PEQUENO ENSAIO SOBRE O EVANGELHO DE JOÃO
1. Introdução
Como já se viu, os evangelhos são interpretações de fé do mistério de
Jesus à luz da Páscoa, alicerçados na história. Não são vidas, biografias, mas
hermenêuticas de Jesus. É uma reflexão de fé do mistério de Jesus. Cada
evangelho apresenta Jesus de uma forma diferente; uma cristologia, isto é, são
textos cristológicos, não para falar só de Jesus, mas endereçados a uma
comunidade particular. O anuncio de Jesus é moldado levando em conta os
problemas da comunidade. Os evangelhos, portanto, não são uma redação
neutra, mas concreta; a Sitz in Lebem de cada evangelho é classificada de acordo
com a sua particularidade.
Exemplos:
Em Mateus, Jesus é o mestre por excelência (os cinco discursos) e o
“Deus conosco”; foi escrito por volta de 85, e é endereçado a uma comunidade
judaica, na Síria.
Marcos escreve para uma comunidade latina perseguida recentemente
por Nero, (ano 70); mostra Jesus como o “servo sofredor”; é o evangelho mais
dramático;
Lucas escreve para uma comunidade helenista, mais ou menos na
mesma época de Mateus, com um nível de escrita bem superior. Apresenta
Jesus como o profeta itinerante, missionário, por causa da sessão da viagem
para Jerusalém (9,52-19,44) e também por que Lucas que o Evangelho deve ser
anunciado ao mundo todo. Lucas sente a urgência missionária no mundo
pagão. Apresentando Jesus como missionário, Lucas antecipa o que os
apóstolos irão fazer em Atos, mostrando Jesus como o modelo a ser seguido
pelos apóstolos em missão.
***
João representa o momento mais maduro da reflexão sobre Jesus. O
aprofundamento mais perspicaz a respeito da pessoa de Jesus. “Se os
evangelhos são pérolas a respeito de toda a história do antigo testamento, o
evangelho de João é a perola das pérolas” (Orígenes). O tempo fez com que a
capacidade de leitura e compreensão aumentasse. De inicio, se podem ver,
como elementos mais característicos, a nível teológico, no Evangelho de João, o
logos que se fez carne, isto é, a encarnação. (Mateus e Lucas falam dos
evangelhos da infância, João vai mais longe). João destaca a preexistência de
Jesus. Ele não é somente o homem que nasce em Belém, mas é Deus antes do
tempo. João destaca muitas vezes a relação de Jesus com o Pai, coisa que se
encontra muito pouco nos evangelhos. Jesus é a revelação do Pai. É claramente
outra ótica, a respeito dos sinóticos.
João mostra a saída (exitus) e o retorno (reditus) de Jesus ao Pai. (Jo 16,28:
Saí do Pai e vim ao mundo; de novo vim do mundo e volto ao Pai). Bultmann
critica esta pericope falando do mito do “redentor gnóstico”, mas que foi logo
desacreditada. João é o único que expressa de forma explicita a divindade de
Jesus. Jesus tem uma relação intima com o Pai, e de fato é Deus. Assim, tem-se
uma grande novidade: um aprofundamento da teologia dos sinóticos, em
particular nessa relação Jesus X Pai. Essa relação implica a preexistência e a
divindade de Jesus. Expressa de forma explícita. Essa perspectiva (da relação
paritária entre Jesus e o Pai) já é preparada pelos sinóticos (fonte Q: Mt 11,27 e
Lc 10,22) (Batismo, Transfiguração, Getsêmani “Abbá”). João não inventa, mas
desenvolve essa temática.
