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Cohousing - Diálogos Com o Mercado Habitacional Contemporâneo e Com A Dimensão Socioambiental - Fernanda Bernardino

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Cohousing: diálogos com o mercado habitacional contemporâneo

e com a dimensão socioambiental1

Fernanda Bernardino (mestranda UFABC)2


Luciana Nicolau Ferrara (Professora Dra. UFABC)

1 44º Encontro Anual da ANPOCS - SPG02 - A Sociologia das Cidades entre as crises urbanas e ambientais do
século XXI
2 Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Território

1
INTRODUÇÃO

Nos países do “capitalismo avançado”, desde 1970, o Estado de Bem-Estar Social se


transformou ao adotar políticas neoliberais e privatizar setores, inclusive a habitação social. A
produção da moradia assumiu maior relevância econômica e tornou-se uma fronteira
promissora para expansão do capital (Rolnik, 2015). Nesse contexto, com a passagem a
passagem do “administrativismo” para o “empreendedorismo” (Harvey, 2005) o planejame nto
urbano assumiu o papel de reforçar o rentismo, ou seja, potencializar o uso da terra urbana pelo
e para o capital, redefinindo as diretrizes urbanísticas e transformando todos os aspectos das
vivências humanas em mercadorias, inclusive o direito de habitar.
Em resposta a falta de políticas pública diversificadas que garantissem o direito à
habitação, em consonância com novos estilos de vida e em contraposição a reprodução
indiscriminada de modelos “prontos”, surgiram as cohousing. De forma geral, seu propósito
político é uma reação à crise do urbanismo neoliberal e a ação dos governos locais, propondo-
se a combater a especulação imobiliária por meio da supressão dos intermediários que lucram
com a habitação (Figueira e Trevisan, 2019).
Segundo McCamant e Durret (1988) a cohousing se diferencia dos demais modelos de
habitação coletiva em quatro características principais: desenho de contato social que fortalece
o sentido de comunidade por meio de processos participativos; áreas comuns amplas; processo
participativo e estilo de vida colaborativa através de rede de apoio, segurança e sociabilidade,
enfatizando o valor de uso e a produção coletiva. Jarvis (2012) acrescenta que a inovação
proposta é o conjunto de práticas sociais, institucionais e de coordenação que nutrem e
canalizam esforços compartilhados, intencionais e de apoio mútuo (Jarvis, 2012).
Por outro lado, as cohousing são o tipo de comunidade intencional que mais cresce no
mundo e, portanto, cada vez mais aumenta a capacidade do mercado em absorver essa
iniciativa, tentando adotar, adaptar e cooptar o tema seguindo linhas de crescimento, formas
empresariais de governança e privatizações (Scheller e Larsen, 2020). Neste sentido, como
sugere Rocha (2017) as cohousing e outras iniciativas não hegemônicas coexistem com os
processos de contínua expansão urbana e disputa econômica do espaço das cidades (Lefebvre,
1991), sob a pressão da mercantilização urbana e da financeirização da habitação (Rolnik,
2015).
Isto posto, este artigo debate como as cohousing se diferenciam ou não do mercado
imobiliário atual no sentido da desmercantilização da moradia e na busca da sustentabilidade
social, econômica e ambiental. Com este objetivo, os métodos e técnicas utilizados se baseiam

2
em revisão bibliográfica e análise documental a partir de dois eixos de análise. O primeiro
refere-se às formas de propriedade e posse mais utilizadas pelas cohousing bem como aquelas
potencialmente inovadoras, a questão da propriedade privada e sua relação com a
mercantilização da moradia. O segundo eixo parte de uma perspectiva crítica, para
problematizar como as cohousing se inserem no mercado contemporâneo da habitação e
abordam a temática da sustentabilidade ambiental.
Será iluminada a experiência de La Borda, em Barcelona, que por meio de um sistema
de cooperativa de cessão de uso e propriedade coletiva valoriza a autopromoção,
sustentabilidade e equidade (Lacol y La Ciutat Invisible, 2018). O intuito é avaliar de que forma
se apresenta como uma resposta adaptativa a um mercado imobiliário predatório e inacessíve l
e contribui com a sustentabilidade urbana. Para isso, considerando o contexto do norte global
onde foram criadas, será analisado o processo de implantação e gestão bem como sua relação
com o contexto urbanístico, sociopolítico e ambiental local.
Debater sobre o tema se mostra oportuno visto que algumas experiências de cohousing,
como no caso de La Borda, se apresentam como micro laboratórios para modelos urbanos
inovadores de interação social, promovendo a sinergia entre a sustentabilidade social e
ecológica, e integrando um amplo movimento na busca de novas práticas urbanas e ambienta is
que podem oferecer contribuições significativas para a construção de cidades ambientalme nte
e socialmente mais justas e igualitárias.
O artigo faz parte de pesquisa de mestrado em andamento na Pós-graduação em
Planejamento e Gestão do Território da UFABC, e será composto pelas seguintes seções, além
desta introdução: contexto histórico e o surgimento das cohousing, formas de inserção na
cidade, diálogos com o mercado da habitação no contexto neoliberal e a dimensão
socioambiental, a experiência de La Borda e as considerações finais.

