Prosas Seguidas de Odes Mínimas Henrique Landm
Prosas Seguidas de Odes Mínimas Henrique Landm
@profhenriquelandim
Prosas seguidas de odes mínimas
José de Paulo Paes
Poesia é... brincar com as palavras
como se brinca com bola,
papagaio, pião.
Só que bola, papagaio, pião
de tanto brincar se gastam.
As palavras não:
Quanto mais se brinca com elas,
mais novas ficam.
Como a água do rio
que é água sempre nova.
Como cada dia que é sempre um novo dia.
Vamos brincar de poesia?
(José de Paulo Paes)
Prosas Seguidas de Odes mínimas
ANO DE ESCRITURA
1992
GÊNERO LITERÁRIO
Gênero Lírico (o livro possui 33
poemas)
03
JOSÉ DE PAULO PAES
José Paulo Paes nasceu em Taquaritinga, interior de São Paulo, em 22 de julho de 1926, e mudou-se para
a cidade de Curitiba em 1944, a fim de estudar Química Industrial. Na capital paranaense, iniciou sua
vida literária, tendo seus primeiros poemas publicados em periódicos, como a revista Joaquim de Dalton
Trevisan, na qual colaborou. Ainda em Curitiba e por iniciativa do pintor Carlos Scliar, Paes teve
publicado seu livro de estreia, O Aluno (1947) obra que rendeu uma resposta de suma relevância: uma
carta de Carlos Drummond de Andrade feita de conselhos e restrições ao poeta estreante. De volta a São
Paulo, o poeta ocupa o tempo trabalhando como químico e editor da Cultrix. Em 1952, após casar-se
com Dora Costa, lança seu segundo livro, Cúmplices, com poemas dedicados à esposa. A obra teve
edição restrita a apenas cinquenta exemplares e foi ilustrada por Nenê, filho de Oswald de Andrade — o
que proporcionaria a Paes o contato com o poeta modernista. Através de Cassiano Ricardo, que
conheceu quando trabalhava como editor, trava contato com os fundadores da poesia concreta, Augusto
e Haroldo de Campos e Décio Pignatari. As marcas desse contato podem ser visualizadas em plenitude
nos livros Anatomias (1967), Meia palavra: cívicas, eróticas e metafísicas (1973), Resíduo (1980) e
Calendário perplexo (1983), todos eles presentes em Um por todos (Poesia Reunida), de 1986. José Paulo
Paes faleceu em 09 de outubro de 1998. Tendo produzido, ensaios e poemas dedicados à infância,
efetuado traduções de poesia e ainda, escrito os livros A poesia está morta mais juro que não fui eu
(1988), Prosas seguidas de Odes Mínimas (1992) e o póstumo Socráticas (2001), obra que reúne os seus
últimos poemas.
04
ANÁLISE DO TÍTULO
Prosas Seguidas de Odes Mínimas
PROSAS ODES
Aquilo que é vulgar, trivial, sem muita Composição poética de aspecto exaltativo
ornamentação poética. A primeira parte muito cultuada entre os gregos. A segunda
do livro é nomeada de prosas. Ela possui parte da obra é nomeada de odes. Ela
20 poemas escritos em versos e alguns possui 13 poemas. Todos os títulos são
com uma escrita à maneira de prosa. abertos com à, às, ao, aos.
@profhenriquelandim 05
CONCLUSÃO (TÍTULO)
O termo "prosa" geralmente se refere a um estilo de escrita que segue a linguagem mais
simples, sem a estrutura métrica e rítmica associada à poesia. Assim, a seção intitulada
"Prosas" pode conter textos mais próximos da prosa tradicional, explorando temas
diversos em uma forma mais livre e de tom narrativo. O termo "odes" se refere a uma
forma poética tradicional que expressa louvor ou admiração por algo. A inclusão da
palavra "mínimas" no título pode indicar uma abordagem estética (escrita) bastante
simples, condição, novamente, relacionada à prosa. Além da relação com o fator escrita,
o termo mínimo alude aos temas apresentados nos 33 poemas. Nesses textos
encontramos a famigerada poética do mínimo, isto é, a tematização de assuntos do
cotidiano, talvez por isso, na contracapa do livro notamos a imagem de uma garrafa e
uma mesa estilizadas. Basta olhar no sumário da obra para notar o quanto ela se volta a
assuntos corriqueiros: “Escolha de túmulo”, “Um retrato”, “Loucos”, “A casa”, “Nana
para Glaura”, “À minha perna esquerda”, “À garrafa”.