O evangelho de João é uma cristologia muito mais elevada do que a
cristologia dos sinóticos, embora nos sinóticos se encontrem elementos que são
desenvolvidos em João. É um aprofundamento. João coloca a problemática de o
leitor entender quem é Jesus, na sua relação com o Pai. Porém, além da
cristologia, no quarto evangelho é descrita a resposta do ser humano, insistindo
sobre dois elementos, que é a ética de João: a fé e o amor. Ao contrario dos
sinóticos, João nunca fala da palavra “conversão” (Mc 1,15), nunca fala das
prescrições (Mt 5: Jejum, esmola, oração); ao contrário, João sintetiza tudo isso
(o modo de proceder, a ética, vivência) na fé (crer) e no Amor. Nunca fala de fé
em teoria, e sim usa a expressão “crer”, isto é, a fé concretizada.
A respeito de Paulo, a linguagem joanina é bem mais simples, em
espiral. Paulo criou neologismos, para expressar seus pensamentos; muitas
vezes a tradução coloca pontos onde não existe, por causa da continuidade dos
discursos. Paulo tenta expressar tudo, é vulcânico, que chega a expressar-se de
forma complexa. João é extremamente simples, contemplativo. Encanta-se com
a pessoa de Jesus e expressa essa experiência de forma tranquila, serena,
sintética, com frases breves, muito diferente da linguagem de Paulo. João
trabalha em espiral, em um continuo retorno. Exemplo, no corpo do quarto
evangelho são narrados sete sinais, que não são milagres, mas um meio de
apresentar Jesus, dizem que ele é; seu objetivo é, portanto, cristológico.
Exemplo, a multiplicação dos pães indica Jesus como o “Pão da vida”; a cura do
cego, expressa que Jesus é a “Luz do mundo”; a cura de Lázaro mostra que
Jesus é a “ressurreição e a vida”, etc. Através dos sete sinais, João procura
explicitar quem é Jesus.
Apesar da repetição continua para dizer quem é Jesus, a linguagem
joanina não é cansativa, sempre com um sabor de novidade. Além dessa
dimensão simples, há um tom dramático no evangelho. Em todo o texto, perpassa-
se uma luta, uma crítica. Isso por que João, que escreveu entre 90-120, está
situado em um momento de ruptura entre judeus que acreditam e judeus que
não acreditam. Tal situação dramática chega a ser violenta, com palavras
universais contra todos os incrédulos. Isso não é exatamente uma “luta de
religião”, mas um contraste intrajudaico, por que Jesus, que vem como o
Messias de Israel, não é reconhecido por muitos que esperavam o messias. João
escreve um evangelho que é contemplativo, mas também polêmico.
O problema dos dois finais
Nas duas conclusões se encontram elementos que mostram que o quarto
evangelho é uma “seleção”, não é uma vida, biografia. O objetivo é a fé em
Jesus, Cristo e Filho de Deus=cume da compreensão de Jesus. Mas o evangelho
chama atenção para outro ponto: a vida, vida nova, em Cristo. o segundo final
trata do autor, o discípulo amado. Destaca-se na conclusão, que o autor escreve
apoiado na comunidade, e há um “creio” que mostra a mão do autor do
segundo final, este que é um acréscimo:
Cap 21: A pesca milagrosa: catequese acerca da missão da Igreja.
Provavelmente por causa da ineficácia da missão eclesial por causa de judeus
que acreditam ou não; indica a universalidade da missão e o êxito em todos os
lugares da missão (153 peixes=totalidade) a missão leva à eucaristia (pão e
peixe na brasa).
O primado de Pedro: depois das tríplices negações, há a tríplice
afirmação de amor, seguida da tríplice ordem de apascentar ovelhas/cordeiros;
A importância da obra do discípulo amado na Igreja, que não morrerá
fisicamente, mas a palavra dele vai permanecer, sua reflexão a respeito de Jesus.
Lembrar que João é o fruto mais maduro da reflexão acerca de Jesus.
Pode ser que a mais importante das três seja a segunda. A diferença de
Mateus, a comunidade joanina é uma comunidade carismática. Pedro nunca
aparece dotado de poder magisterial e disciplinar, como em Mateus. Ao
contrário, Pedro aparece como o porta-voz dos doze. Não há nenhum discípulo
que manifesta uma autoridade, nem mesmo o discípulo amado. A comunidade
joanina é eminentemente carismática, sempre iluminada e guiada pelo Espírito.
