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Antes de Tudo É Minha Perdição - Victor Elline

Livro em PDF.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
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Antes de Tudo É Minha Perdição - Victor Elline

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ANTES DE TUDO:

É MINHA PERDIÇÃO
UM ROMANCE CRIADO POR
VIKTOR ELLINE
OBRA DE FICÇÃO
Qualquer nome, personagens, acontecimentos reais e lugares são frutos da imaginação do autor.
Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, eventos e situações propostas é mera
coincidência.
Capa: TTenorio
Diagramação e revisão: Viktor Elline
Publicação Independente / Kindle Direct Publish em 2023.
1º Edição Digital | Criado no Brasil.

REDES SOCIAIS:
Instagram Literário: Viktor Elline Autor

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS


Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios, sem a autorização
documentada do autor. Em caso de plágio, cópia ou qualquer violação, os direitos serão reavidos
perante a justiça.
“Lei nº9.610, de 19 de fevereiro de 1998”
Dedico essa obra aos românticos!
Para todos aqueles que sentem medo de amar, que foram machucados e por algum motivo
criaram uma barreira impedindo tal sentimento. Vocês são amados!
Peço que, por gentileza e boa educação, não plagiem minha obra. Muito tempo, esforço
(lágrimas também) foram derramadas para que esse livro visse a luz do dia. Isso foi feito para
vocês, mas o reconhecimento e respeito são necessários de ambas as partes!
“Meus sonhos pareciam ser feitos de açúcar, doces e leves.
De início sem importância e os mais simples possíveis, porém, da mesma forma que tal
ingrediente é usado para deixar tudo mais saboroso, também se mostra perigoso se consumido
demais!
Sonhar em excesso sempre me ajudou, porém seria uma ameaça a minha realidade?”
Sumário
CAPÍTULO 01 – Meus Olhos
CAPÍTULO 02 – Já Era Tempo
CAPÍTULO 03 – Natural
CAPÍTULO 04 – Amor Duradouro
CAPÍTULO 05 – Pertenço A Você
CAPÍTULO 06 – Me Desvende
CAPÍTULO 07 – Segredo
CAPÍTULO 08 – Coisas Sutis
CAPÍTULO 09 – Tudo O Que Eu Preciso
CAPÍTULO 10 – Quero Saber
CAPÍTULO 11 – Congelados
CAPÍTULO 12 – Nós Temos Tempo
CAPÍTULO 13 – Acostumado
CAPÍTULO 14 – Espere
CAPÍTULO 15 – Porque Eu Te Amo
CAPÍTULO 16 – Sem Ressentimentos
CAPÍTULO 17 – O Motivo
AGRADECIMENTOS
UNIVERSO “ANTES DE TUDO”
CAPÍTULO 01 – Meus Olhos

— Você também me ama?


Olhei aquele pequeno garotinho com os olhinhos prontos para derramar milhares de
lágrimas. Eu não tinha outra opção a não ser abraçá-lo bem forte, pois realmente o amava como
se fosse meu próprio filho. Em quase um ano que era seu professor de inglês e francês pude
conhecer mais e mais sobre sua família. Sobre ele, Paul, e sua irmã, Sophy. E Leonard, o pai de
ambos. Na verdade, tudo o que sabia sobre ele era que tinha muito, mas muito dinheiro, e seu
sobrenome era Havens.
Se nesses meses disse a mim mesmo que não estava apaixonado por aquele homem, menti.
E muito mal, pois não acreditei em nenhuma das vezes que me pegava imaginando um milagre
que o fizesse passar mais que cinco minutos comigo. Pois daquela forma poderia admirar mais
sua beleza, seu perfume amadeirado e sua voz grave. Ele transmitia poder e onipotência, e
somente de estar ao seu lado me sentia protegido.
Porém era ilusão demais pensar na mínima possibilidade de um dia sentir seu toque além
de um aperto de mão forte e curto. Se conversamos mais do que oito vezes, que foram as que
contei, estava delirando. Sabia que ele não nutria nenhum tipo de carinho por mim além do
respeito cotidiano. Mal me olhava nos olhos. No entanto, se havia uma coisa que ele gostava de
mim era o meu bolo de chocolate. Soube, pois, logo no primeiro mês, quando ainda estava me
adaptando aos seus filhos e tentando ganhar sua confiança, fiz a receita. Era uma tarde chuvosa e
seria impossível levá-los a uma sorveteria. Depois de dois dias Paul me confessou que seu pai
pediu para que ele fingisse querer mais.
Saber daquilo me fez ficar com um sorriso bobo durante a semana inteira e andar igual um
retardado pelas ruas da cidade. O melhor era que em Ponack não havia muitos habitantes. Era
muito mais um bando de mansões vazias do que uma cidade propriamente dita. A enorme
humilde mansão da família Havens era somente dez minutos de meu pequeno apartamento no
centro, onde tinha tudo guardado em três cômodos em cima de uma loja de doces. Foi um
milagre conseguir o lugar e ainda mais por ter a simpatia do Sr. Tompson. Era um homem de
idade, dono do estabelecimento e que havia se comovido com a minha história, me deixando
ficar com o lugar por um preço muito abaixo do que seria justo.
Mas voltando aquele momento, onde o pequeno garoto de sete anos me encarava sentado
no sofá ao lado de sua irmã que segurava sua mão em sinal de apoio. Eu tinha que dar uma
resposta para sua pergunta. E tinha que tomar cuidado com o que falaria, pois sabia que naqueles
meses viram em mim alguém em quem podiam confiar, mas que num passe de mágica, ou
quando seu pai não sentisse mais vontade de me pagar para ensiná-los, tudo poderia acabar e
com toda a certeza do mundo nunca mais nos veríamos. Não pela minha falta de vontade, mas
sim porque todo aquele mundo não era a minha realidade. Eu era somente mais um dos
funcionários de Leonard e completamente substituível.
— Meu querido, é claro que eu te amo. — Fiz carinho em seu cabelo loiro e apertei a
bochecha de Sophy. — Eu amo os dois e quero que saibam que vou sempre estar no coração de
vocês e vocês no meu, tudo bem?
— Eu não quero que você vá embora! — Reclamou a garotinha.
— Eu não vou embora, meu amor. De onde você tirou isso?
— De mim, Sr. Oliver. — Aquele senhor mal-encarado entrou na sala. O Sr. Boni estava
parado na porta me olhando com um certo tipo de repúdio. Sempre soube que não gostava de
mim, pois nunca tentou ser simpático. Somente me aceitava naquele lugar, pois seu patrão havia
me chamado para trabalhar lá quando me viu falando em francês na loja do Sr. Tompson. — Já
para o quarto, vocês dois!
— Não vamos deixar o Oli com você! — Sophy segurou minha mão, assim como Paul,
que segurou a outra.
— Você vai ser mal com o Oli! Eu não vou deixar você ser mal com ele. — O garotinho
disse se colocando em minha frente e estufando o peito. Me enchi de orgulho com aquilo e meu
coração se aqueceu. Mas não podia deixá-los verem aquela cena. Aquele velho não tinha nenhum
tipo de freio ao falar as coisas e poderia entristecer as duas crianças.
— Vão para o quarto, meus anjinhos. — Me abaixei, sorrindo para eles. Não pude evitar de
lacrimejar.
Aquela seria a última vez que os veria e me doía aceitar aquilo. Tinha me tornado tão
dependente daquelas duas gracinhas. Me sentia tão responsável pela sua criação e por dar amor
aos dois, que passava mais tempo que o necessário com eles. Somente os deixava quando sabia
que faltavam poucos minutos para Leonard chegar. Não que ele fosse insensível com os próprios
filhos, pelo contrário. Das vezes em que os vi juntos só consegui me apaixonar mais por aquele
homem. Mesmo cansado, e eu via como seu corpo ficava tenso no final do dia, ele passava um
longo tempo conversando com os dois anjinhos.
O meu medo e insegurança era em deixar os dois com aquele velho ridículo e horrível. Ele
parecia um soldado do exército ao falar com todos e era completamente rude com as crianças.
Não havia nem um pouco de compaixão para com eles, e sempre que podia não os deixava
sozinhos com ele. Pelo menos toda aquela raiva que não sabia de onde vinha, seria direcionada a
mim. E somente a mim!
— Você vai chorar. — A garotinha segurou meu rosto, com seus olhos vermelhos. — Eu
já vi você chorar no telefone. Eu não quero que você chore, Oli.
— Você vai fazer ele chorar! — Seu irmão andou até o Sr. Boni e o encarou bravo. — Se
você fazer ele chorar, eu vou te bater!
— Paul, não fala isso! — Me levantei e puxei a garotinha para o meu colo. Segurei o
menino pela mão, o puxando gentilmente até a porta daquela sala de estar gigante. Os olhei e dei
um abraço demorado. — Eu quero que vocês subam, tudo bem? Eu estou pedindo pra vocês
ficarem quietinhos no quarto até seu papai chegar. Podem fazer isso pra mim?
— A gente pode, mas... — Paul começou a chorar. Ele me abraçou, se desmanchando nos
meus braços. — Você vai embora! Vai embora igual a mamãe e não vai voltar mais!
— Não, não, meu anjo! — Limpei seu rostinho. — A mamãe de vocês sempre está com
vocês e sempre vai proteger e cuidar dos dois. Ela está no coração de vocês. Não repita uma
coisa assim, tá bom?
— Não me deixa! — Ele voltou a falar embolado pelas lágrimas. Lhe dei um beijo no topo
da cabeça e arrumei seu cabelo.
— Eu te amo, Paul. Você é meu anjinho e nada vai mudar isso. Sempre que precisar eu
venho até você.
— Você promete?
— Eu já menti pra você? — Negou com a cabeça. — Então, faz o que eu pedi, tá bom?
Vão lá. E você, minha princesa, cuida do seu irmão e não deixa o chato do Sr. Boni irritar vocês.
— Eu não vou, Oliver. Pode deixar! — Ela respondeu e me deu um último abraço. Vi os
dois subirem as grandes escadas e me olharem uma última vez antes de irem para seus quartos.
Era hora de enfrentar aquele demônio. Só gostaria de saber o motivo para que Leonard não me
quisesse mais. Me feria pensar que não me achava bom o suficiente para ficar perto de seus
filhos.
Voltei a ficar em frente ao Sr. Boni e ele me olhava com um sorriso vitorioso, como se
minha demissão fosse sempre o que ele quisesse. Nunca, naquele tempo todo, o fiz mal e sim o
contrário. Sempre tentei agradá-lo como fiz com todos que eu tinha contato naquela casa. Até o
segurança e motorista que me buscava e levava as vezes em casa já era meu amigo.
Roberto sempre fazia questão de me buscar em dias de chuva com aquele carro enorme e
que chamava uma atenção imensa por onde passava. Dizia que eram as ordens dadas pelo seu
chefe, mas eu sabia que ele queria facilitar minha vida também. E se tinha uma coisa que
conseguia dizer muito bem era se a pessoa na minha frente queria me ver bem ou mal. E
definitivamente, aquele velho não queria um sorriso em meu rosto.
— Eu já sei o que vai fazer, Sr. Boni. Então não precisa se dar ao trabalho de ser gentil. —
Disse pegando minhas coisas.
— Eu nunca tentei ser, Oliver. — Me olhou de cima. Seu perfume forte me causou uma
dor de cabeça. Ele todo me causava náuseas. — Só quero que saiba que os dois vão ficar muito
bem sem você e suas tentativas de se aproximar deles. Achou que seria parte da família? Que te
dariam dinheiro?
— Nunca pensei isso! Fiquei aqui, porque realmente me importo com a segurança deles.
— Eles estão seguros comigo e com todos os guardas da propriedade. Gente do seu tipo
sempre reflete essa fraqueza nos outros. — Me olhou com nojo. Eu sabia que ele quis dizer gays.
Aquilo me doeu de uma forma horrível, pois novamente estava sendo expulso por quem eu era.
— Gente do meu tipo... — Terminei de arrumar tudo e passei por ele com lágrimas nos
olhos, mas parei antes da porta. — Diga para o Sr. Havens que eles já sabem conversar com ele
na língua da esposa.
— Não vou dizer nada. Eu mesmo vou continuar a ensiná-los. — Caminhou atrás de mim,
como se me vigiasse. Talvez achasse que eu fosse roubar alguma coisa no caminho. Assim que
cheguei na porta, Roberto estava a minha espera e seu rosto refletia uma tristeza contida. Ele
abriu a porta para mim. — De cortesia, pode aproveitar essa última viagem de carro.
— Você é um... — O xingaria, mas as crianças apareceram na sacada e os seus choros me
fizeram recuar. — Eu realmente espero que você saiba cuidar deles, porque se eu souber de
algo...
— O que você vai fazer? — Se aproximou. — O que você vai fazer? Não consegue fazer
nada. Por favor, saia daqui o mais rápido possível.
O encarei, tentando lidar com aquelas palavras, pois ele tinha razão. O que eu poderia
fazer? Nem teria como provar nada se fizesse. No entanto, se eu não pudesse olhar pelas crianças
com meus próprios olhos, Beto seria quem me ajudaria. Não os deixaria sozinhos com aquele
preconceituoso. Ainda mais com o Sr. Havens viajando e passando dias fora. Eu tinha me
tornado um mentor para eles. Os ensinava como se tornarem boas crianças e os corrigia sempre
que faziam algo de errado. Se o pai estava trabalhando para lhes dar boas condições de vida, faria
minha parte e os criaria para que soubessem como usar aquele dinheiro todo com bondade. Pelo
menos foi o que tentei fazer até aquele momento.
Sorri para as crianças me controlando para não desabar ali e entrei no carro. Roberto me
encarava do retrovisor e eu queria que tudo não passasse de um pesadelo. Sabia que aquele
homem faria algo assim cedo ou tarde, porém não contava que me tornaria tão próximo àquela
família, incluindo o patriarca. O homem com quem eu tinha um contato quase inexistente e
mesmo assim seria capaz de ter minha atenção a todo momento que desejasse.
— Sinto muito por isso, Oli. — Meu amigo disse. — Eu sei o quanto você precisava do
trabalho.
— Não é esse o problema, Beto. O que acontece é que eu amo os dois, de dar aula e fazer
parte da vida deles. Mas por culpa do preconceito nojento daquele velho idiota agora eu não
posso mais vê-los. Isso é o que me dói mais. — O encarei. — Você tem que ficar de olho neles
para mim. Eu não confio naquele velho e eu tenho certeza de que ele vai fazer mal para os dois.
— Mas como eu vou fazer isso? Eu fico do lado de fora o dia inteiro.
— Eu não sei. Dá seu jeito! — Cruzei os braços respirando fundo. — Você precisa tomar
conta deles pra mim, Roberto. Eles são... Os considero minha família. Nunca tive a oportunidade
de ver minha irmã de novo, então eu quis dar todo o carinho que podia pra eles.
— Eu sinto muito pela sua família não te aceitar. Eu não sei o que faria sem a minha. —
Suspirou. — Você é uma pessoa boa, Oli. Se eu pudesse mudar a sua vida, mudaria.
— Obrigado, Beto. — Sorri. Ele era tão diferente do que pensei que fosse. Pela sua
profissão e porte físico pensei que fosse um homem violento e de pavio curto, porém não podia
estar mais enganado. Era a pessoa mais doce e gentil que conhecia, porém era justo e
profissional. Ele quem me fez acostumar com aquela cidade e emprego. — Só cuida deles pra
mim. Eles não merecem nada de ruim.
— Eu vou tentar. Prometo.

No balcão da doceria sorria para as crianças que entravam e esperava todas as vezes que
fossem Paul e Sophy, porém era uma esperança infundada, pois nunca sairiam daquela casa com
o demônio do Sr. Boni cuidando deles. E o Sr. Havens, pelo que sabia por Roberto, estava em
mais uma viagem de vários dias. Outra coisa que acreditei que passaria devido à distância seria
aquela minha paixão platônica por ele. Sem todas as coisas que me lembravam dele, achei que
sua influência sobre o meu coração desapareceria. No entanto, ele doía cada vez que pensava
naqueles olhos atentos.
Queria me bater até não poder mais. Como podia me apaixonar por alguém com quem eu
tinha um contato quase inexistente? E ainda por cima sofrer como um abobalhado, sonhando
acordado com a possibilidade de ele entrar por aquela porta e pedir para eu voltar a cuidar de
seus filhos.
O Sr. Tompson havia reparado em como eu havia ficado cabisbaixo com o fim de meu
emprego, e me poupou de um mês de aluguel para que eu pudesse colocar minha cabeça no lugar
e decidir o que fazer da minha vida. Já era formado como Intérprete e sabia quatro idiomas.
Tinha capacidade de coisa melhor. E com todo o dinheiro que havia guardado teria como me
aventurar em um futuro na cidade de Bisera, já que nada mais me segurava na pequena Ponack.
Me doía pensar na possibilidade de nunca mais ver os dois anjinhos e seu pai, mas tinha que
seguir minha vida da mesma forma que seguiriam as deles. Afinal, o amor que eu sentia por eles
não seria o suficiente.
Sentado no meio do meu apartamento, arrumava minhas malas e cada uma daquelas roupas
fazia com que eu me lembrasse das memórias que tive dentro daquela mansão. Por que era tão
difícil abandonar pessoas? Queria ser como minha mãe naquelas horas. Ela tinha se desfeito de
mim em um piscar de olhos quando soube da minha sexualidade. E minha família inteira fez
como ela. Tentava ver o lado positivo sobre aquele acontecimento, dizendo para mim que estava
longe de pessoas ruins, mas era difícil estar sozinho no mundo e saber que se eu falhasse ou
fraquejasse não teria ninguém para segurar minha mão.
O relógio anunciava as duas horas da manhã e com ele um mal-estar causado pela minha
vontade idiota de tomar uma jarra de suco inteira de uma vez. Me levantei lentamente para não
contribuir com a labirintite e fui até a cozinha apagar a luz, deixando tudo em um breu. Somente
a janela da sala estava aberta e deixava entrar a iluminação da rua. Gravei tudo o que podia
daquele ambiente para levar em minha memória.
Assim que passei pela porta o interfone tocou anunciando que alguém estava no portão.
Um som de estática característico começou e um arrepio subiu pela minha espinha, assim como
uma corrente de ar inexistente fez com que o frio arrepiasse todo meu corpo. Não era possível
alguém querer me ver, ainda mais naquela hora. Ninguém sabia onde eu morava, com a exceção
de Beto e o Sr. Tompson. Fui até o aparelho e apertei o botão, temendo falar e denunciar a algum
assassino que eu estava pronto para me matar.
— Quem é? — Minha voz saiu mais fina do que esperava. — Saiba que estou com o
número da polícia na discagem rápida.
— Até eles chegarem, eu já teria te matado, sabia? — Escutei a voz de meu ex-colega de
trabalho e relaxei.
— O que você está fazendo aqui essa hora? Olha o frio que está fazendo, Roberto! Quer
morrer de hipotermia?
— Se você me deixar aqui fora, eu vou morrer mesmo! — Reclamou e já havia conversado
com ele demais para saber quando sorria. Era uma coisa estranha que conseguia fazer. Se fosse
um poder, eu seria o mutante mais inútil do mundo.
Liberei a sua entrada e logo em seguida abri a porta, o vendo subir a escada ainda com a
roupa social que usava para trabalhar. O que eu achei muito estranho já que ele deveria estar em
casa.
— O que aconteceu? — Perguntei sentindo um aperto no coração.
— Eu não sei como você sabe dessas coisas e eu te acho muito estranho por isso. — Parou
em minha frente, fazendo com que eu levantasse o olhar.
— Fala logo, Roberto! — Me abracei, fazendo com que minhas mãos geladas causassem
mais um arrepio em meu corpo.
— Eu não devia estar aqui, mas eu não tinha como negar o pedido do garoto. Não nessa
situação.
— O que aconteceu com o Paul? Me fala! — Agarrei seus braços.
— Ele caiu de um cavalo. — Meu coração parou de bater por um segundo. Meus sentidos
entraram em crise e não conseguia me mexer. Senti meu amigo sacodir meu corpo e de uma só
vez sua voz entrou gritante em minha cabeça. — Não fica assim, Oli. Ele está bem, me ouviu?
Ele tá bem! Ele pediu pra eu te levar até o hospital.
— Paul pediu isso? — Sorri ao pensar naquele anjinho.
— O velho que não seria, né?
— Idiota!
— Se arruma que eu vou te levar, mesmo o Boni me dizendo para não fazer isso. Acredita
que ele não queria nem avisar o Sr. Havens? Ele não queria me deixar ligar para o próprio pai do
menino. — Roberto passou a mão no rosto, indignado.
— O que ele fez com o Paul? — Senti meu sangue ferver.
— Nada diretamente. Mas depois que você saiu o garoto ficou determinado em fugir
daquela casa e te ver. — Riu. — Uma vez até conseguiu sair e se enfiou no bosque lá perto. E ele
corre, viu?
— Meu Deus! E o que aquele demônio fez? Nada, pelo jeito! Mas esquece ele! — Falei
pegando um casaco e minhas chaves. — Vamos logo para o hospital!
— Não posso usar nem o banheiro? Tô quase me mijando.
— Vai logo! E lava essa mão!
— Tá bom, pai!
No caminho Roberto me contou sobre tudo o que aconteceu, do quanto o Sr. Boni estava
impedindo os irmãos de serem crianças. Ele era um ditador. Comentou que Leonard estava mais
ausente que nunca e provavelmente não sabia o que acontecia dentro de sua própria casa, já que
o único que falava com ele era o Sr. Boni. Ou seja, ele só estava ciente de mentiras e verdades
distorcidas. Beto até tentou tirar de mim a ideia da mudança e que era para eu tentar voltar ao
meu emprego, mas não dei bola. Não rastejaria para ninguém de novo.
No hospital não tivemos problemas para ir ao quarto de Paul. A influência de Leonard e
todos que trabalhavam para ele era enorme. Quando era seu empregado me tratavam cheio de
privilégios, como se eu fosse algum tipo de celebridade. Nunca em minha vida fui tratado tão
gentilmente quanto quando estava embaixo das asas do Sr. Havens.
Deitado na cama estava meu pequeno anjo. Seu rosto estava com um pequeno corte e
vermelhidão do lado esquerdo, e mesmo com a fraca luz do lado de fora podia perceber que ele
estava choramingando. Aquilo me cortou o coração. Me senti horrível por tê-lo deixado sozinho
nas mãos daquele demônio. Se tivesse sido mais forte, talvez, teria conseguido me impor e
evitado toda aquela situação.
Me aproximei devagar para não assustá-lo e quando cheguei perto o suficiente para notar
minha presença seus olhos primeiro refletiram insegurança e depois o alívio. Ele se mexeu
tentando me alcançar, mas fui mais rápido ao vencer a distância. Senti seus bracinhos
envolverem o meu pescoço e seu corpo sacodir com o sentimento guardado. Quis chorar, mas
não me permiti. Pelo menos naquela noite eu seria forte por nós dois.
— Eu tentei fugir pra te ver, mas eu não consegui. — Ele disse desesperado. — Eu tentei,
mas o Sr. Boni não deixou! Ele obrigava a Sophy a fazer um monte de lição! E eu também! Ele
não deixava a gente brincar direito! A gente não quer mais ficar com ele, Oli! A gente quer você
de volta! Por favor, volta pra gente! Não abandona a gente! Você disse que amava a gente! Por
que você foi embora?
— Calma, Paul. — Acariciei seu cabelo até ele voltar a respirar normalmente. — Eu vou
falar com o seu pai sobre isso. Agora você tem que descansar, tudo bem?
— Não vai embora! — Pediu assustado, com suas mãos apertando as minhas.
— Eu não vou. — O deitei e cobri seu corpo tremendo do choro. — Eu vou estar aqui
quando você acordar, tudo bem?
— Tá.
Ele segurou minha mão o tempo todo até cair no sono. Me cortava o coração vê-lo daquele
jeito. Obviamente estava fragilizado por causa do meu afastamento e eu tinha medo de Sophy se
fechar, como a encontrei após a morte de sua mãe. Ela não era como o irmão e guardava tudo
para si. Eu precisava falar com Leonard, para mesmo que não me deixasse voltar a cuidar deles,
para que colocasse outro, pois não permitiria o Sr. Boni ficar com eles.
Me perdi nos pensamentos e na calmaria que aquele lugar estava que não percebi quando
ele entrou no quarto. Somente quando aquela sensação de alguém se aproximar me fez levantar
que o vi. Estava vestido formalmente, com a exceção de seu paletó. E devo admitir que estava
mais lindo que nunca. Com toda a certeza a minha atração por ele não diminuíra naquele quase
um mês, apesar do contato inexistente.
Leonard se aproximou, me encarando fixamente e notou a mão do filho apertando a minha.
Eu não a tirei e permaneci imóvel. Ele parecia pronto para brigar comigo e me fazia sentir
acanhado, como se fosse algum predador. E aquilo se intensificava devido a eu ser pequeno perto
dele. Dando a volta na cama, deu um beijo na cabeça do filho e pediu desculpas.
— O que aconteceu? — Perguntou observando Paul. Sua voz grave reverberou em todo o
meu corpo.
— Pelo que Roberto me disse, ele...
— O que você está fazendo aqui? — Boni apareceu afobado pela porta, fazendo um
barulho desnecessário. Ele me olhava com raiva, mas assim que viu seu chefe se assustou.
— Qual o motivo para você entrar assim, Boni? — Leonard foi duro em suas palavras.
— Senhor, eu só... — Engoliu em seco pelo olhar que recebia. Eu nunca havia visto aquele
homem tão sem jeito na vida e em nada parecia aquela pessoa prepotente e nariz em pé. — É que
ele estava aqui e como foi demitido pensei que podia fazer alguma coisa com o pequeno Paul.
— Mas o que...? De onde você tirou isso, seu louco? — Me levantei descrente. — Eu
nunca faria mal a ninguém e muito menos a Paul. Eu o amo como se fosse minha própria
família! Você é quem parece um perigo para as crianças, já que Paul só está nessa situação, pois
tentava fugir de você!
— Seu garotinho de...
— Não termine a frase, Boni. Vamos conversar mais tarde sobre o que me contou
enquanto estava viajando. — O Sr. Havens se levantou e dobrou as mangas até os cotovelos,
fazendo com que seu braço castigasse ainda mais o tecido.
— Mas senhor, eu não menti...
— Eu disse mais tarde. — Repetiu. — Agora vá.
— Sr. Havens, Sophy está aqui. Quer que eu a leve?
— Deixe que de minha filha eu cuido.
Depois disso ficamos somente nós três no quarto, em silêncio, e tudo o que eu queria era
que ele falasse algo, mesmo que para me expulsar de lá. Era horrível ficar em sua presença sem
saber o que faria em seguida. Leonard somente ficou sentado encarando o filho e fiz o mesmo
com ele, reparando em cada detalhe possível naquela luz fraca.
Seus olhos estavam cansados, mas sua feição expressava firmeza. Me estapeei
mentalmente, pois o comparei a um leão cansado ou ferido. Mas era como o enxergava, como
um predador. Com toda a certeza era um homem poderoso e toda a sua influência devia vir de
algum lugar bem escondido dos olhos dos menos afortunados. Sabia que muita coisa acontecia
em sua vida, porém não o que.
— Acho melhor eu ir. — Me levantei. Ele não me olhou e somente segurava a mão do
filho. — Se eu puder pedir algo para o senhor, eu realmente queria que passasse mais tempo com
seus filhos. Eles te amam. Dizem até que você é o super-herói deles.
— Tudo o que eu faço é por eles. Pra que tenham tudo o que eu não tive. — Comentou,
mas mais parecia uma confissão do que um convite para o início de uma conversa. — Fiquei
sabendo que vai se mudar.
— Como... Beto te contou? — Me aproximei, passando a mão nos cabelos de Paul.
— Sim, ele contou. — Ficou em silêncio por um momento e quando voltei minha atenção
a ele fiquei intimidado, pois me encarava fixamente. Era como se estivesse me preenchendo cada
vez mais. — Eu não quero te impedir de seguir o seu caminho, Oliver, mas se não for pedir
demais, quero que fique.
— Sr. Havens?
— Quero que cuide de meus filhos e que me ajude a criá-los. Infelizmente não sou tão
presente como gostaria, mas quando estou com eles, você sempre é um dos assuntos. —
Involuntariamente sorri com o que disse, sentindo uma dor gostosa em meu interior. Ele se
levantou e caminhou em minha direção. A cada passo que dava, meu coração aumentava seus
batimentos. Leonard segurou meu rosto, fazendo com que sentisse o calor delicioso de sua pele.
— Você tem os olhos...
— O que? — Encarei seu rosto e a barba que crescia nele.
— Seus olhos são como os dela. — Fiquei atônito. Ele tinha acabado de me elogiar e não
era um qualquer, pois um homem hétero nunca diria aquilo a outro, ainda mais naquela situação
e proximidade.
— O que você quer dizer com isso? — Perguntei ainda sob o seu controle.
— Seus olhos... Eles são iguais aos de Elise, a mãe dos dois. — Me encarava ainda com a
mão em meu rosto.
— Papai! Oli! Vocês estão aqui! — Paul disse acordando.
— Sim, meu filho. — Senti os dedos de Leonard deixarem meu rosto, causando um
formigamento. — Vamos para casa agora. Todos nós.
Sua última frase soou mais como uma ordem, o que me impediu de rebater ou reclamar.
Me sentia tão inofensivo perto dele, tão suscetível aos seus comandos... Era quase como se eu
não tivesse outra coisa em mente a não ser querer agradá-lo, para que cada vez mais ele me
deixasse perto de si.
Um médico entrou no quarto depois de alguns segundos e conversou com o Sr. Havens. O
profissional se mostrou contrariado, mas como sempre a última palavra foi o outro quem deu.
Após aquilo não demorou para que fôssemos ao carro enorme. Sophy dormia profundamente e
nem mesmo quando entramos acordou. Paul se sentou entre seu pai e eu, deitando sua cabeça em
meu ombro.
— Você vai voltar pra casa, Oli? — O garotinho me perguntou e senti o olhar do mais
velho em mim.
— Se o seu pai estiver de acordo, eu volto. E vou te empanturrar de bolo de chocolate.
— Tá vendo, pai? — Sorriu para o homem com seus olhinhos pesados de sono. — Você
vai poder comer mais bolo também.
— Isso mesmo. — Deu uns tapinhas no ombro do filho. Pude ver o que parecia um sorriso
em Leonard, mesmo que contido. E aquilo me fez sorrir.
Aquela era a primeira vez em que pude ficar perto dele de verdade e, querendo ou não,
sonhei com a possibilidade de ter uma família com ele. Todos os meus devaneios voltaram com
aquela situação e eu precisava colocar os pés no chão. Aquilo não indicava nada, somente que
ele precisava de alguém para cuidar de seus filhos. Porém, eu ainda podia pensar que milagres
aconteciam.
Mas como todo conto de fadas tem uma bruxa, a minha era o Sr. Boni. Ele não ficou nada
contente em me ver entrar junto dos dois, e até tentou argumentar com o Sr. Havens de que ele
dava conta dos dois irmãos, porém ficou quieto quando Leonard o mandou sair de um jeito
grosseiro. Eu teria que me entender com aquele homem.
Confesso que cogitei não aceitar a proposta de ficar. Poderia ter um futuro muito mais
brilhante se eu me desse a oportunidade de ir para Bisera, porém não conseguia deixar de lado
tudo o que havia vivido ali. Dentro daquelas paredes me senti querido e de certa forma
importante. Conheci pessoas que me ajudaram sem ao menos se darem o direito a dúvida e não
precisei me defender de julgamentos.
Pedi para que Roberto me levasse para meu apartamento, mas Leonard novamente me
“informou” que eu passaria a noite. Estranhei aquela atitude, pois nunca havia feito aquilo com
ele lá. Fui até o quarto de Paul e Sophy e escutei seu pai conversar com eles sobre algo que não
consegui entender. Quando fui ao meu, logo uma das empregadas da casa apareceu na porta me
entregando roupas limpas e uma toalha. Não discuti, pois realmente precisava de um banho
quente. Depois, já vestido, senti o tecido liso deslizar pelo meu corpo deliciosamente. Era de um
branco brilhoso e mesmo no escuro, com poucas luzes, ainda podia vê-lo.
Na janela enorme que ficava na lateral da parede, vi o quanto aquela casa era enorme e o
quanto me sentia indiferente. Não me importava se uma pessoa tinha muito dinheiro ou não, e
muito menos se me daria algo. Dinheiro nunca trouxera nada de bom para minha vida, pelo
contrário, foi o responsável pela minha tragédia.
Me perguntei o motivo de Leonard ter aquela atitude comigo, pois nosso contato nunca
passava de uma conversa sobre o progresso de seus filhos. Em minha memória seus dedos ainda
tocavam meu rosto e seu corpo tão perto do meu me atraía como nenhum outro. Tudo o que eu
queria era sentir a pele quente por debaixo daquela camisa social.
— No que está pensando? — Escutei sua voz e me assustei.
— Como você entra nos lugares assim? — Tentei controlar meus batimentos. Mesmo ali,
ele era imponente. Estava com a camisa desabotoada em seu torso, deixando mostrar alguns
cabelos curtos.
— Você é desatento quando está preso aí dentro. — Se aproximou, ficando ao meu lado,
olhando pela janela. Me abracei, de repente sentindo um frio que não existia. Ele viu o gesto e
me encarou soltando a respiração rapidamente. — Não precisa ficar assim.
— Assim como?
— Inseguro, acanhado, com medo de mim e...
— Eu já entendi, Sr. Havens — O interrompi e ele riu discretamente.
— Me chame de Leonard. — Me encarou em silêncio. Não consegui sustentar o olhar e
foquei em algo do lado de fora. E pela segunda vez ele me tocou.
Seus dedos seguraram meu rosto, me fazendo olhá-lo novamente. Eu esperava alguma
bronca, pois ele passava a impressão de que sempre teria algo para corrigir em alguém. Era tão
perfeito em suas palavras, gestos e em tudo o que o envolvia. No entanto, ficou me analisando
até que suspirou.
— Por quê? — Tentei afastar seu toque de meu rosto da forma mais gentil que pude, mas
antes que conseguisse, senti a pressão de sua mão, como um sinal me impedindo.
— Por quê o que?
— Por que deixou ele me demitir?
— Eu não sabia, Oliver. — Deu um passo para mais perto. Ele invadia meu espaço, me
fazendo sentir sua presença como se sua alma estivesse querendo abraçar a minha. Seu calor
parecia penetrar por minhas roupas e acariciar minha pele junto do tecido que usava. — Nunca
tiraria dos meus filhos alguém que amam.
Sorri ao escutar aquilo.
— Você tem algo de especial que nem eu consegui trazer pra vida deles. Nunca vi meu
filho assim, tão decidido. E saber que ele tentou fugir pra te trazer de volta... — Suspirou e eu
podia jurar que por alguns segundos me afundei na profundidade de seu olhar. Então ele
continuou. — Eu não tive a oportunidade de te conhecer como pessoa, somente como
profissional. E eu quero saber quem é o Oliver que fez meus filhos se apaixonarem por ele.
— Eu amo o Paul e a Sophy, de verdade! Eu me odiei quando soube do acidente...
— Ele é um garoto forte. Daqui a pouco está te enchendo a paciência pra fazer o bolo de
chocolate. — Seu sorriso era tão lindo! Seu hálito tocou minha pele, refrescante pela menta e
quente devido seu corpo poderoso. O tom de sua voz fez um tremor delicioso me tomar como
sempre, assim como uma dor gostosa em meu umbigo que parecia estar conectada ao meu
íntimo.
— Leonard...? — Olhei nossas mãos entrelaçadas. Ele ainda não havia me soltado. — O
que está acontecendo?
— Não sei. Talvez eu esteja cansado demais e não saiba o que estou fazendo. — Leonard
me soltou e quis me bater por ter feito aquela pergunta. — Você me deixou curioso pra saber que
tipo de pessoa é.
Fiquei sem o que fazer. Um branco me veio e não consegui me mexer, falar ou pensar em
algo. Aquilo tinha me pego totalmente desprevenido. Aquela situação era tudo o que eu queria.
Ele parecia interessado em mim e em me conhecer. Era impossível não pensar besteiras
românticas. Me senti envergonhado e voltei a encarar o escuro da noite.
— Não desvie o olhar quando conversar com alguém. — Me senti nu sob sua vigia. Ele era
tão espaçoso com sua personalidade e atitude, mesmo com o silêncio que se fez depois daquela
correção. — Por que veio para cá?
— Eu...
— Papai?! — Sophy o chamou de seu quarto.
— Eu tenho que ir. — Respirou profundamente, colocando uma das mãos no bolso da
calça social. — Boa noite, Oliver.
Ele saiu sem dizer mais nada e me deixou com aquela sensação maravilhosamente
inquietante. Era como se eu estivesse sonhando. Ainda demoraria para assimilar tudo o que
aquela madrugada havia trazido. Todas as minhas expectativas estavam mais vivas do que nunca,
mesmo que nada fosse certo.
CAPÍTULO 02 – Já Era Tempo

Assim que o relógio bateu as seis horas da manhã, não esperei nenhum barulho do lado de
fora da porta para pegar minhas coisas e sair daquela casa o mais rápido possível. Durante a
madrugada tive bastante tempo para pensar em todos os detalhes da noite passada. E mesmo
tentado a esperar a ação daquele homem misterioso e completamente ciente de si, fiz o que
minha mente pediu que eu fizesse.
Já conhecia aquela mansão o suficiente para evitar certos corredores e não fazer barulho
em certas partes. Claro que não ia para certos cômodos devido a intimidade de seus reais donos,
mas somente de saber a rotina de tudo ali, me fazia, em minha cabeça inocente, achar que ela era
também minimamente minha.
Não era certo sair daquele jeito, ainda mais com tudo o que aconteceu, mas era o certo para
que eu pudesse recomeçar e deixar qualquer indício de aproximação para trás. Melhor dizendo,
qualquer vontade ou pensamento idiota e apaixonado que eu tivesse pelo Sr. Havens.
Passei pela grande porta e, como algum presente do destino, Beto estava do lado de fora
limpando o carro, provavelmente para quando seu patrão acordasse. Mesmo sendo sábado,
Leonard sempre saía por volta das oito horas, talvez para checar algo em sua empresa no centro
da cidade, mas era certo de que sairia. O que dava tempo de sobra para meu amigo me levar
embora.
— Bom dia, Beto. — Me agarrei as minhas roupas. Queria ter ficado com as que usara
para dormir. Eram tão mais confortáveis e quentes que nem me fariam sofrer com o frio que
ainda se dissipava da noite.
— Acordou cedo. Hoje é sábado Oli, pode dormir até mais tarde. — Sorriu, mas percebi o
tom de zombaria na sua voz.
— Eu vou ignorar o que quer que você esteja insinuando e pedir que me leve embora.
— Eu tenho que levar o Sr. Havens para o centro daqui a pouco e...
— Vocês saem as oito e agora são seis e vinte e dois. Você tem tempo de sobra pra me
levar e voltar. — Constatei, já entrando no carro. O vi dar a volta e assim que entrou, guardou os
óculos escuros que usava no porta-luvas.
— Por que você está saindo tão cedo? Pensei que já ia voltar a trabalhar. Ele não tinha te
contratado de volta? — Ligou o carro e ele deslizou quase que silenciosamente, mesmo pelo
caminho de pedras. Somente escutava o barulho sutil delas no caminho até o portão principal.
— Ele me contratou de novo. — Senti meu corpo esquentar ao lembrar daquela
perseguição sem sentido. — O Sr. Havens nem sabia que ele tinha me demitido. O Boni fez
aquilo por que quis, acredita?
— Ele nunca gostou muito de você, Oli. Acho que porque você é gay. — Ele me encarou
rapidamente. O céu branco se abria a medida que avançava e mesmo com os vidros fechados o
cheiro das árvores entrava deliciosamente. Era uma das coisas que eu mais gostava de Ponack.
— Nunca fiz nada para ele não gostar de mim e não acho que isso seja o motivo. Tem
alguma coisa por detrás, mas eu ainda não sei o que é.
— Ele é um pouco preconceituoso, e sem querer ofender sua masculinidade, você não é
sinônimo de machão, sabe? — Roberto comentou e quis rir daquilo. Não era a primeira vez que
escutava tal coisa, mas com ele eu sabia que não era de uma forma negativa. — Você é todo
doce pra falar com todo mundo. O jeito que trata as crianças, que cuida deles, ninguém é assim
aqui.
— Isso é porque vocês são todos uns idiotas. Não saberiam nem limpar a bunda se não
fosse por pessoas doces como eu pra ensinar. — Me apoiei na janela.
— Eu não falei por mal, Oli. Eu acho esse seu jeitinho uma graça. — Apertou minha
orelha e bati em sua mão.
— Eu vou parar com esse meu jeitinho já que ele me fez ser demitido e parar de cozinhar
também. Agradar os outros só me prejudica.
— Não vamos exagerar, não é? Parar de fazer comida para mim você não vai parar, não!
— Você só me usa, Roberto. Eu não sou seu marido, sabia? — Me fiz de bravo.
— Mas parece que eu sou o seu, me usa de boi de carga quando vai no mercado.
— É que com o meu jeitinho doce eu não consigo carregar tudo, sabe? E você é todo
machão! Todo forte! — Apertei seu braço por cima do terno.
— Você é bem do esperto, Oliver. Cheio de charme pra conseguir as coisas.
— Se não fosse esse meu charme, eu nem estaria aqui.
Mas era por conta dele que eu havia saído de casa. Na verdade, que havia sido posto pra
fora, já que era visto como um tentador de homens casados. Claro que ninguém levaria em conta
que eu era o inocente, mas sim o homem casado e de família que frequentava a igreja todos os
domingos do mês.
Era por causa daqueles homens que consegui chegar até aquela aldeia. E ainda bem que
todos levavam mais em consideração a cabeça no meio das pernas do que a que tinham em cima
do pescoço. Qualquer joguinho de sedução que os fizessem ficar excitados era o suficiente para
me ajudarem, e uma mentira sobre uma ligação de seus chefes pedindo urgência na entrega
enquanto dormiam, os fazia não tentarem nada comigo. O medo de perder o emprego era maior.
Assim que paramos em frente à loja, me despedi de meu amigo, lhe prometendo um jantar
naquela noite. Tudo estava como havia deixado e como não estava com sono comecei a guardar
todas as minhas roupas nos armários novamente. Já que estava com meu emprego de volta,
minha viagem só de ida para um futuro ainda mais incerto não tinha sentido.
Quando me dei conta estava arrumando todo meu apartamento e mudando os móveis de
lugar, procurando uma forma de deixar os cômodos mais harmoniosos. Assim que me dei por
satisfeito, comecei a preparar o jantar, fazendo o macarrão recheado que aquele morto de fome
sempre me pedia. Cortei todos os ingredientes e deixei tudo pronto para quando estivesse saindo
do trabalho, o que acontecia exatamente as oito horas da noite.
Com todas aquelas tarefas consegui tirar Leonard da cabeça. Me perguntava o que
aconteceria se ele realmente gostasse de mim da forma que eu me recusava em repetir para mim
mesmo que gostava dele. Seria muito pedir para que alguém me amasse? Eu não acreditava que
por ser quem era não mereceria o amor, ou muito menos ter uma vida feliz e longa ao lado do
homem da minha vida. Não era uma coisa absurda para se desejar.
Estava completamente ciente de que se alguém fosse me amar, o destino daria algum jeito
de colocá-lo em minha vida, pois sendo como era, nunca teria coragem para investir eu mesmo.
A atitude precisaria vir do outro. E acredito que por isso me encontrava pensando tanto em
Leonard. Ele era um homem, que a meu ver, era um dos mais confiantes que conheci. Talvez
fosse sua expressão séria todas as vezes que o observava de longe ou seu porte forte e grande que
davam aquela sensação.
Não recebi nenhuma ligação dele durante aquela tarde e quando perguntei como estavam
as coisas na mansão para Roberto durante nosso jantar, ele não me deu nenhum indício de que
meu nome havia saído dos lábios daquele homem que eu tanto admirava. O que eu estava
pensando? Era óbvio que mesmo que me desejasse, não falaria sobre seus sentimentos com seu
motorista. Seu interesse em mim, para os outros, seria puramente o de ensinar seus filhos e
cuidar deles da forma que eu cuidava. Eu era um professor e babá ao mesmo tempo e tinha que
me contentar com aquilo, mesmo que sua proximidade naquela noite me fizesse acreditar em
algo diferente.

O final de semana se passou sem nenhum acontecimento importante, fora o Sr. Tompson
aparecer em meu apartamento no domingo pedindo para eu provar uns novos doces que ele
estava trazendo para a loja. Logo começaria a época de férias das crianças e o movimento
aumentaria, já que as famílias viriam até a reservada Ponack para aproveitar as praias que havia
por perto.
O Sr. Boni, assim que pisei novamente na casa, com o emprego que ele mesmo havia me
tirado, não se deu ao trabalho de me pedir desculpa ou ser educado comigo. Simplesmente fingiu
que eu não existia e para mim estava ótimo. Só sabia quando estava perto, pois Paul e Sophy o
olhavam com caras feias. Não gostavam daquele senhor, assim como eu. Fazia de tudo para que
não criassem nenhum tipo de comportamento ruim com o homem, mas era impossível tirar uma
coisa da cabeça deles quando se convenciam de algo.
Os ensinava complementos do francês assim que voltavam da escola e ficava com eles até
um pouco antes de Leonard chegar do trabalho. Eu estava o evitando de propósito naquela
semana, com a desculpa de que somente estava respeitando meu horário de trabalho.
Completamente o oposto do que fazia antes.
No entanto, uma vez por semana, fazia o bolo de chocolate que ele tanto gostava, ou
alguma refeição especial para o jantar dos três. Como uma forma de não pensar tanto nele, havia
focado todo o meu tempo na cozinha, aprendendo os mais complicados pratos que me tomavam
várias tentativas para acertar. Aquele escape fez com que um pedido para eu cozinhar algumas
vezes por semana fosse feito. O Sr. Boni ficou encarregado de me pedir aquilo em nome de seu
chefe, o que eu aceitei muito facilmente. Acredito que aquilo, na verdade, só estava contribuindo
para aumentar minhas formas de devoção platônica àquele homem. Indiretamente queria
melhorar minhas habilidades para agradá-lo.
E assim os quase dois meses se passaram sem que eu visse o rosto do pai de Paul e Sophy.
Mas sua presença estava impregnada em toda aquela casa. Desde o seu perfume amadeirado
presente em seu escritório, que todos os dias tinha que tirar seus filhos de lá, até as suas fotos
espalhadas com eles pelos quadros na sala de estar e nos quartos. Alguns com sua esposa
também estavam na sala e no quarto das crianças, mas não no seu. A morte de Elise ainda
parecia um assunto doloroso para eles, principalmente para o patriarca da família. Não sabia
muito sobre o que havia ocorrido, somente que havia falecido devido a uma pneumonia muito
forte.
Eram naqueles momentos que minha mente se controlava sobre minha paixão. Deveria
parar com aquilo pelo respeito a Elise. Ela era a mãe dos dois e a falecida esposa de Leonard. Era
impensável eu acreditar em algum tipo de relação. Ele era hétero e já era uma razão bem
convincente de que tudo não passaria de meus sonhos. Porém eu não esquecia a forma como
segurou meu rosto naquela noite quando fomos buscar Paul no hospital. Ele tinha sido tão
carinhoso...
E foi em uma tarde de sexta-feira, quando cheguei mais cedo para fazer o almoço das
crianças, que o vi depois de muito tempo. Leonard apareceu silenciosamente enquanto preparava
tudo, e com o susto acabei me queimando ao encostar a mão na panela quente.
— Sr. Havens, eu... — Reclamei ao sentir minha pele arder. Abri a torneira e deixei a água
gelada escorrer, aliviando a sensação. — Eu não sabia que estava aqui.
— E o que mudaria se soubesse? — Indagou, sério. Ele se aproximou e a cada passo era
como um choque elétrico em meu corpo, fazendo meu coração pular.
— Eu... — Inspirei profundamente. — Me desculpe, eu só me assustei. Não escutei o
senhor chegar.
— Não fui trabalhar hoje. Quis passar um tempo em família. — Pegou uma pomada, e
desligando a torneira segurou minha mão, a secando com cuidado. Fiquei em silêncio,
observando cada gesto com muita atenção. Ele passou o remédio na área avermelhada e um
frescor instantâneo tomou conta. — Elise deixava essa pomada aqui. Eu sempre me queimava
quando esquentava o leite para meus filhos.
— Obrigado. — O encarei. Ele sorriu ao se lembrar de algo.
— Ela dizia que Paul e Sophy me deixam como um idiota babão.
— Sim... — Concordei, mas logo me corrigi quando ele me olhou incisivo. — Quero dizer,
não! É que sempre as crianças deixam os pais bobões por elas. Não que você seja um, longe
disso! É muito atento. Um excelente pai, Sr. Havens e...
— Eu entendi, Oliver. Pode ficar calmo. — Riu do meu papelão e eu quis enfiar minha
cabeça no chão igual um avestruz. Ele se aproximou das panelas, sentindo o cheiro. — Parece
tudo ótimo.
— É uma sopa. A Sophy viu em um desenho que estava assistindo ontem e o Paul a quis
com bastante cenouras. Ele está gostando de um desenho de coelhos agora. — Sorri ao mexer o
cozido.
— Você realmente gosta deles, não é? — Se apoiou no balcão ao meu lado, cruzando os
braços. Leonard vestia uma camiseta branca que se moldava perfeitamente ao seu corpo e uma
calça cinza de moletom evidenciando seus músculos. Ele era todo grande e me mordi para não
prosseguir com minha análise.
— Sim, eles são uns anjos na minha vida. Me lembram minha irmã quando era pequena.
— Tampei a panela e olhei o relógio. Daqui a alguns minutos Paul e Sophy chegariam correndo
para almoçar. — Eu realmente me importo com seus filhos, Sr. Havens...
— Leonard, Oliver.
— Desculpe. — Sorri, mas ele permaneceu sério, atento a tudo o que eu dizia. Seu perfume
estava fraco, mas era o suficiente para deixar meus sentidos anestesiados. — Realmente quero o
melhor para eles.
— É difícil encontrar alguém que eles gostem. Você foi o primeiro depois de muito tempo.
— Eu acho que é meu jeito doce. — Resmunguei sem pensar.
— Jeito doce?
— É uma besteira que Beto fica falando.
— E vocês? — Continuou o questionário. Se ele continuasse perguntando sobre mim tinha
medo de falar o que não devia, mas não conseguia evitar. Eu queria que aquela conversa se
estendesse.
— Nós somos... — Fui interrompido pelas crianças entrando correndo e gritando meu
nome, mas logo chamaram pelo pai, o vendo parado com os braços abertos para recebê-los.
E assim aquele assunto se perdeu para o momento. Não pude deixar de me sentir realizado
em como os dois estavam felizes por terem o pai por perto. Aquilo não era uma coisa frequente e
sabia muito bem a falta que Leonard fazia em suas vidas. Ele era tudo o que tinham. E eu,
mesmo não devendo, me sentia conectado a eles, querendo o bem dos três. Havia me apegado a
eles e que hora ou outra aquilo doeria muito. Meu lugar era temporário e me perguntava como
teria forças para buscar um novo começo.
Os deixei almoçando e não me sentei com eles, como fazia com as crianças. Meu estômago
ficou estranho somente de pensar em ficar perto de Leonard. Se eu comesse algo era capaz de
acontecer algum acidente ridículo e aquilo definitivamente me faria pedir demissão.
Dei a desculpa de que precisava resolver um problema em meu apartamento e que voltaria
em alguns minutos para as aulas. Senti o olhar de Leonard até passar pela porta e somente
quando estava dentro do táxi, e longe do alcance daquele homem, que pude perceber o quão
difícil estava para respirar. Ele parecia me sugar para si e tudo o que eu podia fazer era tentar
resistir, inutilmente, a tudo o que me causava.
Era incrível como Leonard conseguia me fazer pensar nele somente por me dar qualquer
migalha de atenção. E eu tinha certeza de que se por algum motivo me dissesse algo que me
fizesse sentir mais do que eu era, naquele momento eu seria a pessoa mais feliz do mundo.
Voltei em torno de uma hora depois para poder dar a aula, e como sempre não tive
problemas com os dois. Eram anjos e dedicados como o pai quando se tratava de suas
responsabilidades. E agradecia imensamente por não serem duas pestinhas como via em filmes
infantis. Mesmo que quando brincassem pudessem passar por uns facilmente, pois tinham uma
energia pra lá de infinita. E ficamos imersos pelas uma hora em meia que se seguiram, até vê-lo
entrar arrumado, abotoando as mangas da camisa branca e perfeitamente moldada em seu corpo.
Era linda a relação que tinha com os filhos, pois via seus olhos atentos a qualquer
necessidade que pudessem ter. Aquilo me fazia querer que me olhasse da mesma forma, como
alguém que se importava. E como uma vontade e necessidade evidente em minha alma, era ele
quem eu queria que as suprisse. Não conseguia, ou queria, pensar em outro alguém.
Leonard me encarou por alguns segundos antes de receber uma ligação e se afastar até um
canto da extensa sala, não me possibilitando descobrir com quem falava, somente que não era
algo sobre o trabalho, pois sua pose estava muito mais descontraída. Seria alguma pretendente
pronta para roubar o lugar que queria que fosse meu?
— Terminei, Oli! — Paul se levantou, me entregando o caderno com as atividades. Passei
os olhos correndo pelas respostas e assenti feliz para ele. Paul era um garoto muito inteligente
para sua idade, assim como a irmã. Um presente hereditário de seus pais, obviamente.
— Parabéns, Paul! Está tudo certo. Estou orgulhoso!
— Eu também estou orgulhoso, Oli. — Ele me abraçou como sempre fazia. Seu pai nos
olhou no exato momento, me fazendo corar e sentir envergonhado e receoso pelo abraço. Ele
sabia do carinho que os filhos tinham por mim, mas não sabia se encararia aquilo de forma boa
ou teria ciúmes paternais. — Você viu, papai! O Oli está orgulhoso de mim!
— Eu vi, filho.
— Então ele pode ir com a gente no cinema? — Ele perguntou e senti meu corpo parar de
funcionar.
— Você perguntou pra ele?
— Você vai no cinema com a gente, não é, Oli? — O garotinho animado se virou para
mim com um sorriso enorme e esperançoso.
— Eu não quero atrapalhar nada. Não precisam se preocupar comigo.
— Mas você não vai atrapalhar, Oli! Fala pra ele, papai! — Paul segurou a mão do pai, a
sacodindo.
— Vai ser um prazer te ter do nosso lado, Oliver. — Leonard afirmou calmamente,
fazendo todo o meu corpo aquecer com seu tom caloroso. Eu devia estar tão apaixonado, pois foi
como se me abraçasse com aquelas palavras e convite.
Baixei meu olhar, pois não conseguia competir com o seu. Ele parecia um tipo de rei. Sua
autoridade era inquestionável e não havia nada que ninguém fizesse ou dissesse que mudaria
aquilo. O homem em minha frente era a personificação do poder, cuidado e respeito. Tudo o que
eu desejei em alguém.
Sophy se levantou, me entregando sua atividade e se sentou ao meu lado em silêncio, mas
segurou minha mão, apoiando meu aceite. Às vezes achava que ela era alguma versão da garota
do filme A Órfã, mas uma versão boa. Sua maturidade e jeito eram muito controlados e certos
para sua idade. Talvez por ser a irmã mais velha.
— Por favor, Oli. — O garotinho insistiu e por fim assenti, o fazendo pular. — Vai ser
muito legal! A gente vai no cinema e depois a gente pode brincar também. Eu sempre brinco.
— Vai ser maravilhoso, Paul.
Não sabia o que se daria e como reagiria tão perto de Leonard. Se tivesse chance,
recusaria, porém nunca o faria depois do que aquele garotinho loiro tinha passado. Não queria
que se sentisse rejeitado, como havia se sentido. Me culpava, mesmo que minimamente, por todo
aquele espírito rebelde e por ter caído daquele cavalo. Se estivesse sob os meus cuidados nunca o
deixaria montar sem um adulto.
Fui com os dois para o andar de cima e os ajudei a escolher as roupas que queriam,
enquanto Leonard ficou resolvendo algumas questões com Beto e um outro segurança. Aquela
seria a primeira vez que sairia com os três e me sentia ansioso e nervoso. As pessoas
comentavam sobre tudo o que acontecia na cidade e eu estar ao lado deles seria um ótimo
assunto para os dias que se seguissem.
Assim que terminaram de se arrumar, desci com os dois e logo o vi parado na porta, com
seu casaco já vestido e apertando perfeitamente seus braços fortes e definidos. Seus filhos
estavam em minha frente, animados por saírem e conversando sobre tudo o que fariam. A minha
sorte era que procurava me arrumar bem, ou seja, vestindo quase todas as peças em preto. No
entanto, o cachecol vermelho em meu pescoço dava um toque especial.
As crianças passaram por ele correndo em direção ao carro e Beto os levou ao alto e depois
os sentou no banco, prendendo os cintos. Parei ao lado de Leonard, entregando os documentos
pessoais dos dois. Assim que lhe estendi, sua mão quente encostou na minha, gelada pelo
nervosismo. Ele notou a temperatura e me olhou atentamente.
— Não precisa ficar assim perto de mim, Oliver.
— Leonard... — Meu rosto queimou de vergonha, pois ele sabia como me sentia e, com
toda a certeza do mundo, que nutria sentimentos por ele.
— Oliver, você sabe que é importante para nós, não sabe? Prezo muito por fazer meus
filhos felizes e qualquer um que seja capaz do mesmo também é importante para mim.
— Obrigado, Leonard.
— Você está pronto?
— Só preciso pegar minha carteira. Só estou com meu documento aqui...
— Não se preocupe com isso. É meu convidado.
— Leonard, eu não posso aceitar que pague...
— Não quer me ofender, não é, Oliver? — Me encarou fixamente. O ar pareceu travar em
meus pulmões e neguei com a cabeça. Ele tocou em minhas costas, ficando atrás de mim e me
conduzindo até o carro. — Então seja um doce e me obedeça.
— Leonard?! — O encarei e vi um sorriso discreto.
— Concordo com Roberto. Coloque o cinto, por favor. — Ele fechou a porta e respirei
forte, me sentindo como um veadinho, no sentido literal da palavra, que estava sendo o
brinquedo do predador antes do abate.
— Tá tudo bem, Oli? — Sophy perguntou, me encarando.
— Estou sim, meu amor. Só estou com um pouco de calor.
— Eu abro a janela para você. — Paul apertou o botão no painel central no banco.
— Obrigado, meu anjo.
— De nada, Oli. — Ele concordou e voltou a conversar com a irmã.
E eu? Estava completamente perdido! Meu coração parecia bater logo no começo de minha
garganta e uma vontade incontrolável de sorrir devido ao nervosismo se abateu de mim, porém
me obriguei a não ceder aquele desejo estúpido. Não na frente de Leonard, não para que ele
pensasse que eu era um louco.
Assim que o olhei rapidamente, senti o choque de saber que ele fazia o mesmo comigo.
Acho que seu passatempo era ficar encarando as pessoas, pois obviamente sabia o efeito que
causava nelas. Ou somente eu parecia um bobo vergonhoso perto dele. Porém o que eu poderia
fazer? Meu coração parecia o de um cachorro animado em ficar perto do dono. E o dono parecia
ser aquele homem completamente sério, misterioso e um completo cavalheiro.
Por que ele precisava ser tão bom, tão lindo e tão “tão” o tempo todo? Poderia ser como
qualquer outro homem e não ser tão cativante, porém ele parecia ter saído de um filme, de tão
perfeito que era em somente existir. Eu odiava a sensação de estar apaixonado por alguém, pois
minha mente parecia a própria caixa de pandora, deixando sair todos os demônios tinhosos e
provocadores que existiam dentro de mim e que pareciam carentes demais para controlarem os
próprios impulsos.
O caminho até o shopping foi em silêncio, pelo menos de minha parte. Pois sentia que
minha voz falharia se tentasse lhe dirigir a palavra. E o pior era que eu teria a noite inteira ao seu
lado ainda. O que não ajudaria em nada a minha ansiedade. Até mesmo cogitei fingir que estava
passando mal, porém aquilo colocaria ainda mais um alvo em minhas costas, o deixando ainda
mais solícito, pois seus filhos não o deixariam em paz e muito menos a mim.
Quando deixamos o carro e caminhamos pelo enorme e bem construído shopping de
Ponack, constatei que nunca iria naquele lugar por conta própria, pois nada ali estava em minha
alçada financeira. E só me fez ainda mais entender que aquele homem ao meu lado era muito
poderoso e influente, e as duas crianças que saltitavam em nossa frente teriam como comprar
toda a minha vida se quisessem.
As pessoas pareciam reconhecer Leonard à medida que passavam por ele. O
cumprimentando em silêncio, e alguns puxa-sacos, principalmente os mais velhos, vinham
apertar sua mão e convidando para ver algo em sua loja para o presentear e aos filhos. Somente
ficava quieto, como um bom convidado sem importância que era para os estranhos. Fiquei
preocupado em somente cuidar dos dois pequenos que olhavam o riacho construído entre o
corredor com os peixes coloridos nadando.
No entanto, assim que paramos em frente a uma loja de brinquedos, foi impossível não
deixar os dois entrarem. Eles caminhavam alegres pelas prateleiras e era impossível não sorrir.
Se tivesse condições, e não tivessem um pai, não teria problema nenhum em lutar pela tutela
deles com Bernard, o tio e irmão de Leonard. Os amava e sempre os amaria.
— Eu não me canso de os admirar também. — Sua voz soou forte ao meu lado, me
causando um arrepio gostoso. Ele empurrava o carrinho, pronto para pegar o brinquedo que cada
um escolhesse.
— Eu adoro crianças. E Paul e Sophy são maravilhosos.
— Você é responsável por eles estarem assim, Oliver. — Respirei fundo e o encarei. —
Eles encontraram em você alguém pra confiar. E às vezes acho que me trocariam por você se
perguntasse.
— Isso não aconteceria de jeito nenhum, senhor.
— Por favor, Oliver, me chame de Leonard. Sou tão velho assim para você? — Ele riu e
senti meu rosto queimar.
— Não! É só um costume, porque o senhor é... Desculpe. — Seus olhos passearam pelo
meu rosto em um silêncio gostoso, mas muito forte. Me senti nu e tudo parecia perder o foco ao
redor dele.
— Cada vez mais entendo motivo de meus filhos te amarem.
— Leonard...
— Roberto escolheu muito bem o apelido que te deu. — Inspirei forte, desviando meu
olhar dele, pois meu corpo todo se acendeu. Ele estava me elogiando de uma forma que ninguém
nunca elogiara. E agradeci imensamente pelos dois pequenos virem correndo com brinquedos
nas mãos.
— Papai, eu quero esse carrinho! — Paul trouxe um caminhão grande e azul, enquanto
Sophy tinha um amarelo.
— Eu quero esse daqui! Ele é bonito, não é, Oli?
— É sim, meu anjo.
— Vamos pagar. Tem certeza de que querem esses?
— Sim, papai. O Oli também ama azul. Eu sempre falo que é porque ele tem o olho azul.
Eu acho o olho dele lindo. — Paul me trouxe o carrinho, segurando a minha mão e sorrindo
lindamente para mim. — O senhor também acha, papai?
— São muito bonitos, filho.
Novamente tive um pequeno ataque cardíaco e baixei meu olhar, sorrindo para Paul e
ignorando o segundo elogio de seu pai. Fomos até o caixa e Leonard pagou pelos dois
brinquedos e novamente resumimos nosso caminho pelos corredores amplos e bem iluminados.
Aquela tarde, quase noite, estava muito agradável, mesmo que um pouco fria. Leonard carregava
as sacolas e ele parecia aquele pai solteiro que todos achavam lindo e ficavam caidinhos quando
viam.
Era impossível não o admirar. E aquilo somente se intensificou ao ver como sempre estava
disposto a responder qualquer coisa que os filhos perguntassem, ou para sempre os deixar
entretidos com as atrações que tinham por lá. Paramos em frente a uma pequena loja de
confeitaria e foi impossível para mim não a admirar.
Ser confeiteiro sempre fora o meu sonho desde criança. Eu adorava fazer bolos, tortas e
todos os tipos de doces. Porém aquilo teve que ser deixado de lado, pois o mundo não era como
aquele mundo doce que mãos habilidosas criavam. Abandonar um sonho era horrível e era pior
ainda quando era o que te lembrava da pessoa que mais te amou na vida. Meu pai havia me
ensinado a cozinhar e sempre me apoiou a perseguir aquele objetivo antes de falecer.
E Talvez tenha ficado sonhando acordado, parecendo um cachorro com fome admirando os
frangos rodando nas vitrines de padarias, para perceber que estava a muito tempo parado ali.
— Por que você está chorando, Oli? Você quer um bolo? — Sophy segurou minha mão. —
Papai, você pode comprar um bolo para o Oli?
— Não, querida. Eu só estava admirando como eles são lindos.
— Eu gosto mais do seu, Oli. — Paul sorriu. — O papai também.
— Fico feliz com isso, meu amor. — Sua barriga roncou um pouco alto, indicando que
estava com fome e ele colocou as mãozinhas em cima e riu.
— Você ouviu, Oli? Eu tô com muita fome!
— Então vamos jantar. — Leonard indicou o caminho e ficou ao meu lado, em silêncio por
alguns minutos. — Você está bem?
— Estou sim. Só me lembrei de uma coisa que não dava atenção a muito tempo. — Limpei
meus olhos e sorri para ele. — Não precisa se preocupar comigo.
— Acho que já é tarde demais para isso... Filhos, não corram! — Ele voltou sua atenção
aos filhos, enquanto novamente me deixava com mil coisas na cabeça.
Quando chegamos ao restaurante, escolhemos nossos pratos e ele me avisou que eu não
pagaria por nada, o que me fez ter o ímpeto interno de protestar, porém não me deu espaço para
discutir. Sua voz parecia mais um comando do que qualquer coisa.
O jantar se seguiu sem nenhum tipo de desconforto causado pela minha admiração por
aquele homem. Ele se mostrava uma excelente companhia e consegui saber mais sobre sua vida,
como por exemplo, o que eu sempre suspeitei, era que ele possuía quase todos os
estabelecimentos de Ponack, pois depois de um problema financeiro que quase faliu a cidade, sua
família, muito rica, decidiu comprar todas as propriedades e patrocinar os empreendimentos de
todos. Até mesmo aquele shopping era seu.
Eu morava em uma “Leonardlândia”, praticamente. E foi impossível para mim o olhar com
os mesmos olhos. Era estranho de se pensar que existiam pessoas tão endinheiradas a ponto de
terem uma cidade em seu nome. Isso me fez perceber que eu não era ninguém comparado a ele.
Porém não mudou o que sentia. Se tivesse mais dinheiro ou não, não faria diferença, pois era ele
quem eu estava amando.
Ao terminarmos o jantar fomos ao cinema. E assim que paramos em frente a atendente,
senti meu coração esquentar. Estava com Paul e Sophy, um pouco afastado enquanto Leonard
comprava os ingressos. Ele voltou sorrindo e achei aquilo estranho. Me encarou rapidamente e
fez o pedido ao outro atendente da lanchonete sobre que as crianças queriam.
— Leonard! Que surpresa maravilhosa! E com os seus filhos também! Como estão
grandes! — Uma senhora gordinha e com joias brilhosas em seu pescoço e dedos se aproximou.
— Sr. e Sra. Hill, boa noite. — Ele beijou o rosto dela e apertou a mão do marido.
— Faz tanto tempo que não te vejo! Como Paul e Sophy estão grandes! — Peguei o nosso
pedido com o atendente e me aproximei.
— Sra. Hill, esse é Oliver...
— Não sabia que tinha se casado novamente! É um jovem muito apessoado! Muito prazer,
querido! Sempre teve um bom olho para os pretendentes, Leonard! — Beijou meu rosto
vermelho pela vergonha.
— Não somos casados, Sra. Hill. Oliver é um amigo importante da família.
— Ah, não? Me perdoem, queridos. — Ela fez um gesto com a mão. — Formariam um
belo casal. Ainda me lembro de quando você era um adolescente e namorou um amigo de minha
filha, Clara, se lembra? Esqueci o nome do rapaz..., mas não importa! Ele era uma péssima
influência para você. Ainda bem que encontrou Elise, que Deus a tenha!
Leonard somente assentiu e me lançou um olhar complacente e divertido pela energia alta
da senhora a nossa frente.
— Voltei para a cidade recentemente para visitar minhas amigas, e que bom que consegui
o ver. Você sempre está viajando e é esse homem importante. Tenho um orgulho! — Ela sorriu e
uma notificação de canto de pássaros a fez olhar o próprio celular. — Bom, tenho que as
encontrar agora.
— Foi um prazer revê-la, Sra. Hill. Sr. Hill.
— Fique bem, Leonard. — O senhor disse me assustando com sua voz alta e potente,
assim como as crianças. Ele pigarreou e a senhora riu, bagunçando o cabelo dos irmãos.
— Vocês estão lindos e vou pedir para seu pai levar os dois para brincarem com os meus
netinhos. — Ela se virou para mim, me dando um beijo no rosto. — Você é adorável, meu
jovem. Leonard, se me permite dizer, faria uma boa escolha em ter esse daqui como marido se
ele quiser. Boa noite, aos dois.
E ela desapareceu como um furacão da mesma forma que apareceu. A vi se afastar,
completamente atordoado e envergonhado. O que ela quis supor com Leonard “fazer uma boa
escolha” em me ter como seu marido? Ela realmente mencionou que ele teve um relacionamento
com outro homem quando era mais jovem? Aquilo indicava que ele era bissexual? Fiquei
perdido até Paul começar a rir.
— A voz dele parecia a de um dinossauro, papai! O senhor viu? A Sophy tomou um susto!
— Você também tomou um susto, Paul! — A garotinha retrucou.
— Mas você tomou mais! — Ele a provocou, mas com um pigarro de Leonard pararam de
discutir e começaram a rir baixinho. — Na verdade, eu acho que o Oli tomou mais susto que a
gente! Você tinha que ver a sua cara, Oli! Você quase derrubou tudo!
— Eu também acho! — A garotinha puxou minha mão e sorri.
— Parecia mesmo um dinossauro. Quase eu pulo igual a Sophy. — Respondi, fazendo a
garotinha me olhar surpresa e o irmão rir alto!
— Oli! — Ela se virou e Leonard fez cosquinhas nela, até que sorrisse novamente.
— Vamos, o filme já vai começar. — Ele entregou os ingressos ao funcionário e
caminhamos até a sala. As cadeiras eram de dois lugares cada, o que me deixou ao lado dele,
com Paul e Sophy nas ao nosso lado. — Espero que não tenha ficado incomodado pelo que a Sra.
Hill disse.
— Não fiquei.
— Ela sempre foi assim. E de qualquer forma, não foi a primeira vez que acharam que era
meu marido hoje.
— Como assim?
— A garota dos ingressos desejou uma boa sessão para você, meu marido, e eu.
— Desculpe por isso. — Meu rosto ficou vermelho por aquela revelação.
— Por que está pedindo desculpas? — Pegou uma das bolinhas de chocolate e as mastigou
lindamente. Sua mandíbula se movia perfeitamente e vi quando um sorriso discreto surgiu em
seus lábios. — A Sra. Hill disse que formamos um belo casal. Então pra mim, não foi nenhum
insulto. A não ser que você se sinta incomodado...
— É claro que não! — Disse rapidamente, mas depois me dei conta de que aquela pergunta
não tinha uma resposta certa para mim, pois ou admitia que ele era um ótimo potencial marido
ou não era. E ele sabia daquilo, pois riu de minha indecisão. — Leonard... Isso não é justo!
— Não se preocupe, Oliver. Eu sei muito bem ler as pessoas e por isso sou muito bom no
que faço. — Me ofereceu uma das bolinhas de chocolate. — Pegue! Um doce para um doce!
Aquela era a primeira vez que via Leonard tão desenvolto e longe da persona série e
controlada que sempre tinha. Ele tinha um senso de humor e para o meu infortúnio gostava de o
usar para me deixar envergonhado. Era um homem poderoso em todos os aspectos e cada coisa
que acontecia a sua volta parecia reforçar aquele fato, desde as palavras e sensações e até mesmo
o chão que eu pisava me davam aquela certeza.
Ele não parecia ter ficado chateado por terem se referido a mim como seu marido, mas sim
o contrário, parecia ter ficado contente. Não tinha negado nosso envolvimento com uma reação
ruim em ambos os casos e sim tinha um sorriso divertido pelas suposições levantadas por aquelas
duas mulheres.
Meu coração pareceu bater mais rápido ao pensar que ele não tinha vergonha de mim, e
por me lembrar de seus elogios, seu cuidado e a forma que me tratou durante todo aquele tempo.
Era o homem dos meus sonhos! Eu não sabia o que fazer para não me deixar levar por aqueles
sentimentos. Estava afundando em um oceano feito da atração e devoção por ele.
E estava muito feliz em não saber nadar.
CAPÍTULO 03 – Natural

