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Cultura e Desenvolvimento Humano

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Cultura e desenvolvimento humano

Danilo Miranda

A cultura pode ser entendida como fenômeno da criação humana que mantém
fortes relações com o imaginário, com as idéias e com as diferentes formas de
expressão de sentimentos e emoções, entre as quais se destacam a arte e a
literatura. Este artigo aborda em especial este último aspecto. Nesse se
argumenta que o acesso aos bens culturais é uma das principais ferramentas de
transformação humana e de aproximação entre as pessoas, possibilitando o
reconhecimento da diferença como algo positivo, componente fundamental para
a construção da igualdade na diversidade. A cultura digital, que se apóia em
novas tecnologias da comunicação, potencializa a transmissão do
conhecimento, incidindo principalmente na velocidade com que circulam novas
informações, e pode ser uma das ferramentas de aproximação cultural e
mudança. Contudo, essa maior difusão de bens culturais demanda novas
políticas culturais que incidam sobre a infraestrutura – espaços e equipamentos
– que permitam aos agentes sociais operacionalizarem suas idéias. Salienta-se
que mais que criar novos espaços é preciso atentar para aqueles já existentes,
cabendo ao poder público o fomento, mas não a gestão direta das ações
culturais.

Palavras-chave: cultura; literatura; cultura digital; políticas culturais

Cadernos Cenpec 2010 n. 7


Culture and human development
Danilo Miranda
Culture can be understood as a phenomenon of human creation that keeps
strong relations with the imaginary, with ideals and with the different forms of
expression of feelings and emotions, among which art and literature stand out.
This article approaches in particular the latter aspect. Here, it is claimed that the
access to cultural assets is one of the main tools for human transformation and
approximation among people, permitting the acknowledgement of different as
something positive, a fundamental component for the construction of equality in
diversity. Digital culture, that leans on new communication technologies,
potentiates the transmission of knowledge, impacting mainly the speed at which
new information circulate, and may be one of the tools for cultural approximation
and change. However, that higher dissemination of cultural assets demands new
cultural policies that focus on the infrastructure – spaces and equipment – that
permit the social agents to make their ideas operational. It is highlighted that,
more than creating new spaces, it is necessary to care for those already existing,
and the public authorities are to take responsibility for the incentives, but not the
direct management of cultural actions.

key words: culture; literature; digital culture; cultural policies

Cadernos Cenpec 2010 n. 7


artigo

Cultura e
desenvolvimento
humano

A
Danilo Miranda *

Duas culturas

cultura sempre teve papel primordial em todos os


momentos da história da humanidade, seja do ponto de
vista da criação e transmissão de conhecimento, seja como
antítese da natureza, com a criação de uma condição hu-
mana, na qual dois conceitos de cultura emergem: um de-
les, antropológico, diz respeito à herança social da huma-
nidade, à transmissão de usos e costumes de uma geração
para outra; o outro conceito relaciona-se ao conhecimento
especificamente, agrupado por áreas, e, apesar de estar
incluído no conceito mais amplo de cultura, pode ser se-
parado: é o que poderíamos chamar de erudição.
A cultura, num sentido amplo, engloba criação e trans-
missão de uma visão de mundo, de conhecimento, de ex-
periência de vida, de emoções; ela estrutura uma relação
com a natureza, formas de socialização, relação com os
outros, o pensamento simbólico. Enfim, tudo isso é cul-
tura e isso sempre teve um papel central na vida do ser
humano em geral.
Cada vez mais se tem consciência disso; cada vez
mais se percebe que o ser humano é sujeito e objeto des-
se processo, é o motor desse processo. Essa dupla condi-
ção de sermos agente e resultado de um processo exige
que tenhamos uma percepção mais clara de nossa con-
dição. E isso, quem proporciona é a cultura no seu sen-
tido amplo. Ela é o centro desse processo.

* Danilo Miranda é sociólogo e Diretor Regional do Serviço Social do


Comércio de São Paulo - SESC-SP. Texto elaborado a partir de entre-
vista concedida a Thais Lima.

foto à esq.: obra “macuxi” do artista euflávio góis, 2008. autoria: verônica manevy.

