Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.
48-80
A sacralização das existências marginais1: notas sobre a
emergência da Quimbanda nos cultos afro-gaúchos2
The sacralization of marginal livings: notes on the emergence of
Quimbanda in afro-gaucho cults
Rodrigo Marques Leistner3
Resumo
O trabalho avalia o sentido das experiências religiosas que se articulam nos cultos de
Quimbanda, subcategoria ritual das religiosidades afro-gaúchas. Organizada a partir
do culto aos antepassados marginais da sociedade brasileira (Exus e Pombagiras), a
Quimbanda se expressa justamente a partir de conteúdos simbólicos associados à
ideia de marginalidade: ambiguidade moral, erotismo e violência simbólica são
elementos constitutivos dessa prática, observando-se experiências religiosas que
incorporam como positivo os elementos rejeitados em noções mais convencionais
acerca do universo do sagrado. Destaque-se que tal culto adquiriu dimensão especial
no campo afro-gaúcho, o que fomenta reflexões não apenas sobre os conteúdos
veiculados em suas fronteiras simbólicas, mas especialmente sobre o sentido de sua
emergência na atualidade. A partir de dados coletados em pesquisa etnográfica
realizada em terreiros da região metropolitana de Porto Alegre, avalia-se que é a
partir de uma espécie de neutralidade axiológica contida nos signos dessa forma
religiosa que diferentes projetos individuais e coletivos encontram suporte para
expressão, sobretudo no que se refere a modelos de subjetividade socialmente
concebidos como “marginais”.
Palavras-chave: religiões afro-gaúchas; Quimbanda; experiências religiosas
contemporâneas.
1 A noção que sugere um processo de “sacralização de existências marginais” foi inspirada em fala do
Professor José Carlos dos Anjos, conforme depoimento no documentário “Caminhos da religiosidade
afro-riograndense”, da autoria de Rafael Derois Santos (Cf. CAMINHOS, 2014).
2Agradeço imensamente ao Professor Alejandro Frigerio que, de modo generoso, realizou uma
primeira leitura deste artigo. Seus comentários foram e seguem sendo valiosos.
3 Doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade
do Vale do Rio dos Sinos (2014 - Bolsista CAPES). É Mestre em Ciências Sociais (2009 - Bolsista
CAPES) e graduado em Comunicação Social (Hab. Publicidade e Propaganda - 2006) pela mesma
instituição. Professor da Área de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Doutor
em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do
Rio dos Sinos – UNISINOS. Email: [email protected]
48
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
Abstract
The paper evaluates the meanings of the religious experiences that are articulated in
the Quimbanda cults, a ritual subcategory of Afro-Gaucho religiosities. Organized
from the cult of the marginal ancestors of Brazilian society (called ‘Exus’ and
‘Pombagiras’), Quimbanda expresses itself precisely from symbolic contents
associated with the idea of marginality: moral ambiguity, eroticism and symbolic
violence are constitutive elements of this practice, observing religious experiences
that incorporate as positive the elements rejected in more conventional notions about
the universe of the sacred. It should also be noted that this cult has developed a
special dimension in the African religious field of Rio Grande do Sul, which
promotes reflections not only on the contents of its symbolic frontiers, but especially
on the meaning of its emergence today. From data collected in ethnographic research
carried out in terreiros in the metropolitan region of Porto Alegre, it is assessed that it
is from a kind of axiological neutrality contained in the signs of this religious forms
that different individual and collective projects find support for expression, above all
with regard to models of subjectivity socially conceived as "marginal".
Keywords: afro-gaucho religions; Quimbanda; contemporary religious experiences.
Introdução
Exus e Pombagiras são personagens bem conhecidos na cultura popular
brasileira. Como recordou Prandi (1996), o imaginário sobre tais divindades excede a
esfera religiosa e pode ser percebido nas telenovelas, no cancioneiro popular e nas
conversas cotidianas efetuadas por entre os mais diversificados estratos sociais. A
devoção a essas entidades, no entanto, nem sempre se organiza como religião
particular, seu culto sendo desenvolvido como subcategoria de determinadas
práticas afro-brasileiras como a Macumba carioca, a Jurema de Pernambuco ou,
ainda, a Umbanda, encontrada por todo o país. Destaca-se que essas religiões
possuem cosmologias baseadas na diferenciação de classes de entidades espirituais,
divididas em linhas e falanges, as quais organizam e separam as atividades rituais
destinadas às diferentes categorias de divindades (RAMOS, 1940; CARNEIRO, 1956;
CAMARGO, 1961; ORTIZ, 1978; NEGRÃO, 1996). Desse modo, a Quimbanda surge e
até hoje continua sendo, ao menos na maior parte do país, uma das linhas relativa
àquelas vertentes afro-religiosas (a linha de Exus e Pombagiras), sendo praticada com
diferentes graus de frequência e distintos níveis de protagonismo de acordo com a
49
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
vertente na qual se insere ou com o terreiro específico no qual é assimilada. No Rio
Grande do Sul, na maioria dos casos, tal prática encontra-se inserida na Linha
Cruzada, arranjo afro-religioso comum nessa região e que compreende três formas
religiosas praticadas de modo alternado em uma mesma unidade de culto: o Batuque
(forma mais africanizada), a Umbanda (culto de caráter mais ocidentalizado) e a própria
Quimbanda (modelo intermediário entre as anteriores)4.
Os rituais articulados na Quimbanda revelam fatores tão instigantes quanto
sua complexa inserção na multifacetada categoria religiões afro-brasileiras. Conforme
Carvalho (1990), práticas como a Quimbanda podem ser enquadradas numa espécie
de campo residual concernente às experiências religiosas brasileiras, composto de
formas religiosas que absorvem elementos simbólicos rejeitados por outros sistemas
de crença (violência ritual e erotismo são exemplos assertivos), operando como “uma
espécie de lata de lixo simbólica de toda a experiência religiosa do país”
(CARVALHO, 1990, p. 13): o universo religioso que incorpora como positivo e
constitutivo de sua religiosidade todos os resíduos rejeitados pelas demais confissões.
Destaca-se que essas práticas se polarizam não apenas com as concepções do sagrado
típicas da tradição ocidental, mas com as outras religiosidades que compõem o
próprio universo das religiões afro-brasileiras, caso das confissões mais africanizadas
como Candomblés, Batuques e Xangôs, e mesmo em relação àquelas nas quais se
encontra por vezes agregada como subcategoria, caso da Umbanda. Em termos
comparativos, a inserção dessa religiosidade típica no campo religioso brasileiro
pode ser percebida a partir de uma cadeia regressiva de deslocamento simbólico, a
qual tem num de seus polos os cultos que aceitam o resíduo rejeitado por outras
denominações, incorporando os elementos de desordem, violência e erotismo que
parecem contradizer as noções mais convencionais acerca do fenômeno religioso.
4 Embora com diferentes definições, a Linha Cruzada e seu processo de formação também são temas
abordados nos trabalhos de Corrêa (1994; 2006), Oro (2002; 2012) e Anjos (2006). Enquanto Corrêa
(1994) e Oro (2012) chamam atenção para os aspectos históricos da imbricação ritual junto ao campo
afro-gaúcho, Anjos (2006) enfatiza as aproximações e complementaridades cosmológicas que
envolvem a co-presença das diferentes formas religiosas numa mesma unidade de culto.
50
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
[...] pareceria que um mesmo mecanismo de exclusão e
desdobramento perpassa todas essas formas de religião: o
cristianismo, por exemplo, suporta um certo grau de violência
(pensemos nas provações físicas sofridas nas peregrinações e
promessas) e qualquer excesso passa a ser não cristão. Com idêntico
mecanismo opera o Kardecismo que, colocando-se ao lado do
cristianismo, transfere o que não aceita para as religiões afro-
brasileiras [...]. Quanto ao Xangô e ao Candomblé, fazem o mesmo
em relação à Jurema e à Macumba [e, por conseguinte, à Quimbanda]
que são finalmente os únicos cultos capazes de reconhecer toda a
violência e a desordem do sagrado brasileiro (CARVALHO, 1990, p.
10).
O que se demonstra pertinente refere-se ao fato de que a Quimbanda, em suas
especificidades, demanda aprofundamentos investigativos em virtude de favorecer a
compreensão de modalidades alternativas de expressão dos sentimentos religiosos,
cujos contornos se organizam com base em interações ritualizadas permeadas por
aqueles elementos residuais que são rejeitados noutros registros do campo religioso
brasileiro e no próprio segmento africanista.
Ampliando essas possibilidades de investigação, nota-se que as singularidades
mencionadas adquirem maior pertinência quando observada a grande dimensão que
tais cultos adquirem num determinado território. Conforme percebido por Ari Pedro
Oro (1999, p. 102), tal fator é evidente no Rio Grande do Sul, onde a Quimbanda,
outrora subcategoria subordinada à Linha Cruzada, assume protagonismo perante as
demais denominações afro-gaúchas, sendo “a que detém hoje maior espaço de
reprodução e poder de atração social” (ORO, 2012, p. 559). Na mesma perspectiva,
Daniel De Bem (2009) constatou a emergência desta vertente na região, percebendo-a
como linha ritual praticada com maior amplitude dentro dos sistemas religiosos
locais, constituindo-se como “carro-chefe através do qual muitos adeptos têm se
iniciado nos códigos afro-religiosos” (DE BEM, 2009, p. 209). Contudo, conforme
explorado em outros estudos (Cf. LEISTNER, 2014; GIUMBELLI e ALMEIDA, 2021),
trata-se não apenas de um relativo protagonismo em termos de expansão de suas
lógicas de reprodução social, mas da própria autonomia enquanto sistema religioso
51
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
específico ou modelo denominacional do campo afro local, algo ainda não percebido
em outras regiões do país, o que fomenta questionamentos sobre a emergência da
Quimbanda num contexto de configuração das identidades religiosas de matriz
africana(na sociedade brasileira) como um todo5.