Aquela conversa ficou em minha cabeça e esperava que não houvesse nenhum tipo de
desentendimento que prejudicasse meu emprego, mesmo sendo, a meu ver, uma das melhores
noites que tive desde que me mudara. Não sabia se devia comentar sobre algo, para tentar evitar
algum problema, mas não sabia como voltar aquele assunto com Leonard. E outro problema era
Roberto, pois Leonard o viu me abraçar em frente à casa antes de ir embora em um dia.
Nem que quisesse falar com ele sobre aquilo poderia, pois ele voltara a sua rotina de
viagens no meio da semana para Deus lá sabe onde. Nos últimos dias, provavelmente ficara mais
tempo em casa por causa do acidente de Paul, no entanto, assim que viu que o garoto estava bem,
voltou a sua rotina distante. E nem mesmo o via nos fins de tarde, o que dificultava meus
pensamentos.
Me sentia sempre como se algo estivesse faltando dentro do meu peito e sabia que era
devido à ausência daquele homem. Minha vida não era a das mais movimentadas. Basicamente,
tudo o que a envolvia era ir e voltar daquela grande casa para ensinar e cuidar das crianças. Não
havia nenhum pretendente em mente, pois não tinha vontade nenhuma de me relacionar com
alguém além do pai de Paul e Sophy. E mesmo fantasiando com Leonard, tinha certeza de que
em uma remota possibilidade, eu provavelmente recusaria algum tipo de aproximação... Ou eu
queria me convencer daquilo. Não existia um futuro para nós dois, pelo respeito que tinha por
ele, por seus filhos e devido a vergonha que sempre me tomava perto dele.
Passei a ficar até mais tarde, mais precisamente até a hora das crianças dormirem, pois não
confiava em Boni. Ele podia trabalhar para aquela família a anos, mas a sua habilidade para
cuidar dos filhos de seu chefe não era a das melhores. Talvez se ele focasse naquela tarefa, ao
invés de ficar me julgando silenciosamente pelos cantos, ele se saísse bem e eu não precisasse
ficar além de meu horário.
Aquela mudança acabou por desordenar toda a minha agenda e rotina. Muitas vezes
acabava por deixar de comer direito para cuidar dos irmãos. Meu não-motorista particular, Beto,
estava em viagem com seu chefe e todas as caronas que tinha quando ia almoçar em meu
apartamento faziam falta. Então o que me restava era caminhar. Tinha o dinheiro do transporte
incluído no meu salário, mas guardava tudo o que podia para uma emergência, fora o valor que
enviava mensalmente para minha mãe para os estudos de minha irmã, e a fim de mantê-la longe
de mim.
Minha relação com ela não era a das melhores, mas como a usurpadora que era, sempre
deixou bem claro que não gostava de mim. A verdade era que prometi para meu pai ajudar Maya
com sua faculdade. Ela era o orgulho de minha mãe, linda, vencedora de concursos de beleza
desde pequena, e aos seus olhos, a sua aposentadoria. Em sua cabeça minha irmã fisgaria um
homem rico e ambas viveriam no luxo, as custas do coitado que se deixasse enganar pelos olhos
meigos da filha. Acho que havia puxado aquela capacidade de sonhos impossíveis com ela.
Assim que meu pai faleceu tudo se tornou insuportável. Ela me tirou de todos os meus
cursos de idiomas e começou a investir tudo em Maya, mas para todos a nossa volta eu tinha a
vida perfeita. O seguro de vida gordo que meu pai havia deixado para nós foi o suficiente para
que ela conseguisse comprar todas as roupas lindas e caras que sempre quisera. Ela nos vestia
bem, principalmente a mim, para que eu calasse a boca.
Na primeira oportunidade que teve se casou novamente. Nem havia se passado cinco
meses quando outro homem já andava de cuecas pela casa construída pelo meu pai. Era um
inferno ter que aguentar aqueles dois, principalmente quando Phil, meu “padrasto”, trazia seus
amigos todas as sextas para beber e assistir os jogos de futebol idiotas deles. O odor que a casa
ficava depois de todos aqueles cigarros e charutos era horrível, mas nada se comparava a nojeira
deles quando se referiam as mulheres que eram “gostosas”. Até mesmo pensar naquelas palavras
me dava asco. Sempre deixava Maya no quarto e impedia que eles sequer a vissem, pois não
queria que o pior acontecesse.
Mas o ápice de tudo, e o que serviu para que eu juntasse o pouco dinheiro que ganhava
como professor particular de francês e sumisse daquela cidade, foi quando em uma dessas noites,
ele, já bêbado, veio até o meu quarto enquanto eu estava dormindo e beijou minha boca. O dei
um tapa quando ele investiu mais uma vez, o que resultou em xingamentos e acusações de ficar o
seduzindo e os seus amigos podres. E não esperei mais nem um dia para ver o que viria daquilo.
E depois de muitos quilômetros e mais viagens cansativas, cheguei a Ponack e decidi
começar minha vida. Nunca me esqueceria de quando entrei pela primeira vez naquele pequeno
apartamento. Foi como se eu tivesse algo meu e me sentisse protegido de tudo o que a vida
poderia jogar em minhas costas.
E o que aquela cidade me trouxe foi minha primeira paixão platônica. Em um inverno, na
véspera de Natal, quando estava prestes a fechar a loja de doces do Sr. Tompson, Leonard entrou
com as crianças. Eu já dava aula para eles, mas ainda me dividia entre os dois empregos. Eles
fariam uma viagem até uma casa afastada para comemorar o feriado. Paul e Sophy queriam
doces e até mesmo naquela época, sabia que não se devia negar nada para qualquer membro da
família Havens.
Ele estava tão lindo em um casaco marrom e em nada parecia o homem sério que via
raramente pela casa. A sua barba curta denunciava pelos poucos frios brancos a sua idade. Trinta
anos distribuídos perfeitamente. Seus olhos esverdeados sempre foram penetrantes e altivos, o
que me fazia, sempre, me sentir envergonhado. Mesmo vestido pelo tecido grosso, era possível
notar seus músculos. Ninguém em juízo perfeito entraria em seu caminho.
Voltei a mim quando, de repente, uma chuva forte caiu. Mesmo não querendo, saí mais
cedo, pois precisava passar no mercado e reabastecer minha geladeira. Já não estava me sentindo
bem faziam alguns dias e certamente pegar toda aquela friagem não me ajudaria a melhorar.
Estava caminhando, pois usaria o dinheiro para pedir um táxi depois das compras e me arrependi
por não ter feito antes. Minha roupa grudava em meu corpo e eu parecia vestir chumbo.
Demorei quase uma hora em um trajeto de no máximo vinte minutos, pois nenhum táxi
queria parar e tinha medo de tirar meu celular da bolsa. Se o aparelho molhasse, não teria como
comprar outro. Era um dos pequenos luxos que me permiti depois de muito tempo e não queria
estragá-lo. E assim, caminhei até o apartamento, desistindo das compras e fui direto tomar um
banho quente quando cheguei ensopado. Aquela foi a pior noite da minha vida, pois além da
gripe forte, uma dor de cabeça horrível latejava. Já se passavam das três da manhã quando
finalmente consegui pegar no sono.
Acordei pior do que o dia anterior. Meu corpo inteiro doía e meu nariz havia se tornado
uma máquina de produzir secreção. Acabei por ligar para um médico domiciliar, o que era mais
barato, já que não tinha um plano de saúde e uma clínica estava a quilômetros de distância, e
seria uma fortuna pedir um Uber até lá. Consegui um atestado de quatro dias para me recuperar e
avisei Boni sobre minha condição, que mesmo a contragosto, me desejou melhoras.
Os dias se passaram lentamente e a melhora prometida teve de ser adiada para mais quatro
dias. Eu realmente estava me sentindo um lixo e só me levantava para pegar a comida que pedia
para entregar. Subir e descer os lances de escadas eram a pior parte. Minha cabeça pulsava a cada
passada e segurar o corrimão gelado fazia um arrepio passar por todo o meu corpo. Até meu
couro cabeludo doía.
Eu passava vários e vários minutos dentro do banho quente e o aquecedor sempre estava
ligado. Havia se tornado meu melhor amigo, junto de várias sopas que eu me forçava a fazer e
tomar. Engolir era um sacrifício, sendo assim os caldos eram a única refeição que ingeria. Por
isso minhas bochechas voltaram a marcar levemente os ossos do meu rosto pela perda de peso. E
odiava aquilo, pois já tinha uma aparência jovem e ao ficar magro passava ainda mais aquela
impressão.
Era um sábado à tarde, o sétimo dia do meu afastamento, quando esperava ansiosamente
minha comida. Daquela vez me obriguei a pedir uma que tivesse macarrão, pois senão, trocaria a
colher por um canudinho. Na televisão, pela terceira vez consecutiva, passava o filme Hairspray.
Era o meu favorito. Quando era pequeno, e até depois de grande, eu sempre dançava as músicas.
Era meu prazer vergonhoso.
Bem quando Tracy estrearia no programa, a campainha tocou. Eles sempre chegavam na
melhor parte dos filmes. Calcei meus chinelos e me enrolei no cobertor, ignorando
completamente o julgamento que poderia vir do entregador. Eu estava no meu direito de me
vestir como quisesse. Estava doente e não me arrumaria para buscar minha refeição, sendo que a
comeria todo enrolado depois.
Tudo estava quieto e passando pelas prateleiras vi o carro enorme que Beto dirigia. No
entanto não era ele quem estava lá e sim Leonard e as crianças. Parei atrás de uma prateleira e
me escondi, me arrependendo logo em seguida, pois o movimento brusco fez com que minha
cabeça voltasse a doer. Meu cérebro parecia solto dentro do crânio.
Por que eles estavam ali? Só faltava um dia para que eu voltasse a trabalhar, mesmo me
sentindo pior do que estava quando tudo começou. O motivo de todo aquele isolamento era para
que eu não colocasse em risco as duas crianças. Leonard estava sendo um pai muito ruim
naquele momento. Pelo menos era o que eu estava me convencendo, pois também não queria que
me visse daquela forma deplorável.
Me forcei, mesmo com minha cabeça rodando, a ficar em pé e com certa dificuldade
consegui abrir a porta. Já se passavam das seis horas da tarde, mas o branco do céu ainda deixava
tudo claro e refletia fraco dentro da loja. Os coloridos dos mais diversos doces estavam
apagados, mas o cheiro ainda era delicioso. Se eu pudesse absorver um pouco de toda a energia e
animação que escutei das crianças naquele dia, ficaria melhor sem pensar duas vezes, porém tudo
na minha vida parecia igualzinho aquele céu.
Assim que parei na frente daqueles três, as crianças finalmente puderam me ver e tive que
estender a mão para que não se aproximassem. Era horrível não poder abraçá-las, mas era
necessário. No momento, eu era um poço contagioso de gripe e me sentiria pior se ficassem
doentes como eu.
— Fiquem aí, eu estou doentinho. — Leonard me olhava em silêncio. Eu estava suando
debaixo daquele cobertor, mas não poderia transparecer. E não sabia se era por conta de minha
condição médica ou por conta de sua presença intimidadora.
Tinha a ideia estúpida de que estava lá para me demitir por não comparecer ao trabalho por
tantos dias, o que era ridículo de se pensar, pois não faria aquilo junto dos filhos. A não ser que
quisesse dar uma lição péssima de como tratar alguém em um momento de fragilidade. Mas
desejei estar minimamente bem. E porque imediatamente me lembrei da última vez que saímos
todos juntos. Queria que ficasse mais ou menos parecido com aquele dia.
— Nós sabemos, Oli! A gente fez uma sopa pra você. — Paul disse estendendo um pote
enrolado em um pano. Sentir o calor, mesmo que fraco, me trouxe alívio.
— A gente sentiu saudade, Oli. — Sophy afirmou segurando as mãozinhas. — Papai disse
que era melhor a gente cuidar de você, então ele deu a ideia de fazer a sopa. A nossa mamãe
sempre fazia quando a gente ficava gripado.
— Eu que lembrei disso, sabia, Oli? Eu que lembrei da sopa e eu sabia que você ia gostar.
— Obrigado, aos três. — Sorri e senti meus ouvidos tamparem rapidamente, fazendo com
que as vozes das crianças ficassem abafadas.
— Filhos, para o carro. Eu já volto com o Oliver. — A voz de Leonard entrou aveludada
pelos meus ouvidos e demorei para notar o que havia dito.
— O que foi? — Minha garganta doeu quando tentei falar, mas ele já estava com as mãos
em minhas costas, me levando para dentro. — O que você está fazendo, Leonard?
— Eu vou te levar para uma clínica. — Senti seus dedos encostarem na curva de meu
pescoço, sentindo o calor de minha pele. — Você está com febre.
— Eu vou ficar bem. Não precisa de tudo isso. Não precisava se incomodar comigo. Eu só
preciso descansar e na segunda já estarei melhor — O encarei, mas ele não parecia nem um
pouco ser levado pela minha vontade.
— Oliver, não discuta. — Ele era tão autoritário e me lembrava muito aqueles homens do
exército. Ri ao pensar nele vestindo um daqueles uniformes e batendo continência. Seu rosto era
tão perfeito e o modo que sua mandíbula era visível, mesmo com a barba a cobrindo, o deixava
tão másculo. Aquele homem ao meu lado era tudo o que eu sempre achei atraente e quis em um
parceiro romântico.
Costumava fantasiar que encontraria alguém como ele enquanto andava
despreocupadamente pelas ruas, que conversaríamos e seria amor à primeira vista. Que esse
homem predestinado seria o homem mais atencioso e protetor do mundo, e me tiraria daquela
vida totalmente presa e injusta. No entanto, aquele sonho era somente um que não tinha se
realizado, pelo contrário, todos os pretendentes que apareceram em minha vida, tanto em sentido
romântico quanto não, não tinham feito nenhum ato benevolente para tornar minha estadia
naquele mundo mais agradável.
— Meu quarto é ali, pode me levar pra lá. — Apontei e tentei me soltar, mas acabei
deixando o cobertor cair e quase me levando junto. Não tinha reparado em como estava me
sentindo fraco. Meu corpo inteiro parecia ter sido atingido por uma onda anestesiante, assim
como uma pequena tontura causada pela gripe forte, e possivelmente a febre que me fazia sentir
mais frio do que devia.
— Oliver, você devia ter me avisado sobre isso. Não pensei que estaria desse jeito. Se
alguma coisa te acontecesse... — Me encarou rapidamente. — Não pode, e não deve, não me
contar sobre como você está, me entendeu?
— Não é pra tanto, Leonard. É só um resfriado e...
— Com todo o respeito, Oliver, mas você não está vendo a sua situação.
— Estou tão ruim assim?
— Não tanto, mas está. — Disse, encarando o meu pequeno apartamento, que não era em
nada parecido com nem mesmo o menor cômodo da sua casa. — Nunca vi onde morava.
— É bem simples, mas adoro aqui. Apesar de o aquecedor as vezes não ser o suficiente.
— Você poderia conseguir um lugar melhor com o que pago.
— Eu sei, mas eu nunca precisei, Leonard. — O encarei, caminhando até o quarto. — O
Sr. Tompson foi muito gentil em me ajudar desde que cheguei aqui e me sentiria muito mal-
agradecido se saísse.
— Você é bom demais com os outros para o seu próprio bem. — Observou atentamente
meu rosto até que por fim respirou fundo. Não conseguia entender o que queria de mim,
principalmente naquele momento, onde estava completamente direto e dominante em relação ao
meu bem-estar.
— Ainda bem que encontrei pessoas boas na minha vida e que me ajudaram a chegar aqui.
— Tenho que agradecê-las por isso... — Ele deu um passo em minha direção, segurando
meu rosto e involuntariamente fechei os olhos, sentindo como sua mão era quente e gostosa em
minha pele. — Você consegue se trocar sozinho?
— Pra quê?
— Você sabe o motivo. Não está nada bem e vai ser visto por um especialista.
— Não precisa de tudo isso. É só uma gripe!
— Já vi o que uma simples gripe faz com um homem. — Ele foi até a porta e a encostou,
me dando privacidade. Tirei minha roupa deitado na cama, pois até ficar sentado estava
consumindo toda a minha força. Era estranho tê-lo em meu apartamento. Será que estava com
vergonha ou nojo de estar ali? Obviamente não era a sua casa mobiliada com os móveis mais
caros, mas eu me esforçava para deixar meu lar apresentável.
— Você, realmente, não precisa fazer isso, Leonard. — Com dificuldade fui enfiando
minhas pernas pelo jeans.
— Eu preciso. — Mesmo longe sua voz era forte e parecia tremer todo meu corpo. — Se
algo te acontecer, eu não sei se meus filhos superariam.
— Até parece que eu vou morrer. Não sabia que você era tão dramático. — Ri e ele entrou
no quarto. Minha lucidez voltou me fazendo perceber o que havia dito. — Desculpa.
— Meus filhos te amam, Oliver. — Se abaixou, me ajudando a amarrar meu tênis branco e
velho. Eu precisava comprar um novo par e parar de desenvolver sentimentos por minhas coisas.
Acabaria sendo um daqueles acumuladores.
— Eu também amo todos vocês. — Confessei. — Eu... Eu gosto muito de trabalhar pra
vocês.
— Não precisa se corrigir. Sei reconhecer o seu olhar. Já te vi fazer mais do que devia por
nós três muitas vezes. Não quero que meus filhos percam alguém agora. Elise deixou esse vazio
que eu sozinho não consigo preencher, mas você, de algum jeito, mudou isso. Nesse ano que
trabalha para gente eles não choraram tanto de saudade da mãe.
— Não gosto de vê-los tristes. — Me levantei. — E eu sinto muito pela morte dela.
— Está tudo bem. Foi melhor assim.
— Leonard, eu posso te fazer uma pergunta? — Fui tomado de uma coragem repentina,
talvez pela febre que me afetava, ou pela segurança que me causava. Ele concordou sem tirar os
olhos de mim. — Por que está fazendo tudo isso? Entendo que sou importante para seus filhos,
mas por que você está fazendo tudo isso?
— Ainda não entendeu, Oliver?
— Leonard... — Senti todo o meu corpo esquentar, o que não era uma coisa boa para se
acontecer enquanto ainda estava com febre. Porém aquela pergunta que me fez, deixou toda
minha mente presa em algum tipo de cadeia cheia de dúvidas e sentimentos que eu guardava por
ele.
Seu corpo estava tão próximo do meu, assim como sua mão que tocava minha coxa, me
fazendo sentir exatamente a pressão de cada um de seus dedos. Ele era tão grande e tudo o que
queria que fizesse era me abraçar. Era inexplicável a forma como ele acordava aquela atração tão
forte e intensa, que ao mesmo tempo que queria me esconder, queria fazer aquilo em seu corpo e
ter toda sua atenção.
Ele se aproximou, passando o braço por minhas costas, no limite de minha cintura, me
fazendo sentir seus músculos rígidos e protuberantes até mesmo por debaixo de todo aquele
tecido. Ele parecia um predador, sem desviar os olhos de mim por nenhum momento, o que não
aconteceu comigo, pois encarei seu pescoço com o pomo de adão visível, mesmo pela barba que
o cobria.
Escutamos as crianças rindo na sala e a voz de Beto. Leonard ainda ficou me encarando e
sutilmente acariciou meu rosto, me deixando queimando de vergonha. Queria que aquele
momento durasse para sempre, mas sabia que não iria. Aquela sensação que completava o espaço
vazio em minha alma era somente passageira, mesmo que todas as atitudes ficassem em minha
memória eternamente.
Andou atrás de mim, vigiando meus passos. Era bom saber que se importava, pelo menos
de uma forma carinhosa, mesmo que não amorosa, um pouco com meu bem-estar. Era o que eu
escolhia acreditar. Roberto guardava algo na geladeira enquanto as crianças olhavam curiosas
tudo o que eu tinha. Ambos tinham sorrisos e admiração, o que me fez sentir bem. Eu queria uma
família e pelo tempo que ficasse ao lado dos dois, escolheria acreditar que faziam parte da que
nunca tive.
— O entregador trouxe a comida que você pediu. — Beto se explicou, mais para nosso
chefe do que para mim. — E o Paul não parava de pedir para vir ver como você estava, Oli.
Você tem um ótimo guarda-costas.
— Eu amo o Oli. — Ele correu até mim, abraçando as minhas pernas, não me dando tempo
de o pedir para que não fizesse. Ele me olhou sorrindo e retribuí o gesto. Leonard acariciou sua
cabeça, bem próximo de mim, de forma que senti sua respiração do lado esquerdo de meu
pescoço.
— Você tem tantas fotos de borboletas. — Sophy estava com meu álbum no colo,
folheando todas as fotografias de quando eu morava com meu pai. — Eu nunca vi tantas! Aqui
na cidade tem algumas. Só quando chega a primavera, mas não tem muitas. Onde você tirou?
— Eu costumava viajar bastante com o meu papai e ele que me ensinou a tirar foto das
coisas mais bonitas que eu via. E eu acho que as borboletas são uma das coisas mais lindas do
mundo.
— Eu posso ficar com ele? — Paul perguntou ao lado da irmã.
— O que eu disse sobre mexer nas coisas sem autorização? — O pai os corrigiu.
— Desculpa, Oli. — Os dois me olharam tristes.
— Está tudo bem. — Peguei o álbum e destaquei as fotos das borboletas, as dando para os
dois. — Podem ficar com elas.
— Você não precisa fazer isso, Oliver.
— Eu sei, Leonard. — Nos encaramos por um instante. Era impossível saber o que se
passava em sua cabeça. Seu celular tocou, cortando o momento. Roberto me olhava com um
sorriso discreto, mas o ignorei. Sabia muito bem o que estava pensando e o que diria quando não
estivéssemos mais na presença de nosso chefe.
— O Dr. Gold avisou que já está nos esperando. E não adianta discutir, Oliver. Ele vai te
ver e cuidar de tudo o que você precisa.
— Isso, a gente vai cuidar de você, Oli! — Paul concordou segurando meu casaco. —
Você vai ficar bom e voltar pra nossa casa.
— A gente te ama e o papai vai cuidar de você igual ele cuida da gente. — A garotinha
acrescentou e me assustei. Sabia que Leonard não pensaria o pior de mim, mas não entendia o
que estava acontecendo entre nós.
Ele tinha ciência de todas as coisas que me falara durante nossos últimos encontros e era
impossível que fosse inocente para não saber que despertaria algo em mim. Obviamente tinha
ciência do meu apreço e sentimentos por ele, e talvez aquilo fosse alguma tática. Apesar de tudo
ele era um pai e um pai fazia de tudo para que seus filhos ficassem bem, até mesmo manter
alguém por perto.
Mesmo que aquela possibilidade fosse possível, ainda era uma possibilidade remota.
Leonard não parecia o tipo de homem que usaria de alguém de forma tão fajuta e insensível. Ele
não brincaria com os meus sentimentos daquela forma, mesmo que significasse o sofrimento dos
seus filhos. E aquela era uma das características que mais me atraíam por ele.
Era tão bom, tanto em suas atitudes quanto com as pessoas que ele nem mesmo conhecia
ou tinha um contato direto, que era nítido sua boa educação e moral. Era um cavalheiro em todos
os sentidos. E esperava que aquilo fosse um sinal de que não me faria nenhum mal, mesmo que
indiretamente.

Já havia se passado uma semana e por ordens médicas estava de repouso devido a uma
pneumonia. Provavelmente por conta de meu debilitado sistema imunológico e a chuva horrível
que tinha pegado dias atrás. Quando o diagnóstico foi dado, vi como ficou afetado, pois sua
falecida esposa teve a mesma coisa. Talvez por aquela razão, praticamente mandou em mim, me
impedindo de ficar longe. Como uma precaução, e para não ficar sem trabalhar, concordei em
passar os dias seguintes na casa de Leonard, pois assim ficaria perto das crianças e poderia
cuidar deles.
Claro que não aceitei tão fácil no início, pois poderia muito bem ficar em meu
apartamento, no entanto Leonard tinha uma capacidade incrível de nos fazer acreditar que nossas
decisões eram as menos prováveis de terem sucesso. Então acabei em um dos quartos vagos da
casa. E confesso que depois da primeira noite naquela cama, tive a certeza de que nunca tinha
dormido bem até aquele momento.
Quem não ficou muito feliz com a minha presença foi Boni. Era notável que não estava tão
de acordo assim com a minha proximidade. Não acreditava que ele fosse homofóbico, pois havia
o escutado falar com seu irmão uma vez, e que ele estava se programando para o visitar e que
esse irmão era casado com um homem. O que parecia acontecer em relação a mim era algo que
não conseguia entender, pois nunca havia feito nada para provocar a sua repulsa e aversão. Pelo
contrário, mesmo depois de ele ter me demitido e falado todas aquelas coisas, ainda assim,
continuei o tratando bem e até mesmo cozinhando para ele.
Nos dias em que fiquei naquela fortaleza, até tentei mudar aquela situação com Boni e
acredito que havia conseguido algo quando elogiou minha comida. Bem, não foi um elogio, mas
a frase “até que você tem uma mão boa para a cozinha!” me dizia que tinha conseguido alguns
pontos com aquele senhor.
No entanto, aquela não foi a única mudança de comportamento que notei. Leonard não
viajara em nenhum momento e todos os dias voltava para casa. Talvez fosse porque não confiava
em mim o suficiente para me deixar sozinho, mesmo com todos aqueles seguranças que
vigiavam a propriedade dia e noite. Porém eu não sentia que ele estava desconfiando de meu
caráter. Eu tentava ser praticamente invisível assim que ele chegava. E cuidava das crianças da
forma mais silenciosa possível, pois ele nunca deixava o trabalho.
Cada dia mais comprovava o quanto era atencioso com os filhos e estar presente em sua
rotina me fazia ter mais apreço por ele. Bem, eu sabia que Leonard os amava e fazia de tudo por
eles, mas realmente o ver acariciando os cabelos de Sophy todas as vezes que ela fazia algum
exercício de matemática correto, ou como ele ficava conversando com Paul sobre seus desenhos,
trazia lágrimas aos meus olhos. Era lindo o amor que tinham. E da forma mais natural possível
percebi que não adiantava lutar contra o meu sentimento por ele. Cada vez mais, cada segundo
que passava ao seu lado, admirando qualquer coisa que fazia, era o suficiente para laçar o meu
coração e me impedir, e não querer, me soltar de jeito nenhum. Estava completamente, não no
sentido literal, de quatro por ele e tudo o que representava na minha vida ingênua e sonhadora.
Eu não tinha como prever qual seria o meu futuro dentro daquela casa, mas estava feliz em
pelo menos fazer parte daqueles momentos em família. Dos jantares que tinham, e que muitas
das vezes não ocorriam na luxuosa sala de jantar, mas sim no tapete da sala em frente a televisão,
enquanto passava algum filme de aventura do qual os dois irmãos gostavam. Ou até mesmo de
como os três passavam bastante tempo caminhando pelo longo jardim, enquanto Leonard
mantinha sua rotina de exercícios.
E aquele fato foi também um dos motivos que eu passava quase todo o tempo recluso.
Todas as vezes que ele aparecia vestindo uma camiseta preta, completamente sedutora ao moldar
seu corpo por debaixo dela, ou como os shorts me mostravam como suas pernas eram fortes e
com uma camada de cabelos castanha tão irresistíveis, sentia como se minha febre fosse me
cozinhar de dentro para fora. E sem falar do cheiro de suor que ele tinha, o que não era em nada
intragável, pois se misturava perfeitamente com o perfume delicioso que usava.
Vivendo naquela casa, mesmo que temporariamente, não conseguia recusar os convites
para acompanhá-los em seus momentos de família. Paul e Sophy eram muito apegados a mim e
adorava aquele fato. E pareceria muito indelicado da minha parte não retribuir a gentileza.
Mesmo cozinhando para eles, recusar aqueles momentos pareceria uma crueldade.
Sempre tive o costume de comer pouco, mas o principal motivo de sempre tentar não
comer com eles era porque eu praticamente sentia meu estômago se torcer todas as vezes que
estava perto de Leonard. Não conseguia dar uma garfada sequer e sentir o sabor delicioso que
eles tanto elogiavam. E quando vinham do homem que sempre se sentava na ponta da mesa,
como um rei em seu castelo, perdia todo meu controle e me focava em não bater os talheres no
prato devido ao meu nervosismo.
Ele sabia como me sentia perto dele e provavelmente de meus desejos ocultos e amorosos.
Eu não dava nenhum indício de que queria algo, mas era impossível controlar a minha timidez
todas as vezes que estávamos no mesmo cômodo. Ele, por outro lado, sempre parecia tão
confortável e a vontade comigo. A minha presença parecia não o incomodar de forma alguma e
para me sentir melhor me convencia de que aquilo nada mais era que indiferença. Eu era somente
o professor e “babá” de seus filhos. Muitas crianças possuem babás que dormem nas casas,
principalmente aquelas que não tem nada a perder, como era exatamente o meu caso.
Até mesmo Beto havia percebido que o que eu sentia por Leonard não era simplesmente
uma quedinha ou atração. Ia muito além de eu o achar o homem mais lindo e sedutor que havia
visto em toda a minha vida. Havia me apaixonado principalmente pelo que ele era e por tudo o
que representava. Era o porto seguro de seus filhos e a quem eles eram confidentes de todos os
momentos felizes que tinham, mesmo que para outras pessoas parecessem somente besteiras de
crianças. Ele fazia com que uma sala vazia e fria se enchesse de vida e conforto somente por
estar nela, sentado em sua poltrona, tomando um copo de whisky, como sempre fazia depois de
colocar os filhos para dormir. E foi em uma dessas noites que tive mais um gostinho de como
seria o ter como o homem da minha vida.
Havia ficado mais tarde assistindo um documentário sobre baleias, algo completamente
aleatório em minha vida, mas que por influência de Paul havia me atraído, quando comecei a
sentir os sinais do sono. Havia melhorado bastante de minha gripe e quase não sentia a
indisposição me afetar, mesmo que ainda me deixasse ser manhoso todas as manhãs e dormir
mais que o necessário.
Somente a televisão iluminava a sala quando ele entrou, segurando um copo da bebida
forte. Aquele não era um hábito muito saudável, mas não tinha o direito de pedir que parasse ou
dizer que aquilo fazia mal. Ele notou a televisão ligada, e não sei por qual motivo, não consegui
tirar os olhos dele quando me encarou. Ele tomou um gole e caminhou até mim, não vestindo
nada além de uma calça de moletom preta. Seu torso estava exposto e me deu uma visão perfeita
de como sua pele contornava cada um de seus músculos.
— Não te acordei, não é? — Perguntei assim que ele parou a alguns passos de mim e,
depois de respirar fundo, se sentou ao meu lado.
— Estou sem sono. Achei que tomar um pouco disso ajudaria, mas não está fazendo tanto
efeito quanto antes. — Suspirou, me fazendo admirar seu corpo aumentar pela inspiração.
— Você é um homem ocupado, então isso provavelmente é culpa das suas
responsabilidades.
— Não tenho dúvidas. — Ele me encarou, esticando o braço no sofá, com suas mãos
próximas de meu rosto. — Tem alguma dica para mim?
— Posso tentar uma coisa? — Senti meu rosto corar.
— Vá em frente.
Me aproximei dele, me ajoelhando no imenso sofá, e fiquei em sua frente, encarando
aqueles olhos esverdeados e profundos. Comecei com toques sutis em seu rosto, massageando
toda a sua face com leveza e movimentos relaxantes. Havia vistos vários vídeos sobre como
estimular o rosto acalmava a ansiedade e aquilo havia se tornado uma rotina para mim. E ao
perceber que o dele se suavizou e sua respiração ficou mais calma, sorri feliz.
Me atrevi a continuar massageando seus ombros e braços, sentindo cada músculo em
minhas mãos. Passei meus dedos por seu peitoral, controlando o impulso de apertá-los com
volúpia, e puxei suas mãos dando atenção aos seus dedos grossos. Ele soltou um gemido grave e
prazeroso e assim que terminei vi seus olhos fixos em mim. Havia um brilho diferente nele e
naquele momento realmente parecia alguém ameaçador.
Com a sua mão direita, a mesma que eu havia acabado de massagear, ele segurou meu
rosto com força. Sua respiração estava forte novamente, aquecendo minha boca e me deixando
completamente em êxtase. Queria que me beijasse e me tomasse ali mesmo, naquele sofá, no
meio da noite. Queria sentir o corpo que havia acabado de tocar em cima do meu. Ele acariciou
minha bochecha, encarando meus lábios.
— Não sei se vou conseguir te deixar em algum momento, Oliver. — Engoli em seco, o
que ele percebeu e segurou em meu pescoço. Eu estava apoiado em meus braços, quase caindo
em seu colo devido a inclinação em sua direção. — Eu não quero você longe. E não sei se vou
permitir que isso aconteça algum dia.
— Eu... — Não consegui terminar, pois ele pressionou o polegar em meu lábio inferior
com força e o forçou para dentro de minha boca. Passei minha língua por ele, o rodeando.
— Você me faz não querer ser um bom homem, Oliver.
Senti meu rosto ruborizar e esquentar, assim como vergonhosamente e involuntariamente,
contraí meu interior, que ansiava pelo volume que estava presente entre suas pernas. Quis tocar
aquele contorno e me deixar levar por todos os desejos luxuosos que guardava por tanto tempo.
Queria sentir como era aquele homem dentro de mim, me fazendo sentir o quão grande era e me
abrir por inteiro, até me sentir vazio quando não estivesse mais me penetrando. Queria sentir a
saudade de suas investidas contra meu íntimo, como sonhava acordado todas as noites.
Porém o som do fim do documentário, mais alto que o normal, me fez acordar daquele
transe pesado e sensual que havia se instalado entre nós. Senti seu dedo sair de minha boca, onde
um fio de minha saliva o acompanhou e caiu sobre meu queixo, me fazendo limpá-lo. Leonard
respirava forte e vi quando fez menção de se aproximar novamente, mas me levantei.
— Eu... — Engoli com dificuldade. — Eu não posso... Leonard, eu...
— Oliver...
— Eu tenho que...
Não terminei a frase, sentindo todo o meu corpo se aquecer enquanto me afastei dele,
subindo rapidamente as escadas para meu quarto. Tranquei a porta, com medo de que ele
pudesse entrar, me fazer desistir de todo o meu controle moral e me entregar para si.
Onde eu estava com a cabeça? Estava chupando o dedo dele como um garoto de programa!
E ele me dizendo aquelas coisas, que eu o fazia não querer ser um bom homem... Contraí
prazerosamente meu ânus, assim como me deitei de bruços, sentindo meu pênis se apertar contra
o colchão. Meu corpo inteiro estava queimando de desejos por Leonard e me implorava para ser
deflorado pelo homem que era meu chefe, como uma espécie de fetiche tirado de um livro
pornográfico.
E custei para dormir, sentindo que ele abriria aquela porta a qualquer momento, porém
aquilo não aconteceu. E meu medo de o encontrar pela manhã se desfez ao me informarem que
ele teve que resolver algum problema de última hora em seu trabalho. Beto não estava lá, o que
me ajudou também, pois ele certamente saberia que algo teria acontecido.
Passaram se dois dias e não tive nenhuma notícia sua, nem mesmo uma das ligações para
ver como Paul e Sophy estavam, o que me dizia que realmente fora algo sério. Não pude deixar
de me sentir preocupado por ele, pois ainda não entendia o que ele fazia, porém algo me dizia
que era perigoso ou até crítico para o tirar de seu conforto no meio da manhã.
Voltava de uma caminhada naquela imensa propriedade. Já havia me acostumado em como
o sol nunca tinha a cor acalorada de minha antiga cidade. De certa forma, gostava muito mais
dele daquele jeito. Era tão calmo e deixava o céu quase completamente branco, o que combinava
muito com todos aqueles pinheiros ao redor.
Era bom sentir o vento gelado em minha pele, ao mesmo tempo que meu corpo era
aquecido pelo casaco que vestia. Era uma das coisas que eu mais sentiria falta de fazer quando
voltasse para o meu pequeno apartamento. O vento passava livremente por aquele terreno
perfeitamente projetado e eu adorava me sentar, sentindo a grama passar pelos meus dedos e o
cheiro de toda aquela natureza.
Quando voltava para a casa, de longe vi quando o carro de Leonard estacionou perto da
entrada principal. Ele desceu com Paul em seus braços e logo Beto pegou Sophy. Deviam ter
adormecido depois da aula de natação. Ele havia passado para os buscar.
Parei assim que vi uma mulher de cabelos castanhos, vestindo um sobretudo por cima de
um vestido vermelho. Nunca a havia visto, mas pela forma que sorria, me fez perceber que ela e
Leonard se conheciam muito bem. Ainda mais pela forma que ela o abraçou logo em seguida.
Ninguém nunca havia se aproximado assim dele e o ver ter um contato tão próximo com alguém
me fez notar que eu não era ninguém. Mesmo depois do momento que tivemos noites atrás.
Os esperei entrar e tomando todo o cuidado para não me verem fui até o meu quarto. Mas
antes pude vê-la tocando o rosto dele na sala de estar, enquanto se serviam de bebidas. Me senti
horrível por ter qualquer apreço por ele e por me ter permitido aquela cena ridícula com seu dedo
em minha boca. Ele nunca retribuiria o mesmo sentimento que tinha por ele.
Mas que grande idiotice a minha me deixar cair no clichê mais presente da vida de um gay.
Se apaixonar por um hétero parecia ser parte de um checklist na vida amorosa de todo gay. Além
de, obviamente, ter o coração partido por se iludir. Pela forma como vinha me tratando realmente
cheguei a pensar que nutria algo por mim além de respeito, mas a culpa e fantasia era toda
minha.
Arrumei minhas malas, pois no outro dia voltaria para o meu apartamento. Já estava bem o
suficiente para voltar a viver sozinho, o que era o meu destino. Me deitei na cama e mirei a
janela o tempo todo, enquanto tentava diferenciar as nuvens se mexendo no céu. Foquei tanto
naquilo que adormeci e nem me levantei para fazer o jantar. Estava sendo pago para fazer as
refeições daquela casa e aquilo só me lembrou mais uma vez o motivo de estar lá.
Já se passavam das onze horas quando decidi me levantar e fazer algo simples para
acalmar minha barriga que roncava de fome. Tudo estava silencioso e as luzes apagadas,
indicando que todos já dormiam. Na geladeira havia uma pizza pela metade, mas não a peguei,
mesmo sendo de frango, meu sabor preferido. Provavelmente ele, as crianças e aquela mulher
tiveram um jantar em família e riram enquanto faziam planos de sua mudança.
Ali no escuro eu chorei. Sentindo pena de mim mesmo por estar naquela situação. Não
merecia encontrar o amor da minha vida? Por que eu tinha que me apaixonar logo pelo homem
que nunca se apaixonaria por mim? A minha vida era uma droga e eu não sabia o que havia feito
para merecer toda aquela desgraça.
Fiquei tão preso em meus pensamentos e me afundando cada vez mais naquela melancolia
que não percebi os passos de Leonard. Somente quando ele acendeu as luzes que o notei e ele viu
meu estado deplorável.
— O que aconteceu? — Ainda estava vestido socialmente, mas de meias e sua camisa
estava desabotoada um pouco abaixo do peito.
— Não foi nada, desculpa. — Respondi já começando a arrumar as coisas.
— Você realmente está pedindo desculpas por chorar?
— Eu... Eu não sei. Acho que sim. — Tentei forçar um sorriso.
— Precisamos conversar, Oliver. — Ele se aproximou e em sua mão estava o copo de
whisky.
— Não precisamos, Leonard. Eu não quero tocar nesse assunto.
— O que aconteceu enquanto eu estive fora? Por que está agindo assim?
— Nada. Eu já estou melhor e não quero ser mais uma responsabilidade pra vocês. Não
quero invadir seu espaço da forma que fiz.
— Oliver, o que está dizendo? Você é importante pra cada um de nós e sentimos sua falta
hoje no jantar. Quis conversar com você depois que cheguei, mas estava dormindo. Tinha
alguém que eu queria te apresentar.
— Eu não estava muito bem e acabei esquecendo de fazer o jantar. — Falei, mas tudo o
que eu queria era rir de seu cinismo. Queria me mostrar a nova esposa enquanto eu era o
empregadinho?
— Eu quero conversar com você, Oliver. — Terminou a bebida e colocou o copo na pia,
dando um passo em minha direção. — Quero...
— Amanhã eu volto para meu apartamento, Sr. Havens. Já estou melhor e agradeço o que
fez por mim. Eu vou pagar por todo o custo com os exames e remédios.
— Não se preocupe com isso, eu fiz o que tive que fazer. — Se aproximou de mim e foi o
suficiente para que seu perfume e o aroma de sua pele me tirassem de órbita. — Você está bem?
As crianças fizeram alguma coisa? Alguém falou alguma coisa?
— É claro que não, Leonard. Paul e Sophy foram uns anjos, como sempre. Amo cuidar
deles.
— Então o que aconteceu com você? Eu pensei muito naquela noite. — Se aproximou e
segurou meu rosto, limpando-o das lágrimas. — Agora eu entendo o porquê Roberto diz que
você tem um jeito doce.
— Leonard, por favor...
— Eu não quero que vá embora. É bom voltar para casa e ter você aqui com as crianças.
Você é família para eles e ficar aqui, vendo como eles sorriem, me fez perceber isso.
— Eu não sei o que dizer e não sei o que fazer com essas coisas que eu sinto! — Encarei
seu rosto e ele sorriu sutilmente. E foi como se eu visse a felicidade por uma fração de segundo.
— Eu quero que fique. Não vou te forçar a falar sobre o que aconteceu naquela noite. E se
eu fui invasivo, me perdoe. Não quero que se sinta obrigado a retribuir qualquer coisa se não se
sentir confortável.
— Não se trata disso. Eu quis aquilo, mas... — Respirei fundo, fugindo de seus olhos,
como sempre.
— Fique pelos meus filhos, Oliver. Paul não teve mais pesadelos nos dias que ficou aqui.
— Ele riu. — Acho que eu vou começar a ter pesadelos se você se mudar.
— Tudo bem... E me desculpe pelo meu jeito. Isso... Eu preciso pensar direito.
— Você está seguro comigo. — Levantou meu rosto gentilmente. — Mas se não for pedir
demais, poderia fazer aquela mesma massagem de novo algum dia desses? Nunca dormi tão
bem.
— Leonard...
— Você não negaria isso pra mim. Eu pago seu salário, se lembra? — Brincou, me
fazendo sorrir e amenizando aquele clima. — Boa noite, Oliver.
Quando já não estava mais perto de mim pude respirar. Ainda sentia seu toque em meu
rosto e escutar tudo o que havia dito fez minha pequena chama de esperança se acender
novamente. Era errado? Sim e muito! Mas por aquela noite eu fantasiaria novamente.
E pela primeira vez torci para que ele sofresse pela insônia.
CAPÍTULO 04 – Amor Duradouro

Depois da noite anterior quem teve um pesadelo horrível fui eu. Na verdade, deveria ter
dormido para ter um. O que aconteceu foi mais uma série de pensamentos horríveis onde eu era
expulso da vida daquela família sem ter nenhuma chance de me explicar. O motivo daquilo eu
não sabia, talvez tivesse sido o lanche que ativou minha mente e não me deixou ter uma última
noite de paz naquela casa ou aquela conversa intensa.
Quando finalmente consegui pegar no sono, já era hora de acordar e fazer meu trajeto para
meu verdadeiro lar. Daquela vez esperei todos acordarem com um belo café da manhã. Eu me
despediria, mesmo que por algumas horas, e deixaria claro para as crianças que eu voltaria
daquela vez. E pediria um táxi para que não fosse surpreendido por algum outro evento da
natureza.
Estava tão focado, novamente, em meus próprios pensamentos que não vi quando um
homem, vestido socialmente, estava parado na cozinha me encarando. Me assustei, no entanto
não disse nada e tentei manter a calma. Era provavelmente algum conhecido de Leonard, do
contrário não havia chances de ter entrado.
— Eu posso te ajudar com alguma coisa? — Perguntei, engolindo a saliva que se acumulou
em minha boca. Ele sorriu e o seu jeito me lembrou muito o daqueles homens dos filmes que são
sinônimos de problemas.
— Passei para visitar minha família, mas acabei te encontrando primeiro. — Pegou uma
das torradas que havia feito e se sentou à mesa, como se fosse o dono do lugar. — Você deve ser
"Oli”, não é? Meus sobrinhos me contam o tempo todo sobre você.
— Sou eu, mas não sei... — E então como um click na minha cabeça me lembrei de seu
rosto em umas das minhas várias pesquisas sobre Leonard. — Meu Deus, Sr. Bernard! Não te
reconheci. Você está diferente. Ainda não tinha esse cavanhaque.
— Você então pesquisou sobre mim, garoto? — Sorriu. Se eu estivesse comendo ou
bebendo algo tinha certeza de que me engasgaria, pois seu tom foi tão cafajeste quanto sua
aparência.
— Foi quando quis saber para quem eu trabalharia. Não estava pesquisando sobre o senhor
exatamente.
— E então? Faço jus ao que você viu? — Abriu os braços de forma relaxada. Seu terno
vinho junto da camisa preta e brilhosa pareciam se acomodar ao seu corpo trabalhado em idas
regulares a academia. Eu tinha que admitir que a sua pele morena parecia ser quente... ele parecia
ser quente... em todos os sentidos.
— Eu acho que não preciso responder isso, senhor. — Me concentrei no bule de chá no
fogo.
— Mas agora eu quero saber, Oli Oli. — Se levantou e se aproximou. Ótimo! Já tinha um
apelido com o irmão convencido de meu chefe.
— Por favor, Sr. Bernard. Eu...
— Você não avisou que viria, Bernard. — Leonard apareceu vestido formalmente, pronto
para o trabalho, mesmo sendo a semana que antecedia o Natal.
— E eu preciso avisar minha família quando for visitar? — Os dois se abraçaram e fiquei
calmo, mesmo sob os olhos atentos de meu chefe. — Já conheci Oliver e tenho que dizer que ele
é muito mais agradável aos olhos do que meus sobrinhos fizeram parecer.
— Oliver, perdoe meu irmão. Ele gosta de deixar os outros sem graça.
— Tudo bem. — Respondi. Agora nem bonito eu era para ser digno de um flerte e sim
alguém para tirar sarro.
— Pensei que podia aproveitar uma carona para Taryno já que vai para lá hoje. — O
metido a engraçadinho disse e imediatamente o outro me encarou. — June me disse que os dois
vão para lá.
— Sim, nós vamos. — Ainda me encarava. — Bernard, vai acordar seus sobrinhos. Vão
gostar da surpresa.
— Claro. Vou deixar os dois... a sós! — O outro me olhou rapidamente e sorriu antes de
sair.
Um silêncio se fez presente por alguns segundos, mas foram o suficiente para eu achar o
jeito que o peito de Leonard subia e descia com a respiração a coisa mais sedutora do mundo. Ele
era, com toda a certeza, o homem mais lindo e inalcançável que conhecia. Era dolorido sentir
meu corpo se agitar por ele e não poder tocá-lo. Deveria ser ótimo sentir seu abraço e o
pensamento de seu dedo entrando em minha boca me fez corar.
— Sua amiga não vai descer para o café?
— Ela não está mais aqui. — Caminhou até mim. — Saiu cedo para resolver alguma coisa.
— Não sabia que viajaria hoje. Quer que eu fique aqui?
— Só por quatro dias, no máximo. Volto dia vinte e quatro. E vou precisar que cuide dos
meus filhos nesse tempo. Depois eu te deixo livre para aproveitar o Natal.
— Tudo bem. Eu não estou dando aulas para eles, como me disse. Fico aqui com o maior
prazer. — Passaria mais tempo naquela casa enorme e com tudo para me lembrar dele.
— Ótimo. Se não puder me avise que eu peço para Boni, mesmo sabendo que vão me
implorar para você ficar aqui. — Sorriu. Era a segunda vez em menos de um dia.
— Eu amo ficar com eles. Vai ser um prazer, Leonard.
— Fico mais calmo com isso. Roberto não vai viajar comigo dessa vez, vai ficar aqui até
quarta-feira, depois estará com a família. Prometo que você também.
— Não se preocupe com isso...
Leonard me observou por alguns segundos, mas logo desviei o olhar, devido minha
vergonha insistente quando se tratava dele. Havia mantido sua promessa de não tocar naquele
assunto, o que foi um alívio e uma decepção ao mesmo tempo. Pois se queria falar sobre o que
havia nos acontecido, indicava que ele havia pensado sobre. No entanto, o oposto indicaria que
estaria cada vez mais afastando o que sentimos, ou melhor dizendo, a minha ideia do que havia
sentido.
As crianças logo foram ouvidas e a animação delas tomou conta de todo o lugar. Bernard,
além de ser ótimo em deixar os outros sem graça, também era ótimo em fazer palhaçadas para
seus sobrinhos. Era a primeira vez que o via pessoalmente, mas sabia que eles iam para sua casa
algumas vezes. Só que em todo aquele tempo nunca o tinha visto em carne e osso. O que também
foi uma coisa boa de se acontecer, pois era bem capaz de desenvolver alguma atração, por ser um
carente que eu era.
Eles começaram a tomar o café da manhã que fiz e aproveitei para buscar minhas coisas
em meu apartamento. Quando estava saindo, vi June, sua amiga, chegando em seu carro. Ela me
encarou com um sorriso e quis que sofresse um acidente ali mesmo. Ainda estava incomodado
por toda a intimidade que tinha com Leonard. Mas somente sorri, da forma mais amigável
possível.
Assim que cheguei em frente à loja de doces, ela estava aberta e passei pelo Sr. Tompson,
o cumprimentando discretamente, pois estava atendendo alguns clientes, e fui para os fundos. No
corredor, esbarrei com Patrick, seu filho, enquanto procurava minhas chaves. Ele estava muito
maior do que me lembrava. Ele havia se alistado para o exército, mas pelo que seu pai me
contava já havia voltado e estava estudando engenharia em uma faculdade de Bisera.
— Quem é vivo sempre aparece! — Sorriu, arrumando o colar que tinha em seu pescoço.
O mesmo que continha seu nome e algum número de identificação das forças armadas.
— Eu quem o diga, Patrick. Como estão as coisas? Está em férias da faculdade?
— Estou. Aproveitei pra visitar o velho e ver coisas bonitas. — Sorriu, me deixando sem
graça. Ele era o único com quem eu havia tido um pequeno envolvimento desde que tinha
chegado em Ponack. Ele tinha um jeito perigoso que me fazia lembrar de minha adolescência.
— Você ainda fica sem jeito quando te elogiam?
— Não tive muita oportunidade de melhorar isso. Morar aqui não é exatamente o centro do
mundo.
— E eu ainda não sei o porquê de você ter vindo justo pra cá. — Colocou os braços na
parede atrás de mim e se aproximou. — Mas eu sei o porquê de ficar. E ele está muito mais
gostoso que antes.
— E convencido também. — Ri daquela armadilha. Ele era lindo e não faria mal me deixar
levar pelo meu corpo. Segurei seu rosto, tomado de uma impulsividade causada por reprimir
minhas vontades e o beijei.
Patrick prensou meu corpo entre a parede e o seu. E tinha que concordar com ele, pois
estava muito mais musculoso e grande que antes, o que não diminuiu em nada seu membro
encostado em minha barriga, porém eu estava diferente. E por mais que quisesse ter alguma
experiência sexual, não queria com ele. Não era por ele que meu corpo se acendia
instantaneamente. E por isso o afastei.
— Você é uma coisa gostosa demais, Oli. — Me encarou de cima.
— Eu não devia ter feito isso.
— Eu posso passar um pouco mais tarde no seu apartamento, o que acha? Eu adorava
assistir uns filmes naquele seu sofá. Adorava sentir você subindo no meu...
— Cala a boca, Patrick! — Lhe dei um tapa no peito. — Seu pai está logo ali e se ele
escutar isso me mata.
— Que nada! O velho te adora! — Penteou a barba com os dedos. — Se ele soubesse que
você tinha me dado uma chance, ia achar que eu tinha criado juízo. Ele enche a boca pra falar
que você é um exemplo, desde que te conheceu. Eu ficava com inveja antes, mas depois
descarregava a raiva toda em você.
— Meu Deus, você é impossível! — Me virei, subindo as escadas.
— Ei, não me respondeu sobre eu passar aí mais tarde? Estava falando sério da gente
reviver algumas memórias.
— Eu não vou estar aqui. Vou cuidar dos filhos de Leonard. Ele vai viajar.
— Tá dando aulas para eles e ainda é babá? — O encarei afirmando. — Esse cara é dono
de tudo por aqui. Não me diz que está tentando dar o golpe do baú nele? Você sabe que não pode
engravidar, né?
— Idiota! — Mostrei o dedo pra ele e voltei a subir as escadas. — Se não te ver mais, te
desejo um Feliz Natal.
— Você ainda tem uma bundinha linda, Oli.
— Tchau, Patrick. E para....
Fui surpreendido quando me virou e me beijou. Me lembrei de como o seu jeito malandro
era gostoso. Ele sabia muito bem fazer alguém sentir prazer e fiquei tentado a deixá-lo entrar,
mas me controlei, pois seria muito arriscado e errado com o que estava sentindo. Tinha certeza
de que me sentiria péssimo depois, por ter sentimentos por Leonard.
— Pensa nisso. — Patrick disse e saiu, me deixando com o gosto de menta da sua boca na
minha.
Foquei no que realmente era importante e arrumei minhas roupas em uma mala, deixando
outras para lavar assim que voltasse. Aproveitaria o Natal para limpar tudo já que eu estaria
sozinho naquele dia e naquele mesmo apartamento. Seria meu terceiro Natal lá e o segundo
depois de trabalhar para Leonard. A única diferença era que daquela vez não queria ficar sozinho
e sim ao lado deles.

Já haviam se passado dois dias da viagem de Leonard e tudo o que conseguia pensar era no
quanto sentia sua falta. Havia me acostumado com ele aparecendo do nada, me surpreendendo
com seus passos silenciosos e até mesmo todas as noites quando o via pegar um copo de whisky
para tentar dormir. Me sentia um idiota por estar triste enquanto seus próprios filhos estavam
bem e se divertindo. Eu realmente precisava me tratar de toda aquela paixão. Não era uma coisa
saudável.
Tinha acabado de chegar do centro da cidade, onde havia lidado com a transferência
bancária para minha mãe, a fim de pagar a faculdade de minha irmã. Já estava ficando cansado
daquilo, pois ela poderia muito bem se cuidar. E pelo que via em suas redes sociais já estava
noiva, mas acredito que tenha puxado nossa mãe ao se importar somente com seu próprio bem-
estar. Mandava aquele dinheiro por respeito, não por amor. Mas me cobrei de tentar falar com ela
o quanto antes para confirmar se ainda precisava continuar com aquela boa ação em nome de
nosso pai ou não. As vezes achava que era uma pessoa muito boa para as que não me davam
valor.
Quando cheguei a cozinha, comecei a preparar todas as coisas para o passeio a praia que
havia programado com Paul e Sophy. De acordo com os jornais aquele seria o último dia
agradável para sair antes que tivéssemos um Natal digno de filmes da Disney, cheio de neve
pelas ruas e crianças brincando todas molhadas, sem se importar com o frio.
A praia de Ponack era linda, com todas as casas chiques de seus moradores. A cidade
estava bem movimentada naquele ano e tudo estava mais vivo que o normal. O que era estranho,
pois eu estava acostumado com o clima monótono da região. Era quase como ter um aperitivo de
como tudo estaria no Ano Novo, com as festas brilhosas que davam e os fogos coloridos e
barulhentos.
Sr. Boni entrou na cozinha e se sentou à mesa, descansando os pés depois de monitorar os
seguranças e fazer da vida dos outros um inferno. Ele era bem exigente com todos que
trabalhavam na casa e até que era bom tê-lo por perto. Era uma sensação de segurança e perigo
ao mesmo tempo. Nossa relação tinha melhorado bastante depois que minha presença se tornou
algo frequente e ele viu que não queria roubar seu lugar.
— Quero conversar com você, garoto.
— Pode falar, senhor.
— Quero me desculpar pela forma que falei com você aquele dia. Quando te demiti.
— Isso já é passado...
— Deixa eu terminar de falar. Vocês, jovens, sempre ficam interrompendo. — Resmungou
me fazendo sorrir.
— Desculpa.
— Como eu estava dizendo, como eu falei com você, admito que não lidei da melhor
forma. Não tenho nenhum problema em você se engraçar com outros homens. Meu irmão mais
novo é gay também e gosto muito do marido dele. O engraçado é que meu irmão é um medroso,
igualzinho você.
— Eu não sou medroso! — Retruquei o encarando, mas seu olhar me advertiu a parar de
mentir.
— Você corre de abelhas, Sr. Poyi.
— Eu tenho alergia. É diferente.
— E de grilos? Vagalumes? Baratas?
— Esse é o seu pedido de desculpas, Sr. Boni? — Desliguei as panelas e o encarei. Até que
estava gostando da conversa e seu tom não carregava a antipatia de sempre.
— Enfim, o que eu quero dizer é que você é um bom menino. Tudo que sempre fiz foi
proteger essas crianças e o Sr. Leonard de intrusos. E não me arrependo de ser duro em minhas
palavras com qualquer um que se aproxime deles. Porém meu julgamento quanto ao senhor foi
equivocado. Todos nós ficamos cautelosos demais depois da morte de Elise. — Se levantou e
pegou um dos pratos, se servindo de minha comida.
— Como eu poderia fazer mal a eles? — Peguei a louça de sua mão, já que ele não estava
montando a comida do jeito que eu queria.
— Você se surpreenderia com a quantidade de safados que se aproximam das crianças para
tirar algum proveito de Leonard.
— Isso é errado. — Lhe entreguei o prato e me apoiei no balcão a sua frente. — Me dói só
de pensar em alguém os machucando. Os amo como se fossem da minha família.
— Eu sei que ama. — Fechou os olhos por um segundo, sorrindo com o sabor da comida.
— Isso é uma prova desse amor. O sabor de uma refeição com carinho é muito melhor.
— Não sabia que era tão sentimental, Sr. Boni. — Sorri com o elogio.
— Sei apreciar um talento, Sr. Poyi.
— Me chama de Oliver, por favor. — O observei enquanto comia.
— Tudo bem, Sr. Oliver. — Sorriu para mim. — Leonard me pedia para ficar de olho em
você no início. Mas nunca mais se preocupou depois do acidente do pequeno Paul. Você ganhou
a confiança dele ali.
— Eu realmente me importo com eles.
— E eu sinto que tem algo a mais nisso, não é? — Senti seu olhar penetrar em minha pele
e ela esquentar.
— O que? Não! Eu me importo com eles como qualquer um se importa! — Disse
rapidamente. — Não tem nada demais nisso.
— Você não engana esse velho. Nem você e nem ele.
Ele se levantou enquanto eu encarava seu lugar vazio, tentando assimilar o que havia
escutado. Como assim “nem você e nem ele”? O que quis dizer com aquilo? Será que Leonard
havia dito algo sobre meu interesse por ele? Será que havia contado sobre o nosso momento?
Não podia... Leonard dividiria algo tão íntimo assim com Boni? Mas e se Boni havia visto tudo?
— O que quer dizer com isso, Sr. Boni? — O segui, enquanto ele se aproximava das
crianças na sala. Me contive, pois não devia comentar nada na frente deles. E aquele velho
safado sabia, pois sorria com a minha curiosidade.
— A gente já vai, Oli? — Sophy perguntou, me abraçando.
— Sim, anjo. — Sorri para a garotinha. Ela tinha o sorriso do pai. — Sabe quem mais vai?
— Quem?
— O Sr. Boni! — Encarei o homem confuso. — Ele me disse que quer comprar sorvetes
para vocês na praia.
— Ele disse? — Paul o olhou desconfiado.
— Eu quero, Sr. Oliver? — Me controlei para não rir da cara de bravo, ao mesmo tempo
que pacífica daquele senhor.
— Ele me disse que gosta de se fazer de bravo pra vocês não ficarem o atrapalhando
enquanto toma o café da tarde, mas ele gosta muito de vocês. E sabem do que mais?
— O que? — Os dois iam dele para mim com seus olhinhos animados com a conversa.
— Ele tem vergonha de pedir um abraço, mas me disse que queria um bem apertado e forte
de vocês.
— Não precisa ficar assim, Sr. Ulrich. A gente gosta um pouco de você também. — Sophy
foi até ele e o abraçou, e mesmo querendo me estrangular, ele sorriu.
— Ulrich? — Perguntei intrigado. — Não sabia que seu nome era Ulrich. Ulrich Boni.
Vou começar a te chamar...
— Não se atreva, Sr. Oliver! — Respondeu quando pegou o garotinho no colo. — Não
abuse da sorte, garoto.
Aquele momento definitivamente ficaria guardado em minha memória como um dos mais
divertidos e inusitados. Nunca, desde que comecei a trabalhar naquela casa, e o conhecia, pensei
que aquele senhor carrancudo e que parecia me odiar seria o motivo de risadas para mim.
Ele havia crescido em meu conceito e tirado o rótulo de preconceituoso de si. Saber que
tinha um irmão gay e que era a favor do relacionamento, me fez olhá-lo com carinho. E entendi
sua atitude comigo no passado, mesmo não concordando, e que ele só queria proteger aquela
família. Se eu fosse uma pessoa estourada tinha partido para cima dele na hora ou entrado com
um processo contra todos por aquilo. E ainda bem que não era.
E nossa tarde juntos foi ainda melhor. Não deixei os dois irmãos entrarem na água devido
ao frio, mas eles, de tanto correr e pular, estavam suados e cansados mesmo com o vento gelado
que teimava em fazer meu corpo tremer. Paul levou seu caderninho de desenhos e começou a
desenhar o mar e as nuvens enquanto comia os lanches que havia preparado. O clima colaborou e
era a primeira vez que pude ver o azul do céu em dias. Sophy passou o tempo todo correndo
entre o castelo de areia que o Sr. Boni a ajudou a construir e tirar fotos de qualquer coisa que
achava bonita com a câmera que Leonard havia comprado e que revelava as fotografias na hora.
Foi uma tarde maravilhosa.
Depois de comermos os sanduíches, brincaram um pouco mais depois de eu passar mais
protetor neles. Até tirei umas fotos deles com o celular e me surpreendi quando os dois vieram
para o meu colo pedindo uma comigo. Boni pegou a câmera e apontou para nós e por um
instante nos encarou em silêncio.
— O que foi?
— Não é nada, Sr. Oliver. — Sorriu antes de pedir para falarmos “x”.
Eu estava quase dormindo quando ele me cutucou para levarmos as crianças embora. O
tempo estava gostoso e o barulho do mar era um calmante natural para minha ansiedade. No
entanto, os dois pequenos não aceitaram ir sem antes cobrar o sorvete de Boni. E assim, no carro,
dormiram tranquilas. E mais uma vez percebi que os amava como se fossem minha própria
família. Realmente eram o que mais se aproximavam de uma depois de muito tempo. Os dei
banho e mesmo antes das oito horas já estavam dormindo tranquilamente.
Aproveitei aquele momento e, com o luxo que eu sabia que nunca teria novamente, usei a
banheira que havia no quarto em que estava. E devo concordar que entendia o motivo de várias
pessoas quase morrerem afogadas por algo tão simples. Era tão bom sentir a água quente cobrir
todo o meu corpo.
Minha mente viajou até se abrigar nos braços de Leonard. Lá estava eu, fantasiando
novamente com aquele homem que já me roubava as noites. Imaginava como seria estar em um
momento como aquele em seu corpo. Deveria ser a coisa mais gostosa do mundo. Sentir sua
força, seus músculos e suas mãos deslizarem pelo meu corpo enquanto eu faria o mesmo com
ele. O que eu estava fazendo com a minha vida?
O que Boni me disse veio novamente a em minha cabeça e me perguntei se Leonard havia
confidenciado alguma coisa para seu mordomo? Se em algum momento tivesse dito que não
gostava de mim como só um possível amigo, e sim como um interesse amoroso, como alguém
que ele quisesse por perto, pois sentia uma atração física e emocional? Será que era realmente
aquilo ou aquele senhor só estava pregando peças comigo?
Bem, se fosse o caso, havia caído direitinho em seu jogo e lhe dado a certeza de que estava
apaixonado pelo nosso chefe. Mas e se ele tivesse contado para Leonard sobre toda a nossa
conversa? E se quando voltasse, Leonard me demitisse por me expor dessa forma, e
consequentemente ele, por estar me deixando levar por sentimentos e pela minha falta de
profissionalismo ao deixar claro minha paixonite pelo homem que pagava meu salário? Eu
estaria perdido! Ele podia estar a caminho agora mesmo para me expulsar no meio da noite de
sua casa.
Aquele pensamento me despertou por completo e me vesti o mais rápido possível com
roupas quentes, deixando minha imaginação perturbada levar a melhor. Eu realmente precisava
me tratar e passar com algum especialista. Minha mente tinha alguma coisa muito errada por
ficar pensando naquelas coisas. Ou eu estava assistindo a muitos filmes... Sim, provavelmente
era aquilo. A partir daquele momento, nada mais de comédias românticas.
Preparei uma refeição rápida para Beto e a mim, e me lembrei de que fazia tempo que não
cozinhava para ele. Era um dos meus melhores amigos, na verdade o único. E sabia que com ele
poderia ser sincero sobre o que estava sentindo, mesmo que significasse admitir gostar de nosso
chefe e lidar com suas possíveis piadinhas.
— Você realmente tem que dirigir agora de noite? As estradas podem ser perigosas e já
começou a esfriar. Daqui a pouco neva. — Dizia enquanto via o esfomeado quase devorar até o
prato do jantar.
— Se eu não for agora não chego nunca. O Sr. Havens me conseguiu uma passagem para
Bisera amanhã de manhã. E é fim de ano, sabe como ficam as coisas. — Me encarou, limpando a
boca. — Falando nisso, você não quer mesmo passar o fim de ano com a minha família? Minha
mãe te adora.
— Não, Beto. Por mais que eu ame a sua mãe, prefiro ficar aqui. E tenho que ficar até
sexta por conta da viagem de Leonard. E não tenho como pagar um voo para Bisera. Vai estar
muito caro e não posso gastar com isso.
— Ninguém tem que passar o Natal sozinho, Docinho, mesmo que seja dentro de um
avião. Ainda mais você!
— O que tem eu? — Lhe entreguei um pedaço de papel para se limpar.
— Você é fraquinho. Essa cidade, mesmo que esteja cheia esse ano, onde você mora vira
uma área fantasma.
— Eu me dou bem com eles.
— Se alguma coisa te acontecer não vai ter ninguém pra ajudar. Até o irritado do Boni vai
passar na casa do irmão dele. — Sussurrou.
— Para de ser tão dramático! Está passando muito tempo comigo. — Olhei as horas. — É
melhor você ir então, vai ter tempo para descansar lá.
O acompanhei até a porta e lhe desejei boas festas, pois somente nos veríamos no outro
ano. Era óbvio que o ligaria, mas queria o abraçar mais uma vez. Era a melhor forma de passar
energias boas para qualquer pessoa.
— Beto?
— Fala. — Parou alguns degraus abaixo.
— Você acha que...
— Que o que?
— Deixa pra lá! É besteira da minha cabeça.
— Oli! Olha lá o que você... — O telefone tocou e fui correndo atender.
— Tchau, Beto! Te amo e cuidado na estrada!
Aquela casa sem as diaristas não era a mesma coisa. Ela parecia muito maior do que
realmente era. Nos dias normais, podia conversar com alguém enquanto as crianças estavam
ocupadas, mas naquele momento nem Boni estava mais lá. Não que ele se daria ao trabalho de
me dar atenção, mas saber que estava em algum canto era reconfortante. Os seguranças eram
como as árvores lá fora e nunca trocava mais que cumprimentos com eles.
— Alô?
— Boa noite, Oliver. — Paralisei no meio da sala ao escutar sua voz.
— Boa noite, Sr. Havens. — Tentei controlar meu nervosismo.
— Leonard. — Me corrigiu.
— Leonard...
— Meus filhos já foram dormir?
— Sim, depois que voltamos da praia não quiseram nem assistir televisão. — Sorri e ele
fez o mesmo. Pela voz parecia cansado.
— Isso é bom. — Ficou em silêncio, respirando fundo. Conseguia vê-lo claramente.
Provavelmente ainda estava vestido com a camisa e calça social, sentado em alguma cadeira no
quarto de hotel.
— Você está bem? — Por que perguntei aquilo? Fechei os olhos esperando uma resposta
curta ou alguma correção.
— Eu estou cansado, só isso. — Sabia que estava sorrindo. — Deu pra perceber?
— Um pouco. Sua voz está um pouco rouca.
— Está?
— Eu... — Engoli em seco, me punindo mentalmente por me dar aquela liberdade. —
Tenta descansar, por favor. Não se preocupa tanto.
— Uma das suas massagens cairia muito bem agora. — Exalou, me causando um arrepio.
— Se me permitir te pedir uma coisa, queria que não bebesse de noite. — Deus, o que eu
estava fazendo? De onde eu estava tirando aquela ousadia?
— Sou tão previsível assim, Oliver?
— Não. Na verdade, é bem difícil saber o que você pensa ou faz, mas tem alguns hábitos,
Leonard.
— Você me recomenda parar?
— Com esse, sim. Beber de noite faz mal. — Me sentei em uma poltrona, encarando o sofá
onde tivemos aquele momento intenso. Mas me concentrei na lareira enquanto o fogo trepidava.
Seu silêncio me causou um desconforto e me culpei por ter dito aquilo.
— Você também está cuidando de mim.
— Estou fazendo meu melhor.
— E está conseguindo fazer além. — Sua voz ficou ainda mais grave e fechei os olhos, me
encolhendo. — Queria estar em casa.
— Seria ótimo.... para as crianças. — Completei rapidamente. — Estamos... Eles estão
com saudades do pai.
— Eu também estou com saudades de todos.
Mais um silêncio. Era possível ele estar se referindo a mim também? Aquela conversa
estava muito estranha. Mesmo sabendo que seus filhos estavam bem, ainda continuávamos a
falar, o que nunca acontecia.
— Eu mataria pela sua comida agora. — Continuou e tampei minha boca, impedindo
minha felicidade ser manifestada por um gritinho ridículo ao saber daquilo. — Nada mais me
agrada como você.
— Eu... — Gemi involuntariamente, não controlando o prazer de escutar aquilo.
— Oliver, por favor, não faz isso.
— Leonard, eu... Me desculpa.
— Você não sabe como eu pensei em você...
— Você pensou? Quero dizer, prometo que faço um jantar ou almoço caprichado quando
voltar! — O interrompi, querendo me matar de vergonha. E então o escutei suspirar e mordi meu
lábio como um apaixonado idiota e com fogo.
— E você?
— Eu? Se eu pensei em você? Eu...
— Você está bem, Oliver?
— Desculpa, eu fiquei um pouco....
— Você fica demais quando fala comigo.
— Eu só... — Se ele continuasse com aquelas insinuações teria um ataque ali mesmo. —
As crianças estão ansiosas para o Natal.
— Elas estão... — Mais um momento de silêncio e sua respiração funda e sensual, pelo
menos a meu ver. Meu corpo estava queimando pelo calor! Ele me mataria daquele jeito! —
Quero pedir desculpas, de novo, por atrapalhar seu Natal.
— Está tudo bem, Leonard. Não vou fazer nada especial. No máximo assistir um filme
comendo os chocolates que peguei da loja do Sr. Tompson. O programa perfeito. — Ri, porém
ele não me acompanhou.
— Não sente falta da sua família?
— Meu pai faleceu alguns anos atrás e minha mãe e eu... Bem, não somos tão próximos. É
melhor do jeito que está. Vamos dizer que sou um órfão, mesmo com meus parentes vivendo
muito melhor que eu.
— Está feliz assim?
— De vez em quando me sinto sozinho, mas me sinto bem com vocês.
— Fico feliz por isso.
— Não me entenda mal, por favor. Mas nunca pensei que fosse me sentir assim... tão feliz
com vocês. — Admiti, sendo completamente sincero. — Não acho que o que minha mãe fez foi
o certo, mas, parando para pensar, foi o melhor. Não sei o que teria acontecido comigo se tivesse
ficado com eles. Talvez não teria vindo parar nessa cidade e conhecido vocês.
— Sinto muito pelo seu pai. E quanto a sua mãe, ela está perdendo esse seu jeito doce de
ser.
— Isso foi uma piada, Leonard?
— O que achou?
— Foi uma boa tentativa. — Rimos. Sua risada era tão gostosa.
— Foi uma constatação, na verdade.
— Obrigado por ter me deixado ficar aqui. E por cuidar de mim quando fiquei doente.
— Não precisa agradecer. Por você, faria quantas vezes fosse necessário.
— Mas eu preciso, Leonard. O que fez por mim... Duvido que qualquer outro faria.
— Oliver, eu me importo com você. Mais do que imagina. — Mais uns segundos em
silêncio.
— Eu queria ter uma família como a sua. Com todo o respeito.
— A foto que Boni me mandou reflete bem isso.
— Ele te mandou? — Agradeci por não poder ver como estava vermelho.
— Sim e ficou linda. Todos vocês estão lindos.
— Leonard, eu... — Não era coisa da minha cabeça. Realmente estava acontecendo algo e
aquela conversa toda era a prova. Principalmente aquele elogio.
— Sim, Oliver.
— O que está acontecendo? — Perguntei receoso.
— Estamos conversando. — Respondeu e novamente pude ver claramente seu sorriso
perfeito.
— Leonard... — Minha voz soou mais como um gemido.
— Acho que você sabe o que está acontecendo, Oliver. Vamos conversar melhor sobre isso
quando voltar. — Aquilo soou mais como uma ordem e as borboletas em meu estômago
pareciam estar atirando umas nas outras com metralhadoras.
— Tudo bem.
— Quero que vá dormir agora. Vou deixar esse copo de whisky de lado e esperar que não
tenha nenhuma crise de insônia. Infelizmente, você não está aqui.
— Você pode ligar se quiser. — Falei e me belisquei por aquela resposta ridícula. O que eu
era? Um assanhado?
— Sei que posso. Boa noite, Oliver.
— Boa noite, Leonard.
E assim que a linha ficou muda não me atrevi a mexer um músculo sequer com medo de
tudo não passar de um sonho ou algum delírio. Mas o calor do fogo em minha pele, junto ao
vento gelado que entrava pela janela aberta, me provaram que tudo era real. Aquela conversa
realmente havia acontecido e o homem por quem eu nutria sentimentos também parecia nutrir
algo por mim.
Me peguei ansioso pelo seu retorno, muito mais do que antes. Leonard realmente sentia
algo por mim! Fechei os olhos apreciando aquele momento. Ainda conseguia escutar sua voz
grave e calma em meus ouvidos, como se estivesse pessoalmente falando aquelas palavras e
querendo provocar todas as sensações que senti. Nada se comparava com sua autoridade sobre
meu corpo e alma, mesmo que estivesse a quilômetros de distância e suas mãos não pudesse me
tocar como fizeram antes.
Cada segundo seria guardado em minha memória como um tesouro, e sabia que durante
aquela noite não precisaria fantasiar com nada, pois pelo menos uma parte de todos os sonhos
que tinha acordado, eram reais. Meus desejos e preces, que nunca pensei que seriam atendidas,
pareciam estar dando o ar da graça com aquela época mágica.
Me peguei confirmando repetidas vezes que não estava louco e que não era nenhuma
brincadeira do destino com a minha vida. O Sr. Boni tinha razão quando me disse que nós não o
enganávamos. Ele realmente sabia que algo estava acontecendo entre Leonard e eu. Quis discutir
com ele por não ter me contado o que queria dizer com as exatas palavras. Aquele sentimento
dentro do meu peito, que apertava meu coração e que me fazia escutar a voz do homem por
quem eu estava apaixonado, era ao mesmo tempo que angustiante, uma das coisas mais gostosas
de se sentir.
Quando será que Leonard percebeu sentir algo por mim? Desde quando Boni havia
percebido seus sentimentos? Será que tudo começou com a primeira vez que nos vimos, como
aconteceu comigo? O amor à primeira vista? Ou foi se desenvolvendo aos poucos, à medida que
nos conhecíamos mais? Todos aqueles questionamentos estavam por acabar com toda a minha
sanidade.
Fui até a cozinha e preparei o chá de camomila mais forte que pude, mas depois coloquei
mais água. Não podia apagar de jeito nenhum, pois ainda era responsável por Paul e Sophy.
Ainda era somente o homem que cuidava e os ensinava.
Depois de trancar toda a casa e verificar se as crianças estavam dormindo, fui para o meu
quarto ao lado do deles e me deitei observando o céu. Na janela era possível ver os pequenos
flocos de neve caindo e se acumulando gentilmente. Será que Leonard também estava pensando
em mim e em nossa conversa? Escolhi acreditar que sim. Poderia me precipitar e dar um passo
maior do que eu podia? Obviamente. No entanto, parecia que o sentimento dentro do meu peito
era o que costumavam chamar de “Amor Para Todo o Sempre”.
CAPÍTULO 05 – Pertenço A Você

Tudo o que eu mais queria era que o tempo passasse o mais rápido possível para que
pudesse ter finalmente a conversa que tanto ansiava com Leonard. Depois do telefonema que
tivemos e de tudo o que foi dito, ele não me ligou mais, mas me avisou o motivo. Uma
conferência e reuniões o ocupariam durante o restante da sua estadia, então tudo o que fiz foi
mandar mensagens dizendo que tudo estava bem com seus filhos.
Ele não mencionou o assunto “nós” e muito menos eu o faria. Não tinha nenhum direito
para aquele tipo de conversa e muito menos saberia como iniciá-la sem parecer um desesperado.
Provavelmente falaria alguma bobagem que o faria ver que eu não passava de um desestruturado
mental e um péssimo interesse amoroso. Se houvesse algum futuro envolvendo nossas vidas,
esperaria que ele viesse falar comigo, como um bom e respeitoso pretendente. Não queria passar
uma imagem além da que já passava. Não queria que me visse como um dos muitos
aproveitadores que tentaram se aproximar dele, como Boni havia me dito.
Porém não conseguia deixar de me sentir mal. Ficava remoendo todas aquelas palavras
trocadas tarde da noite. O jeito como me elogiou e como foi incisivo ao dizer que eu sabia
exatamente o que causara todas aquelas pequenas nuances de sentimentos. Era como se meu
coração e cérebro estivessem em uma constante batalha para saber quem dominaria as minhas
ações. E não tinha controle nenhum sobre as minhas escolhas.
Em um acesso de loucura até cogitei a ideia de realmente ir embora, deixar tudo para trás e
apagar todos os meus rastros para que não me achasse. Mas logo decidi abandonar aquela
maluquice, pois eu era pobre e ele rico, ou seja, poderia pagar o mais incrível dos detetives para
me encontrar, e minha curiosidade me mataria para saber o que surgiria do nosso encontro. Não
me deixaria viver em paz nunca por não ter a conversa que afirmou que teríamos quando voltasse
de viagem.
Beto já estava em Bisera e suas mensagens me acordaram, porque mesmo já sendo um
homem feito, ainda ficava com medo de ficar perto de sua irmã. Tudo por causa da cobrança
sobre sua vida amorosa. Então sobrava para eu acalmá-lo. Era até engraçado, mas me controlei
para não tirar uma com sua cara, pois era capaz dele surtar em plena véspera. E não queria
carregar aquele peso nas costas. Não quando conhecia sua mãe e ela poderia aparecer do nada
para me corrigir, como havia feito com o filho um ano atrás por não a ter visitado.
Me arrumei para fazer o café das crianças e quando desci as escadas, para a minha
surpresa, lá estavam os dois anjinhos na sala. Me surpreendi com aquilo e até conferi as horas
para ter certeza de que não havia perdido meu despertador. Eles estavam tão concentrados na
televisão que não me viram assim que me aproximei.
— Posso saber o que os dois estão fazendo acordados tão cedo?
— Bom dia, Oli. — Paul veio até mim, me abraçando. Sua irmã fez o mesmo, mas logo
voltou ao seu lugar no tapete. Ela estava com uma tigela de cereal com duas colheres no colo. —
Nós sempre acordamos no dia antes do dia do Natal pra fazer compras de Natal.
— O dia antes do dia do Natal se chama véspera de Natal, Paul. — Sophy o corrigiu.
— Eu sei disso. Eu só não quis falar “véspera” de Natal.
— Tudo bem. — Os interrompi antes que entrassem em uma discussão fofa sobre quem
estava certo.
— O papai e a mamãe sempre nos levavam bem cedinho no mercado pra comprar doces e
tudo o que a gente quisesse. É uma “tramissão”.
— É “tradição”, Paul.
— Eu sei! Para de me corrigir! — Mostrou a língua para a irmã, mas voltou a segurar
minha mão. — Você leva a gente?
— Eu?
— O papai não está aqui. — Ele ficou triste. — E a mamãe também não...
— Eu sinto muito por isso, meu anjinho. — Acariciei seu rosto. Pelo que parecia aquela
era uma “tramissão” deles e Leonard não estava lá. — Seu papai está em viagem e eu acho que
ele não vai chegar a tempo.
— A gente sabe, Oli. —Sophy disse ainda olhando o desenho. — Você vai levar a gente.
Já resolvi tudo.
— Eu? Como assim? — Me assustei com aquilo. Ela sempre foi muito madura para a
pouca idade. Tinha somente nove anos, mas sua mente era muito mais velha. Talvez fosse por
aquilo que aceitava e cuidava do irmão tão bem. — Você não se importa de eu fazer isso?
— Não, porque você é como um papai pra gente. — O garotinho sorria para mim e o
retribuí, ignorando todos os meus temores.
O que eles estavam achando que eu era ia muito além de somente um carinho. Saber que
me consideravam um tipo de pai fez com que a realidade batesse em mim como uma porta. Me
questionei seriamente se o que eu estava fazendo estaria confundindo a cabeça deles. Não queria
tomar o lugar de nenhum de seus verdadeiros pais. E me preocupei com o que Leonard faria se
escutassem os dois afirmando aquilo.
Minha cabeça estava um turbilhão de pensamentos e não sabia o que fazer. Era normal
para mim pensar neles como minha família, mas escutá-los dizendo que se sentiam da mesma
forma em relação à mim era completamente diferente. Era enervante, pois se aquilo não fosse
somente algo que saíra da boca deles por simplesmente gostarem de mim, eu estaria fortemente
ligado aos dois. Querendo ou não, eu tinha nas mãos a responsabilidade de não os fazer mal
emocionalmente. E sabia que se algo de ruim acontecesse, mesmo que por acidente, seria
devastador, tanto pela perda de sua mãe como se por um acaso eu fosse obrigado a me afastar.
— Você sabe que eu não sou seu papai, não é? Vocês dois sabem, certo? Não podem ficar
falando isso para todo mundo. Seu papai não vai gostar de saber disso e não quero que ele fique
triste, me entenderam?
— Mas é como se você fosse. — A garota se levantou e me puxou pela mão até seu quarto
e me mostrou o celular deles. Um em caso de emergência, acredito. Nem eu sabia que tinham
aquele aparelho. Ela colocou o dedinho, liberando o acesso e depois me deu, mostrando uma
conversa por mensagens que trocou com seu pai, exatamente na noite em que nos falamos.
“Sophy: Papai, o senhor já está vindo?
Leonard: Ainda não, meu amor. Por quê? Aconteceu alguma coisa?
Sophy: Está tudo certinho. Eu só queria saber se o Oli pode levar a gente no mercado. A
gente sempre vai no mercado e é o dia antes do Natal... Como fala mesmo?
Leonard: Véspera, Sophy.
Sophy: Essa palavra é feia.
Leonard: Já está tarde para estar acordada, não é? Eu acabei de falar com o Oli no
telefone e ele disse que vocês estavam dormindo.
Sophy: O Paul está. É que eu acordei pra fazer xixi. E eu fiz tudo bem quietinha pro Oli
não escutar. Eu pensei que ele estava dormindo também.
Leonard: Certo, garotinha. Mas está parecendo que estava fazendo coisa errada.
Sophy: Eu não estava, papai. Prometo!
Leonard: Vou acreditar em você, meu amor. O papai não vai conseguir chegar. Se o Oli
puder levar vocês, podem ir, mas não comprem muitos doces.
Sophy: Obrigado, papai. Te amo muitão.
Leonard: Eu também te amo, minha filha. Agora vai dormir.
Sophy: Papai, ele vai ficar sozinho no Natal. Ele falou que vai ficar sozinho no Natal.
Ninguém pode ficar sozinho.
Leonard: O Oliver te disse isso ou você está de novo com mania de escutar a conversa dos
outros? Já conversamos sobre isso, Sophy.
Sophy: Desculpa, papai. Foi sem querer, eu juro! Eu estava indo no banheiro quando eu
escutei.
Leonard: Que isso não se repita, filha.
Sophy: Desculpa. Mas e o Oli? O senhor não pode deixar ele ficar sozinho. Ele pode ir
com a gente pro chalé da mamãe, não pode? O senhor disse que é um lugar pra gente ficar com
a família e eu acho que o Oli é da nossa família. O Paul também acha!
Leonard: Filha, é o chalé da mamãe de vocês e...
Sophy: A gente ama ele, papai! E ele cuida da gente quando o senhor não está aqui. Ele
faz comida melhor que o senhor.
Leonard: Vocês dois realmente gostam dele, não é?
Sophy: A gente ama ele, papai! O Paul até disse que é como se a gente tivesse dois papais.
Leonard: Eu vou pensar no assunto, filha. Agora vai dormir.
Sophy: Papai? A gente pode ter dois papais?
Leonard: Filha, não se preocupe com isso agora, tudo bem? Vá dormir.
Sophy: Boa noite, papai.
Leonard: Boa noite, princesa.”
E mais uma vez fiquei sem reação ao ler aquelas mensagens. Aquela situação era muito
maior do que eu pensava. Não era somente para mim que haviam dito aquilo, mas também para
seu pai. Seria por aquela mensagem que não havia me ligado nenhuma vez mais? Será que havia
dado a desculpa de estar ocupado, pois estava pensando em uma forma de me demitir para
sempre por ameaçar sua família e estar tão intimamente ligado a cada um deles? Quis corrigir
Sophy para não repetir aquelas coisas, mas era tarde demais.
Fingi ainda ler a conversa, mas via como ela e o irmão me olhavam, esperando alguma
reação. Não saberia o que dizer para eles. Não queria falar algo que poderia machucá-los e nem
gerar algum tipo de situação chata. Me senti feliz por me considerarem daquela forma, mas não
queria negar ao mencionar que nunca poderia ser um pai para os dois.
Era o Natal deles e mereciam o melhor. Depois me explicaria para o Leonard e o deixaria
ciente de que eu não tinha intenção nenhuma de roubar seus filhos.
— Sophy, eu... — Me sentei na cama e os observei parados em minha frente. — Vocês não
podem ficar falando isso, tudo bem?
— Falar o que? — O garotinho perguntou.
— Sobre eu também parecer um papai para vocês.
— Mas você cuida da gente igual o nosso papai.
— Eu sei, Paul, mas...
— Você não quer ser o nosso papai, Oli? — Sophy me encarou e quis morrer. Como me
perguntava aquilo?
— Sophy, é claro que eu quero ser, mas vocês sabem que isso não é possível, não é?
Sabem que o pai de vocês e eu não temos a mesma relação que a mamãe e ele tinham?
— A mamãe dizia que amava o papai. Você não ama o papai? — Paul perguntou.
— E se o papai der um anel pra você? Ele sempre falava que deu um anel pra mamãe e eles
ficaram juntos pra cuidar da gente. — A garotinha acrescentou.
— Isso! A gente vai falar pro papai dar um anel para você e aí você vai poder cuidar da
gente pra sempre! — Paul completou e quis explodir de fofura e nervosismo. O que colocavam
no leite das crianças?
— Meus anjinhos, não é assim que funciona. — Procurei as palavras certas para os
explicar. — O anel que o papai deu pra mamãe de vocês é porque eles se amavam e se casaram.
— Você ama o nosso papai? — Ela repetiu e quis colocar um tampão em sua boca, por
sempre ter perguntas que não tinha como responder corretamente.
— Sophy, isso é complicado.
— Por quê? Você não ama o nosso papai, Oli? — Foi a vez de seu irmão me matar de
nervosismo com aquela inocência.
— Eu amo. Quero dizer... eu gosto muito do papai de vocês, mas a gente... eu... —
Misericórdia, como aquilo era difícil! — Olhem, eu não posso ser o papai de vocês. Vocês já tem
um papai e a gente vai agora para o mercado!
— Mas, Oli... — Sophy tentou replicar, mas não deixei e me levantei.
— Eu vou me arrumar e esperar os dois lá embaixo, tá bom? Sophy, ajuda seu irmão. Eu
vou falar com o motorista pra levar a gente.
— Tudo bem. — Concordou tristinha. Fechei a porta, mas ainda pude escutar o seu irmão
perguntando a ela o motivo de eu não querer o anel do pai deles.
Meu Deus, o que tinha acontecido dentro daquele quarto? Se Leonard escutasse aquilo eu
estaria morto. Ou talvez ele soubesse lidar melhor com aquela situação. Não tinha como explicar
o motivo de eu não poder “aceitar o anel de Leonard”. Aquilo era demais para mim e realmente
precisaríamos conversar assim que voltasse da viagem.
Falei com um dos seguranças e pedi para que aprontasse um carro para levar as crianças ao
supermercado. Era estranho tudo aquilo. Toda aquela proteção o tempo todo. Entendia que eram
muito ricos e tudo mais, mas às vezes achava um exagero tremendo. Quem faria mal para eles? E
quem se daria ao trabalho de ir para um lugar tão afastado como Ponack? Seria muito
desperdício de recursos e tempo.
Tentei ligar para Leonard e torci para que não atendesse, pois não saberia onde enfiar a
cara. E para meu alívio ele não atendeu, então somente o avisei de que estava levando os dois
para fazerem as compras. Ele provavelmente estava ocupado ou voltando de onde quer que
estivesse no momento.
O caminho foi feito rapidamente e ainda bem que não tocaram no assunto de antes.
Estavam animados demais falando tudo o que comprariam para levar na viagem que nem se
lembraram. Para ajudar eu sempre perguntava se gostavam de alguma coisa para que o assunto
rendesse o máximo possível, pois assim não teriam como me perguntar do que, ou de quem, eu
gostava. Aquela era a parte mais difícil de se lidar com crianças. A curiosidade deles era imensa.
Combinamos de eles me ajudarem a fazer doces de chocolate, assim como um bolo para
que pudessem levar e comerem no jantar de Natal. Eles até me perguntaram se eu iria com eles,
mas me esquivei da resposta dizendo que o pai deles quem deveria ver sobre isso. Já era um peso
muito grande ter aguentado todo aquele interrogatório mirim.