Por que esta insistência do papel magisterial e disciplinar de Pedro neste
acréscimo? À época em que o evangelho de João foi escrito, era o momento da
gnose, isto é, a salvação pelo próprio conhecimento da pessoa, sem a
necessidade de um salvador, isto é, Jesus. Diante desse perigo de heresia, que
João mostra nas suas duas primeiras cartas, sente-se a necessidade de dizer que
a Igreja não é somente carismática, mas institucional. Pedro é o responsável na
Igreja, por causa das heresias. Isso não é novidade. De fato, logo no chamado
dos primeiros discípulos, o terceiro chamado é Simão, chamado logo de Cefas.
(1,35-41) a mudança de nome indica logo a tarefa que Simão desempenhará na
igreja. Entretanto, ao longo dos vinte capítulos, isso não é manifestado. Mas a
comunidade já sabe da sua importância, se não Pedro não teria sido logo
chamado por tal nome no primeiro capítulo. Talvez esse seria o motivo pelo
qual o capitulo 21 é considerado um acréscimo.
2. O CONTEXTO HISTÓRICO DO QUARTO EVANGELHO
Ao longo do evangelho são percebidas algumas questões que aconteceram ao
longo da história. Sendo o quarto evangelho uma cristologia bem desenvolvida,
a comunidade joanina sofreu alguns embates que foram refletidos da redação
do evangelho:
a) Embate com o judaísmo incrédulo:
Sínodo de Jamnia (±90/95): atitude anti-cristã. A septuaginta foi
corrigida; os livros que não entraram no canôn foram considerados apócrifos;
livros que “sujam as mãos”; os livros que não eram considerados apócrifos
foram “canonizados”; Das 18 bençãos judaicas, a 12ª foi modificada em
maldição;
O assassinato de Estevão (At 7,55-60);
O assassinato de Thiago Menor, o irmão do Senhor, na passagem
de Festo para Albino, procurador romano (±62 d.C.);
A morte de Tiago, irmão de João (At 12,2);
As guerras judaicas entre os anos 66 e 70, nas quais os cristão são
aceitos;
Ao longo do evangelho, a polemica interna ao judaísmo é manifestada pelas
expressões:
“expulsar da sinagoga” (9,22; 12,42; 16,2)
“vossa Lei” (8,17; 10,34; 15,25)
Alguns embates e acusações (5,41-47; 7,1-8,48; 10,22-29)
b) O outro embate é a nível interno, com relação aos discípulos do
Batista (1,6-8.15. 20; 3,28-30; 5,33);
c) A polemica antignóstica e antidocetista:
1,14: O verbo se fez carne;
4,6-7: ;Jesus pede: “dá-me de beber!”
11,35: Jesus chorou;
19,34-35: Saiu sangue e água;
19, 28: “Tenho sede”
Com relação à gnose, esta heresia nasceu no Irã, considera um dualismo
na matéria e no espírito; a matéria é negativa; a alma deve ser libertada do
corpo, pois ela é superior a matéria. A salvação é concebida pelo conhecimento
e experiências místicas.
O exegeta Rudolft Bultmann (†1976) considera o mito do “redentor
gnóstico” que vem do céu, ilumina o seu fiel e depois sobe ao céu. Apesar de
Bultmann falar de um redentor gnóstico aparecer no quarto evangelho, a gnose
considera vários “redentores gnósticos”; seria um absurdo para a filosofia a
afirmação de 1,14: “O Verbo se fez carne”.
O texto de 16,28 fala de um exitus (encarnação) e reditus (ressurreição).
3. EVANGELHO DE JOÃO E OS SINÓTICOS
O gênero do evangelho é histórico-querigmático, isto é, acontece na
história e é embasado no anuncio da páscoa. Trata-se de um querigma
alicerçado na história.