Com base nessas constatações, este trabalho busca compreender não apenas os
sentidos das experiências religiosas que se organizam na Quimbanda6, mas ainda os
motivos de sua emergência e expansão no universo dos terreiros afro-gaúchos,
visando localizar sua posição nos processos de configuração das identidades
religiosas hodiernas, assim como no contexto das religiosidades afro-brasileiras.
Metodologicamente, a investigação se fundamenta em pesquisa etnográfica
realizada em terreiros da região metropolitana de Porto Alegre, bem como no acesso
a redes de relações que envolvem o campo afro-gaúcho (circulação entre associações
federativas, comércio de produtos especializados e atividades públicas do segmento
africanista local), em atividades que foram empreendidas por cerca de dez anos, com
foco em observações etnográficas realizadas em rituais da Quimbanda no período de
5Conforme demonstrado por Giumbelli e Almeida (2021), com base em dados quantitativos que
propuseram um mapeamento da realidade dos terreiros de quatro regiões metropolitanas do país
(sendo elas Porto Alegre, Belém, Recife e Belo Horizonte), ao contrário dos outros espaços, a região de
Porto Alegre foi a que mais apresentou terreiros em que o culto Quimbandeiro apareceu como
modalidade afro-religiosa definidora da identidade dos templos. Percepção similar foi relatada em
Leistner (2014) quando referido o aumento de templos exclusivos de Quimbanda no Rio Grande do
Sul, assim como de agentes e líderes afro-religiosos cuja identidade tem cada vez mais sido definida
por uma filiação específica aos cultos de Exus. Tais perspectivas, somadas ao protagonismo das
atividades quimbandeiras nos templos locais sugerem processos de autonomia que vêm redefinindo
os contornos simbólicos da Quimbanda - não mais concebida especificamente como subcategoria
ritual e cosmológica da Umbanda, como em outras regiões do país (Cf. LEISTNER, 2014).
6A noção de experiência religiosa é empregada em sua acepção sociológica (Cf. HOUTARD, 2004;
SIMMEL, 2010), relacionando-se tanto às formas sociais através das quais a experiência humana do
sagrado se articula - ritos e crenças como resultados de ações recíprocas - quanto em relação às
dimensões socioculturais adjacentes ao fenômeno religioso, verificando-se não apenas as condições
sociais em que ele se verifica, mas a correlação entre as condições disponíveis e as formas de
experiência religiosa desenvolvidas. Nesse caso, a ideia também comporta aproximações com a
antropologia hermenêutica, compreendendo-se que tais experiências se configuram a partir de
fronteiras simbólicas que expressam um ethos e uma visão de mundo característicos (Cf. GEERTZ, 1978),
os quais se ligam aos contextos sociais e culturais envolventes.
52
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
2010 a 20147. Tais observações foram complementadas a partir da realização de 40
entrevistas semiestruturadas aplicadas a agentes do campo afro-gaúcho, as quais
foram retomadas entre 2017 e 2019 visando aprofundar os questionamentos
levantados de acordo com novos interesses de pesquisa.
Em síntese, trata-se aqui de compreender os modos pelos quais determinadas
formas de religiosidade típicas - especialmente aquelas associadas à ideia de
marginalidade e cujas fronteiras simbólicas se articulam em torno de concepções
permeadas por violência e ambiguidade moral - encontram seus espaços de
produção e reprodução nas sociedades contemporâneas. Para tanto, busca-se analisar
o modo como os bens simbólicos disponibilizados na Quimbandas e configuram
como atrativos para a adesão de atores que circulam pelo campo religioso em geral,
bem como no universo dos terreiros afro-gaúchos, nesse caso visando compreender
as particularidades que explicam a ocorrência do fenômeno em determinado
contexto. Conforme será retomado, a análise parte de alguns fatores incidentes sobre
o campo de relações próprio que envolve as coletividades religiosas abordadas,
especialmente os condicionantes socioeconômicos e culturais que têm favorecido a
emergência de um modelo de religiosidade característico.
1- Espaço simbólico e de reprodução da Quimbanda no contexto de
desenvolvimento das religiões afro-brasileiras
Em termos de tipologias religiosas ideais presentes no campo das religiões
afro-brasileiras, constata-se que a Quimbanda nem sempre configurou uma forma
religiosa específica. Em linhas gerais, conforme demonstram Ortiz (1978), Magnani
(1986) e Negrão (1996), a noção de Quimbanda surge indicando determinado espaço
narrativo articulado nas fronteiras simbólicas da Umbanda, ora acionado para
expressar um domínio teológico através do qual seriam cultuadas certas categorias
de divindades (especialmente aquelas associadas a espíritos diabólicos e ligados a
7 Essas investigações se aprofundaram para a construção da Tese de Doutorado intitulada “Os
outsiders do além: um estudo sobre a Quimbanda e outras ‘feitiçarias’ afro-gaúchas”, defendida em
março de 2014 no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unisinos.
53
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
antepassados marginais), ora utilizado como categoria de classificação de agentes e
templos religiosos vinculados à prática da feitiçaria (geralmente aqueles apartados
das federações umbandistas que entre as décadas de 1950 e 1970 buscavam organizar
o campo afro a partir de reorientações teológicas e identitárias). Nesse sentido, na
maior parte dos casos, a Quimbanda sempre se desenvolveu como subcategoria
ritual de algumas variantes afro-religiosas, apenas em situações pontuais
verificando-se terreiros mais identificados com o protagonismo ou exclusividade
dessa prática (Cf. NEGRÃO, 1996; BRUMANA e MARTINEZ, 1991).
Do ponto de vista cosmológico e ritual, o desenvolvimento dos cultos de Exus
e Pombagiras liga-se aos processos de adaptação das religiosidades negras no
sudeste brasileiro, especialmente nos espaços de maior inserção e presença das
culturas Bantas. Conforme propõem autores como Ramos (1940), Bastide (1960) e
Camargo (1961), os processos de desagregação das famílias negro-africanas na
escravidão dificultou a reprodução de cosmologias religiosas fundamentadas no
culto aos antepassados familiares, e uma vez que as religiosidades Bantas
organizavam-se justamente a partir dessas perspectivas (Cf. ASÚA ALTUNA, 1985),
a adoção de elementos cosmológicos de outros grupos culturais favoreceu a
ampliação de adaptações e bricolagens diversas. Fora a partir dessas negociações que
surgiram as variantes menos ortodoxas do campo religioso afro-brasileiro8, as quais
mesclaram elementos das culturas Bantas, Iorubás, indígenas e cristãs. E de acordo
com Camargo (1961), na configuração desses sistemas religiosos, a impossibilidade
de culto aos antepassados da família nuclear favoreceu duas possibilidades: por um
lado, a adoção parcial do panteão dos Iorubás; por outro, a aproximação com a
8As questões que envolvem considerações sobre ortodoxia e bricolagem no âmbito das religiosidades
afro são complexas, já tendo sido analisadas criticamente por Dantas (1988). Contudo, é
empiricamente observável o desenvolvimento de formas religiosas mais ortodoxas nos espaços de
maior influência Sudanesa, casos do Candomblé baiano, do Batuque gaúcho ou do Xangô
Pernambucano, ao contrário de plasticidades mais amplas desenvolvidas nos espaços de influência
Banta, caso das Macumbas e Umbanda do Sudeste. Conforme Bastide (1960) e Ramos (1940), tais
possibilidades decorrem de modelos mítico-religiosos com estrutura distinta, ora ligados a divindades
de comunidades mais amplas (modelo Iorubá), ora ligados a entidades familiares (modelo Banto).
54
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
concepção de espírito contida no espiritismo de origem francesa, que começava a ser
introduzido no Brasil em fins do século XIX (CAMARGO, 1961).
É a partir dessas apropriações que se desenvolvem as antigas Macumbas
cariocas, por volta da década de 1860, baseando-se na utilização do português como
língua litúrgica e no culto a espíritos desencarnados e associados aos orixás Iorubanos.
Conforme demonstram Camargo (1961) e Ortiz (1978), a influência do Kardecismo e
da angeologia Católica favoreceu a reinterpretação dos Orixás como espíritos
divididos em linhas e falanges, agregando-se a eles o culto aos antepassados, como
os antigos negros escravizados (preto-velho) e indígenas (caboclo). É justamente
nessas ressignificações que emergem as versões quimbandeiras de Exu e Pombagira,
sua presença sendo referida por João do Rio (2006) já nas Macumbas cariocas do
início do século XX. Nesses processos, o orixá Exu dos Iorubás, em função dos
conteúdos africanos9, passou a ser relacionado a espíritos de caráter diabólico e conduta
marginal. Por sua vez, como referem Augras (1989) e Prandi (1996), Pombagira
projeta-se como corruptela linguística do trickster dos Bacongos, Bonbojira, o qual
teria sobrevivido nessas adaptações transformando-se em par mítico de Exu nos
terreiros de Macumba, sendo igualmente associado, agora em versão feminina, aos
espíritos endiabrados e de conduta moralmente questionável.