Assim que peguei o carrinho ajudei Paul a conduzi-lo, enquanto escolhia os produtos junto
de Sophy. O mais engraçado era que ela parecia uma mocinha ao comparar um com o outro, mas
sempre me perguntava o que eu achava. Era tão fofa e tudo o que queria fazer era gritar
euforicamente que eu queria sim ser seu pai.
Sempre foi um sonho ter minha própria família, uma funcional, e criar meus filhos de uma
maneira que nunca fossem desrespeitosos com ninguém. Faria de tudo para que crescessem para
serem pessoas bondosas no mundo. Mas como arrumar um marido era a coisa mais contramão
para mim no momento, pois minha habilidade para conversar ou flertar com alguém era
praticamente inexistente, me contentava em criar os filhos de Leonard. Aquele seria o meu faz-
de-conta real e perfeito. E na minha cabeça, eu era sim casado com o pai dos dois anjinhos.
E falando nele, como sempre, estar debaixo de sua asa, mesmo que como seu funcionário,
me fez ser tratado como um rei. O dono do mercado pessoalmente me encontrou com as crianças
no setor de frutas, enquanto escolhíamos morangos. Estava um pouco vermelho, como se tivesse
corrido até lá. E não sei quantas vezes repetiu que adorava o Leonard e que era um homem
maravilhoso.
Sabia que Leonard era dono de todos os estabelecimentos da região, e até entendia a razão
de ter escolhido morar tão longe de todos, naquela mansão enorme e afastada. Aquela bajulação
era muito chata depois de um tempo. E o dono do mercado só se afastou quando Patrick veio até
mim com uma cesta.
— Você parecia estar se divertindo. — Caçoou de mim.
— Para com isso! Ele só faltava me beijar pra mostrar o quanto é agradecido pelo Leonard.
Não sei como o ele aguenta.
— São os filhos dele? — Apontou com a cabeça para as duas crianças que escolhiam quais
chocolates queriam. — Eles já estão grandes. Parecem com a mãe deles. O moleque tem alguns
traços do pai, mas são a cópia da mãe.
— Você a conheceu?
— Só de longe e quando ia na loja do meu pai. Era muito gente boa e sempre dava muito
mais dinheiro do que os doces custavam. — Me encarou rapidamente. — Eles vão fazer a
viagem de Natal, né?
— Como sabe?
— Meu pai me pediu pra entregar uma cesta com um doce de abóbora que os dois gostam
hoje de manhã.
— Eu não te vi.
— Fui bem cedinho e não quis acordar a bela adormecida. Entreguei para um dos
seguranças no portão mesmo.
— Obrigado. Mas me salvou. Não sabia dessa “tramissão” deles?
— Dessa o que?
— Esquece. É besteira.
— Que bom que eles estão com você. Eles sempre fazem isso antes do Natal. Todo mundo
fica preparado para quando o Todo-Poderoso vem para a cidade fazer as comprar. Todo mundo
deve estar agradecendo que quem veio foi você.
— Acho que sim. — O encarei vendo o quão bonito estava. — Está todo arrumado assim
por qual motivo, Patrick?
— Meu pai vai dar uma festinha em casa. Está convidado se quiser.
— Eu vou pensar no seu caso.
— Você iria fazer a alegria do velho. — Patrick sorriu e me lembrei do sorriso cafajeste de
quando me convenceu a ir para a cama com ele. O interessante era que por mais que eu o achasse
lindo, me sentia culpado por pensar naquela possibilidade e sempre Leonard me vinha a cabeça.
Parecia que estaria o traindo somente por pensar em novamente ter algum tipo de relação com
Patrick ou qualquer homem.
— Eu não entendo o motivo de seu pai gostar tanto de mim, mas fico feliz por isso.
— Eu também não entendo o motivo! — Brincou. — Mas imagina eu chegar com você na
festa, segurando na sua cintura, como namoradinhos? Ele ia amar!
— Para com isso!
— Se a gente se casasse, eu tenho certeza de que ele me dava a herança toda pra cuidar
direito de você. Ele sempre fala pra minha mãe o quanto quem te ter vai ser feliz. E se eu não
soubesse que ele ama a minha mãe, ia achar que ele gosta de você. Aí ia ser briga de pai e filho,
porque eu não ia deixar o coroa ganhar.
— Se isso fosse uma possibilidade, eu ficaria com o seu pai. Com você eu estaria sempre
pensando que estaria correndo atrás de outro por aí. — Bati em seu peitoral. — E outra, se a
gente se casasse, eu quem teria que te dar um anel.
— Você deu seu anel pra ele? É por isso que não quer ficar com o papai? — Sophy
perguntou aparecendo do nada, exatamente como Leonard.
— Ele deu sim. — Patrick respondeu, sorrindo maliciosamente para mim.
— Por que, Oli?
— Não dei, Sophy! Ele está brincando, não é, Patrick? — Me abaixei, segurando os
ombros da garotinha. E depois encarei feio aquele idiota.
— Estou sim, loirinha. — Ele bagunçou os cabelos dela.
— Viu, Sophy? Ele só está brincando. Vai ajudar seu irmão a pegar um sorvete gostoso. —
Ela me encarou, indo até Paul como se suspeitasse de alguma coisa.
— Que papo foi esse de anel? — Se aproximou e me afastei com o carrinho. — Não vai
me dizer que está ficando com o “Poderoso Chefão”, Oli? Se for, aí que eu não tenho chance
mesmo!
— Primeiro que você nunca teve chance. Com todo o respeito, é claro.
— Sei...
— E não, Patrick! Não estou tendo um caso com o Leonard. É complicado falar sobre isso
agora. E nem sei se eu devia falar com você sobre minha vida. Não é exatamente confiável
quando se trata desses assuntos. — Vi o segurança se aproximar.
— Você me ofende assim, Oli.
— Eu te adoro, mas é verdade.
— Sei... Tenho que ir agora. Feliz Natal, Oli! — Me deu um beijo no rosto e se afastou,
talvez com medo do homem de preto se aproximando. Ninguém costumava ficar perto deles
quando estavam ao nosso redor.
— Aconteceu alguma coisa, Jay?
— O Sr. Havens já chegou, Sr. Poyi. Pediu para levá-los de volta quando terminasse. —
Senti meu corpo gelar. Não estava pronto para aquilo. Olhei as crianças e pensei em tudo o que
me disseram naquela manhã. — Estão prontos?
— Acho que sim. — Respondi atordoado. — Só preciso pegar uma coisa e já vamos.
Cuide deles por um segundo, por favor.
— Certo, senhor.
E assim ele fez. Com a cabeça a mil fui até a parte onde havia alguns cadernos e comprei
dois, um com folhas normais e outro com um papel mais resistente. Os coloquei embaixo de tudo
e fui até os dois anjinhos, contando que o papai deles estava de volta. E nem preciso dizer como
uma nova onda de felicidade correu pelo corpo deles, os deixando ainda mais animados do que já
estavam. Eu, por outro lado, só faltava cair no chão de tanto que minhas pernas estavam fracas.
Eu, basicamente, me arrastei até o caixa e até o carro.
Olhava para fora e fazia uma conta mental sobre quantos segundos de vida tinha até ter um
ataque do coração. O que Leonard estaria pensando? Será que estava sentado na poltrona e
bebendo um copo daquele whisky caro dele? O imaginei jogando o copo na minha cara ao brigar
comigo sobre a forma como seus filhos me viam como um pai. Meu Deus!
Espantei aquelas tragédias da cabeça. Ele não faria aquilo comigo. Era um homem muito
direito e educado. No mínimo me colocaria para fora com a roupa do meu corpo e sem direito
nenhum. Sim, aquilo era o mais provável de acontecer. Minha vida estava acabada! A neve
estava cobrindo grande parte das árvores, como uma camada de açúcar branco em algum doce
gigante.
Seria um típico Natal de filmes. Menos para mim, que estaria desempregado! Demitido
pela segunda vez e pensando em como me mudaria para Bisera.
Me concentrei no cheiro das árvores do lado de fora. Abri mais a janela e senti o vento,
mesmo com o frio, bater em meu rosto por alguns segundos antes de fechá-la novamente. Aquilo
havia acalmado um pouco meus nervos. Leonard, na verdade, poderia conversar sobre a nossa
ligação diferente e dizer que algumas coisas mudariam, mas que eu poderia ficar com meu
emprego. Era o mais correto. Ele conversaria com os filhos e com sorte não haveria nenhuma
menção sobre anéis ou algo do tipo.
Precisava falar com ele antes das crianças. Com a inocência delas poderiam falar algo
errado ou que gerasse uma péssima interpretação do que realmente havia acontecido. Assim que
chegássemos pediria um momento e o arrastaria para seu escritório. Nós colocaríamos todas as
cartas na mesa e tudo seria resolvido. Sem demissões, xingamentos ou copos de whisky
estourando em meu rosto. Seria uma conversa adulta entre homens adultos.
Assim que o carro entrou na propriedade, senti como se meu corpo fizesse parte dos
bancos e desejei que fosse. As crianças só esperaram o segurança estacionar e desceram correndo
para ver seu pai, me deixando com todas as sacolas para trás e ignorando meu pedido para que
não corressem. Agradeci quando Jay me ajudou a levar tudo para dentro. Logo na porta estava
uma mala preta, diferente da que Leonard tinha feito antes. Ao lado delas estavam outras duas,
de Paul e Sophy. Eram para a viagem deles.
Não encontrei Leonard em nenhum lugar. Deveria estar em seu escritório, como sempre
fazia depois de voltar do trabalho ou de algum compromisso. Às vezes achava que dormia lá
quando trabalhava demais. Não o procurei e me pus a arrumar todas as compras em uma caixa
impermeável da forma mais organizada que podia e foquei naquilo até ser chamado por ele. As
crianças me olharam felizes e subiram correndo, ignorando novamente meu pedido para tomarem
cuidado e não correrem.
Respirei fundo, buscando coragem para ficar frente a frente com aquele homem. Será que
haviam falado algo sobre a nossa conversa? Se sim, ele poderia ter alguma impressão errada de
mim. Já estava tremendo e sentindo o sangue sair de meu rosto. Meus pés estavam gelados assim
como minhas mãos. Aquilo era um dos sintomas de um ataque cardíaco? Eu esperava que sim,
pois me faria evitar Leonard.
Assim que entrei em seu escritório o vi em pé olhando o lado de fora. Automaticamente
todos os meus medos deixaram lugar para minha admiração. Era incrível como conseguia me
fazer sentir coisas sem ao menos fazer nada. Ele me olhou assim que fechei a porta atrás de mim.
Ainda parecia um predador e eu quis gemer pela forma que fez meu corpo inteiro se contrair.
Estava com a barba mais crescida, mas aparada. Seu bigode estava mais evidente, assim
como a parte embaixo do lábio inferior. Consegui sentir o cheiro de seu perfume e me impedi de
inspirar com vontade, como um cachorro sentindo o cheiro de carne.
— Você está bem? — Perguntou e sua voz entrou em mim como um bálsamo.
— Estou! Por que não estaria? Você está bem? — Respondi rapidamente e ele sorriu.
— Acho que agora podemos conversar, Oliver. — Apontou a cadeira e fui até ela
lentamente, dando um passo de cada vez. — Você está com medo de mim?
— É claro que não, Leonard! Por que estaria? Eu devo ficar com medo? — Retruquei
rápido, de novo. Ele estava me provocando? Pois parecia muito! O sorrisinho discreto em seu
rosto o denunciava e já havia notado que ele parecia um leão brincando com a caça.
— Certo. Sophy me disse algumas coisas que me fizeram pensar sobre tudo o que está
acontecendo aqui. O que está acontecendo entre nós e o seu papel nessa família.
— Também estive pensando em tudo, Leonard. E antes que fale, eu posso começar, porque
eu estou quase explodindo. — Passei a mão em minha calça, buscando secar o suor delas.
— Claro... — Se sentou a minha frente, juntando as mãos em frente ao rosto e pude ver
que estava escondendo um sorriso divertido. Ele estava contente em me ver nervoso, mas não era
hora de fraquejar.
— Eu vi a conversa de vocês e hoje pela manhã algumas coisas aconteceram que me
deixaram preocupado. Primeiro eu quero que você saiba que eu não estou tentando me aproveitar
de você ou deles pra conseguir qualquer coisa! Eu não sou um aproveitador e nem quero
extorquir você! Posso ser pobre, mas educação e respeito eu tenho de sobra. — Ele assentiu. —
Hoje de manhã eles... eu... eu não sei como falar isso, Leonard.
— Pode falar sem medo. Não vou fazer nada.
— Eu não tenho medo de você, já falei. — Respondi e me senti abusado. Por que ele
achava que eu tinha medo dele?
— Acredito em você. Continue, por favor, Oliver. — Ele, com certeza, estava se divertindo
demais para meu gosto.
— Eles... — Respirei fundo. — Falaram algo sobre me considerarem também com um pai
para eles, Leonard. Não sei como lidar com isso, principalmente em relação a você.
— O que eu tenho com isso? — Se encostou na cadeira, sem ter nenhuma reação brusca ou
irritada. Não era aquela reação calma e controlada que eu esperava.
— Você pode enxergar isso como uma coisa muito ruim. Como se eu estivesse invadindo a
sua privacidade. Tentei explicar que isso não era possível, mas começaram a fazer mais
perguntas e até falar sobre você me dar um anel.
— Anel? — Coçou a barba.
— Sim. — Sorri sem graça. — Acham que se você me der um anel vou poder ser o pai
deles também. Acho que ligaram aos anéis de casamento de você e Elise.
— Entendo. É por isso que os dois me pediram isso antes de te chamar.
— Eles não falaram nada de ruim, não é? Você sabe como as crianças podem ser inocentes
demais sobre esses assuntos.
— Não precisa se preocupar, porque nada do que me falaram me fez mudar meu
pensamento sobre você, Oliver. Só me fizeram reforçar o que eu já tinha aceitado.
— Como assim? Você não está bravo?
— Você terminou?
— Eu acho que sim...
— Bom, Oliver. Eu já esperava por isso. Cedo ou tarde esse assunto surgiria por parte
deles.
— Já?
— Não é a primeira vez que tenho esse tipo de conversa com meus filhos. Mas os dois,
como eu já falei, desenvolveram uma relação muito forte por você. — Me encarou por alguns
segundos antes de continuar. Engoli a saliva inexistente em minha garganta. — Eu não vou dizer
que isso não me assustou no começo, pois me assustou. Eu não estou presente na maior parte do
tempo e isso me faz perder muito sobre as vidas dos meus próprios filhos.
— Eles sabem que você faz isso para o bem deles.
— Eu sei, pois eles me contaram que você disse isso. — Continuou. — Você se tornou o
assunto preferido deles comigo. Quando você chegou nessa casa e começou a cuidar deles, Elise
parou de ser um assunto triste e sim uma lembrança boa. E, novamente, tudo por sua causa. Os
dois pararam de chorar, de pedirem para dormir comigo e até a pedir minha ajuda com a lição,
pois o “Oli” viria no outro dia para ajudar. Isso me fez prestar mais atenção, porque cada vez
mais meus filhos estavam ligados a você. E esse fato me deu medo. Comecei a me perguntar o
que aconteceria se você fosse embora? Eles voltariam a sofrer, como quando perderam a mãe? E
eu tive uma prova do que aconteceria quando Boni te demitiu.
— Eu sinto muito pelo que aconteceu com Paul. Tenho o mesmo medo de fazer mal a eles
se por algum acaso eu me afastar.
— Depois disso, comecei a reparar mais em você e a forma que cuidava de todos. Ao seu
lado eles parecem ter uma família de novo e serem felizes. E isso também me deu o medo de se
esquecerem da própria mãe. Mas para minha surpresa, meu filho, apontando para o lado direito
do peito, disse que a mãe dele sempre estaria ali dentro. — Sorrimos.
— Ele sempre erra onde fica o coração.
— Eu não sabia que ele sempre erra onde fica o coração. — Ele acrescentou. — Você está
fazendo parte da vida deles mais do que eu. Você sempre está nos pensamentos deles e...
— Não quero que pense que quero roubar o seu lugar, Leonard! Sempre falo para os dois
que você os ama e que faz de tudo para que eles sejam felizes e amados. Não quero que não se
sintam amados por você ou que você me encare como uma ameaça.
— Oliver, você entrou na nossa vida de uma forma que eu não pensei que aconteceria de
novo. Eu não pensei que sentiria o que eu estou sentindo. — Respirou fundo, me fazendo o
admirar e sofrer deliciosamente e ansiosamente por suas palavras. O que estava prestes a dizer
faria tudo mudar. — Percebi que eles não são os únicos que se sentem vazios e incomodados
quando você não está por perto.
O encarei assustado com aquela revelação.
— Cada vez mais eu comecei a reparar em no seu jeito e, isso vai parecer estranho de se
escutar, mas eu não conseguia parar de pensar em você. Tanto que em saber que estava doente,
como ficou um tempo atrás, me fez perceber que eu não quero que nenhum mal te aconteça. O
quero bem para cuidar de meus filhos, porque só confio em você para isso.
— Leonard...
— Eu sei que deve estar com muitas coisas na cabeça, mas não paro de pensar em como
você sorri quando olha para eles.
— Eu...
— E sei como olha para mim, Oliver.
— Leonard...
— Depois do que aconteceu com a gente naquela noite, não consegui parar de querer mais,
de querer tocar você e sentir o seu cuidado. Esses dias foram uma tortura, porque eu percebi que
não quero ficar longe de você. Eu não posso ficar longe de você, Oliver.
— Eu não sei o que dizer. Você... — Não conseguia ordenar meus pensamentos para
formar uma frase coerente.
— Sei que não tem medo de mim, Oliver. — Se levantou e veio até a cadeira ao meu lado,
ficando perigosamente perto. — Sei que não tem medo, porque sei como me olha todas as vezes
que me aproximo de você.
— Leonard, me desculpa. Eu sei que isso é errado. — Não consegui sustentar o olhar. Ele
sabia que eu sentia algo por ele. Era o meu fim! Tentei continuar a me explicar, mas puxou
minha cadeira de forma que eu ficasse no meio de suas pernas.
— Oliver, sei o que você sente por mim e não existe nada que me deixe mais fixado em
você. E se não desviasse os olhos todas as vezes que estamos conversando, como agora, saberia
que eu te olho da mesma forma. — Segurou meu rosto com a mão.
— Leonard... — Ele estava tão perto. Tudo o que eu queria era fechar meus olhos enquanto
apreciava a firmeza de seu toque em minha pele.
— Oliver, você está com alguém? — Fiz que não com a cabeça. — Era tudo o que eu
precisava saber.
E então seus lábios tomaram os meus, assim como suas mãos seguraram em minha cintura.
Ele me puxou para seu colo, me fazendo apoiar em seu peitoral. Era demais para se assimilar.
Leonard estava me beijando e conseguia sentir sua língua deslizando pela minha, assim como o
gosto amargo do whisky em sua boca.
Ele realmente estava me beijando e fazendo com que meu corpo parasse de me obedecer.
Segurei seu rosto, pois não pude deixar de me sentir protegido. Me apertou ao passar os braços
fortes ao meu redor, me puxando para mais perto de si, me fazendo gemer e arfar pelo desejo que
transbordava e escapava por meus lábios.
Era incrível como parecia estar vivendo algum conto de fadas. Involuntariamente meus
olhos lacrimejaram e foi impossível não me deixar chorar. O que fez com que ele parasse com
aquele momento maravilhoso quando sentimos o gosto das lágrimas.
— Você está chorando?
— Estou, mas é porque você acabou com todo o meu autocontrole, Leonard. — Cobri meu
rosto. — Meu emocional está uma bagunça e é tudo sua culpa!
— É bom saber que eu mexo assim com você. — Tirou minhas mãos, me observando
atentamente. — Você é tão lindo, Oliver!
— Para com isso! — Pedi, sentindo meu rosto queimar.
— Olhe para mim. Não desvie o olhar. — Fiz o que ele mandou. — Não precisa se
esconder. Eu quero saber tudo sobre você. Quero saber como seu corpo vai reagir a cada
estímulo que eu der.
— Leonard, você não pode falar assim. — Meu rosto estava queimando e deveria estar
muito mais que vermelho.
Ele sorriu e me beijou novamente, mas daquela vez aproveitei. Sua língua passeava pela
minha e acariciei seu rosto, sentindo sua barba me arranhar a boca. O abracei quando me puxou
mais para si e acomodou suas mãos no limite de minhas nádegas e coxas. Seu corpo era tão
quente e forte ao me segurar. Tudo o que eu queria era que me apertasse com mais força.
— Você não sabe quantas vezes quis um abraço seu. — Confessei, escondendo meu rosto
em seu pescoço e me arrepiei quando o beijou.
— Você tem mesmo um jeito doce.
— Obrigado, eu acho. — Sorri e ficamos mais alguns segundos daquela forma.
— Você realmente não tem planos para o Natal?
— Não. Quando falei que não tinha um contato com a minha família, eu realmente estava
falando a verdade.
— Se você leu as mensagens, sabe que Sophy me pediu para te levar. E você sabe que os
dois não vão te dar sossego até aceitar.
— Eu sei que não. — O encarei, arrumando minha roupa e me dando conta de que ainda
estava em seu colo. — Não tem nenhum problema para você? Eu não quero fazer nada contra
esse momento de vocês.
— Não vai. — Se levantou comigo e abotoou o terno, como se fosse um costume. — Eu
também não vou me sentir bem em te deixar sozinho. Eu não quero te deixar sozinho.
— Não vai ser invasivo?
— Vai ser melhor ter você lá. Assim posso ficar tranquilo com Paul, enquanto Sophy
brinca na neve e sempre saber que vocês três estão bem.
— Leonard, eu preciso te perguntar uma coisa. — O observei. Como ele podia se manter
tão calmo com tudo o que estava acontecendo?
— O que quer saber?
— O que está acontecendo entre a gente, o que isso significa? Até uns dias atrás, para mim,
você era hétero, mas tudo o que você disse e fez comigo... bem, você entendeu o que eu quis
dizer.
— Eu sou bissexual, Oliver. Não estou curioso pra saber como é pisar do outro lado só
porque minha mulher faleceu.
— Eu não quis te ofender.
— Não ofendeu. — Segurou meu rosto. — Vamos conversar sobre isso, mas quando já
estivermos no chalé, tudo bem? Preciso tomar um banho antes de irmos e você precisa arrumar
suas malas.
— Preciso ir até meu apartamento pegar roupas novas.
— Tudo bem. Me espere lá, que passo com as crianças. — Me abraçou, me beijando
intensamente, enquanto segurava meu queixo. Ainda não conseguia acreditar que aquilo era real.
— Separe uma roupa branca. Sempre passamos o Ano Novo na casa das madrinhas dos meus
filhos.
— Certo.
Saí como um avoado, mas antes peguei os presentes dos dois para que os embrulhasse.
Entrei no carro assim que Jay abriu a porta para mim, o mesmo segurança de antes e ele me
levou até meu apartamento. Naquele tempo pude absorver tudo. Pude descartar todas as opções
destrutivas e horríveis sobre o meu futuro. Leonard não havia ficado bravo com o que seus filhos
haviam dito e não me expulsara de suas vidas. Pelo contrário, parecia entender melhor que eu o
que eu representava. E foi, principalmente, pensando neles, que aceitou os sentimentos deles por
mim. Mas eram os dele que me queimavam forte naquele momento.
Ele sentia algo por mim e era recíproco. Era tão bom sentir seu toque, seus beijos e sua
atenção ao falar comigo. Podia sentir como se toda a minha existência estivesse completa e que a
força controladora de tudo estava a meu favor depois de muito tempo. Finalmente estava
sentindo a real esperança de um relacionamento.
Assim que cheguei na frente da loja percebi que na caixa de correios tinha um pacote para
o Sr. Tompson. Pela etiqueta vi que se tratava de uma de suas contas, então tratei de ligar e
avisar. Ele parecia realmente gostar de mim, pois tive que negar seu convite e desejar Feliz Natal
para todos de sua família algumas vezes.
Comecei a arrumar todas as roupas necessárias e peguei um conjunto branco que Leonard
me pediu. Sabia me vestir bem. Havia aprendido aquilo com Maya, minha irmã, e foi com esse
pensamento, como se fosse algum tipo de sinal, que meu telefone tocou e seu nome apareceu.
— Oi, Oli.
— Maya? — Estranhei sua ligação. — Aconteceu alguma coisa?
— Não, está tudo bem por aqui. E como você está?
— Bem também. — Respondi e a esperei tomar a iniciativa de continuar.
— Bom, eu sei que isso pode parecer estranho, mas quero te convidar para o meu
casamento.
— Maya, eu não acho uma boa ideia. — Fechei a mala e fui até a geladeiras separando
tudo o que poderia estragar e colocando em um saco preto.
— Eu sei que a gente não se fala como antes e você deve me achar uma metida interesseira
como a mamãe, mas eu não sou como ela. Ela me impedia de falar com você e mentiu pra mim
sobre não querer mais me ver. — Disse e senti verdade nas suas palavras. Esperava que minha
intuição não estivesse falhando.
— Você sabe que é ela não gosta de mim. Nem ela e nem o...
— Bill. — Ela completou. — Eles ainda estão juntos, mas tudo mudou depois que se
mudou.
— Depois que eu fui expulso, Maya. — Me irritei. — Ele jogou todos contra mim e nem
você ficou do meu lado. Apesar de tudo somos irmãos e eu precisei de você.
— Eu sinto muito por isso, Oli. E eu não sei o que te falar, sinceramente. Eu só posso te
pedir desculpas. Eles mentiram para mim até eu descobrir, dias atrás, que era você que estava
pagando pela minha faculdade.
— Estava cumprindo a promessa que fiz para o nosso pai.
— Ela mentiu para mim sobre ele e sobre você. E me sinto horrível por não ter visto a
verdade bem na minha frente. — Reclamou irritada.
— Nossa mãe é manipuladora.
— Eu descobri isso quando vi que você não era o monstro que ela pintava para todo
mundo. — Suspirou. — Sinto falta do papai e a sua falta também. Nós podemos conversar? Quer
passar o Natal comigo? Não estou mais morando com a nossa mãe. Estou em Taryno.
— Já tenho com quem passar.
— Entendi. Mas, por favor, aceite o convite do meu casamento!
— Eu vou pensar nisso, Maya. — Vi o carro de Leonard se aproximar e me levantei. — Eu
preciso ir agora, mas prometo que vou pensar. Feliz Natal pra você e seu marido.
— Você vai gostar dele. Ele ama crianças igualzinho você e vai adorar nossa casa. Eu
tenho uma cozinha enorme, como nosso pai sempre disse que teríamos. Podemos cozinhar como
antes.
— Seria ótimo.
— Eu também tenho uma novidade. — Sorriu e senti a felicidade em suas palavras.
— Você está grávida.
— Como adivinhou?
— Foi um palpite. E você é bem previsível.
— Eu não estou dando o golpe do baú, se é isso que você está insinuando. — Rimos.
— Você sempre quis ser mãe e ter uma família. Ainda me lembro muito bem de você
brincando que uma barata era o animal de estimação das suas Barbies em cima da minha cama.
— Não sei o que eu tinha na cabeça.
— Muito menos eu. — Sorri.
— Eu sinto sua falta, Oli.
— Eu também sinto a sua. — Escutei a campainha tocar. — Eu realmente preciso ir.
— Pensa com carinho no meu convite. Vai ser dia onze de janeiro.
— Tem algum simbolismo nisso? — Ri e ela me acompanhou.
— Foi o Brent que escolheu. Disse que seria mais fácil lembrar porque vai pegar um
cachorro. De acordo com ele, vai marcar o início da nossa família.
— E você é horrível com datas mesmo.
— Idiota!
— Feia! — Adorava nossas provocações. — Até logo, Maya.
— Até muito breve, Oli!
Seria o espírito do Natal fazendo com que as coisas se ajeitassem? Só faltava a ligação de
nossa mãe pedindo desculpas, mas aquilo sim seria muito milagroso para se acontecer. E não
estava preparado para os seus joguinhos mentais ao se fazer de coitada.
Puxei a mala pelas escadas e pela doceria. As crianças apareceram na janela do carro com
pirulitos na boca e sorrindo. Leonard veio até mim, as tomando de minhas mãos e reparei que
não havia nenhum segurança por perto.
— Você vai com a gente! — A garotinha comemorou.
— Vai ser o melhor Natal de todos! — Paul sorria amplamente.
— Vai sim. — Concordei. Fui até a lixeira, descartando os itens do meu apartamento e
voltei até o carro. Tranquei toda a loja e conferi tudo.
— Está pronto? — Leonard perguntou e fiz que sim. — Então, vamos.
Me sentei ao seu lado no banco do passageiro e vi como ficava lindo dirigindo. Na
verdade, ele ficava lindo fazendo qualquer coisa.
Abandonamos a cidade e tudo pareceu incerto por um segundo. O que aquela viagem me
traria era uma incógnita. Sophy me deu dois pirulitos e voltou a conversar com Paul enquanto
assistiam um desenho na minitelevisão do carro. Abri um dos doces e o coloquei na boca.
— Quer ajuda? — Perguntei a Leonard quando tentou abrir o dele, ao mesmo tempo que se
concentrava na escada.
— Obrigado. — Abri a embalagem e levei até a sua boca, controlando meu sorriso bobo.
— Não foi nada.
— Oli, você pode fazer lasanha para o jantar? Eu adoro lasanha! — Paul me perguntou de
seu banco. Ele estava tão fofinho com o casaco vermelho e grandinho para seu corpo.
— É claro que eu posso.
— Eu quero bolo de morango. — Sophy acrescentou. — E o papai vai querer de chocolate,
não é, papai?
— O Oli está indo para aproveitar o Natal com a gente, não para ficar cozinhando. —
Leonard respondeu, mas logo abriu um sorriso, ainda olhando para a estrada. — Mas se ele
quiser fazer o bolo de chocolate que o papai tanto gosta, não vou ter nada contra.
— É pra isso que queriam me trazer, anjinhos? — Questionei, me virando para o banco de
trás e fazendo cócegas na perna da garotinha. — Vocês não me amam!
— Eu amo, sim! Eu amo! — Ela gritou.
— Eu amo mais! — Paul acrescentou.
— Eu que amo mais!
— Não é, não, Sophy!
— É claro que é!
— Pai! — O garotinho reclamou.
— Os dois amam o Oli e ponto final, tudo bem? Sem brigar. O que eu falei pra vocês?
— Desculpa. — Eles pediram ao mesmo tempo e tudo voltou a ficar em silêncio até que
Sophy, com a maturidade que me assustava, voltou a me deixar chocado. Às vezes me
perguntava se ela fazia aquelas coisas de propósito.
— Você ama o Oli, papai? Porque o Oli disse que te ama hoje de manhã.
— Sophy! — Senti meu rosto queimar. — A gente já conversou sobre isso. E o papai de
vocês tem que prestar atenção na estrada.
— Mas é só uma pergunta.
— Eu amo, filha. — Leonard a respondeu, me fazendo encará-lo.
— Viu, Oli? — Ela me provocou. — Eu tinha certeza!
Então tudo voltou a ficar em silêncio. Não me atreveria a dizer nada. Ele poderia ter dito
aquilo somente para concordar com a filha, pois ficaria chato não responder. Eles não entendiam
o verdadeiro significado daquela palavra e por isso ficavam falando o tempo todo.
Não que não soubessem, pois sabiam. No entanto, era bem diferente do que era para mim
ou Leonard. Então para os dois, não tinha o mesmo peso ou constrangimento ao questionar se
tinham o sentimento por alguém.
— Não fica assim. — Segurou meu rosto e o acariciou sem se preocupar que os seus filhos
vissem.
— Eu estou bem, Leonard.
— É claro que está...
— Você é bem cínico, sabia? — Falei sem controlar minha boca.
— E você não sei se é teimoso ou mentiroso.
— Eu não sou mentiroso.
— Teimoso, então.
— Eu não disse isso.
— Nem precisou. — Ele mastigava o cabo do doce, mas o puxei de sua boca. — Isso foi
para que?
— Pra você não se engasgar.
— Obrigado por se preocupar com minha segurança, Docinho.
— Isso é sério? — Olhei incrédulo. Era diferente presenciar seu senso de humor. — Nossa,
Leonard!
Ele riu e quis o acompanhar, mas não cairia em seu jogo. Estava brincando comigo e eu
estava adorando aquele seu lado. Me provocava, pois sabia que era influenciado até demais por
seu jeito. E o mais irritante era que só me dava conta quando já o tinha feito o que queria que eu
fizesse.
Podia ser muito vergonhoso para confessar para ele, mas em meus pensamentos ele não
poderia saber. Então admiti com toda a convicção que tinha:
“Esse docinho pertence a você!”
CAPÍTULO 06 – Me Desvende

Achava que não podia me surpreender mais pelo quanto aquele homem era rico, mas cada
coisa que descobria sobre ele me tirava do eixo. Tudo o que envolvia a sua vida parecia estar
longe da realidade. Se a casa em Ponack era um pedaço do céu, aquele chalé no meio de toda
aquela natureza bruta e intocada era o próprio paraíso. Era tudo tão lindo e rústico que me fazia
querer ficar lá para sempre.
A neve se misturava lindamente com as folhas das árvores e o vento as faziam balançar,
levando algumas pequenas porções ao chão, enquanto novos flocos tomavam seu lugar. O chalé,
do primeiro andar ao térreo, tinha uma janela fosca que não permitia ninguém observar o que
acontecia do lado de dentro, mas o reflexo da mesma era incrível. O sol fazia milagres ao ser
refletido. Havia uma pequena varanda que levava para os fundos e contornava toda a propriedade
com uma cerca de madeira muito bem cuidada.
As crianças já conheciam o lugar e correram por entre o caminho de pedra e a vegetação
decorativa. Ele era protegido por um grande muro, como um condomínio e mesmo fazendo
tempo que não o visitavam, estava em ótimas condições. Obviamente alguém viera e limpara
tudo para a chegada da família. O caminho era um pouco escorregadio, o que me fez ter muito
cuidado ao descer do carro, e agradeci por ter pegado minhas botas. Meus pés já estavam gelados
pelo nervosismo de estar ao lado de Leonard, então não queria lidar com o desconforto de
estarem molhados pela neve.
Ele acionou o botão de dentro do carro e o porta-malas se abriu. Fui até lá para buscar a
minha mochila, mas ele se adiantou me entregando as chaves e dando mais um daqueles sorrisos
discretos e perfeitos. Ele havia feito a viagem de quase duas horas se tornar muito mais
agradável. Pareceu não ter receio de os filhos verem todas as vezes que sua mão pousava em
minha perna.
Leonard estava muito mais a vontade do que pensei que estaria ao meu lado. Sentia que
aquela situação não era estranha ou lhe causava algum tipo de insegurança, o que era o completo
oposto do que acontecia comigo. Tinha medo de fazer ou falar alguma coisa errada e colocar
tudo a perder, mas senti que nada poderia o abalar. Era a primeira vez que o via plenamente
“leve” e sem nenhum incomodo causado por alguma doença ou senso de responsabilidade.
— Deixa que eu levo. Abra a porta para as crianças, por favor.
— Eu posso ajudar. — Falei me sentindo em um misto de alegria e indignação. Não queria
que pensasse que era tão sensível assim.
— Sei que pode, mas não quero arriscar você pegar alguma friagem e ficar doente de novo.
— Me encarou, dando um passo até mim. Segurando meu rosto, me beijou calorosamente, me
fazendo demorar para abrir os olhos devido a intensidade de sensações. — Eu levo as malas e
você abre a porta pra mim.
— Ok.
— É a chave da ponta dourada.
Ele estava tão lindo com aquele casaco e tão normal. Era quase como se não fosse aquele
homem todo formal que tinha o costume de ver andando pela casa. E naquela pequena viagem de
carro ele foi muito diferente do cara sério. Em certos momentos tive que lidar com suas
provocações também. Ainda repetia em minha mente sua afirmação ao dizer que me amava. Era
difícil me concentrar em qualquer coisa, sendo que tudo o que meu corpo e consciência queriam
fazer era adorar aquele homem. Era como um ídolo e eu um adorador esperando por alguma
benção.
Andei devagar e me senti um desengonçado quando os dois pequenos passaram correndo
sem se preocupar em cair. Pediria para que tomassem cuidado, mas acabei escorregando e por
pouco não caindo. Aquelas botas estavam tão escorregadias e apostava que teria mais sorte
descalço ou com os meus antigos tênis velhos. Não adiantaria nada ficar com meus pés quentes,
sendo que o restante do corpo estaria quebrado.
— Quer uma ajuda pra chegar lá? — Leonard parou ao meu lado, com duas malas embaixo
do braço e minha mochila nos ombros.
— Que vergonha. — Tentei me colocar ereto, mas era quase impossível. — Vou aceitar,
mas eu poderia muito bem chegar lá sozinho.
— É claro que sim. — Me estendeu um dos braços e o segurei. Ele era forte e seu abraço
era firme, me fazendo sentir um pouco dos músculos embaixo de toda aquela roupa. — A chave,
por favor.
Abriu a grossa porta e o cheiro de madeira e um perfume doce, mas leve, saiu de dentro.
Ele pareceu reconhecer o cheiro e por um instante olhou para o nada. Talvez fosse alguma
memória de sua esposa e todas as vezes que passaram datas comemorativas entre aquelas
paredes.
— Está tudo bem? — Me atrevi a perguntar.
— Está. Só me lembrei de Elise. Esse perfume é o mesmo de quando ela usava quando
estava viva. É o cheiro dela.
— É muito bom. — Disse, tentando amenizar qualquer clima pesado, mas só me senti um
idiota. — Esse chalé é lindo. Obrigado por ter me trazido aqui.
— É lindo mesmo. — Concordou me olhando. Desviei meu olhar do seu, mas voltei assim
que escutei sua risada.
— O que foi?
— Algum dia vai parar de ter vergonha de mim?
— Eu não estou com vergonha, Leonard! — Peguei minha mochila e respirei fundo. Ele se
divertia demais com meu jeito para o meu gosto.
Ele deixou as malas perto do sofá e vi o quanto o lugar era espaçoso. De lá era possível ver
o primeiro andar e um espaço protegido por uma pequena parede de vidro escuro. Os tijolos
vermelhos na parede onde havia uma grande lareira deixava tudo tão rústico e bruto. Era ótimo
estar lá, pois segurança era o que transmitia. Os móveis seguiam o mesmo estilo, mas era
possível ver o luxo neles.
Fui até a cozinha e vi a janela que dava para o lado de fora, iluminando perfeitamente o
cômodo. Tudo ali era do mais perfeito requinte e admirar tudo me animou para cozinhar. Sorri,
pois parecia um velho com aqueles desejos. Era uma paixão que eu tinha, além de ensinar.
Sempre sonhara em abrir meu próprio negócio, uma confeitaria, mais precisamente, então aquele
ambiente era familiar.
Leonard colocou a mala com algumas das coisas que compramos no mercado em cima do
balcão e as crianças entraram logo em seguida, pegando tudo e ajudando a colocar nos armários.
Quando abri a geladeira vi que ela estava cheia, o que comprovou minha teoria de que alguém
zelava pelo lugar.
Paul estava feliz e Sophy não parava de pedir para o pai para que fossem buscar lenha, pois
queria acender a lareira. Era ótimo ver a animação dos dois e saber que aquela visita não estaria
trazendo ou causado nenhum tipo de mágoa.
— Tem tudo o que precisa, Oliver?
— Tenho sim. E é melhor eu começar agora a preparar as coisas.
— Vou com a Sophy buscar lenha. Eu já volto. — Disse colocando as luvas novamente.
Seu nariz estava um pouco vermelho, assim como seus lábios, me fazendo querer beijá-lo. —
Cuidado para não queimar nada.
— Eu sou muito bom no que faço.
— Sei disso. — Ele se virou para a filha e a pegou no colo, a jogando nos ombros.
— Então sobrou pra você me ajudar, Paul.
— Eu posso comer o chocolate da massa do bolo? — Se aproximou já pegando o doce.
— Você só quer a parte boa, não é, menino? — Baguncei seus cabelos.
E então comecei a arrumar todos os ingredientes e me certifiquei que tudo estava lá.
Depois de um tempo já estava familiarizado e tudo fluiu com ainda mais facilidade. Brincava
com ele enquanto me ajudava a montar a lasanha que tanto queria e o recheio do bolo que estava
no forno. Me senti realmente parte da família.
— Eu tô feliz que você tá aqui, Oli.
— Eu também estou, meu anjo. — Retribuí seu sorriso. Paul era o mais emocional dos dois
e quem mais sentia que dependia de mim, pois Sophy sempre foi a mais independente. Havia
herdado o temperamento de seu pai.
— O papai também tá feliz com você aqui.
— Eu fico feliz por isso. — Dei um pedaço de presunto enrolado com mozzarella para ele.
— Eu quero que você fique pra sempre com a gente! — Afirmou e senti meus olhos
lacrimejarem, mas os sequei assim que escutei Leonard entrando com um carrinho cheio de
madeira já cortada e Sophy com um gato no meio de sua touca.
— O que é isso? — O garotinho foi até ela, de boca cheia.
— Sophy encontrou esse gato no meio de umas folhas. Eu não sei como ele veio parar
aqui. Talvez alguém tenha abandonado na estrada.
— A gente procurou o dono dele, mas não achou, Oli. — Ela se aproximou, me mostrando
o animal. — O papai me deixou ficar com ele se eu cuidar. Você me ajuda?
— É claro! Vamos dar um pouco de leite para ele. — Paul fez carinho no gatinho mesclado
de marrom com cinza. Era uma crueldade abandonar animais, ainda mais naquele clima e ali,
onde não havia nada para se protegerem. Leonard veio até mim e vi que tinha uns arranhões na
mão. — Na minha bolsa tem um antisséptico.
— Por que você trouxe um?
— Exatamente para homens que não sabem resgatar gatos no meio da floresta. —
Brinquei. Senti seu braço puxar minha cintura e seu beijo maravilhoso. Seu aperto me fazia tão
bem, mas o parei. Olhei para as crianças, mas estavam distraídas com o novo bichinho. —
Leonard, a gente não pode fazer isso aqui.
— Eu não resisti. — Me olhava seriamente. Acariciei seu cabelo e desmanchei um floco de
neve. Por fim, ele me soltou, mas o formigamento ainda estava em meus lábios e era incrível
sentir seu toque. — Vou deixar você terminar as coisas.
Ele foi para a sala para acender a lareira e tudo o que fiz foi tentar não tremer ao colocar
leite em uma pequena tigela para o gatinho. Não sabia como seria aquela relação e se realmente
algo certo surgiria dela. Como Paul e Sophy reagiriam a longo prazo? Tinha ciência de que não
eram preconceituosos, pois eu os ensinava sobre respeito a todo momento e Leonard fazia o
mesmo. No entanto, era sempre diferente quando acontecia dentro de nossa casa. Talvez fosse
besteira da minha cabeça e a maldade somente estivesse do meu lado da situação.

A noite já cobria o céu e a lareira já deixava tudo mais confortável quando terminei o
jantar. Paul e Sophy foram tomar banho nesse meio tempo. E não havia deixado a cozinha e
muito menos recebi uma visita inesperada do homem que tomava meus pensamentos para si. Ele
estava muito quieto e até cheguei a pensar que estivesse repensando minha vinda.
Assim que fui até a sala o vi em pé perto da janela. Estava com seu copo de whisky na mão
e sabia que estava preso em suas preocupações. Algo além do falecimento de sua esposa ou a
nossa relação. Me aproximei lentamente, pensando que estava fazendo o mesmo que fazia
comigo ao chegar sem ser notado, mas ele parecia ter olhos em todos os lugares.
— Já terminou? — Perguntou ainda sem me olhar.
— Sim, o bolo está na geladeira, a lasanha no forno e o frango também. — Respondi,
procurando minha bolsa e vi que o gato estava deitado em cima dela. Ele era manso o que
indicava que realmente havia sido abandonado. — Preciso que olhe a lasanha, tudo bem? Preciso
tomar um banho. É só contar dez minutos a partir de agora e pode desligar o forno.
— Certo. — Se virou e estava com o celular na mão.
— Trabalho?
— Bernard desejando um Feliz Natal. — Se sentou na poltrona e passou a mão no rosto.
Ele estava estressado.
— Quer conversar sobre o que está te preocupando.
— Não se preocupe. — Me olhou fixamente. Estava com a camisa azul escura marcando
cada músculo e era a coisa mais atraente do mundo para mim.
— Eu... preciso tomar banho.
— Vergonha De novo! — Constatou com um sorriso.
— Para de fazer isso. De ficar me lendo.
— Eu não posso e não quero. — Aquilo foi extremamente sexy. Estava com suas pernas
um pouco abertas, como se me convidasse para seu colo. Ele todo exalava poder e sensualidade.
Era tentador demais para o meu próprio bem.
— Por que não pode?
— Porque você é importante agora. Não vou deixar nada te acontecer pelo seu bem, dos
meus filhos e o meu.
— Não vou quebrar, Leonard. — Sorri envergonhado.
— Eu realmente me preocupei com você quando estava doente. Se por um acaso você
piorasse e não houvesse ninguém por perto... — Passou a mão pela barba, respirando forte. —
Eu não posso te perder e muito menos os meus filhos.
— Leonard...
— Pode até parecer que eu estou te usando pra cuidar deles, mas eu quero você, Oliver.
Muito... — Me olhava tão profundamente que o sentia entrar em mim. Era como se sua alma
possuísse meu corpo. — Eu quero você, Oliver.
— Eu também. — Confessei, sentindo meu rosto queimar.
— Vem aqui. — Pediu e me aproximei, mesmo com vergonha. Suas mãos agarraram com
força minha cintura, massageando a região antes de se levantar. Seu toque parecia me impedir de
sair de seu domínio. Então tudo o que pude fazer foi acariciar seu rosto da forma mais gentil que
pude. — Você não tem ideia do que faz comigo. Não faz ideia do que eu quero fazer com você
todas as vezes que fica envergonhado perto de mim.
Ele me beijou a bochecha e o pescoço até finalmente tomar minha boca. O gosto amargo
da bebida tornou tudo tão mais sensual e bruto, assim como ele me tomava. Aproveitei e passeei
minhas mãos pelo seu peitoral e senti um colar por debaixo da camisa. Apertei seus músculos, os
sentindo se tensionarem cada vez mais. Seu hálito aquecia minha boca ao mesmo tempo que sua
barba me arranhava.
— Você é tão doce, Oliver. — Afirmou com os lábios perto dos meus e os mordeu
gentilmente, iniciando um novo beijo até minha respiração me impedir de continuar. — Alguma
coisa em você desperta um lado de mim que não quero me preocupar em surgir.
— Eu nem consigo acreditar. — Disse entre gemidos, sentindo seu abraço enquanto ele
cheirava meu cabelo. Puxei seu colar e comecei a mexer nele. — Você sempre me pareceu
distante. Nunca pensei que isso aconteceria.
— Eu gostar de você? — Concordei. — Isso era inevitável! Acho que até Boni sabe sobre
isso.
— Ele sabe. — Ri. Beijei seu queixo e senti sua barba. — Ele me disse que nós não
conseguíamos esconder isso dele.
— E não precisamos. — Levantou meu queixo. — Eu quero que você vá morar conosco.
Não quero mais não ter você quando eu quiser.
— Leonard! Não acha que está indo muito rápido?
— Sei o que parece e não quero apressar nada entre nós dois, mas vai ser melhor assim. E
não é como se não me conhecesse. Acredito que sabe mais de mim do que eu de você.
— Eu...
— Vai estar seguro e me deixar tranquilo em saber que não está andando por aí sem
proteção.
— Nossa! Até parece que alguém quer me matar. — Brinquei. Ele sorriu, mas percebi algo
mais. Algo implícito e que não tinha certeza de que quisesse me contar.
— Você veio aqui pra aproveitar o Natal e para me fazer seu bolo maravilhoso. — Mudou
de assunto e me calou com mais um beijo.
— Eu falei que o Oliver também amava o papai, Paul. Viu? Eles se beijaram igual nos
filmes! — Sophy comentou sorridente da escada ao nos abraçados.
— Você tem que dar um anel para ele, papai. — Paul veio correndo até nós dois.
— Paul, nós...
— Sentem aqui. Quero conversar sobre uma coisa com vocês. — Leonard mandou e vi os
dois se sentarem no sofá. Não sabia o que ele diria e estava com medo. Tudo o que havia me dito
estava borbulhando em minha cabeça. Estava com receio de dar um passo maior que podia.
Contar para seus filhos sobre nós colocaria nossa relação em um outro patamar e eu nem sabia o
que éramos. — O Oli e eu gostamos muito um do outro. E nós estamos nos conhecendo ainda. O
que viram, eu beijando o Oli, vocês querem dizer alguma coisa?
— Os adultos fazem isso quando se gostam, não é? Igual você fazia com a mamãe.
— Isso mesmo.
— Você é como nossa mamãe agora, Oli? — Paul me perguntou e sorri por sua inocência.
— Não, meu anjo. — Me ajoelhei em sua frente e olhei Leonard, que acenou para eu
prosseguir. Segurei a mão dos dois. — O papai de vocês e eu, como ele disse, a gente se gosta
muito, mas eu não sou como a mãe de vocês.
— Ele é nosso pai agora, Paul. — A garotinha disse como se estivesse cheia de razão.
— Não também, meu amor. Eu sou só o Oli. Eu amo muito vocês, como o papai, mas eu
não sou o pai de vocês.
— Mas você vai ser nosso papai? — Paul voltou a perguntar.
— É isso que vocês querem?
— Sim, Oli! A gente ama você e o papai disse que ama você também. Então a gente pode
ficar juntos, não é? Eu quero que você seja o nosso papai! — O garotinho disse rapidamente,
segurando minha mão.
— Mas vocês entendem que eu não quero ficar no lugar da mãe de vocês, não é?
— Sim. A gente ama a mamãe, mas a gente quer você também.
— Prometo que vou conversar com o pai de vocês sobre isso, ok?
— Se o papai não tiver um anel, você pode dar o seu pra ele, não é, papai? — Sophy
questionou e senti meu rosto queimar. Realmente crianças são seres inocentes demais para terem
noção sobre o que diziam. E esperava que continuassem daquela forma por muito tempo.
— Seria uma boa ideia, filha.
— Leonard... — O encarei, queimando de vergonha.
— Tá bom! Já chega de perguntas. — Leonard pegou os dois no colo e vi que controlava o
riso. — O Oli vai tomar banho agora e a gente vai olhar a lasanha que ele deixou no forno.
Fiquei aliviado. Aquela seria o mesmo tipo de conversa que tivemos naquela manhã e eu
não estava pronto para outra. Subi com minha mochila e fui até o banheiro. Me olhei no espelho
e mesmo com todo aquele nervosismo, consegui sorrir. Estava feliz por estar passando o Natal
com pessoas que eu amava e não sozinho. E por saber como Leonard se sentia em relação a mim,
era como um sonho ou até um presente de Natal. Havia sido uma boa pessoa o ano inteiro e
aquela era minha recompensa.
No meio do banho o gato entrou no banheiro e se deitou na frente do box. De início achei
estranho, mas logo atribuí aquilo a algum costume de seus antigos donos. Peguei meus óculos e
os coloquei. Seria a primeira vez que Leonard me veria os usando. Será que ainda me acharia
bonito sem as lentes?
Desci as escadas com o gato me seguindo e escutei os três rindo na cozinha, falando que
estavam ansiosos para abrirem seus presentes. Assim que me aproximei, Leonard me olhou e um
sorriso discreto se formou.
— Não sabia que usava óculos.
— Eu tenho pouco grau, quase nada, e uso para descanso. — Respondi sentindo o calor de
seu corpo ao se aproximar, me olhando de perto. Eu tinha que parar de corar. — Eu geralmente
coloco depois do banho.
— Então acho que vou ter que me acostumar com isso.
— Leonard...
— Agora eu vou tomar banho e vamos jantar assim que eu voltar. Não quero saber dos
dois comerem sem mim, me ouviram? — Apontou para os pequenos, que riram em divertimento.
Era ótimo ver aquele lado do homem sempre sério.
— Prometo. — Sophy se sentou no chão e começou a brincar com o gatinho junto de seu
irmão.

O jantar foi seguido de uma série de elogios a minha habilidade culinária, mesmo eu
fazendo as mais simples das receitas. E pela primeira vez, desde que o conheci, consegui comer.
Talvez fosse a minha fome que realmente estava grande ou finalmente estivesse me acostumando
a ele. No entanto, ainda me controlava para não engasgar todas as vezes que me encarava sem
vergonha alguma.
Leonard tinha um olhar tão penetrante e forte. Era quase como se não fosse desse mundo.
Ele trazia consigo tanta segurança que era difícil acreditar que uma pessoa assim existia. Era
reconfortante estar ao seu lado e me sentia como alguém que nunca seria machucado, caso
estivesse perto.
Pude perceber mais de como era em seu íntimo. Como era cuidadoso com seus filhos ao
cortar os pedaços de frango e lasanha para Paul e ao limpar a boca de Sophy ao se sujar com
molho. Era realmente maravilhoso o amor que existia entre eles e me peguei admirando seu jeito
por vários momentos. Da mesma forma que fazia comigo quando cuidava deles em sua casa.
Não teria problema nenhum em aceitar a proposta de ser um segundo pai para os dois irmãos se
Leonard não se opusesse.
Quando terminamos as crianças foram brincar mais com o gatinho perto da lareira e me
deixaram a sós com Leonard. Estava pegando um pouco de suco na geladeira quando ele me
pediu um algumas pedras de gelo para sua bebida. Assim que as coloquei em seu copo, ele
segurou minha mão, me puxando para perto dele. O barulho baixo da tv em algum filme
natalino, o calor agradável que estava o chalé por conta da lareira e a conversa animada das
crianças traziam um ar familiar para tudo. Tornando aquele momento mágico.
— Eu não me sinto relaxado assim faz um bom tempo.
— Você trabalha demais, Leonard. — O senti acariciar meu braço. Não sabia se devia
fazer aquilo, mas fiz o mesmo em seu rosto. — Você deve ter um tempo para você. Não deve se
cobrar o tempo todo.
— Eu sei.
— E tenho certeza de que você não trabalha sozinho e que tudo vai ficar bem se tirar uns
dias de férias. Em todo esse tempo nunca te vi mais que uma semana em casa e... — Ele me
puxou para seu colo com uma facilidade tremenda e me abraçou forte. Me sentou no balcão,
enquanto seu rosto estava apoiado em meu peito. Então, meio receoso e surpreso por sua atitude,
o abracei, massageando sua nuca.
— Você já está parecendo meu marido, me cobrando sobre essas coisas.
— É só a verdade, Leonard.
— É isso que um marido diria.
— E provavelmente deveria obedecer. — Me encarou por um instante, logo beijando meus
lábios suavemente.
— É bom ficar assim com você. — Se esquivou do tópico trabalho e percebi que não era
seu assunto favorito. Não sabia qual era a sua profissão exatamente, mas aquilo era algo que
martelava em minha cabeça devido a curiosidade. Talvez fosse um homem perigoso, pelo fato de
ter literalmente uma cidade nas mãos. Ou poderia ser algo muito mais obscuro.
— Posso te fazer uma pergunta? — Acariciei seu cabelo.
— Não garanto que vou responder se for o que estou pensando.
— Você trabalha com o que?
— Negócios, construções, estabelecimentos, investimentos... De tudo um pouco.
— Agora eu posso te fazer uma outra pergunta? — Ficou em silêncio. Sentia sua
respiração aquecer meu pescoço, onde deixou um beijo. Ele estava muito mais “assanhado”,
acredito que por estar em seu terceiro copo de whisky. — Por que você frisou que teria que
cuidar de mim?
— Esse não é um assunto que eu quero discutir com você agora, Oliver. — Ele apertou
minha cintura. — Na verdade, não é algo que você deve se preocupar.
— Mas se eu estiver em perigo... as crianças estão sempre comigo, Leonard. — Retruquei
preocupado. Ele colocou a mão em meu coração que batia rapidamente.
— Essa preocupação que tem por eles é a mesma que eu tenho. E você está incluso nela
agora. Não é a hora certa para te falar certas coisas. — Segurou meu rosto gentilmente. Lá estava
o homem autoritário de sempre. Me senti como um de seus empregados e que estava me
intrometendo em assuntos acima de meu calibre. — Você está seguro comigo e pretendo fazer
com que continue assim.
— Não quis...
— Sei que a sua pergunta foi inocente, Oliver. — Massageou meus lábios. — Você é
inocente e sei que não perguntou por uma razão além da curiosidade.
— Não quero ser um peso para você. Se por alguma razão o nosso envolvimento for te
prejudicar ou fazer mal as crianças...
— Nem se dê ao trabalho de terminar essa frase. Você não é um peso, muito pelo
contrário! Me sinto melhor com você por perto. — Respirou fundo ao beijar meu rosto. Me
encarou e com ele tão perto, com sua boca tão convidativa, foi impossível para mim não salivar
de desejo. — No tempo certo você vai saber sobre as minhas responsabilidades. Mas o meu
trabalho, por hora, não é algo que você deve se preocupar, me entendeu?
— Desculpa, eu... — Tentei falar, mas um pensamento sobre um perigo oculto e que ele
estava tomando a frente para que não me atingisse, me fez perceber o quanto ele era importante
em minha vida. O beijei, tentando acalmar seu coração, pois sabia que por debaixo daquela
armadura de seriedade ele estava preocupado. — Obrigado.
— Vamos. Faltam somente alguns minutos. — Me puxou pela mão até os dois. Eles se
levantaram e abraçaram o pai, o gatinho miou um pouco por toda a proximidade, mas logo se
aquietou.
— Vem, Oli. — Paul segurou minha mão para que eu participasse do abraço e assim o fiz.
— Quando der meia noite você tem que fazer um pedido pro papai do céu. É o dia que ele
nasceu e ele olha pra gente quando isso acontece.
— Ele olha sim. — Leonard concordou e passou o braço por mim, e me acomodei
deliciosamente em seu corpo. Ele olhou o relógio e por uns segundos tudo ficou em silêncio. —
Feliz Natal! Façam os seus pedidos!
Encarei cada um deles, com seus olhos fechados, até encontrar os do gatinho e sorri para
ele quando miou.
“Que a gente tenha uma família novamente!”

Depois dos pedidos nos sentamos com pedaços de bolo de chocolate e o doce de abóbora,
que descobri ser um dos favoritos dos três, enquanto assistíamos Expresso Polar. Era o filme
favorito dos irmãos e tinha que admitir que havia se tornado o meu também. Leonard pegou o
telefone e desejou Feliz Natal para duas mulheres que apareciam na tela. Uma delas era June, a
mesma que o vi com ele antes em sua casa. Estavam abraçadas e falaram com as crianças,
desejando coisas maravilhosas para os dois, até que Leonard se levantou e fez o mesmo comigo.
Me senti um boneco de pano.
— June, Samantha, esse é Oliver. — Nos apresentou e as duas sorriram. Fiz o mesmo,
ficando sem graça pela forma que me olhavam.
— Leo só falou de você na viagem que fizemos. — June, a morena, disse. — Que pena que
não pude conhecê-lo quando fui a Ponack. Estou ansiosa para conhecer quem está roubando
meus afilhados.
— Você não havia dito que ele era bonito assim, Leonard. — A loira disse. — É um
prazer, Oliver, mesmo que seja por aqui. Daqui a alguns dias poderemos nos conhecer melhor.
— É um prazer conhecer as duas. — Olhei para Leonard esperando alguma explicação
sobre aquilo.
— Vamos passar o Ano Novo com elas em Taryno, se lembra? É como uma segunda parte
da nossa tradição. E elas são muito mais apegadas aos costumes.
— Só porque somos lésbicas, não quer dizer que somos insensíveis as datas sentimentais!
É uma tradição e se não vierem mando alguém sequestrá-los. — Samantha era linda. Parecia uma
das mulheres ricas que via na televisão em reality shows.
— Pare com isso, amor. — June tocou o rosto da outra. — Ele vai pensar que somos
loucas.
— Vocês são casadas, então? — Perguntei e concordaram.
— Daqui a alguns meses iremos completar quatro anos, mas já estamos juntas a dezesseis.
— Samantha respondeu. — Estudamos na mesma escola e tudo só melhorou quando fomos para
a faculdade. June era um pouco fresca demais na adolescência.
— Não escute o que ela diz, Oliver. Adora pegar no meu pé.
— Isso é lindo. — Sorri. Era incrível ver um exemplo como o delas. De que o amor não
tinha limites e existiam sim histórias felizes para as “minorias” do mundo.
— Às vezes é difícil, mas vale a pena... — Alguém as chamou e logo Bernard apareceu
entre as duas. — Você poderia ter deixado seu irmão em algum lugar, Leonard. De preferência
em uma clínica de reabilitação.
— Você me ama, Santha! Se eu não estivesse aqui, quem beberia com você? Sua querida
esposa está carregando um inquilino agora.
— Não fala assim do meu filho, abusado! — A loira se desgrudou do abraço e June riu. —
Não sei por que te aceitei aqui.
— Vejo que já está bem acompanhado, irmão. — Bernard sorriu maliciosamente. — Oi,
Oli Oli! Lembra de mim? Seu cunhado bonitão?
— É uma surpresa eu não te ver caído bêbado em algum lugar. — Leonard comentou,
fazendo o irmão revirar os olhos.
— Só depois de falar com meus sobrinhos. E espero você aqui, Oliver. Tenho certeza de
que vai adorar saber alguns segredinhos desse aí. — Senti meu rosto queimar e me soltei,
desejando um ótimo Natal aos três.
Era esquisito pensar que Leonard tinha uma vida fora da realidade em que eu achava que
vivia. Ele era um homem com vários contatos, mas poucas vezes o vi sair com alguém. E só até
alguns dias atrás soube que tinha uma amiga próxima, e ainda por cima, madrinha de um de seus
filhos.
Subi até o quarto e peguei os dois embrulhos. Desci com eles atrás de mim e só quando
estava perto o suficiente das crianças que notaram o que eu carregava. Me sentei perto dos dois
que já me olhavam curiosos. Seria a primeira vez que faria algo do tipo. Antes acreditava que
seria demais e Leonard poderia ver com outros olhos, mas não mais.
— Comprei uma coisinha especial para cada um e espero que gostem. — Entreguei e logo
eles começaram a rasgar tudo.
— É um caderno pra eu desenhar? — Paul me abraçou quando concordei. — Eu amei, Oli!
Eu te amo!
— O meu é um álbum de fotos! Que legal! — Sophy se levantou e mostrou ao pai. — Oli,
eu vou tirar bastante fotos pra deixar igual o seu!
— Eu acho que já tenho a primeira, meu amor. — Leonard se levantou, foi até a mesa e
tirou da carteira uma fotografia. A mesma em que eu estava com os dois na praia. Ele a prendeu
no espaço reservado. — Acho que esse é um ótimo começo.
— É uma foto de família! — A garotinha disse, me olhando com o sorriso mais lindo que
havia visto na vida.
— Você guardou essa foto... — Senti meu coração aquecer.
— Vocês estão lindos nela, Oliver.
— A gente precisa tirar uma com todo mundo agora. Até com o Marrom! — Sophy disse
animada, falando nomes de seus amigos da escola.
Eu não conseguia parar de olhar aquele homem. Ele havia ganhado tanto de mim. Se fosse
algum tipo de deus, eu, com toda a certeza do mundo, seria seu devoto. Me sentia inteiro em sua
presença. Era indescritível tudo o que me causava e não teria problema nenhum em me viciar na
sensação.
Antes do filme acabar os dois já estavam dormindo em seu colo e o ajudei a levá-los para
cama. E assim que a televisão foi desligada, tudo caiu no mais profundo silêncio. O deixei
falando algo em francês, uma prece, e fui a cozinha. Estava guardando tudo quando senti a
presença de Leonard. Como sempre não havia feito barulho algum ao se aproximar.
— Você é algum tipo de espião? É por isso que não quer me contar com o que trabalha
exatamente? — Brinquei, mas o ar de meu corpo saiu rapidamente em um suspiro ao ver que ele
não mais usava sua camisa.
Ele era perfeito! Completamente feito para admiração! Seus ombros largos tinham algumas
pequenas sardas e sua pele era tão convidativa. Ele estava a um passo de me tocar quando
respirei profundamente. E somente aquele sutil movimento fez com que vencesse a distância, me
tocando com todo o desejo que transbordava em seu olhar.
Não me cansava de estar em seus braços. Puxou minhas pernas, me acomodando em seu
colo, até que me sentou no balcão para continuar a saciar nossas vontades. Sua excitação ia de
encontro a minha e eu queria gemer, no entanto sua boca me impedia de exteriorizar aqueles
sons. Acabavam abafados e ainda mais energéticos. Passei minhas mãos pelo seu corpo quente e
senti o frescor em meus lábios quando ele os abandonou pelo meu pescoço.
Ele me tirou a camisa e desceu seus beijos pelo meu torso. Sua mão subiu de meu abdômen
para o meu pescoço, me segurando com força e determinação. Leonard possuía algo dominante
em si. A forma como ele me tocava e se afirmava através de seus gestos, me diziam que não teria
problema em me sentir submisso. A brutalidade que me tratava era inebriante. Ele desabotoou
minha calça e me deixou nu no balcão da cozinha. A superfície gelada me fez sorrir ao encostar
em minha pele.
Ele desceu, me colocando em sua boca e tudo o que fiz foi segurar em seus cabelos. Sua
língua habilidosa deslizava por mim com desejo.
— Leonard... — Tentei o chamar, mas ele me ignorou. Me contorcia como nunca. Ao
mesmo tempo que me sentia vulnerável, queimava pelo prazer. E somente quando havia me
castigado e sorvido tudo o que podia de mim, se levantou e me beijou.
— Você é irresistível, Oliver! Eu quero ouvir você gemer pra mim! — E repetindo a
primeira vez que deixamos nossos desejos nos controlarem, ele levou seu polegar aos meus
lábios, forçando a entrada em minha boca. Minha língua sabia o que fazer. Ele forçou mais, me
observando molhar seu dedo luxuriosamente.
Com agilidade me virou e senti minhas costas encostarem em seu corpo. Sentia sua mão
passar sem nenhuma delicadeza de meu peito até minha cintura, deixando a marca de seus dedos
por onde passaram. Mas então ele tirou seu polegar de minha boca e com intensidade o senti
forçar em meu ânus, e me calou quando um gemido alto ameaçou tomar a cozinha.
— Isso, Oliver! — O senti rodar o polegar em mim, me arrepiando e me curvando ainda
mais. Foi impossível não rebolar em sua mão, querendo que fosse mais invasivo. — Oliver...
Ele me curvou sobre o balcão, me fazendo assustar quando a superfície fria foi de encontro
ao meu peito. O escutei tirar a embalagem da camisinha da calça e colocar em seu membro.
— Só me diga se eu te machucar.
— Por favor... — Senti seu beijo em minha nuca enquanto seu membro me invadia. Meu
interior se abria para ele como se o estivesse esperando a muito tempo. O senti passar os dois
braços por mim e com um movimento rápido se encaixou completamente. Gemi e quis chorar de
dor e prazer. O queria tanto que comecei a contrair meu interior para senti-lo cada vez mais,
contrariando o incomodo intenso ao me aflorar.
— Não sabe como esperei pra te ter assim, Oliver. — Sussurrou, levantando uma de
minhas pernas ao balcão e estocando com força. — Não sabe quantas vezes me deixou louco de
desejo só por ficar envergonhado. Você não tem ideia de o quanto é lindo e tentador!
— Eu sou seu agora, Leonard! — Afirmei segurando seus braços. — Eu quero sentir o
quanto você me desejou. Me mostra, Sr. Havens.
— Oliver... — Beijou meu ombro e estocou mais uma vez, mas não me movi, pois seus
braços me mantiveram no lugar. — Você é tão quente...
E então, senti a sequência de movimentos que terminaram por me fazer entregar não só
minha alma para ele, mas também meu corpo. Era tão seguro de si. Seu olhar, assim que
encontrou o meu, me fez vivenciar o prazer de estar em sua presença. Ele poderia ser algum tipo
de demônio, me consumindo por inteiro e eu com prazer estava entregando tudo de mim.
Leonard era um homem tão misterioso e confiante. Queria conhecer tudo sobre ele, para
que nada me impedisse de o fazer o homem mais completo do mundo.
Seu gênio dominante fez aflorar o meu submisso. Tudo o que estivesse escondendo, queria
que também se tornassem os meus segredos. Ele me desvendava a cada beijo, carícia e toque.
Leonard tinha a completa noção de que se pedisse eu seria seu.
Era mais que evidente!
CAPÍTULO 07 – Segredo

Assim que acordei na manhã seguinte, estava em sua cama. O vi tomando café perto da
janela, desnudo da cintura para cima. O sol iluminava cada parte do corpo que estava envolto em
sombras na noite passada, quando tomava o meu como sua propriedade. Todos os seus músculos
estavam acomodados naquela pele deliciosa. A mesma que grudara em mim devido ao suor e
atrito constante de nosso ato.
Seu rosto estava sereno e o amava ver daquele jeito. Se havia uma coisa que descobrira
durante os anos trabalhando para ele, era quando algo o incomodava. Sentia como se aquela
angústia fosse parte de mim, mas não naquele momento. Leonard estava leve e bem, como eu
queria que se sentisse ao meu lado.
Me sentei, ainda o observando e vi seu sorriso ao notar que havia acordado. Ele veio até
mim e segurou meu rosto, acariciando meus lábios com seu polegar. Corei imediatamente ao me
lembrar do que havia feito horas atrás. Seus olhos adquiriram um brilho intenso e me beijou com
força. Geralmente odiava o gosto de café, mas não quando o sabor era presente na língua daquele
homem.
— Sua boca está um pouco inchada. Está doendo?
— Não. — Passei a língua, constatando que não havia nenhum corte. — Logo ela diminui.
— O que aconteceu entre a gente, Oliver... Quero saber se está tudo bem para você. Não
ultrapassei nenhum limite, não é?
— Foi a melhor noite da minha vida! Por mais clichê que isso seja de se falar. — Não pude
controlar o sorriso e desviei o olhar, mas ele segurou meu rosto.
— Olha pra mim, Oliver. Você é adorável quando fica envergonhado... Além de excitante.
— Meu Deus! — Me levantei sentindo meu rosto queimar. Ele sorriu, sabendo exatamente
como me provocar. Estava se divertindo com o excesso de pudor que existia em mim quando o
momento não pedia. — Não sei se gosto desse seu senso de humor.
— Mas acho que descobri uma coisa que vou gostar de fazer.
— O que?
— Te ver acordar. — Deixou a caneca na mesa de canto e veio até mim. A calça leve
estava baixa, mostrando aquele “V” de sua cintura, apontando até seu membro notável e
escondido debaixo do tecido. Ele era tão sensual e ao mesmo tempo tão bom com as palavras.
— Vai me fazer acreditar que realmente me ama. — Acariciei seu peito enquanto o
encarava.
— Estou no caminho certo até agora?
— Está, Sr. Havens. — Sorri. Suas mãos passearam pela minha cintura e costas, entrando
por debaixo da camisa.
— Vou me esforçar para não mudar de direção. — O beijei e podia fazer aquilo o tempo
todo.
— Eu posso te perguntar uma coisa?
— Claro.
— Sobre morar com você...
— Pode recusar, Oliver. Não vou gostar depois do que estamos vivendo aqui, mas dou
algum jeito de alguém fazer sua segurança. Roberto pode ficar encarregado disso, já que se
conhecem.
— Não sei se me mudar seria uma boa ideia por causa da Sophy e do Paul. Tenho medo do
que vão pensar.
— Apesar de ter certeza de que não veriam problema nenhum com isso, vou respeitar sua
decisão se não quiser. — Acariciou minha bochecha, me fazendo fechar os olhos
momentaneamente. — Mas eu tenho uma condição.
— Vai impor uma condição para respeitar o que eu decidir? Não parece muito justo. —
Puxei seu colar levemente.
— Posso te prender dentro da minha casa e ninguém suspeitaria de nada.
— Você não faria isso comigo...
— Não sabe como eu adoraria. — Sorriu e quis me esconder, mas mantive meu melhor
olhar reprovador, mesmo que meu rosto inteiro estivesse como o de alguém que sofria de
insolação. — Ninguém em Ponack me desafiaria. E você mesmo disse que não tem uma boa
relação com sua família e posso usar isso a meu favor.
— Não sabia que estava me entregando de bandeja ao te contar sobre isso.
— Até que não seria de todo mal te ter sempre que eu quisesse. — Me prensou na parede.
— Na verdade, tenho certeza de que não seria.
— O nome disso é relacionamento abusivo. — Tentei manter a seriedade, mas ele me fez
cócegas e involuntariamente gritei, morrendo de vergonha depois.
— Eu não me canso de te olhar, Oliver. — Acariciei seu rosto e adorei vê-lo fechar os
olhos em apreciação, da mesma forma que havia feito por ele.
— Qual a condição que quer me impor, Sr. Havens? — Odiava ser elogiado por ele, pois
perdia toda a compostura.
— Quero que fique na minha casa quando eu estiver viajando.
— O que quer dizer que eu vou morar lá mesmo, só que com outras palavras.
— Queria dizer que vou parar de viajar, mas não posso te prometer nada. Mas vou fazer de
tudo pra manter essa relação. — Ficou sério. — Vou me sentir melhor se ficar lá quando não
estiver por perto. As crianças vão gostar também.
— Novamente, isso é basicamente o mesmo que eu morar lá. Eu fico mais na sua casa que
você. Além do mais, eu não sou tão inocente assim. Sei muito bem me cuidar pra qualquer um
que apareça. — Brinquei, mas ele não riu. — Isso é realmente sério? Você está me assustando,
Leonard.
— Eu não quero que precise me provar o que acabou de dizer. Quero você seguro. Eu vou
fazer de tudo para ter certeza disso. — Soltou sua respiração e ela voltou a ficar pesada. — Eu só
quero que continue assim.
— E por que eu seria alguém visado? Não tenho dinheiro e nem sou alguém importante.
— É importante pra meus filhos e pra mim. Essa é a razão principal. Você sempre está lá,
sabe a rotina de todos na casa e poderiam usar isso contra todos nós.
— O Boni tem toda essa proteção? — Questionei. Aquela última parte sobre eu saber sobre
os costumes me pareceu mais uma forma de ele me vigiar do que me proteger.
— Foi ele que me aconselhou isso. — Respondeu e me senti traído.
— Não vou sair por aí contando seus segredos, Leonard. Primeiro, porque eu não sei de
nenhum. E segundo, porque eu nunca colocaria Paul e Sophy em perigo! — Me desvencilhei de
seus braços. — Que tipo de pessoa fraca vocês acham que eu sou?
— Eu sei o que parece, mas não quero sua segurança só por isso. — Se sentou na cama e
esfregou o rosto. — Eu tenho muito a perder, Oliver. E não quero perder nada.
— Então é sobre dinheiro.
— Eu tenho a vida dos meus filhos nas minhas mãos. Não posso deixar qualquer coisa
acabar com isso...
— Eu sou qualquer coisa? — Me virei para não ver meus olhos cheios de lágrimas. Idiota
sensível! Era aquilo que eu era!
— Você está tirando o que eu disse de contexto. — Segurou meus braços e se colocou
atrás de mim. — Você e meus filhos são importantes para mim, me ouviu? Vocês três são os
mais próximos de mim além de Boni. Ele sabe se cuidar, pois foi ele quem me ensinou tudo o
que eu sei e me ajudou a alcançar mais. Mas vocês três são bons demais. Tratam todo mundo
bem e podem, e vão, usar isso contra vocês se tiverem a chance.
— Eu sei muito bem cuidar de mim. Não cheguei até aqui só pela bondade dos outros
quando fui expulso...
— Oliver, eu não estou te desmerecendo. Você entende isso, não é? — Me virou, mas eu
ainda não o olhava nos olhos. — Sei do seu valor, da pessoa maravilhosa que é e que essas
qualidades podem te cegar para muitas coisas. Mesmo que você saiba e entenda como esse
mundo funciona.
— Tudo bem, Leonard. — O encarei antes de me soltar de novo e pegar minhas roupas.
— Era por essa reação que não queria conversar sobre meu trabalho.
— Eu só vou tomar banho. — Falei e fechei a porta atrás de mim. Se eu continuasse lá
tudo o que escutasse seria como um ataque. Me conhecia muito bem para saber quando me
afastar. Meu orgulho muitas vezes só cavava minha cova.
Tudo o que me disse me fez pensar que não era quem eu pensei que fosse, e não achava
que era um homem ruim, somente um que tinha muito a perder. E, querendo ou não, eu era um
dos pontos fracos. Nada me dizia que queria meu mal, mas sim me proteger de algo que ele não
dividiria comigo. Me perguntei se nosso relacionamento seria baseado em segredos e verdades
omitidas.
Leonard ainda era uma incógnita para mim e tudo ao seu redor era como o clima em
Ponack, cinzento, frio e com uma calmaria suspeita, mas tinha uma atmosfera tão poderosa e
atraente que era difícil não se deixar levar ou ter a vontade de ir embora. Nada havia me
preparado para aquela situação, nem mesmo os relacionamentos que minha mãe teve enquanto
ainda vivia com ela, me davam alguma pista de como me comportar ou agir perto daquele que
era ainda mais misterioso. Era como ignorar os avisos na praia sobre áreas de afogamento
somente pela água ser mais quente e porque nos dava uma sensação de liberdade, mesmo que
depois fôssemos presos e levados pela correnteza.
Demorei mais do que devia no banho, repetindo toda a conversa e procurando explicações
onde não havia respostas. Quando terminava de me vestir, ele entrou sem bater. Me senti
envergonhado, obviamente, pois mesmo que naquela madrugada houvéssemos nos entregado
para nossos desejos e com nossos corpos livres de qualquer impedimento, ali, na luz do dia, e
sem toda a aura excitante, me via como um vulnerável.
Tentei me cobrir, não querendo parecer um mocinho cheio de pudores e sim um adulto. Ele
me observou por um momento e podia ver sua mente trabalhando rapidamente para tomar uma
decisão. Por fim, me pediu para me vestir com roupas quentes e que me protegeriam, pois
iríamos passear com as crianças pois a neve havia dado uma trégua. Eles queriam patinar e não
questionei nada, somente concordei.
Na cozinha me certifiquei de dar comida para o gatinho, um pouco de leite e o que
considerei o mais leve, já que não estávamos preparados para um novo convidado. Ele havia se
tornado o xodó de Paul e Sophy e seria bom ensiná-los sobre a responsabilidade de cuidar de
alguém mais frágil. Leonard também se mostrou atento aquele fato e até mesmo acariciou o gato
quando esse se enroscou em suas pernas.
Caminhamos por uma parte aberta no meio do bosque. Tudo estava coberto pela neve e
brilhava quando o sol ia de encontro com o gelo. Era realmente lindo. A brisa gelada era
deliciosa quando batia em meu rosto e o cheiro da vegetação me fazia querer respirar cada vez
mais fundo.
Leonard estava a minha frente e sua boca estava vermelha do frio, completamente
tentadora. Meu rosto não estaria muito diferente e tive a prova de que realmente estava, pois Paul
comentou como eu parecia um dos personagens de desenho que ele assistia. Segurou minha mão
com as luvinhas azuis, assim como todo o conjunto que usava. Não tinha palavras para descrever
como o carinho que tinha por ele e a irmã acalentavam meu coração.
Depois de alguns minutos chegamos em um lago do tamanho de uma pista de patinação,
como as que víamos em shoppings e parques no inverno. Não havia nenhum sinal de outras
pessoas, mas vi a estrutura de uma casa branca e moderna ao longe. Aquele lugar deveria ser
mais uma das propriedades que o homem observador ao meu lado tinha.
Me assustei com um barulho do meio das folhas das árvores, mas era somente um galho
caindo. Quando olhei para frente as crianças estavam com as bocas tampadas pelas mãos do pai.
Riam de mim e até eu mesmo os acompanhei.
Os ajudei a colocar os patins e logo estavam deslizando para lá e para cá. Leonard se
aproximou e, enquanto eu me apoiava em uma das árvores, me ajudou a colocar os que havia
trazido para mim. Não tinha jeito para aquelas coisas ou para qualquer esporte que exigisse muita
coordenação. Ele segurou minha cintura, deixando seu rosto bem próximo do meu. Seus olhos
eram tão poderosos que me causavam arrepios ainda mais fortes que os pela temperatura ao
nosso redor.
— Essa manhã não começou da maneira que eu queria com você.
— Isso é muito novo pra mim. Essa é primeira vez que... — Apertei seu braço para tentar
controlar minha vergonha. — Eu nunca tive um namorado. E isso que está acontecendo entre a
gente é o mais próximo que eu já cheguei de um relacionamento.
— Entendo.
— Eu não tenho muita experiência nesse campo, e muito menos em lidar com você.
— Mesmo que seja a coisa mais adorável do mundo essa sua vergonha, hora ou outra vai
ter que deixar isso de lado.
— Eu sei. É que você é tão você! Queria que estivesse no meu lugar pra entender o que eu
quero dizer.
— Posso imaginar. — Segurou meu rosto e adorei ver o sorriso contido, mas sincero, que
tinha para mim. — Não tenho intenção de te deixar longe de mim. Então aconselho a se
acostumar com a minha presença.
— Você tem um jeito de falar com as pessoas... Não sabe como é intenso, mesmo falando
nessa calma toda. — Começamos a caminhar em direção a pista, vendo e ouvindo as crianças se
divertirem.
— Eu sei que ficou irritado...
— Eu ainda estou um pouco. — O interrompi, mas sorri em seguida. — Acho que te
entendo. Prometo que vou pensar mais sobre o que você disse e respeitar esse seu espaço. Só te
peço que não me deixe totalmente fora da sua vida. Sempre admirei a sinceridade em você
quando conversava comigo sobre qualquer coisa.
— Certo.
— Ainda mais se algo for tão perigoso quanto você fez parecer hoje cedo. Não quero ser
uma pedra no seu caminho. Se eu não souber com o que vou lidar, não vou ter nenhuma chance
de te ajudar, ou Paul e Sophy, se precisarem de mim.
— Eu te quero, Oliver. Como a muito tempo não quis ninguém.
— Você não pode mudar o assunto assim! — Desviei meus olhos dele, mas com sua mão
me fez o encarar de novo.
— Eu adoro você por inteiro.
— Me fez parecer um adolescente agora.
— É envergonhado igual um.
— Leonard...
— Papai, vem! Vem, Oli! — Sophy nos chamou, mas riu quando Paul escorregou em sua
frente.
— O que acha de patinar um pouco?
— Não acho que seja seguro ficar em cima disso. Já vi que embaixo do gelo é tudo cheio
de água. Se isso quebrar você é sugado e pode morrer afogado.
— Oliver, esse nem é um lago de verdade. Ele foi projetado pra não cobrir mais do que a
cintura das crianças. — Pegou uma pedra e bateu com ela até abrir um buraco, onde foi possível
ver um azulejo azul cobrindo as paredes a borda. — Tá vendo? É seguro! E se você cair, eu
cuido de você.
— Que prestativo... — Encarei sua mão e a segurei.
— Vai ser divertido.
— Pra você eu aposto que vai mesmo... — Resmunguei e assim que coloquei o primeiro pé
na superfície congelada escorreguei. Se não fosse por Leonard estaria no chão.
— Oli, olha pra mim! — Sophy passou por nós patinando maravilhosamente bem e com
velocidade.
— Devagar, filha. — Ele mandou e ela fez um sinal de positivo. Ele então continuou a me
zombar. — Se você treinar bastante vai patinar igual a garotinha de nove anos.
— Cala a boca, Leonard! — Me virei com dificuldade, mas ele me segurou e começou a
me conduzir.
— Vem, Oli. Eu vou te ajudar, tá? É bem fácil! — Paul parou do meu lado com a mesma
agilidade que a irmã. Aqueles dois eram realmente filhos prodígios.

