Título original LA VOIE DU TAROT
Copyright © Éditions Albin Michel, 2004
Tradução Alexandre Barbosa de Souza
Revisão Guilherme Vilhena e Lilian Aquino
Capa e projeto gráfico Gustavo Piqueira | Casa Rex
Produção do e-book Schaffer Editorial
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
J63
Jodorowsky, Alejandro; Costa, Marianne
O caminho do tarot / Alejandro Jodorowsky e Marianne Costa. Tradução de Alexandre Bar-
bosa de Souza. – São Paulo: Editora Campos, 2016. (Selo Chave).
Título original: The way of tarot: the spiritual teacher in the cards.
ISBN 978-85-63137-74-6
1. Filosofia. 2. Metafísica da Vida Espiritual. 3. Esoterismo. 4. Tarô. 5. Cartas do Tarô. 6. Ar-
canos. 7. Arte do Tarô. I. Título. II. Jodorowsky, Alejandro. III. Costa, Marianne. IV. Souza,
Alexandre Barbosa, Tradutor. V. Selo Chave.
CDU 133.5 CDD 133
Rua Araújo, 124 1º andar 01220-020 São Paulo SP
Tel. 55 11 3211-1233 www.chavelivros.com.br
Apresentação, por Marianne Costa
Introdução, por Alexandro Jodorowsky
PRIMEIRA PARTE
ESTRUTURA E NUMEROLOGIA DO TAROT
Composição e regras de orientação
A numerologia do Tarot
Construir a mandala em dez etapas
As onze cores do Tarot
SEGUNDA PARTE
OS ARCANOS MAIORES
O Louco
I. O mago
II. A Papisa
III. A Imperatriz
IIII. O Imperador
V. O Papa
VI. O Namorado
VII. O Carro
VIII. A Justiça
VIIII. O Eremita
X. A Roda da Fortuna
XI. A Força
XII. O Enforcado
XIII. O Arcano sem nome
XIIII. Temperança
XV. O Diabo
XVI. A Torre
XVII. A Estrela
XVIII. A Lua
XVIII.I O Sol
XX O. Julgamento
XXI. O Mundo
TERCEIRA PARTE
OS ARCANOS MENORES
Os graus da numerologia
Os Trunfos ou Figuras
QUARTA PARTE
O TAROT DE DOIS EM DOIS
Os duos das duas séries decimais
Os casais do Tarot
Pares de soma XXI
Sucessão numérica e translação Chaves para a leitura de duas cartas
QUINTA PARTE
A LEITURA DO TAROT
Primeiros passos
Ler três cartas
Ler quatro cartas ou mais
Ler dez cartas ou mais
Conclusão: o pensamento tarótico
Apresentação
Como escrever um livro sobre o Tarot? É o mesmo que tentar esvaziar
o mar com um garfo...
Já há quase quarenta anos, o trabalho de Alejandro Jodorowsky
aborda a multiplicidade dinâmica do Tarot: leituras públicas, aulas, en-
contros, conferências... Se ele tivesse transcrito integralmente todo es-
se material, teríamos muitas dezenas de milhares de páginas apaixona-
das e desorganizadas, abordando a cada passo diversos aspectos dessa
arte que não se deixa circunscrever em nenhum tipo de rigidez.
Como isso não foi possível, e era preciso fazer um livro, um único,
nós tomamos, Alejandro e eu, a decisão de apresentar o Tarot por ângu-
los suficientemente variados, para que a obra pudesse ao mesmo tempo
servir de manual aos iniciantes e de reflexão aos tarólogos mais experi-
entes, sempre conservando nos leitores o prazer da leitura.
É por isso que todas as partes deste livro trazem uma introdução re-
digida em primeira pessoa por Alejandro, rememorando seu percurso
singular, de uma vida inteira, na companhia desse mestre exigente, des-
se aliado poderoso que é o Tarot.
Em toda a parte técnica, nossa preocupação foi ser fiel à extrema
plasticidade do Tarot: ao mesmo tempo claro e profundo, linear e mul-
tidimensional, lúdico e complexo... ele não se deixa reduzir a nenhuma
das incontáveis possibilidades que abre. Foi por isso que buscamos
construir uma obra que pudesse ser lida tanto em fragmentos, quanto
de modo contínuo até o fim, na qual cada tema fosse abordado ora lon-
ga ora brevemente, e cujas imagens fizessem eco ao texto incessante-
mente, na medida em que o Tarot constitui antes de tudo uma aprendi-
zagem da visão.
Este livro se organiza, portanto, em cinco partes. A primeira tem
por objetivo familiarizar o leitor com a estrutura global do Tarot, seus
fundamentos numerológicos e simbólicos. A segunda examina um por
um os chamados Arcanos "maiores". A terceira faz o mesmo com os
chamados Arcanos "menores". A quarta parte representa para nós o
que pensamos como um primeiro passo na leitura dinâmica do Tarot: o
estudo dos pares, dos casais, das diversas combinações entre duas car-
tas e assim por diante. Praticamente, todos os elementos do Tarot se re-
lacionam uns com os outros. Por fim, a quinta parte é dedicada à leitura
propriamente dita.
Devemos agradecer aqui especialmente a Barbara Clerc, que depois
de anos transcreveu e arquivou as aulas e palestras beneficentes de
Alejandro Jodorowsky. Ela pôs à nossa disposição todos esses arquivos
que, sem ela, teriam ficado na esfera da tradição oral.
Marianne Costa
Introdução
Em Tocopilla, pequeno porto chileno escondido entre o glacial oceano
Pacífico e as planícies montanhosas do deserto de Tarapacá, região
mais seca do mundo, onde não cai uma gota de chuva há séculos, eu ti-
ve aos sete anos meu primeiro contato com as cartas... Devido ao calor
extremo, os comerciantes fechavam as lojas do meio-dia às cinco da
tarde. Jaime, meu pai, baixava a porta de aço de sua Casa Ukrania –
roupa íntima feminina e artigos para o lar – e ia jogar bilhar com o
“louco Abraham”, um judeu lituano, viúvo, arruinado em circunstân-
cias misteriosas. Ali, onde as mulheres nunca entravam, comerciantes
rivais, em torno de uma mesa verde, decretavam a paz e afirmavam sua
virilidade matando diversas bolas de uma vez. Segundo a filosofia de
Jaime, aos sete anos um menino já tinha o cérebro formado e devia ser
tratado como um adulto. No dia do meu sétimo aniversário, ele me dei-
xou acompanhá-lo ao bilhar... Não me impressionei nem com o barulho
ensurdecedor das bolas se entrechocando, nem com os vultos brancos e
vermelhos cruzando o tapete verde oliva; o que me chamou a atenção e
me fascinou foi o castelo de cartas. O louco Abraham tinha mania de
construir, com cartas de baralho, grandes castelos. Ele deixava esses
objetos, sempre diferentes, enormes, altos, sobre a mesa grande, longe
das correntes de ar, fazendo-os durar até que ele mesmo, embriagado,
os destruísse aos golpes, para em seguida começar outro. Sarcástico,
Jaime apontou para o amigo bêbado e mandou que eu lhe perguntasse
por que ele fazia aquilo. O louco Abraham, com um sorriso triste, res-
pondeu a um menino o que não queria dizer a um adulto: “Eu imito
Deus, garotinho. Aquele que nos cria nos destrói e, com os nossos res-
tos, Ele nos reconstrói”.
Aos sábados à noite e aos domingos depois do almoço, para vencer o
tédio provinciano, meu pai recebia em casa um grupo de amigos com os
quais jogava cartas durante horas, enquanto Sara Felicidad, minha mãe,
única mulher, servia cervejas e canapés, convertida em sombra. No res-
to da semana, as cartas dormiam fechadas à chave dentro de um armá-
rio. Apesar de aquelas cartas me fascinarem, era proibido tocá-las. Se-
gundo meus pais, eram só para os adultos. Isso me deixou com a ideia
de que as cartas, feras perigosas que só podiam ser domadas por um sá-
bio, no caso, Jaime, tinham poderes mágicos... Como eles usavam fei-
jões em lugar de fichas, todas as segundas minha mãe, talvez para alivi-
ar a pena de ser excluída do jogo, punha-os para ferver e fazia com eles
uma sopa que eu engolia sentindo que ganhava aqueles poderes.
Meu físico de imigrante russo, muito diferente dos chilenos autóc-
tones, me privou de amigos. Meus pais, submersos dez horas por dia na
Casa Ukrania, não podiam me dar atenção. Agoniado pelo silêncio e a
solidão, comecei a investigar os móveis do quarto deles com a esperan-
ça de encontrar algum detalhe que me permitisse saber qual rosto eles
escondiam por trás de suas máscaras indiferentes. A um canto do rou-
peiro, entre as roupas perfumadas de Sara Felicidad, encontrei uma cai-
xinha de metal retangular. As batidas do meu coração se aceleraram.
Algo me dizia que estava prestes a obter uma revelação importante.
Abri a caixa. Dentro havia uma carta do Tarot chamada O Carro. Nela,
um príncipe conduzia um veículo em chamas. As línguas de fogo, agre-
gadas com linhas de tinta negra, haviam sido coloridas com aquarela
amarela e vermelha. Esse incêndio me intrigou mais do que tudo.
Quem teria se dado ao trabalho de transformar o desenho original
acrescentando aquelas chamas? Pensando nisso, não percebi minha
mãe chegar. Surpreendido em pleno delito, assumi a culpa e lhe dei a
carta. Ela a tomou da minha mão com reverência, apertou-a contra o
peito e se pôs a chorar e soluçar... Quando se acalmou, contou que seu
finado pai mantinha essa carta sempre consigo, no bolso da camisa,
perto do coração. Ele havia sido um bailarino russo que media dois me-
tros de altura, com uma cabeleira loira de leão, que, apaixonado por mi-
nha avó judia, sem que fosse obrigado a fazê-lo, acompanhou-a no exí-
lio. Já na Argentina, desajeitado como era para todos os detalhes da vi-
da cotidiana, ele subiu em um barril de álcool para regular a chama de
uma lamparina. A tampa do barril se quebrou e ele afundou no álcool
com a lamparina na mão. O líquido se inflamou e meu avô morreu quei-
mado. Sara Felicidad nasceu um mês depois desse atroz acontecimento.
Um dia, Jashe, sua mãe, contou que havia encontrado a carta, intacta,
entre as cinzas de seu amado. À noite, depois do enterro, as chamas do
Carro apareceram sem que ninguém as tivesse desenhado. Minha mãe
não tinha dúvida de que essa história era verdadeira. Eu, com minha
inocência infantil, também acreditei.
Quando eu fiz dez anos, meus pais venderam o comércio e me avi-
saram que iríamos mudar para Santiago, a capital do país. Perder tão
brutalmente o território me afundou em uma venenosa bruma mental.
Minha maneira de agonizar foi engordar. Convertido em um pequeno
hipopótamo, eu me arrastava até o colégio, olhando para o chão, sentin-
do que o céu era uma abóbada de cimento. A isso se somou a repulsa
dos meus companheiros de escola quando constataram nos chuveiros,
depois de uma aula de ginástica, que meu sexo carecia de prepúcio. “Ju-
deu errante!”, gritaram para mim, às cusparadas. O filho de um diplo-
mata que acabara de chegar da França cuspiu no verso de uma carta e a
colou na minha testa. Rindo às gargalhadas, me empurraram contra um
espelho. Era um arcano do Tarot de Marselha: O Eremita. Vi nessa car-
ta meu retrato infame: um ser sem território, solitário, dominado pelo
frio, com os pés doloridos, caminhando há uma eternidade em busca de
quê?... De algo, seja o que for, que lhe desse uma identidade, um lugar
no mundo, um motivo para continuar vivendo. “O ancião ergue uma
lanterna. O que a minha alma milenar está erguendo? (Diante da cruel-
dade dos meus companheiros, senti que o meu peso era uma dor trans-
portada durante séculos.) Seria aquela lâmpada minha consciência? E
se eu não fosse um corpo vazio, uma massa habitada apenas pela an-
gústia, mas uma luz estranha que atravessa o tempo, através de inume-
ráveis veículos de carne, em busca desse ente impensável que meus
avós chamavam de Deus? E se o impensável fosse a beleza?” Algo se-
melhante a uma explosão de prazer pareceu romper as barreiras que
aprisionavam a minha mente. A tristeza foi varrida feito poeira... Pro-
curei com a angústia de um náufrago um porto onde se reuniam os jo-
vens poetas. Chamava-se Café Íris. Íris, a mensageira dos deuses, aque-
la que une o céu e a terra, o complemento feminino de Hermes! E havi-
am colado na minha testa um (E)rmitão! Foi nesse café-templo que en-
contrei amigos, atores, poetas, titereiros, músicos, bailarinos. Entre eles
cresci, buscando também, de maneira desesperada, a beleza. Naqueles
anos quarenta, as drogas não estavam na moda. Nossas conversas turbi-
nadas pela febre criadora se expandiam tendo como eixo uma garrafa
de vinho, que assim que ficava vazia era substituída por outra. De ma-
drugada, famintos e embriagados, para queimar o álcool, corríamos pa-
ra o Parque Florestal. Em frente ao parque, em um subsolo estreito, ha-
bitava Marie Lefèvre, uma francesa de sessenta anos, em concubinato
com Nene, um jovem de dezoito. A senhora era pobre, porém tinha
sempre na cozinha uma grande marmita cheia de sopa, caótico magma
que continha os restos de comida que lhe davam no restaurante vizi-
nho em troca de leituras de cartas para os clientes. Enquanto seu
amante roncava sem roupas, Marie, coberta com uma bata chinesa, ser-
via-nos pratos cheios, onde, submersos no saboroso caldo, podíamos
encontrar peixe, almôndegas, verduras, cereais, macarrão, queijo, fíga-
do de frango, tripa de boi e tantas outras delicadezas. Depois, sobre o
ventre de seu amante, que não acordaria nem com um tiro de canhão,
lia-nos um Tarot que ela mesma desenhara. Este estranho contato com
as cartas foi decisivo: graças a essa mulher, em meu coração o Tarot fi-
caria para sempre unido à generosidade e ao amor sem limites. Até ho-
je, passados já sessenta anos, seguindo o exemplo dela, sempre li de
graça. Quando eu me sentia prisioneiro na ilha cultural que era o meu
país na época, Marie Lefèvre fez uma previsão: “Viajarás pelo mundo
inteiro, incessantemente, até o fim da tua vida. Mas presta atenção:
quando eu digo ‘mundo inteiro’ me refiro à totalidade do universo.
Quando digo, ‘fim da tua vida’, me refiro à tua encarnação atual. Na
verdade, sob outras formas, viverás tanto quanto há de viver o univer-
so”.
Mais tarde, na França, trabalhei com Marcel Marceau1 e consegui
alcançar a máxima honra que ele outorgava em sua companhia: mos-
trar, imóvel, em pose sugestiva, os letreiros que indicavam o título de
suas pantomimas. Assim, convertido em estátua de carne, viajei duran-
te cinco anos por uma grande quantidade de países. Em cada apresen-
tação, Marceau se entregava de corpo e alma. Depois, esgotado, tranca-
va-se em seu quarto de hotel por um bom número de horas. No dia se-
guinte, sem visitar a cidade, voltava ao teatro para ensaiar algum novo
número ou corrigir as luzes. Eu, solitário nesses países onde muitas ve-
zes não falava o idioma dominante, visitava museus, ruas pitorescas,
cafés de artistas. Pouco a pouco, adquiri o costume de procurar as livra-
rias esotéricas para comprar Tarots. Cheguei a colecionar mais de mil
maços diferentes: o alquímico, o rosacruz, o cabalístico, o cigano, o
egípcio, o astrológico, o mitológico, o maçônico, o sexual etc. Todos
eram compostos pelo mesmo número de cartas, 78, divididas em 56 Ar-
canos menores e 22 Arcanos maiores. Mas cada um tinha desenhos di-
ferentes. Às vezes, os personagens humanos se viam transformados em
cães, gatos, unicórnios, monstros ou gnomos. Cada maço continha um
libreto onde o autor se proclamava portador de uma verdade profunda.
Apesar de não compreender nem o significado nem o uso de tão miste-
riosas cartas, eu tinha por elas um grande carinho e cada vez que en-
contrava um novo conjunto, ficava cheio de alegria. Ingenuamente, es-
perava encontrar o Tarot que me comunicaria o que com tanta angústia
andava procurando: o segredo da vida eterna...
Em uma das minhas viagens ao México, acompanhando Marceau,
conheci Leonora Carrington, poeta e pintora surrealista que durante a
guerra civil espanhola havia vivido uma história de amor com Max
Ernst2. Quando ele foi preso, Leonora sofreu um ataque de loucura,
com todo o horror que isso significa, mas também com todas as portas
que esse mal abre no cárcere da mente racional. Convidando-me para
comer um crânio de açúcar com meu nome gravado na testa, ela me
disse: “O amor transforma a morte em doçura. O esqueleto do Arcano
XIII tem ossos de açúcar”. Quando me dei conta de que Leonora usava
em suas obras os símbolos do Tarot, pedi a ela que me iniciasse. Ela me
respondeu: “Pegue estas 22 cartas. Observe-as uma de cada vez e me
diga o que significa para você aquilo que está vendo”. Dominando mi-
nha timidez, obedeci. Ela escreveu rapidamente tudo o que eu ia lhe di-
zendo. Ao terminar a descrição d’O Mundo, eu me vi empapado de
suor. A pintora, com um sorriso misterioso, sussurrou para mim: “Isso
que você acabou de me dizer é o ‘segredo’. Cada Arcano, sendo um es-
pelho e não uma verdade em si mesmo, converte-se naquilo que você
vê. O Tarot é um camaleão”. Em seguida, ela me presenteou com o ba-
ralho criado pelo ocultista Arthur Edward Waite, com desenhos estilo
novecentista, que logo entraria na moda entre os hippies. Acreditei que
Leonora, que eu via como uma sacerdotisa, havia me outorgado a chave
do luminoso tesouro que havia no centro de meu interior obscuro, sem
me dar conta de que esses arcanos agiam somente como excitantes do
intelecto.
Quando voltei a Paris, comecei a frequentar um café da Place des
Halles, La Promenade de Vénus, onde André Breton se reunia uma vez
por semana com seu grupo surrealista. Ousei oferecer-lhe o Tarot de
Waite, esperando, com dissimulado orgulho, obter sua aprovação. O po-
eta observou os Arcanos atentamente, com um sorriso que pouco a
pouco se transformou em uma careta de desgosto: “Este baralho é ridí-
culo. Os símbolos são de uma obviedade lamentável. Não há nada de
profundo nele. O único Tarot que vale é o de Marselha. Essas cartas in-
trigam, comovem, mas nunca revelam seu segredo intrínseco. Em uma
delas, eu me inspirei para escrever Arcano 17”. Admirador fervoroso do
grande surrealista, joguei no lixo minha coleção de cartas, guardando
apenas o Tarot de Marselha, isto é, a versão que Paul Marteau havia pu-
blicado em 1930.
De todo modo, como Breton, eu compreendia muito pouco o signi-
ficado dessas cartas, que, colocadas ao lado das sedutoras imagens de
Waite, pareciam hostis, sobretudo os Arcanos menores. Decidi gravá-
las na memória, na esperança de que aquilo que meu intelecto não pu-
desse decifrar fosse decifrado pelo meu inconsciente. Comecei a me-
morizar cada símbolo, cada gesto, cada linha, cada cor. Pouco a pouco,
ajudado por uma paciência férrea, passei a conseguir, de olhos fecha-
dos, visualizar, ainda que de forma imperfeita, os 78 Arcanos. Durante
os dois anos que durou essa experiência, fui todas as manhãs à Bibliote-
ca Nacional de Paris para estudar as coleções de Tarot doadas por Paul
Marteau e os livros dedicados a esse tema. Até o século XVIII, o Tarot
havia sido visto como um jogo de azar e seu sentido profundo havia
passado despercebido. Os desenhos haviam sido mutilados ou transfor-
mados, adornados com retratos de nobres, postos a serviço das pompas
da corte. Cada tratado dizia uma coisa diferente, muitas vezes em con-
tradição com os demais. Na realidade, em vez de falar objetivamente do
Tarot, os autores faziam o próprio autorretrato, embutindo nele su-
perstições. Encontrei crenças maçônicas, taoístas, budistas, cristãs, as-
trológicas, alquímicas, tântricas, sufis etc.
Pode-se dizer que o Tarot era uma empregada doméstica sempre a
serviço de uma doutrina exterior a ele... Mas a coisa mais surpreenden-
te que constatei foi que, até o pastor protestante e maçom Court de Gé-
belin (1728-1784) atribuir ao Tarot características esotéricas e não ex-
clusivamente lúdicas, no oitavo volume de sua enciclopédia Monde Pri-
mitif (1781), ninguém havia na verdade observado os Arcanos, nem ele,
nem seus seguidores. Sem se dar conta de que essas cartas são uma lin-
guagem óptica que exige ser vista em toda a extensão de seus detalhes,
Gébelin tomou suas fantasias por realidades e declarou que o Tarot
veio do Egito (“Hieróglifos pertencentes ao Livro de Toth, salvo das ruí-
nas de um templo milenar”), publicando uma cópia ruim do Tarot de
Marselha em que elimina uma infinidade de detalhes, põe um 0 em Le
Mat e o batiza “O Louco” para lhe dar um significado negativo: “Ele só
tem como valor o que dá aos outros, precisamente como o nosso zero:
mostrando assim que não existe nada na loucura”. Agrega um pé à me-
sa do Mago; converte o Imperador e a Imperatriz em Rei e Rainha; ao
Papa e à Papisa em Hierofante e Sacerdotisa (Grand-Prêtre e Grande-
Prêtresse); batiza o Arcano XIII, sem nome, como A Morte, equivocan-
do-se com o número da Temperança, sobre a qual imprime um XIII;
decide que no Arcano VII quem dirige o carro é Osíris Triunfante; cha-
ma O Namorado (L’Amoureux) de O Casamento; a Estrela, de A Caní-
cula; O Diabo, de Tífon; O Mundo, de O Tempo; e O Enforcado, de A
Prudência (colocando-o de pé); além disso, elimina as cores e também
o enquadramento original, que consistia num retângulo iniciático com-
posto de dois quadrados. Assim, ele pretendia corrigir os “erros do ori-
ginal”.
A partir da publicação desse primeiro tratado esotérico sobre o Ta-
rot em Monde Primitif, os ocultistas começaram a delirar, deixando de
se concentrar nos desenhos do Tarot de Marselha, considerando a có-
pia de Court de Gébelin e suas explicações egípcias como a autêntica
verdade esotérica. Em 1783, um adivinho da moda, o cabeleireiro Allie-
te, sob o pseudônimo Eteilla (1750-1810), produziu um Tarot fantasioso
que se relaciona com a astrologia e a Cabala hebraica. Pouco depois,
Alphonse--Louis Constant, vulgo Éliphas Lévi (1816-1875), apesar de
sua imensa intuição, desdenha o Tarot de Marselha, por considerá-lo
“exotérico”, e, em Dogma e ritual da alta magia, desenha uma versão
“esotérica” de O Carro, de A Roda da Fortuna, de O Diabo, estabelece
que os 22 arcanos maiores ilustram o alfabeto hebraico e despreza os
56 arcanos menores. Essa ideia será adotada por Gérard Encausse, que,
sob o pseudônimo Papus (1865-1917), se permite criar um Tarot com
personagens egípcios que ilustram uma estrutura cabalística hebraica.
Depois dessas tentativas de enxertar no Tarot todo tipo de sistemas
esotéricos, escrevem-se milhares de livros baseados em uma inexisten-
te “tradição” que demonstram que o Tarot foi criado pelos egípcios, pe-
los caldeus, pelos hebreus, pelos árabes, pelos hindus, pelos gregos, pe-
los chineses, pelos maias, pelos extraterrestes, evocando-se também
Atlântida e Adão, a quem se atribui a autoria dos desenhos das primei-
ras cartas, ditadas por um anjo. (Para a tradição religiosa, as obras sa-
gradas sempre têm uma origem celeste. A realização do sistema sim-
bólico não é abandonada à inspiração pessoal do artista, mas atribuída
ao próprio Deus...). A palavra “Tarot” seria egípcia (tar: caminho; ro,
rog: real), indo-tártara (tan-tara: zodíaco), hebraica (tora: lei), latina
(rota: roda; orat: fala), sânscrita (tat: o todo; tar-o: estrela fixa), chinesa
(tao: princípio indefinível) etc. Diferentes grupos étnicos, religiões, so-
ciedades secretas, reivindicaram sua paternidade: ciganos, judeus, cris-
tãos, muçulmanos, maçons, rosacruzes, alquimistas, artistas (Dalí), gu-
rus (Osho) etc. Encontram nele influências do Antigo Testamento, dos
Evangelhos e do Apocalipse (em cartas como O Mundo, O Enforcado,
Temperança, O Diabo, O Papa, O Julgamento), dos ensinamentos tân-
tricos, do I Ching, dos códigos astecas, da mitologia greco-latina... Cada
novo baralho de cartas encerra a subjetividade de seus autores, suas vi-
sões de mundo, seus preconceitos morais, seu limitado nível de cons-
ciência. Como na história da Cinderela, onde as irmãs são capazes de
cortar um pedaço do pé para poder calçar o sapato de cristal, cada
ocultista altera à sua maneira a estrutura original.
Para fazer coincidir o Tarot com os 22 caminhos da Árvore da Vida,
que une as dez sefirot da tradição cabalística, Waite troca o número VI-
II de A Justiça com o número XI de A Força; transforma O Namorado
em Os Namorados etc., falsificando, assim, o significado de todos os Ar-
canos. Aleister Crowley, ocultista pertencente à Ordem do Templo do
Oriente, também troca os nomes, os desenhos (e, portanto, o significa-
do) e a ordem das cartas. A Justiça se converte em O Juízo; Temperan-
ça em A Arte; O Julgamento em Éon. Elimina os Valetes e os Cavaleiros
e em seu lugar põe Príncipes e Princesas... Oswald Wirth, ocultista suí-
ço, maçom e membro da Sociedade Teosófica, desenha ele mesmo seu
Tarot introduzindo nos arcanos não somente trajes medievais, esfinges
egípcias, cifras árabes e letras hebraicas em lugar de números romanos,
símbolos taoístas, a versão alquímica do Diabo inventada por Éliphas
Lévi, como também se inspira na torpe versão de Court de Gébelin (vi-
de sua Torre, sua Temperança, sua Justiça, seu Papa, seu Namorado),
como se afirmasse que o Tarot de Marselha é uma versão popular, isto
é, vulgar, do Tarot de Gébelin... Os milhares de adeptos de uma seita ro-
sacruz americana afirmam que o Tarot Egípcio de R. Falconnier – um
sócio da Comédie-Française que o desenhou e publicou em 1896, dedi-
cando-o a Alexandre Dumas Filho – constitui o baralho original... Sécu-
los de sonhos e autoenganos!
Uma obra sagrada é por essência perfeita; o discípulo deve adotá-la
de forma global, sem tentar agregar ou tirar algo. Ninguém sabe quem
criou o Tarot, nem onde, nem como. Ninguém sabe o que a palavra Ta-
rot significa, nem a que idioma pertence. Tampouco se sabe se o Tarot
foi assim desde sua origem ou se ele é resultado de uma lenta evolução
que teria começado com a criação de um jogo árabe chamado naibbe
(naipes ou cartas) e ao qual se agregaram, durante o transcurso dos
anos, os arcanos maiores e os caprichosamente chamados Trunfos
(“Honneurs”). O fato de se terem criado novas versões do Tarot de
Marselha, anônimo como todo monumento sagrado, na crença de que
trocando os desenhos ou o nome das cartas se estaria realizando uma
grande obra, é pura vaidade.
Qual foi a intenção do criador desta catedral nômade? Seria possí-
vel um único ser humano plasmar uma enciclopédia de símbolos tão
imensa? Quem teria sido capaz de reunir em uma só vida tais conheci-
mentos? É tamanha a precisão do Tarot, são tão perfeitas suas relações
internas, sua unidade geométrica, que não é possível aceitar que seja
uma obra realizada por um iniciado solitário. Só inventar a estrutura,
criar os personagens com seus trajes e gestos, estabelecer a simbologia
abstrata dos arcanos menores, já requer uma grande quantidade de
anos de intenso trabalho. A curta duração de uma vida humana não
basta para isso. Éliphas Lévi, em seu Dogma e ritual da alta magia, co-
mo se lê nas entrelinhas, tem essa intuição: “Trata-se de uma obra sin-
gular e monumental, simples e poderosa como a arquitetura das pirâ-
mides; por isso, perdurável como elas; um livro que reúne todas as
ciências e cujas infinitas combinações podem resolver todos os proble-
mas; um livro que fala fazendo pensar; inspirador e regulador de todas
as concepções possíveis: talvez a obra-prima da alma humana, e sem
dúvida alguma uma das coisas mais bonitas que nos legou a Antiguida-
de; chave universal, verdadeira máquina filosófica que impede que a al-
ma se extravie, deixando-a com sua iniciativa e sua liberdade; são as
matemáticas aplicadas ao absoluto, a aliança do positivo e o ideal, uma
loteria de pensamentos tão rigorosamente exatos como os números;
por último, é assim talvez ao mesmo tempo a coisa mais simples e mais
grandiosa que o gênio humano jamais concebeu”.
Se quisermos imaginar a origem do Tarot ( já em 1337, nos estatutos
da Abadia de Saint-Victor de Marselha, se proibia aos religiosos os jo-
gos de cartas), deveríamos retroceder pelo menos até o ano 1000. Na-
quela época, no sul da França e da Espanha, era possível ver, em santa
paz, erigidas muito próximas umas das outras, uma igreja, uma sinago-
ga e uma mesquita. As três religiões se respeitavam e os sábios de cada
uma delas não hesitavam em discutir e se enriquecer do contato com
membros das outras. É evidente que nos Arcanos II, V, XIIII, XV, XX e
XXI se encontra a influência do cristianismo. Na cabeça do esqueleto
do Arcano sem nome, pode-se distinguir as quatro letras hebraicas
Yod-He--Vav-He, que designam a divindade, e no peito do Enforcado as
dez sefirot da Árvore da Vida cabalística. Nos Arcanos menores, apare-
cem símbolos muçulmanos: por exemplo, no alto do Ás de Copas, um
círculo com nove pontas representa com toda evidência o eneágono
iniciático. É possível que um grupo formado por sábios das três cren-
ças, prevendo uma decadência de suas religiões que, pela sede de po-
der, inevitavelmente levaria ao ódio entre as seitas e ao esquecimento
da tradição sagrada, confabularam para depositar esse conhecimento
no humilde jogo de cartas, o que equivalia a preservá-lo e ocultá-lo, pa-
ra que atravessasse as obscuridades da história até chegar a um futuro
distante onde seres com um nível de consciência elevado decifrariam
sua maravilhosa mensagem.
René Guénon, em Símbolos fundamentais da ciência sagrada, diz:
“No folclore, o povo conserva, sem compreendê-los, vestígios de tradi-
ções antigas, que às vezes remontam a um passado tão remoto que seria
impossível determinar; [...] neste sentido, desempenha a função de uma
espécie de memória coletiva mais ou menos ‘subconsciente’ cujo conte-
údo, uma soma considerável de elementos de natureza esotérica, vem
claramente de outro lugar”.
J. Maxwell, em O Tarot, o símbolo, os arcanos, a adivinhação, é o pri-
meiro autor que retorna à origem, reconhecendo que o Tarot de Marse-
lha (o de Nicolas Conver) é uma linguagem óptica e que para com-
preendê-lo é preciso vê-lo. Mais tarde, Paul Marteau, em seu livro O
Tarot de Marselha, imitando Maxwell, reproduz as cartas, analisando-
as uma por uma, detalhe por detalhe, levando em conta seus números,
o significado de cada cor, de cada gesto dos personagens. Não obstante,
apesar de continuar o verdadeiro caminho do estudo do Tarot inaugu-
rado por Maxwell, ele comete dois erros. Por um lado, seu Tarot é ape-
nas uma aproximação do original. Seus desenhos são uma cópia exata
do Tarot de Besançon, editado por Grimaud no final do século XIX,
que por sua vez reproduz outro Tarot de Besançon, editado por Le-
quart e assinado “Arnoult 1748”. Também ele se permite alterar certos
detalhes, talvez para torná-lo propriedade sua e assim poder fazer ne-
gócios com ele, cobrando direitos autorais. Por outro lado, ele conserva
as quatro cores de base impostas pelas máquinas de impressão, em vez
de respeitar as cores antigas, mais variadas, dos exemplares pintados
manualmente.
De todo modo, não encontrando nenhum Tarot mais próximo do
autêntico além do de Paul Marteau, eu me entreguei a ele com um res-
peito reverente. Eu me dei conta de que, se existia alguém capaz de me
ensinar a decifrá-lo, não seria um mestre de carne e osso, mas sim o
próprio Tarot. Tudo o que eu queria saber estava ali, entre as minhas
mãos, diante dos meus olhos, nas próprias cartas. Era essencial deixar
de escutar as explicações baseadas na “tradição”, nas concordâncias,
nos mitos, nas explicações parapsicológicas, e deixar que os arcanos fa-
lassem... Para incorporá-lo em minha vida, além de memorizá-lo, reali-
zei com ele alguns atos que espíritos racionais poderão considerar pue-
ris. Por exemplo, dormi cada noite com uma carta diferente embaixo do
meu travesseiro, ou passei o dia inteiro com uma delas no bolso. Esfre-
guei meu corpo com as cartas; falei em nome delas, imaginando o ritmo
e o tom de voz; visualizei os personagens nus, imaginei seus símbolos
cobrindo o céu, completei os desenhos que pareciam sair do quadro:
dei um corpo inteiro ao animal que acompanha O Louco e aos acólitos
d’O Papa, prolonguei a mesa d’O Mago até encontrar no invisível seu
quarto pé, imaginei onde estaria suspenso o véu d’A Papisa, vi até qual
oceano ia o rio que alimentava a mulher d’A Estrela e até onde chegaria
o tanque d’A Lua. Imaginei o que havia na bolsa d’O Louco e na carteira
d’O Mago, a roupa debaixo d’A Papisa, a vulva d’A Imperatriz e o falo
d’O Imperador, o que ocultavam as mãos d’O Enforcado, de quem eram
as cabeças cortadas do Arcano XIII etc. Imaginei os pensamentos, as
emoções, a sexualidade e as ações de cada personagem. Eu os fiz rezar,
insultar, fazer amor, declamar poemas, curar.
Uma vez que a palavra “Arcano”, maior ou menor, não estava im-
pressa em nenhuma parte do jogo, não se deveria ver as cartas como
“segredo recôndito, coisa oculta e muito difícil de conhecer”... Depen-
dia de mim dar-lhes um nome, lâminas, naipes, cartas, arcanos, trunfos,
a escolha era livre. Como já existiam as palavras Bastos (Paus), Espa-
das, Copas e Ouros (Denários), optei por escolher arcanos (maiores e
menores) e em seguida seguir uma ordem alfabética: A (para Arcanos),
B (Bastos/Paus), C (Copas), D (Denários/Ouros), E (Espadas), F (Figu-
ras).
Durante mais de trinta anos, desenvolvi meu conhecimento do Ta-
rot de Paul Marteau, organizei oficinas, criei cursos, ensinei a centenas
e centenas de alunos... Em 1993, recebi uma carta em que Philippe Ca-
moin, descendente direto da família marselhesa que imprimia desde
1760 o Tarot de Nicolas Conver, me contava sobre o acidente de auto-
móvel em que havia morrido Denys Camoin, seu pai. Esse trágico desa-
parecimento o afetou profundamente, ainda mais porque o município
aproveitou o trágico acontecimento para expropriar o terreno da gráfi-
ca, demoli-la e construir no lugar uma escola de odontologia. Philippe,
incapaz de abandonar seu luto, depois de fracassadas tentativas de se
integrar à sociedade, converteu-se em ermitão. Na vila de Forcalquier,
passou dez anos trancado na casa do pai, sem ter outra comunicação
com o mundo senão uma antena parabólica que lhe permitia ver em
sua televisão mais de cem canais diferentes. Foi assim que aprendeu de
forma rudimentar doze idiomas. A tela de TV se converteu em seu in-
terlocutor. Acreditava chegar a sentir o cheiro da pessoa que aparecia
na TV. Quando tinha um problema, uma pergunta, apertava ao acaso
um botão do controle-remoto e, magicamente, uma imagem, um pro-
grama, dava-lhe uma resposta. Certa noite de insônia, o relógio marca-
va três horas, ele perguntou: “O que devo fazer para continuar com a
tradição familiar interrompida pela morte do meu pai?”, e apertou o
controle. Eis que surjo eu na tela dele, dando uma entrevista. Alguns
dias depois, ele voltou a fazer a mesma pergunta e eu apareci novamen-
te na televisão dele. E esse fenômeno lhe aconteceria ainda uma tercei-
ra vez. Por isso, ele resolveu voltar ao mundo, e me escreveu uma carta
solicitando um encontro...
Quando eu o vi chegar, foi impossível calcular sua idade. Podia ter
tanto cinquenta como vinte anos, dava a impressão de ser tanto um sá-
bio quanto um menino. Tinha dificuldade para falar. Entre cada uma de
suas palavras transcorriam vários segundos. Dava a impressão de não
dizer nada pessoal, que tudo lhe era ditado desde uma dimensão dis-
tante. A transparência de sua pele revelava que era vegetariano. Na ba-
se dos polegares, tinha tatuagens. Uma lua no esquerdo e um sol no di-
reito. Ele quis assistir aos meus cursos de Tarot. Os outros alunos se
perguntavam se Philippe era mudo. Tinha imensa dificuldade para es-
tabelecer relações com os seres humanos. Para ele, era mais fácil se co-
municar com entidades de outros mundos. Emocionava-se com o deus
Shiva porque, apesar de ser uma entidade divina, doadora do amor e da
fertilidade, todos os demônios lhe obedeciam.
Resolvi começar uma ação terapêutica utilizando a psicomagia. Se a
morte do pai havia rompido os laços que uniam seu filho com o mundo,
para restituí-los seria preciso voltar a unir Philippe com a tradição fa-
miliar. Propus a ele que juntos restaurássemos o Tarot de Marselha.
Naquela época, eu achava que essa tarefa consistia apenas em eliminar
os pequenos detalhes agregados por Paul Marteau e talvez refinar al-
guns desenhos que, através dos tempos, de cópia em cópia, haviam sido
transmitidos confusamente... Philippe acolheu minha proposta com en-
tusiasmo. Ele se deu conta de que era por isso que tinha vindo me pro-
curar. Falei com a mãe dele e lhe pedi ajuda. Como, após a morte do
marido, ela havia distribuído uma importante coleção de Tarots entre
diversos museus, ela nos concedeu cartas de apresentação. Fomos sem-
pre bem recebidos e nos permitiram obter diapositivos fotográficos de
todas as cartas que consideramos úteis à nossa pesquisa. Madame Ca-
moin tinha também uma importante coleção de pranchas de impressão
que datavam de 1700. Depois de um ano de pesquisas, nós nos demos
conta da imensidão da tarefa que ainda tínhamos pela frente. Não se
tratava de trocar alguns detalhes, nem de clarear algumas poucas li-
nhas, era necessário restaurar o Tarot inteiro, devolvendo-lhe suas co-
res originais, pintadas manualmente, e os desenhos que os sucessivos
copistas acabaram apagando. Felizmente, se em alguns exemplares
subsistiam fragmentos, em outros apareciam aqueles que completavam
o perdido. Tivemos que trabalhar com potentes computadores, com os
quais podíamos comparar uma imagem sobre outra em incontáveis ver-
sões, entre elas as de Nicolas Conver, Dodal, François Tourcaty, Fautri-
er, Jean-Pierre Payen, Suzanne Bernardin, Lequart etc.
Durante dois anos, trabalhamos nessa restauração. Philippe reatou
seus laços com o mundo e demonstrou ser um técnico extraordinário.
Manejava o computador como um especialista. A complexidade dessa
operação exigiu máquinas mais adequadas. Sem medir gastos, sua mãe
nos proporcionou os elementos técnicos de que fomos sentindo falta a
cada passo. A dificuldade desse trabalho de restauração residia no fato
de que o Tarot de Marselha se compõe de símbolos estreitamente liga-
dos uns aos outros; se se modifica um único traço, toda a obra se adul-
tera. No século XVII, existia um grande número de impressores do Ta-
rot de Marselha. Os exemplares do século XVIII são cópias dos anteri-
ores, e portanto não podíamos aceitar que um Tarot do século XVIII
fosse o original. Era bem possível que a versão de Nicolas Conver de
1760 contivesse erros e omissões. Se no início os desenhos eram pinta-
dos manualmente, o número de cores foi limitado quando as máquinas
industriais apareceram nas gráficas do século XIX. Segundo os impres-
sores, as linhas e as cores foram sendo reproduzidas com maior ou me-
nor fidelidade. Aqueles que não eram iniciados simplificaram ao máxi-
mo os símbolos e os que copiaram acrescentaram outros erros a esses
erros. Por outro lado, quando estudamos um grande conjunto de jogos,
vimos que certos Tarots tinham desenhos idênticos e sobreponíveis, e
no entanto cada um deles possuía símbolos que não apareciam nos ou-
tros. Nesse caso, deduzimos que haviam sido copiados de um mesmo
Tarot mais antigo, hoje desaparecido. Era esse Tarot original que dese-
jávamos reconstituir.
Tropeçamos em um obstáculo aparentemente intransponível. Ne-
nhum museu possuía um Tarot de Marselha completo, antigo, pintado
à mão... Nosso trabalho precisou se deter por um tempo que nos pare-
ceu eterno. De repente, lembrei que no México, na praça Rio de Janei-
ro, a cinquenta metros da casa onde eu morava, vivia o antiquário Raúl
Kampfer, especialista em relíquias astecas e maias. Em 1960, ele tentara
me vender um antigo Tarot “francês”, pintado à mão, pedindo por ele
dez mil dólares. Eu, ofuscado pela versão de Waite, achei desinteres-
sante, absurdamente caro. E me esqueci... Milagre! Do lado da minha
casa, havia existido talvez o valioso exemplar que tanta falta nos fazia!
Philippe e eu viajamos para o México e, muito emocionados, bate-
mos na porta do antiquário. Abriu um homem jovem: era o filho de
Raúl Kampfer, que havia morrido. O rapaz guardava em um quarto, re-
ligiosamente, todos os objetos deixados pelo pai. Não sabia que entre
eles se escondia um Tarot. Ele nos pediu que ajudássemos a procurar.
Depois de longa e angustiante busca, encontramos o Tarot dentro de
uma caixa de papelão no fundo de um baú. O rapaz nos vendeu o Tarot
por um preço razoável. Voltamos a Paris com nosso troféu. Esse Tarot
foi nosso guia essencial para restaurar no computador as cores antigas.
À medida que avançávamos na tarefa, eu sofria verdadeiros curto-
circuitos espirituais. Durante tantos anos injetara em minha alma o Ta-
rot de Paul Marteau, dando a cada detalhe o significado mais profundo
possível (o que fazia depositando nos arcanos um amor sem limites),
que algumas alterações me pareceram punhaladas.
No fundo, o trabalho de restauro exigia que uma parte de mim, em
nome da mutação, aceitasse morrer. Os dois dados em O Mago, um no 1
e o outro no 5 (dando 15, O Diabo), cujos versos ocultavam um 2 e um 6
(dando 26, a soma das letras da divindade: Yod 10 + He 5 + Vav 6 + He
5), o que me permitia dizer que o demônio era apenas uma máscara de
Deus, ao se transformarem, na versão restaurada, em três dados, cada
um mostrando três faces que no total davam 7 (3 vezes 7 igual a 21, O
Mundo), transformavam esses símbolos em algo absolutamente dife-
rente, que me obrigava a fazer esforços mentais angustiantes para subs-
tituir os outros, tão queridos.
O mesmo me aconteceu com os sapatos brancos do Imperador: eu
havia me acostumado a pensar que o poderoso monarca dava passos de
uma pureza impecável, tão cheios em sua alvura de sabedoria como sua
barba branca. Mas na realidade os sapatos se revelaram vermelhos e a
barba, azul-celeste. Passos de uma atividade conquistadora, iguais à
cruz do cetro que impõe sua marca ao mundo, e uma barba de homem
sensível, espiritual e receptivo, mais intuitivo que inteligente. Em O
Namorado, tive com grande dor de esquecer o paralelo que eu fazia en-
tre o personagem central, que Marteau mostrava descalço, e Moisés,
que se descalça para ouvir a voz do Altíssimo na sarça ardente. Foi do-
loroso admitir que esse personagem tinha sapatos vermelhos, tão ativos
como os do Imperador ou os do Louco, o que dava ao seu amor um as-
pecto menos divino e mais terreno. O Enforcado de Marteau não estava
amarrado por um dos pés, mas no nosso sim. Tive que passar de um
personagem que livremente havia decidido não agir a outro que recebia
seu destino como uma lei cósmica contra a qual não podia se rebelar,
significando que para ele “liberdade” era obedecer a Lei. No Arcano
XIII de Marteau, o esqueleto cortava um de seus pés: autodestruição;
no nosso, oferecia tanto um pé azul como um braço e uma coluna ver-
tebral da mesma cor, ato construtivo que se repetia na foice, onde ao
vermelho de antes se mesclava esse azul-celeste, significando uma se-
meadura espiritual. O Diabo de Marteau esgrimia uma espada, segu-
rando-a pelo fio, isto é, ferindo estupidamente a mão, mas no nosso er-
guia uma tocha, dando luz às trevas. Em A Torre, apareceram três esca-
darias iniciáticas e uma porta, o que implicava que os dois personagens
não estavam caindo, mas saindo alegremente por vontade própria. E
tantos outros detalhes que mudaram a minha visão. Claro que precisei
de algum tempo para abandonar o Marteau. Comecei misturando os
dois maços e oferecendo-os assim ao consulente. Pouco a pouco, o anti-
go pareceu secar como as folhas no outono, enquanto o novo adquiria a
cada dia uma energia mais intensa. Uma quarta-feira, pela manhã, no
jardim do meu pavilhão em Vincennes, ao pé de uma tília frondosa, en-
terrei meu tão querido Tarot de Paul Marteau, com a dor de um filho
que enterra a mãe, e sobre ele plantei uma roseira. Nessa mesma noite,
pela primeira vez, no Café Saint-Fiacre, onde toda semana eu fazia mi-
nhas leituras gratuitas de Tarot, usei pela primeira vez, e desde então
para sempre, o Tarot restaurado. Essa primeira vez coincidiu com a
chegada diante da minha mesa de Marianne Costa. Tão importante
quanto meu encontro com Philippe Camoin foi meu encontro com ela.
Sem Marianne, eu jamais poderia escrever este livro. Ainda que a men-
te racional custe a aceitar que nada é acidental na natureza, que tudo o
que acontece no universo é causado por uma lei preestabelecida, que
certos acontecimentos estão inscritos no futuro e que o efeito precede
a causa, a aparição da minha colaboradora me parece obra de um desti-
no estabelecido por uma entidade inconcebível.
Marianne foi primeiro minha aluna, depois minha assistente e por
fim acabamos lendo o Tarot juntos, cumprindo assim o que assinalam
os arcanos: Imperatriz-Imperador, Papisa-Papa, Lua-Sol. O iniciado
precisa de seu complemento feminino, e vice-versa, para que ambos
cheguem a uma leitura guiada pela Consciência cósmica.
Alejandro Jodorowsky
1 Mais famoso mímico do século 20.
2 Pintor surrealista alemão.
O Tarot é um ser
A maioria dos autores de livros sobre o Tarot se limita a descrever e
analisar uma carta após a outra sem imaginar o conjunto do baralho co-
mo um todo. Não obstante, o verdadeiro estudo do significado de cada
arcano começa com uma ordenação coerente de todo o Tarot: de cada
detalhe, por pequeno que seja, partem linhas de união que abarcam as
78 cartas. Para compreender esses múltiplos símbolos é preciso ter vis-
to o símbolo final formado pela totalidade deles: uma mandala. Segun-
do Carl G. Jung, a mandala é uma representação da psique, cuja essên-
cia nos é desconhecida: as formas redondas simbolizam, em geral, a in-
tegridade natural, enquanto as formas quadrangulares representam a
tomada de consciência dessa integridade. Para a tradição hindu, a man-
dala, símbolo do espaço sagrado central, altar e templo, é ao mesmo
tempo uma imagem do mundo e a representação do poder divino. Uma
imagem capaz de conduzir quem a contempla à iluminação... Segundo
essa concepção, eu me propus ordenar o Tarot como se estivesse cons-
truindo um templo. Em todas as tradições, o templo resume a criação
do universo, que é visto como a unidade divina que explodiu em frag-
mentos. Osíris, fechado dentro de um cofre por seus inimigos invejosos
e seu irmão Seth, é lançado nas águas do Nilo, mutilado, destroçado e
depois ressuscitado pelo sopro de Ísis. Simbolicamente, os Arcanos do
Tarot são um cofre onde se depositou um tesouro espiritual. A abertura
desse cofre equivale a uma revelação. A tarefa iniciática consiste em
unir os fragmentos até recuperar a unidade... Partimos de um maço de
cartas, misturamos os Arcanos e os distribuímos sobre uma superfície,
isto é, despedaçamos Deus. Interpretamos Deus, reunimos Deus em
frases. O leitor iniciado (Ísis, a alma, o alento) em uma busca sagrada
reúne os pedaços. O Deus ressuscita, já não na dimensão imaterial, mas
no mundo material. Com o Tarot se compõe uma figura, uma mandala,
que permite abarcá-lo inteiro com um só olhar.
Essa ideia de que as cartas não foram concebidas uma por uma, co-
mo símbolos separados, mas como partes de uma unidade, não me apa-
receu subitamente. Foi um longo processo que partiu de intuições ne-
bulosas, até chegar, com o passar dos anos, a descobrimentos que com
toda certeza provavam a vontade de união deste “ser” que é o Tarot.
Ordenei as cartas colocando as pares à minha esquerda e as ímpares
à minha direita, porque nas tradições orientais os números pares são
considerados passivos e os ímpares, ativos; o lado direito é considerado
ativo e o esquerdo passivo. Comparei os ornamentos dos templos oci-
dentais com os orientais. Na fachada das catedrais góticas, como a No-
tre Dame de Paris, Jesus Cristo, andrógino, de pé entre um dragão ter-
restre e um dragão celeste, nos benze na porta central. À sua direita
(nossa esquerda como espectadores), ergue-se a Virgem Maria (femini-
lidade, receptividade), e na porta à sua esquerda vemos um sacerdote
dominando com seu báculo um dragão (masculinidade, atividade). Ao
contrário, nos templos budistas tântricos, as divindades masculinas se
colocam do nosso lado esquerdo como espectadores e as femininas do
nosso lado direito. Isso se explica porque Buda não é um deus, mas um
nível que qualquer ser humano, se realizar a grande obra espiritual, po-
de alcançar. O crente deixa de ser espectador e se coloca no meio do
macho e da fêmea, convertido no templo, virado para o exterior. Ao
contrário, Cristo é uma divindade, nenhum crente pode se converter
nele, apenas imitá-lo. Os santos orientais são budas. Os santos ociden-
tais imitam seu Deus. Por isso as catedrais agem como espelhos. A di-
reita do edifício representa nosso lado esquerdo e o lado esquerdo do
edifício representa nosso lado direito... O Tarot de Marselha, produto
judaico-cristão, nos indica em O Mundo (XXI) que o usemos como es-
pelho: a dama sustenta na mão esquerda o bastão ativo e na mão direita
a redoma receptiva... (ver p. 54)
Guiei-me por esses e outros detalhes, que seria muito demorado
enumerar aqui, para formar grupos com as cartas até que um dia todos
se uniram em uma mandala. Obtive uma suástica, símbolo do turbilhão
criativo ao redor do qual se estendem as hierarquias que ela emana. Es-
sa suástica, por indicar manifestamente um movimento de rotação ao
redor do centro, ação do Princípio Divino sobre a manifestação, foi por
muito tempo considerada um emblema de Cristo. Na Índia, fizeram de-
la emblema de Buda, porque representa a Roda da Lei (Dharmachakra).
Também emblema de Ganesha, divindade do conhecimento. Na China,
a suástica simboliza o número dez mil, que é a totalidade dos seres e da
Revelação. É também a forma primitiva do caractere chinês fang, que
indica as quatro direções do espaço quadrado, da terra, expansão hori-
zontal a partir do centro. No simbolismo maçônico, no centro da suásti-
ca figura a estrela polar, e os quatro braços (gammas gregas cuja forma
é a de um esquadro) que a constituem formam as quatro posições car-
dinais da Ursa Maior ao redor dela (a Ursa Maior simboliza um centro
diretor ou iluminador).
De todo modo, devo admitir, os arcanos permitem inúmeras formas
de ser ordenados em um todo. Sendo o Tarot um instrumento essenci-
almente projetivo, não há nele uma forma final, única, perfeita. Isso co-
incide com as mandalas desenhadas com areia colorida pelos monges
tibetanos. São todas parecidas, mas nunca iguais.
Nosso estudo começa pela compreensão dessa mandala: não se po-
de analisar as partes sem se conhecer o todo. Quando se conhece o to-
do, cada parte adquire um significado global e revela seus laços com to-
das as outras cartas. Quando se toca um instrumento em uma orques-
tra, cada um faz ressoar todos os outros. O Tarot é uma união de Arca-
nos. Quando, depois de muitos anos, consegui formar minha primeira
versão coerente da mandala, eu lhe perguntei: “De que me serve esse
estudo? Qual é o poder que você pode me dar?” E imaginei que o Tarot
me respondia: “Só vais adquirir o poder de ajudar. Uma arte que não
serve para curar não é arte.”
Mas o que é curar? Toda doença, todo problema, é produto de um
estancamento, seja corporal, sexual, emocional ou intelectual. A cura
consiste em recuperar a fluidez das energias. Essa concepção se pode
encontrar no Tao Te Ching, de Lao Tse, e de maneira muito precisa no
Livro das mutações ou I Ching. O Tarot, de alguma maneira, correspon-
dia a essa filosofia? Sabendo que a linguagem óptica do Tarot não podia
ser reduzida a uma única explicação verbal, decidi fazer minhas as pa-
lavras de Buda: “Verdade é aquilo que é útil”, dando aos quatro Naipes
uma significação que de nenhuma maneira ousaria afirmar que era a
única ou definitiva, mas a mais útil para o uso terapêutico que eu dese-
java dar aos arcanos. Em vez de usar o Tarot como uma bola de cristal,
convertendo-o numa ferramenta para que videntes exóticos desentra-
nhassem com ele futuros hipotéticos, achei que devia colocá-lo a servi-
ço de uma nova forma de psicanálise, a tarologia.
Minha primeira tendência ao tratar de ordenar as cartas foi obter
uma forma simétrica. Depois de tentativas infrutíferas, pude constatar
a impossibilidade de tal coisa. Lembrei que, em minha primeira viagem
ao Japão, o guia que me mostrava o antigo palácio imperial me indicou
que nenhum muro era construído em linha reta, que nenhuma janela
ou porta era dividida em quadros simétricos: para a cultura japonesa, a
linha reta e a simetria eram demoníacas. Efetivamente, estudando a ar-
te sacra, é possível constatar que nunca é simétrica. A porta à nossa es-
querda da catedral de Notre Dame de Paris é mais larga que a porta à
nossa direita... Toda arte simétrica é profana. O corpo humano tampou-
co é simétrico: do lado direito, nosso pulmão tem três lobos e no es-
querdo, dois. O Tarot demonstra ser uma arte sagrada porque nunca
em uma carta a parte superior é idêntica à inferior, nem o lado esquer-
do é igual ao direito. Sempre há um pequeno detalhe, às vezes muito di-
fícil de perceber, que desfaz a semelhança. Por exemplo, o Dez de Ou-
ros, à primeira vista perfeitamente simétrico, tem no ângulo inferior da
nossa direita uma moeda diferente das outras: se nos outros três ângu-
los há moedas de doze pétalas, esta tem apenas onze. Se na extremida-
de inferior do eixo central há uma flor com duas flores curtas em ama-
relo-claro no interior e amarelo escuro alaranjado no exterior, na extre-
midade superior do eixo da flor essas duas folhas são mais compridas.
Creio que os criadores do jogo voluntariamente desenharam detalhes
mínimos para nos ensinar a ver. A visão que nossos olhos nos transmi-
tem muda segundo o nível de consciência que desenvolvemos. O segre-
do divino não se oculta, está diante de nós. O fato de nós o vermos ou
não depende da atenção que dedicamos a observar os detalhes e a esta-
belecer conexões entre eles.
Uma vez consciente de que, sob uma aparente simetria, o Tarot ne-
gava sempre as repetições, comecei a me dar conta de que os arcanos
menores se organizavam segundo uma lei que se poderia formular co-
mo: “De quatro partes, três são quase iguais e uma é diferente. E das
três iguais, duas são mais parecidas”. Isto é: ([1 + 2] + 3) + 4. Os exem-
plos são múltiplos. Eis aqui alguns deles:
Dos quatro Naipes, três são objetos fabricados (espada, copa e ou-
ro) e um é um elemento natural (o pau). E dos três, dois são mais
parecidos por repousarem em uma superfície (o ouro e a copa) e o
terceiro é diferente porque uma mão o esgrime no ar.
As Espadas, os Paus e as Copas têm números. Os Ouros não têm
números. Nas Espadas e Paus, os V têm a ponta para o centro, nas
Copas os V têm a ponta para fora.
Os Valetes de Espadas, Paus e Ouros têm chapéu. O de Copas ca-
minha com a cabeça despida. O Valete de Espadas e o de Ouros
têm chapéus parecidos. O de Paus usa um gorro muito diferente.
As Rainhas de Paus, Copas e Ouros, além do símbolo que lhes cor-
responde, levam na outra mão um objeto. A Rainha de Espadas,
não.
Três Reis estão no interior de um palácio. Um quarto está no meio
da natureza. Três têm coroa; o quarto, um chapéu.
Dentre os Cavaleiros, três cavalos são azuis, o quarto é branco etc.
Se procurarmos esta lei nas religiões e nas mitologias e na realida-
de, encontraremos, por exemplo:
No cristianismo, três (Pai, Filho, Espírito Santo) mais um (Virgem
Maria).
Desses três, dois são imateriais (Pai, Espírito Santo) e o terceiro
(Jesus Cristo) está encarnado, ou seja: ([Pai + Espírito Santo] + Je-
sus Cristo) + Virgem Maria;
Nos quatro Evangelhos, três parecidos (Marcos, Mateus, Lucas) e
um diferente (João). E entre os três parecidos, dois mais seme-
lhantes (Marcos, Lucas) e outro um tanto diferente (Mateus), ou
seja: ([Marcos + Lucas] + Mateus) + João;
A Cabala distingue quatro mundos: três imateriais divididos em
dois que formam o Macroposopus, Atziloth (arquetipal) e Briah
(criativo) e um que é o Microposopus, Yetzirah (formativo). Este
trio nutre a Noiva, Asiah (material). Isto é: ([Atziloth + Briah] +
Yetzirah) + Asiah;
As quatro Nobres Verdades descobertas por Gautama, o Buda: o
sofrimento, o desejo, a cobiça, o Caminho do meio. Isto é: ([Desejo
+ Cobiça] + Sofrimento) + Caminho do Meio;
As quatro castas da Índia antiga. Ação no mundo material: os Su-
dras (trabalhadores), os vaisyas (comerciantes), os kshatriyas
(guerreiros). Ação no mundo espiritual: os brâmanes (religiosos).
Isto é: ([Sudras + Vaisyas] + Kshatriyas) + Brâmanes;
Dentre os quatro elementos, três são semelhantes (ar, água, fogo) e
um, diferente (terra). E entre os três semelhantes, dois são mais
próximos (ar, fogo) e um diferente (água). Isto é: ([Ar + Fogo] +
Água) + Terra;
Na cabeça humana, as orelhas, os olhos e as fossas nasais são du-
plas, enquanto a boca é única. As orelhas e os olhos são separados.
As fossas nasais se unem no nariz. Isto é: ([Orelhas + Olhos] + Na-
rinas) + Boca.
Com essa fórmula é possível ordenar os quatro temperamentos do
organismo (nervoso, linfático, sanguíneo e bilioso), os quatro trios do
Zodíaco (Áries--Leão-Sagitário, Gêmeos-Libra-Aquário, Câncer-Escor-
pião-Peixes e Touro-Virgem--Capricórnio); as quatro fases da alqui-
mia: a obra em amarelo (citrinitas), a obra em vermelho (rubedo), a
obra em branco (albedo), a obra em negro (nigredo); os quatro estados
da matéria (gasoso, líquido, sólido e radiativo) etc.
Enfim, observando algumas gravuras alquímicas em Rosaire des
philosophes, encontrei uma confirmação da mandala do Tarot, como
mostra a figura acima.
Numerologia
Se dei a O Louco o papel de começo infinito e a O Mundo o de fim infi-
nito, se compreendia que os Valetes, Rainhas, Reis e Cavaleiros, por não
terem número, não podiam se identificar como 11, 12, 13 e 14 em cada
um dos quatro Naipes, me encontrava com seis séries de dez números,
Espadas de um a dez, Copas de um a dez, Paus de um a dez, Ouros de
um a dez, arcanos maiores d’O Mago a A Roda da Fortuna e arcanos
maiores desde A Força até O Julgamento... Se queria compreender a es-
sência do Tarot, tinha que visualizar esses dez números, com seus seis
aspectos. Por exemplo, o número 1 contém os quatro Ases mais O Mago
e A Força... O Mago é representado por um homem e A Força por uma
mulher. As Espadas e os Paus são símbolos ativos, as Copas e os Ouros,
símbolos receptivos. O que me mostrou que esses dez números não po-
diam ser definidos como masculinos ou femininos, mas a todo momen-
to como andróginos... Porém, na numerologia tradicional, encontrei
que se declarava o número 1 como a primeira cifra ímpar, ativo, mascu-
lino, o Pai, a unidade... e o número 2 como a primeira cifra par, passivo,
feminino, a Mãe, a multiplicidade... Para mim, foi impossível aderir a
esse esoterismo antifeminista onde os número 2, 4, 6, 8 e 10, chamados
de femininos, são sinônimos de obscuridade, frio e negatividade. E os
números ímpares, 1, 3, 5, 7 e 9, exaltados como masculinos, são equipa-
rados à luz, ao calor e ao positivo... Para evitar isso, ao definir os dez
números, eliminei todo conceito de feminilidade ou masculinidade.
Preferi associar os números pares com a receptividade e os números
ímpares com a atividade. Uma mulher pode ser ativa e um homem po-
de ser receptivo.
Encontrei também em numerosos livros uma definição do número
2 como a dualidade 1+1... O que me pareceu, ao aplicá-la ao Tarot, mui-
to equivocada. Porque se adotamos esta teoria só nos resta interpretar
cada um dos seguintes números como multiplicações da unidade, o 3
seria 1+1+1, o 4 seria 1+1+1+1 e assim até o 10. Outra tendência esotérica
consistia em dar significado aos números de acordo com o resultado de
somas internas. O mais complexo de todos seria o 10, diferente se era
resultado de 9 + 1, 8 + 2 ou 7 + 3 ou 6 + 4 (excluído o resultado de núme-
ros repetidos como 5 + 5). Esse sistema, não tendo nenhum motivo para
se deter em somas de duas cifras apenas, conduz a aberrações como 10
=1 + 2 + 3 + 4. Ou ainda, 10 = 3 + 5 + 2 etc.
Um símbolo é uma totalidade como um corpo. Seria ridículo afir-
mar que o corpo humano é a soma de duas pernas + dois braços + um
tronco + uma cabeça e, por este caminho, + um fígado, + um par de
olhos etc. Da mesma maneira, é absurdo, no Tarot, definir cada um dos
dez números como a soma de outros números. Para compreender sua
mensagem, devemos considerar cada um desses dez números como um
ser, com suas características muito especiais.
Para começar
O Tarot se apresenta como um todo complexo e desconcertante para o
principiante. Certas cartas parecem mais fáceis de interpretar que ou-
tras carregadas de símbolos que parecem mais ou menos familiares.
Umas representam personagens, outras figuras geométricas ou objetos;
umas levam um nome, outras um número, outras não estão intituladas
nem numeradas. Seria tentador se embasar em estruturas já conheci-
das, como a astrologia ou diversas formas de numerologia, para abor-
dar o estudo deste jogo. Mas, como todos os sistemas coerentes, como
todas as obras de arte sagrada, o Tarot contém uma estrutura própria,
que devemos descobrir.
Em numerosas iniciações, se diz que o homem só pode se aproxi-
mar da Verdade, não conhecê-la mediante a linguagem; e que, em troca,
é possível conhecer a Beleza, reflexo da Verdade. O estudo do Tarot po-
de, pois, ser empreendido como um estudo da Beleza. É através do
olhar, ao aceitarmos nos embasar no que vemos, que seu sentido se re-
velará a nós, pouco a pouco.
Nesta primeira parte, nós nos propomos ver que indícios nos dá o
Tarot para compreender sua estrutura e sua numerologia. A partir des-
sas bases, construiremos uma mandala que permitirá dispor a totalida-
de do baralho, formando uma figura abarcável por um único olhar. Nes-
sa mandala, as 78 cartas do jogo constituirão uma figura equilibrada,
um todo coerente.
Para construir a mandala, é necessário se familiarizar primeiro com
os Arcanos maiores, os quatro Naipes dos Arcanos menores, a função e
o valor das cartas, e com o simbolismo dos números que subjaz a toda a
organização do Tarot e relaciona cada um de seus elementos com o to-
do.
Abordaremos em seguida o significado e alguns dos diferentes sis-
temas de organização possíveis dos quatro Naipes presentes nos Arca-
nos do Tarot.
NOTA DA ED. FR.
Embora utilizemos a denominação “Naipe” [Couleur] para designar os quatro
símbolos dos Arcanos menores (Espadas, Copas, Ouros, Paus), será sempre com
uma inicial maiúscula, para distinguir do substantivo comum “naipe” [couleur,
cor]. Da mesma forma, escrevemos “Arcanos” com maiúscula para designar as
cartas de Tarot, a fim de diferenciá-las do “tarot inglês”. Pusemos igualmente em
maiúscula “Tarot” para diferenciar do “tarot popular”. Por fim, convencionamos
escrever “Figuras” para designar os Arcanos dessa natureza.
Considerando o artigo definido como parte integrante do nome dos Arcanos mai-
ores, usaremos: O Louco, O Mago etc. Para os Arcanos menores: Ás, Dois, Três
etc. e Valete, Rainha etc.
Por fim, a ordem de sucessão dos Naipes nas enumerações e descrições será feita
em geral e por convenção: Espadas, Copas, Paus e Ouros, segundo a ordem “ana-
tômica” descrita à p. 66; ou ainda, de baixo para cima: Ouros, Paus, Copas, Espa-
das.
Composição e reg ras de orientação
O Tarot de Marselha se compõe de 78 cartas, ou Arcanos. O termo “Ar-
cano” deriva do latim arcanum, que significa “secreto”. Remete a um
sentido oculto, um mistério que desafia o racional, e nos parece ade-
quado na medida em que utilizamos o Tarot não como um divertimen-
to, mas como um baralho carregado de um sentido não explícito que
convém descobrir pouco a pouco.
Os 78 Arcanos se dividem em dois grupos principais: 22 Arcanos
chamados “maiores” e 56 Arcanos chamados “menores”. Essa denomi-
nação tradicional corresponde, no baralho de Tarot popular e em nu-
merosos baralhos de cartas, à dupla noção de “Naipe” [Palo, Couleur] e
de “Trunfo”: uma categoria de cartas é considerada mais poderosa, ca-
paz de superar as demais.
Os Arcanos menores nos permitem examinar os aspectos mais coti-
dianos e também os mais pessoais da vida material, psíquica ou intelec-
tual. Veremos que remetem a diferentes graus das nossas necessidades,
desejos, emoções e pensamentos, enquanto os Arcanos maiores descre-
vem um processo humano universal que engloba todos os aspectos es-
pirtuais do ser. Os dois caminhos são iniciáticos e complementares. Po-
de-se dizer que os Arcanos menores, com seus quatro Naipes, são como
os quatro pés de uma mesa, de um altar, ou as quatro paredes de um
templo.
Identificar os Arcanos
Todos os Arcanos ficam contidos em um retângulo de linhas negras cu-
jas proporções são as de um duplo quadrado.
Os Arcanos menores se subdividem em 40 cartas numéricas que re-
presentam a série de 1 a 10 em cada um dos Naipes: Ouros, Paus, Copas,
Espadas. Essas cartas não têm legenda e, nas séries de Copas, Paus e
Espadas, trazem o número escrito lateralmente dos dois lados. A série
dos Ouros não tem números. As 16 Figuras dos Arcanos menores, igual-
mente chamadas de “Trunfos” (Honneurs em francês, talvez pelo fato
de representarem personagens da aristocracia), são quatro por série:
Valete, Rainha, Rei, Cavaleiro. Todas trazem legenda na parte inferior
da carta, indicando seu nome, menos o Valete de Ouros, que tem seu
nome escrito lateralmente à nossa direita.