Com base nesse referencial, tais entidades serão acomodadas nos sistemas
religiosos desenvolvidos de modo mais efetivo no sudeste do país. E uma vez que
vertentes como a Macumba encontravam-se subdivididas em diferentes linhas de
categorias de entidades espirituais específicas, Exus e Pombagiras passaram a
compor uma das linhas rituais endógenas desses sistemas religiosos: a linha dos Exus,
9 Autores como Parrinder (1967), Bascom (1969), Pemberton (1975) e Witte (1984) descreveram
algumas das concepções do Orixá Exu nos contextos iorubanos, compreendido como elemento central
da dinâmica cosmológica, sendo encarregado de estabelecer a conexão entre as energias que compõem
o cosmos. As características ligadas à indeterminação da espacialidade, bem como às demandas de
mediação revelam sua condição liminar, o que incide na ambiguidade do caráter mítico e moral de
deuses que, ao lidarem com o acaso na ordem dos acontecimentos, pregam peças e causam confusões,
conforme característica dos tricksters (RADIN, 2002).
55
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
que nos cultos de Macumba designaram uma das principais modalidades rituais
(LAPASSADE e LUZ, 1972). No entanto, é sobretudo em sua incorporação como
subcategoria da Umbanda que recebem sua configuração contemporânea e sua
disseminação pelos terreiros afro-brasileiros espalhados por todo o país.
Conforme Silva (2005), dentre as distintas linhas da antiga Macumba, a linha de
Umbanda congregava interesses de diferentes indivíduos que circulavam por diversas
práticas, num trânsito que parece ter sido constante entre os terreiros de Macumba e
os centros de Kardecismo. Desse modo, conforme Ortiz (1978), tal trânsito foi
responsável pela autonomização da Umbanda, que emerge na década de 1920 como
sistema religioso independente em relação às Macumbas. Ortiz (1978) analisa o
processo de emergência e autonomização da Umbanda a partir dos conceitos de
“empretecimento” e “embranquecimento”, que designam o surgimento da vertente
em duas vias: o empretecimento do espiritismo kardecista e o embranquecimento da
Macumba carioca. Nesse processo, elementos da classe média brasileira interessados
na antiga linha da Umbanda, bem como integrantes da Macumba que passavam a
acessar os códigos do espiritismo expressam o trânsito básico que promoveu o
surgimento do novo sistema religioso. Nesse processo, a Umbanda passou a integrar
o campo religioso brasileiro visando se legitimar perante outras confissões; e na
medida em que incluía inúmeros elementos simbólicos oriundos de uma cultura de
classe média, acabou assumindo pretensões de legitimidade que admitiam maior
aproximação com o espiritismo e afastamento radical das perspectivas de origem
africana contidas nas Macumbas. Assim, de acordo com Ortiz (1978), as práticas
umbandistas traduziram uma espécie de “síntese” do pensamento religioso
brasileiro, que associou elementos africanos, indígenas, católicos e espíritas, mas
organizados pelas mãos do elemento branco de classe média, incorporando-se no
plano religioso os conteúdos ideológicos característicos da concepção de mestiçagem,
de inspiração freyreana.
56
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
Ainda conforme Ortiz (1978), o forte dualismo que perpassa a ideologia
umbandista fez com que entidades como Exu e Pombagira fossem definitivamente
deslocadas ao mundo das trevas. A partir da influência advinda da racionalização do
mundo dos espíritos executada pelo Kardecismo, o pensamento umbandista
incorporou a ideia de uma hierarquia celestial de espíritos puros e imperfeitos,
deslocando os segundos para uma subcategoria na qual pudessem evoluir
(GIUMBELLI, 2003). É desse modo que surge a linha da Quimbanda, subcategoria da
Umbanda estabelecida através de uma divisão dicotômica entre bem e mal operada
nas cosmologias umbandistas10. Umbanda e Quimbanda passam a constituir um par
oposto, mas complementar. Ortiz (1978), Birman (1985) e Negrão (1996) ainda
detectam que, se por um lado a Umbanda incorporou elementos éticos do
espiritismo, operando com aquelas categorias duais, por outro lado conservou um
espaço para que o mal pudesse ser domesticado. A Quimbanda nasce nessa
perspectiva: como espaço simbólico para a evolução dos espíritos viciosos, Exus e
Pombagiras adquirindo caráter ainda mais maléfico do que em suas antigas versões
macumbeiras.
2 - A Quimbanda e o campo afro-religioso do Rio Grande do Sul: das
tipologias religiosas à amplitude do fenômeno
O campo afro-religioso do Rio Grande do Sul é composto basicamente por três
modalidades rituais. O Batuque compreende a variante mais antiga e africanizada,
vinculando-se ao patrimônio cultural das populações negras que vieram à região
para o trabalho escravo na metade sul do estado, sobretudo na consolidação da
indústria do charque estabelecida entre as cidades de Pelotas e Rio Grande. Como
apontam Oro (1999; 2002) e Corrêa (2006; 1994), é provável que sua estruturação
tenha ocorrido no final do regime escravocrata e com o consequente trânsito de
10É importante retomar as relações de poder implicadas nessas adaptações cosmológicas relativas à
figura mítica de Exu, as quais, conforme Trindade (1985), revelam não apenas estratégias de controle e
de reprodução de hierarquias sociais que envolvem praticantes e adeptos, mas ainda idealizações
acerca de um possível reordenamento da posição desses mesmos agentes na estrutura social.
57
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
agentes religiosos por entre as cidades da metade sul e as zonas urbanas de Porto
Alegre, já a partir do declínio da produção de charque, por volta de 1850.
Organizado a partir de estruturas rituais e cosmológicas associadas às tradições Jeje e
Nagô11, o Batuque cultua doze orixás oriundos dos panteões Iorubanos (Bará, Ogum,
Oiá, Xangô, Odé e Otim, Ossanha, Obá, Xapanã, Bédji, Oxum, Iemanjá e Oxalá),
reproduzindo-se através de atividades rituais sazonais que envolvem as práticas de
sacralização, as festividades e outros ritos dedicados a atualização dos pactos
místicos estabelecidos entre iniciados, simpatizantes e divindades.
Por sua vez, a Umbanda emerge na localidade no final da década de 1920
através da chegada à região de indivíduos com passagem por diferentes estados
brasileiros. Como agentes religiosos já iniciados nos códigos umbandistas
desenvolvidos em outras localidades (especialmente no sudeste brasileiro), sua
atuação será decisiva para a importação e introdução de um novo sistema religioso
junto ao campo afro-gaúcho. Este é o caso de Otacílio Charão, ferroviário que funda
em 1926 o primeiro templo umbandista gaúcho na cidade de Rio Grande,
denominado Centro Espírita de Umbanda Reino de São Jorge. Em 1932 a Umbanda
chega à cidade de Porto Alegre, por intermédio do tenente da marinha mercante
Laudelino de Souza Gomes, que funda na capital a Congregação Espírita dos
Franciscanos de Umbanda. Porém, é sobretudo na década de 1950 que os templos
umbandistas começam a se multiplicar na região, observando-se a tendência de
ampliação da Umbanda conforme os processos de industrialização do país, de
acordo com a lógica detectada por Ortiz (1978). No Rio Grande do Sul, assim como
no restante do país, são diversos os modelos de prática umbandista encontrados,
sendo que, na maioria dos casos, trata-se dos cultos que envolvem as sessões de
caridade (com passes e consultas destinadas aos consulentes) e a crença na possessão
Do mesmo modo como em outras modalidades afro-religiosas mais africanizadas, o Batuque se
11
desenvolve a partir de amplas genealogias religiosas que formam grandes famílias (as famílias-de-
santo), as quais compõem, conforme as origens étnicas específicas, os lados que diferenciam as
unidades de culto batuqueiras, sendo eles: Oió, Ijexá, Jêje, Nagô e Cabinda.
58
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
por espíritos de antepassados como os Caboclos, os Preto-Velhos e as Crianças, todo
complexo cosmológico sendo guiado pelas noções de evolução espiritual vinculada à
prática da caridade. No contexto gaúcho, o culto dos Exus e Pombagiras surgirá a
partir da chegada da Umbanda à região, entre as décadas de 1920 e 1930, mas se
reproduzirá, ao menos até a década de 1960, nos mesmos moldes verificados em
outros estados: como subcategoria ritual e cosmológica dos sistemas de
representação umbandistas, compreendida como espaço propício para a ritualização
dos espíritos viciosos, em geral representantes de um passado humano marginal.
Já entre os anos 1960 e 1970, uma série de modificações no campo afro-
religioso local tem início, principiando pela formação de uma espécie de imbricação
ritual denominada Linha Cruzada. De um modo sintético, a Linha Cruzada se refere
a um arranjo que congrega, numa mesma unidade de culto, as práticas do Batuque e
da Umbanda. Tal movimento parece ter ocorrido numa lógica em que sacerdotes de
Umbanda assimilaram práticas mais africanizadas, como o Batuque, bem como os
sacerdotes dos cultos tradicionais acabaram agregando as práticas umbandistas,
assim formando-se os terreiros cruzados. Segundo Corrêa (1994), tais arranjos partem
de processos de racionalização de códigos religiosos que visaram se apropriar das
vantagens específicas de cada culto, seja a maior aceitação social da Umbanda, seja a
ideia de maior eficácia simbólica do Batuque. Em estimativas apontadas por Oro
(2002) e Corrêa (1994), desde os anos 1970 o campo afro-religioso gaúcho pode ser
repartido por cerca de 80% de seus terreiros como sendo de Linha Cruzada, os 20%
restantes divididos em templos específicos de Batuque ou Umbanda.
Contudo, em conjunto com as modificações que possibilitaram a formação da
Linha Cruzada, outras alterações substanciais tiveram início na região, sobretudo no
que compreende a reconfiguração e crescimento dos cultos de Exus e Pombagiras.