Quando chegou o dia vinte e nove, já estava de malas prontas e me despedia daquele chalé
enquanto ajudava as crianças arrumarem as suas. Os dias que passei lá foram os melhores que eu
poderia pedir. A minha relação com Leonard ainda não estava certa, mas não me importava com
aquele detalhe, pois ainda era cedo para qualquer coisa. Ele havia se mostrado muito mais
prestativo e aberto, sendo não só presente e carinhoso com os filhos, mas comigo também.
Todas as noites que dormimos juntos foram as melhores, pois estava em seus braços,
massageando sutilmente seu corpo forte, quente e definido. E mesmo quando involuntariamente
me encolhia, ele me cobria, sempre me fazendo ter certeza de que estava perto de mim. Até
quando minha consciência vagava para longe, Leonard sempre se fazia presente com sua
intensidade.
Iríamos para casa de Samantha e June, suas amigas, para comemorar o Ano Novo. Pelo
que me disse o lugar estaria cheio de seus amigos e tudo o que conseguiria pensar era em como
me agarraria as crianças para evitar qualquer um deles. Fazia muito tempo desde que frequentara
uma festa. Ficar isolado em Ponack parecia ter criado alguma fobia de pessoas em mim.
Multidões pareciam ser meu novo gatilho.
Leonard estava ao telefone quando deixamos as malas de todos na sala, e assim que nos
viu deu sinal para um homem de preto que não tinha visto as carregar. Era Jay, um de seus
seguranças, e me perguntei onde ele esteve durante o tempo todo. Não tive nenhum sinal de que
havia alguém além de nós nos arredores em nenhum momento.
Ele me cumprimentou e foi para fora. As crianças o seguiram, pois estavam animadas para
visitarem suas madrinhas. Não consegui escutar o que Leonard dizia e depois de um tempo parei
de tentar. Decidi ir até o carro e esperar. Respondi algumas mensagens de Beto e comecei a
conversar com Patrick. Ele me contara como foi seu Natal com a família e como teve que se
esquivar de seu pai, pois ele estava enchendo sua paciência sobre quando apresentaria um
namorado.
A porta se fechou e Leonard voltara a ser o mesmo homem preocupado de sempre. Ele não
olhou para mim da forma calorosa, mas sua mão segurou a minha. Estávamos no banco de trás,
enquanto Jay dirigia. Percebi outro automóvel, um dos outros seguranças que apareceram do
nada. O silêncio reinava e tudo o que escutava eram os miados do gatinho ainda sem nome.
Seu celular tocou, mas ele recusou a chamada. Nunca havia o visto fazer tal coisa, pois
todas as vezes que alguém o ligava ele atendia. Aquela conversa que teve com quem quer que
seja não havia feito bem para a sua mente. Não estava mais tão leve quanto antes, me lembrando
de todas as vezes que andava preocupado pelos corredores de sua casa e se trancava em seu
escritório por horas seguidas, mesmo depois de voltar do trabalho ou uma viagem longa para não
sei onde.
O trajeto seguiu lento e demoradamente até o aeroporto, onde pegaríamos um voo até
Taryno. E para contar mais uma de suas riquezas em minha lista, lá estava seu avião particular. O
piloto nos encontrou na pista de decolagem assim que descemos do carro. Eles se
cumprimentaram como se já se conhecessem. E não fui apresentado como seu namorado ou
como amigo, somente como Oliver. Não entendia o motivo de não ter falado o que realmente
estava acontecendo entre a gente, mas foi o suficiente para me deixar fechado, exatamente como
ele estava. Então meu humor, que estava maravilhoso, tropeçou em uma escada sentimental e
perdeu toda a sua positividade. Ser desmerecido era tudo o que eu não precisava.
Me acomodei em uma das poltronas e recusei qualquer coisa que a comissária de bordo me
ofereceu. Mesmo que ele estivesse pagando por tudo aquilo, não me atrevi a consumir nada. Não
queria que se sentisse ainda mais pressionado a cuidar de mim ou dar alguma despesa, mesmo
que insignificante como aceitar um copo de água ou petiscos chiques. Fiquei em meu celular
vendo as fotos de meus ex-amigos e o quanto conseguiram avançar na vida. Desde grandes
médicos até celebridades.
O ar de Taryno, quando saía com eles, parecia se encher dos sonhos e da vida que todos
desejavam ter. Sucesso, dinheiro e fama! Desejos grandes para pessoas que nasceram para serem
grandes, mas eu não parecia uma delas. Bem, o meu grande sonho não era considerado uma
ambição para muitos. Queria trabalhar para comprar duas casas e alugá-las e viver do aluguel
delas e em paz com a minha futura família. E principalmente me dedicar a minha confeitaria.
Basicamente eu queria ser uma “dona de casa” e fazer bolos bonitos.
Minha mãe sempre me odiou por pensar daquela forma e me chamava de fraco e sem
perspectiva sempre que podia. Era incrível como tinha a capacidade de me menosprezar. Acho
que por aquilo havia sido tão fácil pegar minhas coisas e deixar tudo para trás. Mas me lembrar
daquilo, naquele momento, abriu uma ferida que me irritou. Depois da conversa com minha irmã
decidi que era hora de dar um basta ao dar dinheiro para ela todo o mês. Ela havia mentido para
nós dois e já estava na hora de romper qualquer laço com quem não fazia nada para mantê-lo.
Respeito já não era um motivo forte para tentar uma aproximação, mesmo que ela fosse
agradável enquanto meu pai esteve vivo. Entrei em minha conta e tirei a transferência
automática. Aquele dinheiro seria usado para mim e meus sonhos.
Leonard voltou da cabine do piloto depois de conversarem um pouco até conseguirem a
liberação para voarmos. Eu fazia de tudo para não o olhar. Aqueles segredos eram uma coisa que
descobri não gostar sobre ele. Me deixar no escuro sobre algo que me envolvia só me fazia sentir
um incapaz. Depois de em torno de duas horas que não dissemos uma palavra um para o outro,
ele fixou seu olhar em mim ao invés do seu celular.
— O que você tem?
— Acho que estou enjoado.
— Por causa do avião? Posso pedir alguma coisa para você.
— Eu só preciso ficar sem falar nada e fingir que não existo até isso acabar. — Respondi
um pouco rude.
— Você quer me falar alguma coisa? — Perguntou e tive vontade de despejar tudo o que
estava dentro de mim, mas fiquei de boca fechada. Só causaria outra discussão onde eu ainda
ficaria mais irritado.
— Não. Parece que eu quero te falar alguma coisa? — Respondi, falhando miseravelmente
em não deixar minhas emoções vencerem.
— Você parece irritado.
— Eu estou bem! Não precisa se preocupar comigo. Não mais do que já se preocupa. —
Sorri da forma mais gentil que pude.
— Se não quiser falar, não vou insistir. — Claro que não! Conseguia sentir a sua
preocupação em como eu me sentia, mas também um fio de impaciência.
— Obrigado.
Ainda me encarou por um longo tempo e aquilo me deu vontade de gritar com ele. Por que
tinha que ser tão controlado e presente? Por que tinha aquela influência tão forte em mim? Por
que razão eu tinha me deixado cair de amores por ele? Colocaria a culpa em todos os filmes e
livros que havia lido onde os personagens fantasiavam romances com seus chefes. Se pudesse
falar alguma coisa para cada um deles, seria que aquelas relações não era às mil maravilhas como
me venderam.
— Para de me encarar, por favor.
Ele não disse nada, se levantou e foi até o bar se servindo de uma dose de whisky. Fui até o
banheiro, antes vendo que Paul e Sophy estavam dormindo com o gatinho em uma caixinha
presa em um outro banco. Me tranquei lá por vários minutos, somente encarando meu reflexo.
Leonard não veio me incomodar, mas sabia que ele sabia como eu estava me sentindo e o
motivo.
— Sr. Oliver, o senhor está bem? — Uma das comissárias bateu à porta e eu abri
imediatamente. Realmente estava me sentindo um pouco tonto, mas não disse nada.
— Desculpa, ficar aqui dentro me acalmou. — Menti e ela sorriu. — É quase como se eu
não estivesse a milhares de metros do chão.
— Entendo, é um lugar familiar mesmo. Mas peço que vá se sentar, pois já vamos
aterrissar. E não se esqueça de colocar seus cintos, tudo bem?
— Claro, obrigado.
— Está melhor? — Leonard perguntou assim que me sentei ao seu lado.
— Estava. — Prendi meu cinto.
— Oliver...
— Eu preciso de uma semana das minhas férias, por favor. Minha irmã vai se casar no dia
onze de janeiro e quero passar uns dias com ela. — O interrompi.
— Pensei que não fosse próximo da sua família como um todo.
— Pois é, algumas coisas mudaram na minha vida nesse Natal. Algumas pra melhor.
— E o que isso quer dizer?
— Eu não sei. Só quero ficar quieto e não falar nada de errado.
— Se isso...
— Eu estou inseguro, Leonard. Estou me sentindo inseguro sobre você, sobre mim, sobre
os dias que passamos juntos, a festa, os seus amigos e tudo o que ainda vai acontecer! Não estou
acostumado a lidar com toda essa pressão que você está causando na minha vida e não sei como
reagir.
— Não é pra tanto...
— Para você, que é sempre perfeito e está acostumado a esconder as coisas dos outros, não
é mesmo grande coisa! — Retruquei, sentindo um pouco de raiva dele, mas logo me arrependi.
No entanto, era tarde demais para voltar atrás.
— Só me fale os dias para eu me programar. — Disse depois de alguns segundos me
observando.
— Eu... Obrigado.
E logo caímos no silêncio novamente.
Assim que aterrissamos, vi Beto da janela perto de um carro. Fui o primeiro a
cumprimentá-lo. O abracei, ignorando a pose séria que estava por estar em horário de trabalho.
Ele ficava diferente vestido socialmente. Não parecia o homem divertido com quem eu
costumava jantar a noite, comer pizza no chão da minha sala, enquanto me contava as histórias
loucas que já haviam acontecido com ele.
— Parece que as coisas estão indo bem para você, Docinho.
— Elas estavam, Beto. Até eu descobrir que tem alguém querendo me matar. — Ele reagiu
como se já soubesse daquilo e não como quando eu contava algo novo sobre o meu passado. —
E é claro que você já sabia, não é?
— Eu não posso falar disso com você, Oli. — Respondeu quase em um sussurro.
— Você está parecendo seu chefe falando. Você é meu melhor amigo, Beto. Você tem a
obrigação moral de me contar tudo!
— Isso é fazer fofoca.
— Que seja!
— Eu não posso. Recebi ordens diretas sobre isso, Oli. Desculpa.
— Roberto, você me deve! Eu te salvei várias vezes de passar fome e até com a sua mãe.
Se não fosse por mim, estaria casado com aquela nojentinha e com um filho fruto de um golpe
do baú!
— Oli, não posso contar. Isso vai além da nossa amizade e é para o seu próprio bem.
— Me tratar desse jeito que não me faz bem nenhum.
— Não faz isso, Oli. Não é culpa minha!
— Você quem sabe, Roberto.
— Oli...
— Eu não vou mais cozinhar para você! E não falo mais com sua mãe por você, me
entendeu? — Ele assumiu uma pose séria.
— Tudo bem.
— Beto! — Reclamei.
— Boa tarde, Senhorzinho Havens.
— Oi, Beto! Feliz Natal! — Paul o abraçou e depois mostrou o gatinho na caixa que Jay
estava carregando. — Olha! A gente encontrou ele na neve. Papai deixou a gente adotar ele.
— Ele é bonito, hein, carinha! — Beto bagunçou os cabelos de Paul. — Espero que
tenham aproveitado o Natal.
— Alguns de nós sim. — Respondi, vendo Sophy adormecida no colo do pai.
— Foi o melhor Natal do mundo! O Oli fez um monte de comida gostosa pra gente e tinha
um monte de doces também! E bolo! — Paul completou animado. Ele segurou minha mão e sorri
para ele.
— Vamos para casa de Samantha e June, Roberto. — Leonard disse depois de apertar a
mão de meu mais novo ex-amigo.
Ele abriu a porta para todos nós e logo o carro estava deslizando pelas ruas movimentadas.
Vários turistas estavam por lá, se divertindo com as atrações de rua ou com as outras milhares de
coisas que lhes eram oferecidas. E passamos em frente a balada que eu costumava ir com meus
amigos e onde dei meu primeiro beijo.
Também vi a sorveteria que costumava passar horas com meu pai e meu coração doeu pela
saudade. Ele sempre me levava para tomar sorvete enquanto observávamos as pessoas. Era
formado em psicologia e me contava sobre como elas estavam pelos seus gestos. Também fazia
aquilo, mas inventava a maior parte. Quase não me lembrava daqueles momentos depois de tanto
tempo.
Então entramos na parte rica da cidade, onde existiam casas de milhares de celebridades e
seguranças posicionados nas entradas dos condomínios. Paramos em uma daquelas mansões e vi
como brilhava com sua arquitetura moderna. Paredes de vidro, janelas enormes e à medida que
me aproximava tudo ficava maior e majestoso. Algumas pessoas, trabalhadores, estavam
organizando a decoração para a festa de fim de ano.
Peguei a caixa do gatinho ainda sem nome e desci depois de todos. Beto fechou a porta
atrás de mim e respirei fundo e forte, exageradamente, antes de dar o primeiro passo para aquele
martírio. Preferiria muito mais ficar dentro daquele carro até tudo acabar ou voltar e ficar
sozinho em meu apartamento.
— Oli, eu queria...
— O que?
— Não vai mais falar comigo? Tá sendo dramático!
— Eu te odeio, Beto! Que você morra de intoxicação com a sua comida horrível! — O
interrompi e o deixei para trás.
Subi alguns degraus e entrei na casa. Logo pude ver no fim do corredor, por uma porta
aberta, uma grande piscina no fundo azul. À direita, do lado de dentro, num nível abaixo da
entrada, estava a sala de estar. O cheiro que me lembrava a praia me fez ter vontade de ver o mar.
Pelas janelas pude ver os tons vermelhos e alaranjados do céu, indicando o entardecer.
Leonard e os outros estavam conversando quando me aproximei. As duas mulheres
pareciam ser deusas de algum filme e sentia como se fossem mais altas do que realmente eram.
Samantha foi a primeira a me cumprimentar e foi quem me deu mais medo. Parecia que de cada
frase ela fosse revelar algum segredo constrangedor meu, mesmo nem sabendo quem eu era. Era
intimidadora demais. Até mais que Leonard. June por outro lado tinha um sorriso bondoso e de
cara senti que poderia ser abraçado a qualquer momento, sem motivo ou razão. Mas quem fez
aquilo foi Bernard, o abusado.
— Eu estava ansioso pra te ver, Oli Oli! — Falou perto demais do meu rosto e pegou o
gato da caixa. — Olha, ele até trouxe o nosso filhinho! Já que por você eu vou virar gay, esse é
um bom começo! Sempre adotam um animal, não é? Vocês duas tinham o que?
— Era um hamster. — Samantha o respondeu. Bernard bateu na própria cabeça e olhou
para mim.
— É claro! Como pude esquecer? Cuidado com essa daí, Oli! É uma cobra e ela mesma
comeu o bichinho numa bocada só! Foi a última refeição antes da June transformar essa mulher
em um ser humano decente.
— Você comeu um hamster, madrinha? — Paul perguntou assustado e sorrimos com sua
inocência.
— Não, meu amor. Vá brincar com Yuri, ele está no quarto. — Ela respondeu. — Viu o
que fez, idiota?
— O que? Fazer o nosso afilhado descobrir a cobra que é a madrinha dele? É bom que ele
não se engana quando você começar a dar comida para ele.
— Bernard, às vezes eu tenho que me lembrar que recebi educação para não meter a faca
na sua língua.
— Você me ama!
— Se você me abraçar e eu sentir esse seu pênis, eu dou para os cachorros da rua! Se bem
que ele nem daria como um aperitivo. — A loira respondeu.
— Eu sabia que você já tinha reparado no meu bem mais precioso. — Ele tentou beijá-la,
mas foi empurrado.
— Não ligue para eles, Oliver. É bom finalmente te conhecer. Quando estava na casa do
Leonard não conseguimos conversar, porque você estava doente. Espero que esteja bem melhor
agora. — June me abraçou, me fazendo sentir a barriga um pouco grande que tinha.
“Eu estava com ciúmes demais pra olhar pra você!”, pensei.
— Não estava me sentindo bem aquele dia, mas aqui estamos. — Beijei seu rosto.
— Leonard nos falou sobre você e como cozinha maravilhosamente bem. — A loira se
aproximou. — Eu exijo um almoço amanhã e o seu famoso bolo de chocolate para a festa!
— Tudo bem. — Concordei sorrindo e controlando meu nervosismo.
— Você é tão lindo! A foto que Leonard nos mostrou de você com as crianças não faz jus,
nem mesmo a chamada que fizemos. — Ela continuou e senti meu rosto queimar. Para quantas
pessoas ele mostrou aquela foto?
— Olha como ele fica vermelho, amor. — June me abraçou. — Se você não ficar com ele,
eu fico, Leonard.
— Não está sendo tão fácil assim. Tem um jeito passivo-agressivo quando está irritado que
eu não sabia. — Meu “namorado” reclamou sutilmente e o encarei.
— E quando percebeu isso? Quando deixou de falar comigo? — Retruquei, desviando o
olhar daquele homem perfeito.
— Esse é o meu tipo! — Bernard tentou se aproximar, mas Samantha o fez tropeçar e
quase cair. — Você quase me derruba e com um gato no colo! Você está vendo isso, Oli? June,
se você for agredida, não acredita quando ela disser que vai mudar. Ela não vai!
— Chega, vocês dois! — A morena disse segurando o riso. — Vem, Oli, vou mostrar onde
vai ficar.
— E você vai comigo levar esse gato no veterinário, Bernard. Não quero ele me
arranhando. — Samantha segurou forte o braço de meu “cunhado” e acenou para mim. — Já
volto com o seu gato, Oliver.
— Obrigado.
Segui June até as escadas, que como no andar debaixo, dava vista para a piscina enorme ao
fundo da casa e toda a cidade abaixo. Era incrível o que o dinheiro podia comprar. Tudo era do
mais perfeito planejamento. Não me cansaria de ficar admirando aquela paisagem e desejei estar
com minha câmera fotográfica para guardar uma foto em meu álbum. Mas peguei meu celular e
registrei o momento.
— É para o álbum da Sophy. — Me expliquei quando percebi que a mulher me encarava
feliz.
— Ela me contou do hobby que vocês tem. — June sorria para mim como se me
admirasse. Era quase como se sentisse o abraço amoroso de uma mãe, pelo menos o que eu
achava que seria a sensação.
— Na verdade é para o álbum que dei pra ela de presente.
— Isso é lindo, sabia? A forma como você se importa com as coisas mais simples pra
agradar meus afilhados.
— É o mínimo que eu posso fazer. E o que se encaixa nas minhas condições financeiras
também.
— Garanto que presente nenhum superará esse álbum. — Me olhou, ainda com aquele
sorriso caloroso, me deixando com vergonha.
— Sua casa é realmente linda, June. — Comentei, voltando a andar
— Obrigada. É aqui. — Entrei no quarto do qual me deu passagem. Ele compartilhava a
vista do corredor pela porta que levava a sacada e devia ser maravilhoso acordar com o sol
entrando por ela. — Isso tudo é obra da Samantha. Foi ela quem projetou essa casa. Sou só a
futura mãe agora e que dá o apoio para ela.
— Ela combina com essa profissão. Parece ser bem convicta e decidida.
— Você percebeu? — Rimos pelo tom irônico. — É bom saber ler as pessoas.
Principalmente se você é casada com elas.
— Como assim?
— Sou psicóloga e terapeuta.
— Meu pai também era formado antes de falecer.
— Eu sinto muito. — Apertou gentilmente meu ombro. — Espero que ele não tenha
sofrido.
— Não sofreu. — Retribuí o sorriso que me deu. — Queria poder saber ler o Leonard.
Estou o sentindo meio distante e acho que eu tenho culpa.
— Se ele está se preocupando com você, é porque gosta de você, Oliver. Te garanto que o
meu amigo não desprende seu tempo, ou até deixa entrar alguém dessa forma na vida dele, se
realmente não for importante.
— Mas ele parece tão... intenso! Não sei se vou me acostumar com esse senso de proteção
que ele tem.
— Temos mais em comum do que você imagina. Samantha é da mesma forma comigo.
— Se tiver alguma dica que me ajude a lidar com o seu amigo, estou todo à ouvidos.
— Paciência é a chave. — Me puxou para a cama, como uma daquelas garotas animadas.
— Mas agora eu quero saber de você e Leonard! Não quero ser uma intrometida, mas estou
morrendo de curiosidade para saber sobre esse relacionamento.
— Isso é algum tipo de teste para ver se eu conto alguma coisa pessoal dele? — Brinquei.
— Se ele te trouxe até aqui e te levou para o chalé, já passou em todos os testes possíveis.
É que Leonard não me conta muito sobre a vida pessoal dele e eu sempre quis que ele voltasse a
namorar e ser feliz! E ele parece ter encontrado o caminho com você. Ele está passando por
muita coisa com tudo o que está acontecendo agora. — Senti que ela sabia mais coisas sobre
aquele homem e era a minha chance de conseguir as respostas que tanto queria.
— Se você sabe de alguma coisa sobre ele, por favor, me conta, June. Ele ficou
preocupado a viagem toda no caminho pra cá, mas ele não quis me contar nada sobre o que
aconteceu. Acho que é do trabalho dele, mas ele me deu uma resposta tão vaga sobre o que ele
faz... É tão frustrante ter que decifrar tudo o que ele pensa!
— Eu sei como é isso. Pra eu ser amiga daquele lá foi um sacrifício! Quando a gente
estava na faculdade, eu tive que fazer tudo pra que a gente começasse a se falar, porque se
dependesse dele, talvez não estivesse conversando com você agora.
— É bom saber que ele não é fechado assim só comigo.
— Te garanto que não é, Oli. — Me encarou. — Mas como foi essa viagem e o tempo que
passaram juntos? Ele te tratou bem e deixou o romântico carinhoso sair?
— Ele foi tudo o que eu imaginei e quis. Não achava que alguém como ele poderia existir,
mas que bom que existe.
— Isso é ótimo! Mostra que eu tenho chance de ser madrinha no casamento de vocês.
Quando ele se casou com a Elise, eu tinha acabado de quebrar a perna e não pude ir. Então quero
aproveitar o de vocês.
— A gente começou a dar uma chance pra isso agora, então... Não quero me apressar e me
iludir com nada.
— Ai, Oli! Eu conheço meu amigo!
— Mesmo assim, eu realmente não sei em que pé estamos. Esses dias foram o mais
próximo de ver que ele tem emoções em anos que trabalho para ele. Leonard é o homem mais
lindo e completo que eu conheci. Parece ter saído direto de um conto de fadas. Mas ainda não
conheço tudo o que ele é como eu gostaria.
— É um cavalheiro mesmo. Se eu fosse bissexual, no mínimo, tentaria as minhas chances
com ele. E que a Samantha não me escute falar isso!
— Seu segredo está seguro comigo.
— Meu novo confidente! Vai ser ótimo ter alguém para fofocar sobre os dois quando
inventam de sair juntos e não vou mais ficar sozinha nesses programas. O Bernard é engraçado,
mas não é a mesma coisa que ter alguém que parece com a gente.
— Caso esse “relacionamento” com o Leonard vá para a frente...
— O que eu tenho certeza de que vai!
— Caso isso aconteça, pode deixar que vou ficar sempre do seu lado e tentar o meu
máximo pra te proteger do Bernard, mas não vou ser de muita ajuda. — Rimos.
— Me conta como é trabalhar pra ele. Deve ser horrível, não é? — Ela riu. — Quando eu
estava começando a ganhar experiência no mercado de trabalho, estagiei como secretária e
trabalhei pra ele. E eu tenho que te dizer que foi a pior experiência da minha vida. Com toda a
certeza! Minha sorte foi conhecer Samantha. Ela que me fez mudar de curso e concluir minha
faculdade.
— Eu não passo muito tempo com ele. Quase nenhum para ser bem sincero. Ele sempre
volta tarde do trabalho. Na maior parte das vezes eu já tinha ido embora ou quando ele chegava,
ia direto para o escritório.
— E o que aconteceu, agora a pouco, quando vocês chegaram?
— Deu para perceber?
— Pelo que eu vi, vocês já estão brigando.
— Eu não sei se devo te contar isso, June.
— Eu sei de algumas coisas sobre aquele homem, Oliver. E se tem uma coisa que eu posso
te contar, é que ele preza muito pela segurança de quem gosta e esse é o principal motivo das
preocupações dele. — Suspirei indignado. — Ele já está te rodeando?
— Por acaso ele faz alguma coisa errada pra ter tanto medo assim? Porque eu não entendo
o motivo de não me contar qualquer coisa. Com todo esse mistério parece que alguém vai me
sequestrar ou me matar pra conseguir alguma coisa dele.
— Ele é um homem importante. Muito importante, na verdade! Ainda mais nesse ano, com
tudo o que está acontecendo no país e por conta das eleições.
— Não entendi.
— Ele, vamos dizer, está bastante ligado com o governo. Leonard é responsável por
assuntos de segurança governamental. Eu acho que é assim que se fala. Depois que ele ingressou
nesse ramo, ele não conversa tão abertamente sobre as coisas que acontecem. Até tentei ir com
ele em uma dessas viagens ou fazer alguma visita surpresa, mas ele sempre é reservado demais
quando se trata das responsabilidades que tem.
— Mas eu não consigo entender o porquê ele tem tanto medo. E nem onde eu me encaixo
nisso. Ele me explicou que eu sei sobre a rotina da casa e tenho uma proximidade da família,
mas... Queria que ele me contasse mais.
— Oliver, ele vai te contar uma hora ou outra, mas ele é uma espécie de juiz que trabalha
direto para o governo do país. Ele é “alguma coisa do tribunal internacional de Varpato”.
— Por que ele não me contou isso? Nunca vou contar nada sobre ele pra ninguém e eu
morreria antes de fazer mal para o Paul e Sophy. Eles são como... como meus filhos. — Sorri ao
dizer aquilo.
— Ele recebe ameaças o tempo todo. Eu já não sei quantas vezes ele me ligou para ficar
com meus afilhados quando morava aqui em Taryno. E mesmo assim ele enchia a vizinhança de
seguranças.
— E mais uma vez você está contando meus segredos por mim. — Leonard apareceu. Me
assustei quando ele entrou pela porta, mas June estava calma, como se soubesse que aquilo
aconteceria.
— Bom, se alguém não dá o ponta pé inicial, você o deixaria no escuro para sempre. —
Ela sorriu para mim, apertando meu ombro gentilmente. Foi até ele e deu dois tapinhas em seu
rosto. — Você tem um ótimo pretendente aqui, Leo. Espero que não assuste ele. Já cansei de
dizer que você ainda precisa de alguém para poder fazer esse seu coração bater de novo. Depois
venham comer. Samantha tentou fazer uma receita e ficou horrível. A pizza vai chegar logo!
Leonard me observou e mantive meu olhar conectado ao seu. Ele caminhou até mim, se
sentando ao meu lado e segurou minha mão. A levei até seu rosto, o acariciando e sentindo a
aspereza deliciosa dos fios de sua barba. Ele respirou fundo até abrir os olhos.
— Não quero repetir os mesmos erros com você, Oliver.
— Leonard...
— Acho que eu também perdi a prática de como é estar em um relacionamento. Você
aflora coisas demais em mim. — Beijou minha mão suavemente. — Não quero que nada te
aconteça e tudo o que está acontecendo agora está me deixando um pouco paranoico.
— Por que não me contou que você é um juiz todo importante?
— Trabalho para um departamento interno do governo e não é a algo pra se falar tão
abertamente.
— Isso explicaria e evitaria aquela discussão. — Ri, massageando seus dedos. — Já estava
pensando que você era um criminoso ou algo do tipo.
— Você se apaixonaria por mim se eu fosse um?
— Não sei se conseguiria aguentar a pressão. Não era bem esse tipo de aventura que eu
sempre pedi para viver quando encontrasse o amor da minha vida.
— Eu sou o amor da sua vida? — Questionou. Novamente pareceu um predador, me
provocando com aquela energia poderosa que somente ele tinha.
— Você entendeu o que eu quis dizer, mas... Eu acho que é quase isso. — Rimos com a
minha resposta. — Agora eu entendo essa sua cisma com segurança.
— Não é uma cisma, Oliver. É uma medida necessária. O mundo é cheio de pessoas
horríveis e eu não quero que nenhuma delas chegue até meus filhos, você ou quem quer que eu
tenha na minha vida. — Afirmou sério e com a gentileza que somente ele tinha. — Já que minha
amiga abriu a boca pra você, ignorando que poderia ser algum infiltrado pra me seduzir, eu vou
te contar umas coisas e você pode decidir se ainda quer continuar comigo.
— Não precisa me contar nada agora. Isso foi o suficiente. — O beijei.
Entendi o motivo de tantos segredos e até cogitaria a ideia de sair da sua vida se não
estivesse completamente apaixonado por ele e tudo o que representava. Leonard não era um
homem comum e seu ar sério e reservado, suas viagens e toda aquela desconfiança em me dizer
certas coisas, combinavam muito bem com sua profissão.
— Você tem certeza?
— Eu quero saber mais sobre você, não se engane. — O puxei pela mão, o fazendo
levantar e fomos até a sacada. Ele se colocou atrás de mim e me prendeu em seus braços, me
fazendo sentir seu torso subir e descer pela respiração. Meu corpo se arrepiou com um beijo em
meu pescoço. — Agora eu só quero ficar com a ideia de que você pensou em mim como um
espião, com a única missão de te seduzir.
— Você só ouviu isso do que eu te falei? — Beijou meu pescoço mais uma vez, só que
deixou uma leve mordida que me fez rir.
— Se eu fosse um, estaria conseguindo te seduzir? — Sorri quando me virou e me encarou
com luxúria.
— Você não tem ideia do que faz comigo, Oliver.
— Isso é um sim? — Insisti, animado.
— Isso é um sim!
— Ótimo! — Me soltei dele e apontei na sua direção. — É melhor você me chamar de
espião do que só de “Oliver” da próxima vez que voarmos.
— É por isso que ficou emburrado?
— Exatamente. — Meu rosto queimou ao me lembrar daquela birra. — Mesmo que a
gente ainda não seja nada “oficial”, gostaria que me apresentasse como, no mínimo, seu amigo.
— E você não ficaria emburrado?
— Eu não sei, vossa excelência. — Fiz uma reverência e andei até a porta. — Você é tão
bom em julgar criminosos. Me diz qual é a sua conclusão.
— Você adorou saber disso, não é?
— Eu posso me acostumar com a ideia de ser perigoso.
CAPÍTULO 08 – Coisas Sutis

Com todos os preparativos para a festa de Ano Novo que seria comemorada na casa de
Samantha e June, fiquei desnorteado com a quantidade de coisas que haviam comprado, e até me
senti um pouco estúpido por estar fazendo um bolo para ficar no meio de todos aqueles pratos
chiques e bem decorados. Mesmo tentando incrementar com alguma decoração, com bastante
sucesso devo dizer, ainda assim, não o sentia no mesmo nível que os outros pratos.
O dia inteiro fiquei preso naquele pensamento insuficiente e somente consegui tirá-los de
mim quando Bernard veio até a cozinha e pediu para que o ajudasse com uma responsabilidade.
Só não esperava que estaria indo em algum mercado, de última hora, para comprar um cigarro
para ele fumar. Não tenho que dizer que fiquei completamente nervoso com ele, pois me fez
parecer que era uma emergência.
E meu cunhado, se já pudesse chamá-lo daquela forma, era o completo oposto do irmão.
Enquanto Leonard era centrado, sério e controlado em suas atitudes e palavras, ele era
extrovertido demais, brincalhão e, de certa forma, impulsivo. No entanto, uma característica que
os dois tinham era a aura dominante e poderosa. Não havia nada que não me fizesse sentir
completamente seguro ao lado de cada um.
Dentro daquele carro enorme, sem nenhum dos seguranças rotineiros que sempre estavam
me rodeando, pelos menos que eu soubesse, fiquei literalmente sozinho com aquele homem que
me olhava com um sorriso divertido no rosto. Como o irmão, sabia do efeito que tinha em mim e
se aproveitava daquilo para conseguir ainda mais se divertir com meu jeito envergonhado de ser.
Respirei fundo, tentando controlar minha respiração e emoções, pois estava morrendo de medo
de ser questionado sobre o meu relacionamento, o que foi impossível de se evitar.
— Então, Oli Oli... Como anda o amor entre você e meu querido irmão?
— Acho que está indo bem, Bernard.
— Então é sério mesmo, não é, Oli Oli? — Disse o apelido lentamente.
— Acho que sim, Bernard.
— Mas você está pensando em ficar com ele pra sempre, Oli Oli?
— Acho que sim, Bernard.
— E você ama o meu irmão, Oli Oli? — Me encarou assim que o sinal vermelho o
permitiu.
— Onde quer chegar com essas perguntas?
— Só quero te conhecer melhor, Oli Oli. Porque eu não sei se você sabe, mas se você pega
um, ganha o outro de brinde. — Piscou para mim, me fazendo olhar para o outro lado.
— E o seu irmão já sabe dessa condição?
— Eu não conto se você não contar... — O encarei pelo tom de voz sério, mas logo ele
abriu um sorriso, indicando que era só mais uma de suas brincadeirinhas. — Quando você fica
com vergonha é a melhor coisa do mundo!
— Muito engraçado! Amo a fixação que vocês têm com isso.
— Oli Oli, não fica assim! Sabe que é porque a gente já te ama, não é? — O encarei pelo
que havia dito.
Não tinha tanta proximidade com Bernard e ele era como um dos membros daquela família
poderosa que não tinham nenhum pouco daquela prepotência que achava que teria. No entanto,
saber que ele sentia algo por mim, mesmo que fosse carinho e que não tinha nenhum problema
em me ter como o seu cunhado, era diferente de um jeito bom.
Nunca havia namorado com ninguém, o que não me preparara para todas aquelas relações
e inserção no mundo de Leonard, com seus amigos e tudo o que o rodeava. Era uma caixinha de
surpresas todas as vezes que escutava alguém falar sobre ele, pois era tão misterioso e sério que
não tinha ideia do que esperar, somente me preparava para alguma revelação.
— Sabe, você é alguém muito especial para os meus sobrinhos e para o meu irmão.
— Não acha isso estranho?
— Você namorar o Leo? É claro que não! — Riu, apertando minha bochecha. — Você não
conhece Leonard como eu conheço, Oli Oli. Aquele ali pode ser esse homem sério hoje... Ele
também era quando mais novo! Mas isso não quer dizer que não tenha aproveitado bem a vida
quando estava na faculdade e antes de conhecer Elise.
— Ainda é estranho escutar sobre esse “outro lado”. É muito diferente do homem que eu
convivi durante esses anos.
— Meu irmão tem que vestir essa armadura sempre, mas é ele mesmo quando está com a
família e os filhos. E quando está com você também.
— Acho que ele me acha um ingênuo.
— É só o jeito protetor dele. Não faz isso por mal. — Bernard me encarou por um
momento, enquanto outro sinal voltou a ficar vermelho. — Ele tem muito a perder, tanto com os
filhos e quanto com você agora. Já perdeu a mulher que amava por uma coisa que não conseguia
controlar, mas a sua segurança ele pode. Se fosse eu no lugar dele faria a mesma coisa. Muitas
pessoas não conseguem encontrar o amor das nossas vidas. Quem dirá encontrar pela segunda
vez?
— Acha que eu sou isso para ele?
— Tenho certeza absoluta, Oli Oli! — Sorri, me sentindo bem e fiquei com aquela mesma
sensação até chegarmos no mercado e comprarmos muito mais do que o cigarro que ele queria.
Obviamente me tornei o responsável, pois ele não tinha noção do que era preciso para fazer
nenhum dos bolos e doces que Samantha e June nos ligaram e pediram que eu fizesse, além do
que eu já tinha feito. Era diferente a sensação de estar ao redor de pessoas que nos sentíssemos
bem. Não havia a pressão de fingir ser alguém que não era. E mesmo Leonard, sua família e
amigos serem de mundos completamente diferentes do meu, senti que também poderia fazer
parte do universo que viviam.
E todo aquele clima gostoso permaneceu durante todo o tempo que passei na cozinha,
sendo auxiliado pelos cozinheiros contratados pelas anfitriãs. De início ficaram preocupados,
porém fiz questão de me enturmar com cada um deles, pois eram pessoas que tinham o mesmo
receio que o meu quanto aos “senhores” detentores de bens.
E mesmo quando os amigos mais influentes de Leonard começaram a chegar, não deixei a
cozinha. Ainda tinha o mesmo receio de ele me apresentar como somente um amigo e não
conseguiria fingir meu descontentamento por tanto tempo. Ele também não fez questão, pelo
menos no início, de minha presença. O que me deixou aliviado.
Quando tudo estava pronto e deixei tudo nas mãos dos cozinheiros, me esquivei de todos
os convidados para ir até o quarto e demorar o maior tempo possível “me arrumando” para
aquela festa. Uma roupa branca estava separada em cima da cama e ao tocá-la senti sua maciez e
o quanto estava perfumada.
Fui até a varanda, pois escutei o grito de Paul, mas fiquei aliviado ao ver que era um de
divertimento, pois estava correndo com todas as crianças. Sophy estava tirando foto de todos
com sua máquina fotográfica. Eles eram meus filhos em alma e esperava que legalmente também
se tornassem. Senti o pelo macio de Marrom, o gato recém batizado, em minha perna e o peguei
no colo, o colocando novamente no quarto.
Ele se arrastou em meu rosto e o deixei na cama, tirando meu traje e pendurando no
guarda-roupa para não correr o risco de ficar cheio de pelos. Fui até o banheiro, ligando aquele
chuveiro imenso e potente e em poucos minutos estava completamente lavado de corpo e alma
devido a intensidade dos jatos.
Vi uma quantidade enorme de cremes dispostos em cima do balcão em frente ao espelho e
me permiti usá-los. Não era sempre que tinha acesso ao bom e do melhor que o mundo da beleza
poderia oferecer. June e Samantha deveriam usar aquilo todos os dias, o que era refletido na pele
maravilhosa que tinham.
Estava nu, passando os cosméticos em minha pele quando a porta foi aberta e Leonard me
observou. Em silêncio ele a fechou, a trancando, e pelo seu olhar soube o que queria fazer. Ele
veio até mim, pressionando seu corpo no meu e colocou meu joelho em cima da superfície
gelada da pia. Senti quando seus dedos passaram do começo da minha nuca até o fim de minhas
costas e quando suas mãos separaram minhas nádegas, expondo meu íntimo ainda mais.
Ele se ajoelhou e senti a ponta de sua língua me invadir, deixando a região molhada e
quente, me fazendo gemer e empurrar meu quadril para mais perto de si, querendo mais daquela
sensação. Meu rosto queimava pela vergonha, mas meu corpo queimava ainda mais pelo desejo
por aquele homem. Ele me apertou, me marcando com cada um de seus dedos e de forma brusca
passou a barba em minha entrada.
Ele se levantou e ao virar meu rosto para me beijar, inseriu dois dedos em mim, me
fazendo arfar em prazer e me curvar ainda mais. A mão em meu rosto desceu para meu pescoço e
logo ao meu peito, me impulsionando para seus dedos curiosos e firmes. Não conseguia dizer
nada, pois tudo o que saíam de mim eram gemidos.
Não esperava que aquelas situações ocorressem daquela forma devido aos meus pudores,
mas mesmo com a dor me lembrando de que estava fazendo aquilo de uma forma não tão
convencional, não pude resistir. Com Leonard tudo se transformava em um momento de êxtase,
onde a dor era deliciosamente prazerosa e meu corpo um objeto entregue para o desejo.
Senti seu membro volumoso pela calça e escutei quando puxou o zíper, o libertando. Ele o
posicionou e com uma investida constante entrou em mim, abrindo meu íntimo como se fosse
seu dono e conhecesse muito bem o terreno. Involuntariamente o apertei, sentindo o quanto
estava grande e pulsante, porém aquilo não o parou, somente o deixou ainda mais vigoroso em
sua vontade.
Com as estocadas fortes, meu corpo era empurrado contra o balcão da pia e sua mão tomou
meu membro, me masturbando constantemente. Minhas costas estavam grudadas em seu
peitoral, sentindo todas as vezes que ele inspirava fortemente. Segurei sua cabeça e ele beijou
meu ombro e pescoço, investindo com mais vontade, brutalidade e rapidez, não permitindo que
meus gemidos se completassem devido a outros que surgiam.
Os minutos se passaram onde cada vez que seu membro ameaçava sair de mim eu
empurrava meu corpo para ele, pois não queria me sentir vazio. Até que o fincou, despejando
todo seu sêmen dentro de mim, me fazendo contrair meu interior e impedindo qualquer gota que
me inundou deixar meu corpo.
— Leonard...
— Quero ver você se lavar. — Ordenou atrás de mim, me direcionando até o box, onde
liguei novamente o chuveiro e comecei a me ensaboar, evitando até o último minuto minhas
nádegas. Então de costas, deixei o líquido escorrer por minhas pernas, se misturando com a
espuma. — Você é meu pecado, Oliver!
— Sim, senhor.
— Não concorde comigo, garoto. — Sua mão apertou minha cintura quando me virou para
me beijar. Segurei seu rosto, molhando um pouco sua barba e camisa. — Não sei do que sou
capaz se te perder.
— Não vai. Não se preocupe com isso. — Sorri em seus lábios. — Precisamos descer. Já
devem estar sentindo sua falta, Sr. Juiz.
— Pensa que não sei que ficou se escondendo de mim na cozinha?
— Não estava me escondendo! Pode parar com essa mania de falar isso! — Peguei uma
nova toalha. — Estava cuidando dos doces e bolos que Samantha e June pediram.
— E se escondendo. Admita! — Pegou o tecido da minha mão e começou a me enxugar.
— Sei te ler, Oliver.
— Ainda não estou acostumado com a sua vida.
— Mas terá que se acostumar.
— Eu sei. É só que... — Suspirei indo para o quarto. Ele se sentou na cama. — Eu ainda
estou me acostumando com você ser tão importante fora do nosso mundinho em Ponack. Saber
que você é muito maior aqui... É como se estivéssemos vivendo em uma história de conto de
fadas lá.
— Não quero que se sinta assim comigo. Se alguém te fizer algum mal, quero que me fale.
— Ninguém faria nada comigo sabendo que você é meu...
— Futuro marido. — O encarei, surpreso por falar aquilo. — É isso que eu quero, Oliver,
mesmo que nossa relação ainda seja nova. Não tenho intenção de me relacionar com alguém se
não for para realmente ter uma vida ao lado.
— Isso seria um sinal vermelho no mundo de hoje.
— Minha atitude?
— Um homem como você querer assumir um compromisso com alguém como eu.
— E o que isso significa?
— Nada para mim, mas para os outros significaria que eu estava me aproveitando de você
ou que você estava me comprando pelo seu dinheiro.
— E você? O que acha que isso significa?
— Acredito que o que a gente tem, realmente, é algo que existe. Não tenho nenhuma
intenção maldosa e acredito que você também não tenha. — Coloquei a roupa ao seu lado e ele
segurou minha mão, acariciando meu pulso.
— Você quer algo sério?
— Eu nunca namorei com ninguém, no mais literal sentido. Não sei como me comportar e
não sei do que eu terei que abrir mão para viver no seu mundo. Mesmo que eu não tenha muito
para te oferecer, eu acho que você é muito maior que...
— Oliver, você mudou a forma como eu me sentia em relação a tudo. Não se menospreze
ao ponto de me colocar em um pedestal, porque você foi o motivo de a vida dos meus filhos e a
minha melhorar.
— Você é tão...
— Você é tudo o que eu não sabia que precisava, depois de muito tempo acostumado em
ter o mínimo.

— Eu quero ficar com você, Leonard. Não sei o que isso significa ou o que vai mudar na
minha vida, mas eu tenho certeza disso.
— Eu também quero. — Puxou meu pescoço, me curvando e beijando meus lábios de
forma carinhosa e serena. — Você não é menos que ninguém lá embaixo. Não se esqueça disso,
tudo bem?
— É claro.
Terminei de me vestir, sempre sob seus olhos atentos. Sempre havia imaginado em
encontrar um homem como ele e viver todas aquelas emoções maravilhosas que via em filmes e
livros, porém era completamente diferente vivenciá-las. Aquele homem sério e dominante era
tudo o que meu corpo e alma sempre precisaram e eu não poderia ter escolhido melhor.
Aquela família era maravilhosa e esperava estar à altura deles e corresponder todas as
expectativas, que muitas vezes eu mesmo colocava em mim mesmo, e não os decepcionar em
qualquer campo possível. Não eram pessoas comuns, com vidas comuns e escolhas comuns, mas
sim especiais a ponto de outras vidas se virarem para a deles somente por passarem em um
corredor, como um campo magnético impossível de lutar contra.
Ao descer para a festa com Leonard do meu lado, mesmo que ainda estivesse morrendo de
vontade de me trancar no quarto e esperar tudo aquilo acabar, me senti confiante. Ele entrelaçou
nossos dedos, não temendo qualquer reação negativa quanto ao seu relacionamento comigo. E
aquilo me fez perceber que eu também não deveria ter medo de me sentir bem pelo homem ao
meu lado. E que eu estava perdidamente apaixonado.
Muitos dos amigos dele eram sim pessoas poderosas e completamente inalcançáveis para
mim, se não fosse por ele. Eram importantes demais para um mero professor de idiomas
conhecer. E não vou mentir ao dizer que todos eram simpáticos como June e Samantha, pois não
eram. Tinham os narizes em pé, quase batendo no enorme lustre de cristal na sala. Somente me
trataram bem, pois Leonard me apresentou como seu companheiro. Caso contrário, me tratariam
como um dos garçons que passavam servindo bebidas e comidas e que eles nem se davam ao
trabalho de agradecer.
Me esforcei para ter uma conversa com eles, porém os assuntos que perambulavam não
faziam em nada parte do meu vocabulário, e muitas das vezes não entendia dez das nove
palavras que diziam. E tinha certeza de que misturavam algum termo técnico somente para eu me
sentir ainda mais perdido e descolado.
Acabei por pedir licença, com a desculpa de que precisava ver como as crianças estavam.
E quando deixei aquela sala cheirando a pessoas ricas, encontrei um garoto não muito mais velho
que eu, mas muito mais elegante e requintado. No entanto, seu sorriso ao conversar com algumas
das crianças me fez perceber que era uma boa companhia. E talvez por aquilo, me aproximei sem
medo de represálias.
— Nunca vou me acostumar como aqui em Taryno é quente. Em Cromaco não é assim e
tenho que dizer que prefiro o frio. — Sua voz era calma e suave. Como uma harpa em meio a
uma orquestra. — Sou Ariel. E você deve ser o Oliver, não é?
— Não me lembro de ter te conhecido antes.
— Não conheceu. Mas o seu marido...
— Não somos casados.
— Perdão. — Sorriu graciosamente. — Pensei que fossem pela forma como Leonard
parece um segurança em cima de você.
— Ele tem dessas mesmo, mas somos só namorados ainda.
— Bom, acho que isso não vai demorar para evoluir.

— Conhece Leonard faz tempo?


— Não, porque ele é mais amigo de minha mãe. Ela fez o projeto de uma casa para ele.
Mas conversamos algumas vezes e é um homem muito agradável.
— Às vezes eu esqueço que tenho quase a mesma idade que ele.
— Quantos anos você tem? — Me olhou surpreso.
— Vinte e cinco anos.
— Não te daria mais que vinte.
— Ganhei meu dia! — Acompanhei o sorriso de Ariel.
— Mas então, ele, apesar de ser muito simpático, ainda tem trinta e três anos, e meio que
eu tenho uma leve insegurança de falar com ele.
— Te entendo muito bem. Ele tem um ar de poderoso que é muito difícil de ignorar.
— Exatamente o que eu penso! — Ele riu, dando mais um pequeno biscoito para Yuri, o
filho de Samantha e June, um garotinho não muito mais velho que Paul e com traços orientais.
— Oi, tio Oli. — Me cumprimentou, mas não me deu chance de retribuir, pois já voltara a
correr até seus amigos.
— Querido, você tem que experimentar esse bolo de chocolate! É uma delícia! — Uma
mulher de cabelos castanhos veio com um prato do bolo que eu havia feito. — Foi o marido do
Leonard que fez, pelo que fiquei sabendo.
— Então pode elogiá-lo agora mesmo, mãe. Oliver, essa é minha mãe, Fabray. Mãe, esse é
o Oliver, o não-ainda-mas-futuro-marido de Leonard. — Ariel disse e neguei com a cabeça.
Cumprimentei a mulher com um beijo no rosto.
— É um prazer te conhecer! E devo admitir que Leonard fez uma ótima escolha. Quando
me contaram sobre o relacionamento de vocês, não fiquei surpresa.
— Como ficaram sabendo?
— Oliver, fofoca existe em todo lugar, principalmente quando se trata do Leonard. Todo
mundo quer saber o que ele faz, simplesmente porque ninguém sabe o que ele faz.
— Eu...
— Vai assustar o Oliver assim, mãe.
— Desculpe, querido. Mas não se preocupe, pois ninguém falaria nada de ruim de você.
Algumas pessoas são sim prepotentes demais e acham que tem um rei na barriga, mas ninguém
ousaria te tratar mal. — Ela sorriu, comendo mais um pedaço de bolo e fechando os olhos em
prazer. — Você está de parabéns! Já pensou em abrir um negócio e vender essas delícias?
— É um sonho, mas ainda não tenho o dinheiro para isso.
— Se quiser, eu te ajudo como uma socia. Não sei como vou viver sem comer isso aqui de
novo.
— Se sinta à vontade para me visitar.
— E você arrumou uma amiga para a vida toda agora, Oliver. — Ariel sorriu. — Minha
mãe é conquistada pelo estômago.
— E você foi feito nele, menino. E foi muito bem alimentado, só para constar. Não te
deixei passar nenhuma vontade... Leonard! Você tem um futuro marido com mãos maravilhosas!
Se não tomar cuidado, vou roubá-lo para mim.
— Oliver é uma preciosidade mesmo. — O homem dos meus sonhos apareceu e segurou
minha mão. — Como está, Ariel?
— Bem, Leonard.
— Já terminou a faculdade?
— Esse mês foi meu último.
— Ótimo. Assim que quiser ingressar no mercado literário, fale comigo. Terei muito
prazer em te recomendar para ótimas editoras.
— Obrigado, não vou me esquecer disso. — Sorriu para mim. — Agora eu quero
experimentar esse bolo maravilhoso que Oliver fez. Com licença.
Os dois se retiraram, me deixando com aquele homem perfeitamente vestido de branco e
que me abraçava maravilhosamente forte. Seus olhos não desviavam dos meus e sabia que estava
me testando, esperando que eu não sustentasse o olhar. Então, mesmo que estivesse sentindo
meu rosto queimar, permaneci naquele joguinho. O que o fez sorrir depois de alguns segundos.
— Ainda tem que controlar o seu rubor.
— Uma coisa de cada vez, senhor. — Me beijou intensamente. — E isso foi para que?
— Por me fazer querer que diga isso em outro momento. — Sussurrou em meu ouvido.
— Leonard! — O encarei surpreso pela sua audácia. — Ainda não consigo acreditar que
fiz sexo em um banheiro.
— Essa é outra coisa que terá que se acostumar. Não vou resistir ficar no mesmo lugar que
você e não poder te tocar da forma que eu sei que gostou.
— Leonard!
— Papai! Oli! — Sophy gritou, nos chamando atenção. Ela estava apontando para a
piscina, onde Paul estava nadando com Yuri e outras crianças. Fomos até eles e a garotinha
segurou a minha mão. — Eu falei para ele não pular, porque ele ia se molhar.
— Paul, o que está fazendo, filho? — Leonard foi até a borda.
— Papai! A água está quentinha! Não vô ficar com gripe. — O loirinho respondeu
inocentemente.
— O que está acontecendo aqui, Yuri? — Samantha se aproximou, ficando ao lado do
amigo. — Meu filho, eu falei que não era para usar a piscina hoje.
— Mas, mãe...
— Amor, deixe os dois... — June também veio até nós e sorriu para mim.
— Você vai precisar tomar outro banho, querido! — A loira reclamou, chamando o filho.
E ao ver o sorriso no rosto dos dois peixinhos, soube o que estavam tramando.
Quando Paul segurou a mão do pai tentou o puxar, mas sem sucesso. Sophy também estava
participando daquela artimanha e tentou empurrá-lo. Eles não conseguiriam, nunca, puxar aquele
homem para a água, mas Leonard fazia de tudo pela felicidade dos filhos, então segurando o
braço de Samantha, fingiu se desequilibrar e levou os dois para a água.
Nossa amiga se colocou de pé rapidamente e jogou água na cara de Leonard, pois sabia
que havia feito aquilo de propósito. Porém ao escutar a risada do filho se deixou vencer pela
brincadeira e começou a fazer cócegas nele. Porém o pai dos meus dois anjinhos fingiu estar se
afogando e estendeu a mão para a filha.
— Sophy, me ajuda, por favor!
— Você está mentindo, papai!
— Cuidado, Sophy! Ele quer te jogar na piscina assim! — Bernard apareceu atrás dela e
pulou com a sobrinha na água. Só tive tempo de puxar a câmera de sua mão, antes de ela gritar
pelo tio e ambos mergulharem.
— Eu tenho certeza de que eles são os mais crianças de todos ali. — June comentou e
concordei sorrindo.
Os dois irmãos giraram os loirinhos, fazendo a água se mover como ondas e saírem pela
borda. As luzes estavam maravilhosas, a música animada deixava tudo ainda melhor. Meu
coração bateu e esquentou pelo amor que senti pelos três e o momento que eu estava vivendo.
Aquela era a minha família!
— Vem, Oli! — Paul me chamou, mas neguei com a cabeça e segurei a mão de June. —
Tenho que cuidar da madrinha de vocês.
— Isso mesmo! — June me apoiou. Ela pegou a câmera da minha mão e entregou para
Ariel, que vinha com a mãe, se divertindo com toda aquela situação. — Pode tirar uma foto
nossa?
— É claro! — Fiquei com June bem abraçada a mim, pois não teriam coragem de me
puxar e a machucar, e sorrimos para a foto.
— Prontinho! E ficou linda! — Ariel disse depois de ela ser revelada.
— Agora todo mundo pra fora da piscina! Vamos nos secar, porque já é quase Ano Novo.
— Samantha mandou.
— Vocês ouviram a madrinha de vocês. — Leonard levantou os dois e os ajudei.
— Você se salvou, Oli Oli. Mas não escapa da próxima vez! — Bernard sacodiu as mãos
em mim, me fazendo rir.
Leonard saiu da piscina e todo seu corpo estava grudado no tecido. Cada músculo estava
perfeitamente moldado e consegui ver seu peitoral quando a parte em seu torso ficou mais
transparente. Notou onde meus olhos estavam e sorriu, me beijando, me fazendo sentir sua
língua rapidamente deslizar pela minha.
— Eles estão se beijando! Eca! — Os dois irmãos riram e foram correndo para o quarto.
— Que feio, Sr. Havens! Tem que se trocar logo, senão vai ficar resfriado. — Segurei sua
mão.
— Acho que vou precisar de um banho. — Sussurrou quando passamos por seus amigos e
já subíamos a escada.
— Que bom que já é grandinho e pode fazer isso sozinho! — O recriminei e ri quando
beliscou minha cintura, me fazendo saltar para longe. — Não sei o que eu faço com você.
E então, como sempre, preparei o banho para o garotinho enquanto esperava Leonard
terminava o de Sophy. Ajudei Paul a se vestir e ele ainda ria pelo ocorrido. Adorava vê-lo feliz.
— Você tinha que ter entrado também, Oli. A água estava muito boa! Você viu o papai?
Ele ficou todo molhado quando eu puxei ele! — Levantou os braços para passar a camiseta e se
sentou na cama para eu o calçar os tênis.
— Em uma outra vez eu prometo que a gente brinca na piscina, tudo bem?
— Essa é a melhor viagem de todas! Eu tô muito feliz que você tá aqui com a gente, papai!
— Ele me abraçou e saiu correndo, não se dando conta do que havia dito.
Foi impossível para mim não deixar meus olhos marejarem. Ainda fiquei sentado,
digerindo aquilo e me sentindo a pessoa mais realizada do mundo. Aquele tipo de coisa era o que
eu mais queria. Desejava ser o pai deles, mas ver que aquele garotinho que havia me apegado,
inocentemente me via como um pai era o melhor presente que eu poderia ganhar.
Leonard entrou no quarto, secando o próprio cabelo e se aproximou de mim ao notar meus
olhos vermelhos. Se ajoelhou em minha frente, segurando minhas mãos gentilmente. O abracei o
mais forte que consegui, procurando a sensação de segurança e conforto que ele sempre me
trazia.
— O que foi, Oliver? Aconteceu alguma coisa?
— Está tudo ótimo! Eu... — Limpei meus olhos, não controlando o sorriso preso em meu
rosto. Não sabia como contar aquilo para ele. — O Paul me disse uma coisa agora, que eu não
esperava que dissesse e...
— O que foi?
— Não quero que pense o mal, por favor. — Segurei suas mãos e ele massageou as
minhas.
— Nunca faria isso.
— Ele me chamou de pai, Leonard. Ele simplesmente me chamou de pai e saiu correndo
por aquela porta. — O homem em minha frente sorriu, segurando meu rosto e me encarando com
gentileza e amor. — Eu quero fazer parte dessa família e cuidar de todos vocês!
— Você já é, Oliver. E fico feliz que Paul tenha te chamado de pai. É um sinal de que ele
te respeita e te ama. Você, como eu já te disse, é a melhor pessoa para me ajudar a criá-los e é a
melhor pessoa para eu ter do meu lado.
— Eu não sei nem o que dizer agora. Isso me pegou tão de surpresa! Parece até um sonho
que eu não quero acordar, de jeito nenhum.
— Não é um sonho! Você está aqui e não vai a lugar nenhum! — As pessoas no andar
debaixo gritaram felizes e Marrom se enfiou entre mim e Leonard. Os fogos começaram a
estourar no céu noturno, o tingindo de várias e inúmeras cores vibrantes. — Feliz Ano Novo,
Oliver!
— Feliz Ano...
— Feliz Ano Novo, papai e... papai Oli! — Sophy desejou nos abraçando. Estava com um
vestido branco e com a toalha amarrada em seu cabelo, como uma mini mocinha! Leonard a
pegou no colo, beijando sua bochecha.
— Feliz Ano Novo, meu anjo! — Também beijei, sentindo meu corpo balançar, quando
Paul me abraçou e o peguei no colo.
— Eu sou o homem mais sortudo do mundo por ter vocês três! — Leonard olhou para os
filhos e a mim.
— O senhor esqueceu do Marrom. — Paul se inclinou e pegou o gatinho.
— O Marrom também, filho. Todos são meus!
CAPÍTULO 09 – Tudo O Que Eu Preciso

Juiz... Não sabia como aquilo reverberava exatamente em minha mente, principalmente
após o Ano Novo. Depois de toda a mágica nos rodear a realidade bateu à porta, me fazendo
acordar e perceber que tudo ainda existia fora daquelas paredes, e nossa vida estava nos
esperando após aqueles dias momentos.
Um homem importante era o que Leonard era e o motivo por querer tanto que sua família
ficasse longe de quem quer que fosse, a razão daquela cisma com segurança e o porquê se
protegia em uma cidade tão isolada como Ponack. Era uma forma para que colocasse uma
barreira em sua vida, para que tudo ficasse em ordem e longe do perigo que ele corria todos os
dias de pessoas que não sabia nem mesmo o rosto.
Me arrependi por ficar bravo com ele algumas vezes e por pensar que achava o pior a meu
respeito. Depois de passarmos a virada do ano na casa de June e Samantha, voltamos para a
mansão em nossa cidade. Ele me convencera no caminho de volta a ficar em sua casa e me
contou como as coisas estavam complicadas devido a tensão dentro do tribunal internacional.
Alguns grupos extremistas estavam fazendo ameaças a todas as minorias, incluindo imigrantes,
negros e homossexuais. Principalmente por conta da eleição que se aproximava. A com um
candidato inclusivo e respeitoso como nunca houvera antes.
Havia uma investigação onde Leonard estava participando, buscando suspeitos para
lidarem com aquele problema o mais rápido possível. A eleição ocorreria naquele mesmo ano e o
principal candidato era simpatizante de todas as pessoas que sofriam pelo preconceito, assim
como seu vice-presidente, que possuía um filho gay. Eu me sentia bem em saber daquilo, pois
pela primeira vez quem eu era seria um motivo de orgulho, mesmo que eu não fosse o centro das
atenções.
— Só preciso fazer as malas e falar com o Sr. Tompson sobre a mudança. E preciso saber o
que fazer com os móveis.
— Suas coisas já estão em casa, não se preocupe com isso. — Sorriu vitorioso. — E já
encarreguei Boni de falar com você mais para a frente sobre o que fazer com o que possui.
— Como assim, Leonard? — Aumentei o tom de voz, mas logo me corrigi, pois as
crianças dormiam. — Você fez tudo sem me consultar?
— Já sabia que aceitaria morar comigo, Oliver. Depois de tudo o que aconteceu entre a
gente nesses dias, não tinha outra saída.
— Você é muito convencido, sabia? — Cruzei os braços. — E se eu tivesse negado?
— Não faria isso.
— Posso muito bem me recusar agora. Ainda sou dono do meu próprio nariz, mesmo que
você seja esse homem todo poderoso que todo mundo faz o que quer para te agradar, ok?
— Você não vai fazer isso, Oliver. Eu consigo ler os sinais que o seu corpo dá para mim.
— Segurou minha perna e me controlei para permanecer imóvel. — Está vendo? Qualquer um
teria tirado minha mão, mas ao invés de se defender, está mais preocupado em resistir o que
causo em você.
— Tem certeza de que é um juiz? Pelo que eu saiba eles são figuras de respeito e não
homens provocadores. Acho que isso tudo foi uma historinha muito bem inventada e você não
passa de um dos bandidos. — Deixei um sorriso escapar e ele beijou meu pescoço. Me encolhi
devido as cócegas que sua barba me causou.
— Eu posso muito bem ser os dois. — Senti seus lábios no canto de minha boca. — Sou
uma pessoa completamente diferente quando preciso. Depende de quem eu preciso manobrar e
coagir.
— Eu sei como é intimidador.
— Você sentia medo de mim, não é?
— Deveria perguntar quem não tem medo de você, Leonard. Todos te respeitam na cidade,
é claro, mas eles também têm medo.
— Eu tenho a maior parte dos estabelecimentos de lá, Oliver.
— Sério? Nunca pensei que seria por esse motivo. — Rimos e acariciei seu peitoral por
cima da camisa enquanto apoiava minha cabeça em seu ombro. E ficamos daquele jeito por
vários longos minutos.
Sua respiração era tão calma e o subir e descer de seu corpo acabava por me ninar. Ele era
tão grande, tanto em seu corpo como em tudo o que representava, que era quase impossível não
me sentir abaixo dele.
— Leonard? — Sussurrei, receoso com a pergunta que rodeava minha mente.
— Sim.
— O que eu sou para você?
— O homem por quem acho que estou apaixonado. — O belisquei, pois novamente estava
brincando comigo.
Após aquela viagem havia percebido o aumento de sua liberdade, completamente diferente
do homem sério que achei que fosse por completo. No entanto, aquele seu lado parecia surgir
quando se sentia completamente livre de toda a responsabilidade que carregava. E percebi se
sentir muito mais íntimo ao meu lado do que percebi ser com June. Mesmo sendo amigos de
longa data e do amor que tinham um pelo outro, não o vi fazer nenhum tipo de provocação como
fazia comigo.
— Eu estou falando sério, Leonard. — Passei um dedo entre os botões de sua camisa,
somente para fazer círculos em sua pele. Tudo o que queria era fazê-lo se sentir bem.
— Você quer que eu te peça em namoro aqui e agora? — Ouvir aquilo me deixou nervoso.
— Você seria o primeiro.
— Você já esteve com outros homens?
— Já.
— E sabe onde eles estão agora?
— Que tipo de pergunta é essa? — O olhei bem a tempo de um sorriso se formar.
— Eu preciso mandar um presente de agradecimento por não estarem mais no meu
caminho e na sua vida.
— Você é muito engraçadinho, sabia? — Voltei a me apoiar em seu ombro e acariciá-lo.
— Eu gosto de te fazer sorrir.
— Gosta de me deixar sem graça.
— Isso é um bônus. — Segurou minha mão, bem próximo de seu coração. — Você aceita?
— Ser seu namorado?
— Esse é o primeiro estágio para algo maior.
— Essa é a sua intenção?
— Desde que tive a certeza de que você sentia o mesmo que eu.
— Eu aceito, Sr. Havens. — Beijei seu pescoço.
— Você vai ser nosso papai agora? — A voz de Sophy me assustou.
— Desde quando está acordada, garotinha? — Leonard encarou a filha com um sorriso no
rosto.
— Eu escutei tudo, papai. Eu só fiquei bem quietinha. — Ela corou.
— Você é muito bisbilhoteira!
— Desculpa, papai.
— Tudo bem, meu amor. — Passou a mão nos cabelos dela. — E sobre o Oliver ser um
novo papai, por que vocês querem tanto isso?
— É que o senhor fica mais em casa quando o Oli está com você. E ele faz o senhor dar
risada. O senhor é muito sério e bravo quando o Oli não está.
— Eu não sou bravo, filha. — O mais velho retrucou.
— Você fala alto no telefone e parece que vai quebrar as coisas, igual nos desenhos.
— Ele é estressadinho, não é? — Incentivei a garota, que deixou uma risadinha escapar.
— Vocês dois já estão se juntando contra mim? — Leonard fez cócegas na garota e foi a
cena mais linda que vi. Paul acordou com a gritaria e logo ele estava sendo o alvo das cócegas
também.
— Para, papai, por favor! — Pediu, voltando a respirar em meio de risadas.
— O Oli vai ser nosso papai, Paul! — Ela disse fazendo o garotinho se acender.
— É sério? — Senti a mão de Leonard acariciar a minha e concordei. — Você não vai
embora mais? Vai ficar com a gente pra sempre? A gente vai poder brincar muito se você morar
com a gente, Oli.
— Eu vou sempre estar perto de vocês. — Acariciei seus cabelos. — Mas eu quero
perguntar uma coisa antes.
— Tá.
— O papai de vocês e eu, nós estamos juntos, como o papai e a mamãe de vocês eram
antes. Vocês querem falar alguma coisa sobre isso?
— A gente sabe, Oli. — Sophy sorriu.
— Sim! O papai disse que ama você no carro, lembra? E a gente também! — O garotinho
afirmou.
— Ele conversou com a gente quando a gente estava patinando no lago e você tinha caído.
— Sophy riu, mas logo se calou. Vi o olhar de Leonard, como se ela tivesse dito o que não
deveria.
— Pode falar, Sophy. Seu papai não vai fazer nada. — Segurei sua mão. — Pode me
contar tudo.
— Ele disse que... — Ela continuou receosa. — Ele disse que você é lindo e que ia pedir
pra você morar com a gente depois da festa.
— E quando eu disse que queria ter você pra sempre com a gente, ele disse que também
queria. — Paul acrescentou rapidamente. — Eu queria pedir pra você, mas o papai disse que era
melhor ele pedir.
— Os três estão contra mim agora? — Leonard levou as mãos para o alto exageradamente
e fez os filhos rirem. — Meus próprios filhos contando os meus segredos para o Oli. Eu vou ter
que colocar os dois de castigo.
— Você realmente quer isso, Leonard? — Observei cada detalhe que podia dele. Desde
como seus olhos pareciam sempre os de um predador, até a forma gentil que tinha ao fazer seus
filhos rirem. — Só vou dizer sim se isso for realmente o que você quiser.
— Eu te conheço, depois desse Natal, há mais de três anos, Oliver. Tenho certeza de que
não há pessoa melhor pra cuidar do coração dos meus filhos, e também do meu. Então a resposta
é sim. — Segurou meu rosto. Seu sorriso era lindo e quis fechar os olhos pela forma que
massageava minha pele. — Não quero mais viver um dia sem ter você do meu lado, do nosso
lado. É como uma família deve ser.
— Eu fico feliz em saber disso. — Olhei dele para os garotinhos.
— Então você vai ser nosso papai? — Paul questionou.
— Vou ser com uma condição.
— Qual?
— Em todo Natal vamos para aquele chalé, como a mamãe de vocês sempre fazia, tudo
bem? E vão me ensinar a patinar bem igual vocês, combinado?
— Sim! — Concordaram e depois comemoraram. Jogaram em mim todas as coisas que
fariam agora que eu era também o “papai” deles. Leonard me acariciou o rosto, deixando um
beijo rápido em meus lábios.
— Não quero ultrapassar nenhum limite. Isso tudo é novo para nós dois. E sobre ser um
pai para eles, espero que não veja como algo ruim. — Falei baixo, enquanto o abraçava.
— Você já era um pai para eles mesmo sem admitir.

