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Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.

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A sacralização das existências marginais1: notas sobre a


emergência da Quimbanda nos cultos afro-gaúchos2
The sacralization of marginal livings: notes on the emergence of
Quimbanda in afro-gaucho cults

Rodrigo Marques Leistner3

Resumo
O trabalho avalia o sentido das experiências religiosas que se articulam nos cultos de
Quimbanda, subcategoria ritual das religiosidades afro-gaúchas. Organizada a partir
do culto aos antepassados marginais da sociedade brasileira (Exus e Pombagiras), a
Quimbanda se expressa justamente a partir de conteúdos simbólicos associados à
ideia de marginalidade: ambiguidade moral, erotismo e violência simbólica são
elementos constitutivos dessa prática, observando-se experiências religiosas que
incorporam como positivo os elementos rejeitados em noções mais convencionais
acerca do universo do sagrado. Destaque-se que tal culto adquiriu dimensão especial
no campo afro-gaúcho, o que fomenta reflexões não apenas sobre os conteúdos
veiculados em suas fronteiras simbólicas, mas especialmente sobre o sentido de sua
emergência na atualidade. A partir de dados coletados em pesquisa etnográfica
realizada em terreiros da região metropolitana de Porto Alegre, avalia-se que é a
partir de uma espécie de neutralidade axiológica contida nos signos dessa forma
religiosa que diferentes projetos individuais e coletivos encontram suporte para
expressão, sobretudo no que se refere a modelos de subjetividade socialmente
concebidos como “marginais”.
Palavras-chave: religiões afro-gaúchas; Quimbanda; experiências religiosas
contemporâneas.

1 A noção que sugere um processo de “sacralização de existências marginais” foi inspirada em fala do
Professor José Carlos dos Anjos, conforme depoimento no documentário “Caminhos da religiosidade
afro-riograndense”, da autoria de Rafael Derois Santos (Cf. CAMINHOS, 2014).
2Agradeço imensamente ao Professor Alejandro Frigerio que, de modo generoso, realizou uma

primeira leitura deste artigo. Seus comentários foram e seguem sendo valiosos.
3 Doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade

do Vale do Rio dos Sinos (2014 - Bolsista CAPES). É Mestre em Ciências Sociais (2009 - Bolsista
CAPES) e graduado em Comunicação Social (Hab. Publicidade e Propaganda - 2006) pela mesma
instituição. Professor da Área de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Doutor
em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do
Rio dos Sinos – UNISINOS. Email: [email protected]

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Abstract
The paper evaluates the meanings of the religious experiences that are articulated in
the Quimbanda cults, a ritual subcategory of Afro-Gaucho religiosities. Organized
from the cult of the marginal ancestors of Brazilian society (called ‘Exus’ and
‘Pombagiras’), Quimbanda expresses itself precisely from symbolic contents
associated with the idea of marginality: moral ambiguity, eroticism and symbolic
violence are constitutive elements of this practice, observing religious experiences
that incorporate as positive the elements rejected in more conventional notions about
the universe of the sacred. It should also be noted that this cult has developed a
special dimension in the African religious field of Rio Grande do Sul, which
promotes reflections not only on the contents of its symbolic frontiers, but especially
on the meaning of its emergence today. From data collected in ethnographic research
carried out in terreiros in the metropolitan region of Porto Alegre, it is assessed that it
is from a kind of axiological neutrality contained in the signs of this religious forms
that different individual and collective projects find support for expression, above all
with regard to models of subjectivity socially conceived as "marginal".
Keywords: afro-gaucho religions; Quimbanda; contemporary religious experiences.

Introdução
Exus e Pombagiras são personagens bem conhecidos na cultura popular

brasileira. Como recordou Prandi (1996), o imaginário sobre tais divindades excede a

esfera religiosa e pode ser percebido nas telenovelas, no cancioneiro popular e nas

conversas cotidianas efetuadas por entre os mais diversificados estratos sociais. A

devoção a essas entidades, no entanto, nem sempre se organiza como religião

particular, seu culto sendo desenvolvido como subcategoria de determinadas

práticas afro-brasileiras como a Macumba carioca, a Jurema de Pernambuco ou,

ainda, a Umbanda, encontrada por todo o país. Destaca-se que essas religiões

possuem cosmologias baseadas na diferenciação de classes de entidades espirituais,

divididas em linhas e falanges, as quais organizam e separam as atividades rituais

destinadas às diferentes categorias de divindades (RAMOS, 1940; CARNEIRO, 1956;

CAMARGO, 1961; ORTIZ, 1978; NEGRÃO, 1996). Desse modo, a Quimbanda surge e

até hoje continua sendo, ao menos na maior parte do país, uma das linhas relativa

àquelas vertentes afro-religiosas (a linha de Exus e Pombagiras), sendo praticada com

diferentes graus de frequência e distintos níveis de protagonismo de acordo com a


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vertente na qual se insere ou com o terreiro específico no qual é assimilada. No Rio

Grande do Sul, na maioria dos casos, tal prática encontra-se inserida na Linha

Cruzada, arranjo afro-religioso comum nessa região e que compreende três formas

religiosas praticadas de modo alternado em uma mesma unidade de culto: o Batuque

(forma mais africanizada), a Umbanda (culto de caráter mais ocidentalizado) e a própria

Quimbanda (modelo intermediário entre as anteriores)4.

Os rituais articulados na Quimbanda revelam fatores tão instigantes quanto

sua complexa inserção na multifacetada categoria religiões afro-brasileiras. Conforme

Carvalho (1990), práticas como a Quimbanda podem ser enquadradas numa espécie

de campo residual concernente às experiências religiosas brasileiras, composto de

formas religiosas que absorvem elementos simbólicos rejeitados por outros sistemas

de crença (violência ritual e erotismo são exemplos assertivos), operando como “uma

espécie de lata de lixo simbólica de toda a experiência religiosa do país”

(CARVALHO, 1990, p. 13): o universo religioso que incorpora como positivo e

constitutivo de sua religiosidade todos os resíduos rejeitados pelas demais confissões.

Destaca-se que essas práticas se polarizam não apenas com as concepções do sagrado

típicas da tradição ocidental, mas com as outras religiosidades que compõem o

próprio universo das religiões afro-brasileiras, caso das confissões mais africanizadas

como Candomblés, Batuques e Xangôs, e mesmo em relação àquelas nas quais se

encontra por vezes agregada como subcategoria, caso da Umbanda. Em termos

comparativos, a inserção dessa religiosidade típica no campo religioso brasileiro

pode ser percebida a partir de uma cadeia regressiva de deslocamento simbólico, a

qual tem num de seus polos os cultos que aceitam o resíduo rejeitado por outras

denominações, incorporando os elementos de desordem, violência e erotismo que

parecem contradizer as noções mais convencionais acerca do fenômeno religioso.

4 Embora com diferentes definições, a Linha Cruzada e seu processo de formação também são temas
abordados nos trabalhos de Corrêa (1994; 2006), Oro (2002; 2012) e Anjos (2006). Enquanto Corrêa
(1994) e Oro (2012) chamam atenção para os aspectos históricos da imbricação ritual junto ao campo
afro-gaúcho, Anjos (2006) enfatiza as aproximações e complementaridades cosmológicas que
envolvem a co-presença das diferentes formas religiosas numa mesma unidade de culto.
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[...] pareceria que um mesmo mecanismo de exclusão e


desdobramento perpassa todas essas formas de religião: o
cristianismo, por exemplo, suporta um certo grau de violência
(pensemos nas provações físicas sofridas nas peregrinações e
promessas) e qualquer excesso passa a ser não cristão. Com idêntico
mecanismo opera o Kardecismo que, colocando-se ao lado do
cristianismo, transfere o que não aceita para as religiões afro-
brasileiras [...]. Quanto ao Xangô e ao Candomblé, fazem o mesmo
em relação à Jurema e à Macumba [e, por conseguinte, à Quimbanda]
que são finalmente os únicos cultos capazes de reconhecer toda a
violência e a desordem do sagrado brasileiro (CARVALHO, 1990, p.
10).

O que se demonstra pertinente refere-se ao fato de que a Quimbanda, em suas

especificidades, demanda aprofundamentos investigativos em virtude de favorecer a

compreensão de modalidades alternativas de expressão dos sentimentos religiosos,

cujos contornos se organizam com base em interações ritualizadas permeadas por

aqueles elementos residuais que são rejeitados noutros registros do campo religioso

brasileiro e no próprio segmento africanista.

