
pardo Augusto de Oliveira, de proflssão desconhecida.º?* Da província
do Rio - mas precisamente de Rio Bonito - vinha João Moreira Amorim,
ou João Conceição de Amorim (como preferia ser chnamado) um mulato
de 40 anos."* Não se sabe se a autoridade estava usando o pretexto
de zungu para invadir uma residência - como provavelmente foi feito no
caso do preto Adão José da Lapa, que vimos no começo do texto - ou
se realmente este era um zungú especial, desligado das tradições
reigiosas e de “dar fortuna” que já observamos em diferentes exemplos.
Mas o fato é que esta seria a última grande prisão em massa
de membros de zungus no século. As transformações rápidas que
aungiam a cidade e o país - visualizadas na Abolição e na chegada da
Republica - varreriam os cenários tradiclonais da cidade escrava e
a!ricana que tinha ficado célebre nas décadas anterlores. Estas
manitestações culturais da herança afro-carioca só eclodiriam em
êspasmos 1solados, anunciando a morte próxima da “Cidade Negra”
nas demolições de Pereira Passos.
Mas estes espasmos alnda despenavam a atenao dos lrscals
da ordem. O ano de 1885 seri
de zungu dartam o ar de sua graça nos longos corredores da Casa de
Detenção da Corte. Como que experientes na tática das autoridades
eles agora camultavam suas atividades dentro de tabernas, no fundo
de botequins, que pareciam ser apenas locais de venda. Mas isso não
impediu que as informações chegassem a cúpula.
CERCO. O Sr. Leite Borges, subdelegado do 1º Distrito
do Sacramento deu cerco anteontem às 11 horas da
none no botequrm nº 7 da rua do Regente, ponto de
nnrnndnu lulieta
Mana da Conceição, Elvira Candrda da Conceição,
Porfiria Maria Rosa da Conceição e Manoe! Carlos
Augusto, todos conhecidos vagabundos e
desordeiros.2'º
93
O jornal O Paiztambém noticiou o fato.2" Na Casa de Detenção
somente temos três mulheres fichadas, três jovens que tentavam manter
a tradição comunitária criada por suas avós, e que por isso foram
ferozmente perseguidas.
A primeira foi Eliza Cândida da Conceição (que no jornal é
Elvira), 17 anos, cozinheira, nascida na Corte.2"? A preta Eliza ficou
excepcionalmente um mês nos cárceres apertados da Detenção, muito
mais que a grande maioria dos detidos por contravenção ou delitos
pequenos. Como a maior parte dos escravos, Eliza desconhecia o nome
dos seus país. Morava muito próximo, na rua do Hospício.
Sua colega de infortúnio, Julieta Maria da Conceição, 18 anos,
tinha de diferença o local de origem: era nascida na distante província
de Santa Catarina.º** Seu paí, pelo nome, parecia ser um escravo. À
lavadeira Julieta morava na mesma rua onde funcionava o botequim
alvo da operaçao poluclal Pelo menos estava próxima de suas iguais.
Out: do zungu que funcionava
num botequlm como fachada - era Maria Luiza da Conceição. lavaderra,
20 anos, preta (como todas as outras), aparentemente órtà de pa:i e
mãe, pols ignora até seus nomes.?'* Todas loram presas por
“vagabundas”" e "provocar desordem”, além do motivo usual por nós
procurado. Isto remete a uma festa, ou alguma atividade coletiva. até
de fundo relligioso, que fol omíitida pelo jornalista ou pelo policial de
plantão. Multas lacunas permanecem nesta história.
Mas o personagem mais marcante deste episódio viria por
último: Manoel Carlos Augusto se dizia português, mas na verdade era
um preto africano de Cabo Verde, de 26 anos. carregador - como muitos
escravos de ganho em tempos ldos - filho de Antônio Francisco e Maria
José.?'* Manoel simbolizava o nebuloso e pouco conhecido fluxo de
cabo-verdlanos para a cidade do Rio de Janeiro nas últimas décadas
do século XIX mantendo os Ilames com as terras africanas mesmo
depolsdo flnitivo do tráfico n o, em 1850. Estes africanos
se mantiveram ocultos no selo da vasla populaçáo estrangeira da Corte
porque alegavam para todas as portugueses. e assim
o pesquisador desavizado, com uma informação simples da
nacionalidade, val indiferenciá-los da massa lusitana branca e européia.
Mas os livros da Casa de Detenção apontam uma numerosa
colônia negra de Cabo-Verde vagando pela cidade, se socializando com
a população negra, africana e crioula, cativa ou livre, residindo em pontos
chaves da cidade para a distribuição étnica da gente “de cor."?'* Manoel
* Jornaldo Comnércio, OLOXISSS.
" “O subdelegado do o É À demonkeiros
l»omcru Ol'm . 02ONISSS. L1
LA n*4O3S, 1.964, 01 ºl 1SSS., APERJ.
idem, Í%'l
4
Carlos também resídia na rua do Regente, e ficaria dez dias curtindo a
“hospedagem” do xadrez, antes de voltar para às ruas.
