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O Caminho Do Tarot - Alejandro Jodorowsky, Marianne

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Tí­tu­lo ori­gi­nal LA VOIE DU TA­ROT

Copy­right © Édi­ti­ons Al­bin Mi­chel, 2004

Tra­du­ção Ale­xan­dre Bar­bo­sa de Sou­za


Re­vi­são Gui­lher­me Vi­lhe­na e Li­li­an Aqui­no
Ca­pa e pro­je­to gráfi­co Gus­ta­vo Pi­quei­ra | Ca­sa Rex
Pro­du­ção do e-bo­ok Schaf­fer Edi­to­ri­al

Da­dos In­ter­na­ci­o­nais de Ca­ta­lo­ga­ção na Pu­bli­ca­ção (CIP)


J63

Jo­do­rowsky, Ale­jan­dro; Cos­ta, Ma­ri­an­ne


O ca­mi­nho do ta­rot / Ale­jan­dro Jo­do­rowsky e Ma­ri­an­ne Cos­ta. Tra­du­ção de Ale­xan­dre Bar­-
bo­sa de Sou­za. – São Pau­lo: Edi­to­ra Cam­pos, 2016. (Se­lo Cha­ve).

Tí­tu­lo ori­gi­nal: The way of ta­rot: the spi­ri­tu­al te­a­cher in the cards.

ISBN 978-85-63137-74-6

1. Fi­lo­so­fia. 2. Me­ta­físi­ca da Vi­da Es­pi­ri­tu­al. 3. Eso­te­ris­mo. 4. Ta­rô. 5. Car­tas do Ta­rô. 6. Ar­-


ca­nos. 7. Ar­te do Ta­rô. I. Tí­tu­lo. II. Jo­do­rowsky, Ale­jan­dro. III. Cos­ta, Ma­ri­an­ne. IV. Sou­za,
Ale­xan­dre Bar­bo­sa, Tra­du­tor. V. Se­lo Cha­ve.

CDU 133.5 CDD 133

Rua Araú­jo, 124 1º an­dar 01220-020 São Pau­lo SP


Tel. 55 11 3211-1233 www.cha­ve­li­vros.com.br
Apre­sen­ta­ção, por Ma­ri­an­ne Cos­ta
In­tro­du­ção, por Ale­xan­dro Jo­do­rowsky

PRI­MEI­RA PAR­TE
ES­TRU­TU­RA E NU­ME­RO­LO­GIA DO TA­ROT
Com­po­si­ção e re­gras de ori­en­ta­ção
A nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot
Cons­truir a man­da­la em dez eta­pas
As on­ze co­res do Ta­rot

SE­GUN­DA PAR­TE
OS AR­CA­NOS MAI­O­RES
O Lou­co
I. O ma­go
II. A Pa­pi­sa
III. A Im­pe­ra­triz
II­II. O Im­pe­ra­dor
V. O Pa­pa
VI. O Na­mo­ra­do
VII. O Car­ro
VI­II. A Jus­ti­ça
VI­I­II. O Ere­mi­ta
X. A Ro­da da For­tu­na
XI. A For­ça
XII. O En­for­ca­do
XI­II. O Ar­ca­no sem no­me
XI­I­II. Tem­pe­ran­ça
XV. O Di­a­bo
XVI. A Tor­re
XVII. A Es­tre­la
XVI­II. A Lua
XVI­II.I O Sol
XX O. Jul­ga­men­to
XXI. O Mun­do
TER­CEI­RA PAR­TE
OS AR­CA­NOS ME­NO­RES
Os graus da nu­me­ro­lo­gia
Os Trun­fos ou Fi­gu­ras

QUAR­TA PAR­TE
O TA­ROT DE DOIS EM DOIS
Os duos das du­as séri­es de­ci­mais
Os ca­sais do Ta­rot
Pa­res de so­ma XXI
Su­ces­são nu­méri­ca e trans­la­ção Cha­ves pa­ra a lei­tu­ra de du­as car­tas

QUIN­TA PAR­TE
A LEI­TU­RA DO TA­ROT
Pri­mei­ros pas­sos
Ler três car­tas
Ler qua­tro car­tas ou mais
Ler dez car­tas ou mais

Con­clu­são: o pen­sa­men­to ta­róti­co


Apre­sen­ta­ção

Co­mo es­cre­ver um li­vro so­bre o Ta­rot? É o mes­mo que ten­tar es­va­zi­ar


o mar com um gar­fo...
Já há qua­se qua­ren­ta anos, o tra­ba­lho de Ale­jan­dro Jo­do­rowsky
abor­da a mul­ti­pli­ci­da­de di­nâ­mi­ca do Ta­rot: lei­tu­ras pú­bli­cas, au­las, en-­
con­tros, con­fe­rên­cias... Se ele ti­ves­se trans­cri­to in­te­gral­men­te to­do es-­
se ma­te­ri­al, te­rí­a­mos mui­tas de­ze­nas de mi­lha­res de pági­nas apai­xo­na-­
das e de­sor­ga­ni­za­das, abor­dan­do a ca­da pas­so di­ver­sos as­pec­tos des­sa
ar­te que não se dei­xa cir­cuns­cre­ver em ne­nhum ti­po de ri­gi­dez.
Co­mo is­so não foi pos­sí­vel, e era pre­ci­so fa­zer um li­vro, um úni­co,
nós to­ma­mos, Ale­jan­dro e eu, a de­ci­são de apre­sen­tar o Ta­rot por ân­gu-­
los su­fi­ci­en­te­men­te va­ri­a­dos, pa­ra que a obra pu­des­se ao mes­mo tem­po
ser­vir de ma­nu­al aos ini­ci­an­tes e de re­fle­xão aos ta­ró­lo­gos mais ex­pe­ri-­
en­tes, sem­pre con­ser­van­do nos lei­to­res o pra­zer da lei­tu­ra.
É por is­so que to­das as par­tes des­te li­vro tra­zem uma in­tro­du­ção re-­
di­gi­da em pri­mei­ra pes­soa por Ale­jan­dro, re­me­mo­ran­do seu per­cur­so
sin­gu­lar, de uma vi­da in­tei­ra, na com­pa­nhia des­se mes­tre exi­gen­te, des-­
se ali­a­do po­de­ro­so que é o Ta­rot.
Em to­da a par­te téc­ni­ca, nos­sa pre­o­cu­pa­ção foi ser fi­el à ex­tre­ma
plas­ti­ci­da­de do Ta­rot: ao mes­mo tem­po cla­ro e pro­fun­do, li­ne­ar e mul-­
ti­di­men­si­o­nal, lúdi­co e com­ple­xo... ele não se dei­xa re­du­zir a ne­nhu­ma
das in­con­tá­veis pos­si­bi­li­da­des que abre. Foi por is­so que bus­ca­mos
cons­truir uma obra que pu­des­se ser li­da tan­to em frag­men­tos, quan­to
de mo­do con­tí­nuo até o fim, na qual ca­da te­ma fos­se abor­da­do ora lon-­
ga ora bre­ve­men­te, e cu­jas ima­gens fi­zes­sem eco ao tex­to in­ces­san­te-­
men­te, na me­di­da em que o Ta­rot cons­ti­tui an­tes de tu­do uma apren­di-­
za­gem da vi­são.
Es­te li­vro se or­ga­ni­za, por­tan­to, em cin­co par­tes. A pri­mei­ra tem
por ob­je­ti­vo fa­mi­li­a­ri­zar o lei­tor com a es­tru­tu­ra glo­bal do Ta­rot, seus
fun­da­men­tos nu­me­ro­ló­gi­cos e sim­bóli­cos. A se­gun­da exa­mi­na um por
um os cha­ma­dos Ar­ca­nos "mai­o­res". A ter­cei­ra faz o mes­mo com os
cha­ma­dos Ar­ca­nos "me­no­res". A quar­ta par­te re­pre­sen­ta pa­ra nós o
que pen­sa­mos co­mo um pri­mei­ro pas­so na lei­tu­ra di­nâ­mi­ca do Ta­rot: o
es­tu­do dos pa­res, dos ca­sais, das di­ver­sas com­bi­na­ções en­tre du­as car-­
tas e as­sim por di­an­te. Pra­ti­ca­men­te, to­dos os ele­men­tos do Ta­rot se re-­
la­ci­o­nam uns com os ou­tros. Por fim, a quin­ta par­te é de­di­ca­da à lei­tu­ra
pro­pri­a­men­te di­ta.
De­ve­mos agra­de­cer aqui es­pe­ci­al­men­te a Bar­ba­ra Clerc, que de­pois
de anos trans­cre­veu e ar­qui­vou as au­las e pa­les­tras be­ne­fi­cen­tes de
Ale­jan­dro Jo­do­rowsky. Ela pôs à nos­sa dis­po­si­ção to­dos es­ses ar­qui­vos
que, sem ela, te­ri­am fi­ca­do na es­fe­ra da tra­di­ção oral.

Ma­ri­an­ne Cos­ta
In­tro­du­ção

Em To­co­pil­la, pe­que­no por­to chi­le­no es­con­di­do en­tre o gla­ci­al oce­a­no


Pa­cífi­co e as pla­níci­es mon­ta­nho­sas do de­ser­to de Ta­ra­pa­cá, re­gi­ão
mais se­ca do mun­do, on­de não cai uma go­ta de chu­va há sé­cu­los, eu ti-­
ve aos se­te anos meu pri­mei­ro con­ta­to com as car­tas... De­vi­do ao ca­lor
ex­tre­mo, os co­mer­ci­an­tes fe­cha­vam as lo­jas do meio-dia às cin­co da
tar­de. Jai­me, meu pai, bai­xa­va a por­ta de aço de sua Ca­sa Uk­ra­nia –
rou­pa ínti­ma fe­mi­ni­na e ar­ti­gos pa­ra o lar – e ia jo­gar bi­lhar com o
“lou­co Abra­ham”, um ju­deu li­tu­a­no, vi­ú­vo, ar­rui­na­do em cir­cuns­tân-­
cias mis­te­ri­o­sas. Ali, on­de as mu­lhe­res nun­ca en­tra­vam, co­mer­ci­an­tes
ri­vais, em tor­no de uma me­sa ver­de, de­cre­ta­vam a paz e afir­ma­vam sua
vi­ri­li­da­de ma­tan­do di­ver­sas bo­las de uma vez. Se­gun­do a fi­lo­so­fia de
Jai­me, aos se­te anos um me­ni­no já ti­nha o cé­re­bro for­ma­do e de­via ser
tra­ta­do co­mo um adul­to. No dia do meu séti­mo ani­ver­sá­rio, ele me dei-­
xou acom­pa­nhá-lo ao bi­lhar... Não me im­pres­si­o­nei nem com o ba­ru­lho
en­sur­de­ce­dor das bo­las se en­tre­cho­can­do, nem com os vul­tos bran­cos e
ver­me­lhos cru­zan­do o ta­pe­te ver­de oli­va; o que me cha­mou a aten­ção e
me fas­ci­nou foi o cas­te­lo de car­tas. O lou­co Abra­ham ti­nha ma­nia de
cons­truir, com car­tas de ba­ra­lho, gran­des cas­te­los. Ele dei­xa­va es­ses
ob­je­tos, sem­pre di­fe­ren­tes, enor­mes, al­tos, so­bre a me­sa gran­de, lon­ge
das cor­ren­tes de ar, fa­zen­do-os du­rar até que ele mes­mo, em­bri­a­ga­do,
os des­tru­ís­se aos gol­pes, pa­ra em se­gui­da co­me­çar ou­tro. Sar­cásti­co,
Jai­me apon­tou pa­ra o ami­go bê­ba­do e man­dou que eu lhe per­gun­tas­se
por que ele fa­zia aqui­lo. O lou­co Abra­ham, com um sor­ri­so tris­te, res-­
pon­deu a um me­ni­no o que não que­ria di­zer a um adul­to: “Eu imi­to
Deus, ga­ro­ti­nho. Aque­le que nos cria nos des­trói e, com os nos­sos res-­
tos, Ele nos re­cons­trói”.
Aos sá­ba­dos à noi­te e aos do­min­gos de­pois do al­mo­ço, pa­ra ven­cer o
té­dio pro­vin­ci­a­no, meu pai re­ce­bia em ca­sa um gru­po de ami­gos com os
quais jo­ga­va car­tas du­ran­te ho­ras, en­quan­to Sa­ra Fe­li­ci­dad, mi­nha mãe,
úni­ca mu­lher, ser­via cer­ve­jas e ca­na­pés, con­ver­ti­da em som­bra. No res-­
to da se­ma­na, as car­tas dor­mi­am fe­cha­das à cha­ve den­tro de um ar­má-­
rio. Ape­sar de aque­las car­tas me fas­ci­na­rem, era proi­bi­do to­cá-las. Se-­
gun­do meus pais, eram só pa­ra os adul­tos. Is­so me dei­xou com a ideia
de que as car­tas, fe­ras pe­ri­go­sas que só po­di­am ser do­ma­das por um sá-­
bio, no ca­so, Jai­me, ti­nham po­de­res mági­cos... Co­mo eles usa­vam fei-­
jões em lu­gar de fi­chas, to­das as se­gun­das mi­nha mãe, tal­vez pa­ra ali­vi-­
ar a pe­na de ser ex­clu­í­da do jo­go, pu­nha-os pa­ra fer­ver e fa­zia com eles
uma so­pa que eu en­go­lia sen­tin­do que ga­nha­va aque­les po­de­res.
Meu físi­co de imi­gran­te rus­so, mui­to di­fe­ren­te dos chi­le­nos au­tóc-­
to­nes, me pri­vou de ami­gos. Meus pais, sub­mer­sos dez ho­ras por dia na
Ca­sa Uk­ra­nia, não po­di­am me dar aten­ção. Ago­ni­a­do pe­lo si­lên­cio e a
so­li­dão, co­me­cei a in­ves­ti­gar os mó­veis do quar­to de­les com a es­pe­ran-­
ça de en­con­trar al­gum de­ta­lhe que me per­mi­tis­se sa­ber qual ros­to eles
es­con­di­am por trás de su­as más­ca­ras in­di­fe­ren­tes. A um can­to do rou-­
pei­ro, en­tre as rou­pas per­fu­ma­das de Sa­ra Fe­li­ci­dad, en­con­trei uma cai-­
xi­nha de me­tal re­tan­gu­lar. As ba­ti­das do meu co­ra­ção se ace­le­ra­ram.
Al­go me di­zia que es­ta­va pres­tes a ob­ter uma re­ve­la­ção im­por­tan­te.
Abri a cai­xa. Den­tro ha­via uma car­ta do Ta­rot cha­ma­da O Car­ro. Ne­la,
um prínci­pe con­du­zia um ve­í­cu­lo em cha­mas. As lín­guas de fo­go, agre-­
ga­das com li­nhas de tin­ta ne­gra, ha­vi­am si­do co­lo­ri­das com aqua­re­la
ama­re­la e ver­me­lha. Es­se in­cên­dio me in­tri­gou mais do que tu­do.
Quem te­ria se da­do ao tra­ba­lho de trans­for­mar o de­se­nho ori­gi­nal
acres­cen­tan­do aque­las cha­mas? Pen­san­do nis­so, não per­ce­bi mi­nha
mãe che­gar. Sur­preen­di­do em ple­no de­li­to, as­su­mi a cul­pa e lhe dei a
car­ta. Ela a to­mou da mi­nha mão com re­ve­rên­cia, aper­tou-a con­tra o
pei­to e se pôs a cho­rar e so­lu­çar... Quan­do se acal­mou, con­tou que seu
fi­na­do pai man­ti­nha es­sa car­ta sem­pre con­si­go, no bol­so da ca­mi­sa,
per­to do co­ra­ção. Ele ha­via si­do um bai­la­ri­no rus­so que me­dia dois me-­
tros de al­tu­ra, com uma ca­be­lei­ra loi­ra de le­ão, que, apai­xo­na­do por mi-­
nha avó ju­dia, sem que fos­se obri­ga­do a fa­zê-lo, acom­pa­nhou-a no exí-­
lio. Já na Ar­gen­ti­na, de­sa­jei­ta­do co­mo era pa­ra to­dos os de­ta­lhes da vi-­
da co­ti­di­a­na, ele su­biu em um bar­ril de ál­co­ol pa­ra re­gu­lar a cha­ma de
uma lam­pa­ri­na. A tam­pa do bar­ril se que­brou e ele afun­dou no ál­co­ol
com a lam­pa­ri­na na mão. O líqui­do se in­fla­mou e meu avô mor­reu quei-­
ma­do. Sa­ra Fe­li­ci­dad nas­ceu um mês de­pois des­se atroz acon­te­ci­men­to.
Um dia, Jashe, sua mãe, con­tou que ha­via en­con­tra­do a car­ta, in­tac­ta,
en­tre as cin­zas de seu ama­do. À noi­te, de­pois do en­ter­ro, as cha­mas do
Car­ro apa­re­ce­ram sem que nin­guém as ti­ves­se de­se­nha­do. Mi­nha mãe
não ti­nha dúvi­da de que es­sa his­tó­ria era ver­da­dei­ra. Eu, com mi­nha
ino­cên­cia in­fan­til, tam­bém acre­di­tei.
Quan­do eu fiz dez anos, meus pais ven­de­ram o co­mér­cio e me avi-­
sa­ram que irí­a­mos mu­dar pa­ra San­ti­a­go, a ca­pi­tal do pa­ís. Per­der tão
bru­tal­men­te o ter­ri­tó­rio me afun­dou em uma ve­ne­no­sa bru­ma men­tal.
Mi­nha ma­nei­ra de ago­ni­zar foi en­gor­dar. Con­ver­ti­do em um pe­que­no
hi­po­pó­ta­mo, eu me ar­ras­ta­va até o co­lé­gio, olhan­do pa­ra o chão, sen­tin-­
do que o céu era uma abó­ba­da de ci­men­to. A is­so se so­mou a re­pul­sa
dos meus com­pa­nhei­ros de es­co­la quan­do cons­ta­ta­ram nos chu­vei­ros,
de­pois de uma au­la de gi­násti­ca, que meu se­xo ca­re­cia de pre­pú­cio. “Ju-­
deu er­ran­te!”, gri­ta­ram pa­ra mim, às cus­pa­ra­das. O fi­lho de um di­plo-­
ma­ta que aca­ba­ra de che­gar da Fran­ça cus­piu no ver­so de uma car­ta e a
co­lou na mi­nha tes­ta. Rin­do às gar­ga­lha­das, me em­pur­ra­ram con­tra um
es­pe­lho. Era um ar­ca­no do Ta­rot de Mar­se­lha: O Ere­mi­ta. Vi nes­sa car-­
ta meu re­tra­to in­fa­me: um ser sem ter­ri­tó­rio, so­li­tá­rio, do­mi­na­do pe­lo
frio, com os pés do­lo­ri­dos, ca­mi­nhan­do há uma eter­ni­da­de em bus­ca de
quê?... De al­go, se­ja o que for, que lhe des­se uma iden­ti­da­de, um lu­gar
no mun­do, um mo­ti­vo pa­ra con­ti­nu­ar vi­ven­do. “O an­ci­ão er­gue uma
lan­ter­na. O que a mi­nha al­ma mi­le­nar es­tá er­guen­do? (Di­an­te da cru­el-­
da­de dos meus com­pa­nhei­ros, sen­ti que o meu pe­so era uma dor trans-­
por­ta­da du­ran­te sé­cu­los.) Se­ria aque­la lâm­pa­da mi­nha cons­ciên­cia? E
se eu não fos­se um cor­po va­zio, uma mas­sa ha­bi­ta­da ape­nas pe­la an-­
gús­tia, mas uma luz es­tra­nha que atra­ves­sa o tem­po, atra­vés de inu­me-­
rá­veis ve­í­cu­los de car­ne, em bus­ca des­se en­te im­pen­sá­vel que meus
avós cha­ma­vam de Deus? E se o im­pen­sá­vel fos­se a be­le­za?” Al­go se-­
me­lhan­te a uma ex­plo­são de pra­zer pa­re­ceu rom­per as bar­rei­ras que
apri­si­o­na­vam a mi­nha men­te. A tris­te­za foi var­ri­da fei­to po­ei­ra... Pro-­
cu­rei com a an­gús­tia de um náu­fra­go um por­to on­de se reu­ni­am os jo-­
vens po­e­tas. Cha­ma­va-se Ca­fé Íris. Íris, a men­sa­gei­ra dos deu­ses, aque-­
la que une o céu e a ter­ra, o com­ple­men­to fe­mi­ni­no de Her­mes! E ha­vi-­
am co­la­do na mi­nha tes­ta um (E)rmi­tão! Foi nes­se ca­fé-tem­plo que en-­
con­trei ami­gos, ato­res, po­e­tas, ti­te­rei­ros, músi­cos, bai­la­ri­nos. En­tre eles
cres­ci, bus­can­do tam­bém, de ma­nei­ra de­ses­pe­ra­da, a be­le­za. Na­que­les
anos qua­ren­ta, as dro­gas não es­ta­vam na mo­da. Nos­sas con­ver­sas tur­bi-­
na­das pe­la fe­bre cri­a­do­ra se ex­pan­di­am ten­do co­mo ei­xo uma gar­ra­fa
de vi­nho, que as­sim que fi­ca­va va­zia era subs­ti­tu­í­da por ou­tra. De ma-­
dru­ga­da, fa­min­tos e em­bri­a­ga­dos, pa­ra quei­mar o ál­co­ol, cor­rí­a­mos pa-­
ra o Par­que Flo­res­tal. Em fren­te ao par­que, em um sub­so­lo es­trei­to, ha-­
bi­ta­va Ma­rie Lefè­vre, uma fran­ce­sa de ses­sen­ta anos, em con­cu­bi­na­to
com Ne­ne, um jo­vem de de­zoi­to. A se­nho­ra era po­bre, po­rém ti­nha
sem­pre na co­zi­nha uma gran­de mar­mi­ta cheia de so­pa, ca­óti­co mag­ma
que con­ti­nha os res­tos de co­mi­da que lhe da­vam no res­tau­ran­te vi­zi-­
nho em tro­ca de lei­tu­ras de car­tas pa­ra os cli­en­tes. En­quan­to seu
aman­te ron­ca­va sem rou­pas, Ma­rie, co­ber­ta com uma ba­ta chi­ne­sa, ser-­
via-nos pra­tos chei­os, on­de, sub­mer­sos no sa­bo­ro­so cal­do, po­dí­a­mos
en­con­trar pei­xe, al­môn­de­gas, ver­du­ras, ce­re­ais, ma­car­rão, quei­jo, fí­ga-­
do de fran­go, tri­pa de boi e tan­tas ou­tras de­li­ca­de­zas. De­pois, so­bre o
ven­tre de seu aman­te, que não acor­da­ria nem com um ti­ro de ca­nhão,
lia-nos um Ta­rot que ela mes­ma de­se­nha­ra. Es­te es­tra­nho con­ta­to com
as car­tas foi de­ci­si­vo: gra­ças a es­sa mu­lher, em meu co­ra­ção o Ta­rot fi-­
ca­ria pa­ra sem­pre uni­do à ge­ne­ro­si­da­de e ao amor sem li­mi­tes. Até ho-­
je, pas­sa­dos já ses­sen­ta anos, se­guin­do o exem­plo de­la, sem­pre li de
gra­ça. Quan­do eu me sen­tia pri­si­o­nei­ro na ilha cul­tu­ral que era o meu
pa­ís na épo­ca, Ma­rie Lefè­vre fez uma pre­vi­são: “Vi­a­ja­rás pe­lo mun­do
in­tei­ro, in­ces­san­te­men­te, até o fim da tua vi­da. Mas pres­ta aten­ção:
quan­do eu di­go ‘mun­do in­tei­ro’ me re­fi­ro à to­ta­li­da­de do uni­ver­so.
Quan­do di­go, ‘fim da tua vi­da’, me re­fi­ro à tua en­car­na­ção atu­al. Na
ver­da­de, sob ou­tras for­mas, vi­ve­rás tan­to quan­to há de vi­ver o uni­ver-­
so”.
Mais tar­de, na Fran­ça, tra­ba­lhei com Mar­cel Mar­ce­au1 e con­se­gui
al­can­çar a máxi­ma hon­ra que ele ou­tor­ga­va em sua com­pa­nhia: mos-­
trar, imó­vel, em po­se su­ges­ti­va, os le­trei­ros que in­di­ca­vam o tí­tu­lo de
su­as pan­to­mi­mas. As­sim, con­ver­ti­do em es­tá­tua de car­ne, vi­a­jei du­ran-­
te cin­co anos por uma gran­de quan­ti­da­de de pa­í­ses. Em ca­da apre­sen-­
ta­ção, Mar­ce­au se en­tre­ga­va de cor­po e al­ma. De­pois, es­go­ta­do, tran­ca-­
va-se em seu quar­to de ho­tel por um bom nú­me­ro de ho­ras. No dia se-
guin­te, sem vi­si­tar a ci­da­de, vol­ta­va ao te­a­tro pa­ra en­sai­ar al­gum no­vo
nú­me­ro ou cor­ri­gir as lu­zes. Eu, so­li­tá­rio nes­ses pa­í­ses on­de mui­tas ve-­
zes não fa­la­va o idi­o­ma do­mi­nan­te, vi­si­ta­va mu­seus, ru­as pi­to­res­cas,
ca­fés de ar­tis­tas. Pou­co a pou­co, ad­qui­ri o cos­tu­me de pro­cu­rar as li­vra-­
ri­as eso­téri­cas pa­ra com­prar Ta­rots. Che­guei a co­le­ci­o­nar mais de mil
ma­ços di­fe­ren­tes: o al­quí­mi­co, o ro­sa­cruz, o ca­ba­lísti­co, o ci­ga­no, o
egíp­cio, o as­tro­ló­gi­co, o mi­to­ló­gi­co, o ma­çôni­co, o se­xu­al etc. To­dos
eram com­pos­tos pe­lo mes­mo nú­me­ro de car­tas, 78, di­vi­di­das em 56 Ar-­
ca­nos me­no­res e 22 Ar­ca­nos mai­o­res. Mas ca­da um ti­nha de­se­nhos di-­
fe­ren­tes. Às ve­zes, os per­so­na­gens hu­ma­nos se vi­am trans­for­ma­dos em
cães, ga­tos, uni­cór­nios, mons­tros ou gno­mos. Ca­da ma­ço con­ti­nha um
li­bre­to on­de o au­tor se pro­cla­ma­va por­ta­dor de uma ver­da­de pro­fun­da.
Ape­sar de não com­preen­der nem o sig­ni­fi­ca­do nem o uso de tão mis­te-­
ri­o­sas car­tas, eu ti­nha por elas um gran­de ca­ri­nho e ca­da vez que en-­
con­tra­va um no­vo con­jun­to, fi­ca­va cheio de ale­gria. In­ge­nu­a­men­te, es-­
pe­ra­va en­con­trar o Ta­rot que me co­mu­ni­ca­ria o que com tan­ta an­gús­tia
an­da­va pro­cu­ran­do: o se­gre­do da vi­da eter­na...
Em uma das mi­nhas vi­a­gens ao Méxi­co, acom­pa­nhan­do Mar­ce­au,
co­nhe­ci Le­o­no­ra Car­ring­ton, po­e­ta e pin­to­ra sur­re­a­lis­ta que du­ran­te a
guer­ra ci­vil es­pa­nho­la ha­via vi­vi­do uma his­tó­ria de amor com Max
Ernst2. Quan­do ele foi pre­so, Le­o­no­ra so­freu um ata­que de lou­cu­ra,
com to­do o hor­ror que is­so sig­ni­fi­ca, mas tam­bém com to­das as por­tas
que es­se mal abre no cár­ce­re da men­te ra­ci­o­nal. Con­vi­dan­do-me pa­ra
co­mer um crâ­nio de açú­car com meu no­me gra­va­do na tes­ta, ela me
dis­se: “O amor trans­for­ma a mor­te em do­çu­ra. O es­que­le­to do Ar­ca­no
XI­II tem os­sos de açú­car”. Quan­do me dei con­ta de que Le­o­no­ra usa­va
em su­as obras os sím­bo­los do Ta­rot, pe­di a ela que me ini­ci­as­se. Ela me
res­pon­deu: “Pe­gue es­tas 22 car­tas. Ob­ser­ve-as uma de ca­da vez e me
di­ga o que sig­ni­fi­ca pa­ra vo­cê aqui­lo que es­tá ven­do”. Do­mi­nan­do mi-­
nha ti­mi­dez, obe­de­ci. Ela es­cre­veu ra­pi­da­men­te tu­do o que eu ia lhe di-­
zen­do. Ao ter­mi­nar a des­cri­ção d’O Mun­do, eu me vi em­pa­pa­do de
suor. A pin­to­ra, com um sor­ri­so mis­te­ri­o­so, sus­sur­rou pa­ra mim: “Is­so
que vo­cê aca­bou de me di­zer é o ‘se­gre­do’. Ca­da Ar­ca­no, sen­do um es-­
pe­lho e não uma ver­da­de em si mes­mo, con­ver­te-se na­qui­lo que vo­cê
vê. O Ta­rot é um ca­ma­le­ão”. Em se­gui­da, ela me pre­sen­te­ou com o ba-­
ra­lho cri­a­do pe­lo ocul­tis­ta Ar­thur Edward Wai­te, com de­se­nhos es­ti­lo
no­ve­cen­tis­ta, que lo­go en­tra­ria na mo­da en­tre os hip­pi­es. Acre­di­tei que
Le­o­no­ra, que eu via co­mo uma sa­cer­do­ti­sa, ha­via me ou­tor­ga­do a cha­ve
do lu­mi­no­so te­sou­ro que ha­via no cen­tro de meu in­te­ri­or obs­cu­ro, sem
me dar con­ta de que es­ses ar­ca­nos agi­am so­men­te co­mo ex­ci­tan­tes do
in­te­lec­to.
Quan­do vol­tei a Pa­ris, co­me­cei a fre­quen­tar um ca­fé da Pla­ce des
Hal­les, La Pro­me­na­de de Vé­nus, on­de An­dré Bre­ton se reu­nia uma vez
por se­ma­na com seu gru­po sur­re­a­lis­ta. Ou­sei ofe­re­cer-lhe o Ta­rot de
Wai­te, es­pe­ran­do, com dis­si­mu­la­do or­gu­lho, ob­ter sua apro­va­ção. O po-­
e­ta ob­ser­vou os Ar­ca­nos aten­ta­men­te, com um sor­ri­so que pou­co a
pou­co se trans­for­mou em uma ca­re­ta de des­gos­to: “Es­te ba­ra­lho é ri­dí-­
cu­lo. Os sím­bo­los são de uma ob­vi­e­da­de la­men­tá­vel. Não há na­da de
pro­fun­do ne­le. O úni­co Ta­rot que va­le é o de Mar­se­lha. Es­sas car­tas in-­
tri­gam, co­mo­vem, mas nun­ca re­ve­lam seu se­gre­do in­trín­se­co. Em uma
de­las, eu me ins­pi­rei pa­ra es­cre­ver Ar­ca­no 17”. Ad­mi­ra­dor fer­vo­ro­so do
gran­de sur­re­a­lis­ta, jo­guei no li­xo mi­nha co­le­ção de car­tas, guar­dan­do
ape­nas o Ta­rot de Mar­se­lha, is­to é, a ver­são que Paul Mar­te­au ha­via pu-­
bli­ca­do em 1930.
De to­do mo­do, co­mo Bre­ton, eu com­preen­dia mui­to pou­co o sig­ni-­
fi­ca­do des­sas car­tas, que, co­lo­ca­das ao la­do das se­du­to­ras ima­gens de
Wai­te, pa­re­ci­am hos­tis, so­bre­tu­do os Ar­ca­nos me­no­res. De­ci­di gra­vá-
las na me­mó­ria, na es­pe­ran­ça de que aqui­lo que meu in­te­lec­to não pu-­
des­se de­ci­frar fos­se de­ci­fra­do pe­lo meu in­cons­ci­en­te. Co­me­cei a me-­
mo­ri­zar ca­da sím­bo­lo, ca­da ges­to, ca­da li­nha, ca­da cor. Pou­co a pou­co,
aju­da­do por uma pa­ciên­cia fér­rea, pas­sei a con­se­guir, de olhos fe­cha-­
dos, vi­su­a­li­zar, ain­da que de for­ma im­per­fei­ta, os 78 Ar­ca­nos. Du­ran­te
os dois anos que du­rou es­sa ex­pe­riên­cia, fui to­das as ma­nhãs à Bi­bli­o­te-­
ca Na­ci­o­nal de Pa­ris pa­ra es­tu­dar as co­le­ções de Ta­rot do­a­das por Paul
Mar­te­au e os li­vros de­di­ca­dos a es­se te­ma. Até o sé­cu­lo XVI­II, o Ta­rot
ha­via si­do vis­to co­mo um jo­go de azar e seu sen­ti­do pro­fun­do ha­via
pas­sa­do des­per­ce­bi­do. Os de­se­nhos ha­vi­am si­do mu­ti­la­dos ou trans­for-­
ma­dos, ador­na­dos com re­tra­tos de no­bres, pos­tos a ser­vi­ço das pom­pas
da cor­te. Ca­da tra­ta­do di­zia uma coi­sa di­fe­ren­te, mui­tas ve­zes em con-­
tra­di­ção com os de­mais. Na re­a­li­da­de, em vez de fa­lar ob­je­ti­va­men­te do
Ta­rot, os au­to­res fa­zi­am o pró­prio au­tor­re­tra­to, em­bu­tin­do ne­le su-­
pers­ti­ções. En­con­trei cren­ças ma­çôni­cas, ta­o­ís­tas, bu­dis­tas, cris­tãs, as-­
tro­ló­gi­cas, al­quí­mi­cas, tân­tri­cas, su­fis etc.
Po­de-se di­zer que o Ta­rot era uma em­pre­ga­da do­mésti­ca sem­pre a
ser­vi­ço de uma dou­tri­na ex­te­ri­or a ele... Mas a coi­sa mais sur­preen­den-­
te que cons­ta­tei foi que, até o pas­tor pro­tes­tan­te e ma­çom Court de Gé-­
be­lin (1728-1784) atri­buir ao Ta­rot ca­rac­te­rísti­cas eso­téri­cas e não ex-­
clu­si­va­men­te lúdi­cas, no oi­ta­vo vo­lu­me de sua en­ci­clo­pé­dia Mon­de Pri-­
mi­tif (1781), nin­guém ha­via na ver­da­de ob­ser­va­do os Ar­ca­nos, nem ele,
nem seus se­gui­do­res. Sem se dar con­ta de que es­sas car­tas são uma lin-­
gua­gem ópti­ca que exi­ge ser vis­ta em to­da a ex­ten­são de seus de­ta­lhes,
Gé­be­lin to­mou su­as fan­ta­si­as por re­a­li­da­des e de­cla­rou que o Ta­rot
veio do Egi­to (“Hi­e­ró­gli­fos per­ten­cen­tes ao Li­vro de To­th, sal­vo das ru­í-­
nas de um tem­plo mi­le­nar”), pu­bli­can­do uma có­pia ruim do Ta­rot de
Mar­se­lha em que eli­mi­na uma in­fi­ni­da­de de de­ta­lhes, põe um 0 em Le
Mat e o ba­ti­za “O Lou­co” pa­ra lhe dar um sig­ni­fi­ca­do ne­ga­ti­vo: “Ele só
tem co­mo va­lor o que dá aos ou­tros, pre­ci­sa­men­te co­mo o nos­so ze­ro:
mos­tran­do as­sim que não exis­te na­da na lou­cu­ra”. Agre­ga um pé à me-­
sa do Ma­go; con­ver­te o Im­pe­ra­dor e a Im­pe­ra­triz em Rei e Rai­nha; ao
Pa­pa e à Pa­pi­sa em Hi­e­ro­fan­te e Sa­cer­do­ti­sa (Grand-Prê­tre e Gran­de-
Prê­tres­se); ba­ti­za o Ar­ca­no XI­II, sem no­me, co­mo A Mor­te, equi­vo­can-­
do-se com o nú­me­ro da Tem­pe­ran­ça, so­bre a qual im­pri­me um XI­II;
de­ci­de que no Ar­ca­no VII quem di­ri­ge o car­ro é Osíris Triun­fan­te; cha-­
ma O Na­mo­ra­do (L’Amou­reux) de O Ca­sa­men­to; a Es­tre­la, de A Ca­ní-­
cu­la; O Di­a­bo, de Tí­fon; O Mun­do, de O Tem­po; e O En­for­ca­do, de A
Pru­dên­cia (co­lo­can­do-o de pé); além dis­so, eli­mi­na as co­res e tam­bém
o en­qua­dra­men­to ori­gi­nal, que con­sis­tia num re­tân­gu­lo ini­ci­áti­co com-­
pos­to de dois qua­dra­dos. As­sim, ele pre­ten­dia cor­ri­gir os “er­ros do ori-­
gi­nal”.
A par­tir da pu­bli­ca­ção des­se pri­mei­ro tra­ta­do eso­téri­co so­bre o Ta-­
rot em Mon­de Pri­mi­tif, os ocul­tis­tas co­me­ça­ram a de­li­rar, dei­xan­do de
se con­cen­trar nos de­se­nhos do Ta­rot de Mar­se­lha, con­si­de­ran­do a có-­
pia de Court de Gé­be­lin e su­as ex­pli­ca­ções egípci­as co­mo a au­tênti­ca
ver­da­de eso­téri­ca. Em 1783, um adi­vi­nho da mo­da, o ca­be­lei­rei­ro Al­li­e-­
te, sob o pseu­dôni­mo Eteil­la (1750-1810), pro­du­ziu um Ta­rot fan­ta­si­o­so
que se re­la­ci­o­na com a as­tro­lo­gia e a Ca­ba­la he­brai­ca. Pou­co de­pois,
Alp­hon­se--Louis Cons­tant, vul­go Élip­has Lévi (1816-1875), ape­sar de
sua imen­sa in­tui­ção, des­de­nha o Ta­rot de Mar­se­lha, por con­si­de­rá-lo
“exo­téri­co”, e, em Dog­ma e ri­tu­al da al­ta ma­gia, de­se­nha uma ver­são
“eso­téri­ca” de O Car­ro, de A Ro­da da For­tu­na, de O Di­a­bo, es­ta­be­le­ce
que os 22 ar­ca­nos mai­o­res ilus­tram o al­fa­be­to he­brai­co e des­pre­za os
56 ar­ca­nos me­no­res. Es­sa ideia se­rá ado­ta­da por Gé­rard En­caus­se, que,
sob o pseu­dôni­mo Pa­pus (1865-1917), se per­mi­te cri­ar um Ta­rot com
per­so­na­gens egíp­cios que ilus­tram uma es­tru­tu­ra ca­ba­lísti­ca he­brai­ca.
De­pois des­sas ten­ta­ti­vas de en­xer­tar no Ta­rot to­do ti­po de sis­te­mas
eso­téri­cos, es­cre­vem-se mi­lha­res de li­vros ba­se­a­dos em uma ine­xis­ten-­
te “tra­di­ção” que de­mons­tram que o Ta­rot foi cri­a­do pe­los egíp­cios, pe-­
los cal­deus, pe­los he­breus, pe­los ára­bes, pe­los hin­dus, pe­los gre­gos, pe-­
los chi­ne­ses, pe­los mai­as, pe­los ex­tra­ter­res­tes, evo­can­do-se tam­bém
Atlân­ti­da e Adão, a quem se atri­bui a au­to­ria dos de­se­nhos das pri­mei-­
ras car­tas, di­ta­das por um an­jo. (Pa­ra a tra­di­ção re­li­gi­o­sa, as obras sa-­
gra­das sem­pre têm uma ori­gem ce­les­te. A re­a­li­za­ção do sis­te­ma sim-­
bóli­co não é aban­do­na­da à ins­pi­ra­ção pes­so­al do ar­tis­ta, mas atri­bu­í­da
ao pró­prio Deus...). A pa­la­vra “Ta­rot” se­ria egípcia (tar: ca­mi­nho; ro,
rog: re­al), in­do-tár­ta­ra (tan-ta­ra: zo­dí­a­co), he­brai­ca (to­ra: lei), la­ti­na
(ro­ta: ro­da; orat: fa­la), sâns­cri­ta (tat: o to­do; tar-o: es­tre­la fi­xa), chi­ne­sa
(tao: prin­cí­pio in­de­fi­ní­vel) etc. Di­fe­ren­tes gru­pos ét­ni­cos, re­li­gi­ões, so-­
ci­e­da­des se­cre­tas, rei­vin­di­ca­ram sua pa­ter­ni­da­de: ci­ga­nos, ju­deus, cris-­
tãos, mu­çul­ma­nos, ma­çons, ro­sa­cru­zes, al­qui­mis­tas, ar­tis­tas (Da­lí), gu-­
rus (Osho) etc. En­con­tram ne­le in­fluên­cias do An­ti­go Tes­ta­men­to, dos
Evan­ge­lhos e do Apo­ca­lip­se (em car­tas co­mo O Mun­do, O En­for­ca­do,
Tem­pe­ran­ça, O Di­a­bo, O Pa­pa, O Jul­ga­men­to), dos en­si­na­men­tos tân-­
tri­cos, do I Ching, dos códi­gos as­te­cas, da mi­to­lo­gia gre­co-la­ti­na... Ca­da
no­vo ba­ra­lho de car­tas en­cer­ra a sub­je­ti­vi­da­de de seus au­to­res, su­as vi-­
sões de mun­do, seus pre­con­cei­tos mo­rais, seu li­mi­ta­do ní­vel de cons-­
ciên­cia. Co­mo na his­tó­ria da Cin­de­re­la, on­de as ir­mãs são ca­pa­zes de
cor­tar um pe­da­ço do pé pa­ra po­der cal­çar o sa­pa­to de cris­tal, ca­da
ocul­tis­ta al­te­ra à sua ma­nei­ra a es­tru­tu­ra ori­gi­nal.
Pa­ra fa­zer co­in­ci­dir o Ta­rot com os 22 ca­mi­nhos da Ár­vo­re da Vi­da,
que une as dez se­fi­rot da tra­di­ção ca­ba­lísti­ca, Wai­te tro­ca o nú­me­ro VI-­
II de A Jus­ti­ça com o nú­me­ro XI de A For­ça; trans­for­ma O Na­mo­ra­do
em Os Na­mo­ra­dos etc., fal­si­fi­can­do, as­sim, o sig­ni­fi­ca­do de to­dos os Ar-­
ca­nos. Aleis­ter Crow­ley, ocul­tis­ta per­ten­cen­te à Or­dem do Tem­plo do
Ori­en­te, tam­bém tro­ca os no­mes, os de­se­nhos (e, por­tan­to, o sig­ni­fi­ca-­
do) e a or­dem das car­tas. A Jus­ti­ça se con­ver­te em O Ju­í­zo; Tem­pe­ran-­
ça em A Ar­te; O Jul­ga­men­to em Éon. Eli­mi­na os Va­le­tes e os Ca­va­lei­ros
e em seu lu­gar põe Prínci­pes e Prin­ce­sas... Oswald Wir­th, ocul­tis­ta su­í-­
ço, ma­çom e mem­bro da So­ci­e­da­de Te­o­sófi­ca, de­se­nha ele mes­mo seu
Ta­rot in­tro­du­zin­do nos ar­ca­nos não so­men­te tra­jes me­di­e­vais, es­fin­ges
egípci­as, ci­fras ára­bes e le­tras he­brai­cas em lu­gar de nú­me­ros ro­ma­nos,
sím­bo­los ta­o­ís­tas, a ver­são al­quí­mi­ca do Di­a­bo in­ven­ta­da por Élip­has
Lévi, co­mo tam­bém se ins­pi­ra na tor­pe ver­são de Court de Gé­be­lin (vi-­
de sua Tor­re, sua Tem­pe­ran­ça, sua Jus­ti­ça, seu Pa­pa, seu Na­mo­ra­do),
co­mo se afir­mas­se que o Ta­rot de Mar­se­lha é uma ver­são po­pu­lar, is­to
é, vul­gar, do Ta­rot de Gé­be­lin... Os mi­lha­res de adep­tos de uma sei­ta ro-­
sa­cruz ame­ri­ca­na afir­mam que o Ta­rot Egíp­cio de R. Fal­con­ni­er – um
só­cio da Co­médie-Fran­çai­se que o de­se­nhou e pu­bli­cou em 1896, de­di-­
can­do-o a Ale­xan­dre Du­mas Fi­lho – cons­ti­tui o ba­ra­lho ori­gi­nal... Sé­cu-
los de so­nhos e au­to­en­ga­nos!

Uma obra sa­gra­da é por es­sên­cia per­fei­ta; o dis­cí­pu­lo de­ve ado­tá-la


de for­ma glo­bal, sem ten­tar agre­gar ou ti­rar al­go. Nin­guém sa­be quem
cri­ou o Ta­rot, nem on­de, nem co­mo. Nin­guém sa­be o que a pa­la­vra Ta-­
rot sig­ni­fi­ca, nem a que idi­o­ma per­ten­ce. Tam­pou­co se sa­be se o Ta­rot
foi as­sim des­de sua ori­gem ou se ele é re­sul­ta­do de uma len­ta evo­lu­ção
que te­ria co­me­ça­do com a cri­a­ção de um jo­go ára­be cha­ma­do naib­be
(nai­pes ou car­tas) e ao qual se agre­ga­ram, du­ran­te o trans­cur­so dos
anos, os ar­ca­nos mai­o­res e os ca­pri­cho­sa­men­te cha­ma­dos Trun­fos
(“Hon­neurs”). O fa­to de se te­rem cri­a­do no­vas ver­sões do Ta­rot de
Mar­se­lha, anôni­mo co­mo to­do mo­nu­men­to sa­gra­do, na cren­ça de que
tro­can­do os de­se­nhos ou o no­me das car­tas se es­ta­ria re­a­li­zan­do uma
gran­de obra, é pu­ra vai­da­de.
Qual foi a in­ten­ção do cri­a­dor des­ta ca­te­dral nô­ma­de? Se­ria pos­sí-­
vel um úni­co ser hu­ma­no plas­mar uma en­ci­clo­pé­dia de sím­bo­los tão
imen­sa? Quem te­ria si­do ca­paz de reu­nir em uma só vi­da tais co­nhe­ci-­
men­tos? É ta­ma­nha a pre­ci­são do Ta­rot, são tão per­fei­tas su­as re­la­ções
in­ter­nas, sua uni­da­de ge­o­métri­ca, que não é pos­sí­vel acei­tar que se­ja
uma obra re­a­li­za­da por um ini­ci­a­do so­li­tá­rio. Só in­ven­tar a es­tru­tu­ra,
cri­ar os per­so­na­gens com seus tra­jes e ges­tos, es­ta­be­le­cer a sim­bo­lo­gia
abs­tra­ta dos ar­ca­nos me­no­res, já re­quer uma gran­de quan­ti­da­de de
anos de in­ten­so tra­ba­lho. A cur­ta du­ra­ção de uma vi­da hu­ma­na não
bas­ta pa­ra is­so. Élip­has Lévi, em seu Dog­ma e ri­tu­al da al­ta ma­gia, co-­
mo se lê nas en­tre­li­nhas, tem es­sa in­tui­ção: “Tra­ta-se de uma obra sin-­
gu­lar e mo­nu­men­tal, sim­ples e po­de­ro­sa co­mo a ar­qui­te­tu­ra das pi­râ-­
mi­des; por is­so, per­du­rá­vel co­mo elas; um li­vro que re­ú­ne to­das as
ciên­cias e cu­jas in­fi­ni­tas com­bi­na­ções po­dem re­sol­ver to­dos os pro­ble-­
mas; um li­vro que fa­la fa­zen­do pen­sar; ins­pi­ra­dor e re­gu­la­dor de to­das
as con­cep­ções pos­sí­veis: tal­vez a obra-pri­ma da al­ma hu­ma­na, e sem
dúvi­da al­gu­ma uma das coi­sas mais bo­ni­tas que nos le­gou a An­ti­gui­da-­
de; cha­ve uni­ver­sal, ver­da­dei­ra máqui­na fi­lo­sófi­ca que im­pe­de que a al-­
ma se ex­tra­vie, dei­xan­do-a com sua ini­ci­a­ti­va e sua li­ber­da­de; são as
ma­te­máti­cas apli­ca­das ao ab­so­lu­to, a ali­an­ça do po­si­ti­vo e o ide­al, uma
lo­te­ria de pen­sa­men­tos tão ri­go­ro­sa­men­te exa­tos co­mo os nú­me­ros;
por úl­ti­mo, é as­sim tal­vez ao mes­mo tem­po a coi­sa mais sim­ples e mais
gran­di­o­sa que o gê­nio hu­ma­no ja­mais con­ce­beu”.
Se qui­ser­mos ima­gi­nar a ori­gem do Ta­rot ( já em 1337, nos es­ta­tu­tos
da Aba­dia de Saint-Vic­tor de Mar­se­lha, se proi­bia aos re­li­gi­o­sos os jo-­
gos de car­tas), de­ve­rí­a­mos re­tro­ce­der pe­lo me­nos até o ano 1000. Na-­
que­la épo­ca, no sul da Fran­ça e da Es­pa­nha, era pos­sí­vel ver, em san­ta
paz, eri­gi­das mui­to próxi­mas umas das ou­tras, uma igre­ja, uma si­na­go-­
ga e uma mes­qui­ta. As três re­li­gi­ões se res­pei­ta­vam e os sá­bios de ca­da
uma de­las não he­si­ta­vam em dis­cu­tir e se en­ri­que­cer do con­ta­to com
mem­bros das ou­tras. É evi­den­te que nos Ar­ca­nos II, V, XI­I­II, XV, XX e
XXI se en­con­tra a in­fluên­cia do cris­ti­a­nis­mo. Na ca­be­ça do es­que­le­to
do Ar­ca­no sem no­me, po­de-se dis­tin­guir as qua­tro le­tras he­brai­cas
Yod-He--Vav-He, que de­sig­nam a di­vin­da­de, e no pei­to do En­for­ca­do as
dez se­fi­rot da Ár­vo­re da Vi­da ca­ba­lísti­ca. Nos Ar­ca­nos me­no­res, apa­re-­
cem sím­bo­los mu­çul­ma­nos: por exem­plo, no al­to do Ás de Co­pas, um
cír­cu­lo com no­ve pon­tas re­pre­sen­ta com to­da evi­dên­cia o ene­á­go­no
ini­ci­áti­co. É pos­sí­vel que um gru­po for­ma­do por sá­bios das três cren-­
ças, pre­ven­do uma de­ca­dên­cia de su­as re­li­gi­ões que, pe­la se­de de po-­
der, ine­vi­ta­vel­men­te le­va­ria ao ódio en­tre as sei­tas e ao es­que­ci­men­to
da tra­di­ção sa­gra­da, con­fa­bu­la­ram pa­ra de­po­si­tar es­se co­nhe­ci­men­to
no hu­mil­de jo­go de car­tas, o que equi­va­lia a pre­ser­vá-lo e ocul­tá-lo, pa-­
ra que atra­ves­sas­se as obs­cu­ri­da­des da his­tó­ria até che­gar a um fu­tu­ro
dis­tan­te on­de se­res com um ní­vel de cons­ciên­cia ele­va­do de­ci­fra­ri­am
sua ma­ra­vi­lho­sa men­sa­gem.
Re­né Gué­non, em Sím­bo­los fun­da­men­tais da ciên­cia sa­gra­da, diz:
“No fol­clo­re, o po­vo con­ser­va, sem com­preen­dê-los, ves­tí­gios de tra­di-­
ções an­ti­gas, que às ve­zes re­mon­tam a um pas­sa­do tão re­mo­to que se­ria
im­pos­sí­vel de­ter­mi­nar; [...] nes­te sen­ti­do, de­sem­pe­nha a fun­ção de uma
es­pécie de me­mó­ria co­le­ti­va mais ou me­nos ‘sub­cons­ci­en­te’ cu­jo con­te-­
ú­do, uma so­ma con­si­de­rá­vel de ele­men­tos de na­tu­re­za eso­téri­ca, vem
cla­ra­men­te de ou­tro lu­gar”.
J. Maxwell, em O Ta­rot, o sím­bo­lo, os ar­ca­nos, a adi­vi­nha­ção, é o pri-­
mei­ro au­tor que re­tor­na à ori­gem, re­co­nhe­cen­do que o Ta­rot de Mar­se-­
lha (o de Ni­co­las Con­ver) é uma lin­gua­gem ópti­ca e que pa­ra com-­
preen­dê-lo é pre­ci­so vê-lo. Mais tar­de, Paul Mar­te­au, em seu li­vro O
Ta­rot de Mar­se­lha, imi­tan­do Maxwell, re­pro­duz as car­tas, ana­li­san­do-
as uma por uma, de­ta­lhe por de­ta­lhe, le­van­do em con­ta seus nú­me­ros,
o sig­ni­fi­ca­do de ca­da cor, de ca­da ges­to dos per­so­na­gens. Não obs­tan­te,
ape­sar de con­ti­nu­ar o ver­da­dei­ro ca­mi­nho do es­tu­do do Ta­rot inau­gu-­
ra­do por Maxwell, ele co­me­te dois er­ros. Por um la­do, seu Ta­rot é ape-­
nas uma apro­xi­ma­ção do ori­gi­nal. Seus de­se­nhos são uma có­pia exa­ta
do Ta­rot de Be­san­çon, edi­ta­do por Gri­maud no fi­nal do sé­cu­lo XIX,
que por sua vez re­pro­duz ou­tro Ta­rot de Be­san­çon, edi­ta­do por Le-­
quart e as­si­na­do “Ar­noult 1748”. Tam­bém ele se per­mi­te al­te­rar cer­tos
de­ta­lhes, tal­vez pa­ra tor­ná-lo pro­pri­e­da­de sua e as­sim po­der fa­zer ne-­
gó­cios com ele, co­bran­do di­rei­tos au­to­rais. Por ou­tro la­do, ele con­ser­va
as qua­tro co­res de ba­se im­pos­tas pe­las máqui­nas de im­pres­são, em vez
de res­pei­tar as co­res an­ti­gas, mais va­ri­a­das, dos exem­pla­res pin­ta­dos
ma­nu­al­men­te.
De to­do mo­do, não en­con­tran­do ne­nhum Ta­rot mais próxi­mo do
au­tênti­co além do de Paul Mar­te­au, eu me en­tre­guei a ele com um res-­
pei­to re­ve­ren­te. Eu me dei con­ta de que, se exis­tia al­guém ca­paz de me
en­si­nar a de­ci­frá-lo, não se­ria um mes­tre de car­ne e os­so, mas sim o
pró­prio Ta­rot. Tu­do o que eu que­ria sa­ber es­ta­va ali, en­tre as mi­nhas
mãos, di­an­te dos meus olhos, nas pró­prias car­tas. Era es­sen­ci­al dei­xar
de es­cu­tar as ex­pli­ca­ções ba­se­a­das na “tra­di­ção”, nas con­cor­dân­cias,
nos mi­tos, nas ex­pli­ca­ções pa­ra­psi­co­ló­gi­cas, e dei­xar que os ar­ca­nos fa-­
las­sem... Pa­ra in­cor­po­rá-lo em mi­nha vi­da, além de me­mo­ri­zá-lo, re­a­li-­
zei com ele al­guns atos que es­píri­tos ra­ci­o­nais po­de­rão con­si­de­rar pu­e-­
ris. Por exem­plo, dor­mi ca­da noi­te com uma car­ta di­fe­ren­te em­bai­xo do
meu tra­ves­sei­ro, ou pas­sei o dia in­tei­ro com uma de­las no bol­so. Es­fre-­
guei meu cor­po com as car­tas; fa­lei em no­me de­las, ima­gi­nan­do o rit­mo
e o tom de voz; vi­su­a­li­zei os per­so­na­gens nus, ima­gi­nei seus sím­bo­los
co­brin­do o céu, com­ple­tei os de­se­nhos que pa­re­ci­am sair do qua­dro:
dei um cor­po in­tei­ro ao ani­mal que acom­pa­nha O Lou­co e aos acóli­tos
d’O Pa­pa, pro­lon­guei a me­sa d’O Ma­go até en­con­trar no in­vi­sí­vel seu
quar­to pé, ima­gi­nei on­de es­ta­ria sus­pen­so o véu d’A Pa­pi­sa, vi até qual
oce­a­no ia o rio que ali­men­ta­va a mu­lher d’A Es­tre­la e até on­de che­ga­ria
o tan­que d’A Lua. Ima­gi­nei o que ha­via na bol­sa d’O Lou­co e na car­tei­ra
d’O Ma­go, a rou­pa de­bai­xo d’A Pa­pi­sa, a vul­va d’A Im­pe­ra­triz e o fa­lo
d’O Im­pe­ra­dor, o que ocul­ta­vam as mãos d’O En­for­ca­do, de quem eram
as ca­be­ças cor­ta­das do Ar­ca­no XI­II etc. Ima­gi­nei os pen­sa­men­tos, as
emo­ções, a se­xu­a­li­da­de e as ações de ca­da per­so­na­gem. Eu os fiz re­zar,
in­sul­tar, fa­zer amor, de­cla­mar po­e­mas, cu­rar.
Uma vez que a pa­la­vra “Ar­ca­no”, mai­or ou me­nor, não es­ta­va im-­
pres­sa em ne­nhu­ma par­te do jo­go, não se de­ve­ria ver as car­tas co­mo
“se­gre­do re­côndi­to, coi­sa ocul­ta e mui­to di­fícil de co­nhe­cer”... De­pen-­
dia de mim dar-lhes um no­me, lâ­mi­nas, nai­pes, car­tas, ar­ca­nos, trun­fos,
a es­co­lha era li­vre. Co­mo já exis­ti­am as pa­la­vras Bas­tos (Paus), Es­pa-­
das, Co­pas e Ou­ros (De­ná­rios), op­tei por es­co­lher ar­ca­nos (mai­o­res e
me­no­res) e em se­gui­da se­guir uma or­dem al­fa­béti­ca: A (pa­ra Ar­ca­nos),
B (Bas­tos/Paus), C (Co­pas), D (De­ná­rios/Ou­ros), E (Es­pa­das), F (Fi­gu-­
ras).

Du­ran­te mais de trin­ta anos, de­sen­vol­vi meu co­nhe­ci­men­to do Ta-­


rot de Paul Mar­te­au, or­ga­ni­zei ofi­ci­nas, cri­ei cur­sos, en­si­nei a cen­te­nas
e cen­te­nas de alu­nos... Em 1993, re­ce­bi uma car­ta em que Phi­lip­pe Ca-­
moin, des­cen­den­te di­re­to da fa­mí­lia mar­se­lhe­sa que im­pri­mia des­de
1760 o Ta­rot de Ni­co­las Con­ver, me con­ta­va so­bre o aci­den­te de au­to-­
mó­vel em que ha­via mor­ri­do Denys Ca­moin, seu pai. Es­se trági­co de­sa-­
pa­re­ci­men­to o afe­tou pro­fun­da­men­te, ain­da mais por­que o mu­ni­cí­pio
apro­vei­tou o trági­co acon­te­ci­men­to pa­ra ex­pro­pri­ar o ter­re­no da gráfi-­
ca, de­mo­li-la e cons­truir no lu­gar uma es­co­la de odon­to­lo­gia. Phi­lip­pe,
in­ca­paz de aban­do­nar seu lu­to, de­pois de fra­cas­sa­das ten­ta­ti­vas de se
in­te­grar à so­ci­e­da­de, con­ver­teu-se em er­mi­tão. Na vi­la de For­cal­qui­er,
pas­sou dez anos tran­ca­do na ca­sa do pai, sem ter ou­tra co­mu­ni­ca­ção
com o mun­do se­não uma an­te­na pa­ra­bóli­ca que lhe per­mi­tia ver em
sua te­le­vi­são mais de cem ca­nais di­fe­ren­tes. Foi as­sim que apren­deu de
for­ma ru­di­men­tar do­ze idi­o­mas. A te­la de TV se con­ver­teu em seu in-­
ter­lo­cu­tor. Acre­di­ta­va che­gar a sen­tir o chei­ro da pes­soa que apa­re­cia
na TV. Quan­do ti­nha um pro­ble­ma, uma per­gun­ta, aper­ta­va ao aca­so
um bo­tão do con­tro­le-re­mo­to e, ma­gi­ca­men­te, uma ima­gem, um pro-­
gra­ma, da­va-lhe uma res­pos­ta. Cer­ta noi­te de in­sô­nia, o re­ló­gio mar­ca-­
va três ho­ras, ele per­gun­tou: “O que de­vo fa­zer pa­ra con­ti­nu­ar com a
tra­di­ção fa­mi­li­ar in­ter­rom­pi­da pe­la mor­te do meu pai?”, e aper­tou o
con­tro­le. Eis que sur­jo eu na te­la de­le, dan­do uma en­tre­vis­ta. Al­guns
di­as de­pois, ele vol­tou a fa­zer a mes­ma per­gun­ta e eu apa­re­ci no­va­men-­
te na te­le­vi­são de­le. E es­se fe­nô­me­no lhe acon­te­ce­ria ain­da uma ter­cei-­
ra vez. Por is­so, ele re­sol­veu vol­tar ao mun­do, e me es­cre­veu uma car­ta
so­li­ci­tan­do um en­con­tro...
Quan­do eu o vi che­gar, foi im­pos­sí­vel cal­cu­lar sua ida­de. Po­dia ter
tan­to cin­quen­ta co­mo vin­te anos, da­va a im­pres­são de ser tan­to um sá-­
bio quan­to um me­ni­no. Ti­nha di­fi­cul­da­de pa­ra fa­lar. En­tre ca­da uma de
su­as pa­la­vras trans­cor­ri­am vá­rios se­gun­dos. Da­va a im­pres­são de não
di­zer na­da pes­so­al, que tu­do lhe era di­ta­do des­de uma di­men­são dis-­
tan­te. A trans­pa­rên­cia de sua pe­le re­ve­la­va que era ve­ge­ta­ri­a­no. Na ba-­
se dos po­le­ga­res, ti­nha ta­tu­a­gens. Uma lua no es­quer­do e um sol no di-­
rei­to. Ele quis as­sis­tir aos meus cur­sos de Ta­rot. Os ou­tros alu­nos se
per­gun­ta­vam se Phi­lip­pe era mu­do. Ti­nha imen­sa di­fi­cul­da­de pa­ra es-­
ta­be­le­cer re­la­ções com os se­res hu­ma­nos. Pa­ra ele, era mais fácil se co-­
mu­ni­car com en­ti­da­des de ou­tros mun­dos. Emo­ci­o­na­va-se com o deus
Shi­va por­que, ape­sar de ser uma en­ti­da­de di­vi­na, do­a­do­ra do amor e da
fer­ti­li­da­de, to­dos os de­mô­nios lhe obe­de­ci­am.
Re­sol­vi co­me­çar uma ação te­ra­pêu­ti­ca uti­li­zan­do a psi­co­ma­gia. Se a
mor­te do pai ha­via rom­pi­do os la­ços que uni­am seu fi­lho com o mun­do,
pa­ra res­ti­tuí-los se­ria pre­ci­so vol­tar a unir Phi­lip­pe com a tra­di­ção fa-­
mi­li­ar. Pro­pus a ele que jun­tos res­tau­rás­se­mos o Ta­rot de Mar­se­lha.
Na­que­la épo­ca, eu acha­va que es­sa ta­re­fa con­sis­tia ape­nas em eli­mi­nar
os pe­que­nos de­ta­lhes agre­ga­dos por Paul Mar­te­au e tal­vez re­fi­nar al-­
guns de­se­nhos que, atra­vés dos tem­pos, de có­pia em có­pia, ha­vi­am si­do
trans­mi­ti­dos con­fu­sa­men­te... Phi­lip­pe aco­lheu mi­nha pro­pos­ta com en-­
tu­si­as­mo. Ele se deu con­ta de que era por is­so que ti­nha vin­do me pro-­
cu­rar. Fa­lei com a mãe de­le e lhe pe­di aju­da. Co­mo, após a mor­te do
ma­ri­do, ela ha­via dis­tri­bu­í­do uma im­por­tan­te co­le­ção de Ta­rots en­tre
di­ver­sos mu­seus, ela nos con­ce­deu car­tas de apre­sen­ta­ção. Fo­mos sem-­
pre bem re­ce­bi­dos e nos per­mi­ti­ram ob­ter di­a­po­si­ti­vos fo­to­gráfi­cos de
to­das as car­tas que con­si­de­ra­mos úteis à nos­sa pes­qui­sa. Ma­da­me Ca-­
moin ti­nha tam­bém uma im­por­tan­te co­le­ção de pran­chas de im­pres­são
que da­ta­vam de 1700. De­pois de um ano de pes­qui­sas, nós nos de­mos
con­ta da imen­si­dão da ta­re­fa que ain­da tí­nha­mos pe­la fren­te. Não se
tra­ta­va de tro­car al­guns de­ta­lhes, nem de cla­re­ar al­gu­mas pou­cas li-­
nhas, era ne­ces­sá­rio res­tau­rar o Ta­rot in­tei­ro, de­vol­ven­do-lhe su­as co-­
res ori­gi­nais, pin­ta­das ma­nu­al­men­te, e os de­se­nhos que os su­ces­si­vos
co­pis­tas aca­ba­ram apa­gan­do. Fe­liz­men­te, se em al­guns exem­pla­res
sub­sis­ti­am frag­men­tos, em ou­tros apa­re­ci­am aque­les que com­ple­ta­vam
o per­di­do. Ti­ve­mos que tra­ba­lhar com po­ten­tes com­pu­ta­do­res, com os
quais po­dí­a­mos com­pa­rar uma ima­gem so­bre ou­tra em in­con­tá­veis ver-­
sões, en­tre elas as de Ni­co­las Con­ver, Do­dal, Fran­çois Tour­caty, Fau­tri-­
er, Je­an-Pi­er­re Pa­yen, Su­zan­ne Ber­nar­din, Le­quart etc.
Du­ran­te dois anos, tra­ba­lha­mos nes­sa res­tau­ra­ção. Phi­lip­pe re­a­tou
seus la­ços com o mun­do e de­mons­trou ser um téc­ni­co ex­tra­or­di­ná­rio.
Ma­ne­ja­va o com­pu­ta­dor co­mo um es­pe­ci­a­lis­ta. A com­ple­xi­da­de des­sa
ope­ra­ção exi­giu máqui­nas mais ade­qua­das. Sem me­dir gas­tos, sua mãe
nos pro­por­ci­o­nou os ele­men­tos téc­ni­cos de que fo­mos sen­tin­do fal­ta a
ca­da pas­so. A di­fi­cul­da­de des­se tra­ba­lho de res­tau­ra­ção re­si­dia no fa­to
de que o Ta­rot de Mar­se­lha se compõe de sím­bo­los es­trei­ta­men­te li­ga-­
dos uns aos ou­tros; se se mo­di­fi­ca um úni­co tra­ço, to­da a obra se adul-­
te­ra. No sé­cu­lo XVII, exis­tia um gran­de nú­me­ro de im­pres­so­res do Ta-­
rot de Mar­se­lha. Os exem­pla­res do sé­cu­lo XVI­II são có­pias dos an­te­ri-­
o­res, e por­tan­to não po­dí­a­mos acei­tar que um Ta­rot do sé­cu­lo XVI­II
fos­se o ori­gi­nal. Era bem pos­sí­vel que a ver­são de Ni­co­las Con­ver de
1760 con­ti­ves­se er­ros e omis­sões. Se no iní­cio os de­se­nhos eram pin­ta-­
dos ma­nu­al­men­te, o nú­me­ro de co­res foi li­mi­ta­do quan­do as máqui­nas
in­dus­tri­ais apa­re­ce­ram nas gráfi­cas do sé­cu­lo XIX. Se­gun­do os im­pres-­
so­res, as li­nhas e as co­res fo­ram sen­do re­pro­du­zi­das com mai­or ou me-­
nor fi­de­li­da­de. Aque­les que não eram ini­ci­a­dos sim­pli­fi­ca­ram ao máxi-­
mo os sím­bo­los e os que co­pi­a­ram acres­cen­ta­ram ou­tros er­ros a es­ses
er­ros. Por ou­tro la­do, quan­do es­tu­da­mos um gran­de con­jun­to de jo­gos,
vi­mos que cer­tos Ta­rots ti­nham de­se­nhos idênti­cos e so­bre­po­ní­veis, e
no en­tan­to ca­da um de­les pos­su­ía sím­bo­los que não apa­re­ci­am nos ou-­
tros. Nes­se ca­so, de­du­zi­mos que ha­vi­am si­do co­pi­a­dos de um mes­mo
Ta­rot mais an­ti­go, ho­je de­sa­pa­re­ci­do. Era es­se Ta­rot ori­gi­nal que de­se-­
já­va­mos re­cons­ti­tuir.
Tro­pe­ça­mos em um obs­tá­cu­lo apa­ren­te­men­te in­trans­po­ní­vel. Ne-­
nhum mu­seu pos­su­ía um Ta­rot de Mar­se­lha com­ple­to, an­ti­go, pin­ta­do
à mão... Nos­so tra­ba­lho pre­ci­sou se de­ter por um tem­po que nos pa­re-­
ceu eter­no. De re­pen­te, lem­brei que no Méxi­co, na pra­ça Rio de Ja­nei-­
ro, a cin­quen­ta me­tros da ca­sa on­de eu mo­ra­va, vi­via o an­ti­quá­rio Raúl
Kamp­fer, es­pe­ci­a­lis­ta em re­lí­quias as­te­cas e mai­as. Em 1960, ele ten­ta­ra
me ven­der um an­ti­go Ta­rot “fran­cês”, pin­ta­do à mão, pe­din­do por ele
dez mil dó­la­res. Eu, ofus­ca­do pe­la ver­são de Wai­te, achei de­sin­te­res-­
san­te, ab­sur­da­men­te ca­ro. E me es­que­ci... Mi­la­gre! Do la­do da mi­nha
ca­sa, ha­via exis­ti­do tal­vez o va­li­o­so exem­plar que tan­ta fal­ta nos fa­zia!
Phi­lip­pe e eu vi­a­ja­mos pa­ra o Méxi­co e, mui­to emo­ci­o­na­dos, ba­te-­
mos na por­ta do an­ti­quá­rio. Abriu um ho­mem jo­vem: era o fi­lho de
Raúl Kamp­fer, que ha­via mor­ri­do. O ra­paz guar­da­va em um quar­to, re-­
li­gi­o­sa­men­te, to­dos os ob­je­tos dei­xa­dos pe­lo pai. Não sa­bia que en­tre
eles se es­con­dia um Ta­rot. Ele nos pe­diu que aju­dás­se­mos a pro­cu­rar.
De­pois de lon­ga e an­gus­ti­an­te bus­ca, en­con­tra­mos o Ta­rot den­tro de
uma cai­xa de pa­pe­lão no fun­do de um baú. O ra­paz nos ven­deu o Ta­rot
por um pre­ço ra­zo­á­vel. Vol­ta­mos a Pa­ris com nos­so tro­féu. Es­se Ta­rot
foi nos­so guia es­sen­ci­al pa­ra res­tau­rar no com­pu­ta­dor as co­res an­ti­gas.
À me­di­da que avan­çá­va­mos na ta­re­fa, eu so­fria ver­da­dei­ros cur­to-
cir­cui­tos es­pi­ri­tu­ais. Du­ran­te tan­tos anos in­je­ta­ra em mi­nha al­ma o Ta-­
rot de Paul Mar­te­au, dan­do a ca­da de­ta­lhe o sig­ni­fi­ca­do mais pro­fun­do
pos­sí­vel (o que fa­zia de­po­si­tan­do nos ar­ca­nos um amor sem li­mi­tes),
que al­gu­mas al­te­ra­ções me pa­re­ce­ram pu­nha­la­das.
No fun­do, o tra­ba­lho de res­tau­ro exi­gia que uma par­te de mim, em
no­me da mu­ta­ção, acei­tas­se mor­rer. Os dois da­dos em O Ma­go, um no 1
e o ou­tro no 5 (dan­do 15, O Di­a­bo), cu­jos ver­sos ocul­ta­vam um 2 e um 6
(dan­do 26, a so­ma das le­tras da di­vin­da­de: Yod 10 + He 5 + Vav 6 + He
5), o que me per­mi­tia di­zer que o de­mô­nio era ape­nas uma más­ca­ra de
Deus, ao se trans­for­ma­rem, na ver­são res­tau­ra­da, em três da­dos, ca­da
um mos­tran­do três fa­ces que no to­tal da­vam 7 (3 ve­zes 7 igual a 21, O
Mun­do), trans­for­ma­vam es­ses sím­bo­los em al­go ab­so­lu­ta­men­te di­fe-­
ren­te, que me obri­ga­va a fa­zer es­for­ços men­tais an­gus­ti­an­tes pa­ra subs-­
ti­tuir os ou­tros, tão que­ri­dos.
O mes­mo me acon­te­ceu com os sa­pa­tos bran­cos do Im­pe­ra­dor: eu
ha­via me acos­tu­ma­do a pen­sar que o po­de­ro­so mo­nar­ca da­va pas­sos de
uma pu­re­za im­pe­cá­vel, tão chei­os em sua al­vu­ra de sa­be­do­ria co­mo sua
bar­ba bran­ca. Mas na re­a­li­da­de os sa­pa­tos se re­ve­la­ram ver­me­lhos e a
bar­ba, azul-ce­les­te. Pas­sos de uma ati­vi­da­de con­quis­ta­do­ra, iguais à
cruz do ce­tro que impõe sua mar­ca ao mun­do, e uma bar­ba de ho­mem
sen­sí­vel, es­pi­ri­tu­al e re­cep­ti­vo, mais in­tui­ti­vo que in­te­li­gen­te. Em O
Na­mo­ra­do, ti­ve com gran­de dor de es­que­cer o pa­ra­le­lo que eu fa­zia en-­
tre o per­so­na­gem cen­tral, que Mar­te­au mos­tra­va des­cal­ço, e Moi­sés,
que se des­cal­ça pa­ra ou­vir a voz do Al­tíssi­mo na sar­ça ar­den­te. Foi do-­
lo­ro­so ad­mi­tir que es­se per­so­na­gem ti­nha sa­pa­tos ver­me­lhos, tão ati­vos
co­mo os do Im­pe­ra­dor ou os do Lou­co, o que da­va ao seu amor um as-­
pec­to me­nos di­vi­no e mais ter­re­no. O En­for­ca­do de Mar­te­au não es­ta­va
amar­ra­do por um dos pés, mas no nos­so sim. Ti­ve que pas­sar de um
per­so­na­gem que li­vre­men­te ha­via de­ci­di­do não agir a ou­tro que re­ce­bia
seu des­ti­no co­mo uma lei cósmi­ca con­tra a qual não po­dia se re­be­lar,
sig­ni­fi­can­do que pa­ra ele “li­ber­da­de” era obe­de­cer a Lei. No Ar­ca­no
XI­II de Mar­te­au, o es­que­le­to cor­ta­va um de seus pés: au­to­des­trui­ção;
no nos­so, ofe­re­cia tan­to um pé azul co­mo um bra­ço e uma co­lu­na ver-
te­bral da mes­ma cor, ato cons­tru­ti­vo que se re­pe­tia na foi­ce, on­de ao
ver­me­lho de an­tes se mes­cla­va es­se azul-ce­les­te, sig­ni­fi­can­do uma se-­
me­a­du­ra es­pi­ri­tu­al. O Di­a­bo de Mar­te­au es­gri­mia uma es­pa­da, se­gu-­
ran­do-a pe­lo fio, is­to é, fe­rin­do es­tu­pi­da­men­te a mão, mas no nos­so er-­
guia uma to­cha, dan­do luz às tre­vas. Em A Tor­re, apa­re­ce­ram três es­ca-­
da­ri­as ini­ci­áti­cas e uma por­ta, o que im­pli­ca­va que os dois per­so­na­gens
não es­ta­vam cain­do, mas sain­do ale­gre­men­te por von­ta­de pró­pria. E
tan­tos ou­tros de­ta­lhes que mu­da­ram a mi­nha vi­são. Cla­ro que pre­ci­sei
de al­gum tem­po pa­ra aban­do­nar o Mar­te­au. Co­me­cei mis­tu­ran­do os
dois ma­ços e ofe­re­cen­do-os as­sim ao con­su­len­te. Pou­co a pou­co, o an­ti-­
go pa­re­ceu se­car co­mo as fo­lhas no ou­to­no, en­quan­to o no­vo ad­qui­ria a
ca­da dia uma ener­gia mais in­ten­sa. Uma quar­ta-fei­ra, pe­la ma­nhã, no
jar­dim do meu pa­vi­lhão em Vin­cen­nes, ao pé de uma tí­lia fron­do­sa, en-­
ter­rei meu tão que­ri­do Ta­rot de Paul Mar­te­au, com a dor de um fi­lho
que en­ter­ra a mãe, e so­bre ele plan­tei uma ro­sei­ra. Nes­sa mes­ma noi­te,
pe­la pri­mei­ra vez, no Ca­fé Saint-Fi­a­cre, on­de to­da se­ma­na eu fa­zia mi-­
nhas lei­tu­ras gra­tui­tas de Ta­rot, usei pe­la pri­mei­ra vez, e des­de en­tão
pa­ra sem­pre, o Ta­rot res­tau­ra­do. Es­sa pri­mei­ra vez co­in­ci­diu com a
che­ga­da di­an­te da mi­nha me­sa de Ma­ri­an­ne Cos­ta. Tão im­por­tan­te
quan­to meu en­con­tro com Phi­lip­pe Ca­moin foi meu en­con­tro com ela.
Sem Ma­ri­an­ne, eu ja­mais po­de­ria es­cre­ver es­te li­vro. Ain­da que a men-­
te ra­ci­o­nal cus­te a acei­tar que na­da é aci­den­tal na na­tu­re­za, que tu­do o
que acon­te­ce no uni­ver­so é cau­sa­do por uma lei prees­ta­be­le­ci­da, que
cer­tos acon­te­ci­men­tos es­tão ins­cri­tos no fu­tu­ro e que o efei­to pre­ce­de
a cau­sa, a apa­ri­ção da mi­nha co­la­bo­ra­do­ra me pa­re­ce obra de um des­ti-­
no es­ta­be­le­ci­do por uma en­ti­da­de in­con­ce­bí­vel.
Ma­ri­an­ne foi pri­mei­ro mi­nha alu­na, de­pois mi­nha as­sis­ten­te e por
fim aca­ba­mos len­do o Ta­rot jun­tos, cum­prin­do as­sim o que as­si­na­lam
os ar­ca­nos: Im­pe­ra­triz-Im­pe­ra­dor, Pa­pi­sa-Pa­pa, Lua-Sol. O ini­ci­a­do
pre­ci­sa de seu com­ple­men­to fe­mi­ni­no, e vi­ce-ver­sa, pa­ra que am­bos
che­guem a uma lei­tu­ra gui­a­da pe­la Cons­ciên­cia cósmi­ca.

Ale­jan­dro Jo­do­rowsky
1 Mais fa­mo­so mí­mi­co do sé­cu­lo 20.
2 Pin­tor sur­re­a­lis­ta ale­mão.
O Ta­rot é um ser

A mai­o­ria dos au­to­res de li­vros so­bre o Ta­rot se li­mi­ta a des­cre­ver e


ana­li­sar uma car­ta após a ou­tra sem ima­gi­nar o con­jun­to do ba­ra­lho co-­
mo um to­do. Não obs­tan­te, o ver­da­dei­ro es­tu­do do sig­ni­fi­ca­do de ca­da
ar­ca­no co­me­ça com uma or­de­na­ção co­e­ren­te de to­do o Ta­rot: de ca­da
de­ta­lhe, por pe­que­no que se­ja, par­tem li­nhas de uni­ão que abar­cam as
78 car­tas. Pa­ra com­preen­der es­ses múl­ti­plos sím­bo­los é pre­ci­so ter vis-­
to o sím­bo­lo fi­nal for­ma­do pe­la to­ta­li­da­de de­les: uma man­da­la. Se­gun-­
do Carl G. Jung, a man­da­la é uma re­pre­sen­ta­ção da psi­que, cu­ja es­sên-­
cia nos é des­co­nhe­ci­da: as for­mas re­don­das sim­bo­li­zam, em ge­ral, a in-­
te­gri­da­de na­tu­ral, en­quan­to as for­mas qua­dran­gu­la­res re­pre­sen­tam a
to­ma­da de cons­ciên­cia des­sa in­te­gri­da­de. Pa­ra a tra­di­ção hin­du, a man-­
da­la, sím­bo­lo do es­pa­ço sa­gra­do cen­tral, al­tar e tem­plo, é ao mes­mo
tem­po uma ima­gem do mun­do e a re­pre­sen­ta­ção do po­der di­vi­no. Uma
ima­gem ca­paz de con­du­zir quem a con­tem­pla à ilu­mi­na­ção... Se­gun­do
es­sa con­cep­ção, eu me pro­pus or­de­nar o Ta­rot co­mo se es­ti­ves­se cons-­
tru­in­do um tem­plo. Em to­das as tra­di­ções, o tem­plo re­su­me a cri­a­ção
do uni­ver­so, que é vis­to co­mo a uni­da­de di­vi­na que ex­plo­diu em frag-­
men­tos. Osíris, fe­cha­do den­tro de um co­fre por seus ini­mi­gos in­ve­jo­sos
e seu ir­mão Se­th, é lan­ça­do nas águas do Ni­lo, mu­ti­la­do, des­tro­ça­do e
de­pois res­sus­ci­ta­do pe­lo so­pro de Ísis. Sim­bo­li­ca­men­te, os Ar­ca­nos do
Ta­rot são um co­fre on­de se de­po­si­tou um te­sou­ro es­pi­ri­tu­al. A aber­tu­ra
des­se co­fre equi­va­le a uma re­ve­la­ção. A ta­re­fa ini­ci­áti­ca con­sis­te em
unir os frag­men­tos até re­cu­pe­rar a uni­da­de... Par­ti­mos de um ma­ço de
car­tas, mis­tu­ra­mos os Ar­ca­nos e os dis­tri­bu­í­mos so­bre uma su­per­fície,
is­to é, des­pe­da­ça­mos Deus. In­ter­pre­ta­mos Deus, reu­ni­mos Deus em
fra­ses. O lei­tor ini­ci­a­do (Ísis, a al­ma, o alen­to) em uma bus­ca sa­gra­da
re­ú­ne os pe­da­ços. O Deus res­sus­ci­ta, já não na di­men­são ima­te­ri­al, mas
no mun­do ma­te­ri­al. Com o Ta­rot se compõe uma fi­gu­ra, uma man­da­la,
que per­mi­te abar­cá-lo in­tei­ro com um só olhar.
Es­sa ideia de que as car­tas não fo­ram con­ce­bi­das uma por uma, co-­
mo sím­bo­los se­pa­ra­dos, mas co­mo par­tes de uma uni­da­de, não me apa-­
re­ceu su­bi­ta­men­te. Foi um lon­go pro­ces­so que par­tiu de in­tui­ções ne-­
bu­lo­sas, até che­gar, com o pas­sar dos anos, a des­co­bri­men­tos que com
to­da cer­te­za pro­va­vam a von­ta­de de uni­ão des­te “ser” que é o Ta­rot.

Or­de­nei as car­tas co­lo­can­do as pa­res à mi­nha es­quer­da e as ím­pa­res


à mi­nha di­rei­ta, por­que nas tra­di­ções ori­en­tais os nú­me­ros pa­res são
con­si­de­ra­dos pas­si­vos e os ím­pa­res, ati­vos; o la­do di­rei­to é con­si­de­ra­do
ati­vo e o es­quer­do pas­si­vo. Com­pa­rei os or­na­men­tos dos tem­plos oci-­
den­tais com os ori­en­tais. Na fa­cha­da das ca­te­drais góti­cas, co­mo a No-­
tre Da­me de Pa­ris, Je­sus Cris­to, an­dró­gi­no, de pé en­tre um dra­gão ter-­
res­tre e um dra­gão ce­les­te, nos ben­ze na por­ta cen­tral. À sua di­rei­ta
(nos­sa es­quer­da co­mo es­pec­ta­do­res), er­gue-se a Vir­gem Ma­ria (fe­mi­ni-­
li­da­de, re­cep­ti­vi­da­de), e na por­ta à sua es­quer­da ve­mos um sa­cer­do­te
do­mi­nan­do com seu bá­cu­lo um dra­gão (mas­cu­li­ni­da­de, ati­vi­da­de). Ao
con­trá­rio, nos tem­plos bu­dis­tas tân­tri­cos, as di­vin­da­des mas­cu­li­nas se
co­lo­cam do nos­so la­do es­quer­do co­mo es­pec­ta­do­res e as fe­mi­ni­nas do
nos­so la­do di­rei­to. Is­so se ex­pli­ca por­que Bu­da não é um deus, mas um
ní­vel que qual­quer ser hu­ma­no, se re­a­li­zar a gran­de obra es­pi­ri­tu­al, po-­
de al­can­çar. O cren­te dei­xa de ser es­pec­ta­dor e se co­lo­ca no meio do
ma­cho e da fê­mea, con­ver­ti­do no tem­plo, vi­ra­do pa­ra o ex­te­ri­or. Ao
con­trá­rio, Cris­to é uma di­vin­da­de, ne­nhum cren­te po­de se con­ver­ter
ne­le, ape­nas imi­tá-lo. Os san­tos ori­en­tais são bu­das. Os san­tos oci­den-­
tais imi­tam seu Deus. Por is­so as ca­te­drais agem co­mo es­pe­lhos. A di-­
rei­ta do edi­fí­cio re­pre­sen­ta nos­so la­do es­quer­do e o la­do es­quer­do do
edi­fí­cio re­pre­sen­ta nos­so la­do di­rei­to... O Ta­rot de Mar­se­lha, pro­du­to
ju­dai­co-cris­tão, nos in­di­ca em O Mun­do (XXI) que o use­mos co­mo es-­
pe­lho: a da­ma sus­ten­ta na mão es­quer­da o bas­tão ati­vo e na mão di­rei­ta
a re­do­ma re­cep­ti­va... (ver p. 54)
Gui­ei-me por es­ses e ou­tros de­ta­lhes, que se­ria mui­to de­mo­ra­do
enu­me­rar aqui, pa­ra for­mar gru­pos com as car­tas até que um dia to­dos
se uni­ram em uma man­da­la. Ob­ti­ve uma su­ásti­ca, sím­bo­lo do tur­bi­lhão
cri­a­ti­vo ao re­dor do qual se es­ten­dem as hi­e­rar­qui­as que ela ema­na. Es-­
sa su­ásti­ca, por in­di­car ma­ni­fes­ta­men­te um mo­vi­men­to de ro­ta­ção ao
re­dor do cen­tro, ação do Prin­cí­pio Di­vi­no so­bre a ma­ni­fes­ta­ção, foi por
mui­to tem­po con­si­de­ra­da um em­ble­ma de Cris­to. Na Ín­dia, fi­ze­ram de-­
la em­ble­ma de Bu­da, por­que re­pre­sen­ta a Ro­da da Lei (Dhar­ma­chak­ra).
Tam­bém em­ble­ma de Ga­nesha, di­vin­da­de do co­nhe­ci­men­to. Na Chi­na,
a su­ásti­ca sim­bo­li­za o nú­me­ro dez mil, que é a to­ta­li­da­de dos se­res e da
Re­ve­la­ção. É tam­bém a for­ma pri­mi­ti­va do ca­rac­te­re chi­nês fang, que
in­di­ca as qua­tro di­re­ções do es­pa­ço qua­dra­do, da ter­ra, ex­pan­são ho­ri-­
zon­tal a par­tir do cen­tro. No sim­bo­lis­mo ma­çôni­co, no cen­tro da su­ásti-­
ca fi­gu­ra a es­tre­la po­lar, e os qua­tro bra­ços (gam­mas gre­gas cu­ja for­ma
é a de um es­qua­dro) que a cons­ti­tu­em for­mam as qua­tro po­si­ções car-­
di­nais da Ur­sa Mai­or ao re­dor de­la (a Ur­sa Mai­or sim­bo­li­za um cen­tro
di­re­tor ou ilu­mi­na­dor).
De to­do mo­do, de­vo ad­mi­tir, os ar­ca­nos per­mi­tem inú­me­ras for­mas
de ser or­de­na­dos em um to­do. Sen­do o Ta­rot um ins­tru­men­to es­sen­ci-­
al­men­te pro­je­ti­vo, não há ne­le uma for­ma fi­nal, úni­ca, per­fei­ta. Is­so co-­
in­ci­de com as man­da­las de­se­nha­das com areia co­lo­ri­da pe­los mon­ges
ti­be­ta­nos. São to­das pa­re­ci­das, mas nun­ca iguais.
Nos­so es­tu­do co­me­ça pe­la com­preen­são des­sa man­da­la: não se po-­
de ana­li­sar as par­tes sem se co­nhe­cer o to­do. Quan­do se co­nhe­ce o to-­
do, ca­da par­te ad­qui­re um sig­ni­fi­ca­do glo­bal e re­ve­la seus la­ços com to-­
das as ou­tras car­tas. Quan­do se to­ca um ins­tru­men­to em uma or­ques-­
tra, ca­da um faz res­so­ar to­dos os ou­tros. O Ta­rot é uma uni­ão de Ar­ca-­
nos. Quan­do, de­pois de mui­tos anos, con­se­gui for­mar mi­nha pri­mei­ra
ver­são co­e­ren­te da man­da­la, eu lhe per­gun­tei: “De que me ser­ve es­se
es­tu­do? Qual é o po­der que vo­cê po­de me dar?” E ima­gi­nei que o Ta­rot
me res­pon­dia: “Só vais ad­qui­rir o po­der de aju­dar. Uma ar­te que não
ser­ve pa­ra cu­rar não é ar­te.”
Mas o que é cu­rar? To­da do­en­ça, to­do pro­ble­ma, é pro­du­to de um
es­tan­ca­men­to, se­ja cor­po­ral, se­xu­al, emo­ci­o­nal ou in­te­lec­tu­al. A cu­ra
con­sis­te em re­cu­pe­rar a flui­dez das ener­gi­as. Es­sa con­cep­ção se po­de
en­con­trar no Tao Te Ching, de Lao Tse, e de ma­nei­ra mui­to pre­ci­sa no
Li­vro das mu­ta­ções ou I Ching. O Ta­rot, de al­gu­ma ma­nei­ra, cor­res­pon-­
dia a es­sa fi­lo­so­fia? Sa­ben­do que a lin­gua­gem ópti­ca do Ta­rot não po­dia
ser re­du­zi­da a uma úni­ca ex­pli­ca­ção ver­bal, de­ci­di fa­zer mi­nhas as pa-­
la­vras de Bu­da: “Ver­da­de é aqui­lo que é útil”, dan­do aos qua­tro Nai­pes
uma sig­ni­fi­ca­ção que de ne­nhu­ma ma­nei­ra ou­sa­ria afir­mar que era a
úni­ca ou de­fi­ni­ti­va, mas a mais útil pa­ra o uso te­ra­pêu­ti­co que eu de­se-­
ja­va dar aos ar­ca­nos. Em vez de usar o Ta­rot co­mo uma bo­la de cris­tal,
con­ver­ten­do-o nu­ma fer­ra­men­ta pa­ra que vi­den­tes exóti­cos de­sen­tra-­
nhas­sem com ele fu­tu­ros hi­po­téti­cos, achei que de­via co­lo­cá-lo a ser­vi-­
ço de uma no­va for­ma de psi­ca­náli­se, a ta­ro­lo­gia.

Mi­nha pri­mei­ra ten­dên­cia ao tra­tar de or­de­nar as car­tas foi ob­ter


uma for­ma si­métri­ca. De­pois de ten­ta­ti­vas in­fru­tí­fe­ras, pu­de cons­ta­tar
a im­pos­si­bi­li­da­de de tal coi­sa. Lem­brei que, em mi­nha pri­mei­ra vi­a­gem
ao Ja­pão, o guia que me mos­tra­va o an­ti­go pa­lá­cio im­pe­ri­al me in­di­cou
que ne­nhum mu­ro era cons­tru­í­do em li­nha re­ta, que ne­nhu­ma ja­ne­la
ou por­ta era di­vi­di­da em qua­dros si­métri­cos: pa­ra a cul­tu­ra ja­po­ne­sa, a
li­nha re­ta e a si­me­tria eram de­mo­ní­a­cas. Efe­ti­va­men­te, es­tu­dan­do a ar-­
te sa­cra, é pos­sí­vel cons­ta­tar que nun­ca é si­métri­ca. A por­ta à nos­sa es-­
quer­da da ca­te­dral de No­tre Da­me de Pa­ris é mais lar­ga que a por­ta à
nos­sa di­rei­ta... To­da ar­te si­métri­ca é pro­fa­na. O cor­po hu­ma­no tam­pou-­
co é si­métri­co: do la­do di­rei­to, nos­so pul­mão tem três lo­bos e no es-­
quer­do, dois. O Ta­rot de­mons­tra ser uma ar­te sa­gra­da por­que nun­ca
em uma car­ta a par­te su­pe­ri­or é idênti­ca à in­fe­ri­or, nem o la­do es­quer-­
do é igual ao di­rei­to. Sem­pre há um pe­que­no de­ta­lhe, às ve­zes mui­to di-­
fícil de per­ce­ber, que des­faz a se­me­lhan­ça. Por exem­plo, o Dez de Ou-­
ros, à pri­mei­ra vis­ta per­fei­ta­men­te si­métri­co, tem no ân­gu­lo in­fe­ri­or da
nos­sa di­rei­ta uma mo­e­da di­fe­ren­te das ou­tras: se nos ou­tros três ân­gu-­
los há mo­e­das de do­ze pé­ta­las, es­ta tem ape­nas on­ze. Se na ex­tre­mi­da-­
de in­fe­ri­or do ei­xo cen­tral há uma flor com du­as flo­res cur­tas em ama-­
re­lo-cla­ro no in­te­ri­or e ama­re­lo es­cu­ro ala­ran­ja­do no ex­te­ri­or, na ex­tre-­
mi­da­de su­pe­ri­or do ei­xo da flor es­sas du­as fo­lhas são mais com­pri­das.
Creio que os cri­a­do­res do jo­go vo­lun­ta­ri­a­men­te de­se­nha­ram de­ta­lhes
míni­mos pa­ra nos en­si­nar a ver. A vi­são que nos­sos olhos nos trans­mi-­
tem mu­da se­gun­do o ní­vel de cons­ciên­cia que de­sen­vol­ve­mos. O se­gre-­
do di­vi­no não se ocul­ta, es­tá di­an­te de nós. O fa­to de nós o ver­mos ou
não de­pen­de da aten­ção que de­di­ca­mos a ob­ser­var os de­ta­lhes e a es­ta-­
be­le­cer co­ne­xões en­tre eles.
Uma vez cons­ci­en­te de que, sob uma apa­ren­te si­me­tria, o Ta­rot ne-­
ga­va sem­pre as re­pe­ti­ções, co­me­cei a me dar con­ta de que os ar­ca­nos
me­no­res se or­ga­ni­za­vam se­gun­do uma lei que se po­de­ria for­mu­lar co-­
mo: “De qua­tro par­tes, três são qua­se iguais e uma é di­fe­ren­te. E das
três iguais, du­as são mais pa­re­ci­das”. Is­to é: ([1 + 2] + 3) + 4. Os exem-­
plos são múl­ti­plos. Eis aqui al­guns de­les:

Dos qua­tro Nai­pes, três são ob­je­tos fa­bri­ca­dos (es­pa­da, co­pa e ou-­
ro) e um é um ele­men­to na­tu­ral (o pau). E dos três, dois são mais
pa­re­ci­dos por re­pou­sa­rem em uma su­per­fície (o ou­ro e a co­pa) e o
ter­cei­ro é di­fe­ren­te por­que uma mão o es­gri­me no ar.
As Es­pa­das, os Paus e as Co­pas têm nú­me­ros. Os Ou­ros não têm
nú­me­ros. Nas Es­pa­das e Paus, os V têm a pon­ta pa­ra o cen­tro, nas
Co­pas os V têm a pon­ta pa­ra fo­ra.
Os Va­le­tes de Es­pa­das, Paus e Ou­ros têm cha­péu. O de Co­pas ca-­
mi­nha com a ca­be­ça des­pi­da. O Va­le­te de Es­pa­das e o de Ou­ros
têm cha­péus pa­re­ci­dos. O de Paus usa um gor­ro mui­to di­fe­ren­te.
As Rai­nhas de Paus, Co­pas e Ou­ros, além do sím­bo­lo que lhes cor-­
res­pon­de, le­vam na ou­tra mão um ob­je­to. A Rai­nha de Es­pa­das,
não.
Três Reis es­tão no in­te­ri­or de um pa­lá­cio. Um quar­to es­tá no meio
da na­tu­re­za. Três têm co­roa; o quar­to, um cha­péu.
Den­tre os Ca­va­lei­ros, três ca­va­los são azuis, o quar­to é bran­co etc.

Se pro­cu­rar­mos es­ta lei nas re­li­gi­ões e nas mi­to­lo­gi­as e na re­a­li­da-­


de, en­con­tra­re­mos, por exem­plo:

No cris­ti­a­nis­mo, três (Pai, Fi­lho, Es­píri­to San­to) mais um (Vir­gem


Ma­ria).
Des­ses três, dois são ima­te­ri­ais (Pai, Es­píri­to San­to) e o ter­cei­ro
(Je­sus Cris­to) es­tá en­car­na­do, ou se­ja: ([Pai + Es­píri­to San­to] + Je-­
sus Cris­to) + Vir­gem Ma­ria;
Nos qua­tro Evan­ge­lhos, três pa­re­ci­dos (Mar­cos, Ma­teus, Lu­cas) e
um di­fe­ren­te (Jo­ão). E en­tre os três pa­re­ci­dos, dois mais se­me-­
lhan­tes (Mar­cos, Lu­cas) e ou­tro um tan­to di­fe­ren­te (Ma­teus), ou
se­ja: ([Mar­cos + Lu­cas] + Ma­teus) + Jo­ão;
A Ca­ba­la dis­tin­gue qua­tro mun­dos: três ima­te­ri­ais di­vi­di­dos em
dois que for­mam o Ma­cro­po­so­pus, At­zi­lo­th (ar­que­ti­pal) e Bri­ah
(cri­a­ti­vo) e um que é o Mi­cro­po­so­pus, Yet­zi­rah (for­ma­ti­vo). Es­te
trio nu­tre a Noi­va, Asi­ah (ma­te­ri­al). Is­to é: ([At­zi­lo­th + Bri­ah] +
Yet­zi­rah) + Asi­ah;
As qua­tro No­bres Ver­da­des des­co­ber­tas por Gau­ta­ma, o Bu­da: o
so­fri­men­to, o de­se­jo, a co­bi­ça, o Ca­mi­nho do meio. Is­to é: ([De­se­jo
+ Co­bi­ça] + So­fri­men­to) + Ca­mi­nho do Meio;
As qua­tro cas­tas da Ín­dia an­ti­ga. Ação no mun­do ma­te­ri­al: os Su-­
dras (tra­ba­lha­do­res), os vaisyas (co­mer­ci­an­tes), os ksha­triyas
(guer­rei­ros). Ação no mun­do es­pi­ri­tu­al: os brâ­ma­nes (re­li­gi­o­sos).
Is­to é: ([Su­dras + Vaisyas] + Ksha­triyas) + Brâ­ma­nes;
Den­tre os qua­tro ele­men­tos, três são se­me­lhan­tes (ar, água, fo­go) e
um, di­fe­ren­te (ter­ra). E en­tre os três se­me­lhan­tes, dois são mais
próxi­mos (ar, fo­go) e um di­fe­ren­te (água). Is­to é: ([Ar + Fo­go] +
Água) + Ter­ra;
Na ca­be­ça hu­ma­na, as ore­lhas, os olhos e as fos­sas na­sais são du-­
plas, en­quan­to a bo­ca é úni­ca. As ore­lhas e os olhos são se­pa­ra­dos.
As fos­sas na­sais se unem no na­riz. Is­to é: ([Ore­lhas + Olhos] + Na-­
ri­nas) + Bo­ca.

Com es­sa fór­mu­la é pos­sí­vel or­de­nar os qua­tro tem­pe­ra­men­tos do


or­ga­nis­mo (ner­vo­so, lin­fáti­co, san­guí­neo e bi­li­o­so), os qua­tro tri­os do
Zo­dí­a­co (Ári­es--Le­ão-Sa­gi­tá­rio, Gê­meos-Li­bra-Aquá­rio, Cân­cer-Es­cor-­
pi­ão-Pei­xes e Tou­ro-Vir­gem--Ca­pri­cór­nio); as qua­tro fa­ses da al­qui-­
mia: a obra em ama­re­lo (ci­tri­ni­tas), a obra em ver­me­lho (ru­be­do), a
obra em bran­co (al­be­do), a obra em ne­gro (ni­gre­do); os qua­tro es­ta­dos
da ma­té­ria (ga­so­so, líqui­do, sóli­do e ra­di­a­ti­vo) etc.
En­fim, ob­ser­van­do al­gu­mas gra­vu­ras al­quí­mi­cas em Ro­sai­re des
phi­lo­sop­hes, en­con­trei uma con­fir­ma­ção da man­da­la do Ta­rot, co­mo
mos­tra a fi­gu­ra aci­ma.
Nu­me­ro­lo­gia

Se dei a O Lou­co o pa­pel de co­me­ço in­fi­ni­to e a O Mun­do o de fim in­fi-­


ni­to, se com­preen­dia que os Va­le­tes, Rai­nhas, Reis e Ca­va­lei­ros, por não
te­rem nú­me­ro, não po­di­am se iden­ti­fi­car co­mo 11, 12, 13 e 14 em ca­da
um dos qua­tro Nai­pes, me en­con­tra­va com seis séri­es de dez nú­me­ros,
Es­pa­das de um a dez, Co­pas de um a dez, Paus de um a dez, Ou­ros de
um a dez, ar­ca­nos mai­o­res d’O Ma­go a A Ro­da da For­tu­na e ar­ca­nos
mai­o­res des­de A For­ça até O Jul­ga­men­to... Se que­ria com­preen­der a es-­
sên­cia do Ta­rot, ti­nha que vi­su­a­li­zar es­ses dez nú­me­ros, com seus seis
as­pec­tos. Por exem­plo, o nú­me­ro 1 con­tém os qua­tro Ases mais O Ma­go
e A For­ça... O Ma­go é re­pre­sen­ta­do por um ho­mem e A For­ça por uma
mu­lher. As Es­pa­das e os Paus são sím­bo­los ati­vos, as Co­pas e os Ou­ros,
sím­bo­los re­cep­ti­vos. O que me mos­trou que es­ses dez nú­me­ros não po-­
di­am ser de­fi­ni­dos co­mo mas­cu­li­nos ou fe­mi­ni­nos, mas a to­do mo­men-­
to co­mo an­dró­gi­nos... Po­rém, na nu­me­ro­lo­gia tra­di­ci­o­nal, en­con­trei
que se de­cla­ra­va o nú­me­ro 1 co­mo a pri­mei­ra ci­fra ím­par, ati­vo, mas­cu-­
li­no, o Pai, a uni­da­de... e o nú­me­ro 2 co­mo a pri­mei­ra ci­fra par, pas­si­vo,
fe­mi­ni­no, a Mãe, a mul­ti­pli­ci­da­de... Pa­ra mim, foi im­pos­sí­vel ade­rir a
es­se eso­te­ris­mo an­ti­fe­mi­nis­ta on­de os nú­me­ro 2, 4, 6, 8 e 10, cha­ma­dos
de fe­mi­ni­nos, são si­nôni­mos de obs­cu­ri­da­de, frio e ne­ga­ti­vi­da­de. E os
nú­me­ros ím­pa­res, 1, 3, 5, 7 e 9, exal­ta­dos co­mo mas­cu­li­nos, são equi­pa-­
ra­dos à luz, ao ca­lor e ao po­si­ti­vo... Pa­ra evi­tar is­so, ao de­fi­nir os dez
nú­me­ros, eli­mi­nei to­do con­cei­to de fe­mi­ni­li­da­de ou mas­cu­li­ni­da­de.
Pre­fe­ri as­so­ci­ar os nú­me­ros pa­res com a re­cep­ti­vi­da­de e os nú­me­ros
ím­pa­res com a ati­vi­da­de. Uma mu­lher po­de ser ati­va e um ho­mem po-­
de ser re­cep­ti­vo.
En­con­trei tam­bém em nu­me­ro­sos li­vros uma de­fi­ni­ção do nú­me­ro
2 co­mo a du­a­li­da­de 1+1... O que me pa­re­ceu, ao apli­cá-la ao Ta­rot, mui-­
to equi­vo­ca­da. Por­que se ado­ta­mos es­ta te­o­ria só nos res­ta in­ter­pre­tar
ca­da um dos se­guin­tes nú­me­ros co­mo mul­ti­pli­ca­ções da uni­da­de, o 3
se­ria 1+1+1, o 4 se­ria 1+1+1+1 e as­sim até o 10. Ou­tra ten­dên­cia eso­téri­ca
con­sis­tia em dar sig­ni­fi­ca­do aos nú­me­ros de acor­do com o re­sul­ta­do de
so­mas in­ter­nas. O mais com­ple­xo de to­dos se­ria o 10, di­fe­ren­te se era
re­sul­ta­do de 9 + 1, 8 + 2 ou 7 + 3 ou 6 + 4 (ex­clu­í­do o re­sul­ta­do de nú­me-­
ros re­pe­ti­dos co­mo 5 + 5). Es­se sis­te­ma, não ten­do ne­nhum mo­ti­vo pa­ra
se de­ter em so­mas de du­as ci­fras ape­nas, con­duz a aber­ra­ções co­mo 10
=1 + 2 + 3 + 4. Ou ain­da, 10 = 3 + 5 + 2 etc.
Um sím­bo­lo é uma to­ta­li­da­de co­mo um cor­po. Se­ria ri­dí­cu­lo afir-­
mar que o cor­po hu­ma­no é a so­ma de du­as per­nas + dois bra­ços + um
tron­co + uma ca­be­ça e, por es­te ca­mi­nho, + um fí­ga­do, + um par de
olhos etc. Da mes­ma ma­nei­ra, é ab­sur­do, no Ta­rot, de­fi­nir ca­da um dos
dez nú­me­ros co­mo a so­ma de ou­tros nú­me­ros. Pa­ra com­preen­der sua
men­sa­gem, de­ve­mos con­si­de­rar ca­da um des­ses dez nú­me­ros co­mo um
ser, com su­as ca­rac­te­rísti­cas mui­to es­pe­ci­ais.
Pa­ra co­me­çar

O Ta­rot se apre­sen­ta co­mo um to­do com­ple­xo e des­con­cer­tan­te pa­ra o


prin­ci­pi­an­te. Cer­tas car­tas pa­re­cem mais fá­ceis de in­ter­pre­tar que ou-­
tras car­re­ga­das de sím­bo­los que pa­re­cem mais ou me­nos fa­mi­li­a­res.
Umas re­pre­sen­tam per­so­na­gens, ou­tras fi­gu­ras ge­o­métri­cas ou ob­je­tos;
umas le­vam um no­me, ou­tras um nú­me­ro, ou­tras não es­tão in­ti­tu­la­das
nem nu­me­ra­das. Se­ria ten­ta­dor se em­ba­sar em es­tru­tu­ras já co­nhe­ci-­
das, co­mo a as­tro­lo­gia ou di­ver­sas for­mas de nu­me­ro­lo­gia, pa­ra abor-­
dar o es­tu­do des­te jo­go. Mas, co­mo to­dos os sis­te­mas co­e­ren­tes, co­mo
to­das as obras de ar­te sa­gra­da, o Ta­rot con­tém uma es­tru­tu­ra pró­pria,
que de­ve­mos des­co­brir.
Em nu­me­ro­sas ini­ci­a­ções, se diz que o ho­mem só po­de se apro­xi-­
mar da Ver­da­de, não co­nhe­cê-la me­di­an­te a lin­gua­gem; e que, em tro­ca,
é pos­sí­vel co­nhe­cer a Be­le­za, re­fle­xo da Ver­da­de. O es­tu­do do Ta­rot po-­
de, pois, ser em­preen­di­do co­mo um es­tu­do da Be­le­za. É atra­vés do
olhar, ao acei­tar­mos nos em­ba­sar no que ve­mos, que seu sen­ti­do se re-­
ve­la­rá a nós, pou­co a pou­co.
Nes­ta pri­mei­ra par­te, nós nos pro­po­mos ver que in­dí­cios nos dá o
Ta­rot pa­ra com­preen­der sua es­tru­tu­ra e sua nu­me­ro­lo­gia. A par­tir des-­
sas ba­ses, cons­trui­re­mos uma man­da­la que per­mi­ti­rá dis­por a to­ta­li­da-­
de do ba­ra­lho, for­man­do uma fi­gu­ra abar­cá­vel por um úni­co olhar. Nes-­
sa man­da­la, as 78 car­tas do jo­go cons­ti­tui­rão uma fi­gu­ra equi­li­bra­da,
um to­do co­e­ren­te.
Pa­ra cons­truir a man­da­la, é ne­ces­sá­rio se fa­mi­li­a­ri­zar pri­mei­ro com
os Ar­ca­nos mai­o­res, os qua­tro Nai­pes dos Ar­ca­nos me­no­res, a fun­ção e
o va­lor das car­tas, e com o sim­bo­lis­mo dos nú­me­ros que sub­jaz a to­da a
or­ga­ni­za­ção do Ta­rot e re­la­ci­o­na ca­da um de seus ele­men­tos com o to-­
do.
Abor­da­re­mos em se­gui­da o sig­ni­fi­ca­do e al­guns dos di­fe­ren­tes sis-­
te­mas de or­ga­ni­za­ção pos­sí­veis dos qua­tro Nai­pes pre­sen­tes nos Ar­ca-­
nos do Ta­rot.
NO­TA DA ED. FR.
Em­bo­ra uti­li­ze­mos a de­no­mi­na­ção “Nai­pe” [Cou­leur] pa­ra de­sig­nar os qua­tro
sím­bo­los dos Ar­ca­nos me­no­res (Es­pa­das, Co­pas, Ou­ros, Paus), se­rá sem­pre com
uma ini­ci­al mai­ús­cu­la, pa­ra dis­tin­guir do subs­tan­ti­vo co­mum “nai­pe” [cou­leur,
cor]. Da mes­ma for­ma, es­cre­ve­mos “Ar­ca­nos” com mai­ús­cu­la pa­ra de­sig­nar as
car­tas de Ta­rot, a fim de di­fe­ren­ciá-las do “ta­rot in­glês”. Pu­se­mos igual­men­te em
mai­ús­cu­la “Ta­rot” pa­ra di­fe­ren­ci­ar do “ta­rot po­pu­lar”. Por fim, con­ven­ci­o­na­mos
es­cre­ver “Fi­gu­ras” pa­ra de­sig­nar os Ar­ca­nos des­sa na­tu­re­za.
Con­si­de­ran­do o ar­ti­go de­fi­ni­do co­mo par­te in­te­gran­te do no­me dos Ar­ca­nos mai-­
o­res, usa­re­mos: O Lou­co, O Ma­go etc. Pa­ra os Ar­ca­nos me­no­res: Ás, Dois, Três
etc. e Va­le­te, Rai­nha etc.
Por fim, a or­dem de su­ces­são dos Nai­pes nas enu­me­ra­ções e des­cri­ções se­rá fei­ta
em ge­ral e por con­ven­ção: Es­pa­das, Co­pas, Paus e Ou­ros, se­gun­do a or­dem “ana-­
tô­mi­ca” des­cri­ta à p. 66; ou ain­da, de bai­xo pa­ra ci­ma: Ou­ros, Paus, Co­pas, Es­pa-­
das.
Com­po­si­ção e re­g ras de ori­en­ta­ção

O Ta­rot de Mar­se­lha se compõe de 78 car­tas, ou Ar­ca­nos. O ter­mo “Ar-­


ca­no” de­ri­va do la­tim ar­ca­num, que sig­ni­fi­ca “se­cre­to”. Re­me­te a um
sen­ti­do ocul­to, um mis­té­rio que de­sa­fia o ra­ci­o­nal, e nos pa­re­ce ade-­
qua­do na me­di­da em que uti­li­za­mos o Ta­rot não co­mo um di­ver­ti­men-­
to, mas co­mo um ba­ra­lho car­re­ga­do de um sen­ti­do não ex­plíci­to que
con­vém des­co­brir pou­co a pou­co.
Os 78 Ar­ca­nos se di­vi­dem em dois gru­pos prin­ci­pais: 22 Ar­ca­nos
cha­ma­dos “mai­o­res” e 56 Ar­ca­nos cha­ma­dos “me­no­res”. Es­sa de­no­mi-­
na­ção tra­di­ci­o­nal cor­res­pon­de, no ba­ra­lho de Ta­rot po­pu­lar e em nu-­
me­ro­sos ba­ra­lhos de car­tas, à du­pla no­ção de “Nai­pe” [Pa­lo, Cou­leur] e
de “Trun­fo”: uma ca­te­go­ria de car­tas é con­si­de­ra­da mais po­de­ro­sa, ca-­
paz de su­pe­rar as de­mais.
Os Ar­ca­nos me­no­res nos per­mi­tem exa­mi­nar os as­pec­tos mais co­ti-­
di­a­nos e tam­bém os mais pes­so­ais da vi­da ma­te­ri­al, psíqui­ca ou in­te­lec-­
tu­al. Ve­re­mos que re­me­tem a di­fe­ren­tes graus das nos­sas ne­ces­si­da­des,
de­se­jos, emo­ções e pen­sa­men­tos, en­quan­to os Ar­ca­nos mai­o­res des­cre-­
vem um pro­ces­so hu­ma­no uni­ver­sal que en­glo­ba to­dos os as­pec­tos es-­
pir­tu­ais do ser. Os dois ca­mi­nhos são ini­ci­áti­cos e com­ple­men­ta­res. Po-­
de-se di­zer que os Ar­ca­nos me­no­res, com seus qua­tro Nai­pes, são co­mo
os qua­tro pés de uma me­sa, de um al­tar, ou as qua­tro pa­re­des de um
tem­plo.
Iden­ti­fi­car os Ar­ca­nos

To­dos os Ar­ca­nos fi­cam con­ti­dos em um re­tân­gu­lo de li­nhas ne­gras cu-­


jas pro­por­ções são as de um du­plo qua­dra­do.
Os Ar­ca­nos me­no­res se sub­di­vi­dem em 40 car­tas nu­méri­cas que re-­
pre­sen­tam a série de 1 a 10 em ca­da um dos Nai­pes: Ou­ros, Paus, Co­pas,
Es­pa­das. Es­sas car­tas não têm le­gen­da e, nas séri­es de Co­pas, Paus e
Es­pa­das, tra­zem o nú­me­ro es­cri­to la­te­ral­men­te dos dois la­dos. A série
dos Ou­ros não tem nú­me­ros. As 16 Fi­gu­ras dos Ar­ca­nos me­no­res, igual-­
men­te cha­ma­das de “Trun­fos” (Hon­neurs em fran­cês, tal­vez pe­lo fa­to
de re­pre­sen­ta­rem per­so­na­gens da aris­to­cra­cia), são qua­tro por série:
Va­le­te, Rai­nha, Rei, Ca­va­lei­ro. To­das tra­zem le­gen­da na par­te in­fe­ri­or
da car­ta, in­di­can­do seu no­me, me­nos o Va­le­te de Ou­ros, que tem seu
no­me es­cri­to la­te­ral­men­te à nos­sa di­rei­ta.
Pa­ra dis­tin­guir os Ar­ca­nos mai­o­res das Fi­gu­ras, dis­po­mos de um in-­
dí­cio bas­tan­te se­gu­ro: os Ar­ca­nos mai­o­res to­dos têm uma le­gen­da su-­
pe­ri­or na qual se ins­cre­ve seu nú­me­ro. Es­sa le­gen­da es­tá va­zia, em­bo­ra
pre­sen­te, no ca­so de O Lou­co, en­quan­to as Fi­gu­ras só têm uma le­gen­da
in­fe­ri­or com o no­me (ex­ce­to no ca­so do Va­le­te de Ou­ros, que ve­re­mos
mais adi­an­te). Os Ar­ca­nos mai­o­res têm, por­tan­to, du­as le­gen­das, uma
em ci­ma com o nú­me­ro e ou­tra em­bai­xo com seu no­me, ex­ce­to no ca­so
do Ar­ca­no XI­II, que se cha­ma tam­bém “O Ar­ca­no sem no­me”.
Os Ar­ca­nos mai­o­res

Pri­mei­ro con­ta­to

Pa­ra se fa­mi­li­a­ri­zar com o Ta­rot, o mais sim­ples é co­me­çar iden­ti­fi­can-­


do e com­preen­den­do os Ar­ca­nos mai­o­res, re­co­nhe­cí­veis por sua le­gen-­
da su­pe­ri­or. Es­sas car­tas são 22, nu­me­ra­das de I a XXI, mais O Lou­co,
que não tem nú­me­ro (e que da­ria lu­gar ao cu­rin­ga do ba­ra­lho po­pu­lar).
Dis­po­nha-as so­bre uma me­sa da se­guin­te ma­nei­ra: ti­re do ma­ço dos
Ar­ca­nos mai­o­res a pri­mei­ra e a úl­ti­ma car­ta, ou se­ja, O Lou­co e O Mun-­
do. Em se­gui­da, co­lo­que os Ar­ca­nos mai­o­res em du­as fi­lei­ras, por or-­
dem nu­méri­ca, de I a X e de XI a XX, e po­nha na ex­tre­mi­da­de es­quer­da
O Lou­co (que pa­re­ce vir ao en­con­tro des­sa du­pla fi­lei­ra) e, na da di­rei-­
ta, O Mun­do (que pa­re­ce olhá-la dan­çan­do). Nes­sa or­dem, é pos­sí­vel
ver que os Ar­ca­nos mai­o­res são or­ga­ni­za­dos em du­as séri­es (ver pági-­
nas se­guin­tes).
Olhe pa­ra os Ar­ca­nos as­sim or­de­na­dos e de­te­nha-se nos de­ta­lhes
que fo­rem apa­re­cen­do es­pon­ta­ne­a­men­te. Pres­te aten­ção na di­re­ção dos
olha­res: às ve­zes di­ri­gi­dos pa­ra a di­rei­ta, às ve­zes pa­ra a es­quer­da, e em
al­guns ca­sos pa­ra fren­te, com al­guns per­so­na­gens que nos olham de
fren­te (co­mo A Jus­ti­ça, Ar­ca­no VI­II; o ros­to d'O Sol, Ar­ca­no XVI­I­II; ou
o an­jo de O Jul­ga­men­to, Ar­ca­no XX). Al­gu­mas ima­gens lhe ins­pi­ra­rão
tal­vez sim­pa­tia, re­pul­sa, ale­gria ou te­mor. Es­sas re­a­ções são nor­mais,
pro­ce­dem da nos­sa edu­ca­ção e nos­sa his­tó­ria pes­so­al: o Ta­rot é um po-­
de­ro­so ins­tru­men­to de pro­je­ção no qual nos­so olhar iden­ti­fi­ca­rá mo­de-­
los já co­nhe­ci­dos, que, em um pri­mei­ro mo­men­to, nos fa­rão re­a­gir se-­
gun­do es­que­mas de com­por­ta­men­to ha­bi­tu­ais.
A pri­mei­ra série dos Ar­ca­nos mai­o­res, de I a X, re­pre­sen­ta per­so­na­gens hu­ma­nos ou
ani­mais em si­tu­a­ções iden­ti­fi­cá­veis. A par­te su­pe­ri­or da car­ta, na mai­o­ria dos ca­sos, co­-
in­ci­de com a ca­be­ça do pro­ta­go­nis­ta ou dos pro­ta­go­nis­tas, ex­ce­to no ca­so do Ar­ca­no
VI (O Na­mo­ra­do), em que o céu con­tém um sol e um an­ji­nho in­fan­til. Po­de-se qua­li­fi­car
es­ta série co­mo "cla­ra", uma vez que re­pre­sen­ta ima­gens com co­no­ta­ção his­tóri­ca ou
so­ci­al.
Na se­gun­da série dos Ar­ca­nos mai­o­res, de XI a XX, por sua vez, os per­so­na­gens e as si­-
tu­a­ções as­su­mem um ca­rá­ter mais ale­góri­co e me­nos re­a­lis­ta. Po­de-se qua­li­fi­car es­sa
série co­mo mais "es­cu­ra", uma vez que pa­re­ce se de­sen­ro­lar em um uni­ver­so psíqui­co e
es­pi­ri­tu­al próxi­mo do so­nho. Apa­re­cem per­so­na­gens míti­cos, an­jos, di­a­bos; a par­tir do
Ar­ca­no XVI, o céu es­tá pre­sen­te com ma­ni­fes­ta­ções ener­géti­cas, as­tros, emis­sá­rios di­vi­-
nos.

Por exem­plo, mui­tas pes­so­as fi­cam as­sus­ta­das com o Ar­ca­no XI­II,


que re­pre­sen­ta um es­que­le­to. Em nos­sa ci­vi­li­za­ção, es­ta ima­gem se
iden­ti­fi­ca com a mor­te. Po­rém, olhan­do-o mais de­ti­da­men­te, ve­mos
que o per­so­na­gem é azul, ver­me­lho e cor de car­ne, is­to é, que se tra­ta
de um es­que­le­to vi­vo, ati­vo, de uma for­ça de trans­for­ma­ção em mo­vi-­
men­to... Mas pa­ra acei­tar es­sa in­ter­pre­ta­ção do Ar­ca­no XI­II é pre­ci­so
co­me­çar por re­co­nhe­cer a pri­mei­ra re­a­ção que nos ins­pi­ra a vi­são des-­
sa car­ta. A mes­ma coi­sa ocor­re com to­dos os Ar­ca­nos mai­o­res: um per-­
so­na­gem lhe pa­re­ce­rá atra­ti­vo, ou­tro re­pul­si­vo ou an­ti­páti­co. Um nos
lem­bra­rá um avô bon­do­so, ou­tro um pa­trão do­mi­na­dor, uma aman­te
atra­en­te ou uma tia se­ve­ra... Não te­nha re­ceio de aco­lher su­as im­pres-­
sões. Ano­te co­mo vo­cê se sen­te nes­se pri­mei­ro con­ta­to com os Ar­ca­nos
mai­o­res. Sem dúvi­da, vo­cê se de­te­rá em uma in­fi­ni­da­de de de­ta­lhes, al-­
guns úni­cos, ou­tros co­muns a du­as ou mais car­tas. Con­fie no seu olhar:
é o que me­lhor po­de­rá lhe gui­ar na des­co­ber­ta do Ta­rot.
Em se­gui­da, co­me­ce a re­pa­rar em quais po­dem ser os pon­tos em co-­
mum en­tre as car­tas que es­tão uma em ci­ma da ou­tra, as que se en­con-­
tram no mes­mo grau da es­ca­la de­ci­mal.
Por exem­plo: en­tre o I e o XI, a for­ma do cha­péu é qua­se a mes­ma.
Uma si­tu­a­ção si­mi­lar une o II ao XII: uma cho­ca um ovo, ou­tro pen­de
co­mo um fe­to, ou um pin­ti­nho, es­pe­ran­do pa­ra nas­cer. O pon­to em co-­
mum tam­bém po­de ser a di­re­ção do olhar, co­mo en­tre os Ar­ca­nos III e
XI­II, ou II­II e XI­I­II, ou o nú­me­ro de pro­ta­go­nis­tas e sua dis­po­si­ção no
es­pa­ço, co­mo en­tre o Ar­ca­no V e o Ar­ca­no XV, em que um per­so­na­gem
cen­tral mais al­to do­mi­na os acóli­tos mais bai­xos. En­tre o Ar­ca­no VI e o
Ar­ca­no XVI, as­sis­ti­mos pe­la pri­mei­ra vez na série à in­ter­ven­ção de um
ele­men­to ce­les­te: o an­jo no VI e o pe­na­cho mul­ti­co­lo­ri­do no XVI. Se­ria
pos­sí­vel di­zer que en­tre O Car­ro e A Es­tre­la o pon­to em co­mum é o fir-­
ma­men­to es­tre­la­do, re­pre­sen­ta­do em for­ma de dos­sel em O Car­ro e di-
re­ta­men­te pre­sen­te co­mo ele­men­to cósmi­co em A Es­tre­la. As­sim co­mo
o ca­sal Lua-Sol re­pre­sen­ta em nu­me­ro­sas ci­vi­li­za­ções o ca­sal cósmi­co
fun­da­men­tal, ve­mos se for­mar en­tre A Jus­ti­ça e O Ere­mi­ta um ca­sal de
ros­tos hu­ma­nos. Por úl­ti­mo, A Ro­da da For­tu­na e O Jul­ga­men­to re­pre-­
sen­tam cla­ra­men­te, ca­da um à sua ma­nei­ra, um mo­men­to de­ci­si­vo de
en­cer­ra­men­to de um ci­clo e de aber­tu­ra de uma no­va vi­da.

Os Ar­ca­nos da série I a X re­a­li­zam sua ação pa­ra ci­ma:

O Ma­go er­gue sua va­ri­nha co­mo A Im­pe­ra­triz, O Im­pe­ra­dor, O Pa-­


pa e o prínci­pe d’O Car­ro er­guem seus ce­tros.
A Pa­pi­sa le­van­ta o ros­to do li­vro, os três per­so­na­gens de O Na­mo-­
ra­do es­tão uni­dos pe­lo an­jo que voa so­bre eles, O Ere­mi­ta le­van­ta
sua lâm­pa­da e A Jus­ti­ça apon­ta o céu com sua es­pa­da, as­sim co­mo
a es­fin­ge d’A Ro­da da For­tu­na.

Os Ar­ca­nos da série XI a XX re­a­li­zam sua ação pa­ra bai­xo:


A mu­lher d’A For­ça atua so­bre o fo­ci­nho do ani­mal, que apoia a ca-­
be­ça so­bre seu púbis.
O En­for­ca­do pen­de de ca­be­ça pa­ra bai­xo.
O es­que­le­to do Ar­ca­no XI­II cei­fa com seu ga­da­nho o pro­fun­do so-­
lo ne­gro.
O an­jo da Tem­pe­ran­ça ver­te seus líqui­dos ou seus flui­dos de um
jar­ro al­to pa­ra um jar­ro bai­xo.
O Di­a­bo rei­na so­bre dois di­a­bi­nhos que têm pés-ra­í­zes no so­lo
obs­cu­ro.
Os dois per­so­na­gens d’A Tor­re ca­mi­nham com as mãos olhan­do
pa­ra o chão.
A Es­tre­la es­va­zia su­as ân­fo­ras em um rio que flui a seus pés.
A in­fluên­cia d’A Lua age até so­bre o crus­tá­ceo que a ob­ser­va des­de
as pro­fun­de­zas da água.
O Sol ben­ze os dois gê­meos.
Em O Jul­ga­men­to, um an­jo en­via seu cha­ma­do mu­si­cal pa­ra um
ho­mem, uma mu­lher e um me­ni­no que sur­gem res­sus­ci­tan­do de
sua tum­ba.

Es­sas in­ter­pre­ta­ções são da­das a tí­tu­lo de exem­plo. Vo­cê po­de es­tar


ou não de acor­do com elas, mais adi­an­te ve­re­mos co­mo elas apa­re­cem
no es­tu­do em de­ta­lhe dos Ar­ca­nos mai­o­res (na se­gun­da par­te). Es­ses
de­ta­lhes, e ou­tros que vo­cê po­de­rá ob­ser­var, são in­dí­cios que pou­co a
pou­co lhe per­mi­ti­rão iden­ti­fi­car a nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot.
O Ta­rot é pro­g res­si­vo

Pres­te aten­ção ago­ra na ma­nei­ra co­mo es­tão es­cri­tos os nú­me­ros dos


Ar­ca­nos. Vo­cê per­ce­be­rá al­go que a pri­mei­ra vis­ta pa­re­ce uma ano­ma-­
lia: II­II (O Im­pe­ra­dor); VI­I­II (O Ere­mi­ta); XI­I­II (Tem­pe­ran­ça); XVI­I­II
(O Sol).

Na ver­da­de, em nú­me­ros tra­di­ci­o­nais:


4 = IV = 5 - 1
9 = IX = 10-1
14 = XIV = 15-1
19 = XIX = 20-1

Nos Ar­ca­nos cor­res­pon­den­tes do Ta­rot:


4 = II­II = 1 + 1 +1 + 1
9 = VI­I­II =5 + 1 + 1 + 1 + 1
14 = XI­I­II = 10 + 1 + 1 + 1 + 1
19 = XVI­I­II = 10 + 5 + 1 + 1 + 1 +1

A no­ta­ção nu­méri­ca se or­ga­ni­za, por­tan­to, de ma­nei­ra uni­ca­men­te


pro­gres­si­va: o Ta­rot se re­cu­sa a con­si­de­rar o 4 co­mo um (5 - 1), o 14 co-­
mo um (15 - 1), o 9 co­mo um (10 - 1) e o 19 co­mo um (20 - 1). Es­se de­ta-­
lhe é uma cha­ve pa­ra a com­preen­são do Ta­rot: nos in­di­ca que aqui a
ten­dên­cia é so­mar, mais do que sub­trair. Em ou­tras pa­la­vras, des­cre­ve
um pro­ces­so de avan­ço e de cres­ci­men­to gra­du­al.
Es­sa des­co­ber­ta nos in­ci­ta a pro­ce­der por adi­ções, e não por sub­tra-­
ções, quan­do es­tu­da­mos a es­tru­tu­ra do Ta­rot.
Es­sas sim­ples cons­ta­ta­ções já nos per­mi­tem cons­ti­tuir uma fi­gu­ra
co­e­ren­te de or­ga­ni­za­ção do Ta­rot ba­se­a­da em sua pró­pria es­tru­tu­ra.
Efe­ti­va­men­te, par­tin­do de três cons­ta­ta­ções:

O Ta­rot é pro­gre­si­vo;
O va­lor mais al­to dos ar­ca­nos mai­o­res é 21 (XXI);
O Ta­rot pro­ce­de por adi­ções;

po­de-se co­lo­car as car­tas em or­dem nu­méri­ca e uni-las em do­ze pa-­


res cu­ja so­ma é 21. Ob­te­mos en­tão a fi­gu­ra abai­xo.

Pa­ra abar­car com um úni­co gol­pe de vis­ta os vin­te e dois Ar­ca­nos mai­o­res, po­de-se uti­-
li­zar es­te es­que­ma que os une em on­ze pa­res cu­ja so­ma dá 21, nú­me­ro da re­a­li­za­ção.

Es­se es­que­ma nos su­ge­re no­vas as­so­ci­a­ções en­tre Ar­ca­nos mai­o­res:


se o 21 (XXI) re­pre­sen­ta a re­a­li­za­ção do va­lor mais al­to do Ta­rot, ca­da
uma das so­mas su­ge­ri­das aqui po­de­ria ser uma pos­si­bi­li­da­de, um ca­mi-­
nho ru­mo a es­sa re­a­li­za­ção.
Por exem­plo:

o lou­co e xxi: a ener­gia fun­da­men­tal se en­car­na na re­a­li­za­ção to-­


tal.
i e xx: um jo­vem ou uma men­te jo­vem, no ca­mi­nho da ini­ci­a­ção,
re­ce­be o cha­ma­do ir­re­sis­tí­vel da no­va cons­ciên­cia.
ii e xvii­ i­ i: uma mu­lher, uma mon­ja, se apoia na luz do Pai uni­ver­sal
pa­ra com­preen­der um tex­to sa­gra­do.
iii e xvii­ i: ou­tra mu­lher, cri­a­ti­va, sen­su­al e en­car­na­da sub­mer­ge no
mis­té­rio in­tui­ti­vo do fe­mi­ni­no...

E as­sim por di­an­te.


Não se tra­ta aqui de de­ta­lhar to­dos es­ses en­con­tros en­tre du­as car-­
tas. Eles se­rão es­tu­da­dos pos­te­ri­or­men­te (ver quar­ta par­te).
Mas es­se pri­mei­ro es­que­ma de or­ga­ni­za­ção dos Ar­ca­nos mai­o­res,
em sua sim­pli­ci­da­de, nos per­mi­te com­preen­der que o Ta­rot se or­ga­ni­za
co­mo um to­do or­gâ­ni­co e har­mo­ni­o­so. Ba­se­an­do-nos em ele­men­tos de
sua es­tru­tu­ra, po­de­mos cons­ti­tuir es­que­mas que nos aju­dem a com-­
preen­dê-lo me­lhor. Se acei­tar­mos a me­tá­fo­ra do Ta­rot co­mo um ser es-­
tru­tu­ra­do, um cor­po-es­píri­to do­ta­do de uma di­nâ­mi­ca pró­pria, po­de­re-
mos di­zer que ele in­ces­san­te­men­te nos con­vi­da pa­ra dan­çar.
O Lou­co e O Mun­do: or­ga­ni­za­ção es­pa­ci­al do Ta­rot

O Lou­co e O Mun­do, a pri­mei­ra e a úl­ti­ma car­ta da série dos Ar­ca­nos


mai­o­res, po­dem ser con­si­de­ra­das o al­fa e o ôme­ga dos Ar­ca­nos mai­o-­
res, o pri­mei­ro e o úl­ti­mo grau, os dois pon­tos en­tre os quais se de­sen-­
ro­lam to­das as pos­si­bi­li­da­des. O Lou­co se­ria, en­tão, um co­me­ço per­pé-
tuo, e O Mun­do, um de­sen­la­ce in­fi­ni­to.
Se vo­cê as co­lo­car uma ao la­do da ou­tra nes­sa or­dem, fi­ca­rá evi­den-­
te que O Lou­co pa­re­ce se di­ri­gir com de­ter­mi­na­ção ao oval d’O Mun­do,
on­de a mu­lher nua, por sua vez, pa­re­ce cha­má-lo, atraí-lo pa­ra si. O
Lou­co po­de ser con­si­de­ra­do aqui a ener­gia fun­da­men­tal, sem de­fi­ni-­
ção, is­to é, sem li­mi­tes. É as­sim que a Bí­blia e nu­me­ro­sas cos­mo­go­ni­as
nos apre­sen­tam a ener­gia cri­a­do­ra di­vi­na: uma ati­vi­da­de sem li­mi­tes e
sem pre­ce­den­tes, sur­gi­da de um na­da sem tem­po nem es­pa­ço. Mas se O
Lou­co es­ti­ves­se so­zi­nho, ele cor­re­ria o ris­co de gi­rar sem fim ao re­dor
de seu bas­tão: a ener­gia cri­a­do­ra po­de se es­go­tar sem ob­je­to se não se
ma­te­ri­a­li­za em uma re­a­li­za­ção, um mun­do, uma cri­a­tu­ra. A par­tir des­sa
pers­pec­ti­va, po­de-se ver O Mun­do en­qua­dra­do por qua­tro ele­men­tos,
co­mo qua­tro pon­tos car­de­ais, com a mu­lher-al­ma-ma­té­ria no cen­tro,
in­se­mi­na­da pe­la ener­gia d’O Lou­co.
Mas a or­dem das car­tas é es­sen­ci­al.
Efe­ti­va­men­te, se co­lo­car­mos as car­tas na or­dem O Mun­do--O Lou-­
co, a si­tu­a­ção é com­ple­ta­men­te di­fe­ren­te: O Mun­do já não é mais a re­a-­
li­za­ção de na­da, mas um fe­cha­men­to que olha de­ses­pe­ra­da­men­te pa­ra
o va­zio do pas­sa­do, um iní­cio di­fícil cu­ja úni­ca sa­í­da pos­sí­vel é uma li-­
be­ra­ção. É o que pa­re­ce que O Lou­co es­tá fa­zen­do, fu­gin­do des­se en-­
clau­su­ra­men­to (po­de­mos ima­gi­nar que o ani­mal azul que o em­pur­ra é
co­mo um aci­o­na­men­to do oval azul d’O Mun­do). Mas, no seu afã de fu-­
gir, O Lou­co não vai a ne­nhum lu­gar em par­ti­cu­lar: as­sim co­mo o es­pa-­
ço on­de a mu­lher d’O Mun­do mer­gu­lha­va seu olhar era va­zio, o ca­mi-­
nho d’O Lou­co aqui se abre pa­ra o na­da.
O Mun­do/O Lou­co ou O Lou­co/O Mun­do

Es­sas ob­ser­va­ções nos per­mi­tem ver que o Ta­rot, além de sua es­tru-­
tu­ra pro­gres­si­va, pos­sui uma ori­en­ta­ção pró­pria no es­pa­ço que se­rá de-­
ter­mi­nan­te tan­to pa­ra a cons­tru­ção da man­da­la, quan­to pa­ra as fu­tu­ras
lei­tu­ras. A de­ci­são que seus cri­a­do­res to­ma­ram de agre­gar le­gen­das em
fran­cês, em ca­rac­te­res la­ti­nos, de­ve nos dar mais ou­tro in­dí­cio: o Ta­rot
se lê no sen­ti­do da es­cri­ta, da es­quer­da pa­ra a di­rei­ta. Po­de-se de­du­zir,
por­tan­to, que sua “li­nha do tem­po” se­gui­rá o mes­mo es­que­ma: na ex-­
tre­mi­da­de es­quer­da, o que foi vi­vi­do ou fei­to, no cen­tro o que se es­tá
vi­ven­do ou fa­zen­do, e na ex­tre­mi­da­de di­rei­ta o que se po­de­rá fa­zer ou
não fa­zer, vi­ver ou não vi­ver. Es­sas cons­ta­ta­ções con­sis­tem, na re­a­li­da-­
de, em vol­tar a co­lo­car o Ta­rot em seu con­tex­to cul­tu­ral, que é o da Eu-­
ro­pa me­ri­di­o­nal da Ida­de Mé­dia.
O Ar­ca­no XXI, es­pe­lho do Ta­rot e cha­ve da ori­en­ta­ção

Ob­ser­ve­mos ago­ra mais de per­to a car­ta d’O Mun­do. Vi­mos que, co­mo
va­lor máxi­mo dos Ar­ca­nos mai­o­res, ela sim­bo­li­za o des­fe­cho, a mai­or
re­a­li­za­ção que o Ta­rot po­de nos apre­sen­tar.
Ve­re­mos que es­sa car­ta é tam­bém um es­pe­lho em que to­da a es­tru-­
tu­ra do Ta­rot se re­fle­te e se re­su­me, co­mo uma cha­ve de sua or­ga­ni­za-­
ção es­pa­ci­al e sim­bóli­ca.
En­con­tra­mos ne­la um oval de fo­lhas azuis ro­de­a­do, nos qua­tro can-­
tos da car­ta, por qua­tro fi­gu­ras que nos lem­bram a vi­são de Eze­qui­el:
um an­jo, um ani­mal com cor de car­ne que po­de­ria ser um boi (ou um
ca­va­lo), um le­ão e uma águia. O sim­bo­lis­mo cris­tão é in­ter­pre­ta­do aqui
com gran­de li­ber­da­de, uma vez que em meio a es­ses qua­tro ele­men­tos,
des­co­bri­mos não a fi­gu­ra (mas­cu­li­na e bar­ba­da) do Cris­to, mas de uma
mu­lher nua, in­di­ca­do pe­los pei­tos re­don­dos, pe­lo com­pri­men­to do ca-­
be­lo e as cur­vas de su­as an­cas. O Ta­rot, ain­da que im­preg­na­do de sim-­
bo­lis­mo re­li­gi­o­so, mos­tra-se aqui um ima­gi­ná­rio in­de­pen­den­te do dog-­
ma.

Es­sa fi­gu­ra fe­mi­ni­na que dan­ça no meio do oval po­de­ria ser uma
ale­go­ria da al­ma do mun­do, na qual O Lou­co in­su­fla sua ener­gia cri­a­do-­
ra. Po­de-se en­tão in­ter­pre­tar as qua­tro fi­gu­ras que a ro­dei­am co­mo
qua­tro ele­men­tos cons­ti­tu­ti­vos da re­a­li­da­de, qua­tro pon­tos car­de­ais, os
qua­tro ân­gu­los do mun­do re­al.
Em nu­me­ro­sas cul­tu­ras, o mun­do co­nhe­ci­do se de­fi­ne co­mo uma fi-­
gu­ra de qua­tro la­dos, um qua­dra­do ou uma cruz, à qual se acres­cen­ta
um quin­to ele­men­to cen­tral, ei­xo ou pon­to de en­con­tro, que une e ul-­
tra­pas­sa as qua­tro di­re­ções. O sim­bo­lis­mo da mão hu­ma­na, com seus
qua­tro de­dos opo­ní­veis ao po­le­gar, tam­bém nos lem­bra es­sa es­tru­tu­ra.
Se­ria pos­sí­vel ver na car­ta d’O Mun­do uma pro­pos­ta de or­ga­ni­za­ção si-­
mi­lar: no cen­tro, a al­ma que dan­ça, o ser es­sen­ci­al pre­sen­te em ca­da um
de nós, de es­sên­cia re­cep­ti­va, ani­ma­da por um háli­to cri­a­dor.
Nos qua­tro can­tos, qua­tro ener­gi­as em cu­ja dis­po­si­ção nos fi­xa­mos:
na par­te in­fe­ri­or da car­ta, en­con­tra­mos dois ani­mais ter­res­tres, um
her­bí­vo­ro (o boi ou ca­va­lo cor de car­ne) e ou­tro car­ní­vo­ro (o le­ão). Na
par­te su­pe­ri­or, dois se­res ala­dos: um an­jo, fi­gu­ra do amor in­con­di­ci­o-­
nal, do dom ou dádi­va, por­ta­dor da men­sa­gem di­vi­na, e uma águia, ani-­
mal pre­da­dor, mas cu­jo sim­bo­lis­mo nos re­me­te à gran­de­za, à as­cen­são,
a ca­pa­ci­da­de hu­ma­na de se ele­var às al­tu­ras. A car­ta d’O Mun­do é, por-­
tan­to, es­tru­tu­ra­da de for­ma cla­ra, com uma par­te “céu” e uma par­te
“ter­ra”. Se ob­ser­var­mos a pro­por­ção, nos da­re­mos con­ta de que se tra­ta
de um re­tân­gu­lo cu­ja al­tu­ra é exa­ta­men­te o do­bro da lar­gu­ra, ou se­ja,
um du­plo qua­dra­do: o qua­dra­do “ter­ra” em­bai­xo do qua­dra­do “céu”.
De­ve­re­mos en­tão nos lem­brar, no es­tu­do das car­tas, des­sa du­pla di-­
men­são ter­res­tre e ce­les­te em cu­jo cen­tro se de­sen­ro­la, se­gun­do a ge­o-­
me­tria do Ta­rot, o pro­ces­so car­nal e es­pi­ri­tu­al do ser hu­ma­no.
Ve­ja­mos ago­ra co­mo es­tão com­pos­tas a di­rei­ta e a es­quer­da: se
olhar­mos a car­ta d’O Mun­do, à nos­sa di­rei­ta en­con­tra­mos dois ani­mais
pre­da­do­res ati­vos, e na mão da mu­lher, uma va­ra, sím­bo­lo do po­der ati-­
vo. A águia e o le­ão são am­bos car­ní­vo­ros. O pri­mei­ro é um ma­cho de
ra­pi­na (tem um fa­lo ne­gro en­tre as pa­tas) e o ou­tro é uma fe­ra car­ní­vo-­
ra tam­bém ma­cho (as le­o­as não têm ju­ba). Am­bos são ati­vos: o le­ão na
ter­ra e a águia no céu.
À nos­sa es­quer­da, dois per­so­na­gens de cor pre­do­mi­nan­te­men­te de
car­ne, dos quais, co­mo vi­mos, um é um her­bí­vo­ro tra­di­ci­o­nal­men­te de-­
di­ca­do ao ser­vi­ço e ao sa­cri­fí­cio; e o ou­tro é um an­jo, um men­sa­gei­ro do
amor di­vi­no. Des­te la­do, a mu­lher le­va na mão uma bol­sa ou um fras­co,
is­to é, um con­ti­nen­te re­cep­ti­vo. Tra­di­ci­o­nal­men­te, e de ma­nei­ra fi­si­o­ló-­
gi­ca, a es­quer­da es­tá as­so­ci­a­da às for­ças re­cep­ti­vas e es­ta­bi­li­za­do­ras,
di­fe­ren­te­men­te da di­rei­ta ati­va. Se nos ba­se­ar­mos no es­tu­do da car­ta
d’O Mun­do, o Ta­rot pa­re­ce fun­ci­o­nar co­mo um es­pe­lho que re­fle­te a
ima­gem da nos­sa di­rei­ta e da nos­sa es­quer­da, con­ser­van­do, con­tu­do, a
no­ção de al­to ce­les­te e bai­xo ter­res­tre, co­mo mos­tra um es­que­ma sim-­
pli­fi­ca­do ao la­do.

Es­sa es­tru­tu­ra em cin­co par­tes, ou me­lhor, em qua­tro par­tes mais


um cen­tro, lem­bra-nos a pró­pria es­tru­tu­ra do Ta­rot:

Os 22 Ar­ca­nos mai­o­res, que re­pre­sen­tam ar­quéti­pos que nos re-­


me­tem ao des­co­bri­men­to de nos­so ser es­sen­ci­al, po­de­ri­am fi­gu­rar
no oval do cen­tro.
As qua­tro séri­es de Ar­ca­nos me­no­res de­ve­ri­am fi­car en­tão nos
qua­tro can­tos des­te “ma­pa do mun­do”, se con­se­guir­mos or­ga­ni­zá-
las se­gun­do es­sa du­pla com­po­si­ção en­tre ação e re­cep­ção, ter­ra e
céu.
Os Ar­ca­nos me­no­res

Or­ga­ni­zar os qua­tro Nai­pes

Os Ar­ca­nos me­no­res se sub­di­vi­dem em qua­tro Nai­pes: Es­pa­das, Co­pas,


Paus e Ou­ros, que apre­sen­tam nu­me­ro­sos de­ta­lhes que nos per­mi­tem
es­ta­be­le­cer uma cor­res­pon­dên­cia com os qua­tro sím­bo­los d’O Mun­do.
Pa­ra cons­ta­tá-lo, co­me­ce reu­nin­do as car­tas dos qua­tro Nai­pes em
qua­tro mon­tes di­fe­ren­tes: Es­pa­das, Co­pas, Paus e Ou­ros. Vo­cê ob­te­rá
en­tão qua­tro mon­tes de ca­tor­ze car­tas, e em ca­da um ha­ve­rá dez car­tas
de va­lor pro­gres­si­vo de I a X e qua­tro fi­gu­ras cu­jo “pos­to” e a “fa­mí­lia”
es­tão ins­cri­tos na car­ta.
En­tão, di­vi­da ca­da um des­ses mon­tes em dois mon­tes me­no­res: no
pri­mei­ro, po­nha as car­tas or­de­na­das de 1 a 10; no ou­tro, as fi­gu­ras na
se­guin­te or­dem: Va­le­te, Rai­nha, Rei, Ca­va­lei­ro. Vo­cê te­rá, en­tão, oi­to
mon­tes.
Pe­gue pri­mei­ro os Va­le­tes de ca­da Nai­pe, e dis­po­nha-os con­for­me
ilus­tra­do na pági­na se­guin­te.
Es­ses Va­le­tes nos for­ne­cem cer­tos in­dí­cios acer­ca de seus res­pec­ti-­
vos sím­bo­los que cor­ro­bo­ram o pa­ra­le­lis­mo com a car­ta d’O Mun­do e a
ori­en­ta­ção es­pa­ci­al do Ta­rot.
Os Va­le­tes que co­lo­ca­mos à es­quer­da têm jus­ta­men­te seu sím­bo­lo
na mão que cor­res­pon­de, es­pe­lha­da­men­te, à nos­sa es­quer­da, a mão re-­
cep­ti­va, ao pas­so que os Va­le­tes da di­rei­ta têm a es­pa­da e o pau na nos-­
sa di­rei­ta. Da mes­ma for­ma, a di­re­ção dos pés nos in­di­ca seu grau de
ati­vi­da­de e de re­cep­ti­vi­da­de.
Os qua­tro Va­le­tes dis­pos­tos se­gun­do a or­dem do es­que­ma ori­en­ta­ti­vo (ver p. 65).

PA­RA DIS­TIN­GUIR AS ES­PA­DAS DOS PAUS


Es­tes pon­tos de re­fe­rên­cia aju­da­rão os prin­ci­pi­an­tes:
De for­ma­to cur­vo, as Es­pa­das es­tão dis­pos­tas em ovais, são de cor
pre­do­mi­nan­te­men­te ne­gra, com du­as se­ções azuis e du­as se­ções
ver­me­lhas. Nas car­tas ím­pa­res, apa­re­ce uma es­pa­da no cen­tro do
oval. As car­tas pa­res têm no cen­tro um mo­ti­vo flo­ral.
De for­ma­to re­to, os Paus es­tão dis­pos­tos em for­ma de cruz, e a cor
pre­do­mi­nan­te é o ver­me­lho, com o cen­tro azul e as ex­tre­mi­da­des
ne­gras.

O Va­le­te de Es­pa­das, com os dois pés em du­as di­re­ções di­fe­ren-­


tes, é de ten­dên­cia ati­va com uma to­na­li­da­de re­cep­ti­va. Seu sím­bo­lo, a
es­pa­da, apon­ta pa­ra o céu. Ati­vo e ce­les­te, ele se as­se­me­lha à águia na
car­ta d’O Mun­do.
O Va­le­te de Co­pas se di­ri­ge de­ci­di­da­men­te pa­ra a es­quer­da: seus
dois pés vão nes­sa di­re­ção, in­di­can­do uma re­cep­ti­vi­da­de to­tal. Por ou-­
tro la­do, seu sím­bo­lo (co­pa) é aber­to pa­ra o céu. Re­cep­ti­va pa­ra o céu, a
co­pa se as­se­me­lha­ria, por­tan­to, ao sím­bo­lo do an­jo na car­ta d’O Mun-­
do.
O Va­le­te de Ou­ros, com um pé em ca­da di­re­ção, po­de­ria ser qua­li-­
fi­ca­do co­mo “re­cep­ti­vo/ati­vo”. Seu sím­bo­lo es­tá pre­sen­te ao mes­mo
tem­po na ter­ra e em sua mão, co­mo o ou­ro con­ti­do na mi­na e que se
con­ver­te em mo­e­da de tro­ca, mas tam­bém se si­tua à es­quer­da da car­ta.
Re­cep­ti­vo pa­ra a ter­ra, ele se as­se­me­lha ao boi/ca­va­lo cor de car­ne da
car­ta d’O Mun­do.
O Va­le­te de Paus se di­ri­ge de­ci­di­da­men­te pa­ra a di­rei­ta, ele é ati-­
vo e seu sím­bo­lo, o pau, es­tá apoi­a­do na ter­ra. Ati­vo pa­ra a Ter­ra: ele se
as­se­me­lha ao le­ão da car­ta d’O Mun­do.
Pa­ra cor­ro­bo­rar es­sas ob­ser­va­ções, é pos­sí­vel tam­bém se ba­se­ar nas
qua­tro séri­es de dez car­tas. Ob­ser­ve que três de­las são nu­me­ra­das dos
la­dos com nú­me­ros ro­ma­nos: Es­pa­das, Co­pas e Paus. Mas, re­pa­re nas
ima­gens ao la­do, os Ou­ros não têm nú­me­ros.

Qua­tro, Cin­co, Seis e Oi­to de Ou­ros.


Ne­nhu­ma car­ta da série de Ou­ros tem nú­me­ro.
Nos Paus e nas Es­pa­das, os nú­me­ros têm uma di­re­ção idênti­ca; só
que, no Cin­co, por exem­plo, as pon­tas dos Vs (on­de se no­ta que o V de
Paus é um pou­co mai­or) apon­tam pa­ra o cen­tro da car­ta. Por sua vez,
nas Co­pas, a pon­ta do V apon­ta pa­ra fo­ra, co­mo ilus­tra­do na pági­na se-­
guin­te (1).

Ago­ra, ob­ser­ve­mos o Ás de Es­pa­da na pági­na se­guin­te (2). En­tre


for­mas que cha­ma­re­mos de la­ba­re­das, a es­pa­da é ma­ni­pu­la­da por uma
mão que sur­ge, mos­tran­do seu dor­so, do ex­te­ri­or de uma for­ma que
cha­ma­re­mos de nu­vem. O Ás de Pau, tam­bém en­tre la­ba­re­das, é ma­ni-­
pu­la­do por uma mão que mos­tra a pal­ma e sur­ge do in­te­ri­or de uma
nu­vem. Os dois Ases têm, por­tan­to, um pon­to co­mum im­por­tan­te.
A Co­pa se apre­sen­ta de pé, imó­vel co­mo um tem­plo (3).

En­fim, o Ás de Ou­ros (4), com seus ra­mos que cres­cem, po­de ser vi-­
su­a­li­za­do em qual­quer di­re­ção, dei­ta­do co­mo uma mo­e­da de ou­ro pos-
ta so­bre uma su­per­fície. Ele é di­fe­ren­te dos três ou­tros sím­bo­los (so­bre
o Ás, ver tam­bém p. 289).
Es­sa di­fe­ren­ça dos Ou­ros se no­ta tam­bém no no­me: en­quan­to a Es-­
pa­da, o Pau e a Co­pa, em fran­cês, es­tão no sin­gu­lar, os Ou­ros es­tão no
plu­ral.
Vol­te­mos ago­ra à car­ta d’O Mun­do, pa­ra no­tar uma con­cor­dân­cia
com es­sas ob­ser­va­ções: o an­jo, a águia e o le­ão têm ca­da um uma au­ré­o-­
la. O boi/ca­va­lo cor de car­ne não tem. Por ser di­fe­ren­te dos ou­tros três,
po­de­mos pen­sar que cor­res­pon­de à série dos Ou­ros.
Vi­mos que o la­do da car­ta que es­tá à nos­sa di­rei­ta cor­res­pon­de à
ati­vi­da­de, ter­res­tre com o le­ão e ce­les­te com a águia no céu. A se­me-­
lhan­ça (ani­mais pre­da­do­res) re­me­te à se­me­lhan­ça en­tre a es­pa­da e o
pau. A es­pa­da é for­ja­da pe­la mão do ho­mem en­quan­too pau bro­ta da
ter­ra; po­de­mos en­tão re­la­ci­o­nar a pri­mei­ra à águia e o se­gun­do com o
le­ão. Ao an­jo po­de­mos atri­buir a co­pa, sím­bo­lo do Gra­al.
Cor­res­pon­dên­cia en­tre os Nai­pes, os ele­men­tos e as
ener­gi­as do ser hu­ma­no

Os qua­tro Nai­pes do Ta­rot não são os qua­tro ele­men­tos da al­qui­mia


nem de ou­tros sis­te­mas (Es­pa­da/ar, Co­pas/água, Ou­ros/ter­ra, Paus/fo-­
go), e, me­nos ain­da, co­mo pre­ten­deu Élip­has Lévi in­flu­en­ci­a­do pe­la
len­da ar­tu­ri­a­na, po­de­rí­a­mos as­so­ci­ar as Es­pa­das à ter­ra e os Ou­ros ao
ar! Em vez dis­so, po­de­mos inau­gu­rar um sis­te­ma de cor­res­pon­dên­cias
que pa­re­ça co­e­ren­te com os sím­bo­los dos Ar­ca­nos me­no­res e que, sem
cair em exa­ge­ros em no­me da con­cor­dân­cia, nos per­mi­ta uti­li­zar o Ta-­
rot co­mo ins­tru­men­to de co­nhe­ci­men­to do ser hu­ma­no. Es­sa op­ção in-­
ter­pre­ta­ti­va se­gue um en­si­na­men­to de Bu­da: “A ver­da­de é aqui­lo que é
útil”.
Ve­ja­mos, en­tão, o que po­de­mos ob­ser­var pa­ra cons­truir, a par­tir
des­sa ob­ser­va­ção, uma me­to­do­lo­gia de lei­tu­ra que nos se­ja útil. O Ta­rot
se di­vi­de se­gun­do uma es­tru­tu­ra de 4 + 1: qua­tro Nai­pes ou sím­bo­los e
uma série de Ar­ca­nos mai­o­res. Ou me­lhor, na car­ta d’O Mun­do, qua­tro
ani­mais ou se­res ro­dei­am o oval azul-cla­ro on­de dan­ça uma per­so­na-­
gem fe­mi­ni­na. Se­ria pos­sí­vel en­tão pen­sar que es­ses qua­tro ele­men­tos
re­pre­sen­tam qua­tro ener­gi­as do ser hu­ma­no, dis­tin­tas, po­rém to­das
elas ne­ces­sá­rias, uni­das pe­la mes­ma cons­ciên­cia.
A es­pa­da, sím­bo­lo tra­di­ci­o­nal do Ver­bo, é uma ar­ma que se for­ja,
que se tem­pe­ra e se afia, co­mo se afia a in­te­li­gên­cia, tal co­mo no apren-­
di­za­do da lin­gua­gem. Re­pre­sen­ta a ener­gia in­te­lec­tu­al e cor­res­pon­de à
águia do Ar­ca­no XXI, ca­paz de se ele­var às al­tu­ras, de ado­tar um pon­to
de vis­ta mais ele­va­do. O ele­men­to da Es­pa­da po­de­ria ser o ar.
A co­pa, sím­bo­lo crísti­co do Gra­al, cáli­ce, ins­tru­men­to ela­bo­ra­do
ab­so­lu­ta­men­te re­cep­ti­vo, é um sím­bo­lo an­ti­go do amor. Po­de­rá, por­tan-­
to, re­pre­sen­tar a ener­gia emo­ci­o­nal. O Ás de Co­pa pa­re­ce uma ca­te­dral
e nos lem­bra que cons­truir o amor sa­gra­do é um tra­ba­lho de ou­ri­ves.
Cor­res­pon­de ao an­jo do Ar­ca­no XXI, men­sa­gei­ro di­vi­no. Seu ele­men­to
de re­fe­rên­cia po­de­ria ser a água.
O pau cres­ce de for­ma na­tu­ral, não é fa­bri­ca­do. Po­rém, é pos­sí­vel
es­co­lher, des­cas­car... Ele re­pre­sen­ta a for­ça da na­tu­re­za que cres­ce, a
po­tên­cia cri­a­ti­va e se­xu­al. O que sen­ti­mos por um ser não se in­ven­ta: o
de­se­jo é uma ques­tão de atra­ção, gos­ta­mos de uma pes­soa ou não. A se-­
xu­a­li­da­de não é uma ener­gia que for­ja­mos, mas po­de­mos ca­na­li­zá-la, e
até mes­mo subli­má-la. Da mes­ma ma­nei­ra, a atra­ção que um ar­tis­ta
sen­te por uma for­ma de ex­pres­são, o ta­len­to, são ele­men­tos mis­te­ri­o-­
sos, mas que se de­sen­vol­vem me­di­an­te o tra­ba­lho. A ins­pi­ra­ção é re­ce-­
bi­da an­tes de ser pos­ta em práti­ca. Vi­mos que o pau cor­res­pon­de ao le-­
ão da car­ta d’O Mun­do. Com­bus­tí­vel na­tu­ral, seu ele­men­to po­de­ria ser
o fo­go.
O ou­ro é ao mes­mo tem­po re­ce­bi­do (co­mo mi­ne­ral pre­sen­te na ter-­
ra) e for­ja­do (co­mo mo­e­da cu­nha­da). Da mes­ma for­ma, nos­so cor­po é
com­pos­to por nos­sas ações, mas tam­bém o re­ce­be­mos de uma vez por
to­das. Ain­da da mes­ma ma­nei­ra, o pla­ne­ta Ter­ra, que é o ter­ri­tó­rio da
vi­da e da es­pécie hu­ma­na, é uno e com­ple­to, mas é ex­plo­ra­do e trans-­
for­ma­do pe­la ati­vi­da­de de seus ha­bi­tan­tes. Po­de­mos en­tão atri­buir ao
ou­ro a re­pre­sen­ta­ção da ener­gia ma­te­ri­al, das ne­ces­si­da­des cor­po­rais,
do ter­ri­tó­rio, das ques­tões li­ga­das ao di­nhei­ro e ao cor­po. Vi­mos que
cor­res­pon­de ao boi/ca­va­lo cor de car­ne. Seu ele­men­to de re­fe­rên­cia
po­de­ria ser a ter­ra.
No ba­ra­lho in­glês, os dois Nai­pes re­cep­ti­vos, Co­pas e Ou­ros, de­ram
lu­gar aos dois sím­bo­los ver­me­lhos dos co­ra­ções e lo­san­gos. Os dois
Nai­pes ati­vos, Es­pa­das e Paus, tor­na­ram-se os dois sím­bo­los ne­gros da
pon­ta de lan­ça e do tre­vo.
Nes­sa eta­pa, po­de­mos en­tão nos pro­por a ler se­gun­do es­se es­que­ma
a car­ta d’O Mun­do, cha­ve de ori­en­ta­ção pa­ra com­preen­der a ori­en­ta­ção
in­ter­na do Ta­rot.
O Ar­ca­no XXI, cha­ve da ori­en­ta­ção do Ta­rot
Os Ar­ca­nos mai­o­res re­pre­sen­tam os ar­quéti­pos do ca­mi­nho da Cons­ciên­cia, po­de­rí­a­-
mos atri­buir a eles o ele­men­to éter.
Eles cor­res­pon­dem à mu­lher nua que dan­ça, unin­do com seu véu ver­me­lho e azul a
ação à re­cep­ção, e har­mo­ni­zan­do en­tre eles as qua­tro ener­gi­as.

AS COR­RES­PON­DÊN­CIAS DO TA­ROT
As ener­gi­as das Es­pa­das e das Co­pas se si­tu­am no qua­dra­do Céu. Elas
supõem uma cons­ciên­cia e são es­pe­ci­fi­ca­men­te hu­ma­nas. As ener­gi­as
de Paus e Ou­ros se si­tu­am no qua­dra­do Ter­ra. Elas for­mam a ba­se de to-­
do ti­po de ser vi­vo sus­ce­tí­vel de se re­pro­du­zir, hu­ma­no ou ani­mal.

CO­PAS | AMAR
Ener­gia emo­ci­o­nal e afe­ti­va, o co­ra­ção.
O amor, os sen­ti­men­tos po­si­ti­vos ou ne­ga­ti­vos, a ami­za­de. A dádi­va, o
per­dão, a ge­ne­ro­si­da­de, a ado­ra­ção, a aber­tu­ra do co­ra­ção, a ale­gria, a
fé, o mis­ti­cis­mo.
ELE­MEN­TO: água. COR­PO: cai­xa to­ráci­ca, co­ra­ção.

ES­PA­DAS | SER
Ener­gia in­te­lec­tu­al.
A lin­gua­gem, o ver­bo, o pen­sa­men­to, os con­cei­tos, as idei­as, a ati­vi­da-­
de da in­te­li­gên­cia, as idei­as trans­mi­ti­das pe­la cul­tu­ra, a so­ci­e­da­de, os
mi­tos, as re­li­gi­ões, as idei­as con­ce­bi­das e a cons­ciên­cia, o tra­ba­lho da
men­te, a me­di­ta­ção, a lin­gua­gem co­mo ar­ma ou co­mo pre­ce.
ELE­MEN­TO: ar. COR­PO: ca­be­ça.
PAUS | FA­ZER
Ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va.
O ins­tin­to de re­pro­du­ção, a fe­cun­di­da­de, o de­se­jo. A ener­gia cri­a­do­ra, a
ima­gi­na­ção, a pro­du­ção cons­ci­en­te e in­cons­ci­en­te, a pos­si­bi­li­da­de de
cri­ar, de in­ven­tar. O im­pul­so vi­tal, o po­der, a for­ça cu­ra­ti­va, o ins­tin­to. A
for­ça vi­tal, a cren­ça, a vo­ca­ção pa­ra po­vo­ar o pla­ne­ta e o uni­ver­so, a su-­
pe­ra­ção dos obs­tá­cu­los pe­la cri­a­ti­vi­da­de.
ELE­MEN­TO: fo­go. COR­PO: ao ní­vel da ba­cia, on­de se en­con­tram os ór­gãos
ge­ni­tais e o ha­rá de que fa­lam al­gu­mas tra­di­ções ori­en­tais.

OU­ROS | VI­VER
Ener­gia ma­te­ri­al.
O cor­po, a saú­de, o as­pec­to físi­co, o lu­gar on­de se vi­ve, o ter­ri­tó­rio, a
rou­pa, a co­mi­da, a ca­sa. O ofí­cio, a vi­da eco­nô­mi­ca, a pros­pe­ri­da­de, o
di­nhei­ro. O lu­gar no mun­do, as re­la­ções so­ci­ais, as cé­lu­las, os áto­mos,
as mo­lé­cu­las que nos cons­ti­tu­em, o pla­ne­ta Ter­ra.
ELE­MEN­TO: ter­ra. COR­PO: ao ní­vel dos pés (ren­te ao chão, co­mo o Ás de
Ou­ros).

Es­se sis­te­ma de con­cor­dân­cias, que é con­fir­ma­do pe­lo es­tu­do em


de­ta­lhe dos Ar­ca­nos me­no­res, é de gran­de uti­li­da­de pa­ra a lei­tu­ra do
Ta­rot, pois per­mi­te abor­dar to­dos os as­pec­tos da exis­tên­cia, dos mais
con­cre­tos aos mais es­pi­ri­tu­ais, sem ex­cluir na­da que é hu­ma­no. Se acei-­
tar­mos es­sa cha­ve de lei­tu­ra, ela en­ri­que­ce­rá ca­da vez mais nos­sa abor-­
da­gem do Ta­rot e de nós mes­mos.
Pri­mei­ro con­ta­to com as Fi­gu­ras dos Ar­ca­nos me­no­res

As Fi­gu­ras tam­bém se ins­cre­vem em um es­que­ma que nos per­mi­te


com­preen­der me­lhor a es­tru­tu­ra do Ta­rot. Mas, além dis­so, os qua­tro
per­so­na­gens de ca­da Nai­pe sim­bo­li­zam uma ati­tu­de, um ca­mi­nho psi-­
co­ló­gi­co fren­te a seu ele­men­to.
Em ca­da Nai­pe, é in­te­res­san­te ob­ser­var a evo­lu­ção do sím­bo­lo que o
re­pre­sen­ta em ca­da per­so­na­gem: o Va­le­te de Ou­ros con­tem­pla uma pe-­
que­na mo­e­da de ou­ro que tem na mão sem se im­por­tar com a ou­tra que
ain­da es­tá en­ter­ra­da co­mo um te­sou­ro. A Rai­nha er­gue di­an­te de si
uma mo­e­da de ou­ro mai­or que a do Va­le­te. O Rei do­mi­na já du­as mo­e-­
das de ou­ro: uma que tem em sua mão e uma ou­tra, ain­da pe­que­na, que
flu­tua no ar. Es­se ou­ro es­pi­ri­tu­al cres­ce em se­gui­da no Ca­va­lei­ro até se
con­ver­ter em um as­tro. Da mes­ma ma­nei­ra, o pau ini­ci­al­men­te rústi­co
do Va­le­te de Paus se tor­na en­ta­lha­do com a Rai­nha, la­vra­do no Rei, e
aca­ba atra­ves­san­do a mão do Ca­va­lei­ro, co­mo um ob­je­to ima­te­ri­al. A
es­pa­da a prin­cí­pio re­cep­ti­va (azul) do Va­le­te de Es­pa­das, de­pois ati­va
(ver­me­lha) a par­tir da Rai­nha, cres­ce pro­por­ci­o­nal­men­te aos per­so­na-­
gens até se tor­nar qua­se uma lan­ça na mão do Ca­va­lei­ro de Es­pa­das.
Por fim, a co­pa, sim­ples ta­ça cor de car­ne nas mãos do Va­le­te, de­pois
cáli­ce fe­cha­do nas mãos da Rai­nha, e de­pois no­va­men­te aber­to, flu­tua
so­bre a pal­ma da mão do Ca­va­lei­ro co­mo um au­tênti­co Gra­al mi­la­gro-­
so.
Pa­ra com­preen­der co­mo se or­ga­ni­zam as Fi­gu­ras, po­de­mos co­lo­cá-
las em ce­na, co­mo em um jo­go de in­ter­pre­tar pa­péis, em vol­ta de um
pa­lá­cio que sim­bo­li­ze seu Nai­pe. Te­rí­a­mos, en­tão, qua­tro pa­lá­cios que
re­pre­sen­tam as qua­tro ener­gi­as. Ca­da Ás se­rá o cas­te­lo das fi­gu­ras de
seu Nai­pe, co­mo sím­bo­lo do cen­tro ener­géti­co cor­res­pon­den­te: Ou­ros,
cen­tro ma­te­ri­al (ne­ces­si­da­de); Paus, cen­tro se­xu­al (de­se­jos); Co­pas,
cen­tro emo­ci­o­nal (sen­ti­men­tos); e Es­pa­das, cen­tro in­te­lec­tu­al (pen­sa-­
men­tos).
Os Va­le­tes. Ca­da um re­pre­sen­ta um du­a­lis­mo e uma he­si­ta­ção em
re­la­ção ao pró­prio Nai­pe: “Ser ou não ser?”, pa­re­ce per­gun­tar o Va­le­te
de Es­pa­das, dis­pos­to a de­vol­ver a es­pa­da à bai­nha. “Amar ou não
amar?”, se per­gun­ta o Va­le­te de Co­pas, dis­pos­to a fe­char de no­vo sua
ta­ça. “Fa­zer ou não fa­zer?”, po­de­ria ser a per­gun­ta do Va­le­te de Paus,
sem sa­ber se le­van­ta ou não seu por­re­te. Por fim, o Va­le­te de Ou­ros pa-­
re­ce he­si­tar en­tre o ou­ro que tem na mão e o ou­tro, mais se­cre­to, que
es­tá en­ter­ra­do no chão. “Guar­dar ou gas­tar? Eco­no­mi­zar ou in­ves­tir?”.
Re­pre­sen­ta­re­mos, por­tan­to, os Va­le­tes do la­do de fo­ra, às por­tas do pa­lá-­
cio, in­de­ci­sos se en­tram ou não. A par­tir do mo­men­to em que o Va­le­te en-­
tra no pa­lá­cio, ele se con­ver­te em Rai­nha.
As Rai­nhas. Elas se iden­ti­fi­cam ab­so­lu­ta­men­te com o pró­prio Nai-­
pe, cen­tro re­pre­sen­ta­do pe­lo pa­lá­cio, des­de­nhan­do o mun­do ex­ter­no
pa­ra ha­bi­tar o in­ter­no. Vi­vem co­mo pro­pri­e­tá­rias, olhan­do fi­xa­men­te
pa­ra o pró­prio sím­bo­lo (no ca­so das Rai­nhas de Ou­ros, Co­pas e Es­pa-­
das) ou, co­mo ocor­re com a Rai­nha de Paus, com as du­as mãos so­bre o
ven­tre, que re­pre­sen­ta o cen­tro se­xu­al e cri­a­ti­vo, e uma ter­cei­ra mão
ar­ti­fi­ci­al que vem se jun­tar à ce­na. As Rai­nhas se­rão, por­tan­to, re­pre­sen-­
ta­das no in­te­ri­or do pa­lá­cio, ab­sor­tas pe­lo pró­prio Nai­pe.
Os Reis. Eles apa­re­cem ao mes­mo tem­po que a ne­ces­si­da­de de des-­
pren­di­men­to. Co­nhe­cem seu rei­no, seu cas­te­lo, mas sa­bem que tam-­
bém há to­do um mun­do ex­te­ri­or, ou se­ja, ou­tras ener­gi­as dis­tin­tas da-­
que­la re­pre­sen­ta­da pe­lo pró­prio Nai­pe. To­dos os Reis por­tam seu sím-­
bo­lo com au­to­ri­da­de (o pau do Rei de Paus é in­clu­si­ve o mai­or de to­da a
série), po­rém olham mais pa­ra além, nu­ma di­re­ção mais lon­gín­qua. Re-­
pre­sen­ta­re­mos, pois, os Reis em ci­ma do pa­lá­cio, con­tem­plan­do as fron-­
tei­ras de seu rei­no, cons­ci­en­te da exis­tên­cia de um mais além.
Os Ca­va­lei­ros. Des­sa acei­ta­ção dos pró­prios li­mi­tes, da cons­ciên-­
cia da exis­tên­cia do Ou­tro e dos de­mais, nas­ce o Ca­va­lei­ro. Ele trans-­
por­ta­rá pa­ra o ex­te­ri­or a ener­gia cri­a­da pe­lo tra­ba­lho do Va­le­te, da Rai-­
nha e do Rei. Os Ca­va­lei­ros são sím­bo­los da co­mu­ni­ca­ção, de apor­te, e
por que não, de con­quis­ta, de trans­mis­são, de uni­fi­ca­ção. Eles cor­res-­
pon­dem de cer­to mo­do ao pro­fe­ta. Por is­so, já a ca­mi­nho de su­pe­ra­rem
seus pró­prios sím­bo­los, os Ca­va­lei­ros se­rão nu­me­ra­dos no úl­ti­mo lu­gar
da lis­ta das fi­gu­ras.
Eis aqui o es­que­ma dos Nai­pes.
A or­ga­ni­za­ção dos qua­tro Nai­pes se­gun­do seu lu­gar no Ta­rot su­ge­ri­da pe­la car­ta d’O
Mun­do (ver p. 65), e a or­dem das Fi­gu­ras ao re­dor do pa­lá­cio.
Re­su­mo

Os Ar­ca­nos mai­o­res são re­pre­sen­ta­dos em du­as séri­es de 10 (de I a X e


de XI a XX), ten­do nas du­as ex­tre­mi­da­des O Lou­co e O Mun­do (Ar­ca-­
no XXI).
O Ta­rot é an­tes de tu­do uma ar­te de in­ter­pre­ta­ção que fun­ci­o­na a
par­tir da pro­je­ção.
O Ta­rot pro­ce­de por adi­ções e não por sub­tra­ções. É es­sen­ci­al­men-­
te pro­gres­si­vo.
O Ta­rot é li­do no sen­ti­do da es­cri­ta la­ti­na, da es­quer­da pa­ra a di­rei-­
ta, e po­de-se tam­bém vi­su­a­li­zar na mes­ma di­re­ção uma li­nha de tem­po
que vai do pas­sa­do ao fu­tu­ro.
O Ta­rot se ori­en­ta co­mo um es­pe­lho, no in­te­ri­or de um du­plo qua-­
dra­do. O la­do que se en­con­tra à nos­sa es­quer­da é re­cep­ti­vo e o la­do à
nos­sa di­rei­ta é ati­vo. O qua­dra­do su­pe­ri­or re­pre­sen­ta o Céu e o qua­dra-­
do in­fe­ri­or a Ter­ra. No cen­tro, um ter­cei­ro qua­dra­do re­pre­sen­ta o rei­no
do ser hu­ma­no.
O Ar­ca­no XXI, O Mun­do, fun­ci­o­na co­mo um re­su­mo da ori­en­ta­ção
do Ta­rot, di­vi­din­do o es­pa­ço em qua­tro par­tes (di­rei­ta e es­quer­da, em
ci­ma e em­bai­xo), que for­mam os ân­gu­los de uma cos­mo­go­nia.
Es­sa ori­en­ta­ção se en­con­tra tam­bém nos Ar­ca­nos me­no­res:

Es­pa­das ati­vas pa­ra o Céu;


Co­pas re­cep­ti­vas pa­ra o Céu;
Paus ati­vos pa­ra a Ter­ra;
Ou­ros re­cep­ti­vos pa­ra a Ter­ra.

Po­de-se ex­trair daí as ba­ses pa­ra um sis­te­ma de cor­res­pon­dên­cias


útil e co­e­ren­te na lei­tu­ra do Ta­rot co­mo ins­tru­men­to de co­nhe­ci­men­to
de si mes­mo, no qual os qua­tro Nai­pes se as­so­ci­am às qua­tro ener­gi­as
vi­tais do ser hu­ma­no:

in­te­lec­to pa­ra Es­pa­das;


cen­tro emo­ci­o­nal pa­ra Co­pas;
cen­tro se­xu­al e cri­a­ti­vo pa­ra Paus;
cen­tro ma­te­ri­al con­cre­to pa­ra Ou­ros.
A nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot

É fre­quen­te que a men­te hu­ma­na ten­da a ado­tar um sis­te­ma pree­xis-­


ten­te pa­ra com­preen­der o que ain­da não co­nhe­ce. Foi as­sim que o Ta-­
rot aca­bou sen­do as­si­mi­la­do por to­do ti­po de es­tru­tu­ras. Seus 22 Ar­ca-­
nos mai­o­res fa­vo­re­ce­ram du­ran­te mui­to tem­po uma ten­dên­cia a fa­zê-lo
con­cor­dar com o al­fa­be­to he­brai­co, mas tam­bém apli­ca­ram a ele cons-­
tru­ções to­ma­das da as­tro­lo­gia, de di­ver­sas for­mas de nu­me­ro­lo­gia ou
de ge­o­me­tria, ou de sis­te­mas de ex­pli­ca­ção do mun­do pro­ce­den­tes de
múl­ti­plas cul­tu­ras. No fi­nal das con­tas, es­sas as­so­ci­a­ções só são úteis se
são mo­men­tâ­neas. É in­te­res­san­te es­cla­re­cer um sis­te­ma com con­cei­tos
de um ou­tro, mas obri­gá-los a con­cor­dar só re­sul­ta em mu­ti­la­ções inú-­
teis.
Em ou­tras pa­la­vras, em um pri­mei­ro mo­men­to, de­ve­mos des­co­brir
e as­si­mi­lar a nu­me­ro­lo­gia or­ga­ni­za­do­ra ori­gi­nal do Ta­rot. É a ba­se do
pri­mei­ro grau de com­preen­são do Ta­rot; ain­da não nos per­mi­te lê-lo,
mas as­si­mi­lar to­dos os seus prin­cí­pios. Es­sa nu­me­ro­lo­gia lo­go se con-­
ver­te em um sis­te­ma de me­di­das que per­mi­te ler to­dos os ba­ra­lhos
exis­ten­tes ba­se­a­dos no Ta­rot de Mar­se­lha. As­si­mi­lar a or­ga­ni­za­ção nu-­
me­ro­ló­gi­ca do Ta­rot é pos­suir uma cha­ve que, co­mo um sol­fe­jo ou uma
gra­máti­ca, dá sen­ti­do à in­ter­pre­ta­ção pro­je­ti­va dos Ar­ca­nos.
Es­sa or­ga­ni­za­ção é fru­to de uma ob­ser­va­ção mi­nu­ci­o­sa das du­as
séri­es de dez dos Ar­ca­nos mai­o­res e das qua­tro séri­es de­ci­mais dos Ar-­
ca­nos me­no­res. Di­ver­sos de­ta­lhes de car­tas que cor­ro­bo­ram is­so se­rão
es­tu­da­dos mais de­ti­da­men­te na se­gun­da e na ter­cei­ra par­tes des­te li-­
vro, on­de os Ar­ca­nos são des­cri­tos um por um.
Pa­ra mai­or fa­ci­li­da­de, a nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot se­rá apre­sen­ta­da
nes­te ca­pí­tu­lo sob uma for­ma sin­téti­ca, sem en­trar em de­ta­lhes de to-­
das as car­tas, mas apre­sen­tan­do os exem­plos mais sig­ni­fi­ca­ti­vos.
Por que uma nu­me­ro­lo­gia de­ci­mal?

Quais são, no Ta­rot, os in­dí­cios que nos su­ge­rem uma nu­me­ro­lo­gia de-­
ci­mal?
Os Ar­ca­nos mai­o­res apre­sen­tam du­as séri­es de dez Ar­ca­nos en­ca-­
be­ça­dos por O Lou­co, que se po­de con­si­de­rar o ar­quéti­po da ener­gia
ini­ci­al, e en­cer­ra­dos por O Mun­do, que se po­de con­si­de­rar o ar­quéti­po
da re­a­li­za­ção (ver pp. 48-9). O nú­me­ro 21, que é o do úl­ti­mo ar­ca­no, tal-­
vez nos en­ca­mi­nhas­se pa­ra uma nu­me­ro­lo­gia de 7 em 7: não há so­bre a
me­sa do Ar­ca­no I (O Ma­go) três da­dos cu­ja so­ma das três fa­ces dá 7? E
não são 14 Ar­ca­nos me­no­res em ca­da série?
Es­se ca­mi­nho é ten­ta­dor, mas equi­va­le­ria a atri­buir às fi­gu­ras os va-­
lo­res cor­res­pon­den­tes aos nú­me­ros 11, 12, 13 e 14. No en­tan­to, na­da nos
de­ta­lhes dos Ar­ca­nos me­no­res nos per­mi­te fa­zer is­so. Se o Ta­rot qui-­
ses­se nos in­di­car es­se ca­mi­nho, os Ar­ca­nos me­no­res se­ri­am aber­ta­men-­
te nu­me­ra­dos até 14.
Os sis­te­mas nu­me­ro­ló­gi­cos de 3 em 3 ou de 5 em 5 não se apli­cam
aos es­tu­dos dos Ar­ca­nos do Ta­rot.
Na ver­da­de, o sen­so co­mum nos in­di­ca que, as­sim co­mo o Ta­rot tem
le­gen­das es­cri­tas em fran­cês, si­tua-se na cul­tu­ra do sis­te­ma de­ci­mal. O
10 é vis­to co­mo uma to­ta­li­da­de que se sub­di­vi­de em dez graus que evo-­
lu­em, em cons­tan­te mu­ta­ção da re­a­li­da­de. Es­sa im­per­ma­nên­cia per­ma-
nen­te é a pas­sa­gem in­ces­san­te de um es­ta­do a ou­tro, com­pa­rá­vel ao ci-­
clo das es­ta­ções. A se­quên­cia dos nú­me­ros po­de ser com­pa­ra­da a uma
se­men­te que ger­mi­na pa­ra ge­rar uma plan­ta, que da­rá por sua vez um
bo­tão, e de­pois uma flor que se trans­for­ma­rá em fru­to, pro­du­to per­fei­to
da ár­vo­re que o por­ta. De­pois de ama­du­re­cer, o fru­to cai­rá, li­ber­tan­do a
se­men­te que vol­ta­rá pa­ra a ter­ra e o pro­ces­so re­co­me­ça­rá.
O es­que­ma re­tan­gu­lar da nu­me­ro­lo­gia

As­sim co­mo a car­ta d’O Mun­do (Ar­ca­no XXI) nos ser­viu de mo­de­lo de
ori­en­ta­ção, va­mos ago­ra es­ta­be­le­cer um mo­de­lo no in­te­ri­or do qual se
de­sen­vol­ve­rá a nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot. Es­se mo­de­lo se­rá jus­ti­fi­ca­do nas
pági­nas se­guin­tes por de­ta­lhes do pró­prio Ta­rot, mas pa­ra mai­or cla­re-­
za nos pa­re­ceu pre­fe­rí­vel apre­sen­tar pri­mei­ro e de­ta­lhar de­pois as eta-­
pas.
Fa­ça­mos um re­tân­gu­lo de pa­pel cu­ja al­tu­ra se­ja exa­ta­men­te o do­bro
da lar­gu­ra. Es­sa for­ma, que é a for­ma das car­tas do Ta­trot, vai sim­bo­li-­
zar a uni­da­de, a to­ta­li­da­de. Con­tra­ri­a­men­te a cer­tos sis­te­mas nu­me­ro-­
ló­gi­cos on­de o 1 é mas­cu­li­no e o 2 fe­mi­ni­no, es­ses nú­me­ros são vis­tos
aqui co­mo du­as po­la­ri­da­des con­ti­das pe­la to­ta­li­da­de, que é uma en­ti­da-­
de an­dró­gi­na.

Fa­ça­mos uma pri­mei­ra do­bra cen­tral se­gun­do o ei­xo ver­ti­cal. Ob­te-­


re­mos uma di­vi­são es­quer­da-di­rei­ta, is­to é, no sim­bo­lis­mo do Ta­rot, en-­
tre re­cep­ção e ação. As­sim, na uni­da­de (o re­tân­gu­lo), a par­te à nos­sa es-­
quer­da e a par­te à nos­sa di­rei­ta se ar­ti­cu­lam em tor­no de um cen­tro an-­
dró­gi­no. Já vi­mos em que sen­ti­do es­sa di­vi­são é per­ti­nen­te no Ta­rot
(ver pp. 56-7). Po­de­rí­a­mos qua­li­fi­car o re­cep­ti­vo de “fe­mi­ni­no” e o ati-­
vo de “mas­cu­li­no”, re­fe­rin­do-se à con­for­ma­ção se­xu­al do ho­mem e da
mu­lher, mas is­so é ape­nas uma apro­xi­ma­ção.

Do­bre­mos em se­gui­da o re­tân­gu­lo ao meio no ei­xo ho­ri­zon­tal: ob-­


ser­va­mos uma no­va di­vi­são, um ho­ri­zon­te en­tre Céu e Ter­ra que faz
apa­re­cer dois qua­dra­dos su­per­pos­tos. Es­sas du­as ins­tân­cias se en­con-­
tram, sob di­ver­sas for­mas, em nu­me­ro­sas tra­di­ções: o Is­lã re­pre­sen­ta a
to­ta­li­da­de sob a for­ma de dois qua­dra­dos, dos quais um é es­tá­vel, com
sua ba­se pos­ta ho­ri­zon­tal­men­te, e um ou­tro, ins­tá­vel, de pé em uma das
pon­tas. Da mes­ma for­ma, no I Ching, o tri­gra­ma in­fe­ri­or dos he­xa­gra-­
mas re­pre­sen­ta a Ter­ra e o tri­gra­ma su­pe­ri­or, o Céu. Ve­mos, por­tan­to,
ou­tra vez a di­vi­são do re­tân­gu­lo em qua­tro par­tes que vi­mos no es­tu­do
do Ar­ca­no XXI.
Do­bre­mos o no­vo re­tân­gu­lo ob­ti­do a par­tir das du­as pri­mei­ras do-­
bras. Abrin­do a fi­gu­ra, uma sub­di­vi­são foi cri­a­da no in­te­ri­or dos dois
qua­dra­dos, o re­tân­gu­lo fi­cou di­vi­di­do em oi­to pe­que­nos qua­dra­dos. Es-­
sa sub­di­vi­são faz apa­re­cer além des­tes um ter­cei­ro qua­dra­do, for­ma­do
pe­la in­ter­se­ção do qua­dra­do Céu com o qua­dra­do Ter­ra. Se acei­tar­mos
que o al­to do Céu de­sem­pe­nha em nos­sa cul­tu­ra o pa­pel pa­ter­no, e a
ba­se da Ter­ra o pa­pel ma­ter­no (nos ma­tri­ar­ca­dos an­ti­gos, era mãe-Céu
e pai-Ter­ra), po­de­rí­a­mos di­zer que eles en­gen­dram, no cen­tro da to­ta­li-­
da­de, o qua­dra­do Hu­ma­no (ver pp. 82-3).
Se do­brar­mos o pe­que­no re­tân­gu­lo ob­ti­do a par­tir das du­as pri­mei­ras do­bras, a fi­gu­ra
fi­nal é um pe­que­no qua­dra­do: o as­pec­to do­bra­do do re­tân­gu­lo.

Ve­ja­mos ago­ra co­mo po­de­mos or­ga­ni­zar os nú­me­ros nes­te es­que-­


ma.
A To­ta­li­da­de, co­mo vi­mos, é re­pre­sen­ta­da pe­lo re­tân­gu­lo. O re­tân-­
gu­lo se mos­tra em dois as­pec­tos: do­bra­do e des­do­bra­do.
Ao as­pec­to do­bra­do, nós atri­bui­re­mos o 1: co­mo o uni­ver­so an­tes do
big bang, co­mo uma flor ain­da em bo­tão, co­mo um fe­to no prin­cí­pio da
mul­ti­pli­ca­ção ce­lu­lar, a to­ta­li­da­de se en­con­tra em po­tên­cia, à es­pe­ra de
se de­sen­vol­ver, a ex­tre­ma po­ten­ci­a­li­da­de se ca­rac­te­ri­za por uma gran-­
de in­ten­si­da­de sem ex­pe­riên­cia.