1. CONTEXTO HISTÓRICO: SURGIMENTO DAS COHOUSING

Há certa controvérsia em relação ao local de surgimento das cohousing, Enquanto


McCamant e Durret (1988), como a grande maioria dos pesquisadores, defendem que o
fenômeno se originou na Dinamarca, outros autores a exemplo de Meltzer (2005) e Fromm
(1991), ressaltam que este movimento surgiu simultaneamente na Suécia, Holanda e na
Dinamarca. A diferença entre elas está na forma, escala e intenção social (Sargisson, 2011). O
conceito é frequentemente contestado pelos diferentes significados empregados por

3
especialistas, formas de planejamentos nacionais e contextos históricos, políticos, econômicos,
sociais e culturais específicos (Jarvis, 2015; Hagbert et al, 2020).
Em 1964, o arquiteto Jan Gudmand-Hoyer e sua esposa estavam insatisfeitos com os
modelos de habitações urbanas oferecidos na Dinamarca e inspirados no livro “Utopia”, de
Thomas More (1956), que descreve a cidade “como cooperativas compostas por famílias que
compartilham instalações e refeições comuns, e que organizam o cuidado às crianças e outras
funções práticas”, o casal reuniu um grupo para discutir a possibilidade de viverem em um
ambiente de vida mais favorável (McCamant e Durret, 1988). Em 1972, 27 famílias se mudaram
para Saettedammen, em Copenhagen, projetado por Gudmand-Hoyer e, em seguida, outros dois
projetos foram construídos até 1976. Esta primeira fase é descrita por Larsen (2019) como
sendo “uma nova consciência crítica das circunstâncias culturais, sociais e políticas”.
Se por um lado o modelo emergiu em diversos aspectos das críticas à sociedade da
época, por outro, em sua fase inicial foi praticamente baseado na marca da sociedade burguesa,
com direitos de propriedade privada (Larsen, 2019). Apesar de alguns autores apontarem as
habitações públicas de aluguéis por meio de associações sem fins lucrativos como uma
possibilidade real, na prática elas nunca assumiram a liderança nas comunidades
intergeracionais dinamarquesas.
A segunda fase de desenvolvimento destas comunidades, nos anos 80, marcou o
estabelecimento de cooperativas de novas moradias com apoio estatal, que mesmo não
produzindo uma política específica para as cohousing acabou por favorecê-las. Além da posse
cooperativa tornar esta iniciativa mais acessível, também possibilitou maior autonomia dos
grupos.
Embora o crescimento destas comunidades na Europa tenha sido constante ao longo das
décadas de 1970, 1980 e 1990, na América do Norte cresceu exponencialmente após o
lançamento do livro “Cohousing: a contemporary approach to housing ourselves”, de
Katherine McCamant e Charles Durrett, em 1988. Neste contexto, alguns pesquisadores como
Williams (2005), distinguem as cohousing entre uma “primeira onda” na Europa nórdica e a
“segunda onda” surgindo na América do Norte com um formato estruturalmente distinto.
Enquanto na Europa as comunidades combinam tipos de posse, como casas alugadas e
particulares e até mesmo todas de aluguéis, na América do Norte a maioria é de casas privadas.
Outro diferencial é que nos Estados Unidos e no Canadá este modelo não foi financ iado
pelo Estado como aconteceu na segunda fase da cohousing na Europa. O modelo americano
também apresenta maior ênfase nas soluções ambientais, sugerindo um pragmatismo ecológico
(Sargisson, 2012).

4
A terceira fase, que corresponde a década de 90 até os dias atuais, tem como elemento
principal as comunidades intergeracionais com crescimento dos modelos sêniores e,
essencialmente, representa a retomada das características presentes nas fases anteriores,
principalmente, a propriedade privada e pelos vieses econômicos que seguem esse tipo de posse
(Hagbert et. al, 2020). Os modelos se disseminaram particularmente em países como Alemanha
e EUA (Tummers, 2015) e seu desenvolvimento foi facilitado por redes internacionais de
associações nacionais fixadas em países como Holanda, Dinamarca, Suécia, Estados Unidos,
Canadá, Nova Zelândia, Austrália e Reino Unido.
Até 2010, mais de 700 comunidades foram construídas na Dinamarca, variando de seis
a trinta e quatro famílias com quinze a trinta e três residentes. Nos últimos 25 anos, McCamant
e Durret projetaram e co-projetaram ou co-desenvolveram mais de 50 comunidades nos Estados
Unidos, Canadá, Dinamarca e Nova Zelândia, trabalhando em todos os estágios de organização,
projeto, financiamento, normas e leis e recrutamento (McCamant e Durret, 2011). Em outros
países, como no caso da Espanha, o recente florescimento destas iniciativas deve ser entendido
como uma resposta à crise imobiliária de 2008, que atingiu fortemente o país e como um desafio
ao desenvolvimento social, político e econômico de longo prazo (Hagbert et. al, 2020).
Apesar das suas características socializantes, a cohousing contemporânea enfrenta uma
escassez e falta de moradias que precisam ser entendidas em relação às condições do mercado
imobiliário. Definidas por uma reversão das políticas habitacionais e combinadas com o
aumento do investimento do capital em propriedades habitacionais e terrenos urbanos, essas
condições estabelecem um processo que envolve a especulação, mercantilização e
financeirização da habitação (Hagbert et. al, 2020).