Até então inseridos na Umbanda local, a partir do final dos anos 1960 e ao longo da
década de 1970 tais práticas passarão por modificações importantes que incluirão
processos de reformulação ritual e doutrinária, bem como uma autonomização em
59
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
relação ao sistema umbandista (adquirindo cosmologia própria e sessões rituais
específicas), além de uma forte expansão nas unidades de culto da localidade,
assumindo total protagonismo no contexto das religiões afro-gaúchas em geral12.
As alterações rituais e doutrinárias partiram de determinadas agências
reformadoras (Cf. WACH, 1990), constatando-se ações empreendidas tanto por
antigos sacerdotes da Linha Cruzada quanto por suas entidades 13. Terreiros centrais
nesses processos foram os de Mãe Ieda do Ogum (Exu Rei das Sete Encruzilhadas),
Pai João Altair do Bará (Exu Rei Sete de Malê) e Mãe Teresinha de Oxalá (Pombagira
Mirongueira), todos da região metropolitana de Porto Alegre, através dos quais as
alterações rituais e cosmológicas logo se espraiaram para terreiros vizinhos mediante
a circulação intensa de agentes religiosos pelas redes de relações que articulam o
universo dos terreiros.
Do ponto de vista cosmológico, as principais alternâncias partiram de novas
interpretações sobre os Exus, não mais concebidos como seres de pouca luz ou escravos
de orixás (conforme visões mais estabilizadas contidas na prática umbandista), mas
como entidades da alta, iluminados, cuja proximidade com os seres humanos não
apenas os coloca como conhecedores de suas mazelas e competentes na resolução de
suas demandas, mas como espécie de espíritos vencedores que adquiriam um novo
status ontológico: foram aos limites, e, portanto, conhecem todos os dramas, realidade
que os torna não apenas mais poderosos, mas merecedores de reverência e devoção:
Eles [Exus e Pombagiras] são espíritos, no meu entendimento,
espíritos de pessoas que foram muito, que fizeram muita coisa ruim
na terra. Eles assaltaram, mataram, sei lá, praticaram maldades. E
agora, eles têm que vir e fazer coisas boas, pra se redimir (Mãe Neusa
do Ogum, Exu da Meia Noite, 3 de outubro de 2012).
12Do ponto de vista historiográfico, essas transformações foram analisadas em Leistner (2014).
13Nas religiões afro-brasileiras, não é incomum que as próprias divindades cultuadas promovam
rupturas, fundações e reformas, na medida em que as mesmas compõem o principal foco de contato
com o sagrado através da possessão. Assim observam-se agências de entidades umbandistas como as
do médium Zélio Fernandino de Moraes, descritas por Ortiz (1978), que se configuraram como base
para os processos de definição de certas tendências da Umbanda.
60
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
Os Exus e as Pombagiras são seres que desencarnaram e que não
foram muito corretos. Uns vem pra resgatar, vem atrás de luz. São as
entidades que estão mais próximas dos seres humanos. São os que
mais se parecem conosco. Por isso que gostam de estar no nosso
meio, pra poder voltar a beber e fumar. Mas como eles se reergueram
eles merecem isso (Pai Juarez do Bará, Exu Tiriri das Almas, 14 de
junho de 2011).
Cada um tem a sua história. Tem os que foram ladrões, cafetões,
marginais mesmo. As Pombagiras são prostitutas, cafetinas e tal. Mas
depende de cada Exu. É aquela entidade que não tem ruim, sabe?
Trabalha pra qualquer coisa. Só que daí que eu te digo. Ele trabalha
porque quer ser recompensado e reconhecido. Esse é o motivo pra
que se dá pro Exu a comida, o galo, se dá o padê, se dá a frente, se dá
a festa. Pra recompensar a ele pelo trabalho desenvolvido. Então,
quanto mais ele trabalha, mais ele dá retorno pras pessoas e mais as
pessoas são gratas (Pai Dejair de Ogum, Exu Rei das Sete
Encruzilhadas, 24 de julho de 2012).
Decerto, conforme essas interpretações (a passagem do Exu Escravo para o Exu
da Alta), as divindades quimbandeiras também se demonstraram como merecedoras
de novos modelos de culto. Como se sabe, as sessões rituais destinadas a essas
categorias espirituais no universo umbandista mais convencional sempre contaram
com performances rituais que reforçavam a subalternidade de Exus e Pombagiras,
num plano simbólico em que diversas relações de poder se atualizavam,
especialmente através da domesticação dos códigos que tais entidades
representavam: a sexualidade assumida, a moralidade ambígua, as condutas
socialmente concebidas como marginais. Como pode ser observado até hoje em
sessões rituais tipicamente umbandistas, a própria possessão inclui performances
que sinalizam seres tortos, que se arrastam, urram, babam, bebendo cachaça junto ao
chão, num quadro de ações simbólicas que muito lembra a domesticação ritual dos
encostos em liturgias pentecostais. De algum modo, tratava-se da própria expiação
simbólica de seres espirituais que representavam condutas socialmente definidas
como reprováveis14. Ao contrário, no âmbito das sessões rituais desenvolvidas no Rio
14As representações associadas aos Exus e Pombagiras, no contexto cosmológico umbandista mais
estabilizado e tradicional, são amplamente abordadas em trabalhos como os de Trindade (1985),
Augras (1989 e 1997) e Prandi (1997). Nesses casos, observam-se figuras relacionadas a um passado
61
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
Grande do Sul - a partir das modificações analisadas -, tais entidades passaram a ser
concebidas como reis e rainhas (e não mais como escravos), bebendo champanhe e
bebidas sofisticadas, vestindo-se com longas capas, cartolas, coroas e cetros, em
atividades rituais que, conforme recorda Corrêa (1994), relembram os cabarés
parisienses da belle époque francesa, na obra de Toulouse-Lautrec. Nesses contextos,
giras e curimbas operam como espécie de dramatização ritual na qual toda a mise-em-
scène ligada às representações sobre as entidades quimbandeiras pode ser não apenas
fruída, mas celebrada:
Nos ritos observados, através de uma espécie de corporificação do
sagrado operacionalizada pela possessão, tais entidades
manifestavam-se em performances rituais recheadas de erotismo,
carnavalização e violência simbólica. Vestiam indumentárias
luxuosas: Pombagiras usavam chapéus esplendorosos, mantos, véus,
longos vestidos confeccionados nos mais diversificados tecidos e
cores, portando quantidades enormes de bijuterias. Exus usavam
capas, cartolas, paletós alinhados, gravatas borboleta e sapatos
bicolores. Ao som de tambores frenéticos, cujo ritmo acompanhava
cantigas que mencionavam “assassinatos cometidos na zona do
meretrício” ou “feitiçarias poderosas executadas dentro de
cemitérios”, os representantes espirituais dos mais baixos escalões da
sociedade brasileira dançavam entoando estrepitantes gargalhadas.
No terreiro que eu visitava, homens e mulheres incorporavam
divindades que bebiam, fumavam, mantinham gestos de teor lúbrico,
em um clima que aliava conotações eróticas a uma simbólica
permeada por nuances de desordem ritual: Exus proferiam palavrões,
agindo ora de forma insolente, ora num tom ébrio; Pombagiras
expressavam uma sociabilidade coquete característica das prostitutas,
tragando seus longos cigarros com ar malicioso e alternando trejeitos
que pairavam entre a jocosidade e o refinamento. Junto a todos
aqueles médiuns e suas divindades, o terreiro incrustado num bairro
pobre de Porto Alegre estava abarrotado de indivíduos das mais
diversificadas origens sociais, os quais interagiam com as entidades
incorporadas ora assumindo a postura de espectadores seduzidos,
ora participando de forma direta das comensalidades. Ainda havia
aqueles cuja orientação destinava-se a acessar a agência de serviços
espirituais disponível. Neste caso, a experiência observada se
projetava como uma espécie de mercado de bens mágico-religiosos
humano marginal, muitas vezes ligado a atividades ilícitas (bandidos, malandros e prostitutas) ou a
uma vida de excessos e degradação, caso de reis e rainhas que tiveram suas vidas arruinadas,
sobretudo pelo cometimento de erros morais.
62
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
direcionados às mais diversificadas demandas. Certamente, também
haveriam de estar ali indivíduos que buscavam através da
interferência mística a realização de seus desejos inconfessos, pois
como bem observou Reginaldo Prandi, tratando-se de uma
experiência religiosa relacionada a divindades de moralidade ambígua,
nenhum desejo a elas requisitado pode ser reprimido15.
Como sugerem as narrativas coletadas no campo de pesquisa, fora a partir de
tais modificações que a Quimbanda passou a se configurar como sistema afro-
religioso protagonista na região. Decerto, são bem conhecidas as complexidades
ligadas à quantificação precisa do número de adeptos ou templos que correspondem
às religiões de matriz africana. Seja pela repressão histórica a esses cultos (que inibem
as declarações de pertença) ou ainda pelas problemáticas das categorias censitárias
(que não abarcam todas as modalidades de crença do campo afro), as amostras de
dados que permitam uma caracterização quantitativa deste segmento religioso se
demonstram raras e precárias. Isso se amplia para percepções sobre quais as
vertentes são mais ou menos praticadas em arranjos rituais complexos, como a Linha
Cruzada gaúcha. Dessa maneira, a avaliação da centralidade da Quimbanda perante
os outros sistemas religiosos da região só pode ser constatada a partir das percepções
dos próprios indivíduos que compõem o segmento dos terreiros, bem como através
de índices externos observáveis em campo de pesquisa.