A partir de 1885 as evidências de Zzungú começam a escassear
rapidamente. Decerto aSs autoridades tinham novos problemas cada
vez mais prementes para resolver, ao Iinvês de flcar monitorando
reuniões de lavadeiras, que logo depois eram soltas para se reunirem
de novo. Mas algo indica que a cultura popular no Rio também estava
em ebulição, deixando para trás velhos símb:
a cidade da Belle Époque, e ao q Í )
modema. O zungu também desapareceria nesta virada.
Em 1886 somente uma ocorrência aparece nos registros
policiais. Fugindo do congestionado e aglomerado centro velho, os
sungus remanescentes se espralam pela periferia da cidade em
crescimento. O bairro da Glória, com seus morros, becos e vielas, se
tomará um refúgio procurado para as casas coletivas, seus “mestres” e
dscipulos.
CERCO. O Subdelegado da Glória deu cerco
anteontem, as 9 horas da noite, na casa denominada
rungú da rua de Pedro Américo nº 4, onde residem
Fuão Gonçalves e Sitvério de Tal. Foram presos João
Vivelros, João Augusto Machado, Marla Felícia de
Jesus, Fortunata Filomena Maria Luiza e Napoteão José
da Silva por serem vagabundos .2"
A ssA tal * | '- riuãa da Dª'ªnºão
Fontunata Filomena Maria Luiza, tinha apenas 16 anos, vinha das Minas
Gerais, trabalhava como "doméstica” e era filha de Francisco e Filomena
(escravos?).?'* Foi remetida pelo subdelegado ao Desembargador Juiz
de Óriãos da 1º Vara, decerta para ser colocada em uma Instituição.
Tudo indica que ela foi levada ao zungú da rua Pedro Américo, pois
residia na rua das Laranjeiras, alguns metros dali.
Maria Felícia de Jesus já era uma parda com mais idade - 35
anos - e tinha pação de Fortunata.?"* Sua orígem repousava
mais próximo, na cidade de Magé, na província do Rio. Ironicamente a
mesma Magé que em 1839 tinha assistido a chegada de Catarina
Cassange, a personagem primeva das nossas casas de zungú, e que
A A " A midm
nne abriiítoft s. ". "
Os personagens mudam, mas os cenários mantém sua lhagia de
mistério e nebulosidade. Residia a parda Maria Felícia na rua da Pedreira
da Candelária, (atual Bento LisboaZ) Inão À eta Manhar,
A P”
jÀ TALNaAUO,
o tnro 400 de 1675.
95
preto _nasmdo na Corte, que do alto de seus 64 anos
deveria exercer
_for1e influência sobre os outros membros da casa
coletiva.=2' João
IgNnorava - ou se recusava a declarar - o nome de
seus pais para seus
captores. Foi solto em 11 de Maio, uma semana
após a ocorrência,
como Maria Felícia.
O novo chefe de polícia do Gabinete Conservador que
tomou
posse em agosto de 1885 era Coelho Bastos, figura
temida e arbitrária,
como seu chefe no governo, o Barão de Cotegipe.=2
Nestes anos
derradeiros do cativeiro a perseguição aos abolicionistas
e aos escravos
fugitivos que escolhlam a Corte como refúgio
ainda foi implacáve!.
CERCO: O Sr. Dr. Lima, Subdelegado do 1º Distrito
de
Santana, acompanhado de seu escrivão e do alferes
Dionísio Comandante da 8º Estação Polícia! deu cerco
anteontem à noite no botequim da rua de Visconde de
Itaúna 127 e prendeu os viciosos Domingos Alves da
Costa, Josó Henrique Santos, José Manuel Araújo,
Maria Joaquina da Conceição, Celestina Maria da Silva
e Cândida Maria da Conceição.
A mesma Autoridade deu em seguida cerco e busca
em uma casa denominada zunguú da rua de General
Caldwell onde &rendeu as vagabundas Maria Eutália
da Conceição, Maria de Souza e Rodrigo Joaquim de
Santana. Por ordem da autoridade polícial (oram todos
recolhidos à Casa de Detenção, sendo lavrado auto de
gglgragtªe contra Araújo que tinha uma navalha no
so.
O único flchado na Detenção foi Araújo, aliás João Manuel de
Araújo, 24 anos, português de Braga, negociante.?* Araújo parecia ter
os pós em dols mundos, pols ao mesmo tempo que cultivava solenes
suíças e envergava distinta sobrecasaca, portava uma navalha e
mantinha escandalosas relações com pretas e pardas de zungus, pois
foi “encontrado em orgia”. Suas relações de parentesco e classe devem
tê-lo ajudado a salr logo da incômoda enxovia, pois foi libertado dia 3
de setembro.
Com a metamoriose racial e étnica porque passava a Corte
nestes anos, o zungú perde um pouco sua natureza de espaço de
exclusividade para a população negra, aceitando tipos sociais das mais
diversas origens e cores, refletindo o cadinho racial da virada do século
ue era o Brasil.
À Passado e presente se tocavam nesta época nas ruas da Corte.
Enquanto o progresso mudava a palsagem, pressagiando o terremoto
de mudanças urbanas que avassalaria a capital do país nos primeiros
*” DEROUR, Paulo, Di netrico d . Vetho, Rio de Janego, Fundação Cra
de Rul Darbosa. 1969.