2. FORMAS DE INSERÇÃO NA CIDADE: CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS E


ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO

Segundo os maiores especialistas no tema, McCamant e Durrett (2011), as cohousing


(“collaborative housing”), oferecem uma abordagem contemporânea para a questão
habitacional. Cada caso se estabelece em um contexto específico e possui seu próprio processo
de desenvolvimento pautado em ambições projetuais, de localização e dimensões, entretanto,
alguns indicadores de qualidade urbana são comuns: processo participativo – os residentes
organizam e participam do processo de planejamento e projeto, além de se responsabilizar e m
como grupo por todas as decisões finais; design que facilita a comunidade – o desenho físico
encoraja um forte senso de comunidade por meio de elementos (tamanho, localização,

5
vantagens ambientais, tipos de financiamentos e propriedades, por exemplo) que estimula m
maiores possibilidades de interação social e combatem a alienação e o isolamento, retomando
o senso de pertencimento e o modelo e convivência nas cidades; amplas instalações comuns –
desenhadas para uso diário como suporte as áreas privadas; autogestão – os moradores
gerenciam o próprio desenvolvimento, definindo normas e regras internas a partir de decisões
de interesse comum; estrutura não hierarquizada – responsabilidade pelas decisões é
compartilhada entre todos, e fonte de rendas separadas – os moradores têm suas próprias fontes
de receita e a comunidade não gera recursos diretamente, como é típico de um condomínio
todos pagam mensalmente uma taxa, além de cotas para a associação de proprietários
(Scotthanson e Scotthanson, 2005 e McCamant e Durrett, 2011).
A cohousing surge como um modelo alternativo de moradia que intrinsicamente enfatiza
o valor de uso em vez de seu valor de troca. Nasce da intencionalidade de um grupo de pessoas
normalmente com afinidades e interesses comuns, que através de ferramentas de comunicação
não-violenta, sociocracia, consenso e procedimentos de tomada de decisão vão construir a visão
coletiva que norteará todo o planejamento, construção, normas e diretrizes da comunidade.
Após estudar e reunir material de 285 comunidades, McCamant and Durrett (2011)
pontuam que o design tem um impacto inquestionável na viabilidade e vitalidade social dos
grupos, pois é o responsável por sustentar a comunidade através de um processo deliberativo.
O processo participativo é dividido em três partes, respectivamente: programa do projeto,
programa da casa comum, programa da casa privada (Figura 01).

Figura 01 - Implantação da comunidade Earthsong Eco Neighbourhood, Auckland, Nova Zelândia.


Fonte: Site da “Earthsong Eco Neighbourhood”. Traduzido pela pesquisadora. Acesso em: Nov. de 2019.

6
Entretanto, a complexidade da cohousing vai além da dimensão social e Droste (2012)
oferece uma matriz de influências baseada na economia – valor da terra, mercado imobiliá r io,
disponibilidade e parcerias com o mercado; política – estado de Bem-Estar social, cultura de
planejamento e estrutura de suporte público; construção – sustentabilidade, tecnologias,
estoque e histórico; sociedade civil – novos estilos de vida, envelhecimento e gênero e
demografia, que determinam o seu desenvolvimento. Dificilmente serão encontrados fatores
dominantes únicos até mesmo pela grande variedade de formas possíveis em países com
diferentes culturas sociais, políticas e econômicas.
Neste contexto, a cohousing tem se apresentado mais como um novo processo de
desenvolvimento de moradias do que um novo tipo de habitação. A inovação está embutida na
prática social dinâmica de interação e engajamento (Jarvis, 2015).

2.1 FORMAS DE INSERÇÃO: PROPRIEDADE, POSSE, ESTUTURA LEGAL E


FINANCIAMENTO

As estratégias de desenvolvimento e financiamento das cohousing variam dependendo


do contexto, dos recursos disponíveis à comunidade e das condições do mercado. Percebe-se
uma crescente importância da colaboração entre diferentes tipos de atores e instituições em
parcerias público-privadas-cívicas, que parecem envolver cada vez mais estas comunidades.
A conexão dos projetos de cohousing com o mercado dá-se principalmente em sua
forma de propriedade e posse refletindo, portanto, as especificidades da legislação, da política
habitacional e das condições do mercado imobiliário em cada país. É também resultado de
escolhas coletivas baseadas em compromissos ideológicos que determinam em que medida os
projetos em questão podem colocar em prática seus valores e como afetam as possibilidades
em enfrentar as crises urbanas contemporâneas (Hagbert et al., 2020).
Vale ressaltar que o direito de propriedade está ligado à titularidade, a posse resulta da
propriedade e “o uso é um estado da propriedade” (Terra, 2019). Portanto, sob os regimes de
propriedade existentes é possível uma diversidade de apropriação expressas pelo tipo de posse.
Também há diferentes formas de produção da habitação, que conforme Jaramillo 3 (1982)
podem ser mais ou menos mercantilizadas, ao resultar de arranjos diversificados entre agentes
e finalidades de obtenção de lucro e rendas em relação aà esse produto especial que é a moradia.