06
ODE (conceito)
Uma ode é uma forma poética que tem origens na Grécia Antiga. Ela é caracterizada
por uma expressão lírica de louvor ou exaltação a algo ou alguém. As odes são
frequentemente usadas para celebrar pessoas, eventos significativos, lugares ou
ideias. Elas são conhecidas por seu tom elevado e emotivo, geralmente expressando
sentimentos de admiração, reverência e encantamento. Originalmente, as odes
tinham uma estrutura formal e muitas vezes seguem um padrão métrico específico.
No entanto, ao longo da história, poetas têm variado a estrutura e o estilo das odes de
acordo com suas preferências e contextos culturais. Todas as odes do livro Prosas
seguidas de odes mínimas, de José de Paulo Paes, possuem títulos iniciados com à, às,
ao e aos. Essa expressão indica que a ode é destinada a um objeto ou ser específico.
@profhenriquelandim 07
EPIGRAMA (conceito)
Um epigrama é uma forma poética curta e muitas vezes humorística, que geralmente
expressa uma ideia engenhosa ou uma observação aguda. Essa forma poética tem
raízes antigas e pode ser encontrada em várias culturas ao longo da história.
Caracteriza-se por sua brevidade e concisão, frequentemente apresentando uma
reviravolta inesperada no final para causar impacto. Os epigramas são conhecidos por
sua capacidade de transmitir uma mensagem, muitas vezes satírica, em poucas linhas.
No livro Prosas seguidas de odes mínimas, de José de Paulo Paes, encontramos alguns
poemas com a tônica do epigrama como, por exemplo, o que abre a obra “Escolha de
túmulo”.
@profhenriquelandim 08
DEDICATÓRIA:
“Para a Dona, em vez do rubi de praxe”
Dora é a esposa do escritor José de Paulo Paes. A expressão "em vez do rubi de
praxe" sugere que, em lugar do presente tradicionalmente associado, como um rubi,
entre tantas outras joias, o autor escolhe dedicar a obra à Dona. Assim, as
experiências e as belezas vividas pelo eu são dedicadas à amada. Essa postura, de
certa maneira, é uma provocação à sociedade materialista que a única maneira de
presentear alguém seria por meio de objetos. Essa dedicatória, de certa maneira,
pode conter elementos simbólicos e pessoais que são conhecidos apenas pelo autor
e pela destinatária, condição que não empobrece o texto.
09
DEDICATÓRIA:
“À memória de Fernando Góes, que um dia chamou de Poesias
um livro seu de crônicas”
Fernando Góis foi cronista, crítico literário, ensaísta, e poeta, foi também professor
de jornalismo da Universidade Católica de São Paulo e da Escola Cásper Líbero de
Jornalismo, da capital paulista. A dedicatória destinada a ele é uma provocação de
José de Paulo Paes à rigidez das nomenclaturas literárias que procuram enquadrar
as produções em categorias inflexíveis. Diante disso, José de Paulo faz assiná-la o
seu compromisso com a liberdade de seu fazer literário, visto que os seus poemas
podem ser lidos como prosa ou poesia.
10
A PRODUÇÃO LITERÁRIA
Pontos de contato com:
@profhenriquelandim 10
A PRODUÇÃO LITERÁRIA
Pontos de contato com:
@profhenriquelandim 11
EIXO TEMÁTICO
“Mitologia pessoal”
Metapoesia.
A produção gira em torno,
sobretudo, de(a):
Vultos familiares
12
Existencialismo
@profhenriquelandim
ANÁLISE DOS TEXTOS
UNICAMP
PARTE I: PROSAS
* Possível tradução: “Mas eu quero uma
árvore e sua sombra em vez de mármore”. ESCOLHA DE TÚMULO
O eu pinta uma imagem viva e
Mais bien je veux qu’un arbre sensorial do local desejado para
A referência a Ronsard sugere uma m’ombrage ao lieu d’um marbre seu descanso eterno. A palavra
influência poética ou uma (Ronsard)* "sono" sugere um estado
homenagem ao poeta renascentista Onde os cavalos do sono onírico, e os "cavalos" podem
francês. Essa escolha pode simbolizar batem cascos matinais. representar elementos do
a busca do poeta por uma conexão sonho. A descrição do mundo
mais orgânica com a natureza, que se entreabre em elementos
Onde o mundo se entreabre
enfatizando a transitoriedade e a cotidianos como "casa, pomar e
renovação em oposição à
em casa, pomar e galo galo”. Esses elementos são,
permanência fria do mármore. respectivamente: abrigo,
Onde ao espelho duplicam-se fertilidade / abundância e
O espelho duplicando "as as anêmonas do pranto. recomeço.