Ao as­pec­to des­do­bra­do, nós atri­bui­re­mos o 10: a fi­gu­ra se en­con­tra


aqui in­tei­ra­men­te de­sen­vol­vi­da, até es­go­tar seus po­ten­ci­ais. É a ex­pan-­
são úl­ti­ma do uni­ver­so, a flor aber­ta, to­das as po­ten­ci­a­li­da­des to­tal-­
men­te re­a­li­za­das:
Co­me­ço em po­tên­cia e ci­clo com­ple­to são os dois as­pec­tos da to­ta­li-­
da­de, da uni­da­de: o 1 e o 10.
Nes­se es­que­ma, co­lo­ca­re­mos o nú­me­ro 1 em­bai­xo do re­tân­gu­lo e o
nú­me­ro 10 em ci­ma
Res­ta-nos or­ga­ni­zar os nú­me­ros de 1 a 10 nes­sa es­tru­tu­ra, sa­ben­do
que:

Os nú­me­ros pa­res fi­ca­rão do la­do es­quer­do (re­cep­ti­vo, es­tá­vel, di-­


vi­sí­vel por 2).
Os nú­me­ros ím­pa­res, do la­do di­rei­to (ati­vo, ins­tá­vel, in­di­vi­sí­vel
por 2).
E, lo­gi­ca­men­te, os nú­me­ros se or­ga­ni­zam de bai­xo pa­ra ci­ma, uma
vez que o 1 fi­ca em­bai­xo do re­tân­gu­lo e o 10 em ci­ma.

Es­sa or­dem se­gue a no­ção de cres­ci­men­to or­gâ­ni­co pró­prio dos se-­


res vi­vos da di­men­são ver­ti­cal: uma plan­ta ou um ser hu­ma­no cres­cem
pa­ra o céu à me­di­da que se de­sen­vol­vem.
As­sim ob­te­mos o se­guin­te es­que­ma fi­nal (ver p. 76).
A nu­me­ro­lo­gia se de­sen­vol­ve co­mo uma evo­lu­ção do 1 ao 10, que é
pre­ci­so ima­gi­nar em per­pé­tua mu­ta­ção, co­mo o ci­clo das es­ta­ções:

No grau 1, a To­ta­li­da­de es­tá em po­tên­cia. É uma se­men­te, um iní-­


cio, um po­ten­ci­al, em que tu­do es­tá ain­da por fa­zer, em pers­pec­ti-
va. Po­de-se as­so­ciá-lo ao pri­mei­ro mês da ges­ta­ção.
No grau 2, en­tra­mos no qua­dra­do Ter­ra. É um es­ta­do ain­da re­cep-­
ti­vo de ges­ta­ção. Tra­ta-se de acu­mu­lar for­ças, de­se­jos, idei­as, sen-­
ti­men­tos, pa­ra se pre­pa­rar pa­ra a ação.
O 3 é a pri­mei­ra ação do qua­dra­do Ter­ra, um es­tou­ro, uma ex­plo-­
são cri­a­ti­va sem ex­pe­riên­cia nem fi­na­li­da­de pre­ci­sas, co­mo, por
exem­plo, um pri­mei­ro amor da ado­les­cên­cia.
No grau 4, es­sa ação se es­ta­bi­li­za. Es­se nú­me­ro re­pre­sen­ta a per-­
fei­ção do qua­dra­do Ter­ra: do­mí­nio da vi­da ma­te­ri­al, cla­re­za das
idei­as, tran­qui­li­da­de emo­ci­o­nal... Es­tá­vel co­mo uma me­sa de qua-
tro pés.
O 5 é um nú­me­ro de pas­sa­gem, o úl­ti­mo do qua­dra­do Ter­ra: in­tro-­
duz um ide­al que de­se­qui­li­bra a es­ta­bi­li­da­de do 4 pa­ra su­pe­rá-lo.
É uma pon­te. É o ges­to do sá­bio que apon­ta o de­do pa­ra a lua.
O 6 é o pri­mei­ro pas­so no qua­dra­do Céu: a pri­mei­ra vez que fa­ze-­
mos o que que­re­mos em to­dos os sen­ti­dos. Mais além das ne­ces­si-­
da­des ma­te­ri­ais, ago­ra nos atre­ve­mos a fa­zer aqui­lo de que gos­ta-­
mos.
No grau 7, es­se pra­zer se tor­na uma ação for­te no mun­do, mais
ma­du­ra e mais in­ten­sa que a do 3, pois es­tá fun­da­men­ta­da na ex-­
pe­riên­cia de to­dos os graus an­te­ri­o­res e se propõe um ob­je­ti­vo
O 8 re­pre­sen­ta a per­fei­ção do qua­dra­do Céu. É o equi­lí­brio e a re-­
cep­ti­vi­da­de to­tais, um es­ta­do que não po­de ser me­lho­ra­do: a per-­
fei­ta abun­dân­cia ma­te­ri­al, a per­fei­ta con­cen­tra­ção de ener­gia, a
ple­ni­tu­de do co­ra­ção e o va­zio da men­te.
O 9 traz, en­tão, a úni­ca evo­lu­ção pos­sí­vel ru­mo à per­fei­ção: a en-­
tra­da em cri­se pa­ra fa­vo­re­cer a pas­sa­gem ru­mo ao des­co­nhe­ci­do
do fi­nal do ci­clo. Co­mo a cri­an­ça que, no no­no mês, se pre­pa­ra pa-­
ra nas­cer, o 9 acei­ta aban­do­nar a per­fei­ção e se pôr em mo­vi­men­to
sem sa­ber pa­ra on­de.
O 10, to­ta­li­da­de com­ple­ta, sim­bo­li­za o fi­nal do ci­clo e per­mi­te que
se ma­ni­fes­te o prin­cí­pio do no­vo ci­clo.
A di­nâ­mi­ca dos dez graus

Se olhar­mos o es­que­ma nu­me­ro­ló­gi­co fa­se a fa­se, po­de­mos di­zer que


en­con­tra­mos qua­tro “ca­sais” de nú­me­ros em qua­tro ní­veis su­ces­si­vos
do re­tân­gu­lo. Eis aqui o que se po­de es­que­ma­ti­ca­men­te di­zer:

2 e 3 são pe­sa­dos e ener­géti­cos, ado­les­cen­tes;


4 e 5 con­ti­nu­am na ma­té­ria, mas são adul­tos;
6 e 7 são re­fi­na­dos e ati­vos, sa­bem aon­de vão;
8 e 9 se unem pa­ra per­mi­tir a evo­lu­ção.

Ca­da um dos graus da nu­me­ro­lo­gia tem a vo­ca­ção de evo­luir até o


grau se­guin­te. Os ca­sais aqui men­ci­o­na­dos po­dem re­pre­sen­tar, por­tan-­
to, ora uma evo­lu­ção (de me­nos pa­ra mais), ora um con­fli­to (re­cep­ti­vo-
ati­vo), ora uma es­tag­na­ção (de mais pa­ra me­nos).

Pa­ra es­cla­re­cer a di­nâ­mi­ca dos dez graus e a tor­nar mais con­cre­ta,


nós a es­tu­da­re­mos em re­la­ção aos Ar­ca­nos mai­o­res da pri­mei­ra série (I
a X).

O grau 1 é re­pre­sen­ta­do por O Ma­go (I).


Es­se Ar­ca­no re­pre­sen­ta um jo­vem, um prin­ci­pi­an­te, um ser cheio
de po­ten­ci­ais (sim­bo­li­za­dos pe­los ele­men­tos pre­sen­tes em sua me­sa),
mas ain­da in­cer­to quan­to ao que de­ve es­co­lher. Se a pes­soa fi­ca no grau
1, é um ser em per­pé­tuo co­me­ço, in­ca­paz de fa­zer uma es­co­lha de­ci­si-­
va, pre­fe­rin­do um po­ten­ci­al ine­xis­ten­te a uma re­a­li­za­ção de­ter­mi­na­da.
O grau 1 pre­ci­sa se lan­çar, efe­tu­ar um pri­mei­ro pas­so na re­a­li­da­de. Co-­
mo diz o Tao Te Ching, “pa­ra per­cor­rer um qui­lô­me­tro, é pre­ci­so dar o
pri­mei­ro pas­so”. Es­se pri­mei­ro pas­so no qua­dra­do Ter­ra cor­res­pon­de
ao grau 2 da nu­me­ro­lo­gia.

O grau 2 é re­pre­sen­ta­do por A Pa­pi­sa (II)


Sen­ta­da, en­clau­su­ra­da, com um li­vro nas mãos e um ovo ao la­do,
sím­bo­lo da ges­ta­ção. É um nú­me­ro pas­si­vo e re­cep­ti­vo que po­de sim­bo-­
li­zar uma re­ser­va, uma pro­mes­sa, uma vir­gin­da­de. Nes­te grau, a ma­té-­
ria ain­da é iner­te. À re­cep­ti­vi­da­de do 2, cor­res­pon­de a ati­vi­da­de do 3:
um acu­mu­la, ou­tro age sem sa­ber aon­de vai, num im­pul­so de cri­a­ção
fa­náti­ca e pas­si­o­nal, sob o ris­co de lo­go ser frus­trar.
O grau 3 é re­pre­sen­ta­do por A Im­pe­ra­triz (III)
Evo­ca-se aqui uma ex­plo­são, uma ação, uma ger­mi­na­ção. Tu­do é
ação e mo­vi­men­to. De fa­to, A Im­pe­ra­triz olha pa­ra a di­rei­ta, pa­ra a ação
e o fu­tu­ro, en­quan­to A Pa­pi­sa olha pa­ra a es­quer­da, pa­ra a re­cep­ção e o
pas­sa­do.

Se o 2 en­gen­dra o 3, po­de ser uma se­men­te que ger­mi­na, um ovo


que eclo­de, um pro­je­to em que se dá o pri­mei­ro pas­so. A atriz apren­de
seu pa­pel (A Pa­pi­sa) an­tes de in­ter­pre­tá-lo em ce­na (A Im­pe­ra­triz).
Se o 2 es­tá em con­fli­to com o 3, re­pre­sen­ta a he­si­ta­ção en­tre fa­zer e
não fa­zer, o me­do de agir, o iso­la­men­to so­fri­do e não es­co­lhi­do. A Im-­
pe­ra­triz po­de­ria ser en­tão uma ado­les­cen­te cu­jas ações são tra­va­das
pe­la ri­gi­dez de uma mãe se­ve­ra.
Se o 3 vol­ta ao 2, é uma ex­plo­são ir­re­fle­ti­da que tor­na a cair na inér-­
cia. A ação ini­ci­a­da fra­cas­sa: fe­ri­dos, de­si­lu­di­dos, aca­ba­mos nos fe­chan-­
do.
Pa­ra se re­a­li­zar, o 3 de­ve pas­sar ao grau se­guin­te, o 4: uma ação sem
ob­je­ti­vo e sem ex­pe­riên­cia se es­ta­be­le­ce na se­gu­ran­ça. A cri­a­ti­vi­da­de
d’A Im­pe­ra­triz en­con­tra uma es­ta­bi­li­da­de ma­te­ri­al na ener­gia d’O Im-­
pe­ra­dor.
Se o 4 re­cai no 3, é o fra­cas­so da ida­de adul­ta e o cul­to da ado­les­cên-­
cia per­pé­tua.

O grau 4 é re­pre­sen­ta­do por O Im­pe­ra­dor (II­II).


Es­tá­vel, as­sen­ta­do na ma­té­ria, ele rei­na pa­ci­fi­ca­men­te com uma ba-­
se sóli­da. Po­de ser uma boa si­tu­a­ção fi­nan­cei­ra, uma ca­sa, uma pes­soa
com quem se po­de con­tar. O qua­dra­do Ter­ra en­con­tra nes­te grau sua
per­fei­ção es­tá­vel e imó­vel.
O 5, por sua vez, ten­de­rá ao qua­dra­do Céu sem ja­mais per­ten­cer a
ele. O grau 5, vis­to aqui sob os tra­ços d’O Pa­pa (V), es­ta­be­le­ce uma
pon­te, uma pas­sa­gem, uma tran­si­ção en­tre os dois mun­dos. Sua ação
con­sis­te em ser­vir de me­di­a­dor en­tre o qua­dra­do Ter­ra e o qua­dra­do
Céu.

Se o 4 en­gen­dra o 5, a es­ta­bi­li­da­de se abre pa­ra um no­vo pon­to de


vis­ta, pa­ra uma ação vo­lun­tá­ria que vi­sa am­pli­ar o ho­ri­zon­te. Um in-­
dus­tri­al (O Im­pe­ra­dor) de­ci­de se abrir a téc­ni­cas que pre­ser­vam o meio
am­bi­en­te. Sua ati­tu­de se con­ver­te en­tão na d’O Pa­pa, pre­o­cu­pa­do com
o equi­lí­brio eco­ló­gi­co e não so­men­te com seus pró­prios be­ne­fí­cios.
Se exis­te con­fli­to en­tre o 4 e o 5, é o an­ta­go­nis­mo en­tre o ma­te­ri­a-­
lis­mo e a es­pi­ri­tu­a­li­da­de, en­tre o con­cre­to e o ide­al. É, por exem­plo, um
che­fe de es­ta­do ta­ca­nho (O Im­pe­ra­dor) que se ne­ga a es­cu­tar o mais sá-­
bio de seus con­se­lhei­ros (O Pa­pa).
Se o 5 vol­ta ao 4, per­de-se a fé em um mun­do no­vo e re­tor­na-se à
se­gu­ran­ça do an­ti­go. Não se con­se­gue su­pe­rar os pró­prios li­mi­tes.
Pa­ra se re­a­li­zar, o 5 de­ve tor­nar re­al seu ide­al e dar o pri­mei­ro pas­so
no qua­dra­do Céu, que cor­res­pon­de ao 6. De­pois de en­si­nar uma lín­gua
es­tran­gei­ra du­ran­te anos (O Pa­pa), faz-se uma vi­a­gem ao en­con­tro da
cul­tu­ra que se es­tu­dou por lon­go tem­po (O Na­mo­ra­do).
Se o 6 tor­na a cair no 5, é a de­si­lu­são: é du­ro vol­tar à Ter­ra quan­do
se pro­vou o ali­men­to do Céu.
O grau 6 sim­bo­li­za o pra­zer, a be­le­za, tu­do aqui­lo que, sem dei­xar
de ser re­cep­ti­vo, su­pe­ra as con­si­de­ra­ções ma­te­ri­ais. O grau 6, O Na­mo-­
ra­do (VI), evo­ca a ri­que­za da uni­ão afe­ti­va en­tre hu­ma­nos. Ali, pa­ra
on­de o 5 olha­va, o 6 se ins­ta­la fir­me­men­te. Mas o 6 cor­re o ris­co de se
aban­do­nar ao nar­ci­sis­mo: ar­te fol­córi­ca, pen­sa­men­to au­to­com­pla­cen­te,
per­da da cri­a­ti­vi­da­de e do es­píri­to críti­co... A pas­sa­gem ao 7 per­mi­te
rom­per com es­se nar­ci­sis­mo: o mais al­to dos nú­me­ros pri­mos, in­di­vi­sí-­
vel, sim­bo­li­za na ver­da­de uma ati­vi­da­de ex­tre­ma a ser­vi­ço da hu­ma­ni-­
da­de.

O grau 7, aqui O Car­ro (VII), re­pre­sen­ta to­da for­ma de ação no


mun­do: hu­ma­ni­tá­ria, ar­tísti­ca, con­quis­ta­do­ra... Em to­do ca­so, es­tá fun-­
da­men­ta­do em uma uni­ão en­tre o es­píri­to e a ma­té­ria.
Se o 6 en­gen­dra o 7, te­re­mos uma ação no mun­do fun­da­da na ale-­
gria, o pra­zer de fa­zer.
Se o 6 en­tra em con­fli­to com 7, te­mos de um la­do um pra­zer ego­ís­ta
e de ou­tro uma ação sem ale­gria, que cor­re o ris­co de de­sem­bo­car em
vi­o­lên­cia. O Car­ro po­de­ria, en­tão, ser um ho­mem po­líti­co in­tran­si­gen­te
em con­fli­to com um sin­di­ca­to que se re­cu­sa ao di­á­lo­go.
Se o 7 re­cai no 6, a ação no mun­do de­sem­bo­ca no nar­ci­sis­mo e dei-­
xa de ser al­tru­ís­ta. O Car­ro é en­tão, por exem­plo, um apre­sen­ta­dor de
te­le­vi­são ego­cên­tri­co, e os per­so­na­gens d’O Na­mo­ra­do po­dem re­pre-­
sen­tar os mem­bros de sua equi­pe, que só pen­sam em to­mar seu lu­gar.
Pa­ra se re­a­li­zar, o 7, ação pu­ra, de­ve pas­sar ao grau se­guin­te: o 8, a
per­fei­ção re­cep­ti­va. Se o 8 re­cai no 7, a per­fei­ção foi ape­nas ilu­só­ria, foi
vi­vi­da co­mo uma pa­ra­da, e a ne­ces­si­da­de de ação se faz sen­tir no­va-­
men­te.
O 8, di­vi­sí­vel por 2 e por 4, é a re­cep­ti­vi­da­de to­tal. Sim­bo­li­za a per-­
fei­ção do qua­dra­do Céu, co­mo a lua re­fle­tin­do o sol, ou ain­da co­mo
uma mu­lher grávi­da que le­va no ven­tre uma no­va cons­ciên­cia. Sob os
tra­ços d’A Jus­ti­ça (VI­II), que le­va a es­pa­da e a ba­lan­ça, po­de-se di­zer
que não há o que lhe ti­rar nem acres­cen­tar.
O 9 é o úni­co nú­me­ro da série ao mes­mo tem­po ati­vo (ím­par) e re-
cep­ti­vo (di­vi­sí­vel por 3). Ele re­pre­sen­ta, por­tan­to, ao mes­mo tem­po
uma rup­tu­ra e tam­bém uma gran­de sa­be­do­ria. A fi­gu­ra d’O Ere­mi­ta
(VI­I­II) evo­ca, as­sim, um per­so­na­gem ca­paz de vol­tar a ques­ti­o­nar, que
aban­do­na al­gu­ma coi­sa. Ati­vo pa­ra o pas­sa­do e re­cep­ti­vo pa­ra o fu­tu­ro,
ele an­da de cos­tas.
Se o 8 en­gen­dra o 9, a per­fei­ção se re­a­li­za na úni­ca su­pe­ra­ção pos­sí-­
vel de si mes­ma: a en­tra­da em cri­se pa­ra que se crie um mun­do no­vo. É
o mo­men­to do par­to, o no­no mês, ou ain­da a au­ro­ra do no­vo dia que
cin­ge os as­tros da noi­te.
Se há con­fli­to en­tre o 8 e o 9, a per­fei­ção é vi­vi­da co­mo opres­si­va e o
con­sen­ti­men­to co­mo si­nal de fra­que­za. É tam­bém o con­fli­to do ca­sal
ge­ni­tor em que a mãe se tor­na cas­tra­do­ra e o pai au­sen­te.
Se o 9 re­cai no 8, é o me­do da mor­te que se faz sen­tir: as pes­so­as se
ins­ta­lam em su­as po­si­ções, as­pi­ram a um per­fec­ci­o­nis­mo rígi­do, não se
su­por­ta ne­nhum ques­ti­o­na­men­to. O me­do po­de imo­bi­li­zar o 9, que en-­
tão se con­so­me. Es­te grau evo­ca uma cri­se en­tre a vi­da e a mor­te: nós a
re­sol­ve­mos ou de­sa­pa­re­ce­mos. O 9 evo­lui en­tão pa­ra o 10, que o ar­ras­ta
pa­ra o mo­vi­men­to cícli­co, per­ma­nen­te im­per­ma­nên­cia.
An­dan­do de cos­tas, O Ere­mi­ta en­con­tra o 10, A Ro­da da For­tu­na
(X), e acei­ta ter­mi­nar um ci­clo de vi­da pa­ra, mais tar­de, ini­ci­ar ou­tro
no­vo. Na se­gun­da série dos Ar­ca­nos mai­o­res, a no­va cons­tru­ção d’O Sol
(XVI­I­II) re­sul­ta no cha­ma­do ir­re­sis­tí­vel da cons­ciên­cia n’O Jul­ga­men-­
to (XX).
Por sua vez, o 10 vol­ta à ori­gem do ci­clo se­guin­te pa­ra re­co­me­çar a
evo­lu­ção em ou­tro pla­no. A Ro­da da For­tu­na, com sua ma­ni­ve­la, ma­ni-­
fes­ta es­sa ne­ces­si­da­de de uma aju­da: aqui­lo que fa­rá gi­rar a ro­da se­rá o
pri­mei­ro grau do próxi­mo ci­clo (aqui A For­ça, Ar­ca­no XI, que abre a
se­gun­da série de­ci­mal).
Se vol­ta­mos pa­ra o 9, te­mos uma ati­tu­de de cri­se per­pé­tua que re-­
cu­sa a evo­lu­ção: po­de­mos di­zer que o ani­mal mu­ni­do de es­pa­da, no al-­
to da ro­da, re­pre­sen­ta um enig­ma emo­ci­o­nal. Se es­te enig­ma não se re-­
sol­ve, A Ro­da da For­tu­na vol­ta in­ces­san­te­men­te ao es­ta­do de cri­se d’O
Ere­mi­ta. Vi­ve-se en­tão no pas­sa­do, na re­pe­ti­ção e na nos­tal­gia do que
po­de­ria ter si­do.
Se a pes­soa es­tag­na no 10, te­mos um blo­queio sem sa­í­da, on­de é re-­
cu­sa­da até a aju­da que per­mi­te o re­tor­no ao mo­vi­men­to di­nâ­mi­co. Ne-­
nhu­ma for­ça no­va vi­rá gi­rar a ma­ni­ve­la.
A evo­lu­ção nu­me­ro­ló­gi­ca nos qua­dra­dos

Vi­mos que o re­tân­gu­lo que dá es­tru­tu­ra ao Ta­rot po­de se sub­di­vi­dir em


dois qua­dra­dos, Ter­ra e Céu, em cu­ja in­ter­sec­ção se ins­cre­ve um qua-­
dra­do Hu­ma­no. Se­gun­do es­se es­que­ma, po­de­mos vi­su­a­li­zar os três
qua­dra­dos com qua­tro nú­me­ros den­tro.

Já sa­be­mos que o 1 e o 10 são cor­res­pon­den­tes. Re­pre­sen­tam dois


as­pec­tos da to­ta­li­da­de: em po­tên­cia e re­a­li­za­da.
Da mes­ma for­ma, po­de­mos es­ta­be­le­cer uma cor­res­pon­dên­cia en­tre
os qua­tro graus dos qua­dra­dos Céu e Ter­ra, se­guin­do um tra­je­to que vai
de bai­xo pa­ra ci­ma e da es­quer­da pa­ra a di­rei­ta.
Graus 2 e 6. Pri­mei­ro pas­so no qua­dra­do Ter­ra e pri­mei­ro pas­so no
qua­dra­do Céu. O 2 acu­mu­la, se de­sen­vol­ve, se nu­tre. Nos Ar­ca­nos me-­
no­res, é o grau em que o sím­bo­lo é mai­or (as mo­e­das gi­gan­tes do Dois
de Ou­ros, a flor enor­me do Dois de Es­pa­das...). No grau 6, do qua­dra­do
Céu, a qua­li­da­de subs­ti­tui a quan­ti­da­de: o ele­men­to cen­tral se tor­na o
pra­zer e o amor, fon­te de to­da ati­vi­da­de es­pi­ri­tu­al.
Graus 3 e 7. Se o 3, co­mo uma pri­ma­ve­ra ou uma pu­ber­da­de, re­pre-­
sen­ta a ex­plo­são ce­ga da ma­té­ria, o 7 une a ma­té­ria ao es­píri­to em uma
ação cons­ci­en­te, em ple­no co­nhe­ci­men­to do mun­do e de si mes­mo.
Graus 4 e 8. O qua­dra­do sim­ples do 4 re­pre­sen­ta o equi­lí­brio ter-­
res­tre, ao qual o du­plo qua­dra­do do 8 agre­ga a per­fei­ção es­pi­ri­tu­al.
Graus 5 e 9. Es­tas eta­pas re­pre­sen­tam uma pas­sa­gem. Mas se o 5,
dis­pos­to a aban­do­nar o qua­dra­do Ter­ra, já ima­gi­na a di­men­são su­pe­ri-­
or (ou mais pro­fun­da), o 9, em sua in­fi­ni­ta sa­be­do­ria e em sua so­li­dão,
acei­ta se en­ca­mi­nhar ru­mo ao des­co­nhe­ci­do, co­mo tes­te­mu­nha o VI­I­II
dos Ar­ca­nos mai­o­res, O Ere­mi­ta, que an­da de cos­tas, sem olhar aon­de
vai. Da mes­ma ma­nei­ra, os gê­meos d’O Sol (XVI­I­II) se se­pa­ram do pas-­
sa­do por meio de um mu­ro e avan­çam em di­re­ção a um mun­do no­vo.
No qua­dra­do Hu­ma­no, o pri­mei­ro pas­so é o grau 4: o ser hu­ma­no
adul­to, es­tá­vel, ca­paz de su­prir su­as ne­ces­si­da­des. A pri­mei­ra ação é es-­
pir­tu­al: é a ten­ta­ção do 5 que abre o ca­mi­nho pa­ra um mun­do no­vo. A
per­fei­ção do qua­dra­do Hu­ma­no se ex­pri­me no 6, a des­co­ber­ta do prin-­
cí­pio do Amor. Com a ação d’O Car­ro, a ca­mi­nho da per­fei­ção (que de
cer­ta ma­nei­ra fi­ca além do hu­ma­no), é o anún­cio de uma ou­tra di­men-­
são, a da pe­re­ni­da­de e da ação no mun­do.
As séri­es de­ci­mais dos Ar­ca­nos me­no­res

Ago­ra ve­re­mos co­mo es­se es­que­ma nu­me­ro­ló­gi­co se ex­pres­sa nas séri-­


es de 1 a 10 dos Ar­ca­nos me­no­res.
Em ca­da Nai­pe, iso­le as car­tas de 1 a 10 e ali­nhe na se­guin­te or­dem:
Es­pa­das, Co­pas, Paus e Ou­ros (ver ilus­tra­ção à p. 335).
É na série de Es­pa­das que se en­con­tra o in­dí­cio mais fla­gran­te que
nos per­mi­te cor­ro­bo­rar a nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot: cons­ta­ta­mos que as
car­tas se unem en­tre si, du­as a du­as, a par­tir do Dois de Es­pa­das, for-­
man­do cír­cu­los con­cên­tri­cos (um, de­pois dois, de­pois três, de­pois dois
cír­cu­los en­tre­la­ça­dos de qua­tro).
Co­lo­que­mos ago­ra as séri­es de Es­pa­das e de Paus de bai­xo pa­ra ci-­
ma tal co­mo apa­re­ce na pági­na se­guin­te. No­ta­mos, pe­los cír­cu­los con-­
cên­tri­cos que os úl­ti­mos três graus da nu­me­ro­lo­gia se en­con­tram uni-­
dos: 8, 9 e 10 se se­guem, for­man­do uma es­pécie de “bra­ço” no al­to do
re­tân­gu­lo. Ve­re­mos mais adi­an­te co­mo es­sa uni­ão en­tre as três car­tas é
re­le­van­te pa­ra a com­preen­são dos Ar­ca­nos me­no­res.
Aci­ma: séri­es de­ci­mais de Es­pa­das e Paus. A pre­sen­ça dos sím­bo­los “fe­mi­ni­nos” na co­-
lu­na à nos­sa es­quer­da das séri­es de­ci­mais dos qua­tro Nai­pes, e dos sím­bo­los “mas­cu­li­-
nos” na co­lu­na à nos­sa di­rei­ta, cor­ro­bo­ra o ei­xo re­cep­ção/ação ex­pres­so pe­la nu­me­ro­lo­-
gia (p. 71).

Ob­ser­van­do as séri­es de Es­pa­das e de Paus, cons­ta­ta­mos que elas


de­mons­tram um mes­mo fe­nô­me­no: a co­lu­na à nos­sa es­quer­da, on­de
apa­re­cem os nú­me­ros pa­res (2, 4, 6, 8) é for­ma­da por flo­res, sím­bo­los
“fe­mi­ni­nos” re­cep­ti­vos, en­quan­to na co­lu­na da di­rei­ta, on­de apa­re­cem
os nú­me­ros ím­pa­res (3, 5, 7, 9), te­mos, de um la­do, uma es­pa­da no cen-­
tro de um oval e, de ou­tro, um pau que for­ma um ei­xo cen­tral, dois sím-­
bo­los “mas­cu­li­nos” ati­vos. Es­sas ob­ser­va­ções nos per­mi­tem con­fir­mar
a di­vi­são en­tre es­quer­da par re­cep­ti­vo e di­rei­ta ím­par ati­vo.
Co­lo­que­mos ago­ra as car­tas de Co­pas se­guin­do o mes­mo es­que­ma.
Reen­con­tra­mos aqui a sub­di­vi­são Ter­ra-Céu ob­ser­va­da na car­ta d’O
Mun­do (p. 57).
Aci­ma: as Co­pas. O ei­xo Ter­ra/Céu ob­ser­va­do na nu­me­ro­lo­gia se en­con­tra nas séri­es
de­ci­mais dos qua­tro Nai­pes.

Se ob­ser­var­mos o in­te­ri­or das co­pas do Dois, do Três, do Qua­tro e


do Cin­co, ve­re­mos que são es­tri­a­das por den­tro, por ha­chu­ras ne­gras
so­bre ver­me­lho que des­cem da nos­sa es­quer­da pa­ra a nos­sa di­rei­ta. Ao
con­trá­rio, nas co­pas do Seis, do Se­te, do Oi­to e do No­ve, as ha­chu­ras so-­
bem da nos­sa es­quer­da pa­ra a nos­sa di­rei­ta. O qua­dra­do Ter­ra as­sim se
di­fe­ren­cia do qua­dra­do Céu.

Co­mo diz o di­ta­do chi­nês, o ide­al é ser re­cep­ti­vo pa­ra o Céu e ati­vo
pa­ra a Ter­ra. Os graus do qua­dra­do Ter­ra re­ce­bem, en­tão, in­fluên­cias
do cos­mo. Por sua vez, as car­tas do qua­dra­do Céu ex­tra­em as ener­gi­as
ter­res­tres pa­ra se ele­va­rem ao amor es­pir­tu­al.
Es­sa di­fe­ren­ça se cor­ro­bo­ra na série de Es­pa­das: o Três e o Cin­co
são da mes­ma cor (ver­me­lho), e, de cer­to mo­do, pa­re­cem for­mar um
ca­sal. Pe­lo con­trá­rio, o Se­te e o No­ve, res­pec­ti­va­men­te azul-cla­ro e
ama­re­lo, são di­fe­ren­tes. A flor do Qua­tro de Es­pa­das se di­fe­ren­cia da
flor do Seis de Es­pa­das por­que uma es­tá cor­ta­da da nos­sa di­rei­ta pa­ra a
nos­sa es­quer­da, e a ou­tra es­tá cor­ta­da da nos­sa es­quer­da pa­ra a nos­sa
di­rei­ta.
Na série de Paus, o Dois, o Três, o Qua­tro e o Cin­co, as flo­res e fo-­
lha­gens que cres­cem do cen­tro pa­ra os la­dos são mui­to pa­re­ci­das. Por
sua vez, no­ta-se uma gran­de di­fe­ren­ça en­tre, por um la­do, o Seis e o Se-­
te, de cres­ci­men­to exu­be­ran­te, e, por ou­tro, o Oi­to e o No­ve, em que flo-­
res e fo­lhas são au­sen­tes...
Ve­re­mos com mais pro­fun­di­da­de, no es­tu­do dos Ar­ca­nos me­no­res,
co­mo os de­ta­lhes das car­tas nos gui­am em sua sig­ni­fi­ca­ção nu­me­ro­ló­gi-­
ca. Mas po­de­mos bre­ve­men­te, pa­ra ca­da grau, co­men­tar o as­pec­to mais
evi­den­te de al­guns Ar­ca­nos:

Os Ases de ca­da Nai­pe re­pre­sen­tam o sím­bo­lo so­zi­nho, que ocu­pa


to­do o es­pa­ço da car­ta, co­mo um imen­so po­ten­ci­al pres­tes a ser
pos­to em práti­ca.
Os Dois. Nas Es­pa­das, Co­pas e Paus, enor­mes flo­res su­ge­rem uma
gran­de acu­mu­la­ção. No de Ou­ros, du­as enor­mes mo­e­das bus­cam
se unir em vis­ta de um con­tra­to.
Os Três. Nas Es­pa­das, Co­pas e Ou­ros, a ex­plo­são vi­tal é su­ge­ri­da
en­tre ou­tras coi­sas pe­la exu­be­rân­cia das fo­lha­gens.
Os Qua­tros. Nas Co­pas, co­mo nos Ou­ros, a es­ta­bi­li­da­de é in­di­ca­da
pe­los qua­tro sím­bo­los co­lo­ca­dos nos can­tos da car­ta, co­mo os pon-­
tos car­de­ais de­fi­nem um mun­do equi­li­bra­do.
Os Cin­cos. A emer­gên­cia de um no­vo pon­to de vis­ta, de um no­vo
olhar, é ma­ni­fes­ta­da pe­lo ele­men­to cen­tral pre­sen­te nos cru­za-­
men­tos dos paus do Cin­co de Paus. No Cin­co de Es­pa­das, per­ce­be-­
mos a lâ­mi­na da es­pa­da no al­to do oval, tam­bém pas­san­do por um
va­zio en­tre as cur­vas azuis. Es­se no­vo olhar sim­bo­li­za o ide­al do
Cin­co.
Os Seis. A en­tra­da no qua­dra­do Céu se ma­ni­fes­ta, nas Co­pas, pe­la
emer­gên­cia de um ei­xo que, co­mo um es­pe­lho, une as du­as co­lu-
nas de co­pas: é o en­con­tro com a al­ma gê­mea. Nos Paus, a for­ma
das fo­lhas ex­ter­nas mu­da, elas pa­re­cem agi­ta­das por on­das de pra-­
zer.
Os Se­tes. Nas Es­pa­das, a es­pa­da cen­tral é de cor azul, ela se es­pi­ri-­
tu­a­li­za e ex­trai a for­ça de sua ação de uma re­cep­ti­vi­da­de ex­tre­ma.
Nos Ou­ros, en­con­tra­mos, di­fe­ren­te­men­te, uma fi­gu­ra tri­an­gu­lar
for­ma­da por três mo­e­das, en­qua­dra­da por qua­tro ou­tras: é o sím-­
bo­lo do es­píri­to em ação na ma­té­ria.
Os Oi­tos. Evo­cam qua­tro as­pec­tos da per­fei­ção: va­cui­da­de me­di-­
ta­ti­va nas Es­pa­das, ple­ni­tu­de nas Co­pas, con­cen­tra­ção ex­tre­ma
nos Paus e abun­dân­cia equi­li­bra­da nos Ou­ros.
Os No­ves. A cri­se da pas­sa­gem se ma­ni­fes­ta pe­lo des­po­ja­men­to
mo­násti­co do No­ve de Paus, do qual to­das as flo­res de­sa­pa­re­ce-­
ram, ou pe­las fo­lha­gens mur­chas do No­ve de Co­pas. Nos Ou­ros,
as­sis­ti­mos ao nas­ci­men­to (a mo­e­da cen­tral é co­mo a ca­be­ça de um
be­bê sain­do da ma­triz). No No­ve de Es­pa­das, a lâ­mi­na ama­re­la da
es­pa­da apre­sen­ta uma fa­lha.
Os Dez. Eles nos in­di­cam, ca­da um à sua ma­nei­ra, a mu­ta­ção por
vir ru­mo ao no­vo ci­clo: na co­pa su­pe­ri­or fe­cha­da do Dez de Co­pas,
ve­mos se de­se­nhar uma mo­e­da que se tor­na­rá o Ás de Ou­ros. Nos
Ou­ros, apa­re­ce um ei­xo bran­co unin­do as du­as mo­e­das cor de la-­
ran­ja, que se pa­re­ce com o do Dez de Paus.
Aci­ma: os Ou­ros. As car­tas des­ta série não pos­su­em nú­me­ros. No­ta-se que até o Cin­co,
as mo­e­das de ou­ro são ro­de­a­das por ra­mos que as iso­lam nas bor­das su­pe­ri­or e in­fe­ri­or
das car­tas. Is­so mu­da a par­tir do qua­dra­do Céu: a ma­té­ria se es­pi­ri­tu­a­li­za.
O lu­gar das Fi­gu­ras

As Fi­gu­ras são em nú­me­ro de qua­tro. En­tre elas, o Ca­va­lei­ro, que de­sa-­


pa­re­ceu dos jo­gos de car­tas in­gle­ses e só sub­sis­te nas car­tas do ba­ra­lho
de ta­rô, on­de se atri­bui a ele um va­lor in­fe­ri­or ao da Rai­nha, se­gun­do a
ló­gi­ca de que, ba­se­an­do-se na hi­e­rar­quia no­bi­li­ár­qui­ca, ele se­ria uma
es­pécie de vas­sa­lo su­bor­di­na­do ao ca­sal re­al.
No en­tan­to, se ob­ser­var­mos o Ta­rot de Mar­se­lha res­tau­ra­do, a or-­
dem das fi­gu­ras se impõe di­fe­ren­te­men­te dis­so. As Fi­gu­ras aqui sim­bo-­
li­zam uma di­nâ­mi­ca de co­nhe­ci­men­to e su­pe­ra­ção do pró­prio Nai­pe,
na qual, me­di­an­te in­dí­cios no­tá­veis, é pos­sí­vel es­ta­be­le­cer sua or­dem
as­sim: Va­le­te, Rai­nha, Rei, Ca­va­lei­ro.
Os Va­le­tes. Sa­be­mos que a ati­tu­de dos Va­le­tes ex­pri­me uma dúvi-­
da, uma in­cer­te­za en­tre a ação e a ina­ção (ver p. 68). Nes­se sen­ti­do, po-
de­mos di­zer que o Va­le­te se co­lo­ca na di­nâ­mi­ca do pri­mei­ro es­tá­gio do
re­tân­gu­lo nu­me­ro­ló­gi­co, no qua­dra­do Ter­ra, en­tre o 2 e o 3, en­tre a ges-­
ta­ção e a pri­mei­ra ação. O Va­le­te de Ou­ros sim­bo­li­za­rá, as­sim, o de­se­jo
de vi­ver, o de Paus o de­se­jo de cri­ar, o de Co­pas o de­se­jo de amar e o de
Es­pa­das o de­se­jo de ser.
As Rai­nhas. Em ple­na uni­ão com o pró­prio Nai­pe, elas tam­bém fa-­
zem par­te do qua­dra­do Ter­ra: es­tão en­tre a es­ta­bi­li­da­de e a ten­ta­ção de
um no­vo ide­al, en­tre o 4 e o 5. A Rai­nha de Ou­ros sim­bo­li­za­rá, por­tan-­
to, a di­nâ­mi­ca da eco­no­mia e do in­ves­ti­men­to, a Rai­nha de Paus a di­nâ-­
mi­ca en­tre se­gu­ran­ça e no­vi­da­de se­xu­al e cri­a­ti­va, a Rai­nha de Co­pas
se si­tua en­tre uma afei­ção es­tá­vel e a ten­ta­ção de um amor mais ele­va-­
do, e a Rai­nha de Es­pa­das, en­tre o ra­ci­o­na­lis­mo e a aber­tu­ra a um pen-­
sa­men­to me­ta­físi­co.
Os Reis. Já no do­mí­nio do pró­prio ele­men­to, eles se abrem pa­ra
uma ação mais vas­ta no mun­do. Es­tão en­tre o pra­zer do 6 e a ação ir­re-­
sis­tí­vel do 7. O Rei de Ou­ros, co­mer­ci­an­te aco­mo­da­do, em­preen­de tal-­
vez a cri­a­ção de uma mul­ti­na­ci­o­nal, o Rei de Paus, po­de­ro­so cri­a­dor,
es­ten­de sua obra à to­ta­li­da­de do mun­do, o Rei de Co­pas tal­vez se sin­ta
atra­í­do pe­la san­ti­da­de, e o Rei de Es­pa­das pro­mul­ga de­cre­tos ca­pa­zes
de mu­dar o mun­do.
Os Ca­va­lei­ros. Eles se si­tu­am en­tre o 8 e o 9: su­pe­ran­do a per­fei­ção
com­ple­ta (8) de seus Nai­pes, se­guem um ca­mi­nho que aden­tra uma no-­
va di­men­são (9). Sua ação anun­cia a mu­ta­ção do 10 de um ci­clo pa­ra
ou­tro. Pro­fe­tas ou emis­sá­rios do pró­prio Nai­pe, eles se di­ri­gem ao Nai-­
pe se­guin­te pa­ra re­co­me­çar o Ci­clo.
Ca­va­lei­ros e fim de ci­clo: co­mo o Dez de um Nai­pe se
con­ver­te no Ás do Nai­pe se­guin­te

A nu­me­ro­lo­gia nos en­si­na que a di­nâ­mi­ca do Ta­rot é a de um en­gen­dra-­


men­to cons­tan­te: o fi­nal de um ci­clo cor­res­pon­de ao iní­cio do ci­clo se-­
guin­te. As­sim, A Ro­da da For­tu­na mar­ca o fim do pri­mei­ro ci­clo dos Ar-­
ca­nos mai­o­res, e A For­ça, que vem em se­gui­da, re­pre­sen­ta o pri­mei­ro
ní­vel do ci­clo se­guin­te.
Da mes­ma for­ma, o Dez de ca­da Nai­pe (e en­tre as Fi­gu­ras, os Ca­va-­
lei­ros) traz em si já o ger­me do Ás do Nai­pe se­guin­te. Es­tu­da­re­mos,
por­tan­to, co­mo os Nai­pes, por es­se pro­ces­so cícli­co, en­gen­dram-se uns
aos ou­tros.
Po­de­mos ob­ser­var uma cor­res­pon­dên­cia en­tre o Dez de Es­pa­das e o
Ás de Co­pas: no Dez de Es­pa­das, pe­la pri­mei­ra vez nes­sa série apa­re­ce
uma se­gun­da es­pa­da; po­de­rí­a­mos di­zer que é a apa­ri­ção do Ou­tro (ver
pági­na se­guin­te), ou se­ja, o iní­cio da re­la­ção emo­ci­o­nal. Por sua vez, o
Ás de Co­pas con­tém, no al­to de sua tor­re prin­ci­pal, uma pon­ta ama­re­la
que lem­bra a do No­ve de Es­pa­das:

No­ve de Es­pa­das, Dez de Es­pa­das e Ás de Co­pas.


Das Es­pa­das às Co­pas. No grau 10, o Ou­tro apa­re­ce sob a for­ma de uma se­gun­da es­pa­-
da. No Ás de Co­pas, sím­bo­lo do amor em po­tên­cia, per­ce­be­mos a pon­ta de uma es­pa­-
da.

A car­ta que nos dá o in­dí­cio mais fla­gran­te so­bre es­sa si­tu­a­ção do 10


é o Dez de Co­pas. Ne­la, ve­mos aci­ma das no­ve co­pas ali­nha­das em or-­
dem uma co­pa dei­ta­da na qual se for­ma uma fi­gu­ra flo­ri­da no cen­tro de
um cír­cu­lo que lem­bra as mo­e­das da série de Ou­ros.

Dez de Co­pas e Ás de Ou­ros.


Das Co­pas aos Ou­ros. O dis­co com uma flor cu­nha­da que fe­cha a déci­ma co­pa anun­cia
a mu­ta­ção do Dez de Co­pas em Ás de Ou­ros.

Os in­dí­cios dos dois ou­tros Nai­pes são for­ne­ci­dos pe­los Ca­va­lei­ros,


que, co­mo aca­ba­mos de ver, cor­res­pon­dem ao ní­vel 8-9 e anun­ci­am a
ação do fim do ci­clo do 10. O Ca­va­lei­ro de Ou­ros le­va um pau que vi­ra­rá
o Ás do Nai­pe se­guin­te, Paus.
Ca­va­lei­ro de Ou­ros e Ás de Paus
Dos Ou­ros aos Paus. O Ca­va­lei­ro nos dá aqui um in­dí­cio mui­to cla­ro: ele se­gue com o
olhar a mo­e­da es­pi­ri­tu­a­li­za­da que flu­tua co­mo as­tro e car­re­ga con­si­go um pau.

En­fim, a pas­sa­gem dos Paus às Es­pa­das é su­ge­ri­da pe­lo fa­to de que


no Dez de Paus, o pau cen­tral se des­do­bra e dei­xa apa­re­cer um ei­xo
bran­co, si­nôni­mo da su­bli­ma­ção. Da mes­ma for­ma, o Ca­va­lei­ro de Paus
mon­ta um ca­va­lo bran­co, que, com um mo­vi­men­to do jo­e­lho, ele faz
mu­dar de di­re­ção. Ob­ser­ve­mos que a flor que or­na­men­ta o jo­e­lho lem-­
bra o ador­no cen­tral da co­roa atra­ves­sa­da pe­la es­pa­da do Ás de Es­pa-­
das.
Dez de Paus, Ca­va­lei­ro de Paus e Ás de Es­pa­das.
Dos Paus às Es­pa­das. Um ei­xo bran­co no Dez de Paus e o ca­va­lo bran­co do Ca­va­lei­ro in­-
di­cam a su­bli­ma­ção fi­nal dos Paus e sua mu­ta­ção em Es­pa­das.

As­sis­ti­mos, por­tan­to, a uma es­pécie de ci­clo no qual os Nai­pes do


Ta­rot se en­gen­dram: o ci­clo com­ple­to das Es­pa­das é mo­vi­do pe­lo pri-­
mei­ro grau das Co­pas, que, quan­do che­gam ao fim, en­gen­dram os Ou-­
ros, que, por sua vez, en­gen­dram os Paus, que re­sul­tam em Es­pa­das, e
as­sim su­ces­si­va­men­te.
Da­da a sig­ni­fi­ca­ção que atri­bu­í­mos a ca­da Nai­pe, po­de­rí­a­mos di­zer
que:

As Es­pa­das, o in­te­lec­to, ao che­ga­rem ao úl­ti­mo grau de seu de­sen-­


vol­vi­men­to, des­co­bri­rão a exis­tên­cia do Ou­tro e pre­ci­sa­rão da
ener­gia emo­ci­o­nal, das Co­pas.
As Co­pas, ener­gia emo­ci­o­nal, ao che­ga­rem ao úl­ti­mo grau de seu
de­sen­vol­vi­men­to, pro­du­zi­rão uma no­va vi­da ou agi­rão no mun­do
con­cre­to, pre­ci­san­do da ener­gia da ma­té­ria vi­va, dos Ou­ros.
Os Ou­ros, ma­té­ria vi­va, ao che­ga­rem ao mais al­to grau de seu de-­
sen­vol­vi­men­to, irão se mo­di­fi­car e se ve­rão di­an­te da ne­ces­si­da­de
de se re­pro­du­zir, pre­ci­san­do en­tão da ener­gia cri­a­ti­va dos Paus.
Os Paus, ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va, ao che­ga­rem ao mais al­to grau
de seu de­sen­vol­vi­men­to, irão se des­do­brar, se su­bli­mar e des­co­brir
a an­dro­gi­nia que é a es­sên­cia do pen­sa­men­to, pre­ci­san­do en­tão da
ener­gia in­te­lec­tu­al das Es­pa­das.
Po­de­rí­a­mos es­que­ma­ti­zar as­sim es­sa cir­cu­la­ção, re­to­man­do o Ar­ca-­
no XXI, O Mun­do, co­mo ba­se de ori­en­ta­ção (ao la­do).
O pri­mei­ro ele­men­to des­sa cir­cu­la­ção, que vai no sen­ti­do con­trá­rio
dos pon­tei­ros de um re­ló­gio, po­de ser qual­quer um dos cen­tros, por­que
nes­sa ló­gi­ca eles se en­gen­dram in­fi­ni­ta­men­te.
Re­su­mo: di­nâ­mi­ca dos dez graus nos Ar­ca­nos mai­o­res e
me­no­res

O Lou­co. Gran­de apor­te de ener­gia ini­ci­al.

Grau 1
To­ta­li­da­de, mui­ta ener­gia sem ex­pe­riên­cia.

I O Ma­go. Tu­do es­tá em po­tên­cia. É pre­ci­so apren­der a es­co­lher.


XI A For­ça. Des­per­tar da ener­gia ani­mal.
Ás de Es­pa­das. To­dos os pen­sa­men­tos são pos­sí­veis. Aqui­lo que
pen­sa­mos se tor­na re­a­li­da­de.
Ás de Co­pas. To­da nos­sa vi­da emo­ci­o­nal aí es­tá con­ti­da, com as
in­fi­ni­tas pos­si­bi­li­da­des de amar e odi­ar.
Ás de Ou­ros. Po­ten­ci­a­li­da­de ma­te­ri­al: saú­de, di­nhei­ro, ca­sa, tra-­
ba­lho...
Ás de Paus. Ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va em po­tên­cia.

Pe­ri­go do 1: per­ma­ne­cer vir­tu­al, não dar o pri­mei­ro pas­so na re­a­li­da-­


de.

Grau 2
Acu­mu­la­ção. Ges­ta­ção, ina­ção. Re­pres­são de ener­gia.

II A Pa­pi­sa. En­clau­su­ra­da, ela es­tu­da en­quan­to cho­ca um ovo.


Pre­pa­ra uma ação, mas não a re­a­li­za (ain­da).
XII O En­for­ca­do. Amar­ra­do, com as mãos pa­ra trás, não es­co­lhe
na­da. Me­di­ta­ção, in­tro­ver­são ou cas­ti­go. Re­pre­sen­ta tam­bém a do-­
a­ção de si mes­mo: “Ve­nham me sal­var”.
Dois de Es­pa­das. Acu­mu­la­ção de pen­sa­men­to. Ima­gi­na­ções sem
atos nem es­tru­tu­ra men­tal.
Dois de Co­pas. Ima­gi­na­ções amo­ro­sas: “Eu não sei o que é o
amor, mas me pre­pa­ro pa­ra ele”.
Dois de Ou­ros. Um con­tra­to em pre­pa­ra­ção, ain­da não as­si­na­do.
Pro­mes­sas.
Dois de Paus. Pu­ber­da­de. Acu­mu­la­ção de ener­gia se­xu­al.

Pe­ri­go do 2: apo­dre­cer, não en­trar em ação.

Grau 3
Ex­plo­são de to­da a ener­gia acu­mu­la­da. Ado­les­cên­cia. Ação sem
ob­je­ti­vo.

III A Im­pe­ra­triz. Vi­o­lên­cia cri­a­ti­va da pri­ma­ve­ra, des­per­tar cícli-­


co da na­tu­re­za. Fe­mi­ni­li­da­de po­ten­te e cri­a­do­ra.
XI­II De­mo­li­ção, re­vo­lu­ção, mu­dan­ça, ação vi­o­len­ta pa­ra des­truir o
an­ti­go. Ação re­no­va­do­ra, trans­for­ma­ção, mu­ta­ção.
Três de Es­pa­das. Bro­tam os bo­tões, for­te ati­vi­da­de men­tal. En­tu-­
si­as­mo, fa­na­tis­mo in­te­lec­tu­al.
Três de Co­pas. Pri­mei­ro amor ide­al e ro­mân­ti­co... an­tes do iní­cio
da vi­da co­ti­di­a­na!
Três de Ou­ros. No­vo tra­ba­lho, pri­mei­ros cli­en­tes, pri­mei­ro dia
de­pois de uma ope­ra­ção ou de uma re­for­ma na ca­sa, pri­mei­ros pe-­
los ou mens­tru­a­ção...
Três de Paus. O pri­mei­ro pra­zer, a pri­mei­ra cri­a­ção. Pri­mei­ra ex-­
pe­riên­cia se­xu­al. Tal­vez pri­mei­ra eja­cu­la­ção pre­co­ce.

Pe­ri­go do 3: a de­cep­ção; ex­plo­dir e aca­bar fa­zen­do uma coi­sa qual-­


quer.

Grau 4
Es­ta­bi­li­za­ção e po­tên­cia

IIII O Im­pe­ra­dor. Po­tên­cia das leis, fi­gu­ra pa­ter­na, ra­ci­o­nal. Au-­


to­ri­da­de.
XI­I­II Tem­pe­ran­ça. Pro­te­ção es­pi­ri­tu­al, cir­cu­la­ção in­ter­na har-­
mo­ni­o­sa.
Qua­tro de Es­pa­das. Idei­as ra­ci­o­nais. Sis­te­ma de pen­sa­men­to que
per­mi­te com­preen­der o mun­do, men­te “qua­dra­da”.
Qua­tro de Copas. Es­ta­bi­li­da­de emo­ci­o­nal... Fa­mí­lia, fi­de­li­da­de,
ami­za­de sóli­da.
Quatro de Ou­ros. Boa saú­de, sa­lá­rio su­fi­ci­en­te, em­preen­di­men­to
es­tá­vel.
Qua­tro de Paus. Se­xu­a­li­da­de re­gu­lar (ro­ti­nei­ra?). San­to que faz
sem­pre os mes­mos mi­la­gres, ar­tis­ta que re­pe­te as mes­mas obras.

Pe­ri­go do 4: es­tag­nar sem evo­luir.

Grau 5
Apa­ri­ção de um no­vo ide­al, pon­te pa­ra ou­tra di­men­são.

V O Pa­pa. Pro­fes­sor, mes­tre, guia. Co­mu­ni­ca­ção e uni­ão. Ser­ve de


vín­cu­lo en­tre dois mun­dos, mas sem aban­do­nar o rei­no ter­res­tre.
XV O Di­a­bo. Ten­ta­ção. In­cons­ci­en­te pro­fun­do: ri­que­za, pai­xão,
cri­a­ti­vi­da­de.
Cin­co de Es­pa­das. Um co­nhe­ci­men­to no­vo apa­re­ce, um no­vo es-­
tu­do que se apre­sen­ta.
Cin­co de Co­pas. Amor ide­al, fa­na­tis­mo afe­ti­vo. Ten­ta­ção amo­ro-­
sa.
Cin­co de Ou­ros. In­tro­du­ção de uma no­va cons­ciên­cia na ma­té­ria:
no­va se­ção de uma em­pre­sa, au­las de io­ga...
Cin­co de Paus. Apa­ri­ção de um de­se­jo.

Pe­ri­go do 5: a men­ti­ra, a trai­ção, o pac­to ca­na­lha. Fa­lar e não pra­ti­car.

Grau 6
Pra­zer, be­le­za, uni­ão. Des­co­ber­ta do ou­tro. Fa­zer aqui­lo de que
se gos­ta.

VI O Na­mo­ra­do. Três per­so­na­gens do mes­mo ní­vel: uni­ão ou


con­fli­to? Nu­an­ces in­fi­ni­tas da vi­da emo­ci­o­nal. Fa­zer aqui­lo de que
se gos­ta sob o es­plen­dor do amor uni­ver­sal.
XVI A Tor­re. Aqui­lo que es­ta­va fe­cha­do sai. Vol­ta à ter­ra, ilu­mi-­
na­ção, ale­gria, mu­dan­ça... Dan­ça ao re­dor do tem­plo.
Seis de Es­pa­das. Ale­gria de pen­sar.
Seis de Co­pas. En­con­tro da al­ma gê­mea, amor co­mo es­pe­lho.
Seis de Ou­ros. Pra­zer da pros­pe­ri­da­de.
Seis de Paus. Pra­zer cri­a­ti­vo e se­xu­al to­tal.

Pe­ri­go do 6: re­pe­tir só aqui­lo que se ama, es­ta­be­le­cer sis­te­mas, tor-­


nar-se nar­ci­sis­ta e não pro­gre­dir mais, se­pa­rar-se do mun­do.

ES­QUE­MA NU­ME­RO­LÓ­GI­CO DO TA­ROT


Grau 7
Ação no mun­do

VII O Car­ro. Con­quis­ta, triun­fo. Vi­a­gem, ação re­so­lu­ta. Uni­ão do


es­píri­to com a ma­té­ria.
XVII A Es­tre­la. En­con­trar seu lu­gar e em­be­le­zar o mun­do a par-­
tir de­le, tra­zer ao mun­do uma obra, vi­ver em sua to­ta­li­da­de.
Se­te de Es­pa­das. O pen­sa­men­to en­con­tra sua ação mais ele­va­da
tor­nan­do-se re­cep­ti­vo.
Se­te de Co­pas. O amor age no mun­do: obra hu­ma­ni­tá­ria, por
exem­plo.
Se­te de Ou­ros. Ma­te­ri­a­li­za­ção do es­píri­to e es­pi­ri­tu­a­li­za­ção da
ma­té­ria. Obra al­quí­mi­ca.
Se­te de Paus. Ação se­xu­al e cri­a­ti­va to­tal pa­ra com o ou­tro.

Pe­ri­go do 7: se mal-em­pre­ga­da, sua imen­sa ener­gia se tor­na des­tru­ti-­


va.

Grau 8
Per­fei­ção re­cep­ti­va

VI­II A Jus­ti­ça. A Jus­ti­ça pe­sa o ne­ces­sá­rio e cor­ta o su­pér­fluo.


Ela acei­ta os va­lo­res úteis (o ver­da­dei­ro é aqui­lo que é útil) e faz
jus­ti­ça a si mes­ma.
XVI­II A Lua. Ca­paz de re­fle­tir to­da a luz do cos­mos, ela re­pre­sen-­
ta a per­fei­ção da in­tui­ção, da ar­te. Mãe cósmi­ca, fe­mi­ni­li­da­de, mis-­
té­rio.
Oi­to de Es­pa­das. Re­a­li­za­ção do va­zio men­tal da me­di­ta­ção.
Oi­to de Co­pas. Ple­ni­tu­de do co­ra­ção.
Oi­to de Ou­ros. Pros­pe­ri­da­de sã, saú­de.
Oi­to de Paus. Con­cen­tra­ção de ener­gia que per­mi­te a emer­gên­cia
da ma­gia, do de­se­jo, da cri­a­ção.
Pe­ri­go do 8: a per­fei­ção con­tém o pe­ri­go de não se po­der fa­zer mais
na­da pa­ra mu­dá-la e ela cor­re o ris­co de nos le­var ora pa­ra a ri­gi­dez, ora
pa­ra a lou­cu­ra.

>Grau 9
Cri­se opor­tu­na, por uma no­va cons­tru­ção. “En­tre a vi­da e a
mor­te”

VI­I­II O Ere­mi­ta. Sa­be­do­ria, so­li­dão es­sen­ci­al, con­fi­an­ça no des-­


co­nhe­ci­do.
XVI­I­II O Sol. No­va cons­tru­ção, fra­ter­ni­da­de, su­ces­so, ca­lor. Amor
ver­da­dei­ro.
No­ve de Es­pa­das. Ilu­mi­na­ção e cri­se po­si­ti­va. No­va luz men­tal.
No­ve de Co­pas. Aban­do­nar um mun­do afe­ti­vo pa­ra fun­dar ou­tro.
No­ve de Ou­ros. Nas­ci­men­to, tam­bém co­mo fim de um mun­do.
No­ve de Paus. Es­co­lha cri­a­ti­va fun­da­men­tal: aban­do­nar uma coi-­
sa pa­ra fa­zer ou­tra.

Pe­ri­go do 9: afun­dar em uma cri­se per­pé­tua, vi­ver na so­li­dão e na


tris­te­za.

Grau 10
Fim de um ci­clo e prin­cí­pio de ou­tro

X A Ro­da da For­tu­na. Tu­do es­tá imó­vel, mas exis­te uma ma­ni­ve-­


la. Ci­clo com­ple­to. Gran­de ex­pe­riên­cia e fal­ta de ener­gia. Ne­ces­si-­
da­de de aju­da.
XX O Jul­ga­men­to. Nas­ci­men­to de uma no­va cons­ciên­cia na acei-­
ta­ção da aju­da es­pi­ri­tu­al. De­se­jo ir­re­sis­tí­vel que se ma­ni­fes­ta e as-­
cen­de em di­re­ção à sua re­a­li­za­ção.
Dez de Es­pa­das. O in­te­lec­to, cheio de amor, des­co­bre a es­cu­ta.
Dez de Co­pas. Vi­da amo­ro­sa re­a­li­za­da. É ho­ra de pas­sar à ação.
Dez de Ou­ros. A pros­pe­ri­da­de en­gen­dra a cri­a­ti­vi­da­de.
Dez de Paus. A cri­a­ti­vi­da­de che­ga ao es­píri­to.
Pe­ri­go do 10: blo­queio, re­cu­sa a pas­sar a al­go no­vo on­de se é prin­ci­pi-­
an­te.

XXI O Mun­do. Gran­de re­a­li­za­ção to­tal.


Cons­truir a man­da­la em dez eta­pas

O exer­cí­cio de cons­truir a man­da­la do Ta­rot é sem dúvi­da a me­lhor


ma­nei­ra de se fa­mi­li­a­ri­zar com a to­ta­li­da­de do ba­ra­lho e de ab­sor­ver
sua es­tru­tu­ra glo­bal. Es­co­lha pa­ra tan­to uma gran­de su­per­fície pla­na e
li­sa de apro­xi­ma­da­men­te 1,80 x 2m.
No­ta: A man­da­la é cons­tru­í­da co­mo um es­pe­lho, da mes­ma ma­nei­ra
co­mo le­mos o Ta­rot. Ca­so se pre­ten­da cons­truir uma man­da­la se­me-­
lhan­te a um tem­plo ori­en­tal (ver In­tro­du­ção), se­rá pre­ci­so in­ver­ter as
po­la­ri­da­des di­rei­ta/es­quer­da.

1. Se­pa­re­mos as car­tas d’O Lou­co e d’O Mun­do. No cen­tro da su­per-­


fície, co­lo­ca­mos O Lou­co dei­ta­do ho­ri­zon­tal­men­te, com o olhar vi-­
ra­do pa­ra o céu. Ele re­pre­sen­ta a ener­gia pri­mor­di­al, o deus in­te­ri-­
or, o gran­de ar­qui­te­to que sus­ten­ta­rá o mun­do ma­ni­fes­ta­do. Se o
olhar d’O Lou­co es­ti­ver vol­ta­do pa­ra bai­xo, ele se vi­ra­ria pa­ra as
pro­fun­de­zas obs­cu­ras e a ma­te­ri­a­li­da­de den­sa. O olhar pa­ra ci­ma
im­pul­si­o­na a ener­gia na di­re­ção da es­pi­ri­tu­a­li­da­de.

2. Em ci­ma d’O Lou­co, co­lo­ca­mos o Ar­ca­no XXI, O Mun­do, que, co­mo


já vi­mos, é o re­su­mo de to­da a es­tru­tu­ra do Ta­rot. O Lou­co não se­rá,
por­tan­to, vi­sí­vel no re­sul­ta­do fi­nal, mas nós sa­be­re­mos que é ele
quem sus­ten­ta O Mun­do co­lo­ca­do no cen­tro da fi­gu­ra, as­sim co­mo
a ener­gia im­pen­sá­vel do uni­ver­so, in­vi­sí­vel, sus­ten­ta nos­so mun­do
vi­sí­vel. O cru­za­men­to des­sas du­as car­tas cor­res­pon­de à par­te do re-­
tân­gu­lo em que si­tu­a­mos o qua­dra­do Hu­ma­no, que con­tém os graus
4, 5, 6 e 7 da nu­me­ro­lo­gia de­ci­mal. Po­de-se di­zer que O Lou­co en-­
con­tra O Mun­do na al­tu­ra de seu ho­ri­zon­te hu­ma­no. Nes­sa con­fir-­
gu­ra­ção, a mu­lher d’O Mun­do e O Lou­co pa­re­cem se en­tre­o­lhar:

3. As­sim co­mo o tem­plo, pa­ra se er­guer, de­ve se po­si­ci­o­nar em re­la­ção


aos qua­tro pon­tos car­de­ais, co­mo a al­qui­mia, com o fo­go, o ar, a
água e a ter­ra, es­ta­be­le­ce qua­tro ele­men­tos pri­mor­di­ais, da mes­ma
ma­nei­ra a man­da­la de­ve fi­xar qua­tro can­tos. O per­so­na­gem cen­tral
d’O Mun­do, co­mo já vi­mos, se si­tua en­tre qua­tro sím­bo­los que cor-­
res­pon­dem aos qua­tro Nai­pes dos Ar­ca­nos me­no­res: o boi ou ca­va­lo
cor de car­ne (Ou­ros), o le­ão (Paus), a águia (Es­pa­das) e o an­jo (Co-­
pas). Co­lo­que­mos, por­tan­to, o Ás de ca­da Nai­pe so­bre o sím­bo­lo
cor­res­pon­den­te na car­ta d’O Mun­do (a prin­cí­pio, pa­ra ter­mos mais
le­gi­bi­li­da­de, mos­tra­mos o cen­tro da man­da­la “are­ja­da”; ver a fi­gu­ra
fi­nal cor­re­ta à p. 107).
4. Em se­gui­da, por ci­ma de ca­da Ás, va­mos edi­fi­car uma es­tru­tu­ra com
os nú­me­ros de 2 a 10 do Nai­pe cor­res­pon­den­te, se­guin­do a dis­po­si-­
ção do re­tân­gu­lo nu­me­ro­ló­gi­co. No en­tan­to, não co­lo­ca­mos a car­ta
10 por ci­ma das car­tas 8 e 9, mas ao la­do, da ma­nei­ra su­ge­ri­da no ca-­
pí­tu­lo an­te­ri­or (ver p. 84 e ss.). Ago­ra co­lo­ca­mos as qua­tro de­ze­nas
cor­res­pon­den­tes às qua­tro ener­gi­as. A fi­gu­ra ob­ti­da é uma su­ásti­ca,
sím­bo­lo do mo­vi­men­to cósmi­co.
Se es­sa cruz gi­ras­se, gi­ra­ria ao in­ver­so do mo­vi­men­to dos pon-­
tei­ros do re­ló­gio, da ação pa­ra a re­cep­ção, da di­rei­ta pa­ra a es­quer-­
da. Es­se mo­vi­men­to, que é o mes­mo do san­gue no cor­po hu­ma­no,
cor­res­pon­de, co­mo já vi­mos, ao mo­vi­men­to do per­so­na­gem cen­tral
do Ar­ca­no XXI, que olha da nos­sa di­rei­ta pa­ra a nos­sa es­quer­da.
Cor­res­pon­de tam­bém à di­nâ­mi­ca da mu­ta­ção dos Nai­pes uns nos
ou­tros (Es­pa­das, Co­pas, Ou­ros, Paus) que iden­ti­fi­ca­mos an­te­ri­or-­
men­te. Po­de-se di­zer tam­bém que os nú­me­ros ati­vos se­guem em di-­
re­ção aos nú­me­ros re­cep­ti­vos.
5. No ei­xo ho­ri­zon­tal da man­da­la, que cor­res­pon­de ao ho­ri­zon­te hu-­
ma­no, dis­po­re­mos ago­ra as Fi­gu­ras. Elas se or­ga­ni­zam la­te­ral­men-­
te, na or­dem Va­le­te, Rai­nha, Rei, Ca­va­lei­ro, do in­te­ri­or pa­ra o ex­te-­
ri­or. A série de Fi­gu­ras de Co­pas se en­con­tra­rá, por­tan­to, em­bai­xo
do bra­ço de Co­pas da su­ásti­ca, à nos­sa es­quer­da, jun­to à série de
Ou­ros. A série de Fi­gu­ras de Es­pa­das fi­ca­rá em­bai­xo do bra­ço de
Es­pa­das da su­ásti­ca, jun­to à série de Paus. Des­sa for­ma, o Va­le­te de
ca­da Nai­pe fi­ca­rá em con­ta­to, pe­lo ân­gu­lo da car­ta, com o par 2-3
de seu Nai­pe. A Rai­nha fi­ca­rá so­bre a li­nha do par 4-5, o Rei so­bre a
li­nha do par 6-7 e o Ca­va­lei­ro so­bre a li­nha do trio 8-9-10.
6. En­fim, va­mos or­ga­ni­zar os vin­te Ar­ca­nos mai­o­res res­tan­tes em du­as
séri­es de dez, co­mo no es­que­ma da nu­me­ro­lo­gia.
Vi­mos que, na pri­mei­ra das du­as séri­es, os Ar­ca­nos re­a­li­zam
prin­ci­pal­men­te sua ação pa­ra ci­ma (ver pp. 52-4). A série ini­ci­a­da
por O Ma­go, on­de ve­mos prin­ci­pal­men­te os se­res hu­ma­nos, cor­res-­
pon­de a uma bus­ca do di­vi­no, da luz, do ce­les­te, do ar e da água, da
cons­ciên­cia su­pre­ma. Es­sa série se­rá, en­tão, dis­pos­ta ver­ti­cal­men­te,
aci­ma d’O Mun­do, ma­ni­fes­tan­do o tra­ba­lho de ele­va­ção ao qual os
Ar­ca­nos nos in­ci­tam.
Os Ar­ca­nos XI a XX, por sua vez, re­a­li­zam prin­ci­pal­men­te sua
ação pa­ra bai­xo. A série ini­ci­a­da por A For­ça, com­pos­ta ma­jo­ri­ta­ri­a-­
men­te por se­res míti­cos, so­bre-hu­ma­nos, co­mo que sa­í­dos de um
so­nho, cor­res­pon­de a uma bus­ca em di­re­ção ao in­fer­nal, ao obs­cu­ro,
ao sub­ter­râ­neo, à ter­ra e ao fo­go, ao in­cons­ci­en­te pro­fun­do. Es­sa
série se­rá, en­tão, dis­pos­ta abai­xo d’O Mun­do, mer­gu­lhan­do pa­ra o
fun­do: o Ar­ca­no XI, A For­ça, fi­ca­rá mais per­to do cen­tro e o Ar­ca­no
XX, O Jul­ga­men­to, na ex­tre­mi­da­de in­fe­ri­or. Es­sas car­tas re­pre­sen-­
ta­rão, as­sim, o tra­ba­lho de apro­fun­da­men­to que seus sím­bo­los su-­
ge­rem.
7. O grau cor­res­pon­den­te ao 10 (Ar­ca­nos X e XX) fi­ca­rá aci­ma e não ao
la­do do par VI­II-VI­I­II co­mo na dis­po­si­ção dos Ar­ca­nos me­no­res. É
mais uma vez o Ta­rot quem nos dá o in­dí­cio des­sa or­ga­ni­za­ção: en-­
quan­to nos Ar­ca­nos me­no­res o úl­ti­mo grau in­di­ca uma mu­ta­ção pa-­
ra ou­tro Nai­pe, no ca­so dos Ar­ca­nos mai­o­res es­ta­mos di­an­te de um
re­tor­no cir­cu­lar. No al­to da man­da­la, A Ro­da da For­tu­na in­ci­ta, de-­
pois do ca­mi­nho da ele­va­ção (o ani­mal ama­re­lo), a efe­tu­ar um re-­
tor­no na di­re­ção das pro­fun­de­zas (o ani­mal cor de car­ne). Na par­te
de bai­xo da man­da­la, en­con­tra­mos o Ar­ca­no XX, no qual, das pro-­
fun­de­zas da Ter­ra, sur­ge o an­dró­gi­no es­pi­ri­tu­al azul-ce­les­te, cha-­
ma­do ir­re­sis­ti­vel­men­te pe­la trom­be­ta an­ge­li­cal (sím­bo­lo da cons-­
ciên­cia cósmi­ca) a se le­van­tar no­va­men­te. Eis, en­tão, a man­da­la
com­ple­ta (ver p. 105).

8. Ve­mos que o cen­tro des­sa man­da­la é uma fi­gu­ra ge­o­métri­ca de oi­to


la­dos (oc­tó­go­no). Es­sa fi­gu­ra nos re­me­te à ge­o­me­tria fun­da­men­tal
do ta­o­ís­mo, on­de os tri­gra­mas do I Ching são re­pre­sen­ta­dos ins­cri-­
tos em um oc­tó­go­no re­gu­lar, no cen­tro do qual es­tá sim­bo­li­za­do o
prin­cí­pio bi­ná­rio da cri­a­ção (Yin e Yang). A ca­da um dos la­dos da fi-­
gu­ra cor­res­pon­de uma di­re­ção car­de­al: nor­de, nor­des­te, les­te, su-­
des­te, sul, su­do­es­te, oes­te, no­ro­es­te. Por ou­tro la­do, as pi­as ba­tis-­
mais cos­tu­mam ter uma ba­se oc­to­go­nal, pois es­sa for­ma, no sim­bo-­
lis­mo cris­tão, re­me­te à vi­da eter­na e à res­sur­rei­ção. Ve­mos aqui seis
car­tas que se ins­cre­vem no cen­tro des­se oc­tó­go­no, e da mes­ma for-­
ma, o he­xá­go­no se ins­cre­ve no oc­tó­go­no co­mo sím­bo­lo do en­ter­ra-­
men­to do ego in­di­vi­du­al em sua tum­ba an­tes de re­nas­cer na gra­ça
do Ser es­sen­ci­al:
9. Se tra­çar­mos cír­cu­los con­cên­tri­cos ten­do o cru­za­men­to O Lou­co-O
Mun­do co­mo cen­tro, per­ce­be­re­mos que as car­tas de mes­mo ní­vel se
en­con­tram to­das no mes­mo cír­cu­lo, ex­ce­to o Dez dos Ar­ca­nos me-­
no­res, que se­guem sua di­nâ­mi­ca de en­gen­dra­men­to cir­cu­lar, en-­
quan­to os ní­veis 10 dos Ar­ca­nos mai­o­res se­guem a di­nâ­mi­ca em ci-­
ma-em­bai­xo.
10. Se vi­su­a­li­zar­mos a man­da­la em três di­men­sões, de­ve­mos vê-la co-­
mo uma cruz de seis bra­ços, con­for­me na fi­gu­ra abai­xo.
O ei­xo dos Ar­ca­nos mai­o­res se­rá en­tão o ei­xo ver­ti­cal, e po­de-­
mos dis­tri­buir os Ar­ca­nos me­no­res so­bre os qua­tro pla­nos fren­te,
trás, e di­rei­ta, es­quer­da, em um mo­vi­men­to gi­ra­tó­rio.
A man­da­la do Ta­rot
Os Ar­ca­nos mai­o­res cons­ti­tu­em o ei­xo ver­ti­cal, es­pi­ri­tu­al da man­da­la. Em sua for­ma fi­-
nal, on­de o Ás de ca­da Nai­pe es­tá pos­to so­bre o sím­bo­lo que lhe cor­res­pon­de na car­ta
d'O Mun­do, a man­da­la do Ta­rot ad­qui­re sua for­ça máxi­ma
As on­ze co­res do Ta­rot

Ca­da cul­tu­ra, re­li­gi­ão, tra­di­ção dá sua pró­pria ver­são do sim­bo­lis­mo


das co­res. No en­tan­to, exis­te um fun­do co­mum: o com­ba­te (ou a dan­ça)
en­tre a luz e a es­cu­ri­dão ge­ra a cor. A de­pen­der do pre­do­mí­nio da luz
ou da es­cu­ri­dão, a ga­ma de co­res apa­re­ce.
Che­ga­do o mo­men­to de clas­si­fi­car as co­res, de­ve­mos re­co­nhe­cer
que o Ta­rot as mos­tra em sua di­ver­si­da­de, sem su­ge­rir uma or­dem pre-­
ci­sa – di­fe­ren­te­men­te da es­tru­tu­ra das car­tas que, co­mo aca­ba­mos de
ver, nos dá in­dí­cios so­bre a nu­me­ro­lo­gia e a ori­en­ta­ção do Ta­rot.
To­da clas­si­fi­ca­ção das co­res de­ve­rá, por­tan­to, ser re­la­ti­vi­za­da, po-­
den­do-se ado­tar a qual­quer mo­men­to di­fe­ren­tes es­tru­tu­ras pa­ra nos
aju­dar na in­ter­pre­ta­ção. As co­res são sem­pre am­bi­va­len­tes: seu sig­ni­fi-
ca­do não po­de ser pu­ra­men­te po­si­ti­vo ou ne­ga­ti­vo. Quan­to ao sig­ni­fi­ca-­
do sim­bóli­co, va­ri­am se­gun­do as cul­tu­ras e, mais uma vez, não sen­do
pos­sí­vel re­du­zi-las a um sis­te­ma de equi­va­lên­cias es­tri­tas. As pis­tas su-­
ge­ri­das a se­guir são, por­tan­to, pro­po­si­ções aber­tas que não pre­ten­dem
es­go­tar o es­tu­do das co­res.
Sim­bo­lis­mo das co­res

Eis aqui al­gu­mas in­di­ca­ções úteis pa­ra nos ori­en­tar na lei­tu­ra do Ta­rot.

Ne­gro. Re­me­te a du­as no­ções opos­tas e com­ple­men­ta­res. De um


la­do, a ideia do va­zio: au­sên­cia to­tal de luz, ne­nhu­ma cor. Os mon-­
ges zen usam rou­pas ne­gras. Da mes­ma ma­nei­ra, na Su­bi­da do
Mon­te Car­me­lo, San Ju­an de la Cruz diz que pa­ra che­gar a Deus é
pre­ci­so ir além de on­de se es­tá, “pas­sar pe­la noi­te es­cu­ra da fé”.
Re­du­zi­mo-nos ao va­zio, de­sa­pa­re­ce­mos, pa­ra­mos de pen­sar e en-­
tra­mos no na­da.
Mas, por ou­tro la­do, o ne­gro é tam­bém o mag­ma cri­a­dor que
con­tém to­dos os ger­mes da vi­da, a ma­té­ria pri­mor­di­al: o ni­gre­do
al­quí­mi­co, mas­sa amor­fa de po­dri­dão que ser­ve de subs­tra­to à pu-­
re­za. O ca­os on­de co­me­ça a or­dem: to­da vi­da ger­mi­na pri­mei­ro na
es­cu­ri­dão.
Bran­co. Ao con­trá­rio do ne­gro, o bran­co é a uni­ão lu­mi­no­sa de to-­
das as co­res, uma re­a­li­za­ção em que tu­do che­ga à uni­da­de per­fei­ta,
à pu­ri­fi­ca­ção. É a an­tí­te­se da cor de car­ne e do ne­gro. Do pon­to de
vis­ta ne­ga­ti­vo, o bran­co re­me­te tam­bém ao frio mor­tal da ne­ve, do
me­do. É a cor de Deus ou da mor­te.
O ne­gro e o bran­co de­ter­mi­nam os ex­tre­mos en­tre os quais se
de­sen­vol­vem as ou­tras co­res. Po­de­rí­a­mos co­lo­car no cen­tro a cor
de car­ne.
Cor de car­ne. É a cor es­pe­cífi­ca da pe­le hu­ma­na na área cul­tu­ral
oci­den­tal on­de se de­sen­vol­ve o Ta­rot. A cor de car­ne re­pre­sen­ta­da
aqui é a da car­ne vi­va, evo­can­do a vi­da pre­sen­te – co­mo o ne­gro
po­de fa­lar do pas­sa­do e o bran­co do fu­tu­ro, se as­sim o de­se­jar­mos.
Tam­bém não po­de­mos di­zer que a cor de car­ne se­ja po­si­ti­va ou
ne­ga­ti­va em si: ela ado­ta to­das as for­mas psíqui­cas do ser hu­ma­no,
o bem e o mal. É o am­bí­guo por ex­ce­lên­cia. Exis­tem em nós o céu
e o in­fer­no, a vi­o­lên­cia e a paz. To­dos os opos­tos se re­ú­nem na cor
de car­ne.
No âm­bi­to da vi­da ma­te­ri­al, en­con­tram-se o ver­me­lho e o ver­de.

Ver­de. Cor vi­tal da exu­be­rân­cia, evo­ca a Na­tu­re­za do­mi­nan­te,


eter­no nas­ci­men­to, per­pé­tua trans­for­ma­ção. O pro­fe­ta Mo­ham-­
mad ado­tou-a co­mo sím­bo­lo da eter­ni­da­de. O ver­de é uma ex­plo-­
são de vi­da em si: a vi­da ve­ge­tal só age on­de lan­çou ra­í­zes. É por
es­se mo­ti­vo que o ver­de po­de tam­bém sig­ni­fi­car a ab­sor­ção, o
afun­da­men­to. No in­cons­ci­en­te, o ver­de sim­bo­li­za­rá o ape­go à mãe.
Se a mãe Na­tu­re­za nos dá a vi­da, tam­bém po­de nos pren­der, nos
pri­var da li­ber­da­de, nos en­ter­rar.

Ver­me­lho. Po­de­ria re­pre­sen­tar a par­te ati­va da ter­ra: fo­go cen­tral,


san­gue, ca­lor. É a cor da ati­vi­da­de por ex­ce­lên­cia. Ne­ga­ti­va­men­te,
o ver­me­lho evo­ca a vi­o­lên­cia do san­gue der­ra­ma­do, o pe­ri­go, a in-­
ter­di­ção. Se o san­gue es­tá no ex­te­ri­or, sig­ni­fi­ca a mor­te; se cir­cu­la
no in­te­ri­or do cor­po, o san­gue re­pre­sen­ta a vi­da.

En­tre as co­res ce­les­tes, en­con­tram-se o azul e o ama­re­lo.

Azul. É a cor por ex­ce­lên­cia da re­cep­ção. Cor do céu e do oce­a­no,


evo­ca tam­bém o ape­go ao pai. Sua di­men­são ne­ga­ti­va po­de­ria ser
uma imo­bi­li­za­ção, uma as­fi­xia: quan­do o san­gue não é mais pu­ri­fi-­
ca­do pe­lo oxi­gê­nio, ele fi­ca azul.
Ama­re­lo. Luz do in­te­lec­to e da cons­ciên­cia, ele foi com­pa­ra­do ao
ou­ro, sím­bo­lo da ri­que­za es­pi­ri­tu­al. Na al­qui­mia, a pe­dra fi­lo­so­fal
trans­mu­ta to­dos os me­tais em ou­ro. Sua ne­ga­ti­vi­da­de po­de­ria ser a
se­cu­ra.
Roxo. Es­sa cor é a mis­tu­ra do ver­me­lho, o mais ati­vo, com o azul, o
mais re­cep­ti­vo. Es­sa uni­ão de dois ex­tre­mos re­pre­sen­ta a sa­be­do-­
ria su­pre­ma. En­quan­to Cris­to co­me­ça a fa­lar aos dis­cí­pu­los ves­ti-­
do de ver­me­lho, ele é cru­ci­fi­ca­do de ro­xo, em ple­na sa­be­do­ria. No
en­tan­to, o ro­xo é tam­bém a cor do sa­cri­fí­cio: iden­ti­fi­ca­do com os
ri­tos fu­ne­rá­rios. Mas na ver­da­de se tra­ta da mor­te do ego. En­con-­
tra­mos mui­to pou­co ro­xo no Ta­rot, pois ele re­pre­sen­ta o mai­or dos
se­gre­dos: do­mi­nar o eu pa­ra che­gar à vi­da im­pes­so­al.
Po­de­mos, so­bre es­sas ba­ses, es­ta­be­le­cer a ta­be­la da pági­na se­guin­te.
Di­ver­sas “man­da­las” das co­res

En­con­tra­mos no Ta­rot res­tau­ra­do on­ze co­res: ne­gro, ver­de-es­cu­ro, ver-­


de-cla­ro, ver­me­lho, cor de car­ne, la­ran­ja, ama­re­lo-cla­ro, azul-es­cu­ro,
azul-ce­les­te, bran­co e al­guns tra­ços de ro­xo. Co­mo or­ga­ni­zá-las en­tre
si?
Em to­da cul­tu­ra hu­ma­na, no co­me­ço da in­te­li­gên­cia, há uma con-­
cep­ção do uni­ver­so. Se­gun­do es­sa con­cep­ção, o ho­mem vi­ve en­tre o
céu e a ter­ra. Ho­je em dia, a tra­di­ção em que vi­ve­mos nos diz que a ter-­
ra é a mãe e o céu é o pai. Mas exis­tia a con­cep­ção in­ver­sa em ou­tras
cul­tu­ras mais an­ti­gas, no Egi­to e na Áfri­ca. O ho­mem se si­tua, por­tan­to,
en­tre es­sas du­as ins­tân­cias das quais é re­sul­ta­do, pa­ra se­pa­rá-las ou fa-­
zer com que se co­mu­ni­quem.
Na nos­sa tra­di­ção, que é a do Ta­rot de Mar­se­lha, o Céu é o sím­bo­lo
da es­pi­ri­tu­a­li­da­de e a Ter­ra, da vi­da ma­te­ri­al. O ho­mem se si­tua en­tre
as du­as.
Se ad­mi­tir­mos que o la­ran­ja é um ama­re­lo es­cu­ro, po­de-se di­zer
que há três co­res que se de­cli­nam em um tom cla­ro e um tom es­cu­ro: o
azul, o ver­de e o ama­re­lo.
O ne­gro, o bran­co e o ro­xo são co­res sem nu­an­ce. Quan­to às co­res
ver­me­lha e car­ne, seu pa­ren­tes­co é in­te­res­san­te: de cer­to mo­do, po­de-
se con­si­de­rar a cor de car­ne uma va­ri­an­te mais cla­ra do ver­me­lho.

AS CO­RES DO TA­ROT
Cor Sen­ti­do po­si­ti­vo Sen­ti­do ne­ga­ti­vo
Ro­xo O im­pes­so­al, a sa­be­do­ria Sa­cri­f í­cio, mor­te.
Bran­co Pu­re­za, êx­ta­se, imor­ta­li­da­de. Fri­e­za mor­tal, ego­ís­mo.
Azul-cla-­ De­pen­dên­cia di­an­te do
Re­cep­ti­vi­da­de às for­ças ce­les­tes.
ro pai, imo­bi­li­za­ção.
Azul-es-­
Re­cep­ti­vi­da­de às for­ças ter­res­tres. Des­po­tis­mo, ti­ra­nia.
cu­ro
Ama­re-­ Cla­ri­vi­dên­cia, cons­ciên­cia, in­te­li-­ Se­cu­ra, cru­el­da­de, es­píri­to
lo-cla­ro gên­cia ati­va. se­co, sem emo­ção.
Ama­re-­
lo-es­cu-­ Cons­ciên­cia, in­te­li­gên­cia re­cep­ti­va. Lou­cu­ra, des­trui­ção.
ro
Cor de Ma­te­ri­a­lis­mo, re­pres­são
Hu­ma­ni­da­de, vi­da, pra­zer car­nal.
car­ne car­nal.
Ver­me-­
Rei­no ani­mal, ati­vi­da­de. Vi­o­lên­cia cri­mi­nal.
lho
Ver­de- Na­tu­re­za li­ga­da às for­ças ce­les­tes, De­pen­dên­cia di­an­te da
cla­ro rei­no ve­ge­tal. mãe, in­ve­ja.
Ver­de- Na­tu­ra na­tu­rans, na­tu­re­za cri­a­do­ra,
Afun­da­men­to, ab­sor­ção.
es­cu­ro li­ga­da às for­ças ter­res­tres
Mag­ma cri­a­ti­vo, tra­ba­lho das pro-­ Ca­os, re­gres­são,
Ne­gro
fun­de­zas pul­são de mor­te.

O ver­me­lho da ani­ma­li­da­de, do pu­ra­men­te ter­res­tre e ati­vo, se es­pi-­


ri­tu­a­li­za na cor de car­ne que sim­bo­li­za o hu­ma­no. Mas tam­bém se po­de
con­si­de­rar es­sas du­as co­res co­mo en­ti­da­des com­ple­tas.
Ve­re­mos tam­bém se des­ta­car um gru­po de cin­co co­res “fran­cas”,
sem ma­ti­zes cla­ros ou es­cu­ros, que se­rão: ne­gro, bran­co e ver­me­lho (as
três co­res mais co­nhe­ci­das da obra al­quí­mi­ca), car­ne (hu­ma­no) e ro­xo
(im­pes­so­al, an­dró­gi­no).
Se­gun­do es­sa or­ga­ni­za­ção, a cor de car­ne se en­con­tra no cen­tro, co-­
mo o ho­ri­zon­te hu­ma­no do Ta­rot. No céu, no mais al­to, a cor bran­ca
que con­tém to­das as co­res re­pre­sen­ta­rá a pu­re­za, a eu­fo­ria da vi­da, a
imor­ta­li­da­de, a per­fei­ção, a um grau qua­se inu­ma­no. No bran­co di­vi­no,
nas­ce o azul-ce­les­te, de­pois o ama­re­lo que lem­bra a vi­bra­ção do sol.
A cor de car­ne for­ma o ho­ri­zon­te, a li­nha de se­pa­ra­ção ou de uni­ão
en­tre o céu e a ter­ra. Ela sim­bo­li­za o rei­no hu­ma­no, o pra­zer e sua re-­
pres­são.
No mais bai­xo, na ba­se mais ex­tre­ma, co­lo­ca­re­mos o ne­gro, vi­bra-­
ção que não con­tém ne­nhu­ma ou­tra cor, mag­ma cri­a­ti­vo das pro­fun­de-­
zas do in­cons­ci­en­te. Por ci­ma do ne­gro, nas­ce o mun­do ve­ge­tal, a cor
ver­de. No ver­de-cla­ro, a na­tu­re­za es­tá em re­la­ção com as for­ças ce­les-­
tes e o ver­de es­cu­ro re­pre­sen­ta a na­tu­re­za cri­a­do­ra, as for­ças ter­res­tres.
O ver­me­lho vem em se­gui­da, po­tên­cia vi­tal, cri­a­ti­va e vi­o­len­ta, que
pos­sui o dom da vi­da e da mor­te.
O ro­xo é pen­sa­do co­mo o tra­ça­do do re­tân­gu­lo, as­sim co­mo na
man­da­la O Lou­co, es­con­di­do em­bai­xo d’O Mun­do, sus­ten­ta a to­ta­li­da-­
de da cons­tru­ção.
As co­res se or­ga­ni­zam, en­tão, se­gun­do o es­que­ma ao la­do.
A cor de car­ne tam­bém po­de ser in­ter­pre­ta­da co­mo um la­ran­ja
mes­cla­do de bran­co.

A cor de car­ne re­pre­sen­ta­ria o ser hu­ma­no, vi­ta­li­da­de im­preg­na­da


de cons­ciên­cia, en­quan­to o la­ran­ja se­ria a cor do cres­ci­men­to vi­tal ati-­
vo sem cons­ciên­cia di­vi­na.
O ama­re­lo se tor­na, en­tão, a cor da luz ce­les­te e o ver­me­lho, do
mag­ma ter­res­tre, ati­vi­da­de pu­ra.

Bran­co Pu­re­za
Azul-ce­les­te Re­cep­ti­vi­da­de es­pi­ri­tu­al
Azul-es­cu­ro Re­cep­ti­vi­da­de in­tui­ti­va, ter­res­tre
Ama­re­lo In­te­li­gên­cia
Car­ne Do­mí­nio hu­ma­no, vi­da cons­ci­en­te
Ho­ri­zon­te, tra­ço de uni­ão e li­mi­te ação/re­cep­ção e
Ro­xo
Céu/Ter­ra
La­ran­ja Do­mí­nio vi­tal da pu­ra ma­té­ria
Ver­me­lho Ati­vi­da­de
Ver­de-cla­ro Na­tu­re­za ce­les­te
Ver­de-es­cu-­
Na­tu­re­za ter­res­tre
ro
Ne­gro Aqui­lo que se en­ter­ra, es­con­di­do, in­cons­ci­en­te

Se­gun­do es­sa hi­pó­te­se, as co­res “fran­cas” são o ne­gro, o ver­me­lho, o


ama­re­lo, o bran­co (as qua­tro co­res da obra al­quí­mi­ca) e o ro­xo, uni­ão
místi­ca en­tre ação e re­cep­ção.
As­sim ob­te­mos o es­que­ma de or­ga­ni­za­ção das co­res tal co­mo re­pre-­
sen­ta­do ao la­do.
Tam­bém po­de­mos or­ga­ni­zar as co­res se­gun­do dois ou­tros es­que-­
mas cor­res­pon­den­tes à nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot. Um de­les se ba­seia no
du­plo qua­dra­do, o ou­tro se ins­cre­ve em um cír­cu­lo e se ins­pi­ra no es-­
que­ma sim­bóli­co do Ar­ca­no XXI, O Mun­do.

O es­que­ma cir­cu­lar. Cor­res­pon­de a uma vi­são do mun­do que con-­


sis­te em re­pre­sen­tar a to­ta­li­da­de não co­mo um re­tân­gu­lo, mas co­mo
um cír­cu­lo, uni­ver­so em cons­tan­te ex­pan­são, nas­ci­do de um pon­to cen-­
tral. Es­se cír­cu­lo é em se­gui­da atra­ves­sa­do por um ho­ri­zon­te que, co­mo
no Gê­ne­sis, se­pa­ra o Céu da Ter­ra (fi­gu­ra 1, p. 116).
A sub­di­vi­são ver­ti­cal es­quer­da/di­rei­ta se­pa­ra em se­gui­da o “fe­mi­ni-­
no” re­cep­ti­vo do “mas­cu­li­no” ati­vo: é Eva nas­ci­da do so­nho de Adão e
de sua cos­te­la. Ve­mos apa­re­cer en­tão qua­tro quar­tos de cír­cu­los aos
quais, se­guin­do o es­que­ma pro­pos­to pe­lo Ar­ca­no XXI (ver p. 65), po­de-­
re­mos atri­buir os qua­tro ele­men­tos cor­res­pon­den­tes aos Nai­pes dos
Ar­ca­nos me­no­res: Ou­ros, ou cen­tro cor­po­ral; Paus, ou cen­tro se­xu­al
cri­a­ti­vo; Co­pas, ou cen­tro emo­ci­o­nal; e Es­pa­das, ou cen­tro in­te­lec­tu­al.
Ca­da cor en­con­tra­rá seu lu­gar se­gun­do o Nai­pe atri­bu­í­do (fi­gu­ra 2).
Po­de-se pre­fe­rir as­so­ci­ar os Ou­ros ao ama­re­lo do ou­ro; os Paus ao
ver­de da ati­vi­da­de na­tu­ral; as Co­pas ao ver­me­lho do amor di­vi­no; e as
Es­pa­das ao azul eté­reo e ce­les­te. O ne­gro con­ti­nua na ba­se da ter­ra, e o
bran­co no zêni­te do céu, en­quan­to o ro­xo, cor do an­dró­gi­no (per­so­na-­
gem cen­tral do Ar­ca­no XXI) fi­ca no cen­tro do cír­cu­lo. Ago­ra fi­cou evi-­
den­te que os tons mais cla­ros se­rão os mais próxi­mos do céu; e os mais
es­cu­ros, os mais próxi­mos da ter­ra. Se­gun­do es­se es­que­ma, as­so­ci­a­re-­
mos a cor de car­ne ao ver­me­lho cla­ro (fi­gu­ra 3).
En­con­tra­re­mos, en­tão, as se­guin­tes cor­res­pon­dên­cias:
Ter­ra/ati­vo: ver­me­lho e cor de car­ne; Ter­ra/re­cep­ti­vo: ama­re­lo e la-­
ran­ja; Céu/ati­vo: azul-cla­ro e azul-es­cu­ro; Céu/re­cep­ti­vo: ver­de-cla­ro e
ver­de-es­cu­ro; Cen­tro: vi­o­le­ta; Zêni­te: bran­co; Na­dir: ne­gro.
O es­que­ma re­tan­gu­lar, que já co­nhe­ce­mos, in­clui um la­do es­quer-­
do re­cep­ti­vo e um la­do di­rei­to ati­vo. Se acei­tar­mos que as co­res di­tas
fri­as são re­cep­ti­vas e as co­res di­tas quen­tes ati­vas, po­de­mos di­vi­dir um
du­plo qua­dra­do se­guin­do as leis de ori­en­ta­ção do Ta­rot, co­mo ilus­tra­do
abai­xo.
Ve­mos, por­tan­to, que não exis­te uma úni­ca ma­nei­ra ex­clu­si­va de or-­
ga­ni­zar as co­res. Se­gun­do a lei­tu­ra, es­sas di­fe­ren­tes es­tru­tu­ras po­dem
nos aju­dar a in­ter­pre­tar os sím­bo­los, mas se­ria um er­ro pre­ten­der que
se po­de or­ga­ni­zar as co­res em um úni­co es­que­ma que li­mi­te seus sig­ni-­
fi­ca­dos.
Uma ar­qui­te­tu­ra da al­ma

Dei­xan­do de la­do to­dos os “ini­ci­a­dos” e su­as ver­sões “eso­téri­cas”, re-­


sol­vi que o ver­da­dei­ro mes­tre era o pró­prio Ta­rot... Foi um lon­go tra­ba-­
lho me­tódi­co que exi­giu da mi­nha par­te uma gran­de pa­ciên­cia. Com
uma lan­ter­na mági­ca, pro­je­tei os Ar­ca­nos so­bre gran­des car­to­li­nas e os
co­pi­ei nos mais ín­fi­mos de­ta­lhes. Iden­ti­fi­quei-me com ca­da per­so­na-­
gem, fa­lan­do em seu no­me e tam­bém em no­me de seus de­ta­lhes: ima­gi-­
nei o que di­zia o bas­tão ver­me­lho d’O Lou­co, ou a águia fe­tal que A Im-­
pe­ra­triz aca­ri­cia, a co­roa que se abre e se fe­cha no al­to d’A Tor­re, ou a
flau­ta de os­so que jaz no so­lo ne­gro do Ar­ca­no XI­II. Ob­ser­van­do a per-­
na es­quer­da da mu­lher nua d’A Es­tre­la, pu­de no­tar o tra­sei­ro de uma
cri­an­ça; en­tre as cha­mas (ou a plu­ma, ou a cau­da de uma en­ti­da­de) e a
co­roa d’A Tor­re, des­co­bri a ca­be­ça de um fan­tas­ma etc. Co­mo os de­se-
nhos mui­tas ve­zes pa­re­cem se com­ple­tar fo­ra do qua­dro re­tan­gu­lar,
nu­me­ro­sas ques­tões se me im­pu­se­ram. A me­sa d’O Ma­go tem um quar-­
to pé fo­ra da car­ta? O que O En­for­ca­do tem nas mãos? O que O Lou­co
le­va em sua trou­xa? O que há por trás do véu d’A Pa­pi­sa? O prínci­pe d’O
Car­ro é um anão mon­ta­do em um pe­des­tal? O ver­me­lho da lâm­pa­da
d’O Ere­mi­ta é de san­gue? etc. Mi­lha­res de per­gun­tas pa­ra as quais não
ten­ta­va dar uma res­pos­ta exa­ta – não ha­via, pois a ima­gi­na­ção é in­fi­ni­ta
–, mas en­con­trar uma que no mo­men­to me sa­tis­fi­zes­se, que me fos­se
útil, mes­mo que de­pois me ocor­res­se e se im­pu­ses­se uma ou­tra so­lu-­
ção.
Sen­tei-me e me pus a me­di­tar e a re­ver as car­tas na ima­gi­na­ção,
uma por uma, du­ran­te ho­ras. Pou­co a pou­co, eu me dei con­ta de que ca-
da uma de­las agia à ma­nei­ra de um ta­lis­mã. Não eram sim­ples ima­gens,
mas, de cer­ta ma­nei­ra, eram se­res, ca­da qual com uma per­so­na­li­da­de
di­fe­ren­te, im­pos­sí­vel de de­fi­nir com pa­la­vras. Ten­do gra­va­do es­ses de-­
se­nhos na me­mó­ria, ao ter as car­tas nas mãos, exis­ten­tes ao mes­mo
tem­po no mun­do ex­te­ri­or e em meu es­píri­to, me dei con­ta de sua in­fi-­
ni­ta com­ple­xi­da­de. Quan­do que­ria in­ter­pre­tar as fra­ses ópti­cas que me
da­vam a uni­ão de dois ou mais Ar­ca­nos, via-me obri­ga­do a tra­du­zir em
pa­la­vras, o que equi­va­lia a li­mi­tá-las. Além de no­meá-la, quem po­de di-­
zer o que é uma cor? To­do po­e­ta que ten­tar con­se­gui­rá se apro­xi­mar da
es­sên­cia da cor, mas sem­pre de ma­nei­ra sub­je­ti­va e im­pre­ci­sa...
A es­sa di­fi­cul­da­de in­su­pe­rá­vel, agre­gou-se ou­tra: me dei con­ta de
que as car­tas não só “fa­la­vam” quan­do es­ta­vam jun­tas uma ao la­do da
ou­tra, mas tam­bém quan­do es­ta­vam uma em ci­ma da ou­tra. Mis­tu­ran-­
do men­tal­men­te os de­se­nhos, fui ca­paz de ima­gi­ná-los trans­pa­ren­tes.
Quan­do os so­bre­pus, eles me in­di­ca­ram que se cor­res­pon­di­am ao obe-­
de­cer a uni­da­des de me­di­da com­ple­xas. Ti­ve a con­fir­ma­ção de que o
Ta­rot ha­via si­do cri­a­do a par­tir da trans­pa­rên­cia no li­vro do egip­tó­lo­go
Re­né Adolp­he Schwal­ler de Lu­bicz, Le Tem­ple de l’hom­me1, no qual ele
afir­ma a mes­ma coi­sa a pro­pósi­to do tem­plo de Lu­xor: “Na ‘trans­pa­rên-­
cia’, se o mu­ro fos­se de vi­dro, se­ria pos­sí­vel ver, por exem­plo, tra­ça­do
no ver­so, um sig­no ou uma fi­gu­ra que vi­nha com­ple­tar um va­zio no an-­
ver­so”. Al­guns exem­plos: o ce­tro d’O Im­pe­ra­dor po­dia ser o ei­xo do sol
do Ar­ca­no XVI­I­II; o ce­tro d’A Im­pe­ra­triz tem o mes­mo com­pri­men­to
do bas­tão d’O Pa­pa; o Ás de Ou­ros com­ple­ta o se­mi­cír­cu­lo cen­tral do Ás
de Co­pas. As com­bi­na­ções são in­fi­ni­tas. Co­mo tra­du­zir es­sas men­sa-­
gens em pa­la­vras?... Tu­do o que já ha­via si­do di­to, o que ain­da se di­zia e
se di­ria so­bre os sig­ni­fi­ca­dos dos Ar­ca­nos só po­dia ser uma ex­pli­ca­ção
sub­je­ti­va, ja­mais uma de­fi­ni­ção exa­ta. Aque­les que afir­ma­vam “Es­te é o
sig­ni­fi­ca­do tra­di­ci­o­nal do Ar­ca­no” eram apren­di­zes in­gê­nuos de ma­gos
ou char­la­tães.
Du­ran­te mui­to tem­po, com mui­ta pe­na, guar­dei meu Ta­rot nu­ma
cai­xa, jul­gan­do im­pos­sí­vel con­se­guir uti­li­zá-lo de ma­nei­ra ob­je­ti­va.
Uma noi­te ti­ve um so­nho que me in­di­cou o ca­mi­nho a se­guir.
Me vi ca­mi­nhan­do nu por um de­ser­to de arei­as bran­cas. Uma le­bre
azul com as ore­lhas cor­ta­das veio lá do al­to de uma du­na e se en­cos­tou
aos meus pés. Ao me to­car, sua ca­be­ça mu­dou de for­ma e a le­bre ado­tou
a mi­nha ca­be­ça. Nos­sos cor­pos se in­te­gra­ram, for­man­do um só cor­po.
Era eu ao mes­mo tem­po uma tes­te­mu­nha hu­ma­na e um guia ani­mal.
Che­guei, che­ga­mos, ao ho­ri­zon­te, que era ro­xo. Equi­li­bran­do-se so­bre
es­sa li­nha, apa­re­ceu O Lou­co, gi­gan­tes­co. Olhou-me com cum­pli­ci­da­de,
abrin­do sua trou­xa pa­ra o céu. As es­tre­las se des­pren­de­ram e, con­ver­ti-­
das em pi­ri­lam­pos, des­ce­ram pa­ra en­trar na trou­xa. O Lou­co vi­rou a
trou­xa pa­ra a ter­ra, on­de ca­í­ram es­ses in­se­tos lu­mi­no­sos con­ver­ti­dos
em se­men­tes. Pro­du­zin­do com seus gui­zos sons de uma de­li­ca­de­za an-­
ge­li­cal, ele abriu sua ca­sa­ca e me mos­trou seu pei­to ver­de e me con­vi-­
dou pa­ra en­trar ne­le... Co­mo uma rã que se lan­ça num la­go mi­le­nar,
sub­mer­gi no gi­gan­te... Ti­ve a im­pres­são de ex­plo­dir, trans­for­man­do-me
nu­ma nu­vem de ener­gia. In­ces­san­te­men­te, mi­lha­res de ima­gens me
sub­mer­gi­ram nu­ma vo­ra­gem, fui in­con­tá­veis se­res ao mes­mo tem­po,
tu­do aqui­lo se re­su­miu nu­ma gar­ga­lha­da ca­ta­clísmi­ca exa­la­da por uma
bo­ca ima­te­ri­al. Lem­bro que trans­for­ma­do nes­se ca­os cha­ma­do O Lou-­
co, me lan­cei em di­re­ção ao fir­ma­men­to, atra­ves­san­do o cos­mos a uma
ve­lo­ci­da­de tre­men­da. De re­pen­te me en­con­trei num céu sem as­tros, no
cen­tro do qual bri­lha­vam du­as pi­râ­mi­des, uma ne­gra e uma bran­ca, ar-­
ran­ja­das de tal ma­nei­ra que for­ma­vam um vo­lu­me de seis pon­tas... Es­se
cor­po, que eu sen­ti ser do­ta­do de uma cons­ciên­cia sem li­mi­tes, me
atraiu co­mo um ímã a um pe­da­ço de me­tal. Me dei­xei ab­sor­ver. Ex­plo­di
con­ver­ti­do em luz. Acor­dei cheio de ener­gia com a sen­sa­ção de ter co-­
nhe­ci­do a fe­li­ci­da­de.
Es­ta ex­pe­riên­cia oníri­ca – que me ins­pi­rou a cri­ar, com Mo­e­bius, a
his­tó­ria em qua­dri­nhos In­cal2 – me re­ve­lou co­mo es­tu­dar o Ta­rot.
Com­preen­di que ca­da Ar­ca­no, ten­do ca­rac­te­rísti­cas di­fe­ren­tes dos ou-­
tros, agia no in­cons­ci­en­te co­mo um ar­quéti­po. “O ar­quéti­po é uma for-­
ça. Po­de se apo­de­rar de nós su­bi­ta­men­te [...] É a or­ga­ni­za­ção bi­o­ló­gi­ca
do nos­so fun­ci­o­na­men­to psíqui­co da mes­ma ma­nei­ra que nos­sas fun-­
ções bi­o­ló­gi­cas e psi­co­ló­gi­cas se­guem um mo­de­lo. [...] O ho­mem tem
um mo­de­lo, uma for­ma que o faz es­pe­ci­fi­ca­men­te ho­mem e nin­guém
nas­ce sem is­so. So­mos pro­fun­da­men­te in­cons­ci­en­tes des­sas coi­sas,
uma vez que vi­ve­mos a par­tir de nos­sos sen­ti­dos vol­ta­dos pa­ra o ex­te­ri-­
or de nós mes­mos. Se o ho­mem pu­des­se olhar den­tro de si mes­mo, ele
o des­co­bri­ria. [...] Es­se as­pec­to da per­so­na­li­da­de hu­ma­na, re­pri­mi­do na
mai­o­ria dos ca­sos de­vi­do a sua in­com­pa­ti­bi­li­da­de com a ima­gem que
te­mos de nós mes­mos, não se compõe so­men­te de tra­ços de ca­rá­ter ne-­
ga­ti­vos, mas re­pre­sen­ta igual­men­te a to­ta­li­da­de do in­cons­ci­en­te: é,
qua­se co­mo re­gra ge­ral, a pri­mei­ra fi­gu­ra sob a qual o in­cons­ci­en­te se
apre­sen­ta à cons­ciên­cia. [...] Não sa­be­mos o que é um ar­quéti­po (is­to é,
do que é fei­to) por­que a na­tu­re­za da psi­que não é aces­sí­vel a nós, mas
sa­be­mos que exis­tem ar­quéti­pos e que pro­vo­cam efei­tos. Quan­to me-­
lhor com­preen­der­mos os ar­quéti­pos, mais par­ti­ci­pa­re­mos de sua vi­da e
mais for­te­men­te apreen­de­re­mos sua eter­ni­da­de, sua in­tem­po­ra­li­da-­
de.”3 Pa­ra po­der­mos co­nhe­cer os Ar­ca­nos, é pre­ci­so en­trar ne­les, des-­
pro­vi­do de pa­la­vras. Ou me­lhor, se­ria pre­ci­so se dei­xar pos­suir por
eles.
Ti­ve a sor­te de na­que­la épo­ca es­tar em con­ta­to com um gru­po de
adep­tos do vo­du que tra­ba­lha­va com di­vin­da­des que me lem­bra­vam os
Ar­ca­nos mai­o­res. Ca­da di­vin­da­de ti­nha um rit­mo mu­si­cal, um tra­je, ob-
je­tos pes­so­ais, uma for­ma de se mo­ver e de atu­ar. Ha­via Leg­ba, an­ci­ão
co­xo, ca­mi­nhan­do apoi­a­do nu­ma mu­le­ta, co­ber­to de far­ra­pos, de apa-­
rên­cia débil, mas no fun­do de uma for­ça tre­men­da; Agwé, ves­ti­do de
ofi­ci­al da ma­ri­nha, com lu­vas bran­cas, so­pran­do com to­das as su­as for-­
ças pa­ra imi­tar os ru­gi­dos de uma tem­pes­ta­de ma­ri­nha; Azaka, ho­mem
do cam­po, com um cha­péu de pa­lha, uma blu­sa azul, des­con­fi­a­do, an­si-­
o­so, te­men­do ser rou­ba­do pe­la gen­te da ci­da­de; o co­léri­co guer­rei­ro
Ogoun, com que­pe à fran­ce­sa e dól­mã ver­me­lho, bran­din­do um sa­bre
ou um fa­cão; a se­du­to­ra Ezi­li, com joi­as e sai­as ro­sa­das e azul-ce­les­te,
ma­qui­an­do-se in­ces­san­te­men­te; o Ba­rão Sa­me­di, emis­sá­rio da mor­te,
com uma car­to­la e vá­rios pa­res de ócu­los es­cu­ros e os bol­sos do fra­que
fu­ra­dos: tu­do o que ele guar­da cai no chão etc. Por meio de atos ri­tu­ais,
os adep­tos ca­í­am em tran­se, tor­nan­do-se “ca­va­los” que eram “ca­val­ga-­
dos” pe­las di­vin­da­des... Dis­se a mim mes­mo: “É pre­ci­so tra­ba­lhar o Ta-­
rot da mes­ma ma­nei­ra que os adep­tos do vo­du. De­vo sen­tir ca­da car­ta,
dei­xan­do-me ab­sor­ver, me co­lo­car a ser­vi­ço de sua ex­pres­são”. E as­sim
o fiz: quan­do “fui” O Ma­go, sen­ti a ener­gia do cor­dão ama­re­lo que con-­
tor­na­va meu cha­péu, unin­do-me com os uni­ver­sos dis­tan­tes pa­ra me
apor­tar uma Cons­ciên­cia cósmi­ca que ex­plo­dia nos oi­to po­de­ro­sos sóis
que se ani­nha­vam em meus ca­be­los. Se­gu­rei em uma mão a va­ri­nha do
ma­go, ca­paz de cap­tar as ener­gi­as di­vi­nas pa­ra in­je­tá-las na ma­té­ria e
pro­du­zir mi­la­gres. Na ou­tra mão, se­gu­rei a es­fe­ra de ou­ro ca­paz de cu-­
rar to­dos os ma­les da hu­ma­ni­da­de... Sen­ti os mo­vi­men­tos ágeis do per-­
so­na­gem, sua in­te­li­gên­cia, sua as­tú­cia, sua ca­pa­ci­da­de de aten­ção, sua
ra­pi­dez. Com mi­nha imen­sa des­tre­za, eu era um la­drão me­ta­físi­co que
po­dia rou­bar dos deu­ses o se­gre­do da imor­ta­li­da­de...
Pa­ci­en­te­men­te, dia após dia, re­a­li­zei es­se mes­mo exer­cí­cio, um por
um, ao lon­go dos 77 ou­tros Ar­ca­nos. Quan­do eles en­tra­ram no meu in-­
cons­ci­en­te, gra­van­do-se co­mo se ti­ves­sem fei­to des­de sem­pre par­te dos
meus so­nhos, ten­tei fa­zê-los fa­lar. O que di­ria A Tor­re ou o Ar­ca­no XI­II
ou o Va­le­te de Co­pas ou o No­ve de Paus etc.? De­pa­rei-me com ou­tra di-­
fi­cul­da­de. Ain­da que, quan­do eu en­tra­va em tran­se, to­dos os Ar­ca­nos
fa­las­sem, às ve­zes sob a for­ma de po­e­mas, na­da po­dia ga­ran­tir que su­as
pa­la­vras fos­sem ob­je­ti­vas, que elas vi­es­sem de um mun­do ex­te­ri­or a
mim. Com to­da pro­ba­bi­li­da­de, es­ses dis­cur­sos eram ma­ni­fes­ta­ções da
mi­nha sub­je­ti­vi­da­de, me­ros au­tor­re­tra­tos... Vi­su­a­li­zei uma vez mais os
22 Ar­ca­nos mai­o­res pa­ra ver de que ma­nei­ra eu me pro­je­ta­va ne­les.
Sem dúvi­da, o Sol, XVI­I­II me lem­bra­va mi­nha ci­da­de na­tal, To­co­pil­la,
er­gui­da às bor­das do de­ser­to de Ta­ra­pa­cá, o ter­ri­tó­rio mais se­co do pla-­
ne­ta, on­de fi­cou sem cho­ver du­ran­te sé­cu­los. Es­se Sol con­ti­nha pa­ra
mim ame­a­ças mor­tais de se­cu­ra. Por ou­tro la­do, ao unir seu dis­co fla-­
me­jan­te ao ce­tro d’O Im­pe­ra­dor, não con­se­guia evi­tar ver Jai­me, meu
se­ve­ro pai, tão ava­ro de ca­rí­cias, tão “se­co” no pla­no emo­ci­o­nal. Cons-­
ta­tei que três car­tas me ater­ro­ri­za­vam: A Jus­ti­ça, O En­for­ca­do e o Ar-­
ca­no XI­II. À pri­mei­ra vis­ta, es­ses per­so­na­gens me da­vam a sen­sa­ção de
um cas­ti­go im­pos­to pe­la lei. O juiz im­pla­cá­vel con­de­na­va à tor­tu­ra al-­
guém que ha­via co­me­ti­do um ato ile­gal. A Mor­te não só o eli­mi­na­va,
mas a hu­ma­ni­da­de in­tei­ra, o pla­ne­ta, as es­tre­las, o uni­ver­so. Es­se ter­ror
me pa­re­ceu in­fan­til; no en­tan­to, ao sen­ti-lo in­crus­ta­do na me­du­la de
meus os­sos, com­preen­di que A Jus­ti­ça era mi­nha mãe grávi­da, que O
En­for­ca­do era eu, em es­ta­do fe­tal, e que o Ar­ca­no XI­II eram os de­se­jos
de me eli­mi­nar que ela lan­ça­va so­bre meu or­ga­nis­mo. Na épo­ca em que
fui con­ce­bi­do, sem ser de­se­ja­do, meus pais se odi­a­vam. Mi­nha che­ga­da
ins­ta­lou en­tre eles uma re­la­ção su­fo­can­te. Os no­ve me­ses de ges­ta­ção
se con­ver­te­ram pa­ra mim nu­ma lu­ta pa­ra so­bre­vi­ver. Is­so tu­do fez com
que eu nas­ces­se im­preg­na­do de um ter­ror vis­ce­ral. A ca­da ins­tan­te, eu
sen­tia a or­dem: “Vo­cê es­tá proi­bi­do de vi­ver. Vo­cê é cul­pa­do de ter in-­
va­di­do nos­so mun­do. Vo­cê não de­via ter re­sis­ti­do ao cor­dão um­bi­li­cal
que o es­tran­gu­la­va. Pa­ra nós, vo­cê é um ve­ne­no”. Com­preen­di que era
por is­so que mui­tos anos mais tar­de, ape­sar de vi­ver re­la­ti­va­men­te fe-­
liz, de tem­pos em tem­pos, tal­vez a ca­da no­ve me­ses, eu sen­tia de­se­jos
de mor­rer... Sen­tia-me do­mi­na­do pe­la fri­e­za de mi­nha mãe, que bran-­
din­do uma es­pa­da ima­gi­ná­ria, co­mo A Jus­ti­ça, de­cre­ta­va: “Vo­cê não
tem o di­rei­to de nas­cer, obe­de­ça a mi­nha or­dem: de­sa­pa­re­ça”. O que eu
po­dia fa­zer?

O es­tu­do do Ta­rot se tor­nou pa­ra mim uma te­ra­pia. Co­me­cei a tra-­


ba­lhar so­bre mi­nhas pro­je­ções... Po­de­mos dar uma in­fi­ni­da­de de in­ter-­
pre­ta­ções a um so­nho – su­pers­ti­ci­o­sas, psi­ca­na­líti­cas, míti­cas etc.; eu
dis­se a mim mes­mo: “Se as ima­gens sur­gi­das do in­cons­ci­en­te têm in-­
con­tá­veis sig­ni­fi­ca­dos, e se to­das são mi­nhas, de­vo re­cha­çar aque­les
que são pro­du­to da an­gús­tia e es­co­lher os que me apro­xi­mem mais da
cons­ciên­cia di­vi­na”. Ain­da que te­nha si­do edu­ca­do por um pai ateu que
zom­ba­va de to­dos os li­vros sa­gra­dos, eu me per­mi­ti fa­lar de “Deus”
por­que no Ar­ca­no XVI (em fran­cês, La Mai­son Di­eu) apa­re­ce a pa­la­vra
Deus, e pe­lo me­nos me­ta­de dos Ar­ca­nos mai­o­res têm re­la­ção com o
pen­sa­men­to re­li­gi­o­so. O Lou­co, que avan­ça olhan­do pa­ra o céu, po­de
mui­to bem ser um mon­ge ilu­mi­na­do; o Ar­ca­no XI­II traz gra­va­das no
crâ­nio as qua­tro le­tras sa­gra­das, Yod-He-Vav-He, que for­mam o no­me
do Deus he­brai­co (ver p. 219–20); A Pa­pi­sa e O Pa­pa es­tu­dam e di­fun-­
dem um tex­to sa­gra­do; há an­jos em O Na­mo­ra­do, Tem­pe­ran­ça, O Jul-­
ga­men­to e O Mun­do, e no Ar­ca­no XV apa­re­ce o Di­a­bo, an­jo ca­í­do. O
En­for­ca­do po­de­ria mui­to bem re­pre­sen­tar Je­sus Cris­to, en­tre­gan­do-se
em sa­cri­fí­cio. Ele es­tá pen­du­ra­do en­tre du­as ár­vo­res so­bre as quais se
po­dem ver do­ze go­tas ver­me­lhas que re­pre­sen­tam os após­to­los. E ain-­
da que con­si­de­rás­se­mos es­sa in­ter­pre­ta­ção fa­la­ci­o­sa, não se po­de­ria
ne­gar que o per­so­na­gem traz no pei­to as dez se­fi­rot da Ár­vo­re da Vi­da
ca­ba­lísti­ca... Não po­den­do re­fu­tar o cha­ma­do místi­co que o Ta­rot pro-­
duz, fi­el aos en­si­na­men­tos ateus de meu pai, ten­tei elu­ci­dar o te­ma
“Deus” in­ter­pre­tan­do O Lou­co co­mo ener­gia vi­tal, A Pa­pi­sa e O Pa­pa
co­mo a ani­ma e o ani­mus jun­gui­a­nos, o an­jo d’O Na­mo­ra­do co­mo a for-­
ça li­bi­di­nal, O En­for­ca­do co­mo o ego que se en­tre­ga à Es­sên­cia, o Ar­ca-­
no sem no­me (XI­II) co­mo a von­ta­de de trans­for­ma­ção pe­la eli­mi­na­ção
do su­pér­fluo, Tem­pe­ran­ça co­mo a co­mu­ni­ca­ção in­te­ri­or, O Di­a­bo co­mo
as pul­sões do in­cons­ci­en­te co­le­ti­vo, o an­jo d’O Jul­ga­men­to co­mo uma
di­men­são su­pe­ri­or da cons­ciên­cia, e O Mun­do co­mo a al­ma uni­ver­sal.
No en­tan­to, por mais que eu ten­tas­se, não pu­de apa­gar a pa­la­vra Deus
do Ar­ca­no XVI... Ape­sar de mi­nha ar­rai­ga­da edu­ca­ção ateia, me vi obri-­
ga­do a en­fren­tar es­sa exi­gen­te per­gun­ta do Ta­rot: “O que é Deus pa­ra
vo­cê?”.
Pa­ra mim, o “per­so­na­gem” Deus, ator prin­ci­pal de to­da obra sa­gra-­
da, não po­dia ter no­me, nem for­ma hu­ma­na, nem se­xo, nem ida­de. Não
po­dia ser pro­pri­e­da­de ex­clu­si­va de ne­nhu­ma re­li­gi­ão. Qual­quer de­no-­
mi­na­ção ou atri­bu­to que lhe der­mos, se­rá ape­nas uma apro­xi­ma­ção su-­
pers­ti­ci­o­sa. Im­pos­sí­vel de de­fi­nir com con­cei­tos ou ima­gens, ina­ces­sí-­
vel quan­do per­se­gui­do, sen­do tu­do, é ab­sur­do ten­tar lhe acres­cen­tar
qual­quer coi­sa. Úni­ca pos­si­bi­li­da­de: re­ce­bê-lo. Mas co­mo, se é in­con­ce-­
bí­vel, im­pal­pá­vel? Po­de-se re­ce­bê-lo ape­nas por mu­dan­ças e mu­ta­ções
que ele apor­ta à nos­sa vi­da em for­ma de cla­re­za men­tal, fe­li­ci­da­de
amo­ro­sa, ca­pa­ci­da­de cri­a­ti­va, saú­de e pros­pe­ri­da­de. Se o ima­gi­na­mos
eter­no, in­fi­ni­to e to­do po­de­ro­so, é uni­ca­men­te por com­pa­ra­ção com
aqui­lo que pen­sa­mos de nós mes­mos: fi­ni­tos, efê­me­ros e im­po­ten­tes di-­
an­te des­sa trans­for­ma­ção que con­ven­ci­o­na­mos cha­mar de “mor­te”. Se
tu­do é Deus e Deus não mor­re, na­da mor­re. Se tu­do é Deus e Deus é in-­
fi­ni­to, na­da tem li­mi­tes. Se tu­do é Deus e Deus é eter­no, na­da co­me­ça
nem na­da ter­mi­na. Se tu­do é Deus e Deus é to­do po­de­ro­so, na­da é im-­
pos­sí­vel... Sen­do in­ca­paz de no­meá-lo, e de crer ne­le – n’Ele –, pos­so
sen­ti-lo de ma­nei­ra in­tui­ti­va no mais pro­fun­do de mim mes­mo; pos­so
acei­tar sua von­ta­de, es­sa von­ta­de que cria o uni­ver­so e su­as leis, e ima-­
gi­ná-lo co­mo ali­a­do, acon­te­ça o que acon­te­cer. “Sou teu... Te­nho con­fi-­
an­ça em ti.” Is­so é tu­do, não pre­ci­so di­zer mais na­da, as pa­la­vras não
são um ca­mi­nho di­re­to, elas o in­di­cam mas não o per­cor­rem. Acei­to
per­ten­cer a es­se mis­té­rio in­co­men­su­rá­vel, en­ti­da­de sem ser ou não ser,
sem di­men­são, sem tem­po. Acei­to me en­tre­gar a seus de­síg­nios, e con-­
tar que mi­nha exis­tên­cia não se­ja um ca­pri­cho, nem uma brin­ca­dei­ra,
uma ilu­são ou um jo­go, mas uma ne­ces­si­da­de inex­pli­cá­vel de sua Obra.
Sa­ber que es­sa per­ma­nen­te im­per­ma­nên­cia faz par­te da­qui­lo que meu
es­píri­to con­ce­be co­mo pro­je­to cósmi­co. Crer que sen­do uma en­gre­na-­
gem ín­fi­ma da in­co­men­su­rá­vel máqui­na par­ti­ci­po de sua eter­ni­da­de,
que es­sa mu­dan­ça que meu cor­po cha­ma de “mor­te” é a por­ta que de­vo
atra­ves­sar pa­ra sub­mer­gir na­qui­lo que meu co­ra­ção sen­te co­mo um
amor to­tal, que meu cen­tro se­xu­al con­ce­be co­mo um or­gas­mo sem fim,
que meu in­te­lec­to no­meia “va­cui­da­de ilu­mi­na­da”.

Co­mo o Ta­rot nos apre­sen­ta Deus? Ele o apre­sen­ta co­mo A Tor­re


(La Mai­son Di­eu), edi­fí­cio mis­te­ri­o­so on­de mo­ra o uni­ver­so que, uni­dos
a ele co­mo es­ta­mos, é o nos­so cor­po. So­mos in­qui­li­nos de um Se­nhor
que nos ali­men­ta e sus­ten­ta e man­tém na vi­da pe­lo lap­so de tem­po que
Sua von­ta­de de­ci­dir. Des­sa ca­sa, re­fú­gio se­gu­ro, po­de­mos fa­zer um jar-­
dim ou um li­xo, um lu­gar on­de flo­res­ce­rá nos­sa cri­a­ti­vi­da­de ou um
can­to som­brio on­de rei­na o mau gos­to e o mau chei­ro; en­tre es­ses mu-­
ros im­pas­sí­veis po­de­mos pro­cri­ar ou nos sui­ci­dar. A ca­sa não tem um
com­por­ta­men­to, ela es­tá ali, sua qua­li­da­de de­pen­de do uso que fa­ze-­
mos de­la. Po­de­mos fa­zer um tem­plo ou uma pri­são. Es­sa “Ca­sa Deus”
que nos mos­tra o Ta­rot apor­ta o te­sou­ro da imor­ta­li­da­de, mas não co-­
mo um pre­sen­te. A hu­ma­ni­da­de de­ve ga­nhar es­se prê­mio. Se não con-­
se­gue, por um mau uso do dom, es­tá con­de­na­da a de­sa­pa­re­cer.

Ve­mos no Ar­ca­no XVI uma tor­re pa­rin­do se­res hu­ma­nos (ver p.


239). Uma for­ma in­de­fi­ní­vel – raio, plu­ma, co­me­ta, ener­gia – sub­trai
um pou­co de po­der da co­roa, von­ta­de hu­ma­na ra­ci­o­nal, a fim de que os
se­res ilu­mi­na­dos, sob a dan­ça eu­fóri­ca dos as­tros, to­mem cons­ciên­cia
de que Deus não es­tá no “mais além” mas na pró­pria ma­té­ria. Os dois
acro­ba­tas, tal­vez ho­mem e mu­lher, aca­ri­ci­am as plan­tas; um de­les se
une, por um pro­lon­ga­men­to azul que lhe sai do pei­to, às mon­ta­nhas,
ba­nha­das pe­la cor azul-ce­les­te. A for­ma in­de­fi­ní­vel as­sim co­mo a co-­
roa, os as­tros, a tor­re, as plan­tas e as mon­ta­nhas fa­zem par­te da cons-­
ciên­cia des­ses dois se­res.
Com­preen­den­do as­sim a uni­da­de di­vi­na, ori­gem do cri­a­do, nós nos
en­con­tra­mos di­an­te de uma im­po­tên­cia da lin­gua­gem ra­ci­o­nal que,
com seu sis­te­ma con­cei­tu­al sem­pre em bus­ca de di­fe­ren­ças e li­mi­tes,
de­se­ja­ria com­preen­der, de­fi­nir, ex­pli­car uma re­a­li­da­de on­de ab­so­lu­ta-­
men­te tu­do es­tá uni­do e for­ma um só cor­po. Se acei­tar­mos o fa­to de
que ca­da con­cei­to não cons­ti­tui a re­a­li­da­de, mas é de­la um re­tra­to re-­
du­zi­do, apren­de­re­mos a uti­li­zar as pa­la­vras não tan­to co­mo de­fi­ni­ções
do mun­do, mas co­mo sím­bo­los que o re­pre­sen­tam.
Um sím­bo­lo per­mi­te uma in­fi­ni­ta va­ri­e­da­de de sig­ni­fi­ca­dos, tan­tos
quan­tos fo­rem os in­di­ví­duos que per­ce­bam. As­sim, uma cruz po­de ter
ní­veis de in­ter­pre­ta­ção ex­tre­ma­men­te di­ver­sos, des­de um ins­tru­men­to
de tor­tu­ra ao pon­to di­vi­no cen­tral ge­ra­dor dos qua­tro ele­men­tos que
cons­ti­tu­em o uni­ver­so, ou o Cris­to for­ma­do pe­los qua­tro Evan­ge­lhos,
pas­san­do pe­la cruz do es­pa­ço e do tem­po... Ca­da Ar­ca­no do Ta­rot, ten-­
do co­mo fun­da­men­to a pre­sen­ça in­de­fi­ní­vel d’O Lou­co, não apre­sen­ta
só uma de­fi­ni­ção, já es­ta­be­le­ci­da ao lon­go dos sé­cu­los que nos pre­ce­de-­
ram: são Tor­res, ou “Ca­sas Deus”, aber­tas a in­ter­pre­ta­ções in­fi­ni­tas. Pa-­
ra os es­píri­tos que fun­ci­o­nam ex­clu­si­va­men­te com uma ló­gi­ca aris­to-­
téli­ca, is­so é sem dúvi­da ina­cei­tá­vel. Es­sas pes­so­as exi­gi­rão que lhes
de­em sig­ni­fi­ca­dos pre­ci­sos, “sím­bo­los es­tan­ques”. “Um Ar­ca­no é is­so e
mais na­da! Não po­de ser luz e es­cu­ri­dão ao mes­mo tem­po! Não po­de
ter in­fi­ni­tas in­ter­pre­ta­ções; a sub­je­ti­vi­da­de do ta­ró­lo­go de­ve ser ex­clu­í-­
da!” Aos sím­bo­los es­tan­ques, se obe­de­cer­mos ao Ta­rot, se opõem os
“sím­bo­los flui­dos”. Os so­nhos são cons­ti­tu­í­dos por ima­gens am­bí­guas.
Os ob­je­tos do in­cons­ci­en­te têm as­pec­tos in­fi­ni­tos. Os bru­xos e os psi­ca-­
na­lis­tas es­co­lhem seus sig­ni­fi­ca­dos fa­zen­do-os en­cai­xar nas su­pers­ti-­
ções ou nas te­o­ri­as de seus mes­tres. Os pa­ci­en­tes dos te­ra­peu­tas freu­di-­
a­nos não so­nham co­mo os pa­ci­en­tes dos te­ra­peu­tas jun­gui­a­nos ou la­ca-­
ni­a­nos. Os pri­mei­ros ve­em fa­los e va­gi­nas, os se­gun­dos sig­nos cósmi­cos
e os úl­ti­mos, jo­gos de pa­la­vras. Co­mo, en­tão, pen­sar com sím­bo­los flui-­
dos?

Se os ob­ser­var­mos com olhos in­gê­nuos, os Ar­ca­nos do Ta­rot con-­


têm uma men­sa­gem sim­ples. O Lou­co é um po­bre va­ga­bun­do, O Ma­go
um ven­de­dor em bus­ca de cli­en­tes, A Pa­pi­sa e O Pa­pa re­pre­sen­tan­tes
do po­der re­li­gi­o­so, A Im­pe­ra­triz e O Im­pe­ra­dor re­pre­sen­tan­tes do po-­
der do Es­ta­do. O Na­mo­ra­do des­cre­ve as re­la­ções emo­ci­o­nais; O Car­ro,
o po­der guer­rei­ro; A Jus­ti­ça, o po­der da Lei. O Ere­mi­ta é um sá­bio so­li-­
tá­rio em bus­ca de dis­cí­pu­los; A Ro­da da For­tu­na mos­tra as vi­cis­si­tu­des
do des­ti­no; A For­ça é uma mu­lher do­mi­nan­te; O En­for­ca­do, um mal­fei-­
tor cas­ti­ga­do; o Ar­ca­no sem no­me, a mor­te; Tem­pe­ran­ça, nos­so an­jo da
guar­da; O Di­a­bo, o es­píri­to ten­ta­dor do mal; A Tor­re, o cas­ti­go do or­gu-­
lho; A Es­tre­la, nos­sa boa sor­te. A Lua in­di­ca a lou­cu­ra; O Sol, um gran-­
de su­ces­so; O Jul­ga­men­to, a res­sur­rei­ção dos mor­tos; O Mun­do, o êx­ta-­
se da re­a­li­za­ção...

É pos­sí­vel que aque­le ou aque­les que cri­a­ram o Ta­rot qui­ses­sem lhe


dar um con­te­ú­do à al­tu­ra das pes­so­as sim­ples que o em­pre­ga­vam co­mo
um jo­go. Mas ho­je em dia es­sa lei­tu­ra in­gê­nua não tem ne­nhu­ma uti­li-­
da­de pa­ra nós. Se qui­ser­mos uti­li­zá-lo co­mo um ins­tu­men­to te­ra­pêu­ti-­
co, de­ve­mos de­po­si­tar ne­le nos­sa sub­je­ti­vi­da­de pro­fun­da. Pa­ra tan­to,
po­de­mos em­pre­gá-lo da mes­ma ma­nei­ra que um te­le­fo­ne ce­lu­lar.
Quan­do es­tá des­car­re­ga­do, não ser­ve pa­ra na­da, pa­ra que ele fun­ci­o­ne
de­ve­mos car­re­gá-lo de ele­tri­ci­da­de. O mes­mo ocor­re com as car­tas do
Ta­rot. São os sím­bo­los que não di­zem na­da pre­ci­so e que de­ve­mos en­ri-­
que­cer com to­do ti­po de sig­ni­fi­ca­ção, dan­do a eles con­te­ú­dos que os
su­pe­rem. Uma se­men­te con­tém uma flo­res­ta, da mes­ma for­ma que o
ven­tre de uma mu­lher con­tém a hu­ma­ni­da­de in­tei­ra. O in­cons­ci­en­te
in­di­vi­du­al en­cer­ra, den­tro do in­cons­ci­en­te co­le­ti­vo, o pas­sa­do de to­da a
ra­ça hu­ma­na, do pla­ne­ta e do cos­mos. Do pon­to de vis­ta ini­ci­áti­co, o
con­ti­nen­te é sem­pre me­nor que seu con­te­ú­do, pois ca­da áto­mo con­tém
Deus... Se não preen­che­mos as car­tas de Ta­rot com inú­me­ros con­te­ú-­
dos, a lei­tu­ra não po­de dar re­sul­ta­do. O Ta­rot tem o va­lor que nós lhe
der­mos. Se so­mos me­dí­o­cres, nós o car­re­ga­re­mos de sig­ni­fi­ca­dos su-­
per­fi­ci­ais, só fa­la­re­mos dos amo­res, dos pro­ble­mas eco­nô­mi­cos, do
tem­po at­mos­féri­co, da saú­de, dos aci­den­tes, dos fa­le­ci­dos, dos fra­cas-­
sos, dos su­ces­sos so­ci­ais, en­fra­que­cen­do, as­sim, a lei­tu­ra. Pa­ra “car­re-­
gar” bem os Ar­ca­nos, é pre­ci­so apren­der a vê-los em sua glo­ba­li­da­de ao
mes­mo tem­po que em seus de­ta­lhes mais ín­fi­mos. Ca­da sím­bo­lo não
tem ape­nas uma ex­pli­ca­ção es­tan­que... Não se tra­ta de en­con­trar sua
“de­fi­ni­ção se­cre­ta”, tra­ta-se de lhe dar a de­fi­ni­ção mais su­bli­me que
pu­der­mos.
Por exem­plo, qua­se to­dos os au­to­res de­cla­ram que O Ere­mi­ta er­gue
uma lâm­pa­da. Ou­tros, dan­do-lhe a per­so­na­li­da­de de Cro­nos, pen­sam
que ele exi­be uma am­pu­lhe­ta. Os que lhe atri­bu­em a iden­ti­da­de de Sa-­
tur­no afir­mam que a man­cha ver­me­lha da lan­ter­na é o san­gue dos fi-­
lhos que ele de­vo­ra. Um al­coó­la­tra me ga­ran­tiu que via na mão do per-­
so­na­gem um cân­ta­ro cheio de vi­nho. Um po­e­ta, por sua vez, via um
enor­me pi­ri­lam­po. Um sa­cer­do­te ca­tóli­co de­fen­dia que es­sa lâm­pa­da
sim­bo­li­za­va o co­ra­ção de um san­to on­de ar­dia o san­gue de Je­sus Cris­to
ilu­mi­nan­do a hu­ma­ni­da­de. Há quem te­nha vis­to um pai ava­ren­to es-­
con­den­do um co­fre cheio... Ne­nhu­ma ver­são é des­car­tá­vel des­de que se
res­pei­tem as for­mas, o nú­me­ro, a cor e o no­me do sím­bo­lo. (Se par­ti-­
mos da hi­pó­te­se de que o Ta­rot é de ori­gem fran­ce­sa, po­de­mos en­con-­
trar men­sa­gens ocul­tas nos no­mes das car­tas. Le Ba­te­leur [O Ma­go] di-­
ria “Le bas te leur­re” [O bai­xo te en­ga­na], La Pa­pes­se [A Pa­pi­sa]: “L’ap-­
pât pè­se” [A is­ca pe­sa], L’Em­pe­reur [O Im­pe­ra­dor]: “Lam­pe er­reur”
[Lâm­pa­da er­ro], Le Pen­du [O En­for­ca­do]: “Le pain dû” [O pão de­vi­do],
Tem­pé­ran­ce [Tem­pe­ran­ça]: “Temps-er­ran­ce” [Tem­po-er­rân­cia], Le Ju-­
ge­ment [O Jul­ga­men­to]: “Le ju­ge ment” [O juiz men­te], La Mai­son Di-­
eu [A Ca­sa Deus]: “L’âme et son Di­eu” [A al­ma e seu Deus].) Es­se uso
de sím­bo­los flui­dos nos per­mi­te ado­tar uma no­va ati­tu­de di­an­te da vi-­
da. Os se­res vi­vos, as coi­sas, os acon­te­ci­men­tos po­dem ser con­si­de­ra-­
dos tam­bém Ar­ca­nos, flui­dos e não es­tan­ques. Tu­do, ab­so­lu­ta­men­te tu-­
do, mu­da con­ti­nu­a­men­te, uma pes­soa não é, mas es­tá se tor­nan­do.
Uma gran­de par­te das re­la­ções que te­mos com a re­a­li­da­de de­pen­de
do con­te­ú­do que nós lhe der­mos. Nós jul­ga­mos as ações das pes­so­as
que nos ro­dei­am em re­la­ção ao con­te­ú­do com que lhes car­re­ga­mos.
Con­ti­nu­a­men­te elas nos sur­preen­dem ou nos de­cep­ci­o­nam. Nós mes-­
mos, sen­do es­pec­ta­do­res de nos­sa con­du­ta, nos car­re­ga­mos de con­te­ú-­
dos li­mi­ta­dos. E os ou­tros nos ve­em co­mo nós nos ve­mos. Ape­nas um
mes­tre es­pi­ri­tu­al, quan­do nos des­va­lo­ri­za­mos ao obe­de­cer ao olhar ne-­
ga­ti­vo da fa­mí­lia ou da so­ci­e­da­de, po­de nos re­ve­lar nos­so te­sou­ro in­te-­
ri­or, is­to é, nos car­re­gar de va­lo­res su­bli­mes. Uns di­zem que o mun­do
atu­al é vi­o­len­to e vi­vem ater­ro­ri­za­dos, ou­tros pen­sam que o mun­do na
re­a­li­da­de é um pa­ra­í­so cheio de vi­o­lên­cia, mas es­sa vi­o­lên­cia é aci­den-­
tal, e não uma ca­rac­te­rísti­ca es­sen­ci­al.
As­sim, o Ta­rot po­de ser um ele­men­to ne­fas­to nas mãos de um lei­tor
per­ver­so, ou o con­trá­rio nas mãos de um mes­tre su­bli­me. É um es­pe­lho
de nos­sa ver­da­de sub­je­ti­va, não a ver­da­de ab­so­lu­ta. Nós nos uni­mos à
di­vin­da­de por uma Cons­ciên­cia in­fi­ni­ta, eter­na, im­pes­so­al, sem­pre em
ex­pan­são, co­mo o uni­ver­so. Com es­se olho in­ter­no, tes­te­mu­nho pu­ro,
nós nos ve­mos vi­ver. Mas a en­car­na­ção faz com que es­sa Cons­ciên­cia
ga­nhe a apa­rên­cia de nos­sa for­ma-con­ti­nen­te, fi­can­do es­tan­ca­da de­vi-­
do a di­ver­sos ti­pos de trau­mas: ter vi­vi­do na in­fân­cia ex­pe­riên­cias de
adul­to ou não ter vi­vi­do o que se de­via ter vi­vi­do, sub­mis­são por pais
tóxi­cos a abu­sos in­te­lec­tu­ais, emo­ci­o­nais, se­xu­ais e ma­te­ri­ais... O pon­to
de vis­ta a par­tir do qual nós nos ob­ser­va­mos é o da ida­de que tí­nha­mos
quan­do pas­sa­mos por ex­pe­riên­cias ne­ga­ti­vas. Quan­do ob­ser­va­mos o
mun­do, nós o fa­ze­mos a par­tir de pen­sa­men­tos, de sen­ti­men­tos e de
de­se­jos es­tan­ca­dos, ob­ten­do res­pos­tas li­mi­ta­das a nos­sos atos li­mi­ta-­
dos. Uma lei mági­ca diz: “O mun­do é aqui­lo que nós cre­mos que ele se-­
ja”. O tra­ba­lho ini­ci­áti­co é aque­le que nos per­mi­te mu­dar nos­so olhar e
ob­ser­var os acon­te­ci­men­tos in­te­ri­o­res e ex­te­ri­o­res a par­tir de um pon-­
to de vis­ta cósmi­co, in­fi­ni­to e eter­no.
Quan­do ve­jo um con­su­len­te, a pri­mei­ra per­gun­ta que me fa­ço é:
“Quan­tos anos tem? De que pon­to de vis­ta se ob­ser­va a si mes­mo? E eu,
co­mo ta­ró­lo­go, quan­tos anos te­nho, de que pon­to de vis­ta con­tem­plo a
mim mes­mo?”. Um Ta­rot li­do por um adul­to com ca­be­ça de me­ni­no
per­ver­so é pe­ri­go­so pa­ra a vi­da do con­su­len­te. O lei­tor, as­sim co­mo os
Ar­ca­nos, de­ve se car­re­gar an­tes de ini­ci­ar seu tra­ba­lho, co­mo um xa­mã
ou um adep­to do vo­du. Um te­ra­peu­ta ou um cu­ran­dei­ro nun­ca age por
si mes­mo. Am­bos so­li­ci­tam aju­da de di­ver­sas di­vin­da­des. Se O Ma­go
me pos­sui, fa­rei um ti­po de lei­tu­ra; se A Es­tre­la me pos­sui, fa­rei ou­tro.
De­sen­vol­ven­do is­so, de­pois de mui­tos anos, eu me pro­pus a me dei­xar
pos­suir não por um úni­co Ar­ca­no, mas pe­la man­da­la in­tei­ra, e imi­tar a
san­ti­da­de. An­tes eu ha­via li­do co­mo ar­tis­ta, o que me da­va be­ne­fí­cios
nar­ci­sis­tas mui­to agra­dá­veis. Quan­do de­ci­di en­trar no ca­mi­nho te­ra-­
pêu­ti­co, só pu­de con­ce­ber a lei­tu­ra co­mo uma en­tre­ga com­ple­ta e im-­
pes­so­al a ser­vi­ço do con­su­len­te, de­sen­vol­ven­do uma bon­da­de sem li­mi-­
tes, uma es­cu­ta to­tal. “A be­le­za mo­ral é a bon­da­de. Pa­ra ser bom com
in­te­li­gên­cia, é pre­ci­so ser jus­to. Pa­ra ser jus­to, é pre­ci­so agir com a ra-­
zão. Pa­ra agir com a ra­zão, é pre­ci­so ter a ciên­cia da re­a­li­da­de. Pa­ra ter
a ciên­cia da re­a­li­da­de, é pre­ci­so ter cons­ciên­cia da ver­da­de. Pa­ra ter
cons­ciên­cia da ver­da­de, é pre­ci­so ter uma no­ção exa­ta do ser.”4
Um tra­ba­lho ini­ci­áti­co com o Ta­rot con­sis­te em mu­dar nos­so pon­to
de vis­ta, em fa­zê-lo sair da pri­são da ida­de pa­ra co­me­çar a nos ob­ser­var
com um olhar cósmi­co, eter­no e in­fi­ni­to. Se­gun­do os gol­pes que re­ce-­
be­mos da vi­da, te­mos ida­des di­fe­ren­tes nos qua­tro cen­tros: uma pes­soa
po­de ser men­tal­men­te um adul­to de qua­ren­ta anos, ter oi­to anos emo-­
ci­o­nal­men­te, quin­ze se­xu­al­men­te e ses­sen­ta cor­po­ral­men­te. Mas o
olho-tes­te­mu­nho – o Deus in­te­ri­or, a quin­tes­sên­cia, o Ser es­sen­ci­al –
tem a ida­de do uni­ver­so. Po­de­mos am­pli­ar à von­ta­de es­ses qua­tro pon-­
tos de vis­ta. A do­en­ça, o so­fri­men­to, a de­pres­são são pon­tos de vis­ta es-­
trei­tos, uma fal­ta de cons­ciên­cia. Quan­to mais a cons­ciên­cia fun­ci­o­na
com con­cei­tos, sen­ti­men­tos, de­se­jos e ne­ces­si­da­des es­tan­ques, mai­o­res
são os ma­les. Po­rém, se nos ve­mos de um pon­to de vis­ta uni­ver­sal, aca-­
bam-se os pro­ble­mas.
1 Édi­ti­ons Dervy, Pa­ris, 1977
2 De­vir/2006.
3 Carl Gus­tav Jung, La Vie sym­bo­li­que, trad. Clau­de e Ch­ris­ti­ne Pfli­e­ger-Mail­lard,
Édi­ti­ons Al­bin Mi­chel, Pa­ris, 1989. (A vi­da sim­bóli­ca, Edi­to­ra Vo­zes).
4 La Clef des grands mystè­res , Élip­has Lévi, Guy Tré­da­ni­el édi­teur, Pa­ris, 1991. (A
cha­ve dos gran­des mis­té­rios, Pen­sa­men­to).
Pa­ra co­me­çar

A apre­sen­ta­ção dos Ar­ca­nos mai­o­res que vi­rá a se­guir não tem am­bi­ção
de es­go­tar os sig­ni­fi­ca­dos e as ener­gi­as das car­tas e de seus sím­bo­los,
mas so­bre­tu­do gui­ar o olhar do lei­tor na imen­si­da­de de in­ter­pre­ta­ções
pos­sí­veis. Foi por is­so que op­ta­mos por uma apre­sen­ta­ção quád­ru­pla:
com um pri­mei­ro olhar, po­de-se abar­car, em for­ma de pa­la­vras-cha­ve,
al­guns sig­ni­fi­ca­dos tra­di­ci­o­nal­men­te atri­bu­í­dos a ca­da Ar­ca­no em par-­
ti­cu­lar. Se­gue-se um tex­to mais dis­cur­si­vo, no qual os sig­ni­fi­ca­dos sim-­
bóli­cos de di­ver­sos de­ta­lhes das car­tas são es­tu­da­dos. Pa­ra uma con­sul-­
ta rápi­da do Ta­rot, uma série de in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais vêm em se-­
gui­da re­su­mi­das. Por fim, de­ci­di­mos fa­zer ca­da Ar­ca­no fa­lar, sa­ben­do
que o tex­to que pro­po­mos é ape­nas uma voz em meio a uma in­fi­ni­da­de
de vo­zes que o es­tu­do do Ta­rot per­mi­te fa­zer emer­gir no in­cons­ci­en­te
ao lon­go dos anos.
Es­sa apre­sen­ta­ção mul­ti­for­me re­sul­ta de uma pre­o­cu­pa­ção que nos
é mui­to ca­ra: a sa­ber, na mai­o­ra das obras so­bre o Ta­rot, os Ar­ca­nos
mai­o­res são es­tu­da­dos co­mo uma série de es­tam­pas com sig­ni­fi­ca­dos
de­ter­mi­na­dos de­fi­ni­ti­va­men­te. O lei­tor, de­pois de ter es­co­lhi­do um cer-­
to nú­me­ro de car­tas, di­ri­ge-se ao tex­to que ex­pli­ca os Ar­ca­nos es­co­lhi-­
dos pa­ra elu­ci­dá-las, e acres­cen­ta os sig­ni­fi­ca­dos que lhe são pro­pos­tos
se­gun­do uma es­tra­té­gia de lei­tu­ra es­ta­be­le­ci­da. Es­sa con­cep­ção me­câ-­
ni­ca do Ta­rot, que po­de ser útil em um cer­to mo­men­to da apren­di­za-­
gem pa­ra nos am­pa­rar no re­mo­i­nho de sig­ni­fi­ca­dos e in­ter-re­la­ções que
as car­tas nos apre­sen­tam, é re­du­to­ra e con­trá­ria à na­tu­re­za pro­fun­da
do Ta­rot.
Apre­sen­ta­mos la­do a la­do abor­da­gens mui­to di­fe­ren­tes, às ve­zes
com­ple­men­ta­res e às ve­zes apa­ren­te­men­te con­tra­di­tó­rias, pa­ra com-­
preen­der os Ar­ca­nos mai­o­res. Es­pe­ra­mos, as­sim, per­mi­tir ao lei­tor re-­
nun­ci­ar à ilu­são de um úni­co sig­ni­fi­ca­do aca­ba­do e en­trar no es­tu­do
con­tem­pla­ti­vo, pro­je­ti­vo, di­nâ­mi­co e sem li­mi­tes do Ta­rot, sem com is-­
so im­pe­dir que o li­vro pos­sa ser­vir à con­sul­ta ins­tan­tâ­nea dos Ar­ca­nos.

Uma pa­la­vra so­bre a or­to­gra­fia que es­co­lhe­mos pa­ra o no­me dos


Ar­ca­nos mai­o­res: a gra­fia des­ses Ar­ca­nos em fran­cês pa­re­ce in­ten­ci­o-­
nal­men­te am­bí­gua e po­de se pres­tar a di­ver­sas in­ter­pre­ta­ções.

As pa­la­vras são se­pa­ra­das ora por um pon­to:


le.mat
le.bat­ el­ eur (i)
la.pap­ ess­ e (ii)
le.pap
­ e (v)
l’a.rov ­ e.de.fortvn ­ e (x)
la.forc ­ e (xi)
le.pend ­ u (xii)
le.dia
­ b­ le (xv)
la.mais ­ on.die­ v (xvi)
la.lun­ e (xvii­ i)
le.iug
­ em ­ ent (xx)
le.mond ­ e (xxi)

Ora por um sim­ples es­pa­ço:


le char ­ io­ t. (vii), que tem tam­bém um pon­to no fi­nal;
la just­ ic­ e (vii­ i)
le toil­ le (xvii)
­ eil (xvii­ i­ i)
le sol

O mes­mo va­le pa­ra o em­pre­go dos após­tro­fos:


Se l’em­pe­reur (ii­ii) e l’her­mi­te (vi­i­ii) pos­su­em após­tro­fos, lim­pe­ra-­
tri­ce (iii) e lam
­ ov
­ reux (vi) pa­re­cem não ter ne­nhum, en­quan­to em
l’a.rov­ e.de.fortvn
­ e sua pre­sen­ça nos faz pre­gun­tar a nós mes­mos: tra-­
ta-se de um ar­ti­go ou do ver­bo “avoir” (ter ou ha­ver) con­ju­ga­do na ter-­
cei­ra pes­soa do sin­gu­lar (“a”)? E se de­vês­se­mos ler “l’a”, qual se­ria o
su­jei­to des­se ver­bo?
Da mes­ma ma­nei­ra, em cer­tas car­tas, a fu­são de du­as le­tras ou o
acrésci­mo de um tra­ço ver­ti­cal se pres­ta a di­ver­sas lei­tu­ras: de­ve­mos
ler le toil­ le ou le toul­ e? le sol­ eil ou le so­leu?
Por que la just­ ic­ e se es­cre­ve com “J” e le iug­ em
­ ent com «I»? Por
que o U é às ve­zes subs­ti­tu­í­do por um V (nos Ar­ca­nos VI, X e XVI)? Por
que l’herm ­ it­ e é gra­fa­do as­sim?

A man­da­la do Ta­rot
Os Ar­ca­nos mai­o­res cons­ti­tu­em o ei­xo ver­ti­cal, es­pi­ri­tu­al da man­da­la. Ver ca­pí­tu­lo
“Cons­truir a man­da­la” nes­te vo­lu­me

Não se tra­ta de res­pon­der aqui a es­sas pre­gun­tas, que po­de­ri­am


abrir vá­rias pos­si­bi­li­da­des de in­ter­pre­ta­ção no tem­po da lei­tu­ra das
car­tas.
Mas, pa­ra mai­or sim­pli­ci­da­de, ado­ta­mos ao lon­go des­te li­vro a se-­
guin­te con­ven­ção: os Ar­ca­nos se­rão de­sig­na­dos: O Lou­co, O Ma­go, A
Pa­pi­sa, A Im­pe­ra­triz, O Im­pe­ra­dor, O Pa­pa, O Na­mo­ra­do, O Car­ro, A
Jus­ti­ça, O Ere­mi­ta, A Ro­da da For­tu­na, O En­for­ca­do, O Ar­ca­no sem no-­
me ou Ar­ca­no XI­II, Tem­pe­ran­ça, O Di­a­bo, A Tor­re, A Es­tre­la, A Lua, O
Sol, O Jul­ga­men­to e O Mun­do.
O lou­co
Li­ber­da­de. Gran­de apor­te de ener­gia

Pa­la­vras-cha­ve:
Li­ber­da­de • Ener­gia • Vi­a­gem • Bus­ca • Ori­gem • Ca­mi­nho • Es­sên­cia • For­ça de
li­be­ra­ção • O ir­ra­ci­o­nal • Ca­os • Fu­ga • Lou­cu­ra...
O Lou­co tem um no­me, mas não tem nú­me­ro. Úni­co Ar­ca­no mai­or a
não ser de­fi­ni­do nu­me­ri­ca­men­te, ele re­pre­sen­ta a ener­gia ori­gi­nal sem
li­mi­tes, a li­ber­da­de to­tal, a lou­cu­ra, a de­sor­dem, o ca­os, ou ain­da, a pul-­
são cri­a­ti­va fun­da­men­tal. Nos ba­ra­lhos tra­di­ci­o­nais, ele deu ori­gem a
per­so­na­gens co­mo o Cu­rin­ga, o Joker, o Co­mo­dín, ou o Ex­cu­se, que po-­
dem re­pre­sen­tar qual­quer ou­tra car­ta a qual­quer mo­men­to, sem se
iden­ti­fi­car com ne­nhu­ma. A fra­se-cha­ve d’O Lou­co po­de­ria ser: “To­dos
os ca­mi­nhos são o meu ca­mi­nho”.
Es­ta car­ta dá uma im­pres­são de ener­gia: vê-se um per­so­na­gem ca-­
mi­nhan­do de­ci­di­da­men­te, com sa­pa­tos ver­me­lhos, fin­can­do na ter­ra
um bas­tão ver­me­lho. Aon­de ele vai? Em fren­te? É pos­sí­vel, mas po­de­rí-­
a­mos igual­men­te ima­gi­nar que ele gi­ra em cír­cu­los ao re­dor de seu bas-­
tão, sem fim. O Lou­co é co­mo a fi­gu­ra do eter­no vi­a­jan­te que ca­mi­nha
pe­lo mun­do, sem vín­cu­los, sem na­ci­o­na­li­da­de. É tal­vez tam­bém um pe-­
re­gri­no que se di­ri­ge a um lu­gar sa­gra­do. Ou ain­da, no sen­ti­do re­du­tor
que mui­tos co­men­ta­ris­tas lhe dão, um lou­co que an­da sem fi­na­li­da­de
ru­mo à pró­pria des­trui­ção. Se es­co­lher­mos a in­ter­pre­ta­ção mais for­te,
ve­re­mos O Lou­co co­mo um ser des­pren­di­do de qual­quer ne­ces­si­da­de,
de qual­quer com­ple­xo, de qual­quer jul­ga­men­to, à mar­gem de qual­quer
proi­bi­ção, ha­ven­do re­nun­ci­a­do a qual­quer exi­gên­cia: um ilu­mi­na­do,
um deus, um gi­gan­te po­de­ro­so no flu­xo da ener­gia, uma for­ça li­ber­ta-­
do­ra in­co­men­su­rá­vel.
Sua trou­xa cor de car­ne é ilu­mi­na­da por den­tro por uma luz ama­re-­
la. O pau que ele usa pa­ra le­vá-la é azul-ce­les­te e ter­mi­na em uma es-­
pécie de co­lher: é um ei­xo re­cep­ti­vo que por­ta a luz da Cons­ciên­cia, o
es­sen­ci­al, o subs­tra­to útil da ex­pe­riên­cia. Na mão que se­gu­ra es­se pau,
es­con­de-se uma fo­lhi­nha ver­de, sig­no de eter­ni­da­de.
O Lou­co é tam­bém um per­so­na­gem mu­si­cal, pois su­as rou­pas são
or­na­das com gui­zos. Po­de­rí­a­mos ima­gi­nar que ele to­ca a músi­ca das es-­
fe­ras, a har­mo­nia cósmi­ca. Em di­ver­sos ele­men­tos de seu tra­je, en­con-­
tra­mos sím­bo­los da trin­da­de cri­a­do­ra: seu bas­tão tem um pe­que­no tri-­
ân­gu­lo com­pos­to de três pon­tos, um dos gui­zos, bran­co, é um cír­cu­lo
di­vi­di­do por três tra­ços... Po­de­mos aí dis­cer­nir à von­ta­de a trin­da­de
cris­tã ou as três pri­mei­ras se­fi­rots da Ár­vo­re da Vi­da da Ca­ba­la, ou ain-­
da os três pro­ces­sos fun­da­men­tais da exis­tên­cia: cri­a­ção, con­ser­va­ção e
dis­so­lu­ção. O mo­vi­men­to d’O Lou­co é, por­tan­to, gui­a­do pe­lo prin­cí­pio
di­vi­no ou cri­a­dor. O ca­mi­nho se tor­na azul-ce­les­te à me­di­da que ele o
per­cor­re: ele avan­ça so­bre uma ter­ra pu­ra e re­cep­ti­va, que ele sa­cra­li­za
à me­di­da que ca­mi­nha.
Na cin­ta d’O Lou­co, en­con­tram-se ain­da qua­tro ou­tros gui­zos ama-­
re­los que po­de­ri­am cor­res­pon­der aos qua­tro cen­tros do ser hu­ma­no
sim­bo­li­za­dos pe­los Nai­pes dos Ar­ca­nos me­no­res do Ta­rot (ver p. 66):
Es­pa­das (cen­tro in­te­lec­tu­al), Co­pas (emo­ci­o­nal), Paus (se­xu­al e cri­a­ti-­
vo) e Ou­ros (cor­po­ral). O Lou­co pro­duz um apor­te de ener­gia lu­mi­no­sa
nos qua­tro mun­dos da Ca­ba­la: At­zi­lo­th, o mun­do di­vi­no; Bri­ah, o mun-­
do da cri­a­ção; Yet­zi­rah, o mun­do da for­ma­ção, e As­si­ah, o mun­do da
ma­té­ria e da ação.
O ani­mal que o se­gue, tal­vez um ca­chor­ro ou um ma­ca­co (dois ani-­
mais que imi­tam o ho­mem), apoia as pa­tas na ba­se da co­lu­na ver­te­bral
d’O Lou­co, ao ní­vel do pe­rí­neo, lo­cal on­de a tra­di­ção hin­du si­tua o cen-­
tro ner­vo­so que con­cen­tra as in­fluên­cias da Ter­ra (chak­ra mü­lád­há­ra).
Se O Lou­co fos­se um ce­go, se­ria gui­a­do por seu ani­mal, po­rém aqui é
ele quem vai à fren­te, co­mo o Eu vi­si­o­ná­rio que guia o ego. O eu in­fan­til
es­tá do­ma­do; não é ne­ces­sá­rio se­du­zi-lo pa­ra do­mi­nar sua agres­si­vi­da-­
de. Ele al­can­çou um grau de ma­tu­ri­da­de su­fi­ci­en­te pa­ra com­preen­der
que de­ve se­guir o ser es­sen­ci­al e não im­por seu ca­pri­cho. Eis o mo­ti­vo
pe­lo qual o ani­mal, tor­na­do re­cep­ti­vo, é re­pre­sen­ta­do em azul-ce­les­te.
Do­ra­van­te ami­go d’O Lou­co, co­la­bo­ra com ele e o em­pur­ra pa­ra fren­te.
Me­ta­de de seu cor­po se en­con­tra fo­ra do qua­dro da car­ta: o fa­to de an-­
dar atrás d’O Lou­co nos per­mi­te pen­sar que ele re­pre­sen­ta tam­bém o
pas­sa­do. Um pas­sa­do que não freia di­an­te do avan­ço da ener­gia em di-­
re­ção ao fu­tu­ro.
O tra­je d’O Lou­co é ver­me­lho e ver­de: ele le­va em si es­sen­ci­al­men­te
a vi­da ani­mal e a vi­da ve­ge­tal. Mas as man­gas azul-ce­les­te in­di­cam que
sua ação, sim­bo­li­za­da por seus bra­ços, é es­pi­ri­tu­a­li­za­da, e seu cha­péu
ama­re­lo por­ta a luz da in­te­li­gên­cia. So­bre es­se cha­péu, no­ta-se a pre-­
sen­ça de du­as mei­as-lu­as. Uma, ama­re­lo-cla­ro, in­crus­ta­da den­tro de
um cír­cu­lo la­ran­ja, vi­ra­da pa­ra o céu. Ou­tra, si­tu­a­da na bo­la ver­me­lha
da pon­ta tra­sei­ra do cha­péu, vi­ra­da pa­ra bai­xo. A lua ver­me­lha re­pre-­
sen­ta o dom to­tal da ação e a lua ama­re­la, a re­cep­ção to­tal da Cons­ciên-­
cia.
Em uma lei­tu­ra

O Lou­co evo­ca um enor­me im­pul­so de ener­gia. Aon­de quer que ele vá,
le­va con­si­go es­se im­pul­so vi­tal. Se ele se di­ri­ge a uma car­ta, ele a car­re-­
ga com sua ener­gia cri­a­do­ra. Se ele se se­pa­ra da car­ta que o pre­ce­de,
ele aban­do­na uma si­tu­a­ção pa­ra apor­tar su­as for­ças a um no­vo pro­je­to,
um no­vo lu­gar, uma no­va re­la­ção. Ele re­pre­sen­ta, en­tão, uma li­be­ra­ção,
uma fu­ga (ma­te­ri­al, emo­ci­o­nal, in­te­lec­tu­al ou se­xu­al). Em ou­tras pa­la-­
vras, es­ta car­ta co­lo­ca a ques­tão de co­mo es­tá a ener­gia do con­su­len­te,
no que ele ou ela em­pre­ga su­as for­ças.
O Lou­co re­pre­sen­ta às ve­zes a lou­cu­ra ou a in­con­se­quên­cia, quan­do
o iden­ti­fi­ca­mos com um per­so­na­gem. E, evi­den­te­men­te, uma pe­re­gri-­
na­ção, uma vi­a­gem, uma for­ça que vai adi­an­te. A ques­tão é sa­ber pa­ra
on­de: O Lou­co não tem, em si mes­mo, ne­nhu­ma pre­fe­rên­cia.
Es­ta car­ta in­se­mi­na­do­ra de ener­gia irá exa­cer­bar, nu­trir ou des­po-­
jar as car­tas que a ro­dei­am. Es­pe­lho do Ar­ca­no sem no­me, que po­de­ria
ser seu es­que­le­to, O Lou­co nos re­ve­la que a ca­pa­ci­da­de de agir se ad-­
qui­re tam­bém atra­vés da tra­ves­sia ini­ci­áti­ca da lou­cu­ra e da mor­te.
E se O Lou­co fa­las­se...

“Vo­cê sa­bia que a ca­da ins­tan­te po­de ocor­rer uma mu­ta­ção de cons-­
ciên­cia, que vo­cê po­de su­bi­ta­men­te mu­dar a per­cep­ção que tem de si
mes­mo? Às ve­zes, as pes­so­as pen­sam que agir é triun­far so­bre o ou­tro.
Mas que en­ga­no! Se vo­cê quer agir no mun­do, é pre­ci­so fa­zer ex­plo­dir
es­sa per­cep­ção do eu im­pos­ta, in­crus­ta­da des­de a in­fân­cia, que re­cu­sa a
mu­dar. Am­plie seus li­mi­tes, sem fim, sem des­can­so. En­tre em tran­se.
“Dei­xe-se pos­suir por um es­píri­to mais po­de­ro­so, uma ener­gia im-­
pes­so­al. Não se tra­ta de per­der a cons­ciên­cia, mas de dei­xar fa­lar a lou-­
cu­ra ori­gi­nal, sa­gra­da, que vo­cê já tem den­tro de si.
“Pa­re de ser tes­te­mu­nha de si mes­mo, pa­re de se ob­ser­var, se­ja ator
em es­ta­do pu­ro, uma en­ti­da­de em ação. A sua me­mó­ria dei­xa­rá de re-­
gis­trar os fa­tos, os atos, as pa­la­vras, já acon­te­ci­dos. Vo­cê per­de­rá a no-­
ção do tem­po. Até aqui vo­cê vi­veu na ilha da ra­zão, ne­gli­gen­ci­an­do as
ou­tras for­ças vi­vas, as ou­tras ener­gi­as. A pai­sa­gem se am­plia. Una-se ao
oce­a­no do In­cons­ci­en­te.
“En­tão vo­cê co­nhe­ce­rá um es­ta­do de su­pra­cons­ciên­cia no qual não
há nem atos fa­lhos, nem aci­den­tes. Vo­cê não tem mais a con­cep­ção do
es­pa­ço, vo­cê se tor­na o pró­prio es­pa­ço. Vo­cê não tem mais a con­cep­ção
do tem­po: vo­cê é o pró­prio fe­nô­me­no que ocor­re. Nes­se es­ta­do de pre-­
sen­ça ex­tre­ma, ca­da ges­to e ca­da ação são per­fei­tos. Vo­cê não tem co-­
mo se en­ga­nar, não há nem pla­no, nem in­ten­ção. Só exis­te a ação pu­ra
no eter­no pre­sen­te.
“Não te­nha me­do de li­be­rar o ins­tin­to, por mais pri­mi­ti­vo que ele
se­ja. Su­pe­rar o ra­ci­o­nal não sig­ni­fi­ca ne­gar a for­ça men­tal: es­te­ja aber­to
pa­ra a po­e­sia da in­tui­ção, pa­ra as ful­gu­rân­cias da te­le­pa­tia, pa­ra as vo-­
zes que não são su­as, pa­ra uma pa­la­vra vin­da de ou­tra di­men­são. Re­pa-­
re co­mo se unem na ex­ten­são in­fi­ni­ta dos seus sen­ti­men­tos, com a ines-­
go­tá­vel for­ça cri­a­do­ra que lhe con­fe­re a ener­gia se­xu­al. Vi­va o seu cor-­
po, já não mais co­mo um con­cei­to do pas­sa­do, mas co­mo a re­a­li­da­de
sub­je­ti­va vi­bran­te do pre­sen­te. Vo­cê ve­rá que o seu cor­po dei­xa de ser
co­man­da­do pe­las con­cep­ções ra­ci­o­nais e se dei­xa mo­ver por for­ças que
per­ten­cem a ou­tras di­men­sões, pe­la to­ta­li­da­de da re­a­li­da­de. Um ani­mal
en­jau­la­do tem mo­vi­men­tos com­pa­rá­veis à per­cep­ção ra­ci­o­nal. O mo­vi-­
men­to em li­ber­da­de de um ani­mal na flo­res­ta é com­pa­rá­vel ao tran­se.
O ani­mal en­jau­la­do de­ve ser ali­men­ta­do a ho­rá­rios fi­xos. O ra­ci­o­nal de-­
ve re­ce­ber, pa­ra agir, pa­la­vras. O ani­mal sel­va­gem se ali­men­ta so­zi­nho e
nun­ca se en­ga­na em re­la­ção à co­mi­da. O ser em tran­se não age mais
mo­vi­do por aqui­lo que ele apren­de, mas por aqui­lo que ele é.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Gran­de vi­a­gem • Lon­ga ca­mi­nha­da • Lou­cu­ra • Er­rân­cia • Ins­ta­bi­li­da­de • Ima­gi-­
na­ção exu­be­ran­te • Ale­gria de vi­ver • Li­be­ra­ção • Pe­re­gri­na­ção • Sem do­mi­cí­lio fi-­
xo • Men­di­go sa­gra­do • Bu­fão, sal­tim­ban­co • Nô­ma­de, emi­gran­te • De­lí­rio • Ne­ces-­
si­da­de de agir • Vi­ta­li­da­de • Li­ber­da­de • Ide­a­lis­mo • Pro­fe­ta • Ca­mi­nho pa­ra a evo-­
lu­ção • Vi­si­o­ná­rio • Ener­gia di­vi­na • Apor­te de ener­gia (se O Lou­co se di­ri­ge pa­ra
uma car­ta) • Li­be­ra­ção ou fu­ga (se ele se se­pa­ra de uma car­ta)...
I O ma­go
Co­me­çar e es­co­lher

Pa­la­vras-cha­ve:
As­tú­cia • Ini­ci­a­ção • Co­me­ço • Ne­ces­si­da­de de aju­da • Ha­bi­li­da­de • Ju­ven­tu­de •
Po­ten­ci­a­li­da­des • Con­cre­ti­zar • Dis­cí­pu­lo • Ma­lí­cia • Ver­ve • Ta­len­to • En­ga­na­dor
(sa­gra­do)...
O Ma­go tem o nú­me­ro um. Es­se nú­me­ro con­tém a to­ta­li­da­de em po­tên-­
cia, é co­mo o pon­to ori­gi­nal de on­de sur­ge um uni­ver­so (ver p. 71). Pa­ra
O Ma­go, tu­do é pos­sí­vel: ele tem so­bre sua me­sa uma série de ele­men-­
tos que po­de em­pre­gar co­mo qui­ser e uma bol­sa que po­de­mos ima­gi­nar
ines­go­tá­vel, co­mo uma cor­nu­có­pia da abun­dân­cia. Es­te per­so­na­gem
atua a par­tir de sua me­sa em di­re­ção ao cos­mos, à vi­da es­pi­ri­tu­al. Em-­
bo­ra re­pre­sen­ta­do por uma fi­gu­ra mas­cu­li­na, O Ma­go é um an­dró­gi­no
que tra­ba­lha com a luz e a som­bra, fa­zen­do ma­la­ba­ris­mos do in­cons­ci-­
en­te ao su­pra­cons­ci­en­te. Sua mão es­quer­da se­gu­ra uma va­ri­nha ati­va e
sua mão di­rei­ta, uma bo­li­nha de ou­ro re­cep­ti­va. Es­sa mo­e­da ama­re­la,
sol em mi­ni­a­tu­ra, sim­bo­li­za a per­fei­ção, a ver­da­de, mas ela nos as­si­na­la
tam­bém que O Ma­go não es­que­ce as ne­ces­si­da­des co­ti­di­a­nas. Na ou­tra
mão, sua va­ri­nha azul bus­ca cap­tar a for­ça cósmi­ca. Dis­tin­gui­mos tam-­
bém uma ex­cres­cên­cia cor de car­ne, co­mo um sex­to de­do que te­rá eco
na se­gun­da série de­ci­mal, no sex­to de­do do pé d’A For­ça (ver p. 205).
Es­se sex­to de­do po­de in­di­car sua des­tre­za, sua ha­bi­li­da­de de or­ga­ni­zar
o re­al se­gun­do sua in­te­li­gên­cia, mas per­ma­ne­ce mis­te­ri­o­so. O Ma­go po-­
de­ria ser um pres­ti­di­gi­ta­dor que ocul­ta al­go em­bai­xo da me­sa, ou ao
con­trá­rio, um ini­ci­a­do.
Sua me­sa tem três pés. Po­de-se pen­sar que o quar­to pé es­tá fo­ra da
car­ta: é su­pe­ran­do o es­ta­do das pos­si­bi­li­da­des e en­tran­do na re­a­li­da­de
da ação, da es­co­lha, que O Ma­go con­cre­ti­za­rá sua si­tu­a­ção. Mas é pos­sí-­
vel tam­bém ver que o 3 é o nú­me­ro do es­píri­to e o azul-ce­les­te é a cor
da re­cep­ti­vi­da­de es­pi­ri­tu­al (so­bre as co­res, ver pp. 109 ss.). Da mes­ma
ma­nei­ra, os sa­pa­tos bran­cos d’O Ma­go in­di­cam que ele to­ca com in­te­li-­
gên­cia a ter­ra im­preg­na­da de ver­me­lho san­gue, de hu­ma­ni­da­de, ao
mes­mo tem­po em que re­ce­be o cha­ma­do da for­ça di­vi­na. É um es­píri­to
que bus­ca se co­lo­car no mun­do hu­ma­no, en­con­trar so­lu­ções pa­ra a vi­da
ma­te­ri­al. É, por­tan­to, uma car­ta que evo­ca­rá to­das as ques­tões de em-­
pre­go, tra­ba­lho, pro­fis­são.
A plan­ti­nha ama­re­la en­tre seus pés po­de­ria ser o se­xo da mãe Na­tu-­
re­za que lhe deu à luz: ele des­cen­de de uma ou­tra di­men­são e vem bus-­
car seu mun­do, seu pú­bli­co, seu cam­po de ação, sua ar­te, su­as idei­as,
seus amo­res, seus de­se­jos. Ele vai sa­tis­fa­zer su­as ne­ces­si­da­des, fa­zer
tru­ques, ini­ci­ar-se, co­me­çar a vi­ver...
So­bre a me­sa des­co­bri­mos três da­dos que mos­tram três fa­ces ca­da:
1, 2 e 4. Ca­da da­do dá, por­tan­to, um va­lor de 7, e os três so­ma­dos, te­mos
21, que é o va­lor nu­méri­co mais al­to dos Ar­ca­nos mai­o­res (XXI O Mun-­
do). Po­de­mos, en­tão, di­zer que O Ma­go tem à sua dis­po­si­ção to­do o Ta-­
rot, até a re­a­li­za­ção to­tal d’O Mun­do. Da mes­ma ma­nei­ra, ele tem nas
mãos e so­bre a me­sa os qua­tro Nai­pes dos Ar­ca­nos me­no­res (uma mo­e-­
da de ou­ro, um pau, uma fa­ca que sim­bo­li­za Es­pa­das e uma co­pa), dis-­
far­ça­dos en­tre os ele­men­tos de pres­ti­di­gi­ta­ção. Is­so nos in­di­ca que se
che­ga à ver­da­de atra­ves­san­do a ilu­são. Na al­tu­ra de seu se­xo, no meio
dos da­dos, há uma for­ma la­ran­ja que lem­bra uma ser­pen­te: ele co­lo­cou
di­an­te de si a for­ça se­xu­al (ou kun­da­li­ni), e ele é ca­paz de con­tro­lá-la.
O cha­péu d’O Ma­go des­cre­ve o prin­cí­pio de uma es­pi­ral. Vem do in-­
vi­sí­vel por­que re­pre­sen­ta o pri­mei­ro pon­to, emer­ge do na­da pa­ra dar
seus pri­mei­ros pas­sos no mun­do. Nes­se cha­péu, um cor­dão um­bi­li­cal
es­pi­ri­tu­al (ama­re­lo) par­te dos ca­be­los, do men­tal, e se abre pa­ra ir se
jun­tar ao céu, em uni­ão co­mo uni­ver­so. O in­ten­so de­se­jo de re­a­li­zar es-­
sa uni­ão é sim­bo­li­za­do pe­la pro­tu­be­rân­cia ver­me­lha do cha­péu. Seu
ob­je­ti­vo é tal­vez che­gar a imor­ta­li­zar a cons­ciên­cia in­di­vi­du­al. Em seus
ca­be­los ama­re­los, sím­bo­los de sua in­te­li­gên­cia lu­mi­no­sa, pe­que­nas bo-­
las la­ran­ja (oi­to de­las) in­di­cam que ele tem cons­ciên­cia da per­fei­ção e
que ela se impõe co­mo me­ta. Em um pla­no psi­co­ló­gi­co, po­de­rí­a­mos
tam­bém vê-lo co­mo um ho­mem jo­vem que ain­da pos­sui a ca­be­ça cheia
das idei­as de sua mãe (o 8 re­pre­sen­tan­do, en­tão, A Jus­ti­ça, fi­gu­ra ma-­
ter­nal).
A cin­ta d’O Ma­go é du­pla. Se a con­si­de­rar­mos sím­bo­lo da von­ta­de,
de­du­zi­re­mos que ele é ca­paz de exer­cer a von­ta­de so­bre seu in­te­lec­to
(a par­te su­pe­ri­or), mas tam­bém so­bre sua ani­ma­li­da­de, sua car­ne. Por
ou­tro la­do, es­sa du­a­li­da­de in­di­ca que ele ain­da não efe­ti­vou a re­a­li­za-­
ção de seu ser: en­quan­to es­ta­mos su­jei­tos ao di­á­lo­go in­te­ri­or, ain­da não
atin­gi­mos a ilu­mi­na­ção e a ver­da­de.
Em uma lei­tu­ra

O Ma­go in­di­ca um co­me­ço. O ra­ci­o­cí­nio é rápi­do, não lhe fal­ta ta­len­to


nem as­tú­cia, só exis­te agir. Es­ta car­ta in­di­ca tam­bém a ne­ces­si­da­de de
es­co­lher, de se de­ci­dir, de so­frer a dor do “tu­do é pos­sí­vel” que é a mar-­
ca da ju­ven­tu­de.
Na fa­mí­lia ou no uni­ver­so psi­co­ló­gi­co, é o me­ni­no: aque­le que con-­
ti­nu­a­mos sen­do mes­mo de­pois dos qua­ren­ta anos, aque­la que já de­ve­rí-­
a­mos ter si­do quan­do se é uma mu­lher, aque­le ou aque­la que cri­a­mos e
que cus­ta­mos a dei­xar vo­ar com as pró­prias asas, aque­le ou aque­la que
en­con­tra­mos e com o qual ou com a qual po­de­mos nos pre­pa­rar pa­ra
for­mar um ca­sal, pa­ra o qual tu­do es­tá por se in­ven­tar ain­da...
O Ma­go mos­tra que al­gu­ma coi­sa é pos­sí­vel, que se po­de co­me­çar,
que na­da se opõe a ini­ci­ar uma no­va ação. Sua va­ri­nha po­de­ria re­pre-­
sen­tar um pe­di­do de aju­da ou de ins­pi­ra­ção, à es­pe­ra de ser car­re­ga­da
por uma for­ça mais ma­du­ra, ou tal­vez pe­lo ca­mi­nho da ma­tu­ri­da­de
pro­pri­a­men­te di­ta.
Co­mo pri­mei­ro Ar­ca­no mai­or, e por mais ini­ci­a­do que se­ja, O Ma­go
ain­da tem mui­to ca­mi­nho pe­la fren­te. É a car­ta da uni­da­de que de­ve es-­
co­lher um mo­do de agir.
E se O Ma­go fa­las­se...

“Es­tou no pre­sen­te. Qual­quer ação que eu de­se­je em­preen­der, che­gou a


ho­ra de ini­ciá-la. To­do o meu por­vir es­tá em ger­me nas de­ci­sões que eu
to­mo nes­te ins­tan­te. Fa­ça co­mo eu: ve­ja to­dos os mo­men­tos em que vo-­
cê não é vo­cê mes­mo, em que vo­cê não vi­ve o aqui e o ago­ra, que é o
mo­men­to da eter­ni­da­de e lu­gar do in­fi­ni­to. O que vo­cê es­tá es­pe­ran­do?
Des­fa­ça-se des­ses far­dos inú­teis que são os res­tos do pas­sa­do e o te­mor
do fu­tu­ro. Eu en­car­no a ener­gia que cha­ma­mos de Cons­ciên­cia. Eu es-­
tou ab­so­lu­ta­men­te pre­sen­te aqui, nes­te cor­po, en­tre ou­tros cor­pos, em
um es­pa­ço e um tem­po da­dos.
“Eu não es­tou se­pa­ra­do do que me ro­deia. Eu sou cons­ci­en­te da
mul­ti­pli­ci­da­de as­som­bro­sa de tu­do o que exis­te. Eu con­vi­do a to­dos a
vi­ve­rem co­mi­go es­se in­ven­tá­rio. Se­jam cons­ci­en­tes de to­dos os es­pa-­
ços, de to­da a ma­té­ria: ár­vo­res, pla­ne­tas, ga­lá­xias, áto­mos, cé­lu­las. Se eu
sou cons­ci­en­te, não sou ape­nas um es­píri­to li­mi­ta­do em uma for­ma da-­
da, eu me tor­no a to­ta­li­da­de da obra di­vi­na.
“Co­mo ser cons­ci­en­te? É sim­ples: em vo­cê, não de­ve exis­tir pas­sa-­
do, nem fu­tu­ro, na­da além de um mo­men­to: o mo­men­to cósmi­co. É pre-­
ci­so cor­tar de uma vez por to­das os des­vi­os do ego, as ve­lhas fe­ri­das. É
pre­ci­so se des­pren­der de to­dos os pla­nos, de to­do so­fri­men­to, de to­da
pro­gra­ma­ção. É en­tão que se che­ga à luz da Cons­ciên­cia. Se vo­cê es­tá
vi­vo, pa­ra vo­cê, no ins­tan­te, a mor­te não exis­te. Vo­cê so­freu per­das no
pas­sa­do e tal­vez so­fra ou­tras no fu­tu­ro, mas aqui e ago­ra, não há na­da
per­di­do. Tal­vez vo­cê as­pi­re a se aper­fei­ço­ar, a me­lho­rar sua vi­da, mas
no mo­men­to não há as­pi­ra­ções. Vo­cê es­tá aí, com to­do o seu po­ten­ci­al.
“Eu, O Ma­go, fi­co nes­se cru­za­men­to da eter­ni­da­de e do in­fi­ni­to que
cha­ma­mos de pre­sen­te. Sou fi­el a tu­do que sou: meu cor­po, mi­nha in­te-­
li­gên­cia, meu co­ra­ção, mi­nha for­ça cri­a­ti­va. Mi­nha me­sa cor de car­ne
tem três pés fin­ca­dos no chão, lan­ço ra­í­zes em meio à di­ver­si­da­de, e, a
par­tir des­se pon­to, eu ajo. Den­tre uma in­fi­ni­da­de de pos­sí­veis, es­co­lho
um, mi­nha mo­e­da dou­ra­da, pon­to de tra­ção que me le­va­rá à to­ta­li­da-­
de.”
En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:
Co­me­ço • Pres­ti­di­gi­ta­dor • Tra­pa­cei­ro • Jo­ga­dor(a) • Há al­go es­con­di­do em­bai­xo
da me­sa • No­va em­prei­ta­da • No­vos es­tu­dos • Re­no­va­ção pro­fis­si­o­nal • Prin­cí­pio
de uma re­la­ção • Me­ni­no, ou me­ni­na mas­cu­li­ni­za­da • Prin­ci­pi­an­te • As­tú­cia • Ha-­
bi­li­da­de • Ar­te de con­ven­cer • Ta­len­tos múl­ti­plos • Dispõe-se de tu­do o que é ne­ces-­
sá­rio pa­ra agir • Ne­ces­si­da­de de aju­da, de guia • “Que­rer, ou­sar, po­der, obe­de­cer” •
Es­co­lha do que fa­zer • He­si­ta­ção • Mul­ti­pli­ci­da­de dos po­ten­ci­ais • Ani­mus do con-­
su­len­te, ho­mem ou mu­lher • Co­me­ço da bus­ca da sa­be­do­ria • Ini­ci­a­do(a) • Mági-­
co(a) • Es­pi­ri­tu­a­li­za­ção da ma­té­ria...
II A Pa­pi­sa
Ges­ta­ção, acu­mu­la­ção

Pa­la­vras-cha­ve:
Fé • Co­nhe­ci­men­to • Pa­ciên­cia • San­tuá­rio • Fi­de­li­da­de • Pu­re­za • So­li­dão • Si­lên-­
cio • Se­ve­ri­da­de • Ma­tri­ar­ca­do • Ri­gor • Ges­ta­ção • Vir­gin­da­de • Frio • Re­sig­na-­
ção...
A Pa­pi­sa tem o nú­me­ro dois, que, nas nu­me­ro­lo­gi­as cor­ren­tes, é as­so­ci-­
a­do à du­a­li­da­de. Mas no Ta­rot, 2 não é (1 + 1): é um va­lor pu­ro, em si,
que sig­ni­fi­ca acu­mu­la­ção (ver pp. 76 ss.). A Pa­pi­sa in­cu­ba. Pri­mei­ra mu-­
lher dos Ar­ca­nos mai­o­res, ela apa­re­ce en­clau­su­ra­da, sen­ta­da ao la­do de
um ovo tão bran­co quan­to seu ros­to oval. Ela es­tá du­pla­men­te em ges-­
ta­ção, des­se ovo e de si mes­ma.
Sím­bo­lo da pu­re­za to­tal, A Pa­pi­sa re­ve­la em nós a par­te in­tac­ta que
ja­mais foi fe­ri­da ou to­ca­da, es­se tes­te­mu­nho vir­gi­nal que tra­ze­mos
den­tro de nós, às ve­zes sem sa­ber dis­so, e que re­pre­sen­ta, pa­ra ca­da um
de nós, um po­ço de pu­ri­fi­ca­ção e de con­fi­an­ça, uma flo­res­ta vir­gem
inex­plo­ra­da, fon­te de po­ten­ci­a­li­da­des.
O en­cer­ra­men­to den­tro do tem­plo, con­ven­to ou claus­tro, é sim­bo­li-­
za­do pe­la cor­ti­na que pen­de do céu e se en­ro­la pa­ra o in­te­ri­or. A Pa­pi­sa
fre­quen­te­men­te foi vis­ta co­mo uma ini­ci­a­do­ra, uma mági­ca. Mui­tas ve-­
zes ela foi as­si­mi­la­da a du­as gran­des fi­gu­ras míti­cas: a Vir­gem Ma­ria,
ima­cu­la­da con­cep­ção des­ti­na­da a le­var Deus em seu seio, e a deu­sa Ísis,
fon­te mági­ca de to­da fe­cun­di­da­de e de to­da trans­for­ma­ção.
So­bre sua mi­tra, qua­tro pon­tas in­di­cam o nor­te, o sul, o les­te e o
oes­te: si­tu­a­da no cen­tro dos pon­tos car­de­ais, sua cons­ciên­cia es­tá li­ga-­
da à ma­té­ria; a to­ma­da de cons­ciên­cia se efe­tua atra­vés do cor­po. Sua
ti­a­ra sai um pou­co do qua­dro, con­cen­tran­do-se em uma pon­ta la­ran­ja.
A Pa­pi­sa vem em nos­sa di­re­ção, pa­ra fa­lar ao mes­mo tem­po da nos­sa
vi­da ma­te­ri­al e do es­píri­to pu­ro.
A par­tir de um pon­to de vis­ta ne­ga­ti­vo, po­de-se ler sua bran­cu­ra co-­
mo fri­gi­dez, ri­gi­dez nor­ma­ti­va, ob­ses­são da vir­gin­da­de que con­duz à
cas­tra­ção, in­ter­di­ção de vi­ver. Co­mo mu­lher, ela po­de ser uma mãe ne-­
fas­ta que nun­ca dei­xa eclo­dir seu ovo e o in­cu­ba com uma au­to­ri­da­de
gla­ci­al.
O li­vro que ela tem nas mãos a des­ti­na ao es­tu­do e ao co­nhe­ci­men-­
to. Cor de car­ne, ele nos in­di­ca que ela es­tu­da as leis da en­car­na­ção hu-­
ma­na. Po­de­mos tam­bém pen­sar, uma vez que ela não o es­tá len­do, que
o vo­lu­me aber­to é ela mes­ma, es­pe­ran­do que ve­nham de­ci­frá-la, que a
ve­nham des­per­tar. O li­vro re­me­te tam­bém às Sa­gra­das Es­cri­tu­ras: A
Pa­pi­sa acu­mu­la a lin­gua­gem de Deus Pai, a lin­gua­gem vi­va. En­fim, as
de­zes­se­te li­nhas as­si­na­lam seu pa­ren­tes­co com A Es­tre­la: a acu­mu­la-­
ção d’A Pa­pi­sa tem por ho­ri­zon­te a ação do Ar­ca­no XVII. No sen­ti­do
po­si­ti­vo e ini­ci­áti­co, A Pa­pi­sa pre­pa­ra uma eclo­são. Ela es­pe­ra que
Deus ve­nha in­se­mi­ná-la.
As três pe­que­nas cru­zes que or­nam seu pei­to sig­ni­fi­cam que, ape­sar
de en­clau­su­ra­da na ma­té­ria, ela per­ten­ce ao mun­do es­pi­ri­tu­al. Ela re-­
pre­sen­ta o es­píri­to pu­ro que ha­bi­ta em ca­da um de nós e nos cha­ma pa-­
ra uma co­mu­ni­ca­ção com es­sa for­ça di­vi­na in­cor­rup­tí­vel. Fo­ra da ação,
em ple­na re­cep­ção acu­mu­la­ti­va, ela de­pu­ra com in­tran­si­gên­cia tu­do
aqui­lo que po­de­ria bar­rar a vi­bra­ção da ener­gia di­vi­na.
Em uma lei­tu­ra

A Pa­pi­sa se re­fe­re fre­quen­te­men­te a um per­so­na­gem fe­mi­ni­no, a mãe


ou a avó, que trans­mi­tiu ora um ide­al de pu­re­za, ora uma fri­e­za nor­ma-­
ti­va. Ela en­car­na­rá tam­bém a mãe fria, a mu­lher sem se­xu­a­li­da­de, que
en­con­tra sua jus­ti­fi­ca­ti­va em uma mo­ral ou um ide­al re­li­gi­o­so, que não
sa­be ser ter­na. Mas sua exi­gên­cia de pu­re­za po­de nos en­ca­mi­nhar pa­ra
uma mu­lher de uma es­ta­tu­ra es­pi­ri­tu­al, uma sa­cer­do­ti­sa, uma te­ra­peu-­
ta, uma guia fe­mi­ni­na, qual­quer que se­ja sua ida­de. No amor, A Pa­pi­sa
es­tá dis­pos­ta a for­mar um ca­sal fun­da­do so­bre a uni­ão das al­mas.
O li­vro que ela tem nas mãos po­de tam­bém nos ori­en­tar pa­ra as pre-­
o­cu­pa­ções do con­su­len­te li­ga­das ao es­tu­do ou à es­cri­ta: A Pa­pi­sa se tor-­
na, en­tão, um es­cri­tor, um pro­je­to de li­vro ou de qual­quer ou­tra obra, a
ges­ta­ção ne­ces­sá­ria de uma ação, uma atriz que tem que es­tu­dar um
pa­pel, um con­ta­dor ou con­ta­do­ra, uma lei­to­ra as­sí­dua... Ou mes­mo a
Vir­gem Ma­ria em pes­soa.
En­clau­su­ra­da, A Pa­pi­sa evo­ca o iso­la­men­to, a es­pe­ra, uma so­li­dão
es­co­lhi­da ou so­fri­da. Sua cor bran­ca po­de su­ge­rir um de­se­jo de re­ce­ber
ca­lor de uma pai­xão amo­ro­sa, es­pi­ri­tu­al ou cri­a­ti­va. Se­xu­al­men­te, no
me­lhor dos ca­sos, ela vi­ve a su­bli­ma­ção; no pi­or, a frus­tra­ção.
O mis­té­rio d’A Pa­pi­sa tal­vez en­con­tre res­pos­ta em sua ati­tu­de di­an-­
te do ovo que a acom­pa­nha: se ela o in­cu­ba com gran­de exi­gên­cia e ele-­
va­da so­li­dão, de­le po­de sair um deus vi­vo. O ovo de aves­truz na re­li­gi­ão
ca­tóli­ca não é um sím­bo­lo do nas­ci­men­to do Cris­to?
Se A Pa­pi­sa fa­las­se...