3 Apesar de a reflexão de Jaramillo estar baseada empiricamente à realidade de Bogotá e às cidades latino -
americanas, consideramos que sua abordagem colabora para a análise d as experiências de cohousing no contexto
dos países do norte.

7
Em resumo, as formas de produção são: a promoção privada capitalista que se
caracteriza por pequenas empresas, convertidas em capital de tamanho limitado e que produzem
habitação de forma contínua para o mercado geral. Estabelece uma relação de capital-trabalho
assalariado que produz a mais-valia com objetivo de acumulação de capital; a produção por
encomenda em que há transferência de capital de outras áreas envolvendo um construtor que se
encarrega de construir a moradia destinada ao uso direto de um contratante. Não há por
finalidade a acumulação de capital; a autoconstrução ou produção doméstica na qual o
consumidor final é o produtor direto, sendo responsável simultaneamente pelo controle técnico
e econômico da produção. É um produto inserido no contexto global da produção capitalis ta,
no qual a possibilidade de ter um valor de uso, neste caso a moradia, é seu estímulo; a produção
estatal capitalista desvalorizada em que instituições estatais produzem moradias com foco no
valor de uso e ainda que vinculado aos processos de acumulação buscam menores taxas de
rendimento.
Atualmente, a produção para mercado, na forma de produção privada, que pode ou não
se combinar a produção estatal (por meio de financiamento ou subsídio, por exemplo), é a forma
hegemônica e exerce maior impacto na produção do espaço urbano. Isso se dá principalme nte
pelo desenvolvimento das relações capitalistas presentes na indústria da construção civil e, nas
últimas décadas, com a participação do capital financeiro e de incorporação. Sob a lógica da
acumulação do capital “a diferenciação dos setores habitacionais associada ao processo de
diversificação das formas de produção é fundamental para a reestruturação da cidade” (LAPP,
2008). Assim sendo, visando interpretar a cohousing à luz das formas de produção propostas
por Jaramillo, até que ponto respondem a diversificação levantada por LAAP (2008) e se
apresentam como resistência as estratégias dominantes, a seguir serão descritas as principa is
configurações adotadas por estas comunidades.
De acordo com Scotthanson e Scotthanson (2005), dentro do modelo de
desenvolvimento de cohousing é fundamental que os grupos estabeleçam uma entidade legal
para se ter credibilidade e direitos frente a acordos legais e, em seguida, definam qual estrutura
de propriedade será adotada. Existem algumas configurações disponíveis, sendo as principa is
delas: propriedade privada, cooperativa ou parceria. Hagbert, et al. (2020) endossam essas
configurações e as descrevem da seguinte maneira:

1. O modelo de propriedade privada: as unidades individuais negociadas a preço de


mercado são o elemento definidor deste modelo, entretanto, as formas legais e de posse podem

8
variar, como por exemplo cooperativas ‘privatizadas’. Visando à acessibilidade e inclusão, a
propriedade privada aponta como forma menos socialmente sustentável de cohousing.

2. O modelo de cooperativa: envolvem propriedade coletiva e não especulativa, que, na


maioria dos casos, representa a compra da “participação” para se tornar membro, sendo que
estas ações não podem ser vendidas no mercado. Pequenas e grandes cooperativas definem um
contrato de aluguel com os grupos de cohousing sublocando casas ou apartamentos.

3. O modelo de parceria público-privada: são projetos de cohousing que cooperam com


empresas de habitação públicas ou privadas. Este modelo é proeminente na Suécia, embora
também exista na Alemanha. Apesar dessas associações serem organizações da sociedade civil,
são dependentes direta e indiretamente dos estados locais.

Além destas configurações, através de uma análise documental ampla e minucio sa,
foram identificados outros tipos de posse e propriedade mais recentes e específicos,
envolvendo, inclusive, a participação nos projetos a partir de cotas de ações.
Ainda que a obtenção de lucro não seja o principal objetivo nem mesmo final destas
comunidades, constatou-se que a maioria dos tipos de propriedade está alinhada ao mercado
imobiliário convencional, baseado na posse privada assim como grande parte dos modelos
habitacionais disponíveis atualmente. Neste sentido, tais experiências não têm obtido êxito na
‘descomodificação’ (ou desmercantilização) e na ‘des-financeirização’ da habitação (Jakobsen
e Larsen, 2019) e na América do Norte isto é ainda mais perceptível. Com objetivo de
complementar e enriquecer a análise, foi desenvolvido o seguinte quadro baseado nos tipos de
produção estabelecidos por Jaramillo (1982) e dos tipos de posse e propriedade identificados
nas cohousing (figura 02):