anêmonas do pranto" sugere uma
reflexão profunda sobre a Onde o lúcido menino
dualidade das emoções humanas. A propõe uma nova infância. Continuidade da jornada
imagem do "lúcido menino“ espiritual após a morte,
(poeta) propondo uma "nova Ali repousa o poeta. evocando a ideia de que a
infância" pode ser interpretada alma ou espírito do eu não se
como uma visão otimista da encerra, mas continua a sua
renovação e do recomeço.
Ali um vôo termina,
jornada em uma nova forma
outro vôo se inicia.
(1992. p. 13) ou existência.
CANÇÃO DO ADOLESCENTE
A descrição do corpo como "híbrido" ressalta a mistura de características de criança
e homem. Essa imagem sugere uma ambiguidade na identidade do adolescente,
Se mais bem olhardes que está em um estágio de transição entre a infância e a idade adulta. As “rugas”
notareis que as rugas postiças e literárias conferem ao jovem acessórios a fim de apresentar ao mundo
umas são postiças uma imagem, falsamente, adulta.
outras literárias.
Notareis ainda
o que mais escondo:
a descontinuidade
do meu corpo híbrido. A referida “força macabra” é
a expressão de desconforto
Quando corto a rua Que força macabra em relação à própria
para me ocultar misturou pedaços existência ou às limitações
as mulheres riem de criança e homem do corpo. O chamado para
(sempre tão agudas!) para me criar? ser batizado com as
do meu corpo. Se quereis salvar-me "inefáveis" e "assustadoras"
desta anatomia, águas do mundo sugere
As mulheres riem do seu corpo, uma busca por uma
destacando a natureza implacável do batizai-me depressa
experiência que possa,
julgamento social em relação à aparência. com as inefáveis quiçá, levar ao eu
O riso agudo delas pode ser interpretado as assustadoras estabilidade.
águas do mundo.
16
como uma observação mordaz sobre as
(1992. p. 15)
expectativas e padrões estéticos.
A subjetividade poética, neste poema,
Quando vivos, parece se constrói a partir de um retrato na
existir um grande UM RETRATO
parede. A imagem do pai suscita
distanciamento entre pai lembranças das relações de Paes com
e filho. Há nesta parte um Eu mal o conheci esse familiar que mal o conhecia.
questionamento acerca quando era vivo.
da complexidade da alma Mas o que sabe O eu reitera a ideia de sempre haver
humana que se expressa
um homem de outro homem? entre eles uma certa distância.
como um enigama.
@profhenriquelandim 17
As lembranças do Não são muitas as lembranças
sujeito lírico mostra-nos que dele guardo: aspereza
um sentimento de medo da barba no seu rosto quando eu o beijava
quando o pai chegava. ao chegar do trabalho em suas roupas;
o perfil mais duro do queixo
quando estava preocupado;
Os vocabulários empregados
o riso reprimido
para descrevê-lo justifica o
até saltar-se (alívio) motivo das distâncias e das
na risada poucas lembranças que o poeta
guarda de seu progenitor. A
Falava pouco comigo. frieza do pai só era transposta
Estava sempre quando esse soltava uma risada
noutra parte: ou trabalhando para alívio do eu.
ou lendo ou conversando
com alguém ou então saindo
(tantas vezes!) de viagem.