“Fiz uma ali­an­ça com es­se mis­té­rio que cha­mo de Deus. Des­de en­tão,
só ve­jo no mun­do ma­te­ri­al Sua ma­ni­fes­ta­ção. Quan­do con­tem­plo mi-­
nha pró­pria car­ne, a ma­dei­ra, a pe­dra, des­cu­bro a ener­gia e a pre­sen­ça
do Cri­a­dor. Ca­da nu­an­ce, ca­da te­ci­do, ca­da va­ri­a­ção da re­a­li­da­de é uma
de Su­as apa­rên­cias que se ma­ni­fes­ta em Sua in­fi­ni­ta va­ri­e­da­de. Vi­vo no
mun­do da ener­gia di­vi­na. Pal­pi­to com to­da ma­té­ria, sob meus pés o
pla­ne­ta in­tei­ro es­tre­me­ce: o pla­ne­ta é tam­bém ma­ni­fes­ta­ção d’Ele, mais
vas­ta. Vi­bro no di­a­pa­são do uni­ver­so, co­mo fo­go, os oce­a­nos, as tem-­
pes­ta­des, as es­tre­las... A ener­gia de to­da a cri­a­ção vem até mim.
“E, no en­tan­to, sou um ser vir­gem. Na­da en­trou em mim além do
im­pen­sá­vel Deus, não co­nhe­ço a im­pu­re­za.
“Só pos­so en­trar em con­ta­to com vo­cê nes­sa di­men­são in­tac­ta e sa-­
cra do seu ser, sua es­sên­cia vir­gi­nal. Se vo­cê vi­er me fa­lar de pai­xão, de
se­xu­a­li­da­de, de emo­ção, não en­ten­de­rei. Es­tou mui­to além de tu­do is-­
so, além de to­da an­gús­tia e até mes­mo da mor­te. Pois se Deus es­tá na
ma­té­ria, es­ta é imor­tal, e já não te­nho ne­nhum me­do, nem de­se­jo al-­
gum.
“Eu lhe con­ce­do en­tão que se una a mim com aqui­lo que há de di­vi-­
no em vo­cê. Se vo­cê se tor­nar co­mo eu, po­de­rá en­trar em mim. Seu so-­
fri­men­to é im­pu­ro, seu pas­sa­do é im­pu­ro, não ve­nha pa­ra mim com o
que es­tá po­lu­í­do, saia des­se es­tá­gio. Por­que a im­pu­re­za é uma ilu­são,
as­sim co­mo a cul­pa­bi­li­da­de. Acei­te o es­plen­dor vir­gi­nal de seu ser!
Exis­te em to­dos os se­res hu­ma­nos um es­ta­do que só se doa a Deus, que
só po­de ser pos­su­í­do por Ele e que es­tá cons­tan­te­men­te em re­la­ção
com Ele. O mes­mo ocor­re com to­do o mun­do vi­vo: em ca­da plan­ta há
um cen­tro in­tac­to. Em to­da lin­gua­gem, o que lhe fa­la é o con­te­ú­do ine-­
fá­vel das pa­la­vras.
“Com­preen­da que na­da é seu, que vo­cê não pos­sui es­se cor­po, es­ses
de­se­jos, es­sas emo­ções, es­ses pen­sa­men­tos. Tu­do is­so é d’Ele, do Des-­
co­nhe­ci­do eter­no e in­fi­ni­to que o ha­bi­ta. En­tre­gue-se a Ele. Re­ce­ba-O.
“Sou im­pi­e­do­sa, exi­jo que vo­cê fa­ça es­se tra­ba­lho e que vo­cê aban-­
do­ne, pa­ra se unir a mim, tu­do o que não é dig­no de se tor­nar o cáli­ce
on­de a di­vin­da­de po­de­rá se alo­jar. Sou co­mo es­ses tem­plos on­de se pra-­
ti­ca o exor­cis­mo, on­de é pre­ci­so ti­rar os sa­pa­tos pa­ra en­trar, on­de se
pu­ri­fi­ca o ar com in­cen­sos, on­de se la­va os cren­tes com água ben­ta
“Em uni­ão com a po­tên­cia que per­ce­bo em tu­do, mi­nhas fra­que­zas
e mi­nhas dúvi­das se apa­gam. Ha­bi­to meu cor­po co­mo um lu­gar sa­gra-­
do, pos­so a ca­da ins­tan­te me dar o lu­gar que me cor­res­pon­de. Es­tou
imer­sa em mi­nha obra e nin­guém me faz des­vi­ar. Nin­guém po­de me
pren­der ou me su­jei­tar com seus sen­ti­men­tos, seus de­se­jos, su­as pro­je-­
ções men­tais. Na­da me dis­trai. Na­da po­de me fa­zer des­vi­ar do que que-­
ro. Quan­to a mim mes­ma, não que­ro na­da, obe­de­ço à Von­ta­de di­vi­na.
“Não sou in­dul­gen­te, sou in­fle­xí­vel. Não de­te­nho ne­nhum se­gre­do,
pois sou va­zia. Eu me dou a Deus, que é o úni­co se­gre­do.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Acu­mu­la­ção • Pre­pa­ra­ção • Es­tu­do • Vir­gin­da­de • Es­cri­tu­ra de um li­vro • Con­ta­bi-­
li­da­de • Es­pe­ra • Cons­tân­cia • Re­ti­ro • Mu­lher fria • Per­dão • Atriz apren­den­do
seu pa­pel • Mon­ja • Mãe se­ve­ra • Obs­ti­na­ção • Pe­so da re­li­gi­ão • Iso­la­men­to • Fri-­
gi­dez • Pes­soa de gran­de qua­li­da­de mo­ral • Edu­ca­ção es­tri­ta • Ges­ta­ção • Ne­ces­si-­
da­de de ca­lor • Ide­al de pu­re­za • So­li­dão • Si­lên­cio • Me­di­ta­ção • Sa­be­do­ria no fe-­
mi­ni­no • Fi­gu­ra ca­ris­máti­ca fe­mi­ni­na • A Vir­gem Ma­ria • Lei­tu­ra de tex­tos sa­gra-­
dos...
III A Im­pe­ra­triz
Ex­plo­são cri­a­ti­va, ex­pres­são

Pa­la­vras-cha­ve:
Fe­cun­di­da­de • Cri­a­ti­vi­da­de • Se­du­ção • De­se­jo • Po­der • Sen­ti­men­tos • Ide­a­lis­mo •
Na­tu­re­za • Ele­gân­cia • Abun­dân­cia • Co­lhei­ta • Be­le­za • Eclo­são • Ado­les­cên­cia...
A Im­pe­ra­triz, co­mo to­das as car­tas do grau 3 do Ta­rot, sig­ni­fi­ca uma
ex­plo­são sem ex­pe­riên­cia (ver es­pe­ci­al­men­te pp. 76, 78, 82, 94).
Tu­do aqui­lo que es­ta­va acu­mu­la­do no grau 2 ex­plo­de de mo­do ful-­
mi­nan­te, sem sa­ber aon­de ir. É a pas­sa­gem da vir­gin­da­de à cri­a­ti­vi­da­de,
é o ovo que se abre à vi­da e dei­xa sair a cria. Nes­se sen­ti­do, A Im­pe­ra-­
triz re­me­te à ener­gia da ado­les­cên­cia, com sua for­ça vi­tal ex­tre­ma, sua
se­du­ção, sua fal­ta de ex­pe­riên­cia. É tam­bém um pe­rí­o­do da vi­da on­de
es­ta­mos em ple­no cres­ci­men­to, on­de o cor­po tem um po­ten­ci­al de re-­
ge­ne­ra­ção ex­cep­ci­o­nal. É tam­bém a ida­de da pu­ber­da­de, a des­co­ber­ta
do de­se­jo e da po­tên­cia se­xu­al
A Im­pe­ra­triz se­gu­ra seu ce­tro, ele­men­to de po­der, apoi­a­do na re­gi-­
ão do se­xo. Sob sua mão, ve­mos bro­tar uma fo­lhi­nha ver­de: ela po­de­ria
re­pre­sen­tar a na­tu­ra na­tu­rans, uma pri­ma­ve­ra per­pé­tua. A man­chi­nha
ama­re­la que fe­cha o ca­bo do ce­tro in­di­ca que seu po­der cri­a­ti­vo se
exer­ce com gran­de in­te­li­gên­cia. Com as per­nas aber­tas, mui­to à von­ta-­
de na pró­pria car­ne, po­de­rí­a­mos vê-la em po­si­ção de par­to, co­mo se
de­pois de um pro­ces­so de ges­ta­ção ela des­se à luz a si mes­ma. Ao seu
la­do, à di­rei­ta da car­ta, des­co­bri­mos uma pia ba­tis­mal: ela es­tá dis­pos­ta
a ba­ti­zar ou a ser ba­ti­za­da, ce­le­bran­do in­ces­san­te­men­te a vi­da co­mo
um nas­ci­men­to sem­pre re­no­va­do. A lua cres­cen­te que se de­se­nha em
seu ves­ti­do ver­me­lho re­me­te à re­cep­ti­vi­da­de d’A Pa­pi­sa. Ela nos lem-­
bra, as­sim, que a ori­gem de nos­sa for­ça se­xu­al e cri­a­ti­va não es­tá em
nós mes­mos, mas que se tra­ta de uma ener­gia cósmi­ca ou di­vi­na que
nos atra­ves­sa. Sua re­cep­ti­vi­da­de a es­sa po­tên­cia é sim­bo­li­za­da pe­lo tro-­
no azul-cla­ro que pas­sa por trás de seus om­bros co­mo um par de asas
ce­les­ti­ais. É nes­sa re­cep­ti­vi­da­de que A Im­pe­ra­triz co­lo­ca to­da sua for-­
ça, to­da sua se­du­ção e sua be­le­za.
Seus olhos ver­des são os olhos da na­tu­re­za eter­na, em re­la­ção com
as for­ças ce­les­tes. Ela pos­sui um bra­são on­de re­co­nhe­ce­mos uma águia
ain­da em for­ma­ção (uma das asas ain­da não es­tá ter­mi­na­da). Ve­re­mos,
ao es­tu­dar o Ar­ca­no II­II, que a águia d’A Im­pe­ra­triz é uma águia ma-­
cho, en­quan­to a d’O Im­pe­ra­dor é uma fê­mea (ver p. 163); ela por­ta em
si um ele­men­to de mas­cu­li­ni­da­de. Da mes­ma ma­nei­ra, no­ta­mos em seu
pes­co­ço um po­mo de Adão bas­tan­te vi­ril: is­so in­di­ca que no co­ra­ção da
mai­or fe­mi­ni­li­da­de há um núc­leo mas­cu­li­no. É o pon­to Yang den­tro do
Yin do Tao, as­sim co­mo no cen­tro da mais for­te mas­cu­li­ni­da­de en­con-­
tra­mos um núc­leo fe­mi­ni­no.
Em seu pei­to bri­lha uma pi­râ­mi­de ama­re­la com uma es­pécie de
por­ta. Ela nos ofe­re­ce uma en­tra­da: se pe­ne­trar­mos na luz in­te­li­gen­te
do co­ra­ção d’A Im­pe­ra­triz, po­de­re­mos exer­cer nos­so po­der cri­a­dor. Em
sua co­roa, ver­da­dei­ra cai­xa de joi­as que sim­bo­li­za a be­le­za da cri­a­ti­vi-­
da­de men­tal, dis­cer­ni­mos uma gran­de ati­vi­da­de in­te­li­gen­te (a fai­xa
ver­me­lha) que es­cor­re pa­ra o ama­re­lo de seus ca­be­los.
Aos pés d’A Im­pe­ra­triz, des­co­bri­mos uma ser­pen­te bran­ca que sim-­
bo­li­za a ener­gia se­xu­al do­mi­na­da e ca­na­li­za­da, pres­tes a se ele­var ru­mo
à re­a­li­za­ção. O pi­so pa­vi­men­ta­do de co­res evo­ca um pa­lá­cio, mas ali
tam­bém cres­ce uma plan­ta exu­be­ran­te: não se tra­ta de um am­bi­en­te
iner­te, mas cons­tan­te­men­te en­ri­que­ci­do por no­vos apor­tes, e a na­tu­re-­
za tem aí um lo­cal de es­co­lha.
A Im­pe­ra­triz usa um tra­je ver­me­lho, ati­vo no cen­tro, mas azul nas
ex­tre­mi­da­des. É exa­ta­men­te o in­ver­so d’A Pa­pi­sa, com seu tra­je frio e
azul no cen­tro, e ver­me­lho por fo­ra. A Pa­pi­sa nos cha­ma, mas quan­do
en­tra­mos ne­la, tal­vez se­ja­mos con­ge­la­dos e ani­qui­la­dos se não sou­ber-­
mos tra­tá-la. A Im­pe­ra­triz, por sua vez, ar­de in­ter­na­men­te, mas por fo-­
ra se re­ves­te de fri­e­za. Pa­ra en­trar ne­la, se­rá pre­ci­so se­du­zi-la, al­go que
não é mui­to fácil fa­zer. Mas, uma vez su­pe­ra­das as de­fe­sas, so­mos re­ce-­
bi­dos no fo­go cri­a­ti­vo.
Em uma lei­tu­ra

A Im­pe­ra­triz evo­ca­rá a cri­a­ti­vi­da­de, a par­te fe­mi­ni­na do ser, ou ain­da


uma mu­lher cheia de fo­go e de ener­gia, ani­ma­da por um fer­vor bor­bu-­
lhan­te. Ela es­tá dis­pos­ta a su­pe­rar os li­mi­tes, a “exul­tar”, qual­quer que
se­ja sua ida­de. É a al­ma da ado­les­cên­cia com seu fa­na­tis­mo ale­gre, seu
des­co­nhe­ci­men­to das con­se­quên­cias de seus atos, sua fé na ação pe­la
ação. É tam­bém, pa­ra um con­su­len­te de ida­de ma­du­ra, o re­nas­ci­men­to
de uma ener­gia que ha­ví­a­mos jul­ga­do per­di­da. A Im­pe­ra­triz lem­bra os
so­nhos da ju­ven­tu­de e nos in­ci­ta a re­a­li­zar uma fan­ta­sia, uma se­de ab-­
so­lu­ta que tal­vez ti­vés­se­mos es­que­ci­do.
Pa­ra um ho­mem, es­ta car­ta evo­ca­rá tam­bém tu­do is­so, ou sim­ples-­
men­te uma mu­lher se­du­to­ra que apa­re­ce em sua vi­da.
Em seu es­plen­dor, A Im­pe­ra­triz é tam­bém uma mu­lher de po­der,
ca­lo­ro­sa mas ca­paz de pul­sões do­mi­na­do­ras. Ela ama con­ce­ber e rei­nar.
Vis­ta sob um as­pec­to mais ne­fas­to, A Im­pe­ra­triz po­de in­di­car uma
fal­ta de ação ou, ao con­trá­rio, uma ação ir­re­fle­ti­da. Ela re­me­trá tam-­
bém à es­te­ri­li­da­de, uma ima­gem ne­ga­ti­va da mu­lher, a uma ener­gia do
fe­mi­ni­no (se­xu­al, cri­a­ti­va, in­te­lec­tu­al, afe­ti­va...) que foi blo­que­a­da no
mo­men­to da ado­les­cên­cia. A mão pou­sa­da so­bre o es­cu­do é am­bí­gua:
po­de­mos aí ver um ele­men­to ex­te­ri­or que to­mou pos­se des­sa mu­lher,
que de­se­jou en­cer­rá-la ou re­du­zi-la. Frus­tra­da, abu­sa­da, li­mi­ta­da em
sua ex­pres­são, A Im­pe­ra­triz é en­tão ca­paz de amar­gu­ra, mal­da­de, ve­na-­
li­da­de...
Mas quan­do en­tro­ni­za­da no ápi­ce de sua po­tên­cia na­tu­ran­te, pro-­
du­ti­va, apren­de­mos que tu­do aqui­lo que é vi­vo po­de ser vis­to em sua
be­le­za.
E se A Im­pe­ra­triz fa­las­se...

“Sou a cri­a­ti­vi­da­de sem fi­na­li­da­de pre­ci­sa. Sou uma ex­plo­são em uma


in­fi­ni­da­de de for­mas. Sou eu, de­pois do in­ver­no, quem co­lo­re de ver­de
a Ter­ra in­tei­ra. Sou eu quem en­che o céu de pás­sa­ros, os oce­a­nos de
pei­xes. Quan­do di­go ‘cri­ar’, es­tou fa­lan­do em trans­for­mar: sou eu quem
fa­ço com que se abra a se­men­te e bro­te o ger­me. Se co­me­ço a ge­rar fi-­
lhos, pos­so dar à luz a hu­ma­ni­da­de in­tei­ra. E em se tra­tan­do de dar fru-­
tos, pro­du­zo to­dos os fru­tos da na­tu­re­za. Meu es­píri­to não des­can­sa:
uma pa­la­vra, um gri­to e eu dou à luz um mun­do in­tei­ro... Sou o es­píri­to
cri­a­ti­vo. Es­cu­te-me e dei­xe-me agir em vo­cê, pois eu lhe tra­go a cu­ra:
to­do pro­ble­ma, to­do so­fri­men­to vem de um eu con­ge­la­do pe­la in­ca­pa-­
ci­da­de de cri­ar.
“Sou a ati­vi­da­de, a se­du­ção, o pra­zer. Não há na­da em mim que não
se­ja be­lo. Não há des­va­lo­ri­za­ção: eu sou aqui­lo que sou, sem­pre ple­na e
vi­va. Quan­do en­car­no em um cor­po, ele se tor­na su­bli­me. Na­da nem
nin­guém po­de re­sis­tir a mim, eu sou a se­du­ção es­pi­ri­tu­al, car­nal, to­tal.
Em mim, não há na­da re­pul­si­vo, nem ri­dí­cu­lo, nem feio.
“Dei­xe-me exul­tar em vo­cê: sou o pra­zer de ser o que vo­cê é, sem
pre­con­cei­tos e sem mo­ral. Vo­cê é bo­ni­to! Vo­cês é bo­ni­ta! A fei­ú­ra é ilu-­
são, li­mi­te im­pos­to por um olhar do­en­te. Tu­do que vi­ve é ado­rá­vel. Eu
en­si­no que to­das as su­as idei­as são be­las. Mes­mo seus pen­sa­men­tos
mais atro­zes, mais cri­mi­no­sos, mais bai­xos, vo­cê os po­de con­si­de­rar em
seu es­plen­dor. A abun­dân­cia do pen­sa­men­to é per­mi­ti­da. Dei­xe-os bri-­
lhar co­mo es­tre­las efê­me­ras no fir­ma­men­to do seu es­píri­to: na­da lhe
obri­ga a co­lo­cá-los em práti­ca. Dei­xe-os pas­sar en­quan­to for­mas fan-­
tásti­cas.
“Seus sen­ti­men­tos tam­bém são ma­ra­vi­lho­sos. To­dos, sem ex­ce­ção.
Que be­lo ci­ú­me! Que có­le­ra po­de­ro­sa! Que tris­te­za ma­ra­vi­lho­sa! Não
fi­que fe­cha­do em sua for­ta­le­za! Fa­ça de­la um tem­plo de por­tas e ja­ne-­
las aber­tas: to­das as emo­ções es­tão à sua dis­po­si­ção, co­mo um ar­co-íris
de ma­ti­zes.
“To­dos os seus de­se­jos são res­pei­tá­veis. Dei­xe-se atra­ves­sar pe­lo
de­se­jo. Tu­do em seu cor­po é har­mo­ni­o­so. A me­nor cé­lu­la é um mun­do.
A vi­da é um mi­la­gre cons­tan­te.
“Se vo­cê ado­tar mi­nhas idei­as, vo­cê se tor­na­rá um ser lu­mi­no­so. Se
vo­cê acre­di­tar nos meus sen­ti­men­tos, vo­cê atin­gi­rá a gra­ça. Ca­da sen-­
sa­ção que vo­cê ti­ver é um ca­mi­nho pa­ra a be­le­za. Es­te­ja se­gu­ro do seu
po­der de se­du­ção. Quan­do a Vir­gem se­du­ziu o Cri­a­dor, eu es­ta­va lá. Se
ela não ti­ves­se me co­nhe­ci­do, não te­ria con­se­gui­do atraí-lo. A se­du­ção
é um es­ta­do místi­co, é o di­á­lo­go amo­ro­so da cri­a­tu­ra com seu cri­a­dor.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Mu­lher bo­ni­ta • Fer­ti­li­da­de • Ama • Mãe ca­lo­ro­sa • Se­du­to­ra • Cri­a­ti­vi­da­de • Ado-­
les­cên­cia • Fe­cun­di­da­de • En­can­to • Co­que­te­ria • Mu­lher de ne­gó­cios • Pros­ti­tu­ta •
Aman­te • Ar­tis­ta • Pro­du­ção • Be­le­za • Abun­dân­cia • Ação cri­a­ti­va ir­ra­ci­o­nal, que
não sa­be aon­de vai • Ebu­li­ção • A pul­são vi­tal co­mo mo­tor de cres­ci­mi­en­to...
II­II O Im­pe­ra­dor

Es­ta­bi­li­da­de e do­mí­nio do mun­do ma­te­ri­al

Pa­la­vras-cha­ve:
Es­ta­bi­li­da­de • Do­mi­na­ção • Po­der • Res­pon­sa­bi­li­da­de • Ra­ci­o­na­lis­mo • Apoio •
Go­ver­no • Ma­té­ria • So­li­dez • Che­fe • Equi­lí­brio • Or­dem • Po­tên­cia - Pai...
O Im­pe­ra­dor tem o nú­me­ro qua­tro, as­so­ci­a­do à es­ta­bi­li­da­de co­mo a fi-­
gu­ra do qua­dra­do, sím­bo­lo por ex­ce­lên­cia da se­gu­ran­ça ma­te­ri­al. Os
qua­tro pés da me­sa, o al­tar da igre­ja, es­tão as­so­ci­a­dos ao 4. Um 4 não
po­de cair, ex­ce­to por uma gran­de re­vo­lu­ção. O 4 é tam­bém o te­tra­gra-­
ma, qua­tro le­tras que compõem o no­me di­vi­no sa­gra­do pa­ra os he-­
breus: Yod, He, Vav, He. So­bre o pei­to d’O Im­pe­ra­dor, des­co­bri­mos uma
cruz de qua­tro bra­ços. Com ele, as leis do uni­ver­so es­tão bem es­ta­be­le-­
ci­das.
A res­tau­ra­ção do Ta­rot per­mi­tiu re­des­co­brir que a águia d’O Im­pe-­
ra­dor in­cu­ba um ovo. Es­se de­ta­lhe, que fi­ca­ra apa­ga­do du­ran­te sé­cu­los,
é fun­da­men­tal pa­ra com­preen­der o Ar­ca­no II­II: as­sim co­mo A Im­pe­ra-­
triz, fe­mi­ni­na, con­tém um núc­leo mas­cu­li­no (ver p. 157), O Im­pe­ra­dor
es­tá acom­pa­nha­do por uma águia re­cep­ti­va, em ple­na in­cu­ba­ção, co­mo
o ovo d’A Pa­pi­sa. Ele ab­sor­ve sua po­tên­cia ou se apoia so­bre ela? A in-­
ter­pre­ta­ção va­ri­a­rá con­for­me a lei­tu­ra.
O per­so­na­gem po­de ser vis­to sen­ta­do, es­tá­vel, ou, ao con­trá­rio, já de
pé e apoi­a­do no tro­no, pron­to pa­ra agir se as­sim o de­se­jar: é a for­ça em
re­pou­so. Ele não sen­te ne­nhu­ma ne­ces­si­da­de de se agi­tar, já que es­tá
es­ta­be­le­ci­do na con­so­li­da­ção de sua au­to­ri­da­de. Já não lhe é ne­ces­sá­rio
mais ne­nhum es­for­ço. Su­as per­nas cru­za­das de­se­nham um qua­dra­do
bran­co que con­fir­ma seu ar­rai­ga­men­to na ma­té­ria.
Ob­ser­va­mos tam­bém que sua mão es­quer­da é me­nor que a di­rei­ta.
Pas­si­va, re­cep­ti­va, ela es­tá se­gu­ran­do a cin­ta, que é du­pla co­mo a d’O
Ma­go. Mas O Im­pe­ra­dor já es­tá em vi­as de re­a­li­zar a uni­ão dos con­trá-­
rios agin­do so­bre sua pró­pria von­ta­de. Sua re­a­li­da­de lhe obe­de­ce, ele é
se­nhor de seu ter­ri­tó­rio, de seu cor­po, de seu in­te­lec­to e de su­as pai-­
xões. Na mão di­rei­ta, gran­de e ati­va, ele se­gu­ra fir­me­men­te um ce­tro
que lem­bra por sua for­ma o d’A Im­pe­ra­triz, mas o de­la, com o ca­bo la-­
ran­ja, age na som­bra, en­quan­to o d’O Im­pe­ra­dor ope­ra em ple­na luz.
Ele não exer­ce seu po­der a par­tir de seu ven­tre, mas se apoia nas leis
cósmi­cas e faz com que se­jam se­gui­das. Ele não tem ne­ces­si­da­de de ne-­
nhum apoio pa­ra seu ce­tro, ele ex­trai sua for­ça do ei­xo uni­ver­sal. Co­mo
as Rai­nhas dos Trun­fos (ou Fi­gu­ras) dos Ar­ca­nos me­no­res (ver pp. 68,
359), ele olha fi­xa­men­te pa­ra o ob­je­to de seu po­der.
Seus pés cal­ça­dos de ver­me­lho lem­bram os d’O Lou­co. Eles ago­ra
es­tão pa­ra­dos, mas só ca­mi­nha­ri­am, tam­bém eles, so­bre um ca­mi­nho
es­pi­ri­tu­al (o chão azul-ce­les­te). Seu tro­no bas­tan­te en­ta­lha­do in­di­ca o
re­fi­na­men­to de seu es­píri­to. Aí re­co­nhe­ce­mos, aci­ma de seu om­bro es-­
quer­do, o sím­bo­lo do ou­ro, do co­nhe­ci­men­to. Sua ca­be­ça es­tá co­ro­a­da
de in­te­li­gên­cia (o ama­re­lo da co­pa da co­roa so­bre a qual dis­cer­ni­mos
um com­pas­so la­ran­ja) e ir­ra­dia co­mo um sol com su­as pon­tas ver­me-­
lhas. Sua bar­ba e seu ca­be­lo azuil­ce­les­te ma­ni­fes­tam sua ex­pe­riên­cia
es­pi­ri­tu­al: o po­der que ele exer­ce não é ape­nas ma­te­ri­al, a bem di­zer,
po­de­mos dis­tin­guir no con­jun­to dos bra­ços e da co­roa uma fi­gu­ra tri-­
an­gu­lar, sím­bo­lo do es­píri­to, por ci­ma do qua­dra­do ma­te­ri­al de­se­nha­do
pe­las per­nas.
As ru­gas de seu pes­co­ço for­mam a le­tra “E”, que po­de­mos tam­bém
ler co­mo um “M” ver­ti­cal. O cír­cu­lo bran­co que se ani­nha en­tre o pes-­
co­ço e a bar­ba po­de­ria ser um “O”. Se­gun­do es­sa in­ter­pre­ta­ção, se qui-­
ser­mos, a gar­gan­ta d’O Im­pe­ra­dor es­ta­ria cheia pe­la sí­la­ba sa­gra­da
“Om” do sâns­cri­to.
O Im­pe­ra­dor ves­te ao re­dor do pes­co­ço um co­lar ama­re­lo fei­to de
es­pi­gas de tri­go, sig­no de su­as in­ten­ções pu­ri­fi­ca­das, de on­de pen­de um
me­da­lhão or­na­do por uma cruz ver­de que une o es­pa­ço ho­ri­zon­tal e o
tem­po ver­ti­cal. Ele es­tá com­ple­ta­men­te cen­tra­do aqui, no pre­sen­te. É
sua ma­nei­ra de ser ati­vo.
Em uma lei­tu­ra

O Im­pe­ra­dor re­pre­sen­ta­rá fre­quen­te­men­te a fi­gu­ra do pai co­mo ele-­


men­to cen­tral da cons­ti­tui­ção da per­so­na­li­da­de. A di­re­ção de seu olhar
po­de nos ori­en­tar so­bre os cen­tros de in­te­res­se do pai: em di­re­ção à fa-­
mí­lia ou ao ex­te­ri­or? Em di­re­ção à fi­lha, à es­po­sa, ao fi­lho? Em di­re­ção
aos pró­prios pais? Bem co­lo­ca­do, O Im­pe­ra­dor evo­ca uma com­pa­nhia
es­tá­vel e pro­te­to­ra, um lar equi­li­bra­do. Pa­ra um ho­mem jo­vem, ele po-­
de­rá tam­bém co­lo­car a ques­tão da mas­cu­li­ni­da­de: co­mo is­so foi trans-­
mi­ti­do pe­lo pai, quais são os mei­os de se re­a­li­zar co­mo ho­mem na re­a­li-­
da­de.
As ques­tões de di­nhei­ro, de es­ta­bi­li­da­de eco­nô­mi­ca são igual­men­te
li­ga­das a es­ta car­ta. Ela re­me­te à pos­si­bi­li­da­de de nos tor­nar­mos se-­
nho­res (se­nho­ras) da vi­da ma­te­ri­al, de to­mar nas pró­prias mãos os mei-­
os pe­los quais se po­de ga­ran­tir a pró­pria se­gu­ran­ça.
Quan­do apa­re­ce em uma ti­ra­gem ori­en­ta­da pa­ra ques­tões es­pi­ri­tu-­
ais, O Im­pe­ra­dor po­de­rá re­me­ter à fi­gu­ra pa­tri­ar­cal de Deus con­ce­bi­do
co­mo pai, mas tam­bém às re­la­ções que o es­píri­to “qua­dra­do”, ra­ci­o­nal,
tem com as di­men­sões que o ul­tra­pas­sam.
Fi­gu­ra da po­tên­cia ter­res­tre, O Im­pe­ra­dor se apre­sen­ta de per­fil.
Tal­vez seu olhar se­ja tão in­ten­so que po­de­ria nos de­sin­te­grar...
E se O Im­pe­ra­dor fa­las­se...

“Sou a se­gu­ran­ça. Sou a pró­pria for­ça em si. Quan­do fa­lo em vo­cê, dou-
lhe a en­ten­der que não exis­te fra­que­za. En­quan­to ain­da não me ha­via
per­ce­bi­do, vo­cê só co­nhe­cia a in­se­gu­ran­ça. Vo­cê não ti­nha o po­der de
fa­zer, de se ex­pres­sar, de se opor: vo­cê era uma víti­ma. Mas co­mi­go o
seu me­do ces­sa. Vo­cê pa­ra de du­vi­dar e de se des­va­lo­ri­zar. Nin­guém
po­de­rá obri­gá-lo a fa­zer o que vo­cê não qui­ser fa­zer.
“Mi­nhas leis são as leis do uni­ver­so em ação. Quan­do a pes­soa não
se opõe a elas, elas são in­fi­ni­ta­men­te pa­cífi­cas. Mas quan­do al­guém as
de­so­be­de­ce, elas são ter­rí­veis. Sou ca­paz de de­sen­ca­de­ar em vo­cê a do-­
en­ça, o in­far­to, os tu­mo­res, a cir­ro­se. Se vo­cê não obe­de­cer às leis que
or­de­no, eu pos­so des­truir. Te­nho di­rei­to de ma­tar. Mas se vo­cê es­tá do-­
en­te e eu ha­bi­tá-lo, fa­rei com que su­pe­re a dor e as di­fi­cul­da­des, dis­sol-­
ve­rei os obs­tá­cu­los. Sou a saú­de es­con­di­da em um cor­po que so­fre.
“Sou in­ven­cí­vel. Não me de­mo­ro nos con­fli­tos: eu fa­ço a guer­ra. Ja-­
mais me con­si­de­ro der­ro­ta­do. Sou a cer­te­za. Nin­guém po­de me des­tro-­
nar.
“Sou um ei­xo, or­de­no tu­do ao re­dor das mi­nhas leis. Fa­ço rei­nar a
or­dem de to­das as ma­nei­ras, da mais do­ce à mais fe­roz. Quan­do o ha­bi-­
to e vo­cê en­con­tra ou­tro Im­pe­ra­dor, uni­mos nos­sas for­ças. Não há
com­pe­ti­ção pos­sí­vel, não há com­ba­te en­tre reis. Sou um ar­quéti­po úni-­
co que re­si­de em ca­da um.
“Quan­do me ma­ni­fes­to em seu cor­po, vo­cê fi­ca cheio de equi­lí­brio,
vo­cê é in­ca­paz de tro­pe­çar. Co­mi­go, o cor­po é o cen­tro do uni­ver­so, é
sus­ten­ta­do por uma for­ça imen­sa e ca­paz de fa­zer fren­te a qual­quer
coi­sa. Sou ter­ri­vel­men­te cal­mo. Quan­do me co­lo­co em sua bo­ca, em sua
mus­cu­la­tu­ra, su­as pa­la­vras são exa­tas, vo­cê não es­tre­me­ce. Tu­do se
acal­ma em vo­cê: a vi­da or­gâ­ni­ca, os pen­sa­men­tos, os de­se­jos, o co­ra­ção,
a me­mó­ria, o tem­po e o es­pa­ço.
“Co­lo­que-me no seu pró­prio cen­tro co­mo uma fon­te ines­go­tá­vel,
co­mo a raiz de seu voo fu­tu­ro. En­tão a an­gús­tia não o im­pe­di­rá de vi­ver
nem im­pe­di­rá que vo­cê se re­a­li­ze, a im­po­tên­cia e a pre­gui­ça não te­rão
mais po­der so­bre a sua ação. O me­do da mi­sé­ria não se opo­rá ao seu
tra­ba­lho, vo­cê se­rá ca­paz de cons­truir sua pró­pria pros­pe­ri­da­de. As
tem­pes­ta­des emo­ci­o­nais não o dis­trai­rão da sua obra, a dor e a do­en­ça
não o im­pe­di­rão de sen­tir sua pró­pria for­ça, nin­guém se­rá ca­paz de in-­
ter­rom­per sua con­cen­tra­ção.
“Nem su­as re­ti­cên­cias in­te­lec­tu­ais, nem sua ti­mi­dez, nem sua iden-­
ti­fi­ca­ção com o pa­pel de víti­ma, nem os so­fri­men­tos do pas­sa­do, nem a
má ima­gem que vo­cê tem de si mes­mo o im­pe­di­rão de me en­con­trar,
seu Im­pe­ra­dor. Se uma edu­ca­ção tóxi­ca ou um sis­te­ma de va­lo­res ne-­
fas­tos im­pri­mi­ram em vo­cê fal­sas leis, re­gras inú­teis, afas­te-as! Es­ta­be-­
le­ça su­as pró­prias re­gras, seu sis­te­ma de tra­ba­lho, su­as ações, a par­tir
das leis que eu lhe re­ve­lar. Es­tou aqui, apa­re­ço, e atrás de mim há to­do
um exérci­to – o sol, as es­tre­las, as ga­lá­xias. Eu o pro­te­jo e o exor­to em
di­re­ção à for­ça.
“Sou seu guer­rei­ro in­te­ri­or, aque­le que vê su­as fra­que­zas e não fra-­
que­ja.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Ho­mem de po­der • Ca­pa­ci­da­de de pa­ci­fi­car, de rei­nar, de pro­te­ger • Es­ta­bi­li­da­de •
Equi­lí­brio eco­nô­mi­co • Di­nhei­ro • Ad­mi­nis­tra­ção • Su­ces­so nos ne­gó­cios • Ali­a­do
fi­nan­ci­e­ro • Au­to­ri­da­de • Exer­cí­cio da Lei • Paz • Es­po­so • Ho­mem fran­co • Se­gu-­
ran­ça • Re­ti­dão • Es­píri­to ra­ci­o­nal • Po­tên­cia • Lar es­tá­vel • Ca­sa • Pai po­de­ro­so
ou do­mi­na­dor • Pro­te­tor • Ques­tões re­la­ci­o­na­das à po­tên­cia se­xu­al • Mas­cu­li­ni­da-­
de • Pa­tri­ar­ca­do • Ti­ra­nia • Di­ta­dor • Abu­so de po­der • En­rai­za­men­to na ma­té­ria •
Res­pei­to às leis do uni­ver­so • Equi­lí­brio das ener­gi­as • Deus Pai...
V O Pa­pa
Me­di­a­dor, pon­te, ide­al

Pa­la­vras-cha­ve:
Sa­be­do­ria • Ide­al • Co­mu­ni­ca­ção • En­si­no • Ver­ti­ca­li­da­de • Pro­je­to • Me­di­a­dor •
Fé • Guia • Exem­plo • Pon­te • Ca­sar • Po­der es­pi­ri­tu­al • San­ti­da­de...
O Pa­pa tem o nú­me­ro cin­co. Es­se nú­me­ro evo­lui a par­tir de um as­sen-­
ta­men­to com­ple­to na re­a­li­da­de (o 4) em di­re­ção a um ob­je­ti­vo além de
sua si­tu­a­ção. O Pa­pa dá um pas­so a mais que O Im­pe­ra­dor, es­ta­be­le­ce
uma pon­te que per­mi­te ir até es­se ide­al. Em sua ação de pro­fes­sor ou
de pon­tífi­ce, ele é re­cep­ti­vo pa­ra ci­ma, pa­ra o Céu, e ati­vo pa­ra bai­xo,
pa­ra a Ter­ra. Aqui­lo que ele re­ce­be do al­to, ele trans­mi­te pa­ra o que es-­
tá abai­xo, pa­ra seus dis­cí­pu­los. Da mes­ma ma­nei­ra, ele trans­mi­te as
pre­ces de seus alu­nos à di­vin­da­de, unin­do, as­sim, o Céu com a Ter­ra.
Po­de­rí­a­mos di­zer que ele re­pre­sen­ta o pon­to de en­con­tro dos con­trá-­
rios, o cen­tro da cruz en­tre al­to e bai­xo, es­quer­da e di­rei­ta. Ele é, por-­
tan­to, um lu­gar de cir­cu­la­ção en­tre es­ses di­fe­ren­tes po­los, que atra­vés
de­le po­dem se co­mu­ni­car.
Vis­to po­si­ti­va­men­te, O Pa­pa é um mes­tre, um ini­ci­a­dor, um guia
que nos in­di­ca um ob­je­ti­vo na vi­da. O es­pal­dar de seu tro­no tem bar­ras
ho­ri­zon­tais co­mo uma es­ca­da, po­de­rí­a­mos di­zer que ele une grau por
grau o cor­po com o es­píri­to. Sua cruz de três ní­veis nos in­di­ca que ele
do­mi­nou o mun­do da ma­té­ria, do se­xo, das emo­ções e do in­te­lec­to pa­ra
con­ver­tê-los em uma uni­da­de. Da mes­ma ma­nei­ra, sua ti­a­ra de qua­tro
ní­veis re­pre­sen­ta as qua­tro ins­tân­cias do ser (cor­po, se­xo, co­ra­ção e cé-­
re­bro) que cul­mi­nam em um pon­to úni­co no to­po, pe­que­no cír­cu­lo la-­
ran­ja que to­ca a bor­da da car­ta: a uni­da­de in­te­ri­or.
Co­mo A Pa­pi­sa, O Pa­pa tem co­mo vo­ca­ção en­car­nar a uni­da­de di­vi-­
na e en­si­ná-la na me­di­da do pos­sí­vel. À al­tu­ra da gar­gan­ta, o bro­che
ver­de que pren­de sua ca­pa re­pre­sen­ta um pon­to den­tro de um cír­cu­lo,
sím­bo­lo do ser in­di­vi­du­al que en­cer­ra em seu cen­tro vi­vo um ser es­sen-­
ci­al. É a par­tir des­se prin­cí­pio im­pes­so­al que ele re­ce­be e trans­mi­te seu
en­si­na­men­to. Po­de­mos tam­bém ver aí o imen­so tra­ba­lho de con­cen­tra-­
ção que O Pa­pa pre­ci­sou cum­prir pa­ra se tor­nar o que é.
Ca­da uma de su­as mãos tem uma cruz de­se­nha­da, si­nal de que ele
age de ma­nei­ra sa­gra­da e de­sin­te­res­sa­da. A mão es­quer­da, que se­gu­ra a
cruz, é azul-ce­les­te, co­mo a d’O Ere­mi­ta. Po­de­mos ver aí o si­nal de uma
ex­tre­ma re­cep­ti­vi­da­de es­pi­ri­tu­al na ação e, se in­ter­pre­tar­mos que es­sa
cor é uma lu­va, uma re­fe­rên­cia à tra­di­ção re­li­gi­o­sa cris­tã, na qual a mão
en­lu­va­da do car­de­al não lhe per­ten­ce mais pa­ra se con­ver­ter em me­ro
ins­tru­men­to da von­ta­de di­vi­na. A mão di­rei­ta é cor de car­ne, ela lem­bra
o pa­pel de uni­ão d’O Pa­pa, me­di­a­dor de con­trá­rios. Unin­do o in­di­ca­dor
e o de­do mé­dio (o in­te­lec­to e o co­ra­ção), ele ben­ze o mun­do da en­car-­
na­ção.
Seus ca­be­los bran­cos es­tão im­preg­na­dos de pu­re­za, mas as du­as
pre­si­lhas ver­me­lhas nos in­di­cam que se tra­ta de uma pu­re­za ati­va. Uma
par­te de sua bar­ba é igual­men­te bran­ca, mas ao re­dor da bo­ca ela fi­ca
azul-ce­les­te, co­mo se in­di­cas­se que a pa­la­vra d’O Pa­pa é re­ce­bi­da (o
azul é uma cor re­cep­ti­va, ver pp. 111 ss.). Po­de­rí­a­mos ver aí tam­bém a
mar­ca de um ine­xo­rá­vel si­gi­lo: mes­tre ou pro­fes­sor, sa­cer­do­te ou pro-­
fe­ta, O Pa­pa não po­de trans­mi­tir tu­do, ele guar­da uma par­te se­cre­ta e
in­di­zí­vel na­qui­lo que en­si­na.
Dois dis­cí­pu­los ou acóli­tos o acom­pa­nham. Ob­ser­ve­mos que é a pri-­
mei­ra car­ta da série de­ci­mal on­de en­con­tra­mos mais de um ser hu­ma-­
no. Até aqui os per­so­na­gens es­ta­vam so­zi­nhos ou acom­pa­nha­dos de
ani­mais, sím­bo­los de su­as for­ças ins­tin­ti­vas ou es­pi­ri­tu­ais. Mas O Pa­pa
não exis­ti­ria sem os dis­cí­pu­los que têm fé em seus en­si­na­men­tos. Es­ses
dois acóli­tos re­pre­sen­tam du­as po­si­ções dis­tin­tas. Po­de­mos no­tar que
os mo­vi­men­tos gi­ra­tó­rios de su­as ton­su­ras são um o in­ver­so do ou­tro: o
dis­cí­pu­lo da es­quer­da, com a mão er­gui­da co­mo se su­pli­cas­se, e a ou­tra
mão abai­xa­da, tem uma ton­su­ra que se­gue o mo­vi­men­to dos pon­tei­ros
do re­ló­gio. O Pa­pa não olha em sua di­re­ção. Tal­vez por­que o dis­cí­pu­lo
in­cor­reu em er­ro: o mo­vi­men­to de sua ton­su­ra in­di­ca­ria en­tão uma in-­
vo­lu­ção, a vol­ta pa­ra trás, em re­la­ção à evo­lu­ção do dis­cí­pu­lo da di­rei­ta.
Tal­vez tam­bém por­que ele re­pre­sen­te aqui­lo que se cha­ma, na tra­di­ção
al­quí­mi­ca, de “Via se­ca”, o ca­mi­nho do es­tu­do e do es­for­ço. O dis­cí­pu­lo
da di­rei­ta, ao con­trá­rio, re­ce­be di­re­ta­men­te o en­si­na­men­to d’O Pa­pa
con­for­me a cruz que to­ca o to­po de seu crâ­nio, ele en­car­na a “Via úmi-­
da”, o ca­mi­nho da re­cep­ção ime­di­a­ta, da ilu­mi­na­ção e da re­ve­la­ção. Sua
ton­su­ra vai no sen­ti­do dos pon­tei­ros do re­ló­gio e ele se­gu­ra na mão um
ob­je­to cu­ri­o­so, um pu­nhal ou um bil­bo­quê, so­bre o qual se po­de ter
uma va­ri­e­da­de de in­ter­pre­ta­ções in­fi­ni­tas. Ele tem uma ati­tu­de lúdi­ca?
Es­ta­ria ele dis­pos­to a as­sas­si­nar o mes­tre? Se­ria um fi­lho, mo­vi­do pe­lo
com­ple­xo de Édi­po, pres­tes a cas­trar o pai? (a nu­dez é su­ge­ri­da pe­la
man­cha cor de car­ne que ele tem di­an­te de si)...
Es­sas in­ter­pre­ta­ções nos con­du­zem ao es­tu­do dos as­pec­tos ne­ga­ti-­
vos d’O Pa­pa: do tar­tu­fo ao gu­ru ávi­do por ri­que­zas, pas­san­do pe­lo pai
abu­si­vo, o pro­fes­sor in­jus­to, o hi­pócri­ta, o per­ver­so..., O Pa­pa, co­mo to-­
dos os Ar­ca­nos, tem sua fa­ce som­bria. Po­de­mos nos ques­ti­o­nar so­bre as
for­mas va­gas e mis­te­ri­o­sas que se re­ve­lam nas do­bras abai­xo da cin­tu-­
ra, dis­cu­tir sua se­xu­a­li­da­de, seu apre­ço pe­lo po­der.
Mas tam­bém po­de­mos di­zer que ele trans­mi­te a fé, a fé que ele re-­
ce­beu, à hu­ma­ni­da­de. Con­tra­ri­a­men­te a A Pa­pi­sa, O Pa­pa age no mun-­
do. Po­de­rí­a­mos di­zer que ele se apoia no tem­plo, cu­ja por­ta es­tá fe­cha-
da, pa­ra sair em pú­bli­co e co­mu­ni­car sua ex­pe­riên­cia de Deus às mas-­
sas.
Em uma lei­tu­ra

O Pa­pa po­de re­pre­sen­tar um mes­tre, um guia, um pro­fes­sor, mas tam-­


bém uma fi­gu­ra pa­ter­na ide­a­li­za­da (os acóli­tos sim­bo­li­zan­do os fi­lhos),
um ho­mem ca­sa­do, um san­to. Ele sim­bo­li­za tam­bém um ato de co­mu-­
ni­ca­ção, uma uni­ão, um ca­sa­men­to, e to­dos os mei­os pe­los quais nos
co­mu­ni­ca­mos. En­quan­to pon­te ou pon­tífi­ce, O Pa­pa evo­ca uma co­mu-­
ni­ca­ção di­ri­gi­da, que sa­be pa­ra on­de vai.
De­pois da acu­mu­la­ção d’A Pa­pi­sa, que pre­pa­ra o nas­ci­men­to, da ex-­
plo­são sem ob­je­ti­vo d’A Im­pe­ra­triz, e da es­ta­bi­li­da­de d’O Im­pe­ra­dor, O
Pa­pa apor­ta um ide­al. Em­bo­ra per­ma­ne­ça na ma­té­ria, ele in­di­ca com
cer­te­za um ca­mi­nho pa­ra uma di­men­são ide­al.
E se O Pa­pa fa­las­se...

“Sou an­tes de tu­do me­di­a­dor de mim mes­mo. En­tre mi­nha na­tu­re­za es-­
pi­ri­tu­al su­bli­me e mi­nha hu­ma­ni­da­de mais ins­tin­ti­va, es­co­lhi ser o lu-­
gar on­de a re­la­ção se ope­ra. Es­tou a ser­vi­ço des­sa co­mu­ni­ca­ção en­tre o
bai­xo e o al­to, mi­nha mis­são é unir os apa­ren­tes opos­tos. Uma pon­te
não é uma pá­tria: é ape­nas um lu­gar de pas­sa­gem. Ela per­mi­te a cir­cu-­
la­ção das ener­gi­as cri­a­ti­vas des­se fe­nô­me­no mag­ni­fi­ca­men­te ilu­só­rio
que cha­mam de exis­tên­cia. Não se­rá me iso­lan­do, mas to­man­do to­dos
os ca­mi­nhos, que eu co­mu­ni­ca­rei a boa-no­va.
“En­car­no a bên­ção: di­an­te de mim, vo­cê es­tá na pre­sen­ça do mis­té-­
rio. Ha­bi­ta­do pe­la di­vin­da­de, o me­nor dos meus ges­tos ad­qui­re a dig­ni-­
da­de do sa­gra­do. Pa­ra me tor­nar o lu­gar on­de tran­si­ta a von­ta­de di­vi­na,
apren­di a li­vrar de to­do obs­tá­cu­lo os ca­mi­nhos da mi­nha co­mu­ni­ca­ção,
até mi­nhas pró­prias pe­ga­das. Eu me con­du­zo ao na­da pa­ra que o Ser
su­pre­mo ocu­pe tu­do em mim. Eu me con­du­zo ao mu­tis­mo pa­ra que se-­
ja Ele e Ele ape­nas quem fa­la. Afas­to de mi­nha bo­ca to­da pa­la­vra que
me per­ten­ça, mer­gu­lho meu co­ra­ção na paz e na au­sên­cia de de­se­jos
pa­ra dar lu­gar uni­ca­men­te ao Seu amor e eli­mi­no de mi­nha von­ta­de até
a von­ta­de de eli­mi­nar a von­ta­de.
“Há em mim a mes­ma or­dem que há no uni­ver­so. Sou um na­vio va-­
zio, sem for­ma, que trans­por­ta a luz aon­de o ven­to so­prar. Eu me co­lo-­
co en­tre o céu e a ter­ra, exor­to os ha­bi­tan­tes da es­pe­ran­ça a se ele­va-­
rem pa­ra lá on­de não há li­mi­tes. A tu­do aqui­lo que es­tá ar­rai­ga­do na
ma­té­ria ou no es­píri­to, eu co­mu­ni­co a po­tên­cia su­pe­ri­or que dá vi­da ao
ina­ni­ma­do. É atra­vés de mim que a car­ne so­be até o es­píri­to pa­ra ex-­
plo­dir em um fo­go de ar­ti­fí­cio su­bli­me. É atra­vés de mim que a tro­pa
das ener­gi­as an­ge­li­cais des­ce até a fri­e­za da ma­té­ria pa­ra aí se dis­sol­ver
em on­das de ca­lor aman­te.
“Re­cha­ço to­da mal­di­ção. Ben­di­go o que es­cu­to, o que ve­jo, o que
sin­to. Cha­mo o amor, co­mo um pás­sa­ro de di­men­sões des­me­di­das, pa­ra
que ele pou­se so­bre a pe­que­nez de um co­ra­ção. O que eu fa­ço com as
su­as que­re­las fa­mi­li­a­res, com as su­as pe­nas, com as su­as fe­ri­das? Po-­
nho-as to­das de jo­e­lhos e as fa­ço re­zar. Dei­xe-me vir até vo­cê: ben­ze­rei
to­do o seu mun­do e até os seus pro­ble­mas.
“In­vis­ta su­as ações da mi­nha mis­são, des­per­te di­an­te da for­ça do
sa­gra­do: o me­nor dos seus ges­tos, o me­nor dos seus atos se tor­na­rá sa-­
gra­do. Vo­cê co­nhe­ce­rá o êx­ta­se da­que­le que não fa­la em be­ne­fí­cio pró-­
prio.
“A cruz em mi­nha mão não é um ins­tru­men­to pa­ra dar or­dens. Ela é
o sím­bo­lo da mi­nha ani­qui­la­ção fe­liz. Pa­ci­fi­quei meus de­se­jos, trans-­
for­mei es­sa al­ca­teia de lo­bos fa­min­tos em uma re­vo­a­da de an­do­ri­nhas
que ce­le­bram a au­ro­ra com seus can­tos. Do oce­a­no pro­ce­lo­so que agi­ta-­
va meu co­ra­ção, fiz um la­go de lei­te, cal­mo e do­ce co­mo aque­le que es-­
cor­ria do seio da Vir­gem. Qual­quer um que es­te­ja se­den­to po­de vir be-­
ber do meu es­píri­to. Não re­cu­so na­da a nin­guém. Sou a por­ta que po­de
ser aber­ta por to­das as cha­ves.
“Aque­le que en­tra na mi­nha al­ma po­de avan­çar até o ex­tre­mo li­mi­te
do uni­ver­so, até o fim dos tem­pos: sou a fron­tei­ra fi­nal en­tre as pa­la­vras
e o im­pen­sá­vel.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Mes­tre • Pro­fes­sor • Ho­mem ca­sa­do • Ho­mem es­pi­ri­tu­al • Ca­sa­men­to, uni­ão • Sa-­
cer­do­te • Gu­ru, sin­ce­ro ou fal­so • Tar­tu­fo • Dog­ma re­li­gi­o­so • Uni­ão en­tre Céu e
Ter­ra • Mos­trar o ca­mi­nho • Vín­cu­lo • Do­mí­nio de si mes­mo • Am­pli­tu­de de vi­são •
Emer­gên­cia de um no­vo ide­al • To­dos os mei­os de co­mu­ni­ca­ção • In­ter­me­diá­rio •
De­se­jo de co­mu­ni­car • No­va co­mu­ni­ca­ção • Re­ve­la­ção dos se­gre­dos • O pai di­an­te
dos fi­lhos • Guia es­pi­ri­tu­al • Bên­ção • Ques­ti­o­na­men­to so­bre a fé e o dog­ma...
VI O Na­mo­ra­do
Uni­ão, vi­da emo­ci­o­nal

Pa­la­vras-cha­ve:
Eros • Co­ra­ção • Uni­ão • Es­co­lha • Âm­bi­to emo­ci­o­nal • Con­fli­to • Am­bi­gui­da­de •
Tri­ân­gu­lo amo­ro­so • Vi­da so­ci­al • Co­mu­ni­da­de • Ir­mãos • Fa­zer aqui­lo de que se
gos­ta...
O no­me des­ta car­ta não é, co­mo às ve­zes di­zem, Os Na­mo­ra­dos, mas O
Na­mo­ra­do, no sin­gu­lar. No en­tan­to, ve­mos aí di­ver­sos per­so­na­gens:
qua­tro de for­ma hu­ma­na (três pes­so­as e um an­jo) e, se re­pa­rar­mos
bem, du­as en­ti­da­des que são a ter­ra e o sol. En­tre eles, quem é O Na­mo-­
ra­do? O per­so­na­gem cen­tral, fre­quen­te­men­te in­ter­pre­ta­do co­mo um
ra­paz jo­vem? O per­so­na­gem da es­quer­da, no qual al­guns lei­to­res vêem
um tra­ves­ti? Ou ain­da o an­jo, es­se pe­que­no Cu­pi­do que apon­ta sua fle-­
xa a par­tir do céu? Es­sas ques­tões se co­lo­cam, pois o Ar­ca­no VI é pro-­
va­vel­men­te, as­sim co­mo A Tor­re, uma das car­tas mais am­bí­guas do Ta-
rot, e uma das que pi­or fo­ram com­preen­di­das. O VI re­pre­sen­ta, na nu-­
me­ro­lo­gia do Ta­rot, o pri­mei­ro pas­so no qua­dra­do Céu (ver pp. 76, 79,
80). É o mo­men­to em que ces­sa­mos de ima­gi­nar o que nos agra­da­ria
pa­ra co­me­çar a fa­zer aqui­lo que gos­ta­mos.
A to­na­li­da­de mai­or des­ta car­ta es­tá as­so­ci­a­da ao pra­zer, à vi­da emo-­
ci­o­nal. Es­se é jus­ta­men­te o mo­ti­vo pe­lo qual ela é tão com­ple­xa, tão ri-­
ca em sig­ni­fi­ca­dos con­tra­di­tó­rios. Ela abre o cam­po pa­ra inú­me­ras pro-­
je­ções, po­de­mos lhe atri­buir mi­lha­res de in­ter­pre­ta­ções que se­rão to-­
das cor­re­tas em de­ter­mi­na­do mo­men­to. O que es­tá acon­te­cen­do no
cer­ne des­te trio? Se­ria uma bri­ga, uma ne­go­ci­a­ção, uma es­co­lha, uma
uni­ão? Os dois per­so­na­gens da es­quer­da es­tão se en­tre­o­lhan­do en­quan-­
to o da di­rei­ta olha pa­ra o va­zio. A hu­ma­ni­da­de in­tei­ra po­de ser com-­
preen­di­da atra­vés des­ta car­ta. As re­la­ções en­tre os pro­ta­go­nis­tas são
ex­tre­ma­men­te am­bi­va­len­tes.
A po­si­ção das mãos dos per­so­na­gens é par­ti­cu­lar­men­te in­te­res­san­te
de se ob­ser­var. Cin­co mãos em po­si­ções di­ver­sas sim­bo­li­zam a com­ple-­
xi­da­de das re­la­ções em jo­go. O pri­mei­ro per­so­na­gem, à es­quer­da da
car­ta, co­lo­ca a mão es­quer­da no om­bro do se­gun­do, em um ges­to de
pro­te­ção ou de do­mi­na­ção, pa­ra em­pur­rá-lo ou de­tê-lo. Sua mão di­rei­ta
to­ca a bai­nha do tra­je do ra­pa­zi­nho. Po­de-se in­ter­pre­tar o mo­vi­men­to
do in­di­ca­dor es­ten­di­do co­mo um de­se­jo de des­li­zar até o se­xo ou, ao
con­trá­rio, co­mo a proi­bi­ção de fa­zê-lo. O ra­paz tem a mão di­rei­ta apoi-­
a­da na cin­ta. No­ta­mos, de pas­sa­gem, que es­sa cin­ta, ama­re­la em três
fai­xas, é a mes­ma da mu­lher da es­quer­da. Se ad­mi­tir­mos a cin­ta co­mo
sím­bo­lo da von­ta­de, es­se de­ta­lhe une os dois per­so­na­gens. Mas a quem
per­ten­ce a mão que to­ca o ven­tre da jo­vem da di­rei­ta? O ra­paz e a jo-­
vem da di­rei­ta usam um tra­je azul-es­cu­ro com man­gas, mas o mo­vi-­
men­to do bra­ço é am­bí­guo. De al­gu­ma ma­nei­ra eles pos­su­em um “bra-­
ço em co­mum”. Se é o ra­paz quem to­ca o ven­tre da jo­vem na al­tu­ra do
se­xo, a di­re­ção de seu olhar, no en­tan­to, se di­ri­ge pa­ra sua di­rei­ta. A
car­ta te­rá um sig­ni­fi­ca­do bem di­fe­ren­te se con­si­de­rar­mos que é o bra­ço
de­la que pro­te­ge ou in­di­ca o pró­prio ven­tre, en­quan­to o ra­paz es­tá com
a mão es­quer­da nas cos­tas...
A mu­lher da di­rei­ta usa uma tou­ca for­ma­da por qua­tro flo­res de
cin­co pé­ta­las. Ela po­de­ria re­pre­sen­tar uma be­la cons­ciên­cia po­éti­ca
em­bo­ra sóli­da. O cen­tro ro­xo das flo­res con­cen­tra a sa­be­do­ria do amor,
in­clu­si­ve a ca­pa­ci­da­de de se sa­cri­fi­car. A mu­lher da es­quer­da usa uma
co­roa de fo­lhas ver­des, ati­va (a fai­xa ver­me­lha), e se acei­tar­mos que se
tra­ta de fo­lhas de lou­ro, po­de­mos di­zer que ela tem uma men­ta­li­da­de
triun­fan­te ou do­mi­na­do­ra.
Po­de­mos es­pe­cu­lar in­fi­ni­ta­men­te so­bre as re­la­ções dos três per­so-­
na­gens: um jo­vem que apre­sen­ta a noi­va à mãe; uma mu­lher que des­co-­
bre o ma­ri­do com uma aman­te; um ho­mem que pre­ci­sa es­co­lher en­tre
du­as mu­lhe­res, ou, con­for­me a in­ter­pre­ta­ção tra­di­ci­o­nal, en­tre o ví­cio e
a vir­tu­de; uma al­co­vi­tei­ra ofe­re­cen­do uma pros­ti­tu­ta a um pas­san­te;
uma mo­ça que pe­de à mãe per­mis­são pa­ra se ca­sar com o ra­paz que es-­
co­lheu; uma mãe apai­xo­na­da pe­lo aman­te da fi­lha; uma mãe que pre­fe-­
re um dos fi­lhos ao ou­tro...
As in­ter­pre­ta­ções são ines­go­tá­veis. To­das nos le­vam a di­zer que O
Na­mo­ra­do é uma car­ta re­la­ci­o­nal que re­pre­sen­ta o iní­cio da vi­da so­ci­al.
É o pri­mei­ro Ar­ca­no on­de há vá­rios per­so­na­gens apre­sen­ta­dos no mes-­
mo ní­vel (os dis­cí­pu­los d’O Pa­pa eram me­no­res que ele, e es­ta­vam de
cos­tas). É uma car­ta de uni­ão e de de­su­ni­ão, de es­co­lhas so­ci­ais e emo-­
ci­o­nais. Di­ver­sos in­dí­cios pre­sen­tes na car­ta nos le­vam à no­ção de uni-­
ão. Por um la­do, o nú­me­ro 6 no al­fa­be­to he­brai­co é as­so­ci­a­do à le­tra
Vav, “o cra­vo”, que re­pre­sen­ta a uni­ão. Por ou­tro la­do, no­ta­mos en­tre as
per­nas dos per­so­na­gens man­chas de cor (azul-ce­les­te e ver­me­lho) que
re­pre­sen­tam, tam­bém elas, uma con­ti­nui­da­de, uma uni­ão en­tre eles.
Em um pla­no sim­bóli­co, po­de­rí­a­mos di­zer que os três per­so­na­gens re-­
pre­sen­tam três ins­tân­cias do ser hu­ma­no: o in­te­lec­to, o cen­tro emo­ci­o-­
nal e o cen­tro se­xu­al que se unem pa­ra for­mar um só.
A ter­ra é ara­da sob os pés dos per­so­na­gens. Is­so sig­ni­fi­ca que, pa­ra
che­gar ao VI, é pre­ci­so ter fei­to um tra­ba­lho pré­vio, psi­co­ló­gi­co, cul­tu-­
ral e es­pi­ri­tu­al. É as­sim que che­ga­mos a des­co­brir aqui­lo que ama­mos,
aqui­lo que que­re­mos. Os sa­pa­tos ver­me­lhos do per­so­na­gem cen­tral são
os mes­mos d’O Lou­co e d’O Im­pe­ra­dor: po­de­mos con­si­de­rá-los co­mo
três graus do mes­mo ser. No­ta-se tam­bém que, en­tre es­se per­so­na­gem e
sua vi­zi­nha da di­rei­ta, a ter­ra se in­ter­rom­pe, res­ta ape­nas a man­cha
ver­me­lha. Po­de-se ver ne­les, en­tão, uma re­pre­sen­ta­ção do ani­mus e da
ani­ma, dois as­pec­tos mas­cu­li­no e fe­mi­ni­no de uma mes­ma pes­soa.
A gra­fia “AMO­VREUX”, com o “V” em lu­gar do “U” cria um vín­cu­lo
vi­su­al e so­no­ro com a pa­la­vra “Di­eu” de “LA MAI­SON DI­EV” (A Tor-­
re). Po­de­rí­a­mos di­zer que o sol, que lan­ça seus rai­os so­bre a ce­na, re-­
pre­sen­ta o gran­de Na­mo­ra­do cósmi­co, a di­vin­da­de co­mo fon­te do amor
uni­ver­sal que nos con­duz ao amor cons­ci­en­te e in­con­di­ci­o­nal. O pe-­
que­no Eros lhe ser­ve de men­sa­gei­ro e nos su­ge­re, sen­do re­pre­sen­ta­do
sob os tra­ços de um me­ni­no, que es­se amor se re­no­va cons­tan­te­men­te.
Em uma lei­tu­ra

Es­ta car­ta am­bí­gua nos in­ci­ta a ques­ti­o­nar nos­so es­ta­do emo­ci­o­nal: co-­
mo vai nos­sa vi­da afe­ti­va? Es­ta­mos em paz ou em con­fli­to? Fa­ze­mos o
que gos­ta­mos? Que lu­gar tem o amor na nos­sa vi­da? A si­tu­a­ção que nos
ocu­pa tem ra­í­zes no nos­so pas­sa­do, e quais são elas? Po­de­mos nos in-­
ter­ro­gar so­bre o lu­gar que nos foi atri­bu­í­do no seio da fa­mí­lia, e tra­ba-­
lhar pa­ra iden­ti­fi­car as pro­je­ções que fa­ze­mos atu­al­men­te so­bre nos­so
en­tor­no. O Na­mo­ra­do se­rá um dos per­so­na­gens da car­ta, qual­quer um
que es­co­lha­mos, cu­jas re­la­ções po­de­rão ser co­men­ta­das pe­lo(a) con­su-­
len­te. Qual­quer que se­ja a ques­tão, se­rá útil re­cor­dar que O Na­mo­ra­do
cen­tral con­ti­nua sen­do o sol bran­co que ir­ra­dia ilu­mi­nan­do to­dos os se-­
res vi­vos sem dis­cri­mi­na­ção.
E se o Na­mo­ra­do fa­las­se...

“Sou o sol do Ar­ca­no, o sol bran­co: qua­se in­vi­sí­vel, mas ilu­mi­nan­do to-­
dos os per­so­na­gens. Sou es­sa es­tre­la: a ale­gria de exis­tir, e a ale­gria de
que o ou­tro exis­ta. Vi­vo no êx­ta­se. Tu­do me dá fe­li­ci­da­de: a Na­tu­re­za, o
uni­ver­so in­tei­ro, a exis­tên­cia do ou­tro sob to­das as su­as for­mas – es­se
ou­tro que não é ou­tro se­não eu mes­mo.
“Sou a cons­ciên­cia que bri­lha co­mo uma es­tre­la de luz vi­va no cen-­
tro do seu co­ra­ção. Eu me re­no­vo a ca­da ins­tan­te, a to­do mo­men­to es-­
tou nas­cen­do. A ca­da ba­ti­men­to do seu co­ra­ção, eu uno vo­cê ao uni­ver-­
so in­tei­ro. É de mim que par­tem os vín­cu­los in­fi­ni­tos que nos unem a
to­da cri­a­ção. Ah, o pra­zer de amar! Ah, o pra­zer de me unir! Ah, o pra-­
zer de fa­zer aqui­lo que se ama! Men­sa­gei­ro da per­ma­nen­te im­per­ma-­
nên­cia, re­nas­ço a ca­da se­gun­do. Sou co­mo um ar­quei­ro re­cém-nas­ci­do
que lan­ça fle­chas em tu­do o que os sen­ti­dos po­dem cap­tar.
“Não sou a gen­ti­le­za, não sou a am­bi­ção do bem-es­tar nem do
triun­fo. Sou o amor in­con­di­ci­o­nal. Eu o en­si­na­rei a vi­ver no alum­bra-­
men­to, no re­co­nhe­ci­men­to, na ale­gria.
“Quan­do pe­ne­tro em vo­cê, co­mo nos per­so­na­gens do Ar­ca­no, co-­
mu­ni­co o amor di­vi­no até à me­nor das su­as cé­lu­las. So­pro na sua men­te
co­mo um fu­ra­cão ca­lo­ro­so que eli­mi­na da lin­gua­gem a críti­ca, a agres-­
são, a com­pa­ra­ção, o des­pre­zo, e to­das as ga­mas da ar­ro­gân­cia que se-­
pa­ram o es­pec­ta­dor do ator. Eu me in­si­nuo na sua ener­gia se­xu­al pa­ra
su­a­vi­zar to­da bru­ta­li­da­de, to­do es­píri­to de con­quis­ta, de pos­ses­são.
Con­fi­ro ao pra­zer a de­li­ca­de­za su­bli­me de um an­jo que exul­ta. Quan­do
eu me dis­sol­vo em seu cor­po é pa­ra se­pa­rá-lo da di­ta­du­ra dos es­pe­lhos
e dos mo­de­los, do olhar dos ou­tros, da dor das com­pa­ra­ções. Eu lhe
per­mi­to vi­ver sua pró­pria vi­da, as­su­mir sua pró­pria luz e sua be­le­za.
No co­ra­ção on­de ha­bi­to, afu­gen­to as ilu­sões da cri­an­ça mal-ama­da. Co-­
mo o si­no de uma ca­te­dral, ver­to no san­gue a vi­bra­ção pe­ne­tran­te do
amor, des­pro­vi­do de to­do ran­cor, de to­da exi­gên­cia emo­ci­o­nal tra­ves­ti-­
da de ódio, e de to­do ci­ú­me, que não pas­sa da som­bra do aban­do­no. Eu
o ini­cio no de­se­jo de não ob­ter na­da que não se­ja tam­bém pa­ra os ou-­
tros. A ilha do eu se trans­for­ma em ar­qui­pé­la­go.
“Tu­do con­cor­re pa­ra au­men­tar mi­nha ale­gria, mes­mo aqui­lo que
vo­cê in­ter­pre­ta co­mo cir­cuns­tân­cias ne­ga­ti­vas: o lu­to, a di­fi­cul­da­de, a
pe­que­nez, os obs­tá­cu­los... Amo as coi­sas e os se­res tal co­mo são, com
su­as in­fi­ni­tas pos­si­bi­li­da­des de de­sen­vol­vi­men­to. A ca­da ins­tan­te, ve­jo
vo­cê e es­tou dis­pos­to a par­ti­ci­par de seu de­sen­vol­vi­men­to, mas tam-­
bém a acei­tar que vo­cê con­ti­nue sen­do co­mo é.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Vi­da so­ci­al • Ale­gria • Gos­tar da­qui­lo que se faz • Fa­zer aqui­lo de que se gos­ta •
No­va uni­ão • Es­co­lher o que fa­zer • Pra­zer • Be­le­za • Ami­za­de • Tri­ân­gu­lo amo­ro-­
so • Apai­xo­nar-se • Con­fli­to emo­ci­o­nal • Se­pa­ra­ção • Dis­pu­ta • Ter­re­no in­ces­tuo­so
• Ir­mãos • Ide­al e re­a­li­da­de • Pri­mei­ros pas­sos na ale­gria de vi­ver • Amor cons­ci-­
en­te • O ca­mi­nho da Be­le­za...
VII O Car­ro
Ação no mun­do

Pa­la­vras-cha­ve:
Ação • Aman­te • Prínci­pe • Triun­fo • Fa­ci­li­da­de • Con­quis­tar • Fe­cun­dar • Co­lo­ni-­
zar • Vi­a­jar • Do­mi­nar • Dei­xar fa­zer • Guer­rei­ro • Eter­ni­da­de...
O Car­ro, na pri­mei­ra série dos Ar­ca­nos mai­o­res, é o nú­me­ro se­te. Nú-­
me­ro pri­mo, di­vi­sí­vel ape­nas por si mes­mo, o 7 é o mais ati­vo dos nú-­
me­ros ím­pa­res. O Car­ro re­pre­sen­ta, en­tão, a ação por ex­ce­lên­cia em to-­
dos os pla­nos, so­bre si mes­mo e no mun­do (ver pp. 76, 80). Con­tra­ri­a-­
men­te a A Im­pe­ra­triz que ocu­pa o lu­gar cor­res­pon­den­te no qua­dra­do
Ter­ra, e que in­di­ca­va uma ex­plo­são sem ob­je­ti­vo de­fi­ni­do, O Car­ro sa­be
per­fei­ta­men­te aon­de vai. A car­ta é com­pos­ta por três pla­nos prin­ci­pais:
dois ca­va­los, um ve­í­cu­lo e seu con­du­tor, que po­de­rí­a­mos iden­ti­fi­car co-­
mo um prínci­pe por­que usa uma co­roa. Des­se prínci­pe ve­mos ape­nas a
me­ta­de, aci­ma da cin­tu­ra. Al­guns lei­to­res, con­for­me a pró­pria pro­je­ção,
po­de­rão ver ne­le um anão de per­nas atro­fi­a­das ou uma jo­vem dis­far­ça-­
da. Mas o ros­to que nos apre­sen­ta de fren­te é vi­ril e no­bre. O ve­í­cu­lo,
um qua­dra­do cor de car­ne, es­tá fin­ca­do na ter­ra; po­de­rí­a­mos di­zer que
não avan­ça. Na re­a­li­da­de, ele se­gue o mo­vi­men­to do pla­ne­ta, o mo­vi-­
men­to por ex­ce­lên­cia. Tor­nan­do-se um com a Ter­ra, O Car­ro não pre-­
ci­sa avan­çar: é um es­pe­lho da ro­ta­ção pla­ne­tá­ria. Sua car­ru­a­gem po­de-­
ria ser a Ur­sa Mai­or, o Car­ro so­lar de Apo­lo, ou o ca­va­lei­ro em bus­ca do
Gra­al.
Os dois ca­va­los que pu­xam seu ve­í­cu­lo são re­pre­sen­ta­dos co­mo o
cão d’O Lou­co, de pe­lo azul-ce­les­te. Ou­tra vez a ani­ma­li­da­de se en­con-­
tra es­pi­ri­tu­a­li­za­da. Por ou­tro la­do, po­de­mos iden­ti­fi­car o ca­va­lo à nos­sa
di­rei­ta, com seus lon­gos cí­lios e seu olho fe­cha­do, co­mo um ele­men­to
fe­mi­ni­no, e o ou­tro ca­va­lo co­mo mas­cu­li­no. As du­as ener­gi­as com­ple-­
men­ta­res ma­cho e fê­mea aqui re­a­li­zam uma uni­da­de. Se apa­ren­te­men-­
te su­as pa­tas er­gui­das se di­ri­gem pa­ra di­re­ções opos­tas, o mo­vi­men­to
da ca­be­ça e do olhar é co­mum: é a uni­ão dos con­trá­rios que se ope­ra no
pla­no ener­géti­co. Os ca­va­los usam no pei­to o sím­bo­lo do ou­ro al­quí­mi-­
co: a for­ça ani­mal ins­tin­ti­va age aqui em ple­na cons­ciên­cia.
No car­ro cor de car­ne, en­con­tra­mos uma go­ta ver­de no cen­tro do
bra­são ama­re­lo e la­ran­ja: no meio da car­ne pe­re­cí­vel, uma go­ta de eter-­
ni­da­de, en­gas­ta­da no es­píri­to, afir­ma sua per­ma­nên­cia. Al­gu­mas len­das
pre­ten­dem que, en­tre to­das as cé­lu­las do cor­po hu­ma­no, que são mor-­
tais, exis­te uma úni­ca céu­la ca­paz de so­bre­vi­ver à nos­sa mor­te físi­ca. O
Car­ro le­va, nes­sa go­ta ver­de, nos­sa gran­de es­pe­ran­ça de imor­ta­li­da­de, a
Cons­ciên­cia im­pes­so­al in­crus­ta­da no co­ra­ção da ma­té­ria.
Se ob­ser­var­mos a po­si­ção do per­so­na­gem, des­co­bri­mos que seu
cor­po, sua ca­be­ça e seus bra­ços for­mam uma fi­gu­ra tri­an­gu­lar que se
ins­cre­ve no qua­dra­do do ve­í­cu­lo. Um tri­ân­gu­lo den­tro de um qua­dra­do:
o es­píri­to na ma­té­ria. Reen­con­tra­re­mos es­sa ge­o­me­tria sim­bóli­ca no
Se­te de Ou­ros. O Car­ro evo­ca, en­tão, a bus­ca al­quí­mi­ca: ma­te­ri­a­li­za­ção
do es­píri­to e es­pi­ri­tu­a­li­za­ção da ma­té­ria. Por es­sa ópti­ca, po­de­rí­a­mos
di­zer que o ve­í­cu­lo re­pre­sen­ta o cor­po; os ca­va­los, a ener­gia; e o per­so-­
na­gem, o es­píri­to. À es­quer­da, o ce­tro cor de car­ne na mão do prínci­pe
po­de sig­ni­fi­car que do­mi­na a vi­da ma­te­ri­al, e que ele ti­ra seu po­der de
sua en­car­na­ção. Em to­do ca­so, sua ação se ope­ra sem es­for­ço. Da mes-­
ma ma­nei­ra, ele não pre­ci­sa de ré­deas pa­ra con­du­zir os ca­va­los. As do-­
ze es­tre­las que tem so­bre si nos in­di­cam que ele tra­ba­lha com a for­ça
cósmi­ca. Uma co­roa or­na sua ca­be­ça cor­ta­da, co­mo se aber­ta às in-­
fluên­cias da ga­lá­xia. Mas há um véu por ci­ma de­le, fe­chan­do o ho­ri­zon-­
te do céu. É A Es­tre­la (Ar­ca­no XVII) quem le­van­ta­rá es­se véu.
So­bre seus om­bros, du­as más­ca­ras re­pre­sen­tam, se qui­ser­mos, o
pas­sa­do e o fu­tu­ro, ou o po­si­ti­vo e o ne­ga­ti­vo, ou o tem­po e o es­pa­ço,
dos quais ele é o pon­to de en­con­tro e de uni­da­de. Agin­do em ple­no pre-­
sen­te, ele é aber­to pa­ra o pas­sa­do e o fu­tu­ro, a ale­gria e a tris­te­za, a luz
e a som­bra. É um per­so­na­gem com­ple­to, que age ao mes­mo tem­po em
três pla­nos. À di­rei­ta, em sua mão dis­tin­gui­mos a cur­va de uma bo­la ou
de um ovo bran­co que já vi­mos sob a axi­la d’O Lou­co. É um se­gre­do
que ele guar­da, uma es­fe­ra de per­fei­ção se­cre­ta.
Em uma lei­tu­ra

O Car­ro é mui­tas ve­zes vis­to co­mo um con­quis­ta­dor de ação po­de­ro­sa,


um aman­te de se­xu­a­li­da­de triun­fan­te. Ele anun­cia, às ve­zes, uma vi­a-­
gem. Al­guns che­gam a ver aqui o anún­cio de um su­ces­so no ci­ne­ma ou
na te­le­vi­são, por­que o per­so­na­gem apa­re­ce en­qua­dra­do, co­mo uma ma-­
ri­o­ne­te em um te­a­tro. Em to­do ca­so, é uma car­ta que avan­ça na di­re­ção
do su­ces­so. Seus úni­cos pe­ri­gos são a im­pru­dên­cia e a in­fle­xi­bi­li­da­de
do con­quis­ta­dor que não du­vi­da do fun­da­men­to líci­to de sua con­quis­ta.
Car­ta vi­ril e ex­tre­ma­men­te ati­va, vem pa­ra su­ge­rir, às ve­zes, pa­ra uma
mu­lher, que ela foi de­se­ja­da co­mo me­ni­no. O Car­ro in­ci­ta tam­bém a
nos ques­ti­o­nar­mos so­bre os mo­dos de ação no mun­do que co­lo­ca­mos
em práti­ca e a ma­nei­ra co­mo di­ri­gi­mos nos­sas vi­das.
Em­bai­xo do car­ro cres­cem plan­tas ver­me­lhas, chei­as de ati­vi­da­de,
que dão tam­bém a to­na­li­da­de ener­géti­ca da car­ta.
E se O Car­ro fa­las­se...

“Es­tou cheio, ab­so­lu­ta­men­te cheio de for­ça. Na­da se des­per­di­ça: ar­rai-­


ga­do ao pla­ne­ta, aman­te de to­das as su­as ener­gi­as, é com elas que eu
me me­xo. Co­mo um ca­va­lei­ro de fo­go, não me mo­vo do meu lu­gar. Não
des­li­zo so­bre a ter­ra. Ve­jo de ci­ma. Vi­a­jo com o tem­po sem ja­mais sair
do ins­tan­te. Sem pas­sa­do, sem fu­tu­ro, o úni­co tem­po pos­sí­vel: o pre­sen-­
te, co­mo uma joia in­co­men­su­rá­vel. Tu­do que es­tá aqui só es­tá aqui e
em ne­nhum ou­tro lu­gar.
“Sou a ori­gem de to­dos os guer­rei­ros, dos cam­pe­ões, dos he­róis, da
ca­pa­ci­da­de de en­fren­tar e re­sis­tir e de to­da co­ra­gem. Na­da me as­sus­ta,
ne­nhu­ma ta­re­fa. Pos­so ir à guer­ra ou ali­men­tar to­dos os ha­bi­tan­tes da
Ter­ra. Es­tou ab­so­lu­ta­men­te cen­tra­do, bem no meio do uni­ver­so, atra-­
ves­sa­do por to­das as ener­gi­as da ma­té­ria e do es­píri­to. Se sou uma fle-­
cha, fle­cho meu pró­prio co­ra­ção, e es­sa fe­ri­da pro­fun­da, es­sa cons­ciên-­
cia, me trans­for­ma. Pa­ra aque­le que des­per­tou, o so­fri­men­to se tor­na
uma bên­ção. Dis­sol­vo o so­fri­men­to es­con­di­do em meus os­sos, uno a vi-­
gí­lia ao so­no.
“Atra­ves­so a noi­te em dúvi­da so­bre o abis­mo de mim mes­mo. Cor­to
o nó dos enig­mas. Su­pe­ro a an­gús­tia de ser, des­pre­zo as apa­rên­cias, li-­
be­ro os sen­ti­men­tos da ra­zão, des­truo o que se opu­ser a mim, sou quem
sou. Que­ro vi­ver tan­to tem­po quan­to o uni­ver­so.
“Cen­tro de uma es­fe­ra em cres­ci­men­to, in­va­do a di­men­são on­de o
pen­sa­men­to já não se ma­ni­fes­ta mais, on­de na es­cu­ri­dão se re­a­li­za a
ges­ta­ção da ação pu­ra. Re­du­zo a pó en­xa­mes de pa­la­vras. Ne­nhum es-­
pe­lho me as­sus­ta, nem mes­mo a al­ma que se sol­ta do mor­to co­mo de
um fru­to se­co.
“Fiz do meu azar um di­a­man­te, de ca­da abis­mo uma fon­te de ener-­
gia. To­dos os sóis po­dem mor­rer, con­ti­nu­a­rei bri­lhan­do. A for­ça in­con-­
ce­bí­vel que sus­ten­ta o uni­ver­so tam­bém me sus­ten­ta. Sou o triun­fo do
exis­ten­te so­bre a va­cui­da­de. To­das as mor­tes e per­se­gui­ções, na­da dis-­
so po­de me aba­ter, nem os ci­clos da his­tó­ria, nem o de­clí­nio su­ces­si­vo
das ci­vi­li­za­ções: eu sou a cons­ciên­cia e a for­ça vi­tal da hu­ma­ni­da­de.
“Quan­do me en­car­no em vo­cê, os fra­cas­sos se con­ver­tem em no­vos
pon­tos de par­ti­da, e dez mil ra­zões pa­ra re­nun­ci­ar não va­lem na­da di-
an­te de uma úni­ca ra­zão pa­ra con­ti­nu­ar. Co­nhe­ço o me­do, co­nhe­ço a
mor­te, elas não me de­têm. Sou a for­ça de ação pre­sen­te em ca­da ser vi-­
vo, o triun­fo da na­tu­re­za. Sei cri­ar, sei des­truir, sei con­ser­var, tu­do is­so
com a mes­ma ener­gia ir­re­sis­tí­vel. Sou a pró­pria ati­vi­da­de do uni­ver­so.
“Avan­ço em di­re­ção a to­das as di­men­sões do es­pa­ço, rom­pen­do os
ho­ri­zon­tes, até che­gar ao ob­je­ti­vo, que é a más­ca­ra do co­me­ço. Tam-­
bém re­tro­ce­den­do, de va­zio em va­zio, à di­rei­ta, à es­quer­da, pa­ra bai­xo e
pa­ra o al­to, afas­tan­do ga­lá­xias até me dis­sol­ver na au­sên­cia as­sus­ta­do-­
ra, mãe do pri­mei­ro gri­to que a tu­do sus­ten­ta.
“Sou o triun­fo da uni­da­de na rup­tu­ra do ver­bo, sou o triun­fo do in­fi-­
ni­to na cre­ma­ção dos úl­ti­mos li­mi­tes, sou o triun­fo da eter­ni­da­de, no
meu co­ra­ção os deu­ses de­sa­pa­re­cem.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Vi­tó­ria • Ação no mun­do • Em­prei­ta­da bem-su­ce­di­da • Vi­a­gem • Di­na­mis­mo •
Aman­te • Guer­rei­ro • Men­sa­gei­ro • Con­quis­ta­dor • Prínci­pe • Anão • Sa­que­a­dor •
Ação in­ten­sa • Su­ces­so mi­di­áti­co • Te­la de te­le­vi­são, de ci­ne­ma ou de com­pu­ta­dor •
Sín­te­se • Le­var em con­ta prós e con­tras • Har­mo­nia ani­mus/ani­ma • Con­du­zir as
ener­gi­as • O es­píri­to na ma­té­ria • Triun­fo • Cons­ciên­cia imor­tal...
VI­II A Jus­ti­ça

Equi­lí­brio, per­fei­ção

Pa­la­vras-cha­ve:
Mu­lher • Ma­ter­ni­da­de • So­be­ra­na • Ba­lan­ça • Sen­ta­da • Com­ple­tu­de • De­ci­dir •
Va­lor • Jul­gar • Per­fei­ção • Pre­sen­ça • Fa­zer tru­ques • Au­to­ri­zar • Proi­bir • Equi­li-­
brar...
A Jus­ti­ça, nú­me­ro oi­to, sim­bo­li­za a per­fei­ção. É o ápi­ce da série de nú-­
me­ros pa­res: de­pois da acu­mu­la­ção do 2, do es­ta­be­le­ci­men­to do 4 e da
des­co­ber­ta do pra­zer do 6, o 8 atin­ge o es­ta­do on­de não há na­da mais a
acres­cen­tar ou ti­rar. O 8, em nú­me­ros arábi­cos, é for­ma­do por dois cír-­
cu­los su­per­pos­tos: per­fei­ção no céu e na ter­ra. Na nu­me­ro­lo­gia do Ta-­
rot, ele é tam­bém o do­bro do 4, por­tan­to um du­plo qua­dra­do: es­ta­bi­li-­
da­de no mun­do ma­te­ri­al e no mun­do es­pi­ri­tu­al (ver pp. 76, 80, 97).
Sím­bo­lo da re­a­li­za­ção, A Jus­ti­ça, com sua ba­lan­ça, equi­li­bra nos­sa
vi­da. Mas equi­lí­brio e per­fei­ção não são si­nôni­mos de si­me­tria. As­sim
co­mo a ar­te sa­gra­da dos cons­tru­to­res de ca­te­drais re­cu­sa­va a si­me­tria
co­mo coi­sa di­a­bóli­ca, a car­ta d’A Jus­ti­ça é es­tru­tu­ra­da de ma­nei­ra as­si-­
métri­ca: o pi­lar da di­rei­ta é mais al­to que o ou­tro, e ter­mi­na em uma pe-­
que­na es­fe­ra de ama­re­lo-es­cu­ro au­sen­te do la­do es­quer­do; seu co­lar
so­be mais à di­rei­ta, os pra­tos da ba­lan­ça não es­tão no mes­mo pla­no ho-­
ri­zon­tal, sua es­pa­da não é pa­ra­le­la à co­lu­na do tro­no...
Se ob­ser­var­mos o mo­vi­men­to da ba­lan­ça, per­ce­be­re­mos que A Jus-­
ti­ça in­flu­en­cia com o co­to­ve­lo o pra­to da di­rei­ta, e com o jo­e­lho o da es-­
quer­da. Es­se “tru­que” po­de ser in­ter­pre­ta­do em di­ver­sos ní­veis. Po­de-­
mos lhe atri­buir um sen­ti­do ne­ga­ti­vo de in­jus­ti­ça, de fal­sa per­fei­ção e
de as­tú­cia que se jus­ti­fi­ca­rá em al­gu­mas lei­tu­ras. Po­de­mos igual­men­te
pen­sar que, por tal ges­to, A Jus­ti­ça nos con­vi­da a não cair no per­fec­ci­o-­
nis­mo: a exi­gên­cia de per­fei­ção é de­su­ma­na, por­que aqui­lo que é per-­
fei­to se con­ge­lou, tor­nou-se in­su­pe­rá­vel, e por­tan­to es­tá mor­to. Ela nos
con­vi­da­rá, en­tão, a subs­ti­tuí-la, atra­vés da as­tú­cia sa­gra­da, por uma no-­
ção de ex­ce­lên­cia que per­mi­ta à ação ser di­nâ­mi­ca e aper­fei­ço­á­vel.
Po­de­mos tam­bém pen­sar que a de­si­gual­da­de dos pra­tos ma­ni­fes­ta a
ins­ta­bi­li­da­de pró­pria da na­tu­re­za, e que ela lhe apor­ta uma sus­ten­ta­ção
ins­pi­ra­da pe­la mi­se­ri­cór­dia di­vi­na. Nes­se sen­ti­do, A Jus­ti­ça é pro­fun-­
da­men­te hu­ma­na: seus ca­be­los cor de car­ne, seu tra­je que se fun­de com
a ter­ra, li­gam-na ao pla­no ter­res­tre. Mas ela é tam­bém um pon­to de en-­
con­tro en­tre o di­vi­no e o hu­ma­no: aci­ma de sua tes­ta, a fai­xa bran­ca em
sua ca­be­ça de­no­ta um con­ta­to com a pu­re­za di­vi­na, e em sua co­roa, um
cír­cu­lo ama­re­lo ro­de­a­do de ver­me­lho (so­bre as co­res, ver pp. 109 ss.),
co­mo um ter­cei­ro olho, in­di­ca que ela age em fun­ção de um olhar su­pe-­
ri­or, de uma in­te­li­gên­cia re­ce­bi­da do uni­ver­so.
Bem sen­ta­da em seu tro­no, A Jus­ti­ça, com seus atri­bu­tos ati­vo (es-­
pa­da) e re­cep­ti­vo (ba­lan­ça), é tam­bém a pri­mei­ra fi­gu­ra que olha de
fren­te, co­mo mais adi­an­te O Sol ou o an­jo da car­ta d’O Jul­ga­men­to
olha­rão pa­ra o con­su­len­te. A Jus­ti­ça con­vi­da, as­sim, a uma in­tros­pec-­
ção sem fa­lhas, a um mer­gu­lho no pre­sen­te. Es­te Ar­ca­no se afas­ta, por-­
tan­to, das re­pre­sen­ta­ções tra­di­ci­o­nais d’A Jus­ti­ça de olhos fe­cha­dos,
seu olhar en­con­tra o nos­so co­mo um es­pe­lho, co­mo um cha­ma­do à to-­
ma­da de cons­ciên­cia. Tra­ta-se, an­tes de tu­do, de se fa­zer jus­ti­ça a si
mes­mo, de se dar aqui­lo que se me­re­ce.
À di­rei­ta, em­bai­xo de seu co­to­ve­lo, vê-se uma man­cha ro­xa, a mais
vo­lu­mo­sa de to­do o Ta­rot. Es­sa cor tão ra­ra, tão se­cre­ta, é um sím­bo­lo
da sa­be­do­ria. A Jus­ti­ça é mo­vi­da pe­la sa­be­do­ria. A luz azul-ce­les­te que
ema­na dos pra­tos de sua ba­lan­ça nos in­di­ca que ela ali pe­sa nos­sa es­pi-­
ri­tu­a­li­da­de. Da mes­ma ma­nei­ra, a lâ­mi­na da es­pa­da es­tá ba­nha­da des­se
azul-es­sen­ci­al, pois ela ser­ve pa­ra cor­tar o su­pér­fluo, pa­ra se­pa­rar o
inútil. Com a mão que se­gu­ra a ba­lan­ça, A Jus­ti­ça faz um ges­to sa­gra­do,
um mu­dra em que os qua­tro de­dos da mão, re­pre­sen­tan­do as qua­tro
ins­tân­cias do ser hu­ma­no (pen­sa­men­tos, emo­ções, de­se­jos, ne­ces­si­da-­
des cor­po­rais), unem-se ao po­le­gar. O Ar­ca­no VI­II trans­mi­te aqui uma
men­sa­gem de uni­da­de.
Em seu tra­je, no­ve tri­ân­gu­los as­cen­den­tes em for­ma de pa­ta de pás-­
sa­ro so­bre o fun­do azul lem­bram o ar­mi­nho, sig­no da re­a­le­za. Aqui, a
no­bre­za é a do es­píri­to su­bli­me e da ação sem de­fei­tos. Nes­se sen­ti­do, A
Jus­ti­ça po­de ser vis­ta co­mo tes­te­mu­nho de nos­so deus in­te­ri­or que nos
im­pul­si­o­na pa­ra uma ava­li­a­ção sem dis­far­ce: fa­ze­mos jus­ti­ça a nós
mes­mos? So­mos mi­se­ri­cor­di­o­sos pa­ra co­nos­co e pa­ra com os ou­tros?
Em uma lei­tu­ra

A Jus­ti­ça, en­car­na­ção mais aces­sí­vel do gran­de ar­quéti­po fe­mi­ni­no ma-­


ter­nal d’A Lua (XVI­II), re­pre­sen­ta fre­quen­te­men­te a mãe ou uma mu-­
lher grávi­da. Es­ta car­ta abre tam­bém o cam­po pa­ra in­ter­pre­ta­ções pro-­
je­ti­vas for­tes: ela po­de re­me­ter a uma fi­gu­ra ma­ter­na nor­ma­ti­va, cas-­
tra­do­ra, e to­dos os jul­ga­men­tos des­tru­ti­vos. Ela de­no­ta­rá, en­tão, uma
exi­gên­cia de per­fei­ção tão for­te que en­tra­va o con­su­len­te em sua re­a­li-­
za­ção, in­ter­di­tan­do-o an­tes de qual­quer er­ro. Da mes­ma ma­nei­ra, A
Jus­ti­ça re­me­te mui­tas ve­zes às ins­ti­tui­ções de Es­ta­do ( jus­ti­ça, ad­mi­nis-­
tra­ção...) cu­jas de­ci­sões são ina­pe­lá­veis e que des­per­tam no con­su­len­te
a ame­a­ça de cas­ti­go, de cul­pa­bi­li­da­de...
Vis­ta po­si­ti­va­men­te, su­as qua­li­da­des de equi­lí­brio, sua es­pi­ri­tu­a­li-­
da­de (ela ocu­pa um du­plo qua­dra­do ma­te­ri­al e es­pi­ri­tu­al), su­as idei­as
cla­ras di­an­te da re­a­li­da­de po­de­rão ser pre­ci­o­sas ali­a­das. A li­ção d’A
Jus­ti­ça, com sua es­pa­da e sua ba­lan­ça, é dar-se aqui­lo que se me­re­ce,
se­pa­ran­do-se im­pla­ca­vel­men­te da­qui­lo que não se quer. Ela en­si­na a
di­zer sim e a di­zer não, a dis­tin­guir os jul­ga­men­tos sub­je­ti­vos dos jul-­
ga­men­tos ob­je­ti­vos. Pa­ra fa­zer is­so, ela sa­be se co­lo­car no lu­gar do ou-­
tro.
E se A Jus­ti­ça fa­las­se...

“Lá on­de o es­píri­to tem a mes­ma di­men­são que a ma­té­ria, lá on­de não
se sa­be se a den­si­da­de é a raiz do éter, on­de o éter é o ge­ra­dor da den­si-­
da­de, lá, nes­se equi­lí­brio eter­no e in­fi­ni­to, es­tou. A re­a­li­za­ção do uni-­
ver­so, eis a mi­nha jus­ti­ça; dar a ca­da ga­lá­xia, a ca­da sol, ca­da pla­ne­ta,
ca­da áto­mo, o lu­gar que me­re­cem. Gra­ças a mim, o cos­mos é uma dan-
ça. Ca­da nas­ci­men­to, ca­da es­pi­ral, ca­da es­tre­la que se apa­ga tem seu lu-­
gar no uni­ver­so. Per­mi­to a ca­da ser ser aqui­lo que é; ca­da po­ei­ra, ca­da
co­me­ta, ca­da ser hu­ma­no me­re­ce re­a­li­zar a ta­re­fa que a Lei su­pre­ma
lhe deu. Ao me­nor des­vio des­se de­cre­to, pro­nun­cio o cas­ti­go su­pre­mo:
aque­le que se des­via se­rá ex­pul­so do pre­sen­te.
“O bem que vo­cê fi­zer aos ou­tros, eu lhe da­rei. O que vo­cê não der,
eu lhe ti­ra­rei. Quan­do vo­cê des­trói, eu o eli­mi­no. Não só dis­sol­vo a sua
ma­té­ria, mas apa­go to­dos os seus ras­tros da me­mó­ria do mun­do.
“Quan­do apa­re­ço no cor­po de uma mu­lher, ela se tor­na uma ver­da-­
dei­ra mãe. Dar à luz é con­ce­der um lu­gar no aqui e no ago­ra à Cons-­
ciên­cia in­fi­ni­ta. Eu, mãe uni­ver­sal, me si­tuo no cru­za­men­to res­plan­de-­
cen­te e mo­nu­men­tal on­de o oce­a­no da ma­té­ria en­tra em con­ta­to com a
al­ma im­pal­pá­vel, que se de­sin­te­gra co­mo uma chu­va pa­ra fa­zer vi­ver
ca­da frag­men­to den­so.
“Sou es­sa per­fei­ção que não exi­ge ne­nhum acrésci­mo e não to­le­ra
qual­quer subs­tra­ção: tu­do aqui­lo que me dão eu já ti­nha; tu­do aqui­lo
que me ti­ram não exis­tia em mim. Ca­da ins­tan­te é jus­to, per­fei­to. Da
ação, eu eli­mi­no to­da in­ten­ção sub­je­ti­va. Per­mi­to que as coi­sas se­jam
ex­clu­si­va­men­te aqui­lo que elas são. Dou a ca­da um aqui­lo que ele me-­
re­ce; ao in­te­lec­to, o va­zio; ao co­ra­ção, a ple­ni­tu­de do amor; ao se­xo, o
pra­zer da cri­a­ção; ao cor­po a pros­pe­ri­da­de, que não é ou­tra coi­sa se­não
a saú­de; à quin­tes­sên­cia, a Cons­ciên­cia, eu lhe dou seu cen­tro que é o
deus in­te­ri­or.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Equi­lí­brio • Es­ta­bi­li­da­de • En­fren­tar • Ple­ni­tu­de • Per­fei­ção fe­mi­ni­na • Aco­lher •
Mu­lher grávi­da • Ma­ter­ni­da­de • In­fle­xi­bi­li­da­de • Im­pla­ca­bi­li­da­de • Jul­gar • Cla­ri-­
da­de • Proi­bir • Au­to­ri­zar • Dar (a si mes­mo) aqui­lo que é me­re­ci­do • Pen­sa­men­to
lím­pi­do • Pro­ces­so • Ação de jus­ti­ça • A Lei • De­se­jo de per­fei­ção • Per­fec­ci­o­nis­mo
• Es­píri­to críti­co • Mãe nor­ma­ti­va ou cas­tra­do­ra • Tru­que • Exa­ti­dão • Leis cósmi-­
cas • Per­fei­ção • Har­mo­nia • Mo­men­to pre­sen­te...
VI­I­II O Ere­mi­ta
Cri­se. Pas­sa­gem. Sa­be­do­ria

Pa­la­vras-cha­ve:
So­li­dão • Sa­be­do­ria • De­sa­pe­go • Te­ra­pia • Cri­se • Ex­pe­riên­cia • Po­bre­za • Ilu­mi-­
nar • As­ce­se • Ve­lhi­ce • Re­tro­ce­der • Frio • Re­cep­ti­vo • An­ti­go • Si­lên­cio...
O nú­me­ro no­ve se dis­tin­gue na pri­mei­ra série de nú­me­ros ím­pa­res por
ser o pri­mei­ro di­vi­sí­vel por ou­tro além de si mes­mo. O 9 (3 x 3) é, por-­
tan­to, am­bi­va­len­te, ao mes­mo tem­po ati­vo (ím­par) e re­cep­ti­vo (di­vi­sí-­
vel). (Ver pp. 76, 80, 98.) Pa­ra me­lhor com­preen­dê-lo, bas­ta vi­su­a­li­zar
seu mo­vi­men­to en­tre a car­ta d’A Jus­ti­ça, o VI­II, e o Ar­ca­no X que lhe
se­gue. Ve­mos O Ere­mi­ta aban­do­nar o Ar­ca­no VI­II re­tro­ce­den­do pa­ra
avan­çar, an­dan­do de cos­tas até o fi­nal do pri­mei­ro ci­clo de­ci­mal e o iní-­
cio de um no­vo ci­clo. Ao se afas­tar do VI­II, ele dei­xa um es­ta­do de per-­
fei­ção in­su­pe­rá­vel que, se ele ali se de­mo­ras­se, só po­de­ria le­var à mor-­
te. Ele não o su­pe­ra, ele o aban­do­na e en­tra em cri­se. Po­de­mos com­pa-­
rá-lo ao fe­to que, no oi­ta­vo mês, ad­qui­re seu ple­no de­sen­vol­vi­men­to in
ute­ro: to­dos os ór­gãos já es­tão for­ma­dos, na­da mais lhe fal­ta. Du­ran­te o
no­no mês, ele se pre­pa­ra pa­ra aban­do­nar a ma­triz, o úni­co am­bi­en­te
que ele co­nhe­ce, pa­ra en­trar em um mun­do no­vo.
Em uma or­dem de idei­as si­mi­lar, os Evan­ge­lhos nos en­si­nam que
Je­sus é cru­ci­fi­ca­do na ter­cei­ra ho­ra, co­me­ça sua ago­nia na sex­ta ho­ra e
ex­pi­ra na no­na ho­ra. O nú­me­ro 9 anun­cia ao mes­mo tem­po um fim e
um co­me­ço. O Ere­mi­ta ter­mi­na ati­va­men­te sua re­la­ção com o mun­do
an­ti­go e se tor­na re­cep­ti­vo a um por­vir que não do­mi­na nem co­nhe­ce.
Di­fe­ren­te­men­te d’O Pa­pa, que lan­ça­va uma pon­te em di­re­ção a um ide-­
al sa­ben­do aon­de ia, O Ere­mi­ta re­pre­sen­ta a pas­sa­gem pa­ra o des­co-­
nhe­ci­do. Nes­se sen­ti­do, ele re­pre­sen­ta tan­to a mais al­ta sa­be­do­ria, co-­
mo um es­ta­do de cri­se pro­fun­da.
A lâm­pa­da que ele le­va po­de ser con­si­de­ra­da um sím­bo­lo do Co-­
nhe­ci­men­to. Ele a er­gue, ilu­mi­nan­do o pas­sa­do co­mo faz um ho­mem
ex­pe­ri­en­te, um sá­bio ou um te­ra­peu­ta. Es­sa luz po­de­ria ser um co­nhe-­
ci­men­to se­cre­to, re­ser­va­do aos ini­ci­a­dos ou, ao con­trá­rio, uma fon­te de
co­nhe­ci­men­to ofer­ta­da aos dis­cí­pu­los que a bus­cam. O Ere­mi­ta ilu­mi-­
na o ca­mi­nho, ou tal­vez, com es­sa lan­ter­na, mos­tra a si mes­mo à di­vin-
da­de, co­mo se dis­ses­se: “Meu tra­ba­lho es­tá fei­to, es­tou aqui, ve­ja-me”.
Da mes­ma ma­nei­ra que a car­ta tem uma am­bi­va­lên­cia en­tre ação e re-­
cep­ção, es­sa luz po­de ser ati­va, co­mo um cha­ma­do pa­ra des­per­tar a
cons­ciên­cia do ou­tro, ou re­cep­ti­va, co­mo um se­má­fo­ro.
Da mes­ma ma­nei­ra que A Pa­pi­sa, O Ere­mi­ta é um per­so­na­gem bas-­
tan­te co­ber­to. As ca­ma­das de rou­pas su­ge­rem o frio, o in­ver­no – ca­rac-­
te­rísti­cas sa­tur­ni­nas que lhe são fre­quen­te­men­te atri­bu­í­das e que re-­
me­tem tam­bém a uma cer­ta fri­e­za da sa­be­do­ria, à so­li­dão in­te­ri­or do
ini­ci­a­do. Po­de­mos igual­men­te ver aí as "ca­ma­das" do vi­vi­do, e da mes-­
ma for­ma, as nu­me­ro­sas ha­chu­ras que som­brei­am su­as rou­pas po­dem
ser in­ter­pre­ta­das co­mo mar­cas de sua gran­de ex­pe­riên­cia. Su­as cos­tas
en­cur­va­das con­têm, con­cen­tra­da, to­da a me­mó­ria de seu pas­sa­do. Du­as
lu­as cor de la­ran­ja, uma no pes­co­ço e ou­tra no ver­so do man­to, si­na­li-­
zam se tra­tar de um ser que de­sen­vol­veu em si qua­li­da­des re­cep­ti­vas.
Po­de­mos de­ci­frar, na do­bra da mão que se­gu­ra a lâm­pa­da, as an­cas e
um púbis de mu­lher em mi­ni­a­tu­ra: sig­no de sua fe­mi­ni­li­da­de ou, se o
qui­ser­mos, de que ele con­ser­va em si al­guns de­se­jos car­nais.
Em sua tes­ta, por ou­tro la­do, três ru­gas re­no­vam a men­sa­gem de
ati­vi­da­de men­tal. Seu olhar se per­de na dis­tân­cia. Seus ca­be­los e sua
bar­ba azuis o as­se­me­lham a'O Im­pe­ra­dor, que te­ria aqui per­di­do ou
aban­do­na­do seu tro­no, is­to é, seu ape­go à ma­té­ria. Sua lu­va azul, se­me-­
lhan­te à d’O Pa­pa, con­fe­re às su­as es­co­lhas, às su­as ações e ao seu an­dar
uma pro­fun­da es­pi­ri­tu­a­li­da­de. Seu bas­tão ver­me­lho e seu ca­puz, on­de
se en­con­tram de ma­nei­ra in­ver­ti­da o ver­me­lho e o ama­re­lo do ca­puz
d’O Lou­co, tam­bém o as­se­me­lham a es­se Ar­ca­no sem nú­me­ro. Mas aqui
o bas­tão d’O Lou­co é per­cor­ri­do por uma on­da, ga­nhou vi­da, o ca­mi­nho
já foi per­cor­ri­do e o tra­ba­lho já re­a­li­za­do, co­mo tes­te­mu­nha a ter­ra já
la­vra­da. Seu man­to azul-es­cu­ro é sig­no de sua hu­mil­da­de, de sua cons-­
ciên­cia lu­nar e re­cep­ti­va. A par­te in­ter­na do man­to, cor de car­ne, evo­ca
to­da ex­pe­riên­cia vi­vi­da, não mais te­óri­ca, mas or­gâ­ni­ca, de um ser que
apren­deu li­ções com o pró­prio ca­mi­nho. Mas, por bai­xo do man­to, ao
cen­tro, es­tá a cor ver­de que o en­vol­ve. Já vi­mos que, na tra­di­ção su­fi e
ca­ba­lísti­ca, o ver­de é a cor da eter­ni­da­de (ver p. 111). O Ere­mi­ta, em
fran­cês L’Her­mi­te, com “H” ini­ci­al, pa­ren­te de Her­mes, o al­qui­mis­ta,
tal­vez te­nha des­co­ber­to o eli­xir da lon­ga vi­da; co­mo o ju­deu er­ran­te,
ele já al­can­çou a eter­ni­da­de. Ao mes­mo tem­po po­bre e ri­co, ha­ven­do
co­nhe­ci­do a mor­te e o re­nas­ci­men­to, ele faz um cha­ma­do àque­la par­te
de nós que po­de ser eter­na e nos in­ci­ta a vi­ver a cri­se com co­ra­gem, a ir
sem sa­ber aon­de.
Em uma lei­tu­ra

Es­ta car­ta sim­bo­li­za fre­quen­te­men­te uma cri­se à qual é pre­ci­so se en-­


tre­gar, uma mu­dan­ça pro­fun­da que con­vém en­fren­tar. Ela evo­ca a aju-­
da de um mes­tre, de um te­ra­peu­ta ou de um guia. Mas, na cri­se, O Ere-­
mi­ta po­de tan­to se re­no­var co­mo mor­rer. Ele re­me­te, por­tan­to, tam­bém
à po­bre­za, à so­li­dão, in­clu­si­ve à de­ca­dên­cia: po­de-se ver ne­le um “sem
te­to” ou mes­mo um al­coó­la­tra que es­con­de um li­tro de vi­nho tin­to em
sua lan­ter­na...
O Ar­ca­no VI­I­II é o equi­va­len­te, mais hu­ma­no e mais frio, do gran­de
ar­quéti­po pa­ter­no so­lar do Ar­ca­no XVI­I­II. Ele re­pre­sen­ta, as­sim, um
pai au­sen­te, ta­ci­tur­no, dis­tan­te ou de­sa­pa­re­ci­do. Ele re­me­te igual­men-­
te, pa­ra o con­su­len­te, à so­li­dão in­te­ri­or, ao lu­gar se­cre­to e som­brio on­de
se pre­pa­ra a mu­ta­ção es­pi­ri­tu­al.
E se O Ere­mi­ta fa­las­se...

“Che­guei ao fim do ca­mi­nho, lá on­de o im­pen­sá­vel se apre­sen­ta co­mo


um abis­mo. Di­an­te des­se na­da não pos­so avan­çar. Só me res­ta an­dar de
cos­tas, con­tem­plan­do o ca­mi­nho que já per­cor­ri. A ca­da pas­so, for­mo
di­an­te de mim uma re­a­li­da­de.
“En­tre a vi­da e a mor­te, em uma cri­se con­tí­nua, se­gu­ro mi­nha lâm-­
pa­da ace­sa – mi­nha cons­ciên­cia. Ela me ser­ve, evi­den­te­men­te, pa­ra ori-­
en­tar os pas­sos da­que­les que me se­guem nes­se ca­mi­nho que eu abri.
Mas ela bri­lha tam­bém pa­ra mos­trar a mim mes­mo: fiz to­do o tra­ba­lho
es­pi­ri­tu­al que de­via fa­zer. Ago­ra, ó Mis­té­rio in­fi­ni­to, ve­nha em meu so-­
cor­ro.
“Pou­co a pou­co, fui me des­fa­zen­do de to­das as amar­ras. Já não per-­
ten­ço aos meus pen­sa­men­tos. Mi­nhas pa­la­vras não me de­fi­nem. Ven­ci
mi­nhas pai­xões: des­pren­di­do do de­se­jo, vi­vo em meu co­ra­ção co­mo em
uma ár­vo­re oca. Meu cor­po é um ve­í­cu­lo que ve­jo en­ve­lhe­cer, pas­sar,
des­va­ne­cer, co­mo um rio de cur­so ir­re­sis­tí­vel. Já não sei quem sou, vi-­
vo em to­tal ig­no­rân­cia de mim mes­mo. Pa­ra che­gar até a luz, en­tro no
es­cu­ro. Pa­ra che­gar até o êx­ta­se, cul­ti­vo a in­di­fe­ren­ça. Pa­ra che­gar ao
amor de ca­da coi­sa, de to­do ser, eu me re­ti­ro na so­li­dão. É lá, no úl­ti­mo
con­fim do uni­ver­so, que abro mi­nha al­ma co­mo uma flor de pu­ra luz.
Gra­ti­dão sem exi­gên­cia, a es­sên­cia do meu co­nhe­ci­men­to é o co­nhe­ci-­
men­to da Es­sên­cia.
“Pe­lo ca­mi­nho da von­ta­de, che­guei ao ci­mo mais al­to. Já fui cha­ma,
fui ca­lor, de­pois, luz fria. Eis-me aqui, bri­lhan­do, cha­man­do, es­pe­ran­do.
Co­nhe­ci a so­li­dão com­ple­ta. Es­sa pre­ce vai di­re­ta­men­te de mim mes­mo
ao meu deus in­te­ri­or: te­nho a eter­ni­da­de às mi­nhas cos­tas. En­tre dois
abis­mos, es­pe­rei e con­ti­nu­a­rei es­pe­ran­do. Já não pos­so avan­çar nem
re­tro­ce­der so­zi­nho: pre­ci­so que Tu ve­nhas. Mi­nha pa­ciên­cia é in­fi­ni­ta
co­mo a Tua eter­ni­da­de. Se Tu não vens, es­pe­ra­rei aqui mes­mo, pois Te
es­pe­rar se tor­nou mi­nha úni­ca ra­zão de vi­ver. Não me me­xo mais! Bri-­
lha­rei até me con­su­mir. Sou o óleo de mi­nha pró­pria lâm­pa­da, es­se óleo
é meu san­gue, meu san­gue é um gri­to que Te cha­ma. Sou a cha­ma e o
cha­ma­do.
“Re­a­li­zei mi­nha ta­re­fa. Só Tu po­des, ago­ra, con­ti­nuá-la. Sou a fê-­
mea es­pi­ri­tu­al, a ati­vi­da­de in­fi­ni­ta da pas­si­vi­da­de. Co­mo uma co­pa,
ofe­re­ço meu va­zio pa­ra que se­ja preen­chi­do. Por­que eu já me aju­dei a
mim mes­mo, ago­ra, Tu, aju­da-me.

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais


Cri­se po­si­ti­va • Guia • So­li­dão • Ho­mem ve­lho • Ve­lhi­ce • Pru­dên­cia • Re­ti­ro • Te-­
ra­peu­ta • Mes­tre mas­cu­li­no • Pe­re­gri­na­ção • Cas­ti­da­de • Al­co­o­lis­mo • In­ver­no •
Dúvi­da e su­pe­ra­ção • Ilu­mi­nar o pas­sa­do • Ir pa­ra o fu­tu­ro sem sa­ber aon­de vai •
An­dar de cos­tas • Te­ra­pia • Pai au­sen­te ou frio • Avô • Hu­mil­da­de • Sa­tur­no • Vi-­
são cla­ra do mun­do • Sa­be­do­ria • Amor de­sin­te­res­sa­do • Ab­ne­ga­ção • Al­tru­ís­mo •
Mes­tre se­cre­to...
X A Ro­da da For­tu­na
Iní­cio ou fim de um ci­clo

Pa­la­vras-cha­ve:
Ri­que­za • Blo­queio • Re­no­va­ção • Enig­ma • So­lu­ção • Ci­clo • Im­per­ma­nên­cia •
Mu­ta­ção • Eter­no re­tor­no • Co­me­ço e fim • Cor­po-co­ra­ção-es­píri­to • Des­ti­no • Gi-­
rar...
A Ro­da da For­tu­na, nú­me­ro dez, fe­cha o pri­mei­ro ci­clo de­ci­mal dos Ar-­
ca­nos mai­o­res. Sua for­ma cir­cu­lar e a ma­ni­ve­la en­cai­xa­da nos in­di­cam
seu pri­mei­ro sig­ni­fi­ca­do: o fi­nal de um ci­clo e a es­pe­ra da for­ça que po-­
rá em mo­vi­men­to o ci­clo se­guin­te. Na con­ti­nui­da­de do Ta­rot, é o Ar­ca-­
no XI, jus­ta­men­te in­ti­tu­la­do A For­ça, que su­ce­de A Ro­da da For­tu­na e
ini­cia o ci­clo de­ci­mal se­guin­te. Mais do que qual­quer ou­tro Ar­ca­no, A
Ro­da da For­tu­na é cla­ra­men­te ori­en­ta­da pa­ra um fe­cha­men­to do pas­sa-­
do e uma es­pe­ra do fu­tu­ro. Nes­se sen­ti­do, o lu­gar que es­ta car­ta ocu­pa-­
rá em uma lei­tu­ra per­mi­ti­rá di­zer se um pla­no da vi­da exi­ge ser con­clu-­
í­do pa­ra dar lu­gar a um no­vo pla­no, ou se uma no­va épo­ca já es­tá co­me-­
çan­do. Se de­ci­dir­mos ana­li­sar es­ta car­ta co­mo um fra­cas­so, é pa­ra aí
des­co­brir que o fra­cas­so não é o fim de tu­do, mas uma opor­tu­ni­da­de de
re­con­ver­são: uma mu­dan­ça de ca­mi­nho.
À pri­mei­ra vis­ta, es­te Ar­ca­no dá uma im­pres­são de inér­cia, in­ter-­
rom­pi­da pe­lo mo­vi­men­to das on­das do ter­re­no azul-ce­les­te. A men­sa-­
gem po­de­ria ser que a re­a­li­da­de, sob uma apa­rên­cia sóli­da, es­tá em per-­
pé­tua mu­dan­ça co­mo as on­das do mar. Tu­do es­tá con­de­na­do a de­sa­pa-­
re­cer, o re­al é um so­nho efê­me­ro, e a Ter­ra, uma ilu­são do oce­a­no
cósmi­co. Aqui, um úni­co ele­men­to po­de as­pi­rar à eter­ni­da­de: o cen­tro
da ro­da, o pon­to de en­cai­xe da ma­ni­ve­la, que co­mo se po­de ob­ser­var se
si­tua no cen­tro exa­to do re­tân­gu­lo cons­ti­tu­í­do pe­la car­ta. Tu­do gi­ra em
tor­no des­se co­ra­ção, no qual se po­de ver um sím­bo­lo do mis­té­rio di­vi-­
no. En­quan­to os ele­men­tos ex­te­ri­o­res que agem so­bre a ro­da (os três
ani­mais) che­gam atra­vés de su­as ma­no­bras à inér­cia, o cen­tro é o pon­to
a par­tir do qual se­rá pos­sí­vel se pro­ces­sar a mu­dan­ça. A men­sa­gem da
car­ta é cla­ra: o prin­ci­pal fa­tor de mu­dan­ça, de vi­da, é es­sa ação cósmi­ca
que tam­bém cha­ma­mos de Pro­vi­dên­cia di­vi­na. Po­de­mos no­tar que a
ro­da é du­pla: um cír­cu­lo ver­me­lho e um ama­re­lo, re­pre­sen­tan­do a du-­
pla na­tu­re­za ani­mal e es­pi­ri­tu­al do ho­mem. O es­píri­to hu­ma­no se­rá
sem­pre ao mes­mo tem­po ator e tes­te­mu­nha de to­das as su­as ações. No
en­tan­to, uma vez uni­do à di­vin­da­de o ator e a tes­te­mu­nha se tor­nam
uma úni­ca coi­sa. O ob­je­ti­vo do ho­mem, tal co­mo A Ro­da da For­tu­na su-­
ge­re, é che­gar a es­sa uni­da­de atra­vés da du­a­li­da­de.
Se ober­var­mos os três ani­mais, cons­ta­ta­mos que um ten­de a des­cer,
ou­tro a su­bir e o ter­cei­ro a per­ma­ne­cer imó­vel.
O ani­mal cor de car­ne, ves­ti­do ape­nas na me­ta­de de bai­xo do cor­po,
des­ce ru­mo à en­car­na­ção. Ve­mos na cor des­se ele­men­to e no fa­to de su-­
as par­tes se­xu­ais es­ta­rem es­con­di­das, um sím­bo­lo que ten­de a se ori­en-­
tar em di­re­ção à ma­té­ria. O ani­mal ama­re­lo, por sua vez, es­tá ves­ti­do
ape­nas na me­ta­de de ci­ma do cor­po, e uma cin­ta, em vol­ta de su­as ore-­
lhas, pa­re­ce ta­pá-las ou dei­xá-las mais evi­den­tes. Po­de­mos ler aí uma
vi­são do in­te­lec­to que as­pi­ra a su­bir, com sua ten­dên­cia a gi­rar em tor-­
no de si mes­mo e sua di­fi­cul­da­de de es­cu­tar. Por fim, o ani­mal azul,
com ar de es­fin­ge e ca­pa ver­me­lha em for­ma de co­ra­ção, ten­do con­tra o
pei­to uma es­pa­da com a me­di­da exa­ta da va­ri­nha d’O Ma­go, fi­gu­ra a vi-­
da emo­ci­o­nal que se apre­sen­ta ao mes­mo tem­po co­mo um enig­ma e co-­
mo o ca­mi­nho ru­mo à sa­be­do­ria. Ve­re­mos tam­bém que es­se ani­mal tem
em si du­as man­chas ro­xas, cor que já vi­mos sim­bo­li­zar a sa­be­do­ria (ver
p. 112).
O co­ra­ção é en­tão apre­sen­ta­do co­mo ele­men­to ca­paz de unir e imo-­
bi­li­zar as ou­tras ins­tân­cias, vi­da es­pi­ri­tu­al e vi­da ani­mal. É fre­quen­te-­
men­te um enig­ma emo­ci­o­nal, um núc­leo afe­ti­vo por re­sol­ver que blo-­
queia a ação vi­tal de um con­su­len­te. As cin­co pon­tas da co­roa da es­fin-­
ge nos re­me­tem à quin­tes­sên­cia do ser es­sen­ci­al, a cons­ciên­cia ca­paz
de unir as ins­tân­cias dís­pa­res do ser hu­ma­no co­mo o po­le­gar une os de-­
dos da mão. O chão azul on­du­la­do pa­re­ce tam­bém cha­mar os ani­mais
pa­ra as pro­fun­de­zas, pa­ra uma bus­ca de si mes­mos nas águas ma­tri­ci-­
ais. Ao des­cer até o mais fun­do de si mes­mo, na acei­ta­ção do nos­so in-­
cons­ci­en­te, po­de­mos efe­tu­ar o en­con­tro com o deus in­te­ri­or e emer­gir
co­mo se­res ilu­mi­na­dos. Nes­se sen­ti­do, o cen­tro da ro­da re­pre­sen­ta ao
mes­mo tem­po o lu­gar de pa­ra­da, o núc­leo do pro­ble­ma e do pos­sí­vel
mo­vi­men­to, o cha­ma­do pa­ra o des­per­tar do te­sou­ro in­te­ri­or. Mais uma
vez, o ani­mal azul pa­re­ce, co­mo re­pre­sen­tan­te do co­ra­ção, ser aque­le
atra­vés do qual a cons­ciên­cia po­de che­gar. Ve­re­mos em sua tes­ta um
oval azul anil que se as­se­me­lha ao chak­ra do ter­cei­ro olho Aj­na, o da
cla­ri­vi­dên­cia. Es­sa cla­ri­vi­dên­cia tem o po­der de unir o es­for­ço ma­te­ri­al
des­cen­den­te e o es­for­ço in­te­lec­tu­al as­cen­den­te.
As pa­tas dos ani­mais, en­la­çan­do os rai­os da ro­da, pa­re­cem de­ter e
im­pe­dir seu mo­vi­men­to; mas po­de­mos tam­bém pen­sar que os três a
sus­ten­tam pa­ra que a ro­da não caia. A ati­vi­da­de ma­te­ri­al, emo­ci­o­nal e
in­te­lec­tu­al sus­ten­ta o ci­clo vi­tal. E es­te, pa­ra ge­rar um no­vo ci­clo, ne-­
ces­si­ta da in­ter­ven­ção da quar­ta ener­gia, que se­rá re­pre­sen­ta­da em A
For­ça (XI) aci­o­nan­do a ma­ni­ve­la: a ener­gia se­xu­al cri­a­ti­va.
Em uma lei­tu­ra

A Ro­da da For­tu­na é uma car­ta de in­ter­pre­ta­ções vas­tas, cu­ja lei­tu­ra


de­pen­de mui­to das cir­cuns­tân­cias evo­ca­das pe­lo con­su­len­te. Ela in­di­ca
em que mo­men­to de sua vi­da es­tá o/a con­su­len­te. Quan­do se apre­sen­ta
no iní­cio de uma ti­ra­gem, su­ge­re o en­cer­ra­men­to de um epi­só­dio pas-­
sa­do e o co­me­ço de um no­vo ci­clo. No fi­nal, ela po­de anun­ci­ar que
aqui­lo que es­tá acon­te­cen­do se con­cluiu re­don­da­men­te, re­pre­sen­tan­do,
en­tão, uma pági­na vi­ra­da, um ci­clo com­ple­to. Po­rém, mui­tas ve­zes, si-­
tu­a­da na me­ta­de da ti­ra­gem ou ao fim, in­di­ca um blo­queio que se­rá
pre­ci­so su­pe­rar. Con­vém, en­tão, ti­rar uma car­ta pa­ra ver o que vi­rá gi-­
rar a ma­ni­ve­la ou elu­ci­dar o enig­ma emo­ci­o­nal (re­pre­sen­ta­do pe­lo ani-­
mal azul) que a car­ta su­ge­re.
Nas con­cep­ções po­pu­la­res, de­vi­do à pa­la­vra "for­tu­na", ela anun­cia
um ga­nho de di­nhei­ro. Re­me­te às ve­zes a um cen­tro de in­te­res­se ou a
um sis­te­ma que se es­tru­tu­ra so­bre uma for­ma cir­cu­lar: a ro­da do kar-­
ma, a as­tro­lo­gia, in­clu­si­ve à ro­da da lo­te­ria... Po­de­mos ver aí o ci­clo da
mor­te e do re­nas­ci­men­to em am­plo sen­ti­do, ou da cir­cu­la­ção da vi­da.
A Ro­da da For­tu­na con­vi­da a re­fle­tir so­bre as al­ter­nân­cias ine­vi­tá-­
veis de as­cen­são e que­da, de pros­pe­ri­da­de e aus­te­ri­da­de, de ale­gria e
tris­te­za. Ela nos ori­en­ta em di­re­ção à mu­dan­ça, se­ja po­si­ti­va ou ne­ga­ti-­
va, e à acei­ta­ção da cons­tan­te mu­ta­ção do re­al.
E se A Ro­da da For­tu­na fa­las­se...

“Co­nhe­ci to­das as ex­pe­riên­cias. A prin­cí­pio, eu ti­nha di­an­te de mim um


oce­a­no de pos­si­bi­li­da­des. Gui­a­da ora pe­la von­ta­de, ora pe­la pro­vi­dên-­
cia ou pe­lo azar, es­co­lhi mi­nhas ações, acu­mu­lei co­nhe­ci­men­to, pa­ra
em se­gui­da ex­plo­dir sem fi­na­li­da­de pre­con­ce­bi­da. Inú­me­ras ve­zes en-­
con­trei a es­ta­bi­li­da­de. Quis con­ser­var seus fru­tos so­bre mi­nha me­sa,
mas os vi apo­dre­cer. Com­preen­di que de­ve­ria me abrir pa­ra os ou­tros,
com­par­ti­lhar. Que eu de­ve­ria bus­car o gran­de Ou­tro em mim, a fon­te
di­vi­na. O cen­tro das mi­nhas re­vo­lu­ções inu­me­rá­veis em tor­no des­se ei-­
xo. Eu me per­di, bus­can­do tu­do que se pa­re­cia co­mi­go. Co­nhe­ci o pra-­
zer de me re­fle­tir nos olhos do ou­tro co­mo em in­fi­ni­tos es­pe­lhos. Até o
dia em que, com uma for­ça ir­re­pri­mí­vel, agi no mun­do e ten­tei mu­dá-
lo... pa­ra me dar con­ta de que só con­se­guia co­me­çar a trans­for­má-lo.
Mi­nha bus­ca es­pi­ri­tu­al se am­pli­ou até o pon­to de im­preg­nar a to­ta­li­da-­
de da ma­té­ria, e che­guei à as­sus­ta­do­ra per­fei­ção, es­se es­ta­do em que
na­da me acres­cen­ta­va, e na­da se sub­tra­ía de mim. Não quis fi­car as­sim
pe­tri­fi­ca­da. En­tão aban­do­nei tu­do, com mi­nha sa­be­do­ria co­mo úni­ca
com­pa­nhia. Che­guei ao ex­tre­mo li­mi­te de mim mes­ma, ple­na mas de­ti-­
da, es­pe­ran­do que o ca­pri­cho di­vi­no, a ener­gia uni­ver­sal, o ven­to mis­te-­
ri­o­so que so­pra do in­con­ce­bí­vel, me fa­ça gi­rar e que em meu cen­tro ha-­
ja a eclo­são do pri­mei­ro im­pul­so de um no­vo ci­clo.
“Apren­di que tu­do o que co­me­ça ter­mi­na, e que tu­do que ter­mi­na
co­me­ça. Apren­di que tu­do que so­be des­ce, e tu­do que des­ce so­be.
Apren­di que tu­do que cir­cu­la aca­ba es­tag­nan­do, e que tu­do que es­tag­na
aca­ba por cir­cu­lar. A mi­sé­ria se tor­na ri­que­za, a ri­que­za mi­sé­ria. De
uma mu­ta­ção pa­ra ou­tra, eu con­vi­do vo­cê pa­ra se unir à ro­da da vi­da,
acei­tan­do as mu­dan­ças com pa­ciên­cia, do­ci­li­da­de, hu­mil­da­de, até o
mo­men­to em que nas­ce a Cons­ciên­cia. En­tão, tu­do aqui­lo que é hu­ma-­
no, co­mo uma cri­sáli­da dan­do à luz uma bor­bo­le­ta, atin­ge o grau an­ge-­
li­cal em que a re­a­li­da­de dei­xa de gi­rar em tor­no de si mes­ma, em que se
ele­va ao es­píri­to do Cri­a­dor.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Fim de um ci­clo • Prin­cí­pio de um ci­clo • Ne­ces­si­da­de de uma aju­da ex­te­ri­or • No­va
par­ti­da • Mu­dan­ça da sor­te • Cir­cuns­tân­cias alhei­as à von­ta­de do con­su­len­te •
Opor­tu­ni­da­de a ser apro­vei­ta­da • Ci­clo hor­mo­nal • Enig­ma emo­ci­o­nal por re­sol­ver
• Blo­queio • Pa­ra­da • Be­co sem sa­í­da • Ro­da do kar­ma, reen­car­na­ções su­ces­si­vas •
Leis da na­tu­re­za • Pro­vi­dên­cia • Ci­clo com­ple­to • Com­ple­tu­de • Fil­ma­gem • Ga­nho
de di­nhei­ro...
XI A For­ça
Co­me­ço cri­a­ti­vo, no­va ener­gia

Pa­la­vras-cha­ve:
Ani­ma­li­da­de • Fe­ra • Cri­a­ti­vi­da­de • Pro­fun­di­da­de • Voz • Pu­ber­da­de • Di­zer • Ca-­
lar • Re­nas­ci­men­to • For­ça • Co­me­ço • Co­mu­ni­car • Sen­tir...
A For­ça, nú­me­ro on­ze, é a pri­mei­ra car­ta da se­gun­da série de­ci­mal (ver
pp. 48-9). É ela quem abre o ca­mi­nho das ener­gi­as in­cons­ci­en­tes. Ob-­
ser­va­mos que é a úni­ca car­ta en­tre os Ar­ca­nos mai­o­res a mos­trar es­sa
par­ti­cu­la­ri­da­de: seu no­me se ins­cre­ve na ex­tre­mi­da­de es­quer­da da le-­
gen­da, en­quan­to à di­rei­ta vin­te tra­ços se acu­mu­lam co­mo uma mo­la
que per­mi­te à ener­gia no­va ad­qui­rir seu im­pul­so. Vin­te, co­mo O Jul­ga-­
men­to, que ter­mi­na es­se ci­clo de­ci­mal. Lá, ou­tra vez, ve­mos que a pri-­
mei­ra e a déci­ma car­ta do ci­clo são in­ti­ma­men­te li­ga­das, A For­ça sen­do
em po­ten­ci­a­li­da­de tu­do o que O Jul­ga­men­to re­a­li­za, is­to é, o emer­gir
da no­va cons­ciên­cia.
A men­sa­gem d’A For­ça é bas­tan­te cla­ra: es­se tra­ba­lho de cons­ciên-­
cia pas­sa em pri­mei­ro lu­gar pe­la re­la­ção com as for­ças ins­tin­ti­vas. En-­
quan­to O Ma­go, seu ho­mó­lo­go da pri­mei­ra série, tra­ba­lha­va da cin­tu­ra
pa­ra ci­ma e exer­cia sua in­te­li­gên­cia so­bre a me­sa, A For­ça tra­ba­lha da
cin­tu­ra pa­ra bai­xo, per­mi­tin­do aos en­si­na­men­tos das pro­fun­de­zas se
co­mu­ni­ca­rem com as ins­tân­cias es­pi­ri­tu­ais de seu ser. Di­ver­sos de­ta-­
lhes li­gam-na ao Ar­ca­no I: seu cha­péu em for­ma de oi­to, ou de in­fi­ni­to,
é re­cep­ti­vo co­mo o d’O Ma­go, mas se abre pa­ra o al­to e pa­re­ce ala­do,
com mo­ti­vos que lem­bram a plu­ma­gem das águias pre­sen­tes nos Ar­ca-­
nos III, II­II e XXI: a in­te­li­gên­cia d’A For­ça es­tá dis­pos­ta a vo­ar em di-­
re­ção ao cos­mos. Ela se apoia so­bre um pé vi­sí­vel, cu­jos seis de­dos cor-­
res­pon­dem ao mes­mo tem­po às seis pon­tas ver­me­lhas de seu cha­péu,
aos seis den­tes ne­gros do ani­mal e aos seis de­dos da mão d’O Ma­go (ver
p. 145). Po­de­mos ver aí a mar­ca de uma for­ça ex­cep­ci­o­nal que lhe per-­
mi­te uma an­co­ra­gem sóli­da na ter­ra. Po­de-se igual­men­te de­du­zir que
ela tem sua fon­te na be­le­za, o mais su­bli­me dos pra­ze­res (ver pp. 79, 82,
95). A unha do há­lux, o pri­mei­ro ar­te­lho do pé, co­mo a do po­le­gar, é
pin­ta­da de ver­me­lho. Lem­bre­mo-nos de que a unha, no cor­po hu­ma­no,
sim­bo­li­za a eter­ni­da­de, pois con­ti­nua a cres­cer mes­mo de­pois da mor-­
te. Es­sa vi­ta­li­da­de ex­cep­ci­o­nal d’A For­ça se ma­ni­fes­ta na cor ver­me­lha
de su­as unhas.
A For­ça é cons­ci­en­te dos pés à ca­be­ça. Po­de-se di­zer que ela é a
pró­pria po­tên­cia da Cons­ciên­cia, sob seu as­pec­to de jun­ção en­tre o al­to
e o bai­xo, a ener­gia es­pi­ri­tu­al e a ener­gia ins­tin­ti­va. Ao seu re­dor, não se
de­se­nha ne­nhu­ma pai­sa­gem de­fi­ni­da, ela se apoia ape­nas em um ter­re-
no ama­re­lo e la­vra­do, por­tan­to, on­de o tra­ba­lho da to­ma­da de cons-­
ciên­cia já foi fei­to. Ela não se si­tua no tem­po, nem no es­pa­ço, mas se
an­co­ra no pre­sen­te co­mo a ex­pres­são de uma ener­gia pu­ra.
To­da sua ati­vi­da­de se con­cen­tra na re­la­ção com o ani­mal em cu­ja
pe­la­gem a for­ça in­te­li­gen­te, ama­re­la ou dou­ra­da, se en­car­na na par­te
cor de car­ne. O Es­píri­to se en­car­na na ani­ma­li­da­de que, por sua vez, se
tor­na dis­po­ní­vel à co­mu­ni­ca­ção com o es­píri­to. A For­ça tra­ba­lha de
mãos nu­as, de­di­ca­da­men­te, com a ani­ma­li­da­de, com as ma­ni­fes­ta­ções
do in­cons­ci­en­te e com sua pró­pria se­xu­a­li­da­de: a ca­be­ça do ani­mal se
si­tua na al­tu­ra de sua pel­ve. Sua re­la­ção com es­sas for­ças, que se ex-
pres­sa no mo­vi­men­to das mãos em re­la­ção à bo­ca aber­ta do ani­mal,
abre um cam­po pa­ra nu­me­ro­sas in­ter­pre­ta­ções. À es­quer­da da car­ta,
sua mão se apoia no fo­ci­nho do ani­mal, mas apa­ren­te­men­te sem o
pren­der ou for­çar. Os oi­to pon­tos de­se­nha­dos no fo­ci­nho in­di­cam que a
ener­gia ani­mal não po­de ser mo­di­fi­ca­da, que ela é per­fei­ta co­mo es­tá.
Po­rém, se­gun­do sua con­for­mi­da­de ou in­con­for­mi­da­de com o es-­
píri­to, po­dem emer­gir tan­to a cri­a­ti­vi­da­de e a ilu­mi­na­ção, quan­to os
blo­quei­os ou as re­pres­sões. A For­ça nos en­si­na que nes­sa re­la­ção com a
ani­ma­li­da­de to­ca­mos ques­tões es­sen­ci­ais, e que es­sa par­te de nós não
po­de ser ne­gli­gen­ci­a­da. É tam­bém por is­so que os seis den­tes ne­gros e
pon­tu­dos do ani­mal re­a­pa­re­cem nas seis pon­tas ver­me­lhas do cha­péu.
A na­tu­re­za in­te­lec­tu­al es­cu­ta a voz do ani­mal e o ani­mal es­cu­ta a in-­
fluên­cia men­tal: é o ide­al d’A For­ça, uma di­nâ­mi­ca em que as mãos dan-­
çam com o fo­ci­nho em uma co­mu­ni­ca­ção em for­ma de 8, de in­fi­ni­to,
per­fei­ta­men­te equi­li­bra­da.
Se in­ter­pre­tar­mos o mo­vi­men­to das mãos e da bo­ca do ani­mal co­mo
um con­fli­to, uma lu­ta de po­der, po­de­mos ler aí to­do ti­po de di­fi­cul­da-­
des: o ver­me­lho do po­le­gar e da lín­gua se tor­na o san­gue de um com­ba-­
te, a ener­gia se­xu­al é re­pri­mi­da, e por sua vez a ani­ma­li­da­de mu­ti­la o
psi­quis­mo (ve­mos, en­tão, que o pes­co­ço da mu­lher tem um tra­ço, co­mo
de uma de­ca­pi­ta­ção). A amar­ra­ção do es­par­ti­lho em seu pei­to se tor­na
um fe­cha­men­to do co­ra­ção pro­vo­ca­do pe­la re­pres­são. O cor­po é per­ce-­
bi­do co­mo des­pe­da­ça­do, so­frem-se as con­se­quên­cias de um abu­so se-­
xu­al, de um trau­ma­tis­mo ou de uma edu­ca­ção tóxi­ca, rígi­da, mu­ti­lan­te.
No en­tan­to, os de­ta­lhes que aca­ba­mos de ver tam­bém têm sua in-­
ter­pre­ta­ção po­si­ti­va: as cer­qui­lhas no pei­to são for­ma­das por qua­tro li-­
nhas “ma­te­ri­ais”, su­bin­do da es­quer­da, re­pre­sen­tan­do a na­tu­re­za ani-­
mal, e cin­co tra­ços “es­pi­ri­tu­ais”, des­cen­do da di­rei­ta, re­pre­sen­tan­do o
tra­ba­lho da Cons­ciên­cia. Es­sas no­ve li­nhas e a cor ama­re­la re­me­tem ao
no­no grau des­sa série de­ci­mal, O Sol (XVI­I­II), on­de ve­re­mos dois gê-­
meos (um es­pi­ri­tu­al e ou­tro ani­mal) re­a­li­zan­do jun­tos, em amor per­fei-­
to, uma no­va cons­tru­ção. A li­nha no pes­co­ço da mu­lher po­de­ria ser um
co­lar or­nan­do-lhe a gar­gan­ta, lu­gar da ex­pres­são e da pa­la­vra ver­da­dei-­
ra que não vem ape­nas do in­te­lec­to, mas tam­bém das pro­fun­de­zas do
ser: pa­la­vra na qual o cons­ci­en­te e o in­cons­ci­en­te se har­mo­ni­zam.
Em uma lei­tu­ra

A For­ça re­me­te ao iní­cio de uma ati­vi­da­de ou de um pe­rí­o­do da vi­da


sob o sig­no do ins­tin­to, da cri­a­ti­vi­da­de. Ela po­de tam­bém in­di­car uma
pro­ble­máti­ca de or­dem se­xu­al, ou a emer­gên­cia de uma ins­tân­cia do
ser até en­tão es­con­di­da que exi­ge se ex­pres­sar pe­la pri­mei­ra vez. Se­rá
pre­ci­so se per­gun­tar se a mu­lher jo­vem d’A For­ça dei­xa o ani­mal se ex-­
pres­sar ou ten­ta fa­zê-lo se ca­lar. De­pois de uma do­en­ça ou do fim de
um ci­clo, A For­ça re­pre­sen­ta o re­tor­no da ener­gia vi­tal.
De to­dos os ani­mais pre­sen­tes no Ta­rot, o le­ão, que en­con­tra­mos na
car­ta d’A For­ça e na car­ta d’O Mun­do (XXI), é o úni­co ca­paz de de­vo­rar
o ser hu­ma­no. A mu­lher que se har­mo­ni­za com ele re­pre­sen­ta a di­men-­
são mais su­bli­me da al­ma, aque­la pe­la qual pas­sam as for­ças do mi­la-­
gre.
E se A For­ça fa­las­se...

“Eu es­ta­va es­pe­ran­do por vo­cê. Sou o iní­cio do no­vo ci­clo, e de­pois de
tu­do aqui­lo que vo­cê re­a­li­zou, vo­cê não po­de­ria vi­ver se não me en­con-­
tras­se. Vou lhe en­si­nar a ven­cer o me­do: co­mi­go vo­cê es­ta­rá dis­pos­to a
ver tu­do, a en­ten­der tu­do, a des­fru­tar de tu­do, a to­car em tu­do. Os sen-­
ti­dos não têm li­mi­tes, mas a mo­ral é fei­ta de me­dos. Vou lhe fa­zer ver o
imen­so pân­ta­no das su­as pul­sões, tan­to as su­bli­mes quan­to as te­ne­bro-­
sas. Sou a for­ça obs­cu­ra que so­be den­tro de vo­cê em di­re­ção à luz.
“Do cen­tro das pro­fun­de­zas, dos sub­ter­râ­neos do meu ser, bro­ta
mi­nha ener­gia cri­a­do­ra. Lan­ço ra­í­zes no lo­do, na­qui­lo que exis­te de
mais den­so, de mais ater­ro­ri­zan­te, de mais in­sen­sa­to. Co­mo um for­no
ar­den­te, meu se­xo exa­la de­se­jos que, à pri­mei­ra vis­ta, pa­re­cem de na­tu-­
re­za bes­ti­al, mas que são ape­nas o can­to ocul­to na ma­té­ria des­de a ori-­
gem do uni­ver­so.
“Meu in­te­lec­to, luz vin­da das es­tre­las, frio co­mo o in­fi­ni­to, age so-­
bre o ca­lor eter­no do mag­ma pa­ra pro­du­zir o ru­gi­do cri­a­dor. Céu e Ter-­
ra se unem nes­se gri­to, acor­dan­do o mun­do. Pos­so fa­zer com que a pe-­
dra mais hu­mil­de se tor­ne uma obra de ar­te. Pos­so fa­zer cres­cer nas ár-­
vo­res ra­quíti­cas fru­tos re­ple­tos de su­mo. Pos­so trans­for­mar a li­nha do
ho­ri­zon­te em um ta­lho púr­pu­ra, vi­vo, co­mo um lon­go e in­ter­mi­ná­vel
ru­bi. Ca­da pe­ga­da dei­xa­da por meus pés po­de­ro­sos no bar­ro se tor­na
um col­meia ver­ten­do mel.
“Dei­xo cir­cu­lar em meu cor­po dos pés à ca­be­ça, co­mo on­das de um
mar agi­ta­do, o im­pul­so su­bli­me e fe­roz de que o mun­do ne­ces­si­ta. Cha-­
me co­mo achar me­lhor: po­tên­cia se­xu­al, ener­gia da ma­té­ria, dra­gão,
kun­da­li­ni... É um ca­os in­co­men­su­rá­vel que ga­nha for­ma den­tro de mim.
Em meu ven­tre, um di­a­bo e um an­jo se unem, for­man­do um tur­bi­lhão.
Co­mo uma ár­vo­re, es­ten­do meus ga­lhos pa­ra o céu en­quan­to fin­co mi-­
nhas ra­í­zes na ter­ra. Sou uma es­ca­da pe­la qual a ener­gia si­mul­ta­ne­a-­
men­te so­be e des­ce. Na­da me as­sus­ta. Sou o iní­cio da cri­a­ção.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Po­tên­cia cri­a­ti­va • Co­ra­gem • No­bre­za do co­ra­ção • No­va par­ti­da • Iní­cio de uma
ati­vi­da­de • Apor­te de no­va ener­gia • Ener­gia ins­tin­ti­va • Ani­ma­li­da­de • For­ça •
Có­le­ra • He­ro­ís­mo • Co­ra­gem • Au­to­dis­ci­pli­na • Re­la­ção en­tre o es­píri­to e o ins­tin-­
to • Aber­tu­ra ou re­pres­são • Cha­ma­do da se­xu­a­li­da­de • Ini­bi­ção se­xu­al • Re­pres­são
• Di­fi­cul­da­de de ex­pres­são • Aber­tu­ra • Or­gas­mo • Tan­tra...
XII O En­for­ca­do
Pa­ra­da, me­di­ta­ção, dom de si mes­mo

Pa­la­vras-cha­ve:
Sa­cri­fí­cio • Pa­ra­da • Não es­co­lher • Ges­ta­ção • Fe­to • Me­di­ta­ção • Do­a­ção de si
mes­mo • Pro­fun­di­da­de • In­ver­ti­do • Es­pe­rar • De­mo­ra • Sus­pen­são • Re­pou­so...
O En­for­ca­do, Ar­ca­no XII, cor­res­pon­de ao se­gun­do grau da se­gun­da
série de­ci­mal, equi­va­len­te a A Pa­pi­sa na pri­mei­ra série. As­sim co­mo
ela, ele in­di­ca um es­ta­do de acu­mu­la­ção, de pa­ra­da e de re­clu­são. Co­mo
A Pa­pi­sa, ele se afas­ta do mun­do dos hu­ma­nos, ao qual ele só es­tá li­ga-­
do pe­la cor­da, que o pren­de, en­tre as du­as ár­vo­res que o sus­ten­tam, a
uma tra­ve cor de car­ne. Já vi­mos que a par­tir do Ar­ca­no XI, to­dos os
nú­me­ros fa­rão uma des­ci­da em di­re­ção à for­ça ori­gi­nal, nos abis­mos do
in­cons­ci­en­te. O En­for­ca­do obe­de­ce a es­sa atra­ção pa­ra bai­xo e, por sua
na­tu­re­za acu­mu­la­ti­va (o 2), ele ex­pri­me uma in­ter­rup­ção to­tal, sus­pen-­
so de ca­be­ça pa­ra bai­xo, os ca­be­los cain­do em di­re­ção às pro­fun­de­zas
co­mo que pa­ra se en­rai­zar.
Se A Pa­pi­sa in­cu­ba, O En­for­ca­do é in­cu­ba­do: ele en­tra em ges­ta­ção
pa­ra fa­zer nas­cer o no­vo ser. Nós en­con­tra­mos aqui o sim­bo­lis­mo do
ovo, pre­sen­te no Ar­ca­no II. Se A Pa­pi­sa é mãe, O En­for­ca­do é fi­lho. Po-­
de­mos ima­gi­nar O En­for­ca­do em ges­ta­ção no ovo do Ar­ca­no II. Sus-­
pen­so en­tre céu e ter­ra, ele es­pe­ra pa­ra nas­cer. A po­si­ção das per­nas
lem­bra as d’O Im­pe­ra­dor: uma es­ten­di­da, a ou­tra do­bra­da. Mas o cru-­
za­men­to das per­nas d’O Im­pe­ra­dor é di­nâ­mi­co, uma per­na adi­an­te,
pres­tes a pas­sar à ação. O En­for­ca­do, ao con­trá­rio, do­bra uma per­na
atrás da ou­tra pa­ra me­lhor se imo­bi­li­zar. As­sim tam­bém su­as mãos,
sím­bo­los da ca­pa­ci­da­de de agir, es­tão cru­za­das nas cos­tas: ele na­da faz,
ele na­da es­co­lhe.
Dos dois la­dos do per­so­na­gem, ve­mos ár­vo­res com ga­lhos cor­ta­dos,
sa­cri­fi­ca­dos. Pa­ra es­se nas­ci­men­to ma­te­ri­al ou es­pi­ri­tu­al que se pre­pa-­
ra, é ne­ces­sá­rio fa­zer uma pa­ra­da. Po­de ser a pa­ra­da pro­vo­ca­da por
uma do­en­ça ou co­mo aque­la que con­sen­ti­mos li­vre­men­te na me­di­ta-­
ção. Em um pla­no es­pi­ri­tu­al, O En­for­ca­do dei­xa de se iden­ti­fi­car com a
co­mé­dia do mun­do e com seu pró­prio te­a­tro neu­róti­co; ofe­re­ce em sa-
cri­fí­cio ao tra­ba­lho in­te­ri­or as in­qui­e­tu­des de seu ego. Nes­se sen­ti­do,
sua que­da é uma as­cen­são.
Po­de­mos ver tam­bém, nes­sa in­ver­são de seu cor­po físi­co, uma in-­
ver­são do olhar e das pers­pec­ti­vas: o in­te­lec­to é pos­to abai­xo, o ra­ci­o-­
nal dei­xa de do­mi­nar a con­du­ta, ao pas­so que o es­píri­to se tor­na re­cep-­
ti­vo, co­mo de­mons­tra o ama­re­lo-es­cu­ro dos ca­be­los, à sa­be­do­ria in­te­ri-­
or pro­fun­da. O pon­to de vis­ta so­bre a vi­da mu­da. Nós nos se­pa­ra­mos de
uma vi­são de mun­do her­da­da da in­fân­cia, com seu cor­te­jo de ilu­sões e
de pro­je­ções, pa­ra en­trar em nos­sa pró­pria ver­da­de es­sen­ci­al. Vis­to por
es­se ân­gu­lo, O En­for­ca­do nos re­me­te­rá fre­quen­te­men­te, na lei­tu­ra, à
to­ma­da de cons­ciên­cia dos vín­cu­los do con­su­len­te com sua ár­vo­re ge-­
ne­a­ló­gi­ca. A po­si­ção do per­so­na­gem, de ca­be­ça pa­ra bai­xo, lem­bra a do
fe­to no ven­tre ma­ter­no, e po­de­rá in­ci­tar o ta­ró­lo­go a in­ter­ro­gar o/a
con­su­len­te so­bre as cir­cuns­tân­cias de sua ges­ta­ção e de seu nas­ci­men-­
to, ou das di­fi­cul­da­des vi­vi­das de ma­nei­ra trau­máti­ca em sua his­tó­ria.
As du­as ár­vo­res de ga­lhos cor­ta­dos po­dem ser in­ter­pre­ta­das co­mo as
du­as "ár­vo­res" ou li­nha­gens, ma­ter­na ou pa­ter­na, em que a si­tu­a­ção
neu­róti­ca e os abu­sos nos dei­xa­ram "sus­pen­sos", im­po­ten­tes e sa­cri­fi-­
ca­dos, es­con­den­do nas cos­tas, co­mo O En­for­ca­do com su­as mãos in­vi-­
sí­veis, se­gre­dos ver­go­nho­sos. Es­sa car­ta ex­pri­mi­rá, às ve­zes, a cul­pa­bi-­
li­da­de, os cri­mes ima­gi­ná­rios sim­bo­li­za­dos pe­las do­ze fe­ri­das san­gren-­
tas das ár­vo­res e o cas­ti­go a que nos obri­ga­mos, ou ain­da o sa­cri­fí­cio a
que nos sen­ti­mos con­de­na­dos. A lei­tu­ra po­pu­lar tra­di­ci­o­nal ima­gi­na
que o di­nhei­ro es­ca­pa dos bol­sos d’O En­for­ca­do, que ele per­de su­as ri-­
que­zas. Uma lei­tu­ra mais sim­bóli­ca ve­rá aí o sa­cri­fí­cio das “ri­que­zas”
ilu­só­rias do ego.
O En­for­ca­do po­de tam­bém evo­car a fi­gu­ra do Cris­to, e atra­vés de­la
o te­ma da do­a­ção de si mes­mo. Os do­ze ga­lhos cor­ta­dos sim­bo­li­za­ri­am,
en­tão, os do­ze após­to­los, que às ve­zes são iden­ti­fi­ca­dos com os do­ze
des­vi­os do ego, em tor­no do Cris­to que re­pre­sen­ta­ria o eu uni­ver­sal e
an­dró­gi­no. As mar­cas da an­dro­gi­nia são mui­tas: os bol­sos d’O En­for­ca-
do são em for­ma de lua cres­cen­te, mas uma re­ce­be en­quan­to a ou­tra
doa: uma é ati­va e a ou­tra, re­cep­ti­va. A cor­da que o pren­de e o sus­ten­ta
é du­pla: de um la­do, à nos­sa es­quer­da, ela ter­mi­na em um sím­bo­lo fáli-­
co, e do ou­tro, à nos­sa di­rei­ta, por uma for­ma que lem­bra o sím­bo­lo do
fe­mi­ni­no. Por ou­tro as­pec­to, es­sa mes­ma cor­da tem, no nó jun­to ao cal-­
ca­nhar d’O En­for­ca­do, um tri­ân­gu­lo ins­cri­to em um cír­cu­lo, sig­ni­fi­can-­
do que ele es­tá li­ga­do ao es­píri­to, à an­dro­gi­nia es­pi­ri­tu­al. E is­so dos pés
à ca­be­ça, pois des­co­bri­mos em seus ca­be­los, em ama­re­lo-cla­ro en­tre as
me­chas ama­re­lo-es­cu­ro, um sím­bo­lo re­don­do so­lar e uma pe­que­na lua.
No en­tan­to, sa­ben­do que o Ta­rot é atra­ves­sa­do pe­la in­fluên­cia de
três gran­des re­li­gi­ões mo­no­te­ís­tas, po­de­rí­a­mos igual­men­te ver nos dez
bo­tões do tra­je d’O En­for­ca­do uma alu­são à tra­di­ção ca­ba­lísti­ca e às
dez sefi­rot da Ár­vo­re da Vi­da. O pri­mei­ro bo­tão a par­tir do pes­co­ço tem
um pon­to, ori­gem de to­da cri­a­ção. De­pois se al­ter­nam, nos qua­tro se-­
guin­tes, um ele­men­to re­cep­ti­vo e um ele­men­to ati­vo. O sex­to bo­tão,
que cor­res­pon­de­ria à se­fi­rá Tip­he­ret, com a for­ma de um sol de oi­to
rai­os, per­fei­ção da be­le­za que une to­dos os ou­tros ele­men­tos. Em se-­
gui­da, no­va­men­te, um ele­men­to re­cep­ti­vo e um ele­men­to ati­vo, se­gui-­
dos de um no­no bo­tão con­ten­do uma lua, e um déci­mo on­de es­tá ins-­
cri­to um qua­dra­do, sím­bo­lo da ter­ra. A me­di­ta­ção d’O En­for­ca­do lhe dá
aces­so à sa­be­do­ria uni­ver­sal que ne­le re­pou­sa.
Em uma lei­tu­ra

Es­ta car­ta in­di­ca um mo­men­to de pa­ra­da que po­de ser pro­vei­to­so pa­ra
apro­fun­dar seus pro­je­tos, seu co­nhe­ci­men­to de si mes­mo, seu tra­ba­lho
in­te­ri­or. Ela po­de tam­bém fa­zer re­fe­rên­cia a um blo­queio, a uma in­ca-­
pa­ci­da­de de agir. Fre­quen­te­men­te, ela si­na­li­za­rá que não é o mo­men­to
de se fa­zer uma es­co­lha, que a si­tu­a­ção ou nos­so pró­prio olhar ain­da
ne­ces­si­ta ama­du­re­cer. O En­for­ca­do po­de ser vis­to li­te­ral­men­te co­mo o
re­fle­xo ou o es­pe­lho do Ar­ca­no XXI, O Mun­do, on­de a po­si­ção das per-­
nas é si­mi­lar. Mas a mu­lher no cen­tro da guir­lan­da d’O Mun­do dan­ça,
en­quan­to O En­for­ca­do es­tá pa­ra­do: ele re­pre­sen­ta a imo­bi­li­da­de com-­
ple­men­tar ao mo­vi­men­to, o fe­to no ven­tre ma­ter­no ou ain­da o con­ta­to
pro­fun­do con­si­go mes­mo de on­de nas­ce to­da re­a­li­za­ção no mun­do.
E se O En­for­ca­do fa­las­se...

“Es­tou nes­sa po­si­ção por­que que­ro. Fui eu quem cor­tou os ga­lhos. Li-­
ber­tei mi­nhas mãos do de­se­jo de se­gu­rar, de me apro­pri­ar, de re­ter.
Sem aban­do­nar o mun­do, eu me re­ti­rei de­le. Co­mi­go, vo­cê po­de­rá en-­
con­trar a von­ta­de de en­trar no es­ta­do em que não exis­te mais von­ta­de.
Em que as pa­la­vras, as emo­ções, as re­la­ções, os de­se­jos, as ne­ces­si­da­des
já não o pren­dem mais. Pa­ra me des­li­gar, cor­tei to­dos os vín­cu­los ex­ce-­
to aque­le que me li­ga à Cons­ciên­cia.
“Te­nho a sen­sa­ção de cair eter­na­men­te em mim mes­mo. Atra­vés do
la­bi­rin­to das pa­la­vras eu me pro­cu­ro, sou aque­le que pen­sa e não aque-­
le que é pen­sa­do. Não sou os sen­ti­men­tos, eu os ob­ser­vo a par­tir de
uma es­fe­ra in­tan­gí­vel on­de só exis­te a paz. A uma dis­tân­cia in­fi­ni­ta do
rio dos de­se­jos, co­nhe­ço ape­nas a in­di­fe­ren­ça. Não sou um cor­po, mas
aque­le que o ha­bi­ta. Pa­ra che­gar a mim mes­mo, sou um ca­ça­dor que sa-­
cri­fi­ca a pre­sa. En­con­tro a ação ar­den­te na não ação in­fi­ni­ta.
“Atra­ves­so a dor pa­ra en­con­trar a for­ça do sa­cri­fí­cio. Pou­co a pou­co
me des­fa­ço do que po­de­rí­a­mos cha­mar de 'eu'. En­tro em mim mes­mo
in­ces­san­te­men­te, co­mo em uma flo­res­ta en­can­ta­da. Na­da pos­suo, na­da
co­nhe­ço, na­da sei, na­da que­ro, na­da pos­so.
“No en­tan­to, uni­ver­sos in­tei­ros me atra­ves­sam, vêm me en­cher com
seus tur­bi­lhões, de­pois vão em­bo­ra. Sou o céu in­fi­ni­to que dei­xa pas­sar
as nu­vens. O que me res­ta? Um úni­co olhar, sem ob­je­to, cons­ci­en­te de
si mes­mo, fa­zen­do de si mes­mo a der­ra­dei­ra e úl­ti­ma re­a­li­da­de. En­tão
es­tou­ro em pu­ra luz. En­tão me tor­no ei­xo de uma dan­ça to­tal, a água
ben­ta on­de vêm be­ber os se­den­tos.
“É nes­se mo­men­to que sou o ar pu­ro que ex­pul­sa as at­mos­fe­ras en-­
ve­ne­na­das. É nes­se mo­men­to que meu cor­po pre­so se tor­na fon­te ca­ta-­
clísmi­ca da vi­da eter­na.
“Sou ape­nas um co­ra­ção que ba­te, que im­pul­si­o­na a be­le­za em di­re-­
ção aos con­fins da cri­a­ção. Tor­no-me a do­çu­ra apra­zí­vel em to­da dor, a
in­ces­san­te gra­ti­dão, a por­ta que con­duz as víti­mas ao êx­ta­se, o ca­mi­nho
in­cli­na­do pe­lo qual se des­li­za pa­ra ci­ma. A luz vi­va que cir­cu­la na es­cu-­
ri­dão do san­gue.”
En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:
Pa­ra­da • Es­pe­ra • Imo­bi­li­da­de • O mo­men­to de agir ain­da não che­gou • Ocul­tar al-­
go • Au­to­pu­ni­ção • Fe­to em ges­ta­ção • Se­gre­do • In­ver­são das pers­pec­ti­vas • Ver de
ou­tro pon­to de vis­ta • Não es­co­lher • Re­pou­so • Do­en­ça • Di­fi­cul­da­de • Con­di­ções
da ges­ta­ção do con­su­len­te • Vín­cu­lo com a ár­vo­re ge­ne­a­ló­gi­ca • Pre­ce • Sa­cri­fí­cio •
Do­a­ção de si mes­mo • Me­di­ta­ção pro­fun­da • Não fa­zer • For­ças in­te­ri­o­res re­ce­bi-­
das atra­vés da pre­ce...
XI­II O Ar­ca­no sem no­me
Trans­for­ma­ção pro­fun­da, re­vo­lu­ção

Pa­la­vras-cha­ve:
Mu­dan­ça • Mu­ta­ção • Re­vo­lu­ção • Có­le­ra • Trans­for­ma­ção • Lim­pe­za • Co­lhei­ta •
Es­que­le­to • Cor­tar • Avan­çar • Eli­mi­nar • Des­truir • Ra­pi­dez...
O er­ro mais di­fun­di­do so­bre es­te Ar­ca­no é o da tra­di­ção su­per­fi­ci­al que
lhe dá o sig­ni­fi­ca­do, e às ve­zes o no­me, de “A Mor­te”. O pe­so des­sa ine-­
xa­ti­dão in­flu­en­ci­ou mui­to a in­ter­pre­ta­ção do Ar­ca­no XI­II. Cer­ta­men­te,
a fi­gu­ra cen­tral é es­se es­que­le­to cei­fa­dor que, na tra­di­ção po­pu­lar, re-­
pre­sen­ta a mor­te. No en­tan­to, nu­me­ro­sos ele­men­tos nos per­mi­tem des-­
car­tar es­sa in­ter­pre­ta­ção sim­plis­ta. Por um la­do, o Ar­ca­no XI­II não tem
no­me. De­pois do tra­ba­lho de es­va­zi­a­men­to e apro­fun­da­men­to re­a­li­za-­
do por O En­for­ca­do, es­ta car­ta nos con­vi­da a uma pu­ri­fi­ca­ção ra­di­cal
do pas­sa­do, a uma re­vo­lu­ção que se si­tua nas pro­fun­de­zas não ver­bais
ou pré-ver­bais do ser, na som­bra des­te ter­re­no ne­gro, des­te des­co­nhe-­
ci­do de nós mes­mos de on­de emer­ge, co­mo de uma ma­triz, nos­sa hu-­
ma­ni­da­de.
Por ou­tro la­do, ob­ser­va­re­mos que o 13 não é o úl­ti­mo nú­me­ro da
série dos Ar­ca­nos mai­o­res, mas se si­tua um pou­co de­pois do meio da
série. Se es­ta car­ta re­pre­sen­tas­se um fim, ela tra­ria pro­va­vel­men­te o
nú­me­ro 22. Sua si­tu­a­ção no co­ra­ção do Ta­rot nos in­ci­ta a vê-la co­mo
um tra­ba­lho de lim­pe­za, uma re­vo­lu­ção ne­ces­sá­ria pa­ra a re­no­va­ção e
pa­ra a as­cen­são que le­va, de­pois de­la, grau após grau, em di­re­ção à re­a-­
li­za­ção to­tal d’O Mun­do. Além dis­so, es­ta car­ta nu­me­ra­da, mas não in-­
ti­tu­la­da, faz eco a O Lou­co, que tem no­me mas não nú­me­ro. A se­me-­
lhan­ça das pos­tu­ras en­tre os dois per­so­na­gens é evi­den­te: o es­que­le­to
do Ar­ca­no XI­II po­de­ria qua­se ser O Lou­co vis­to em raio-X. Dis­so po-­
de­mos de­du­zir que es­ses dois Ar­ca­nos re­pre­sen­tam dois as­pec­tos de
uma mes­ma ener­gia fun­da­men­tal. Mas se O Lou­co é an­tes de tu­do um
mo­vi­men­to, um apor­te, uma li­be­ra­ção, o Ar­ca­no XI­II evo­ca um tra­ba-­
lho se­me­lhan­te a uma la­vou­ra ou uma cei­fa que pre­pa­ram o ter­re­no pa-­
ra uma no­va vi­da. Ain­da aí, um índi­ce evi­den­te nos afas­ta da in­ter­pre-­
ta­ção sim­plis­ta: es­te es­que­le­to é cor de car­ne, cor da vi­da or­gâ­ni­ca por
ex­ce­lên­cia. Tra­ta-se do es­que­le­to que tra­ze­mos den­tro de nós, do os­so,
da es­sên­cia vi­va e da es­tru­tu­ra de to­do mo­vi­men­to, e não do es­que­le­to
que dei­xa­mos pa­ra trás quan­do de­sa­pa­re­ce­mos des­ta vi­da.
Um os­so bran­co, no chão, evo­ca a os­sa­tu­ra se­ca (a ori­gem do ter­mo
“es­que­le­to” é uma pa­la­vra gre­ga que sig­ni­fi­ca “se­co”), mas mes­mo es­se
os­so mor­to se mo­ve em di­re­ção a uma no­va vi­da, pois, com seus se­te fu-­
ros, apre­sen­ta-se co­mo uma flau­ta, ins­tru­men­to que aguar­da um so­pro
pa­ra pro­du­zir sua músi­ca; es­se so­pro po­de­ria ser di­vi­no. As­sim sen­do, é
im­pen­sá­vel re­du­zir o Ar­ca­no XI­II ao sig­ni­fi­ca­do de "mor­te". Em vez
dis­so, po­de­mos aí ver uma gran­de trans­for­ma­ção, uma re­vo­lu­ção, uma
mu­dan­ça ra­di­cal.
O per­so­na­gem, com a lâ­mi­na vi­tal (ver­me­lho) e es­pi­ri­tu­al (azul-ce-­
les­te) de seu al­fan­je es­tá tra­ba­lhan­do a na­tu­re­za, sua pró­pria na­tu­re­za
pro­fun­da. Ele se­gu­ra o al­fan­je pe­lo ca­bo ama­re­lo, cor da in­te­li­gên­cia: o
tra­ba­lho foi de­se­ja­do, pen­sa­do, e ago­ra se re­a­li­za. No pro­ces­so do Ar­ca-­
no XI­II, ve­re­mos fre­quen­te­men­te aflo­rar a có­le­ra ou a agres­si­vi­da­de,
so­fri­da ou ex­pres­sa­da. Mas é pos­sí­vel que es­se tra­ba­lho se efe­tue co­mo
uma ex­plo­são, rápi­da e li­be­ra­do­ra. É um pro­ces­so de eli­mi­na­ção que la-­
vra e do­ma o ego. Ne­nhum ou­tro ele­men­to inútil é to­le­ra­do, os sis­te­mas
de va­lo­res e os con­cei­tos re­du­to­res que nos fe­cham são abo­li­dos, e com
eles a cum­pli­ci­da­de que até ago­ra man­tí­nha­mos com nos­sa não re­a­li­za-­
ção ou com nos­sa neu­ro­se. To­dos os vín­cu­los de de­pen­dên­cia são cor-­
ta­dos pa­ra nos per­mi­tir re­cu­pe­rar a li­ber­da­de per­di­da, da qual O Lou­co
é o sím­bo­lo pri­mor­di­al.
O ter­re­no ne­gro so­bre o qual tra­ba­lha o Ar­ca­no XI­II lem­bra o ni­gre-­
do da al­qui­mia, ou o lo­do de on­de emer­ge a ló­tus na tra­di­ção bu­dis­ta. É
a cor do in­cons­ci­en­te, da va­cui­da­de, do mis­té­rio pro­fun­do. Aí en­con­tra-­
mos du­as ca­be­ças, que não sa­be­mos se fo­ram cor­ta­das ou se es­tão sur-­
gin­do da es­cu­ri­dão – em to­do ca­so, o es­que­le­to se apoia so­bre elas pa­ra
avan­çar. Pai e mãe fo­ram des­tro­na­dos, em um pri­mei­ro mo­men­to, pa­ra
que a no­bre­za pro­fun­da do mas­cu­li­no e do fe­mi­ni­no apa­re­ces­se sob a
for­ma de dois ar­quéti­pos pu­ri­fi­ca­dos. Dois se­res hu­ma­nos de tra­di­ção
re­al nas­cem en­tão aqui, da mes­ma ma­nei­ra que bro­tam du­as es­péci­es
de plan­tas: uma azul-es­cu­ra, cor da re­cep­ção es­pi­ri­tu­al in­tui­ti­va, e ou-­
tra ama­re­la, cor da in­te­li­gên­cia ati­va e so­lar.
Ob­ser­va­mos tam­bém que pés e mãos se des­ta­cam do ne­gro do chão,
al­guns mui­to bem fei­tos, ou­tros im­per­fei­tos. Fo­ram cor­ta­dos? Bro­tam
da ter­ra? Nes­se ca­so, po­de­mos di­zer que o no­vo ser já aflo­ra à su­per-­
fície. Se es­tu­dar­mos mais de per­to o per­so­na­gem es­que­léti­co, ve­mos
que seu ros­to não é um ros­to, mas uma som­bra de per­fil, co­mo se o ne-­
gro do chão ti­ves­se su­bi­do até a ca­be­ça, co­mo se o men­tal ti­ves­se si­do
es­va­zi­a­do. O olho do per­so­na­gem lem­bra um dra­gão mor­den­do a pró-­
pria cau­da, sím­bo­lo do uni­ver­so in­fi­ni­to. Sua ca­be­ça con­tém uma for­ma
lu­nar, si­nal de sua re­cep­ti­vi­da­de, e na par­te de trás do crâ­nio, vi­ran­do a
car­ta, po­de­mos des­co­brir en­tre as ha­chu­ras as le­tras he­brai­cas Yod, He,
Vav, He, que compõem o No­me di­vi­no. A so­ma des­sas qua­tro le­tras no
al­fa­be­to he­brai­co dá 26, nú­me­ro da di­vin­da­de, do qual 13 é a me­ta­de
exa­ta.
Es­te ser le­va em si a di­vin­da­de, mas não é in­tei­ra­men­te di­vi­no, ele
tra­ba­lha no pla­no da en­car­na­ção. O qua­dril do per­so­na­gem e sua co­lu-­
na ver­te­bral re­pro­du­zem as co­res da lâ­mi­na do al­fan­je: azul-ce­les­te e
ver­me­lho, co­mo se es­sas du­as co­res (ação vi­tal e re­cep­ti­vi­da­de es­pi­ri­tu-­
al; ver pp. 116 ss.) cons­ti­tu­ís­sem a ba­se do cres­ci­men­to que se de­sen­vol-­
ve ao lon­go da co­lu­na, em for­ma de es­pi­ga de tri­go, até a flor ver­me­lha
de qua­tro pé­ta­las que sus­ten­ta a ca­be­ça. Es­con­di­do no qua­dril, um co-­
ra­ção azul nos in­di­ca que ele tra­ba­lha com amor. Um de seus jo­e­lhos e
um de seus co­to­ve­los con­têm uma flor de três pé­ta­las ou um tre­vo ver-­
me­lho, que in­di­cam mais uma vez a ati­vi­da­de nos pon­tos es­tra­tégi­cos
do ser: jo­e­lho e co­to­ve­lo são lu­ga­res do ca­ris­ma, da co­mu­ni­ca­ção com
as mas­sas. No cor­po cor de car­ne, uma per­na e um bra­ço são pin­ta­dos
de azul-ce­les­te. Tra­ta-se de um ser ati­vo e co­mu­ni­ca­ti­vo ao mes­mo
tem­po en­car­na­do e es­pi­ri­tu­al, hu­ma­no e di­vi­no, mor­tal e imor­tal. Sua
más­ca­ra é as­sus­ta­do­ra. Mes­mo ten­do vis­to que ele guar­da em si a ação
di­vi­na, po­de­mos nos dei­xar ater­ro­ri­zar por sua apa­rên­cia e ver nes­se
per­so­na­gem um co­xo de ca­be­ça oca que cei­fa in­dis­tin­ta­men­te, sem res-­
pei­to pe­la be­le­za da vi­da. Uma ame­a­ça ater­ro­ri­zan­te e im­pla­cá­vel, co-­
mo a mor­te in­jus­ta e sem per­dão. Mas sua ação nos in­di­ca o ca­mi­nho
da trans­for­ma­ção e nos le­va da mor­ta­li­da­de à imor­ta­li­da­de da cons-­
ciên­cia in­di­vi­du­al.
Em uma lei­tu­ra

Es­ta car­ta exi­ge uma de­li­ca­de­za de in­ter­pre­ta­ção to­da par­ti­cu­lar. As


pre­di­ções ne­ga­ti­vas são tóxi­cas e inú­teis: não é ne­ces­sá­rio ver aí a mor-­
te, a mu­ti­la­ção, a do­en­ça... Al­guns con­su­len­tes se as­sus­tam só de ver es-­
ta car­ta. Con­vém des­co­brir qual gran­de trans­for­ma­ção a car­ta evo­ca
em ca­da um, quais mu­dan­ças são de­se­ja­das ou já es­tão em an­da­men­to,
e tal­vez quais ame­a­ças ela nos per­mi­te evi­tar. Tra­ta-se às ve­zes de um
lu­to ne­ces­sá­rio, às ve­zes tam­bém de uma gran­de có­le­ra in­te­ri­o­ri­za­da
que é ne­ces­sá­rio ex­pri­mir. Às ve­zes, ain­da, o Ar­ca­no XI­II evo­ca uma
agres­si­vi­da­de in­cons­ci­en­te ou a ne­ces­si­da­de de ma­ni­fes­tar uma ener-­
gia que, no mo­men­to, não sa­be se ex­pri­mir sob uma for­ma po­si­ti­va. É
bom, nes­se ca­so, ver se a ener­gia d’O Lou­co (mes­ma di­re­ção, mes­mo
mo­vi­men­to, mas co­no­ta­ções me­nos ne­ga­ti­vas) não se­ria mais apro­pri­a-­
da. No en­tan­to, quan­do uma re­vo­lu­ção é de­se­ja­da, o Ar­ca­no XI­II a en-­
se­ja com uma ra­pi­dez ra­di­cal, que po­de pro­vo­car um gran­de alí­vio.
E se o Ar­ca­no XI­II fa­las­se...

“Se vo­cê se apres­sar, me al­can­ça­rá. Se fre­ar, eu o al­can­ça­rei. Se an­dar


tran­qui­la­men­te, eu o acom­pa­nha­rei. Se gi­rar, dan­ça­rei com vo­cê. Uma
vez que nos­so en­con­tro é ine­vi­tá­vel, en­fren­te-me ago­ra mes­mo! Sou a
sua som­bra in­te­ri­or, aque­la que ri por trás da ilu­são que vo­cê cha­ma de
re­a­li­da­de. Pa­ci­en­te co­mo uma ara­nha, en­gas­ta­da co­mo uma joia em ca-­
da um dos seus ins­tan­tes, vo­cê com­par­ti­lha co­mi­go a sua vi­da – ou se
vo­cê se re­cu­sar, não vi­ve­rá na ver­da­de. Vo­cê po­de­rá fu­gir até o fim do
mun­do, eu es­ta­rei sem­pre do seu la­do. Des­de que vo­cê nas­ceu, sou a
mãe que não ces­sa de lhe dar à luz. Ale­gre-se, en­tão! Ape­nas quan­do
vo­cê me con­ce­be sua vi­da ga­nha sen­ti­do. O in­sen­sa­to que não me re­co-­
nhe­ce se afer­ra às coi­sas sem ver que to­das me per­ten­cem. Não há ne-­
nhu­ma que não te­nha meu se­lo. Per­ma­nen­te im­per­ma­nên­cia, sou o se-­
gre­do dos sá­bios: eles sa­bem que só po­dem avan­çar por meu ca­mi­nho.
“Aque­les que me as­si­mi­lam se tor­nam es­píri­tos po­de­ro­sos. Aque­les
que me ne­gam, ten­tan­do em vão fu­gir, per­dem as de­lí­cias do efê­me­ro:
exis­tem sem sa­ber ser. Ago­ni­zan­tes, eles não sa­bem vi­ver.
“As cri­an­ças não me ima­gi­nam. Se pu­des­sem fa­zê-lo, dei­xa­ri­am de
ser cri­an­ças, pois eu sou o fim da in­fân­cia. Aque­le que me en­con­tra em
seu ca­mi­nho se tor­na adul­to: ele sa­be que me per­ten­ce. De­vo­ro su­as di-­
fi­cul­da­des, seus triun­fos, seus fra­cas­sos, seus amo­res, su­as de­cep­ções,
seus pra­ze­res, su­as do­res, seus pais, seus fi­lhos, seu or­gu­lho, su­as ilu-­
sões, sua ri­que­za, de­vo­ro tu­do. Mi­nha vo­ra­ci­da­de não tem li­mi­te, de­vo-­
ro até mes­mo seus deu­ses. Mas quan­to ao úl­ti­mo de­les, ao au­tênti­co,
uma vez que as más­ca­ras se dis­sol­vem em mi­nhas en­tra­nhas, que­bro
ne­le meus den­tes. Em seu mis­té­rio in­des­cri­tí­vel, em sua pre­sen­ça au-­
sen­te, em sua au­sên­cia pre­sen­te, ma­to-me a mim mes­ma. Só en­gu­lo o
ego. Ca­da um tem um gos­to di­fe­ren­te, um mais féti­do e amar­go que os
ou­tros.
“Gra­ças a mim, tu­do se con­ver­te em pó e tu­do se fun­de. Mas não
pen­se que se tra­ta de uma tra­gé­dia. Fa­ço da des­trui­ção um pro­ces­so de
um es­plen­dor ex­tre­mo. Es­pe­ro que a vi­da se ma­ni­fes­te até al­can­çar sua
mai­or be­le­za, e apa­re­ço en­tão pa­ra eli­mi­ná-la com a mes­ma be­le­za.
Quan­do ela atin­ge o li­mi­te de seu cres­ci­men­to, co­me­ço a des­truí-la
com o mes­mo amor que foi em­pre­ga­do pa­ra cons­truí-la. Que ale­gria!
Que ale­gria in­co­men­su­rá­vel! Mi­nha des­trui­ção per­ma­nen­te abre ca­mi-­
nho pa­ra a cri­a­ção cons­tan­te. Se não há fim, não há co­me­ço. Es­tou a
ser­vi­ço da eter­ni­da­de. Se vo­cê se en­tre­ga à trans­for­ma­ção, vo­cê se tor-­
na se­nhor do mo­men­to efê­me­ro, pois vo­cê o vê em sua in­ten­si­da­de in­fi-­
ni­ta. É por mi­nha cau­sa que nas­ce o de­se­jo nos ven­tres, nos se­xos. O
coi­to ser­ve pa­ra con­quis­tar a eter­ni­da­de.
“Se vo­cê não ti­ves­se cor­po ma­te­ri­al, eu não exis­ti­ria. Quan­do vo­cê
se tor­na pu­ro es­píri­to, eu de­sa­pa­re­ço. Sem ma­té­ria, dei­xo de exis­tir.
Ou­se en­tão de­po­si­tar seus os­sos e sua car­ne na mi­nha bo­ca! Pa­ra triun-­
far, é pre­ci­so que vo­cê me dê tu­do aqui­lo que, na ver­da­de, sem­pre foi
meu. Su­as idei­as, seus sen­ti­men­tos, seus de­se­jos e su­as ne­ces­si­da­des,
tu­do is­so me per­ten­ce. Se vo­cê qui­ser guar­dar al­gu­ma coi­sa, por míni-­
ma que se­ja, vo­cê que não é na­da nem na­da pos­sui, a per­de­rá. Vo­cê per-­
de­rá a eter­ni­da­de.
“En­ten­da: em meu ex­tre­mo ne­gror, sou o olho des­se im­pen­sá­vel
que vo­cê po­de­ria cha­mar de Deus. Sou tam­bém Sua von­ta­de. Gra­ças a
mim vo­cê che­ga até Ele. Sou a por­ta di­vi­na: quem en­tra em meu ter­ri-­
tó­rio é um sá­bio, e quem não po­de cru­zar meu um­bral cons­ci­en­te­men-­
te é uma cri­an­ça me­dro­sa co­ber­ta de su­jei­ra. Em mim, é pre­ci­so en­trar
pu­ro: des­fa­ça-se de tu­do, des­fa­ça-se até mes­mo do de­sa­pe­go, ani­qui­le-
se. Só quan­do vo­cê de­sa­pa­re­cer, Deus apa­re­ce­rá.
“Vo­cê quer a for­ça? Ao me acei­tar, vo­cê fi­ca mais for­te. Vo­cê quer a
sa­be­do­ria? Ao me acei­tar, vo­cê fi­ca mais sá­bio. Vo­cê quer a co­ra­gem?
Ao me acei­tar, vo­cê fi­ca mais co­ra­jo­so. Di­ga-me o que vo­cê quer! Se vo-­
cê se tor­nar meu aman­te, eu lhe da­rei. Quan­do vo­cê sen­tir que fa­ço
par­te do seu cor­po, trans­for­ma­rei a con­cep­ção que vo­cê tem de si mes-­
mo, eu o dei­xa­rei mor­to em vi­da e lhe da­rei o olhar pu­ro dos mor­tos:
dois fu­ros aber­tos pe­los quais Deus olha. O ins­tan­te, en­tão, se tor­na ter-­
rí­vel, tu­do se trans­for­ma em es­pe­lho e vo­cê se vê em to­dos os se­res, em
to­das as for­mas, em to­dos os pro­ces­sos. Aqui­lo que vo­cê cha­ma de ‘vi-­
da’ se tor­na uma dan­ça de ilu­sões. Não exis­te di­fe­ren­ça en­tre a ma­té­ria
e o so­nho.
“Pa­re de tre­mer, pa­re de te­mer, ale­gre-se! A vi­da, ain­da que ir­re­al e
efê­me­ra, no ins­tan­te re­ve­la sua mai­or be­le­za. Ao me dar o seu olhar, vo-­
cê com­preen­de­rá en­fim que es­tar vi­vo é um mi­la­gre.
“Não gos­to que me en­con­trem an­tes da ho­ra. De­se­jo que me cha-­
mem no mo­men­to pre­ci­so em que se com­preen­de aqui­lo que sou. Se
me apres­sam com sui­cí­dio, não con­ce­do sa­be­do­ria ne­nhu­ma, pois me
tra­ves­tem de vul­gar des­trui­ção. Não sou uma in­fe­li­ci­da­de ab­sur­da, pos-­
suo um sig­ni­fi­ca­do pro­fun­do, sou a gran­de Ini­ci­a­do­ra, a Mes­tra im­pal-­
pá­vel ocul­ta sob a ma­té­ria. Quan­do me so­li­ci­tam de ma­nei­ra in­sen­sa­ta,
me en­fu­re­ço, fa­zem-me agir con­tra mi­nha von­ta­de. Ape­nas aque­les que
che­gam até mim com ple­na cons­ciên­cia me con­ce­dem o go­zo su­pre­mo.
Mas a mai­o­ria dos se­res, ig­no­ran­tes, vêm a mim pe­la guer­ra, pe­lo cri-­
me, pe­lo ví­cio, pe­la do­en­ça, pe­las ca­tás­tro­fes. Ra­ros são aque­les que
atin­gem es­se es­ta­do de cons­ciên­cia pu­ra on­de eu me tor­no o apo­geu da
re­a­li­za­ção. Es­ses sem­pre me re­co­nhe­cem, en­quan­to os ou­tros, sou eu
quem os sur­preen­de. Aque­le que se re­sig­na, com­preen­de e acei­ta ser
mi­nha pre­sa, vi­ve com fa­ci­li­da­de, na li­ber­da­de e na ale­gria, con­fi­an­te
di­an­te das agres­sões, sem pe­sa­de­los, re­a­li­zan­do seus de­se­jos: quan­do
se per­de a es­pe­ran­ça, per­de-se tam­bém o me­do.
“Não me es­ten­da a mão, pois ime­di­a­ta­men­te eu a fa­rei apo­dre­cer.
Ofe­re­ça-me a sua cons­ciên­cia. De­sa­pa­re­ça em mim pa­ra en­fim ser a to-­
ta­li­da­de!"