Para distinguir os Arcanos maiores das Figuras, dispomos de um in-
dício bastante seguro: os Arcanos maiores todos têm uma legenda su-
perior na qual se inscreve seu número. Essa legenda está vazia, embora
presente, no caso de O Louco, enquanto as Figuras só têm uma legenda
inferior com o nome (exceto no caso do Valete de Ouros, que veremos
mais adiante). Os Arcanos maiores têm, portanto, duas legendas, uma
em cima com o número e outra embaixo com seu nome, exceto no caso
do Arcano XIII, que se chama também “O Arcano sem nome”.
Os Arcanos maiores
Primeiro contato
Para se familiarizar com o Tarot, o mais simples é começar identifican-
do e compreendendo os Arcanos maiores, reconhecíveis por sua legen-
da superior. Essas cartas são 22, numeradas de I a XXI, mais O Louco,
que não tem número (e que daria lugar ao curinga do baralho popular).
Disponha-as sobre uma mesa da seguinte maneira: tire do maço dos
Arcanos maiores a primeira e a última carta, ou seja, O Louco e O Mun-
do. Em seguida, coloque os Arcanos maiores em duas fileiras, por or-
dem numérica, de I a X e de XI a XX, e ponha na extremidade esquerda
O Louco (que parece vir ao encontro dessa dupla fileira) e, na da direi-
ta, O Mundo (que parece olhá-la dançando). Nessa ordem, é possível
ver que os Arcanos maiores são organizados em duas séries (ver pági-
nas seguintes).
Olhe para os Arcanos assim ordenados e detenha-se nos detalhes
que forem aparecendo espontaneamente. Preste atenção na direção dos
olhares: às vezes dirigidos para a direita, às vezes para a esquerda, e em
alguns casos para frente, com alguns personagens que nos olham de
frente (como A Justiça, Arcano VIII; o rosto d'O Sol, Arcano XVIIII; ou
o anjo de O Julgamento, Arcano XX). Algumas imagens lhe inspirarão
talvez simpatia, repulsa, alegria ou temor. Essas reações são normais,
procedem da nossa educação e nossa história pessoal: o Tarot é um po-
deroso instrumento de projeção no qual nosso olhar identificará mode-
los já conhecidos, que, em um primeiro momento, nos farão reagir se-
gundo esquemas de comportamento habituais.
A primeira série dos Arcanos maiores, de I a X, representa personagens humanos ou
animais em situações identificáveis. A parte superior da carta, na maioria dos casos, co-
incide com a cabeça do protagonista ou dos protagonistas, exceto no caso do Arcano
VI (O Namorado), em que o céu contém um sol e um anjinho infantil. Pode-se qualificar
esta série como "clara", uma vez que representa imagens com conotação histórica ou
social.
Na segunda série dos Arcanos maiores, de XI a XX, por sua vez, os personagens e as si-
tuações assumem um caráter mais alegórico e menos realista. Pode-se qualificar essa
série como mais "escura", uma vez que parece se desenrolar em um universo psíquico e
espiritual próximo do sonho. Aparecem personagens míticos, anjos, diabos; a partir do
Arcano XVI, o céu está presente com manifestações energéticas, astros, emissários divi-
nos.
Por exemplo, muitas pessoas ficam assustadas com o Arcano XIII,
que representa um esqueleto. Em nossa civilização, esta imagem se
identifica com a morte. Porém, olhando-o mais detidamente, vemos
que o personagem é azul, vermelho e cor de carne, isto é, que se trata
de um esqueleto vivo, ativo, de uma força de transformação em movi-
mento... Mas para aceitar essa interpretação do Arcano XIII é preciso
começar por reconhecer a primeira reação que nos inspira a visão des-
sa carta. A mesma coisa ocorre com todos os Arcanos maiores: um per-
sonagem lhe parecerá atrativo, outro repulsivo ou antipático. Um nos
lembrará um avô bondoso, outro um patrão dominador, uma amante
atraente ou uma tia severa... Não tenha receio de acolher suas impres-
sões. Anote como você se sente nesse primeiro contato com os Arcanos
maiores. Sem dúvida, você se deterá em uma infinidade de detalhes, al-
guns únicos, outros comuns a duas ou mais cartas. Confie no seu olhar:
é o que melhor poderá lhe guiar na descoberta do Tarot.
Em seguida, comece a reparar em quais podem ser os pontos em co-
mum entre as cartas que estão uma em cima da outra, as que se encon-
tram no mesmo grau da escala decimal.
Por exemplo: entre o I e o XI, a forma do chapéu é quase a mesma.
Uma situação similar une o II ao XII: uma choca um ovo, outro pende
como um feto, ou um pintinho, esperando para nascer. O ponto em co-
mum também pode ser a direção do olhar, como entre os Arcanos III e
XIII, ou IIII e XIIII, ou o número de protagonistas e sua disposição no
espaço, como entre o Arcano V e o Arcano XV, em que um personagem
central mais alto domina os acólitos mais baixos. Entre o Arcano VI e o
Arcano XVI, assistimos pela primeira vez na série à intervenção de um
elemento celeste: o anjo no VI e o penacho multicolorido no XVI. Seria
possível dizer que entre O Carro e A Estrela o ponto em comum é o fir-
mamento estrelado, representado em forma de dossel em O Carro e di-
retamente presente como elemento cósmico em A Estrela. Assim como
o casal Lua-Sol representa em numerosas civilizações o casal cósmico
fundamental, vemos se formar entre A Justiça e O Eremita um casal de
rostos humanos. Por último, A Roda da Fortuna e O Julgamento repre-
sentam claramente, cada um à sua maneira, um momento decisivo de
encerramento de um ciclo e de abertura de uma nova vida.
Os Arcanos da série I a X realizam sua ação para cima:
O Mago ergue sua varinha como A Imperatriz, O Imperador, O Pa-
pa e o príncipe d’O Carro erguem seus cetros.
A Papisa levanta o rosto do livro, os três personagens de O Namo-
rado estão unidos pelo anjo que voa sobre eles, O Eremita levanta
sua lâmpada e A Justiça aponta o céu com sua espada, assim como
a esfinge d’A Roda da Fortuna.
Os Arcanos da série XI a XX realizam sua ação para baixo:
A mulher d’A Força atua sobre o focinho do animal, que apoia a ca-
beça sobre seu púbis.
O Enforcado pende de cabeça para baixo.
O esqueleto do Arcano XIII ceifa com seu gadanho o profundo so-
lo negro.
O anjo da Temperança verte seus líquidos ou seus fluidos de um
jarro alto para um jarro baixo.
O Diabo reina sobre dois diabinhos que têm pés-raízes no solo
obscuro.
Os dois personagens d’A Torre caminham com as mãos olhando
para o chão.
A Estrela esvazia suas ânforas em um rio que flui a seus pés.
A influência d’A Lua age até sobre o crustáceo que a observa desde
as profundezas da água.
O Sol benze os dois gêmeos.
Em O Julgamento, um anjo envia seu chamado musical para um
homem, uma mulher e um menino que surgem ressuscitando de
sua tumba.
Essas interpretações são dadas a título de exemplo. Você pode estar
ou não de acordo com elas, mais adiante veremos como elas aparecem
no estudo em detalhe dos Arcanos maiores (na segunda parte). Esses
detalhes, e outros que você poderá observar, são indícios que pouco a
pouco lhe permitirão identificar a numerologia do Tarot.
O Tarot é prog ressivo
Preste atenção agora na maneira como estão escritos os números dos
Arcanos. Você perceberá algo que a primeira vista parece uma anoma-
lia: IIII (O Imperador); VIIII (O Eremita); XIIII (Temperança); XVIIII
(O Sol).
Na verdade, em números tradicionais:
4 = IV = 5 - 1
9 = IX = 10-1
14 = XIV = 15-1
19 = XIX = 20-1
Nos Arcanos correspondentes do Tarot:
4 = IIII = 1 + 1 +1 + 1
9 = VIIII =5 + 1 + 1 + 1 + 1
14 = XIIII = 10 + 1 + 1 + 1 + 1
19 = XVIIII = 10 + 5 + 1 + 1 + 1 +1
A notação numérica se organiza, portanto, de maneira unicamente
progressiva: o Tarot se recusa a considerar o 4 como um (5 - 1), o 14 co-
mo um (15 - 1), o 9 como um (10 - 1) e o 19 como um (20 - 1). Esse deta-
lhe é uma chave para a compreensão do Tarot: nos indica que aqui a
tendência é somar, mais do que subtrair. Em outras palavras, descreve
um processo de avanço e de crescimento gradual.
Essa descoberta nos incita a proceder por adições, e não por subtra-
ções, quando estudamos a estrutura do Tarot.
Essas simples constatações já nos permitem constituir uma figura
coerente de organização do Tarot baseada em sua própria estrutura.
Efetivamente, partindo de três constatações:
O Tarot é progresivo;
O valor mais alto dos arcanos maiores é 21 (XXI);
O Tarot procede por adições;
pode-se colocar as cartas em ordem numérica e uni-las em doze pa-
res cuja soma é 21. Obtemos então a figura abaixo.
Para abarcar com um único golpe de vista os vinte e dois Arcanos maiores, pode-se uti-
lizar este esquema que os une em onze pares cuja soma dá 21, número da realização.
Esse esquema nos sugere novas associações entre Arcanos maiores:
se o 21 (XXI) representa a realização do valor mais alto do Tarot, cada
uma das somas sugeridas aqui poderia ser uma possibilidade, um cami-
nho rumo a essa realização.
Por exemplo:
o louco e xxi: a energia fundamental se encarna na realização to-
tal.
i e xx: um jovem ou uma mente jovem, no caminho da iniciação,
recebe o chamado irresistível da nova consciência.
ii e xvii i i: uma mulher, uma monja, se apoia na luz do Pai universal
para compreender um texto sagrado.
iii e xvii i: outra mulher, criativa, sensual e encarnada submerge no
mistério intuitivo do feminino...
E assim por diante.
Não se trata aqui de detalhar todos esses encontros entre duas car-
tas. Eles serão estudados posteriormente (ver quarta parte).
Mas esse primeiro esquema de organização dos Arcanos maiores,
em sua simplicidade, nos permite compreender que o Tarot se organiza
como um todo orgânico e harmonioso. Baseando-nos em elementos de
sua estrutura, podemos constituir esquemas que nos ajudem a com-
preendê-lo melhor. Se aceitarmos a metáfora do Tarot como um ser es-
truturado, um corpo-espírito dotado de uma dinâmica própria, podere-
mos dizer que ele incessantemente nos convida para dançar.
O Louco e O Mundo: organização espacial do Tarot
O Louco e O Mundo, a primeira e a última carta da série dos Arcanos
maiores, podem ser consideradas o alfa e o ômega dos Arcanos maio-
res, o primeiro e o último grau, os dois pontos entre os quais se desen-
rolam todas as possibilidades. O Louco seria, então, um começo perpé-
tuo, e O Mundo, um desenlace infinito.
Se você as colocar uma ao lado da outra nessa ordem, ficará eviden-
te que O Louco parece se dirigir com determinação ao oval d’O Mundo,
onde a mulher nua, por sua vez, parece chamá-lo, atraí-lo para si. O
Louco pode ser considerado aqui a energia fundamental, sem defini-
ção, isto é, sem limites. É assim que a Bíblia e numerosas cosmogonias
nos apresentam a energia criadora divina: uma atividade sem limites e
sem precedentes, surgida de um nada sem tempo nem espaço. Mas se O
Louco estivesse sozinho, ele correria o risco de girar sem fim ao redor
de seu bastão: a energia criadora pode se esgotar sem objeto se não se
materializa em uma realização, um mundo, uma criatura. A partir dessa
perspectiva, pode-se ver O Mundo enquadrado por quatro elementos,
como quatro pontos cardeais, com a mulher-alma-matéria no centro,
inseminada pela energia d’O Louco.
Mas a ordem das cartas é essencial.
Efetivamente, se colocarmos as cartas na ordem O Mundo--O Lou-
co, a situação é completamente diferente: O Mundo já não é mais a rea-
lização de nada, mas um fechamento que olha desesperadamente para
o vazio do passado, um início difícil cuja única saída possível é uma li-
beração. É o que parece que O Louco está fazendo, fugindo desse en-
clausuramento (podemos imaginar que o animal azul que o empurra é
como um acionamento do oval azul d’O Mundo). Mas, no seu afã de fu-
gir, O Louco não vai a nenhum lugar em particular: assim como o espa-
ço onde a mulher d’O Mundo mergulhava seu olhar era vazio, o cami-
nho d’O Louco aqui se abre para o nada.
O Mundo/O Louco ou O Louco/O Mundo
Essas observações nos permitem ver que o Tarot, além de sua estru-
tura progressiva, possui uma orientação própria no espaço que será de-
terminante tanto para a construção da mandala, quanto para as futuras
leituras. A decisão que seus criadores tomaram de agregar legendas em
francês, em caracteres latinos, deve nos dar mais outro indício: o Tarot
se lê no sentido da escrita, da esquerda para a direita. Pode-se deduzir,
portanto, que sua “linha do tempo” seguirá o mesmo esquema: na ex-
tremidade esquerda, o que foi vivido ou feito, no centro o que se está
vivendo ou fazendo, e na extremidade direita o que se poderá fazer ou
não fazer, viver ou não viver. Essas constatações consistem, na realida-
de, em voltar a colocar o Tarot em seu contexto cultural, que é o da Eu-
ropa meridional da Idade Média.
O Arcano XXI, espelho do Tarot e chave da orientação
Observemos agora mais de perto a carta d’O Mundo. Vimos que, como
valor máximo dos Arcanos maiores, ela simboliza o desfecho, a maior
realização que o Tarot pode nos apresentar.
Veremos que essa carta é também um espelho em que toda a estru-
tura do Tarot se reflete e se resume, como uma chave de sua organiza-
ção espacial e simbólica.
Encontramos nela um oval de folhas azuis rodeado, nos quatro can-
tos da carta, por quatro figuras que nos lembram a visão de Ezequiel:
um anjo, um animal com cor de carne que poderia ser um boi (ou um
cavalo), um leão e uma águia. O simbolismo cristão é interpretado aqui
com grande liberdade, uma vez que em meio a esses quatro elementos,
descobrimos não a figura (masculina e barbada) do Cristo, mas de uma
mulher nua, indicado pelos peitos redondos, pelo comprimento do ca-
belo e as curvas de suas ancas. O Tarot, ainda que impregnado de sim-
bolismo religioso, mostra-se aqui um imaginário independente do dog-
ma.
Essa figura feminina que dança no meio do oval poderia ser uma
alegoria da alma do mundo, na qual O Louco insufla sua energia criado-
ra. Pode-se então interpretar as quatro figuras que a rodeiam como
quatro elementos constitutivos da realidade, quatro pontos cardeais, os
quatro ângulos do mundo real.
Em numerosas culturas, o mundo conhecido se define como uma fi-
gura de quatro lados, um quadrado ou uma cruz, à qual se acrescenta
um quinto elemento central, eixo ou ponto de encontro, que une e ul-
trapassa as quatro direções. O simbolismo da mão humana, com seus
quatro dedos oponíveis ao polegar, também nos lembra essa estrutura.
Seria possível ver na carta d’O Mundo uma proposta de organização si-
milar: no centro, a alma que dança, o ser essencial presente em cada um
de nós, de essência receptiva, animada por um hálito criador.
Nos quatro cantos, quatro energias em cuja disposição nos fixamos:
na parte inferior da carta, encontramos dois animais terrestres, um
herbívoro (o boi ou cavalo cor de carne) e outro carnívoro (o leão). Na
parte superior, dois seres alados: um anjo, figura do amor incondicio-
nal, do dom ou dádiva, portador da mensagem divina, e uma águia, ani-
mal predador, mas cujo simbolismo nos remete à grandeza, à ascensão,
a capacidade humana de se elevar às alturas. A carta d’O Mundo é, por-
tanto, estruturada de forma clara, com uma parte “céu” e uma parte
“terra”. Se observarmos a proporção, nos daremos conta de que se trata
de um retângulo cuja altura é exatamente o dobro da largura, ou seja,
um duplo quadrado: o quadrado “terra” embaixo do quadrado “céu”.
Deveremos então nos lembrar, no estudo das cartas, dessa dupla di-
mensão terrestre e celeste em cujo centro se desenrola, segundo a geo-
metria do Tarot, o processo carnal e espiritual do ser humano.
Vejamos agora como estão compostas a direita e a esquerda: se
olharmos a carta d’O Mundo, à nossa direita encontramos dois animais
predadores ativos, e na mão da mulher, uma vara, símbolo do poder ati-
vo. A águia e o leão são ambos carnívoros. O primeiro é um macho de
rapina (tem um falo negro entre as patas) e o outro é uma fera carnívo-
ra também macho (as leoas não têm juba). Ambos são ativos: o leão na
terra e a águia no céu.
À nossa esquerda, dois personagens de cor predominantemente de
carne, dos quais, como vimos, um é um herbívoro tradicionalmente de-
dicado ao serviço e ao sacrifício; e o outro é um anjo, um mensageiro do
amor divino. Deste lado, a mulher leva na mão uma bolsa ou um frasco,
isto é, um continente receptivo. Tradicionalmente, e de maneira fisioló-
gica, a esquerda está associada às forças receptivas e estabilizadoras,
diferentemente da direita ativa. Se nos basearmos no estudo da carta
d’O Mundo, o Tarot parece funcionar como um espelho que reflete a
imagem da nossa direita e da nossa esquerda, conservando, contudo, a
noção de alto celeste e baixo terrestre, como mostra um esquema sim-
plificado ao lado.
Essa estrutura em cinco partes, ou melhor, em quatro partes mais
um centro, lembra-nos a própria estrutura do Tarot:
Os 22 Arcanos maiores, que representam arquétipos que nos re-
metem ao descobrimento de nosso ser essencial, poderiam figurar
no oval do centro.
As quatro séries de Arcanos menores deveriam ficar então nos
quatro cantos deste “mapa do mundo”, se conseguirmos organizá-
las segundo essa dupla composição entre ação e recepção, terra e
céu.
Os Arcanos menores
Organizar os quatro Naipes
Os Arcanos menores se subdividem em quatro Naipes: Espadas, Copas,
Paus e Ouros, que apresentam numerosos detalhes que nos permitem
estabelecer uma correspondência com os quatro símbolos d’O Mundo.
Para constatá-lo, comece reunindo as cartas dos quatro Naipes em
quatro montes diferentes: Espadas, Copas, Paus e Ouros. Você obterá
então quatro montes de catorze cartas, e em cada um haverá dez cartas
de valor progressivo de I a X e quatro figuras cujo “posto” e a “família”
estão inscritos na carta.
Então, divida cada um desses montes em dois montes menores: no
primeiro, ponha as cartas ordenadas de 1 a 10; no outro, as figuras na
seguinte ordem: Valete, Rainha, Rei, Cavaleiro. Você terá, então, oito
montes.
Pegue primeiro os Valetes de cada Naipe, e disponha-os conforme
ilustrado na página seguinte.
Esses Valetes nos fornecem certos indícios acerca de seus respecti-
vos símbolos que corroboram o paralelismo com a carta d’O Mundo e a
orientação espacial do Tarot.
Os Valetes que colocamos à esquerda têm justamente seu símbolo
na mão que corresponde, espelhadamente, à nossa esquerda, a mão re-
ceptiva, ao passo que os Valetes da direita têm a espada e o pau na nos-
sa direita. Da mesma forma, a direção dos pés nos indica seu grau de
atividade e de receptividade.
Os quatro Valetes dispostos segundo a ordem do esquema orientativo (ver p. 65).
PARA DISTINGUIR AS ESPADAS DOS PAUS
Estes pontos de referência ajudarão os principiantes:
De formato curvo, as Espadas estão dispostas em ovais, são de cor
predominantemente negra, com duas seções azuis e duas seções
vermelhas. Nas cartas ímpares, aparece uma espada no centro do
oval. As cartas pares têm no centro um motivo floral.
De formato reto, os Paus estão dispostos em forma de cruz, e a cor
predominante é o vermelho, com o centro azul e as extremidades
negras.
O Valete de Espadas, com os dois pés em duas direções diferen-
tes, é de tendência ativa com uma tonalidade receptiva. Seu símbolo, a
espada, aponta para o céu. Ativo e celeste, ele se assemelha à águia na
carta d’O Mundo.
O Valete de Copas se dirige decididamente para a esquerda: seus
dois pés vão nessa direção, indicando uma receptividade total. Por ou-
tro lado, seu símbolo (copa) é aberto para o céu. Receptiva para o céu, a
copa se assemelharia, portanto, ao símbolo do anjo na carta d’O Mun-
do.
O Valete de Ouros, com um pé em cada direção, poderia ser quali-
ficado como “receptivo/ativo”. Seu símbolo está presente ao mesmo
tempo na terra e em sua mão, como o ouro contido na mina e que se
converte em moeda de troca, mas também se situa à esquerda da carta.
Receptivo para a terra, ele se assemelha ao boi/cavalo cor de carne da
carta d’O Mundo.
O Valete de Paus se dirige decididamente para a direita, ele é ati-
vo e seu símbolo, o pau, está apoiado na terra. Ativo para a Terra: ele se
assemelha ao leão da carta d’O Mundo.
Para corroborar essas observações, é possível também se basear nas
quatro séries de dez cartas. Observe que três delas são numeradas dos
lados com números romanos: Espadas, Copas e Paus. Mas, repare nas
imagens ao lado, os Ouros não têm números.
Quatro, Cinco, Seis e Oito de Ouros.
Nenhuma carta da série de Ouros tem número.
Nos Paus e nas Espadas, os números têm uma direção idêntica; só
que, no Cinco, por exemplo, as pontas dos Vs (onde se nota que o V de
Paus é um pouco maior) apontam para o centro da carta. Por sua vez,
nas Copas, a ponta do V aponta para fora, como ilustrado na página se-
guinte (1).
Agora, observemos o Ás de Espada na página seguinte (2). Entre
formas que chamaremos de labaredas, a espada é manipulada por uma
mão que surge, mostrando seu dorso, do exterior de uma forma que
chamaremos de nuvem. O Ás de Pau, também entre labaredas, é mani-
pulado por uma mão que mostra a palma e surge do interior de uma
nuvem. Os dois Ases têm, portanto, um ponto comum importante.
A Copa se apresenta de pé, imóvel como um templo (3).
Enfim, o Ás de Ouros (4), com seus ramos que crescem, pode ser vi-
sualizado em qualquer direção, deitado como uma moeda de ouro pos-
ta sobre uma superfície. Ele é diferente dos três outros símbolos (sobre
o Ás, ver também p. 289).
Essa diferença dos Ouros se nota também no nome: enquanto a Es-
pada, o Pau e a Copa, em francês, estão no singular, os Ouros estão no
plural.
Voltemos agora à carta d’O Mundo, para notar uma concordância
com essas observações: o anjo, a águia e o leão têm cada um uma auréo-
la. O boi/cavalo cor de carne não tem. Por ser diferente dos outros três,
podemos pensar que corresponde à série dos Ouros.
Vimos que o lado da carta que está à nossa direita corresponde à
atividade, terrestre com o leão e celeste com a águia no céu. A seme-
lhança (animais predadores) remete à semelhança entre a espada e o
pau. A espada é forjada pela mão do homem enquantoo pau brota da
terra; podemos então relacionar a primeira à águia e o segundo com o
leão. Ao anjo podemos atribuir a copa, símbolo do Graal.
Correspondência entre os Naipes, os elementos e as
energias do ser humano
Os quatro Naipes do Tarot não são os quatro elementos da alquimia
nem de outros sistemas (Espada/ar, Copas/água, Ouros/terra, Paus/fo-
go), e, menos ainda, como pretendeu Éliphas Lévi influenciado pela
lenda arturiana, poderíamos associar as Espadas à terra e os Ouros ao
ar! Em vez disso, podemos inaugurar um sistema de correspondências
que pareça coerente com os símbolos dos Arcanos menores e que, sem
cair em exageros em nome da concordância, nos permita utilizar o Ta-
rot como instrumento de conhecimento do ser humano. Essa opção in-
terpretativa segue um ensinamento de Buda: “A verdade é aquilo que é
útil”.
Vejamos, então, o que podemos observar para construir, a partir
dessa observação, uma metodologia de leitura que nos seja útil. O Tarot
se divide segundo uma estrutura de 4 + 1: quatro Naipes ou símbolos e
uma série de Arcanos maiores. Ou melhor, na carta d’O Mundo, quatro
animais ou seres rodeiam o oval azul-claro onde dança uma persona-
gem feminina. Seria possível então pensar que esses quatro elementos
representam quatro energias do ser humano, distintas, porém todas
elas necessárias, unidas pela mesma consciência.
A espada, símbolo tradicional do Verbo, é uma arma que se forja,
que se tempera e se afia, como se afia a inteligência, tal como no apren-
dizado da linguagem. Representa a energia intelectual e corresponde à
águia do Arcano XXI, capaz de se elevar às alturas, de adotar um ponto
de vista mais elevado. O elemento da Espada poderia ser o ar.
A copa, símbolo crístico do Graal, cálice, instrumento elaborado
absolutamente receptivo, é um símbolo antigo do amor. Poderá, portan-
to, representar a energia emocional. O Ás de Copa parece uma catedral
e nos lembra que construir o amor sagrado é um trabalho de ourives.
Corresponde ao anjo do Arcano XXI, mensageiro divino. Seu elemento
de referência poderia ser a água.
O pau cresce de forma natural, não é fabricado. Porém, é possível
escolher, descascar... Ele representa a força da natureza que cresce, a
potência criativa e sexual. O que sentimos por um ser não se inventa: o
desejo é uma questão de atração, gostamos de uma pessoa ou não. A se-
xualidade não é uma energia que forjamos, mas podemos canalizá-la, e
até mesmo sublimá-la. Da mesma maneira, a atração que um artista
sente por uma forma de expressão, o talento, são elementos misterio-
sos, mas que se desenvolvem mediante o trabalho. A inspiração é rece-
bida antes de ser posta em prática. Vimos que o pau corresponde ao le-
ão da carta d’O Mundo. Combustível natural, seu elemento poderia ser
o fogo.
O ouro é ao mesmo tempo recebido (como mineral presente na ter-
ra) e forjado (como moeda cunhada). Da mesma forma, nosso corpo é
composto por nossas ações, mas também o recebemos de uma vez por
todas. Ainda da mesma maneira, o planeta Terra, que é o território da
vida e da espécie humana, é uno e completo, mas é explorado e trans-
formado pela atividade de seus habitantes. Podemos então atribuir ao
ouro a representação da energia material, das necessidades corporais,
do território, das questões ligadas ao dinheiro e ao corpo. Vimos que
corresponde ao boi/cavalo cor de carne. Seu elemento de referência
poderia ser a terra.
No baralho inglês, os dois Naipes receptivos, Copas e Ouros, deram
lugar aos dois símbolos vermelhos dos corações e losangos. Os dois
Naipes ativos, Espadas e Paus, tornaram-se os dois símbolos negros da
ponta de lança e do trevo.
Nessa etapa, podemos então nos propor a ler segundo esse esquema
a carta d’O Mundo, chave de orientação para compreender a orientação
interna do Tarot.
O Arcano XXI, chave da orientação do Tarot
Os Arcanos maiores representam os arquétipos do caminho da Consciência, podería-
mos atribuir a eles o elemento éter.
Eles correspondem à mulher nua que dança, unindo com seu véu vermelho e azul a
ação à recepção, e harmonizando entre eles as quatro energias.
AS CORRESPONDÊNCIAS DO TAROT
As energias das Espadas e das Copas se situam no quadrado Céu. Elas
supõem uma consciência e são especificamente humanas. As energias
de Paus e Ouros se situam no quadrado Terra. Elas formam a base de to-
do tipo de ser vivo suscetível de se reproduzir, humano ou animal.
COPAS | AMAR
Energia emocional e afetiva, o coração.
O amor, os sentimentos positivos ou negativos, a amizade. A dádiva, o
perdão, a generosidade, a adoração, a abertura do coração, a alegria, a
fé, o misticismo.
ELEMENTO: água. CORPO: caixa torácica, coração.
ESPADAS | SER
Energia intelectual.
A linguagem, o verbo, o pensamento, os conceitos, as ideias, a ativida-
de da inteligência, as ideias transmitidas pela cultura, a sociedade, os
mitos, as religiões, as ideias concebidas e a consciência, o trabalho da
mente, a meditação, a linguagem como arma ou como prece.
ELEMENTO: ar. CORPO: cabeça.
PAUS | FAZER
Energia sexual e criativa.
O instinto de reprodução, a fecundidade, o desejo. A energia criadora, a
imaginação, a produção consciente e inconsciente, a possibilidade de
criar, de inventar. O impulso vital, o poder, a força curativa, o instinto. A
força vital, a crença, a vocação para povoar o planeta e o universo, a su-
peração dos obstáculos pela criatividade.
ELEMENTO: fogo. CORPO: ao nível da bacia, onde se encontram os órgãos
genitais e o hará de que falam algumas tradições orientais.
OUROS | VIVER
Energia material.
O corpo, a saúde, o aspecto físico, o lugar onde se vive, o território, a
roupa, a comida, a casa. O ofício, a vida econômica, a prosperidade, o
dinheiro. O lugar no mundo, as relações sociais, as células, os átomos,
as moléculas que nos constituem, o planeta Terra.
ELEMENTO: terra. CORPO: ao nível dos pés (rente ao chão, como o Ás de
Ouros).
Esse sistema de concordâncias, que é confirmado pelo estudo em
detalhe dos Arcanos menores, é de grande utilidade para a leitura do
Tarot, pois permite abordar todos os aspectos da existência, dos mais
concretos aos mais espirituais, sem excluir nada que é humano. Se acei-
tarmos essa chave de leitura, ela enriquecerá cada vez mais nossa abor-
dagem do Tarot e de nós mesmos.
Primeiro contato com as Figuras dos Arcanos menores
As Figuras também se inscrevem em um esquema que nos permite
compreender melhor a estrutura do Tarot. Mas, além disso, os quatro
personagens de cada Naipe simbolizam uma atitude, um caminho psi-
cológico frente a seu elemento.
Em cada Naipe, é interessante observar a evolução do símbolo que o
representa em cada personagem: o Valete de Ouros contempla uma pe-
quena moeda de ouro que tem na mão sem se importar com a outra que
ainda está enterrada como um tesouro. A Rainha ergue diante de si
uma moeda de ouro maior que a do Valete. O Rei domina já duas moe-
das de ouro: uma que tem em sua mão e uma outra, ainda pequena, que
flutua no ar. Esse ouro espiritual cresce em seguida no Cavaleiro até se
converter em um astro. Da mesma maneira, o pau inicialmente rústico
do Valete de Paus se torna entalhado com a Rainha, lavrado no Rei, e
acaba atravessando a mão do Cavaleiro, como um objeto imaterial. A
espada a princípio receptiva (azul) do Valete de Espadas, depois ativa
(vermelha) a partir da Rainha, cresce proporcionalmente aos persona-
gens até se tornar quase uma lança na mão do Cavaleiro de Espadas.
Por fim, a copa, simples taça cor de carne nas mãos do Valete, depois
cálice fechado nas mãos da Rainha, e depois novamente aberto, flutua
sobre a palma da mão do Cavaleiro como um autêntico Graal milagro-
so.
Para compreender como se organizam as Figuras, podemos colocá-
las em cena, como em um jogo de interpretar papéis, em volta de um
palácio que simbolize seu Naipe. Teríamos, então, quatro palácios que
representam as quatro energias. Cada Ás será o castelo das figuras de
seu Naipe, como símbolo do centro energético correspondente: Ouros,
centro material (necessidade); Paus, centro sexual (desejos); Copas,
centro emocional (sentimentos); e Espadas, centro intelectual (pensa-
mentos).
Os Valetes. Cada um representa um dualismo e uma hesitação em
relação ao próprio Naipe: “Ser ou não ser?”, parece perguntar o Valete
de Espadas, disposto a devolver a espada à bainha. “Amar ou não
amar?”, se pergunta o Valete de Copas, disposto a fechar de novo sua
taça. “Fazer ou não fazer?”, poderia ser a pergunta do Valete de Paus,
sem saber se levanta ou não seu porrete. Por fim, o Valete de Ouros pa-
rece hesitar entre o ouro que tem na mão e o outro, mais secreto, que
está enterrado no chão. “Guardar ou gastar? Economizar ou investir?”.
Representaremos, portanto, os Valetes do lado de fora, às portas do palá-
cio, indecisos se entram ou não. A partir do momento em que o Valete en-
tra no palácio, ele se converte em Rainha.
As Rainhas. Elas se identificam absolutamente com o próprio Nai-
pe, centro representado pelo palácio, desdenhando o mundo externo
para habitar o interno. Vivem como proprietárias, olhando fixamente
para o próprio símbolo (no caso das Rainhas de Ouros, Copas e Espa-
das) ou, como ocorre com a Rainha de Paus, com as duas mãos sobre o
ventre, que representa o centro sexual e criativo, e uma terceira mão
artificial que vem se juntar à cena. As Rainhas serão, portanto, represen-
tadas no interior do palácio, absortas pelo próprio Naipe.
Os Reis. Eles aparecem ao mesmo tempo que a necessidade de des-
prendimento. Conhecem seu reino, seu castelo, mas sabem que tam-
bém há todo um mundo exterior, ou seja, outras energias distintas da-
quela representada pelo próprio Naipe. Todos os Reis portam seu sím-
bolo com autoridade (o pau do Rei de Paus é inclusive o maior de toda a
série), porém olham mais para além, numa direção mais longínqua. Re-
presentaremos, pois, os Reis em cima do palácio, contemplando as fron-
teiras de seu reino, consciente da existência de um mais além.
Os Cavaleiros. Dessa aceitação dos próprios limites, da consciên-
cia da existência do Outro e dos demais, nasce o Cavaleiro. Ele trans-
portará para o exterior a energia criada pelo trabalho do Valete, da Rai-
nha e do Rei. Os Cavaleiros são símbolos da comunicação, de aporte, e
por que não, de conquista, de transmissão, de unificação. Eles corres-
pondem de certo modo ao profeta. Por isso, já a caminho de superarem
seus próprios símbolos, os Cavaleiros serão numerados no último lugar
da lista das figuras.
Eis aqui o esquema dos Naipes.
A organização dos quatro Naipes segundo seu lugar no Tarot sugerida pela carta d’O
Mundo (ver p. 65), e a ordem das Figuras ao redor do palácio.
Resumo
Os Arcanos maiores são representados em duas séries de 10 (de I a X e
de XI a XX), tendo nas duas extremidades O Louco e O Mundo (Arca-
no XXI).
O Tarot é antes de tudo uma arte de interpretação que funciona a
partir da projeção.
O Tarot procede por adições e não por subtrações. É essencialmen-
te progressivo.
O Tarot é lido no sentido da escrita latina, da esquerda para a direi-
ta, e pode-se também visualizar na mesma direção uma linha de tempo
que vai do passado ao futuro.
O Tarot se orienta como um espelho, no interior de um duplo qua-
drado. O lado que se encontra à nossa esquerda é receptivo e o lado à
nossa direita é ativo. O quadrado superior representa o Céu e o quadra-
do inferior a Terra. No centro, um terceiro quadrado representa o reino
do ser humano.
O Arcano XXI, O Mundo, funciona como um resumo da orientação
do Tarot, dividindo o espaço em quatro partes (direita e esquerda, em
cima e embaixo), que formam os ângulos de uma cosmogonia.
Essa orientação se encontra também nos Arcanos menores:
Espadas ativas para o Céu;
Copas receptivas para o Céu;
Paus ativos para a Terra;
Ouros receptivos para a Terra.
Pode-se extrair daí as bases para um sistema de correspondências
útil e coerente na leitura do Tarot como instrumento de conhecimento
de si mesmo, no qual os quatro Naipes se associam às quatro energias
vitais do ser humano:
intelecto para Espadas;
centro emocional para Copas;
centro sexual e criativo para Paus;
centro material concreto para Ouros.
A numerologia do Tarot
É frequente que a mente humana tenda a adotar um sistema preexis-
tente para compreender o que ainda não conhece. Foi assim que o Ta-
rot acabou sendo assimilado por todo tipo de estruturas. Seus 22 Arca-
nos maiores favoreceram durante muito tempo uma tendência a fazê-lo
concordar com o alfabeto hebraico, mas também aplicaram a ele cons-
truções tomadas da astrologia, de diversas formas de numerologia ou
de geometria, ou de sistemas de explicação do mundo procedentes de
múltiplas culturas. No final das contas, essas associações só são úteis se
são momentâneas. É interessante esclarecer um sistema com conceitos
de um outro, mas obrigá-los a concordar só resulta em mutilações inú-
teis.
Em outras palavras, em um primeiro momento, devemos descobrir
e assimilar a numerologia organizadora original do Tarot. É a base do
primeiro grau de compreensão do Tarot; ainda não nos permite lê-lo,
mas assimilar todos os seus princípios. Essa numerologia logo se con-
verte em um sistema de medidas que permite ler todos os baralhos
existentes baseados no Tarot de Marselha. Assimilar a organização nu-
merológica do Tarot é possuir uma chave que, como um solfejo ou uma
gramática, dá sentido à interpretação projetiva dos Arcanos.
Essa organização é fruto de uma observação minuciosa das duas
séries de dez dos Arcanos maiores e das quatro séries decimais dos Ar-
canos menores. Diversos detalhes de cartas que corroboram isso serão
estudados mais detidamente na segunda e na terceira partes deste li-
vro, onde os Arcanos são descritos um por um.
Para maior facilidade, a numerologia do Tarot será apresentada
neste capítulo sob uma forma sintética, sem entrar em detalhes de to-
das as cartas, mas apresentando os exemplos mais significativos.
Por que uma numerologia decimal?
Quais são, no Tarot, os indícios que nos sugerem uma numerologia de-
cimal?
Os Arcanos maiores apresentam duas séries de dez Arcanos enca-
beçados por O Louco, que se pode considerar o arquétipo da energia
inicial, e encerrados por O Mundo, que se pode considerar o arquétipo
da realização (ver pp. 48-9). O número 21, que é o do último arcano, tal-
vez nos encaminhasse para uma numerologia de 7 em 7: não há sobre a
mesa do Arcano I (O Mago) três dados cuja soma das três faces dá 7? E
não são 14 Arcanos menores em cada série?
Esse caminho é tentador, mas equivaleria a atribuir às figuras os va-
lores correspondentes aos números 11, 12, 13 e 14. No entanto, nada nos
detalhes dos Arcanos menores nos permite fazer isso. Se o Tarot qui-
sesse nos indicar esse caminho, os Arcanos menores seriam abertamen-
te numerados até 14.
Os sistemas numerológicos de 3 em 3 ou de 5 em 5 não se aplicam
aos estudos dos Arcanos do Tarot.
Na verdade, o senso comum nos indica que, assim como o Tarot tem
legendas escritas em francês, situa-se na cultura do sistema decimal. O
10 é visto como uma totalidade que se subdivide em dez graus que evo-
luem, em constante mutação da realidade. Essa impermanência perma-
nente é a passagem incessante de um estado a outro, comparável ao ci-
clo das estações. A sequência dos números pode ser comparada a uma
semente que germina para gerar uma planta, que dará por sua vez um
botão, e depois uma flor que se transformará em fruto, produto perfeito
da árvore que o porta. Depois de amadurecer, o fruto cairá, libertando a
semente que voltará para a terra e o processo recomeçará.
O esquema retangular da numerologia
Assim como a carta d’O Mundo (Arcano XXI) nos serviu de modelo de
orientação, vamos agora estabelecer um modelo no interior do qual se
desenvolverá a numerologia do Tarot. Esse modelo será justificado nas
páginas seguintes por detalhes do próprio Tarot, mas para maior clare-
za nos pareceu preferível apresentar primeiro e detalhar depois as eta-
pas.
Façamos um retângulo de papel cuja altura seja exatamente o dobro
da largura. Essa forma, que é a forma das cartas do Tatrot, vai simboli-
zar a unidade, a totalidade. Contrariamente a certos sistemas numero-
lógicos onde o 1 é masculino e o 2 feminino, esses números são vistos
aqui como duas polaridades contidas pela totalidade, que é uma entida-
de andrógina.
Façamos uma primeira dobra central segundo o eixo vertical. Obte-
remos uma divisão esquerda-direita, isto é, no simbolismo do Tarot, en-
tre recepção e ação. Assim, na unidade (o retângulo), a parte à nossa es-
querda e a parte à nossa direita se articulam em torno de um centro an-
drógino. Já vimos em que sentido essa divisão é pertinente no Tarot
(ver pp. 56-7). Poderíamos qualificar o receptivo de “feminino” e o ati-
vo de “masculino”, referindo-se à conformação sexual do homem e da
mulher, mas isso é apenas uma aproximação.
Dobremos em seguida o retângulo ao meio no eixo horizontal: ob-
servamos uma nova divisão, um horizonte entre Céu e Terra que faz
aparecer dois quadrados superpostos. Essas duas instâncias se encon-
tram, sob diversas formas, em numerosas tradições: o Islã representa a
totalidade sob a forma de dois quadrados, dos quais um é estável, com
sua base posta horizontalmente, e um outro, instável, de pé em uma das
pontas. Da mesma forma, no I Ching, o trigrama inferior dos hexagra-
mas representa a Terra e o trigrama superior, o Céu. Vemos, portanto,
outra vez a divisão do retângulo em quatro partes que vimos no estudo
do Arcano XXI.
Dobremos o novo retângulo obtido a partir das duas primeiras do-
bras. Abrindo a figura, uma subdivisão foi criada no interior dos dois
quadrados, o retângulo ficou dividido em oito pequenos quadrados. Es-
sa subdivisão faz aparecer além destes um terceiro quadrado, formado
pela interseção do quadrado Céu com o quadrado Terra. Se aceitarmos
que o alto do Céu desempenha em nossa cultura o papel paterno, e a
base da Terra o papel materno (nos matriarcados antigos, era mãe-Céu
e pai-Terra), poderíamos dizer que eles engendram, no centro da totali-
dade, o quadrado Humano (ver pp. 82-3).
Se dobrarmos o pequeno retângulo obtido a partir das duas primeiras dobras, a figura
final é um pequeno quadrado: o aspecto dobrado do retângulo.
Vejamos agora como podemos organizar os números neste esque-
ma.
A Totalidade, como vimos, é representada pelo retângulo. O retân-
gulo se mostra em dois aspectos: dobrado e desdobrado.
Ao aspecto dobrado, nós atribuiremos o 1: como o universo antes do
big bang, como uma flor ainda em botão, como um feto no princípio da
multiplicação celular, a totalidade se encontra em potência, à espera de
se desenvolver, a extrema potencialidade se caracteriza por uma gran-
de intensidade sem experiência.
Ao aspecto desdobrado, nós atribuiremos o 10: a figura se encontra
aqui inteiramente desenvolvida, até esgotar seus potenciais. É a expan-
são última do universo, a flor aberta, todas as potencialidades total-
mente realizadas:
Começo em potência e ciclo completo são os dois aspectos da totali-
dade, da unidade: o 1 e o 10.
Nesse esquema, colocaremos o número 1 embaixo do retângulo e o
número 10 em cima
Resta-nos organizar os números de 1 a 10 nessa estrutura, sabendo
que:
Os números pares ficarão do lado esquerdo (receptivo, estável, di-
visível por 2).
Os números ímpares, do lado direito (ativo, instável, indivisível
por 2).
E, logicamente, os números se organizam de baixo para cima, uma
vez que o 1 fica embaixo do retângulo e o 10 em cima.
Essa ordem segue a noção de crescimento orgânico próprio dos se-
res vivos da dimensão vertical: uma planta ou um ser humano crescem
para o céu à medida que se desenvolvem.
Assim obtemos o seguinte esquema final (ver p. 76).
A numerologia se desenvolve como uma evolução do 1 ao 10, que é
preciso imaginar em perpétua mutação, como o ciclo das estações:
No grau 1, a Totalidade está em potência. É uma semente, um iní-
cio, um potencial, em que tudo está ainda por fazer, em perspecti-
va. Pode-se associá-lo ao primeiro mês da gestação.
No grau 2, entramos no quadrado Terra. É um estado ainda recep-
tivo de gestação. Trata-se de acumular forças, desejos, ideias, sen-
timentos, para se preparar para a ação.
O 3 é a primeira ação do quadrado Terra, um estouro, uma explo-
são criativa sem experiência nem finalidade precisas, como, por
exemplo, um primeiro amor da adolescência.
No grau 4, essa ação se estabiliza. Esse número representa a per-
feição do quadrado Terra: domínio da vida material, clareza das
ideias, tranquilidade emocional... Estável como uma mesa de qua-
tro pés.
O 5 é um número de passagem, o último do quadrado Terra: intro-
duz um ideal que desequilibra a estabilidade do 4 para superá-lo.
É uma ponte. É o gesto do sábio que aponta o dedo para a lua.
O 6 é o primeiro passo no quadrado Céu: a primeira vez que faze-
mos o que queremos em todos os sentidos. Mais além das necessi-
dades materiais, agora nos atrevemos a fazer aquilo de que gosta-
mos.
No grau 7, esse prazer se torna uma ação forte no mundo, mais
madura e mais intensa que a do 3, pois está fundamentada na ex-
periência de todos os graus anteriores e se propõe um objetivo
O 8 representa a perfeição do quadrado Céu. É o equilíbrio e a re-
ceptividade totais, um estado que não pode ser melhorado: a per-
feita abundância material, a perfeita concentração de energia, a
plenitude do coração e o vazio da mente.
O 9 traz, então, a única evolução possível rumo à perfeição: a en-
trada em crise para favorecer a passagem rumo ao desconhecido
do final do ciclo. Como a criança que, no nono mês, se prepara pa-
ra nascer, o 9 aceita abandonar a perfeição e se pôr em movimento
sem saber para onde.
O 10, totalidade completa, simboliza o final do ciclo e permite que
se manifeste o princípio do novo ciclo.
A dinâmica dos dez graus
Se olharmos o esquema numerológico fase a fase, podemos dizer que
encontramos quatro “casais” de números em quatro níveis sucessivos
do retângulo. Eis aqui o que se pode esquematicamente dizer:
2 e 3 são pesados e energéticos, adolescentes;
4 e 5 continuam na matéria, mas são adultos;
6 e 7 são refinados e ativos, sabem aonde vão;
8 e 9 se unem para permitir a evolução.
Cada um dos graus da numerologia tem a vocação de evoluir até o
grau seguinte. Os casais aqui mencionados podem representar, portan-
to, ora uma evolução (de menos para mais), ora um conflito (receptivo-
ativo), ora uma estagnação (de mais para menos).
Para esclarecer a dinâmica dos dez graus e a tornar mais concreta,
nós a estudaremos em relação aos Arcanos maiores da primeira série (I
a X).
O grau 1 é representado por O Mago (I).
Esse Arcano representa um jovem, um principiante, um ser cheio
de potenciais (simbolizados pelos elementos presentes em sua mesa),
mas ainda incerto quanto ao que deve escolher. Se a pessoa fica no grau
1, é um ser em perpétuo começo, incapaz de fazer uma escolha decisi-
va, preferindo um potencial inexistente a uma realização determinada.
O grau 1 precisa se lançar, efetuar um primeiro passo na realidade. Co-
mo diz o Tao Te Ching, “para percorrer um quilômetro, é preciso dar o
primeiro passo”. Esse primeiro passo no quadrado Terra corresponde
ao grau 2 da numerologia.
O grau 2 é representado por A Papisa (II)
Sentada, enclausurada, com um livro nas mãos e um ovo ao lado,
símbolo da gestação. É um número passivo e receptivo que pode simbo-
lizar uma reserva, uma promessa, uma virgindade. Neste grau, a maté-
ria ainda é inerte. À receptividade do 2, corresponde a atividade do 3:
um acumula, outro age sem saber aonde vai, num impulso de criação
fanática e passional, sob o risco de logo ser frustrar.
O grau 3 é representado por A Imperatriz (III)
Evoca-se aqui uma explosão, uma ação, uma germinação. Tudo é
ação e movimento. De fato, A Imperatriz olha para a direita, para a ação
e o futuro, enquanto A Papisa olha para a esquerda, para a recepção e o
passado.
Se o 2 engendra o 3, pode ser uma semente que germina, um ovo
que eclode, um projeto em que se dá o primeiro passo. A atriz aprende
seu papel (A Papisa) antes de interpretá-lo em cena (A Imperatriz).
Se o 2 está em conflito com o 3, representa a hesitação entre fazer e
não fazer, o medo de agir, o isolamento sofrido e não escolhido. A Im-
peratriz poderia ser então uma adolescente cujas ações são travadas
pela rigidez de uma mãe severa.
Se o 3 volta ao 2, é uma explosão irrefletida que torna a cair na inér-
cia. A ação iniciada fracassa: feridos, desiludidos, acabamos nos fechan-
do.
Para se realizar, o 3 deve passar ao grau seguinte, o 4: uma ação sem
objetivo e sem experiência se estabelece na segurança. A criatividade
d’A Imperatriz encontra uma estabilidade material na energia d’O Im-
perador.
Se o 4 recai no 3, é o fracasso da idade adulta e o culto da adolescên-
cia perpétua.
O grau 4 é representado por O Imperador (IIII).
Estável, assentado na matéria, ele reina pacificamente com uma ba-
se sólida. Pode ser uma boa situação financeira, uma casa, uma pessoa
com quem se pode contar. O quadrado Terra encontra neste grau sua
perfeição estável e imóvel.
O 5, por sua vez, tenderá ao quadrado Céu sem jamais pertencer a
ele. O grau 5, visto aqui sob os traços d’O Papa (V), estabelece uma
ponte, uma passagem, uma transição entre os dois mundos. Sua ação
consiste em servir de mediador entre o quadrado Terra e o quadrado
Céu.
Se o 4 engendra o 5, a estabilidade se abre para um novo ponto de
vista, para uma ação voluntária que visa ampliar o horizonte. Um in-
dustrial (O Imperador) decide se abrir a técnicas que preservam o meio
ambiente. Sua atitude se converte então na d’O Papa, preocupado com
o equilíbrio ecológico e não somente com seus próprios benefícios.
Se existe conflito entre o 4 e o 5, é o antagonismo entre o materia-
lismo e a espiritualidade, entre o concreto e o ideal. É, por exemplo, um
chefe de estado tacanho (O Imperador) que se nega a escutar o mais sá-
bio de seus conselheiros (O Papa).
Se o 5 volta ao 4, perde-se a fé em um mundo novo e retorna-se à
segurança do antigo. Não se consegue superar os próprios limites.
Para se realizar, o 5 deve tornar real seu ideal e dar o primeiro passo
no quadrado Céu, que corresponde ao 6. Depois de ensinar uma língua
estrangeira durante anos (O Papa), faz-se uma viagem ao encontro da
cultura que se estudou por longo tempo (O Namorado).
Se o 6 torna a cair no 5, é a desilusão: é duro voltar à Terra quando
se provou o alimento do Céu.
O grau 6 simboliza o prazer, a beleza, tudo aquilo que, sem deixar
de ser receptivo, supera as considerações materiais. O grau 6, O Namo-
rado (VI), evoca a riqueza da união afetiva entre humanos. Ali, para
onde o 5 olhava, o 6 se instala firmemente. Mas o 6 corre o risco de se
abandonar ao narcisismo: arte folcórica, pensamento autocomplacente,
perda da criatividade e do espírito crítico... A passagem ao 7 permite
romper com esse narcisismo: o mais alto dos números primos, indivisí-
vel, simboliza na verdade uma atividade extrema a serviço da humani-
dade.
O grau 7, aqui O Carro (VII), representa toda forma de ação no
mundo: humanitária, artística, conquistadora... Em todo caso, está fun-
damentado em uma união entre o espírito e a matéria.
Se o 6 engendra o 7, teremos uma ação no mundo fundada na ale-
gria, o prazer de fazer.
Se o 6 entra em conflito com 7, temos de um lado um prazer egoísta
e de outro uma ação sem alegria, que corre o risco de desembocar em
violência. O Carro poderia, então, ser um homem político intransigente
em conflito com um sindicato que se recusa ao diálogo.
Se o 7 recai no 6, a ação no mundo desemboca no narcisismo e dei-
xa de ser altruísta. O Carro é então, por exemplo, um apresentador de
televisão egocêntrico, e os personagens d’O Namorado podem repre-
sentar os membros de sua equipe, que só pensam em tomar seu lugar.
Para se realizar, o 7, ação pura, deve passar ao grau seguinte: o 8, a
perfeição receptiva. Se o 8 recai no 7, a perfeição foi apenas ilusória, foi
vivida como uma parada, e a necessidade de ação se faz sentir nova-
mente.
O 8, divisível por 2 e por 4, é a receptividade total. Simboliza a per-
feição do quadrado Céu, como a lua refletindo o sol, ou ainda como
uma mulher grávida que leva no ventre uma nova consciência. Sob os
traços d’A Justiça (VIII), que leva a espada e a balança, pode-se dizer
que não há o que lhe tirar nem acrescentar.
O 9 é o único número da série ao mesmo tempo ativo (ímpar) e re-
ceptivo (divisível por 3). Ele representa, portanto, ao mesmo tempo
uma ruptura e também uma grande sabedoria. A figura d’O Eremita
(VIIII) evoca, assim, um personagem capaz de voltar a questionar, que
abandona alguma coisa. Ativo para o passado e receptivo para o futuro,
ele anda de costas.
Se o 8 engendra o 9, a perfeição se realiza na única superação possí-
vel de si mesma: a entrada em crise para que se crie um mundo novo. É
o momento do parto, o nono mês, ou ainda a aurora do novo dia que
cinge os astros da noite.
Se há conflito entre o 8 e o 9, a perfeição é vivida como opressiva e o
consentimento como sinal de fraqueza. É também o conflito do casal
genitor em que a mãe se torna castradora e o pai ausente.
Se o 9 recai no 8, é o medo da morte que se faz sentir: as pessoas se
instalam em suas posições, aspiram a um perfeccionismo rígido, não se
suporta nenhum questionamento. O medo pode imobilizar o 9, que en-
tão se consome. Este grau evoca uma crise entre a vida e a morte: nós a
resolvemos ou desaparecemos. O 9 evolui então para o 10, que o arrasta
para o movimento cíclico, permanente impermanência.
Andando de costas, O Eremita encontra o 10, A Roda da Fortuna
(X), e aceita terminar um ciclo de vida para, mais tarde, iniciar outro
novo. Na segunda série dos Arcanos maiores, a nova construção d’O Sol
(XVIIII) resulta no chamado irresistível da consciência n’O Julgamen-
to (XX).
Por sua vez, o 10 volta à origem do ciclo seguinte para recomeçar a
evolução em outro plano. A Roda da Fortuna, com sua manivela, mani-
festa essa necessidade de uma ajuda: aquilo que fará girar a roda será o
primeiro grau do próximo ciclo (aqui A Força, Arcano XI, que abre a
segunda série decimal).
Se voltamos para o 9, temos uma atitude de crise perpétua que re-
cusa a evolução: podemos dizer que o animal munido de espada, no al-
to da roda, representa um enigma emocional. Se este enigma não se re-
solve, A Roda da Fortuna volta incessantemente ao estado de crise d’O
Eremita. Vive-se então no passado, na repetição e na nostalgia do que
poderia ter sido.
Se a pessoa estagna no 10, temos um bloqueio sem saída, onde é re-
cusada até a ajuda que permite o retorno ao movimento dinâmico. Ne-
nhuma força nova virá girar a manivela.
A evolução numerológica nos quadrados
Vimos que o retângulo que dá estrutura ao Tarot pode se subdividir em
dois quadrados, Terra e Céu, em cuja intersecção se inscreve um qua-
drado Humano. Segundo esse esquema, podemos visualizar os três
quadrados com quatro números dentro.
Já sabemos que o 1 e o 10 são correspondentes. Representam dois
aspectos da totalidade: em potência e realizada.
Da mesma forma, podemos estabelecer uma correspondência entre
os quatro graus dos quadrados Céu e Terra, seguindo um trajeto que vai
de baixo para cima e da esquerda para a direita.
Graus 2 e 6. Primeiro passo no quadrado Terra e primeiro passo no
quadrado Céu. O 2 acumula, se desenvolve, se nutre. Nos Arcanos me-
nores, é o grau em que o símbolo é maior (as moedas gigantes do Dois
de Ouros, a flor enorme do Dois de Espadas...). No grau 6, do quadrado
Céu, a qualidade substitui a quantidade: o elemento central se torna o
prazer e o amor, fonte de toda atividade espiritual.
Graus 3 e 7. Se o 3, como uma primavera ou uma puberdade, repre-
senta a explosão cega da matéria, o 7 une a matéria ao espírito em uma
ação consciente, em pleno conhecimento do mundo e de si mesmo.
Graus 4 e 8. O quadrado simples do 4 representa o equilíbrio ter-
restre, ao qual o duplo quadrado do 8 agrega a perfeição espiritual.
Graus 5 e 9. Estas etapas representam uma passagem. Mas se o 5,
disposto a abandonar o quadrado Terra, já imagina a dimensão superi-
or (ou mais profunda), o 9, em sua infinita sabedoria e em sua solidão,
aceita se encaminhar rumo ao desconhecido, como testemunha o VIIII
dos Arcanos maiores, O Eremita, que anda de costas, sem olhar aonde
vai. Da mesma maneira, os gêmeos d’O Sol (XVIIII) se separam do pas-
sado por meio de um muro e avançam em direção a um mundo novo.
No quadrado Humano, o primeiro passo é o grau 4: o ser humano
adulto, estável, capaz de suprir suas necessidades. A primeira ação é es-
pirtual: é a tentação do 5 que abre o caminho para um mundo novo. A
perfeição do quadrado Humano se exprime no 6, a descoberta do prin-
cípio do Amor. Com a ação d’O Carro, a caminho da perfeição (que de
certa maneira fica além do humano), é o anúncio de uma outra dimen-
são, a da perenidade e da ação no mundo.
As séries decimais dos Arcanos menores
Agora veremos como esse esquema numerológico se expressa nas séri-
es de 1 a 10 dos Arcanos menores.
Em cada Naipe, isole as cartas de 1 a 10 e alinhe na seguinte ordem:
Espadas, Copas, Paus e Ouros (ver ilustração à p. 335).
É na série de Espadas que se encontra o indício mais flagrante que
nos permite corroborar a numerologia do Tarot: constatamos que as
cartas se unem entre si, duas a duas, a partir do Dois de Espadas, for-
mando círculos concêntricos (um, depois dois, depois três, depois dois
círculos entrelaçados de quatro).
Coloquemos agora as séries de Espadas e de Paus de baixo para ci-
ma tal como aparece na página seguinte. Notamos, pelos círculos con-
cêntricos que os últimos três graus da numerologia se encontram uni-
dos: 8, 9 e 10 se seguem, formando uma espécie de “braço” no alto do
retângulo. Veremos mais adiante como essa união entre as três cartas é
relevante para a compreensão dos Arcanos menores.
Acima: séries decimais de Espadas e Paus. A presença dos símbolos “femininos” na co-
luna à nossa esquerda das séries decimais dos quatro Naipes, e dos símbolos “masculi-
nos” na coluna à nossa direita, corrobora o eixo recepção/ação expresso pela numerolo-
gia (p. 71).
Observando as séries de Espadas e de Paus, constatamos que elas
demonstram um mesmo fenômeno: a coluna à nossa esquerda, onde
aparecem os números pares (2, 4, 6, 8) é formada por flores, símbolos
“femininos” receptivos, enquanto na coluna da direita, onde aparecem
os números ímpares (3, 5, 7, 9), temos, de um lado, uma espada no cen-
tro de um oval e, de outro, um pau que forma um eixo central, dois sím-
bolos “masculinos” ativos. Essas observações nos permitem confirmar
a divisão entre esquerda par receptivo e direita ímpar ativo.
Coloquemos agora as cartas de Copas seguindo o mesmo esquema.
Reencontramos aqui a subdivisão Terra-Céu observada na carta d’O
Mundo (p. 57).
Acima: as Copas. O eixo Terra/Céu observado na numerologia se encontra nas séries
decimais dos quatro Naipes.
Se observarmos o interior das copas do Dois, do Três, do Quatro e
do Cinco, veremos que são estriadas por dentro, por hachuras negras
sobre vermelho que descem da nossa esquerda para a nossa direita. Ao
contrário, nas copas do Seis, do Sete, do Oito e do Nove, as hachuras so-
bem da nossa esquerda para a nossa direita. O quadrado Terra assim se
diferencia do quadrado Céu.
Como diz o ditado chinês, o ideal é ser receptivo para o Céu e ativo
para a Terra. Os graus do quadrado Terra recebem, então, influências
do cosmo. Por sua vez, as cartas do quadrado Céu extraem as energias
terrestres para se elevarem ao amor espirtual.
Essa diferença se corrobora na série de Espadas: o Três e o Cinco
são da mesma cor (vermelho), e, de certo modo, parecem formar um
casal. Pelo contrário, o Sete e o Nove, respectivamente azul-claro e
amarelo, são diferentes. A flor do Quatro de Espadas se diferencia da
flor do Seis de Espadas porque uma está cortada da nossa direita para a
nossa esquerda, e a outra está cortada da nossa esquerda para a nossa
direita.
Na série de Paus, o Dois, o Três, o Quatro e o Cinco, as flores e fo-
lhagens que crescem do centro para os lados são muito parecidas. Por
sua vez, nota-se uma grande diferença entre, por um lado, o Seis e o Se-
te, de crescimento exuberante, e, por outro, o Oito e o Nove, em que flo-
res e folhas são ausentes...
Veremos com mais profundidade, no estudo dos Arcanos menores,
como os detalhes das cartas nos guiam em sua significação numerológi-
ca. Mas podemos brevemente, para cada grau, comentar o aspecto mais
evidente de alguns Arcanos:
Os Ases de cada Naipe representam o símbolo sozinho, que ocupa
todo o espaço da carta, como um imenso potencial prestes a ser
posto em prática.
Os Dois. Nas Espadas, Copas e Paus, enormes flores sugerem uma
grande acumulação. No de Ouros, duas enormes moedas buscam
se unir em vista de um contrato.
Os Três. Nas Espadas, Copas e Ouros, a explosão vital é sugerida
entre outras coisas pela exuberância das folhagens.
Os Quatros. Nas Copas, como nos Ouros, a estabilidade é indicada
pelos quatro símbolos colocados nos cantos da carta, como os pon-
tos cardeais definem um mundo equilibrado.
Os Cincos. A emergência de um novo ponto de vista, de um novo
olhar, é manifestada pelo elemento central presente nos cruza-
mentos dos paus do Cinco de Paus. No Cinco de Espadas, percebe-
mos a lâmina da espada no alto do oval, também passando por um
vazio entre as curvas azuis. Esse novo olhar simboliza o ideal do
Cinco.
Os Seis. A entrada no quadrado Céu se manifesta, nas Copas, pela
emergência de um eixo que, como um espelho, une as duas colu-
nas de copas: é o encontro com a alma gêmea. Nos Paus, a forma
das folhas externas muda, elas parecem agitadas por ondas de pra-
zer.
Os Setes. Nas Espadas, a espada central é de cor azul, ela se espiri-
tualiza e extrai a força de sua ação de uma receptividade extrema.
Nos Ouros, encontramos, diferentemente, uma figura triangular
formada por três moedas, enquadrada por quatro outras: é o sím-
bolo do espírito em ação na matéria.
Os Oitos. Evocam quatro aspectos da perfeição: vacuidade medi-
tativa nas Espadas, plenitude nas Copas, concentração extrema
nos Paus e abundância equilibrada nos Ouros.
Os Noves. A crise da passagem se manifesta pelo despojamento
monástico do Nove de Paus, do qual todas as flores desaparece-
ram, ou pelas folhagens murchas do Nove de Copas. Nos Ouros,
assistimos ao nascimento (a moeda central é como a cabeça de um
bebê saindo da matriz). No Nove de Espadas, a lâmina amarela da
espada apresenta uma falha.
Os Dez. Eles nos indicam, cada um à sua maneira, a mutação por
vir rumo ao novo ciclo: na copa superior fechada do Dez de Copas,
vemos se desenhar uma moeda que se tornará o Ás de Ouros. Nos
Ouros, aparece um eixo branco unindo as duas moedas cor de la-
ranja, que se parece com o do Dez de Paus.
Acima: os Ouros. As cartas desta série não possuem números. Nota-se que até o Cinco,
as moedas de ouro são rodeadas por ramos que as isolam nas bordas superior e inferior
das cartas. Isso muda a partir do quadrado Céu: a matéria se espiritualiza.
O lugar das Figuras
As Figuras são em número de quatro. Entre elas, o Cavaleiro, que desa-
pareceu dos jogos de cartas ingleses e só subsiste nas cartas do baralho
de tarô, onde se atribui a ele um valor inferior ao da Rainha, segundo a
lógica de que, baseando-se na hierarquia nobiliárquica, ele seria uma
espécie de vassalo subordinado ao casal real.
No entanto, se observarmos o Tarot de Marselha restaurado, a or-
dem das figuras se impõe diferentemente disso. As Figuras aqui simbo-
lizam uma dinâmica de conhecimento e superação do próprio Naipe,
na qual, mediante indícios notáveis, é possível estabelecer sua ordem
assim: Valete, Rainha, Rei, Cavaleiro.
Os Valetes. Sabemos que a atitude dos Valetes exprime uma dúvi-
da, uma incerteza entre a ação e a inação (ver p. 68). Nesse sentido, po-
demos dizer que o Valete se coloca na dinâmica do primeiro estágio do
retângulo numerológico, no quadrado Terra, entre o 2 e o 3, entre a ges-
tação e a primeira ação. O Valete de Ouros simbolizará, assim, o desejo
de viver, o de Paus o desejo de criar, o de Copas o desejo de amar e o de
Espadas o desejo de ser.
As Rainhas. Em plena união com o próprio Naipe, elas também fa-
zem parte do quadrado Terra: estão entre a estabilidade e a tentação de
um novo ideal, entre o 4 e o 5. A Rainha de Ouros simbolizará, portan-
to, a dinâmica da economia e do investimento, a Rainha de Paus a dinâ-
mica entre segurança e novidade sexual e criativa, a Rainha de Copas
se situa entre uma afeição estável e a tentação de um amor mais eleva-
do, e a Rainha de Espadas, entre o racionalismo e a abertura a um pen-
samento metafísico.
Os Reis. Já no domínio do próprio elemento, eles se abrem para
uma ação mais vasta no mundo. Estão entre o prazer do 6 e a ação irre-
sistível do 7. O Rei de Ouros, comerciante acomodado, empreende tal-
vez a criação de uma multinacional, o Rei de Paus, poderoso criador,
estende sua obra à totalidade do mundo, o Rei de Copas talvez se sinta
atraído pela santidade, e o Rei de Espadas promulga decretos capazes
de mudar o mundo.
Os Cavaleiros. Eles se situam entre o 8 e o 9: superando a perfeição
completa (8) de seus Naipes, seguem um caminho que adentra uma no-
va dimensão (9). Sua ação anuncia a mutação do 10 de um ciclo para
outro. Profetas ou emissários do próprio Naipe, eles se dirigem ao Nai-
pe seguinte para recomeçar o Ciclo.
Cavaleiros e fim de ciclo: como o Dez de um Naipe se
converte no Ás do Naipe seguinte
A numerologia nos ensina que a dinâmica do Tarot é a de um engendra-
mento constante: o final de um ciclo corresponde ao início do ciclo se-
guinte. Assim, A Roda da Fortuna marca o fim do primeiro ciclo dos Ar-
canos maiores, e A Força, que vem em seguida, representa o primeiro
nível do ciclo seguinte.
Da mesma forma, o Dez de cada Naipe (e entre as Figuras, os Cava-
leiros) traz em si já o germe do Ás do Naipe seguinte. Estudaremos,
portanto, como os Naipes, por esse processo cíclico, engendram-se uns
aos outros.
Podemos observar uma correspondência entre o Dez de Espadas e o
Ás de Copas: no Dez de Espadas, pela primeira vez nessa série aparece
uma segunda espada; poderíamos dizer que é a aparição do Outro (ver
página seguinte), ou seja, o início da relação emocional. Por sua vez, o
Ás de Copas contém, no alto de sua torre principal, uma ponta amarela
que lembra a do Nove de Espadas:
Nove de Espadas, Dez de Espadas e Ás de Copas.
Das Espadas às Copas. No grau 10, o Outro aparece sob a forma de uma segunda espa-
da. No Ás de Copas, símbolo do amor em potência, percebemos a ponta de uma espa-
da.
A carta que nos dá o indício mais flagrante sobre essa situação do 10
é o Dez de Copas. Nela, vemos acima das nove copas alinhadas em or-
dem uma copa deitada na qual se forma uma figura florida no centro de
um círculo que lembra as moedas da série de Ouros.
Dez de Copas e Ás de Ouros.
Das Copas aos Ouros. O disco com uma flor cunhada que fecha a décima copa anuncia
a mutação do Dez de Copas em Ás de Ouros.