Nesse último caso, os eventos festivos públicos destinados aos cultos de Exus
e Pombagiras na região são exemplares dessa centralidade. Os encontros de
quimbandeiros realizados no estado tornaram-se os eventos públicos ligados ao campo
afro de maior prestígio e maior número de participantes, observando-se a realização
de ritos que chegam a contar com a participação de quatro a cinco mil pessoas 16. Do
mesmo modo, a ampla maioria das informações disponibilizadas sobre as atividades
15Registros etnográficos em Leistner (2014).
16Exemplos desses eventos públicos se relacionam ao “Encontro das Almas Iluminadas”, organizado
anualmente por Pai Paulinho de Odé na cidade de Canoas, sempre no mês de agosto, bem como o
“Encontro de Quimbandeiros do Sul”, organizado por Pai Ricardo de Oxum,em Porto Alegre, sempre no mês
de abril. Em ambos os casos, trata-se de grandes giras de quimbandeiros, nas quais centenas de médiuns
incorporados interagem com milhares de assistentes ao som amplificado de grupos de tamboreiros, contando
com, luz especial, queima de fogos, entrega de troféus a representantes da comunidade quimbandeira e assim
sucessivamente. É comum que tais eventos ocorram em ginásios ou em grandes encruzilhadas urbanas.
63
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
dos templos locais dá conta de que as sessões de Quimbanda se tornaram a tônica
dos eventos nos terreiros gaúchos.
Hoje em dia, se eu faço uma sessão de Caboclo ou de Preto Velho,
aparece meia dúzia de pessoas. Se eu tocar pra Exu, na Quimbanda, o
terreiro lota. Mas o que é que acontece? É assim em todo lugar. Por
isso que hoje só se vê gira de Exu em todo o lado (Mãe Ângela de
Oxum, Exu Tranca-Rua, entrevista realizada em Porto Alegre,
18/02/2012).
Hoje tu faz sessão de Umbanda e vem três pessoas. Tu faz de Exu e
vem no mínimo cinquenta. Por isso que o Exu tá tomando conta. E
não é só a Umbanda que está diminuindo. As pessoas estão deixando
os Orixás pra dar uma festa pros Exus. A festa de Orixá, que antes
vinha um montão de gente pra prestigiar, hoje tu só faz com a
presença dos teus amigos, e se bobear, ainda tem que insistir pra eles
virem. Agora, festa de Exu tu não precisa ter amigos... tu abre os
portões do terreiro e todo mundo quer vir (Pai Juarez do Bará, Exu
Tiriri das Almas, Porto Alegre, 14/06/2012).
O Exu cresceu tanto, ficou tão independente que posso te assegurar
que hoje, na minha casa, oitenta por cento das pessoas que chegam
aqui se iniciam pelo lado da Quimbanda. A maioria dos clientes, ou
das próprias pessoas que vão entrar pra religião, chegam no terreiro
através das sessões ou dos trabalhos com a Quimbanda. Agente sabe
que tem os outros lados, o Batuque e a Umbanda. Aqui no terreiro é
cada coisa no seu lugar. Mas Exu é o que o povo gosta. É o que chama
o povo pra dentro do terreiro (Pai Dejair do Ogum, Exu Rei das Sete
Encruzilhadas, entrevista realizada na cidade de São Leopoldo,
14/10/2012).
Nesse contexto, a Quimbanda não apenas adquiriu protagonismo no campo
afro local, como é possível observar um factível arrefecimento da Umbanda, e num
processo não menos relevante, a própria retração da vertente mais africanizada e
tradicional da região, o Batuque, que pelo menos até o período de formação da Linha
Cruzada ainda aparecia como vertente hegemônica naquela imbricação. E como
proposto na introdução desse trabalho, é justamente esse protagonismo vinculado ao
registro mais outsider do campo religioso brasileiro e do universo afro-religioso o que
fomenta questionamentos. Reitera-se se tratar de uma forma religiosa que emerge a
partir da incorporação de todos os signos associados às divindades cultuadas: a
marginalidade, aqui incluindo-se a carnavalização ritual, a violência simbólica, o
64
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
erotismo, a burla e outros diversificados elementos que se afastam das convenções
mais estabilizadas acerca das ideias sobre a experiência do sagrado.
3. A emergência da Quimbanda (i): fatores de ordem socioeconômica
Algumas possibilidades explicativas acerca do fenômeno devem ser
empreendidas a partir da consideração dos fatores sociais e econômicos adjacentes ao
campo de relações específico nos quais aquela forma religiosa se desenvolve. Nessa
perspectiva, no que concerne às dinâmicas históricas da formação do campo afro-
gaúcho, se o Batuque surge e se demonstra preeminente numa sociedade agrária e de
economia baseada em moldes pré-capitalistas, e se a Umbanda se desenvolve numa
etapa de implementação da urbanização e industrialização do país, a emergência da
Quimbanda coincidirá com o período mais adiantado de consolidação do modo de
produção capitalista, no qual serão observadas ampliações substanciais das
perspectivas de urbanização e industrialização iniciadas na fase precedente.
O que está sendo compreendido como fase de consolidação da
industrialização e urbanização relaciona-se àquilo que Parker (1995) definiu como
lógica latino-americana do processo de modernização capitalista, cujos resultados,
influenciados pelos descompassos entre o desenvolvimento urbano e a
industrialização das sociedades latino-americanas se relacionam de maneira estreita
com o aumento da heterogeneidade estrutural. Tal heterogeneidade diz respeito
tanto às diferentes formas de inserção das classes trabalhadoras nos novos postos de
trabalho quanto à configuração dos aglomerados sociais nas novas estruturas
citadinas. Tal realidade engendrou profundas disparidades sociais e o consequente
aumento da pobreza e do mercado baseado na informalidade, ainda favorecendo o
surgimento de um grande contingente populacional urbano apartado dos sistemas
de proteção social, possibilidade até então vinculada às lógicas do emprego formal.
No caso brasileiro, se o marco inicial da industrialização é verificado a partir da
década de 1930 (ORTIZ, 1978), no período de constituição da Umbanda, a
65
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
consolidação desse processo, ocorrerá justamente a partir da década de 1960, que
designa o surgimento da Linha Cruzada e do início das transformações que
favoreceram a emergência dos cultos de Exus e Pombagiras no Rio Grande do Sul.
Deve ser destacado que as realidades avaliadas por Parker (1995) não destoam
daquelas encontradas em ambiente gaúcho, como é possível verificar a partir dos
trabalhos de Souza e Müller (1997), que demonstram ser justamente a década de 1960
o marco da etapa de ampliação da malha urbana de Porto Alegre, num processo que
teve como consequências o fenômeno de metropolização da região e a configuração
da espacialidade que definiu as zonas periféricas da localidade. Tal processo foi
acompanhado por um aumento substancial das taxas de desemprego, bem como pelo
surgimento de núcleos urbanos imersos em uma realidade precária, considerando-se
ainda a constituição de zonas suburbanas onde o índice de violência aumentou de
modo considerável. Essas condições são visíveis no histórico de formação dos bairros
periféricos da capital gaúcha, cuja ocupação massiva ocorre entre as décadas de 1960
e 1970 pela população de baixa renda ou ainda pelos indivíduos que migravam do
interior do estado em busca de trabalho.
É justamente nesses bairros que os templos religiosos de matriz africana se
concentram de maneira efetiva, a própria formação histórica do conjunto de terreiros
da região sendo acompanhada por um deslocamento espacial através do qual as
unidades de culto mais antigas foram gradativamente transferidas para as regiões
periféricas. Na atualidade, a maioria absoluta dos terreiros de Porto Alegre encontra-
se nesses espaços, e embora seja factível considerar a existência de relativa
heterogeneidade no que se refere aos quadros sociais que compõem estas religiões, a
presença maciça dos templos nesses sítios indica que foram justamente as populações
vinculadas a essas práticas que sofreram o impacto das transformações referidas17.
No ano de 2008, uma pesquisa solicitada pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre junto ao Centro
17
de Pesquisa Histórica da Secretaria Municipal de Cultura foi realizada com o objetivo de promover
um censo dos terreiros porto-alegrenses. Dentre as interessantes informações contidas nos dados
coletados, além da constatação da existência de 1.290 unidades de culto em Porto Alegre, verificou-se
que a ampla maioria dos templos se encontra localizada em bairros mais periféricos do Município, tais
66
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
Ocorre que essas modificações da estrutura social terão reflexo no plano das
representações coletivas, na expressão ritual e nas perspectivas éticas que balizam o
ethos e a visão de mundo articulados no universo dos terreiros gaúchos, tal influência
sendo percebida justamente no processo de emergência da Quimbanda local.
Essa espécie de leitura religiosa das modificações sociais é visível, num
primeiro nível, no âmbito das significações contidas nas estruturas do panteão. Se no
desenvolvimento do Batuque no período pós abolição essas estruturas se
encontravam afeitas às realidades de uma sociedade gaúcha agropastoril,
simbolizando as realidades da natureza com base no culto aos Orixás (divindades
que representam os elementos naturais que compõem o cosmos), já na Umbanda, no
início da industrialização, refletiam o processo de constituição e integração da
população brasileira, incorporando as ideologias da mestiçagem racial e
simbolizando a formatação de uma nova classe operária composta por diferentes
clivagens étnicas (veja-se as estruturas do panteão articuladas pelos caboclos,
indígenas e preto-velhos), numa representação atrelada de modo substancial ao
processo de industrialização do país. Por sua vez, as representações coletivas da
Quimbanda sugerem uma estrutura de significados que relê simbolicamente a
periferização de determinadas categorias (ocorrida no processo de consolidação do
modelo capitalista), agora condicionadas aos espaços suburbanos e afastadas das
potenciais ações do poder público, cujas formas de presença e atuação têm operado
na constituição e reforço da própria ideia de marginalidade socialmente atribuída à
periferia e às camadas periféricas (BIRMAN, 2009).