9
Figura 02 – Quadro apresentando a comparação das formas propostas por Jaramillo (1982) e as
configurações adotadas pelas comunidades. Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Segundo os estudos de Hagbert, et al. (2020) nas experiências europeias, valores


relativos à sustentabilidade social e econômica, como por exemplo auto governança,
acessibilidade e coesão social, tem maiores chances de serem colocados em prática através das
propriedades cooperativas, no entanto, isso implica um alto grau de autonomia visto que o grupo
deve intervir em todos os aspectos da habitação. As parcerias entre organizações sem fins
lucrativos e grupos de cohousing tem um grande potencial futuro para produzir opções mais
acessíveis de moradia, mesmo as associações sendo direta e indiretamente dependentes do
estado.
Além disso, os autores pontuam que a política de cohousing é moldada por duas forças
principais: uma reação à crise do urbanismo neoliberal e a ação dos governos locais, que
historicamente adotaram, adaptaram ou cooptaram a coabitação como instrumento político, a
exemplo de Hamburgo e Barcelona. Entretanto, com o neoliberalismo, o Estado enquanto
provedor perde força e uma lacuna surge, possibilitando a cohousing se estabelecer
potencialmente entre a autoconstrução individual e a oferta institucional ou de mercado,
dialogando com o público e o privado.
Nesta linha, à luz de Jaramillo (1982), as cohousing podem constituir uma combinação
variada e híbrida de formas de produção, sendo algumas delas voltadas à interesses finance iros
mais explícitos, enquanto outras apontam para a produção por encomenda ou produção

10
doméstica coletivizada, ainda que sejam minoritárias. Ou seja, é na intersecção e
interdependência entre a autoconstrução e produção doméstica e a produção estatal que as
inovações em cohousing acontecem, a exemplo das formas destacadas: Cooperativas (cessão
de uso, organização sem fins lucrativos, LLC e MHOS) e as PPP 4 .

3.0 COHOUSING: DIALÓGOS COM O MERCADO DA HABITAÇÃO NO


CONTEXTO NEOLIBERAL

Desde meados dos anos 70, e como resultado de privatizações neoliberais e política s
orientadas para a classe média, a expansão da propriedade individual aumentou
significativamente na maioria dos países europeus e o estímulo à propriedade privada cresceu
por meio de programa de privatizações em grande escala, desenvolvimento de condomínios
além de privilégios e incentivos para compradores e proprietários de imóveis. Neste sentido, o
capitalismo trata a habitação como uma importante mercadoria devido ao seu valor de troca e,
portanto, é politicamente promovida como um ideal altamente valorizado (Luxemburg, 2018).
Segundo Hagbert et al. (2020), do ponto de vista da lógica econômica e política do
desenvolvimento urbano contemporâneo, em que um elemento fundame ntal da agenda da
sustentabilidade, o econômico, é definido e praticado em termos de “crescimento primeiro ”
condicionou o desenvolvimento aos mercados capitalistas de terras e habitação, gerando um
aumento significativo dos valores das propriedades e dos custos relacionados à habitação,
restringindo a acessibilidade. Neste cenário, os projetos de cohousing podem ser concebidos
como potenciais atores da gentrificação, no qual o capital cultural se torna mercantilizado e
capitalizado por empresas privadas.
Segundo a “Urban Cohousing Associates”, por uma questão de conveniência jurídica e
financeira, praticamente todas as comunidades na América do Norte utilizam a estrutura de
propriedade legal de condomínio que é facilmente aceita pelos credores. A pesquisa identifico u
que apenas três comunidades adotaram com sucesso a estrutura de propriedade cooperativa por
meio de associações habitacionais e foram capazes de conseguir o financiamento necessário.
Nesta linha, os autores direcionam a orientação exclusivamente para o financiamento através

4 As PPP são firmadas entre os municípios e as cohousing, geralmente constituídas por uma associação ou
cooperativa autônomas e sem fins lucrativos. Em síntese, existem dois cenários principais em Hamburgo e
Gotemburgo: a venda de terrenos a preços baixos, como contrapartida por habitação acessível e a introdução de
cohousing no âmbito do parque habitacional regulado por empresas municipais através do arrendamento de
apartamentos.