18
Só quando adoeceu e o fui buscar
No dia em que a morte do pai
em casa alheia
A doença do pai instaura se confirma, o sujeito lírico dá
um questionamento sobre e o trouxe para a minha casa (que infinitos
outro lugar para os
a condição humana de ser os cuidados de Dora com ele!)
ressentimentos: “Aí então eu o
mortal. Ressaltando a estivemos juntos por mais tempo. soube mais que ausências.”. Ao
atenção dada a seu pai pela Mesmo então dele eu só conheci carregar o caixão do pai, o poeta
esposa Dora, a convivência a luta pertinaz
com o estado terminal renova-se, o corpo do pai
contra a dor, o desconforto, carrega o peso imenso do
deste, promove uma lição
a inutilidade forçada, os negaceios mundo, e, assim, a identificação
de vida a partir do calvário
de dor, de desconforto, de da morte já bem próxima. para com ele apazigua o rancor
luta pela sobrevivência e as mágoas que assombravam
suscitado pela fragilidade Até o dia em que tive de ajudar o poeta até o momento em que
de um corpo que nega a a descer-lhe o caixão à sepultura. se pôs em frente ao retrato do
morte bem próxima. Aí então eu o soube mais que ausência. pai na parede. “Então o conheci.
Senti com minhas próprias mãos o peso E conheci-me”. O peso do
Ao buscar lembranças do seu corpo, que era o peso mundo é um fato partilhado
dolorosas vivenciadas com o imenso do mundo. com o pai.
pai, o eu lírico se revela nu,
inteiro ao poetizar sobre a Então o conheci. E conheci-me.
mortalidade humana e o Ergo os olhos para ele na parede.
19
peso da vida: “Sei agora, pai,/
Sei agora, pai,
o que é estar vivo”.
o que é estar vivo.
OUTRO RETRATO
A ideia do laço é marcada pela ambiguidade: ali o objeto expressa a ideia do laço
O laço de fita
enquanto mecanismo opressor da mulher (múltiplas obrigações cotidianas) e, ao
que prende os cabelos mesmo tempo, o laço se torna um motivo para o eu lírico pensar em outro modelo
da moça do retrato social enquanto utopia de liberdade destinado às mulheres. Dessa maneira, temos
mais parece uma borboleta. a imagem da mulher, no passado, presa, materializada na fotografia, e a mulher, do
momento presente, enquanto liberdade existencial.
Um ventinho qualquer
e sai voando
O contraste entre a vida retratada e a vida real é acentuado ao
rumo a outra vida descrever as ausências de tarefas domésticas e preocupações
além do retrato. familiares. A lista de elementos do cotidiano real ressalta a
natureza desafiadora e muitas vezes cansativa da vida diária.
Uma vida onde os maridos
nunca chegam tarde Onde não há cozinhas
com um gosto amargo pratos por lavar
Essa imagem sugere a
na boca. vigílias, fraldas sujas
inevitabilidade do
coqueluches, sarampos. distanciamento entre as
gerações e a solidão da
A referência a "outra vida além do retrato" Onde os filhos não vão figura feminina.
aponta para a possibilidade de uma vida um dia estudar fora
imaginada, distinta da representação visual
do passado.
e acabam se casando
e esquecem de escrever. 20
A casa é um símbolo da vida, e os fantasmas representam o
passado que assombra o presente. Os fantasmas são os
A CASA elementos familiares que morreram, mas ainda
permanecem, enquanto memória, na casa.
Vendam logo esta casa, ela está cheia de fantasmas.
Na livraria, há um avô que faz cartões de boas-festas As atividades de cada personagem refletem uma
[com corações de purpurina. dinâmica familiar singular, mas ao mesmo tempo,
Na tipografia, um tio que imprime avisos fúnebres e essas atividades estão carregadas de significados. A
ação do avô conota entusiasmo para com a vida. De
[programas de circo.
outro lado, o tio cria avisos de morte e agendas
Na sala de visitas, um pai que lê romances policiais até festivas. O pai, espécie de “bon vivant” mergulhado
[o fim dos tempos. em entretenimento. A tia, na sala de jantar, espera
No quarto, uma mãe que está sempre parindo a última a própria morte. A prima faz questão de lembrar
[filha. dos conflitos familiares.
Na sala de jantar, uma tia que lustra cuidadosamente o
[seu próprio caixão.
Na copa, uma prima que passa a ferro todas as
[mortalhas da família.
@profhenriquelandim 21
Na cozinha, uma avó que conta noite e dia histórias do
[outro mundo.
No quintal, um preto velho que morreu na Guerra do
[Paraguai rachando lenha.