Os indícios dos dois outros Naipes são fornecidos pelos Cavaleiros,
que, como acabamos de ver, correspondem ao nível 8-9 e anunciam a
ação do fim do ciclo do 10. O Cavaleiro de Ouros leva um pau que virará
o Ás do Naipe seguinte, Paus.
Cavaleiro de Ouros e Ás de Paus
Dos Ouros aos Paus. O Cavaleiro nos dá aqui um indício muito claro: ele segue com o
olhar a moeda espiritualizada que flutua como astro e carrega consigo um pau.
Enfim, a passagem dos Paus às Espadas é sugerida pelo fato de que
no Dez de Paus, o pau central se desdobra e deixa aparecer um eixo
branco, sinônimo da sublimação. Da mesma forma, o Cavaleiro de Paus
monta um cavalo branco, que, com um movimento do joelho, ele faz
mudar de direção. Observemos que a flor que ornamenta o joelho lem-
bra o adorno central da coroa atravessada pela espada do Ás de Espa-
das.
Dez de Paus, Cavaleiro de Paus e Ás de Espadas.
Dos Paus às Espadas. Um eixo branco no Dez de Paus e o cavalo branco do Cavaleiro in-
dicam a sublimação final dos Paus e sua mutação em Espadas.
Assistimos, portanto, a uma espécie de ciclo no qual os Naipes do
Tarot se engendram: o ciclo completo das Espadas é movido pelo pri-
meiro grau das Copas, que, quando chegam ao fim, engendram os Ou-
ros, que, por sua vez, engendram os Paus, que resultam em Espadas, e
assim sucessivamente.
Dada a significação que atribuímos a cada Naipe, poderíamos dizer
que:
As Espadas, o intelecto, ao chegarem ao último grau de seu desen-
volvimento, descobrirão a existência do Outro e precisarão da
energia emocional, das Copas.
As Copas, energia emocional, ao chegarem ao último grau de seu
desenvolvimento, produzirão uma nova vida ou agirão no mundo
concreto, precisando da energia da matéria viva, dos Ouros.
Os Ouros, matéria viva, ao chegarem ao mais alto grau de seu de-
senvolvimento, irão se modificar e se verão diante da necessidade
de se reproduzir, precisando então da energia criativa dos Paus.
Os Paus, energia sexual e criativa, ao chegarem ao mais alto grau
de seu desenvolvimento, irão se desdobrar, se sublimar e descobrir
a androginia que é a essência do pensamento, precisando então da
energia intelectual das Espadas.
Poderíamos esquematizar assim essa circulação, retomando o Arca-
no XXI, O Mundo, como base de orientação (ao lado).
O primeiro elemento dessa circulação, que vai no sentido contrário
dos ponteiros de um relógio, pode ser qualquer um dos centros, porque
nessa lógica eles se engendram infinitamente.
Resumo: dinâmica dos dez graus nos Arcanos maiores e
menores
O Louco. Grande aporte de energia inicial.
Grau 1
Totalidade, muita energia sem experiência.
I O Mago. Tudo está em potência. É preciso aprender a escolher.
XI A Força. Despertar da energia animal.
Ás de Espadas. Todos os pensamentos são possíveis. Aquilo que
pensamos se torna realidade.
Ás de Copas. Toda nossa vida emocional aí está contida, com as
infinitas possibilidades de amar e odiar.
Ás de Ouros. Potencialidade material: saúde, dinheiro, casa, tra-
balho...
Ás de Paus. Energia sexual e criativa em potência.
Perigo do 1: permanecer virtual, não dar o primeiro passo na realida-
de.
Grau 2
Acumulação. Gestação, inação. Repressão de energia.
II A Papisa. Enclausurada, ela estuda enquanto choca um ovo.
Prepara uma ação, mas não a realiza (ainda).
XII O Enforcado. Amarrado, com as mãos para trás, não escolhe
nada. Meditação, introversão ou castigo. Representa também a do-
ação de si mesmo: “Venham me salvar”.
Dois de Espadas. Acumulação de pensamento. Imaginações sem
atos nem estrutura mental.
Dois de Copas. Imaginações amorosas: “Eu não sei o que é o
amor, mas me preparo para ele”.
Dois de Ouros. Um contrato em preparação, ainda não assinado.
Promessas.
Dois de Paus. Puberdade. Acumulação de energia sexual.
Perigo do 2: apodrecer, não entrar em ação.
Grau 3
Explosão de toda a energia acumulada. Adolescência. Ação sem
objetivo.
III A Imperatriz. Violência criativa da primavera, despertar cícli-
co da natureza. Feminilidade potente e criadora.
XIII Demolição, revolução, mudança, ação violenta para destruir o
antigo. Ação renovadora, transformação, mutação.
Três de Espadas. Brotam os botões, forte atividade mental. Entu-
siasmo, fanatismo intelectual.
Três de Copas. Primeiro amor ideal e romântico... antes do início
da vida cotidiana!
Três de Ouros. Novo trabalho, primeiros clientes, primeiro dia
depois de uma operação ou de uma reforma na casa, primeiros pe-
los ou menstruação...
Três de Paus. O primeiro prazer, a primeira criação. Primeira ex-
periência sexual. Talvez primeira ejaculação precoce.
Perigo do 3: a decepção; explodir e acabar fazendo uma coisa qual-
quer.
Grau 4
Estabilização e potência
IIII O Imperador. Potência das leis, figura paterna, racional. Au-
toridade.
XIIII Temperança. Proteção espiritual, circulação interna har-
moniosa.
Quatro de Espadas. Ideias racionais. Sistema de pensamento que
permite compreender o mundo, mente “quadrada”.
Quatro de Copas. Estabilidade emocional... Família, fidelidade,
amizade sólida.
Quatro de Ouros. Boa saúde, salário suficiente, empreendimento
estável.
Quatro de Paus. Sexualidade regular (rotineira?). Santo que faz
sempre os mesmos milagres, artista que repete as mesmas obras.
Perigo do 4: estagnar sem evoluir.
Grau 5
Aparição de um novo ideal, ponte para outra dimensão.
V O Papa. Professor, mestre, guia. Comunicação e união. Serve de
vínculo entre dois mundos, mas sem abandonar o reino terrestre.
XV O Diabo. Tentação. Inconsciente profundo: riqueza, paixão,
criatividade.
Cinco de Espadas. Um conhecimento novo aparece, um novo es-
tudo que se apresenta.
Cinco de Copas. Amor ideal, fanatismo afetivo. Tentação amoro-
sa.
Cinco de Ouros. Introdução de uma nova consciência na matéria:
nova seção de uma empresa, aulas de ioga...
Cinco de Paus. Aparição de um desejo.
Perigo do 5: a mentira, a traição, o pacto canalha. Falar e não praticar.
Grau 6
Prazer, beleza, união. Descoberta do outro. Fazer aquilo de que
se gosta.
VI O Namorado. Três personagens do mesmo nível: união ou
conflito? Nuances infinitas da vida emocional. Fazer aquilo de que
se gosta sob o esplendor do amor universal.
XVI A Torre. Aquilo que estava fechado sai. Volta à terra, ilumi-
nação, alegria, mudança... Dança ao redor do templo.
Seis de Espadas. Alegria de pensar.
Seis de Copas. Encontro da alma gêmea, amor como espelho.
Seis de Ouros. Prazer da prosperidade.
Seis de Paus. Prazer criativo e sexual total.
Perigo do 6: repetir só aquilo que se ama, estabelecer sistemas, tor-
nar-se narcisista e não progredir mais, separar-se do mundo.
ESQUEMA NUMEROLÓGICO DO TAROT
Grau 7
Ação no mundo
VII O Carro. Conquista, triunfo. Viagem, ação resoluta. União do
espírito com a matéria.
XVII A Estrela. Encontrar seu lugar e embelezar o mundo a par-
tir dele, trazer ao mundo uma obra, viver em sua totalidade.
Sete de Espadas. O pensamento encontra sua ação mais elevada
tornando-se receptivo.
Sete de Copas. O amor age no mundo: obra humanitária, por
exemplo.
Sete de Ouros. Materialização do espírito e espiritualização da
matéria. Obra alquímica.
Sete de Paus. Ação sexual e criativa total para com o outro.
Perigo do 7: se mal-empregada, sua imensa energia se torna destruti-
va.
Grau 8
Perfeição receptiva
VIII A Justiça. A Justiça pesa o necessário e corta o supérfluo.
Ela aceita os valores úteis (o verdadeiro é aquilo que é útil) e faz
justiça a si mesma.
XVIII A Lua. Capaz de refletir toda a luz do cosmos, ela represen-
ta a perfeição da intuição, da arte. Mãe cósmica, feminilidade, mis-
tério.
Oito de Espadas. Realização do vazio mental da meditação.
Oito de Copas. Plenitude do coração.
Oito de Ouros. Prosperidade sã, saúde.
Oito de Paus. Concentração de energia que permite a emergência
da magia, do desejo, da criação.
Perigo do 8: a perfeição contém o perigo de não se poder fazer mais
nada para mudá-la e ela corre o risco de nos levar ora para a rigidez, ora
para a loucura.
>Grau 9
Crise oportuna, por uma nova construção. “Entre a vida e a
morte”
VIIII O Eremita. Sabedoria, solidão essencial, confiança no des-
conhecido.
XVIIII O Sol. Nova construção, fraternidade, sucesso, calor. Amor
verdadeiro.
Nove de Espadas. Iluminação e crise positiva. Nova luz mental.
Nove de Copas. Abandonar um mundo afetivo para fundar outro.
Nove de Ouros. Nascimento, também como fim de um mundo.
Nove de Paus. Escolha criativa fundamental: abandonar uma coi-
sa para fazer outra.
Perigo do 9: afundar em uma crise perpétua, viver na solidão e na
tristeza.
Grau 10
Fim de um ciclo e princípio de outro
X A Roda da Fortuna. Tudo está imóvel, mas existe uma manive-
la. Ciclo completo. Grande experiência e falta de energia. Necessi-
dade de ajuda.
XX O Julgamento. Nascimento de uma nova consciência na acei-
tação da ajuda espiritual. Desejo irresistível que se manifesta e as-
cende em direção à sua realização.
Dez de Espadas. O intelecto, cheio de amor, descobre a escuta.
Dez de Copas. Vida amorosa realizada. É hora de passar à ação.
Dez de Ouros. A prosperidade engendra a criatividade.
Dez de Paus. A criatividade chega ao espírito.
Perigo do 10: bloqueio, recusa a passar a algo novo onde se é principi-
ante.
XXI O Mundo. Grande realização total.
Construir a mandala em dez etapas
O exercício de construir a mandala do Tarot é sem dúvida a melhor
maneira de se familiarizar com a totalidade do baralho e de absorver
sua estrutura global. Escolha para tanto uma grande superfície plana e
lisa de aproximadamente 1,80 x 2m.
Nota: A mandala é construída como um espelho, da mesma maneira
como lemos o Tarot. Caso se pretenda construir uma mandala seme-
lhante a um templo oriental (ver Introdução), será preciso inverter as
polaridades direita/esquerda.
1. Separemos as cartas d’O Louco e d’O Mundo. No centro da super-
fície, colocamos O Louco deitado horizontalmente, com o olhar vi-
rado para o céu. Ele representa a energia primordial, o deus interi-
or, o grande arquiteto que sustentará o mundo manifestado. Se o
olhar d’O Louco estiver voltado para baixo, ele se viraria para as
profundezas obscuras e a materialidade densa. O olhar para cima
impulsiona a energia na direção da espiritualidade.
2. Em cima d’O Louco, colocamos o Arcano XXI, O Mundo, que, como
já vimos, é o resumo de toda a estrutura do Tarot. O Louco não será,
portanto, visível no resultado final, mas nós saberemos que é ele
quem sustenta O Mundo colocado no centro da figura, assim como
a energia impensável do universo, invisível, sustenta nosso mundo
visível. O cruzamento dessas duas cartas corresponde à parte do re-
tângulo em que situamos o quadrado Humano, que contém os graus
4, 5, 6 e 7 da numerologia decimal. Pode-se dizer que O Louco en-
contra O Mundo na altura de seu horizonte humano. Nessa confir-
guração, a mulher d’O Mundo e O Louco parecem se entreolhar:
3. Assim como o templo, para se erguer, deve se posicionar em relação
aos quatro pontos cardeais, como a alquimia, com o fogo, o ar, a
água e a terra, estabelece quatro elementos primordiais, da mesma
maneira a mandala deve fixar quatro cantos. O personagem central
d’O Mundo, como já vimos, se situa entre quatro símbolos que cor-
respondem aos quatro Naipes dos Arcanos menores: o boi ou cavalo
cor de carne (Ouros), o leão (Paus), a águia (Espadas) e o anjo (Co-
pas). Coloquemos, portanto, o Ás de cada Naipe sobre o símbolo
correspondente na carta d’O Mundo (a princípio, para termos mais
legibilidade, mostramos o centro da mandala “arejada”; ver a figura
final correta à p. 107).
4. Em seguida, por cima de cada Ás, vamos edificar uma estrutura com
os números de 2 a 10 do Naipe correspondente, seguindo a disposi-
ção do retângulo numerológico. No entanto, não colocamos a carta
10 por cima das cartas 8 e 9, mas ao lado, da maneira sugerida no ca-
pítulo anterior (ver p. 84 e ss.). Agora colocamos as quatro dezenas
correspondentes às quatro energias. A figura obtida é uma suástica,
símbolo do movimento cósmico.
Se essa cruz girasse, giraria ao inverso do movimento dos pon-
teiros do relógio, da ação para a recepção, da direita para a esquer-
da. Esse movimento, que é o mesmo do sangue no corpo humano,
corresponde, como já vimos, ao movimento do personagem central
do Arcano XXI, que olha da nossa direita para a nossa esquerda.
Corresponde também à dinâmica da mutação dos Naipes uns nos
outros (Espadas, Copas, Ouros, Paus) que identificamos anterior-
mente. Pode-se dizer também que os números ativos seguem em di-
reção aos números receptivos.
5. No eixo horizontal da mandala, que corresponde ao horizonte hu-
mano, disporemos agora as Figuras. Elas se organizam lateralmen-
te, na ordem Valete, Rainha, Rei, Cavaleiro, do interior para o exte-
rior. A série de Figuras de Copas se encontrará, portanto, embaixo
do braço de Copas da suástica, à nossa esquerda, junto à série de
Ouros. A série de Figuras de Espadas ficará embaixo do braço de
Espadas da suástica, junto à série de Paus. Dessa forma, o Valete de
cada Naipe ficará em contato, pelo ângulo da carta, com o par 2-3
de seu Naipe. A Rainha ficará sobre a linha do par 4-5, o Rei sobre a
linha do par 6-7 e o Cavaleiro sobre a linha do trio 8-9-10.
6. Enfim, vamos organizar os vinte Arcanos maiores restantes em duas
séries de dez, como no esquema da numerologia.
Vimos que, na primeira das duas séries, os Arcanos realizam
principalmente sua ação para cima (ver pp. 52-4). A série iniciada
por O Mago, onde vemos principalmente os seres humanos, corres-
ponde a uma busca do divino, da luz, do celeste, do ar e da água, da
consciência suprema. Essa série será, então, disposta verticalmente,
acima d’O Mundo, manifestando o trabalho de elevação ao qual os
Arcanos nos incitam.
Os Arcanos XI a XX, por sua vez, realizam principalmente sua
ação para baixo. A série iniciada por A Força, composta majoritaria-
mente por seres míticos, sobre-humanos, como que saídos de um
sonho, corresponde a uma busca em direção ao infernal, ao obscuro,
ao subterrâneo, à terra e ao fogo, ao inconsciente profundo. Essa
série será, então, disposta abaixo d’O Mundo, mergulhando para o
fundo: o Arcano XI, A Força, ficará mais perto do centro e o Arcano
XX, O Julgamento, na extremidade inferior. Essas cartas represen-
tarão, assim, o trabalho de aprofundamento que seus símbolos su-
gerem.
7. O grau correspondente ao 10 (Arcanos X e XX) ficará acima e não ao
lado do par VIII-VIIII como na disposição dos Arcanos menores. É
mais uma vez o Tarot quem nos dá o indício dessa organização: en-
quanto nos Arcanos menores o último grau indica uma mutação pa-
ra outro Naipe, no caso dos Arcanos maiores estamos diante de um
retorno circular. No alto da mandala, A Roda da Fortuna incita, de-
pois do caminho da elevação (o animal amarelo), a efetuar um re-
torno na direção das profundezas (o animal cor de carne). Na parte
de baixo da mandala, encontramos o Arcano XX, no qual, das pro-
fundezas da Terra, surge o andrógino espiritual azul-celeste, cha-
mado irresistivelmente pela trombeta angelical (símbolo da cons-
ciência cósmica) a se levantar novamente. Eis, então, a mandala
completa (ver p. 105).
8. Vemos que o centro dessa mandala é uma figura geométrica de oito
lados (octógono). Essa figura nos remete à geometria fundamental
do taoísmo, onde os trigramas do I Ching são representados inscri-
tos em um octógono regular, no centro do qual está simbolizado o
princípio binário da criação (Yin e Yang). A cada um dos lados da fi-
gura corresponde uma direção cardeal: norde, nordeste, leste, su-
deste, sul, sudoeste, oeste, noroeste. Por outro lado, as pias batis-
mais costumam ter uma base octogonal, pois essa forma, no simbo-
lismo cristão, remete à vida eterna e à ressurreição. Vemos aqui seis
cartas que se inscrevem no centro desse octógono, e da mesma for-
ma, o hexágono se inscreve no octógono como símbolo do enterra-
mento do ego individual em sua tumba antes de renascer na graça
do Ser essencial:
9. Se traçarmos círculos concêntricos tendo o cruzamento O Louco-O
Mundo como centro, perceberemos que as cartas de mesmo nível se
encontram todas no mesmo círculo, exceto o Dez dos Arcanos me-
nores, que seguem sua dinâmica de engendramento circular, en-
quanto os níveis 10 dos Arcanos maiores seguem a dinâmica em ci-
ma-embaixo.
10. Se visualizarmos a mandala em três dimensões, devemos vê-la co-
mo uma cruz de seis braços, conforme na figura abaixo.
O eixo dos Arcanos maiores será então o eixo vertical, e pode-
mos distribuir os Arcanos menores sobre os quatro planos frente,
trás, e direita, esquerda, em um movimento giratório.
A mandala do Tarot
Os Arcanos maiores constituem o eixo vertical, espiritual da mandala. Em sua forma fi-
nal, onde o Ás de cada Naipe está posto sobre o símbolo que lhe corresponde na carta
d'O Mundo, a mandala do Tarot adquire sua força máxima
As onze cores do Tarot
Cada cultura, religião, tradição dá sua própria versão do simbolismo
das cores. No entanto, existe um fundo comum: o combate (ou a dança)
entre a luz e a escuridão gera a cor. A depender do predomínio da luz
ou da escuridão, a gama de cores aparece.
Chegado o momento de classificar as cores, devemos reconhecer
que o Tarot as mostra em sua diversidade, sem sugerir uma ordem pre-
cisa – diferentemente da estrutura das cartas que, como acabamos de
ver, nos dá indícios sobre a numerologia e a orientação do Tarot.
Toda classificação das cores deverá, portanto, ser relativizada, po-
dendo-se adotar a qualquer momento diferentes estruturas para nos
ajudar na interpretação. As cores são sempre ambivalentes: seu signifi-
cado não pode ser puramente positivo ou negativo. Quanto ao significa-
do simbólico, variam segundo as culturas e, mais uma vez, não sendo
possível reduzi-las a um sistema de equivalências estritas. As pistas su-
geridas a seguir são, portanto, proposições abertas que não pretendem
esgotar o estudo das cores.
Simbolismo das cores
Eis aqui algumas indicações úteis para nos orientar na leitura do Tarot.
Negro. Remete a duas noções opostas e complementares. De um
lado, a ideia do vazio: ausência total de luz, nenhuma cor. Os mon-
ges zen usam roupas negras. Da mesma maneira, na Subida do
Monte Carmelo, San Juan de la Cruz diz que para chegar a Deus é
preciso ir além de onde se está, “passar pela noite escura da fé”.
Reduzimo-nos ao vazio, desaparecemos, paramos de pensar e en-
tramos no nada.
Mas, por outro lado, o negro é também o magma criador que
contém todos os germes da vida, a matéria primordial: o nigredo
alquímico, massa amorfa de podridão que serve de substrato à pu-
reza. O caos onde começa a ordem: toda vida germina primeiro na
escuridão.
Branco. Ao contrário do negro, o branco é a união luminosa de to-
das as cores, uma realização em que tudo chega à unidade perfeita,
à purificação. É a antítese da cor de carne e do negro. Do ponto de
vista negativo, o branco remete também ao frio mortal da neve, do
medo. É a cor de Deus ou da morte.
O negro e o branco determinam os extremos entre os quais se
desenvolvem as outras cores. Poderíamos colocar no centro a cor
de carne.
Cor de carne. É a cor específica da pele humana na área cultural
ocidental onde se desenvolve o Tarot. A cor de carne representada
aqui é a da carne viva, evocando a vida presente – como o negro
pode falar do passado e o branco do futuro, se assim o desejarmos.
Também não podemos dizer que a cor de carne seja positiva ou
negativa em si: ela adota todas as formas psíquicas do ser humano,
o bem e o mal. É o ambíguo por excelência. Existem em nós o céu
e o inferno, a violência e a paz. Todos os opostos se reúnem na cor
de carne.
No âmbito da vida material, encontram-se o vermelho e o verde.
Verde. Cor vital da exuberância, evoca a Natureza dominante,
eterno nascimento, perpétua transformação. O profeta Moham-
mad adotou-a como símbolo da eternidade. O verde é uma explo-
são de vida em si: a vida vegetal só age onde lançou raízes. É por
esse motivo que o verde pode também significar a absorção, o
afundamento. No inconsciente, o verde simbolizará o apego à mãe.
Se a mãe Natureza nos dá a vida, também pode nos prender, nos
privar da liberdade, nos enterrar.
Vermelho. Poderia representar a parte ativa da terra: fogo central,
sangue, calor. É a cor da atividade por excelência. Negativamente,
o vermelho evoca a violência do sangue derramado, o perigo, a in-
terdição. Se o sangue está no exterior, significa a morte; se circula
no interior do corpo, o sangue representa a vida.
Entre as cores celestes, encontram-se o azul e o amarelo.
Azul. É a cor por excelência da recepção. Cor do céu e do oceano,
evoca também o apego ao pai. Sua dimensão negativa poderia ser
uma imobilização, uma asfixia: quando o sangue não é mais purifi-
cado pelo oxigênio, ele fica azul.
Amarelo. Luz do intelecto e da consciência, ele foi comparado ao
ouro, símbolo da riqueza espiritual. Na alquimia, a pedra filosofal
transmuta todos os metais em ouro. Sua negatividade poderia ser a
secura.
Roxo. Essa cor é a mistura do vermelho, o mais ativo, com o azul, o
mais receptivo. Essa união de dois extremos representa a sabedo-
ria suprema. Enquanto Cristo começa a falar aos discípulos vesti-
do de vermelho, ele é crucificado de roxo, em plena sabedoria. No
entanto, o roxo é também a cor do sacrifício: identificado com os
ritos funerários. Mas na verdade se trata da morte do ego. Encon-
tramos muito pouco roxo no Tarot, pois ele representa o maior dos
segredos: dominar o eu para chegar à vida impessoal.
Podemos, sobre essas bases, estabelecer a tabela da página seguinte.
Diversas “mandalas” das cores
Encontramos no Tarot restaurado onze cores: negro, verde-escuro, ver-
de-claro, vermelho, cor de carne, laranja, amarelo-claro, azul-escuro,
azul-celeste, branco e alguns traços de roxo. Como organizá-las entre
si?
Em toda cultura humana, no começo da inteligência, há uma con-
cepção do universo. Segundo essa concepção, o homem vive entre o
céu e a terra. Hoje em dia, a tradição em que vivemos nos diz que a ter-
ra é a mãe e o céu é o pai. Mas existia a concepção inversa em outras
culturas mais antigas, no Egito e na África. O homem se situa, portanto,
entre essas duas instâncias das quais é resultado, para separá-las ou fa-
zer com que se comuniquem.
Na nossa tradição, que é a do Tarot de Marselha, o Céu é o símbolo
da espiritualidade e a Terra, da vida material. O homem se situa entre
as duas.
Se admitirmos que o laranja é um amarelo escuro, pode-se dizer
que há três cores que se declinam em um tom claro e um tom escuro: o
azul, o verde e o amarelo.
O negro, o branco e o roxo são cores sem nuance. Quanto às cores
vermelha e carne, seu parentesco é interessante: de certo modo, pode-
se considerar a cor de carne uma variante mais clara do vermelho.
AS CORES DO TAROT
Cor Sentido positivo Sentido negativo
Roxo O impessoal, a sabedoria Sacrif ício, morte.
Branco Pureza, êxtase, imortalidade. Frieza mortal, egoísmo.
Azul-cla- Dependência diante do
Receptividade às forças celestes.
ro pai, imobilização.
Azul-es-
Receptividade às forças terrestres. Despotismo, tirania.
curo
Amare- Clarividência, consciência, inteli- Secura, crueldade, espírito
lo-claro gência ativa. seco, sem emoção.
Amare-
lo-escu- Consciência, inteligência receptiva. Loucura, destruição.
ro
Cor de Materialismo, repressão
Humanidade, vida, prazer carnal.
carne carnal.
Verme-
Reino animal, atividade. Violência criminal.
lho
Verde- Natureza ligada às forças celestes, Dependência diante da
claro reino vegetal. mãe, inveja.
Verde- Natura naturans, natureza criadora,
Afundamento, absorção.
escuro ligada às forças terrestres
Magma criativo, trabalho das pro- Caos, regressão,
Negro
fundezas pulsão de morte.
O vermelho da animalidade, do puramente terrestre e ativo, se espi-
ritualiza na cor de carne que simboliza o humano. Mas também se pode
considerar essas duas cores como entidades completas.
Veremos também se destacar um grupo de cinco cores “francas”,
sem matizes claros ou escuros, que serão: negro, branco e vermelho (as
três cores mais conhecidas da obra alquímica), carne (humano) e roxo
(impessoal, andrógino).
Segundo essa organização, a cor de carne se encontra no centro, co-
mo o horizonte humano do Tarot. No céu, no mais alto, a cor branca
que contém todas as cores representará a pureza, a euforia da vida, a
imortalidade, a perfeição, a um grau quase inumano. No branco divino,
nasce o azul-celeste, depois o amarelo que lembra a vibração do sol.
A cor de carne forma o horizonte, a linha de separação ou de união
entre o céu e a terra. Ela simboliza o reino humano, o prazer e sua re-
pressão.
No mais baixo, na base mais extrema, colocaremos o negro, vibra-
ção que não contém nenhuma outra cor, magma criativo das profunde-
zas do inconsciente. Por cima do negro, nasce o mundo vegetal, a cor
verde. No verde-claro, a natureza está em relação com as forças celes-
tes e o verde escuro representa a natureza criadora, as forças terrestres.
O vermelho vem em seguida, potência vital, criativa e violenta, que
possui o dom da vida e da morte.
O roxo é pensado como o traçado do retângulo, assim como na
mandala O Louco, escondido embaixo d’O Mundo, sustenta a totalida-
de da construção.
As cores se organizam, então, segundo o esquema ao lado.
A cor de carne também pode ser interpretada como um laranja
mesclado de branco.
A cor de carne representaria o ser humano, vitalidade impregnada
de consciência, enquanto o laranja seria a cor do crescimento vital ati-
vo sem consciência divina.
O amarelo se torna, então, a cor da luz celeste e o vermelho, do
magma terrestre, atividade pura.
Branco Pureza
Azul-celeste Receptividade espiritual
Azul-escuro Receptividade intuitiva, terrestre
Amarelo Inteligência
Carne Domínio humano, vida consciente
Horizonte, traço de união e limite ação/recepção e
Roxo
Céu/Terra
Laranja Domínio vital da pura matéria
Vermelho Atividade
Verde-claro Natureza celeste
Verde-escu-
Natureza terrestre
ro
Negro Aquilo que se enterra, escondido, inconsciente
Segundo essa hipótese, as cores “francas” são o negro, o vermelho, o
amarelo, o branco (as quatro cores da obra alquímica) e o roxo, união
mística entre ação e recepção.
Assim obtemos o esquema de organização das cores tal como repre-
sentado ao lado.
Também podemos organizar as cores segundo dois outros esque-
mas correspondentes à numerologia do Tarot. Um deles se baseia no
duplo quadrado, o outro se inscreve em um círculo e se inspira no es-
quema simbólico do Arcano XXI, O Mundo.
O esquema circular. Corresponde a uma visão do mundo que con-
siste em representar a totalidade não como um retângulo, mas como
um círculo, universo em constante expansão, nascido de um ponto cen-
tral. Esse círculo é em seguida atravessado por um horizonte que, como
no Gênesis, separa o Céu da Terra (figura 1, p. 116).
A subdivisão vertical esquerda/direita separa em seguida o “femini-
no” receptivo do “masculino” ativo: é Eva nascida do sonho de Adão e
de sua costela. Vemos aparecer então quatro quartos de círculos aos
quais, seguindo o esquema proposto pelo Arcano XXI (ver p. 65), pode-
remos atribuir os quatro elementos correspondentes aos Naipes dos
Arcanos menores: Ouros, ou centro corporal; Paus, ou centro sexual
criativo; Copas, ou centro emocional; e Espadas, ou centro intelectual.
Cada cor encontrará seu lugar segundo o Naipe atribuído (figura 2).
Pode-se preferir associar os Ouros ao amarelo do ouro; os Paus ao
verde da atividade natural; as Copas ao vermelho do amor divino; e as
Espadas ao azul etéreo e celeste. O negro continua na base da terra, e o
branco no zênite do céu, enquanto o roxo, cor do andrógino (persona-
gem central do Arcano XXI) fica no centro do círculo. Agora ficou evi-
dente que os tons mais claros serão os mais próximos do céu; e os mais
escuros, os mais próximos da terra. Segundo esse esquema, associare-
mos a cor de carne ao vermelho claro (figura 3).
Encontraremos, então, as seguintes correspondências:
Terra/ativo: vermelho e cor de carne; Terra/receptivo: amarelo e la-
ranja; Céu/ativo: azul-claro e azul-escuro; Céu/receptivo: verde-claro e
verde-escuro; Centro: violeta; Zênite: branco; Nadir: negro.
O esquema retangular, que já conhecemos, inclui um lado esquer-
do receptivo e um lado direito ativo. Se aceitarmos que as cores ditas
frias são receptivas e as cores ditas quentes ativas, podemos dividir um
duplo quadrado seguindo as leis de orientação do Tarot, como ilustrado
abaixo.
Vemos, portanto, que não existe uma única maneira exclusiva de or-
ganizar as cores. Segundo a leitura, essas diferentes estruturas podem
nos ajudar a interpretar os símbolos, mas seria um erro pretender que
se pode organizar as cores em um único esquema que limite seus signi-
ficados.
Uma arquitetura da alma
Deixando de lado todos os “iniciados” e suas versões “esotéricas”, re-
solvi que o verdadeiro mestre era o próprio Tarot... Foi um longo traba-
lho metódico que exigiu da minha parte uma grande paciência. Com
uma lanterna mágica, projetei os Arcanos sobre grandes cartolinas e os
copiei nos mais ínfimos detalhes. Identifiquei-me com cada persona-
gem, falando em seu nome e também em nome de seus detalhes: imagi-
nei o que dizia o bastão vermelho d’O Louco, ou a águia fetal que A Im-
peratriz acaricia, a coroa que se abre e se fecha no alto d’A Torre, ou a
flauta de osso que jaz no solo negro do Arcano XIII. Observando a per-
na esquerda da mulher nua d’A Estrela, pude notar o traseiro de uma
criança; entre as chamas (ou a pluma, ou a cauda de uma entidade) e a
coroa d’A Torre, descobri a cabeça de um fantasma etc. Como os dese-
nhos muitas vezes parecem se completar fora do quadro retangular,
numerosas questões se me impuseram. A mesa d’O Mago tem um quar-
to pé fora da carta? O que O Enforcado tem nas mãos? O que O Louco
leva em sua trouxa? O que há por trás do véu d’A Papisa? O príncipe d’O
Carro é um anão montado em um pedestal? O vermelho da lâmpada
d’O Eremita é de sangue? etc. Milhares de perguntas para as quais não
tentava dar uma resposta exata – não havia, pois a imaginação é infinita
–, mas encontrar uma que no momento me satisfizesse, que me fosse
útil, mesmo que depois me ocorresse e se impusesse uma outra solu-
ção.
Sentei-me e me pus a meditar e a rever as cartas na imaginação,
uma por uma, durante horas. Pouco a pouco, eu me dei conta de que ca-
da uma delas agia à maneira de um talismã. Não eram simples imagens,
mas, de certa maneira, eram seres, cada qual com uma personalidade
diferente, impossível de definir com palavras. Tendo gravado esses de-
senhos na memória, ao ter as cartas nas mãos, existentes ao mesmo
tempo no mundo exterior e em meu espírito, me dei conta de sua infi-
nita complexidade. Quando queria interpretar as frases ópticas que me
davam a união de dois ou mais Arcanos, via-me obrigado a traduzir em
palavras, o que equivalia a limitá-las. Além de nomeá-la, quem pode di-
zer o que é uma cor? Todo poeta que tentar conseguirá se aproximar da
essência da cor, mas sempre de maneira subjetiva e imprecisa...
A essa dificuldade insuperável, agregou-se outra: me dei conta de
que as cartas não só “falavam” quando estavam juntas uma ao lado da
outra, mas também quando estavam uma em cima da outra. Misturan-
do mentalmente os desenhos, fui capaz de imaginá-los transparentes.
Quando os sobrepus, eles me indicaram que se correspondiam ao obe-
decer a unidades de medida complexas. Tive a confirmação de que o
Tarot havia sido criado a partir da transparência no livro do egiptólogo
René Adolphe Schwaller de Lubicz, Le Temple de l’homme1, no qual ele
afirma a mesma coisa a propósito do templo de Luxor: “Na ‘transparên-
cia’, se o muro fosse de vidro, seria possível ver, por exemplo, traçado
no verso, um signo ou uma figura que vinha completar um vazio no an-
verso”. Alguns exemplos: o cetro d’O Imperador podia ser o eixo do sol
do Arcano XVIIII; o cetro d’A Imperatriz tem o mesmo comprimento
do bastão d’O Papa; o Ás de Ouros completa o semicírculo central do Ás
de Copas. As combinações são infinitas. Como traduzir essas mensa-
gens em palavras?... Tudo o que já havia sido dito, o que ainda se dizia e
se diria sobre os significados dos Arcanos só podia ser uma explicação
subjetiva, jamais uma definição exata. Aqueles que afirmavam “Este é o
significado tradicional do Arcano” eram aprendizes ingênuos de magos
ou charlatães.
Durante muito tempo, com muita pena, guardei meu Tarot numa
caixa, julgando impossível conseguir utilizá-lo de maneira objetiva.
Uma noite tive um sonho que me indicou o caminho a seguir.
Me vi caminhando nu por um deserto de areias brancas. Uma lebre
azul com as orelhas cortadas veio lá do alto de uma duna e se encostou
aos meus pés. Ao me tocar, sua cabeça mudou de forma e a lebre adotou
a minha cabeça. Nossos corpos se integraram, formando um só corpo.
Era eu ao mesmo tempo uma testemunha humana e um guia animal.
Cheguei, chegamos, ao horizonte, que era roxo. Equilibrando-se sobre
essa linha, apareceu O Louco, gigantesco. Olhou-me com cumplicidade,
abrindo sua trouxa para o céu. As estrelas se desprenderam e, converti-
das em pirilampos, desceram para entrar na trouxa. O Louco virou a
trouxa para a terra, onde caíram esses insetos luminosos convertidos
em sementes. Produzindo com seus guizos sons de uma delicadeza an-
gelical, ele abriu sua casaca e me mostrou seu peito verde e me convi-
dou para entrar nele... Como uma rã que se lança num lago milenar,
submergi no gigante... Tive a impressão de explodir, transformando-me
numa nuvem de energia. Incessantemente, milhares de imagens me
submergiram numa voragem, fui incontáveis seres ao mesmo tempo,
tudo aquilo se resumiu numa gargalhada cataclísmica exalada por uma
boca imaterial. Lembro que transformado nesse caos chamado O Lou-
co, me lancei em direção ao firmamento, atravessando o cosmos a uma
velocidade tremenda. De repente me encontrei num céu sem astros, no
centro do qual brilhavam duas pirâmides, uma negra e uma branca, ar-
ranjadas de tal maneira que formavam um volume de seis pontas... Esse
corpo, que eu senti ser dotado de uma consciência sem limites, me
atraiu como um ímã a um pedaço de metal. Me deixei absorver. Explodi
convertido em luz. Acordei cheio de energia com a sensação de ter co-
nhecido a felicidade.
Esta experiência onírica – que me inspirou a criar, com Moebius, a
história em quadrinhos Incal2 – me revelou como estudar o Tarot.
Compreendi que cada Arcano, tendo características diferentes dos ou-
tros, agia no inconsciente como um arquétipo. “O arquétipo é uma for-
ça. Pode se apoderar de nós subitamente [...] É a organização biológica
do nosso funcionamento psíquico da mesma maneira que nossas fun-
ções biológicas e psicológicas seguem um modelo. [...] O homem tem
um modelo, uma forma que o faz especificamente homem e ninguém
nasce sem isso. Somos profundamente inconscientes dessas coisas,
uma vez que vivemos a partir de nossos sentidos voltados para o exteri-
or de nós mesmos. Se o homem pudesse olhar dentro de si mesmo, ele
o descobriria. [...] Esse aspecto da personalidade humana, reprimido na
maioria dos casos devido a sua incompatibilidade com a imagem que
temos de nós mesmos, não se compõe somente de traços de caráter ne-
gativos, mas representa igualmente a totalidade do inconsciente: é,
quase como regra geral, a primeira figura sob a qual o inconsciente se
apresenta à consciência. [...] Não sabemos o que é um arquétipo (isto é,
do que é feito) porque a natureza da psique não é acessível a nós, mas
sabemos que existem arquétipos e que provocam efeitos. Quanto me-
lhor compreendermos os arquétipos, mais participaremos de sua vida e
mais fortemente apreenderemos sua eternidade, sua intemporalida-
de.”3 Para podermos conhecer os Arcanos, é preciso entrar neles, des-
provido de palavras. Ou melhor, seria preciso se deixar possuir por
eles.
Tive a sorte de naquela época estar em contato com um grupo de
adeptos do vodu que trabalhava com divindades que me lembravam os
Arcanos maiores. Cada divindade tinha um ritmo musical, um traje, ob-
jetos pessoais, uma forma de se mover e de atuar. Havia Legba, ancião
coxo, caminhando apoiado numa muleta, coberto de farrapos, de apa-
rência débil, mas no fundo de uma força tremenda; Agwé, vestido de
oficial da marinha, com luvas brancas, soprando com todas as suas for-
ças para imitar os rugidos de uma tempestade marinha; Azaka, homem
do campo, com um chapéu de palha, uma blusa azul, desconfiado, ansi-
oso, temendo ser roubado pela gente da cidade; o colérico guerreiro
Ogoun, com quepe à francesa e dólmã vermelho, brandindo um sabre
ou um facão; a sedutora Ezili, com joias e saias rosadas e azul-celeste,
maquiando-se incessantemente; o Barão Samedi, emissário da morte,
com uma cartola e vários pares de óculos escuros e os bolsos do fraque
furados: tudo o que ele guarda cai no chão etc. Por meio de atos rituais,
os adeptos caíam em transe, tornando-se “cavalos” que eram “cavalga-
dos” pelas divindades... Disse a mim mesmo: “É preciso trabalhar o Ta-
rot da mesma maneira que os adeptos do vodu. Devo sentir cada carta,
deixando-me absorver, me colocar a serviço de sua expressão”. E assim
o fiz: quando “fui” O Mago, senti a energia do cordão amarelo que con-
tornava meu chapéu, unindo-me com os universos distantes para me
aportar uma Consciência cósmica que explodia nos oito poderosos sóis
que se aninhavam em meus cabelos. Segurei em uma mão a varinha do
mago, capaz de captar as energias divinas para injetá-las na matéria e
produzir milagres. Na outra mão, segurei a esfera de ouro capaz de cu-
rar todos os males da humanidade... Senti os movimentos ágeis do per-
sonagem, sua inteligência, sua astúcia, sua capacidade de atenção, sua
rapidez. Com minha imensa destreza, eu era um ladrão metafísico que
podia roubar dos deuses o segredo da imortalidade...
Pacientemente, dia após dia, realizei esse mesmo exercício, um por
um, ao longo dos 77 outros Arcanos. Quando eles entraram no meu in-
consciente, gravando-se como se tivessem feito desde sempre parte dos
meus sonhos, tentei fazê-los falar. O que diria A Torre ou o Arcano XIII
ou o Valete de Copas ou o Nove de Paus etc.? Deparei-me com outra di-
ficuldade. Ainda que, quando eu entrava em transe, todos os Arcanos
falassem, às vezes sob a forma de poemas, nada podia garantir que suas
palavras fossem objetivas, que elas viessem de um mundo exterior a
mim. Com toda probabilidade, esses discursos eram manifestações da
minha subjetividade, meros autorretratos... Visualizei uma vez mais os
22 Arcanos maiores para ver de que maneira eu me projetava neles.
Sem dúvida, o Sol, XVIIII me lembrava minha cidade natal, Tocopilla,
erguida às bordas do deserto de Tarapacá, o território mais seco do pla-
neta, onde ficou sem chover durante séculos. Esse Sol continha para
mim ameaças mortais de secura. Por outro lado, ao unir seu disco fla-
mejante ao cetro d’O Imperador, não conseguia evitar ver Jaime, meu
severo pai, tão avaro de carícias, tão “seco” no plano emocional. Cons-
tatei que três cartas me aterrorizavam: A Justiça, O Enforcado e o Ar-
cano XIII. À primeira vista, esses personagens me davam a sensação de
um castigo imposto pela lei. O juiz implacável condenava à tortura al-
guém que havia cometido um ato ilegal. A Morte não só o eliminava,
mas a humanidade inteira, o planeta, as estrelas, o universo. Esse terror
me pareceu infantil; no entanto, ao senti-lo incrustado na medula de
meus ossos, compreendi que A Justiça era minha mãe grávida, que O
Enforcado era eu, em estado fetal, e que o Arcano XIII eram os desejos
de me eliminar que ela lançava sobre meu organismo. Na época em que
fui concebido, sem ser desejado, meus pais se odiavam. Minha chegada
instalou entre eles uma relação sufocante. Os nove meses de gestação
se converteram para mim numa luta para sobreviver. Isso tudo fez com
que eu nascesse impregnado de um terror visceral. A cada instante, eu
sentia a ordem: “Você está proibido de viver. Você é culpado de ter in-
vadido nosso mundo. Você não devia ter resistido ao cordão umbilical
que o estrangulava. Para nós, você é um veneno”. Compreendi que era
por isso que muitos anos mais tarde, apesar de viver relativamente fe-
liz, de tempos em tempos, talvez a cada nove meses, eu sentia desejos
de morrer... Sentia-me dominado pela frieza de minha mãe, que bran-
dindo uma espada imaginária, como A Justiça, decretava: “Você não
tem o direito de nascer, obedeça a minha ordem: desapareça”. O que eu
podia fazer?
O estudo do Tarot se tornou para mim uma terapia. Comecei a tra-
balhar sobre minhas projeções... Podemos dar uma infinidade de inter-
pretações a um sonho – supersticiosas, psicanalíticas, míticas etc.; eu
disse a mim mesmo: “Se as imagens surgidas do inconsciente têm in-
contáveis significados, e se todas são minhas, devo rechaçar aqueles
que são produto da angústia e escolher os que me aproximem mais da
consciência divina”. Ainda que tenha sido educado por um pai ateu que
zombava de todos os livros sagrados, eu me permiti falar de “Deus”
porque no Arcano XVI (em francês, La Maison Dieu) aparece a palavra
Deus, e pelo menos metade dos Arcanos maiores têm relação com o
pensamento religioso. O Louco, que avança olhando para o céu, pode
muito bem ser um monge iluminado; o Arcano XIII traz gravadas no
crânio as quatro letras sagradas, Yod-He-Vav-He, que formam o nome
do Deus hebraico (ver p. 219–20); A Papisa e O Papa estudam e difun-
dem um texto sagrado; há anjos em O Namorado, Temperança, O Jul-
gamento e O Mundo, e no Arcano XV aparece o Diabo, anjo caído. O
Enforcado poderia muito bem representar Jesus Cristo, entregando-se
em sacrifício. Ele está pendurado entre duas árvores sobre as quais se
podem ver doze gotas vermelhas que representam os apóstolos. E ain-
da que considerássemos essa interpretação falaciosa, não se poderia
negar que o personagem traz no peito as dez sefirot da Árvore da Vida
cabalística... Não podendo refutar o chamado místico que o Tarot pro-
duz, fiel aos ensinamentos ateus de meu pai, tentei elucidar o tema
“Deus” interpretando O Louco como energia vital, A Papisa e O Papa
como a anima e o animus junguianos, o anjo d’O Namorado como a for-
ça libidinal, O Enforcado como o ego que se entrega à Essência, o Arca-
no sem nome (XIII) como a vontade de transformação pela eliminação
do supérfluo, Temperança como a comunicação interior, O Diabo como
as pulsões do inconsciente coletivo, o anjo d’O Julgamento como uma
dimensão superior da consciência, e O Mundo como a alma universal.
No entanto, por mais que eu tentasse, não pude apagar a palavra Deus
do Arcano XVI... Apesar de minha arraigada educação ateia, me vi obri-
gado a enfrentar essa exigente pergunta do Tarot: “O que é Deus para
você?”.
Para mim, o “personagem” Deus, ator principal de toda obra sagra-
da, não podia ter nome, nem forma humana, nem sexo, nem idade. Não
podia ser propriedade exclusiva de nenhuma religião. Qualquer deno-
minação ou atributo que lhe dermos, será apenas uma aproximação su-
persticiosa. Impossível de definir com conceitos ou imagens, inacessí-
vel quando perseguido, sendo tudo, é absurdo tentar lhe acrescentar
qualquer coisa. Única possibilidade: recebê-lo. Mas como, se é inconce-
bível, impalpável? Pode-se recebê-lo apenas por mudanças e mutações
que ele aporta à nossa vida em forma de clareza mental, felicidade
amorosa, capacidade criativa, saúde e prosperidade. Se o imaginamos
eterno, infinito e todo poderoso, é unicamente por comparação com
aquilo que pensamos de nós mesmos: finitos, efêmeros e impotentes di-
ante dessa transformação que convencionamos chamar de “morte”. Se
tudo é Deus e Deus não morre, nada morre. Se tudo é Deus e Deus é in-
finito, nada tem limites. Se tudo é Deus e Deus é eterno, nada começa
nem nada termina. Se tudo é Deus e Deus é todo poderoso, nada é im-
possível... Sendo incapaz de nomeá-lo, e de crer nele – n’Ele –, posso
senti-lo de maneira intuitiva no mais profundo de mim mesmo; posso
aceitar sua vontade, essa vontade que cria o universo e suas leis, e ima-
giná-lo como aliado, aconteça o que acontecer. “Sou teu... Tenho confi-
ança em ti.” Isso é tudo, não preciso dizer mais nada, as palavras não
são um caminho direto, elas o indicam mas não o percorrem. Aceito
pertencer a esse mistério incomensurável, entidade sem ser ou não ser,
sem dimensão, sem tempo. Aceito me entregar a seus desígnios, e con-
tar que minha existência não seja um capricho, nem uma brincadeira,
uma ilusão ou um jogo, mas uma necessidade inexplicável de sua Obra.
Saber que essa permanente impermanência faz parte daquilo que meu
espírito concebe como projeto cósmico. Crer que sendo uma engrena-
gem ínfima da incomensurável máquina participo de sua eternidade,
que essa mudança que meu corpo chama de “morte” é a porta que devo
atravessar para submergir naquilo que meu coração sente como um
amor total, que meu centro sexual concebe como um orgasmo sem fim,
que meu intelecto nomeia “vacuidade iluminada”.
Como o Tarot nos apresenta Deus? Ele o apresenta como A Torre
(La Maison Dieu), edifício misterioso onde mora o universo que, unidos
a ele como estamos, é o nosso corpo. Somos inquilinos de um Senhor
que nos alimenta e sustenta e mantém na vida pelo lapso de tempo que
Sua vontade decidir. Dessa casa, refúgio seguro, podemos fazer um jar-
dim ou um lixo, um lugar onde florescerá nossa criatividade ou um
canto sombrio onde reina o mau gosto e o mau cheiro; entre esses mu-
ros impassíveis podemos procriar ou nos suicidar. A casa não tem um
comportamento, ela está ali, sua qualidade depende do uso que faze-
mos dela. Podemos fazer um templo ou uma prisão. Essa “Casa Deus”
que nos mostra o Tarot aporta o tesouro da imortalidade, mas não co-
mo um presente. A humanidade deve ganhar esse prêmio. Se não con-
segue, por um mau uso do dom, está condenada a desaparecer.
Vemos no Arcano XVI uma torre parindo seres humanos (ver p.
239). Uma forma indefinível – raio, pluma, cometa, energia – subtrai
um pouco de poder da coroa, vontade humana racional, a fim de que os
seres iluminados, sob a dança eufórica dos astros, tomem consciência
de que Deus não está no “mais além” mas na própria matéria. Os dois
acrobatas, talvez homem e mulher, acariciam as plantas; um deles se
une, por um prolongamento azul que lhe sai do peito, às montanhas,
banhadas pela cor azul-celeste. A forma indefinível assim como a co-
roa, os astros, a torre, as plantas e as montanhas fazem parte da cons-
ciência desses dois seres.
Compreendendo assim a unidade divina, origem do criado, nós nos
encontramos diante de uma impotência da linguagem racional que,
com seu sistema conceitual sempre em busca de diferenças e limites,
desejaria compreender, definir, explicar uma realidade onde absoluta-
mente tudo está unido e forma um só corpo. Se aceitarmos o fato de
que cada conceito não constitui a realidade, mas é dela um retrato re-
duzido, aprenderemos a utilizar as palavras não tanto como definições
do mundo, mas como símbolos que o representam.
Um símbolo permite uma infinita variedade de significados, tantos
quantos forem os indivíduos que percebam. Assim, uma cruz pode ter
níveis de interpretação extremamente diversos, desde um instrumento
de tortura ao ponto divino central gerador dos quatro elementos que
constituem o universo, ou o Cristo formado pelos quatro Evangelhos,
passando pela cruz do espaço e do tempo... Cada Arcano do Tarot, ten-
do como fundamento a presença indefinível d’O Louco, não apresenta
só uma definição, já estabelecida ao longo dos séculos que nos precede-
ram: são Torres, ou “Casas Deus”, abertas a interpretações infinitas. Pa-
ra os espíritos que funcionam exclusivamente com uma lógica aristo-
télica, isso é sem dúvida inaceitável. Essas pessoas exigirão que lhes
deem significados precisos, “símbolos estanques”. “Um Arcano é isso e
mais nada! Não pode ser luz e escuridão ao mesmo tempo! Não pode
ter infinitas interpretações; a subjetividade do tarólogo deve ser excluí-
da!” Aos símbolos estanques, se obedecermos ao Tarot, se opõem os
“símbolos fluidos”. Os sonhos são constituídos por imagens ambíguas.
Os objetos do inconsciente têm aspectos infinitos. Os bruxos e os psica-
nalistas escolhem seus significados fazendo-os encaixar nas supersti-
ções ou nas teorias de seus mestres. Os pacientes dos terapeutas freudi-
anos não sonham como os pacientes dos terapeutas junguianos ou laca-
nianos. Os primeiros veem falos e vaginas, os segundos signos cósmicos
e os últimos, jogos de palavras. Como, então, pensar com símbolos flui-
dos?
Se os observarmos com olhos ingênuos, os Arcanos do Tarot con-
têm uma mensagem simples. O Louco é um pobre vagabundo, O Mago
um vendedor em busca de clientes, A Papisa e O Papa representantes
do poder religioso, A Imperatriz e O Imperador representantes do po-
der do Estado. O Namorado descreve as relações emocionais; O Carro,
o poder guerreiro; A Justiça, o poder da Lei. O Eremita é um sábio soli-
tário em busca de discípulos; A Roda da Fortuna mostra as vicissitudes
do destino; A Força é uma mulher dominante; O Enforcado, um malfei-
tor castigado; o Arcano sem nome, a morte; Temperança, nosso anjo da
guarda; O Diabo, o espírito tentador do mal; A Torre, o castigo do orgu-
lho; A Estrela, nossa boa sorte. A Lua indica a loucura; O Sol, um gran-
de sucesso; O Julgamento, a ressurreição dos mortos; O Mundo, o êxta-
se da realização...
É possível que aquele ou aqueles que criaram o Tarot quisessem lhe
dar um conteúdo à altura das pessoas simples que o empregavam como
um jogo. Mas hoje em dia essa leitura ingênua não tem nenhuma utili-
dade para nós. Se quisermos utilizá-lo como um instumento terapêuti-
co, devemos depositar nele nossa subjetividade profunda. Para tanto,
podemos empregá-lo da mesma maneira que um telefone celular.
Quando está descarregado, não serve para nada, para que ele funcione
devemos carregá-lo de eletricidade. O mesmo ocorre com as cartas do
Tarot. São os símbolos que não dizem nada preciso e que devemos enri-
quecer com todo tipo de significação, dando a eles conteúdos que os
superem. Uma semente contém uma floresta, da mesma forma que o
ventre de uma mulher contém a humanidade inteira. O inconsciente
individual encerra, dentro do inconsciente coletivo, o passado de toda a
raça humana, do planeta e do cosmos. Do ponto de vista iniciático, o
continente é sempre menor que seu conteúdo, pois cada átomo contém
Deus... Se não preenchemos as cartas de Tarot com inúmeros conteú-
dos, a leitura não pode dar resultado. O Tarot tem o valor que nós lhe
dermos. Se somos medíocres, nós o carregaremos de significados su-
perficiais, só falaremos dos amores, dos problemas econômicos, do
tempo atmosférico, da saúde, dos acidentes, dos falecidos, dos fracas-
sos, dos sucessos sociais, enfraquecendo, assim, a leitura. Para “carre-
gar” bem os Arcanos, é preciso aprender a vê-los em sua globalidade ao
mesmo tempo que em seus detalhes mais ínfimos. Cada símbolo não
tem apenas uma explicação estanque... Não se trata de encontrar sua
“definição secreta”, trata-se de lhe dar a definição mais sublime que
pudermos.
Por exemplo, quase todos os autores declaram que O Eremita ergue
uma lâmpada. Outros, dando-lhe a personalidade de Cronos, pensam
que ele exibe uma ampulheta. Os que lhe atribuem a identidade de Sa-
turno afirmam que a mancha vermelha da lanterna é o sangue dos fi-
lhos que ele devora. Um alcoólatra me garantiu que via na mão do per-
sonagem um cântaro cheio de vinho. Um poeta, por sua vez, via um
enorme pirilampo. Um sacerdote católico defendia que essa lâmpada
simbolizava o coração de um santo onde ardia o sangue de Jesus Cristo
iluminando a humanidade. Há quem tenha visto um pai avarento es-
condendo um cofre cheio... Nenhuma versão é descartável desde que se
respeitem as formas, o número, a cor e o nome do símbolo. (Se parti-
mos da hipótese de que o Tarot é de origem francesa, podemos encon-
trar mensagens ocultas nos nomes das cartas. Le Bateleur [O Mago] di-
ria “Le bas te leurre” [O baixo te engana], La Papesse [A Papisa]: “L’ap-
pât pèse” [A isca pesa], L’Empereur [O Imperador]: “Lampe erreur”
[Lâmpada erro], Le Pendu [O Enforcado]: “Le pain dû” [O pão devido],
Tempérance [Temperança]: “Temps-errance” [Tempo-errância], Le Ju-
gement [O Julgamento]: “Le juge ment” [O juiz mente], La Maison Di-
eu [A Casa Deus]: “L’âme et son Dieu” [A alma e seu Deus].) Esse uso
de símbolos fluidos nos permite adotar uma nova atitude diante da vi-
da. Os seres vivos, as coisas, os acontecimentos podem ser considera-
dos também Arcanos, fluidos e não estanques. Tudo, absolutamente tu-
do, muda continuamente, uma pessoa não é, mas está se tornando.
Uma grande parte das relações que temos com a realidade depende
do conteúdo que nós lhe dermos. Nós julgamos as ações das pessoas
que nos rodeiam em relação ao conteúdo com que lhes carregamos.
Continuamente elas nos surpreendem ou nos decepcionam. Nós mes-
mos, sendo espectadores de nossa conduta, nos carregamos de conteú-
dos limitados. E os outros nos veem como nós nos vemos. Apenas um
mestre espiritual, quando nos desvalorizamos ao obedecer ao olhar ne-
gativo da família ou da sociedade, pode nos revelar nosso tesouro inte-
rior, isto é, nos carregar de valores sublimes. Uns dizem que o mundo
atual é violento e vivem aterrorizados, outros pensam que o mundo na
realidade é um paraíso cheio de violência, mas essa violência é aciden-
tal, e não uma característica essencial.
Assim, o Tarot pode ser um elemento nefasto nas mãos de um leitor
perverso, ou o contrário nas mãos de um mestre sublime. É um espelho
de nossa verdade subjetiva, não a verdade absoluta. Nós nos unimos à
divindade por uma Consciência infinita, eterna, impessoal, sempre em
expansão, como o universo. Com esse olho interno, testemunho puro,
nós nos vemos viver. Mas a encarnação faz com que essa Consciência
ganhe a aparência de nossa forma-continente, ficando estancada devi-
do a diversos tipos de traumas: ter vivido na infância experiências de
adulto ou não ter vivido o que se devia ter vivido, submissão por pais
tóxicos a abusos intelectuais, emocionais, sexuais e materiais... O ponto
de vista a partir do qual nós nos observamos é o da idade que tínhamos
quando passamos por experiências negativas. Quando observamos o
mundo, nós o fazemos a partir de pensamentos, de sentimentos e de
desejos estancados, obtendo respostas limitadas a nossos atos limita-
dos. Uma lei mágica diz: “O mundo é aquilo que nós cremos que ele se-
ja”. O trabalho iniciático é aquele que nos permite mudar nosso olhar e
observar os acontecimentos interiores e exteriores a partir de um pon-
to de vista cósmico, infinito e eterno.
Quando vejo um consulente, a primeira pergunta que me faço é:
“Quantos anos tem? De que ponto de vista se observa a si mesmo? E eu,
como tarólogo, quantos anos tenho, de que ponto de vista contemplo a
mim mesmo?”. Um Tarot lido por um adulto com cabeça de menino
perverso é perigoso para a vida do consulente. O leitor, assim como os
Arcanos, deve se carregar antes de iniciar seu trabalho, como um xamã
ou um adepto do vodu. Um terapeuta ou um curandeiro nunca age por
si mesmo. Ambos solicitam ajuda de diversas divindades. Se O Mago
me possui, farei um tipo de leitura; se A Estrela me possui, farei outro.
Desenvolvendo isso, depois de muitos anos, eu me propus a me deixar
possuir não por um único Arcano, mas pela mandala inteira, e imitar a
santidade. Antes eu havia lido como artista, o que me dava benefícios
narcisistas muito agradáveis. Quando decidi entrar no caminho tera-
pêutico, só pude conceber a leitura como uma entrega completa e im-
pessoal a serviço do consulente, desenvolvendo uma bondade sem limi-
tes, uma escuta total. “A beleza moral é a bondade. Para ser bom com
inteligência, é preciso ser justo. Para ser justo, é preciso agir com a ra-
zão. Para agir com a razão, é preciso ter a ciência da realidade. Para ter
a ciência da realidade, é preciso ter consciência da verdade. Para ter
consciência da verdade, é preciso ter uma noção exata do ser.”4
Um trabalho iniciático com o Tarot consiste em mudar nosso ponto
de vista, em fazê-lo sair da prisão da idade para começar a nos observar
com um olhar cósmico, eterno e infinito. Segundo os golpes que rece-
bemos da vida, temos idades diferentes nos quatro centros: uma pessoa
pode ser mentalmente um adulto de quarenta anos, ter oito anos emo-
cionalmente, quinze sexualmente e sessenta corporalmente. Mas o
olho-testemunho – o Deus interior, a quintessência, o Ser essencial –
tem a idade do universo. Podemos ampliar à vontade esses quatro pon-
tos de vista. A doença, o sofrimento, a depressão são pontos de vista es-
treitos, uma falta de consciência. Quanto mais a consciência funciona
com conceitos, sentimentos, desejos e necessidades estanques, maiores
são os males. Porém, se nos vemos de um ponto de vista universal, aca-
bam-se os problemas.
1 Éditions Dervy, Paris, 1977
2 Devir/2006.
3 Carl Gustav Jung, La Vie symbolique, trad. Claude e Christine Pflieger-Maillard,
Éditions Albin Michel, Paris, 1989. (A vida simbólica, Editora Vozes).
4 La Clef des grands mystères , Éliphas Lévi, Guy Trédaniel éditeur, Paris, 1991. (A
chave dos grandes mistérios, Pensamento).
Para começar
A apresentação dos Arcanos maiores que virá a seguir não tem ambição
de esgotar os significados e as energias das cartas e de seus símbolos,
mas sobretudo guiar o olhar do leitor na imensidade de interpretações
possíveis. Foi por isso que optamos por uma apresentação quádrupla:
com um primeiro olhar, pode-se abarcar, em forma de palavras-chave,
alguns significados tradicionalmente atribuídos a cada Arcano em par-
ticular. Segue-se um texto mais discursivo, no qual os significados sim-
bólicos de diversos detalhes das cartas são estudados. Para uma consul-
ta rápida do Tarot, uma série de interpretações tradicionais vêm em se-
guida resumidas. Por fim, decidimos fazer cada Arcano falar, sabendo
que o texto que propomos é apenas uma voz em meio a uma infinidade
de vozes que o estudo do Tarot permite fazer emergir no inconsciente
ao longo dos anos.
Essa apresentação multiforme resulta de uma preocupação que nos
é muito cara: a saber, na maiora das obras sobre o Tarot, os Arcanos
maiores são estudados como uma série de estampas com significados
determinados definitivamente. O leitor, depois de ter escolhido um cer-
to número de cartas, dirige-se ao texto que explica os Arcanos escolhi-
dos para elucidá-las, e acrescenta os significados que lhe são propostos
segundo uma estratégia de leitura estabelecida. Essa concepção mecâ-
nica do Tarot, que pode ser útil em um certo momento da aprendiza-
gem para nos amparar no remoinho de significados e inter-relações que
as cartas nos apresentam, é redutora e contrária à natureza profunda
do Tarot.
Apresentamos lado a lado abordagens muito diferentes, às vezes
complementares e às vezes aparentemente contraditórias, para com-
preender os Arcanos maiores. Esperamos, assim, permitir ao leitor re-
nunciar à ilusão de um único significado acabado e entrar no estudo
contemplativo, projetivo, dinâmico e sem limites do Tarot, sem com is-
so impedir que o livro possa servir à consulta instantânea dos Arcanos.
Uma palavra sobre a ortografia que escolhemos para o nome dos
Arcanos maiores: a grafia desses Arcanos em francês parece intencio-
nalmente ambígua e pode se prestar a diversas interpretações.
As palavras são separadas ora por um ponto:
le.mat
le.bat el eur (i)
la.pap ess e (ii)
le.pap
e (v)
l’a.rov e.de.fortvn e (x)
la.forc e (xi)
le.pend u (xii)
le.dia
b le (xv)
la.mais on.die v (xvi)
la.lun e (xvii i)
le.iug
em ent (xx)
le.mond e (xxi)
Ora por um simples espaço:
le char io t. (vii), que tem também um ponto no final;
la just ic e (vii i)
le toil le (xvii)
eil (xvii i i)
le sol
O mesmo vale para o emprego dos apóstrofos:
Se l’empereur (iiii) e l’hermite (viiii) possuem apóstrofos, limpera-
trice (iii) e lam
ov
reux (vi) parecem não ter nenhum, enquanto em
l’a.rov e.de.fortvn
e sua presença nos faz preguntar a nós mesmos: tra-
ta-se de um artigo ou do verbo “avoir” (ter ou haver) conjugado na ter-
ceira pessoa do singular (“a”)? E se devêssemos ler “l’a”, qual seria o
sujeito desse verbo?
Da mesma maneira, em certas cartas, a fusão de duas letras ou o
acréscimo de um traço vertical se presta a diversas leituras: devemos
ler le toil le ou le toul e? le sol eil ou le soleu?
Por que la just ic e se escreve com “J” e le iug em
ent com «I»? Por
que o U é às vezes substituído por um V (nos Arcanos VI, X e XVI)? Por
que l’herm it e é grafado assim?
A mandala do Tarot
Os Arcanos maiores constituem o eixo vertical, espiritual da mandala. Ver capítulo
“Construir a mandala” neste volume
Não se trata de responder aqui a essas preguntas, que poderiam
abrir várias possibilidades de interpretação no tempo da leitura das
cartas.
Mas, para maior simplicidade, adotamos ao longo deste livro a se-
guinte convenção: os Arcanos serão designados: O Louco, O Mago, A
Papisa, A Imperatriz, O Imperador, O Papa, O Namorado, O Carro, A
Justiça, O Eremita, A Roda da Fortuna, O Enforcado, O Arcano sem no-
me ou Arcano XIII, Temperança, O Diabo, A Torre, A Estrela, A Lua, O
Sol, O Julgamento e O Mundo.
O louco
Liberdade. Grande aporte de energia
Palavras-chave:
Liberdade • Energia • Viagem • Busca • Origem • Caminho • Essência • Força de
liberação • O irracional • Caos • Fuga • Loucura...
O Louco tem um nome, mas não tem número. Único Arcano maior a
não ser definido numericamente, ele representa a energia original sem
limites, a liberdade total, a loucura, a desordem, o caos, ou ainda, a pul-
são criativa fundamental. Nos baralhos tradicionais, ele deu origem a
personagens como o Curinga, o Joker, o Comodín, ou o Excuse, que po-
dem representar qualquer outra carta a qualquer momento, sem se
identificar com nenhuma. A frase-chave d’O Louco poderia ser: “Todos
os caminhos são o meu caminho”.
Esta carta dá uma impressão de energia: vê-se um personagem ca-
minhando decididamente, com sapatos vermelhos, fincando na terra
um bastão vermelho. Aonde ele vai? Em frente? É possível, mas poderí-
amos igualmente imaginar que ele gira em círculos ao redor de seu bas-
tão, sem fim. O Louco é como a figura do eterno viajante que caminha
pelo mundo, sem vínculos, sem nacionalidade. É talvez também um pe-
regrino que se dirige a um lugar sagrado. Ou ainda, no sentido redutor
que muitos comentaristas lhe dão, um louco que anda sem finalidade
rumo à própria destruição. Se escolhermos a interpretação mais forte,
veremos O Louco como um ser desprendido de qualquer necessidade,
de qualquer complexo, de qualquer julgamento, à margem de qualquer
proibição, havendo renunciado a qualquer exigência: um iluminado,
um deus, um gigante poderoso no fluxo da energia, uma força liberta-
dora incomensurável.
Sua trouxa cor de carne é iluminada por dentro por uma luz amare-
la. O pau que ele usa para levá-la é azul-celeste e termina em uma es-
pécie de colher: é um eixo receptivo que porta a luz da Consciência, o
essencial, o substrato útil da experiência. Na mão que segura esse pau,
esconde-se uma folhinha verde, signo de eternidade.
O Louco é também um personagem musical, pois suas roupas são
ornadas com guizos. Poderíamos imaginar que ele toca a música das es-
feras, a harmonia cósmica. Em diversos elementos de seu traje, encon-
tramos símbolos da trindade criadora: seu bastão tem um pequeno tri-
ângulo composto de três pontos, um dos guizos, branco, é um círculo
dividido por três traços... Podemos aí discernir à vontade a trindade
cristã ou as três primeiras sefirots da Árvore da Vida da Cabala, ou ain-
da os três processos fundamentais da existência: criação, conservação e
dissolução. O movimento d’O Louco é, portanto, guiado pelo princípio
divino ou criador. O caminho se torna azul-celeste à medida que ele o
percorre: ele avança sobre uma terra pura e receptiva, que ele sacraliza
à medida que caminha.
Na cinta d’O Louco, encontram-se ainda quatro outros guizos ama-
relos que poderiam corresponder aos quatro centros do ser humano
simbolizados pelos Naipes dos Arcanos menores do Tarot (ver p. 66):
Espadas (centro intelectual), Copas (emocional), Paus (sexual e criati-
vo) e Ouros (corporal). O Louco produz um aporte de energia luminosa
nos quatro mundos da Cabala: Atziloth, o mundo divino; Briah, o mun-
do da criação; Yetzirah, o mundo da formação, e Assiah, o mundo da
matéria e da ação.