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A cultura é toda a experiência humana acumulada, é jar; sobretudo, essa coisa do belo, da expressão estéti-
prospectiva, todo vir a ser, tanto com relação ao conhe- ca, aquilo que provoca a sensação do bem-estar e, às ve-
cimento físico sobre o planeta quanto ao comportamen- zes, de mal-estar diante de uma obra de arte.
to dos seres humanos e sua expressão artística, mate- Contemplamos e dizemos: “Que coisa maravilho-
rial ou imaterial. A cultura pergunta e responde diaria- sa”, seja um quadro, um poema, uma música etc. Che-
mente sobre o dia-a-dia, sobre como fazer, como viver, gamos a um grande refinamento desse conceito particu-
se alimentar, se vestir, morar... Enfim, absolutamente lar de cultura. Nessa perspectiva, temos de ter um cui-
tudo que o ser humano faz é cultura. dado maior sobre a importância desse fenômeno cultu-
Dominar a tecnologia, dominar toda a informação dis- ral específico, da expressão artística do ser humano en-
ponível, com relação àquilo que imaginamos para nós, quanto criador.
para o futuro, para aquilo do chamado imaginário, para Cada vez mais, percebemos como essa faceta ganha
aquilo que temos de mais humanamente interior e não uma importância maior. Vivemos uma realidade na qual
material. A cultura lida com o material e com o imate- o ser humano busca satisfação, prazer, conforto. Busca-
rial. Dentro da cultura, podemos incluir todas as experi- mos insistentemente melhoria da qualidade de vida. Pelo
ências humanas, todas as relações humanas, todas as menos essa é a missão daqueles que têm uma preocu-
questões que o ser humano já levantou no decorrer de pação e atuação do ponto de vista social, comunitário e
sua existência, desde sua sobrevivência até seu devir, público. Essa é a missão das instituições públicas, dos
seu futuro, aquilo que ele projeta. estados com relação aos seus cidadãos. Essa é a missão
Vejo a cultura, no seu sentido antropológico, como o daqueles que se preocupam com os indivíduos em socie-
fenômeno central do ser humano. A cultura, nesse sen- dade, com a educação, com a difusão da arte.
tido mais amplo, antropológico, que começa com o nas- Se recorremos ao passado para mostrar as glórias e
cimento do indivíduo e termina com a morte. Desde que as mazelas do ser humano, temos um caminho vastís-
nasce, o ser humano respira cultura. O fenômeno cultu- simo pela frente. Cada vez mais, percebemos que essa
ral vai do primeiro choro ao último suspiro. Essa visão questão do conhecimento, da cultura, do imaginário, do
ampla da cultura nos possibilita perceber sua importân- simbólico, do expressivo, são facetas de uma mesma re-
cia absolutamente vital, radical, focal, central. alidade. Tudo vai ganhando, para o ser humano, uma im-
Contudo, na reflexão que procedemos, podemos fo- portância cada vez maior na criação, no desenvolvimen-
car um pouco melhor alguns conceitos e trabalhar a ideia to de sua existência, de sua vida.
da cultura enquanto o fenômeno da criação humana, do Percebo que o lugar da cultura, enquanto esse co-
imaginário, da capacidade de trabalharmos com ideias, nhecimento específico, vem se tornando cada vez mais
com propostas, com a expressão de sentimentos e emo- importante, tanto do ponto de vista da sociedade como
ções por meio da arte e da literatura. um todo, quanto do indivíduo. Nós, cidadãos que valo-
Então, chegamos àquele ponto que talvez seja a pers- rizamos o conhecimento literário e artístico, queremos
pectiva mais refinada da questão cultural, ou seja, a nos- cada vez mais nos apropriar dele, ou, para usar uma pa-
sa capacidade de gerar informação, conhecimento, nos lavra do sistema, queremos consumi-lo. Essa última ex-
expressarmos por meio dos mais diversos mecanismos pressão não me é muito cara, não a aprecio, pois se re-
que o ser humano criou: o olhar, a fala, os gestos; a per- fere a bens culturais como produtos comerciais, merca-
cepção, a emoção; enfim, todos esses sentidos que nos dorias. Não me agrada quando manifestações culturais
fazem ter contato uns com os outros, com nosso entorno são apresentadas como produtos de consumo.
e com algo particular e grandioso do ser humano: uma Vejo os bens culturais muito mais como expressão
relação consigo mesmo. do espírito humano; assim, como tal, não são quantifi-
Abordamos esse conceito mais particular da cultura, cáveis, precificáveis; não devem ser colocados em em-
referente à expressão das manifestações artísticas e do balagens; não são passíveis de serem tratados como sa-
desejo do ser humano de se mostrar, de se exprimir, de bonete, escova de dente ou geladeira.
protestar, de provocar, de apontar caminhos, enfim, de Vejo a cultura, nas suas especificidades, como a gran-
simplesmente manifestar sua forma de criar, de criar be- de, a extraordinária, a fantástica ferramenta de mudan-
leza, de provocação, denúncia, de criar o que bem dese- ça e transformação real do ser humano. Desse modo,