Enquanto que os sinóticos comprimem a missão de Jesus em um espaço
de um ano (uma viagem para Jerusalém), o quarto evangelho situa a vida de
Jesus em três anos (três festas da páscoa: 2,13; 6,4; 11,55)
As três viagens que Jesus faz a Jerusalém são feitas em movimento de
subida e descida:
1,28: Bethabara – sobe
2,1: Caná – desce
2,13: Jerusalém – sobe
4,46: Caná – desce
5,1: Jerusalém – sobe
6,1: Galiléia – desce
7, 14: Jerusalém – sobe
Sobre a vida publica de Jesus, faltam:
O evangelho da infância;
A instituição da Eucaristia (embora o cap. 6 seja amplamente
trabalhado este tema);
Transfiguração;
Parábolas (há no quarto evangelho pequenas comparações)
Não há exorcismos (só o do príncipe deste mundo)
Embates com os fariseus (há um embate geral)
Ética (jejum/esmola/oração) preceitos morais...
Isso acontece porque a forma dos evangelhos é bastante fragmentada. A
forma literária de João é uma narrativa ampla, continua. Ela supera a
fragmentação. O evento é sempre acompanhado de um sermão. O sermão
comenta o evento. Um exemplo é o cap. 6 (a multiplicação dos pães e o discurso
do pão).
Há a presença de monólogos: 3,11-21; 5,19-47;
A teologia do quarto evangelho é cristológica, e cristologizante.
Há uma tradição oral que antecede o momento escrito, previamente de
33-90 d.C. sendo semelhante aos sinóticos.
4. A ORGANIZAÇÃO DO TEXTO
O corpo do evangelho é divido em duas partes:
1,1 12,50: LIVRO DOS SINAIS
13,1 21,25: LIVRO DA GLÓRIA
O livro dos sinais é composto do Prólogo (1,1-18), os sinais – de Caná (2,1-11) a
Caná (4,46) (moldura); as festas (Páscoa: 2,23; 6,4; 12,12. Pentecostes,
provavelmente: 5,1-10. Tendas (Sucot) 7,1 (inicio). 14 (meio). 37 (ultimo dia, o
mais solene). Dedicação (anuka) 10,22).
O livro da glória inicia com a cena da Ceia (13,1-30); os discursos de despedida
(13,31-17,26); a paixão (18 -19); a ressurreição (20) e o epílogo (21,1-25).
A perícope da adultera (7,53-8,11) é uma pericope de Lucas. Possui elementos
literários próprios de Lucas: escribas e fariseus (v.3) Monte das Oliveiras (8,1)
nota: este local é chamado com uma expressão sinótica (monte). João o chama
de “torrente de Cedron” (18,1).
Já o capitulo 21 é diferente, porque foi escrito pela comunidade joanina. (ver
menção dos filhos de Zebedeu: 21,2)
Mas, apesar deste relato organizado, há aporias, tensões...
14,31: “Levantai-vos, partamos de aqui!”
12,36b: “Jesus se ocultou...” v. 44: “Jesus clamou...” isto constitui uma moldura,
como o prólogo.
O cap. 16 é semelhante ao 14. Poderia ser uma reelaboração. Destaca muito a
função do Espírito Santo.
Cap. 11,2 e 12,1-8: Maria ainda não ungiu os pés de Jesus, o que só acontecerá
no cap.12, mas este fato já é narrado no cap.11.
Ao longo do evangelho, existem duplicatas, repetições:
31-47: verbo crer/acreditar; discurso de fé/Palavra.
6,22-71: DISCURSO DO PÃO
48,58: discurso eucarístico (verbos de nutrição: comer,
beber...)
Aqui há o esquema da celebração eucarística: 31-47 (Palavra); 48-58 (Pão).
Outra duplicata:
5,25-29: Escatologia: Passar da morte à vida. “Vem a hora...”
5,25-27: Vem a hora... escatologia presente;
5,28-29: Vem a hora... escatologia futura definitiva.
Outra duplicata:
3,31-36: frases de João que poderiam ser atribuídas a Jesus (fora de
contexto).
