Morte e vida severina foi um dos livros que, concomitantemente com “O rio”,
consagraram João Cabral de Melo Neto, um dos gênios da literatura brasileira. Sua
sensibilidade e escolha sintática sobressaltam os olhos do leitor, que, imerso, se deleita
em cada verso, minuciosamente concebidos. Mais que um retrato sobre a infeliz vida
sertaneja, Morte e vida severina contrasta conceitos e implicações de vida e morte,
levando o leitor a rever suas próprias concepções acerca de ambos.
O poema ilustra a história de Severino, o qual, a fim de tentar fugir da seca
nefasta do sertão, seguindo “um rosário de que a estrada fosse a linha”, vai em direção
ao Recife, na Zona da Mata, norteado pelo rio Capibaribe. Ao chegar, imagina que sua
vida mudaria para sempre: enfim, a prosperidade, uma nova chance, uma nova história.
Em todas as paragens perpassadas por Severino, todavia, rodear-se-ia de “excelências”
fúnebres, cortejos, coveiros e mortos — encontros não muitos animadores, no mínimo.
À princípio, aos desavisados, pode parecer que a jornada se resumirá às descrições das
desgraças e infortúnios do povo nordestino, fadado à aridez das planícies da Caatinga.
João Cabral usou uma série incessante de morbidez nos primeiros dois terços para
enaltecer e reluzir a vida, tema prioritário da última seção da obra.
Severino tendo chego, pois, à Recife e sofrido penosa desilusão tendo em vista
que a terra prometida que outrora idealizara mostrou não emanar leite e mel, pensa em
desistir, jogar-se em um rio e fazer cessar suas amarguras. A confabulação que se segue
entre Severino e seu José, além de fazer o primeiro repensar acerca de seus anseios,
revela a genialidade de João Cabral. Seu José é também um “severino”, vivendo uma
“vida severina”, com felicidades parcas e sofrimentos muitos; uma vida dura tal como o
solo que por vezes inúmeras regou com seu suor. Apesar de todas as adversidades, seu
José estava disposto a continuar lutando por sua vida, todos os dias. “Severino, sou de
Nazaré Maria, mas tanto lá quanto aqui, jamais me fiaram nada: o dia de cada dia cada
dia hei de comprá-la”. Ele entendia o valor da Vida. O nascimento do filho de seu José
intensificou sobremaneira a mensagem final da obra: o propósito da vida é a própria
vida; é continuar vivendo e dar continuidade à espécie.