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tem um papel central e prioritário para transformar o ser diram” os cânones em determinado momento? Trans-
humano, que nasce e recebe essa formação no decorrer gressão de cânone, de alguma forma, é inerente à pro-
de sua vida. Ele pode transformar-se num cidadão mais dução cultural permanente. Transgressão de cânone es-
consciente, participante, envolvido e preocupado consi- tético. Precisamos ter cuidado com os cânones morais.
go e com os outros, com seu entorno, com seu ambiente, Precisamos verificar se são passíveis de transgressões.
com sua sociedade. A cultura tem esse papel. Muitas vezes, mudamos nossos usos e costumes. Mas
A cultura, enquanto erudição, é fundamentalmen- essas mudanças precisam estar embasadas em rigoro-
te um processo de assimilação de informação na qual sas reflexões éticas.
a educação formal ou não formal, no sentido da ade-
quada transmissão de conhecimento, tem um papel re- A pluralidade do ser humano
levante.
O ser humano tem necessidade de encontros, diálogos,
A importância da experimentação convivência; ele cria e resolve conflitos; sem falar nas
diferenças étnicas, religiosas, políticas. Essa heteroge-
A cultura, como tudo que demanda informação, experiência neidade é a cultura, do ponto de vista antropológico, en-
e conhecimento, vive fundamentalmente da experimenta- quanto herança social, criação e transmissão de conhe-
ção, do contato permanente com novas ideias, novas pro- cimento, usos e costumes. Essa cultura é uma realização
postas. Falar de experimentação significa falar de vida, de social, anônima. Toda a sociedade participa da sua cria-
processo de renovação permanente, significa dar oportu- ção e socialização.
nidade para quem cria continuar criando sempre. A outra cultura, aquela que podemos caracterizar
Mesmo quando alguém repete uma experiência, está como conhecimento científico e tecnológico, como ex-
particularizando aquele gesto, está experimentando: pressão artística de sentimentos e emoções, demanda
para ele, é novidade. Mantém esse caráter experimen- uma convivência diferenciada, mais específica. Pressu-
tal, embora outros já tenham feito o mesmo. põe um indivíduo em permanente diálogo, em contato
Por outro lado, a criação, o experimento original, com o outro, com a necessidade do outro.
deve acontecer utilizando-se critérios morais socialmen- Vamos nos restringir ao campo artístico. Não existe
te aceitos. A reflexão ética é fundamental, porque impli- produção artística sem a possibilidade de ser vista, mos-
ca o respeito ao outro, ao meio ambiente, ao direito de trada, experimentada por outro. O escritor, quando es-
todos, ao equilíbrio de todos, para que a igualdade ab- creve, supõe que alguém vai lê-lo; o pintor, quando pin-
soluta do ser humano, com seus direitos, seja promovi- ta, supõe que alguém vai ver sua obra.
da e respeitada. É verdade que já existem alguns caminhos, às ve-
Essa questão é fundamental e tem de estar presente zes meio estranhos, meio centrados num extremo indi-
em toda criação, em toda nova experiência. No mundo, ti- vidualismo, por parte de algumas manifestações artís-
vemos muitas experiências desastrosas do ponto de vista ticas. Mas acho que elas não prosperam, porque a rela-
humano. No filme Arquitetura da Destruição, isso fica ain- ção com o outro, a questão da alteridade, é fundamen-
da mais evidente, lembrando o que aconteceu no regime tal e inerente à obra de arte. Da mesma forma que o ou-
nazista e suas experiências desumanas inomináveis. tro me dá sentido, o outro dá sentido à obra de arte, na
A cultura, enquanto ação pública, tem de estar fun- medida em que ela se constitui como comunicação de
damentada na moral e resistir a uma reflexão ética. Ago- emoção e de sentimento. E, se esse conteúdo não che-
ra, as experiências que se fazem no campo da estética, gar a um receptor, não existe comunicação.
no campo da manifestação do ser humano em todos os A grande experiência humana com relação à cultura
setores, nas artes em geral, só fazem sentido se provo- em geral e às artes em particular constitui um fenôme-
carem, no ser humano, o estranhamento, a curiosidade no absolutamente extraordinário. Todos nós experimen-
e uma certa indagação ética. tamos esse contato desde criança com aquilo que é pro-
O que seria da arte, como já se foi dito muitas vezes, duzido a nossa volta, aquilo que aprendemos a ler e a
se não déssemos espaço para todas as experimentações perceber melhor. A questão do contato, da convivência,
anteriores dos nomes que, de alguma forma, “transgre- é inerente a esse processo. No decorrer da vida, vamos