Ampliando essas possibilidades de investigação, nota-se que as singularidades

mencionadas adquirem maior pertinência quando observada a grande dimensão que

tais cultos adquirem num determinado território. Conforme percebido por Ari Pedro

Oro (1999, p. 102), tal fator é evidente no Rio Grande do Sul, onde a Quimbanda,

outrora subcategoria subordinada à Linha Cruzada, assume protagonismo perante as

demais denominações afro-gaúchas, sendo “a que detém hoje maior espaço de

reprodução e poder de atração social” (ORO, 2012, p. 559). Na mesma perspectiva,

Daniel De Bem (2009) constatou a emergência desta vertente na região, percebendo-a

como linha ritual praticada com maior amplitude dentro dos sistemas religiosos

locais, constituindo-se como “carro-chefe através do qual muitos adeptos têm se

iniciado nos códigos afro-religiosos” (DE BEM, 2009, p. 209). Contudo, conforme

explorado em outros estudos (Cf. LEISTNER, 2014; GIUMBELLI e ALMEIDA, 2021),

trata-se não apenas de um relativo protagonismo em termos de expansão de suas

lógicas de reprodução social, mas da própria autonomia enquanto sistema religioso

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específico ou modelo denominacional do campo afro local, algo ainda não percebido

em outras regiões do país, o que fomenta questionamentos sobre a emergência da

Quimbanda num contexto de configuração das identidades religiosas de matriz

africana(na sociedade brasileira) como um todo5.

Com base nessas constatações, este trabalho busca compreender não apenas os

sentidos das experiências religiosas que se organizam na Quimbanda6, mas ainda os

motivos de sua emergência e expansão no universo dos terreiros afro-gaúchos,

visando localizar sua posição nos processos de configuração das identidades

religiosas hodiernas, assim como no contexto das religiosidades afro-brasileiras.

Metodologicamente, a investigação se fundamenta em pesquisa etnográfica

realizada em terreiros da região metropolitana de Porto Alegre, bem como no acesso

a redes de relações que envolvem o campo afro-gaúcho (circulação entre associações

federativas, comércio de produtos especializados e atividades públicas do segmento

africanista local), em atividades que foram empreendidas por cerca de dez anos, com

foco em observações etnográficas realizadas em rituais da Quimbanda no período de

5Conforme demonstrado por Giumbelli e Almeida (2021), com base em dados quantitativos que
propuseram um mapeamento da realidade dos terreiros de quatro regiões metropolitanas do país
(sendo elas Porto Alegre, Belém, Recife e Belo Horizonte), ao contrário dos outros espaços, a região de
Porto Alegre foi a que mais apresentou terreiros em que o culto Quimbandeiro apareceu como
modalidade afro-religiosa definidora da identidade dos templos. Percepção similar foi relatada em
Leistner (2014) quando referido o aumento de templos exclusivos de Quimbanda no Rio Grande do
Sul, assim como de agentes e líderes afro-religiosos cuja identidade tem cada vez mais sido definida
por uma filiação específica aos cultos de Exus. Tais perspectivas, somadas ao protagonismo das
atividades quimbandeiras nos templos locais sugerem processos de autonomia que vêm redefinindo
os contornos simbólicos da Quimbanda - não mais concebida especificamente como subcategoria
ritual e cosmológica da Umbanda, como em outras regiões do país (Cf. LEISTNER, 2014).
6A noção de experiência religiosa é empregada em sua acepção sociológica (Cf. HOUTARD, 2004;

SIMMEL, 2010), relacionando-se tanto às formas sociais através das quais a experiência humana do
sagrado se articula - ritos e crenças como resultados de ações recíprocas - quanto em relação às
dimensões socioculturais adjacentes ao fenômeno religioso, verificando-se não apenas as condições
sociais em que ele se verifica, mas a correlação entre as condições disponíveis e as formas de
experiência religiosa desenvolvidas. Nesse caso, a ideia também comporta aproximações com a
antropologia hermenêutica, compreendendo-se que tais experiências se configuram a partir de
fronteiras simbólicas que expressam um ethos e uma visão de mundo característicos (Cf. GEERTZ, 1978),
os quais se ligam aos contextos sociais e culturais envolventes.
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2010 a 20147. Tais observações foram complementadas a partir da realização de 40

entrevistas semiestruturadas aplicadas a agentes do campo afro-gaúcho, as quais

foram retomadas entre 2017 e 2019 visando aprofundar os questionamentos

levantados de acordo com novos interesses de pesquisa.

Em síntese, trata-se aqui de compreender os modos pelos quais determinadas

formas de religiosidade típicas - especialmente aquelas associadas à ideia de

marginalidade e cujas fronteiras simbólicas se articulam em torno de concepções

permeadas por violência e ambiguidade moral - encontram seus espaços de

produção e reprodução nas sociedades contemporâneas. Para tanto, busca-se analisar

o modo como os bens simbólicos disponibilizados na Quimbandas e configuram

como atrativos para a adesão de atores que circulam pelo campo religioso em geral,

bem como no universo dos terreiros afro-gaúchos, nesse caso visando compreender

as particularidades que explicam a ocorrência do fenômeno em determinado

contexto. Conforme será retomado, a análise parte de alguns fatores incidentes sobre

o campo de relações próprio que envolve as coletividades religiosas abordadas,

especialmente os condicionantes socioeconômicos e culturais que têm favorecido a

emergência de um modelo de religiosidade característico.

1- Espaço simbólico e de reprodução da Quimbanda no contexto de


desenvolvimento das religiões afro-brasileiras
Em termos de tipologias religiosas ideais presentes no campo das religiões

afro-brasileiras, constata-se que a Quimbanda nem sempre configurou uma forma

religiosa específica. Em linhas gerais, conforme demonstram Ortiz (1978), Magnani

(1986) e Negrão (1996), a noção de Quimbanda surge indicando determinado espaço

narrativo articulado nas fronteiras simbólicas da Umbanda, ora acionado para

expressar um domínio teológico através do qual seriam cultuadas certas categorias

de divindades (especialmente aquelas associadas a espíritos diabólicos e ligados a

7 Essas investigações se aprofundaram para a construção da Tese de Doutorado intitulada “Os


outsiders do além: um estudo sobre a Quimbanda e outras ‘feitiçarias’ afro-gaúchas”, defendida em
março de 2014 no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unisinos.
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antepassados marginais), ora utilizado como categoria de classificação de agentes e

templos religiosos vinculados à prática da feitiçaria (geralmente aqueles apartados

das federações umbandistas que entre as décadas de 1950 e 1970 buscavam organizar

o campo afro a partir de reorientações teológicas e identitárias). Nesse sentido, na

maior parte dos casos, a Quimbanda sempre se desenvolveu como subcategoria

ritual de algumas variantes afro-religiosas, apenas em situações pontuais

verificando-se terreiros mais identificados com o protagonismo ou exclusividade

dessa prática (Cf. NEGRÃO, 1996; BRUMANA e MARTINEZ, 1991).

Do ponto de vista cosmológico e ritual, o desenvolvimento dos cultos de Exus

e Pombagiras liga-se aos processos de adaptação das religiosidades negras no

sudeste brasileiro, especialmente nos espaços de maior inserção e presença das

culturas Bantas. Conforme propõem autores como Ramos (1940), Bastide (1960) e

Camargo (1961), os processos de desagregação das famílias negro-africanas na

escravidão dificultou a reprodução de cosmologias religiosas fundamentadas no

culto aos antepassados familiares, e uma vez que as religiosidades Bantas

organizavam-se justamente a partir dessas perspectivas (Cf. ASÚA ALTUNA, 1985),

a adoção de elementos cosmológicos de outros grupos culturais favoreceu a

ampliação de adaptações e bricolagens diversas. Fora a partir dessas negociações que

surgiram as variantes menos ortodoxas do campo religioso afro-brasileiro8, as quais

mesclaram elementos das culturas Bantas, Iorubás, indígenas e cristãs. E de acordo

com Camargo (1961), na configuração desses sistemas religiosos, a impossibilidade

de culto aos antepassados da família nuclear favoreceu duas possibilidades: por um

lado, a adoção parcial do panteão dos Iorubás; por outro, a aproximação com a

8As questões que envolvem considerações sobre ortodoxia e bricolagem no âmbito das religiosidades
afro são complexas, já tendo sido analisadas criticamente por Dantas (1988). Contudo, é
empiricamente observável o desenvolvimento de formas religiosas mais ortodoxas nos espaços de
maior influência Sudanesa, casos do Candomblé baiano, do Batuque gaúcho ou do Xangô
Pernambucano, ao contrário de plasticidades mais amplas desenvolvidas nos espaços de influência
Banta, caso das Macumbas e Umbanda do Sudeste. Conforme Bastide (1960) e Ramos (1940), tais
possibilidades decorrem de modelos mítico-religiosos com estrutura distinta, ora ligados a divindades
de comunidades mais amplas (modelo Iorubá), ora ligados a entidades familiares (modelo Banto).
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concepção de espírito contida no espiritismo de origem francesa, que começava a ser

introduzido no Brasil em fins do século XIX (CAMARGO, 1961).