2E EMCDC W3DTS, [ 2661 OVOSTSSS. APERI Raumndo. À vída mubalenio de
José do Patrocínio, Riode Janeiro, Ed. Sabi, 1969
2 Jarnaldo Commndrcio, Q0N 18S6,
** LMCDC, nº 3958 (.5355, 01/091886, APERJ.
96
anos de cáeulo XX i (pi do p d lonlal ' gi díugaães
idade, antes que o zelador de ocasião fosse dar cabo.
Rlª?feã%lââ a ºL'gÉÉÉI bara o%dç a ellte já Iniciava um ôxodo, fugindo
do atravancado centro, um cenário de batuque reunla tipos famíillares.
Luls da Costa era africano da célebre nação mina, 60 anos, morador
na rua Generail Polidoro (atual Botafogo), com sua camisa de riscado,
calça azul e chapéu de palha, provavelmente lembrava velhos folguedos
quando foi surpreendido pelos policiais.2ºº Junto com ele fol o preto
doceiro Manoel Amaro da Assunção, de Niteról, que como todos os
alricanos declarou ignorar o nome de seus pais, mesmo tendo apenas
35 anos.
A partir de 1886 o zungú desaparece misterlosamente dos
pergaminhos de registro da Casa de Detenção. Possiveimente as
autondades perderam o interesse de ficar caçando mulheres velhas,
cnanças e pretos desocupados num momento em que a escravidão
definhava a olhos vistos. Junto com a Institulção que lhe deu origem - a
escravidão - o zungu deveria se encerrar no esquecimento.
P gens célebres desta cidade alnda davam as caras, sem
saber do fim próximo, como o Príncipe Obá, volta e mela metido em
fuzarcas, mesmo com todo seu garbo e arlstocracia.2ºº O Rlo se torna
o ponto final das rotas de fuga da província, e até mals. O camilnho de
Catarina Cassange q io século antes agora é trilhado nó sentido
Inverso. ""
Os feiticeiros e suas “casas de dar fortuna” apareclam
esporadicamente aqui e ali, sem causar multo rebuliço em uma 6época
de ptena hegemonia do “saber científico”, Eram como os últimos corifeus
da superstição e da ignorância, figuras saídas d passado de trevas,
dão e h . como o africano Salvador José Lordeiro, pedreiro,
56 anos, embarcado como escravo no remoto porto de Cabinda,
acusado de “feiticeiro” e de ter “casa de dar fortunas” na freguesla
do
Engenho Novo.2º Mas ele não exerceria seu ofício se não houvessem
“dlientes” e discípulos dispostos a ouvir suas receitas.
anos de 1867 e 1868, apesar de pleno funcionamento da
mMmáquina repressiva, ecoavam o desinteresse das autoridades
com as
Casas coletivas. Entretanto, em 1890, o furor moralista do novo
p
regime
) 7ungúe'
como Alfredo Luís Fernandes, do Pará, o preto Emílio
e Raimundo
Luciano, presos por “estarem em casa de dar fortuna,
zunga e
batuque .=
Este ano foi carregado de reclames de júbilo da imprensa
Conservadora, que via a campanha de Sampaio
Ferraz como a pá de
P LMCDC. 0IRA, 9944 2500 1886, APER,
ª-uu:mv'auumímreom-p
ºa Munx: ic í ” Somal do Commésrcio, 2607
2 Prixcipe Oná 11 ver SILVA. Exuardo. O Príncios d São Pan Ago A 00AS, '.Soove——'
(LMCDEC ech &pmimlu;mm&umm.vim&c.upb
1r4319, far7, 2207 : m "averiguações sobre 'ondição”
TP pEão ée 1T excravo
- RAID7, á pela meima racão ((621 Manoel do Santos,
2207 1886) Evaristo. de [aboraí, detido
fugudo ([.630]. 18/101886) 16217, 06/10/1686)
'-'Ibh_lómmlm ( “ á s '
ªutncrm_rmols.ºloenn.mmmm.
97
cal nas casas de superstição e misticismo
EM UM ZUNGU. O subdelegado do 2º Distrito da
freguesia de Santana remeteu a Casa de Detenção os
vagabundos e desordeiros conhecidos João Tavares
de Sampaio, Estáquia Carolina da Costa e Romana
Maria da Conceição, por serem encontrados em grande
orgia no zungún? 67 da rua do Costa, cujo dono, Angelo
da Silva, teve igual destino.2
Velhos personagens, que percorreram nossas páginas, e as
folhas dos registros policiais, voltam a ocupar colunas de jornais, as
vezes nos mesmos lugares. Quem não se lembra de Laurentino, o
mestre da pequena Júlia, preso no já distante ano de 1879? (ver nota
162) Pois ele volta a passar pelo rosário dos corredores de polícia, e
agora também é visto como ameaça pelos guardiães da salubridade
pública. Tempos alnda mais sombrios se aproximam para o povo do
zZungu.
CURANDEIRO. Por ordem do Sr. Esteves,
da Glória, foi preso Laurentino Inocêncio dos Santos
que tem “casa de dar fortuna” e "zungu" no lugar
denominado Pendura Salia, no Cosme Velho, onde é
conhecido como curandeiro. O Dr. Chefe de Polícia
mandou por termo as declarações de Laurentino, e
remeteu o respectivo auto ao inspetor de higiene para
os fins devidos.º**
Um olhar, mesmo breve, sobre os registros policiais da caçada
aos zungus não pode ser satisfatório sem reunir o conjunto de dados
estatísticos que resultam da compilação de anos a fio de repressão.