A vida que imaginei que teria estava bem próxima da realidade. E saber que a partir
daquele momento, mesmo que não fosse nada certo, já tinha um “marido e dois filhos”, era
muito surreal ou impossível de acreditar. Estava me sentindo como em algum tipo de história
maluca ou livro de comédia romântica, onde aquele que não tinha nada acabava com o homem
que tinha praticamente tudo na vida. Aqueles papéis haviam sido escolhidos para Leonard e eu, e
não reclamaria com o diretor sobre a escolha do elenco.
Oliver Havens seria o meu nome, caso Leonard me pedisse em casamento? Já era possível
fazer aquilo e testemunhas não faltariam. Me questionava se aquilo era algo passageiro ou não.
Eu realmente gostava dele a ponto de ter uma família? A resposta era sim! O amava como nunca
havia amado nenhum outro homem. Porém será que a sua vida ocupada estaria pronta para me
receber? E como eu reagiria com aquele novo nível de proximidade, com toda a distância e suas
responsabilidades?
Me questionava sobre aquilo, pois após o nosso retorno, em dois dias, ele já estava
novamente em uma viagem a trabalho. As investigações estavam progredindo e mesmo ele me
escondendo algumas coisas, minha amizade com Beto me fazia ter acesso aos pedaços de
conversas que ele escutava dentro do carro. Ele tinha aprendido a lição quando comecei a ignorá-
lo e não se atrevia em me negligenciar qualquer informação. Sabia que minha amizade era muito
mais valiosa que seu emprego... Ou eu escolhia acreditar naquilo.
As crianças estavam me chamando de papai e aquilo era bom de se escutar. Estavam
sempre sorrindo para mim e até percebi que tentavam me imitar. Notei aquilo em um dia,
enquanto lia alguma coisa. Sophy sempre mordia a caneta quando eu o fazia e Paul sempre
procurava o canto do sofá para se encolher, como eu. Quando os perguntei sobre a imitação,
responderam que gostavam do meu jeito. Era divertido ter duas mini versões de mim, me
seguindo para cima e para baixo e se importando com as minhas opiniões para qualquer coisa
que desejassem fazer.
E minha vida, para todos os outros de Ponack, estava ligada ao de seu patrão. Leonard não
havia feito nenhum tipo de declaração na frente de todos ou negado qualquer ligação comigo. E
não esperava tal atitude, pois não era de seu feitio e sabia que eu não reagiria bem. Ele, a partir
do dia em que voltamos, informou a todos os funcionários que eu teria completo acesso a casa e
a tudo o que ele tinha. E para um bom entendedor, meia palavra bastava. Meu tratamento,
mesmo que já fosse mais privilegiado, se tornou ainda mais requintado e cuidadoso por todos
aqueles com quem convivi por anos como um “semelhante” e mero funcionário da família
Havens.
Boni ainda continuava com seu jeito arrogante de ser, mas depois daquele “comunicado”
pareceu se dar conta de que eu não era nenhum tipo de ameaça para aquela família. Era, na
verdade, parte dela. Ainda tinha seu olhar forte e julgador, mas também respeitoso, pois se
convencera de que minhas atitudes eram genuinamente boas. Havia sido ele quem me ajudara
com todas as senhas de convênios das crianças e outras, como o cartão de crédito para que eu
pudesse ter algum tipo de liberdade. O que eu obviamente nem me atrevi a gastar um centavo
sequer comigo.
Dormir com Leonard era uma das coisas mais maravilhosas que aquela união poderia ter
me trazido. Todas as vezes que tocava em meu corpo era como se eu não fosse mais meu para
controlar. Todos os meus movimentos eram condicionados a lhe dar prazer e agradá-lo
plenamente. Quando o sentia dentro de mim era como se meu interior recebesse a peça que
sempre lhe faltava. Era indescritível! Seu cheiro, sua mão apertando e marcando minha pele, seu
beijo impedindo os sons de saírem de minha boca. Tudo era sempre tão real, bruto e indecente ao
mesmo tempo que respeitoso, que eu não poderia me sentir melhor.
— Está pensando em que? — Patrick me pegou de surpresa encarando o nada dentro do
mercado. — Sonhando acordado comigo não é, porque fiquei sabendo de umas coisas novas
sobre a sua vida. Todo mundo na verdade.
— Patrick?! Pensei que já tinha voltado para Bisera. — O abracei, desejando Feliz Ano
Novo.
— As aulas ainda não começaram, então tô passando mais um tempo com o paizão. — Se
encostou na prateleira, cruzando os braços enormes. — Eu até te procurei, mas ele disse que
estava morando com o cara lá. Então nem me atrevi a dar uma de louco e tentar te sequestrar pra
mim.
— Leonard é o nome dele. — Voltei a encher o carrinho. — E eu não sou uma coisa para
se pegar, ok?
— Então é verdade? Vocês estão juntos mesmo? As pessoas estão falando, mas escutar de
você vai fazer tudo ser real mesmo.
— De onde você tirou isso, Patrick? — Não sabia o que responder, pois não sabia se
causaria algum problema a Leonard. Sabia que aquele homem sem vergonha em minha frente
não me faria nenhum mal, mas eu não havia falado com ninguém sobre minha vida pessoal. Era
algo implícito para todos.
— Oli, vamos lá, né? Assim você me tira de burro! Tá todo mundo te olhando como se
você fosse o novo marido dele. — Olhei em volta e algumas pessoas disfarçaram. Aquilo me
deixou incomodado, porque pareciam ter medo de mim. Eram as mesmas pessoas que sorriam
para mim sempre que as via na rua.
— E o que você quer que eu fale? E por que isso te interessa tanto? Eu só ajudei minha
irmã com algumas emergências familiares e estou sem dinheiro para pagar o aluguel.
— Ela está bem? — Me encarou. — Você nunca falou muito da sua família, então...
Desculpa se eu falei alguma coisa errada, tá?
— Ela está bem. Não é nenhuma doença, só precisa se desenrolar. — Sorri, me sentindo
mal por mentir, mas aliviado por ele não querer mais tocar naquele assunto que eu não tinha uma
resposta aceitável para dar. Então voltei a andar com ele do meu lado.
— Se quiser eu posso falar com meu pai e ele te deixa alguns meses sem pagar. Se bem
que é capaz de ele te dar o apartamento.
— Eu amo o seu pai, mas não precisa de tanto. E eu já conversei com ele sobre isso. —
Dei um tapinha em seu rosto. — E não é como se eu fosse me mudar de cidade. Ainda vou
continuar por aqui, fazendo compras nesse mesmo mercado e sendo o filho que você não é pra
ele. O mesmo Oliver de sempre.
— Eu sabia que você queria roubar meu lugar! — Me abraçou. — E já que você não está
com o poderoso chefão, você bem que podia jantar comigo antes de eu ir e quem sabe...
— Nem termina essa frase, Patrick. — Me afastei. — Você é um ótimo amigo e vai
continuar sendo só isso. Sabe que a gente não daria certo nesse sentido, mesmo eu sendo um
ótimo pretendente.
— Tá fugindo de mim, Oli?
— Estou te mantendo no seu lugar. — Vi o sorriso malicioso em seu rosto. Dei um último
abraço nele, me despedindo. — Fica bem, Patrick. E tenta não acabar com a sua vida nessas
festas loucas que a gente vê por aí, ok? Seu pai é muito novo para fazer o velório do filho.
— Me visita algum dia?
— Vou pensar no seu caso. — Virei o corredor em direção ao caixa.
Ele tinha razão. As pessoas, principalmente as que trabalhavam em Ponack, me olhavam
diferente. Começaram a me tratar como se eu fosse algum tipo de bomba. Tudo por conta de
Leonard. Obviamente não sabiam de nossa relação ou da real profissão dele, o que colocaria
ainda mais um título de homem importante em seu peito. Porém eu sabia que o seu dinheiro era
usado para controlar tudo a sua volta e influenciava as atitudes de cada cidadão.
Estava dentro do carro, com meu próprio motorista e segurança permanente, Jay, quando
pesquisei o nome de Leonard na internet. Fazia tempo que não fazia aquilo e então pude ver
como ele estava muito mais presente em algumas reportagens nos últimos dias. Principalmente
por declarar seu apoio ao novo candidato à presidência. Ele sempre estava sério nas fotos e em
algumas até mesmo Beto aparecia, de óculos escuros, fazendo a guarda do seu patrão. Mandei
para ele algumas das fotos, o que ele respondeu logo em seguida com umas risadas e se
elogiando.
Também mandei umas para Leonard, mas esse não me respondeu. E muito menos sabia se
havia visualizado, pois seu celular não estava habilitado para tal. Percebi que não havia
conversado muito com ele desde que tinha viajado. E me peguei com uma vontade enorme de o
ter comigo. Sentia saudade de seu toque, sua presença e de todas as formas que me fazia sentir
somente por estar perto de mim.
— Podemos passar um pouco na praia, Jay? Preciso comprar uma coisa.
— Claro. — Ele respondeu, mudando o caminho.
Fui em uma das lojas que vendiam algumas peças de decoração e comprei uma série de
pulseiras de conchas em vários tons diferentes. Aquele seria meu presente para Maya. Quando
éramos pequenos, enquanto eu adorava ficar nos parques tirando fotos de borboletas, ela sempre
gostava de ficar na praia pegando conchas para depois fazer pulseiras. Esperava que ainda
gostasse da lembrança.
Quando voltei, Paul e Sophy não haviam chegado da aula de natação, o que me deu tempo
para arrumar minhas malas e as deles. Ficariam na casa de June e Samantha enquanto eu iria ao
casamento de minha irmã. Não queriam ficar com Boni, mesmo ele se tornando muito mais
amigável.
Não sabia se Leonard havia conversado com ele sobre nós, mas também não era preciso.
Talvez, finalmente, pudéssemos deixar todo o nosso passado conturbado para trás. E para falar a
verdade, ele até que não era um homem ruim. Só havia errado na forma como havia agido para
tentar proteger aquela família.
Na cozinha, comecei a preparar alguns lanches para que viajássemos no outro dia e Boni
apareceu para me ajudar, ou supervisionar. Não sabia muito bem qual era sua função agora que
eu era “parte” da família, mas sabia que controlava toda a casa e cuidava para que nada saísse do
lugar, mesmo que fosse uma porta aberta.
— As crianças logo devem chegar.
— Tudo bem, Ulrich. — Falei seu nome e recebi seu olhar reprovador. — Você tem que
me deixar te chamar de Ulrich. É um nome muito bonito, sabia?
— Prefiro que me chame de Boni, Sr. Oliver. E Isso chegou para você. — Me entregou um
envelope. Quando o abri, vi o convite de Maya e Brent. — Entregaram quando estava com o Sr.
Havens em viagem. Um segurança, novo no trabalho, recebeu, mas esqueceu de avisar. Peço
desculpas por isso.
— Não tem problema, ela me ligou pra avisar também. — Encarei o papel em minha mão
e imaginei se minha mãe estaria lá e como seria nosso encontro.
— Está bem, Sr. Oliver?
— Só Oliver, Boni. E eu estou sim. — Peguei um dos sanduíches e dei para ele. — É só
algumas coisas envolvendo a minha família.
— Você não fala muito sobre eles. Algum problema?
— Se eu te contasse, voltaria a pensar que eu sou um interesseiro.
— Isso não voltará a acontecer.
— Fico mais tranquilo então. — O vi mastigar o sanduíche. — É um assunto que eu não
quero falar. Não é algo que vai agregar em nada na minha vida ou de qualquer um. Perdi minha
família quando meu pai morreu. Pelo menos até agora, com esse convite da minha irmã. Ela
parece ter sido uma “vítima”.
— Tudo bem. — Mastigou mais um pouco, tomando um gole do café que havia lhe
servido. — Estão deliciosos.
— Fiz mais deles e coloquei na geladeira se quiser. Não sei quando Leonard volta, então
deixei algumas coisas para ele esquentar depois. Acho que duram uma semana. E tem bolo
também. Fiz para você, já que gosta de abacaxi.
— Não precisa me agradar, Sr. Oliver.
— Eu sei, mas eu quero. Quero conquistar o seu coração difícil. — Ele deu um sorriso
discreto e foi o suficiente para mim. Mais um degrau naquela escada íngreme de nossa amizade.
— Se me permite perguntar, Sr. Oliver, percebi que Paul e Sophy estão te chamando de pai
agora. Isso quer dizer que algo mais sério vai surgir do relacionamento entre você e o Sr.
Havens.
— Isso é novo para mim também. — Cobri minhas mãos com a manga da camisa. — Eles
insistiram com isso e depois que Leonard e eu... Ele te contou, não é?
— Somente o que comunicou para todos os outros funcionários.
— Nada mais?
— Você diz sobre vocês estarem juntos e namorando? — Se serviu de mais café. — Não
comentou nada e não é necessário.
— Entendo...
— Por que a pergunta?
— É que as pessoas estão falando sobre nós dois. Estão me olhando diferente agora. Eles
devem saber que estamos juntos. — Me sentei em sua frente. — E não sei se Leonard quer que
saibam e não quero que fiquem falando besteiras. Depois que me contou sobre o que faz, talvez o
que a gente tenha... Eu não sei! Acha que ele pode se prejudicar por ter um relacionamento
comigo? Sabe, por ser um relacionamento gay? Não sei como funciona esse mundo e ele não
conversa muito do próprio trabalho.
— Está mesmo perguntando a minha opinião sobre o relacionamento do meu patrão com
você? — Tomou mais um gole. Aquele homem era astuto demais.
— Boni, você é o único que eu tenho para conversar aqui. — Esfreguei meus olhos,
desmanchando qualquer lágrima de nervosismo. — Eu, literalmente, não tenho mais ninguém
aqui. Você é o único que eu posso falar sobre as minhas dúvidas.
— Então é melhor não conversar com ninguém. — Mordeu mais um pedaço do sanduíche.
— Grosso! — Então ele sorriu. — Boni! O que vocês têm nessa casa? Todo mundo tem
um senso de humor muito esquisito.
— Você se ofende muito fácil, Sr. Oliver. É ingênuo demais para sua idade e é engraçado
ver como reage.
— Me chamou de velho e lerdo de uma só vez. Muito obrigado...
— Não é para tanto, menino. — Terminou o café. — Mas já que me perguntou sobre esse
relacionamento, baseado na personalidade do patrão, posso dizer que ele não se importará em te
assumir, se esse for o seu medo. Os tempos mudaram. E com todo o apoio que ele dá e recebe do
futuro presidente e vice-presidente, e tudo o que a campanha defende, esse relacionamento seria
muito benéfico.
— Ele conhece os candidatos?
— São amigos de longa data. Se não me falha a memória, estudaram juntos na faculdade.
— Isso é sério? — O questionei novamente.
— Sim, senhor. Seu relacionamento será muito bem-visto se vier a público.
— Então eu só estou aqui para uma possível jogada de marketing? — Pensei alto e recebi
um tapa na mão daquele velho. — O que foi isso?
— Preste atenção no que fala! Principalmente no que pensa. — Me corrigiu seriamente. —
O Sr. Leonard não é um homem mesquinho e nunca faria algo assim. Ainda mais com quem
ama. É honrado, então não pense que usaria alguém para algo tão fútil. Ele preza pela família e o
respeito. Por conta disso chegou e conquistou tudo o que tem.
— Desculpa. — Quis chorar e coloquei a mão nos olhos para conter inutilmente as
lágrimas. — É só que eu tenho tanto medo de fazer alguma coisa errada. Não tenho mais
ninguém no mundo, Boni. A minha mãe me odeia por eu ser quem eu sou, não sei o que acontece
com minha irmã e toda a minha família finge que eu não existo. Aqui é onde me sinto bem e amo
estar. Eu tenho uma família agora e não quero que isso acabe, porque eu não tenho mais ninguém
pra contar.
Comecei a chorar e tudo o que reprimi durante os três anos em que estava lá, todas as
inseguranças vieram como uma avalanche completamente do nada. Me senti sozinho por muito
tempo, mas estar com Leonard, as crianças e até Boni, me fazia sentir parte de algo. Como se não
precisasse mais me manter forte ou lutar sozinho. O que eu mais queria era ter alguém para
segurar a minha mão e dizer que tudo ficaria bem.
— Vamos, pare de chorar, Sr. Oliver. — Boni tentou me abraçar completamente sem jeito.
— Eu não sei o que fazer. Vamos, chega! Vai ficar tudo bem.
— Agora vai pensar que eu sou chorão!
— Era de se esperar. Anda, você é mais que isso! — Limpei meu rosto e sorri em meio ao
choro.
— Eu só não quero que tudo acabe.
— Por que esse chororô? — Bernard apareceu na cozinha, me assustando, assim como
Boni.
— Ele ficou emotivo, Sr. Bernard. Com medo de ficar sozinho. — O senhor respondeu.
— Eu tô aqui agora, Oli Oli. — Meu cunhado se aproximou e me puxou para seus braços.
— E pra você se sentir melhor ainda, Leonard me pediu pra te acompanhar no casamento da sua
irmã. Olha que notícia boa!
— O que? Mas...
— Ok, ele não me pediu. Eu meio que me intrometi na conversa dele com a June e cá
estou. Sei que você queria o chato do meu irmão, mas você conseguiu o melhor... Euzinho!
— Muito obrigado, Bernard, mas...
— De nada! Vai ser um prazer! Depois você me agradece me fazendo um bolo enorme.
Mas vai ter que cozinhar usando um uniforme bem sexy. — Eu ia reclamar, porém ele começou
a rir. — Isso nunca perde a graça! Eu vou tomar um banho e depois cair na cama. A gente vai
bem cedinho amanhã.
— Bernard...
— Como vai, Boni? — Passou pelo mordomo e o cumprimentou com um aperto de mão e
um abraço.
— Muito bem, Sr. Havens.
— “Sr. Havens”? Virei o Leonard agora? — Bernard reclamou e sumiu pela casa.
— Eu não acredito nisso.
— Se o seu medo era ficar sozinho, já não precisa mais se preocupar. Mesmo que não seja
a companhia que esperava.
— Acho que era melhor pedir para você ir comigo. Pelo menos saberia como ia se
comportar.
— Para sua infelicidade, e o meu conforto, tenho responsabilidades aqui. — Colocou a
xícara na pia e foi em direção a porta. — Tenha uma boa viagem, Sr. Oliver.
E foi com a certeza de que tudo sairia do controle que me deitei naquela noite e fui o
caminho inteiro até Taryno me forçando a dormir com diversos chás de camomila. Por sorte
Bernard estava mais preocupado em ficar quieto do que conversar comigo. Estava com uma
ressaca horrível, pois ficou bebendo com Boni a noite inteira e jogando algum jogo de cartas
com os outros seguranças.
As crianças ficaram com suas madrinhas e me arrumei na casa delas, tentando ficar o mais
apresentável possível. Não queria que minha família me visse malvestido e pensassem que meu
futuro tinha sido uma merda, como sempre acharam que seria. E meu cunhado, bem... ele era
lindo até vestindo um saco de batata rasgado. E até seria melhor ele vestir um, pois a atenção não
seria voltada a mim. No fim, aceitei que seria ótimo tê-lo do meu lado. Era um homem de tirar o
folego de qualquer um, eu incluso, mesmo só tendo olhos para Leonard.
E falando nele, nenhuma ligação havia sido feita. Não nos falamos em nenhum momento
nos últimos dias e aquilo havia me deixado preocupado. Não com sua segurança, mas sim por
talvez minha mudança ter sido cedo demais.
Perguntei sobre ele para minhas mais novas amigas e me tranquilizaram dizendo que ele
era daquela forma quando seu trabalho estivesse em questão. E que não havia nada para me
preocupar, pois a distância não era minha culpa, e sim devido ao gênio trabalhador que meu
namorado possuía. Então preferi dar ouvidos a elas do que as minhas paranoias.
Quando paramos em frente a grande catedral onde minha irmã se casaria, foi impossível
não sorrir. Ela realmente havia fisgado um homem rico, como sempre disse que faria, mesmo
que em nossas brincadeiras inocentes quando mais jovens. Sua vida estava garantida para todo o
sempre e só esperava que realmente gostasse dele como me falara em nossa ligação antes do
Natal.
Alguns fotógrafos pediram uma foto minha e de Bernard para deixarem em registro e me
senti incomodado. Queria entrar, me sentar bem lá atrás e ficar bem neutro no meio das pessoas.
Encontraria com minha irmã assim que possível, escutaria o que tinha para me dizer, e se tudo
desse certo, não teria nenhum inconveniente. No entanto, Bernard estava lá para se exibir e me
puxou para perto de si para as fotos.
— Vou pedir e mandar para meu irmão. Pra ele ver que está sendo muito bem cuidado por
esse partidão aqui.
— Bernard!
Era difícil ser como uma sombra com ele. Todos o olhavam como se fosse algum tipo de
celebridade, mesmo que não soubessem nem mesmo seu nome. Ele passava importância, algo
que estava no DNA Havens. Mas me surpreendi quando alguns convidados se aproximaram para
o cumprimentar. Quando perguntavam quem eu era sempre me continha ao responder que era
um conhecido da noiva. Eles não tinham mais tanto interesse em mim após aquilo.
Indiquei onde me sentaria ao meu cunhado e fiquei o mais quieto possível. Minhas mãos
suavam e eu tremia demais. Parecia que algum tipo de ataque de ansiedade estava prestes a tomar
conta de mim. Me forcei a controlar minha respiração, porém aquilo de nada adiantou. Somente
se intensificou ao ver minha mãe entrar com seu marido nojento.
Me encolhi ainda mais em meu banco para que não me vissem. Ela não seria uma das
madrinhas e pelo visto não estava em posição de destaque na cerimônia, pois se sentou em um
dos primeiros bancos e lá ficou até que tudo começou. Alguns convidados a cumprimentavam,
mas depois logo faziam uma careta, o que me deixou mais aliviado, indicando que não gostavam
daquela mulher tanto quanto eu.
Maya estava linda e parecia uma princesa prestes a ser coroada como rainha. E Brent, seu
marido, era o sinônimo de perfeição. Ambos eram o casal mais lindo e estonteante de todo o
local e pude ver que minha irmã estava realmente feliz ao seu lado. A conhecia o suficiente para
dizer quando fingia algo, pois eu fazia o mesmo. E ao lado daquele homem, para quem dedicava
seus votos, não senti um pingo de interesse. Tinha até a mesma mania de sorrir e deitar a cabeça
em direção ao ombro esquerdo.
Bernard olhava o celular e não estava com o ar leve e cafajeste de sempre. Algo que lera o
deixou preocupado e consequentemente a mim. Tentei olhar o que havia no aparelho, mas ele o
desligou. E não pegaria o meu por vergonha e medo de ser recriminado por qualquer um por
atrapalhar a cerimônia. Meu cunhado olhou para trás, como se quisesse ver algo pelas grandes
janelas, mas logo voltou a sua posição.
— O que foi?
— Leonard está vindo para cá. — Respondeu e meu estômago se retorceu.
— Aconteceu alguma coisa? Ele não estava trabalhando ou devia estar em Ponack?
— Ele já estava vindo para cá antes. Vamos dizer que eu estou de segurança e
acompanhante até ele chegar. O voo dele aterrissou umas duas horas atrás.
— E não pensou que seria uma boa ideia me avisar?
— Sabe como o meu irmão é.
— E por que ele não me avisou? Eu tentei ligar várias vezes. — Minhas mãos estavam
geladas. — Está tudo bem, não é?
— Está sim, Oli Oli. — Sorriu, mas eu sabia que tinha algo mais.
— O que você não está me contando, Bernard?
— Pode ser que a minha presença tenha chamado atenção demais para você.
— Como assim?
— Tem alguns paparazzis do lado de fora. — Me mostrou o celular e vi uma foto minha e
dele abraçados na porta da igreja. Não havia percebido ninguém nos seguindo e aquilo me
deixou ainda mais nervoso. Era aquela a atenção que Leonard tanto tinha medo de me
prejudicar? — Se acalma, Oliver. Não é nada para se preocupar. É só uma foto e não vai
acontecer nada de mais, ok? Vamos curtir o casamento da sua irmã.
O “pode beijar a noiva” foi ouvido, seguido de uma salva de palmas. Sentia a mão de
Bernard na minha, tentando me acalmar, mas não estava surtindo muito efeito. E para me ajudar,
Maya havia me visto, vindo em minha direção, saindo de seu caminho pelo tapete até a saída e
trazendo consigo o olhar de todos. Ela me abraçou ao mesmo momento que várias fotos foram
feitas.
— Você veio! — Ela comemorou com um sorriso enorme. — Eu estou tão feliz, Oli! Eu
tenho que ir agora, mas eu te vejo daqui a pouco. Não vai embora!
— Não vou... — Não consegui responder antes dela seguir seu caminho.
— Não deixa a foto atrapalhar isso.
— Eu... acho que não quero ir mais para essa festa. Depois eu converso com Maya quando
estiver com mais calma e sem alguém me perseguindo.
— Ninguém está te perseguindo, Oli...
— Não mente pra mim, Bernard!
— Tá tudo bem! Vamos esperar Leonard aqui. Ele já deve estar chegando. — Bernard
olhou em volta e me sentei, pensando no que fazer.
O que estava acontecendo? Peguei meu celular e pesquisei meu nome, e foi quando senti
minha garganta travar. Várias frases como: “Leonard e Oliver? O Juiz e Quem?”, “Quem será
Oliver Poyi?”, “Leonard Havens, principal apoiador e amigo de longa data dos candidatos à
presidência de Varpato, está em um relacionamento com outro homem. Índices disparam e
aumentaram a chance de o partido vencer!”.
Encarava aquelas e outras coisas não tão neutras sobre mim. Tudo o que queria fazer era
me esconder. Preferiria não ter saído de casa. Queria ficar preso dentro daqueles muros, pois lá
eu não estaria tão exposto como estava. Me sentia violado com tudo o que falavam e seria uma
questão de tempo para minha mãe ficar sabendo.
E falando no monstro, ela vinha em minha direção, agora que a igreja estava mais vazia,
com Bill ao seu lado. Ele estava tão mais nojento do que me lembrava. A encarei e vi a
expressão superior que tinha sempre que se dirigia a mim. Percebi ali que não nutria nenhum tipo
de sentimento bom em relação a ela.
— Eu não sabia que Maya tinha te convidado, Oliver. — Disse, encarando Bernard com
curiosidade. — Você é o...
— Cunhado. A senhora deve ser a avó do Oli? Consigo ver algumas semelhanças. —
Bernard falou tão rápido que a deixou sem palavras. Era ela quem estava acostumada a atacar
antes.
— Eu sou a mãe dele, Sr. Havens. Fico surpresa de ver você aqui e não seu irmão. — Ela o
conhecia então e já sabia de todo aquele circo. —Afinal, é ele em quem meu filho está apoiado.
— “Apoiado”?
— Exatamente! É óbvio que não conhecem Oliver. — Foi a vez do nojento falar. — Posso
muito bem dizer que tipo de gente ele é e o que fez para pedirmos para seguir seu rumo. Não é
nenhum santo como ele deve ter feito parecer!
— Acho que já sei que tipo de pessoa ele é e o tipo que vocês são. — Bernard e eu
olhamos para a porta e vimos Leonard entrar. Ele estava lindo. Sua aparência séria somente
agregava a sua presença. Ele sorriu para mim, o que eu retribuí.
— Como você está, Oliver? — Me perguntou, sentindo seu braço passar em minhas costas.
— Só quero ir embora.
— Vocês não sabem como ele é. — Minha mãe disse, motivada a continuar com o ataque
sem sentido.
— Acredito que tenha provas para acusar Oliver do que quer que saia da sua boca. —
Leonard assustou os dois.
— Vossa Excelência, é um prazer te conhecer. — A voz dela se tornou muito mais amável
ao conversar com meu namorado. Ela era fissurada no mundo da lei, mesmo que não soubesse
recitar uma lei sequer sem se tornar culpada pela mesma. — Eu só gostaria de contar tudo sobre
Oliver. Ele tem uma tendência a esconder certas coisas e não acho que contou a verdade sobre o
que o fez fugir de casa.
— Eu fugi de casa? Eu fui expulso! Você realmente acredita no que sai da sua boca? — A
questionei, sentindo minha raiva se intensificar. — Vai mentir sobre como eu tentei seduzir esse
nojento do seu lado?
— Olhe como fala, seu via...
— Termine a frase! — Leonard ordenou. Sua voz saiu tão grave e forte que me
surpreendeu. Ele estava perigosamente irritado. Parecia maior e quis o abraçar e beijar por me
fazer tão protegido e seguro ao seu lado.
— Sr. Havens, eu... — Bill gaguejou ao tentar falar.
— Você o que? — Leonard sacodiu o corpo do nojento pelo terno, o desequilibrando por
um momento. — Não pense que eu não arrebentaria sua cara agora mesmo, só por ser quem eu
sou.
— Ele não quis te ofender, Vossa Excelência! — Minha mãe interveio receosa. — A nossa
intenção só é...
— A pior possível, pelo que parece! — Bernard concluiu a frase.
— Eu espero não ouvir a voz de nenhum dos dois novamente. Se eu desconfiar que Oliver
sofreu alguma ameaça ou agressão por parte de vocês, garanto que será a última coisa que farão
na vida. Fui claro? — Eles concordaram. — Ótimo.
Leonard segurou minha mão e foi impossível não me aconchegar em seu corpo, como o
porto seguro que era para mim. Vê-lo me defender fez com que todas as minhas teimosas
inseguranças sumissem. Ele não parecia se incomodar em deixar todos saberem de nosso
relacionamento. Assim como não se importou com as fotos que foram tiradas pelos paparazzis
do lado de fora da igreja.
Entramos no carro e logo senti seu beijo calmo, mas decidido. Ele sabia o que fazia ao me
ter em seu poder. Me olhou por alguns segundos, acariciando meu rosto. Eu poderia ficar
daquela forma para o resto de minha vida. O tempo poderia parar, pois não poderia me sentir
mais amparado. Leonard sempre era o suficiente para mim.
— Como você está?
— Não sei te responder, mas estou melhor com você aqui. —
— O que quer fazer agora?
— Acho que tenho que falar com minha irmã. Não quero estragar o dia dela e...
— Seria bom, Oli Oli. — Bernard me encorajou.
— Eu vi as reportagens, Leonard. — Ele encarava o lado de fora, enquanto o carro passava
pelas ruas deixando qualquer indício de que alguém nos perseguia para trás. — Não quero te
causar nenhum problema...
— Não se preocupe com isso. Eu cuido de tudo. — Sorriu rapidamente, apertando meu
lábio inferior. — Tem certeza de que está bem?
— Não, mas eu preciso falar com Maya antes de minha mãe colocar qualquer mentira na
cabeça dela.
E ao chegarmos na festa, minha irmã estava radiante com tudo o que acontecia. No
entanto, devido ao meu relacionamento com Leonard, vários repórteres atrapalhavam a entrada
de muitos convidados. Era horrível aquela situação e esperava que aquela não fosse a minha
realidade para sempre.
— Eu fiquei tão feliz que você veio, Oli! — Ela me abraçou. — Esse é o Brent! Brent,
esse é o meu irmão, Oliver. Falei dele para você.
— É um prazer, Oliver.
— É todo meu. — Encarei minha irmã. — Será que podemos conversar um pouco. Não
vou demorar.
— É claro.
Fomos a uma das mesas mais afastadas, enquanto Leonard e Bernard ficaram conversando
com Brent. Não sabia muito bem o que dizer para Maya, mas esperei ela tomar a atitude de
começar aquela conversa que a muito tempo deveria acontecer. Ela sorriu sem graça, mas
respirou fundo e segurou minha mão.
— Eu sei que não fui a melhor irmã do mundo pra você e que devia ter te procurado antes,
mas...
— Nossa mãe.
— Você sabe como ela é. Não sei como eu pude ter sido tão idiota de acreditar em todas as
mentiras que ela contava sobre você. E ainda mais na que não era você quem estava pagando
pelos meus estudos. — Ela sorriu. — Mesmo longe, e tendo todos os motivos pra me odiar, você
ainda me ajudou.
— Eu prometi ao nosso pai. E eu me importo com você.
— Não teve um dia que eu não senti saudade de nós dois juntos. Dentro de mim eu sabia
que o que eles me contavam era mentira, mas eu tinha tanto medo... Eu não teria tido a mesma
chance que você. Você sempre foi o mais inteligente.
— Maya? — Um homem de terno e prancheta a chamou e ela pediu para ele esperar.
— Não quero te atrapalhar, mas assim que você voltar da lua de mel, conversamos melhor.
— Espera, você não vai ficar?
— Tem algumas coisas acontecendo, mas eu queria vir aqui e te dizer que te amo. Sempre
te amei. E que não acredite no que quer que nossa mãe te conte.
— Eu também te amo, Oli. Mas está tudo bem? Eu posso falar com o Brent. A família dele
é bem influente e...
— Não é nada sério, Maya. É mais envolvendo o meu relacionamento, vamos dizer assim.
— Você e qual dos dois bonitões ali?
— O mais sério. — Olhamos para Leonard e suspirei. — Ele é diferente de qualquer
homem que já conheci.
— E eu espero que você seja feliz do lado dele, maninho.
— Levanta! Quero te dar um abraço apertado! — E assim fizemos. — Eu te desejo tudo do
mais maravilhoso que o mundo possa te dar.
— E eu te desejo tudo em dobro, Oli.
— Estava quase me esquecendo. — Tirei do bolso o pequeno embrulho.
— O que é...? — Ela abriu e viu o colar de conchas. Seus olhos marejaram, assim como os
meus. — Você lembra?
— É claro que sim.
— Eu não sei o que te dizer, Oli.
— Não é muito, mas...
— É perfeito! Melhor do que tudo o que já ganhei! — Me abraçou novamente. — Papai
teria muito orgulho de quem você se tornou.
— Teria orgulho de nós dois!

Nos despedimos e estávamos saindo do salão, muito antes do esperado, quando os


seguranças de Leonard fizeram um muro de proteção. Quando estava prestes a fechar a porta,
alguém jogou algo dentro do carro. De início Bernard pegou o envelope e entregou para seu
irmão com um olhar que me fez gelar.
— O que é, Leonard? — Perguntei, tentando ler o que estava no papel.
— Oliver, eu sinto muito. — Ele começou, mas recebi uma mensagem de Patrick e uma
foto de uma multidão em frente a doceria. Ele dizia que todos estavam perguntando sobre mim e
que não era para eu aparecer por lá, para evitar algum incidente.
— Estão na loja do Sr. Tompson e perguntando de mim. O que está acontecendo? — Um
tremor começou a atingir meu corpo. Leonard pediu para que fôssemos para a casa de June e
Samantha.
— Nada vai acontecer com você, tudo bem? — Segurou meu rosto.
— Deixa eu ver. Me dá! — Peguei o envelope e olhei as fotos que nele havia.
Eram minhas. Eu estava em todas e quem quer que fosse estava muito perto de mim. Numa
delas havia uma mão esticada, bem próxima a minha cabeça e um arrepio horrível me atingiu. Eu
estava em perigo? Não vi ninguém se aproximar tanto de mim e não era possível que Jay não
tivesse visto, já que sempre esteve comigo o tempo todo. O medo tomou conta dos meus
pensamentos e tudo o que eu queria era gritar e me trancar em meu quarto. Queria que aquilo não
passasse de um pesadelo e que aquela sensação agoniante me deixasse.
Aquilo era algum tipo de ameaça contra a minha vida? Por que alguém faria aquilo
comigo, sendo que não era ninguém importante? Não tinha nada com os negócios de Leonard e
não sabia de nada sobre sua vida profissional. Somente estava em um relacionamento com ele e
não entendia como poderiam usar aquilo como algo ruim. Eu, literalmente, era um ninguém, sem
poder algum, para quem quer que fosse.
— Eles estão tentando te atingir, irmão. E estão usando o Oli para isso.
— Oliver? — Escutei sua voz grossa e calma. — Olha para mim.
— Eu... Eu estou com medo, Leonard. — Senti as lágrimas descerem pelo meu rosto. —
Não vi ninguém me seguindo... E se eles...
— Nada vai te acontecer, me ouviu? — Beijou minha testa e me abraçou. — Vou resolver
isso o mais rápido possível. Vou cuidar de você.
— Mas e se forem atrás de você, Leonard? Isso tudo é por causa da eleição? Era sobre
esses ataques que você queria dizer antes? Se alguma coisa te acontecer por minha causa, eu não
sei o que eu faço. Eu...
— Não se preocupe comigo. A única coisa que vou me certificar é de que nada te aconteça.
Esses desgraçados não vão encostar em você e nem em ninguém! — Senti seus braços me
apertarem, acalmando meus tremores.
— Você precisa arrumar um outro lugar pra morar. A mansão é bem protegida, mas
qualquer um pode ir até ela. — Bernard comentou olhando as mensagens do celular. — Todo
mundo tem um alvo na cabeça agora.
— O que? — Senti medo não só por mim, mas por todos que estivessem ligados a mim.
— Péssima escolha de palavras. Desculpa.
— Eles não iriam atrás das crianças ou de nossos amigos, iriam?
— O foco parece ser você. Estão tentando o atingir através de você.
— Mas e se...
— Vou reforçar a segurança e pedir pra que fiquem de olho na sua família. — Leonard
pegou o celular que tocava. — Mesmo que não sejam próximos, podem usar isso contra todos
nós. Não vou arriscar a segurança de ninguém.
— Vocês têm que se mudar, irmão. Não podem mais ficar naquela mansão, tão longe de
todo mundo. Eu não quero poder não fazer nada e demorar horas pra chegar lá se precisarem de
mim pra qualquer coisa.
— Vou me preocupar com isso depois, Bernard. Primeiro tenho que resolver o problema
com as reportagens e falar com William e Tessi sobre essa campanha. Não quero que usem
Oliver.
— Já usaram. — Comentei, olhando o lado de fora.
— E qualquer um que continuar usando, vai responder legalmente por isso. — Retrucou,
dando ordens para o motorista e depois ligando para alguém no telefone. Até tentei entender
sobre o que falava, mas minha cabeça vagou para longe, como uma forma de entender e me
proteger daquela situação que vivia.
Mais uma vez minha família era, possivelmente, o campo de batalha para ser minha ruína.
Duvidava que Maya fosse falar algo de mim, pois teria uma nova vida para se preocupar. E
depois de nossa conversa tinha certeza de que não nutria nada negativo quanto a mim. Com
sorte, logo estaria em lua de mel. Sendo assim, o único problema seria minha mãe. Apostaria
minha vida de que faria de tudo para usar aquela confusão a seu favor.
Não consegui identificar de início com quem Leonard falava, mas quando disse o nome de
nosso futuro presidente, vi como tudo estava em um patamar muito maior. Se todo aquele
assunto havia chegado aos ouvidos do homem que comandaria um dos países mais poderosos do
mundo, eu estava bem encrencado.
A conversa se estendeu durante toda a viagem até a casa de nossas amigas. Elas já estavam
sabendo de tudo pelos sites de notícias, mas nada sobre as fotos ou aquela ameaça velada. Para o
mundo a fora, somente viam as reportagens sobre meu possível envolvimento com Leonard, mas
para quem fazia parte daquele jogo de influências, tudo avançava perigosamente e com o elo
mais fraco, esse sendo eu, no meio de tudo.
Fui direto para o quarto, enquanto os dois irmãos ainda estavam no telefone falando com
quem quer que fosse para tentar resolver aquilo. Peguei minhas roupas e tomei um banho,
tentando assimilar tudo e não surtar como tinha o costume. Respirei fundo várias vezes até não
aguentar mais sentir a água quente em minha pele. Me vesti e me deitei, olhando pela janela
enorme a noite estrelada.
Leonard entrou e pelo visto tinha tomado banho também, pois havia trocado de roupa,
ainda que social. E quando se colocou atrás de mim, me aconchegando em seus braços, senti o
cheiro de seu perfume. Seus lábios tocaram meu pescoço gentilmente e foi o suficiente para me
arrepiar.
— Me desculpa. — Cortei o silêncio.
— Isso não é sua culpa, Oliver. — Me acomodei em seu colo e comecei a acariciar seu
torso, como ele fazia para se acalmar, uma mania que havia reparado. — Vamos nos mudar e...
— Vamos deixar Ponack?
— Bernard tem razão. A cidade é muito afastada e não quero ter que ficar longe de você.
— Para onde vamos?
— Em uma casa própria do conselho de segurança até tudo estiver pronto na nossa.
— Nossa? Isso quer dizer que você já queria se mudar?
— Quando falei que arrumaria mais tempo para ficar com você, não estava mentindo.
— Mas se mudar?
— Isso aconteceria uma hora ou outra, Oliver.
— Você...
— Oliver, vou fazer de tudo para nada te acontecer.
— Eu sei Leonard! Só não quero que você se machuque e muito menos as crianças.
— Queria ter te avisado em uma situação melhor.
— Isso é muito para engolir, mas não iria me sentir bem sem você em Ponack. Não quero
ficar longe de você também. — Nos encaramos e ele sorriu sutilmente.
— Não vou te deixar, meu amor. — O encarei por ter me chamado daquela forma.
— Você me chamou de...
— Meu amor. — Repetiu, segurando minha mão, que estava pousada em seu peito. —
Oliver, eu não preciso de nada mais para saber que te quero do meu lado. Não vou deixar
ninguém te tirar de mim.
— Não quero ficar longe de você, Leonard, mas eu tenho medo de...
— Não fala nada. — Me interrompeu, acariciando meu rosto. — Você não sabe o quão
calmante é pra mim. Só de ficar parado, sentindo seu toque... É tudo o que eu preciso. Você é
tudo o que eu preciso.
— Eu... — Quase disse que o amava
— Prometo que tudo vai melhorar.
— Eu confio em você. — O beijei.
CAPÍTULO 10 – Quero Saber

Após quase um mês escondido de toda aquela confusão, onde me mantive sempre dentro
de nossa casa em Ponack, com medo de ser ameaçado novamente e que alguém estivesse me
perseguindo, pude finalmente conversar direito com a minha irmã e colocar nossa vida em panos
limpos.
E realmente, ela não era mais aquela mesma menina que conhecia quando fui expulso de
casa. Havia mudado para melhor e até me senti culpado por não ter lhe dado um voto de
confiança quando me ligou antes do Natal. Fora tão influenciada por nossa mãe quanto eu.
Maya me contou que não demorou para decidir viver por conta própria depois que saí. Não
estava mais aguentando os abusos de nossa mãe e do folgado do marido nojento dela. Foi morar
com umas das amigas e conseguiu se formar em Nutrição. E foi quando conheceu Brent.
E tinha razão ao me dizer que gostaríamos um do outro. Era muito engraçado e lindo, tanto
por dentro quanto por fora. Estava grávida de quatro meses e já era possível ver os sinais de que
carregava uma vida dentro de si pelas fotos que havia me mandado. Era estranho que depois de
tanto tempo teria uma parte da minha família de sangue de volta.
Conversamos sobre todas as coisas possíveis e nos atualizamos da vida um do outro, mas
quando o assunto chegou em toda a confusão que a minha estava, não soube o que lhe responder.
Estava em um relacionamento com Leonard, mas sua vida era tão “complicada” e tão visível
depois que havia se tornado, além de um juiz internacionalmente respeitado e importante, uma
pessoa visada pela mídia. O que me fazia ter receio de conversar com ele sempre que se reunia
com alguém em nossa casa ou quando voltava do trabalho estressado.
Ele estava tão preocupado com aquela campanha, que mal lembrava o toque de suas mãos
de uma forma mais amorosa e não somente durante as poucas vezes que o sentia me abraçar
enquanto dormia. Me senti negligenciado de amor e, mesmo me deixando completamente
envergonhado, queria que se repetissem os momentos que tivemos no chalé e até no banheiro da
casa de June no Ano Novo.
Depois daquele envelope com as fotos, por um tempo até fiquei na casa de nossas amigas
junto das crianças, enquanto ele resolvia todos as questões envolvendo nossa segurança em
Ponack e posteriormente nossa mudança para Bisera. Mas naqueles dias não havia ficado lá, e
poderia parecer uma coisa idiota, mas sempre me questionava se devia ter algum espaço em sua
vida.
O mundo estava diferente e mais aceitável com todas as questões homoafetivas, mas ainda
existiam preconceitos e pessoas que usavam aquilo para suas ações. Ao mesmo tempo que várias
reportagens saíam em nosso favor e dando suporte para o nosso relacionamento, outras só
vinham para tentar diminuir sua imagem. Uma noite, mesmo com todos os avisos para não ler o
que comentavam sobre mim, minha curiosidade me venceu e acabei por ler coisas horríveis e
inverdades. Me senti como a pior pessoa do mundo, mesmo que fingisse estar bem para todos.
Quando voltamos para Ponack, Leonard sempre se manteve bem discreto sobre o nosso
relacionamento e era quase como se agisse como se não existisse. Quando era perguntado sobre
isso, como já havia presenciado, escondido obviamente, durante um de seus encontros com seus
amigos, havia sido o mais vago possível. Escolhi encarar aquilo como uma forma de me proteger
de possíveis comentários, como ele mesmo disse que faria, mas, mesmo assim, queria que ele
demonstrasse que gostava de mim, da mesma forma que fez com minha mãe na igreja. Queria
que dissesse meu nome, pois não me importaria em ser alvo de ameaças desde que ele estivesse
feliz comigo.
Minha relação com as crianças somente evoluía e depois que me “tornei” pai delas tudo o
que faziam era pedir minha opinião para todas as coisas, e eu lhes dava todo o suporte e amor
que podia. Eles realmente eram tudo o que eu precisava naquele momento, pois foram minha
válvula de escape para toda a falta de atenção do pai deles. E o turbilhão de emoções que eram
jogados em mim com toda aquela falação.
Várias vezes me trancava dentro do banheiro, quando ninguém estava perto, só para chorar
em paz e tirar toda aquela angústia do peito, pois desabar na frente de qualquer um não era uma
opção. Principalmente de Samantha, que era uma das pessoas mais intimidadoras que eu havia
conhecido.
Estávamos em nosso último dia na casa de nossas amigas, nos preparando para irmos ao
aeroporto e pegar um voo direto para Bisera e nos estabelecermos em nosso novo lar. Leonard já
estava lá, pois tinha que dar todo o apoio para o futuro presidente William e o vice candidato
Tessi, seus amigos de longa data. De acordo com o que June me dissera em uma das várias noites
que ficávamos conversando com os pés balançando a água da piscina, até mesmo tentaram fazer
de Leonard um candidato, mas ele se recusou por conta dos filhos.
— Sabe que pode contar conosco, não é? Sempre que precisar conversar com alguém, pode
me ligar. — Me disse, enquanto eu arrumava as roupas das crianças na mala.
— Obrigado, June. Você é uma das únicas pessoas que eu me sinto bem para confessar
meus medos. — Tentava controlar meus olhos de serem vencidos pelas lágrimas.
— E a única que realmente precisa.
— O que você acha sobre isso, June? Sei que Leonard te contou sobre o que está
acontecendo, mesmo que me esconda. — A encarei. Sua barriga estava maior, mas estava ainda
mais linda. — Ele se recusa a falar comigo, mas eu sei que as ameaças continuam e é por esse
motivo que estamos nos mudando. Eu quero olhar meu celular, mas sei que o que vou encontrar
não vai ser nada bom.
— Você tem razão. Mas acho melhor não me intrometer. — Sorriu amigavelmente para
mim. — Ele sabe o que faz, Oliver. Leonard não arriscaria a vida de ninguém que ama e não
deixaria ninguém fazer mal a você.
— O problema é que eu não sei o que fazer e...
— Vem cá. — Me abraçou e chorei. — Eu sei que parece muito pra você e não fazia parte
dos seus planos, mas eu te garanto que Leonard não vai deixar nada acontecer com você.
— June, eu o amo tanto e é tão difícil saber que ele sente o mesmo, principalmente quando
age dessa forma. Ele me deixa completamente fora de qualquer assunto que me envolva e não
acho que seja a coisa certa a se fazer.
— Ele te ama, Oli. Não duvide nunca disso. Não faria metade das coisas que faz se não
amasse. Leonard sempre lidou com os problemas sozinho. E esse lado parece aflorar ainda mais
quando alguma coisa ameaça essa vida que ele tanto luta para manter.
— Mas eu sou parte dela agora e tenho tanto direito de escolha quanto ele! — Limpei meu
rosto e continuei a colocar as roupas nas malas. — Na minha frente ele me faz sentir como se
fosse a coisa mais importante do mundo, mas quando está fora, sinto como se eu fosse um peso
desnecessário, sabe?
— Oli, não pense isso de jeito nenhum! Samantha sempre me colocou em um pedestal
também. Ela tem esse gênio dominador, da mesma forma que Leonard. Eles tem a mania, errada,
de querer nos carregar nas costas, mas não significa que temos menos valor. — Se sentou e
sorriu. — Você tem um lugar especial na vida dele e não desmereça a sua importância, pois é pra
você que ele volta para buscar o que lá fora ele não encontra: amor e segurança.
— Pois eu me sinto como se somente fosse a babá para cuidar de seus filhos. E eu não me
importo com isso, porque me sinto como pai deles, mesmo não sendo o verdadeiro.
— Você é sim pai deles. Não é preciso um laço de sangue pra provar isso.
— Eu sei, mas me sinto usado e me machuca pensar que ele me olhe desse jeito.
— Ele te falou algo pra pensar isso?
— Esse é o problema. — Ri ao pensar na bagunça que era a minha cabeça. — Ele só me
ligou uma vez desde o casamento, June. Quando estamos juntos ele fica calado e sempre no
celular. Mas quando ele sai, nada. Só me manda mensagens secas.
— Ele deve estar com muitas preocupações. Só isso.
— Mas eu também estou. — Me sentei, tampando meu rosto e segurando o choro. Ela
acariciou minhas costas.
— Eu tenho certeza de que se você conversar com ele, vai ver que não tem com o que se
preocupar, Oli. Leonard pode parecer um homem distante, mas ele sempre esteve ao meu lado
quando eu precisei desabafar. E tenho certeza de que vai estar do seu lado quando precisar.
— Eu… — Respirei fundo. Sabia que tudo o que me dizia era verdade, mas era difícil
competir quando parecia que nosso coração estava chorando. Era como se aquele homem que ela
descrevia não fosse o homem que eu beijava. — Eu preciso terminar de arrumar as malas. Jay
daqui a pouco chega e não quero causar mais problemas perdendo o voo.
— Não fica com isso na cabeça. Não deixa esses medos te atrapalharem. — Beijou meu
rosto e saiu, me deixando sozinho para novamente repassar toda aquela conversa.
Era realmente incrível o poder que nosso cérebro tinha de nos fazer duvidarmos de nós
mesmos. Queria acreditar que não era necessário nenhuma preocupação em relação ao meu
relacionamento, mas era muito difícil.
Jay, o segurança encarregado de sempre estar comigo, me ajudou a levar as malas de todos
para o carro. Estava sendo seguido por três, além dele, desde as fotos. Leonard tinha medo de
que alguém tentasse fazer algo comigo devido ao nosso envolvimento, pois, pelo menos uma
coisa boa havia saído de toda aquela exposição.
Os índices de popularidade de todos do partido aumentaram, porque tinham alguém da
“minoria” entre eles, além do filho do vice-presidente Tessi. No entanto, aquilo só serviu para
que eu inventasse mais uma teoria de como estava sendo usado em um relacionamento de
fachada para atrair atenção.
Droga de cabeça idiota que eu tinha! Por que não havia me apaixonado por Patrick?
Naquele momento estaria almoçando e vendo todas as notícias com um rosto diferente ao lado de
Leonard e me preocupando em lidar com a vontade constante de Patrick de fazer sexo. Se bem
que também estaria preocupado em ser traído por ele. Droga, não tinha um homem normal ao
meu redor?
Me despedi de nossas amigas e daquela casa e me preparei psicologicamente para a
multidão que estaria do lado de fora dos portões daquele condomínio. Havia me tornado uma
celebridade só por namorar alguém importante, e só não excluí minhas redes sociais, pois o
agente que foi contratado para lidar com a minha imagem disse que seria ruim para a campanha,
mesmo que eu não postasse absolutamente nada lá.
Ao pegar a estrada, o carro foi atingido por vários flashes, mas que não atrapalhou em nada
a direção dos seguranças. As crianças perguntaram o que era tudo aquilo e expliquei que era por
conta das eleições. Não queria falar que era culpa do relacionamento que tinha com o pai deles.
Os protegeria o máximo que conseguisse.
No aeroporto, várias pessoas estavam com cartazes e até com uma foto que foi tirada, não
sei como, de quando estava no casamento de minha irmã, onde Leonard estava me abraçando.
Aquilo era surreal e escutá-los gritarem meu nome era ainda mais. Não havia feito nada para
merecer aquilo e mesmo assim, lá estavam dezenas de milhares de pessoas se emocionando por
nem me verem. A vida dos famosos, que sempre estavam com câmeras apontadas para eles,
deveria ser um inferno. Nem queria imaginar como estava a vida dos filhos do vice e do futuro
presidente.
Fomos direto para a pista de voo, evitando a multidão de dentro do aeroporto. Enquanto
aguardava dentro do carro o avião assumir a posição, outro ainda maior se aproximou. Ele era do
mesmo modelo que o meu, então não conseguia ver quem estava dentro dele. Toquei o ombro do
meu segurança, Jay, um homem com uma barba bem preta e que contrastava com sua pele
branca.
— Quem está naquele outro carro?
— Estão os filhos do futuro presidente e vice-presidente e o amigo deles.
— E vão com a gente? — Perguntei me sentindo incomodado. Depois de Leonard, eles
seriam as pessoas mais importantes que veria na vida.
— Sim, senhor.
— Você vem comigo, não é? — Segurei seu ombro, como se fosse uma criança medrosa.
E percebi que ele sorriu discretamente, mas logo voltou a ficar sério.
— Sim, senhor. — Fiquei calmo. Um rosto conhecido era melhor que nenhum.
— Você só sabe falar isso?
— Desculpe, senhor, mas não sei o que falar mais.
— Eu sei. Eu só estou nervoso e descontando em você. Onde o Beto está?
— Com o Sr. Havens em Bisera.
— Ele é outro sem-vergonha, sabia? Igual o seu chefe! — Voltei para o meu banco e fiz
carinho no cabelo de Paul, que dormia encostado em sua irmã com Marrom ao lado na caixinha.
— Você gosta de mim, Jay?
— Como disse, senhor? — Me olhou pelo espelho do carro.
— Você gosta de mim, Jay? Por exemplo, você acha que eu sou uma pessoa interesseira?
— Por que está perguntando isso, Sr. Oliver?
— É que vi em algum lugar que era isso que estão falando de mim.
— Falam, porque não o conhecem. Se o vissem agora e tivessem a chance de conversarem
com o senhor, saberiam que é um bom homem. — Respondeu, sorrindo finalmente.
— Você trabalha há muito tempo para o Leonard, não é? Quando cheguei você já estava lá.
— Em torno de uns cinco anos.
— Ele sempre foi fechado desse jeito?
— Não sei se posso responder sem parecer que estou o desrespeitando, senhor.
— Ninguém tem nada de ruim pra falar dele? Meu Deus! — Reclamei, encarando o teto e
escutei sua risada. — O que foi?
— Com todo o respeito, senhor, mas ele ficou muito mais exigente comigo por sua causa.
Se existe uma coisa que ele sempre deixa claro é a preocupação que tem pela sua segurança.
Aquelas palavras aqueceram o meu coração e me aliviaram um pouco.
— E não ligue para o que dizem do senhor. Se quiser saber se está fazendo algo certo, é só
olhar pra esses dois. — Continuou. — O senhor cuida bem deles e é um sinal de que não é um
interesseiro, como querem fazer parecer com essas notícias mentirosas.
— Obrigado, Jay. — Encarei o sol se pondo no horizonte. — Você é um bom homem.
Quando me encontrar com Leonard, vou pedir um aumento para você.
— Obrigado, Sr. Oliver.
Depois de mais alguns minutos o avião tomou a posição e Jay abriu as portas para que nos
acomodássemos. Acordei as crianças, mas somente Sophy despertou, me fazendo ter de carregar
seu irmão no colo enquanto segurava sua mão. Quatro pessoas desceram do outro carro e
reconheci três deles, Allen e Lara Tessi, e April William, os filhos dos futuros vice-presidente e
presidente, respectivamente.
O outro homem não consegui reconhecer, mas era igualmente lindo. Acho que devia ser
algum tipo de injeção que as mães tomavam para que eles nascessem perfeitos, pois era
impossível aquela beleza.
Os vi se aproximarem e os filhos dos políticos conversavam sobre algo que não conseguia
entender, enquanto o outro estava com uma cara não muito boa. Ele parecia irritado. Na verdade,
sempre encarava entre o celular e Allen. Somente quando chegaram perto o suficiente que
olharam para mim e sorriram como se já me conhecessem.
— Você deve ser Oliver. O namorado de Leonard, não é? — Allen estendeu a mão e logo
Lara, sua irmã, pegou Sophy no colo, a enchendo de beijos. — É um prazer!
— Digo o mesmo!
— Ele falou de você em um jantar na nossa casa um pouco antes do Natal. — A garota
falou, sorrindo para Sophy que mexia nos longos cabelos castanhos dela. — Estão juntos agora,
não é?
— Eu acho que sim. — Senti vergonha naquele momento. Leonard falou de mim para seus
amigos e eu nem sabia quem eram por sua própria boca. Conhecia muito pouco da sua vida ou
praticamente nada.
— Eu sempre o achei sério demais para arrumar alguém, pra ser bem sincera. — A filha do
presidente disse mexendo no celular. — Parecia que ficaria sozinho pra sempre depois que…
— April! Tenha um pouco de educação e controla essa boca! — Allen a cutucou, fazendo
menção com os olhos para Sophy.
— O Oli é meu pai agora. — Minha filha olhou para os três. — Só falta ele comprar um
anel.
— Como assim? — A morena perguntou, confusa pela fala da menina, porém meu rosto
vermelho indicou que existia algo por detrás, não tão inocente assim, pelo menos da minha parte
e de qualquer um com um pouco mais de malícia.
— Igual o que papai deu pra minha mãe. — A garotinha respondeu e me permitiu respirar
aliviado. Não queria ter de me explicar para os três jovens a minha frente, muito menos ser a
piada daquela viagem de não sei quantas horas.
— Já podemos embarcar, senhores. — O piloto e as comissárias de bordo estavam nos
esperando com sorrisos.
Entramos e acomodei os meus dois amores, me sentando no assento próximo. Meus
companheiros de viagem se sentaram juntos e percebi que April era a tagarela dos três. Era
agitada demais e quando seu pai se elegesse tinha certeza de que o daria trabalho. Se já não o
fizesse. Não parecia uma daquelas garotas que ficavam de boca fechada e parecia ter resposta
para qualquer coisa. Não parou de falar nem quando o avião causou um desconforto inicial ao
sair do chão.
Allen por outro lado parecia o mais quieto de todos, ou só estava se escondendo do outro
homem, o loiro irritado. Ele não havia se apresentado, ficando o tempo todo mexendo no celular,
digitando alguma coisa de forma a se isolar. No entanto, de vez em quando, conseguia perceber
alguns olhares suspeitos dele para Allen. Alguma coisa havia acontecido entre os dois e apostava
que envolvia algum interesse amoroso não correspondido. Era a única razão de ele não dar
nenhum palpite sobre nada do que era discutido entre os três filhos dos futuros homens mais
poderosos do país. E então, em um isolamento forçado pela minha própria mente, comecei a criar
várias teorias comigo mesmo, o que fez o tempo passar até que adormeci.
Embarquei em um sonho maravilhoso, onde estava deitado em um campo verdíssimo, com
o vento batendo em meu rosto e deixando tudo completamente leve. Ali consegui esquecer meus
problemas do mundo real e fiquei em paz... Até que acordei quando a luz do banheiro, não muito
longe de onde estava, acendeu. Deveria ter escolhido melhor o lugar, mas pensei em como seria
mais fácil levar as crianças lá caso precisassem. Allen saiu e pelo visto tinha jogado água no
rosto, pois alguns fios de seu cabelo perfeitamente liso e modelado estavam molhados. Seus
olhos estavam um pouco vermelhos, denunciando que havia chorado também.
— Desculpa te acordar, Oliver.
— Não tem problema. — Sorri amigavelmente. — Você está bem?
— Na verdade, não. — Fez um biquinho com a boca, como se ponderasse se devia
conversar comigo sobre o que o afligia. — Posso me sentar aqui com você? Eu não quero voltar
lá pra frente com um certo alguém.
— O loiro bonitão?
— Exatamente. Vamos dizer que a beleza não é tudo, como sempre dizem por aí. — Sorriu
sem graça. — Estão te tratando bem no voo? Não o vi pedindo nada para as comissárias de
bordo. Não fique com vergonha de nada.
— Não se preocupe
— Se quiser qualquer coisa, é só pedir.
— Claro.
— Queria ficar aqui pra sempre, sabe? — Se acomodou do meu lado, fechando os olhos. O
silêncio presente ali era realmente incrível.
— Quer conversar? Não sei se vou ser de alguma ajuda, mas é a melhor coisa que eu sei
fazer no momento.
— Eu só estou cansado de sofrer. Depois que meu pai se tornou candidato a vice-
presidente minha vida ficou um “Reality Show”. Lidar com a fama da minha mãe já era difícil,
mas agora, com todo mundo em cima dele também, ficou insuportável. Eu não consigo saber
quem está do meu lado por quem eu sou ou pelo que eu tenho. E quando eu finalmente encontro
alguém que pode ser o amor da minha vida, ele me rejeita depois de passarmos a noite juntos.
Tudo por conta de algum senso de responsabilidade idiota que ele tem. — Revirou os olhos. —
Não entendo por que quem, teoricamente, deveria ser o mais maduro, sempre tem as atitudes
mais idiotas. E depois eu sou o mimado!
— Eu sinto muito por isso, Allen. — Mais um sofredor do cruel amor. — Desculpa
perguntar, mas foi sua primeira vez? Sabe... naquele sentido! Se for esse o caso, não fica com
isso na cabeça…
— Não! Não fizemos sexo, mesmo eu querendo muito e sabendo que ele também queria.
— Sorriu, sacodindo a cabeça, espantando os pensamentos impróprios. — O que fizemos, o que
aconteceu entre a gente foi muito melhor, sabe? Ficamos juntos a noite inteira conversando, nos
beijando, nos conhecendo melhor, como se fossemos namorados ou um primeiro encontro que a
gente nunca se permitiu ter por conta do trabalho dele com... Bem, foi muito mais íntimo! Até
pensei que seria pra sempre e que o faria mudar a cabeça dura que tem e todo o restante. Mas
parece que meu conto de fadas da Disney foi cancelado e eu ainda estou deitado, semimorto,
esperando o beijo de amor verdadeiro.
— Quem sabe a sua fada madrinha não jogou o encanto ainda? — Rimos da comparação.
— Ela vai ter que jogar um feitiço muito forte então, porque nem o beijo que o dei foi
capaz de transformar aquela fera em um príncipe. E eu tenho certeza de que eu coloquei muito
amor e paixão. Então o problema não foi comigo.
— Muitas vezes negar o que se sente é o sinal mais forte de amor que existe.
— Então ele deve estar muito apaixonado por mim, porque, olha! Que os anjos tenham
misericórdia de mim e me ajudem. — Sorriu novamente e me encarou. — Mas me conta de
você? Como está lidando com tudo? Você não era ninguém até ontem, sem querer ofender. E sei
mais que ninguém que ficar com câmeras apontadas para a gente não é a melhor, nem de longe,
das regalias que vem com a fama.
— Não ofendeu. — Sorri, respirando fundo e confirmando que Paul e Sophy estavam
dormindo. — É muito difícil saber que tem um monte de pessoas me vigiando por causa do meu
relacionamento com o Leonard. Essa é uma parte que eu queria poder ter sido avisado antes de
falar sim para qualquer coisa. Mais para me preparar mentalmente.
— Vi seus fãs no aeroporto. Fizeram montagens de vocês dois muito melhores que os
meus. O photoshop deles está em dia.
— Nem me fala! — Encostei a cabeça no banco. — Não fiz nada além de amar Leonard e
agora tem um monte de gente torcendo por esse namoro.
— É bem assim mesmo. Mas é até que legal. Às vezes fico vendo com quem eles estão me
casando. — Riu, mas se ajeitou no banco. Sua postura, até mesmo quando estava relaxado, era
perfeita. — E só pra constar, eu até que te invejo. Não pelo Leonard, se bem que ele é um gato.
Mas é que você está com ele, sabe? Estão passando por isso juntos e não se escondendo.
— Mas você não é assumido? Acho que ninguém se preocuparia se você arrumasse um
namorado.
— Não é sobre eu ser gay. O mundo inteiro sabe e esse é um dos motivos de os dois
futuros poderosos chefões estarem tão bem. Sou um dos slogans preferidos. A questão é que meu
pai vive tentando me arrumar um pretendente, mas quem eu quero, parece não poder se
relacionar a mim, pelo simples fato de quem eu sou.
— Ele não é assumido?
— Não sei, acho que isso não importa tanto assim, mas é mais o trabalho dele e pra quem
ele trabalha. Imagina se o chefe da segurança presidencial namorasse o filho do vice-presidente?
— Allen arregalou os olhos depois do que falou. — Meu Deus, não conta pra ninguém, por
favor! Ele não...
— Contar o que? Eu não escutei nada. — Sorri complacente. — Pode ficar despreocupado.
O segredo de vocês está seguro comigo.
— Eu tenho que controlar a minha boca! Estou parecendo a April. Se alguém souber disso
vai ser o fim das minhas chances com ele. Se é que existe alguma. — Se arrumou no assento
novamente. — Mas se meu relacionamento conturbado serve de exemplo, se declare para o
Leonard sempre que puder. Conversa com ele sempre que você sentir algo pra falar. Vai evitar
que vocês se tratem mal ou com indiferença. Não guarda esse receio pra você, porque eu tenho
certeza de que ele também deve estar sentindo o peso dessa atenção enorme.
— Obrigado.
Não seguiria aquele conselho e não contaria tudo para Leonard sobre como me sentia em
relação a sua vida. Nem dividiria meus problemas e inseguranças. Concordei com Allen, mas
não revelei mais nada. Não que não confiasse nele, pois não parecia alguém que daria com a
língua nos dentes só por maldade, mas porque não precisava de mais alguém para reclamar da
vida. Ele já tinha uma muito complicada pelo que me contara.
Mas Allen tinha levantado um ponto importante. Devia conversar com Leonard, mesmo
que sutilmente, assim como June também havia me aconselhado. Ficar com aqueles pensamentos
só estava me fazendo mal e em algum momento eu poderia me convencer de que eles eram reais
e não só mais delírios. Só precisava descobrir um jeito de não o deixar preocupado ou fazê-lo se
sentir culpado pelo que eu sentia.
Cuidei das crianças por algum tempo até que pelo silêncio extremo dentro do avião acabei
dormindo novamente. Não me lembro do sonho que tive, mas assim que acordei, me senti
estranho, como se meu corpo estivesse pesado, leve e anestesiado, tudo ao mesmo tempo. Talvez
fosse a altitude ou fosse ficar resfriado. Fomos avisados que pousaríamos e me preparei para o
desconforto.
Era por volta das duas horas da manhã quando chegamos, mas na pista, um pouco
afastados, estavam três carros a nossa espera. Provavelmente eram todos para fazer a escolta dos
filhos dos três tesouros nacionais. Jay se preparou para se certificar que tudo estava bem antes de
descermos. Ele esteve o tempo todo com os outros seguranças durante a viagem.
Allen estava ao meu lado e trocamos números rapidamente. Ele seria minha única amizade
naquela nova cidade. Na verdade, seria a única pessoa que poderia tentar ter algum tipo de
relacionamento, além do que eu tinha com meu “namorado”.
Um homem de olhos azuis tão claros se aproximou dos Filhos de Varpato e pegou as
malas, porém Allen se afastou, indo direto para um dos carros, obviamente desconfortável. Me
lembrei da relação complicada entre ele e seu amor secreto. Queria falar alguma coisa, mas não
era o certo me intrometer. Com minha sorte pioraria ainda mais a situação entre eles. E porque o
homem tinha uma cara de poucos amigos. Quando veio até mim e estendeu a mão, por uma
fração de segundo, pensei nela subindo e me dando um tapa.
“Qual era o meu problema?”
— Boa noite, Sr. Havens.
— Esse é o Leonard. Pode me chamar de Oliver.
— Certo, senhor. Sou Sebastian, chefe da guarda presidencial. Jay e alguns guardas o
levarão em segurança até sua residência. — Disse com uma voz grave e pesada. Era gostosa de
ouvir e entendi o porquê Allen não se importou em conversar a noite inteira.
— Obrigado. — Arrumei Paul em meu colo. — Você sabe de Leonard? Não consegui falar
com ele durante o voo e nem antes da viagem.
— Ele está a sua espera, senhor.
— Obrigado de novo, Sebastian. — Ele concordou e enquanto me afastava o notei olhar
por alguns segundos o carro de Allen. E poderia apostar que esse estaria observando aquele muro
em forma de homem.
O vento frio daquela cidade parecia anunciar que uma pequena garoa cairia. Meu corpo
tremia e me agarrei ainda mais ao corpo do meu garotinho para o proteger e Jay carregou Sophy.
Me despedi dos outros e entrei no carro, me sentindo muito mais seguro e quente. Se havia uma
coisa que nunca me cansaria, era aquele conforto. Aqueles automóveis pareciam deslizar pelo
asfalto e tudo o que queria era poder ficar neles para sempre, e dormir eternamente naqueles
bancos confortáveis da mesma forma que os dois irmãos faziam.
Pensei em ligar para Leonard e avisar que estávamos a caminho de nossa nova casa, porém
talvez estivesse dormindo. Mas assim que pudéssemos ficar sozinhos o contaria sobre algumas
de minhas inseguranças e medos em relação ao nosso relacionamento. Precisava que me dissesse
algo que acalentasse o meu coração.
Jay dirigiu por várias ruas largas até chegarmos na parte residencial. Passamos por um
portão onde um homem veio até o carro, me pedindo para registrar minha digital e realizar vários
outros procedimentos de segurança, incluindo uma frase aleatória para caso alguém estivesse me
sequestrando ou ameaçando. Achei aquilo muito esquisito, mas acabei por dizer “Estou te
devendo o bolo de morango, mas te trago amanhã.”. O senhor a anotou e me deixou passar.
— Ele deve me achar um idiota, não é? — Sorri para Jay, que me olhou pelo espelho
também com um sorriso discreto. — Não consegui pensar em nada melhor.
— Essa frase é muito boa na verdade, Sr. Oliver. Combina com o senhor e com o que faz
muito bem.
— Você já comeu meus bolos?
— A tarde era a melhor parte do dia dos seguranças. Principalmente as quintas, quando o
senhor experimentava uma receita nova.
— Como você...?
— É meu trabalho cuidar das suas rotinas e dos seus costumes. Tudo pela sua segurança e
conforto, senhor.
— Tenho que me lembrar disso.
— Tem mãos muito boas. Devia investir.
— Você não é a primeira pessoa que me diz isso. Vou pensar no caso depois de tudo se
acalmar, mas obrigado pelo elogio. — Bocejei, sentindo meu corpo dar os sinais de que
precisava de um descanso. Aquelas viagens estavam acabando comigo. — Você vai descansar
depois de me deixar, não é? Não sei como está em pé. Só estou acordado pelas crianças.
— Vocês são minha responsabilidade, Sr. Oliver. Até que estejam em segurança não posso
descansar.
— Está dispensado assim que nos deixar, me ouviu? Vou usar meus poderes de chefe e te
ordenar isso.
— Sim, senhor.
Meus olhos estavam me traindo com todo aquele silêncio, e não sei se aquele condomínio
era grande demais, mas cochilei durante o caminho, vendo somente partes de grandes casas e
sentindo que precisaria pegar outro avião devido à distância. Seria um ótimo lugar para as
crianças. Vi alguns brinquedos e balanços espalhados, o que indicava que teriam com quem
brincar e não seriam tão solitárias assim.
Paramos em uma casa grande e cercada por um muro que a protegia de qualquer intruso ou
curioso. O portão se abriu, revelando um jardim enorme e um caminho de pedras levando para a
entrada principal e outro para a garagem. Havia uma varanda e pude ver como aquele lugar
parecia um palácio. Colunas sustentavam a cobertura da frente e davam a volta em todo o térreo,
levando a um caminho até a piscina e outra área coberta, que poderia ser usada para algum
churrasco, típico daquelas famílias grandes e felizes que via nos filmes.
Algumas luzes estavam acesas e pude ver parte da sala de estar através de janelas. A porta
de entrada abriu e lá estava o homem que fazia o meu coração pular um batimento todas as vezes
que ficava perto de mim. Não conseguia decifrar seu olhar, pois estava com aquela aparência
séria, como sempre. Mas notei que estava cansado e aquilo era muito evidente. Sua camisa
estava um pouco aberta e me lembrei de quando me tomou no balcão da pia na noite de Ano
Novo. Foi a segunda vez que me senti completo e queria sentir aquilo de novo.
Estávamos distantes emocionalmente, pelo menos eu me sentia daquela forma. Não era
culpa nossa, mas sim de todo aquele estresse causado pela campanha. Queria que aquilo acabasse
para que pudéssemos recomeçar da forma certa, ou pelo menos a partir da noite de Natal. Pois
parecia que para ter sua atenção, seria mais fácil me candidatar à presidência.
Leonard abriu a porta e logo pegou Paul no colo, enquanto fazia o mesmo com Sophy. Ele
não me olhou, nem muito menos me desejou “boa noite”. Definitivamente estava com muitas
coisas na cabeça e esperava que o que o estivesse aborrecendo não tivesse nada com meu nome
envolvido.
A casa era muito maior do que esperava e o piso de mármore me fez me sentir sujo de tão
limpo e polido que estava. Uma escada, logo no hall de entrada, levava ao primeiro andar,
enquanto um lustre iluminava todo o ambiente. Quando o sol entrasse todas as manhãs, pela
janela logo acima da porta, deixaria aquele lugar parecendo um castelo.
O segui pelos corredores amplos até que entramos em um dos quartos. Nele já havia
algumas coisas dos “nossos filhos” e tirei a roupa dos dois enquanto ele fechava as cortinas,
impedindo as luzes de alguns postes entrarem. O sentia estranho e completamente quieto, o que
atiçava minha insegurança, não como antes, quando era gentil e sedutor, mas de um jeito que até
chegava a me assustar.
Saímos em silêncio e assim que a porta foi fechada o vi encostar na parede oposta. Leonard
me encarou ao respirar profundamente. Parecia tão abatido e preocupado que tudo o que queria
fazer era abraçá-lo e dizer que tudo ficaria bem, independentemente do quão difícil fosse o que
estivesse passando.
— Você está bem? — Ele foi o primeiro a romper o silêncio.
— Eu é quem devia te perguntar isso, Leonard. Você parece estar cansado. Muito cansado.
— Fiquei receoso de me aproximar, mesmo achando que devia. Naquele momento, tudo o que
ocorrera conosco nas últimas semanas pareceu um delírio criado pela minha mente sonhadora,
romântica e fantasiosa. — Você não falou comigo direito esses dias. Quase nada praticamente.
Não quis atrapalhar, porque sabia que estava ocupado, mas senti sua falta.
— Estava com muitas coisas na cabeça, só isso. Me perdoe. — Caminhou até mim e me
puxou para si. Seu perfume me fez inspirar fundo e um arrepio me tomou. Poderia chorar ao
sentir seu corpo no meu e em como me fazia sentir pequeno e indefeso, como se fosse meu único
protetor. Acariciei seu rosto e, ainda com vergonha, o beijei ternamente. Ele havia bebido, coisa
que havia deixado de fazer, pelo menos enquanto estávamos juntos, pois senti o sabor do whisky
todas as vezes que sua língua acariciou a minha.
— Pensei que tinha parado de beber...
— Sem você tudo fica mais difícil. Até dormir é insuportável.
— Você precisa descansar e parar de se preocupar tanto com essa eleição. Não está te
fazendo bem. — Continuei acariciando sua barba, que já estava um pouco grande. — O
presidente William praticamente já ganhou. É só ver em qualquer lugar como as pessoas o
amam. Então não precisa se esforçar tanto.
— Se fosse só essa a minha preocupação...
— Então me diz qual é. — Segurei seu rosto, o fazendo me encarar. Sua expressão estava
dura, mas vulnerável. Conseguia ver a dúvida e medo em seus olhos. — Eu estou aqui por você
também!
— Você faz parecer tão fácil. — O silêncio era tão presente e me dava a sensação de estar
em um lugar tão amplo. Ele segurou minhas mãos e as baixou. — Eu preciso terminar um
relatório. Ainda tem tanta coisa pra fazer...
— O que você vai fazer agora é descansar, me ouviu? — Voltei a segurar seu rosto, o
fazendo me encarar. — Vou preparar um banho para você e vai relaxar, me entendeu? Isso não
está em discussão!
— Entendi, senhor. — Leonard sorriu pela primeira vez. — Só vou falar com Jay e subo.
— Tem dez minutos.
— Eu senti sua falta, Oliver. — Confessou, cheirando meu cabelo e meu coração deu um
pulo.
— Também senti a sua.
Ele foi até o andar de baixo dispensar nossos seguranças, enquanto eu enchia a banheira de
nosso quarto. Me certifiquei de que a água estava na temperatura certa e joguei alguns sais de
banho. Deixei tudo em um clima agradável ao diminuir a intensidade da luz, o que achei muito
chique de se ter.
Senti a presença de Leonard e me levantei para ajudá-lo a tirar sua roupa. Ele me olhava
fixamente e seu peito subia e descia a cada respiração. Não resisti e acariciei os cabelos que
haviam crescido na região. Tirei seu cinto e me ajoelhei enquanto tirava sua calça e roupas de
baixo. Era a primeira vez que via seu membro, parando bem para pensar, e o admirei. Nossos
outros momentos foram bons, mas não com tanto significado quanto os marcados pelas datas
comemorativas.
Seu membro ganhou vida, me fazendo desejar que abrigasse toda sua extensão em mim.
Sua excitação naquele momento evidenciou que aquela também era sua vontade. Então senti seu
sabor, enquanto suas mãos acariciavam meus cabelos. Com meus gestos, decidi mostrar para ele
o quanto queria seu bem-estar. Seus gemidos e suspiros eram as coisas mais gostosas que poderia
escutar.
Ele tirou minha roupa com o mesmo cuidado e os únicos sons, além de nossos beijos, era o
da banheira terminando de encher. Ele acariciou todo o meu corpo até que fôssemos cobertos
pela água. Se deitou com os braços abertos e peguei a esponja, passando por todo seu corpo, o
massageando todas as vezes que podia. Ele fez o mesmo comigo, demorando mais do que devia
ao passar pelas minhas nádegas e toda a curvatura até meu íntimo. Me observava atentamente,
aproveitando minhas reações causadas pelos seus estímulos, e novamente recebi o olhar severo e
forte do predador dominante que havia nele.
Leonard era tudo o que eu pedira por vários anos em minha vida. E não poderia estar mais
apaixonado e agradecido por ele. Era como estar preso em algum tipo de transe ou naquele sonho
que você não quer acordar. Me sentia privilegiado por tê-lo comigo, me tocando, acariciando e
mostrando o quanto eu importava para ele.
Me sentei em seu colo e lentamente fomos nos tornando um. Senti seu pênis me penetrar
com vigor. Era incomodo, mas Leonard teve toda a paciência e respeito enquanto me acostumava
com seu tamanho depois de dias. Ele sussurrava meu nome e mordia meu pescoço, me marcando
como seu, e toda a dor desapareceu. A água fazia um vai e vem, como um mar calmo, à medida
que fazia o mesmo movimento em cima dele.
Sua mão tomou o meu membro e sua boca a minha, não permitindo que meus gemidos
deixassem aquele cômodo. Estávamos nos amando da forma mais íntima, terna e intensa
possível. Admirei a pele daquele homem ao espalmar seu torso, a firmeza de seus músculos, a
força que ele continha em cada fibra existente em seu corpo, tudo era uma droga em que eu era
viciado, sem um tratamento conhecido para me livrar.
Atingi meu limite, lançando vários espasmos pelo meu corpo e o senti dentro de mim por
completo. Meus olhos pesaram devido ao prazer e minha pele se tornou sensível ao frio que
tocava minhas costas sempre que deixava a água já morna. Leonard me inundou com seu sêmen
e por vários momentos o segurei, impedindo que nossos corpos se afastassem qualquer milímetro
sequer, o fazendo rir a cada contração que fazia em seu membro.
Naquela noite, enquanto estava deitado, percebi em seu rosto o quanto estava bem. O
quanto precisava de mim. E me senti feliz, pois eu era o responsável por aquele estado e bem-
estar. Era eu um dos responsáveis por fazê-lo feliz e quem lhe tirara de todas as suas
preocupações. E se pudesse faria aquilo todas as vezes, para o resto de minha vida, quando
precisasse e, principalmente, quando não me pedisse.

Quando acordei na manhã seguinte ele não estava mais lá, mas ainda conseguia sentir o
cheiro de seu perfume em seu travesseiro, o que me fez agarrá-lo e aproveitar mais aquela
calmaria. Tomei um banho lento e desci. Prepararia um café da manhã maravilhoso para as
crianças. E estava certo quanto a como o hall de entrada ficava maravilhoso quando o sol
aparecesse. Tudo brilhava etereamente.
Quando já estava quase próximo a cozinha, escutei uma conversa entre duas mulheres e fui
com cautela ver quem eram. Elas vestiam roupas neutras, mas com um avental para não se
sujarem. Uma senhora de cabelos bem presos em um coque estava batendo algo em uma tigela,
que pelos ingredientes se tratava de panquecas, enquanto a outra fritava algo em uma frigideira,
ovos mexidos.
Não me aproximei delas e somente fiquei atrás da parede, escondido e escutando tudo o
que falavam, exatamente como Leonard brigava com Sophy por fazer. Diziam estar aliviadas por
terem conseguido aquele emprego e por terem saído da “casa do demônio”, como se referiram a
antiga contratante. Também comentavam em como “ele” era bonito, o que eu assumi ser
Leonard, e em como também era gentil. Até comentaram sobre mim, mas não fiquei feliz com o
que disseram, pois usaram a palavra “pena”. De acordo com elas, “deveria estar muito sensível
com todas os ataques e ameaças contra mim!”. Que ameaças eram aquelas?
— Ouvindo atrás da porta, Sr. Oliver? — Boni me assustou, chegando do nada e me
fazendo dar um pulo. As duas mulheres se assustaram ao me ver, ficando vermelhas e
envergonhadas logo em seguida.
— Boni? Como...? Desde quando está aí?
— Desde que você parou para escutar a conversa das nossas colaboradoras. — Falou em
alto e bom som, o que fez as duas ficarem de vermelhas à brancas em um segundo. — Acredito
que você e a senhorita Sophy tenham muito em comum. Não poderia ter um pai melhor.
— Eu não estava escutando nada! — Menti vergonhosamente. Como ele tinha a audácia de
me expor na frente delas? O que pensariam de mim? — Você chegou quando? Leonard não me
avisou que você viria tão rápido.
— Quem o senhor acha que cuidou de toda a mudança? — Me encarou com um sorriso. —
Aproveitando que está aqui, quero lhe apresentar Linda e Marta, nossas novas cozinheiras. Elas
vão nos ajudar com as refeições e a cuidar das crianças.
— Mas eu é quem fazia essas coisas. — Me senti traído.
— Nada lhe impede de nos ajudar, senhor… — Marta, a mais velha, disse e pareceu
confusa.
— Devemos te chamar de Sr. Poyi ou Havens, senhor? — Linda, a mais nova e de olhos
verdes, perguntou.
— Só Oliver, por favor. — Respondi, as cumprimentando. — É um prazer conhecer as
duas. Espero que possamos cozinhar juntos.
— É claro que sim, Sr. Oliver! — Marta sorriu para mim e era uma daquelas senhoras que
você tinha vontade de abraçar. — O senhor parece muito mais jovem e gentil do que falam na
televisão.
— Obrigado, eu acho. — Cruzei os braços olhando para os lados. — O que falam de mim
na televisão?
— Só coisas boas, Sr. Oliver.
— Mas agora a pouco disseram que tem pena de mim por todas as ameaças que eu estou
sofrendo, mas acho engraçado, porque eu não sei de nenhuma delas.
— Sr. Oliver, Leonard acharia melhor conversar sobre isso com você. — Boni comentou.
— Esse é um assunto que deve falar diretamente com ele.
— Esse é o problema, Boni. O Leonard não me conta nada do que está acontecendo, e pelo
visto está manipulando tudo o que vejo, pois eu nunca fiquei sabendo de ameaça nenhuma além
daquelas fotos.
— Oliver, venha comigo. — Me chamou pelo primeiro nome e era a primeira vez que o
fazia, então depois de respirar fundo, o acompanhei. Não reparei em como as cozinheiras
ficaram, mas apostaria que seus rostos estampavam o arrependimento por terem falado o que não
deviam.
Boni me levou para o lado de fora da casa e o portão de entrada estava aberto. Vi uma
mulher andando com um cachorro em uma caminhada calma, sem preocupação nenhuma.
Desejei ser ela.
— Sei que deve ter muitas perguntas, mas… — Ele começou a se explicar, mas meu
celular tocou. Era Leonard. Boni pediu licença e logo não estava mais lá, me dando privacidade
para conversar com o seu patrão.
— Dormiu bem? — Sua voz estava calma e me segurei para não falar sobre as “ameaças”
em meu nome.
— Sim e você?
— Muito bem. Graças a você! — Era muito bom quando me tratava com carinho. Me fazia
sentir que nada estava diferente entre nós, mas era só uma sensação momentânea. — Você me
faz bem, Oliver.
— Eu fico feliz com isso, Leonard. — Disse, mas me senti no escuro e não gostava
daquilo. — Preciso conversar com você e quero que não me esconda nada.
— Sei que as coisas estão uma bagunça.
— Eu estou me sentindo muito mal. Não estou acostumado com essa atenção e não sei se
sei lidar com ela.
— Sei que é muita coisa para digerir. Estou tentando fazer o possível para nada te atingir,
mas algumas...
— Leonard, para de tentar! — O cortei, respirando fundo e sentindo meu corpo tremer. —
Eu sinto como se você estivesse me escondendo o que eu preciso saber sobre a minha vida.
Parece que eu estou sendo manipulado. Estou sofrendo ameaças e eu não sabia disso.
— Quem te contou?
— Não importa.
— Quem te falou sobre elas, Oliver? — Sua voz adquiriu um tom mais severo, porém não
contaria. Não colocaria o emprego de ninguém em risco, mesmo que não as conhecesse direito.
— Eu olhei na internet. — Falei qualquer coisa.
— Você não olha o celular direito.
— Mas dessa vez eu olhei e vi o que estão falando.
— Não queria ter essa conversa assim.
— Por que você não me contou? Não sou feito de vidro pra me privar de qualquer coisa.
— Mas eu te vejo assim. Não quero que isso te afete.
— Não quero viver assim, Leonard.
— Esse não é um assunto para se discutir por telefone. — Suspirou. — Volto para casa
dentro de uma hora e conversamos. Preciso resolver algumas coisas agora.
Ele encerrou a ligação sem esperar por uma resposta e quis jogar o celular no chão e pisar
nele. Eu era uma pessoa muito calma e com toda a certeza estaria do seu lado caso precisasse,
pois realmente o amava, mas não suportava me sentir como um boneco de pano, sendo jogado de
um lado para o outro de qualquer jeito. Eu merecia saber a verdade sobre o que estava
acontecendo com a minha vida.
Voltei para dentro e fui direto para a cozinha para tentar falar com as mulheres, mas Boni
já havia se antecipado e as obrigou a não me dizer mais nada sobre o que realmente estava
acontecendo do lado de fora daquela bolha em que me encontrava.
Fiquei trancado no meu quarto o tempo todo, tentando mexer em meu celular, mas pelo
que parecia, até naquilo ele havia dado um jeito, pois todas as vezes que pesquisava meu nome
nada de importante aparecia. Nas redes sociais que ainda tinha, todos os comentários eram
normais, me desejando felicidades.
As crianças pareciam animadas com a casa nova, pois pela janela as vi correr para lá e para
cá. E depois de empurrarem um ao outro em um balanço que havia no fundo começaram a seguir
Marrom pelo enorme jardim. Toda a casa era coberta por várias árvores, o que criava ainda mais
a sensação de que estávamos em algum tipo de esconderijo.
Quando Leonard finalmente chegou, escutei seus passos através do corredor, mas não me
movi. Estava apreensivo sobre o que me contaria, mas também existia uma centelha de dúvida
me fazendo duvidar da minha importância ou capacidade de me cuidar. Por que ele estava
daquele jeito comigo? Eu sabia que havia grupos de ódio contra o futuro governo, mas aquilo
acontecia sempre. Não era o certo, mas com todas as medidas de segurança, poderiam ser
evitados, como sempre eram.
Ele abriu a porta do quarto, vindo até mim e me tomando em seus braços, me beijando
logo em seguida. Era ótima a sensação e me fazia lembrar de como me sentia especial ao seu
lado. Aquele que me segurava era um homem que definitivamente sabia como me fazer a coisa
mais preciosa do mundo.
— Eu não quero que me esconda nada, Leonard. — Mexi nos botões de sua camisa,
enquanto ele me olhava fixamente.
— Eu não quero que pense o pior de mim.
— Eu não penso. Só quero que seja verdadeiro comigo! Você sabe como me sinto em
relação a você e que não sou impulsivo. O que acha que vou fazer? Me colocar em perigo indo
atrás de quem quer que seja? Não sou assim! Acho até que me falta atitude quanto a certos
assuntos...
— Sei disso. — Suspirou, massageando minha bochecha. — Essa eleição está muito
complicada.
— Eu imagino a pressão que deve estar nas suas costas, ainda mais sendo juiz
internacional ou algo assim. — Me sentei ao seu lado e acariciei seu peito por cima da camisa.
— Se por algum motivo eu for a culpa de tudo isso, eu posso…
— Não termine essa frase, Oliver. Você não é o culpado de nada.
— Então por que me escondeu que estou sendo ameaçado? Não sou mais uma criança,
Leonard. Me deixar no escuro só me faz enlouquecer. Não tenho o costume de assistir à televisão
e jornais, mas acho que eles vão me ajudar a entender melhor a minha situação do que você.
— Só quero que tome cuidado ao sair, mas de preferência, que não saia. Pelo menos por
agora. Não consigo estar o tempo todo aqui e não confio em muitas pessoas.
— Ficar nessa casa não vai ser problema nenhum até tudo acabar. Só quero que nada
atrapalhe o que temos.
— Não vai, Oliver…
— Sr. Havens? — Boni bateu à porta.
— Entre.
— Desculpe interromper, senhor, mas preciso que venha comigo. — Ele estava mais sério
do que de costume.
— Me espere aqui, Oliver.
— Leonard, pedi para não me esconder nada.
Ele suspirou, ponderando se devia ou não me deixar ver o que estava querendo manter
segredo. O segui pelo corredor até o escritório. Era uma casa enorme e não havia tido a
oportunidade de explorá-la ainda, então gravei todas as coisas que podia para não me perder
depois.
Um homem estava a nossa espera, sentado com uma pasta em seu colo. Ele era um pouco
mais velho que Boni, mas muito mais elegante. Nos encaramos antes de ele esboçar um sorriso
calmo.
— Leonard, que bom que o trouxe. Temo que ele não poderá mais ficar no anonimato. —
O homem me estendeu a mão. — Sou Andrey. É um prazer lhe conhecer finalmente.
— O que está acontecendo? O que quer dizer com anonimato?
— Você não contou para ele, pelo que vejo. — Sorriu. — Sempre foi bom em deixar
alguém no escuro.
— Leonard, do que ele está falando? — Meu coração batia forte em meu peito. E o jeito de
Andrey me dava um misto de antipatia e medo. Não por ele em si, mas pelo que representava.
— Esse grupo extremista está usando a sua imagem para manchar a imagem do presidente,
Oliver. — Leonard disse massageando seu rosto. — Usando nosso relacionamento, para ser mais
exato.
— O que? — Foi como se uma onda movesse o meu corpo. Quis sentar, mas me obriguei a
ficar em pé. — Como… Como eu posso afetar a campanha? Eu não sou ninguém! Eu nem
conheço o futuro presidente!
— Mas Leonard é. — Andrey disse abrindo a pasta, me mostrando uma série de fotos
minhas, tiradas como se alguém estivesse escondido. Eram de quando estava com as crianças
visitando June e Samantha, tomando sorvete logo após o Ano Novo. — Eles estão ameaçando
você para atingir Leonard, Oliver.
— De novo essas fotos?
— Estão dizendo que você está com Leonard em um relacionamento de fachada.
— O que todos sabem que não é verdade. — Meu namorado retrucou.
Senti minha garganta se fechar e tudo ficou escuro por um segundo. Eu era o problema de
ele estar daquele jeito? Mas como? Como amar aquele homem era algum tipo de problema? E
mais uma bomba veio.
— O melhor a se fazer no momento é se afastar dele, Leonard. Esconderem esse
relacionamento enquanto a campanha durar. Em todos os anos em que trabalho para os
presidentes desse país, é a primeira vez que vejo ameaças tão reais contra alguém.
— Leonard… — Minha voz falhou enquanto o amor da minha vida me olhava com pesar.
Ele estava ponderando se devia me deixar ou não?
— Leonard, continuar com esse relacionamento agora seria perigoso para ele.
— Será que dá pra você ficar quieto? — Falei um pouco alto demais, olhando aquele
senhor. Caminhei até Leonard, segurando seu rosto enquanto lutava contra a vontade de chorar.
— Você não está pensando em me deixar, está? Eu posso ficar trancado nessa casa quanto tempo
for necessário. Ele mesmo disse que é até a campanha acabar.
— Eu não sei se quero correr esse risco, Oliver.
— Então por que você me trouxe? Por que me trouxe para a sua vida? — Gritei, me
sentindo desesperado. Como minha vida podia mudar da água para o vinho? Por que eu tinha que
passar por todas aquelas provações?
— Senhor, com todo o respeito, o seu relacionamento é um dos grandes motivos de o
futuro presidente William estar vários pontos à frente. — Uma mulher de cabelos ruivos e lisos
disse, me fazendo notá-la pela primeira vez. — Poderíamos marcar algum tipo de entrevista e
revelar que Oliver está sendo ameaçado. Isso, com toda a certeza, causaria comoção na
população.
— E colocaria ainda mais um alvo na cabeça dele. — Andrey retrucou.
— Leonard, eu não entendo isso, mas sei que nos afastarmos não é a melhor resposta
para...
— Repórteres foram atrás da sua família, Oliver. E foram a cidade que moravam e as
pessoas entrevistadas fortaleceram os rumores. — Me mostrou uma outra foto em que estava
com as crianças, brincando no jardim da casa de June e escrito ao lado, como uma fala de minha
mãe, estava a frase “Conquistando o milionário pelo ponto fraco!”.
— Essa é a coisa mais absurda que eu já vi na vida! — Me soltei de Leonard, vendo seu
rosto sério. Ele realmente estava pensando em acabar tudo entre a gente, sem nem ao menos
termos tempo de descobrir o que “nós” significávamos um para o outro? — Por que não estão
atrás do presidente ou do filho do vice-presidente? Allen também é gay, se esse for o problema.
— É Leonard que querem atingir e não você. — Aquele velho estava me dando nos nervos.
— Por quê?
— Sem Leonard, o presidente ficaria exposto a acusações e sem um representante
internacionalmente.
— Você não concorda com ele, não é? — Perguntei, querendo que o homem que eu amava
repetisse que não deixaria nada me acontecer.
— Eu acho melhor ficarmos afastados por alguns dias. Você ficará aqui enquanto eu
arrumo algum lugar para...
— Você está me deixando… — Não aguentei e as lágrimas vieram. — Você disse que não
deixaria nada me machucar, mas se você me abandonar, vai fazer exatamente isso.
— Oliver, eu… — Ele respirava fundo. — Eu estou pensando em você…
— Não está! — Tirei suas mãos de mim. — Se realmente estivesse não faria isso! Eu não
tenho mais ninguém, Leonard. Não tenho família e você e as crianças são tudo para mim!
— Eu não vou te deixar, Oliver. Só quero que fique em segurança até isso acabar.
— E quando vai acabar? Me diz! — Sequei o rosto, tomado por raiva. Me sentia da mesma
forma de quando fui expulso de casa. O mesmo pesar, arrependimento, nojo e angústia dentro do
meu peito me faziam querer vomitar. Ele tentou me segurar, mas bati em sua mão. — Eu pedi
tanto por alguém como você. Eu te amo tanto! Me dói pensar que você acredita que se afastar de
mim é a melhor forma de me proteger. É a coisa mais dolorosa que eu já ouvi!
— Oliver, por favor…
— Só me deixa em paz. — Me afastei dele, o deixando me encarando enquanto saía do
escritório. — Isso é demais para mim.
Fui de cabeça baixa até o quarto e arrumei minha mala, jogando tudo de qualquer jeito
dentro dela. Peguei todas as minhas coisas e quando estava quase na porta de entrada senti suas
mãos me tocarem.
— O que você está fazendo?
— O que você quer! Vou manter a distância entre nós. — Me soltei agressivamente de
suas mãos.
— Você não vai sair daqui!
— Essa casa é sua, Leonard! Eu nunca tive direito a nada aqui. Eu só fui… um caso para
essa sua eleição.
— Não diga uma besteira dessas! — Ele se irritou. — Eu nunca faria isso com você.
Nunca te usaria dessa forma! Você sabe muito bem disso, Oliver!
— Mas é exatamente como me sinto! Um casinho de fachada para conseguir votos! —
Sabia que ele era um homem correto e íntegro, mas o queria machucar de algum jeito.
— Oliver, fique aqui! Vai deixar Paul e Sophy? Eles precisam de você mais do que de mim
agora! — Gritou, indignado por toda aquela bagunça. — Você acha que eu quero isso? Acha que
eu não queria ficar com você sem toda essa merda? Eu quero você, Oliver! Mas eu não quero
perder mais uma pessoa que eu amo!
Ele me segurou pelos braços e seus olhos estavam vermelhos. Estava quase chorando, mas
as lágrimas não desceram. Era forte demais para sequer se permitir aquele sinal de fraqueza.
— Fica aqui, por favor!
— Eu quero saber se você realmente se importa comigo.
— Oliver, é claro que eu me importo.
— Então, por favor, não me peça para te deixar. Porque se algum dia eu sair da sua vida,
eu não vou mais voltar.
— Isso... não vai acontecer.
— Quero que pare de tomar decisões sobre a minha vida, sem me consultar antes! Se eu
não tivesse ido com você falar com Andrey, você teria aceitado a proposta dele de se afastar de
mim. De me esconder de todo mundo e até de você!
— Eu não sei o que fazer! Não entendo como eu posso parar com esses ataques e ameaças.
— Beijei seu peito pela abertura de sua camisa, me permitindo ser um pouco compreensivo pelo
seu lado. — Tenho medo de fazerem algo com você. Não quero te ver machucado, Oliver. Eu
tenho tanto medo de te perder!
— Leonard...
— Você é meu mundo, Oliver. Eu não consigo me imaginar sem você. Sem saber que
nunca vou poder te olhar se algo pior...
— Se eu não entender o que está acontecendo na minha vida, não vou ter como me
defender e te ajudar a passar por isso! Você sempre teve tudo no seu controle, mas tem que
entender que eu sou responsável pelas minhas ações também. E, querendo ou não, mesmo que
me afaste, ainda vou estar ligado a você.
— Não quero você longe de mim. Não precisa sair dessa casa. Da nossa casa!
— Eu tenho coragem para fazer se você quiser.
— Não quero. — Segurou meu rosto. — Não sei o que me deu de pensar nisso.
— Eu te amo, Leonard e eu preciso saber que sente o mesmo. Porque eu não quero
continuar sentindo isso sabendo que não vou poder ficar com você.
— Eu te amo, Oliver. — Me apertou em seus braços. — Vamos dar um jeito nisso. Juntos!
CAPÍTULO 11 – Congelados

Não consegui dormir na noite anterior. Leonard havia me convencido de que não era para
eu sair daquela casa, mesmo com todas as coisas que falaram sobre eu ser um dos alvos para
atingi-lo. Comentários, principalmente, feitos pelo idiota do Andrey, chefe da equipe de
Marketing e Segurança da campanha e com quem não havia simpatizado nem um pouco. Estava
mais para o chefe de Intromissão e Idiotices e especialista em arruinar relacionamentos alheios
com sua baboseira protetora.
Ele parecia ter o foco em acabar com tudo o que existia entre mim e Leonard e nos afastar
por tempo indeterminado, tudo com a desculpa de que eu seria o ponto fraco. O que me irritava
era o motivo daquilo, sendo que em outras eleições presidentes sofriam ameaças, mas ninguém
tentava separá-los de suas mulheres. Por que não tentar separar seus filhos também, já que eram
muito mais vulneráveis? Era uma completa imbecilidade.
Assim que Leonard me convenceu, fui direto para o quarto e não falei mais nada com o
homem que eu amava. Até duvidei se tudo o que demonstrava era real ou não. Quando se juntou
a mim, vi o quanto aquela situação o incomodava, o quanto seu corpo ficava tenso e rígido, e seu
temperamento ainda mais sério e difícil. Queria acariciar seu torso, em um gesto que o acalmaria
e daria conforto, mas estava magoado. Então tudo o que fiz foi fingir dormir até que ele se deitou
atrás de mim.
Fiquei rolando na cama de tempos em tempos e sabia que ele também estava acordado,
pois estava imóvel, com um braço atrás da cabeça e o outro repousando em seu peito. Aquilo era
uma tortura. Estar perto sem poder tocá-lo era um castigo que não queria suportar. Sentia a
necessidade de tocar em sua pele e de me aninhar em seu corpo quente e acolhedor. Ele era quem
eu mais desejava no mundo.
Lentamente me virei para ele e como se fosse um gesto involuntário coloquei minha mão
em seu braço. De início não fez nada, mas senti que me olhava. Controlei minha respiração para
que não notasse minhas verdadeiras intenções, até que ele veio para mais perto, me aninhando ao
seu pescoço. Sua pele tinha um perfume natural e forte, como feromônios me atraindo e
seduzindo.