É a partir dessas apropriações que se desenvolvem as antigas Macumbas

cariocas, por volta da década de 1860, baseando-se na utilização do português como

língua litúrgica e no culto a espíritos desencarnados e associados aos orixás Iorubanos.

Conforme demonstram Camargo (1961) e Ortiz (1978), a influência do Kardecismo e

da angeologia Católica favoreceu a reinterpretação dos Orixás como espíritos

divididos em linhas e falanges, agregando-se a eles o culto aos antepassados, como

os antigos negros escravizados (preto-velho) e indígenas (caboclo). É justamente

nessas ressignificações que emergem as versões quimbandeiras de Exu e Pombagira,

sua presença sendo referida por João do Rio (2006) já nas Macumbas cariocas do

início do século XX. Nesses processos, o orixá Exu dos Iorubás, em função dos

conteúdos africanos9, passou a ser relacionado a espíritos de caráter diabólico e conduta

marginal. Por sua vez, como referem Augras (1989) e Prandi (1996), Pombagira

projeta-se como corruptela linguística do trickster dos Bacongos, Bonbojira, o qual

teria sobrevivido nessas adaptações transformando-se em par mítico de Exu nos

terreiros de Macumba, sendo igualmente associado, agora em versão feminina, aos

espíritos endiabrados e de conduta moralmente questionável.

Com base nesse referencial, tais entidades serão acomodadas nos sistemas

religiosos desenvolvidos de modo mais efetivo no sudeste do país. E uma vez que

vertentes como a Macumba encontravam-se subdivididas em diferentes linhas de

categorias de entidades espirituais específicas, Exus e Pombagiras passaram a

compor uma das linhas rituais endógenas desses sistemas religiosos: a linha dos Exus,

9 Autores como Parrinder (1967), Bascom (1969), Pemberton (1975) e Witte (1984) descreveram
algumas das concepções do Orixá Exu nos contextos iorubanos, compreendido como elemento central
da dinâmica cosmológica, sendo encarregado de estabelecer a conexão entre as energias que compõem
o cosmos. As características ligadas à indeterminação da espacialidade, bem como às demandas de
mediação revelam sua condição liminar, o que incide na ambiguidade do caráter mítico e moral de
deuses que, ao lidarem com o acaso na ordem dos acontecimentos, pregam peças e causam confusões,
conforme característica dos tricksters (RADIN, 2002).

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que nos cultos de Macumba designaram uma das principais modalidades rituais

(LAPASSADE e LUZ, 1972). No entanto, é sobretudo em sua incorporação como

subcategoria da Umbanda que recebem sua configuração contemporânea e sua

disseminação pelos terreiros afro-brasileiros espalhados por todo o país.

Conforme Silva (2005), dentre as distintas linhas da antiga Macumba, a linha de

Umbanda congregava interesses de diferentes indivíduos que circulavam por diversas

práticas, num trânsito que parece ter sido constante entre os terreiros de Macumba e

os centros de Kardecismo. Desse modo, conforme Ortiz (1978), tal trânsito foi

responsável pela autonomização da Umbanda, que emerge na década de 1920 como

sistema religioso independente em relação às Macumbas. Ortiz (1978) analisa o

processo de emergência e autonomização da Umbanda a partir dos conceitos de

“empretecimento” e “embranquecimento”, que designam o surgimento da vertente

em duas vias: o empretecimento do espiritismo kardecista e o embranquecimento da

Macumba carioca. Nesse processo, elementos da classe média brasileira interessados

na antiga linha da Umbanda, bem como integrantes da Macumba que passavam a

acessar os códigos do espiritismo expressam o trânsito básico que promoveu o

surgimento do novo sistema religioso. Nesse processo, a Umbanda passou a integrar

o campo religioso brasileiro visando se legitimar perante outras confissões; e na

medida em que incluía inúmeros elementos simbólicos oriundos de uma cultura de

classe média, acabou assumindo pretensões de legitimidade que admitiam maior

aproximação com o espiritismo e afastamento radical das perspectivas de origem

africana contidas nas Macumbas. Assim, de acordo com Ortiz (1978), as práticas

umbandistas traduziram uma espécie de “síntese” do pensamento religioso

brasileiro, que associou elementos africanos, indígenas, católicos e espíritas, mas

organizados pelas mãos do elemento branco de classe média, incorporando-se no

plano religioso os conteúdos ideológicos característicos da concepção de mestiçagem,

de inspiração freyreana.

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Ainda conforme Ortiz (1978), o forte dualismo que perpassa a ideologia

umbandista fez com que entidades como Exu e Pombagira fossem definitivamente

deslocadas ao mundo das trevas. A partir da influência advinda da racionalização do

mundo dos espíritos executada pelo Kardecismo, o pensamento umbandista

incorporou a ideia de uma hierarquia celestial de espíritos puros e imperfeitos,

deslocando os segundos para uma subcategoria na qual pudessem evoluir

(GIUMBELLI, 2003). É desse modo que surge a linha da Quimbanda, subcategoria da

Umbanda estabelecida através de uma divisão dicotômica entre bem e mal operada

nas cosmologias umbandistas10. Umbanda e Quimbanda passam a constituir um par

oposto, mas complementar. Ortiz (1978), Birman (1985) e Negrão (1996) ainda

detectam que, se por um lado a Umbanda incorporou elementos éticos do

espiritismo, operando com aquelas categorias duais, por outro lado conservou um

espaço para que o mal pudesse ser domesticado. A Quimbanda nasce nessa

perspectiva: como espaço simbólico para a evolução dos espíritos viciosos, Exus e

Pombagiras adquirindo caráter ainda mais maléfico do que em suas antigas versões

macumbeiras.

2 - A Quimbanda e o campo afro-religioso do Rio Grande do Sul: das


tipologias religiosas à amplitude do fenômeno

O campo afro-religioso do Rio Grande do Sul é composto basicamente por três

modalidades rituais. O Batuque compreende a variante mais antiga e africanizada,

vinculando-se ao patrimônio cultural das populações negras que vieram à região

para o trabalho escravo na metade sul do estado, sobretudo na consolidação da

indústria do charque estabelecida entre as cidades de Pelotas e Rio Grande. Como

apontam Oro (1999; 2002) e Corrêa (2006; 1994), é provável que sua estruturação

tenha ocorrido no final do regime escravocrata e com o consequente trânsito de

10É importante retomar as relações de poder implicadas nessas adaptações cosmológicas relativas à
figura mítica de Exu, as quais, conforme Trindade (1985), revelam não apenas estratégias de controle e
de reprodução de hierarquias sociais que envolvem praticantes e adeptos, mas ainda idealizações
acerca de um possível reordenamento da posição desses mesmos agentes na estrutura social.
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agentes religiosos por entre as cidades da metade sul e as zonas urbanas de Porto

Alegre, já a partir do declínio da produção de charque, por volta de 1850.

Organizado a partir de estruturas rituais e cosmológicas associadas às tradições Jeje e

Nagô11, o Batuque cultua doze orixás oriundos dos panteões Iorubanos (Bará, Ogum,

Oiá, Xangô, Odé e Otim, Ossanha, Obá, Xapanã, Bédji, Oxum, Iemanjá e Oxalá),

reproduzindo-se através de atividades rituais sazonais que envolvem as práticas de

sacralização, as festividades e outros ritos dedicados a atualização dos pactos

místicos estabelecidos entre iniciados, simpatizantes e divindades.