Dito de outro modo, a constituição de um sistema religioso organizado em
torno das entidades quimbandeiras propõe um quadro no qual Exus e Pombagiras
representam, num primeiro momento, a condição marginal socialmente atribuída
como Restinga (133 unidades), Partenon (116), Cascata (64), Rubem Berta (57), Morro Santa Tereza
(57), Lomba do Pinheiro (57), Mário Quintana (53), São José (52), Bom Jesus (42) e assim por diante.
Estes dados, até então não publicados, me foram revelados pelo Núcleo de Estudos da Religião (NER),
grupo ligado ao Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e
ainda aguardam maiores interpretações.
67
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
àqueles que se encontram afastados do poder formal e alocados nas regiões
percebidas como lócus da marginalidade, do perigo e dos vícios urbanos. Não se trata
mais de uma leitura religiosa de diferentes categorias sociais que aderem ao mercado
de trabalho para construir a modernização do país, como estaria expresso na
ideologia umbandista, mas de uma avaliação sobre a configuração de um núcleo
populacional afastado das prerrogativas básicas da cidadania, das possibilidades
efetivas de obtenção de emprego formal, e que ainda passa a ser socialmente
percebido nos termos de sua condição marginal. A conotação marginal das entidades
quimbandeiras, embora articulada por diferentes nuances (moralidade ambígua,
malandragem, sexualidade desenfreada e etc.) parece ser central nesta leitura,
aglutinando em torno de si as representações possíveis acerca da ideia de
marginalidade conferida às populações periféricas.
Por outro lado, uma vez que estas entidades representam não apenas os
principais agentes mágicos dos sistemas cosmogônicos afro-brasileiros (o que decorre
do caráter mediador e liminar dos Exus), ainda sendo consideradas como símbolos
daquelas categorias sociais que convivem nos interstícios do poder formal e das
determinações normativas, as mesmas serão percebidas como detentoras das
atribuições místicas fundamentais para as novas demandas religiosas que emergem
nos contextos periféricos. Nesse sentido, Exus e Pombagiras passam a atuar como
principais intercessores espirituais num contexto em que a informalidade se torna a
regra. No que se refere às dificuldades advindas das relações de trabalho ou da
economia informal, constantemente acompanhadas do sentimento de insegurança e
da percepção sobre riscos sociais eminentes, as expectativas religiosas emergentes
poderão contar com divindades cujas características cosmológicas associam-se ao
poder sobre o movimento, às trocas e à circulação de energias místicas (daí a
associação de Exu com as atividades comerciais), sendo então concebidas como
especialistas na arte de driblar quaisquer adversidades (daí a associação de Exu com a
malandragem). Ao mesmo tempo, no que envolveos problemas oriundos da ausência
68
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
do poder público em questões básicas do cotidiano urbano (saúde, segurança e
violência), também será possível contar com divindades que não apenas são
percebidas como investidas de eficácia simbólica propícia à cura de doenças diversas,
mas que são ainda associadas aos perigos que permeiam as representações sobre o
universo suburbano, assim apresentando-se como intermediários místicos
fundamentais para as demandas advindas da insegurança nas cidades.
De fato, tais considerações podem explicar alguns motivos primários pelos
quais as atividades rituais destinadas às entidades quimbandeiras ganharam relevo,
especialmente nos termos dos bens e serviços religiosos disponibilizados a seus
adeptos e simpatizantes. Trata-se aqui de uma “religiosidade de aflição” (FRY e
HOWE, 1975), relacionada de modo prioritário a soluções simbólicas para questões
de saúde, problemas financeiros, emocionais e afetivos. Cabe ser ressaltado que, ao
simbolizarem os antepassados que viveram sob as condições de uma existência
marginal, os Exus e Pombagiras se apresentam como divindades que conhecem
profundamente os problemas enfrentados pelos agentes periféricos, fator que os
projeta como especialistas na solução das demandas emergentes.
No entanto, como pode ser observado no Rio Grande do Sul, os cultos aos
Exus e Pombagiras não ficaram restritos a uma suposta instrumentalidade ritual
direcionada às demandas religiosas processadas numa nova realidade
socioeconômica, experimentadas unicamente pelas populações periféricas. Ao
contrário, sua emergência pode ser compreendida num quadro mais amplo de
expansão dos cultos afro na região, através do qual tais práticas se posicionam de
maneira valorizada no mercado de bens religiosos em geral. Se a expansão da
Quimbanda parte desta vinculação com mudanças na estrutura social e econômica,
sua consolidação como sistema religioso preeminente na localidade só será possível
com base em sua adequação a um conjunto de novos valores presentes nas
sociedades contemporâneas, conforme mudanças no plano da cultura.
4. A emergência da Quimbanda (ii): fatores de ordem cultural
69
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
As alterações aqui consideradas correspondem a profundas rupturas com os
antigos modelos de estilo de vida, de estrutura cognitiva e de concepção acerca da
subjetividade, cujas novas perspectivas podem ser compreendidas dentro de um
novo espectro inerente às mentalidades, à política e às lógicas de sociabilidade
emergentes a partir dos anos 1960 e 1970, segundo o movimento que muitos tendem
a classificar como pós-moderno. Prandi (1996) demonstrou o modo como esses
valores têm incidido sobre as dinâmicas do campo religioso, num quadro em que as
lógicas de valorização da cultura do outro e do exótico tornaram-se centrais. Tais
perspectivas ajudam a compreender o modo como a categoria de divindades mais
controversa dos panteões afro pôde adquirir protagonismo, num quadro de
referência cultural em que a lógica dicotômica das exegeses ocidentais acerca de Exu
não apenas deixa de configurar uma visão unívoca, como pôde ser relativizada em
novas estruturas representacionais que colocaram sob suspeita os elementos centrais
da cultura ocidental (ciência, filosofia, teologia judaico-cristã e etc.).
Por outro lado, e com base nas transformações culturais anunciadas, as
atividades rituais dos Exus parecem oferecer ao conjunto de adeptos e simpatizantes
uma possibilidade de experimentação de diversas perspectivas éticas e estéticas,
emocionais e cognitivas, as quais se encontravam até então afastadas das
possibilidades disponíveis para consumo no mercado de bens religiosos, e que agora
são consideradas como valorizadas num contexto de sensibilidades religiosas pós-
modernas (MARTELLI, 1995). Vivenciar os códigos da Quimbanda, mediados por
entidades como Exu e Pombagira (liminares, mágicos, de moralidade ambígua e de
sexualidade francamente assumida) parece possibilitar aos agentes religiosos
experiências singulares no que diz respeito ao consumo daquelas mesmas
concepções (estéticas e éticas, emocionais e cognitivas).
Num primeiro nível, a própria configuração de um sistema religioso não
moralista favorece com que aqueles que se inserem por estes códigos possam ser
70
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
aceitos nos termos de suas próprias singularidades, independente de seus padrões
preferenciais de conduta, constatando-se a grande presença nestas práticas
justamente daqueles indivíduos que geralmente são alvo de atitudes discriminatórias
em outros espaços da sociedade brasileira. Apartada de um possível conjunto de
disposições éticas cristalizadas (o que decorre do caráter não moralista das
divindades) e amplamente direcionada à manipulação mística dos acontecimentos
em favor daqueles que recorrem à agência mágico-religiosa (o que provém do poder
simbólico das divindades), essa prática volta-se de modo substancial às
possibilidades de realização individual.
Tu chegar à frente de um Exu facilita a tua vida. Não vai ter a “cara
de pau” de pedir pra um Santo certas coisas, né? Imagina se tem uma
mulher que tá necessitada de homem. Como é que tu vais pedir isso
pra um Santo? Vai ali e fala com a Pombagira e deu, não tem
“frescura”. O Exu é bem mais próximo do ser humano, entende
melhor o que tu quer e não vai te cobrar se o que tu tá pedindo é certo
ou errado (sic)18.
Reitera-se que a ausência de um padrão moral relativo aos Exus e Pombagiras
favorece que a ideia de individualidade se expresse de forma muito ampla nessa
religiosidade, balizando qualquer modelo de comportamental de seus adeptos, o que
sugere concepções acerca da subjetividade muito próximas daquelas comumente
associadas à contemporaneidade, aqui se considerando as identidades descentradas,
cambiantes e desenvolvidas a partir de contextos situacionais (Cf. GERGEN, 1997).
Num segundo nível, essas ideias de reforço da singularidade e configuração
de subjetividades descentradas também se atualizam no âmbito das modalidades de
acesso ao sagrado segundo os códigos da religiosidade quimbandeira. Ao contrário
de outras formas religiosas convencionais, nas quais as lógicas de pertença
encontram-se invariavelmente condicionadas à participação numa estrutura
burocrática regida por um sacerdote investido dos poderes de mediação com o
Declaração de Tatiana de Oiá (Pombagira Maria Padilha), iniciada no terreiro de Pai Dejair de Ogum
18
(Exu Rei das Sete Encruzilhadas), em depoimento anotado em caderno de campo etnográfico datado
de dezembro de 2012.