11
de instituições de crédito como bancos, empresas hipotecárias, companhias de seguros, onde
possam ser realizados empréstimos para a construção do projeto.
Em 2010, um relatório desenvolvido pela Bartholomew Associates, empresa de
avaliação de imóveis, concluiu que as revendas de casas em comunidades de cohousing no norte
da Califórnia vendiam de 1,7 a 3,12 vezes o preço de outras residências urbanas e condomínios
da região (McCamant e Durret, 2011), configurando uma situação real de especulação
imobiliária envolvendo comunidades norte-americanas.
Além disso, apesar do extensivo debate sobre a importância do desenvolvimento em
conjunto com o grupo residente, existem casos pontuais de proprietários de terras e investido res
nos Estados Unidos utilizando as cohousing como opção de investimento, considerando a
possibilidade de construir fisicamente a comunidade e atrair posteriormente os compradores
(Scotthanson e Scotthanson, 2005; McCamant e Durret, 2011). Enquanto as cohousing norte-
americana estão completamente inseridas no modelo da propriedade privada e no financiame nto
através de empréstimos, a realidade europeia apesar de ter a propriedade privada como modelo
dominante (Jarvis, 2015), têm apresentado algumas alternativas.
Jakobsen e Larsen (2019), baseados em análises sistemáticas de pesquisas sobre
cohousing e temas relacionados desenvolvidos nas últimas cinco décadas, produziram estudos
com objetivo de investigar e contextualizar as três fases da cohousing dinamarquesa. Os autores
compararam dados referentes aos três principais tipos de posse: cooperativa, propriedade
privada e aluguéis. Cada fase está diretamente relacionada às mudanças gerais na legislação
habitacional, portanto, é notável que a introdução e eventual término do apoio estatal às
cooperativas habitacionais de construção reduziram significativamente a produção deste
modelo a partir dos anos 2000.
Embora tanto na Dinamarca quanto principalmente nos países subdesenvolvidos, as
desigualdades sócias geográficas estão cada vez mais relacionadas à propriedade da habitação,
as estruturas de propriedades e posse elencadas no quadro apresentado na seção anterior, têm
sido apontadas como alternativas a este cenário seletivo e especulativo das formas dominantes
de habitação. Dentre elas, podemos destacar: as LLC sem fins lucrativos aliada a posse coletiva;
cooperativas que envolvem propriedade coletiva com direito de uso do solo e alugué is
acessíveis; organizações sem fim lucrativo com propriedade coletiva; parcerias público-privada
e propriedade mútua com aluguéis acessíveis;

3.1 COHOUSING E A DIMENSÃO SOCIAMBIENTAL

12
A questão da sustentabilidade ambiental e urbana é controversa e sua complexidade está
diretamente ligada ao fato de que “sustentabilidade urbana”, termo cunhado no contexto
neoliberal, está associada a uma abordagem hegemônica na qual é predominante a defesa do
crescimento econômico capitalista, mas não a qualquer custo.
Nesse sentido, a sustentabilidade urbana está frequentemente associada ao
“esverdeamento” de projetos ou a soluções tecnológicas de menor impacto, nos edifícios e na
escala urbana. Por um lado, contribuindo para a valorização e encarecimento dos imóveis, ao
mesmo tempo em que não altera as causas que geram desigualdade e degradação ambienta l,
podendo até mesmo aprofundá-las. Além disso, a imprecisão do conceito permite que sua
apropriação seja feita de diversas formas pelos setores envolvidos, sendo considerado, portanto,
um campo em disputa e que remete a diferentes práticas sociais e ambientais (Acselrad, 1999).
Partindo de uma perspectiva crítica, Ferreira e Ferrara (2015), defendem que a
sustentabilidade urbana deve ser entendida como “a busca prioritária pela justiça
socioambiental” e o conceito caminha, antes de mais nada, no sentido de transformar os atuais
padrões de urbanização e estabelecer uma nova matriz urbana. Para os autores, considerando a
incompatibilidade da preservação da natureza no modo de produção capitalista “a verdadeira
discussão transformadora será lançada quando as sociedades contemporâneas encontrarem
meios alternativos e menos destrutivos para sobreviver harmonicamente no planeta” (Ferreira,
Ferrara, p.45, 2015)
Neste contexto, as cohousing se apresentam como um catalisador de práticas cotidianas
baseadas em princípios que direcionam para o desenvolvimento sustentável. Entretanto, apesar
de não ser um problema restrito às cohousing, atualmente o movimento destas comunidades é
pautado em avaliações qualitativas e da perspectiva das mudanças climáticas ainda é difíc il
avaliar seu impacto.
Ainda assim, um dos diferenciais adotados pelo modelo é pensar no global e agir no
local. Desta forma, tem sido visto como uma prática instrutiva com potencial de gerar
aprendizados relevantes para a mitigação do clima. Partindo da ótica dos usuários oferecem
uma visão ativa e integrada e a nível prático de aplicação, a ajuda mútua e uso de recursos
combinados proporcionam possibilidades para jardins comuns, parques infantis, instalação de
centros de reciclagem, placas solares, sistemas de aquecimentos coletivos, materiais de
isolamento térmico e acústico, reaproveitamento das águas pluviais, reciclagem seletiva,
compartilhamento de recursos e serviços, entre outros. Independente dos objetivos de cada
comunidade, percebe-se uma preocupação geral em pelo menos trabalhar para reduzir a conta