Por sua vez, a Umbanda emerge na localidade no final da década de 1920

através da chegada à região de indivíduos com passagem por diferentes estados

brasileiros. Como agentes religiosos já iniciados nos códigos umbandistas

desenvolvidos em outras localidades (especialmente no sudeste brasileiro), sua

atuação será decisiva para a importação e introdução de um novo sistema religioso

junto ao campo afro-gaúcho. Este é o caso de Otacílio Charão, ferroviário que funda

em 1926 o primeiro templo umbandista gaúcho na cidade de Rio Grande,

denominado Centro Espírita de Umbanda Reino de São Jorge. Em 1932 a Umbanda

chega à cidade de Porto Alegre, por intermédio do tenente da marinha mercante

Laudelino de Souza Gomes, que funda na capital a Congregação Espírita dos

Franciscanos de Umbanda. Porém, é sobretudo na década de 1950 que os templos

umbandistas começam a se multiplicar na região, observando-se a tendência de

ampliação da Umbanda conforme os processos de industrialização do país, de

acordo com a lógica detectada por Ortiz (1978). No Rio Grande do Sul, assim como

no restante do país, são diversos os modelos de prática umbandista encontrados,

sendo que, na maioria dos casos, trata-se dos cultos que envolvem as sessões de

caridade (com passes e consultas destinadas aos consulentes) e a crença na possessão

Do mesmo modo como em outras modalidades afro-religiosas mais africanizadas, o Batuque se


11

desenvolve a partir de amplas genealogias religiosas que formam grandes famílias (as famílias-de-
santo), as quais compõem, conforme as origens étnicas específicas, os lados que diferenciam as
unidades de culto batuqueiras, sendo eles: Oió, Ijexá, Jêje, Nagô e Cabinda.
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por espíritos de antepassados como os Caboclos, os Preto-Velhos e as Crianças, todo

complexo cosmológico sendo guiado pelas noções de evolução espiritual vinculada à

prática da caridade. No contexto gaúcho, o culto dos Exus e Pombagiras surgirá a

partir da chegada da Umbanda à região, entre as décadas de 1920 e 1930, mas se

reproduzirá, ao menos até a década de 1960, nos mesmos moldes verificados em

outros estados: como subcategoria ritual e cosmológica dos sistemas de

representação umbandistas, compreendida como espaço propício para a ritualização

dos espíritos viciosos, em geral representantes de um passado humano marginal.

Já entre os anos 1960 e 1970, uma série de modificações no campo afro-

religioso local tem início, principiando pela formação de uma espécie de imbricação

ritual denominada Linha Cruzada. De um modo sintético, a Linha Cruzada se refere

a um arranjo que congrega, numa mesma unidade de culto, as práticas do Batuque e

da Umbanda. Tal movimento parece ter ocorrido numa lógica em que sacerdotes de

Umbanda assimilaram práticas mais africanizadas, como o Batuque, bem como os

sacerdotes dos cultos tradicionais acabaram agregando as práticas umbandistas,

assim formando-se os terreiros cruzados. Segundo Corrêa (1994), tais arranjos partem

de processos de racionalização de códigos religiosos que visaram se apropriar das

vantagens específicas de cada culto, seja a maior aceitação social da Umbanda, seja a

ideia de maior eficácia simbólica do Batuque. Em estimativas apontadas por Oro

(2002) e Corrêa (1994), desde os anos 1970 o campo afro-religioso gaúcho pode ser

repartido por cerca de 80% de seus terreiros como sendo de Linha Cruzada, os 20%

restantes divididos em templos específicos de Batuque ou Umbanda.

Contudo, em conjunto com as modificações que possibilitaram a formação da

Linha Cruzada, outras alterações substanciais tiveram início na região, sobretudo no

que compreende a reconfiguração e crescimento dos cultos de Exus e Pombagiras.

Até então inseridos na Umbanda local, a partir do final dos anos 1960 e ao longo da

década de 1970 tais práticas passarão por modificações importantes que incluirão

processos de reformulação ritual e doutrinária, bem como uma autonomização em

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relação ao sistema umbandista (adquirindo cosmologia própria e sessões rituais

específicas), além de uma forte expansão nas unidades de culto da localidade,

assumindo total protagonismo no contexto das religiões afro-gaúchas em geral12.

As alterações rituais e doutrinárias partiram de determinadas agências

reformadoras (Cf. WACH, 1990), constatando-se ações empreendidas tanto por

antigos sacerdotes da Linha Cruzada quanto por suas entidades 13. Terreiros centrais

nesses processos foram os de Mãe Ieda do Ogum (Exu Rei das Sete Encruzilhadas),

Pai João Altair do Bará (Exu Rei Sete de Malê) e Mãe Teresinha de Oxalá (Pombagira

Mirongueira), todos da região metropolitana de Porto Alegre, através dos quais as

alterações rituais e cosmológicas logo se espraiaram para terreiros vizinhos mediante

a circulação intensa de agentes religiosos pelas redes de relações que articulam o

universo dos terreiros.

Do ponto de vista cosmológico, as principais alternâncias partiram de novas

interpretações sobre os Exus, não mais concebidos como seres de pouca luz ou escravos

de orixás (conforme visões mais estabilizadas contidas na prática umbandista), mas

como entidades da alta, iluminados, cuja proximidade com os seres humanos não

apenas os coloca como conhecedores de suas mazelas e competentes na resolução de

suas demandas, mas como espécie de espíritos vencedores que adquiriam um novo

status ontológico: foram aos limites, e, portanto, conhecem todos os dramas, realidade

que os torna não apenas mais poderosos, mas merecedores de reverência e devoção:
Eles [Exus e Pombagiras] são espíritos, no meu entendimento,
espíritos de pessoas que foram muito, que fizeram muita coisa ruim
na terra. Eles assaltaram, mataram, sei lá, praticaram maldades. E
agora, eles têm que vir e fazer coisas boas, pra se redimir (Mãe Neusa
do Ogum, Exu da Meia Noite, 3 de outubro de 2012).

12Do ponto de vista historiográfico, essas transformações foram analisadas em Leistner (2014).
13Nas religiões afro-brasileiras, não é incomum que as próprias divindades cultuadas promovam
rupturas, fundações e reformas, na medida em que as mesmas compõem o principal foco de contato
com o sagrado através da possessão. Assim observam-se agências de entidades umbandistas como as
do médium Zélio Fernandino de Moraes, descritas por Ortiz (1978), que se configuraram como base
para os processos de definição de certas tendências da Umbanda.
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Os Exus e as Pombagiras são seres que desencarnaram e que não


foram muito corretos. Uns vem pra resgatar, vem atrás de luz. São as
entidades que estão mais próximas dos seres humanos. São os que
mais se parecem conosco. Por isso que gostam de estar no nosso
meio, pra poder voltar a beber e fumar. Mas como eles se reergueram
eles merecem isso (Pai Juarez do Bará, Exu Tiriri das Almas, 14 de
junho de 2011).
Cada um tem a sua história. Tem os que foram ladrões, cafetões,
marginais mesmo. As Pombagiras são prostitutas, cafetinas e tal. Mas
depende de cada Exu. É aquela entidade que não tem ruim, sabe?
Trabalha pra qualquer coisa. Só que daí que eu te digo. Ele trabalha
porque quer ser recompensado e reconhecido. Esse é o motivo pra
que se dá pro Exu a comida, o galo, se dá o padê, se dá a frente, se dá
a festa. Pra recompensar a ele pelo trabalho desenvolvido. Então,
quanto mais ele trabalha, mais ele dá retorno pras pessoas e mais as
pessoas são gratas (Pai Dejair de Ogum, Exu Rei das Sete
Encruzilhadas, 24 de julho de 2012).
Decerto, conforme essas interpretações (a passagem do Exu Escravo para o Exu

da Alta), as divindades quimbandeiras também se demonstraram como merecedoras

de novos modelos de culto. Como se sabe, as sessões rituais destinadas a essas

categorias espirituais no universo umbandista mais convencional sempre contaram

com performances rituais que reforçavam a subalternidade de Exus e Pombagiras,

num plano simbólico em que diversas relações de poder se atualizavam,

especialmente através da domesticação dos códigos que tais entidades

representavam: a sexualidade assumida, a moralidade ambígua, as condutas

socialmente concebidas como marginais. Como pode ser observado até hoje em

sessões rituais tipicamente umbandistas, a própria possessão inclui performances

que sinalizam seres tortos, que se arrastam, urram, babam, bebendo cachaça junto ao

chão, num quadro de ações simbólicas que muito lembra a domesticação ritual dos

encostos em liturgias pentecostais. De algum modo, tratava-se da própria expiação

simbólica de seres espirituais que representavam condutas socialmente definidas

como reprováveis14. Ao contrário, no âmbito das sessões rituais desenvolvidas no Rio

14As representações associadas aos Exus e Pombagiras, no contexto cosmológico umbandista mais
estabilizado e tradicional, são amplamente abordadas em trabalhos como os de Trindade (1985),
Augras (1989 e 1997) e Prandi (1997). Nesses casos, observam-se figuras relacionadas a um passado
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Grande do Sul - a partir das modificações analisadas -, tais entidades passaram a ser

concebidas como reis e rainhas (e não mais como escravos), bebendo champanhe e

bebidas sofisticadas, vestindo-se com longas capas, cartolas, coroas e cetros, em

atividades rituais que, conforme recorda Corrêa (1994), relembram os cabarés

parisienses da belle époque francesa, na obra de Toulouse-Lautrec. Nesses contextos,

giras e curimbas operam como espécie de dramatização ritual na qual toda a mise-em-

scène ligada às representações sobre as entidades quimbandeiras pode ser não apenas

fruída, mas celebrada:


Nos ritos observados, através de uma espécie de corporificação do
sagrado operacionalizada pela possessão, tais entidades
manifestavam-se em performances rituais recheadas de erotismo,
carnavalização e violência simbólica. Vestiam indumentárias
luxuosas: Pombagiras usavam chapéus esplendorosos, mantos, véus,
longos vestidos confeccionados nos mais diversificados tecidos e
cores, portando quantidades enormes de bijuterias. Exus usavam
capas, cartolas, paletós alinhados, gravatas borboleta e sapatos
bicolores. Ao som de tambores frenéticos, cujo ritmo acompanhava
cantigas que mencionavam “assassinatos cometidos na zona do
meretrício” ou “feitiçarias poderosas executadas dentro de
cemitérios”, os representantes espirituais dos mais baixos escalões da
sociedade brasileira dançavam entoando estrepitantes gargalhadas.
No terreiro que eu visitava, homens e mulheres incorporavam
divindades que bebiam, fumavam, mantinham gestos de teor lúbrico,
em um clima que aliava conotações eróticas a uma simbólica
permeada por nuances de desordem ritual: Exus proferiam palavrões,
agindo ora de forma insolente, ora num tom ébrio; Pombagiras
expressavam uma sociabilidade coquete característica das prostitutas,
tragando seus longos cigarros com ar malicioso e alternando trejeitos
que pairavam entre a jocosidade e o refinamento. Junto a todos
aqueles médiuns e suas divindades, o terreiro incrustado num bairro
pobre de Porto Alegre estava abarrotado de indivíduos das mais
diversificadas origens sociais, os quais interagiam com as entidades
incorporadas ora assumindo a postura de espectadores seduzidos,
ora participando de forma direta das comensalidades. Ainda havia
aqueles cuja orientação destinava-se a acessar a agência de serviços
espirituais disponível. Neste caso, a experiência observada se
projetava como uma espécie de mercado de bens mágico-religiosos

humano marginal, muitas vezes ligado a atividades ilícitas (bandidos, malandros e prostitutas) ou a
uma vida de excessos e degradação, caso de reis e rainhas que tiveram suas vidas arruinadas,
sobretudo pelo cometimento de erros morais.
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direcionados às mais diversificadas demandas. Certamente, também


haveriam de estar ali indivíduos que buscavam através da
interferência mística a realização de seus desejos inconfessos, pois
como bem observou Reginaldo Prandi, tratando-se de uma
experiência religiosa relacionada a divindades de moralidade ambígua,
nenhum desejo a elas requisitado pode ser reprimido15.
Como sugerem as narrativas coletadas no campo de pesquisa, fora a partir de

tais modificações que a Quimbanda passou a se configurar como sistema afro-

religioso protagonista na região. Decerto, são bem conhecidas as complexidades

ligadas à quantificação precisa do número de adeptos ou templos que correspondem

às religiões de matriz africana. Seja pela repressão histórica a esses cultos (que inibem

as declarações de pertença) ou ainda pelas problemáticas das categorias censitárias

(que não abarcam todas as modalidades de crença do campo afro), as amostras de

dados que permitam uma caracterização quantitativa deste segmento religioso se

demonstram raras e precárias. Isso se amplia para percepções sobre quais as

vertentes são mais ou menos praticadas em arranjos rituais complexos, como a Linha

Cruzada gaúcha. Dessa maneira, a avaliação da centralidade da Quimbanda perante

os outros sistemas religiosos da região só pode ser constatada a partir das percepções

dos próprios indivíduos que compõem o segmento dos terreiros, bem como através

de índices externos observáveis em campo de pesquisa.

Nesse último caso, os eventos festivos públicos destinados aos cultos de Exus

e Pombagiras na região são exemplares dessa centralidade. Os encontros de

quimbandeiros realizados no estado tornaram-se os eventos públicos ligados ao campo

afro de maior prestígio e maior número de participantes, observando-se a realização

de ritos que chegam a contar com a participação de quatro a cinco mil pessoas 16. Do

mesmo modo, a ampla maioria das informações disponibilizadas sobre as atividades

15Registros etnográficos em Leistner (2014).


16Exemplos desses eventos públicos se relacionam ao “Encontro das Almas Iluminadas”, organizado
anualmente por Pai Paulinho de Odé na cidade de Canoas, sempre no mês de agosto, bem como o
“Encontro de Quimbandeiros do Sul”, organizado por Pai Ricardo de Oxum,em Porto Alegre, sempre no mês
de abril. Em ambos os casos, trata-se de grandes giras de quimbandeiros, nas quais centenas de médiuns
incorporados interagem com milhares de assistentes ao som amplificado de grupos de tamboreiros, contando
com, luz especial, queima de fogos, entrega de troféus a representantes da comunidade quimbandeira e assim
sucessivamente. É comum que tais eventos ocorram em ginásios ou em grandes encruzilhadas urbanas.
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dos templos locais dá conta de que as sessões de Quimbanda se tornaram a tônica

dos eventos nos terreiros gaúchos.


Hoje em dia, se eu faço uma sessão de Caboclo ou de Preto Velho,
aparece meia dúzia de pessoas. Se eu tocar pra Exu, na Quimbanda, o
terreiro lota. Mas o que é que acontece? É assim em todo lugar. Por
isso que hoje só se vê gira de Exu em todo o lado (Mãe Ângela de
Oxum, Exu Tranca-Rua, entrevista realizada em Porto Alegre,
18/02/2012).
Hoje tu faz sessão de Umbanda e vem três pessoas. Tu faz de Exu e
vem no mínimo cinquenta. Por isso que o Exu tá tomando conta. E
não é só a Umbanda que está diminuindo. As pessoas estão deixando
os Orixás pra dar uma festa pros Exus. A festa de Orixá, que antes
vinha um montão de gente pra prestigiar, hoje tu só faz com a
presença dos teus amigos, e se bobear, ainda tem que insistir pra eles
virem. Agora, festa de Exu tu não precisa ter amigos... tu abre os
portões do terreiro e todo mundo quer vir (Pai Juarez do Bará, Exu
Tiriri das Almas, Porto Alegre, 14/06/2012).
O Exu cresceu tanto, ficou tão independente que posso te assegurar
que hoje, na minha casa, oitenta por cento das pessoas que chegam
aqui se iniciam pelo lado da Quimbanda. A maioria dos clientes, ou
das próprias pessoas que vão entrar pra religião, chegam no terreiro
através das sessões ou dos trabalhos com a Quimbanda. Agente sabe
que tem os outros lados, o Batuque e a Umbanda. Aqui no terreiro é
cada coisa no seu lugar. Mas Exu é o que o povo gosta. É o que chama
o povo pra dentro do terreiro (Pai Dejair do Ogum, Exu Rei das Sete
Encruzilhadas, entrevista realizada na cidade de São Leopoldo,
14/10/2012).

Nesse contexto, a Quimbanda não apenas adquiriu protagonismo no campo

afro local, como é possível observar um factível arrefecimento da Umbanda, e num

processo não menos relevante, a própria retração da vertente mais africanizada e

tradicional da região, o Batuque, que pelo menos até o período de formação da Linha

Cruzada ainda aparecia como vertente hegemônica naquela imbricação. E como

proposto na introdução desse trabalho, é justamente esse protagonismo vinculado ao

registro mais outsider do campo religioso brasileiro e do universo afro-religioso o que

fomenta questionamentos. Reitera-se se tratar de uma forma religiosa que emerge a

partir da incorporação de todos os signos associados às divindades cultuadas: a

marginalidade, aqui incluindo-se a carnavalização ritual, a violência simbólica, o

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erotismo, a burla e outros diversificados elementos que se afastam das convenções

mais estabilizadas acerca das ideias sobre a experiência do sagrado.

3. A emergência da Quimbanda (i): fatores de ordem socioeconômica

Algumas possibilidades explicativas acerca do fenômeno devem ser

empreendidas a partir da consideração dos fatores sociais e econômicos adjacentes ao

campo de relações específico nos quais aquela forma religiosa se desenvolve. Nessa

perspectiva, no que concerne às dinâmicas históricas da formação do campo afro-

gaúcho, se o Batuque surge e se demonstra preeminente numa sociedade agrária e de

economia baseada em moldes pré-capitalistas, e se a Umbanda se desenvolve numa

etapa de implementação da urbanização e industrialização do país, a emergência da

Quimbanda coincidirá com o período mais adiantado de consolidação do modo de

produção capitalista, no qual serão observadas ampliações substanciais das

perspectivas de urbanização e industrialização iniciadas na fase precedente.