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Trans­for­ma­ção pro­fun­da • Re­vo­lu­ção • Cor­te • Eli­mi­nar o que nos im­pe­de de avan-­
çar • Fim de uma ilu­são • Rup­tu­ra sau­dá­vel • Có­le­ra • Re­vo­lu­ci­o­ná­rio • Agres­si­vi-­
da­de • Co­lhei­ta • Tra­ba­lho de lu­to re­la­ti­vo a uma pes­soa ou a uma si­tu­a­ção • Ódio
• Vi­o­lên­cia • Lim­pe­za • Pu­ri­fi­ca­ção ra­di­cal • Es­sên­cia da mu­dan­ça • Tra­ba­lho do
in­cons­ci­en­te • O ros­to des­trui­dor da di­vin­da­de • A mor­te co­mo más­ca­ra de Deus •
Trans­mu­ta­ção • Er­ra­di­ca­ção do an­ti­go pa­ra dar lu­gar ao no­vo • Tra­ba­lho re­la­ci­o-­
na­do ao es­que­le­to hu­ma­no • Mo­vi­men­to es­sen­ci­al • Raio X • Psi­ca­na­lis­ta, pes­soa
que acom­pa­nha a mu­dan­ça...
XI­I­II Tem­pe­ran­ça
Pro­te­ção, cir­cu­la­ção, cu­ra

Pa­la­vras-cha­ve:
An­jo da guar­da • Me­di­da • Mis­tu­ra • Cir­cu­lar • Har­mo­nia • Cu­rar • Pro­te­ger • Be-­
ne­vo­lên­cia • Pru­dên­cia • Tem­pe­rar, su­a­vi­zar, ate­nu­ar • Saú­de • Equa­ni­mi­da­de...
Tem­pe­ran­ça, o nú­me­ro ca­tor­ze, re­pre­sen­ta um an­jo. Es­ta car­ta che­ga
de­pois do tra­ba­lho pro­fun­do do Ar­ca­no XI­II, que eli­mi­nou o inútil e
cri­ou o va­zio ne­ces­sá­rio ao res­ta­be­le­ci­men­to da cir­cu­la­ção in­te­ri­or. O
tem­po da paz e da saú­de che­gou. Ob­ser­ve­mos que “Tem­pe­ran­ça” não
tem ar­ti­go de­fi­ni­do, nem mas­cu­li­no, nem fe­mi­ni­no. Po­de­mos fa­lar nos
dois gê­ne­ros: “ele” co­mo o an­jo, “ela” co­mo “a tem­pe­ran­ça”. As­sim co-­
mo O Im­pe­ra­dor na pri­mei­ra série de­ci­mal, Tem­pe­ran­ça é um 4, nú­me-­
ro da es­ta­bi­li­da­de. O an­jo es­tá ar­rai­ga­do à ter­ra e não voa, ain­da que su-­
as asas azul-ce­les­te lhe per­mi­tam. Tem­pe­ran­ça su­pe­rou o car­nal, po­de
vo­ar às re­gi­ões mais su­tis. Su­as pu­pi­las ama­re­las, ilu­mi­na­das de pu­ra
cons­ciên­cia, lem­bram o ver­so de Rilke, “To­do an­jo é ter­rí­vel”. Es­se
olhar so­bre-hu­ma­no po­de­ria ser aque­le do úni­co an­jo que viu Deus:
Ga­bri­el. O olhar e os ca­be­los de Tem­pe­ran­ça es­tão chei­os da luz di­vi­na,
e a flor ver­me­lha de cin­co pé­ta­las que se abre no al­to de sua ca­be­ça nos
in­di­ca que le­va con­si­go a quin­tes­sên­cia. Seus pen­sa­men­tos se ma­ni­fes-­
tam sob a for­ma de um per­fu­me ma­ra­vi­lho­so, além das pa­la­vras.
Mas nós já vi­mos que es­se an­jo es­tá ar­rai­ga­do à ter­ra. A seus pés,
du­as ser­pen­tes se en­tre­cru­zam, se aca­ri­ci­am: Tem­pe­ran­ça as­su­miu to-­
das as ener­gi­as te­lúri­cas e do­mi­nou sua li­bi­do. Es­sas du­as ser­pen­tes são
os po­los se­xu­ais, o mas­cu­li­no e o fe­mi­ni­no do Tan­tra, ou os dois na­dis
Ida e Pin­ga­la que se en­tre­la­çam des­de a ba­se da co­lu­na ver­te­bral pa­ra
se tor­na­rem um só, ele­van­do-se até as asas azuis. Es­se sím­bo­lo lem­bra
tam­bém tan­to o ca­du­ceu de Her­mes quan­to Quet­zal­co­a­tl, a ser­pen­te
em­plu­ma­da das re­li­gi­ões pré-co­lom­bi­a­nas. O an­jo cres­ce so­bre a po-­
tên­cia de sua se­xu­a­li­da­de; en­con­tra­mos a for­ça ani­mal su­bli­ma­da na
ener­gia ce­les­ti­al e es­pi­ri­tu­al de seus ca­be­los ama­re­los.
Os qua­tro pe­que­nos tri­ân­gu­los ama­re­los em seu pei­to evo­cam os
qua­tro cen­tros do ser hu­ma­no: o in­te­lec­tu­al, o emo­ci­o­nal, o se­xu­al e o
cor­po­ral. Es­ses cen­tros não se co­mu­ni­cam en­tre si, eles es­tão jus­ta­pos-­
tos, ca­da um com sua pró­pria lei. Mas aci­ma de­les en­con­tra­mos um cír-­
cu­lo ama­re­lo, sím­bo­lo da per­fei­ção, on­de se ins­cre­ve, des­ta­ca­do do cír-­
cu­lo, um tri­ân­gu­lo que per­mi­te a ca­da um dos ele­men­tos ali se en­cai­xar
per­fei­ta­men­te. É a quin­ta es­sên­cia, o ser es­sen­ci­al em nós que co­mu­ni-­
ca com ca­da um dos qua­tro cen­tros, per­mi­tin­do a har­mo­nia do ser hu-­
ma­no. Da mes­ma ma­nei­ra, dis­tin­gui­mos na cor de car­ne do pei­to do an-­
jo uma mão, sím­bo­lo de sor­te e de paz: seu co­ra­ção ir­ra­dia ca­ri­da­de.
Tem­pe­ran­ça faz co­mu­ni­car as ener­gi­as, os flui­dos, uns com os ou-­
tros. Po­de­rí­a­mos di­zer que mes­cla água ao vi­nho. Por sua ação, já não
exis­tem mais ener­gi­as opos­tas, nem con­trá­rios, mas ape­nas com­ple-
men­ta­ri­e­da­des: é o se­gre­do do equi­lí­brio. Tem­pe­ran­ça in­di­ca o res­ta­be-­
le­ci­men­to da saú­de, o equi­lí­brio men­tal e emo­ci­o­nal, o con­tro­le das
pai­xões sem re­pres­são, mas pe­la su­bli­ma­ção. Tem­pe­ran­ça traz uma
men­sa­gem de pa­ci­fi­ca­ção: “En­con­tre o cen­tro, seu pên­du­lo vi­tal de­ve
se afas­tar dos ex­tre­mos, pas­se pe­lo ca­mi­nho do meio”.
Por bai­xo de seu tra­je, des­co­bri­mos a pon­ta de seu sa­pa­to, uma das
ra­ras man­chas ro­xas do Ta­rot. Es­se pé an­ge­li­cal tam­bém é tem­pe­ra­do:
é a mes­cla do ver­me­lho ati­vo e do azul re­cep­ti­vo que com­par­ti­lham o
cor­po de Tem­pe­ran­ça. Com­preen­de­mos, en­tão, que por den­tro, por
bai­xo da rou­pa, o an­jo é ro­xo: ele re­a­li­zou a uni­ão do po­si­ti­vo e do ne-­
ga­ti­vo, do ati­vo e do pas­si­vo... Eis o se­gre­do que es­se pé nos su­ge­re dis-­
cre­ta­men­te.
Em uma lei­tu­ra

Es­ta car­ta apa­re­ce fre­quen­te­men­te co­mo um si­nal de cu­ra e re­con­ci­li­a-­


ção. Es­ta­mos pro­te­gi­dos. Ela nos exor­ta a bus­car o equi­lí­brio en­tre os
apa­ren­tes opos­tos. É co­mum que se vi­va com um cor­te in­ter­no, por
exem­plo, en­tre o in­te­lec­to e o res­to de si mes­mo, ou, ao con­trá­rio, en­tre
o cor­po e o res­to da per­so­na­li­da­de, quan­do se é mui­to es­por­ti­vo, por
exem­plo; en­tre a fren­te e as cos­tas, no ca­so de pes­so­as que cos­tu­mam
re­pre­sen­tar; en­tre uma con­cep­ção es­pi­ri­tu­al mui­to ele­va­da e os de­se­jos
se­xu­ais im­pe­ri­o­sos... Em to­do ca­so, Tem­pe­ran­ça nos cha­ma pa­ra o ca-­
mi­nho do meio, pa­ra se­lar a uni­ão com nós mes­mos e, a par­tir daí, com
o res­to do mun­do. Es­te Ar­ca­no di­ri­ge tam­bém uma ad­ver­tên­cia às pes-­
so­as al­coó­la­tras ou to­xi­cô­ma­nas, a to­dos aque­les que sa­bem es­tar de­se-­
qui­li­bra­dos por de­ci­são pró­pria.
O tra­ba­lho de Tem­pe­ran­ça não con­sis­te, pois, em cor­tar, mas em
acres­cen­tar uma pai­xão que tem­pe­re as pai­xões que nos fa­zem mal: a
con­fi­an­ça ao ci­ú­me, a so­bri­e­da­de à gu­la...
E se Tem­pe­ran­ça fa­las­se...

“Es­tou com vo­cê per­ma­nen­te­men­te. Não pas­sa um se­gun­do em que eu


não es­te­ja com vo­cê, pois mi­nha es­sên­cia ver­da­dei­ra é ser guar­di­ão. Vo-­
cê não ima­gi­na o nú­me­ro de pe­ri­gos e do­en­ças de que eu o sal­vo. Es­tou
aqui, a vi­giá-lo. Quan­do vo­cê so­nha, ve­lo seus so­nhos, afas­to os pe­sa­de-­
los.
“Amo vo­cê in­fi­ni­ta­men­te. Con­fie em mim, por­que, quan­do vo­cê dei-­
xa de crer na mi­nha be­ne­vo­lên­cia, vou me tor­nan­do ca­da vez me­nor e
in­vi­sí­vel, per­co uma par­te do meu po­der. Mas, quan­do vo­cê vol­ta a me
ver, ajo ca­da vez me­lhor, den­tro de vo­cê e no mun­do ex­te­ri­or. Da mes-­
ma ma­nei­ra que uma mãe dei­xa­ria o fi­lho aos cui­da­dos de uma pes­soa
de con­fi­an­ça, vo­cê po­de con­fi­ar em mim co­mo uma cri­an­ça. Quan­tos
de vo­cês su­bi­ta­men­te to­ma­ram cons­ciên­cia da mi­nha exis­tên­cia no
mo­men­to em que um car­ro ia pas­san­do e eu os pu­xei pa­ra trás? Ou
quan­do os dis­su­a­di de en­trar em um avi­ão que ex­plo­di­ria em ple­no
voo? Ou ain­da quan­do de­ti­ve seus pas­sos a al­guns cen­tí­me­tros do abis-­
mo?
“Sou o equi­lí­brio e a pros­pe­ri­da­de. Sou a voz in­te­ri­or que ex­cla­ma:
‘Aten­ção!’, e que faz vo­cê evi­tar o er­ro fa­tal, o aci­den­te, o ges­to ir­re­ver-­
sí­vel.
“Por vo­cê, vi­vo em es­ta­do de aler­ta cons­tan­te. Sou a be­ne­vo­lên­cia
do uni­ver­so. Co­mu­ni­co com a na­tu­re­za e to­das as en­ti­da­des que go­ver-­
nam o mun­do pa­ra que se­jam fa­vo­rá­veis a vo­cê, in­ter­cep­to os pe­ri­gos,
ori­en­to as tro­cas. Es­tou pre­sen­te ao nor­te, ao sul, ao les­te e a oes­te, nos
qua­tro can­tos do mun­do, pa­ra que vo­cê vi­va em ple­na con­fi­an­ça.
“Cha­ma­ram-me de ‘an­jo da guar­da’, é as­sim que a Igre­ja me so-­
nhou, sob uma apa­rên­cia in­fan­til. Sou is­so, e sou tam­bém mui­to mais
que is­so. Sou uma par­te do seu in­cons­ci­en­te, a par­te be­ne­vo­len­te, aque-­
la que aju­da e pro­te­ge vo­cê até du­ran­te o so­no. Es­tou aqui pa­ra im­pul-­
si­o­ná-lo a agir quan­do uma ação é boa pa­ra vo­cê. Con­fie em mim: es­tou
aqui pa­ra equi­li­brá-lo. Aque­les que so­frem e se tor­tu­ram não me co-­
nhe­cem, e no en­tan­to es­tou aqui tam­bém por eles. Es­pe­ro ape­nas que
eles me ve­jam, que me cha­mem.
“Só lhe pe­ço uma coi­sa: re­co­nhe­ça-me. Se vo­cê me re­co­nhe­cer, não
es­ta­rá so­zi­nho. Mas en­tão, vo­cê me di­rá, o que é pre­ci­so fa­zer pa­ra che-­
gar até mim? Eu lhe res­pon­de­rei: é pre­ci­so co­me­çar me ima­gi­nan­do.
Vo­cê po­de in­vo­car pri­mei­ro mi­nha ima­gem in­fan­til de an­jo da guar­da,
é um bom co­me­ço. Brin­que co­mi­go co­mo a cri­an­ça que fa­la com seu
an­jo. Fa­ça co­mo se eu exis­tis­se. Ima­gi­ne que es­tou aqui, ao seu la­do, o
tem­po in­tei­ro, e que meu úni­co ob­je­ti­vo é aju­dá-lo. E, so­bre­tu­do, co­mo
uma cri­an­ça con­fi­an­te, acei­te a mi­nha aju­da.
“Aban­do­ne su­as de­fe­sas. Quan­do pre­ci­sar de al­gu­ma coi­sa, pe­ça pa-­
ra mim em voz al­ta: ‘Meu an­jo da guar­da, aju­de-me, in­ter­ce­da por mim
nes­se pro­ble­ma, nes­sa di­fi­cul­da­de...’. Res­pon­de­rei a to­dos os seus pe­di-­
dos, se­jam eles práti­cos ou es­pi­ri­tu­ais. Pe­ça que eu o pro­te­ja, amo pro-­
te­gê-lo. Di­ga-me: ‘Meu pro­te­tor, cui­de da mi­nha saú­de, aju­de-me a en-­
con­trar um tra­ba­lho que me agra­de de ver­da­de, em que eu me re­a­li­ze
co­mo ser hu­ma­no, que não fal­te na­da pa­ra a mi­nha fa­mí­lia’.
“Ou me di­ga: ‘Meu pro­te­tor, aju­de-me a con­ser­var a cal­ma nes­sas
cir­cuns­tân­cias di­fí­ceis, aju­de-me a pro­gre­dir e de­sen­vol­ver mi­nha
cons­ciên­cia, dê-me for­ças, me­lho­re mi­nha saú­de e fa­ça com que a ca­da
dia eu me tor­ne útil pa­ra aque­les ao meu re­dor. Con­fio em vo­cê’.
“Mes­mo que vo­cê não acre­di­te em mim, imi­te es­sa cren­ça, e pou­co
a pou­co co­me­ça­rei a apa­re­cer. O tem­po é meu ali­a­do, pois lhe traz ca­da
vez mais sa­be­do­ria. Es­tou com vo­cê des­de o nas­ci­men­to até o mo­men­to
que cha­mam de mor­te, e que é um ou­tro nas­ci­men­to.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Cu­ra • Saú­de • Pro­te­ção • Equi­lí­brio di­nâ­mi­co • Tro­cas • Re­con­ci­li­a­ção • Cir­cu­la-­
ção de flui­dos (san­gue, água...) • Flu­xo de ener­gi­as • Pas­sa­gem de uma fron­tei­ra •
Vi­a­gens • So­nhos pre­mo­ni­tó­rios • Har­mo­nia • Hu­mor equi­li­bra­do e apra­zí­vel •
Mes­clar • Pon­de­rar • “Co­lo­car água no vi­nho” (ate­nu­ar pai­xões) • Equi­lí­brio das
for­ças vi­tais • An­ge­lis­mo (o an­jo não tem se­xo) • Ten­dên­cia ex­ces­si­va à mo­de­ra­ção
• Ava­re­za • Co­mu­ni­ca­ção con­si­go mes­mo • Men­sa­gei­ro da gra­ça • Cu­ra es­pi­ri­tu­al •
An­jo da guar­da • Evo­ca um de­fun­to (es­cul­tu­ra fu­ne­rá­ria) • Trans­mi­gra­ção das al-­
mas, reen­car­na­ção • Ser­pen­te em­plu­ma­da...
XV O Di­a­bo
For­ças do in­cons­ci­en­te, pai­xão, cri­a­ti­vi­da­de

Pa­la­vras-cha­ve:
Ten­ta­ção • De­se­jo • Ape­go • Acor­ren­ta­men­to • Di­nhei­ro • Con­tra­to • Pro­fun­di­da­de
• Es­cu­ri­dão • Me­do • Proi­bi­do • In­cons­ci­en­te • Se­xu­a­li­da­de • Pul­sões • Cri­a­ti­vi­da-­
de...
Na or­dem nu­me­ro­ló­gi­ca, O Di­a­bo cor­res­pon­de a O Pa­pa, Ar­ca­no V,
grau 5 da pri­mei­ra série de­ci­mal dos Ar­ca­nos mai­o­res. Ele tam­bém re-­
pre­sen­ta uma pon­te, uma pas­sa­gem. Mas se O Pa­pa in­di­ca­va um ca­mi-­
nho pa­ra as al­tu­ras es­pi­ri­tu­ais, O Di­a­bo apa­re­ce co­mo um ten­ta­dor que
mos­tra o ca­mi­nho pa­ra as pro­fun­de­zas do ser. Es­ta car­ta es­tá an­co­ra­da
na gran­de man­cha ne­gra que vi­mos apa­re­cer no Ar­ca­no XI­II. O per­so-­
na­gem d’O Di­a­bo se­gu­ra uma to­cha e tem du­as asas de mor­ce­go: es­ses
ele­men­tos in­di­cam que ele re­pou­sa na es­cu­ri­dão, na noi­te do in­cons­ci-­
en­te pro­fun­do. Po­de­rí­a­mos di­zer que ele re­pre­sen­ta o in­ver­so d’O Pa­pa,
a luz que so­me na ma­té­ria. Os per­so­na­gens da car­ta são uma mes­cla de
hu­ma­no e de ani­mal, o que faz re­fe­rên­cia às nos­sas po­tên­cias pri­mi­ti-­
vas, às nos­sas re­cor­da­ções pré-his­tóri­cas en­ter­ra­das no mais pro­fun­do
do sis­te­ma ner­vo­so. Es­se tra­ço nos lem­bra, por meio de di­fe­ren­tes sig-­
nos eso­téri­cos que or­na­men­tam os per­so­na­gens, que os ini­ci­a­dos, pa­ra
atin­gir sua ilu­mi­na­ção, não de­vem re­cu­sar seu la­do ani­mal, mas acei­tá-
lo, hon­rá-lo e ori­en­tá-lo em di­re­ção à luz an­ge­li­cal.
O Di­a­bo, ten­do si­do um an­jo, ma­ni­fes­ta com sua to­cha um pro­fun­do
de­se­jo de as­cen­der no­va­men­te de sua ca­ver­na em di­re­ção ao cos­mos.
Da mes­ma ma­nei­ra, a al­ma hu­ma­na afun­da­da no cor­po car­nal tem um
pro­fun­do de­se­jo de re­tor­nar à sua ori­gem, a di­vin­da­de cri­a­do­ra. Ele usa
um cha­péu cu­ja aba ver­me­lha evo­ca a ati­vi­da­de do de­se­jo, e a mas­sa la-­
ran­ja, a in­te­li­gên­cia in­tui­ti­va e re­cep­ti­va, que se pro­lon­ga até sua fron­te
co­mo um ter­cei­ro olho. Ves­go, ele olha fi­xa­men­te pa­ra um pon­to no
pró­prio na­riz, em me­di­ta­ção in­ten­sa. Sua ex­pres­são fa­ci­al é am­bí­gua:
evo­ca por um la­do a pro­fun­da con­cen­tra­ção e, por ou­tro, uma ca­re­ta in-­
fan­til. Po­de­rí­a­mos di­zer que, atra­ves­san­do a ca­pa dos me­dos po­pu­la­res
que ins­pi­ra, ele nos lem­bra que não pas­sa de uma cri­a­ção ino­cen­te, um
ser cô­mi­co. Po­de­mos tam­bém di­zer que, mos­tran­do du­pla­men­te a lín-­
gua, a de seu ros­to e a ou­tra, azul-es­cu­ro, do ros­to que ele tem na bar­ri-­
ga, O Di­a­blo na­da es­con­de: ele se mos­tra to­tal­men­te des­pro­vi­do de hi-­
po­cri­sia.
Se ele é do­ta­do de di­ver­sos olhos si­tu­a­dos no ros­to, na bar­ri­ga e nos
jo­e­lhos, é pa­ra ver me­lhor seus me­dos de fren­te. É um ser de qua­tro
ros­tos. Ao ros­to da fa­ce, más­ca­ra que co­bre seu po­de­ro­so in­te­lec­to,
acres­cen­ta-se o olhar es­pan­ta­do dos dois sei­os cu­jas ba­ses em for­ma de
meia-lua in­di­cam uma emo­ti­vi­da­de de­sen­fre­a­da. O ros­to da bar­ri­ga,
tam­bém com a lín­gua pa­ra fo­ra, de­sig­na a vas­ta ex­ten­são de seus de­se-­
jos se­xu­ais e cri­a­ti­vos. O olhar dos jo­e­lhos su­ge­re uma car­ne as­su­mi­da,
im­preg­na­da de es­píri­to, que na­da des­de­nha da vi­da ma­te­ri­al. Seu se­xo
é co­mo uma ter­cei­ra lín­gua pos­ta pa­ra fo­ra. Mas seu cor­po de cor azul-
ce­les­te in­di­ca que ele é an­tes de tu­do um ser es­pi­ri­tu­al, uma di­men­são
do es­píri­to, sob seu as­pec­to lu­ci­fe­ri­no. Em sua mão, ele le­va uma to­cha
de ca­bo ver­de, cor da eter­ni­da­de, on­de bri­lha uma cha­ma ver­me­lha que
sai de den­tro de um cír­cu­lo; es­sa to­cha ar­de com uma gran­de ati­vi­da­de
mar­ca­da por es­se sig­no da per­fei­ção, do prin­cí­pio cri­a­dor.
Os três per­so­na­gens são co­ro­a­dos por chi­fres, as­si­na­lan­do es­se Ar-­
ca­no co­mo ar­ca­no da pai­xão an­tes de tu­do: pai­xão amo­ro­sa, pai­xão cri-
a­do­ra. Es­ta car­ta con­tém to­das as po­tên­cias es­con­di­das do in­cons­ci­en­te
hu­ma­no, as ne­ga­ti­vas e as po­si­ti­vas. É tam­bém a car­ta da ten­ta­ção: um
cha­ma­do à bus­ca do te­sou­ro ocul­to, da imor­ta­li­da­de e da ener­gia po-­
ten­te en­ter­ra­da no psi­quis­mo, ne­ces­sá­ria a to­da gran­de obra hu­ma­na.
Evi­den­te­men­te, es­te Ar­ca­no po­de tam­bém re­pre­sen­tar um con­tra­to
frau­du­len­to, na tra­di­ção do mi­to do Faus­to, os des­vi­os e de­ge­ne­ra­ções
da se­xu­a­li­da­de, o in­fan­ti­lis­mo, a tra­pa­ça, os de­lí­rios men­tais, a ra­pa­ci-­
da­de eco­nô­mi­ca, a glu­to­na­ria, e to­dos os las­tros au­to­des­tru­ti­vos.
O Di­a­bo es­tá de pé so­bre uma es­pécie de pe­des­tal, ao qual dois di­a-­
bre­tes es­tão pre­sos por uma cor­da la­ran­ja que pas­sa pe­lo anel cen­tral
azul-ce­les­te. Po­de­rí­a­mos di­zer que o di­a­bre­te da es­quer­da é uma mu-­
lher e o da di­rei­ta um ho­mem pe­la ex­pres­são do ros­to, ain­da que ne-­
nhum dos ca­rac­te­res se­xu­ais apa­ren­tes es­te­ja de­se­nha­do. A mu­lher
tem um pe­que­no si­nal no pei­to, três pon­tos dis­pos­tos em tri­ân­gu­lo co-­
mo pa­ra in­di­car que ela é sa­gra­da. Es­ses dois per­so­na­gens têm pés em
for­ma de ra­í­zes que pe­ne­tram na ter­ra ne­gra. Os pés da mu­lher pos­su-­
em cin­co ra­mi­fi­ca­ções, en­quan­to à nos­sa di­rei­ta os do ou­tro di­a­bre­te
pos­su­em qua­tro. É nes­sa car­ta que se re­ve­la a di­men­são ati­va do fe­mi-­
ni­no e a di­men­são pas­si­va do mas­cu­li­no, as du­as ener­gi­as se unem no
cen­tro pa­ra cri­ar o di­a­bo her­ma­fro­di­ta, que pos­sui em seu cor­po dois
sei­os e um pênis. Seu pé e sua mão di­rei­ta pos­su­em cin­co de­dos, sua
mão e seu pé es­quer­do pos­su­em qua­tro. Os dois di­a­bre­tes pos­su­em chi-­
fres na ca­be­ça, lem­bran­do as len­das me­di­e­vais, em que os ani­mais fi-­
cam pre­sos pe­los chi­fres na flo­res­ta da pai­xão. Po­de­mos ver aí dois se-­
res pre­sos por seus de­se­jos, mas tam­bém ar­rai­ga­dos na fon­te pro­fun­da
e tor­na­dos ser­vos da cri­a­ti­vi­da­de an­dró­gi­na do Di­a­bo, li­vre de to­dos os
pre­con­cei­tos.

Na men­ta­li­da­de po­pu­lar, O Di­a­bo evo­ca o di­nhei­ro, ele vem pa­ra


ten­tar os hu­ma­nos com um con­tra­to pro­mis­sor, uma ri­que­za súbi­ta e
fácil; tam­bém o as­so­ci­am ao anún­cio de uma gran­de pai­xão, uma ten­ta-­
ção, um ca­so. Tu­do is­so abar­ca a mes­ma re­a­li­da­de es­pi­ri­tu­al: uma par­te
de nós mes­mos nos ten­ta com as pos­si­bi­li­da­des des­co­nhe­ci­das, da mes-­
ma ma­nei­ra que o Cris­to é ten­ta­do por seu di­a­bo in­te­ri­or. A tra­di­ção
eso­téri­ca diz que quan­do Cris­to mor­re, ele des­ce ao tú­mu­lo pa­ra pro­cu-­
rar seu ir­mão mais ve­lho, o Di­a­bo, pa­ra se unir a ele e for­ma­rem um
mes­mo ser.
No chão da “ca­ver­na”, aci­ma da ma­triz das tre­vas, en­con­tra­mos um
ter­re­no azul-ce­les­te, es­tri­a­do de li­nhas re­gu­la­res. No co­ra­ção do ne-­
gror, as mes­mas es­tri­as, tes­te­mu­nhas do tra­ba­lho de uma la­vra es­pi­ri­tu-­
al, for­ma­ram a ação (o tra­pé­zio ver­me­lho) que con­duz à per­fei­ção do
cír­cu­lo azul-ce­les­te por on­de pas­sa a cor­da que une os dois di­a­bre­tes.
To­da a ati­vi­da­de in­cons­ci­en­te e ins­tin­ti­va se tor­na cons­ci­en­te (ama­re-­
lo-cla­ro) e es­pi­ri­tu­al (azul--cla­ro). A raiz des­sa ati­vi­da­de, O Di­a­bo a de-­
sig­na co­mo se­xu­al. A ex­tre­mi­da­de ver­me­lha de seu se­xo é um sím­bo­lo
de vi­da, as­sim co­mo a cin­ta du­pla que lhe sus­ten­ta os sei­os e a que lhe
ro­deia os qua­dris. Com es­ses to­ques de ver­me­lho, ele pa­re­ce in­di­car
que a li­bi­do é an­tes de tu­do uma cha­ma vi­tal, co­mo a de sua to­cha, com
a qual po­de­mos in­cen­di­ar o mun­do com um fo­go cri­a­dor. Nes­se sen­ti-­
do, O Di­a­bo é a ou­tra fa­ce de Deus.
Em uma lei­tu­ra

O Di­a­bo po­de evo­car uma en­tra­da de di­nhei­ro ou tu­do aqui­lo que tan-­
gen­cia tran­sa­ções fi­nan­cei­ras im­por­tan­tes, às ve­zes en­vi­e­sa­das ou se-­
cre­tas. Ele é o gran­de ten­ta­dor que, no do­mí­nio ma­te­ri­al, re­me­te ao de-­
se­jo de ri­que­za. Ele re­pre­sen­ta­rá igual­men­te um con­tra­to pro­mis­sor
mas que con­vém es­tu­dar de per­to pa­ra não ser­mos en­ga­na­dos. O Di­a­bo
po­de de fa­to con­du­zir, in­di­fe­ren­te­men­te, à ri­que­za ou à ru­í­na.
Por ou­tro la­do, ele é sem­pre um bom au­gú­rio pa­ra as ques­tões as­so-­
ci­a­das à cri­a­ti­vi­da­de. Ele evo­ca a pro­fun­di­da­de do ta­len­to, a ri­que­za da
ins­pi­ra­ção, a dis­po­si­ção de um ar­tis­ta ver­da­dei­ro e uma ener­gia cri­a­ti­va
in­ten­sa.
Da mes­ma ma­nei­ra que o Ar­ca­no XI­II, O Di­a­bo po­de a pri­o­ri as­sus-­
tar o con­su­len­te. Ele é car­re­ga­do de to­das as in­ter­di­ções mo­rais e re­li-­
gi­o­sas e re­me­te à ima­gem do mal. O ta­ró­lo­go ori­en­ta­rá, en­tão, a lei­tu­ra
pa­ra per­mi­tir ao con­su­len­te su­pe­rar as in­ter­di­ções se­xu­ais ou cri­a­ti­vas
que lhe fo­ram im­pos­tas, e se re­co­nec­tar à po­tên­cia das pro­fun­de­zas on-­
de nos­so in­cons­ci­en­te se en­ra­í­za. É tam­bém o lu­gar de an­co­ra­gem das
pai­xões. O Di­a­bo nos re­me­te fre­quen­te­men­te à di­men­são se­xu­al de
uma re­la­ção: um vín­cu­lo pas­si­o­nal. Ele po­de tam­bém evo­car o de­se­jo
de co­nhe­cer es­sa for­ma de uni­ão.
Ele evo­ca­rá às ve­zes as de­pen­dên­cias fi­si­o­ló­gi­cas ou psíqui­cas, das
quais con­vém en­tão iden­ti­fi­car as ra­í­zes in­cons­ci­en­tes. Pro­ble­mas com
dro­gas ou al­co­o­lis­mo, de­pen­dên­cia se­xu­al, com­por­ta­men­tos au­to­pu­ni-­
ti­vos, es­que­mas re­pe­ti­ti­vos na vi­da emo­ci­o­nal etc., tu­do is­so po­de ser
des­fei­to se acei­tar­mos em­preen­der o tra­ba­lho das pro­fun­de­zas.
Em to­do ca­so, es­ta car­ta nos ori­en­ta em di­re­ção à nos­sa na­tu­re­za
ínti­ma, nos obri­ga a não nos es­con­der­mos atrás de más­ca­ras. A re­a­li­za-­
ção con­sis­te em ser aqui­lo que se é. Is­so supõe re­co­nhe­cer e con­du­zir
nos­sos de­se­jos.
E se O Di­a­bo fa­las­se...

“Sou Lúci­fer, por­ta­dor da luz. Meu dom mag­nífi­co à hu­ma­ni­da­de é a


au­sên­cia ab­so­lu­ta de mo­ral. Na­da me li­mi­ta. Trans­gri­do to­das as leis,
quei­mo as cons­ti­tui­ções e os li­vros sa­gra­dos. Ne­nhu­ma re­li­gi­ão po­de
me con­ter. Des­truo to­das as te­o­ri­as, fa­ço ex­plo­dir to­dos os dog­mas.
“No fun­do do fun­do do fun­do, nin­guém mo­ra em lu­gar mais pro­fun-­
do que eu. Sou a ori­gem de to­dos os abis­mos. Sou aque­le que dá vi­da às
gru­tas es­cu­ras, aque­le que co­nhe­ce o cen­tro em tor­no do qual or­bi­tam
to­das as den­si­da­des. Sou a vis­co­si­da­de de tu­do aqui­lo que em vão ten­ta
ser for­mal. A su­pre­ma for­ça do mag­ma. A pes­ti­lên­cia que de­nun­cia a
hi­po­cri­sia dos per­fu­mes. A car­ni­ça mãe de ca­da flor. A cor­rup­ção dos
es­píri­tos vai­do­sos que se com­pra­zem na per­fei­ção.
“Sou a cons­ciên­cia as­sas­si­na do efê­me­ro per­pé­tuo. Sou eu, en­cer­ra-­
do no sub­ter­râ­neo do mun­do, quem faz tre­mer a ca­te­dral es­túpi­da da
fé. Sou eu quem, ajo­e­lha­do, mor­de e faz san­grar os pés dos cru­ci­fi­ca-­
dos. Quem apre­sen­ta ao mun­do, sem pu­dor, mi­nhas fe­ri­das aber­tas co-­
mo va­gi­nas fa­min­tas. Vi­o­lo o ovo po­dre da san­ti­da­de. Fin­co a ere­ção do
meu pen­sa­men­to no so­nho mórbi­do dos hi­e­ro­fan­tes, pa­ra cus­pir em
seu si­mu­la­cro de ple­ni­tu­de o es­per­ma frio do meu des­pre­zo.
“Não há paz co­mi­go. Não há do­ce lar es­ta­be­le­ci­do. Nem Evan­ge­lhos
edul­co­ra­dos. Nem vir­gem de açú­car pa­ra as lín­guas úmi­das das frei­ras
pe­lu­das. De­fe­co so­le­ne­men­te so­bre os pás­sa­ros le­pro­sos da mo­ral. Não
me pro­í­bo de ima­gi­nar um pro­fe­ta de qua­tro mon­ta­do por um as­no no
cio. Sou o can­tor ex­ta­si­a­do do in­ces­to, o cam­pe­ão de to­das as de­pra­va-­
ções, e abro de­li­ci­a­do, com a unha do de­do míni­mo, as tri­pas de um
ino­cen­te pa­ra ali mo­lhar meu pão.
“No en­tan­to, no mais pro­fun­do do pro­fun­do da ca­ve­na hu­ma­na,
acen­do a to­cha que or­ga­ni­za as tre­vas. Por uma es­ca­da de ob­si­di­a­na,
che­go aos pés do Cri­a­dor, pa­ra lhe dar em ofe­ren­da o po­der da trans-­
for­ma­ção. Sim: di­an­te da di­vi­na im­per­ma­nên­cia, lu­to pa­ra con­ser­var o
ins­tin­to, pa­ra fi­xá-lo co­mo uma es­cul­tu­ra fluo­res­cen­te. Ilu­mi­no-o com
mi­nha cons­ciên­cia e o re­te­nho, até que es­tou­re em uma no­va obra di­vi-­
na, o uni­ver­so in­fi­ni­to, la­bi­rin­to in­co­men­su­rá­vel que des­li­za en­tre mi-
nhas gar­ras, pre­sa que es­ca­pa por en­tre meus den­tes, pe­ga­das que se
apa­gam co­mo um per­fu­me su­til...
“E fi­co aqui, ten­tan­do unir to­dos os se­gun­dos uns aos ou­tros, de­ter
o flu­xo do tem­po. Is­so é o in­fer­no: o amor to­tal pe­la obra di­vi­na que se
es­vai. Ele é o ar­tis­ta in­vi­sí­vel, im­pen­sá­vel, im­pal­pá­vel, in­to­cá­vel. Eu sou
o ou­tro ar­tis­ta: fi­xo, in­va­ri­á­vel, obs­cu­ro, opa­co, den­so. To­cha que ar­de
eter­na­men­te com um fo­go imó­vel. Sou quem quer en­go­lir es­sa eter­ni-­
da­de, es­sa gló­ria im­pon­de­rá­vel, cra­vá-la no cen­tro do meu ven­tre e pa-­
ri-la co­mo um pân­ta­no que se es­gar­ça pa­ra eje­tar o ta­lo em cu­ja pon­ta
se abri­rá o ló­tus on­de bri­lha o di­a­man­te. As­sim, eu, di­la­ce­ran­do mi­nhas
tri­pas, que­ro ser a Vir­gem su­pre­ma que pa­ri­rá Deus e o imo­bi­li­za­rá em
uma cruz pa­ra que fi­que eter­na­men­te aqui, co­mi­go, sem­pre, sem mu-­
dan­ça, per­ma­nen­te per­ma­nên­cia.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Pai­xão • Ape­go • De­pen­dên­cia • Pos­ses­si­vi­da­de • Ado­ra­ção • Gran­de cri­a­ti­vi­da­de •
O proi­bi­do • Ten­ta­ção • Bes­ti­a­li­da­de • Dro­gas • Con­tra­to pro­mis­sor que se de­ve es-­
tu­dar de per­to • En­tra­da de di­nhei­ro • Po­tên­cias ocul­tas do in­cons­ci­en­te hu­ma­no
(ne­ga­ti­vas ou po­si­ti­vas) • Fer­men­ta­ção • Pros­ti­tui­ção • Cru­el­da­de • Tra­ba­lho das
pro­fun­de­zas • Psi­qui­a­tria • Fa­ce obs­cu­ra do ser • Se­xu­a­li­da­de • Lúci­fer, an­jo ca­í­do
por­ta­dor da luz • So­ber­ba • Pos­ses­são • Ob­ses­são • Ma­gia ne­gra • Re­cu­sa a en­ve-­
lhe­cer • Gran­de vi­gor se­xu­al • Fan­tas­mas • Te­sou­ro es­con­di­do • Ener­gia ocul­ta no
psi­quis­mo • Su­pe­ra­ção • Ten­ta­ção...
XVI A Tor­re
Aber­tu­ra, emer­gên­cia da­qui­lo que es­ta­va con­fi­na­do

Pa­la­vras-cha­ve:
Tem­plo • Cons­tru­ção • Ale­gria • Trans­bor­da­men­to • Cho­que • Ex­pres­são • Ce­le-­
bra­ção • Dan­ça • Des­tam­par • Aber­tu­ra • Mu­dar-se • Es­tou­rar...
A men­sa­gem des­ta car­ta é de um gran­de alí­vio es­pi­ri­tu­al. No en­tan­to,
an­tes da res­tau­ra­ção do Ta­rot de Mar­se­lha, via-se ge­ral­men­te no Ar­ca-­
no XVI uma re­fe­rên­cia à tor­re de Ba­bel. As in­ter­pre­ta­ções mais cor­ren-­
tes fa­la­vam do cas­ti­go do or­gu­lho, de ca­tás­tro­fe, di­vór­cio, cas­tra­ção,
tre­mor de ter­ra e ru­í­na. Oswald Wir­th, o cri­a­dor do Ta­rot dos Ima­gi-­
nei­ros da Ida­de Mé­dia, ima­gi­nou um rei e uma rai­nha cain­do de uma
tor­re e acres­cen­tou um ti­jo­lo que ra­cha­va a ca­be­ça da mu­lher...
Se ler­mos com aten­ção a pas­sa­gem da Bí­blia que evo­ca a tor­re de
Ba­bel, per­ce­be­re­mos que o sig­ni­fi­ca­do é mui­to dis­tan­te de uma ca­tás-­
tro­fe. Mais do que um cas­ti­go, a des­trui­ção da tor­re é a so­lu­ção de um
pro­ble­ma: o di­lú­vio aca­bou re­cen­te­men­te, e to­do o pla­ne­ta, abun­dan­te-­
men­te ir­ri­ga­do, tor­nou-se fértil. Res­tam pou­cos se­res hu­ma­nos. Em vez
de se dis­per­sa­rem pa­ra cul­ti­var as ter­ras, eles se re­ú­nem a fim de cons-­
truir uma tor­re que, su­bin­do até o céu, che­ga­ria a Deus. Em prin­cí­pio,
es­sa cons­tru­ção pre­ten­de ser um ato de amor, um de­se­jo de co­nhe­cer o
rei­no do Cri­a­dor. Es­te, no en­tan­to, sa­ben­do que o pro­je­to é ir­re­a­li­zá­vel,
não ful­mi­na a tor­re, nem faz ne­nhum de seus ha­bi­tan­tes cair lá de ci-­
ma. Ele ape­nas cria a di­ver­si­da­de das lín­guas pa­ra se­pa­rá-los. Tra­ta-se,
an­tes, de uma bên­ção do que de um cas­ti­go. Os ho­mens se vol­tam pa­ra
a con­quis­ta da ter­ra e ini­ci­am a la­vou­ra.
Em di­fe­ren­tes ver­sões do Ta­rot, a tor­re não tem por­ta. O tra­ba­lho
de res­tau­ra­ção per­mi­tiu en­con­trar não só a por­ta da tor­re, co­mo tam-­
bém os três de­graus ini­ci­áti­cos que con­du­zem a ela. Nas an­ti­gas gra­vu-­
ras al­quí­mi­cas e nos do­cu­men­tos ma­çôni­cos, en­con­tra­mos es­sa tor­re
com uma por­ta e com es­sa es­ca­da que le­va a ela, às ve­zes com se­te, às
ve­zes com três de­graus. O ini­ci­a­do de­ve pri­mei­ro acei­tar o no­vo co­nhe-­
ci­men­to, sím­bo­lo da cri­a­ção di­vi­na, de­pois sa­ber con­ser­vá-lo, e em ter-­
cei­ro lu­gar, abrir mão de­le. É o mo­men­to em que a por­ta ver­de, sím­bo­lo
da eter­ni­da­de, or­na­da com uma lua em­ble­máti­ca da re­cep­ti­vi­da­de to-­
tal, se abre, re­ve­lan­do o in­te­ri­or da tor­re. Es­sa tor­re foi al­gu­mas ve­zes
com­pa­ra­da ao ata­nor al­quí­mi­co, o for­no on­de a ma­té­ria-pri­ma se tor­na
a pe­dra fi­lo­so­fal.
A Tor­re (Mai­son Di­eu) não é a ca­sa de Deus. O Ta­rot nos in­di­ca
mui­to cla­ra­men­te, com os ti­jo­los cor de car­ne, que es­ta tor­re é o nos­so
cor­po, e que nos­so cor­po con­tém a di­vin­da­de. A por­ta en­tre­a­ber­ta dei-­
xa es­ca­par uma luz ama­re­la: o cor­po es­tá cheio da luz da Cons­ciên­cia.
Os per­so­na­gens não es­tão cain­do, pe­lo con­trá­rio. Seus ca­be­los são ama-­
re­los, sím­bo­lo da ilu­mi­na­ção, e com a mão eles to­cam as plan­tas ver­des
que bro­tam do chão. Na re­a­li­da­de, eles hon­ram a po­tên­cia da ter­ra. Eles
es­tão de ca­be­ça pa­ra bai­xo, co­mo O En­for­ca­do do Ar­ca­no XII, pois ve-­
em o mun­do de ma­nei­ra no­va. O in­te­lec­to, o es­píri­to olha di­re­ta­men­te
pa­ra a na­tu­re­za. Um dos per­so­na­gens tem os pés vi­ra­dos pa­ra o céu:
seus pas­sos o con­du­zem ao es­píri­to.
Os dois di­a­bre­tes do Ar­ca­no XV se hu­ma­ni­za­ram e re­a­li­za­ram sua
as­cen­são. No chão, as man­chas ama­re­las po­dem ser in­ter­pre­ta­das co­mo
ofe­ren­das ao tem­plo, du­as pe­pi­tas de ou­ro. Os per­so­na­gens emer­gi­ram
da ca­ver­na do in­cons­ci­en­te pa­ra hon­rar a Ter­ra com su­as ofe­ren­das e
aju­dar a na­tu­re­za. Eles tra­zem a Cons­ciên­cia ao mun­do, im­preg­nan­do
o ter­re­no. Por sua ação, a pai­sa­gem se co­lo­re de azul-ce­les­te, la­ran­ja e
ver­de-es­cu­ro.
A en­ti­da­de ful­gu­ran­te que emer­ge da tor­re ou ne­la pe­ne­tra, fla­ma,
pás­sa­ro de fo­go ou re­lâm­pa­go, es­tá uni­da à co­roa com amei­as: não há
des­trui­ção, mas a trans­for­ma­ção do po­der ma­te­ri­al em ful­gu­ra­ção es­pi-­
ri­tu­al. O an­dró­gi­no di­a­bóli­co do Ar­ca­no XV se tor­nou uma cha­ma que
se ele­va ao lon­go da co­lu­na ver­te­bral e abriu o cen­tro ner­vo­so co­ro­ná-­
rio pa­ra se lan­çar em di­re­ção ao cos­mos. Es­sa en­ti­da­de pos­sui to­das as
co­res da ter­ra (ama­re­lo, ver­me­lho, ver­de e cor de car­ne). Tra­ta-se de
uma as­sun­ção. Dis­tin­gui­mos aí uma for­ma fe­tal cor de car­ne que sim-­
bo­li­za o ger­me de uma no­va cons­ciên­cia, o apor­te da ra­ça hu­ma­na ao
de­sen­vol­vi­men­to do uni­ver­so. A cri­a­ção de um ser no­vo se anun­cia, o
qual se con­cre­ti­za­rá em A Es­tre­la (XVII). O so­lo ri­co em co­res se une
aos per­so­na­gens que sa­em da tor­re, da mes­ma ma­nei­ra que a “la­ba­re-­
da” se une à co­roa.
Per­ten­cen­te ao grau 6 co­mo O Na­mo­ra­do, A Tor­re evo­ca o te­ma da
uni­ão – aqui, se acei­tar­mos a ho­mo­fo­nia do fran­cês, a uni­ão de “l’âme
et son Di­eu” [a al­ma e seu Deus]. Es­sa ali­an­ça pro­duz go­tas co­lo­ri­das
co­mo con­cen­tra­ções de ener­gia. Nos tex­tos sa­gra­dos in­di­a­nos, diz-se
que o co­nhe­ci­men­to é co­mo o lei­te que, quan­do ba­ti­do, aca­ba fa­zen­do
sur­gir na su­per­fície go­tas ole­o­sas. Da mes­ma ma­nei­ra, es­sas bo­las ama-­
re­las, ver­me­lhas e azuis que flu­tu­am no ar ex­pri­mem a dan­ça da ale­gria
cósmi­ca, co­mo se dis­ses­sem que as es­tre­las são nos­sas ali­a­das e que es-­
pe­ram nos­so des­per­tar, dan­do-nos sua ener­gia. Es­sa ex­plo­são cósmi­ca
tal­vez re­pre­sen­tas­se de­se­nhos das cons­te­la­ções exis­ten­tes: da mes­ma
ma­nei­ra que a tor­re tem, por sua ilu­mi­na­ção, um pa­ren­tes­co com o fa-­
rol, es­ses de­se­nhos de cons­te­la­ções cons­ti­tu­em, se qui­ser­mos, um ins-­
tru­men­to de na­ve­ga­ção.
Em uma lei­tu­ra

A Tor­re si­na­li­za que al­gu­ma coi­sa que es­ta­va con­fi­na­da pas­sa pa­ra o
ex­te­ri­or. Po­de ser uma mu­dan­ça, uma se­pa­ra­ção, um mo­men­to de gran-­
de ex­pres­são, a von­ta­de de vi­a­jar pa­ra o cam­po ou pa­ra ou­tro pa­ís, um
se­gre­do re­ve­la­do... Ou mes­mo um gol­pe ful­mi­nan­te que ter­mi­na em
"ca­tás­tro­fe".
Ela re­me­te, co­mo já vi­mos, a uma dan­ça de ce­le­bra­ção ale­gre, in­clu-­
si­ve a acro­ba­tas que evo­lu­em por um ce­ná­rio te­a­tral. Po­de ser um nas-­
ci­men­to de al­gu­ma coi­sa que fi­cou lon­go tem­po em ges­ta­ção e que aqui
as­su­me uma fi­gu­ra du­pla – a ge­mi­ni­da­de do ani­mus e da ani­ma, co­la­bo-­
ran­do em uma obra lon­ga­men­te me­di­ta­da.
Às ve­zes, quan­do uma pes­soa só vê um as­pec­to de sua ques­tão ao
in­ter­ro­gar o Ta­rot, A Tor­re re­ve­la a exis­tên­cia de um se­gun­do as­pec­to,
de uma se­gun­da pos­si­bi­li­da­de me­nos fla­gran­te, re­pre­sen­ta­da pe­lo per-­
so­na­gem que sai com me­ta­de do cor­po pa­ra fo­ra da tor­re. A co­no­ta­ção
fáli­ca d’A Tor­re tam­bém faz de­la um sím­bo­lo do se­xo mas­cu­li­no e de
to­das as ques­tões li­ga­das à eja­cu­la­ção.
Quan­do ela as­su­me um sen­ti­do mais do­lo­ro­so de se­pa­ra­ção bru­tal
ou de ex­pul­são, A Tor­re po­de re­me­ter a uma ex­pro­pri­a­ção, a uma rup-­
tu­ra, a um par­to mal-su­ce­di­do ou ao fa­to de que en­tre ir­mãos um era
de­se­ja­do (o per­so­na­gem que sai in­tei­ro) e ou­tro não (aque­le que sai
ape­nas pe­la me­ta­de). Po­de­mos tam­bém ler nes­ta car­ta uma re­fe­rên­cia a
um gran­de mo­men­to te­lúri­co, um sis­mo, uma ca­tás­tro­fe na­tu­ral.
A men­sa­gem prin­ci­pal do Ar­ca­no XVI po­de­ria ser: dei­xe­mos de
bus­car Deus no céu, en­con­tre­mos Deus na ter­ra.
E se A Tor­re fa­las­se...

“Sou o Tem­plo: o mun­do in­tei­ro é um al­tar que eu sa­cra­li­zo. Mi­nha


exis­tên­cia, co­mo a sua, pro­va a ca­da ba­ti­men­to do co­ra­ção que o mun-­
do é di­vi­no, que a car­ne é uma ce­le­bra­ção vi­va e a vi­da uma cons­tru­ção
in­ces­san­te.
“Co­mi­go vo­cê co­nhe­ce­rá a ale­gria, que é a cha­ve do sa­gra­do. Sou a
pró­pria vi­da, a trans­for­ma­ção e a re­cons­tru­ção, a la­ba­re­da e a ener­gia
do vi­ven­te, de to­da ma­té­ria e de to­do es­píri­to. Se vo­cê qui­ser en­trar em
mim, se­rá pre­ci­so se ale­grar, lan­çar ao fo­go os ca­pri­chos in­fan­tis da
tris­te­za e do me­do, e se per­gun­tar a ca­da des­per­tar: que fes­ta é es­sa?
Sou a ale­gria ca­ta­clísmi­ca do vi­ven­te, o im­pre­vis­to per­ma­nen­te, a ma-­
ra­vi­lho­sa ca­tás­tro­fe.
“Uma co­roa de­fen­si­va me afas­ta­va do mun­do. Uma ro­lha de ve­lhas
pa­la­vras re­co­bria meu es­píri­to, e nu­vens de sen­ti­men­tos cris­ta­li­za­dos,
mu­mi­fi­ca­dos, es­cle­ro­sa­dos im­pe­di­am a luz de sur­gir dos ba­ti­men­tos do
meu co­ra­ção. Um man­to den­so de de­se­jos trans­for­ma­va meu for­mi­dá-­
vel ape­ti­te de vi­ver em car­ce­rei­ro. Eu era car­ne sem Deus, con­su­min-­
do-me nas cha­mas da pró­pria exis­tên­cia, meu eu con­ver­ti­do em pri­são.
“Des­pre­zan­do-me, iso­lan­do-me, cren­do de­fen­der um ter­ri­tó­rio in-­
te­ri­or que só per­ten­cia a mim, o que era eu na es­cu­ri­dão des­sa tor­re?
Mes­tre do quê? De que apa­rên­cia, de que fal­sa iden­ti­da­de? Não pas­sa­va
do ar ra­re­fei­to de uma es­cu­ri­dão ego­ís­ta.
“E de re­pen­te, do in­te­ri­or e do ex­te­ri­or, sur­giu a for­ça ino­mi­ná­vel, o
amor que sus­ten­ta a ma­té­ria. Meu to­po se abriu. Meus sub­so­los tam-­
bém. As ener­gi­as do Céu e da ma­té­ria, unin­do-se, atra­ves­sa­ram-me co-­
mo um fu­ra­cão. Co­nhe­ci o fo­go do cen­tro da Ter­ra, a luz do cen­tro do
uni­ver­so. Re­ce­bi o ei­xo uni­ver­sal, vi­bran­te, já não era mais uma tor­re,
eu era um ca­nal.
“En­tão a ale­gria da uni­ão ex­plo­diu. O al­to era o bai­xo, o bai­xo era o
al­to. Co­mo uma for­mi­ga-rai­nha, co­me­cei a ge­rar se­res ale­gres. Deus es-
ta­va em mim, e eu era ape­nas ma­té­ria em ado­ra­ção. Eu sa­bia que po­dia
ex­plo­dir, que ca­da um dos meus ti­jo­los atra­ves­sa­ria o in­fi­ni­to co­mo um
pás­sa­ro. Sa­bia que tu­do o que es­ta­va con­fi­na­do na ma­té­ria bro­ta­ria
atra­vés de mim. Eu era o pi­lar cen­tral de uma dan­ça cósmi­ca, era sim-­
ples­men­te o cor­po hu­ma­no em ple­na re­cep­ção de sua ener­gia ori­gi­nal.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Li­ber­ta­ção • Aber­tu­ra • Des­tam­par • Rup­tu­ra • Mu­dan­ça • Ca­sa • Gol­pe ful­mi-­
nan­te • Se­gre­do re­ve­la­do • Ex­plo­são de ale­gria • Pros­pe­ri­da­de • Ce­ná­rio de te­a­tro •
Eja­cu­la­ção (às ve­zes pre­co­ce) • Des­trui­ção • Di­vór­cio • Dis­pu­ta • Cas­tra­ção • Ex-­
plo­são de ener­gia se­xu­al • Dan­ça • O cor­po, tem­plo da di­vin­da­de • Gran­de ex­plo­são
de ener­gia • Re­ve­la­ção • As­sun­ção • Ex­plo­são sem li­mi­tes • Ilu­mi­na­ção...
XVII A Es­tre­la
Atu­ar no mun­do, en­con­trar seu lu­gar

Pa­la­vras-cha­ve:
Sor­te • Nu­trir • Sa­cra­li­zar • Ajo­e­lhar-se • Fe­cun­di­da­de • Do­a­ção • Ins­pi­ra­ção • Fe-­
mi­ni­li­da­de • Can­to • Es­te­lar • Cósmi­co • Eco­lo­gia • Ir­ri­gar • En­con­trar seu lu­gar •
As­tro de es­pe­tá­cu­los...
Na le­gen­da em­bai­xo da car­ta, em fran­cês, a gra­fia am­bí­gua dá mar­gem
a nu­me­ro­sas lei­tu­ras: Le Toi­lle, Le Tou­le (que se­ria uma va­ri­a­ção da pa-­
la­vra “fon­te” em oc­ci­tâ­ni­co), Le Toi iI­le (“a ilha do Tu”, em fran­cês)...
Es­te Ar­ca­no se­rá pa­ra nós L'Étoi­le, A Es­tre­la. Ne­le se vê uma mu­lher
nua ajo­e­lha­da em­bai­xo de um céu cons­te­la­do. Sob as es­tre­las, uma es-­
tre­la: o ser hu­ma­no em sua ver­da­de.
O Ar­ca­no XVII re­pre­sen­ta o pri­mei­ro ser hu­ma­no nu do Ta­rot, an-­
tes dos Ar­ca­nos XVI­I­II, XX e XXI. É com ela que co­me­ça a aven­tu­ra do
ser que atin­giu a pu­re­za, o des­po­ja­men­to. Além das apa­rên­cias, ela não
tem mais na­da a es­con­der, só pre­ci­sa en­con­trar um lu­gar so­bre a ter­ra.
A ati­tu­de d’A Es­tre­la evo­ca a pi­e­da­de e a sub­mis­são: ajo­e­lha-se no tem-­
plo, ou di­an­te de um rei ou rai­nha. Po­de­mos, en­tão, di­zer que ela hon­ra
o lu­gar on­de se es­ta­be­le­ce. Seu jo­e­lho apoi­a­do no chão po­de tam­bém
ser um si­nal de en­rai­za­men­to: ela en­con­trou seu lu­gar na ter­ra e es­tá
em co­mu­ni­ca­ção com o cos­mos.
Na nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot, o 7 é o mais al­to grau da ação no mun­do
(ver pp. 76, 80, 82, 97). Exis­tem nu­me­ro­sos vín­cu­los en­tre A Es­tre­la e O
Car­ro: am­bos se en­ra­í­zam na ter­ra; no dos­sel d’O Car­ro bri­lham do­ze
es­tre­las que in­di­cam sua re­la­ção com o uni­ver­so. Mas se O Car­ro pe­ne-­
tra no mun­do co­mo um con­quis­ta­dor, um vi­a­jan­te ou um prínci­pe in­se-­
mi­na­dor, A Es­tre­la atua no mun­do ir­ri­gan­do-o, nu­trin­do-o. Os sei­os
nus da per­so­na­gem evo­cam a lac­ta­ção, e po­de­rí­a­mos ver nas es­tre­las
que pai­ram aci­ma de­la uma alu­são à Via Lác­tea. Es­sas es­tre­las, em nú-­
me­ro de oi­to, nos in­di­cam que uma per­fei­ção é al­me­ja­da aqui: a per­fei-­
ção da do­a­ção.
A Es­tre­la é um ser to­tal­men­te li­ga­do ao mun­do. Um de seus va­sos é
co­mo que sol­da­do a seu cor­po, co­mo se es­ti­ves­se co­la­do em seu qua-
dril, e o ou­tro se pro­lon­ga na pai­sa­gem. Po­de­mos ver aí a ima­gem de
uma água es­pi­ri­tu­al (ama­re­la) e de uma água se­xu­al ou ins­tin­ti­va (azul-
es­cu­ro) nu­trin­do jun­tas o meio am­bi­en­te. É pos­sí­vel que um des­ses
dois va­sos se­ja re­cep­ti­vo e cap­te a ener­gia do rio azul, en­quan­to o ou­tro
va­so der­ra­ma ne­le uma luz es­te­lar. So­bre a tes­ta da mu­lher, uma lua la-­
ran­ja evo­ca a in­te­li­gên­cia que se tor­nou sa­be­do­ria re­cep­ti­va, que lhe
per­mi­te trans­mi­tir a for­ça uni­ver­sal que pas­sa atra­vés de­la, sim­bo­li­za-­
da pe­lo céu es­tre­la­do. É tam­bém um ser de car­ne, que faz par­te da na-­
tu­re­za. Em seu ven­tre ar­re­don­da­do, o si­nal que ela traz na al­tu­ra do
um­bi­go evo­ca um ger­me de vi­da. Ela es­pa­lha fer­ti­li­da­de, ao seu re­dor
sur­gem ár­vo­res de fo­lha­gem la­ran­ja e uma de­las tem fru­tos ama­re­los.
Aqui­lo que se re­ce­be do al­to, A Es­tre­la, ca­nal de uma ge­ne­ro­si­da­de uni-­
ver­sal, der­ra­ma na ter­ra pa­ra fer­ti­li­zá-la. Aqui, o tra­je­to iti­ne­ran­te d’O
Lou­co, da ener­gia pri­mi­ti­va, se de­tém pa­ra dar lu­gar a uma co­mu­ni­ca-­
ção com a hu­ma­ni­da­de. O ser ge­ne­ro­so se tor­na uma fon­te ines­go­tá­vel,
re­ce­ben­do e do­an­do em um mes­mo mo­vi­men­to de pu­ri­fi­ca­ção.
Do pon­to de vis­ta do tra­ba­lho psi­co­ló­gi­co, po­de­mos di­zer que A Es-­
tre­la, pu­ri­fi­can­do seu pas­sa­do, pu­ri­fi­ca seu fu­tu­ro e seu en­tor­no. Ela
doa ao seu en­tor­no e a si mes­ma, sem na­da exi­gir em tro­ca. À me­di­da
que sua ação se de­sen­vol­ve, ela fer­ti­li­za e acla­ra a pai­sa­gem, ter­ra,
areia, ár­vo­res, água. A gran­de man­cha ne­gra que apa­re­ce no Ar­ca­no XI-­
II, tor­na­da fun­da­men­to mis­te­ri­o­so do Ar­ca­no XV, en­con­tra aqui sua
ex­pres­são su­bli­me sob a for­ma de um pás­sa­ro que, do al­to de uma ár­vo-­
re, pre­pa­ra seu voo em di­re­ção ao pon­to ne­gro das es­tre­las. A for­ça
ema­na­da do cen­tro do uni­ver­so (sim­bo­li­za­do pe­las es­tre­las) des­ce em
di­re­ção ao ser hu­ma­no, pu­ri­fi­ca a ter­ra e vol­ta pa­ra o uni­ver­so, em um
mo­vi­men­to de eter­no re­tor­no. A fi­gu­ra do pás­sa­ro po­de tam­bém evo­car
a Fênix que sem­pre re­nas­ce de su­as cin­zas (en­con­tra­mos tam­bém es­sa
fi­gu­ra no Dois de Co­pas e no Qua­tro de Ou­ros). Nes­se sen­ti­do, A Es­tre-
la é tan­to o ca­nal do in­fi­ni­to co­mo da eter­ni­da­de.
Se qui­ser­mos ver sua ação de um pon­to de vis­ta ne­ga­ti­vo, di­re­mos
que A Es­tre­la es­ban­ja ou exi­ge em vez de do­ar. Ela se­rá re­pre­sen­ta­da,
às ve­zes, di­la­pi­dan­do sua ener­gia em di­re­ção ao pas­sa­do, as­som­bra­da
pe­las neu­ro­ses sem so­lu­ção da cri­an­ça in­te­ri­or. É en­tão um ser vam-­
píri­co, per­pe­tu­a­men­te in­sa­tis­fei­ta, que se sen­te per­ma­nen­te­men­te mal-
ama­da, in­va­di­da ou aban­do­na­da e que, sem ja­mais ter in­ten­ção de se
do­ar, per­ma­ne­ce em cons­tan­te rei­vin­di­ca­ção afe­ti­va, se­xu­al e ener­géti-­
ca. A Es­tre­la se tor­na, en­tão, um po­ço sem fun­do, ou se en­con­tra, ao
con­trá­rio, pos­su­í­da por uma pai­xão do ex­ces­so, sem dis­cer­ni­men­to. Ela
po­de se me­ta­mor­fo­se­ar em uma de­sa­ver­go­nha­da im­pu­di­ca ou ain­da
um ser tóxi­co que po­lui os ri­os, en­ve­ne­na a vi­da es­pi­ri­tu­al ou ma­te­ri­al
de seus próxi­mos.
Sim­bo­li­ca­men­te, A Es­tre­la é a guia es­pi­ri­tu­al que le­va­mos den­tro de
nós, li­ga­da às for­ças mais pro­fun­das do uni­ver­so, à di­vin­da­de. É o des-­
co­nhe­ci­do de nós mes­mos no qual po­de­mos ter fé: nos­sa “boa es­tre­la”.
Em uma lei­tu­ra

A Es­tre­la re­pre­sen­ta a eta­pa em que en­con­tra­mos nos­so lu­gar pa­ra agir


no mun­do, pa­ra em­be­le­zá-lo e nu­tri-lo, a par­tir de um lu­gar que trans-­
for­ma­mos em nos­so. Ela in­ci­ta às ve­zes a não es­co­lher en­tre du­as op-­
ções apa­ren­te­men­te in­con­ci­li­á­veis, mas a con­ci­liá-las. Ela é tra­di­ci­o-­
nal­men­te vis­ta co­mo um si­nal de sor­te, de pros­pe­ri­da­de, de fer­ti­li­da­de.
Ela sim­bo­li­za a ação ge­ne­ro­sa. Po­de­mos as­so­ciá-la tam­bém ao amor di-­
vi­no, à es­pe­ran­ça, à ver­da­de (que sai in­tei­ra­men­te nua do po­ço). Ela re-­
pre­sen­ta uma re­a­li­za­ção cri­a­ti­va, que supõe en­con­trar seu lu­gar.
Pa­ra um ho­mem, é a aman­te por ex­ce­lên­cia, ou a be­le­za de seu fe-­
mi­ni­no in­te­ri­or a par­tir do qual ele se tor­na do­ra­van­te ca­paz de agir.
Pa­ra uma mu­lher, é a re­a­li­za­ção de sua pre­sen­ça no mun­do, uma ação
con­for­me seu de­se­jo e sua na­tu­re­za pro­fun­da. Sua re­la­ção cons­ci­en­te e
ge­ne­ro­sa com a na­tu­re­za nos ori­en­ta pa­ra a eco­lo­gia, o xa­ma­nis­mo, to-­
das as cren­ças e dis­ci­pli­nas que le­vam em con­ta o pla­ne­ta co­mo um ser
vi­vo. Se A Es­tre­la der­ra­ma seus va­sos no pas­sa­do ou no va­zio, se­rá pre-­
ci­so se per­gun­tar por que ela es­ban­ja sua ener­gia, em qual nó sem so­lu-­
ção.
Es­ta car­ta, por sua nu­dez e sua na­tu­re­za es­te­lar, evo­ca tam­bém Vê-­
nus, a Es­tre­la do Pas­tor, o as­tro mais bri­lhan­te que per­mi­te que nos ori-­
en­te­mos à noi­te.
E se A Es­tre­la fa­las­se...

“Na in­fi­ni­ta mul­ti­pli­ci­da­de dos se­res e das coi­sas, eu en­con­trei meu lu-­
gar – no mun­do e em mim mes­ma, pois é a mes­ma coi­sa. Não te­nho
mais ne­ces­si­da­de de pro­cu­rar, não fa­ço mais ne­nhu­ma ima­gem de mim
mes­ma, es­tou no meu lu­gar. Aqui, e em to­da par­te, vo­lun­ta­ri­a­men­te co-­
nec­ta­da.
“Es­tou em ca­da par­tí­cu­la de po­ei­ra, em ca­da ter­ri­tó­rio, ca­da cur­so
d'água, ca­da es­tre­la, ca­da par­te do meu cor­po. E co­mo eu não res­pei­ta-­
ria o mun­do, e meus os­sos, e mi­nha car­ne? To­da es­sa ma­té­ria não é mi-
nha, ela me foi em­pres­ta­da, ape­nas por um frag­men­to de tem­po. E eu a
res­pei­to, pois ela é meu tem­plo – aque­le on­de re­si­de o im­pen­sá­vel
Deus. O es­píri­to é ma­té­ria e a ma­té­ria é es­píri­to, cons­tan­te­men­te o uni-­
ver­so nas­ce e ex­plo­de, e no cen­tro de­le, aqui on­de eu me ajo­e­lho, es­tou.
“Se di­go: ‘es­tou aqui’, que­ro di­zer que es­tou na­qui­lo que sus­ten­ta
to­da vi­da, na­que­la fon­te in­ces­san­te de ener­gia que dis­tri­buo em meu
es­píri­to, meu co­ra­ção, meu se­xo. Ener­gi­as de uma pu­re­za su­bli­me, que,
bro­tan­do de mim, la­vam o mun­do. Dei­xo seu per­fu­me na at­mos­fe­ra,
sua do­çu­ra nas águas do rio, sua fer­ti­li­da­de na ter­ra e sua vi­da em to­dos
os oce­a­nos. Não há ne­nhum lu­gar do cos­mos do qual eu es­te­ja au­sen­te.
“Em ca­da ins­tan­te, nun­ca aban­do­no o pre­sen­te. Nem o pas­sa­do,
nem o fu­tu­ro po­dem me pren­der. Nem os ar­re­pen­di­men­tos, nem os
pro­je­tos. Cons­tan­te, fi­el ao meu lu­gar, re­ce­bo e doo. E quan­do di­go:
‘sou do mun­do e de mim mes­ma’, is­so sig­ni­fi­ca que me en­tre­go sem re-­
ti­cên­cias, eli­mi­nan­do até a raiz a críti­ca mais obs­cu­ra. Não jul­go. Amo e
sir­vo.
“Não me se­pa­ro, nem mes­mo pe­la es­pes­su­ra de um fio de ca­be­lo, eu
per­ten­ço – is­so quer di­zer que ve­ne­ro, obe­de­ço. É por is­so que es­tou
nua, nua co­mo uma ár­vo­re, um pás­sa­ro ou uma nu­vem. Sou do meu
cor­po, da mi­nha car­ne e do meu san­gue; sen­do as­sim, é im­pos­sí­vel pa­ra
mim aban­do­nar ou me aban­do­nar. Co­mo não amar o que me pos­sui
amo­ro­sa­men­te?
“Da mes­ma ma­nei­ra que me dou à ter­ra, eu me dou à mi­nha car­ne e
aos meus os­sos. Co­mo me con­fio aos oce­a­nos, con­fio-me ao meu san-­
gue. Co­mo me en­tre­go ao ar, en­tre­go-me à mi­nha pe­le; co­mo me re­me-­
to às es­tre­las, re­me­to-me ao meu ca­be­lo. E, cheia des­se amor de es­cra-­
va, ra­di­an­te, ajo no mun­do e em mim mes­ma. Ajo, is­to é, vou com o
mun­do, eli­mi­nan­do obs­tá­cu­los, trans­mi­tin­do a ener­gia que vem do
além das es­tre­las. Só en­ri­que­ço e pu­ri­fi­co, e nu­tro, e com­preen­do, e pu-­
ri­fi­co. Da mes­ma ma­nei­ra, ajo so­bre mim mes­ma: eu me abro pa­ra to-­
dos os in­fi­ni­tos, dei­xo o so­pro dos deu­ses cir­cu­lar por to­dos os po­ros da
mi­nha pe­le, não ofe­re­ço ne­nhu­ma re­sis­tên­cia à cir­cu­la­ção im­pe­tuo­sa
do meu san­gue. Per­mi­to que to­dos os mis­té­rios me atra­ves­sem. E no
cen­tro do meu ven­tre, tor­na­do in­fi­ni­to, re­ce­bo e dei­xo nas­cer a to­ta­li-­
da­de da luz.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Êxi­to • Sor­te • Ver­da­de • Ge­ne­ro­si­da­de • Ação al­tru­ís­ta • Co­lo­car fren­te a fren­te
du­as ações ou du­as re­la­ções • En­con­trar seu lu­gar • Ve­de­te • Mu­lher fértil • Ama-­
men­tar • Mu­lher grávi­da • Fe­ri­da no jo­e­lho • Aman­te ide­al • Do­a­ção ou des­per­dí-­
cio, se­gun­do a di­re­ção na qual A Es­tre­la es­va­zia seus va­sos • Nos­tal­gia (se ela olha
pa­ra o pas­sa­do) • Pu­ri­fi­ca­ção do mun­do • Eco­lo­gia • Fon­te • Ir­ri­ga­ção • Re­cep­ção
da ener­gia cósmi­ca • Sa­cra­li­za­ção de um lu­gar • Har­mo­nia com as for­ças da na­tu-­
re­za • Pa­ra­í­so • Aquá­rio • Xa­mã • Bru­xa be­la...
XVI­II A Lua
Po­tên­cia fe­mi­ni­na re­cep­ti­va

Pa­la­vras-cha­ve:
Noi­te • In­tui­ção • Mãe cósmi­ca • So­nho • Re­cep­ti­vi­da­de • Re­fle­tir • Mis­té­rio •
Atra­ção • Ima­gi­na­ção • Mag­néti­ca • Ges­ta­ção • Lou­cu­ra • Po­e­sia • In­cer­te­za • Fa-­
ses...
A lua é um dos sím­bo­los mais an­ti­gos da hu­ma­ni­da­de, ela re­pre­sen­ta o
ar­quéti­po fe­mi­ni­no ma­ter­nal por ex­ce­lên­cia, a Mãe cósmi­ca. Sua qua­li-­
da­de es­sen­ci­al é a re­cep­ti­vi­da­de: a Lua, pla­ne­ta sa­téli­te, re­fle­te a luz do
Sol. No Ar­ca­no XVI­II, en­con­tra­mo-nos em ple­no co­ra­ção da noi­te, mas
de uma noi­te ilu­mi­na­da por es­sa hu­mil­de re­cep­ti­vi­da­de. A lua é tam-­
bém o mun­do dos so­nhos, do ima­gi­ná­rio e do in­cons­ci­en­te, tra­di­ci­o­nal-­
men­te as­so­ci­a­dos à noi­te. O Ta­rot re­pre­sen­ta a lua, co­mo o sol, com um
ros­to. Mas ela não nos olha de fren­te. Tra­ta-se de uma lua cres­cen­te,
que se apre­sen­ta de per­fil; em for­ma­ção, uma par­te de­la ain­da per­ma-­
ne­ce in­vi­sí­vel. Nes­se sen­ti­do, A Lua sim­bo­li­za o mis­té­rio da al­ma, o
pro­ces­so se­cre­to de ges­ta­ção, tu­do aqui­lo que es­tá es­con­di­do. Seu ros­to
não é o de uma mu­lher jo­vem, mas es­tá im­preg­na­do de uma sa­be­do­ria
an­ti­ga que ema­na de seus rai­os la­ran­ja. Os rai­os ver­me­lhos que se al­ter-­
nam com es­tes, no se­gun­do pla­no, nos in­di­cam uma gran­de ca­pa­ci­da­de
vi­tal, uma fer­ti­li­da­de ex­tre­ma co­mo que con­fi­na­da, ocul­ta. No pri­mei­ro
pla­no, o azul-ce­les­te do­mi­na, sím­bo­lo da es­pi­ri­tu­a­li­da­de e da in­tui­ção.
A lua es­tá li­ga­da aos rit­mos bi­o­ló­gi­cos, à água, às ma­rés, aos ci­clos fe-­
mi­ni­nos, à pas­sa­gem da vi­da à mor­te.
Sob o as­tro pro­pri­a­men­te di­to, dois ani­mais se pos­tam fren­te a fren-­
te, em uma pai­sa­gem on­de ve­mos du­as tor­res. Apa­ren­te­men­te, são cães,
tal­vez lo­bos, ou um cão e um lo­bo. Eles ui­vam pa­ra a lua e de­la se nu-­
trem, das go­tas co­lo­ri­das que ela lan­ça. Po­de­mos ver aí um sím­bo­lo da
fra­ter­ni­da­de, dois ir­mãos que pe­dem seu ali­men­to (ma­te­ri­al, emo­ci­o­nal
ou in­te­lec­tu­al) à mãe, dois ir­mãos amo­ro­sos ou ini­mi­gos. O ani­mal
azul-ce­les­te re­pre­sen­ta um ser mais es­pi­ri­tu­al. Sua lín­gua ver­de é re-­
cep­ti­va, ele tem a cau­da le­van­ta­da e, atrás de­le, no­ta­mos que as amei­as
da tor­re es­tão aber­tas, tam­bém re­cep­ti­vas. O cão cor de car­ne, que po-­
de­ria re­pre­sen­tar a ma­té­ria, tem a cau­da abai­xa­da e uma lín­gua ver­me-­
lha, ati­va. Ele se en­con­tra di­an­te de uma tor­re fe­cha­da, apa­ren­te­men­te
sem por­ta. Aos pés da tor­re, ob­ser­va­mos três de­graus bran­cos que lem-­
bram os de­graus ini­ci­áti­cos d’A Tor­re, mas ain­da as­sim a tor­re es­tá fe-­
cha­da, até as amei­as es­tão co­ber­tas por uma fi­lei­ra de amei­as com­ple-­
men­ta­res, co­mo den­tes cer­ra­dos. Po­de­rí­a­mos daí de­du­zir que o cor­po
ma­te­ri­al, con­cre­to e den­so, es­tá vol­ta­do pa­ra a ação e não tem vo­ca­ção
pa­ra re­ce­ber, ex­ce­to atra­vés do es­píri­to sim­bo­li­za­do pe­lo ani­mal azul-
cla­ro.
Re­pa­re­mos tam­bém que a ore­lha de ca­da cão traz em si sua cor
com­ple­men­tar, as­sim co­mo no sím­bo­lo do Tao, ca­da po­lo con­tém o ger-­
me do po­lo opos­to.
No es­pa­ço com­preen­di­do en­tre os dois ani­mais, su­as pa­tas de­li­mi-­
tam uma por­ção da pai­sa­gem que evo­ca um bra­são de três ní­veis: o ní-­
vel su­pe­ri­or, ver­de es­cu­ro, ima­gem do es­pa­ço on­de bri­lha a lua, cor­res-­
pon­de ao es­píri­to re­cep­ti­vo mer­gu­lha­do em uma me­di­ta­ção pro­fun­da.
O ní­vel in­ter­me­diá­rio cor­res­pon­de àque­le on­de se en­con­tram os cães;
du­as plan­tas cres­cem aí, re­pre­sen­tan­do uma vi­da emo­ci­o­nal ri­ca. A
par­te de bai­xo, mais próxi­ma da água, cor­res­pon­de à ges­ta­ção pro­fun­da
da di­men­são se­xu­al e cor­po­ral; en­con­tra­mos aí três go­tas ver­me­lhas
que re­me­tem à ani­ma­li­da­de.
O vo­lu­me de água que se en­con­tra na par­te in­fe­ri­or da car­ta é de­li-­
mi­ta­do co­mo uma pis­ci­na, mas agi­ta­do por on­du­la­ções que lem­bram
on­das e ma­rés. Po­de­ria ser tam­bém um por­to. Sua pri­mei­ra mar­gem,
bem na ba­se da car­ta, é com­pos­ta de ro­chas e ve­ge­ta­ção na­tu­ral, sel­va-­
gem. Mas na ou­tra ex­tre­mi­da­de, no­ta­mos que é bor­de­ja­da por li­nhas
re­tas, três li­nhas ne­gras de­li­mi­tan­do du­as li­nhas azuis, co­mo pa­ra in­di-­
car que o in­cons­ci­en­te se en­con­tra li­mi­ta­do, em seus ex­tre­mos, pe­lo
du­a­lis­mo ra­ci­o­nal. No cen­tro des­sas águas ma­tri­ci­ais, en­con­tra-se um
ca­ran­gue­jo ou la­gos­ta, em que po­de­mos ver um sím­bo­lo do eu que as­pi-­
ra ao con­ta­to com a lua. Es­se con­ta­to já exis­te: o crus­tá­ceo e o as­tro têm
as mes­mas co­res. O crus­tá­ceo de­se­ja unir-se com a lua sem sa­ber que,
co­mo to­dos os ele­men­tos da car­ta, já es­tá em co­mu­ni­ca­ção com ela.
Po­de­mos ver o crus­tá­ceo imer­so no mais pro­fun­do da água, ou ao
con­trá­rio, flu­tu­an­do na su­per­fície. Nos dois ca­sos, ele nos ins­ti­ga a en-­
trar em con­ta­to com a in­tui­ção, es­se te­sou­ro ocul­to que to­dos te­mos
den­tro de nós. No­ta­re­mos tam­bém que ele pren­de em su­as pin­ças du­as
pe­que­nas bo­las, co­mo ofe­ren­das. O ego tem al­go a ofe­re­cer no tra­ba­lho
es­pi­ri­tu­al.
As­sim, con­for­me o olhar que di­ri­gi­mos à car­ta, ela re­pre­sen­ta­rá a
co­mu­ni­ca­ção in­tui­ti­va pro­fun­da, ou ao con­trá­rio, a so­li­dão, a se­pa­ra­ção.
Po­de­mos ima­gi­nar que o crus­tá­ceo saiu da água pa­ra rou­bar as bo­las
azuis que tem nas pin­ças, que os cães es­tão bri­gan­do, que to­dos se sen-­
tem se­pa­ra­dos da lua e de sua for­ça es­pi­ri­tu­al. As go­tas po­dem re­pre-­
sen­tar sua ca­pa­ci­da­de re­cep­ti­va, mas tam­bém, em um sen­ti­do ne­ga­ti­vo,
uma in­sa­ci­á­vel ab­sor­ção de ener­gia. A car­ta re­me­te, en­tão, ao ca­os
men­tal, à lou­cu­ra.
Se con­tar­mos os tra­ços de ca­da la­do da ins­cri­ção “LA*LU­NE”, ve­re-­
mos que há dez à es­quer­da e do­ze à di­rei­ta. Dez re­me­te a A Ro­da da
For­tu­na: co­mo no Ar­ca­no X, há aqui três ani­mais; mas en­quan­to os ani-­
mais d’A Ro­da da For­tu­na ain­da não en­con­tra­ram a for­ça que os co­lo­ca-­
rá em mo­vi­men­to, po­de­mos di­zer que o ca­ran­gue­jo e os cães são mo­vi-­
dos aqui pe­la for­ça mag­néti­ca d’A Lua. Do­ze re­me­te ao Ar­ca­no XII, O
En­for­ca­do: ele es­tá es­trei­ta­men­te li­ga­do a A Lua por­que re­pre­sen­ta
uma pa­ra­da, uma ges­ta­ção es­pi­ri­tu­al, um es­ta­do de re­cep­ção; mas em A
Lua, o es­ta­do de re­cep­ção é uni­ver­sal: no chão, as go­tas ver­me­lhas e
azuis bro­tam e so­bem em di­re­ção ao as­tro. Es­sa cir­cu­la­ção é a mar­ca de
uma tro­ca ener­géti­ca en­tre a Ter­ra e a lua.
Em uma lei­tu­ra

Es­ta car­ta re­me­te ge­ral­men­te ao mun­do da mãe, a to­dos os as­pec­tos do


in­cons­ci­en­te, da in­tui­ção, do mis­té­rio ínti­mo do ser. Po­de­re­mos, en­tão,
ori­en­tar a lei­tu­ra pa­ra a re­la­ção do/da con­su­len­te com a mãe ou com
sua con­cep­ção do fe­mi­ni­no. Pa­ra uma mu­lher, es­ta car­ta po­de ser o
pres­sá­gio de uma pro­fun­da re­a­li­za­ção. Pa­ra um ho­mem, ela in­ci­ta a
cul­ti­var as qua­li­da­des tra­di­ci­o­nal­men­te fe­mi­ni­nas, co­mo a sen­si­bli­da-­
de, a in­tui­ção... A Lua é de bom agou­ro pa­ra qual­quer um que de­se­je se
de­di­car à po­e­sia, à lei­tu­ra do Ta­rot ou a qual­quer dis­ci­pli­na fun­da­da so-­
bre a re­cep­ti­vi­da­de. Em A Lua, res­so­am igual­men­te o me­do da es­cu­ri-­
dão, os pe­sa­de­los e to­do ti­po de in­qui­e­tu­des li­ga­das ao des­co­nhe­ci­do,
às ve­zes ao aban­do­no. Ela po­de sim­bo­li­zar as an­gús­tias mal de­fi­ni­das,
mas tam­bém uma vi­a­gem de além-mar ou a che­ga­da a um por­to. Ela in-­
cli­na ao de­va­neio e a to­dos os es­ta­dos de al­ma ge­ral­men­te as­so­ci­a­dos
ao ca­rá­ter “lu­nar” ou “lu­náti­co”.
Seu po­ten­ci­al re­cep­ti­vo in­fi­ni­to é sua mai­or ri­que­za.
E se A Lua fa­las­se...

“Vo­cê pe­de que eu me ex­pli­que, mas es­tou lon­ge de­mais das pa­la­vras,
da ló­gi­ca, do pen­sa­men­to dis­cur­si­vo do in­te­lec­to... Sou um es­ta­do se-­
cre­to e in­di­zí­vel, sou o mis­té­rio on­de co­me­ça to­do co­nhe­ci­men­to pro-­
fun­do, quan­do vo­cê mer­gu­lha em mi­nhas águas si­len­ci­o­sas sem na­da
exi­gir, sem ten­tar de­fi­nir coi­sa ne­nhu­ma, fo­ra de to­da luz. Quan­to mais
vo­cê en­tra em mim, mais eu o atraio. Não há na­da de cla­ro em mim.
Sou sem fun­do, sou to­da nu­an­ces, es­pa­lho-me no rei­no das som­bras.
Sou um pân­ta­no de ri­que­za in­co­men­su­rá­vel, con­te­nho to­dos os tó­tens,
os deu­ses pré-his­tóri­cos, os te­sou­ros dos tem­pos pas­sa­dos e fu­tu­ros.
Sou a ma­triz. Além do in­cons­ci­en­te, sou a pró­pria cri­a­ção. Es­ca­po a
qual­quer de­fi­ni­ção.
“Sei que me ado­ra­ram. De­pois que os se­res hu­ma­nos de­sen­vol­ve-­
ram uma cen­te­lha de cons­ciên­cia, eles me iden­ti­fi­ca­ram com ela. Co­mo
um co­ra­ção de pra­ta per­fei­ta, bri­lho nas tre­vas da noi­te. Eu era a luz
que eles sus­pei­ta­vam ne­bu­lo­sa­men­te que rei­na­va no sub­so­lo das su­as
al­mas ce­gas. Eu ha­via me fin­ca­do em to­das as obs­cu­ri­da­des do uni­ver-­
so. Lá, on­de as en­ti­da­des ávi­das es­prei­tam a mais míni­ma cen­te­lha de
cons­ciên­cia, di­men­sões de lou­cu­ra, de so­li­dão ab­so­lu­ta, de de­lí­rio gla-
ci­al, des­se si­lên­cio do­lo­ro­so que cha­mam de ‘po­e­sia’, re­co­nhe­ci que pa-­
ra ser era pre­ci­so ir até lá on­de eu não es­ta­va.
“Caí em mim mes­ma, ca­da vez mais fun­do. Eu me per­dia des­cen­do
em di­re­ção a lu­gar ne­nhum, até que no fi­nal, ‘eu’, a obs­cu­ra, não exis­tia
mais. Ou me­lhor: era uma con­ca­vi­da­de in­fi­ni­ta, uma bo­ca aber­ta con-­
ten­do to­da se­de do mun­do. Uma va­gi­na sem li­mi­tes, tor­na­da as­pi­ra­ção
to­tal. En­tão, nes­sa va­cui­da­de, nes­sa au­sên­cia de con­tor­nos, pu­de en­fim
re­fle­tir a to­ta­li­da­de da luz. Uma luz ar­den­te que trans­for­mei em seu re-­
fle­xo frio, não a luz que en­gen­dra, mas aque­la que ilu­mi­na.
“Não in­se­mi­no, ape­nas in­di­co. Quem re­ce­be mi­nha luz co­nhe­ce
aqui­lo que é, na­da mais. É mais do que su­fi­ci­en­te. Pa­ra me con­ver­ter
em re­cep­ção to­tal, ti­ve que me re­cu­sar a do­ar. Na noi­te, to­da for­ma rígi-­
da é anu­la­da por mi­nha luz, a co­me­çar pe­la ra­zão. Sob a mi­nha cla­ri­da-­
de, o an­jo é an­jo, a fe­ra é fe­ra, o lou­co é lou­co, o san­to é san­to. Sou o es-­
pe­lho uni­ver­sal, ca­da ser po­de se ver em mim.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


In­tui­ção • Noi­te • So­nho • De­va­nei­os • Su­pers­ti­ção • Po­e­sia • Adi­vi­nha­ção • Ima-­
gi­na­ção • In­cons­ci­en­te pro­fun­do • Sen­su­a­li­da­de • Ver­da­de ocul­ta (por des­co­brir) •
Lou­cu­ra • So­li­dão • Ter­ror no­tur­no • Ges­ta­ção • Exi­gên­cia sem li­mi­tes • “Vam­pi­ro”
de ener­gia • Cri­an­ça em bus­ca do amor ma­ter­no • Amor que une • De­pres­são • Se-­
gre­do • Tra­ves­sia do mar • Oce­a­no • Re­cep­ti­vi­da­de • Vi­da obs­cu­ra da ma­té­ria •
Ide­al que se quer al­can­çar • Fe­mi­ni­li­da­de • Ar­quéti­po ma­ter­nal cósmi­co...
XVI­I­II O Sol
Ar­quéti­po pa­ter­no, no­va cons­tru­ção

Pa­la­vras-cha­ve:
Ca­lor • Amor • No­va vi­da • Cons­tru­ção • Trân­si­to • Cons­ciên­cia • Pai cósmi­co •
Ge­mi­ni­da­de • Ir­ra­di­ar • Atra­ves­sar • In­fân­cia • Êxi­to • Evo­lu­ção...
O Sol, Ar­ca­no XVI­I­II, nos olha bem nos olhos, co­mo o per­so­na­gem d’A
Jus­ti­ça e o an­jo d’O Jul­ga­men­to. Há nu­me­ro­sos pon­tos em co­mum com
O Di­a­bo (XV), a co­me­çar pe­lo fa­to de que am­bos são um pou­co es­trábi-­
cos. Po­de­rí­a­mos pen­sar que O Di­a­bo acen­deu sua to­cha no fo­go d’O
Sol, luz e ca­lor pri­mor­di­al da di­vin­da­de. Es­sa é de fa­to a pri­mei­ra in­ter-­
pre­ta­ção d’O Sol, sím­bo­lo da vi­da, do amor, ar­quéti­po do Pai uni­ver­sal.
Se­nhor dos céus, fon­te de to­do ca­lor e de to­da luz, ele dá vi­da a to­das as
cri­a­tu­ras.
Aqui, o as­tro se mos­tra no zêni­te, ra­di­an­te, eli­mi­nan­do to­da som­bra,
no meio exa­to do céu. O cla­rão la­ran­ja, in­tui­ti­vo d’A Lua, dá lu­gar ao
mo­de­lo es­sen­ci­al que ela re­fle­te: a cla­ri­da­de ama­re­la d’O Sol. Sob o ca-­
lor do Pai ce­les­te, dois per­so­na­gens se unem na tra­ves­sia de um rio
azul-cla­ro.
Dois de­ta­lhes sig­ni­fi­ca­ti­vos os as­se­me­lham aos di­a­bre­tes do Ar­ca­no
XV: o da es­quer­da tem uma cau­da, co­mo o di­a­bre­te mas­cu­li­no d’O Di­a-­
bo, e o da di­rei­ta pos­sui três pon­tos ao la­do do tron­co, co­mo o di­a­bre­te
fe­mi­ni­no. Po­de­rí­a­mos di­zer que a ener­gia que se en­con­tra­va na es­cu­ri-­
dão do Ar­ca­no XV ago­ra saiu em ple­na luz, e que em vez do vín­cu­lo
pas­si­o­nal in­cons­ci­en­te, es­ses dois per­so­na­gens subs­ti­tu­í­ram-no por
uma re­la­ção de aju­da mú­tua, de amor hu­ma­no em es­ta­do pu­ro. Uma
ami­za­de pro­fun­da e li­vre, sob a al­ta be­ne­vo­lên­cia d’O Sol. Ob­ser­ve­mos
que o per­so­na­gem à nos­sa di­rei­ta, do la­do ati­vo, é ago­ra quem traz o si-­
nal da cons­ciên­cia ati­va, en­quan­to o per­so­na­gem à nos­sa es­quer­da
avan­ça, co­mo que às ce­gas, dei­xan­do-se con­du­zir.
Das amar­ras dos di­a­bre­tes, eles só con­ser­va­ram co­la­res ver­me­lhos
ati­vos no pes­co­ço, lu­gar de pas­sa­gem, e li­nha de de­mar­ca­ção so­bre o
pei­to en­tre a di­rei­ta e a es­quer­da, de­li­mi­ta­ção e uni­ão en­tre o ati­vo e o
re­cep­ti­vo (ver pp. 57, 73 ss.). O per­so­na­gem da di­rei­ta es­tá de pé so­bre
uma por­ção de ter­ra bran­ca e co­mo que pu­ri­fi­ca­da, en­tre su­as per­nas a
pai­sa­gem é preen­chi­da por um pu­ro es­pa­ço azul. Pa­re­ce que ele já pas-­
sou pa­ra uma ou­tra di­men­são, mais es­pi­ri­tu­al, do ou­tro la­do des­se rio
so­bre as águas do qual o se­gun­do per­so­na­gem ca­mi­nha pa­ra se jun­tar a
ele, aju­da­do por um mo­vi­men­to da mão.
Po­de­rí­a­mos ver nes­ses gê­meos uma me­tá­fo­ra do tra­ba­lho in­te­ri­or: a
par­te cons­ci­en­te do ser aju­da a par­te ani­mal, mais pri­mi­ti­va, a ter aces-­
so a uma re­a­li­da­de di­fe­ren­te. O adul­to guia a cri­an­ça in­te­ri­or em di­re-­
ção à ale­gria.
Nes­te Ar­ca­no, três co­res se re­pe­tem no céu, so­bre a ter­ra e nos hu-­
ma­nos. O ama­re­lo cen­tral do sol e dos rai­os tur­vos se re­fle­te nos ti­jo­los
do mu­ro e nos ca­be­los dos pro­ta­go­nis­tas, co­mo pa­ra in­di­car que o es-­
píri­to se li­ga à luz. O ver­me­lho dos rai­os re­tos faz eco às fi­lei­ras su­pe­ri-­
or e in­fe­ri­or dos ti­jo­los e ao co­lar dos pro­ta­go­nis­tas. Os olhos dos as­tros
são bran­cos com pu­pi­las ne­gras, co­mo aque­les dos per­so­na­gens abai­xo
e co­mo a ter­ra pu­ri­fi­ca­da à di­rei­ta da car­ta. Es­se olhar cons­ci­en­te faz
da du­a­li­da­de ver­me­lho-ama­re­lo (ação vi­tal/in­te­li­gên­cia; ver pp. 109 ss.)
uma uni­da­de di­vi­na. Por fim, o azul do rio agi­ta­do vem se en­ro­lar em
tor­no da cin­tu­ra dos per­so­na­gens, em seus pa­ne­ja­men­tos. Is­so tal­vez
sig­ni­fi­que que eles acei­ta­ram seus cor­pos, cin­gi­dos por es­sa on­da em
per­pé­tua mu­dan­ça, co­mo uma for­ma efê­me­ra. Ela se ele­va em cin­co
go­tas de azul-cla­ro em di­re­ção ao sol, cons­ciên­cia eter­na pre­sen­te em
ca­da um de nós. A uni­ão en­tre os pla­nos ce­les­te, ter­res­tre e hu­ma­no é
to­tal. Uma úni­ca fai­xa ver­de, pro­va da uni­ão fer­ti­li­zan­te en­tre o ca­lor
do sol e a ação do rio, evo­ca o cres­ci­men­to ve­ge­tal. Po­de­mos ler o nú-­
me­ro das es­tri­as nes­sa fai­xa de ve­ge­ta­ção se­gun­do a nu­me­ro­lo­gia do
Ta­rot, co­mo le­rí­a­mos uma série de Ar­ca­nos mai­o­res. En­con­tra­mos 14 à
es­quer­da do per­so­na­gem da di­rei­ta, co­mo anun­ci­an­do o pro­ces­so de
cu­ra em que ele se en­vol­ve; de­pois du­as en­tre su­as per­nas, ges­ta­ção do
mun­do fu­tu­ro; de­pois mais se­te en­tre os dois per­so­na­gens, a ação de
um so­bre o ou­tro, ou com o ou­tro; e por fim no­ve à di­rei­ta da car­ta, que
lem­bram o va­lor nu­me­ro­ló­gi­co 9, cri­se de fim de ci­clo e des­pren­di­men-­
to. (So­bre a nu­me­ro­lo­gia, ver pp. 77 ss.) Mas aqui se tra­ta de uma tra-­
ves­sia ini­ci­áti­ca. A mu­re­ta ama­re­la e ver­me­lha no se­gun­do pla­no nos
in­di­ca que, no co­ra­ção des­sa cri­se, já se er­gue uma no­va cons­tru­ção. Os
dois per­so­na­gens, se­pa­ran­do-se do pas­sa­do, ini­ci­am uma no­va vi­da.
Em uma lei­tu­ra

O Sol é um bom si­nal pa­ra to­da no­va cons­tru­ção, in­di­ca que um amor
in­con­di­ci­o­nal es­tá em ação e pres­sa­gia um su­ces­so fun­da­do so­bre um
ca­mi­nho ca­lo­ro­so e cla­ro. É a cris­ta­li­za­ção de um ca­sal amo­ro­so, a ob-­
ten­ção de um su­ces­so, uma re­a­li­za­ção em qual­quer do­mí­nio da vi­da
hu­ma­na, em seus as­pec­tos in­te­lec­tu­ais, emo­ci­o­nais, cri­a­ti­vos ou ma­te-­
ri­ais. É tam­bém o iní­cio de uma vi­da no­va em que se dei­xa pa­ra trás as
di­fi­cul­da­des do pas­sa­do; o en­con­tro de uma al­ma gê­mea, a as­si­na­tu­ra
de um bom con­tra­to...
O Sol re­pre­sen­ta tam­bém os va­lo­res ide­ais do ar­quéti­po pa­ter­no, in-­
clu­in­do o des­per­tar do es­píri­to mas­cu­li­no e da in­te­li­gên­cia no co­ra­ção
da fe­mi­ni­li­da­de. Ele po­de igual­men­te si­na­li­zar uma do­mi­nân­cia da
ima­gem do pai na ques­tão co­lo­ca­da, mar­ca­da tan­to pe­la pre­sen­ça (um
pai in­su­pe­rá­vel), co­mo pe­la au­sên­cia, que le­vou o/a con­su­len­te a for-­
mar uma ima­gem ide­al do pai, tal­vez míti­ca de­mais pa­ra cor­res­pon­der
à re­a­li­da­de.
O ca­lor do sol es­tá dis­po­ní­vel a to­do mo­men­to pa­ra to­dos. Ain­da as-­
sim, não nos es­que­ça­mos que um ex­ces­so de sol le­va à mor­te, à se­ca, e
po­de trans­for­mar a pai­sa­gem em de­ser­to.
E se O Sol fa­las­se...

“Eu me re­no­vo sem ces­sar. Con­su­min­do-me, dou meu ca­lor a ca­da fo-­
lha de rel­va, a ca­da ani­mal, a to­do ser vi­vo, sem ex­ce­ção: acei­to que
cha­mem is­so de Amor. Ci­cli­ca­men­te, de­sa­pa­re­ço e vol­to. Da mes­ma
ma­nei­ra, pa­ra en­trar em meu es­plen­dor, es­pe­ro que os se­res hu­ma­nos
pos­sam en­ter­rar seu pas­sa­do e co­me­çar uma no­va vi­da. Vou aju­dá-los
nis­so. Lá on­de eu bri­lho, dis­sol­vo a dúvi­da, en­tro nos con­fins mais obs-­
cu­ros da al­ma e os inun­do com mi­nha luz. Im­pul­si­o­na­dos por meu so-­
pro, vo­cês atra­ves­sa­rão o rio das pul­sões de­men­tes e, pu­ri­fi­ca­dos, vo­cês
che­ga­rão ao lu­gar on­de tu­do cres­ce sem es­for­ço.
“Bri­lho no co­ra­ção da ma­té­ria, sou sua ex­plo­são se­cre­ta, não res­ta
na­da sem mim. Mas quan­do ela se re­cu­sa à mi­nha ação, quan­do não me
per­ce­be co­mo sua for­ça vi­tal, é um ca­dá­ver. Não ces­so de im­preg­ná-la
com mi­nhas go­tas de imor­ta­li­da­de. Por vo­cês, mi­nhas cri­an­ças, en­gen-­
dro in­fi­ni­ta­men­te a ale­gria e a eu­fo­ria vi­tal. Não se­jam im­per­me­á­veis à
mi­nha luz eter­na. Ve­jam co­mo é bai­xo o mu­ro que os se­pa­ra de mim.
Eu o con­ce­bi pa­ra que to­dos pos­sam sal­tá-lo, é uma brin­ca­dei­ra de cri-­
an­ça. Sob meus rai­os vo­cês co­nhe­ce­rão a ver­da­dei­ra afei­ção, nua, sin-­
ce­ra. Sou a so­lu­ção de to­das as di­fi­cul­da­des.
“Sou o olho pu­ro e, ao mes­mo tem­po, a res­so­nân­cia do pri­mei­ro gri-­
to. Is­so que vo­cês cha­mam de ‘es­cu­ri­dão’ é ape­nas o es­que­ci­men­to da
mi­nha luz, do meu amor sem­pre pre­sen­te. Anun­cio in­ces­san­te­men­te o
fim da noi­te. Tu­do que não é cla­ro não sou eu. Sou a re­no­va­ção con­tí-­
nua e re­ge­ne­ra­do­ra, aqui­lo pe­lo que es­pe­ra­mos uma vi­da in­tei­ra. Cha-­
mam-me de O Sol mas não te­nho no­me, sou a ex­plo­são ra­di­an­te da
exis­tên­cia.
“Mas o que sou se nin­guém me re­fle­te? Co­mo pos­so ser ili­mi­ta­do se
na­da me impõe li­mi­tes? O que é a mi­nha imor­ta­li­da­de sem o ca­mi­nho
da mor­te? O que é o meu pre­sen­te eter­no sem a ar­ma­di­lha do tem­po
que pas­sa? O que são mi­nhas se­men­tes de ou­ro sem os sul­cos de ter­ra
on­de pe­ne­trar? O que é meu ali­men­to se nin­guém o de­vo­ra? Na ver­da-­
de, meu amor é em gran­de par­te mi­nha ne­ces­si­da­de do ou­tro...
“É por is­so que me re­pro­du­zo sem ces­sar. Mul­ti­pli­co mi­nha ener­gia
em in­fi­ni­tos es­pe­lhos, tor­no-me aman­te de meus pró­prios fi­lhos. Na al-­
ma dos fi­lhos pro­cu­ro a mim mes­mo, con­ver­so co­mi­go mes­mo. Sou o
Pai uni­ver­sal de mim mes­mo. To­das as mães do mun­do, que fe­cun­dei,
sim­ples­men­te ge­ram a mim mes­mo. O sol me­ni­no tem to­dos os di­rei-­
tos. Ce­do es­ses di­rei­tos à hu­ma­ni­da­de cons­ci­en­te.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Amor re­cíp­ro­co • Fra­ter­ni­da­de • Aju­da mú­tua • Uni­ão fe­liz • No­va vi­da • As­so­ci­a-­
ção • Su­ces­so, co­lhei­ta abun­dan­te • Fe­li­ci­da­de • Luz • Ve­rão • Ir­ra­di­a­ção • In­te­li-­
gên­cia • Brio • Ri­que­za • Se­ca por ex­ces­so de ca­lor • Cri­an­ças ou in­fân­cia • Gê-­
meos, ge­mi­ni­da­de • Ri­va­li­da­de • Ar­quéti­po pa­ter­no cósmi­co • Pai ide­al • Pai au­sen-­
te • Cor­tar vín­cu­los com o pa­sa­do pa­ra cons­truir mais lon­ge • Cons­tru­ção • So­li­da-­
ri­e­da­de...
XX O Jul­ga­men­to
No­va cons­ciên­cia, de­se­jo ir­re­sis­tí­vel

Pa­la­vras-cha­ve:
Vo­ca­ção • Cha­ma­do • Nas­ci­men­to • Re­nas­ci­men­to • Cons­ciên­cia • Obra • Uni­ão •
Fa­mí­lia • Trans­cen­dên­cia • Emer­gir • Músi­ca • Sus­ci­tar...
To­das as ener­gi­as do Ta­rot se con­cen­tram na car­ta d’O Jul­ga­men­to. De-­
pois da re­cep­ti­vi­da­de d’A Lua e da no­va cons­tru­ção em­preen­di­da n’O
Sol, as­sis­ti­mos aqui ao nas­ci­men­to de uma no­va cons­ciên­cia, mar­ca­da
por um prin­cí­pio fe­mi­ni­no à es­quer­da e um prin­cí­pio mas­cu­li­no à di-­
rei­ta. Es­sa emer­gên­cia, cha­ma­da pe­lo an­jo e sua trom­be­ta, se apre­sen­ta
co­mo um de­se­jo ir­re­sis­tí­vel. O tra­ba­lho foi re­a­li­za­do. O ani­mus e a ani-­
ma che­gam à paz atra­vés da pre­ce. Os dois jun­tos cri­a­ram o an­dró­gi­no
di­vi­no que obe­de­ce ao cha­ma­do da Cons­ciên­cia su­pre­ma re­pre­sen­ta­da
pe­lo an­jo.
O ser que sur­ge das pro­fun­de­zas é do­ta­do de um cor­po azul-ce­les­te
que lem­bra o d’O Di­a­bo (XV). Se fi­zer­mos a ex­pe­riên­cia de so­bre­por as
du­as car­tas, per­ce­be­re­mos que as per­nas d’O Di­a­bo se adap­tam qua­se
que exa­ta­men­te ao cor­po do ser azul d’O Jul­ga­men­to, en­quan­to a par­te
de bai­xo dos di­a­bre­tes pro­lon­ga a dos per­so­na­gens em ora­ção. Ou­tra
co­in­ci­dên­cia: as­sim co­mo O Di­a­bo, o an­jo d’O Jul­ga­men­to pa­re­ce es­tar
com a lín­gua pa­ra fo­ra com sua trom­be­ta. Mas se a lín­gua d’O Di­a­bo é
ver­me­lha, agres­si­va, tal­vez car­re­ga­da de as­tú­cia e sar­cas­mo, a lín­gua do
an­jo, la­ran­ja, é im­preg­na­da de sa­be­do­ria e bon­da­de.
De­pois de uma tem­po­ra­da nas pro­fun­de­zas do in­cons­ci­en­te, de­pois
de um tra­ba­lho que po­de ter si­do efe­tu­a­do do­lo­ro­sa­men­te, em to­do ca-­
so, à som­bra, uma no­va vi­da des­per­ta, co­mo pa­ra um nas­ci­men­to ou
uma res­sur­rei­ção. Pen­sa­mos aqui no Ju­í­zo Fi­nal, em que os mor­tos se
le­van­tam das tum­bas. Tu­do o que es­tá mor­to re­nas­ce. Tu­do o que es­tá
ocul­to ou em ges­ta­ção so­be à su­per­fície e as­pi­ra a um mun­do su­pe­ri­or.
Es­se po­de­ro­so de­se­jo de evo­lu­ção res­soa co­mo uma músi­ca di­vi­na. O
que é su­ge­ri­do nes­te Ar­ca­no é que uma for­ça que de­sa­fia a mor­te es­tá
em ação em nos­sa exis­tên­cia: a cons­ciên­cia ima­te­ri­al e imor­tal.
Ela se ma­ni­fes­ta sob a for­ma de um cha­ma­do im­pe­ri­o­so pa­ra que se
vi­va em uma no­va di­men­são. O an­jo olha pa­ra fren­te e, com a trom­be­ta
na bo­ca, sim­bo­li­za o anún­cio des­se des­per­tar. A nu­vem cir­cu­lar azul-
ce­les­te que o en­vol­ve po­de­ria re­pre­sen­tar a aber­tu­ra men­tal. Es­sa mes-­
ma aber­tu­ra se anun­cia na ca­be­ça do ser que sur­ge das pro­fun­de­zas da
ter­ra: o va­zio men­tal re­a­li­za­do por ele é sim­bo­li­za­do pe­lo pe­que­no dis-­
co azul-es­cu­ro cen­tral, que gi­ra so­bre si mes­mo no tur­bi­lhão azul-ce-­
les­te que o en­vol­ve, pa­ra de­pois su­bir os vin­te e dois de­graus da trom-­
be­ta até che­gar ao ovo de ou­ro em que se ins­cre­ve a ca­be­ça do an­jo e
que re­pre­sen­ta Deus em ação. Ob­ser­ve­mos que o pa­vi­lhão da trom­be­ta,
por on­de sai a músi­ca, é co­mo uma re­pe­ti­ção des­se oval ama­re­lo: o som
re­pro­duz a na­tu­re­za do di­vi­no. O be­lo é a cin­ti­la­ção do ver­da­dei­ro.
A ban­dei­ra que o an­jo exi­be con­tém uma cruz cor de car­ne que sub-­
di­vi­de o fun­do la­ran­ja em qua­tro qua­dra­dos – os qua­tro ele­men­tos da
na­tu­re­za ou as qua­tro ener­gi­as sim­bo­li­za­das em se­gui­da pe­los qua­tro
ani­mais d’O Mun­do (XXI). Po­de­rí­a­mos pen­sar que a cruz cor de car­ne
in­di­ca a vo­ca­ção do ser hu­ma­no pa­ra vi­ver ao mes­mo tem­po ho­ri­zon-­
tal­men­te no mun­do, com a uni­ão do an­dró­gi­no es­sen­ci­al en­tre es­quer-­
da e di­rei­ta, e ver­ti­cal­men­te na ter­ra e no céu. Es­sa re­a­li­za­ção su­pre­ma
da cons­ciên­cia, na qual o in­di­ví­duo re­a­li­za a as­cen­são do ani­mal ao an-­
jo, en­con­tra o re­sul­ta­do de sua ação na car­ta d’O Mun­do.
Quan­do ti­ra­mos es­ta car­ta, sig­ni­fi­ca que es­ta­mos sen­do cha­ma­dos.
So­bre­vi­rão di­fi­cul­da­des se, por um mo­ti­vo ou por ou­tro, não che­gar-­
mos a res­pon­der a es­se cha­ma­do.
Em uma lei­tu­ra

Fre­quen­te­men­te, O Jul­ga­men­to re­lem­bra as cir­cuns­tân­cias do mo­do


co­mo o con­su­len­te vi­veu seu nas­ci­men­to. To­das as va­ri­a­ções pos­sí­veis
de um par­to pro­ble­máti­co, de uma ges­ta­ção con­tur­ba­da, de uma si­tu­a-­
ção di­fícil em tor­no de sua vin­da ao mun­do po­dem ter cons­ti­tu­í­do um
obs­tá­cu­lo. A pes­soa que con­sul­ta vi­ve­rá, en­tão, em al­gu­ma me­di­da,
cons­ci­en­te­men­te ou não, co­mo um ser que não foi de­se­ja­do, cu­jo nas­ci-­
men­to não foi pre­ten­di­do. A neu­ro­se do fra­cas­so, o de­ses­pe­ro, as di­fi-­
cul­da­des in­com­preen­sí­veis a le­va­rão in­ces­san­te­men­te pa­ra bai­xo, pa­ra
o fun­do da tum­ba de on­de ela é cha­ma­da a emer­gir.
O sen­ti­do des­te Ar­ca­no con­sis­te em des­co­brir, pe­lo tra­ba­lho te­ra-­
pêu­ti­co ou por ou­tros mei­os, que to­do ser que nas­ce é ab­so­lu­ta­men­te
de­se­ja­do pe­la di­vin­da­de (ou pe­lo uni­ver­so) que per­mi­tiu que ele fos­se
ge­ra­do. As di­fi­cul­da­des que o con­su­len­te sen­ti­rá di­an­te de seu de­se­jo
de vi­ver, de sua vo­ca­ção ar­tísti­ca ou pro­fis­si­o­nal são, por­tan­to, re­sis­tên-­
cias à sua pró­pria na­tu­re­za pro­fun­da, ao grau de cons­ciên­cia que o an­jo
nos ofe­re­ce.
Es­ta car­ta po­de tam­bém apa­re­cer pa­ra si­na­li­zar uma pro­ble­máti­ca
em tor­no do ato de jul­gar ou de ser jul­ga­do. Se o cha­ma­do é de na­tu­re-­
za di­vi­na, qual­quer um que o jul­ga men­te [em fran­cês, ju­ge ment]; ne-­
nhum ju­í­zo hu­ma­no te­rá va­lor.
Pa­ra um ca­sal, es­ta car­ta exor­ta a se fa­zer uma obra co­mum, um fi-­
lho re­al ou sim­bóli­co, su­ge­rin­do que o sen­ti­do da uni­ão mas­cu­li­no/fe-­
mi­ni­no é pro­du­zir um ter­cei­ro ele­men­to ba­nha­do de amor e cons­ciên-­
cia. O jo­go dos olha­res é in­te­res­san­te: a mu­lher olha pa­ra o ho­mem
e/ou pa­ra a cri­an­ça, ela re­pre­sen­ta o amor hu­ma­no e o amor pe­la obra,
en­quan­to o ho­mem, olhan­do pa­ra ci­ma, en­car­na o amor pe­lo di­vi­no, o
amor cósmi­co. O an­jo nos olha de fren­te. Sua ação se di­ri­ge a to­dos. Ele
nos lem­bra de que, se não re­co­nhe­cer­mos nos­so de­se­jo pro­fun­do e o
de­se­jo di­vi­no que sus­ci­ta em nós a to­ma­da de cons­ciên­cia, so­mos mor-­
tos-vi­vos.
O Jul­ga­men­to re­me­te, por fim, à emer­gên­cia de um de­se­jo, de uma
vo­ca­ção, a um cha­ma­do, qual­quer que se­ja ele.
É uma car­ta de êx­ta­se, de re­nas­ci­men­to pro­fun­do e de pre­ce ime­di-­
a­ta­men­te aten­di­da, em que as ener­gi­as so­bem da ter­ra pa­ra o céu e si-­
mul­ta­ne­a­men­te des­cem do céu pa­ra a ter­ra. Con­vém re­co­nhe­cê-la: ela
re­pre­sen­ta o úl­ti­mo pas­so an­tes da re­a­li­za­ção to­tal d’O Mun­do.
E se O Jul­ga­men­to fa­las­se...

“Vo­cê des­ceu pe­lo rio ne­gro do Ar­ca­no XI­II. Fin­cou ra­í­zes na es­cu­ri-­
dão d’O Di­a­bo. Vo­cê era o de­mô­nio que tris­te­men­te le­van­ta­va sua to­cha
co­mo uma nos­tal­gia da luz. Quan­do vo­cê er­ra­va no fun­do do abis­mo, eu
não me es­que­cia de vo­cê. Ago­ra pos­so en­trar em con­ta­to com vo­cê, mas
aos pou­cos, com uma pa­ciên­cia e uma su­a­vi­da­de in­fi­ni­tas, por­que eu
sou for­te de­mais. Vo­cê só po­de se unir a mim se ti­ver si­do pre­pa­ra­do, se
ti­ver fei­to a vi­a­gem às pro­fun­de­zas do seu ser, se já co­nhe­ceu to­das as
fa­ce­tas do seu mas­cu­li­no e do seu fe­mi­ni­no e elas já es­tão re­con­ci­li­a-­
das, equi­li­bra­das.
“Tra­go-lhe a luz de to­dos os uni­ver­sos. Mi­nha po­tên­cia exi­ge que
vo­cê es­te­ja em paz con­si­go mes­mo, que do mais pro­fun­do do seu in-­
cons­ci­en­te te­nha co­me­ça­do a cres­cer a no­va Ár­vo­re. Que to­do o seu ser
te­nha si­do mer­gu­lha­do em uma pre­ce in­fi­ni­ta, que ca­da cé­lu­la sua es­te-­
ja em paz. Que vo­cê se­ja co­mo os per­so­na­gens nus, em ple­na con­fi­an­ça,
em ple­na acei­ta­ção da­qui­lo que há de mais al­to. Sem a di­vin­da­de, não
pos­so exis­tir. Quan­do o ser se tor­na um ver­da­dei­ro ser con­fi­an­te, tran-­
qui­lo, en­tão e só en­tão eu apa­re­ço, co­mo a cer­te­za to­tal, co­mo o cha­ma-­
do que res­soa des­de o prin­cí­pio dos tem­pos.
“Mi­nha músi­ca, es­sên­cia di­vi­na da pa­la­vra, ins­pi­ra em vo­cê um de-­
se­jo im­pe­ri­o­so de se ele­var. Ela des­per­ta tu­do aqui­lo que es­ta­va ador-­
me­ci­do, res­sus­ci­ta tu­do o que es­ta­va mor­to, abre as lápi­des la­cra­das.
Fa­ço ex­plo­dir to­das as su­as pa­la­vras pa­ra que atra­vés das su­as pre­ces
vo­cê pos­sa che­gar ao do­mí­nio do in­con­ce­bí­vel, on­de rei­na o mi­la­gre da
va­cui­da­de. Eu sei. Vi e es­ti­ve com o Cri­a­dor. En­tão, sim­ples­men­te o
anun­cio. Trans­por­to o cha­ma­do ir­re­pri­mí­vel da Cons­ciên­cia. Sou o
des­per­tar, o mi­la­gre que se pro­duz no in­te­ri­or do seu ser.
“Ir­re­sis­tí­vel cer­te­za. Quan­do vo­cê aten­de ao meu cha­ma­do, ca­da
uma das su­as ações é co­mo uma or­dem que eu lhe dou. Não exis­te mais
dúvi­da. Vo­cê se põe a fa­zer, a pen­sar, a amar, a vi­ver, a de­se­jar em ple­no
acor­do com a von­ta­de di­vi­na. A vi­da va­le a pe­na ser vi­vi­da, tu­do se re­a-­
li­za na cal­ma, a me­di­ta­ção, a be­ne­vo­lên­cia e a ale­gria.
“Ve­nho de um ovo de ou­ro in­con­ce­bí­vel on­de o ser e o não ser são
ape­nas luz in­di­fe­ren­ci­a­da. Sou a mais al­ta re­a­li­za­ção do seu psi­quis­mo,
seu pen­sa­men­to en­fim an­dró­gi­no. Ve­nho li­ber­tá-lo dos li­mi­tes do ho-­
mem e da mu­lher. O cír­cu­lo de nu­vens ce­les­tes que me en­vol­ve é o seu
cé­re­bro azul ilu­mi­na­do. Apa­go pa­ra sem­pre as su­as fron­tei­ras. De en-­
car­na­ção em en­car­na­ção, de trans­for­ma­ção em trans­for­ma­ção, com
cer­te­za, com ale­gria cons­tan­te, per­mi­to que vo­cê se­ja o que sem­pre foi:
um an­jo, emis­sá­rio de Deus.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Cha­ma­do • De­se­jo ir­re­sis­tí­vel • To­ma­da de cons­ciên­cia • Anún­cio • Boa-no­va • Vo-­
ca­ção • Triun­fo • Re­no­me • Pro­je­to de fu­tu­ro • Dar vi­da • Nas­ci­men­to de uma cri-­
an­ça • Cu­ra • Músi­ca • Aber­tu­ra • Eclo­são • Obra de um ca­sal • Cé­lu­la pai/mãe/fi-­
lho • Amor de­pen­den­te dos pais • Con­di­ções do nas­ci­men­to do con­su­len­te • Ne­gar-
se a agir co­mo adul­to • Emer­gên­cia do que es­tá ocul­to • A Gra­ça • Des­per­tar da
cons­ciên­cia • Di­a­bo su­bli­ma­do • Im­pul­so pa­ra a luz...
XXI O Mun­do
Re­a­li­za­ção to­tal

Pa­la­vras-cha­ve:
Re­a­li­za­ção • Al­ma • Mun­do • Ple­ni­tu­de • Su­ces­so • He­ro­ís­mo • Gê­nio • San­ti­da­de
• Dan­çar • Êx­ta­se • Uni­ver­sal • Con­quis­ta • To­ta­li­da­de...
Es­te Ar­ca­no tem o nú­me­ro vin­te e um, o mais al­to va­lor nu­méri­co do
Ta­rot. Ele re­pre­sen­ta a re­a­li­za­ção su­pre­ma. Des­co­bri­mos aí uma mu-­
lher que pa­re­ce dan­çar no meio de uma co­roa de fo­lhas azul-ce­les­te, le-­
van­do na mão di­rei­ta um fras­co, prin­cí­pio re­cep­ti­vo, e na es­quer­da um
bas­tão, prin­cí­pio ati­vo. Co­mo no sím­bo­lo do Tao, o Yang sus­ten­ta o Yin
e vi­ce-ver­sa. Uma es­to­la azul (em ci­ma e atrás de­la) pas­sa pe­la fren­te
do seu cor­po e se tor­na ver­me­lha. Ain­da que o per­so­na­gem se­ja ine­ga-­
vel­men­te fe­mi­ni­no, é a uni­ão dos prin­cí­pios, o an­dró­gi­no re­a­li­za­do que
fi­ca su­ge­ri­do por es­ta fi­gu­ra.
Úl­ti­mo grau do ca­mi­nho dos Ar­ca­nos mai­o­res, O Mun­do cha­ma pa-­
ra um en­con­tro na re­a­li­da­de pro­fun­da, pa­ra acei­tar­mos a ple­ni­tu­de da
re­a­li­za­ção. É tam­bém o mo­men­to em que, li­be­ra­dos da au­to­des­trui­ção,
co­me­ça­mos a vis­lum­brar o so­fri­men­to do ou­tro e a nos co­lo­car a ser­vi-­
ço da hu­a­ma­ni­da­de. Na tra­di­ção cris­tã, o Cris­to, a Vir­gem ou os san­tos
são às ve­zes re­pre­sen­ta­dos as­sim no in­te­ri­or de uma fi­gu­ra oval. A guir-­
lan­da ou man­dor­la, de­ri­va­da da pa­la­vra “amên­doa”, é ao mes­mo tem­po
um sím­bo­lo da eter­ni­da­de e uma for­ma que lem­bra o se­xo fe­mi­ni­no.
Po­de­mos as­so­ci­ar es­te Ar­ca­no à uni­da­de reen­con­tra­da do mun­do em
sua to­ta­li­da­de.
Pen­sa­mos tam­bém aqui no ovo fi­lo­sófi­co, evo­ca­do en­tre ou­tros na
Tur­ba phi­lo­sop­ho­rum: “A ar­te da al­qui­mia é com­pa­rá­vel ao ovo em que
en­con­tra­mos qua­tro coi­sas: a cas­ca é a ter­ra; a cla­ra, a água; a fi­na
mem­bra­na que se en­con­tra em­bai­xo da cas­ca, é o ar [...]. A ge­ma é o fo-­
go.” [Tur­ba phi­lo­sop­ho­rum, ed. J. Ruska, Ber­lim, 1931.]
Vi­mos na pri­mei­ra par­te des­te li­vro (ver pp. 55 ss.) co­mo es­ta car­ta
é um es­pe­lho da es­tru­tu­ra do Ta­rot. Qua­tro fi­gu­ras en­qua­dram a mu-­
lher den­tro da man­dor­la ou guir­lan­da, co­mo qua­tro ener­gi­as bási­cas
uni­das em har­mo­nia a ser­vi­ço de um mes­mo cen­tro. Na tra­di­ção cris­tã,
o an­jo, o boi, a águia e o le­ão re­pre­sen­tam os qua­tro evan­ge­lis­tas. Aqui,
es­ses qua­tro ele­men­tos nos ser­vem de ba­se pa­ra com­preen­der os qua-­
tro Nai­pes ou sím­bo­los dos Ar­ca­nos me­no­res (ver pp. 65-6).
O ani­mal cor de car­ne, em­bai­xo à es­quer­da da car­ta, não po­de ser
cla­ra­men­te de­fi­ni­do: ca­va­lo, boi ou tou­ro, é em to­do ca­so um ani­mal de
tra­ção que sim­bo­li­za a ofe­ren­da, a aju­da, o sa­cri­fí­cio. Po­de­mos tam­bém
con­si­de­rar a pon­ta er­gui­da por trás de seu olho à nos­sa es­quer­da co­mo
o chi­fre úni­co de um uni­cór­nio, que foi na Ida­de Mé­dia sím­bo­lo da
con­cep­ção do Cris­to pe­la Vir­gem. Ain­da nes­sa épo­ca, es­te ani­mal sim-­
bo­li­za­ria, por­tan­to, a ma­té­ria vir­gem, os Ou­ros. Con­tra­ri­a­men­te aos ou-­
tros três ele­men­tos, es­se ani­mal não tem au­ré­o­la, pois não par­ti­ci­pa da
eter­ni­da­de. Da mes­ma ma­nei­ra, os Ou­ros, ao con­trá­rio dos ou­tros Nai-­
pes, não têm nú­me­ros (ver p. 61). Nes­ta car­ta, a ener­gia cor­po­ral e ma-­
te­ri­al che­ga a sua ple­ni­tu­de. O cor­po é efê­me­ro, mas pu­ri­fi­ca­do de
qual­quer má­cu­la. A re­a­li­za­ção da vi­da ma­te­ri­al po­de­ria se en­car­nar na
fi­gu­ra do cam­pe­ão que re­a­li­za uma pro­e­za es­por­ti­va ou vi­tal.
As três ou­tras fi­gu­ras são ele­men­tos cósmi­cos: o an­jo re­pre­sen­ta a
per­fei­ção emo­ci­o­nal, a san­ti­da­de, o co­ra­ção cheio de amor que se con-­
sa­gra a do­ar (Co­pas). A águia, com sua au­ré­o­la, sim­bo­li­za a re­a­li­za­ção
men­tal: o gê­nio, mas tam­bém um va­zio que não se iden­ti­fi­ca com as pa-­
la­vras (Es­pa­das). O le­ão, tam­bém com sua au­ré­o­la, re­pre­sen­ta o ápi­ce
da ener­gia de­se­jan­te e cri­a­ti­va, uma su­bli­ma­ção que con­duz o es­for­ço
sel­va­gem à cri­a­ção cons­ci­en­te, a fi­gu­ra do he­rói que não he­si­ta em sa-­
cri­fi­car a pró­pria vi­da (Paus).
As qua­tro ener­gi­as se ir­ra­di­am ao re­dor do cen­tro, in­tei­ra­men­te re-­
a­li­za­das. E em seu ovo azul, cheio de amor e cons­ciên­cia por to­do o
uni­ver­so, a per­so­na­gem cen­tral dan­ça olhan­do pa­ra a es­quer­da, a re-­
cep­ti­vi­da­de. Seu pé es­tá pos­to so­bre um chão ver­me­lho e la­vra­do com
seus sul­cos: a ati­vi­da­de vi­tal foi tra­ba­lha­da com pra­zer, o mun­do foi
acei­to co­mo ele é, em ple­na cons­ciên­cia. So­bre es­se so­lo vi­vo, dis­far­ça-­
do por um la­ço ama­re­lo, dis­tin­gui­mos um ovo bran­co. É o ovo d’A Pa­pi-­
sa, po­de­rí­a­mos di­zer, que eclo­diu em to­das as su­as po­ten­ci­a­li­da­des.
Quan­do o ovo cósmi­co se abre em nos­so tra­ba­lho es­pi­ri­tu­al, nós nas­ce-­
mos, vi­mos a O Mun­do. Es­ta car­ta po­de­ria re­pre­sen­tar a ani­ma mun­di,
o agen­te uni­ver­sal que exis­te em to­das as coi­sas e que nos une a to­das
as coi­sas.
Em uma lei­tu­ra

Con­tan­to que apa­re­ça ao fi­nal, em po­si­ção de com­ple­tu­de, O Mun­do


in­di­ca uma re­a­li­za­ção. É uma mu­lher re­a­li­za­da, uma al­ma em ple­no go-­
zo, um mun­do per­fei­to, um ca­sa­men­to fe­liz, um su­ces­so mun­di­al. Es­ta
car­ta po­de tam­bém in­ci­tar a uma vi­a­gem: à des­co­ber­ta do mun­do no
sen­ti­do li­te­ral do ter­mo.
Da mes­ma ma­nei­ra que o Ar­ca­no XVI, A Tor­re, po­dia evo­car um se-­
xo mas­cu­li­no em ple­na eja­cu­la­ção, o Ar­ca­no XXI evo­ca um se­xo fe­mi-­
ni­no ha­bi­ta­do por uma exul­ta­ção (or­gas­mo) ou por um ser (mu­lher
grávi­da).
Por ou­tro la­do, se a car­ta apa­re­ce no iní­cio, ela re­pre­sen­ta­rá um co-­
me­ço di­fícil: a re­a­li­za­ção é exi­gi­da an­tes de to­da ação, ela não es­tá em
seu lu­gar, ela se tor­na um fe­cha­men­to. Po­de­rí­a­mos, en­tão, bus­car ras-­
tros da vi­da in­trau­te­ri­na ou do nas­ci­men­to do con­su­len­te, co­mo pri-­
mei­ra ex­pe­riên­cia trau­ma­ti­zan­te que in­du­ziu a um blo­queio no de­sen-­
vol­vi­men­to fu­tu­ro. Se não qui­ser­mos en­trar em con­si­de­ra­ções se­me-­
lhan­tes, se­rá pre­ci­so de to­do mo­do le­var em con­ta o fe­cha­men­to que
evo­ca o Ar­ca­no XXI no iní­cio do jo­go, e nos per­gun­tar­mos em que e
por que es­sa pes­soa con­ti­nua “den­tro da cas­ca”.
E se O Mun­do fa­las­se...

“Es­tou aqui, na sua fren­te, ao seu re­dor e em vo­cê, com um pra­zer


imen­so. Sou um ser com­ple­to. Não há em mim na­da que me re­sis­ta. Tu-
do é uni­da­de. Ca­da coi­sa es­tá em seu lu­gar, sou uma cons­ciên­cia in­vul-­
ne­rá­vel, sou a dan­ça per­pé­tua da to­ta­li­da­de. Aque­le que não me co­nhe-­
ce diz não quan­do to­do o uni­ver­so diz sim, e es­sa ne­ga­ção à mi­nha
imen­sa aqui­es­cên­cia o con­duz à im­po­tên­cia. Mas aque­le que se tor­na
in­tei­ra­men­te pu­ro e côn­ca­vo, que me dei­xa en­trar em si, co­me­ça a dan-­
çar co­mi­go, a di­zer aqui­lo que eu di­go. Es­se co­nhe­ce o amor uni­ver­sal,
o pen­sa­men­to to­tal, o de­se­jo cósmi­co, a for­ça de vi­da im­pen­sá­vel. Es­se
co­nhe­ce a quin­tes­sên­cia, a uni­da­de de to­das as ener­gi­as.
“Se vo­cê che­gar até mim, is­to é, se vo­cê me de­sen­vol­ver den­tro de
si, des­fru­ta­rá da joia ar­den­te da mi­nha pre­sen­ça. Co­mo qua­tro ri­os que
vol­tam pa­ra sua úni­ca fon­te, dei­xe que os seus con­cei­tos, en­xa­me de
abe­lhas ce­gas, se fun­dam na mi­nha fe­li­ci­da­de; dei­xe o tro­pel dos seus
sen­ti­men­tos se afo­gar em mi­nha exal­ta­ção in­fi­ni­ta; ofe­re­ça-me a hor­da
in­sen­sa­ta dos seus de­se­jos, pa­ra en­ri­que­cer, co­mo um man­jar de­li­ci­o­so,
mi­nha cons­tan­te cri­a­ti­vi­da­de. E que to­da a sua ma­té­ria, com su­as ne-­
ces­si­da­des ine­lu­tá­veis, se en­tre­gue a es­sa trans­pa­rên­cia que me ani­ma.
En­tão vo­cê se­rá se­nhor do seu uni­ver­so. Den­tro de vo­cê, sua li­bi­do não
se re­vol­ta­rá, su­as pai­xões não po­de­rão mais inun­dá-lo, seus pen­sa­men-­
tos não o des­trui­rão e seu cor­po não se­rá obs­tá­cu­lo à sua exis­tên­cia.
Vo­cê se­rá ple­no, uni­do a mim na dan­ça, na ale­gria, na fes­ta in­co­men­su-­
rá­vel.
“Per­mi­to, me­di­an­te obe­diên­cia, que o seu in­te­lec­to apren­da a ser;
me­di­an­te a paz ab­so­lu­ta, que o seu co­ra­ção apren­da a amar; me­di­an­te o
apren­di­za­do da re­cep­ção, que o seu se­xo apren­da a cri­ar; me­di­an­te a
acei­ta­ção da mor­te, que o seu cor­po apren­da a vi­ver. Se, co­mo o le­ão fa-­
min­to e se­den­to, vo­cê aban­do­na a pre­sa pa­ra se ele­var em di­re­ção à al-­
ma, por fim me en­con­tra­rá. Sou o pra­zer de vi­ver e a re­a­li­za­ção.
“Sou a flor efê­me­ra que nas­ce cons­tan­te­men­te do abis­mo; re­pre­sen-­
to a ma­te­ri­a­li­za­ção de to­dos os so­nhos, a al­ma sem a qual o mun­do não
é mais mun­do, mas um de­ser­to es­téril, o fim da es­pe­ran­ça. Sou o des­ti-­
no de to­dos os ca­mi­nhos.
“Ale­gria ine­fá­vel.
“Co­mo uma vir­gem san­ta, le­vo a di­vin­da­de em mi­nha ma­triz. Sou a
con­cre­ti­za­ção aqui mes­mo da ener­gia sa­gra­da d’O Lou­co. Sou O Mun-­
do que Deus cri­ou pa­ra ser ama­do por Ele.”

En­tre as in­ter­pre­ta­ções tra­di­ci­o­nais:


Re­no­me • Per­cor­rer o mun­do • Re­a­li­za­ção dos po­ten­ci­ais • Su­ces­so • Per­fei­to acor-­
do • Reu­ni­ão • Mu­lher ide­al • Ple­ni­tu­de • Co­me­ço di­fícil • Ven­tre de mu­lher grávi-­
da • Se­xo fe­mi­ni­no • Or­gas­mo • Re­a­li­za­ção su­pre­ma • Fi­nal fe­liz • Par­to • Nas­ci-­
men­to • Co­mo foi que eu nas­ci? • Fe­cha­men­to • Sen­ti­men­to de fra­cas­so • Ego­cen-­
tris­mo • Re­a­li­za­ção do an­dró­gi­no es­pi­ri­tu­al • Ovo cósmi­co • Re­a­li­za­ção dos qua­tro
cen­tros • Per­fei­ção fi­ni­ta • Uni­ver­so que che­gou a seu li­mi­te • Ex­pan­são máxi­ma...
Os hu­mil­des guar­di­ões do se­g re­do

Ao lon­go dos anos, co­le­ci­o­nei e es­tu­dei to­do ti­po de Ta­rots, sem ja­mais
me dar por sa­tis­fei­to. Sem­pre aca­ba­va achan­do que es­tas car­tas, de ne-­
nhu­ma ma­nei­ra im­pes­so­ais, eram o re­tra­to dos li­mi­tes e das ca­rac­te-­
rísti­cas de seus au­to­res e – por que não? – de su­as do­en­ças. O Ta­rot de
Edward Wai­te so­bre­tu­do, com su­as ima­gens de mau gos­to e mui­tas ve-­
zes ne­ga­ti­vas, tal co­mo o Dez de Es­pa­das, on­de um ho­mem jaz mor­to
de bru­ços na ter­ra, com o tron­co atra­ves­sa­do por dez es­pa­das: dor, afli-­
ção, lágri­mas, tris­te­za, de­so­la­ção. Ou o No­ve de Paus, on­de um me­ni­no
com a ca­be­ça fe­ri­da se apoia em um pau en­quan­to ob­ser­va im­po­ten­te
um mu­ro for­ma­do por ou­tros oi­to. Ou o Va­le­te de Co­pas con­tem­plan­do
um pei­xe que põe a ca­be­ça pa­ra fo­ra de sua ta­ça: amar­ras, se­du­ção, en-­
go­do, ar­ti­fí­cio. Ou o Cin­co de Ou­ros mos­tran­do men­di­gos tran­si­dos de
frio: de­sor­dem, ca­os, ru­í­na, dis­cór­dia, li­ber­ti­na­gem etc. O con­ta­to com
a obra de Wai­te me fez crer que os Ar­ca­nos me­no­res eram por­ta­do­res
de fi­gu­ras hu­ma­nas ou ani­mais...
Pro­cu­rei com per­se­ve­ran­ça um ba­ra­lho cu­jos per­so­na­gens me fi-­
zes­sem sen­tir a for­ça do mis­té­rio. Só en­con­trei de­se­nhos de qua­li­da­de
du­vi­do­sa, des­pro­vi­dos de sig­ni­fi­ca­do pro­fun­do. Ape­sar de acei­tar que o
es­píri­to hu­ma­no pos­sui uma ca­pa­ci­da­de ad­mi­rá­vel de abs­tra­ção e de
con­cre­ti­za­ção, e que em to­do sis­te­ma de ob­je­tos e de de­se­nhos é ca­paz
de ne­les ler sim­bo­li­ca­men­te aqui­lo que quer e de in­du­zir em ca­da um
de­les as idei­as que lhe con­vêm, es­sas car­tas mal­fei­tas ja­mais me de­ram
a pos­si­bi­li­da­de de car­re­gá-las de um con­te­ú­do sig­ni­fi­ca­ti­vo... Um dia,
por um aca­so que ou­so qua­li­fi­car de mi­ra­cu­lo­so, um dos meus se­te ga-­
tos der­ru­bou da mi­nha bi­bli­o­te­ca o Ta­rot de Mar­se­lha. To­das as car­tas
se es­pa­lha­ram pe­lo chão vi­ra­das pa­ra bai­xo, me­nos o Ás de Co­pas, que
caiu vi­ra­do pa­ra ci­ma. Sob o im­pac­to da sur­pre­sa, mi­nha aten­ção foi li-­
te­ral­men­te en­go­li­da por es­se de­se­nho. E su­bi­ta­men­te des­co­bri ne­le um
sen­ti­do pro­fun­do, sa­gra­do. Já não era uma co­pa: com su­as se­te tor­res, a
do meio de­co­ra­da por um cír­cu­lo con­ten­do no­ve pon­tos – co­mo o ene-­
á­go­no dos místi­cos su­fis –, era um tem­plo que pa­re­cia pe­dir que exu-­
mas­sem os te­sou­ros que guar­da­va. Era o cáli­ce da mis­sa, con­ten­do o
san­gue do Sal­va­dor, a ple­ni­tu­de in­te­ri­or que os ho­mens sem­pre bus­ca-­
ram. Ele es­ta­va cheio de amor di­vi­no. Ele se apre­sen­ta­va tam­bém co­mo
um san­to se­pul­cro, on­de en­cer­ram o Deus en­car­na­do pa­ra que ele re-­
nas­ça co­mo ser de luz. Ele foi tam­bém o al­ta­nor al­quí­mi­co, uma ma­triz
on­de se ope­ra a trans­mu­ta­ção, físi­ca e mo­ral. Es­se Ás de Co­pas, cheio
da imen­si­dão in­su­pe­rá­vel do amor di­vi­no, ofe­re­cen­do-me o es­píri­to do
mun­do, o es­píri­to da vi­da, tor­nou-se pa­ra mim um es­pe­lho. Sua men­sa-­
gem: “Vo­cê tam­bém é um re­cep­tá­cu­lo sa­gra­do”.

Es­sa ex­pe­riên­cia me le­vou a exa­mi­nar com pa­ciên­cia os Ar­ca­nos


me­no­res do Ta­rot de Mar­se­lha que eu, ob­ce­ca­do pe­los ri­dí­cu­los ta­rots
que eram mo­da en­tre os hip­pi­es, ha­via des­de­nha­do, con­si­de­ran­do-os
fri­os, su­pér­fluos, in­com­preen­sí­veis, sim­ples de­mais, ge­o­métri­cos de-­
mais, em su­ma, en­te­di­an­tes. Os ini­ci­a­dos di­zem com ra­zão que o se­gre-­
do mais di­fícil de des­co­brir é aque­le que não es­tá es­con­di­do. Não que
es­ses Ar­ca­nos não di­gam na­da: o que ocor­re é que os olhos do não ini­ci-­
a­do não sa­bem ver. A ar­te de ex­pres­sar por for­mas o pro­ces­so es­pi­ri­tu­al
foi prin­ci­pal­men­te de­sen­vol­vi­da pe­los ar­tis­tas não fi­gu­ra­ti­vos do Is­lã,
que se ins­pi­ra­ram nas tra­di­ções pi­ta­góri­cas, gre­gas, in­di­a­nas e per­sas.
Ain­da que o Al­co­rão não pro­í­ba a re­pre­sen­ta­ção de se­res ani­ma­dos, to-­
da uma série de pre­cei­tos, tra­di­ci­o­nal­men­te atri­bu­í­dos ao Pro­fe­ta (os
ha­di­ths), a con­de­nam: “No dia da res­sur­rei­ção, o mais ter­rí­vel cas­ti­go
se­rá in­fli­gi­do ao pin­tor que imi­tou os se­res cri­a­dos por Deus”1. Em ra-­
zão des­sa in­ter­di­ção, to­da ar­te mu­çul­ma­na é ex­clu­si­va­men­te ge­o­métri-­
ca e de­co­ra­ti­va... Pa­ra com­preen­der os qua­ren­ta Ar­ca­nos me­no­res, foi
pre­ci­so ob­ser­vá-los por mui­to tem­po e com­pa­rá-los uns com os ou­tros,
ob­ser­van­do bem o que os apa­ren­ta­va e o que os di­fe­ren­ci­a­va, pro­cu­ran-­
do míni­mos de­ta­lhes que rom­pes­sem a si­me­tria, até che­gar a sen­tir ca-­
da um de­les co­mo um ser pró­prio...
Nes­sa ex­pres­são ge­o­métri­ca dos Ar­ca­nos me­no­res, en­con­tra­mos
du­as ex­ce­ções: o Dois de Co­pas e o Qua­tro de Ou­ros. No pri­mei­ro, ve-­
mos re­pre­sen­ta­dos dois pei­xes e a ave Fênix acom­pa­nha­da de dois an-­
jos, um de­les pro­va­vel­men­te ce­go. No Qua­tro de Ou­ros, a Fênix ver­me-
lha do Dois de Co­pas é ama­re­la e es­tá sain­do de uma fo­guei­ra.
A re­fe­rên­cia al­quí­mi­ca é di­re­ta: na Gran­de Obra, a Fênix ver­me­lha
re­pre­sen­ta a ter­cei­ra eta­pa, a ru­be­do, a au­ro­ra, que é a mãe do sol e que
anun­cia o fim da noi­te. (O an­jo ce­go po­de re­pre­sen­tar a pri­mei­ra eta­pa,
a obra em ne­gro, a ni­gre­do, a ma­té­ria- -pri­ma; o ou­tro an­jo po­de re­pre-­
sen­tar a se­gun­da eta­pa, al­be­do, a pu­ri­fi­ca­ção.) As­sim, a au­ro­ra anun­cia
em seu ver­me­lho ex­tre­mo o fim das tre­vas: sim­bo­li­ca­men­te, a mor­te.
Quan­to à Fênix ama­re­la, ela re­pre­sen­ta a mis­te­ri­o­sa quar­ta eta­pa, ci­tri-­
ni­tas, sím­bo­lo do ar, do dia, do ser de luz, a imor­tal Cons­ciên­cia cósmi-­
ca. Pe­lo fa­to de, se­gun­do a len­da, a Fênix re­nas­cer de sua pró­pria des-­
trui­ção, du­ran­do, as­sim, in­de­fi­ni­da­men­te, ela foi con­si­de­ra­da pe­los
cris­tãos em­ble­ma da eter­ni­da­de, da per­pe­tui­da­de cícli­ca, do Cris­to res-­
sus­ci­ta­do, da trans­for­ma­ção da nos­sa con­di­ção ter­res­tre e pas­sa­gei­ra
em um es­ta­do imu­tá­vel de­pois da mor­te.
Os dois pei­xes po­dem sig­ni­fi­car a re­cep­ção do amor di­vi­no. Nos
Evan­ge­lhos (Ma­teus 14, 17-21), Je­sus, pa­ra ali­men­tar a mul­ti­dão que o
se­gue, mul­ti­pli­ca se­te pães e dois pei­xes. Mais tar­de, de­pois de sua res-­
sur­rei­ção, o Cris­to cha­ma se­te dis­cí­pu­los e lhes ofe­re­ce um pão e um
pei­xe: “Vin­de e co­mei” (Jo­ão 21, 12-13). Es­ses re­la­tos con­tri­bu­í­ram pa­ra
dar ao pei­xe sim­bóli­co sua sig­ni­fi­ca­ção eu­ca­rísti­ca. Quan­do dois pei­xes
são re­pre­sen­ta­dos jun­tos, is­so quer di­zer: “O ban­que­te em com­pa­nhia”.
O Dois de Co­pas, acu­mu­la­ção da ener­gia amo­ro­sa, pro­me­te o fim
das tre­vas, da so­li­dão e a re­cep­ção do amor di­vi­no ili­mi­ta­do. O Qua­tro
de Ou­ros, sím­bo­lo da en­car­na­ção per­fei­ta, pro­me­te a vi­da eter­na...
Com­preen­di que o ver­da­dei­ro es­tu­do do Ta­rot de Mar­se­lha co­me-­
ça­va pe­los Ar­ca­nos me­no­res, con­ti­nu­a­va com as Fi­gu­ras e ter­mi­na­va
com os Ar­ca­nos mai­o­res. Quan­do em ou­tros Ta­rots apa­re­cem re­pre­sen-­
ta­ções de se­res ani­ma­dos, a com­preen­são é des­vi­a­da pe­la ida­de dos
per­so­na­gens, seu se­xo, seus ges­tos, pe­las ex­pres­sões de seus ros­tos; é
mui­to fácil, pa­ra as pro­je­ções pes­so­ais, car­re­gá-las de sig­ni­fi­ca­ções
pou­co pro­fun­das. In­ver­sa­men­te, a pro­je­ção pes­so­al nos Ar­ca­nos me­no-­
res do Ta­rot de Mar­se­lha é, à pri­mei­ra vis­ta, im­pos­sí­vel. Mas, se trei-­
nar­mos nos­sos olhos, pe­ne­tran­do no sen­ti­do dos Ar­ca­nos me­no­res e
das Fi­gu­ras, os Ar­ca­nos mai­o­res se apre­sen­tam com seu ver­da­dei­ro as-­
pec­to, que é sa­gra­do.

A pri­mei­ra coi­sa que de­ve apren­der o es­tu­dan­te do Ta­rot é a ver.


Des­de o iní­cio, os eso­téri­cos pe­ga­ram o ca­mi­nho er­ra­do: eles de­ram a
ca­da Ar­ca­no um sig­ni­fi­ca­do pre­ci­so, ora in­gê­nuo – for­ça, mor­te, amor,
sor­te etc. –, ora com­ple­xo – de­lí­rios al­quí­mi­cos, as­tro­ló­gi­cos, ro­sa-cru-­
ze­a­nos, ca­ba­lísti­cos etc. – e to­ma­ram a li­ber­da­de de al­te­rar o de­se­nho
se­gun­do di­ver­sas in­ter­pre­ta­ções, in­tro­du­zin­do per­so­na­gens mi­to­ló­gi-­
cos, his­tóri­cos, egíp­cios, hin­dus, mai­as e mui­tos ou­tros, en­tre os quais
se con­tam gno­mos, cães e ga­tos.
Na re­a­li­da­de, um sím­bo­lo ou um tex­to sa­gra­do de­ve ser vis­to, li­do,
em to­dos os seus míni­mos de­ta­lhes. O to­do de um Ar­ca­no é a so­ma de
seus de­ta­lhes. É a ra­zão pe­la qual nin­guém po­de di­zer que sa­be ler o
Ta­rot se não me­mo­ri­zou in­tei­ra­men­te as car­tas: pe­que­nos sím­bo­los,
nú­me­ro de li­nhas, co­res, ati­tu­des, ex­pres­sões fa­ci­ais, pre­ten­sos “er­ros”
ou “de­fei­tos” do de­se­nho. A com­ple­xi­da­de ocul­ta dos Ar­ca­nos me­no­res
e mai­o­res do Ta­rot de Mar­se­lha é tão gran­de que são ne­ces­sá­rios se­gu-­
ra­men­te mui­tos anos pa­ra vê--la em sua to­ta­li­da­de. Há sem­pre um de-­
ta­lhe que nos es­ca­pa. Pois con­tam não ape­nas de­ta­lhes de ca­da car­ta
em si, mas o que os de­ta­lhes re­ve­lam tam­bém quan­do com­pa­ra­mos um
Ar­ca­no com ou­tro. Por que O Pa­pa e O Ere­mi­ta usam lu­va azul na mão
es­quer­da? Os co­la­res ver­me­lhos dos gê­meos d’O Sol são res­tos da cor­da
pre­sa ao pes­co­ço dos es­cra­vos d’O Di­a­bo? E nes­se mes­mo duo de Ar­ca-­
nos, os três pon­tos no tron­co da mu­lher da es­quer­da se­rão os mes­mos
três pon­tos no tron­co do gê­meo da di­rei­ta? Que re­la­ção exis­te en­tre o
bas­tão ver­me­lho d’O Lou­co e o d’O Ere­mi­ta? O ovo atrás d’A Pa­pi­sa é o
mes­mo que es­tá em­bai­xo da águia d’O Im­pe­ra­dor? O En­for­ca­do cru­za a
per­na di­rei­ta por trás en­quan­to a mu­lher d’O Mun­do cru­za, igual­men­te
por trás, a es­quer­da: um é es­pe­lho do ou­tro? E O Im­pe­ra­dor que cru­za
a per­na di­rei­ta por ci­ma da es­quer­da, que di­fe­ren­ça is­so ex­pres­sa em
re­la­ção aos ou­tros dois?... Es­sa ca­pa­ci­da­de de com­pa­rar pa­re­ce in­fi­ni­ta.
Pa­ra de­tec­tar es­ses de­ta­lhes, de ma­nei­ra ge­ni­al dis­tri­bu­í­dos pe­lo
cri­a­dor ou pe­los cri­a­do­res do Ta­rot, o es­tu­dan­te de­ve de­sen­vol­ver sua
ca­pa­ci­da­de de aten­ção e agu­çar sua vi­são... Es­se é o pa­pel que cum-­
prem os qua­ren­ta Ar­ca­nos me­no­res. Eles são di­fí­ceis de in­ter­pre­tar: a
prin­cí­pio, as dez car­tas de ca­da Nai­pe têm um as­pec­to se­me­lhan­te. Ao
fim de um cer­to tem­po, elas co­me­çam a mos­trar su­as di­fe­ren­ças es­sen-­
ci­ais. E, mui­to tem­po de­pois, elas se põem a “fa­lar”. Is­to é, elas pro­vo-­
cam no es­tu­dan­te uma mu­ta­ção na ma­nei­ra de ver... É im­pos­sí­vel abor-­
dar o es­tu­do dos Ar­ca­nos mai­o­res – que a prin­cí­pio pa­re­cem mais aces-­
sí­veis, mas que mais tar­de re­ve­lam sua imen­sa com­ple­xi­da­de – sem
me­mo­ri­zar e com­preen­der os Ar­ca­nos me­no­res...

En­tre os Ar­ca­nos me­no­res, en­con­tra­mos tam­bém as fi­gu­ras que os


re­su­mem de al­gu­ma ma­nei­ra ao ní­vel hu­ma­no e so­ci­al: qua­tro per­so­na-­
gens de ca­da Nai­pe. Co­mo elas não são nu­me­ra­das, sua or­dem re­pre-­
sen­tou mui­tos pro­ble­mas pa­ra os eso­téri­cos. Se o Va­le­te, a Rai­nha e o
Rei são fá­ceis de si­tu­ar, quan­do o olhar não foi edu­ca­do pe­la ob­ser­va-­
ção das qua­tro séri­es de dez nú­me­ros, o Ca­va­lei­ro é um enig­ma. A par-­
tir de Élip­has Lévi, pas­san­do por Pa­pus e seus dis­cí­pu­los, sem se co­lo-­
car sé­rios pon­tos de in­ter­ro­ga­ção, os “ini­ci­a­dos” or­de­na­ram as­sim as
Fi­gu­ras: Va­le­te, Ca­va­lei­ro, Rai­nha, Rei. Ou­tros, co­mo aque­les que eli­mi-­
na­ram 26 Ar­ca­nos do Ta­rot de Mar­se­lha pa­ra cri­ar o jo­go de car­tas in-­
glês (26 sen­do o nú­me­ro que na Ca­ba­la iden­ti­fi­ca Je­o­vá, po­de­mos di­zer
que es­se con­jun­to de car­tas é um ba­ra­lho sem Deus), sem sa­ber o que
fa­zer dos qua­tro Ca­va­lei­ros, pu­ra e sim­ples­men­te os ig­no­ra­ram, e as Fi-­
gu­ras se tor­na­ram: Jack, Queen e King, is­to é, Va­le­te, Rai­nha e Rei.
Aleis­ter Crow­ley (ver In­tro­du­ção) fez de­les prínci­pes e prin­ce­sas...
Mas, se exa­mi­nar­mos com aten­ção es­sas Fi­gu­ras, che­ga­re­mos à con­clu-­
são de que a or­dem cor­re­ta é: Va­le­te, Rai­nha, Rei, Ca­va­lei­ro.
Se to­mar­mos o Ar­ca­no XXI, O Mun­do, co­mo cen­tro e em ca­da um
de seus ân­gu­los co­lo­car­mos um Ca­va­lei­ro (o de Es­pa­das cor­res­pon­de à
águia, o de Co­pas ao an­jo, o de Ou­ros ao ani­mal cor de car­ne e o de
Paus ao le­ão), ob­te­re­mos um mo­vi­men­to cir­cu­lar dos Ca­va­lei­ros: o de
Es­pa­das sal­ta em di­re­ção ao de Co­pas, o de Co­pas des­ce em di­re­ção ao
de Ou­ros, o de Ou­ros avan­ça em di­re­ção ao de Paus e o de Paus so­be em
di­re­ção ao de Es­pa­das. Is­so nos per­mi­te com­preen­der os ci­clos de
trans­for­ma­ção dos Nai­pes... (ver a pri­mei­ra par­te, es­pe­ci­al­men­te a p.
92.)
Se os Va­le­tes, sem­pre em um ter­re­no ex­ter­no ao pa­lá­cio, aí en­tram
pa­ra se trans­for­ma­rem em Rai­nhas e Reis, os Ca­va­lei­ros sa­em do pa­lá-­
cio em di­re­ção a ou­tras ter­ras ( ja­mais a cor do ter­re­no do Va­le­te se pa-­
re­ce com a cor do ter­re­no do Ca­va­lei­ro). Os Ca­va­lei­ros são men­sa­gei­ros
que co­mu­ni­cam aos ou­tros Nai­pes aqui­lo que ad­qui­ri­ram em seu pró-­
prio Nai­pe (ver pp. 68-9). Is­so é con­fir­ma­do pe­lo fa­to de que o Ca­va­lei-­
ro de Ou­ros já le­va em uma das mãos um bas­tão ver­de da série de Paus.
Os sím­bo­los que iden­ti­fi­cam ca­da Nai­pe pas­sam por uma mu­ta­ção que
vai do ma­te­ri­al, ter­res­tre, ao ce­les­te, es­pi­ri­tu­al:

O pau que o Va­le­te apoia na ter­ra, de­pois de la­vra­do e ma­ni­pu­la­do


pe­la Rai­nha e pe­lo Rei, é por fim le­va­do pe­lo Ca­va­lei­ro, sua ex­tre-­
mi­da­de su­pe­ri­or sen­do aber­ta em uma bo­ca lu­mi­no­sa, re­cep­ti­va
(ati­va pa­ra a ter­ra, re­cep­ti­va pa­ra o céu)...
Os dois ou­ros (di­nhei­ros, mo­e­das) am­bí­guos do Va­le­te de Ou­ros,
um en­fi­a­do na ter­ra e ou­tro er­gui­do por sua mão di­rei­ta, au­men-­
tam de ta­ma­nho e se re­ú­nem na Rai­nha em um úni­co ou­ro que no-­
va­men­te se di­vi­de no Rei em dois ou­ros, em ci­ma e em­bai­xo, pa­ra
por fim flu­tu­ar no céu do Ca­va­lei­ro, tor­nan­do-se um as­tro úni­co e
lu­mi­no­so (a ma­te­ri­a­li­za­ção do es­píri­to se tor­na a es­pi­ri­tu­a­li­za­ção
da ma­té­ria).
A es­pa­da que o Va­le­te, por dúvi­das in­te­lec­tu­ais (ele a apoia no cha-­
péu), pen­sa em tal­vez de­vol­ver à bai­nha, e que em se­gui­da, na Rai-­
nha, é acom­pa­nha­da por uma es­pécie de cou­ra­ça que pro­te­ge seu
ven­tre e, no Rei, é equi­li­bra­da com uma uni­da­de de me­di­da, se
trans­for­ma no Ca­va­lei­ro em pe­que­na lan­ça apon­ta­da pa­ra o cos-­
mos, le­va­da por um ca­va­lo que flu­tua, ten­do ven­ci­do a for­ça gra­vi-­
ta­ci­o­nal por um sal­to mag­nífi­co (o in­te­lec­to ven­ce seus li­mi­tes ra-­
ci­o­nais e se fun­de no es­píri­to in­fi­ni­to).
A co­pa do Va­le­te (per­so­na­gem jo­vem-ve­lho, ho­mem-mu­lher, que
co­bre seu sím­bo­lo com um tí­mi­do véu e não sa­be se o vai fe­char ou
con­ser­vá-lo aber­to pa­ra se en­tre­gar emo­ci­o­nal­men­te), fe­cha­da na
Rai­nha que a de­fen­de com uma es­pa­da, e li­gei­ra­men­te aber­ta mas
se­gu­ra com fir­me­za pe­lo Rei, le­vi­ta co­mo um Gra­al sa­gra­do na
mão do Ca­va­lei­ro, que já não a le­va con­si­go, mas a se­gue (o co­ra-­
ção é o mes­tre: ele pro­di­ga com amor tu­do aqui­lo que re­ce­be).

Pri­mei­ro há as leis mis­te­ri­o­sas do uni­ver­so; em se­gui­da, vem o ser


hu­ma­no, que com seu es­píri­to li­mi­ta­do trans­for­ma em su­pers­ti­ções, re-­
li­gi­ões, em sím­bo­los, aqui­lo que não com­preen­de. Na na­tu­re­za, en­con-­
tra­mos, re­pe­ti­das in­con­tá­veis ve­zes, a fór­mu­la dos qua­tro ele­men­tos:
três si­mi­la­res e um di­fe­ren­te (ver pri­mei­ra par­te, p. 39). O dou­tor Gé-­
rard En­caus­se, vul­go Pa­pus, em seu li­vro O Ta­rot dos Bo­ê­mios, ins­pi­ra-­
do pe­las te­o­ri­as ca­ba­lísti­cas de Guil­lau­me Pos­tel e Élip­has Lévi, acre­di-­
tou des­co­brir a cha­ve ab­so­lu­ta da ciên­cia ocul­ta en­car­na­da no Ta­rot,
que não é ou­tra coi­sa se­não o sím­bo­lo do no­me do Deus he­breu. Se­gun-­
do ele, es­se no­me com­pos­to de qua­tro le­tras dá aos mor­tais que des­co-­
brem sua ver­da­dei­ra pro­nún­cia a cha­ve das ciên­cias di­vi­nas e hu­ma­nas.
Es­sa pa­la­vra – que os is­ra­e­li­tas ja­mais pro­nun­ci­am e que o ra­bi­no di­zia
uma vez por ano em meio aos gri­tos de seu po­vo – se en­con­tra no ápi­ce
de to­das as ini­ci­a­ções, bri­lha no cen­tro do tri­ân­gu­lo ra­di­an­te no grau 33
da fran­co-ma­ço­na­ria e se ins­cre­ve no por­tal das ve­lhas ca­te­drais, for-­
ma­da pe­las le­tras he­brai­cas Yod, He, Vav, He. Es­te úl­ti­mo He é re­pe­ti­do
du­as ve­zes. A ca­da le­tra do al­fa­be­to he­brai­co é atri­bu­í­do um nú­me­ro.
As­sim, Yod va­le 10, He 5, e Vav 6. O va­lor nu­méri­co to­tal da pa­la­vra
Yod-He-Vav-He é 26... Pa­pus crê que es­sa pa­la­vra re­lem­bra por sua
pró­pria cons­ti­tui­ção os atri­bu­tos que os ho­mens de­ram a Deus.
Pa­re­ce-me que o er­ro de Pa­pus é con­si­de­rar que o Ta­rot ilus­tra es­se
quar­te­to, fa­zen­do, as­sim, com que os Ar­ca­nos se tor­nem ser­vi­do­res da
Ca­ba­la he­brai­ca, pa­la­vra que sig­ni­fi­ca: “O que é re­ce­bi­do, o que vem de
lá, o que pas­sa de mão em mão”... Pa­ra ele, a cha­ve do Ta­rot é Je­o­vá.
No en­tan­to, as qua­li­da­des di­vi­nas exis­ti­am mui­to an­tes de o ser hu-­
ma­no apren­der a fa­lar e a es­cre­ver. A lei ma­te­máti­ca exis­te mui­to an­tes
de nas­cer a lín­gua he­brai­ca. O Ta­rot não ilus­tra a Ca­ba­la, ele é mui­to
mais um re­tra­to do uni­ver­so. Fa­la­mos de uma lin­gua­gem ópti­ca que,
tal­vez por re­a­ção con­tra o fa­na­tis­mo li­te­rá­rio, se opõe a uma lin­gua­gem
oral.
Pa­ra Pa­pus, Yod re­pre­sen­ta o prin­cí­pio das coi­sas, a afir­ma­ção ab­so-­
lu­ta do ser por ele mes­mo, o Yod-uni­da­de, ima­gem da mas­cu­li­ni­da­de,
do pai. Na lin­gua­gem ópti­ca do Ta­rot, es­se Yod é re­pre­sen­ta­do pe­los
Reis de Es­pa­das, de Co­pas e de Ou­ros.
He é a opo­si­ção do não-eu ao eu. É uma for­ma de di­vi­são da uni­da-­
de, ori­gem da du­a­li­da­de, da opo­si­ção, do bi­ná­rio, ima­gem da fe­mi­ni­li-­
da­de, da mãe. Ela re­pre­sen­ta a fa­ce pas­si­va di­an­te do Yod ati­vo, a subs-­
tân­cia di­an­te da es­sên­cia, a vi­da di­an­te da al­ma. Na lin­gua­gem do Ta-­
rot, es­se as­pec­to é re­pre­sen­ta­do pe­las Rai­nhas de Es­pa­das, de Co­pas e
de Ou­ros.
Vav nas­ce da opo­si­ção do eu ao não-eu, e re­pre­sen­ta a re­la­ção que
exis­te en­tre es­ses dois prin­cí­pios. Ima­gem do fi­lho. São os Va­le­tes de
Es­pa­das, de Co­pas, de Ou­ros.
O se­gun­do He – vis­to que na­da exis­te além da Trin­da­de – in­di­ca
uma tran­si­ção do mun­do me­ta­físi­co ou, em ge­ral, de um mun­do qual-­
quer pa­ra ou­tro mun­do:

[(Pai + Es­píri­to San­to) + Fi­lho] + Vir­gem Ma­ria.

Nas fi­gu­ras do Ta­rot, es­sa tran­si­ção é re­pre­sen­ta­da pe­lo Rei de


Paus, a Rai­nha de Paus e o Va­le­te de Paus (um pai, uma mãe e um fi­lho
que for­mam uma no­va fa­mí­lia).
Se dei­xar­mos de la­do os Ca­va­lei­ros – cu­ja mis­são é trans­mi­tir o co-­
nhe­ci­men­to e que vi­ram da di­rei­ta pa­ra a es­quer­da ao re­dor d’O Mun­do
– e dis­pu­ser­mos os Reis, as Rai­nhas e os Va­le­tes se­gun­do a di­re­ção de
seus olha­res, ob­te­re­mos uma or­dem que gi­ra da es­quer­da pa­ra a di­rei-­
ta: Rei de Es­pa­das, Rei de Co­pas, Rei de Ou­ros (pin­cí­pio ati­vo por ex­ce-­
lên­cia) di­an­te da Rai­nha de Ou­ros, da Rai­nha de Co­pas e da Rai­nha de
Es­pa­das (prin­cí­pio pas­si­vo por ex­ce­lên­cia). Em­bai­xo de­les, o Va­le­te de
Ou­ros, o Va­le­te de Co­pas, o Va­le­te de Es­pa­das (a re­la­ção do ati­vo com o
pas­si­vo). Di­an­te dos Va­le­tes, a fa­mí­lia de Paus, com­pos­ta pe­lo Va­le­te de
Paus, pe­la Rai­nha de Paus e pe­lo Rei de Paus. Es­sa fa­mí­lia, quar­to ele-­
men­to di­fe­ren­te dos ou­tros (on­de há dois que se pa­re­cem: Reis e Rai-­
nhas, e um ter­cei­ro um pou­co di­fe­ren­te: os Va­le­tes), é a se­men­te que
con­tém o ger­me da fu­tu­ra ár­vo­re.
Se o 26 é o nú­me­ro que de­sig­na Deus, o Ta­rot, com­pos­to por 78 Ar-­
ca­nos, é três ve­zes 26. Três deu­ses? Por que não? Se ima­gi­nar­mos que
es­se ba­ra­lho ma­ra­vi­lho­so foi cri­a­do por sá­bios das três re­li­gi­ões mais
im­por­tan­tes do he­mis­fé­rio oci­den­tal por vol­ta do ano mil, cris­tãos, ju-­
deus e mu­çul­ma­nos, ele bem po­de­ria con­ter seus três deu­ses: o Cris­to,
Je­o­vá e Alá. Po­de­rí­a­mos apli­car a is­so a lei do qua­tro? Se for as­sim, no
pri­mei­ro trio há dois si­mi­la­res, Je­o­vá e Alá, e um ter­cei­ro um pou­co di-­
fe­ren­te, o Cris­to. E o quar­to? A en­car­na­ção re­pre­sen­ta­da pe­lo lei­tor do
Ta­rot com seu deus in­te­ri­or.

[(Je­o­vá + Alá) + Cris­to] + Ta­ró­lo­go


Pa­ra co­me­çar

O es­tu­do dos Ar­ca­nos me­no­res, co­mo o dos Ar­ca­nos mai­o­res, vai se


fun­dar so­bre o olhar do lei­tor, mas tam­bém so­bre a nu­me­ro­lo­gia do Ta-­
rot e so­bre o sis­te­ma de cor­res­pon­dên­cias en­tre os qua­tro Nai­pes do
Ta­rot e os qua­tro cen­tros fun­da­men­tais da vi­da hu­ma­na: o in­te­lec­tu­al,
o emo­ci­o­nal, o se­xu­al e cri­a­ti­vo, o ma­te­ri­al e cor­po­ral (ver pp. 63 ss.).
É a par­tir des­sa pers­pec­ti­va que nos pro­po­mos aqui a uma lei­tu­ra,
sem­pre aber­ta, dos cin­quen­ta e seis Ar­ca­nos me­no­res. Aque­le que diz
"eu", lei­tor ou con­su­len­te do Ta­rot, não é um ou uma, mas pe­lo me­nos
qua­tro. Nós te­mos qua­tro sis­te­mas de per­cep­ção do mun­do: ra­ci­o­nal (o
ver­bo), emo­ci­o­nal (o co­ra­ção), li­bi­di­nal (o de­se­jo e a cri­a­ti­vi­da­de), cor-­
po­ral (as ne­ces­si­da­des vi­tais).
Quan­do os qua­tro cen­tros vão em di­re­ções di­fe­ren­tes, es­ta­mos em
cri­se. Mas que­rer que os qua­tro cen­tros se­jam uma úni­ca e mes­ma
ener­gia é utópi­co, co­mo de­mons­tra, por exem­plo, o es­tu­do do grau 8
nos qua­tro Nai­pes. Vi­mos que o 8 cor­res­pon­de, na nu­me­ro­lo­gia de­ci-­
mal do Ta­rot, a um es­ta­do de per­fei­ção (ver pp. 76 ss.). Se ob­ser­va­mos o
Oi­to de Es­pa­das, ve­mos uma car­ta que tem no cen­tro uma sim­ples flor
azul de co­ra­ção ver­me­lho, sem ta­lo: es­se Ar­ca­no pa­re­ce nos di­zer que a
per­fei­ção do in­te­lec­to es­tá no va­zio, na­qui­lo que atin­gi­mos me­di­an­te a
me­di­ta­ção, quan­do o es­píri­to (o con­ti­nen­te) não se iden­ti­fi­ca mais com
as pa­la­vras (o con­te­ú­do). Por sua vez, o Oi­to de Co­pas é a car­ta mais
cheia de sua série: co­pas, flo­res e fo­lha­gens en­chem o es­pa­ço, co­mo pa-­
ra nos in­di­car que a per­fei­ção do co­ra­ção es­tá no “to­do ple­no”, a ple­ni-­
tu­de do amor cons­tan­te­men­te dis­pos­to à do­a­ção, que não vi­ve a exi­gir
mais na­da. O Oi­to de Paus, con­cen­tra­do ao ex­tre­mo, nos in­di­ca que a
per­fei­ção des­se cen­tro re­si­de na fo­ca­li­za­ção dos de­se­jos so­bre uma úni-­
ca ação, se­ja ela cri­a­ti­va, se­xu­al ou ener­géti­ca. Por fim, a pro­fu­são do
Oi­to de Ou­ros, cu­jas fo­lha­gens pa­re­cem se es­ten­der se­re­na­men­te em
to­das as di­re­ções do es­pa­ço, nos co­lo­ca na pis­ta da per­fei­ção ma­te­ri­al e
cor­po­ral: a pros­pe­ri­da­de, a saú­de. Es­se exem­plo nos mos­tra que ca­da
cen­tro de­ve se re­a­li­zar em seu pró­prio sen­ti­do de per­fei­ção: o co­ra­ção
va­zio não es­tá re­a­li­za­do, o in­te­lec­to su­pe­ra­bun­dan­te tam­pou­co.
Es­co­lhe­mos apre­sen­tar aqui as pis­tas de lei­tu­ra pa­ra os Ar­ca­nos
me­no­res da se­guin­te ma­nei­ra: pri­mei­ro, es­tu­dan­do os dez pri­mei­ros
graus da nu­me­ro­lo­gia nos qua­tro cen­tros, em dez ca­pí­tu­los em que ca-­
da Nai­pe é es­tu­da­do em re­la­ção aos ou­tros, e nos quais o es­tu­do se ba-­
seia na ob­ser­va­ção dos sím­bo­los.
Da­re­mos em se­gui­da um pa­no­ra­ma da pro­gres­são das car­tas em ca-­
da Nai­pe: Es­pa­das, Co­pas, Paus e Ou­ros, ca­da uma vis­ta su­ces­si­va­men-­
te do Ás ao Dez. Es­sa apre­sen­ta­ção, que tem por ob­je­ti­vo re­su­mir os
sig­ni­fi­ca­dos prin­ci­pais de ca­da car­ta, se es­for­ça­rá pa­ra mi­ni­mi­zar as re-­
pe­ti­ções em re­la­ção à par­te an­te­ri­or. A úl­ti­ma se­ção se­rá con­sa­gra­da ao
es­tu­do das Fi­gu­ras, Nai­pe por Nai­pe e ní­vel por ní­vel.
Es­sa op­ção nos per­mi­te vi­su­a­li­zar os Ar­ca­nos me­no­res se­gun­do du-­
as “en­tra­das” igual­men­te sig­ni­fi­ca­ti­vas.
1 Ci­ta­do por An­dré Pac­card, Bouk­ha­ri, Le Ma­roc, ed. Ate­li­er 74, 1979.
NO­TA
Pa­ra di­fe­ren­ci­ar as re­fe­rên­cias ao to­po e à ba­se das car­tas que não têm ele­men­tos
de ori­en­ta­ção evi­den­tes, ver a men­ção ao Copy­right em­bai­xo à es­quer­da (Jo­do.
Ca­moin)
I.
Os graus da nu­me­ro­lo­gia

Os Ases
Tu­do em po­tên­cia
Dos qua­tro Nai­pes do Ta­rot de Mar­se­lha res­tau­ra­do, dois são re­cep­ti-­
vos: as Co­pas e os Ou­ros, e dois ati­vos: Paus e Es­pa­das. En­tre os Nai­pes
re­cep­ti­vos, a Co­pa é es­sen­ci­al­men­te re­cep­ti­va, en­quan­to no Ou­ro cres-­
cem ra­mos ve­ge­tais que in­di­cam já a con­ver­são à ati­vi­da­de. O Pau é um
sím­bo­lo es­sen­ci­al­men­te ati­vo; en­quan­to na Es­pa­da apa­re­ce uma co­roa
que in­di­ca o iní­cio de uma to­na­li­da­de re­cep­ti­va. Se qui­ser­mos, a Co­pa
po­de ser iden­ti­fi­ca­da à lin­gua­gem do co­ra­ção. O Ou­ro re­pre­sen­ta, en-­
tão, tu­do aqui­lo que tem a ver com a vi­da ma­te­ri­al (cor­po, ne­ces­si­da­de,
ofí­cio...). A Es­pa­da sim­bo­li­za o ver­bo e a ação in­te­lec­tu­al, e o Pau a cri­a-­
ti­vi­da­de e o do­mí­nio se­xu­al.
Um dos pri­mei­ros eso­téri­cos a fa­lar do Ta­rot, Élip­has Lévi, vo­lun­ta-­
ri­a­men­te in­du­ziu seus alu­nos ao er­ro, se­guin­do a ideia, cor­ren­te na
épo­ca, de Pio VI, de que o co­nhe­ci­men­to só de­via ser re­ve­la­do a al­guns
ini­ci­a­dos. Lévi, en­tão, iden­ti­fi­cou Ou­ros com o ar (ati­vi­da­de men­tal) e
re­pre­sen­tou a Es­pa­da apon­ta­da pa­ra o chão, dan­do-lhe o sig­ni­fi­ca­do do
ele­men­to Ter­ra e o do­mí­nio da vi­da ma­te­ri­al. É, no en­tan­to, evi­den­te
que as es­pa­das apon­tam pa­ra ci­ma, pois seu Ás se in­tro­duz em uma co-­
roa, ob­je­to des­ti­na­do a ser co­lo­ca­do so­bre a ca­be­ça.
Ás de Paus, Ás de Es­pa­das

Cri­a­ti­vi­da­de e in­te­lec­to, du­as fon­tes de for­ça


Exis­te um pa­ren­tes­co en­tre es­ses dois Ases. Os dois são ro­de­a­dos por
la­ba­re­das de ener­gia, os dois são ma­ni­pu­la­dos por uma mão sur­gi­da de
um se­mi­cír­cu­lo lu­mi­no­so azul-es­cu­ro per­cor­ri­do por uma on­da azul-
ce­les­te, sig­no de uma po­ten­te ati­vi­da­de cri­a­do­ra. No en­tan­to, uma ob-­
ser­va­ção aten­ta nos per­mi­te dis­tin­guir uma di­fe­ren­ça mui­to cla­ra. A
mão que se­gu­ra o Pau sai do cen­tro da fi­gu­ra que, por co­mo­di­da­de, cha-­
ma­re­mos de nu­vem e nos mos­tra sua pal­ma. A mão que em­pu­nha a es-­
pa­da sai da su­per­fície da nu­vem e nos mos­tra seu dor­so. Po­de­mos fa­lar
de dois im­pul­sos. O pri­mei­ro é cen­tral, au­tênti­co, pu­ro e cri­a­ti­vo (o
Pau). O se­gun­do é pe­ri­féri­co, for­mal, re­fle­xi­vo e men­tal; em­pre­ga­re­mos
aqui a pa­la­vra "men­tal", pois, em nu­me­ro­sas tra­di­ções, a es­pa­da é sím-­
bo­lo do Ver­bo.
A mão que se­gu­ra o Pau o pe­ga pe­la par­te mais fi­na, e ele se alar­ga
em ci­ma. Na pon­ta, a ener­gia fáli­ca se con­ver­te em uma fi­gu­ra que evo-­
ca o se­xo fe­mi­ni­no. A ener­gia cri­a­ti­va é an­dró­gi­na. As mar­cas de ga­lhos
cor­ta­dos que apa­re­cem ao lon­go do Pau nos in­di­cam que a es­co­lha é es-­
sen­ci­al na ges­tão da ener­gia que es­tá à nos­sa dis­po­si­ção. Es­sa ener­gia
não po­de ser fa­bri­ca­da: só po­de­mos es­co­lher a di­re­ção em que a ca­na­li-­
za­mos. Eis o mo­ti­vo por que, no lu­gar on­de po­de­ria cres­cer um ga­lho
no pau, bro­ta uma luz ama­re­la que in­di­ca que em de­ter­mi­na­do mo-­
men­to es­sa ener­gia "ver­de" (or­gâ­ni­ca) po­de se su­bli­mar. Ob­ser­ve­mos o
den­te­a­do ama­re­lo em tor­no des­se raio de luz, idênti­co ao que apa­re­ce
na nu­vem, e que po­de ser in­ter­pre­ta­do co­mo uma cir­cu­la­ção da mes­ma
cons­ciên­cia di­vi­na.
A es­pa­da, pe­lo con­trá­rio, ain­da que a em­pu­nha­du­ra se­ja ver­de (ini-­
ci­al­men­te or­gâ­ni­ca), se trans­for­ma em se­gui­da em um ob­je­to cu­ja for-­
ma pre­ci­sou ser fa­bri­ca­da. Não re­ce­be­mos um in­te­lec­to já cons­ti­tu­í­do,
tra­ta-se de uma par­te de si mes­mo que é pre­ci­so tra­ba­lhar, co­mo o fer-­
rei­ro for­ja uma es­pa­da, tor­ná-la for­te e fle­xí­vel ao mes­mo tem­po, atra-­
vés de um afi­na­men­to: a es­pa­da é lar­ga na ba­se e es­trei­ta na pon­ta. Da
mes­ma ma­nei­ra co­mo se ba­te o aço de uma lâ­mi­na pa­ra tes­tar sua per-­
fei­ção, o men­tal de­ve ser ta­rim­ba­do na ex­pe­riên­cia e no so­fri­men­to
emo­ci­o­nal (a lâ­mi­na é ver­me­lha) que lhe põe à pro­va. Pa­ra che­gar a sua
re­a­li­za­ção, a es­pa­da atra­ves­sa a co­roa, não fi­ca mais en­cer­ra­da no men-­
tal in­di­vi­du­al re­gi­do pe­la no­ção de po­der. Os dois ra­mos que bro­tam da
co­roa sim­bo­li­zam as du­as gran­des fi­na­li­da­des do men­tal: a pal­ma aber-­
ta, re­cep­ti­va, re­pre­sen­ta o es­pa­ço e o in­fi­ni­to, e o vis­co de fru­tos ver­des
re­pre­sen­ta o tem­po e a eter­ni­da­de. Ao se tor­nar eter­no e in­fi­ni­to, o
men­tal des­co­bre a Cons­ciên­cia cósmi­ca. A co­roa de cin­co flo­res, das
quais uma no cen­tro por­ta uma meia-lua ver­me­lha, sim­bo­li­za os cin­co
sen­ti­dos. Tu­do is­so cons­ti­tui as per­cep­ções que for­mam a in­te­li­gên­cia e
po­dem pren­der o men­tal aos in­te­res­ses ma­te­ri­ais, mas a ener­gia di­vi­na,
lon­ge de se per­der nas mi­ra­gens do mun­do, en­tra na co­roa e a atra­ves-­
sa.

Ás de Es­pa­das.
O men­tal, ener­gia for­ja­da, se afi­na até a uni­da­de da cons­ciên­cia cósmi­ca.
Ás de Paus.
A ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va, cu­ja vo­ca­ção é po­vo­ar o cos­mos, obe­de­ce a um cha­ma­do
do fu­tu­ro.

Con­ti­nu­e­mos com a com­pa­ra­ção das du­as car­tas e com o es­tu­do de


su­as di­fe­ren­ças: a es­pa­da vai do mais pa­ra o me­nos (do mais lar­go pa­ra
a pon­ta), en­quan­to o pau vai da con­cen­tra­ção à ex­pan­são. Um ga­lho é
lar­go na par­te que to­ca o tron­co e, à me­di­da que cres­ce, vai se afi­nan­do.
Is­so sig­ni­fi­ca que a par­te mais fi­na de um ga­lho é seu fu­tu­ro. A mão que
se­gu­ra o pau es­tá, por­tan­to, no fu­tu­ro. A ener­gia se­xu­al cri­a­ti­va é um
cha­ma­do à di­vin­da­de que es­tá no fu­tu­ro. In­ver­sa­men­te, a es­pa­da par­te
do pas­sa­do (o pu­nho) pa­ra atra­ves­sar a co­roa do pre­sen­te e che­gar à
fon­te (a uni­da­de na cons­ciên­cia).
Es­tas du­as car­tas ati­vas evo­cam du­as for­ças cu­jas fon­tes são dis­tin-­
tas. O in­te­lec­to, o Ver­bo es­tá no iní­cio da Cri­a­ção do mun­do, en­quan­to
a cri­a­ti­vi­da­de é um cha­ma­do do fu­tu­ro: no Gê­ne­sis, de­pois da Ár­vo­re
do co­nhe­ci­men­to do bem e do mal da qual Adão co­meu, diz-se que a
Ár­vo­re da eter­ni­da­de nos es­pe­ra no fu­tu­ro (se­gun­do o Apo­ca­lip­se, no
cen­tro da Je­ru­sa­lém ce­les­te).
No fun­do, po­de­mos re­su­mir as­sim a men­sa­gem des­tas du­as car­tas:
o ob­je­ti­vo do men­tal é ven­cer o pas­sa­do, su­pe­ran­do-se, pa­ra che­gar à
ori­gem, en­quan­to o ob­je­ti­vo da se­xu­a­li­da­de e da cri­a­ti­vi­da­de é nos le-­
var pa­ra o fu­tu­ro, até o fim dos tem­pos.
Ás de Co­pas

Sím­bo­lo do amor em po­tên­cia


No Ta­rot, a série das Co­pas re­pre­sen­ta­rá to­do o pro­ces­so da vi­da emo-­
ci­o­nal. O Ás (o nú­me­ro 1) re­pre­sen­ta a to­ta­li­da­de em po­tên­cia (ver p.
73). Tu­do é pos­sí­vel. Só res­ta es­co­lher ou se dei­xar es­co­lher.

A car­ta co­me­ça por uma ba­se cor de car­ne, pu­ra, sem ha­chu­ras,
uma car­ne no­va, vir­gem. A vir­gin­da­de emo­ci­o­nal per­ma­ne­ce in­tac­ta e o
amor se re­no­va sem ces­sar, co­mo se es­se cáli­ce ma­te­ri­al abri­gas­se um
po­ço sem fun­do que ti­ves­se sua fon­te na eter­ni­da­de. Mas por ci­ma da
cor de car­ne, por trás da co­pa, en­con­tra­mos uma fai­xa azul-ce­les­te
atra­ves­sa­da de ha­chu­ras: na car­ne, o es­píri­to se for­ma pe­lo so­fri­men­to
e pe­la ex­pe­riên­cia. A ba­se des­ta co­pa, que po­de­ria tam­bém ser um tem-­
plo, é uma pi­râ­mi­de de três ver­ten­tes. À di­rei­ta do lei­tor, o iní­cio do tra-­
ço ama­re­lo, si­tu­a­do na luz, in­di­ca um nas­ci­men­to con­tí­nuo que se pro-­
lon­ga so­bre o pé da co­pa. A ver­ten­te cen­tral, or­na­da com uma pi­râ­mi­de
ver­me­lha, evo­ca a es­ta­bi­li­da­de e a per­ma­nên­cia. A som­bra ha­chu­ra­da
da ver­ten­te da es­quer­da su­ge­re, com sua obs­cu­ri­da­de, o rei­no da mor­te.
Es­ses três la­dos da pi­râ­mi­de re­me­tem a três as­pec­tos da exis­tên­cia: cri-­
a­ção, con­ser­va­ção e des­trui­ção, que en­con­tra­mos tam­bém sim­bo­li­za-­
dos na Tri­mur­ti dos deu­ses in­di­a­nos Brah­ma, Vishnu e Shi­va, cu­jas três
ações com­ple­men­ta­res cons­ti­tu­em a pró­pria di­nâ­mi­ca da vi­da.

Ás de co­pas. É o cáli­ce do amor to­tal em po­tên­cia. É um tem­plo, o con­trá­rio de uma


for­ta­le­za.

De­pois que ul­tra­pas­sa­mos o ho­ri­zon­te azul-ce­les­te, en­con­tra­mos


uma flor ama­re­la de cin­co pé­ta­las que se abrem pa­ra bai­xo, que po­de­ria
cor­res­pon­der aos cin­co sen­ti­dos. Es­sa flor re­pre­sen­ta o pro­ces­so pe­lo
qual po­de­mos ab­sor­ver in­te­li­gen­te­men­te as do­res da en­car­na­ção pa­ra
fa­zê-las se­guir até o to­po ama­re­lo da Co­pa, on­de res­soa co­mo o cha­ma-­
do pa­ra o in­fi­ni­to, o Ver­bo cri­a­dor – re­pre­sen­ta­do, co­mo cos­tu­ma ocor-­
rer no Ta­rot, pe­la pon­ta de uma es­pa­da.
Aci­ma da flor há três cír­cu­los for­ma­dos por três cír­cu­los con­cên­tri-­
cos. Os dois cír­cu­los la­te­rais cor­res­pon­dem ao pas­sa­do e ao fu­tu­ro; são
ver­des pois são cons­ti­tu­í­dos es­sen­ci­al­men­te de es­pe­ran­ça e de re­mi­nis-­
cên­cia. Os cír­cu­los con­cên­tri­cos ver­me­lhos do cen­tro re­pre­sen­tam o
pre­sen­te, ex­pe­riên­cia pu­ra e ins­tan­tâ­nea – não te­óri­ca. Por que três cír-­
cu­los pa­ra ca­da tem­po? O mais ex­ter­no po­de­ria cor­res­pon­der à vi­da in-­
te­lec­tu­al, o se­gun­do à vi­da emo­ci­o­nal, e o cír­cu­lo cen­tral à vi­da se­xu­al.
Se qui­ser­mos dar ou­tra in­ter­pre­ta­ção, po­de­mos tam­bém di­zer que sim-­
bo­li­zam o cor­po, a al­ma e o es­píri­to.
Con­ti­nu­an­do nos­sa su­bi­da ao to­po da co­pa, en­con­tra­mos um se­mi-­
cír­cu­lo ver­me­lho atra­ves­sa­do de rai­os ho­ri­zon­tais. Es­sa mas­sa ver­me-­
lha po­de­ria ser o amor to­tal que, la­vra­do e tra­ba­lha­do pe­los sul­cos ne-­
gros, se tor­nou amor cons­ci­en­te. Ele é com­pos­to pe­lo amor de si mes-­
mo, que pro­je­ta­mos no amor do ou­tro, do amor do uni­ver­so e do amor
di­vi­no. Es­se hu­mil­de e imen­so sen­ti­men­to de do­a­ção sus­ten­ta o cor­po
da ca­te­dral. To­da a sa­be­do­ria hu­ma­na re­pou­sa so­bre o amor. Co­mo dis-­
se bem Walt Whit­man, “Quem an­da sem sim­pa­tia ves­te a mor­ta­lha pa-­
ra o pró­prio fu­ne­ral”.1
Em­bai­xo do edi­fí­cio, en­con­tra­mos ain­da três fo­lhas de pal­mei­ra
azul-ce­les­te, que, por seu tra­ço di­nâ­mi­co, pa­re­cem em ple­no cres­ci-­
men­to, com cin­co, se­te e qua­tro pon­tas res­pec­ti­va­men­te. A so­ma dá 16:
XVI, A Tor­re [La Mai­son Di­eu] nos Ar­ca­nos mai­o­res. Lem­bra­mos que
La Mai­son Di­eu re­pre­sen­ta uma tor­re di­vi­na que dá à luz dois per­so­na-­
gens que, com as mãos es­ten­di­das, aca­ri­ci­am a re­a­li­da­de. Aqui, as pal-­
mas azuis evo­cam a in­tui­ção pu­ra que co­mu­ni­ca com a ex­pe­riên­cia es-­
pi­ri­tu­al do ho­ri­zon­te, es­sa do­lo­ro­sa fran­ja azul. O es­píri­to atra­ves­sou o
so­fri­men­to, e eis que se abre na luz do bran­co que ro­deia a co­pa co­mo
uma at­mos­fe­ra pu­ri­fi­ca­da.
Es­ta co­pa, es­te tem­plo tão ple­no, só tem va­lor se der­ra­ma­do no
mun­do. Na ba­se do amor, há o de­se­jo de dar tu­do aqui­lo que foi acu­mu-­
la­do.
Ás de Ou­ros

O úl­ti­mo se­rá o pri­mei­ro2


Se os três Ases pre­ce­den­tes são di­fe­ren­tes em sua es­sên­cia (o Ás de Es-­
pa­das re­pre­sen­tan­do o do­mí­nio do in­te­lec­to, o Ás de Co­pas, o cen­tro
emo­ci­o­nal, e o de Paus, a zo­na som­bria da se­xu­a­li­da­de e a ener­gia lu­mi-­
no­sa da cri­a­ti­vi­da­de), eles têm, no en­tan­to, um pon­to em co­mum: po­de-­
mos ima­gi­nar os três de pé, co­mo gi­gan­tes: a co­pa, com su­as co­lu­nas,
co­mo uma imen­sa ca­te­dral ini­ci­áti­ca; a es­pa­da e o pau, so­ber­bos e cin-­
ti­lan­tes, mo­vi­dos por uma mão di­vi­na.
Mas o Ás de Ou­ros de­ve ser ima­gi­na­do na ho­ri­zon­tal, dei­ta­do no
chão. Hu­mil­de co­mo a flor que traz em seu cen­tro, ele é ao mes­mo tem-­
po mi­ne­ral e ve­ge­tal. Os Ou­ros sim­bo­li­zam a vi­da ma­te­ri­al. Em nu­me-­
ro­sas es­co­las místi­cas, es­sa vi­da ma­te­ri­al é des­pre­za­da. A re­co­men­da-­
ção “É pre­ci­so es­tar no mun­do e não per­ten­cer ao mun­do” equi­va­le a
fu­gir da ma­té­ria. Não obs­tan­te, o Ou­ro é o ver­da­dei­ro mes­tre.