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recebendo, avançando, co- vez no sentido físico, mas não no sentido social, psico-
nhecendo instrumentos em lógico e cultural. Porém, ao mesmo tempo, muitos indi-
que esse processo se dá víduos se escondem diante daquela tela. Eles estão em
de maneira mais comple- contato com o mundo, mas se convertem em simples re-
ta, mais frutífera, com me- ceptores. Abandonam o lado emissor.
lhores resultados. Há também essa necessidade de nos aproximarmos
Tive a possibilidade, des- dos outros, do contato, da convivência no dia-a-dia,
de muito cedo, de me envol- para participar de questões, debates, e trazer, de algu-
ver com a experiência artística de ma forma, uma contribuição para as questões que nos
modo geral, com todas as formas ar- são propostas.
tísticas, seja do ponto de vista musical, li- Nós vivemos uma realidade muito paradoxal: temos
terário, seja ponto de vista mesmo das artes visuais e, tudo a nossa disposição e falta muita coisa para mui-
inclusive, da experiência religiosa – que tem um lugar ta gente. Não é simplesmente em função de uma visão
destacado em qualquer cultura. caritativa, cristã, que devemos tentar fazer com que to-
Cada pessoa, a seu modo, vai juntando e consoli- dos tenham acesso a tudo. Não é apenas por formação
dando suas experiências e capacidades para poder dar educacional.
conta, no futuro, no decorrer de sua vida, de tudo aquilo É por uma questão absolutamente humana. Além da
que traz e vai acrescentando no seu dia-a-dia. Junto com questão religiosa, que alguém pode assumir, e também
tudo isso, há sempre a questão da convivência, dos gru- questões de princípios políticos, há uma circunstância
pos nos quais estamos inseridos, nas situações que vi- absoluta e totalmente humana. Ou seja, não tem sentido
vemos. Tudo isso nos faz, ao mesmo tempo, reproduzir imaginarmos uma sociedade no mundo inteiro na qual se
e recriar a cultura, tanto no sentido de erudição quanto produza 100 e apenas 20% ou 10% da população ou da
no antropológico. humanidade têm acesso a quase 80% da riqueza.
Isso não é uma questão social, nem religiosa, nem
O desafio é conviver com a diversidade política. É uma questão humana.
Desejarmos, por outro lado, que haja uma igualdade
Acho, sinceramente, que a arte, de modo geral, é um absoluta para o ser humano – quando temos diferenças
instrumento fantástico de aproximação das pessoas. E profundas entre nós – também não é uma coisa simples
o mundo cada vez mais isola de um lado e aproxima de de ser alcançada e achar que isso pode ser resolvido de
outro. É curioso isso. Não raro, a tecnologia de alguma uma hora para outra. Mas deve haver um equilíbrio en-
forma nos afasta da convivência. Ficamos horas, às ve- tre essas questões.
zes, vendo e consultando a internet. Há certo ensimes- Para atingirmos esse equilíbrio, é fundamental levar-
mamento muito forte. Podemos nos isolar. mos em conta a diversidade, o respeito à liberdade. O
De fato, quando estamos diante de uma tela de com- ser humano só vai realmente ter um padrão de bem-es-
putador, estamos muitas vezes em contato com o conhe- tar maior na medida em que grande parte dessa huma-
cimento, com o mundo. Temos uma janela extraordiná- nidade puder desfrutar dele.
ria a nossa disposição, coisa que há muito pouco tem- Isso é uma questão humana. Não é uma questão re-
po não existia. ligiosa, nem política. É uma questão absolutamente ba-
Nós tínhamos janelinhas. Hoje temos uma vitrine seada no direito de o ser humano ter acesso aos bens
imensa, uma grande janela permanentemente aberta a que a natureza colocou a sua disposição. Se queremos
nossa frente. Podemos também estar em contato como igualdade, como é que vamos lidar com a diversidade?
muita gente. Aquilo não está ali friamente. Qualquer in- Como equilibrar essas duas tendências? O que é a di-
formação que está na tela significa dezenas, centenas, versidade?
milhares, milhões de pessoas atrás dela – inclusive, cada A diversidade é, talvez, um dos aspectos mais curio-
um de nós pode estar criando e difundindo informação sos do nosso processo civilizatório. Aceitar como meu
e conhecimento. amigo, companheira ou companheiro, enfim, colocar ao
Aquela tela, em si, não é um isolamento absoluto. Tal- meu lado alguém que seja parecido comigo, igual, que