O que está sendo compreendido como fase de consolidação da

industrialização e urbanização relaciona-se àquilo que Parker (1995) definiu como

lógica latino-americana do processo de modernização capitalista, cujos resultados,

influenciados pelos descompassos entre o desenvolvimento urbano e a

industrialização das sociedades latino-americanas se relacionam de maneira estreita

com o aumento da heterogeneidade estrutural. Tal heterogeneidade diz respeito

tanto às diferentes formas de inserção das classes trabalhadoras nos novos postos de

trabalho quanto à configuração dos aglomerados sociais nas novas estruturas

citadinas. Tal realidade engendrou profundas disparidades sociais e o consequente

aumento da pobreza e do mercado baseado na informalidade, ainda favorecendo o

surgimento de um grande contingente populacional urbano apartado dos sistemas

de proteção social, possibilidade até então vinculada às lógicas do emprego formal.

No caso brasileiro, se o marco inicial da industrialização é verificado a partir da

década de 1930 (ORTIZ, 1978), no período de constituição da Umbanda, a


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consolidação desse processo, ocorrerá justamente a partir da década de 1960, que

designa o surgimento da Linha Cruzada e do início das transformações que

favoreceram a emergência dos cultos de Exus e Pombagiras no Rio Grande do Sul.

Deve ser destacado que as realidades avaliadas por Parker (1995) não destoam

daquelas encontradas em ambiente gaúcho, como é possível verificar a partir dos

trabalhos de Souza e Müller (1997), que demonstram ser justamente a década de 1960

o marco da etapa de ampliação da malha urbana de Porto Alegre, num processo que

teve como consequências o fenômeno de metropolização da região e a configuração

da espacialidade que definiu as zonas periféricas da localidade. Tal processo foi

acompanhado por um aumento substancial das taxas de desemprego, bem como pelo

surgimento de núcleos urbanos imersos em uma realidade precária, considerando-se

ainda a constituição de zonas suburbanas onde o índice de violência aumentou de

modo considerável. Essas condições são visíveis no histórico de formação dos bairros

periféricos da capital gaúcha, cuja ocupação massiva ocorre entre as décadas de 1960

e 1970 pela população de baixa renda ou ainda pelos indivíduos que migravam do

interior do estado em busca de trabalho.

É justamente nesses bairros que os templos religiosos de matriz africana se

concentram de maneira efetiva, a própria formação histórica do conjunto de terreiros

da região sendo acompanhada por um deslocamento espacial através do qual as

unidades de culto mais antigas foram gradativamente transferidas para as regiões

periféricas. Na atualidade, a maioria absoluta dos terreiros de Porto Alegre encontra-

se nesses espaços, e embora seja factível considerar a existência de relativa

heterogeneidade no que se refere aos quadros sociais que compõem estas religiões, a

presença maciça dos templos nesses sítios indica que foram justamente as populações

vinculadas a essas práticas que sofreram o impacto das transformações referidas17.

No ano de 2008, uma pesquisa solicitada pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre junto ao Centro
17

de Pesquisa Histórica da Secretaria Municipal de Cultura foi realizada com o objetivo de promover
um censo dos terreiros porto-alegrenses. Dentre as interessantes informações contidas nos dados
coletados, além da constatação da existência de 1.290 unidades de culto em Porto Alegre, verificou-se
que a ampla maioria dos templos se encontra localizada em bairros mais periféricos do Município, tais
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Ocorre que essas modificações da estrutura social terão reflexo no plano das

representações coletivas, na expressão ritual e nas perspectivas éticas que balizam o

ethos e a visão de mundo articulados no universo dos terreiros gaúchos, tal influência

sendo percebida justamente no processo de emergência da Quimbanda local.

Essa espécie de leitura religiosa das modificações sociais é visível, num

primeiro nível, no âmbito das significações contidas nas estruturas do panteão. Se no

desenvolvimento do Batuque no período pós abolição essas estruturas se

encontravam afeitas às realidades de uma sociedade gaúcha agropastoril,

simbolizando as realidades da natureza com base no culto aos Orixás (divindades

que representam os elementos naturais que compõem o cosmos), já na Umbanda, no

início da industrialização, refletiam o processo de constituição e integração da

população brasileira, incorporando as ideologias da mestiçagem racial e

simbolizando a formatação de uma nova classe operária composta por diferentes

clivagens étnicas (veja-se as estruturas do panteão articuladas pelos caboclos,

indígenas e preto-velhos), numa representação atrelada de modo substancial ao

processo de industrialização do país. Por sua vez, as representações coletivas da

Quimbanda sugerem uma estrutura de significados que relê simbolicamente a

periferização de determinadas categorias (ocorrida no processo de consolidação do

modelo capitalista), agora condicionadas aos espaços suburbanos e afastadas das

potenciais ações do poder público, cujas formas de presença e atuação têm operado

na constituição e reforço da própria ideia de marginalidade socialmente atribuída à

periferia e às camadas periféricas (BIRMAN, 2009).

Dito de outro modo, a constituição de um sistema religioso organizado em

torno das entidades quimbandeiras propõe um quadro no qual Exus e Pombagiras

representam, num primeiro momento, a condição marginal socialmente atribuída

como Restinga (133 unidades), Partenon (116), Cascata (64), Rubem Berta (57), Morro Santa Tereza
(57), Lomba do Pinheiro (57), Mário Quintana (53), São José (52), Bom Jesus (42) e assim por diante.
Estes dados, até então não publicados, me foram revelados pelo Núcleo de Estudos da Religião (NER),
grupo ligado ao Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e
ainda aguardam maiores interpretações.
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àqueles que se encontram afastados do poder formal e alocados nas regiões

percebidas como lócus da marginalidade, do perigo e dos vícios urbanos. Não se trata

mais de uma leitura religiosa de diferentes categorias sociais que aderem ao mercado

de trabalho para construir a modernização do país, como estaria expresso na

ideologia umbandista, mas de uma avaliação sobre a configuração de um núcleo

populacional afastado das prerrogativas básicas da cidadania, das possibilidades

efetivas de obtenção de emprego formal, e que ainda passa a ser socialmente

percebido nos termos de sua condição marginal. A conotação marginal das entidades

quimbandeiras, embora articulada por diferentes nuances (moralidade ambígua,

malandragem, sexualidade desenfreada e etc.) parece ser central nesta leitura,

aglutinando em torno de si as representações possíveis acerca da ideia de

marginalidade conferida às populações periféricas.

Por outro lado, uma vez que estas entidades representam não apenas os

principais agentes mágicos dos sistemas cosmogônicos afro-brasileiros (o que decorre

do caráter mediador e liminar dos Exus), ainda sendo consideradas como símbolos

daquelas categorias sociais que convivem nos interstícios do poder formal e das

determinações normativas, as mesmas serão percebidas como detentoras das

atribuições místicas fundamentais para as novas demandas religiosas que emergem

nos contextos periféricos. Nesse sentido, Exus e Pombagiras passam a atuar como

principais intercessores espirituais num contexto em que a informalidade se torna a

regra. No que se refere às dificuldades advindas das relações de trabalho ou da

economia informal, constantemente acompanhadas do sentimento de insegurança e

da percepção sobre riscos sociais eminentes, as expectativas religiosas emergentes

poderão contar com divindades cujas características cosmológicas associam-se ao

poder sobre o movimento, às trocas e à circulação de energias místicas (daí a

associação de Exu com as atividades comerciais), sendo então concebidas como

especialistas na arte de driblar quaisquer adversidades (daí a associação de Exu com a

malandragem). Ao mesmo tempo, no que envolveos problemas oriundos da ausência

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do poder público em questões básicas do cotidiano urbano (saúde, segurança e

violência), também será possível contar com divindades que não apenas são

percebidas como investidas de eficácia simbólica propícia à cura de doenças diversas,

mas que são ainda associadas aos perigos que permeiam as representações sobre o

universo suburbano, assim apresentando-se como intermediários místicos

fundamentais para as demandas advindas da insegurança nas cidades.

De fato, tais considerações podem explicar alguns motivos primários pelos

quais as atividades rituais destinadas às entidades quimbandeiras ganharam relevo,

especialmente nos termos dos bens e serviços religiosos disponibilizados a seus

adeptos e simpatizantes. Trata-se aqui de uma “religiosidade de aflição” (FRY e

HOWE, 1975), relacionada de modo prioritário a soluções simbólicas para questões

de saúde, problemas financeiros, emocionais e afetivos. Cabe ser ressaltado que, ao

simbolizarem os antepassados que viveram sob as condições de uma existência

marginal, os Exus e Pombagiras se apresentam como divindades que conhecem

profundamente os problemas enfrentados pelos agentes periféricos, fator que os

projeta como especialistas na solução das demandas emergentes.