Ás de Ou­ros.
Ele re­pre­sen­ta me­ta­fo­ri­ca­men­te a flor de ló­tus, sur­gi­do do lo­do, que le­va no co­ra­ção
de sua ma­té­ria o di­a­man­te da Cons­ciên­cia.

Em seu co­ra­ção, o Ás de Ou­ros tem uma flor de ló­tus. Es­sa flor sa-­
gra­da mer­gu­lha su­as ra­í­zes no lo­do e nas águas es­tag­na­das pa­ra cres­cer
e se abrir pa­ra a luz. Na tra­di­ção ti­be­ta­na, o cé­le­bre man­tra “Om ma­ni
pad­me hum” sig­ni­fi­ca: “Ó Di­a­man­te no Ló­tus!”. Es­se di­a­man­te é o ser
trans­pa­ren­te, es­sên­cia pu­ra sem ego pes­so­al: o Bu­da, a Cons­ciên­cia
uni­ver­sal. No cír­cu­lo ver­me­lho cen­tral do Ás de Ou­ros, des­co­bri­mos
do­ze pon­tos or­de­na­dos em qua­tro fi­lei­ras. Se tra­çar­mos li­nhas en­tre
es­ses pon­tos pa­ra uni-los, ob­te­re­mos o de­se­nho de um di­a­man­te. Quan-­
to ao nú­me­ro 12, se fi­zer­mos a so­ma dos nú­me­ros até che­gar a ele, en-­
con­tra­mos o nú­me­ro de car­tas de que é cons­ti­tu­í­do o Ta­rot: 1+ 2 + 3 + 4
+ 5 + 6 + 7 + 8 + 9 + 10 + 11 + 12 = 78.
A con­clu­são que po­de­mos ti­rar des­sas ob­ser­va­ções é que no co­ra-­
ção da ma­té­ria re­si­de a ener­gia di­vi­na, o im­pes­so­al, a to­ta­li­da­de. Os al-­
qui­mis­tas ha­vi­am com­preen­di­do is­so: eles bus­ca­vam tan­to ma­te­ri­a­li­zar
o es­píri­to quan­to es­pi­ri­tu­a­li­zar a ma­té­ria, so­nho sim­bo­li­za­do pe­la bus-­
ca da pe­dra fi­lo­so­fal.
Po­de­mos di­zer que a mo­e­da de ou­ro é com­pos­ta por três cír­cu­los:
um ex­ter­no, que flo­res­ce e lan­ça seus ra­mos em di­re­ção ao mun­do, um
se­gun­do (me­di­a­no), que res­plan­de­ce co­mo um sol in­te­ri­or e um ter­cei-­
ro (cen­tral) ver­me­lho, por­ta­dor do se­gre­do uni­ver­sal, que faz nas­cer
qua­tro pé­ta­las co­mo os qua­tro ele­men­tos da ma­té­ria, as qua­tro trí­a­des
do Zo­dí­a­co ou os qua­tro pon­tos car­di­nais. Es­ses três cír­cu­los são um
guia pa­ra a des­co­ber­ta de si mes­mo. O ser evo­lu­í­do po­de co­me­çar a se
aper­fei­ço­ar sem se se­pa­rar do mun­do, co­mo nos in­di­ca o cír­cu­lo ex­te­ri-­
or. Tra­ba­lha­mos por nós mes­mos cri­an­do uma re­a­li­da­de fértil, prós­pe-­
ra, pa­ra­di­sí­a­ca. A cons­ciên­cia eco­ló­gi­ca che­ga com a des­co­ber­ta in­te­ri-­
or, so­mos uni­dos ao mun­do, à ter­ra. Eis por que uma das ati­vi­da­des im-­
por­tan­tes nos mos­tei­ros zen con­sis­te em cul­ti­var jar­dins, que po­dem
sig­ni­fi­car o me­lho­ra­men­to do nos­so tra­ba­lho, de nos­sa fa­mí­lia ou de
nos­so pa­ís. O que guia es­se pro­ces­so é a di­vi­sa se­cre­ta: “Não que­ro na­da
pa­ra mim que não se­ja pa­ra os ou­tros”.
Uma vez cum­pri­da es­sa eta­pa, po­de­mos en­trar no se­gun­do cír­cu­lo:
a des­co­ber­ta do sol in­te­ri­or que tra­ze­mos den­tro de nós. Ele é sob to-­
dos os as­pec­tos si­mi­lar ao sol que ve­mos no céu. A ener­gia vi­tal bro­ta
in­ces­san­te­men­te, sim­bo­li­za­da pe­los tri­ân­gu­los ver­des. A in­te­li­gên­cia
práti­ca se ex­pan­de nos tri­ân­gu­los la­ran­ja (cor da vi­da em to­das as for-­
mas). Nos tri­ân­gu­los ver­me­lhos, ex­pri­me-se a for­ça do amor que é a es-­
sên­cia da ma­té­ria. A ba­se é ama­re­la co­mo o ou­ro: or­ga­nis­mo pu­ro e lu-­
mi­no­so. Tu­do is­so cons­ti­tui um anel de ação ale­gre que nos con­vi­da a
amar­mos a nós mes­mos, não de ma­nei­ra nar­císi­ca, mas en­quan­to obra
ma­ra­vi­lho­sa da von­ta­de di­vi­na.
No ter­cei­ro cír­cu­lo, en­con­tra­mos a flor da fe­li­ci­da­de. A ação che­ga a
seu ter­mo. A al­ma exa­la seu per­fu­me, es­pe­ran­do a vin­da in­se­mi­na­do­ra
da Ver­da­de es­sen­ci­al. No cír­cu­lo ver­me­lho, os pon­tos são de se­men­tes
pres­tes a eclo­dir em uma hu­ma­ni­da­de co­le­ti­va­men­te trans­fi­gu­ra­da.
Elas se apre­sen­tam sob a for­ma de qua­tro li­nhas de dois, três, qua­tro e
três pon­tos. Os dois pri­mei­ros, no al­to, in­di­cam a re­cep­ti­vi­da­de pa­ra o
céu. Os três de bai­xo in­di­cam a ati­vi­da­de em di­re­ção à ter­ra. Os se­te
pon­tos me­di­a­nos (3 + 4) re­pre­sen­tam a uni­ão do es­píri­to (3) com a ma-­
té­ria (4). As­sim diz Élip­has Lévi: “To­do pen­sa­men­to ver­da­dei­ro cor­res-­
pon­de a uma gra­ça di­vi­na no céu e a uma obra útil so­bre a ter­ra”3; ele
en­ten­de com is­so que to­da gra­ça da cons­ciên­cia pro­duz um ato, e que
re­ci­pro­ca­men­te, to­do ato mo­vi­men­ta a cons­ciên­cia co­mo uma ver­da­de.
O pri­mei­ro cír­cu­lo re­ve­la as qua­li­da­des pes­so­ais do ini­ci­a­do. De­pois
que o tra­ba­lho es­pi­ri­tu­al foi trans­mi­ti­do de cír­cu­lo em cír­cu­lo, de hi­e-­
rar­quia em hi­e­rar­quia es­pi­ri­tu­al, che­ga­mos ao di­a­man­te cen­tral, a
cons­ciên­cia im­pes­so­al. Bus­can­do a in­di­vi­du­a­li­da­de es­sen­ci­al se che­ga à
cons­ciên­cia co­le­ti­va uni­ver­sal. É aí que re­si­de o se­gre­do do Ás de Ou-­
ros: hu­mil­de mo­e­da, te­sou­ro das pro­fun­de­zas da ter­ra, ele se ele­va pe­la
me­di­ta­ção até o céu pa­ra se tor­nar a au­ré­o­la que ilu­mi­na a ca­be­ça dos
san­tos.
1 Tre­cho de “Can­ção de Mim Mes­mo”, par­te 48 (Fo­lhas da rel­va, edi­to­ras Ilu­mi-­
nu­ras).
2 Le De(r)ni­er se­ra le Pre­mi­er, no ori­gi­nal fran­cês. El oro se­ra el te­so­ro, na tra­du­ção
es­pa­nho­la.
3 Se­crets de la ma­gie, ed. Ro­bert Laf­font, co­le­ção Bou­quins, 2000.
Os Dois
Acu­mu­la­ção, pre­pa­ra­ção, re­cep­ti­vi­da­de

Se os Ases (1) do Ta­rot são o sím­bo­lo das ca­pa­ci­da­des em po­tên­cia, vas-­


ta ex­ten­são de pos­si­bi­li­da­des à es­pe­ra de uma es­co­lha, os Dois (2) re-­
pre­sen­tam a acu­mu­la­ção de da­dos sem re­a­li­za­ção. A pa­la­vra-cha­ve pa-­
ra com­preen­der o 2 é o con­cei­to de acu­mu­la­ção pas­si­va e re­cep­ti­va. A
Pa­pi­sa (II), grau dois da pri­mei­ra série de­ci­mal dos Ar­ca­nos mai­o­res,
es­tá en­clau­su­ra­da. O En­for­ca­do (XII), grau dois da se­gun­da série, es­tá
amar­ra­do, com as mãos nas cos­tas: não es­co­lhe, mer­gu­lha em si mes-­
mo. (Ver pp. 75 ss.)
Nos Ar­ca­nos me­no­res, on­de Es­pa­das é o sím­bo­lo da vi­da in­te­lec­tu-­
al, o Dois de Es­pa­das nos mos­tra uma gran­de flor (a mai­or da série) de
oi­to pé­ta­las e oi­to ra­mos, preen­chen­do to­do o oval que a con­tém. É o
de­va­neio que se ins­ta­la no men­tal, uma acu­mu­la­ção de pro­je­tos, de mi-­
tos, de in­for­ma­ções, de te­o­ri­as... O cen­tro da flor con­tém um pon­to ne-­
gro em que se adi­vi­nha, em ges­ta­ção, o va­zio que atin­gi­mos na per­fei-­
ção da me­di­ta­ção. As du­as es­pa­das que se en­tre­cru­zam têm um cen­tro
ver­me­lho, ati­vo, vi­tal, que ecoa nas du­as pé­ta­las ver­me­lhas ho­ri­zon­tais.
An­tes de re­ce­ber uma for­ma, o pen­sa­men­to apa­re­ce no cé­re­bro co­mo
um ca­os. Lo­go, as du­as pé­ta­las ver­ti­cais ama­re­las lhe per­mi­tem se ex-­
pan­dir em di­re­ção à luz e à or­dem, sus­ten­ta­das pe­la re­cep­ti­vi­da­de das
pé­ta­las azul-ce­les­te. A lâ­mi­na das es­pa­das é es­sen­ci­al­men­te ne­gra: o
ob­je­ti­vo do men­tal é che­gar ao va­zio. Nes­te Ar­ca­no, as oi­to pé­ta­las e os
oi­to ra­mos da flor, as­sim co­mo os oi­to ovais ama­re­los que atra­ves­sam as
lâ­mi­nas das Es­pa­das nos in­di­cam um pro­fun­do de­se­jo de per­fei­ção (o 8
re­pre­sen­ta a per­fei­ção na nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot). Ob­ser­ve­mos ain­da
que em to­do o Ta­rot, os Dois as­pi­ram ao 8: da re­cep­ti­vi­da­de à per­fei­ção
e à ple­ni­tu­de.
Os Paus sim­bo­li­zam a ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va. No Dois de Paus, as
flo­res, em vez de um ta­lo cor­ta­do, têm na ba­se um bul­bo azul-cla­ro bas-­
tan­te tra­ba­lha­do, que re­pre­sen­ta a acu­mu­la­ção dos de­se­jos. Em se­gui-­
da, um ta­lo ver­me­lho con­duz a se­te pé­ta­las ama­re­las, co­mo a ener­gia
vi­tal que vi­rá des­per­tar os se­te chak­ras (cen­tros ner­vo­sos sa­gra­dos). No
cru­za­men­to dos dois paus, nas­cem flo­res de três pé­ta­las la­ran­ja. Ao
adi­ci­o­ná-las (3 + 3 = 6), des­co­bri­mos que a bus­ca es­sen­ci­al dos Paus é a
do pra­zer, da be­le­za (re­pre­sen­ta­da pe­lo 6 na nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot). O
cen­tro dos Paus é azul-es­cu­ro, in­di­can­do que a ener­gia cri­a­ti­va, na ba-­
se, é re­ce­bi­da. Es­sa re­cep­ção se ex­pan­de até o ver­me­lho da ação. Um
di­to chi­nês nos en­si­na que con­vém ser re­cep­ti­vo pa­ra o céu e ati­vo pa­ra
a ter­ra; a ins­pi­ra­ção do ar­tis­ta lhe é da­da, mas sua obra é fru­to de su­as
pró­prias es­co­lhas e de seu tra­ba­lho. Es­ta car­ta re­pre­sen­ta a acu­mu­la­ção
da ener­gia que ain­da não é re­a­li­za­da, a vir­gin­da­de, o pri­mei­ro pe­rí­o­do
da pu­ber­da­de, mas tam­bém as pri­mí­cias de to­da obra.
A Co­pa sim­bo­li­za a vi­da emo­ci­o­nal. O Dois de Co­pas re­pre­sen­ta­rá,
en­tão, a acu­mu­la­ção de sen­ti­men­tos, a pre­pa­ra­ção pa­ra o amor. Em­bai-­
xo, dois an­jos re­ve­lam a fon­te do amor: uma Fênix ver­me­lha so­bre um
pe­des­tal ama­re­lo. Os an­jos re­pre­sen­tam a pu­re­za. O da es­quer­da, que é
ce­go, vem nos su­ge­rir que a es­co­lha do ob­je­to ama­do não se faz pe­lo in-­
te­lec­to mas pe­las ra­zões do co­ra­ção. A man­cha azul cla­ra, pon­tu­a­da por
mar­cas se­me­lhan­tes às do ar­mi­nho, co­mo um man­to re­al, si­na­li­za a
pro­te­ção di­vi­na. O pe­des­tal e a co­roa ama­re­la-cla­ra são sím­bo­los da
cons­ciên­cia cósmi­ca, so­bre a qual se for­ma o pás­sa­ro imor­tal. A Fênix
míti­ca tem a pro­pri­e­da­de de po­der se quei­mar e re­nas­cer das pró­prias
cin­zas, as­sim co­mo o amor mor­re e se re­no­va a ca­da vez: o amor não é
in­di­vi­du­al, ele é uma for­ça uni­ver­sal. De tu­do is­so, cres­ce uma raiz, que
se abre na pri­mei­ra flor ver­me­lha e ama­re­la, sím­bo­lo do amor en­car­na-­
do no co­ra­ção hu­ma­no, e de­pois se pro­lon­ga em um ta­lo azul-cla­ro que
pro­duz dois ani­mais, tal­vez pei­xes, que lam­bem uma flor imen­sa. Es­ses
dois pei­xes re­me­tem à di­vi­são nar­císi­ca do eu, ne­ces­sá­ria ao de­sen­vol-­
vi­men­to do amor: to­do amor co­me­ça pe­la fas­ci­na­ção de si mes­mo e a
pro­je­ção de nos­sa al­ma no ser ama­do. Lam­ben­do a flor, eles a fa­zem
cres­cer e a pre­pa­ram pa­ra uma ma­ra­vi­lho­sa in­se­mi­na­ção. O aman­te fu-­
tu­ro se­rá uma pro­je­ção da Fênix ori­gi­nal. De um pon­to de vis­ta psi­co-­
ló­gi­co, o Dois de Co­pas nos re­me­te ao amor in­ces­tuo­so. Os an­jos (su­bli-­
ma­ção do ani­mus e da ani­ma) pre­pa­ram o sa­cri­fí­cio da Fênix. O amor
edi­pi­a­no se­rá imo­la­do pa­ra a cons­tru­ção de uma re­a­li­da­de, de uma fa-­
mí­lia sim­bo­li­za­da pe­lo Qua­tro de Ou­ros.
O di­nhei­ro é o sím­bo­lo da vi­da ma­te­ri­al: é o ou­ro que en­con­tra­mos
nas pro­fun­de­zas da ter­ra, e que uma vez tra­ba­lha­do ser­ve de mo­e­da de
tro­ca. No Dois de Ou­ros, uma imen­sa fai­xa ten­ta unir um cír­cu­lo ao
ou­tro. Em­bai­xo, na cur­va in­fe­ri­or des­sa li­nha si­nuo­sa, de­tec­ta­mos três
ser­pen­tes, ani­mais ras­te­jan­tes que nos su­ge­rem que o tra­ba­lho que le­va
à cons­ciên­cia co­me­ça pe­la acei­ta­ção da ma­té­ria, que se es­pi­ri­tu­a­li­za­rá
em se­gui­da, com a mo­e­da se tor­nan­do au­ré­o­la. Na cur­va su­pe­ri­or, du­as
da­tas: 1471-1997, lem­bran­do a da­ta do pri­mei­ro Ta­rot im­pres­so co­nhe­ci-­
do e a da edi­ção do Ta­rot res­tau­ra­do. Mas elas in­di­cam tam­bém a trans-­
for­ma­ção que vai do pas­sa­do pa­ra o fu­tu­ro, do fun­do pa­ra o al­to. Se adi-­
ci­o­nar­mos 1 + 4 + 7 + 1, ob­te­re­mos 13, nú­me­ro da trans­for­ma­ção da ma-­
té­ria, da mor­te. Adi­ci­o­nan­do 1 + 9 + 9 + 7, ob­te­re­mos 26, o nú­me­ro de
Deus e da eter­ni­da­de. Eis to­da a as­pi­ra­ção do Dois de Ou­ros: es­sa fai­xa
que ces­sa de cres­cer, co­mo tes­te­mu­nham as flo­res nas du­as pon­tas, pa-­
ra che­gar ao 8 da per­fei­ção in­fi­ni­ta, de­se­ja re­a­li­zar a es­pi­ri­tu­a­li­za­ção da
ma­té­ria.
Os Três
Ex­plo­são, cri­a­ção ou des­trui­ção

Os nú­me­ros têm uma vi­da pró­pria, co­mo en­ti­da­des dis­tin­tas. De­pois do


Ás (1, o To­do em po­tên­cia, fun­da­men­tal­men­te an­dró­gi­no) e do Dois (2,
acu­mu­la­ção de uma ex­pe­riên­cia, es­sen­ci­al­men­te re­cep­ti­vo), o Três (3,
ex­plo­são cri­a­ti­va) é o pri­mei­ro es­sen­ci­al­men­te ati­vo. Mas du­pla­men­te
ati­vo: em di­re­ção à vi­da e em di­re­ção à mor­te, em di­re­ção à re­pro­du­ção,
à cons­tru­ção, à eu­fo­ria de vi­ver, ou em di­re­ção à des­trui­ção, à de­pres-­
são, à trans­for­ma­ção im­pla­cá­vel que exi­ge a eli­mi­na­ção do an­ti­go. O as-­
pec­to vi­tal do 3 re­a­li­za a trans­for­ma­ção pe­la eclo­são do no­vo.
Es­ses dois as­pec­tos do 3 se ma­ni­fes­tam em A Im­pe­ra­triz (III) e no
Ar­ca­no sem no­me (XI­II). É evi­den­te que A Im­pe­ra­triz, com seu ce­tro
apoi­a­do no ven­tre e or­na­do com uma fo­lha ver­de, es­tá em ple­na ges­ta-­
ção. Quan­to ao Ar­ca­no XI­II, o per­so­na­gem cei­fa com sua foi­ce as er­vas
da­ni­nhas pa­ra que o ser no­vo pos­sa se de­sen­vol­ver.
No Três de Es­pa­das, a po­tên­cia da car­ta se re­ve­la pe­los dois ra­mos
que ro­dei­am a es­pa­da. Se con­tar­mos su­as fo­lhas e os fru­tos ne­gros que
aí nas­cem, ob­te­re­mos o nú­me­ro 22, que re­pre­sen­ta a to­ta­li­da­de dos Ar-­
ca­nos mai­o­res do Ta­rot. A es­pa­da ver­me­lha é sím­bo­lo do in­te­lec­to ati-­
vo, en­tu­si­as­ta, ide­a­lis­ta, des­me­di­do. As qua­tro flo­res no ex­te­ri­or das es-­
pa­das en­te­cru­za­das dão uma se­gu­ran­ça a es­se im­pul­so. Elas in­di­cam
que to­do pen­sa­men­to é sus­ten­ta­do por um es­pa­ço bem ori­en­ta­do, qua-­
tro pon­tos car­de­ais. Na lin­gua­gem po­pu­lar, de­sig­na-se um es­ta­do de
con­fu­são men­tal pe­la ex­pres­são “per­der o nor­te”. Es­ta car­ta, co­mo to-­
dos os Três, pos­sui uma to­na­li­da­de ado­les­cen­te. Aqui, to­dos os pro­ble-­
mas se co­lo­cam, con­fun­di­mos crer com sa­ber, pen­sa­mos sem nos unir
ao mun­do, mo­ti­va­dos pe­la ener­gia de um ide­al que po­de tam­bém ser
mais fa­la­ci­o­so que ver­da­dei­ro. A ener­gia do Três de Es­pa­das é es­trei­ta-­
men­te li­ga­da à ener­gia se­xu­al dos Paus.
No Três de Paus, os três paus se en­tre­cru­zam for­man­do um cen­tro
que ex­pres­sa seu de­se­jo de pos­suir o mun­do, re­pre­sen­ta­do pe­las fo­lhas
que ne­le cres­cem. En­quan­to o Três de Es­pa­das de­li­mi­ta um oval on­de
se pro­duz um de­se­jo de apro­fun­da­men­to, o Três de Paus cres­ce pa­ra
fo­ra co­mo um con­quis­ta­dor. Ele de­se­ja tan­to en­trar no mun­do co­mo
se­du­zi-lo e en­go­li-lo. Es­te Ar­ca­no cor­res­pon­de às pri­mei­ras ex­pe­riên-­
cias do pra­zer car­nal, à eclo­são da pu­ber­da­de, à vi­o­lên­cia do­mi­na­do­ra,
à ale­gria da­que­le que se sen­te o cen­tro do mun­do. São tam­bém de­se­jos
que ex­plo­dem sem sa­ber aon­de ir. É o ger­me que abre vi­o­len­ta­men­te a
se­men­te sem sa­ber que plan­ta se tor­na­rá. As pon­tas ne­gras dos três
paus sim­bo­li­zam a ação im­pes­so­al e lem­bram as pon­tas das es­pa­das,
igual­men­te ne­gras. Is­so nos in­di­ca que a es­sên­cia da ener­gia se­xu­al é
es­pi­ri­tu­al. Ca­da pau é en­ri­que­ci­do por qua­tro re­tân­gu­los la­ran­jas, que
cor­res­pon­dem aos qua­tro ele­men­tos: a mai­or ri­que­za da ação é a pró-­
pria vi­da. O azul pro­fun­do do cen­tro nos su­ge­re que o de­se­jo é re­ce­bi-­
do, que não te­mos con­tro­le so­bre ele: só po­de­mos ca­na­li­zá-lo ou des-­
fru­tar, mas nem pro­vo­cá-lo ou anu­lá-lo. As fo­lhas que cres­cem dos la-
dos mos­tram seu in­te­ri­or ama­re­lo-cla­ro, cam­po de ener­gia e de ale­gria
vi­tal que en­ri­que­ce o mun­do.
O Três de Co­pas re­pre­sen­ta o amor ide­al, ro­mân­ti­co. São as pri-­
mei­ras ex­pe­riên­cias afe­ti­vas. A co­pa de ci­ma, bem pro­te­gi­da por du­as
fo­lhas, re­pou­sa em sua ba­se den­tro de um co­ra­ção. Seu pé é aca­ri­ci­a­do
por dois bul­bos chei­os de so­nhos. O amor ide­al po­de nos con­du­zir mais
tar­de, se fra­cas­sa, a uma de­cep­ção pro­fun­da. Mas sen­do o pri­mei­ro, ele
é o mais be­lo de se vi­ver. Na ba­se do co­ra­ção, uma ver­da­dei­ra cons­tru-­
ção o pro­te­ge e o sus­ten­ta. A for­ma ver­me­lha, fu­so atra­ves­sa­do por três
li­nhas ne­gras, ten­do em sua ba­se três pé­ta­las la­ran­jas, re­pre­sen­ta a di-­
vin­da­de an­dró­gi­na. Es­se amor ide­al é uma pro­je­ção do amor di­vi­no. As
du­as co­pas na ba­se da car­ta re­pre­sen­tam o mas­cu­li­no-ani­mus e o fe­mi-­
ni­no-ani­ma que se unem pa­ra cri­ar es­se so­nho.
No Três de Ou­ros, ve­mos uma cons­tru­ção apa­ren­te­men­te se­me-­
lhan­te, mas na re­a­li­da­de mui­to di­fe­ren­te. A mo­e­da de ci­ma es­tá no in-­
te­ri­or da cons­tru­ção de fo­lha­gens, e as du­as mo­e­das de bai­xo es­tão fo-­
ra. Se a ação das Co­pas ia em di­re­ção ao céu, a co­mu­ni­ca­ção com o di­vi-­
no, a ação dos Ou­ros vai em di­re­ção à in­te­ri­o­ri­za­ção, à pe­ne­tra­ção na
ma­té­ria e à obs­cu­ri­da­de da ges­ta­ção. É a afir­ma­ção de um te­sou­ro es-­
con­di­do no mun­do, do qual é pre­ci­so to­mar pos­se. Es­te Ar­ca­no re­pre-­
sen­ta a par­ti­da do he­rói an­ti­go em bus­ca do To­são ou Ve­lo­ci­no de ou­ro,
sím­bo­lo am­bi­va­len­te da ri­que­za ma­te­ri­al e da cons­ciên­cia cósmi­ca.
Sen­do o Três um nú­me­ro ex­plo­si­vo, ele po­de sig­ni­fi­car, nos Ou­ros, o
iní­cio en­tu­si­as­ma­do de um ne­gó­cio com um in­ves­ti­men­to in­cer­to: po-­
de­mos mul­ti­pli­car nos­sa ri­que­za ou per­dê-la.
Os Qua­tros
Se­gu­ran­ça so­bre a Ter­ra

O equi­va­len­te do 4 é um qua­dra­do, a for­ma ge­o­métri­ca que me­lhor


sim­bo­li­za a se­gu­ran­ça no mun­do ma­te­ri­al. Nos Ar­ca­nos mai­o­res, O Im-­
pe­ra­dor (II­II) re­pre­sen­ta a es­ta­bi­li­da­de ter­res­tre, en­quan­to Tem­pe­ran-­
ça (XI­I­II) in­di­ca o equi­lí­brio psíqui­co e es­pi­ri­tu­al.
Se ob­ser­var­mos o cen­tro do Qua­tro de Ou­ros, ve­mos aí um bra­são
so­bre o qual uma Fênix se imo­la no fo­go pa­ra re­nas­cer das pró­prias
cin­zas. No cen­tro do que pa­re­ce ser imu­tá­vel, há cons­tan­te im­per­ma-­
nên­cia. Aque­le que tem a se­gu­ran­ça e a saú­de de­ve per­ma­ne­cer cons-­
tan­te­men­te cons­ci­en­te do ca­rá­ter efê­me­ro de to­dos os bens ma­te­ri­ais.
Nes­se ní­vel, aque­le que não avan­ça e que re­cu­sa a mu­dan­ça aca­ba re-­
tro­ce­den­do. A saú­de de­pen­de de um cui­da­do cons­tan­te. A apa­ren­te es-­
ta­bi­li­da­de do Qua­tro de Ou­ros ocul­ta a ins­ta­bi­li­da­de sa­gra­da. Se o Qua-­
tro não se põe em ação, ele se pe­tri­fi­ca pou­co a pou­co. O Qua­tro de Ou-­
ros as­se­gu­ra a vi­da co­ti­di­a­na, mas não a vi­da es­pi­ri­tu­al. No en­tan­to, ele
é a ba­se des­ta, as­sim co­mo o al­tar é a ba­se da ca­te­dral. De que ser­ve um
al­tar so­bre o qual não se ce­le­bra a mis­sa? Da mes­ma ma­nei­ra, de que
ser­ve uma lo­ja de ali­men­tos se to­dos es­tão com a va­li­da­de ven­ci­da? É
pre­ci­so que no­vos pro­du­tos fres­cos ve­nham ga­ran­tir a saú­de do con­su-­
mi­dor. Uma for­tu­na que é guar­da­da em uma cai­xa-for­te sem ser in­ves-­
ti­da se des­va­lo­ri­za. Nes­se ca­so, é pre­ci­so in­ves­tir e fa­zer en­trar a ri­que-­
za na cor­ren­te da vi­da. Uma se­men­te que não se abre não pro­duz ne-­
nhu­ma plan­ta.
No Qua­tro de Ou­ros, os qua­tro ele­men­tos se or­de­nam em tor­no do
cen­tro (a Fênix), mas no Qua­tro de Co­pas a dis­po­si­ção tes­te­mu­nha
an­tes uma as­pi­ra­ção pa­ra a al­tu­ra. As du­as co­pas de bai­xo, aju­da­das pe-­
las du­as gran­des fo­lhas, sus­ten­tam as du­as co­pas de ci­ma. Po­de­mos ver
aí um im­pul­so em di­re­ção à aber­tu­ra. As Co­pas são sím­bo­lo da vi­da
emo­ci­o­nal, en­tão po­de­mos di­zer que nes­se amor se bus­ca um ser su­pe-­
ri­or a si mes­mo, e não uma "al­ma gê­mea". Co­mo eta­pa da vi­da emo­ci­o-­
nal, o Qua­tro é um mo­men­to be­néfi­co que re­pre­sen­ta um fun­da­men­to,
a acei­ta­ção do ca­sal, o pro­je­to de uma fa­mí­lia. Mas se o Três bus­ca o
amor ide­al, o Qua­tro mar­ca a pas­sa­gem ao amor re­al. Aque­le que só se
po­de acon­te­cer se acei­tar­mos com to­da con­fi­an­ça o ser ama­do.
A bus­ca da al­tu­ra que es­tá em pro­ces­so no Qua­tro de Co­pas re­pre-­
sen­ta, no me­lhor dos ca­sos, uma as­pi­ra­ção às as­pi­ra­ções mais ele­va­das
do amor que se­rão vi­vi­das nos graus se­guin­tes. Mas se a pes­soa ain­da
não é ca­paz de amar a si mes­ma, ela é obri­ga­da a de­po­si­tar to­das as su-­
as es­pe­ran­ças de re­a­li­za­ção em ou­tra pes­soa. A re­la­ção emo­ci­o­nal, en-­
tão, não se dá mais en­tre iguais, mas en­tre um co­ra­ção sub­mis­so e um
ser po­de­ro­so. Se a pes­soa se odeia, se se des­pre­za, se não se ama, a exi-­
gên­cia de se­gu­ran­ça se tor­na in­sa­ci­á­vel. Mes­mo se a pes­soa não tem to-­
do o amor que de­se­ja, por se­gu­ran­ça se ape­ga à re­la­ção emo­ci­o­nal. É o
ca­so de um ca­sa­men­to de lon­ga du­ra­ção em que os côn­ju­ges tal­vez te-­
nham per­di­do o amor, mas cu­ja uni­ão per­du­ra por se­gu­ran­ça. Um amor
que não evo­lui es­tá con­de­na­do a es­tag­nar.
No Qua­tro de Paus, nos en­con­tra­mos na pre­sen­ça de uma se­gu­ran-­
ça se­xu­al e cri­a­ti­va. Tu­do vai bem, mas cor­re­mos o ris­co de que es­sa si-­
tu­a­ção se tor­ne uma ro­ti­na. Nes­te do­mí­nio, a re­pe­ti­ção es­fria o en­tu­si-­
as­mo. Por fal­ta de no­vi­da­de, o êx­ta­se de­cli­na. Mais uma vez, o Qua­tro é
uma pas­sa­gem be­néfi­ca que exi­ge ser su­pe­ra­da: o que pen­sar de um ar-­
tis­ta que se ins­ta­la em um es­ti­lo e o re­pe­te até mor­rer, fe­liz de ga­nhar
com is­so um di­nhei­ro se­gu­ro? Um ca­sal que sem­pre faz amor da mes-­
ma ma­nei­ra cor­re o ris­co de se abor­re­cer. A se­gu­ran­ça do Qua­tro é des-­
ti­na­da a evo­luir com a ten­ta­ção do Cin­co.
Da mes­ma ma­nei­ra, a se­gu­ran­ça men­tal do Qua­tro de Es­pa­das é
ma­ra­vi­lho­sa quan­do re­pre­sen­ta o es­píri­to práti­co, uma in­te­li­gên­cia ca-­
paz de se en­car­nar e de or­ga­ni­zar a vi­da ma­te­ri­al. É tam­bém a ba­se da
in­te­li­gên­cia ci­en­tífi­ca. Mas ela po­de se con­ver­ter em um ra­ci­o­na­lis­mo
fe­cha­do em si mes­mo, que ten­de a ex­cluir a in­tui­ção, a ri­que­za do in-­
cons­ci­en­te, o pra­zer po­éti­co, as idei­as re­vo­lu­ci­o­ná­rias e mui­tas ou­tras
coi­sas que en­con­tra­mos ao es­ta­be­le­cer a pon­te com os mis­té­rios do es-­
píri­to. Is­so se­rá obra do 5.
Em to­dos os Nai­pes, o Qua­tro é uma pla­ta­for­ma de se­gu­ran­ça ne-­
ces­sá­ria pa­ra ou­sar­mos pro­por no­vas ex­pe­riên­cias que nos fa­rão avan-­
çar so­bre o ca­mi­nho do co­nhe­ci­men­to de si mes­mo, ten­do co­mo ob­je­ti-­
vo fi­nal a ação no mun­do. Con­si­de­ra­do co­mo tal, o Qua­tro é es­sen­ci­al.
Con­si­de­ra­do co­mo fim em si, ele con­duz à es­tag­na­ção, e, por fim, à de-­
ca­dên­cia
Os Cin­cos
A ten­ta­ção

No eso­te­ris­mo do iní­cio do sé­cu­lo XX, os es­tu­dan­tes de ma­gia e os nu-­


me­ró­lo­gos atri­bu­í­ram ao nú­me­ro 5 uma ação fu­nes­ta. É com­preen­sí­vel:
nos Ar­ca­nos mai­o­res do Ta­rot, o grau 5 é re­pre­sen­ta­do por O Pa­pa e O
Di­a­bo. Os eso­téri­cos, em con­fli­to com a Igre­ja Ca­tóli­ca, en­tão con­fun-­
di­ram as du­as car­tas e vi­ram a mal­di­ção (XV) co­mo som­bra da ben­di-­
ção (V). Po­de­mos tam­bém com­preen­der que em uma se­quên­cia de no-­
ve nú­me­ros (sen­do o 10 con­si­de­ra­do uma re­pe­ti­ção do 1), o nú­me­ro 5
se en­con­tra na me­ta­de da série, co­mo en­tre dois mun­dos. An­tes de­le, a
se­quên­cia de 1 a 4 re­pre­sen­ta a vi­da ma­te­ri­al, e de­pois de­le a se­quên­cia
do 6 ao 9 re­pre­sen­ta a vi­da es­pi­ri­tu­al, ma­ra­vi­lho­sa mas in­cer­ta quan­do
a con­si­de­ra­mos a par­tir do pla­no con­cre­to. Na re­a­li­da­de, tan­to O Pa­pa
co­mo O Di­a­bo são con­vi­tes a ir­mos mais além, a su­pe­rar­mos os li­mi­tes
do ma­te­ri­al e do ra­ci­o­nal. O Pa­pa, sem aban­do­nar seus dis­cí­pu­los, que
per­ten­cem a es­te mun­do, es­ta­be­le­ce uma pon­te, uma co­mu­ni­ca­ção com
o ou­tro mun­do: a di­men­são di­vi­na ou cósmi­ca. O Di­a­bo ten­ta­dor
propõe uma des­ci­da ru­mo à es­cu­ri­dão do in­cons­ci­en­te, pa­ra che­gar até
o mag­ma im­pes­so­al, fon­te de to­da cri­a­ti­vi­da­de.
O 5 abre os ca­mi­nhos pa­ra o co­nhe­ci­men­to de si ou propõe ide­ais
bri­lhan­tes. Ele su­ge­re a pru­dên­cia de não aban­do­nar­mos as aqui­si­ções
da vi­da ma­te­ri­al, mas nos con­vi­da a su­pe­rá-las.
No Cin­co de Es­pa­das, ve­mos apa­re­cer, en­tre as es­pa­das en­tre­cru-
za­das, o ver­me­lho da es­pa­da cen­tral que olha pa­ra o ex­te­ri­or por uma
aber­tu­ra em for­ma de lo­san­go. É a pri­mei­ra vez, no pro­ces­so da série
de Es­pa­das, sím­bo­lo da ati­vi­da­de in­te­lec­tu­al, que o men­tal acei­ta a uni-­
ão com o Ou­tro e ten­ta lan­çar um olhar pa­ra além de si mes­mo, fo­ra de
seu pe­que­no mun­do in­te­lec­tu­al. Apa­re­ce uma ideia que po­de se trans-­
for­mar em ide­al, em um ca­mi­nho a se­guir.
Na série de Co­pas, que re­pre­sen­ta a vi­da emo­ci­o­nal, o Cin­co de Co-­
pas nos mos­tra um re­ci­pi­en­te cen­tral de on­de nas­ce uma eu­fóri­ca
cons­tru­ção flo­ral. Po­de­rí­a­mos di­zer que se tra­ta de um pa­go­de, ou de
um tem­plo. Pe­la pri­mei­ra vez, vi­ve­mos o en­tu­si­as­mo da fé, in­clu­si­ve o
amor fa­náti­co. Can­ta­mos lo­as a um mes­tre, ao Cris­to, a di­fe­ren­tes deu-­
ses, à mãe Na­tu­re­za, ou, por que não, a um te­óri­co po­líti­co... Acre­di­ta-­
mos ter en­con­tra­do a di­re­ção de­fi­ni­ti­va que nos­so co­ra­ção e o co­ra­ção
da hu­ma­ni­da­de de­vem se­guir. Se ob­ser­var­mos bem es­ta car­ta, ve­re­mos,
en­vol­ven­do o pé da co­pa cen­tral, um co­ra­ção ama­re­lo for­ma­do pe­los
ra­mos da plan­ta da ba­se, que flo­res­ceu. Mas es­se co­ra­ção, en­con­tran­do-
se na ba­se, age no pla­no ma­te­ri­al: vol­ta­mos nos­so co­ra­ção pa­ra Deus
sem com is­so des­de­nhar das ter­nu­ras hu­ma­nas. Com es­ta car­ta, po­de-­
re­mos com­preen­der, por exem­plo, a jo­vem dis­cí­pu­la que vol­ta grávi­da
de­pois de uma tem­po­ra­da com seu gu­ru...
O Cin­co de Paus re­pre­sen­ta du­as ten­ta­ções: su­bli­mar a for­ça se­xu-­
al atra­vés das téc­ni­cas de me­di­ta­ção e, gra­ças a elas, abrir a por­ta da
ilu­mi­na­ção es­pi­ri­tu­al, ou ain­da apro­fun­dar o ca­mi­nho do de­se­jo e ex-­
plo­rar to­das as pul­sões. Es­se se­gun­do ca­mi­nho po­de ser tão re­vo­lu­ci­o-­
ná­rio quan­to o pri­mei­ro, pois é um con­vi­te a nos des­fa­zer­mos dos hábi-­
tos, que con­du­zem o es­píri­to a ador­me­cer. Na cri­a­ti­vi­da­de, da mes­ma
ma­nei­ra, é a aber­tu­ra do ar­tis­ta aos te­mas que vão mais lon­ge ou mais
fun­do do que a ane­do­ta pes­so­al.
Com o Cin­co de Ou­ros, a se­gu­ran­ça ma­te­ri­al do Qua­tro dei­xa nas-­
cer em seu cen­tro uma pos­si­bi­li­da­de no­va de en­ri­que­ci­men­to, que con-­
ju­ra o gran­de pe­ri­go do grau an­te­ri­or: vi­mos que se o Qua­tro não se al-­
te­ra, ele en­ve­lhe­ce, apo­dre­ce e de­cai. Ve­mos to­dos os di­as exem­plos
práti­cos dis­so: as gran­des lo­jas, pa­ra não per­de­rem seus cli­en­tes, de-­
vem pen­sar em abrir uma se­ção de ali­men­tos or­gâ­ni­cos; um do­en­te,
tra­ta­do sem re­sul­ta­dos pe­la me­di­ci­na ofi­ci­al, so­nha em pro­cu­rar um
xa­mã ou um cu­ran­dei­ro no in­te­ri­or do pa­ís; um ca­sal bem es­ta­be­le­ci­do
se propõe a ter um fi­lho; ou ain­da, de­ci­di­mos in­ves­tir nos­sas eco­no­mi­as
em uma ati­vi­da­de que pos­sa mul­ti­pli­car o ca­pi­tal.
O Cin­co re­pre­sen­ta, por­tan­to, uma ten­ta­ção, uma as­pi­ra­ção, uma
pon­te, uma pas­sa­gem pa­ra um no­vo mun­do, mas con­ser­van­do uma par-
te de sua ati­vi­da­de ba­se­a­da no mun­do an­ti­go.
O pe­ri­go do Cin­co de Es­pa­das se­rá de nos le­var a se­guir idei­as to­las,
ide­a­lis­tas de­mais, que nos pro­me­tem for­tes de­cep­ções. O pe­ri­go do
Cin­co de Co­pas é o en­tu­si­as­mo. O ou­tro, ide­a­li­za­do, po­de não cor­res-­
pon­der às ex­pec­ta­ti­vas que te­mos a seu res­pei­to. No Cin­co de Paus,
cor­re­mos o ris­co, se­guin­do o ca­mi­nho d’O Pa­pa, de nos con­du­zir­mos à
im­po­tên­cia se­xu­al por ex­ces­so de mis­ti­cis­mo, ou se­guin­do o ca­mi­nho
d’O Di­a­bo, de nos es­go­tar­mos em de­pra­va­ções. No Cin­co de Ou­ros, cor-­
re­mos o pe­ri­go de in­ves­tir nos­so di­nhei­ro em qui­me­ras e de per­dê-lo,
co­mo acon­te­ce às ve­zes aos pe­que­nos in­ves­ti­do­res da bol­sa de va­lo­res.
Os Seis
A be­le­za e seus es­pe­lhos

Na Ca­ba­la, o 6 é con­si­de­ra­do o re­pre­sen­tan­te da be­le­za. Na Ár­vo­re da


vi­da, sob o no­me de Tip­he­ret, ele es­tá no cen­tro das dez se­fi­rots: se o
ho­mem não po­de al­can­çar a Ver­da­de in­cog­nos­cí­vel, ele po­de ao me­nos
ter aces­so a seu res­plen­dor es­sen­ci­al, a Be­le­za.
Em O Na­mo­ra­do (VI), grau 6 da pri­mei­ra série de­ci­mal dos Ar­ca­nos
mai­o­res, o an­ji­nho faz des­cer do céu a be­le­za do amor. Em A Tor­re, Ar-­
ca­no XVI, ou­tra ma­ni­fes­ta­ção do 6, a ter­ra en­via de seu cen­tro pa­ra o
al­to uma ex­plo­são de ale­gria e de ener­gia go­zo­sa que faz dan­çar dois
ini­ci­a­dos em êx­ta­se. Po­de­mos tam­bém pen­sar que é o céu que faz des-­
cer es­sa ma­ni­fes­ta­ção fla­me­jan­te: o Ta­rot per­mi­te in­ter­pre­tar um mes-
mo sím­bo­lo de du­as ma­nei­ras di­fe­ren­tes, sem que pre­ci­se­mos es­co­lher
en­tre as du­as res­pos­tas, que po­dem ser efe­ti­vas ao mes­mo tem­po.
Nos Ar­ca­nos me­no­res, es­se nú­me­ro si­nôni­mo de be­le­za e de re­a­li-­
za­ção da­qui­lo que ama­mos as­su­me qua­tro to­na­li­da­des di­fe­ren­tes. Se
qui­ser­mos, a be­le­za do Seis po­de ser con­si­de­ra­da a raiz da re­a­li­da­de. Se
adi­ci­o­nar­mos de três em três a série in­fi­ni­ta dos nú­me­ros, ob­te­re­mos
sem­pre um re­sul­ta­do re­du­tí­vel a 6. Por exem­plo:
1 + 2 + 3 = 6; 4 + 5 + 6 = 15, e 1 + 5 = 6; 7 + 8 + 9 = 24, e 2 + 4 = 6... e as-­
sim su­ces­si­va­men­te até o in­fi­ni­to.
Se, co­mo no mi­to cris­tão, Deus é uma trin­da­de, sua es­sên­cia, a par-­
tir do que aca­ba­mos de ver, é a be­le­za.
As Co­pas e os Ou­ros são sím­bo­los re­cep­ti­vos.
O Seis de Co­pas é apre­sen­ta­do co­mo o re­sul­ta­do de [3 + 3]: du­as
co­lu­nas de três co­pas se en­fren­tam fa­ce a fa­ce. Elas se en­con­tram co­mo
um ser hu­ma­no en­con­tra sua al­ma gê­mea. Amor es­táti­co de to­na­li­da­de
nar­císi­ca, que tem a ten­dên­cia de se iso­lar, de se dar pri­va­da­men­te, e no
qual um é a al­ma do ou­tro. Com um Seis de Co­pas, po­de­mos di­zer: “Eu
sou o mun­do e o mun­do sou eu”.
No Seis de Ou­ros, po­de­mos ob­ser­var cla­ra­men­te a so­ma [4 + 2]. No
cen­tro da car­ta, qua­tro mo­e­das re­pre­sen­tam o prin­cí­pio de re­a­li­da­de e
de es­ta­bi­li­da­de que se abre pa­ra ci­ma e pa­ra bai­xo. No Seis de Co­pas,
as­sis­tí­a­mos ao reen­con­tro de dois tri­os, o nú­me­ro três sen­do um ide­a-­
lis­ta. Aqui, ao con­trá­rio, par­ti­mos de um cen­tro ma­te­ri­al que vai bus­car
sua re­a­li­za­ção ex­táti­ca nos dois ex­tre­mos. Is­so nos re­me­te aos ca­sais ou
pa­res de no­ções com­ple­men­ta­res co­mo: fu­tu­ro e pas­sa­do, su­pra­cons-­
ciên­cia e sub­cons­ci­en­te, ma­cro­cos­mo e mi­cro­cos­mo, luz e som­bra etc.
Tra­ta-se de uma car­ta que se abre ao mun­do, que se es­for­ça pa­ra se
abrir ao ou­tro. Seu le­ma po­de­ria ser: “Par­to em bus­ca de tu­do aqui­lo
que me su­pe­ra e que já exis­te em mim”.
En­tre o Seis de Es­pa­das e o Seis de Paus, sím­bo­los ati­vos, um in­te-­
lec­tu­al e o ou­tro se­xu­al-cri­a­ti­vo, tam­bém exis­te uma di­fe­ren­ça.
No Seis de Es­pa­das, as­sis­ti­mos a uma in­te­ri­o­ri­za­ção. Al­can­ça­mos a
be­le­za atra­vés da me­di­ta­ção, se­guin­do em di­re­ção ao êx­ta­se que é o co-­
ra­ção de nos­sa cons­ciên­cia. A flor cen­tral cu­jo ta­lo es­tá cor­ta­do, se­pa-
ra­do da plan­ta e por con­se­quên­cia do mun­do, se abre na so­li­dão. Ela é
úni­ca. As­su­mir a pró­pria in­di­vi­du­a­li­da­de, sua pró­pria uni­ci­da­de, é a
pri­mei­ra ale­gria do in­te­lec­to.
No Seis de Paus, ob­ser­va­mos um gran­de im­pul­so pa­ra o ex­te­ri­or.
Par­tin­do de um cen­tro ar­den­te (os qua­tro lo­san­gos ver­me­lhos), fo­lhas
sen­su­ais se abrem em di­re­ção aos qua­tro can­tos do mun­do, e co­mo ei­xo
ver­ti­cal, em lu­gar do pau uni­tá­rio, ve­mos du­as flo­res, cor­ta­das, tam­bém
elas, di­fe­ren­tes uma da ou­tra, mas no en­tan­to com­ple­men­ta­res. A flor
de bai­xo tem fo­lhas cur­va­das e re­cep­ti­vas, a flor de ci­ma tem fo­lhas
pon­tu­das e ati­vas. Po­de­rí­a­mos fa­lar em uma flor mas­cu­li­na e uma flor
fe­mi­ni­na. O Seis de Paus ex­pri­me a be­le­za do en­con­tro se­xu­al. Aqui a
so­li­dão va­lo­ri­za­da no Seis de Es­pa­das se tor­na mas­tur­ba­tó­ria, ela não é
ad­mi­ti­da. O Seis de Paus é es­sen­ci­al­men­te uma car­ta de en­con­tro.
Os Seis, ape­sar de sua ex­ce­lên­cia, po­dem se tor­nar uma ar­ma­di­lha
nar­císi­ca, so­bre­tu­do nas Co­pas e nas Es­pa­das. Ama­mos tan­to aqui­lo
que fa­ze­mos que, ego­is­ti­ca­men­te, bus­ca­mos nos sa­tis­fa­zer es­que­cen­do
as ne­ces­si­da­des do mun­do que nos ro­deia...
Os Se­tes
Ação no mun­do e ação em si mes­mo

O 7 é o nú­me­ro ím­par mais ati­vo, o nú­me­ro pri­mo mais po­ten­te da série


de 1 a 10. A me­lhor ma­nei­ra de de­fi­ni-lo é pe­la no­ção de ação no mun-­
do. Nos Ar­ca­nos mai­o­res, es­sa ação se ma­ni­fes­ta mui­to vi­si­vel­men­te no
Ar­ca­no VII, O Car­ro, e no Ar­ca­no XVII, A Es­tre­la. Em O Car­ro, a ener-­
gia vem da ter­ra e o prínci­pe se dei­xa le­var por seu ve­í­cu­lo fin­ca­do no
pla­ne­ta, so­li­dá­rio ao pla­ne­ta. Ele não age por si mes­mo, ele só acom­pa-­
nha a ação. Em A Es­tre­la, a ação vem do cos­mos e da mu­lher nua, ver-­
da­de pu­ra. Des­de­nhan­do do glo­bal em no­me do par­ti­cu­lar, ela es­co­lhe
um lu­gar que sa­cra­li­za, um jo­e­lho na ter­ra, pa­ra aí re­a­li­zar a ação pu­ri-­
fi­ca­do­ra e ger­mi­na­do­ra. Is­so nos per­mi­te com­preen­der que há di­fe­ren-­
tes for­mas de ação no mun­do, co­mo os qua­tro Se­tes dos Ar­ca­nos me­no-­
res nos de­mons­tra­rão.
O Se­te de Paus é uma car­ta de ener­gia glo­ri­o­sa, res­plan­de­cen­te,
que par­te de um lo­san­go ver­me­lho re­co­ber­to pe­lo en­tre­cru­za­men­to
das par­tes azuis-es­cu­ras e azul-ce­les­te, que se es­ten­dem até seu pro-­
lon­ga­men­to ver­me­lho e su­as ca­tor­ze pon­tas ne­gras. A ca­da mu­dan­ça de
cor, há uma ar­ti­cu­la­ção ama­re­la. Is­so sig­ni­fi­ca que par­ti­mos do fo­go vi-­
tal dos lo­san­gos ver­me­lhos, fo­go na­tu­ral, re­ce­bi­do e não tra­ba­lha­do.
Gra­ças a uma re­fle­xão in­te­li­gen­te (a ar­ti­cu­la­ção ama­re­la), es­se fo­go
pas­sa da con­cen­tra­ção in­tui­ti­va in­te­ri­or à gran­de ação ver­me­lha de
aber­tu­ra em di­re­ção ao mun­do. A ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va é im­pes­so­al,
ela se ofe­re­ce, nas pon­tas ne­gras, a quem ti­ver a ha­bi­li­da­de de sa­ber
em­pre­gá-la. As fo­lha­gens ama­re­las de ta­los ver­me­lhos, em nú­me­ro de
qua­tro, se abrem triun­fal­men­te nos la­dos, ex­pri­min­do a ex­plo­são do
pra­zer se­xu­al e cri­a­ti­vo em ação sem en­tra­ves.
In­ver­sa­men­te, no Se­te de Es­pa­das, a es­pa­da ou­tra vez se ins­cre­ve
em seu oval que sim­bo­li­za o es­pa­ço do pen­sa­men­to, pri­mei­ra­men­te
con­ce­bi­do co­mo um fe­cha­men­to. Es­te só se abre no meio da car­ta, na
cur­ta pas­sa­gem da cor ver­me­lha que in­di­ca uma pe­que­na ati­vi­da­de em
di­re­ção ao ex­te­ri­or. Nes­te oval, en­con­tra­mos, si­tu­a­da en­tre qua­tro flo-­
res cor­ta­das, uma es­pa­da azul-ce­les­te. Es­tas qua­tro flo­res são mui­to di-­
fe­ren­tes das fo­lhas ama­re­las vi­vas do Se­te de Paus: elas re­pre­sen­tam
pon­tos de re­fe­rên­cia con­cei­tu­ais, e não or­gâ­ni­cos. A Es­pa­da es­tá aqui
no ápi­ce de seu não fa­zer ati­vo. O máxi­mo de ação dos Paus é “cri­ar tu-­
do”, mas o máxi­mo de ação das Es­pa­das é “tu­do es­va­zi­ar”. Eis por que
a re­cep­ti­vi­da­de da mis­tu­ra de ta­los azuis fi­ca no cen­tro do Se­te de Paus,
e se en­con­tra nos dois ex­tre­mos, ex­ter­na­men­te ao oval do Se­te de Es-­
pa­das. Ob­ser­ve­mos tam­bém que a lâ­mi­na da es­pa­da pas­sa por bai­xo
des­se te­ci­do, e aí fi­ca pri­si­o­nei­ra: o men­tal não se me­xe, não age. Pa­ra
agir no mun­do, ele dei­xa de crer que a re­a­li­da­de é aqui­lo que ele pen­sa
so­bre ela e bus­ca a vi­são ob­je­ti­va. Pa­ra is­so, ele de­ve apren­der a re­ce-­
ber.
No Se­te de Ou­ros, des­co­bri­mos no cen­tro da car­ta três cír­cu­los
dis­pos­tos em tri­ân­gu­lo, com a pon­ta pa­ra ci­ma, ro­de­a­dos de ou­tras
qua­tro mo­e­das dis­pos­tas nos qua­tro can­tos da car­ta. Po­de­rí­a­mos ver aí,
ge­o­me­tri­ca­men­te, um tri­ân­gu­lo ins­cri­to den­tro de uma fi­gu­ra qua­dran-­
gu­lar, qua­dra­do ou re­tân­gu­lo. Es­sas for­mas sim­bo­li­zam o es­píri­to (tri-­
ân­gu­lo) em ges­ta­ção no cen­tro da ma­té­ria (qua­dra­do). Po­de­mos con-­
cluir que a ação ex­tre­ma no mun­do ma­te­ri­al é a ges­ta­ção do es­píri­to,
um ide­al in­ter­no: es­se tri­ân­gu­lo aca­ba­rá in­va­din­do to­do o qua­dra­do,
exa­ta­men­te co­mo o Cris­to en­tra em ges­ta­ção no ven­tre de um ser hu-­
ma­no, Ma­ria, pa­ra nas­cer de­la e con­ver­tê-la em di­vin­da­de. Po­de­rí­a­mos
tam­bém di­zer que no Se­te de Ou­ros as­sis­ti­mos à ação da cons­ciên­cia no
co­ra­ção da cé­lu­la.
Da mes­ma ma­nei­ra, no Se­te de Co­pas en­con­tra­mos o 7 sob a for­ma
[4 + 3], mas em uma con­fir­gu­ra­ção di­fe­ren­te. Qua­tro co­pas no ex­te­ri­or
da car­ta for­mam aqui­lo que po­de­rí­a­mos con­si­de­rar co­mo um re­tân­gu-­
lo. No cen­tro, três ou­tras co­pas de­se­nham um ei­xo ver­ti­cal. A co­pa que
se en­con­tra na ba­se des­se ei­xo es­tá em ple­na cri­a­ção ati­va do mun­do
emo­ci­o­nal, com uma ação em di­re­ção ao in­te­ri­or e em di­re­ção ao ex­te-­
ri­or. Aqui­lo que foi re­ce­bi­do é ge­ne­ro­sa­men­te do­a­do, ofer­ta­do. As ou-­
tras co­pas pos­su­em um con­te­ú­do acu­mu­la­do, elas es­tão chei­as, mas es-­
ta co­pa da ba­se pro­duz uma ação sim­bo­li­za­da pe­los ra­mos e pe­las fo-­
lha­gens que so­bem a par­tir de­la co­mo uma as­pi­ra­ção ao mun­do ce­les­te.
A se­gun­da co­pa, no cen­tro, es­tá em ges­ta­ção, aca­ri­ci­a­da e ama­da, e ela
es­ten­de sua ação em di­re­ção ao mun­do in­tei­ro, não ain­da de ma­nei­ra
ful­gu­ran­te, co­mo ve­re­mos mais adi­an­te no Oi­to, mas sob uma for­ma
ínti­ma, se­cre­ta, re­co­lhi­da. É o fo­go emo­ci­o­nal em ges­ta­ção no es­cu­ro e
na so­li­dão, que se abre, por fim, na ter­cei­ra co­pa, em di­re­ção ao cos­mos.
O amor vai, en­tão, com­ple­ta­men­te pa­ra o ex­te­ri­or e che­ga aos con­fins
do uni­ver­so. Po­de­mos com­pa­rar es­se ei­xo ao cha­ma­do in­ten­so da Vir-­
gem Ma­ria, que não acei­tou ou­tro aman­te além do pró­prio Deus.
Os Oi­tos
As qua­tro per­fei­ções

Nos Ar­ca­nos mai­o­res, A Jus­ti­ça e A Lua per­ten­cem ao ser do 8. Es­te


nú­me­ro é o mais re­cep­ti­vo de to­da a série de 1 a 10. Se o 2 é acu­mu­la-­
ção, o 4 es­ta­bi­li­za­ção e o 6 uni­ão na be­le­za, o 8 é o sím­bo­lo por ex­ce­lên-­
cia da per­fei­ção, na ma­té­ria e no es­píri­to. Em A Jus­ti­ça (VI­II), vi­mos
um ar­quéti­po ma­ter­nal que faz rei­nar a Lei. Seu le­ma po­de­ria ser es­te:
“A úni­ca li­ber­da­de é a obe­diên­cia à Lei”, a mai­or obe­diên­cia sen­do tor-­
nar­mo-nos nós mes­mos e dei­xar agir as leis cósmi­cas em nos­so es­píri­to
e em nos­sa vi­da ma­te­ri­al. Sua ação in­ci­ta tam­bém a nos dar­mos aqui­lo
que me­re­ce­mos. A es­pa­da d’A Jus­ti­ça cor­ta o sub­je­ti­vo, e sua ba­lan­ça
pe­sa o ob­je­ti­vo. A Lua (XVI­II), por sua vez, re­pre­sen­ta a re­cep­ção pu­ra.
Ela tem a ten­dên­cia de se re­co­lher em si mes­ma pa­ra re­fle­tir a luz so­lar.
Es­se re­fle­xo da “ver­da­de” so­lar, que po­de­rí­a­mos cha­mar de “be­le­za”,
po­de ser vis­to de fren­te, ao con­trá­rio da fon­te de luz di­re­ta que nos ce-­
ga­ria.
Nos Ar­ca­nos me­no­res, en­tre as Co­pas e os Ou­ros, sím­bo­los re­cep­ti-­
vos, e as Es­pa­das e os Paus, sím­bo­los ati­vos, ob­ser­va­mos uma níti­da di-­
fe­ren­ça. Os pri­mei­ros são ple­nos, os se­gun­dos qua­se va­zi­os. Is­so nos
per­mi­te vol­tar aos di­fe­ren­tes as­pec­tos da no­ção de per­fei­ção, fre­quen-­
te­men­te mal com­preen­di­dos e in­di­fe­ren­ci­a­dos.
É evi­den­te que o in­te­lec­to, sim­bo­li­za­do pe­la Es­pa­da, de­ve che­gar ao
máxi­mo do va­zio pa­ra re­a­li­zar sua per­fei­ção: a práti­ca da me­di­ta­ção,
en­tre ou­tras, for­ma o es­píri­to com es­se ob­je­ti­vo. No meio do Oi­to de
Es­pa­das só exis­te uma pe­que­na flor azul, re­cep­ti­va, cu­jo cen­tro é for-­
ma­do por um mi­nús­cu­lo cír­cu­lo ver­me­lho mar­ca­do por um pon­to que
re­pre­sen­ta o olho, tes­te­mu­nho im­pes­so­al. As qua­tro flo­res ex­te­ri­o­res,
que nas ou­tras car­tas de Es­pa­das são ama­re­las e ve­me­lhas (ati­vas na in-­
te­li­gên­cia), as­su­mem aqui uma cor azul, sím­bo­lo da re­cep­ção es­pi­ri­tu-­
al. O Oi­to de Es­pa­das re­pre­sen­ta o ide­al búdi­co da va­cui­da­de.
Es­se “to­do va­zio” não se po­de apli­car ao do­mí­nio das emo­ções. No
Oi­to de Co­pas, nós nos en­con­tra­mos di­an­te de um “to­do cheio”. No
cen­tro, o mes­mo pe­que­no cír­cu­lo ver­me­lho mar­ca­do por um pon­to re-
pre­sen­ta mais uma vez o olho, tes­te­mu­nho ati­vo. Em tor­no de­le, as
mes­mas pé­ta­las azuis-ce­les­tes in­di­cam um cen­tro re­cep­ti­vo. Mas as
qua­tro pé­ta­las azuis-es­cu­ras que al­ter­nam com elas as­su­mem aqui uma
for­ma di­nâ­mi­ca, que lem­bra aque­la da su­ásti­ca (ver tam­bém p. 101).
Opos­to à qui­e­tu­de do in­te­lec­to, o im­pes­so­al do co­ra­ção po­de­ria se
cha­mar Deus em ação. Qua­tro das oi­to co­pas pre­sen­tes nes­ta car­ta se
si­tu­am em seus qua­tro can­tos, in­di­can­do um es­ta­do em que as emo­ções
são es­tá­veis. No cen­tro, du­as co­pas la­do a la­do, ro­de­a­das de ra­mos e flo-­
res mos­tram a exal­ta­ção do ca­sal fe­mi­ni­no-mas­cu­li­no, ou ati­vo-re­cep­ti-­
vo, sem ex­cluir o ca­sal ho­mos­se­xu­al. Nos ex­tre­mos de um ei­xo ver­ti­cal,
du­as ou­tras co­pas ma­ni­fes­tam o amor pe­la ter­ra (a de bai­xo) e ou­tra o
amor pe­lo cos­mos (a de ci­ma). Es­sas co­pas ver­ti­cais são acom­pa­nha­das
de du­as flo­res ou cha­mas azuis. A de bai­xo pos­sui uma go­ta ver­me­lha
ati­va e a de ci­ma pos­sui uma go­ta pa­re­ci­da, mas atra­ves­sa­da por ris­cos
ver­ti­cais que a tor­nam re­cep­ti­va. Eis o que con­fir­ma o que vi­mos nos
pon­tos cen­trais do Ás de Ou­ros: ati­vi­da­de em re­la­ção à Ter­ra, re­cep­ti­vi-­
da­de em re­la­ção ao Céu. O Oi­to de Co­pas sim­bo­li­za o ide­al crísti­co do
co­ra­ção em cha­mas, to­do ca­ri­da­de e to­do amor.
O Oi­to de Ou­ros, à pri­mei­ra vis­ta, pa­re­ce pas­sar a mes­ma men­sa-­
gem que o Oi­to de Co­pas, mas na re­a­li­da­de há uma gran­de di­fe­ren­ça.
Aqui ain­da, nos qua­tro can­tos da car­ta, qua­tro mo­e­das for­mam um qua-­
dra­do es­tá­vel: a vi­da ma­te­ri­al es­tá as­se­gu­ra­da. Mas aqui, no cen­tro,
qua­tro ou­tras mo­e­das fi­gu­ram um ou­tro qua­dra­do, di­nâ­mi­co e es­pi­ri­tu-­
al. No meio, aqui tam­bém, en­con­tra­mos uma flor de mi­o­lo cir­cu­lar. Mas
des­ta vez o cen­tro é ama­re­lo e mar­ca­do por uma cruz. Is­so nos in­di­ca
que no cer­ne da ma­té­ria exis­te uma cons­ciên­cia da eter­ni­da­de (a li­nha
ver­ti­cal) e do in­fi­ni­to (a li­nha ho­ri­zon­tal). No qua­dra­do cen­tral, te­mos
dois pa­res de mo­e­das: um se si­tua na par­te bai­xa e ou­tro na par­te al­ta,
de­li­mi­ta­das pe­las fo­lha­gens. O es­píri­to ocul­to na ma­té­ria, ati­vo por ex-­
ce­lên­cia, age si­mul­ta­ne­a­men­te na vi­da ma­te­ri­al e na vi­da es­pi­ri­tu­al. Es-­
sa in­te­ra­ção de mun­dos ge­ra a pros­pe­ri­da­de to­tal. O Oi­to de Ou­ros re-­
pre­sen­ta a ver­da­dei­ra ri­que­za, a saú­de, a fe­li­ci­da­de no lar, a re­a­li­za­ção
har­mo­ni­o­sa das ne­ces­si­da­des. A ma­té­ria im­preg­na­da de es­píri­to, tal­vez
im­pe­re­cí­vel, exa­lan­do um odor de san­ti­da­de.
O Oi­to de Paus é uma car­ta que eli­mi­nou as flo­ra­ções la­te­rais, pre-­
sen­tes até o Se­te des­se Nai­pe e só dei­xou du­as pe­que­nas flo­res ver­ti-­
cais, cor­ta­das. Não se de­ve des­pre­zá-las, por­que ne­las a for­ça cri­a­ti­va
se con­cen­trou. Aqui, a sen­su­a­li­da­de se su­bli­ma; pas­sa­mos da dis­per­são
à con­cen­tra­ção, é o con­cei­to freu­di­a­no de su­bli­ma­ção da li­bi­do. Cri­a­ti-­
va­men­te, o Oi­to de Paus re­pre­sen­ta uma si­tu­a­ção em que do­a­mos to­da
nos­sa ener­gia, sem a me­nor dis­tra­ção, à cri­a­ção pre­sen­te. O Oi­to é a úl-­
ti­ma oca­si­ão que nos é da­da de cri­ar uma obra per­fei­ta. Em se­gui­da, vi-­
rá a mu­dan­ça ou a mor­te. Se os Ar­ca­nos de Paus são a se­xu­a­li­da­de, o
Oi­to de Paus se­rá a ener­gia se­xu­al em­pre­ga­da a ser­vi­ço da obra es­pi­ri-­
tu­al, co­mo no ca­so da Ma­dre Te­re­sa de Cal­cu­tá ou co­mo um gran­de cu-­
ran­dei­ro. No oi­ta­vo mês de gra­vi­dez, a mãe per­mi­te que se com­ple­te a
for­ma­ção do fe­to, que se pre­pa­ra pa­ra nas­cer no mês se­guin­te.
Os No­ves
Cri­se e no­va cons­tru­ção

O 9 pos­sui uma ca­rac­te­rísti­ca que o di­fe­ren­cia dos nú­me­ros ím­pa­res da


pri­mei­ra série de­ci­mal: ele é di­vi­sí­vel por três. De um la­do, ele é ati­vo
(em re­la­ção ao 8) e, por ou­tro, re­cep­ti­vo (em re­la­ção ao 10). Nú­me­ro
an­dró­gi­no, grau da cri­se, o 9 anun­cia uma mu­dan­ça que irá con­du­zir ao
fim de um ci­clo. Ele é ilus­tra­do en­tre os Ar­ca­nos mai­o­res sob as fi­gu­ras
d’O Ere­mi­ta (VI­I­II) e d’O Sol (XVI­I­II).
O Ere­mi­ta, sá­bio que che­gou ao fim do ca­mi­nho, se re­ti­ra do mun­do
e er­gue sua lâm­pa­da pa­ra mos­trar uma no­va via. Em O Sol, nós ve­mos a
no­va cons­ciên­cia (o sol) ilu­mi­nar dois per­so­na­gens e os im­pul­si­o­nar
em di­re­ção a uma no­va cons­tru­ção. Es­sas du­as car­tas são si­mi­la­res e
opos­tas ao mes­mo tem­po. Si­mi­la­res por­que mar­cam o fi­nal de uma via
e o iní­cio de uma no­va era, e opos­tas por­que O Ere­mi­ta se re­a­li­za na so-­
li­dão en­quan­to os per­so­na­gens d’O Sol cri­am uma re­la­ção de co­la­bo­ra-­
ção e de uni­ão amo­ro­sa. Nos Ar­ca­nos me­no­res, en­con­tra­mos con­tras­tes
aná­lo­gos.
De­ve­mos no­tar que, na au­to­pro­cla­ma­da “Tra­di­ção” eso­téri­ca, O
Ere­mi­ta não foi com­preen­di­do co­mo um sá­bio que, ge­ne­ro­sa­men­te,
mos­tra o ca­mi­nho. Ele foi vis­to co­mo um mes­tre se­cre­to e ava­ren­to de
sua sa­be­do­ria que es­con­de a lâm­pa­da sob seu man­to, re­ser­van­do o co-­
nhe­ci­men­to a um gru­po elei­to de dis­cí­pu­los. É im­pen­sá­vel que a ação
do No­ve se­ja atra­sar a pas­sa­gem da hu­ma­ni­da­de pa­ra uma Cons­ciên­cia
am­pli­a­da.
No No­ve de Co­pas, aqui­lo que já foi vi­vi­do é eli­mi­na­do (as três co-­
pas de bai­xo en­tre as quais pen­dem as fo­lha­gens mur­chas) e seis ou­tras
co­pas são exal­ta­das. Elas se er­guem em di­re­ção a um amor mais uni-­
ver­sal, no­vo, sim­bo­li­za­do pe­las fo­lhas pon­tu­das que ro­dei­am a co­pa
cen­tral su­pe­ri­or. Quan­do ob­ser­va­mos es­ta car­ta, re­ce­be­mos a men­sa-­
gem de sa­cri­fi­car os sen­ti­men­tos que nos agri­lho­am e que nos nu­tri-­
ram, de nos des­pren­der­mos de­les e de par­tir em di­re­ção a di­men­sões
emo­ci­o­nais mais am­plas. Nes­ta car­ta, o 9 é apre­sen­ta­do co­mo um [6 +
3].
No No­ve de Ou­ros, por sua vez, des­co­bri­mos um [8 + 1]. O con­cei­to
de eli­mi­na­ção não es­tá pre­sen­te, as­sis­ti­mos, ao con­trá­rio, a um par­to, à
cri­a­ção de uma no­va di­men­são. Po­de­mos ver mui­to bem na mo­e­da cen-­
tral a ca­be­ça de um be­bê sain­do pa­ra nas­cer, ro­de­a­da de fo­lhas que for-­
mam um oval azul (re­cep­ti­vo) cer­ca­do de ver­me­lho (re­cep­ção da vi­da),
no qual po­de­rí­a­mos dis­cer­nir um se­xo fe­mi­ni­no. Es­se nas­ci­men­to não é
so­li­tá­rio, ele emer­ge em meio à per­fei­ção das ou­tras oi­to mo­e­das.
Quan­do ob­ser­va­mos es­ta car­ta, re­ce­be­mos co­mo men­sa­gem a imi­nen­te
che­ga­da de no­vas con­di­ções ma­te­ri­ais. Uma cri­an­ça, um no­vo tra­ba­lho,
uma he­ran­ça, um gol­pe de sor­te, uma re­cu­pe­ra­ção da saú­de... Mas, pa­ra
ob­ter es­se no­vo ele­men­to, é pre­ci­so so­bre­tu­do não se dis­trair. As pre-­
cau­ções são im­pres­cin­dí­veis. O me­nor er­ro des­trói o nas­ci­men­to.
Nos dois sím­bo­los ati­vos, Es­pa­das (in­te­lec­to) e Paus (ins­tin­to e cri­a-­
ti­vi­da­de), en­con­tra­mos du­as ati­tu­des di­fe­ren­tes.
As Es­pa­das, que sim­bo­li­zam o Ver­bo, per­cor­re­ram to­do um ca­mi-­
nho de con­cen­tra­ção pa­ra che­ga­rem ao Oi­to que, lem­bre­mos, re­pre­sen-
ta­va a vi­da me­di­ta­ti­va. Na eta­pa se­guin­te, no No­ve de Es­pa­das, a es­pa-­
da bri­lha com lu­mi­no­si­da­de e co­me­ça sua ex­pan­são. Ela es­tá pres­tes a
sair do en­cer­ra­men­to sub­je­ti­vo pa­ra avan­çar no mun­do e se unir a ele.
Po­de­mos ob­ser­var que no meio da lâ­mi­na, uma li­nha que­bra­da ho­ri-­
zon­tal in­di­ca uma fa­lha. A es­pa­da es­tá cor­ta­da em dois, co­mo a in­di­car
que o in­te­lec­to não é ape­nas um “eu”, mas um “eu e vo­cê”. A men­sa­gem
do No­ve de Es­pa­das, pa­ra o con­su­len­te, se­rá: “Apren­da a es­cu­tar os ou-­
tros. Su­as idei­as são uma par­te do mun­do, mas não a to­ta­li­da­de do
mun­do”.
Os Paus, ao con­trá­rio, se­gui­ram um ca­mi­nho cri­a­ti­vo ex­pan­si­vo.
Aqui, eles se con­cen­tram e eli­mi­nam to­do e qual­quer or­na­men­to: nem
fo­lha­gem, nem flor, unin­do seu ei­xo ao en­tre­la­ça­men­to ver­me­lho e azul
do cen­tro. O No­ve de Paus es­tá sem­pre en­tre a vi­da e a mor­te. Sua ati-­
tu­de po­de­ria se re­su­mir nes­te le­ma: “Ven­cer ou mor­rer”. Pen­sa­mos em
um guer­rei­ro que re­a­li­za ações im­pe­cá­veis, sem ne­nhu­ma con­ces­são.
Ele se li­ber­tou dos de­se­jos do mun­do e acu­mu­la em si mes­mo a ener­gia
pa­ra cons­truir uma no­va obra. Se es­cu­tar­mos es­ta car­ta, ela nos di­rá:
“Não fa­ça con­ces­sões, se­ja vo­cê mes­mo. Aja co­mo se de­ve. Se­ja res­pon-­
sá­vel.”
Os Dez
Fim de um ci­clo e anún­cio do se­guin­te

A Ro­da da For­tu­na e O Jul­ga­men­to são as du­as car­tas que fe­cham su­as


séri­es de­ci­mais res­pec­ti­vas. Do grau 10, am­bas si­na­li­zam o fim de um
ci­clo. Em A Ro­da da For­tu­na (X), cons­ta­ta­mos uma pa­ra­da: os três ani-­
mais es­tão re­ti­dos, eles es­pe­ram que a Pro­vi­dên­cia ve­nha gi­rar a ma­ni-­
ve­la que os co­lo­ca­rá no­va­men­te em mo­vi­men­to. Eles se agar­ram à ro­da
e a se­gu­ram, pois o chão em­bai­xo de­les é mo­ve­di­ço: tu­do po­de­ria de­sa-­
bar. Des­cer, su­bir, equi­li­brar-se, re­sis­tir até a che­ga­da do sal­va­dor, que
po­de­ria ser sim­ples­men­te uma no­va in­for­ma­ção. A Ro­da da For­tu­na
mar­ca um cha­ma­do às pro­fun­de­zas da ter­ra azul mar­ca­da por es­tri­as
cur­vas (que é tal­vez um oce­a­no) on­de a ro­da se en­con­tra. Em O Jul­ga-­
men­to (XX), a si­tu­a­ção é di­fe­ren­te: o ci­clo ter­mi­nou, mas re­ce­be­mos
aju­da. O céu se abre, o cha­ma­do ir­re­sis­tí­vel res­soa, o no­vo ser se le­van-­
ta das pro­fun­de­zas da ter­ra em di­re­ção à di­men­são ce­les­te. Nes­se fim, o
no­vo co­me­ço já es­tá pre­sen­te.
O Ar­ca­no X é, por­tan­to, uma car­ta de in­ter­rup­ção da ati­vi­da­de, en-­
quan­to o Ar­ca­no XX é uma car­ta de mu­ta­ção. Na pri­mei­ra, es­pe­ra­mos
aju­da, na se­gun­da es­pe­ra­mos a re­a­li­za­ção. Es­sas du­as ca­rac­te­rísti­cas
vol­tam a apa­re­cer nos Ar­ca­nos me­no­res.
No Dez de Co­pas, ve­mos no­ve co­pas aber­tas mas chei­as, e uma
déci­ma que, ha­ven­do re­ce­bi­do tu­do, es­tá se­la­da. As no­ve co­pas aber­tas
pos­su­em cin­co sub­di­vi­sões ou go­mos, que cor­res­pon­dem aos cin­co
sen­ti­dos, en­quan­to a déci­ma pos­sui se­te go­mos, que cor­res­pon­dem aos
se­te cen­tros ner­vo­sos ou chak­ras. A exi­gên­cia emo­ci­o­nal – com sua
som­bra, o ran­cor – se in­ter­rom­peu. O co­ra­ção ple­no se tor­na po­tên­cia
de ação. Nós nos apro­xi­ma­mos do ide­al de san­ti­da­de: "Na­da pa­ra mim
que não se­ja pa­ra os ou­tros". Em ter­mos cris­tãos, po­de­rí­a­mos di­zer que
o cáli­ce es­tá cheio de san­gue di­vi­no: a co­mu­nhão se re­a­li­za. En­con­tra-­
mos aqui um pa­ra­le­lo com A Ro­da da For­tu­na, pois nes­te es­ta­do de do-­
a­ção po­ten­ci­al, o co­ra­ção es­pe­ra ser em­pre­ga­do em ou­tra obra.
No Dez de Ou­ros, des­co­bri­mos tam­bém uma to­ta­li­da­de que se fe-­
cha so­bre si mes­ma na es­pe­ra do ou­tro: nos qua­tro can­tos da car­ta, qua-­
tro mo­e­das for­mam o qua­dra­do ma­te­ri­al que es­ta­bi­li­za o mun­do. Po­de-­
mos com­pa­rá-lo aos qua­tro ani­mais d’O Mun­do. Se acei­tar­mos, en­tão,
que as seis mo­e­das res­tan­tes de­se­nham uma for­ma que lem­bra um oval,
po­de­re­mos aí ver um eco da guir­lan­da ou man­dor­la azul que en­vol­ve a
per­so­na­gem do Ar­ca­no XXI. A flor azul-ce­les­te e ver­me­lha do cen­tro
po­de­ria en­tão ser com­pa­ra­da à mu­lher nua que traz nas mãos um bas-­
tão ati­vo e um fras­co re­cep­ti­vo. No cen­tro la­ran­ja des­sa flor, des­co­bri-­
mos um sig­no em for­ma de vír­gu­la que po­de­rí­a­mos iden­ti­fi­car com o
Ver­bo cri­a­dor, pri­mei­ro em­bri­ão de to­da re­a­li­da­de. O ei­xo des­sa cruz
flo­ral con­ti­nua em du­as mo­e­das la­ran­jas uni­das por um ei­xo bran­co. É
a pri­mei­ra vez que ve­mos mo­e­das atra­ves­sa­das, for­man­do um ei­xo.
Po­de­mos con­si­de­rar que elas es­tão as­sim imo­bi­li­za­das, o ei­xo bran-­
co lem­bran­do os rai­os bran­cos d’A Ro­da da For­tu­na. O que tal­vez se­ja
evo­ca­do aqui é o fim da pros­pe­ri­da­de: atin­gi­mos o li­mi­te da­qui­lo que
po­dí­a­mos re­ce­ber na vi­da ma­te­ri­al. Con­tan­do as pé­ta­las do se­gun­do
cír­cu­lo de ca­da mo­e­da, ob­te­mos 11 + 11 = 22, nú­me­ro que no Ta­rot sim-­
bo­li­za a re­a­li­za­ção da To­ta­li­da­de.
Es­ta­mos à es­pe­ra de um mi­la­gre. É o mo­men­to, nos Evan­ge­lhos, em
que o Cris­to (o mi­la­gre) impõe as mãos so­bre Pe­dro (o Dez de Ou­ros) e
lhe diz: "Tu és Pe­dro e so­bre es­ta pe­dra cons­trui­rei mi­nha igre­ja". Uma
vez ob­ti­da a pros­pe­ri­da­de, to­da uma obra es­pi­ri­tu­al se re­a­li­za­rá a par­tir
das ri­que­zas de que dis­pu­ser­mos (os 22 Ar­ca­nos mai­o­res). Se as ri­que-­
zas não fo­rem em­pre­ga­das pa­ra exal­tar a vi­da, elas con­du­zi­rão à des-­
trui­ção do con­su­len­te.
No Dez de Es­pa­das, as­sis­ti­mos a es­se mi­la­gre tão aguar­da­do: até
aqui, to­das as es­pa­das es­ta­vam en­cer­ra­das den­tro do oval. O tra­ba­lho
da re­a­li­za­ção men­tal se con­cre­ti­za em uma es­pécie de au­tis­mo po­si­ti­vo
que cha­ma­re­mos de so­li­dão, de me­di­ta­ção, a noi­te es­cu­ra da al­ma ou,
em re­fe­rên­cia ao Ar­ca­no XX, de O Jul­ga­men­to, de tú­mu­lo. Aqui, com as
du­as es­pa­das que en­tram no oval vin­das do ex­te­ri­or, ou­vi­mos en­fim a
voz do Ou­tro. Ela vem da es­quer­da e da di­rei­ta, is­to é, do fe­mi­ni­no e do
mas­cu­li­no ao mes­mo tem­po. Es­sas du­as po­la­ri­da­des se unem no in­te­ri-­
or: o men­tal che­gou à uni­da­de. As es­pa­das pos­su­em qua­tro flo­res no
ex­te­ri­or do oval. Mas aqui só res­tam as du­as de ci­ma, e se o qui­ser­mos,
as du­as de bai­xo se tor­na­ram a ma­triz das es­pa­das. Da Ter­ra (a zo­na de
bai­xo) nas­ce a ati­vi­da­de. As flo­res de ci­ma in­di­cam que con­ti­nu­a­mos
re­cep­ti­vos pa­ra o Céu.
Se o Dez de Es­pa­das re­pre­sen­ta so­bre­tu­do a par­te su­pe­ri­or da car­ta
d’O Jul­ga­men­to (o an­jo), o Dez de Paus re­pre­sen­ta­rá a par­te in­fe­ri­or
des­se Ar­ca­no: os três per­so­na­gens. Ve­mos de fa­to que o ei­xo cen­tral se
di­vi­diu em dois, um ver­me­lho e um azul (re­cep­ção e ação). Mas o olhar
agu­ça­do des­co­bri­rá, en­tre os dois, um ter­cei­ro pau bran­co re­pre­sen­tan-­
do a cri­an­ça que sai da tum­ba em es­ta­do de pu­re­za to­tal. O pau à nos­sa
di­rei­ta se­rá, en­tão, o pai, o da es­quer­da a mãe e o ter­cei­ro a cri­an­ça. Ob-­
ser­van­do a to­ta­li­da­de da car­ta, po­der­mos di­zer que ela é uma en­ti­da­de
an­ge­li­cal su­bli­n­ha­da pe­la luz de se­te paus bran­cos es­con­di­dos en­tre os
paus ver­me­lhos. As flo­res bran­cas se abrem em ra­mos pa­ra ci­ma e pa­ra
bai­xo co­mo asas. Is­so nos re­ve­la que os três per­so­na­gens d’O Jul­ga-­
men­to es­tão em co­mu­nhão com um an­jo que é re­fle­xo de­les no es­pe­lho
do céu.
Os graus por Nai­pe
Es­pa­das

Ás de Es­pa­das. É um gran­de po­ten­ci­al in­te­lec­tu­al, uma gran­de ca­pa­ci-­


da­de de ati­vi­da­de men­tal. Ele se as­se­me­lha ao Dez de Paus que vai ao
seu en­con­tro: após o fim de um ci­clo cri­a­ti­vo e ins­tin­ti­vo, o in­te­lec­to
en­tra em ação. O Ás de Es­pa­das po­de sig­ni­fi­car uma vi­tó­ria pe­la as­tú-­
cia, a in­te­li­gên­cia, a de­ter­mi­na­ção, o dis­cer­ni­men­to. Ele in­di­ca tam­bém
a ca­pa­ci­da­de de to­mar po­si­ção, de de­ci­dir. Quan­do se tor­na ne­ga­ti­vo,
ele evo­ca a agres­são ver­bal, as pa­la­vras que ma­chu­cam, a re­cu­sa da ma-­
té­ria, a su­pe­res­ti­ma­ção do men­tal.
Dois de Es­pa­das. O cres­ci­men­to acu­mu­la­do da flor cen­tral evo­ca a
ima­gi­na­ção, os de­va­nei­os, a pre­pa­ra­ção de um pro­je­to. Mui­tas pos­si­bi-­
li­da­des men­tais, das quais ne­nhu­ma foi ain­da uti­li­za­da: o in­te­lec­to per-­
ma­ne­ce pas­si­vo, à es­pe­ra de uma ação. A pes­soa tem a ten­dên­cia de
pas­sar de um as­sun­to pa­ra o ou­tro. As co­no­ta­ções ne­ga­ti­vas evo­cam um
es­píri­to pre­gui­ço­so, o pes­si­mis­mo in­te­lec­tu­al, uma du­a­li­da­de pa­ra­li-­
san­te em seus pen­sa­men­tos, a fal­ta de con­cen­tra­ção. Po­de­mos tam­bém
aí as­so­ci­ar a es­tu­pi­dez, a iden­ti­fi­ca­ção com cer­tas idei­as pre­con­ce­bi­das,
a ne­ces­si­da­de de um com­ple­men­to dos es­tu­dos, ou ain­da a dis­si­mu­la-­
ção.
Três de Es­pa­das. Es­te Ar­ca­no re­me­te à ex­plo­são fa­náti­ca das pri-­
mei­ras idei­as, das pri­mei­ras opi­ni­ões. É um si­nal de en­tu­si­as­mo in­te-­
lec­tu­al, que po­de se con­ju­gar com a pai­xão dos es­tu­dos, da lei­tu­ra. O
in­te­lec­to, ain­da ima­tu­ro, age por pu­ra es­pon­ta­nei­da­de, ele não di­fe­ren-­
cia en­tre crer e sa­ber. Po­de­mos tam­bém ver aí um de­se­jo de evo­lu­ção
in­te­lec­tu­al, por exem­plo, o su­ces­so em um exa­me por par­te de um es­tu-­
dan­te. As co­no­ta­ções ne­ga­ti­vas nos re­me­tem a to­dos os as­pec­tos do fa-­
na­tis­mo, da obs­ti­na­ção, da re­cu­sa em apro­fun­dar, da dis­per­são. O Três
po­de tam­bém si­na­li­zar uma fal­ta de con­ti­nui­da­de das idei­as.
Qua­tro de Es­pa­das. Aqui, as idei­as se es­ta­bi­li­zam. Es­ta car­ta evo­ca
o ra­ci­o­na­lis­mo, to­dos os as­pec­tos de um pen­sa­men­to bem as­sen­ta­do e
uma cer­ta ma­tu­ri­da­de in­te­lec­tu­al. É tam­bém o es­píri­to práti­co ca­paz
de agir util­men­te so­bre a re­a­li­da­de. O in­te­lec­to é or­ga­ni­za­do, es­tá­vel,
ele sa­be fun­ci­o­nar por ge­ne­ra­li­za­ções. Pos­sui uma ten­dên­cia con­ser­va-­
do­ra em su­as opi­ni­ões. Po­de lhe fal­tar uma cen­te­lha, um pou­co de pi-­
men­ta. Os as­pec­tos ne­ga­ti­vos des­ta car­ta re­me­tem a tu­do o que con­cer-­
ne ao ra­ci­o­na­lis­mo ob­tu­so, às idei­as fi­xas, o men­tal pri­si­o­nei­ro de seus
con­cei­tos, mas tam­bém às te­o­ri­as não vi­vi­das de um “fa­la­dor re­tóri­co”,
e à re­cu­sa da in­tui­ção. No pi­or dos ca­sos, o in­te­lec­to se tor­na ti­râ­ni­co.
Cin­co de Es­pa­das. É um no­vo pon­to de vis­ta que apa­re­ce, um no­vo
ide­al. No sen­ti­do es­tri­to, ele é re­pre­sen­ta­do pe­lo “pon­to de vis­ta” que
nos dei­xa ver os dois ovais en­tre­cru­za­dos so­bre a lâ­mi­na ver­me­lha da
es­pa­da. Os pen­sa­men­tos mais es­pi­ri­tu­ais, mais pro­fun­dos, apa­re­cem.
Re­to­ma­mos um es­tu­do, nos aper­fei­ço­a­mos ou nos es­pe­ci­a­li­za­mos. Sem
aban­do­nar su­as con­vic­ções, o in­te­lec­to se vol­ta em di­re­ção a no­vas ma-­
nei­ras de ver o mun­do ou à ex­plo­ra­ção do mun­do in­te­ri­or. Es­sas no­vas
in­for­ma­ções po­dem en­tão pe­ne­trar no co­ti­di­a­no pa­ra mo­di­fi­cá-lo. Os
as­pec­tos ne­ga­ti­vos des­ta car­ta re­me­tem a uma dis­cor­dân­cia en­tre o
ma­te­ri­al e o es­pi­ri­tu­al, ao dog­ma­tis­mo re­li­gi­o­so quan­do es­te se opõe à
evo­lu­ção in­te­ri­or, às opi­ni­ões po­líti­cas cíni­cas ou hi­pócri­tas, à tra­pa­ça.
Seis de Es­pa­das. Es­te pri­mei­ro pas­so na pu­ra ale­gria (o 6) se vi­ve
tam­bém no in­te­lec­to: o pra­zer de pen­sar, a be­le­za das idei­as, o es­píri­to
lúdi­co são aqui in­dí­cios de de­sen­vol­vi­men­to e re­fi­na­men­to men­tal.
Ama­mos aqui­lo que pen­sa­mos e aqui­lo que dis­se­mos. O es­píri­to es­tá na
po­si­ti­vi­da­de, ele co­nhe­ce o re­fi­na­men­to. Ele se des­co­bre a si mes­mo na
so­li­dão, as­su­min­do sua in­di­vi­du­a­li­da­de. A po­e­sia tem sua fon­te no Seis
de Es­pa­das; ele per­mi­te tam­bém en­con­trar uma pes­soa com quem pos-­
sa­mos es­ta­be­le­cer um di­á­lo­go en­ri­que­ce­dor. Vis­to de fo­ra, se­rá al­guém
re­fle­xi­vo, de pen­sa­men­tos ori­gi­nais. As co­no­ta­ções ne­ga­ti­vas des­ta car-­
ta nos re­me­tem ao nar­ci­sis­mo in­te­lec­tu­al, ao es­te­ti­cis­mo exa­ge­ra­do, a
um sen­ti­do do be­lo que não é pos­to em práti­ca, as­sim co­mo a uma fal­ta
de con­fi­an­ça em si mes­mo.
Se­te de Es­pa­das. O in­te­lec­to, to­can­do aqui sua mai­or ati­vi­da­de, e
se apro­xi­man­do de sua per­fei­ção, tor­na-se ex­tre­ma­men­te re­cep­ti­vo,
co­mo tes­te­mu­nha a lâ­mi­na azul da es­pa­da. É uma me­di­ta­ção ati­va, vol-­
ta­da pa­ra as ne­ces­si­da­des do mun­do. O men­tal pa­ci­fi­ca­do po­de co­lo­car
sua po­tên­cia e sua es­pi­ri­tu­a­li­da­de a ser­vi­ço do ou­tro. Tor­na­mo-nos ca-­
pa­zes de abs­trair a nós mes­mos, de nos apa­gar pa­ra me­lhor nos do­ar. É
tal­vez um sá­bio que põe sua ciên­cia a ser­vi­ço da hu­ma­ni­da­de, ou ain­da
um che­fe es­cla­re­ci­do, um san­to no po­der. Quan­do es­ta car­ta se tor­na
ne­ga­ti­va, ela evo­ca o co­nhe­ci­men­to uti­li­za­do em um ob­je­ti­vo cíni­co, a
ma­le­di­cên­cia, a ca­lú­nia, as idei­as agres­si­vas des­tru­in­do o mun­do, as te-­
o­ri­as tóxi­cas.
Oi­to de Es­pa­das. O in­te­lec­to che­ga a sua per­fei­ção: a va­cui­da­de.
Es­ta car­ta in­di­ca que o es­píri­to dei­xou de se iden­ti­fi­car com seus con-­
cei­tos. É uma con­cen­tra­ção po­de­ro­sa, um es­ta­do de tran­se ou de me­di-­
ta­ção pro­fun­da em que a du­a­li­da­de dos con­trá­rios se dis­sol­ve na ce­le-­
bra­ção da pre­sen­ça. A so­lu­ção dos pro­ble­mas se tor­na evi­den­te, pa­ra
além da ra­zão: nes­te não pen­sa­men­to, to­das as re­ve­la­ções são pos­sí­veis.
Se qui­ser­mos ler es­ta car­ta ne­ga­ti­va­men­te, po­de­re­mos ver aí o blo­queio
in­te­lec­tu­al, to­das as do­en­ças que afe­tam a cog­ni­ção, do co­ma à am­né­sia
ou à afa­sia, o me­do do va­zio, o es­tu­por.
No­ve de Es­pa­das. A es­pa­da ama­re­la evo­ca a ilu­mi­na­ção, a apa­ri­ção
de uma no­va com­preen­são, a mu­ta­ção que per­mi­te rom­per os hábi­tos
men­tais, ou ain­da o dei­xar-se le­var in­te­lec­tu­al. De­pois de uma lon­ga
pes­qui­sa, a luz se faz. É o fim da du­a­li­da­de en­tre ator e es­pec­ta­dor. Es­ta
uni­da­de ques­ti­o­na com­ple­ta­men­te as con­cep­ções pas­sa­das. É tam­bém
o iní­cio da es­cu­ta, a aber­tu­ra a um pen­sa­men­to isen­to de críti­ca e de
com­pa­ra­ção. As co­no­ta­ções ne­ga­ti­vas nos re­me­tem a um es­ta­do de cri-­
se, de in­cer­te­za men­tal, ao me­do de per­der nos­sa in­di­vi­du­a­li­da­de, in-­
clu­si­ve à de­pres­são. Po­de­mos tam­bém ler aí, a par­tir da lâ­mi­na fa­lha­da,
uma le­são ce­re­bral ou a se­ni­li­da­de.
Dez de Es­pa­das. A mu­ta­ção che­ga a seu térmi­no: não mais uma,
mas du­as es­pa­das. Elas sa­em do oval, o pen­sa­men­to não é mais pri­si­o-­
nei­ro de si mes­mo. É a apa­ri­ção da afe­ti­vi­da­de na vi­da men­tal, a acei­ta-­
ção de um pon­to de vis­ta di­fe­ren­te do nos­so. As du­as es­pa­das evo­cam o
pen­sa­men­to an­dró­gi­no, ao mes­mo tem­po mas­cu­li­no e fe­mi­ni­no. É a
mai­or ma­tu­ri­da­de in­te­lec­tu­al, que atin­ge a har­mo­nia com o co­ra­ção.
Ad­qui­ri­mos uma vi­são to­tal da re­a­li­da­de, um pen­sa­men­to in­tei­ra­men­te
aman­te. As co­no­ta­ções ne­ga­ti­vas po­de­ri­am ser a re­cu­sa do ou­tro, um
blo­queio emo­ci­o­nal pro­du­zin­do um con­fli­to in­te­lec­tu­al, o me­do de ser
fe­ri­do, a dis­pu­ta, a in­gra­ti­dão.
Co­pas

Ás de Co­pas. Sím­bo­lo do amor em po­tên­cia, ca­te­dral ain­da fe­cha­da


mas ple­na, ele po­de­rá sim­bo­li­zar to­dos os sen­ti­men­tos, to­dos as pos­si-­
bi­li­da­des do co­ra­ção, des­de o im­pul­so amo­ro­so até o mis­ti­cis­mo; uma
gran­de dis­po­si­ção pa­ra amar e pa­ra ser ama­do(a); uma ca­pa­ci­da­de de
amor ain­da não em­pre­ga­da, mas imen­sa. Com o Ás de Co­pas, o amor
apa­re­ce co­mo um cáli­ce, uma ques­tão no ho­ri­zon­te que im­preg­na­rá a
bus­ca do con­su­len­te. É tam­bém a ba­se da co­mu­ni­ca­ção, da re­li­gi­ão no
sen­ti­do de se re­li­gar ao ou­tro, à trans­cen­dên­cia, a si mes­mo, ao di­vi­no...
Seus as­pec­tos ne­ga­ti­vos se­rão o so­fri­men­to, o ci­ú­me, o ran­cor, a fal­ta de
afe­to, a exi­gên­cia ja­mais sa­tis­fei­ta, a afe­ti­vi­da­de su­fo­can­te.
Dois de Co­pas. As­sis­ti­mos aqui a uma acu­mu­la­ção de de­va­nei­os
amo­ro­sos. A se­de de amar nas­ce em um ser que não tem ne­nhu­ma ex-­
pe­riên­cia do amor ou de­pois de uma lon­ga so­li­dão. No Dois de Co­pas
es­ta­mos fe­cha­dos, o ou­tro ain­da não apa­re­ceu e o ima­gi­na­mos obri­ga-­
to­ri­a­men­te se­me­lhan­te àqui­lo que co­nhe­ce­mos de nós mes­mos. Pa­ra
es­se par­cei­ro idíli­co que ain­da não to­mou for­ma em um co­ra­ção vir-­
gem, a úni­ca re­fe­rên­cia é fa­mi­li­ar. Nes­sa eta­pa nas­ce to­do o mi­to da al-­
ma gê­mea. É o amor edi­pi­a­no que ser­ve de ba­se às pro­je­ções fu­tu­ras.
Nes­sa pre­pa­ra­ção pa­ra o amor, exis­te mui­ta re­ser­va e tam­bém um gran-­
de sen­ti­men­ta­lis­mo. Os as­pec­tos ne­ga­ti­vos re­me­tem à ima­tu­ri­da­de
emo­ci­o­nal, ao iso­la­men­to, à in­ca­pa­ci­da­de de es­ta­be­le­cer re­la­ções, a
uma afe­ti­vi­da­de pri­si­o­nei­ra dos vín­cu­los fa­mi­li­a­res, ao me­do do com-­
pro­mis­so, à pas­si­vi­da­de e à de­su­ni­ão de um ca­sal, a um co­ra­ção as­som-­
bra­do pe­los fan­tas­mas amo­ro­sos in­fan­tis.
Três de Co­pas. A eclo­são do pri­mei­ro amor, com seu fres­cor, sua
inex­pe­riên­cia, e tam­bém a ide­a­li­za­ção que o ca­rac­te­ri­za se ex­pri­mem
nes­ta car­ta. É uma uni­ão fer­ven­te, um amor de ju­ven­tu­de con­su­ma­do
ou não, a apa­ri­ção do ou­tro em uma gran­de ex­plo­são ro­mân­ti­ca, que se
de­cep­ci­o­na­da po­de ma­chu­car ter­ri­vel­men­te. É tam­bém a ado­ra­ção, por
exem­plo, de uma mãe por seu fi­lho. As du­as flo­res que sus­ten­tam a co-­
pa su­pe­ri­or, de­se­nhan­do um co­ra­ção com seus ta­los, pa­re­cem pa­pou­las,
su­ge­rin­do a em­bri­a­guez des­se sen­ti­men­to. É tam­bém, em to­das as ida-­
des, a re­des­co­ber­ta ar­den­te do amor. Seus as­pec­tos ne­ga­ti­vos re­me­tem
tan­to a uma fal­ta de en­tu­si­as­mo amo­ro­so, quan­to ao con­trá­rio, à ide­a­li-­
za­ção ex­ces­si­va e des­tru­ti­va do amor, ao de­lí­rio ero­to­ma­ní­a­co, à fi­xa-­
ção em um amor im­pos­sí­vel.
Qua­tro de Co­pas. Aqui o amor es­tá es­ta­be­le­ci­do, se­gu­ro e sóli­do. A
ba­se de uma fa­mí­lia po­de se cons­truir so­bre o Qua­tro de Co­pas: ele
evo­ca a con­fi­an­ça em si mes­mo e no ou­tro, o amor vis­to co­mo pi­lar da
re­a­li­da­de. Mas ele tam­bém po­de se tor­nar a bus­ca de um ser que pro-­
por­ci­o­ne es­sa se­gu­ran­ça, "um pai pa­ra os meus fi­lhos", "uma boa mãe",
"al­guém com di­nhei­ro", o que po­de con­du­zir a vín­cu­los de do­mi­na­dor e
do­mi­na­do. O ris­co é de­po­si­tar su­as es­pe­ran­ças de re­a­li­za­ção no ou­tro.
Os as­pec­tos ne­ga­ti­vos nos re­me­tem à in­se­gu­ran­ça, à fal­ta de li­ber­da­de,
ao su­fo­ca­men­to, as­sim co­mo à li­mi­ta­ção dos sen­ti­men­tos, a um amor
ex­ces­si­va­men­te ma­te­ri­a­lis­ta.
Cin­co de Co­pas. Aqui, a co­pa cen­tral, or­na­da de flo­res exu­be­ran-­
tes, mar­ca a emer­gên­cia de no­vos sen­ti­men­tos que po­dem che­gar ao fa-­
na­tis­mo: é a des­co­ber­ta da fé, uma eu­fo­ria que nos le­va a um ser su­pe­ri-­
or ou con­si­de­ra­do co­mo tal. É tam­bém a pri­mei­ra aber­tu­ra do co­ra­ção
em di­re­ção a uma so­lu­ção que se­ja boa pa­ra a hu­ma­ni­da­de. Os as­pec­tos
ne­ga­ti­vos po­dem ser a con­fi­an­ça ce­ga em um guia qual­quer, um de­se-­
qui­lí­brio afe­ti­vo, mas tam­bém a fal­ta de fé, a de­cep­ção, a amar­gu­ra.
Seis de Co­pas. Du­as co­lu­nas de três co­pas se pos­tam fren­te a fren­te
em tor­no de um ei­xo: é a re­a­li­za­ção do amor por si mes­mo, no sen­ti­do
mais no­bre do ter­mo, na ple­ni­tu­de, a acei­ta­ção e o con­ta­to in­te­ri­or com
o amor di­vi­no. É tal­vez tam­bém o en­con­tro do ou­tro, a apa­ri­ção re­al da
al­ma gê­mea so­nha­da no Dois de Co­pas, um ser que nos cor­res­pon­de
exa­ta­men­te e com o qual, na ale­gria da re­la­ção es­pe­lha­da, des­co­bri­mos
sen­ti­men­tos co­mo a es­ti­ma, a fi­de­li­da­de, o pra­zer e a sen­su­a­li­da­de. É
um amor ge­ral que in­clui o in­te­lec­to, o co­ra­ção e o ins­tin­to. Os as­pec­tos
ne­ga­ti­vos des­ta car­ta nos re­me­tem a um ca­sal mui­to ego­ís­ta, se­pa­ra­do
do mun­do. Ela evo­ca to­dos os as­pec­tos do amor nar­císi­co em ge­ral, o
re­trai­men­to em si mes­mo, o des­pre­zo pe­los ou­tros, a in­dul­gê­cia ex­ces-­
si­va con­si­go mes­mo.
Se­te de Co­pas. Aqui o amor en­tra em ação to­tal no mun­do. Ele se
im­preg­na de hu­ma­nis­mo, de ge­ne­ro­si­da­de. É a des­co­ber­ta do po­der da
bon­da­de, da for­ça do amor cons­ci­en­te que con­sis­te em ale­grar-se pe­la
exis­tên­cia do Ou­tro. Po­de­mos do­ar sem fa­zer con­tas, dar iní­cio a uma
re­de de ca­ri­da­de, em­preen­der uma ação hu­ma­ni­tá­ria. Li­ga­dos ao amor
uni­ver­sal, sem ne­gli­gen­ci­ar a vi­da co­ti­di­a­na, ado­ta­mos o le­ma: “Na­da
pa­ra mim que não se­ja pa­ra os ou­tros”. Os as­pec­tos ne­ga­ti­vos po­dem
nos re­me­ter à im­pos­si­bi­li­da­de de ser fe­liz por cau­sa das des­gra­ças do
mun­do, à agres­si­vi­da­de, à ten­dên­cia com­pul­si­va de aju­dar quem não
nos pe­diu aju­da. Po­de ser tam­bém uma pes­soa que só vê o pró­prio in­te-­
res­se ou um mi­san­tro­po amar­gu­ra­do.
Oi­to de Co­pas. Nes­te grau, as Co­pas atin­gem sua per­fei­ção, que se
ma­ni­fes­ta pe­la ple­ni­tu­de. O co­ra­ção es­tá in­tei­ra­men­te ple­no, em to­dos
os ní­veis. Ama­mos o pre­sen­te, o pas­sa­do e o fu­tu­ro, o pla­ne­ta, o próxi-­
mo, a si mes­mo, o uni­ver­so, até o im­pen­sá­vel. A ques­tão so­bre ser ou
não ser ama­do não se co­lo­ca mais: so­mos só amor. É a har­mo­nia, a paz
do co­ra­ção, o equi­lí­brio e tam­bém aqui­lo que cos­tu­ma­mos cha­mar de
gra­ça: uma uni­ão pro­fun­da com o amor di­vi­no. Os as­pec­tos ne­ga­ti­vos
des­ta car­ta re­me­tem à não acei­ta­ção da per­fei­ção do amor. Ve­re­mos aí,
en­tão, a fal­ta, a ca­rên­cia, a in­sa­tis­fa­ção per­pé­tua, um amor su­pe­ra­bun-­
dan­te que fin­ge do­ar e que na re­a­li­da­de só exi­ge.
No­ve de Co­pas. Pe­la pri­mei­ra vez na série, as fo­lhas ca­em, co­mo se
mur­chas­sem. É o fim da flo­ra­ção, o ou­to­no do co­ra­ção: de­ve­mos pas­sar
pe­la per­da, pe­lo lu­to, pa­ra que uma no­va di­men­são do amor pos­sa apa-­
re­cer. É uma eta­pa de sa­be­do­ria, em que acei­ta­mos o fim de um ci­clo
emo­ci­o­nal e nos des­pren­de­mos da­qui­lo que já foi vi­vi­do. Es­se sa­cri­fí­cio
supõe um amor pro­fun­do pe­la hu­ma­ni­da­de pre­sen­te em ca­da ser, um
de­sa­pe­go, uma ab­ne­ga­ção, pro­du­to do amor cons­ci­en­te. Os as­pec­tos
ne­ga­ti­vos nos re­me­tem a to­dos os es­ta­dos de cri­se emo­ci­o­nal, a nos­tal-­
gia, a so­li­dão mal vi­vi­da, o me­do da per­da, o de­ses­pe­ro.
Dez de Co­pas. Ao fi­nal de seu de­sen­vol­vi­men­to, o ca­mi­nho do co-­
ra­ção nos apre­sen­ta o amor uni­ver­sal sob a for­ma de no­ve co­pas aber-­
tas e uma déci­ma co­pa mai­or por ci­ma: es­sa úl­ti­ma não par­ti­ci­pa mais
da di­nâ­mi­ca de dar e re­ce­ber, ela es­pe­ra ser pos­ta em uso, co­mo um
san­to po­de­ria se di­zer ins­tru­men­to de Deus e es­pe­rar ser em­pre­ga­do
por Ele. No mi­to cris­tão, é o amor di­vi­no que se faz car­ne pa­ra pro­pa-­
gar o amor no mun­do e ser­vir, qual­quer que se­ja o prê­mio. Es­ta car­ta
in­di­ca um co­ra­ção preen­chi­do, uma ação con­cre­ta (tor­nar-se o Ás de
Ou­ros), e que a re­a­li­za­ção emo­ci­o­nal já ocor­reu. Se es­ta car­ta é ne­ga­ti-­
va, ela po­de sig­ni­fi­car um blo­queio, a não acei­ta­ção de si mes­mo, a ve-­
na­li­da­de, a re­cu­sa à evo­lu­ção.
Paus

Ás de Paus. Uma gran­de ener­gia vi­tal em po­tên­cia. Te­mos os mei­os pa-­


ra cri­ar, pa­ra re­pro­du­zir, e bas­tan­te co­ra­gem pa­ra ven­cer as di­fi­cul­da-­
des ou le­var um pro­je­to adi­an­te. O Ás de Paus pos­sui a for­ça. Se for pre-­
ci­so lu­tar, se­re­mos ca­pa­zes. É tam­bém o do­mí­nio da po­tên­cia se­xu­al e
do de­se­jo. Tal­vez a apa­ri­ção da cri­a­ti­vi­da­de em um do­mí­nio on­de não
era es­pe­ra­da. Se o Ás de Paus é ne­ga­ti­vo, ele po­de si­na­li­zar pro­ble­mas
se­xu­ais, um blo­queio cri­a­ti­vo, uma per­da de ener­gia vi­tal, a fal­ta de re-­
fi­na­men­to, o pe­so do té­dio. Ele re­me­te tam­bém à bru­ta­li­da­de, à vi­o­lên-­
cia físi­ca, ao abu­so de po­der, e even­tu­al­men­te a um abu­so se­xu­al.
Dois de Paus. É um es­ta­do em que ain­da so­mos vir­gens, mas em
que os de­se­jos se acu­mu­lam, pre­pa­ran­do a pri­mei­ra ex­pe­riên­cia. A
ener­gia se­xu­al é pas­si­va e con­ti­da, mas po­de ser mui­to in­ten­sa em sua
re­pres­são. Es­ta car­ta po­de igual­men­te re­me­ter a um po­ten­ci­al cri­a­ti­vo
em ges­ta­ção, a um mo­men­to de la­tên­cia da li­bi­do. As in­ter­pre­ta­ções ne-­
ga­ti­vas nos re­me­tem a um blo­queio se­xu­al, à ti­mi­dez, a uma cri­a­ti­vi­da-­
de eter­na­men­te sen­do ges­ta­da, den­tro de seu ovo, a to­das as proi­bi­ções
que pe­sam so­bre as for­ças ins­tin­ti­vas, im­pe­din­do sua eclo­são. Es­ta car-­
ta po­de en­gen­drar dúvi­das so­bre as ca­pa­ci­da­des se­xu­ais ou so­bre a cri-­
a­ti­vi­da­de: o in­te­lec­to in­ter­fe­re e blo­queia a ener­gia.
Três de Paus. A pri­mei­ra ex­plo­são da ener­gia vi­tal. É, por exem­plo,
o mo­men­to da pu­ber­da­de, das pri­mei­ras ex­pe­riên­cias se­xu­ais. A ener-­
gia bro­ta com um fo­go pri­ma­ve­ril. É tam­bém um im­pul­so cri­a­ti­vo cheio
de es­pon­ta­nei­da­de e de vi­gor, mas sem ob­je­ti­vo prees­ta­be­le­ci­do. Qual-­
quer que se­ja a ati­vi­da­de em­preen­di­da, o im­pul­so de par­tir é for­te,
exis­te en­tu­si­as­mo, uma ale­gre von­ta­de de cri­ar. Em um sen­ti­do mais
ne­ga­ti­vo, es­ta car­ta re­me­te à dis­per­são, a uma ten­dên­cia de não ter­mi-­
nar o que se co­me­çou. Se­xu­al­men­te, po­de ser uma eja­cu­la­ção pre­co­ce,
uma vo­ra­ci­da­de, uma ati­tu­de de se­du­ção his­téri­ca, exa­ge­ra­da. O Três
de Paus po­de le­var ao abu­so de po­der al­guém que se crê o cen­tro do
mun­do. Na cri­a­ti­vi­da­de, ele po­de con­du­zir à re­pre­sen­ta­ção gra­tui­ta.
Qua­tro de Paus. Nes­ta car­ta, o de­se­jo se tor­na re­a­li­da­de. A obra do
ar­tis­ta pe­ne­tra no mun­do e ob­tém su­ces­so. A se­xu­a­li­da­de es­tá ga­ran­ti-­
da com um par­cei­ro es­tá­vel ou hábi­tos se­xu­ais fun­ci­o­nais. Es­te Ar­ca­no
sim­bo­li­za uma pes­soa que vi­ve de sua cri­a­ti­vi­da­de, que as­su­me seu po-­
der. O pe­ri­go, em to­dos os do­mí­nios, é cair na ro­ti­na. O Qua­tro de Paus
se tor­na­rá en­tão uma car­ta de té­dio, de in­sa­tis­fa­ção mo­nó­to­na, em que
a vi­da eróti­ca se re­duz a uma gi­násti­ca e a cri­a­ti­vi­da­de ar­tísti­ca a uma
fa­bri­ca­ção mer­can­til. Es­ta car­ta po­de igual­men­te re­me­ter a uma ati­tu-­
de do­mi­na­do­ra, ou ain­da a uma pes­soa fra­ca que não as­su­me sua au­to-­
ri­da­de, que tem me­do de não es­tar à al­tu­ra.
Cin­co de Paus. O Cin­co de Paus apor­ta uma ten­ta­ção, um no­vo de-­
se­jo, uma ener­gia que vai mais além da­qui­lo que se co­nhe­ceu até en­tão.
É tal­vez uma ini­ci­a­ção em práti­cas se­xu­ais até en­tão des­co­nhe­ci­das ou,
no do­mí­nio cri­a­ti­vo, uma evo­lu­ção em di­re­ção às pro­fun­de­zas in­sus-­
pei­ta­das, uma di­men­são mais vas­ta... É tam­bém a for­ça do mes­tre ou da
san­ta que não te­me uti­li­zar a ener­gia dos Paus pa­ra cu­rar e ben­zer. Em
su­as acep­ções ne­ga­ti­vas, o Cin­co de Paus nos re­me­te­rá às práti­cas se-­
xu­ais per­ver­sas, a um con­fli­to en­tre se­xu­a­li­da­de e es­pi­ri­tu­a­li­da­de, a
uma cri­a­ti­vi­da­de que ne­ces­si­ta de dro­gas ou de ál­co­ol pa­ra se ex­pri­mir,
a um de­se­jo de evo­lu­ção não as­su­mi­do.
Seis de Paus. Aqui, os Paus to­cam sua ex­pres­são es­sen­ci­al: o pra-­
zer. Ce­de­mos à ten­ta­ção e en­tra­mos no êx­ta­se, na vo­lup­tuo­si­da­de su-­
pre­ma, a ale­gria de cri­ar. A se­xu­a­li­da­de e a cri­a­ti­vi­da­de são bem vi­vi-­
das, so­mos fe­li­zes por ser­mos quem so­mos, por fa­zer­mos o que fa­ze-
mos. Pa­ra um ar­tis­ta, é o mo­men­to em que ele ou ela se en­con­tra, ad-­
qui­rin­do sua ex­pres­são pró­pria. Tra­ba­lhar é uma ale­gria. Pa­ra um ar­tis-­
ta mar­ci­al ou pes­so­as que tra­ba­lham com a ener­gia, é a ma­ni­fes­ta­ção do
Qi, a di­men­são di­vi­na da ener­gia vi­tal. Os as­pec­tos ne­ga­ti­vos des­ta car-­
ta, co­mo em to­dos os Ar­ca­nos do grau 6, re­me­tem aos ex­ces­sos de nar-­
ci­sis­mo: o ar­tis­ta se põe a re­pe­tir in­ces­san­te­men­te a mes­ma obra com
au­to­com­pla­cên­cia, cai no ego­cen­tris­mo, na su­per­fi­ci­a­li­da­de, no “um­bi-­
guis­mo” cri­a­ti­vo ou se­xu­al. Po­dem tam­bém per­der a ale­gria, fi­can­do
blo­que­a­do pe­la re­cu­sa ao pra­zer.
Se­te de Paus. Es­ta car­ta re­fle­te um mo­men­to de gran­de aber­tu­ra,
de ação ir­re­sis­tí­vel. Em ter­mos de re­a­li­za­ção ar­tísti­ca, é a con­quis­ta, o
su­ces­so, a cri­a­ti­vi­da­de re­a­li­za­da a ser­vi­ço de si mes­mo e dos ou­tros. O
eu se tor­na um ca­nal de ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va e, em ple­na cons­ciên-­
cia de sua di­men­são im­pes­so­al, a dis­tri­bui ao mun­do in­tei­ro. É tal­vez
uma re­la­ção apai­xo­na­da, a do­a­ção, o triun­fo, a in­se­mi­na­ção do mun­do.
Se ela se tor­na ne­ga­ti­va, a po­tên­cia do Se­te de Paus é ter­rí­vel. Es­ta car­ta
evo­ca, en­tão, a di­ta­du­ra, o fas­cis­mo, a es­cra­vi­dão se­xu­al, o pro­xe­ne­tis-­
mo, a tor­tu­ra, o sa­dis­mo, o po­der des­trui­dor sob to­das as su­as for­mas,
que avil­ta o ou­tro em vez de co­lo­car sua for­ça a ser­vi­ço do mun­do.
Oi­to de Paus. A per­fei­ção nes­te cen­tro se ma­ni­fes­ta por uma ex­tre-­
ma con­cen­tra­ção, um es­sen­ci­a­lis­mo re­pre­sen­ta­do pe­las du­as flo­res cor-­
ta­das. A cri­a­ti­vi­da­de se fo­ca­li­za ao ex­tre­mo: é a per­fei­ção da­que­le que
sa­be de­se­nhar um cír­cu­lo com um úni­co tra­ço. Na se­xu­a­li­da­de, che­ga-­
mos à su­bli­ma­ção, à ener­gia cri­a­ti­va pu­ra, ao or­gas­mo. A po­tên­cia se
tor­na não vi­o­lên­cia, ide­al das ar­tes mar­ci­ais: o com­ba­te sem com­ba­te. A
au­to­ri­da­de ema­na da pes­soa, impõe-se sem ne­nhum ges­to. Nes­te es­ta-­
do de re­co­lhi­men­to ex­tre­mo, não exis­te mais es­for­ço, so­mos in­can­sá-­
veis. Se es­ta car­ta ti­ver um sen­ti­do ne­ga­ti­vo, se­rá a pa­ra­li­sia, a in­ter­rup-­
ção de to­do mo­vi­men­to, o per­fec­ci­o­nis­mo ex­tre­mo que bei­ra a as­fi­xia.
No­ve de Paus. Nes­te ní­vel, os Paus se con­fron­tam com uma es­co­lha
en­tre a vi­da e a mor­te. Nes­ta car­ta in­tei­ra­men­te des­po­ja­da, em que
mais ne­nhu­ma fo­lha cres­ce, o ele­men­to che­ga a um im­pla­cá­vel do­mí-­
nio de si mes­mo. É a ex­pe­riên­cia do fim re­al ou sim­bóli­co, do ego. Pa­ra
um ar­tis­ta, é acei­tar que sua obra se­ja uti­li­za­da por qual­quer ou­tra pes-­
soa. Pa­ra um com­ba­ten­te, é o ris­co as­su­mi­do de ser mor­to. No do­mí­nio
se­xu­al, é a re­nún­cia, a es­co­lha es­sen­ci­al. Os as­pec­tos ne­ga­ti­vos do No­ve
de Paus re­me­tem ao me­do de mor­rer, à re­cu­sa de pas­sar a uma ou­tra
eta­pa da vi­da e en­ve­lhe­cer, ao fra­cas­so ar­tísti­co, à im­po­tên­cia ou à es­te-­
ri­li­da­de.
Dez de Paus. Ten­do cum­pri­do seu ci­clo, os Paus se di­vi­dem em
dois, abrem-se pa­ra dar lu­gar a um ei­xo bran­co. Na eta­pa se­guin­te, o
próxi­mo ele­men­to se­rá o Ás de Es­pa­das. Ele po­de sim­bo­li­zar uma vi­são
an­ge­li­cal da se­xu­a­li­da­de: a ener­gia já não cir­cu­la mais no in­te­ri­or nem
no ex­te­ri­or, ela se cris­ta­li­za co­mo um di­a­man­te an­dró­gi­no e se tor­na
pu­ro es­píri­to. A pes­soa não es­tá mais no do­mí­nio se­xu­al ou cri­a­ti­vo, ela
pas­sa a ter ou­tros in­te­res­ses: por exem­plo, um ar­tis­ta que se tor­na pro-­
fes­sor, uma pes­soa que se des­co­bre com a vo­ca­ção pa­ra a cu­ra. Os as-­
pec­tos ne­ga­ti­vos re­me­tem à amar­gu­ra, ao de­sen­rai­za­men­to da re­a­li­da-­
de, a uma fal­ta de fé na vi­da, à re­nún­cia do­lo­ro­sa ao po­der por uma per-­
da de ener­gia ou um fra­cas­so.
Ou­ros

Ás de Ou­ros. Es­ta car­ta sim­bo­li­za a ener­gia ma­te­ri­al em to­das as su­as


po­ten­ci­a­li­da­des: o cor­po, os re­cur­sos, o lu­gar que ocu­pa­mos no mun­do,
o ter­ri­tó­rio. O plu­ral da pa­la­vra fran­ce­sa, “De­ni­ers” [Di­nhei­ros], nos in-­
di­ca que es­ta ener­gia é es­sen­ci­al­men­te co­le­ti­va. O Ás de Ou­ros nos ori-­
en­ta em nos­sa re­la­ção com a en­car­na­ção, a vi­da fa­mi­li­ar, a ca­sa, o di-­
nhei­ro, a saú­de. Ele re­co­lo­ca a ques­tão so­bre os as­pec­tos con­cre­tos da
exis­tên­cia. Su­as acep­ções ne­ga­ti­vas po­dem nos re­me­ter a um pro­ble­ma
fi­nan­cei­ro, uma re­cu­sa da ma­té­ria ou, ao con­trá­rio, a um ex­ces­so de
pre­o­cu­pa­ções ma­te­ri­ais, à do­en­ça, a um aban­do­no do cor­po, à má-nu-­
tri­ção, à mi­sé­ria.
Dois de Ou­ros. Es­ta car­ta evo­ca o de­se­jo de fe­char um con­tra­to
que ain­da não es­tá con­clu­í­do. É tal­vez um pro­je­to fi­nan­cei­ro ain­da em
ger­me, uma ca­sa em cons­tru­ção, a von­ta­de de se ca­sar ou de se as­so­ci­ar
pa­ra le­var adi­an­te um ne­gó­cio. É tam­bém um em­bri­ão em for­ma­ção,
um re­pou­so cor­po­ral, a re­cu­pe­ra­ção das for­ças. No sen­ti­do ne­ga­ti­vo, o
Dois de Ou­ros po­de­rá sig­ni­fi­car um pro­ble­ma fi­nan­cei­ro (di­fi­cul­da­de
pa­ra che­gar ao fim do mês), uma fal­ta de re­cur­sos, a pre­gui­ça ou a pa­ra-­
li­sia, uma re­cu­sa a se ali­men­tar, uma ati­tu­de qui­méri­ca e ine­fi­caz di­an-­
te do mun­do ma­te­ri­al, uma ten­dên­cia sui­ci­da.
Três de Ou­ros. Es­ta car­ta po­de sim­bo­li­zar um in­ves­ti­men­to ma­te-­
ri­al que pro­duz seu pri­mei­ro be­ne­fí­cio... ou sua pri­mei­ra per­da. É tam-­
bém a fe­cun­da­ção, em que uma cé­lu­la mas­cu­li­na e uma cé­lu­la fe­mi­ni­na
cri­am um ter­cei­ro ser. É uma em­pre­sa que lan­ça seus pri­mei­ros pro­du-­
tos sem sa­ber se en­con­tra­rão um pú­bli­co. É um ris­co co­mer­ci­al, uma
apos­ta subs­tan­ci­o­sa em um jo­go de azar. Po­de­ria ser a ab­sor­ção de uma
subs­tân­cia da qual não co­nhe­ce­mos os efei­tos, uma ci­rur­gia es­téti­ca de
re­sul­ta­dos in­cer­tos, ou ain­da a de­ci­são de vi­ver em um pa­ís es­tran­gei­ro.
Seus as­pec­tos ne­ga­ti­vos evo­cam um in­ves­ti­men­to apres­sa­do e de mau
agou­ro, pro­ble­mas li­ga­dos à fe­cun­di­dae (abor­to, gra­vi­dez ex­trau­te­ri­na),
uma hi­pe­ra­ti­vi­da­de cor­po­ral que es­go­ta, a fu­são de du­as em­pre­sas con-­
du­zin­do a um mo­no­pó­lio, uma ma­ni­pu­la­ção ge­néti­ca que pro­duz um
mons­tro...
Qua­tro de Ou­ros. Aqui, a Fênix que dois an­jos pre­pa­ra­vam pa­ra o
sa­cri­fí­cio no Dois de Co­pas es­tá ar­den­do em cha­mas. No cer­ne de uma
gran­de es­ta­bi­li­da­de ma­te­ri­al, exis­te a re­no­va­ção cons­tan­te do pás­sa­ro
míti­co que se con­so­me e re­nas­ce das pró­prias cin­zas. Es­ta car­ta evo­ca o
lar, a saú­de, um ter­ri­tó­rio cu­jo bom an­da­men­to é ga­ran­ti­do pe­la re­cu­sa
de qual­quer es­tag­na­ção so­bre o ad­qui­ri­do. O Qua­tro de Ou­ros sim­bo­li-­
za a vi­da do cor­po que, pa­ra se man­ter, supõe a mor­te cons­tan­te de cer-­
tas cé­lu­las e o con­su­mo de ener­gia sob a for­ma de ali­men­tos. Os as­pec-­
tos ne­ga­ti­vos da car­ta nos re­me­tem a to­dos os es­ta­dos de es­tag­na­ção
ma­te­ri­al: a pri­são, os pro­ble­mas cor­po­rais li­ga­dos à es­ta­se, ao ex­ces­so,
ao so­bre­pe­so, um tra­ba­lho em que não nos re­a­li­za­mos, o de­sem­pre­go,
uma si­tu­a­ção eco­nô­mi­ca es­tag­nan­te, uma fa­mí­lia fe­cha­da em si mes­ma.
Cin­co de Ou­ros. No co­ra­ção da es­ta­bi­li­da­de (as qua­tro mo­e­das po-­
si­ci­o­na­das nos qua­tro can­tos da car­ta), abre-se um no­vo in­te­res­se, li­ga-­
do a uma di­men­são es­pi­ri­tu­al, pla­ne­tá­ria ou cósmi­ca. É um in­dus­tri­al
que in­ves­te em uma ener­gia "lim­pa", boa pa­ra o pla­ne­ta, uma gran­de lo-­
ja que inau­gu­ra uma li­nha de pro­du­tos or­gâ­ni­cos, ou ain­da a cons­tru-­
ção de um tem­plo, de um cen­tro es­pi­ri­tu­al. É, na re­la­ção com o cor­po, o
iní­cio de uma práti­ca que su­pe­ra a sim­ples cul­tu­ra do físi­co, uma mu-­
dan­ça de re­gi­me ou um in­te­res­se pe­los mé­to­dos de cu­ra al­ter­na­ti­vos. A
di­men­são ne­ga­ti­va do Cin­co de Ou­ros po­de ser um re­vés da sor­te, um
mau médi­co, um mer­gu­lho na dro­ga ou no ál­co­ol, um con­se­lhei­ro fi-­
nan­cei­ro ve­nal, um tra­pa­cei­ro, um in­dus­tri­al sem es­crú­pu­lo, uma que-­
bra da bol­sa, uma de­pres­são ner­vo­sa.
Seis de Ou­ros. Aqui, a re­la­ção com a ma­té­ria se des­do­bra em uma
ver­ti­ca­li­da­de ex­táti­ca. Es­ta­mos ar­rai­ga­dos à ter­ra e ao céu, em ple­na
acei­ta­ção da pró­pria en­car­na­ção, co­mo uma ár­vo­re que cres­ce ao mes-­
mo tem­po com su­as ra­í­zes no so­lo e seus ga­lhos pa­ra o al­to. É uma car-­
ta que evo­ca a ge­ne­ro­si­da­de di­an­te de si mes­mo, o pra­zer cor­po­ral, o
des­fru­te do di­nhei­ro e de uma eco­no­mia bem ge­ri­da, o sen­ti­do do be­lo
na vi­da co­ti­di­a­na, a gas­tro­no­mia, a sen­su­a­li­da­de. O Seis de Ou­ros ce­le-­
bra a be­le­za do mun­do e se sen­te uni­do a ele. Po­de­mos in­ves­tir nos ne-­
gó­cios que ama­mos: é o di­nhei­ro do me­ce­na­to ar­tísti­co, a com­pra de
uma obra de ar­te... Os as­pec­tos ne­ga­ti­vos re­me­tem ao nar­ci­sis­mo físi­co,
à ob­ses­são das apa­rên­cias, à ve­na­li­da­de. Te­mos a ten­dên­cia de des­cui-­
dar do ser, pri­vi­le­gi­an­do o pa­re­cer e o ter. O di­nhei­ro é cul­pa­bi­li­za­do
ou, ao con­trá­rio, su­pe­res­ti­ma­do, o que po­de con­du­zir à ava­re­za. Es­ta
car­ta é tam­bém a dos com­ple­xos físi­cos e da ilu­são se­gun­do a qual o di-­
nhei­ro bas­ta pa­ra tra­zer fe­li­ci­da­de.
Se­te de Ou­ros. Nes­ta car­ta, des­co­bri­mos um tri­ân­gu­lo cen­tral, com
a pon­ta pa­ra ci­ma, en­qua­dra­do por qua­tro mo­e­das si­tu­a­das nos qua­tro
can­tos. A es­pi­ri­tu­a­li­za­ção da ma­té­ria e a ma­te­ri­a­li­za­ção do es­píri­to são
re­a­li­za­das. As idei­as en­tram em ação no mun­do e pro­du­zem o di­nhei­ro.
O di­nhei­ro ser­ve pa­ra fi­nan­ci­ar a pes­qui­sa, a in­for­ma­ção, pa­ra fa­zer
evo­luir a hu­ma­ni­da­de. Es­ta car­ta evo­ca a ge­ne­ro­si­da­de, o de­sem­pe­nho
es­por­ti­vo triun­fan­te, o co­nhe­ci­men­to pro­fun­do do cor­po, uma po­tên­cia
ma­te­ri­al imen­sa que re­pou­sa so­bre a cons­ciên­cia. É tal­vez um hu­ma-­
nis­ta, um me­ce­nas, um gê­nio dos ne­gó­cios, o su­ces­so mun­di­al de uma
em­pre­sa. Os as­pec­tos ne­ga­ti­vos re­me­tem a uma fra­tu­ra en­tre cor­po e
es­píri­to, ao des­pre­zo do es­píri­to pe­la su­pe­res­ti­ma­ção da vi­da ma­te­ri­al,
à es­cra­vi­dão, à vo­ra­ci­da­de eco­nô­mi­ca, às mul­ti­na­ci­o­nais no­ci­vas ao
meio am­bi­en­te, aos car­téis da dro­ga, aos mo­no­pó­lios dos la­bo­ra­tó­rios
far­ma­cêu­ti­cos...
Oi­to de Ou­ros. A per­fei­ção dos Ou­ros se ma­ni­fes­ta por uma abun-­
dân­cia, uma ple­ni­tu­de prós­pe­ra. Es­ta car­ta evo­ca a har­mo­nia e a ri­que-­
za: to­das as ne­ces­si­da­des são sa­tis­fei­tas. O cor­po es­tá com ple­na saú­de,
em ple­no equi­lí­brio. É o en­ten­di­men­to na fa­mí­lia, um lar on­de ca­da um
tem seu es­pa­ço. É o pa­ra­í­so so­bre a Ter­ra, o pla­ne­ta vis­to co­mo um jar-­
dim flo­ri­do. É tam­bém o flu­xo har­mo­ni­o­so das ener­gi­as. Os as­pec­tos
ne­ga­ti­vos re­me­tem a um de­se­qui­lí­brio cor­po­ral ou ma­te­ri­al, a uma con-­
cep­ção pa­ra­li­san­te do di­nhei­ro, à po­bre­za con­ce­bi­da co­mo uma fa­ta­li-­
da­de.
No­ve de Ou­ros. Uma eta­pa ma­te­ri­al se fin­da, en­se­jan­do o nas­ci-­
men­to de uma no­va vi­da. Is­so po­de ser, pa­ra uma mu­lher grávi­da, o
mo­men­to do par­to. É tam­bém um des­pren­di­men­to ma­te­ri­al, al­guém
que aban­do­na tu­do por uma vi­da no­va, ou ain­da uma mu­ta­ção fi­nan­cei-­
ra pro­fun­da que re­sul­ta em um no­vo pro­je­to. O No­ve de Ou­ros po­de ter
fa­li­do, her­da­do ou ga­nha­do em um jo­go de azar: se­ja o que for, a si­tu­a-­
ção o le­va a uma no­va cons­tru­ção. Os as­pec­tos ne­ga­ti­vos des­ta car­ta re-­
me­tem a uma cri­se eco­nô­mi­ca so­fri­da, a um rou­bo, a uma ex­pul­são, a
uma mu­dan­ça for­ça­da, a uma de­mis­são, a uma ve­lhi­ce so­fri­da, a um
pro­ble­ma de he­ran­ça, ao exí­lio.
Dez de Ou­ros. O ci­clo ma­te­ri­al se com­ple­tou, co­mo tes­te­mu­nha a
mu­dan­ça de cor das du­as mo­e­das la­ran­jas, e so­bre­tu­do o ei­xo bran­co
que as une no pla­no ver­ti­cal. O ca­mi­nho da pros­pe­ri­da­de se fe­cha. No
do­mí­nio ma­te­ri­al, é a en­tra­da em ação da cri­a­ti­vi­da­de. O di­nhei­ro, a
ma­té­ria, vai pas­sar pa­ra uma ou­tra di­men­são de cons­ciên­cia e de ener-­
gia pu­ra. Es­ta car­ta re­me­te a to­das as ques­tões do além do cor­po, a
reen­car­na­ção, o mi­la­gre, a eter­ni­da­de. O Dez de Ou­ros anun­cia o Ás de
Paus: a próxi­ma eta­pa se si­tu­a­rá no ca­mi­nho da ener­gia se­xu­al e cri­a­ti-­
va. Os as­pec­tos ne­ga­ti­vos re­me­tem à re­cu­sa do cor­po de­vi­do à sua iden-­
ti­da­de se­xu­al, à im­pos­si­bi­li­da­de do lu­to pe­lo já vi­vi­do, à sen­sa­ção de ter
fra­cas­sa­do na vi­da, à si­tu­a­ção de quem se en­con­tra de pos­se de uma
gran­de for­tu­na sem ja­mais ter co­nhe­ci­do a fe­li­ci­da­de.
II.
Os Trun­fos ou Fi­gu­ras

Com as Fi­gu­ras (ou Trun­fos), o Ta­rot nos apre­sen­ta uma hi­e­rar­quia de


qua­tro per­so­na­gens em ca­da Nai­pe, na qual po­de­mos dis­cer­nir uma di-­
nâ­mi­ca pa­ra­le­la à da nu­me­ro­lo­gia. O fa­to de ha­ver três per­so­na­gens
mas­cu­li­nos e um fe­mi­ni­no não de­ve nos en­ga­nar: não se tra­ta de mo­do
al­gum de uma dis­cri­mi­na­ção se­xu­al, uma mu­lher po­de mui­to bem, pa-­
ra re­pre­sen­tar sua si­tu­a­ção, ti­rar um Rei ou um Va­le­te, e um ho­mem
po­de se en­con­trar em uma po­si­ção cor­res­pon­den­te à de uma Rai­nha.
Co­mo vi­mos no ca­pí­tu­lo so­bre a nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot, o Va­le­te,
pri­mei­ro grau des­se quar­te­to, se si­tua en­tre os graus 2 e 3: en­tre a acu-­
mu­la­ção e a ex­plo­são, en­tre a dúvi­da e a ação (ver pp. 88 ss.). A Rai­nha,
en­tre os ní­veis 4 e 5, pos­sui um olhar con­cen­tra­do so­bre seu ele­men­to e
se­rá ape­ga­da a ele, en­tre o con­for­to da es­ta­bi­li­da­de e a ten­ta­ção de um
mais além. O Rei, en­tre os graus 6 e 7, já se des­pren­deu em par­te de seu
sím­bo­lo, ain­da que con­ti­nue de­le des­fru­tan­do. Ele pos­sui cons­ciên­cia
do mun­do ex­te­ri­or no qual sua ação irá de de­sen­vol­ver. É ele quem en-­
via o Ca­va­lei­ro, co­mo fez o rei Ar­thur com Lan­ce­lot. O Ca­va­lei­ro, en­tre
os graus 8 e 9, do­mou sua ani­ma­li­da­de: ele ca­val­ga sua mon­ta­ria e re-­
pre­sen­ta a per­fei­ção de seu Nai­pe, do qual le­va­rá a men­sa­gem ao mun-­
do. O Ca­va­lei­ro não é a per­fei­ção, mas a re­pre­sen­ta. Im­pes­so­al, ele
avan­ça e age em no­me do Rei. Is­so nos lem­bra a fra­se de La­can a seus
dis­cí­pu­los: “Vo­cês po­dem ser la­ca­ni­a­nos, eu con­ti­nuo freu­di­a­no”.
Eis o mo­ti­vo pe­lo qual co­lo­ca­re­mos es­ses per­so­na­gens na or­dem
Va­le­te, Rai­nha, Rei, Ca­va­lei­ro.
Os Va­le­tes

Si­tu­a­do en­tre os graus 2 e 3, is­to é, en­tre o po­ten­ci­al acu­mu­la­do e a


ação, o Va­le­te du­vi­da. A ener­gia é jo­vem, ain­da inex­pe­ri­en­te. Ela exi­ge
ser tra­ba­lha­da, co­nhe­ci­da, ex­plo­ra­da, or­ga­ni­za­da. Ele he­si­ta: uti­li­za­rá
ou não su­as pos­si­bi­li­da­des? É a po­si­ção de um exe­cu­tan­te obe­di­en­te,
que não cos­tu­ma to­mar ini­ci­a­ti­vas. Ele po­de per­ma­ne­cer na se­gu­ran­ça
do 2 ou se lan­çar em di­re­ção ao 3 sem sa­ber o que re­sul­ta­rá de sua ação.
O pe­ri­go do Va­le­te po­de vir de um ex­ces­so de dúvi­das ou de um ex­ces-­
so de im­pru­dên­cia.
E se eles fa­las­sem...

Va­le­te de Es­pa­das. “A de­li­ca­de­za e a ele­gân­cia são mi­nhas ca­rac­te-­


rísti­cas es­sen­ci­ais. Mas elas po­dem ra­pi­da­men­te se vol­tar pa­ra a hi­po-­
cri­sia. Con­tra­ri­a­men­te aos Va­le­tes de Paus e de Ou­ros, eu não sou um
pri­mi­ti­vo. Co­nhe­ço a no­bre­za, as es­tra­té­gias di­plo­máti­cas e po­líti­cas, os
me­an­dros de um in­te­lec­to que se vi­ve co­mo sua pró­pria fi­na­li­da­de. Em
uma das mãos se­gu­ro a bai­nha da mi­nha es­pa­da, es­pa­da que sim­bo­li­za
o Ver­bo e o in­te­lec­to. Acu­mu­lei nu­me­ro­sos co­nhe­ci­men­tos, es­tou pre-­
pa­ra­do, mas ain­da não co­nhe­ço a uti­li­da­de práti­ca da mi­nha eru­di­ção.
Mi­nha bai­nha es­tá pron­ta pa­ra re­ce­ber de vol­ta a mi­nha es­pa­da, es­tou
dis­pos­to a não agir. Ao mes­mo tem­po me in­ter­ro­go: a pon­ta da mi­nha
es­pa­da es­tá apon­ta­da pa­ra o meu cha­péu. Eu du­vi­do. Meus pés es­tão
aber­tos em du­as di­re­ções opos­tas. Meus pen­sa­men­tos ain­da são con-­
tra­di­tó­rios. He­si­to di­an­te da du­a­li­da­de dos con­cei­tos. Não sei cor­tar,
dar o gol­pe que se­pa­ra o sub­je­ti­vo do ob­je­ti­vo. Não sou cúm­pli­ce de na-­
da: ain­da sou inap­to pa­ra to­mar par­ti­do, pa­ra me en­ga­jar.”
Va­le­te de Co­pas. “Ah!... O co­ra­ção tem tan­tos mis­té­rios e am­bi­gui-­
da­des... Não sei a ida­de que te­nho, sou um jo­vem in­gê­nuo ou um ve­lho
ro­mân­ti­co ou, por que não, uma mo­ça ou uma ve­lha se­nho­ra. Avan­ço
pa­ra a es­quer­da do lei­tor, o la­do de seu co­ra­ção, mas pos­so tro­pe­çar.
Meus pas­sos são cur­tos e tí­mi­dos. Cu­bro com um véu mi­nha co­pa aber-­
ta, por me­do de ser fe­ri­do em mi­nha sen­si­bi­li­da­de. É por is­so que, na
ou­tra mão, se­gu­ro a tam­pa que me per­mi­ti­ria fe­char e iso­lar es­se co­ra-­
ção tão pou­co se­gu­ro de si. Sem­pre ide­a­lis­ta, a ca­be­ça cin­gi­da por uma
co­roa de flo­res, es­tou, no en­tan­to, dis­pos­to a me ofe­re­cer, e até mes­mo
a me tor­nar um mártir. En­tre o me­do de ser fe­ri­do e o de­se­jo de me do-­
ar por in­tei­ro, he­si­to. Sou ca­paz de me sa­cri­fi­car, mas tam­bém de fu­gir.
Es­tou dis­pos­to a ide­a­li­zar o ou­tro e tam­bém ali­men­tar ran­cor con­tra
ele. Pos­so dan­çar em uma pri­ma­ve­ra sem fim ou me re­co­lher em um in-­
ver­no eter­no. Há em mim tan­to ale­gria quan­to dor, tan­to ego­ís­mo
quan­to ge­ne­ro­si­da­de.”
Va­le­te de Paus. “Sou for­te, sou sim­ples. Di­ri­jo-me re­so­lu­ta­men­te a
um sen­ti­do. Mi­nha ener­gia na­tu­ral, ani­mal, se acu­mu­la no vo­lu­mo­so
pau ver­de que me sim­bo­li­za. O as­pec­to da mi­nha na­tu­re­za que par­ti­ci-­
pa do 2 acu­mu­la, e com a ou­tra par­te do meu ser, o 3, es­tou dis­pos­to a
agir sem ob­je­ti­vo: a ação pe­la ação, co­mo uma po­de­ro­sa ex­plo­são. Mi-­
nhas mãos se cru­zam com du­as in­ten­ções di­fe­ren­tes. Se­ja con­ti­nu­ar a
acu­mu­lar mi­nha ener­gia, ca­so em que apoi­a­rei meu bas­tão no chão, se-­
ja le­van­tá-lo pa­ra dar um gol­pe for­mi­dá­vel no des­co­nhe­ci­do. É is­so, pa-­
ra mim, a cri­a­ção: um gol­pe for­mi­dá­vel no des­co­nhe­ci­do. Um gol­pe que
mu­da­rá o cur­so da mi­nha exis­tên­cia, de­pois do qual não se­rei nun­ca
mais o mes­mo. Eis por que eu he­si­to. No en­tan­to, es­tou vol­ta­do pa­ra a
di­rei­ta do lei­tor. Pro­me­to, por­tan­to, ir adi­an­te. O ato cri­a­ti­vo se anun-­
cia, a in­se­mi­na­ção se pre­pa­ra, a guer­ra ame­a­ça co­me­çar. Pois mi­nha
ação po­de tam­bém se ins­pi­rar no 3 sob a for­ma do XI­II, o Ar­ca­no sem
no­me, e ser des­tru­ti­va. Sou, en­tão, ape­nas uma bom­ba pres­tes a ex­plo-­
dir.”
Va­le­te de Ou­ros. “Eu me iden­ti­fi­co com a Ter­ra, com o pla­ne­ta in-­
tei­ro. Par­to em di­re­ção a inu­me­rá­veis ca­mi­nhos. Vou tan­to pa­ra a ação
quan­to pa­ra a re­cep­ção. Co­mo to­do ter­re­no sa­gra­do, con­te­nho um te-­
sou­ro que po­de­ria me im­pe­dir de avan­çar en­quan­to o man­ti­ver em se-­
gre­do, ocul­to e inex­plo­ra­do. É tão gran­de o pe­so de to­do pas­sa­do, de to-
das as tra­di­ções, que po­de se con­ver­ter em um gri­lhão pre­so ao tor­no-­
ze­lo do pri­si­o­nei­ro que sou. Mas ao mes­mo tem­po, ele­vo às al­tu­ras o
me­lhor de mim, que não é ou­tra coi­sa se­não o me­lhor da ma­té­ria: o ou-­
ro que é a es­sên­cia do ser. As ri­que­zas que guar­do se acu­mu­lam, sem
uso, sem pro­du­zir fru­tos. As ri­que­zas que ele­vo à Cons­ciên­cia pro­me-­
tem a trans­for­ma­ção da ma­té­ria em es­píri­to. Po­de-se di­zer que em mim
co­me­ça o tra­ba­lho al­quí­mi­co com seus dois pro­ces­sos si­mul­tâ­neos: a
ma­te­ri­a­li­za­ção do es­píri­to e a es­pi­ri­tu­a­li­za­ção da ma­té­ria. Es­tou no al-­
vo­re­cer do ato, mas não no ato em si.”
As Rai­nhas

A ener­gia da Rai­nha se si­tua en­tre os graus 4 e 5, en­tre a se­gu­ran­ça e o


cha­ma­do de um ide­al. Ela re­pou­sa so­bre o ad­qui­ri­do ao mes­mo tem­po
em que sa­be que exis­te um no­vo pon­to de vis­ta. Ela pos­sui e ge­ren­cia
aqui­lo que o Va­le­te ape­nas co­me­çou a co­nhe­cer. É uma per­so­na­gem
prag­máti­ca e ati­va, co­nhe­ce bem seu sím­bo­lo, ex­pe­ri­men­ta-o sem mo-
de­ra­ção, es­tá cen­tra­da ne­le. A Rai­nha po­de se tor­nar ex­ces­si­va, ab­sor­ta
em seu ele­men­to, de­vo­tan­do-lhe ver­da­dei­ra ob­ses­são.
E se elas fa­las­sem...

Rai­nha de Es­pa­das. “Te­nho um es­cu­do em meu ven­tre. So­bre es­se es-­


cu­do há uma ci­ca­triz. Se­rá que sa­cri­fi­quei mi­nhas en­tra­nhas? Não me
per­mi­to ser in­va­di­da por ne­ces­si­da­des, de­se­jos ou emo­ções. Vi­vo em
meu es­píri­to. Apre­sen­to meu sím­bo­lo, a es­pa­da, co­ber­ta por uma bai-­
nha ver­me­lha, es­pe­ran­do que al­guém a sa­que e apa­re­ça o ama­re­lo es-­
plen­do­ro­so de sua lâ­mi­na. Aguar­do o ser que re­co­nhe­ce­rá mi­nha in­te­li-­
gên­cia, meu es­píri­to. A trans­cen­dên­cia é meu ide­al. Fo­ra da car­ne, fo­ra
da ma­té­ria, em di­re­ção ao es­ta­do an­dró­gi­no em que se­rei ca­paz de atra-­
ves­sar as ar­ma­di­lhas do pen­sa­men­to pa­ra che­gar a es­se cen­tro im­pes-­
so­al que é a Cons­ciên­cia cósmi­ca. Con­se­gui­rei re­a­li­zar is­so? Che­ga­rei
ao es­que­ci­men­to de mim mes­ma? Sou mi­nha pró­pria ini­mi­ga. Meu úni-­
co co­nhe­ci­men­to é o co­nhe­ci­men­to da mi­nha im­per­ma­nên­cia. Mi­nha
úni­ca re­a­li­za­ção se­rá a re­a­li­za­ção da mi­nha va­cui­da­de.”
Rai­nha de Co­pas. “Que do­çu­ra, que de­li­ca­de­za, que vul­ne­ra­bi­li­da-­
de a do meu co­ra­ção aman­te e in­ces­san­te­men­te fe­ri­do! Não bus­co. Sou
um cas­te­lo que de­ve ser as­se­di­a­do, con­quis­ta­do. Con­tra­ri­a­men­te à Rai-­
nha de Paus, que se­duz, es­pe­ro ser se­du­zi­da. A co­pa que se­gu­ro, sím­bo-­
lo do meu co­ra­ção, es­tá fe­cha­da – não va­zia, mas re­ple­ta de pai­xão. A
ba­se pe­la qual a se­gu­ro es­tá trin­ca­da, já re­ce­beu um gol­pe. Pe­na! Quem
po­de me tra­tar com to­da a de­li­ca­de­za que exi­jo se­não eu mes­ma? Im-­
pos­sí­vel. De­vo me re­sig­nar a me ofe­re­cer na fe­ri­da, no sa­cri­fí­cio, e é
pre­ci­sa­men­te es­se sa­cri­fí­cio, quan­do sou ama­da, o meu êx­ta­se. Cui­da­do
co­mi­go: te­nho um pu­nhal bran­co de lâ­mi­na si­nuo­sa, sím­bo­lo da mi­nha
pu­re­za tí­mi­da. Gol­pe­a­rei qual­quer um que se apro­xi­mar me usan­do pa-­
ra ob­ter aqui­lo que não sou: ri­que­za, se­xu­a­li­da­de, co­nhe­ci­men­to in­te-­
lec­tu­al... To­dos se­rão ex­ter­mi­na­dos com uma cru­el­da­de es­tu­pen­da. Só
me ocu­po de sen­ti­men­tos, mas he­si­to ver­da­dei­ra­men­te em dei­xá-los se
de­sen­vol­ver. To­dos os meus me­dos se acu­mu­lam em meu as­pec­to 4.
Em meu as­pec­to 5, meu ide­al, es­pe­ro a al­ma gê­mea que se­rá meu com-­
ple­men­to. Es­sa es­pe­ra é o cen­tro de to­da a mi­nha exis­tên­cia.”
Rai­nha de Paus. “Es­tou mer­gu­lha­da no rio in­ces­san­te do de­se­jo.
Tu­do em mim é exu­be­rân­cia. Com a avi­dez de um tor­na­do, ofe­re­ço mi-­
nha ca­ver­na ar­den­te a to­das as in­se­mi­na­ções. Mi­nha ca­be­lei­ra vi­go­ro­sa
é a es­pu­ma de um oce­a­no for­ma­do por uma úni­ca on­da. A po­tên­cia
uni­ver­sal se ma­ni­fes­tan­do co­mo ação se­xu­al me dá a su­pre­ma for­ça da
se­du­ção. Es­tou dis­pos­ta a pôr inú­me­ros ovos, a flo­res­cer em to­dos os
de­ser­tos, a po­vo­ar com mi­nhas obras o rei­no se­ve­ro da Rai­nha de Ou-­
ros. Eis por que não ces­so de me abrir, de cha­mar. Sem um apor­te ge­ra-­
dor, não exis­to. É es­sa in­com­ple­tu­de que me dá mi­nha di­men­são de gi-­
gan­ta. Por bai­xo da mi­nha apa­rên­cia de to­do-po­de­ro­sa, te­nho ne­ces­si-­
da­de de ser em­pre­ga­da, fe­cun­da­da, di­ri­gi­da. Is­so é a se­du­ção: uma ca-­
rên­cia trans­mu­ta­da em for­ça pe­lo de­se­jo. Se não re­co­nhe­ço es­sa fal­ta,
se as­pi­ro a me com­ple­tar a mim mes­ma, tor­no-me cas­tra­do­ra.”
Rai­nha de Ou­ros. “Eu, a Rai­nha de Ou­ros, co­lo­co meu de­se­jo de
su­pe­ra­ção não no mais além, mas aqui mes­mo, no cen­tro da ma­té­ria.
Ten­den­do com to­da for­ça do meu ser pa­ra um pon­to úni­co, con­cen­tro-
me no cír­cu­lo de ou­ro que é meu sím­bo­lo. Não exis­te em mim a me­nor
co­gi­ta­ção de su­pe­ra­ção de mim mes­ma. Sou tu­do aqui­lo a que as­pi­ro.
Po­de-se di­zer de mim que sou ava­ra, ob­tu­sa, tei­mo­sa, ego­ís­ta. Di­rei que
sou so­bre­tu­do ima­nen­te. Quem po­de me dis­trair? Quem po­de me do-­
mi­nar? Quem sa­be­rá me des­vi­ar dos meus in­te­res­ses? Com uma for­ça
in­co­men­su­rá­vel, de­fen­do meu ter­ri­tó­rio. Se exis­te um pas­sa­do, ele es­tá
aqui mes­mo. E é aqui mes­mo to­do meu fu­tu­ro. Pá­tria, for­tu­na, pos­ses,
es­píri­to práti­co, se não es­tou, quem se­rá o ci­men­to do rei­no? Eu sou a
guar­diã do te­sou­ro, sou a ca­de­la que de­fen­de, ao pre­ço da pró­pria vi­da,
o so­lo ocul­to no co­ra­ção.”
Os Reis

Os Reis de Paus e de Es­pa­das são jo­vens, ati­vos. Os Reis de Co­pas e de


Ou­ros são ve­lhos, re­cep­ti­vos. Si­tu­a­dos en­tre os graus 6 e 7, eles são co-­
mo um ar­co es­ten­di­do en­tre o pra­zer de rei­nar so­bre seus do­mí­nios e o
cha­ma­do do mun­do. Ar­quéti­pos re­a­li­za­dos, eles es­tão no ca­mi­nho do
des­pren­di­men­to. Ao con­trá­rio das Rai­nhas, eles não olham pa­ra o pró-­
prio sím­bo­lo, não são ob­ce­ca­dos por si mes­mos. Eles pos­su­em os pró-­
prios sím­bo­los, mas olham pa­ra o fu­tu­ro: eis o ver­da­dei­ro do­mí­nio. O
pe­ri­go do Rei é cair tan­to na com­pla­cên­cia e na ne­gli­gên­cia, quan­to no
des­po­tis­mo.
E se eles fa­las­sem...

Rei de Es­pa­das. “Quan­to re­fi­na­men­to em mi­nha apa­rên­cia! Tu­do


aqui­lo que em meu pri­mo, Rei de Paus, é rígi­do e en­cou­ra­ça­do, tor­na-se
em mim le­ve e ele­gan­te. Não es­tou ves­ti­do pa­ra a guer­ra, mas pa­ra as
in­tri­gas da cor­te. Meus trun­fos são a in­te­li­gên­cia, o ver­bo si­bi­li­no, as
ar­ti­ma­nhas da es­tra­té­gia, as se­du­ções da iro­nia. À voz das ar­mas, pre­fi-­
ro a for­ça das no­vas idei­as. À fran­que­za do pau, opo­nho a fle­xi­bi­li­da­de
cru­el da mi­nha es­pa­da. Não des­truo, mas trans­pas­so e ras­go. Rei­no com
as leis, com as re­for­mas, com os jo­gos de ali­an­ças. Em vez de eli­mi­nar,
di­vi­do pa­ra me­lhor me im­por. Es­cla­re­ço os con­cei­tos, es­ta­be­le­ço sua
du­a­li­da­de, de­fi­no per­fei­ta­men­te aqui­lo que é e aqui­lo que não é; aqui­lo
que se de­ve acei­tar ou re­jei­tar. Meu exérci­to é com­pos­to por ad­vo­ga-­
dos, es­cri­bas, ju­ris­tas. Te­nho ao meu re­dor uma cor­te de ar­tis­tas ofi­ci-­
ais e no­bres pa­ra­si­tas. Uti­li­zo a in­ge­nui­da­de po­pu­lar pa­ra me de­cla­rar
des­cen­den­te de Deus ou emis­sá­rio da Ver­da­de. Po­de­ria ter si­do um
mo­nar­ca ab­so­lu­tis­ta da his­tó­ria da Fran­ça ou um re­vo­lu­ci­o­ná­rio cri­a-­
dor do Es­ta­do.”
Rei de Co­pas. “Es­tou ves­ti­do com se­das su­a­ves. Meu cha­péu se
abre co­mo uma co­pa pa­ra as ex­ten­sões do cos­mos. Não é uma co­roa de
co­man­do, mas um cha­péu re­cep­ti­vo. Obe­de­ço à von­ta­de uni­ver­sal do
amor. A re­gi­ão do co­ra­ção, em meu pei­to, é ex­cep­ci­o­nal­men­te vas­ta.
Com­preen­di, com a ex­pe­riên­cia da ida­de, que não exis­te sa­be­do­ria
mai­or que a bon­da­de. Mi­nha co­pa aber­ta es­tá cheia de bons sen­ti­men-­
tos, ofe­re­ci­da àque­les que têm se­de de paz. Tu­do cres­ce à mi­nha vol­ta.
Sob sua apa­rên­cia agres­si­va, ve­jo a ver­da­dei­ra es­sên­cia do mun­do: sim-­
ples e ple­no de ter­nu­ra. Os ne­gó­cios do meu rei­no são flo­res­cen­tes, pois
tu­do que re­ce­bo, doo: na­da pa­ra mim que não se­ja pa­ra os ou­tros. Com
be­ne­vo­lên­cia, ex­pres­so meu con­ten­ta­men­to di­an­te da exis­tên­cia dos
se­res cons­ci­en­tes. Po­de-se con­tar com a mi­nha co­la­bo­ra­ção, com a mi-­
nha aju­da. Não co­man­do, es­tou a ser­vi­ço dos meus súdi­tos. Não sou o
ca­mi­nho, sou o ca­pa­cho. Meu pa­lá­cio é aber­to nos qua­tro pon­tos car­de-­
ais. Aque­le que se apro­xi­ma é cu­ra­do. Sou o ide­al que ani­ma as len­das
co­mo a de São Lu­ís. Po­de­ria ter si­do o Cris­to-Rei.”
Rei de Paus. “Meu ce­tro bem la­vra­do se es­ten­de dos meus cal­ca-­
nha­res até mi­nha ca­be­ça: ins­tru­men­to da po­tên­cia su­pre­ma que ma­ni-­
pu­lo co­mo guer­rei­ro. Meu tra­je re­al é uma ar­ma­du­ra que de­mons­tra
mi­nha for­ça. Con­quis­to e pos­suo de ma­nei­ra di­re­ta, sim­ples, sem flo-­
rei­os. Ne­gli­gen­cio as es­tra­té­gias po­líti­cas e di­plo­máti­cas. Quan­do se
tra­ta de con­quis­tar, ajo. Do­mi­no. Ar­ro­go-me o di­rei­to de vi­da e mor­te
so­bre to­dos. Quan­do se tra­ta de cri­ar, não te­nho dúvi­da. Não me co­lo­co
ne­nhum pro­ble­ma de va­lor. Não co­lo­co meu po­der em ques­tão. São mi-­
nhas ações e mi­nhas obras que me de­fi­nem. Pos­so tan­to cons­truir co­mo
des­truir. No meu rei­no, não há dis­cus­são: a mi­nha von­ta­de é quem fa­la.
Ve­nho do po­vo e é o po­vo quem faz a mi­nha for­ça. Se eu fos­se um so­be-­
ra­no da his­tó­ria do mun­do, se­ria um gran­de di­ta­dor, um gran­de con-­
quis­ta­dor, um gran­de as­sas­si­no, um ter­ro­ris­ta, um che­fe de exérci­to.”
Rei de Ou­ros. “He­si­to em me cha­mar de rei. Ten­do aban­do­na­do
meu pa­lá­cio, eu me apre­sen­to em ple­na na­tu­re­za. Tro­quei mi­nha co­roa
por um cha­péu que me pro­te­ge do sol e da chu­va. Pa­re­ço an­tes um
mer­ca­dor. Não te­nho o es­píri­to da con­quis­ta e da in­tri­ga, já não pra­ti­co
mais a ca­ri­da­de, rei­no atra­vés do não agir. Per­si­go a sa­be­do­ria, re­pre-
sen­ta­da por uma mo­e­da que flu­tua no céu. Re­du­zi ao míni­mo mi­nhas
pos­ses ter­res­tres, re­pre­sen­ta­das pe­la mo­e­da que tra­go na mão, e as dei-­
xo em seu de­vi­do lu­gar, sem des­per­dí­cio. Não me com­pa­ro com nin-­
guém. Vi­vo do meu tra­ba­lho. Es­tou no pre­sen­te. Acei­to os aci­den­tes e
as mu­dan­ças in­ces­san­tes da vi­da ma­te­ri­al. Dei­xo-me le­var, sa­ben­do que
o uni­ver­so tem de­síg­nios mis­te­ri­o­sos e que de­vo obe­de­cê-los sem de­les
du­vi­dar, mes­mo que eu não os co­nhe­ça. O pla­ne­ta in­tei­ro é meu rei­no.
Não te­nho cor­te, nem exérci­to, meu sa­ber con­sis­te em na­da sa­ber, meu
po­der a não po­der na­da, meu ser a não ser na­da. Eu po­de­ria ser um
mon­ge, um Bu­da que me­di­ta de­pois de acei­tar seu cor­po co­mo ve­í­cu­lo
tem­po­rá­rio. Ou um ca­pi­tão da in­dús­tria com seus tes­tas de fer­ro, tran-­
qui­lo em seu pa­ra­í­so fis­cal...”
Os Ca­va­lei­ros

Na nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot, os Ca­va­lei­ros se si­tu­am en­tre o grau 8 e o


grau 9, e pos­su­em a di­nâ­mi­ca do 10 (ver pp. 89 ss.). O Nai­pe que re­pre-­
sen­tam atin­giu sua per­fei­ção. Pa­ra cres­cer mais, o Nai­pe de­ve en­trar na
cri­se re­no­va­do­ra do 9, o dei­xar-se le­var que lhe per­mi­ti­rá se trans­for-­
mar em ou­tra coi­sa. Co­mo um men­sa­gei­ro ou um pro­fe­ta, o Ca­va­lei­ro
apor­ta ao mun­do es­sa ener­gia do­mi­na­da e acei­ta, cha­ma­da a se dis­sol-­
ver no ele­men­to se­guin­te. Seu sal­to pa­ra fo­ra do Nai­pe a que per­ten­ce
(ver p. 69) per­mi­te que um ci­clo se fe­che. O pe­ri­go que ame­a­ça o Ca­va-­
lei­ro é per­ma­ne­cer na cri­se, é não se dei­xar le­var pe­la im­per­ma­nên­cia
uni­ver­sal. Ele po­de, en­tão, re­pre­sen­tar um es­ta­do de blo­queio em que
as po­ten­ci­a­li­da­des da ener­gia no­va con­ti­nu­am ir­re­a­li­za­das.
E se eles fa­las­sem...

Ca­va­lei­ro de Es­pa­das. “Meu ca­va­lo, for­te co­mo o do Ca­va­lei­ro de


Paus, é ao mes­mo tem­po mais re­fi­na­do e mais ágil. Eu o con­du­zo em
um gran­de sal­to que me pro­je­ta do rei­no do in­te­lec­to em di­re­ção ao
mis­té­rio do emo­ci­o­nal. O ca­va­lo e eu for­ma­mos um úni­co cor­po. Se o
Ca­va­lei­ro de Paus age pe­la for­ça da von­ta­de, meu ca­va­lo e eu agi­mos
pe­la for­ça da co­ra­gem. Lim­pos de con­cei­tos pa­ra­si­tas, nós eli­mi­na­mos,
en­tre ou­tras coi­sas, a es­pe­ran­ça, e com ela, o me­do. De­ve­mos trans­mi­tir
a pró­pria es­sên­cia do es­píri­to: sa­be­mos que so­mos a úl­ti­ma ma­ni­fes­ta-­
ção da ação. Em meu el­mo, te­nho uma au­ra ama­re­la, sím­bo­lo da san­ti-­
da­de. Com mi­nha es­pa­da ver­me­lha se­me­lhan­te a uma lan­ça e meu ca-­
va­lo ágil, sou o por­ta­dor da vi­da. O que trans­pas­sa­rei com mi­nha es­pa-­
da? O co­ra­ção dos ou­tros. O Ver­bo se tor­na amor. Sa­cri­fi­quei meu de­se-­
jo de ser pa­ra en­trar na ab­ne­ga­ção sa­gra­da.”
Ca­va­lei­ro de Co­pas. “Se os Ca­va­lei­ros de Paus e de Es­pa­das ca­val-
gam ga­ra­nhões, eu, co­mo o Ca­va­lei­ro de Ou­ros, mon­to uma do­ce égua.
Não con­du­zo mi­nha mon­ta­ria, não é ne­ces­sá­rio. Com a mão aber­ta,
per­si­go meu sím­bo­lo, a Co­pa. Não a se­gu­ro en­tre os de­dos: ela é quem
nos guia, mi­nha mon­ta­ria e eu, flu­tu­an­do no ar. Co­pa aber­ta de on­de
bro­ta uma fon­te de amor... É es­se amor que me guia, não sei aon­de vou.
Si­go-o sem du­vi­dar que ele me le­va­rá à mi­nha re­a­li­za­ção, que é o es­ta-­
do de gra­ça. O dom flui na­tu­ral­men­te, não for­ço mi­nha von­ta­de pa­ra
en­con­trar o bom ca­mi­nho. Não em­pre­go mi­nha co­ra­gem pa­ra sal­tar pa-­
ra além dos meus li­mi­tes. Só obe­de­ço, sim­ples­men­te. Aqui­lo que re­ce-­
bo, doo. Meu úni­co de­se­jo, pa­ra re­a­li­zar es­se dom in­ces­san­te de que
sou in­ves­ti­do, é so­bre­vi­ver pa­ra per­ma­ne­cer a seu ser­vi­ço. É en­tão que,
ben­zen­do o mun­do, en­tro no rei­no da en­car­na­ção – dos Ou­ros, da ma-­
té­ria e das ne­ces­si­da­des.”
Ca­va­lei­ro de Paus. “Quan­do era Va­le­te, meu sím­bo­lo re­pou­sa­va so-­
bre a Ter­ra. Ago­ra ele se er­gue em di­re­ção ao céu, ao de­sen­vol­vi­men­to
es­pi­ri­tu­al. Não sou se­pa­ra­do de­le: ele tem ra­í­zes na mi­nha mão, ele
cres­ce a par­tir de mim mes­mo. Meu ani­mal, meu ca­va­lo gran­di­o­so e
po­ten­te, tor­nou-se bran­co, cor da pu­re­za. Ele sim­bo­li­za a ex­tre­ma
subli­mi­da­de dos meus de­se­jos. Eu, o ca­va­lei­ro que en­car­na sua von­ta-­
de, fa­ço-o vi­rar da di­rei­ta pa­ra a es­quer­da, da ação pa­ra a re­cep­ti­vi­da­de.
Su­bli­mei as pai­xões. Apren­di a des­vi­ar o ca­mi­nho das ener­gi­as des­tru-­
ti­vas pa­ra o ca­mi­nho do es­píri­to. Mi­nha ener­gia, des­ta­can­do-se da au-­
tos­sa­tis­fa­ção, da ten­ta­ção do po­der to­ta­li­tá­rio, da guer­ra bes­ti­al, tor-­
nou-se imen­sa. Por um ato de von­ta­de su­pre­ma, mi­nha ani­ma­li­da­de,
es­se ca­va­lo bran­co, se con­cen­tra e se tor­na a es­pa­da bran­ca do Ca­va­lei-­
ro de Es­pa­das. Re­pre­sen­to o mo­men­to em que o Eros da se­xu­a­li­da­de se
tor­na a fon­te en­ri­que­ce­do­ra do es­píri­to.”
Ca­va­lei­ro de Ou­ros. “Não sei se sou ho­mem ou mu­lher. An­tes um
her­ma­fro­di­ta que avan­ça so­bre uma ter­ra on­de ne­nhum te­sou­ro se es-­
con­de. Ter­res­tre e ce­les­te, o ou­ro du­plo do Va­le­te e do Rei do meu Nai-­
pe se tor­nou um úni­co as­tro que flu­tua no es­pa­ço. A ma­té­ria se es­pi­ri-
tu­a­li­zou. Ela se tor­nou fértil e mãe de uma vi­da eter­na. Sou co­mo a car-­
ne da Vir­gem Ma­ria, que ao fi­nal de seu pro­ces­so se tor­nou imor­tal e se
ele­va pa­ra rei­nar no cen­tro do Uni­ver­so. Es­se é meu des­ti­no. Mi­nha
égua não tem a do­çu­ra da­que­la do Ca­va­lei­ro de Co­pas; ela avan­ça a pas-­
sos co­me­di­dos, mas se­gu­ros, pre­ci­sos. Ela re­pre­sen­ta mi­nha saú­de. Ela
não vai nem len­ta­men­te de­mais, nem mui­to de­pres­sa, ca­mi­nha no rit-­
mo que cor­res­pon­de a seu pre­sen­te. Es­sa paz in­fi­ni­ta de­cor­re do fa­to
de que ven­ce­mos a mor­te: es­tou dis­pos­to a so­frer as in­ces­san­tes mu-­
dan­ças sa­ben­do que em mi­nha es­sên­cia pro­fun­da es­tá o imu­tá­vel. É is-­
so que da­rá ori­gem às no­vas ri­que­zas da ter­ra que se con­cre­ti­za­rão nos
Paus. Já le­vo em mi­nha mão di­rei­ta o iní­cio de um no­vo ci­clo de ação,
um bas­tão cri­a­ti­vo.”
Sig­ni­fi­ca­do re­su­mi­do por Nai­pe
Es­pa­das

Va­le­te de Es­pa­das. O fio cen­tral de sua es­pa­da se de­tém an­tes de che-­


gar à pon­ta: o in­te­lec­to do Va­le­te pre­ci­sa ain­da ser afi­a­do, for­ma­do.
Cons­ci­en­te de sua inex­pe­riên­cia, ele he­si­ta: se­rá que ele sa­be­rá usar
sua ar­ma ou se­rá que de­ve guar­dá-la na bai­nha cor de car­ne? A es­te
per­so­na­gem, que pos­sui as ba­ses da in­te­li­gên­cia, fal­ta-lhe con­fi­an­ça em
si mes­mo. É tal­vez um es­tu­dan­te, ou um jo­vem pes­qui­sa­dor. Tal­vez ele
te­nha si­do des­va­lo­ri­za­do in­te­lec­tu­al­men­te, tal­vez não te­nha con­se­gui-­
do con­ti­nu­ar seus es­tu­dos. Co­mo to­dos os Va­le­tes, sua si­tu­a­ção pe­de ao
mes­mo tem­po pru­dên­cia e per­se­ve­ran­ça. Os as­pec­tos ne­ga­ti­vos des­ta
car­ta se­rão a men­ti­ra, a au­to­de­se­va­lo­ri­za­ção, a con­fu­são in­te­lec­tu­al, a
ver­bo­si­da­de, um pen­sa­men­to pre­ci­pi­ta­do e mal or­ga­ni­za­do, a agres­são
oral.
Rai­nha de Es­pa­das. A mão so­bre o ven­tre pro­te­ge uma an­ti­ga fe­ri-­
da ou se­gu­ra um es­cu­do? Seu olhar es­tá fi­xo em sua es­pa­da ver­me­lha,
que ela er­gue com or­gu­lho. Re­pre­sen­ta um in­te­lec­to po­de­ro­so, ca­paz
de idei­as úteis e efi­ca­zes. Po­de de­fen­der su­as opi­ni­ões com mui­ta obs­ti-­
na­ção. Sa­be o que sig­ni­fi­ca fa­lar, mas não es­tá fe­cha­da às idei­as no­vas.
Seus as­pec­tos ne­ga­ti­vos se­rão uma re­cu­sa do cor­po ou da se­xu­a­li­da­de,
tal­vez uma ci­ca­triz no ven­tre (ce­sa­ri­a­na...), o fe­cha­men­to do co­ra­ção,
um ra­ci­o­na­lis­mo le­va­do ao ex­tre­mo, a fri­gi­dez.
Rei de Es­pa­das. Ele tem co­mo O Car­ro (VII) dois ros­tos em for­ma
de meia-lua so­bre os om­bros. É um rei da cor­te, hábil no tra­to com as
pa­la­vras e os con­cei­tos, com as idei­as no­vas. Na mão es­quer­da (à nos­sa
di­rei­ta), ele le­va uma uni­da­de de me­di­da so­bre a qual es­tão gra­va­dos 22
tra­ços, nú­me­ro dos Ar­ca­nos mai­o­res. Ele po­de re­pre­sen­tar um di­ri­gen-­
te jus­to e es­cla­re­ci­do, um ju­ris­ta, um pro­fes­sor uni­ver­si­tá­rio, um ar­qui-­
te­to, um pen­sa­dor ci­en­tífi­co, al­guém ca­paz de li­dar com uma si­tu­a­ção
com gran­de se­re­ni­da­de in­te­lec­tu­al. Ele con­tro­la seu pen­sa­men­to e o
co­lo­ca em ação no mun­do. Seus as­pec­tos ne­ga­ti­vos evo­cam a po­tên­cia
da ca­lú­nia e da críti­ca, a agres­são ver­bal, o er­ro ju­di­ciá­rio, um po­líti­co
cor­rup­to de dis­cur­so to­ta­li­tá­rio, um in­tri­gan­te que con­quis­ta seu lu­gar
na so­ci­e­da­de por mei­os du­vi­do­sos.
Ca­va­lei­ro de Es­pa­das. So­bre seu ca­va­lo en­cou­ra­ça­do, ves­ti­do com
ar­ma­du­ra e ca­pa­ce­te, es­te emis­sá­rio de apa­rên­cia guer­rei­ra, pro­vi­do de
uma es­pa­da lon­ga co­mo uma lan­ça, se lan­ça ru­mo à su­pe­ra­ção do pen-­
sa­men­to. Ar­ris­ca o sal­to no des­co­nhe­ci­do. Seu in­te­lec­to ex­pe­ri­men­tou
o va­zio e o si­lên­cio. De­pois de ir além da per­fei­ção, ele re­to­ma o ca­mi-­
nho do amor: do­ra­van­te, ele só se­gui­rá pe­los ca­mi­nhos que te­nham co-­
ra­ção. Ele po­de­ria ser um in­te­lec­tu­al que se tor­na re­cep­ti­vo ao amor ou
ao di­vi­no, um ho­mem que lu­ta por uma cau­sa es­pi­ri­tu­al e de­se­ja dar
tes­te­mu­nho des­sa cau­sa ao mun­do in­tei­ro, um pro­fe­ta, o por­ta­dor da
boa-no­va, a so­lu­ção de um pro­ble­ma, o fim de um con­fli­to men­tal.
Co­pas

Va­le­te de Co­pas. Com uma co­roa de flo­res na ca­be­ça, co­mo a jo­vem


d’O Na­mo­ra­do (VI), ele pas­seia com uma co­pa que he­si­ta em man­ter
aber­ta ou fe­chá-la. É um per­so­na­gem tí­mi­do que ja­mais amou fo­ra de
sua cé­lu­la fa­mi­li­ar, ou que per­deu o cos­tu­me de amar de­pois de mui­to
tem­po. Seu as­pec­to an­dró­gi­no po­de tam­bém nos in­di­car uma pes­soa
que não as­su­miu ain­da sua ho­mos­se­xu­a­li­da­de. A des­co­ber­ta do mun­do
emo­ci­o­nal ten­ta e ater­ro­ri­za ao mes­mo tem­po: seu co­ra­ção diz sim, de-­
pois diz não. Ele po­de­ria en­car­nar um de­se­jo de amar mes­cla­do com
me­do, que an­te­ci­pa a re­cu­sa e a fe­ri­da. Ele evo­ca tam­bém a pas­sa­gem
da in­fân­cia à vi­da adul­ta, o pri­mei­ro amor com su­as dúvi­das e seus
gran­des ar­re­ba­ta­men­tos. Po­de ser igual­men­te uma pes­soa mais ve­lha
que não ar­ris­ca mais se apai­xo­nar. Ele po­de sig­ni­fi­car uma fal­ta de con-­
fi­an­ça na vi­da e nas re­la­ções emo­ci­o­nais, uma con­cep­ção pes­si­mis­ta do
amor. No ne­ga­ti­vo, se­rá um blo­queio emo­ci­o­nal que re­mon­ta aos me-­
dos in­fan­tis, uma ima­tu­ri­da­de afe­ti­va, uma ten­dên­cia a mui­tos de­va­nei-­
os, o es­pec­tro de um gran­de so­fri­men­to amo­ro­so.
Rai­nha de Co­pas. Com o ros­to vol­ta­do pa­ra sua co­pa fe­cha­da, ela
le­va na mão es­quer­da (à nos­sa di­rei­ta) uma es­pécie de es­pa­da de lâ­mi-­
na si­nuo­sa. Ela pa­re­ce aten­ta às pró­prias emo­ções, e de­ci­di­da a de­fen-­
der seus sen­ti­men­tos: pa­ra que ela abra seu co­ra­ção e doe o que tem pa-­
ra do­ar, é pre­ci­so ins­pi­rar-lhe con­fi­an­ça. Ela re­pre­sen­ta o amor fa­mi­li-­
ar, a bon­da­de, uma boa mãe. Em seu as­pec­to próxi­mo do 5, ela evo­ca­rá
uma pes­soa ca­ri­do­sa, ins­pi­ra­da pe­la fé, pa­ra a qual seu mun­do afe­ti­vo
co­ti­di­a­no é o es­pe­lho do amor di­vi­no. Seus as­pec­tos ne­ga­ti­vos po­de­ri-­
am ser o ci­ú­me, a pos­ses­si­vi­da­de, uma afe­ti­vi­da­de su­fo­can­te e li­mi­ta­da,
ou ao con­trá­rio uma fal­ta de amor por seus próxi­mos, uma fal­sa ca­ri­da-­
de, a ex­plo­ra­ção, o des­pre­zo so­ci­al.
Rei de Co­pas. Ele pa­re­ce ter uma cer­ta ida­de, e po­de­mos lhe dar
crédi­to por uma vas­ta ex­pe­riên­cia afe­ti­va. O la­do es­quer­do de seu pei­to
(à nos­sa di­rei­ta), o la­do do co­ra­ção, é de uma lar­gu­ra ex­cep­ci­o­nal. É um
ho­mem (ou uma mu­lher) de co­ra­ção, sua co­pa es­tá aber­ta e ele dis­tri-­
bui ge­ne­ro­sa­men­te o amor cons­ci­en­te, a ale­gria de vi­ver, a se­re­ni­da­de
das emo­ções do­mi­na­das. Ele é ca­paz de uma ação vas­ta fun­da­da so­bre
sua vi­são aman­te do mun­do: é tal­vez um gran­de te­ra­peu­ta, um con­se-­
lhei­ro, um médi­co, um me­ce­nas, um ser bom e ge­ne­ro­so. Se ele se tor­na
ne­ga­ti­vo, o Rei de Co­pas ver­te­rá seu ódio so­bre sua fa­mí­lia e so­bre o
mun­do, po­de­rá ser um al­coó­la­tra, um per­ver­so nar­ci­sis­ta, um hi­pócri­ta,
um ser do­en­ti­a­men­te ciu­men­to, uma pu­bli­ci­da­de en­ga­no­sa.
Ca­va­lei­ro de Co­pas. So­bre seu ca­va­lo azul e de­li­ca­do, ele se­gue o
ca­mi­nho que lhe in­di­ca a co­pa que flu­tua aci­ma de sua pal­ma di­rei­ta (à
nos­sa es­quer­da). O ca­mi­nho do amor che­ga a seu ter­mo: o amor se tor-­
na­rá uma for­ça con­cre­ta. É tal­vez uma ação mis­si­o­ná­ria, uma em­prei­ta-­
da hu­ma­ni­tá­ria, uma pes­soa que vem pe­dir per­dão e re­pa­rar seus er­ros,
uma boa ação, um amor sin­ce­ro. É tam­bém um san­to que se põe a ser­vi-­
ço do mun­do, cons­trói um mo­nas­té­rio ou se tor­na um cu­ran­dei­ro.
Paus

Va­le­te de Paus. De pé, de per­fil, su­as du­as mãos es­tão pos­tas so­bre um
pau gros­sei­ro. Se­rá que ele o le­van­ta­rá? Se­rá que ele o dei­xa­rá apoi­a­do?
É a he­si­ta­ção en­tre fa­zer e não fa­zer, en­tre cri­ar e não cri­ar, en­tre obe-­
de­cer ou não aos pró­prios de­se­jos. A ener­gia é in­di­fe­ren­ci­a­da e exi­ge
ser ca­na­li­za­da: é tal­vez uma se­xu­a­li­da­de he­si­tan­te, um pro­je­to cri­a­ti­vo
que de­ve ser afi­na­do e le­va­do a ca­bo com per­se­ve­ran­ça... Os as­pec­tos
ne­ga­ti­vos des­ta car­ta se­ri­am a ina­bi­li­da­de, o blo­queio da ener­gia se­xu­al
ou cri­a­ti­va, uma fal­ta de vi­ta­li­da­de ou ain­da a bru­ta­li­da­de.
Rai­nha de Paus. Um bas­tão es­cul­pi­do es­tá co­lo­ca­do so­bre seu bai-­
xo ven­tre, ela o se­gu­ra com a mão di­rei­ta (à nos­sa es­quer­da) e com a
ou­tra pa­re­ce agi­tar uma pe­que­na mão ar­ti­fi­ci­al de cor ama­re­la. É uma
pes­soa sen­su­al, se­du­to­ra, que pos­sui pon­tos co­muns com A Im­pe­ra­triz
(III). Em ple­na pos­se de sua se­xu­a­li­da­de e de sua cri­a­ti­vi­da­de, ela po­de
ser apai­xo­na­da, ca­pri­cho­sa, ins­tin­ti­va, in­de­pen­den­te. Ela re­pre­sen­ta a
sa­tis­fa­ção de uma pes­soa que co­me­ça a vi­ver de sua cri­a­ti­vi­da­de. Sua
se­xu­a­li­da­de é bem vi­vi­da, ela po­de sim­bo­li­zar um (ou uma) ar­tis­ta, um
tra­ba­lho ener­géti­co, mas tam­bém, em um sen­ti­do mais ne­ga­ti­vo, um
(ou uma) ob­ce­ca­do (a) se­xu­al, a ve­na­li­da­de, o ex­ces­so.
Rei de Paus. Seu bas­tão é um gran­de ce­tro que se apoia em seu cal-­
ca­nhar no chão, a ou­tra ex­tre­mi­da­de to­can­do seu cha­péu. Co­mo to­dos
os Reis, ele do­mi­nou sua ener­gia: vi­tal, cri­a­ti­va e se­xu­al. Ele po­de sim-­
bo­li­zar um ar­tis­ta re­co­nhe­ci­do ou al­guém cri­a­ti­vo em sua ati­vi­da­de co-­
ti­di­a­na, um ho­mem de po­der, um aman­te sin­ce­ro, um guer­rei­ro, um
mes­tre de ar­tes mar­ci­ais. Seus as­pec­tos ne­ga­ti­vos po­dem ser o des­po-­
tis­mo, a ar­ro­gân­cia, uma se­xu­a­li­da­de po­ten­te, mas se­pa­ra­da do amor,
ele se­rá en­tão um se­du­tor, um ti­ra­no, um ar­tis­ta cheio de si.
Ca­va­lei­ro de Paus. Mon­ta­do em um ca­va­lo bran­co, sím­bo­lo da su-­
bli­ma­ção do de­se­jo, o Ca­va­lei­ro de Paus do­mi­na sua mon­ta­ria a pon­to
de fa­zê-lo mu­dar de di­re­ção. Seu bas­tão vol­ta a ser na­tu­ral: a ener­gia
se­xu­al e cri­a­ti­va é vis­ta sim­ples­men­te por aqui­lo que ela é. O bas­tão
atra­ves­sa sua mão, co­mo in­di­can­do que não exis­te du­a­li­da­de en­tre ele e
sua ener­gia, mas uma con­fi­an­ça to­tal. Es­ta car­ta re­pre­sen­ta o ins­tin­to
ca­na­li­za­do, a cri­a­ti­vi­da­de em ple­no do­mí­nio de si mes­ma, a co­ra­gem
su­pre­ma di­an­te da vi­da e da mor­te, a paz, as ca­pa­ci­da­des de cu­ra, ou
ain­da um sá­bio que aban­do­na vo­lun­ta­ri­a­men­te os pra­ze­res do mun­do
pa­ra en­trar no rei­no do pen­sa­men­to.
Ou­ros

Va­le­te de Ou­ros. Com su­as du­as mo­e­das, uma ele­va­da e ou­tra en­ter­ra-­
da, ele se in­ter­ro­ga so­bre seu lu­gar no mun­do, seu cor­po, seus re­cur­sos
fi­nan­cei­ros... A mo­e­da en­ter­ra­da é um obs­tá­cu­lo que o im­pe­de de avan-­
çar, a mo­e­da ele­va­da é seu de­se­jo. Ele tem en­tre os de­dos da mão es-­
quer­da (à nos­sa di­rei­ta), um pe­que­no cír­cu­lo ama­re­lo, que po­de­ria ser
uma bo­li­nha de ou­ro co­mo aque­la d’O Ma­go. Se­rá que ele de­ve em-­
preen­der uma car­rei­ra, e qual se­ria? Co­mo en­trar na vi­da ati­va? Se­rá
que o in­ves­ti­men­to va­le a pe­na? Se­rá pos­sí­vel re­cu­pe­rar a saú­de? Es­sas
são as ques­tões co­lo­ca­das pe­lo Va­le­te de Ou­ros, con­si­de­ran­do o ris­co
físi­co e fi­nan­cei­ro. Se ele co­lo­ca al­gum pro­ble­ma, po­de ser por não sa-­
ber seu lu­gar, por per­ma­ne­cer ina­ti­vo ou, ao con­trá­rio, jo­gan­do ir­re­fle-­
ti­da­men­te com sua se­gu­ran­ça, com sua vi­da.
Rai­nha de Ou­ros. Ela tem o ros­to vol­ta­do pa­ra uma mo­e­da gran­de
que, com mão fir­me, ela se­gu­ra na al­tu­ra dos olhos. Es­pe­lho, es­pe­lho
meu? Ou me­di­ta­ção pro­fun­da? À Rai­nha de Ou­ros im­por­tam seu di-­
nhei­ro, sua si­tu­a­ção, sua saú­de, su­as aqui­si­ções. Ela po­de em­pre­gar
bas­tan­te ener­gia pa­ra man­ter as coi­sas co­mo es­tão, mas ela sa­be tam-­
bém ino­var com pro­je­tos ines­pe­ra­dos. Po­de­rí­a­mos di­zer que é uma
pes­soa que tem co­ra­gem de se olhar de fren­te. Sus­ce­tí­vel à ava­re­za. Po-­
de re­pre­sen­tar um es­for­ço pro­lon­ga­do pa­ra ga­ran­tir uma se­gu­ran­ça
ma­te­ri­al, cons­truir uma ca­sa... Seu ris­co é não en­xer­gar um pal­mo além
do pró­prio na­riz, fi­xar-se em sua se­gu­ran­ça ma­te­ri­al sem pen­sar em in-­
ves­tir, em dar um pas­so adi­an­te ou sem con­si­de­rar ou­tros as­pec­tos do
re­al.
Rei de Ou­ros. Ves­ti­do con­for­ta­vel­men­te e sem pom­pa, sem co­roa
mas cha­péu, seu tro­no ins­ta­la­do ao ar li­vre, ele as­sen­tou seu po­der na
ma­té­ria e fi­ca em con­ta­to com a ter­ra. É tal­vez um in­dus­tri­al, tal­vez um
co­mer­ci­an­te ou um agri­cul­tor ri­co. Ele co­nhe­ce du­as for­mas de ri­que-­
za: a mo­e­da que ele se­gu­ra na mão re­pre­sen­ta o di­nhei­ro que ele já sa­be
ga­nhar, sem es­for­ços ex­ces­si­vos, com pra­zer. A mo­e­da que flu­tua no ar,
e que ele ob­ser­va, re­pre­sen­ta sua ação no mun­do, o di­nhei­ro vir­tu­al, ou
a ma­té­ria já es­pi­ri­tu­a­li­za­da. O Rei de Ou­ros po­de tan­to ser um mi­li­o­ná-­
rio quan­to um ser in­tei­ra­men­te de­sa­pe­ga­do que vi­ve na pros­pe­ri­da­de
mi­ra­cu­lo­sa do pre­sen­te. Su­as acep­ções ne­ga­ti­vas nos re­me­tem à tra­pa-­
ça, ao di­nhei­ro su­jo, à es­pe­cu­la­ção na bol­sa. Po­de ser tam­bém um ne­go-­
ci­an­te de ar­mas ou de pro­du­tos tóxi­cos.
Ca­va­lei­ro de Ou­ros. Com um bas­tão na mão, ca­val­gan­do uma
mon­ta­ria re­cep­ti­va azul, es­se ca­va­lei­ro avan­ça em uma pai­sa­gem ilu­mi-­
na­da por um as­tro em for­ma de mo­e­da. Ele re­pre­sen­ta a su­pe­ra­ção da
ma­té­ria pe­la cri­a­ti­vi­da­de, um des­fe­cho que abre no­vos ho­ri­zon­tes. É
tam­bém al­guém bas­tan­te ri­co pa­ra cri­ar al­gu­ma coi­sa no­va, um no­vo
ob­je­ti­vo pa­ra além das con­si­de­ra­ções ma­te­ri­ais. No sen­ti­do es­tri­to, o
Ca­va­lei­ro de Ou­ros po­de re­pre­sen­tar uma vi­a­gem ou um des­lo­ca­men­to;
ou ain­da uma bus­ca li­ga­da ao cor­po, à cri­a­ti­vi­da­de, ao lu­gar no mun­do.