13
de energia e um esforço para transformar o modo de pensar e agir em prol do coletivo buscando
reduzir os impactos destrutivos causados ao meio ambiente.
Acima de tudo, o potencial em ser uma alternativa ecologicamente sustentável vincula -
se diretamente ao engajamento da comunidade, a maneira como impulsiona normas socia is,
questiona padrões espaciais e materiais e adota práticas cotidianas de baixo impacto, bem como
encara a cohousing como um projeto social e político que promove a sinergia entre a
sustentabilidade social e ecológica. Desta forma, as cohousing evidenciam como os
condicionantes sociais e técnicos da habitação estão diretamente relacionados (Tumme rs,
2017).
Na virada do milênio, Scheller e Thörn (2018) descrevem que houve na Europa um
interesse renovado pelas cohousing entre políticos, urbanistas e arquitetos. Em certa medida,
isso se deve ao trabalho de ativistas e pesquisadores que através de suas habilidades
profissionais começaram a promover o tema. A conferência internacional sobre cohousing
realizada em Estocolmo em 2010 é um exemplo significativo desta ação. De acordo com o
relatório produzido, o crescente interesse fez emergir um novo campo de pesquisa: o
planejamento para estilos de vida sustentáveis (Vestbro, 2010). Em 2012, uma edição da
Revista Built Environment dedicou-se a discutir sobre cohousing tanto do ponto de vista da
contribuição para a renovação urbana quanto como uma maneira de atingir a sustentabilidade
em um sentido mais amplo (Krokfors, 2012).
Durante a conferência ONU Habitat III, em 2016 em Quito, a cidade de Hamburgo, na
Alemanha, o projeto de revitalização do bairro de “Central Altona” que abriga uma cohousing
(Möwe Altnonah) autoconstruído foi apresentado como exemplo de melhores práticas para o
planejamento urbano sustentável por estabelecer maiores oportunidades de integração,
mobilidade e conectividade. Isto demonstra como a cidade de Hamburgo bem como a de
Gotemburgo, na Suécia, tem priorizado a sustentabilidade como fator primordial no processo
de requalificação urbana.
Nos estudos realizados por Scheller e Thörn (2018), embora estas municipalidade s
tenham feito grande esforço em prol de uma agenda sustentável, devido a amplitude e as
inconsistências apresentadas pelo conceito de sustentabilidade, o desenvolvimento urbano
sustentável desempenha uma função dominante nos processos de governança urbana e no que
diz respeito aos grupos de cohousing sinaliza uma tensão inseparável entre o processo de
responsabilização e a luta pela autonomia.
Apesar de reconhecerem o potencial das cohousing como um modelo de vida
sustentável potencialmente viável, os autores pontuam que por si só não representam uma

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solução aos desafios da sustentabilidade associados à vida urbana. É fundamental uma mudança
de mentalidade tanto do ponto de vista das políticas públicas que precisam promover incentivos
à adoção de estilos de vida sustentáveis quanto da sociedade que necessita se envolver mais na
gestão administrativa municipal e na participação do processo político local.

4. A EXPERIÊNCIA DE LA BORDA, BARCELONA

O projeto construído em 2018 é de propriedade e liderado pela cooperativa La Borda


que representa 28 famílias e conta com especialistas de diversas áreas como a LaCol,
responsável pelo projeto arquitetônico, uma cooperativa responsável pelos aspectos
econômicos e gestão do orçamento e a Coop57 que funciona como um banco cooperativo e
fornece subsídios para projetos sociais.
Para Ferrán Aguiló, a manutenção da estrutura social e da continuidade da cessão de uso
da terra depende diretamente da “musculatura social” que além de defender os direitos dos
moradores e facilitar a negociação junto a prefeitura, é composta por uma grande variedade de
fontes, sendo a maior parte derivada de fundos participativos, seguida da contribuição de
membros colaboradores e em terceiro lugar, de membros residentes.
Segundo os cálculos realizados, entre 2025 e 2030 a cooperativa terá liquidados todos
os investimentos e a partir de então conseguirá se capitalizar. Este planejamento visa a
renegociação da terra após os 75 anos de uso ou caso precisem mudar para outro lugar se a área
for destinada legitimamente a outro uso. Comprometida com o impacto social, se o dinheiro
não for necessário para este fim, o excedente tem destino certo para ajudar outras cooperativas
na amortização de despesas e na promoção do acesso à moradia digna.
La Borda é uma comunidade intergeracional em que o acesso a habitação está
intrinsicamente vinculado ao processo de participação da comunidade. Cada unidade
habitacional deve pagar uma quota inicial de 18.500 euros, recuperáveis caso decidam se mudar
ou em caso de morte, e uma renda que varia de 300 a 600 euros mensais que devem ser pagos
à cooperativa. Estes valores representam uma redução de 50% se comparados aos preços de
mercado.
Pelo fato do edifício estar construído em um terreno cedido pelo município (Figura 03)
é imprescindível que o aluguel não exceda o preço da habitação social. Cumpre, desta forma,
critérios de habitação de proteção social por meio do direito de superfície adquirido junto a
Câmara Municipal por 75 anos, devido ao teto máximo de aluguel fixado e a transferência do
direito de uso das habitações (Peborde, 2016). Assim sendo, a propriedade privada adquire valor

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através do uso da habitação e não pelo seu valor de troca, enfraquecendo uma possível tentativa
de uso especulativo (LaCol e La Ciudad Invisible, 2018).

Figura 03 – Fachadas da La Borda e corte transversal esquemático.


Fonte: Imagens retiradas do site da cooperativa La Borda.