Somente desta forma nossa anátlise se completa, com as interpretações
plausíveis a partir do cruzamento dos diferentes dados, abrindo um
campo de visão não possível com o olhar subjetivo e denso que até
agora dedicamos aos dados da Casa de Detenção.
No Gráfico 1 vemos as origens diferentes daqueles presos em
zungus no período referido. Entre os escravos à presença esmagadora
de crioulos era esperada em uma sociedade que desde muitos anos
não recebia mais escravos africanos, e aqueles remanescentes eram
:Y Jornal
do Comenércio, OROX1890.
?” Ibidem, ONVOVISMAO,
encaminhados em grande número para as fazendas de café, que
pagavam alto preço por estas “peças”. E não podemos esquecer que
os registros de escravos presos em zungiú só aparecem de 1879 em
diante, quando a população africana Já era bem reduzida na cidade do
Rio.*
Por estes dados, vemos que no campo escravo a presença de
i H, | 4 4 , º
equilíbrio entre estes dois lados da população escrava na Casa de
Detenção em 1882. Mais os dados relativos a livres mostram um outro
universo. AÀ origem mais numerosa entre os Irequentadores de zungús,
libertos ou livres, é africana, compondo cerca de 13%. Se pensarmos
este dado com o conjunto dos presos livres em uma determinada
década. como a de 1870,23no qua! os nascidos na África perífaziam
4% do total, podemos perceber que a presença africana alinda era
decisiva na ordenação socia! forjada em torno do zungú.
O pape! dos africanos, logicamente, não pode ser entendido de
maneira numérica. Eles ocupavam posições estratégicas dentro das
Mhserarquias d idades, como vimos em vários exemplos, e eram
mudas vezes os mestres das casas coletivas. Éntre as divereas nações
se destacam ciaramente os minas. Sem nenhuma dúvida é a nação
alncana mais importante: Metade dos africanos presos em Zungús, no
conjunto global de registros, são de nação mina, e mais da metade dos
atncanos livres 6 libertos (66,6%).
Assim, o8 africanos-ocidentais - ou minas, como flcou na
AA PARAOA
- QT
NTM v
de angú ou zunguús. Se pensarmos que o zungú ol Íruto da experiência
cuttural dos povos de raiz lingúística banto - o próprio termo tem claros
significados articuláveis nas Iínguas bantos - e que 08 minas não
pertenciam a esta raiz cuitura! e lingóletica, podemos conceber que 08
minas foram capazes de assumir papeis de liderança nas casas de
UInalilatioco
ZuUNGU ) porq ”
dos bantos no Brasil.*
Esta “proto-nação banto”, como disse Robert Slenes ao definir
a unidade simbókfica e lingúlstica construída pelos escravos da África
banto na experiôncia da escravidão no Brasil, tinha no zungú uma face
i e, e inas de alg f P domínar os canais
de acesso a esta “proto-nação”.
A presença de negros dos Estados Unidos e atéó Argentina
reforça a idéia do zungú como um espaço racial fortemente delimitado,
que atravessava as fronteiras nacionais, mas que teve, para o Rio de
bm en
racial negra, junto, é ciaro, com outras “instituições” da cultura escrava.
ráfico 2 coloca outros problemas. Tanto entre escravos como
* Em 1063 ox africenos escorvos presos a2 Cars de Detenção pesfaziam 54,8% do toul de excravos presos. Em 1882 cles não
Degrvam à mais de 17.2%. paca oma poetação crionia de cxca de 62.8%.
Fsdhmmm de 1870-71. 1875 1077 c 1870
mebor uatelho sobre ss tradições Beasl escravista n toberi Skenes “ “Malongu. Ngama vem!' Áfno
encubera c deseoberma eo Bezul” n Cadersos do Muscs da Escravutisa. nº |. Lusada, 1995. '
s9
livres o equilíbrio entre os sexos dentro do zungú fica evidente. E não
podemos esquecer que entre os escravos africanos a proporção de
homens sempre foi bem superior à de mulheres.?* Mas no caso
daqueles presos em zungú a presença feminina é bem superior: 4
mulheres para somente 1 homem. Este dado aponta a presença
fundamental das mulheres na estruturação e manutenção das casas
coletivas. Na realidade, pudemos ver o tempo todo como elas assumem
papel vital na função religiosa das casas, nas redes de compadrio que
unem moradlas coleuvas dlferentes. no papel de liderança na
m - como Leopoldina no caso do zungú
da rua do Prlnclpe.
A presença feminina é ainda mais gritante se tivermos claro
que no conjunto dos dados da Detenção os homens perfazem quase
dols terços e as mulheres o terço restante.2* Assim, podemos concluir
que, a forte presença de mulheres entre os (reguentadores de zungus
era devido ao papel saliente que as mulheres detinham dentro da
hierarquizada sociedade escrava no meio urbano.?** Com maior
facilidade para conseguir à alforria, para agenciar ocupações rendosas
e de alta classificação, como o ganho, e angariasr a wmphcodade de
homens poderosos, as mulheresescravas, africanas criaram
um espaço próprio que permitia colocar em sua órbita de influência
grande número de negros cativos, ou mesmo libertos
Este prestigio social foi hardado por mulheres negras livres de
baixa condição, e o zunguú era a prova cabal disso. A partir das casas
coletivas elas angariavam vasta clientela masculina, seja pela
prostituição, magia, ou simples prestígio social.