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tenha hábitos semelhantes, tenha as formas de se ali- ainda muito distante. Isso não quer dizer que seremos
mentar e de se vestir e de entender o mundo iguais às todos iguais, e sim que somos iguais na diferença, nós
minhas formas e modos etc., me acrescenta algum méri- todos nos reconhecendo como seres humanos, identifi-
to, mas não é um mérito tão extraordinário assim. cando o diferente como ser humano, com direito à vida
Agora, por respeito à condição humana, por convic- e a sua cultura.
ção, eu aceitar alguém ao meu lado que pensa diferen- E o outro momento é o respeito à diversidade. So-
te de mim, que tenha visões diferentes com relação ao mos iguais e diferentes. Essa é a frase. Ou, se preferir,
mundo, à história, ao passado, ao futuro; uma pessoa somos diferentes e somos iguais. Não pode haver pre-
que se alimenta diferente de mim, acredita em outras coi- ferência nem de um lado e nem de outro. O respeito é
sas nas quais eu não acredito, que é diferente, é diver- a diferença – o fundamento da igualdade está aí. Tudo
sa de mim, isso me acrescenta muito mais. Nessa con- isso para dizer o seguinte: a cultura, enquanto erudição
vivência, eu cresço. e expressão de sentimentos e emoções, tem um papel
A grande questão da humanidade hoje diz respeito vital nesse processo. O conhecimento pode ajudar nes-
a essa não aceitação, diz respeito a essa dificuldade do se processo de lidar com a diferença, lidar com o dife-
convívio. Há uma questão cultural fundamental, do pon- rente, exercitar a tolerância, o respeito ao outro, a acei-
to de vista antropológico. O conflito é o resultado de tudo tação do diferente, mesmo com dificuldade, onde se per-
isso e faz parte do processo. Porém, uma coisa é admi- mite até o conflito.
nistrar um conflito porque alguém pensa de um jeito e
eu penso de outro; nós temos um conflito efetivo. Outra A arte como fator de mudança
coisa é acirrar essa posição e não admitir sua presença,
nem a convivência e, se puder, tirar da frente, eliminar Com frequência, discuto muito essa questão do precon­
o outro, seja no sentido de não me interessar por essa ceito, de visão a respeito do outro. O preconceito como
convivência, ou, o que é mais radical, no de retirá-lo sim- resultado de uma educação, de um tipo de socialização,
plesmente da vida. pode ser grave, mas é explicável. É o caso de pessoas
Essa questão é o grande desafio do ser humano: que não tiveram a possibilidade de refletir sobre esses
como lidar com a diversidade e como lidar com a igual- preconceitos.
dade. A igualdade é a maior conquista civilizatória. Não Porém, se essas pessoas cultas, informadas, com
se pense que ela é tão universal como a gente imagina acesso à informação e ao conhecimento, mantiverem
ou gostaria que fosse porque, hoje, ainda no mundo, a discriminação racial, religiosa, sexual, estão cometen-
sensação, o conceito, o fundamento da igualdade ain- do uma falha grave.
da é muito questionável. Receber uma educação preconceituosa é algo com
Se se levar em conta, por exemplo, a posição com re- que a sociedade toda já se acostumou e é absolutamen-
lação à mulher em todo o mundo, esse sentimento da te comum. Manter esse preconceito no decorrer da vida
igualdade é algo que ainda exige uma evolução, um cres- é outra coisa.
cimento, uma melhoria de entendimento, no qual o prin- Uma cidade que não está acostumada a lidar com
cípio da igualdade seja colocado em todos os padrões, posições diferentes do ponto de vista político, do ponto
em todos os sentidos, em todas as questões. Isso ainda de vista do gosto artístico, terá dificuldade de aceitar um
é uma quimera para a sociedade. conjunto de música jovem de vanguarda. Provavelmente,
Isso também acontece com relação a muitas outras existirá algum conflito. Emergirá o preconceito.
“minorias” – está entre aspas porque chamar um con- Contudo, acho importante os gestores da cultura sabe-
junto de mulheres de minoria é um absurdo, na medida rem que esse tipo de provocação, digamos, de confronto, é
em que elas correspondem a mais da metade da popu- importante para o surgimento de novas ideias, desde que
lação mundial. feito com inteligência, com ponderação, com cuidado.
O grande momento do atingimento, do ápice do pro- É o caso do conflito entre experimentação e cultura
cesso civilizatório será no dia em que a igualdade for as- popular. É indispensável confrontar o velho e o novo; fa-
sumida de maneira absoluta e total no mundo inteiro, em zer uma ação somente voltada para um lado ou para ou-
toda a humanidade, o que para mim é uma perspectiva tro é um equívoco grave de gestão.

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Eu me assusto um pouco quando, muitas vezes, as pes- Devo aceitar alguma coisa de dentro da instituição ou
soas que falam em nome, por exemplo, da cultura popular algo de fora que está sendo proposto? Devo fazer uma
não admitem nem de longe tratar daquilo que é novo, di- coisa que contemple, digamos, muita gente ou vou con-
ferente, contemporâneo. Esbravejam: “Faço isso para pre- templar um grupo menor, mas que poderá influenciar
servar nossa cultura”. Não acho que isso é preservar. Se posteriormente mais gente?
essa pessoa se isola nessa posição, não estará preservan- No SESC, temos permanentemente de lidar com essa
do a cultura popular. Estará criando um gueto que não vai dualidade. Isso faz parte da administração, especialmen-
sobreviver. Não tem a menor chance de sobreviver. te no campo da cultura.
Por outro lado, também, impor uma cultura nova no Vou dar um exemplo bem interessante: há muitos
lugar tradicional, na marra, na força, também é um equí- anos, recebemos um grupo de dança muito sofisticado
voco. Isso deve ser feito de maneira absolutamente in- de Nova York, um grande mestre internacional da dan-
teligente e adequada. ça, que era uma coisa realmente extraordinária, em re-
Por isso acho importante os gestores culturais com- lação à qual era preciso ter um cuidado muito especial
preenderem esse balanço entre as coisas, entre o igual na composição do palco, na luz, no som etc.
e o diverso, entre o de fora e o de dentro, entre o popu- Foi feita essa apresentação para um grupo de pesso-
lar, a cultura popular e a experimentação, entre esses as que tinham interesse, desejo, e era importante por-
polos, digamos, contrários, aparentemente conflituo- que aquele grande autor, aquele grande nome, suscita-
sos, mas que têm como se conciliar e, de alguma forma, va muitas questões e, sobretudo, era muito importante
caminhar juntos. para outros artistas.
Foi feita em parceria com uma outra instituição, numa
A eterna tensão entre o tradicional e a inovação das nossas unidades, com todos os cuidados técnicos
e artísticos necessários. Uma semana depois, nós rece-
Lidar com o novo e com o tradicional é absolutamente bemos, naquele mesmo espaço, naquele mesmo palco,
indispensável e é importantíssimo que se respeitem to- com o mesmo cuidado técnico, com o mesmo cuidado
das as tendências. artístico, com a mesma atenção e com a mesma divulga-
Eu tive uma formação religiosa. Fui seminarista jesu- ção publicitária, um grupo de jovens de uma comunidade
íta. Na minha formação, estudei latim, grego, humanida- carente de São Paulo que foi mostrar lá a sua dança.
des etc. Há uma frase latina que sempre me ocorre nes- Para nós, a consideração, o respeito é exatamente
sas horas: oportet illa facere et haec non omiterre. Tra- o mesmo. Qual foi o espetáculo mais importante para
duzida, quer dizer: pode-se fazer uma coisa sem deixar nós? Os dois foram importantes. É nisso que acredita-
de fazer outra. Na prática é isso, ou seja, como conciliar mos: lidar de maneira igual com os diferentes; trabalhar
os contraditórios? Nesse sentido, acredito que o grande de maneira que se respeitem as diversas tendências,
mistério da administração em geral, da administração de contemplando toda a sua variadíssima clientela, divul-
pessoas, da administração de recursos humanos, tem a gando especialmente aqueles que têm menos possibi-
ver com essa habilidade de lidar com o conflito, de lidar lidade de se mostrar.
com polos antagônicos. Aí entra o critério social, a necessidade de dar aten-
No caso de uma instituição como o SESC, que dirijo ção àqueles que têm menos possibilidades. São crité-
há alguns anos e que lida com a cultura em diversas di- rios indispensáveis para administrar eventos culturais
mensões, abordamos a questão do bem-estar, com pro- do ponto de vista da sociedade, do ponto de vista do
gramas voltados para as mais variadas populações. Aten- interesse público, que é o que tem de prevalecer. Mas
demos todo tipo de gente, de todas as idades, com todo precisamos ter o discernimento de propor algo inovador,
tipo de tendência, com características das mais variadas para poucos, mas que pode significar, no futuro, novida-
– urbanas, rurais –, públicos bem diferentes, com dese- de para muitos.
jos e perspectivas diferentes. Nós estamos sempre op-
tando por decisões que são colocadas na mesa de ma-
neiras antagônicas: devo contemplar o tradicional ou fa-
zer algo novo?