Ao aparecerem estas questões, pensa-se que o evangelho foi redigido mediante
um processo que levou anos, décadas. Pensa-se no seguinte esquema:
1) Núcleo básico
2) Reelaborações feitas pela comunidade
3) Redator final
Raymond Brown pensa em cinco camadas, um esquema hipotético muito
apreciado por alguns exegetas:
1) Camada do apóstolo: (o discípulo amado, fundador)
2) Tradição oral: catequistas, missionários, teólogos. Época de transmissão
que dura algumas décadas.
3) Primeira redação: escrita por um evangelista, provavelmente na Judeia,
±60, em grego, antes da destruição do templo.
4) Segunda redação, em Éfeso, por um segundo evangelista (±90/100). A
redação desta época reflete algumas tensões, como a polemica com os
judeus da diáspora, os gnósticos e os discípulos do Batista.
5) Redator final (100/120) em Éfeso. Procura recuperar elementos que não
foram inclusos na segunda redação.
O quarto evangelho começa a ser redigido junto com os sinóticos;
Valoriza a tradição oral;
Procura recuperar tudo;
Discípulo amado e Procoro;
Eis aqui algumas pericopes acrescentadas pelo redator final:
1,1-18: Prólogo.
3,31-36: Discurso do batista que provavelmente seria de Jesus
(incongruência).
5,25-27: Escatologia realizada.
6,31-47: Pão da Palavra (o pão eucarístico já é bem manifesto nos
sinóticos).
11,1-44: Ressurreição de Lázaro.
12,36b: “Jesus se ocultou...” v. 44: “Jesus clamou...” isto constitui uma
moldura, como o prólogo.
14,31: “Levantai-vos, partamos de aqui!”
Tudo isso para não perder nada. Por isso, acredita-se que o evangelho já
poderia ter sido iniciado já na época dos sinóticos. O redator final não procura
perder nada.
5. O PROBLEMA DO AUTOR
A autoria do quarto evangelho é atribuída ao “discípulo amado” (21,24). O
discípulo amado é a testemunha e foi quem escreveu (ou mandou escrever). O
discípulo amado é a testemunha do evento pascal.
Escreveu (21,24); mandou escrever (19,19).
Provavelmente o discípulo seria uma testemunha ocular:
Na ceia (13,23);
Permanece aos pés da cruz (19,25-27) enquanto que os outros fogem (16,32);
Viu a água e o sangue (19,35);
Chegou primeiro no túmulo (20,2.8);
Reconheceu o Senhor no mar de Tiberíades (21,7);
Recebe a promessa de perenidade (21,22).
Provavelmente um personagem de relevo no grupo dos doze. É muito próximo
a Pedro (13,24; 20,2-8; 21,7.20) de Maria (19,26) e Maria Madalena (20,1).
Entretanto, este não é o discípulo “amado” por excelência. Este título é um
qualitativo dado pela comunidade. Há outros que Jesus amou:
Lázaro (11,3.5.36);
Os seus que estavam no mundo (13,1).
O discípulo amado é, portanto, cada um que se sente amado por Cristo, que
quando amado, ama. É amado, para amar. (14,21-23; 15,12).
Então, na época do Redator final (100/120) este discípulo já teria morrido.
E o “outro discípulo”, que era peixado do Sumo-sacerdote??? 18,15. Poderia ser
José de Arimatéia ou Nicodemos, mas permanece a forte evidencia de ser o tal
discípulo.
E aquele “outro discípulo” que aparece em 1,35-42??? Se for o discípulo amado,
é então testemunha de toda a Missão pública de Jesus.
Seria João, filho de Zebedeu?
A tradição diz que sim, embora o texto não ofereça suficiente prova. Não
poderia ser Lázaro, nem João Marcos.
Karl Bretschneider, em 1820, considera o texto de Eusébio de Cesaréia ao dizer
que o autor seria João, o presbítero. Seu apoio seria as duas cartas que levam
sua assinatura.