O Gráfico 3 não delxa dúvidas: a freguesia do Sacramento era
o centro nervoso da rede de casas de zungú que se espalhava pela
cldade. As outras fregueslas eram menos da metade dos locais das
ocorrências. Tudo indica que a sistemática repressão levou OS
beneflclários dos zungus a Internarem cada vez mais suas casas e
redutos em pontos recônditos da cidade, longe dos olhares policiais.
Assim, pode ser que multas casas coletivas, encarapíitadas nas serras
ou perdidas em algum recanto femolo da área rural, tivessem escapado
da vigllância lIlsta des, não permitindo sua análise pelos
pesqulsadores do final do século XX.
Os reglstros de moradia de livres e Iibertos - os únicos que tem
endereço registrado - não delxam dúvidas no predomínio da freguesia
Thando com dados de navios negreiros aprisionaddos pela repressão ao tráfico Karasch apontou que o desequilibrio emtre
m:.lgurmemmllmmhm&mªMQUIeMMCMWWf"Fl
4 Pa
22 Sobre h SOARES C«n
São .
INº AfrosÁgia, nº 17. Salvador, 1996, pp. 57-T2: ocuukoa:nus Maria Odila S. . Queridi
JkiaXlX São Paulo, Bmuhcme IM FIGUEIREDO. Luxciano c Ana Maria Magakdi, “Qui € QuIRei: um emudo iobrre
Cad'nuldrl'w sa 1905. pJI II.EIS Luan
"Mulheres de oulo. às negras de Lbuleiro à A.FICH./
UFMO, n8, lm.mn—ss: QUEIROZ, Mari:
iro” Revinta do fasti do Brasileima, São Paulo.
nº28. nss.ms.na
100
do Sacramento: 36% dest S € 24% na (reguesia
de Santa Rita, na Glória estão 6%, como em Santana, e 4,5% em São
José. Compilando os registros de loca! de prisão de livres com loca! de
moradia se nota um diapasão. Mesmo sendo a maioria moradora em
Sacramento, um alto índice dos frequentadores de zungú morava em
outras partes da cidade, apontando estas casas comunlitárias como
centros de encontro, socialização, e religlão, fora de seus espaços
convencionais de moradia e vizinhan
Uma uúltima consideração sobre a distribuição geográfica dos
Zungus: não resta dúvida que a rua do Núncio é aquela onde malis se
concentram as casas coletivas do prelos e pardos e onde as balldas
pohaais foram mais frequentes. S la
de Sacramento e o Campo de Sanlana ela fol habitada por ílguras
proeminentes do período joanino como o Núnclo Apostólico de Lisboa,
e o Conde de Linhares. Também ali resldiu atéó sua morte um dos
nhomens de cor mais importantes da primeira metade do século XIX: o
padre José Mauricio Nunes Garcia.º” Esta forte presença da igreja
tena inftuenciado a lertura de escravos e libertos, já na segunda metade
do século XIX, daquele trecho do espaço urbano como um refúgio dos
olhares senhonais e policiais? conjecturas.
No Gráfico 4 vemos os padrões ocupacionais daqueles presos
em zungu. Esta é outra evidência que não delxa dúvidas: A mailor parte
dos dendos estava ligada à serviços domésticos. O que só reílete o
peso da escravidão na lorja do zungu, já que as ocupações domésticas
eram maioria entre os escravos em 16882.º”A forte presença feminina
ajuda à explicar esse predomínio e cozinheiras, lavadeiras e
engomadeiras.
O trabalho ambulante era o terceiro padrão ocupacional, tanto
entra
Cultivar clientes, negociar espaços nos limites urbanos eram
prerrogativas do trabalho de rua que devem ter ajudado na formação
de uma rede de d « Capaz de montar uma casa
de pouso, oculta suficiente do olhar moralista e policial, e imersa em
mMicro-comunidades urbanas, silenciosas e centralizadores ao mesmo
tempo. A tradição do trabalho de ganho entre a escravaria urbana na
Primeira metade do século pode ter tido um papel importante na
íon'naao destas wsas comunitárias.2*
ixar de falar trmbhalh ” nA
tinha certa presença entre escravos e livres. Como estes ofícios se
realizavam em oficinas, localizadas muitas vezes em rua específicas
(Como a rua dos Ferradores, depois Gonçalves Dias) eles podem
ter
contribuido para cnar espaços de reunrào de trabalhadores e
de seus
GBEE?:Pulo. D ro). p.115.
Pauilo. Hucace. oges EMDO São
u.m““rolú.,::f'.º e A e dontaradode ARF_S L“ª c'"º*U' Slavery in Ninetcenih Cantury. Ri
de Hussória.
m 16 m%mowv MEIIH'SIIVCI pp. 1I70-202. cmm-pmwumamumm
erpecal sobre & prõo pp. 107-142
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nnOCO ul FAA r: muxhev. D' AA IRM Q—“ ADNTUNIAA AAA TA
nolu o os(.ruv x -
domóáónstica - cozknho&va h -
Esto o por 1 CÁáLtico DOo POvo aAuoS NNT W GUN (&'—x v_x<=
do ZunNnNg Úú.