O animal que o segue, talvez um cachorro ou um macaco (dois ani-
mais que imitam o homem), apoia as patas na base da coluna vertebral
d’O Louco, ao nível do períneo, local onde a tradição hindu situa o cen-
tro nervoso que concentra as influências da Terra (chakra müládhára).
Se O Louco fosse um cego, seria guiado por seu animal, porém aqui é
ele quem vai à frente, como o Eu visionário que guia o ego. O eu infantil
está domado; não é necessário seduzi-lo para dominar sua agressivida-
de. Ele alcançou um grau de maturidade suficiente para compreender
que deve seguir o ser essencial e não impor seu capricho. Eis o motivo
pelo qual o animal, tornado receptivo, é representado em azul-celeste.
Doravante amigo d’O Louco, colabora com ele e o empurra para frente.
Metade de seu corpo se encontra fora do quadro da carta: o fato de an-
dar atrás d’O Louco nos permite pensar que ele representa também o
passado. Um passado que não freia diante do avanço da energia em di-
reção ao futuro.
O traje d’O Louco é vermelho e verde: ele leva em si essencialmente
a vida animal e a vida vegetal. Mas as mangas azul-celeste indicam que
sua ação, simbolizada por seus braços, é espiritualizada, e seu chapéu
amarelo porta a luz da inteligência. Sobre esse chapéu, nota-se a pre-
sença de duas meias-luas. Uma, amarelo-claro, incrustada dentro de
um círculo laranja, virada para o céu. Outra, situada na bola vermelha
da ponta traseira do chapéu, virada para baixo. A lua vermelha repre-
senta o dom total da ação e a lua amarela, a recepção total da Consciên-
cia.
Em uma leitura
O Louco evoca um enorme impulso de energia. Aonde quer que ele vá,
leva consigo esse impulso vital. Se ele se dirige a uma carta, ele a carre-
ga com sua energia criadora. Se ele se separa da carta que o precede,
ele abandona uma situação para aportar suas forças a um novo projeto,
um novo lugar, uma nova relação. Ele representa, então, uma liberação,
uma fuga (material, emocional, intelectual ou sexual). Em outras pala-
vras, esta carta coloca a questão de como está a energia do consulente,
no que ele ou ela emprega suas forças.
O Louco representa às vezes a loucura ou a inconsequência, quando
o identificamos com um personagem. E, evidentemente, uma peregri-
nação, uma viagem, uma força que vai adiante. A questão é saber para
onde: O Louco não tem, em si mesmo, nenhuma preferência.
Esta carta inseminadora de energia irá exacerbar, nutrir ou despo-
jar as cartas que a rodeiam. Espelho do Arcano sem nome, que poderia
ser seu esqueleto, O Louco nos revela que a capacidade de agir se ad-
quire também através da travessia iniciática da loucura e da morte.
E se O Louco falasse...
“Você sabia que a cada instante pode ocorrer uma mutação de cons-
ciência, que você pode subitamente mudar a percepção que tem de si
mesmo? Às vezes, as pessoas pensam que agir é triunfar sobre o outro.
Mas que engano! Se você quer agir no mundo, é preciso fazer explodir
essa percepção do eu imposta, incrustada desde a infância, que recusa a
mudar. Amplie seus limites, sem fim, sem descanso. Entre em transe.
“Deixe-se possuir por um espírito mais poderoso, uma energia im-
pessoal. Não se trata de perder a consciência, mas de deixar falar a lou-
cura original, sagrada, que você já tem dentro de si.
“Pare de ser testemunha de si mesmo, pare de se observar, seja ator
em estado puro, uma entidade em ação. A sua memória deixará de re-
gistrar os fatos, os atos, as palavras, já acontecidos. Você perderá a no-
ção do tempo. Até aqui você viveu na ilha da razão, negligenciando as
outras forças vivas, as outras energias. A paisagem se amplia. Una-se ao
oceano do Inconsciente.
“Então você conhecerá um estado de supraconsciência no qual não
há nem atos falhos, nem acidentes. Você não tem mais a concepção do
espaço, você se torna o próprio espaço. Você não tem mais a concepção
do tempo: você é o próprio fenômeno que ocorre. Nesse estado de pre-
sença extrema, cada gesto e cada ação são perfeitos. Você não tem co-
mo se enganar, não há nem plano, nem intenção. Só existe a ação pura
no eterno presente.
“Não tenha medo de liberar o instinto, por mais primitivo que ele
seja. Superar o racional não significa negar a força mental: esteja aberto
para a poesia da intuição, para as fulgurâncias da telepatia, para as vo-
zes que não são suas, para uma palavra vinda de outra dimensão. Repa-
re como se unem na extensão infinita dos seus sentimentos, com a ines-
gotável força criadora que lhe confere a energia sexual. Viva o seu cor-
po, já não mais como um conceito do passado, mas como a realidade
subjetiva vibrante do presente. Você verá que o seu corpo deixa de ser
comandado pelas concepções racionais e se deixa mover por forças que
pertencem a outras dimensões, pela totalidade da realidade. Um animal
enjaulado tem movimentos comparáveis à percepção racional. O movi-
mento em liberdade de um animal na floresta é comparável ao transe.
O animal enjaulado deve ser alimentado a horários fixos. O racional de-
ve receber, para agir, palavras. O animal selvagem se alimenta sozinho e
nunca se engana em relação à comida. O ser em transe não age mais
movido por aquilo que ele aprende, mas por aquilo que ele é.”
Entre as interpretações tradicionais:
Grande viagem • Longa caminhada • Loucura • Errância • Instabilidade • Imagi-
nação exuberante • Alegria de viver • Liberação • Peregrinação • Sem domicílio fi-
xo • Mendigo sagrado • Bufão, saltimbanco • Nômade, emigrante • Delírio • Neces-
sidade de agir • Vitalidade • Liberdade • Idealismo • Profeta • Caminho para a evo-
lução • Visionário • Energia divina • Aporte de energia (se O Louco se dirige para
uma carta) • Liberação ou fuga (se ele se separa de uma carta)...
I O mago
Começar e escolher
Palavras-chave:
Astúcia • Iniciação • Começo • Necessidade de ajuda • Habilidade • Juventude •
Potencialidades • Concretizar • Discípulo • Malícia • Verve • Talento • Enganador
(sagrado)...
O Mago tem o número um. Esse número contém a totalidade em potên-
cia, é como o ponto original de onde surge um universo (ver p. 71). Para
O Mago, tudo é possível: ele tem sobre sua mesa uma série de elemen-
tos que pode empregar como quiser e uma bolsa que podemos imaginar
inesgotável, como uma cornucópia da abundância. Este personagem
atua a partir de sua mesa em direção ao cosmos, à vida espiritual. Em-
bora representado por uma figura masculina, O Mago é um andrógino
que trabalha com a luz e a sombra, fazendo malabarismos do inconsci-
ente ao supraconsciente. Sua mão esquerda segura uma varinha ativa e
sua mão direita, uma bolinha de ouro receptiva. Essa moeda amarela,
sol em miniatura, simboliza a perfeição, a verdade, mas ela nos assinala
também que O Mago não esquece as necessidades cotidianas. Na outra
mão, sua varinha azul busca captar a força cósmica. Distinguimos tam-
bém uma excrescência cor de carne, como um sexto dedo que terá eco
na segunda série decimal, no sexto dedo do pé d’A Força (ver p. 205).
Esse sexto dedo pode indicar sua destreza, sua habilidade de organizar
o real segundo sua inteligência, mas permanece misterioso. O Mago po-
deria ser um prestidigitador que oculta algo embaixo da mesa, ou ao
contrário, um iniciado.
Sua mesa tem três pés. Pode-se pensar que o quarto pé está fora da
carta: é superando o estado das possibilidades e entrando na realidade
da ação, da escolha, que O Mago concretizará sua situação. Mas é possí-
vel também ver que o 3 é o número do espírito e o azul-celeste é a cor
da receptividade espiritual (sobre as cores, ver pp. 109 ss.). Da mesma
maneira, os sapatos brancos d’O Mago indicam que ele toca com inteli-
gência a terra impregnada de vermelho sangue, de humanidade, ao
mesmo tempo em que recebe o chamado da força divina. É um espírito
que busca se colocar no mundo humano, encontrar soluções para a vida
material. É, portanto, uma carta que evocará todas as questões de em-
prego, trabalho, profissão.
A plantinha amarela entre seus pés poderia ser o sexo da mãe Natu-
reza que lhe deu à luz: ele descende de uma outra dimensão e vem bus-
car seu mundo, seu público, seu campo de ação, sua arte, suas ideias,
seus amores, seus desejos. Ele vai satisfazer suas necessidades, fazer
truques, iniciar-se, começar a viver...
Sobre a mesa descobrimos três dados que mostram três faces cada:
1, 2 e 4. Cada dado dá, portanto, um valor de 7, e os três somados, temos
21, que é o valor numérico mais alto dos Arcanos maiores (XXI O Mun-
do). Podemos, então, dizer que O Mago tem à sua disposição todo o Ta-
rot, até a realização total d’O Mundo. Da mesma maneira, ele tem nas
mãos e sobre a mesa os quatro Naipes dos Arcanos menores (uma moe-
da de ouro, um pau, uma faca que simboliza Espadas e uma copa), dis-
farçados entre os elementos de prestidigitação. Isso nos indica que se
chega à verdade atravessando a ilusão. Na altura de seu sexo, no meio
dos dados, há uma forma laranja que lembra uma serpente: ele colocou
diante de si a força sexual (ou kundalini), e ele é capaz de controlá-la.
O chapéu d’O Mago descreve o princípio de uma espiral. Vem do in-
visível porque representa o primeiro ponto, emerge do nada para dar
seus primeiros passos no mundo. Nesse chapéu, um cordão umbilical
espiritual (amarelo) parte dos cabelos, do mental, e se abre para ir se
juntar ao céu, em união como universo. O intenso desejo de realizar es-
sa união é simbolizado pela protuberância vermelha do chapéu. Seu
objetivo é talvez chegar a imortalizar a consciência individual. Em seus
cabelos amarelos, símbolos de sua inteligência luminosa, pequenas bo-
las laranja (oito delas) indicam que ele tem consciência da perfeição e
que ela se impõe como meta. Em um plano psicológico, poderíamos
também vê-lo como um homem jovem que ainda possui a cabeça cheia
das ideias de sua mãe (o 8 representando, então, A Justiça, figura ma-
ternal).
A cinta d’O Mago é dupla. Se a considerarmos símbolo da vontade,
deduziremos que ele é capaz de exercer a vontade sobre seu intelecto
(a parte superior), mas também sobre sua animalidade, sua carne. Por
outro lado, essa dualidade indica que ele ainda não efetivou a realiza-
ção de seu ser: enquanto estamos sujeitos ao diálogo interior, ainda não
atingimos a iluminação e a verdade.
Em uma leitura
O Mago indica um começo. O raciocínio é rápido, não lhe falta talento
nem astúcia, só existe agir. Esta carta indica também a necessidade de
escolher, de se decidir, de sofrer a dor do “tudo é possível” que é a mar-
ca da juventude.
Na família ou no universo psicológico, é o menino: aquele que con-
tinuamos sendo mesmo depois dos quarenta anos, aquela que já deverí-
amos ter sido quando se é uma mulher, aquele ou aquela que criamos e
que custamos a deixar voar com as próprias asas, aquele ou aquela que
encontramos e com o qual ou com a qual podemos nos preparar para
formar um casal, para o qual tudo está por se inventar ainda...
O Mago mostra que alguma coisa é possível, que se pode começar,
que nada se opõe a iniciar uma nova ação. Sua varinha poderia repre-
sentar um pedido de ajuda ou de inspiração, à espera de ser carregada
por uma força mais madura, ou talvez pelo caminho da maturidade
propriamente dita.
Como primeiro Arcano maior, e por mais iniciado que seja, O Mago
ainda tem muito caminho pela frente. É a carta da unidade que deve es-
colher um modo de agir.
E se O Mago falasse...
“Estou no presente. Qualquer ação que eu deseje empreender, chegou a
hora de iniciá-la. Todo o meu porvir está em germe nas decisões que eu
tomo neste instante. Faça como eu: veja todos os momentos em que vo-
cê não é você mesmo, em que você não vive o aqui e o agora, que é o
momento da eternidade e lugar do infinito. O que você está esperando?
Desfaça-se desses fardos inúteis que são os restos do passado e o temor
do futuro. Eu encarno a energia que chamamos de Consciência. Eu es-
tou absolutamente presente aqui, neste corpo, entre outros corpos, em
um espaço e um tempo dados.
“Eu não estou separado do que me rodeia. Eu sou consciente da
multiplicidade assombrosa de tudo o que existe. Eu convido a todos a
viverem comigo esse inventário. Sejam conscientes de todos os espa-
ços, de toda a matéria: árvores, planetas, galáxias, átomos, células. Se eu
sou consciente, não sou apenas um espírito limitado em uma forma da-
da, eu me torno a totalidade da obra divina.
“Como ser consciente? É simples: em você, não deve existir passa-
do, nem futuro, nada além de um momento: o momento cósmico. É pre-
ciso cortar de uma vez por todas os desvios do ego, as velhas feridas. É
preciso se desprender de todos os planos, de todo sofrimento, de toda
programação. É então que se chega à luz da Consciência. Se você está
vivo, para você, no instante, a morte não existe. Você sofreu perdas no
passado e talvez sofra outras no futuro, mas aqui e agora, não há nada
perdido. Talvez você aspire a se aperfeiçoar, a melhorar sua vida, mas
no momento não há aspirações. Você está aí, com todo o seu potencial.
“Eu, O Mago, fico nesse cruzamento da eternidade e do infinito que
chamamos de presente. Sou fiel a tudo que sou: meu corpo, minha inte-
ligência, meu coração, minha força criativa. Minha mesa cor de carne
tem três pés fincados no chão, lanço raízes em meio à diversidade, e, a
partir desse ponto, eu ajo. Dentre uma infinidade de possíveis, escolho
um, minha moeda dourada, ponto de tração que me levará à totalida-
de.”
Entre as interpretações tradicionais:
Começo • Prestidigitador • Trapaceiro • Jogador(a) • Há algo escondido embaixo
da mesa • Nova empreitada • Novos estudos • Renovação profissional • Princípio
de uma relação • Menino, ou menina masculinizada • Principiante • Astúcia • Ha-
bilidade • Arte de convencer • Talentos múltiplos • Dispõe-se de tudo o que é neces-
sário para agir • Necessidade de ajuda, de guia • “Querer, ousar, poder, obedecer” •
Escolha do que fazer • Hesitação • Multiplicidade dos potenciais • Animus do con-
sulente, homem ou mulher • Começo da busca da sabedoria • Iniciado(a) • Mági-
co(a) • Espiritualização da matéria...
II A Papisa
Gestação, acumulação
Palavras-chave:
Fé • Conhecimento • Paciência • Santuário • Fidelidade • Pureza • Solidão • Silên-
cio • Severidade • Matriarcado • Rigor • Gestação • Virgindade • Frio • Resigna-
ção...
A Papisa tem o número dois, que, nas numerologias correntes, é associ-
ado à dualidade. Mas no Tarot, 2 não é (1 + 1): é um valor puro, em si,
que significa acumulação (ver pp. 76 ss.). A Papisa incuba. Primeira mu-
lher dos Arcanos maiores, ela aparece enclausurada, sentada ao lado de
um ovo tão branco quanto seu rosto oval. Ela está duplamente em ges-
tação, desse ovo e de si mesma.
Símbolo da pureza total, A Papisa revela em nós a parte intacta que
jamais foi ferida ou tocada, esse testemunho virginal que trazemos
dentro de nós, às vezes sem saber disso, e que representa, para cada um
de nós, um poço de purificação e de confiança, uma floresta virgem
inexplorada, fonte de potencialidades.
O encerramento dentro do templo, convento ou claustro, é simboli-
zado pela cortina que pende do céu e se enrola para o interior. A Papisa
frequentemente foi vista como uma iniciadora, uma mágica. Muitas ve-
zes ela foi assimilada a duas grandes figuras míticas: a Virgem Maria,
imaculada concepção destinada a levar Deus em seu seio, e a deusa Ísis,
fonte mágica de toda fecundidade e de toda transformação.
Sobre sua mitra, quatro pontas indicam o norte, o sul, o leste e o
oeste: situada no centro dos pontos cardeais, sua consciência está liga-
da à matéria; a tomada de consciência se efetua através do corpo. Sua
tiara sai um pouco do quadro, concentrando-se em uma ponta laranja.
A Papisa vem em nossa direção, para falar ao mesmo tempo da nossa
vida material e do espírito puro.
A partir de um ponto de vista negativo, pode-se ler sua brancura co-
mo frigidez, rigidez normativa, obsessão da virgindade que conduz à
castração, interdição de viver. Como mulher, ela pode ser uma mãe ne-
fasta que nunca deixa eclodir seu ovo e o incuba com uma autoridade
glacial.
O livro que ela tem nas mãos a destina ao estudo e ao conhecimen-
to. Cor de carne, ele nos indica que ela estuda as leis da encarnação hu-
mana. Podemos também pensar, uma vez que ela não o está lendo, que
o volume aberto é ela mesma, esperando que venham decifrá-la, que a
venham despertar. O livro remete também às Sagradas Escrituras: A
Papisa acumula a linguagem de Deus Pai, a linguagem viva. Enfim, as
dezessete linhas assinalam seu parentesco com A Estrela: a acumula-
ção d’A Papisa tem por horizonte a ação do Arcano XVII. No sentido
positivo e iniciático, A Papisa prepara uma eclosão. Ela espera que
Deus venha inseminá-la.
As três pequenas cruzes que ornam seu peito significam que, apesar
de enclausurada na matéria, ela pertence ao mundo espiritual. Ela re-
presenta o espírito puro que habita em cada um de nós e nos chama pa-
ra uma comunicação com essa força divina incorruptível. Fora da ação,
em plena recepção acumulativa, ela depura com intransigência tudo
aquilo que poderia barrar a vibração da energia divina.
Em uma leitura
A Papisa se refere frequentemente a um personagem feminino, a mãe
ou a avó, que transmitiu ora um ideal de pureza, ora uma frieza norma-
tiva. Ela encarnará também a mãe fria, a mulher sem sexualidade, que
encontra sua justificativa em uma moral ou um ideal religioso, que não
sabe ser terna. Mas sua exigência de pureza pode nos encaminhar para
uma mulher de uma estatura espiritual, uma sacerdotisa, uma terapeu-
ta, uma guia feminina, qualquer que seja sua idade. No amor, A Papisa
está disposta a formar um casal fundado sobre a união das almas.
O livro que ela tem nas mãos pode também nos orientar para as pre-
ocupações do consulente ligadas ao estudo ou à escrita: A Papisa se tor-
na, então, um escritor, um projeto de livro ou de qualquer outra obra, a
gestação necessária de uma ação, uma atriz que tem que estudar um
papel, um contador ou contadora, uma leitora assídua... Ou mesmo a
Virgem Maria em pessoa.
Enclausurada, A Papisa evoca o isolamento, a espera, uma solidão
escolhida ou sofrida. Sua cor branca pode sugerir um desejo de receber
calor de uma paixão amorosa, espiritual ou criativa. Sexualmente, no
melhor dos casos, ela vive a sublimação; no pior, a frustração.
O mistério d’A Papisa talvez encontre resposta em sua atitude dian-
te do ovo que a acompanha: se ela o incuba com grande exigência e ele-
vada solidão, dele pode sair um deus vivo. O ovo de avestruz na religião
católica não é um símbolo do nascimento do Cristo?
Se A Papisa falasse...
“Fiz uma aliança com esse mistério que chamo de Deus. Desde então,
só vejo no mundo material Sua manifestação. Quando contemplo mi-
nha própria carne, a madeira, a pedra, descubro a energia e a presença
do Criador. Cada nuance, cada tecido, cada variação da realidade é uma
de Suas aparências que se manifesta em Sua infinita variedade. Vivo no
mundo da energia divina. Palpito com toda matéria, sob meus pés o
planeta inteiro estremece: o planeta é também manifestação d’Ele, mais
vasta. Vibro no diapasão do universo, como fogo, os oceanos, as tem-
pestades, as estrelas... A energia de toda a criação vem até mim.
“E, no entanto, sou um ser virgem. Nada entrou em mim além do
impensável Deus, não conheço a impureza.
“Só posso entrar em contato com você nessa dimensão intacta e sa-
cra do seu ser, sua essência virginal. Se você vier me falar de paixão, de
sexualidade, de emoção, não entenderei. Estou muito além de tudo is-
so, além de toda angústia e até mesmo da morte. Pois se Deus está na
matéria, esta é imortal, e já não tenho nenhum medo, nem desejo al-
gum.
“Eu lhe concedo então que se una a mim com aquilo que há de divi-
no em você. Se você se tornar como eu, poderá entrar em mim. Seu so-
frimento é impuro, seu passado é impuro, não venha para mim com o
que está poluído, saia desse estágio. Porque a impureza é uma ilusão,
assim como a culpabilidade. Aceite o esplendor virginal de seu ser!
Existe em todos os seres humanos um estado que só se doa a Deus, que
só pode ser possuído por Ele e que está constantemente em relação
com Ele. O mesmo ocorre com todo o mundo vivo: em cada planta há
um centro intacto. Em toda linguagem, o que lhe fala é o conteúdo ine-
fável das palavras.
“Compreenda que nada é seu, que você não possui esse corpo, esses
desejos, essas emoções, esses pensamentos. Tudo isso é d’Ele, do Des-
conhecido eterno e infinito que o habita. Entregue-se a Ele. Receba-O.
“Sou impiedosa, exijo que você faça esse trabalho e que você aban-
done, para se unir a mim, tudo o que não é digno de se tornar o cálice
onde a divindade poderá se alojar. Sou como esses templos onde se pra-
tica o exorcismo, onde é preciso tirar os sapatos para entrar, onde se
purifica o ar com incensos, onde se lava os crentes com água benta
“Em união com a potência que percebo em tudo, minhas fraquezas
e minhas dúvidas se apagam. Habito meu corpo como um lugar sagra-
do, posso a cada instante me dar o lugar que me corresponde. Estou
imersa em minha obra e ninguém me faz desviar. Ninguém pode me
prender ou me sujeitar com seus sentimentos, seus desejos, suas proje-
ções mentais. Nada me distrai. Nada pode me fazer desviar do que que-
ro. Quanto a mim mesma, não quero nada, obedeço à Vontade divina.
“Não sou indulgente, sou inflexível. Não detenho nenhum segredo,
pois sou vazia. Eu me dou a Deus, que é o único segredo.”
Entre as interpretações tradicionais:
Acumulação • Preparação • Estudo • Virgindade • Escritura de um livro • Contabi-
lidade • Espera • Constância • Retiro • Mulher fria • Perdão • Atriz aprendendo
seu papel • Monja • Mãe severa • Obstinação • Peso da religião • Isolamento • Fri-
gidez • Pessoa de grande qualidade moral • Educação estrita • Gestação • Necessi-
dade de calor • Ideal de pureza • Solidão • Silêncio • Meditação • Sabedoria no fe-
minino • Figura carismática feminina • A Virgem Maria • Leitura de textos sagra-
dos...
III A Imperatriz
Explosão criativa, expressão
Palavras-chave:
Fecundidade • Criatividade • Sedução • Desejo • Poder • Sentimentos • Idealismo •
Natureza • Elegância • Abundância • Colheita • Beleza • Eclosão • Adolescência...
A Imperatriz, como todas as cartas do grau 3 do Tarot, significa uma
explosão sem experiência (ver especialmente pp. 76, 78, 82, 94).
Tudo aquilo que estava acumulado no grau 2 explode de modo ful-
minante, sem saber aonde ir. É a passagem da virgindade à criatividade,
é o ovo que se abre à vida e deixa sair a cria. Nesse sentido, A Impera-
triz remete à energia da adolescência, com sua força vital extrema, sua
sedução, sua falta de experiência. É também um período da vida onde
estamos em pleno crescimento, onde o corpo tem um potencial de re-
generação excepcional. É também a idade da puberdade, a descoberta
do desejo e da potência sexual
A Imperatriz segura seu cetro, elemento de poder, apoiado na regi-
ão do sexo. Sob sua mão, vemos brotar uma folhinha verde: ela poderia
representar a natura naturans, uma primavera perpétua. A manchinha
amarela que fecha o cabo do cetro indica que seu poder criativo se
exerce com grande inteligência. Com as pernas abertas, muito à vonta-
de na própria carne, poderíamos vê-la em posição de parto, como se
depois de um processo de gestação ela desse à luz a si mesma. Ao seu
lado, à direita da carta, descobrimos uma pia batismal: ela está disposta
a batizar ou a ser batizada, celebrando incessantemente a vida como
um nascimento sempre renovado. A lua crescente que se desenha em
seu vestido vermelho remete à receptividade d’A Papisa. Ela nos lem-
bra, assim, que a origem de nossa força sexual e criativa não está em
nós mesmos, mas que se trata de uma energia cósmica ou divina que
nos atravessa. Sua receptividade a essa potência é simbolizada pelo tro-
no azul-claro que passa por trás de seus ombros como um par de asas
celestiais. É nessa receptividade que A Imperatriz coloca toda sua for-
ça, toda sua sedução e sua beleza.
Seus olhos verdes são os olhos da natureza eterna, em relação com
as forças celestes. Ela possui um brasão onde reconhecemos uma águia
ainda em formação (uma das asas ainda não está terminada). Veremos,
ao estudar o Arcano IIII, que a águia d’A Imperatriz é uma águia ma-
cho, enquanto a d’O Imperador é uma fêmea (ver p. 163); ela porta em
si um elemento de masculinidade. Da mesma maneira, notamos em seu
pescoço um pomo de Adão bastante viril: isso indica que no coração da
maior feminilidade há um núcleo masculino. É o ponto Yang dentro do
Yin do Tao, assim como no centro da mais forte masculinidade encon-
tramos um núcleo feminino.
Em seu peito brilha uma pirâmide amarela com uma espécie de
porta. Ela nos oferece uma entrada: se penetrarmos na luz inteligente
do coração d’A Imperatriz, poderemos exercer nosso poder criador. Em
sua coroa, verdadeira caixa de joias que simboliza a beleza da criativi-
dade mental, discernimos uma grande atividade inteligente (a faixa
vermelha) que escorre para o amarelo de seus cabelos.
Aos pés d’A Imperatriz, descobrimos uma serpente branca que sim-
boliza a energia sexual dominada e canalizada, prestes a se elevar rumo
à realização. O piso pavimentado de cores evoca um palácio, mas ali
também cresce uma planta exuberante: não se trata de um ambiente
inerte, mas constantemente enriquecido por novos aportes, e a nature-
za tem aí um local de escolha.
A Imperatriz usa um traje vermelho, ativo no centro, mas azul nas
extremidades. É exatamente o inverso d’A Papisa, com seu traje frio e
azul no centro, e vermelho por fora. A Papisa nos chama, mas quando
entramos nela, talvez sejamos congelados e aniquilados se não souber-
mos tratá-la. A Imperatriz, por sua vez, arde internamente, mas por fo-
ra se reveste de frieza. Para entrar nela, será preciso seduzi-la, algo que
não é muito fácil fazer. Mas, uma vez superadas as defesas, somos rece-
bidos no fogo criativo.
Em uma leitura
A Imperatriz evocará a criatividade, a parte feminina do ser, ou ainda
uma mulher cheia de fogo e de energia, animada por um fervor borbu-
lhante. Ela está disposta a superar os limites, a “exultar”, qualquer que
seja sua idade. É a alma da adolescência com seu fanatismo alegre, seu
desconhecimento das consequências de seus atos, sua fé na ação pela
ação. É também, para um consulente de idade madura, o renascimento
de uma energia que havíamos julgado perdida. A Imperatriz lembra os
sonhos da juventude e nos incita a realizar uma fantasia, uma sede ab-
soluta que talvez tivéssemos esquecido.
Para um homem, esta carta evocará também tudo isso, ou simples-
mente uma mulher sedutora que aparece em sua vida.
Em seu esplendor, A Imperatriz é também uma mulher de poder,
calorosa mas capaz de pulsões dominadoras. Ela ama conceber e reinar.
Vista sob um aspecto mais nefasto, A Imperatriz pode indicar uma
falta de ação ou, ao contrário, uma ação irrefletida. Ela remetrá tam-
bém à esterilidade, uma imagem negativa da mulher, a uma energia do
feminino (sexual, criativa, intelectual, afetiva...) que foi bloqueada no
momento da adolescência. A mão pousada sobre o escudo é ambígua:
podemos aí ver um elemento exterior que tomou posse dessa mulher,
que desejou encerrá-la ou reduzi-la. Frustrada, abusada, limitada em
sua expressão, A Imperatriz é então capaz de amargura, maldade, vena-
lidade...
Mas quando entronizada no ápice de sua potência naturante, pro-
dutiva, aprendemos que tudo aquilo que é vivo pode ser visto em sua
beleza.
E se A Imperatriz falasse...
“Sou a criatividade sem finalidade precisa. Sou uma explosão em uma
infinidade de formas. Sou eu, depois do inverno, quem colore de verde
a Terra inteira. Sou eu quem enche o céu de pássaros, os oceanos de
peixes. Quando digo ‘criar’, estou falando em transformar: sou eu quem
faço com que se abra a semente e brote o germe. Se começo a gerar fi-
lhos, posso dar à luz a humanidade inteira. E em se tratando de dar fru-
tos, produzo todos os frutos da natureza. Meu espírito não descansa:
uma palavra, um grito e eu dou à luz um mundo inteiro... Sou o espírito
criativo. Escute-me e deixe-me agir em você, pois eu lhe trago a cura:
todo problema, todo sofrimento vem de um eu congelado pela incapa-
cidade de criar.
“Sou a atividade, a sedução, o prazer. Não há nada em mim que não
seja belo. Não há desvalorização: eu sou aquilo que sou, sempre plena e
viva. Quando encarno em um corpo, ele se torna sublime. Nada nem
ninguém pode resistir a mim, eu sou a sedução espiritual, carnal, total.
Em mim, não há nada repulsivo, nem ridículo, nem feio.
“Deixe-me exultar em você: sou o prazer de ser o que você é, sem
preconceitos e sem moral. Você é bonito! Vocês é bonita! A feiúra é ilu-
são, limite imposto por um olhar doente. Tudo que vive é adorável. Eu
ensino que todas as suas ideias são belas. Mesmo seus pensamentos
mais atrozes, mais criminosos, mais baixos, você os pode considerar em
seu esplendor. A abundância do pensamento é permitida. Deixe-os bri-
lhar como estrelas efêmeras no firmamento do seu espírito: nada lhe
obriga a colocá-los em prática. Deixe-os passar enquanto formas fan-
tásticas.
“Seus sentimentos também são maravilhosos. Todos, sem exceção.
Que belo ciúme! Que cólera poderosa! Que tristeza maravilhosa! Não
fique fechado em sua fortaleza! Faça dela um templo de portas e jane-
las abertas: todas as emoções estão à sua disposição, como um arco-íris
de matizes.
“Todos os seus desejos são respeitáveis. Deixe-se atravessar pelo
desejo. Tudo em seu corpo é harmonioso. A menor célula é um mundo.
A vida é um milagre constante.
“Se você adotar minhas ideias, você se tornará um ser luminoso. Se
você acreditar nos meus sentimentos, você atingirá a graça. Cada sen-
sação que você tiver é um caminho para a beleza. Esteja seguro do seu
poder de sedução. Quando a Virgem seduziu o Criador, eu estava lá. Se
ela não tivesse me conhecido, não teria conseguido atraí-lo. A sedução
é um estado místico, é o diálogo amoroso da criatura com seu criador.”
Entre as interpretações tradicionais:
Mulher bonita • Fertilidade • Ama • Mãe calorosa • Sedutora • Criatividade • Ado-
lescência • Fecundidade • Encanto • Coqueteria • Mulher de negócios • Prostituta •
Amante • Artista • Produção • Beleza • Abundância • Ação criativa irracional, que
não sabe aonde vai • Ebulição • A pulsão vital como motor de crescimiento...
IIII O Imperador
Estabilidade e domínio do mundo material
Palavras-chave:
Estabilidade • Dominação • Poder • Responsabilidade • Racionalismo • Apoio •
Governo • Matéria • Solidez • Chefe • Equilíbrio • Ordem • Potência - Pai...
O Imperador tem o número quatro, associado à estabilidade como a fi-
gura do quadrado, símbolo por excelência da segurança material. Os
quatro pés da mesa, o altar da igreja, estão associados ao 4. Um 4 não
pode cair, exceto por uma grande revolução. O 4 é também o tetragra-
ma, quatro letras que compõem o nome divino sagrado para os he-
breus: Yod, He, Vav, He. Sobre o peito d’O Imperador, descobrimos uma
cruz de quatro braços. Com ele, as leis do universo estão bem estabele-
cidas.
A restauração do Tarot permitiu redescobrir que a águia d’O Impe-
rador incuba um ovo. Esse detalhe, que ficara apagado durante séculos,
é fundamental para compreender o Arcano IIII: assim como A Impera-
triz, feminina, contém um núcleo masculino (ver p. 157), O Imperador
está acompanhado por uma águia receptiva, em plena incubação, como
o ovo d’A Papisa. Ele absorve sua potência ou se apoia sobre ela? A in-
terpretação variará conforme a leitura.
O personagem pode ser visto sentado, estável, ou, ao contrário, já de
pé e apoiado no trono, pronto para agir se assim o desejar: é a força em
repouso. Ele não sente nenhuma necessidade de se agitar, já que está
estabelecido na consolidação de sua autoridade. Já não lhe é necessário
mais nenhum esforço. Suas pernas cruzadas desenham um quadrado
branco que confirma seu arraigamento na matéria.
Observamos também que sua mão esquerda é menor que a direita.
Passiva, receptiva, ela está segurando a cinta, que é dupla como a d’O
Mago. Mas O Imperador já está em vias de realizar a união dos contrá-
rios agindo sobre sua própria vontade. Sua realidade lhe obedece, ele é
senhor de seu território, de seu corpo, de seu intelecto e de suas pai-
xões. Na mão direita, grande e ativa, ele segura firmemente um cetro
que lembra por sua forma o d’A Imperatriz, mas o dela, com o cabo la-
ranja, age na sombra, enquanto o d’O Imperador opera em plena luz.
Ele não exerce seu poder a partir de seu ventre, mas se apoia nas leis
cósmicas e faz com que sejam seguidas. Ele não tem necessidade de ne-
nhum apoio para seu cetro, ele extrai sua força do eixo universal. Como
as Rainhas dos Trunfos (ou Figuras) dos Arcanos menores (ver pp. 68,
359), ele olha fixamente para o objeto de seu poder.
Seus pés calçados de vermelho lembram os d’O Louco. Eles agora
estão parados, mas só caminhariam, também eles, sobre um caminho
espiritual (o chão azul-celeste). Seu trono bastante entalhado indica o
refinamento de seu espírito. Aí reconhecemos, acima de seu ombro es-
querdo, o símbolo do ouro, do conhecimento. Sua cabeça está coroada
de inteligência (o amarelo da copa da coroa sobre a qual discernimos
um compasso laranja) e irradia como um sol com suas pontas verme-
lhas. Sua barba e seu cabelo azuilceleste manifestam sua experiência
espiritual: o poder que ele exerce não é apenas material, a bem dizer,
podemos distinguir no conjunto dos braços e da coroa uma figura tri-
angular, símbolo do espírito, por cima do quadrado material desenhado
pelas pernas.
As rugas de seu pescoço formam a letra “E”, que podemos também
ler como um “M” vertical. O círculo branco que se aninha entre o pes-
coço e a barba poderia ser um “O”. Segundo essa interpretação, se qui-
sermos, a garganta d’O Imperador estaria cheia pela sílaba sagrada
“Om” do sânscrito.
O Imperador veste ao redor do pescoço um colar amarelo feito de
espigas de trigo, signo de suas intenções purificadas, de onde pende um
medalhão ornado por uma cruz verde que une o espaço horizontal e o
tempo vertical. Ele está completamente centrado aqui, no presente. É
sua maneira de ser ativo.
Em uma leitura
O Imperador representará frequentemente a figura do pai como ele-
mento central da constituição da personalidade. A direção de seu olhar
pode nos orientar sobre os centros de interesse do pai: em direção à fa-
mília ou ao exterior? Em direção à filha, à esposa, ao filho? Em direção
aos próprios pais? Bem colocado, O Imperador evoca uma companhia
estável e protetora, um lar equilibrado. Para um homem jovem, ele po-
derá também colocar a questão da masculinidade: como isso foi trans-
mitido pelo pai, quais são os meios de se realizar como homem na reali-
dade.
As questões de dinheiro, de estabilidade econômica são igualmente
ligadas a esta carta. Ela remete à possibilidade de nos tornarmos se-
nhores (senhoras) da vida material, de tomar nas próprias mãos os mei-
os pelos quais se pode garantir a própria segurança.
Quando aparece em uma tiragem orientada para questões espiritu-
ais, O Imperador poderá remeter à figura patriarcal de Deus concebido
como pai, mas também às relações que o espírito “quadrado”, racional,
tem com as dimensões que o ultrapassam.
Figura da potência terrestre, O Imperador se apresenta de perfil.
Talvez seu olhar seja tão intenso que poderia nos desintegrar...
E se O Imperador falasse...
“Sou a segurança. Sou a própria força em si. Quando falo em você, dou-
lhe a entender que não existe fraqueza. Enquanto ainda não me havia
percebido, você só conhecia a insegurança. Você não tinha o poder de
fazer, de se expressar, de se opor: você era uma vítima. Mas comigo o
seu medo cessa. Você para de duvidar e de se desvalorizar. Ninguém
poderá obrigá-lo a fazer o que você não quiser fazer.
“Minhas leis são as leis do universo em ação. Quando a pessoa não
se opõe a elas, elas são infinitamente pacíficas. Mas quando alguém as
desobedece, elas são terríveis. Sou capaz de desencadear em você a do-
ença, o infarto, os tumores, a cirrose. Se você não obedecer às leis que
ordeno, eu posso destruir. Tenho direito de matar. Mas se você está do-
ente e eu habitá-lo, farei com que supere a dor e as dificuldades, dissol-
verei os obstáculos. Sou a saúde escondida em um corpo que sofre.
“Sou invencível. Não me demoro nos conflitos: eu faço a guerra. Ja-
mais me considero derrotado. Sou a certeza. Ninguém pode me destro-
nar.
“Sou um eixo, ordeno tudo ao redor das minhas leis. Faço reinar a
ordem de todas as maneiras, da mais doce à mais feroz. Quando o habi-
to e você encontra outro Imperador, unimos nossas forças. Não há
competição possível, não há combate entre reis. Sou um arquétipo úni-
co que reside em cada um.
“Quando me manifesto em seu corpo, você fica cheio de equilíbrio,
você é incapaz de tropeçar. Comigo, o corpo é o centro do universo, é
sustentado por uma força imensa e capaz de fazer frente a qualquer
coisa. Sou terrivelmente calmo. Quando me coloco em sua boca, em sua
musculatura, suas palavras são exatas, você não estremece. Tudo se
acalma em você: a vida orgânica, os pensamentos, os desejos, o coração,
a memória, o tempo e o espaço.
“Coloque-me no seu próprio centro como uma fonte inesgotável,
como a raiz de seu voo futuro. Então a angústia não o impedirá de viver
nem impedirá que você se realize, a impotência e a preguiça não terão
mais poder sobre a sua ação. O medo da miséria não se oporá ao seu
trabalho, você será capaz de construir sua própria prosperidade. As
tempestades emocionais não o distrairão da sua obra, a dor e a doença
não o impedirão de sentir sua própria força, ninguém será capaz de in-
terromper sua concentração.
“Nem suas reticências intelectuais, nem sua timidez, nem sua iden-
tificação com o papel de vítima, nem os sofrimentos do passado, nem a
má imagem que você tem de si mesmo o impedirão de me encontrar,
seu Imperador. Se uma educação tóxica ou um sistema de valores ne-
fastos imprimiram em você falsas leis, regras inúteis, afaste-as! Estabe-
leça suas próprias regras, seu sistema de trabalho, suas ações, a partir
das leis que eu lhe revelar. Estou aqui, apareço, e atrás de mim há todo
um exército – o sol, as estrelas, as galáxias. Eu o protejo e o exorto em
direção à força.
“Sou seu guerreiro interior, aquele que vê suas fraquezas e não fra-
queja.”
Entre as interpretações tradicionais:
Homem de poder • Capacidade de pacificar, de reinar, de proteger • Estabilidade •
Equilíbrio econômico • Dinheiro • Administração • Sucesso nos negócios • Aliado
financiero • Autoridade • Exercício da Lei • Paz • Esposo • Homem franco • Segu-
rança • Retidão • Espírito racional • Potência • Lar estável • Casa • Pai poderoso
ou dominador • Protetor • Questões relacionadas à potência sexual • Masculinida-
de • Patriarcado • Tirania • Ditador • Abuso de poder • Enraizamento na matéria •
Respeito às leis do universo • Equilíbrio das energias • Deus Pai...
V O Papa
Mediador, ponte, ideal
Palavras-chave:
Sabedoria • Ideal • Comunicação • Ensino • Verticalidade • Projeto • Mediador •
Fé • Guia • Exemplo • Ponte • Casar • Poder espiritual • Santidade...
O Papa tem o número cinco. Esse número evolui a partir de um assen-
tamento completo na realidade (o 4) em direção a um objetivo além de
sua situação. O Papa dá um passo a mais que O Imperador, estabelece
uma ponte que permite ir até esse ideal. Em sua ação de professor ou
de pontífice, ele é receptivo para cima, para o Céu, e ativo para baixo,
para a Terra. Aquilo que ele recebe do alto, ele transmite para o que es-
tá abaixo, para seus discípulos. Da mesma maneira, ele transmite as
preces de seus alunos à divindade, unindo, assim, o Céu com a Terra.
Poderíamos dizer que ele representa o ponto de encontro dos contrá-
rios, o centro da cruz entre alto e baixo, esquerda e direita. Ele é, por-
tanto, um lugar de circulação entre esses diferentes polos, que através
dele podem se comunicar.
Visto positivamente, O Papa é um mestre, um iniciador, um guia
que nos indica um objetivo na vida. O espaldar de seu trono tem barras
horizontais como uma escada, poderíamos dizer que ele une grau por
grau o corpo com o espírito. Sua cruz de três níveis nos indica que ele
dominou o mundo da matéria, do sexo, das emoções e do intelecto para
convertê-los em uma unidade. Da mesma maneira, sua tiara de quatro
níveis representa as quatro instâncias do ser (corpo, sexo, coração e cé-
rebro) que culminam em um ponto único no topo, pequeno círculo la-
ranja que toca a borda da carta: a unidade interior.
Como A Papisa, O Papa tem como vocação encarnar a unidade divi-
na e ensiná-la na medida do possível. À altura da garganta, o broche
verde que prende sua capa representa um ponto dentro de um círculo,
símbolo do ser individual que encerra em seu centro vivo um ser essen-
cial. É a partir desse princípio impessoal que ele recebe e transmite seu
ensinamento. Podemos também ver aí o imenso trabalho de concentra-
ção que O Papa precisou cumprir para se tornar o que é.
Cada uma de suas mãos tem uma cruz desenhada, sinal de que ele
age de maneira sagrada e desinteressada. A mão esquerda, que segura a
cruz, é azul-celeste, como a d’O Eremita. Podemos ver aí o sinal de uma
extrema receptividade espiritual na ação e, se interpretarmos que essa
cor é uma luva, uma referência à tradição religiosa cristã, na qual a mão
enluvada do cardeal não lhe pertence mais para se converter em mero
instrumento da vontade divina. A mão direita é cor de carne, ela lembra
o papel de união d’O Papa, mediador de contrários. Unindo o indicador
e o dedo médio (o intelecto e o coração), ele benze o mundo da encar-
nação.
Seus cabelos brancos estão impregnados de pureza, mas as duas
presilhas vermelhas nos indicam que se trata de uma pureza ativa. Uma
parte de sua barba é igualmente branca, mas ao redor da boca ela fica
azul-celeste, como se indicasse que a palavra d’O Papa é recebida (o
azul é uma cor receptiva, ver pp. 111 ss.). Poderíamos ver aí também a
marca de um inexorável sigilo: mestre ou professor, sacerdote ou pro-
feta, O Papa não pode transmitir tudo, ele guarda uma parte secreta e
indizível naquilo que ensina.
Dois discípulos ou acólitos o acompanham. Observemos que é a pri-
meira carta da série decimal onde encontramos mais de um ser huma-
no. Até aqui os personagens estavam sozinhos ou acompanhados de
animais, símbolos de suas forças instintivas ou espirituais. Mas O Papa
não existiria sem os discípulos que têm fé em seus ensinamentos. Esses
dois acólitos representam duas posições distintas. Podemos notar que
os movimentos giratórios de suas tonsuras são um o inverso do outro: o
discípulo da esquerda, com a mão erguida como se suplicasse, e a outra
mão abaixada, tem uma tonsura que segue o movimento dos ponteiros
do relógio. O Papa não olha em sua direção. Talvez porque o discípulo
incorreu em erro: o movimento de sua tonsura indicaria então uma in-
volução, a volta para trás, em relação à evolução do discípulo da direita.
Talvez também porque ele represente aquilo que se chama, na tradição
alquímica, de “Via seca”, o caminho do estudo e do esforço. O discípulo
da direita, ao contrário, recebe diretamente o ensinamento d’O Papa
conforme a cruz que toca o topo de seu crânio, ele encarna a “Via úmi-
da”, o caminho da recepção imediata, da iluminação e da revelação. Sua
tonsura vai no sentido dos ponteiros do relógio e ele segura na mão um
objeto curioso, um punhal ou um bilboquê, sobre o qual se pode ter
uma variedade de interpretações infinitas. Ele tem uma atitude lúdica?
Estaria ele disposto a assassinar o mestre? Seria um filho, movido pelo
complexo de Édipo, prestes a castrar o pai? (a nudez é sugerida pela
mancha cor de carne que ele tem diante de si)...
Essas interpretações nos conduzem ao estudo dos aspectos negati-
vos d’O Papa: do tartufo ao guru ávido por riquezas, passando pelo pai
abusivo, o professor injusto, o hipócrita, o perverso..., O Papa, como to-
dos os Arcanos, tem sua face sombria. Podemos nos questionar sobre as
formas vagas e misteriosas que se revelam nas dobras abaixo da cintu-
ra, discutir sua sexualidade, seu apreço pelo poder.
Mas também podemos dizer que ele transmite a fé, a fé que ele re-
cebeu, à humanidade. Contrariamente a A Papisa, O Papa age no mun-
do. Poderíamos dizer que ele se apoia no templo, cuja porta está fecha-
da, para sair em público e comunicar sua experiência de Deus às mas-
sas.
Em uma leitura
O Papa pode representar um mestre, um guia, um professor, mas tam-
bém uma figura paterna idealizada (os acólitos simbolizando os filhos),
um homem casado, um santo. Ele simboliza também um ato de comu-
nicação, uma união, um casamento, e todos os meios pelos quais nos
comunicamos. Enquanto ponte ou pontífice, O Papa evoca uma comu-
nicação dirigida, que sabe para onde vai.
Depois da acumulação d’A Papisa, que prepara o nascimento, da ex-
plosão sem objetivo d’A Imperatriz, e da estabilidade d’O Imperador, O
Papa aporta um ideal. Embora permaneça na matéria, ele indica com
certeza um caminho para uma dimensão ideal.
E se O Papa falasse...
“Sou antes de tudo mediador de mim mesmo. Entre minha natureza es-
piritual sublime e minha humanidade mais instintiva, escolhi ser o lu-
gar onde a relação se opera. Estou a serviço dessa comunicação entre o
baixo e o alto, minha missão é unir os aparentes opostos. Uma ponte
não é uma pátria: é apenas um lugar de passagem. Ela permite a circu-
lação das energias criativas desse fenômeno magnificamente ilusório
que chamam de existência. Não será me isolando, mas tomando todos
os caminhos, que eu comunicarei a boa-nova.
“Encarno a bênção: diante de mim, você está na presença do misté-
rio. Habitado pela divindade, o menor dos meus gestos adquire a digni-
dade do sagrado. Para me tornar o lugar onde transita a vontade divina,
aprendi a livrar de todo obstáculo os caminhos da minha comunicação,
até minhas próprias pegadas. Eu me conduzo ao nada para que o Ser
supremo ocupe tudo em mim. Eu me conduzo ao mutismo para que se-
ja Ele e Ele apenas quem fala. Afasto de minha boca toda palavra que
me pertença, mergulho meu coração na paz e na ausência de desejos
para dar lugar unicamente ao Seu amor e elimino de minha vontade até
a vontade de eliminar a vontade.
“Há em mim a mesma ordem que há no universo. Sou um navio va-
zio, sem forma, que transporta a luz aonde o vento soprar. Eu me colo-
co entre o céu e a terra, exorto os habitantes da esperança a se eleva-
rem para lá onde não há limites. A tudo aquilo que está arraigado na
matéria ou no espírito, eu comunico a potência superior que dá vida ao
inanimado. É através de mim que a carne sobe até o espírito para ex-
plodir em um fogo de artifício sublime. É através de mim que a tropa
das energias angelicais desce até a frieza da matéria para aí se dissolver
em ondas de calor amante.
“Rechaço toda maldição. Bendigo o que escuto, o que vejo, o que
sinto. Chamo o amor, como um pássaro de dimensões desmedidas, para
que ele pouse sobre a pequenez de um coração. O que eu faço com as
suas querelas familiares, com as suas penas, com as suas feridas? Po-
nho-as todas de joelhos e as faço rezar. Deixe-me vir até você: benzerei
todo o seu mundo e até os seus problemas.
“Invista suas ações da minha missão, desperte diante da força do
sagrado: o menor dos seus gestos, o menor dos seus atos se tornará sa-
grado. Você conhecerá o êxtase daquele que não fala em benefício pró-
prio.
“A cruz em minha mão não é um instrumento para dar ordens. Ela é
o símbolo da minha aniquilação feliz. Pacifiquei meus desejos, trans-
formei essa alcateia de lobos famintos em uma revoada de andorinhas
que celebram a aurora com seus cantos. Do oceano proceloso que agita-
va meu coração, fiz um lago de leite, calmo e doce como aquele que es-
corria do seio da Virgem. Qualquer um que esteja sedento pode vir be-
ber do meu espírito. Não recuso nada a ninguém. Sou a porta que pode
ser aberta por todas as chaves.
“Aquele que entra na minha alma pode avançar até o extremo limite
do universo, até o fim dos tempos: sou a fronteira final entre as palavras
e o impensável.”
Entre as interpretações tradicionais:
Mestre • Professor • Homem casado • Homem espiritual • Casamento, união • Sa-
cerdote • Guru, sincero ou falso • Tartufo • Dogma religioso • União entre Céu e
Terra • Mostrar o caminho • Vínculo • Domínio de si mesmo • Amplitude de visão •
Emergência de um novo ideal • Todos os meios de comunicação • Intermediário •
Desejo de comunicar • Nova comunicação • Revelação dos segredos • O pai diante
dos filhos • Guia espiritual • Bênção • Questionamento sobre a fé e o dogma...
VI O Namorado
União, vida emocional
Palavras-chave:
Eros • Coração • União • Escolha • Âmbito emocional • Conflito • Ambiguidade •
Triângulo amoroso • Vida social • Comunidade • Irmãos • Fazer aquilo de que se
gosta...
O nome desta carta não é, como às vezes dizem, Os Namorados, mas O
Namorado, no singular. No entanto, vemos aí diversos personagens:
quatro de forma humana (três pessoas e um anjo) e, se repararmos
bem, duas entidades que são a terra e o sol. Entre eles, quem é O Namo-
rado? O personagem central, frequentemente interpretado como um
rapaz jovem? O personagem da esquerda, no qual alguns leitores vêem
um travesti? Ou ainda o anjo, esse pequeno Cupido que aponta sua fle-
xa a partir do céu? Essas questões se colocam, pois o Arcano VI é pro-
vavelmente, assim como A Torre, uma das cartas mais ambíguas do Ta-
rot, e uma das que pior foram compreendidas. O VI representa, na nu-
merologia do Tarot, o primeiro passo no quadrado Céu (ver pp. 76, 79,
80). É o momento em que cessamos de imaginar o que nos agradaria
para começar a fazer aquilo que gostamos.
A tonalidade maior desta carta está associada ao prazer, à vida emo-
cional. Esse é justamente o motivo pelo qual ela é tão complexa, tão ri-
ca em significados contraditórios. Ela abre o campo para inúmeras pro-
jeções, podemos lhe atribuir milhares de interpretações que serão to-
das corretas em determinado momento. O que está acontecendo no
cerne deste trio? Seria uma briga, uma negociação, uma escolha, uma
união? Os dois personagens da esquerda estão se entreolhando enquan-
to o da direita olha para o vazio. A humanidade inteira pode ser com-
preendida através desta carta. As relações entre os protagonistas são
extremamente ambivalentes.
A posição das mãos dos personagens é particularmente interessante
de se observar. Cinco mãos em posições diversas simbolizam a comple-
xidade das relações em jogo. O primeiro personagem, à esquerda da
carta, coloca a mão esquerda no ombro do segundo, em um gesto de
proteção ou de dominação, para empurrá-lo ou detê-lo. Sua mão direita
toca a bainha do traje do rapazinho. Pode-se interpretar o movimento
do indicador estendido como um desejo de deslizar até o sexo ou, ao
contrário, como a proibição de fazê-lo. O rapaz tem a mão direita apoi-
ada na cinta. Notamos, de passagem, que essa cinta, amarela em três
faixas, é a mesma da mulher da esquerda. Se admitirmos a cinta como
símbolo da vontade, esse detalhe une os dois personagens. Mas a quem
pertence a mão que toca o ventre da jovem da direita? O rapaz e a jo-
vem da direita usam um traje azul-escuro com mangas, mas o movi-
mento do braço é ambíguo. De alguma maneira eles possuem um “bra-
ço em comum”. Se é o rapaz quem toca o ventre da jovem na altura do
sexo, a direção de seu olhar, no entanto, se dirige para sua direita. A
carta terá um significado bem diferente se considerarmos que é o braço
dela que protege ou indica o próprio ventre, enquanto o rapaz está com
a mão esquerda nas costas...
A mulher da direita usa uma touca formada por quatro flores de
cinco pétalas. Ela poderia representar uma bela consciência poética
embora sólida. O centro roxo das flores concentra a sabedoria do amor,
inclusive a capacidade de se sacrificar. A mulher da esquerda usa uma
coroa de folhas verdes, ativa (a faixa vermelha), e se aceitarmos que se
trata de folhas de louro, podemos dizer que ela tem uma mentalidade
triunfante ou dominadora.
Podemos especular infinitamente sobre as relações dos três perso-
nagens: um jovem que apresenta a noiva à mãe; uma mulher que desco-
bre o marido com uma amante; um homem que precisa escolher entre
duas mulheres, ou, conforme a interpretação tradicional, entre o vício e
a virtude; uma alcoviteira oferecendo uma prostituta a um passante;
uma moça que pede à mãe permissão para se casar com o rapaz que es-
colheu; uma mãe apaixonada pelo amante da filha; uma mãe que prefe-
re um dos filhos ao outro...
As interpretações são inesgotáveis. Todas nos levam a dizer que O
Namorado é uma carta relacional que representa o início da vida social.
É o primeiro Arcano onde há vários personagens apresentados no mes-
mo nível (os discípulos d’O Papa eram menores que ele, e estavam de
costas). É uma carta de união e de desunião, de escolhas sociais e emo-
cionais. Diversos indícios presentes na carta nos levam à noção de uni-
ão. Por um lado, o número 6 no alfabeto hebraico é associado à letra
Vav, “o cravo”, que representa a união. Por outro lado, notamos entre as
pernas dos personagens manchas de cor (azul-celeste e vermelho) que
representam, também elas, uma continuidade, uma união entre eles.
Em um plano simbólico, poderíamos dizer que os três personagens re-
presentam três instâncias do ser humano: o intelecto, o centro emocio-
nal e o centro sexual que se unem para formar um só.
A terra é arada sob os pés dos personagens. Isso significa que, para
chegar ao VI, é preciso ter feito um trabalho prévio, psicológico, cultu-
ral e espiritual. É assim que chegamos a descobrir aquilo que amamos,
aquilo que queremos. Os sapatos vermelhos do personagem central são
os mesmos d’O Louco e d’O Imperador: podemos considerá-los como
três graus do mesmo ser. Nota-se também que, entre esse personagem e
sua vizinha da direita, a terra se interrompe, resta apenas a mancha
vermelha. Pode-se ver neles, então, uma representação do animus e da
anima, dois aspectos masculino e feminino de uma mesma pessoa.
A grafia “AMOVREUX”, com o “V” em lugar do “U” cria um vínculo
visual e sonoro com a palavra “Dieu” de “LA MAISON DIEV” (A Tor-
re). Poderíamos dizer que o sol, que lança seus raios sobre a cena, re-
presenta o grande Namorado cósmico, a divindade como fonte do amor
universal que nos conduz ao amor consciente e incondicional. O pe-
queno Eros lhe serve de mensageiro e nos sugere, sendo representado
sob os traços de um menino, que esse amor se renova constantemente.
Em uma leitura
Esta carta ambígua nos incita a questionar nosso estado emocional: co-
mo vai nossa vida afetiva? Estamos em paz ou em conflito? Fazemos o
que gostamos? Que lugar tem o amor na nossa vida? A situação que nos
ocupa tem raízes no nosso passado, e quais são elas? Podemos nos in-
terrogar sobre o lugar que nos foi atribuído no seio da família, e traba-
lhar para identificar as projeções que fazemos atualmente sobre nosso
entorno. O Namorado será um dos personagens da carta, qualquer um
que escolhamos, cujas relações poderão ser comentadas pelo(a) consu-
lente. Qualquer que seja a questão, será útil recordar que O Namorado
central continua sendo o sol branco que irradia iluminando todos os se-
res vivos sem discriminação.
E se o Namorado falasse...
“Sou o sol do Arcano, o sol branco: quase invisível, mas iluminando to-
dos os personagens. Sou essa estrela: a alegria de existir, e a alegria de
que o outro exista. Vivo no êxtase. Tudo me dá felicidade: a Natureza, o
universo inteiro, a existência do outro sob todas as suas formas – esse
outro que não é outro senão eu mesmo.
“Sou a consciência que brilha como uma estrela de luz viva no cen-
tro do seu coração. Eu me renovo a cada instante, a todo momento es-
tou nascendo. A cada batimento do seu coração, eu uno você ao univer-
so inteiro. É de mim que partem os vínculos infinitos que nos unem a
toda criação. Ah, o prazer de amar! Ah, o prazer de me unir! Ah, o pra-
zer de fazer aquilo que se ama! Mensageiro da permanente imperma-
nência, renasço a cada segundo. Sou como um arqueiro recém-nascido
que lança flechas em tudo o que os sentidos podem captar.
“Não sou a gentileza, não sou a ambição do bem-estar nem do
triunfo. Sou o amor incondicional. Eu o ensinarei a viver no alumbra-
mento, no reconhecimento, na alegria.
“Quando penetro em você, como nos personagens do Arcano, co-
munico o amor divino até à menor das suas células. Sopro na sua mente
como um furacão caloroso que elimina da linguagem a crítica, a agres-
são, a comparação, o desprezo, e todas as gamas da arrogância que se-
param o espectador do ator. Eu me insinuo na sua energia sexual para
suavizar toda brutalidade, todo espírito de conquista, de possessão.
Confiro ao prazer a delicadeza sublime de um anjo que exulta. Quando
eu me dissolvo em seu corpo é para separá-lo da ditadura dos espelhos
e dos modelos, do olhar dos outros, da dor das comparações. Eu lhe
permito viver sua própria vida, assumir sua própria luz e sua beleza.
No coração onde habito, afugento as ilusões da criança mal-amada. Co-
mo o sino de uma catedral, verto no sangue a vibração penetrante do
amor, desprovido de todo rancor, de toda exigência emocional travesti-
da de ódio, e de todo ciúme, que não passa da sombra do abandono. Eu
o inicio no desejo de não obter nada que não seja também para os ou-
tros. A ilha do eu se transforma em arquipélago.
“Tudo concorre para aumentar minha alegria, mesmo aquilo que
você interpreta como circunstâncias negativas: o luto, a dificuldade, a
pequenez, os obstáculos... Amo as coisas e os seres tal como são, com
suas infinitas possibilidades de desenvolvimento. A cada instante, vejo
você e estou disposto a participar de seu desenvolvimento, mas tam-
bém a aceitar que você continue sendo como é.”
Entre as interpretações tradicionais:
Vida social • Alegria • Gostar daquilo que se faz • Fazer aquilo de que se gosta •
Nova união • Escolher o que fazer • Prazer • Beleza • Amizade • Triângulo amoro-
so • Apaixonar-se • Conflito emocional • Separação • Disputa • Terreno incestuoso
• Irmãos • Ideal e realidade • Primeiros passos na alegria de viver • Amor consci-
ente • O caminho da Beleza...
VII O Carro
Ação no mundo
Palavras-chave:
Ação • Amante • Príncipe • Triunfo • Facilidade • Conquistar • Fecundar • Coloni-
zar • Viajar • Dominar • Deixar fazer • Guerreiro • Eternidade...
O Carro, na primeira série dos Arcanos maiores, é o número sete. Nú-
mero primo, divisível apenas por si mesmo, o 7 é o mais ativo dos nú-
meros ímpares. O Carro representa, então, a ação por excelência em to-
dos os planos, sobre si mesmo e no mundo (ver pp. 76, 80). Contraria-
mente a A Imperatriz que ocupa o lugar correspondente no quadrado
Terra, e que indicava uma explosão sem objetivo definido, O Carro sabe
perfeitamente aonde vai. A carta é composta por três planos principais:
dois cavalos, um veículo e seu condutor, que poderíamos identificar co-
mo um príncipe porque usa uma coroa. Desse príncipe vemos apenas a
metade, acima da cintura. Alguns leitores, conforme a própria projeção,
poderão ver nele um anão de pernas atrofiadas ou uma jovem disfarça-
da. Mas o rosto que nos apresenta de frente é viril e nobre. O veículo,
um quadrado cor de carne, está fincado na terra; poderíamos dizer que
não avança. Na realidade, ele segue o movimento do planeta, o movi-
mento por excelência. Tornando-se um com a Terra, O Carro não pre-
cisa avançar: é um espelho da rotação planetária. Sua carruagem pode-
ria ser a Ursa Maior, o Carro solar de Apolo, ou o cavaleiro em busca do
Graal.
Os dois cavalos que puxam seu veículo são representados como o
cão d’O Louco, de pelo azul-celeste. Outra vez a animalidade se encon-
tra espiritualizada. Por outro lado, podemos identificar o cavalo à nossa
direita, com seus longos cílios e seu olho fechado, como um elemento
feminino, e o outro cavalo como masculino. As duas energias comple-
mentares macho e fêmea aqui realizam uma unidade. Se aparentemen-
te suas patas erguidas se dirigem para direções opostas, o movimento
da cabeça e do olhar é comum: é a união dos contrários que se opera no
plano energético. Os cavalos usam no peito o símbolo do ouro alquími-
co: a força animal instintiva age aqui em plena consciência.
No carro cor de carne, encontramos uma gota verde no centro do
brasão amarelo e laranja: no meio da carne perecível, uma gota de eter-
nidade, engastada no espírito, afirma sua permanência. Algumas lendas
pretendem que, entre todas as células do corpo humano, que são mor-
tais, existe uma única céula capaz de sobreviver à nossa morte física. O
Carro leva, nessa gota verde, nossa grande esperança de imortalidade, a
Consciência impessoal incrustada no coração da matéria.
Se observarmos a posição do personagem, descobrimos que seu
corpo, sua cabeça e seus braços formam uma figura triangular que se
inscreve no quadrado do veículo. Um triângulo dentro de um quadrado:
o espírito na matéria. Reencontraremos essa geometria simbólica no
Sete de Ouros. O Carro evoca, então, a busca alquímica: materialização
do espírito e espiritualização da matéria. Por essa óptica, poderíamos
dizer que o veículo representa o corpo; os cavalos, a energia; e o perso-
nagem, o espírito. À esquerda, o cetro cor de carne na mão do príncipe
pode significar que domina a vida material, e que ele tira seu poder de
sua encarnação. Em todo caso, sua ação se opera sem esforço. Da mes-
ma maneira, ele não precisa de rédeas para conduzir os cavalos. As do-
ze estrelas que tem sobre si nos indicam que ele trabalha com a força
cósmica. Uma coroa orna sua cabeça cortada, como se aberta às in-
fluências da galáxia. Mas há um véu por cima dele, fechando o horizon-
te do céu. É A Estrela (Arcano XVII) quem levantará esse véu.
Sobre seus ombros, duas máscaras representam, se quisermos, o
passado e o futuro, ou o positivo e o negativo, ou o tempo e o espaço,
dos quais ele é o ponto de encontro e de unidade. Agindo em pleno pre-
sente, ele é aberto para o passado e o futuro, a alegria e a tristeza, a luz
e a sombra. É um personagem completo, que age ao mesmo tempo em
três planos. À direita, em sua mão distinguimos a curva de uma bola ou
de um ovo branco que já vimos sob a axila d’O Louco. É um segredo
que ele guarda, uma esfera de perfeição secreta.
Em uma leitura
O Carro é muitas vezes visto como um conquistador de ação poderosa,
um amante de sexualidade triunfante. Ele anuncia, às vezes, uma via-
gem. Alguns chegam a ver aqui o anúncio de um sucesso no cinema ou
na televisão, porque o personagem aparece enquadrado, como uma ma-
rionete em um teatro. Em todo caso, é uma carta que avança na direção
do sucesso. Seus únicos perigos são a imprudência e a inflexibilidade
do conquistador que não duvida do fundamento lícito de sua conquista.
Carta viril e extremamente ativa, vem para sugerir, às vezes, para uma
mulher, que ela foi desejada como menino. O Carro incita também a
nos questionarmos sobre os modos de ação no mundo que colocamos
em prática e a maneira como dirigimos nossas vidas.
Embaixo do carro crescem plantas vermelhas, cheias de atividade,
que dão também a tonalidade energética da carta.
E se O Carro falasse...
“Estou cheio, absolutamente cheio de força. Nada se desperdiça: arrai-
gado ao planeta, amante de todas as suas energias, é com elas que eu
me mexo. Como um cavaleiro de fogo, não me movo do meu lugar. Não
deslizo sobre a terra. Vejo de cima. Viajo com o tempo sem jamais sair
do instante. Sem passado, sem futuro, o único tempo possível: o presen-
te, como uma joia incomensurável. Tudo que está aqui só está aqui e
em nenhum outro lugar.
“Sou a origem de todos os guerreiros, dos campeões, dos heróis, da
capacidade de enfrentar e resistir e de toda coragem. Nada me assusta,
nenhuma tarefa. Posso ir à guerra ou alimentar todos os habitantes da
Terra. Estou absolutamente centrado, bem no meio do universo, atra-
vessado por todas as energias da matéria e do espírito. Se sou uma fle-
cha, flecho meu próprio coração, e essa ferida profunda, essa consciên-
cia, me transforma. Para aquele que despertou, o sofrimento se torna
uma bênção. Dissolvo o sofrimento escondido em meus ossos, uno a vi-
gília ao sono.
“Atravesso a noite em dúvida sobre o abismo de mim mesmo. Corto
o nó dos enigmas. Supero a angústia de ser, desprezo as aparências, li-
bero os sentimentos da razão, destruo o que se opuser a mim, sou quem
sou. Quero viver tanto tempo quanto o universo.
“Centro de uma esfera em crescimento, invado a dimensão onde o
pensamento já não se manifesta mais, onde na escuridão se realiza a
gestação da ação pura. Reduzo a pó enxames de palavras. Nenhum es-
pelho me assusta, nem mesmo a alma que se solta do morto como de
um fruto seco.
“Fiz do meu azar um diamante, de cada abismo uma fonte de ener-
gia. Todos os sóis podem morrer, continuarei brilhando. A força incon-
cebível que sustenta o universo também me sustenta. Sou o triunfo do
existente sobre a vacuidade. Todas as mortes e perseguições, nada dis-
so pode me abater, nem os ciclos da história, nem o declínio sucessivo
das civilizações: eu sou a consciência e a força vital da humanidade.
“Quando me encarno em você, os fracassos se convertem em novos
pontos de partida, e dez mil razões para renunciar não valem nada di-
ante de uma única razão para continuar. Conheço o medo, conheço a
morte, elas não me detêm. Sou a força de ação presente em cada ser vi-
vo, o triunfo da natureza. Sei criar, sei destruir, sei conservar, tudo isso
com a mesma energia irresistível. Sou a própria atividade do universo.