No entanto, como pode ser observado no Rio Grande do Sul, os cultos aos

Exus e Pombagiras não ficaram restritos a uma suposta instrumentalidade ritual

direcionada às demandas religiosas processadas numa nova realidade

socioeconômica, experimentadas unicamente pelas populações periféricas. Ao

contrário, sua emergência pode ser compreendida num quadro mais amplo de

expansão dos cultos afro na região, através do qual tais práticas se posicionam de

maneira valorizada no mercado de bens religiosos em geral. Se a expansão da

Quimbanda parte desta vinculação com mudanças na estrutura social e econômica,

sua consolidação como sistema religioso preeminente na localidade só será possível

com base em sua adequação a um conjunto de novos valores presentes nas

sociedades contemporâneas, conforme mudanças no plano da cultura.

4. A emergência da Quimbanda (ii): fatores de ordem cultural


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As alterações aqui consideradas correspondem a profundas rupturas com os

antigos modelos de estilo de vida, de estrutura cognitiva e de concepção acerca da

subjetividade, cujas novas perspectivas podem ser compreendidas dentro de um

novo espectro inerente às mentalidades, à política e às lógicas de sociabilidade

emergentes a partir dos anos 1960 e 1970, segundo o movimento que muitos tendem

a classificar como pós-moderno. Prandi (1996) demonstrou o modo como esses

valores têm incidido sobre as dinâmicas do campo religioso, num quadro em que as

lógicas de valorização da cultura do outro e do exótico tornaram-se centrais. Tais

perspectivas ajudam a compreender o modo como a categoria de divindades mais

controversa dos panteões afro pôde adquirir protagonismo, num quadro de

referência cultural em que a lógica dicotômica das exegeses ocidentais acerca de Exu

não apenas deixa de configurar uma visão unívoca, como pôde ser relativizada em

novas estruturas representacionais que colocaram sob suspeita os elementos centrais

da cultura ocidental (ciência, filosofia, teologia judaico-cristã e etc.).

Por outro lado, e com base nas transformações culturais anunciadas, as

atividades rituais dos Exus parecem oferecer ao conjunto de adeptos e simpatizantes

uma possibilidade de experimentação de diversas perspectivas éticas e estéticas,

emocionais e cognitivas, as quais se encontravam até então afastadas das

possibilidades disponíveis para consumo no mercado de bens religiosos, e que agora

são consideradas como valorizadas num contexto de sensibilidades religiosas pós-

modernas (MARTELLI, 1995). Vivenciar os códigos da Quimbanda, mediados por

entidades como Exu e Pombagira (liminares, mágicos, de moralidade ambígua e de

sexualidade francamente assumida) parece possibilitar aos agentes religiosos

experiências singulares no que diz respeito ao consumo daquelas mesmas

concepções (estéticas e éticas, emocionais e cognitivas).

Num primeiro nível, a própria configuração de um sistema religioso não

moralista favorece com que aqueles que se inserem por estes códigos possam ser

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aceitos nos termos de suas próprias singularidades, independente de seus padrões

preferenciais de conduta, constatando-se a grande presença nestas práticas

justamente daqueles indivíduos que geralmente são alvo de atitudes discriminatórias

em outros espaços da sociedade brasileira. Apartada de um possível conjunto de

disposições éticas cristalizadas (o que decorre do caráter não moralista das

divindades) e amplamente direcionada à manipulação mística dos acontecimentos

em favor daqueles que recorrem à agência mágico-religiosa (o que provém do poder

simbólico das divindades), essa prática volta-se de modo substancial às

possibilidades de realização individual.


Tu chegar à frente de um Exu facilita a tua vida. Não vai ter a “cara
de pau” de pedir pra um Santo certas coisas, né? Imagina se tem uma
mulher que tá necessitada de homem. Como é que tu vais pedir isso
pra um Santo? Vai ali e fala com a Pombagira e deu, não tem
“frescura”. O Exu é bem mais próximo do ser humano, entende
melhor o que tu quer e não vai te cobrar se o que tu tá pedindo é certo
ou errado (sic)18.

Reitera-se que a ausência de um padrão moral relativo aos Exus e Pombagiras

favorece que a ideia de individualidade se expresse de forma muito ampla nessa

religiosidade, balizando qualquer modelo de comportamental de seus adeptos, o que

sugere concepções acerca da subjetividade muito próximas daquelas comumente

associadas à contemporaneidade, aqui se considerando as identidades descentradas,

cambiantes e desenvolvidas a partir de contextos situacionais (Cf. GERGEN, 1997).

Num segundo nível, essas ideias de reforço da singularidade e configuração

de subjetividades descentradas também se atualizam no âmbito das modalidades de

acesso ao sagrado segundo os códigos da religiosidade quimbandeira. Ao contrário

de outras formas religiosas convencionais, nas quais as lógicas de pertença

encontram-se invariavelmente condicionadas à participação numa estrutura

burocrática regida por um sacerdote investido dos poderes de mediação com o

Declaração de Tatiana de Oiá (Pombagira Maria Padilha), iniciada no terreiro de Pai Dejair de Ogum
18

(Exu Rei das Sete Encruzilhadas), em depoimento anotado em caderno de campo etnográfico datado
de dezembro de 2012.
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sagrado, a Quimbanda apresenta-se como prática menos regulada por parâmetros de

institucionalização ou pelas hierarquias da organização social interna das

coletividades religiosas. Embora esta prática ainda se organize nos moldes de uma

irmandade reunida em unidades de culto específicas, na maioria dos casos a relação

prioritária estabelecida entre um adepto e o universo do sagrado se dá a partir de

vínculos diretos firmados comas divindades. Como se denota de acordo com as

características cosmológicas investigadas, Exus são, por definição êmica, divindades

mais próximas aos seres humanos, e por tal razão, comunicam-se com estes de modo

direto, seja no processo de atendimento às demandas mágico-religiosas, seja nos

modelos de restituição mística a partir de oferendas ou processos rituais diversos, o

que inclui, em boa parte dos casos, relações não necessariamente mediadas.

Decerto, a possibilidade de singularização ligada a essa relação direta com o

sagrado também se demonstra vinculada às modificações culturais anunciadas,

especialmente quando a mesma se apresenta como central nas ideias acerca da

valorização do indivíduo presentes nas identidades contemporâneas. Como

demonstra Hervieu-Léger (1999), as novas formas de adesão e pertença religiosas

passaram a ser regidas por formatos menos institucionalizados e mais pessoais,

perspectivas que encontram nesses modelos devocionais (de acesso direto ao

sagrado) amplas possibilidades de concretização. E em casos como o da Quimbanda,

tal condição é ampliada na medida em que aquelas relações com o sagrado podem,

por vezes, dispensar a mediação sacerdotal.

Num terceiro nível, é devido considerar ainda o lugar de destaque ocupado

por dimensões como a emoção e o fascínio nos cultos de Quimbanda, características

que reiteram a adequação desta forma religiosa junto aos contextos hodiernos. No

que se refere aos aspectos emotivos, os mesmos podem ser verificados na própria

centralidade que o corpo assume nos rituais analisados, seja através da dança, seja

através de sua consideração como principal canal de contato com o sagrado através

da possessão. Ao contrário das religiosidades de matriz ocidental, na qual a oposição

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entre o corpo e espírito tende a negar o primeiro (observando-se experiências em que

a interiorização do sagrado adverte sobre parâmetros de comportamento configurados

na introspecção), em práticas como a Quimbanda tudo aquilo que se liga à

valorização corporal tende a ser enfatizado, sugerindo tratar-se de uma religiosidade

através da qual as emoções e sentimentos múltiplos encontram canais amplos para

expressão. Por outro lado, as próprias características simbólicas associadas às

divindades quimbandeiras (o caráter trickster e a vinculação com a feitiçaria e o

diabólico) parecem compor os elementos da sedução que os Exus exercem sobre os

consumidores dos bens religiosos, e todos os signos associados a uma estética

macabra e ao mesmo tempo carnavalesca podem ser coletivamente fruídos nas

sessões rituais, giras e curimbas. Na medida em que as dimensões teóricas e éticas

escapam às preocupações centrais da Quimbanda, não é difícil de compreender a

importância que o consumo de determinados bens estéticos conectados à ideia de

fascínio adquire nessas experiências religiosas.