EPÍLOGO
Os tambores voltaram a rufar, como não se ouvia por muito
tempo, naquela noite escura de maio de 1885, na freguesia da Glória.
Os moradores da quase sempre pacata rua Paissandá estavam
sobressaltados com a incessante batida dos atabaques, que cortava a
madrugada. A polícia foi chamada e entrou na estalagem de onde
partiam as cantorias e o batuque, tudo lembrando velhas melodias
africanas, sons que não se ouviam na cidade desde muitos anos.
O repórter do jornal repubii O Paiz acompanhou a diligência,
e fez um relato que reflete os preconceitos da classe letrada carioca
daqueles últimos anos do século XIX, mas que também coloca indícios
que podem dar luzà imp d b d tid ignificad
daquela derradeira festa africana do bairro da Glória.
Alguns súditos do Régulo de Cabinda quiseram
anteontem disfarçar mágoas e lembrarem-se da pátria
querida, de onde salram pequenos, e em que
condições!
Reuniram-se em uma modesta estalagem da rua de
Paysandu, e al, ao som do seu instrumento nacional, a
marimba, e entre dois garraíões da branca começaram
a entoar uma melopéla monótona e gulural.
acompanhada de batuque e de um roçar de facas nas
bordas dos pratos.º**
O jornalista falava de uma cidade que assistia os últimos anos
da escravidão, e em uma época na qual os velhos africanos,
remanescentes da época auge do cativeiro, morriam rapidamente,
desaparecendo do cenário, apesar de deixarem um poderoso legado
simbólico e cultural, mantido por seus descendentes a duras penas,
apesar da intolerância e da violôncia polícial.
Os elementos da festa, Ironicamente descrita pelo anônimo
Jornalista, apontam uma grande reunião coletiva, com cantos, batidas
de tambores, e a partlcipação de acompanhantes, que improvisavam O
que tinham - pratos e facas - para aumentar o ritmo.
No princípio tudo fol bem: depois, o calor, os vapores
da aguardente e as ovações das assistentes
transformaram o lânguldo cateretê em furibunda dança
macabra, e as blandícias e palavras enamoradas dos
" O Pals, 2601885 (1.
pares em gestos lascivos e palavrões próprios a fazer
corar um regimento de cavalaria em peso!
A polícia, pudica como ela só, tapou os ouvidos e
penetrou neste festim de Baltazar, e em lugar de
escrever na parede as lrés palavras lalldlcas e
proféticas, ana P
escuro do xadrez.
A partir da rápida mas densa descrição do repórter, podemos
agrupar algumas ewdencnas tudo mduca ler sido uma lesla de baluques
) Id(ulludb
de ...'c d i 1 . entre os escravos asenzalados. O jongo
j
era pvaucado em pares, com casais, e em lorno uma orquestra de
tambores forneciam a percussão. Os
e ciculavam a roda de forma característica, formada de músicos e
acompanhanles. e
Mars quais eram os participantes deste folguedo incomum para
as ruas da treguesia da Glória? Os registros da Casa de Detenção da
Cone guardaram cuidadosamente os nomes e dados pessoals destes
participantes daquilo que podemos descrever como a última festa
aficana na Conte Impenail do Rio de Janeiro.
Naquele 25 de maio de 18685 o portão de ferro da Casa de
Detenção assistu uma procissão como não se via à muito tempo: nada
menos que 14 africanos, de uma só vez, entre homens e mulheres,
adentraram o presidio, muitos deles possivelmente trazendo as marcas
faciais e tatuagens que caracterizavam as nações da África no Brasil.
O primeiro a informar seus dados para o escrivão foi Tito
Guimarães. Carregador, 70 anos, era vizinho da festa, pois morava na
rua da Pedreira da Candelária - atual Bento Lisboa.ºº Usava calça e
camisa branca, o que pode denotar algum sentido religioso na reunião.
Seu companhenro o segumte nafi Ia, era Paulo Francisco, que tínha o
ofício mais req “ Foi embarcado como escravo
no porto de Cabinda, em Álrica, tinha 50 anos, e morava na mais distante
rua do Conde, próxima ao Campo de Santana. Envergava uma calça
“de cor”, camisa branca, paletó, colete e chapéu pretos. Era dos mais
novos africanos participantes do batuque da rua Paissandú.
Daniel era carregador como Tito, mas Cabinda como Paulo,
unha oerca de 50 anos, e morava na rua do Catete. Também estava
branco, como Tito, reforçando a idéia de uma significação
especial para o traje. 266 Francisco Faria era o próximo da fila cabinda.?“
Com 55 anos de idade, cozinheiro, morava na rua de Santana, nas
proximidades da freguesia do mesmo nome. Todos usavam bigode, e
era O terceiro que estava vestldo totalmente de branoo
Horizorac. lunisia. 1984 p 414,
l_“cn(- ':I'&ISSI.._I.SUÃIBKSAPEIU
t 25 3
'lbdn.l_j
= [badem[25%4,
105
Jeronimo da SllvaArau|o era do ofício mais duro de calceteiro -
que fazia calçadas- r 60 . Era congo, solteiro,
tinha nariz chato, e morava na alnda mars Ionglnqua nua do Catumbu
Usava uma calça “de cor” b
Rafael Cabinda, o segumte nafila, exercra o oílcro mais nobre, para oS
tempos idos da escravaria urbana, de quitandeiro.º* Usava uma barba
cerrada, ao contráno dos que o antecederam e morava na rua Dona
Isabel, a q mas decerto não era no centro.