AS FI­GU­RAS EM UMA LEI­TU­RA


Con­for­me a es­tra­té­gia de lei­tu­ra que de­ci­da­mos em­pre­gar, as Fi­gu­ras
ou Trun­fos po­de­rão re­pre­sen­tar ora um per­so­na­gem re­al, ora uma ati­tu-­
de ou um es­ta­do da ex­pe­riên­cia di­an­te de seu sím­bo­lo. Po­de­mos tam-­
bém lhes atri­buir uma fun­ção in­di­ca­ti­va do tem­po: a dúvi­da do Va­le­te
nos si­na­li­za, en­tão, uma lon­ga du­ra­ção de fim in­cer­to, a con­tem­pla­ção
es­táti­ca da Rai­nha, um pe­rí­o­do de­fi­ni­ti­va­men­te es­tá­vel e mui­to lon­go, o
des­pren­di­men­to do Rei, um de­sen­la­ce ou uma mu­dan­ça próxi­ma, e o di-­
na­mis­mo do Ca­va­lei­ro, uma mu­ta­ção rápi­da.
A Cons­ciên­cia co­mo obra co­mum

Se acei­tar­mos que o Ta­rot não age co­mo uma bo­la de cris­tal e que o ta-­
ró­lo­go não é um vi­den­te – dom que se­gun­do os eso­téri­cos per­mi­te ver
o fu­tu­ro do con­su­len­te –, mas um lei­tor, ve­re­mos que os Ar­ca­nos cons-­
ti­tu­em uma lin­gua­gem na qual de­se­nhos e co­res as­su­mem o lu­gar das
le­tras e pa­la­vras. Da mes­ma ma­nei­ra que fa­la­mos fran­cês, es­pa­nhol, in-­
glês, ja­po­nês etc., po­de­mos fa­lar em Ta­rot. E da mes­ma for­ma que to­do
ser hu­ma­no, se es­tu­dá-lo, po­de apren­der um no­vo idi­o­ma, é pos­sí­vel
apren­der a ler e tra­du­zir as men­sa­gens do Ta­rot sem a ne­ces­si­da­de de
ser mági­co, vi­den­te ou um ser do­ta­do de po­de­res pa­ra­psi­co­ló­gi­cos. O
Ta­rot é uma lin­gua­gem ao al­can­ce de to­dos.
Quan­do co­me­ça­mos a dar cur­sos, per­gun­ta­mo-nos qual se­ria a ma-­
nei­ra mais aces­sí­vel de en­si­nar es­sa lín­gua. Des­co­bri­mos que de­pois de
des­cre­ver as car­tas uma por uma, com su­as múl­ti­plas pos­si­bi­li­da­des de
in­ter­pre­ta­ção, o que equi­va­lia a co­nhe­cer o al­fa­be­to, o mais efi­caz pa­ra
nos­sos alu­nos era apren­der a ler a men­sa­gem que re­sul­ta­va da com­bi-­
na­ção dos Ar­ca­nos. A ação de um in­di­ví­duo so­li­tá­rio é di­fe­ren­te da de
um ca­sal, da de uma fa­mí­lia e, por fim, da de um gru­po so­ci­al. Uma úni-
ca no­ta não é a músi­ca; du­as no­tas cri­am a har­mo­nia, uma no­va di­men-­
são au­di­ti­va; três for­mam um acor­de; qua­tro ou mais compõem obras.
A mai­o­ria dos li­vros que en­si­nam Ta­rot se con­ten­ta em des­cre­ver
um a um os Ar­ca­nos, sem se dar con­ta de que eles mu­dam em fun­ção
das car­tas com as quais se re­la­ci­o­nam... An­tes de for­mar fra­ses, as le-­
tras – con­so­an­tes e vo­gais –, de­vem cons­ti­tuir sí­la­bas que mu­dam se-­
gun­do a or­dem de com­po­si­ção: “ma” con­duz a con­cei­tos di­fe­ren­tes de
“am”, “is” é di­fe­ren­te de “si”, “no” de “on” etc. As sí­la­bas são os pi­la­res
das pa­la­vras, as quais for­ma­rão fra­ses, de­pois tra­ta­dos, po­e­mas, evan-­
ge­lhos ou tex­tos in­fa­mes...
Pen­san­do as­sim, che­ga­mos à con­clu­são de que um es­tu­do do Ta­rot
que não com­preen­des­se o es­tu­do dos duos-sí­la­bas não po­de­ria con­du-­
zir a uma lei­tu­ra cor­re­ta. Um mun­do se abriu di­an­te de nós.
Se a lin­gua­gem li­te­rá­ria se compõe de vo­gais e con­so­an­tes, com a
obri­ga­ção de que ca­da sí­la­ba con­te­nha sem­pre uma vo­gal, re­du­zin­do
as­sim o nú­me­ro de com­bi­na­ções, na lin­gua­gem ta­róti­ca to­dos os Ar­ca-­
nos po­dem ser­vir pa­ra for­mar a sí­la­ba. Su­pon­do que a car­ta ti­ra­da se­ja
uma con­so­an­te, ela não te­rá ape­nas a op­ção do pe­que­no nú­me­ro de vo-­
gais, mas das vin­te e uma car­tas res­tan­tes. Is­so re­sul­ta em uma lín­gua
imen­sa­men­te mais vas­ta, pos­si­bi­li­tan­do um nú­me­ro mui­to mai­or de
sen­ti­dos.
Uma vez que as car­tas são nu­me­ra­das (co­mo no al­fa­be­to he­brai­co)
e vão do 0 (O Lou­co) ao 21 (XXI O Mun­do), é in­te­res­san­te ana­li­sar a
mu­dan­ça de sen­ti­do con­for­me a car­ta de nú­me­ro in­fe­ri­or ve­nha an­tes
ou de­pois da ou­tra car­ta.
Ou­tros duos, pa­ra es­tu­dar em re­la­ção à man­da­la, são aque­les que
pos­su­em o mes­mo va­lor nu­méri­co co­mo 1 e 11, 2 e 12, 3 e 13 etc. Es­ses
ca­sais pos­su­em uma uni­ão pro­fun­da en­tre eles e, às ve­zes, du­ran­te uma
lei­tu­ra, as­sim co­mo a som­bra se­gue um vo­lu­me ilu­mi­na­do, quan­do es-­
co­lhe­mos ao aca­so uma des­sas du­as car­tas, po­de­mos vo­lun­ta­ri­a­men­te
com­ple­tar sua sig­ni­fi­ca­ção ti­ran­do a ou­tra car­ta do mes­mo va­lor nu-­
méri­co pa­ra re­pe­tir ou re­for­çar sua men­sa­gem.
Em seu ro­man­ce ina­ca­ba­do, Le Mont ana­lo­gue [O mon­te aná­lo­go],
Re­né Dau­mal es­cre­veu: “A par­tir do fa­to de ser­mos dois, tu­do mu­da. A
ta­re­fa não fi­ca du­as ve­zes mais fácil. Não, de im­pos­sí­vel, ela se tor­na
pos­sí­vel!”. Po­de­mos apli­car is­so ao Ta­rot, uma vez que sem dúvi­da ele
nos in­di­ca a im­por­tân­cia do ca­sal: A Pa­pi­sa acom­pa­nha O Pa­pa, A Im-
pe­ra­triz se aco­pla a O Im­pe­ra­dor, A Lua com O Sol e, nas Fi­gu­ras, as
Rai­nhas com os Reis. Além des­ses ca­sais, po­de­mos ob­ser­var os duos
que se for­mam por cer­tos de­ta­lhes que não os atre­lam ab­so­lu­ta­men­te,
uma vez que qual­quer Ar­ca­no po­de se aco­plar com qual­quer ou­tro,
con­for­me as pro­je­ções do lei­tor. Se os cha­péus em for­ma de 8 dei­ta­do
unem O Ma­go a A For­ça, a mes­ma A For­ça, acom­pa­nha­da de uma fe­ra,
po­de se unir a O Mun­do, no qual tam­bém apa­re­ce um le­ão. Pe­la po­si­ção
cor­po­ral, po­de­mos as­so­ci­ar O En­for­ca­do a O Mun­do pe­la per­na cru­za-­
da. Por sua ma­nei­ra idênti­ca de an­dar, O Lou­co e o Ar­ca­no XI­II se
acom­pa­nham. Por apre­sen­ta­rem am­bos o mes­mo nú­me­ro de se­res hu-­
ma­nos em­bai­xo de um an­jo, po­de­mos aco­plar O Na­mo­ra­do com O Jul-­
ga­men­to: qua­tro per­so­na­gens ves­ti­dos e um an­jo nu no pri­mei­ro; três
per­so­na­gens nus e um an­jo ves­ti­do no se­gun­do. Por con­ta­rem com três
per­so­na­gens – um do­mi­nan­do os ou­tros dois que es­tão de al­gu­ma ma-­
nei­ra imo­bi­li­za­dos –, A Ro­da da For­tu­na e O Di­a­bo se unem. Tem­pe-­
ran­ça e A Es­tre­la se pa­re­cem, pois am­bas pos­su­em ân­fo­ras: na pri­mei-­
ra, os líqui­dos ou flui­dos se mis­tu­ram no in­te­ri­or; na se­gun­da, se der­ra-­
mam na pai­sa­gem. Se der­mos a O Car­ro a pos­si­bi­li­da­de de uma ação
guer­rei­ra e vi­to­ri­o­sa, po­de­mos bem as­so­ciá-lo a A Tor­re, on­de uma tor-­
re pa­re­ce ex­plo­dir. Cer­ta­men­te, do fa­to de que da tor­re sa­em igual­men-­
te dois per­so­na­gens com a ca­be­ça pa­ra bai­xo e os pés pa­ra ci­ma, A Tor-­
re po­de for­mar um duo com O En­for­ca­do. E O En­for­ca­do, ten­do as
mãos es­con­di­das nas cos­tas, po­de se unir a O Di­a­bo, em que os dois di­a-­
bre­tes tam­bém es­con­dem as mãos atrás do cor­po.
Quan­to aos ca­sais, é im­por­tan­te nos dar­mos con­ta de que o Ta­rot,
que pro­va­vel­men­te já exis­tia no ano mil, afir­ma a im­por­tân­cia da mu-­
lher em um mun­do pa­tri­ar­cal. Ele mos­tra cla­ra­men­te que é anor­mal
que um pa­dre in­fa­lí­vel, O Pa­pa, pos­sa ser o guia e re­pre­sen­tan­te de
Deus sem ter a seu la­do uma mu­lher do mes­mo ní­vel es­pi­ri­tu­al, A Pa­pi-­
sa. Que um Im­pe­ra­dor sem uma Im­pe­ra­triz não po­de go­ver­nar cor­re­ta-­
men­te seus do­mí­nios. Que a ati­vi­da­de so­lar não po­de ser con­ce­bi­da
sem a re­cep­ti­vi­da­de lu­nar, que o dia e a noi­te se com­ple­tam.
Nos três ca­sais se­guin­tes, que com to­da evi­dên­cia re­pre­sen­tam as
três di­fe­ren­tes fa­ce­tas dos sím­bo­los pai e mãe, o Ta­rot apre­sen­ta pri-­
mei­ro a mu­lher, se­gui­da do ho­mem; as­sim, o lei­tor, uti­li­zan­do-o co­mo
es­pe­lho, vê à sua es­quer­da as mães e à sua di­rei­ta os pais: II A Pa­pi­sa e
V O Pa­pa; III A Im­pe­ra­triz e II­II O Im­pe­ra­dor; XVI­II A Lua e XVI­I­II O
Sol.
Uti­li­zan­do os Ar­ca­nos à ma­nei­ra de um tes­te psi­co­ló­gi­co, pu­de­mos
ob­ser­var que o con­su­len­te cos­tu­ma ter três vi­sões so­bre seus pais: pri-­
mei­ro, ele os vê no pla­no ma­te­ri­al e se­xu­al (A Im­pe­ra­triz-O Im­pe­ra-­
dor), em se­gui­da no pla­no es­pi­ri­tu­al (A Pa­pi­sa-O Pa­pa), e por fim em
um pla­no mi­to­ló­gi­co, mãe cósmi­ca e pai cósmi­co (A Lua-O Sol).
A Im­pe­ra­triz e O Im­pe­ra­dor (III-II­II) se en­tre­o­lham. En­quan­to a
pri­mei­ra exer­ce as leis da na­tu­re­za, a cri­a­ti­vi­da­de e a re­pro­du­ção, o se-­
gun­do exer­ce as leis do mun­do so­ci­al. Am­bos se re­a­li­zam não ape­nas
na práti­ca do po­der ma­te­ri­al e se­xu­al, mas igual­men­te na ma­nei­ra de se
uni­rem, uma do­a­ção to­tal de um pa­ra o ou­tro. Não é só a vi­da ma­te­ri­al
que os une, am­bos pos­su­em uma águia, o que sig­ni­fi­ca que exis­te tam-­
bém uma pro­je­ção da uni­ão dos dois no pla­no es­pi­ri­tu­al. Se in­ver­ter-­
mos a or­dem des­ses dois Ar­ca­nos e co­lo­car­mos O Im­pe­ra­dor an­tes d’A
Im­pe­ra­triz (II­II-III), ob­te­re­mos um con­fli­to, um di­vór­cio: eles não se
olham mais, es­tão uni­dos pe­las con­ve­niên­cias ma­te­ri­ais ou li­ga­dos por
uma fa­mí­lia, ca­da um fe­cha­do em seu mun­do. O pro­je­to es­pi­ri­tu­al não
po­de se re­a­li­zar, pois a águia que põe um ovo na car­ta d’O Im­pe­ra­dor
(ver p. 163) se tor­na o pás­sa­ro em for­ma­ção que A Im­pe­ra­triz se­gu­ra
(ver pp. 158-9); va­mos do mais pa­ra o me­nos...
O ca­sal A Pa­pi­sa e O Pa­pa (II-V) é cons­ti­tu­í­do por dois per­so­na­gens
que por es­sên­cia ope­ram no mun­do es­pi­ri­tu­al e que, por­tan­to, não têm
ne­ces­si­da­de de se olhar; de cos­tas, um pa­ra o ou­tro, eles se apoi­am mu-­
tu­a­men­te. Sem ne­nhum vín­cu­lo pas­si­o­nal a uni-los, am­bos su­bli­ma­ram
as pul­sões se­xu­ais, atin­gi­ram um ní­vel de cons­ciên­cia em que o mais
im­por­tan­te é trans­mi­tir ao mun­do aqui­lo que acu­mu­la­ram ao lon­go de
su­as me­di­ta­ções e de seus es­tu­dos. Co­lo­ca­dos na or­dem V-II, eles se
en­tre­o­lham e, ab­sor­tos pe­la pró­pria re­la­ção, de na­tu­re­za men­tal, eles
es­que­cem o mun­do. Eles for­mam, en­tão, um ca­sal ego­ís­ta, dei­xam de
ser a pon­te que une o céu e a ter­ra, frus­tram a es­pe­ran­ça do mun­do.
Se A Lua (XVI­II) apa­re­ce an­tes d’O Sol (XVI­I­II), o es­píri­to, em sua
vi­a­gem ini­ci­áti­ca, avan­ça da noi­te pa­ra o dia, da ig­no­rân­cia pa­ra a sa­be-­
do­ria, da re­cep­ção to­tal à luz da Gra­ça, do eu ao nós, do sub­cons­ci­en­te
ao su­pra­cons­ci­en­te. Se apa­re­ce o duo O Sol-A Lua, o pro­ces­so se in­ver-­
te: va­mos do dia pa­ra a noi­te, da ale­gria pa­ra a tris­te­za, da re­a­li­za­ção di-­
nâ­mi­ca pa­ra a es­tag­na­ção.
Se na es­tru­tu­ra­ção gráfi­ca da ár­vo­re ge­ne­a­ló­gi­ca co­lo­ca­mos a mãe à
nos­sa di­rei­ta e o pai à nos­sa es­quer­da, is­so po­de que­rer di­zer que na
nos­sa in­fân­cia a mãe foi mas­cu­li­na (do­mi­nan­te) e o pai, fe­mi­ni­no (pas-­
si­vo). Is­so pro­vo­ca uma con­fu­são: cres­ce­mos sem sa­ber mui­to bem se
so­mos ho­mem ou mu­lher.
Exis­te ain­da ou­tro ca­sal, se qui­ser­mos, que po­de ser a te­la de pro­je-­
ção dos ar­quéti­pos mãe-pai. Se A Jus­ti­ça (VI­II) é acom­pa­nha­da d’O
Ere­mi­ta (VI­I­II), nós nos en­con­tra­mos di­an­te da mãe per­fei­ta e do pai
sá­bio. Mas se O Ere­mi­ta pre­ce­de A Jus­ti­ça, ele se trans­for­ma em um pai
in­sen­sí­vel, au­sen­te ou mor­to, e ela em uma mãe cas­tra­do­ra, neu­róti­ca,
per­fec­ci­o­nis­ta, in­va­si­va.
Gui­a­dos pe­lo es­tu­do des­ses ca­sais, co­me­ça­mos a ana­li­sar os Ar­ca-­
nos dois a dois, pro­cu­ran­do ou­tros sig­ni­fi­ca­dos, não mais en­tre os ar-­
quéti­pos pa­ren­tais, mas nas in­ter-re­la­ções hu­ma­nas, nos di­fe­ren­tes pla-­
nos in­di­ca­dos pe­los qua­tro Nai­pes. To­man­do co­mo “ator” prin­ci­pal
uma úni­ca car­ta, nós a fi­ze­mos cons­ti­tuir duos com as 21 res­tan­tes. Pri-­
mei­ro, em or­dem cres­cen­te, de­pois em or­dem de­cres­cen­te. A ca­da vez,
ob­ti­ve­mos res­pos­tas di­fe­ren­tes. As­sim, o duo O Ma­go-A Pa­pi­sa não era
o mes­mo que A Pa­pi­sa-O Ma­go. E se, por exem­plo, O Lou­co apor­ta­va
ener­gia à A Pa­pi­sa quan­do a pre­ce­dia, ele a en­fra­que­cia, ti­ran­do-lhe o
co­nhe­ci­men­to, quan­do se via de­pois de­la...
Es­ses duos me pa­re­ci­am cor­res­pon­der às sí­la­bas com as quais an­ti-­
ga­men­te os mé­to­dos nos en­si­na­vam a ler. Co­mo dis­se­mos, a sí­la­ba “ma”
é mui­to di­fe­ren­te da sí­la­ba “am” etc. Se um Ar­ca­no é uma le­tra, se dois
são uma sí­la­ba, três já for­mam uma pa­la­vra. Mais de três po­dem cons­ti-­
tuir uma fra­se.
Mãe e Pai, Yin e Yang, ne­gro e bran­co, ver­me­lho e ama­re­lo, es­tan-­
que e flui­do, ter­ra e céu, es­quer­da e di­rei­ta, es­cu­ri­dão e luz..., o ser hu-­
ma­no apren­deu a pen­sar a par­tir de po­los não opos­tos mas com­ple-
men­ta­res.
Se du­ran­te uma gran­de par­te da vi­da, pa­ra nos en­con­trar­mos, bus-­
ca­mos a luz, ao fi­nal, ao en­con­trá-la, en­tra­re­mos sem me­do em nos­sa
som­bra.
Pa­ra co­me­çar

Co­mo já vi­mos, o Ta­rot não po­de ser con­si­de­ra­do uma se­quên­cia de en-­
ti­da­des in­de­pen­den­tes umas das ou­tras. Ca­da um de seus Ar­ca­nos exis-­
te em re­la­ção com o res­to do ba­ra­lho e, por con­se­quên­cia, ca­da Ar­ca­no
tem uma re­la­ção es­trei­ta com to­dos os ou­tros Ar­ca­nos. Por ou­tro la­do,
o Ta­rot nos apre­sen­ta di­ver­sos ca­sais ou pa­res, is­to é, re­la­ções evi­den-­
tes en­tre Ar­ca­nos (Rei e Rai­nha, Lua e Sol etc.). Ele pa­re­ce, as­sim, nos
in­di­car um ca­mi­nho de lei­tu­ra que co­me­ça pe­lo es­tu­do dos pa­res, ca-­
sais e duos: a gra­máti­ca do Ta­rot co­me­ça por es­se di­á­lo­go en­tre du­as
car­tas.
Se nos ba­se­ar­mos ape­nas nos Ar­ca­nos mai­o­res, não im­por­tan­do
qual de­les se­ja es­tu­da­do co­mo côn­ju­ge do ou­tro, is­so já nos da­ria 253
pa­res com o con­jun­to dos 22 Ar­ca­nos mai­o­res. É im­pos­sí­vel es­tu­dar to-­
das as re­la­ções em de­ta­lhes aqui. Nós nos pro­pu­se­mos en­tão, pa­ra ini-­
ci­ar o lei­tor na res­so­nân­cia do Ta­rot em du­as car­tas, es­tu­dar os três ti-­
pos de pa­res que fa­zem sen­ti­do em três or­ga­ni­za­ções par­ti­cu­la­res, e
ver, a tí­tu­lo de exem­plo, co­mo se po­dem ler ou­tras as­so­ci­a­ções en­tre
dois Ar­ca­nos mai­o­res.
Em um pri­mei­ro mo­men­to, vol­ta­re­mos aos duos de mes­mo va­lor
nu­méri­co que já es­tu­da­mos na ter­cei­ra par­te, con­si­de­ran­do-os co­mo
som­bra e luz, co­mo as­pec­tos cons­ci­en­te e in­cons­ci­en­te, as­pec­tos es­pi­ri-­
tu­al e en­car­na­do de uma mes­ma ener­gia.
Nós nos in­te­res­sa­re­mos em se­gui­da pe­los ca­sais for­ma­dos por cer-­
tos Ar­ca­nos mai­o­res do Ta­rot, que re­pre­sen­tam tan­to as­pec­tos do amor
hu­ma­no quan­to o en­con­tro en­tre ar­quéti­pos psíqui­cos com­ple­men­ta-­
res. Além dos se­te ca­sais prin­ci­pais, es­tu­da­re­mos os en­con­tros en­tre to-­
dos os per­so­na­gens cla­ra­men­te si­na­li­za­dos co­mo se­res hu­ma­nos.
Vi­mos na pri­mei­ra par­te que uma das es­tru­tu­ras de or­ga­ni­za­ção dos
Ar­ca­nos mai­o­res con­sis­te em es­ta­be­le­cer 11 pa­res cu­ja so­ma dê 21. Es­se
va­lor sen­do, na sim­bo­lo­gia do Ta­rot, o sím­bo­lo da mais al­ta re­a­li­za­ção
(XXI O Mun­do), ve­re­mos, es­tu­dan­do ca­da um des­ses pa­res, co­mo
propõem 11 ca­mi­nhos de re­a­li­za­ção.
Por fim, se­rão da­dos al­guns exem­plos, em par­ti­cu­lar com as car­tas
que não en­tram na série dos ca­sais, do es­tu­do dos Ar­ca­nos mai­o­res em
duos, de­pois em tri­os.
Quan­do as car­tas es­tão so­zi­nhas, po­de­mos con­si­de­rá-las pro­ta­go-­
nis­tas iso­la­dos. No te­a­tro, elas fa­ri­am um mo­nó­lo­go: é Ho­me­ro re­ci­tan-­
do A Ilí­a­da, ou um tro­va­dor que can­ta etc. O en­con­tro de du­as car­tas dá
um di­á­lo­go, e é a par­tir de três car­tas, co­mo a par­tir de três per­so­na-­
gens, que o Ta­rot se tor­na di­nâ­mi­co. Com três car­tas, um fe­nô­me­no ar-­
tísti­co den­so se pro­duz.
Os duos das du­as séri­es de­ci­mais

Co­mo vi­mos no es­tu­do da nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot (ver pp. 48-9), o duo O


Lou­co-O Mun­do en­glo­ba dez graus nos quais se de­sen­vol­vem du­as
séri­es de­ci­mais, as car­tas do pri­mei­ro ci­clo cor­res­pon­den­do às car­tas
do se­gun­do ci­clo, de I a X e de XI a XX. Po­de­rí­a­mos di­zer que ca­da car-­
ta de um ci­clo é a som­bra da ou­tra: se em uma lei­tu­ra ti­ra­mos A Im­pe-­
ra­triz (III), sua som­bra se­rá o Ar­ca­no XI­II e vi­ce-ver­sa. Se ti­ra­mos
Tem­pe­ran­ça (XI­I­II), sua som­bra se­rá O Im­pe­ra­dor (II­II) e vi­ce-ver­sa.
Is­so sig­ni­fi­ca que, pa­ra além de su­as di­fe­ren­ças apa­ren­tes, os Ar­ca­nos
que for­mam es­ses duos pos­su­em uma re­la­ção de de­pen­dên­cia mú­tua,
ca­da um ali­men­tan­do o ou­tro de sua apa­ren­te opo­si­ção e per­mi­tin­do
que se de­sen­vol­va em to­da sua for­ça. Ao lon­go da lei­tu­ra, se­rá útil guar-­
dar na me­mó­ria o fa­to de que es­ses pa­res nu­me­ro­ló­gi­cos têm um vín­cu-­
lo pro­fun­do en­tre eles. Por exem­plo, quan­do uma das car­tas do duo já
foi es­co­lhi­da, po­de­mos con­sul­tar a ou­tra, não pa­ra con­tra­di­zê-la, mas
pa­ra lhe fa­zer eco, pa­ra in­clu­si­ve re­pe­tir e re­for­çar seu sen­ti­do.
As du­as séri­es de­ci­mais, lem­bre­mo-nos, com­por­tam ca­da uma dez
graus, em que ca­da Ar­ca­no sim­bo­li­za uma eta­pa em di­re­ção à to­ta­li­da-­
de. A pri­mei­ra série (I a X) re­pre­sen­ta es­sen­ci­al­men­te per­so­na­gens hu-­
ma­nos em ple­no tra­ba­lho pa­ra se ele­var ru­mo ao mun­do es­pi­ri­tu­al. Es-­
sas fi­gu­ras cor­res­pon­dem a ener­gi­as, pos­si­bi­li­da­des de vi­da con­cre­tas,
ma­ni­fes­tas, mais evi­den­tes, li­ga­das à vi­da co­ti­di­a­na. Po­de­rí­a­mos di­zer
que é uma série em que a ma­té­ria ten­de a se es­pi­ri­tu­a­li­zar. Na se­gun­da
série (XI a XX), se­res so­bre­na­tu­rais ou ar­quéti­pos to­mam o ca­mi­nho
em di­re­ção às pro­fun­de­zas. Po­de­rí­a­mos di­zer que nes­sa série o es­píri­to
ten­de a se ma­te­ri­a­li­zar. Es­ses Ar­ca­nos cor­res­pon­dem a for­ças mui­to
ati­vas den­tro de nós, mas que às ve­zes es­ca­pam às de­fi­ni­ções, que vão
além de nos­sas pre­o­cu­pa­ções co­ti­di­a­nas. Po­de­rí­a­mos di­zer que os Ar-­
ca­nos do pri­mei­ro ci­clo per­ten­cem à vi­da cons­ci­en­te, e aque­les do se-­
gun­do ci­clo, ao in­cons­ci­en­te.
Ve­re­mos co­mo, nes­ses duos, os Ar­ca­nos in­te­ra­gem e co­la­bo­ram,
tra­çan­do ca­mi­nhos pa­ra­le­los em di­re­ção às al­tu­ras e às pro­fun­de­zas, e
co­mo ca­da um re­pre­sen­ta a som­bra e a luz do ou­tro, inex­tri­ca­vel­men­te,
de tal ma­nei­ra que su­as obras se mes­clam e se com­ple­tam. A ener­gia de
um é ne­ces­sá­ria ao ou­tro pa­ra se ma­ni­fes­tar.
I O Ma­go • XI A For­ça

Os dois co­me­ços

O grau 1 da nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot re­me­te a uma po­ten­ci­a­li­da­de, à aber-­


tu­ra de um no­vo mun­do (ver pp. 73 ss.). O Ma­go em­preen­de um tra­ba-­
lho es­pi­ri­tu­al, in­te­lec­tu­al, tal­vez emo­ci­o­nal, li­ga­do a um sa­ber e ao de-­
se­jo de atin­gir a cons­ciên­cia (ver p. 147). A For­ça re­pre­sen­ta a to­ma­da
de con­ta­to com as ener­gi­as ins­tin­ti­vas e ani­mais, a cri­a­ti­vi­da­de, a li­bi-­
do, a voz do in­cons­ci­en­te. O Ma­go apor­ta seu en­tu­si­as­mo es­pi­ri­tu­al e
seu de­se­jo de com­preen­der os mis­té­rios do Es­píri­to. A For­ça, pe­ne­tran-­
do pro­fun­da­men­te em si mes­ma e na ma­té­ria, faz emer­gir as for­ças se-­
xu­ais, cri­a­ti­vas e te­lúri­cas. Es­ses dois as­pec­tos se com­ple­tam co­mo as
ra­í­zes e os ga­lhos de uma ár­vo­re: pa­ra cres­cer, ela de­ve se fun­dir à ter­ra
e ao mes­mo tem­po se ele­var pa­ra o céu. A For­ça sem O Ma­go po­de cair
na pai­xão ex­tre­ma ou na re­pres­são ex­tre­ma: ela não tem pa­la­vras pa­ra
se ex­pres­sar, nem es­tru­tu­ra pa­ra se de­sen­vol­ver. O Ma­go sem A For­ça
se en­fra­que­ce. Ele cor­re o ris­co de se tor­nar su­per­fi­ci­al e ins­tá­vel, fa­da-­
do a uma con­cep­ção in­te­lec­tu­al de si mes­mo em que seu pen­sa­men­to
gi­ra em um cír­cu­lo vi­ci­o­so, ig­no­ran­do a voz das pro­fun­de­zas.
II A Pa­pi­sa • XII O En­for­ca­do

Ges­ta­ção e in­te­ri­o­ri­da­de

O grau 2 da nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot re­me­te a uma acu­mu­la­ção, a um es-­


ta­do de in­cu­ba­ção, de me­di­ta­ção, pre­pa­ran­do uma ação fu­tu­ra. Com
seu li­vro, A Pa­pi­sa evo­ca um acú­mu­lo de co­nhe­ci­men­tos, uma bus­ca da
sa­be­do­ria, uma in­tros­pec­ção eru­di­ta que po­de se ex­pri­mir pe­la lin­gua-­
gem. O En­for­ca­do, ao con­trá­rio, se des­faz de to­do co­nhe­ci­men­to e se
di­ri­ge à ig­no­rân­cia em sua acep­ção mais ele­va­da: o não sa­ber sa­gra­do.
Sua me­di­ta­ção es­tá além das pa­la­vras. Sem a ener­gia d’O En­for­ca­do, A
Pa­pi­sa po­de­ria pe­car por or­gu­lho e cair no dog­ma­tis­mo, apli­can­do fri­a-­
men­te um tex­to sa­gra­do sem en­trar em con­ta­to com seu si­lên­cio in­te­ri-­
or. Sem o ri­gor d’A Pa­pi­sa, O En­for­ca­do po­de­ria cair na pre­gui­ça, na
ina­ção, no aban­do­no de si mes­mo, em uma apa­tia que se faz pas­sar ilu-­
so­ri­a­men­te por uma me­di­ta­ção pro­fun­da.
III A Im­pe­ra­triz • XI­II O Ar­ca­no sem no­me

Ex­plo­são cri­a­ti­va ou des­tru­ti­va

O grau 3 da nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot re­me­te a uma ex­plo­são que não co-­


nhe­ce seu ob­je­ti­vo. São dois prin­cí­pios re­vo­lu­ci­o­ná­rios ati­vos e sem ex-­
pe­riên­cia que vêm mu­dar o es­ta­do das coi­sas. A Im­pe­ra­triz re­pre­sen­ta
a ex­plo­são da vi­da, em sua in­ces­san­te e cons­tan­te cri­a­ti­vi­da­de, pro­du-­
zin­do sem ces­sar e sem se pre­o­cu­par com o fu­tu­ro da­qui­lo que é cri­a-­
do. O Ar­ca­no XI­II re­pre­sen­ta, por sua vez, a trans­for­ma­ção cons­tan­te,
ao pre­ço da des­trui­ção to­tal, se for pre­ci­so. Se o Ar­ca­no XI­II es­ti­ver au-­
sen­te, A Im­pe­ra­triz po­de cair em uma pro­du­ti­vi­da­de sem li­mi­tes: su-­
per­po­pu­la­ção, in­va­são, epi­de­mia, ex­ces­so. É pre­ci­so que em de­ter­mi­na-­
do mo­men­to um prin­cí­pio des­tru­ti­vo ve­nha de­tê-la. Se o Ar­ca­no XI­II
se en­con­tra sem A Im­pe­ra­triz, sua ação trans­for­ma­do­ra le­va­rá à es­te­ri-­
li­da­de: na­da cres­ce so­bre a ter­ra quei­ma­da. Po­de­mos ima­gi­nar um ter-­
re­no co­ber­to de rel­va pel'A Im­pe­ra­triz, de­pois lim­po e la­vra­do pe­lo Ar-­
ca­no XI­II, de­pois no­va­men­te se­me­a­do pel'A Im­pe­ra­triz, en­car­re­gan-­
do-se em se­gui­da o Ar­ca­no XI­II da co­lhei­ta, e as­sim in­fi­ni­ta­men­te...
Es­ses dois Ar­ca­nos unem cri­a­ção e des­trui­ção co­mo uma se­men­te que
se abre pa­ra ger­mi­nar a plan­ta, co­mo um ovo que se que­bra pa­ra sair o
pás­sa­ro, co­mo uma mu­lher que san­gra e dá vi­da a um re­cém-nas­ci­do.
Sem mor­te não exis­te vi­da, sem vi­da não exis­te mor­te.
II­II O Im­pe­ra­dor • XI­I­II Tem­pe­ran­ça

Se­gu­ran­ça no Céu e na Ter­ra

O grau 4 é, na nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot, o da es­ta­bi­li­za­ção e do equi­lí­brio.


O Im­pe­ra­dor faz apli­car as leis do cos­mos na ma­té­ria: ele é res­pon­sá­vel
pe­lo bom an­da­men­to do mun­do, po­de­mos con­tar com ele, sua so­li­dez
fi­nan­cei­ra é a to­da pro­va. É um prin­cí­pio de re­a­li­da­de in­que­bran­tá­vel
que re­ge o po­der ma­te­ri­al. Sua fun­ção é pro­te­ger os ou­tros. Tem­pe­ran-­
ça agre­ga a es­sa se­gu­ran­ça con­cre­ta uma se­gu­ran­ça es­pi­ri­tu­al e o co-­
nhe­ci­men­to ínti­mo de si mes­mo, uma gran­de equa­ni­mi­da­de na ação,
as­sim co­mo o mis­té­rio de uma pro­te­ção so­bre­na­tu­ral. Se fal­ta Tem­pe-­
ran­ça a O Im­pe­ra­dor, es­te cai­rá na se­ve­ri­da­de e na ti­ra­nia, na exal­ta­ção
sem li­mi­tes do mun­do ma­te­ri­al. Ele se tor­na ob­tu­so e ra­ci­o­nal e, per-­
den­do a bon­da­de, per­de-se a si mes­mo. Ele dei­xa de se pre­o­cu­par com
o ou­tro em to­da sua ver­da­de. Sem o prin­cí­pio de re­a­li­da­de d’O Im­pe­ra-­
dor, Tem­pe­ran­ça não pas­sa de uma ilu­são, um so­nho em um céu qui-­
méri­co, sem fun­da­men­to na en­car­na­ção. Um ex­ces­so de bon­da­de que
pro­te­ge tan­to o útil quan­to o inútil. Po­de­mos, en­tão, per­der a no­ção da
re­a­li­da­de e, com ela, a ca­pa­ci­da­de de dis­tin­guir as di­fe­ren­ças que fun-
dam a in­te­li­gên­cia en­car­na­da e o bom sen­so.
V O Pa­pa • XV O Di­a­bo

A ten­ta­ção sob to­das as for­mas

O grau 5, na nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot, si­na­li­za a apa­ri­ção de um in­te­res­se


no­vo, ain­da em es­ta­do de pro­je­to ou de ten­ta­ção. O Pa­pa é um me­di­a-­
dor que co­mu­ni­ca com a fé, um dos mais al­tos va­lo­res do es­píri­to. Ele
re­pre­sen­ta um cha­ma­do e, co­mo o pas­tor, con­duz seu re­ba­nho em di­re-­
ção às vir­tu­des. Mas seus va­lo­res lu­mi­no­sos são a trans­for­ma­ção de
pul­sões obs­cu­ras que en­con­tra­mos em O Di­a­bo. Se O Pa­pa é a flor de
ló­tus que sim­bo­li­za o flo­res­ci­men­to da cons­ciên­cia e re­ce­be a luz so­lar,
O Di­a­bo é o va­so on­de es­sa flor se en­ra­í­za pa­ra trans­for­mar su­as ema-­
na­ções nau­se­an­tes em per­fu­me. O Di­a­bo ori­en­ta nos­sa aten­ção pa­ra a
pro­fun­da na­tu­re­za in­cons­ci­en­te, além do bem e do mal. Ele nos obri­ga
a co­nhe­cer nos­sos de­se­jos, pul­sões, com­pul­sões – to­das as ener­gi­as que
se de­sen­vol­vem fo­ra da mo­ral. Se O Pa­pa não ab­sor­ve O Di­a­bo, to­dos os
seus en­si­na­men­tos são utópi­cos, ar­ti­fi­ci­ais, fa­náti­cos, de­sen­car­na­dos.
Se O Di­a­bo não acei­ta O Pa­pa, ele se afun­da nos ex­ces­sos, na des­trui-­
ção, na su­pe­ra­ção or­gu­lho­sa e in­sen­sa­ta dos li­mi­tes
VI O Na­mo­ra­do • XVI A Tor­re

Apa­ri­ção do pra­zer

O grau 6 re­pre­sen­ta, na nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot, o pri­mei­ro pas­so no qua-­


dra­do Céu, o pri­mei­ro aces­so ao amor em ação. Pe­la pri­mei­ra vez vi­ve-
mos aqui­lo que nos apraz. É, por­tan­to, uma di­men­são que ten­de à imo-­
bi­li­da­de e à re­pe­ti­ção do pra­zer. Em O Na­mo­ra­do, no qual os per­so­na-­
gens es­tão es­trei­ta­men­te uni­dos, a vi­da emo­ci­o­nal se de­sen­vol­ve atra-­
vés de to­da a ga­ma das re­la­ções, da ami­za­de à sim­bi­o­se, sob o ris­co de
se trans­for­mar em uma ilha se­pa­ra­da do mun­do. Em A Tor­re, tu­do
aqui­lo que es­ta­va fe­cha­do sur­ge e se li­be­ra: é uma gran­de ex­plo­são que
per­mi­te a uni­ão com o cos­mos. O Na­mo­ra­do, sem es­sa aber­tu­ra d’A
Tor­re, cor­re o ris­co de cair no nar­ci­sis­mo e na fu­são. A Tor­re, sem O
Na­mo­ra­do, cor­re o ris­co de se tor­nar uma se­pa­ra­ção: na aber­tu­ra que se
pro­duz, aqui­lo que es­ta­va li­ga­do po­de se des­li­gar. Ela po­de con­du­zir a
uma eu­fo­ria de vi­ver que in­di­vi­du­a­li­za ca­da um, iso­lan­do-o, fa­zen­do
com que se per­ca o cen­tro re­la­ci­o­nal. Es­ses dois Ar­ca­nos tra­ba­lham
con­cer­ta­da­men­te pa­ra que a uni­ão e a aber­tu­ra de­em o rit­mo de nos­sa
vi­da emo­ci­o­nal.
VII O Car­ro • XVII A Es­tre­la

Ação no mun­do

O 7 é o grau mais ati­vo da nu­me­ro­lo­gia: tu­do aqui­lo que foi co­nhe­ci­do


até en­tão se põe em mo­vi­men­to no mun­do. Se O Car­ro re­pre­sen­ta o
avan­ço, a con­quis­ta, A Es­tre­la, por sua vez, se en­ra­í­za em um lu­gar pa­ra
fa­zê-lo pros­pe­rar, pa­ra cul­ti­vá-lo e pu­ri­fi­cá-lo. Quan­do O Car­ro em-­
preen­de a guer­ra san­ta, A Es­tre­la cons­trói o Éden. Se a ener­gia d’A Es-­
tre­la é eli­mi­na­da, a ação d’O Car­ro se tor­na es­téril, in­fru­tí­fe­ra: ele não
co­nhe­ce o dom, a dádi­va. É um avan­ço con­tí­nuo que po­de re­vo­lu­ci­o­nar
os lu­ga­res por on­de ele pas­sa, mas não os en­ri­que­ce, e se re­duz fi­nal-­
men­te ao na­da, co­mo os gran­des im­pé­rios con­quis­ta­dos e de­pois per­di-­
dos pe­los im­pe­ra­do­res mor­tos na mi­sé­ria. Sem O Car­ro, a ação d’A Es-­
tre­la se re­duz. Sua do­a­ção, li­mi­ta­da a um lu­gar es­trei­to, se acu­mu­la­rá
co­mo um la­go trans­bor­dan­te que inun­da as al­dei­as à sua vol­ta.
VI­II A Jus­ti­ça • XVI­II A Lua

Ros­tos da per­fei­ção

Com o grau 8, co­mo já vi­mos, a per­fei­ção é atin­gi­da: na­da a acres­cen­tar,


na­da a sub­trair (ver pp. 76 ss.). No ca­so d’A Lua, es­sa per­fei­ção con­sis­te
em se re­du­zir cos­mi­ca­men­te, a vi­ver na obs­cu­ri­da­de pa­ra po­der re­fle­tir
a luz in­fi­ni­ta do Sol (ver p. 251). É uma per­fei­ção pu­ra­men­te re­cep­ti­va,
mes­mo que sua con­se­quên­cia se­ja agir so­bre o mo­vi­men­to das ma­rés.
Aqui­lo que A Jus­ti­ça re­ce­be, por sua vez, são as leis uni­ver­sais, com a
mis­são de en­car­ná-las e de apli­cá-las na me­di­da do hu­ma­na­men­te pos-­
sí­vel: ex­ce­lên­cia e per­fec­ti­bi­li­da­de, mais do que per­fec­ci­o­nis­mo. A Jus-­
ti­ça sem A Lua cor­re o ris­co de per­der de vis­ta sua di­men­são cósmi­ca e
re­cep­ti­va, e de se tor­nar vo­lun­ta­ris­ta, nor­ma­ti­va, in­to­le­ran­te. A Lua,
sem o ri­gor d’A Jus­ti­ça e seu fun­da­men­to no re­al, po­de se per­der nas
tre­vas de on­de se de­ri­va e se tor­nar si­nôni­mo de me­lan­co­lia mor­tal, de
lou­cu­ra, de an­gús­tia. A Lua é sem­pre cam­bi­an­te, en­quan­to A Jus­ti­ça é
imu­tá­vel: en­tre elas, am­bas con­ju­gam mu­ta­bi­li­da­de e im­pla­ca­bi­li­da­de.
VI­I­II O Ere­mi­ta • XVI­I­II O Sol

Cri­se e re­ge­ne­ra­ção

O grau 9 é um mo­vi­men­to de su­pe­ra­ção do per­fei­to que supõe a en­tra-­


da em cri­se pa­ra a cons­tru­ção de um mun­do no­vo. O Ere­mi­ta com sua
lâm­pa­da le­va uma luz, uma sa­be­do­ria, uma ex­pe­riên­cia. Ele de­ci­diu se
afas­tar do mun­do e trans­mi­te seu te­sou­ro a al­guns elei­tos que vêm pro-­
cu­rá-lo em sua so­li­dão. Ele re­a­li­za a sa­be­do­ria in­di­vi­du­al. O Sol, ao
con­trá­rio, tra­ba­lha com a pro­di­ga­li­da­de: ele ofe­re­ce a to­dos sua luz e
seu co­nhe­ci­men­to. Ele acei­ta ab­so­lu­ta­men­te to­dos os se­res e su­pe­ra a
in­di­vi­du­a­li­da­de, cri­an­do a co­le­ti­vi­da­de. Sem O Sol, O Ere­mi­ta cai nas
pro­fun­de­zas da so­li­dão e da ava­re­za es­pi­ri­tu­al. Ele não trans­mi­te mais
seu en­si­na­men­to a nin­guém. Sua lâm­pa­da fi­ca es­con­di­da nas reen­trân-­
cias den­sas do ego, ele a le­va ape­nas pa­ra ser vis­to por uma en­ti­da­de
su­pe­ri­or. Sem O Ere­mi­ta, O Sol se es­pa­lha sem dis­cer­ni­men­to e per­de a
ca­pa­ci­da­de di­re­ti­va que apor­ta à in­di­vi­du­a­li­da­de. Ele só po­de pro­du­zir
uma mas­sa amor­fa de prin­cí­pios di­fu­sos. Em O Ere­mi­ta, tu­do é ex­pe-­
riên­cia; em O Sol, tu­do é re­no­va­ção. Ca­da um ne­ces­si­ta do ou­tro.
X A Ro­da da For­tu­na • XX O Jul­ga­men­to

Tu­do que co­me­ça ter­mi­na

O grau 10 da nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot re­pre­sen­ta, co­mo já vi­mos, a to­ta­li-­


da­de de­sen­vol­vi­da de­pois de to­da ex­pe­riên­cia, mas on­de exis­te – em
es­pe­ra ou em ger­me – o im­pul­so que en­gen­dra­rá o no­vo ci­clo (ver pp.
75 ss.). A Ro­da da For­tu­na, fim do pri­mei­ro ci­clo, en­cer­ra um ca­mi­nho
de bus­ca ati­va, de re­fle­xão e de es­tu­do. Os per­so­na­gens se di­ri­gem a seu
des­ti­no, des­pren­di­dos de to­da von­ta­de. Eles es­tão no cír­cu­lo das mor-­
tes e dos re­nas­ci­men­tos, à es­pe­ra de uma for­ça mi­ra­cu­lo­sa que os li­ber-­
te des­sa eter­na re­pe­ti­ção. O Jul­ga­men­to con­clui a se­gun­da série de­ci-­
mal na qual são aber­tos to­dos os cen­tros re­cep­ti­vos e na qual a bus­ca
es­pir­tu­al é subs­ti­tu­í­da pe­la fé e pe­la pos­si­bi­li­da­de de nos tor­nar­mos um
ca­nal. Os per­so­na­gens apren­de­ram a co­la­bo­rar en­tre eles, a orar em re-­
cep­ção ati­va. Eles po­dem con­cre­ti­zar a aju­da da ou­tra di­men­são, eles se
abrem à mu­ta­ção de uma no­va cons­ciên­cia. Sem O Jul­ga­men­to, A Ro­da
da For­tu­na se en­con­tra em um es­ta­do em que to­da fé e to­da es­pe­ran­ça
são ex­clu­í­das. Ela se re­duz a um blo­queio, a um cír­cu­lo vi­ci­o­so sem sa­í-­
da. O ci­clo de vi­da e de mor­te se apre­sen­ta co­mo um enig­ma que ne-­
nhum prin­cí­pio po­de re­sol­ver. Quan­do se ig­no­ra A Ro­da da For­tu­na,
em O Jul­ga­men­to é pro­du­zi­do um es­ta­do de fu­ga do mun­do, de ne­ga-­
ção da en­car­na­ção. É o de­se­jo in­sen­sa­to de che­gar ao mun­do di­vi­no
sem pas­sar pe­lo mun­do hu­ma­no. Po­de ser tam­bém um nas­ci­men­to vi-­
vi­do por pais sem ex­pe­riên­cia, pri­si­o­nei­ros de su­as amar­ras neu­róti­cas
in­cons­ci­en­tes.
Os ca­sais do Ta­rot
Vá­rias ver­sões da re­la­ção ho­mem-mu­lher

Se ob­ser­var­mos ob­je­ti­va­men­te o Ta­rot, ve­re­mos que ele re­pre­sen­ta em


pro­por­ção igual ho­mens e mu­lhe­res. Além dis­so, ele nos in­di­ca mui­to
cla­ra­men­te que al­guns des­ses ho­mens e des­sas mu­lhe­res se unem pa­ra
for­mar ca­sais. Nos Ar­ca­nos me­no­res, as Rai­nhas são acom­pa­nha­das pe-­
los Reis. Nos Ar­ca­nos mai­o­res, A Pa­pi­sa (Ar­ca­no II) se une a O Pa­pa
(V), A Im­pe­ra­triz (III) a O Im­pe­ra­dor (II­II), A Lua (XVI­II) a O Sol
(XVI­I­II). Em O Di­a­bo (XV), ve­mos um ho­mem e uma mu­lher pre­sos ao
pé do di­a­bo e, em O Jul­ga­men­to (XX), um ca­sal, ho­mem e mu­lher, re-­
zan­do jun­tos, ve­em sur­gir en­tre eles um ser (tal­vez uma cri­an­ça, tal­vez
uma obra co­mum). Se qui­ser­mos pen­sar que exis­tem ou­tros ca­sais en-­
tre os Ar­ca­nos mai­o­res, po­de­mos unir O Ma­go (I) e A For­ça (XI) pe­la
for­ma de seus cha­péus. Sa­ben­do que O Car­ro (VII) e A Es­tre­la (XVII)
per­ten­cem ao mes­mo grau nu­me­ro­ló­gi­co, po­de­mos aco­plar O Car­ro a A
Es­tre­la. E con­si­de­ran­do a so­ma de su­as ex­pe­riên­cias, A Jus­ti­ça (VI­II) e
O Ere­mi­ta (VI­I­II) po­de­ri­am tam­bém for­mar um ca­sal. Por fim, o ca­sal
me­ta­físi­co por ex­ce­lên­cia: O Lou­co, que atra­ves­sa to­dos os Ar­ca­nos do
Ta­rot an­tes de che­gar a seu par ide­al, O Mun­do. Es­sa con­cep­ção cor­res-­
pon­de à fi­lo­so­fia chi­ne­sa em que Yin e Yang são com­ple­men­ta­res.
No Ta­rot, dois ele­men­tos são ati­vos: Es­pa­das e Paus; e dois ele­men-­
tos são re­cep­ti­vos: Co­pas e Ou­ros. Co­mo já lem­bra­mos (ver pp. 57, 64),
es­sa uni­ão de ele­men­tos se re­fle­te em O Mun­do, on­de a águia e o le­ão,
ani­mais car­ní­vo­ros, es­tão di­an­te de um an­jo e de um her­bí­vo­ro cor de
car­ne, sím­bo­los do sa­cri­fí­cio e da dádi­va. Pa­ra es­cla­re­cer is­so, a mu­lher
d’O Mun­do, na mão do la­do da águia e do le­ão, se­gu­ra um ele­men­to
fáli­co (um bas­tão) e na ou­tra mão, um fras­co re­cep­ti­vo. Ho­je em dia,
quan­do com mui­ta di­fi­cul­da­de as mu­lhe­res lu­tam pa­ra ob­ter uma re­la-­
ção de equi­lí­brio com os ho­mens, de­pois de sé­cu­los de hu­mi­lha­ção e de
es­cra­vi­dão em uma cul­tu­ra cri­a­da e do­mi­na­da pe­lo mas­cu­li­no, é co­mo-­
ven­te ver que o Ta­rot, pro­va­vel­men­te des­de o ano mil, pro­cla­ma­va a
ne­ces­sá­ria com­ple­men­ta­ri­e­da­de dos se­xos.
Ve­re­mos, en­tão, aqui, pa­ra ca­da per­so­na­gem com fi­gu­ra hu­ma­na,
qual é o ca­sal que lhe cor­res­pon­de na or­dem do Ta­rot, e que ou­tros ca-­
sais po­dem se for­mar com ou­tros per­so­na­gens. Pa­ra os lei­to­res des­te li-­
vro que for­mam um ca­sal ho­mos­se­xu­al, é ne­ces­sá­rio es­cla­re­cer um
pon­to des­te ca­pí­tu­lo: na lin­gua­gem sim­bóli­ca, a mas­cu­li­ni­da­de e a fe-­
mi­ni­li­da­de são for­ças me­ta­fóri­cas. Uma mu­lher po­de mui­to bem se
sen­tir re­pre­sen­ta­da por O Im­pe­ra­dor ou por O Sol, en­quan­to um ho-­
mem po­de re­ce­ber A Im­pe­ra­triz ou A Lua. Na des­cri­ção dos ca­sais que
se se­gui­rá, e na me­di­da em que o Ta­rot é in­fi­ni­to e o es­pa­ço de um li­vro
ne­ces­sa­ri­a­men­te re­du­zi­do, não de­sen­vol­ve­re­mos os ca­sais for­ma­dos
por dois ho­mens ou por du­as mu­lhe­res. Ca­be­rá ao lei­tor re­a­li­zar es­sa
pes­qui­sa. Ela po­de fa­zer sen­ti­do pa­ra qual­quer pes­soa, uma vez que os
ca­sais po­dem tam­bém re­pre­sen­tar as re­la­ções fa­mi­li­a­res: pai-fi­lho, pai-
fi­lha, mãe-fi­lha, mãe-fi­lho, ir­mão-ir­mã etc.
Da mes­ma ma­nei­ra, o bre­ve tex­to que evo­ca ca­da um dos en­con­tros
de­ta­lha­dos a se­guir não abar­ca­rá as nu­an­ces da re­la­ção en­tre um ar-­
quéti­po e o ou­tro. Co­mo to­das as in­ter­pre­ta­ções que pro­pu­se­mos nes­te
li­vro, tra­ta-se so­bre­tu­do de uma abor­da­gem, de um ca­mi­nho pa­ra as in-­
fi­ni­tas res­so­nân­cias que os Ar­ca­nos do Ta­rot po­dem evo­car em nos­sa
cons­ciên­cia.
Abor­da­re­mos os ca­sais na se­guin­te or­dem:

O Lou­co e O Mun­do (XXI).


O Ma­go (I) e A For­ça (XI).
Os ca­sais d’O Ma­go com as ou­tras car­tas fe­mi­ni­nas.
Os ca­sais d’A For­ça com as ou­tras car­tas mas­cu­li­nas.
A Pa­pi­sa (II) e O Pa­pa (V).
Os ca­sais d’A Pa­pi­sa com as car­tas mas­cu­li­nas res­tan­tes.
Os ca­sais d’O Pa­pa com as car­tas fe­mi­ni­nas res­tan­tes.
A Im­pe­ra­triz (III) e O Im­pe­ra­dor (II­II).
Os ca­sais d’A Im­pe­ra­triz com as car­tas mas­cu­li­nas res­tan­tes.
Os ca­sais d’O Im­pe­ra­dor com as car­tas fe­mi­ni­nas res­tan­tes.
O Car­ro (VII) e A Es­tre­la (XVII).
Os ca­sais d’O Car­ro com as car­tas fe­mi­ni­nas res­tan­tes.
Os ca­sais d’A Es­tre­la com as car­tas mas­cu­li­nas res­tan­tes.
A Jus­ti­ça (VI­II) e O Ere­mi­ta (VI­I­II).
Os ca­sais d’A Jus­ti­ça com as car­tas mas­cu­li­nas res­tan­tes.
Os ca­sais d’O Ere­mi­ta com as car­tas fe­mi­ni­nas res­tan­tes.
A Lua (XVI­II) e O Sol (XVI­I­II).
A RE­LA­ÇÃO DE CA­SAL
O Lou­co • O Mun­do

Or­dem O Lou­co • XXI. Vi­mos que es­ses dois Ar­ca­nos re­pre­sen­tam o


al­fa e o ôme­ga dos Ar­ca­nos mai­o­res, o pri­mei­ro e o úl­ti­mo de­graus, os
dois pon­tos en­tre os quais se de­sen­vol­vem to­das as pos­si­bi­li­da­des. Mas
que ca­sal eles for­mam? Nes­sa or­dem, O Lou­co an­tes d’O Mun­do, ve­mos
um ho­mem bar­bu­do, com uma trou­xa e um bas­tão ver­me­lho, in­do em
di­re­ção a uma mu­lher nua que dan­ça no meio de um oval de fo­lhas
azuis. O Lou­co po­de ser con­si­de­ra­do a ener­gia fun­da­men­tal, sem de­fi-­
ni­ção, is­to é, sem li­mi­tes. É as­sim que a Bí­blia nos apre­sen­ta a ener­gia
cri­a­do­ra di­vi­na, ati­vi­da­de sem li­mi­tes e sem pre­ce­den­tes, sur­gi­da de
um na­da sem tem­po e sem es­pa­ço. Mas se O Lou­co fi­cas­se so­zi­nho, ele
cor­re­ria o ris­co de gi­rar in­de­fi­ni­da­men­te em tor­no do pró­prio bas­tão. A
ener­gia cri­a­ti­va não é na­da sem a re­a­li­za­ção ma­te­ri­al, sua cri­a­tu­ra. E
eis que se ofe­re­ce O Mun­do, com seus qua­tro ele­men­tos co­mo qua­tro
pon­tos car­de­ais e, no cen­tro, a mu­lher-ma­té­ria in­se­mi­na­da pe­la ener­gia
d’O Lou­co. Quan­do em uma ti­ra­gem es­sas car­tas sa­em la­do a la­do e
nes­ta or­dem, elas evo­cam uma ener­gia que vai di­re­ta­men­te à re­a­li­za-­
ção, um pro­je­to em­preen­di­do que en­con­tra su­ces­so, uma con­cre­ti­za-­
ção.
Or­dem XXI • O Lou­co. Mas a or­dem das car­tas é es­sen­ci­al. Na ver­da-­
de, na or­dem O Mun­do – O Lou­co, es­te es­tá se afas­tan­do da­que­le. A si-­
tu­a­ção é, en­tão, com­ple­ta­men­te dis­tin­ta: O Mun­do já não é mais a re­a­li-­
za­ção de na­da, pois ne­nhu­ma car­ta o pre­ce­de. É, ao con­trá­rio, um fe-­
cha­men­to, um co­me­ço di­fícil, até mes­mo um par­to so­fri­do. A mu­lher,
en­cer­ra­da em seu oval, olha pa­ra um pas­sa­do va­zio, ela não tem fu­tu­ro.
O Lou­co, por sua vez, fo­ge ou se li­be­ra de uma si­tu­a­ção que não lhe
con­vém, mas sem sa­ber pa­ra on­de vai. A mu­lher fi­ca imó­vel, e o ho-­
mem fo­ge apres­sa­do. Po­de ser uma si­tu­a­ção em que um mem­bro fi­ca
ob­ce­ca­do com o pró­prio pas­sa­do sem de­di­car ne­nhu­ma ener­gia à si­tu­a-­
ção pre­sen­te, en­quan­to o ou­tro se pre­pa­ra pa­ra en­con­trar seu des­ti­no
em ou­tra par­te. É tal­vez o iní­cio de uma re­la­ção em que a mu­lher re-­
pre­sen­ta pa­ra o ho­mem al­go de gran­di­o­so de­mais, se­ja por­que ele a
ide­a­li­za, se­ja por­que ele não se sen­te dis­pos­to a se en­vol­ver. Ele te­rá,
en­tão, a ten­dên­cia a fu­gir da re­la­ção. A si­tu­a­ção po­de ama­du­re­cer e os
dois pro­ta­go­nis­tas po­dem ce­der à sua atra­ção re­cíp­ro­ca. O Lou­co, tro-­
ca, en­tão de lu­gar e se co­lo­ca di­an­te d’O Mun­do.
Quan­do as du­as car­tas en­con­tram as ou­tras...

O Lou­co e O Mun­do são car­tas à par­te na me­di­da em que re­pre­sen­tam


ar­quéti­pos ab­so­lu­ta­men­te im­pes­so­ais. Sua ener­gia não lhes per­mi­te
cons­ti­tuir um ca­sal pro­pri­a­men­te di­to. Eis aqui o que se po­de di­zer
quan­do se em­pa­re­lham com ou­tras car­tas:

O Lou­co. Ele é ora uma ener­gia que che­ga, ora uma ener­gia que se
per­de. Di­an­te de ou­tra car­ta, ele não for­ma um ca­sal com­ple­men­tar,
mas exa­cer­ba as ca­rac­te­rísti­cas do ou­tro Ar­ca­no. Ele não tem de­fi­ni­ção,
nem ca­rac­te­rísti­cas pes­so­ais. É uma ener­gia li­vre que bus­ca ca­nais pe-­
los quais se ma­ni­fes­tar. Es­ses ca­nais in­di­vi­du­ais vão fi­nal­men­te le­var à
to­ta­li­da­de d’O Mun­do. Sen­do to­tal­men­te ati­vo, ele é re­pre­sen­ta­do por
uma fi­gu­ra mas­cu­li­na. Quan­do uma car­ta fe­mi­ni­na se en­con­tra em sua
com­pa­nhia, ele lhe apor­ta ener­gia ou a re­ti­ra ao ir em­bo­ra. Nes­se ca­so,
o con­su­len­te de­ve ti­rar ou­tra car­ta mas­cu­li­na e co­lo­cá-la em ci­ma d’O
Lou­co pa­ra ver qual é a de­fi­ni­ção des­sa ener­gia. Se, por exem­plo, a car-­
ta es­co­lhi­da for O Ma­go, es­te se­rá re­for­ça­do pe­lo im­pul­so d’O Lou­co e
su­as ca­rac­te­rísti­cas se­rão ex­tra­or­di­na­ri­a­men­te acen­tu­a­das.

O Mun­do. Da mes­ma ma­nei­ra que O Lou­co, es­te Ar­ca­no não re­pre-­


sen­ta um as­pec­to em par­ti­cu­lar, mas so­bre­tu­do a to­ta­li­da­de dos Ar­ca-­
nos. Não po­de­mos, por­tan­to, fa­lar de uma ca­rac­te­rísti­ca. Sen­do es­sen-­
ci­al­men­te re­cep­ti­vo, O Mun­do é re­pre­sen­ta­do por uma mu­lher. Quan-­
do uma car­ta mas­cu­li­na apa­re­ce ao la­do d’O Mun­do, is­so sig­ni­fi­ca sua
re­a­li­za­ção com­ple­ta de um pon­to de vis­ta po­si­ti­vo, com a con­di­ção de
que O Mun­do es­te­ja à sua di­rei­ta, ou uma di­fi­cul­da­de ini­ci­al frus­tran­te
se O Mun­do sai pri­mei­ro (à es­quer­da). O con­su­len­te de­ve ti­rar uma
car­ta fe­mi­ni­na pa­ra sa­ber a quem re­me­te o Ar­ca­no XXI nes­sa lei­tu­ra.
A RE­LA­ÇÃO DE CA­SAL
O Ma­go • A For­ça

Or­dem I • XI. Co­lo­ca­dos as­sim, es­ses Ar­ca­nos for­mam um ca­sal equi-­


li­bra­do cons­ti­tu­í­do por du­as pes­so­as do­ta­das de gran­de dis­po­si­ção. Ca-­
da uma de­las, em seu do­mí­nio, co­me­ça uma ati­vi­da­de: a d’O Ma­go é
mais in­te­lec­tu­al, tem a ver com seu sa­ber e seus múl­ti­plos ta­len­tos. A
d’A For­ça é ar­tísti­ca ou or­gâ­ni­ca, tem a ver com sua cri­a­ti­vi­da­de pro-­
fun­da. Nes­sa con­fi­gu­ra­ção, a so­ma das du­as car­tas (I + XI) re­me­te ao
as­pec­to do co­nhe­ci­men­to de si mes­mo e do apro­fun­da­men­to su­ge­ri­do
pe­lo Ar­ca­no XII, O En­for­ca­do. O Ma­go tra­ba­lha com su­as for­ças es­pi­ri-­
tu­ais e A For­ça com a ri­que­za de su­as pul­sões. Eles se acom­pa­nham e
se com­preen­dem, e di­an­te da for­ma si­mi­lar de seus cha­péus, po­de­mos
pen­sar que pos­su­em uma con­cep­ção si­mi­lar do mun­do. Is­so nos lem­bra
o po­e­ma tra­di­ci­o­nal ja­po­nês: “O pei­xe na água, o pás­sa­ro no céu...”. Ca-­
da um é fe­liz em seu cam­po de ex­pe­riên­cia. Po­dem ser dois ado­les­cen-­
tes, dois de­bu­tan­tes, mas tam­bém du­as pes­so­as que es­tão no iní­cio de
al­gu­ma coi­sa em sua exis­tên­cia, de qual­quer ida­de.

Or­dem XI • I. Aqui, po­de­mos re­ce­ar uma cri­se que con­du­za à imo­bi­li-­


da­de, ou­tro as­pec­to d’O En­for­ca­do (XII), pois ca­da um in­ter­vém no do-­
mí­nio do ou­tro. O Ma­go ten­ta me­ta­fo­ri­ca­men­te trans­for­mar o le­ão d’A
For­ça em águia, A For­ça ten­ta trans­for­mar a me­sa ci­en­tífi­ca d’O Ma­go
em uma fe­ra po­de­ro­sa... O pei­xe no céu su­fo­ca, o pás­sa­ro na água se
afo­ga. Os dois mem­bros do ca­sal de­vem se dar con­ta de que não são fei-­
tos pa­ra se en­con­trar fa­ce a fa­ce sob o olhar do ou­tro an­tes que ca­da
um te­nha ex­pe­ri­men­ta­do com­ple­ta­men­te seu pró­prio cam­po de ação.
Eles de­vem se dar o es­pa­ço ne­ces­sá­rio pa­ra de­sen­vol­ver seus sa­be­res
nas­cen­tes, e po­de­rão, en­tão, se reen­con­trar em um es­píri­to de uni­ão.
Os ou­tros ca­sais d’O Ma­go

O Ma­go e A Pa­pi­sa

Or­dem I • II. Um jo­vem, pre­o­cu­pa­do com o pró­prio su­ces­so, cheio de


qua­li­da­des e pos­si­bi­li­da­des, com­ple­ta­men­te cen­tra­do em si mes­mo, em
uma bus­ca di­ri­gi­da prin­ci­pal­men­te pe­lo es­píri­to, en­con­tra um apoio ao
la­do de uma mu­lher ma­du­ra que acu­mu­lou ener­gi­as cri­a­ti­vas ao lon­go
de to­da uma vi­da. In­ca­paz de pôr em práti­ca seu co­nhe­ci­men­to, ela faz
d’O Ma­go não ape­nas seu aman­te e/ou seu fi­lho es­pi­ri­tu­al, mas o uti­li-­
za­rá pa­ra, atra­vés de­le, se ma­ni­fes­tar no mun­do. Uma aju­dan­do o ou­tro,
a pos­si­bi­li­da­de cri­a­ti­va se abre.

Or­dem II • I. En­con­tra­mos aqui uma mu­lher fe­cha­da em si mes­ma


que trans­for­mou seu ego em ído­lo. Ela se com­por­ta co­mo uma ini­ci­a-­
do­ra. O Ma­go, ob­nu­bi­la­do por ela, a con­si­de­ra an­tes co­mo sua mãe do
que co­mo es­po­sa: ele a vê co­mo to­do-po­de­ro­sa. Sua ener­gia cri­a­ti­va se
dis­sol­ve na de­vo­ção. Es­sa sim­bi­o­se po­de du­rar anos sem que O Ma­go
pos­sa se tor­nar adul­to.
O Ma­go e A Im­pe­ra­triz

Or­dem I • III. Es­te ca­sal po­de­ria ser for­ma­do por um es­tu­dan­te po­bre
com uma prin­ce­sa. Ela apre­ci­a­ria e ama­ria o co­nhe­ci­men­to en­tu­si­as-­
ma­do e po­éti­co d’O Ma­go, mas ele con­ser­va­ria sua li­ber­da­de, sem exi-­
gir que A Im­pe­ra­triz o pro­te­ges­se. No en­tan­to, o ce­tro re­al d’A Im­pe­ra-­
triz se une ao bas­tão d’O Ma­go pa­ra car­re­gá-lo de for­ça cri­a­ti­va e com
sua po­tên­cia: ao ad­mi­rá-lo, ela lhe dá se­gu­ran­ça. O Ma­go per­mi­te a A
Im­pe­ra­triz que se sin­ta be­la, pois ele fi­ca com ela sem na­da lhe exi­gir.

Or­dem III • I. Os dois mem­bros do ca­sal es­tão fa­ce a fa­ce, e O Ma­go se


ren­de ao po­der d’A Im­pe­ra­triz, que é bem mais po­de­ro­sa que ele. Ela já
es­tá em ação, ex­plo­din­do cri­a­ti­va­men­te, en­quan­to ele não pas­sa de um
de­bu­tan­te. Nes­ta re­la­ção, ele se­rá, por­tan­to, sub­mis­so e cor­re­rá o ris­co
de ser des­pre­za­do por ela, co­mo um ator es­tre­an­te apai­xo­na­do por uma
es­tre­la.
O Ma­go e A Jus­ti­ça

Or­dem I • VI­II. Ao la­do d’A Jus­ti­ça, qual­quer que se­ja a po­si­ção, O


Ma­go é um me­ni­no. Ela en­car­na pa­ra ele a mãe per­fei­ta, ele a le­va em
seu es­píri­to na for­ma de oi­to bo­las ama­re­las-es­cu­ras em seu ca­be­lo
ama­re­lo-cla­ro, e seu cha­péu em for­ma de oi­to pa­re­ce in­di­car que ela
re­pre­sen­ta pa­ra ele a mãe cósmi­ca. Quan­do um ho­mem en­con­tra uma
mu­lher tão su­pe­ri­or co­mo ela, ele te­rá a ten­dên­cia de se tor­nar an­tes
seu dis­cí­pu­lo que seu aman­te. Nes­ta or­dem, A Jus­ti­ça de­li­ca­da­men­te
in­terpõe sua es­pa­da en­tre os dois pa­ra que a re­la­ção não caia na fu­são,
ela apli­ca to­do seu amor e sua cons­ciên­cia di­zen­do a O Ma­go: “Vo­cê é
vo­cê, eu sou eu. Nós es­ta­mos jun­tos, mas não so­mos uma mes­ma pes-­
soa”.

Or­dem VI­II • I. Nes­ta con­fi­gu­ra­ção, O Ma­go olha pa­ra A Jus­ti­ça pen-­


san­do que ela re­pre­sen­ta sua re­a­li­za­ção ab­so­lu­ta. Aqui o ca­sal se fun­de.
O Ma­go pa­re­ce di­zer: “Sou o fe­to no seu ven­tre, é pre­ci­so que vo­cê me
crie con­ti­nu­a­men­te”. Se A Jus­ti­ça acei­ta de­sem­pe­nhar es­se pa­pel, e
não dei­xa de in­di­car a O Ma­go, me­di­an­te sua ba­lan­ça, o que es­tá bem e
o que es­tá mal, é por­que ela mes­ma se mos­tra de cer­ta ma­nei­ra ima­tu-­
ra. Ela cor­re o ris­co de de­pen­der in­tei­ra­men­te da re­ve­rên­cia d’O Ma­go,
a pon­to de de­sa­bar se es­sa ado­ra­ção um dia lhe fal­tar.
O Ma­go e A Es­tre­la

Or­dem I • XVII. Exis­te uma imen­sa di­fe­ren­ça en­tre es­sas du­as car­tas.
O Ma­go es­pe­ra que o mun­do ve­nha até ele, ele es­tá em uma de­man­da
de re­a­li­za­ção, em ple­na for­ma­ção. A Es­tre­la, por sua vez, já en­con­trou
sua ver­da­de, ela es­tá em ple­na do­a­ção ao mun­do. O Ma­go re­ce­be aqui­lo
que A Es­tre­la lhe dá, mas é uma do­a­ção tão ge­ne­ro­sa que ele dei­xa que
cir­cu­le atra­vés de si e se tor­na por sua vez al­guém que doa. É co­mo a
fá­bu­la da Ra­po­sa que se acha­va po­de­ro­sa por­que, ten­do fei­to ami­za­de
com o Le­ão, pen­sa­va pos­suir sua for­ça: o Le­ão an­da­va atrás da Ra­po­sa e
to­da a flo­res­ta a res­pei­ta­va. Em ou­tras pa­la­vras, po­de­ria ser um agen­te
ou um as­ses­sor de im­pren­sa que se ca­sa com uma mu­lher fa­mo­sa e a
re­pre­sen­ta; ele ser­ve pa­ra que o ta­len­to de sua cli­en­te se ma­ni­fes­te no
mun­do.

Or­dem XVII • I. Aqui, a si­tu­a­ção é ab­sur­da: O Ma­go crê que po­de do­ar
a A Es­tre­la, crê que é de­le que vem a for­ça. Ele é pri­si­o­nei­ro de su­as ilu-­
sões es­pi­ri­tu­ais. Mas A Es­tre­la re­ce­be su­as for­ças ge­ne­ro­sas do cos­mos,
O Ma­go é ape­nas um pe­que­no se­gui­dor. Ela não po­de le­vá-lo em con­ta.
Tu­do o que ela po­de fa­zer, com uma bon­da­de in­fi­ni­ta, é dei­xá-lo par­ti-­
ci­par de sua ação, fa­zen­do-o ge­ne­ro­sa­men­te acre­di­tar que ele é mui­to
im­por­tan­te. Nes­ta po­si­ção, O Ma­go vi­ve­rá sem­pre an­gus­ti­a­do, até que
ou­tro ho­mem apa­re­ça, que cor­res­pon­da me­lhor à ener­gia d’A Es­tre­la.
Po­de­rá ser até um ho­mem do­en­ti­a­men­te ciu­men­to.
O Ma­go e A Lua

Or­dem I • XVI­II. O Ma­go re­ce­be por seu bas­tão to­da a for­ça e to­do o
mis­té­rio d’A Lua. Ele se tor­na, en­tão, com­ple­to. Ele tra­ba­lha ten­do co-­
mo ob­je­ti­vo a cla­re­za es­pi­ri­tu­al, e eis que as por­tas do in­cons­ci­en­te se
abrem pa­ra ele. É o mági­co ou o po­e­ta que, por seus es­for­ços cons­tan-­
tes, se en­con­tra su­bi­ta­men­te ilu­mi­na­do pe­la po­tên­cia da Mãe cósmi­ca.
É tal­vez um alu­no ou um dis­cí­pu­lo que re­ce­be a ini­ci­a­ção de uma gu­ru,
de uma pro­fes­so­ra.

Or­dem XVI­II • I. A Lua, nes­ta con­fi­gu­ra­ção, re­pre­sen­ta­rá so­bre­tu­do a


lou­cu­ra ou a an­gús­tia. O Ma­go, fra­co e inex­pe­ri­en­te, cor­re o ris­co de
sub­mer­gir sob as for­ças psíqui­cas er­ráti­cas de uma mu­lher que po­de
con­du­zi-lo à lou­cu­ra, à dro­ga, ao al­co­o­lis­mo ou à de­pen­dên­cia au­to­des-­
tru­ti­va. É tal­vez tam­bém uma re­la­ção en­tre uma mu­lher in­sa­ci­á­vel e in-­
sa­tis­fei­ta, cain­do vo­lun­ta­ri­a­men­te no dra­ma psi­co­ló­gi­co, com um ho-­
mem pou­co ex­pe­ri­en­te que se afer­ra aos as­pec­tos mais con­cre­tos da
exis­tên­cia pa­ra se afas­tar des­sas exi­gên­cias que ele não com­preen­de.
O Ma­go e O Mun­do

Or­dem I • XXI. Por fim, O Ma­go en­con­trou tu­do aqui­lo que bus­ca­va
em si mes­mo! Es­te ca­sal re­pre­sen­ta pa­ra ele uma me­ta­mor­fo­se. A mo­e-­
da que ele tem na mão en­con­tra seu eco no fras­co da mu­lher d’O Mun-­
do, e su­as du­as va­ri­nhas são si­mi­la­res. Mais do que com uma mu­lher,
ele for­ma um ca­sal com sua al­ma re­a­li­za­da. Se na ti­ra­gem O Mun­do de-­
sig­na uma mu­lher re­al, po­de­mos di­zer que ela re­pre­sen­ta a re­a­li­za­ção
des­se ho­mem.

Or­dem XXI • I. É um ho­mem que se sen­te in­ca­paz de ob­ter sua re­a­li-­


za­ção. Po­de se tra­tar ora de um amor im­pos­sí­vel, em que ele sen­te que
a mu­lher lhe é mui­to su­pe­ri­or, ora de uma re­la­ção com uma mu­lher fe-­
cha­da tam­bém nas di­fi­cul­da­des li­ga­das à sua pró­pria re­a­li­za­ção. Eles
são, por­tan­to, ca­da um es­pe­lho da di­fi­cul­da­de do ou­tro, e a di­men­são
ini­ci­áti­ca de seu en­con­tro pas­sa por es­sa to­ma­da de cons­ciên­cia.
Os ou­tros ca­sais d’A For­ça

A For­ça e O Im­pe­ra­dor

Or­dem II­II • XI. Ve­mos aqui um ca­sal em que ca­da um dos mem­bros
se apoia vi­go­ro­sa­men­te so­bre o ou­tro. O Im­pe­ra­dor apor­ta a se­gu­ran­ça
e A For­ça a ener­gia cri­a­ti­va. O po­der so­ci­al e ma­te­ri­al des­co­bre um
apoio fun­da­do so­bre as for­ças ins­tin­ti­vas. Aqui o ho­mem co­nhe­ce sua
re­a­li­da­de, seus ne­gó­cios, su­as em­prei­ta­das, e tem con­tro­le so­bre elas. A
mu­lher pos­sui uma in­fi­ni­da­de de pro­je­tos que po­de re­a­li­zar gra­ças ao
apoio eco­nô­mi­co, ma­te­ri­al ou le­gal d’O Im­pe­ra­dor. Gra­ças ao con­ta­to
com A For­ça, O Im­pe­ra­dor se en­ri­que­ce com no­vos in­te­res­ses vi­tais e
se sen­te mo­ti­va­do.

Or­dem XI • II­II. O en­con­tro aqui é ful­mi­nan­te! Ca­da um ten­ta con-­


ven­cer o ou­tro, eles me­dem seus po­de­res res­pec­ti­vos e po­dem che­gar a
se opor, mas tam­bém se de­se­jam, vol­tam a ser ami­gos e re­co­me­çam a
dis­pu­ta. É um di­á­lo­go in­ces­san­te, que pas­sa por fa­ses de opo­si­ção e de
adap­ta­ção. Quem ce­de­rá? Se am­bos con­se­guem in­ter­rom­per es­se con-­
fli­to de po­der, po­dem se en­con­trar com uma enor­me for­ça de re­a­li­za-­
ção, que só se tor­na­rá efe­ti­va se eles em­preen­de­rem uma obra co­mum.
A For­ça e O Pa­pa

Or­dem V • XI. O Pa­pa es­tá acos­tu­ma­do a ter acóli­tos, pois re­pre­sen­ta a


mais al­ta voz es­pi­ri­tu­al. Mas aqui ele en­con­tra uma mu­lher es­sen­ci­al-­
men­te vir­gem (o XI, grau 1 da nu­me­ro­lo­gia, tu­do em po­tên­cia), que por
sua for­ça de ca­rá­ter não per­mi­te que ele se­ja aber­ta­men­te seu mes­tre, e
atra­vés de­la fa­la uma voz à qual O Pa­pa não es­tá ha­bi­tu­a­do: a voz da na-­
tu­re­za ani­mal, igual­men­te di­vi­na. O Pa­pa a ad­mi­ra, a res­pei­ta e tem ne-­
ces­si­da­de de­la. Su­til­men­te, ele lhe trans­mi­te seu co­nhe­ci­men­to e seu
ní­vel de cons­ciên­cia. Ela es­tá em con­ta­to com a li­ber­da­de da na­tu­re­za e
com­preen­de coi­sas às quais O Pa­pa, por sua con­di­ção es­tá­vel, não tem
aces­so. Pa­ra ela, O Pa­pa é mui­to útil por­que apoia su­as bus­cas no mun-­
do obs­cu­ro do in­cons­ci­en­te, ofe­re­cen­do-lhe uma es­tru­tu­ra e uma jus­ti-­
fi­ca­ti­va es­pi­ri­tu­al.

Or­dem XI • V. Aqui se pro­duz uma ini­bi­ção das for­ças ani­mais. A li­bi-­


do, sim­bo­li­za­da pe­la fe­ra, é cons­tran­gi­da a to­mar o ca­mi­nho da su­bli-­
ma­ção. O ani­mal se tor­na um dos dis­cí­pu­los d’O Pa­pa que se ele­va a di-
re­tor es­pi­ri­tu­al. O mun­do do in­cons­ci­en­te é in­fi­ni­ta­men­te mais vas­to
que o ra­ci­o­nal; en­tão, quan­do O Pa­pa vem de­pois d’A For­ça, ele re­duz
su­as pos­si­bi­li­da­des, im­pos­si­bi­li­ta­do de vê-la em to­do seu es­plen­dor. É
tal­vez um ho­mem que, fi­el às su­as cren­ças, as impõe à es­po­sa. Co­mo a
mo­ral re­li­gi­o­sa que, du­ran­te sé­cu­los, fez da mu­lher uma es­cra­va por
me­do de sua ener­gia se­xu­al.
A For­ça e O Car­ro

Or­dem VII • XI. Es­ses dois per­so­na­gens se bas­tam a si mes­mos e pos-­


su­em uma imen­sa ener­gia. No en­tan­to, nes­ta or­dem eles se com­ple­tam.
Su­as ações são mui­to di­fe­ren­tes: na re­a­li­da­de, A For­ça não tem pai­sa-­
gem. Sua ação é ver­ti­cal. Ela vai de bai­xo pa­ra ci­ma e de ci­ma pa­ra bai-­
xo. Po­de­rí­a­mos di­zer que se tra­ta de uma ação in­ter­na que con­sis­te em
es­ta­be­le­cer uma es­trei­ta re­la­ção en­tre as ener­gi­as es­pi­ri­tu­ais e ani­mais.
A ca­pa­ci­da­de de se­du­ção da mu­lher d’A For­ça é sur­preen­den­te. Não é a
for­ça de um guer­rei­ro, mas de uma do­ma­do­ra. Ao con­trá­rio, o prínci­pe
d’O Car­ro age na di­men­são ho­ri­zon­tal e em uma pai­sa­gem. Seu car­ro,
que pa­re­ce ato­la­do em um pân­ta­no, se­gue o mo­vi­men­to do mun­do. Ele
não es­ta­be­le­ce um di­á­lo­go com seus ca­va­los, mas se dei­xa le­var por
eles. A For­ça se co­lo­ca em pé de igual­da­de com o le­ão. Sem A For­ça, ao
prínci­pe fal­ta es­se do­mí­nio in­ter­no de seus ins­tin­tos pri­mor­di­ais. A
For­ça sem O Car­ro não tem mun­do on­de agir. Ela se per­de em si mes-­
ma. Es­se en­con­tro en­tre os dois pro­duz uma re­la­ção mui­to ri­ca. Ela
apor­ta o co­nhe­ci­men­to in­te­ri­or, ele ofe­re­ce o mun­do da en­car­na­ção.
Ca­da um re­a­li­za aqui­lo pa­ra o qual es­tá des­ti­na­do. Ca­da um se ori­en­ta
na di­re­ção que lhe in­te­res­sa, mas se o apoio de um pa­ra o ou­tro é sóli-­
do, eles po­dem se ocu­par ca­da um de sua ta­re­fa. Eles são, en­tão, be­néfi-­
cos pa­ra o mun­do.

Or­dem XI • VII. Os ani­mais cor­rem aqui o ris­co de en­trar em con­fli­to,


ou pe­lo me­nos em uma ati­vi­da­de des­con­tro­la­da. A ani­ma­li­da­de do­mi-­
na­rá o es­píri­to. Po­de ha­ver aqui uma atra­ção se­xu­al mui­to for­te de am-­
bas as par­tes. Mas se A For­ça é ca­paz de con­tro­lar seu le­ão, o prínci­pe
d’O Car­ro não con­tro­la seus ca­va­los. O en­con­tro ins­tin­ti­vo po­de ser for-­
te, até des­con­tro­la­do, mas o en­con­tro es­pi­ri­tu­al cor­re o ris­co de não
acon­te­cer. Ela bus­ca a ação es­pi­ri­tu­al den­tro de si mes­ma en­quan­to ele
se con­cen­tra na ação no mun­do. Se­rá di­fícil pa­ra eles en­trar em um
acor­do. Ex­ce­to se A For­ça acei­tar se dei­xar le­var em vi­a­gem pel'O Car-­
ro e en­trar em ação com ele no mun­do.
A For­ça e O Ere­mi­ta

Or­dem VI­I­II • XI. É um ca­sal com­ple­men­tar de dois ex­tre­mos. O Ere-­


mi­ta er­gue sua lâm­pa­da em di­re­ção ao máxi­mo da vi­da es­pi­ri­tu­al, com
to­das as dúvi­das que sur­gem na bus­ca me­ta­físi­ca. A For­ça apro­fun­da
sua bus­ca em di­re­ção às re­gi­ões obs­cu­ras do in­cons­ci­en­te com uma
cer­te­za ani­mal. Não es­tá em sua na­tu­re­za du­vi­dar. Ele, com a ex­pe­riên-­
cia de to­da uma vi­da, e ela, jo­vem, com to­dos os ca­mi­nhos aber­tos di­an-­
te de si. Pa­ra os dois, é uma re­la­ção exal­tan­te.

Or­dem XI • VI­I­II. Ca­da um in­ter­fe­re no Ser do ou­tro. Ela afir­ma su­as


tre­vas di­an­te da luz d’O Ere­mi­ta, e ele, com sua lâm­pa­da, se­meia a
dúvi­da na­qui­lo que de­ve per­ma­ne­cer obs­cu­ro. Am­bos se sen­tem em
cri­se. Cor­rem o ris­co de che­gar à in­to­le­rân­cia, ou pi­or: A For­ça po­de
co­me­çar a quei­mar e cair em uma cri­se men­tal, e O Ere­mi­ta po­de ser
de­vo­ra­do, is­to é, per­der a fé em si mes­mo. A so­lu­ção do con­fli­to che­ga
quan­do O Ere­mi­ta, em vez de avan­çar, re­cua, abrin­do o ca­mi­nho pa­ra A
For­ça com to­le­rân­cia. Ela, em vez de ce­der, al­go que lhe é im­pos­sí­vel,
en­con­tra­rá, en­tão, o es­pa­ço ne­ces­sá­rio pa­ra fa­zer aqui­lo que de­ve, em
to­tal li­ber­da­de.
A For­ça e O Sol

Or­dem XI • XVI­I­II. Quan­do ela co­nhe­ce o pai cósmi­co, A For­ça com-­


preen­de que seu tra­ba­lho so­li­tá­rio en­con­trou sua re­a­li­za­ção. O ani­mal,
kun­da­li­ni ou li­bi­do, unin­do-se com a for­ça mas­cu­li­na, tor­na-se um Sol,
um cen­tro de vi­da es­pi­ri­tu­al. A For­ça aban­do­na en­tão to­dos os es­for­ços
de re­a­li­zar um ca­sal de al­mas gê­meas. O en­con­tro com o prin­cí­pio mas-­
cu­li­no a preen­che in­tei­ra­men­te. Ela po­de ad­mi­rá-lo, con­fi­ar ne­le, en-­
tre­gar-se a ele. Ele es­pe­ra­va es­sa mu­lher: ela apor­ta a ma­té­ria que pro-­
duz es­sa ex­plo­são de luz. Ele co­me­ça uma no­va vi­da.

Or­dem XVI­I­II • XI. Aqui, A For­ça du­vi­da d’O Sol, e não apor­ta sua
ener­gia cri­a­do­ra ao ca­sal. Ela se sen­te so­zi­nha e ob­ser­va o amor do pai
cósmi­co co­mo al­gu­ma coi­sa da qual ela é pri­va­da, que se dá a to­dos os
se­res e não pa­ra ela. É uma exi­gên­cia cons­tan­te. Po­de­ria ser uma mu-­
lher cu­jo pai, quan­do ela era me­ni­na, foi au­sen­te ou não amo­ro­so. Adul-­
ta, ape­sar da ne­ces­si­da­de que ela tem de se unir ao pai, ela per­si­si­ti­rá
em to­dos os en­con­tros amo­ro­sos ou es­pi­ri­tu­ais a ne­gar a pos­si­bi­li­da­de
do en­con­tro, bus­can­do de­mons­trar ao ho­mem seu ego­ís­mo em uma
quei­xa sem fim que en­co­bre uma imen­sa exi­gên­cia de amor. O Sol, sa-­
tis­fei­to con­si­go mes­mo e com o mun­do, ofe­re­cen­do sua ação vi­vi­fi­ca­do-­
ra à mul­ti­dão, acei­ta­rá sua res­pon­sa­bi­li­da­de e as quei­xas que lhe são
for­mu­la­das co­mo um pe­so do qual ele não po­de se des­fa­zer. Ele a apoi-­
a­rá, até que ela se cu­re a si mes­ma de sua fe­ri­da fun­da­men­tal.
A RE­LA­ÇÃO DE CA­SAL
A Pa­pi­sa • O Pa­pa

A Pa­pi­sa é uma mu­lher de sa­be­do­ria, ela tem al­go pa­ra en­si­nar. Ela pos-­
sui uma cons­ciên­cia. Ela con­tém um po­ten­ci­al de ação e, se­ja ela cons-­
ci­en­te dis­so ou não, ela se en­con­tra em um es­ta­do de sa­ber. É uma mu-­
lher que sa­be. Ela é po­ten­te, ca­paz de se sa­cri­fi­car e de ini­ci­ar. Mas,
sim­bo­li­za­do pe­lo ovo que es­tá ao la­do de­la, es­se co­nhe­ci­men­to não é
trans­mi­ti­do, mas é um co­nhe­ci­men­to po­ten­ci­al, in­cu­ba­do. Pa­ra eclo­dir,
é pre­ci­so uma ação d’O Pa­pa. A Pa­pi­sa é vir­gem; ha­ve­rá sem­pre al­go
que se­rá de­di­ca­do ao mais pu­ro de­la mes­ma: sua vi­da es­pi­ri­tu­al. Al­gu-­
ma coi­sa ne­la ja­mais se­rá to­ca­da. É is­so que faz seu char­me, seu po­der
e seu pe­ri­go.
Seu par­cei­ro ide­al é O Pa­pa. En­quan­to A Pa­pi­sa é en­clau­su­ra­da, se-­
pa­ra­da do mun­do, O Pa­pa tra­ba­lha pa­ra os ou­tros, em um es­píri­to de
trans­mis­são. O que ele trans­mi­te afi­nal? O co­nhe­ci­men­to que A Pa­pi­sa
con­tém em seu li­vro. O Pa­pa é um me­di­a­dor, uma pon­te en­tre o mun­do
ma­te­ri­al e o mun­do es­pi­ri­tu­al. Ele co­mu­ni­ca.

Or­dem II • V. Se co­lo­ca­dos nes­sa or­dem e pe­los mo­ti­vos que aca­ba­mos


de evo­car, A Pa­pi­sa e O Pa­pa não têm ne­ces­si­da­de de se en­tre­o­lhar. Eles
es­tão de cos­tas um pa­ra o ou­tro. Já su­pe­ra­ram a se­xu­a­li­da­de, a pai­xão,
e che­ga­ram a um es­ta­do em que de­vem dar tu­do aqui­lo que acu­mu­la-­
ram. Ela apor­ta seu co­nhe­ci­men­to e ele o trans­mi­te. É uma com­pa­nhia
de dois se­res do mes­mo va­lor. Co­mo já são ma­du­ros, não es­pe­ram do
par­cei­ro que pro­pi­cie a pró­pria re­a­li­za­ção. Co­e­xis­tem no mes­mo ní­vel
es­pi­ri­tu­al. Eles têm mui­to pa­ra dar aos ou­tros, mo­vi­dos por um ide­al,
qual­quer que se­ja. Nes­sa po­si­ção, de cos­tas um pa­ra o ou­tro, eles es­tão
bem acom­pa­nha­dos, sóli­dos, em ple­na ação no mun­do.
Or­dem V • II. Mas se co­lo­car­mos O Pa­pa an­tes d’A Pa­pi­sa, o ca­sal se
en­con­tra em uma si­tu­a­ção pro­ble­máti­ca. Nes­sa con­fi­gu­ra­ção, os dois
per­so­na­gens se olham, es­que­cem sua mis­são e exi­gem aten­ção e ener-­
gia um do ou­tro. Eles aca­ba­rão se es­go­tan­do mu­tu­a­men­te, pois não fo-­
ram fei­tos pa­ra se iso­lar do mun­do. Um Pa­pa e uma Pa­pi­sa tra­ba­lham
em uni­ão com a to­ta­li­da­de. Não po­dem cons­ti­tuir um ca­sal ego­ís­ta e fe-­
cha­do, uma vez que eles não se re­pro­du­zem. Sua men­sa­gem é pu­ra-­
men­te es­pi­ri­tu­al. O mun­do lhes deu o po­der por­que tem ne­ces­si­da­de
de­les. Nes­sa po­si­ção, fa­ce a fa­ce, eles po­de­ri­am fa­zer fi­lhos. Mas es­tes
fi­ca­ri­am atrás da por­ta es­pi­o­nan­do um pai e uma mãe que se en­tre­de-­
vo­ram. Se­ri­am aban­do­na­dos, não par­ti­ci­pa­ri­am da vi­da do ca­sal, pois
nes­sa uni­ão não há lu­gar pa­ra um ter­cei­ro. O Pa­pa e A Pa­pi­sa de­vem se
lem­brar in­ces­san­te­men­te de sua ta­re­fa es­pi­ri­tu­al di­an­te do mun­do.
Os ou­tros ca­sais d’A Pa­pi­sa

A Pa­pi­sa e O Im­pe­ra­dor

Or­dem II • II­II. A Pa­pi­sa, que tem um ní­vel es­pi­ri­tu­al ele­va­do e que


in­cu­ba a apa­ri­ção da Cons­ciên­cia cósmi­ca na hu­ma­ni­da­de, tem ne­ces-­
si­da­de da aju­da ma­te­ri­al d’O Im­pe­ra­dor. Ela po­de, as­sim, con­ti­nu­ar seu
tra­ba­lho, sua pes­qui­sa, pois a to­do ins­tan­te ela se sen­te apoi­a­da e pro­te-­
gi­da. O Im­pe­ra­dor, por sua vez, vê ne­la sua mais al­ta re­a­li­za­ção. Na ba-­
se de seu tro­no, a águia re­pre­sen­ta seu de­se­jo de se ele­var a um ide­al
su­bli­me. Na com­pa­nhia d’A Pa­pi­sa, ele en­con­trou a mu­lher que re­a­li­za
a vo­ca­ção des­sa águia me­ta­fóri­ca, per­mi­tin­do ao ovo eclo­dir. Na sim­bo-­
lo­gia cris­tã, o ovo re­pre­sen­ta o ber­ço on­de nas­ce o Cris­to sal­va­dor.

Or­dem II­II • II. Aqui A Pa­pi­sa faz de seu es­píri­to uma dádi­va a O Im-­
pe­ra­dor, mas es­te se em­pe­nha, so­bre­tu­do, em es­ta­be­le­cer seu po­der so-­
bre o mun­do. Ele po­de uti­li­zar o co­nhe­ci­men­to des­sa mu­lher, mas sua
di­men­são es­pi­ri­tu­al se per­de e o ovo não eclo­de, pois to­da a ener­gia é
di­ri­gi­da pa­ra a re­a­li­da­de ter­res­tre. A Pa­pi­sa po­de­rá, en­tão, se sen­tir fe-­
cha­da, pois sua vo­ca­ção mais ele­va­da não se re­a­li­za.
A Pa­pi­sa e O Car­ro

Or­dem II • VII. O prínci­pe d’O Car­ro en­con­trou a mu­lher su­pe­ri­or di-­


an­te da qual ele depõe seu ar­dor e seus de­se­jos de con­quis­ta. Ele se tor-­
na ca­va­lei­ro e se põe a seu ser­vi­ço. Nes­te ca­sal, O Car­ro é ape­nas uma
ofe­ren­da: uma pro­po­si­ção de ação que obe­de­ce ao co­man­do d’A Pa­pi­sa
se ela tem ne­ces­si­da­de de­le. Ele agi­rá sem­pre em no­me de­la. Pa­ra A Pa-­
pi­sa, es­te ho­mem re­pre­sen­ta uma fon­te de ener­gia, uma ar­ma à sua dis-­
po­si­ção, um im­pul­so pa­ra agir no mun­do e aí dis­se­mi­nar seu co­nhe­ci-­
men­to.

Or­dem VII • II. Nes­te ca­sal, O Car­ro cor­re o ris­co de uti­li­zar A Pa­pi­sa
co­mo des­cul­pa po­líti­ca e re­li­gi­o­sa pa­ra su­as con­quis­tas. Is­so po­de ser
fei­to em co­ni­vên­cia com ela, se ela for fa­náti­ca, se ela bus­ca en­ri­que­cer
seu tem­plo, pa­ra con­ver­ter o mun­do às su­as cren­ças. Po­de ser tam­bém
uma mãe que o fi­lho le­va a uma fes­ta, ou to­da mu­lher au­to­ri­tá­ria dan­do
um pa­pel e os re­cur­sos a um ho­mem pa­ra que ele aja no mun­do.
A Pa­pi­sa e O Ere­mi­ta

Or­dem II • VI­I­II. O ca­sal que ve­mos aqui par­ti­ci­pa an­tes de uma ami-­
za­de pro­fun­da do que de um amor pas­si­o­nal. A se­xu­a­li­da­de não tem
im­por­tân­cia, tam­pou­co o sen­ti­men­ta­lis­mo. Es­ta­mos em uma re­la­ção
en­tre al­mas. Se A Pa­pi­sa as­su­me o mun­do, O Ere­mi­ta se afas­ta de­le. Es-­
ta re­la­ção se fun­da na im­per­ma­nên­cia, o co­nhe­ci­men­to aqui se co­mu-­
ni­ca e se de­sen­vol­ve. Ela es­tá co­ber­ta pe­lo véu de sua ins­ti­tui­ção, e por
con­se­quên­cia não é li­vre. Ele es­tá en­cur­va­do sob o pró­prio man­to, con-­
ser­van­do sua luz in­di­vi­du­al. A Pa­pi­sa sa­be que O Ere­mi­ta é seu fu­tu­ro,
mas pa­ra ela ain­da não é o mo­men­to de se­gui-lo. Es­ta re­la­ção é um lon-­
go e se­re­no adeus.

Or­dem VI­I­II • II. O Ere­mi­ta aqui se ar­ris­ca a ab­di­car de sua so­li­dão e


de sua li­ber­da­de: an­dan­do de cos­tas, ele se en­con­tra nos do­mí­nios d’A
Pa­pi­sa que o ab­sor­ve, man­ten­do-o a seu la­do e de­ten­do-o em seu im-­
pul­so de aban­do­nar o mun­do. O ca­sal se es­ta­bi­li­za em uma cer­ta re­a­li-­
da­de on­de A Pa­pi­sa in­ci­ta O Ere­mi­ta a acei­tar a lei es­cri­ta. Es­te, ain­da
que sua na­tu­re­za pro­fun­da se­ja a cri­se, se en­con­tra imer­so na per­fei-­
ção. Ele can­ta co­mo um pás­sa­ro em uma gai­o­la dou­ra­da. Com a pre­sen-­
ça cons­tan­te d’O Ere­mi­ta, A Pa­pi­sa atin­ge seu ní­vel mais ele­va­do, que
lhe per­mi­ti­rá um dia dar ao sá­bio sua li­ber­da­de.
A Pa­pi­sa e O Sol

Or­dem II • XVI­I­II. Eis o mo­men­to em que A Pa­pi­sa che­ga a seu mais


al­to ní­vel de cons­ciên­cia. Ela é fi­lha do pai cósmi­co que lhe dá o ca­lor
ne­ces­sá­rio pa­ra in­cu­bar e fa­zer eclo­dir o Fi­lho per­fei­to, is­to é, de dis­se-­
mi­nar sua dou­tri­na no mun­do. Ela co­nhe­ce aqui o amor in­con­di­ci­o­nal,
co­mo o da Vir­gem Ma­ria pe­lo Pai di­vi­no. Ela po­de, en­tão, per­der sua
vir­gin­da­de a par­tir do in­te­ri­or de si mes­ma, gra­ças ao con­ta­to com um
ser di­an­te do qual ela se vê tão in­fi­ni­ta­men­te in­fe­ri­or que seu ri­gor se
dis­sol­ve na obe­diên­cia, na hu­mil­da­de e no amor. O Sol tem ne­ces­si­da­de
de­la, pois sua pa­la­vra sua sa­be­do­ria ati­va en­con­tram ne­la um ca­nal que
atin­ge os se­res hu­ma­nos. Po­de­ria ser uma san­ta que, obe­de­cen­do aos
en­si­na­men­tos de seu Deus, con­sa­gra a vi­da a sal­var cri­an­ças aban­do­na-­
das. Es­ta uni­ão é de gran­de uti­li­da­de pa­ra o mun­do.

Or­dem XVI­I­II • II. As­sim co­lo­ca­da, A Pa­pi­sa es­que­ce o mun­do, pois


seu olhar es­tá in­ces­san­te­men­te vol­ta­do pa­ra o ob­je­to de sua ado­ra­ção.
Ela per­ma­ne­ce fe­cha­da, em êx­ta­se, es­que­cen­do sua ta­re­fa em re­la­ção
aos hu­ma­nos. Nes­sa re­clu­são, ela po­de­ria, no en­tan­to, es­cre­ver po­e­mas
ou ora­ções ex­táti­cas que se­ri­am por sua vez uma fon­te de ins­pi­ra­ção e
de con­so­lo pa­ra a hu­ma­ni­da­de.
Os ou­tros ca­sais d’O Pa­pa

O Pa­pa e A Im­pe­ra­triz

Or­dem III • V. A Im­pe­ra­triz é es­sen­ci­al­men­te uma cri­a­do­ra, nos pla-­


nos in­te­lec­tu­al, emo­ci­o­nal, se­xu­al ou ma­te­ri­al. Ela do­mi­na o pla­no es-­
pa­ci­al ou ho­ri­zon­tal. O Pa­pa é um ho­mem que de­sen­vol­veu sua es­pi­ri-­
tu­a­li­da­de e age no pla­no tem­po­ral, for­man­do um vín­cu­lo de uni­ão com
os pla­nos su­pe­ri­o­res. A Im­pe­ra­triz es­ta­be­le­ce com ele uma re­la­ção de
ad­mi­ra­ção fer­vo­ro­sa. Ela co­me­ça a ver o mun­do pe­los olhos d’O Pa­pa e
se tor­na sua alu­na, em uma ati­tu­de fi­li­al. O Pa­pa acei­ta es­sa de­vo­ção
co­mo um ali­men­to e um prin­cí­pio de re­a­li­da­de. O en­tu­si­as­mo ado­les-­
cen­te d’A Im­pe­ra­triz o re­ge­ne­ra.

Or­dem V • III. Nes­te ca­sal, é O Pa­pa quem vê o mun­do pe­los olhos d’A
Im­pe­ra­triz, in­tei­ra­men­te se­du­zi­do por seus atra­ti­vos. Ele dei­xa en­tão
de la­do sua mis­são de en­si­nar e se de­di­ca com pai­xão a ele­var A Im­pe-­
ra­triz do pla­no es­pa­ci­al, que é o de­la, pa­ra o pla­no tem­po­ral, do qual ele
é o pro­fes­sor pri­vi­le­gi­a­do. Mas se na po­si­ção pre­ce­den­te A Im­pe­ra­triz
acei­ta­va vo­lun­ta­ri­a­men­te se tor­nar sua dis­cí­pu­la, ela vai exi­gir de­le
aqui que a tra­te co­mo uma igual. Is­so ge­ra o ris­co de con­fli­tos, di­an­te
da di­fe­ren­ça de ex­pe­riên­cia de vi­da dos dois. No en­tan­to, se O Pa­pa se
be­ne­fi­cia des­sa ex­pe­riên­cia pa­ra sair de seu pa­pel de eter­no pro­fes­sor
que só co­nhe­ce dis­cí­pu­los me­nos de­sen­vol­vi­dos que ele, ele po­de se be-­
ne­fi­ci­ar des­sa re­la­ção pa­ra unir, atra­vés das com­pe­tên­cias de am­bos, o
pla­no ho­ri­zon­tal com o pla­no ver­ti­cal. A ali­an­ça en­tre am­bos se­rá, en-­
tão, co­mo o cen­tro de uma cruz es­pa­ço-tem­po­ral.
O Pa­pa e A Jus­ti­ça

Or­dem V • VI­II. O Pa­pa sen­te aqui uma pro­fun­da ad­mi­ra­ção di­an­te da


per­fei­ção fe­mi­ni­na. Pa­ra ele, es­se en­con­tro é imen­so, a pon­to de A Jus-­
ti­ça po­der re­pre­sen­tar o ar­quéti­po da san­ta Igre­ja. Ape­sar de sua ex­pe-­
riên­cia, O Pa­pa, di­an­te d’A Jus­ti­ça, tor­na-se fi­lho e ser­vi­dor. Ele es­tá
dis­pos­to a apoiá-la em tu­do. No mi­to, po­de­rí­a­mos com­pa­rar es­ta re­la-­
ção com a do car­pin­tei­ro Jo­sé com a Vir­gem Ma­ria: é um res­pei­to pro-­
fun­do, acom­pa­nha­do por um amor re­ve­ren­te. A Jus­ti­ça pos­sui ob­je­ti-­
vos ele­va­dos que ten­dem ao equi­lí­brio da hu­ma­ni­da­de. Ela trans­mi­te
uma ver­da­de ma­te­ri­al e es­pi­ri­tu­al ao mun­do. Ela en­con­tra n'O Pa­pa o
emis­sá­rio ide­al que lhe per­mi­te se co­mu­ni­car. É tam­bém tal­vez uma
mu­lher em ple­na pos­se de seu equi­lí­brio e de sua ma­tu­ri­da­de que se
une a um ho­mem res­pon­sá­vel que a ad­mi­ra, ou ain­da uma em­pre­sa que
en­con­tra o che­fe ide­al.

Or­dem VI­II • V. O Pa­pa aqui se ou­tor­ga o pa­pel prin­ci­pal e, em um se-­


gun­do pla­no, ze­la se­cre­ta­men­te pe­la per­fei­ção da mu­lher que o res­pal-­
da e lhe dá seu equi­lí­brio. Ela acei­ta a si­tu­a­ção, que ten­de a va­lo­ri­zar,
acei­tan­do que o ho­mem de­sen­vol­va seu ego na ação so­ci­al e se ou­tor-­
gan­do o pa­pel de se­nho­ra do lar. Ela sa­be que é in­dis­pen­sá­vel à ação
d’O Pa­pa.
O Pa­pa e A Es­tre­la

Or­dem V • XVII. Es­te ca­sal ad­qui­re uma gran­de ri­que­za, uma gran­de
co­mu­ni­ca­ção. O Pa­pa apor­ta sua ex­pe­riên­cia e A Es­tre­la sua ju­ven­tu­de
eter­na. Tu­do aqui­lo que A Es­tre­la re­ce­be do uni­ver­so, ela ofe­re­ce a O
Pa­pa. Tu­do aqui­lo que O Pa­pa re­ce­be da di­vin­da­de, ele ofe­re­ce a A Es-­
tre­la. O sa­gra­do e a na­tu­re­za for­mam uma uni­ão mag­nífi­ca. O es­píri­to
d’O Pa­pa se ma­te­ri­a­li­za n'A Es­tre­la e a ma­te­ri­a­li­da­de cósmi­ca d’A Es-­
tre­la se es­pi­ri­tu­a­li­za n'O Pa­pa. O Pa­pa, me­di­a­dor, per­mi­te a co­mu­ni­ca-­
ção en­tre o céu e a ter­ra, o mun­do es­pi­ri­tu­al e o mun­do ma­te­ri­al, a
cons­ciên­cia e o cor­po. É uma pon­te es­pi­ri­tu­al. Co­lo­ca­do as­sim de fren-­
te pa­ra A Es­tre­la, ele con­ser­va sua li­ga­ção com o mun­do. A Es­tre­la, que
pu­ri­fi­ca os ri­os e ali­men­ta a ter­ra, re­ce­be do cos­mos pa­ra dar à ma­té­ria.
Atra­vés das águas do rio, O Pa­pa re­ce­be a dádi­va d’A Es­tre­la: es­te dom
lhe che­ga por sua dis­cí­pu­la e so­be até sua mão en­lu­va­da de azul-ce­les-­
te. Ele po­de, en­tão, trans­mi­tir es­se dom à cons­ciên­cia hu­ma­na. Os dois
fa­zem um bom tra­ba­lho. O Pa­pa não se afas­ta da vi­da ma­te­ri­al pa­ra ten-­
tar atin­gir uma vi­da es­pi­ri­tu­al mais pu­ra: is­so não exis­te. A al­ma e o
cor­po es­tão es­trei­ta­men­te uni­dos, o tra­ba­lho de­ve ser fei­to em am­bos
con­jun­ta­men­te. Não po­de­mos de­sen­vol­ver o es­píri­to sem apro­fun­dar a
re­la­ção com o mun­do ma­te­ri­al. O Pa­pa re­ce­be de bai­xo pa­ra ci­ma quan-­
do co­mu­ni­ca à di­vin­da­de as ora­ções de seus dis­cí­pu­los, ele re­ce­be do
céu pa­ra o chão quan­do co­mu­ni­ca a ilu­mi­na­ção. A Es­tre­la re­ce­be do al-­
to e doa pa­ra bai­xo, o que sig­ni­fi­ca que ela apli­ca seu in­te­lec­to, su­as
emo­ções e sua se­xu­a­li­da­de pa­ra cui­dar e fa­zer fru­ti­fi­car a ter­ra. Mas
ve­mos, na ár­vo­re que cres­ceu, um pás­sa­ro que se pre­pa­ra pa­ra par­tir
em di­re­ção às es­tre­las. Es­se pás­sa­ro é o va­zio es­sen­ci­al de sua cons-­
ciên­cia li­ber­ta­da das idei­as pa­ra­si­tas. So­mos pó e ao pó vol­ta­re­mos.
Mas tam­bém: so­mos luz e à luz vol­ta­re­mos. A Es­tre­la e O Pa­pa, quan­do
es­tão jun­tos, di­zem: “Se­rei pó, mas pó lu­mi­no­so”. A Es­tre­la nos en­si­na
que so­mos pó, mas pó de es­tre­las, e O Pa­pa nos diz que de­ve­mos vol­tar
a es­sa lu­mi­no­si­da­de na vi­da ma­te­ri­al. O Pa­pa faz um ges­to de uni­ão
com as mãos, am­bas sa­cra­li­za­das por uma cruz. Ele es­tá ago­ra unin­do
seus dois acóli­tos. A Es­tre­la, com um de seus va­sos, doa água ama­re­la
lu­mi­no­sa que vem de qua­tro es­tre­las ama­re­las. Com a ou­tra, ela der­ra-­
ma água azul-es­cu­ra que vem de três es­tre­las azuis-es­cu­ras. Ela une
obs­cu­ri­da­de e luz, in­tui­ção e in­te­li­gên­cia. Por fim, O Pa­pa en­si­na a seus
dis­cí­pu­los que a mu­lher nua é sa­gra­da, não ape­nas em sua qua­li­da­de de
mãe, mas tam­bém por sua be­le­za, sua in­te­li­gên­cia e sua se­xu­a­li­da­de
cri­a­ti­va que per­mi­te a con­ti­nu­a­ção da vi­da.

Or­dem XVII • V. Em­bo­ra es­te­jam jun­tos, A Es­tre­la e O Pa­pa es­tão de


cos­tas um pa­ra o ou­tro. Ca­da um em seu lu­gar, ela na na­tu­re­za, ele no
tem­plo. Ca­da um age à sua pró­pria ma­nei­ra, e po­de­rí­a­mos di­zer, con-­
ser­van­do em se­gre­do sua re­la­ção. Ela es­tá nua, ele ves­ti­do. Ela age so­zi-­
nha, ele en­si­na aos alu­nos. Ho­mem im­por­tan­te no es­píri­to, mu­lher im-­
por­tan­te na ter­ra. Eles se acom­pa­nham mu­tu­a­men­te, e o pra­zer que ti-­
ram dis­so é in­ten­so, no se­gre­do da cum­pli­ci­da­de. A re­la­ção se­xu­al en-­
tre eles não exis­te (ou ain­da não exis­te). Ele é ce­ri­mo­ni­o­so, e po­de en-­
trar em con­fli­to com ela, ten­tan­do fa­zer de­la sua alu­na, en­quan­to ela
in­sis­te em afir­mar sua li­ber­da­de.
O Pa­pa e A Lua

Or­dem V • XVI­II. O Pa­pa se en­con­tra di­an­te de uma mu­lher que re-­


pre­sen­ta o ros­to fe­mi­ni­no da di­vin­da­de, a mãe cósmi­ca. Ain­da que ele
mes­mo não se­ja o pai cósmi­co em si, mas seu re­pre­sen­tan­te. Ele se tor-­
na­rá, en­tão, fi­el ser­vi­dor d’A Lua. Se A Lua sim­bo­li­za a lou­cu­ra, O Pa­pa
po­de se tor­nar te­ra­peu­ta e pas­sar a vi­da in­tei­ra a ocu­par-se de­la. Po­de
ser tam­bém um pro­fes­sor que, em vez de cri­ar po­e­sia, se con­sa­gra a fa-­
zer com que seus alu­nos amem po­e­sia. Em to­do ca­so, ele se dei­xa­rá ab-­
sor­ver com ale­gria in­fi­ni­ta. A Lua, em seu en­con­tro com O Pa­pa, atin­ge
a paz: nin­guém a obri­ga a na­da. Ela po­de fi­nal­men­te ser ela mes­ma sem
en­tra­ves: em sua noi­te es­cu­ra, O Pa­pa ja­mais ou­sa­rá acen­der uma to-­
cha.

Or­dem XVI­II • V. Aqui, O Pa­pa se sa­be em co­mu­ni­ca­ção com as for­ças


in­tui­ti­vas da mãe cósmi­ca. Ele re­ve­la os se­gre­dos de­la e a mos­tra à luz
do dia, ra­ci­o­na­li­zan­do as for­ças in­cons­ci­en­tes d’A Lua. Se A Lua é uma
po­e­ta, ele pu­bli­ca­rá seus po­e­mas e ten­ta­rá fa­zer com que ela ga­nhe
prê­mios li­te­rá­rios. Se é uma mu­lher ilu­mi­na­da, ele trans­mi­ti­rá seus en-­
si­na­men­tos sob a for­ma de uma re­li­gi­ão or­ga­ni­za­da. Is­so po­de ser an-­
gus­ti­an­te pa­ra A Lua, ou ofe­re­cer a ela, ao con­trá­rio, um ca­mi­nho pa­ra
agir na re­a­li­da­de.
A RE­LA­ÇÃO DE CA­SAL
A Im­pe­ra­triz • O Im­pe­ra­dor

A Im­pe­ra­triz (III) re­pre­sen­ta a ex­plo­são de­pois da acu­mu­la­ção (ver pp.


76 ss., p. 94). Ela flo­res­ce co­mo a na­tu­re­za de­pois do in­ver­no, no mo-­
men­to da pri­ma­ve­ra. Ela age sem sa­ber aon­de vai, por pu­ro en­tu­si­as­mo
cri­a­ti­vo. Ela es­tá cheia de idei­as que po­dem che­gar ao fa­na­tis­mo ado-­
les­cen­te, trans­bor­dan­te de um amor ide­al, de de­se­jos se­xu­ais ili­mi­ta-­
dos, o cor­po em ple­na efer­ves­cên­cia. Co­mo seu ce­tro se apoia em seu
púbis, ela exer­ce prin­ci­pal­men­te o po­der de seu se­xo. Ela tem em seus
bra­ços uma águia ma­cho, sím­bo­lo da ges­ta­ção da cons­ciên­cia. No chão,
en­tre seus pés, pe­ne­tran­do seu ves­ti­do, des­co­bri­mos uma ser­pen­te
bran­ca, sím­bo­lo da li­bi­do uni­ver­sal que ela ab­sor­ve des­de o cen­tro da
ter­ra. Seus olhos ver­des trans­mi­tem o dom da eter­ni­da­de.
O Im­pe­ra­dor (II­II) sim­bo­li­za tu­do que é es­tá­vel, ma­te­ri­al: é a po-­
tên­cia máxi­ma da ma­té­ria. Só po­de­mos con­tem­plá-lo de per­fil, pois seu
olhar di­re­to é ca­paz de nos de­sin­te­grar. Ele rei­na sem es­for­ço, sem
apoi­ar o ce­tro em seu cor­po. Ele é po­de­ro­so por­que obe­de­ce às leis do
uni­ver­so. Ele es­tá acom­pa­nha­do pe­la águia fê­mea que in­cu­ba um ovo –
o ovo da sa­be­do­ria que a ma­té­ria en­cer­ra em si. Seu ca­be­lo azul-ce­les­te
in­di­ca uma gran­de re­cep­ti­vi­da­de emo­ci­o­nal, en­quan­to o ca­be­lo ama­re-­
lo d’A Im­pe­ra­triz in­di­ca uma gran­de ati­vi­da­de in­te­lec­tu­al.
O Im­pe­ra­dor sem A Im­pe­ra­triz é ex­ces­si­va­men­te ma­te­ri­al e pas­si-­
vo. A Im­pe­ra­triz sem O Im­pe­ra­dor é ex­tre­ma­men­te ide­a­lis­ta e ati­va.

Or­dem III • II­II. Co­lo­ca­dos as­sim, os dois per­so­na­gens se olham e se


com­ple­tam. Po­de­rí­a­mos di­zer que A Im­pe­ra­triz le­va em sua águia o
ani­mus (es­píri­to ati­vo) d’O Im­pe­ra­dor, e que O Im­pe­ra­dor le­va em sua
águia a ani­ma (al­ma re­cep­ti­va) d’A Im­pe­ra­triz. Quan­do es­tão fa­ce a fa-­
ce, ati­vi­da­de e re­cep­ti­vi­da­de se com­ple­tam. O es­píri­to (3) ha­bi­ta a ma-­
té­ria (4) e se es­ta­bi­li­za. Jun­tos eles po­dem ge­rar a Cons­ciên­cia.
Or­dem II­II • III. Quan­do O Im­pe­ra­dor e A Im­pe­ra­triz se dão as cos-­
tas, O Im­pe­ra­dor per­de to­do ide­al, tor­na-se um ma­te­ri­a­lis­ta pu­ro. O
ovo da águia não eclo­de, apo­dre­ce. Sem ob­je­ti­vo, ele só per­se­gue o po-­
der pe­lo po­der. Mas por fal­ta de ener­gia, ele per­ma­ne­ce ina­ti­vo e olha
pa­ra um pas­sa­do es­téril. A Im­pe­ra­triz, por sua vez, di­ri­ge seu olhar pa-­
ra o va­zio do fu­tu­ro. Ela po­de se apoi­ar nas cos­tas d’O Im­pe­ra­dor, mas
não é com­preen­di­da. Ela se tor­na amar­ga. A es­ta­bi­li­da­de in­di­fe­ren­te
que lhe pro­por­ci­o­na O Im­pe­ra­dor a con­duz à frus­tra­ção, à fal­ta de in­te-­
res­se pe­la ação. Sem um olhar amo­ro­so pa­ra si, ela se des­pre­za. Es­sa si-­
tu­a­ção é a de uma bri­ga de ca­sal, em que os dois pro­ta­go­nis­tas, cons­ci-­
en­tes do que po­dem per­der, lo­go vol­ta­rão a se olhar de fren­te.
Os ou­tros ca­sais d’A Im­pe­ra­triz

A Im­pe­ra­triz e O Car­ro

Or­dem III • VII. Es­te en­con­tro per­mi­te cri­ar um ca­sal ex­tre­ma­men­te


ener­géti­co, trans­bor­dan­te de pos­si­bi­li­da­des de ação, de cri­a­ção, de con-­
quis­tas, de do­mi­na­ção. Os dois se en­ten­dem em qua­se tu­do, ex­ce­to em
um pon­to im­por­tan­te: A Im­pe­ra­triz age a par­tir de um pon­to úni­co, de
um ter­ri­tó­rio que é seu. Ela es­ta­be­le­ce, por­tan­to, su­as leis e sua ma­nei-­
ra de vi­ver. Po­de­ria ser uma mu­lher mui­to ape­ga­da a uma ca­sa, a uma
ter­ra. O prínci­pe d’O Car­ro, por sua vez, é um nô­ma­de em des­lo­ca­men-­
to cons­tan­te que não ces­sa de con­quis­tar no­vas ter­ras. Pa­ra ob­ter A Im-­
pe­ra­triz, O Car­ro de­ve­rá se sa­cri­fi­car e acei­tar lan­çar ra­í­zes. Mas ele
não po­de co­lo­ni­zar no­vos ter­ri­tó­rios, ele te­rá de se tor­nar se­nhor do
ter­ri­tó­rio de sua com­pa­nhei­ra. Is­so po­de­rá ge­rar tan­to um con­fli­to de
po­der per­ma­nen­te, quan­to uma fa­mí­lia nu­me­ro­sa...

Or­dem VII • III. Os per­so­na­gens aqui não se olham. Ca­da um re­a­li­za


su­as ca­rac­te­rísti­cas sem exi­gir a par­ti­ci­pa­ção do ou­tro. Ele es­tá cons-­
tan­te­men­te à pro­cu­ra de no­vos ho­ri­zon­tes; ela cria e afir­ma seu im­pé-­
rio a par­tir de um pon­to cen­tral que é sua ba­se. A co­mu­ni­ca­ção en­tre
eles é es­pi­ri­tu­al, de gran­de in­ten­si­da­de, mas eles cor­rem o ris­co de não
se ve­rem mui­to...
A Im­pe­ra­triz e O Ere­mi­ta

Or­dem III • VI­I­II. Nes­te ca­sal, ob­ser­va­mos ou uma gran­de di­fe­ren­ça


de ida­de, ou uma di­fe­ren­ça de ex­pe­riên­cia e de tem­pe­ra­men­to. Eles são
mui­to uni­dos; ela apor­ta com­pa­nhia e be­le­za, en­tu­si­as­mo vi­tal ju­ve­nil,
en­quan­to ele ofe­re­ce sa­be­do­ria, ex­pe­riên­cia e um olhar be­ne­vo­len­te
pa­ra tu­do aqui­lo que ela é. Com O Ere­mi­ta, A Im­pe­ra­triz apren­de a ser
e ele, com ela, apren­de a vi­ver. O Ere­mi­ta en­si­na o de­sa­pe­go a sua jo-­
vem es­po­sa, e ela re­ve­la pa­ra ele o pra­zer se­xu­al. O Ere­mi­ta é pa­ra A
Im­pe­ra­triz um ex­ce­len­te con­se­lhei­ro. Quan­do ela quer agir, ele se re­ti-­
ra dis­cre­ta­men­te, an­dan­do de cos­tas, sem dei­xar de ilu­mi­ná-la. A Im-­
pe­ra­triz se sen­te acom­pa­nha­da, ins­pi­ra­da mas li­vre.

Or­dem VI­I­II • III. Eles es­tão jun­tos, mas não sa­bem por quê. É a di­fe-­
ren­ça que os une. Ele se re­ti­ra do mun­do, ela es­tá en­tran­do. Ela não sa-­
be aon­de ela vai, ele sa­be de on­de ele vem. É um ca­sal dís­par, que po­dia
tam­bém ter se uni­do pe­la dro­ga ou pe­la be­bi­da, por uma dor ou uma
fal­ta – tal­vez ela te­nha per­di­do o pai, e ele a fi­lha. Ela tal­vez te­nha uma
fe­ri­da psi­co­ló­gi­ca e a ne­ces­si­da­de de for­mar um ca­sal com um ho­mem
que não re­pre­sen­ta ne­nhum pe­ri­go. Ca­da um dei­xa o ou­tro tran­qui­lo e
res­pei­ta seu mis­té­rio, é is­so que os une. Eles não sa­bem aon­de vão, mas
vão jun­tos, con­ten­tes pe­la mú­tua com­pa­nhia.
A Im­pe­ra­triz e O Sol

Or­dem III • XVI­I­II. A Im­pe­ra­triz di­an­te do pai cósmi­co sa­be que de-­
ve dei­xar pa­ra trás to­do seu pas­sa­do e ini­ci­ar uma vi­da no­va. No glo­bo
de seu ce­tro, co­mo em um as­tro em mi­ni­a­tu­ra, se re­fle­te a luz do as­tro
so­lar. Ela se tor­na cons­ci­en­te de que sua cri­a­ti­vi­da­de não lhe per­ten­ce,
e se dá ao amor in­con­di­ci­o­nal com o fer­vor que a ca­rac­te­ri­za, pro­du-
zin­do cri­a­ções en­tu­si­as­tas. O Sol, di­an­te des­sa sa­cer­do­ti­sa in­fla­ma­da,
em­pre­ga to­da a sua be­ne­vo­lên­cia pa­ra lhe per­mi­tir pas­sar do pla­no ter-­
res­tre ao pla­no es­pi­ri­tu­al. Es­te ho­mem é um mes­tre, ele es­tá aqui pe­la
hu­ma­ni­da­de e ela acei­ta com ale­gria não ser úni­ca em sua vi­da.

Or­dem XVI­I­II • III. Nes­ta si­tu­a­ção, A Im­pe­ra­triz gos­ta­ria de guar­dar


to­da a for­ça d’O Sol só pa­ra si, co­mo a águia em seu es­cu­do. Ela po­de­rá
con­se­guir ser a úni­ca mu­lher na vi­da d’O Sol, mas cor­re o ris­co de pas-­
sar a exis­tên­cia sen­do con­si­de­ra­da pe­lo séqui­to de­le co­mo a mu­lher do
mes­tre, uma per­so­na­gem se­cun­dá­ria. Is­so po­de lhe dar a opor­tu­ni­da­de
de en­con­trar a si mes­ma, fo­ra des­sa de­pen­dên­cia, e cri­ar sua obra pró-­
pria, es­ti­mu­la­da pe­lo ca­lor des­sa pre­sen­ça.
Os ou­tros ca­sais d’O Im­pe­ra­dor

O Im­pe­ra­dor e A Jus­ti­ça

Or­dem II­II • VI­II. O Im­pe­ra­dor, que é a per­fei­ção do qua­dra­do Ter­ra,


é se­gui­do pel'A Jus­ti­ça, per­fei­ção do qua­dra­do Céu. É um 4 se­gui­do por
um du­plo 4. Se ve­mos em O Im­pe­ra­dor a for­ça ma­te­ri­al, ela es­tá igual-­
men­te pre­sen­te em A Jus­ti­ça, mas com­ple­ta­da pe­la for­ça es­pi­ri­tu­al.
Nes­te ca­sal, a mu­lher é mais de­sen­vol­vi­da que o ho­mem e se tor­na uma
ali­a­da de va­lor. Hu­mil­de­men­te, O Im­pe­ra­dor acei­ta a vi­são d’A Jus­ti­ça
e a apli­ca em su­as múl­ti­plas ações. Exis­te en­tre os dois uma ali­an­ça
per­fei­ta e uma ca­pa­ci­da­de de su­pe­rar os obs­tá­cu­los que o mun­do apre-­
sen­ta. Es­te ca­sal é uni­do mais pe­lo po­der que pe­lo amor.

Or­dem VI­II • II­II. Aqui, a ação d’O Im­pe­ra­dor de­ge­ne­ra: em vez de


do­mi­nar o mun­do, ele bus­ca do­mi­nar sua par­cei­ra, sa­ben­do que ela lhe
é su­pe­ri­or. O ca­sal po­de en­trar em uma cri­se que re­sul­ta em sua des-­
trui­ção, ou em uma mu­dan­ça pro­fun­da na na­tu­re­za de ca­da um dos
par­cei­ros. Em sua ten­ta­ti­va de do­mi­nar A Jus­ti­ça, O Im­pe­ra­dor de­ve­rá
de­sen­vol­ver a di­men­são es­pi­ri­tu­al que lhe fal­ta. A Jus­ti­ça, que po­de ter
a ten­ta­ção de se li­mi­tar a um pa­pel ma­ter­nal, de­ve­rá apren­der a se co-­
mu­ni­car, co­mo mu­lher e co­mo ser, com aqui­lo que es­co­lheu co­mo prin-­
cí­pio de re­a­li­da­de.
O Im­pe­ra­dor e A Es­tre­la

Or­dem II­II • XVII. O Im­pe­ra­dor ca­na­li­za sa­bi­a­men­te a imen­sa ati­vi-­


da­de d’A Es­tre­la. Nes­se rio in­ces­san­te, ele cri­a­rá pon­tes, por­tos, usi­nas,
em­pre­gos úteis de ener­gia. A Es­tre­la, que age em um úni­co lu­gar, en-­
con­tra n’O Im­pe­ra­dor um meio de am­pli­ar sua ação em di­re­ção ao pla-­
ne­ta in­tei­ro. O es­píri­to po­de aqui se en­car­nar. Es­te ca­sal é uni­do pe­lo
amor do ou­tro e pe­la de­vo­ção à obra. Po­de­rí­a­mos di­zer que o pás­sa­ro
ne­gro d’A Es­tre­la en­tra em re­la­ção com a águia d’O Im­pe­ra­dor, tal­vez
pa­ra lhe en­si­nar a vo­ar. As for­ças in­cons­ci­en­tes en­con­tram um ra­ci­o­nal
fle­xí­vel que lhes põe pa­ra tra­ba­lhar na vi­da co­ti­di­a­na.

Or­dem XVII • II­II. Aqui, O Im­pe­ra­dor pre­ten­de di­ri­gir a ação d’A Es-­
tre­la. Ele gos­ta­ria de ser a fon­te, rei­nar so­bre aqui­lo que não é pos­sí­vel,
ra­ci­o­na­li­zar as in­do­má­veis pul­sões do in­cons­ci­en­te. Ele de­se­ja­ria que
to­da a ener­gia d’A Es­tre­la se vol­tas­se pa­ra ele e não pa­ra o mun­do. No
me­lhor dos ca­sos, ele a pro­te­ge e lhe per­mi­te con­ti­nu­ar sua ação, mas
es­sa pro­te­ção po­de ga­nhar tin­tas de pro­xe­ne­tis­mo se O Im­pe­ra­dor es-­
pe­ra que A Es­tre­la, fun­da­men­tal­men­te li­vre e sa­gra­da, se sa­cri­fi­que por
ele.
O Im­pe­ra­dor e A Lua

Or­dem II­II • XVI­II. O Im­pe­ra­dor, apoi­a­do por uma mu­lher que re-­
pre­sen­ta a mãe cósmi­ca, faz a ex­pe­riên­cia de uma mu­dan­ça es­sen­ci­al:
sua ação se tor­na in­tui­ti­va, po­éti­ca, tal­vez um pou­co lou­ca, e seu po­der,
co­mo no ca­so do rei Le­ar, po­de se con­ver­ter em ca­pri­cho. No ca­so de
um gran­de ar­tis­ta, ele se­rá le­va­do a cri­ar sua obra-pri­ma. A Lua, por
sua vez, en­con­tra ne­le uma raiz que a an­co­ra na re­a­li­da­de, um lar se­gu-­
ro, uma es­tru­tu­ra men­tal que lhe per­mi­te ex­pri­mir tu­do o que ne­la há
de in­fi­ni­to e por is­so não tem for­ma. Se­ria a si­tu­a­ção de uma pin­to­ra
sur­re­a­lis­ta e ex­tra­va­gan­te ca­sa­da com um fo­tó­gra­fo que faz fo­tos pa­ra
do­cu­men­tos de iden­ti­da­de. Es­se ho­mem per­mi­te a A Lua vi­ver den­tro
de seus li­mi­tes amo­ro­sos sem trair a si mes­ma.

Or­dem XVI­II • II­II. Aqui, o ca­sal en­tra em uma es­pécie de lou­cu­ra. A


in­tui­ção rei­na. O Im­pe­ra­dor per­de a me­di­da e o con­ta­to com o mun­do
ma­te­ri­al. Ele se tor­na lu­náti­co. Ele é ca­paz de fa­zer quin­ze fi­lhos com
sua par­cei­ra. A Lua o trans­for­ma­rá em seu fi­lho, em meio à mul­ti­dão de
su­as cri­an­ças. É ela que rei­na no lar, e os mem­bros da fa­mí­lia se­rão seus
su­bor­di­na­dos. No en­tan­to, se O Im­pe­ra­dor de­ci­de mos­trar seu po­der
mas­cu­li­no, po­de ser­vir pa­ra co­lo­car em or­dem es­sa fa­mí­lia: ele se tor­na
o or­ga­ni­za­dor da vi­da co­ti­di­a­na e do cul­to à mãe...
A RE­LA­ÇÃO DE CA­SAL
O Car­ro • A Es­tre­la

O VII e o XVII são os dois nú­me­ros mais ati­vos de sua série. Co­mo vi-­
mos, o VII vai da ter­ra pa­ra o céu: ele re­pre­sen­ta a es­pi­ri­tu­a­li­za­ção da
ma­té­ria, en­quan­to o XVII vai do céu pa­ra a ter­ra, e re­pre­sen­ta a ma­te­ri-­
a­li­za­ção do es­píri­to. Jun­tos eles pro­du­zem a Gran­de Obra. Além da re-­
la­ção en­tre eles na nu­me­ro­lo­gia do Ta­rot, ob­ser­va­mos que es­ses dois
Ar­ca­nos re­pre­sen­tam res­pec­ti­va­men­te um ho­mem e uma mu­lher, que
po­dem se unir co­mo ca­sal por di­ver­sos de­ta­lhes. O Car­ro vi­a­ja sob um
dos­sel cons­te­la­do de es­tre­las, in­di­can­do que sua ação se es­ten­de à to­ta-­
li­da­de do pla­ne­ta. A Es­tre­la, sob um céu aber­to, ajo­e­lha­da so­bre uma
ter­ra es­co­lhi­da, fa­la da ex­ten­são do es­pa­ço cósmi­co. O prínci­pe d’O
Car­ro pos­sui dois ali­a­dos, seus ca­va­los mas­cu­li­no e fe­mi­ni­no, que avan-­
çam na in­ten­ção de ob­ter al­gu­ma coi­sa. Os dois ali­a­dos d’A Es­tre­la são
seus dois va­sos, que re­pre­sen­tam o dom ou a dádi­va de al­gu­ma coi­sa.
Ela apa­re­ce com uma nu­dez que in­di­ca seu afas­ta­men­to de qual­quer
de­fi­ni­ção, de qual­quer ri­que­za ma­te­ri­al. Seu po­der é o da hu­mil­da­de.
Ele, co­ro­a­do, ves­ti­do e in­ves­ti­do de to­dos os sig­nos do po­der, re­pre­sen-­
ta o va­lor do or­gu­lho sa­gra­do: ele se re­co­nhe­ce en­quan­to men­sa­gei­ro
do cos­mos. Os dois per­so­na­gens le­vam ca­da um sig­no de fe­cun­di­da­de:
a go­ta ver­de d’O Car­ro re­pre­sen­ta, se qui­ser­mos, o ger­me da imor­ta­li-­
da­de, en­quan­to o sig­no em for­ma de bro­to ou de bo­ca no ven­tre d’A Es-­
tre­la nos in­di­ca uma ca­pa­ci­da­de de re­pro­du­ção fe­cun­da, que vai além
da vi­da or­gâ­ni­ca.
O en­con­tro des­tes dois Ar­ca­nos cria uma ação no mun­do de uma
gran­de in­ten­si­da­de. Eles pos­su­em for­ças iguais, mas du­as ati­tu­des di­fe-­
ren­tes. O prínci­pe d’O Car­ro con­quis­ta, mas se dei­xa le­var em di­re­ção
ao mun­do. Ele não é ne­ces­sa­ri­a­men­te guer­rei­ro, po­de ter por mis­são
se­me­ar o es­píri­to no mun­do ma­te­ri­al. A Es­tre­la age, por sua vez, a par-­
tir de um lu­gar pre­ci­so. Ela en­con­trou seu lo­cal sa­gra­do e dá ao mun­do,
em um flu­xo per­pé­tuo, aqui­lo que re­ce­be do cos­mos.

Or­dem VII • XVII. O Car­ro po­de le­var A Es­tre­la em su­as aven­tu­ras.


Eles en­tão par­tem jun­tos pa­ra con­quis­tar o mun­do. Com seu no­ma­dis-­
mo, ele a faz sair de seu se­den­ta­ris­mo. Ou, sem le­vá-la con­si­go, ele po­de
trans­mi­tir sua obra.

Or­dem XVII • VII. Es­tes dois se­res são tão si­mi­la­res que, nes­ta or-­
dem, to­dos os va­lo­res se man­têm. A úni­ca di­fe­ren­ça pa­ra o ca­sal pre­ce-­
den­te é que a mo­bi­li­da­de d’O Car­ro es­tá de­ti­da pe­lo es­ta­tis­mo de sua
par­cei­ra. Aqui, por­tan­to, a ação co­mum se pro­du­zi­rá no ter­ri­tó­rio d’A
Es­tre­la, on­de O Car­ro re­pre­sen­ta­rá um apor­te. Já não há ne­nhu­ma con-­
quis­ta, mas uma imen­sa do­a­ção.
Os ou­tros ca­sais d’O Car­ro

O Car­ro e A Jus­ti­ça

Or­dem VII • VI­II. O Car­ro con­ser­va to­das as su­as qua­li­da­des de con-­


quis­ta­dor agin­do so­bre a ma­té­ria e so­bre o mun­do, mas des­sa vez ele
en­con­trou uma par­cei­ra que o jus­ti­fi­ca com­ple­ta­men­te. A me­nor de su-­
as ações, se­ja jus­ta ou er­rô­nea, re­ce­be a apro­va­ção in­con­di­ci­o­nal d’A
Jus­ti­ça. Es­sa mu­lher ab­so­lu­ta­men­te fi­el e cúm­pli­ce, ma­ter­nal, o apoia
sem re­ser­vas. Ain­da me­lhor: ela lhe dá uma ar­ma, sua es­pa­da, que po-­
de­mos con­si­de­rar uma jus­ti­fi­ca­ti­va te­óri­ca, uma cons­ti­tui­ção, um dis-­
cur­so, que lhe per­mi­te im­por seu ca­pri­cho – se­ja ele be­néfi­co ou des-­
tru­ti­vo pa­ra o mun­do. Ela, vi­ven­do em equi­lí­brio, não tem mais ne-­
nhum cam­po on­de se de­sen­vol­ver. So­zi­nha, ela se en­te­dia. Seu en­con-­
tro com O Car­ro lhe dá oca­si­ão de se lan­çar à aven­tu­ra, à ação, ao ma­ra-­
vi­lho­so de­se­qui­lí­brio do ex­ces­so. Ela se sen­te vi­va.

Or­dem VI­II • VII. Nes­ta si­tu­a­ção, to­das as ações d’O Car­ro são jul­ga-­
das e equi­li­bra­das pel'A Jus­ti­ça. Ela sub­me­te o prínci­pe d’O Car­ro a seu
pró­prio de­se­jo de per­fei­ção, ela o freia, não po­de acei­tar sua es­pon­ta-­
nei­da­de. Ela pas­sa seu tem­po a pe­sar o bem e o mal, a uti­li­da­de ou a
inu­ti­li­da­de de su­as ações. Ela po­de tam­bém fre­ar o ex­ces­so de sua ação,
um even­tu­al ris­co de ina­bi­li­da­de ou vi­o­lên­cia, pon­de­ran­do-a e cor­ri-­
gin­do-a. É pos­sí­vel que ela uti­li­ze O Car­ro pa­ra im­por su­as leis no
mun­do. Ele, ad­mi­ran­do-a e sen­tin­do que en­con­trou sua mãe ide­al, se
en­tre­ga a ela em to­tal obe­diên­cia. Ele po­de, no en­tan­to, sen­tir uma
frus­tra­ção le­gíti­ma...
O Car­ro e A Lua

Or­dem VII • XVI­II. O Car­ro (grau 7) é o mais ati­vo de sua série. Unin-­
do-se com A Lua, que é a car­ta mais re­cep­ti­va de to­dos os Ar­ca­nos mai-­
o­res, ele re­ce­be por sua ação ou­tros ob­je­ti­vos além dos ob­ti­dos pe­la
con­quis­ta. A in­tui­ção, a sen­si­bi­li­da­de, a hu­mil­da­de fa­zem par­te de sua
me­ta. Sob in­fluên­cia d’A Lua, em vez de fi­car a ser­vi­ço de si mes­mo, O
Car­ro se co­lo­ca a ser­vi­ço de uma boa cau­sa. Os ca­va­los d’O Car­ro em-­
pre­gam sua ener­gia em ga­nhar ter­re­no, em avan­çar; em A Lua, con­ver-­
ti­dos em cães, des­co­brem a ado­ra­ção. O prínci­pe po­de sair de si mes­mo
e re­co­nhe­cer a im­por­tân­cia do ou­tro. A Lua, gra­ças a O Car­ro, po­de sair
de sua imo­bi­li­da­de, de sua obs­cu­ri­da­de, e en­trar no mun­do.

Or­dem XVI­II • VII. Nes­ta con­fi­gu­ra­ção, O Car­ro per­de seu in­te­res­se


pe­lo mun­do e de­se­ja con­quis­tar in­tei­ra­men­te es­sa mu­lher que re­pre-­
sen­ta o ar­quéti­po da mãe cósmi­ca. Es­sa ação com­por­ta al­guns pe­ri­gos:
A Lua é tão mis­te­ri­o­sa e obs­cu­ra, tão con­cen­tra­da e re­cep­ti­va, que é in-­
fi­ni­ta. O prínci­pe po­de­ria che­gar a ne­gar sua es­sên­cia e se trans­for­mar
em um ser me­di­ta­ti­vo, as­sim co­mo a se aven­tu­rar no ca­mi­nho da lou­cu-­
ra. Es­sa re­la­ção po­de con­du­zi-lo à san­ti­da­de ou à dro­ga... Pa­ra A Lua,
nes­te ca­so, o prínci­pe é um apor­te a mais, um ali­men­to a mais, uma
ener­gia a mais que ela de­vo­ra com de­lei­te. Ela fa­ria bem se o ti­ras­se
des­se fas­cí­nio e lhe pro­pu­ses­se ob­je­ti­vos que são es­tra­nhos a ela pró-­
pria. Se A Lua se trans­for­ma em mes­tra bem in­ten­ci­o­na­da pa­ra o
prínci­pe, a re­la­ção po­de ser fru­tí­fe­ra.
Os ou­tros ca­sais d’A Es­tre­la

A Es­tre­la e O Ere­mi­ta

Or­dem VI­I­II • XVII. O Ere­mi­ta, ten­do vi­vi­do to­das as ex­pe­riên­cias e


atin­gi­do a sa­be­do­ria, aban­do­nou seus vín­cu­los com a vi­da ma­te­ri­al. Ele
re­cua ago­ra pa­ra se re­fu­gi­ar na na­tu­re­za re­pre­sen­ta­da pel'A Es­tre­la.
Es­sa mu­lher en­car­na aqui o vín­cu­lo pri­mi­ti­vo e di­re­to, pu­ro, com o cos-­
mos. A ex­tre­ma ge­ne­ro­si­da­de d’A Es­tre­la per­mi­te a O Ere­mi­ta do­ar es-­
se co­nhe­ci­men­to acu­mu­la­do e co­mu­ni­cá-lo ao mun­do. Ela en­con­tra em
O Ere­mi­ta uma pes­soa que agre­ga a sua ação na­tu­ral as qua­li­da­des do
pen­sa­men­to ra­ci­o­nal e me­tar­ra­ci­o­nal. A Es­tre­la tem aces­so à for­ma
mais su­bli­me do es­píri­to e, em tro­ca, ela dá a O Ere­mi­ta tu­do aqui­lo que
es­tá em seu po­der de do­ar, tor­nan­do-se um ti­po de óleo de sua lâm­pa-­
da.

Or­dem XVII • VI­I­II. O Ere­mi­ta se tor­na aqui a fon­te da ação, de tal


ma­nei­ra que a ati­vi­da­de na­tu­ral d’A Es­tre­la é per­tur­ba­da pe­lo ex­tre­mo
ra­ci­o­cí­nio do sá­bio. A cri­se d’O Ere­mi­ta pro­vo­ca uma dúvi­da na dádi­va,
na do­a­ção d’A Es­tre­la. Se­rá útil di­vul­gar seu co­nhe­ci­men­to, aju­dar o
mun­do? Ou se­rá pre­ci­so se re­trair em si mes­ma? A Es­tre­la po­de­ria per-­
der aí sua es­pon­ta­nei­da­de e sua fé, tor­nan­do-se mui­to re­fle­xi­va. Po­de-­
ria ser o ca­sal de uma mu­lher que não te­ve um pai pre­sen­te com um ar-­
quéti­po de subs­ti­tui­ção. Tu­do o que es­tá em jo­go nes­ta re­la­ção se­rá in-­
ter­rom­per a dúvi­da e re­to­mar a ação a par­tir do co­ra­ção, tan­to pa­ra um
co­mo pa­ra o ou­tro.
A Es­tre­la e O Sol

Or­dem XVII • XVI­I­II. A Es­tre­la, que re­ce­be o co­nhe­ci­men­to dos oi­to


as­tros sim­bo­li­zan­do a per­fei­ção do cos­mos, re­a­li­za sua ação em um lu-­
gar que ela mes­ma en­con­trou e es­co­lheu. Mas ela con­ser­va uma nos­tal-­
gia das al­tu­ras, sim­bo­li­za­da pe­lo pás­sa­ro ne­gro que po­de­ria vo­ar pa­ra
vol­tar à sua ori­gem. Es­sa nos­tal­gia da gran­de­za do Pai su­pre­mo é su­bi-­
ta­men­te dis­sol­vi­da pe­lo en­con­tro com O Sol. A oi­ta­va es­tre­la ama­re­la e
ver­me­lha ad­qui­re no Ar­ca­no XVI­I­II um ros­to hu­ma­no e, en­chen­do seu
co­ra­ção de ca­lor, apor­ta a pos­si­bi­li­da­de de cri­ar um ca­sal com um ho-­
mem do seu ní­vel. O rio vi­tal que cor­re na par­te in­fe­ri­or d’O Sol sim­bo-­
li­za seu amor imen­so pel’A Es­tre­la. A par­tir des­se en­con­tro, o tran­qui­lo
cur­so d'água que ela con­tri­bui pa­ra ali­men­tar po­de se trans­for­mar em
um rio tur­bu­len­to que se ofe­re­ce ao mun­do in­tei­ro. É um ca­sal con­sa-­
gra­do à hu­ma­ni­da­de, ao amor uni­ver­sal.

Or­dem XVI­I­II • XVII. Aqui, A Es­tre­la, em vez de ofe­re­cer suas for­ças


ao mun­do, as res­ti­tui aos as­tros de on­de elas pro­vêm. Po­de­rí­a­mos ver aí
o triun­fo do pás­sa­ro ne­gro: em vez de do­ar à hu­ma­ni­da­de, a mu­lher
nua ado­ra O Sol com uma ener­gia tão gran­de que ela cor­re o ris­co de
afo­gá-lo. Ao de­se­já-lo só pa­ra si, ela o se­pa­ra do mun­do. O Sol, em seu
pa­pel pa­ter­no, se dei­xa apri­si­o­nar por es­sa fi­lha in­ces­tuo­sa, e só bri­lha
pa­ra ela, pri­van­do os ou­tros de seu ca­lor e de sua luz in­se­mi­na­do­ra. Es-­
se ca­sal de­ve apren­der a se abrir ao mun­do e dar lu­gar ao Ou­tro, O Sol
triun­fan­do so­bre a pró­pria fra­que­za e A Es­tre­la so­bre seu ci­ú­me.
A RE­LA­ÇÃO DE CA­SAL
A Jus­ti­ça • O Ere­mi­ta

A Jus­ti­ça, Ar­ca­no VI­II, é o nú­me­ro da per­fei­ção: equi­lí­brio na car­ne,


equi­lí­brio no es­píri­to. Não po­de­mos lhe acres­cen­tar na­da, nem na­da
lhe sub­trair. Aos ou­tros, co­mo a ela mes­ma, ela doa aqui­lo que eles ou
elas me­re­cem. A luz que so­be de sua co­roa pa­ra o céu in­di­ca que ela é
um ca­nal que põe em ação as leis do cos­mos. O cír­cu­lo ama­re­lo-es­cu­ro
no meio de sua co­roa sim­bo­li­za o olhar da di­vin­da­de. O ar­co ver­me­lho
que cin­ge a co­roa in­di­ca que é Deus em ação. A fai­xa bran­ca na tes­ta re-­
pre­sen­ta a pu­re­za de seus pen­sa­men­tos. Ela nos olha de fren­te: ela é
nos­so es­pe­lho. A cor­da que usa no pes­co­ço de­sig­na o com­pro­me­ti­men-­
to to­tal com sua mis­são. O tro­no atrás de­la faz con­tras­te com o so­lo sil-­
ves­tre on­de re­pou­sam seus pés: si­na­li­za que sua per­fei­ção é tão ex­te­ri-­
or quan­to in­te­ri­or. Na mão di­rei­ta, ela bran­de uma es­pa­da azul-ce­les­te,
sím­bo­lo do Ver­bo, do tex­to sa­gra­do da Lei, com a qual ela cor­ta tu­do
que é su­pér­fluo, tu­do aqui­lo que é sub­je­ti­vo, pro­du­to do ego in­di­vi­du­al.
Na mão es­quer­da, for­man­do com seus de­dos um sím­bo­lo de uni­ão e de
paz, ela se­gu­ra uma ba­lan­ça que equi­li­bra os con­trá­rios tor­nan­do-os
com­ple­men­ta­res. Ves­ti­da de ver­me­lho, com no­ve man­chas de ar­mi­nho
no flan­co, ela exi­be sua ori­gem re­al e nos in­di­ca que a jus­ti­ça de­ve ser a
prin­ci­pal ca­rac­te­rísti­ca do po­der hu­ma­no. Ela une o cas­ti­go (a es­pa­da)
à re­com­pen­sa (a ba­lan­ça). Se o ver­me­lho de seu ves­ti­do re­pre­sen­ta a
ação, a fri­e­za de seu man­to azul ex­pri­me a ca­pa­ci­da­de de re­fle­xão an­te-­
ri­or a qual­quer ação. O la­do es­quer­do de seu man­to se fin­ca co­mo uma
raiz na ter­ra: co­mo uma ara­nha em sua teia, ela es­pe­ra, fi­xa, em ple­no
pre­sen­te. Ela é per­fei­ta. Ela não po­de mu­dar. Ela é o ei­xo imu­tá­vel da
im­per­ma­nên­cia, o va­zio cen­tral da ro­da.
Por ou­tro la­do, O Ere­mi­ta (VI­I­II) re­pre­sen­ta a cri­se, a pas­sa­gem, a
pro­gres­são de cos­tas. Com sua ca­be­lei­ra e sua bar­ba azul-ce­les­te (es­pi-­
ri­tu­a­li­da­de to­tal; ver pp. 109 ss.), com seu ca­puz e seu man­to gros­so a
lhe co­brir a car­ne na obs­cu­ri­da­de pa­ra que ela se tor­ne es­píri­to, com
sua lâm­pa­da e seu bas­tão ver­me­lho (sa­be­do­ria tor­na­da ação pu­ra), ele
aban­do­na a per­fei­ção. O 9 é o pri­mei­ro nú­me­ro ím­par di­vi­sí­vel por 3, o
que o tor­na ati­vo pa­ra o pas­sa­do e re­cep­ti­vo pa­ra o fu­tu­ro: ele se afas­ta
do 8 pa­ra ir mais lon­ge, sem sa­ber aon­de; ele rom­pe o cír­cu­lo da per­fei-­
ção pa­ra trans­for­má-la em uma es­pi­ral ati­va. Ele er­gue sua lâm­pa­da,
sím­bo­lo de sa­be­do­ria, não pa­ra ilu­mi­nar seu ca­mi­nho, mas pa­ra aque­les
que o se­guem em sua ca­mi­nha­da de cos­tas. A luz des­sa sa­be­do­ria não é
fei­ta pa­ra ser mos­tra­da: ele se ilu­mi­na pa­ra ser vis­to. Es­co­lhi­do pe­lo
des­ti­no, ele é co­mo O Lou­co, que te­rá per­cor­ri­do to­do o ca­mi­nho da
pri­mei­ra série de­ci­mal, vi­vi­do to­das as cren­ças, to­dos os amo­res, to­dos
os de­se­jos, to­das as ações... Ago­ra, ele se re­ti­ra à es­pe­ra da che­ga­da de
um no­vo ci­clo.

Or­dem VI­II • VI­I­II. Quan­do A Jus­ti­ça vem an­tes d’O Ere­mi­ta, há um


acon­te­ci­men­to be­néfi­co: O Ere­mi­ta vem tra­zer pa­ra A Jus­ti­ça um no­vo
pon­to de vis­ta, que, ao li­be­rá-la da per­fei­ção, tam­bém a li­ber­ta da mor-­
te. A per­ma­nên­cia d’A Jus­ti­ça se equi­li­bra pe­la im­per­ma­nên­cia d’O
Ere­mi­ta. Ao la­do de­le, ela se tor­na a Mãe su­pre­ma, e ele, ao la­do de­la, o
Pai sá­bio, be­ne­vo­len­te, ca­paz de con­ce­der seu per­dão. Quan­do A Jus­ti-­
ça é acom­pa­nha­da pel’O Ere­mi­ta, ela se tor­na mais hu­ma­na e bus­ca
com­preen­der mais do que cas­ti­gar.

Or­dem VI­I­II • VI­II. Quan­do O Ere­mi­ta é se­gui­do pel'A Jus­ti­ça, há um


ris­co de con­fli­to: A Jus­ti­ça, com sua es­pa­da, cor­ta to­da com­pai­xão, to­da
ca­pa­ci­da­de de en­trar em uma cri­se po­si­ti­va. Ela se tor­na ab­so­lu­tis­ta e
não acei­ta pen­sa­men­tos al­tru­ís­tas, de ca­ri­da­de. O Ere­mi­ta já não po­de
an­dar de cos­tas, pois a es­pa­da nor­ma­ti­va d’A Jus­ti­ça o de­tém em seu
mo­vi­men­to de de­sa­pe­go. Per­den­do a es­pe­ran­ça no fu­tu­ro, ele cor­re o
ris­co de se fe­char na so­li­dão e de se fi­xar no pas­sa­do, ar­ris­can­do ado­tar
com­por­ta­men­tos au­to­des­tru­ti­vos, co­mo o al­co­o­lis­mo. Ele que, com seu
bas­tão ver­me­lho con­du­zi­do por uma mão azul-ce­les­te, ha­via con­tro­la-­
do su­as pai­xões, so­fre nes­ta si­tu­a­ção a ne­ga­ti­vi­da­de d’A Jus­ti­ça. A Jus-­
ti­ça de­ve bai­xar to­tal­men­te sua es­pa­da, sua agres­são ver­bal e acei­tar se
dei­xar ser su­pe­ra­da.
Os ou­tros ca­sais d’A Jus­ti­ça

A Jus­ti­ça e O Sol

Or­dem VI­II • XVI­I­II. Um juiz, quan­do dis­tri­bui o elo­gio e o cas­ti­go,


po­de sem­pre co­me­ter er­ros e se dei­xar le­var pe­la obs­cu­ri­da­de das pul-­
sões in­cons­ci­en­tes. É di­fícil jul­gar, é uma res­pon­sa­bi­li­da­de imen­sa.
Quan­do en­con­tra O Sol, A Jus­ti­ça re­ce­be a se­gu­ran­ça ab­so­lu­ta de emi-­
tir de­cre­tos jus­tos e lu­mi­no­sos. Mas nes­te ca­sal, O Sol tem um ní­vel de
cons­ciên­cia su­pe­ri­or ao d’A Jus­ti­ça. Ele se tor­na­rá ne­ces­sa­ri­a­men­te seu
guia. Ela lhe ofe­re­ce­rá tu­do aqui­lo de que é ca­paz: sua con­fi­an­ça amo-­
ro­sa e to­tal, en­tre­gan­do a ele sua es­pa­da e sua ba­lan­ça. O Sol, gra­ças a
es­sa ser­vi­do­ra fi­el e atra­vés de­la, po­de re­a­li­zar gran­des mu­dan­ças, no-­
vas cons­tru­ções, sa­ne­ar o pas­sa­do. Ela é seu prin­cí­pio de en­car­na­ção na
re­a­li­da­de.

Or­dem XVI­I­II • VI­II. Aqui, O Sol to­ma o lu­gar cen­tral e re­le­ga A Jus-­
ti­ça ao se­gun­do pla­no. O pe­ri­go é que se si­ga um con­fli­to em que A Jus-­
ti­ça cor­re o ris­co de di­mi­nuir sua ação, se des­va­lo­ri­zan­do pa­ra se re­bai-­
xar à al­tu­ra de um Ere­mi­ta que aban­do­na o mun­do. Por seu la­do, O Sol
ten­ta­rá trans­for­mar A Jus­ti­ça em A Lua, uma mu­lher que lhe cor­res-­
pon­da, mas in­fru­ti­fe­ra­men­te, pois ela se sen­ti­rá des­pro­vi­da de sua re­a-­
li­da­de ma­te­ri­al. O pro­ble­ma des­te ca­sal é que ne­nhum dos dois acei­ta o
ou­tro tal co­mo é: ele gos­ta­ria que ela fos­se mais do que ela é, ela gos­ta-­
ria que ele fos­se me­nos. A so­lu­ção é que am­bos se acei­tem co­mo são e
fa­çam ces­sar sua exi­gên­cia.
Os ou­tros ca­sais d’O Ere­mi­ta

O Ere­mi­ta e A Lua

Or­dem VI­I­II • XVI­II. No zen, di­zem que um grão de areia no céu do


meio-dia po­de es­cu­re­cer to­do o céu. No ca­so des­te ca­sal, é o con­trá­rio,
uma úni­ca lâm­pa­da na es­cu­ri­dão da noi­te ilu­mi­na o mun­do in­tei­ro. O
Ere­mi­ta re­cua, tra­zen­do seu te­sou­ro de luz, con­cen­tra­ção do es­píri­to e
in­ten­so grau de cons­ciên­cia, em di­re­ção a um ser que fun­ci­o­na ex­clu­si-­
va­men­te com o in­cons­ci­en­te e a in­tui­ção. De uma vez, ele se tor­na o co-­
ra­ção lu­mi­no­so da noi­te, e tu­do faz sen­ti­do. Po­de­rí­a­mos ima­gi­nar um
te­ra­peu­ta que se de­di­ca a for­mar um ca­sal com uma pa­ci­en­te. É pos­sí-­
vel. Ou ain­da um sá­bio que for­ma um ca­sal com uma fa­mo­sa as­tró­lo­ga,
um fi­ló­so­fo que se une a uma po­e­ta... Os dois se en­ri­que­cem com a re­la-­
ção.

Or­dem XVI­II • VI­I­II. Nes­ta si­tu­a­ção, a noi­te pre­do­mi­na. A lâm­pa­da


d’O Ere­mi­ta se tor­na aqui in­su­fi­ci­en­te. A lou­cu­ra su­pe­ra o te­ra­peu­ta, a
fa­mo­sa as­tró­lo­ga trans­for­ma o sá­bio em um aman­te ciu­men­to, o fi­ló­so-­
fo de­li­ra... ou se iso­la, não con­se­guin­do mais se en­ten­der com sua po­e-­
ta. Aqui, o ris­co, pa­ra O Ere­mi­ta e pa­ra A Lua, é o abu­so de subs­tân­cias
tóxi­cas, ál­co­ol ou dro­gas. A úni­ca so­lu­ção pos­sí­vel é que O Ere­mi­ta se
ilu­mi­ne e se tor­ne O Sol, che­gan­do à san­ti­da­de, ao po­der to­tal do amor.
A RE­LA­ÇÃO DE CA­SAL
A Lua • O Sol

Na psi­co­lo­gia jun­gui­a­na, as­sim co­mo nos mi­tos ame­rín­dios ou afri­ca-­


nos e na ico­no­gra­fia pri­mi­ti­va eu­ro­peia, o ca­sal lua-sol en­car­na o en-­
con­tro fun­da­men­tal en­tre o pai cósmi­co, o sol, dis­pen­sa­dor de luz e de
vi­da, ele­va­do à di­vin­da­de sob o no­me de Ra no Egi­to, e a mãe ar­que­típi-­
ca, a lua, rai­nha da noi­te, do rei­no da ges­ta­ção e da in­tui­ção, se­nho­ra
das águas que go­ver­na o mo­vi­men­to das ma­rés. Se­gun­do a ciên­cia mo-­
der­na, os oce­a­nos são a ma­triz fun­da­men­tal da vi­da so­bre a Ter­ra. No
Ta­rot, a si­me­tria en­tre es­sas du­as car­tas é evi­den­te: no al­to, um as­tro
do­ta­do de ros­to, que pro­je­ta, sob a for­ma de go­tas mul­ti­co­res, sua in-­
fluên­cia so­bre a vi­da ter­res­tre. Em O Sol, são dois me­ni­nos gê­meos que
re­ce­bem os be­ne­fí­cios do as­tro pa­ter­no, e em A Lua são dois cães ou lo-­
bos – sím­bo­los da vi­da ani­mal, do ego hu­ma­no – e uma la­gos­ta es­con­di-­
da nas pro­fun­de­zas de um la­go ou de um oce­a­no, co­mo um be­bê em
ges­ta­ção nas águas ma­tri­ci­ais.

Es­sas car­tas pos­su­em nu­me­ro­sos sig­ni­fi­ca­dos, mas fre­quen­te­men­te


nos re­me­te­rão à lei­tu­ra de um pai ou uma mãe ide­a­li­za­dos, ora por te-­
rem si­do re­al­men­te per­fei­tos, ora por te­rem si­do au­sen­tes da vi­da do
con­su­len­te. É fre­quen­te ver­mos uma mu­lher cu­jo pai foi au­sen­te ti­rar
O Sol co­mo par­cei­ro de­se­ja­do. O ho­mem que se apai­xo­nar por ela de­ve-­
rá, en­tão, fa­zer imen­sos es­for­ços pa­ra es­tar à al­tu­ra de seus so­nhos de
me­ni­na, e ja­mais seus es­for­ços se­rão com­ple­ta­men­te su­fi­ci­en­tes. Da
mes­ma ma­nei­ra, um ho­mem que pen­sa: “Ne­nhu­ma mu­lher co­zi­nha tão
bem quan­to a mi­nha mãe”, tem em men­te, co­mo par­cei­ra de­se­ja­da, A
Lua míti­ca e so­le­ne, que nun­ca es­tá can­sa­da, ja­mais des­pen­te­a­da, nun-­
ca de mau hu­mor, sem­pre su­bli­me e mis­te­ri­o­sa.
Em re­su­mo, so­men­te A Lua es­tá à al­tu­ra d’O Sol, e vi­ce-ver­sa. Exis-­
te em ca­da um de nós um tra­ço des­sa fe­mi­ni­li­da­de e des­sa mas­cu­li­ni­da-­
de fa­bu­lo­sa, um te­sou­ro de cla­re­za e in­tui­ção, de co­ra­gem e de do­çu­ra,
de es­píri­to em­preen­de­dor e de ca­pa­ci­da­de de es­cu­ta. Es­tas car­tas vêm
tam­bém nos lem­brar de quais são nos­sos va­lo­res, e que é tem­po de cul-­
ti­vá-los.

Or­dem XVI­I­II • XVI­II. Quan­do O Sol vem an­tes d’A Lua, os va­lo­res
de ati­vi­da­de e de re­cep­ti­vi­da­de se in­ver­tem. Is­so po­de sig­ni­fi­car que,
no ca­sal, a mu­lher é mais mas­cu­li­na e o ho­mem mais fe­mi­ni­no. Is­so in-­
duz a uma de­sor­dem cósmi­ca, pois o sol não po­de re­fle­tir a lua, não é
de sua na­tu­re­za re­fle­tir; e a lua, sen­do um sa­téli­te e não um as­tro, não
po­de bri­lhar com luz pró­pria. Nu­me­ro­sos so­fri­men­tos psíqui­cos po-­
dem de­cor­rer des­se des­lo­ca­men­to fun­da­men­tal, e to­mar cons­ciên­cia é
o pri­mei­ro pas­so da cu­ra.
Pa­res de so­ma XXI

On­ze ca­mi­nhos de re­a­li­za­ção

Vi­mos na pri­mei­ra par­te que uma das es­tra­té­gias de or­ga­ni­za­ção pos­sí-­


veis dos 22 Ar­ca­nos mai­o­res con­sis­te em for­mar pa­res cu­ja so­ma dá 21
(ver pp. 52-3). Es­se es­que­ma põe em evi­dên­cia 11 pa­res: Lou­co-XXI, I-
XX, II-XVI­I­II, III-XVI­II, II­II-XVII, V-XVI, VI-XV, VII-XI­I­II, VI­II-
XI­II, VI­I­II-XII, X-XI.
No cen­tro, en­con­tra-se o par for­ma­do pel'A Ro­da da For­tu­na (X) e
A For­ça (XI), que po­de­mos con­si­de­rar o co­ra­ção do Ta­rot. Se ob­ser­var-­
mos os per­so­na­gens pre­sen­tes nes­sas du­as car­tas, po­de­rí­a­mos di­zer
que exis­tem nas du­as to­dos os ele­men­tos que for­mam O Mun­do. De fa-­
to, a mu­lher e o le­ão d’A For­ça po­de­ri­am to­mar o lu­gar da mu­lher e o
le­ão d’O Mun­do. Quan­to aos três per­so­na­gens d’A Ro­da da For­tu­na, po-­
de­rí­a­mos, se qui­ser­mos, atri­buir os se­guin­tes pa­péis: o ani­mal que des-­
ce, cor de car­ne, po­de­ria ser o ani­mal cor de car­ne d’O Mun­do; a es­fin-­
ge ala­da po­de­ria ser o an­jo d’O Mun­do; o ani­mal ama­re­lo, que so­be, po-­
de­ria re­pre­sen­tar a águia d’O Mun­do. Des­sa ma­nei­ra, a uni­ão des­sas
du­as car­tas per­mi­te re­cri­ar o Ar­ca­no XXI.
Es­se in­dí­cio nos en­co­ra­ja a ler, a par­tir do par X-XI, to­dos os pa­res
pre­sen­tes nes­ta com­bi­na­ção co­mo o en­con­tro des­sas du­as ener­gi­as
cons­ti­tu­in­do um ca­mi­nho de re­a­li­za­ção. Com es­ses 11 pa­res, o Ta­rot
nos propõe on­ze com­bi­na­ções de ener­gi­as que, uni­das, “for­mam um
mun­do”, um XXI.

O Lou­co XXI O Mun­do

O Lou­co e O Mun­do são com­ple­men­ta­res mas não pos­su­em a mes­ma


ação. O Lou­co é re­pre­sen­ta­do an­dan­do, avan­çan­do do iní­cio do Ta­rot
até o fim. O Mun­do é re­pre­sen­ta­do fi­xo, com a mu­lher apoi­a­da em um
pé só, co­mo pa­ra in­di­car que ela se en­con­tra em seu lu­gar. Em seu grau
mais al­to de in­ter­pre­ta­ção, O Lou­co é a ener­gia que po­de­rí­a­mos cha-­
mar de di­vi­na, pa­ra os cren­tes, ou cósmi­ca, pa­ra os lai­cos. O Lou­co, por
não ter nem li­mi­tes, nem no­me, nem de­fi­ni­ção, por ser ener­gia pu­ra,
ten­de a im­preg­nar to­da a ma­té­ria. Ele é cem por cen­to ati­vo. Ele é o
mo­tor cen­tral de to­do o uni­ver­so, de to­da vi­da. A ação d’O Mun­do, ao
con­trá­rio, se não po­de­mos qua­li­fi­car de re­cep­ti­va, con­sis­te ao me­nos
em cap­tar, em as­pi­rar: é uma ati­vi­da­de que se de­sen­vol­ve a par­tir de
um de­ter­mi­na­do lu­gar. O mun­do in­tei­ro, a ca­da ins­tan­te, as­pi­ra a ener-­
gia fun­da­men­tal que por sua vez, a ca­da ins­tan­te, o im­preg­na e o pe­ne-­
tra. É um ato de amor cons­tan­te. Al­guns eso­téri­cos de sé­cu­los pas­sa­dos
atri­bu­í­am a O Lou­co o nú­me­ro 22. Is­so se­ria pa­ra O Lou­co uma si­tu­a-
ção aber­ran­te, que cor­res­pon­de­ria a fa­zê-lo vir de­pois d’O Mun­do: is­so
se­ria co­mo se, fun­da­men­tal­men­te, a ma­té­ria re­cu­sas­se a ener­gia di­vi­na
ou cósmi­ca a ca­da ins­tan­te e a ca­da ins­tan­te a aban­do­nas­se. A ener­gia
fun­da­men­tal d’O Lou­co pro­cu­ra O Mun­do, e O Mun­do pre­ci­sa da ener-­
gia d’O Lou­co pa­ra vi­ver.

I O Ma­go XX O Jul­ga­men­to

O Ma­go, sem­pre em bus­ca de ele­va­ção, em bus­ca da ma­gia e das po­tên-­


cias do Al­to, en­con­tra em O Jul­ga­men­to aqui­lo que ele tem de mais ele-­
va­do: a evo­lu­ção máxi­ma da cons­ciên­cia sim­bo­li­za­da pe­lo an­jo. Não se
tra­ta mais de uma bus­ca, mas de uma mu­ta­ção. A pe­ça na mão d’O Ma-­
go – sua exis­tên­cia ma­te­ri­al, sua bus­ca do te­sou­ro – cor­res­pon­de à au­ra
ama­re­la do an­jo, ao ovo de ou­ro que tem atrás da ca­be­ça. Po­de­mos di-­
zer que o no­va­to no ca­mi­nho da cons­ciên­cia bus­ca o cha­ma­do do an­jo,
a ini­ci­a­ção. Po­de ser tam­bém um ser jo­vem que en­tra na vi­da com a in-­
ten­ção de fun­dar uma fa­mí­lia. Por sua vez, a Cons­ciên­cia su­pre­ma pro-­
cu­ra um ini­ci­a­do que to­me o ca­mi­nho do co­nhe­ci­men­to.

II A Pa­pi­sa XVI­I­II O Sol

A Pa­pi­sa, des­ti­na­da a acu­mu­lar, a es­tu­dar no in­te­ri­or do claus­tro, re­ce-­


be com o Ar­ca­no XVI­I­II a luz, a li­ber­da­de de ação, a pos­si­bi­li­da­de de
trans­mi­tir a pa­la­vra sa­gra­da pe­lo mun­do in­tei­ro. Ela já não es­tá mais
so­zi­nha di­an­te de seu li­vro: o Ver­bo se fez car­ne e ca­lor, o ovo po­de­rá
eclo­dir. Se ela re­pre­sen­ta um es­cri­tor, um ator ou uma atriz, O Sol é seu
su­ces­so, sua pe­ne­tra­ção no mun­do. Pa­ra o deus Sol, A Pa­pi­sa é a car­ne
vir­gem, a Vir­gem Ma­ria. O amor to­tal em nós pre­ci­sa de um es­pa­ço in-­
tei­ra­men­te vir­gem pa­ra aí se­me­ar seu ger­me. A Pa­pi­sa re­pre­sen­ta tam-­
bém a práti­ca da ora­ção, o di­á­lo­go com o Cri­a­dor. Na pai­sa­gem ba­nha-­
da de luz d’O Sol, o claus­tro d’A Pa­pi­sa é uma be­néfi­ca zo­na de som­bra
e de fres­cor.

III A Im­pe­ra­triz XVI­II A Lua

A ação sem me­di­da d’A Im­pe­ra­triz en­con­tra a re­cep­ção sem li­mi­te d’A
Lua dois as­pec­tos do fe­mi­ni­no cri­a­ti­vo. Es­se en­con­tro é co­mo uma
bom­ba em que a me­cha ace­sa é A Im­pe­ra­triz e a pól­vo­ra que ex­plo­de é
A Lua. A ca­pa­ci­da­de de cri­a­ção d’A Im­pe­ra­triz, ab­sor­vi­da pe­la imen­si-­
dão d’A Lua, se mul­ti­pli­ca em pro­por­ções cósmi­cas. Ela não é mais uma
mu­lher, ela é a fe­mi­ni­li­da­de. A Lua, com A Im­pe­ra­triz, co­nhe­ce a em-­
bri­a­guez da ação. Ela, que por mui­to tem­po es­pe­rou o sol, en­con­tra n’A
Im­pe­ra­triz o ven­tre que aco­lhe e lhe faz nas­cer – pois se A Pa­pi­sa re-­
pre­sen­ta­va a vir­gin­da­de, A Im­pe­ra­triz re­pre­sen­ta a fe­cun­di­da­de. A Im-­
pe­ra­triz re­pre­sen­ta o cor­po, a se­xu­a­li­da­de, a afe­ti­vi­da­de, o in­te­lec­to em
ple­na saú­de, em que a in­tui­ção po­éti­ca d’A Lua po­de se en­car­nar.

II­II O Im­pe­ra­dor XVII A Es­tre­la


O Im­pe­ra­dor en­con­tra n’A Es­tre­la a pros­pe­ri­da­de, a saú­de, a fer­ti­li­da-­
de, a pu­re­za de in­ten­ções. To­do seu rei­no é po­si­ti­va­men­te afe­ta­do: ela
en­car­na a ge­ne­ro­si­da­de des­se uni­ver­so cu­jas leis são apli­ca­das por ele.
Ele apren­de gra­ças a ela a se li­gar di­re­ta­men­te às for­ças cósmi­cas. O
amor da cri­a­ção im­preg­na seu rei­no to­do-po­de­ro­so de hu­mil­da­de e ter-­
nu­ra. Por sua vez, a ação ge­ne­ro­sa d’A Es­tre­la só faz sen­ti­do se ela en-­
con­tra uma re­a­li­da­de na qual se der­ra­mar. O Im­pe­ra­dor a pro­te­ge e lhe
dá seu im­pé­rio. Ela é co­mo um rio cu­jo cur­so se­rá apro­vei­ta­do pe­la for-­
ça con­cre­ta d’O Im­pe­ra­dor, de quem ela por sua vez for­ta­le­ce o po­der
de ação.

V O Pa­pa XVI A Tor­re

A Tor­re dá a O Pa­pa a ale­gria, a fan­ta­sia, a li­be­ra­ção se­xu­al, to­do o en-­


tu­si­as­mo vi­tal e a in­di­ca­ção su­pre­ma que um mes­tre pre­ci­sa pa­ra ser
mes­tre: co­mo li­be­rar seus dis­cí­pu­los de seus en­si­na­men­tos, co­mo en­co-­
ra­já-los a apren­der por eles mes­mos. Com A Tor­re, O Pa­pa lhes diz:
“Se­rei seu úl­ti­mo pro­fes­sor, não que eu se­ja o me­lhor, mas eu lhes en­si-­
na­rei a apren­der con­si­go mes­mos”. É tam­bém uma fi­gu­ra de ilu­mi­na-­
ção, de re­tor­no ao pre­sen­te: a te­o­lo­gia ou a místi­ca pre­ga­da pel’O Pa­pa
se vi­ve na ex­pe­riên­cia di­re­ta do di­vi­no. A ins­pi­ra­ção ce­les­te, o de­se­jo
de se apro­fun­dar não de­ve con­du­zir a uma fu­ga do pre­sen­te. A Tor­re
en­con­tra n’O Pa­pa al­guém que po­de ha­bi­tá-la co­mo um tem­plo, que re-­
cu­pe­ra pa­ra a ex­plo­são fe­liz o sen­ti­do da hi­e­rar­quia, do dis­cer­ni­men­to,
e a pró­pria no­ção de Deus: sob o olhar d’O Pa­pa, o cor­po, a exis­tên­cia,
tu­do o que é ter­re­no, fe­liz, to­da em­bri­a­guez, tu­do is­so é san­ti­fi­ca­do co-­
mo ma­ni­fes­ta­ção do di­vi­no. A fes­ta é cheia de sen­ti­dos: a fes­ta su­pre­ma
é o en­con­tro com a Cons­ciên­cia.

VI O Na­mo­ra­do XV O Di­a­bo

De um la­do um an­jo de luz se des­ta­ca con­tra um sol. Do ou­tro, um an­jo


da es­cu­ri­dão bran­de uma to­cha. O Na­mo­ra­do é uma car­ta de uni­ão, que
evo­ca o pra­zer de fa­zer aqui­lo que se ama e o ape­go emo­ci­o­nal li­vre-­
men­te con­sen­ti­do. O Di­a­bo, por sua vez, re­pre­sen­ta a for­ça se­xu­al vin-­
da das pro­fun­de­zas obs­cu­ras do ser: a pai­xão e as pul­sões, a cri­a­ti­vi­da-­
de, a rup­tu­ra dos li­mi­tes, a re­be­li­ão con­tra as for­ças ra­ci­o­nais. Os per-­
so­na­gens d’O Na­mo­ra­do es­tão de pé so­bre um ter­re­no cul­ti­va­do, la­vra-­
do. É uma su­per­fície que ten­de a se co­mu­ni­car com os va­lo­res ce­les­tes,
a cres­cer até O Na­mo­ra­do cen­tral que ama a tu­do e a to­dos sem dis­tin-­
ção: o sol bran­co. O Di­a­bo é a an­tí­te­se de tu­do is­so: os per­so­na­gens es-­
tão na ca­ver­na pri­mor­di­al, com os pés so­bre o mag­ma obs­cu­ro, ne­gan-­
do a luz da di­vin­da­de. O Di­a­bo acen­de a pró­pria to­cha, sua luz pes­so­al.
Se o Ar­ca­no VI é so­ci­al, o Ar­ca­no XV é in­di­vi­du­al. Se o VI é uma car­ta
de es­co­lhas li­vre­men­te con­sen­ti­das, o XV é uma car­ta de pai­xão à qual
só se po­de obe­de­cer. Es­ses dois Ar­ca­nos se com­ple­tam: um ofe­re­ce a
luz da cons­ciên­cia, ou­tro a es­cu­ri­dão do in­cons­ci­en­te. A ri­que­za des­ses
con­trá­rios é o ca­mi­nho que nos le­va a re­a­li­zar a vi­da pas­si­o­nal amo­ro-­
sa: o amor nos obri­ga a en­con­trar de­se­jos pas­si­o­nais e a iden­ti­fi­car nos-­
sas pro­je­ções. In­ver­sa­men­te, o mis­té­rio do gos­tar, da­qui­lo de que gos­ta-­
mos ir­re­sis­ti­vel­men­te, cons­ti­tui um ca­mi­nho de apren­di­za­gem do
amor. A uni­ão do an­jo das tre­vas com o an­jo da luz nos lem­bra de que,
nos do­mí­nios da pai­xão e do amor, so­mos ao mes­mo tem­po di­vi­nos e
di­a­bóli­cos. Aqui­lo de que gos­ta­mos re­al­men­te es­tá an­co­ra­do em nos­so
in­cons­ci­en­te, na nos­sa cri­a­ti­vi­da­de pro­fun­da.

VII O Car­ro XI­I­II Tem­pe­ran­ça

O Car­ro, con­quis­ta­dor por es­sên­cia, se es­que­ce de si mes­mo. Ele se une


ao mo­vi­men­to do mun­do. Tem­pe­ran­ça vol­ta aos va­lo­res es­pi­ri­tu­ais, à
co­mu­ni­ca­ção con­si­go mes­mo. Am­bos são com­ple­men­ta­res: a ação pu­ra
d’O Car­ro, vol­ta­do pa­ra um ob­je­ti­vo ex­te­ri­or, po­de­ria se tor­nar des­tru-­
ti­va sem a in­te­ri­o­ri­da­de e a me­di­da de Tem­pe­ran­ça. Quan­do O Car­ro
com­ba­te, Tem­pe­ran­ça ben­ze, acal­ma sua agres­si­vi­da­de, pro­te­ge-o dos
ex­ces­sos de sua ener­gia. Da mes­ma ma­nei­ra co­mo os ca­va­los azuis-ce-­
les­tes são o mo­tor da ação ma­te­ri­al d’O Car­ro, as asas azuis-ce­les­tes do
an­jo da Tem­pe­ran­ça são o mo­tor de sua ação es­pi­ri­tu­al. O mo­vi­men­to
d’O Car­ro é ho­ri­zon­tal, ele se dá no es­pa­ço; o da Tem­pe­ran­ça é ver­ti­cal,
ele se dá na li­nha do tem­po. O Car­ro bus­ca a sa­be­do­ria na ter­ra, en-­
quan­to o An­jo apor­ta sa­be­do­ria do mun­do ce­les­ti­al. É pre­ci­so ver as
du­as car­tas não uma de­pois da ou­tra, mas ao mes­mo tem­po, co­mo um
acor­de. A ação da Tem­pe­ran­ça sem O Car­ro po­de­ria per­ma­ne­cer em
um cir­cui­to fe­cha­do, in­cons­ci­en­te, he­si­tan­te. O Car­ro lhe dá um meio
de ação no mun­do, ma­te­ri­a­li­zan­do sua har­mo­nia. O que es­tá no in­te­ri­or
se pas­sa co­mo o que es­tá no ex­te­ri­or. O mun­do é igual ao que sou por
den­tro. Es­te par evo­ca tam­bém o fa­to de al­guém acei­tar ser pro­te­gi­do,
gui­a­do.

VI­II A Jus­ti­ça XI­II O Ar­ca­no sem no­me

A per­fei­ção d’A Jus­ti­ça, que ten­de à pa­ra­li­sia, en­con­tra no Ar­ca­no XI­II


a pos­si­bi­li­da­de da trans­for­ma­ção e a to­ma­da de cons­ciên­cia da im­per-­
ma­nên­cia. Es­ta uni­ão lhe per­mi­te não mais re­pri­mir a mu­dan­ça, mas
aco­lhê-la. O ver­da­dei­ro equi­lí­brio d’A Jus­ti­ça con­sis­te em acei­tar a
trans­for­ma­ção. Sua men­sa­gem po­de­ria ser “dar a ca­da um o que me­re-­
ce”, e, com o Ar­ca­no XI­II, sob ris­co de ocor­rer uma re­vo­lu­ção. Da mes-­
ma ma­nei­ra que a or­dem se ali­men­ta do ca­os, o ca­os pre­ci­sa da or­dem
pa­ra ad­qui­rir uma for­ma. A lim­pe­za do Ar­ca­no XI­II faz sen­ti­do se tem
por ob­je­ti­vo ou por fun­da­men­to um equi­lí­brio, uma no­va con­cep­ção da
per­fei­ção ou da Lei. O ter­mo “to­hu bo­hu”, em he­brai­co, o ovo da or­dem,
sig­ni­fi­ca ca­os.

VI­I­II O Ere­mi­ta XII O En­for­ca­do


Es­tes dois Ar­ca­nos re­me­tem aos dois ca­mi­nhos do co­nhe­ci­men­to, que a
tra­di­ção al­quí­mi­ca cha­mou “ca­mi­nho se­co” e “ca­mi­nho úmi­do”. No ca-­
mi­nho se­co, o bus­ca­dor es­tu­da, lê e re­lê, re­za, obri­ga-se a práti­cas e a
uma dis­ci­pli­na sem fa­lhas até en­con­trar a sa­be­do­ria. No ca­mi­nho úmi-­
do, não bus­ca­mos: re­ce­be­mos, co­mo nes­se di­to zen: “Por­tas aber­tas ao
nor­te, ao sul, ao les­te e a oes­te”. O En­for­ca­do não faz es­for­ço, ele se en-­
tre­ga, acei­ta a va­cui­da­de, aban­do­na to­das as es­co­lhas, to­da von­ta­de. O
Ere­mi­ta pro­cu­rou a vi­da in­tei­ra, pa­ra che­gar, ao fi­nal de um imen­so
tra­ba­lho, à san­ta ig­no­rân­cia. É aí que ele se une a O En­for­ca­do: o que O
En­for­ca­do en­con­tra por me­di­ta­ção pro­fun­da, O Ere­mi­ta lhe trans­mi­te
co­mo re­sul­ta­do de um ca­mi­nho de bus­cas cu­jo subs­tra­to es­tá con­cen-­
tra­do na luz de sua lâm­pa­da. O mu­tis­mo es­sen­ci­al d’O En­for­ca­do é a
raiz de pa­la­vras exa­tas d’O Ere­mi­ta. Po­de­ria ser o mes­tre que ori­en­ta a
me­di­ta­ção de seu dis­cí­pu­lo, am­bos em re­la­ção de ne­ces­si­da­de re­cíp­ro-­
ca. Po­de­ria ser um médi­co e uma do­en­ça, um apor­tan­do o co­nhe­ci­men-­
to ne­ces­sá­rio à cu­ra e ou­tro um ob­je­to de es­tu­do e de práti­ca. Em um
con­tex­to mais co­ti­di­a­no, po­de­rí­a­mos tam­bém ver O En­for­ca­do co­mo
uma cri­an­ça em ges­ta­ção e O Ere­mi­ta co­mo o pai cheio de ex­pe­riên­cia
que ve­la por seu de­sen­vol­vi­men­to. O fe­to é, en­tão, pa­ra o ho­mem ma-­
du­ro, a es­pe­ran­ça de se per­pe­tu­ar no fu­tu­ro.
Com es­te par, o Ta­rot nos en­si­na que quem quer ver­da­dei­ra­men­te
en­trar em si mes­mo não de­ve es­que­cer sua res­pon­sa­bi­li­da­de di­an­te da
vi­da, di­an­te da trans­mis­são e dos en­si­na­men­tos. Não se po­de cair, co­mo
O En­for­ca­do, em um êx­ta­se so­zi­nho.