“Avanço em direção a todas as dimensões do espaço, rompendo os
horizontes, até chegar ao objetivo, que é a máscara do começo. Tam-
bém retrocedendo, de vazio em vazio, à direita, à esquerda, para baixo e
para o alto, afastando galáxias até me dissolver na ausência assustado-
ra, mãe do primeiro grito que a tudo sustenta.
“Sou o triunfo da unidade na ruptura do verbo, sou o triunfo do infi-
nito na cremação dos últimos limites, sou o triunfo da eternidade, no
meu coração os deuses desaparecem.”
Entre as interpretações tradicionais:
Vitória • Ação no mundo • Empreitada bem-sucedida • Viagem • Dinamismo •
Amante • Guerreiro • Mensageiro • Conquistador • Príncipe • Anão • Saqueador •
Ação intensa • Sucesso midiático • Tela de televisão, de cinema ou de computador •
Síntese • Levar em conta prós e contras • Harmonia animus/anima • Conduzir as
energias • O espírito na matéria • Triunfo • Consciência imortal...
VIII A Justiça
Equilíbrio, perfeição
Palavras-chave:
Mulher • Maternidade • Soberana • Balança • Sentada • Completude • Decidir •
Valor • Julgar • Perfeição • Presença • Fazer truques • Autorizar • Proibir • Equili-
brar...
A Justiça, número oito, simboliza a perfeição. É o ápice da série de nú-
meros pares: depois da acumulação do 2, do estabelecimento do 4 e da
descoberta do prazer do 6, o 8 atinge o estado onde não há nada mais a
acrescentar ou tirar. O 8, em números arábicos, é formado por dois cír-
culos superpostos: perfeição no céu e na terra. Na numerologia do Ta-
rot, ele é também o dobro do 4, portanto um duplo quadrado: estabili-
dade no mundo material e no mundo espiritual (ver pp. 76, 80, 97).
Símbolo da realização, A Justiça, com sua balança, equilibra nossa
vida. Mas equilíbrio e perfeição não são sinônimos de simetria. Assim
como a arte sagrada dos construtores de catedrais recusava a simetria
como coisa diabólica, a carta d’A Justiça é estruturada de maneira assi-
métrica: o pilar da direita é mais alto que o outro, e termina em uma pe-
quena esfera de amarelo-escuro ausente do lado esquerdo; seu colar
sobe mais à direita, os pratos da balança não estão no mesmo plano ho-
rizontal, sua espada não é paralela à coluna do trono...
Se observarmos o movimento da balança, perceberemos que A Jus-
tiça influencia com o cotovelo o prato da direita, e com o joelho o da es-
querda. Esse “truque” pode ser interpretado em diversos níveis. Pode-
mos lhe atribuir um sentido negativo de injustiça, de falsa perfeição e
de astúcia que se justificará em algumas leituras. Podemos igualmente
pensar que, por tal gesto, A Justiça nos convida a não cair no perfeccio-
nismo: a exigência de perfeição é desumana, porque aquilo que é per-
feito se congelou, tornou-se insuperável, e portanto está morto. Ela nos
convidará, então, a substituí-la, através da astúcia sagrada, por uma no-
ção de excelência que permita à ação ser dinâmica e aperfeiçoável.
Podemos também pensar que a desigualdade dos pratos manifesta a
instabilidade própria da natureza, e que ela lhe aporta uma sustentação
inspirada pela misericórdia divina. Nesse sentido, A Justiça é profun-
damente humana: seus cabelos cor de carne, seu traje que se funde com
a terra, ligam-na ao plano terrestre. Mas ela é também um ponto de en-
contro entre o divino e o humano: acima de sua testa, a faixa branca em
sua cabeça denota um contato com a pureza divina, e em sua coroa, um
círculo amarelo rodeado de vermelho (sobre as cores, ver pp. 109 ss.),
como um terceiro olho, indica que ela age em função de um olhar supe-
rior, de uma inteligência recebida do universo.
Bem sentada em seu trono, A Justiça, com seus atributos ativo (es-
pada) e receptivo (balança), é também a primeira figura que olha de
frente, como mais adiante O Sol ou o anjo da carta d’O Julgamento
olharão para o consulente. A Justiça convida, assim, a uma introspec-
ção sem falhas, a um mergulho no presente. Este Arcano se afasta, por-
tanto, das representações tradicionais d’A Justiça de olhos fechados,
seu olhar encontra o nosso como um espelho, como um chamado à to-
mada de consciência. Trata-se, antes de tudo, de se fazer justiça a si
mesmo, de se dar aquilo que se merece.
À direita, embaixo de seu cotovelo, vê-se uma mancha roxa, a mais
volumosa de todo o Tarot. Essa cor tão rara, tão secreta, é um símbolo
da sabedoria. A Justiça é movida pela sabedoria. A luz azul-celeste que
emana dos pratos de sua balança nos indica que ela ali pesa nossa espi-
ritualidade. Da mesma maneira, a lâmina da espada está banhada desse
azul-essencial, pois ela serve para cortar o supérfluo, para separar o
inútil. Com a mão que segura a balança, A Justiça faz um gesto sagrado,
um mudra em que os quatro dedos da mão, representando as quatro
instâncias do ser humano (pensamentos, emoções, desejos, necessida-
des corporais), unem-se ao polegar. O Arcano VIII transmite aqui uma
mensagem de unidade.
Em seu traje, nove triângulos ascendentes em forma de pata de pás-
saro sobre o fundo azul lembram o arminho, signo da realeza. Aqui, a
nobreza é a do espírito sublime e da ação sem defeitos. Nesse sentido, A
Justiça pode ser vista como testemunho de nosso deus interior que nos
impulsiona para uma avaliação sem disfarce: fazemos justiça a nós
mesmos? Somos misericordiosos para conosco e para com os outros?
Em uma leitura
A Justiça, encarnação mais acessível do grande arquétipo feminino ma-
ternal d’A Lua (XVIII), representa frequentemente a mãe ou uma mu-
lher grávida. Esta carta abre também o campo para interpretações pro-
jetivas fortes: ela pode remeter a uma figura materna normativa, cas-
tradora, e todos os julgamentos destrutivos. Ela denotará, então, uma
exigência de perfeição tão forte que entrava o consulente em sua reali-
zação, interditando-o antes de qualquer erro. Da mesma maneira, A
Justiça remete muitas vezes às instituições de Estado ( justiça, adminis-
tração...) cujas decisões são inapeláveis e que despertam no consulente
a ameaça de castigo, de culpabilidade...
Vista positivamente, suas qualidades de equilíbrio, sua espirituali-
dade (ela ocupa um duplo quadrado material e espiritual), suas ideias
claras diante da realidade poderão ser preciosas aliadas. A lição d’A
Justiça, com sua espada e sua balança, é dar-se aquilo que se merece,
separando-se implacavelmente daquilo que não se quer. Ela ensina a
dizer sim e a dizer não, a distinguir os julgamentos subjetivos dos jul-
gamentos objetivos. Para fazer isso, ela sabe se colocar no lugar do ou-
tro.
E se A Justiça falasse...
“Lá onde o espírito tem a mesma dimensão que a matéria, lá onde não
se sabe se a densidade é a raiz do éter, onde o éter é o gerador da densi-
dade, lá, nesse equilíbrio eterno e infinito, estou. A realização do uni-
verso, eis a minha justiça; dar a cada galáxia, a cada sol, cada planeta,
cada átomo, o lugar que merecem. Graças a mim, o cosmos é uma dan-
ça. Cada nascimento, cada espiral, cada estrela que se apaga tem seu lu-
gar no universo. Permito a cada ser ser aquilo que é; cada poeira, cada
cometa, cada ser humano merece realizar a tarefa que a Lei suprema
lhe deu. Ao menor desvio desse decreto, pronuncio o castigo supremo:
aquele que se desvia será expulso do presente.
“O bem que você fizer aos outros, eu lhe darei. O que você não der,
eu lhe tirarei. Quando você destrói, eu o elimino. Não só dissolvo a sua
matéria, mas apago todos os seus rastros da memória do mundo.
“Quando apareço no corpo de uma mulher, ela se torna uma verda-
deira mãe. Dar à luz é conceder um lugar no aqui e no agora à Cons-
ciência infinita. Eu, mãe universal, me situo no cruzamento resplande-
cente e monumental onde o oceano da matéria entra em contato com a
alma impalpável, que se desintegra como uma chuva para fazer viver
cada fragmento denso.
“Sou essa perfeição que não exige nenhum acréscimo e não tolera
qualquer substração: tudo aquilo que me dão eu já tinha; tudo aquilo
que me tiram não existia em mim. Cada instante é justo, perfeito. Da
ação, eu elimino toda intenção subjetiva. Permito que as coisas sejam
exclusivamente aquilo que elas são. Dou a cada um aquilo que ele me-
rece; ao intelecto, o vazio; ao coração, a plenitude do amor; ao sexo, o
prazer da criação; ao corpo a prosperidade, que não é outra coisa senão
a saúde; à quintessência, a Consciência, eu lhe dou seu centro que é o
deus interior.”
Entre as interpretações tradicionais:
Equilíbrio • Estabilidade • Enfrentar • Plenitude • Perfeição feminina • Acolher •
Mulher grávida • Maternidade • Inflexibilidade • Implacabilidade • Julgar • Clari-
dade • Proibir • Autorizar • Dar (a si mesmo) aquilo que é merecido • Pensamento
límpido • Processo • Ação de justiça • A Lei • Desejo de perfeição • Perfeccionismo
• Espírito crítico • Mãe normativa ou castradora • Truque • Exatidão • Leis cósmi-
cas • Perfeição • Harmonia • Momento presente...
VIIII O Eremita
Crise. Passagem. Sabedoria
Palavras-chave:
Solidão • Sabedoria • Desapego • Terapia • Crise • Experiência • Pobreza • Ilumi-
nar • Ascese • Velhice • Retroceder • Frio • Receptivo • Antigo • Silêncio...
O número nove se distingue na primeira série de números ímpares por
ser o primeiro divisível por outro além de si mesmo. O 9 (3 x 3) é, por-
tanto, ambivalente, ao mesmo tempo ativo (ímpar) e receptivo (divisí-
vel). (Ver pp. 76, 80, 98.) Para melhor compreendê-lo, basta visualizar
seu movimento entre a carta d’A Justiça, o VIII, e o Arcano X que lhe
segue. Vemos O Eremita abandonar o Arcano VIII retrocedendo para
avançar, andando de costas até o final do primeiro ciclo decimal e o iní-
cio de um novo ciclo. Ao se afastar do VIII, ele deixa um estado de per-
feição insuperável que, se ele ali se demorasse, só poderia levar à mor-
te. Ele não o supera, ele o abandona e entra em crise. Podemos compa-
rá-lo ao feto que, no oitavo mês, adquire seu pleno desenvolvimento in
utero: todos os órgãos já estão formados, nada mais lhe falta. Durante o
nono mês, ele se prepara para abandonar a matriz, o único ambiente
que ele conhece, para entrar em um mundo novo.
Em uma ordem de ideias similar, os Evangelhos nos ensinam que
Jesus é crucificado na terceira hora, começa sua agonia na sexta hora e
expira na nona hora. O número 9 anuncia ao mesmo tempo um fim e
um começo. O Eremita termina ativamente sua relação com o mundo
antigo e se torna receptivo a um porvir que não domina nem conhece.
Diferentemente d’O Papa, que lançava uma ponte em direção a um ide-
al sabendo aonde ia, O Eremita representa a passagem para o desco-
nhecido. Nesse sentido, ele representa tanto a mais alta sabedoria, co-
mo um estado de crise profunda.
A lâmpada que ele leva pode ser considerada um símbolo do Co-
nhecimento. Ele a ergue, iluminando o passado como faz um homem
experiente, um sábio ou um terapeuta. Essa luz poderia ser um conhe-
cimento secreto, reservado aos iniciados ou, ao contrário, uma fonte de
conhecimento ofertada aos discípulos que a buscam. O Eremita ilumi-
na o caminho, ou talvez, com essa lanterna, mostra a si mesmo à divin-
dade, como se dissesse: “Meu trabalho está feito, estou aqui, veja-me”.
Da mesma maneira que a carta tem uma ambivalência entre ação e re-
cepção, essa luz pode ser ativa, como um chamado para despertar a
consciência do outro, ou receptiva, como um semáforo.
Da mesma maneira que A Papisa, O Eremita é um personagem bas-
tante coberto. As camadas de roupas sugerem o frio, o inverno – carac-
terísticas saturninas que lhe são frequentemente atribuídas e que re-
metem também a uma certa frieza da sabedoria, à solidão interior do
iniciado. Podemos igualmente ver aí as "camadas" do vivido, e da mes-
ma forma, as numerosas hachuras que sombreiam suas roupas podem
ser interpretadas como marcas de sua grande experiência. Suas costas
encurvadas contêm, concentrada, toda a memória de seu passado. Duas
luas cor de laranja, uma no pescoço e outra no verso do manto, sinali-
zam se tratar de um ser que desenvolveu em si qualidades receptivas.
Podemos decifrar, na dobra da mão que segura a lâmpada, as ancas e
um púbis de mulher em miniatura: signo de sua feminilidade ou, se o
quisermos, de que ele conserva em si alguns desejos carnais.
Em sua testa, por outro lado, três rugas renovam a mensagem de
atividade mental. Seu olhar se perde na distância. Seus cabelos e sua
barba azuis o assemelham a'O Imperador, que teria aqui perdido ou
abandonado seu trono, isto é, seu apego à matéria. Sua luva azul, seme-
lhante à d’O Papa, confere às suas escolhas, às suas ações e ao seu andar
uma profunda espiritualidade. Seu bastão vermelho e seu capuz, onde
se encontram de maneira invertida o vermelho e o amarelo do capuz
d’O Louco, também o assemelham a esse Arcano sem número. Mas aqui
o bastão d’O Louco é percorrido por uma onda, ganhou vida, o caminho
já foi percorrido e o trabalho já realizado, como testemunha a terra já
lavrada. Seu manto azul-escuro é signo de sua humildade, de sua cons-
ciência lunar e receptiva. A parte interna do manto, cor de carne, evoca
toda experiência vivida, não mais teórica, mas orgânica, de um ser que
aprendeu lições com o próprio caminho. Mas, por baixo do manto, ao
centro, está a cor verde que o envolve. Já vimos que, na tradição sufi e
cabalística, o verde é a cor da eternidade (ver p. 111). O Eremita, em
francês L’Hermite, com “H” inicial, parente de Hermes, o alquimista,
talvez tenha descoberto o elixir da longa vida; como o judeu errante,
ele já alcançou a eternidade. Ao mesmo tempo pobre e rico, havendo
conhecido a morte e o renascimento, ele faz um chamado àquela parte
de nós que pode ser eterna e nos incita a viver a crise com coragem, a ir
sem saber aonde.
Em uma leitura
Esta carta simboliza frequentemente uma crise à qual é preciso se en-
tregar, uma mudança profunda que convém enfrentar. Ela evoca a aju-
da de um mestre, de um terapeuta ou de um guia. Mas, na crise, O Ere-
mita pode tanto se renovar como morrer. Ele remete, portanto, também
à pobreza, à solidão, inclusive à decadência: pode-se ver nele um “sem
teto” ou mesmo um alcoólatra que esconde um litro de vinho tinto em
sua lanterna...
O Arcano VIIII é o equivalente, mais humano e mais frio, do grande
arquétipo paterno solar do Arcano XVIIII. Ele representa, assim, um
pai ausente, taciturno, distante ou desaparecido. Ele remete igualmen-
te, para o consulente, à solidão interior, ao lugar secreto e sombrio onde
se prepara a mutação espiritual.
E se O Eremita falasse...
“Cheguei ao fim do caminho, lá onde o impensável se apresenta como
um abismo. Diante desse nada não posso avançar. Só me resta andar de
costas, contemplando o caminho que já percorri. A cada passo, formo
diante de mim uma realidade.
“Entre a vida e a morte, em uma crise contínua, seguro minha lâm-
pada acesa – minha consciência. Ela me serve, evidentemente, para ori-
entar os passos daqueles que me seguem nesse caminho que eu abri.
Mas ela brilha também para mostrar a mim mesmo: fiz todo o trabalho
espiritual que devia fazer. Agora, ó Mistério infinito, venha em meu so-
corro.
“Pouco a pouco, fui me desfazendo de todas as amarras. Já não per-
tenço aos meus pensamentos. Minhas palavras não me definem. Venci
minhas paixões: desprendido do desejo, vivo em meu coração como em
uma árvore oca. Meu corpo é um veículo que vejo envelhecer, passar,
desvanecer, como um rio de curso irresistível. Já não sei quem sou, vi-
vo em total ignorância de mim mesmo. Para chegar até a luz, entro no
escuro. Para chegar até o êxtase, cultivo a indiferença. Para chegar ao
amor de cada coisa, de todo ser, eu me retiro na solidão. É lá, no último
confim do universo, que abro minha alma como uma flor de pura luz.
Gratidão sem exigência, a essência do meu conhecimento é o conheci-
mento da Essência.
“Pelo caminho da vontade, cheguei ao cimo mais alto. Já fui chama,
fui calor, depois, luz fria. Eis-me aqui, brilhando, chamando, esperando.
Conheci a solidão completa. Essa prece vai diretamente de mim mesmo
ao meu deus interior: tenho a eternidade às minhas costas. Entre dois
abismos, esperei e continuarei esperando. Já não posso avançar nem
retroceder sozinho: preciso que Tu venhas. Minha paciência é infinita
como a Tua eternidade. Se Tu não vens, esperarei aqui mesmo, pois Te
esperar se tornou minha única razão de viver. Não me mexo mais! Bri-
lharei até me consumir. Sou o óleo de minha própria lâmpada, esse óleo
é meu sangue, meu sangue é um grito que Te chama. Sou a chama e o
chamado.
“Realizei minha tarefa. Só Tu podes, agora, continuá-la. Sou a fê-
mea espiritual, a atividade infinita da passividade. Como uma copa,
ofereço meu vazio para que seja preenchido. Porque eu já me ajudei a
mim mesmo, agora, Tu, ajuda-me.
Entre as interpretações tradicionais
Crise positiva • Guia • Solidão • Homem velho • Velhice • Prudência • Retiro • Te-
rapeuta • Mestre masculino • Peregrinação • Castidade • Alcoolismo • Inverno •
Dúvida e superação • Iluminar o passado • Ir para o futuro sem saber aonde vai •
Andar de costas • Terapia • Pai ausente ou frio • Avô • Humildade • Saturno • Vi-
são clara do mundo • Sabedoria • Amor desinteressado • Abnegação • Altruísmo •
Mestre secreto...
X A Roda da Fortuna
Início ou fim de um ciclo
Palavras-chave:
Riqueza • Bloqueio • Renovação • Enigma • Solução • Ciclo • Impermanência •
Mutação • Eterno retorno • Começo e fim • Corpo-coração-espírito • Destino • Gi-
rar...
A Roda da Fortuna, número dez, fecha o primeiro ciclo decimal dos Ar-
canos maiores. Sua forma circular e a manivela encaixada nos indicam
seu primeiro significado: o final de um ciclo e a espera da força que po-
rá em movimento o ciclo seguinte. Na continuidade do Tarot, é o Arca-
no XI, justamente intitulado A Força, que sucede A Roda da Fortuna e
inicia o ciclo decimal seguinte. Mais do que qualquer outro Arcano, A
Roda da Fortuna é claramente orientada para um fechamento do passa-
do e uma espera do futuro. Nesse sentido, o lugar que esta carta ocupa-
rá em uma leitura permitirá dizer se um plano da vida exige ser conclu-
ído para dar lugar a um novo plano, ou se uma nova época já está come-
çando. Se decidirmos analisar esta carta como um fracasso, é para aí
descobrir que o fracasso não é o fim de tudo, mas uma oportunidade de
reconversão: uma mudança de caminho.
À primeira vista, este Arcano dá uma impressão de inércia, inter-
rompida pelo movimento das ondas do terreno azul-celeste. A mensa-
gem poderia ser que a realidade, sob uma aparência sólida, está em per-
pétua mudança como as ondas do mar. Tudo está condenado a desapa-
recer, o real é um sonho efêmero, e a Terra, uma ilusão do oceano
cósmico. Aqui, um único elemento pode aspirar à eternidade: o centro
da roda, o ponto de encaixe da manivela, que como se pode observar se
situa no centro exato do retângulo constituído pela carta. Tudo gira em
torno desse coração, no qual se pode ver um símbolo do mistério divi-
no. Enquanto os elementos exteriores que agem sobre a roda (os três
animais) chegam através de suas manobras à inércia, o centro é o ponto
a partir do qual será possível se processar a mudança. A mensagem da
carta é clara: o principal fator de mudança, de vida, é essa ação cósmica
que também chamamos de Providência divina. Podemos notar que a
roda é dupla: um círculo vermelho e um amarelo, representando a du-
pla natureza animal e espiritual do homem. O espírito humano será
sempre ao mesmo tempo ator e testemunha de todas as suas ações. No
entanto, uma vez unido à divindade o ator e a testemunha se tornam
uma única coisa. O objetivo do homem, tal como A Roda da Fortuna su-
gere, é chegar a essa unidade através da dualidade.
Se obervarmos os três animais, constatamos que um tende a descer,
outro a subir e o terceiro a permanecer imóvel.
O animal cor de carne, vestido apenas na metade de baixo do corpo,
desce rumo à encarnação. Vemos na cor desse elemento e no fato de su-
as partes sexuais estarem escondidas, um símbolo que tende a se orien-
tar em direção à matéria. O animal amarelo, por sua vez, está vestido
apenas na metade de cima do corpo, e uma cinta, em volta de suas ore-
lhas, parece tapá-las ou deixá-las mais evidentes. Podemos ler aí uma
visão do intelecto que aspira a subir, com sua tendência a girar em tor-
no de si mesmo e sua dificuldade de escutar. Por fim, o animal azul,
com ar de esfinge e capa vermelha em forma de coração, tendo contra o
peito uma espada com a medida exata da varinha d’O Mago, figura a vi-
da emocional que se apresenta ao mesmo tempo como um enigma e co-
mo o caminho rumo à sabedoria. Veremos também que esse animal tem
em si duas manchas roxas, cor que já vimos simbolizar a sabedoria (ver
p. 112).
O coração é então apresentado como elemento capaz de unir e imo-
bilizar as outras instâncias, vida espiritual e vida animal. É frequente-
mente um enigma emocional, um núcleo afetivo por resolver que blo-
queia a ação vital de um consulente. As cinco pontas da coroa da esfin-
ge nos remetem à quintessência do ser essencial, a consciência capaz
de unir as instâncias díspares do ser humano como o polegar une os de-
dos da mão. O chão azul ondulado parece também chamar os animais
para as profundezas, para uma busca de si mesmos nas águas matrici-
ais. Ao descer até o mais fundo de si mesmo, na aceitação do nosso in-
consciente, podemos efetuar o encontro com o deus interior e emergir
como seres iluminados. Nesse sentido, o centro da roda representa ao
mesmo tempo o lugar de parada, o núcleo do problema e do possível
movimento, o chamado para o despertar do tesouro interior. Mais uma
vez, o animal azul parece, como representante do coração, ser aquele
através do qual a consciência pode chegar. Veremos em sua testa um
oval azul anil que se assemelha ao chakra do terceiro olho Ajna, o da
clarividência. Essa clarividência tem o poder de unir o esforço material
descendente e o esforço intelectual ascendente.
As patas dos animais, enlaçando os raios da roda, parecem deter e
impedir seu movimento; mas podemos também pensar que os três a
sustentam para que a roda não caia. A atividade material, emocional e
intelectual sustenta o ciclo vital. E este, para gerar um novo ciclo, ne-
cessita da intervenção da quarta energia, que será representada em A
Força (XI) acionando a manivela: a energia sexual criativa.
Em uma leitura
A Roda da Fortuna é uma carta de interpretações vastas, cuja leitura
depende muito das circunstâncias evocadas pelo consulente. Ela indica
em que momento de sua vida está o/a consulente. Quando se apresenta
no início de uma tiragem, sugere o encerramento de um episódio pas-
sado e o começo de um novo ciclo. No final, ela pode anunciar que
aquilo que está acontecendo se concluiu redondamente, representando,
então, uma página virada, um ciclo completo. Porém, muitas vezes, si-
tuada na metade da tiragem ou ao fim, indica um bloqueio que será
preciso superar. Convém, então, tirar uma carta para ver o que virá gi-
rar a manivela ou elucidar o enigma emocional (representado pelo ani-
mal azul) que a carta sugere.
Nas concepções populares, devido à palavra "fortuna", ela anuncia
um ganho de dinheiro. Remete às vezes a um centro de interesse ou a
um sistema que se estrutura sobre uma forma circular: a roda do kar-
ma, a astrologia, inclusive à roda da loteria... Podemos ver aí o ciclo da
morte e do renascimento em amplo sentido, ou da circulação da vida.
A Roda da Fortuna convida a refletir sobre as alternâncias inevitá-
veis de ascensão e queda, de prosperidade e austeridade, de alegria e
tristeza. Ela nos orienta em direção à mudança, seja positiva ou negati-
va, e à aceitação da constante mutação do real.
E se A Roda da Fortuna falasse...
“Conheci todas as experiências. A princípio, eu tinha diante de mim um
oceano de possibilidades. Guiada ora pela vontade, ora pela providên-
cia ou pelo azar, escolhi minhas ações, acumulei conhecimento, para
em seguida explodir sem finalidade preconcebida. Inúmeras vezes en-
contrei a estabilidade. Quis conservar seus frutos sobre minha mesa,
mas os vi apodrecer. Compreendi que deveria me abrir para os outros,
compartilhar. Que eu deveria buscar o grande Outro em mim, a fonte
divina. O centro das minhas revoluções inumeráveis em torno desse ei-
xo. Eu me perdi, buscando tudo que se parecia comigo. Conheci o pra-
zer de me refletir nos olhos do outro como em infinitos espelhos. Até o
dia em que, com uma força irreprimível, agi no mundo e tentei mudá-
lo... para me dar conta de que só conseguia começar a transformá-lo.
Minha busca espiritual se ampliou até o ponto de impregnar a totalida-
de da matéria, e cheguei à assustadora perfeição, esse estado em que
nada me acrescentava, e nada se subtraía de mim. Não quis ficar assim
petrificada. Então abandonei tudo, com minha sabedoria como única
companhia. Cheguei ao extremo limite de mim mesma, plena mas deti-
da, esperando que o capricho divino, a energia universal, o vento miste-
rioso que sopra do inconcebível, me faça girar e que em meu centro ha-
ja a eclosão do primeiro impulso de um novo ciclo.
“Aprendi que tudo o que começa termina, e que tudo que termina
começa. Aprendi que tudo que sobe desce, e tudo que desce sobe.
Aprendi que tudo que circula acaba estagnando, e que tudo que estagna
acaba por circular. A miséria se torna riqueza, a riqueza miséria. De
uma mutação para outra, eu convido você para se unir à roda da vida,
aceitando as mudanças com paciência, docilidade, humildade, até o
momento em que nasce a Consciência. Então, tudo aquilo que é huma-
no, como uma crisálida dando à luz uma borboleta, atinge o grau ange-
lical em que a realidade deixa de girar em torno de si mesma, em que se
eleva ao espírito do Criador.”
Entre as interpretações tradicionais:
Fim de um ciclo • Princípio de um ciclo • Necessidade de uma ajuda exterior • Nova
partida • Mudança da sorte • Circunstâncias alheias à vontade do consulente •
Oportunidade a ser aproveitada • Ciclo hormonal • Enigma emocional por resolver
• Bloqueio • Parada • Beco sem saída • Roda do karma, reencarnações sucessivas •
Leis da natureza • Providência • Ciclo completo • Completude • Filmagem • Ganho
de dinheiro...
XI A Força
Começo criativo, nova energia
Palavras-chave:
Animalidade • Fera • Criatividade • Profundidade • Voz • Puberdade • Dizer • Ca-
lar • Renascimento • Força • Começo • Comunicar • Sentir...
A Força, número onze, é a primeira carta da segunda série decimal (ver
pp. 48-9). É ela quem abre o caminho das energias inconscientes. Ob-
servamos que é a única carta entre os Arcanos maiores a mostrar essa
particularidade: seu nome se inscreve na extremidade esquerda da le-
genda, enquanto à direita vinte traços se acumulam como uma mola
que permite à energia nova adquirir seu impulso. Vinte, como O Julga-
mento, que termina esse ciclo decimal. Lá, outra vez, vemos que a pri-
meira e a décima carta do ciclo são intimamente ligadas, A Força sendo
em potencialidade tudo o que O Julgamento realiza, isto é, o emergir
da nova consciência.
A mensagem d’A Força é bastante clara: esse trabalho de consciên-
cia passa em primeiro lugar pela relação com as forças instintivas. En-
quanto O Mago, seu homólogo da primeira série, trabalhava da cintura
para cima e exercia sua inteligência sobre a mesa, A Força trabalha da
cintura para baixo, permitindo aos ensinamentos das profundezas se
comunicarem com as instâncias espirituais de seu ser. Diversos deta-
lhes ligam-na ao Arcano I: seu chapéu em forma de oito, ou de infinito,
é receptivo como o d’O Mago, mas se abre para o alto e parece alado,
com motivos que lembram a plumagem das águias presentes nos Arca-
nos III, IIII e XXI: a inteligência d’A Força está disposta a voar em di-
reção ao cosmos. Ela se apoia sobre um pé visível, cujos seis dedos cor-
respondem ao mesmo tempo às seis pontas vermelhas de seu chapéu,
aos seis dentes negros do animal e aos seis dedos da mão d’O Mago (ver
p. 145). Podemos ver aí a marca de uma força excepcional que lhe per-
mite uma ancoragem sólida na terra. Pode-se igualmente deduzir que
ela tem sua fonte na beleza, o mais sublime dos prazeres (ver pp. 79, 82,
95). A unha do hálux, o primeiro artelho do pé, como a do polegar, é
pintada de vermelho. Lembremo-nos de que a unha, no corpo humano,
simboliza a eternidade, pois continua a crescer mesmo depois da mor-
te. Essa vitalidade excepcional d’A Força se manifesta na cor vermelha
de suas unhas.
A Força é consciente dos pés à cabeça. Pode-se dizer que ela é a
própria potência da Consciência, sob seu aspecto de junção entre o alto
e o baixo, a energia espiritual e a energia instintiva. Ao seu redor, não se
desenha nenhuma paisagem definida, ela se apoia apenas em um terre-
no amarelo e lavrado, portanto, onde o trabalho da tomada de cons-
ciência já foi feito. Ela não se situa no tempo, nem no espaço, mas se
ancora no presente como a expressão de uma energia pura.
Toda sua atividade se concentra na relação com o animal em cuja
pelagem a força inteligente, amarela ou dourada, se encarna na parte
cor de carne. O Espírito se encarna na animalidade que, por sua vez, se
torna disponível à comunicação com o espírito. A Força trabalha de
mãos nuas, dedicadamente, com a animalidade, com as manifestações
do inconsciente e com sua própria sexualidade: a cabeça do animal se
situa na altura de sua pelve. Sua relação com essas forças, que se ex-
pressa no movimento das mãos em relação à boca aberta do animal,
abre um campo para numerosas interpretações. À esquerda da carta,
sua mão se apoia no focinho do animal, mas aparentemente sem o
prender ou forçar. Os oito pontos desenhados no focinho indicam que a
energia animal não pode ser modificada, que ela é perfeita como está.
Porém, segundo sua conformidade ou inconformidade com o es-
pírito, podem emergir tanto a criatividade e a iluminação, quanto os
bloqueios ou as repressões. A Força nos ensina que nessa relação com a
animalidade tocamos questões essenciais, e que essa parte de nós não
pode ser negligenciada. É também por isso que os seis dentes negros e
pontudos do animal reaparecem nas seis pontas vermelhas do chapéu.
A natureza intelectual escuta a voz do animal e o animal escuta a in-
fluência mental: é o ideal d’A Força, uma dinâmica em que as mãos dan-
çam com o focinho em uma comunicação em forma de 8, de infinito,
perfeitamente equilibrada.
Se interpretarmos o movimento das mãos e da boca do animal como
um conflito, uma luta de poder, podemos ler aí todo tipo de dificulda-
des: o vermelho do polegar e da língua se torna o sangue de um comba-
te, a energia sexual é reprimida, e por sua vez a animalidade mutila o
psiquismo (vemos, então, que o pescoço da mulher tem um traço, como
de uma decapitação). A amarração do espartilho em seu peito se torna
um fechamento do coração provocado pela repressão. O corpo é perce-
bido como despedaçado, sofrem-se as consequências de um abuso se-
xual, de um traumatismo ou de uma educação tóxica, rígida, mutilante.
No entanto, os detalhes que acabamos de ver também têm sua in-
terpretação positiva: as cerquilhas no peito são formadas por quatro li-
nhas “materiais”, subindo da esquerda, representando a natureza ani-
mal, e cinco traços “espirituais”, descendo da direita, representando o
trabalho da Consciência. Essas nove linhas e a cor amarela remetem ao
nono grau dessa série decimal, O Sol (XVIIII), onde veremos dois gê-
meos (um espiritual e outro animal) realizando juntos, em amor perfei-
to, uma nova construção. A linha no pescoço da mulher poderia ser um
colar ornando-lhe a garganta, lugar da expressão e da palavra verdadei-
ra que não vem apenas do intelecto, mas também das profundezas do
ser: palavra na qual o consciente e o inconsciente se harmonizam.
Em uma leitura
A Força remete ao início de uma atividade ou de um período da vida
sob o signo do instinto, da criatividade. Ela pode também indicar uma
problemática de ordem sexual, ou a emergência de uma instância do
ser até então escondida que exige se expressar pela primeira vez. Será
preciso se perguntar se a mulher jovem d’A Força deixa o animal se ex-
pressar ou tenta fazê-lo se calar. Depois de uma doença ou do fim de
um ciclo, A Força representa o retorno da energia vital.
De todos os animais presentes no Tarot, o leão, que encontramos na
carta d’A Força e na carta d’O Mundo (XXI), é o único capaz de devorar
o ser humano. A mulher que se harmoniza com ele representa a dimen-
são mais sublime da alma, aquela pela qual passam as forças do mila-
gre.
E se A Força falasse...
“Eu estava esperando por você. Sou o início do novo ciclo, e depois de
tudo aquilo que você realizou, você não poderia viver se não me encon-
trasse. Vou lhe ensinar a vencer o medo: comigo você estará disposto a
ver tudo, a entender tudo, a desfrutar de tudo, a tocar em tudo. Os sen-
tidos não têm limites, mas a moral é feita de medos. Vou lhe fazer ver o
imenso pântano das suas pulsões, tanto as sublimes quanto as tenebro-
sas. Sou a força obscura que sobe dentro de você em direção à luz.
“Do centro das profundezas, dos subterrâneos do meu ser, brota
minha energia criadora. Lanço raízes no lodo, naquilo que existe de
mais denso, de mais aterrorizante, de mais insensato. Como um forno
ardente, meu sexo exala desejos que, à primeira vista, parecem de natu-
reza bestial, mas que são apenas o canto oculto na matéria desde a ori-
gem do universo.
“Meu intelecto, luz vinda das estrelas, frio como o infinito, age so-
bre o calor eterno do magma para produzir o rugido criador. Céu e Ter-
ra se unem nesse grito, acordando o mundo. Posso fazer com que a pe-
dra mais humilde se torne uma obra de arte. Posso fazer crescer nas ár-
vores raquíticas frutos repletos de sumo. Posso transformar a linha do
horizonte em um talho púrpura, vivo, como um longo e interminável
rubi. Cada pegada deixada por meus pés poderosos no barro se torna
um colmeia vertendo mel.
“Deixo circular em meu corpo dos pés à cabeça, como ondas de um
mar agitado, o impulso sublime e feroz de que o mundo necessita. Cha-
me como achar melhor: potência sexual, energia da matéria, dragão,
kundalini... É um caos incomensurável que ganha forma dentro de mim.
Em meu ventre, um diabo e um anjo se unem, formando um turbilhão.
Como uma árvore, estendo meus galhos para o céu enquanto finco mi-
nhas raízes na terra. Sou uma escada pela qual a energia simultanea-
mente sobe e desce. Nada me assusta. Sou o início da criação.”
Entre as interpretações tradicionais:
Potência criativa • Coragem • Nobreza do coração • Nova partida • Início de uma
atividade • Aporte de nova energia • Energia instintiva • Animalidade • Força •
Cólera • Heroísmo • Coragem • Autodisciplina • Relação entre o espírito e o instin-
to • Abertura ou repressão • Chamado da sexualidade • Inibição sexual • Repressão
• Dificuldade de expressão • Abertura • Orgasmo • Tantra...
XII O Enforcado
Parada, meditação, dom de si mesmo
Palavras-chave:
Sacrifício • Parada • Não escolher • Gestação • Feto • Meditação • Doação de si
mesmo • Profundidade • Invertido • Esperar • Demora • Suspensão • Repouso...
O Enforcado, Arcano XII, corresponde ao segundo grau da segunda
série decimal, equivalente a A Papisa na primeira série. Assim como
ela, ele indica um estado de acumulação, de parada e de reclusão. Como
A Papisa, ele se afasta do mundo dos humanos, ao qual ele só está liga-
do pela corda, que o prende, entre as duas árvores que o sustentam, a
uma trave cor de carne. Já vimos que a partir do Arcano XI, todos os
números farão uma descida em direção à força original, nos abismos do
inconsciente. O Enforcado obedece a essa atração para baixo e, por sua
natureza acumulativa (o 2), ele exprime uma interrupção total, suspen-
so de cabeça para baixo, os cabelos caindo em direção às profundezas
como que para se enraizar.
Se A Papisa incuba, O Enforcado é incubado: ele entra em gestação
para fazer nascer o novo ser. Nós encontramos aqui o simbolismo do
ovo, presente no Arcano II. Se A Papisa é mãe, O Enforcado é filho. Po-
demos imaginar O Enforcado em gestação no ovo do Arcano II. Sus-
penso entre céu e terra, ele espera para nascer. A posição das pernas
lembra as d’O Imperador: uma estendida, a outra dobrada. Mas o cru-
zamento das pernas d’O Imperador é dinâmico, uma perna adiante,
prestes a passar à ação. O Enforcado, ao contrário, dobra uma perna
atrás da outra para melhor se imobilizar. Assim também suas mãos,
símbolos da capacidade de agir, estão cruzadas nas costas: ele nada faz,
ele nada escolhe.
Dos dois lados do personagem, vemos árvores com galhos cortados,
sacrificados. Para esse nascimento material ou espiritual que se prepa-
ra, é necessário fazer uma parada. Pode ser a parada provocada por
uma doença ou como aquela que consentimos livremente na medita-
ção. Em um plano espiritual, O Enforcado deixa de se identificar com a
comédia do mundo e com seu próprio teatro neurótico; oferece em sa-
crifício ao trabalho interior as inquietudes de seu ego. Nesse sentido,
sua queda é uma ascensão.
Podemos ver também, nessa inversão de seu corpo físico, uma in-
versão do olhar e das perspectivas: o intelecto é posto abaixo, o racio-
nal deixa de dominar a conduta, ao passo que o espírito se torna recep-
tivo, como demonstra o amarelo-escuro dos cabelos, à sabedoria interi-
or profunda. O ponto de vista sobre a vida muda. Nós nos separamos de
uma visão de mundo herdada da infância, com seu cortejo de ilusões e
de projeções, para entrar em nossa própria verdade essencial. Visto por
esse ângulo, O Enforcado nos remeterá frequentemente, na leitura, à
tomada de consciência dos vínculos do consulente com sua árvore ge-
nealógica. A posição do personagem, de cabeça para baixo, lembra a do
feto no ventre materno, e poderá incitar o tarólogo a interrogar o/a
consulente sobre as circunstâncias de sua gestação e de seu nascimen-
to, ou das dificuldades vividas de maneira traumática em sua história.
As duas árvores de galhos cortados podem ser interpretadas como as
duas "árvores" ou linhagens, materna ou paterna, em que a situação
neurótica e os abusos nos deixaram "suspensos", impotentes e sacrifi-
cados, escondendo nas costas, como O Enforcado com suas mãos invi-
síveis, segredos vergonhosos. Essa carta exprimirá, às vezes, a culpabi-
lidade, os crimes imaginários simbolizados pelas doze feridas sangren-
tas das árvores e o castigo a que nos obrigamos, ou ainda o sacrifício a
que nos sentimos condenados. A leitura popular tradicional imagina
que o dinheiro escapa dos bolsos d’O Enforcado, que ele perde suas ri-
quezas. Uma leitura mais simbólica verá aí o sacrifício das “riquezas”
ilusórias do ego.
O Enforcado pode também evocar a figura do Cristo, e através dela
o tema da doação de si mesmo. Os doze galhos cortados simbolizariam,
então, os doze apóstolos, que às vezes são identificados com os doze
desvios do ego, em torno do Cristo que representaria o eu universal e
andrógino. As marcas da androginia são muitas: os bolsos d’O Enforca-
do são em forma de lua crescente, mas uma recebe enquanto a outra
doa: uma é ativa e a outra, receptiva. A corda que o prende e o sustenta
é dupla: de um lado, à nossa esquerda, ela termina em um símbolo fáli-
co, e do outro, à nossa direita, por uma forma que lembra o símbolo do
feminino. Por outro aspecto, essa mesma corda tem, no nó junto ao cal-
canhar d’O Enforcado, um triângulo inscrito em um círculo, significan-
do que ele está ligado ao espírito, à androginia espiritual. E isso dos pés
à cabeça, pois descobrimos em seus cabelos, em amarelo-claro entre as
mechas amarelo-escuro, um símbolo redondo solar e uma pequena lua.
No entanto, sabendo que o Tarot é atravessado pela influência de
três grandes religiões monoteístas, poderíamos igualmente ver nos dez
botões do traje d’O Enforcado uma alusão à tradição cabalística e às
dez sefirot da Árvore da Vida. O primeiro botão a partir do pescoço tem
um ponto, origem de toda criação. Depois se alternam, nos quatro se-
guintes, um elemento receptivo e um elemento ativo. O sexto botão,
que corresponderia à sefirá Tipheret, com a forma de um sol de oito
raios, perfeição da beleza que une todos os outros elementos. Em se-
guida, novamente, um elemento receptivo e um elemento ativo, segui-
dos de um nono botão contendo uma lua, e um décimo onde está ins-
crito um quadrado, símbolo da terra. A meditação d’O Enforcado lhe dá
acesso à sabedoria universal que nele repousa.
Em uma leitura
Esta carta indica um momento de parada que pode ser proveitoso para
aprofundar seus projetos, seu conhecimento de si mesmo, seu trabalho
interior. Ela pode também fazer referência a um bloqueio, a uma inca-
pacidade de agir. Frequentemente, ela sinalizará que não é o momento
de se fazer uma escolha, que a situação ou nosso próprio olhar ainda
necessita amadurecer. O Enforcado pode ser visto literalmente como o
reflexo ou o espelho do Arcano XXI, O Mundo, onde a posição das per-
nas é similar. Mas a mulher no centro da guirlanda d’O Mundo dança,
enquanto O Enforcado está parado: ele representa a imobilidade com-
plementar ao movimento, o feto no ventre materno ou ainda o contato
profundo consigo mesmo de onde nasce toda realização no mundo.
E se O Enforcado falasse...
“Estou nessa posição porque quero. Fui eu quem cortou os galhos. Li-
bertei minhas mãos do desejo de segurar, de me apropriar, de reter.
Sem abandonar o mundo, eu me retirei dele. Comigo, você poderá en-
contrar a vontade de entrar no estado em que não existe mais vontade.
Em que as palavras, as emoções, as relações, os desejos, as necessidades
já não o prendem mais. Para me desligar, cortei todos os vínculos exce-
to aquele que me liga à Consciência.
“Tenho a sensação de cair eternamente em mim mesmo. Através do
labirinto das palavras eu me procuro, sou aquele que pensa e não aque-
le que é pensado. Não sou os sentimentos, eu os observo a partir de
uma esfera intangível onde só existe a paz. A uma distância infinita do
rio dos desejos, conheço apenas a indiferença. Não sou um corpo, mas
aquele que o habita. Para chegar a mim mesmo, sou um caçador que sa-
crifica a presa. Encontro a ação ardente na não ação infinita.
“Atravesso a dor para encontrar a força do sacrifício. Pouco a pouco
me desfaço do que poderíamos chamar de 'eu'. Entro em mim mesmo
incessantemente, como em uma floresta encantada. Nada possuo, nada
conheço, nada sei, nada quero, nada posso.
“No entanto, universos inteiros me atravessam, vêm me encher com
seus turbilhões, depois vão embora. Sou o céu infinito que deixa passar
as nuvens. O que me resta? Um único olhar, sem objeto, consciente de
si mesmo, fazendo de si mesmo a derradeira e última realidade. Então
estouro em pura luz. Então me torno eixo de uma dança total, a água
benta onde vêm beber os sedentos.
“É nesse momento que sou o ar puro que expulsa as atmosferas en-
venenadas. É nesse momento que meu corpo preso se torna fonte cata-
clísmica da vida eterna.
“Sou apenas um coração que bate, que impulsiona a beleza em dire-
ção aos confins da criação. Torno-me a doçura aprazível em toda dor, a
incessante gratidão, a porta que conduz as vítimas ao êxtase, o caminho
inclinado pelo qual se desliza para cima. A luz viva que circula na escu-
ridão do sangue.”
Entre as interpretações tradicionais:
Parada • Espera • Imobilidade • O momento de agir ainda não chegou • Ocultar al-
go • Autopunição • Feto em gestação • Segredo • Inversão das perspectivas • Ver de
outro ponto de vista • Não escolher • Repouso • Doença • Dificuldade • Condições
da gestação do consulente • Vínculo com a árvore genealógica • Prece • Sacrifício •
Doação de si mesmo • Meditação profunda • Não fazer • Forças interiores recebi-
das através da prece...
XIII O Arcano sem nome
Transformação profunda, revolução
Palavras-chave:
Mudança • Mutação • Revolução • Cólera • Transformação • Limpeza • Colheita •
Esqueleto • Cortar • Avançar • Eliminar • Destruir • Rapidez...
O erro mais difundido sobre este Arcano é o da tradição superficial que
lhe dá o significado, e às vezes o nome, de “A Morte”. O peso dessa ine-
xatidão influenciou muito a interpretação do Arcano XIII. Certamente,
a figura central é esse esqueleto ceifador que, na tradição popular, re-
presenta a morte. No entanto, numerosos elementos nos permitem des-
cartar essa interpretação simplista. Por um lado, o Arcano XIII não tem
nome. Depois do trabalho de esvaziamento e aprofundamento realiza-
do por O Enforcado, esta carta nos convida a uma purificação radical
do passado, a uma revolução que se situa nas profundezas não verbais
ou pré-verbais do ser, na sombra deste terreno negro, deste desconhe-
cido de nós mesmos de onde emerge, como de uma matriz, nossa hu-
manidade.
Por outro lado, observaremos que o 13 não é o último número da
série dos Arcanos maiores, mas se situa um pouco depois do meio da
série. Se esta carta representasse um fim, ela traria provavelmente o
número 22. Sua situação no coração do Tarot nos incita a vê-la como
um trabalho de limpeza, uma revolução necessária para a renovação e
para a ascensão que leva, depois dela, grau após grau, em direção à rea-
lização total d’O Mundo. Além disso, esta carta numerada, mas não in-
titulada, faz eco a O Louco, que tem nome mas não número. A seme-
lhança das posturas entre os dois personagens é evidente: o esqueleto
do Arcano XIII poderia quase ser O Louco visto em raio-X. Disso po-
demos deduzir que esses dois Arcanos representam dois aspectos de
uma mesma energia fundamental. Mas se O Louco é antes de tudo um
movimento, um aporte, uma liberação, o Arcano XIII evoca um traba-
lho semelhante a uma lavoura ou uma ceifa que preparam o terreno pa-
ra uma nova vida. Ainda aí, um índice evidente nos afasta da interpre-
tação simplista: este esqueleto é cor de carne, cor da vida orgânica por
excelência. Trata-se do esqueleto que trazemos dentro de nós, do osso,
da essência viva e da estrutura de todo movimento, e não do esqueleto
que deixamos para trás quando desaparecemos desta vida.
Um osso branco, no chão, evoca a ossatura seca (a origem do termo
“esqueleto” é uma palavra grega que significa “seco”), mas mesmo esse
osso morto se move em direção a uma nova vida, pois, com seus sete fu-
ros, apresenta-se como uma flauta, instrumento que aguarda um sopro
para produzir sua música; esse sopro poderia ser divino. Assim sendo, é
impensável reduzir o Arcano XIII ao significado de "morte". Em vez
disso, podemos aí ver uma grande transformação, uma revolução, uma
mudança radical.
O personagem, com a lâmina vital (vermelho) e espiritual (azul-ce-
leste) de seu alfanje está trabalhando a natureza, sua própria natureza
profunda. Ele segura o alfanje pelo cabo amarelo, cor da inteligência: o
trabalho foi desejado, pensado, e agora se realiza. No processo do Arca-
no XIII, veremos frequentemente aflorar a cólera ou a agressividade,
sofrida ou expressada. Mas é possível que esse trabalho se efetue como
uma explosão, rápida e liberadora. É um processo de eliminação que la-
vra e doma o ego. Nenhum outro elemento inútil é tolerado, os sistemas
de valores e os conceitos redutores que nos fecham são abolidos, e com
eles a cumplicidade que até agora mantínhamos com nossa não realiza-
ção ou com nossa neurose. Todos os vínculos de dependência são cor-
tados para nos permitir recuperar a liberdade perdida, da qual O Louco
é o símbolo primordial.
O terreno negro sobre o qual trabalha o Arcano XIII lembra o nigre-
do da alquimia, ou o lodo de onde emerge a lótus na tradição budista. É
a cor do inconsciente, da vacuidade, do mistério profundo. Aí encontra-
mos duas cabeças, que não sabemos se foram cortadas ou se estão sur-
gindo da escuridão – em todo caso, o esqueleto se apoia sobre elas para
avançar. Pai e mãe foram destronados, em um primeiro momento, para
que a nobreza profunda do masculino e do feminino aparecesse sob a
forma de dois arquétipos purificados. Dois seres humanos de tradição
real nascem então aqui, da mesma maneira que brotam duas espécies
de plantas: uma azul-escura, cor da recepção espiritual intuitiva, e ou-
tra amarela, cor da inteligência ativa e solar.
Observamos também que pés e mãos se destacam do negro do chão,
alguns muito bem feitos, outros imperfeitos. Foram cortados? Brotam
da terra? Nesse caso, podemos dizer que o novo ser já aflora à super-
fície. Se estudarmos mais de perto o personagem esquelético, vemos
que seu rosto não é um rosto, mas uma sombra de perfil, como se o ne-
gro do chão tivesse subido até a cabeça, como se o mental tivesse sido
esvaziado. O olho do personagem lembra um dragão mordendo a pró-
pria cauda, símbolo do universo infinito. Sua cabeça contém uma forma
lunar, sinal de sua receptividade, e na parte de trás do crânio, virando a
carta, podemos descobrir entre as hachuras as letras hebraicas Yod, He,
Vav, He, que compõem o Nome divino. A soma dessas quatro letras no
alfabeto hebraico dá 26, número da divindade, do qual 13 é a metade
exata.
Este ser leva em si a divindade, mas não é inteiramente divino, ele
trabalha no plano da encarnação. O quadril do personagem e sua colu-
na vertebral reproduzem as cores da lâmina do alfanje: azul-celeste e
vermelho, como se essas duas cores (ação vital e receptividade espiritu-
al; ver pp. 116 ss.) constituíssem a base do crescimento que se desenvol-
ve ao longo da coluna, em forma de espiga de trigo, até a flor vermelha
de quatro pétalas que sustenta a cabeça. Escondido no quadril, um co-
ração azul nos indica que ele trabalha com amor. Um de seus joelhos e
um de seus cotovelos contêm uma flor de três pétalas ou um trevo ver-
melho, que indicam mais uma vez a atividade nos pontos estratégicos
do ser: joelho e cotovelo são lugares do carisma, da comunicação com
as massas. No corpo cor de carne, uma perna e um braço são pintados
de azul-celeste. Trata-se de um ser ativo e comunicativo ao mesmo
tempo encarnado e espiritual, humano e divino, mortal e imortal. Sua
máscara é assustadora. Mesmo tendo visto que ele guarda em si a ação
divina, podemos nos deixar aterrorizar por sua aparência e ver nesse
personagem um coxo de cabeça oca que ceifa indistintamente, sem res-
peito pela beleza da vida. Uma ameaça aterrorizante e implacável, co-
mo a morte injusta e sem perdão. Mas sua ação nos indica o caminho
da transformação e nos leva da mortalidade à imortalidade da cons-
ciência individual.
Em uma leitura
Esta carta exige uma delicadeza de interpretação toda particular. As
predições negativas são tóxicas e inúteis: não é necessário ver aí a mor-
te, a mutilação, a doença... Alguns consulentes se assustam só de ver es-
ta carta. Convém descobrir qual grande transformação a carta evoca
em cada um, quais mudanças são desejadas ou já estão em andamento,
e talvez quais ameaças ela nos permite evitar. Trata-se às vezes de um
luto necessário, às vezes também de uma grande cólera interiorizada
que é necessário exprimir. Às vezes, ainda, o Arcano XIII evoca uma
agressividade inconsciente ou a necessidade de manifestar uma ener-
gia que, no momento, não sabe se exprimir sob uma forma positiva. É
bom, nesse caso, ver se a energia d’O Louco (mesma direção, mesmo
movimento, mas conotações menos negativas) não seria mais apropria-
da. No entanto, quando uma revolução é desejada, o Arcano XIII a en-
seja com uma rapidez radical, que pode provocar um grande alívio.
E se o Arcano XIII falasse...
“Se você se apressar, me alcançará. Se frear, eu o alcançarei. Se andar
tranquilamente, eu o acompanharei. Se girar, dançarei com você. Uma
vez que nosso encontro é inevitável, enfrente-me agora mesmo! Sou a
sua sombra interior, aquela que ri por trás da ilusão que você chama de
realidade. Paciente como uma aranha, engastada como uma joia em ca-
da um dos seus instantes, você compartilha comigo a sua vida – ou se
você se recusar, não viverá na verdade. Você poderá fugir até o fim do
mundo, eu estarei sempre do seu lado. Desde que você nasceu, sou a
mãe que não cessa de lhe dar à luz. Alegre-se, então! Apenas quando
você me concebe sua vida ganha sentido. O insensato que não me reco-
nhece se aferra às coisas sem ver que todas me pertencem. Não há ne-
nhuma que não tenha meu selo. Permanente impermanência, sou o se-
gredo dos sábios: eles sabem que só podem avançar por meu caminho.
“Aqueles que me assimilam se tornam espíritos poderosos. Aqueles
que me negam, tentando em vão fugir, perdem as delícias do efêmero:
existem sem saber ser. Agonizantes, eles não sabem viver.
“As crianças não me imaginam. Se pudessem fazê-lo, deixariam de
ser crianças, pois eu sou o fim da infância. Aquele que me encontra em
seu caminho se torna adulto: ele sabe que me pertence. Devoro suas di-
ficuldades, seus triunfos, seus fracassos, seus amores, suas decepções,
seus prazeres, suas dores, seus pais, seus filhos, seu orgulho, suas ilu-
sões, sua riqueza, devoro tudo. Minha voracidade não tem limite, devo-
ro até mesmo seus deuses. Mas quanto ao último deles, ao autêntico,
uma vez que as máscaras se dissolvem em minhas entranhas, quebro
nele meus dentes. Em seu mistério indescritível, em sua presença au-
sente, em sua ausência presente, mato-me a mim mesma. Só engulo o
ego. Cada um tem um gosto diferente, um mais fétido e amargo que os
outros.
“Graças a mim, tudo se converte em pó e tudo se funde. Mas não
pense que se trata de uma tragédia. Faço da destruição um processo de
um esplendor extremo. Espero que a vida se manifeste até alcançar sua
maior beleza, e apareço então para eliminá-la com a mesma beleza.
Quando ela atinge o limite de seu crescimento, começo a destruí-la
com o mesmo amor que foi empregado para construí-la. Que alegria!
Que alegria incomensurável! Minha destruição permanente abre cami-
nho para a criação constante. Se não há fim, não há começo. Estou a
serviço da eternidade. Se você se entrega à transformação, você se tor-
na senhor do momento efêmero, pois você o vê em sua intensidade infi-
nita. É por minha causa que nasce o desejo nos ventres, nos sexos. O
coito serve para conquistar a eternidade.
“Se você não tivesse corpo material, eu não existiria. Quando você
se torna puro espírito, eu desapareço. Sem matéria, deixo de existir.
Ouse então depositar seus ossos e sua carne na minha boca! Para triun-
far, é preciso que você me dê tudo aquilo que, na verdade, sempre foi
meu. Suas ideias, seus sentimentos, seus desejos e suas necessidades,
tudo isso me pertence. Se você quiser guardar alguma coisa, por míni-
ma que seja, você que não é nada nem nada possui, a perderá. Você per-
derá a eternidade.
“Entenda: em meu extremo negror, sou o olho desse impensável
que você poderia chamar de Deus. Sou também Sua vontade. Graças a
mim você chega até Ele. Sou a porta divina: quem entra em meu terri-
tório é um sábio, e quem não pode cruzar meu umbral conscientemen-
te é uma criança medrosa coberta de sujeira. Em mim, é preciso entrar
puro: desfaça-se de tudo, desfaça-se até mesmo do desapego, aniquile-
se. Só quando você desaparecer, Deus aparecerá.
“Você quer a força? Ao me aceitar, você fica mais forte. Você quer a
sabedoria? Ao me aceitar, você fica mais sábio. Você quer a coragem?
Ao me aceitar, você fica mais corajoso. Diga-me o que você quer! Se vo-
cê se tornar meu amante, eu lhe darei. Quando você sentir que faço
parte do seu corpo, transformarei a concepção que você tem de si mes-
mo, eu o deixarei morto em vida e lhe darei o olhar puro dos mortos:
dois furos abertos pelos quais Deus olha. O instante, então, se torna ter-
rível, tudo se transforma em espelho e você se vê em todos os seres, em
todas as formas, em todos os processos. Aquilo que você chama de ‘vi-
da’ se torna uma dança de ilusões. Não existe diferença entre a matéria
e o sonho.
“Pare de tremer, pare de temer, alegre-se! A vida, ainda que irreal e
efêmera, no instante revela sua maior beleza. Ao me dar o seu olhar, vo-
cê compreenderá enfim que estar vivo é um milagre.
“Não gosto que me encontrem antes da hora. Desejo que me cha-
mem no momento preciso em que se compreende aquilo que sou. Se
me apressam com suicídio, não concedo sabedoria nenhuma, pois me
travestem de vulgar destruição. Não sou uma infelicidade absurda, pos-
suo um significado profundo, sou a grande Iniciadora, a Mestra impal-
pável oculta sob a matéria. Quando me solicitam de maneira insensata,
me enfureço, fazem-me agir contra minha vontade. Apenas aqueles que
chegam até mim com plena consciência me concedem o gozo supremo.
Mas a maioria dos seres, ignorantes, vêm a mim pela guerra, pelo cri-
me, pelo vício, pela doença, pelas catástrofes. Raros são aqueles que
atingem esse estado de consciência pura onde eu me torno o apogeu da
realização. Esses sempre me reconhecem, enquanto os outros, sou eu
quem os surpreende. Aquele que se resigna, compreende e aceita ser
minha presa, vive com facilidade, na liberdade e na alegria, confiante
diante das agressões, sem pesadelos, realizando seus desejos: quando
se perde a esperança, perde-se também o medo.
“Não me estenda a mão, pois imediatamente eu a farei apodrecer.
Ofereça-me a sua consciência. Desapareça em mim para enfim ser a to-
talidade!"
Entre as interpretações tradicionais:
Transformação profunda • Revolução • Corte • Eliminar o que nos impede de avan-
çar • Fim de uma ilusão • Ruptura saudável • Cólera • Revolucionário • Agressivi-
dade • Colheita • Trabalho de luto relativo a uma pessoa ou a uma situação • Ódio
• Violência • Limpeza • Purificação radical • Essência da mudança • Trabalho do
inconsciente • O rosto destruidor da divindade • A morte como máscara de Deus •
Transmutação • Erradicação do antigo para dar lugar ao novo • Trabalho relacio-
nado ao esqueleto humano • Movimento essencial • Raio X • Psicanalista, pessoa
que acompanha a mudança...
XIIII Temperança
Proteção, circulação, cura
Palavras-chave:
Anjo da guarda • Medida • Mistura • Circular • Harmonia • Curar • Proteger • Be-
nevolência • Prudência • Temperar, suavizar, atenuar • Saúde • Equanimidade...
Temperança, o número catorze, representa um anjo. Esta carta chega
depois do trabalho profundo do Arcano XIII, que eliminou o inútil e
criou o vazio necessário ao restabelecimento da circulação interior. O
tempo da paz e da saúde chegou. Observemos que “Temperança” não
tem artigo definido, nem masculino, nem feminino. Podemos falar nos
dois gêneros: “ele” como o anjo, “ela” como “a temperança”. Assim co-
mo O Imperador na primeira série decimal, Temperança é um 4, núme-
ro da estabilidade. O anjo está arraigado à terra e não voa, ainda que su-
as asas azul-celeste lhe permitam. Temperança superou o carnal, pode
voar às regiões mais sutis. Suas pupilas amarelas, iluminadas de pura
consciência, lembram o verso de Rilke, “Todo anjo é terrível”. Esse
olhar sobre-humano poderia ser aquele do único anjo que viu Deus:
Gabriel. O olhar e os cabelos de Temperança estão cheios da luz divina,
e a flor vermelha de cinco pétalas que se abre no alto de sua cabeça nos
indica que leva consigo a quintessência. Seus pensamentos se manifes-
tam sob a forma de um perfume maravilhoso, além das palavras.
Mas nós já vimos que esse anjo está arraigado à terra. A seus pés,
duas serpentes se entrecruzam, se acariciam: Temperança assumiu to-
das as energias telúricas e dominou sua libido. Essas duas serpentes são
os polos sexuais, o masculino e o feminino do Tantra, ou os dois nadis
Ida e Pingala que se entrelaçam desde a base da coluna vertebral para
se tornarem um só, elevando-se até as asas azuis. Esse símbolo lembra
também tanto o caduceu de Hermes quanto Quetzalcoatl, a serpente
emplumada das religiões pré-colombianas. O anjo cresce sobre a po-
tência de sua sexualidade; encontramos a força animal sublimada na
energia celestial e espiritual de seus cabelos amarelos.
Os quatro pequenos triângulos amarelos em seu peito evocam os
quatro centros do ser humano: o intelectual, o emocional, o sexual e o
corporal. Esses centros não se comunicam entre si, eles estão justapos-
tos, cada um com sua própria lei. Mas acima deles encontramos um cír-
culo amarelo, símbolo da perfeição, onde se inscreve, destacado do cír-
culo, um triângulo que permite a cada um dos elementos ali se encaixar
perfeitamente. É a quinta essência, o ser essencial em nós que comuni-
ca com cada um dos quatro centros, permitindo a harmonia do ser hu-
mano. Da mesma maneira, distinguimos na cor de carne do peito do an-
jo uma mão, símbolo de sorte e de paz: seu coração irradia caridade.
Temperança faz comunicar as energias, os fluidos, uns com os ou-
tros. Poderíamos dizer que mescla água ao vinho. Por sua ação, já não
existem mais energias opostas, nem contrários, mas apenas comple-
mentariedades: é o segredo do equilíbrio. Temperança indica o restabe-
lecimento da saúde, o equilíbrio mental e emocional, o controle das
paixões sem repressão, mas pela sublimação. Temperança traz uma
mensagem de pacificação: “Encontre o centro, seu pêndulo vital deve
se afastar dos extremos, passe pelo caminho do meio”.
Por baixo de seu traje, descobrimos a ponta de seu sapato, uma das
raras manchas roxas do Tarot. Esse pé angelical também é temperado:
é a mescla do vermelho ativo e do azul receptivo que compartilham o
corpo de Temperança. Compreendemos, então, que por dentro, por
baixo da roupa, o anjo é roxo: ele realizou a união do positivo e do ne-
gativo, do ativo e do passivo... Eis o segredo que esse pé nos sugere dis-
cretamente.
Em uma leitura
Esta carta aparece frequentemente como um sinal de cura e reconcilia-
ção. Estamos protegidos. Ela nos exorta a buscar o equilíbrio entre os
aparentes opostos. É comum que se viva com um corte interno, por
exemplo, entre o intelecto e o resto de si mesmo, ou, ao contrário, entre
o corpo e o resto da personalidade, quando se é muito esportivo, por
exemplo; entre a frente e as costas, no caso de pessoas que costumam
representar; entre uma concepção espiritual muito elevada e os desejos
sexuais imperiosos... Em todo caso, Temperança nos chama para o ca-
minho do meio, para selar a união com nós mesmos e, a partir daí, com
o resto do mundo. Este Arcano dirige também uma advertência às pes-
soas alcoólatras ou toxicômanas, a todos aqueles que sabem estar dese-
quilibrados por decisão própria.
O trabalho de Temperança não consiste, pois, em cortar, mas em
acrescentar uma paixão que tempere as paixões que nos fazem mal: a
confiança ao ciúme, a sobriedade à gula...
E se Temperança falasse...
“Estou com você permanentemente. Não passa um segundo em que eu
não esteja com você, pois minha essência verdadeira é ser guardião. Vo-
cê não imagina o número de perigos e doenças de que eu o salvo. Estou
aqui, a vigiá-lo. Quando você sonha, velo seus sonhos, afasto os pesade-
los.
“Amo você infinitamente. Confie em mim, porque, quando você dei-
xa de crer na minha benevolência, vou me tornando cada vez menor e
invisível, perco uma parte do meu poder. Mas, quando você volta a me
ver, ajo cada vez melhor, dentro de você e no mundo exterior. Da mes-
ma maneira que uma mãe deixaria o filho aos cuidados de uma pessoa
de confiança, você pode confiar em mim como uma criança. Quantos
de vocês subitamente tomaram consciência da minha existência no
momento em que um carro ia passando e eu os puxei para trás? Ou
quando os dissuadi de entrar em um avião que explodiria em pleno
voo? Ou ainda quando detive seus passos a alguns centímetros do abis-
mo?
“Sou o equilíbrio e a prosperidade. Sou a voz interior que exclama:
‘Atenção!’, e que faz você evitar o erro fatal, o acidente, o gesto irrever-
sível.
“Por você, vivo em estado de alerta constante. Sou a benevolência
do universo. Comunico com a natureza e todas as entidades que gover-
nam o mundo para que sejam favoráveis a você, intercepto os perigos,
oriento as trocas. Estou presente ao norte, ao sul, ao leste e a oeste, nos
quatro cantos do mundo, para que você viva em plena confiança.
“Chamaram-me de ‘anjo da guarda’, é assim que a Igreja me so-
nhou, sob uma aparência infantil. Sou isso, e sou também muito mais
que isso. Sou uma parte do seu inconsciente, a parte benevolente, aque-
la que ajuda e protege você até durante o sono. Estou aqui para impul-
sioná-lo a agir quando uma ação é boa para você. Confie em mim: estou
aqui para equilibrá-lo. Aqueles que sofrem e se torturam não me co-
nhecem, e no entanto estou aqui também por eles. Espero apenas que
eles me vejam, que me chamem.
“Só lhe peço uma coisa: reconheça-me. Se você me reconhecer, não
estará sozinho. Mas então, você me dirá, o que é preciso fazer para che-
gar até mim? Eu lhe responderei: é preciso começar me imaginando.
Você pode invocar primeiro minha imagem infantil de anjo da guarda,
é um bom começo. Brinque comigo como a criança que fala com seu
anjo. Faça como se eu existisse. Imagine que estou aqui, ao seu lado, o
tempo inteiro, e que meu único objetivo é ajudá-lo. E, sobretudo, como
uma criança confiante, aceite a minha ajuda.
“Abandone suas defesas. Quando precisar de alguma coisa, peça pa-
ra mim em voz alta: ‘Meu anjo da guarda, ajude-me, interceda por mim
nesse problema, nessa dificuldade...’. Responderei a todos os seus pedi-
dos, sejam eles práticos ou espirituais. Peça que eu o proteja, amo pro-
tegê-lo. Diga-me: ‘Meu protetor, cuide da minha saúde, ajude-me a en-
contrar um trabalho que me agrade de verdade, em que eu me realize
como ser humano, que não falte nada para a minha família’.
“Ou me diga: ‘Meu protetor, ajude-me a conservar a calma nessas
circunstâncias difíceis, ajude-me a progredir e desenvolver minha
consciência, dê-me forças, melhore minha saúde e faça com que a cada
dia eu me torne útil para aqueles ao meu redor. Confio em você’.
“Mesmo que você não acredite em mim, imite essa crença, e pouco
a pouco começarei a aparecer. O tempo é meu aliado, pois lhe traz cada
vez mais sabedoria. Estou com você desde o nascimento até o momento
que chamam de morte, e que é um outro nascimento.”