Prevalece a teoria do AUTOR ÍMPLICITO, que é diferente do autor
histórico. Ele é teólogo; é simbologista, gosta da síntese (crer e amar), conhece a
geografia (provavelmente um judeu-cristão) e de terminologias em hebraico:
Betesda (5,2); Gábata (19,13); Gólgota (19,17); notou que a frase “Jesus,
Nazareno, Rei dos Judeus” estava escrita também em hebraico (19,20) e
Rabbuni (20,16).
Interpreta os pensamentos de Jesus (2,24; 4,1; 5,6; 6,6.15.61.64);
Interpreta os pensamentos dos discípulos (2,11.17.22);
Interpreta os pensamentos dos judeus (5,16.18; 7,15);
Fala retrospectivamente (7,39);
É o interprete do leitor (2,11; 6,71; 8,27; 12,33);
Identifica o autor com o discípulo amado (21,24).
A nível literário, o autor gosta de unir sinal e narrativa; gosta de ironias;
A comunidade joanina muda-se para Turquia (Ásia-menor). É
produtora: Evangelho, três cartas e o Apocalipse.
Evangelho: discípulo amado: Jo 21,24;
1ª Carta: contra a gnose, “um segundo autor”, talvez o discípulo
amado;
2ª e 3ª cartas: O Ancião (2Jo 1,1; 3Jo 1,1);
Apocalipse: João de Patmos (Ap 1,4).
O Apocalipse, embora se assemelhe muito ao evangelho, acrescenta muitos
soleísmos, expressões de falar próprias de uma região.
Concluindo: na comunidade joanina há uma preocupação:
Cristológica
Escatológica
Eclesial
6. O EVANGELHO DA LEMBRANÇA
O evangelho portanto, é uma lembrança. Isso é evidenciado em dias perícopes:
A purificação do templo: 2,17-22;
A Entrada messiância: 12,16.
Quem lembra é o Espírito: 14,16.
O evangelho de João é, portanto, o evangelho espiritual, escrito na força do
Espírito. Cirilo de Alexandria o chama de “evangelho pneumático”.
O Espírito aparece no evangelho mediante um esquema de
promessa/cumprimento:
Jesus promente o Espírito: 7,37-39;
Jesus cumpre a promessa: 20,22.
1) O Espírito já atua em Jesus:
1,31-34;
3,34-35;
6,63;
2) Jesus promete o Espírito:
7,37-39
3) A teologia do Espírito é bem evidenciada em:
14,15-17;
14,26;
15,26-27;
16,7-15.
4) Jesus cumpre a promessa do Espírito:
20,22;
Água e luz
A pericope da festa das Tendas (7,37-38), Jesus de pé, gritou
8,12
No quarto evangelho, o Espírito recebe os nomes de:
14,15-17: Paráclito/Espírito da Verdade;
14,25-26: Paráclito/Espírito Santo;
15,26-27: Paráclito/Espírito da Verdade;
16,7-15: Paráclito/Espírito da Verdade;
As expressões “Paráclito” e “Espírito da Verdade” só aparecem no evangelho
de João.
As funções do Espírito são:
14,26: Ensinar e recordar (ensina lembrando e lembra ensinando);
15,26: Dar testemunho;
16,8: Estabelecer a culpabilidade do mundo;
16,13: Conduzir a verdade plena.
O espírito não fala de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido (16,13) e
anuncia as coisas futuras.
O Espírito, portanto tem três funções:
1) Função didático anamnética: Conduzir a Verdade plena (14,26 e 16,13).
(Espírito da verdade). É a verdade revelada e o próprio revelador.
2) Função jurídico-processual [forense]: O Espírito é o advogado
(Paráclito) que defende Cristo (e a Igreja) dos judeus que não acreditam.
14,15.26; 15,26; 16,7: Paráclito (advogado, defensor, consolador)
No grego, vem de −
No latim, ad – vocatus “chamado próximo”
3) Função santificadora: O Pai é a fonte de toda santidade e, portanto,
doador do Espírito.