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O cyberativismo entre o tradicional e a inovação Antigamente, nós tínha-
mos computadores muito
Não podemos fazer qualquer consideração sobre cultura precários. É o que dizemos
sem considerar o poder das redes, a cultura digital, o cy- hoje. Naquela época, eram
berativismo e as novas tecnologias da comunicação. fantásticos. Lembro-me de
Não é uma realidade futura, é uma realidade presente. que eu estava estudando
Nós já temos uma experiência extraordinária no uso dessa ainda no colégio interno, em
tecnologia de uma forma absolutamente fantástica e que Nova Friburgo, nos anos 1950,
tende somente a aumentar e ampliar-se. Tenho a impres- quando fui ao Rio de Janeiro pela
são de que nós estamos vivendo uma nova era civilizató- primeiras vez e vi, numa universida-
ria graças ao progresso das tecnologias da comunicação de, um negócio chamado Cérebro Eletrônico
e à facilidade com que temos acesso à informação. – um antigo nome de computador. Ele ocupava um an-
Comunicação, informação. Isso nos remete a uma dar de um prédio com um monte de máquinas: esquen-
nova sociedade. Sou muito otimista em relação a isso. tava muito, tinha um processamento muito demorado.
Talvez algumas pessoas imaginem que seja exagero da Mas era uma coisa extraordinária. Isso em 1955.
minha parte, mas eu diria que se nós tivermos a popu- Depois disso vieram os computadores e os centros de
lação de países antagônicos com acesso pleno às infor- processamento de dados que eram muito importantes, e
mações e ao conhecimento, os conflitos civis violentos todas as empresas começaram a obtê-los. Aos poucos,
certamente tenderão a diminuir. Já pensou? Diferentes eles se transformaram em redes de micros. Hoje, a in-
disputas para as melhores sinfonias; ou dança, ou deter- ternet, a maior rede mundial de armazenamento e trans-
minada música; ou quem faz melhores esculturas. Pen- missão de informação e de conhecimento, provocou uma
sando bem, as Olimpíadas e os campeonatos esportivos grande revolução na história da humanidade. O ser huma-
são formas pacíficas de competição. no sempre criou conhecimento e o transmitiu, mas nunca
Acredito que uma das formas de superação dos con- de maneira tão rápida e em tanta quantidade.
flitos é o conhecimento. O conhecimento contribui para Eu me lembro que quando fiz um curso na Suíça, nos
a redução do conflito. Quanto mais conhecimento sobre anos 1970, nós tivemos acesso aos computadores da uni-
o outro – conhecimento efetivo, afetivo, não preconceitu- versidade de Harvard. Estando na Suíça, a gente tinha
oso –, melhor será nossa relação com ele. Se temos in- acesso aos computadores de Harvard para uma consul-
formação sobre determinada pessoa (a não ser que haja ta: tínhamos hora marcada para fazer uma ligação telefô-
más intenções, ou outro tipo de elemento), dificilmente nica e era algo extremamente lento para nossos padrões
interrompemos um diálogo, o primeiro passo para uma atuais. Mas na época era muito interessante, absoluta-
convivência saudável. mente extraordinário.
Assim, conhecendo-se bem, havendo uma boa inten- Também nessa ocasião, descobri uma coisa que se
ção entre as pessoas, não vejo como elas possam entrar chamava fax, que vem da palavra fac-símile, que quer
em conflito para se destruírem. dizer igual, cópia de alguma coisa. E fac-símile era o xe-
O conhecimento, de alguma forma, elimina barreiras. rox à distância. Eu achava maravilhoso. Só existia no cor-
Se eu passo a conhecer o que o outro faz, como o outro reio da Suíça. Ia-se ao correio, pegava-se um papel, co-
pensa, como ele age etc., eu passo a ter maior facilidade locava-se numa máquina que o lia e o transmitia para
para entendê-lo e compreendê-lo. À medida que a infor- outro lugar. Era o xerox à distância. Eu achava aquilo ex-
mação e a comunicação se tornam presentes de modo traordinário.
mais intenso nesse processo tecnológico todo, nós par- Naquele tempo, havia o telex, uma máquina que en-
timos para outro nível de civilidade. viava mensagens por meio de uma fita perfurada. Usá-
Lento, gradual, difícil, complicado, demorado, tudo vamos um teclado como de máquina de escrever, que o
bem, mas acredito que caminhamos na direção da con- convertia numa fita, que era decodificada no receptor. Já
vivência pacífica, porque a tendência é que aumente o era um grande avanço.
acesso à informação e ao conhecimento, em função do De lá para cá, isso tudo parece jurássico; tudo desa-
progresso tecnológico. pareceu. Chegaram os computadores de mesa, o e-mail,