E no telhado um menino medroso que espia todos eles;
Os vultos familiares continuam aqui presentes. A
[só que está vivo: trouxe até ali o pássaro dos avó, implacável nas assustadoras histórias de outro
[sonhos. mundo, um preto velho, representante de uma
Deixem o menino dormir, mas vendam a casa, vendam- memória traumática associada à nossa história, e o
[na depressa. menino, espécie de “alter-ego” do escritor, todos
compõem o espaço pretérito da casa.
Antes que ele acorde e se descubra também morto.
(1992. p. 33)
22
imediata por meio da própria poesia.
@profhenriquelandim
1
O eu lírico, por meio de um tom, primeiramente negativo,
Pernas questiona a utilidade das pernas, sugerindo que, sem a
para que vos quero? capacidade de dançar e sem a intenção de ir a lugar algum,
uma perna seria suficiente. A reflexão pode indicar uma
Se já não tenho mudança de perspectiva em relação à mobilidade e propósito
por que dançar. na vida.
Se já não pretendo
ir a parte alguma.
Pernas?
Basta uma.
@profhenriquelandim 23
2 enchem o ar
Alusão à rotina O eu lírico, por meio de
de p uma imagem onírica
Desço hospitalar, ato de descer
e subir: condição de a imagina o pé (“amigo
que subo i
imensa dificuldade e sem corpo”) vagando só
desço que n assustando pessoas.
limitação representada
subo a sufocante
pelas “camas imensas”.
camas e o amigo sem corpo
imensas. zomba dos amantes Sentimento de
incômodo diante da
a rolar na relva.
Aonde me levas separação entre o eu
Todas as noites e o pé.
Por que me deixaste
pé morto A perna levou o eu pé morto
pé morto? lírico para um espaço pé morto
Corro, entre fezes hospitalar que possui
a sangrar no meio O distanciamento
de infância, lençóis uma rotina ininterrupta espacial das letras
(“cidade que não
de tão grande sertão? representa o
hospitalares, as ruas
de uma cidade que não dorme dorme”). As “vozes distanciamento
barrocas” podem não entre o eu lírico e a
e onde vozes barrocas não
referir-se às dores sua perna.
humanas de quem está N Ã O !
internado.
3
Dora, porto seguro em um momento de profunda do eu
Aqui estou,
lírico. Ela representa várias faces femininas no imaginário
Dora, no teu colo, masculino (“mãe”, “filha” e “mulher”). No trecho, o eu
nu lírico se apresenta como nu, sugerindo vulnerabilidade e
como no princípio sinceridade, enquanto expressa conexões complexas com a
de tudo. amada.
Me pega
me embala
me protege.
@profhenriquelandim 25
4
@profhenriquelandim 26
5
Chegou a hora
de nos despedirmos
O poema se volta para a perna esquerda,
um do outro, minha cara
anunciando uma separação iminente. A linguagem
data vermibus
formal e a referência ao horário ("às doze em ponto
perna esquerda.
da tarde") podem sugerir uma cerimônia ou
A las doces en punto
procedimento médico. A perna é personificada e
de la tarde
tratada como uma entidade com sua própria "hora"
vão-nos separar
e "espera", adicionando uma dimensão simbólica à
ad eternitatem.
narrativa.
Pudicamente envolta
num trapo de pano
vão te levar
da sala de cirurgia
para algum outro (cemitério
ou lata de lixo
que importa?) lugar
onde ficarás à espera
a seu tempo e hora
do restante de nós. @profhenriquelandim 27
6
@profhenriquelandim 28
7
Os maus passos Mas não te preocupes
Longe quem os deu na vida
do corpo que no instante final
foi a arrogância estaremos juntos
trás da cabeça
doravante prontos para a sentença
a afoiteza seja ela qual for
de caminhar sozinha das glândulas
até o dia do Juízo. contra nós
a incurável cegueira lavrada:
Não há do coração
pressa as perplexidades
Os tropeços de ainda outro Lugar
nem o que temer: Deu-os a alma
haveremos ou a inconcebível
ignorante dos buracos paz
de oportunamente da estrada
te alcançar. no Nada. (1992. p. 55)
das armadilhas
Na pior das hipóteses do mundo.
se chegares
antes de nós O final do poema aborda a ideia de julgamento, sugerindo que a perna não
diante do Juiz deve ser responsabilizada pelos "maus passos". Em vez disso, a culpa é
coragem: atribuída à arrogância da cabeça, à impulsividade das glândulas e à cegueira
não tens culpa do coração. Essa separação de responsabilidades destaca a complexidade da
(lembra-te) existência humana.
de nada.