Usava calça e camisa branca e paletó e chapéu preto.
O sétimo africano aprisionado era Felipe, que vinha da mais
vasta Costa da Mina. Carregador, 55 anos, vizinho de Tito Congo pois
morava na rua da Pedreira da Candelária, Felipe Mina estava também
vesludo todo de branco quando chegaram os seus caplores *º Era um
...... bantos. Ventura
de Souza Neves, o próximo, carregava um nome vistoso, mas não podia
disfarçar sua origem de Cabinda, como tantos no "jongo” da rua
Palssandu.2%º Cozinheiro, 60 anos, com calvície pronunciada, morava
na rua mais conhecida por nosaos personagens a rua do Núncio.
Decerto Ventura frequ asas de zungu que pululavam
na sua vizinhança, e como cozinheiro pode até ter preparado pratos de
vivo sabor aíricano para seus companheiros. À rede de convivio das
casas coletivas se estendia para muito além das concepções poiaiais.
Jorge, o próximo a encarar o escrivão da Detenção, também
era carregador e tinha seus 50 anos, como muitos, mas morava na rua
da Flioresta, que posslvelmente era a chácara da Floresta, na aba do
morro do Castelo, no fim da rua da Ajuda.?** O seguinte era Toméê. cuja
nação era malis específica naquela micro-comunidade: Monjolo., grupo
étnico localizado ao nordeste do porto de Cabinda. na atual Repubiica
do Congo.?” Estava usando uma calça escura, colete, paletó e camisa
branca a2Tomé lambém era o mals Idoso do grupo Com seus 80 anos
F sóculo XIX, quando
o lrállco de “peças da Quinó" estava no auge. Mas caminhou alguns
metros para chegar no local do batuque: morava na rua das Laranjeiras.
Em seguida vinham as mulheres. Fortunata Maria Rosa, de
nação Cabinda, era uma cozinheira de 60 anos.** Morava na mesma
rua Dona Isabe! de seu companheiro de nação Ratael Cabinda. Usava
sala e paletó vermelho.
Marta Marla da Conceição era uma lavadelra da outrora
numerosa nação Benguela.2**º Morava no bairro do Catumbi, como
* Ibldem. 1,253S.
2 Ibldem, (.253,
”lb&m ÍD.W
>* Ibldem, f
* fbldem, I'.Blº
Riodflaldm 1856-1906, Rio de lnuo.s«m Mnlnpldeomn.ANTó pppo 136137
S KA
I_Wcm n'ª” ÍJ.S-Ú.
106
Jerônimo Congo. Com idade de 45 anos era relativamente nova para a
média do grupo. Deve ter vindo ao Brasil - diterente do Tomê Monjolo -
nos estertores do tráfico clandestino de africanos, quando a pressão
inglesa e das autoridades Imperiais era cada vez malor. Também se
destacava na sua ocupação: era lavadeira. Usava sala e paletó
vermelho.
Mafaida Maria da Conceição era de nação Congo, cozinhelra
de 60 anos.”* Residia na rua da Floresta, como Jorge Cabinda, e era
cozinheira como Fortunata. Também usava sala e paletó vermelho. Eva
da Trindade era a última. Uma senhora de 70 anos, lavadelra,
de nação Cabinda, residente na rua do Bom Jardim, na Cldade Nova.
Estava de saia de chita e paletó branco.*”
Todos foram soitos no dia seguinte. Todos estavam, de acordo
com o cuidadoso registro do escrivão da Detenção, com o “semblante
carregado” ao fornecerem seus dados. Um grupo de 14 africanos presos
juNtos, num un-oo evon!o. aparentemente de fundo lúdico e religioso.
Todos W Todos presos por “algazarra
e oalumo € levados juntos no Carro da Casa de Detenção.
Nunca nos trinta anos de registros da Detenção até a chegada
da Repúbkca, e que sobreviveram ao tempo se encontra ocorrência
igual. Poss:veimente nunca mais se encontrará, O batuque da rua
Par'ssando pode ser lido como a última (esta africana na Corte Imperla!
do Rio de Janeiro. Os "súditos do rêgulo de Cabinda"” estavam
celebrando o derradeiro grito da vigorosa cultura africana urbana da
caprtal! do Império Brasileiro, que dominara orgulhosa as ruas da Corte
Ourante . Mas que A junto com a própria
instituição do cativeiro.
A palavra oficial sobre o batuque da rua Paissandu não coloca
em momento nenhum o termo zungú, mas podemos tecer algumas
oonsnderaçºes com os lndldoo que temos. A íoata se reallzou numa
estalagem,
mas nenhum dos africanos all residia. Isto importa em a!lrmar que o
local escolhido era uma casa de pouso, ou de encontros furtivos, onde
os africanos pensavam poder se encontrar fora dos olhares
inconvenientes de vizinhos e policiais. Exatamente uma das funções
do zungú.