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Tenho consciência
muito clara de que
nós avançamos, mas Tenho consciência muito clara de que nós avança-
mos, mas avançamos correndo riscos – avançando o
avançamos correndo tempo todo porque somos humanos e temos, do nos-
riscos – avançando o so lado, tendência a fazer o melhor sempre. Claro que,
ao mesmo tempo, temos também tendência a praticar o
tempo todo porque somos pior mal possível. A civilização e a barbárie trabalham
humanos e temos, do nosso absolutamente paralelas, juntas. Isso é o ser humano,
isso é a humanidade.
lado, tendência a fazer Como corrigir isso? Acho que com a informação, a
comunicação, esse processo cada vez mais avançado,
o melhor sempre. Claro a construção de redes, essa facilidade de ter acesso ao
que, ao mesmo tempo, mundo todo de maneira quase imediata. Hoje, ninguém
pode ter dúvida de nada. Quando alguém pergunta:
temos também tendência a “Quando morreu Beethoven?”, a resposta chega em se-
praticar o pior mal possível. gundos, por meio do celular. E, se a pessoa quiser, tem
acesso a toda a vida dele, às músicas que compôs, a áu-
A civilização e a barbárie dios e vídeos de suas sinfonias.
Claro que isso não é ainda para a humanidade in-
trabalham absolutamente teira. É aquela história que eu dizia da igualdade. O
paralelas, juntas. Isso é dia que for, aí muda tudo. E aí vai ser inevitável: imagi-
no, realmente, um mundo de avanço com todas as difi-
o ser humano, isso é a culdades, com todos os equívocos, com essa situação
humanidade. caótica criada no mundo da riqueza virtual que está aí
presente e que foi um grande e terrível problema, para
o qual certamente vamos buscar caminhos mais equili-
brados no futuro. Portanto, a minha perspectiva é sem-
pre muito otimista.
os lep e pal tops, que podemos levar para qualquer lu-
gar. Agora temos algo que cabe na nossa mão, que é te- As políticas culturais farão a diferença
lefone, máquina fotográfica, computador que acessa a
internet... Para onde nós vamos? Acredito que a maior ou menor rapidez na difusão da
Daqui a pouco, vamos ter um botãozinho no anel que informação, da arte, do conhecimento, depende funda-
apertamos e projetamos numa parede o que desejamos. mentalmente de boas políticas culturais. O Brasil avan-
Ou no ar, como se fosse uma holografia. Aliás, já há algo çou muito nesse sentido. Contudo, as demandas são
parecido por aí. imensas. São demandas tanto do ponto de vista da in-
O avanço da comunicação, do ponto de vista tecno- fraestrutura quanto do fomento, da estruturação de ne-
lógico, é cada vez maior. Ou seja, a comunicação e a in- cessidades e da operacionalização de ideias.
formação também estão cada vez mais facilitadas: para Quanto à infraestrutura, nós temos um caminho gran-
o que há de melhor e para o que há de pior, e a socieda- de a percorrer, no nível nacional, estadual, municipal...
de vai também se ajeitando, corrigindo, tentando bus- Temos avançado muito e temos conseguido organizar
car soluções. ações que atendam a essa necessidade. Quando falo in-
Tenho para mim que a formação de rede para to- fraestrutura, refiro-me a espaços, equipamentos. A estru-
dos os objetivos, para aumentar o conhecimento, man- tura é propriamente a legitimidade e os meios pelos quais
ter intercâmbio, trocar informação, construir ideias, so- a criação cultural e artística pode transitar, ser difundida
luções, resolver problemas dos mais variados no mun- e apreciada, como ideia, conceito ou prática.
do, se torna cada vez mais fácil. A rede é uma ferramen- O Ministério da Cultura tem trabalhado muito nessa
ta cada vez mais útil. direção, na criação do sistema nacional de cultura, que,