A bengala é uma extensão do corpo
frequentemente associada ao apoio e à
estabilidade, especialmente para aqueles
que precisam de auxílio para caminhar.
29
Os óculos são uma metáfora a
Os óculos fingem colocar o mundo
respeito da nossa percepção da
AOS ÓCULOS ao alcance dos olhos míopes,
realidade (noção de ideologia).
quando na verdade a nossa
Só fingem que põem concepção de realidade depende de
o mundo ao alcance inúmeros outros fatores
dos meus olhos míopes Os óculos excluem o poeta do verdadeiro acesso ao
mundo. A ideia de exílio sugere um afastamento,
Na verdade me exilam como se a correção da visão não permitisse uma
dele com filtrar-lhe compreensão completa e autêntica da realidade.
a menor imagem.
Mesmo consciente do engano ou da distorção, ele
Já não vejo as coisas expressa gratidão irônica aos óculos por
anteciparem em sua visão. Na verdade, o eu lírico
com são: vejo-as como eles querem
possui uma consciência clara a respeito de como o
que as veja. mundo é construído por meio de ideias (óculos).
Logo, são ele que vêem,
não eu que, mesmo cônscio
do logro, lhes sou grato
Essa estrofe reforça o tom irônico da estrofe
por anteciparem em mim anterior. A alusão ao personagem Édipo é
o Édipo curioso
30
um símbolo da busca pela verdade e pelo
de suas próprias trevas. conhecimento.
(1992. p. 63)
O eu faz alusão à caneta como sendo algo nobre e distinto.
No entanto, ele alega que essa nobreza é mortificada ao ser
usada para registrar notícias, escrever bilhetes ou assinar
À TINTA DE ESCREVER promissórias, todas elas sendo manifestações efêmeras e
passageiras da nossa contemporaneidade.
Ao teu azul fidalgo mortifica
registrar a notícia, escrever Encontramos aqui o desejo de que a tinta fosse usada
o bilhete, assinar a promissória para escrever em suportes mais duradouros, como o
esses filhos do momento. Sonhas pergaminho, simbolizando uma arte mais longa em
contraste com a brevidade da vida. O eu sugere que a
mais duradouro o pergaminho tinta poderia ser aplicada de maneira mais significativa,
onde pudesses, arte longa em vida breve representando a acidez do epigrama, as lágrimas da
inscrever, vitríolo o epigrama, lágrima elegia e a solidez do bronze na epopeia.
a elegia, bronze a epopeia.
O eu lírico reconhece a realidade da contemporaneidade,
Mas já que o duradouro de hoje nem que o duradouro não espera nem mesmo a tinta do
espera a tinta do jornal secar, jornal secar. Ele aconselha a tinta azul a firmar sua
"promissória ao minuto", indicando a necessidade de se
firma, azul, a tua promissória
adaptar à velocidade do presente. O poema conclui com
ao minuto e adeus que agora é tudo História. a ideia de que, uma vez registrada, a história se despede
(1992. p. 65)
rapidamente, sugerindo a efemeridade do momento.
31
O eu lírico inicia o texto declarando que ele não é alguém
propenso a extremos. Essa afirmação sugere uma
preferência pela moderação e equilíbrio em vez de
adotar posições radicais ou extremistas. Diante disso,
voltamos ao título do poema que é uma alusão à postura
moderada do eu lírico.
AO COMPROMISSO
32
A abertura do poema sugere que a garrafa não é apenas um recipiente físico, mas
À GARRAFA também uma lição em contenção e autocontrole racional. A palavra "astúcia" implica
uma habilidade sutil e inteligente em conter não apenas líquidos, mas também emoções
Contigo adquiro a astúcia ou impulsos, uma metáfora para a vida e suas complexidades. A estreiteza do gargalo
de conter e de conter-me pode ser vista como uma metáfora para os limites ou desafios que enfrentamos ao
Teu estreito gargalo tentar conter certas experiências ou emoções.