Um último elemento a ser considerado na vinculação entre a emergência da

Quimbanda e as demandas culturais contemporâneas reside nas formas pelas quais a

subjetividade quimbandeira se liga às lógicas da possessão, o que inclui modos

específicos pelos quais essa prática também expressa uma concepção de pessoa. São

vários os trabalhos que enfatizaram as formas pelas quais a noção de pessoa nas

religiões afro-brasileiras se configura a partir de um eu único e ao mesmo tempo

múltiplo, geralmente concebido a partir de um somatório de características advindas

das filiações míticas firmadas em processos iniciáticos (Cf. GOLDMAN, 1985), ou

ainda com base na possibilidade de vivência de papeis sociais múltiplos nas

dramatizações ritualizadas do transe (Cf. BIRMAN, 1995; CONCONE, 2006; HAYES,

2009). Decerto, tais possibilidades advertem sobre concepções de subjetividade

singulares, o que explica a atualidade dessas formas religiosas em contextos de

valorização de identidades fragmentadas. Contudo, no caso da Quimbanda essas

possibilidades se demonstram ainda mais amplas, o que decorre das características

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cosmológicas indefinidas e associadas aos Exus, o que permite apropriações e ajustes

diversos no que compreende a constituição das identidades míticas e dramatização

ritualizada de papeis sociais. Dito de outro modo, trata-se de um sistema religioso

que não apenas valida modelos de comportamento variados, mas que permite a seus

adeptos a vivência de identidades múltiplas em dramatizações rituais nas quais é

possível deixar de ser periférico, tornar-se rei ou rainha e ainda experimentar

diferentes lógicas de reversão do próprio estatuto da marginalidade. Nesse sentido, a

reconfiguração das ações simbólicas que envolvem os rituais de Quimbanda - nas

quais os espíritos marginais deixam de ser reprimidos e domesticados para serem

celebrados - demonstra-se assertiva dessas possibilidades, cujos significados

apontam para construções identitárias sintonizadas não apenas com as experiências

culturais da atualidade, mas com a experiência cultural periférica.

Como referem Hervieu-Léger (1999) e Champion (1997), faz parte de um

conjunto de formas modernas de crer uma recuperação de características até certo ponto

relegadas a um segundo plano no âmbito das instituições religiosas afetadas pelo

processo de secularização, observando-se um retorno da magia, do encantamento, da

emoção exacerbada e das articulações entre os domínios do sagrado e das práticas

terapêuticas, além das tendências de privatização da fé e de rompimento com as

formas mais institucionalizadas de experiência religiosa (pertenças menos vinculadas

a tradições específicas), todas as tendências aqui mencionadas presentes de modo

substancial nas formas religiosas da Quimbanda. E de modo reiterado, é correta a

percepção de que tais características estejam presentes em outros registros afro-

religiosos ou do campo das religiões populares. Contudo, o que parece específico da

Quimbanda reside em representações cosmológicas segundo as quais uma espécie de

neutralidade axiológica contida em divindades como Exus e Pombagiras (que podem

ao mesmo tempo ser bons e maus, divinos e humanos) permite a exacerbação dos

atributos mencionados, constatando-se uma modelo de religiosidade sintonizado não

apenas com as experiências próprias do mundo atual, mas com as experiências

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socioculturais configuradas nas margens e periferias.

Para concluir (por enquanto): a sacralização das existências marginais

As realidades que envolvem o surgimento e expansão da Quimbanda no Rio

Grande do Sul propõem fecundas possibilidades interpretativas acerca dos

significados das identidades religiosas afro-brasileiras na sociedade contemporânea.

Como pode ser proposto, concebida como um sistema simbólico, a Quimbanda

fornece um código de interpretação e ação em relação à realidade vivida por seus

adeptos, nos mesmos sentidos atribuídos aos sistemas simbólicos descritos por

Geertz (1978) e suas conceituações sobre visão de mundo e ethos. De acordo com

nossa interpretação, tal código propicia não apenas um mecanismo de compreensão

de experiências sociais periféricas, mas ainda soluções simbólicas para lidar com a

realidade envolvida nessas mesmas experiências, sobretudo no que concerne à ideia

de marginalidade. Do ponto de vista cognitivo (visão de mundo), como visto, a

Quimbanda relê o processo de periferização de estratos sociais ligados ao universo

dos terreiros, o que se verifica nas próprias estruturas semióticas do panteão. Assim

como nas análises de Geertz (1978) sobre a rinha de galos na sociedade balinesa – que

permite aos balineses contar uma história sobre suas experiências a si mesmos -, os

ritos da Quimbanda (como meio de expressão de suas representações coletivas)

permitem a determinados agentes recapitular suas próprias experiências sociais,

gerando-se reflexividades diversas. Trata-se de soluções cognitivas para lidar com a

própria experiência social, o que fala de perto aos atores vinculados a tais

experiências, razão pela qual tal sistema religioso emerge como forma significativa e

coerente para aqueles mesmos atores.

Contudo, e ainda em conformidade com Geertz (1978), os sistemas simbólicos

também propõem códigos de ação (ethos) através dos quais os agentes buscam incidir

(ainda que simbolicamente) sobre a realidade circundante. Nesse caso, como visto, o

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ethos da Quimbanda fornece mecanismos simbólicos valiosos não apenas para as

populações periféricas, compondo experiências religiosas que se configuram como

compatíveis com as demandas culturais da situação contemporânea. A primeira

característica central desse ethos se relaciona a uma espécie de pragmatismo religioso

através do qual a Quimbanda emerge como prática diretamente voltada ao

desenvolvimento de soluções místicas adequadas à vida urbana e à realização

pessoal de seus adeptos. Trata-se de uma religiosidade de aflição, segundo a noção

formulada por Fry e Howe (1975) para avaliar as características centrais das

experiências religiosas populares, amplamente ocupadas em atender demandas

básicas relacionadas com as aflições que decorrem das doenças, dos problemas

econômicos e dos distúrbios emocionais. Exus e Pombagiras tendem a aparecer como

centrais na resolução de problemas desta ordem, perspectiva que é recorrentemente

enfatizada nas representações êmicas. Outra característica se refere à ampla

possibilidade de valorização da individualidade verificada nessa prática, a própria

configuração de um sistema religioso “não moralista” favorecendo com que aqueles

que se inserem por esses códigos possam ser aceitos nos termos de suas próprias

singularidades, independente de seus padrões preferenciais de conduta. Dito de

outro modo, a Quimbanda se demonstra compatível com as demandas identitárias

de uma sociedade atual, onde as pertenças e pautas de ação se apresentam como

movediças.

O que nos parece relevante é que se a Quimbanda comporta todos aqueles

atributos valorizados nas pertenças religiosas contemporâneas, os quais são comuns

às próprias congêneres do campo afro-religioso, esta prática possui a capacidade de

potencializar cada uma daquelas especificidades, sejam elas relacionadas às

características de uma religiosidade de aflição ou às perspectivas que projetam todas

aspráticas afro-brasileiras como não moralistas, individualistas e de fortes conteúdos

emocionaise de fascínio. Contudo, certas características cosmológicas de entidades

como Exus e Pombagiras favorecem a potencialização daqueles atributos, pois, por

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um lado, podem ser consideradas como mais eficazes na resolução das aflições

cotidianas, ao mesmo tempo em que, do ponto de vista das questões éticas, podem

sugerir representações ainda mais flexíveis sobre determinados questionamentos

morais. Tudo contribui para que, na Quimbanda, todos aqueles atributos percebidos

como aquilatados nas pertenças religiosas contemporâneas sejam radicalmente

enfatizados, e de modo reiterado, o que em última instância parece abalizar a

expansão desta vertente afro-religiosa no cenário contemporâneo diz respeito à

flexibilidade que esta prática oferece para que os projetos religiosos e profanos

(individuais e coletivos) de seus adeptos sejam compatibilizados. Em síntese, essas

características centrais do ethos quimbandeiro - compatível com as sensibilidades e

demandas religiosas atuais - explicam os motivos da emergência desta forma

religiosa na atualidade. Mas essa adequação à sociedade contemporânea não designa

que este sistema religioso não se conecte a um espaço de enunciação específico,

através do qual uma visão de mundo particular pode ser expressa. Como sugerimos,

tal visão emerge no contexto das margens sociais, e a Quimbanda pode ser

compreendida como a uma espécie de código de reflexão e ação direcionado ao

enfrentamento das realidades urbanas hodiernas, o qual possibilita que até mesmo as

formas de existência e experiência marginalizadas possam ser sacralizadas.

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Recebido em 31-05-21
Aprovado em 10-08-21

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