Quando acordei ele não estava mais lá. No relógio marcavam quase seis horas da manhã e
pela janela observei o tempo fechado de Bisera. Sentia que choveria e estava certo, poderia
tardar, mas sempre tinha certeza quando o céu fosse chorar. Não me atrevi levantar da cama, com
medo de que tudo pudesse desmoronar, até que escutei batidas singelas na porta.
— Toc toc, Docinho! — Beto a abriu, trazendo consigo uma bandeja. — Espero que esteja
vestido.
— Beto?! Eu estava morrendo de saudade! Parece que se passou uma eternidade desde que
te vi pela última vez. E você ainda não me responde direito! Eu estou me sentindo tão sozinho!
— O abracei assim que deixou a bandeja na cama.
— Eu também estava com saudades, Oli.
— Você não devia estar com o Leonard agora?
— Ele pediu para que eu ficasse com você hoje. — Ficou um pouco mais sério.
— Ele quer que você me vigie, isso sim! — Mordi os lábios controlando minha
indignação. — Te contou que eu quase fui embora ontem, não é?
— Sim.
— Então você está aqui como o meu carcereiro. Ele pensa que por ter alguém que eu
conheço não tentaria fugir, mas ele está muito enganado. Nem você e nem ninguém me faria
ficar aqui se eu não quisesse. Não preciso de ninguém para me proteger e ninguém é meu dono.
Então se ele acha que eu sou um prisioneiro em uma torre...
— Não é assim também, Oli! — Meu amigo tentou amenizar. — Ele só está com medo de
que você saia e que alguém vá atrás de você. A gente sabe que você é fraquinho.
— Você não está ajudando assim, Beto. Só está piorando as coisas para o seu chefe. —
Peguei o chá e tomei um gole. — Sei muito bem me cuidar sozinho e fiz isso durante toda a
minha vida, dentro e fora da minha antiga casa. Então se você veio até aqui pra fazer essas
brincadeirinhas, eu quero que você vá embora e leve esse café da manhã com você. Eu sei
cozinhar, ao contrário dos dois fortões, ok?
— Calma, Oli. — Apertou minha perna. — Eu tô do seu lado, lembra? Não precisa ficar
com raiva de mim. Eu também não estou acostumado com tudo isso. Me mudar pra cá, deixando
tudo o que a gente conhecia em Ponack... É complicado até pra mim.
— Não esperava que isso fosse acontecer.
— Minha mãe adorou, porque morar aqui fica mais fácil pra ir até ela.
— Ai, Beto! — Suspirei querendo que tudo fosse mais fácil. — Desculpa, eu tô muito
estressado com tudo! E ainda tem aquele Andrey! Você o conhece? Ele parece não gostar do
meu relacionamento com o Leonard e tem um sorriso idiota e convencido no rosto.
— Conheço. Ele está sempre aconselhando o chefe nas coisas. — Pegou uma uva e se
apoiou nos dois braços ao se deitar na cama. — Mas não fica assim. O chefe gosta de você e tá
estampado na cara dele.
— Ontem senti que ele estava quase concordando em me deixar.
— Ele não faria isso. Não definitivamente. Tenho certeza de que ele só estava pensando na
sua segurança.
— E se esquecendo que eu não sou uma criança que precisa de proteção! Eu gosto de saber
o que faço com a minha própria vida. — Arrumei meu cabelo com violência. — Ele estava
escolhendo a saída mais fácil e ignorou o que uma outra mulher disse, sobre eu dar uma
declaração ou algo do tipo para todo mundo ver.
— Isso seria uma boa.
— E eu não sei o motivo de já não ter feito. Todo mundo parece me conhecer agora.
— Eu vi. — Sorriu e me mostrou uma foto, de uma captura de tela de um perfil do
Instagram. — Eu mesmo já segui um fã-clube seu. Se chama Oliver Docinho. Não sei como eu
não fiz antes. Eles roubaram o apelido que eu te dei.
— Idiota! — Ri. Estava com saudades dele. Era em quem eu mais confiava. — Eu te amo,
sabia? E essa barba combina muito com você.
— Eu sei! Fiquei um gato, né?
— Mas ainda é um convencido! — Beto estava mais forte também. E se não fosse hétero,
com toda a certeza teria me apaixonado por ele, com seus olhos e cabelos castanhos, combinando
perfeitamente com a pele branca que tinha. — Você é a única pessoa que eu posso confiar aqui e
tem que confessar que me ama também.
— Eu sei que ama. — Piscou pra mim e joguei o travesseiro nele. — Esse foi meu objetivo
desde sempre. Eu precisava ter passe livre pra entrar na sua vida e roubar sua comida.
— Você é um aproveitador!
— Que você acabou de dizer que ama.
— Vai embora!
Beto realmente era o que eu tinha mais próximo de uma família naquele lugar. Me sentia
completamente à vontade com ele para contar sobre meus temores ou as coisas boas que
esporadicamente aconteciam. Nossas conversas sempre foram calmas e mesmo nos últimos
meses, onde teve que acompanhar Leonard em praticamente todas as viagens, mantivemos
contato por telefone quando ele podia.
Conversamos muito sobre toda aquela situação e por fim Beto me convenceu a conversar
com Leonard sobre levar em consideração a proposta que fora feita na noite anterior, sobre
falarmos abertamente sobre nossa relação. Seria a melhor alternativa para que não precisássemos
ficar longe um do outro. As pessoas, pela forma que falavam sobre nós, não sabiam de tudo de
forma oficial. Pelo menos não as que realmente importavam no mundo, ou seja, as que tinham
poder e influência para nos ajudar.
Me arrumei para sair com Beto, pois tinha que comprar algumas coisas e levar para
Carmina, sua mãe. E seria uma ótima forma de deixar um pouco daquele mundo grandioso de
lado. Me certifiquei de que Paul e Sophy estavam bem e pedi para que as novas cozinheiras
preparassem os lanches que gostavam.
Acabamos por passar no mercado e ajudei meu amigo com a tarefa difícil, para ele, que sua
mãe o havia dado. Era péssimo e impaciente com as compras, mas era uma de minhas coisas
favoritas. Com ele ao meu lado, ali por aqueles corredores, senti que tudo estava de volta a
minha rotina antes de iniciar meu relacionamento com Leonard, quando eu ainda era um
ninguém anônimo.
Porém assim que chegamos ao caixa a realidade bateu, pois escutei alguns cochichos de
pessoas que viraram os rostos quando as encarei. Pela porta, vi quando Jay entrou, me
encontrando e vindo até mim. Ele estava ofegante e me deu uma bronca, de forma respeitosa, por
não o ter avisado que sairia, mesmo que com o Beto, pois eu era sua responsabilidade.
Sorri pela forma que me tratou, se controlando para não usar nenhuma palavra mais brusca,
mas se colocou ao meu lado, se certificando de que eu não carregaria nada. Gostava de ser
tratado daquela forma. Era um dos pontos positivos de toda aquela exposição: ter homens
enormes e prontos para fazer quase todas as minhas vontades.
Quando chegamos em frente à casa simples de Carmina, vi que um carro estava parado em
frente, o que fez Beto respirar fundo e reclamar que sua irmã, Roberta, estaria lá. O que me fez
rir antecipadamente, pois adorava todas as provocações que os dois trocavam. E pela implicância
dela pelo irmão ainda não ter se casado.
— Mãe! Cheguei! — Ele gritou e a conversa na cozinha parou. Senti o cheiro de pães e
encarei a sala de jantar simples, praticamente uma enorme mesa um pouco perto do sofá. O clima
frio de fora parecia não ter nenhum efeito lá.
— Finalmente, Roberto! Pensei que não chegaria nunca aqui e... Oliver! — A senhora de
cabelos pintados em um ruivo escuro apareceu. Estava muito bem para sua idade. “Com tudo em
cima!” como diriam.
— Como está, Carmina? — A abracei, sentindo o cheiro de lavanda. — Adorei a cor de
cabelo.
— Gostou? Acho que me deixou mais nova.
— Preferia como estava... — Beto resmungou.
— Porque quer que nossa mãe fique encalhada como você! — Roberta, uma mulher de
cabelos castanhos claros e um pouco mais baixa que Beto disse. — Você devia virar gay e se
casar com o Oliver. Ele é um bom partido! Se bem que ele consegue coisa melhor!
— Cala a boca, garota! — O irmão passou esbarrando nela, levando as coisas para a
cozinha.
— Ele já está comprometido, minha filha. Está namorando o Sr. Havens.
— O poderosíssimo? Como eu não fiquei sabendo? — Ri de como se referiu a Leonard.
— Pois é! Está em todo lugar. — Respondi sem graça.
— Você realmente tem doce no sangue. — Beijou meu rosto e encarou Jay, com seus dois
metros de altura. — E quem é esse grandão?
— Jay Harbor, senhora. É um prazer conhecer as duas. Sou o segurança de Oliver.
— O prazer é todo nosso, querido. — Carmina apertou sua mão, fazendo o gigante corar.
— Pode me emprestar ele, Oliver? — Roberta comentou, piscando para Jay.
— Acho que eu não tenho esse poder ainda.
— É uma pena! Poderia fazer bom uso de um homão desse.
— Filha, se controle. É uma mulher casada agora!
— Mas não cega, mãe! — Respondeu, segurando meu braço. — Já que está aqui, vai logo
pra cozinha, porque quero o seu bolo de chocolate! Estou grávida e você precisa fazer minhas
vontades!
— Quando foi isso?
— Enquanto você estiver fazendo o bolo, eu conto.
— Venha, Jay! Vou te fazer um café muito gostoso. — Carmina abraçou meu segurança.
— Pode relaxar, porque aqui você está muito seguro.
E aquela foi a manhã e tarde mais deliciosa do mundo. Não me preocupei em nada com
todas as falhas e barrancos de minha vida e pude ser o Oliver que sorria por qualquer coisa, que
sonhava com a confeitaria e que ria de piadas feitas por pessoas que realmente me amavam. Estar
com Carmina, Roberta e Beto, até mesmo com Jay, que percebi ser muito agradável e gentil,
longe do homem sério que sempre era quando estávamos juntos, foi o que minha alma precisava
para renovar as minhas energias.
Contei a elas sobre tudo o que acontecera nos últimos tempos, de meu relacionamento com
Leonard e principalmente em ser um pai para Paul e Sophy, o que fez Carmina ativar o modo
mãe e me dar um monte de dicas para cuidar dos pequenos. O que era algo que eu precisaria,
assim que toda aquela poeira baixasse.
Em determinado momento, quando pedi para ir ao banheiro, depois de comer toda aquela
comida e me empanturrar do bolo junto de Roberta, vi a porta de um quarto aberta, com a luz
acesa e Beto estava lá, segurando algo em frente a uma cômoda. Parecia uma carta surrada, mas
não conseguia ver direito.
Quando fui até a sala, observei um quadro, bem em frente a um vaso de flores. Nele
estavam os dois irmãos, Carmina e um outro homem, o irmão mais velho de meu amigo,
Ricardo. Sabia que ele havia morrido, mas era um assunto que não tocava. Somente ficara
sabendo quando, depois de beber muito, Beto me contou.
Ele havia morrido por uma causa que não conhecia e foi o que fez Beto entrar para aquele
mundo de seguranças. Sabia de sua saudade, pois havia sido Ricardo que havia cuidado deles por
muito tempo. Conseguia imaginar a dor de perder alguém que amávamos, pois meu pai ainda
vivia em meu coração. Sempre sentiria sua falta.
— Eu ainda sonho com ele. Às vezes acordo e penso que ele vai entrar pela porta do meu
quarto, me trazendo uma caixa de café preto para eu fazer e me deixando irritada. — A senhora
sorriu, se colocando ao meu lado.
— Sinto muito.
— Tudo bem. Algumas pessoas, mesmo que sejam muito boas de coração, tem o tempo
aqui nessa terra muito curto por causa de péssimas escolhas. — Ela beijou os dedos e colocou no
coração. — Ricardo era um filho maravilhoso, mas por se achar o homem da casa, e não me
obedecer, se meteu com quem não devia.
Fiquei em silêncio por um instante, a vendo fechar os olhos e fazer o sinal da cruz, rezando
pela alma do filho. Assim que terminou, me olhou com um sorriso e segurou minha mão com
ternura, iniciando uma leve massagem.
— Depois que Roberto se mudou para Ponack, dizendo que queria uma vida nova, até me
preocupei, pois... — Ela suspirou e beijou minha testa. — Oliver, eu pensei que tudo pioraria.
Morri de medo! Mas quando ele me ligou um dia, quando estava jantando com você, soube que
estava bem.
— Foi a primeira vez que me senti bem também. Ele se auto convidou para jantar, na
verdade.
— Eu fiquei com tanto medo de tudo se repetir que...
— Você queria que eu fosse jantar com você, Docinho. — Beto falou me abraçando.
— Nunca disse isso.
— Mas eu via nos seus olhos!
— Você tem problema de vista! E eu só pedi que me levasse de carro para casa.
— Mas o convite estava implícito que eu sei. — Revirei os olhos e Carmina riu. — Ele
disse que me ama hoje de manhã, mãe. Ele sempre fica se confessando pra mim.
— Por favor, Beto! Você é um convencido. — Tentei empurrá-lo, mas ele enfiou meu
rosto em seu peito, me abraçando forte.
— Fico feliz que tenha alguém que te ame, filho. E sei que Oliver sempre vai cuidar de
você por mim. Vejo que ele tem uma boa influência na sua vida.
— É o contrário, mãe. Eu que coloco ele na linha.
— Se você falar mais alguma coisa, eu nunca mais cozinho nada pra você! — Ameacei,
arrumando meu cabelo.
— Mentiroso! Você me ama! Sempre vai querer me agradar! — Deixou um beijo estralado
na minha testa.
E minha tarde se foi com uma promessa que visitaria Carmina mais vezes agora que
morávamos perto. Jay me levou para casa enquanto Beto ficou para aproveitar mais do seu dia de
folga. Conversei bastante com meu segurança e novo amigo e o fiz prometer que aceitaria um
convite para um jantar, que faria para ele futuramente. Leonard não estava lá, o que me deixou
angustiado, mas pelo menos havia se dado ao trabalho de me ligar e informar que ficaria
resolvendo algumas coisas com o futuro presidente William.
Na manhã seguinte não o vi. Respirei fundo e depois de me arrumar desci até a cozinha,
vendo Marta e Linda cozinhando. Daquela vez estavam mais cuidadosas com o que falavam
dentro daquelas paredes. Boni as estava monitorando de perto, da mesma forma que fazia
comigo antes de eu ser “parte” daquela família.
As crianças não estavam em lugar nenhum. Quando perguntei para um dos seguranças do
lado de fora, enquanto fazia a ronda, me disse que tinham saído com o pai, porém não
informaram para onde. Tentei ligar para eles, mas Leonard não atendeu, sempre chamando até
cair na caixa postal.
Procurei Boni por todo o lugar, mas não consegui encontrá-lo. Revistei cada canto daquela
casa enorme, mas ele parecia ter desaparecido. Ninguém havia o visto, nem mesmo os
seguranças. Passei em frente ao escritório de Leonard e automaticamente todas as lembranças
vieram. E como duas noites atrás estava quase a ponto de deixá-lo.
Abri aquela porta e fui em direção ao computador, esperando que estivesse desbloqueado
para que pudesse ver sobre o que estavam falando sobre mim na internet. De alguma forma,
havia conseguido mexer em meu celular e todas as vezes que buscava algo sobre mim não
encontrava nada. Me senti uma criança com um filtro adulto na programação.
E para a minha sorte, ou por descuido dele, o computador estava livre. Acho que havia
saído correndo aquela manhã, pois alguns papéis tinham algumas anotações, como alguns
nomes, incluindo o de Allen e a palavra escola e um endereço. O que era muito esquisito, pois
Leonard era uma das pessoas mais organizadas do mundo e pela primeira vez tudo estava uma
bagunça. E depois de arrumar tudo me senti culpado por estar fazendo aquilo escondido. Até
parecia que era algum foragido ou estivesse preso em cativeiro.
“Oliver Poyi; Buscar.”
No mesmo instante fui bombardeado de reportagens. Meu nome estava em matérias de
jornais, programas de televisão e até em alguns posters com a minha foto, o que achei absurdo.
Várias pessoas comentavam sobre mim dizendo coisas boas, sobre como eu era bonito e como
Leonard e eu formávamos um lindo casal. Mas outras eram bem maldosas e foram naqueles
comentários que meu cérebro focou.
Estava recebendo ameaças de morte e das mais horríveis possíveis. Diziam coisas
horrendas sobre mim e quem eu era. Todas completamente mentirosas e falsas, mas era cruel
pensar que tinham a capacidade de falar tais coisas odiosas. Eu era retratado como um
interesseiro e que só estava com Leonard pelo que ele tinha, que eu não gostava de seus filhos e
que só esperaria o momento certo para roubá-lo.
Não soube o que pensar e só notei que chorava quando senti o gosto de minhas lágrimas.
Como as pessoas poderiam ser tão nocivas com aqueles que nem conheciam? Tudo eram
mentiras e me abismava o fato de que muitos concordavam com tais coisas. Fechei o notebook,
saindo daquele escritório o mais rápido possível.
Todas as palavras e frases ficavam se repetindo em minha cabeça milhares e milhares de
vezes, e eu parecia não ter mais controle do que fazia. Me tranquei no quarto e tudo o que fiz foi
chorar. Não desci para tomar meu café e muito menos para almoçar. E ninguém veio me
incomodar. O que agradeci, pois toda a minha tristeza havia sido substituída por raiva. Estava
inconformado com a situação. Era por aquele motivo que Leonard estava ponderando sobre se
separar de mim.
Ele acreditava naquelas coisas?

Acordei sentindo pequenos e gentis toques em minha perna. Estava desorientado e uma dor
de cabeça horrível pulsava. Abri os olhos lentamente, me acostumando com a luz do quarto, mas
ao olhar pela janela percebi que já estava anoitecendo. O cheiro das árvores entrou, me fazendo
sentir saudade de minha antiga vida, onde somente era o professor de Paul e Sophy e só tinha
uma paixão platônica pelo pai deles.
Meus filhos estavam lá. Ambos com um sorriso ao me ver, felizes por algo que haviam
feito. E vestiam uma espécie de uniforme escolar azul-marinho. Era aquilo que Leonard fora
fazer na parte da manhã. Foi constituir uma vida nova para ele e sua família, enquanto eu estava
trancado… e quem sabia por quanto tempo.
— Que bom que você acordou, papai! — Paul disse e não pude deixar de me sentir
estranho e, pela primeira vez, até incomodado com aquilo. Estava com raiva, mas não deles.
Então coloquei o melhor sorriso que tinha. — Olha, a gente está com a roupa da nossa nova
escola!
— Vocês estão muito lindos. O papai Leonard que levou vocês? — Concordaram e Paul
me deu um pedaço de chocolate. Marrom miou e só então percebi que estava deitado no
travesseiro ao lado do meu.
— A gente veio te chamar de manhã, mas o senhor estava dormindo com o Marrom. — A
garotinha disse.
— O Marrom estava todo torto de barriga pra cima! Ele tava muito engraçado! — O irmão
riu, me fazendo sentir um calor em meu corpo por sua felicidade. Ele era tão inocente e puro.
— E onde o papai de vocês está?
— Está lá embaixo, conversando com um homem que eu vi na televisão.
— Você sabe o nome dele?
— Não sei, mas o papai sempre fala dele. Eu acho que eles estão trabalhando. — Sophy
sentou na cama, mexendo nos botões da camisa. — Ele está bravo.
— O homem?
— Não, o papai. — Ela se aproximou e começou a sussurrar. — O papai estava falando de
você com ele, mas eu não consegui ouvir, porque ele mandou a gente vir te acordar.
— Muito obrigado, meu amor. — Acariciei seus cabelos. O que Leonard estava fazendo?
Quem era esse tal homem da televisão? Será que estava planejando fazer aquela entrevista?
Minha barriga roncou, denunciando minhas várias horas sem comer. Pedi para que as
crianças fossem lá para baixo, enquanto eu tomava um banho e colocava uma roupa mais
apresentável, tentando melhorar minha aparência, pois estava me sentindo como um trapo velho
e usado. O choro havia deixado meus olhos vermelhos e tudo o que fiz foi me enfiar embaixo da
água quente, buscando algum alívio.
Desci as escadas lentamente, tentando me esconder de qualquer um que estivesse lá, indo
direto para a cozinha. Ninguém mais estava na casa, mas em cima da mesa, coberto por uma
daquelas tampas chiques e transparentes, havia um bolo.
Será que aquelas mulheres também roubariam minha única função restante para aquela
família?
Achei o jantar já pronto e coloquei no fogão. Imediatamente o cheiro delicioso daqueles
temperos e carne inundaram o local, me fazendo salivar e chamando a atenção do nosso gatinho.
Marrom miou e coloquei comida para ele, penteando seus pelos bagunçados de tanto dormir. Ele
não era muito carente, mas era engraçado o ver todo confiante pela casa, com o rabo para cima e
sacodindo, e se esfregando em minha perna.
O peguei no colo assim que o senti dar uma mordidinha, seu sinal de carinho. Ele era como
eu. Um membro adotado daquela família e que havia sido abandonado pela sua antiga. A única
diferença era que não estava com tantos problemas. Quis trocar de lugar e ter a única
preocupação em dormir e comer.
As crianças apareceram em seguida, atraídas pelo cheiro da comida, e junto delas estava
Leonard. Não estava vestido socialmente como sempre, mas para mim, ele nunca abandonava o
seu trabalho. A camisa branca marcava bem o seu corpo e quis abraçá-lo. Como ele podia ter
aquele efeito em mim? De me deixar sem ar somente por vê-lo.
— Estávamos te esperando para jantar. — Falou e quis chorar. Estava com tanta coisa
dentro de mim. As ofensas vinham em montes em minha mente. Tentei me controlar na frente de
nossos filhos, mas foi impossível. Desabei em lágrimas, sentindo meu peito subir e descer,
descontrolado pela minha respiração. Senti seus braços fortes e seguros me envolverem, mas só
conseguia cobrir meu rosto pela vergonha. — Oliver, o que foi?
— Eu não sou nada do que falam de mim, Leonard. — Sussurrei. — Eu não fiz nada para
merecer isso. Por que estão falando essas coisas horríveis de mim?
— Do que você está falando, Oliver?
— Eu vi o que dizem. — Encarei seus olhos e vi quando se tornaram ainda mais escuros.
— Como?
— Seu computador... — Respondi, sentindo seu peito acomodar meu rosto. — Eu
precisava saber o porquê você queria me deixar.
— Meu computador? Como... — Pareceu confuso, mas logo voltou sua atenção para
minha situação. — Eu nunca quis te deixar, Oliver. Só quero o que é melhor para você!
— O que aconteceu, papai? — Paul segurou a barra de minha camisa. Ele me olhava triste
e confuso, assim como Sophy.
— Não foi nada, filho. Pegue um copo de água pra mim, por favor.
— Por que você está triste? — A garotinha perguntou, mas não consegui lhe responder.
Tentar controlar meu choro só o fazia sair mais forte e intenso.
— Ajuda o seu irmão, Sophy. Eu já volto com seu pai. — Leonard pediu, se referindo a
mim também como pai de seus filhos.
Me levou para o lado de fora da casa. Senti o vento frio que corria por aquele imenso
jardim. Ele ia de encontro ao meu corpo, competindo por um lugar com o calor que emanava do
homem que me segurava. Tentava limpar meu rosto, mas era impossível. Sempre mais lágrimas
ocupavam o lugar das outras. Leonard se sentou em um dos sofás da varanda, colocando minhas
pernas por cima das suas, nos deixando próximos demais.
— Por que olhou aquelas coisas, Oliver?
— Eu tinha que saber o que estava acontecendo, Leonard. Precisava saber o motivo de
tudo e de todas essas pessoas estarem querendo se intrometer na nossa relação. — Confessei,
segurando seu rosto. Estava desesperado por dentro. As palavras pareciam explodir em meu
peito antes de saírem pela minha boca. — Como eles...? Eu não entendo!
— Olha pra mim. — Pediu e assim o fiz. — Eu não vou te deixar e quero que me perdoe
por aquela noite. Eu não estava pensando direito. Eu não penso direito quando o assunto é você.
Eu só queria fazer a coisa que achava melhor, mas não perguntei pra pessoa que mais importa
pra mim no momento.
Senti um beijo em minha testa, enquanto ele respirava lentamente, aquecendo meu rosto a
cada momento.
— Eu te amo, Leonard! Tanto que me dói pensar que se afastaria de mim por qualquer
motivo. Nunca pensei que me sentiria assim, mas eu não consigo evitar. Eu não quero que pense
o pior de mim, mas não sei o que eu faria se você saísse da minha vida agora. Nunca me senti
desse jeito por ninguém e isso me dá tanto medo!
— Não quero que pense mais nisso, me ouviu? Não quero que dê importância pra mais
nada do que ver sobre você! — Me puxou para seu colo. — Você é a pessoa mais doce que eu vi
em minha vida e me mata por dentro te ver desse jeito.
— Eu não quero viver assim.
— Você não vai! Eu te prometo isso.
— Aqui a água, papai! — Paul apareceu com um copo e nele estavam dois morangos ainda
com o caule.
— Eu achei que ia ficar bonito. Você sempre decora as coisas com frutas quando traz pra
gente. — Sophy se sentou entre mim e Leonard e segurou minha mão. Marrom caminhou até
nós, se deitando aos nossos pés.
— Obrigado, meus anjinhos! — Encarei Leonard acariciando a bochecha de Paul. —
Obrigado por se importarem comigo.

Semanas se passaram. Dias em que fui preparado por uma equipe presidencial contratada
para uma entrevista que daria. Mesmo com os protestos de Andrey, todos trabalharam para que
eu pudesse falar sobre meu relacionamento com Leonard. Mesmo ele não sendo um dos
candidatos, também era um dos rostos que ajudavam a impulsionar a candidatura do presidente
William.
Allen, Lara e April, os filhos dos candidatos, assim como eu, daríamos uma entrevista para
o programa de Seth Gordon, um dos grandes aliados do futuro governo. Seria uma ótima
oportunidade para aumentar a popularidade deles e para que alguns boatos sobre nós fossem
encerrados de uma vez por todas. Fiquei tão focado em meus problemas e tudo o que estava
ligado ao meu nome que não notei que eles também estavam sendo focos de boatos maldosos.
O carro estava parado em frente ao grande set de filmagens. Nunca havia visto algo tão
grandioso. Várias pessoas andavam para lá e para cá, apressadas e ocupadas com os arranjos para
que o programa fosse ao ar sem nenhuma interrupção. Segurava tão forte a mão de Leonard que
poderia quebrá-la.
— Vai dar tudo certo, meu amor. — Disse chamando minha atenção.
— Gosto quando me chama assim. — Sorri depois de sentir seus lábios nos meus.
— Vou te chamar assim muito mais vezes se me permitir.
— Não vai mesmo ficar comigo? Tenho medo de falar alguma coisa errada e colocar tudo
a perder.
— Você consegue, Oliver. — Segurou meu rosto, acariciando meus lábios. — Você é a
pessoa mais bondosa que eu conheço. É só ser você mesmo e todos vão ver a injustiça que estão
fazendo com seu nome. Estarei te esperando assim que acabar. Beto vai te levar até mim para o
jantar.
— Essa é outra coisa que está me deixando ainda mais nervoso. Não acredito que vou
jantar com o futuro presidente do país. Isso é tão fora de tudo o que eu esperava para a minha
vida, Leonard.
— Você foi a melhor coisa que me aconteceu depois de Elise, Oliver. Nunca achei que
poderia amar alguém de novo, mas você apareceu e mudou não só a minha vida, mas a dos
meus… nossos filhos. Quando a eleição passar vamos ter um tempo somente para nós.
— É tudo o que eu quero, Leonard. — O beijei da forma mais carinhosa que consegui.
Dois seguranças me acompanharam durante todo o tempo até me encontrar com Allen,
Lara e April. Eles estavam juntos e conversando sobre algo que deixava o menino ansioso, mas
tudo mudou quando eu cheguei. A filha do futuro presidente tinha um humor bem rápido e ácido,
e eu tinha que me acostumar com aquilo. A todo momento fazia alguma piada e quem a visse de
longe juraria que estava drogada.
Ficamos dentro de um camarim por vários minutos até que alguns profissionais entraram
para preparar nossas peles para as câmeras. Os deixei fazer o que quisessem, mas fiquei de olho
em tudo. Não queria parecer um palhaço em rede nacional. Seth Gordon entrou logo em seguida
e foi direto até a filha do presidente, a cumprimentando como se fossem velhos conhecidos, e
pelo jeito eram. Falavam de um garoto que não consegui entender o nome, mas esperavam que
quando ela fosse oficialmente a filha do homem mais poderoso de Varpato, que colocasse juízo
no filho do apresentador.
Comecei a ficar nervoso a cada minuto. Quando os via rir, como se nada estivesse
acontecendo do lado de fora, me deixava apreensivo e tudo o que conseguia imaginar era eu
travando para responder alguma pergunta e manchando a imagem de Leonard. Será que ele me
odiaria se eu deixasse aquele lugar? Meu Deus! Não poderia fazer aquilo, porque dependia de
mim da mesma forma que eu dependia dele. Se ele estava sendo forte, então eu também seria.
— Oli, relaxa! Vai dar tudo certo. Você vai ver! — Allen se aproximou de mim e notei o
quanto ele era o sinônimo de perfeição. Se existisse alguma família real em Varpato, certamente
ele seria parte dela.
— Está tão na cara assim?
— Sim. — Rimos. — Vou estar do seu lado lá. E Seth, apesar de o vermos ser bem
invasivo nos programas, não se atreveria a nos perguntar nada que pudesse comprometer sua
reputação conosco. Então, toma uma água e respira, ok?
Segui o conselho de meu amigo e foquei em tudo ao meu redor, menos na entrevista ou no
relógio, em contagem regressiva para o meu teste final. Nem quando saí de casa, sem ter para
onde ir, havia ficado nervoso daquele jeito. Era como se todos os órgãos do meu corpo
estivessem se torcendo. A preocupação com o que falar e como me comportar, tudo o que foi me
passado durante aquelas semanas, ficava rondando minha mente.
“Tente expressar seu amor por Leonard sempre que for perguntado sobre.”
“Sorria gentilmente sempre que Seth te fizer alguma suposição boa sobre o
relacionamento de vocês!”
“Mencione que você e Leonard, juntos de Paul e Sophy, formam uma família.”
“Seja bondoso, gentil e calmo em sua voz e gestos. Eles precisam te conhecer. Seja você
mesmo!”
Se fosse um dia comum, onde nenhuma daquela bagunça política estivesse ocorrendo, se
me perguntassem sobre como estava a minha vida, diria que ao lado de Leonard eu poderia
enfrentar o mundo. Diria que era feliz como nunca fui em toda a minha vida e que ele era o
homem da minha vida. No entanto, o mundo parecia tão grande e perigoso. E Leonard havia se
tornado meu abrigo em meio aquela tempestade.
As perguntas começaram assim que a luz escrita “No Ar!” foi acesa. As câmeras estavam
todas voltadas para nós, com luzes que me cegavam e era quase impossível ver a plateia atrás de
todos aqueles equipamentos. Parecia um mundo à parte, onde só existíamos nós naquele palco e
nada mais.
Vi algumas pessoas sorrindo para mim e outras até segurando cartazes com meu nome e o
de Leonard, nos desejando coisas boas e toda a felicidade do mundo. Alguns diziam até “Eu te
Amo!”, como se eu fosse algum tipo de ídolo. Consegui ver uma adolescente sentada entre dois
adultos e ela acenou para mim com muita empolgação. Sorri para ela, o que a fez ficar ainda
mais animada.
— Oliver?! Acho que alguém está um pouco distraído com as câmeras, pessoal. — Seth
sorriu, fazendo toda a sua plateia o acompanhar. — Você está bem, meu jovem?
— Eu acho que sim. — Respondi sentindo meu rosto queimar.
— Não fique assim. Estamos todos entre amigos aqui. — Afirmou, se inclinando em sua
mesa. — Mas eu quero saber uma coisa. Você tem muitos fãs. Como está reagindo com toda essa
fama?
— Eu… Bem, eu não sei o que dizer. É difícil imaginar alguém gostando dessa forma de
mim, porque eu, praticamente, não faço nada.
— É exatamente por isso que a gente te ama, Oli! Por você ser você! — A mesma garota
na plateia gritou. Seth riu, assim como os outros.
— Acho que temos uma fã aqui!
— Eu agradeço todo o carinho que tenho recebido.
— Tem um vídeo seu na internet, cuidando das crianças no quintal de sua casa. Ele faz
parte da campanha presidencial, mas dá pra ver que seu cuidado é admirável.
— Se servir de ajuda, eu nem sabia que eles estavam gravando. Se eu soubesse, tinha me
arrumado melhor. — Respondi, fazendo todos rirem. Era esquisito ser observado por várias
pessoas.
— Ele não é uma graça, pessoal? — Seth questionou para a audiência, olhando para as
câmeras. Palmas soaram e me senti ainda mais envergonhado. — Mas agora o assunto que todos
estão querendo saber. Como é o Leonard? Ele é um homem muito reservado, como podemos ver.
— Sim, ele é mesmo.
— Estamos todos curiosos pra saber como se conheceram e como esse romance começou.
Conta pra gente!
— Bem, eu… — Respirei fundo e contei tudo o que já havia discutido com os agentes
contratados para cuidar de minha imagem. Tomei cuidado para não mencionar nada sobre minha
família, pois não queria ninguém indo atrás de minha mãe. Aquela mulher me odiava e faria de
tudo para tirar algum proveito de toda a exposição.
— Leonard te protege como um soldado.
— Parece até um remake de O Guarda Costas da Whitney Houston! — April brincou, me
deixando vermelho e fazendo todas as pessoas rirem.
— Esse tipo de relacionamento é o que está faltando por aí. Talvez eu devesse aprender um
pouco com ele. — Seth sorriu.
— Ele é realmente maravilhoso! Eu nunca conheci um homem como ele. Eu o amo mais
do que posso expressar! — Admiti mais para mim mesmo e suspiros foram escutados. Allen
segurou minha mão, me dando apoio. Agora seria a hora da qual eu havia sido preparado. — Só
queria poder viver ao lado dele.
— Como assim, Oliver? — Seth se inclinou mais ainda.
— Estão me ameaçando e contando mentiras horríveis sobre mim. — Vi as pessoas
olharem surpresas e escutei alguns suspiros. — Eu só quero viver ao lado do homem que eu amo,
mas estão ameaçando a minha vida e me perseguindo. E eu só quero que parem, por favor.
— Isso é realmente horrível, Oliver! — O apresentador se levantou e veio até meu lado,
segurando minha mão. Sabia que estava de acordo com Leonard, mas realmente senti que ele se
importava. — Eu espero que o povo de Varpato te proteja. Já passou da hora desses crápulas
serem alvo! Já passou da hora da justiça ser feita!
E assim ele começou um discurso. Um que promovia o novo presidente e tudo o que o
mesmo defendia. Só ali percebi que éramos, realmente, além do próprio candidato, os rostos da
campanha. Estávamos lá para, além de acabar com todos os rumores e ameaças que eram
lançadas em nossa direção, que todos os cidadãos de Varpato soubessem a quem éramos “leais”.
O mais engraçado era que éramos muito mais populares que ele.
Fomos em direção aos nossos carros depois da entrevista e logo vi Beto me esperando.
Estava vestido com aquelas roupas sociais que caíam tão bem nele. Era um homem lindo, além
de ser uma pessoa maravilhosa. Se houvesse me apaixonado por ele minha vida seria muito mais
fácil. No entanto, não consegui prosseguir com aquele pensamento, pois logo Leonard se tornou
o centro do mundo para mim. Não conseguia me imaginar sem o seu jeito sério e até
exageradamente protetor, sua voz calma e intensa, o sentimento de possessão que tinha em
relação a mim, ao mesmo tempo que me respeitava para que não ultrapassasse limites. Ele era o
homem da minha vida!
Conversei com meu amigo sobre a entrevista e aguentei as suas piadinhas sobre como eu
fiquei bonito na televisão. Queria morrer sempre que ele fazia aquilo, mas também adorava a
intimidade que tínhamos. Não havia barreiras e nossa relação era quase como a de irmãos. Beto
sempre esteve lá, cuidando de mim quando eu não tinha mais ninguém. E sempre foi presente em
minha vida, principalmente quando comecei meu relacionamento com Leonard. Ele negava que
era ciúmes, mas sabia que era algo parecido. E para falar a verdade, realmente estava em falta
com ele.
Mas naquela noite tinha outra preocupação.
Paramos em frente a um grande teatro, modificado para abrigar centenas das pessoas mais
influentes do país. Todos os envolvidos na campanha estariam lá, em um evento promovido para
angariar fundos para as centenas de fundações e ONGs de ajuda. Haveria um leilão antes do
jantar, mas já era possível ver algumas pessoas beliscando várias coisas que os garçons traziam
em bandejas brilhantes.
Me abracei, sentindo o frio da noite úmida de Bisera e olhei para o homem parado no topo
da escada. Ele estava lindo! Caminhava com tanta segurança, que era impossível não o admirar.
Instantaneamente, como se fosse algum tipo de deus entre mortais, todos viraram para ele,
enquanto vinha até mim. E quando me alcançou, nem os milhares de cliques me distraíram de
seu abraço dominante. Eu estava em seus braços e não havia lugar melhor no mundo para estar.
— Não sabe o quanto eu estou louco por você, Oliver.
— Eu posso dizer o mesmo, Sr. Havens. — Brinquei, o segurando por sua gravata.
— Se continuar me chamando assim, te levo embora daqui agora mesmo. — Sussurrou em
meu ouvido, se colocando atrás de mim, disfarçando para as fotos. — Eu estou morrendo de
vontade de sentir seu corpo nas minhas mãos.
— O que aconteceu com você, senhor?
— Acho que te ver na televisão, falando como me ama, despertou alguma coisa em mim.
— Então tenha certeza de que tudo o que eu falei é a mais pura verdade. — O encarei. —
Tudo o que eu mais quero é fazer você feliz. Em todos os sentidos possíveis. Você é o que eu
mais quero, Leonard!
Ele me puxou novamente para seus braços, mas daquela vez minha boca foi devorada pela
sua. Leonard não se importou com a quantidade de pessoas que estavam nos observando e muito
menos a impressão que aquilo poderia causar. A única coisa que importava para mim era fazê-lo
feliz. Aquele momento poderia se prolongar para sempre, pois depois de muito tempo me senti
completo ao seu lado. Senti que tudo estava alinhado depois de tudo aquilo começar.
O tempo poderia parar e nos congelar com aquele sentimento.
CAPÍTULO 12 – Nós Temos Tempo

Leonard parecia tão confortável no meio de todas aquelas pessoas que era difícil
acompanhá-lo. Enquanto era solícito eu tentava a todo custo desaparecer em algum canto.
Depois que entramos no grande salão vários de seus conhecidos e colegas de trabalho o alugaram
de mim para conversarem sobre coisas que eu não entendia ou fazia questão.
Procurei Allen por todos os cantos, mas não o encontrei de jeito nenhum. Ele não estava na
mesa com seus pais ou com Lara, que conversava com April perto de um balcão com várias
frutas frescas. Não tinha muita intimidade com elas, então preferi ficar sozinho até o encontrar.
Beto estava com Jay, afastado e fazendo seu trabalho. Ou seja, a guarda de Leonard e a minha.
Era muito estranho pensar neles “trabalhando” para mim.
Fui até Leonard e perguntei onde era a nossa mesa, pedindo desculpas por interromper a
conversa. Ele me apresentou para outros amigos e, apesar de serem cordiais, não senti um
interesse em realmente me conhecer da parte deles. Pelo menos não fingiram tentar criar laços
comigo. Então assim que me sentei, alguém puxou uma cadeira e se sentou ao meu lado.
Tive um choque ao vê-lo daquela forma, mas me recompus. Ariel, que antes tinha cachos
lindos, estava careca. Ele estava bem cuidado, mas notava que, de alguma forma, ele destoava de
todos por estar doente. O abracei, retribuindo o sorriso que me dava e fiquei alguns segundos
naquele gesto.
— Você está bem? — O perguntei, receoso pela resposta.
— Estou melhorando. — Respondeu e sua voz melodiosa ainda estava lá, mas muito mais
sensível que o normal. — Descobrir que se tem câncer não é uma das melhores coisas.
— Sinto muito.
— Não tem problema. Sei que estava ocupado, lidando com seus próprios problemas.
Gostei bastante da entrevista que deu hoje.
— Não fiquei muito bobo falando se Leonard?
— É claro que não! Eu faço o mesmo com esse daqui! Vai comer tudo, me entendeu,
Sereiozinho? — Um homem negro disse. Era enorme e alto, como um jogador de basquete e com
uma barba feita e perfeita, apareceu atrás de Ariel, o trazendo um prato com comida. Ele vestia
um terno que o acomodava incrivelmente. E o cumprimentei quando me estendeu a mão. —
Travis, muito prazer!
— E você é...
— Meu futuro marido. Acredita que ele mentiu falando que iríamos nos casar para o meu
médico, só pra ficar sabendo sobre a minha saúde? — Ariel o encarou. Travis se sentou atrás
dele, pegando um dos petiscos.
— É a verdade, Sereiozinho! — Ele fez menção para o garfo de Ariel, fazendo meu amigo
revirar os olhos e comer. — Isso mesmo! Come tudinho! Pode até levar os talheres quando a
gente for embora.
— Para com essas piadinhas, por favor!
— Vocês formam um lindo casal. — Sorri pelos dois.
— Assim como você e Leonard! Me lembro muito bem de vocês na festa de Ano Novo. De
lá conseguia sentir que foram feitos um para o outro.
— Agora eu voltei a sentir isso também. — Escutamos Fabray chamar o filho. Ela estava
ao lado de um homem tão grande quanto Travis.
— Tenho que ir. Minha mãe quer me apresentar para um amigo editor dela. — Ariel
comentou. Travis pegou o prato e ajudou o namorado a levantar, mesmo sem necessidade. O
cuidado que ele tinha era lindo. — Foi um prazer revê-lo, Oliver. E já pensou em abrir sua
confeitaria? Minha mãe me obrigou a fazer uma menção sobre isso “despretensiosamente”.
— Pode dizer que eu talvez siga com essa ideia.
— Ok! Um beijo!
— Não se esquece de mandar o convite do casamento, Ariel. — Ele revirou os olhos para
mim e o grandão sorriu lindamente, abraçando o namorado.
— Não vou, Oliver! Esse daqui vou prender em uma concha!
— Eu nunca mais te deixo assistir A Pequena Sereia, Travis! — Ariel resmungou nos
braços do namorado.
Escutei a cadeira do meu outro lado ser arrastada e me surpreendi novamente por quem se
aproximou, porém não fiquei tão feliz quanto com Ariel. Era Andrey, o mesmo que propôs a
separação entre Leonard e eu. Quis pedir para que me deixasse em paz, mas minha educação me
impediu de ser mal-educado, assim como dar um soco em sua cara.
— Pelo visto a entrevista rendeu bons frutos. Espero que seja suficiente para tirar esse alvo
das suas costas. — Se acomodou, tomando uma taça do champagne horrível que estavam
servindo. Ele tinha o mesmo sorriso presunçoso e na minha mente arrebentei cada um de seus
dentes com o prato que estava na mesa. — A popularidade de Leonard, e a sua, está nas alturas
hoje. Todos estão com o sentimento de proteção quanto a você.
— Que bom que a gente não se separou, não é mesmo?
— Você ficou bravo com isso?
— O que você acha, Sr. Andrey?
— Não foi um ataque pessoal, Oliver. Não tenho nada contra você. Meus interesses são
somente profissionais. — Comentou, me encarando seriamente, mas logo abriu um sorriso. —
Só estava fazendo o meu trabalho. Não pense que tenho algum tipo de satisfação em fazer isso.
Tenho uma família e sei como as coisas podem ser.
— Você poderia ter pensado em algo diferente. Nossa relação quase acabou com a sua
sugestão, sabia? — Comecei a redobrar o guardanapo já dobrado.
— Novamente, peço desculpas por isso. Nunca foi minha intenção. — Suspirou, como se
tivesse algo no peito. — Mas preciso falar com você sobre algo.
— Comigo? Por quê?
— Não posso falar aqui. — A curiosidade me veio para escutar o que dizia, mas ele ainda
me dava medo. — Receio que teremos que conversar em um local mais particular.
— Eu não vou sair daqui. Não me entenda mal, mas eu não confio em você.
— Isso não seria uma surpresa. — Andrey era um homem que me lembrava muito o jeito
de uma cobra. Só esperando o momento certo para dar o bote. — Vamos esperar essa noite
passar e podemos conversar novamente em um outro dia. Amanhã, o que acha? Prometo que
minhas intenções são as melhores possíveis, Sr. Poyi, e serei muito breve.
— Eu… vou pensar no assunto.
— Está tudo bem aqui, senhor? — Jay se aproximou e Beto estava ao seu lado.
— Está sim. Só estávamos conversando.
— Alguém está te chamando ali, Sr. Andrey. — Beto apontou para uma senhora. Meu
amigo não estava com uma cara de bons amigos.
— É claro. — Ele se levantou, abotoando o terno e me cumprimentou com a cabeça antes
de sair e começar a sorrir para pessoas que eu não conhecia.
— Tá tudo bem, Oli?
— Agora está. Ele me deixa esquisito.
— Deu pra ver. — Beto comentou, apertando meu ombro. Algumas pessoas começaram a
nos olhar.
— Acho melhor voltarmos para nosso lugar, Jay. Ficar perto dos importantes não é muito
bom. — Beto piscou pra mim e revirei os olhos.
— Qualquer coisa estaremos por perto, senhor.
— Obrigado, Jay. — Meu segurança sorriu amigavelmente no meio daquela barba.
Porém ainda me senti estranho. O que Andrey queria comigo? Será que iria me pegar
desprevenido, pagar pessoas para me sequestrarem e me jogarem em algum lugar esquecido do
mundo? Não duvidaria daquela possibilidade. Porém devia admitir que fiquei curioso sobre o
assunto particular que queria discutir.
Não falaria com Leonard sobre aquilo, pois poderia entender algo errado e causar alguma
outra confusão desnecessária. Pediria para Jay ou Beto irem comigo, pois aquele senhor não se
atreveria a tentar alguma coisa com aqueles dois homens enormes por perto. Mesmo parecendo,
não seria atrevido naquele ponto.
Fiquei na mesa por vários minutos até que uma cadeira foi puxada e comecei a conversar
com alguém que pelo visto me conhecia. Era uma mulher de idade, mas muito bem conservada.
Seus cabelos brancos estavam arrumados de uma forma graciosa e seu jeito de falar me
lembravam uma rainha. Ela parecia uma fã e apoiadora de meu relacionamento com Leonard,
pois repetia que o mundo precisava de bons exemplos e não esses ditadores em pele de ovelhas
que destruíam o amor no mundo.
Foi diferente escutar alguém falando sobre mim com tanto apreço. Ela não me conhecia em
nível pessoal, mas, mesmo assim, foi a pessoa mais educada com quem havia falado em muito
tempo. Suas palavras me deixaram muito mais motivado a lutar pelo meu relacionamento e
manter a família com o homem que eu amava e nossos filhos.
Senti as mãos fortes de Leonard em minhas costas e ele me conduziu, junto com todos os
outros convidados, para uma grande sala com cadeiras dispostas lado a lado. Seria o momento do
leilão e pude ver várias celebridades no local. Estavam apoiando o futuro presidente e até me
senti tentado a falar com elas. As admirava de longe e estar no mesmo ambiente era um pouco
estranho, para não dizer excitante. Me senti alguém tão importante quanto elas naquele
momento.
Os lances começaram e fiquei apenas quieto, enquanto várias obras eram vendidas por
valores que eu nem tinha coragem de falar. Algumas eram tão feias que preferi pensar que não
entendia sobre arte para não julgar o péssimo gosto de alguns compradores e artistas. Até que vi
um grande quadro que mostrava um navio onde no lugar das velas foram desenhadas borboletas.
Aquilo realmente chamou minha atenção, pois amava aquelas criaturas. E Leonard parecia se
lembrar de meu apreço.
— Vamos começar com trezentos mil dólares. — O leiloeiro começou e uma mulher
levantou a placa, mas meu namorado foi mais rápido.
— Setecentos mil dólares! — Leonard afirmou ao meu lado e meus olhos quase saltaram
das órbitas.
— O que você está fazendo? — Perguntei quando ele baixou o braço. O leiloeiro
questionava se alguém dava mais, mas todos olharam para meu namorado em um misto de inveja
e admiração. Até mesmo encontrei Travis na multidão e distingui o “nossa” que saiu de sua boca.
— Vi como olhou para o quadro e te chamei até aqui somente pra ter certeza de que
gostaria do meu presente.
— Presente? Você não pode… Leonard! Você acabou de comprar um quadro por quase
um milhão de dólares! Você vai devolver! — Tentava colocar razão naquele homem, mas não
conseguia impedir o meu sorriso ao olhar para o quadro.
— Vendido para o Sr. e Sr. Havens!
— Todo mundo acha que somos casados. Considere a minha proposta de casamento
adiantada.
— E o que eu vou te dar? Um bolo de chocolate de mercado?
— Eu pagaria muito mais pra te ver sorrir. — Segurou minha mão e beijou abaixo de
minha olheira lentamente. — Mas aceito o bolo sempre que quiser.
— Leonard...
— Você não sabe o quanto mudou minha vida, Oliver! E eu não vou me perdoar nunca por
ter feito você pensar que não é importante pra mim.
— Leonard, eu…
— Eu te amo, Oliver. Não vou deixar de demonstrar isso pra você até que eu morra!
— Não fala isso nem brincando! — Acariciei seu torso. Ele disse que amava e me segurei
para não chorar na frente daquelas pessoas. — Nem sei o que fazer pra te recompensar por tudo
o que está fazendo por mim.
— Ficar do meu lado é tudo o que eu te peço.
— Eu te amo, Leonard.
Depois do leilão, me sentei a mesa em que o futuro presidente William e o vice-presidente
Tessi estavam juntos de suas famílias. Allen ficou ao meu lado e mesmo com o desconforto
inicial, ambos os chefes de estado me fizeram sentir parte daquele círculo. Até demonstraram
apreço pelo meu relacionamento dizendo que queriam o convite quando Leonard e eu nos
casássemos. Aquilo foi o suficiente para eu não saber mais o que falar. E conhecendo o homem
ao meu lado, tinha certeza de que usaria aquilo para me deixar sem graça depois.
Via a forma como eles conversavam e cada vez mais entendia o porquê de todo aquele
cuidado e segurança. Todo o carinho que havia naquela mesa era um tesouro que ninguém
deveria atacar. Todos se davam tão bem e se respeitavam, mesmo com as brincadeiras um pouco
maldosas de April, que acabar com aquela harmonia seria considerado um crime. Era quase
como um pecado contra a bondade. Me senti bem ao saber que fora dos muros de nossa casa
Leonard tinha alguém para cuidar dele.
E falando nele, a todo o momento sentia sua mão acariciar meu rosto. E mesmo me
deixando corado, não pediria para que parasse em momento algum. Seu toque era terno e
intenso, fazendo todo o meu interior queimar. Queria beijá-lo e mostrar o quanto era agradecido
por ter me tirado de minha vida solitária. Ele precisava ter certeza de todo o meu amor e faria de
tudo para que soubesse.
Juntando toda minha coragem, e falta de vergonha na cara, saboreei o vinho em minha
língua. E assim que ele desceu por minha garganta, coloquei minha mão na coxa forte de
Leonard. De início ele não fez nada e manteve sua postura intacta e altiva. Ninguém estava
prestando atenção em mim, então subi mais, sentindo cada vez mais o calor que emanava de seu
íntimo. Ele me encarou sério, mas já conseguia ver por trás de sua expressão. Ele estava me
desafiando a continuar.
Com um sorriso, deitei minha cabeça em meu ombro, fingindo estar cansado para os outros
ao redor e subi ainda mais, e com meus dedos, massageei seu membro, pulsando dentro da calça.
O circulei delicadamente e senti sua respiração forte quando deixou um beijo em minha cabeça.
Senti suas pernas abrirem, buscando aliviar o desconforto no tecido e apertei seu pênis, o
sentindo saltar e querer mais.
— Eu acho que tem alguém cansado aqui. — O presidente William comentou, mas não o
vi, devido a meus olhos estarem fechados.
— Foi o vinho. Ele não é acostumado com bebidas. — Leonard respondeu. — Acho
melhor levá-lo para casa.
— Desculpem por atrapalhar a noite. Sou um pouco sensível com álcool. Principalmente
vinho. — Falei, abrindo os olhos. Fingi um tremor e passei as mãos nos braços, como se
estivesse com frio. — Leonard, você pode me dar seu paletó? Acho que vou ficar resfriado.
— Claro, meu amor. — Por trás das írises verdes daquele homem vi o desejo de me punir
por aquele teatro.
— Foi uma ótima noite. Mal posso esperar para ser amigo dos futuros presidente e vice-
presidente de Varpato. — Me levantei, sentindo Leonard atrás de mim, colocando o paletó em
meus ombros. Seu perfume fez meus sentidos ficarem embaralhados por um momento. Aquele
homem era o prazer encarnado. Ele se despediu com um aceno, sempre ficando ao meu lado,
tentando esconder sua excitação marcada na calça de linho.
Os seguranças, logo que saímos do salão, vieram ao nosso encontro, nos protegendo da
aproximação abrupta dos repórteres. Várias fotos foram tiradas de nós e não me importei com
aquilo. Saber que Leonard seria retratado como meu marido, ou simplesmente como meu, fez
meu corpo ferver.
Para minha surpresa, o carro em que havia chegado não estava a nossa espera, mas sim
uma limosine. Nunca havia entrado em uma e aquilo só contribuiu para meu desejo. Acho que
todo aquele luxo que havia me cercado toda a noite subiu para minha cabeça, mexendo com todo
o meu juízo. Assim que as portas foram fechadas, Leonard deu a ordem para nos levar para nossa
casa e com o botão subiu o vidro, nos dando a privacidade que tanto queríamos.
Ele me puxou para seu colo e com agilidade e força tirou meu terno e abriu minha camisa.
Me surpreendi pelo seu gesto e senti sua boca beijar meu peito, subindo agressivamente até meu
pescoço. Segurei seus cabelos, puxando sua cabeça para trás e vi seu sorriso malicioso.
— Quem diria que esse doce teria uma surpresa tão gostosa? — Provocou. O Beijei
sentindo o gosto forte do whisky em sua boca se misturar com o do vinho que estava na minha.
Ele desceu seu dedo por dentro de minha calça e me penetrou.
— Eu não estou aguentando mais, Leonard. — Praticamente gemi enquanto sua mão
explorava meu interior. — Eu te imploro! Eu te quero dentro de mim!
— Não resisto quando você fica manhoso assim.
— Eu sei que gosta de me ter nas mãos.
— Como eu gosto!
E com toda a privacidade que poderíamos ter naquele carro, o senti explorar cada pedaço
de meu corpo. Seus beijos em minha pele me causaram arrepios. O suor de sua pele marcou a
minha como sua propriedade. Ele sabia exatamente o que fazer para que eu estivesse sempre
passível de suas necessidades e eu queria atender a cada uma delas. Queria cada vez mais me
deliciar das sensações maravilhosas que ele poderia me causar.
Quando senti meu íntimo ser preenchido por ele, tudo se completou. Não queria sair de seu
colo e tudo o que fiz foi segurar em seu rosto enquanto o beijava, movimentando meu quadril
impulsivamente, não me importando com a dor e sim com o prazer. Nossa excitação era abafada
pelos nossos lábios e o calor de seus braços ao meu redor faziam me sentir seguro e amado.
Sua boca explorava cada parte do meu pescoço, enquanto sua mão apertava minha cintura,
me mostrando que eu não sairia de seu domínio até que me consumisse inteiramente. Eu não
tinha forças para resistir aos seus comandos. Prazer e amor eram as únicas coisas que ditavam
nossas ações.
— Eu te amo tanto, Oliver.
— Eu também te amo. Mais do que eu posso dizer. — Abracei seu pescoço e senti um
beijo em meu peito.
— Eu nunca mais vou te deixar sair de perto de mim. Você é só meu! — Nos encaramos e
adorava quando ele adquiria aquele tom mandão e autoritário. Sabia que quem o visse fazer
aquilo acharia que estava afirmando sua vontade sobre a minha, mas era exatamente o contrário.
Era o seu respeito sendo afirmado.
Tudo o que fiz foi sorrir, enquanto escondia meu rosto em seu pescoço. Continuamos a nos
amar até que senti seu sêmen inundar meu interior. Não muito depois, comigo em suas mãos,
cheguei ao meu limite, me derramando sobre seu abdômen. Com todo o cuidado ele se retirou de
dentro de mim, assim como notou um certo desconforto de minha parte. Leonard era grande e era
a primeira vez que transávamos sem o auxílio de uma camisinha ou lubrificante, em um
ambiente impróprio. Mas não poderia ter sido melhor. A sensação de me sentir de certa forma
aberto, me fazia querer mais e me julguei por querer ser deflorado por ele de novo.
— Você fica tão lindo quando fica com vergonha, Oliver.
— E você adora me deixar assim. — Depois de nos limparmos, comecei a abotoar sua
camisa ainda em seu colo, enquanto ele estava de braços abertos, apreciando meu cuidado. — E
eu não sou fraco para bebida.
— Sei que não é. Essa noite foi muito surpreendente!
— E por qual motivo, Sr. Havens?
— Porque descobri que preciso comprar mais vinho para nossa casa. Gostei muito de como
você fica depois de uma taça. — Me fez cócegas ao apertar minha cintura. Ele me encarou
ternamente. — Amo seu sorriso, sua risada, como seus olhos se fecham… Oliver, eu já não
consigo ver minha vida sem você.
— Você é tudo que eu sempre quis!
— E você é tudo o que eu sempre vou precisar!

Depois da nossa pequena loucura, ficamos em silêncio durante todo o caminho. Leonard
estava extasiado e eu só queria dar a ele algum tipo de conforto. Acariciava seu peitoral enquanto
descansava de olhos fechados. Esperava que, por conta da minha entrevista, tudo se acalmasse e
as pessoas começassem algum tipo de campanha a nosso favor. Só queria viver ao lado do
homem que amava e de meus filhos.
Sempre sonhava com o momento em que estaríamos em um almoço de domingo, com
todos os nossos amigos reunidos em um momento descontraído, como todas as famílias que via
passando os finais de semana em Ponack. E principalmente como a do Sr. Tompson e Beto. Eles
eram os sinônimos de felicidade para mim.
Duvidava muito de que os amigos de Leonard seriam o tipo de pessoas que ficariam no
quintal de nossa casa, enquanto um deles ficava responsável pela churrasqueira. Bem, Bernard
parecia o tipo de homem que se enquadrava naquele perfil de dono da festa, mas provavelmente
usaria aquilo para irritar Samantha, seu “hobby” preferido.
— Onde Jay e Beto estão? Pensei que estavam fazendo a nossa segurança hoje.
— Pedi para que buscassem nossos filhos e Boni no cinema. — Leonard disse ainda de
olhos fechados. — Provavelmente já devem estar em casa.
— Falando neles, queria muito ter ido com vocês para fazer a matrícula dos dois na escola.
Se vamos ser uma família, quero estar presente quando fizer algo assim. — Deitei minha cabeça
em seu peito, logo sentindo um beijo.
— Ainda não tínhamos decidido nada sobre o que fazer com toda a perseguição que você
estava sofrendo. E não queria colocar você ou eles em perigo desnecessário. Fiz isso sem
ninguém saber.
— Eu sei, mas…
— Prometo que daqui para frente isso não vai mais acontecer. — Segurou minha mão. —
Sei como você é apegado a esses gestos.
— Eu os amo, Leonard. E quero ser presente no que puder na vida deles. Quero ser como o
meu pai foi para mim enquanto crescia. — Passei meu dedo pela marca mais branca em seu
anelar, onde ficava sua aliança.
— Ainda estou te devendo um anel, não é?
— Não precisa se preocupar com isso. — Sorri ao lembrar daquela cisma que as crianças
tinham. — Não preciso de um anel para saber que sou seu.
— Mas eu quero que saibam que é meu. — Encarei seu sorriso. Ele não era somente lindo,
mas um completo sonho. Beijei seu queixo, sentindo o pinicar de sua barba. — Eu já tenho o seu
anel...
— Eu sabia que faria essa piada. — Rimos da inocência de Sophy ao sempre falar aquilo.
— Ainda bem que nossa filha ainda não tem a malícia do mundo.
— Gosto quando você fala assim.
— Os dois são nossos filhos, Oliver, não importa o que os outros digam. Você é tão pai
deles quanto eu e vou me certificar legalmente disso. — Beijou meus lábios fortemente. — Você
já está cumprindo todas as obrigações de um marido.
— Você está muito animado hoje.
— Eu só estou feliz.
— Percebi muito bem isso.
— Se quiser brincar novamente, temos alguns minutos. E sabe que não vou negar suas
vontades!
— Leonard! — O abracei, escondendo meu rosto queimando em seu pescoço.
— Estou brincando com você, meu amor.
— Já disse que gosto muito quando me chama assim?
— É por isso que continuo dizendo.
Eu estava nas nuvens e não poderia ter pedido uma noite melhor para passar com ele.
Apesar de todo o nervosismo da entrevista, ele me fez esquecer completamente todos os meus
medos e receios quanto ao nosso futuro. Sabia que com Leonard não precisaria me preocupar
com minha segurança, pois sempre estaria lá, cuidando de mim da melhor forma possível. Era o
anjo em minha vida.
Comecei a reconhecer as ruas e estávamos quase chegando em nossa casa. Precisava muito
aprender aqueles caminhos caso fosse levar nossos filhos para a escola futuramente. Não queria
depender sempre de um homem de preto para me levar para todos os lugares. Tinha que ser mais
independente.
Leonard pegou o celular e a claridade machucou meus olhos. Estava morrendo de sono e
lutando para ficar acordado. No visor, vi o nome de Boni ser selecionado e logo ele iniciou uma
chamada. Estava começando a gostar daquele senhor ranzinza e até percebia seu senso de
proteção em relação a mim. Era um grande vovô resmungão e que não abria a mão de perder a
cara de mau, mesmo sendo carinhoso, de seu próprio jeito autoritário e severo, com todos a sua
volta. Conhecê-lo de verdade havia sido uma das surpresas agradáveis de minha união com seu
patrão.
— Boni não está atendendo. — Leonard falou, se arrumando no banco e tomando cuidado
para não ser brusco em seus gestos, devido à eu estar deitado praticamente em seu corpo. Ele
discou novamente o número, mas o mesmo aconteceu.
— Ele deve ter ido se deitar. Já são mais de dez horas da noite. Ou deve estar colocando as
crianças para dormir.
— Ele nunca fica longe do celular. — Resmungou para si.
— Tente ligar para o Beto ou para o Jay. Eles tinham ido buscá-los, não é? — Me
endireitei.
Leonard tentou ligar para os dois, mas eles também não atendiam. Aquilo fez um peso se
formar em meu coração e foi impossível não começar a pensar que algo estava errado. Beto e Jay
ainda estavam trabalhando. Eles sempre aguardavam Leonard chegar em casa para deixar o
expediente. Eram os homens mais responsáveis que conhecia.
Leonard foi quase à frente da limosine, abaixando o vidro que nos separava da direção.
Não conseguia escutar o que ele falava, mas vi o tecido de suas costas se esticar devido a tensão
que seus músculos provocavam. Esperei segundos, que mais pareceram uma eternidade,
enquanto ele questionava o que estava acontecendo.
Disquei o número do celular de emergência de Sophy, mas não tive resposta. Dizia que o
aparelho estava desligado ou fora da área de cobertura, o que era impossível. Eu mesmo o
carregava sempre e fiz questão de andar com ele por toda a casa, a fim de verificar se havia
algum local que não possuísse sinal. Não havia nenhum ponto cego em todo o terreno.
Verifiquei as câmeras e a casa estava toda escura e foi quando senti meu coração gelar.
Um arrepio subiu pelas minhas costas e instantaneamente lágrimas se formaram em meus
olhos, manifestando o terror que sentia. Havia um homem de capuz no quarto das crianças, de
costas para a câmera e olhando os dois dormirem.
— Meu Deus, Leonard! Tem alguém na casa! Tem alguém no quarto deles!
Ele pegou o celular de minha mão e vi o desespero em seu rosto. Ele gritou para que o
motorista fosse mais rápido. Demoramos alguns minutos e até mesmo passou com toda a
velocidade pela portaria, ameaçando o segurança por conta da identificação de sempre assim que
chegávamos na entrada do condomínio. Ele falou com todos os outros seguranças, mobilizando
todos para a casa.
Aquilo não podia acontecer. Era impossível! Todo o lugar era o mais seguro que existia
para se morar. A segurança era reforçada pelo próprio condomínio por conta de seus moradores.
Não existia a mais remota possibilidade de alguém entrar sem que estivesse previamente
informado. Eu mesmo havia passado, além da pergunta de segurança, por diversos testes e
mecanismos para evitar qualquer tipo de sequestro.
— Leonard…
Tentei chamá-lo, mas ele não me escutava. Estava preso em seu terror ao pensar que um
desconhecido poderia machucar seus filhos. Suas mãos formavam um punho e sua mandíbula
estava forçada, causando ainda mais tensão em seu rosto vermelho pela raiva. Eu temia pelas
crianças e me sentia culpado por ter uma parcela de culpa. Havia atraído aquela atenção para eles
por conta de meu envolvimento com seu pai e não me perdoaria se algo acontecesse.
— Essa atenção toda… — Ele começou a dizer e sabia que falava das consequências de
meus atos.
Tudo aconteceu tão rápido que eu mesmo não tive tempo de assimilar.
Assim que a limosine passou pelo portão da casa, vimos vários dos seguranças do lado de
fora. Eles estavam esperando a nossa chegada. Leonard saiu do carro, muito antes de ele parar
perto da entrada principal, o que obrigou o motorista frear bruscamente.
Ele respirava como um touro e correu até os homens. Saí logo atrás dele, mas parei
tentando controlar meu corpo. Estava me sentindo fraco demais até para caminhar. O medo
estava tomando conta dos meus sentidos e o frio daquela noite me atingiu como uma adaga em
todos os meus membros.
Um dos seguranças saía pela porta da frente. Era Jay. Ele negou com a cabeça ao se
aproximar mais dos outros. E foi quando em um segundo tudo brilhou atrás dele e no outro uma
onda me empurrou com força contra o carro, me fazendo gritar ao sentir uma dor excruciante do
lado esquerdo da minha cintura.
Tudo estava em chamas! Nossa casa não passava de destroços!
Um zumbido horrível me impedia de escutar qualquer coisa e minha visão estava turva
demais, me impedindo de identificar quem quer que estivesse em minha frente. Era como se tudo
estivesse em câmera lenta. Tentei me levantar, mas minhas pernas falharam, como se fossem
feitas de pano. O cheiro da fumaça entrava pelo meu nariz, secando toda minha garganta e me
fazendo tossir dolorosamente. Meu peito doía e vibrava intensamente. Era difícil de respirar.
Alguém havia explodido nossa casa...
E as crianças...
As havia visto pela câmera em seu quarto junto com aquele desconhecido. Não era um
delírio meu! Tentei me arrastar para mais perto de toda aquela luminosidade e lutando para
enxergar algo por meio das lágrimas. Tentei chamar meus filhos, mas meu corpo me traiu.
Minhas cordas vocais não me respondiam.
Senti alguém segurar meu corpo, mas o mundo parecia não ter vida. Nenhum som chegava
até mim, até que vi Leonard. De seu rosto escorria sangue e mesmo mancando foi em direção a
estrutura em chamas, gritando para que seus homens o soltassem para que pudesse procurar
pelos filhos. Ele estava tomado pelo desespero e ignorava os avisos de que não havia ninguém
dentro da casa.
— Leonard… — Sussurrei, sentindo minha garganta rasgar devido ao esforço. Vibrava de
dor e a mão de quem me ajudava a ficar em pé, apertava justamente onde havia batido.
— Não se preocupa, Docinho. Vamos ter muito tempo para falar com o patrão assim que
ele perceber que em vez de se preocupar com os filhos, que estão em segurança na casa ao lado,
devia estar de olho em você! — Conhecia aquela voz e aquele tom. Poderia reconhecê-lo mesmo
em um estádio.
Tentei me debater e sair de seu abraço, mas era impossível nas minhas condições. Queria
confirmar ao olhar em seu rosto, mas não consegui.
— Fica quietinho, Oli. — Ele tampou a minha boca assim que puxei ar para gritar por
Leonard ou alguém. — Não se esforça tanto. Logo as lágrimas dele vão ter um motivo!
Então sua mão tampou meu nariz, me impedindo de respirar. Meu coração batia forte em
meus ouvidos e sentia cada vez mais meu corpo me desobedecer. As lágrimas inundaram meus
olhos, fazendo as chamas se tornarem borrões incandescentes a minha frente. E o desespero me
tomou, pois não havia ninguém para que eu pudesse pedir ajuda.
Senti minhas pernas se debaterem inutilmente pelo chão. Ele estava me arrastando, me
levando para longe de Leonard, daquele que sempre me protegeria. Tentei tirar suas mãos de
meu rosto, mas uma dor de cabeça, assim como uma pressão horrível, me tomou.
Então a última coisa que ouvi foram os gritos potentes do homem que eu amava.
CAPÍTULO 13 – Acostumado