é uma lição de angústia
Esses versos exploram a natureza transparente da garrafa, que permite que o
Por translúcida pões interior seja visto do lado de fora e vice-versa. Isso cria uma dinâmica interessante
o dentro fora e o fora dentro entre o conteúdo e o recipiente, sugerindo uma interação entre o que está contido
par que a forma se cumpra e o ambiente externo. A busca pela forma e a ressonância do espaço destacam a
estética e a influência mútua entre o contido e o contenedor.
e o espaço ressoe.
Aqui, o eupersonifica a garrafa, sugerindo que ela pode ficar "farta" da constante
Até que, farta da constante prisão imposta por sua forma. A ideia de saltar da mão para o chão e se estilhar,
prisão da forma, saltes ainda que personificando a garrafa, pode evocar a ideia de libertação ou
da mão para o chão autodestruição, como um ato de rebeldia ou busca pela liberdade.
e te estilhaces, suicida,
numa explosão O poema termina com uma imagem impactante, descrevendo a garrafa se estilhando em uma
de diamantes. "explosão de diamantes". Essa imagem sugere uma transformação radical e até mesmo uma
(1992. p. 69) beleza na autodestruição, conferindo à quebra da garrafa uma qualidade poética e luminosa.
À TELEVISÃO A televisão, enquanto instrumento de alienação, oferece informações
instantâneas, como o boletim meteorológico, que pode substituir a necessidade
empírica de sair para verificar as condições climáticas. Há uma ironia no
Teu boletim meteorológico
questionamento "Para que ir lá fora?", sugerindo uma certa comodidade em
me diz aqui e agora receber informações sem sair de casa.
se chove ou se faz sol.
Para que ir lá fora?
A expressão "Aposentei os dentes" é cômica para indicar que,
A comida suculenta metaforicamente, ele está saboreando a comida apenas com
que pões à minha frente os olhos, sem a necessidade de comer fisicamente.
como-a toda com os olhos.
Aposentei os dentes. A monotonia ou falta de emoção na vida real pode contrastar com a riqueza
emocional apresentada na televisão. O eu lírico pode encontrar nas narrativas
Nos dramalhões que encenas televisivas uma fonte de vivacidade, drama e emoção que parece ausente de
há tamanho poder sua própria vida cotidiana.
de vida que eu próprio
nem me canso em viver.
A conclusão do poema é marcada pela decisão do eu lírico de "pregar sua
Guerra, sexo, esporte porta", sugerindo um isolamento voluntário. A televisão, ao fornecer uma
- me dás tudo, tudo. variedade de entretenimento e informações, pode criar uma sensação de auto-
Vou pregar minha porta: suficiência, a ponto do eu sentir que não precisa mais do mundo exterior.
já não preciso do mundo.
(1992. p. 71)
AO SHOPPING CENTER
A imagem dos "círculos" sugere uma repetição sem fim, talvez representando a monotonia e
Pelos teus círculos a falta de propósito na busca pelo consumo desenfreado. O uso da metáfora "almas
penadas" destaca a ideia de que os consumidores estão vagando, alienadamente, sem rumo.
Vagamos sem rumo
nós almas penadas
do mundo do consumo.
O uso das palavras "céu" e "inferno" sugere uma ironia, indicando que,
De elevador ao céu embora os shoppings possam representar um paraíso de consumo,
também podem ser vistos como lugares de excesso (inferno).
pela escada ao inferno:
os extremos se tocam
no castigo eterno.
Cada loja é um prego na cruz do desejo do
consumidor alienado. Os pregos que, ao mesmo
Cada loja é um novo tempo, geram dor, também aprisionam ainda o
Prego em nossa cruz. homem em uma rotina de compras. Por isso, o
Por mais que compremos sentimento é de sempre de vazio (“sempre nus”).
estamos sempre nus
se inflama e acendem
o forno
do pão
a luz
na escuridão
a pira
da paixão A mudança de imagens, desde o pão até a revolução, destaca a versatilidade
do fósforo como símbolo. A pergunta final convida o leitor a refletir sobre se
a bamba as associações mencionadas se referem literalmente ao fósforo ou se sugerem
da revolução. uma metáfora mais ampla, possivelmente relacionada à criação poética.