X A Ro­da da For­tu­na XI A For­ça


Po­de­mos di­zer que es­tas du­as car­tas são o co­ra­ção do Ta­rot. Tu­do es­tá
aca­ban­do ao mes­mo tem­po em que tu­do es­tá co­me­çan­do. Eter­no fim,
eter­no co­me­ço. Se con­si­de­rar­mos es­te par des­sa ma­nei­ra, te­mos mais
fa­ci­li­da­de pa­ra com­preen­der seu sig­ni­fi­ca­do pro­fun­do.
Em A Ro­da da For­tu­na, to­das as ex­pe­riên­cias fo­ram vi­vi­das. En­tre
as­cen­são e des­cen­so, ci­clos re­pe­ti­dos gi­ram em cír­cu­los vi­ci­o­sos. Fal­ta-
lhe um no­vo im­pul­so que que­bre es­se rit­mo pa­ra que o cír­cu­lo se abra à
di­men­são ver­ti­cal e se con­ver­ta em es­pi­ral. É A For­ça quem apor­ta es­se
im­pul­so. Ela re­pre­sen­ta uma ener­gia em po­tên­cia que en­con­tra com A
Ro­da da For­tu­na o ter­re­no pro­pí­cio pa­ra se exer­cer. Co­mo uma in­dús-­
tria tra­di­ci­o­nal, pa­ra sair de um im­pas­se, cria um no­vo pro­du­to: com A
For­ça, as ener­gi­as se­xu­ais cri­a­ti­vas es­tão à nos­sa dis­po­si­ção e, a to­do
mo­men­to, po­de­mos de­las dis­por se as dei­xar­mos cir­cu­lar in­te­li­gen­te e
li­vre­men­te em nos­so ser. Po­de­ria ser tam­bém um re­mé­dio que per­mi­te
cu­rar uma do­en­ça até en­tão in­cu­rá­vel. É to­da so­lu­ção cri­a­ti­va, au­ten­ti-­
ca­men­te no­va, que é ao mes­mo tem­po ge­ra­da por um blo­queio e per­mi-­
te des­fa­zer es­se blo­queio. É tam­bém o fim de uma si­tu­a­ção eco­nô­mi­ca
e uma no­va pos­si­bi­li­da­de de ge­rar di­nhei­ro. Em to­do fra­cas­so fi­nan­cei-­
ro há uma pos­si­bi­li­da­de de in­dús­tria, de nos lan­çar­mos em ou­tra ati­vi-­
da­de. As du­as car­tas es­tão em pro­fun­da in­te­ra­ção, pois sem a ex­pe­riên-­
cia imo­bi­li­zan­te d’A Ro­da da For­tu­na, po­de­rí­a­mos he­si­tar em con­ta­tar
as for­ças das pro­fun­de­zas per­ce­bi­das co­mo pe­ri­go­sas ou as­sus­ta­do­ras.
Fre­quen­te­men­te, uma di­fi­cul­da­de ou um blo­queio nos le­va a uma for-­
ma te­ra­pêu­ti­ca, ar­tísti­ca, uma for­ma que ja­mais te­ria nos ocor­ri­do an-­
tes. O Ar­ca­no X é uma pla­ta­for­ma de lan­ça­men­to que nos per­mi­te en-­
trar na ex­pe­riên­cia no­va d’A For­ça.
A men­sa­gem do Ta­rot, com es­te par, é que ca­da vez que uma coi­sa
aca­ba, é pre­ci­so pen­sar que al­go de no­vo co­me­ça, que o fim e o iní­cio
es­tão jun­tos.
Su­ces­são nu­méri­ca e trans­la­ção
Cha­ves pa­ra a lei­tu­ra de du­as car­tas

Não nos sen­do pos­sí­vel es­tu­dar to­dos os pa­res for­ma­dos en­tre os Ar­ca-­
nos mai­o­res, de­se­ja­mos, pa­ra con­cluir es­ta par­te, evo­car ain­da al­guns
exem­plos que per­mi­ti­rão for­ne­cer dois ele­men­tos de mé­to­do, es­sen­ci-­
ais pa­ra a lei­tu­ra des­sas “sí­la­bas” for­ma­das por du­as car­tas.
Nos três pri­mei­ros exem­plos, es­tu­da­re­mos três séri­es de dois Ar­ca-­
nos mai­o­res que se se­guem na or­dem nu­méri­ca: XII e XI­II, XV e XVI,
XX e XI. Ve­re­mos que a or­dem nu­méri­ca po­de ser le­va­da em con­ta na
lei­tu­ra de uma ti­ra­gem: se a du­pla de car­tas es­co­lhi­das ex­pri­me a pas-­
sa­gem de um ní­vel par re­cep­ti­vo a um ní­vel ím­par ati­vo, a di­nâ­mi­ca da
in­ter­pre­ta­ção não é a mes­ma se a du­pla vai da ação à re­cep­ção.
Além dis­so, es­co­lhe­mos es­tu­dar a trans­la­ção de sím­bo­los que se
efe­tua en­tre o Ar­ca­no XV, O Di­a­bo, e o Ar­ca­no XVI­I­II, O Sol. Es­se
exem­plo tem por vo­ca­ção in­ci­tar o lei­tor a pro­cu­rar, fa­zen­do res­so­ar
du­as car­tas en­tre si, quais são os ele­men­tos que se en­con­tram em am-­
bas e co­mo es­ses ele­men­tos se trans­for­mam de uma pa­ra a ou­tra. Es­se
tra­ba­lho de lei­tu­ra di­nâ­mi­ca é um ele­men­to-cha­ve pa­ra ler uma ti­ra-­
gem de Ta­rot co­mo um to­do e não co­mo uma su­ces­são de ele­men­tos
iso­la­dos.
Na mes­ma or­dem de idei­as, pro­po­mos a lei­tu­ra de três, de­pois de
qua­tro car­tas com a mes­ma cha­ve que cons­ti­tui a trans­la­ção de sím­bo-­
los: de um la­do, a se­quên­cia XVII-XVI­II-XVI­I­II com o rio azul que
cor­re nas três car­tas, e de ou­tro, uma “de­com­po­si­ção” d’O Na­mo­ra­do
(VI) em três per­so­na­gens: O Ma­go (I), A Pa­pi­sa (II) e A Im­pe­ra­triz
(III).
Da re­cep­ção à ação, da ação à re­cep­ção

XII O En­for­ca­do • XI­II O Ar­ca­no sem no­me


A re­la­ção en­tre es­tes dois Ar­ca­nos é de ex­tre­ma ten­são, co­mo vi­gas de
con­cre­to que têm no in­te­ri­or uma ar­ma­ção de fer­ro ten­si­o­na­do. O XII é
uma pa­ra­da ex­tre­ma, o XI­II é uma ex­tre­ma ex­plo­são trans­for­ma­do­ra.
Po­de­mos di­zer que am­bos trans­for­mam o mun­do: O En­for­ca­do dei­xa
de es­co­lher, ele pa­ra­li­sa o mun­do ao pa­ra­li­sar a si mes­mo e mer­gu­lha
na bus­ca in­te­ri­or; o Ar­ca­no XI­II des­trói o ve­lho mun­do pa­ra que o no-­
vo ser pos­sa nas­cer. Es­sas du­as ações de po­los opos­tos têm co­mo efei­to
co­mum des­truir a re­a­li­da­de an­ti­ga. A or­dem nu­méri­ca das du­as car­tas
é XII-XI­II: es­sa que­da em si mes­mo, es­se re­tor­no do olhar pa­ra o mun-­
do, bus­can­do ape­nas aqui­lo que é ver­da­dei­ro, es­se es­ta­do de não ação,
co­mo uma se­men­te, pre­pa­ra a eclo­são, o nas­ci­men­to, a ex­plo­são.

XII-XI­II. É um mo­men­to mag­nífi­co de ex­plo­são cri­a­ti­va. Tu­do aqui­lo


que es­ta­va con­ti­do n’O En­for­ca­do ex­plo­de no Ar­ca­no sem no­me. A
gran­de mu­dan­ça se pro­duz: mu­ta­ção, re­vo­lu­ção, mas não se co­nhe­ce
ain­da o re­sul­ta­do dis­so tu­do. Pa­ra es­cla­re­cer es­se pon­to, se­ria pre­ci­so
ti­rar mais uma ou mais al­gu­mas ou­tras car­tas.

XI­II-XII. Nes­ta con­fi­gu­ra­ção, nós nos en­con­tra­mos na pre­sen­ça de


uma gran­de frus­tra­ção. To­da a ener­gia trans­for­ma­do­ra do Ar­ca­no sem
no­me (XI­II) se cho­ca com a bar­rei­ra re­pre­sen­ta­da pel’O En­for­ca­do. Es-­
ta si­tu­a­ção po­de con­du­zir a uma au­to­des­trui­ção ou à có­le­ra.
XV O Di­a­bo • XVI A Tor­re
Aqui, mais uma vez, pas­sa­mos de uma car­ta em que os per­so­na­gens es-­
tão amar­ra­dos (XV) e es­con­di­dos em um mun­do sub­ter­râ­neo pa­ra uma
car­ta re­pre­sen­tan­do uma ex­plo­são, uma ale­gre sa­í­da ao ar li­vre. A or-­
dem nu­méri­ca é XV-XVI: A Tor­re re­pre­sen­ta, en­tão, es­sa pri­mei­ra as-­
cen­são das ener­gi­as das pro­fun­de­zas.

XV-XVI. Nós nos en­con­tra­mos di­an­te de for­ças sub­ter­râ­neas que se


ma­ni­fes­tam. Tu­do aqui­lo que até en­tão es­ta­va es­con­di­do é di­to, des­co-­
ber­to, ou sai à luz. Os se­gre­dos ma­ra­vi­lho­sos ou ver­go­nho­sos são re­ve-­
la­dos. Uma cri­a­ti­vi­da­de pro­fun­da se ex­pri­me sob uma for­ma ar­tísti­ca
ou fes­ti­va. É tal­vez um mo­men­to de gran­de fe­li­ci­da­de ou de gran­de
ver­go­nha, mas em to­do ca­so uma eta­pa pu­ri­fi­ca­do­ra.

XVI-XV. O es­píri­to des­ce às pro­fun­de­zas do in­cons­ci­en­te, se amar­ra à


ma­té­ria e ali­men­ta a cha­ma da to­cha da cri­a­ção. De­pois da ex­plo­são
ale­gre vem o en­rai­za­men­to na ado­ra­ção. Po­de ser o anún­cio de uma
gran­de pai­xão, mas tam­bém de um nó di­fícil de sol­tar.
XX O Jul­ga­men­to • XXI O Mun­do
XX-XXI. É um su­ces­so to­tal: aqui­lo que o an­jo ofe­re­ce se re­a­li­za. O de-­
se­jo ir­re­sis­tí­vel atin­ge sua sa­tis­fa­ção. Pe­la in­ter­me­di­a­ção do an­jo, co-­
nhe­ce­mos a gra­ça. Pe­la águia, a ilu­mi­na­ção. Pe­lo le­ão, a con­cep­ção di­vi-­
na. Pe­lo ani­mal cor de car­ne, o tran­se e o pra­zer cósmi­co. As qua­tro es-­
pe­ran­ças su­pre­mas do ser hu­ma­no po­dem, en­tão, se re­a­li­zar. Na vi­da
ma­te­ri­al, ele se tor­na um cam­pe­ão, ca­paz de en­fren­tar to­dos os obs­tá-­
cu­los e triun­far. Na for­ça vi­tal (o le­ão), ele se tor­na um he­rói, ca­paz de
ven­cer a mor­te. No in­te­lec­to (a águia), ele re­a­li­za o gê­nio, ca­paz de des-­
co­brir o que nin­guém ja­mais viu. No cen­tro emo­ci­o­nal (o an­jo), ele se
tor­na um san­to, não de­se­jan­do na­da pa­ra si que não se­ja pa­ra os ou­tros.

XXI-XX. Es­ta­mos em uma si­tu­a­ção dra­máti­ca, do­lo­ro­sa: o Ar­ca­no XXI


(o fim) es­tá co­lo­ca­do no co­me­ço; ele re­pre­sen­ta, en­tão, o fe­cha­men­to, a
au­sên­cia de co­mu­ni­ca­ção, o au­tis­mo, até mes­mo um par­to di­fícil. Es­ta
ne­ga­ção ao nas­ci­men­to é tão for­te que em O Jul­ga­men­to, o per­so­na­gem
que ten­ta sair da tum­ba (o ata­nor al­quí­mi­co) per­ma­ne­ce ca­ti­vo da den-­
si­da­de da ma­té­ria e, ape­sar do tra­ba­lho e das ora­ções, não che­ga a re­a­li-­
zar sua as­cen­são. O de­se­jo ir­re­sis­tí­vel não en­con­tra sua sa­tis­fa­ção. Com
O Mun­do as­sim apri­si­o­na­do, as qua­tro es­pe­ran­ças su­pre­mas não po-­
dem se re­a­li­zar. A pes­soa tem a sen­sa­ção de ser um per­de­dor, um co-­
var­de, um me­dí­o­cre e um ego­ís­ta. Es­sa si­tu­a­ção, evi­den­te­men­te, não é
ir­re­ver­sí­vel: em uma lei­tu­ra, is­to é, com três car­tas no míni­mo, a car­ta
se­guin­te in­di­ca­rá o ca­mi­nho pa­ra sair des­sa si­tu­a­ção do­lo­ro­sa.
Trans­la­ção de uma série de sím­bo­los de um Ar­ca­no pa­ra
ou­tro

XV O Di­a­bo • XVI­I­II O Sol

Po­de­rí­a­mos con­si­de­rar que O Di­a­bo re­pre­sen­ta o la­do mais pro­fun­do,


es­con­di­do e obs­cu­ro, do Ta­rot. O Sol, por sua vez, é o sím­bo­lo mais lu-­
mi­no­so de to­dos. No Ar­ca­no XV, ve­mos um ser an­dró­gi­no que se­gu­ra
na mão es­quer­da uma to­cha que ilu­mi­na um ca­sal ho­mem-mu­lher en-­
rai­za­do, amar­ra­do e ina­ti­vo, pro­va­vel­men­te apri­si­o­na­do por von­ta­de
pró­pria. A fê­mea tem três pon­tos na al­tu­ra das cos­te­las, que re­pre­sen-­
tam, se qui­ser­mos, sua di­men­são es­pi­ri­tu­al. Em O Sol, po­de­mos di­zer
que en­con­tra­mos es­ses mes­mos dois per­so­na­gens, ago­ra li­vres. Mas en-­
quan­to em O Di­a­bo, com as mãos es­con­di­das nas cos­tas, eles re­cu­sa-­
vam a do­a­ção, aqui nós os ve­mos em uma re­la­ção de aju­da re­cíp­ro­ca. O
per­so­na­gem da di­rei­ta aju­da o ou­tro a atra­ves­sar o rio, sím­bo­lo da vi­da
eter­na que pas­sa em per­pé­tua trans­for­ma­ção. Es­se per­so­na­gem tem a
mão apoi­a­da na nu­ca de seu par­cei­ro, ele afir­ma, as­sim, sua von­ta­de de
de­sen­vol­vi­men­to cons­ci­en­te. O ou­tro es­ten­de as mãos em di­re­ção aos
três pon­tos que seu com­pa­nhei­ro tem no cor­po, is­to é, em di­re­ção ao
ide­al di­vi­no. O per­so­na­gem da es­quer­da con­ser­va ain­da a cau­da que vi-­
mos nos di­a­bre­tes do Ar­ca­no XV, mas a ex­tre­mi­da­de das cau­das dos di-­
a­bre­tes se es­ten­dia in­de­fi­ni­da­men­te pa­ra o ex­te­ri­or da car­ta, sem li­mi-­
tes, en­quan­to a cau­da do per­so­na­gem d’O Sol, ao con­trá­rio, se do­bra
pa­ra o in­te­ri­or. Da mes­ma ma­nei­ra, os per­so­na­gens d’O Sol têm em vol-­
ta do pes­co­ço a mar­ca ver­me­lha da cor­da que os pren­dia em O Di­a­bo: a
ani­ma­li­da­de do ego não foi eli­mi­na­da, mas hon­ra­da e do­ma­da.
Os três pon­tos mu­dam de lu­gar: no Ar­ca­no XV, é o per­so­na­gem da
es­quer­da quem os traz so­bre o cor­po, e em O Sol, é o per­so­na­gem da di-­
rei­ta. O es­píri­to fe­mi­ni­no é o pri­mei­ro a dar o pas­so em di­re­ção à ilu­mi-­
na­ção. Pa­ra che­gar a seu ob­je­ti­vo, o ho­mem de­ve des­per­tar sua ani­ma.
Em O Di­a­bo, o rio azul-ce­les­te es­tá pa­ra­do, es­táti­co, mor­to: o ego fin­ge
fi­xar o tem­po. Mas es­sa em­prei­ta­da cons­ti­tui um con­ge­la­men­to ape­nas
de si mes­mo; fi­ca­mos pre­sos, lan­ça­mos ra­í­zes. O trio d’O Di­a­bo ha­bi­ta
um pe­des­tal li­mi­ta­do. É a bus­ca ani­mal do ter­ri­tó­rio. Em O Sol, uma
mu­re­ta, co­mo um cer­ca­do sem fim, se­pa­ra o pre­sen­te do pas­sa­do e per-­
mi­te cons­truir uma vi­da no­va no amor e na do­a­ção. As tre­ze go­tas que
so­bem em di­re­ção ao Sol lem­bram o Ar­ca­no XI­II, sím­bo­lo da trans­for-­
ma­ção. Elas re­pre­sen­tam as as­pi­ra­ções de to­dos os se­res cons­ci­en­tes da
Ter­ra que so­bem em di­re­ção ao Sol, ima­gem da nos­sa cons­ciên­cia eter-­
na, fo­go cen­tral que nos ani­ma. O Sol é for­ma­do de ama­re­lo e ver­me­lho:
san­gue e luz. Es­sa vi­da lu­mi­no­sa per­mi­te a cons­tru­ção de um mu­ro,
tam­bém de san­gue e luz, que não en­cer­ra, que eli­mi­na a no­ção de pos-­
se. Ele nos pro­te­ge sim­ples­men­te das amar­ras do pas­sa­do.

XVII A Es­tre­la • XVI­II A Lua • XVI­I­II O Sol

Po­de­rí­a­mos pen­sar que a ex­ten­são de água que ve­mos n'A Lua é con­ti-­
da por li­mi­tes, de tal ma­nei­ra que a la­gos­ta es­ta­ria pre­sa. No en­tan­to,
es­sa água não es­tá pa­ra­da se co­lo­car­mos A Lua en­tre A Es­tre­la e O Sol.
En­con­tra­mo-nos, en­tão, di­an­te de um rio, que vem de mui­to lon­ge e
que vai pa­ra mui­to lon­ge. O rio vem do Ar­ca­no XVII, on­de uma mu­lher
nua, sím­bo­lo da ani­ma, da ver­da­de in­te­ri­or, en­con­trou seu lu­gar ati­vo
aci­ma da su­per­fície ver­me­lha on­de ela apoia o jo­e­lho. Nes­se con­ta­to
com o so­lo, ela o sa­cra­li­za. Com seus dois va­sos, ela pu­ri­fi­ca a cor­ren­te
que vem do pas­sa­do (da es­quer­da no sen­ti­do da lei­tu­ra). Es­sa pu­ri­fi­ca-­
ção se efe­tua por meio de du­as ener­gi­as: a ener­gia se­xu­al (azul-es­cu­ro)
e a ener­gia es­pi­ri­tu­al (ama­re­lo), que en­con­tra­mos nas se­te es­tre­las me-­
no­res (azuis e ama­re­las) no céu da car­ta. Os dois va­sos por sua vez têm
o ver­me­lho e o ama­re­lo da es­tre­la cen­tral.
A meia-lua la­ran­ja que a per­so­na­gem fe­mi­ni­na tem na tes­ta é si­nal
de sua re­cep­ti­vi­da­de men­tal às ener­gi­as cósmi­cas. Não é ela que de­se­ja,
é o cos­mos que a de­se­ja – quem nos de­se­ja. Não é ela que es­pi­ri­tu­a­li­za,
é o cos­mos que lhe en­via a cons­ciên­cia. Ela es­tá na po­si­ção de ser­vi­do­ra
da gran­de obra uni­ver­sal. O pás­sa­ro ne­gro pou­sa­do nos ga­lhos é o sím-­
bo­lo de sua par­te hu­ma­na (o ego) que foi re­du­zi­da ao es­ta­do vo­látil, a
um na­da ati­vo e dócil.
O rio pu­ri­fi­ca­do che­ga ao tan­que d’A Lua, mas a la­gos­ta não obe­de-­
ce à cor­ren­te. Ela não quer avan­çar: ela quer um ide­al – sim­bo­li­za­do
pel'A Lua. O as­tro no­tur­no tem as mes­mas co­res da la­gos­ta, in­di­can­do
que ela é ape­nas uma pro­je­ção des­se ani­mal lou­co e ide­a­lis­ta. Os cães
(ou lo­bos) ui­vam, ali­men­tan­do-se des­se de­se­jo ide­al, mas sem se aju­da-­
rem mu­tu­a­men­te. Ca­da um es­tá pre­o­cu­pa­do ape­nas con­si­go mes­mo.
Pa­ra avan­çar, a la­gos­ta de­ve­rá se­guir o exem­plo do sa­téli­te que é a lua:
tor­nar-se ca­da vez mais trans­pa­ren­te até ser ape­nas um re­fle­xo, um es-­
pe­lho da luz so­lar, a luz do amor. Em A Es­tre­la, as es­tre­las são sóis dis-­
tan­tes. A Lua ide­a­lis­ta olha pa­ra o sol dis­tan­te d’A Es­tre­la. Quan­do o
tra­ba­lho de re­cep­ção se con­clui, o ros­to d’A Lua, que é a es­sên­cia da la-­
gos­ta (azul-ce­les­te) se dis­sol­ve no rio d’O Sol. Aí, no Ar­ca­no XVI­I­II, a
du­a­li­da­de dos dois va­sos do Ar­ca­no XVII e os dois cães d’A Lua se tor-­
nam uma uni­da­de: os dois per­so­na­gens se aju­dam mu­tu­a­men­te sob o
olhar amo­ro­so d’O Sol. Eles ca­mi­nham pe­lo rio da vi­da se se­pa­ran­do do
pas­sa­do pe­lo mu­ro que ve­em atrás de si e cons­tru­in­do seu no­vo pa­ra­í-­
so. O amor que o Sol lhes en­via, ger­mi­nan­do em seus co­ra­ções, so­be até
ele por go­tas as­cen­den­tes. Tu­do aqui­lo que do­a­mos é a nós mes­mos que
do­a­mos. Tu­do aqui­lo que não do­a­mos nos é ti­ra­do.
No fun­do, o que A Es­tre­la es­tá fa­zen­do é con­ci­li­ar dois gran­des ar-­
quéti­pos uni­ver­sais: A Lua que re­pre­sen­ta os va­lo­res mais su­bli­mes da
mãe, e O Sol que re­pre­sen­ta os va­lo­res mais ele­va­dos do pai. Sem o
equi­lí­brio des­ses dois ar­quéti­pos, ne­nhu­ma obra po­de ser le­va­da a bom
ter­mo.
Nas ti­ra­gens em que es­ses três Ar­ca­nos sa­em, A Es­tre­la re­pre­sen­ta-­
rá em ge­ral o pró­prio con­su­len­te; se é um ho­mem, es­te Ar­ca­no evo­ca­rá
sua par­te fe­mi­ni­na re­cep­ti­va, ar­tísti­ca, me­di­úni­ca (ani­ma). Mas é pre­ci-­
so pres­tar aten­ção: se in­ver­te­mos a or­dem que nos dá o Ta­rot (A Lua à
es­quer­da e O Sol à di­rei­ta), nos de­pa­ra­mos com:
XVII-XVI­I­II-XVI­II. A mãe to­ma o lu­gar do pai, ela se tor­na abu­si­va,
cru­el e nor­ma­ti­va. E o pai to­ma o lu­gar da mãe, tor­nan­do-se fra­co, in-­
fan­til, au­sen­te.

XVI­II-XVI­I­II-XVII. A Es­tre­la não ces­sa ja­mais de olhar pa­ra O Sol e


pa­ra A Lua. Ela fi­ca de­pen­den­te, apa­ga o fu­tu­ro, cai em de­va­nei­os in-­
fan­tis.

XVI­II-XVII-XVI­I­II. A Es­tre­la to­ma o lu­gar do pai e vi­ve pa­ra se­du­zir


a mãe, de quem se tor­na a noi­va me­ta­fóri­ca, re­le­gan­do seu pai ao se-­
gun­do pla­no.
XVI­I­II-XVII-XVI­II. A Es­tre­la, apro­pri­an­do-se da imen­sa re­cep­ti­vi­da-­
de d’A Lua (sua mãe), tor­na-se a mu­lher de seu pai. É uma re­la­ção in-­
ces­tuo­sa em que a me­ni­na fa­rá às ve­zes o pa­pel de mãe pa­ra seus ir-­
mãos e ir­mãs.

I O Ma­go • II A Pa­pi­sa • III A Im­pe­ra­triz e seu es­pe­lho: VI O Na­mo­-


ra­do.
É pre­ci­so com­preen­der que o Ta­rot é uma lin­gua­gem ópti­ca e que ele é
tam­bém, sob cer­tos as­pec­tos, si­mi­lar à lin­gua­gem mu­si­cal. Uma no­ta só
não res­soa da mes­ma ma­nei­ra que um acor­de de du­as ou três no­tas. Em
músi­ca, o acor­de, ain­da que com­pos­to de vá­rias no­tas, é per­ce­bi­do pe­lo
ou­vi­do co­mo uma uni­da­de. Pa­ra apren­der a ler o Ta­rot, é pre­ci­so po­der
con­cei­tu­a­li­zar “acor­des” de di­ver­sas car­tas.
Por exem­plo, O Ma­go ao la­do d’A Pa­pi­sa po­de bem evo­car uma pes-­
soa agin­do no mun­do que ti­ra sua for­ça de um co­nhe­ci­men­to se­cre­to
(A Pa­pi­sa en­clau­su­ra­da). Uma ação se pre­pa­ra, es­tá sen­do in­cu­ba­da,
co­mo in­di­ca o ovo d’A Pa­pi­sa. Se acres­cen­tar­mos A Im­pe­ra­triz (I-II-
III), é uma ex­plo­são súbi­ta que se pro­duz, uma ex­plo­são de cri­a­ti­vi­da-­
de. E se adi­ci­o­nar­mos os va­lo­res nu­méri­cos des­sas três car­tas, ob­te­re-­
mos: 1 + 2 + 3 = 6. VI é a car­ta d’O Na­mo­ra­do, o que dá o tom do “acor-­
de”. Is­so nos per­mi­te co­lo­car O Ma­go en­tre A Pa­pi­sa e A Im­pe­ra­triz, à
ma­nei­ra dos três per­so­na­gens (um ho­mem e du­as mu­lhe­res) que fi­gu-­
ram na car­ta d’O Na­mo­ra­do.
Es­tu­dan­do os Ar­ca­nos des­sa ma­nei­ra, per­ce­be­mos que os pés d’O
Ma­go apon­tam pa­ra du­as di­re­ções opos­tas, co­mo os pés do jo­vem d’O
Na­mo­ra­do. Po­de­rí­a­mos di­zer que ele se po­si­ci­o­na si­mul­ta­ne­a­men­te em
dois ca­mi­nhos di­ver­gen­tes. Em sua mão es­quer­da, O Ma­go se­gu­ra uma
va­ri­nha mági­ca, sím­bo­lo de uma cri­a­ti­vi­da­de ex­tre­ma. Na mão di­rei­ta,
uma mo­e­da ou es­fe­ra ama­re­la sim­bo­li­za a acu­mu­la­ção e a con­cen­tra-­
ção. Qual ca­mi­nho ele to­ma­rá? O Na­mo­ra­do nos in­di­ca que ele re­a­li­za-­
rá a uni­ão de du­as ten­dên­cias. À sua di­rei­ta, des­co­bri­mos uma mu­lher
co­ro­a­da de fo­lhas, cor­res­pon­den­do a A Pa­pi­sa. Ela o se­gu­ra pe­lo om­bro
e pe­la bai­nha de seu tra­je, co­mo pa­ra con­tê-lo, mas ao mes­mo tem­po,
ser­vin­do-lhe de apoio e lhe con­ce­den­do sua ex­pe­riên­cia. À es­quer­da do
jo­vem (à nos­sa di­rei­ta), uma mu­lher co­ro­a­da de flo­res re­pre­sen­ta A Im-­
pe­ra­triz. Com uma mão, ela in­di­ca o co­ra­ção de seu com­pa­nhei­ro, en-­
quan­to a ou­tra mão, amal­ga­ma­da à mão de­le, apon­ta o pró­prio ven­tre
co­mo se dis­ses­se: “Fe­cun­de-me”. Da mes­ma ma­nei­ra, A Im­pe­ra­triz tem
em­bai­xo do bra­ço uma águia, co­mo uma cri­an­ça ou uma cons­ciên­cia
em ges­ta­ção. Do ce­tro que ela apoia no ven­tre bro­ta uma fo­lhi­nha ver-­
de, si­nal de uma cri­a­ti­vi­da­de eter­na­men­te re­no­va­da.
Os três per­so­na­gens, nos Ar­ca­nos I, II e III, es­tão se­pa­ra­dos. Eles
en­con­tram sua uni­ão em O Na­mo­ra­do. A mo­e­da, o li­vro e a águia, três
graus da obra em ges­ta­ção, so­bem ao céu, cri­am a cons­ciên­cia di­vi­na
que não é ou­tra coi­sa se­não o amor – exal­ta­ção do mi­la­gre de to­da exis-­
tên­cia. Nes­ta uni­ão amo­ro­sa, ou­vi­mos o acor­de que une pas­sa­do, pre-­
sen­te e fu­tu­ro. Es­sa har­mo­nia é a da uni­ão dos con­trá­rios, ou dos con-­
cei­tos apa­ren­te­men­te se­pa­ra­dos: con­ser­va­ção, des­trui­ção e cri­a­ção. O
VI nos in­di­ca tam­bém que o mais al­to grau do amor é o amor pe­la be­le-­
za, a acei­ta­ção da exis­tên­cia do ou­tro.
To­me­mos os três Ar­ca­nos. Vis­tos no sen­ti­do I-II-III, não há co­mu-­
ni­ca­ção en­tre os per­so­na­gens.

No sen­ti­do II-I-III (ver pági­na an­te­ri­or), en­con­tra­mos O Ma­go ten-­


tan­do inu­til­men­te fa­zer A Pa­pi­sa e A Im­pe­ra­triz se co­mu­ni­ca­rem. Pa­ra
que a uni­ão fun­ci­o­ne, de­ve­mos ler III-I-II: as­sim, to­dos os per­so­na­gens
se olham, co­lo­can­do su­as for­ças a ser­vi­ço da har­mo­nia co­mum.
É in­te­res­san­te no­tar que es­sa or­dem não é a re­pro­du­ção da po­si­ção
dos per­so­na­gens do Ar­ca­no VI, mas sua ver­são es­pe­lha­da. É mais uma
in­di­ca­ção que o Ta­rot nos dá: ele não é a pro­je­ção da nos­sa si­tu­a­ção,
mas nos­so es­pe­lho. Ca­be a nós ne­le nos re­fle­tir­mos e ne­le re­fle­tir­mos
pa­ra me­lhor nos com­preen­der.
Co­mo se tor­nar um es­pe­lho

Du­ran­te os meus pri­mei­ros anos de es­tu­dos do Ta­rot, bus­can­do o sig­ni-­


fi­ca­do de seus sím­bo­los, con­si­de­rei-os fer­ra­men­tas do co­nhe­ci­men­to
de si mes­mo. In­flu­en­ci­a­do por mi­nhas lei­tu­ras de li­vros so­bre al­qui­mia,
Ca­ba­la e ou­tras ini­ci­a­ções, con­si­de­rei que aque­le que as­pi­ra­va à sa­be-­
do­ria de­via tra­ba­lhar na so­li­dão. A se­men­te, pa­ra ger­mi­nar, pre­ci­sa da
es­cu­ri­dão das pro­fun­de­zas da ter­ra, da mes­ma ma­nei­ra que o fe­to pre-­
ci­sa da es­cu­ri­dão do ven­tre ma­ter­no e que a al­ma, se­gun­do San Ju­an de
la Cruz em “A su­bi­da do mon­te Car­me­lo”, de­ve, pa­ra che­gar à uni­ão
com Deus, pas­sar pe­la noi­te es­cu­ra da fé, pe­la nu­dez e pe­la pur­ga­ção:

En la no­che di­cho­sa,
en se­cre­to, que na­die me ve­ía,
ni yo mi­ra­ba otra co­sa,
sin otra luz ni guía
si­no la que en el co­ra­zón ar­día.1

Eis por que, ali­a­do ao uso co­mer­ci­al que as pi­to­ni­sas da mo­da fa­zi-­
am do Ta­rot, eu des­de­nha­va o as­pec­to da lei­tu­ra. De um pon­to de vis­ta
ini­ci­áti­co, mas tam­bém ci­en­tífi­co, eu acha­va ver­go­nho­so uti­li­zar as car-­
tas pa­ra pre­ver o fu­tu­ro. Uma pas­sa­gem da Bí­blia cor­ro­bo­ra es­se sen­ti-­
men­to: “Não se acha­rá en­tre ti [...] nem adi­vi­nha­dor, nem prog­nos­ti­ca-­
dor, nem agou­rei­ro, nem fei­ti­cei­ro; nem en­can­ta­dor [...] pois to­do aque-­
le que faz tal coi­sa é abo­mi­na­ção ao Se­nhor...” (Bí­blia de Je­ru­sa­lém,
Deu­te­ro­nô­mio, 18: 10-11-12).
No en­tan­to, ten­do de­ci­di­do con­fe­rir aos Ar­ca­nos a qua­li­da­de de
mes­tre úni­co, e me en­tre­gan­do à obe­diên­cia a eles em tu­do, da mes­ma
ma­nei­ra co­mo ha­via acei­ta­do a in­di­ca­ção do Ar­ca­no XVI, A Tor­re, de
es­cla­re­cer mi­nha con­cep­ção de Deus, ti­ve que le­var em con­ta uma
men­sa­gem cla­ra d’A Pa­pi­sa... Ca­da um dos Ar­ca­nos mai­o­res nos in­di­ca
cla­ra­men­te um ato que po­de ser re­su­mi­do em um ver­bo. Com O Lou­co:
es­co­lher; com A Im­pe­ra­triz: se­du­zir; com O Im­pe­ra­dor: co­man­dar;
com O Pa­pa: en­si­nar; com O Na­mo­ra­do: tro­car; com O Car­ro: con­quis-­
tar; com A Jus­ti­ça: equi­li­brar; com O Ere­mi­ta: ilu­mi­nar; com A Ro­da da
For­tu­na: acei­tar; com A For­ça: do­mi­nar; com O En­for­ca­do: sa­cri­fi­car;
com o Ar­ca­no sem no­me: eli­mi­nar; com Tem­pe­ran­ça: acal­mar; com O
Di­a­bo: ten­tar; com A Tor­re: fes­te­jar; com A Es­tre­la: dar; com A Lua:
ima­gi­nar; com O Sol: cri­ar; com O Jul­ga­men­to: re­vi­ver; com O Mun­do:
triun­far... E no ca­so d’A Pa­pi­sa: ler.
O li­vro cor de car­ne que a re­li­gi­o­sa se­gu­ra nas mãos não mos­tra le-­
tras, mas de­zes­se­te li­nhas on­du­la­das; por um la­do, is­so nos in­di­ca que
não se tra­ta de uma men­sa­gem in­te­lec­tu­al, mas emo­ci­o­nal e, por ou­tro
la­do, is­so nos re­me­te ao Ar­ca­no XVII, A Es­tre­la, em que uma mu­lher
nua dá ao mun­do aqui­lo que ela re­ce­be da Cons­ciên­cia cósmi­ca. Is­so
con­fir­ma que A Pa­pi­sa não es­tá olhan­do pa­ra seu li­vro, mas pa­re­ce ofe-­
re­cê-lo. O po­le­gar de sua mão di­rei­ta es­tá co­lo­ca­do so­bre uma li­nha,
en­quan­to o da mão es­quer­da se co­lo­ca so­bre du­as li­nhas, unin­do-as. O
mes­mo se dá com as fai­xas que cru­zam seu pei­to: na mais próxi­ma de
seu cor­po, há uma cruz, e so­bre a fai­xa que se so­brepõe a ela há du­as
cru­zes. Is­so po­de in­di­car que es­sa per­so­na­gem pas­sa do es­tu­do so­li­tá-­
rio à do­a­ção ao ou­tro.
Is­so me con­ven­ceu de que a fi­na­li­da­de do Ta­rot se cum­pria quan­do
o em­pre­ga­va pa­ra aju­dar os ou­tros por meio de uma lei­tu­ra que con­sis-­
tis­se em apre­sen­tar ao con­su­len­te os Ar­ca­nos trans­for­ma­dos em es­pe-­
lho de sua al­ma.

Eu não es­ta­va ab­so­lu­ta­men­te dis­pos­to a ler fu­tu­ros hi­po­téti­cos. A


ideia de des­ti­no trans­mi­ti­da pe­lo te­a­tro gre­go an­ti­go me re­pug­na­va,
aque­la su­pers­ti­ção se­gun­do a qual “tu­do es­tá es­cri­to” e que nin­guém
po­de es­ca­par ao pró­prio des­ti­no. Se, des­de que nas­ce­mos, um deus di­ri-­
ge ca­da um de nos­sos pas­sos, de que adi­an­ta nos es­for­çar­mos pa­ra o
que quer que se­ja? Se­ria pos­sí­vel con­si­de­rar que nos­sa vi­da es­tá de­ter-­
mi­na­da de an­te­mão, ine­vi­ta­vel­men­te, e que só nos res­ta aca­tar? Pa­ra
en­fren­tar a lei­tu­ra das car­tas, eu de­via de­fi­nir o con­cei­to de fu­tu­ro... O
con­su­len­te tem ou não tem uma fi­na­li­da­de em sua vi­da, ele age em re-­
la­ção a pro­je­tos, ele faz pla­nos. Quan­do ele se in­qui­e­ta pa­ra co­nhe­cer
seu fu­tu­ro é por­que não va­lo­ri­za su­as ações no pre­sen­te, é por­que du­vi-­
da. Mas o pre­sen­te é um ins­tan­te fu­gaz: o que pe­sa so­bre o de­sen­vol­vi-­
men­to do con­su­len­te é o pas­sa­do, que po­de ser­vir de las­tro, ten­den­do a
fa­zer re­pe­tir no fu­tu­ro as ex­pe­riên­cias trau­ma­ti­zan­tes da in­fân­cia (fa­ço
co­mi­go ou não fa­ço co­mi­go o que os ou­tros me fi­ze­ram ou não me fi­ze-­
ram, fa­ço com os ou­tros ou não fa­ço com os ou­tros aqui­lo que me fi­ze-­
ram ou não me fi­ze­ram, re­pi­to o que os ou­tros fi­ze­ram con­si­go mes­mos
ou não fi­ze­ram con­si­go mes­mos), ou fun­ci­o­nar co­mo uma fon­te de
ener­gia que nos le­va a pro­gre­dir, a mu­dar – no me­lhor dos ca­sos, a nos
trans­for­mar.
Se me obri­gas­sem a acei­tar a exis­tên­cia de um fu­tu­ro que nos pre-­
des­ti­na, eu vi­su­a­li­za­ria o pre­sen­te co­mo um pon­to do qual par­te um le-­
que de ca­mi­nhos in­fi­ni­tos. Um ato vo­lun­tá­rio, um aci­den­te, al­gu­ma coi-­
sa que ocor­re por aca­so nos pro­je­ta pa­ra fren­te e nos obri­ga a vi­ver um
dos inu­me­rá­veis des­ti­nos pos­sí­veis. Is­so per­mi­te afir­mar que, mes­mo
que “tu­do es­te­ja es­cri­to”, o car­dá­pio di­vi­no não con­tém um pra­to úni-­
co, mas to­do um cam­po de es­co­lhas. O li­vre ar­bí­trio con­sis­te em es­co-­
lher uma des­sas con­de­na­ções in­fi­ni­tas.
Quan­do eli­mi­na­mos a frau­de da cha­ma­da “lei­tu­ra do fu­tu­ro”, o Ta-­
rot se tor­na uma fer­ra­men­ta psi­co­ló­gi­ca, um ins­tru­men­to de co­nhe­ci-­
men­to de si mes­mo. En­fren­tan­do ho­nes­ta­men­te as ca­rac­te­rísti­cas de
nos­sa per­so­na­li­da­de des­vi­an­te – hábi­tos, iden­ti­fi­ca­ções, ma­ni­as, ví­cios;
pro­ble­mas nar­císi­cos, an­tis­so­ci­ais, es­qui­zoi­des, pa­ra­noi­des; au­to­en­ga-­
nos, idei­as in­sen­sa­tas, sen­ti­men­tos de­pres­si­vos, ima­tu­ri­da­de afe­ti­va,
de­se­jos des­vi­a­dos, ne­ces­si­da­des im­pos­tas pe­la fa­mí­lia, pe­la so­ci­e­da­de
ou pe­la cul­tu­ra – po­de­mos che­gar à cons­ciên­cia da nos­sa es­sên­cia re­al,
is­to é, aqui­lo que em nós é ina­to e não ad­qui­ri­do. Con­du­zir o con­su­len-­
te a dei­xar de ser o que os ou­tros que­rem que ele se­ja pa­ra che­gar a ser
o que ele é re­al­men­te.
Co­me­cei, com in­fi­ni­tas pre­cau­ções, a ler o Ta­rot pa­ra os pa­ci­en­tes
que o dou­tor Je­an-Clau­de La­praz me en­vi­a­va pa­ra sa­ber se su­as do­en-­
ças eram con­se­quên­cia de pro­ble­mas psi­co­ló­gi­cos. En­quan­to ta­ró­lo­go,
eu me pro­pus res­pei­tar qua­tro fór­mu­las: “A par­tir do que sei” (sen­do a
re­a­li­da­de in­fi­ni­ta, nin­guém po­de co­nhe­cer tu­do); “Até cer­to pon­to”
(na­da é de­fi­ni­ti­vo nem ab­so­lu­ta­men­te ge­ral, há sem­pre a pos­si­bi­li­da­de
de uma ex­ce­ção); “Sob o ris­co de me en­ga­nar” (na­da que um ser hu­ma-
no di­ga é in­fa­lí­vel); “Se vo­cê acha que sim” (as coi­sas são o que são por-
que an­tes adap­ta­mos nos­sas di­fe­ren­tes lin­gua­gens; to­do con­cei­to é re-­
sul­ta­do de um acor­do co­le­ti­vo).
No iní­cio, eu lia as car­tas co­mo se se tra­tas­se de um tes­te psi­co­ló­gi-­
co. An­tes de ana­li­sar os de­se­nhos e su­as re­la­ções, eu in­ter­pre­ta­va a ma-­
nei­ra co­mo o pa­ci­en­te co­lo­ca­va as car­tas, la­do a la­do ou se­pa­ra­das,
próxi­mas ou dis­tan­tes; su­per­pos­tas, ho­ri­zon­tais, in­cli­na­das etc. À me-­
di­da que fui ad­qui­rin­do ex­pe­riên­cia, dei­xei is­so de la­do e me li­mi­tei a
in­ter­pre­tar ape­nas os de­se­nhos. De to­do mo­do, em no­me da mai­or efi-­
cá­cia, de­sen­vol­via mi­nha ob­ser­va­ção do con­su­len­te, a ma­nei­ra co­mo
usa­va a voz, a di­nâ­mi­ca dos ges­tos, sua ati­tu­de cor­po­ral, o ti­po de pe­le,
o chei­ro de seu háli­to, a ida­de, a pro­fis­são, as ca­rac­te­rísti­cas se­xu­ais,
seu es­ta­do emo­ti­vo e, por fim, sua ár­vo­re ge­ne­a­ló­gi­ca, se pos­sí­vel até os
bi­sa­vós. Ao lon­go dos anos, cap­tan­do de um só gol­pe de vis­ta qua­se to-­
dos es­ses as­pec­tos, pas­sei a me con­cen­trar ex­clu­si­va­men­te so­bre a lei-­
tu­ra das car­tas, ad­ver­tin­do sem­pre o con­su­len­te de que não es­ta­va di-
an­te de um mági­co, mas di­an­te de um ta­ró­lo­go, e que os Ar­ca­nos, no
fun­do, eram pe­que­nos car­tões im­pres­sos e que po­di­am mui­to bem for-­
ne­cer uma men­sa­gem ab­sur­da. A lei­tu­ra con­sis­tia no en­con­tro de três
aca­sos: aque­le que ha­via le­va­do o con­su­len­te até mim, aque­le que ha­via
le­va­do a mim mes­mo até o con­su­len­te e o mo­men­to em que as car­tas
eram es­co­lhi­das. O con­su­len­te ti­nha per­fei­ta­men­te o di­rei­to de acei­tar,
dis­cu­tir ou es­cla­re­cer a lei­tu­ra.
Par­tin­do do prin­cí­pio de que o Ta­rot foi no iní­cio lan­ça­do ao mun­do
co­mo um jo­go, eu me dei con­ta de que a lei­tu­ra de­via ser es­tru­tu­ra­da
co­mo um jo­go. Além dos jo­ga­do­res e das re­gras, o lu­gar on­de ocor­re o
jo­go tam­bém é im­por­tan­te. Não se po­de jo­gar bas­que­te em um cam­po
de fu­te­bol, um ta­bu­lei­ro de xa­drez é di­fe­ren­te de um ta­bu­lei­ro de Ban-­
co Imo­bi­liá­rio. Com­preen­di que a in­ter­pre­ta­ção das car­tas de­pen­dia do
sen­ti­do que se atri­bu­ía a elas an­tes da lei­tu­ra. Con­for­me o “cam­po”, a
es­tra­té­gia, o Ta­rot se tor­na­va di­fe­ren­te, a in­ter­pre­ta­ção das car­tas mu-­
da­va: po­dia, por exem­plo, ser po­si­ti­va ou ne­ga­ti­va. Fi­cou cla­ro pa­ra
mim que pa­ra ob­ter uma lei­tu­ra cor­re­ta, de­via, an­tes de tu­do, de­fi­nir o
pa­pel que os Ar­ca­nos de­sem­pe­nha­vam, em­pre­gan­do es­tra­té­gias adap-­
ta­das às in­ter­ro­ga­ções e ao ní­vel de cons­ciên­cia do con­su­len­te. Por ou-­
tro la­do, o jo­go sen­do qua­se sem­pre um com­ba­te que de­sig­na um ga-­
nha­dor, era tam­bém im­por­tan­te de­fi­nir os jo­ga­do­res, is­to é, o con­su­len-­
te e o lei­tor. Nos jo­gos de com­pe­ti­ção, o ob­je­ti­vo é eli­mi­nar o ad­ver­sá-­
rio, o que equi­va­le a ma­tá-lo de for­ma me­ta­fóri­ca. No jo­go ta­ro­ló­gi­co, o
ob­je­ti­vo é cu­rar o ad­ver­sá­rio, aju­dá-lo a vi­ver.
Es­se tra­ba­lho se re­ve­la­ria di­fícil: o ser hu­ma­no atu­al po­de ser com-­
pa­ra­do a um con­te­ú­do ma­ra­vi­lho­so fe­cha­do den­tro de um con­ti­nen­te
en­fer­mo. Ele tem li­mi­ta­ções que de­fen­de obs­ti­na­da­men­te, pois, em­bo­ra
se­jam do­lo­ro­sas, ele se iden­ti­fi­ca com elas. Des­de a in­fân­cia, seu es­píri-­
to foi po­vo­a­do de idei­as in­sen­sa­tas. Um do­en­te que se re­cu­sa a ad­mi­tir
que seu pen­sa­men­to tem a ca­pa­ci­da­de de cu­rá-lo se tor­na um ad­ver­sá-­
rio co­léri­co di­an­te do ta­ró­lo­go. Ele diz que seu co­ra­ção es­tá va­zio, mas
dis­far­ça que es­tá cheio de ran­cor. Vi­ve iso­la­do dos ou­tros, re­jei­ta os
sen­ti­men­tos su­bli­mes, des­va­lo­ri­za a pró­pria ca­pa­ci­da­de de amar e de
ser ama­do, ini­be sua ca­pa­ci­da­de se­xu­al ou a exa­cer­ba, ao des­pre­zá-la.
Ele per­deu a fé em sua cri­a­ti­vi­da­de, tem ver­go­nha dos pró­prios de­se­jos.
Re­du­ziu sua in­fi­ni­ta ca­pa­ci­da­de de mo­vi­men­tos cor­po­rais a um pe­que-­
no nú­me­ro de ges­tos co­ti­di­a­nos. Sua ri­gi­dez é re­sul­ta­do de pre­con­cei-­
tos im­plan­ta­dos por uma mo­ral que ou­tro­ra foi re­li­gi­o­sa.
O con­su­len­te se sen­te cul­pa­do por seus atos, por seus de­se­jos, por
seus sen­ti­men­tos, por seus pen­sa­men­tos. Es­sa cul­pa­bi­li­da­de lhe per­mi-­
te afir­mar que o que lhe ocor­re é um cas­ti­go jus­to e ne­ces­sá­rio. Ou en-­
tão se de­pre­cia in­ces­san­te­men­te, acre­di­tan­do, por fal­ta de va­lo­res, não
me­re­cer sair do so­fri­men­to. Ou ele jus­ti­fi­ca seus er­ros dan­do ex­pli­ca-­
ções ex­ces­si­vas e às ve­zes en­ge­nho­sas, sem ja­mais fa­zer o es­for­ço de
mu­dar. Ou de­se­ja amar, de­se­ja cri­ar, de­se­ja ou­sar, de­se­ja ima­gi­nar, de-­
se­ja coi­sas sem fim, mer­gu­lha­do na ina­ti­vi­da­de do de­se­jar de­se­jar. Ou
ain­da, com im­po­tên­cia, ele de­se­ja ar­den­te­men­te des­truir o que lhe in-­
co­mo­da, eli­mi­nar aque­les que o ma­chu­ca­ram, vin­gar-se, pa­ra ter­mi­nar
des­tru­in­do a si mes­mo. Ou bem se jo­ga na ati­vi­da­de se­xu­al sem que
nin­guém che­gue a sa­tis­fa­zê-lo com­ple­ta­men­te. Ou pre­ci­sa, co­mo de
uma dro­ga, da no­to­ri­e­da­de e so­fre por não tê-la ou por de­ver su­por­tá-
la, o que faz de­le um sur­do-mu­do psi­co­ló­gi­co que gi­ra do­lo­ro­sa­men­te
em tor­no de si mes­mo. Ou se com­por­ta co­mo um críti­co im­pi­e­do­so, um
juiz per­ma­nen­te, in­ca­paz de re­co­nhe­cer o va­lor dos ou­tros, o que o
obri­ga se com­pa­rar ob­ses­si­va­men­te com os de­mais, re­bai­xan­do-os pa­ra
po­der se as­se­gu­rar de seu pró­prio va­lor. Ou ain­da, por me­do da trans-­
for­ma­ção, ele re­cu­sa in­te­grar no­vos co­nhe­ci­men­tos, adu­la a pró­pria ig-­
no­rân­cia, ne­ga por prin­cí­pio: é aque­la pes­soa do “não” e do “mas”...
Por ou­tro la­do, o con­su­len­te con­ce­be um es­pa­ço ha­bi­tá­vel fun­da­do
so­bre a ideia da pro­pri­e­da­de pri­va­da. Ele foi ha­bi­tu­a­do a vi­ver em um
es­pa­ço re­du­zi­do, com mu­ros re­tos, den­tro de cu­bos. Is­so cri­ou ne­le
uma re­sis­tên­cia di­an­te do in­fi­ni­to. Ele não po­de acei­tar que vi­ve no
cos­mos. Ele con­fun­de lar e pri­são... Con­di­ci­o­na­do pe­los in­te­res­ses po-­
líti­co-eco­nô­mi­cos de sua épo­ca, en­si­nam-lhe que a vi­da é cur­ta. Na Ida-­
de Mé­dia, con­si­de­ra­va-se na­tu­ral mor­rer aos trin­ta anos; no Re­nas­ci-­
men­to, aos qua­ren­ta; no sé­cu­lo XIX, aos ses­sen­ta; ho­je em dia, aos oi-­
ten­ta anos. Al­guns ci­en­tis­tas di­zem que vi­ve­re­mos 120 anos no sé­cu­lo
XXII, mas na re­a­li­da­de nin­guém sa­be a du­ra­ção da vi­da hu­ma­na. Se al-­
guém diz que ela é co­mo a de al­gu­mas ár­vo­res, is­to é, de mais de mil
anos, di­rão que es­te al­guem es­tá lou­co. A so­ci­e­da­de fun­ci­o­na ba­nin­do a
ideia de eter­ni­da­de pa­ra as­so­ci­ar o tem­po ao di­nhei­ro. O ci­da­dão é um
con­su­mi­dor que de­ve ter uma vi­da cur­ta pa­ra que a in­dús­tria fun­ci­o­ne.
Mas na re­a­li­da­de se­rá que so­mos tão efê­me­ros as­sim? Por que não ha-­
ve­rí­a­mos de ter o di­rei­to de vi­ver tan­to quan­to o uni­ver­so? Co­mo dis­se-­
ram ao con­su­len­te: “Vo­cê é ape­nas uma par­te”, é di­fícil pa­ra ele acei­tar
que é o to­do. Ele apren­deu a lu­tar pa­ra de­fen­der sua “in­di­vi­du­a­li­da­de”
bus­can­do po­de­res ego­ís­tas. Vi­ven­do em uma ilha psi­co­ló­gi­ca, ele não se
dá con­ta de que só exis­te uma úni­ca at­mos­fe­ra, que a po­lui­ção no
Méxi­co, em Mum­bai ou Pa­ris en­ve­ne­na o ar de to­do o pla­ne­ta; que as
guer­ras dis­tan­tes, a mi­sé­ria e a ig­no­rân­cia alheia ata­cam sua fe­li­ci­da­de.
O que acon­te­ce no mun­do acon­te­ce a ele tam­bém. Uma cri­se eco­nô­mi-­
ca lá tem re­per­cus­sões aqui, em seu bol­so. Quan­to mai­or é a se­pa­ra­ção
dos ou­tros, me­nor é a cons­ciên­cia. Víti­ma de idei­as abu­si­vas, o con­su-­
len­te ne­ga sua ca­pa­ci­da­de de re­a­li­zar mi­la­gres (en­ten­de­mos aqui “re­a-­
li­zar” co­mo o fa­to de se dar con­ta de que a re­a­li­da­de não se com­por­ta
se­gun­do um mo­de­lo prees­ta­be­le­ci­do, mas de uma ma­nei­ra in­com-­
preen­sí­vel pa­ra uma men­ta­li­da­de pri­si­o­nei­ra de um sis­te­ma ló­gi­co) e,
de­sam­pa­ra­do, pen­sa vi­ver so­zi­nho, sem des­con­fi­ar que o uni­ver­so – “o
in­cons­ci­en­te” – é seu ali­a­do. Acei­tan­do a ideia de que ele não va­le na­da,
ele não se dig­na a me­di­tar pa­ra en­con­trar seu deus in­te­ri­or.

O con­su­len­te con­fun­de a Cons­ciên­cia (o Ser es­sen­ci­al) com o ato


que con­sis­te em to­mar cons­ciên­cia de al­gu­ma coi­sa. A fi­na­li­da­de da
Cons­ciên­cia é vir a ser ela mes­ma pa­ra se ofe­re­cer em se­gui­da à di­vin-­
da­de. Não se po­de tê-la com­ple­ta­men­te: é uma se­men­te que se de­sen-­
vol­ve por mu­ta­ções su­ces­si­vas. Seu pri­mei­ro ní­vel é o ani­mal. O in­di­ví-­
duo só vi­ve pa­ra sa­tis­fa­zer su­as ne­ces­si­da­des ma­te­ri­ais e se­xu­ais. Ele
não do­mi­na seus ins­tin­tos, ig­no­ra o res­pei­to pe­los ou­tros. Ele é agres­si-­
vo por me­do de per­der. Se­gue-se o ní­vel in­fan­til: a pes­soa, não acei­tan-­
do a ve­lhi­ce e a mor­te, vi­ve de ma­nei­ra su­per­fi­ci­al; ela se re­cu­sa a me-
di­tar pa­ra se co­nhe­cer, co­le­ci­o­na ob­je­tos inú­teis e dis­tra­ções, sem ne-
nhum sen­so de res­pon­sa­bi­li­da­de. Mais tar­de se re­ve­la o ní­vel ro­mân­ti-­
co. O in­di­ví­duo não do­mi­na seus sen­ti­men­tos, que o in­va­dem. Eter­no
ado­les­cen­te, ele acre­di­ta que en­con­trar um ho­mem ou uma mu­lher pa-­
ra for­mar um ca­sal é a so­lu­ção da vi­da. In­flu­en­ci­a­do pe­lo ci­ne­ma, pe­la
te­le­vi­são e pe­las re­vis­tas de es­ti­lo..., ele cria um ide­al amo­ro­so que pa-­
re­ce um con­to de fa­das. Is­so faz com que subs­ti­tua o ser pe­lo pa­re­cer. É
pos­sí­vel que de­pois de do­lo­ro­sos fra­cas­sos ele de­sen­vol­va a Cons­ciên-­
cia adul­ta. Nes­se ní­vel, pe­la pri­mei­ra vez, o ou­tro exis­te. A pes­soa, com-­
preen­den­do que em vez de exi­gir de­ve in­ves­tir, tor­nan­do-se res­pon­sá-­
vel por si mes­ma, po­de cair no er­ro ego­ís­ta da se­de de po­der. O que faz
nas­ce­rem ex­plo­ra­do­res, ti­ra­nos, in­dus­tri­ais sem es­crú­pu­los, es­cro­ques
de to­da sor­te. Ego­ís­mo que tem sua an­tí­te­se: pes­so­as que, por se sen­ti-­
rem no­bres, pas­sam o tem­po a aju­dar os ou­tros por pre­gui­ça de aju­da-­
rem a si mes­mas. Se is­so se tor­na, na ver­da­de, uma aju­da pa­ra as pes­so-­
as, abre-se o ní­vel da Cons­ciên­cia so­ci­al. É quan­do que o in­di­ví­duo lu­ta
pe­la fe­li­ci­da­de de to­dos os se­res hu­ma­nos, mas tam­bém pe­la saú­de das
plan­tas, dos ani­mais, do pla­ne­ta. Mais tar­de se abre àCons­ciên­cia
cósmi­ca. No uni­ver­so, na­da acon­te­ce sem mo­vi­men­to e trans­for­ma­ção.
Des­car­tan­do to­do ti­po de hábi­tos e sis­te­mas obs­ti­na­dos que des­va­lo­ri-­
zam a vi­da, a pes­soa res­pon­sá­vel, as­sim co­mo o cos­mos, se aban­do­na a
uma mu­ta­ção cons­tan­te, sa­ben­do que per­ten­ce a um mun­do in­fi­ni­to e
eter­no. Ela emer­ge dos li­mi­tes ge­ra­ci­o­nais e pre­pa­ra o ter­re­no pa­ra o
ad­ven­to do no­vo ser. Por fim, ní­vel que mui­to pou­cos atin­gem, che­ga-se
à Cons­ciên­cia di­vi­na. No cen­tro obs­cu­ro do in­cons­ci­en­te, há um pon­to
bri­lhan­te de lu­ci­dez to­tal, ali­a­do po­de­ro­so que, se bem uti­li­za­do, se ma-­
ni­fes­ta co­mo deus in­te­ri­or ou, se mal uti­li­za­do, co­mo de­mô­nio in­te­ri­or.
Es­se ní­vel é aque­le que co­nhe­cem os gê­nios, os pro­fe­tas e os ma­gos.

Se o ta­ró­lo­go, sem pre­pa­rá-lo an­te­ri­or­men­te, ten­ta con­du­zir o con-­


su­len­te a uma mu­ta­ção que ele­va seu ní­vel de Cons­ciên­cia, ele te­rá a
im­pres­são de que ten­tam ar­ran­car seus den­tes. Pa­ra mu­dar, é pre­ci­so
que­rer mu­dar, sa­ber que se po­de mu­dar e por fim acei­tar as con­se­quên-­
cias da mu­dan­ça.
No mo­men­to de ler as car­tas, o ta­ró­lo­go de­ve ob­ser­var seu con­su-­
len­te co­mo fa­ria um médi­co do cor­po e da al­ma: le­var em con­ta a po­si-­
ção cor­po­ral, a ten­são mus­cu­lar, a es­ta­tu­ra, os pés, a qua­li­da­de e a cor
da pe­le, a ma­nei­ra de res­pi­rar, os pon­tos on­de a voz res­soa; per­ce­ber
em se­gui­da as pre­fe­rên­cias se­xu­ais; se per­gun­tar se a pes­soa ama ou é
ama­da, e tam­bém que ti­po de idei­as ela tem. Tu­do is­so re­sul­ta­rá em um
re­tra­to re­ve­la­dor do ní­vel de Cons­ciên­cia do con­su­len­te. Es­se re­tra­to
de­ve ser ob­ti­do com as mai­o­res pre­cau­ções: po­de ser que a con­sul­ta se-­
ja fei­ta por cu­ri­o­si­da­de su­per­fi­ci­al ou por­que a pes­soa bus­ca não uma
re­ve­la­ção mas um cal­man­te que lhe per­mi­ta su­por­tar sem dor a pró­pria
vi­da. Uma coi­sa é dar, ou­tra é obri­gar a re­ce­ber. Uma lei­tu­ra po­de fa­cil-­
men­te se tor­nar tóxi­ca. É mui­to ten­ta­dor pa­ra o lei­tor “vi­den­te” que ti-­
ra con­clu­sões sub­je­ti­vas so­bre ver­da­des ab­so­lu­tas fa­zer pre­di­ções ca-­
tas­trófi­cas que, ain­da que mo­ti­va­das por um sin­ce­ro de­se­jo de aju­dar,
po­dem en­ve­ne­nar o es­píri­to do con­su­len­te. Nos jor­nais da se­gun­da-fei-­
ra, 20 de ja­nei­ro de 2003, po­dia-se ler: “Mir­cea Te­o­do­ras­cu, ro­me­no de
cin­quen­ta e um anos, re­si­den­te em Ba­cau (les­te da Ro­mê­nia), acre­di­tou
en­con­trar no sui­cí­dio uma so­lu­ção ine­vi­tá­vel. Al­guns di­as an­tes, ele ha-­
via con­sul­ta­do uma vi­den­te que lhe pre­dis­se­ra uma mor­te nos próxi-­
mos di­as: sua ou de seu fi­lho de vin­te e três anos. Quan­do vol­tou pa­ra
ca­sa, Mir­cea Te­o­do­ras­cu, pa­ra ‘sal­var’ o fi­lho, apu­nha­lou-se com uma
gran­de fa­ca de co­zi­nha. Trans­por­ta­do com ur­gên­cia ao hos­pi­tal, ele
mor­reu pou­co de­pois.”
O ta­ró­lo­go, dei­xan­do de la­do a pre­ten­são de adi­vi­nhar o fu­tu­ro, de-­
ve ser ca­paz de se dar con­ta dos mo­ti­vos que o le­vam a ler. Pa­ra ob­ter
um po­der so­bre a vi­da do ou­tro? Pa­ra ga­nhar di­nhei­ro en­ga­nan­do “cli-­
en­tes”? Pa­ra ser ad­mi­ra­do? Pa­ra di­vi­dir as pró­prias an­gús­tias? Pa­ra se-­
du­zir se­xu­al­men­te? Se nos­sa po­si­ção de lei­tor não for cla­ra, a lei­tu­ra
tam­bém não se­rá cla­ra. O Ta­rot, sen­do um con­jun­to de sím­bo­los – obs-­
cu­ros pe­lo fa­to de se­rem ini­ci­áti­cos –, tor­na-se uma lin­gua­gem es­sen­ci-­
al­men­te sub­je­ti­va. O ta­ró­lo­go pre­ci­sa sa­ber que ti­pos de con­te­ú­dos psi-­
co­ló­gi­cos seu in­cons­ci­en­te pro­je­ta so­bre o lei­tor. Nin­guém po­de se ga-­
bar de se co­nhe­cer in­tei­ra­men­te. Só co­nhe­ce­mos de nós mes­mos aqui­lo
que so­mos no mo­men­to em que fa­ze­mos es­sa in­tros­pec­ção, mas o es-­
píri­to, co­mo o uni­ver­so, es­tá sem­pre em ex­pan­são. Uma aten­ção cons-­
tan­te, um se­ve­ro es­ta­do de aler­ta, uma sin­ce­ra acei­ta­ção das pul­sões,
que nos exi­ge que as do­mi­ne­mos e as di­ri­ja­mos pa­ra in­ter­pre­ta­ções ob-­
je­ti­vas, de­vem gui­ar nos­sa lei­tu­ra. É pos­sí­vel que uma con­su­len­te nos
lem­bre de nos­sa mãe, ou ou­tro mem­bro da fa­mí­lia, ou al­guém que na
nos­sa in­fân­cia nos for­çou a al­gu­ma coi­sa de uma ma­nei­ra ou de ou­tra.
Se não ti­ver­mos cons­ciên­cia dis­so, tra­ta­re­mos o con­su­len­te com o mes-­
mo ran­cor com que nos tra­tou quem nos fez al­gum mal. É im­pos­sí­vel
di­zer: “Não fa­rei mais pro­je­ções”, mas é per­fei­ta­men­te pos­sí­vel di­zer:
“Te­rei cons­ciên­cia das mi­nhas pro­je­ções”. Pa­ra is­so, quan­do le­mos o
Ta­rot, de­ve­mos sa­ber co­mo nos sen­ti­mos. Ver se o con­su­len­te nos pa­re-­
ce sim­páti­co ou an­ti­páti­co, se nos dá me­do, se nos atrai se­xu­al­men­te, se
o ad­mi­ra­mos, se o jul­ga­mos sem pe­na. Um dos mai­o­res pe­ri­gos da lei-­
tu­ra é que o lei­tor jul­gue mo­ral­men­te seu con­su­len­te. Pois, em fran­cês,
“le ju­ge ment”2 (Ar­ca­no XX).
Co­mo ler sem ma­ni­pu­lar, sem di­ri­gir, sem se fa­zer de mes­tre?
Pa­ra não cair em tais er­ros, eu me pro­pus a ja­mais dar con­se­lhos,
mas es­tru­tu­rar a lei­tu­ra de ma­nei­ra que a so­lu­ção ve­nha do con­su­len­te.
Pa­ra che­gar lá, apoi­ei-me em meus es­tu­dos de análi­se dos so­nhos: o
psi­ca­na­lis­ta não de­ve ex­pli­car ao pa­ci­en­te o sen­ti­do dos sím­bo­los oníri-­
cos. Is­so equi­va­le­ria a fa­zer o pa­pel de mãe e pai e mer­gu­lhar seu cli­en-­
te em uma in­fân­cia per­sis­ten­te. O pa­ci­en­te de­ve pe­ne­trar por si mes­mo
nas men­sa­gens que lhe en­via seu in­cons­ci­en­te. O ana­lis­ta po­de apre-­
sen­tar di­fe­ren­tes so­lu­ções. O con­su­len­te de­ve es­co­lher o ca­mi­nho que
lhe con­vém.
Com es­sa fi­na­li­da­de, o lei­tor de­ve ob­ser­var uma neu­tra­li­da­de per-­
fei­ta, es­que­cen­do-se, em in­ten­sa do­a­ção de si mes­mo, dos pró­prios de-­
se­jos, sen­ti­men­tos e opi­ni­ões. Se ele che­gar aí, trans­for­ma­do em “ho-­
mem in­vi­sí­vel”, quem es­tá len­do o Ta­rot? Fa­zen­do uso de uma me­tá­fo-­
ra, di­go que é um es­pe­lho. Na pu­re­za do nos­so es­píri­to se re­fle­te o ní­vel
de Cons­ciên­cia do con­su­len­te. Na li­gua­gem que é a sua (se for uma cri-
an­ça, por exem­plo, usa­mos uma lin­gua­gem in­fan­til), to­man­do a apa-­
rên­cia do ou­tro, nós ob­te­mos que atra­vés da nos­sa va­cui­da­de, atra­vés
de nos­sos ges­tos e de nos­sas pa­la­vras, o con­su­len­te lê ele mes­mo o Ta-­
rot. A lei­tu­ra apor­ta­rá uma res­pos­ta que cor­res­pon­de­rá ao mun­do do
ou­tro, não ao nos­so. Nos­sas so­lu­ções não são as so­lu­ções de­le. Se a pes-­
soa não con­cor­da com nos­sa lei­tu­ra, não ten­ta­mos per­su­a­di-la: em se
tra­tan­do da pró­pria exis­tên­cia, é pre­ci­so sem­pre lhe dar ra­zão. Na re­a-­
li­da­de, o in­cons­ci­en­te é nos­so ali­a­do. Se ele se re­cu­sa a nos re­ve­lar um
se­gre­do, é por­que ain­da não es­ta­mos pre­pa­ra­dos. Ja­mais se de­ve for­çar
sua re­ve­la­ção. De­ve­mos ob­tê-la com a mai­or pru­dên­cia.
Fa­la­mos não ape­nas das pa­la­vras do ta­ró­lo­go, mas tam­bém de seus
ges­tos. Pa­ra em­pre­gá-los bem, de­ve­mos an­tes de tu­do fi­xar a po­si­ção
do con­su­len­te: de fren­te pa­ra nós? Ao nos­so la­do? À nos­sa fren­te, de
cos­tas pa­ra nós, pa­ra que co­mo uma som­bra gui­e­mos sua lei­tu­ra? Es­sa
es­co­lha ca­be ao ta­ró­lo­go. Fren­te a fren­te, é a fas­ci­na­ção (pe­ri­go de to-­
ma­da do po­der: o con­su­len­te po­de se sub­me­ter co­mo uma cri­an­ça). La-­
do a la­do, é uma tro­ca emo­ci­o­nal (pe­ri­go de trans­fe­rên­cia in­ces­tuo­sa: o
con­su­len­te po­de ten­tar nos en­vol­ver em uma sim­bi­o­se). De cos­tas, co-­
mo uma som­bra (pe­ri­go de dei­fi­ca­ção: o con­su­len­te po­de nos con­fun-­
dir com um ma­go to­do-po­de­ro­so). To­das as po­si­ções são úteis, mas to-­
das con­têm ris­cos. Um ges­to equi­vo­ca­do ou mui­to brus­co, in­sis­ten­te ou
de­sor­de­na­do, po­de des­lo­car a com­preen­são do con­su­len­te e mi­nar sua
con­fi­an­ça...
Ti­ve a sor­te de as­sis­tir em Kyo­to, no Ja­pão, a uma ce­ri­mô­nia do chá
ce­le­bra­da por um mes­tre. Tan­ta cons­ciên­cia de ca­da ges­to da pre­pa­ra-­
ção de uma “sim­ples” ta­ça de chá, ta­ma­nha hu­ma­ni­da­de, ta­ma­nha be-­
le­za, tal eco­no­mia de mo­vi­men­tos me mar­ca­ram pa­ra sem­pre. Eu me
pro­pus a con­se­guir co­lo­car em práti­ca os ges­tos da lei­tu­ra do Ta­rot
com a per­fei­ção e a hu­mil­da­de de uma ce­ri­mô­nia do chá do zen.
Pa­ra que ele em­ba­ra­lhe, da­mos ao con­su­len­te o ma­ço de car­tas com
um ges­to pre­ci­so e me­di­do, dei­xan­do o ma­ço nem mui­to per­to de nós,
nem mui­to per­to de­le. A me­ta­de do per­cur­so (a ofer­ta) de­ve ser fei­ta
pe­lo ta­ró­lo­go. A ou­tra me­ta­de do ges­to de­ve ser fei­ta pe­lo con­su­len­te
(re­cep­ção ati­va). En­quan­to a pes­soa em­ba­ra­lha as car­tas, o lei­tor fi­ca
imó­vel, se­re­na­men­te. A voz que ele em­pre­ga não de­ve res­so­ar no crâ-­
nio, mas no pei­to, uma voz su­a­ve, a voz que usa­mos pa­ra fa­lar com uma
cri­an­ça, vin­da do co­ra­ção, não do in­te­lec­to. É um tom de bon­da­de, mui-­
to di­fícil de ob­ter... Pa­ra che­gar aí, o ta­ró­lo­go de­ve se apro­xi­mar de um
es­ta­do de san­ti­da­de... Não fa­lo do as­pec­to ex­te­ri­or, es­te­re­o­ti­pa­do de
um san­to de al­ma­na­que, mas de um sen­ti­men­to ver­da­dei­ro, po­éti­co e
su­bli­me. Di­ver­sas re­li­gi­ões do­mi­na­ram o con­cei­to de san­ti­da­de, dan­do-
lhe sig­ni­fi­ca­dos que o li­mi­tam. En­tre es­ses li­mi­tes, exis­te a ne­ga­ção da
se­xu­a­li­da­de, da re­pro­du­ção, da fa­mí­lia, con­ju­ga­da à exal­ta­ção do mar­tí-­
rio, à re­jei­ção do mun­do re­al por um além míti­co. Fa­la-se de san­tos ca-­
tóli­cos, mu­çul­ma­nos, bu­dis­tas, ju­dai­cos (os jus­tos) etc., mas não se con-­
ce­be uma san­ti­da­de ci­da­dã. O ci­da­dão san­to po­de amar um ser do se­xo
opos­to, ter fi­lhos, for­mar uma fa­mí­lia, le­var uma vi­da sa­dia, não per­ten-­
cer a sei­tas, não ado­tar dou­tri­nas di­ta­das por um deus com fi­gu­ra e no-­
me, e pra­ti­car uma mo­ral que não se­ja fun­da­da so­bre as in­ter­di­ções
mas so­bre o con­cei­to de atos úteis pa­ra a hu­ma­ni­da­de. O lei­tor do Ta-­
rot, se não é um san­to, de­ve imi­tar a san­ti­da­de. Em al­gu­mas cul­tu­ras
ori­en­tais, pa­pa­gai­os, ma­ca­cos e cães são des­cri­tos co­mo ani­mais sa­gra-­
dos que re­pre­sen­tam o ego in­di­vi­du­al, pois são ca­pa­zes de imi­tar seus
do­nos.
Co­mo apren­der a imi­tar um san­to? A san­ti­da­de não é ina­ta, nem
tam­pou­co é um dom vin­do do ex­te­ri­or, mas é ob­ti­da pou­co a pou­co. Pa-­
ra ser for­te nas gran­des coi­sas, é pre­ci­so sê-lo nas pe­que­nas, no co­ti­di­a-­
no, dan­do sem es­pe­rar na­da em tro­ca, nem agra­de­ci­men­to, nem di­nhei-­
ro, nem ad­mi­ra­ção, nem sub­mis­são... Sem nos com­pa­rar­mos, sem ri­va-­
li­zar­mos, acei­tan­do com hu­mil­da­de os va­lo­res dos ou­tros. Não co­lo­can-­
do nos­so pon­to de vis­ta co­mo uni­da­de de me­di­da do mun­do, acei­tan­do
de bom gra­do as di­fe­ren­ças. Apren­den­do, en­tre mui­tas ou­tras coi­sas, a
con­cen­trar nos­sa aten­ção, a con­tro­lar du­ran­te a lei­tu­ra nos­so pen­sa-­
men­to, nos­so de­se­jo, nos­sas emo­ções; a ven­cer nos­sa pre­gui­ça, a ter­mi-­
nar sem­pre aqui­lo que co­me­ça­mos, a não fi­car­mos ner­vo­sos se o con­su-­
len­te re­cu­sa a to­ma­da de Cons­ciên­cia, a fa­zer o me­lhor pos­sí­vel na­qui-­
lo que es­ta­mos fa­zen­do, a eli­mi­nar ví­cios e ma­ni­as, a re­a­li­zar atos de
ge­ne­ro­si­da­de sem tes­te­mu­nhas, a pu­ri­fi­car o es­píri­to eli­mi­nan­do in­te-­
res­ses su­pér­fluos sem cair em uma au­to­críti­ca ex­ces­si­va nem na au­to-­
in­dul­gên­cia, a agra­de­cer cons­ci­en­te­men­te ca­da dádi­va, a me­di­tar, a re-­
zar pa­ra o deus in­te­ri­or, a con­tem­plar, a con­ver­sar so­zi­nho so­bre te­mas
pro­fun­dos, a de­sen­vol­ver os sen­ti­dos, a pa­rar de fi­car se de­fi­nin­do a si
mes­mo, a sa­ber es­cu­tar, a não men­tir pa­ra os ou­tros e nem pa­ra si mes-­
mo, a não nos com­pra­zer­mos com a dor ou com a an­gús­tia, a aju­dar o
próxi­mo sem tor­ná-lo de­pen­den­te, a não que­rer­mos mais ser imi­ta­dos,
e em­pre­gar o tem­po de ma­nei­ra lúci­da, a fa­zer pla­nos de tra­ba­lho e a
re­a­li­zá-los, a não ocu­par mui­to es­pa­ço, a não di­la­pi­dar, a não fa­zer ba-­
ru­lhos inú­teis, a não co­mer ali­men­tos in­sa­lu­bres só pe­lo pró­prio pra-­
zer, a res­pon­der da ma­nei­ra mais ho­nes­ta pos­sí­vel ca­da per­gun­ta, a
ven­cer o me­do da exis­tên­cia e da mor­te, a não vi­ver ape­nas no aqui e
no ago­ra mas tam­bém no al­gu­res, no além e no de­pois, a não aban­do­nar
ja­mais as cri­an­ças e ve­lar por elas des­de a in­fân­cia, a não ser do­no de
na­da nem de nin­guém, a di­vi­dir igual­men­te, a não nos en­fei­tar­mos com
rou­pas e ob­je­tos por vai­da­de, a não en­ga­nar, a dor­mir o es­tri­ta­men­te
ne­ces­sá­rio, a não se­guir as mo­das, a não nos pros­ti­tuir, a res­pei­tar es-­
cru­pu­lo­sa­men­te to­do con­tra­to as­si­na­do e to­da pro­mes­sa fei­ta, a ser
pon­tu­al, a não in­ve­jar o su­ces­so alheio, a fa­lar so­men­te o que for pre­ci-­
so, a não pen­sar nos be­ne­fí­cios de uma obra, mas a amar a obra por si
mes­ma, a ja­mais ame­a­çar ou mal­di­zer, a nos co­lo­car no lu­gar do ou­tro,
a fa­zer de ca­da ins­tan­te um mes­tre, a de­se­jar e ad­mi­tir que os fi­lhos nos
su­pe­rem, a en­si­nar os con­su­len­tes a apren­de­rem por si mes­mos, a ven-­
cer o or­gu­lho trans­for­man­do-o em dig­ni­da­de, a có­le­ra em cri­a­ti­vi­da­de,
a ava­re­za em sa­be­do­ria, a in­ve­ja em ad­mi­ra­ção pe­la be­le­za, o ódio em
ge­ne­ro­si­da­de, a fal­ta de fé em amor uni­ver­sal; a não aplau­dir a si mes-­
mo e nem se in­sul­tar, a não se quei­xar, a não dar or­dens por pra­zer de
nos ver­mos sen­do obe­de­ci­dos, a não con­trair dívi­das, a ja­mais fa­lar mal
de al­guém, a não con­ser­var ob­je­tos inú­teis e, so­bre­tu­do, a ja­mais agir
por in­te­res­se pró­prio, mas em no­me do deus in­te­ri­or.
A lei­tu­ra de car­tas, nes­sa épo­ca, es­ta­va nas mãos dos adi­vi­nhos e
adi­vi­nhas, que uti­li­za­vam o Ta­rot não co­mo lin­gua­gem, mas co­mo ins-­
tru­men­to de vi­dên­cia, co­mo um pên­du­lo ou uma bo­la de cris­tal. Não li-­
am os Ar­ca­nos, mas es­pe­ra­vam que os Ar­ca­nos lhes pro­vo­cas­sem
“flashes”, que em se­gui­da in­ter­pre­ta­vam se­gun­do os pró­prios ca­pri-­
chos.
Eu me lem­bro dos meus en­con­tros em Pa­ris com ma­da­me Ro­bin,
uma cé­le­bre vi­den­te que ob­ti­ve­ra no­to­ri­e­da­de gra­ças à pu­bli­ca­ção de
um Ta­rot de bol­so (ape­nas os 22 Ar­ca­nos mai­o­res) com ex­pli­ca­ções
mui­to sim­ples na ba­se de ca­da re­tân­gu­lo. Ex­pli­ca­ções que li­mi­ta­vam
evi­den­te­men­te o po­der pro­je­ti­vo das car­tas, re­du­zin­do-as a coi­sas co-­
mo: “É is­so e ape­nas is­so que es­te Ar­ca­no en­cer­ra”. A se­nho­ra, in­tri­ga-­
da com meu fil­me A Mon­ta­nha Sa­gra­da, quis me co­nhe­cer. Quan­do en-­
trei em seu apar­ta­men­to, es­pe­ran­do ali en­con­trar um tem­plo, me vi
den­tro de um tou­ca­dor de uma co­que­te. A vi­den­te, na ca­sa dos cin-­
quen­ta anos, mi­ú­da, ro­li­ça, de pe­nho­ar cor de ro­sa, es­ta­va sen­ta­da em
uma pol­tro­na ma­cia. A seus pés, dois ho­mens de as­pec­to po­pu­lar, ajo­e-­
lha­dos e com ex­pres­são de­vo­ta, cor­ta­vam-lhe as unhas, en­quan­to ela
apa­ra­va as unhas de uma ga­ta. Uma me­sa ofe­re­cia di­ver­sos pra­tos, de
quei­jos, sa­la­das, pas­tas, fru­tas e bons vi­nhos. Os cli­en­tes, em ou­tra sa­la,
es­pe­ra­vam pa­ci­en­te­men­te que a si­bi­la ter­mi­nas­se o jan­tar. O que ela
fez acom­pa­nha­da por nós três, de­vo­ran­do gu­lo­sa­men­te uma quan­ti­da-­
de in­crí­vel de ali­men­tos. Fo­fo­cas de ci­ne­ma lhe in­te­res­sa­ram mui­to
mais que mi­nhas idei­as so­bre o Ta­rot. Ela me con­ce­deu a hon­ra de as-­
sis­tir a su­as con­sul­tas. Ma­da­me Ro­bin só co­nhe­cia os no­mes e os nú­me-­
ros das car­tas. Os de­ta­lhes nun­ca lhe ha­vi­am cha­ma­do a aten­ção. Ela
usa­va o Ta­rot co­mo um ele­men­to des­ti­na­do a im­pres­si­o­nar seus cli­en-­
tes, em­ba­ra­lhan­do-o com ar de ma­ga e ti­ran­do car­tas sem ne­nhu­ma es-­
tra­té­gia de lei­tu­ra, dei­xan­do vir aos lá­bios o que lhe pas­sas­se na ca­be­ça.
Uma es­pécie de de­lí­rio for­ça­do pa­ra en­cher de pre­vi­sões des­co­ne­xas o
tem­po da con­sul­ta. An­tes de co­me­çar, ela per­gun­ta­va ao cli­en­te o lo­cal
e a da­ta de nas­ci­men­to. Em se­gui­da, pas­sa­va a uma su­ces­são de pre­vi-­
sões dis­pa­ra­ta­das, a mai­or par­te de­las fa­zen­do re­fe­rên­cia a amo­res, tra-­
ba­lho e saú­de, mes­cla­das a san­di­ces as­tro­ló­gi­cas. A ca­da vez que pre­via
um aci­den­te, uma per­na que­bra­da, uma fe­ri­da, um fu­rún­cu­lo do­lo­ro­so,
um pro­ble­ma ju­rídi­co, ela pis­ca­va um olho pa­ra mim, dan­do a en­ten­der
que aqui­lo iria im­pres­si­o­nar o cli­en­te. Es­se pe­que­no sa­dis­mo, agre­ga­do
a uma série de su­ces­sos fu­tu­ros – “Um mar de ro­sas”, “Seus pro­ble­mas
es­tão re­sol­vi­dos”, “Vo­cê re­ce­be­rá uma ex­ce­len­te pro­pos­ta de tra­ba­lho”,
“Vo­cê vai ga­nhar um pro­ces­so na jus­ti­ça”, “Vo­cê se ca­sa­rá com um ho-­
mem ri­co”, “Eu ve­jo vo­cê na ca­sa dos seus so­nhos” – ti­nha por ob­je­ti­vo
cri­ar cli­en­tes de­pen­den­tes que vi­es­sem con­sul­tá-la re­gu­lar­men­te. Es­sa
ma­nei­ra mons­truo­sa e co­mer­ci­al de uti­li­zar o Ta­rot não era ape­nas cul-­
pa de Ma­da­me Ro­bin; seu pú­bli­co, su­pers­ti­ci­o­so, exi­gia de­la es­se ti­po
de coi­sa... Eles es­ta­vam an­si­o­sos pa­ra co­nhe­cer o fu­tu­ro, pa­ra se sen­ti-­
rem im­por­tan­tes por ad­qui­ri­rem um des­ti­no a um pre­ço aces­sí­vel. A si-­
bi­lia sim­ples­men­te lhes da­va aqui­lo que, de ma­nei­ra in­cons­ci­en­te, eles
que­ri­am ima­gi­nar.

Eu, por mi­nha vez, as­pi­ra­va a uma lei­tu­ra ver­da­dei­ra do Ta­rot, que
le­vas­se em con­ta mi­nhas pro­je­ções e as do con­su­len­te, fun­da­da so­bre a
vi­são dos de­ta­lhes das car­tas. Um Ar­ca­no era uma no­ta; dois, um duo;
três, um acor­de; mais de três, uma fra­se mu­si­cal. Du­ran­te dois anos,
pas­sei meus fi­nais de se­ma­na len­do Ta­rot pa­ra pes­so­as do­en­tes, de­pois,
pou­co a pou­co, pa­ra pa­ci­en­tes de psi­ca­na­lis­tas, de os­te­o­pa­tas e di­ver­sos
te­ra­peu­tas in­te­res­sa­dos pe­la ex­pe­riên­cia. Per­ce­bi, tra­ba­lhan­do com
elas, que as an­ti­gas for­mas de lei­tu­ra do Ta­rot re­co­pi­a­das nos tra­ta­dos
“tra­di­ci­o­nais” não me ser­vi­am. Elas fo­ram cons­ti­tu­í­das pa­ra pre­di­zer o
fu­tu­ro, o que me pa­re­cia, con­for­me já dis­se, al­go in­fan­til e de­so­nes­to.
Pre­di­zer que as coi­sas po­dem acon­te­cer faz com que elas acon­te­çam: o
cé­re­bro tem a ten­dên­cia de re­a­li­zar au­to­ma­ti­ca­men­te as pre­di­ções. Eu
pre­ci­sa­va de um sis­te­ma que me per­mi­tis­se ler o pre­sen­te, um pre­sen­te
no qual a do­en­ça re­pre­sen­tas­se um pas­sa­do que não se con­se­guia des-­
fa­zer. Nes­sa pes­qui­sa, co­me­cei a uti­li­zar o Ta­rot co­mo um tes­te psi­co-­
ló­gi­co, ins­pi­ra­do no tes­te de Rors­cha­ch, e mais tar­de em ou­tras for­mas,
que tra­zem pa­ra o pre­sen­te ele­men­tos do in­cons­ci­en­te do pa­ci­en­te. Ba-­
ti­zei es­sa ati­vi­da­de de “ta­ro­lo­gia”. O ta­ró­lo­go lê o pre­sen­te, que é aqui­lo
que o con­su­len­te re­al­men­te não co­nhe­ce, mes­mo que o con­su­len­te es-­
te­ja em bus­ca de in­for­ma­ções so­bre o que ele acre­di­ta que vá ser o seu
fu­tu­ro. Na ba­se de to­do pro­ble­ma, de to­da do­en­ça, há uma fal­ta de
cons­ciên­cia dos ras­tros do pas­sa­do e das pos­si­bi­li­da­des do fu­tu­ro.
En­quan­to ta­ró­lo­go, co­me­cei a dar cur­sos, ofi­ci­nas, e pou­co a pou­co
a in­for­ma­ção se es­pa­lhou – meus an­ti­gos alu­nos che­gam aos mi­lha­res
por to­do o mun­do –, mes­mo que o ter­mo ta­ro­lo­gia, de­pois de uma vo­ga
ines­pe­ra­da, te­nha de­pois ser­vi­do pa­ra de­sig­nar práti­cas que não têm
mais re­la­ção com es­sa con­cep­ção do Ta­rot. Eu inau­gu­rei es­sa in­fe­liz
práti­ca do Ta­rot por te­le­fo­ne, com a qual tan­tos char­la­tães lu­cram ho­je
em dia. Quan­do eu a pra­ti­ca­va, na épo­ca das pri­mei­ras rá­dios li­vres na
Fran­ça, de­se­ja­va le­var a bom ter­mo uma ex­pe­riên­cia: se­ria pos­sí­vel ler
o Ta­rot sem co­nhe­cer na­da do con­su­len­te além da voz? Mi­nha te­se era
que a pes­soa in­tei­ra es­ta­va con­ti­da na voz, e que ela po­dia apor­tar ao
meu in­cons­ci­en­te co­nhe­ci­men­tos so­bre o con­su­len­te que o Ta­rot fa­ria
aflo­rar cau­da­lo­sa­men­te. Sen­tei di­an­te do com­pu­ta­dor, em­ba­ra­lhei as
car­tas e pe­di que o con­su­len­te me dis­ses­se três nú­me­ros de 1 a 22, fa-­
zen­do uma per­gun­ta. O te­le­fo­ne não pa­rou mais de to­car, fo­ram en­tre
du­as mil e três mil cha­ma­das na­que­la ses­são, de­vo ter li­do até às cin­co
ho­ras da ma­nhã; foi uma re­vo­lu­ção. In­fe­liz­men­te, o as­pec­to co­mer­ci­al
foi tão atra­en­te, in­clu­si­ve pe­lo ano­ni­ma­to, que es­sa práti­ca se es­pa­lhou
e se de­gra­dou con­si­de­ra­vel­men­te.
Quan­do eu vi aque­les co­mer­ci­an­tes ex­plo­ran­do a in­ge­nui­da­de do
pú­bli­co, mas tam­bém tra­tan­do seus em­pre­ga­dos “ta­ró­lo­gos” co­mo es-­
cra­vos, a mai­o­ria es­tu­dan­tes po­bres, pes­so­as sem pro­fis­são e sem ne-­
nhum pre­pa­ro te­ra­pêu­ti­co, to­mei cons­ciên­cia de que de­via apro­fun­dar
não ape­nas a sim­bo­lo­gia do Ta­rot, mas tam­bém a de­on­to­lo­gia da lei­tu-­
ra.
Pa­ra a mai­or au­ten­ti­ci­da­de da lei­tu­ra, is­to é, pa­ra que ela se­ja o me-­
nos pos­sí­vel uma pro­je­ção dos pro­ble­mas do lei­tor, de sua mo­ral pes­so-­
al ou de su­as con­cep­ções in­te­lec­tu­ais, sem­pre er­rô­neas quan­do se tra­ta
de sen­ti­men­tos e de de­se­jos, o ta­ró­lo­go de­ve fa­zê-la em tran­se, mas
con­tra­ri­a­men­te ao que se cos­tu­ma pen­sar, o tran­se não é um es­ta­do de
in­cons­ciên­cia ou de ir­ra­ci­o­na­li­da­de. O tran­se co­me­ça com a exa­cer­ba-
ção da aten­ção e vi­sa abo­lir a re­a­li­da­de es­pec­ta­dor/ator. A pes­soa em
tran­se não fi­ca se ob­ser­van­do a si mes­ma, ela se dis­sol­ve em si mes­ma.
É um ator em es­ta­do pu­ro. “Ator” de­ve ser en­ten­di­do não co­mo o co-­
me­di­an­te em ce­na, mas co­mo en­ti­da­de em ação. Por es­se mo­ti­vo, por
exem­plo, o tran­se não per­mi­te o re­gis­tro na me­mó­ria das pa­la­vras, fei-­
tos, atos re­a­li­za­dos. Pe­lo mes­mo mo­ti­vo, o tran­se po­de su­por uma per-­
da da no­ção do tem­po. Ge­ral­men­te, uti­li­za­mos a po­si­ção ra­ci­o­nal pa­ra
afas­tar as ou­tras for­ças vi­vas, as ou­tras ener­gi­as. Na vi­da co­ti­di­a­na, o
ra­ci­o­nal é ti­do co­mo uma ilha. No tran­se, o ra­ci­o­nal não de­sa­pa­re­ce,
mas a pai­sa­gem au­men­ta. A ilha vê que há pon­tes com o in­cons­ci­en­te.
O tran­se é um es­ta­do de su­per­cons­ciên­cia. No tran­se, não há atos fa-­
lhos nem aci­den­tes. Não se tem a con­cep­ção do es­pa­ço, pois nos tor­na-­
mos o es­pa­ço. Não se tem a con­cep­ção do tem­po, por­que so­mos o fe­nô-­
me­no que ocor­re. É um es­ta­do de pre­sen­ça ex­tre­ma em ca­da ges­to, to-­
das as ações são per­fei­tas. Não te­mos co­mo nos en­ga­nar, pois não exis­te
pla­no nem in­ten­ção. Só exis­te a ação pu­ra no pre­sen­te. No tran­se, o ra-­
ci­o­nal não tem me­do de li­be­rar o ins­tin­to, pri­mi­ti­vo que se­ja, mas se
une a ele. Ele se une à for­ça cri­a­do­ra ines­go­tá­vel de sua se­xu­a­li­da­de.
Ele vi­ve o cor­po não mais co­mo um con­cei­to do pas­sa­do, mas co­mo a
re­a­li­da­de sub­je­ti­va vi­bran­te do pre­sen­te. O cor­po não se me­xe mais co-­
man­da­do pe­las for­ças ra­ci­o­nais, ele é di­ri­gi­do por for­ças que per­ten-­
cem a ou­tras di­men­sões. Po­de­rí­a­mos di­zer que os mo­vi­men­tos são di-­
ta­dos pe­la co­le­ti­vi­da­de, ou pe­la to­ta­li­da­de da re­a­li­da­de. Um ani­mal nu-­
ma jau­la tem mo­vi­men­tos com­pa­rá­veis à po­si­ção ra­ci­o­nal. O mo­vi­men-­
to em li­ber­da­de de um ani­mal na flo­res­ta é com­pa­rá­vel ao tran­se. O
ani­mal na jau­la de­ve ser ali­men­ta­do se­gun­do ho­rá­rios fi­xos. O ra­ci­o­nal
de­ve re­ce­ber, pa­ra agir, pa­la­vras. O ani­mal sel­va­gem se ali­men­ta so­zi-­
nho e não se en­ga­na com aqui­lo que co­me. O ser em tran­se não age
mais mo­vi­do por aqui­lo que apren­deu, mas por aqui­lo que ele é... En-­
trar em tran­se len­do Ta­rot não sig­ni­fi­ca “ver tu­do”. O ta­ró­lo­go se con-­
cen­tra e “vê” uma úni­ca coi­sa: aqui­lo que de­ve ver e na­da mais. Nes­se
ca­so, o tran­se não é uma om­ni­vi­são, mas, mui­to pe­lo con­trá­rio, uma
con­cen­tra­ção agu­da da aten­ção so­bre um de­ta­lhe que, cer­ta­men­te, es­tá
es­con­di­do da cons­ciên­cia co­ti­di­a­na.
Pa­ra co­me­çar

Es­ta par­te tem por ob­je­ti­vo nos fa­mi­li­a­ri­zar com a lei­tu­ra do Ta­rot.
Mais do que ex­por ra­pi­da­men­te al­gu­mas es­tra­té­gias de lei­tu­ra, qui­se-­
mos apro­fun­dar es­ta ar­te e apre­sen­tar nu­me­ro­sos exem­plos que ilus-­
tram di­ver­sas for­mas de lei­tu­ras. Em vez de atri­buir a ca­da car­ta uma
úni­ca fun­ção, e in­ter­pre­tar as car­tas es­co­lhi­das co­mo uma série de sen-­
ten­ças, po­de­mos tra­tar o Ta­rot co­mo uma lin­gua­gem em que dois a
dois, de­pois três a três, e de­pois ca­da vez com mais e mais car­tas, elas
se res­pon­dem co­mo ins­tru­men­tos de uma or­ques­tra.
As re­gras de ori­en­ta­ção que apre­sen­ta­mos na pri­mei­ra par­te des­te
li­vro se­rão pre­ci­o­sas pa­ra es­tru­tu­rar a lei­tu­ra. Por exem­plo, se­rá útil
lem­brar que o Ta­rot co­lo­ca o re­cep­ti­vo (fe­mi­ni­no) à es­quer­da do lei­tor
e o ati­vo (mas­cu­li­no) à di­rei­ta. Se­guin­do a or­dem de lei­tu­ra no al­fa­be­to
la­ti­no, o es­pa­ço à es­quer­da das car­tas re­pre­sen­ta­rá mais fre­quen­te­men-­
te o lu­gar de on­de se vem, o pas­sa­do, e o es­pa­ço à di­rei­ta das car­tas, o
lu­gar aon­de se vai.
Apre­sen­ta­re­mos pri­mei­ro as práti­cas de lei­tu­ra com uma ou du­as
car­tas, que ser­vem so­bre­tu­do pa­ra nos fa­mi­li­a­ri­zar co­ti­di­a­na­men­te
com os Ar­ca­nos, e a apren­der a fa­zê-los res­so­ar en­tre eles. Um lon­go
ca­pí­tu­lo se­rá, en­tão, con­sa­gra­do à lei­tu­ra de três car­tas, con­si­de­ra­das a
“fra­se” de ba­se da lin­gua­gem do Ta­rot.
De­pois apre­sen­ta­re­mos al­gu­mas es­tra­té­gias de lei­tu­ra com mais de
três car­tas, que po­dem ser de­sen­vol­vi­das até que se pos­sa ler, se as­sim o
de­se­jar­mos, a to­ta­li­da­de dos 22 Ar­ca­nos mai­o­res.
Acres­cen­te­mos que vo­lun­ta­ri­a­men­te mes­cla­mos, nos exem­plos que
apre­sen­ta­mos, ní­veis de lei­tu­ra mui­to va­ri­a­dos. Na ver­da­de, o Ta­rot po-­
de ser­vir pa­ra ex­plo­rar ques­tões mui­to con­cre­tas, as­sim co­mo pa­ra ex-­
plo­rar a pro­fun­de­zas da al­ma, pa­ra des­fa­zer pro­ble­mas psi­co­ló­gi­cos...
ide­al­men­te, um lei­tor de Ta­rot de­ve­ria po­der se adap­tar à ques­tão co­lo-­
ca­da, à lin­gua­gem, à ida­de do con­su­len­te, e lhe res­pon­der nos ter­mos
mais apro­pri­a­dos à per­gun­ta. Po­de­mos con­si­de­rar que nos­sa fun­ção,
co­mo ta­ró­lo­gos, con­sis­te em tra­du­zir uma men­sa­gem vin­da do in­cons-­
ci­en­te da pes­soa, e lhe fa­zer com­preen­der de uma ma­nei­ra que ela pos-­
sa usar na vi­da co­ti­di­a­na e apli­car às su­as pre­o­cu­pa­ções mais vi­tais. A
lei­tu­ra de­ve ser fei­ta no ní­vel em que a pes­soa se en­con­tra: o ta­ró­lo­go
não de­ve em ne­nhum mo­men­to se co­lo­car co­mo um per­so­na­gem su­pe-­
ri­or. Tra­ta-se de se co­lo­car a ser­vi­ço do con­su­len­te pa­ra lhe ser útil.
Nos­so úni­co po­der é de aju­dar, se nos pe­di­rem aju­da.
Além dis­so, não da­mos ne­nhum exem­plo de lei­tu­ra com car­tas in-­
ver­ti­das. É uma es­co­lha cons­ci­en­te: uti­li­zar car­tas vi­ra­das de pon­ta-ca-­
be­ça equi­va­le­ria a in­te­grar as po­ten­ci­a­li­da­des ne­ga­ti­vas à lei­tu­ra.
Quan­do se le­em car­tas vi­ra­das as­sim, avan­ça­mos no ne­ga­ti­vo e pas­sa-­
mos a cri­ar ne­ga­ti­vi­da­de in­ces­san­te­men­te. É fácil ler qual­quer atro­ci-­
da­de em qual­quer car­ta, mas de que adi­an­ta is­so? Não foi es­sa nos­sa es-­
co­lha.
Por fim, de­mos mui­tas pis­tas pa­ra que os as­pi­ran­tes a ta­ró­lo­gos pos-­
sam ler o Ta­rot pa­ra si mes­mos. Na ver­da­de, a práti­ca da lei­tu­ra pa­ra si
mes­mo é um dos me­lho­res mei­os de apro­fun­dar o Ta­rot. É ao mes­mo
tem­po a coi­sa mais fácil (bas­ta ter um Ta­rot) e a coi­sa mais di­fícil do
mun­do (ser ao mes­mo tem­po con­su­len­te e lei­tor, en­fren­tan­do as pró-­
prias re­sis­tên­cias). Mas é tam­bém uma es­co­la for­mi­dá­vel de apro­fun-­
da­men­to e de hu­mil­da­de que nos per­mi­te en­trar em con­ta­to com nos-­
sas de­fe­sas.
Na práti­ca da lei­tu­ra, to­do ta­ró­lo­go des­co­bri­rá pou­co a pou­co que
sua in­tui­ção se de­sen­vol­ve. Uma lei­tu­ra in­tei­ra emer­gi­rá às ve­zes, com
uma per­ti­nên­cia to­tal, de um úni­co de­ta­lhe de uma úni­ca car­ta. En­tão
atin­gi­mos a ar­te do Ta­rot... Es­te ca­pí­tu­lo pre­ten­de ser uma mo­des­ta in-­
tro­du­ção a es­sa ar­te.
1 Li­te­ral­men­te: “Na noi­te di­to­sa, / em se­gre­do, que nin­guém me via, / nem eu
olha­va ou­tra coi­sa, / sem ou­tra luz ou guia / se­não aque­la que no co­ra­ção ar­dia”.
2 Em por­tu­guês: “o juiz men­te”. Tro­ca­di­lho com “ju­ge­ment”, jul­ga­men­to.
Pri­mei­ros pas­sos

O me­lhor meio de me­mo­ri­zar o sen­ti­do das car­tas do Ta­rot é co­lo­cá-las


em ação na nos­sa vi­da co­ti­di­a­na, em re­la­ção a ques­tões que nos to­cam
ver­da­dei­ra­men­te. An­tes de ler o Ta­rot pa­ra os ou­tros, é bom pas­sar um
pe­rí­o­do apli­can­do-o a nós mes­mos. Is­so per­mi­te que nos fa­mi­li­a­ri­ze-­
mos com ele, mas tam­bém que en­fren­te­mos pa­ra­do­xos, di­fi­cul­da­des,
in­com­preen­sões que am­pli­a­rão nos­so olhar. Po­de­mos tam­bém, co­mo
pro­pu­se­mos aqui, nos ali­ar a uma pes­soa que nos sir­va co­mo con­su­len-­
te fic­tí­cia e fa­ça os exer­cí­cios de lei­tu­ra.
Pa­ra ler o Ta­rot pa­ra si mes­mo, há um pos­tu­la­do bási­co: eu não me
co­nhe­ço no pre­sen­te; por­tan­to é es­sen­ci­al que eu me per­gun­te so­bre a
mi­nha si­tu­a­ção, so­bre o meu pre­sen­te.

MA­NI­PU­LAR E LER O TA­ROT


Uma at­mos­fe­ra apra­zí­vel é re­co­men­dá­vel. Pa­ra pro­te­ger as car­tas e dis-­
tri­buí-las com fa­ci­li­da­de, po­de­mos uti­li­zar um te­ci­do de cor úni­ca que
não in­ter­fi­ra com o de­se­nho dos Ar­ca­nos (o ro­xo fa­vo­re­ce a con­cen­tra-­
ção). Em­ba­ra­lha-se o Ta­rot co­mo um jo­go nor­mal, sem vi­rar as car­tas,
pa­ra con­ser­var sua ori­en­ta­ção em­bai­xo/em ci­ma. De­pois, reu­nin­do to-­
das as car­tas em um ma­ço, es­pa­lha­mos as car­tas ho­ri­zon­tal­men­te com a
fren­te pa­ra a me­sa. Con­tra­ri­an­do uma tra­di­ção te­naz, não é in­dis­pen­sá-­
vel cor­tar. Po­de-se cor­tar o ma­ço, des­de que se tro­que a car­ta que fi­cou
em­bai­xo no ma­ço (ver pp. 520-1). Is­so fei­to, es­co­lhe­mos com a mão di-­
rei­ta ou es­quer­da uma ou mais car­tas que são dis­pos­tas, sem­pre vi­ra­das
pa­ra bai­xo, se­gun­do a es­tra­té­gia de lei­tu­ra es­co­lhi­da. En­tão as vi­ra­mos,
fa­zen­do-as gi­rar pa­ra a di­rei­ta, de mo­do que não fi­quem in­ver­ti­das. Po-­
de­mos vi­rar as car­tas uma por uma, in­ter­pre­tan­do à me­di­da que sa­em,
ou vi­rar to­das de uma vez, len­do-as sin­te­ti­ca­men­te.
Exer­cí­cios com um Ar­ca­no

A cor do dia

Pa­ra tor­nar o Ta­rot pre­sen­te em sua vi­da co­ti­di­a­na, ti­re uma car­ta pe­la
ma­nhã den­tre os Ar­ca­nos mai­o­res e a in­ter­pre­te de pe­lo me­nos três
ma­nei­ras di­fe­ren­tes. Por exem­plo, no ní­vel con­cre­to, no ní­vel psi­co­ló­gi-­
co e no ní­vel es­pi­ri­tu­al, ou ain­da no ní­vel pes­so­al, no ní­vel re­la­ci­o­nal e
no ní­vel trans­pes­so­al etc. Ob­ser­ve co­mo es­ses três as­pec­tos res­so­am ao
lon­go do dia. (Ver exem­plo abai­xo.)

Exem­plos de lei­tu­ra
Ti­ra­gem: O Lou­co
Lei­tu­ra: Ní­vel con­cre­to: Mui­ta ener­gia. Aten­ção pa­ra não per­der de vis-­
ta meu ob­je­ti­vo! Tal­vez uma vi­a­gem ou uma ex­pe­di­ção em vis­ta. E se
eu fi­zes­se o tra­je­to a pé? Ní­vel psi­co­ló­gi­co: Ares de gran­de li­ber­da­de so-­
pram nes­se dia. Tu­do é per­mi­ti­do! Ní­vel es­pi­ri­tu­al: To­dos os ca­mi­nhos
são o meu ca­mi­nho. Ho­je, na­da de de­fi­ni­ções. Co­mo pos­so vi­ver em re-­
la­ção ao Im­pen­sá­vel?
O ali­a­do

Es­ta ti­ra­gem con­sis­te em evo­car uma di­fi­cul­da­de, uma tris­te­za, ou um


pro­je­to que ama­mos e ti­rar uma úni­ca car­ta do Ta­rot que se­rá o ali­a­do
ne­ces­sá­rio pa­ra nos con­du­zir à saú­de, à ale­gria, ao su­ces­so. De­pois de
ana­li­sar a men­sa­gem da car­ta, po­de­mos le­vá-la co­nos­co, de­se­nhá-la,
me­mo­ri­zá-la, co­lo­cá-la em­bai­xo do tra­ves­sei­ro pa­ra dor­mir, es­fre­gá-la
so­bre o co­ra­ção, na tes­ta etc., pa­ra ab­sor­ver seu au­xí­lio. (Ver exem­plos
abai­xo.)

Con­su­len­te: Te­nho tra­ba­lha­do de­mais, es­tou es­go­ta­do. O que eu fa­ço?


Ti­ra­gem: VI­II A Jus­ti­ça
Lei­tu­ra: A Jus­ti­ça in­ci­ta a se ins­ta­lar no pre­sen­te, a se des­fa­zer do
inútil e se con­cen­trar na­qui­lo que é ver­da­dei­ra­men­te útil e ne­ces­sá­rio.
No pla­no psi­co­ló­gi­co, ela po­de evo­car um de­se­jo de ser mi­ma­do. Por
fim, ela in­ci­ta a se des­fa­zer da exi­gên­cia de per­fei­ção que es­tá tal­vez na
ori­gem des­se es­go­ta­men­to.

Con­su­len­te: Co­mo con­ser­var a cal­ma em to­das as cir­cuns­tân­cias?


Ti­ra­gem: II A Pa­pi­sa
Lei­tu­ra: A men­sa­gem po­de­ria ser a se­guin­te: cer­ti­fi­que-se de que exis-­
ta um lu­gar pa­ra vo­cê se re­ti­rar e me­di­tar. Is­so lhe aju­da­rá a reen­con-­
trar a cal­ma que exis­te pro­fun­da­men­te den­tro de vo­cê. A lei­tu­ra de pa-­
la­vras de sa­be­do­ria po­de aju­dá-lo bas­tan­te. Não se su­bes­ti­me: vo­cê é
uma pes­soa de al­to va­lor es­pi­ri­tu­al, aja co­mo tal. Pen­se nos pro­je­tos
que vo­cê mais es­ti­ma (o ovo d’A Pa­pi­sa) e se con­cen­tre ne­les. Uma par-­
te de sua ir­ri­ta­ção tal­vez se­ja só um pe­di­do de ter­nu­ra.

A lei­tu­ra de pa­la­vras de sa­be­do­ria po­de aju­dá-lo bas­tan­te. Não se


su­bes­ti­me: vo­cê é uma pes­soa de al­to va­lor es­pi­ri­tu­al, aja co­mo tal. Pen-­
se nos pro­je­tos que vo­cê mais es­ti­ma (o ovo d’A Pa­pi­sa) e se con­cen­tre
ne­les. Uma par­te de sua ir­ri­ta­ção tal­vez se­ja só um pe­di­do de ter­nu-­
ra.Não se su­bes­ti­me: vo­cê é uma pes­soa de al­to va­lor es­pi­ri­tu­al, aja co-­
mo tal. Pen­se nos pro­je­tos que vo­cê cul­ti­va (o ovo d’A Pa­pi­sa) e se con-­
cen­tre ne­les. Uma par­te da sua di­fi­cul­da­de po­de ser ape­nas um pe­di­do
de ter­nu­ra.
Aus­cul­tar-se

Es­ta ti­ra­gem ser­ve pa­ra co­nhe­cer me­lhor a si mes­mo, pa­ra se fa­zer um


au­to-re­tra­to es­pi­ri­tu­al ou emo­ci­o­nal. Con­sis­te em co­lo­car ao aca­so um
Ar­ca­no mai­or so­bre uma par­te do cor­po e per­gun­tar: “O que há em
mim nes­te ní­vel?” A car­ta da­rá a res­pos­ta. (Ver exem­plo abai­xo.)

O que há no meu co­ra­ção?


Ti­ra­gem: XVI­II O Sol
Lei­tu­ra: Um gran­de amor, a ale­gria, uma no­va cons­tru­ção, meu pai,
meus fi­lhos, fé­rias...

O que há no meu ven­tre?


– Um ho­mem ti­ra A Jus­ti­ça (VI­II):
Lei­tu­ra: Mi­nha mãe! Ela me fa­zia pra­ti­nhos de­li­ci­o­sos... Ago­ra, é me-­
lhor eu ema­gre­cer um pou­co...
– Uma mu­lher ti­ra O Mun­do (XXI)
Lei­tu­ra: Um de­se­jo de cri­an­ça! Te­nho tu­do o que pre­ci­so pa­ra me re­a-­
li­zar, co­me­ço a sen­tir que a mi­nha cri­a­ti­vi­da­de, meu apa­re­lho re­pro­du-­
tor, é uma imen­sa ri­que­za. Amo mi­nha fe­mi­ni­li­da­de.
Exer­cí­cio de hu­mil­da­de com os Ar­ca­nos mai­o­res

Um bom ta­ró­lo­go de­ve ser ca­paz de co­lo­car em ques­tão tu­do aqui­lo


que con­si­de­ra a pri­o­ri co­mo evi­den­te, a co­me­çar por sua pró­pria per­so-­
na­li­da­de, su­as cren­ças, os acon­te­ci­men­tos de sua vi­da co­ti­di­a­na. Is­so
exi­ge hu­mil­da­de e um cer­to sen­so de hu­mor.
Es­te exer­cí­cio con­sis­te em ti­rar uma car­ta so­bre si mes­mo, so­bre a
si­tu­a­ção na qual a pes­soa se en­con­tra e que ela já co­nhe­ce bem. Ao pra-­
ti­car com os Ar­ca­nos mai­o­res, po­de­mos abor­dar to­dos os do­mí­nios, do
mais ter­re­no ao mais ele­va­do. In­ter­pre­ta­re­mos o Ar­ca­no de ma­nei­ra
que ele se apli­que per­fei­ta­men­te à si­tu­a­ção, mes­mo que apa­ren­te­men­te
se­ja­mos con­fron­ta­dos por um pa­ra­do­xo. (Ver exem­plo na pági­na se-­
guin­te.)
Co­mo vai mi­nha vi­da emo­ci­o­nal?
Ti­ra­gem: X A Ro­da da For­tu­na
Re­a­ção do con­su­len­te: “É ver­da­de, es­tou ter­mi­nan­do mes­mo um ci­clo
ago­ra.”

Qual é o meu mai­or de­se­jo no mo­men­to?


Ti­ra­gem: XVII A Es­tre­la
Re­a­ção do con­su­len­te: “Sim, é ver­da­de, te­nho von­ta­de de en­con­trar o
meu lu­gar, sin­to que te­nho mui­to pa­ra ofe­re­cer e eu pre­ci­sa­ria me po­si-­
ci­o­nar pa­ra po­der re­a­li­zar es­sa ação.”
Exer­cí­cio de hu­mil­da­de com os Ar­ca­nos me­no­res

O exer­cí­cio de hu­mil­da­de é igual­men­te útil pa­ra en­trar na lei­tu­ra dos


Ar­ca­nos me­no­res.
Em­ba­ra­lha­mos o ma­ço de car­tas e fa­ze­mos uma per­gun­ta que pos­sa
ser res­pon­di­da na vi­da ma­te­ri­al, se­xu­al e cri­a­ti­va, emo­ci­o­nal ou in­te-­
lec­tu­al. Tra­ta-se de “jo­gar o jo­go” da hu­mil­da­de, par­tin­do do prin­cí­pio
útil de que o Ta­rot sem­pre tem ra­zão, e que se tra­ta de in­ter­pre­tar po­si-­
ti­va­men­te aqui­lo que nos é di­to.
Es­sa lei­tu­ra supõe que to­das as car­tas nos cor­res­pon­dem a to­do ins-­
tan­te em um ní­vel ou em ou­tro do nos­so ser: “Na­da que é hu­ma­no me é
es­tra­nho”. (Ver exem­plos abai­xo.)

Con­su­len­te: Qual é a mi­nha prin­ci­pal pre­o­cu­pa­ção nes­te mo­men­to?


Ti­ra­gem: Se­te de Paus
Res­pos­ta: Que a mi­nha for­ça cri­a­ti­va en­tre em ação no mun­do, sob a
for­ma de um pro­je­to no­vo que eu te­nha con­ce­bi­do in­tei­ra­men­te so­zi-­
nho.

Con­su­len­te: O que eu va­lo­ri­zo mais na mi­nha vi­da?


Ti­ra­gem: Rei de Ou­ros
Res­pos­ta: O mun­do da pros­pe­ri­da­de fe­liz que cons­truí com meu ma­ri-­
do e do qual a nos­sa em­pre­sa é o cen­tro.

Con­su­len­te: O que me dá mais me­do?


Ti­ra­gem: Cin­co de Es­pa­das
Res­pos­ta: A agres­são e a do­mi­na­ção ver­bais dos fal­sos mes­tres, pro­fes-­
so­res sem co­ra­ção e po­líti­cos men­ti­ro­sos.
Quais são meus li­mi­tes?

Uma car­ta po­de tam­bém ser in­di­ca­do­ra das nos­sas di­fi­cul­da­des em ca-­
da cen­tro: in­te­lec­tu­al, emo­ci­o­nal, se­xu­al-cri­a­ti­vo e ma­te­ri­al. Pa­ra sa­bê-
las, ti­ra­mos uma car­ta pa­ra apli­car em um cen­tro es­co­lhi­do em par­ti­cu-­
lar, ou ain­da apli­can­do su­ces­si­va­men­te uma mes­ma car­ta a to­dos os
cen­tros. Nos exem­plos da lei­tu­ra se­guin­do es­ta es­tra­té­gia, es­tu­da­re­mos
O Im­pe­ra­dor co­mo li­mi­te em to­dos os cen­tros, com ou­tros exem­plos
que va­ri­am se­gun­do ca­da cen­tro. (Ver exem­plos na pági­na se­guin­te.)

EXER­CÍ­CIO COM UM AR­CA­NO:


“QUAIS SÃO MEUS LI­MI­TES?”
Exem­plos de lei­tu­ra
Meus li­mi­tes in­te­lec­tu­ais?
Ti­ra­gem: II­II O Im­pe­ra­dor
Res­pos­ta: O ra­ci­o­na­lis­mo ob­tu­so me fe­cha. Re­cu­so tu­do que não for
qua­dra­do.
Ti­ra­gem: O Lou­co
Res­pos­ta: Não te­nho li­mi­tes. Eu me ex­pan­do. Pre­ci­so ado­tar uma po­si-­
ção mais ra­ci­o­nal, pre­ci­so en­qua­drar meu pen­sa­men­to.
Ti­ra­gem: VI­II A Jus­ti­ça
Res­pos­ta: Meu li­mi­te é a ri­gi­dez. Não ima­gi­no um pon­to de vis­ta, uma
for­ma de pen­sar, ca­paz de su­pe­rar aqui­lo que eu co­nhe­ço ho­je em dia.
Ti­ra­gem: III A Im­pe­ra­triz
Res­pos­ta: Eu me en­tre­go aos de­va­nei­os, cor­ro o ris­co de cair no fa­na­tis-­
mo. Meu in­te­lec­to é ro­mân­ti­co de­mais!
Meus li­mi­tes emo­ci­o­nais?
Ti­ra­gem: II­II O Im­pe­ra­dor
Res­pos­ta: Uma con­su­len­te: Sou mas­cu­li­na de­mais, ou mui­to mar­ca­da
pe­lo amor que te­nho pe­lo meu pai, e in­ca­paz de subs­ti­tuí-lo por ou­tro.
Um con­su­len­te: Te­nho mui­ta au­to­ri­da­de, não mui­ta in­dul­gên­cia. Não co-­
nhe­ço o ca­mi­nho do co­ra­ção.
Ti­ra­gem: XV O Di­a­bo
Eu sou mui­to pos­ses­si­vo(a).
Ti­ra­gem: X A Ro­da da For­tu­na
Res­pos­ta: Di­fi­cil­men­te ima­gi­no uma no­va re­la­ção, tal­vez eu de­ves­se
con­se­guir en­cer­rar um ci­clo, ou acei­tar con­si­de­rá-lo en­cer­ra­do.
Meus li­mi­tes se­xu­ais ou cri­a­ti­vos?
Ti­ra­gem: II­II O Im­pe­ra­dor
Res­pos­ta: Mi­nha se­xu­a­li­da­de ou mi­nha cri­a­ti­vi­da­de é ro­ti­nei­ra, re­pe­ti­ti-­
va. Se­rá que es­tou me en­te­di­an­do?
Ti­ra­gem: VII O Car­ro
Res­pos­ta: Uma con­su­len­te: So­fro de "don­ju­a­nis­mo"... Se­rá que sou uma
nin­fo­ma­ní­a­ca re­pri­mi­da? Ou se­rá que te­nho a ideia lou­ca de que pa­ra
cri­ar é pre­ci­so ser ho­mem? Um con­su­len­te: O de­se­jo da con­quis­ta vem
an­tes do de­se­jo pro­pri­a­men­te di­to; eu de­ve­ria sa­ber dis­tin­guir quan­ti-­
da­de e qua­li­da­de... Um ar­tis­ta: O de­se­jo de re­co­nhe­ci­men­to vem an­tes
do pra­zer cri­a­ti­vo.
Ti­ra­gem: VI­II A Jus­ti­ça
Res­pos­ta: Uma fi­gu­ra ma­ter­na me im­pe­de de che­gar à cri­a­ti­vi­da­de. Tal-­
vez meu de­se­jo se­xu­al se li­mi­te ao de­se­jo de ter um fi­lho.
Ti­ra­gem: XI­I­II Tem­pe­ran­ça
Res­pos­ta: Eu me acho um an­jo, re­cu­san­do a for­ça da mi­nha li­bi­do.
Meus li­mi­tes emo­ci­o­nais?
Ti­ra­gem: II­II O Im­pe­ra­dor
Res­pos­ta: E me re­cu­so a in­ves­tir ou a cres­cer. Meu cor­po ain­da es­tá sob
a in­fluên­cia do pai, e mi­nha vi­da ma­te­ri­al não co­nhe­ce a no­ção de in­ves-­
ti­men­to.
Ti­ra­gem: II A Pa­pi­sa
Res­pos­ta: Não me me­xo o su­fi­ci­en­te!
Ti­ra­gem: VI­I­II O Ere­mi­ta
Res­pos­ta: Eu me ve­jo co­mo um ser fa­tal­men­te ve­lho, só e po­bre. Não
con­ce­bo a abun­dân­cia.

EXER­CÍ­CIOS COM DOIS AR­CA­NOS:


“VAN­TA­GEM-IN­CON­VE­NIÊN­CIA, FOR­ÇA-FRA­QUE­ZA”
Exem­plos de lei­tu­ra

Con­su­len­te: Mo­ro na ci­da­de e gos­ta­ria de mu­dar pa­ra um lu­gar me­nos


po­lu­í­do, em ple­no cam­po.
Van­ta­gem: VI O Na­mo­ra­do
Lei­tu­ra: A vi­da lon­ge da ci­da­de cor­res­pon­de a um de­se­jo pro­fun­do, a
al­gu­ma coi­sa que vo­cê ama. A sua vi­da emo­ci­o­nal (a dois, em fa­mí­lia)
po­de­ria ga­nhar mui­to com is­so. Seus fi­lhos cres­ce­ri­am em um am­bi­en­te
mais fe­liz, mais apra­zí­vel.
In­con­ve­niên­cia: XVI­II A Lua
Lei­tu­ra: É pos­sí­vel que vo­cê se res­sin­ta da so­li­dão, in­clu­si­ve te­mo­res no-­
tur­nos, por exem­plo, se vo­cê de­ci­dir mo­rar em um lu­gar mui­to iso­la­do.
Con­su­len­te: Gos­ta­ria de tra­ba­lhar meio pe­rí­o­do.
Van­ta­gem: O Lou­co
Lei­tu­ra: Vo­cê es­tá li­vre! Vo­cê po­de­rá co­lo­car sua ener­gia a ser­vi­ço de
uma série de coi­sas, vo­cê ain­da nem sa­be quais, mas se sen­te cheio de
ím­pe­to.
In­con­ve­niên­cia: XII O En­for­ca­do
Lei­tu­ra: Ven­do seus bol­sos vi­ra­dos pa­ra bai­xo, po­de­mos nos per­gun­tar
se vo­cê pos­sui as ba­ses fi­nan­cei­ras pa­ra es­sa re­du­ção de tem­po de tra-­
ba­lho. Cui­da­do tam­bém pa­ra não se tor­nar ina­ti­vo.

Con­su­len­te: Es­te ano pas­sa­re­mos as fes­tas com a fa­mí­lia.


Van­ta­gem: XVI A Tor­re
Lei­tu­ra: Uma gran­de ale­gria es­pe­ra por vo­cê. A ver­da­dei­ra fes­ta é com
mui­ta gen­te.
In­con­ve­niên­cia: V O Pa­pa
Lei­tu­ra: Cui­da­do com a co­mu­ni­ca­ção... Uma pa­la­vra in­fe­liz po­de es­tra-­
gar uma noi­te in­tei­ra... Exis­te al­gum per­so­na­gem mas­cu­li­no na fa­mí­lia
cu­ja au­to­ri­da­de vo­cê re­ceie, um pai, um avô?
Exer­cí­cios com dois Ar­ca­nos
Van­ta­gem-in­con­ve­niên­cia, for­ça-fra­que­za

Pa­ra uma de­ter­mi­na­da si­tu­a­ção, uma de­ci­são to­ma­da, al­gu­ma coi­sa so-­
bre a qual vo­cê te­nha dúvi­das, ti­re du­as car­tas: uma re­pre­sen­ta a van­ta-
gem, os pon­tos for­tes da sua si­tu­a­ção ou da sua de­ci­são, a ou­tra a in-­
con­ve­niên­cia, as fra­que­zas, os even­tu­ais pe­ri­gos que es­pe­ram por vo­cê.
(Exem­plos na pági­na ao la­do.)
O con­fli­to

Es­ta es­tra­té­gia de lei­tu­ra é di­nâ­mi­ca. Ela con­sis­te em co­lo­car uma car­ta


vi­ra­da com a fren­te pa­ra a me­sa e cru­zar por ci­ma uma se­gun­da car­ta.
A pri­mei­ra car­ta re­pre­sen­ta o de­se­jo, a si­tu­a­ção em que nos en­con­tra-­
mos; a se­gun­da car­ta re­pre­sen­ta o con­fli­to, o obs­tá­cu­lo, aqui­lo que nos
im­pe­de de avan­çar. A par­tir daí, fa­ze­mos du­as lei­tu­ras. A pri­mei­ra se
efe­tua quan­do a car­ta do con­fli­to es­tá so­bre a ou­tra, por­tan­to, vi­to­ri­o­sa;
nes­ta con­fi­gu­ra­ção, o con­fli­to, o obs­tá­cu­lo pa­re­ce in­so­lú­vel. A se­gun­da
lei­tu­ra se efe­tua de­pois de co­lo­ca­da a car­ta do con­fli­to, do obs­tá­cu­lo
em­bai­xo da car­ta que re­pre­sen­ta a si­tu­a­ção, o de­se­jo; es­ta con­fi­gu­ra­ção
in­di­ca a su­pe­ra­ção do con­fli­to, do obs­tá­cu­lo. (Exem­plos na pági­na se-­
guin­te.)

EXER­CÍ­CIOS COM DOIS AR­CA­NOS:


“O CON­FLI­TO”
Exem­plos de lei­tu­ra
Con­su­len­te: Uma ro­tei­ris­ta com di­fi­cul­da­des pa­ra co­me­çar a es­cre­ver
um pro­je­to que lhe foi con­fi­a­do.
Si­tu­a­ção: XI A For­ça
Con­fli­to: III A Im­pe­ra­triz
Lei­tu­ra 1: Com o XI, vo­cê pro­cu­ra co­me­çar al­gu­ma coi­sa a par­tir da pró-­
pria for­ça cri­a­ti­va ou ins­tin­ti­va. Mas o III a cru­za: vo­cê per­ce­be sua cri­a­ti-­
vi­da­de co­mo um obs­tá­cu­lo por­que não sa­be aon­de vai, is­so a an­gus­tia.
Sen­do o 3 me­nor que o 11, vo­cê tem me­do de lhe fal­tar ex­pe­riên­cia, ou
sen­te que sua ins­pi­ra­ção é su­per­fi­ci­al, mui­to ju­ve­nil. Aqui, A Im­pe­ra­triz
fe­cha a bo­ca do le­ão do XI: A For­ça não po­de co­me­çar aqui­lo que de­ve
co­me­çar. É uma fal­ta de con­fi­an­ça em si mes­ma. A ado­les­cen­te pre­do-­
mi­na psi­qui­ca­men­te so­bre a mu­lher ex­pe­ri­en­te.
Lei­tu­ra 2: Se A Im­pe­ra­triz pas­sa por trás d’A For­ça, a si­tu­a­ção mu­da: vo-­
cê se apoia na ener­gia ado­les­cen­te e na ex­plo­são d’A Im­pe­ra­triz pa­ra
co­me­çar co­ra­jo­sa­men­te seu tra­ba­lho. A For­ça re­to­ma o sen­ti­do de sua
ma­tu­ri­da­de: sem dúvi­da, ela re­pre­sen­ta um iní­cio, mas já tem atrás de si
os dez pri­mei­ros Ar­ca­nos mai­o­res. A Im­pe­ra­triz sim­bo­li­za aqui a cri­a­ti­vi-­
da­de pos­ta de­ci­di­da­men­te a ser­vi­ço de um pro­je­to no­vo.
Con­su­len­te: Que­ro mu­dar de vi­da...
De­se­jo: XI­II O Ar­ca­no sem no­me
Obs­tá­cu­lo: XVI­I­II O Sol
Lei­tu­ra 1: Vo­cê es­tá em uma gran­de di­nâ­mi­ca de mu­dan­ças. Vo­cê de­se-­
ja re­vo­lu­ci­o­nar sua vi­da, fa­zer uma gran­de mu­dan­ça e re­co­me­çar so­bre
no­vas ba­ses (XI­II). Mas, com O Sol, pa­re­ce que uma cons­tru­ção pre­ce-­
den­te lhe im­pe­de. Vo­cê es­tá pre­so a al­gu­ma con­cep­ção de ca­sa­men­to,
de fa­mí­lia? A al­go li­ga­do à in­fân­cia? Se­ria uma bus­ca do pai ide­al?
Lei­tu­ra 2: O Sol, co­mo pro­je­to de uma vi­da no­va, mo­de­ra o ar­dor des-
tru­ti­vo do Ar­ca­no XI­II e ca­na­li­za sua ação pa­ra um ob­je­ti­vo cheio de
amor.
A car­ta fa­vo­ri­ta e a car­ta me­nos ama­da

Co­me­ce es­co­lhen­do do ma­ço dos Ar­ca­nos mai­o­res a car­ta que vo­cê


mais gos­ta e a car­ta que vo­cê me­nos gos­ta. Ob­ser­ve-as e de­fi­na o que
mais lhe atrai ou re­pe­le em ca­da uma. Pa­ra ca­da car­ta, re­ti­re uma car­ta
que lhe per­mi­ta apro­fun­dar a sua re­la­ção com ela.

Exem­plos de lei­tu­ra
Car­ta fa­vo­ri­ta: XVII A Es­tre­la. Eu amo a ima­gem des­sa mu­lher bo­ni­ta
em um pa­ra­í­so com ca­lor, nua, ge­ne­ro­sa. Pos­so fa­cil­men­te me iden­ti­fi-­
car com ela. É o ide­al da mi­nha vi­da... In­fe­liz­men­te, não me sin­to as­sim
to­dos os di­as.
Car­ta me­nos ama­da: XII O En­for­ca­do. Es­ta car­ta evo­ca um su­plí­cio,
ape­sar da ex­pres­são cal­ma do ros­to do per­so­na­gem. É uma car­ta va­zia,
não tem mais nin­guém. Não gos­to da ideia de ele fi­car pa­ra­do.

Ti­ra­gem: A con­su­len­te co­bre a car­ta d’A Es­tre­la: VI­II A Jus­ti­ça.


Lei­tu­ra: É aqui e ago­ra, no pre­sen­te da sua en­car­na­ção, que a sua Es-­
tre­la se ma­ni­fes­ta. Vo­cê es­tá uni­da a ela, mes­mo quan­do es­tá em uma
si­tu­a­ção so­ci­al, de tra­ba­lho, com a ta­re­fa de pe­sar, jul­gar, agir em uma
re­a­li­da­de me­nos idíli­ca. Vo­cê é A Es­tre­la! Não du­vi­de mais dis­so! Dê a
si mes­ma aqui­lo que vo­cê me­re­ce.

Ti­ra­gem: A con­su­len­te co­bre a car­ta d’O En­for­ca­do: XVI A Tor­re


Lei­tu­ra: Ve­ja es­ses per­so­na­gens que tam­bém es­tão de pon­ta-ca­be­ça.
Eles lhe in­di­cam o fu­tu­ro da­que­la pa­ra­li­sia que vo­cê tan­to ques­ti­o­na. O
En­for­ca­do ape­nas se pre­pa­ra pa­ra uma sa­í­da fe­liz, pa­ra um nas­ci­men­to.
Seu des­ti­no é a aber­tu­ra, a ale­gria. Tu­do aqui­lo que es­tá fe­cha­do em vo-­
cê po­de se ex­pri­mir. Tal­vez vo­cê de­ves­se tra­ba­lhar so­bre as cir­cuns­tân-­
cias da sua ges­ta­ção e do seu nas­ci­men­to pa­ra me­lhor com­preen­der
aqui­lo que lhe in­qui­e­ta na ati­tu­de d’O En­for­ca­do. Se­rá que vo­cê tem
uma có­le­ra acu­mu­la­da?
Car­ta fa­vo­ri­ta: XI­II O Ar­ca­no sem no­me. É a mi­nha fa­vo­ri­ta por­que
ela cau­sa me­do nos ou­tros mas não em mim: não te­nho me­do da trans-­
for­ma­ção, eu a amo. Sou um cô­mo­do va­zio em uma ca­sa sem do­no.
Car­ta me­nos ama­da: XXI O Mun­do. É uma car­ta fi­nal, já re­a­li­za­da,
que tem tu­do. Não há mais na­da a fa­zer em se­gui­da.

Ti­ra­gem: O con­su­len­te co­bre a car­ta d’O Mun­do: XVI­II A Lua.


Lei­tu­ra: De­sen­vol­va a sua re­cep­ti­vi­da­de e vo­cê des­co­bri­rá que mes­mo
na per­fei­ção, a vi­da con­ti­nua: na con­tem­pla­ção da be­le­za do mun­do.
Exer­cí­cios com um, dois e mais Ar­ca­nos

Uma vez que nos fa­mi­li­a­ri­za­mos com os exer­cí­cios de in­ter­pre­ta­ção, a


me­lhor ma­nei­ra de pas­sar à lei­tu­ra pro­pri­a­men­te di­ta con­sis­te em en­ri-­
que­cer a in­ter­pre­ta­ção de uma car­ta a par­tir de ou­tra ou de vá­rias ou-­
tras. En­tra­mos, as­sim, na di­nâ­mi­ca re­la­ci­o­nal en­tre Ar­ca­nos que cons­ti-­
tui a pró­pria es­sên­cia da lei­tu­ra.
Ex­pli­car uma car­ta a par­tir de ou­tra ou de ou­tras car­tas

Es­co­lhe­mos uma car­ta que de­se­ja­mos apro­fun­dar o sig­ni­fi­ca­do. Evi-­


den­te­men­te, es­sa lei­tu­ra se­rá ao mes­mo tem­po “ob­je­ti­va” (es­tu­do dos
ele­men­tos da car­ta es­co­lhi­da), “sub­je­ti­va” e “pro­je­ti­va” (o que eu ve­jo
nes­sa car­ta?).
Exem­plos de lei­tu­ra
VI O Na­mo­ra­do
Ques­tão: Que uni­ão O Na­mo­ra­do ex­pri­me?
Ti­ra­gem: Uma car­ta cor­res­pon­den­te a ca­da um dos três per­so­na­gens
d’O Na­mo­ra­do: O Lou­co, XI­I­II Tem­pe­ran­ça, XV O Di­a­bo.
Res­pos­ta: O Na­mo­ra­do ex­pri­me a uni­ão dos in­con­ci­li­á­veis: a ener­gia
ini­ci­al, o an­jo e o de­mô­nio! É a in­ver­são da mo­ral im­pos­ta pe­la cul­tu­ra
ju­dai­co-cris­tã. O gos­tar (amar ou fa­zer o que se gos­ta) per­mi­te es­sa re-
vo­lu­ção.

VI­II A Jus­ti­ça
Ques­tão: O que A Jus­ti­ça cor­ta?
Ti­ra­gem: Uma car­ta cor­res­pon­den­te à es­pa­da. Aqui: VI O Na­mo­ra­do.
Res­pos­ta: Ela cor­ta os con­fli­tos emo­ci­o­nais que lhe fa­zem per­der tem-­
po, tal­vez re­la­ções so­ci­ais abu­si­vas...
Per­gun­ta: O que A Jus­ti­ça pe­sa?
Ti­ra­gem: O con­su­len­te ti­ra du­as car­tas cor­res­pon­den­tes a ca­da pra­to
da ba­lan­ça. Aqui: XI A For­ça e XX O Jul­ga­men­to.
Res­pos­ta: O equi­lí­brio en­tre sua ener­gia se­xu­al ins­tin­ti­va e o cha­ma­do
es­pi­ri­tu­al.

XI­I­II Tem­pe­ran­ça
Es­ta car­ta sim­bo­li­za a mes­cla har­mo­ni­o­sa de en­ti­da­des dis­tin­tas.
Per­gun­ta: Co­mo re­a­li­zar es­sa uni­ão?
Ti­ra­gem: O con­su­len­te ti­ra uma car­ta pa­ra sim­bo­li­zar o flu­xo en­tre os
dois va­sos, a uni­ão: XVI­II A Lua.
Res­pos­ta: Pe­la in­tui­ção, es­cu­tan­do aten­ta­men­te a si mes­mo. É ho­ra de
dei­xar de ne­gar a si mes­mo, de acei­tar as men­sa­gens que vêm do fun­do
do nos­so in­cons­ci­en­te, a po­e­sia, a re­cep­ti­vi­da­de, a imen­si­dão in­te­ri­or.
I O Ma­go
Per­gun­ta: O que ele tem em sua me­sa?
Ti­ra­gem: VI­I­II O Ere­mi­ta
Res­pos­ta: Sob a apa­ren­te dis­pa­ri­da­de de ele­men­tos, O Ma­go pos­sui a
sa­be­do­ria: tal­vez a he­ran­ça de um pai, de um guia, de um avô.

O pro­ces­so de ques­ti­o­na­men­to de um Ar­ca­no po­de con­ti­nu­ar:


Per­gun­ta: E o que há em­bai­xo da me­sa d’O Ma­go?
Ti­ra­gem: VII O Car­ro
Res­pos­ta: Exis­te uma imen­sa ca­pa­ci­da­de de agir, des­de que se en­tre
em con­ta­to com o que há “em­bai­xo da me­sa”, que em O Car­ro cor­res-­
pon­de aos dois ca­va­los: for­ça in­te­ri­or, ani­ma­li­da­de, cri­a­ti­vi­da­de.
In­tro­du­ção à trans­la­ção

Ti­re du­as car­tas ao aca­so e ob­ser­ve os de­ta­lhes que se re­pe­tem ou se


trans­for­mam de uma pa­ra ou­tra: co­res, ob­je­tos, for­mas, di­re­ção dos
olha­res... A in­ter­pre­ta­ção po­de­rá va­ri­ar con­for­me a or­dem em que as
car­tas fo­rem ti­ra­das.

Exem­plos de lei­tu­ra
Ti­ra­gem: VII O Car­ro, VI­II A Jus­ti­ça
Trans­la­ção: A trans­la­ção nos in­di­ca que O Car­ro tem dois ca­va­los e um
ce­tro, sím­bo­lo de po­der. A Jus­ti­ça, por sua vez, tem dois pra­tos e uma
es­pa­da, uma ar­ma. A Jus­ti­ça impõe sua von­ta­de ao mun­do, en­quan­to O
Car­ro acei­ta se dei­xar le­var por aqui­lo que o mun­do quer: seus ca­va­los
não têm ré­deas. A co­roa d’O Car­ro é re­cep­ti­va, aber­ta em ci­ma, a d’A
Jus­ti­ça é pro­je­ti­va, dá mos­tras de uma in­te­li­gên­cia ati­va.
Os dois ca­va­los d’O Car­ro, os dois pra­tos d’A Jus­ti­ça; a co­roa d’O Car­ro e a co­roa d’A
Jus­ti­ça.

Lei­tu­ra: Em uma lei­tu­ra mui­to con­cre­ta, po­de­rí­a­mos di­zer que O Car-­


ro bus­ca es­ca­par d’A Jus­ti­ça, tal­vez tam­bém da in­fluên­cia da mãe, ou de
uma ideia de per­fei­ção ex­ces­si­va.
Ti­ra­gem: I O Ma­go, XVI­I­II O Sol.

A bo­li­nha ama­re­la d’O Ma­go se tor­na o Sol.

O va­lor do Sol se re­duz.


Lei­tu­ra: Em uma lei­tu­ra bas­tan­te con­cre­ta, po­de­rí­a­mos di­zer que na
mão d’O Ma­go po­de­ria ha­ver uma re­pre­sen­ta­ção do Sol em mi­ni­a­tu­ra.
Sem­pre nes­sa or­dem, po­de­rí­a­mos di­zer que o jo­vem do Ar­ca­no I “pe­ga
o sol com a mão”: ele as­su­me seu pró­prio su­ces­so, ou uti­li­za a in­fluên-­
cia do pai, de um ho­mem que o sus­ten­ta. Ele po­de, en­tão, ab­sor­ver es­sa
ener­gia que o re­for­ça.
Lei­tu­ra: Or­dem XVI­I­II-I: nes­ta con­fi­gu­ra­ção, o cír­cu­lo ama­re­lo po­de
ser vis­to co­mo uma re­du­ção: um sol se tor­na uma es­pécie de mo­e­da.
Po­de­rí­a­mos di­zer que O Ma­go ma­ni­pu­la es­sa for­ça de ma­nei­ra re­du­to-­
ra ou de­so­nes­ta. Po­de­ria se tra­tar de um es­cro­que, ou ain­da de um “fi-­
lhi­nho de pa­pai” que não sa­be o va­lor do di­nhei­ro e o es­ban­ja...

Ti­ra­gem: XI A For­ça, XVI­I­II O Sol


Trans­la­ção: Es­tas car­tas mos­tram um ser mais es­pi­ri­tu­al agir so­bre
(ou em co­la­bo­ra­ção com) um ou­tro ser mais ani­mal. Em A For­ça, a mu-­
lher es­tá com as mãos pos­tas na bo­ca do le­ão, po­de­rí­a­mos di­zer que ela
ten­ta con­tro­lá-lo, tal­vez pa­ra que se ca­le. Em O Sol, um per­so­na­gem
mar­ca­do por três pon­tos (ver pp. 233, 257 ss.) guia ou­tro per­so­na­gem
se­me­lhan­te, mas que pos­sui uma pe­que­na cau­da que pa­re­ce in­di­car sua
li­ga­ção com a ani­ma­li­da­de (ver pp. 257 ss.)
O ser es­pi­ri­tu­al d’A For­ça age so­bre o ser ani­mal que é o le­ão; o ser es­pi­ri­tu­al do Sol (à
nos­sa di­rei­ta, mar­ca­do com três pon­tos) guia um ser mais ani­mal (à nos­sa es­quer­da,
com uma pe­que­na cau­da).

Lei­tu­ra: Po­de­rí­a­mos di­zer que a bus­ca que co­me­ça em A For­ça re­a­li­za


a cons­tru­ção de uma no­va vi­da em O Sol. Uma pes­soa en­trou em con­ta-­
to com sua cri­a­ti­vi­da­de, seu eu pro­fun­do, seu in­cons­ci­en­te, mas ain­da
se sen­te di­fe­ren­te des­sa en­ti­da­de vis­ta co­mo um ani­mal. Em O Sol, as
du­as ins­tân­cias do ser co­la­bo­ram co­mo du­as en­ti­da­des gê­meas, a pes-­
soa es­tá em ple­no acor­do con­si­go mes­ma, e pa­ra le­var a ca­bo as mu­dan-­
ças pro­fun­das da no­va vi­da, a par­te es­pi­ri­tu­al da nos­sa vi­da se tor­na um
guia in­te­ri­or no qual con­fi­a­mos ple­na­men­te.

EXER­CÍ­CIOS COM UM(A) PA­RE­CEI­RO(A): PER­GUN­TAS À TEM­PE­RAN­ÇA


– Por que vo­cê tem du­as ser­pen­tes en­tre­la­ça­das aos seus pés?
Por­que eu as­su­mi to­das as ener­gi­as da Ter­ra. Es­sas du­as ser­pen­tes são a
ener­gia se­xu­al, o mas­cu­li­no e o fe­mi­ni­no que se en­tre­la­çam em mim e
se su­bli­mam nas mi­nhas asas azuis. Eu os pro­te­jo tan­to na Ter­ra co­mo no
Céu.

– Por que vo­cê der­ra­ma o con­te­ú­do de um va­so no ou­tro?


Eu fa­ço co­mu­ni­car as ener­gi­as, os flui­dos. Pe­la mi­nha ação, não há mais
ener­gi­as opos­tas, não exis­tem con­trá­rios, mas ape­nas com­ple­men­ta­res.
É o se­gre­do do equi­lí­brio.

– Qual é o sig­ni­fi­ca­do dos sig­nos ge­o­métri­cos que vo­cê tem no pei­to?


Os qua­tro pe­que­nos tri­ân­gu­los ama­re­los no meu pei­to re­pre­sen­tam os
qua­tro cen­tros do ser hu­ma­no: o in­te­lec­to, o cen­tro emo­ci­o­nal, o cen­tro
se­xu­al e cri­a­ti­vo e o do­mí­nio cor­po­ral. Es­ses cen­tros não se co­mu­ni­cam
en­tre eles, eles são jus­ta­pos­tos, ca­da um com sua lei pró­pria. Mas por
ci­ma, o cír­cu­lo ama­re­lo on­de se ins­cre­ve um tri­ân­gu­lo en­tre eles re­pre-­
sen­ta a quin­tes­sên­cia, o ser es­sen­ci­al que há em ca­da um de vo­cês, e
que se co­mu­ni­ca com ca­da um dos qua­tro cen­tros, per­mi­tin­do a har­mo-­
nia do ser hu­ma­no.

– Co­mo a sua pre­sen­ça se ma­ni­fes­ta na mi­nha vi­da?


Quan­do eu che­go, um per­fu­me ma­ra­vi­lho­so se des­pren­de. Te­nho uma
flor ver­me­lha no al­to da ca­be­ça, que in­di­ca que meus pen­sa­men­tos são
per­fu­ma­dos. Em mim, as idei­as se ma­ni­fes­tam não sob a for­ma de pa­la-­
vras, mas co­mo um per­fu­me.

– Por que os seus olhos são ama­re­los?


Por­que o meu es­píri­to é pu­ra luz. Sou tu­do aqui­lo que ve­jo.
Exer­cí­cios com um(a) par­cei­ro(a)

Per­gun­tas e res­pos­tas

Um dos dois par­ti­ci­pan­tes es­co­lhe um Ar­ca­no a fim de lhe fa­zer uma


série de per­gun­tas. O se­gun­do par­ti­ci­pan­te to­ma a pa­la­vra em no­me do
Ar­ca­no e res­pon­de con­for­me sua in­tui­ção lhe su­ge­rir. Mui­to útil pa­ra
os es­tu­dan­tes do Ta­rot, es­te exer­cí­cio per­mi­te am­pli­ar a com­preen­são
das car­tas. (Ver o exem­plo na pági­na an­te­ri­or.)
A con­ver­sa ta­ro­ló­gi­ca ou Ta­rot do pô­quer

Os dois par­cei­ros ti­ram ca­da um cin­co car­tas ao aca­so, que co­lo­cam la-­
do a la­do, no sen­ti­do da lei­tu­ra. O pri­mei­ro abre as su­as cin­co uma por
uma e faz uma per­gun­ta por car­ta. O se­gun­do lhe res­pon­de abrin­do as
su­as pró­prias cin­co ou­tras car­tas uma por uma. De­pois, ca­da um ti­ra
mais cin­co car­tas do ma­ço e in­ver­tem os pa­peis.
A per­gun­ta po­de abor­dar o sen­ti­do da vi­da em ge­ral, pro­ble­mas que
di­zem res­pei­to à pes­soa que per­gun­ta, ou ain­da a re­la­ção que li­ga os
dois par­cei­ros, se eles já se co­nhe­cem bem.
Es­se exer­cí­cio de lei­tu­ra é ex­ce­len­te pa­ra de­sen­vol­ver a in­ter­pre­ta-­
ção pes­so­al dos Ar­ca­nos do Ta­rot e o di­á­lo­go. (Ver exem­plo abai­xo.)

Exem­plos de lei­tu­ra
— VI­I­II O Ere­mi­ta: Aon­de le­va a cri­se que es­tou vi­ven­do?
— O Lou­co: À tua li­ber­da­de!
— VI­II A Jus­ti­ça: O pro­ces­so em que es­tou im­pli­ca­da po­de me tra-­
zer al­gum di­nhei­ro?
— XV O Di­a­bo: Sim, mui­to!
— XI A For­ça: Es­tou ini­ci­an­do uma ati­vi­da­de. Se­rá que te­rei for­ça
pa­ra con­se­guir?
— X A Ro­da da For­tu­na: Sim, com aju­da de uma pes­soa ex­ter­na (a
ma­ni­ve­la da ro­da).
— I O Ma­go: O que eu po­de­ria co­me­çar aqui e ago­ra mes­mo?
— XXI O Mun­do: Vo­cê po­de co­me­çar en­tran­do em con­ta­to per­ma-­
nen­te com as qua­tro di­men­sões de si mes­mo: a sua ca­pa­ci­da­de de ser,
de amar, de cri­ar e de vi­ver.
— XI­II O Ar­ca­no sem no­me: O que de­vo trans­for­mar na mi­nha vi-­
da ago­ra?
— III A Im­pe­ra­triz: Vo­cê de­ve en­trar em con­ta­to com a sua cri­a­ti-­
vi­da­de, com o seu en­tu­si­as­mo, com os seus so­nhos de ado­les­cen­te!
O Ta­rot do pô­quer (va­ri­an­te)

Uma va­ri­an­te do Ta­rot do pô­quer po­de ser jo­ga­da en­tre um con­su­len­te


e um ta­ró­lo­go já ex­pe­ri­en­te. O con­su­len­te fa­rá a ca­da uma das cin­co
car­tas uma per­gun­ta que tra­ga den­tro de si, con­for­me seu co­nhe­ci­men-­
to pré­vio do Ta­rot ou con­for­me aqui­lo que os de­se­nhos lhe ins­pi­rem. O
ta­ró­lo­go or­ga­ni­za­rá su­as pró­prias car­tas co­me­çan­do por aque­la que
apre­sen­te mais pro­ble­mas até a que ofe­re­ce a mai­or re­a­li­za­ção, pa­ra
gui­ar a res­pos­ta em di­re­ção a um pro­ces­so de evo­lu­ção. Ini­cia-se, as-­
sim, uma es­pécie de “tau­ro­ma­quia po­si­ti­va” em que o con­su­len­te expõe
sua di­fi­cul­da­de e em que o ta­ró­lo­go lhe propõe res­pos­tas que o aju­dem.
O tra­ba­lho do ta­ró­lo­go con­sis­te em or­ga­ni­zar seu ma­te­ri­al de res­pos­tas
pa­ra aju­dar o con­su­len­te a de­se­nhar uma evo­lu­ção po­si­ti­va. (Exem­plo
abai­xo.)

Exem­plos de lei­tu­ra
Con­su­len­te: Ela re­cen­te­men­te per­deu a mãe.
— VI­I­II O Ere­mi­ta. A que de­vo re­nun­ci­ar?
— XI­II O Ar­ca­no sem no­me: A se afer­rar a al­go que se des­trói.
— XII O En­for­ca­do: Que pon­to de vis­ta no­vo de­vo ado­tar?
— XV O Di­a­bo: Vi­ver a sua pai­xão cri­a­do­ra.
— XI A For­ça: Por quais mei­os?
— V O Pa­pa: Pe­lo en­si­no.
— II­II O Im­pe­ra­dor: Por es­se meio ob­te­rei a paz?
— XVII A Es­tre­la: Por es­se meio vo­cê che­ga­rá à paz se pa­rar de
exi­gir e pas­sar a se de­di­car a do­ar.
— VI­II A Jus­ti­ça: Que ou­tra mãe pos­so en­con­trar?
— XXI O Mun­do: O cos­mos.
Ler três car­tas

A par­tir de três car­tas, po­de­mos con­si­de­rar que o tra­ba­lho de lei­tu­ra


pro­pri­a­men­te di­to co­me­ça: é a es­tru­tu­ra mais sim­ples, a “fra­se” de ba­se
que ofe­re­ce pos­si­bi­li­da­des qua­se in­fi­ni­tas. As es­tra­té­gias de lei­tu­ra com
três car­tas são nu­me­ro­sas. Po­de­mos es­co­lher uti­li­zar es­tru­tu­ras em que
as três car­tas re­pre­sen­tem três ele­men­tos prees­ta­be­le­ci­dos: pas­sa­do,
pre­sen­te, fu­tu­ro, por exem­plo. Mas, pou­co a pou­co, a ar­te da lei­tu­ra se
des­pren­de des­sas es­tru­tu­ras rígi­das, e apren­de­mos a nos dei­xar ori­en-­
tar pe­los de­ta­lhes, que unem ou opõem as car­tas: sím­bo­los, di­re­ção dos
mo­vi­men­tos ou dos olha­res dos per­so­na­gens, va­lor nu­méri­co dos Ar­ca-­
nos es­co­lhi­dos... A lei­tu­ra de três car­tas é uma ar­te que o es­tu­dan­te do
Ta­rot nun­ca ter­mi­na de apro­fun­dar.
Pa­ra se ini­ci­ar na lei­tu­ra de três car­tas, po­de­mos es­co­lher en­tre três
di­re­ções, da mais sim­ples à mais ela­bo­ra­da:
• Es­co­lher de an­te­mão uma es­tra­té­gia;
• Adap­tar a es­tra­té­gia de lei­tu­ra à ques­tão co­lo­ca­da;
• De­ter­mi­nar a es­tra­té­gia de lei­tu­ra as­sim que as car­tas fo­rem ti­ra-­
das, se­gun­do o de­se­nho ou o va­lor nu­méri­co, apoi­an­do-se par­ti­cu­lar-­
men­te nos ele­men­tos re­cor­ren­tes de uma car­ta pa­ra ou­tra (sím­bo­los e
co­res) e na di­re­ção dos olha­res dos per­so­na­gens.
Po­de­mos tam­bém le­var em con­ta a ma­nei­ra co­mo o con­su­len­te
dispõe fi­si­ca­men­te as três car­tas na me­sa. Se a or­dem das car­tas é neu-­
tra, se es­tão ali­nha­das ho­ri­zon­tal­men­te com es­pa­ço cons­tan­te en­tre
elas, is­so po­de in­di­car que a pes­soa é equi­li­bra­da, or­dei­ra, e que sua
per­gun­ta foi co­lo­ca­da se­re­na­men­te, ou com uma von­ta­de de con­tro­lar
os acon­te­ci­men­tos. Se o con­su­len­te dispõe as car­tas em um de­se­nho as-­
cen­den­te, po­de­rí­a­mos aí de­ci­frar uma ten­dên­cia oti­mis­ta, ao pas­so que
se a li­nha é des­cen­den­te, se­ria bom in­ter­ro­gá-lo pa­ra com­preen­der o
que mo­ti­va seu pes­si­mis­mo. Se as du­as pri­mei­ras car­tas es­tão jun­tas, e
a ter­cei­ra afas­ta­da, ou o con­trá­rio, a es­tra­té­gia de lei­tu­ra se­rá mo­di­fi­ca-­
da: de­ve ha­ver uma uni­ão en­tre os dois ele­men­tos e um sen­ti­men­to de
iso­la­men­to em re­la­ção ao ter­cei­ro ele­men­to.
Se, em vez de na ver­ti­cal, as car­tas es­ti­ve­rem in­cli­na­das pa­ra a fren-­
te, is­so po­de in­di­car um ím­pe­to nas­ci­do de uma de­ci­são men­tal de ir
em fren­te. Quan­do as car­tas es­tão in­cli­na­das pa­ra trás, po­de­mos ima­gi-­
nar que o con­su­len­te não tem von­ta­de de avan­çar, ou que avan­ça con­tra
sua von­ta­de. To­das es­sas in­ter­pre­ta­ções são da­das, bem en­ten­di­do, a tí-­
tu­lo de ilus­tra­ção, e de­vem so­bre­tu­do en­vol­ver o ta­ró­lo­go em um di­á­lo-­
go, mais do que se­rem to­ma­das co­mo in­dí­cios de­fi­ni­ti­vos.
Por fim, a par­tir da lei­tu­ra de três car­tas, po­de­mos sem­pre ti­rar uma
ou mais car­tas su­ple­men­ta­res pa­ra es­cla­re­cer a si­tu­a­ção, es­pe­ci­fi­car
uma dúvi­da, ver co­mo um blo­queio po­de ser su­pe­ra­do ou co­mo as
trans­for­ma­ções se es­ta­bi­li­zam. Se o Ta­rot pa­re­ce evo­car uma di­fi­cul­da-­
de, não há mo­ti­vo pa­ra per­ma­ne­cer ne­la. Po­de­mos nos per­gun­tar qual
se­rá a ori­gem e co­mo ela po­de ser re­sol­vi­da. O ta­ró­lo­go de­ve ser um ali-­
a­do pa­ra o con­su­len­te, sem ex­ces­so de pre­vi­sões, de jul­ga­men­tos ou de
di­ag­nósti­cos. Se con­si­de­ra­mos que o Ta­rot nos pas­sa uma men­sa­gem
vin­da do in­cons­ci­en­te, nos­so tra­ba­lho, co­mo lei­to­res, é tra­du­zir da me-­
lhor ma­nei­ra es­sa men­sa­gem pa­ra per­mi­tir que a pes­soa avan­ce em
uma di­re­ção útil, em di­re­ção à so­lu­ção de con­fli­tos, no ca­mi­nho da re­a-­
li­za­ção e do pro­gres­so, em di­re­ção à ale­gria, à cri­a­ti­vi­da­de, à paz, à
pros­pe­ri­da­de.
Ler com uma es­tra­té­gia prees­ta­be­le­ci­da

A lei­tu­ra com três car­tas é ao mes­mo tem­po sim­ples e mui­to ri­ca, pra­ti-­
ca­men­te ines­go­tá­vel. No en­tan­to, é pos­sí­vel se­pa­rar as es­tra­té­gias de
lei­tu­ra já es­tru­tu­ra­das que, em um pri­mei­ro mo­men­to, per­mi­tem que a
“fra­se” es­co­lhi­da pe­lo con­su­len­te fa­ça sen­ti­do.
A pri­mei­ra di­fi­cul­da­de com a qual o ta­ró­lo­go se con­fron­ta re­si­de na
cren­ça de que o Ta­rot ser­ve pa­ra pre­di­zer o fu­tu­ro. Ora, a ta­ro­lo­gia, ao
con­trá­rio da car­to­man­cia, con­sis­te não em de­ter­mi­nar hi­po­téti­cos
acon­te­ci­men­tos fu­tu­ros, mas em res­pon­der a uma per­gun­ta, da ma­nei-­
ra mais útil pos­sí­vel, apoi­an­do-se em ima­gens ri­cas em sím­bo­los. Pa­ra
fa­zê-lo, é pre­ci­so que se re­a­li­ze a lei­tu­ra do Ta­rot em um qua­dro: é aí
que a es­tra­té­gia de lei­tu­ra vem em nos­so au­xí­lio. Ela dá o sen­ti­do da in-­
ter­pre­ta­ção, co­mo o la­do do cam­po (co­mo no fu­te­bol ou no xa­drez, por
exem­plo) dá ori­en­ta­ção ao jo­go. A es­tra­té­gia é de­ci­di­da pe­lo lei­tor, se­ja
de an­te­mão, se­ja após a vi­são das car­tas. O nú­me­ro de es­tra­té­gias é po-­
ten­ci­al­men­te in­fi­ni­to.
Eis aqui cin­co es­tra­té­gias de lei­tu­ra mui­to sim­ples, com três car­tas,
clas­si­fi­ca­das pe­la or­dem da mais li­ne­ar à mais psi­co­ló­gi­ca. Em to­dos os
exem­plos, as car­tas são de­sig­na­das res­pec­ti­va­men­te por A, B e C. As
res­pos­tas da­das na lei­tu­ra são aqui vo­lun­ta­ri­a­men­te co­ti­di­a­nas e sim-­
ples. Po­de­mos evi­den­te­men­te ela­bo­rar res­pos­tas mais pro­fun­das, ten­do
co­mo re­fe­rên­cia os tex­tos so­bre os Ar­ca­nos mai­o­res, mas na fal­ta de
um con­su­len­te re­al, o pro­ces­so de lei­tu­ra é apre­sen­ta­do aqui sob a for-­
ma mais aces­sí­vel.

Es­tra­té­gia 1
As­pec­tos pas­sa­do, pre­sen­te e fu­tu­ro em uma si­tu­a­ção
A, B e C re­pre­sen­tam res­pec­ti­va­men­te o pas­sa­do, o pre­sen­te e aqui-­
lo que se pre­pa­ra no fu­tu­ro. (Ver exem­plo na pági­na 505.)
Es­tra­té­gia 2
Iní­cio, de­sen­vol­vi­men­to, re­sul­ta­do
Nes­te de­sen­vol­vi­men­to cro­no­ló­gi­co, A é um iní­cio que se de­sen­vol-­
ve em B e C. (Ver exem­plo na pági­na se­guin­te.)

Es­tra­té­gia 3
Os mo­ti­vos da si­tu­a­ção pre­sen­te
O iní­cio é em C, e re­vi­sa­mos o que foi pre­ci­so fa­zer pa­ra ali se che-­
gar. (Ver exem­plo na pági­na se­guin­te.)
Exem­plos de lei­tu­ra
Pre­sen­te, pas­sa­do e fu­tu­ro de uma si­tu­a­ção
Con­su­len­te: Se­rá que fi­nal­men­te con­se­gui­rei ti­rar mi­nha car­tei­ra de
ha­bi­li­ta­ção?
Ti­ra­gem: A: VII O Car­ro; B: XI­II O Ar­ca­no sem no­me, C: XVI­II O Sol
Lei­tu­ra: No pas­sa­do, vo­cê já ten­tou fa­zer es­se exa­me sem su­ces­so (o
prínci­pe con­duz um ve­í­cu­lo em O Car­ro). Mas ho­je em dia vo­cê mu­dou
(XI­II, a trans­for­ma­ção). Tal­vez vo­cê te­nha ad­qui­ri­do a cons­ciên­cia do
pe­ri­go ne­ces­sá­ria aos bons mo­to­ris­tas. No fu­tu­ro, vo­cê vai se pre­pa­rar
pa­ra a pro­va com su­ces­so (O Sol), des­de que con­si­de­re o exa­mi­na­dor
um ali­a­do e não um ini­mi­go...

A: as­pec­to pas­sa­do da si­tu­a­ção


B: as­pec­to pre­sen­te da si­tu­a­ção
C: as­pec­to fu­tu­ro da si­tu­a­ção

Iní­cio, de­sen­vol­vi­men­to e re­sul­ta­do


Con­su­len­te: Co­mo pos­so aju­dar mi­nha fi­lha nes­sa si­tu­a­ção di­fícil? (É
uma ado­les­cen­te tí­mi­da, em si­tu­a­ção de fra­cas­so es­co­lar.)
Ti­ra­gem: A: XVI­II A Lua, B: XVI A Tor­re, C: XVI­I­II O Sol
Lei­tu­ra: Vo­cê é a mãe de­la, o mo­de­lo fe­mi­ni­no de­la, a re­fe­rên­cia es­sen-­
ci­al, e a sua fi­lha es­tá pre­ci­sa­men­te na ida­de em que to­ma cons­ciên­cia
de sua fe­mi­ni­li­da­de (A Lua). Ela pre­ci­sa de ale­gria, de fes­ta, de ver no-­
vas pai­sa­gens (A Tor­re): per­mi­ta que ela po­nha ale­gria na pró­pria vi­da.
Por fim, o pa­pel do pai ou o ar­quéti­po pa­ter­no é im­por­tan­te (O Sol),
pois é tam­bém o olhar de­le que per­mi­ti­rá que sua fi­lha cres­ça. Ou en-­
tão, O Sol po­de in­ci­tar vo­cê a sair em fé­rias com a fa­mí­lia...

A: iní­cio
B: de­sen­vol­vi­men­to
C: re­sul­ta­do

Os mo­ti­vos da si­tu­a­ção
Con­su­len­te: De on­de vem o con­fli­to com meu só­cio na em­pre­sa?
Ti­ra­gem: A: II­II O Im­pe­ra­dor, B: VI­I­II O Ere­mi­ta, C: O Ma­go
Lei­tu­ra: Ho­je vo­cê se en­con­tra con­fron­ta­do com uma es­co­lha a ser fei-­
ta: al­guém lhe de­ve di­nhei­ro (O Ma­go tem uma mo­e­da de ou­ro na
mão), em to­do ca­so a so­lu­ção do pro­ble­ma não es­tá em su­as mãos. Não
te­nha dúvi­da: vo­cê dispõe dos re­cur­sos pa­ra co­me­çar a sa­nar a si­tu­a-­
ção. O con­fli­to vem do fa­to de que o seu só­cio e vo­cê não têm os mes-­
mos va­lo­res, nem os mes­mos re­cur­sos: em­bo­ra vo­cê se­ja um ho­mem
es­pi­ri­tu­al­men­te ri­co, mas me­nos po­de­ro­so fi­nan­cei­ra­men­te (O Ere­mi-­
ta), vo­cê tem ne­gó­cios com al­guém mui­to mais ma­te­ri­a­lis­ta (O Im­pe­ra-­
dor) cu­jos ob­je­ti­vos não pri­vi­le­gi­am a co­la­bo­ra­ção com vo­cê (O Im­pe-­
ra­dor vi­ra as cos­tas pa­ra O Ere­mi­ta).

A e B: o que foi pre­ci­so fa­zer ou o que se pro­du­ziu pa­ra que a si­tu­a­ção ocor­res­se.
C: a si­tu­a­ção

IN­FLUÊN­CIAS ATI­VAS E RE­CEP­TI­VAS

Es­tra­té­gia 4 • O trio fa­mi­li­ar


Con­su­len­te: Por que te­nho tan­ta di­fi­cl­da­de pa­ra en­gra­vi­dar?
Lei­tu­ra: Vo­cê é re­pre­sen­ta­da pel’A Ro­da da For­tu­na, que si­na­li­za um blo-­
queio no pre­sen­te li­ga­do a um enig­ma emo­ci­o­nal (a es­fin­ge). A sua fe-­
cun­di­da­de não es­tá em ques­tão, mas vo­cê ain­da é pri­si­o­nei­ra das con-­
tra­di­ções dos seus pais. O seu pai (A Pa­pi­sa) pa­re­ce mui­to mar­ca­do pe­la
pró­pria mãe, uma mu­lher ide­a­li­za­da que tal­vez te­nha trans­mi­ti­do a ele
um ide­al re­li­gi­o­so ou in­te­lec­tu­al. Pa­ra sa­tis­fa­zê-lo, vo­cê ten­de a se com-­
por­tar co­mo um es­píri­to pu­ro, ne­gan­do o pró­prio cor­po e a pró­pria ca-­
pa­ci­da­de de pro­cri­ar. A sua mãe (O Na­mo­ra­do) pa­re­ce pre­sa a um con-­
fli­to emo­ci­o­nal: se­rá que a so­gra in­ter­veio ex­ces­si­va­men­te no ca­sa­men-­
to (os per­so­na­gens d’O Na­mo­ra­do re­pre­sen­tam, en­tão, o ca­sal e a so-­
gra, na ex­tre­ma es­quer­da)? Que ti­po de vi­são do amor, da ma­ter­ni­da­de,
do fe­mi­ni­no, es­sa si­tu­a­ção trans­mi­tiu a vo­cê? De que ma­nei­ra es­sa vi­são
po­de freá-la em seu de­se­jo de ser mãe?

Es­tra­té­gia 5 • As for­ças agen­tes (ca­so 1)


Con­su­len­te: Co­mo co­la­bo­rar com mi­nha es­po­sa pa­ra le­var adi­an­te nos-­
so pro­je­to de uma pou­sa­da no cam­po?
Lei­tu­ra: O pro­je­to é con­du­zi­do por um im­pul­so (O Lou­co). Sua es­po­sa é
ca­paz de agir com mui­ta for­ça e de­ter­mi­na­ção (O Car­ro). Vo­cê re­pre-­
sen­ta so­bre­tu­do as for­ças do equi­lí­brio e da mo­de­ra­ção, am­bas tam-­
bém ne­ces­sá­rias à boa con­du­ção do pro­je­to (Tem­pe­ran­ça).
(ca­so 2)

Con­su­len­te: O que me im­pe­de de es­cre­ver po­e­sia?


Lei­tu­ra: Vo­cê ama in­fi­ni­ta­men­te a po­e­sia (O Na­mo­ra­do). É uma vo­ca­ção
e uma ale­gria pa­ra vo­cê. Mas no mo­men­to a sua mu­sa es­tá em cri­se (VI­I-­
II). Tal­vez vo­cê se sin­ta so­zi­nho, mal-ama­do, in­su­fi­ci­en­te­men­te re­co­nhe-
ci­do. Po­de-se di­zer que vo­cê sim­ples­men­te es­tá se pre­pa­ran­do pa­ra um
no­vo im­pul­so cri­a­ti­vo, pois O Ere­mi­ta po­de sig­ni­fi­car tam­bém uma cri­se
po­si­ti­va. Em to­do ca­so, o fa­to de re­tar­dar a ação (Tem­pe­ran­ça, do la­do
ati­vo) não lhe aju­da. Vo­cê tal­vez de­ves­se es­cre­ver ain­da que uma li­nha
por dia, mes­mo que não se sin­ta ins­pi­ra­do... Pois a pa­ciên­cia e a ina­ção
não são su­as ali­a­das.

Es­tra­té­gia 4
O trio fa­mi­li­ar e sua in­fluên­cia so­bre o con­su­len­te
As­sim co­mo os per­so­na­gens d’O Jul­ga­men­to (XX), as car­tas re­pre-­
sen­ta­rão nes­sa or­dem a mãe, a cri­an­ça e o pai. (Exem­plo abai­xo.)

Es­tra­té­gia 5
As for­ças agen­tes: re­cep­ção-ação
Na mes­ma or­dem de idei­as, mas em um pla­no mais sim­bóli­co, po-­
de­mos de­ci­dir que as car­tas re­pre­sen­tam a uni­ão en­tre for­ças re­cep­ti-­
vas e ati­vas, do­an­do sua ener­gia pa­ra uma obra co­mum.
(Pa­ra as du­as car­tas se­guin­tes, ver exem­plos abai­xo.)
Ca­so 1: A uni­ão po­de ser har­mo­ni­o­sa: uni­ão de A e C por um re­sul-­
ta­do B que ele­ve o con­su­len­te ou pro­je­to co­mum.
Ca­so 2: A uni­ão po­de tam­bém ser de­sar­mo­ni­o­sa, in­clu­si­ve pe­ri­go­sa:
as car­tas A e C cor­rem o ris­co de re­bai­xar o con­sul­tan­te em B.

CIN­CO ES­TRA­TÉ­GIAS EM TOR­NO DE UMA PER­GUN­TA


Eis co­mo as cin­co es­tra­té­gias que es­tu­da­mos nas pági­nas pre­ce­den­tes nos
per­mi­tem res­pon­der com nu­an­ces di­fe­ren­tes à mes­ma per­gun­ta. Po­de­mos
co­me­çar es­que­ma­ti­zan­do mui­to sim­ples­men­te as for­ças pre­sen­tes nas car-­
tas A, B e C, uti­li­zan­do uma ou du­as pa­la­vras-cha­ve por Ar­ca­no. Po­de­mos
de­pois de­ta­lhar ou com­bi­nar as ob­ser­va­ções fei­tas se­gun­do ca­da es­tra­té-­
gia, di­a­lo­gan­do com o con­su­len­te pa­ra al­can­çar a res­pos­ta que o aju­de
mais.
Per­gun­ta: A pes­soa em quem es­tou pen­san­do é dig­na de ser meu pro­fes-­
sor?
Ti­ra­gem: A: O Lou­co. B: II­II O Im­pe­ra­dor. C: XVI­I­II O Sol
Pa­la­vras-cha­ve: O Lou­co: ener­gia, ím­pe­to. O Im­pe­ra­dor: po­tên­cia, es­ta­bi­li-­
da­de, es­píri­to ra­ci­o­nal. O Sol: uni­ão, re­a­li­za­ção, pai ide­al, no­va cons­tru­ção.
Es­tra­té­gia 1 (pas­sa­do, pre­sen­te, fu­tu­ro): Vo­cê de­di­cou mui­ta ener­gia no
pas­sa­do a es­sa bus­ca (A). Ho­je em dia, vo­cê es­tá em ple­na pos­se do seu
es­píri­to ra­ci­o­nal, e vo­cê tem o po­der de jul­gar o que é bom pa­ra vo­cê (B).
Mas vo­cê sen­te que no fu­tu­ro se­rá pre­ci­so, co­mo o per­so­na­gem da es­quer-­
da d’O Sol, acei­tar a aju­da de um ser es­pi­ri­tu­al, que já su­pe­rou o ra­ci­o­nal,
pa­ra co­nhe­cer no­vas re­gi­ões do seu es­píri­to (C).
Es­tra­té­gia 2 (iní­cio, de­sen­vol­vi­men­to, re­sul­ta­do): Vo­cê faz o ges­to de ir
em fren­te (A), em di­re­ção a um ho­mem de po­der (B), e vo­cê re­a­li­za com
ele uma uni­ão es­pi­ri­tu­al (C).
Es­tra­té­gia 3 (mo­ti­vos da si­tu­a­ção): Vo­cê já en­con­trou e es­co­lheu seu mes-­
tre (C). Is­so exi­ge de vo­cê uma de­ter­mi­na­ção enérgi­ca (A) e a acei­ta­ção de
sua po­tên­cia (B).
Es­tra­té­gia 4 (o trio fa­mi­li­ar): Vo­cê é uma pes­soa es­tá­vel (B). Sua mãe tal­vez
fos­se um pou­co de­sor­ga­ni­za­da (A) e seu pai, um mo­de­lo ide­al (C). É ao
mes­mo tem­po o mo­ti­vo pe­lo qual vo­cê es­tá em bus­ca de um mes­tre (que
su­pra a de­sor­ga­ni­za­ção ma­ter­na), e pe­lo qual vo­cê du­vi­da de­le (ele não
po­de igua­lar o pai).
Es­tra­té­gia 5 (as for­ças agen­tes):
(ca­so 1)
Vo­cê po­de unir em si a or­dem d’O Sol (C) e o ca­os d’O Lou­co (A) pa­ra con-­
quis­tar a po­tên­cia e o equi­lí­brio que de­se­ja. O mes­tre es­tá aci­ma de tu­do
em vo­cê mes­mo, um pro­fes­sor ex­ter­no po­de ori­en­tá-lo no ca­mi­nho de seu
pró­prio va­lor.
(ca­so 2)
Cui­da­do pa­ra não pôr em con­fli­to es­sas du­as for­ças que aca­ba­mos de evo-­
car (A, lou­cu­ra e C, sa­be­do­ria). Pois sob pre­tex­to de en­trar em con­fli­to com
o mes­tre, vo­cê en­tra­ria em con­fli­to com sua par­te fe­mi­ni­na, que vo­cê não
to­le­ra (re­pre­sen­ta­da pel’O Lou­co, in­fluên­cia ma­ter­na).
As pos­si­bi­li­da­des de ação do con­su­len­te

Es­tra­té­gia de lei­tu­ra e tra­ba­lho so­bre a per­gun­ta


O exem­plo pre­ce­den­te nos mos­tra que a to­do mo­men­to te­mos di­ver­sas
es­tra­té­gias pos­sí­veis pa­ra ler três car­tas. Quan­do não se é mais pri­si­o-­
nei­ro da ne­ces­si­da­de de en­con­trar a res­pos­ta cer­ta, a lei­tu­ra do Ta­rot se
tor­na uma con­ver­sa te­ra­pêu­ti­ca. Com a con­cor­dân­cia do con­su­len­te e a
par­tir de uma es­tra­té­gia de lei­tu­ra de­ter­mi­na­da, po­de­mos tra­ba­lhar a
for­mu­la­ção da per­gun­ta.
As exi­gên­cias dos con­su­len­tes ex­pri­mem fre­quen­te­men­te uma an-­
gús­tia em re­la­ção ao fu­tu­ro: “Tal coi­sa te­rá su­ces­so?”, “Os meus de­se­jos
se re­a­li­za­rão?”, “Es­sa pes­soa me ama?”. Não po­de­mos res­pon­der a tais
per­gun­tas, pois is­so equi­va­le­ria a pre­ver o fu­tu­ro. Mas po­de­mos re­for-­
mu­lar de ma­nei­ra que per­mi­ta ao con­su­len­te vol­tar a ser se­nhor do
pró­prio des­ti­no: “O que pos­so fa­zer pa­ra que tal coi­sa te­nha su­ces­so?”,
“Em que di­re­ção tra­ba­lhar, o que pos­so mo­di­fi­car pa­ra que o meu de­se-­
jo se re­a­li­ze?”, “Qual é a na­tu­re­za da re­la­ção que me li­ga a es­sa pes-­
soa?”. Quan­do as per­gun­tas são pos­tas des­sa ma­nei­ra, elas in­clu­em o
con­su­len­te co­mo su­jei­to ati­vo da pró­pria vi­da, e não co­mo jo­gue­te de
um des­ti­no to­do-po­de­ro­so.
Eis aqui du­as es­tra­té­gias de lei­tu­ra pa­ra uma mes­ma ti­ra­gem de três
car­tas. Es­sa es­co­lha per­mi­ti­rá de­ter­mi­nar quais são as for­ças pre­sen­tes
pa­ra o be­ne­fí­cio da pes­soa que faz a per­gun­ta.

QUAN­DO PER­GUN­TAR AO TA­ROT NOS TOR­NA AU­TO­RES E ATO­RES DA


PRÓ­PRIA EXIS­TÊN­CIA
Con­su­len­te: A pri­mei­ra per­gun­ta é: o que vai acon­te­cer no meu tra­ba-­
lho?
Ti­ra­gem: A: XVI­I­II O Sol. B: XI­II O Ar­ca­no sem no­me. C: VI­II A Jus­ti­ça
Es­tra­té­gia 1
Evo­lu­ção de uma si­tu­a­ção
Se­guin­do es­ta es­tra­té­gia, tra­ba­lha­mos no sen­ti­do de re­o­ri­en­tar e re­for-­
mu­lar a per­gun­ta. Ela se tor­na:
Per­gun­ta: Que ti­po de evo­lu­ção eu ve­jo se con­fi­gu­rar no meu tra­ba­lho?
Lei­tu­ra: No pas­sa­do (A), vo­cê foi fe­liz e sa­tis­fei­ta com o tra­ba­lho, mas o
tra­ba­lho cor­res­pon­dia a um do­mí­nio mas­cu­li­no, ou tal­vez à am­bi­ção so-­
ci­al in­cul­ca­da pe­lo pai. Atu­al­men­te (B), vo­cê es­tá em bus­ca de uma
trans­for­ma­ção, pois no fu­tu­ro (C) vo­cê pre­fe­ri­rá (e vai se pre­pa­rar pa­ra
en­con­trar) uma ati­vi­da­de que cor­res­pon­da mais pro­fun­da­men­te à sua
na­tu­re­za fe­mi­ni­na. Vo­cê pre­ci­sa se do­ar pa­ra aqui­lo que vo­cê me­re­ce:
tal­vez um tra­ba­lho mais gra­ti­fi­can­te ou que fa­ça jus­ti­ça a um ta­len­to até
en­tão inex­plo­ra­do.
Es­tra­té­gia 2
Ler co­mo uma fra­se
Se­guin­do es­sa es­tra­té­gia, a per­gun­ta se tor­na:
Per­gun­ta: O que es­tou fa­zen­do, o que pos­so fa­zer, no meu tra­ba­lho?
Lei­tu­ra: A (su­jei­to): O Sol sim­bo­li­za aqui a con­su­len­te, um su­jei­to em
bus­ca de uma pas­sa­gem, de uma mu­ta­ção es­pi­ri­tu­al que a se­pa­re do
pas­sa­do e lhe per­mi­ta em­preen­der uma no­va cons­tru­ção. B (ver­bo,
ação): Com o Ar­ca­no sem no­me, es­ta no­va cons­tru­ção ne­ces­si­ta de uma
trans­for­ma­ção ra­di­cal. Mas se tra­ta de trans­for­mar o quê? C (com­ple-­
men­to): O Ar­ca­no VI­II nos for­ne­ce a res­pos­ta: é pre­ci­so se des­fa­zer de
uma cer­ta ideia de per­fei­ção. Es­se per­fec­ci­o­nis­mo foi in­cul­ca­do pe­la
mãe, ou pe­la ima­gem que a ár­vo­re ge­ne­a­ló­gi­ca faz do pa­pel da mu­lher.
A con­su­len­te, re­pre­sen­ta­da pel’O Sol, in­te­gra va­lo­res po­si­ti­vos que lhe
per­mi­tem em­preen­der uma mu­ta­ção (Ar­ca­no sem no­me) pa­ra en­con­trar
sua ver­da­dei­ra na­tu­re­za fe­mi­ni­na e seu equi­lí­brio pes­so­al (A Jus­ti­ça).
Re­su­mo: A lei­tu­ra po­de ser re­su­mi­da da se­guin­te ma­nei­ra: vo­cê es­tá em
um mo­men­to de tran­si­ção im­por­tan­te, em bus­ca do seu ser ver­da­dei­ro.
Is­so se tra­duz pe­la ne­ces­si­da­de de trans­for­mar sua ati­tu­de sub­mis­sa di-­
an­te das au­to­ri­da­des e de reen­con­trar o sen­ti­do do seu va­lor pro­fun­do.

Es­tra­té­gia 1
Evo­lu­ção de uma si­tu­a­ção
Em vez de per­gun­tar so­bre “o que vai acon­te­cer”, po­de­mos re­o­ri­en-­
tar a ques­tão, con­cen­tran­do-nos na no­ção de evo­lu­ção. Es­ta lei­tu­ra, do
ti­po “pas­sa­do-pre­sen­te-fu­tu­ro”, es­cla­re­ce­rá a ma­nei­ra co­mo o con­su-­
len­te vi­veu o tra­ba­lho até re­cen­te­men­te (car­ta A), sua ati­tu­de na si­tu­a-­
ção pre­sen­te (car­ta B) e a evo­lu­ção que ela vi­sa em um fu­tu­ro próxi­mo,
as­sim co­mo as for­ças que lhe per­mi­ti­rão re­a­li­zar es­sa evo­lu­ção (car­ta
C). (Ver exem­plo na pági­na se­guin­te.)

Es­tra­té­gia 2
Ler co­mo uma fra­se
Uma ou­tra es­tra­té­gia pos­sí­vel é a lei­tu­ra gra­ma­ti­cal na qual as car-­
tas têm lu­gar res­pec­ti­va­men­te de su­jei­to, ver­bo e com­ple­men­to. Es­ta
es­tra­té­gia tem por in­te­res­se dar ao con­su­len­te seu lu­gar de su­jei­to ati-­
vo. A car­ta A re­pre­sen­ta o su­jei­to da fra­se; a car­ta B re­pre­sen­ta o ver­bo,
a ação; a car­ta C re­pre­sen­ta o com­ple­men­to. (Ver exem­plo na pági­na
se­guin­te.)
Sa­ber re­po­si­ci­o­nar as car­tas pa­ra en­con­trar a res­pos­ta
de mai­or au­xí­lio

Não há na­da de fa­tídi­co em uma lei­tu­ra do Ta­rot, na­da que es­te­ja de­ci-­
di­do de an­te­mão. As car­tas pos­tas na me­sa são re­tân­gu­los de pa­pel im-
pres­so, e não uma sen­ten­ça ir­re­vo­gá­vel. Um ta­ró­lo­go evo­lu­í­do de­ve se
des­fa­zer da no­ção de des­ti­no e de pre­vi­são. Ele ou ela não es­tão aí pa­ra
dar con­se­lhos, mas pa­ra mos­trar à pes­soa su­as pró­prias pos­si­bi­li­da­des
a fim de que ela en­con­tre so­zi­nha aqui­lo que po­de fa­zer.
No mo­men­to em que o con­su­len­te es­co­lhe as car­tas que cor­res­pon-­
dem à sua per­gun­ta, ele es­ta­be­le­ce uma fo­to­gra­fia ins­tan­tâ­nea de seu
in­cons­ci­en­te a par­tir da qual po­de­re­mos tra­ba­lhar. Eis por que, de­pois
de ter li­do a “fra­se”, tal co­mo o con­su­len­te a for­mu­lou, é pos­sí­vel mu-­
dar a or­dem das car­tas pa­ra es­ta­be­le­cer, com os mes­mos ele­men­tos,
uma ati­tu­de de vi­da que per­mi­te dar à per­gun­ta uma res­pos­ta mais po-­
si­ti­va, mais efi­caz, mais adap­ta­da ao de­se­jo pro­fun­do do con­su­len­te.
Po­de­mos sem­pre fa­zer, pa­ra três car­tas, seis lei­tu­ras pos­sí­veis: A-B-
C / B-C-A / B-A-C / C-A-B /C-B-A / A-C-B. O po­si­ci­o­na­men­to na or-­
dem nu­méri­ca pro­gres­si­va in­di­ca ge­ral­men­te um ca­mi­nho de re­a­li­za-­
ção, por­que a es­tru­tu­ra dos Ar­ca­nos mai­o­res se­gue a or­dem nu­méri­ca
cres­cen­te. Mas, co­mo sem­pre ocor­re com o Ta­rot, is­so não é uma lei ab-­
so­lu­ta. Às ve­zes, a es­tru­tu­ra das car­tas su­ge­re uma ou­tra or­dem de re­a-­
li­za­ção.
Re­to­me­mos pa­ra co­me­çar o exem­plo da pági­na 508, des­sa vez mu-­
dan­do a or­dem das car­tas:
Con­su­len­te: De­se­jo en­con­trar um pro­fes­sor no meu cam­po de in­te­res-­
se.
Ti­ra­gem: O Lou­co, XVI­I­II O Sol, II­II O Im­pe­ra­dor
Lei­tu­ra 1: Nes­ta or­dem, po­de­mos di­zer que vo­cê bus­ca com mui­ta
ener­gia (O Lou­co) um ide­al que subs­ti­tua o pai (XVI­I­II). Mas vo­cê cor-­
re o ris­co de se de­cep­ci­o­nar, pois se­rá con­fron­ta­do com um ho­mem re­al
(II­II).
Re­po­si­ci­o­na­men­to: Eis o que evo­cam as ou­tras con­fi­gu­ra­ções:

Lei­tu­ra 2: Bus­can­do o ide­al (XVI­I­II), vo­cê en­con­trou um ho­mem nor-­


mal (II­II) e fu­giu cor­ren­do (O Lou­co).
Lei­tu­ra 3: Vo­cê é uma pes­soa de gran­de va­lor (XVI­I­II). Pa­ra que bus-­
car (O Lou­co) um mes­tre que lhe se­ja in­fe­ri­or (II­II)?

Lei­tu­ra 4: A sua bus­ca do pai dá re­sul­ta­do: vo­cê aban­do­na o ra­ci­o­nal


(II­II) pa­ra se lan­çar em di­re­ção aos en­si­na­men­tos ge­ne­ro­sos de um
per­so­na­gem so­lar (XVI­I­II).

Lei­tu­ra 5: Vo­cê en­con­tra o mes­tre, mas o aban­do­na em se­gui­da: o en-­


con­tro foi o su­fi­ci­en­te pa­ra vo­cê se li­ber­tar.
Lei­tu­ra 6: To­ma­do de gran­de ener­gia (O Lou­co), vo­cê en­con­tra um
mes­tre ao mes­mo tem­po re­al e po­ten­te (II­II) que lhe per­mi­te en­trar
em um pro­ces­so de uma no­va cons­tru­ção (XVI­I­II).
Po­de­mos ler as­sim as seis con­fi­gu­ra­ções pos­sí­veis e de­ter­mi­nar
qual é a me­lhor pa­ra o con­su­len­te. No exem­plo pre­ce­den­te, pro­va­vel-­
men­te a úl­ti­ma so­lu­ção (or­dem nu­méri­ca dos Ar­ca­nos) é a mais fa­vo­rá-­
vel. Se­gun­do exem­plo:
Con­su­len­te: Um ho­mem e uma mu­lher per­gun­tam so­bre seu de­se­jo de
ter um fi­lho.
Ti­ra­gem: III A Im­pe­ra­triz, XX O Jul­ga­men­to, II­II O Im­pe­ra­dor
Lei­tu­ra: A or­dem em que as car­tas sa­í­ram é bas­tan­te fa­vo­rá­vel ao de­se-­
jo do ca­sal, por­que os per­so­na­gens d’O Jul­ga­men­to pa­re­cem aco­lher o
no­vo nas­ci­men­to. O Ar­ca­no XX es­tá cer­ca­do à es­quer­da por uma car­ta
que re­pre­sen­ta uma mu­lher e à di­rei­ta por uma car­ta que re­pre­sen­ta
um ho­mem, que po­de­rí­a­mos as­so­ci­ar res­pec­ti­va­men­te à con­su­len­te e
seu com­pa­nhei­ro. Por con­se­guin­te, a or­dem nu­méri­ca cres­cen­te não é
um va­lor ab­so­lu­to.
Es­tra­té­gia de re­po­si­ci­o­na­men­to
En­tre as pos­si­bi­li­da­des, es­co­lhe­re­mos as mais po­si­ti­vas e aque­las que re­ve­lam um as­-
pec­to da si­tu­a­ção que pos­sa ser útil ao con­su­len­te.