A noite passada não passava de uma bagunça em minha cabeça. Todas as emoções
tomaram conta de meu corpo e minhas atitudes antes do pior acontecer. A explosão no local
onde deveria ser o nosso santuário; o ataque a minha sanidade ao descobrir que a pessoa que
sempre considerei parte de minha vida não passava de um mentiroso. E quando o senti me
arrastar, me tirando de todos os sentidos, pensei que uma atrocidade aconteceria, no entanto ele
somente brincara comigo.
Beto... Era Beto quem havia feito aquele horror se tornar realidade e o pior era não
entender o motivo. Era ele quem estava por detrás de todos os ataques pessoais que sofri, como
as fotos, as ameaças que Leonard havia recebido e me impedido de saber. Meu melhor amigo era
o responsável por colocar a vida de Paul e Sophy em risco. Não entendia como era possível
aquilo ocorrer, sendo que havia passado uma tarde maravilhosa em sua casa, com sua família.
Não era possível que estivesse fingindo, durante todo aquele tempo, a sua amizade e carinho por
mim, era?
Sabia que ele não estava sozinho, mas me doía muito mais saber que ele sempre esteve por
perto, escutando sobre minhas reclamações sobre Leonard e todas as coisas que acabavam com
minha autoestima. Ele se fez de meu amigo, fingiu se importar com meus sentimentos e me
ajudar a entendê-los. Como pude ser tão carente para não descobrir o que estava diante de meus
olhos?
Havia sido desmaiado logo após o ataque e os gritos de Leonard buscando por seus filhos
ainda me atormentavam. Nunca havia o visto tão desesperado ou descontrolado como naquele
momento. Era um lado completamente diferente do homem que conheci. Saber que eu tinha uma
parcela naquilo me matava aos poucos, pois sempre confidenciei, mesmo que minimamente, as
rotinas e costumes que havia desenvolvido com aquela família. Eu também era culpado, assim
como Beto e, possivelmente, os extremistas, por deixar o homem que eu amava daquela forma,
por colocar um alvo na cabeça de Paul e Sophy.
Quando acordei estava sozinho em uma sala branca de um hospital. Meu peito ainda doía
quando tentei respirar, assim como meu braço, pois algo era injetado em minha veia. Me sentia
fraco e completamente indefeso. Meu corpo e alma estavam tão fragilizados que tudo o que quis
foi que outra bomba explodisse naquele quarto e acabasse com todo aquele sofrimento
insuportável.
Jay foi o primeiro conhecido que vi. Ele entrou junto com um médico e pude ver alguns
machucados em seu rosto, assim como um curativo em seu pescoço, onde ainda podia ver a
vermelhidão. O especialista fez todos os procedimentos para se certificar de que eu estava bem
antes de me liberar uma hora depois. Estava com um roxo enorme na perna e na cintura. Me
lembrava de quando fui lançado em direção ao carro e o fantasma da dor fez meu corpo inteiro se
arrepiar. Imediatamente meus pensamentos foram em direção a Paul e Sophy. Precisava saber
que eles não haviam...
Por sorte, ou não, quando Beto estava me carregando novamente para a limosine, Jay
apareceu, me socorrendo como sempre prometeu. Ele e Beto entraram em uma luta, e para não
ser pego meu raptor escolheu fugir, me abandonando desacordado.
Meu segurança me dissera que após a explosão, um vídeo foi mandado diretamente para os
celulares de Leonard, do presidente William e do vice-presidente Tessi. Neles estavam meus dois
filhos, Allen e April. Eles por pouco não conseguiram pegar Lara. Ela havia conseguido fugir
dos sequestradores assim que se distraíram com os tiros dados por Sebastian, o chefe da guarda
presidencial. O plano deles era pegar todos nós.
Não conseguia criar coragem para deixar aquele quarto. Não queria sair daquele hospital e
olhar nos olhos do homem que eu amava, pois me sentia o causador de tudo aquilo. Não
consegui perceber o inimigo dentro de nossa própria casa. Quantas vezes falei bem de Beto para
Leonard? Talvez fosse por aquele motivo que ele não viu quem meu amigo... quem Roberto
realmente era.
— Jay, me desculpa por isso. — Lhe disse enquanto estava em minha frente, me ajudando
a calçar o tênis.
— Isso não é sua culpa, senhor. Ninguém pensaria que Roberto estava envolvido com os
terroristas.
— Mas se eu não...
— Não siga por esse caminho, senhor. Ele não vai te levar a lugar algum. — Me ajudou a
me levantar e me sentou na cadeira de rodas. — Todos nós estamos bem e vamos trazer todos
que ele raptou de volta e em segurança.
— Se não fosse por você... eu... — Baixei meu rosto, pressionando meus dedos nos olhos,
tentando inutilmente impedir as lágrimas de saírem. — Eu...
— Esse é o meu trabalho, Sr. Oliver. — Apertou meu ombro, sorrindo para mim. — Não é
uma coisa boa desenvolver algum tipo de ligação com nossos clientes, mas isso é impossível
quando se trata do senhor. Todos os seguranças, todos que trabalham para o Sr. Havens, sem
exceção, estão preocupados e gostam do senhor.
— Você...
— Não há nada que o senhor diga que vai mudar isso. — Me empurrou para fora do
quarto.
— Espera! — Segurei no batente da porta, o impedindo de continuar. — O que está
acontecendo lá fora? Todo mundo já está sabendo do ataque?
— Infelizmente, senhor.
— Como Leonard está?
— Não tive a chance de falar com ele, mas está preocupado com a segurança dos filhos.
— Estou com medo, Jay.
— Eu sei, senhor. Mas estou aqui. Pode confiar em mim.
— Obrigado por me proteger.
— Sempre, senhor! — Ele sorriu, apertando novamente meu ombro. Respirei fundo e por
fim permiti que me levasse daquele quarto.
Passei quase mais uma hora na lanchonete do hospital, enrolando para comer um pequeno
lanche sem gosto que me deram. Via os olhares das pessoas ao me reconhecer. O ataque estava
em todos os noticiários e todo mundo estava sabendo sobre como eu, milagrosamente, tinha
escapado das mãos dos assassinos graças ao meu segurança. Nem se deram ao trabalho de citar o
nome de Jay, o que me deixou irritado, porque só mostravam que não estavam genuinamente
preocupados com nossa segurança e sim só queriam a atenção.
Fiquei de cabeça baixa a todo momento e graças a Jay, e ao bom senso e educação de todos
que estavam lá, ninguém veio falar comigo. Minha cabeça doía a todo momento por conta de
toda a emoção que estava presa dentro de mim. Principalmente levando em consideração meu
estado, literalmente, de impotência.
Estava terminando o chá que havia pedido quando percebi alguém se aproximar. Não movi
um músculo para ver quem era, mas o sentia parado, respirando fundo, mas nenhuma palavra foi
dita. Um aperto em meu ombro, para me consolar, fez com que um soluço involuntário ganhasse
força.
— Sinto muito pelo que passou, Sr. Oliver. — Boni entrou em meu campo de vista, se
abaixando. Não aguentei aquilo e deixei meu corpo cair no dele, sendo vencido por toda a
angústia. Ele me consolou, fazendo carinho em meus cabelos, como um pai faria. — Está tudo
bem agora, garoto. Vamos embora. Vim te buscar.
— Não consigo voltar, Boni! Não consigo olhar para o Leonard! Não depois de tudo isso
acontecer por minha culpa!
— Isso não foi culpa sua, Sr. Oliver. Os únicos responsáveis são aqueles miseráveis e
Roberto. Você foi uma vítima de tudo isso!
— Eu fico pensando se eu nunca tivesse aceitado o emprego...
— Você pensa demais, Sr. Oliver. E esse é o seu mal. — Me puxou pela mão, me
colocando de pé. — Você tem que aprender que existem coisas que estão fora do nosso controle.
Infelizmente, esse ataque foi uma delas. O senhor estando aqui ou não, eles ocorreriam e o
resultado poderia ser muito diferente.
— Você acredita em mim?
— Não entendi o que quer dizer?
— Você não acredita que é minha culpa o Beto... Roberto ter tido a chance de fazer isso?
— Ele enganou a todos nós. Não é errado acreditar que exista o bem nas pessoas. —
Colocou o sobretudo preto em mim, assim como óculos escuros e um boné, para esconder um
pouco da vermelhidão em meu rosto. — Agora nós vamos para... vamos para casa.
— Ele está bem?
— Sim, mas ficará melhor quando o senhor estiver ao lado dele.
— E as crianças?
— Ainda estão as buscando, mas tenho certeza de que logo vamos encontrar todos eles.
O lado de fora estava uma bagunça. Devido à segurança reforçada do hospital onde me
encontrava, um que somente os dirigentes do país tinham acesso, tivemos privacidade até
entrarmos nos carros. No entanto quando chegamos nas ruas de acesso mais público, milhares de
pessoas estavam com cartazes contra o governo atual, o que ainda estava no poder. Culpavam o
silêncio do atual presidente e gritavam para que o Presidente William assumisse o poder
imediatamente.
Manifestações estavam ocorrendo para que os culpados fossem encontrados o quanto antes
e pedindo por justiça pelos ataques. Meu nome estava em muitos dos cartazes, assim como o de
Allen, April, Paul e Sophy, que foram sequestrados. Não sabia o que pensar, mas parecia estar
presenciando algum cenário de guerra iminente. O clima fechado da cidade só contribuía para
que tudo ficasse ainda mais pesado. Bisera parecia estar sob aviso de um temporal horrível e em
nada refletia a pacificidade por qual sempre era lembrada.
Não fomos para nosso condomínio anterior e sim fizemos um caminho totalmente
diferente, levando para uma área ainda mais protegida. Era a casa do futuro presidente William.
Milhares de homens de preto estavam andando e rondando o local, impedindo qualquer coisa
passar. Nosso carro foi revistado por aparelhos que eu nem sabia nomear, assim como todos nós.
Quando finalmente fomos liberados, o carro seguiu até a entrada da mansão. Ela parecia a
própria casa presidencial, só que mais requintada e em menor tamanho. Era um monumento feito
por algum artista. Estava frio e minha pele logo sentiu a umidade do ar. Uma chuva cairia logo e
minhas mãos doíam quando tentava mover meus dedos. Meus olhos ainda estavam pesados pela
quantidade de remédios que corriam por minhas veias, me impedindo de sentir a real dor pelo
qual meu corpo tentava se recuperar.
Boni me ajudou a subir os degraus devido a minha perna. Estava com ela enfaixada e cada
passo era como se sentisse uma agulha perfurá-la, assim como minha cintura. Não conseguia me
virar e tinha medo de fazer qualquer movimento. Odiava sentir dor e morria de medo de algo
pior acontecer.
A casa estava cheia de pessoas, várias delas me olharam, me cumprimentando com um
gesto contido, outras seguiram seu caminho sem nem notar que eu estava lá. Procurei por
Leonard, no entanto não estava em lugar algum. Boni me levou para a sala de estar e lá estavam
Lara e sua mãe, Catarina. Era notável sua beleza e o porquê de ter sido a vencedora do Miss
Universo. Era realmente deslumbrante estar em sua presença.
A garota estava com a aparência abatida. Ainda devia estar com medo de tudo o que tinha
acontecido e preocupada pelo sequestro do irmão e de April. Os três eram bem próximos.
Sempre estavam juntos nos eventos de seus pais ou em algumas festas da faculdade que
frequentavam. Tinha uma ideia do que sentia.
Fui até as duas e Boni logo se retirou, sumindo em algum cômodo da casa após me sentar
no sofá. Catarina veio até mim e me deu um abraço, sem dizer uma palavra. Não havia o que
dizer. Era uma situação horrível para todos. E agradeci mentalmente por não me perguntar se
estava bem, pois era capaz de desmoronar novamente. Uma das diaristas da casa entrou com três
xícaras de chá e só então percebi que eram quase sete horas da noite.
— Você deve estar cansado, querido. Não quer se deitar? Separamos um quarto para você
e Leonard até... até tudo ser resolvido.
— Não sei... Eu...
— Oliver, que bom que está melhor! Ficamos todos preocupados. — Jessica, a mulher do
presidente William apareceu. Seus olhos estavam um pouco vermelhos, mas ainda parecia a
mulher forte que via na televisão.
— Onde está Leonard?
— Ele saiu com meu marido e Maurice. — Ela se sentou, tomando um pouco do chá. —
Nunca pensei que isso fosse acontecer. Lambert sempre se preocupou com a segurança de nossa
filha, mas...
— Não há como prever essas coisas, Jessica. Maurice também fez de tudo para que Lara e
Allen ficassem sempre seguros. Assim como Leonard com Paul e Sophy.
— Sua mão está congelando, querido. Não quer se deitar? — Ela perguntou assim que
segurou minha mão.
— Eu não quero ficar sozinho... — Sorri sem graça. — Todas as vezes que eu fecho meus
olhos eu vejo a explosão. Prefiro ficar acordado e esperar por eles.
— Não sei que horas vão voltar e seria melhor você descansar. Todos nós precisamos nos
recuperar do que aconteceu.
— Nós vamos encontrar todos eles. — Catarina afirmou, sorrindo e abraçando a filha.
— Eu espero que encontrem todos e que paguem por isso! — Lara caminhou até a janela.
Via em seus olhos a raiva que sentia. — Quando eles bateram no Allen... Eu quis tanto matá-los,
mãe!
— Não diga isso, minha filha. — Catarina a puxou para si. — Não fique com esses
pensamentos. Vamos ter nosso Allen de volta são e salvo! Seu pai e os outros vão trazê-lo para
casa. Todos eles!
— Onde é o banheiro? — Perguntei, me levantando com dificuldade. Jéssica me indicou e
sem mesmo pedir Jay estava ao meu lado, me ajudando.
Caminhei devagar e com todo o cuidado do mundo, e assim que fechei a porta pude
respirar. Encarei meu reflexo e meu rosto estava horrível. Havia um machucado em minha
bochecha, como se alguém tivesse apertado demais a pele e sabia quem era o responsável.
Peguei o sabão e esfreguei a região várias e várias vezes. Queria tirar qualquer vestígio dele de
mim. Me sentia sujo!
Parei antes que a área ficasse ainda mais irritada e me apoiei na pia. Estava fraco e minha
visão escureceu gradativamente. Minha pressão estava baixando devido ao esforço. Era sempre
assim. Chamei Jay e logo estava em seus braços de novo. Pedi para que me levasse até o quarto
preparado para mim e me deixei ser amparado.
Assim que entramos vi a cama de casal. Era linda e em outro momento poderia me
imaginar deitado com Leonard, sem preocupação alguma além de amá-lo. Porém aquele era um
sonho impossível. Não sabia o que ele estava sentindo e se me culpava por algo. Ele não havia
me buscado no hospital e sim mandado Boni e Jay em seu lugar. Aquilo devia indicar alguma
coisa.
Tentei tirar minha camiseta, no entanto uma dor horrível me impediu. Jay me ajudou a me
trocar e não me fez sentir desconfortável. Me sentei na cama, me arrumando de um jeito que
nada doesse. Ele saiu por um momento e quando voltou trouxe Marrom.
— Ele apareceu hoje no terreno. Boni o encontrou. — Me entregou. — Ainda bem que não
estava na casa quando tudo aconteceu.
— Ainda bem! Será ótimo para quando Paul e Sophy voltarem. — Vi a coleira que
provavelmente Paul devia ter comprado para ele. O abracei ao lembrar do garotinho. Não
conseguia imaginar o que estariam passando. — Obrigado, Jay.
— Não há o que agradecer, senhor.
— Obrigado por... — Respirei fundo, controlando minhas emoções.
— Vamos encontrá-los! O Sr. Havens não vai parar até que isso aconteça. Ninguém vai!
— Eu sei. — Encarei os olhos esverdeados do gato. — Você acha que... Esquece.
— Você precisa ser forte, Sr. Oliver. Pelas crianças. Eles vão precisar do senhor quando
voltarem. — Eu nada disse, somente concordei. Não sabia o que dizer além do que ficava
rodando em minha cabeça e não queria me fazer de coitado na frente dele e de mais ninguém.
Não diria que eu era o culpado de tudo, mesmo que repetisse constantemente em minha mente.
— Acho que vou dormir agora, Jay.
— Tudo bem, senhor. Se precisar é só me chamar. — Deixou um pequeno aparelho. Nele
havia um botão, como algum alarme. — É só apertar que logo estou aqui.
Assim que saiu o quarto caiu na penumbra. Somente o ronronar do gatinho tomava conta
do ambiente. Fiquei fazendo carinho em seu pelo macio e me forcei a pensar em tudo menos no
que havia acontecido, mas os clarões vinham tão vivos em minha memória que pareciam ocorrer
várias vezes mesmo no escuro.
Me perguntava quando Leonard chegaria e o que diríamos um para o outro. Minha vontade
era a de me desculpar inúmeras vezes por ter se sentido tão desesperado. Em nada parecia o
homem de horas antes. Vi o medo em seus olhos, pois seus filhos eram as coisas mais
importantes para ele. E eles três eram as coisas mais importantes para mim. Queria ajudar de
alguma forma, mas não tinha nenhuma serventia. Não havia nada que eu pudesse fazer. Se não
havia conseguido perceber que o homem que considerava meu amigo havia me enganado....
Depois de algum tempo recebi uma ligação de Carmina, a mãe de Beto, porém não a
atendi. Não tinha coragem de falar com ela, pois mesmo não sendo o certo, me questionei se
estava, junto de Roberta, ciente das ações do filho. No entanto era possível que ele também
houvesse mentido para as duas. Como pude ser tão cego? Sempre conseguia perceber a intenção
das pessoas. Por que não havia notado o que ele realmente queria? Por que ele havia feito tudo
aquilo? Não conseguia entender!
Adormeci com todos aqueles pensamentos e não vi quando Leonard chegou. E nem
quando saiu pela manhã. Os remédios tinham um efeito muito maior em mim e me odiei por
aquilo, pois não consegui sequer senti-lo. Queria tirar aquele sentimento de que estava me
evitando de propósito. Porém aquela suposição havia se tornado mais uma de minhas paranoias
insistentes.
Me levantei e vi que havia uma mala na porta de meu quarto. Nela havia roupas caras e
compradas recentemente. Havia perdido todas as minhas na explosão. Tudo o que eu havia
guardado comigo por anos havia sido queimado. Não havia nada mais que me lembrasse do
passado e chorei quando me lembrei de que meu álbum, o que havia ganhado de meu pai, havia
sido destruído para sempre.
Já eram passadas dez horas da manhã quando me obriguei a parar de chorar e desci. Uma
vergonha enorme estava me consumindo por estar na casa de pessoas que não conhecia muito
bem. Mesmo que naquele momento estivéssemos unidos por conta de um desfortuno em comum.
Assim que cheguei à cozinha, três cozinheiros estavam cuidando do que vi ser o almoço.
Assim que me viram pararam o que estavam fazendo, como se eu fosse algum tipo de fantasma.
Nunca me acostumaria com aquela reação que o poder causava nos outros. Até um tempo atrás
era eu quem a tinha e era estranho estar do outro lado da moeda.
— Eu só vim comer alguma coisa. Não quero atrapalhar ninguém.
— Não atrapalha, Sr. Havens. O que gostaria de comer? — O homem com um sotaque
diferente questionou. — Temos sanduíches, bolos e tortas. Frutas também. Tudo leve para que o
senhor possa se recuperar.
— Pode ser o sanduíche.
— É claro, Sr. Havens. — Concordou com um sorriso.
— É só Oliver! O Sr. Havens é o Leonard, meu... Você sabe quem ele é.
— É que eu pensei que...
— Mas não é verdade! Não somos casados! — Aquilo saiu de forma grosseira e ele
engoliu em seco. — Me desculpa. Eu não quis falar desse jeito. É que tudo isso é estressante
demais!
— É compreensível, Sr. Oliver.
Ele se aproximou depois de uns segundos e me entregou o café da manhã. Agradeci e comi
ali mesmo, ignorando o clima pesado que estava no ar. Tentei conversar com eles, mas as outras
duas mulheres estavam muito duras de vergonha ou constrangimento. Então terminei o mais
rápido possível e os deixei para trabalhar. Quando havia me tornado alguém ameaçador?
Fui até a porta de entrada, mas antes de abri-la alguém o fez. E foi minha vez de ficar
parado como uma estátua. Senti o sangue de todo o meu rosto sumir e voltar, o fazendo queimar
de vergonha. Lá estava o futuro presidente de Varpato e a pessoa que estava fazendo minha vida
e planos virarem de cabeça para baixo. Já o tinha visto no jantar, mas naquele momento, onde
estávamos em uma situação completamente diferente, percebi o olhar matador que possuía.
Assim como o do vice-presidente Tessi. Eles estavam acompanhados de uma imensidão de
pessoas e dentre elas estava Andrey.
— Ia para algum lugar, Oliver? — Lambert William, o todo poderoso, questionou com um
sorriso.
— Eu só... Eu... — Respirei fundo, tentando controlar meu nervosismo. — Só queria
respirar um pouco.
— Não gosta da minha casa? — Voltou a questionar e me deixou ainda mais constrangido.
— Não! Quero dizer, sim! Sua casa é muito bonita! Eu só...
— Só queria sair dela. — Me cortou e fiquei calado. Então ele esboçou um sorriso
divertido e quis enfiar minha cabeça dentro da terra. Ele apertou meu ombro. — Estou brincando
com você. Estava com uma cara muito abatida.
— Não liga para ele, Oliver. Vai ser o presidente de Varpato, mas ainda é um moleque.
Um moleque careca, mas ainda assim um moleque. — Maurice, pai de Allen e Lara, me
cumprimentou.
— Você está a salvo aqui, garoto! Pode ficar tranquilo.
— Eu não sei o que falar, Sr. William.
— Lambert, por favor. Você é futuro marido de um dos meus melhores amigos. Me sinto
responsável por você tanto quanto ele. E sinto muito por tudo o que aconteceu. Trouxe toda essa
confusão pra sua vida e nem tive a chance de me desculpar.
— Eu entendo. — Sorri, sentindo seu aperto em meu braço. — Sinto muito por April e
Allen. Espero que os encontrem logo.
— Nós vamos!
— Preciso de um pouco da sua positividade.
— Ela vem com o tempo. E minha filha precisa dela. — Sorriu, se lembrando de algo. —
Ela sempre foi um aventureira e mesmo não gostando da minha candidatura no início, era a
primeira que sempre me mandava continuar. Acreditar nela me impede de pensar o pior.
— Leonard já deve estar voltando de viagem também. Logo virá para cá. — Maurice disse
e o encarei confuso.
— Leonard viajou? — Por que não havia me avisado?
— Precisou resolver alguns problemas em Ponack.
Fiquei calado enquanto eles entravam e iam direto para o escritório, onde passaram a maior
parte do tempo. Não conseguia tirar da cabeça como o homem que mais importava para mim me
tratava com tamanho descaso.
Ele sabia tudo sobre a minha vida, meus costumes, minha rotina e descobria coisas
referentes a mim antes mesmo de eu descobrir. No entanto quando se tratava dele, sua vida e
escolhas, parecia um livro fechado. Não dividia nada comigo e não parecia se importar com o
que eu achava sobre as decisões que tomava. Não tínhamos nada oficialmente, como um
casamento, mas o mínimo que esperava era um pouco de consideração ao me dizer sobre o que
faria, pois queria me sentir parte de sua vida.
Estava no quarto quando Andrey bateu à porta segurando uma pasta nas mãos. Não queria
falar com ele, mas não podia expulsá-lo, pois era o responsável por diminuir todos os efeitos
causados por aquela tragédia. Talvez se houvesse dado valor a sua proposta antes, não
estivéssemos naquela situação.
— Quero falar com você, Oliver.
— Eu não sei se tenho algo para falar.
— Não precisa se sentir ameaçado por mim. Estou aqui para ajudar.
— Eu sei... — Ele entrou, fechando a porta atrás de si. — Desculpa. Não sei como agir
com tudo isso.
— Não é diferente de nenhum dos que estão lá embaixo.
— Me pergunto se eu tivesse te escutado. — O encarei, o vendo negar com a cabeça. — Se
tivesse me afastado de Leonard...
— Eles teriam ido atrás de você e, possivelmente, teriam conseguido te raptar, assim como
fizeram com os outros. Talvez a sua teimosia, e amor pelo Sr. Havens, tenha te salvado de algo
pior.
— Mas...
— Acredito que até mesmo eu estava errado quanto a gravidade de tudo. Talvez se
estivessem separados, agora não estaríamos tendo essa conversa. Mas de qualquer forma, isso
não aconteceu para o nosso bem. — Sorriu e se sentou. — O que vim resolver com você é algo
que realmente demanda nossa atenção. Antes de tudo, espero que entenda que estávamos
pensando no seu bem.
Ele tirou alguns papéis da maleta, com dois estalos que me fizeram arrepiar, e me entregou.
Nele constavam algumas informações que não entendia muito bem, mas a palavra “Testamento”
me resumiu o motivo daquele encontro.
— O que é isso, Andrey?
— Leonard me pediu para cuidar do testamento dele. O escolheu como responsável por seu
patrimônio caso algo aconteça. Deixará tudo para você e para os filhos se...
— Não aceito! — Encarei o papel em minha mão. — Não somos nada! Somos namorados,
no máximo! Ele não pode me deixar nada! Onde ele está? Quando decidiu isso?
— Conversou comigo a alguns meses, mas enquanto o senhor estava no hospital
finalizamos o que estava pendente.
— Mas ele não conversou comigo! — Me levantei, olhando o lado de fora e me apoiei na
janela devido a dor em meu peito. Respirar era horrível.
— Isso é algo importante para ele, Oliver. — Encarei o céu. O tempo estava fechado, como
de costume para acompanhar uma tragédia. E o cheiro das árvores entrou pela janela quando a
abri, assim como o frio.
— Ele não pode decidir as coisas sem mim. E se eu fosse um deles? Eu não quero isso!
Parece que vai morrer a qualquer momento.
— Leonard falou que você diria exatamente isso. — Andrey riu, segurando meu braço e
me sentando na cama novamente. Ele fechou a janela e se colocou ao meu lado. — Leonard não
quer ficar longe de você. Isso é óbvio para todos que veem o relacionamento dos dois. Só quer
que, caso algo aconteça, o que não esperamos que aconteça, você tenha como cuidar dos seus
filhos.
— Eu não vou assinar nada sem ele aqui! — Afirmei e o entreguei as folhas. — Pode levar
tudo isso embora.
— Como quiser, Oliver. — O homem guardou todas as coisas e foi até a porta, mas antes
de sair me encarou. — Se posso dar algum conselho, peço que não deixe que tudo o que Leonard
faça crie uma imagem diferente do que ele é. Pode parecer que não respeita sua vontade ao fazer
algo como um testamento, mas a única coisa que fez, durante todo o tempo, desde que
começaram esse relacionamento, ou até antes, foi cuidar para que os filhos, e agora você,
tivessem tudo nesse mundo.
— O que quer dizer?
— Ele já me pediu muitas coisas na vida, mas a mais interessante, e fácil, foi descobrir se
você era uma pessoa honesta e "doce", como descreveu para mim. E depois que constatei que
não era uma ameaça, vi que você foi o responsável por tirá-lo do abismo que ele estava depois da
morte da esposa. — Andrey sorriu e pela primeira vez aquele gesto não me causou
estranhamento, e sim sinceridade e carinho. — Você não sabe o quanto ele te ama e o quanto
sacrificaria para que nada acontecesse com você. Tenha isso em mente, Sr. Havens.
Ele saiu do quarto e me deixou uma bomba para carregar. Não conseguia me concentrar
em nada, mas, ao mesmo tempo, tudo vinha em minha cabeça. Um conflito de ideias se batiam
dentro de mim em relação ao homem que entreguei meu coração. Todas as revelações feitas por
Andrey me confirmaram que a única coisa, da qual não tinha espaço para dúvida, era o quanto
Leonard se importava comigo. O quanto me amava.
Almoçamos todos juntos e Catarina, como a mulher agradável que era, sempre sabia o que
dizer para sair de algum assunto desagradável. Então, todos começaram a conversar sobre os
planos que fariam assim que tudo se resolvesse. Como se fossem encontrar todos no dia
seguinte.
Vi Marrom, o gatinho, se levantar do chão e olhar em direção a porta. A escutei ser aberta
depois de alguns segundos e ele apareceu, visivelmente cansado. Leonard passou o olhar por
todos até encontrar o meu, e assim que o fez, o dele se suavizou. No entanto, voltei minha
atenção a comida, me obrigando a engolir cada garfada, de repente me sentindo completamente
envergonhado.
Ele se sentou ao meu lado, deixando um beijo em minha bochecha. Não consegui olhá-lo e
me doía não admirá-lo. Queria ignorá-lo por me fazer sentir um nada, mas ansiava por seu
abraço e toque forte. Um misto de emoções faziam meu corpo se revirar e transbordar.
— Com licença. — Me levantei e fui em direção ao banheiro de nosso quarto, me
trancando lá logo em seguida.
Me deixei chorar, permitindo os soluços sacudirem meu corpo a cada segundo. E quanto
mais tentava os controlar, impedindo os gemidos de saírem, mais ganhavam força. Estava fraco,
debilitado emocional e fisicamente, abandonado de toda a confiança que juntei durante os anos.
Em nada me lembrava daquele garoto que foi expulso da casa da mãe e se aventurou no mundo,
sempre desejando algo melhor.
Senti meu corpo se arrepiar e sabia que Leonard estava do outro lado da porta. De alguma
forma havia aprendido a reconhecer o seu todas as vezes que se aproximava. Pareciam
conectados um ao outro e era tão bom sentir que a qualquer momento estaria em seus braços.
Como se nada pudesse me atingir a não ser ele mesmo.
— Oliver? — Sua voz grave me fez tremer.
— Eu só preciso...
— Abre a porta, por favor.
— Me deixa aqui, Leonard. Eu quero ficar sozinho.
— Deixa eu cuidar de você. — Pediu, mas mais parecia uma ordem. Como me dizia algo
assim? Ele que sempre me abandonava, naquele momento, queria mudar suas atitudes?
— Não!
— Oliver, por favor, abre essa porta! — Sua voz adquiriu um tom mais pesado.
Limpei meus olhos e segurei a maçaneta, juntando minha coragem para olhá-lo. Ele estava
do outro lado, centímetros de mim e de minhas mãos. Em um simples gesto poderia tocá-lo e
sentir tudo desaparecer, como sempre acontecia, pois era aquele o efeito que exercia sobre mim.
Então abri a porta, vendo seu corpo ainda maior.
— Como você pôde me deixar assim, Leonard? O que eu significo para você?
— Oliver...
— Não! Eu não terminei! — Ele fez menção com a cabeça para que eu continuasse. —
Você não pode fazer um testamento para mim, me entendeu? Não pode agir como se você fosse
morrer a qualquer momento! Não pode sair e viajar sem me avisar! E principalmente não pode se
afastar sem se dar ao trabalho de conversar comigo antes! Eu preciso de você! Eu sinto muito por
tudo o que está acontecendo e quero encontrar Paul e Sophy tanto quanto você, mas você precisa
me... Eu não quero que me afaste! Eu não sou seu brinquedo, Leonard!
— Eu nunca pensei isso de você. — Tentou segurar meu braço, mas o recusei, me
afastando.
— Você sabe como me senti quando eu acordei no hospital e você não estava lá? Era como
se eu estivesse livre para que ele voltasse e terminasse o trabalho de me matar! — Fechei os
olhos, segurando minha frustração. — Eu estou tão cansado de ficar de fora da sua vida. Você
não entende que eu também quero cuidar de você, da mesma forma que faz comigo?
— Eu sei, meu amor! Mas eu não posso permitir que isso continue! — Ele se sentou na
cama, esfregando as mãos no rosto. — Eu fico falhando e falhando o tempo todo! Eu não
consegui proteger meus filhos e quase perco você, que estava perto de mim, porque me
desesperei! Ele estava te levando de mim, bem debaixo do meu nariz e eu não vi! Que tipo de
homem eu sou se não consigo manter quem eu amo em segurança? De que vale tudo isso?
— Você não tem que carregar o peso de tudo sozinho, Leonard.
— Eu não posso colocar a responsabilidade de tudo em mais ninguém. Esse é o meu dever
com vocês!
— Não é! Desde que você disse que me amava, eu soube que você era o homem da minha
vida! Eu só consigo imaginar minha vida do seu lado, cuidando de Sophy e Paul, dos nossos
filhos! Cuidando de você! — O abracei, sentindo como seu corpo estava quente. — Eu esqueci
de mim para só me lembrar de nós. Eu quero uma família... não! Eu já tenho uma família com
você! Então, por favor, me deixa te ajudar a cuidar dela também, porque eu já cansei de você ser
o meu herói e ninguém estar lá para te salvar.
— Eu não sei o que eu faria se te perdesse, Oliver. — Segurou meu rosto, me olhando
intensamente. — Você é minha luz! Não estou acostumado a ser amado e por isso só penso no
que eu quero para você, mas não mais! Me perdoa, por favor.
— É claro que eu te perdoo, Leonard. Eu te amo e eu vou te amar para sempre! — O
beijei, sentindo todo o amor que fluía entre nossos corpos. O carinho existente na forma que o
tocava contrastava com a forma bruta e dominante que me tratava.
Não tinha mais forças para resistir a qualquer outra separação entre mim e ele. E tinha
certeza de que se ele não estivesse do meu lado, não teria capacidade de viver. Leonard era o
meu caminho para a felicidade. E mesmo que tivéssemos de encontrar milhões de pessoas
horríveis, ficaria do seu lado a todo o momento.
Alguém bateu à porta e Jay entrou logo em seguida.
— Desculpa interromper!
— Tudo bem, Jay.
— Eles fizeram contato, Sr. Havens.
CAPÍTULO 14 – Espere

Todos estavam reunidos na sala enquanto os “homens da casa” estavam no escritório


discutindo todas as medidas com Sebastian. Sabia que ele e Allen tinham alguma relação e
esperava que não estivesse negando seus sentimentos, e sim que estivesse os usando para se
empenhar em trazê-lo de volta.
Os extremistas ligaram pedindo um resgate e um valor enorme pela cabeça de todos
depois. O que seria pago, se não fosse o presidente William. Não tinha nenhuma intenção de dar
dinheiro para aquelas pessoas. Dizia que seriam eles quem pagariam por tudo o que causaram em
nossas vidas.
Pensar em tudo trazia em mim a tristeza em saber que Beto estava por trás daquilo. Ele
havia ficado do meu lado tantas vezes que era impossível não sentir meu coração em pedaços por
conta do fim de nossa amizade. Como ele pôde fazer aquilo com Paul e Sophy? Me recusava a
pensar que era tão cruel a ponto de fazer mal para duas crianças amorosas e inocentes.
Andava de um lado para o outro sem saber o que fazer e me sentindo fraco por não poder
ajudar em nada. Era um dos alvos e percebia como todos me olhavam como se eu fosse
desaparecer a qualquer momento. Todos os seguranças ficaram avisados para não me deixarem
sair da propriedade e sempre ficarem de olho em tudo o que eu fazia. Tinha vergonha de até ir ao
banheiro com medo que um deles fosse entrar se eu derrubasse a escova de dentes.
Qualquer barulho estranho ativava meu cérebro, qualquer porta batendo trazia de volta o
momento da explosão. Estava ficando paranoico e minha cabeça doida me fazia pensar que na
verdade os extremistas tinham pedido por mim e não por dinheiro para que libertassem os outros.
— Você tem que parar de ficar andando pra lá e pra cá. Daqui a pouco vai abrir uma
trincheira no meio da sala. — O presidente William brincou, aparecendo junto de todos os
outros. Ele tinha um positivismo forte.
— O que vão fazer, querido? — Jessica o abraçou.
— Já está acontecendo.
— E as crianças? Eles falaram algo sobre elas? — Perguntei e logo senti Leonard me
abraçar.
— Pelo que… Ele disse que não fizeram nada com eles.
— Ainda não acredito nisso, Leonard.
— Ninguém acreditou. Esse é o problema de se confiar em alguém. Corremos esse risco.
— Boni me disse a mesma coisa. — Suspirei, fechando os olhos com meu rosto apoiando
em seu torso.
— E quem garante que ele não está trabalhando junto com eles? — Larah se levantou, se
referindo a mim. A olhei surpreso com a atitude e acusação.
— Eles estavam atrás de mim também. Levaram meus filhos e me fizeram acreditar que
tinham morrido!
— E mesmo assim você conseguiu escapar, não é? Isso é muito conveniente pra você já
que você é…
— Pobre? Sozinho? Qual dessas coisas você vai jogar na minha cara? Eu não preciso do
dinheiro de ninguém. Nunca precisei, garota! Não comece a assumir coisas ao meu respeito,
porque eu tenho a mesma capacidade de falar inverdades sobre você!
— Filha, se acalma. — Maurice, seu pai, segurou o ombro da filha, mas ela se
desvencilhou, vindo em minha direção. Leonard se colocou entre nós.
— Pense bem no que vai dizer, Lara. — Disse calmo. — Todos nós estamos sofrendo e
vivendo nessa casa confinados. Não é hora de ficarmos nos acusando sem fundamento.
— Eu só acho engraçado que ele nunca percebeu que o amiguinho dele sempre estava por
perto, tramando tudo isso.
— Eu não tive culpa de nada! — Gritei, sentindo meu peito doer. Uma dificuldade enorme
para respirar me veio, fazendo com que eu tossisse muito. Meu corpo inteiro doía e sentia como
se meu peito pesasse uma tonelada. Uma falta de ar horrível me tomou e quando tirei a mão da
boca, vi o sangue. — Leonard, eu…
— Oliver, respira! Jay! — Gritou pelo nosso segurança, que em um segundo o ajudava a
me levar para o carro.
— Mãe, eu... — Lara me encarou, mas fechei os olhos pela dor excruciante.
Meu peito parecia explodir e chiava como se estivesse carregado de algum líquido. A tosse
vinha incontrolável e tudo o que queria fazer era arrancar o órgão com minhas próprias mãos.
Estava no colo de Leonard e via seu rosto vermelho por correr.
— Fica comigo, meu amor! — Me colocou deitado com a cabeça em seu colo, enquanto
me encarava. Sentia sua mão acariciar meu rosto. Tentei falar, mas aquilo só desencadeou uma
nova tosse forte. — Não se esforça, Oliver! Tudo vai passar!
Lutava para me manter acordado e sabia que devia sempre olhar Leonard, mas meu corpo
não me obedecia. A cada segundo que se passava sentia tudo se tornar mais e mais escuro e
desfocado. Até meus pensamentos estavam mais lentos e borrados, se pudesse descrevê-los
daquela forma.
O que estava acontecendo? Por que tudo de repente parecia desabar? Todos os meus planos
e sonhos estavam sendo tirados de minhas mãos e eu não conseguia encontrar a força necessária
para poder lutar por eles. Meu corpo estava cansado, assim como minha alma. Havia sinais de
que tudo o que eu precisava fazer era parar.
Mas eu deveria?
Quando chegamos no hospital tudo parecia um delírio de minha cabeça. Não conseguia
associar nada com nada e tudo parecia tão irreal que quase pensei estar sonhando. Não conseguia
enxergar os rostos dos médicos e enfermeiros, pois as luzes do local estavam fortes demais e
passando rapidamente à medida que me carregavam. Suas vozes pareciam sair do fundo de um
túnel extenso.
Não sei por quantos corredores passei antes de finalmente sentir meu corpo desmanchar.
Sabia que era a anestesia e que aquilo indicava que algo não muito bom ocorreria, mas foi um
alívio sentir a dor em meu peito deixar de existir e a tosse parar de atacar meu pulmão. Queria
saber que Leonard estava do meu lado e sentir seu toque, mas aquilo não aconteceu. Então caí na
escuridão.

Não tive nenhum sonho ou pesadelo. Foi como se houvesse piscado e acordado em um
outro ambiente. As luzes estavam apagadas e pela janela pude ver o céu escuro. Não havia um
relógio no quarto, o que me impediu de saber quanto tempo havia se passado. E aquilo me
deixou aflito.
Será que ele estava me esperando do lado de fora?
Procurei pelo controle, a fim de chamar algum responsável, no entanto não consegui
encontrá-lo em lugar nenhum. Não havia nada além de minha cama, uma televisão e os
equipamentos médicos. Uma porta no canto do quarto me indicou que aquilo seria o banheiro e
senti minha garganta arranhar de sede.
Quando me esforcei para levantar notei que do lado direito do meu corpo havia um dreno.
Eu havia passado por uma cirurgia e já imaginava o quanto devia ter preocupado Leonard pela
minha péssima tolerância aos medicamentos. Olhei em volta procurando algum pertence meu,
mas realmente não havia nada lá.
Fiquei vários minutos sozinho e usei aquele tempo para me questionar sobre a seriedade de
meu relacionamento. Leonard realmente estava disposto a deixar tudo para mim e seus filhos,
mesmo não tendo nenhuma ligação oficial? Aquilo indicava que ele pensava em mim como algo
além de um simples namorado e alguém capaz e confiável para cuidar de Paul e Sophy.
Senti meus olhos lacrimejarem por lembrar que ainda estavam nas mãos daqueles
monstros. Não conseguia imaginar o quão assustados deviam estar. Uma raiva tomou conta de
mim em pensar em alguém encostando neles ou os machucando. Não sabia do que seria capaz se
visse alguém os maltratando. E pensar que poderiam, naquele momento, estar passando por algo
traumático e eu não estava lá para consolá-los, me tirava do sério.
A porta se abriu depois de alguns minutos e uma mulher, uma enfermeira, entrou com um
sorriso amigável no rosto. Se aproximou com alguns equipamentos e pediu licença, levantando o
pequeno cobertor. Observei meu torso enquanto ela averiguava o dreno.
— Você nos assustou, Sr. Poyi. — A garota loira usou meu sobrenome e pela primeira vez
quis que ela tivesse se confundido e achado que Leonard e eu éramos casados. Ela anotou
algumas coisas no prontuário e me trouxe um copo de água, aliviando minha garganta. —
Pensamos que havia algo errado com a cirurgia. Você é bem sensível a anestesia. Desde sempre
foi assim?
— Nunca passei por nada desse tipo, então descobri isso praticamente com vocês. Sempre
tive que tomar cuidado com antialérgicos, mas nada mais.
— Seu marido também ficou preocupado com você.
— Ele não é... — Fiquei sem graça, mas vi que ela havia ficado ainda mais. — Ele ainda
não é meu marido.
— Desculpa, é que todo mundo vê vocês como um casal. Até achei estranho não encontrar
o sobrenome dele no seu registro.
— Nós só namoramos. Ainda não chegamos nessa parte. — Senti minha garganta secar e
ela me trouxe mais um copo de água. — Obrigado. Leonard ainda está no hospital?
— Infelizmente, não. Ele ficou o dia inteiro aqui depois da cirurgia.
— Cirurgia?
— Sim. — Me mostrou um corte em minhas costelas onde estava o dreno. — Durante a
explosão você fraturou sua costela. Ela estava perfurando seu pulmão e por isso o dreno. Não foi
visto nos exames anteriores. Isso é muito raro de acontecer. Ainda bem que tinha alguém por
perto e cuidando de você.
— Fiquei quanto tempo desacordado?
— Quase um dia. O Sr. Havens pediu para que te mantivessem dormindo para que não
ficasse desconfortável. Vamos tirar o dreno pela manhã e colocar uma cinta em todo o seu torso
para não ocorrer nenhum acidente.
Ela continuou a explicar mais sobre os procedimentos que seriam feitos e sobre a
enfermeira que iria todos os dias me ajudar com a recuperação e fisioterapia. No entanto, quando
perguntei sobre como estava o mundo do lado de fora ela deu uma desculpa e saiu. Não disse
nada mais de que tudo estava melhorando. Obviamente a pedido de meu “marido”. Por que
tinham a mania de me deixar no escuro? Depois de um tempo acabei dormindo novamente,
sentindo a nova dose de medicamentos fazer efeito.
Na manhã seguinte o médico responsável veio me examinar, sendo muito gentil todas as
vezes que pedia para me movimentar. Sentia um certo incomodo, mas não existia mais a
dificuldade para respirar. O dreno havia ficado tempo suficiente para remover tudo o que afetava
meu pulmão.
Quando respondia algumas perguntas sobre minha saúde, para que completassem meu
registro, Leonard entrou pela porta. Ele veio até mim e com todo o cuidado, em meio a sua ânsia
por me ter em suas mãos, me abraçou.
— Como você está? Está se sentindo melhor? — Segurou meu rosto, me encarando
atentamente.
— Estou, Leonard.
— Achei que fosse te perder... Você não parava de tossir e... — Vi um corte em seu
pescoço e o puxei para mim.
— O que foi isso, Leonard? Não lembro de ter se machucado.
— Nos deem licença. — Se referiu ao médico e enfermeira e ambos saíram rapidamente.
Ele se sentou na cadeira que havia ao lado da cama, enquanto o encarava.
— O que aconteceu? Me fala!
— Houve um novo ataque quando estava voltando para casa noite passada. — Senti meu
corpo tremer e quis tocá-lo. Ele percebeu meu desconforto e se aproximou. — Está tudo bem!
Nós conseguimos escapar. Consegui pegar um deles enquanto fugia, mas ele passou a faca de
raspão em mim.
— Leonard… se ele… Eu ficaria sozinho! Por que fez isso? — Segurei seu rosto com
força, pois não queria deixá-lo se afastar de mim.
— Eu não pensei no momento. Só queria matar aquele desgraçado. Foi um deles que
raptaram nossos filhos e deixaram você assim. Eu não pensei direito e...
— Então da próxima vez pense!
— Tudo bem, senhor.
— Não tenta brincar com o assunto! — Respirei fundo, irritado, porém o beijo que me deu
desarmou toda minha resistência. — Eu que não sei o que faria se te perdesse.
— Quando você está na minha cabeça eu não consigo controlar o que eu sinto, Oliver. —
Me beijou novamente, fazendo tudo desaparecer. Sabia que ele me amava e sabia o quão difícil
era lidar com aquele sentimento. — Encontraram Allen e April.
— Quando? E as crianças?
— Na noite em que você veio ao hospital. Conseguiram rastrear o celular de Roberto,
porque ele tentou ligar para você. Encontraram onde estavam escondidos, mas ele foi mais
esperto que os comparsas e fugiu alguns minutos antes. Levou Paul e Sophy com ele.
— Isso é estranho, Leonard. Ele sabe como isso funciona e não cometeria um erro assim.
— Eu pensei a mesma coisa.
— E se ele... — Respirei, imaginando que meu amigo não fosse tão horrível assim. E
houvesse uma saída para ele. — E se ele...
— Ele ainda fez o que fez, Oliver. — Passou as mãos no rosto e coçou a barba um pouco
grande.
— Eu sei, mas... É difícil pensar nele assim.
— Não é fácil para nenhum de nós.
— Conseguiram tirar alguma informação do homem que te machucou ou de algum deles?
— Estão os interrogando. Jay tem experiência nesses casos e já está trabalhando nisso.
— Jay?
— Sim… — Ele olhou o relógio no pulso e se levantou. — Preciso falar com o médico
sobre a sua alta. Tem certeza de que está bem? Não acha melhor passar mais alguns dias no
hospital? Talvez ainda tenha que se recuperar do trauma e...
— Eu estou bem! Prometo para você. — Assentiu e beijou minha testa.
— Já volto.
O vi caminhar até a porta e admirei o quanto se doava para mim e todos que amava. Não
conseguiria encontrar alguém em minha vida com uma força tão grande quanto a dele. Admirava
seu jeito protetor em relação a mim. Claro que precisava dosar suas atitudes, mas estaria do seu
lado para ajudá-lo. Conseguia sentir quando estava perto de mim, pois era como se a gravidade o
respeitasse e tentasse afastar qualquer coisa impura dele.
Tudo o que mais queria era sair daquele hospital ao seu lado e mostrar para todos que era
seu. Queria que soubessem que estávamos juntos e ninguém seria capaz de nos separar, mesmo
que tentassem incansavelmente. Era uma vontade de deixar bem claro, para quem quer que fosse
estúpido o suficiente para tentar algo, que Leonard e eu fomos feitos um para o outro. E
precisava ser mais confiante sobre o futuro de nosso relacionamento.
Havia levantado da cama com certa dificuldade e medo de cair. Ainda me sentia fraco por
conta dos analgésicos. Fui até a bolsa e peguei minhas roupas que foram trazidas pela
enfermeira, as colocando na cama. Vesti minha calça e com todo o cuidado a camisa, temendo
desmanchar o curativo. Estava um pouco frio e senti o vento entrar pela janela entreaberta.
Também vi o céu cinzento e já estava me acostumando com aquele tempo.
Estava olhando o lado de fora e pensando quando poderia passear por aquela cidade com
minha família, quando a porta se abriu. A mesma enfermeira entrou com um colete nas mãos e
veio até mim. Me ajudou a tirar novamente a parte de cima de minha roupa e colocou a cinta
ortopédica. Me senti uma mulher de séculos passados, me espremendo para ficar bonito.
Vi uma sombra se aproximar da porta e então ele apareceu com o mesmo sorriso alegre de
sempre. Mas daquela vez não me deixou confortável ou feliz, somente aterrorizado. Estava
vestido de forma casual, como se estivesse visitando alguém. Comecei a tremer e não controlar
meu corpo, fazendo a enfermeira, que estava de costas, notar que havia algo errado.
— Você está bem, Sr. Oliver? — Ela se virou e viu Beto andando até nós. — Senhor, não
pode entrar aqui. É uma área privativa. Não está autorizado!
— Calma, só vim aqui para desejar melhoras para meu amigo. — Ele disse dando mais um
passo e colocando a mão dentro do casaco, o que me travou todo o corpo. Beto tirou uma rosa e
colocou em cima da mesa de canto. Estava muito diferente e me fazia sentir um pavor intenso e
desconfortável. Minhas mãos gelaram, assim como meus pés. Era como estar na presença de um
assassino. — Soube que estava aqui se cuidando e decidi ver se estava bem.
— Chame a segurança, por favor. — Falei para a garota. Ela foi até o lado da cama, mas
Beto sacou uma arma, apontando para ela.
— Meu amor, fique quietinha e não se mexa, tudo bem? Não quero matar ninguém hoje.
— Ele a apontou para mim. — E você, Oli, pensei que éramos amigos! Por que não quer ficar
perto de mim? Você disse que me amava e agora me trata assim? Não deixa o que aconteceu
acabar com a ligação entre a gente.
— Eu amava uma mentira! E aquele homem, aquele amigo, não existe mais! Como você
pôde se vender para esses monstros, Beto? Para esses monstros que sequestram crianças! —
Gritei. — Você era meu amigo e estragou tudo por quê? Por dinheiro?
— Você é tão inocente, Oli. Você acha que seu marido é tão íntegro e tão bom para as
pessoas, não é? Por que você acha que todos tem tanto medo dele? Acha que é só porque ele é
uma figura importante na sociedade?
— Do que você está falando? Leonard sempre te tratou bem! Você mesmo me disse que
ele ajudou a sua família! A sua mãe, Beto! Ela... Por que você está fazendo isso com ela?
— Ele matou meu irmão! — Beto ficou vermelho de raiva. — Ele matou meu irmão e nem
se deu ao trabalho de fazer o que ele é pago para fazer.
— Do que você está falando?
— Ricardo, Oliver! Ele matou Ricardo! Ele tirou meu irmão de mim! — Seus olhos
começaram a encher de lágrimas e ele usou a mão livre para limpá-los. — Ele sempre cuidou de
mim, até que entrou na casa do Leonard e não saiu de lá com vida.
— O que ele estava fazendo? Sua mãe disse que ele não fez boas escolhas. E tenho certeza
de que Leonard não faria nada pra machucar alguém sem motivos.
— Não faria? Então o que ele fez com o meu irmão? Me diz! Ele podia ter deixado
Ricardo sair de lá vivo, mas não deixou.
— Você não sabe o que aconteceu, Roberto. — Leonard disse, aparecendo pela porta. Beto
se virou com o susto e apontou a arma para ele. Meu corpo gelou com a possibilidade de ele
apertar o gatilho.
— Beto, abaixa essa arma, por favor. Vamos conversar. Você não tem que continuar com
essa loucura. — Falei. A enfermeira estava do meu lado, em silêncio e apavorada.
— Você tem muita coragem de aparecer na minha frente! Eu que estou com a arma agora!
Era assim que você estava com ele? Você apontou a arma para a cara dele desse jeito? Foi assim
que você acabou com a vida do Ricardo?
— Você não conhecia seu irmão, Roberto. Mentiram para ele da mesma forma que estão
mentindo agora. — Leonard deu um passo para frente. — Eu sei que você não quer fazer isso e
sei que estão te ameaçando para que faça o trabalho sujo deles. Larga essa arma.
— Não fala como se conhecesse alguma coisa da minha vida! Você matou meu irmão! —
Beto gritou. Eu não conseguia me mexer, com medo de que se fizesse o menor movimento algo
ruim acontecesse.
— Eu sabia da dívida de Ricardo. Sabia que estavam o ameaçando da mesma forma que
estão te ameaçando agora. — Leonard se aproximou. — Seu irmão pediu para te tirar dessa
situação, para eu te dar um emprego e uma vida digna e foi o que fiz. Mas não matei Ricardo.
— Matou! Matou! Ele levou um tiro no peito. Você atirou nele!
— Ele se matou, Roberto. Ele não aguentava mais viver daquela forma e não queria essa
vida para você, sua mãe e sua irmã. Esse grupo que te convenceu a isso, sabe que da mesma
forma que lhe ameaçam também faziam o mesmo com o seu irmão? A única diferença é que ele
escolheu o caminho errado e não se deu a chance de mudar. Mas você não precisa cometer os
mesmos erros que ele.
— Não… Eu… — Beto colocou a mão nos olhos, sentido por tudo o que havia sido dito.
Leonard aproveitou esse momento e rapidamente tirou a arma das mãos do outro e a desmontou.
— Eu já cuidei da sua mãe e da sua irmã, Roberto. Elas estão a salvo e não podem mais
machucar as duas! Me ouviu?
— Você....
— Elas estão bem e a salvo.
— É mentira! É mentira!
— Você sabe que eu não mentiria para você, Roberto. Sabe que em todos esses anos nunca
fiz nada além de ajudar e ser completamente sincero.
— Não...
— “Não precisa ter medo da noite, você tem o brilho do sol dentro de você!”.
— O que? Como...? — Beto tremeu com os olhos banhados em lágrimas e surpresa.
— Seu irmão disse isso antes de morrer. Ele me pediu para te dizer isso, se algo assim
viesse a acontecer.
— Ele...
— Você sabe que o que está fazendo é errado, Roberto. E sabe que eu não vou te deixar
sair sozinho e sem proteção. Mas precisa me dizer onde estão os meus filhos. — Leonard se
aproximou dele, sem medo algum do que o outro poderia fazer. — Me fala onde eles estão,
Roberto!
Meu amigo parecia estar preso dentro de algum tipo de lapso de memória, pois não se
mexia e encarava um ponto no chão intensamente. Não dizia uma palavra e parecia um paciente
em estado terminal e vegetativo. Queria ajudá-lo e não acreditava que estava fazendo toda aquela
maldade por escolha própria. Tinha sido enganado, assim como seu irmão antes de tirar a própria
vida.
Devagar e com cuidado me aproximei. Precisava tentar falar com ele para trazer razão aos
seus pensamentos. Ele não podia ficar daquele jeito enquanto Paul e Sophy estivessem presos em
algum lugar com pessoas horríveis. Precisavam de Leonard, do pai deles, e eu precisava saber
que estavam bem. Quando estava quase perto de Beto, ele olhou para meu namorado e lágrimas
desceram de seus olhos. Ele pegou o celular e começou a digitar.
— Você acha que me convence com essa história ridícula? Acha mesmo que eu sou idiota
pra acreditar nessa besteira? — Ele entregou o aparelho para Leonard, que pegou o próprio
celular mandando uma mensagem para Jay. — Nosso grupo já se preparou para se algo acontecer
comigo. Eu vim aqui para levar o Oliver! E se isso não acontecer, é melhor se preparar para não
ser mais um papai!
— Você não vai tirar o Oliver daqui, Roberto. Ele acabou de passar por um procedimento
médico. Não está em condições de se esforçar.
— Não importa! Ele vai comigo e eu não quero saber de conversa!
Ambos trocavam palavras um com o outro, mas não percebia a mesma intenção ruim de
antes. Eles discutiram como uma distração, mas ao mesmo tempo trocavam o aparelho lendo o
que um escrevia para o outro. Não estava entendendo nada e caminhei para perto de Leonard. Ele
me abraçou logo em seguida, enquanto Beto escrevia algo.
Meu amigo estava vermelho e nervoso, mas tudo o que senti por ele foi pena. Ele não
estava com a aparência vívida de antes e parecia estar muito cansado, esgotado e triste. Queria
que me confessasse que tudo não havia passado de um golpe arquitetado e que o estavam usando
como um bode expiatório, o ameaçando através de sua família. Ele não era uma pessoa má. Pelo
menos era aquilo que escolhia acreditar.
Quando ele entregou o celular novamente, pude ler a conversa que estavam trocando e meu
corpo se esvaziou de toda a tensão que carregava. Nas mensagens, Beto havia passado o
endereço onde nossos filhos estavam e Jay já estava indo buscá-los, junto de uma equipe especial
para o resgate. Fingiam estar discutindo, pois os extremistas escutavam tudo o que Beto dizia. Se
percebessem algo, poderiam fugir e perderíamos a chance de prendê-los.
— Beto, por favor, não faz isso! Eu sei que você é uma pessoa boa! Tudo o que a gente
viveu… Você não pode simplesmente deixar tudo isso para trás! Você era minha família e pode
continuar a ser. Só desiste de tudo isso e me conta onde eles estão! — Falei, tentando ajudar a
manter as aparências. Leonard apertou meu ombro em sinal de apoio.
Depois de mais algumas palavras trocadas, ambos começaram a fingir uma briga,
derrubando algumas coisas. E fingi ser levado para o carro de Beto, gritando para que me
soltasse. No hospital não havia o acesso as câmeras, então não conseguiriam monitorar nossos
passos e demoramos o máximo para sair. A todo momento dizia que Leonard acordaria e que me
libertaria, e pedia para que Beto me soltasse, pois o ajudaria para que fosse livre de qualquer
acusação.
Todo aquele teatro levou em torno de uns vinte minutos. Tempo suficiente para que Jay e a
equipe fossem até o local indicado e encontrassem os bandidos. Eles não esperavam por aquilo e
quando soubemos que já estavam em controle da situação, Beto se jogou no chão. Observei
enquanto os agentes vinham em sua direção para prendê-lo. Ele sabia que teria que pagar pelo
que havia feito e sua vida não seria mais a mesma.
Leonard e eu deixamos do hospital e enquanto me colocou em um carro para me mandar
direto para a mansão de Lambert, segurei seu braço, pois sabia onde pretendia ir. O puxei para
mim, sentindo meu coração na boca por toda aquela situação e segurei seu rosto, o beijando lenta
e intensamente.
— Você não pode se arriscar, me entendeu? Seus filhos precisam de você e eu preciso de
você!
— Eu vou buscá-los, meu amor. Vou trazer os dois de volta. — Me beijou mais uma vez e
fechou a porta.
O carro deslizou pelo asfalto em um silêncio excruciante. Queria ter ido com Leonard
buscar nossos filhos como ele faria, mas traria mais problemas do que soluções devido a minha
condição. Mais uma vez aquele homem havia se mostrado forte e resolvido tudo o que nos
afligia. Ele, sem dúvidas alguma, era o meu guia. Confiaria a ele minha vida e tudo o que tinha
sem pensar duas vezes.
Era incrível como meu corpo pendia para seu lado todas as vezes que estávamos perto um
do outro. Era como se o mundo perdesse o equilíbrio e me fizesse girar em torno dele. Era o meu
sol, o centro do universo para mim. E me sentia completo ao saber que me abrigaria em seus
braços a qualquer momento e a qualquer sinal de fraqueza que eu viesse a apresentar.
Era meu salvador!

Chegamos à mansão do presidente e vários seguranças faziam a guarda, se precavendo de


algo. O carro parou em frente à entrada principal e o motorista abriu a porta para mim, no
entanto, não desci. Estava com medo de encarar a todos. Me lembrava da discussão com Lara e
como havia me acusado de estar do lado daqueles monstros, de ser um criminoso e culpado por
tudo o que havia acontecido. E se os outros também tivessem chegado a mesma conclusão?
Todos poderiam muito bem acreditar na suposição que ela havia levantado e eu estaria sem
Leonard para me defender. E não teria como fingir uma emergência médica.
O homem de preto me perguntou se eu estava bem e respondi que sim, mas ainda fiquei no
carro por mais alguns minutos. Respirei fundo várias vezes, juntando coragem para encará-los.
Eu era inocente e agiria como tal. Não tinham o direito de me acusar sobre aquelas coisas, sendo
que fui uma das pessoas que mais foram afetadas por toda aquela situação, fisicamente e
psicologicamente falando. Uma coisa era eu me sentir culpado, outra bem diferente era me
acusarem.
Desci do grande carro e subi os degraus com certa dificuldade devido a cinta apertar todo o
meu corpo. Segurei a maçaneta e a girei, abrindo lentamente a porta com medo do que fosse
encontrar.
No hall de entrada não havia ninguém, muito diferente da primeira vez. Tudo estava em
silêncio com exceção da sala de estar. Era possível escutar a conversa de lá. Caminhei sozinho,
sentindo meu coração bater cada vez mais rápido.
Allen e April haviam sido resgatados e já estavam em casa, mas não sabia como reagir ao
vê-los caso tivessem sido agredidos. Queria ver meu amigo e saber que estava bem.
Todos estavam sentados em volta de April, que estava no meio com os cabelos molhados,
como se tivesse tomado banho. Seu rosto estava com um pequeno machucado do lado direito.
Alguém havia lhe batido, mas não muito forte, algo como um tapa. Me aproximei deles e
Catarina foi a primeira a me ver, vindo até mim e me abraçando com cuidado.
— Fiquei tão preocupada com você, meu querido. Você está melhor? Te trataram bem?
— Estou sim. Só preciso descansar e ficarei cem por cento. — Respondi, sentindo suas
mãos em meu rosto. Ela era uma mãe de verdade, quebrando totalmente o preconceito que tinha
sobre ela. Estava longe de ser uma mulher superficial.
— Graças à Deus está bem! E logo Leonard vai trazer seus filhos pra casa!
— Como está, April? — Me aproximei junto de Catarina.
— Já passei por coisas piores. Ninguém viu as festas que eu vou, então isso foi fichinha. —
A garota sorriu.
— E que vai parar de frequentar. — Lambert disse, acariciando seus cabelos.
— Onde está o Allen? — Questionei.
— Está no quarto descansando, mas vai gostar de te ver. — Catarina me ajudou a subir as
escadas até seu filho.
Tudo estava um pouco escuro. As cortinas estavam fechadas e tudo no mais ansioso
silêncio. Vi meu amigo deitado de costas para a porta e seu pai estava sentado em sua frente,
conversando baixinho com ele. Pensei em voltar depois, pois provavelmente queria ficar
sozinho. Passar pelo que tinha passado devia ter sido horrível. Ficaram quase uma semana nas
mãos dos extremistas.
— Filho, Oliver está aqui. — Ela sussurrou. Meu amigo sentou-se lentamente e acendeu a
luz do abajur perto de sua cama. Me aproximei e o abracei imediatamente, procurando dar todo o
meu cuidado. — Vou deixar vocês conversarem.
— Vou trazer algo para comer, Allen.
— Obrigado, pai.
— Eu sinto muito por isso. — Havia um corte em seu lábio e o mesmo estava um pouco
inchado. Um roxo do lado esquerdo de seu rosto estava evidente, mas se pudesse dizer aquilo,
continuava lindo. Aquela aparência o fez parecer um anjo machucado.
— Não foi sua culpa, Oli. Nada disso foi. Independentemente do que minha irmã tenha
dito pra você. Não te culpo e nem você deveria se culpar.
— Eu… — Fiquei surpreso com sua determinação. Pensei que estaria mais fragilizado,
mas parecia mais maduro do que nunca.
— Minha irmã pode ser dura, mas, na verdade, se deixa afetar demais pelas emoções. Ela
só ficou com raiva e escolheu você como o alvo.
— Eu a entendo. Não se preocupe. — Segurei sua mão. — Mas e você? Como está se
sentindo? Precisa de alguma coisa?
— Não. — Puxou o edredom, se cobrindo ainda mais. — Só me senti sozinho, sabe? Como
se ninguém fosse me salvar. Só conseguia pensar em como minha mãe se sentiria mal se alguma
coisa acontecesse comigo. E meu pai agora não vai me deixar sozinho pra nada. Só ficava
repetindo pra mim mesmo que precisava ficar vivo por April, Paul e Sophy. Não deixaria nada
acontecer com eles.
— Não machucaram meus filhos, não é? — Perguntei aflito e relaxei quando negou. Não
suportaria saber se tivessem. Sentia tanta falta das palavras fofas de Paul e do jeito incrivelmente
inteligente de Sophy. Eles eram meus e ninguém poderia dizer o contrário. Esperava que
Leonard os trouxesse de volta. Precisava dos três para ser feliz.
Ficamos em silêncio e me ajeitei na cama, começando um carinho em Allen. Ele estava tão
debilitado e não só fisicamente. Sentia que seu jeito leve e feliz não estava mais lá. O perfume no
quarto me lembrou o mar. Allen me trazia aquela sensação de calmaria.
— Não sei se devo te perguntar isso, mas Sebastian falou com você? Não o vi mais, mas
quando descobriram onde estavam ele pareceu bem preocupado.
— Ele estava lá quando entraram no galpão, mas…. — Começou a chorar. — Ele não me
olhou direito... não falou comigo… Oliver, ele praticamente fingiu que eu não existia. Isso foi
pior do que ser agredido. Estou me sentindo tão sujo, tão... rejeitado. Ele me fez sentir menos
que nada, mas eu não conseguia parar de pensar nele, porque talvez visse que… que me amava.
— Não fica assim. Talvez fosse o momento. Ele devia estar muito preocupado com o
trabalho e em te proteger. Leonard também faz isso. Foca tanto no que faz que muitas vezes
acaba me ignorando no processo, mas sei que, agora pelo menos, sempre está pensando em mim.
— Afirmei, me lembrando de todas as vezes que me senti ignorado. — Não sei o que se passa na
cabeça de Sebastian, mas sinto que se importa com você. Não fica se enchendo de um monte de
paranoias, só vai te fazer ficar ainda mais neurótico. Falo por experiência própria.
— Eu queria que ele fosse como Leonard. Pelo menos saberia que sente algo por mim e
que não é simplesmente a curiosidade ou sei lá o que se passa na cabeça teimosa dele. Ele é tão
rude e...
— Você precisa dar um tempo pra ele e principalmente dar um tempo pra você. Não se
cobra de tanto agora. Sua vida vai mudar completamente quando a eleição chegar.
— Esse é o meu medo. Não sei se quero que ela mude. — Se deitou novamente em mim.
— Vai ficar tudo bem, amigo.
Fiquei até ter certeza de que estava dormindo para levantar. Estava com dores por conta do
procedimento e da posição, mas ele precisava de alguém e eu era um dos únicos que podia
entendê-lo. Deixei seu quarto e parei no corredor, buscando me acostumar com a dor de ficar em
pé novamente.
Leonard estava demorando demais e desci as escadas para procurar alguém que pudesse
acalmar meu coração. Vi Jessica e Catarina na cozinha, mas não encontrei suas filhas. E não
queria encontrar com Lara. Mesmo entendendo seu lado, ela me acusar de algo como aquilo
havia quebrado a confiança que tinha nela.
Procurei um dos seguranças e perguntei por Boni. Precisava de um rosto conhecido. Estava
em uma casa diferente da minha… na verdade, nem casa tinha mais. E aquele senhor com cara
de bravo seria a minha salvação enquanto Leonard não voltava. Aquela demora estava me
deixando cada vez mais aflito.
Fui até uma estrutura que ficava quase na entrada da propriedade, onde toda a equipe de
segurança se reunia. Caminhei olhando para o céu e me lembrei de quando estava fazendo a
mesma coisa em Ponack quando vi June pela primeira vez e todo o ciúme que senti. Ainda não
havia falado com ela ou com Samantha, mas provavelmente meu namorado sim. Era estranho me
referir a ele daquela forma, pois sentia que não era suficiente para expressar o que existia entre
nós.
Tudo o que havíamos vivido, quase ninguém viveria. Todos os traumas e provações que
tivemos haviam sido os de uma vida inteira. Mas eles também foram os responsáveis por
solidificar tudo o que éramos um para o outro.
Quando o primeiro dos seguranças me viu entrando, abriu a porta para mim, mas assim que
todos me viram um silêncio reinou e aquela reação me deixou desconfortável. Boni conversava
com um outro senhor no fundo do lugar tomando um café. Assim que me notou, estranhando a
calmaria, logo veio em minha direção.
— Está tudo bem, Sr. Oliver? — Questionou. — Não devia ficar se esforçando. Devia
estar na cama agora.
— Por que todo mundo me olha desse jeito? Parece que eu sou algum tipo de monstro. —
Apertei meus braços, tentando me aquecer.
— Eles te olham como um deles agora. Isso é sinal de respeito. — Ele sorriu e me colocou
sentado em uma cadeira.
— Não estou morrendo, Boni.
— Mas estava e não quero dar nenhuma notícia ruim para o Sr. Leonard.
— Ele te falou alguma coisa? Te falou que Beto foi até mim e queria…
— Sim. Também contou que encontraram as crianças.
— Sinto como se tudo estivesse parado, Boni. Parece que ninguém está se preocupando o
suficiente e me sinto ainda mais inútil por não conseguir fazer nada.
— Se acalma, garoto. Já te falei que o seu problema é que pensa demais. — Tocou minha
testa com o indicador. — Todos nós estamos preocupados, todos queremos que tudo isso acabe
logo e vai acabar. Com o Roberto colaborando com as investigações, não vai ser difícil encontrar
os culpados por tudo. Aprenda a confiar.
— Eu tento, Boni.
— Vamos dar uma volta e devagar. Você precisa arejar a cabeça. — Deixamos o lugar e
caminhamos pelo grande terreno. Ele não dizia nada e cada vez mais eu apreciava a sua
companhia. E me surpreendi quando passou o braço pelos meus ombros, ao ver que estava com
frio.
— Você está parecendo um pai. — Comentei sorrindo.
— Estou sendo gentil.
— Gosto de você assim.
— Se continuar falando, volto a ser quem eu era antes de te conhecer melhor.
— Por favor, não! — Notei um sorriso discreto se formar em seu rosto.
— Vocês formam uma bela família. — Afirmou e tampou minha boca quando eu a abri
para lhe responder. Me senti feliz ali.
“Você também faz parte dela.”, pensei.

Estávamos todos reunidos na sala, vendo o noticiário onde mostravam os criminosos


responsáveis por todo aquele sequestro serem presos. Finalmente estava vendo os rostos dos
malditos que fizeram de tudo para destruir nossas vidas. Minha raiva aumentava a cada minuto,
pois não fomos os únicos com quem fizeram aquela atrocidade. Milhares de outros foram
também vítimas de seus crimes.
Estava concentrado na televisão quando meu corpo sentiu a aproximação de Leonard. Era
incrível como ele me afetava. Quando abriu a porta Paul e Sophy estavam em seu colo e,
ignorando toda a dor que sentia, corri até eles, que assim que colocaram os olhos em mim
choraram chamando meu nome. Meu coração batia tão rápido que eu o sentia em minha
garganta. Tudo o que queria era não os soltar nunca mais.
— Papai! — Paul abraçou meu pescoço enquanto segurava forte seu corpinho. Me abaixei
para ter minha menininha também em meus braços.
— Eu amo vocês! Eu amo tanto vocês! Nunca mais vou deixar vocês saírem de perto de
mim! — Falei beijando seus rostos.
— Eu te amo, papai! — Sophy se enroscou em mim.
Leonard estava cansado e nos olhava com os olhos vermelhos. Estava exausto e sabia o
quanto estava atormentado durante aqueles dias. Era um homem maravilhoso que se doava por
quem amava e não poderia ser mais grato por ser o homem da minha vida, quem escolhi amar e
aquele que, com toda a certeza do mundo, passaria o restante de minha vida ao lado.
Não sabia dizer se as crianças estavam bem ou não, mas as levaríamos ao hospital para
realizarem exames assim que descansassem. Leonard estava segurando Sophy no colo, enquanto
Catarina carregava meu menino. Ele a adorava, pois a chamava de rainha por conta da coroa que
tinha de quando ganhara o Miss Universo. Lara estava logo ao lado dela e percebia que me
olhava. Notava seu receio em falar comigo, mas sabia que se arrependia. O que disse foi errado e
se quisesse se desculpar, estaria disposto a tal.
Levei Paul e Sophy para tomarem banho e enchi a banheira, enquanto Leonard foi para
nosso quarto. Coloquei alguns sais para fazer bastante espuma e logo os dois entraram. Fiquei
com eles, fazendo bolinhas de sabão e vê-los rirem e brincarem era a melhor coisa do mundo.
Não tinha ideia dos traumas que guardariam daquilo, mas estaria ao lado deles para o que
precisassem.
Leonard apareceu e nos observou brincar encostado na porta. Colocou a mão nos olhos e
soube exatamente o que aconteceria em seguida. Me levantei e o abracei, sentindo seu corpo
sacudir. Ele chorou, vulnerável pela primeira vez. Havia se esforçado tanto durante todo aquele
tempo, reprimindo o que sentia para ser forte por nossos filhos, que tudo virou uma grande bola
de neve dentro dele.
— Pode chorar, meu amor. Eu estou aqui por você. — Disse acariciando seu cabelo. Ele
escondeu seu rosto em meu ombro e chorou.
— Pai? Por que você tá chorando? — Sophy o encarou.
— O papai está feliz, minha princesa! — Leonard limpou o rosto e sorriu para filha. Ele
me abraçou, dando um beijo em minha testa. — Estou muito feliz agora!
Brincamos com os dois até que a água começasse a ficar morna. Os coloquei na cama,
vestidos nos pijamas combinando que Catarina havia comprado quando alguém bateu à porta.
Lara entrou com Marrom no colo.
— Olha quem estava esperando por vocês! — O colocou na cama e as crianças foram
brincar com ele. A garota me olhou por um momento e pediu desculpas em silêncio. Assenti e
logo ela saiu. Não era preciso mais nada.
Deixei os dois deitados e peguei roupas para Leonard. O levei para nosso quarto, a fim de
dar o carinho que precisava. Entrei com ele no banheiro e depois, em meio ao vapor que se
formou, pude admirar seu corpo, perfeito como o de um deus. Ele me encarou enquanto a água
escorria e veio até mim, sem se preocupar se me molharia e me beijou forte. Segurava meu rosto
ao mesmo tempo que o acariciava.
Ele tirou minha camisa lentamente e com cuidado desprendeu todo o colete que eu usava.
Assim que me despiu completamente, tocou minha cintura ainda com uma pequena mancha
roxa, um sinal da explosão. Ele massageou a região e negou com a cabeça.
— Me desculpa por te trazer pra esse mundo.
— Você não tem que se desculpar por nada, Leonard. — Peguei o sabonete e o passei em
seu pescoço, descendo até seu peitoral. Não havia maldade ou segundas intenções naquele
momento, somente o amor inexplicável que sentíamos um pelo outro. — Eu sempre vou estar
onde você precisar que eu esteja, assim como sei que você fará o mesmo por mim.
— Eu te amo, Oliver. — Encostei seu rosto no meu, aproximando nossos corpos e me
permitindo sentir todo o seu. A força que existia por debaixo daqueles músculos e todo o calor
que somente ele conseguia despertar em mim, me fez ser inundado por ele. — Tudo o que eu
faço, sempre é por você!
— Eu também te amo, Leonard. Como eu nunca amei ninguém e como sei que nunca irei
amar!
— Eu não te mereço...
— É claro que merece! Eu sou seu, da mesma forma que você é meu! — Sorri, deixando
um beijo no canto de seu lábio, encarando aqueles olhos verdes mais evidentes pelas emoções
que transbordavam através das lágrimas. — E o inseguro da relação sou eu, ok?
— Você é tudo que eu preciso nesse mundo! — Segurou meu rosto com as duas mãos. —
Eu quero ser seu marido. E se algum dia me olhar com outros olhos ou quiser me deixar, por
conta de tudo o que aconteceu. Eu vou entender e respeitar sua...
— Já disse que o inseguro aqui sou eu! E sabe muito bem que eu nunca abandonaria as
crianças... — Rimos. Senti seus beijos em todo o meu rosto até que chegou em minha boca. —
Eu te amo, Vossa Excelência. E não vou te deixar.
— Só com você eu consigo dormir em paz. — O abracei, sentindo sua pele na minha. —
Você é minha perdição, Oliver!
— Sabe que isso significa condenação, não é?
— Mas também significa estar irresistivelmente apaixonado por alguém. — Não consegui
controlar e foi a minha vez de chorar em seus braços.
— Você sempre sabe o que falar pra me deixar com vergonha.
— Pelo menos você perdeu um pouco dela e me deixa te admirar assim. — Ele sorriu e
aproximou sua boca do meu ouvido. — Quando você pensou que tomaria banho com o seu
chefe?
— Leonard! — Bati em seu peito, enquanto acariciou meu rosto ruborizado.
— Eu te amo, Oliver.
CAPÍTULO 15 – Porque Eu Te Amo

Era como se tudo não pudesse ser real. Depois de todas as desgraças que aconteceram em
nossas vidas, finalmente estar em paz com Leonard e nossos filhos era uma benção maravilhosa.
Saber que todos estavam seguros era uma prioridade para mim, porém não uma
responsabilidade, de acordo com meu ainda namorado. Era estranho me referir a ele daquela
forma. Parecia algo tão fraco comparado ao sentimento intenso que tinha por ele.
Não precisava contar para ninguém sobre os meus receios, pois eles estavam bem
evidentes. Sair na rua, principalmente para mim, era como um gatilho para que meu cérebro
achasse que seria sequestrado ou que o carro seria explodido sem mais nem menos. Tentava
controlar minha síndrome do pânico com a ajuda de uma terapeuta e era incrível como um
simples “tudo bem?” era capaz de destruir todo o muro que construía para não deixar minhas
lágrimas caírem.
Procurava ser forte pelas crianças e por Leonard, e melhorar para que nenhuma das coisas
que ficaram em nosso passado fossem fantasmas nos atormentando. Depois de quatro meses
nossa casa foi reconstruída com a ajuda de um engenheiro e uma arquiteta, que descobri ser
Fabray, mãe de Ariel. Como uma forma de agradecimento pelo excelente trabalho de segurança
os convidamos para jantarem conosco, o que foi aceito de bom grado. E aquela se tornou uma
das coisas que me foquei, assim como cuidar de Paul e Sophy.
A cortina negra do quarto estava cobrindo parte da janela, porém a luz conseguia escapar,
criando uma parede luminosa a frente da cama. Estava sozinho e o silêncio era minha única
companhia. Era o primeiro dia de aula das crianças e Leonard e eu os levaríamos até a escola.
Condição essa que foi exigida por Paul, pois todos os pais levavam os filhos nos filmes.
Fui até a janela e olhei para o imenso jardim da propriedade. Ao longe consegui ver alguns
seguranças fazendo a ronda e estava me acostumando a tê-los por lá. Marrom correu de alguma
árvore quando Linda balançou o pote de ração. Podia até mesmo jurar que o carro de Leonard
pararia em frente à entrada e...
Beto estava preso e eu não havia o visto nenhuma vez, mesmo com a possibilidade. Falei
com Carmina e Roberta e pela nossa amizade pedi que Leonard não fosse tão agressivo no
julgamento. O que ele fez conosco era imperdoável, mas algo em mim também escolhia acreditar
que ainda era aquele homem engraçado e gentil que costumava jantar comigo em meu
apartamento em Ponack.
O dia estava claro, porém o céu se escondia por detrás das nuvens, deixando tudo num tom
branco que me lembrava minha antiga cidade. A cidade onde toda a minha vida mudou e onde
conheci os amores da minha vida. O lugar que me permitiu encontrar minha real família e me dar
um significado maior para viver.
A água quente caiu por todo o meu corpo, aliviando todas as tensões que a noite havia me
trazido por um pesadelo momentâneo. Não usava mais a cinta devido minha lesão, porém ainda
tinha certo medo de me movimentar muito rápido. Ver o desespero de Leonard estava em minha
lista de coisas que queria evitar a todo custo.
Escolhi minhas roupas baseadas nas dicas que June me dera. Ela realmente havia sido
muito presente e minha amiga após o ataque. Como uma forma de me focar em outras questões,
me ensinou sobre a importância das cores ao me vestir e na organização dos móveis de minha
casa. Maya, minha irmã perfeita e recém-mãe, também se tornara muito mais dedicada a
reconstruir nossos laços. Realmente havia mudado e até mesmo enfrentava nossa mãe quando
essa tentava destilar seu veneno sobre qualquer coisa que não lhe agradasse, principalmente
sobre mim.
Desci as escadas, admirando a grande janela acima da porta de entrada, algo que pedi que
fosse refeito, pois era uma das coisas mais lindas da antiga casa. Admirei o quadro que Leonard
havia comprado para mim e sorri, pois ele simbolizava dias melhores e transformação. O pé
direito dava uma linda sensação de amplitude e as crianças adoravam ficar brincando ali, o que
muitas vezes resultava em brinquedos jogados, o que era exatamente o caso daquela manhã.
Peguei os pequenos carrinhos e bonecas e os deixei no pequeno cesto. Fui até a cozinha, vendo
Marta e Linda, as mesmas cozinheiras de antes, preparando o café da manhã e Marrom comendo,
balançando o rabo de um lado para o outro. O rádio estava ligado em uma música antiga e fechei
os olhos por um instante, apreciando tudo.
Segui pelo corredor em direção ao escritório e, como sempre, encontrei Leonard em pé
tomando o café do qual era viciado. De alguma forma ele também sabia quando estava por perto
e sorriu antes mesmo de se virar e me ver. Estendeu o braço, me chamando para si e amei sentir
seus lábios gentis se encontrarem com os meus.
Observei cada traço de seu rosto com completa devoção. Como seus olhos verdes estavam
em um tom maravilhoso e vivo, como sua barba crescia lindamente em seu rosto e acariciei o
cavanhaque. Seu corpo estava moldado perfeitamente na camisa branca e espalmei minha mão
em seu peitoral quando o senti me apertar. Seu perfume me causou um momentâneo êxtase,
assim como um gemido grave e divertido que fez meu corpo arrepiar.
Fez menção com a cabeça para o lado de fora e vi nossos filhos caminhando com Boni,
segurando cestas com algumas amoras que ele havia começado a cultivar com os pequenos. O
via como um vô bonzinho, mas ranzinza, mesmo que não admitisse que agisse como um. Já
estavam arrumados para a escola com o uniforme que os deixavam ainda mais fofos. Aquilo
aqueceu meu coração e fez toda minha manhã ainda mais brilhante.
— Dormiu bem, meu amor? — Sua voz grave entrou pelos meus ouvidos, me causando
um prazer intenso que me fez tremer involuntariamente. Leonard riu discretamente, deixando um
beijo em minha bochecha. Não o respondi, esperando que falasse novamente. — Oliver...
— Acordaria muito melhor se você estivesse lá comigo.
— Teve algum pesadelo? — Me encarou seriamente e preocupado, mas beijei seus lábios.
— Tem que me dizer se...
— Eu estou bem, senhor. Não precisa querer controlar até meus sonhos.
— Quero o seu bem, Oliver.
— Eu sei! — Sorri, respirando fundo e o abraçando ainda mais forte, deixando meu rosto
pousar em seu ombro. — Só estou ansioso por causa da escola e tentando descobrir o que eu vou
fazer agora que não tenho mais que ensiná-los.
— Se precisar de alguma coisa, é só me pedir. Sabe que eu posso...
— Não precisa. Você já faz muito por mim. — Passei meus dedos pelo seu cavanhaque. —
E não vou aceitar trabalhar em qualquer uma das suas empresas. Seria horrível ficar no mesmo
lugar que você com todos sabendo que só estaria lá por sua causa. Além de ter muita gente muito
mais qualificada que eu. Vou arrumar alguma coisa especial pra fazer.
— Você está bem para sair? Se quiser, posso levar as crianças para a escola...
— Não! Prometemos ao Paul e você sabe como ele está com uma mania de cobrar as
coisas agora. — Segurei a gravata que usava e a arrumei sem necessidade.
— Você está diferente hoje.
— Só acordei feliz e quero me dedicar a alguma coisa. Quero ver o mundo de uma forma
diferente.
— Não quero que saia sem Jay. Seria melhor nem...
— Não posso ficar preso dentro dessa casa para sempre, ok? Tenho medo, mas não por
mim. Só não quero que nada aconteça com eles de novo.
— Queria te prometer que não irá, mas... — Suspirou encarando os filhos do lado de fora.
Sabia o quanto aquela explosão em nossa antiga casa, naquele mesmo terreno, o sequestro dos
filhos e o meu quase rapto foram traumáticos pra ele, mesmo não se abrindo para mim. Porém
ele estava lidando da forma dele e me permitia, algumas vezes, fazer parte de sua melhora
quando me levava para sair para algum jantar surpresa.
— Você fez tudo o que pôde e continua fazendo, até além, para nos proteger. Sei que não
me conta muitas coisas, mas quero repetir que não precisa tomar todas as decisões sozinho. —
Apertei propositalmente sua gravata, o fazendo encarar meu rosto. — Aqui não é o seu júri e
você sabe muito bem quem dá o veredito final.
— Vai começar de novo com isso? — Senti suas mãos acariciarem minhas nádegas e me
puxar para mais perto. Sua barba passou em meu rosto, até que sua boca chegou na minha e
nunca me cansaria daquela sensação. Ficar em seus braços era tão anestesiante e intenso, e ao
mesmo tempo me trazia tanta segurança. Era como ficar perto de uma lareira em um dia
congelante de inverno.
— Eu adoro quando você tenta bancar o machão pra cima de mim.
— Oliver, eu estou te avisando e não dá esse sorrisinho pra mim! — O beijei, deixando
minha língua deslizar pela sua.
— Eu te quero tanto, Leonard.
— Acho que posso me atrasar alguns minutos para o trabalho.
— Mas as crianças não podem se atrasar para a escola. — Acarinhei seu cavanhaque que já
dava sinais de fios brancos e me afastei. — O café já está pronto, Sr. Havens.
Fui em direção a cozinha, cumprimentando Marta e Linda. Nossas duas cozinheiras e
minhas cúmplices de um projeto secreto. Um mês depois do ataque comecei a fazer bolos para
me distrair e um deles entreguei a elas, para que pudessem experimentar. Era um simples de
chocolate, o que sempre fazia para Leonard, sem nada de muito especial. Porém, as duas
adoraram o sabor e reacenderam minha vontade de criar minha confeitaria. Elas embarcaram
comigo naquele sonho e estávamos trabalhando para ele se tornar realidade desde então.
De início não dei tanto crédito assim, por que quem naquele lugar levaria a sério alguém
que vendia bolos? Ninguém naquela vizinhança era muito próximo e, poderia ser um preconceito
meu, os achava muito esnobes para lhes oferecer qualquer coisa que fazia. No entanto, o mesmo
não se dizia para o bairro mais simples onde elas moravam.
Obviamente meu nome, por toda a confusão causada meses atrás, criou um burburinho e
todos queriam ter alguma participação na minha vida ou consumir o que eu produzia. Não havia
contado nada para Leonard e pedi para que Paul e Sophy mantivessem segredo. Caso não desse
certo, não queria nenhum olhar de pena. E foi através de segredos que lidei com os empréstimos
para o empreendimento e durante meses aguardei ansiosamente pela finalização da construção do
estabelecimento.
— Pronto pra vender muitos bolos hoje? — Marta perguntou animada. Não tinha muita
experiência em fazer grandes produções confeiteiras, mas ela sim, e o que aconteceu foi uma
troca genuína de experiências.
— Estou! Receoso, mas torcendo para dar certo. — Me apoiei no balcão. — Espero que
não tenha nenhum problema eu ir com vocês. Leonard não pode ficar sabendo disso. Ele vai virar
um urso pra cima de mim quando souber que fiz tudo isso sem falar com ele.
— Eu acho o jeito que ele te protege tão fofinho, Sr. Oliver. — Linda, a mais nova disse
com seu jeitinho apaixonado. — Tudo o que eu consigo são uns carinhas ridículos que não
querem nada com nada.
— Já disse que o seu príncipe encantado vai aparecer. É só você acreditar. Eu sempre
sonhei e pra mim deu certo.
— E como deu...— Ela abriu um sorriso enorme e rígido. — Olá, Sr. Havens! Um ótimo
dia para o senhor!
— Quanta animação, Linda! O que aconteceu?
— Vamos dizer que estou sentindo que o dia vai ser coberto por chantilly. — Ela sorriu e
Leonard a encarou intrigado. Marta empurrou uma frigideira para ela lavar e se colocou na frente
do chefe.
— Não ligue para ela, Sr. Havens.
— Leonard, Marta.
— Desculpe, senhor. — Ela colocou mais café na xícara dele e me serviu de chá. — Essa
menina está cada dia mais no mundo da lua! Mas o dia está lindo hoje, não está? Mesmo com as
nuvens, o tempo está muito agradável! Aposto que o sol dará as caras!
— É bom ver que os três aqui acordaram bem. — Nos encarou, como se desconfiasse que
estávamos aprontando alguma coisa. Ele tinha um ótimo poder de dedução e aquilo não podia
negar. Era bem difícil esconder qualquer coisa daquele seu poder especial de juiz. Mas se tinha
uma coisa que eu sabia fazer muito bem, era me fazer de apaixonado e totalmente bobinho por
ele. E aquela era minha arma secreta.
Sorri para ele e baixei meus olhos, fingindo estar com vergonha. Ele pigarreou e arrumou a
gravata. Tomou mais um gole do café quente e, apertando meu queixo rapidamente, logo disse
que chamaria nossos filhos para o café da manhã. E assim que saiu, um riso complacente surgiu
entre nós.
— Assim que eu levar Paul e Sophy para a escola vou mandar mensagens para vocês
saírem de casa e me encontrarem com Allen em frente ao condomínio, tudo bem? Se o Boni
perguntar alguma coisa digam que liberei vocês mais cedo e que pode me ligar para confirmar.
As duas concordaram e logo estava sendo o melhor pai e namorado do mundo na mesa do
café da manhã. Conversava com Paul sobre tudo o que ele achava da escola e as aulas que teria.
Leonard me olhava a todo momento, como sempre fazia naqueles momentos em que estávamos
reunidos. No começo ficava acanhado, mas depois entendi que era sua forma de demonstrar
admiração por meu cuidado.
Ele tomava seu café tranquilamente, porém teve que ser interrompido, pois nosso filho o
ficou apressando, pois queria chegar cedo e fazer novos amigos. Sophy era quem não estava
muito animada, pois odiava acordar de manhã. Era minha preguiçosa.
Nos despedimos de Marta e Linda e fomos em direção ao grande carro preto que nos
esperava. Sophy se sentou ao meu lado, expulsando o seu pai e grudou em meu braço, fechando
os olhos para dormir durante o caminho.
Nunca me cansaria de admirar aquele homem que era tudo o que mais amava na Terra.
Desde seu gênio protetor e gentil, até a forma severa e autoritária que tinha em relação a assuntos
envolvendo seu trabalho. Era ótimo ver aquele contraste, pois era o mais respeitoso cavalheiro
comigo e rígido com todo o restante.
A forma como acariciava sua barba ao se concentrar em seus pensamentos, como seus
braços se acomodavam perfeitamente em seu terno e também o maravilhoso e extasiante aroma
de seu perfume. Tudo nele era feito para me atrair.
Quando chegamos a escola foi impossível não me sentir prestes a abandonar meus filhos.
Era a primeira vez que ficaria longe deles depois de realmente me tornar alguém especial, de me
tornar o pai deles. Algumas pessoas olharam para Leonard ao me abraçar enquanto eu acenava
para Paul e Sophy. Eles nos reconheciam de toda a tragédia, mas não se atreviam a falar nada.
— Será que nunca vão parar de nos encarar desse jeito? — Alisei o torso de Leonard, que
olhava ao redor, se certificando de que nada estava fora do normal.
— Isso vai demorar para acontecer, infelizmente, meu amor.
— Gosto quando me chama de amor.
— Eu sei. — Encarou mais uma vez nossos filhos entrando na escola e tudo o que fiz foi
acompanhá-lo novamente para o carro, aguardando ansiosamente para que chegássemos
rapidamente na casa do presidente William. Eles lidariam com algumas questões envolvendo o
seu mandato e Leonard parecia ser seu conselheiro, assim como o vice-presidente Tessi.
Fiquei pensando se devia contar a ele meus planos, mas tinha certeza de que não seria a
melhor das ideias, pois ficaria irritado por não ter contado antes e tomaria as rédeas de todo o
negócio, colocando um monte de pessoas para cuidar de mim. E corria até mesmo o risco de
colocar Andrey para cuidar da minha imagem. Havia sido um sacrifício enorme ter o apoio do
banco em um empréstimo e ainda mais coordenar tudo sem que ele soubesse da locação do
ambiente.
Tive a ajuda de Fabray, a mãe de Ariel. Ela tinha sempre bom gosto e havia me ajudado
aquele tempo todo ao não contar para Leonard. Allen também me ajudara com meus objetivos.
Havia se tornado meu melhor amigo, suprindo a companhia que precisava e me dando o apoio
para não desistir.
Me despedi de Leonard com um beijo e assim que peguei mais distância, avisei Marta e
Linda que estava a caminho. Não demorou muito para que meu corpo inteiro se ascendesse de
animação e Jay, meu segurança, começasse a me olhar e sorrir.
— Eu sei que devia contar pra ele, mas eu quero que seja uma surpresa. Se ele estiver lá,
vou ficar nervoso e vai dar tudo errado.
— Vai me fazer perder meu emprego, senhor. — O barbudo reclamou, me olhando do
retrovisor.
— Com o dinheiro que eu vou ganhar, eu mesmo te contrato como meu segurança. —
Olhei para a rua, apoiando a cabeça no vidro gelado. Finalmente estaria pronto para ter algo meu
e nunca imaginaria que aquilo aconteceria anos atrás. Meus planos quando saí de casa eram
simplesmente sobreviver. Quem diria que minha vida me levaria para construir minha própria
confeitaria?
Minhas sócias e parceiras de trabalho estavam parecendo fugitivas quando as pegamos em
frente ao condomínio. Elas entraram no carro e tiraram os óculos escuros, me fazendo rir de
como estavam agitadas.
— Estou me sentindo num filme do 007. Isso é tão legal! — Linda comentou.
— Se acalme, mulher! — Marta falou, mas olhava tudo tão animada quanto. — Quase
quebrou os pratos agora a pouco, acredita?
Um carro parou alguns segundos depois e vi meu amigo descer dele e pela porta aberta vi
Sebastian. Ainda tinha a mesma expressão séria de sempre e ficou ainda mais, ao contrário de
Allen, que o disse alguma coisa e caminhou para a portaria, fingindo até o namorado ir embora.
Então deu meia volta e entrou no carro. Fiz um sinal de segredo para os porteiros e eles riram.
— Me atrasei? Sebastian não me deixou em paz a manhã inteira.
— Acabamos de chegar.
— Ele estava com um apetite enorme quando acordou. Quase não consigo sair da cama.
— Eu queria ser homem e gay! — Linda reclamou e rimos a caminho da confeitaria.