Vários africanos moravam em ruas próximas uns dos outros, o
que permite pelo menos sugerir com fortes indícios que eles se
conheciam antes. Isto também aponta uma rede de relações, de
solidariedade e troca social, cimentada por uma identidade africana
comum, aquilo que Slenes já colocou como proto-nação.
O fato de ser escolhido um lugar fora do centro - onde muitos
MArAVvAam - (á4 A 4 -. P " A iim
MouNTavan a vIg
Infelizmente para eles - mas, ironicamente, felizmente para os
pesquisadores - este ardil não deu resuttado. De qualquer forma o
castigo foi relativamente brando, pois ficaram somente um dia. Quem
sabe depois não voltaram a se reunir com maior segredo e sucesso?
Vários laços podiam juntar estes velhos africanos num grupo
coeso. As proximidades ocupacionais, as semelhanças lingúísticas e
simbólicas, as experiências comuns do catíveiro. Mas algo mais se
esconde por trág das evidências. Não podemos deixar de aventar o
papel mítico relígioso deste encontro, pela disposição dos trajes de
homens e mulheres. Os homens usavam geralmente roupas brancas,
e as mulheres trajes “de cor” o que indica o vermelho e cores próximas.
reinos africanos do Congo.º**
Os afri da freguesla da Glória estavam recriando, de uma
forma ou de outra, laços comunails e ancestrais, rompidos com a
violôência da captura e o envio para o outro lado do Atlântico. E este era
exatamente a função básica do zungu. E, com todos os sobressaltos,
ele tave tanto sucesso que logo atralu uma legião de crioulos e
brasilei té geiros de distantes pátrias. Com certeza as casas
comunitárias sobreviveram ao vendaval de Pereira Passos, mas com
outros nomes, e. outros elgnificados. O zungú, na sua especificidade
étnilca e simbólica, desapareceu para sempre.
Como podemos conclulr? O zungú foi uma instituição cultura! -
entre muitas - que ajudaram os africanos, escravos e livres, e depois os
tivos brasileiros, à suport las d ndição.
Foi berço
no
cultura escrava, tão conhecido no meio rural, mas ainda tão lacunar
Inciplente mundo cltadino do século XIX brasileiro.
Os medos da elite podem ter ampliado seu perigo. À proposta
e menos
de seus frequentadores talvez fossem bem mais simples,
não, para
amblciosa. Um loca!l para descanso, encontro, troca, e porque
usuírulr o angú, talvez o começo de tudo.
Não encontramos planos de rebeliões, projetos revolucionários.
pelo
A paranóla da elite escravista superdimensionava, para pecar
eram os
excesso, e não pela falita. Já que assim quem pagava
explorados de sempre. Mas uma coisa o zungú deixou, que alnda tem
um potencla! explosivo no Brasil do final do século XOX: a construção de
o que já estava
uma Identidade negra, que pudesse unir politicamente
Junto por séculos de opressão e violência.
Zaire ver JACOBSON-WIDDING, Ania. Red - Whiar - Blact as a
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maviments in Cearral Africa. '
GRAFICO 1
ESCRAVOS E LIVRES
EM "ZUNGU” POR ORIGEM
AFRICA 1T.0%
ESCRAVOS
FONTE:Livros da Casa de Detencao APERJ
1868-1880
TOTAL Escravos-20 Livres-606
GRAFICO 2
Escravos e livres encontra-
dos em "zungu” por sexo
NnOMEND
ss "m
s “
ESCRAVOS LIVRES
FONTE:Livros da Casa de Detêncao APERJ
1868-1886
TOTAL eporevoa-20 Nivres-6O
al)|
GRAFICO 3
Escravos e livres encontrados
em "zungu” por local de prisao
ESPIRITO BANTO 94%
SANTAMA 00
LOCAL IGNORA 270%
SACRAMENTO 02.T6
ESCRAVOS
FONTE:Livros da Casa de Dotençao APERJ
1868-1886
T1OTAL escravos
20 tvren-600
GRAFICO 4
Escravos e livres encontrados
em "zungu" por ocupacao
/ TMA OM
OOMESTIANOTE 10%
SE TRAO PS
uama ST ..
OOMEBTIGO 1! 9%
seTusO 00
ESCRAVOS UVRES
FONTE:Livroa da Casa de Letencao APERJ
1868-1886
TOTNL Escravos-PO Livras-60
FULOS 84%
PARRDOS 172%
PRETOS 790%
ESCRAVOS
FONTE:Livros da Casa de Detencao APERJ
1868-1886
TOTAL: nc evoa29 Liviaan0O
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1)6 204, 12/06/1845.
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Livros de Matrícula da Casa de Detenção da Corte
livros nº 4059, 4284, 3956, 3961, 4038, 3962, 5634, 3978, 3981, 4041, 4055,
4319, CD 72, 3958, 4312, 3961, 4043, 5454, 322, 3956, 3962, 3965, 3978,
3981,3984, 3987, 4049, 4051, 4055, 4312, 5454, 5634,
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Av. Janson doe Mallo, 403 - Contro - Niterdi - AJ
Tol.: PABX (021) 620-2277 / 6202872
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