Entre as interpretações tradicionais:
Cura • Saúde • Proteção • Equilíbrio dinâmico • Trocas • Reconciliação • Circula-
ção de fluidos (sangue, água...) • Fluxo de energias • Passagem de uma fronteira •
Viagens • Sonhos premonitórios • Harmonia • Humor equilibrado e aprazível •
Mesclar • Ponderar • “Colocar água no vinho” (atenuar paixões) • Equilíbrio das
forças vitais • Angelismo (o anjo não tem sexo) • Tendência excessiva à moderação
• Avareza • Comunicação consigo mesmo • Mensageiro da graça • Cura espiritual •
Anjo da guarda • Evoca um defunto (escultura funerária) • Transmigração das al-
mas, reencarnação • Serpente emplumada...
XV O Diabo
Forças do inconsciente, paixão, criatividade
Palavras-chave:
Tentação • Desejo • Apego • Acorrentamento • Dinheiro • Contrato • Profundidade
• Escuridão • Medo • Proibido • Inconsciente • Sexualidade • Pulsões • Criativida-
de...
Na ordem numerológica, O Diabo corresponde a O Papa, Arcano V,
grau 5 da primeira série decimal dos Arcanos maiores. Ele também re-
presenta uma ponte, uma passagem. Mas se O Papa indicava um cami-
nho para as alturas espirituais, O Diabo aparece como um tentador que
mostra o caminho para as profundezas do ser. Esta carta está ancorada
na grande mancha negra que vimos aparecer no Arcano XIII. O perso-
nagem d’O Diabo segura uma tocha e tem duas asas de morcego: esses
elementos indicam que ele repousa na escuridão, na noite do inconsci-
ente profundo. Poderíamos dizer que ele representa o inverso d’O Papa,
a luz que some na matéria. Os personagens da carta são uma mescla de
humano e de animal, o que faz referência às nossas potências primiti-
vas, às nossas recordações pré-históricas enterradas no mais profundo
do sistema nervoso. Esse traço nos lembra, por meio de diferentes sig-
nos esotéricos que ornamentam os personagens, que os iniciados, para
atingir sua iluminação, não devem recusar seu lado animal, mas aceitá-
lo, honrá-lo e orientá-lo em direção à luz angelical.
O Diabo, tendo sido um anjo, manifesta com sua tocha um profundo
desejo de ascender novamente de sua caverna em direção ao cosmos.
Da mesma maneira, a alma humana afundada no corpo carnal tem um
profundo desejo de retornar à sua origem, a divindade criadora. Ele usa
um chapéu cuja aba vermelha evoca a atividade do desejo, e a massa la-
ranja, a inteligência intuitiva e receptiva, que se prolonga até sua fronte
como um terceiro olho. Vesgo, ele olha fixamente para um ponto no
próprio nariz, em meditação intensa. Sua expressão facial é ambígua:
evoca por um lado a profunda concentração e, por outro, uma careta in-
fantil. Poderíamos dizer que, atravessando a capa dos medos populares
que inspira, ele nos lembra que não passa de uma criação inocente, um
ser cômico. Podemos também dizer que, mostrando duplamente a lín-
gua, a de seu rosto e a outra, azul-escuro, do rosto que ele tem na barri-
ga, O Diablo nada esconde: ele se mostra totalmente desprovido de hi-
pocrisia.
Se ele é dotado de diversos olhos situados no rosto, na barriga e nos
joelhos, é para ver melhor seus medos de frente. É um ser de quatro
rostos. Ao rosto da face, máscara que cobre seu poderoso intelecto,
acrescenta-se o olhar espantado dos dois seios cujas bases em forma de
meia-lua indicam uma emotividade desenfreada. O rosto da barriga,
também com a língua para fora, designa a vasta extensão de seus dese-
jos sexuais e criativos. O olhar dos joelhos sugere uma carne assumida,
impregnada de espírito, que nada desdenha da vida material. Seu sexo
é como uma terceira língua posta para fora. Mas seu corpo de cor azul-
celeste indica que ele é antes de tudo um ser espiritual, uma dimensão
do espírito, sob seu aspecto luciferino. Em sua mão, ele leva uma tocha
de cabo verde, cor da eternidade, onde brilha uma chama vermelha que
sai de dentro de um círculo; essa tocha arde com uma grande atividade
marcada por esse signo da perfeição, do princípio criador.
Os três personagens são coroados por chifres, assinalando esse Ar-
cano como arcano da paixão antes de tudo: paixão amorosa, paixão cri-
adora. Esta carta contém todas as potências escondidas do inconsciente
humano, as negativas e as positivas. É também a carta da tentação: um
chamado à busca do tesouro oculto, da imortalidade e da energia po-
tente enterrada no psiquismo, necessária a toda grande obra humana.
Evidentemente, este Arcano pode também representar um contrato
fraudulento, na tradição do mito do Fausto, os desvios e degenerações
da sexualidade, o infantilismo, a trapaça, os delírios mentais, a rapaci-
dade econômica, a glutonaria, e todos os lastros autodestrutivos.
O Diabo está de pé sobre uma espécie de pedestal, ao qual dois dia-
bretes estão presos por uma corda laranja que passa pelo anel central
azul-celeste. Poderíamos dizer que o diabrete da esquerda é uma mu-
lher e o da direita um homem pela expressão do rosto, ainda que ne-
nhum dos caracteres sexuais aparentes esteja desenhado. A mulher
tem um pequeno sinal no peito, três pontos dispostos em triângulo co-
mo para indicar que ela é sagrada. Esses dois personagens têm pés em
forma de raízes que penetram na terra negra. Os pés da mulher possu-
em cinco ramificações, enquanto à nossa direita os do outro diabrete
possuem quatro. É nessa carta que se revela a dimensão ativa do femi-
nino e a dimensão passiva do masculino, as duas energias se unem no
centro para criar o diabo hermafrodita, que possui em seu corpo dois
seios e um pênis. Seu pé e sua mão direita possuem cinco dedos, sua
mão e seu pé esquerdo possuem quatro. Os dois diabretes possuem chi-
fres na cabeça, lembrando as lendas medievais, em que os animais fi-
cam presos pelos chifres na floresta da paixão. Podemos ver aí dois se-
res presos por seus desejos, mas também arraigados na fonte profunda
e tornados servos da criatividade andrógina do Diabo, livre de todos os
preconceitos.
Na mentalidade popular, O Diabo evoca o dinheiro, ele vem para
tentar os humanos com um contrato promissor, uma riqueza súbita e
fácil; também o associam ao anúncio de uma grande paixão, uma tenta-
ção, um caso. Tudo isso abarca a mesma realidade espiritual: uma parte
de nós mesmos nos tenta com as possibilidades desconhecidas, da mes-
ma maneira que o Cristo é tentado por seu diabo interior. A tradição
esotérica diz que quando Cristo morre, ele desce ao túmulo para procu-
rar seu irmão mais velho, o Diabo, para se unir a ele e formarem um
mesmo ser.
No chão da “caverna”, acima da matriz das trevas, encontramos um
terreno azul-celeste, estriado de linhas regulares. No coração do ne-
gror, as mesmas estrias, testemunhas do trabalho de uma lavra espiritu-
al, formaram a ação (o trapézio vermelho) que conduz à perfeição do
círculo azul-celeste por onde passa a corda que une os dois diabretes.
Toda a atividade inconsciente e instintiva se torna consciente (amare-
lo-claro) e espiritual (azul--claro). A raiz dessa atividade, O Diabo a de-
signa como sexual. A extremidade vermelha de seu sexo é um símbolo
de vida, assim como a cinta dupla que lhe sustenta os seios e a que lhe
rodeia os quadris. Com esses toques de vermelho, ele parece indicar
que a libido é antes de tudo uma chama vital, como a de sua tocha, com
a qual podemos incendiar o mundo com um fogo criador. Nesse senti-
do, O Diabo é a outra face de Deus.
Em uma leitura
O Diabo pode evocar uma entrada de dinheiro ou tudo aquilo que tan-
gencia transações financeiras importantes, às vezes enviesadas ou se-
cretas. Ele é o grande tentador que, no domínio material, remete ao de-
sejo de riqueza. Ele representará igualmente um contrato promissor
mas que convém estudar de perto para não sermos enganados. O Diabo
pode de fato conduzir, indiferentemente, à riqueza ou à ruína.
Por outro lado, ele é sempre um bom augúrio para as questões asso-
ciadas à criatividade. Ele evoca a profundidade do talento, a riqueza da
inspiração, a disposição de um artista verdadeiro e uma energia criativa
intensa.
Da mesma maneira que o Arcano XIII, O Diabo pode a priori assus-
tar o consulente. Ele é carregado de todas as interdições morais e reli-
giosas e remete à imagem do mal. O tarólogo orientará, então, a leitura
para permitir ao consulente superar as interdições sexuais ou criativas
que lhe foram impostas, e se reconectar à potência das profundezas on-
de nosso inconsciente se enraíza. É também o lugar de ancoragem das
paixões. O Diabo nos remete frequentemente à dimensão sexual de
uma relação: um vínculo passional. Ele pode também evocar o desejo
de conhecer essa forma de união.
Ele evocará às vezes as dependências fisiológicas ou psíquicas, das
quais convém então identificar as raízes inconscientes. Problemas com
drogas ou alcoolismo, dependência sexual, comportamentos autopuni-
tivos, esquemas repetitivos na vida emocional etc., tudo isso pode ser
desfeito se aceitarmos empreender o trabalho das profundezas.
Em todo caso, esta carta nos orienta em direção à nossa natureza
íntima, nos obriga a não nos escondermos atrás de máscaras. A realiza-
ção consiste em ser aquilo que se é. Isso supõe reconhecer e conduzir
nossos desejos.
E se O Diabo falasse...
“Sou Lúcifer, portador da luz. Meu dom magnífico à humanidade é a
ausência absoluta de moral. Nada me limita. Transgrido todas as leis,
queimo as constituições e os livros sagrados. Nenhuma religião pode
me conter. Destruo todas as teorias, faço explodir todos os dogmas.
“No fundo do fundo do fundo, ninguém mora em lugar mais profun-
do que eu. Sou a origem de todos os abismos. Sou aquele que dá vida às
grutas escuras, aquele que conhece o centro em torno do qual orbitam
todas as densidades. Sou a viscosidade de tudo aquilo que em vão tenta
ser formal. A suprema força do magma. A pestilência que denuncia a
hipocrisia dos perfumes. A carniça mãe de cada flor. A corrupção dos
espíritos vaidosos que se comprazem na perfeição.
“Sou a consciência assassina do efêmero perpétuo. Sou eu, encerra-
do no subterrâneo do mundo, quem faz tremer a catedral estúpida da
fé. Sou eu quem, ajoelhado, morde e faz sangrar os pés dos crucifica-
dos. Quem apresenta ao mundo, sem pudor, minhas feridas abertas co-
mo vaginas famintas. Violo o ovo podre da santidade. Finco a ereção do
meu pensamento no sonho mórbido dos hierofantes, para cuspir em
seu simulacro de plenitude o esperma frio do meu desprezo.
“Não há paz comigo. Não há doce lar estabelecido. Nem Evangelhos
edulcorados. Nem virgem de açúcar para as línguas úmidas das freiras
peludas. Defeco solenemente sobre os pássaros leprosos da moral. Não
me proíbo de imaginar um profeta de quatro montado por um asno no
cio. Sou o cantor extasiado do incesto, o campeão de todas as deprava-
ções, e abro deliciado, com a unha do dedo mínimo, as tripas de um
inocente para ali molhar meu pão.
“No entanto, no mais profundo do profundo da cavena humana,
acendo a tocha que organiza as trevas. Por uma escada de obsidiana,
chego aos pés do Criador, para lhe dar em oferenda o poder da trans-
formação. Sim: diante da divina impermanência, luto para conservar o
instinto, para fixá-lo como uma escultura fluorescente. Ilumino-o com
minha consciência e o retenho, até que estoure em uma nova obra divi-
na, o universo infinito, labirinto incomensurável que desliza entre mi-
nhas garras, presa que escapa por entre meus dentes, pegadas que se
apagam como um perfume sutil...
“E fico aqui, tentando unir todos os segundos uns aos outros, deter
o fluxo do tempo. Isso é o inferno: o amor total pela obra divina que se
esvai. Ele é o artista invisível, impensável, impalpável, intocável. Eu sou
o outro artista: fixo, invariável, obscuro, opaco, denso. Tocha que arde
eternamente com um fogo imóvel. Sou quem quer engolir essa eterni-
dade, essa glória imponderável, cravá-la no centro do meu ventre e pa-
ri-la como um pântano que se esgarça para ejetar o talo em cuja ponta
se abrirá o lótus onde brilha o diamante. Assim, eu, dilacerando minhas
tripas, quero ser a Virgem suprema que parirá Deus e o imobilizará em
uma cruz para que fique eternamente aqui, comigo, sempre, sem mu-
dança, permanente permanência.”
Entre as interpretações tradicionais:
Paixão • Apego • Dependência • Possessividade • Adoração • Grande criatividade •
O proibido • Tentação • Bestialidade • Drogas • Contrato promissor que se deve es-
tudar de perto • Entrada de dinheiro • Potências ocultas do inconsciente humano
(negativas ou positivas) • Fermentação • Prostituição • Crueldade • Trabalho das
profundezas • Psiquiatria • Face obscura do ser • Sexualidade • Lúcifer, anjo caído
portador da luz • Soberba • Possessão • Obsessão • Magia negra • Recusa a enve-
lhecer • Grande vigor sexual • Fantasmas • Tesouro escondido • Energia oculta no
psiquismo • Superação • Tentação...
XVI A Torre
Abertura, emergência daquilo que estava confinado
Palavras-chave:
Templo • Construção • Alegria • Transbordamento • Choque • Expressão • Cele-
bração • Dança • Destampar • Abertura • Mudar-se • Estourar...
A mensagem desta carta é de um grande alívio espiritual. No entanto,
antes da restauração do Tarot de Marselha, via-se geralmente no Arca-
no XVI uma referência à torre de Babel. As interpretações mais corren-
tes falavam do castigo do orgulho, de catástrofe, divórcio, castração,
tremor de terra e ruína. Oswald Wirth, o criador do Tarot dos Imagi-
neiros da Idade Média, imaginou um rei e uma rainha caindo de uma
torre e acrescentou um tijolo que rachava a cabeça da mulher...
Se lermos com atenção a passagem da Bíblia que evoca a torre de
Babel, perceberemos que o significado é muito distante de uma catás-
trofe. Mais do que um castigo, a destruição da torre é a solução de um
problema: o dilúvio acabou recentemente, e todo o planeta, abundante-
mente irrigado, tornou-se fértil. Restam poucos seres humanos. Em vez
de se dispersarem para cultivar as terras, eles se reúnem a fim de cons-
truir uma torre que, subindo até o céu, chegaria a Deus. Em princípio,
essa construção pretende ser um ato de amor, um desejo de conhecer o
reino do Criador. Este, no entanto, sabendo que o projeto é irrealizável,
não fulmina a torre, nem faz nenhum de seus habitantes cair lá de ci-
ma. Ele apenas cria a diversidade das línguas para separá-los. Trata-se,
antes, de uma bênção do que de um castigo. Os homens se voltam para
a conquista da terra e iniciam a lavoura.
Em diferentes versões do Tarot, a torre não tem porta. O trabalho
de restauração permitiu encontrar não só a porta da torre, como tam-
bém os três degraus iniciáticos que conduzem a ela. Nas antigas gravu-
ras alquímicas e nos documentos maçônicos, encontramos essa torre
com uma porta e com essa escada que leva a ela, às vezes com sete, às
vezes com três degraus. O iniciado deve primeiro aceitar o novo conhe-
cimento, símbolo da criação divina, depois saber conservá-lo, e em ter-
ceiro lugar, abrir mão dele. É o momento em que a porta verde, símbolo
da eternidade, ornada com uma lua emblemática da receptividade to-
tal, se abre, revelando o interior da torre. Essa torre foi algumas vezes
comparada ao atanor alquímico, o forno onde a matéria-prima se torna
a pedra filosofal.
A Torre (Maison Dieu) não é a casa de Deus. O Tarot nos indica
muito claramente, com os tijolos cor de carne, que esta torre é o nosso
corpo, e que nosso corpo contém a divindade. A porta entreaberta dei-
xa escapar uma luz amarela: o corpo está cheio da luz da Consciência.
Os personagens não estão caindo, pelo contrário. Seus cabelos são ama-
relos, símbolo da iluminação, e com a mão eles tocam as plantas verdes
que brotam do chão. Na realidade, eles honram a potência da terra. Eles
estão de cabeça para baixo, como O Enforcado do Arcano XII, pois ve-
em o mundo de maneira nova. O intelecto, o espírito olha diretamente
para a natureza. Um dos personagens tem os pés virados para o céu:
seus passos o conduzem ao espírito.
Os dois diabretes do Arcano XV se humanizaram e realizaram sua
ascensão. No chão, as manchas amarelas podem ser interpretadas como
oferendas ao templo, duas pepitas de ouro. Os personagens emergiram
da caverna do inconsciente para honrar a Terra com suas oferendas e
ajudar a natureza. Eles trazem a Consciência ao mundo, impregnando
o terreno. Por sua ação, a paisagem se colore de azul-celeste, laranja e
verde-escuro.
A entidade fulgurante que emerge da torre ou nela penetra, flama,
pássaro de fogo ou relâmpago, está unida à coroa com ameias: não há
destruição, mas a transformação do poder material em fulguração espi-
ritual. O andrógino diabólico do Arcano XV se tornou uma chama que
se eleva ao longo da coluna vertebral e abriu o centro nervoso coroná-
rio para se lançar em direção ao cosmos. Essa entidade possui todas as
cores da terra (amarelo, vermelho, verde e cor de carne). Trata-se de
uma assunção. Distinguimos aí uma forma fetal cor de carne que sim-
boliza o germe de uma nova consciência, o aporte da raça humana ao
desenvolvimento do universo. A criação de um ser novo se anuncia, o
qual se concretizará em A Estrela (XVII). O solo rico em cores se une
aos personagens que saem da torre, da mesma maneira que a “labare-
da” se une à coroa.
Pertencente ao grau 6 como O Namorado, A Torre evoca o tema da
união – aqui, se aceitarmos a homofonia do francês, a união de “l’âme
et son Dieu” [a alma e seu Deus]. Essa aliança produz gotas coloridas
como concentrações de energia. Nos textos sagrados indianos, diz-se
que o conhecimento é como o leite que, quando batido, acaba fazendo
surgir na superfície gotas oleosas. Da mesma maneira, essas bolas ama-
relas, vermelhas e azuis que flutuam no ar exprimem a dança da alegria
cósmica, como se dissessem que as estrelas são nossas aliadas e que es-
peram nosso despertar, dando-nos sua energia. Essa explosão cósmica
talvez representasse desenhos das constelações existentes: da mesma
maneira que a torre tem, por sua iluminação, um parentesco com o fa-
rol, esses desenhos de constelações constituem, se quisermos, um ins-
trumento de navegação.
Em uma leitura
A Torre sinaliza que alguma coisa que estava confinada passa para o
exterior. Pode ser uma mudança, uma separação, um momento de gran-
de expressão, a vontade de viajar para o campo ou para outro país, um
segredo revelado... Ou mesmo um golpe fulminante que termina em
"catástrofe".
Ela remete, como já vimos, a uma dança de celebração alegre, inclu-
sive a acrobatas que evoluem por um cenário teatral. Pode ser um nas-
cimento de alguma coisa que ficou longo tempo em gestação e que aqui
assume uma figura dupla – a geminidade do animus e da anima, colabo-
rando em uma obra longamente meditada.
Às vezes, quando uma pessoa só vê um aspecto de sua questão ao
interrogar o Tarot, A Torre revela a existência de um segundo aspecto,
de uma segunda possibilidade menos flagrante, representada pelo per-
sonagem que sai com metade do corpo para fora da torre. A conotação
fálica d’A Torre também faz dela um símbolo do sexo masculino e de
todas as questões ligadas à ejaculação.
Quando ela assume um sentido mais doloroso de separação brutal
ou de expulsão, A Torre pode remeter a uma expropriação, a uma rup-
tura, a um parto mal-sucedido ou ao fato de que entre irmãos um era
desejado (o personagem que sai inteiro) e outro não (aquele que sai
apenas pela metade). Podemos também ler nesta carta uma referência a
um grande momento telúrico, um sismo, uma catástrofe natural.
A mensagem principal do Arcano XVI poderia ser: deixemos de
buscar Deus no céu, encontremos Deus na terra.
E se A Torre falasse...
“Sou o Templo: o mundo inteiro é um altar que eu sacralizo. Minha
existência, como a sua, prova a cada batimento do coração que o mun-
do é divino, que a carne é uma celebração viva e a vida uma construção
incessante.
“Comigo você conhecerá a alegria, que é a chave do sagrado. Sou a
própria vida, a transformação e a reconstrução, a labareda e a energia
do vivente, de toda matéria e de todo espírito. Se você quiser entrar em
mim, será preciso se alegrar, lançar ao fogo os caprichos infantis da
tristeza e do medo, e se perguntar a cada despertar: que festa é essa?
Sou a alegria cataclísmica do vivente, o imprevisto permanente, a ma-
ravilhosa catástrofe.
“Uma coroa defensiva me afastava do mundo. Uma rolha de velhas
palavras recobria meu espírito, e nuvens de sentimentos cristalizados,
mumificados, esclerosados impediam a luz de surgir dos batimentos do
meu coração. Um manto denso de desejos transformava meu formidá-
vel apetite de viver em carcereiro. Eu era carne sem Deus, consumin-
do-me nas chamas da própria existência, meu eu convertido em prisão.
“Desprezando-me, isolando-me, crendo defender um território in-
terior que só pertencia a mim, o que era eu na escuridão dessa torre?
Mestre do quê? De que aparência, de que falsa identidade? Não passava
do ar rarefeito de uma escuridão egoísta.
“E de repente, do interior e do exterior, surgiu a força inominável, o
amor que sustenta a matéria. Meu topo se abriu. Meus subsolos tam-
bém. As energias do Céu e da matéria, unindo-se, atravessaram-me co-
mo um furacão. Conheci o fogo do centro da Terra, a luz do centro do
universo. Recebi o eixo universal, vibrante, já não era mais uma torre,
eu era um canal.
“Então a alegria da união explodiu. O alto era o baixo, o baixo era o
alto. Como uma formiga-rainha, comecei a gerar seres alegres. Deus es-
tava em mim, e eu era apenas matéria em adoração. Eu sabia que podia
explodir, que cada um dos meus tijolos atravessaria o infinito como um
pássaro. Sabia que tudo o que estava confinado na matéria brotaria
através de mim. Eu era o pilar central de uma dança cósmica, era sim-
plesmente o corpo humano em plena recepção de sua energia original.”
Entre as interpretações tradicionais:
Libertação • Abertura • Destampar • Ruptura • Mudança • Casa • Golpe fulmi-
nante • Segredo revelado • Explosão de alegria • Prosperidade • Cenário de teatro •
Ejaculação (às vezes precoce) • Destruição • Divórcio • Disputa • Castração • Ex-
plosão de energia sexual • Dança • O corpo, templo da divindade • Grande explosão
de energia • Revelação • Assunção • Explosão sem limites • Iluminação...
XVII A Estrela
Atuar no mundo, encontrar seu lugar
Palavras-chave:
Sorte • Nutrir • Sacralizar • Ajoelhar-se • Fecundidade • Doação • Inspiração • Fe-
minilidade • Canto • Estelar • Cósmico • Ecologia • Irrigar • Encontrar seu lugar •
Astro de espetáculos...
Na legenda embaixo da carta, em francês, a grafia ambígua dá margem
a numerosas leituras: Le Toille, Le Toule (que seria uma variação da pa-
lavra “fonte” em occitânico), Le Toi iIle (“a ilha do Tu”, em francês)...
Este Arcano será para nós L'Étoile, A Estrela. Nele se vê uma mulher
nua ajoelhada embaixo de um céu constelado. Sob as estrelas, uma es-
trela: o ser humano em sua verdade.
O Arcano XVII representa o primeiro ser humano nu do Tarot, an-
tes dos Arcanos XVIIII, XX e XXI. É com ela que começa a aventura do
ser que atingiu a pureza, o despojamento. Além das aparências, ela não
tem mais nada a esconder, só precisa encontrar um lugar sobre a terra.
A atitude d’A Estrela evoca a piedade e a submissão: ajoelha-se no tem-
plo, ou diante de um rei ou rainha. Podemos, então, dizer que ela honra
o lugar onde se estabelece. Seu joelho apoiado no chão pode também
ser um sinal de enraizamento: ela encontrou seu lugar na terra e está
em comunicação com o cosmos.
Na numerologia do Tarot, o 7 é o mais alto grau da ação no mundo
(ver pp. 76, 80, 82, 97). Existem numerosos vínculos entre A Estrela e O
Carro: ambos se enraízam na terra; no dossel d’O Carro brilham doze
estrelas que indicam sua relação com o universo. Mas se O Carro pene-
tra no mundo como um conquistador, um viajante ou um príncipe inse-
minador, A Estrela atua no mundo irrigando-o, nutrindo-o. Os seios
nus da personagem evocam a lactação, e poderíamos ver nas estrelas
que pairam acima dela uma alusão à Via Láctea. Essas estrelas, em nú-
mero de oito, nos indicam que uma perfeição é almejada aqui: a perfei-
ção da doação.
A Estrela é um ser totalmente ligado ao mundo. Um de seus vasos é
como que soldado a seu corpo, como se estivesse colado em seu qua-
dril, e o outro se prolonga na paisagem. Podemos ver aí a imagem de
uma água espiritual (amarela) e de uma água sexual ou instintiva (azul-
escuro) nutrindo juntas o meio ambiente. É possível que um desses
dois vasos seja receptivo e capte a energia do rio azul, enquanto o outro
vaso derrama nele uma luz estelar. Sobre a testa da mulher, uma lua la-
ranja evoca a inteligência que se tornou sabedoria receptiva, que lhe
permite transmitir a força universal que passa através dela, simboliza-
da pelo céu estrelado. É também um ser de carne, que faz parte da na-
tureza. Em seu ventre arredondado, o sinal que ela traz na altura do
umbigo evoca um germe de vida. Ela espalha fertilidade, ao seu redor
surgem árvores de folhagem laranja e uma delas tem frutos amarelos.
Aquilo que se recebe do alto, A Estrela, canal de uma generosidade uni-
versal, derrama na terra para fertilizá-la. Aqui, o trajeto itinerante d’O
Louco, da energia primitiva, se detém para dar lugar a uma comunica-
ção com a humanidade. O ser generoso se torna uma fonte inesgotável,
recebendo e doando em um mesmo movimento de purificação.
Do ponto de vista do trabalho psicológico, podemos dizer que A Es-
trela, purificando seu passado, purifica seu futuro e seu entorno. Ela
doa ao seu entorno e a si mesma, sem nada exigir em troca. À medida
que sua ação se desenvolve, ela fertiliza e aclara a paisagem, terra,
areia, árvores, água. A grande mancha negra que aparece no Arcano XI-
II, tornada fundamento misterioso do Arcano XV, encontra aqui sua
expressão sublime sob a forma de um pássaro que, do alto de uma árvo-
re, prepara seu voo em direção ao ponto negro das estrelas. A força
emanada do centro do universo (simbolizado pelas estrelas) desce em
direção ao ser humano, purifica a terra e volta para o universo, em um
movimento de eterno retorno. A figura do pássaro pode também evocar
a Fênix que sempre renasce de suas cinzas (encontramos também essa
figura no Dois de Copas e no Quatro de Ouros). Nesse sentido, A Estre-
la é tanto o canal do infinito como da eternidade.
Se quisermos ver sua ação de um ponto de vista negativo, diremos
que A Estrela esbanja ou exige em vez de doar. Ela será representada,
às vezes, dilapidando sua energia em direção ao passado, assombrada
pelas neuroses sem solução da criança interior. É então um ser vam-
pírico, perpetuamente insatisfeita, que se sente permanentemente mal-
amada, invadida ou abandonada e que, sem jamais ter intenção de se
doar, permanece em constante reivindicação afetiva, sexual e energéti-
ca. A Estrela se torna, então, um poço sem fundo, ou se encontra, ao
contrário, possuída por uma paixão do excesso, sem discernimento. Ela
pode se metamorfosear em uma desavergonhada impudica ou ainda
um ser tóxico que polui os rios, envenena a vida espiritual ou material
de seus próximos.
Simbolicamente, A Estrela é a guia espiritual que levamos dentro de
nós, ligada às forças mais profundas do universo, à divindade. É o des-
conhecido de nós mesmos no qual podemos ter fé: nossa “boa estrela”.
Em uma leitura
A Estrela representa a etapa em que encontramos nosso lugar para agir
no mundo, para embelezá-lo e nutri-lo, a partir de um lugar que trans-
formamos em nosso. Ela incita às vezes a não escolher entre duas op-
ções aparentemente inconciliáveis, mas a conciliá-las. Ela é tradicio-
nalmente vista como um sinal de sorte, de prosperidade, de fertilidade.
Ela simboliza a ação generosa. Podemos associá-la também ao amor di-
vino, à esperança, à verdade (que sai inteiramente nua do poço). Ela re-
presenta uma realização criativa, que supõe encontrar seu lugar.
Para um homem, é a amante por excelência, ou a beleza de seu fe-
minino interior a partir do qual ele se torna doravante capaz de agir.
Para uma mulher, é a realização de sua presença no mundo, uma ação
conforme seu desejo e sua natureza profunda. Sua relação consciente e
generosa com a natureza nos orienta para a ecologia, o xamanismo, to-
das as crenças e disciplinas que levam em conta o planeta como um ser
vivo. Se A Estrela derrama seus vasos no passado ou no vazio, será pre-
ciso se perguntar por que ela esbanja sua energia, em qual nó sem solu-
ção.
Esta carta, por sua nudez e sua natureza estelar, evoca também Vê-
nus, a Estrela do Pastor, o astro mais brilhante que permite que nos ori-
entemos à noite.
E se A Estrela falasse...
“Na infinita multiplicidade dos seres e das coisas, eu encontrei meu lu-
gar – no mundo e em mim mesma, pois é a mesma coisa. Não tenho
mais necessidade de procurar, não faço mais nenhuma imagem de mim
mesma, estou no meu lugar. Aqui, e em toda parte, voluntariamente co-
nectada.
“Estou em cada partícula de poeira, em cada território, cada curso
d'água, cada estrela, cada parte do meu corpo. E como eu não respeita-
ria o mundo, e meus ossos, e minha carne? Toda essa matéria não é mi-
nha, ela me foi emprestada, apenas por um fragmento de tempo. E eu a
respeito, pois ela é meu templo – aquele onde reside o impensável
Deus. O espírito é matéria e a matéria é espírito, constantemente o uni-
verso nasce e explode, e no centro dele, aqui onde eu me ajoelho, estou.
“Se digo: ‘estou aqui’, quero dizer que estou naquilo que sustenta
toda vida, naquela fonte incessante de energia que distribuo em meu
espírito, meu coração, meu sexo. Energias de uma pureza sublime, que,
brotando de mim, lavam o mundo. Deixo seu perfume na atmosfera,
sua doçura nas águas do rio, sua fertilidade na terra e sua vida em todos
os oceanos. Não há nenhum lugar do cosmos do qual eu esteja ausente.
“Em cada instante, nunca abandono o presente. Nem o passado,
nem o futuro podem me prender. Nem os arrependimentos, nem os
projetos. Constante, fiel ao meu lugar, recebo e doo. E quando digo:
‘sou do mundo e de mim mesma’, isso significa que me entrego sem re-
ticências, eliminando até a raiz a crítica mais obscura. Não julgo. Amo e
sirvo.
“Não me separo, nem mesmo pela espessura de um fio de cabelo, eu
pertenço – isso quer dizer que venero, obedeço. É por isso que estou
nua, nua como uma árvore, um pássaro ou uma nuvem. Sou do meu
corpo, da minha carne e do meu sangue; sendo assim, é impossível para
mim abandonar ou me abandonar. Como não amar o que me possui
amorosamente?
“Da mesma maneira que me dou à terra, eu me dou à minha carne e
aos meus ossos. Como me confio aos oceanos, confio-me ao meu san-
gue. Como me entrego ao ar, entrego-me à minha pele; como me reme-
to às estrelas, remeto-me ao meu cabelo. E, cheia desse amor de escra-
va, radiante, ajo no mundo e em mim mesma. Ajo, isto é, vou com o
mundo, eliminando obstáculos, transmitindo a energia que vem do
além das estrelas. Só enriqueço e purifico, e nutro, e compreendo, e pu-
rifico. Da mesma maneira, ajo sobre mim mesma: eu me abro para to-
dos os infinitos, deixo o sopro dos deuses circular por todos os poros da
minha pele, não ofereço nenhuma resistência à circulação impetuosa
do meu sangue. Permito que todos os mistérios me atravessem. E no
centro do meu ventre, tornado infinito, recebo e deixo nascer a totali-
dade da luz.”
Entre as interpretações tradicionais:
Êxito • Sorte • Verdade • Generosidade • Ação altruísta • Colocar frente a frente
duas ações ou duas relações • Encontrar seu lugar • Vedete • Mulher fértil • Ama-
mentar • Mulher grávida • Ferida no joelho • Amante ideal • Doação ou desperdí-
cio, segundo a direção na qual A Estrela esvazia seus vasos • Nostalgia (se ela olha
para o passado) • Purificação do mundo • Ecologia • Fonte • Irrigação • Recepção
da energia cósmica • Sacralização de um lugar • Harmonia com as forças da natu-
reza • Paraíso • Aquário • Xamã • Bruxa bela...
XVIII A Lua
Potência feminina receptiva
Palavras-chave:
Noite • Intuição • Mãe cósmica • Sonho • Receptividade • Refletir • Mistério •
Atração • Imaginação • Magnética • Gestação • Loucura • Poesia • Incerteza • Fa-
ses...
A lua é um dos símbolos mais antigos da humanidade, ela representa o
arquétipo feminino maternal por excelência, a Mãe cósmica. Sua quali-
dade essencial é a receptividade: a Lua, planeta satélite, reflete a luz do
Sol. No Arcano XVIII, encontramo-nos em pleno coração da noite, mas
de uma noite iluminada por essa humilde receptividade. A lua é tam-
bém o mundo dos sonhos, do imaginário e do inconsciente, tradicional-
mente associados à noite. O Tarot representa a lua, como o sol, com um
rosto. Mas ela não nos olha de frente. Trata-se de uma lua crescente,
que se apresenta de perfil; em formação, uma parte dela ainda perma-
nece invisível. Nesse sentido, A Lua simboliza o mistério da alma, o
processo secreto de gestação, tudo aquilo que está escondido. Seu rosto
não é o de uma mulher jovem, mas está impregnado de uma sabedoria
antiga que emana de seus raios laranja. Os raios vermelhos que se alter-
nam com estes, no segundo plano, nos indicam uma grande capacidade
vital, uma fertilidade extrema como que confinada, oculta. No primeiro
plano, o azul-celeste domina, símbolo da espiritualidade e da intuição.
A lua está ligada aos ritmos biológicos, à água, às marés, aos ciclos fe-
mininos, à passagem da vida à morte.
Sob o astro propriamente dito, dois animais se postam frente a fren-
te, em uma paisagem onde vemos duas torres. Aparentemente, são cães,
talvez lobos, ou um cão e um lobo. Eles uivam para a lua e dela se nu-
trem, das gotas coloridas que ela lança. Podemos ver aí um símbolo da
fraternidade, dois irmãos que pedem seu alimento (material, emocional
ou intelectual) à mãe, dois irmãos amorosos ou inimigos. O animal
azul-celeste representa um ser mais espiritual. Sua língua verde é re-
ceptiva, ele tem a cauda levantada e, atrás dele, notamos que as ameias
da torre estão abertas, também receptivas. O cão cor de carne, que po-
deria representar a matéria, tem a cauda abaixada e uma língua verme-
lha, ativa. Ele se encontra diante de uma torre fechada, aparentemente
sem porta. Aos pés da torre, observamos três degraus brancos que lem-
bram os degraus iniciáticos d’A Torre, mas ainda assim a torre está fe-
chada, até as ameias estão cobertas por uma fileira de ameias comple-
mentares, como dentes cerrados. Poderíamos daí deduzir que o corpo
material, concreto e denso, está voltado para a ação e não tem vocação
para receber, exceto através do espírito simbolizado pelo animal azul-
claro.
Reparemos também que a orelha de cada cão traz em si sua cor
complementar, assim como no símbolo do Tao, cada polo contém o ger-
me do polo oposto.
No espaço compreendido entre os dois animais, suas patas delimi-
tam uma porção da paisagem que evoca um brasão de três níveis: o ní-
vel superior, verde escuro, imagem do espaço onde brilha a lua, corres-
ponde ao espírito receptivo mergulhado em uma meditação profunda.
O nível intermediário corresponde àquele onde se encontram os cães;
duas plantas crescem aí, representando uma vida emocional rica. A
parte de baixo, mais próxima da água, corresponde à gestação profunda
da dimensão sexual e corporal; encontramos aí três gotas vermelhas
que remetem à animalidade.
O volume de água que se encontra na parte inferior da carta é deli-
mitado como uma piscina, mas agitado por ondulações que lembram
ondas e marés. Poderia ser também um porto. Sua primeira margem,
bem na base da carta, é composta de rochas e vegetação natural, selva-
gem. Mas na outra extremidade, notamos que é bordejada por linhas
retas, três linhas negras delimitando duas linhas azuis, como para indi-
car que o inconsciente se encontra limitado, em seus extremos, pelo
dualismo racional. No centro dessas águas matriciais, encontra-se um
caranguejo ou lagosta, em que podemos ver um símbolo do eu que aspi-
ra ao contato com a lua. Esse contato já existe: o crustáceo e o astro têm
as mesmas cores. O crustáceo deseja unir-se com a lua sem saber que,
como todos os elementos da carta, já está em comunicação com ela.
Podemos ver o crustáceo imerso no mais profundo da água, ou ao
contrário, flutuando na superfície. Nos dois casos, ele nos instiga a en-
trar em contato com a intuição, esse tesouro oculto que todos temos
dentro de nós. Notaremos também que ele prende em suas pinças duas
pequenas bolas, como oferendas. O ego tem algo a oferecer no trabalho
espiritual.
Assim, conforme o olhar que dirigimos à carta, ela representará a
comunicação intuitiva profunda, ou ao contrário, a solidão, a separação.
Podemos imaginar que o crustáceo saiu da água para roubar as bolas
azuis que tem nas pinças, que os cães estão brigando, que todos se sen-
tem separados da lua e de sua força espiritual. As gotas podem repre-
sentar sua capacidade receptiva, mas também, em um sentido negativo,
uma insaciável absorção de energia. A carta remete, então, ao caos
mental, à loucura.
Se contarmos os traços de cada lado da inscrição “LA*LUNE”, vere-
mos que há dez à esquerda e doze à direita. Dez remete a A Roda da
Fortuna: como no Arcano X, há aqui três animais; mas enquanto os ani-
mais d’A Roda da Fortuna ainda não encontraram a força que os coloca-
rá em movimento, podemos dizer que o caranguejo e os cães são movi-
dos aqui pela força magnética d’A Lua. Doze remete ao Arcano XII, O
Enforcado: ele está estreitamente ligado a A Lua porque representa
uma parada, uma gestação espiritual, um estado de recepção; mas em A
Lua, o estado de recepção é universal: no chão, as gotas vermelhas e
azuis brotam e sobem em direção ao astro. Essa circulação é a marca de
uma troca energética entre a Terra e a lua.
Em uma leitura
Esta carta remete geralmente ao mundo da mãe, a todos os aspectos do
inconsciente, da intuição, do mistério íntimo do ser. Poderemos, então,
orientar a leitura para a relação do/da consulente com a mãe ou com
sua concepção do feminino. Para uma mulher, esta carta pode ser o
presságio de uma profunda realização. Para um homem, ela incita a
cultivar as qualidades tradicionalmente femininas, como a sensiblida-
de, a intuição... A Lua é de bom agouro para qualquer um que deseje se
dedicar à poesia, à leitura do Tarot ou a qualquer disciplina fundada so-
bre a receptividade. Em A Lua, ressoam igualmente o medo da escuri-
dão, os pesadelos e todo tipo de inquietudes ligadas ao desconhecido,
às vezes ao abandono. Ela pode simbolizar as angústias mal definidas,
mas também uma viagem de além-mar ou a chegada a um porto. Ela in-
clina ao devaneio e a todos os estados de alma geralmente associados
ao caráter “lunar” ou “lunático”.
Seu potencial receptivo infinito é sua maior riqueza.
E se A Lua falasse...
“Você pede que eu me explique, mas estou longe demais das palavras,
da lógica, do pensamento discursivo do intelecto... Sou um estado se-
creto e indizível, sou o mistério onde começa todo conhecimento pro-
fundo, quando você mergulha em minhas águas silenciosas sem nada
exigir, sem tentar definir coisa nenhuma, fora de toda luz. Quanto mais
você entra em mim, mais eu o atraio. Não há nada de claro em mim.
Sou sem fundo, sou toda nuances, espalho-me no reino das sombras.
Sou um pântano de riqueza incomensurável, contenho todos os tótens,
os deuses pré-históricos, os tesouros dos tempos passados e futuros.
Sou a matriz. Além do inconsciente, sou a própria criação. Escapo a
qualquer definição.
“Sei que me adoraram. Depois que os seres humanos desenvolve-
ram uma centelha de consciência, eles me identificaram com ela. Como
um coração de prata perfeita, brilho nas trevas da noite. Eu era a luz
que eles suspeitavam nebulosamente que reinava no subsolo das suas
almas cegas. Eu havia me fincado em todas as obscuridades do univer-
so. Lá, onde as entidades ávidas espreitam a mais mínima centelha de
consciência, dimensões de loucura, de solidão absoluta, de delírio gla-
cial, desse silêncio doloroso que chamam de ‘poesia’, reconheci que pa-
ra ser era preciso ir até lá onde eu não estava.
“Caí em mim mesma, cada vez mais fundo. Eu me perdia descendo
em direção a lugar nenhum, até que no final, ‘eu’, a obscura, não existia
mais. Ou melhor: era uma concavidade infinita, uma boca aberta con-
tendo toda sede do mundo. Uma vagina sem limites, tornada aspiração
total. Então, nessa vacuidade, nessa ausência de contornos, pude enfim
refletir a totalidade da luz. Uma luz ardente que transformei em seu re-
flexo frio, não a luz que engendra, mas aquela que ilumina.
“Não insemino, apenas indico. Quem recebe minha luz conhece
aquilo que é, nada mais. É mais do que suficiente. Para me converter
em recepção total, tive que me recusar a doar. Na noite, toda forma rígi-
da é anulada por minha luz, a começar pela razão. Sob a minha clarida-
de, o anjo é anjo, a fera é fera, o louco é louco, o santo é santo. Sou o es-
pelho universal, cada ser pode se ver em mim.”
Entre as interpretações tradicionais:
Intuição • Noite • Sonho • Devaneios • Superstição • Poesia • Adivinhação • Ima-
ginação • Inconsciente profundo • Sensualidade • Verdade oculta (por descobrir) •
Loucura • Solidão • Terror noturno • Gestação • Exigência sem limites • “Vampiro”
de energia • Criança em busca do amor materno • Amor que une • Depressão • Se-
gredo • Travessia do mar • Oceano • Receptividade • Vida obscura da matéria •
Ideal que se quer alcançar • Feminilidade • Arquétipo maternal cósmico...
XVIIII O Sol
Arquétipo paterno, nova construção
Palavras-chave:
Calor • Amor • Nova vida • Construção • Trânsito • Consciência • Pai cósmico •
Geminidade • Irradiar • Atravessar • Infância • Êxito • Evolução...
O Sol, Arcano XVIIII, nos olha bem nos olhos, como o personagem d’A
Justiça e o anjo d’O Julgamento. Há numerosos pontos em comum com
O Diabo (XV), a começar pelo fato de que ambos são um pouco estrábi-
cos. Poderíamos pensar que O Diabo acendeu sua tocha no fogo d’O
Sol, luz e calor primordial da divindade. Essa é de fato a primeira inter-
pretação d’O Sol, símbolo da vida, do amor, arquétipo do Pai universal.
Senhor dos céus, fonte de todo calor e de toda luz, ele dá vida a todas as
criaturas.
Aqui, o astro se mostra no zênite, radiante, eliminando toda sombra,
no meio exato do céu. O clarão laranja, intuitivo d’A Lua, dá lugar ao
modelo essencial que ela reflete: a claridade amarela d’O Sol. Sob o ca-
lor do Pai celeste, dois personagens se unem na travessia de um rio
azul-claro.
Dois detalhes significativos os assemelham aos diabretes do Arcano
XV: o da esquerda tem uma cauda, como o diabrete masculino d’O Dia-
bo, e o da direita possui três pontos ao lado do tronco, como o diabrete
feminino. Poderíamos dizer que a energia que se encontrava na escuri-
dão do Arcano XV agora saiu em plena luz, e que em vez do vínculo
passional inconsciente, esses dois personagens substituíram-no por
uma relação de ajuda mútua, de amor humano em estado puro. Uma
amizade profunda e livre, sob a alta benevolência d’O Sol. Observemos
que o personagem à nossa direita, do lado ativo, é agora quem traz o si-
nal da consciência ativa, enquanto o personagem à nossa esquerda
avança, como que às cegas, deixando-se conduzir.
Das amarras dos diabretes, eles só conservaram colares vermelhos
ativos no pescoço, lugar de passagem, e linha de demarcação sobre o
peito entre a direita e a esquerda, delimitação e união entre o ativo e o
receptivo (ver pp. 57, 73 ss.). O personagem da direita está de pé sobre
uma porção de terra branca e como que purificada, entre suas pernas a
paisagem é preenchida por um puro espaço azul. Parece que ele já pas-
sou para uma outra dimensão, mais espiritual, do outro lado desse rio
sobre as águas do qual o segundo personagem caminha para se juntar a
ele, ajudado por um movimento da mão.
Poderíamos ver nesses gêmeos uma metáfora do trabalho interior: a
parte consciente do ser ajuda a parte animal, mais primitiva, a ter aces-
so a uma realidade diferente. O adulto guia a criança interior em dire-
ção à alegria.
Neste Arcano, três cores se repetem no céu, sobre a terra e nos hu-
manos. O amarelo central do sol e dos raios turvos se reflete nos tijolos
do muro e nos cabelos dos protagonistas, como para indicar que o es-
pírito se liga à luz. O vermelho dos raios retos faz eco às fileiras superi-
or e inferior dos tijolos e ao colar dos protagonistas. Os olhos dos astros
são brancos com pupilas negras, como aqueles dos personagens abaixo
e como a terra purificada à direita da carta. Esse olhar consciente faz
da dualidade vermelho-amarelo (ação vital/inteligência; ver pp. 109 ss.)
uma unidade divina. Por fim, o azul do rio agitado vem se enrolar em
torno da cintura dos personagens, em seus panejamentos. Isso talvez
signifique que eles aceitaram seus corpos, cingidos por essa onda em
perpétua mudança, como uma forma efêmera. Ela se eleva em cinco
gotas de azul-claro em direção ao sol, consciência eterna presente em
cada um de nós. A união entre os planos celeste, terrestre e humano é
total. Uma única faixa verde, prova da união fertilizante entre o calor
do sol e a ação do rio, evoca o crescimento vegetal. Podemos ler o nú-
mero das estrias nessa faixa de vegetação segundo a numerologia do
Tarot, como leríamos uma série de Arcanos maiores. Encontramos 14 à
esquerda do personagem da direita, como anunciando o processo de
cura em que ele se envolve; depois duas entre suas pernas, gestação do
mundo futuro; depois mais sete entre os dois personagens, a ação de
um sobre o outro, ou com o outro; e por fim nove à direita da carta, que
lembram o valor numerológico 9, crise de fim de ciclo e desprendimen-
to. (Sobre a numerologia, ver pp. 77 ss.) Mas aqui se trata de uma tra-
vessia iniciática. A mureta amarela e vermelha no segundo plano nos
indica que, no coração dessa crise, já se ergue uma nova construção. Os
dois personagens, separando-se do passado, iniciam uma nova vida.
Em uma leitura
O Sol é um bom sinal para toda nova construção, indica que um amor
incondicional está em ação e pressagia um sucesso fundado sobre um
caminho caloroso e claro. É a cristalização de um casal amoroso, a ob-
tenção de um sucesso, uma realização em qualquer domínio da vida
humana, em seus aspectos intelectuais, emocionais, criativos ou mate-
riais. É também o início de uma vida nova em que se deixa para trás as
dificuldades do passado; o encontro de uma alma gêmea, a assinatura
de um bom contrato...
O Sol representa também os valores ideais do arquétipo paterno, in-
cluindo o despertar do espírito masculino e da inteligência no coração
da feminilidade. Ele pode igualmente sinalizar uma dominância da
imagem do pai na questão colocada, marcada tanto pela presença (um
pai insuperável), como pela ausência, que levou o/a consulente a for-
mar uma imagem ideal do pai, talvez mítica demais para corresponder
à realidade.
O calor do sol está disponível a todo momento para todos. Ainda as-
sim, não nos esqueçamos que um excesso de sol leva à morte, à seca, e
pode transformar a paisagem em deserto.
E se O Sol falasse...
“Eu me renovo sem cessar. Consumindo-me, dou meu calor a cada fo-
lha de relva, a cada animal, a todo ser vivo, sem exceção: aceito que
chamem isso de Amor. Ciclicamente, desapareço e volto. Da mesma
maneira, para entrar em meu esplendor, espero que os seres humanos
possam enterrar seu passado e começar uma nova vida. Vou ajudá-los
nisso. Lá onde eu brilho, dissolvo a dúvida, entro nos confins mais obs-
curos da alma e os inundo com minha luz. Impulsionados por meu so-
pro, vocês atravessarão o rio das pulsões dementes e, purificados, vocês
chegarão ao lugar onde tudo cresce sem esforço.
“Brilho no coração da matéria, sou sua explosão secreta, não resta
nada sem mim. Mas quando ela se recusa à minha ação, quando não me
percebe como sua força vital, é um cadáver. Não cesso de impregná-la
com minhas gotas de imortalidade. Por vocês, minhas crianças, engen-
dro infinitamente a alegria e a euforia vital. Não sejam impermeáveis à
minha luz eterna. Vejam como é baixo o muro que os separa de mim.
Eu o concebi para que todos possam saltá-lo, é uma brincadeira de cri-
ança. Sob meus raios vocês conhecerão a verdadeira afeição, nua, sin-
cera. Sou a solução de todas as dificuldades.
“Sou o olho puro e, ao mesmo tempo, a ressonância do primeiro gri-
to. Isso que vocês chamam de ‘escuridão’ é apenas o esquecimento da
minha luz, do meu amor sempre presente. Anuncio incessantemente o
fim da noite. Tudo que não é claro não sou eu. Sou a renovação contí-
nua e regeneradora, aquilo pelo que esperamos uma vida inteira. Cha-
mam-me de O Sol mas não tenho nome, sou a explosão radiante da
existência.
“Mas o que sou se ninguém me reflete? Como posso ser ilimitado se
nada me impõe limites? O que é a minha imortalidade sem o caminho
da morte? O que é o meu presente eterno sem a armadilha do tempo
que passa? O que são minhas sementes de ouro sem os sulcos de terra
onde penetrar? O que é meu alimento se ninguém o devora? Na verda-
de, meu amor é em grande parte minha necessidade do outro...
“É por isso que me reproduzo sem cessar. Multiplico minha energia
em infinitos espelhos, torno-me amante de meus próprios filhos. Na al-
ma dos filhos procuro a mim mesmo, converso comigo mesmo. Sou o
Pai universal de mim mesmo. Todas as mães do mundo, que fecundei,
simplesmente geram a mim mesmo. O sol menino tem todos os direi-
tos. Cedo esses direitos à humanidade consciente.”
Entre as interpretações tradicionais:
Amor recíproco • Fraternidade • Ajuda mútua • União feliz • Nova vida • Associa-
ção • Sucesso, colheita abundante • Felicidade • Luz • Verão • Irradiação • Inteli-
gência • Brio • Riqueza • Seca por excesso de calor • Crianças ou infância • Gê-
meos, geminidade • Rivalidade • Arquétipo paterno cósmico • Pai ideal • Pai ausen-
te • Cortar vínculos com o pasado para construir mais longe • Construção • Solida-
riedade...
XX O Julgamento
Nova consciência, desejo irresistível
Palavras-chave:
Vocação • Chamado • Nascimento • Renascimento • Consciência • Obra • União •
Família • Transcendência • Emergir • Música • Suscitar...
Todas as energias do Tarot se concentram na carta d’O Julgamento. De-
pois da receptividade d’A Lua e da nova construção empreendida n’O
Sol, assistimos aqui ao nascimento de uma nova consciência, marcada
por um princípio feminino à esquerda e um princípio masculino à di-
reita. Essa emergência, chamada pelo anjo e sua trombeta, se apresenta
como um desejo irresistível. O trabalho foi realizado. O animus e a ani-
ma chegam à paz através da prece. Os dois juntos criaram o andrógino
divino que obedece ao chamado da Consciência suprema representada
pelo anjo.
O ser que surge das profundezas é dotado de um corpo azul-celeste
que lembra o d’O Diabo (XV). Se fizermos a experiência de sobrepor as
duas cartas, perceberemos que as pernas d’O Diabo se adaptam quase
que exatamente ao corpo do ser azul d’O Julgamento, enquanto a parte
de baixo dos diabretes prolonga a dos personagens em oração. Outra
coincidência: assim como O Diabo, o anjo d’O Julgamento parece estar
com a língua para fora com sua trombeta. Mas se a língua d’O Diabo é
vermelha, agressiva, talvez carregada de astúcia e sarcasmo, a língua do
anjo, laranja, é impregnada de sabedoria e bondade.
Depois de uma temporada nas profundezas do inconsciente, depois
de um trabalho que pode ter sido efetuado dolorosamente, em todo ca-
so, à sombra, uma nova vida desperta, como para um nascimento ou
uma ressurreição. Pensamos aqui no Juízo Final, em que os mortos se
levantam das tumbas. Tudo o que está morto renasce. Tudo o que está
oculto ou em gestação sobe à superfície e aspira a um mundo superior.
Esse poderoso desejo de evolução ressoa como uma música divina. O
que é sugerido neste Arcano é que uma força que desafia a morte está
em ação em nossa existência: a consciência imaterial e imortal.
Ela se manifesta sob a forma de um chamado imperioso para que se
viva em uma nova dimensão. O anjo olha para frente e, com a trombeta
na boca, simboliza o anúncio desse despertar. A nuvem circular azul-
celeste que o envolve poderia representar a abertura mental. Essa mes-
ma abertura se anuncia na cabeça do ser que surge das profundezas da
terra: o vazio mental realizado por ele é simbolizado pelo pequeno dis-
co azul-escuro central, que gira sobre si mesmo no turbilhão azul-ce-
leste que o envolve, para depois subir os vinte e dois degraus da trom-
beta até chegar ao ovo de ouro em que se inscreve a cabeça do anjo e
que representa Deus em ação. Observemos que o pavilhão da trombeta,
por onde sai a música, é como uma repetição desse oval amarelo: o som
reproduz a natureza do divino. O belo é a cintilação do verdadeiro.
A bandeira que o anjo exibe contém uma cruz cor de carne que sub-
divide o fundo laranja em quatro quadrados – os quatro elementos da
natureza ou as quatro energias simbolizadas em seguida pelos quatro
animais d’O Mundo (XXI). Poderíamos pensar que a cruz cor de carne
indica a vocação do ser humano para viver ao mesmo tempo horizon-
talmente no mundo, com a união do andrógino essencial entre esquer-
da e direita, e verticalmente na terra e no céu. Essa realização suprema
da consciência, na qual o indivíduo realiza a ascensão do animal ao an-
jo, encontra o resultado de sua ação na carta d’O Mundo.
Quando tiramos esta carta, significa que estamos sendo chamados.
Sobrevirão dificuldades se, por um motivo ou por outro, não chegar-
mos a responder a esse chamado.
Em uma leitura
Frequentemente, O Julgamento relembra as circunstâncias do modo
como o consulente viveu seu nascimento. Todas as variações possíveis
de um parto problemático, de uma gestação conturbada, de uma situa-
ção difícil em torno de sua vinda ao mundo podem ter constituído um
obstáculo. A pessoa que consulta viverá, então, em alguma medida,
conscientemente ou não, como um ser que não foi desejado, cujo nasci-
mento não foi pretendido. A neurose do fracasso, o desespero, as difi-
culdades incompreensíveis a levarão incessantemente para baixo, para
o fundo da tumba de onde ela é chamada a emergir.
O sentido deste Arcano consiste em descobrir, pelo trabalho tera-
pêutico ou por outros meios, que todo ser que nasce é absolutamente
desejado pela divindade (ou pelo universo) que permitiu que ele fosse
gerado. As dificuldades que o consulente sentirá diante de seu desejo
de viver, de sua vocação artística ou profissional são, portanto, resistên-
cias à sua própria natureza profunda, ao grau de consciência que o anjo
nos oferece.
Esta carta pode também aparecer para sinalizar uma problemática
em torno do ato de julgar ou de ser julgado. Se o chamado é de nature-
za divina, qualquer um que o julga mente [em francês, juge ment]; ne-
nhum juízo humano terá valor.
Para um casal, esta carta exorta a se fazer uma obra comum, um fi-
lho real ou simbólico, sugerindo que o sentido da união masculino/fe-
minino é produzir um terceiro elemento banhado de amor e consciên-
cia. O jogo dos olhares é interessante: a mulher olha para o homem
e/ou para a criança, ela representa o amor humano e o amor pela obra,
enquanto o homem, olhando para cima, encarna o amor pelo divino, o
amor cósmico. O anjo nos olha de frente. Sua ação se dirige a todos. Ele
nos lembra de que, se não reconhecermos nosso desejo profundo e o
desejo divino que suscita em nós a tomada de consciência, somos mor-
tos-vivos.
O Julgamento remete, por fim, à emergência de um desejo, de uma
vocação, a um chamado, qualquer que seja ele.
É uma carta de êxtase, de renascimento profundo e de prece imedi-
atamente atendida, em que as energias sobem da terra para o céu e si-
multaneamente descem do céu para a terra. Convém reconhecê-la: ela
representa o último passo antes da realização total d’O Mundo.
E se O Julgamento falasse...
“Você desceu pelo rio negro do Arcano XIII. Fincou raízes na escuri-
dão d’O Diabo. Você era o demônio que tristemente levantava sua tocha
como uma nostalgia da luz. Quando você errava no fundo do abismo, eu
não me esquecia de você. Agora posso entrar em contato com você, mas
aos poucos, com uma paciência e uma suavidade infinitas, porque eu
sou forte demais. Você só pode se unir a mim se tiver sido preparado, se
tiver feito a viagem às profundezas do seu ser, se já conheceu todas as
facetas do seu masculino e do seu feminino e elas já estão reconcilia-
das, equilibradas.
“Trago-lhe a luz de todos os universos. Minha potência exige que
você esteja em paz consigo mesmo, que do mais profundo do seu in-
consciente tenha começado a crescer a nova Árvore. Que todo o seu ser
tenha sido mergulhado em uma prece infinita, que cada célula sua este-
ja em paz. Que você seja como os personagens nus, em plena confiança,
em plena aceitação daquilo que há de mais alto. Sem a divindade, não
posso existir. Quando o ser se torna um verdadeiro ser confiante, tran-
quilo, então e só então eu apareço, como a certeza total, como o chama-
do que ressoa desde o princípio dos tempos.
“Minha música, essência divina da palavra, inspira em você um de-
sejo imperioso de se elevar. Ela desperta tudo aquilo que estava ador-
mecido, ressuscita tudo o que estava morto, abre as lápides lacradas.
Faço explodir todas as suas palavras para que através das suas preces
você possa chegar ao domínio do inconcebível, onde reina o milagre da
vacuidade. Eu sei. Vi e estive com o Criador. Então, simplesmente o
anuncio. Transporto o chamado irreprimível da Consciência. Sou o
despertar, o milagre que se produz no interior do seu ser.
“Irresistível certeza. Quando você atende ao meu chamado, cada
uma das suas ações é como uma ordem que eu lhe dou. Não existe mais
dúvida. Você se põe a fazer, a pensar, a amar, a viver, a desejar em pleno
acordo com a vontade divina. A vida vale a pena ser vivida, tudo se rea-
liza na calma, a meditação, a benevolência e a alegria.
“Venho de um ovo de ouro inconcebível onde o ser e o não ser são
apenas luz indiferenciada. Sou a mais alta realização do seu psiquismo,
seu pensamento enfim andrógino. Venho libertá-lo dos limites do ho-
mem e da mulher. O círculo de nuvens celestes que me envolve é o seu
cérebro azul iluminado. Apago para sempre as suas fronteiras. De en-
carnação em encarnação, de transformação em transformação, com
certeza, com alegria constante, permito que você seja o que sempre foi:
um anjo, emissário de Deus.”
Entre as interpretações tradicionais:
Chamado • Desejo irresistível • Tomada de consciência • Anúncio • Boa-nova • Vo-
cação • Triunfo • Renome • Projeto de futuro • Dar vida • Nascimento de uma cri-
ança • Cura • Música • Abertura • Eclosão • Obra de um casal • Célula pai/mãe/fi-
lho • Amor dependente dos pais • Condições do nascimento do consulente • Negar-
se a agir como adulto • Emergência do que está oculto • A Graça • Despertar da
consciência • Diabo sublimado • Impulso para a luz...
XXI O Mundo
Realização total
Palavras-chave:
Realização • Alma • Mundo • Plenitude • Sucesso • Heroísmo • Gênio • Santidade
• Dançar • Êxtase • Universal • Conquista • Totalidade...
Este Arcano tem o número vinte e um, o mais alto valor numérico do
Tarot. Ele representa a realização suprema. Descobrimos aí uma mu-
lher que parece dançar no meio de uma coroa de folhas azul-celeste, le-
vando na mão direita um frasco, princípio receptivo, e na esquerda um
bastão, princípio ativo. Como no símbolo do Tao, o Yang sustenta o Yin
e vice-versa. Uma estola azul (em cima e atrás dela) passa pela frente
do seu corpo e se torna vermelha. Ainda que o personagem seja inega-
velmente feminino, é a união dos princípios, o andrógino realizado que
fica sugerido por esta figura.
Último grau do caminho dos Arcanos maiores, O Mundo chama pa-
ra um encontro na realidade profunda, para aceitarmos a plenitude da
realização. É também o momento em que, liberados da autodestruição,
começamos a vislumbrar o sofrimento do outro e a nos colocar a servi-
ço da huamanidade. Na tradição cristã, o Cristo, a Virgem ou os santos
são às vezes representados assim no interior de uma figura oval. A guir-
landa ou mandorla, derivada da palavra “amêndoa”, é ao mesmo tempo
um símbolo da eternidade e uma forma que lembra o sexo feminino.
Podemos associar este Arcano à unidade reencontrada do mundo em
sua totalidade.
Pensamos também aqui no ovo filosófico, evocado entre outros na
Turba philosophorum: “A arte da alquimia é comparável ao ovo em que
encontramos quatro coisas: a casca é a terra; a clara, a água; a fina
membrana que se encontra embaixo da casca, é o ar [...]. A gema é o fo-
go.” [Turba philosophorum, ed. J. Ruska, Berlim, 1931.]
Vimos na primeira parte deste livro (ver pp. 55 ss.) como esta carta
é um espelho da estrutura do Tarot. Quatro figuras enquadram a mu-
lher dentro da mandorla ou guirlanda, como quatro energias básicas
unidas em harmonia a serviço de um mesmo centro. Na tradição cristã,
o anjo, o boi, a águia e o leão representam os quatro evangelistas. Aqui,
esses quatro elementos nos servem de base para compreender os qua-
tro Naipes ou símbolos dos Arcanos menores (ver pp. 65-6).
O animal cor de carne, embaixo à esquerda da carta, não pode ser
claramente definido: cavalo, boi ou touro, é em todo caso um animal de
tração que simboliza a oferenda, a ajuda, o sacrifício. Podemos também
considerar a ponta erguida por trás de seu olho à nossa esquerda como
o chifre único de um unicórnio, que foi na Idade Média símbolo da
concepção do Cristo pela Virgem. Ainda nessa época, este animal sim-
bolizaria, portanto, a matéria virgem, os Ouros. Contrariamente aos ou-
tros três elementos, esse animal não tem auréola, pois não participa da
eternidade. Da mesma maneira, os Ouros, ao contrário dos outros Nai-
pes, não têm números (ver p. 61). Nesta carta, a energia corporal e ma-
terial chega a sua plenitude. O corpo é efêmero, mas purificado de
qualquer mácula. A realização da vida material poderia se encarnar na
figura do campeão que realiza uma proeza esportiva ou vital.
As três outras figuras são elementos cósmicos: o anjo representa a
perfeição emocional, a santidade, o coração cheio de amor que se con-
sagra a doar (Copas). A águia, com sua auréola, simboliza a realização
mental: o gênio, mas também um vazio que não se identifica com as pa-
lavras (Espadas). O leão, também com sua auréola, representa o ápice
da energia desejante e criativa, uma sublimação que conduz o esforço
selvagem à criação consciente, a figura do herói que não hesita em sa-
crificar a própria vida (Paus).
As quatro energias se irradiam ao redor do centro, inteiramente re-
alizadas. E em seu ovo azul, cheio de amor e consciência por todo o
universo, a personagem central dança olhando para a esquerda, a re-
ceptividade. Seu pé está posto sobre um chão vermelho e lavrado com
seus sulcos: a atividade vital foi trabalhada com prazer, o mundo foi
aceito como ele é, em plena consciência. Sobre esse solo vivo, disfarça-
do por um laço amarelo, distinguimos um ovo branco. É o ovo d’A Papi-
sa, poderíamos dizer, que eclodiu em todas as suas potencialidades.
Quando o ovo cósmico se abre em nosso trabalho espiritual, nós nasce-
mos, vimos a O Mundo. Esta carta poderia representar a anima mundi,
o agente universal que existe em todas as coisas e que nos une a todas
as coisas.
Em uma leitura
Contanto que apareça ao final, em posição de completude, O Mundo
indica uma realização. É uma mulher realizada, uma alma em pleno go-
zo, um mundo perfeito, um casamento feliz, um sucesso mundial. Esta
carta pode também incitar a uma viagem: à descoberta do mundo no
sentido literal do termo.
Da mesma maneira que o Arcano XVI, A Torre, podia evocar um se-
xo masculino em plena ejaculação, o Arcano XXI evoca um sexo femi-
nino habitado por uma exultação (orgasmo) ou por um ser (mulher
grávida).
Por outro lado, se a carta aparece no início, ela representará um co-
meço difícil: a realização é exigida antes de toda ação, ela não está em
seu lugar, ela se torna um fechamento. Poderíamos, então, buscar ras-
tros da vida intrauterina ou do nascimento do consulente, como pri-
meira experiência traumatizante que induziu a um bloqueio no desen-
volvimento futuro. Se não quisermos entrar em considerações seme-
lhantes, será preciso de todo modo levar em conta o fechamento que
evoca o Arcano XXI no início do jogo, e nos perguntarmos em que e
por que essa pessoa continua “dentro da casca”.
E se O Mundo falasse...
“Estou aqui, na sua frente, ao seu redor e em você, com um prazer
imenso. Sou um ser completo. Não há em mim nada que me resista. Tu-
do é unidade. Cada coisa está em seu lugar, sou uma consciência invul-
nerável, sou a dança perpétua da totalidade. Aquele que não me conhe-
ce diz não quando todo o universo diz sim, e essa negação à minha
imensa aquiescência o conduz à impotência. Mas aquele que se torna
inteiramente puro e côncavo, que me deixa entrar em si, começa a dan-
çar comigo, a dizer aquilo que eu digo. Esse conhece o amor universal,
o pensamento total, o desejo cósmico, a força de vida impensável. Esse
conhece a quintessência, a unidade de todas as energias.
“Se você chegar até mim, isto é, se você me desenvolver dentro de
si, desfrutará da joia ardente da minha presença. Como quatro rios que
voltam para sua única fonte, deixe que os seus conceitos, enxame de
abelhas cegas, se fundam na minha felicidade; deixe o tropel dos seus
sentimentos se afogar em minha exaltação infinita; ofereça-me a horda
insensata dos seus desejos, para enriquecer, como um manjar delicioso,
minha constante criatividade. E que toda a sua matéria, com suas ne-
cessidades inelutáveis, se entregue a essa transparência que me anima.
Então você será senhor do seu universo. Dentro de você, sua libido não
se revoltará, suas paixões não poderão mais inundá-lo, seus pensamen-
tos não o destruirão e seu corpo não será obstáculo à sua existência.
Você será pleno, unido a mim na dança, na alegria, na festa incomensu-
rável.