71
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
sagrado, a Quimbanda apresenta-se como prática menos regulada por parâmetros de
institucionalização ou pelas hierarquias da organização social interna das
coletividades religiosas. Embora esta prática ainda se organize nos moldes de uma
irmandade reunida em unidades de culto específicas, na maioria dos casos a relação
prioritária estabelecida entre um adepto e o universo do sagrado se dá a partir de
vínculos diretos firmados comas divindades. Como se denota de acordo com as
características cosmológicas investigadas, Exus são, por definição êmica, divindades
mais próximas aos seres humanos, e por tal razão, comunicam-se com estes de modo
direto, seja no processo de atendimento às demandas mágico-religiosas, seja nos
modelos de restituição mística a partir de oferendas ou processos rituais diversos, o
que inclui, em boa parte dos casos, relações não necessariamente mediadas.
Decerto, a possibilidade de singularização ligada a essa relação direta com o
sagrado também se demonstra vinculada às modificações culturais anunciadas,
especialmente quando a mesma se apresenta como central nas ideias acerca da
valorização do indivíduo presentes nas identidades contemporâneas. Como
demonstra Hervieu-Léger (1999), as novas formas de adesão e pertença religiosas
passaram a ser regidas por formatos menos institucionalizados e mais pessoais,
perspectivas que encontram nesses modelos devocionais (de acesso direto ao
sagrado) amplas possibilidades de concretização. E em casos como o da Quimbanda,
tal condição é ampliada na medida em que aquelas relações com o sagrado podem,
por vezes, dispensar a mediação sacerdotal.
Num terceiro nível, é devido considerar ainda o lugar de destaque ocupado
por dimensões como a emoção e o fascínio nos cultos de Quimbanda, características
que reiteram a adequação desta forma religiosa junto aos contextos hodiernos. No
que se refere aos aspectos emotivos, os mesmos podem ser verificados na própria
centralidade que o corpo assume nos rituais analisados, seja através da dança, seja
através de sua consideração como principal canal de contato com o sagrado através
da possessão. Ao contrário das religiosidades de matriz ocidental, na qual a oposição
72
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
entre o corpo e espírito tende a negar o primeiro (observando-se experiências em que
a interiorização do sagrado adverte sobre parâmetros de comportamento configurados
na introspecção), em práticas como a Quimbanda tudo aquilo que se liga à
valorização corporal tende a ser enfatizado, sugerindo tratar-se de uma religiosidade
através da qual as emoções e sentimentos múltiplos encontram canais amplos para
expressão. Por outro lado, as próprias características simbólicas associadas às
divindades quimbandeiras (o caráter trickster e a vinculação com a feitiçaria e o
diabólico) parecem compor os elementos da sedução que os Exus exercem sobre os
consumidores dos bens religiosos, e todos os signos associados a uma estética
macabra e ao mesmo tempo carnavalesca podem ser coletivamente fruídos nas
sessões rituais, giras e curimbas. Na medida em que as dimensões teóricas e éticas
escapam às preocupações centrais da Quimbanda, não é difícil de compreender a
importância que o consumo de determinados bens estéticos conectados à ideia de
fascínio adquire nessas experiências religiosas.
Um último elemento a ser considerado na vinculação entre a emergência da
Quimbanda e as demandas culturais contemporâneas reside nas formas pelas quais a
subjetividade quimbandeira se liga às lógicas da possessão, o que inclui modos
específicos pelos quais essa prática também expressa uma concepção de pessoa. São
vários os trabalhos que enfatizaram as formas pelas quais a noção de pessoa nas
religiões afro-brasileiras se configura a partir de um eu único e ao mesmo tempo
múltiplo, geralmente concebido a partir de um somatório de características advindas
das filiações míticas firmadas em processos iniciáticos (Cf. GOLDMAN, 1985), ou
ainda com base na possibilidade de vivência de papeis sociais múltiplos nas
dramatizações ritualizadas do transe (Cf. BIRMAN, 1995; CONCONE, 2006; HAYES,
2009). Decerto, tais possibilidades advertem sobre concepções de subjetividade
singulares, o que explica a atualidade dessas formas religiosas em contextos de
valorização de identidades fragmentadas. Contudo, no caso da Quimbanda essas
possibilidades se demonstram ainda mais amplas, o que decorre das características
73
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
cosmológicas indefinidas e associadas aos Exus, o que permite apropriações e ajustes
diversos no que compreende a constituição das identidades míticas e dramatização
ritualizada de papeis sociais. Dito de outro modo, trata-se de um sistema religioso
que não apenas valida modelos de comportamento variados, mas que permite a seus
adeptos a vivência de identidades múltiplas em dramatizações rituais nas quais é
possível deixar de ser periférico, tornar-se rei ou rainha e ainda experimentar
diferentes lógicas de reversão do próprio estatuto da marginalidade. Nesse sentido, a
reconfiguração das ações simbólicas que envolvem os rituais de Quimbanda - nas
quais os espíritos marginais deixam de ser reprimidos e domesticados para serem
celebrados - demonstra-se assertiva dessas possibilidades, cujos significados
apontam para construções identitárias sintonizadas não apenas com as experiências
culturais da atualidade, mas com a experiência cultural periférica.
Como referem Hervieu-Léger (1999) e Champion (1997), faz parte de um
conjunto de formas modernas de crer uma recuperação de características até certo ponto
relegadas a um segundo plano no âmbito das instituições religiosas afetadas pelo
processo de secularização, observando-se um retorno da magia, do encantamento, da
emoção exacerbada e das articulações entre os domínios do sagrado e das práticas
terapêuticas, além das tendências de privatização da fé e de rompimento com as
formas mais institucionalizadas de experiência religiosa (pertenças menos vinculadas
a tradições específicas), todas as tendências aqui mencionadas presentes de modo
substancial nas formas religiosas da Quimbanda. E de modo reiterado, é correta a
percepção de que tais características estejam presentes em outros registros afro-
religiosos ou do campo das religiões populares. Contudo, o que parece específico da
Quimbanda reside em representações cosmológicas segundo as quais uma espécie de
neutralidade axiológica contida em divindades como Exus e Pombagiras (que podem
ao mesmo tempo ser bons e maus, divinos e humanos) permite a exacerbação dos
atributos mencionados, constatando-se uma modelo de religiosidade sintonizado não
apenas com as experiências próprias do mundo atual, mas com as experiências
74
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
socioculturais configuradas nas margens e periferias.
Para concluir (por enquanto): a sacralização das existências marginais
As realidades que envolvem o surgimento e expansão da Quimbanda no Rio
Grande do Sul propõem fecundas possibilidades interpretativas acerca dos
significados das identidades religiosas afro-brasileiras na sociedade contemporânea.
Como pode ser proposto, concebida como um sistema simbólico, a Quimbanda
fornece um código de interpretação e ação em relação à realidade vivida por seus
adeptos, nos mesmos sentidos atribuídos aos sistemas simbólicos descritos por
Geertz (1978) e suas conceituações sobre visão de mundo e ethos. De acordo com
nossa interpretação, tal código propicia não apenas um mecanismo de compreensão
de experiências sociais periféricas, mas ainda soluções simbólicas para lidar com a
realidade envolvida nessas mesmas experiências, sobretudo no que concerne à ideia
de marginalidade. Do ponto de vista cognitivo (visão de mundo), como visto, a
Quimbanda relê o processo de periferização de estratos sociais ligados ao universo
dos terreiros, o que se verifica nas próprias estruturas semióticas do panteão. Assim
como nas análises de Geertz (1978) sobre a rinha de galos na sociedade balinesa – que
permite aos balineses contar uma história sobre suas experiências a si mesmos -, os
ritos da Quimbanda (como meio de expressão de suas representações coletivas)
permitem a determinados agentes recapitular suas próprias experiências sociais,
gerando-se reflexividades diversas. Trata-se de soluções cognitivas para lidar com a
própria experiência social, o que fala de perto aos atores vinculados a tais
experiências, razão pela qual tal sistema religioso emerge como forma significativa e
coerente para aqueles mesmos atores.
Contudo, e ainda em conformidade com Geertz (1978), os sistemas simbólicos
também propõem códigos de ação (ethos) através dos quais os agentes buscam incidir
(ainda que simbolicamente) sobre a realidade circundante. Nesse caso, como visto, o
75
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
ethos da Quimbanda fornece mecanismos simbólicos valiosos não apenas para as
populações periféricas, compondo experiências religiosas que se configuram como
compatíveis com as demandas culturais da situação contemporânea. A primeira
característica central desse ethos se relaciona a uma espécie de pragmatismo religioso
através do qual a Quimbanda emerge como prática diretamente voltada ao
desenvolvimento de soluções místicas adequadas à vida urbana e à realização
pessoal de seus adeptos. Trata-se de uma religiosidade de aflição, segundo a noção
formulada por Fry e Howe (1975) para avaliar as características centrais das
experiências religiosas populares, amplamente ocupadas em atender demandas
básicas relacionadas com as aflições que decorrem das doenças, dos problemas
econômicos e dos distúrbios emocionais. Exus e Pombagiras tendem a aparecer como
centrais na resolução de problemas desta ordem, perspectiva que é recorrentemente
enfatizada nas representações êmicas. Outra característica se refere à ampla
possibilidade de valorização da individualidade verificada nessa prática, a própria
configuração de um sistema religioso “não moralista” favorecendo com que aqueles
que se inserem por esses códigos possam ser aceitos nos termos de suas próprias
singularidades, independente de seus padrões preferenciais de conduta. Dito de
outro modo, a Quimbanda se demonstra compatível com as demandas identitárias
de uma sociedade atual, onde as pertenças e pautas de ação se apresentam como
movediças.