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para mim, é algo que tem de dar falando de concursos, de festivais,
conta do processo de informação. de iniciativas as mais variadas no
Mas como se trata de um sistema País inteiro que deem conta disso,
que pretende organizar suas par- que permitam que o poder públi-
tes em todo território nacional, co- co, em todos os três níveis, seja ca-
ordenando-as entre si, há ajustes paz de atender às necessidades da
que ainda deverão ser feitos quando área cultural. Infraestrutura e fomen-
as questões preponderantes até o mo- to são mais importantes do que ação di-
mento (como a preocupação com o fluxo de reta, mais do que a gestão das ações cultu-
decisões) e o estabelecimento dos fluxos finan- rais. Essa é consequência.
ceiros estiverem superados, ou puderem ser mais bem Aqui, entramos no campo do fomento e das leis de
previstos. Outro aspecto crítico para o qual os gestores incentivo que têm sido, ultimamente, a grande fonte de
do sistema devem estar atentos é com relação à burocra- apoio para a ação cultural. Acho indispensável. Evoluí-
cia do Estado que, mesmo sem querer, pode modificar mos muito e temos de evoluir mais. Só precisamos to-
o andamento dos processos e a qualidade dos resulta- mar dois grandes cuidados.
dos. Portanto, é possível que o Sistema, mais como me- Primeiro, com a utilização do recurso público, do in-
todologia do que como estrutura burocrática, aprimore centivo fiscal, para ações de caráter privado que têm o
a qualidade da comunicação social prevista na difusão cunho de publicidade empresarial. É claro que a lei está
cultural, para ganhar agilidade. aí, mas a ela deve ser cuidadosamente cumprida para
Estamos avançando, estamos melhorando, mas fal- promover a cultura e não financiar a publicidade.
ta muita coisa ainda em todos os níveis. Recentemen- O segundo elemento diz respeito, sobretudo, ao ca-
te, foi criado um instituto nacional de museus. Se isso é ráter educativo da cultura – que, para mim, é fundamen-
realmente uma coisa que vai permitir cumprir essa mis- tal. Refiro-me ao caráter educativo: é o interesse público
são, acho fantástico e, daqui para frente, acho melhor que deve nortear o processo de difusão cultural incenti-
que cresça. Com relação à infraestrutura, tenho uma vi- vado. Isso quer dizer que devemos favorecer aquele ar-
são bem clara e acho, com relação à questão física das tista, literato, ou grupo de artistas que não tenha uma
estruturas que, mais do que criar espaços novos, deve- carreira consolidada, que precisa ser mais cuidadosa-
mos nos preocupar com os espaços já criados. mente amparado.
Muitas vezes, políticos e gestores imaginam manter Acho importante reafirmar: as ações culturais incen-
ou colocar o seu nome numa plaquinha na porta de um tivadas devem ser presididas pelo interesse público. Te-
novo edifício. Temos muita coisa que precisa ser manti- mos de evitar a utilização desses recursos de uma for-
da, restaurada, recuperada. Estou falando de patrimônio ma inadequada, simplesmente publicitária ou merca-
histórico, museus, casas de espetáculos, centros cultu- dológica.
rais. E isso é no Brasil inteiro. Empresas privadas que eventualmente desejem, por
Esta é a primeira variável sobre a qual precisamos conta própria, investir recursos na cultura, que o façam
nos debruçar: infraestrutura. A infraestrutura no senti- independentemente da lei. O que não pode é depender
do da informação e desenvolvimento. Nós temos de criar exclusivamente do mecanismo de incentivo cultural.
essa modalidade. Por exemplo: formar bons gestores de Eu acredito que a ação cultural é uma ação pública.
cultura e espalhá-los pelo País; dar elementos para que Portanto, é preciso aumentar os recursos públicos pro-
toda essa rede imensa de Pontos de Cultura tenha condi- venientes da arrecadação dos impostos, direta e exclu-
ções de exercer bem o seu papel de gestores, de alguém sivamente voltados para a cultura, devidamente contro-
que entende o que fazer com o recurso, como utilizá-lo, lados, além desses dos atuais incentivos fiscais.
como dar conta desse recurso de uma maneira adequa-
da. Tudo isso tem a ver com gestão.
E, com relação ao fomento, quando falo em fomento
quero falar da criação de oportunidades para o surgimen-
to dos criadores, daqueles que desejam participar. Estou

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