“Permito, mediante obediência, que o seu intelecto aprenda a ser;
mediante a paz absoluta, que o seu coração aprenda a amar; mediante o
aprendizado da recepção, que o seu sexo aprenda a criar; mediante a
aceitação da morte, que o seu corpo aprenda a viver. Se, como o leão fa-
minto e sedento, você abandona a presa para se elevar em direção à al-
ma, por fim me encontrará. Sou o prazer de viver e a realização.
“Sou a flor efêmera que nasce constantemente do abismo; represen-
to a materialização de todos os sonhos, a alma sem a qual o mundo não
é mais mundo, mas um deserto estéril, o fim da esperança. Sou o desti-
no de todos os caminhos.
“Alegria inefável.
“Como uma virgem santa, levo a divindade em minha matriz. Sou a
concretização aqui mesmo da energia sagrada d’O Louco. Sou O Mun-
do que Deus criou para ser amado por Ele.”
Entre as interpretações tradicionais:
Renome • Percorrer o mundo • Realização dos potenciais • Sucesso • Perfeito acor-
do • Reunião • Mulher ideal • Plenitude • Começo difícil • Ventre de mulher grávi-
da • Sexo feminino • Orgasmo • Realização suprema • Final feliz • Parto • Nasci-
mento • Como foi que eu nasci? • Fechamento • Sentimento de fracasso • Egocen-
trismo • Realização do andrógino espiritual • Ovo cósmico • Realização dos quatro
centros • Perfeição finita • Universo que chegou a seu limite • Expansão máxima...
Os humildes guardiões do seg redo
Ao longo dos anos, colecionei e estudei todo tipo de Tarots, sem jamais
me dar por satisfeito. Sempre acabava achando que estas cartas, de ne-
nhuma maneira impessoais, eram o retrato dos limites e das caracte-
rísticas de seus autores e – por que não? – de suas doenças. O Tarot de
Edward Waite sobretudo, com suas imagens de mau gosto e muitas ve-
zes negativas, tal como o Dez de Espadas, onde um homem jaz morto
de bruços na terra, com o tronco atravessado por dez espadas: dor, afli-
ção, lágrimas, tristeza, desolação. Ou o Nove de Paus, onde um menino
com a cabeça ferida se apoia em um pau enquanto observa impotente
um muro formado por outros oito. Ou o Valete de Copas contemplando
um peixe que põe a cabeça para fora de sua taça: amarras, sedução, en-
godo, artifício. Ou o Cinco de Ouros mostrando mendigos transidos de
frio: desordem, caos, ruína, discórdia, libertinagem etc. O contato com
a obra de Waite me fez crer que os Arcanos menores eram portadores
de figuras humanas ou animais...
Procurei com perseverança um baralho cujos personagens me fi-
zessem sentir a força do mistério. Só encontrei desenhos de qualidade
duvidosa, desprovidos de significado profundo. Apesar de aceitar que o
espírito humano possui uma capacidade admirável de abstração e de
concretização, e que em todo sistema de objetos e de desenhos é capaz
de neles ler simbolicamente aquilo que quer e de induzir em cada um
deles as ideias que lhe convêm, essas cartas malfeitas jamais me deram
a possibilidade de carregá-las de um conteúdo significativo... Um dia,
por um acaso que ouso qualificar de miraculoso, um dos meus sete ga-
tos derrubou da minha biblioteca o Tarot de Marselha. Todas as cartas
se espalharam pelo chão viradas para baixo, menos o Ás de Copas, que
caiu virado para cima. Sob o impacto da surpresa, minha atenção foi li-
teralmente engolida por esse desenho. E subitamente descobri nele um
sentido profundo, sagrado. Já não era uma copa: com suas sete torres, a
do meio decorada por um círculo contendo nove pontos – como o ene-
ágono dos místicos sufis –, era um templo que parecia pedir que exu-
massem os tesouros que guardava. Era o cálice da missa, contendo o
sangue do Salvador, a plenitude interior que os homens sempre busca-
ram. Ele estava cheio de amor divino. Ele se apresentava também como
um santo sepulcro, onde encerram o Deus encarnado para que ele re-
nasça como ser de luz. Ele foi também o altanor alquímico, uma matriz
onde se opera a transmutação, física e moral. Esse Ás de Copas, cheio
da imensidão insuperável do amor divino, oferecendo-me o espírito do
mundo, o espírito da vida, tornou-se para mim um espelho. Sua mensa-
gem: “Você também é um receptáculo sagrado”.
Essa experiência me levou a examinar com paciência os Arcanos
menores do Tarot de Marselha que eu, obcecado pelos ridículos tarots
que eram moda entre os hippies, havia desdenhado, considerando-os
frios, supérfluos, incompreensíveis, simples demais, geométricos de-
mais, em suma, entediantes. Os iniciados dizem com razão que o segre-
do mais difícil de descobrir é aquele que não está escondido. Não que
esses Arcanos não digam nada: o que ocorre é que os olhos do não inici-
ado não sabem ver. A arte de expressar por formas o processo espiritual
foi principalmente desenvolvida pelos artistas não figurativos do Islã,
que se inspiraram nas tradições pitagóricas, gregas, indianas e persas.
Ainda que o Alcorão não proíba a representação de seres animados, to-
da uma série de preceitos, tradicionalmente atribuídos ao Profeta (os
hadiths), a condenam: “No dia da ressurreição, o mais terrível castigo
será infligido ao pintor que imitou os seres criados por Deus”1. Em ra-
zão dessa interdição, toda arte muçulmana é exclusivamente geométri-
ca e decorativa... Para compreender os quarenta Arcanos menores, foi
preciso observá-los por muito tempo e compará-los uns com os outros,
observando bem o que os aparentava e o que os diferenciava, procuran-
do mínimos detalhes que rompessem a simetria, até chegar a sentir ca-
da um deles como um ser próprio...
Nessa expressão geométrica dos Arcanos menores, encontramos
duas exceções: o Dois de Copas e o Quatro de Ouros. No primeiro, ve-
mos representados dois peixes e a ave Fênix acompanhada de dois an-
jos, um deles provavelmente cego. No Quatro de Ouros, a Fênix verme-
lha do Dois de Copas é amarela e está saindo de uma fogueira.
A referência alquímica é direta: na Grande Obra, a Fênix vermelha
representa a terceira etapa, a rubedo, a aurora, que é a mãe do sol e que
anuncia o fim da noite. (O anjo cego pode representar a primeira etapa,
a obra em negro, a nigredo, a matéria- -prima; o outro anjo pode repre-
sentar a segunda etapa, albedo, a purificação.) Assim, a aurora anuncia
em seu vermelho extremo o fim das trevas: simbolicamente, a morte.
Quanto à Fênix amarela, ela representa a misteriosa quarta etapa, citri-
nitas, símbolo do ar, do dia, do ser de luz, a imortal Consciência cósmi-
ca. Pelo fato de, segundo a lenda, a Fênix renascer de sua própria des-
truição, durando, assim, indefinidamente, ela foi considerada pelos
cristãos emblema da eternidade, da perpetuidade cíclica, do Cristo res-
suscitado, da transformação da nossa condição terrestre e passageira
em um estado imutável depois da morte.
Os dois peixes podem significar a recepção do amor divino. Nos
Evangelhos (Mateus 14, 17-21), Jesus, para alimentar a multidão que o
segue, multiplica sete pães e dois peixes. Mais tarde, depois de sua res-
surreição, o Cristo chama sete discípulos e lhes oferece um pão e um
peixe: “Vinde e comei” (João 21, 12-13). Esses relatos contribuíram para
dar ao peixe simbólico sua significação eucarística. Quando dois peixes
são representados juntos, isso quer dizer: “O banquete em companhia”.
O Dois de Copas, acumulação da energia amorosa, promete o fim
das trevas, da solidão e a recepção do amor divino ilimitado. O Quatro
de Ouros, símbolo da encarnação perfeita, promete a vida eterna...
Compreendi que o verdadeiro estudo do Tarot de Marselha come-
çava pelos Arcanos menores, continuava com as Figuras e terminava
com os Arcanos maiores. Quando em outros Tarots aparecem represen-
tações de seres animados, a compreensão é desviada pela idade dos
personagens, seu sexo, seus gestos, pelas expressões de seus rostos; é
muito fácil, para as projeções pessoais, carregá-las de significações
pouco profundas. Inversamente, a projeção pessoal nos Arcanos meno-
res do Tarot de Marselha é, à primeira vista, impossível. Mas, se trei-
narmos nossos olhos, penetrando no sentido dos Arcanos menores e
das Figuras, os Arcanos maiores se apresentam com seu verdadeiro as-
pecto, que é sagrado.
A primeira coisa que deve aprender o estudante do Tarot é a ver.
Desde o início, os esotéricos pegaram o caminho errado: eles deram a
cada Arcano um significado preciso, ora ingênuo – força, morte, amor,
sorte etc. –, ora complexo – delírios alquímicos, astrológicos, rosa-cru-
zeanos, cabalísticos etc. – e tomaram a liberdade de alterar o desenho
segundo diversas interpretações, introduzindo personagens mitológi-
cos, históricos, egípcios, hindus, maias e muitos outros, entre os quais
se contam gnomos, cães e gatos.
Na realidade, um símbolo ou um texto sagrado deve ser visto, lido,
em todos os seus mínimos detalhes. O todo de um Arcano é a soma de
seus detalhes. É a razão pela qual ninguém pode dizer que sabe ler o
Tarot se não memorizou inteiramente as cartas: pequenos símbolos,
número de linhas, cores, atitudes, expressões faciais, pretensos “erros”
ou “defeitos” do desenho. A complexidade oculta dos Arcanos menores
e maiores do Tarot de Marselha é tão grande que são necessários segu-
ramente muitos anos para vê--la em sua totalidade. Há sempre um de-
talhe que nos escapa. Pois contam não apenas detalhes de cada carta
em si, mas o que os detalhes revelam também quando comparamos um
Arcano com outro. Por que O Papa e O Eremita usam luva azul na mão
esquerda? Os colares vermelhos dos gêmeos d’O Sol são restos da corda
presa ao pescoço dos escravos d’O Diabo? E nesse mesmo duo de Arca-
nos, os três pontos no tronco da mulher da esquerda serão os mesmos
três pontos no tronco do gêmeo da direita? Que relação existe entre o
bastão vermelho d’O Louco e o d’O Eremita? O ovo atrás d’A Papisa é o
mesmo que está embaixo da águia d’O Imperador? O Enforcado cruza a
perna direita por trás enquanto a mulher d’O Mundo cruza, igualmente
por trás, a esquerda: um é espelho do outro? E O Imperador que cruza
a perna direita por cima da esquerda, que diferença isso expressa em
relação aos outros dois?... Essa capacidade de comparar parece infinita.
Para detectar esses detalhes, de maneira genial distribuídos pelo
criador ou pelos criadores do Tarot, o estudante deve desenvolver sua
capacidade de atenção e aguçar sua visão... Esse é o papel que cum-
prem os quarenta Arcanos menores. Eles são difíceis de interpretar: a
princípio, as dez cartas de cada Naipe têm um aspecto semelhante. Ao
fim de um certo tempo, elas começam a mostrar suas diferenças essen-
ciais. E, muito tempo depois, elas se põem a “falar”. Isto é, elas provo-
cam no estudante uma mutação na maneira de ver... É impossível abor-
dar o estudo dos Arcanos maiores – que a princípio parecem mais aces-
síveis, mas que mais tarde revelam sua imensa complexidade – sem
memorizar e compreender os Arcanos menores...
Entre os Arcanos menores, encontramos também as figuras que os
resumem de alguma maneira ao nível humano e social: quatro persona-
gens de cada Naipe. Como elas não são numeradas, sua ordem repre-
sentou muitos problemas para os esotéricos. Se o Valete, a Rainha e o
Rei são fáceis de situar, quando o olhar não foi educado pela observa-
ção das quatro séries de dez números, o Cavaleiro é um enigma. A par-
tir de Éliphas Lévi, passando por Papus e seus discípulos, sem se colo-
car sérios pontos de interrogação, os “iniciados” ordenaram assim as
Figuras: Valete, Cavaleiro, Rainha, Rei. Outros, como aqueles que elimi-
naram 26 Arcanos do Tarot de Marselha para criar o jogo de cartas in-
glês (26 sendo o número que na Cabala identifica Jeová, podemos dizer
que esse conjunto de cartas é um baralho sem Deus), sem saber o que
fazer dos quatro Cavaleiros, pura e simplesmente os ignoraram, e as Fi-
guras se tornaram: Jack, Queen e King, isto é, Valete, Rainha e Rei.
Aleister Crowley (ver Introdução) fez deles príncipes e princesas...
Mas, se examinarmos com atenção essas Figuras, chegaremos à conclu-
são de que a ordem correta é: Valete, Rainha, Rei, Cavaleiro.
Se tomarmos o Arcano XXI, O Mundo, como centro e em cada um
de seus ângulos colocarmos um Cavaleiro (o de Espadas corresponde à
águia, o de Copas ao anjo, o de Ouros ao animal cor de carne e o de
Paus ao leão), obteremos um movimento circular dos Cavaleiros: o de
Espadas salta em direção ao de Copas, o de Copas desce em direção ao
de Ouros, o de Ouros avança em direção ao de Paus e o de Paus sobe em
direção ao de Espadas. Isso nos permite compreender os ciclos de
transformação dos Naipes... (ver a primeira parte, especialmente a p.
92.)
Se os Valetes, sempre em um terreno externo ao palácio, aí entram
para se transformarem em Rainhas e Reis, os Cavaleiros saem do palá-
cio em direção a outras terras ( jamais a cor do terreno do Valete se pa-
rece com a cor do terreno do Cavaleiro). Os Cavaleiros são mensageiros
que comunicam aos outros Naipes aquilo que adquiriram em seu pró-
prio Naipe (ver pp. 68-9). Isso é confirmado pelo fato de que o Cavalei-
ro de Ouros já leva em uma das mãos um bastão verde da série de Paus.
Os símbolos que identificam cada Naipe passam por uma mutação que
vai do material, terrestre, ao celeste, espiritual:
O pau que o Valete apoia na terra, depois de lavrado e manipulado
pela Rainha e pelo Rei, é por fim levado pelo Cavaleiro, sua extre-
midade superior sendo aberta em uma boca luminosa, receptiva
(ativa para a terra, receptiva para o céu)...
Os dois ouros (dinheiros, moedas) ambíguos do Valete de Ouros,
um enfiado na terra e outro erguido por sua mão direita, aumen-
tam de tamanho e se reúnem na Rainha em um único ouro que no-
vamente se divide no Rei em dois ouros, em cima e embaixo, para
por fim flutuar no céu do Cavaleiro, tornando-se um astro único e
luminoso (a materialização do espírito se torna a espiritualização
da matéria).
A espada que o Valete, por dúvidas intelectuais (ele a apoia no cha-
péu), pensa em talvez devolver à bainha, e que em seguida, na Rai-
nha, é acompanhada por uma espécie de couraça que protege seu
ventre e, no Rei, é equilibrada com uma unidade de medida, se
transforma no Cavaleiro em pequena lança apontada para o cos-
mos, levada por um cavalo que flutua, tendo vencido a força gravi-
tacional por um salto magnífico (o intelecto vence seus limites ra-
cionais e se funde no espírito infinito).
A copa do Valete (personagem jovem-velho, homem-mulher, que
cobre seu símbolo com um tímido véu e não sabe se o vai fechar ou
conservá-lo aberto para se entregar emocionalmente), fechada na
Rainha que a defende com uma espada, e ligeiramente aberta mas
segura com firmeza pelo Rei, levita como um Graal sagrado na
mão do Cavaleiro, que já não a leva consigo, mas a segue (o cora-
ção é o mestre: ele prodiga com amor tudo aquilo que recebe).
Primeiro há as leis misteriosas do universo; em seguida, vem o ser
humano, que com seu espírito limitado transforma em superstições, re-
ligiões, em símbolos, aquilo que não compreende. Na natureza, encon-
tramos, repetidas incontáveis vezes, a fórmula dos quatro elementos:
três similares e um diferente (ver primeira parte, p. 39). O doutor Gé-
rard Encausse, vulgo Papus, em seu livro O Tarot dos Boêmios, inspira-
do pelas teorias cabalísticas de Guillaume Postel e Éliphas Lévi, acredi-
tou descobrir a chave absoluta da ciência oculta encarnada no Tarot,
que não é outra coisa senão o símbolo do nome do Deus hebreu. Segun-
do ele, esse nome composto de quatro letras dá aos mortais que desco-
brem sua verdadeira pronúncia a chave das ciências divinas e humanas.
Essa palavra – que os israelitas jamais pronunciam e que o rabino dizia
uma vez por ano em meio aos gritos de seu povo – se encontra no ápice
de todas as iniciações, brilha no centro do triângulo radiante no grau 33
da franco-maçonaria e se inscreve no portal das velhas catedrais, for-
mada pelas letras hebraicas Yod, He, Vav, He. Este último He é repetido
duas vezes. A cada letra do alfabeto hebraico é atribuído um número.
Assim, Yod vale 10, He 5, e Vav 6. O valor numérico total da palavra
Yod-He-Vav-He é 26... Papus crê que essa palavra relembra por sua
própria constituição os atributos que os homens deram a Deus.
Parece-me que o erro de Papus é considerar que o Tarot ilustra esse
quarteto, fazendo, assim, com que os Arcanos se tornem servidores da
Cabala hebraica, palavra que significa: “O que é recebido, o que vem de
lá, o que passa de mão em mão”... Para ele, a chave do Tarot é Jeová.
No entanto, as qualidades divinas existiam muito antes de o ser hu-
mano aprender a falar e a escrever. A lei matemática existe muito antes
de nascer a língua hebraica. O Tarot não ilustra a Cabala, ele é muito
mais um retrato do universo. Falamos de uma linguagem óptica que,
talvez por reação contra o fanatismo literário, se opõe a uma linguagem
oral.
Para Papus, Yod representa o princípio das coisas, a afirmação abso-
luta do ser por ele mesmo, o Yod-unidade, imagem da masculinidade,
do pai. Na linguagem óptica do Tarot, esse Yod é representado pelos
Reis de Espadas, de Copas e de Ouros.
He é a oposição do não-eu ao eu. É uma forma de divisão da unida-
de, origem da dualidade, da oposição, do binário, imagem da feminili-
dade, da mãe. Ela representa a face passiva diante do Yod ativo, a subs-
tância diante da essência, a vida diante da alma. Na linguagem do Ta-
rot, esse aspecto é representado pelas Rainhas de Espadas, de Copas e
de Ouros.
Vav nasce da oposição do eu ao não-eu, e representa a relação que
existe entre esses dois princípios. Imagem do filho. São os Valetes de
Espadas, de Copas, de Ouros.
O segundo He – visto que nada existe além da Trindade – indica
uma transição do mundo metafísico ou, em geral, de um mundo qual-
quer para outro mundo:
[(Pai + Espírito Santo) + Filho] + Virgem Maria.
Nas figuras do Tarot, essa transição é representada pelo Rei de
Paus, a Rainha de Paus e o Valete de Paus (um pai, uma mãe e um filho
que formam uma nova família).
Se deixarmos de lado os Cavaleiros – cuja missão é transmitir o co-
nhecimento e que viram da direita para a esquerda ao redor d’O Mundo
– e dispusermos os Reis, as Rainhas e os Valetes segundo a direção de
seus olhares, obteremos uma ordem que gira da esquerda para a direi-
ta: Rei de Espadas, Rei de Copas, Rei de Ouros (pincípio ativo por exce-
lência) diante da Rainha de Ouros, da Rainha de Copas e da Rainha de
Espadas (princípio passivo por excelência). Embaixo deles, o Valete de
Ouros, o Valete de Copas, o Valete de Espadas (a relação do ativo com o
passivo). Diante dos Valetes, a família de Paus, composta pelo Valete de
Paus, pela Rainha de Paus e pelo Rei de Paus. Essa família, quarto ele-
mento diferente dos outros (onde há dois que se parecem: Reis e Rai-
nhas, e um terceiro um pouco diferente: os Valetes), é a semente que
contém o germe da futura árvore.
Se o 26 é o número que designa Deus, o Tarot, composto por 78 Ar-
canos, é três vezes 26. Três deuses? Por que não? Se imaginarmos que
esse baralho maravilhoso foi criado por sábios das três religiões mais
importantes do hemisfério ocidental por volta do ano mil, cristãos, ju-
deus e muçulmanos, ele bem poderia conter seus três deuses: o Cristo,
Jeová e Alá. Poderíamos aplicar a isso a lei do quatro? Se for assim, no
primeiro trio há dois similares, Jeová e Alá, e um terceiro um pouco di-
ferente, o Cristo. E o quarto? A encarnação representada pelo leitor do
Tarot com seu deus interior.
[(Jeová + Alá) + Cristo] + Tarólogo
Para começar
O estudo dos Arcanos menores, como o dos Arcanos maiores, vai se
fundar sobre o olhar do leitor, mas também sobre a numerologia do Ta-
rot e sobre o sistema de correspondências entre os quatro Naipes do
Tarot e os quatro centros fundamentais da vida humana: o intelectual,
o emocional, o sexual e criativo, o material e corporal (ver pp. 63 ss.).
É a partir dessa perspectiva que nos propomos aqui a uma leitura,
sempre aberta, dos cinquenta e seis Arcanos menores. Aquele que diz
"eu", leitor ou consulente do Tarot, não é um ou uma, mas pelo menos
quatro. Nós temos quatro sistemas de percepção do mundo: racional (o
verbo), emocional (o coração), libidinal (o desejo e a criatividade), cor-
poral (as necessidades vitais).
Quando os quatro centros vão em direções diferentes, estamos em
crise. Mas querer que os quatro centros sejam uma única e mesma
energia é utópico, como demonstra, por exemplo, o estudo do grau 8
nos quatro Naipes. Vimos que o 8 corresponde, na numerologia deci-
mal do Tarot, a um estado de perfeição (ver pp. 76 ss.). Se observamos o
Oito de Espadas, vemos uma carta que tem no centro uma simples flor
azul de coração vermelho, sem talo: esse Arcano parece nos dizer que a
perfeição do intelecto está no vazio, naquilo que atingimos mediante a
meditação, quando o espírito (o continente) não se identifica mais com
as palavras (o conteúdo). Por sua vez, o Oito de Copas é a carta mais
cheia de sua série: copas, flores e folhagens enchem o espaço, como pa-
ra nos indicar que a perfeição do coração está no “todo pleno”, a pleni-
tude do amor constantemente disposto à doação, que não vive a exigir
mais nada. O Oito de Paus, concentrado ao extremo, nos indica que a
perfeição desse centro reside na focalização dos desejos sobre uma úni-
ca ação, seja ela criativa, sexual ou energética. Por fim, a profusão do
Oito de Ouros, cujas folhagens parecem se estender serenamente em
todas as direções do espaço, nos coloca na pista da perfeição material e
corporal: a prosperidade, a saúde. Esse exemplo nos mostra que cada
centro deve se realizar em seu próprio sentido de perfeição: o coração
vazio não está realizado, o intelecto superabundante tampouco.
Escolhemos apresentar aqui as pistas de leitura para os Arcanos
menores da seguinte maneira: primeiro, estudando os dez primeiros
graus da numerologia nos quatro centros, em dez capítulos em que ca-
da Naipe é estudado em relação aos outros, e nos quais o estudo se ba-
seia na observação dos símbolos.
Daremos em seguida um panorama da progressão das cartas em ca-
da Naipe: Espadas, Copas, Paus e Ouros, cada uma vista sucessivamen-
te do Ás ao Dez. Essa apresentação, que tem por objetivo resumir os
significados principais de cada carta, se esforçará para minimizar as re-
petições em relação à parte anterior. A última seção será consagrada ao
estudo das Figuras, Naipe por Naipe e nível por nível.
Essa opção nos permite visualizar os Arcanos menores segundo du-
as “entradas” igualmente significativas.
1 Citado por André Paccard, Boukhari, Le Maroc, ed. Atelier 74, 1979.
NOTA
Para diferenciar as referências ao topo e à base das cartas que não têm elementos
de orientação evidentes, ver a menção ao Copyright embaixo à esquerda (Jodo.
Camoin)
I.
Os graus da numerologia
Os Ases
Tudo em potência
Dos quatro Naipes do Tarot de Marselha restaurado, dois são recepti-
vos: as Copas e os Ouros, e dois ativos: Paus e Espadas. Entre os Naipes
receptivos, a Copa é essencialmente receptiva, enquanto no Ouro cres-
cem ramos vegetais que indicam já a conversão à atividade. O Pau é um
símbolo essencialmente ativo; enquanto na Espada aparece uma coroa
que indica o início de uma tonalidade receptiva. Se quisermos, a Copa
pode ser identificada à linguagem do coração. O Ouro representa, en-
tão, tudo aquilo que tem a ver com a vida material (corpo, necessidade,
ofício...). A Espada simboliza o verbo e a ação intelectual, e o Pau a cria-
tividade e o domínio sexual.
Um dos primeiros esotéricos a falar do Tarot, Éliphas Lévi, volunta-
riamente induziu seus alunos ao erro, seguindo a ideia, corrente na
época, de Pio VI, de que o conhecimento só devia ser revelado a alguns
iniciados. Lévi, então, identificou Ouros com o ar (atividade mental) e
representou a Espada apontada para o chão, dando-lhe o significado do
elemento Terra e o domínio da vida material. É, no entanto, evidente
que as espadas apontam para cima, pois seu Ás se introduz em uma co-
roa, objeto destinado a ser colocado sobre a cabeça.
Ás de Paus, Ás de Espadas
Criatividade e intelecto, duas fontes de força
Existe um parentesco entre esses dois Ases. Os dois são rodeados por
labaredas de energia, os dois são manipulados por uma mão surgida de
um semicírculo luminoso azul-escuro percorrido por uma onda azul-
celeste, signo de uma potente atividade criadora. No entanto, uma ob-
servação atenta nos permite distinguir uma diferença muito clara. A
mão que segura o Pau sai do centro da figura que, por comodidade, cha-
maremos de nuvem e nos mostra sua palma. A mão que empunha a es-
pada sai da superfície da nuvem e nos mostra seu dorso. Podemos falar
de dois impulsos. O primeiro é central, autêntico, puro e criativo (o
Pau). O segundo é periférico, formal, reflexivo e mental; empregaremos
aqui a palavra "mental", pois, em numerosas tradições, a espada é sím-
bolo do Verbo.
A mão que segura o Pau o pega pela parte mais fina, e ele se alarga
em cima. Na ponta, a energia fálica se converte em uma figura que evo-
ca o sexo feminino. A energia criativa é andrógina. As marcas de galhos
cortados que aparecem ao longo do Pau nos indicam que a escolha é es-
sencial na gestão da energia que está à nossa disposição. Essa energia
não pode ser fabricada: só podemos escolher a direção em que a canali-
zamos. Eis o motivo por que, no lugar onde poderia crescer um galho
no pau, brota uma luz amarela que indica que em determinado mo-
mento essa energia "verde" (orgânica) pode se sublimar. Observemos o
denteado amarelo em torno desse raio de luz, idêntico ao que aparece
na nuvem, e que pode ser interpretado como uma circulação da mesma
consciência divina.
A espada, pelo contrário, ainda que a empunhadura seja verde (ini-
cialmente orgânica), se transforma em seguida em um objeto cuja for-
ma precisou ser fabricada. Não recebemos um intelecto já constituído,
trata-se de uma parte de si mesmo que é preciso trabalhar, como o fer-
reiro forja uma espada, torná-la forte e flexível ao mesmo tempo, atra-
vés de um afinamento: a espada é larga na base e estreita na ponta. Da
mesma maneira como se bate o aço de uma lâmina para testar sua per-
feição, o mental deve ser tarimbado na experiência e no sofrimento
emocional (a lâmina é vermelha) que lhe põe à prova. Para chegar a sua
realização, a espada atravessa a coroa, não fica mais encerrada no men-
tal individual regido pela noção de poder. Os dois ramos que brotam da
coroa simbolizam as duas grandes finalidades do mental: a palma aber-
ta, receptiva, representa o espaço e o infinito, e o visco de frutos verdes
representa o tempo e a eternidade. Ao se tornar eterno e infinito, o
mental descobre a Consciência cósmica. A coroa de cinco flores, das
quais uma no centro porta uma meia-lua vermelha, simboliza os cinco
sentidos. Tudo isso constitui as percepções que formam a inteligência e
podem prender o mental aos interesses materiais, mas a energia divina,
longe de se perder nas miragens do mundo, entra na coroa e a atraves-
sa.
Ás de Espadas.
O mental, energia forjada, se afina até a unidade da consciência cósmica.
Ás de Paus.
A energia sexual e criativa, cuja vocação é povoar o cosmos, obedece a um chamado
do futuro.
Continuemos com a comparação das duas cartas e com o estudo de
suas diferenças: a espada vai do mais para o menos (do mais largo para
a ponta), enquanto o pau vai da concentração à expansão. Um galho é
largo na parte que toca o tronco e, à medida que cresce, vai se afinando.
Isso significa que a parte mais fina de um galho é seu futuro. A mão que
segura o pau está, portanto, no futuro. A energia sexual criativa é um
chamado à divindade que está no futuro. Inversamente, a espada parte
do passado (o punho) para atravessar a coroa do presente e chegar à
fonte (a unidade na consciência).
Estas duas cartas ativas evocam duas forças cujas fontes são distin-
tas. O intelecto, o Verbo está no início da Criação do mundo, enquanto
a criatividade é um chamado do futuro: no Gênesis, depois da Árvore
do conhecimento do bem e do mal da qual Adão comeu, diz-se que a
Árvore da eternidade nos espera no futuro (segundo o Apocalipse, no
centro da Jerusalém celeste).
No fundo, podemos resumir assim a mensagem destas duas cartas:
o objetivo do mental é vencer o passado, superando-se, para chegar à
origem, enquanto o objetivo da sexualidade e da criatividade é nos le-
var para o futuro, até o fim dos tempos.
Ás de Copas
Símbolo do amor em potência
No Tarot, a série das Copas representará todo o processo da vida emo-
cional. O Ás (o número 1) representa a totalidade em potência (ver p.
73). Tudo é possível. Só resta escolher ou se deixar escolher.
A carta começa por uma base cor de carne, pura, sem hachuras,
uma carne nova, virgem. A virgindade emocional permanece intacta e o
amor se renova sem cessar, como se esse cálice material abrigasse um
poço sem fundo que tivesse sua fonte na eternidade. Mas por cima da
cor de carne, por trás da copa, encontramos uma faixa azul-celeste
atravessada de hachuras: na carne, o espírito se forma pelo sofrimento
e pela experiência. A base desta copa, que poderia também ser um tem-
plo, é uma pirâmide de três vertentes. À direita do leitor, o início do tra-
ço amarelo, situado na luz, indica um nascimento contínuo que se pro-
longa sobre o pé da copa. A vertente central, ornada com uma pirâmide
vermelha, evoca a estabilidade e a permanência. A sombra hachurada
da vertente da esquerda sugere, com sua obscuridade, o reino da morte.
Esses três lados da pirâmide remetem a três aspectos da existência: cri-
ação, conservação e destruição, que encontramos também simboliza-
dos na Trimurti dos deuses indianos Brahma, Vishnu e Shiva, cujas três
ações complementares constituem a própria dinâmica da vida.
Ás de copas. É o cálice do amor total em potência. É um templo, o contrário de uma
fortaleza.
Depois que ultrapassamos o horizonte azul-celeste, encontramos
uma flor amarela de cinco pétalas que se abrem para baixo, que poderia
corresponder aos cinco sentidos. Essa flor representa o processo pelo
qual podemos absorver inteligentemente as dores da encarnação para
fazê-las seguir até o topo amarelo da Copa, onde ressoa como o chama-
do para o infinito, o Verbo criador – representado, como costuma ocor-
rer no Tarot, pela ponta de uma espada.
Acima da flor há três círculos formados por três círculos concêntri-
cos. Os dois círculos laterais correspondem ao passado e ao futuro; são
verdes pois são constituídos essencialmente de esperança e de reminis-
cência. Os círculos concêntricos vermelhos do centro representam o
presente, experiência pura e instantânea – não teórica. Por que três cír-
culos para cada tempo? O mais externo poderia corresponder à vida in-
telectual, o segundo à vida emocional, e o círculo central à vida sexual.
Se quisermos dar outra interpretação, podemos também dizer que sim-
bolizam o corpo, a alma e o espírito.
Continuando nossa subida ao topo da copa, encontramos um semi-
círculo vermelho atravessado de raios horizontais. Essa massa verme-
lha poderia ser o amor total que, lavrado e trabalhado pelos sulcos ne-
gros, se tornou amor consciente. Ele é composto pelo amor de si mes-
mo, que projetamos no amor do outro, do amor do universo e do amor
divino. Esse humilde e imenso sentimento de doação sustenta o corpo
da catedral. Toda a sabedoria humana repousa sobre o amor. Como dis-
se bem Walt Whitman, “Quem anda sem simpatia veste a mortalha pa-
ra o próprio funeral”.1
Embaixo do edifício, encontramos ainda três folhas de palmeira
azul-celeste, que, por seu traço dinâmico, parecem em pleno cresci-
mento, com cinco, sete e quatro pontas respectivamente. A soma dá 16:
XVI, A Torre [La Maison Dieu] nos Arcanos maiores. Lembramos que
La Maison Dieu representa uma torre divina que dá à luz dois persona-
gens que, com as mãos estendidas, acariciam a realidade. Aqui, as pal-
mas azuis evocam a intuição pura que comunica com a experiência es-
piritual do horizonte, essa dolorosa franja azul. O espírito atravessou o
sofrimento, e eis que se abre na luz do branco que rodeia a copa como
uma atmosfera purificada.
Esta copa, este templo tão pleno, só tem valor se derramado no
mundo. Na base do amor, há o desejo de dar tudo aquilo que foi acumu-
lado.
Ás de Ouros
O último será o primeiro2
Se os três Ases precedentes são diferentes em sua essência (o Ás de Es-
padas representando o domínio do intelecto, o Ás de Copas, o centro
emocional, e o de Paus, a zona sombria da sexualidade e a energia lumi-
nosa da criatividade), eles têm, no entanto, um ponto em comum: pode-
mos imaginar os três de pé, como gigantes: a copa, com suas colunas,
como uma imensa catedral iniciática; a espada e o pau, soberbos e cin-
tilantes, movidos por uma mão divina.
Mas o Ás de Ouros deve ser imaginado na horizontal, deitado no
chão. Humilde como a flor que traz em seu centro, ele é ao mesmo tem-
po mineral e vegetal. Os Ouros simbolizam a vida material. Em nume-
rosas escolas místicas, essa vida material é desprezada. A recomenda-
ção “É preciso estar no mundo e não pertencer ao mundo” equivale a
fugir da matéria. Não obstante, o Ouro é o verdadeiro mestre.
Ás de Ouros.
Ele representa metaforicamente a flor de lótus, surgido do lodo, que leva no coração
de sua matéria o diamante da Consciência.
Em seu coração, o Ás de Ouros tem uma flor de lótus. Essa flor sa-
grada mergulha suas raízes no lodo e nas águas estagnadas para crescer
e se abrir para a luz. Na tradição tibetana, o célebre mantra “Om mani
padme hum” significa: “Ó Diamante no Lótus!”. Esse diamante é o ser
transparente, essência pura sem ego pessoal: o Buda, a Consciência
universal. No círculo vermelho central do Ás de Ouros, descobrimos
doze pontos ordenados em quatro fileiras. Se traçarmos linhas entre
esses pontos para uni-los, obteremos o desenho de um diamante. Quan-
to ao número 12, se fizermos a soma dos números até chegar a ele, en-
contramos o número de cartas de que é constituído o Tarot: 1+ 2 + 3 + 4
+ 5 + 6 + 7 + 8 + 9 + 10 + 11 + 12 = 78.
A conclusão que podemos tirar dessas observações é que no cora-
ção da matéria reside a energia divina, o impessoal, a totalidade. Os al-
quimistas haviam compreendido isso: eles buscavam tanto materializar
o espírito quanto espiritualizar a matéria, sonho simbolizado pela bus-
ca da pedra filosofal.
Podemos dizer que a moeda de ouro é composta por três círculos:
um externo, que floresce e lança seus ramos em direção ao mundo, um
segundo (mediano), que resplandece como um sol interior e um tercei-
ro (central) vermelho, portador do segredo universal, que faz nascer
quatro pétalas como os quatro elementos da matéria, as quatro tríades
do Zodíaco ou os quatro pontos cardinais. Esses três círculos são um
guia para a descoberta de si mesmo. O ser evoluído pode começar a se
aperfeiçoar sem se separar do mundo, como nos indica o círculo exteri-
or. Trabalhamos por nós mesmos criando uma realidade fértil, próspe-
ra, paradisíaca. A consciência ecológica chega com a descoberta interi-
or, somos unidos ao mundo, à terra. Eis por que uma das atividades im-
portantes nos mosteiros zen consiste em cultivar jardins, que podem
significar o melhoramento do nosso trabalho, de nossa família ou de
nosso país. O que guia esse processo é a divisa secreta: “Não quero nada
para mim que não seja para os outros”.
Uma vez cumprida essa etapa, podemos entrar no segundo círculo:
a descoberta do sol interior que trazemos dentro de nós. Ele é sob to-
dos os aspectos similar ao sol que vemos no céu. A energia vital brota
incessantemente, simbolizada pelos triângulos verdes. A inteligência
prática se expande nos triângulos laranja (cor da vida em todas as for-
mas). Nos triângulos vermelhos, exprime-se a força do amor que é a es-
sência da matéria. A base é amarela como o ouro: organismo puro e lu-
minoso. Tudo isso constitui um anel de ação alegre que nos convida a
amarmos a nós mesmos, não de maneira narcísica, mas enquanto obra
maravilhosa da vontade divina.
No terceiro círculo, encontramos a flor da felicidade. A ação chega a
seu termo. A alma exala seu perfume, esperando a vinda inseminadora
da Verdade essencial. No círculo vermelho, os pontos são de sementes
prestes a eclodir em uma humanidade coletivamente transfigurada.
Elas se apresentam sob a forma de quatro linhas de dois, três, quatro e
três pontos. Os dois primeiros, no alto, indicam a receptividade para o
céu. Os três de baixo indicam a atividade em direção à terra. Os sete
pontos medianos (3 + 4) representam a união do espírito (3) com a ma-
téria (4). Assim diz Éliphas Lévi: “Todo pensamento verdadeiro corres-
ponde a uma graça divina no céu e a uma obra útil sobre a terra”3; ele
entende com isso que toda graça da consciência produz um ato, e que
reciprocamente, todo ato movimenta a consciência como uma verdade.
O primeiro círculo revela as qualidades pessoais do iniciado. Depois
que o trabalho espiritual foi transmitido de círculo em círculo, de hie-
rarquia em hierarquia espiritual, chegamos ao diamante central, a
consciência impessoal. Buscando a individualidade essencial se chega à
consciência coletiva universal. É aí que reside o segredo do Ás de Ou-
ros: humilde moeda, tesouro das profundezas da terra, ele se eleva pela
meditação até o céu para se tornar a auréola que ilumina a cabeça dos
santos.
1 Trecho de “Canção de Mim Mesmo”, parte 48 (Folhas da relva, editoras Ilumi-
nuras).
2 Le De(r)nier sera le Premier, no original francês. El oro sera el tesoro, na tradução
espanhola.
3 Secrets de la magie, ed. Robert Laffont, coleção Bouquins, 2000.
Os Dois
Acumulação, preparação, receptividade
Se os Ases (1) do Tarot são o símbolo das capacidades em potência, vas-
ta extensão de possibilidades à espera de uma escolha, os Dois (2) re-
presentam a acumulação de dados sem realização. A palavra-chave pa-
ra compreender o 2 é o conceito de acumulação passiva e receptiva. A
Papisa (II), grau dois da primeira série decimal dos Arcanos maiores,
está enclausurada. O Enforcado (XII), grau dois da segunda série, está
amarrado, com as mãos nas costas: não escolhe, mergulha em si mes-
mo. (Ver pp. 75 ss.)
Nos Arcanos menores, onde Espadas é o símbolo da vida intelectu-
al, o Dois de Espadas nos mostra uma grande flor (a maior da série) de
oito pétalas e oito ramos, preenchendo todo o oval que a contém. É o
devaneio que se instala no mental, uma acumulação de projetos, de mi-
tos, de informações, de teorias... O centro da flor contém um ponto ne-
gro em que se adivinha, em gestação, o vazio que atingimos na perfei-
ção da meditação. As duas espadas que se entrecruzam têm um centro
vermelho, ativo, vital, que ecoa nas duas pétalas vermelhas horizontais.
Antes de receber uma forma, o pensamento aparece no cérebro como
um caos. Logo, as duas pétalas verticais amarelas lhe permitem se ex-
pandir em direção à luz e à ordem, sustentadas pela receptividade das
pétalas azul-celeste. A lâmina das espadas é essencialmente negra: o
objetivo do mental é chegar ao vazio. Neste Arcano, as oito pétalas e os
oito ramos da flor, assim como os oito ovais amarelos que atravessam as
lâminas das Espadas nos indicam um profundo desejo de perfeição (o 8
representa a perfeição na numerologia do Tarot). Observemos ainda
que em todo o Tarot, os Dois aspiram ao 8: da receptividade à perfeição
e à plenitude.
Os Paus simbolizam a energia sexual e criativa. No Dois de Paus, as
flores, em vez de um talo cortado, têm na base um bulbo azul-claro bas-
tante trabalhado, que representa a acumulação dos desejos. Em segui-
da, um talo vermelho conduz a sete pétalas amarelas, como a energia
vital que virá despertar os sete chakras (centros nervosos sagrados). No
cruzamento dos dois paus, nascem flores de três pétalas laranja. Ao
adicioná-las (3 + 3 = 6), descobrimos que a busca essencial dos Paus é a
do prazer, da beleza (representada pelo 6 na numerologia do Tarot). O
centro dos Paus é azul-escuro, indicando que a energia criativa, na ba-
se, é recebida. Essa recepção se expande até o vermelho da ação. Um
dito chinês nos ensina que convém ser receptivo para o céu e ativo para
a terra; a inspiração do artista lhe é dada, mas sua obra é fruto de suas
próprias escolhas e de seu trabalho. Esta carta representa a acumulação
da energia que ainda não é realizada, a virgindade, o primeiro período
da puberdade, mas também as primícias de toda obra.
A Copa simboliza a vida emocional. O Dois de Copas representará,
então, a acumulação de sentimentos, a preparação para o amor. Embai-
xo, dois anjos revelam a fonte do amor: uma Fênix vermelha sobre um
pedestal amarelo. Os anjos representam a pureza. O da esquerda, que é
cego, vem nos sugerir que a escolha do objeto amado não se faz pelo in-
telecto mas pelas razões do coração. A mancha azul clara, pontuada por
marcas semelhantes às do arminho, como um manto real, sinaliza a
proteção divina. O pedestal e a coroa amarela-clara são símbolos da
consciência cósmica, sobre a qual se forma o pássaro imortal. A Fênix
mítica tem a propriedade de poder se queimar e renascer das próprias
cinzas, assim como o amor morre e se renova a cada vez: o amor não é
individual, ele é uma força universal. De tudo isso, cresce uma raiz, que
se abre na primeira flor vermelha e amarela, símbolo do amor encarna-
do no coração humano, e depois se prolonga em um talo azul-claro que
produz dois animais, talvez peixes, que lambem uma flor imensa. Esses
dois peixes remetem à divisão narcísica do eu, necessária ao desenvol-
vimento do amor: todo amor começa pela fascinação de si mesmo e a
projeção de nossa alma no ser amado. Lambendo a flor, eles a fazem
crescer e a preparam para uma maravilhosa inseminação. O amante fu-
turo será uma projeção da Fênix original. De um ponto de vista psico-
lógico, o Dois de Copas nos remete ao amor incestuoso. Os anjos (subli-
mação do animus e da anima) preparam o sacrifício da Fênix. O amor
edipiano será imolado para a construção de uma realidade, de uma fa-
mília simbolizada pelo Quatro de Ouros.
O dinheiro é o símbolo da vida material: é o ouro que encontramos
nas profundezas da terra, e que uma vez trabalhado serve de moeda de
troca. No Dois de Ouros, uma imensa faixa tenta unir um círculo ao
outro. Embaixo, na curva inferior dessa linha sinuosa, detectamos três
serpentes, animais rastejantes que nos sugerem que o trabalho que leva
à consciência começa pela aceitação da matéria, que se espiritualizará
em seguida, com a moeda se tornando auréola. Na curva superior, duas
datas: 1471-1997, lembrando a data do primeiro Tarot impresso conheci-
do e a da edição do Tarot restaurado. Mas elas indicam também a trans-
formação que vai do passado para o futuro, do fundo para o alto. Se adi-
cionarmos 1 + 4 + 7 + 1, obteremos 13, número da transformação da ma-
téria, da morte. Adicionando 1 + 9 + 9 + 7, obteremos 26, o número de
Deus e da eternidade. Eis toda a aspiração do Dois de Ouros: essa faixa
que cessa de crescer, como testemunham as flores nas duas pontas, pa-
ra chegar ao 8 da perfeição infinita, deseja realizar a espiritualização da
matéria.
Os Três
Explosão, criação ou destruição
Os números têm uma vida própria, como entidades distintas. Depois do
Ás (1, o Todo em potência, fundamentalmente andrógino) e do Dois (2,
acumulação de uma experiência, essencialmente receptivo), o Três (3,
explosão criativa) é o primeiro essencialmente ativo. Mas duplamente
ativo: em direção à vida e em direção à morte, em direção à reprodução,
à construção, à euforia de viver, ou em direção à destruição, à depres-
são, à transformação implacável que exige a eliminação do antigo. O as-
pecto vital do 3 realiza a transformação pela eclosão do novo.
Esses dois aspectos do 3 se manifestam em A Imperatriz (III) e no
Arcano sem nome (XIII). É evidente que A Imperatriz, com seu cetro
apoiado no ventre e ornado com uma folha verde, está em plena gesta-
ção. Quanto ao Arcano XIII, o personagem ceifa com sua foice as ervas
daninhas para que o ser novo possa se desenvolver.
No Três de Espadas, a potência da carta se revela pelos dois ramos
que rodeiam a espada. Se contarmos suas folhas e os frutos negros que
aí nascem, obteremos o número 22, que representa a totalidade dos Ar-
canos maiores do Tarot. A espada vermelha é símbolo do intelecto ati-
vo, entusiasta, idealista, desmedido. As quatro flores no exterior das es-
padas entecruzadas dão uma segurança a esse impulso. Elas indicam
que todo pensamento é sustentado por um espaço bem orientado, qua-
tro pontos cardeais. Na linguagem popular, designa-se um estado de
confusão mental pela expressão “perder o norte”. Esta carta, como to-
dos os Três, possui uma tonalidade adolescente. Aqui, todos os proble-
mas se colocam, confundimos crer com saber, pensamos sem nos unir
ao mundo, motivados pela energia de um ideal que pode também ser
mais falacioso que verdadeiro. A energia do Três de Espadas é estreita-
mente ligada à energia sexual dos Paus.
No Três de Paus, os três paus se entrecruzam formando um centro
que expressa seu desejo de possuir o mundo, representado pelas folhas
que nele crescem. Enquanto o Três de Espadas delimita um oval onde
se produz um desejo de aprofundamento, o Três de Paus cresce para
fora como um conquistador. Ele deseja tanto entrar no mundo como
seduzi-lo e engoli-lo. Este Arcano corresponde às primeiras experiên-
cias do prazer carnal, à eclosão da puberdade, à violência dominadora,
à alegria daquele que se sente o centro do mundo. São também desejos
que explodem sem saber aonde ir. É o germe que abre violentamente a
semente sem saber que planta se tornará. As pontas negras dos três
paus simbolizam a ação impessoal e lembram as pontas das espadas,
igualmente negras. Isso nos indica que a essência da energia sexual é
espiritual. Cada pau é enriquecido por quatro retângulos laranjas, que
correspondem aos quatro elementos: a maior riqueza da ação é a pró-
pria vida. O azul profundo do centro nos sugere que o desejo é recebi-
do, que não temos controle sobre ele: só podemos canalizá-lo ou des-
frutar, mas nem provocá-lo ou anulá-lo. As folhas que crescem dos la-
dos mostram seu interior amarelo-claro, campo de energia e de alegria
vital que enriquece o mundo.
O Três de Copas representa o amor ideal, romântico. São as pri-
meiras experiências afetivas. A copa de cima, bem protegida por duas
folhas, repousa em sua base dentro de um coração. Seu pé é acariciado
por dois bulbos cheios de sonhos. O amor ideal pode nos conduzir mais
tarde, se fracassa, a uma decepção profunda. Mas sendo o primeiro, ele
é o mais belo de se viver. Na base do coração, uma verdadeira constru-
ção o protege e o sustenta. A forma vermelha, fuso atravessado por três
linhas negras, tendo em sua base três pétalas laranjas, representa a di-
vindade andrógina. Esse amor ideal é uma projeção do amor divino. As
duas copas na base da carta representam o masculino-animus e o femi-
nino-anima que se unem para criar esse sonho.
No Três de Ouros, vemos uma construção aparentemente seme-
lhante, mas na realidade muito diferente. A moeda de cima está no in-
terior da construção de folhagens, e as duas moedas de baixo estão fo-
ra. Se a ação das Copas ia em direção ao céu, a comunicação com o divi-
no, a ação dos Ouros vai em direção à interiorização, à penetração na
matéria e à obscuridade da gestação. É a afirmação de um tesouro es-
condido no mundo, do qual é preciso tomar posse. Este Arcano repre-
senta a partida do herói antigo em busca do Tosão ou Velocino de ouro,
símbolo ambivalente da riqueza material e da consciência cósmica.
Sendo o Três um número explosivo, ele pode significar, nos Ouros, o
início entusiasmado de um negócio com um investimento incerto: po-
demos multiplicar nossa riqueza ou perdê-la.
Os Quatros
Segurança sobre a Terra
O equivalente do 4 é um quadrado, a forma geométrica que melhor
simboliza a segurança no mundo material. Nos Arcanos maiores, O Im-
perador (IIII) representa a estabilidade terrestre, enquanto Temperan-
ça (XIIII) indica o equilíbrio psíquico e espiritual.
Se observarmos o centro do Quatro de Ouros, vemos aí um brasão
sobre o qual uma Fênix se imola no fogo para renascer das próprias
cinzas. No centro do que parece ser imutável, há constante imperma-
nência. Aquele que tem a segurança e a saúde deve permanecer cons-
tantemente consciente do caráter efêmero de todos os bens materiais.
Nesse nível, aquele que não avança e que recusa a mudança acaba re-
trocedendo. A saúde depende de um cuidado constante. A aparente es-
tabilidade do Quatro de Ouros oculta a instabilidade sagrada. Se o Qua-
tro não se põe em ação, ele se petrifica pouco a pouco. O Quatro de Ou-
ros assegura a vida cotidiana, mas não a vida espiritual. No entanto, ele
é a base desta, assim como o altar é a base da catedral. De que serve um
altar sobre o qual não se celebra a missa? Da mesma maneira, de que
serve uma loja de alimentos se todos estão com a validade vencida? É
preciso que novos produtos frescos venham garantir a saúde do consu-
midor. Uma fortuna que é guardada em uma caixa-forte sem ser inves-
tida se desvaloriza. Nesse caso, é preciso investir e fazer entrar a rique-
za na corrente da vida. Uma semente que não se abre não produz ne-
nhuma planta.
No Quatro de Ouros, os quatro elementos se ordenam em torno do
centro (a Fênix), mas no Quatro de Copas a disposição testemunha
antes uma aspiração para a altura. As duas copas de baixo, ajudadas pe-
las duas grandes folhas, sustentam as duas copas de cima. Podemos ver
aí um impulso em direção à abertura. As Copas são símbolo da vida
emocional, então podemos dizer que nesse amor se busca um ser supe-
rior a si mesmo, e não uma "alma gêmea". Como etapa da vida emocio-
nal, o Quatro é um momento benéfico que representa um fundamento,
a aceitação do casal, o projeto de uma família. Mas se o Três busca o
amor ideal, o Quatro marca a passagem ao amor real. Aquele que só se
pode acontecer se aceitarmos com toda confiança o ser amado.
A busca da altura que está em processo no Quatro de Copas repre-
senta, no melhor dos casos, uma aspiração às aspirações mais elevadas
do amor que serão vividas nos graus seguintes. Mas se a pessoa ainda
não é capaz de amar a si mesma, ela é obrigada a depositar todas as su-
as esperanças de realização em outra pessoa. A relação emocional, en-
tão, não se dá mais entre iguais, mas entre um coração submisso e um
ser poderoso. Se a pessoa se odeia, se se despreza, se não se ama, a exi-
gência de segurança se torna insaciável. Mesmo se a pessoa não tem to-
do o amor que deseja, por segurança se apega à relação emocional. É o
caso de um casamento de longa duração em que os cônjuges talvez te-
nham perdido o amor, mas cuja união perdura por segurança. Um amor
que não evolui está condenado a estagnar.
No Quatro de Paus, nos encontramos na presença de uma seguran-
ça sexual e criativa. Tudo vai bem, mas corremos o risco de que essa si-
tuação se torne uma rotina. Neste domínio, a repetição esfria o entusi-
asmo. Por falta de novidade, o êxtase declina. Mais uma vez, o Quatro é
uma passagem benéfica que exige ser superada: o que pensar de um ar-
tista que se instala em um estilo e o repete até morrer, feliz de ganhar
com isso um dinheiro seguro? Um casal que sempre faz amor da mes-
ma maneira corre o risco de se aborrecer. A segurança do Quatro é des-
tinada a evoluir com a tentação do Cinco.
Da mesma maneira, a segurança mental do Quatro de Espadas é
maravilhosa quando representa o espírito prático, uma inteligência ca-
paz de se encarnar e de organizar a vida material. É também a base da
inteligência científica. Mas ela pode se converter em um racionalismo
fechado em si mesmo, que tende a excluir a intuição, a riqueza do in-
consciente, o prazer poético, as ideias revolucionárias e muitas outras
coisas que encontramos ao estabelecer a ponte com os mistérios do es-
pírito. Isso será obra do 5.
Em todos os Naipes, o Quatro é uma plataforma de segurança ne-
cessária para ousarmos propor novas experiências que nos farão avan-
çar sobre o caminho do conhecimento de si mesmo, tendo como objeti-
vo final a ação no mundo. Considerado como tal, o Quatro é essencial.
Considerado como fim em si, ele conduz à estagnação, e, por fim, à de-
cadência
Os Cincos
A tentação
No esoterismo do início do século XX, os estudantes de magia e os nu-
merólogos atribuíram ao número 5 uma ação funesta. É compreensível:
nos Arcanos maiores do Tarot, o grau 5 é representado por O Papa e O
Diabo. Os esotéricos, em conflito com a Igreja Católica, então confun-
diram as duas cartas e viram a maldição (XV) como sombra da bendi-
ção (V). Podemos também compreender que em uma sequência de no-
ve números (sendo o 10 considerado uma repetição do 1), o número 5
se encontra na metade da série, como entre dois mundos. Antes dele, a
sequência de 1 a 4 representa a vida material, e depois dele a sequência
do 6 ao 9 representa a vida espiritual, maravilhosa mas incerta quando
a consideramos a partir do plano concreto. Na realidade, tanto O Papa
como O Diabo são convites a irmos mais além, a superarmos os limites
do material e do racional. O Papa, sem abandonar seus discípulos, que
pertencem a este mundo, estabelece uma ponte, uma comunicação com
o outro mundo: a dimensão divina ou cósmica. O Diabo tentador
propõe uma descida rumo à escuridão do inconsciente, para chegar até
o magma impessoal, fonte de toda criatividade.
O 5 abre os caminhos para o conhecimento de si ou propõe ideais
brilhantes. Ele sugere a prudência de não abandonarmos as aquisições
da vida material, mas nos convida a superá-las.
No Cinco de Espadas, vemos aparecer, entre as espadas entrecru-
zadas, o vermelho da espada central que olha para o exterior por uma
abertura em forma de losango. É a primeira vez, no processo da série
de Espadas, símbolo da atividade intelectual, que o mental aceita a uni-
ão com o Outro e tenta lançar um olhar para além de si mesmo, fora de
seu pequeno mundo intelectual. Aparece uma ideia que pode se trans-
formar em ideal, em um caminho a seguir.
Na série de Copas, que representa a vida emocional, o Cinco de Co-
pas nos mostra um recipiente central de onde nasce uma eufórica
construção floral. Poderíamos dizer que se trata de um pagode, ou de
um templo. Pela primeira vez, vivemos o entusiasmo da fé, inclusive o
amor fanático. Cantamos loas a um mestre, ao Cristo, a diferentes deu-
ses, à mãe Natureza, ou, por que não, a um teórico político... Acredita-
mos ter encontrado a direção definitiva que nosso coração e o coração
da humanidade devem seguir. Se observarmos bem esta carta, veremos,
envolvendo o pé da copa central, um coração amarelo formado pelos
ramos da planta da base, que floresceu. Mas esse coração, encontrando-
se na base, age no plano material: voltamos nosso coração para Deus
sem com isso desdenhar das ternuras humanas. Com esta carta, pode-
remos compreender, por exemplo, a jovem discípula que volta grávida
depois de uma temporada com seu guru...
O Cinco de Paus representa duas tentações: sublimar a força sexu-
al através das técnicas de meditação e, graças a elas, abrir a porta da
iluminação espiritual, ou ainda aprofundar o caminho do desejo e ex-
plorar todas as pulsões. Esse segundo caminho pode ser tão revolucio-
nário quanto o primeiro, pois é um convite a nos desfazermos dos hábi-
tos, que conduzem o espírito a adormecer. Na criatividade, da mesma
maneira, é a abertura do artista aos temas que vão mais longe ou mais
fundo do que a anedota pessoal.
Com o Cinco de Ouros, a segurança material do Quatro deixa nas-
cer em seu centro uma possibilidade nova de enriquecimento, que con-
jura o grande perigo do grau anterior: vimos que se o Quatro não se al-
tera, ele envelhece, apodrece e decai. Vemos todos os dias exemplos
práticos disso: as grandes lojas, para não perderem seus clientes, de-
vem pensar em abrir uma seção de alimentos orgânicos; um doente,
tratado sem resultados pela medicina oficial, sonha em procurar um
xamã ou um curandeiro no interior do país; um casal bem estabelecido
se propõe a ter um filho; ou ainda, decidimos investir nossas economias
em uma atividade que possa multiplicar o capital.
O Cinco representa, portanto, uma tentação, uma aspiração, uma
ponte, uma passagem para um novo mundo, mas conservando uma par-
te de sua atividade baseada no mundo antigo.
O perigo do Cinco de Espadas será de nos levar a seguir ideias tolas,
idealistas demais, que nos prometem fortes decepções. O perigo do
Cinco de Copas é o entusiasmo. O outro, idealizado, pode não corres-
ponder às expectativas que temos a seu respeito. No Cinco de Paus,
corremos o risco, seguindo o caminho d’O Papa, de nos conduzirmos à
impotência sexual por excesso de misticismo, ou seguindo o caminho
d’O Diabo, de nos esgotarmos em depravações. No Cinco de Ouros, cor-
remos o perigo de investir nosso dinheiro em quimeras e de perdê-lo,
como acontece às vezes aos pequenos investidores da bolsa de valores.
Os Seis
A beleza e seus espelhos
Na Cabala, o 6 é considerado o representante da beleza. Na Árvore da
vida, sob o nome de Tipheret, ele está no centro das dez sefirots: se o
homem não pode alcançar a Verdade incognoscível, ele pode ao menos
ter acesso a seu resplendor essencial, a Beleza.
Em O Namorado (VI), grau 6 da primeira série decimal dos Arcanos
maiores, o anjinho faz descer do céu a beleza do amor. Em A Torre, Ar-
cano XVI, outra manifestação do 6, a terra envia de seu centro para o
alto uma explosão de alegria e de energia gozosa que faz dançar dois
iniciados em êxtase. Podemos também pensar que é o céu que faz des-
cer essa manifestação flamejante: o Tarot permite interpretar um mes-
mo símbolo de duas maneiras diferentes, sem que precisemos escolher
entre as duas respostas, que podem ser efetivas ao mesmo tempo.
Nos Arcanos menores, esse número sinônimo de beleza e de reali-
zação daquilo que amamos assume quatro tonalidades diferentes. Se
quisermos, a beleza do Seis pode ser considerada a raiz da realidade. Se
adicionarmos de três em três a série infinita dos números, obteremos
sempre um resultado redutível a 6. Por exemplo:
1 + 2 + 3 = 6; 4 + 5 + 6 = 15, e 1 + 5 = 6; 7 + 8 + 9 = 24, e 2 + 4 = 6... e as-
sim sucessivamente até o infinito.
Se, como no mito cristão, Deus é uma trindade, sua essência, a par-
tir do que acabamos de ver, é a beleza.
As Copas e os Ouros são símbolos receptivos.
O Seis de Copas é apresentado como o resultado de [3 + 3]: duas
colunas de três copas se enfrentam face a face. Elas se encontram como
um ser humano encontra sua alma gêmea. Amor estático de tonalidade
narcísica, que tem a tendência de se isolar, de se dar privadamente, e no
qual um é a alma do outro. Com um Seis de Copas, podemos dizer: “Eu
sou o mundo e o mundo sou eu”.
No Seis de Ouros, podemos observar claramente a soma [4 + 2]. No
centro da carta, quatro moedas representam o princípio de realidade e
de estabilidade que se abre para cima e para baixo. No Seis de Copas,
assistíamos ao reencontro de dois trios, o número três sendo um idea-
lista. Aqui, ao contrário, partimos de um centro material que vai buscar
sua realização extática nos dois extremos. Isso nos remete aos casais ou
pares de noções complementares como: futuro e passado, supracons-
ciência e subconsciente, macrocosmo e microcosmo, luz e sombra etc.
Trata-se de uma carta que se abre ao mundo, que se esforça para se
abrir ao outro. Seu lema poderia ser: “Parto em busca de tudo aquilo
que me supera e que já existe em mim”.
Entre o Seis de Espadas e o Seis de Paus, símbolos ativos, um inte-
lectual e o outro sexual-criativo, também existe uma diferença.
No Seis de Espadas, assistimos a uma interiorização. Alcançamos a
beleza através da meditação, seguindo em direção ao êxtase que é o co-
ração de nossa consciência. A flor central cujo talo está cortado, sepa-
rado da planta e por consequência do mundo, se abre na solidão. Ela é
única. Assumir a própria individualidade, sua própria unicidade, é a
primeira alegria do intelecto.
No Seis de Paus, observamos um grande impulso para o exterior.
Partindo de um centro ardente (os quatro losangos vermelhos), folhas
sensuais se abrem em direção aos quatro cantos do mundo, e como eixo
vertical, em lugar do pau unitário, vemos duas flores, cortadas, também
elas, diferentes uma da outra, mas no entanto complementares. A flor
de baixo tem folhas curvadas e receptivas, a flor de cima tem folhas
pontudas e ativas. Poderíamos falar em uma flor masculina e uma flor
feminina. O Seis de Paus exprime a beleza do encontro sexual. Aqui a
solidão valorizada no Seis de Espadas se torna masturbatória, ela não é
admitida. O Seis de Paus é essencialmente uma carta de encontro.
Os Seis, apesar de sua excelência, podem se tornar uma armadilha
narcísica, sobretudo nas Copas e nas Espadas. Amamos tanto aquilo
que fazemos que, egoisticamente, buscamos nos satisfazer esquecendo
as necessidades do mundo que nos rodeia...
Os Setes
Ação no mundo e ação em si mesmo
O 7 é o número ímpar mais ativo, o número primo mais potente da série
de 1 a 10. A melhor maneira de defini-lo é pela noção de ação no mun-
do. Nos Arcanos maiores, essa ação se manifesta muito visivelmente no
Arcano VII, O Carro, e no Arcano XVII, A Estrela. Em O Carro, a ener-
gia vem da terra e o príncipe se deixa levar por seu veículo fincado no
planeta, solidário ao planeta. Ele não age por si mesmo, ele só acompa-
nha a ação. Em A Estrela, a ação vem do cosmos e da mulher nua, ver-
dade pura. Desdenhando do global em nome do particular, ela escolhe
um lugar que sacraliza, um joelho na terra, para aí realizar a ação puri-
ficadora e germinadora. Isso nos permite compreender que há diferen-
tes formas de ação no mundo, como os quatro Setes dos Arcanos meno-
res nos demonstrarão.
O Sete de Paus é uma carta de energia gloriosa, resplandecente,
que parte de um losango vermelho recoberto pelo entrecruzamento
das partes azuis-escuras e azul-celeste, que se estendem até seu pro-
longamento vermelho e suas catorze pontas negras. A cada mudança de
cor, há uma articulação amarela. Isso significa que partimos do fogo vi-
tal dos losangos vermelhos, fogo natural, recebido e não trabalhado.
Graças a uma reflexão inteligente (a articulação amarela), esse fogo
passa da concentração intuitiva interior à grande ação vermelha de
abertura em direção ao mundo. A energia sexual e criativa é impessoal,
ela se oferece, nas pontas negras, a quem tiver a habilidade de saber
empregá-la. As folhagens amarelas de talos vermelhos, em número de
quatro, se abrem triunfalmente nos lados, exprimindo a explosão do
prazer sexual e criativo em ação sem entraves.
Inversamente, no Sete de Espadas, a espada outra vez se inscreve
em seu oval que simboliza o espaço do pensamento, primeiramente
concebido como um fechamento. Este só se abre no meio da carta, na
curta passagem da cor vermelha que indica uma pequena atividade em
direção ao exterior. Neste oval, encontramos, situada entre quatro flo-
res cortadas, uma espada azul-celeste. Estas quatro flores são muito di-
ferentes das folhas amarelas vivas do Sete de Paus: elas representam
pontos de referência conceituais, e não orgânicos. A Espada está aqui
no ápice de seu não fazer ativo. O máximo de ação dos Paus é “criar tu-
do”, mas o máximo de ação das Espadas é “tudo esvaziar”. Eis por que
a receptividade da mistura de talos azuis fica no centro do Sete de Paus,
e se encontra nos dois extremos, externamente ao oval do Sete de Es-
padas. Observemos também que a lâmina da espada passa por baixo
desse tecido, e aí fica prisioneira: o mental não se mexe, não age. Para
agir no mundo, ele deixa de crer que a realidade é aquilo que ele pensa
sobre ela e busca a visão objetiva. Para isso, ele deve aprender a rece-
ber.
No Sete de Ouros, descobrimos no centro da carta três círculos
dispostos em triângulo, com a ponta para cima, rodeados de outras
quatro moedas dispostas nos quatro cantos da carta. Poderíamos ver aí,
geometricamente, um triângulo inscrito dentro de uma figura quadran-
gular, quadrado ou retângulo. Essas formas simbolizam o espírito (tri-
ângulo) em gestação no centro da matéria (quadrado). Podemos con-
cluir que a ação extrema no mundo material é a gestação do espírito,
um ideal interno: esse triângulo acabará invadindo todo o quadrado,
exatamente como o Cristo entra em gestação no ventre de um ser hu-
mano, Maria, para nascer dela e convertê-la em divindade. Poderíamos
também dizer que no Sete de Ouros assistimos à ação da consciência no
coração da célula.
Da mesma maneira, no Sete de Copas encontramos o 7 sob a forma
[4 + 3], mas em uma confirguração diferente. Quatro copas no exterior
da carta formam aquilo que poderíamos considerar como um retângu-
lo. No centro, três outras copas desenham um eixo vertical. A copa que
se encontra na base desse eixo está em plena criação ativa do mundo
emocional, com uma ação em direção ao interior e em direção ao exte-
rior. Aquilo que foi recebido é generosamente doado, ofertado. As ou-
tras copas possuem um conteúdo acumulado, elas estão cheias, mas es-
ta copa da base produz uma ação simbolizada pelos ramos e pelas fo-
lhagens que sobem a partir dela como uma aspiração ao mundo celeste.
A segunda copa, no centro, está em gestação, acariciada e amada, e ela
estende sua ação em direção ao mundo inteiro, não ainda de maneira
fulgurante, como veremos mais adiante no Oito, mas sob uma forma
íntima, secreta, recolhida. É o fogo emocional em gestação no escuro e
na solidão, que se abre, por fim, na terceira copa, em direção ao cosmos.
O amor vai, então, completamente para o exterior e chega aos confins
do universo. Podemos comparar esse eixo ao chamado intenso da Vir-
gem Maria, que não aceitou outro amante além do próprio Deus.
Os Oitos
As quatro perfeições
Nos Arcanos maiores, A Justiça e A Lua pertencem ao ser do 8. Este
número é o mais receptivo de toda a série de 1 a 10. Se o 2 é acumula-
ção, o 4 estabilização e o 6 união na beleza, o 8 é o símbolo por excelên-
cia da perfeição, na matéria e no espírito. Em A Justiça (VIII), vimos
um arquétipo maternal que faz reinar a Lei. Seu lema poderia ser este:
“A única liberdade é a obediência à Lei”, a maior obediência sendo tor-
narmo-nos nós mesmos e deixar agir as leis cósmicas em nosso espírito
e em nossa vida material. Sua ação incita também a nos darmos aquilo
que merecemos. A espada d’A Justiça corta o subjetivo, e sua balança
pesa o objetivo. A Lua (XVIII), por sua vez, representa a recepção pura.