O que nos parece relevante é que se a Quimbanda comporta todos aqueles
atributos valorizados nas pertenças religiosas contemporâneas, os quais são comuns
às próprias congêneres do campo afro-religioso, esta prática possui a capacidade de
potencializar cada uma daquelas especificidades, sejam elas relacionadas às
características de uma religiosidade de aflição ou às perspectivas que projetam todas
aspráticas afro-brasileiras como não moralistas, individualistas e de fortes conteúdos
emocionaise de fascínio. Contudo, certas características cosmológicas de entidades
como Exus e Pombagiras favorecem a potencialização daqueles atributos, pois, por
76
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
um lado, podem ser consideradas como mais eficazes na resolução das aflições
cotidianas, ao mesmo tempo em que, do ponto de vista das questões éticas, podem
sugerir representações ainda mais flexíveis sobre determinados questionamentos
morais. Tudo contribui para que, na Quimbanda, todos aqueles atributos percebidos
como aquilatados nas pertenças religiosas contemporâneas sejam radicalmente
enfatizados, e de modo reiterado, o que em última instância parece abalizar a
expansão desta vertente afro-religiosa no cenário contemporâneo diz respeito à
flexibilidade que esta prática oferece para que os projetos religiosos e profanos
(individuais e coletivos) de seus adeptos sejam compatibilizados. Em síntese, essas
características centrais do ethos quimbandeiro - compatível com as sensibilidades e
demandas religiosas atuais - explicam os motivos da emergência desta forma
religiosa na atualidade. Mas essa adequação à sociedade contemporânea não designa
que este sistema religioso não se conecte a um espaço de enunciação específico,
através do qual uma visão de mundo particular pode ser expressa. Como sugerimos,
tal visão emerge no contexto das margens sociais, e a Quimbanda pode ser
compreendida como a uma espécie de código de reflexão e ação direcionado ao
enfrentamento das realidades urbanas hodiernas, o qual possibilita que até mesmo as
formas de existência e experiência marginalizadas possam ser sacralizadas.
Referências
ANJOS, José Carlos dos. No território da linha cruzada: a cosmopolítica afro-brasileira.
Porto Alegre: Editora da UFRGS / Fundação Cultural PALMARES, 2006.
ASÚA ALTUNA, Raul Ruiz. Cultura tradicional Banto. Luanda: [S.N.], 1985.
AUGRAS, Monique. "De Yiá Mi à Pomba Gira: transformações e símbolos da libido".
In: Carlos Eugênio Marcondes de MOURA (org.). Meu sinal está no teu corpo: escritos
sobre a religião dos orixás. São Paulo, Edicon & Edusp, 1989, p. 14-33.
AUGRAS, Monique. Zé Pelintra, Patrono da Malandragem. Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional.Rio de Janeiro, n. 25, 1997, pp. 43-49.
BASCOM, William. Ifa Divination: communication between gods and man in West
Africa. Bloomington: Indiana University Press, 1969.
BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil.Paris: Press Universitaires de France,
1960.
BIRMAN, Patrícia. O que e Umbanda? São Paulo: Brasiliense, 1985
77
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
BIRMAN, Patrícia. Fazendo Estilo, Criando Gêneros: possessão e diferença de gêneros
em terreiros de umbanda e candomblé no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: EdUERJ,
1995.
BIRMAN, Patrícia. Feitiçarias, territórios e resistências marginais. Mana, Rio de
Janeiro, n°15, vol. 2, p. 321-348, 2009.
BRUMANA, Fernando Giobelina; MARTÍNEZ, Elda Gonzáles. Marginália Sagrada.
São Paulo: Editora da Unicamp, 1991.
CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira de. Kardecismo e Umbanda. São Paulo:
Livraria Pioneira Editora, 1961.
CAMINHOS da religiosidade afro-riograndense, Direção de Rafael Derois Santos,
Rio Grande do Sul, Infinite Filmes – UFRGS / PROREXT, DVD (47 min.) 2014.
CARNEIRO, Edison. Ladinos e crioulos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1956.
CARVALHO, José Jorge de. Violência e caos na experiência religiosa. Religião e
Sociedade, Rio de Janeiro, n°15, vol. 1, p. 8-33, 1990.
CHAMPION, Françoise. Religiosidade Flutuante, Ecletismos e Sincretismos. In:
DELUMEAU, Jean. (Org.). As Grandes Religiões do Mundo. Lisboa: Editorial Presença,
1997.
CONCONE. Maria Helena Villas Boas. O ator e seu personagem. Revista NURES, n.
4, 2006, p. 1-31.
CORRÊA, Norton. Panorama das religiões afro-brasileiras do Rio Grande do Sul. In:
ORO, Ari Pedro. (Org.). As religiões afro-brasileiras do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Editora da universidade / UFRGS, 1994, p. 9-46.
CORRÊA, Norton. O batuque do Rio Grande do Sul. São Luís: Cultura e Arte, 2006.
DANTAS, Beatriz Góis. Vovó Nagô e Papai Branco: usos e abusos da África no Brasil.
Rio de Janeiro: Graal, 1988.
DE BEM, Daniel. Apontamentos sobre formas alternativas de reafricanização em
terreiros de batuque no Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai.Debates do NER,
Porto Alegre, ano 10, n.16, p. 201-224, 2009.
FRY, Peter; HOWE, Gary. Duas respostas à aflição: umbanda e pentecostalismo.
Debate e Crítica, São Paulo, n. 6, p. 75-94, 1975.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas.Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
GERGEN, Kenneth. El yo saturado: dilemas de identidad em el mundo
contemporáneo. Barcelona: Paidós, 1997.
GIUMBELLI. Emerson. O “baixo espiritismo” e a história dos cultos mediúnicos.
Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 9, n. 19, Julho, 2003, p. 247-281.
GIUMBELLI. Emerson. ALMEIDA, Leonardo Oliveira de. O enigma da Quimbanda:
formas de existência e de exposição de uma modalidade religiosa afro-brasileira no
Rio Grande do Sul. Revista de Antropologia, São Paulo, Vol. 64, USP, 2021, p. 1-22.
GOLDMAN, Márcio. A construção ritual da pessoa: a possessão no Candomblé.
Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, ano 5, n. 5, pp. 22-55, 1985.
78
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
HAYES, Kelly. Feiticeiras and donas-de-casa: the afro-brazilian spirit entity
Pombagira and the cultural construction of femininity in Brazil.Sexualidad, Salud y
Sociedad - Revista Latinoamericana, n.2, pp. 49 -71, 2009.
HERVIEU-LÉGER, Daniele. O peregrino e o convertido: a religião em movimento. São
Paulo: Vozes, 2008.
HOUTARD, Françoise. Sociologia da Religião. São Paulo: Ática, 1994.
LAPASSADE, Georges; LUZ, Marco Aurélio. O segredo da macumba. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1972.
LEISTNER, Rodrigo. Os Outsiders do além: um estudo sobre a Quimbanda e outras
‘feitiçarias” afro-gaúchas. São Leopoldo: Tese de Doutoramento em Ciências Sociais,
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, UNISINOS/RS, 2014.
MAGNANI, José Guilherme. Umbanda. São Paulo: Editora Ática, 1986.
MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna: entre secularização e
dessecularização. São Paulo: Paulinas, 1995.
NEGRÃO, Lísias. Entre a cruz e a encruzilhada: formação do campo umbandista em
São Paulo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.
ORO, Ari Pedro. Axé Mercosul: as religiões afro-brasileiras nos países do prata.
Petrópolis: Vozes, 1999.
ORO, Ari Pedro. Religiões afro-brasileiras do Rio Grande do Sul: passado e presente.
Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, ano 24, n. 2, p. 345-384, 2002.
ORO, Ari Pedro. O atual campo afro-religioso gaúcho.Civitas, Porto Alegre, v. 12,
n°.13, p. 556-565, 2012.
ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro: Umbanda. Petrópolis: Vozes, 1978.
PARKER, Cristián. Religião popular e modernização capitalista: outra lógica na América
Latina. Petrópolis: Vozes, 1995.
PARRINDER, Geoffrey. African mythology. London: Paul Hamlyn, 1967.
PEMBERTON, John. Eshu-Elegba: the yoruba trickster god. African Arts, n. 9, p. 21-
27, 1975.
PRANDI, Reginaldo. Herdeiras do Axé: sociologia das religiões afro-brasileiras. São
Paulo: Hucitec - Edusp, 1996.
RADIN, Paul. The winnebago trickster figure. In: LAMBEK, Michael (Org.). A reader
in the anthropology of religion. Massachusetts: BlackwellPublishers, 2002, p. 244-257.
RAMOS, Arthur. O negro brasileiro: etnografia religiosa. São Paulo: Nacional, 1940.
RIO, João do. As religiões no Rio. Rio de Janeiro: Sabor Literário, 2006.
SILVA, Vagner Gonçalves da. Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira.
São Paulo: Selo Negro, 2005.
SIMMEL, Georg. A Religião: ensaios. Vol. 1 e 2. São Paulo: Editora Olho D’água,
2010.
SOUZA, Célia Ferraz de; MÜLLER, Dóris. Porto Alegre e sua evolução urbana. Porto
Alegre: Editora da UFRGS, 1997.
TRINDADE, Liana. EXU - Símbolo e função. São Paulo: FFLCH/USP, 1985.
WACH, Joachim. Sociologia da Religião. São Paulo: Edições Paulinas, 1990.
79
Religare, ISSN: 19826605, v.18, n.1, julho de 2021, p.48-80
WITTE, Hans. Ifá and Esù: iconography or order and disorder. Soest-Holland:
Kunsthandel Luttik, 1984.
Recebido em 31-05-21
Aprovado em 10-08-21
80