Re­po­si­ci­o­na­men­to: or­dem ACB


Lei­tu­ra: Nes­ta or­dem, a lei­tu­ra é igual­men­te po­si­ti­va: a re­la­ção Im­pe-­
ra­triz-Im­pe­ra­dor re­sul­ta no sur­gi­men­to de uma no­va cons­ciên­cia.

Re­po­si­ci­o­na­men­to: or­dem CBA


Lei­tu­ra: Por ou­tro la­do, se as car­tas se apre­sen­ta­rem nes­ta or­dem, is­so
po­de­rá sig­ni­fi­car que as ener­gi­as se­xu­ais es­tão in­ver­ti­das no ca­sal: a
mu­lher é mas­cu­li­na e o ho­mem, fe­mi­ni­no. Ain­da que com­ple­men­ta­res,
se­rá pre­ci­so que eles te­nham o cui­da­do de não apa­gar as re­fe­rên­cias
pa­ra a cri­an­ça que vai nas­cer.No ter­cei­ro exem­plo a se­guir, a es­tra­té­gia
de lei­tu­ra ado­ta­da se­rá con­si­de­rar a car­ta do cen­tro co­mo a mais es­tá-­
vel, um es­ta­do pro­fun­do e imu­tá­vel do con­su­len­te. A pri­mei­ra car­ta é
aque­la on­de tu­do nas­ce e a ter­cei­ra, on­de tu­do se des­faz: nas­ci­men­to,
con­ser­va­ção, dis­so­lu­ção, co­mo na trin­da­de di­vi­na in­di­a­na. Po­de­rí­a­mos,
en­tão, in­ver­ter a or­dem das car­tas A e C, o que equi­va­le a in­ver­ter o
sen­ti­do da lei­tu­ra.

Con­su­len­te: (Ator) Se­rei cha­ma­do pa­ra tra­ba­lhar nes­se fil­me?


Ti­ra­gem: A: XI A For­ça, B: XVI­II A Lua, C: XV O Di­a­bo
Lei­tu­ra: No meio, uma imen­sa re­cep­ti­vi­da­de, uma imen­sa exi­gên­cia
(XVI­II). O cen­tro de in­te­res­se des­se jo­vem ator é a exi­gên­cia, o de­se­jo
de ser es­co­lhi­do... Não o jul­ga­mos, mas po­de­rí­a­mos nos per­gun­tar se
não se­ria pre­ci­so um pou­co mais de ação da par­te do con­su­len­te. A Lua
quer que lhe do­em, ela es­tá em es­ta­do per­ma­nen­te de re­cep­ti­vi­da­de.
Em ma­té­ria de ar­te, e em uma in­dús­tria co­mo o ci­ne­ma, se­rá que uma
ati­tu­de des­sas é vi­á­vel? É pre­ci­so agir na re­a­li­da­de. A For­ça quer agir,
mas ela se trans­for­ma em uma Lua exi­gen­te. Com o XV, ela ga­nha uma
amar­ra­ção. O XV po­de re­pre­sen­tar um con­tra­to. O fil­me se­rá pos­sí­vel
des­de que A For­ça se­ja gran­de o su­fi­ci­en­te pa­ra su­pe­rar o obs­tá­cu­lo da
es­pe­ra.
Es­tra­té­gia de re­po­si­ci­o­na­men­to
Nes­te ca­so, a per­gun­ta do con­su­len­te é so­bre co­me­çar al­gu­ma coi­sa. Is­so cor­res­pon­de
à car­ta A (A For­ça). Re­or­ga­ni­za­mos a ti­ra­gem pa­ra fa­zer com que ela atin­ja es­se ob­je­ti­vo
e che­gue a es­se fim (A For­ça na ter­cei­ra po­si­ção).

Re­po­si­ci­o­na­men­to: CBA
Lei­tu­ra: O pri­mei­ro pas­so (XV) já po­de ser tan­to um con­tra­to quan­to
uma enor­me cri­a­ti­vi­da­de. Aqui, o ar­tis­ta re­sol­veu o pro­ble­ma. Ob­te­ve o
con­tra­to de­se­ja­do, ou ain­da se dis­pôs a tra­ba­lhar em fun­ção de seu ta-­
len­to: pro­du­zin­do o fil­me ou o di­ri­gin­do ele mes­mo. A Lua es­tá, en­tão,
em es­ta­do de acei­ta­ção, e en­tra em ação, com A For­ça.
Os as­pec­tos psi­co­ló­gi­cos da lei­tu­ra do Ta­rot

Pa­ra ler o Ta­rot, é pre­ci­so es­tar cons­ci­en­te de que tu­do es­tá em mo­vi-­
men­to no uni­ver­so, em mu­dan­ça per­pé­tua. Por con­se­guin­te, o con­su-­
len­te tam­bém. Se ve­mos a pes­soa à nos­sa fren­te co­mo di­nâ­mi­ca, es­ta-­
mos proi­bi­dos de fa­zer pre­vi­sões que a imo­bi­li­zem. Ao con­trá­rio, ge­ral-­
men­te per­mi­ti­mos que ela ori­en­te seu mo­vi­men­to na di­re­ção que lhe
for mais útil.
Os as­pec­tos pas­sa­do, pre­sen­te e fu­tu­ro ocor­rem si­mul­ta­ne­a­men­te
em nós. A for­ma­ção que re­ce­be­mos na in­fân­cia de nos­so gru­po fa­mi­li­ar
con­ti­nua a agir nos nos­sos com­por­ta­men­tos. Es­se pre­sen­te, mui­to in-­
flu­en­ci­a­do pe­lo nos­so pas­sa­do, con­tém em ger­me um fu­tu­ro. É mu­dan-­
do de olhar so­bre nos­sa si­tu­a­ção atu­al que po­de­mos nos ori­en­tar pa­ra o
ob­je­ti­vo que que­re­mos mais al­can­çar.
Es­sa to­ma­da de cons­ciên­cia va­le tam­bém pa­ra o pró­prio lei­tor do
Ta­rot, que, cons­ci­en­te do po­der con­fe­ri­do por sua po­si­ção di­an­te de
uma pes­soa em bus­ca de aju­da ou de con­se­lhos, de­ve­ria con­si­de­rar o
exer­cí­cio de sua ar­te co­mo opor­tu­ni­da­de de iden­ti­fi­car ca­da vez mais
pre­ci­sa­men­te su­as pro­je­ções e fi­car ca­da vez mais sim­ples­men­te a ser-­
vi­ço da pes­soa.
Aju­dar o con­su­len­te a re­sol­ver as con­tra­di­ções

Fre­quen­te­men­te, os ob­je­ti­vos que le­vam uma pes­soa a con­sul­tar um


lei­tor de Ta­rot se tor­nam con­fu­sos por de­se­jos con­tra­di­tó­rios. Não so-­
mos um blo­co: que­re­mos uma coi­sa e seu con­trá­rio, um me­do dis­si­mu-­
la um de­se­jo, pro­je­ta­mos so­bre um ele­men­to ex­te­ri­or uma so­lu­ção que
na re­a­li­da­de se en­con­tra den­tro de nós mes­mos. Por­tan­to, é útil tra­ba-­
lhar so­bre a di­ver­si­da­de das for­ças in­te­ri­o­res. Po­de­mos ter na mes­ma
si­tu­a­ção, um se­gui­do do ou­tro, um “sim” e um “mas”, uma acei­ta­ção e
uma re­cu­sa, um ím­pe­to e um pa­vor. To­mar cons­ciên­cia da pre­sen­ça
des­sas for­ças aju­da o con­su­len­te a re­de­fi­nir seu ob­je­ti­vo, a es­cla­re­cer
seu ca­mi­nho. Quan­do nos cho­ca­mos con­tra o mun­do ex­te­ri­or, mui­tas
ve­zes se tra­ta de uma ex­pres­são de nos­sos pró­prios con­fli­tos e con­tra-­
di­ções in­te­ri­o­res. Quan­do não se sa­be o que fa­zer, não se po­de fa­zer
qual­quer coi­sa que se quei­ra.

Es­tra­té­gia 1
“Sim, mas... en­tão!”
Es­ta lei­tu­ra de três car­tas po­de ser fei­ta com ou sem uma per­gun­ta
pré­via. Sim­ples, ela se apli­ca aos do­mí­nios da vi­da ma­te­ri­al, psi­co­ló­gi­ca
ou es­pi­ri­tu­al.
A: o sim. É a si­tu­a­ção do con­su­len­te, seu de­se­jo prin­ci­pal, su­as van-­
ta­gens.
B: o mas da fra­se. É o obs­tá­cu­lo, a di­fi­cul­da­de, o ines­pe­ra­do, aqui­lo
que não se quer, aqui­lo que não se po­de.
C: o en­tão: Es­ta car­ta dá as in­di­ca­ções pa­ra re­sol­ver a si­tu­a­ção e en-­
con­trar um ca­mi­nho do meio. Po­de­mos ti­rar uma ou mais car­tas pa­ra
es­cla­re­cer o en­tão. (Ver exem­plo na pági­na se­guin­te.)

Es­tra­té­gia 2
“Pro­ta­go­nis­ta, me­di­a­dor, an­ta­go­nis­ta”
Quan­do es­ta­mos em con­fli­to, ou sen­ti­mos um di­le­ma in­te­ri­or, po­de-­
mos de­ci­dir que as três car­tas re­pre­sen­tam o pro­ta­go­nis­ta (A), o me­di­a-­
dor (B) e o an­ta­go­nis­ta (C) de uma si­tu­a­ção. Es­ses as­pec­tos sim­bo­li­zam
per­so­na­gens se opon­do em um de­ter­mi­na­do pro­je­to ou as for­ças in­te­ri-­
o­res do con­su­len­te. O me­di­a­dor in­di­ca uma ati­tu­de de con­ci­li­a­ção no
cen­tro do con­fli­to. (Ver exem­plo na pági­na se­guin­te.)

DU­AS ES­TRA­TÉ­GIAS PA­RA RE­SOL­VER NOS­SAS CON­TRA­DI­ÇÕES

ES­TRA­TÉ­GIA 1
"Sim, mas... en­tão!"
Con­su­len­te: Sem per­gun­ta, ela de­se­ja sim­ples­men­te que o Ta­rot fa­le
com ela.
Ti­ra­gem: A: XI­I­II Tem­pe­ran­ça, B: V O Pa­pa, C: II A Pa­pi­sa.
Lei­tu­ra:
Car­ta A: o sim. Vo­cê es­tá em uma si­tu­a­ção de equi­lí­brio. Vo­cê se sen­te
mui­to bem do jei­to que es­tá, em se­gu­ran­ça. No en­tan­to, po­de­mos no­tar
que o an­jo da Tem­pe­ran­ça é as­se­xu­a­do e que só se co­mu­ni­ca con­si­go
mes­mo. Is­so nos in­di­ca uma si­tu­a­ção de iso­la­men­to mais ou me­nos vo-­
lun­tá­ria. O an­jo olha pa­ra o pas­sa­do, ou exis­te tal­vez um vín­cu­lo, uma
lem­bran­ça que afas­ta vo­cê do pre­sen­te. Além dis­so, Tem­pe­ran­ça po­de
sig­ni­fi­car que uma cu­ra es­tá se pro­ces­san­do. Tal­vez vo­cê es­te­ja se re­cu-­
pe­ran­do de uma fe­ri­da afe­ti­va do pas­sa­do. Co­men­tá­rio da con­su­len­te:
“É ver­da­de, ain­da es­tou de lu­to por meu fa­le­ci­do pai.”
Car­ta B: o mas. Vo­cê não de­se­ja per­ma­ne­cer nes­sa si­tu­a­ção. O Pa­pa in-­
di­ca um no­vo ide­al, uma pon­te que se apren­de a atra­ves­sar, um de­se­jo
de uni­ão. Além do mais, a car­ta não olha pa­ra o pas­sa­do, mas pa­ra o fu-­
tu­ro (a di­rei­ta). Por fim, ela re­pre­sen­ta um ho­mem ani­ma­do por um ide­al
es­pi­ri­tu­al, pe­la mis­são de en­si­nar.
Co­men­tá­rio da con­su­len­te: “O meu de­se­jo de fa­to é en­con­trar um com-­
pa­nhei­ro pa­ra vi­ver jun­to.”
Car­ta C: o en­tão. Pa­ra for­mar um ca­sal com O Pa­pa, é pre­ci­so se tor­nar
A Pa­pi­sa, a com­pa­nhei­ra que lhe con­vém. Is­so con­sis­te em acei­tar o ho-­
mem em di­men­são es­pi­ri­tu­al: re­co­nhe­cê-lo em sua ca­pa­ci­da­de de guia,
de pro­fes­sor, de mes­tre... Em uma pa­la­vra, per­mi­tir que ele su­pe­re o pai
per­di­do. Es­sa ti­ra­gem do Ta­rot a con­duz, pa­ra cum­prir seu de­se­jo, a
acei­tar atra­ves­sar uma eta­pa no pro­ces­so do seu lu­to.

ES­TRA­TÉ­GIA 2
“Pro­ta­go­nis­ta, me­di­a­dor, an­ta­go­nis­ta"
Con­su­len­te: Em pro­ces­so de di­vór­cio, o con­su­len­te acha a ati­tu­de da
ex-mu­lher com os fi­lhos ina­cei­tá­vel e tóxi­ca. Ele bus­ca uma so­lu­ção.
Ti­ra­gem: A: XI­II O Ar­ca­no sem no­me, B: XI­I­II Tem­pe­ran­ça, C: II­II O Im­pe-
ra­dor
Lei­tu­ra: Cu­ri­o­sa­men­te, vo­cê ti­rou as car­tas "ao con­trá­rio": a mãe, per­ce-­
bi­da co­mo tóxi­ca, de­ve­ria nor­mal­men­te cor­res­pon­der ao XI­II, o Ar­ca­no
sem no­me, e vo­cê a O Im­pe­ra­dor (pai es­tá­vel). Por­tan­to, no lu­gar do
pro­ta­go­nis­ta, is­to é, no seu lu­gar, vo­cê co­lo­cou o Ar­ca­no XI­II, en­quan­to
a sua ex-mu­lher, a sua an­ta­go­nis­ta, es­tá re­pre­sen­ta­da pel’O Im­pe­ra­dor.
No cen­tro, Tem­pe­ran­ça in­ci­ta à co­mu­ni­ca­ção, à mo­de­ra­ção, à uni­ão dos
con­trá­rios. A men­sa­gem que o Ta­rot lhe di­ri­ge é aqui bas­tan­te su­til: a
fim de ul­tra­pas­sar a vi­são ne­ga­ti­va, se­ja ela jus­ti­fi­ca­da ou não, que vo­cê
tem des­sa pes­soa, é pre­ci­so que vo­cê se­ja ca­paz de se co­lo­car no lu­gar
de­la. O com­por­ta­men­to da sua ex-mu­lher re­a­ti­va uma có­le­ra an­ti­ga:
com­preen­da que di­an­te de vo­cê, a sua an­ta­go­nis­ta é o seu es­pe­lho. Se
um dia vo­cê es­co­lheu es­sa mu­lher pa­ra for­mar uma fa­mí­lia com ela é
cer­ta­men­te por­que ela cor­res­pon­dia a um mo­de­lo pro­fun­da­men­te an-­
co­ra­do no seu in­cons­ci­en­te. A dis­pu­ta de po­der não le­va a lu­gar ne-­
nhum, e já não é mais ho­ra de pro­cu­rar sa­ber quem es­tá com a ra­zão. A
úni­ca so­lu­ção, in­di­ca­da pe­lo Ar­ca­no XI­I­II, Tem­pe­ran­ça, é ado­tar uma ati-­
tu­de con­ci­li­a­tó­ria e es­pi­ri­tu­al que tor­ne pos­sí­vel o re­tor­no ao di­á­lo­go.
No en­tan­to, is­so só po­de ser fei­to se vo­cê to­mar cons­ciên­cia da ori­gem
re­al da sua có­le­ra – di­ri­gi­da con­tra um ar­quéti­po ma­ter­no cas­tra­dor, ou
uma ir­mã per­ce­bi­da co­mo ini­mi­ga.
Ler a car­ta que se en­con­tra em­bai­xo do ma­ço

Vi­mos na pri­mei­ra par­te que po­de­mos con­si­de­rar o Ta­rot co­mo um to-­


do cu­jos frag­men­tos, to­ma­dos iso­la­da­men­te, nos re­me­tem ao ca­mi­nho
da uni­da­de. Quan­do o con­su­len­te em­ba­ra­lha as car­tas, ele cria seu pró-­
prio ca­os, seu uni­ver­so. Nes­se uni­ver­so, po­de­mos es­ta­be­le­cer co­mo ba-­
se que as car­tas que se en­con­tram na par­te su­pe­ri­or do ma­ço re­me­tem
à as­pi­ra­ção es­pi­ri­tu­al do con­su­len­te, e aque­las que se en­con­tram na
par­te in­fe­ri­or do ma­ço re­pre­sen­tam o mais pro­fun­do, o mais obs­cu­ro
do in­cons­ci­en­te.
A car­ta que se en­con­tra em­bai­xo do ma­ço re­pre­sen­ta­ria, en­tão, ao
mes­mo tem­po o mais pro­fun­do e o mais vi­sí­vel, um pou­co co­mo um so-­
nho mar­can­te de que nos lem­bra­mos ao acor­dar. Nes­ses ca­sos, es­sa car-­
ta po­de ori­en­tar de ma­nei­ra útil a lei­tu­ra do Ta­rot, dan­do uma in­di­ca-­
ção da to­na­li­da­de da lei­tu­ra. O ta­ró­lo­go po­de, à sua es­co­lha, ver ra­pi­da-­
men­te quan­do o con­su­len­te em­ba­ra­lha as car­tas e con­ser­var es­se in­dí-­
cio pre­sen­te no es­píri­to du­ran­te a lei­tu­ra ou de­ci­dir in­ter­pre­tar aber­ta-­
men­te es­sa car­ta re­ve­la­do­ra, que for­ne­ce­rá de cer­ta ma­nei­ra um es­cla-­
re­ci­men­to su­ple­men­tar à ti­ra­gem. (Ver exem­plo na pági­na se­guin­te.)

A CAR­TA EM­BAI­XO DO MA­ÇO OU A COR DO NOS­SO IN­CONS­CI­EN­TE


Con­su­len­te: Uma jo­vem de vin­te e cin­co anos, cu­jos pais são de na­ci­o-­
na­li­da­des di­fe­ren­tes, per­gun­ta: “Qual é o meu pa­ís?”.
Car­ta em­bai­xo do ma­ço: VI O Na­mo­ra­do
Ti­ra­gem: XX O Jul­ga­men­to, VI­II A Jus­ti­ça, VI­I­II O Ere­mi­ta
Lei­tu­ra da car­ta: Eis co­mo a car­ta de bai­xo do ma­ço nos per­mi­te co­lo­rir
a per­gun­ta da con­su­len­te. O Na­mo­ra­do expõe um con­fli­to emo­ci­o­nal,
um de­se­jo de uni­ão. Um per­so­na­gem, en­tre dois ou­tros, se per­gun­ta:
“On­de fi­ca o meu pa­ís?”; ele es­tá no cen­tro, no co­ra­ção da car­ta. Uma
pri­mei­ra res­pos­ta se­ria: “O seu pa­ís es­tá no seu co­ra­ção”. Ve­mos tam-­
bém que es­se per­so­na­gem cen­tral tem sa­pa­tos ver­me­lhos; po­de­mos,
en­tão, co­men­tar: “O seu pa­ís é es­tar bem den­tro dos pró­prios sa­pa­tos.
A Ter­ra per­ten­ce a vo­cê, vo­cê é uma ci­da­dã do pla­ne­ta. On­de vo­cê se
sen­te bem, aí po­de con­si­de­rar que é o seu pa­ís.”

Lei­tu­ra da ti­ra­gem: Ten­do em men­te a pis­ta pro­pos­ta pel’O Na­mo­ra­do,


po­de­mos ler as três car­tas as­sim: “Vo­cê se co­lo­ca es­sa per­gun­ta por­que
tem den­tro de si um de­se­jo de unir seus pais. Em vez de se se co­lo­car
no cen­tro da fa­mí­lia, con­vém ago­ra en­con­trar seu pró­prio cen­tro, co­mo
A Jus­ti­ça (VI­II): na ple­na per­fei­ção do fe­mi­ni­no. Vo­cê dei­xa­rá en­tão de
exi­gir uma na­ci­o­na­li­da­de a seus pais, vo­cê mes­ma de­ci­di­rá, es­co­lhen­do
so­zi­nha o lu­gar de que gos­ta mais. O ca­mi­nho d’O Na­mo­ra­do, lem­bre-­
mos, é o pra­zer, a es­co­lha de fa­zer aqui­lo que gos­ta­mos.
Es­co­lher uma lei­tu­ra po­si­ti­va ou ne­ga­ti­va

Além da es­tra­té­gia de lei­tu­ra e o tra­ba­lho da per­gun­ta, a ati­tu­de do lei-­


tor é es­sen­ci­al. Em uma lei­tu­ra do Ta­rot, as­sim co­mo na nos­sa vi­da, a
to­do mo­men­to, uma es­co­lha se apre­sen­ta a nós: po­de­mos in­ter­pre­tar os
fa­tos (os Ar­ca­nos) em um sen­ti­do po­si­ti­vo ou ne­ga­ti­vo. Vi­mos que es­sa
es­co­lha não é pre­de­ter­mi­na­da, por­que no Ta­rot ne­nhu­ma car­ta é es-­
sen­ci­al­men­te ne­ga­ti­va.
Mas o cer­to é que se­ja qual for a di­re­ção que es­co­lha­mos, ela nos le-­
va­rá a de­sen­vol­vi­men­tos in­fi­ni­tos. Em ou­tras pa­la­vras, não exis­te li­mi­te
pa­ra a fe­al­da­de, pa­ra a tris­te­za, pa­ra a ma­le­di­cên­cia, as­sim co­mo não
exis­te li­mi­te pa­ra a be­le­za, pa­ra a ale­gria, pa­ra a con­fi­an­ça.
Não se tra­ta de trans­for­mar a lei­tu­ra do Ta­rot em uma bên­ção sis­te-­
máti­ca: uma pre­vi­são mi­ra­bo­lan­te po­de ser tão fu­nes­ta quan­to uma
mal­di­ção, pois a pes­soa po­de­rá ter a ten­dên­cia a não vi­ver mais, es­pe-­
ran­do que o mi­la­gre anun­ci­a­do se re­a­li­ze. Mas po­de­mos es­co­lher abor-­
dar a lei­tu­ra, mes­mo que ela apre­sen­te obs­tá­cu­los e di­fi­cul­da­des, co­mo
um ca­mi­nho de cres­ci­men­to e de acei­ta­ção fe­liz da vi­da.
O exem­plo na pági­na se­guin­te ilus­tra co­mo po­de­mos in­ter­pre­tar
uma mes­ma ti­ra­gem em uma di­re­ção ou na ou­tra.
Es­sas lei­tu­ras, lem­bre­mos, po­dem ser jus­tas. Ca­be ao ta­ró­lo­go de­ci-­
dir a ori­en­ta­ção, com to­da cons­ciên­cia, e em di­re­ção a qual vi­são de
mun­do ele de­se­ja se di­ri­gir.
Um con­su­len­te po­de de­se­jar, cons­ci­en­te­men­te ou não, uma lei­tu­ra
ne­ga­ti­va. São fre­quen­tes os ca­sos de pes­so­as de­pri­mi­das ou pes­si­mis-­
tas. Nes­ses ca­sos, não adi­an­ta na­da que­rer­mos im­por de an­te­mão uma
lei­tu­ra mui­to oti­mis­ta. O ta­ró­lo­go te­rá, ao con­trá­rio, to­do in­te­res­se em
apre­sen­tar a prin­cí­pio, por pre­cau­ção, uma lei­tu­ra mais ne­ga­ti­va. De-­
pois, com a con­cor­dân­cia do con­su­len­te, es­sa lei­tu­ra se ori­en­ta­rá, pas­so
a pas­so, em di­re­ção a pers­pec­ti­vas mais fru­tí­fe­ras, que se tor­na­rão
abor­dá­veis por es­ta­rem fun­da­das na­qui­lo que a pes­soa con­si­de­ra co­mo
sua re­a­li­da­de. Tam­bém po­de ser in­te­res­san­te en­tão lhe dar as du­as ver-­
sões, e lhe es­cla­re­cer as­sim quan­to ao olhar que po­de es­co­lher ter so­bre
sua si­tu­a­ção.
Exem­plos de lei­tu­ra
Lei­tu­ra ne­ga­ti­va e lei­tu­ra po­si­ti­va
Con­su­len­te: Co­mo se apa­re­sen­ta o meu no­vo tra­ba­lho?
Ti­ra­gem: A: X A Ro­da da For­tu­na, B: O Ma­go, C: XVI A Tor­re

Lei­tu­ra ne­ga­ti­va: Vo­cê não avan­ça (X), pois não es­tá tra­ba­lhan­do pa­ra
abrir seu es­píri­to (I). Vo­cê se vol­ta pa­ra um blo­queio (I es­tá olhan­do
pa­ra X) e, as­sim, não sen­te ne­nhu­ma ale­gria de vi­ver. A sua ins­ta­bi­li­da-­
de o des­trói, os ci­clos se su­ce­dem e se re­pe­tem e, por vi­ver co­mo um
eter­no es­tre­an­te, vo­cê vê seu ide­al fra­cas­sar (XVI).

Lei­tu­ra po­si­ti­va: A sua men­te es­tá pres­tes a se abrir (XVI). Um ci­clo


se en­cer­ra (X), vo­cê pas­sou por uma mu­dan­ça pro­fun­da e dis­so ti­rou
uma li­ção pre­ci­o­sa. O pas­sa­do é pas­sa­do, vo­cê tem ago­ra tu­do o que é
pre­ci­so pa­ra agi­ra (so­bre a me­sa do Ma­go) e pa­ra re­a­li­zar seus pro­je­tos
mais im­por­tan­tes com ale­gria (XVI). Seu no­vo tra­ba­lho per­mi­te que
vo­cê se abra e li­be­re ener­gi­as. Vo­cê po­de­rá en­fim des­co­brir o pra­zer de
brin­car e dan­çar, vol­ta­do pa­ra os fru­tos da Ter­ra.
Ler três car­tas sem es­tru­tu­ra prees­ta­be­le­ci­da e sem per­-
gun­ta

Es­ta úl­ti­ma eta­pa da lei­tu­ra de três car­tas é a ver­da­dei­ra ar­te da lei­tu­ra


do Ta­rot: as es­tra­té­gias, úteis pa­ra o no­va­to e mui­tas ve­zes tam­bém pa-­
ra o ta­ró­lo­go ta­rim­ba­do, pos­su­em seus li­mi­tes. Elas são rígi­das, en-­
quan­to o es­píri­to hu­ma­no é de uma plas­ti­ci­da­de in­fi­ni­ta.
Às ve­zes, as pes­so­as in­ter­ro­gam o Ta­rot so­bre um te­ma: a vi­da afe­ti-­
va, o tra­ba­lho etc. Mas é fre­quen­te que, por ti­mi­dez ou por in­de­ci­são,
al­gu­mas o con­sul­tem sem for­mu­lar uma per­gun­ta. O ta­ró­lo­go de­ve en-­
tão ser ca­paz de fa­zer sur­gir a in­ter­ro­ga­ção sub­ja­cen­te pa­ra po­der res-­
pon­der com pre­ci­são, sem se lan­çar em lon­gos dis­cur­sos va­gos. Sem
per­gun­ta, não há res­pos­ta pos­sí­vel...
Da mes­ma ma­nei­ra, che­ga um mo­men­to em que de­ve­mos ser ca­pa-­
zes de ler três car­tas co­mo se com­preen­dês­se­mos uma fra­se qual­quer
pro­nun­ci­a­da por al­guém em uma lín­gua que nos é fa­mi­li­ar. Às ve­zes,
pa­ra che­gar a es­sa com­preen­são, te­mos di­rei­to de pe­dir in­for­ma­ções
su­ple­men­ta­res. Do mes­mo mo­do, a lei­tu­ra de uma ti­ra­gem de três car-­
tas po­de, en­tão, se en­ri­que­cer de no­vas car­tas e pas­sa­mos as­sim, in­sen-­
si­vel­men­te e fa­cil­men­te, às lei­tu­ras mais vas­tas, até que con­si­ga­mos ler
uma ti­ra­gem com­pos­ta pe­los 22 Ar­ca­nos mai­o­res, ou mes­mo com to­dos
os se­ten­ta e oi­to Ar­ca­nos do Ta­rot.

Es­tra­té­gia 1
O Ta­rot faz a per­gun­ta
Quan­do uma pes­soa pe­de que lei­a­mos o Ta­rot, mas não de­se­ja for-­
mu­lar uma per­gun­ta – se­ja por não ter ne­nhu­ma, se­ja por­que não quer
for­mu­lar em voz al­ta –, pa­ra o ta­ró­lo­go, o pe­ri­go é en­tão se lan­çar em
uma lei­tu­ra que se des­vie das pre­o­cu­pa­ções do con­su­len­te. Po­de­mos
nos per­der em dis­cur­sos psi­co­ló­gi­cos en­quan­to a pes­soa tem na re­a­li-­
da­de pre­o­cu­pa­ções ma­te­ri­ais, em uma lei­tu­ra es­pi­ri­tu­al en­quan­to a
pes­soa es­tá pre­o­cu­pa­da com ques­tões emo­ci­o­nais, ou o con­trá­rio, fa­zer
uma lei­tu­ra mui­to ter­ra-a-ter­ra, en­quan­to a pes­soa pre­ci­sa, na re­a­li­da-­
de, de uma to­ma­da de cons­ciên­cia pro­fun­da. Nes­ses ca­sos, as es­tra­té-­
gias de lei­tu­ra per­mi­tem en­qua­drar a ti­ra­gem e res­pon­der em uma di-­
re­ção sus­ce­tí­vel de sa­tis­fa­zer a pes­soa.

AS IN­TER­RO­GA­ÇÕES DOS AR­CA­NOS MAI­O­RES


Quan­do uma pes­soa de­se­ja con­sul­tar o Ta­rot sem for­mu­lar per­gun­ta, ela
po­de es­co­lher um Ar­ca­no que sim­bo­li­za­rá sua per­gun­ta, aqui­lo que a
pre­o­cu­pa. Eis al­gu­mas per­gun­tas que os Ar­ca­nos mai­o­res po­dem co­lo-­
car. Es­ta lis­ta evi­den­te­men­te não é exaus­ti­va.

O Lou­co. Do que es­tou (ou de­ve­ria es­tar) me li­ber­tan­do? Qual é o meu


ca­mi­nho? On­de ca­na­li­zar mi­nha ener­gia?

I O Ma­go. O que es­tou co­me­çan­do? O que es­tou es­co­lhen­do? Quais são


as mi­nhas pos­si­bi­li­da­des em po­tên­cia?
II A Pa­pi­sa. O que eu acu­mu­lo? O que há em mim de in­to­ca­do? O que
de­vo es­tu­dar? Que re­la­ção eu te­nho com a mi­nha mãe?

III A Im­pe­ra­triz. O que es­tou cri­an­do? O que es­tá flo­res­cen­do em mim?


Quais ex­pe­riên­cias es­tou vi­ven­do?

II­II O Im­pe­ra­dor. Co­mo vai o meu tra­ba­lho, a mi­nha vi­da ma­te­ri­al? O que
es­tou cons­tru­in­do? Que re­la­ção te­nho com o meu pai? Que re­la­ção te-­
nho com a no­ção de po­tên­cia?
V O Pa­pa. O que diz a tra­di­ção, a lei? O que eu es­tou co­mu­ni­can­do, e
com quem? Es­tou trans­mi­tin­do al­gu­ma coi­sa e a quem? Se­rá que te­nho
um ide­al?

VI O Na­mo­ra­do. Do que eu gos­to? Em qual re­la­ção me en­con­tro atu­al-­


men­te im­pli­ca­do? Co­mo vai mi­nha vi­da emo­ci­o­nal?

VII O Car­ro. Aon­de vou e de on­de ve­nho? Qual é meu ve­í­cu­lo? (por
exem­plo, uma dou­tri­na místi­ca, as ma­te­máti­cas, o Ta­rot, o meu cor­po...)
Qual é a mi­nha ação no mun­do?
VI­II A Jus­ti­ça. O que de­vo equi­li­brar ou har­mo­ni­zar? Do que de­vo me
des­fa­zer que é inútil pa­ra mim? Qual é a mi­nha con­cep­ção de per­fei­ção?
Co­mo eu li­do com a ma­ter­ni­da­de?

VI­I­II O Ere­mi­ta. O que diz a mi­nha sa­be­do­ria? Do que es­tou me iso­lan-­


do? Es­tou em cri­se com o quê? A que de­vo re­nun­ci­ar? No que acre­di­to?

X A Ro­da da For­tu­na. O que de­ve mu­dar, qual ci­clo ter­mi­nou na mi­nha


vi­da? Quais são as mi­nhas opor­tu­ni­da­des? O que po­de me aju­dar? O
que es­tou re­pe­tin­do? que diz a mi­nha sa­be­do­ria? Do que es­tou me iso-­
lan­do? Es­tou em cri­se com o quê? A que de­vo re­nun­ci­ar? No que acre­di-­
to?
XI A For­ça. Qual é a mi­nha for­ça, on­de ela fi­ca? No que em­pre­go mi­nha
se­xu­a­li­da­de? Quais são os meus de­se­jos? O que vou do­mar? Qual é o
meu pro­je­to cri­a­ti­vo?

XII O En­for­ca­do. O que de­vo sa­cri­fi­car? O que es­tou es­con­den­do? O


que de­vo pa­rar? O que de­vo es­cu­tar (o per­so­na­gem d’O En­for­ca­do é o
úni­co do Ta­rot do­ta­do de ore­lha)? Pa­ra on­de di­ri­gir mi­nha bus­ca in­te­ri-­
or?

XI­II O Ar­ca­no sem no­me. O que de­ve mor­rer em mim? Do que de­vo
abrir mão? O que es­tá se trans­for­man­do den­tro de mim? Qual é a mi­nha
có­le­ra?
XI­I­II Tem­pe­ran­ça. O que me pro­te­ge? Que re­la­ção de­vo es­ta­be­le­cer co-­
mi­go mes­mo? O que es­tou cu­ran­do? O que de­vo ben­zer?

XV O Di­a­bo. A quem sou li­ga­do? Qual é a mi­nha ten­ta­ção? Qual é a mi-­


nha ca­pa­ci­da­de cri­a­ti­va? Quais são os meus va­lo­res ne­ga­ti­vos? Quais
são as mi­nhas pul­sões? O que me dá me­do em mim mes­mo?

XVI A Tor­re. Com quem e com o que es­tou rom­pen­do? De que en­cer­ra-­
men­to es­tou me li­ber­tan­do? Quais são as ener­gi­as que se des­blo­quei­am
em mim? Que fes­ta me es­pe­ra?
XVII A Es­tre­la. Qual é a mi­nha es­pe­ran­ça? Qual é o meu lu­gar? No que
em­pre­go mi­nha ener­gia? O que pos­so dar, a quem, co­mo?

XVI­II A Lua. Qual é a mi­nha ca­pa­ci­da­de de re­cep­ção? Co­mo vai mi­nha


fe­mi­ni­li­da­de, mi­nha in­tui­ção? Co­mo ve­jo a mi­nha mãe? Qual é o meu
ide­al im­pos­sí­vel? O que es­tá em ges­ta­ção den­tro de mim?

XVI­I­II O Sol. O que me dá ener­gia, ale­gria, su­ces­so? Sou ama­do(a)?


Cons­truo al­go no­vo? Que ima­gem te­nho do pai?
XX O Jul­ga­men­to. O que es­tá des­per­tan­do den­tro de mim? Quais são os
meus de­se­jos ir­re­sis­tí­veis? O que es­ta­mos cri­an­do jun­tos? Qual é a mi-­
nha po­si­ção di­an­te do fa­to de for­mar uma fa­mí­lia?

XXI O Mun­do. Qual é o re­sul­ta­do da­qui­lo que eu fiz? Pa­ra on­de is­so le­va?
O que me fe­cha? Es­tou me sen­tin­do com­ple­to(a)? Qual é a mi­nha re­a­li-­
za­ção?

O TA­ROT FAZ A PER­GUN­TA


Nes­te exem­plo, uma con­su­len­te, atriz sem tra­ba­lho, es­co­lheu dei­xar o
Ta­rot for­mu­lar as per­gun­tas. Ve­mos aqui co­mo uma fra­se de três car­tas
po­de ser in­ter­pre­ta­da de ma­nei­ras in­tei­ra­men­te di­fe­ren­tes con­for­me a
per­gun­ta.
Per­gun­ta 1: A con­su­len­te ti­ra uma car­ta: XXI O Mun­do. Ela acei­ta a per-­
gun­ta co­lo­ca­da por es­te Ar­ca­no: qual é o meu ca­mi­nho pa­ra a re­a­li­za-­
ção? (Ver pp. 518-9.)
Per­gun­ta 2: A con­su­len­te ti­ra uma car­ta que sim­bo­li­za­rá sua se­gun­da
per­gun­ta: XI A For­ça. Ela acei­ta: Qual é o meu de­se­jo?
Ti­ra­gem: VI­I­II O Ere­mi­ta, II A Pa­pi­sa, XX O Jul­ga­men­to

Lei­tu­ra 1: XXI O Mun­do. É pre­ci­so acei­tar a cri­se (VI­I­II) e apro­vei­tar pa­ra


re­con­si­de­rar seu pas­sa­do. A Pa­pi­sa re­pre­sen­ta vo­cê em uma si­tu­a­ção de
es­pe­ra fértil: vo­cê es­tu­da tal­vez pa­ra um pa­pel, ou uma no­va téc­ni­ca do
seu meio ar­tísti­co. Tal­vez tam­bém es­te­ja es­cre­ven­do uma pe­ça ou um
ro­tei­ro que vo­cê mes­ma po­de­rá in­ter­pre­tar. Es­sa ati­tu­de apra­zí­vel e fe-­
cun­da a con­duz a um no­vo pro­je­to, um cha­ma­do ir­re­sis­tí­vel ru­mo à re­a­li-­
za­ção (O Jul­ga­men­to).
Lei­tu­ra 2: XI A For­ça. Vo­cê é re­pre­sen­ta­da pel’A Pa­pi­sa, mu­lher de cor
bran­ca que pa­re­ce es­pe­rar que al­guém ve­nha aque­cê-la. Mas o ob­je­to
do seu de­se­jo, O Ere­mi­ta, en­con­tra-se em es­ta­do de so­li­dão e não se
apre­sen­ta mo­men­ta­ne­a­men­te co­mo um aman­te apai­xo­na­do. No en­tan-­
to, co­mo ele an­da de cos­tas, ele avan­ça em sua di­re­ção. Des­se en­con­tro
po­de nas­cer um de­se­jo ir­re­sis­tí­vel... ou a emer­gên­cia de uma no­va
cons­ciên­cia (XX). No­ta­mos que a so­ma d’O Ere­mi­ta (VI­I­II) e d’A Pa­pi­sa dá
11 – XI, a mes­ma car­ta da per­gun­ta. Pri­vi­le­gi­a­re­mos en­tão a ideia de
que o ho­mem re­pre­sen­ta­do pel’O Ere­mi­ta é o ob­je­to do de­se­jo da mu-­
lher re­pre­sen­ta­da pel’A Pa­pi­sa.

Ler o Ta­rot sem que uma per­gun­ta se­ja fei­ta é uma em­prei­ta­da pe-­
ri­go­sa, em qual­quer ca­so, em uma es­tra­té­gia de três car­tas: a sim­pli­ci-­
da­de da fra­se abre es­pa­ço pa­ra mui­tas in­ter­pre­ta­ções pos­sí­veis, e po­de-­
rí­a­mos to­car em as­pec­tos ínti­mos ca­pa­zes de ma­go­ar uma pes­soa. A
me­lhor es­tra­té­gia con­sis­te em acei­tar que a pes­soa não for­mu­le a per-­
gun­ta e lhe di­zer: “Se vo­cê qui­ser, nós po­de­mos ver o que o Ta­rot quer
lhe di­zer”. To­ma­re­mos por ba­se en­tão uma car­ta pa­ra de­fi­nir a per­gun-­
ta. Po­de­mos a se­guir con­si­de­rar a car­ta que es­tá em­bai­xo do ma­ço ou
en­tão pe­dir que a pes­soa ti­re uma car­ta que sim­bo­li­za­rá a per­gun­ta, e
de­pois mais três pa­ra a res­pos­ta. Se­rá con­ve­ni­en­te en­trar an­tes em um
acor­do so­bre a ori­en­ta­ção da “per­gun­ta fei­ta pe­lo Ta­rot”, e de­pois res-­
pon­der a par­tir das ou­tras três car­tas ti­ra­das. (Ver exem­plo na pági­na
se­guin­te.)

Es­tra­té­gia 2
Ler três car­tas se­gun­do o va­lor nu­méri­co
Po­de­mos tam­bém, no con­tex­to de uma ti­ra­gem, so­mar os nú­me­ros
dos Ar­ca­nos pa­ra ob­ter um no­vo ele­men­to de lei­tu­ra: a so­ma dá um nú-­
me­ro cor­res­pon­den­te a al­gum Ar­ca­no. Nes­ta téc­ni­ca, cha­ma­da de “so-­
ma te­o­sófi­ca”, se a so­ma das car­tas ul­tra­pas­sa 22, so­ma­mos os dois al-­
ga­ris­mos do nú­me­ro ob­ti­do pa­ra en­con­trar um no­vo nú­me­ro, que cor-­
res­pon­de­rá ao nú­me­ro de um Ar­ca­no mai­or. Nes­ta es­tra­té­gia, O Lou­co,
que não tem nú­me­ro, é con­si­de­ra­do o vi­gési­mo-se­gun­do Ar­ca­no e cor-­
res­pon­de­rá en­tão ao nú­me­ro 22.
Po­de­mos so­mar o va­lor nu­méri­co de ca­da uma das três car­tas da
fra­se:
A + B + C = os as­pec­tos sub­ja­cen­tes à per­gun­ta.
E as car­tas du­as a du­as:
A + C = os as­pec­tos ex­te­ri­o­res à per­gun­ta.
A + B = in­fluên­cias ma­ter­nas ou re­cep­ti­vas; o la­do es­quer­do.
B + C = as in­fluên­cias pa­ter­nas ou ati­vas; o la­do di­rei­to.
Na es­tra­té­gia cha­ma­da de “so­ma te­o­sófi­ca”, po­de­mos so­mar as três car­tas en­tre elas,
mas tam­bém as car­tas du­as a du­as.

Exem­plos de lei­tu­ra
Ler três car­tas se­gun­do o va­lor nu­méri­co
(Es­tra­té­gia cha­ma­da de “so­ma te­o­sófi­ca”, ex­pli­ca­da à p. 527)
Con­su­len­te: Por que meu fi­lho de trin­ta e cin­co anos não po­de for­mar
uma fa­mí­lia co­mo ele de­se­ja? (Con­ver­san­do com a con­su­len­te, des­co-­
bri­mos que o pai des­se fi­lho foi au­sen­te e que ela o cri­ou so­zi­nho.)
Ti­ra­gem: A: VI O Na­mo­ra­do, B: V O Pa­pa, C: XVI­I­II O Sol.

As­pec­tos sub­ja­cen­tes à per­gun­ta (A + B + C)

III A Im­pe­ra­triz
(6 + 5 + 19 = 30; 3 + 0 = 3)
O pri­mei­ro ele­men­to da res­pos­ta po­de­ria ser: o seu fi­lho bus­ca uma
mu­lher ide­al, A Im­pe­ra­triz, com to­da a sua se­du­ção. Mas pa­ra se­du­zi-la
se­rá pre­ci­so que ele se­ja O Im­pe­ra­dor, que não apa­re­ceu na ti­ra­gem. É
O Pa­pa quem es­tá no cen­tro, um ho­mem for­te es­pi­ri­tu­al­men­te, mas que
cor­res­pon­de a A Pa­pi­sa.

As­pec­tos ex­te­ri­o­res à per­gun­ta (A + C)

VII O Car­ro (6 + 19 = 25; 2 + 5 = 7)


Apa­ren­te­men­te, o seu fi­lho é ati­vo no mun­do e se­gu­ro de si. Ele não
tem ne­nhum pro­ble­ma.
In­fluên­cias re­cep­ti­vas ou ma­ter­nas (A + B)

XI A For­ça (6 + 5 = 11)
No es­que­ma psi­co­ló­gi­co des­se jo­vem, a mãe é mui­to for­te. Ele po­de ter
me­do de en­con­trá-la em to­da mu­lher, um de­se­jo de fu­ga em di­re­ção ao
ar­quéti­po pa­ter­no.

In­fluên­cias ati­vas ou pa­ter­nas (B + C)


VI O Na­mo­ra­do (19 + 5 = 24; 2 + 4 = 6)
Mas quan­do so­ma­mos o la­do di­rei­to, en­con­tra­mos O Na­mo­ra­do: não há
re­fe­rên­cia mas­cu­li­na, o per­so­na­gem d’O Na­mo­ra­do es­tá cer­ca­do por
du­as mu­lhe­res: ali on­de o fi­lho pre­ci­sa­ria de uma in­fluên­cia mas­cu­li­na,
já se en­con­tra a mãe.

Sín­te­se: Pa­ra con­se­guir en­con­trar a mu­lher que lhe con­vém e se tor­nar


pa­ra ela o ho­mem que lhe con­ve­nha, o seu fi­lho pre­ci­sa de uma re­fe-­
rên­cia, de um mes­tre que fa­ça o pa­pel do ar­quéti­po pa­ter­no e lhe dê a
in­for­ma­ção que lhe fal­ta: a trans­mis­são do mas­cu­li­no.

Con­su­len­te: Se­rá que de­vo mu­dar de ofí­cio?


Ti­ra­gem: A: VI­II A Jus­ti­ça, B: XVI A Tor­re, C: XI A For­ça

As­pec­tos sub­ja­cen­tes à ques­tão (A + B + C)


VI­II A Jus­ti­ça (8 + 16 + 11 = 35; 3 + 5 = 8)
Es­te Ar­ca­no in­di­ca que vo­cê pre­ci­sa pe­sar al­gu­ma coi­sa, en­con­trar um
equi­lí­brio.

As­pec­tos ex­te­ri­o­res à per­gun­ta (A + C)

XVI­I­II O Sol (8 + 11 = 19)


Apa­ren­te­men­te, vo­cê as­pi­ra a uma no­va cons­tru­ção.

In­fluên­cias re­cep­ti­vas ou ma­ter­nas (A + B)


VI O Na­mo­ra­do (8 + 16 = 24; 2 + 4 = 6)
No en­tan­to, vo­cê gos­ta do ofí­cio que exer­ce atu­al­men­te; de um pon­to
de vis­ta re­cep­ti­vo, vo­cê es­tá mais ten­ta­da a con­ti­nu­ar no mes­mo lu­gar.

In­fluên­cias ati­vas ou pa­ter­nas (B + C)

VI­I­II O Ere­mi­ta (16 + 11 = 27; 2 + 7 = 9)


Por ou­tro la­do, do pon­to de vis­ta ati­vo, vo­cê se sen­te em cri­se e de­se­ja
ir em­bo­ra.

Sín­te­se: Se­rá pre­fe­rí­vel fa­zer a mu­dan­ça com mui­ta pre­cau­ção, pa­ra


equi­li­brar (A Jus­ti­ça) o de­se­jo de fi­car (O Na­mo­ra­do) e o de par­tir (O
Ere­mi­ta). O con­fli­to in­ter­no é mui­to gran­de pa­ra que se pos­sa ar­ris­car
se lan­çar na aven­tu­ra: a par­te de vo­cê que re­cu­sa a mu­dan­ça po­de­ria
freá-la mes­mo a con­tra­gos­to.

Es­tra­té­gia 3
Se­guir os olha­res, os ges­tos, os in­dí­cios da­dos pe­las car­tas
De­ci­si­va na evo­lu­ção da re­la­ção com o Ta­rot, es­sa eta­pa con­sis­te em
se­guir a di­re­ção do olhar dos per­so­na­gens, ou o cha­ma­do de um sím­bo-­
lo, e res­pon­der à per­gun­ta: o que o per­so­na­gem es­tá olhan­do? Ou ain­da:
que aju­da a va­ri­nha d’O Ma­go es­tá pe­din­do? O que o Ar­ca­no XI­II
trans­for­ma? Quem gi­ra a ma­ni­ve­la d’A Ro­da da For­tu­na? As car­tas res-­
so­am as­sim en­tre elas, cri­an­do uma di­nâ­mi­ca que per­mi­te ler sem per-­
gun­ta e sem es­tru­tu­ra prees­ta­be­le­ci­da, co­mo de­ci­frar um ré­bus ou uma
his­tó­ria em ima­gens.
Na ba­se, ti­ra­mos três car­tas; se a car­ta A da fra­se abre uma per­gun­ta
pa­ra a es­quer­da, con­vém, pa­ra res­pon­dê-la, ti­rar uma mes­ma car­ta des-­
se la­do. O mes­mo se faz se a car­ta C dei­xa uma aber­tu­ra pa­ra a di­rei­ta.
Agre­ga­mos as­sim no­vas car­tas até fe­char a fra­se, e es­ta­bi­li­zar as in­te­ra-­
ções das car­tas en­tre elas. Da mes­ma ma­nei­ra, se o sig­ni­fi­ca­do de uma
das car­tas não é cla­ro, po­de­mos ti­rar uma ou­tra car­ta por ci­ma pa­ra es-­
pe­ci­fi­car sua men­sa­gem.

Exem­plos de lei­tu­ra
Con­su­len­te: Uma mu­lher de qua­ren­ta anos.

A Jus­ti­ça opõe sua es­pa­da à ma­ni­ve­la d’A Ro­da da For­tu­na.

Ti­ra­gem: A: X A Ro­da da For­tu­na, B: VI­II A Jus­ti­ça, C: XXI O Mun­do.


Lei­tu­ra: Aqui a fra­se es­tá fe­cha­da, não pre­ci­sa que ti­re­mos ou­tra car­ta
à di­rei­ta ou à es­quer­da. De fa­to, A Ro­da da For­tu­na é se­gui­da pel’A Jus-­
ti­ça, que se mos­tra ca­paz de pôr em mo­vi­men­to o no­vo ci­clo e se ori­en-­
tar em di­re­ção à re­a­li­za­ção. Che­gan­do ao fim de uma épo­ca de sua vi­da,
a con­su­len­te se po­si­ci­o­na no pre­sen­te e, re­co­nhe­cen­do seus pró­prios
va­lo­res, se ori­en­ta em di­re­ção a sua pró­pria re­a­li­za­ção. Ape­nas a es­pa­da
d’A Jus­ti­ça po­de lhe im­pe­dir de se re­a­li­zar: pe­lo de­se­nho das car­tas, ve-­
mos que a pas­sa­gem do ci­clo an­ti­go ao ci­clo no­vo se faz por um cor­te.
Em vez de aci­o­nar a ma­ni­ve­la, A Jus­ti­ça sim­ples­men­te rom­pe com o
pas­sa­do. Po­de­rí­a­mos di­zer que ela se jul­ga, ou se se­pa­ra pe­la for­ça em
vez de se dis­por a ser aju­da­da. A Jus­ti­ça acei­ta o triun­fo (a ba­lan­ça se
en­con­tra do la­do d’O Mun­do), mas não acei­ta aju­dar a si mes­ma: ela
opõe sua es­pa­da à ma­ni­ve­la.

Ti­ra­gem: Se as car­tas es­ti­ves­sem dis­pos­tas na or­dem nu­méri­ca pro-­


gres­si­va VI­II-X-XXI, is­so sig­ni­fi­ca­ria que a con­su­len­te rom­peu com o
pas­sa­do, ter­mi­nou um ci­clo, e que ela acei­ta to­da a aju­da d’O Mun­do
pa­ra che­gar a sua re­a­li­za­ção. Con­vém, en­tão, es­cla­re­cer aqui a ati­tu­de
d’A Jus­ti­ça. A con­su­len­te ti­ra ou­tra car­ta por ci­ma d’A Jus­ti­ça: XV O Di-­
a­bo.
Lei­tu­ra: Du­as in­ter­pre­ta­ções con­ver­gem. De um la­do, O Di­a­bo po­de
sig­ni­fi­car um me­do in­cons­ci­en­te, um re­tor­no ao es­ta­do da in­fân­cia. Es-­
sa in­ter­pre­ta­ção psi­co­ló­gi­ca nos le­va­ria a ar­ris­car di­zer que a con­su­len-­
te tem me­do da mãe, o que ela con­fir­ma: a edu­ca­ção que ela re­ce­beu foi
mar­ca­da por um ide­al de per­fei­ção in­tran­si­gen­te, que lhe im­pe­diu de
triun­far se não fos­se ab­so­lu­ta­men­te ir­re­to­cá­vel – o que é im­pos­sí­vel.
Ela tem, por­tan­to, a ten­dên­cia pa­ra uma neu­ro­se do fra­cas­so. Mas O Di-­
a­bo é tam­bém um sím­bo­lo da cri­a­ti­vi­da­de. Su­pe­ran­do o per­fec­ci­o­nis-­
mo, acei­tan­do que a ex­ce­lên­cia con­sis­te em fa­zer o seu me­lhor e em sa-­
ber co­me­ter er­ros, a con­su­len­te po­de en­trar em con­ta­to com sua cri­a­ti-­
vi­da­de pro­fun­da. É en­tão O Di­a­bo quem fa­rá gi­rar a ma­ni­ve­la d’A Ro­da
da For­tu­na e que lhe per­mi­ti­rá triun­far.
O Di­a­bo faz gi­rar a ma­ni­ve­la d’A Ro­da da For­tu­na

Con­su­len­te: Um ho­mem de cin­quen­ta anos, sol­tei­ro.

Ti­ra­gem: A: I O Ma­go, B: XI­I­II Tem­pe­ran­ça, C: XI A For­ça.


Lei­tu­ra: Se­guin­do a prin­cí­pio a di­re­ção dos olha­res, po­de­mos unir O
Ma­go e Tem­pe­ran­ça, que olham pa­ra a es­quer­da; A For­ça, por sua vez,
olha pa­ra a di­rei­ta. Além dis­so, Tem­pe­ran­ça age en­tre as du­as car­tas,
mes­clan­do o flui­do dos dois va­sos. Po­de­rí­a­mos di­zer que o va­so da es-­
quer­da re­pre­sen­ta O Ma­go e o da di­rei­ta A For­ça. Com is­so, Tem­pe­ran-­
ça per­mi­te es­ta­be­le­cer uma re­la­ção no­va en­tre os dois Ar­ca­nos. Mas o
olhar do An­jo es­tá vol­ta­do pa­ra O Ma­go: is­so sig­ni­fi­ca que exis­te al­go
pa­ra ser cu­ra­do – uma de­ter­mi­na­da ima­gem de si mes­mo, ou al­go co-­
me­ça­do que já pas­sou, pa­ra po­der inau­gu­rar al­gu­ma coi­sa no­va (A For-­
ça). Con­vém, en­tão, ti­rar uma car­ta pa­ra sa­ber pa­ra on­de O Ma­go es­tá
olhan­do e uma ou­tra pa­ra sa­ber so­bre o olhar d’A For­ça.
Ti­ra­gem: A fra­se se tor­na: XXI O Mun­do, I-XI­I­II-XI, XX O Jul­ga­men-­
to
Lei­tu­ra: Tem­pe­ran­ça es­tá cu­ran­do O Ma­go de um nas­ci­men­to ou de
um co­me­ço di­fícil, sim­bo­li­za­dos pel’O Mun­do na pri­mei­ra po­si­ção.
Uma vez ini­ci­a­da es­sa cu­ra, su­as for­ças lhe per­mi­ti­rão co­me­çar uma
no­va ação (A For­ça) vol­ta­da pa­ra o fu­tu­ro, tal­vez vol­ta­da pa­ra a cri­a­ção
de sua pró­pria fa­mí­lia, ou à des­co­ber­ta de sua vo­ca­ção pro­fun­da. Sim-­
bo­li­ca­men­te, O Jul­ga­men­to in­di­ca um re­nas­ci­men­to e a emer­gên­cia de
um de­se­jo ir­re­sis­tí­vel.

Con­su­len­te: Um jo­vem es­co­lhe três car­tas, sem fa­zer ne­nhu­ma per-­


gun­ta.

Ti­ra­gem: A: XVI A Tor­re, B: VI O Na­mo­ra­do, C: II A Pa­pi­sa.


Lei­tu­ra: A pri­mei­ra coi­sa que no­ta­mos é que es­ta fra­se se­gue a or­dem
nu­méri­ca de­cres­cen­te, e que ela con­tém dois Ar­ca­nos do grau 6 (ver p.
76 ss.). Po­de­rí­a­mos di­zer que exis­te um mo­vi­men­to de­pois de um gran-­
de amor (XVI) em di­re­ção a um amor que não é tão gran­de (VI), que
aca­ba re­sul­tan­do em um iso­la­men­to (II).

Con­su­len­te: O Ta­rot pa­re­ce nos ori­en­tar pa­ra a vi­da emo­ci­o­nal do


con­su­len­te, que não de­se­ja mais abor­dar es­se te­ma. O ta­ró­lo­go de­ve
res­pei­tar es­se pu­dor. Fi­nal­men­te, o con­su­len­te es­co­lhe fa­zer uma per-­
gun­ta: “Se­rá que de­vo me mu­dar da ca­sa on­de mo­ro pa­ra ir mo­rar em
ou­tra ca­sa que eu te­nho?”.
Lei­tu­ra: A Tor­re in­di­ca de fa­to um mo­vi­men­to de sair de um lu­gar, e
po­de­ria nos su­ge­rir uma mu­dan­ça de ca­sa. Mas com O Na­mo­ra­do, e de-­
pois A Pa­pi­sa, po­de­mos ar­ris­car di­zer que o con­su­len­te vol­ta ao seio
ma­ter­no. Sim­bo­li­ca­men­te, é ver­da­de, por­que a ca­sa pa­ra a qual ele pen-­
sa em se mu­dar se en­con­tra na ci­da­de de sua in­fân­cia, per­to da ca­sa da
mãe.
Ti­ra­gem: Aqui, em­bo­ra a fra­se se fe­che, po­de­mos en­ri­que­cer o Ta­rot
ti­ran­do uma car­ta a mais na ex­tre­ma es­quer­da pa­ra com­preen­der que
ela é a ori­gem do de­se­jo de mu­dar de ca­sa e uma ou­tra car­ta na ex­tre-­
ma di­rei­ta pa­ra sa­ber aon­de le­va­rá es­sa mu­dan­ça. A fra­se en­tão se tor-­
na: XVII A Es­tre­la, XVI-VI-II, XII O En­for­ca­do.

Lei­tu­ra: A mu­dan­ça po­de­ria ser cau­sa­da por uma mu­lher do pas­sa­do


(A Es­tre­la, que re­pre­sen­ta uma mu­lher, sim­bo­li­za tam­bém um lu­gar e
ver­te a água dos jar­ros pa­ra a es­quer­da). O con­su­len­te con­fir­ma: sua
mu­dan­ça es­tá li­ga­da ao fim de uma re­la­ção afe­ti­va. Em um pri­mei­ro
mo­men­to, es­sa mu­dan­ça le­va, co­mo de­mons­tra O En­for­ca­do, a se iso­lar
em uma cer­ta so­li­dão. Ele es­pe­ra tal­vez pas­si­va­men­te um no­vo im­pul-­
so, uma no­va re­la­ção que pos­sa lhe dar von­ta­de de sair pe­lo mun­do afo-­
ra.

Ti­ra­gem: Adi­ci­o­nan­do uma car­ta de­pois d’O En­for­ca­do, po­de­mos ten-­


tar ver o que é pos­sí­vel fa­zer pa­ra que o con­su­len­te saia de seu iso­la-­
men­to: XVI­I­II O Sol.
Lei­tu­ra: Ao se apai­xo­nar de no­vo, o con­su­len­te po­de reen­con­trar o de-­
se­jo de uma no­va cons­tru­ção. Es­ta car­ta in­di­ca que a so­li­dão e a ina­ti­vi-­
da­de às quais ele se des­ti­na no mo­men­to lhe são ne­ces­sá­rias. É pre­ci­so
que ele acei­te a pas­sa­gem pe­la cri­se, o tra­ba­lho do lu­to pa­ra cu­rar es­sa
re­la­ção e vol­tar a si mes­mo. Ele reen­con­tra­rá, as­sim, a ca­pa­ci­da­de de
amar e a ale­gria de vi­ver, sim­bo­li­za­das pel’O Sol.
A lei­tu­ra pro­je­ti­va

Co­mo já vi­mos, to­da lei­tu­ra do Ta­rot é pro­je­ti­va. Não exis­te ou­tro meio
de in­ter­pre­tar as car­tas es­co­lhi­das pe­lo con­su­len­te se­não as fa­zen­do
en­trar em res­so­nân­cia com nos­so pró­prio in­cons­ci­en­te. O con­su­len­te
for­ma, com as car­tas que es­co­lhe, uma “fra­se” que o ta­ró­lo­go “tra­duz” a
par­tir de sua pró­pria es­tru­tu­ra psíqui­ca, de sua ex­pe­riên­cia de vi­da, do
ca­mi­nho que ele ou ela re­a­li­zou e do co­nhe­ci­men­to que ele ou ela tem
do Ta­rot.
É por es­se mo­ti­vo que o tra­ba­lho so­bre a pro­je­ção faz par­te in­te-­
gran­te da for­ma­ção de um bom ta­ró­lo­go. Es­se tra­ba­lho não tem fim: o
ob­je­ti­vo é che­gar a uma lei­tu­ra trans­pes­so­al, e de­pois, ide­al­men­te, im-
pes­so­al. O ta­ró­lo­go ide­al se­ria en­tão um es­pe­lho que con­te­ria a to­ta­li-­
da­de do uni­ver­so...
Pa­ra se exer­ci­tar nes­se sen­ti­do, pro­po­mos uma lei­tu­ra sim­ples que
con­sis­te an­tes em re­co­nhe­cer es­sa di­men­são pro­je­ti­va do que em dis-­
far­çá-la sob uma pre­ten­sa ob­je­ti­vi­da­de. Po­de­mos en­tão uti­li­zá-la pa­ra
en­ri­que­cer a re­la­ção con­su­len­te-ta­ró­lo­go, evi­tan­do o abu­so de po­der
que supõe a po­si­ção do “vi­den­te” onis­ci­en­te. Is­so exi­ge, da par­te do ta-­
ró­lo­go, um du­plo es­for­ço so­bre si mes­mo: en­fren­tar seus pró­prios li­mi-­
tes pa­ra ir mais lon­ge e re­co­nhcer di­an­te do ou­tro que po­de se en­ga­nar.
Pa­ra es­sa lei­tu­ra, uti­li­za­mos dois ba­ra­lhos; de ca­da um ex­tra­í­mos o
ma­ço dos 22 Ar­ca­nos mai­o­res. Con­su­len­te e ta­ró­lo­go em­ba­ra­lham ca­da
um o seu ma­ço, ao mes­mo tem­po, de­pois ca­da um ti­ra três car­tas. Le­va-­
mos tam­bém em con­ta a car­ta que fi­cou em­bai­xo do ma­ço, que dá a to-­
na­li­da­de ge­ral da ti­ra­gem.
O ta­ró­lo­go exa­mi­na pri­mei­ro sua pró­pria pro­je­ção re­la­ti­va à per-­
gun­ta do con­su­len­te. As três car­tas que ele es­co­lheu lhe per­mi­tem for-­
mu­lar sua opi­ni­ão, ou sua in­tui­ção da res­pos­ta pos­sí­vel.
Le­mos, em se­gui­da, com as três car­tas ti­ra­das pe­lo con­su­len­te, a
ima­gem que ele ou ela faz de sua si­tu­a­ção. Es­sa se­gun­da lei­tu­ra é in­tei-­
ra­men­te clássi­ca, co­mo qual­quer lei­tu­ra de três car­tas.
Por fim, em um ter­cei­ro mo­men­to, efe­tu­a­mos a sín­te­se das du­as ti-­
ra­gens. É es­se en­con­tro en­tre a pro­je­ção do ta­ró­lo­go e a do con­su­len­te
que ori­en­ta pa­ra a so­lu­ção da per­gun­ta. (Ver exem­plo da pági­na an­te­ri-­
or.)
A lei­tu­ra pro­je­ti­va exi­ge que o ta­ró­lo­go de­sen­vol­va um ver­da­dei­ro
sen­ti­do do di­á­lo­go. É pos­sí­vel que as du­as ti­ra­gens sus­ci­tem res­pos­tas
opos­tas – pe­lo me­nos na apa­rên­cia.

A LEI­TU­RA PRO­JE­TI­VA: DOIS OLHA­RES PA­RA RE­SOL­VER UMA QUES­TÃO


Con­su­len­te: “Aon­de eu vou?”
Ti­ra­gem do ta­ró­lo­go:
Car­ta em­bai­xo do ma­ço: VI O Na­mo­ra­do
A: VI­II A Jus­ti­ça, B: X A Ro­da da For­tu­na, C: XI­II O Ar­ca­no sem no­me
Ti­ra­gem do con­su­len­te:
Car­ta em­bai­xo do ma­ço: V O Pa­pa
A: XVI A Tor­re, B: XI­I­II Tem­pe­ran­ça, C: XI A For­ça
Lei­tu­ra: Exa­mi­nan­do a car­ta que fi­cou em­bai­xo do ma­ço de­pois de em-­
ba­ra­lhar e que dá a cor da lei­tu­ra, ve­mos que o ta­ró­lo­go per­ce­be o con-­
su­len­te co­mo al­guém que es­tá em bus­ca de uma so­lu­ção emo­ci­o­nal,
mas que tam­bém já es­tá a ca­mi­nho da­qui­lo que ele ama (grau 6). O con-­
su­len­te, por sua vez, vê a si mes­mo co­mo se ain­da es­ti­ves­se no um­bral
des­sa re­a­li­za­ção, ain­da no do­mí­nio do ide­al (grau 5). (So­bre a nu­me­ro­lo-­
gia, ver pp. 71 ss.) A pro­je­ção do ta­ró­lo­go, se­gun­do sua ti­ra­gem, é a se-­
guin­te: o con­su­len­te, por mui­to tem­po con­fron­ta­do por uma exi­gên­cia
de per­fei­ção ir­ra­di­a­da pe­la mãe (VI­II), es­tá fe­chan­do es­se ci­clo do pas-­
sa­do (X). Ele se di­ri­ge ago­ra pa­ra uma re­vo­lu­ção, tal­vez mo­ti­va­da pe­la
có­le­ra con­tra a ide­o­lo­gia ma­ter­na (XI­II). A ti­ra­gem do con­su­len­te evo­ca
um cho­que, uma ex­pul­são (XVI) que po­de­ria re­mon­tar à épo­ca de seu
nas­ci­men­to vi­vi­do co­mo um trau­ma­tis­mo, mas que tam­bém po­de ser
uma rup­tu­ra. No en­tan­to, a cu­ra (XI­I­II) es­tá no cen­tro, se­gui­da por um
no­vo iní­cio cri­a­ti­vo (XI). As du­as lei­tu­ras re­me­tem ao fa­to de aban­do­nar
uma si­tu­a­ção an­ti­ga opres­so­ra, pas­san­do por uma cu­ra trans­for­ma­do­ra,
pa­ra ir em di­re­ção àqui­lo que ver­da­dei­ra­men­te se ama. Co­men­tá­rio do
con­su­len­te: “Mi­nha per­gun­ta sub­ja­cen­te era na ver­da­de sa­ber co­mo vou
fa­zer re­al­men­te pa­ra aban­do­nar mi­nha mãe. Es­ta lei­tu­ra me es­cla­re­ceu
so­bre o fa­to de que es­se pro­ces­so é mes­mo cen­tral na mi­nha vi­da, é
do­lo­ro­so mas ne­ces­sá­rio.”
Ler qua­tro car­tas ou mais

A lei­tu­ra dos duos (ou sí­la­bas) pre­pa­ra a abor­da­gem da gra­máti­ca bási-­


ca do Ta­rot: a “fra­se” de três car­tas. Uma vez que in­te­gra­mos e do­mi­na-­
mos os ele­men­tos bási­cos, a lei­tu­ra se tor­na fácil pa­ra qual­quer que se­ja
o nú­me­ro de car­tas. Na ver­da­de, co­mo ve­re­mos, as es­tra­té­gias de lei­tu-­
ra de qua­tro ou mais car­tas são de cer­ta ma­nei­ra mais sim­ples que as
va­ri­a­ções de lei­tu­ras com três car­tas.
Apre­sen­ta­mos aqui al­gu­mas es­tru­tu­ras em que a po­si­ção de ca­da
car­ta re­pre­sen­ta um as­pec­to, uma for­ça atu­an­te no in­te­ri­or de um con-­
jun­to. Pa­ra além de três car­tas, a lei­tu­ra do Ta­rot se faz ge­ral­men­te no
in­te­ri­or de um es­que­ma, de um de­se­nho em que ca­da ní­vel cor­res­pon-­
de a um ele­men­to da res­pos­ta. Com es­sas es­tra­té­gias, po­de­mos tra­ba-­
lhar sem per­gun­ta. E, so­bre­tu­do, elas são ex­ten­sí­veis: a par­tir de uma
es­tra­té­gia com cin­co ou se­te car­tas, po­de­mos co­lo­car em ca­da po­si­ção
três car­tas em vez de uma e ler um duo ou uma fra­se em vez de um úni-­
co Ar­ca­no. É as­sim que aos pou­cos che­ga­mos a ler ti­ra­gens ca­da vez
mais com­ple­xas, mas que fun­ci­o­nam a par­tir de uni­da­des sim­ples.
As es­tra­té­gias de lei­tu­ra apre­sen­ta­das aqui são al­gu­mas das nos­sas
pre­fe­ri­das, mas exis­tem mui­tas ou­tras; na ver­da­de, po­de­mos in­ven­tar
in­fi­ni­tas, co­mo ten­ta­re­mos mos­trar no úl­ti­mo exem­plo.
Os exem­plos de lei­tu­ra que apre­sen­ta­mos são em ge­ral ba­se­a­dos
nos Ar­ca­nos mai­o­res, mas po­de­mos tam­bém apli­car in­di­fe­ren­te­men­te
as es­tra­té­gias, mes­clan­do a to­ta­li­da­de das car­tas do Ta­rot, ou ain­da, uti-­
li­zan­do ape­nas os cin­quen­ta e seis Ar­ca­nos me­no­res.
O Ta­rot da dúvi­da

A par­tir do mo­men­to em que acei­ta­mos que o Ta­rot não ser­ve pa­ra ler
o fu­tu­ro, po­de­mos uti­li­zá-lo co­mo um ins­tru­men­to de in­tros­pec­ção.
Quan­do uma dúvi­da de or­dem ma­te­ri­al, cri­a­ti­va, emo­ci­o­nal ou in­te-­
lec­tu­al nos pre­o­cu­pa e nos im­pe­de de agir, o Ta­rot per­mi­te exa­mi­nar o
pro­ble­ma de­com­pon­do-o em par­tes.
Nes­ta es­tra­té­gia de lei­tu­ra com qua­tro car­tas, eis ao que ca­da uma
de­las cor­res­pon­de:
A: o con­su­len­te
B e C: os as­pec­tos da dúvi­da do con­su­len­te
D: é a so­lu­ção, o guia que per­mi­ti­rá ao con­su­len­te re­sol­ver sua dúvi-­
da.

Exem­plo de lei­tu­ra
Con­su­len­te: Uma mu­lher mui­to no­va tem uma dúvi­da me­ta­físi­ca, ela
se per­gun­ta se exis­te reen­car­na­ção.
Ti­ra­gem: A: III A Im­pe­ra­triz, B: XVI A Es­tre­la, C: XVI­II A Lua, D: VI-­
II A Jus­ti­ça.
Lei­tu­ra: A: A con­su­len­te, re­pre­sen­ta­da pel’A Im­pe­ra­triz, se ma­ni­fes­ta
em ple­no en­tu­si­as­mo ju­ve­nil. Ela não sa­be aon­de vai. Ela se faz per­gun-­
tas co­mo uma ado­les­cen­te as­som­bra­da por uma vi­são ro­mân­ti­ca da
mor­te, e que gos­ta­ria de co­nhe­cer de uma vez to­das as res­pos­tas. B e C:
Sua dúvi­da se ba­seia no se­guin­te pro­ces­so: A Es­tre­la, que re­ce­be as in-­
fluên­cias do “al­to” (as es­tre­las, o cos­mos) dá aqui­lo que re­ce­be pa­ra A
Lua (ar­quéti­po ma­ter­no da ges­ta­ção e da cri­a­ção), pe­la me­tá­fo­ra dos
dois va­sos der­ra­man­do água. Mas com A Lua, a ma­té­ria no­va­men­te se
ele­va (a la­gos­ta so­be em di­re­ção ao as­tro). É um ci­clo: aqui­lo que so­be
tor­na a des­cer e re­co­me­ça a se ele­var no­va­men­te. A reen­car­na­ção se
ba­seia so­bre uma con­cep­ção cícli­ca da vi­da. D: A Jus­ti­ça olha di­re­ta-­
men­te di­an­te de­la. Ela re­pre­sen­ta o pre­sen­te ple­no, pe­sa aqui­lo que é
útil e cor­ta o que não é.
O Ta­rot da dúvi­da
A. Con­su­len­te.
B-C. As­pec­tos da dúvi­da.
C. Cha­ve pa­ra re­sol­ver a dúvi­da.

Sín­te­se: Uma vez que o tem­po com­por­ta os rit­mos cícli­cos, por que
não pen­sar que a reen­car­na­ção exis­te, se es­sa ideia nos faz bem? Quan-­
do um dis­cí­pu­lo co­lo­cou a ques­tão “O que exis­te de­pois da mor­te?”, um
mes­tre zen lhe res­pon­deu: “Não sei, ain­da não mor­ri”. Po­de­mos acon-­
se­lhar a es­sa jo­vem que es­pe­re pa­ra vi­vê-la pri­mei­ro e que te­nha con­fi-­
an­ça na jus­ti­ça di­vi­na (ou cósmi­ca).
O Ta­rot da li­be­ra­ção

Po­de­mos tam­bém cha­mar es­sa gra­de de lei­tu­ra de cin­co ele­men­tos de


“o Ta­rot d’O Lou­co”, uma vez que es­se Ar­ca­no sim­bo­li­za a li­ber­da­de e o
im­pul­so es­sen­ci­al. Exem­plo:
A: O que me im­pe­de de ser eu mes­mo?
B: Co­mo pos­so me li­ber­tar?
C: Pa­ra em­preen­der que ti­po de ação?
D: Pa­ra al­can­çar que ti­po de trans­for­ma­ção?
E: Qual é o meu ob­je­ti­vo, meu des­ti­no a ser re­a­li­za­do?
(Exem­plo na pági­na se­guin­te.)

Exem­plo de lei­tu­ra
Con­su­len­te: Uma mu­lher na fai­xa dos trin­ta anos quer mu­dar de vi­da.
O Ta­rot da li­be­ra­ção
A. O en­tra­ve, o obs­tá­cu­lo, o blo­queio.
B. O meio pa­ra a li­ber­ta­ção.
C. A ação a ser em­preen­di­da.
D. A trans­for­ma­ção.
E. O ob­je­ti­vo, o des­ti­no a ser re­a­li­za­do.

Ti­ra­gem: A: XI­I­II Tem­pe­ran­ça, B: III A Im­pe­ra­triz, C: XVI­I­II O Sol,


D: XII O En­for­ca­do, E: XVII A Es­tre­la.
Lei­tu­ra: A: o que a im­pe­de de se re­a­li­zar tal­vez se­ja uma vi­são an­ge­li-­
cal e de­sen­car­na­da de si mes­ma, que a con­duz a acei­tar to­dos os com-­
pro­mis­sos, a dar mos­tras de uma in­de­ci­são ex­ces­si­va. B: pa­ra li­ber­tá-la,
é pre­ci­so re­tor­nar às su­as for­ças cri­a­ti­vas, que vo­cê se re­con­ci­lie com
seus pro­je­tos da ado­les­cên­cia. O que a en­tu­si­as­ma? Pa­ra on­de vai o seu
de­se­jo? A li­ber­da­de co­me­ça com es­sa per­gun­ta. C: vo­cê po­de ago­ra vi-­
su­a­li­zar uma no­va cons­tru­ção – um ca­sal fun­da­do so­bre a es­ti­ma mú-­
tua e a igual­da­de, um pro­je­to pro­fis­si­o­nal em par­ce­ria com um só­cio...
D: a sua trans­for­ma­ção é que vo­cê en­tre em con­ta­to con­si­go mes­ma,
com sua ver­da­dei­ra es­sên­cia. Que vo­cê apro­fun­de a re­la­ção con­si­go
mes­ma. E: vo­cê po­de le­var adi­an­te uma ação no mun­do. A ge­ne­ro­si­da-­
de é um dos va­lo­res que a gui­a­rá. Se vo­cê es­co­lher um lu­gar co­mo ba­se
da sua ação, po­de­rá ir­ra­di­ar a par­tir des­se lu­gar. Co­men­tá­rio da con­su-­
len­te: “Eu te­nho di­fi­cul­da­des de me en­car­nar. Ti­ve uma vo­ca­ção de
atriz que não foi en­co­ra­ja­da; es­tá na ho­ra de co­me­çar a es­tu­dar te­a­tro,
o que me aju­da­rá a es­tar bem com meu cor­po. Re­ce­bi uma pro­pos­ta de
cui­dar das re­la­ções pú­bli­cas de uma com­pa­nhia de cir­co que se ins­ta-­
lou na mi­nha ci­da­de. O Ta­rot con­fir­ma que es­tou em um bom ca­mi-­
nho”.
O Ta­rot do he­rói

Es­ta es­tru­tu­ra com cin­co car­tas é ins­pi­ra­da pe­lo gran­de te­ma mi­to­ló­gi-­
co da bus­ca do he­rói po­pu­la­ri­za­da pe­las obras de Jo­seph Camp­bell. A
for­ma mais sim­ples se compõe de cin­co car­tas ti­ra­das pe­lo con­su­len­te:
A re­pre­sen­ta sua si­tu­a­ção de par­ti­da, B cor­res­pon­de a seu ob­je­ti­vo ou à
me­ta de sua bus­ca; en­tre es­sas du­as car­tas co­lo­ca­mos ou­tras du­as jun-­
tas: C e D re­pre­sen­tan­do o obs­tá­cu­lo a ser su­pe­ra­do pa­ra se atin­gir o
ob­je­ti­vo; por fim, o con­su­len­te ti­ra uma quin­ta car­ta: E re­pre­sen­ta a
cha­ve, o ali­a­do, as for­ças de que se dispõe pa­ra re­a­li­zar o ob­je­ti­vo. Es­sa
car­ta se­rá li­da nas du­as po­si­ções, an­tes e de­pois do obs­tá­cu­lo. A lei­tu­ra
se efe­tua pro­gres­si­va­men­te se­gun­do a or­dem in­di­ca­da (A, B, C, D, E).

Exem­plos de lei­tu­ra
Con­su­len­te: Ela se en­con­tra em um im­pas­se pro­fis­si­o­nal e sen­te uma
for­te ne­ces­si­da­de de mu­dan­ça.
O Ta­rot do he­rói
A: A si­tu­a­ção. / B: O ob­je­ti­vo.
C-D: O obs­tá­cu­lo. / E: A cha­ve, o ali­a­do.

Ti­ra­gem: A (si­tu­a­ção): VI­II A Jus­ti­ça, B (ob­je­ti­vo): XV O Di­a­bo, C-D


(obs­tá­cu­lo): V O Pa­pa, VI O Na­mo­ra­do, E (cha­ve): I O Ma­go
Lei­tu­ra: Sua si­tu­a­ção ini­ci­al re­pre­sen­ta vo­cê as­sen­ta­da em um equi­lí-­
brio (VI­II), mas tam­bém em uma exi­gên­cia de per­fei­ção que a pa­ra­li­sa.
Seu ob­je­ti­vo (XV) é exer­cer um ofí­cio cri­a­ti­vo, que a apai­xo­ne. Mas a
cri­a­ti­vi­da­de é sem­pre im­per­fei­ta! Pa­ra cri­ar, é pre­ci­so acei­tar o er­ro. O
obs­tá­cu­lo que a se­pa­ra de seu ob­je­ti­vo é o olhar do pai (V) que cria em
vo­cê um con­fli­to emo­ci­o­nal e uma di­fi­cul­da­de de es­co­lher seu ca­mi­nho
(VI). A exi­gên­cia de per­fei­ção que vo­cê so­fre lhe foi im­pos­ta pe­lo seu
pai e a im­pe­de de se re­a­li­zar no pla­no cri­a­ti­vo. A cha­ve do pro­ble­ma (I)
é sim­ples: é pre­ci­so co­me­çar ime­di­a­ta­men­te a fa­zer o que vo­cê ama,
sem me­do de ser uma no­va­ta, mas sem aban­do­nar o seu em­pre­go (O
Ma­go con­ser­va uma es­pécie de mo­e­da na mão). O Ma­go in­di­ca uma ati-­
vi­da­de so­bre­tu­do es­pi­ri­tu­al ou in­te­lec­tu­al, co­mo o jor­na­lis­mo. Se vo­cê
tem me­do de não sa­ber es­cre­ver mui­to bem, pe­ça aju­da a um re­vi­sor
pa­ra seus pri­mei­ros ar­ti­gos!
Co­men­tá­rio da con­su­len­te: A si­tu­a­ção es­tá bem re­pre­sen­ta­da. Eu de-­
se­jo de fa­to me lan­çar no jor­na­lis­mo, mas não acre­di­to que vá con­se-­
guir ga­nhar a vi­da asism. A so­lu­ção de co­me­çar ao mes­mo que tem­po
man­ten­do mi­nha atu­al ati­vi­da­de e de pro­cu­rar aju­da me dei­xa mais se-­
gu­ra.
Po­de­mos en­ri­que­cer o Ta­rot do he­rói co­lo­can­do em ca­da po­si­ção
mais uma car­ta. Eis aqui um exem­plo pro­po­si­ta­da­men­te bas­tan­te sim-­
ples.

Ti­ra­gem: A: XVI A Tor­re, VI­I­II O Ere­mi­ta, B: II­II O Im­pe­ra­dor, XVII


A Es­tre­la, C-D: V O Pa­pa, II A Pa­pi­sa, X A Ro­da da For­tu­na, E: VI O
Na­mo­ra­do, XX O Jul­ga­men­to.
Lei­tu­ra: Ex­pul­so de seu lu­gar (XVI), o con­su­len­te não sa­be aon­de ir
(VI­I­II). Seu ob­je­ti­vo: en­con­trar um no­vo lu­gar (XVII) es­tá­vel (II­II). O
obs­tá­cu­lo: os mei­os em­pre­ga­dos (imo­bi­liá­rias: V, e lei­tu­ras de clas­si­fi-­
ca­dos: II) não dão em na­da (X). A cha­ve: fa­lar a res­pei­to com as pes­so­as
à sua vol­ta (VI), pois a so­lu­ção (XX) po­de es­tar no bo­ca a bo­ca.
O Ta­rot d’O Mun­do

Es­ta lei­tu­ra, que não ne­ces­si­ta de per­gun­ta, per­mi­te mes­clar fa­cil­men­te


Ar­ca­nos mai­o­res e Ar­ca­nos me­no­res. A es­tru­tu­ra de ba­se, cal­ca­da so­bre
o es­que­ma do Ar­ca­no XXI, se compõe de cin­co car­tas: no cen­tro, a car-­
ta A re­pre­sen­ta a es­sên­cia do con­su­len­te. No al­to, à di­rei­ta, no lu­gar on-­
de se en­con­tra a águia, a car­ta B re­pre­sen­ta o es­ta­do de sua ener­gia in-­
te­lec­tu­al. No al­to, à es­quer­da, no lu­gar on­de se en­con­tra o an­jo, a car­ta
C re­pre­sen­ta o es­ta­do de sua ener­gia emo­ci­o­nal. Em­bai­xo, à di­rei­ta, no
lu­gar on­de se en­con­tra o le­ão, a car­ta D re­pre­sen­ta o es­ta­do de sua
ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va. Em­bai­xo, à es­quer­da, no lu­gar on­de se en­con-­
tra o ani­mal cor de car­ne, a car­ta E re­pre­sen­ta o es­ta­do de sua ener­gia
ma­te­ri­al.

Exem­plos de lei­tu­ra
Con­su­len­te: Um ho­mem de cer­ca de qua­ren­ta anos ti­ra cin­co car­tas
en­tre os Ar­ca­nos mai­o­res.
Ti­ra­gem: A (es­sên­cia): VI­I­II O Ere­mi­ta; B (vi­da in­te­lec­tu­al): X A Ro-­
da da For­tu­na; C (vi­da emo­ci­o­nal): XVI A Tor­re; D (vi­da se­xu­al e cri-­
a­ti­va): XVI­II A Lua; E (vi­da ma­te­ri­al): VII O Car­ro.
Lei­tu­ra: A (es­sên­cia): Vo­cê se en­con­tra atu­al­men­te em um mo­men­to
de cri­se, que as car­tas si­tu­a­das nos qua­tro can­tos irão es­pe­ci­fi­car. De
fa­to, O Ere­mi­ta ilu­mi­na o la­do re­cep­ti­vo (ener­gia emo­ci­o­nal e vi­da ma-­
te­ri­al), mas vi­ra as cos­tas pa­ra o la­do ati­vo (vi­da in­te­lec­tu­al e cri­a­ti­va).
As car­tas do la­do di­rei­to ex­pri­mi­rão o me­do que vo­cê sen­te nes­ses do-­
mí­nios, sem sa­ber ain­da aon­de vo­cê vai. C (vi­da emo­ci­o­nal) e D (vi­da
ma­te­ri­al): Po­de ser que vo­cê te­nha vi­vi­do uma rup­tu­ra, que lhe con­du-­
ziu a mu­dar de lu­gar. (O con­su­len­te con­fir­ma: re­cen­te­men­te se­pa­ra­do
de sua com­pa­nhei­ra, ele acei­tou um em­pre­go em ou­tro pa­ís.) B (vi­da
in­te­lec­tu­al) e D (vi­da cri­a­ti­va-se­xu­al): Pa­re­ce que no mo­men­to vo­cê
che­gou a um pon­to de pa­ra­da em sua con­cep­ção do mun­do (X). Es­se
ques­ti­o­na­men­to sem dúvi­da es­tá li­ga­do à pro­va­ção emo­ci­o­nal pe­la qual
vo­cê aca­bou de pas­sar (a “es­fin­ge” d’A Ro­da da For­tu­na re­pre­sen­ta fre-­
quen­te­men­te um enig­ma emo­ci­o­nal). A sua ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va no
mo­men­to es­tá ab­sor­vi­da por um ques­ti­o­na­men­to do fe­mi­ni­no (XVI­II),
so­bre a ima­gem da mãe ide­al. (O con­su­len­te con­fir­ma: ele acha­va que
ha­via en­con­tra­do em sua com­pa­nhei­ra a mãe de seus fu­tu­ros fi­lhos, e
nes­sa no­va si­tu­a­ção vol­tou a ques­ti­o­nar sua con­cep­ção das coi­sas.)
Con­clu­são: A par­tir de tal ti­ra­gem, que cor­res­pon­de de al­gu­ma ma­nei-­
ra ao es­ta­do das coi­sas, po­de ser in­te­res­san­te re­co­me­çar a lei­tu­ra, por
exem­plo, se­guin­do a es­tra­té­gia abai­xo, co­lo­can­do a per­gun­ta: quais são
as ener­gi­as à mi­nha dis­po­si­ção das quais ain­da não me sir­vo?

O Ta­rot do Mun­do
A. Es­sên­cia.
B. Vi­da in­te­lec­tu­al.
C. Vi­da emo­ci­o­nal.
D. Ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va.
E. Vi­da ma­te­ri­al.

Tra­ba­lha­mos com o mes­mo con­su­len­te, se­guin­do uma es­tra­té­gia


um pou­co di­fe­ren­te. A to­ta­li­da­de do Ta­rot é pos­ta no jo­go, mas di­vi­di­da
em di­ver­sos ma­ços. O con­su­len­te ti­ra um Ar­ca­no mai­or que co­lo­ca no
cen­tro: é a ener­gia es­sen­ci­al de que ele dispõe. De­pois, ele ti­ra uma car-­
ta do ma­ço de Es­pa­das e a co­lo­ca no al­to à di­rei­ta. Uma car­ta de Co­pas
vai pa­ra o al­to à es­quer­da, uma car­ta de Paus no can­to in­fe­ri­or di­rei­to, e
uma car­ta de Ou­ros no can­to in­fe­ri­or es­quer­do.
Ti­ra­gem: A: I O Ma­go, B: Rai­nha de Es­pa­das, C: Rei de Co­pas, D: Ca-­
va­lei­ro de Paus, E: Cin­co de Ou­ros.
Lei­tu­ra: Es­sen­ci­al­men­te, vo­cê tem a pos­si­bi­li­da­de de co­me­çar um no-­
vo pe­rí­o­do de vi­da li­ga­do a sua no­va ati­vi­da­de (O Ma­go). Sua ca­pa­ci­da-­
de de amar es­tá in­tac­ta (Rei de Co­pas), e vo­cê po­de fa­zer emer­gir na
sua vi­da ma­te­ri­al um no­vo ide­al (Cin­co de Ou­ros). Mas a fe­ri­da emo­ci-­
o­nal tor­na vo­cê pru­den­te em seu pen­sa­men­to (Rai­nha de Es­pa­das), e
tal­vez in­flu­en­cie mo­men­ta­ne­a­men­te em sua vi­são da mu­lher... Quan­to
à sua ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va, ela es­tá atu­al­men­te su­bli­ma­da (Ca­va­lei-­
ro de Paus) pa­ra lhe per­mi­tir ter aces­so a uma no­va for­ma de pen­sa-­
men­to, a um re­nas­ci­men­to men­tal.

Em um pri­mei­ro mo­men­to, pa­ra o Ta­rot d’O Mun­do, tal­vez se­ja in-­


te­res­san­te dei­xar que o con­su­len­te es­co­lha a or­dem das car­tas, uma vez
que já lhe in­di­ca­mos a que cen­tro cor­res­pon­de ca­da po­si­ção. Por exem-­
plo, se ele es­co­lheu pri­mei­ro co­lo­car as car­tas do la­do di­rei­to (in­te­lec­to
e cen­tro se­xu­al-cri­a­ti­vo), is­so po­de in­di­car que sua pri­o­ri­da­de é mais a
ação do que a re­cep­ção.
O Ta­rot de dois pro­je­tos

Es­co­lhe­mos três car­tas pa­ra sa­ber qual se­rá nos­so pro­je­to utópi­co, is­to
é, o ho­ri­zon­te mais lon­gín­quo que pro­po­mos à nos­sa re­a­li­za­ção pes­so-­
al. A ques­tão não é se po­de­mos ou de­ve­mos re­a­li­zar es­se pro­je­to, mas
nos tor­nar­mos cons­ci­en­tes do fa­to de que vi­ve­mos nos pro­je­tan­do no
fu­tu­ro. É, por­tan­to, es­sen­ci­al sa­ber a que ti­po de fu­tu­ro nós nos pro­po-­
mos. Abai­xo des­sas três car­tas, ti­ra­mos ou­tras três que re­pre­sen­tam o
pro­je­to im­pos­to, aque­le que nos foi da­do por nos­sa fa­mí­lia, a ta­re­fa que
her­da­mos de nos­sa ár­vo­re ge­ne­a­ló­gi­ca e que, mui­to fre­quen­te­men­te,
nos li­mi­ta em nos­so de­sen­vol­vi­men­to pes­so­al. Por exem­plo: “Vo­cê vai
ser médi­co, meu fi­lho!”, en­quan­to o con­su­len­te so­nha ser te­nis­ta; ou:
“Vo­cê vai aca­bar sol­tei­ra”, uma mal­di­ção que po­de pe­sar na vi­da de
uma mu­lher. Es­ta lei­tu­ra po­de, en­tão, oca­si­o­nar uma to­ma­da de cons-­
ciên­cia das pers­pec­ti­vas do fu­tu­ro que mol­dam nos­so co­ti­di­a­no.

Exem­plo de lei­tu­ra
Pro­je­to utópi­co: O Lou­co, XV O Di­a­bo, XVI­I­II O Sol.
Pro­je­to im­pos­to: III A Im­pe­ra­triz, II A Pa­pi­sa, XI A For­ça.
Lei­tu­ra: Seu pro­je­to utópi­co é a re­a­li­za­ção to­tal da sua cri­a­ti­vi­da­de e
da sua ca­pa­ci­da­de de ga­nhar di­nhei­ro (O Lou­co dá to­da sua ener­gia a O
Di­a­bo), que se con­cre­ti­za­rá em um su­ces­so to­tal (O Sol). Mas o pro­je­to
que lhe de­ram é sem­pre con­ter sua cri­a­ti­vi­da­de e seu en­tu­si­as­mo (A
Pa­pi­sa fe­cha e es­fria o de­se­jo d’A Im­pe­ra­triz), con­de­nan­do vo­cê aos
eter­nos co­me­ços (A For­ça re­pre­sen­ta aqui um con­fli­to cri­a­ti­vo, ela fe-­
cha a bo­ca do ani­mal). Co­mo re­sol­ver is­so? Re­or­ga­ni­zan­do o pro­je­to
im­pos­to.
Re­po­si­ci­o­na­men­to (ver p. 512): XI A For­ça, II A Pa­pi­sa, III A Im­pe­ra-­
triz.
Lei­tu­ra: A For­ça se tor­na aqui um pro­je­to cri­a­ti­vo que ama­du­re­ce com
o tra­ba­lho de ges­ta­ção d’A Pa­pi­sa, e vê fi­nal­men­te a luz do dia com A
Im­pe­ra­triz que se ex­pri­me, cria, se re­a­li­za. É pre­ci­so se des­fa­zer de
uma ideia in­sen­sa­ta: “Pa­ra ser sá­bio e pu­ro co­mo A Pa­pi­sa, de­vo per­ma-­
ne­cer na ina­ti­vi­da­de”.
O Ta­rot da es­co­lha

Bas­tan­te útil quan­do um con­su­len­te he­si­ta en­tre dois ca­mi­nhos, es­ta


es­tra­té­gia ser­ve pa­ra vi­su­a­li­zar a ma­nei­ra co­mo ele en­xer­ga a si­tu­a­ção.
Evi­den­te­men­te, o pa­pel do ta­ró­lo­go não é fa­zer pen­der a es­co­lha, mas
es­cla­re­cer as pos­si­bi­li­da­des pa­ra per­mi­tir uma es­co­lha cons­ci­en­te. O
con­su­len­te ti­ra uma car­ta pa­ra o cen­tro que o sim­bo­li­za. Pe­di­mos em
se­gui­da que ele vi­su­a­li­ze um ca­mi­nho à es­quer­da des­sa car­ta e ou­tro à
di­rei­ta. A ca­da uma des­sas du­as car­tas, acres­cen­ta-se ain­da um duo de
car­tas que per­mi­ti­rá es­pe­ci­fi­car as pos­si­bi­li­da­des ofe­re­ci­das por ca­da
um des­ses ca­mi­nhos.
O Ta­rot da es­co­lha
A. O con­su­len­te
B-D-E. Pri­mei­ra pos­si­bi­li­da­de
C-F-G. Se­gun­da pos­si­bi­li­da­de

Exem­plo de lei­tu­ra
Con­su­len­te: A pes­soa quer es­co­lher en­tre du­as pro­pos­tas de tra­ba­lho.
Ti­ra­gem: A: XI A For­ça, B: XX O Jul­ga­men­to, C: VII O Car­ro, D: X A
Ro­da da For­tu­na, E: XII O En­for­ca­do, F: XVI­I­II O Sol, G: XXI O Mun-­
do.
Lei­tu­ra: O olhar d’A For­ça se di­ri­ge pa­ra o se­gun­do ca­mi­nho, por­tan­to,
a sua es­co­lha pa­re­ce se di­ri­gir pa­ra es­te. As car­tas con­fir­mam is­so:

Pos­si­bi­li­da­de 1: O cha­ma­do se­du­tor (XX) se blo­queia (X) pa­ra ter-­


mi­nar em uma es­pe­ra (XII) que pa­re­ce não ter re­sul­ta­do.
Pos­si­bi­li­da­de 2: Ela evo­ca uma ação for­te no mun­do (VII) sob o
sig­no de uma as­so­ci­a­ção fe­cun­da (XVI­I­II) que con­duz ao su­ces­so
(XXI).
Ler dez car­tas ou mais

Am­pli­fi­car o Ta­rot d’O Mun­do

É uma lei­tu­ra de quin­ze car­tas com Ar­ca­nos mai­o­res e Ar­ca­nos me­no-­


res. Já es­tu­da­mos a es­tru­tu­ra do Ta­rot d’O Mun­do (ver p. 543). É pos­sí-­
vel tor­ná-la mais com­ple­xa co­lo­can­do uma fra­se de três car­tas em ca­da
po­si­ção. Is­so po­de ser fei­to tan­to usan­do ape­nas os Ar­ca­nos mai­o­res,
co­mo uti­li­zan­do os Ar­ca­nos mai­o­res pa­ra a car­ta cen­tral e o ma­ço de
cin­quen­ta e seis Ar­ca­nos me­no­res em­ba­ra­lha­dos pa­ra as ou­tras qua­tro
po­si­ções.
Te­re­mos, en­tão, a pos­si­bi­li­da­de de ver apa­re­ce­rem car­tas de um
Nai­pe em uma ener­gia que não lhes cor­res­pon­de. Se, por exem­plo, a
po­si­ção su­pe­ri­or da di­rei­ta, que cor­res­pon­de ao in­te­lec­to, se en­con­tra
preen­chi­da por car­tas da série de Ou­ros, po­de­rí­a­mos de­du­zir que, no
mo­men­to, a prin­ci­pal pre­o­cu­pa­ção do con­su­len­te é com di­nhei­ro. In-­
ver­sa­men­te, se a po­si­ção cor­res­pon­den­te ao emo­ci­o­nal for preen­chi­da
por car­tas de Es­pa­das, po­de­rí­a­mos di­zer que o men­tal es­fri­ou o co­ra-­
ção etc.
Pa­ra ler o Ta­rot se­gun­do es­ta es­tra­té­gia, é me­lhor es­tar­mos já bas-­
tan­te fa­mi­li­a­ri­za­dos com os Ar­ca­nos do Ta­rot. É, so­bre­tu­do, in­dis­pen-­
sá­vel di­a­lo­gar com o con­su­len­te a fim de con­fir­mar ou des­men­tir aqui-
lo que apa­re­ce em sua ti­ra­gem. (Ver exem­plo abai­xo.)
Am­pli­fic
­ ar o Ta­rot d’O Mun­do
ABC: Es­sên­cia
DEF: Vi­da in­te­lec­tu­al
GHI: Vi­da emo­ci­o­nal
JKL: Ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va
MNO: Vi­da ma­te­ri­al

Exem­plo de lei­tu­ra
Con­su­len­te: Ele so­fre de uma do­en­ça gra­ve que con­si­de­ra uma eta­pa
de cres­ci­men­to es­pi­ri­tu­al.
Ti­ra­gem: ABC: XI­II O Ar­ca­no sem no­me, XVI­II A Lua, XII O En­for-­
ca­do. DEF: Rai­nha de Es­pa­das, Ca­va­lei­ro de Es­pa­das, Três de Co­pas.
GHI: Rei de Co­pas, Seis de Ou­ros, Va­le­te de Co­pas. JKL: No­ve de Es-­
pa­das, Cin­co de Paus, Rei de Paus. MNO: Cin­co de Co­pas, Ca­va­lei­ro de
Co­pas, Se­te de Ou­ros.
ABC (es­sên­cia): Vo­cê es­tá em ple­no tra­ba­lho de trans­for­ma­ção
(XI­II). Sua ati­vi­da­de es­sen­ci­al con­sis­te em tra­ba­lhar so­bre o cân­cer
(re­pre­sen­ta­do pe­lo ca­ran­gue­jo pre­sen­te n’A Lua) pe­la práti­ca da me­di-­
ta­ção e no apro­fun­da­men­to das cau­sas da do­en­ça (XII). A so­ma das
car­tas (ver pp. 527-28): 13 + 18 + 12 = 43; 4 + 3 = 7, dá VII O Car­ro. Ele
re­pre­sen­ta o es­ta­do de saú­de e de ener­gia sub­ja­cen­te da pro­va­ção que
vo­cê es­tá atra­ves­san­do. É tam­bém a car­ta da uni­ão en­tre o es­píri­to e a
ma­té­ria.
DEF (in­te­lec­to): O Ca­va­lei­ro de Es­pa­das re­pre­sen­ta uma mu­ta­ção
em sua con­cep­ção in­te­lec­tu­al: vo­cê es­tá pas­san­do de uma con­cep­ção
ra­ci­o­nal, ci­en­tífi­ca, pu­ra­men­te in­te­lec­tu­al do pen­sa­men­to (Rai­nha de
Es­pa­das) à des­co­ber­ta do amor pe­la obra na ener­gia in­te­lec­tu­al (o Três
de Co­pas dá im­pul­so ao Ca­va­lei­ro pa­ra efe­tu­ar o sal­to).
GHI (emo­ci­o­nal): O Va­le­te de Co­pas tal­vez re­pre­sen­te uma pes­soa
jo­vem da sua fa­mí­lia, um fi­lho ou uma fi­lha, que vem até vo­cê ti­mi­da-­
men­te. Vo­cê (Rei de Co­pas) es­tá dis­pos­to a aco­lher es­sa pes­soa, que
vem lhe lem­brar dos pra­ze­res da vi­da (Seis de Ou­ros).
JKL (se­xu­al-cri­a­ti­vo): O tra­ba­lho men­tal ao qual vo­cê se obri­ga na
me­di­ta­ção pro­duz a ilu­mi­na­ção (No­ve de Es­pa­das), que lhe per­mi­te
ado­tar um no­vo ide­al cri­a­ti­vo (Cin­co de Paus) e re­a­li­zar por fim aqui­lo
pa­ra o qual vo­cê foi fei­to (Rei de Paus), pro­du­zin­do uma obra. (O con-­
su­len­te con­fir­ma: seu tra­ba­lho in­te­ri­or de­sen­ca­de­a­do pe­la do­en­ça le-­
vou-o a re­co­nhe­cer sua vo­ca­ção de pin­tor.)
MNO (ma­te­ri­al e cor­po­ral): Ou­tra vez, o amor es­tá agin­do: seu
no­vo ide­al cri­a­ti­vo (o Cin­co de Paus da ener­gia cri­a­ti­va) pro­duz um no-­
vo ide­al de vi­da, fun­da­do so­bre o amor por aqui­lo que vo­cê faz (Cin­co
de Co­pas). A for­ça des­se im­pul­so trans­for­ma a ma­té­ria (o Ca­va­lei­ro de
Co­pas se tor­na o Ás de Ou­ros) e ori­en­ta vo­cê em di­re­ção à cu­ra, à re­cu-­
pe­ra­ção da ener­gia cor­po­ral: a Cons­ciên­cia pe­ne­tra até no co­ra­ção das
cé­lu­las (Se­te de Ou­ros).
O Ta­rot do eu re­a­li­za­do

É uma lei­tu­ra ba­se­a­da em uma ti­ra­gem de dez car­tas.


Ca­da um de nós pos­sui um po­ten­ci­al máxi­mo. Da mes­ma ma­nei­ra
co­mo nos Ar­ca­nos mai­o­res a re­a­li­za­ção é re­pre­sen­ta­da pe­la car­ta de
va­lor 21 (o Ar­ca­no XXI, O Mun­do), po­de­mos nos per­gun­tar qual se­ria
nos­so eu re­a­li­za­do.
Pro­po­mos, en­tão, ao con­su­len­te que su­pe­re su­as con­si­de­ra­ções ha-­
bi­tu­ais, que dei­xe de la­do mo­men­ta­ne­a­men­te seus li­mi­tes.
Quan­do in­ter­rom­pe­mos pen­sa­men­tos do ti­po “Eu não va­lho gran­de
coi­sa”, “Eu não sir­vo pa­ra na­da”, “Tu­do vai mal”, “O mun­do é to­do er-­
ra­do”, “Eu não es­tou na­da sa­tis­fei­to” etc., tor­na-se en­tão pos­sí­vel per-­
gun­tar: “E se tu­do cor­res­se bem, o que se­ria a mi­nha per­fei­ção? Até que
pon­to eu po­de­ria che­gar?”.
É a is­so que es­ta lei­tu­ra se propõe ex­plo­rar. Es­sen­ci­al­men­te psi­co-­
ló­gi­ca, ela ten­de a es­tu­dar a al­ma e não os acon­te­ci­men­tos.
Eis a es­tru­tu­ra des­ta ti­ra­gem:
O Ta­rot do eu re­a­li­za­do
A: Nos­so pro­ta­go­nis­ta, tal co­mo o con­ce­be­mos, a pes­soa com quem ocor­rem as coi­sas.
B: Nos­so an­ta­go­nis­ta, a par­te de nós con­tra a qual lu­ta­mos.
C: O me­di­a­dor: o que re­sul­ta da­qui­lo que se pas­sa en­tre o pro­ta­go­nis­ta e o an­ta­go­nis­-
ta.
DE: Os "co­me­tas": nos­so pro­ta­go­nis­ta nos con­duz a en­con­tros po­si­ti­vos pa­ra nós, a
pes­so­as que nos fa­zem bem.
FG: Os "as­te­roi­des": nos­so an­ta­go­nis­ta nos apor­ta acon­te­ci­men­tos que nos pre­ju­di­cam.
Nós nos apai­xo­na­mos por uma pes­soa que nos tra­ta mal, en­tra­mos em um ne­gó­cio du­-
vi­do­so... Co­mo um de­mô­nio que nos ten­ta, ve­mos aon­de is­so é ca­paz de nos le­var.
HI: O pro­ta­go­nis­ta e o an­ta­go­nis­ta de­vem pro­du­zir uma per­so­na­li­da­de que é re­sul­ta­do
de am­bos, que não é nem exa­ge­ra­da­men­te po­si­ti­va, nem exa­ge­ra­da­men­te ne­ga­ti­va,
que avan­ça co­mo po­de em fun­ção das ne­ces­si­da­des da exis­tên­cia. Mui­ta po­si­ti­vi­da­de
con­duz à pre­gui­ça e à mo­le­za, mui­ta se­ve­ri­da­de con­duz à des­trui­ção. É pre­ci­so en­con­-
trar um ca­mi­nho do meio. É a ati­tu­de que fa­rá com que os dois as­pec­tos não se­jam
opos­tos, mas com­ple­men­ta­res.
J: O se­gre­do, o lu­gar mais ínti­mo de nós mes­mos.

Exem­plo de lei­tu­ra
Ti­ra­gem: A: XI A For­ça. B: VI­II A Jus­ti­ça. C: XVII A Es­tre­la. D: VI O
Na­mo­ra­do. E: XVI­II A Lua. F: XI­I­II Tem­pe­ran­ça. G: XXI O Mun­do. H:
X A Ro­da da For­tu­na. I: XX O Jul­ga­men­to. J: II A Pa­pi­sa.
Lei­tu­ra: A (pro­ta­go­nis­ta): A con­su­len­te, re­pre­sen­ta­da pel’A For­ça, es-­
tá co­me­çan­do uma no­va ati­vi­da­de cri­a­ti­va, an­co­ra­da em su­as for­ças
pro­fun­das. Ela con­fir­ma: ela es­tá es­tu­dan­do um mé­to­do de dan­ça-te­ra-­
pia.
B (an­ta­go­nis­ta): É a ima­gem ma­ter­na, com uma exi­gên­cia de per-­
fei­ção. Uma par­te do in­cons­ci­en­te ado­tou o par­ti­do da mãe. A con­su-­
len­te con­fir­ma: “Eu sou fria, in­tran­si­gen­te co­mi­go mes­ma, sem­pre me
exi­jo fa­zer me­lhor, eu me le­vo a du­vi­dar de mim mes­ma e me des­va­lo-­
ri­zo”.
C (me­di­a­dor): Se A For­ça é uma ener­gia que emer­ge do cen­tro da
pes­soa e A Jus­ti­ça uma po­si­ção im­pas­sí­vel, A Es­tre­la es­co­lhe um lu­gar
a par­tir do qual agir no mun­do. Ela to­ma d’A Jus­ti­ça sua se­de de ver­da-­
de, e d’A For­ça sua ca­pa­ci­da­de de se do­ar.
D-E (co­me­tas): A For­ça atrai o amor, as re­la­ções so­ci­ais ca­lo­ro­sas,
e per­mi­te ao po­ten­ci­al fe­mi­ni­no que se de­sen­vol­va.
F-G (as­te­roi­des): A Jus­ti­ça ge­ra o en­cer­ra­men­to, uma fal­ta de co-­
mu­ni­ca­ção con­si­go mes­mo, um cor­te en­tre o al­to e o bai­xo: de um la­do,
há uma aber­tu­ra (VI e XVI­II) e do ou­tro um iso­la­men­to (XI­I­II e XXI),
daí o con­fli­to.
H-I (ca­mi­nho do meio): Quan­do as du­as ten­dên­cias se unem, se
pro­duz uma aber­tu­ra da cons­ciên­cia, o fe­cha­men­to de um ve­lho ci­clo
emo­ci­o­nal. O ci­clo do iso­la­men­to ter­mi­na; po­de­mos nos abrir pa­ra al-­
gu­ma coi­sa mai­or que nos cha­ma: aber­tu­ra de cons­ciên­cia ou de­se­jo de
cri­an­ça.
J (se­gre­do): O se­gre­do da con­su­len­te re­si­de em sua es­pi­ri­tu­a­li­da-­
de. Ela con­fir­ma que seu tra­ba­lho de bus­ca es­pi­ri­tu­al lhe per­mi­tiu to-­
mar cons­ciên­cia de sua rup­tu­ra in­te­ri­or e de que sua vo­ca­ção é de po-­
der um dia gui­ar os ou­tros.
O Ta­rot do he­rói apli­ca­do aos qua­tro cen­tros

Nos­sos qua­tro cen­tros (in­te­lec­to, co­ra­ção, cen­tro se­xu­al-cri­a­ti­vo, vi­da


ma­te­ri­al) não se­guem obri­ga­to­ri­a­men­te o mes­mo ca­mi­nho: lá pa­ra on-­
de o co­ra­ção nos con­duz, a ra­zão po­de nos fre­ar, e nos­so de­se­jo não es-­
tá ne­ces­sa­ri­a­men­te de acor­do com nos­sas ne­ces­si­da­des ma­te­ri­ais. Po­de
ser útil apli­car uma es­tra­té­gia de lei­tu­ra aos qua­tro cen­tros e fa­zer, em
se­gui­da, a sín­te­se que per­mi­ta à pes­soa uni­fi­car sua ação. A es­tru­tu­ra
do Ta­rot do he­rói, que já es­tu­da­mos, po­de se de­sen­vol­ver com os vin­te
e dois Ar­ca­nos mai­o­res se­guin­do a es­tru­tu­ra ao la­do.

Exem­plo de lei­tu­ra
Con­su­len­te: Uma mu­lher de cin­quen­ta anos, ini­ci­a­da no Ta­rot, se
ques­ti­o­na so­bre o fa­to de con­ti­nu­ar a tra­ba­lhar co­mo as­sis­ten­te de seu
ma­ri­do ou de se lan­çar em uma ati­vi­da­de que lhe se­ja apro­pri­a­da, no
ca­so, na lei­tu­ra de Ta­rot.
Ti­ra­gem (ver p. 557).
Lei­tu­ra: A. Ser es­sen­ci­al: XXI O Mun­do: uma mu­lher com­ple­ta, em
ple­na re­a­li­za­ção.
B. Ob­je­ti­vo es­sen­ci­al: V O Pa­pa: vo­cê de­se­ja trans­mi­tir, gui­ar, en­si-­
nar. Seu ob­je­ti­vo é ser uma mes­tra... Mas jus­ta­men­te, a di­fi­cul­da­de de
atin­gir es­se ob­je­ti­vo re­si­de no fa­to de vo­cê vi­su­a­li­zar es­sa fun­ção no
mas­cu­li­no em­bo­ra se­ja uma mu­lher. Ve­ja­mos co­mo, nos qua­tro cen­tros,
vo­cê po­de su­pe­rar os obs­tá­cu­los que a afas­tam des­se ob­je­ti­vo.
O Ta­rot do he­rói apli­ca­do aos qua­tro cen­tros
AB: O ser es­sen­ci­al da con­su­len­te (A) e seu ob­je­ti­vo es­sen­ci­al (B). Es­sas du­as car­tas de­-
li­mi­tam o jo­go co­mo O Lou­co e O Mun­do de­li­mi­tam os vin­te e dois Ar­ca­nos mai­o­res
(ver pp. 48-9).
Em se­gui­da, pa­ra ca­da cen­tro (vi­da in­te­lec­tu­al, vi­da emo­ci­o­nal, vi­da se­xu­al e cri­a­ti­va, vi­-
da ma­te­ri­al), ti­ra­re­mos as car­tas se­guin­tes.
C: A iden­ti­da­de da si­tu­a­ção da con­su­len­te nos qua­tro cen­tros.
D: O ob­je­ti­vo do con­su­len­te nos qua­tro cen­tros.
EF: Os obs­tá­cu­los de ca­da cen­tro. Con­si­de­ra­re­mos a car­ta E, si­tu­a­da mais per­to do eu,
co­mo o obs­tá­cu­lo pes­so­al, in­te­ri­or da con­su­len­te; a car­ta F re­pre­sen­ta­rá um obs­tá­cu­lo
ex­te­ri­or, li­ga­do às obri­ga­ções da vi­da.
G: A cha­ve pa­ra ca­da cen­tro.
De pre­fe­rên­cia, po­si­ci­o­na­re­mos as car­tas dei­xan­do o in­te­lec­to no al­to, se­gui­do, de ci­ma
pa­ra bai­xo, pe­las car­tas que fi­gu­ram o cen­tro emo­ci­o­nal, de­pois as re­la­ti­vas ao cen­tro
se­xu­al-cri­a­ti­vo e, por fim, as car­tas li­ga­das ao cen­tro ma­te­ri­al na ba­se.
No cor­po, ca­da um dos cen­tros cor­res­pon­de res­pec­ti­va­men­te à ca­be­ça, ao co­ra­ção, à
ba­cia e, por fim, aos pés.

Cen­tro in­te­lec­tu­al.
C. Eu, si­tu­a­ção: XI A For­ça: tu­do es­tá por fa­zer. A si­tu­a­ção se apre-­
sen­ta bem, é um co­me­ço.
D. Ob­je­ti­vo: III A Im­pe­ra­triz: seu de­se­jo é ex­plo­dir, eclo­dir, cri­ar.
E. Obs­tá­cu­lo in­te­ri­or: II­II O Im­pe­ra­dor: a au­to­ri­da­de pa­ter­na pe-­
sa so­bre a opi­ni­ão que vo­cê tem de si mes­ma...
F. Obs­tá­cu­lo ex­te­ri­or: XII O En­for­ca­do: ...e a con­duz à ina­ti­vi­da-­
de. Vo­cê ad­qui­riu o hábi­to de não agir, e vo­cê não sa­be por on­de co­me-­
çar.
G. Cha­ve, ali­a­do: XVI­I­II O Sol: é uma ques­tão de vo­cê as­su­mir to-­
do o seu va­lor, mas cal­ma­men­te, pas­so a pas­so, sem mu­dar tu­do de um
dia pa­ra o ou­tro. Vo­cê po­de­ria tra­ba­lhar meio pe­rí­o­do, ir mu­dan­do su­a-­
ve­men­te com a ati­vi­da­de que lhe con­vém.

Cen­tro emo­ci­o­nal.
C. Eu, si­tu­a­ção: O Lou­co: vo­cê pos­sui uma gran­de ener­gia, mas ela
não es­tá com­ple­ta­men­te ca­na­li­za­da. A ne­ces­si­da­de de li­ber­da­de se faz
sen­tir.
D. Ob­je­ti­vo: XI­I­II Tem­pe­ran­ça: vo­cê de­se­ja tra­ba­lhar pa­ra cu­rar.
Sua vo­ca­ção de ta­ró­lo­ga en­con­tra sua ori­gem no de­se­jo de aju­dar os
ou­tros.
E. Obs­tá­cu­lo in­te­ri­or: XX O Jul­ga­men­to: em si­tu­a­ção de obs­tá­cu-­
lo, es­ta car­ta po­de ser in­ter­pre­ta­da co­mo uma re­pres­são da vo­ca­ção
que con­duz a não re­a­li­zar aqui­lo que se de­se­ja. Po­de­mos tam­bém nos
per­gun­tar se, quan­do vo­cê nas­ceu, seus pais de­se­ja­vam um me­ni­no,
mais do que uma me­ni­na.
F. Obs­tá­cu­lo ex­te­ri­or: XVI A Tor­re: en­quan­to obs­tá­cu­lo, es­ta car­ta
evo­ca um iso­la­men­to, o me­do de se ex­pri­mir.
G. Cha­ve, ali­a­do: II A Pa­pi­sa: tra­ta-se de to­mar cons­ciên­cia do fa­to
de que vo­cê tem al­go a di­zer, a es­cre­ver, a trans­mi­tir. A Pa­pi­sa é a fi­gu­ra
fe­mi­ni­na cor­res­pon­den­te a O Pa­pa, con­si­de­ra­do co­mo mes­tre por ex­ce-­
lên­cia. A cha­ve con­sis­te em de­sem­pe­nhar es­sa ima­gem do fe­mi­ni­no,
em acei­tar a sa­be­do­ria fe­mi­ni­na.
O Ta­rot do he­rói apli­ca­do aos qua­tro cen­tros. Exem­plo de ti­ra­gem.
(Lei­tu­ra às pp. 554-558.)
Cen­tro se­xu­al e cri­a­ti­vo.
C. Eu, si­tu­a­ção: XV O Di­a­bo: sua ener­gia é imen­sa! O Di­a­bo es­tá
per­fei­ta­men­te em sua po­si­ção, no do­mí­nio se­xu­al/cri­a­ti­vo. É ele quem,
sob a for­ma de um de­se­jo pro­fun­do, le­va vo­cê a to­mar cons­ciên­cia do
seu va­lor.
D. Ob­je­ti­vo: XVII A Es­tre­la: uma ação no mun­do que se re­ve­la em
dois as­pec­tos, pois ela pos­sui dois va­sos. Tal­vez se­ja o de­se­jo de con­ti-­
nu­ar co­la­bo­ran­do com seu ma­ri­do, ao mes­mo tem­po em que co­me­ça
uma ati­vi­da­de in­di­vi­du­al.
E. Obs­tá­cu­lo in­te­ri­or: X A Ro­da da For­tu­na: vo­cê se en­con­tra em
uma si­tu­a­ção de pa­ra­da. Sua cri­a­ti­vi­da­de es­tá blo­que­a­da, tal­vez pe­lo
me­do de não ser mais ama­da se sair de seu pa­pel tra­di­ci­o­nal.
F. Obs­tá­cu­lo ex­te­ri­or: VI­II A Jus­ti­ça: a ideia de per­fei­ção a im­pe-­
de de fa­zer as coi­sas que vo­cê de­ve­ria fa­zer. A cri­a­ti­vi­da­de não po­de ser
per­fei­ta...
G. Cha­ve, ali­a­do: XVI­II A Lua: so­nhar! Pe­ne­tran­do pro­fun­da­men­te
em sua in­tui­ção, vo­cê se­rá ca­paz de su­pe­rar o blo­queio cri­a­ti­vo.

Cen­tro ma­te­ri­al.
C. Eu, si­tu­a­ção: VI O Na­mo­ra­do: a si­tu­a­ção em ca­sa é agra­dá­vel.
Vo­cê tra­ba­lha com seu ma­ri­do e se en­ten­dem bem. Ca­da um tem seu
do­mí­nio e não in­va­de o do ou­tro.
D. Ob­je­ti­vo: VII O Car­ro: si­tu­ar-se em re­la­ção ao tra­ba­lho de seu
ma­ri­do e en­con­trar a sua for­ma de ação no mun­do, co­mo ta­ró­lo­ga, por-­
que es­te é o seu de­se­jo.
E. Obs­tá­cu­lo in­te­ri­or: I O Ma­go: vo­cê se sen­te uma no­va­ta, ain­da
uma alu­na, mui­to inex­pe­ri­en­te pa­ra co­me­çar a agir. Vo­cê tal­vez te­nha
re­ceio de não con­se­guir ga­nhar di­nhei­ro (a mo­e­di­nha de ou­ro d’O Ma-­
go).
F. Obs­tá­cu­lo ex­te­ri­or: XI­II O Ar­ca­no sem no­me: a trans­for­ma­ção
lhe pa­re­ce re­vo­lu­ci­o­ná­ria. Vo­cê re­ceia pe­lo equi­lí­brio de seu ca­sa­men-­
to. Às ve­zes, apren­de­mos des­de a in­fân­cia a ser uma mu­lher de­pen­den-­
te, e sim­ples­men­te tro­ca­mos a ima­gem do pai pe­la do ma­ri­do. Es­sa de-­
pen­dên­cia se tor­na, en­tão, uma “pro­va de amor”, te­mos me­do de per-­
der a pes­soa que ama­mos ao sair­mos da de­pen­dên­cia ma­te­ri­al.
G. Cha­ve, ali­a­do: VI­I­II O Ere­mi­ta: dei­xan­do o ide­al de per­fei­ção
do VI­II, aban­do­nan­do o es­ta­do de de­bu­tan­te, O Ere­mi­ta avan­ça sem
me­do ru­mo à trans­for­ma­ção. É pre­ci­so co­me­çar a con­fi­ar em vo­cê mes-
ma, e tal­vez ler o Ta­rot pa­ra des­co­nhe­ci­dos: O Ere­mi­ta vai ao des­co-
nhe­ci­do. Vo­cê po­de sim­ples­men­te se ins­ta­lar em um lu­gar pú­bli­co com
su­as car­tas, e fa­zen­do ano­ta­ções, e es­pe­rar que as pes­so­as ve­nham lhe
per­gun­tar: “Vo­cê lê Ta­rot?”. O Ere­mi­ta não tem me­do da po­bre­za. Em
um pri­mei­ro mo­men­to, vo­cê po­de tra­ba­lhar de ma­nei­ra be­ne­fi­cen­te.
O Ta­rot da es­co­lha apli­ca­do aos qua­tro cen­tros

Da mes­ma ma­nei­ra, po­de­mos apli­car ao Ta­rot da es­co­lha es­sa es­tru­tu­ra


de 20 + 2 car­tas (ver p. 546). Em to­dos os cen­tros, te­mos es­co­lhas a fa-­
zer.
Co­mo no Ta­rot do he­rói apli­ca­do aos qua­tro cen­tros, e na ima­gem
do cor­po hu­ma­no, os con­jun­tos de car­tas cor­res­pon­den­tes a ca­da cen-­
tro se­rão dis­pos­tos de ci­ma pa­ra bai­xo nes­ta or­dem: cen­tro in­te­lec­tu­al,
cen­tro emo­ci­o­nal, cen­tro se­xu­al-cri­a­ti­vo, cen­tro ma­te­ri­al.
Ver abai­xo a es­tru­tu­ra da ti­ra­gem.
O Ta­rot da es­co­lha apli­ca­do aos qua­tro cen­tros.
As du­as pri­mei­ras car­tas de­li­mi­tam o jo­go.
A. Aqui­lo que sou es­sen­ci­al­men­te.
B. Aqui­lo que eu que­ro es­sen­ci­al­men­te.
Em ca­da cen­tro, a es­co­lha se­rá re­pre­sen­ta­da por cin­co car­tas dis­pos­tas da se­guin­te
ma­nei­ra:
C. Es­ta car­ta cen­tral re­pre­sen­ta o es­ta­do em que nos en­con­tra­mos in­te­lec­tu­al­men­te,
emo­ci­o­nal­men­te, cri­a­ti­va­men­te (se­xu­al­men­te) e ma­te­ri­al­men­te.
De am­bos os la­dos de C, dois duos de car­tas fi­gu­ram as du­as op­ções que se apre­sen­-
tam em ca­da cen­tro.
DE: Es­te duo, po­si­ci­o­na­do à es­quer­da, re­pre­sen­ta a pos­si­bi­li­da­de mais re­cep­ti­va.
FG: Es­te duo, po­si­ci­o­na­do à di­rei­ta, re­pre­sen­ta a pos­si­bi­li­da­de mais ati­va.
Po­de­mos, an­tes de vi­rar as car­tas, atri­buir uma per­gun­ta ou uma pos­si­bi­li­da­de a ca­da
cen­tro.
A lei­tu­ra ar­tísti­ca

Es­ta úl­ti­ma es­tra­té­gia per­mi­te cri­ar to­das as es­tru­tu­ras de ti­ra­gem que


qui­ser­mos. Ela é par­ti­cu­lar­men­te (mas não ex­clu­si­va­men­te) adap­ta­da à
lei­tu­ra do Ta­rot pa­ra cri­an­ças. Ela con­sis­te em or­ga­ni­zar as car­tas pa­ra
for­mar um de­se­nho. Pa­ra nos exer­ci­tar­mos, po­de­mos co­me­çar cri­an­do
es­tra­té­gias ins­pi­ra­das em um Ar­ca­no, co­mo fi­ze­mos pa­ra o Ta­rot d’O
Mun­do. Por exem­plo, po­de­mos in­ven­tar um Ta­rot ba­se­a­do na es­tru­tu­ra
d’A Es­tre­la.
Lei­tu­ra ar­tísti­ca ins­pi­ra­da em A Es­tre­la
A. Co­lo­que uma fi­gu­ra na es­tre­la cen­tral que bri­lha no céu do Ar­ca­no XVII.
B. Co­lo­que uma fi­gu­ra no lu­gar on­de a mu­lher apoia o jo­e­lho.
C. Co­lo­que uma fi­gu­ra no rio.
D-E: Co­lo­que uma fi­gu­ra em ca­da um dos dois va­sos
F. Co­lo­que uma fi­gu­ra no pás­sa­ro ne­gro so­bre o ga­lho.

Exem­plo de lei­tu­ra
A. De on­de re­ce­bo mi­nha ener­gia? XII O En­for­ca­do: das pro­fun-­
de­zas do meu ser, ou, sim­ples­men­te, te­nho ne­ces­si­da­de de des­can­sar
pa­ra fi­car em for­ma.
B. Qual é a mi­nha ba­se con­cre­ta? XVII A Es­tre­la: o lu­gar on­de vi-­
vo, a pai­sa­gem que amo, ali on­de me sin­to em ca­sa. Po­de­mos tam­bém
di­zer que é o meu cor­po (a es­tre­la es­tá nua), que de­vo cui­dar da mi­nha
saú­de, da mi­nha ali­men­ta­ção...
C. Ao que ou a quem mi­nha ação é con­sa­gra­da? X A Ro­da da For-­
tu­na: ela é con­sa­gra­da a fe­char um ci­clo, a ter­mi­nar um tra­ba­lho.
D-E. Quais são os meus mei­os de ação? O Lou­co, XVI­I­II O Sol:
meus mei­os de ação são uma gran­de ener­gia, a ca­pa­ci­da­de de vi­a­jar, a
li­ber­da­de do es­píri­to (O Lou­co) e a ge­ne­ro­si­da­de, o sen­ti­do de co­la­bo-­
ra­ção, o amor pe­lo ou­tro (O Sol).
F. O que co­me­ça a can­tar, e qual é a con­se­quên­cia da mi­nha ação no
mun­do? VI­I­II O Ere­mi­ta: uma sa­be­do­ria mai­or, uma ma­tu­ri­da­de, um
no­vo olhar so­bre as coi­sas.
Prin­cí­pios e de­sen­vol­vi­men­to de uma lei­tu­ra ar­tísti­ca

Uma vez que do­mi­na­mos es­se ti­po de cons­tru­ção, po­de­mos pas­sar à


lei­tu­ra ar­tísti­ca pro­pri­a­men­te di­ta.

O ta­ró­lo­go pe­de ao con­su­len­te que ima­gi­ne um ob­je­to, um ser que


pos­sa ser re­pre­sen­ta­do por um de­se­nho.
Em se­gui­da, o con­su­len­te em­ba­ra­lha as car­tas, en­tre­ga-as ao ta­ró-­
lo­go, que de­ve, en­tão, se va­ler da ima­gi­na­ção pa­ra uti­li­zar o nú­me-­
ro de car­tas ne­ces­sá­rias, que ele dis­po­rá com a fa­ce vi­ra­da pa­ra a
me­sa, pa­ra re­pre­sen­tar es­se ob­je­to de ma­nei­ra sa­tis­fa­tó­ria. Po­de-­
mos em par­ti­cu­lar uti­li­zar o prin­cí­pio dos qua­tro ele­men­tos (in­te-­
lec­to, co­ra­ção, ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va, ma­té­ria), in­tro­du­zin­do no
es­que­ma das es­tru­tu­ras de qua­tro ní­veis. O es­que­ma se­rá tra­ta­do
se­gun­do as leis de ori­en­ta­ção do Ta­rot: a par­te que se en­con­tra à
di­rei­ta do con­su­len­te re­pre­sen­ta a ação e a par­te à sua es­quer­da, a
re­cep­ção.
Pe­di­mos ao con­su­len­te que es­co­lha qual par­te do de­se­nho o re­pre-­
sen­ta. Ele co­lo­ca um ob­je­to so­bre as car­tas pa­ra ma­te­ri­a­li­zar seu
eu.
O con­su­len­te es­cre­ve três per­gun­tas em pe­que­nos pe­da­ços de pa-­
pel que ele do­bra em qua­tro, e que pe­di­mos que ele co­lo­que no lu-­
gar de sua es­co­lha so­bre o de­se­nho.
Pa­ra in­ter­pre­tar es­se Ta­rot, co­me­ça­re­mos ven­do on­de o con­su­len-­
te es­tá si­tu­a­do no de­se­nho, e em que ní­vel do de­se­nho ele co­lo­cou
as per­gun­tas. De­pois, le­re­mos as per­gun­tas e vi­ra­re­mos as car­tas
ou os gru­pos de car­tas em ques­tão.
Se de­se­jar­mos, po­de­mos ler não ape­nas a car­ta ou o gru­po de car-­
tas so­bre as quais o con­su­len­te co­lo­cou as per­gun­tas, mas tam­bém
as car­tas do en­tor­no, que for­mam o con­tex­to des­ta res­pos­ta, os as-­
pec­tos com­ple­men­ta­res.

No exem­plo a se­guir, a con­su­len­te es­co­lheu uma bor­bo­le­ta co­mo


for­ma da ti­ra­gem.
Exem­plo de lei­tu­ra
Con­su­len­te: Uma jo­vem de de­ze­no­ve anos aca­bou de ter­mi­nar o en­si-­
no mé­dio e co­me­çou seus es­tu­dos li­te­rá­rios na uni­ver­si­da­de. Sim­bo­li-­
ca­men­te, a bor­bo­le­ta re­pre­sen­ta um es­ta­do de re­a­li­za­ção pos­te­ri­or à
lon­ga ges­ta­ção da cri­sáli­da. Is­so cor­res­pon­de à si­tu­a­ção des­sa jo­vem,
que mu­dou de ci­da­de, dei­xou a fa­mí­lia, e que mo­ra so­zi­nha pe­la pri-­
mei­ra vez. Uti­li­za­mos aqui os vin­te e dois Ar­ca­nos mai­o­res pa­ra re­pre-­
sen­tar es­que­ma­ti­ca­men­te a bor­bo­le­ta. O tri­ân­gu­lo sim­bo­li­za o lu­gar
on­de a con­su­len­te po­si­ci­o­nou seu eu. Su­as per­gun­tas são in­di­ca­das pe-­
las três fle­chas.

O eu da con­su­len­te
A: III A Im­pe­ra­triz: Vo­cê co­lo­cou seu eu no cen­tro do cor­po da bor-­
bo­le­ta. Is­so sig­ni­fi­ca que vo­cê es­tá em ple­no equi­lí­brio, em acor­do con-­
si­go mes­ma nes­sa no­va vi­da. Com A Im­pe­ra­triz, po­de­mos di­zer que vo-­
cê es­tá go­zan­do de ple­na saú­de e ple­na cri­a­ti­vi­da­de.
Uma vez que a con­su­len­te se co­lo­cou no cen­tro do cor­po da bor­bo-­
le­ta, po­de­mos ler as car­tas que a cir­cun­dam da se­guin­te ma­nei­ra: a car-­
ta si­tu­a­da aci­ma de­la (C) po­de­ria ser seu eu su­pe­ri­or, e a car­ta abai­xo
de­la, seu eu in­cons­ci­en­te (B). As qua­tro car­tas que a en­vol­vem se­rão,
co­mo no Ta­rot d’O Mun­do, su­as qua­tro ener­gi­as: D: o in­te­lec­to; E: a
ener­gia emo­ci­o­nal; F: a ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va; G: a ener­gia ma­te­ri­al.
A: III A Im­pe­ra­triz, que já in­ter­pre­ta­mos, é uma car­ta de cri­a­ti­vi­da-­
de, de en­tu­si­as­mo.
B: XVI­II A Lua: Uma gran­de cri­a­ti­vi­da­de ain­da por se ex­pres­sar
tal­vez te­nha gui­a­do a sua es­co­lha dos es­tu­dos li­te­rá­rios. Seu mun­do in-­
cons­ci­en­te é ri­co em so­nhos e in­tui­ções.
C: O Lou­co: Sua ener­gia es­pi­ri­tu­al é gran­de, mas ain­da sem ob­je­ti-­
vo. Vo­cê ain­da não sa­be qual é seu ide­al, sua mis­são na exis­tên­cia. Com
a ma­tu­ri­da­de, vo­cê des­co­bri­rá sua ori­en­ta­ção es­pi­ri­tu­al.
D: Ener­gia in­te­lec­tu­al: II­II O Im­pe­ra­dor: Seu es­píri­to é bem or­ga­ni-­
za­do, sóli­do. Vo­cê pos­sui as ba­ses ne­ces­sá­rias pa­ra ob­ter su­ces­so nos
es­tu­dos. Mas o as­pec­to um tan­to “qua­dra­do” do seu in­te­lec­to si­na­li­za
que vo­cê ain­da não en­trou em con­ta­to com o mun­do mais fan­tas­ma-­
góri­co d’A Lua. Vo­cê ain­da se vê co­mo um ser ra­ci­o­nal.
E: Ener­gia emo­ci­o­nal: XI A For­ça: Vo­cê es­tá dis­pos­ta a co­me­çar
uma no­va re­la­ção amo­ro­sa fun­da­da so­bre a atra­ção.
F: Ener­gia se­xu­al e cri­a­ti­va: XVII A Es­tre­la: Vo­cê é cheia de se­du-­
ção e de ge­ne­ro­si­da­de, e seu po­ten­ci­al cri­a­ti­vo é mui­to gran­de. Vo­cê
pos­sui os mei­os pa­ra se re­a­li­zar, des­de que, mais uma vez, re­con­ci­lie os
as­pec­tos ló­gi­cos e po­éti­cos da sua per­so­na­li­da­de.
G: Ener­gia ma­te­ri­al: XVI­I­II O Sol: Vo­cê é ab­so­lu­ta­men­te sus­ten­ta-­
da nes­sa no­va eta­pa da sua vi­da, tal­vez pe­lo pai (a con­su­len­te con­fir­ma
que os pais lhe per­mi­ti­ram alu­gar um pe­que­no apar­ta­men­to na ci­da­de
on­de ela es­tu­da e que se pre­o­cu­pam com seu bem-es­tar).

As per­gun­tas da con­su­len­te
H: Per­gun­ta 1: Se­rá que sou ca­paz de ob­ter su­ces­so nos es­tu­dos? A
per­gun­ta é co­lo­ca­da so­bre a an­te­na di­rei­ta da bor­bo­le­ta (H), is­to é, no
cu­me de sua ati­vi­da­de. É o ob­je­ti­vo mais al­to, aque­le que en­vol­ve a vi­da
fu­tu­ra.
Res­pos­ta: VI­II A Jus­ti­ça: Vo­cê pos­sui tu­do o que é pre­ci­so pa­ra ob-­
ter su­ces­so, pois A Jus­ti­ça re­pre­sen­ta a per­fei­ção. Mas vo­cê tem dúvi-­
das. Nós, en­tão, vi­ra­mos as car­tas que re­pre­sen­tam a ca­be­ça e a an­te­na
es­quer­da da bor­bo­le­ta pa­ra com­preen­der os mo­ti­vos des­sas dúvi­das.

A car­ta H, so­bre a an­te­na di­rei­ta, re­pre­sen­ta a per­gun­ta re­la­ci­o­na­da


aos es­tu­dos. Na ca­be­ça, a car­ta I, nós en­con­tra­mos o mo­ti­vo das dúvi-­
das. Na car­ta J, apro­fun­da­re­mos os as­pec­tos do pas­sa­do des­sa dúvi­da.
I: XVI A Tor­re: Es­te Ar­ca­no re­pre­sen­ta uma ex­plo­são. Vo­cê saiu de
um mun­do co­nhe­ci­do pa­ra en­trar em um mun­do des­co­nhe­ci­do. Al­guns
as­pec­tos já lhe são fa­mi­li­a­res (eles cor­res­pon­dem, em A Tor­re, ao per-­
so­na­gem in­tei­ro que sai da tor­re). Es­ses as­pec­tos fa­zem re­fe­rên­cia ao
seu pas­sa­do, re­pre­sen­ta­do pe­la an­te­na da es­quer­da. Ao con­trá­rio, os as-­
pec­tos apre­sen­ta­dos pe­la an­te­na da di­rei­ta es­tão, co­mo o se­gun­do per-­
so­na­gem d’A Tor­re, ain­da com me­ta­de do cor­po den­tro da tor­re. Vo­cê
não sa­be o que lhe es­pe­ra, daí a sua dúvi­da.
J: VI­I­II O Ere­mi­ta: a épo­ca da es­co­la já aca­bou. Da mes­ma ma­nei­ra
que O Ere­mi­ta ca­mi­nha de cos­tas ilu­mi­nan­do o pas­sa­do, vo­cê sa­be o
que aban­do­nou, mas não co­nhe­ce ain­da o mun­do pa­ra o qual se di­ri­ge.
A uni­ver­si­da­de propõe no­vos mé­to­dos de tra­ba­lho, uma no­va for­ma de
vi­da, vo­cê ain­da não sa­be se con­se­gui­rá se adap­tar. Mas vo­cê não tem
ne­nhum mo­ti­vo pa­ra se in­qui­e­tar: co­mo A Jus­ti­ça tes­te­mu­nha, vo­cê es-­
tá bem pre­pa­ra­da e pos­sui o que é ne­ces­sá­rio pa­ra ob­ter su­ces­so.

P: Per­gun­ta 2: Se­rá que vou me apai­xo­nar? A per­gun­ta é co­lo­ca­da


na ex­tre­mi­da­de da asa di­rei­ta da bor­bo­le­ta: ali on­de a for­ça mo­triz é
mais in­ten­sa. O amor lhe dá asas!
Res­pos­ta: XX O Jul­ga­men­to: Não há ne­nhu­ma dúvi­da quan­to a is-­
so! Vo­cê po­de per­fei­ta­men­te en­con­trar al­guém. Nós não le­mos o fu­tu-­
ro, ve­mos so­bre­tu­do quais são os ca­mi­nhos que a le­vam a es­se en­con-­
tro. Vi­mos que o en­con­tro tem lu­gar na po­si­ção P. Ela é de­li­mi­ta­da por
dois ca­mi­nhos que co­me­çam em K e em L, e se unem em M. As car­tas
N e O re­pre­sen­tam as cir­cuns­tân­cias que de­li­mi­tam es­se en­con­tro.
K: X A Ro­da da For­tu­na: Um ci­clo ter­mi­nou, to­me o tem­po ne­ces­sá-­
rio pa­ra en­cer­rar o pas­sa­do e não se pre­ci­pi­te. Vo­cê mu­dou de ci­da­de,
de es­ta­be­le­ci­men­to es­co­lar. Se­gui­do de:
N: I O Ma­go: Um en­con­tro com um jo­vem vem ini­ci­ar es­se no­vo ci-­
clo.
L: XI­I­II Tem­pe­ran­ça: Men­sa­gem si­mi­lar: Tem­pe­ran­ça to­ma o tem-­
po ne­ces­sá­rio pa­ra equi­li­brar a si­tu­a­ção. Se­gui­do de:
O: XV O Di­a­bo: De­pois da an­ge­li­cal Tem­pe­ran­ça, vem uma li­ga­ção
pas­si­o­nal!
M: VII O Car­ro: É a car­ta cen­tral. O prínci­pe sur­ge bem no meio da
sua vi­da. Na­da de es­pe­ci­al a fa­zer, as coi­sas se pas­sam na­tu­ral­men­te.

Q: Per­gun­ta 3: Se­rá que te­nho ta­len­to? A per­gun­ta é co­lo­ca­da so-­


bre a car­ta si­tu­a­da no cen­tro da asa es­quer­da da bor­bo­le­ta, ela es­tá en-­
cer­ra­da no in­te­ri­or da asa.
Res­pos­ta: XII O En­for­ca­do: Ele ex­pri­me ao mes­mo tem­po uma si-­
tu­a­ção on­de não agi­mos e uma ges­ta­ção. A con­su­len­te con­fir­ma: ela
ado­ra­va es­cre­ver po­e­mas, mas não con­se­gue mais se de­ci­dir so­bre is­so.
“A práti­ca le­va à per­fei­ção”, diz o di­ta­do! O ta­len­to se ex­pri­me e se de-­
sen­vol­ve na ação. Nin­guém sa­be se tem ta­len­to an­tes de co­lo­cá-lo em
práti­ca. Po­de­mos de­sen­vol­ver es­sa ideia len­do as car­tas ao re­dor d’O
En­for­ca­do.
Q: XII O En­for­ca­do: O ta­len­to ain­da em ges­ta­ção, que não age. A
asa da bor­bo­le­ta es­tá imó­vel.
R e S (os pri­mei­ros es­for­ços pa­ra pôr a asa em mo­vi­men­to): VI O
Na­mo­ra­do e II A Pa­pi­sa: a per­gun­ta não é “Se­rá que eu te­nho ta­len­to?”,
mas “Se­rá que eu amo (VI) es­cre­ver (II)?” Pa­ra sa­ber a res­pos­ta, é pre-­
ci­so tra­ba­lhar to­dos os di­as; a so­ma des­sas car­tas (6 + 2) é 8: VI­II A Jus-­
ti­ça, que exe­cu­ta sem fa­lhas aqui o que tem pa­ra fa­zer.
T e U (re­sul­ta­do des­sa ação): V O Pa­pa e XI­II O Ar­ca­no sem no­me:
acei­tan­do ex­pri­mir, co­mu­ni­car aqui­lo que exis­te den­tro de vo­cê (V),
vo­cê se trans­for­ma, vo­cê faz eclo­dir O En­for­ca­do no grau se­guin­te, o
XI­II. A so­ma das car­tas (5 + 13) é 18: XVI­II A Lua, que em sua ti­ra­gem
re­pre­sen­ta­va seu eu in­cons­ci­en­te: a po­e­sia que ha­via em vo­cê em es­ta-­
do la­ten­te se ma­ni­fes­ta na re­a­li­da­de.

V (o ta­len­to re­al da con­su­len­te, uma vez ma­ni­fes­ta­do): XXI O Mun-­


do. É a car­ta que fe­cha es­sa be­la ti­ra­gem. Não te­nha dúvi­da, vo­cê tem o
que di­zer e a ca­pa­ci­da­de e ex­pri­mi-lo com mui­to ta­len­to.
Con­clu­são: o pen­sa­men­to ta­róti­co

Meus lon­gos anos de con­ta­to com o Ta­rot me apor­ta­ram no­vas ma­nei-­


ras de cap­tar o mun­do e o ou­tro, dei­xan­do que a in­tui­ção dan­ças­se com
a ra­zão e se amal­ga­mas­se com aqui­lo que cha­mei de “pen­sa­men­to ta-­
róti­co”1... des­cre­ver o pen­sa­men­to ta­róti­co po­de­ria cons­ti­tuir o ob­je­to
de um ou­tro li­vro. Aqui, me con­ten­ta­rei em dar al­guns exem­plos.

Os Ar­ca­nos pos­su­em múl­ti­plos sig­ni­fi­ca­dos que vão do par­ti­cu­lar ao


ge­ral, do evi­den­te ao ina­bi­tu­al. É pre­ci­so con­si­de­rar ca­da Ar­ca­no co­mo
um con­jun­to de sig­ni­fi­ca­ções. Es­sas sig­ni­fi­ca­ções ad­qui­rem mais ou me-­
nos im­por­tân­cia con­for­me o sis­te­ma cul­tu­ral de quem os in­ter­pre­ta.
Na re­a­li­da­de, ca­da ser hu­ma­no é um Ar­ca­no. Nós po­de­mos vi­ver
bem a vi­da in­tei­ra ao la­do de al­guém, mas não po­de­re­mos di­zer que o
co­nhe­ce­mos to­tal­men­te. Es­ta­mos ha­bi­tu­a­dos a seus pen­sa­men­tos, seus
sen­ti­men­tos, seus de­se­jos, seus ges­tos, su­as ati­vi­da­des ro­ti­nei­ras, mas
bas­ta um úni­co acon­te­ci­men­to ex­tra­or­di­ná­rio – uma do­en­ça, uma ca-­
tás­tro­fe, um fra­cas­so ou um su­ces­so – pa­ra des­co­brir­mos nes­sa pes­soa
as­pec­tos ina­bi­tu­ais que nos sur­preen­de­rão fe­liz ou do­lo­ro­sa­men­te.
Aqui­lo que pen­sa­mos ser a re­a­li­da­de é ape­nas uma par­te da re­a­li­da­de.
Aqui­lo que pro­je­ta­mos de uma pes­soa é ape­nas uma par­te de sua per-­
so­na­li­da­de. Os de­fei­tos ou qua­li­da­des que ve­mos nos ou­tros são igual-­
men­te nos­sos. Es­sas con­du­tas ines­pe­ra­das com as quais o mun­do e os
ou­tros nos sur­preen­dem pro­vo­cam re­a­ções que de­pen­dem do nos­so ní-­
vel de cons­ciên­cia. Em um ní­vel de cons­ciên­cia pou­co de­sen­vol­vi­do,
qual­quer mu­dan­ça nos apa­vo­ra, nos dei­xa des­con­fi­a­dos, nos faz fu­gir,
nos pa­ra­li­sa, nos tor­na fu­ri­o­sos ou pres­tes a ata­car. Uma cons­ciên­cia
de­sen­vol­vi­da acei­ta a mu­dan­ça con­tí­nua e avan­ça, con­fi­an­te, sem ob­je-­
ti­vo, des­fru­tan­do da exis­tên­cia pre­sen­te, cons­tru­in­do pas­so a pas­so a
pon­te que atra­ves­sa o abis­mo.
Pa­ra che­gar às lei­tu­ras que cu­ram, as pri­mei­ras coi­sas que pre­ci­sei
ven­cer fo­ram as an­ti­pa­ti­as e sim­pa­ti­as. Ca­da ha­bi­tan­te do nos­so mun­do
re­pre­sen­ta um pon­to de vis­ta dis­tin­to, no­vo, que não exis­tia an­tes de
seu nas­ci­men­to. Al­go de ori­gi­nal, de úni­co. Quan­do um en­te que­ri­do
nos dei­xa, nós te­mos a im­pres­são de que o uni­ver­so in­tei­ro se es­va­zia...
Quem quer que se­ja, o con­su­len­te me­re­ce nos­so res­pei­to co­mo uma
obra di­vi­na que ja­mais se re­pe­ti­rá, com a pos­si­bi­li­da­de de apor­tar ao
mun­do a se­men­te de um bem des­co­nhe­ci­do.

Não exis­te ta­ró­lo­go im­pes­so­al. To­do ta­ró­lo­go é mar­ca­do por uma épo-­
ca, por um ter­ri­tó­rio, por uma lín­gua, uma fa­mí­lia, uma so­ci­e­da­de, uma
cul­tu­ra.
Da mes­ma ma­nei­ra que na li­te­ra­tu­ra o ro­man­ce dei­xou de ser nar-­
ra­do por um es­cri­tor-tes­te­mu­nha – con­si­de­ra­do um deus –, dei­xan­do
que as coi­sas se de­sen­vol­vam sem in­ter­ven­ções e sem ser afe­ta­do, e
pas­sou a ser con­ta­do por um per­so­na­gem in­ti­ma­men­te li­ga­do aos acon-­
te­ci­men­tos, mais um ator na tra­ma, eu pre­ci­sei dar o mes­mo pas­so na
lei­tu­ra do Ta­rot: de ne­nhu­ma ma­nei­ra su­por­tei a ideia de me co­lo­car na
po­si­ção de um vi­den­te que co­nhe­ce o pre­sen­te e o fu­tu­ro do con­su­len-­
te, ob­ser­van­do-o des­de uma al­tu­ra mági­ca, im­pes­so­al, em­pres­tan­do a
voz a en­ti­da­des de ou­tro mun­do... Sen­do os Ar­ca­nos co­mo te­las de pro-­
je­ção, era ne­ces­sá­rio que eu me des­se con­ta de que tu­do o que via nas
car­tas es­ta­va im­preg­na­do pe­la mi­nha per­so­na­li­da­de. Não po­den­do me
li­ber­tar de mim mes­mo, eu me per­gun­tei: “O que eu sou quan­do leio o
Ta­rot? Se­rá que meu pen­sa­men­to é mas­cu­li­no? Se­rá que é la­ti­no-ame-­
ri­ca­no? Eu­ro­peu? Se­rá ado­les­cen­te ou ma­du­ro? Se­rá que a mi­nha mo-­
ral é ju­dai­co-cris­tã? Se­rá que sou cren­te, ateu, co­mu­nis­ta, ser­vi­dor do
re­gi­me es­ta­be­le­ci­do? Se­rá que per­ce­bo as ca­rac­te­rísti­cas da mi­nha épo-­
ca?”... Pa­ra che­gar a uma lei­tu­ra útil, eu me dei con­ta de que, sem po­der
me se­pa­rar da mi­nha per­so­na­li­da­de, eu de­via “tra­ba­lhá-la”, po­li-la até
che­gar a sua es­sên­cia. Eu pro­me­ti a mim mes­mo não obe­de­cer às mo-­
das, não cair na pe­ça de ne­nhu­ma tra­di­ção ou fol­clo­re... Ob­ser­vei com
aten­ção a mi­nha ima­gem do mun­do e ten­tei com to­das as mi­nhas for-
ças mo­di­fi­car meu es­píri­to mas­cu­li­no, acei­tan­do o fe­mi­ni­no, pa­ra fun-­
dir os dois até atin­gir o pen­sa­men­to an­dró­gi­no... Se nas­ci no Chi­le e me
for­mei no Méxi­co e na Fran­ça, den­tro de mim dei­xei de ter uma na­ci­o-­
na­li­da­de, con­se­guin­do com to­da sin­ce­ri­da­de me sen­tir um ci­da­dão do
cos­mos. Is­so me le­vou a me dar con­ta dos meus li­mi­tes en­quan­to ser
hu­ma­no. Mi­nha cons­ciên­cia não era pri­si­o­nei­ra de um cor­po mi­ne­ral,
ve­ge­tal ou ani­mal, ela era a es­sên­cia do uni­ver­so in­tei­ro. O que me per-­
mi­tiu me co­lo­car no lu­gar não ape­nas de ou­tras pes­so­as, mas igual­men-­
te de ob­je­tos. O que se­rá que sen­te o meu ga­to, es­ta ár­vo­re, o re­ló­gio no
meu pul­so, o sol, as pe­dras do cal­ça­men­to on­de pi­so, meus ór­gãos, mi-­
nhas vís­ce­ras etc.? Nes­se tra­ba­lho de des­pren­di­men­to e re­fi­na­men­to,
per­di não só a na­ci­o­na­li­da­de, mas tam­bém a ida­de, o no­me, os ró­tu­los
co­mo “es­cri­tor”, “ci­ne­as­ta”, “te­ra­peu­ta”, “místi­co” e mui­tos ou­tros. Pa-­
rei de me de­fi­nir: nem gor­do, nem ma­gro, nem bom, nem mau, nem ge-­
ne­ro­so, nem ego­ís­ta, nem bom pai, nem mau pai, nem is­so, nem aqui­lo.
Pa­rei igual­men­te de es­pe­rar ob­je­ti­vos ide­ais: nem cam­pe­ão, nem he­rói,
nem san­to, nem gê­nio. Ten­tei com to­das as mi­nhas ener­gi­as ser aqui­lo
que eu era. Pa­rei de me pren­der a uma úni­ca lín­gua e de­sen­vol­vi um
amor, um res­pei­to por to­das as lín­guas, ao mes­mo tem­po em que me
dei con­ta de que, se as pa­la­vras não atin­gi­am a po­e­sia, se tor­na­vam en-­
go­dos. Creio que a ori­gem de to­das as do­en­ças psi­cos­so­máti­cas é um
con­jun­to de pa­la­vras or­de­na­das em for­ma de proi­bi­ção. Im­por uma vi-
são é proi­bir ou­tras. O uni­ver­so não pos­sui li­mi­tes e fun­ci­o­na com um
con­jun­to de leis di­fe­ren­tes, às ve­zes con­tra­di­tó­rias, em ca­da di­men­são.
Quan­to mais eu ex­pan­dia os meus li­mi­tes, mais en­xer­ga­va os li­mi­tes do
ou­tro. Ho­je em dia, quan­do leio o Ta­rot e en­tro em tran­se, meu eu qua-­
se trans­for­ma­do em vo­cê, eu me sin­to di­an­te do con­su­len­te co­mo di­an-­
te de um céu azul que re­ce­be a pas­sa­gem de uma nu­vem... Na re­a­li­da­de,
não le­mos pa­ra di­zer ao con­su­len­te aqui­lo que ele é, mas pa­ra com-­
preen­dê-lo. No dia em que o com­preen­der­mos to­tal­men­te, nós de­sa­pa-­
re­ce­re­mos... No fun­do, creio que nos­sa ver­da­dei­ra con­su­len­te é a mor-­
te. Ten­te­mos com­preen­dê-la. Quan­do mor­re­mos, is­to é, quan­do nos
tor­na­mos ela, nós nos dis­sol­ve­mos, por fim, na Ver­da­de.
Ne­nhum ta­ró­lo­go po­de di­zer a ver­da­de. Ele só po­de di­zer sua in­ter-­
pre­ta­ção da ver­da­de. Quan­do se lê o Ta­rot, não se sa­be. Uma vez que ele
lê pa­ra com­preen­der, o ta­ró­lo­go de­ve con­ti­nu­ar a lei­tu­ra mes­mo que não
com­preen­da o que ele vê. Da mes­ma ma­nei­ra que to­da in­ter­pre­ta­ção é
frag­men­tá­ria, a abun­dân­cia de in­ter­pre­ta­ções faz com que o con­su­len­te
se apro­xi­me do co­nhe­ci­men­to... Não exis­te per­gun­ta in­sig­ni­fi­can­te. As
per­gun­tas su­per­fi­ci­ais e as pro­fun­das, as in­te­li­gen­tes e as es­túpi­das pos-­
su­em a mes­ma im­por­tân­cia: as in­ter­pre­ta­ções de ca­da Ar­ca­no sen­do in­fi-­
ni­tas, o va­lor da per­gun­ta de­pen­de­rá não de sua qua­li­da­de, mas da qua­li-­
da­de da res­pos­ta do ta­ró­lo­go.
Eu me dei con­ta de que com­preen­der aqui­lo que eu via era uma ilu-­
são. Pa­ra com­preen­der ver­da­dei­ra­men­te uma coi­sa, era pre­ci­so de­ci-­
frar o que é o uni­ver­so. Sem abar­car o to­do, era im­pos­sí­vel sa­ber com
cer­te­za o que era uma de su­as par­tes. O con­su­len­te não é um in­di­ví­duo
iso­la­do. Pa­ra sa­ber quem ele é, o ta­ró­lo­go, além de sua vi­da des­de o ins-­
tan­te em que foi con­ce­bi­do e viu a luz do dia, de­ve­ria co­nhe­cer a vi­da
de seus ir­mãos, de seus pais, de seus ti­os, de seus avós e, se pos­sí­vel, a
vi­da de seus bi­sa­vós. Sa­ber a edu­ca­ção que ele re­ce­beu, co­nhe­cer os
pro­ble­mas da so­ci­e­da­de na qual ele vi­veu, as­sim co­mo os ar­quéti­pos e a
cul­tu­ra que for­ma­ram seu es­píri­to...

Uma vez que é im­pos­sí­vel cap­tar a to­ta­li­da­de do ou­tro, é da mes­ma


ma­nei­ra im­pos­sí­vel jul­gá-lo. A po­si­ti­vi­da­de ou a ne­ga­ti­vi­da­de de um
acon­te­ci­men­to não são in­trín­se­cas; são ape­nas in­ter­pre­ta­ções sub­je­ti­vas.
Em de­fe­rên­cia ao con­su­len­te, é pre­fe­rí­vel sem­pre bus­car a in­ter­pre­ta­ção
po­si­ti­va.
Uma ár­vo­re, ao mes­mo tem­po que ele­va seus ga­lhos pa­ra o céu,
mer­gu­lha su­as ra­í­zes na ter­ra. A luz é in­fi­ni­ta, a es­cu­ri­dão é in­fi­ni­ta.
Ca­var no so­fri­men­to con­ti­do em nos­so in­cons­ci­en­te faz com que nos
im­preg­ne­mos com o so­fri­men­to de to­da a hu­ma­ni­da­de; a dor é in­fi­ni­ta.
Uma vez ex­pres­sos o pran­to e a có­le­ra, é mais útil bus­car va­lo­res es-­
con­di­dos co­mo te­sou­ros em nos­so ser es­sen­ci­al. A paz é in­fi­ni­ta.

Um ta­ró­lo­go não de­ve com­pa­rar o con­su­len­te com ou­tras pes­so­as que


se pa­re­cem fi­si­ca­men­te. Com­pa­rar, en­quan­to ma­nei­ra de de­fi­nir, é uma
fal­ta de res­pei­to pa­ra com a di­fe­ren­ça es­sen­ci­al de ca­da ser.
O con­su­len­te po­de não co­nhe­cer a si mes­mo e, na mai­or par­te do
tem­po, ig­no­rar as in­fluên­cias re­ce­bi­das de sua ár­vo­re ge­ne­a­ló­gi­ca. Se
ele fa­la uma úni­ca lín­gua, se ele não vi­a­jou pa­ra pa­í­ses dis­tan­tes, se ele
não es­tu­dou ou­tras cul­tu­ras, se ele ja­mais imo­bi­li­zou seu cor­po pa­ra
me­di­tar, se ten­do de es­co­lher en­tre fa­zer ou não fa­zer, ele fu­giu de to­da
ex­pe­riên­cia no­va com me­do do fra­cas­so, po­de­mos di­zer que seu in-­
cons­ci­en­te se apre­sen­ta pa­ra ele não co­mo aqui­lo que é, ou se­ja, um ali-­
a­do, mas co­mo um mis­té­rio in­qui­e­tan­te, um ini­mi­go... Ja­mais ele sa­be­rá
a ba­se re­al da­qui­lo que pen­sa, sen­te, de­se­ja ou faz... Is­so por­que, du­ran-­
te a lei­tu­ra do Ta­rot, su­as per­gun­tas, por mais su­per­fi­ci­ais que pa­re-­
çam, ocul­ta­rão pro­ces­sos psi­co­ló­gi­cos pro­fun­dos... “Se­rá que de­vo ir ao
sa­lão de be­le­za, tin­gir o ca­be­lo e mu­dar de pen­te­a­do?”: a per­gun­ta é
mui­to sim­ples, apa­ren­te­men­te frí­vo­la, mas, no en­tan­to, po­de re­ce­ber
uma res­pos­ta pro­fun­da. Se fos­se só is­so que di­zem as pa­la­vras, que ne-­
ces­si­da­de a pes­soa te­ria de ser acon­se­lha­da? Bas­ta­ria to­mar a de­ci­são
so­zi­nha... Po­de­mos ver nes­sa tin­tu­ra e nes­sa mu­dan­ça de pen­te­a­do que
a con­su­len­te ex­pri­me seu de­se­jo de mu­dar de vi­da, de não es­tar mais
so­zi­nha, ou ao con­trá­rio, de ter­mi­nar seu ca­sa­men­to, ou sob ou­tro as-­
pec­to, de em­preen­der no­vas ex­pe­riên­cias, de bus­car ser re­co­nhe­ci­da –
que ela ex­pri­me sua in­sa­tis­fa­ção di­an­te de si mes­ma ou sua des­co­ber­ta
de no­vos va­lo­res que a obri­gam a se se­pa­rar de uma per­so­na­li­da­de an­ti-­
ga... O Ta­rot nos en­si­na a res­pei­tar to­das as per­gun­tas: ca­da per­gun­ta é
uma opor­tu­ni­da­de de apro­fun­dar a des­co­ber­ta de nós mes­mos pa­ra vi-­
ver­mos en­gas­ta­dos co­mo um pe­dra pre­ci­o­sa na joia que é o pre­sen­te. A
mai­or par­te dos con­su­len­tes não se sen­te co­mo al­go que exis­te e é, mas
co­mo al­go que ain­da se­rá.

To­da ge­ne­ra­li­za­ção é ilu­só­ria. Os acon­te­ci­men­tos nun­ca são se­me-­


lhan­tes... Quan­do da­mos o ou­tro co­mo exem­plo, sem­pre aque­le que o ci­ta
emi­te uma con­cep­ção pes­so­al. Pa­ra ca­da in­di­ví­duo, o ou­tro é di­fe­ren­te.
Sen­do o ou­tro par­te de um to­do in­fi­ni­to, é im­pos­sí­vel iso­lá-lo em
uma de­fi­ni­ção; quan­do o ou­tro é cap­tu­ra­do e in­ter­pre­ta­do por nós, ele
re­ce­be os li­mi­tes que cor­res­pon­de ao nos­so ní­vel de cons­ciên­cia. Es­se
ou­tro é uma mis­tu­ra da­qui­lo que ele mos­tra e da­qui­lo que nós acres-­
cen­ta­mos fa­zen­do de­le nos­so pró­prio re­fle­xo. As qua­li­da­des que en­xer-­
ga­mos ne­le, as­sim co­mo os de­fei­tos, fa­zem par­te das nos­sas pró­prias
qua­li­da­des e de­fei­tos... Ao jul­gá-lo, ao men­su­rá-lo, ao lhe atri­buir ró­tu-­
los – bom, mau, be­lo, feio, ego­ís­ta, ge­ne­ro­so, in­te­li­gen­te, es­túpi­do etc. –
es­ta­re­mos men­tin­do a nós mes­mos. To­do jul­ga­men­to que ex­pri­mir­mos
é sem­pre fei­to em com­pa­ra­ção com a ima­gem li­mi­ta­da, e por­tan­to ar­ti-­
fi­ci­al, que te­mos de nós mes­mos.
O re­al não é bom, nem mau, nem be­lo, nem feio em si, ele não pos­sui
ne­nhu­ma ou­tra qua­li­da­de. A uni­da­de di­vi­na não po­de ter qua­li­da­des,
nem ser de­fi­ni­da por um ta­ró­lo­go que não a com­preen­de, pois não a po­de
con­ter. O To­do é for­ma­do por to­das as par­tes, mas to­das as par­tes não
for­mam o To­do.
Em ne­nhum mo­men­to o ta­ró­lo­go po­de se ar­vo­rar a ser juiz de seu
con­su­len­te ou a acei­tar co­mo re­ais, jus­tas, as vi­sões que ele tem dos
mem­bros de sua fa­mí­lia ou dos se­res que ele evo­ca na lei­tu­ra.

Em um mun­do in­fi­ni­to, não se po­de afir­mar: “Tu­do é as­sim”. A fór-­


mu­la cor­re­ta é: “Qua­se tu­do é as­sim”. Se no­ven­ta e no­ve por cen­to é con-­
si­de­ra­do ne­ga­ti­vo, não se po­de ex­cluir a po­si­ti­vi­da­de do um por cen­to. Es-­
se um por cen­to po­si­ti­vo é mais dig­no de de­fi­nir a to­ta­li­da­de que os no-­
ven­ta e no­ve por cen­tro ne­ga­ti­vos. Es­sa pe­que­na po­si­ti­vi­da­de re­di­me a
gran­de ne­ga­ti­vi­da­de.
Eis por que não é útil afir­mar que o mun­do é vi­o­len­to. Po­de­mos ad-­
mi­tir que exis­te vi­o­lên­cia no mun­do, mui­ta vi­o­lên­cia, mas não po­de­mos
de­fi­ni-lo por es­se er­ro. O mun­do é tam­bém per­fei­to co­mo o cos­mos. O
ser hu­ma­no é igual­men­te as­sim. Não se po­de afir­mar que ele é do­en­tio.
En­quan­to a vi­da lhe dá alen­to, o cor­po hu­ma­no é um or­ga­nis­mo com-­
ple­xo, mis­te­ri­o­so, do­ta­do de saú­de. Es­tar vi­vo é es­tar são, físi­ca e men-­
tal­men­te. Po­de­mos ter do­en­ças, ati­tu­des psi­cóti­cas, mas por mais que
se­jam gra­ves, elas não fa­zem de nós “do­en­tes” ou “lou­cos”, elas não de-­
fi­nem nos­so ser, mas nos­so es­ta­do pre­sen­te... O es­píri­to hu­ma­no, in­fi­ni-­
to, não su­por­ta ró­tu­los... O ta­ró­lo­go, mais do que lhe mos­trar seus nu-­
me­ro­sos de­fei­tos, de­ve ten­tar cap­tar as qua­li­da­des do con­su­len­te que,
mes­mo que não se­jam nu­me­ro­sas, lhe aju­da­rão mais a ser o que ele é
ver­da­dei­ra­men­te.
Não de­ve­mos de­fi­nir o con­su­len­te por su­as ações, mas sim de­fi­nir as
ações que o con­su­len­te re­a­li­zou. Ele não é “to­lo”: ele co­me­teu to­li­ces; ele
não é “la­drão”: ele se apro­pri­ou de coi­sas que per­ten­ci­am a ou­tra pes­soa.
Se de­fi­nir­mos o con­su­len­te por su­as ações, nós o se­pa­ra­re­mos da re­a­li­da-­
de.
O va­lor de uma lei­tu­ra de­pen­de do ní­vel de cons­ciên­cia do taró­lo­go. Se
ele é sá­bio, ele po­de ob­ter men­sa­gens pre­ci­o­sas, por mais ab­sur­dos que se-­
jam os Ar­ca­nos es­co­lhi­dos pe­lo con­su­len­te. A cons­ciên­cia ele­va­da do ta-­
ró­lo­go ou­tor­ga sa­be­do­ria ou to­li­ce à lei­tu­ra, mas os Ar­ca­nos em si mes-­
mos não são sá­bios nem to­los: eles não pos­su­em qua­li­da­des. Quem pos­sui
qua­li­da­des é aque­le que as enun­cia.
As lei­tu­ras, ape­sar de sua im­por­tân­cia, são sem­pre in­ter­pre­ta­ções
pes­so­ais do ta­ró­lo­go, e por is­so mes­mo não de­ve­mos lhes dar a qua­li­da­de
de pro­va ab­so­lu­ta... Ne­nhu­ma lei­tu­ra po­de cons­ti­tuir pro­va de um fa­to.
A exa­ti­dão e a pre­ci­são, em uma re­a­li­da­de cons­tan­te­men­te cam­bi­an-­
te, são dois obs­tá­cu­los à com­preen­são.
O de­se­jo de per­fei­ção, de exa­ti­dão, de pre­ci­são, de re­pe­ti­ção da­qui­lo
que é co­nhe­ci­do e es­ta­be­le­ci­do são ma­ni­fes­ta­ções de um es­píri­to rígi­do
que te­me a mu­dan­ça, a di­fe­ren­ça, o er­ro, a per­ma­nen­te im­per­ma­nên­cia
do cos­mos. Es­sa ati­tu­de obs­ti­na­da­men­te ra­ci­o­nal se opõe ao pen­sa-­
men­to ta­róti­co, que se as­se­me­lha ao pen­sa­men­to po­éti­co. Já ou­vi­mos o
po­e­ta Ed­mond Jabès di­zer: “Ser é in­ter­ro­gar o la­bi­rin­to de uma per-­
gun­ta que não tem res­pos­ta”.

De­pois que in­ter­pre­ta­mos um Ar­ca­no, po­de­mos, mais tar­de, mo­di­fi­car


es­sa in­ter­pre­ta­ção. As in­ter­pre­ta­ções não são par­te in­te­gran­te do Ar­ca­no,
o Ar­ca­no não po­de mu­dar, mas sim o ta­ró­lo­go, na me­di­da em que ele é um
ser que se trans­for­ma. Não mu­dar nun­ca de in­ter­pre­ta­ção é tei­mo­sia. To-­
da men­sa­gem ob­ti­da pe­la lei­tu­ra das car­tas po­de ser con­tra­di­ta por uma
se­gun­da lei­tu­ra das mes­mas car­tas. As men­sa­gens não são ex­tra­í­das das
pró­prias car­tas, mas de in­ter­pre­ta­ções que da­mos a es­sas car­tas.
Res­pon­der “não” a uma afir­ma­ção é um er­ro. Na­da po­de ser ne­ga­do
em sua to­ta­li­da­de. Me­lhor é di­zer: “É pos­sí­vel, mas de um ou­tro pon­to de
vis­ta po­de­mos tam­bém di­zer o con­trá­rio”.
A do­en­ça é es­sen­ci­al­men­te se­pa­ra­ção, is­to é, ela sur­ge es­sen­ci­al­men­te
da cren­ça de que es­ta­mos se­pa­ra­dos.
Al­guns au­to­res de li­vros de au­to­a­ju­da acon­se­lham a não pen­sar­mos
co­mo um cor­po que tem um es­píri­to, mas co­mo um es­píri­to que tem
um cor­po... Pon­to de vis­ta que a prin­cí­pio ado­tei com fer­vor; de­pois,
pen­san­do que a so­lu­ção cor­re­ta de um pro­ble­ma não pro­duz um ga-­
nha­dor e um per­de­dor, mas dois ga­nha­do­res, acei­tei – de acor­do com a
fi­na­li­da­de da al­qui­mia: es­pi­ri­tu­a­li­za­ção da ma­té­ria e ma­te­ri­a­li­za­ção do
es­píri­to – que eu era ao mes­mo tem­po um es­píri­to que ti­nha um cor­po
e um cor­po que ti­nha um es­píri­to... Mas, se con­si­de­rar­mos a pri­mei­ra
afir­ma­ção, se­rá que eu era re­al­men­te um es­píri­to, is­to é, uma en­ti­da­de
in­di­vi­du­al, di­fe­ren­te do to­do...? Sim, eu era um es­píri­to, mas era ao
mes­mo tem­po um pla­ne­ta, uma ga­lá­xia, um uni­ver­so e, se eu acei­tas­se
um prin­cí­pio cri­a­dor, um Deus. Is­so me obri­gou a di­zer: sou um cor­po
que pos­sui um deus, sou um deus que pos­sui um cor­po... Se­rá que eu
po­dia, en­tão, se­pa­rar meu cor­po dos ou­tros cor­pos, da Ter­ra, das es­tre-­
las, da ma­té­ria uni­ver­sal?

A saú­de é a Cons­ciên­cia di­vi­na. O ca­mi­nho que le­va até ela é a in­for-­


ma­ção, des­de que se con­si­de­re in­for­ma­ção não tan­to as pa­la­vras mas as
ex­pe­riên­cias de um co­nhe­ci­men­to que, ins­cri­to no cor­po, se apre­sen­ta co-­
mo uma exi­gên­cia da­qui­lo que nos fal­ta. E is­so que nos fal­ta é a ex­pe­riên-­
cia da uni­ão com o deus in­te­ri­or. O so­fri­men­to é a ig­no­rân­cia. A do­en­ça é
a au­sên­cia de cons­ciên­cia. O con­su­len­te, sen­do to­tal­men­te re­la­ci­o­nal, pa-­
ra che­gar à saú­de pre­ci­sa re­ce­ber a in­for­ma­ção es­sen­ci­al. Pa­ra que uma
do­en­ça pos­sa ser cu­ra­da, ele de­ve se co­lo­car em re­la­ção a seu deus in­te­ri-­
or.
Se o mun­do é in­fi­ni­to, ne­nhu­ma or­dem é re­al. Só po­de ser or­de­na­do
aqui­lo que pos­sui li­mi­tes pre­ci­sos. Po­de­mos bus­car a uti­li­da­de mo­men­tâ-­
nea de uma or­dem, mas não sua ve­ra­ci­da­de. O mun­do é uma re­pre­sen­ta-­
ção sub­je­ti­va que po­de ser or­de­na­da de in­fi­ni­tas ma­nei­ras. Con­vém bus-­
car a or­dem que nos cau­se me­nos so­fri­men­to.
A cha­ve mági­ca que per­mi­te ao con­su­len­te, as­sim co­mo ao ta­ró­lo­go
que lhe faz a per­gun­ta, or­ga­ni­zar po­si­ti­va­men­te sua pas­sa­gem pe­lo
mun­do é: “A vi­da me ale­gra?” Es­sas pes­so­as, es­se tra­ba­lho, es­ta ci­da­de,
es­se pa­ís, es­ta ca­sa, es­se mó­vel, tor­nam mi­nha vi­da fe­liz? Se não tor-­
nam mi­nha vi­da fe­liz, is­so quer di­zer que não me con­vêm en­quan­to
com­pa­nhia, meio am­bi­en­te, ter­ri­tó­rio, ati­vi­da­de. Is­so me con­vi­da a evi-­
tar me en­vol­ver com eles.
To­do con­cei­to é du­plo, com­pos­to pe­la pa­la­vra enun­ci­a­da e uma pa­la-­
vra con­trá­ria não pro­nun­ci­a­da. Afir­mar al­gu­ma coi­sa é tam­bém afir­mar
a exis­tên­cia de seu con­trá­rio. O ta­ró­lo­go de­ve bus­car a re­la­ção de um
con­cei­to com seu con­trá­rio. Por exem­plo: feio (em re­la­ção a al­gu­ma coi­sa
be­la); pe­que­no (em re­la­ção a al­gu­ma coi­sa gran­de); de­fei­to (em re­la­ção a
al­gu­ma qua­li­da­de) etc. Fo­ra da re­la­ção, o con­cei­to não tem ne­nhum sen­ti-­
do.
O con­su­len­te não che­ga­rá a sa­ber quem ele é sem se com­pa­rar. A
per­so­na­li­da­de ad­qui­ri­da, e não a per­so­na­li­da­de es­sen­ci­al, se cons­ti­tui
com ba­se em com­pa­ra­ções. Des­de a in­fân­cia, exi­gem de nós que pa­re-­
ça­mos, não que se­ja­mos. Se a cri­an­ça não cor­res­pon­de àqui­lo que os
pais acre­di­tam que ela de­va ser, eles a cul­pa­bi­li­zam. As re­vis­tas de mo-­
da exi­bem mu­lhe­res que obe­de­cem a cri­té­rios de be­le­za mui­tas ve­zes
afas­ta­dos da re­a­li­da­de hu­ma­na. Da mes­ma ma­nei­ra, o ci­ne­ma e a te­le-
vi­são. Quan­do uma con­su­len­te so­fre de um com­ple­xo de fei­ú­ra, é fun-­
da­men­tal que o ta­ró­lo­go des­cu­bra com o que ela se com­pa­ra. O olhar
dos pais e dos pro­fes­so­res for­ma o es­píri­to da cri­an­ça. Se nin­guém a
olha tal co­mo ela é – sub­me­ten­do-a a olha­res críti­cos ou com­pa­ran­do-a
com os ir­mãos, ir­mãs ou ami­gos “me­lho­res” –, a cri­an­ça cres­ce ten­do a
sen­sa­ção de não ser nin­guém, sem se con­ce­der o di­rei­to à re­a­li­za­ção de
su­as po­ten­ci­a­li­da­des... As es­co­las que es­ta­be­le­cem os câ­no­nes de in­te­li-­
gên­cia, pen­san­do que só exis­te uma ma­nei­ra cor­re­ta de pen­sar, pro­vo-­
cam des­va­lo­ri­za­ções dra­máti­cas. O ta­ró­lo­go de­ve es­ca­var co­mo um ar-­
que­ó­lo­go na me­mó­ria do con­su­len­te, bus­can­do os “exem­plos per­fei­tos”
com os quais o con­su­len­te se com­pa­ra pa­ra li­ber­tá-lo da in­ve­ja... Aque-­
le com quem o con­su­len­te se com­pa­ra, seu de­se­jo de ter e de ser o que
o ou­tro pos­sui e aqui­lo que o ou­tro é, per­se­gue o con­su­len­te co­mo uma
som­bra amar­ga... Al­guns pais no­ci­vos, ao mes­mo tem­po que exi­gem o
su­ces­so de seus re­jei­ta­dos, os pro­í­bem de ma­nei­ra táci­ta de re­a­li­zar
aqui­lo que eles mes­mos não pu­de­ram re­a­li­zar. A neu­ro­se do fra­cas­so
faz com que mui­tos con­su­len­tes se des­co­nhe­çam a si mes­mos. O ta­ró­lo-­
go de­ve co­me­çar sua lei­tu­ra acei­tan­do que se di­ri­ge a al­guém que é
aque­le que sua fa­mí­lia, sua so­ci­e­da­de qui­se­ram que ele fos­se, mo­ti­vo
pe­lo qual ele crê pos­suir ob­je­ti­vos que não são seus, com obs­tá­cu­los ar-­
ti­fi­ci­ais e mi­ra­gens à gui­sa de so­lu­ções. O Ta­rot po­de­rá in­di­car sua na-­
tu­re­za, seus ob­je­ti­vos, seus obs­tá­cu­los e as so­lu­ções ver­da­dei­ras lhe fa-­
zen­do ver a re­gi­ão mu­da de sua exis­tên­cia.

Aqui­lo que o con­su­len­te não sa­be faz par­te de sua vi­da, tan­to quan­to
aqui­lo que ele sa­be. Aqui­lo que o con­su­len­te não fez é tão im­por­tan­te
quan­to aqui­lo que ele fez. Aqui­lo que o con­su­len­te po­de­rá um dia fa­zer
faz par­te da­qui­lo que ele já es­tá fa­zen­do. Aqui­lo que o con­su­len­te foi e o
que não foi, aqui­lo que ele é e aqui­lo que ele não é, aqui­lo que ele se­rá e
aqui­lo que ele não se­rá cons­ti­tu­em igual­men­te seu mun­do.
Al­guns con­su­len­tes, por me­do de per­der aqui­lo que acre­di­tam ser
sua in­di­vi­du­a­li­da­de, não que­rem ser cu­ra­dos, mas que­rem que nos ocu-­
pe­mos de­les. Mais do que ob­ter so­lu­ções, de­se­jam ser ou­vi­dos, que te-­
nha­mos pe­na de­les. Di­an­te das re­ve­la­ções da lei­tu­ra, eles apre­sen­tam
de­fe­sas... Em­bo­ra so­fram, eles afir­mam que es­tá tu­do bem com a fa­mí-­
lia, que na in­fân­cia fo­ram ama­dos, que não fo­ram afe­ta­dos por ne­nhum
ti­po de abu­so, que le­vam uma vi­da con­for­tá­vel. Não con­si­de­ram na­da
aqui­lo que po­de­mos lhe re­ve­lar co­mo sen­do ver­da­de... Em fa­ce des­sa
ati­tu­de, o ta­ró­lo­go de­ve ter uma pa­ciên­cia de san­to. Uma coi­sa é do­ar,
ou­tra coi­sa é obri­gar a re­ce­ber... Ao acei­tar­mos as de­fe­sas, em vez de
ata­cá-las de ma­nei­ra di­re­ta, é pre­ci­so con­tor­nar as ne­ga­ções até des­co-­
brir uma aber­tu­ra por on­de in­tro­du­zir uma ín­fi­ma to­ma­da de cons­ciên-­
cia. De­pois, ele de­ve con­vi­dar o con­su­len­te a me­di­tar so­bre es­sa re­ve­la-­
ção du­ran­te o tem­po que for ne­ces­sá­rio e, uma vez que ela for bem
com­preen­di­da, vol­tar a es­ca­var em sua me­mó­ria com a aju­da de uma
no­va lei­tu­ra. “Pa­ra avan­çar um qui­lô­me­tro é pre­ci­so dar um pas­so”
(Tao Te Ching). No en­tan­to, o te­ra­peu­ta, por um de­se­jo de po­der, não
de­ve ten­tar cri­ar “cli­en­te­la”... is­to é, con­su­len­tes que de­po­si­tem ne-­
le/ne­la uma de­pen­dên­cia in­fan­til, in­ter­pre­tan­do um pa­pel de pai-mãe-
pros­ti­tu­to que lhes ser­ve de as­pi­ri­na emo­ci­o­nal. O Ta­rot não cu­ra, ele
ser­ve pa­ra de­tec­tar a cha­ma­da “do­en­ça”. Uma vez ob­ti­do is­so, ca­be a
um psi­ca­na­lis­ta, um psi­qui­a­tra ou um psi­co­ma­go con­ti­nu­ar o tra­ba­lho.
To­dos os Ar­ca­nos per­ten­cem ao Ta­rot. É por is­so que du­as car­tas ob-­
ser­va­das jun­tas, mes­mo que pa­re­çam con­ter sig­ni­fi­ca­dos ab­so­lu­ta­men­te
di­fe­ren­tes, pos­su­em de­ta­lhes em co­mum. Di­an­te de qual­quer con­jun­to de
car­tas, é pre­ci­so sem­pre bus­car o mai­or nú­me­ro de de­ta­lhes que lhes se-­
jam co­muns.
To­dos os se­res hu­ma­nos per­ten­cem a uma es­pécie co­mum e vi­vem
no mes­mo ter­ri­tó­rio, o pla­ne­ta Ter­ra. Por es­se mo­ti­vo, du­as pes­so­as
reu­ni­das, mes­mo que se­jam de ra­ças, cul­tu­ras e si­tu­a­ções so­ci­ais ou ní-­
veis de cons­ciên­cia di­fe­ren­tes, pos­su­em ca­rac­te­rísti­cas co­muns. O ta­ró-­
lo­go, aban­do­nan­do qual­quer ve­lei­da­de de se sen­tir su­pe­ri­or, de­ve cap-­
tar es­sas se­me­lhan­ças e con­cen­trar a prin­cí­pio sua lei­tu­ra nas ex­pe-­
riên­cias que o unem ao con­su­len­te. Nin­guém me­lhor que um “ex-do­en-­
te” pa­ra cu­rar um “do­en­te”.

O mau ta­ró­lo­go, que con­fun­de pen­sar e crer, enun­cia in­ter­pre­ta­ções


ca­pri­cho­sas pa­ra de­pois bus­car nos Ar­ca­nos sím­bo­los que pos­sam con­fir-­
mar es­sas con­clu­sões. Pa­ra ele, a ver­da­de vem a pri­o­ri, e é se­gui­da a pos-­
te­ri­o­ri pe­la bus­ca da ver­da­de.
Pa­ra ado­tar uma con­clu­são, é pre­ci­so exa­mi­nar os Ar­ca­nos sob o mai-­
or nú­me­ro de pon­tos de vis­ta. De­pois, es­co­lher as in­ter­pre­ta­ções que me-­
lhor con­ve­nham ao ní­vel de cons­ciên­cia do con­su­len­te. E, em se­gui­da, ti-­
rar as con­clu­sões da com­pa­ra­ção das in­ter­pre­ta­ções es­co­lhi­das em de­tri-­
men­to das ou­tras. To­da con­clu­são é pro­vi­só­ria e só se apli­ca a um mo-­
men­to da vi­da do con­su­len­te, pois foi ti­ra­da de in­ter­pre­ta­ções que, sen­do
fei­tas do pon­to de vis­ta do ta­ró­lo­go, são li­mi­ta­das.
Os tes­te­mu­nhos, ape­sar de sua im­por­tân­cia, são sem­pre in­ter­pre­ta-­
ções pes­so­ais de um fa­to e, jus­ta­men­te por es­se mo­ti­vo, não lhes de­ve­mos
con­fe­rir es­ta­tu­to de pro­va ab­so­lu­ta. Na­da do que o ta­ró­lo­go leu po­de
cons­ti­tuir pro­va de um fa­to.
Dar con­se­lhos a um con­su­len­te – “Vo­cê de­ve fa­zer is­so”, “Vo­cê não
de­ve fa­zer aqui­lo” – é um abu­so de po­der. O ta­ró­lo­go de­ve ofe­re­cer pos­si-­
bi­li­da­des de ação, dei­xan­do que o con­su­len­te fa­ça sua es­co­lha. O ta­ró­lo­go
não de­ve nun­ca ame­a­çar – “Se vo­cê não fi­zer as­sim, eis o que vai lhe
acon­te­cer” –, pois os atos re­a­li­za­dos por obri­ga­ção, mes­mo que pa­re­çam
po­si­ti­vos, agem co­mo mal­di­ções.
Se o lei­tor é an­tes de mais na­da um “eu”, sen­do in­ca­paz de se tor­nar
o es­pe­lho que re­fle­te o ou­tro, na re­a­li­da­de ele uti­li­za o con­su­len­te pa­ra
cu­rar a si mes­mo. Em vez de ver, ele se vê. Em vez de com­preen­der, ele
impõe sua vi­são do mun­do. Em vez de des­per­tar os va­lo­res do con­su-­
len­te, ele o mer­gu­lha em um fas­cí­nio em que o ta­ró­lo­go é o adul­to e o
ou­tro a cri­an­ça. O ta­ró­lo­go não é a por­ta, mas a cam­pai­nha, ele não é o
ca­mi­nho, mas o ta­pe­te que lim­pa o bar­ro dos sa­pa­tos, ele não é a luz,
mas o bo­tão do in­ter­rup­tor.

O ta­ró­lo­go não de­ve fa­zer pro­mes­sas líri­cas ou elo­gi­os: “Vo­cê é uma


al­ma no­bre, vo­cê é uma pes­soa boa, vai dar tu­do cer­to, Deus te re­com-­
pen­sa­rá etc.”, pa­la­vras inú­teis que im­pe­dem a to­ma­da de cons­ciên­cia.
Pa­ra cu­rar, o con­su­len­te não de­ve fu­gir do so­fri­men­to, mas en­ca­rar o
so­fri­men­to, as­su­mi-lo pa­ra em se­gui­da de­le se li­ber­tar. Um so­fri­men­to
co­nhe­ci­do é mais útil que cem lou­vo­res.
Quan­do, aos vin­te e qua­tro anos, em um bru­tal aci­den­te, meu fi­lho
Teo mor­reu, uma dor in­des­cri­tí­vel de­sin­te­grou meu es­píri­to. Co­mo um
le­pro­so, as­sis­ti sua cre­ma­ção. Quan­do eu não acha­va que en­con­tra­ria
con­so­lo pos­sí­vel, vi meu fi­lho Bron­tis se apro­xi­mar do cor­po e co­lo­car
um Ta­rot de Mar­se­lha na mão de­le. Acom­pa­nha­do do Ta­rot, ele foi cre-­
ma­do. Re­ce­bi uma ur­na com as cin­zas des­ses dois se­res sa­gra­dos... Des-­
de en­tão, e pa­ra sem­pre, até o fim da mi­nha exis­tên­cia, os Ar­ca­nos,
mes­cla­dos ao meu fi­lho, ocu­pa­ri­am um tro­no em mi­nha me­mó­ria.
Aqui­lo em que acre­di­ta­mos ver­da­dei­ra­men­te e aqui­lo que ama­mos ver-­
da­dei­ra­men­te são uma úni­ca e mes­ma coi­sa... A imen­sa dor da per­da de
um ser ama­do des­trói a ima­gem que te­mos de nós mes­mos. Se ti­ver­mos
a co­ra­gem de nos re­cons­truir, nós nos tor­na­re­mos mais for­tes, ao mes-
mo tem­po em que com­preen­de­re­mos me­lhor a dor dos ou­tros.
1 De ma­nei­ra fi­lo­sófi­co-po­éti­ca, sem di­zer que me re­fe­ria ao Ta­rot, já fiz is­so em
A es­ca­da dos an­jos: uma ar­te de pen­sar (L’Éc­hel­le des an­ges: un art de pen­ser, Le
Re­lié, 2001).

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