17/04/2024, 16:43 Tempo de reconstrução da educação brasileira | Opinião
INÍCIO OPINIÃO
CONAE 2024
Tempo de reconstrução da educação brasileira
Entre os dias 28 e 30 de janeiro, em Brasília, acontece a etapa nacional da Conferência
Nacional de Educação
Jaqueline Moll; Daniel Momoli
Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) | 30 de janeiro de 2024 às 09:01
Abertura da Conferência Nacional de Educação (Conae) 2024, na UnB, em Brasília, neste domingo
(28) - Foto: José Cruz/Agência Brasil
“ A crise da educação no Brasil, não é uma crise; é um
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”
projeto. (Darcy Ribeiro)
O caminho para a universalização da educação no Brasil tem sido longo, tortuoso e
descontinuado. O entendimento da “educação básica – da educação infantil ao
ensino médio – como um bem público, gratuito e universal, portanto para todas as
pessoas”, é recente em nosso país em relação a outros países com o mesmo nível de
desenvolvimento econômico.
Há, como alguém já disse, uma indecisão congênita em relação ao compromisso da
educação como um direito fundamental para o pleno desenvolvimento da pessoa,
previsto na Constituição de 1988 e como condição sine qua non para a efetiva
construção de uma sociedade justa, próspera e democrática, que garanta dignidade a
toda gente.
Longe de ser um efeito fortuito da incapacidade administrativa das diferentes esferas
de governo, embora este seja um traço comum, trata-se, efetivamente, do confronto
e da disputa entre projetos de sociedade, não só distintos, mas revelados, nos
últimos anos, como antagônicos.
A realidade é sempre muito mais complexa, mas podemos afirmar que vivemos o
confronto entre um projeto societário que considera os avanços civilizatórios no
campo da educação, da ciência, da saúde pública, da cultura para a plena efetivação
da Democracia, versus um projeto que despreza estes avanços apostando na chamada
meritocracia, na violência, nos medos e silenciamentos e nas diferentes formas de
exclusão/seleção/hierarquia “natural” entre os indivíduos.
É exatamente nesta perspectiva que precisamos compreender as disputas públicas
em torno da agenda da Conferência Nacional de Educação que acontecerá nos dias
28, 29 e 30 de janeiro em Brasília. A etapa nacional será um importante momento
para compreender a atual situação da educação em nosso país, retomando os
desafios que queremos superar e os meios políticos, pedagógicos, financeiros para
realizar os avanços necessários, previstos no atual PNE.
O PNE, conforme definido na Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 214 e na
Lei de Diretrizes e Educação Nacional – LDBEN (Lei 9.394/1996), tem como objetivo,
a articulação de um sistema nacional que integre a União, os estados, o Distrito
Federal e os municípios de todo o país, além de definir diretrizes, objetivos, metas e
estratégias que assegurem a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus
diversos níveis. Materializar este princípio constitucional não nunca foi simples ou
fácil. Tal como ocorre com o PNE vigente (2014-2024), que fecha o seu ciclo bem
distante das metas e estratégias que nele foram definidas, apesar dos movimentos
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em defesa da educação, e dos pesquisadores/as, professores/as, estudantes,
constantemente denunciarem os desmontes e enganos dos últimos anos.
É diante deste contexto que a CONAE cumpre com o seu papel de recolocar temas
fundamentais no cenário público, para amplos e profundos debates que reunirão o
campo educacional na diversidade e pluralidade democrática que caracteriza a
sociedade brasileira. Os desafios são gigantes, da educação infantil a pós-graduação,
passando pelos temas da universalização com qualidade, pela educação integral em
tempo integral – somos dos poucos países que mantem a jornada escolar de quatro
horas diárias, pela retomada das políticas de educação de jovens e adultos, pela
revogação urgente da reforma do ensino médio, pela educação profissional articulada
a formação escolar, pela carreira e formação dos professores para os desafios da
contemporaneidade, pela gestão democrática, pelo financiamento da educação
pública, entre outros.
Historicamente, sobretudo nos períodos de certa estabilidade democrática,
conferências públicas possibilitaram o debate acerca do projeto educacional para o
país, explicitando-se em todas as conferências o enfrentamento entre interesses
privados e privatistas e interesses públicos, sobretudo na defesa de recursos do
erário para consolidação de um sistema público, gerido e constituído por professores
concursados. Tais disputas não desapareceram do cenário e tem forte presença, por
exemplo no tema do ensino médio, etapa conclusiva da educação básica, cuja
reforma de 2017 apequenou e desfigurou a educação das juventudes brasileiras. Mas
este tema merece um artigo específico.
Posto isto, importante retomarmos, na recente linha do tempo, o panorama
desencadeado pela ruptura institucional de 2016 e que desarticulou ações e políticas
estruturais, definidas pelo Plano Nacional de Educação de 2014, bem como diminuiu
o orçamento da área e estabeleceu como modus operandi a perseguição a
professoras, professores, pesquisadoras, pesquisadores e estudantes em todo o país.
Deixando de lado, propositadamente os debates/proposições para ampliação do
acesso, qualidade do currículo, formação de professores, enveredou-se por uma
trilha de desmontes/desconfigurações relacionadas a educação domiciliar, escolas
cívico-militares, escolas com mordaça, afrontando a Constituição Nacional e
tentando definir no campo educacional a agenda do pensamento fascista que
caracterizou o período.
No Brasil, quando falamos de educação e de acesso à escola básica, nos referimos à
uma parcela da população que envolve muitos milhões de pessoas, considerando
infâncias, juventudes e pessoas adultas, que tem direito a processos educativos
sistemáticos e continuados para seu desenvolvimento pessoal e laboral e para o
desenvolvimento de toda sociedade.
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Portanto, elaborar uma política nacional que articule princípios comuns e alinhados
a Constituição de 1988, é profundamente desafiador neste momento histórico para
retomarmos os postulados do último PNE, cujo tempo de implementação que seria
2014-2024, foi completamente desperdiçado pelos mesmo atores políticos que agora
tentam causar confusão em torno das bandeiras históricas de lutas de grandes
brasileiros e brasileiras como Anísio Teixeira, Florestan Fernandes, Leonel Brizola,
Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Maria Nilde Mascelani, entre tantos outros e outras.
Assim, nos cabe a defesa de uma Conferência que afirme a perspectiva da
universalização dos saberes, riquezas e direitos, como condição aos processos de
inclusão e humanização, que tem na escola pública espaço imprescindível para que
saiamos do lugar da crise para um projeto histórico contínuo e de construção de uma
sociedade efetivamente democrática, na qual caibam todas as formas de existência
em toda a sua dignidade.
Que não percamos mais esta oportunidade histórica e nem desperdicemos o tempo
das reflexões e debates com aqueles que desprezam a educação pública e a própria
esfera pública. Pois, como dizia Anisio Teixeira: “só existirá democracia no Brasil no
dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina
é a da escola pública”.
* Jaqueline Moll: professora titular da Faculdade de Educação e professora colaboradora
do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: química da vida e saúde da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e professora titular do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das
Missões, Câmpus de Frederico Westphalen; Daniel Momoli: professor do Centro de Artes da
Universidade Federal de Pelotas e Vice-líder do Arteversa-grupo de estudos e pesquisas
em arte e docência.
** Este artigo foi publicado originalmente no Sul21.
*** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do
jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko
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