As cooperativas LaCol e La Ciudad Invisible (2018) afirmam que os ideais de


cooperação e comunidade superam a forma de financiamento, se estendendo para a promoçã o
do projeto e fomentando a socialização e colaboração mútua para além da esfera privada,
concebendo o complexo inteiro como uma grande casa comum.
Do ponto de vista da sustentabilidade ambiental o edifício foi desenvolvido por meio de
diversas ações e estratégias visando o mínimo impacto desde a construção até a sua vida útil.
Entre as principais decisões adotadas destacam-se: otimização das soluções construtivas e do
programa de necessidades; parâmetros bioclimáticos para desenvolver um edifício passivo com
ações ativas na gestão climática das habitações; aproveitamento de recursos locais, recicláve is,
fontes fosseis e renováveis; estudo e plano de gestão detalhado de resíduos e separação seletiva
na obra; sistema centralizado de geração térmica e climatização; serviços e consumos
associados centralizados e com gestão inteligente.
Como parte da auto-organização e corresponsabilidade, os moradores participaram do
monitoramento e do treinamento para que fossem capacitados a garantir o uso adequado do
projeto bioclimático desenvolvido para o edifício e vários outros recursos de economia de
energia e água. O resultado positivo tem sido analisado pela Agência de Energia de Barcelona
com intuito a analisar se é replicável em outras experiências.
Claramente a iniciativa proposta pela comunidade La Borda se relaciona diretamente
com os princípios propostos pelas cohousing. Além disso, integra um grupo de comunidades
intencionais com amplos esforços na promoção e no desenvolvimento de alternativas as formas
de habitação propostas tanto pelo mercado capitalista quando pelo estado. A experiência de La
Borda nos mostra que aqueles projetos baseados no modelo de direito de uso das cooperativas

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habitacionais vinculados a fatores socioeconômicos terão mais chances de combater a
especulação imobiliária e a oferta seletiva de habitação.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em primeiro lugar, ficou evidente neste trabalho as diferentes abordagens sobre as


cohousing. Se por um lado, os principais teóricos americanos apresentam o tema sob uma
perspectiva pragmática e eco modernista da habitação que fornece benefícios práticos da vida
cotidiana e social, sem intenção de propor uma agenda política ou uma declaração ideológica,
por outro lado, para alguns pesquisadores o caráter “não-especulativo” é fundame nta l
(Tummers, 2015) e para outros a inovação está em seu aspecto essencialmente socioespacial
(Jarvis, 2015).
Além dos diversos desafios apresentados, vale destacar que uma série de tradições de
planejamento atuam como obstáculos à adesão efetiva destas comunidades e sua contribuição
à desmercatilização da habitação. Como por exemplo, padrões de projeto e construção; o
domínio de grandes empresas imobiliárias e incorporadoras; noções arraigadas sobre o modelo
de família nuclear e; os instrumentos legais, de políticas e de planejamento que, na maioria das
vezes, não estão adaptados às práticas de propriedade compartilhada e desenvolvime nto
coletivo (Tummers, 2017).
Embora os estudos evidenciem que o modelo proposto pela cohousing mudou de um
fenômeno de nicho da contracultura para um movimento predominantemente de classe média,
o recente aumento do interesse por essas comunidades intencionais pode ser visto como
resultado da pressão constante dos movimentos de habitação popular em diferentes períodos de
tempo (Hagbert et. al, 2020). Desta forma, o enfoque na sustentabilidade social entre os projetos
atualmente além de ser resultado de deficiências políticas específicas propagadas pelo
urbanismo neoliberal, também está representada na luta dos movimentos habitacionais.
Com base na revisão bibliográfica, nas experiências estudadas e nos resultados
apresentados, um possível caminho para que as políticas viabilizem a cohousing de maneira
sustentável, deve aliar políticas que fomentem o crescimento de cooperativas não especulativas
e articulem projetos de cohousing e empresas de habitação pública ou associações de habitação
sem fins lucrativos. Outros aspectos importantes que se somam aos citados estão a necessidade
de provisão de apoio jurídico e financeiro do Estado e de terras sem fins lucrativos para uso
democrático colaborativo, a autonomia e a auto-organização dos projetos (Scheller et. al, 2020)
e a convergência de processos “bottom-up”.

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Pela ótica crítica do desenvolvimento sustentável, o projeto de La Borda apresenta
soluções técnicas e projetuais que contribuem diretamente para a sustentabilidade urbana.
Entretanto, comum a outros tipos de comunidades intencionais, o maior diferencia l desta
iniciativa é relativo à dimensão social. Enquanto o grande desafio se encontra no campo da
sustentabilidade econômica. A justificativa quanto a relevância da sustentabilidade social é
principalmente válida da perspectiva da dimensão cultural que deve ser entendida a partir de
desafios e oportunidades e é capaz de influenciar diretamente a sustentabilidade econômica e
ambiental de um projeto.
Por meio deste artigo constatou-se, a exemplo de La Borda, que as cohousing não se
apresentam como solução a crise imobiliária e a problemática ambiental, mas são um marco de
experimentação de produção coletiva e representam papel importante na desconstrução da
propriedade privada como modelo único de habitação e em direção a construção de cidades
mais sustentáveis.

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