O Pai doa o Espírito:
Pela oração de Jesus (14,16)
Em nome de Jesus (14,26)
Jesus também doa o Espírito:
De junto do Pai (15,26)
Ele próprio (16,7b)
A comunidade joanina refletiu a identidade de Jesus, sabendo que ele é Deus.
dizer que o Espírito é enviado ora pelo Pai, ora pelo Filho, mostra que a
comunidade amadureceu. No evangelho, o Espírito é doado pelo Pai e o filho
de modo histórico, não trinitário. É econômico, e não imanente.
Bultmann fala de uma série de verbos que tem a mesma correspondência entre
Jesus e o Espírito.
Jesus Espírito
14,9 estar com 14,16
14,25 permanece 17,17
O Espírito também acompanha os discípulos (15,15-17)
convosco (companhia)
O Espírito permanece junto de vós (auxiliar)
Estar em vós (força interna)
O paráclito, segundo a linguagem joanina é qualificado a Jesus e ao Espírito:
O primeiro paráclito: Jesus (1Jo 2,1.2): na carta, Jesus é a oferenda sacrifical
O segundo paráclito: o Espírito (14,16): no evangelho, o Espírito é o defensor em
um contexto jurídico-processual.
7. O TEMA DO PROCESSO CONTRA OS INCRÉDULOS
O Espírito é a testemunha dos acontecimentos (15,26-27).
Verbo “acusar”: 3,20; 5,45; 8,46; 16,8.
Enquanto que no evangelho de Marcos, Jesus é o Servo sofredor, em Mateus, o
Mestre por excelência, em Lucas o profeta itinerante, em João, Jesus é o Verbo
de Deus submetido a um processo como réu.
Isto pode ser demonstrado pelo seguinte esquema:
Testemunhas de defesa Testemunhas de defesa
Acusado Acusadores
Testemunhas de acusação Testemunhas de acusação
Todo o evangelho é um processo geral, que se diferencia do processo histórico,
contido nos capítulos 18 e 19.
O tema do mundo
No evangelho o mundo é apresentado de duas perspectivas:
Positivo:
1,9: O Verbo vinha ao mundo;
1,10: O verbo estava no mundo;
1,29: João aponta Jesus como o cordeiro de Deus que tira os pecados do
mundo;
3,16: Deus amou tanto o mundo...;
3,17: Deus não enviou o Filho para julgar o mundo, mas para salvá-lo;
3,19: A Luz veio ao mundo;
4,42: Os samaritanos dizem: “Esse é verdadeiramente o Salvador do
mundo”;
6,14: Os homens dizem: “Esse é o profeta que devia vir ao mundo”;
6,33: Jesus: O Pão de Deus desce do céu e dá a vida ao mundo;
6,51: Jesus: “O pão que eu darei é minha carne para a vida do mundo”;
8,12: Jesus: “Eu sou a luz do mundo”;
8,26: Jesus: “Eu digo ao mundo tudo o que ouvi...”;
9,39: Jesus: “Vim ao mundo para um discernimento...”;
10,36: Aquele que o Pai enviou ao mundo;
11,9: Quem vê a luz deste mundo não tropeça;
11,27: Marta: “Tu és o Filho de Deus que veio ao mundo”;
12,25: Jesus: “Quem odeia a sua vida neste mundo guarda-la-á para a vida
eterna”;
12,46: “Eu, a luz, vim ao mundo para que aquele que crê em mim não
permaneça nas trevas”;
12,47: (Igual ao 3,17): “Não vim para julgar o mundo, mas para salvar o
mundo”;
13,1: Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim;
16,28: Jesus: “Saí do Pai e vim ao mundo; de novo deixo o mundo e vou ao
Pai”;
17,5: A glória de Jesus existia antes do mundo;
17,6: Jesus: “manifestei o teu nome aos homens que o mundo me deste”;
17,13: A oração de Jesus é no mundo;
17,15: Jesus: “não os tires do mundo, mas os guardes do maligno”;
17,18: Como o Pai enviou Jesus ao mundo, Jesus envia os discípulos ao
mundo;
17,21: “Para que o mundo creia...”;
17,23: “Para que o mundo reconheça...”;
17,24: O Pai ama Jesus antes da fundação do mundo;
18,20: Jesus falou abertamente ao mundo;
18,37: Jesus veio ao mundo para dar testemunho da verdade;
21,25: O mundo não poderia conter os livros que se escreveriam das outras
coisas que Jesus fez.