Ela ainda estava fechada, mas era possível ver algumas pessoas olhando curiosas para o
estabelecimento de colunas brancas e cores em azul pastel. Era como se fosse um pedaço do céu
feito de açúcar. Meu coração batia rápido em meu peito, vendo a placa ainda coberta, onde
estaria meu nome.
Havia preparado tudo nos mínimos detalhes. Depois daquele dia, finalmente teria algo
literalmente meu e fruto de meu esforço. Minha vida mudaria mais uma vez, mas daquela vez
teria alguém para se orgulhar de mim.
— Ansioso, amigo? — Allen comentou, me abraçando. Ele estava com as chaves na mão.
— Olha só para ele, menino! Ele mal se aguenta! — Marta riu, olhando o relógio e
esperando as nove horas para abrir nossa confeitaria.
— Mal posso esperar! — Sorrimos juntos e Linda logo foi até a entrada, nos olhando e
concordando com a cabeça.
Abri as portas e encontrei as três garotas que havia contratado como garçonetes, vestidas
com o uniforme da confeitaria. Elas sorriram, terminando de arrumar as mesas e logo vieram até
mim. Mordi os lábios encarando tudo brilhando e não pude controlar uma lágrima de felicidade
que desceu pelo meu rosto.
Linda correu para a entrada e puxou uma cordinha, tirando o adesivo na placa. Ela me
encarou sorrindo e veio até mim, me abraçando.
— E às nove horas da manhã, do dia nove de setembro, estamos oficialmente, e
deliciosamente, abertos! A Poyi’s está no mundo!
Peguei meu celular e como aconselhado pelo meu agente, ou seja, Allen, postei em minhas
redes sociais sobre a abertura. Ele fez o mesmo, atraindo muito mais atenção. O resultado não
demorou muito e vimos a quantidade de curtidas aumentando cada vez mais. Jay e alguns
seguranças estavam do lado de fora para controlar a possível multidão de fãs, pois sabia o quão
podiam ser desesperados.
As primeiras clientes entraram e olhando tudo em volta pararam no balcão. A ruiva e mais
nova me olhou rapidamente, mas a senhora pareceu me conhecer, porém não disse nada e logo
uma de nossas garçonetes foi atendê-las. Compraram dois bolos de chocolate inteiros para levar,
o que me deixou incrivelmente feliz e surpreso. Pediram um pedaço também para comer e outro
de chocolate e kiwi que Marta e eu havíamos criado. Era uma obra de arte, devia admitir.
Elas levaram a primeira garfada a boca e senti minha garganta travar devido a antecipação.
Será que tinham gostado? Nos encaramos rapidamente, mas desviei o olhar, fingindo cuidar de
alguma coisa no balcão impecavelmente limpo. A ruiva fez um sinal para Lisa, a garçonete, e
logo a garota veio até mim.
— Ela quer falar com o senhor.
— Será que o bolo estava ruim? Ela fez alguma cara feia?
— Pelo que vi, não tinha nada de errado com ela, Sr. Havens.
— É Oliver, Lisa! Me sinto o Leonard quando me chama assim. — Encarei Marta e logo a
puxei comigo. Quando me aproximei, a mulher de terno executivo me olhou com um sorriso no
rosto. — Como posso ajudar, senhora?
— Adorei o que fez com a decoração! — A senhora foi a primeira a falar.
— Obrigado! Abrimos hoje mesmo e as duas são nossas primeiras clientes. — Tentei soar
o mais complacente possível. — Espero que tenham gostado do bolo.
— Era sobre ele mesmo que gostaria de falar. — Ela limpou a boca com o guardanapo e
nos encarou. — Eu nunca havia experimentado algo assim e já sou uma senhora muito
experiente nesse campo. Realmente essa combinação do kiwi e chocolate foi perfeita!
— Ele foi uma criação minha e de Marta, minha sócia. — Abracei minha amiga e ela me
encarou surpresa.
— Estão de parabéns!
— Obrigado. É um prazer escutar isso. — Minha amiga respondeu, vermelha pelo elogio.
— O de chocolate também está uma delícia. Posso não ser uma especialista, mas já fiz
aniversário para meus filhos e nenhum teve esse sabor.
— Sério? — Minha voz deve ter parecido de uma criança, pois ela controlou sua risada. —
Vi que compraram dois bolos...
— Minha mãe é sua fã, Oliver. — A mais nova disse.
— Sabia que era especial desde que te vi pela primeira vez no jantar.
— Desculpa, mas... A senhora me conhece?
— Como minha filha disse, sou uma fã, meu jovem. Me chamo Merin. — Ela apertou
minhas bochechas. — E desde o jantar no teatro, antes daquela infelicidade acontecer com você,
me tornei ainda mais uma admiradora. Todos que conseguem conquistar Leonard...
— Mamãe! — A ruiva a interrompeu.
— Enfim, Oliver, fico feliz que tenha superado tudo.
— Eu também, Sra. Merin.
— Mamãe, temos que ir.
— Certo. Querido, pode colocar os bolos que encomendei para a viagem. E quero mais um
pedaço desse de kiwi.
— Vai ser um prazer! Vou pedir para que Lisa anote seus dados para o cadastro e
combinarem a entrega.
— Eu mesma vou levar. — A ruiva disse.
— Ótimo! O próximo pedaço para as duas é por conta da casa!
— Minhas amigas vão se roer de inveja! — A senhora entregou o celular para a filha. —
Posso tirar uma foto, querido?
— É claro! — Posei e até tive medo de meu sorriso ficar estranho, pois não conseguia
diminuí-lo.
— Obrigado, meu querido. E meus parabéns!
— Já peço para trazer os pedidos de vocês! — Fiz uma reverência, como se fossem rainhas
ou algo do tipo, mas nem me importei com a vergonha, pois estava fora de mim. Assim que
entramos na cozinha, abracei Marta e Linda e pulei de felicidade. — Nossa primeira encomenda,
sócias! Nossa primeira encomenda!
— Sócia, Oliver? O que isso quer dizer? — Marta me segurou pelos ombros.
— Exatamente o que escutou! — Puxei Linda para perto. — Vocês duas me ajudaram a
criar a Poyi’s e estiveram comigo desde o início. Sem vocês não teria conseguido ter a motivação
pra criar tudo isso.
— Não acredito! — A mais jovem colocou a mão na boca. — Eu? Sócia do Oliver Poyi
Havens?
— O Havens ainda não tem no meu...
— Você vai se casar com o Sr. Havens logo, então isso não importa! — Ela voltou a me
abraçar. — Esse é o melhor dia da minha vida!
— Eu tenho certeza disso. — Marta revirou os olhos, mas riu pela animação.
A localização era ótima e procurei deixar os preços acessíveis para a maior parte das
pessoas. Havia uma pequena calçada coberta por um toldo com mesas dispostas e pude imaginar
as pessoas vindo tomar um café da manhã, jovens comendo algo depois da escola e até famílias
vindo aproveitar uma tarde de sábado.
A postagem em minhas redes sociais logo deu seus frutos e várias pessoas apareceram.
Sabia que principalmente viriam pela minha imagem, mas esperava que ficassem pelo sabor dos
bolos. Claro que tive que dar alguns autógrafos, mas tudo foi maravilhoso. Até mesmo comecei a
servir as pessoas de tantas que vieram. Uma fila enorme se formou do lado de fora e assim se
seguiu até o início da noite. Lara e April também apareceram rapidamente com os amigos da
faculdade, me desejando boa sorte e consumindo bastante. Agradeci a Allen quando ele saiu com
a irmã.
Meu coração batia a cada vez que um elogio era feito. Nada era mais incrível do que ver o
sorriso das pessoas saindo satisfeitas. Fotos foram tiradas e postadas no Instagram com a
marcação da confeitaria. O nome “Poyi’s” estava em todo o lugar e até mesmo recebi uma
mensagem de Parker Hayes, um ator que sempre admirei, me parabenizando. E aquele foi um
sinal de que não demoraria muito para que Leonard também descobrisse.
Fiquei ansioso com cada vez que os sinos da porta faziam o barulho de alguém entrando,
com medo e excitação de que fosse ele. Jay não estava mais lá, pois havia pedido para que
buscasse as crianças na parte da tarde e os levassem para casa. No entanto, para minha surpresa,
lá estavam meus dois filhinhos acompanhados de Boni. Ele me dirigiu um olhar incisivo.
— Papai! A gente queria vir aqui ver você! — Paul juntou as mãozinhas no meu ouvido.
— A gente contou pra o Sr. Boni, mas a gente pediu pra ele não contar pro nosso pai, tá?
— Tudo bem, anjinho. — Lhe beijei a testa e abracei minha garotinha.
— Uau! A “bolaria” está tão linda, papai!
— É “confeitaria”, Paul! — Sophy o corrigiu e logo me olhou. — Eu quero o bolo de
morango, papai.
— Pode deixar que eu sirvo esses dois anjinhos! — Linda a pegou de meu colo e puxou
Paul pela mão.
— É uma confeitaria muito linda, Sr. Oliver. — Boni elogiou, olhando tudo com muita
atenção. Minha relação com ele, depois de tudo, era a melhor possível. Havia se tornado minha
família e passou a cuidar de mim como fazia com todos os membros da sua. Obviamente ainda
era um teimoso e grosso quando queria, mas também um fofo. O abracei, recebendo tapinhas
típicos dele. — Ainda tem algum bolo de limão?
— Para você? Sempre! Já vou pedir para trazerem... Ulrich.
— Não abuse da sorte, garoto! — Me encarou feio por chamá-lo pelo primeiro nome, mas
depois me abraçou, acariciando meu cabelo. — Estou orgulhoso, Oliver!
— Significa muito para mim! — Beijou minha testa e o abracei ainda mais apertado. —
Acredita que vendemos todos os bolos, até os reservas? E ainda recebemos vários pedidos de
encomenda! Eu estou tão fora de mim!
— Fez um ótimo trabalho escondendo tudo isso. Quero ver a cara do Sr. Leonard quando
ficar sabendo.
— Nem me fala! Estou morrendo de medo o dia inteiro achando que ele ia aparecer aqui
do nada, mas nem recebi uma mensagem. — Olhei novamente o celular e nenhum sinal dele
constava. O último cliente veio pagar a conta e me despedi, agradecendo a visita. E então Linda
fechou a confeitaria.
— O nosso primeiro dia foi um sucesso! — Ela socou o ar e pulou animada. Todos os
outros funcionários também estavam lá. — Fala alguma coisa, Oliver!
— Eu não sei... Eu só quero agradecer por cada um de vocês. Foi um dia maravilhoso e
espero que amanhã seja tão bom quanto hoje! Esse sonho é nosso! E obrigado de novo! —
Bateram palmas. — Mas por agora, vamos todos descansar e cada um pode levar um bolo que eu
separei...
— Não sem antes comermos esse que eu fiz para comemorarmos! É esse aqui que fez tudo
começar! — Marta apareceu segurando um de chocolate. — Você é talentosíssimo, Oliver! E
merece o mundo de coisas boas!
— Marta! — A abracei secando suas lágrimas e ela fez o mesmo com as minhas.
— Você deu para essa mulher velha um sonho e eu nunca vou poder te pagar por isso!
— Não vai precisar. Essa confeitaria é tão sua quanto minha, mesmo que você não queira
colocar seu nome nela também.
— O seu fica muito mais chique.
Começamos a nos servir e foi maravilhoso ver o sorriso de todos. A felicidade e realização
estava no ar e aquele sucesso de primeiro dia era por conta do trabalho de cada um. Eram
pessoas que escolhi confiar. Aquelas duas mulheres que peguei cochichando sobre mim da
primeira vez, foram com quem cochichei por muito tempo até aquele momento.
— Ai, meu Deus! É o Sr. Havens! Aquele é o... É o presidente William e a...? Meu Deus!
É a Jéssica William! Eu estou toda desarrumada! — Marta disse com olhos tão esbugalhados que
foi impossível não rir. Porém também fiquei nervoso, pois Leonard me olhava seriamente.
— Espero que tenha guardado um pedaço para mim, Oliver! — William disse com seu
sorriso brincalhão e logo me abraçou, como o homem animado que era. — Quase me deixou
triste por não ter me convidado, sabia? Mas te perdoo, porque vai ser obrigado a me fazer essas
delícias todos os meses daqui pra frente.
— Amei o que fez com o lugar, Oliver! Está lindo! — Jessica, a primeira-dama, veio até
mim, me beijando o rosto. — Quis te dar os parabéns pessoalmente! Tenho certeza de que isso
vai ser ótimo para você.
— Quem vai me servir esse delicioso bolo de chocolate? É o meu garotão Paul? —
Bernard entrou e pegou meu filho no colo. — Oli Oli, o amor da minha vida! Parabéns!
— Você veio! — O abracei e beijou minha bochecha de forma barulhenta.
— Desculpa não estar aqui por você quando tudo aconteceu. — Sussurrou e o abracei
novamente.
— O importante é que está aqui agora!
— Então, quem vai me dar um pedaço de bolo?
— O senhor tem que comprar, padrinho! — O garotinho respondeu com firmeza,
arrancando a risada de todos, mas logo começou a gritar em meio a risadas devido as cócegas.
— Vou encomendar muitos bolos desses para todo mundo do escritório! Se preparem! —
William falou de boca cheia. Todos pareciam estar travados, mas o jeito brincalhão do homem
mais poderoso do país fez todos relaxarem. Mesmo com a rua estando completamente cercada
por seguranças e todo o tipo de mecanismo para a proteção deles, foi incrível.
Porém nada me protegeria do olhar do homem que eu amava. Podia contar nos dedos todas
as vezes que havia feito algo sem contar para ele, não porque lhe devia alguma explicação para
cada passo, mas sim porque existia uma cumplicidade enorme entre nós. Sempre queria o
cuidado que tinha por mim.
— Está bravo comigo? — Me aproximei, usando todo o meu charme e timidez.
— Não adiantar usar desse jeitinho comigo, Oliver. — Não moveu um músculo em minha
direção. Nem mesmo quando passei meus braços em torno de seu pescoço, apoiando meu queixo
em seu peito e olhando para cima.
— Não fica bravo comigo, por favor. — Deixei um beijo em seu cavanhaque e logo
acariciei seu rosto sério. — Se eu te contasse você não iria deixar eu trabalhar.
— Você fez isso tudo pelas minhas costas, Oliver. Até pediu pra nossos filhos não
contarem nada.
— Eles só me ajudaram com um desejo meu. — Ele ainda não havia retribuído o meu
abraço e estava me sentindo angustiado. Ansiava pelo seu toque e precisava saber que não estava
realmente irritado comigo. — Não fica bravo, senhor.
— Fez isso sem pedir a minha ajuda e bem debaixo do meu nariz. E ainda teve a coragem
de ficar jogando esse seu charmezinho barato para cima de mim todo dia! — Sua mão segurou
meu rosto e um sorriso discreto tomou seus lábios. — Eu não reconheço esse sem-vergonha na
minha frente.
— Só estava tentando ser mais como você: independente, incrível e responsável. — Me
beijou intensamente.
— Sr. Havens, já cuidei de todos os seus compromissos. — Escutei uma mulher e a encarei
chocado. Era a primeira cliente que veio com a mãe naquela manhã. O que indicava que...
— Obrigado por tudo hoje, Kelly.
— À disposição, senhor. O Bolo estava uma delícia, Sr. Oliver. Tenham uma ótima noite!
— Ela sorriu para mim e deixou o lugar.
— Leonard! Você... Eu... Não acredito! — Encarei o homem com um sorriso presunçoso a
minha frente. Ele segurou meu queixo, passando o braço em minhas costas e me apertou ainda
mais.
— Achou mesmo que eu não seria o primeiro a te apoiar, Oliver?
— Você não existe! — Bati levemente em seu peito, sorrindo abertamente. — Eu te amo,
sabia?
— Não mais que eu por você! — Sorriu ternamente. — Estou orgulhoso!
— Obrigado por ficar do meu lado.
— Sempre, meu amor! — Beijou meu rosto. — Agora me sirva de uma fatia do de
chocolate.
— Eu quero mais bolo! — Sophy pediu e Paul também a seguiu.
— Você quem vai ficar acordado até eles dormirem hoje, Sr. Havens! — Falei e peguei
minha filha no colo. — Qual vocês querem, meus anjinhos?
E minha noite não poderia ter acabado melhor. Quem diria que para alguém que havia sido
expulso de casa, sem nem um futuro e muito menos uma família, agora estaria rodeado de
pessoas importantes e que me respeitavam por ser exatamente como eu era?
Tinha um namorado maravilhoso, dois filhos que eram minha maior alegria e amigos que,
independentemente de quem fossem, eram reais. A mudança que ocorreu em minha vida era
digna de uma obra romancista e eu era quem estava responsável por ditar minhas escolhas.
CAPÍTULO 16 – Sem Ressentimentos

A confeitaria estava me rendendo várias novas experiências e abrindo portas que nunca
pensei que seriam abertas. Em pouco tempo consegui juntar o dinheiro que havia emprestado do
banco para a construção. E já que não precisava manter mais segredo de minhas atividades para
Leonard, somente tinha de me preocupar com sua cisma com minha segurança e com a criação
de Paul e Sophy.
Meses se passaram e lá estava eu, abrindo mais uma Poyi’s em uma cidade. Minha
ansiedade depois da primeira semana em Haltaco para acompanhar as vendas estava mais amena,
mas como lá eram uma cidade do interior e universitária não tive grandes preocupações, pois
havia sido um convite feito pelo próprio prefeito e com o intuito de servir como um point para os
estudantes. Sendo assim, pude aproveitar minha curiosidade para conhecer novos lugares e curtir
um pouco meu relacionamento com Leonard.
Foi ótimo me afastar de Bisera, principalmente porque depois de tanto pedir para Leonard
um tempo para nós, consegui fazê-lo tirar alguns dias de férias. Sabia que nunca deixaria suas
responsabilidades de lado, pois era um viciado no trabalho, mas foi ótimo vê-lo tentar. Ele
precisava daquilo tanto quanto eu.
Percebia sua preocupação com tudo e seu controle exagerado com a nossa volta estava
ainda mais intenso. Era quase como se nosso relacionamento estivesse sendo o alvo de ameaças
novamente. Porém minha atenção era com sua saúde emocional, pois havia descoberto ser muito
orgulhoso em relação aos seus sentimentos.
Ele estava adormecido ao meu lado e não me cansava de apreciar o quanto era belo. Com
um gentil carinho em seu peito, tracei meus dedos pela camada castanha que nele havia até
chegar em seu rosto. Sua respiração era tão calma e controlada que poderiam me ninar e fazer
cair no mundo dos sonhos novamente. Poderia passar horas o encarando e exaltando cada
mínima característica que tinha.
Lentamente foi despertando e senti suas pernas passarem pelas minhas ao mesmo tempo
que o lençol deslizava por ambas. Seus olhos encontraram os meus e ele se espreguiçou,
levantando os braços, exatamente como Sophy e Paul faziam. Aquilo me fez sorrir e aninhei meu
rosto em seu pescoço.
— Alguém está manhoso hoje. — Acariciou minha bochecha, selando nossos lábios
rapidamente.
— Estou amando poder ficar com você aqui. — Coloquei minha perna entre as suas,
sentindo o quanto também me desejava. — Eu estou morrendo de saudade de você, Leonard.
— Então me prova, meu amor. — Me coloquei em seu colo, criando um delicioso atrito
entre nossas peles e as fazendo esquentar, como se chamas estivessem acesas por debaixo. Sua
língua dominava a minha não adiantasse quantas vezes tentasse me impor. Me render a ele era
meu desejo e seu prazer minha fraqueza. Sempre permitiria sua luxúria em me adorar e seu
controle por todo meu corpo.
A forma como sua boca experiente me fazia subir aos céus ao mesmo tempo que suas mãos
me faziam lembrar das pequenas dificuldades do prazer, o cheiro de sua pele, que transpirava à
medida que o acalentava e o abrigava entre meus lábios, era inebriante. Os espasmos que seu
corpo dava todas as vezes que seu membro pulsava em minha boca eram deliciosos. Amava ver
como era estimulado até se tornar saborosamente sensível.
Ele me fazia acreditar em qualquer tipo de crença somente por me completar e dizer que
era meu. Suas palavras eram como a inspiração que minha alma precisava e nunca retrucaria
nada do que me dissesse, nem mesmo quando seus adjetivos se tornavam reflexos de seu desejo
e anseio por mais de mim.
— Eu pertenço a você! — Afirmei enquanto mordia seu rosto e ele me explorava cada vez
mais. Aquela era a frase que quis dizer quando fizemos nossa primeira viagem ao chalé no Natal.
A primeira vez que senti o quanto me amava e me entreguei ao seu desejo, pois era o meu dever
fazê-lo.
Amava como tudo parecia me afetar depois de nossos momentos. A água sempre parecia
estar quente ou fria demais. Só me acalmava assim que seu corpo me envolvia e com seu carinho
me banhava da forma mais singela e possessiva. Ele parecia ser feito do próprio óleo corporal
que passava em mim, pois suas mãos e dedos deslizavam por cada curva de meu corpo.
Minha parte preferida era após nosso banho, pois via seus músculos se moverem por
debaixo daquela pele feita para minha admiração. Os cabelos que cobriam seu torso, braços e
pernas eram como sinais de como adorava meu toque, pois se arrepiavam sempre que o beijava.
Assim que estávamos vestidos e prontos para nosso almoço, fiquei a sua espera, sentado
próximo a porta e vendo as fotos de borboletas que Sophy havia tirado. Os irmãos estavam com
June. Adoravam a madrinha e sempre queriam ficar com ela, principalmente pois seu priminho
havia nascido. Diziam que seriam os mais velhos e tinham que cuidar dele, mesmo com Yuri, o
outro filho das duas, ser mais velho que eles todos.
Adorava conversar com June, porque me fazia perceber como era ser alguém feliz e
bondoso. Era um anjo da guarda e sempre esteve lá por mim quando minhas indecisões e planos
eram questionados pelo meu sabotador interior. Precisava também visitá-la para que pudesse
aproveitar de meu afilhado.
— Vamos? — Leonard me acordou da admiração momentânea. — Fiz uma reserva em um
dos restaurantes italianos que você gosta.
— Você quer me agradar, Sr. Havens? — Me agarrei em seu braço.
— É para isso que eu vivo, meu amor.
Nosso carro já estava pronto assim que chegamos ao saguão do hotel e logo avistei Jay e os
outros seguranças. Não era necessária tanta proteção, mas era impossível ser contra. Haltaco,
mesmo durante o dia era linda e cheia de vida. As mais diferentes pessoas andavam para lá e para
cá e Leonard fez questão de passarmos em frente à minha confeitaria. E sorri ao perceber que
estava cheia. Era um alívio ver o sucesso do esforço que Linda, Marta e eu colocamos naquele
sonho.
No restaurante tudo estava perfeito e parecendo ter sido decorado por algum deus grego da
beleza. Finas camadas de um tecido quase transparente brilhavam por entre os lustres. As
pessoas estavam conversando e olhavam para nós, reconhecendo, principalmente, quem estava
ao meu lado.
— Leonard? — Um homem o chamou. Estava sentado com seu marido, acreditava, pois o
anel com uma pedra azul brilhante não deixava nem ponto para questionamento.
— Vincent? Que bom te ver. — Se cumprimentaram.
— Parker Hayes! — Falei animado demais e encarei o ator famoso. Ele estava em vários
dos filmes que estavam tirando toda a água do meu corpo. — Eu admiro muito o seu trabalho!
Eu sou Oliver, é um prazer!
— Sei quem você é. Pensei que teria que invadir a sua casa pra comer um de seus bolos.
Nem na inauguração da filial aqui, eu consegui. — Sorriu com seus dentes perfeitos. — Vincent,
nunca me falou que os conhecia. Na verdade, ele adora esconder as coisas de mim, não é,
querido?
O homem suspirou devido a provocação, mas não o respondeu. Leonard se apresentou a
Parker e logo o convite para que nos juntássemos a eles foi feito. Notei uma certa hesitação por
parte de meu namorado, mas acabamos por nos juntarmos aos dois.
O ator era exatamente como em suas redes sociais: extrovertido, ácido, mas muito
divertido. A melhor parte foram as farpas que jogava na direção do marido sempre que podia.
Era incrível como duas pessoas tão diferentes se complementavam totalmente. O que era notável
sempre que seguravam as mãos ou como Parker arrumava os cabelos de Vincent. E como esse,
mesmo sendo rígido e sério demais para o meu gosto, não recusava nenhum de seus carinhos.
Até parecia mais dócil quando Parker o tocava.
Depois de um tempo pedi licença para ir ao banheiro e fiquei alguns segundos me
encarando. Era perceptível um sorriso singelo acomodado em meu rosto. Estava feliz e meu
corpo parecia irradiar tal sentimento com a ajuda, claro, da luz forte do ambiente.
Quando voltei, todos estavam em silêncio e meu mais novo amigo estava alegre demais.
Ele segurava a mão do marido e Vincent negava com a cabeça a animação do amado. Não estava
entendendo o que acontecia, mas à medida que me aproximava vi um pequeno suporte vermelho
e marrom, uma caixinha de veludo e aquilo fez meu coração gelar.
Não conseguia dar mais nenhum passo e somente me movi quando senti as mãos de
Leonard nas minhas. Me sentei rapidamente, pois era capaz de cair no chão do tanto que tremia.
Ele tinha um sorriso discreto, mas através de seus olhos e o tom caloroso e afetuoso em sua voz,
enxerguei amor.
— Estava pensando em te fazer o pedido daqui a alguns dias, mas então essa viagem
aconteceu. — Abriu o suporte e nele estavam duas alianças. — Quero te ter ao meu lado, Oliver.
Quero que tenha tudo o que quiser, porque você é tudo para mim! Sei que já parece que estamos
casados, mas quero tornar isso oficial. Quero que saibam que você é meu para amar. Então, com
Parker e Vincent como nossas testemunhas iniciais, você aceita casar comigo?
— É claro que sim, Leonard! — Minhas lágrimas desceram e um soluço alto demais saiu
de mim. Meu rosto queimava de vergonha e emoção. Ele encaixou a aliança em mim e fiz o
mesmo com ele. — Eu te amo tanto!
— Você é minha vida, Oliver!
— Ai, meu Deus! Isso é tão cena de filme! — Parker veio até mim e me abraçou, e logo
fez o mesmo com Leonard. Vincent, de seu jeito reservado, nos deu seu “Parabéns!” simples e
curto. O que deixou seu marido irritado por ele ser “duro” demais.
Estava extasiado e nem mesmo consegui parar de olhar a joia. Mal podia esperar para ficar
a sós com Leonard e pelo visto queria a mesma coisa, pois depois de algum tempo pediu licença
e prometeu que nos encontraríamos com nossos novos amigos à noite para comemorarmos nossa
oficialização.
No quarto de nosso hotel, mostrei o quanto estava feliz pelo que ele havia feito e tudo se
estendeu como a continuação maravilhosa de nossa manhã. Não existiam palavras suficientes
para descrever toda a minha gratidão por todos os acontecimentos de minha vida. Havia sido
abençoado e tudo aquilo era uma prova.
— Só quero ver o que Sophy vai dizer quando descobrir que você finalmente me deu um
anel. — Sorri observando nossas mãos entrelaçadas.
— É capaz de ela falar que já passou da hora. E Paul vai dizer “finalmente!”. Ele só está
usando essa palavra agora. — Beijou meu pescoço, passando um bom tempo naquele ato.
— Quero logo contar para eles, Maya e June também!
— Fique avisado que ela vai querer fazer uma festa de casamento.
— Não vou deixar! No máximo uma reunião com poucas pessoas, mas nada grande. Nem
conheço tanta gente. É capaz de eu recusar o pedido se o juiz me perguntar.
— Você não seria louco a esse ponto.
— Eu sei que não! — Ri quando ele me mordeu, apertando seu corpo no meu. — Diria
“sim” sem nem mesmo ele me perguntar.
— Eu amo tudo em você, Oliver. — Acariciou minhas costas e tudo ficou em silêncio por
um momento. Algo lhe veio.
— O que foi?
— Estava esperando o momento passar e realmente me perguntei se devia te contar,
porque não quero nada atormentando nossa vida. Quero que as coisas do passado fiquem para
trás.
— Você está me assustando.
— Roberto... — Respirou fundo e se sentou. — Ele entregou todos os nomes que sabia do
grupo que o convenceu a fazer parte de tudo. E ele ser quem é vai ser muito difícil agora. Então
deve desaparecer. Pelo menos, até todos serem pegos.
— Desaparecer?
— Existe o programa de proteção às testemunhas e ele fará parte. No entanto, antes disso
acontecer, ele me pediu para conversar com você.
— Ele era meu amigo, mas depois do que ele fez com a gente... Com a nossa família... —
Encarei seu rosto procurando algum sinal de que ele não aprovava aquilo.
— Sei que é difícil, meu amor. Sei que é difícil esquecer e eu nunca vou. Porém já vi
muitos serem enganados pelo medo e não terem a chance de se redimir. — Segurou meu rosto.
— Perdoar o Roberto não quer dizer que vai esquecer o que ele fez. Mas ele viver dessa forma,
longe de tudo e todos que ele conhece... Nós não sabemos como isso vai afetar a cabeça dele.
— O que acha que eu devo fazer?
— Eu quero dizer “não” e deixá-lo ir para sei lá onde e sumir de nossas vidas, mas ao
mesmo tempo estou procurando acreditar que ele realmente se arrependeu. Mas eu sei que o mais
importante de tudo é que você ainda o considera seu amigo, mesmo apesar desse ódio.
— Você está dizendo que eu deveria vê-lo então? — Minha cabeça estava uma bagunça,
mas de certa forma, saber que Beto queria me ver não diminuiu a alegria dentro de mim.
Durante todas as minhas sessões de terapia, sempre dizia que queria o arrependimento de
Beto, que ele realmente procurasse fazer o bem e pudesse, mesmo que em minha mente, ser meu
amigo novamente, pois não acreditava que ele sempre havia fingido. Não era possível ser tão frio
ao mentir nossas risadas nos almoços e jantares que fiz para ele. Apesar do medo, no fundo, o
queria de volta, mas sabia que aquilo seria impossível.
Saber que provavelmente nunca mais o veria fez meu coração apertar e abrir para a
redenção. Queria lhe dar uma chance e escutar o que tinha para me dizer. Se realmente fosse um
canalha desprezível seria bom para eu acabar com todas as minhas esperanças, porém se não
fosse e eu não lhe desse ouvidos, a dúvida acabaria me consumindo até o fim daquela situação ou
de meus dias.
— Eu... quero falar com ele, se estiver tudo bem para você. — Acariciei sua mão.
— Vou falar com os responsáveis para arranjar isso, mas se mudar de ideia não precisa ir,
me entendeu? Não deve nada para ele. — Leonard massageou meus lábios e admirei como era o
homem mais compreensível e justo naquele planeta. Sua posição sempre era tão firme. Queria ter
o mesmo controle emocional e racional.
— Você vai comigo?
— Mesmo que não quisesse. — Me abraçou.
— Você o viu? Como ele estava?
— Como se espera de alguém nessa situação, meu amor. Não há nada com o que se
preocupar. Ele está sendo tratado bem.
— Parece errado querer o dar uma chance.
— Não é! Você é a pessoa mais gentil que eu conheço. Está fazendo a coisa certa para
você.
— Tem certeza?
— Absoluta! — Senti seus lábios nos meus. — A qualquer momento, se não desejar mais,
basta me dizer.
— Obrigado, mas... — O abracei, sentindo um nó se desfazer dentro de mim. — Como
você mesmo disse, eu preciso disso para seguir em frente. De uma forma ou de outra, eu
realmente espero que tudo caminhe para o lado bom nessa história.
— Também espero.
Deixamos aquele assunto de lado e voltamos ao primeiro dia de nosso noivado. Quem diria
que aquilo aconteceria comigo? Que o meu pedido finalmente se realizaria? Eu diria! Porque
tinha a certeza de que meu futuro não seria diferente baseado em todas os sinais que recebera nos
últimos meses e todo o tempo que estava com aquele homem, mesmo nos não tão bons assim.
Definitivamente meu caminho não havia sido feito somente de pedras preciosas e
diamantes, porém mesmo as mais escuras e pontiagudas foram necessárias para me transformar
no homem que sempre precisei ser, e também, a partir daquele momento, o homem que Leonard,
Paul, Sophy e até mesmo Marrom, nosso gatinho, precisariam que eu fosse.
Nos arrumamos mais casualmente e logo estávamos a caminho do bar que Parker havia
recomendado para uma pequena comemoração. Nossa despedida de solteiro, só que sem todos os
homens sem camisa dançando, pois nem Leonard ou Vincent permitiriam. Mas seria muito bom
ver o lado ciumento de meu futuro marido. Era praticamente irresistível quando ele assumia uma
postura ainda mais rígida da que já tinha devido ao seu sentimento possessivo e territorialista.
Não sei o que mais me impressionou em todo aquele lugar. Se era a decoração
completamente fora do cotidiano, onde luzes brilhavam e refletiam perfeitamente até nos mais
escondidos dos copos, ou se era a diversidade enorme de pessoas. Havia desde os caras mais
héteros possíveis, motoqueiros com jaquetas de couro, até as patricinhas e todas as siglas
possíveis da comunidade Queer.
Estava impressionado até que um homem barbudo e de cabelos castanhos rebeldes se
aproximou com um sorriso. Ele e Vincent pareciam bons amigos já que fora a primeira vez que o
vi sorrir minimamente e ter uma atitude mais despojada e descontraída. E logo foi a vez de
Parker ser abraçado.
— Até que enfim você chegou, Parker. — Um loiro apareceu e passou pelo barbudo, se
esquivando de um beliscão na cintura. — Não aguentava mais ter que aturar o Jared. Ele não
para por conta dessa inauguração e não me deixa em paz.
— Como se você tivesse opção, não é, Flor? — O outro respondeu e logo se virou para
Leonard e eu. — Sejam bem-vindos ao meu mais novo The Dead Jaguar! Amigos do Parker?
— Do Vincent, na verdade. Nos conhecemos hoje, mas já fui uma testemunha do pedido
de casamento deles. — O ator comentou feliz. — Acreditam nisso? O amor está presente nessa
cidade!
— Meus parabéns! — Recebemos o abraço apertado de Jared. Ele era bem simpático e
constantemente tinha um sorriso divertido, o completo oposto do que sua aparência sugeria. Me
encarou rapidamente e fez uma careta, como se pensasse em algo. — Eu te vi na TV. Eram vocês
que...
— Sim e agradeceria se deixasse isso de lado. — Leonard pediu educadamente.
— Mas é claro! Nem precisa falar duas vezes, cara! Hoje é o dia de vocês! — Jared fez um
sinal e logo estavam nos trazendo bebidas coloridas. — Esse daqui é um novo drink, inspirado
nas vontades do Flor. A gente está misturando umas coisas mais cítricas. Ele gosta que eu coma
muitas frutas...
— Jared! Eu vou matar você! — O loiro reclamou.
— O seu nome é Flor mesmo? — O questionei.
— É Calisto. É um prazer e parabéns ao casal! — Sorriu, me abraçando gentilmente.
— Mas ele é o Flor do Jared. — Parker comentou rindo, fazendo o amigo revirar os olhos.
Jared o abraçou e deixou um beijo no rosto de Calisto, que sorriu mesmo a contragosto.
— É "Florzinha do Jared”, Atorzinho.
Peguei o copo com o líquido amarelo, uma mistura de abacaxi e leite condensado. Assim
que senti o sabor tudo em mim se maravilhou. Era leve, mesmo com a acidez do abacaxi, e bem
no final, como uma memória rápida, o sabor forte de qualquer que fosse a bebida logo deixava o
paladar.
— Bom, não é? O Flor também gosta quando eu tomo, não é, Flor? — Ele pegou o loiro no
colo, deixando uma mordida em sua bochecha.
— Me coloca no chão! Você está assanhado demais!
— É uma delícia! Acho que vou querer mais um depois desse. — Encarei Leonard e passei
meu dedo no canto de sua boca, onde havia um resquício da bebida e sussurrei em seu ouvido. —
Você poderia tomar mais um também, não é?
— Tudo por você, meu amor.
— Podem aproveitar! Considerem o meu presente de casamento pra vocês! — Jared fez
um sinal para que os seguíssemos para o segundo andar e foi lá que ficamos aproveitando a
companhia de seus amigos e pude conhecer mais de Calisto e seu marido.
Tudo correu da melhor forma possível e nossa amizade com mais um casal daquela cidade
se fez. Descobri que também moravam em Bisera e tudo se alinhou para que nos encontrássemos
futuramente. Após aquela noite, ficamos somente mais um dia, onde usamos dele para passear
pelos pontos turísticos, sempre com a segurança completa de Leonard.
Em nosso voo de volta fomos direto para casa de Samantha e June a fim de buscar nossos
filhos e contarmos a boa nova. Estava muito mais ansioso naquele momento para dividir minha
felicidade com as pessoas que faziam parte de nossa vida.
Ao pararmos o carro em frente à entrada da casa, Paul e Sophy vieram correndo para os
nossos braços. Peguei meu garoto, o apertando bastante para matar a saudade que doía em meu
peito. Sophy logo foi para os braços de Leonard e ele se aproximou de mim para que a garotinha
passasse os bracinhos pelo meu pescoço.
— Ai, meu Deus! — Samantha exclamou surpresa e pegou a mão de meu futuro marido,
olhando de perto a aliança. — Não me diga que você finalmente pediu Oliver em casamento?!
— Você vai ser mais ainda nosso papai agora! — Paul se sacodiu em meu colo e segurou
os ombros do pai.
— Sim, meu anjinho!
— Você disse que ia me esperar, papai! — Sophy cruzou os braços.
— Desculpa, filha. Eu não resisti! — Beijou o rosto dela, que sorriu. — Você me perdoa?
— Só hoje. — Respondeu, pegando a mão dele e olhando o anel.
— Finalmente! — Paul comemorou com um sorriso banguela.
— E você perdeu o seu primeiro dentinho, filho? — Perguntei, feliz por ele estar
crescendo.
— Ele colocou o dente embaixo do meu travesseiro, papai! Ele ficou com medo da fada do
dente! — Sophy riu.
— Ela voa, Sophy! E se ela me pegasse no colo? Eu não sei voar! — Retrucou quase se
jogando no chão e indo atrás da irmã pra dentro da casa.
— Estou tão feliz por vocês! — June disse chorando e logo bocejou, me fazendo a encarar
em estranhamento.
— É meu remédio de alergia. Agora quero que me conte tudo antes de irem para o
aeroporto.
Dividir com ela o simples pedido de Leonard, a fez colocar em sua cabeça que deveria
fazer uma festa para comemorarmos “oficialmente”, porém tive a ajuda de Sam para diminuir a
empolgação da esposa e a fazer aceitar ser responsável por uma pequena comemoração para
familiares e amigos próximos.
Precisava contar para Maya e aproveitei o tempo que estava na área de espera do aeroporto
para ligar e deixá-la ciente da maravilhosa notícia. Nossa relação havia melhorado e muito após
descobrirmos que estávamos melhor sem a intromissão de nossa mãe. Era como se nunca
tivéssemos nos afastado e mais uma vez mais uma peça de minha vida estava no lugar correto.
E enquanto lutava contra o sono, ainda consegui pensar em Beto e pedi para que ele não
estivesse sofrendo. Enquanto o manto noturno cobria o céu, o perdoei diante das estrelas. Não
precisava de ressentimentos, nem mesmo em relação a ele. Se havia pedido para falar comigo,
era um sinal de que não era aquele homem cruel.
E nada me atrapalharia em viver o melhor que pudesse.
CAPÍTULO 17 – O Motivo

Meus passos estavam sendo observados a cada momento por Leonard e também por todos
aqueles agentes. Desde que voltamos para Bisera fiquei ansioso para falar com Beto, mesmo que
não soubesse quando aquilo ocorreria, e fiquei atento a cada sinal de Leonard. Não era algo fácil
de se fazer, pois quando se tratava daquele assunto era o mais reservado possível.
Como havia mudado de alguém completamente querendo esquecer de Beto para alguém
que pensava constantemente em querer falar com ele e finalmente colocar nossa situação em
panos limpos, era impressionante. O que Leonard havia me dito, sobre eu ser uma boa pessoa e
que tal bondade era presente em minhas decisões, havia me afetado também. Por aquilo decidi
que mesmo que meu antigo amigo não tivesse nenhuma boa intenção com aquele encontro, não
faria nada para o diminuir ou deixá-lo em uma situação pior da que já estava.
Pela primeira vez em muito tempo conheci o local de trabalho de Leonard, pois havia
marcado uma reunião com Vincent, que também fora responsável pela prisão de meu amigo. Ele
decidiu me ajudar com o que poderia acontecer devido a sua experiência e precisava admitir que
cada pergunta que me fazia acabou por me deixar completamente esgotado. Ele era tão incisivo
que preferi que voltasse a ser aquele homem que quase não falou comigo em nosso almoço.
Não sabia se era necessário tudo aquilo, pois para mim Beto não faria nada para me
machucar, não mais do que havia feito. No entanto minhas crenças não eram as mesmas de meu
futuro marido. No caminho para casa fiquei a todo momento remoendo as memórias envolvendo
Roberto, e quis voltar no tempo sabendo o que sabia e pedir para que não continuasse com suas
intenções contra Leonard. Queria que aquela nuvem carregada não estivesse pairando sobre
nossas cabeças, mas sim um céu branco que marcava sempre nossas manhãs e conversas.
Assim que cheguei notei que um carro estava estacionado e logo reconheci como um dos
modelos que Samantha sempre alugava quando nos visitava. Quis voltar na mesma hora, pois
sabia que passar por aquela porta me levaria a um outro tipo de tortura mental, porém uma em
relação ao meu casamento.
Não que eu não quisesse me casar com Leonard, pois queria e muito! No entanto, June era
uma das pessoas mais extravagantes no quesito social que conhecia. Mesmo preferindo a
companhia dos amigos, dava uma importância exagerada para comemorações. E a cerimônia de
minha união e seu mais antigo amigo era seu objetivo de vida no momento. Respirei fundo antes
de sair do carro e pedi para que toda a paciência do mundo estivesse comigo nas próximas horas.
Escutei o barulho das crianças correndo no andar de cima e da pequena varinha
escandalosa que Sophy havia ganhado de Marta. Fui em direção a cozinha esperando encontrar
as duas já acomodadas, tomando do vinho que Leonard sempre deixava para suas visitas
surpresas, porém para minha surpresa quem estava lá era Bernard e Maya com meu sobrinho no
colo.
— Olha quem chegou! Meu cunhado favorito! — Senti o abraço apertado e logo o sorriso
daquele oferecido estava me contagiando. Havia aprendido a gostar de seu jeito atirado. —
Pensei que não viria mais para sua própria casa. Tive que receber sua irmã, que estava na portaria
com seu sobrinho. Que feio, Oli Oli! Estava com uma criança ao relento!
— Bernard...
— Ele está aumentando demais o que aconteceu, Oli! — Ela riu da careta de meu cunhado.
— Não sabia que viria, Maya. — A abracei e dei um beijo na testa do pequeno garotinho
em seus braços. Kevin dormia pacificamente em seu colo.
— Eu que decidi fazer uma surpresa. A culpa foi minha. — Ela pegou minha mão,
observando a aliança. — Estava com saudades.
— Como está Brent?
— Trabalhando, como sempre! Me casei com um viciado em trabalho e nem sabia.
— Temos o mesmo gosto para homens.
— Se tivesse me dado uma chance não teria esse problema, não é? Sem querer me gabar,
mas eu sou um ótimo amante. Digo isso para os dois! — Revirei os olhos, controlando minha
risada.
— Ignore o Bernard, Maya. Ele sempre é assim. Adora ficar brincando comigo, mas eu
não sou o mesmo Oliver que ele conhecia.
— Não é mesmo! O Oli Oli que eu conhecia ia ficar todo vermelhinho de vergonha, mas
eu sei que ele tá aí dentro. — Se serviu de mais vinho.
— Pensei que Sam e June estariam aqui.
— E estão! Estavam correndo atrás do Yuri e dos meus pestinhas favoritos pra tirar aquela
varinha da Sophy.
— Tomara que consigam, porque eu não aguento mais.
— Mas e você, irmão? Estava com o Leonard?
— Sim, mas depois fui para a confeitaria. Precisava resolver umas coisas lá. — Menti. Não
queria contar para Maya que estava me preparando para ver o homem que quase havia me
matado.
Assim que soube do acidente, ela desenvolveu um ódio enorme por Beto. Já Bernard, tinha
certeza de que havia conversado com o irmão e estava a par de meus planos, pois seu olhar
astuto sempre escondia segredos.
— Fico super orgulhosa de você, Oli! — Segurou minha mão e nos encaramos sem nem
mesmo dizer o que se passava em nossa cabeça. Nosso pai havia nos ensinado a fazer bolos e era
parte de tudo o que eu havia conquistado.
— Eu não aguento mais essa coisa! — Samantha disse torcendo o brinquedo, o fazendo
soltar um som agudo, como se estivesse gritando por socorro. — Não sei como você deixou ela
ter essa coisa barulhenta. Marta que me perdoe!
— Vai acabar quebrando, meu amor. É só tirar o som. — June falou me entregando Kim,
meu afilhado. — Que bom que chegou! Agora nós finalmente podemos lidar com os
preparativos do seu casamento. Eu estou com tantas ideias!
— June, eu disse que...
— Que quer uma coisa mais comportada, eu sei! — Bufou, prendendo o cabelo em um
coque e se sentou na cadeira, pegando Kim e o dando de mamar. — Não se preocupe quanto a
isso. Maya e eu estamos cuidando de tudo e queremos te mostrar. Vai ser uma cerimônia
simples, mas totalmente maravilhosa! Eu até estou com vontade de me casar novamente!
— Pelo amor de Deus, não! Não vou aguentar a sua mão destruindo a minha. Quase não
consegui entregar as alianças. — Bernard terminou a taça de vinho em um gole. — Eu tenho que
ir, mas volto para o jantar.
— Acho que vou te acompanhar, Bernard. Vai me levar por essa cidade mórbida até a
confeitaria de Oliver. Quero ver com meus próprios olhos o trabalho dessa arquiteta. — Sam me
olhou feio.
— Eu não queria te atrapalhar, Samantha. Vocês tinham acabado de ter o Kim e a
construção levaria tempo. — A abracei, mas ela não me retribuiu. Somente respirou fundo e me
beliscou o braço.
— Que seja! Deveria ter me ofertado para eu ter a oportunidade de recusar, e não ter feito
tudo pelas minhas costas.
— Misericórdia, mulher! — Bernard a arrastou pela cintura e então fiquei sozinho para
aproveitar e sofrer ao mesmo tempo pelo meu casamento.
Devo dizer que mesmo com todo o receio inicial, passar o dia com elas foi a melhor terapia
para tirar minha preocupação com o encontro que teria e não sabia quando. Me importar somente
com quais flores eu queria penduradas por entre as cadeiras e que tipo de comida seria servida,
me fez sentir novamente toda a empolgação de meu relacionamento. Estaria me casando com o
homem que amava e não havia realização maior.
Passamos o dia fora e assim que voltamos para casa me surpreendi com Vincent e Parker
em nossa sala de estar. Ambos estavam sendo recebidos por Leonard, porém somente o mais
velho parecia estar gostando da conversa que tinham. Meu amigo, e que era uma celebridade
conhecida por todos, logo teve o seu momento de glória quando todos no jantar ficaram lhe
questionando sobre a sua vida.
Eles foram as pessoas mais aleatórias, que nunca pensei que encontraria e teria uma
amizade, porém se tornaram as melhores ao presenciar um dos momentos mais significativos
para mim. E admitia que fazer amigos estava se tornando um de meus hobbies.
Por muito tempo permaneci fechado devido a mais uma decepção com Beto, porém
aqueles dois, e até mesmo Jared e Calisto, com quem sempre ficava conversando, ainda mais por
ele e Parker trabalharem juntos, também entraram em minha vida para ficar.
No outro dia, devido ao novo jantar que teria com Fabray e Ronan, os responsáveis pela
reconstrução de nossa casa, me preparei para buscá-los no aeroporto logo pela manhã. Assim que
os vi, percebi que a vida poderia ser cruel com as pessoas, no entanto, sempre precisávamos
pensar em um plano maior do que estávamos acostumados.
Ariel, o filho do casal, havia se curado de um câncer. Parecia não se afetar, mesmo a todo
momento olhando para os lados, reparando no estranhamento das pessoas com sua aparência em
recuperação. Porém o que era ainda mais linda era a forma que Travis, seu namorado, estava ao
seu lado lhe dando apoio sempre que precisava ou não.
Em minha casa, me peguei pensando em tudo o que estaria prestes a acontecer. Ainda me
questionava quando a conversa com Beto ocorreria, mas Leonard parecia um túmulo. Nada saía
da sua boca sobre o assunto e queria bater nele todas as vezes que se trancava dentro do
escritório e pedia para não ser incomodado.
Parker estava um tempo na cidade devido a algum programa que participaria e aquilo
acarretou em visitas constantes, que suspeitava ser pelos meus bolos.
— Eu não sei o que esperar, mas prefiro confiar que Leonard sabe o que está fazendo.
— Se eu bem sei sobre esses homens secretos que a gente ama, e principalmente pela
minha experiência com Vincent, isso sempre é com o motivo de nos proteger de algo horrível na
cabeça deles. — Meu amigo estava apoiado no balcão, lambendo o garfo com chocolate. —
Olha, Vincent é um cabeça dura, teimoso e totalmente grosso. Adora se fazer de forte para os
outros e ser horrível com todo mundo, mas quando acontece qualquer coisa, sabe o que ele faz?
Vem deitar com a cabeça no meu colo, como um menininho triste.
— É difícil pensar nele desse jeito.
— Oli, aquele lá só tem tamanho. Devia ver ele brincando com o Benj, nosso cachorro. É
uma criança no corpo de adulto.
— Mesmo assim... — Suspirei. — Eu só quero resolver isso logo. Está me matando não
saber de nada... Ah, Ariel, conseguiu descansar?
— Sua casa é maravilhosa! — Ele disse e logo voltou sua atenção para Parker, que hora ou
outra, sempre se tornava o centro das atenções.
Saber da história de vida de cada um deles, em como cada um tinha seus próprios
demônios para lutar e aqueles que haviam deixado para o passado, me fizeram entender que eu
também devia abandonar os meus. Minha mãe, meu padrasto, o sofrimento causado pelos
ataques e todos os meus medos pelo mundo, deviam ficar para trás.
Havia tantas coisas para que pudesse lutar: minha confeitaria, a criação decente de meus
filhos, cuidar de Leonard assim como cuidava de mim. O meu caminho seria feito de pedras que
somente eu escolheria e não aquelas que eram obstáculos para minhas realizações.
No fim da tarde, depois de Parker contar sobre um Evan, um amigo antigo de Ariel, ele se
foi e deixou meu convidado esperançoso por finalmente poder encontrar o amigo de longa data.
Estávamos sentados do lado de fora da casa e olhando Marrom brincar pelo jardim. Ariel tinha
um olhar perdido, mas não era nada que lhe perturbava, pois tinha um sorriso contemplativo às
imagens em sua mente.
— Sabe, Oliver, depois de muito tempo eu estou feliz. Não posso dizer que passei por
muitas dificuldades como as que você passou. E sabe que tem meu total apoio se precisar
conversar.
— Eu sei.
— Tive que lutar contra esse câncer, é claro, mas eu tive o apoio de minha família e,
felizmente, as condições para cuidar de mim e de Marianne, mãe do Travis. Ver alguém
passando pelas mesmas coisas que eu e ainda mais alguém tão puro como ela, me fez perceber
que não podemos deixar de ajudar quem está do nosso lado. E é por isso que eu quero tanto
encontrar o Evan. Eu sei que alguma coisa aconteceu com ele.
— Você e ele foram mais que amigos?
— Não, longe disso! — Sorriu, como se já tivesse sido perguntado aquilo várias vezes. —
Evan e eu éramos ótimos amigos quando crianças, e eu acho, eu sinto pelo menos, que isso não
mudou em nada, mesmo com todos esses anos sem nos ver. Apesar de tudo o que pode ter
acontecido, sei que ele não deixou de ser meu melhor amigo.
— Espero que você o encontre e fico mais tranquilo que tem Travis do seu lado. — Vimos
seu namorado voltar com Ronan. Era notável que um era apaixonado pelo outro. A forma como
ele e Ariel se olhavam, como se fossem cúmplices, era realmente maravilhosa.
— Ele foi meu anjo durante todos os meses do câncer. E fez tudo o que pôde para cuidar
de mim.
Deixamos nossa conversa para depois, pois logo estava na cozinha com meus subchefes,
Paul e Sophy, me ajudando a preparar o jantar. Era o segundo que tinha em minha casa e era
exatamente mais uma somatória de bons acontecimentos em minha vida. Aquele lugar havia se
tornado um lar.

Alguns dias se passaram e nossos hóspedes já não estavam mais lá. O silêncio era algo que
eu adorava, porém também dava a abertura necessária para que as palavras de Ariel rondassem
minha mente. O que disse sobre a sua amizade com o tal de Evan, como mesmo depois de todo
aquele tempo sem se verem, ainda sentia que eram melhores amigos, me fez pensar em minha
relação com Beto.
Para ele fazer tudo o que havia feito, era um sinal do quanto estava machucado e o quanto
aquele sentimento horrível de pesar o estava o corroendo durante todos aqueles anos. O quanto
estava sendo atormentado pela dor, que como consequência, o havia feito se juntar com pessoas
de má índole e ficado cego por uma vingança sem sentido.
De alguma forma eu devia ter visto seus reais sentimentos, da mesma forma que ele fazia
comigo. Sabia quando sorriam verdadeiramente para mim e me culpei por não ter notado que os
que ele me dirigia possuíam um outro sentimento por detrás. Todas as nossas conversas eram
mentiras? Nossa amizade realmente havia sido só um estepe para que se aproximasse o suficiente
de Leonard para o causar mal?
Eu precisava conversar com ele para acabar com todos aqueles questionamentos
perturbadores.
Leonard estava me deixando no escuro por tempo demais e com todas as conversas que
tive com Vincent estava mais do que preparado para ficar frente a frente com Beto. Minha
intuição me dizia que todo aquele tempo gasto para nossa discussão seria inútil. Sentia que Beto
era meu amigo. Porém uma coisa era acreditar em nosso coração e outra bem diferente era
confiar nos dos outros.
O dia estava claro e o céu estava em um tom pálido. Algumas nuvens estavam em tons
mais escuros, anunciando que em algum momento do dia a chuva daria o ar da graça. Era meu
clima preferido. Estava sentado na cozinha, sozinho e comendo algumas besteiras de meus filhos
quando fui surpreendido por Leonard, quase me fazendo cair do banco alto se não fosse por seu
abraço.
— Ainda não consigo entender como você consegue chegar assim. Eu nem mesmo escutei
a porta sendo aberta. — Reclamei ainda me recuperando do susto. Ele estava diferente, poderia
dizer que tensão era o que seu corpo transpassava. — O que aconteceu?
— Beto vai ser levado hoje à noite.
— Isso quer dizer que... — Não consegui terminar a frase. Meu amigo sumiria para
sempre. E uma parte dentro de mim estava triste por aquilo.
— Já te perguntei isso, mas quero que me responda, de novo, com sinceridade! — Senti
suas mãos em meu rosto. — Você realmente está confortável em falar com ele? Não minta para
mim!
— Eu não queria, mas eu sei que preciso dessa conversa. — Segurei suas mãos,
aproveitando o calor que delas emanavam. — Sei que não devia dar uma chance para ele se
desculpar, por conta de todo o mal que ele nos fez. Qualquer pessoa usaria isso como uma
vingança, como uma forma de fazer mal à ele, se realmente quer pedir perdão. Mas se ele estiver
arrependido, eu é quem não vou me perdoar por não ser bom com ele. Vou me sentir igual essas
pessoas que usam a dor dos outros para ter alguma sensação ilusória de paz. Eu não sou assim.
Não quero abusar dele... Eu sou um idiota, Leonard?
— É claro que não, meu amor.
— Sei que ele fez o que fez, mas não fez nenhum mal para nossos filhos. Sophy me disse
que Beto não deixou nenhum daqueles monstros chegarem perto dos dois. E a forma como ele
ficou no hospital... Eu senti muito pela dor que ele guardava dentre dele. — Respirei fundo e
Leonard limpou as lágrimas que começaram a escorrer pelo meu rosto. — Eu não queria que
nada fosse assim e não quero fazer mal nenhum para ele! Sei que ele é um homem bom, mesmo
que tenha feito essas coisas.
— Você é a coisa mais preciosa do mundo! — O encarei, admirando seu sorriso. — É por
você ser exatamente do jeito que é que eu tenho certeza de que fiz a escolha certa. Isso me
assusta, mas eu sei que a pessoa que é capaz de fazê-lo mudar, mesmo agora.
— Eu... — Respirei fundo. — Estou pronto.
— Tudo bem. — Senti seus lábios tomarem os meus. Através daquele gesto procurei pegar
um pouco de toda a confiança que tinha. — Já pedi para o Boni ficar com as crianças.
Fui até a geladeira, me sentindo idiota pelo que faria e peguei o pequeno embrulho. Segui
para dentro do automóvel blindado. Leonard sempre o usava quando estávamos juntos. Pedi para
alguma força especial do universo para que também me blindasse de qualquer fraqueza ou mal.
À medida que o tempo passava, todos os questionamentos que eu tinha iam e vinham, me
deixando cada vez mais ansioso por aquela conversa e com uma agonia crescente. Minhas
emoções estavam uma bagunça, mas procurava me controlar. Vincent havia me dito que caso as
intenções de Beto não fossem verdadeiras, ele usaria de meu próprio coração para me machucar.
E para o meu bem, esperava que não.
O caminho se tornava cada vez mais arisco e longe de qualquer sinal de vida. Pensei em
perguntar se realmente estávamos indo para o lugar certo, no entanto era Jay quem estava no
volante. E para o meu alívio, ele realmente era alguém confiável. Uma das poucas pessoas a
quem confiaria minha vida.
Bem afastado da cidade, havia um conjunto de prédios, como se fosse uma área comercial,
porém muito mais bem guardada. Era alguma área especial do governo e não havia nenhum
logotipo para que eu tivesse alguma pista.
Assim que paramos, um senhor grisalho, mas muito bem cuidado pelo tempo, estava nos
esperando. A qualquer momento sentia que tiraria uma faca do terno preto e viria para cima de
mim. No entanto, nenhuma reação dele ocorreu além de um cumprimento curto com a cabeça.
Leonard segurou minha mão e nenhum dos outros agentes deram importância para o gesto, o que
foi mais um suspiro relaxante para mim.
Fomos até uma sala e, diferente do que minha imaginação pintava, não havia somente uma
mesa de ferro e duas cadeiras uma de frente para a outra com uma lâmpada pendurada. Nem
mesmo tinha o cheiro de cobre, indicando que as paredes estariam cobertas de sangue dos
inúmeros bandidos torturados. Parecia como uma sala de estar comum, com um sofá branco e
plantas adornando um canto. Existia um cheiro de hortelã sutil e agradável.
E sentado em uma das cadeiras estava ele. Beto estava com a barba muito maior e suas
olheiras estavam fundas, como se tivesse passado muitas noites em claro. Me olhou seriamente e
por uma fração de segundo vi seus olhos brilharem, como se marejassem. Respirei fundo e
caminhei em sua direção, sempre com Leonard ao meu lado, que não esboçava nada e aquilo era
até mesmo pior do que sentir raiva. Estava indiferente ao destino do homem que uma vez
trabalhou para ele.
— Oi, Oli. — Escutar sua voz depois de tanto tempo... Conseguia escutar sua risada
através das memórias que foram puxadas até o momento. Como a primeira vez que fomos ao
mercado e me chamou de “Docinho”.
— Eu te odeio, Beto! — Foi tudo o que consegui dizer antes de falhar miseravelmente em
aguentar a carga pesada dentro de mim. Ele tentou se aproximar, mas Leonard se pôs entre nós,
assim como um dos guardas que o colocou sentado de novo.
— Eu não vou machucar ele, Leonard.
— Mas você machucou, Beto! Você me machucou! — Caminhei até ele e lhe dei um tapa
forte no rosto, assim como vários outros em seu torso. — Você me destruiu completamente e eu
fiquei tentando juntar os meus pedaços durante muito tempo! Eu confiei em você! Eu amei você
como a família que eu nunca tive! Você era tudo o que eu tinha depois de tanto tempo vivendo
sozinho! Como você pôde fazer isso comigo?
— Oli, me desculpa, por favor... — Ele segurou gentilmente os meus braços e aquilo fez
com que minhas lágrimas descessem pelo meu rosto, como se um iceberg estivesse derretendo
dentro de mim. — Me perdoa, Oli. Eu...
— Eu devia te mandar para o inferno e dizer que toda desgraça do mundo seria pouco pra
você! Eu devia não ter vindo aqui ver como você está! Não devia me importar com você da
forma que eu ainda me importo! Não devia te amar, Beto! Não devia te amar! Eu devia achar
estranho te chamar de Beto, porque você quase matou todo o amor que eu sinto por você! Quero
me odiar, mesmo depois de toda a desgraça que você me fez passar, por ainda sentir carinho por
você!
— Oli...
— Você realmente se importava comigo? Alguma vez foi sincero? Você realmente quis,
em algum momento, me ver feliz?
— Eu nunca menti para você sobre isso, Oli!
— Então por qual motivo você mesmo quase me privou de tudo o que eu sempre quis?
Você iria matar o homem que eu amo, mesmo sabendo que me mataria também! — Ele fez
menção de olhar para Leonard, mas segurei seu rosto com força. — Você está falando comigo!
Não olha pra ele! Você tem que olhar para mim enquanto eu estiver falando com você!
— Eu estava machucado pela morte do Ricardo. Eu... Eu nunca quis te machucar.
— Eu sinto muito por tudo o que aconteceu com você e o seu irmão, mas você não foi nada
além de um egoísta estúpido que só olhou para o próprio nariz! — Cada palavra que saía de
minha boca aumentava a intensidade de todos os meus sentimentos. A tristeza, raiva, medo,
amor, compaixão, desprezo... Tudo estava saindo de mim como uma avalanche se desprendendo
de uma montanha. — Eu tive que lidar com os meus próprios medos! Eu tive que lidar com os
medos do Paul e da Sophy, os meus filhos, Beto! Os meus filhos! Você machucou
psicologicamente os meus filhos e eu nunca vou te perdoar por isso! Eles eram inocentes e você
os usou, seu idiota! Como teve a coragem de fazer mal a eles?
— Eu sei, eu sei... — Abaixou a cabeça, mas lhe dei outro tapa.
— Olha pra mim, Beto! Olha pra mim, porque todas essas lágrimas são sua culpa! Todo o
sofrimento que eu tive que aguentar é sua culpa! Eu não tive coragem de olhar para a sua mãe, de
encontrar Carmina, porque eu não conseguiria mentir para ela sobre você, porque era dor demais
para ela saber que o filho era um criminoso! Mas seria uma dor ainda mais ela saber que você
usou crianças e pessoas inocentes para uma vingança! Eu queria não esperar nada de você, Beto,
mas ainda... — Segurei seu rosto, acariciando o lugar onde havia batido. — Eu ainda escolho
acreditar que você é alguém decente! Que esse homem que eu vejo agora está arrependido de
tudo o que fez e que ainda é o meu melhor amigo!
— Eu fiz muita coisa errada, Oli! Eu sei e eu me arrependo cada segundo por isso! — Seus
olhos estavam vermelhos e brilhando pela tristeza. — Eu não vou me perdoar nunca por ter feito
mau a tantas pessoas, principalmente a você. Eu preciso que você me perdoe, por favor, Oli! Eu
não quero nunca mais poder te ver, saber que não tive a chance de te pedir perdão por tudo e que
você não me perdoa.
— Beto, você é o meu melhor amigo! Você é uma das pessoas que realmente me fizeram
uma pessoa melhor e foi a única que me cortou por dentro. Nem mesmo minha mãe foi capaz
disso. Mas mesmo depois de tudo, eu ainda sinto que você é alguém que merece ser feliz.
Merece ser feliz, porque ficou tanto tempo afundado na tristeza e raiva que precisa saber o que é
a felicidade. — Respirei fundo e o abracei, deixando meu corpo soluçar quantas vezes precisasse
e tudo o que guardei durante os meses ser expurgado. — Eu te odeio, Beto! Mas eu ainda te
amo! E por isso... eu te perdoo!
— Oli...
— Eu quero que nunca se esqueça de que você foi o responsável por me machucar, mesmo
sabendo que eu daria a minha vida por você! Mas também foi o responsável por me fazer feliz
quando ninguém mais fez. Quero que você volte a ser o homem que foi para mim quando
cheguei em Ponack, o mesmo que sempre cuidou de mim quando eu não tinha ninguém.
— Eu sinto muito, Oli. — Beto beijou minha testa e logo outros agentes entraram, junto do
mesmo senhor que nos recebeu.
— Está na hora de ele ir, Sr. Havens. — O homem grisalho me avisou.
— Eu acho que isso é um adeus. — Meu amigo disse limpando meu rosto e sorriu. O
mesmo sorriso que admirava. — Eu te amo, Oli.
— Beto...
— Sim.
— Dê valor para essa segunda chance. — O soltei e fui até a mesa, onde deixei o embrulho
e o entreguei. — Eu ainda me importo com você.
— O que é isso?
— Um sinal de que ainda te amo. — Ele abriu o pequeno pote e viu um pedaço de bolo.
Ele o levou a boca e o mordeu, fechando os olhos e sorrindo.
— Você é a pessoa mais linda desse mundo, Docinho! Obrigado! — Beijou meu rosto,
terminando de comer. O senhor o segurou pelo braço, indicando o caminho que devia seguir. —
Leonard, cuide bem dele por mim. E obrigado por me perdoar também.
— Adeus, Roberto. Seu irmão se orgulharia do homem que é agora.
— Eu espero que sim. — Ele concordou e o vi pela última vez em minha vida. Me escondi
nos braços de Leonard e ali fiquei até que todos deixaram a sala.
— Leonard, eu... Acha que fui muito duro com ele?
— Você precisava falar e ele escutar para entender o que te causou.
— Eu não queria que tudo acabasse desse jeito. Queria que...
— Eu sei, meu amor. Queria poder mudar tudo para não te ver nunca mais desse jeito.
— O que vai acontecer com ele agora?
— Ele vai desaparecer.
— Promete que nunca vai me machucar, por favor?
— Nunca, meu amor! — Beijou meu rosto, encarando fixamente meus olhos. — Eu
sempre vou fazer o que é melhor para você. A sua felicidade é minha prioridade, Oliver!

Os dias seguintes aquela conversa serviram para que finalmente me sentisse livre.
Obviamente ainda pensava em Beto e me questionava como estava, no entanto, não era mais
minha responsabilidade me preocupar com sua saúde da mesma forma que fazia antes. Mesmo
ainda o considerando meu amigo, entendia que ele era melhor longe de nós. Ainda o desejava
tudo de melhor e minha alma também estava de acordo.
Com aquele assunto resolvido, consegui me preocupar com o que realmente importava:
meu casamento, e claro, negar todas as ideias malucas que June tinha. Visitas foram feitas
durante alguns dias para a grande casa que ela alugara e me dediquei para que o bolo ficasse
delicioso com a ajuda de Marta e Linda.
Leonard não conversava comigo sobre nada envolvendo os preparativos, mas todas as
vezes que voltava do trabalho contava sobre planos que tinha para nossa vida após aquele passo.
E não me importava de ficar horas e horas falando com ele. Não me cansava de criar várias
hipóteses sobre os eventos que nos aguardavam.
Havia sido abençoado por ter aquele homem ao meu lado, da mesma forma que ele sempre
dizia sobre me ter. Ele era o meu anjo, como eu era para ele. Ficar ao seu lado, mesmo desde os
primeiros encontros que tivemos, quando era simplesmente o responsável por ensinar nossos
filhos, nunca havia perdido a mágica. Algo que sempre existiu, e sempre existiria, seria minha
admiração incontestável pelo homem que era!
“Algumas vezes nossos passos não eram exatamente os que queríamos dar, mas sim
aqueles que precisávamos.”.
Aquele ditado que dizia que não recebíamos o que pedíamos, mas o que merecíamos, era o
mais adequado. Desejar algo era sim necessário, pois nos dava um sinal das escolhas que
faríamos quando tais oportunidades aparecessem.
E eu havia feito as melhores escolhas possíveis!
E lá estava eu, dentro daquele quarto, respirando fundo para finalmente me encontrar com
todas as testemunhas do amor que sentia por Leonard. Havia me arrumado da melhor forma e
sabia que ele fizera o mesmo, pois desrespeitando as superstições, estava em minha frente, me
segurando em seus braços.
— Hoje é um dos dias mais felizes da minha vida! — Confessei, acariciando seu rosto, o
vendo sorrir para algo atrás de mim. Depois de alguns segundos senti os braços de Paul e Sophy
em minha perna. — O que vocês estão fazendo aqui?
— A gente queria ver você. — Sophy segurou minha mão, brincando com o meu dedo até
perceber que estava sem a aliança. — Você perdeu o anel, papai!
— Eu vou dar um outro pra ele hoje, meu amor. — Leonard acalmou a filha.
— Mas eu gostava do outro!
— Ele está guardado. Mas eu vou ter dois anéis agora. — Sorri para a cara de alívio que
ela fez.
— Você vai ter dois? — Paul olhou para o pai com surpresa e depois para mim. — Você
vai poder usar um em cada mão! Que legal!
— Isso mesmo!
— Eu te amo, papai! — Ele estendeu os braços e o abracei. Foi impossível não deixar as
lágrimas descerem de meus olhos ao escutar aquilo.
— Eu amo vocês! — Beijei ambos meus filhos, sentindo Leonard nos abrigar em seu corpo
com seu braço livre. — Sabiam que o desejo que fiz no Natal se realizou?
— Que desejo, papai?
— Ter uma família!
— Finalmente! — Paul exclamou.
— Finalmente, filho!
— A gente vai ter você pra sempre, papai! — Sophy deitou a cabeça em meus ombros.
— Eu sempre fui de vocês, meu anjo!
— E nós sempre fomos seus, Oliver! — Observei Leonard, até que selou nossos lábios,
marcando assim a felicidade que teríamos para sempre!
AGRADECIMENTOS
Como sempre fiz, e sempre vou fazer, quero agradecer a todos os meus leitores e,
principalmente, amigos que não me deixaram em paz em nenhum momento, me cobrando desse
livro e dos outros que virão! Prometo!
Todas as vezes que crio algum romance, histórias fantasiosas e cheias de amor, sempre
quero transportar cada um que lê para o meu mundo e que sintam as mesmas emoções que
coloco em cada palavra.
Quero mandar um beijo, um abraço e um tapa para o Wanderson, Deivide, Larissa e a
Greyce!
Vocês sabem que eu sempre vou levar vocês no meu coração, não sabem?
Enfim, é isso!
Então, Antes De Tudo: Eu Amo Vocês!
UNIVERSO “ANTES DE TUDO”

A seguir você consegue clicar nas imagens e títulos para serem direcionados aos meus
outros livros já publicados!
São todos livros independentes, então não precisam ler um antes do outro!
Mas leiam todos! Kkkkkkk
Antes De Tudo: Eu Te odeio

SINOPSE:
Calisto sempre acreditou que o amor existisse, mas não significava que estivesse aberto para que
ele entrasse em sua vida. Devido a suspeita de uma doença que lhe tirou a mãe, vai ao hospital e
acaba por encontrar aquele que o faria repensar todas as suas atitudes e opiniões em relação ao
seu coração. Ele conhece Jared, um homem que em poucos segundos abala o seu mundo, como
uma onda intensa, e o faz perder o controle que tanto prezava.
Após seus caminhos se cruzarem, Calisto se encontra perdido em suas próprias inseguranças e
receios, enfrentando uma batalha interna ao constantemente se questionar se deveria amar aquele
homem irritante de barba e cabelos rebeldes. Tudo se torna um campo minado de emoções, onde
sua essência controladora é ameaçada por um simples sorriso e uma risada rouca.
Porém eventos passados também procuram espaço em sua vida, e ele deve escolher o que fazer
com seu futuro e lidar com as responsabilidades que amar alguém lhe trouxe.
Confiar seu coração a alguém é a melhor escolha a se fazer quando esse já foi machucado por
uma ilusão?
Antes De Tudo: É Meu Delírio

SINOPSE:
Parker encontra seu ponto de segurança em meio a várias relações conturbadas. Decepção,
solidão, medo e pesar. Qual dessas palavras será a que ditará a história do jovem que nunca teve
a real experiência do que o amor é?
Em um romance com um policial não tão comum, ele se vê lutando contra o seu passado e sua
insegurança em lidar com o sentimento avassalador que toma conta de seu coração. Além da
autoridade de alguém que já vivenciou muito da vida e é completamente seguro de si.
Sempre há uma chance para definir o próprio futuro, mas será que as escolhas serão as certas?
Antes De Tudo: Me Faça Suar

SINOPSE:
Perfeito, independente e perseguido!
Dunno é um modelo em ascensão e admirado por todos.
Agraciado em ter a atenção que muitos querem, encontra a sua frente um caminho que deixará
todos seus planos e objetivos em questão.
Seu passado, guardando eventos marcantes e traumáticos, traz de volta um dos obstáculos que
faz ao reconsiderar tudo o que tem. Ao mesmo tempo que o seu futuro, lhe apresentando
oportunidades e o amor, lhe dá opções de lidar com as adversidades.
Nada o prepararia para tudo o que Tyler Jovic o faria sentir, viver e desejar. Era impossível
controlar o desejo carnal e sua alma se rendia cada vez mais aos encantos do homem de
expressão dura.
Se Dunno tivesse que dar alguma resposta sobre o que faria com sua vida, sabia que Tyler estaria
em alguma parte dela, pois através dele conseguiu acordar as emoções dentro de si e lutar pela
justiça que merecia.
Natal Em Ondas

SINOPSE:
Se alguém dissesse para Thomas que as férias de Natal que passaria na casa de sua tia mudariam
sua vida completamente, ele duvidaria e muito. No entanto, quando foi convidado para uma
festa, logo em seu primeiro dia na cidade praieira, se viu enfeitiçado pelo charme nada
convencional de Marlon, um surfista teimoso e deliciosamente tentador, que imediatamente lhe
deu uma amostra do que o amor poderia causar.
Em meio a manifestação deliciosa do feriado natalino, aquele jovem transita entre seus objetivos
de vida, a pressão causada pelas expectativas de seu pai e o que seu coração ansiava. E nada
parecia tão difícil de lidar quanto seus sentimentos.
Naquele ano, seu presente não veio dentro de um saco vermelho carregado por um velhinho de
cabelos brancos, ou foi deixado debaixo da árvore de Natal. Ele surfou seu caminho no mar azul
e possuía um magnetismo irresistível. Seu Natal Em Ondas tinha um nome e Thomas não o
conseguia tirar da cabeça.

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