De cearense sedentário
Ao descrever características como "sedentário", "lacônico", "perdulário",
Baiano lacônico,
"cerimonioso", "modesto" e "preguiçoso", José Paulo Paes pode estar
Mineiro perdulário apontando para comportamentos que ele percebe como negativos ou
indesejáveis, sem necessariamente atribuí-los a uma região específica. Essa
Deus nos guarde. abordagem permitiria uma crítica mais ampla e genérica a comportamentos
considerados inadequados, independentemente da origem geográfica.
De carioca cerimonioso
gaúcho modesto
paulista preguiçoso Essa expressão, segundo a compressão geral do
poema, pode reforçar a ideia de que o autor está
Deus nos livre e guarde. expressando sua preocupação ou desaprovação em
(1992. p. 77)
relação a esses comportamentos.
37
AO ESPELHO
A referência à "pedagogia de avessos" pode sugerir
O que mais me aproveita que a reflexão no espelho ensina sobre aspectos
em nosso tão frequente opostos ou inversos da pessoa, possivelmente
comércio é a tua revelando as nuances e complexidades do eu.
pedagogia de avessos.
Fazem-se em nós defeitos As "virtudes" são transformadas em "defeitos", sugerindo uma
as virtudes que ensinas: distorção na percepção. O "brilho de superfície" e a "profundidade
o brilho de superfície mentirosa" indicam uma reflexão sobre a superficialidade e a falsidade
a profundidade mentirosa que podem surgir na busca por uma imagem idealizada.
o existir apenas
no reflexo alheio.
No entanto, sem ti
Sequer nos saberíamos
o outro de um outro
outro por sua vez
de alguém outro, em infinito
corredor de espelhos.
Isso até o último
Vazio de toda imagem
Espelho de um si mesmo
anterior, posterior
a tudo, isto é, a nada. (1992. p. 79)
AO ALFINETE
A imagem do “infinito às avessas” sugere o que alfinete é como um ponto final
(fator limitador). A ideia de aprender "a língua mais perversa" com a ponta do
A tua cabeça
alfinete pode indicar a capacidade do objeto de limitar línguas perigosas.
é um infinito às avessas.
Com tua ponta aprende
a língua mais perversa. O eu lírico destaca a dualidade do alfinete. Por um lado, ele é descrito como
"piedosamente escondendo obscenos rasgões", indicando sua função de
reparar danos. Por outro lado, o alfinete é associado à criação de roupas,
Piedosamente escondes sugerindo sua utilidade no processo de costura e design.
obscenos rasgões.
Com prender o molde ao pano
uma roupa lhe impões. Essa estrofe aborda a linguagem da ambição e como o alfinete é relegado a um
papel modesto e genérico. O uso da expressão "Perde a mulher ao homem"
No idioma da ambição pode sugerir que, na busca por objetivos maiores ou mais ambiciosos, a
só ao módico dás nomes: atenção é desviada dos detalhes simples e essenciais. E assim, homens e
“Algum para os alfinetes” mulheres saem perdendo.
Perde a mulher ao homem.
A última estrofe explora a ideia de desvalorização do pequeno. As coisas
Mas se cais ao chão ninguém simples muitas vezes são negligenciadas ou subestimadas. O "muxoxo de
se rebaixa em colher-te. desdém" enfatiza o menosprezo dado ao alfinete, pois é rotulado como
Com um muxoxo de desdém "um simples alfinete".
diz: “É um simples alfinete”.
(1992. p. 81)
A UM RECÉM-NASCIDO
para José Paulo Naves
Que bichinho é este O eu-lírico começa questionando a natureza do recém-nascido, destacando sua
tão tenro fragilidade e vulnerabilidade. A referência ao "peso do seu próprio nome"
tão frágil sugere a novidade da existência e a carga simbólica que vem com a identidade.
que mal aguenta o peso
do seu próprio nome?
- É o filho do homem.
- É o filho da fome. Essa estrofe guarda certa ambivalência: há a ideia da amamentação da criança,
mas, ao mesmo tempo, o eu parece usar a “teta” como imagem erótica no
Que bichinho é este futuro da criança. Por isso, logo na sequência temos uma afirmação que a
que por milagre cessa criança é filha do mundo.
o choro assim que pode
mamar numa teta
túrgida, madura?
O eu destaca a expressão dos braços do bebê como se buscasse alcançar seus
- É o filho do mundo. próprios sonhos, sugerindo uma inocência e uma aspiração iniciais.