Negativo:
1,10: O mundo não o reconheceu [o Verbo];
3,19: Os homens preferiram as trevas do que a luz [do mundo];
7,4: “Manifesta-te ao mundo!”;
7,7: Jesus: “O mundo não vos pode odiar, mas odeia-me”;
8,23: Jesus: “Vós sois deste mundo, eu não sou deste mundo”;
12,31: Jesus: “É agora o julgamento deste mundo, o príncipe deste mundo
será lançado fora”.
13,1: Jesus passa deste mundo ao Pai;
14,17: Jesus: “O mundo não pode acolher o Espírito da Verdade”;
14,19: Jesus: “Ainda um pouco e o mundo não me verá”;
14,17: Jesus: “Não dou a paz como o mundo dá”;
14,30: Jesus: “O príncipe deste mundo vem...”;
14,31: O mundo vai saber que Jesus ama o Pai e fez tudo o que ele
ordenou;
15,18: Jesus: “Se o mundo vos odeia, é porque me odiou primeiro”;
15,19: Jesus: “Se vós fosseis do mundo, ele não os odiaria; vós não sois do
mundo. minha escolha os separou do mundo, e por isso o mundo
vos odeia”;
16,8: Jesus: “O Paráclito irá estabelecer a culpabilidade do mundo”;
16,11: Jesus: “O príncipe deste mundo vai ser julgado”;
16,20: Jesus: “O mundo se alegrará com o vosso choro e lamento...”;
16,33: Jesus: “No mundo tereis tribulações, mas, coragem: eu venci o
mundo!”;
17,9: Jesus: “Não rogo pelo mundo...”;
17,11: Jesus: “Já não estou no mundo, mas eles permanecem no mundo”;
17,14: O mundo odiou os discípulos, que não são dele, nem Jesus;
17,16: Eles não são do mundo, nem Jesus;
17,25: Jesus: “O mundo não te conheceu...”;
18,36: Jesus: “O meu reino não é deste mundo. se meu reino fosse deste
mundo, meus súditos teriam combatido para que eu não fosse
entregue aos judeus. Mas meu reino não é daqui”;
O mundo, como já se viu, tem uma perspectiva positiva no evangelho de João.
Significa, de modo geral, a humanidade. Jesus é a luz do mundo, o pão descido
do céu para a vida do mundo, o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
Mas o mundo tem uma preferência pelas trevas (1,10; 3,19). Recusa a
transcendência, o evangelho. Permanece na autorreferencialidade.
No cap. 15 esta referencia é mais evidente: O mundo odeia Jesus e o persegue
(15,18); o mundo incompreende a tal ponto que se torna ódio (15,21). No cap.
16, o discurso da vinda do Espírito Santo (16,7-15) está inserido neste contexto
desta unidade literária.
Alguns exemplos: Jesus fala de sua ida para o Pai (Páscoa) (8,21), mas os judeus
são deste mundo (8,22);
Jesus proclama: “Coragem! Eu venci o mundo!” (16,33) ou seja, destruí esta
mentalidade.
Também o Espírito não pode atuar no mundo (14,17);
Oração de Jesus: ele não quer a danação do mundo (17,9);
Um personagem do mundo é citado: o “Príncipe deste mundo” (12,31-32; 14,30;
16,11). Ele será o verdadeiro condenado no processo.
O mundo é mais amplo que os judeus. É o mundo da incredulidade, porém
abrange os judeus (15,25). Como já se viu, isto é refletido no choque histórico
em Éfeso. Os judeus são uma categoria étnico social, são vistos de modo
positivo (3,25; 4,9.22) e de modo negativo.