Ela tem a tendência de se recolher em si mesma para refletir a luz solar.
Esse reflexo da “verdade” solar, que poderíamos chamar de “beleza”,
pode ser visto de frente, ao contrário da fonte de luz direta que nos ce-
garia.
Nos Arcanos menores, entre as Copas e os Ouros, símbolos recepti-
vos, e as Espadas e os Paus, símbolos ativos, observamos uma nítida di-
ferença. Os primeiros são plenos, os segundos quase vazios. Isso nos
permite voltar aos diferentes aspectos da noção de perfeição, frequen-
temente mal compreendidos e indiferenciados.
É evidente que o intelecto, simbolizado pela Espada, deve chegar ao
máximo do vazio para realizar sua perfeição: a prática da meditação,
entre outras, forma o espírito com esse objetivo. No meio do Oito de
Espadas só existe uma pequena flor azul, receptiva, cujo centro é for-
mado por um minúsculo círculo vermelho marcado por um ponto que
representa o olho, testemunho impessoal. As quatro flores exteriores,
que nas outras cartas de Espadas são amarelas e vemelhas (ativas na in-
teligência), assumem aqui uma cor azul, símbolo da recepção espiritu-
al. O Oito de Espadas representa o ideal búdico da vacuidade.
Esse “todo vazio” não se pode aplicar ao domínio das emoções. No
Oito de Copas, nós nos encontramos diante de um “todo cheio”. No
centro, o mesmo pequeno círculo vermelho marcado por um ponto re-
presenta mais uma vez o olho, testemunho ativo. Em torno dele, as
mesmas pétalas azuis-celestes indicam um centro receptivo. Mas as
quatro pétalas azuis-escuras que alternam com elas assumem aqui uma
forma dinâmica, que lembra aquela da suástica (ver também p. 101).
Oposto à quietude do intelecto, o impessoal do coração poderia se
chamar Deus em ação. Quatro das oito copas presentes nesta carta se
situam em seus quatro cantos, indicando um estado em que as emoções
são estáveis. No centro, duas copas lado a lado, rodeadas de ramos e flo-
res mostram a exaltação do casal feminino-masculino, ou ativo-recepti-
vo, sem excluir o casal homossexual. Nos extremos de um eixo vertical,
duas outras copas manifestam o amor pela terra (a de baixo) e outra o
amor pelo cosmos (a de cima). Essas copas verticais são acompanhadas
de duas flores ou chamas azuis. A de baixo possui uma gota vermelha
ativa e a de cima possui uma gota parecida, mas atravessada por riscos
verticais que a tornam receptiva. Eis o que confirma o que vimos nos
pontos centrais do Ás de Ouros: atividade em relação à Terra, receptivi-
dade em relação ao Céu. O Oito de Copas simboliza o ideal crístico do
coração em chamas, todo caridade e todo amor.
O Oito de Ouros, à primeira vista, parece passar a mesma mensa-
gem que o Oito de Copas, mas na realidade há uma grande diferença.
Aqui ainda, nos quatro cantos da carta, quatro moedas formam um qua-
drado estável: a vida material está assegurada. Mas aqui, no centro,
quatro outras moedas figuram um outro quadrado, dinâmico e espiritu-
al. No meio, aqui também, encontramos uma flor de miolo circular. Mas
desta vez o centro é amarelo e marcado por uma cruz. Isso nos indica
que no cerne da matéria existe uma consciência da eternidade (a linha
vertical) e do infinito (a linha horizontal). No quadrado central, temos
dois pares de moedas: um se situa na parte baixa e outro na parte alta,
delimitadas pelas folhagens. O espírito oculto na matéria, ativo por ex-
celência, age simultaneamente na vida material e na vida espiritual. Es-
sa interação de mundos gera a prosperidade total. O Oito de Ouros re-
presenta a verdadeira riqueza, a saúde, a felicidade no lar, a realização
harmoniosa das necessidades. A matéria impregnada de espírito, talvez
imperecível, exalando um odor de santidade.
O Oito de Paus é uma carta que eliminou as florações laterais, pre-
sentes até o Sete desse Naipe e só deixou duas pequenas flores verti-
cais, cortadas. Não se deve desprezá-las, porque nelas a força criativa
se concentrou. Aqui, a sensualidade se sublima; passamos da dispersão
à concentração, é o conceito freudiano de sublimação da libido. Criati-
vamente, o Oito de Paus representa uma situação em que doamos toda
nossa energia, sem a menor distração, à criação presente. O Oito é a úl-
tima ocasião que nos é dada de criar uma obra perfeita. Em seguida, vi-
rá a mudança ou a morte. Se os Arcanos de Paus são a sexualidade, o
Oito de Paus será a energia sexual empregada a serviço da obra espiri-
tual, como no caso da Madre Teresa de Calcutá ou como um grande cu-
randeiro. No oitavo mês de gravidez, a mãe permite que se complete a
formação do feto, que se prepara para nascer no mês seguinte.
Os Noves
Crise e nova construção
O 9 possui uma característica que o diferencia dos números ímpares da
primeira série decimal: ele é divisível por três. De um lado, ele é ativo
(em relação ao 8) e, por outro, receptivo (em relação ao 10). Número
andrógino, grau da crise, o 9 anuncia uma mudança que irá conduzir ao
fim de um ciclo. Ele é ilustrado entre os Arcanos maiores sob as figuras
d’O Eremita (VIIII) e d’O Sol (XVIIII).
O Eremita, sábio que chegou ao fim do caminho, se retira do mundo
e ergue sua lâmpada para mostrar uma nova via. Em O Sol, nós vemos a
nova consciência (o sol) iluminar dois personagens e os impulsionar
em direção a uma nova construção. Essas duas cartas são similares e
opostas ao mesmo tempo. Similares porque marcam o final de uma via
e o início de uma nova era, e opostas porque O Eremita se realiza na so-
lidão enquanto os personagens d’O Sol criam uma relação de colabora-
ção e de união amorosa. Nos Arcanos menores, encontramos contrastes
análogos.
Devemos notar que, na autoproclamada “Tradição” esotérica, O
Eremita não foi compreendido como um sábio que, generosamente,
mostra o caminho. Ele foi visto como um mestre secreto e avarento de
sua sabedoria que esconde a lâmpada sob seu manto, reservando o co-
nhecimento a um grupo eleito de discípulos. É impensável que a ação
do Nove seja atrasar a passagem da humanidade para uma Consciência
ampliada.
No Nove de Copas, aquilo que já foi vivido é eliminado (as três co-
pas de baixo entre as quais pendem as folhagens murchas) e seis outras
copas são exaltadas. Elas se erguem em direção a um amor mais uni-
versal, novo, simbolizado pelas folhas pontudas que rodeiam a copa
central superior. Quando observamos esta carta, recebemos a mensa-
gem de sacrificar os sentimentos que nos agrilhoam e que nos nutri-
ram, de nos desprendermos deles e de partir em direção a dimensões
emocionais mais amplas. Nesta carta, o 9 é apresentado como um [6 +
3].
No Nove de Ouros, por sua vez, descobrimos um [8 + 1]. O conceito
de eliminação não está presente, assistimos, ao contrário, a um parto, à
criação de uma nova dimensão. Podemos ver muito bem na moeda cen-
tral a cabeça de um bebê saindo para nascer, rodeada de folhas que for-
mam um oval azul (receptivo) cercado de vermelho (recepção da vida),
no qual poderíamos discernir um sexo feminino. Esse nascimento não é
solitário, ele emerge em meio à perfeição das outras oito moedas.
Quando observamos esta carta, recebemos como mensagem a iminente
chegada de novas condições materiais. Uma criança, um novo trabalho,
uma herança, um golpe de sorte, uma recuperação da saúde... Mas, para
obter esse novo elemento, é preciso sobretudo não se distrair. As pre-
cauções são imprescindíveis. O menor erro destrói o nascimento.
Nos dois símbolos ativos, Espadas (intelecto) e Paus (instinto e cria-
tividade), encontramos duas atitudes diferentes.
As Espadas, que simbolizam o Verbo, percorreram todo um cami-
nho de concentração para chegarem ao Oito que, lembremos, represen-
tava a vida meditativa. Na etapa seguinte, no Nove de Espadas, a espa-
da brilha com luminosidade e começa sua expansão. Ela está prestes a
sair do encerramento subjetivo para avançar no mundo e se unir a ele.
Podemos observar que no meio da lâmina, uma linha quebrada hori-
zontal indica uma falha. A espada está cortada em dois, como a indicar
que o intelecto não é apenas um “eu”, mas um “eu e você”. A mensagem
do Nove de Espadas, para o consulente, será: “Aprenda a escutar os ou-
tros. Suas ideias são uma parte do mundo, mas não a totalidade do
mundo”.
Os Paus, ao contrário, seguiram um caminho criativo expansivo.
Aqui, eles se concentram e eliminam todo e qualquer ornamento: nem
folhagem, nem flor, unindo seu eixo ao entrelaçamento vermelho e azul
do centro. O Nove de Paus está sempre entre a vida e a morte. Sua ati-
tude poderia se resumir neste lema: “Vencer ou morrer”. Pensamos em
um guerreiro que realiza ações impecáveis, sem nenhuma concessão.
Ele se libertou dos desejos do mundo e acumula em si mesmo a energia
para construir uma nova obra. Se escutarmos esta carta, ela nos dirá:
“Não faça concessões, seja você mesmo. Aja como se deve. Seja respon-
sável.”
Os Dez
Fim de um ciclo e anúncio do seguinte
A Roda da Fortuna e O Julgamento são as duas cartas que fecham suas
séries decimais respectivas. Do grau 10, ambas sinalizam o fim de um
ciclo. Em A Roda da Fortuna (X), constatamos uma parada: os três ani-
mais estão retidos, eles esperam que a Providência venha girar a mani-
vela que os colocará novamente em movimento. Eles se agarram à roda
e a seguram, pois o chão embaixo deles é movediço: tudo poderia desa-
bar. Descer, subir, equilibrar-se, resistir até a chegada do salvador, que
poderia ser simplesmente uma nova informação. A Roda da Fortuna
marca um chamado às profundezas da terra azul marcada por estrias
curvas (que é talvez um oceano) onde a roda se encontra. Em O Julga-
mento (XX), a situação é diferente: o ciclo terminou, mas recebemos
ajuda. O céu se abre, o chamado irresistível ressoa, o novo ser se levan-
ta das profundezas da terra em direção à dimensão celeste. Nesse fim, o
novo começo já está presente.
O Arcano X é, portanto, uma carta de interrupção da atividade, en-
quanto o Arcano XX é uma carta de mutação. Na primeira, esperamos
ajuda, na segunda esperamos a realização. Essas duas características
voltam a aparecer nos Arcanos menores.
No Dez de Copas, vemos nove copas abertas mas cheias, e uma
décima que, havendo recebido tudo, está selada. As nove copas abertas
possuem cinco subdivisões ou gomos, que correspondem aos cinco
sentidos, enquanto a décima possui sete gomos, que correspondem aos
sete centros nervosos ou chakras. A exigência emocional – com sua
sombra, o rancor – se interrompeu. O coração pleno se torna potência
de ação. Nós nos aproximamos do ideal de santidade: "Nada para mim
que não seja para os outros". Em termos cristãos, poderíamos dizer que
o cálice está cheio de sangue divino: a comunhão se realiza. Encontra-
mos aqui um paralelo com A Roda da Fortuna, pois neste estado de do-
ação potencial, o coração espera ser empregado em outra obra.
No Dez de Ouros, descobrimos também uma totalidade que se fe-
cha sobre si mesma na espera do outro: nos quatro cantos da carta, qua-
tro moedas formam o quadrado material que estabiliza o mundo. Pode-
mos compará-lo aos quatro animais d’O Mundo. Se aceitarmos, então,
que as seis moedas restantes desenham uma forma que lembra um oval,
poderemos aí ver um eco da guirlanda ou mandorla azul que envolve a
personagem do Arcano XXI. A flor azul-celeste e vermelha do centro
poderia então ser comparada à mulher nua que traz nas mãos um bas-
tão ativo e um frasco receptivo. No centro laranja dessa flor, descobri-
mos um signo em forma de vírgula que poderíamos identificar com o
Verbo criador, primeiro embrião de toda realidade. O eixo dessa cruz
floral continua em duas moedas laranjas unidas por um eixo branco. É
a primeira vez que vemos moedas atravessadas, formando um eixo.
Podemos considerar que elas estão assim imobilizadas, o eixo bran-
co lembrando os raios brancos d’A Roda da Fortuna. O que talvez seja
evocado aqui é o fim da prosperidade: atingimos o limite daquilo que
podíamos receber na vida material. Contando as pétalas do segundo
círculo de cada moeda, obtemos 11 + 11 = 22, número que no Tarot sim-
boliza a realização da Totalidade.
Estamos à espera de um milagre. É o momento, nos Evangelhos, em
que o Cristo (o milagre) impõe as mãos sobre Pedro (o Dez de Ouros) e
lhe diz: "Tu és Pedro e sobre esta pedra construirei minha igreja". Uma
vez obtida a prosperidade, toda uma obra espiritual se realizará a partir
das riquezas de que dispusermos (os 22 Arcanos maiores). Se as rique-
zas não forem empregadas para exaltar a vida, elas conduzirão à des-
truição do consulente.
No Dez de Espadas, assistimos a esse milagre tão aguardado: até
aqui, todas as espadas estavam encerradas dentro do oval. O trabalho
da realização mental se concretiza em uma espécie de autismo positivo
que chamaremos de solidão, de meditação, a noite escura da alma ou,
em referência ao Arcano XX, de O Julgamento, de túmulo. Aqui, com as
duas espadas que entram no oval vindas do exterior, ouvimos enfim a
voz do Outro. Ela vem da esquerda e da direita, isto é, do feminino e do
masculino ao mesmo tempo. Essas duas polaridades se unem no interi-
or: o mental chegou à unidade. As espadas possuem quatro flores no
exterior do oval. Mas aqui só restam as duas de cima, e se o quisermos,
as duas de baixo se tornaram a matriz das espadas. Da Terra (a zona de
baixo) nasce a atividade. As flores de cima indicam que continuamos
receptivos para o Céu.
Se o Dez de Espadas representa sobretudo a parte superior da carta
d’O Julgamento (o anjo), o Dez de Paus representará a parte inferior
desse Arcano: os três personagens. Vemos de fato que o eixo central se
dividiu em dois, um vermelho e um azul (recepção e ação). Mas o olhar
aguçado descobrirá, entre os dois, um terceiro pau branco representan-
do a criança que sai da tumba em estado de pureza total. O pau à nossa
direita será, então, o pai, o da esquerda a mãe e o terceiro a criança. Ob-
servando a totalidade da carta, podermos dizer que ela é uma entidade
angelical sublinhada pela luz de sete paus brancos escondidos entre os
paus vermelhos. As flores brancas se abrem em ramos para cima e para
baixo como asas. Isso nos revela que os três personagens d’O Julga-
mento estão em comunhão com um anjo que é reflexo deles no espelho
do céu.
Os graus por Naipe
Espadas
Ás de Espadas. É um grande potencial intelectual, uma grande capaci-
dade de atividade mental. Ele se assemelha ao Dez de Paus que vai ao
seu encontro: após o fim de um ciclo criativo e instintivo, o intelecto
entra em ação. O Ás de Espadas pode significar uma vitória pela astú-
cia, a inteligência, a determinação, o discernimento. Ele indica também
a capacidade de tomar posição, de decidir. Quando se torna negativo,
ele evoca a agressão verbal, as palavras que machucam, a recusa da ma-
téria, a superestimação do mental.
Dois de Espadas. O crescimento acumulado da flor central evoca a
imaginação, os devaneios, a preparação de um projeto. Muitas possibi-
lidades mentais, das quais nenhuma foi ainda utilizada: o intelecto per-
manece passivo, à espera de uma ação. A pessoa tem a tendência de
passar de um assunto para o outro. As conotações negativas evocam um
espírito preguiçoso, o pessimismo intelectual, uma dualidade parali-
sante em seus pensamentos, a falta de concentração. Podemos também
aí associar a estupidez, a identificação com certas ideias preconcebidas,
a necessidade de um complemento dos estudos, ou ainda a dissimula-
ção.
Três de Espadas. Este Arcano remete à explosão fanática das pri-
meiras ideias, das primeiras opiniões. É um sinal de entusiasmo inte-
lectual, que pode se conjugar com a paixão dos estudos, da leitura. O
intelecto, ainda imaturo, age por pura espontaneidade, ele não diferen-
cia entre crer e saber. Podemos também ver aí um desejo de evolução
intelectual, por exemplo, o sucesso em um exame por parte de um estu-
dante. As conotações negativas nos remetem a todos os aspectos do fa-
natismo, da obstinação, da recusa em aprofundar, da dispersão. O Três
pode também sinalizar uma falta de continuidade das ideias.
Quatro de Espadas. Aqui, as ideias se estabilizam. Esta carta evoca
o racionalismo, todos os aspectos de um pensamento bem assentado e
uma certa maturidade intelectual. É também o espírito prático capaz
de agir utilmente sobre a realidade. O intelecto é organizado, estável,
ele sabe funcionar por generalizações. Possui uma tendência conserva-
dora em suas opiniões. Pode lhe faltar uma centelha, um pouco de pi-
menta. Os aspectos negativos desta carta remetem a tudo o que concer-
ne ao racionalismo obtuso, às ideias fixas, o mental prisioneiro de seus
conceitos, mas também às teorias não vividas de um “falador retórico”,
e à recusa da intuição. No pior dos casos, o intelecto se torna tirânico.
Cinco de Espadas. É um novo ponto de vista que aparece, um novo
ideal. No sentido estrito, ele é representado pelo “ponto de vista” que
nos deixa ver os dois ovais entrecruzados sobre a lâmina vermelha da
espada. Os pensamentos mais espirituais, mais profundos, aparecem.
Retomamos um estudo, nos aperfeiçoamos ou nos especializamos. Sem
abandonar suas convicções, o intelecto se volta em direção a novas ma-
neiras de ver o mundo ou à exploração do mundo interior. Essas novas
informações podem então penetrar no cotidiano para modificá-lo. Os
aspectos negativos desta carta remetem a uma discordância entre o
material e o espiritual, ao dogmatismo religioso quando este se opõe à
evolução interior, às opiniões políticas cínicas ou hipócritas, à trapaça.
Seis de Espadas. Este primeiro passo na pura alegria (o 6) se vive
também no intelecto: o prazer de pensar, a beleza das ideias, o espírito
lúdico são aqui indícios de desenvolvimento e refinamento mental.
Amamos aquilo que pensamos e aquilo que dissemos. O espírito está na
positividade, ele conhece o refinamento. Ele se descobre a si mesmo na
solidão, assumindo sua individualidade. A poesia tem sua fonte no Seis
de Espadas; ele permite também encontrar uma pessoa com quem pos-
samos estabelecer um diálogo enriquecedor. Visto de fora, será alguém
reflexivo, de pensamentos originais. As conotações negativas desta car-
ta nos remetem ao narcisismo intelectual, ao esteticismo exagerado, a
um sentido do belo que não é posto em prática, assim como a uma falta
de confiança em si mesmo.
Sete de Espadas. O intelecto, tocando aqui sua maior atividade, e
se aproximando de sua perfeição, torna-se extremamente receptivo,
como testemunha a lâmina azul da espada. É uma meditação ativa, vol-
tada para as necessidades do mundo. O mental pacificado pode colocar
sua potência e sua espiritualidade a serviço do outro. Tornamo-nos ca-
pazes de abstrair a nós mesmos, de nos apagar para melhor nos doar. É
talvez um sábio que põe sua ciência a serviço da humanidade, ou ainda
um chefe esclarecido, um santo no poder. Quando esta carta se torna
negativa, ela evoca o conhecimento utilizado em um objetivo cínico, a
maledicência, a calúnia, as ideias agressivas destruindo o mundo, as te-
orias tóxicas.
Oito de Espadas. O intelecto chega a sua perfeição: a vacuidade.
Esta carta indica que o espírito deixou de se identificar com seus con-
ceitos. É uma concentração poderosa, um estado de transe ou de medi-
tação profunda em que a dualidade dos contrários se dissolve na cele-
bração da presença. A solução dos problemas se torna evidente, para
além da razão: neste não pensamento, todas as revelações são possíveis.
Se quisermos ler esta carta negativamente, poderemos ver aí o bloqueio
intelectual, todas as doenças que afetam a cognição, do coma à amnésia
ou à afasia, o medo do vazio, o estupor.
Nove de Espadas. A espada amarela evoca a iluminação, a aparição
de uma nova compreensão, a mutação que permite romper os hábitos
mentais, ou ainda o deixar-se levar intelectual. Depois de uma longa
pesquisa, a luz se faz. É o fim da dualidade entre ator e espectador. Esta
unidade questiona completamente as concepções passadas. É também
o início da escuta, a abertura a um pensamento isento de crítica e de
comparação. As conotações negativas nos remetem a um estado de cri-
se, de incerteza mental, ao medo de perder nossa individualidade, in-
clusive à depressão. Podemos também ler aí, a partir da lâmina falhada,
uma lesão cerebral ou a senilidade.
Dez de Espadas. A mutação chega a seu término: não mais uma,
mas duas espadas. Elas saem do oval, o pensamento não é mais prisio-
neiro de si mesmo. É a aparição da afetividade na vida mental, a aceita-
ção de um ponto de vista diferente do nosso. As duas espadas evocam o
pensamento andrógino, ao mesmo tempo masculino e feminino. É a
maior maturidade intelectual, que atinge a harmonia com o coração.
Adquirimos uma visão total da realidade, um pensamento inteiramente
amante. As conotações negativas poderiam ser a recusa do outro, um
bloqueio emocional produzindo um conflito intelectual, o medo de ser
ferido, a disputa, a ingratidão.
Copas
Ás de Copas. Símbolo do amor em potência, catedral ainda fechada
mas plena, ele poderá simbolizar todos os sentimentos, todos as possi-
bilidades do coração, desde o impulso amoroso até o misticismo; uma
grande disposição para amar e para ser amado(a); uma capacidade de
amor ainda não empregada, mas imensa. Com o Ás de Copas, o amor
aparece como um cálice, uma questão no horizonte que impregnará a
busca do consulente. É também a base da comunicação, da religião no
sentido de se religar ao outro, à transcendência, a si mesmo, ao divino...
Seus aspectos negativos serão o sofrimento, o ciúme, o rancor, a falta de
afeto, a exigência jamais satisfeita, a afetividade sufocante.
Dois de Copas. Assistimos aqui a uma acumulação de devaneios
amorosos. A sede de amar nasce em um ser que não tem nenhuma ex-
periência do amor ou depois de uma longa solidão. No Dois de Copas
estamos fechados, o outro ainda não apareceu e o imaginamos obriga-
toriamente semelhante àquilo que conhecemos de nós mesmos. Para
esse parceiro idílico que ainda não tomou forma em um coração vir-
gem, a única referência é familiar. Nessa etapa nasce todo o mito da al-
ma gêmea. É o amor edipiano que serve de base às projeções futuras.
Nessa preparação para o amor, existe muita reserva e também um gran-
de sentimentalismo. Os aspectos negativos remetem à imaturidade
emocional, ao isolamento, à incapacidade de estabelecer relações, a
uma afetividade prisioneira dos vínculos familiares, ao medo do com-
promisso, à passividade e à desunião de um casal, a um coração assom-
brado pelos fantasmas amorosos infantis.
Três de Copas. A eclosão do primeiro amor, com seu frescor, sua
inexperiência, e também a idealização que o caracteriza se exprimem
nesta carta. É uma união fervente, um amor de juventude consumado
ou não, a aparição do outro em uma grande explosão romântica, que se
decepcionada pode machucar terrivelmente. É também a adoração, por
exemplo, de uma mãe por seu filho. As duas flores que sustentam a co-
pa superior, desenhando um coração com seus talos, parecem papoulas,
sugerindo a embriaguez desse sentimento. É também, em todas as ida-
des, a redescoberta ardente do amor. Seus aspectos negativos remetem
tanto a uma falta de entusiasmo amoroso, quanto ao contrário, à ideali-
zação excessiva e destrutiva do amor, ao delírio erotomaníaco, à fixa-
ção em um amor impossível.
Quatro de Copas. Aqui o amor está estabelecido, seguro e sólido. A
base de uma família pode se construir sobre o Quatro de Copas: ele
evoca a confiança em si mesmo e no outro, o amor visto como pilar da
realidade. Mas ele também pode se tornar a busca de um ser que pro-
porcione essa segurança, "um pai para os meus filhos", "uma boa mãe",
"alguém com dinheiro", o que pode conduzir a vínculos de dominador e
dominado. O risco é depositar suas esperanças de realização no outro.
Os aspectos negativos nos remetem à insegurança, à falta de liberdade,
ao sufocamento, assim como à limitação dos sentimentos, a um amor
excessivamente materialista.
Cinco de Copas. Aqui, a copa central, ornada de flores exuberan-
tes, marca a emergência de novos sentimentos que podem chegar ao fa-
natismo: é a descoberta da fé, uma euforia que nos leva a um ser superi-
or ou considerado como tal. É também a primeira abertura do coração
em direção a uma solução que seja boa para a humanidade. Os aspectos
negativos podem ser a confiança cega em um guia qualquer, um dese-
quilíbrio afetivo, mas também a falta de fé, a decepção, a amargura.
Seis de Copas. Duas colunas de três copas se postam frente a frente
em torno de um eixo: é a realização do amor por si mesmo, no sentido
mais nobre do termo, na plenitude, a aceitação e o contato interior com
o amor divino. É talvez também o encontro do outro, a aparição real da
alma gêmea sonhada no Dois de Copas, um ser que nos corresponde
exatamente e com o qual, na alegria da relação espelhada, descobrimos
sentimentos como a estima, a fidelidade, o prazer e a sensualidade. É
um amor geral que inclui o intelecto, o coração e o instinto. Os aspectos
negativos desta carta nos remetem a um casal muito egoísta, separado
do mundo. Ela evoca todos os aspectos do amor narcísico em geral, o
retraimento em si mesmo, o desprezo pelos outros, a indulgêcia exces-
siva consigo mesmo.
Sete de Copas. Aqui o amor entra em ação total no mundo. Ele se
impregna de humanismo, de generosidade. É a descoberta do poder da
bondade, da força do amor consciente que consiste em alegrar-se pela
existência do Outro. Podemos doar sem fazer contas, dar início a uma
rede de caridade, empreender uma ação humanitária. Ligados ao amor
universal, sem negligenciar a vida cotidiana, adotamos o lema: “Nada
para mim que não seja para os outros”. Os aspectos negativos podem
nos remeter à impossibilidade de ser feliz por causa das desgraças do
mundo, à agressividade, à tendência compulsiva de ajudar quem não
nos pediu ajuda. Pode ser também uma pessoa que só vê o próprio inte-
resse ou um misantropo amargurado.
Oito de Copas. Neste grau, as Copas atingem sua perfeição, que se
manifesta pela plenitude. O coração está inteiramente pleno, em todos
os níveis. Amamos o presente, o passado e o futuro, o planeta, o próxi-
mo, a si mesmo, o universo, até o impensável. A questão sobre ser ou
não ser amado não se coloca mais: somos só amor. É a harmonia, a paz
do coração, o equilíbrio e também aquilo que costumamos chamar de
graça: uma união profunda com o amor divino. Os aspectos negativos
desta carta remetem à não aceitação da perfeição do amor. Veremos aí,
então, a falta, a carência, a insatisfação perpétua, um amor superabun-
dante que finge doar e que na realidade só exige.
Nove de Copas. Pela primeira vez na série, as folhas caem, como se
murchassem. É o fim da floração, o outono do coração: devemos passar
pela perda, pelo luto, para que uma nova dimensão do amor possa apa-
recer. É uma etapa de sabedoria, em que aceitamos o fim de um ciclo
emocional e nos desprendemos daquilo que já foi vivido. Esse sacrifício
supõe um amor profundo pela humanidade presente em cada ser, um
desapego, uma abnegação, produto do amor consciente. Os aspectos
negativos nos remetem a todos os estados de crise emocional, a nostal-
gia, a solidão mal vivida, o medo da perda, o desespero.
Dez de Copas. Ao final de seu desenvolvimento, o caminho do co-
ração nos apresenta o amor universal sob a forma de nove copas aber-
tas e uma décima copa maior por cima: essa última não participa mais
da dinâmica de dar e receber, ela espera ser posta em uso, como um
santo poderia se dizer instrumento de Deus e esperar ser empregado
por Ele. No mito cristão, é o amor divino que se faz carne para propa-
gar o amor no mundo e servir, qualquer que seja o prêmio. Esta carta
indica um coração preenchido, uma ação concreta (tornar-se o Ás de
Ouros), e que a realização emocional já ocorreu. Se esta carta é negati-
va, ela pode significar um bloqueio, a não aceitação de si mesmo, a ve-
nalidade, a recusa à evolução.
Paus
Ás de Paus. Uma grande energia vital em potência. Temos os meios pa-
ra criar, para reproduzir, e bastante coragem para vencer as dificulda-
des ou levar um projeto adiante. O Ás de Paus possui a força. Se for pre-
ciso lutar, seremos capazes. É também o domínio da potência sexual e
do desejo. Talvez a aparição da criatividade em um domínio onde não
era esperada. Se o Ás de Paus é negativo, ele pode sinalizar problemas
sexuais, um bloqueio criativo, uma perda de energia vital, a falta de re-
finamento, o peso do tédio. Ele remete também à brutalidade, à violên-
cia física, ao abuso de poder, e eventualmente a um abuso sexual.
Dois de Paus. É um estado em que ainda somos virgens, mas em
que os desejos se acumulam, preparando a primeira experiência. A
energia sexual é passiva e contida, mas pode ser muito intensa em sua
repressão. Esta carta pode igualmente remeter a um potencial criativo
em gestação, a um momento de latência da libido. As interpretações ne-
gativas nos remetem a um bloqueio sexual, à timidez, a uma criativida-
de eternamente sendo gestada, dentro de seu ovo, a todas as proibições
que pesam sobre as forças instintivas, impedindo sua eclosão. Esta car-
ta pode engendrar dúvidas sobre as capacidades sexuais ou sobre a cri-
atividade: o intelecto interfere e bloqueia a energia.
Três de Paus. A primeira explosão da energia vital. É, por exemplo,
o momento da puberdade, das primeiras experiências sexuais. A ener-
gia brota com um fogo primaveril. É também um impulso criativo cheio
de espontaneidade e de vigor, mas sem objetivo preestabelecido. Qual-
quer que seja a atividade empreendida, o impulso de partir é forte,
existe entusiasmo, uma alegre vontade de criar. Em um sentido mais
negativo, esta carta remete à dispersão, a uma tendência de não termi-
nar o que se começou. Sexualmente, pode ser uma ejaculação precoce,
uma voracidade, uma atitude de sedução histérica, exagerada. O Três
de Paus pode levar ao abuso de poder alguém que se crê o centro do
mundo. Na criatividade, ele pode conduzir à representação gratuita.
Quatro de Paus. Nesta carta, o desejo se torna realidade. A obra do
artista penetra no mundo e obtém sucesso. A sexualidade está garanti-
da com um parceiro estável ou hábitos sexuais funcionais. Este Arcano
simboliza uma pessoa que vive de sua criatividade, que assume seu po-
der. O perigo, em todos os domínios, é cair na rotina. O Quatro de Paus
se tornará então uma carta de tédio, de insatisfação monótona, em que
a vida erótica se reduz a uma ginástica e a criatividade artística a uma
fabricação mercantil. Esta carta pode igualmente remeter a uma atitu-
de dominadora, ou ainda a uma pessoa fraca que não assume sua auto-
ridade, que tem medo de não estar à altura.
Cinco de Paus. O Cinco de Paus aporta uma tentação, um novo de-
sejo, uma energia que vai mais além daquilo que se conheceu até então.
É talvez uma iniciação em práticas sexuais até então desconhecidas ou,
no domínio criativo, uma evolução em direção às profundezas insus-
peitadas, uma dimensão mais vasta... É também a força do mestre ou da
santa que não teme utilizar a energia dos Paus para curar e benzer. Em
suas acepções negativas, o Cinco de Paus nos remeterá às práticas se-
xuais perversas, a um conflito entre sexualidade e espiritualidade, a
uma criatividade que necessita de drogas ou de álcool para se exprimir,
a um desejo de evolução não assumido.
Seis de Paus. Aqui, os Paus tocam sua expressão essencial: o pra-
zer. Cedemos à tentação e entramos no êxtase, na voluptuosidade su-
prema, a alegria de criar. A sexualidade e a criatividade são bem vivi-
das, somos felizes por sermos quem somos, por fazermos o que faze-
mos. Para um artista, é o momento em que ele ou ela se encontra, ad-
quirindo sua expressão própria. Trabalhar é uma alegria. Para um artis-
ta marcial ou pessoas que trabalham com a energia, é a manifestação do
Qi, a dimensão divina da energia vital. Os aspectos negativos desta car-
ta, como em todos os Arcanos do grau 6, remetem aos excessos de nar-
cisismo: o artista se põe a repetir incessantemente a mesma obra com
autocomplacência, cai no egocentrismo, na superficialidade, no “umbi-
guismo” criativo ou sexual. Podem também perder a alegria, ficando
bloqueado pela recusa ao prazer.
Sete de Paus. Esta carta reflete um momento de grande abertura,
de ação irresistível. Em termos de realização artística, é a conquista, o
sucesso, a criatividade realizada a serviço de si mesmo e dos outros. O
eu se torna um canal de energia sexual e criativa e, em plena consciên-
cia de sua dimensão impessoal, a distribui ao mundo inteiro. É talvez
uma relação apaixonada, a doação, o triunfo, a inseminação do mundo.
Se ela se torna negativa, a potência do Sete de Paus é terrível. Esta carta
evoca, então, a ditadura, o fascismo, a escravidão sexual, o proxenetis-
mo, a tortura, o sadismo, o poder destruidor sob todas as suas formas,
que avilta o outro em vez de colocar sua força a serviço do mundo.
Oito de Paus. A perfeição neste centro se manifesta por uma extre-
ma concentração, um essencialismo representado pelas duas flores cor-
tadas. A criatividade se focaliza ao extremo: é a perfeição daquele que
sabe desenhar um círculo com um único traço. Na sexualidade, chega-
mos à sublimação, à energia criativa pura, ao orgasmo. A potência se
torna não violência, ideal das artes marciais: o combate sem combate. A
autoridade emana da pessoa, impõe-se sem nenhum gesto. Neste esta-
do de recolhimento extremo, não existe mais esforço, somos incansá-
veis. Se esta carta tiver um sentido negativo, será a paralisia, a interrup-
ção de todo movimento, o perfeccionismo extremo que beira a asfixia.
Nove de Paus. Neste nível, os Paus se confrontam com uma escolha
entre a vida e a morte. Nesta carta inteiramente despojada, em que
mais nenhuma folha cresce, o elemento chega a um implacável domí-
nio de si mesmo. É a experiência do fim real ou simbólico, do ego. Para
um artista, é aceitar que sua obra seja utilizada por qualquer outra pes-
soa. Para um combatente, é o risco assumido de ser morto. No domínio
sexual, é a renúncia, a escolha essencial. Os aspectos negativos do Nove
de Paus remetem ao medo de morrer, à recusa de passar a uma outra
etapa da vida e envelhecer, ao fracasso artístico, à impotência ou à este-
rilidade.
Dez de Paus. Tendo cumprido seu ciclo, os Paus se dividem em
dois, abrem-se para dar lugar a um eixo branco. Na etapa seguinte, o
próximo elemento será o Ás de Espadas. Ele pode simbolizar uma visão
angelical da sexualidade: a energia já não circula mais no interior nem
no exterior, ela se cristaliza como um diamante andrógino e se torna
puro espírito. A pessoa não está mais no domínio sexual ou criativo, ela
passa a ter outros interesses: por exemplo, um artista que se torna pro-
fessor, uma pessoa que se descobre com a vocação para a cura. Os as-
pectos negativos remetem à amargura, ao desenraizamento da realida-
de, a uma falta de fé na vida, à renúncia dolorosa ao poder por uma per-
da de energia ou um fracasso.
Ouros
Ás de Ouros. Esta carta simboliza a energia material em todas as suas
potencialidades: o corpo, os recursos, o lugar que ocupamos no mundo,
o território. O plural da palavra francesa, “Deniers” [Dinheiros], nos in-
dica que esta energia é essencialmente coletiva. O Ás de Ouros nos ori-
enta em nossa relação com a encarnação, a vida familiar, a casa, o di-
nheiro, a saúde. Ele recoloca a questão sobre os aspectos concretos da
existência. Suas acepções negativas podem nos remeter a um problema
financeiro, uma recusa da matéria ou, ao contrário, a um excesso de
preocupações materiais, à doença, a um abandono do corpo, à má-nu-
trição, à miséria.
Dois de Ouros. Esta carta evoca o desejo de fechar um contrato
que ainda não está concluído. É talvez um projeto financeiro ainda em
germe, uma casa em construção, a vontade de se casar ou de se associar
para levar adiante um negócio. É também um embrião em formação,
um repouso corporal, a recuperação das forças. No sentido negativo, o
Dois de Ouros poderá significar um problema financeiro (dificuldade
para chegar ao fim do mês), uma falta de recursos, a preguiça ou a para-
lisia, uma recusa a se alimentar, uma atitude quimérica e ineficaz dian-
te do mundo material, uma tendência suicida.
Três de Ouros. Esta carta pode simbolizar um investimento mate-
rial que produz seu primeiro benefício... ou sua primeira perda. É tam-
bém a fecundação, em que uma célula masculina e uma célula feminina
criam um terceiro ser. É uma empresa que lança seus primeiros produ-
tos sem saber se encontrarão um público. É um risco comercial, uma
aposta substanciosa em um jogo de azar. Poderia ser a absorção de uma
substância da qual não conhecemos os efeitos, uma cirurgia estética de
resultados incertos, ou ainda a decisão de viver em um país estrangeiro.
Seus aspectos negativos evocam um investimento apressado e de mau
agouro, problemas ligados à fecundidae (aborto, gravidez extrauterina),
uma hiperatividade corporal que esgota, a fusão de duas empresas con-
duzindo a um monopólio, uma manipulação genética que produz um
monstro...
Quatro de Ouros. Aqui, a Fênix que dois anjos preparavam para o
sacrifício no Dois de Copas está ardendo em chamas. No cerne de uma
grande estabilidade material, existe a renovação constante do pássaro
mítico que se consome e renasce das próprias cinzas. Esta carta evoca o
lar, a saúde, um território cujo bom andamento é garantido pela recusa
de qualquer estagnação sobre o adquirido. O Quatro de Ouros simboli-
za a vida do corpo que, para se manter, supõe a morte constante de cer-
tas células e o consumo de energia sob a forma de alimentos. Os aspec-
tos negativos da carta nos remetem a todos os estados de estagnação
material: a prisão, os problemas corporais ligados à estase, ao excesso,
ao sobrepeso, um trabalho em que não nos realizamos, o desemprego,
uma situação econômica estagnante, uma família fechada em si mesma.
Cinco de Ouros. No coração da estabilidade (as quatro moedas po-
sicionadas nos quatro cantos da carta), abre-se um novo interesse, liga-
do a uma dimensão espiritual, planetária ou cósmica. É um industrial
que investe em uma energia "limpa", boa para o planeta, uma grande lo-
ja que inaugura uma linha de produtos orgânicos, ou ainda a constru-
ção de um templo, de um centro espiritual. É, na relação com o corpo, o
início de uma prática que supera a simples cultura do físico, uma mu-
dança de regime ou um interesse pelos métodos de cura alternativos. A
dimensão negativa do Cinco de Ouros pode ser um revés da sorte, um
mau médico, um mergulho na droga ou no álcool, um conselheiro fi-
nanceiro venal, um trapaceiro, um industrial sem escrúpulo, uma que-
bra da bolsa, uma depressão nervosa.
Seis de Ouros. Aqui, a relação com a matéria se desdobra em uma
verticalidade extática. Estamos arraigados à terra e ao céu, em plena
aceitação da própria encarnação, como uma árvore que cresce ao mes-
mo tempo com suas raízes no solo e seus galhos para o alto. É uma car-
ta que evoca a generosidade diante de si mesmo, o prazer corporal, o
desfrute do dinheiro e de uma economia bem gerida, o sentido do belo
na vida cotidiana, a gastronomia, a sensualidade. O Seis de Ouros cele-
bra a beleza do mundo e se sente unido a ele. Podemos investir nos ne-
gócios que amamos: é o dinheiro do mecenato artístico, a compra de
uma obra de arte... Os aspectos negativos remetem ao narcisismo físico,
à obsessão das aparências, à venalidade. Temos a tendência de descui-
dar do ser, privilegiando o parecer e o ter. O dinheiro é culpabilizado
ou, ao contrário, superestimado, o que pode conduzir à avareza. Esta
carta é também a dos complexos físicos e da ilusão segundo a qual o di-
nheiro basta para trazer felicidade.
Sete de Ouros. Nesta carta, descobrimos um triângulo central, com
a ponta para cima, enquadrado por quatro moedas situadas nos quatro
cantos. A espiritualização da matéria e a materialização do espírito são
realizadas. As ideias entram em ação no mundo e produzem o dinheiro.
O dinheiro serve para financiar a pesquisa, a informação, para fazer
evoluir a humanidade. Esta carta evoca a generosidade, o desempenho
esportivo triunfante, o conhecimento profundo do corpo, uma potência
material imensa que repousa sobre a consciência. É talvez um huma-
nista, um mecenas, um gênio dos negócios, o sucesso mundial de uma
empresa. Os aspectos negativos remetem a uma fratura entre corpo e
espírito, ao desprezo do espírito pela superestimação da vida material,
à escravidão, à voracidade econômica, às multinacionais nocivas ao
meio ambiente, aos cartéis da droga, aos monopólios dos laboratórios
farmacêuticos...
Oito de Ouros. A perfeição dos Ouros se manifesta por uma abun-
dância, uma plenitude próspera. Esta carta evoca a harmonia e a rique-
za: todas as necessidades são satisfeitas. O corpo está com plena saúde,
em pleno equilíbrio. É o entendimento na família, um lar onde cada um
tem seu espaço. É o paraíso sobre a Terra, o planeta visto como um jar-
dim florido. É também o fluxo harmonioso das energias. Os aspectos
negativos remetem a um desequilíbrio corporal ou material, a uma con-
cepção paralisante do dinheiro, à pobreza concebida como uma fatali-
dade.
Nove de Ouros. Uma etapa material se finda, ensejando o nasci-
mento de uma nova vida. Isso pode ser, para uma mulher grávida, o
momento do parto. É também um desprendimento material, alguém
que abandona tudo por uma vida nova, ou ainda uma mutação financei-
ra profunda que resulta em um novo projeto. O Nove de Ouros pode ter
falido, herdado ou ganhado em um jogo de azar: seja o que for, a situa-
ção o leva a uma nova construção. Os aspectos negativos desta carta re-
metem a uma crise econômica sofrida, a um roubo, a uma expulsão, a
uma mudança forçada, a uma demissão, a uma velhice sofrida, a um
problema de herança, ao exílio.
Dez de Ouros. O ciclo material se completou, como testemunha a
mudança de cor das duas moedas laranjas, e sobretudo o eixo branco
que as une no plano vertical. O caminho da prosperidade se fecha. No
domínio material, é a entrada em ação da criatividade. O dinheiro, a
matéria, vai passar para uma outra dimensão de consciência e de ener-
gia pura. Esta carta remete a todas as questões do além do corpo, a
reencarnação, o milagre, a eternidade. O Dez de Ouros anuncia o Ás de
Paus: a próxima etapa se situará no caminho da energia sexual e criati-
va. Os aspectos negativos remetem à recusa do corpo devido à sua iden-
tidade sexual, à impossibilidade do luto pelo já vivido, à sensação de ter
fracassado na vida, à situação de quem se encontra de posse de uma
grande fortuna sem jamais ter conhecido a felicidade.
II.
Os Trunfos ou Figuras
Com as Figuras (ou Trunfos), o Tarot nos apresenta uma hierarquia de
quatro personagens em cada Naipe, na qual podemos discernir uma di-
nâmica paralela à da numerologia. O fato de haver três personagens
masculinos e um feminino não deve nos enganar: não se trata de modo
algum de uma discriminação sexual, uma mulher pode muito bem, pa-
ra representar sua situação, tirar um Rei ou um Valete, e um homem
pode se encontrar em uma posição correspondente à de uma Rainha.
Como vimos no capítulo sobre a numerologia do Tarot, o Valete,
primeiro grau desse quarteto, se situa entre os graus 2 e 3: entre a acu-
mulação e a explosão, entre a dúvida e a ação (ver pp. 88 ss.). A Rainha,
entre os níveis 4 e 5, possui um olhar concentrado sobre seu elemento e
será apegada a ele, entre o conforto da estabilidade e a tentação de um
mais além. O Rei, entre os graus 6 e 7, já se desprendeu em parte de seu
símbolo, ainda que continue dele desfrutando. Ele possui consciência
do mundo exterior no qual sua ação irá de desenvolver. É ele quem en-
via o Cavaleiro, como fez o rei Arthur com Lancelot. O Cavaleiro, entre
os graus 8 e 9, domou sua animalidade: ele cavalga sua montaria e re-
presenta a perfeição de seu Naipe, do qual levará a mensagem ao mun-
do. O Cavaleiro não é a perfeição, mas a representa. Impessoal, ele
avança e age em nome do Rei. Isso nos lembra a frase de Lacan a seus
discípulos: “Vocês podem ser lacanianos, eu continuo freudiano”.
Eis o motivo pelo qual colocaremos esses personagens na ordem
Valete, Rainha, Rei, Cavaleiro.
Os Valetes
Situado entre os graus 2 e 3, isto é, entre o potencial acumulado e a
ação, o Valete duvida. A energia é jovem, ainda inexperiente. Ela exige
ser trabalhada, conhecida, explorada, organizada. Ele hesita: utilizará
ou não suas possibilidades? É a posição de um executante obediente,
que não costuma tomar iniciativas. Ele pode permanecer na segurança
do 2 ou se lançar em direção ao 3 sem saber o que resultará de sua ação.
O perigo do Valete pode vir de um excesso de dúvidas ou de um exces-
so de imprudência.
E se eles falassem...
Valete de Espadas. “A delicadeza e a elegância são minhas caracte-
rísticas essenciais. Mas elas podem rapidamente se voltar para a hipo-
crisia. Contrariamente aos Valetes de Paus e de Ouros, eu não sou um
primitivo. Conheço a nobreza, as estratégias diplomáticas e políticas, os
meandros de um intelecto que se vive como sua própria finalidade. Em
uma das mãos seguro a bainha da minha espada, espada que simboliza
o Verbo e o intelecto. Acumulei numerosos conhecimentos, estou pre-
parado, mas ainda não conheço a utilidade prática da minha erudição.
Minha bainha está pronta para receber de volta a minha espada, estou
disposto a não agir. Ao mesmo tempo me interrogo: a ponta da minha
espada está apontada para o meu chapéu. Eu duvido. Meus pés estão
abertos em duas direções opostas. Meus pensamentos ainda são con-
traditórios. Hesito diante da dualidade dos conceitos. Não sei cortar,
dar o golpe que separa o subjetivo do objetivo. Não sou cúmplice de na-
da: ainda sou inapto para tomar partido, para me engajar.”
Valete de Copas. “Ah!... O coração tem tantos mistérios e ambigui-
dades... Não sei a idade que tenho, sou um jovem ingênuo ou um velho
romântico ou, por que não, uma moça ou uma velha senhora. Avanço
para a esquerda do leitor, o lado de seu coração, mas posso tropeçar.
Meus passos são curtos e tímidos. Cubro com um véu minha copa aber-
ta, por medo de ser ferido em minha sensibilidade. É por isso que, na
outra mão, seguro a tampa que me permitiria fechar e isolar esse cora-
ção tão pouco seguro de si. Sempre idealista, a cabeça cingida por uma
coroa de flores, estou, no entanto, disposto a me oferecer, e até mesmo
a me tornar um mártir. Entre o medo de ser ferido e o desejo de me do-
ar por inteiro, hesito. Sou capaz de me sacrificar, mas também de fugir.
Estou disposto a idealizar o outro e também alimentar rancor contra
ele. Posso dançar em uma primavera sem fim ou me recolher em um in-
verno eterno. Há em mim tanto alegria quanto dor, tanto egoísmo
quanto generosidade.”
Valete de Paus. “Sou forte, sou simples. Dirijo-me resolutamente a
um sentido. Minha energia natural, animal, se acumula no volumoso
pau verde que me simboliza. O aspecto da minha natureza que partici-
pa do 2 acumula, e com a outra parte do meu ser, o 3, estou disposto a
agir sem objetivo: a ação pela ação, como uma poderosa explosão. Mi-
nhas mãos se cruzam com duas intenções diferentes. Seja continuar a
acumular minha energia, caso em que apoiarei meu bastão no chão, se-
ja levantá-lo para dar um golpe formidável no desconhecido. É isso, pa-
ra mim, a criação: um golpe formidável no desconhecido. Um golpe que
mudará o curso da minha existência, depois do qual não serei nunca
mais o mesmo. Eis por que eu hesito. No entanto, estou voltado para a
direita do leitor. Prometo, portanto, ir adiante. O ato criativo se anun-
cia, a inseminação se prepara, a guerra ameaça começar. Pois minha
ação pode também se inspirar no 3 sob a forma do XIII, o Arcano sem
nome, e ser destrutiva. Sou, então, apenas uma bomba prestes a explo-
dir.”
Valete de Ouros. “Eu me identifico com a Terra, com o planeta in-
teiro. Parto em direção a inumeráveis caminhos. Vou tanto para a ação
quanto para a recepção. Como todo terreno sagrado, contenho um te-
souro que poderia me impedir de avançar enquanto o mantiver em se-
gredo, oculto e inexplorado. É tão grande o peso de todo passado, de to-
das as tradições, que pode se converter em um grilhão preso ao torno-
zelo do prisioneiro que sou. Mas ao mesmo tempo, elevo às alturas o
melhor de mim, que não é outra coisa senão o melhor da matéria: o ou-
ro que é a essência do ser. As riquezas que guardo se acumulam, sem
uso, sem produzir frutos. As riquezas que elevo à Consciência prome-
tem a transformação da matéria em espírito. Pode-se dizer que em mim
começa o trabalho alquímico com seus dois processos simultâneos: a
materialização do espírito e a espiritualização da matéria. Estou no al-
vorecer do ato, mas não no ato em si.”
As Rainhas
A energia da Rainha se situa entre os graus 4 e 5, entre a segurança e o
chamado de um ideal. Ela repousa sobre o adquirido ao mesmo tempo
em que sabe que existe um novo ponto de vista. Ela possui e gerencia
aquilo que o Valete apenas começou a conhecer. É uma personagem
pragmática e ativa, conhece bem seu símbolo, experimenta-o sem mo-
deração, está centrada nele. A Rainha pode se tornar excessiva, absorta
em seu elemento, devotando-lhe verdadeira obsessão.
E se elas falassem...
Rainha de Espadas. “Tenho um escudo em meu ventre. Sobre esse es-
cudo há uma cicatriz. Será que sacrifiquei minhas entranhas? Não me
permito ser invadida por necessidades, desejos ou emoções. Vivo em
meu espírito. Apresento meu símbolo, a espada, coberta por uma bai-
nha vermelha, esperando que alguém a saque e apareça o amarelo es-
plendoroso de sua lâmina. Aguardo o ser que reconhecerá minha inteli-
gência, meu espírito. A transcendência é meu ideal. Fora da carne, fora
da matéria, em direção ao estado andrógino em que serei capaz de atra-
vessar as armadilhas do pensamento para chegar a esse centro impes-
soal que é a Consciência cósmica. Conseguirei realizar isso? Chegarei
ao esquecimento de mim mesma? Sou minha própria inimiga. Meu úni-
co conhecimento é o conhecimento da minha impermanência. Minha
única realização será a realização da minha vacuidade.”
Rainha de Copas. “Que doçura, que delicadeza, que vulnerabilida-
de a do meu coração amante e incessantemente ferido! Não busco. Sou
um castelo que deve ser assediado, conquistado. Contrariamente à Rai-
nha de Paus, que seduz, espero ser seduzida. A copa que seguro, símbo-
lo do meu coração, está fechada – não vazia, mas repleta de paixão. A
base pela qual a seguro está trincada, já recebeu um golpe. Pena! Quem
pode me tratar com toda a delicadeza que exijo senão eu mesma? Im-
possível. Devo me resignar a me oferecer na ferida, no sacrifício, e é
precisamente esse sacrifício, quando sou amada, o meu êxtase. Cuidado
comigo: tenho um punhal branco de lâmina sinuosa, símbolo da minha
pureza tímida. Golpearei qualquer um que se aproximar me usando pa-
ra obter aquilo que não sou: riqueza, sexualidade, conhecimento inte-
lectual... Todos serão exterminados com uma crueldade estupenda. Só
me ocupo de sentimentos, mas hesito verdadeiramente em deixá-los se
desenvolver. Todos os meus medos se acumulam em meu aspecto 4.
Em meu aspecto 5, meu ideal, espero a alma gêmea que será meu com-
plemento. Essa espera é o centro de toda a minha existência.”
Rainha de Paus. “Estou mergulhada no rio incessante do desejo.
Tudo em mim é exuberância. Com a avidez de um tornado, ofereço mi-
nha caverna ardente a todas as inseminações. Minha cabeleira vigorosa
é a espuma de um oceano formado por uma única onda. A potência
universal se manifestando como ação sexual me dá a suprema força da
sedução. Estou disposta a pôr inúmeros ovos, a florescer em todos os
desertos, a povoar com minhas obras o reino severo da Rainha de Ou-
ros. Eis por que não cesso de me abrir, de chamar. Sem um aporte gera-
dor, não existo. É essa incompletude que me dá minha dimensão de gi-
ganta. Por baixo da minha aparência de todo-poderosa, tenho necessi-
dade de ser empregada, fecundada, dirigida. Isso é a sedução: uma ca-
rência transmutada em força pelo desejo. Se não reconheço essa falta,
se aspiro a me completar a mim mesma, torno-me castradora.”
Rainha de Ouros. “Eu, a Rainha de Ouros, coloco meu desejo de
superação não no mais além, mas aqui mesmo, no centro da matéria.
Tendendo com toda força do meu ser para um ponto único, concentro-
me no círculo de ouro que é meu símbolo. Não existe em mim a menor
cogitação de superação de mim mesma. Sou tudo aquilo a que aspiro.
Pode-se dizer de mim que sou avara, obtusa, teimosa, egoísta. Direi que
sou sobretudo imanente. Quem pode me distrair? Quem pode me do-
minar? Quem saberá me desviar dos meus interesses? Com uma força
incomensurável, defendo meu território. Se existe um passado, ele está
aqui mesmo. E é aqui mesmo todo meu futuro. Pátria, fortuna, posses,
espírito prático, se não estou, quem será o cimento do reino? Eu sou a
guardiã do tesouro, sou a cadela que defende, ao preço da própria vida,
o solo oculto no coração.”
Os Reis
Os Reis de Paus e de Espadas são jovens, ativos. Os Reis de Copas e de
Ouros são velhos, receptivos. Situados entre os graus 6 e 7, eles são co-
mo um arco estendido entre o prazer de reinar sobre seus domínios e o
chamado do mundo. Arquétipos realizados, eles estão no caminho do
desprendimento. Ao contrário das Rainhas, eles não olham para o pró-
prio símbolo, não são obcecados por si mesmos. Eles possuem os pró-
prios símbolos, mas olham para o futuro: eis o verdadeiro domínio. O
perigo do Rei é cair tanto na complacência e na negligência, quanto no
despotismo.
E se eles falassem...
Rei de Espadas. “Quanto refinamento em minha aparência! Tudo
aquilo que em meu primo, Rei de Paus, é rígido e encouraçado, torna-se
em mim leve e elegante. Não estou vestido para a guerra, mas para as
intrigas da corte. Meus trunfos são a inteligência, o verbo sibilino, as
artimanhas da estratégia, as seduções da ironia. À voz das armas, prefi-
ro a força das novas ideias. À franqueza do pau, oponho a flexibilidade
cruel da minha espada. Não destruo, mas transpasso e rasgo. Reino com
as leis, com as reformas, com os jogos de alianças. Em vez de eliminar,
divido para melhor me impor. Esclareço os conceitos, estabeleço sua
dualidade, defino perfeitamente aquilo que é e aquilo que não é; aquilo
que se deve aceitar ou rejeitar. Meu exército é composto por advoga-
dos, escribas, juristas. Tenho ao meu redor uma corte de artistas ofici-
ais e nobres parasitas. Utilizo a ingenuidade popular para me declarar
descendente de Deus ou emissário da Verdade. Poderia ter sido um
monarca absolutista da história da França ou um revolucionário cria-
dor do Estado.”
Rei de Copas. “Estou vestido com sedas suaves. Meu chapéu se
abre como uma copa para as extensões do cosmos. Não é uma coroa de
comando, mas um chapéu receptivo. Obedeço à vontade universal do
amor. A região do coração, em meu peito, é excepcionalmente vasta.
Compreendi, com a experiência da idade, que não existe sabedoria
maior que a bondade. Minha copa aberta está cheia de bons sentimen-
tos, oferecida àqueles que têm sede de paz. Tudo cresce à minha volta.
Sob sua aparência agressiva, vejo a verdadeira essência do mundo: sim-
ples e pleno de ternura. Os negócios do meu reino são florescentes, pois
tudo que recebo, doo: nada para mim que não seja para os outros. Com
benevolência, expresso meu contentamento diante da existência dos
seres conscientes. Pode-se contar com a minha colaboração, com a mi-
nha ajuda. Não comando, estou a serviço dos meus súditos. Não sou o
caminho, sou o capacho. Meu palácio é aberto nos quatro pontos carde-
ais. Aquele que se aproxima é curado. Sou o ideal que anima as lendas
como a de São Luís. Poderia ter sido o Cristo-Rei.”
Rei de Paus. “Meu cetro bem lavrado se estende dos meus calca-
nhares até minha cabeça: instrumento da potência suprema que mani-
pulo como guerreiro. Meu traje real é uma armadura que demonstra
minha força. Conquisto e possuo de maneira direta, simples, sem flo-
reios. Negligencio as estratégias políticas e diplomáticas. Quando se
trata de conquistar, ajo. Domino. Arrogo-me o direito de vida e morte
sobre todos. Quando se trata de criar, não tenho dúvida. Não me coloco
nenhum problema de valor. Não coloco meu poder em questão. São mi-
nhas ações e minhas obras que me definem. Posso tanto construir como
destruir. No meu reino, não há discussão: a minha vontade é quem fala.
Venho do povo e é o povo quem faz a minha força. Se eu fosse um sobe-
rano da história do mundo, seria um grande ditador, um grande con-
quistador, um grande assassino, um terrorista, um chefe de exército.”
Rei de Ouros. “Hesito em me chamar de rei. Tendo abandonado
meu palácio, eu me apresento em plena natureza. Troquei minha coroa
por um chapéu que me protege do sol e da chuva. Pareço antes um
mercador. Não tenho o espírito da conquista e da intriga, já não pratico
mais a caridade, reino através do não agir. Persigo a sabedoria, repre-
sentada por uma moeda que flutua no céu. Reduzi ao mínimo minhas
posses terrestres, representadas pela moeda que trago na mão, e as dei-
xo em seu devido lugar, sem desperdício. Não me comparo com nin-
guém. Vivo do meu trabalho. Estou no presente. Aceito os acidentes e
as mudanças incessantes da vida material. Deixo-me levar, sabendo que
o universo tem desígnios misteriosos e que devo obedecê-los sem deles
duvidar, mesmo que eu não os conheça. O planeta inteiro é meu reino.
Não tenho corte, nem exército, meu saber consiste em nada saber, meu
poder a não poder nada, meu ser a não ser nada. Eu poderia ser um
monge, um Buda que medita depois de aceitar seu corpo como veículo
temporário. Ou um capitão da indústria com seus testas de ferro, tran-
quilo em seu paraíso fiscal...”
Os Cavaleiros
Na numerologia do Tarot, os Cavaleiros se situam entre o grau 8 e o
grau 9, e possuem a dinâmica do 10 (ver pp. 89 ss.). O Naipe que repre-
sentam atingiu sua perfeição. Para crescer mais, o Naipe deve entrar na
crise renovadora do 9, o deixar-se levar que lhe permitirá se transfor-
mar em outra coisa. Como um mensageiro ou um profeta, o Cavaleiro
aporta ao mundo essa energia dominada e aceita, chamada a se dissol-
ver no elemento seguinte. Seu salto para fora do Naipe a que pertence
(ver p. 69) permite que um ciclo se feche. O perigo que ameaça o Cava-
leiro é permanecer na crise, é não se deixar levar pela impermanência
universal. Ele pode, então, representar um estado de bloqueio em que
as potencialidades da energia nova continuam irrealizadas.
E se eles falassem...
Cavaleiro de Espadas. “Meu cavalo, forte como o do Cavaleiro de
Paus, é ao mesmo tempo mais refinado e mais ágil. Eu o conduzo em
um grande salto que me projeta do reino do intelecto em direção ao
mistério do emocional. O cavalo e eu formamos um único corpo. Se o
Cavaleiro de Paus age pela força da vontade, meu cavalo e eu agimos
pela força da coragem. Limpos de conceitos parasitas, nós eliminamos,
entre outras coisas, a esperança, e com ela, o medo. Devemos transmitir
a própria essência do espírito: sabemos que somos a última manifesta-
ção da ação. Em meu elmo, tenho uma aura amarela, símbolo da santi-
dade. Com minha espada vermelha semelhante a uma lança e meu ca-
valo ágil, sou o portador da vida. O que transpassarei com minha espa-
da? O coração dos outros. O Verbo se torna amor. Sacrifiquei meu dese-
jo de ser para entrar na abnegação sagrada.”
Cavaleiro de Copas. “Se os Cavaleiros de Paus e de Espadas caval-
gam garanhões, eu, como o Cavaleiro de Ouros, monto uma doce égua.
Não conduzo minha montaria, não é necessário. Com a mão aberta,
persigo meu símbolo, a Copa. Não a seguro entre os dedos: ela é quem
nos guia, minha montaria e eu, flutuando no ar. Copa aberta de onde
brota uma fonte de amor... É esse amor que me guia, não sei aonde vou.
Sigo-o sem duvidar que ele me levará à minha realização, que é o esta-
do de graça. O dom flui naturalmente, não forço minha vontade para
encontrar o bom caminho. Não emprego minha coragem para saltar pa-
ra além dos meus limites. Só obedeço, simplesmente. Aquilo que rece-
bo, doo. Meu único desejo, para realizar esse dom incessante de que
sou investido, é sobreviver para permanecer a seu serviço. É então que,
benzendo o mundo, entro no reino da encarnação – dos Ouros, da ma-
téria e das necessidades.”
Cavaleiro de Paus. “Quando era Valete, meu símbolo repousava so-
bre a Terra. Agora ele se ergue em direção ao céu, ao desenvolvimento
espiritual. Não sou separado dele: ele tem raízes na minha mão, ele
cresce a partir de mim mesmo. Meu animal, meu cavalo grandioso e
potente, tornou-se branco, cor da pureza. Ele simboliza a extrema
sublimidade dos meus desejos. Eu, o cavaleiro que encarna sua vonta-
de, faço-o virar da direita para a esquerda, da ação para a receptividade.
Sublimei as paixões. Aprendi a desviar o caminho das energias destru-
tivas para o caminho do espírito. Minha energia, destacando-se da au-
tossatisfação, da tentação do poder totalitário, da guerra bestial, tor-
nou-se imensa. Por um ato de vontade suprema, minha animalidade,
esse cavalo branco, se concentra e se torna a espada branca do Cavalei-
ro de Espadas. Represento o momento em que o Eros da sexualidade se
torna a fonte enriquecedora do espírito.”
Cavaleiro de Ouros. “Não sei se sou homem ou mulher. Antes um
hermafrodita que avança sobre uma terra onde nenhum tesouro se es-
conde. Terrestre e celeste, o ouro duplo do Valete e do Rei do meu Nai-
pe se tornou um único astro que flutua no espaço. A matéria se espiri-
tualizou. Ela se tornou fértil e mãe de uma vida eterna. Sou como a car-
ne da Virgem Maria, que ao final de seu processo se tornou imortal e se
eleva para reinar no centro do Universo. Esse é meu destino. Minha
égua não tem a doçura daquela do Cavaleiro de Copas; ela avança a pas-
sos comedidos, mas seguros, precisos. Ela representa minha saúde. Ela
não vai nem lentamente demais, nem muito depressa, caminha no rit-
mo que corresponde a seu presente. Essa paz infinita decorre do fato
de que vencemos a morte: estou disposto a sofrer as incessantes mu-
danças sabendo que em minha essência profunda está o imutável. É is-
so que dará origem às novas riquezas da terra que se concretizarão nos
Paus. Já levo em minha mão direita o início de um novo ciclo de ação,
um bastão criativo.”
Significado resumido por Naipe
Espadas
Valete de Espadas. O fio central de sua espada se detém antes de che-
gar à ponta: o intelecto do Valete precisa ainda ser afiado, formado.
Consciente de sua inexperiência, ele hesita: será que ele saberá usar
sua arma ou será que deve guardá-la na bainha cor de carne? A este
personagem, que possui as bases da inteligência, falta-lhe confiança em
si mesmo. É talvez um estudante, ou um jovem pesquisador. Talvez ele
tenha sido desvalorizado intelectualmente, talvez não tenha consegui-
do continuar seus estudos. Como todos os Valetes, sua situação pede ao
mesmo tempo prudência e perseverança. Os aspectos negativos desta
carta serão a mentira, a autodesevalorização, a confusão intelectual, a
verbosidade, um pensamento precipitado e mal organizado, a agressão
oral.
Rainha de Espadas. A mão sobre o ventre protege uma antiga feri-
da ou segura um escudo? Seu olhar está fixo em sua espada vermelha,
que ela ergue com orgulho. Representa um intelecto poderoso, capaz
de ideias úteis e eficazes. Pode defender suas opiniões com muita obsti-
nação. Sabe o que significa falar, mas não está fechada às ideias novas.
Seus aspectos negativos serão uma recusa do corpo ou da sexualidade,
talvez uma cicatriz no ventre (cesariana...), o fechamento do coração,
um racionalismo levado ao extremo, a frigidez.
Rei de Espadas. Ele tem como O Carro (VII) dois rostos em forma
de meia-lua sobre os ombros. É um rei da corte, hábil no trato com as
palavras e os conceitos, com as ideias novas. Na mão esquerda (à nossa
direita), ele leva uma unidade de medida sobre a qual estão gravados 22
traços, número dos Arcanos maiores. Ele pode representar um dirigen-
te justo e esclarecido, um jurista, um professor universitário, um arqui-
teto, um pensador científico, alguém capaz de lidar com uma situação
com grande serenidade intelectual. Ele controla seu pensamento e o
coloca em ação no mundo. Seus aspectos negativos evocam a potência
da calúnia e da crítica, a agressão verbal, o erro judiciário, um político
corrupto de discurso totalitário, um intrigante que conquista seu lugar
na sociedade por meios duvidosos.
Cavaleiro de Espadas. Sobre seu cavalo encouraçado, vestido com
armadura e capacete, este emissário de aparência guerreira, provido de
uma espada longa como uma lança, se lança rumo à superação do pen-
samento. Arrisca o salto no desconhecido. Seu intelecto experimentou
o vazio e o silêncio. Depois de ir além da perfeição, ele retoma o cami-
nho do amor: doravante, ele só seguirá pelos caminhos que tenham co-
ração. Ele poderia ser um intelectual que se torna receptivo ao amor ou
ao divino, um homem que luta por uma causa espiritual e deseja dar
testemunho dessa causa ao mundo inteiro, um profeta, o portador da
boa-nova, a solução de um problema, o fim de um conflito mental.
Copas
Valete de Copas. Com uma coroa de flores na cabeça, como a jovem
d’O Namorado (VI), ele passeia com uma copa que hesita em manter
aberta ou fechá-la. É um personagem tímido que jamais amou fora de
sua célula familiar, ou que perdeu o costume de amar depois de muito
tempo. Seu aspecto andrógino pode também nos indicar uma pessoa
que não assumiu ainda sua homossexualidade. A descoberta do mundo
emocional tenta e aterroriza ao mesmo tempo: seu coração diz sim, de-
pois diz não. Ele poderia encarnar um desejo de amar mesclado com
medo, que antecipa a recusa e a ferida. Ele evoca também a passagem
da infância à vida adulta, o primeiro amor com suas dúvidas e seus
grandes arrebatamentos. Pode ser igualmente uma pessoa mais velha
que não arrisca mais se apaixonar. Ele pode significar uma falta de con-
fiança na vida e nas relações emocionais, uma concepção pessimista do
amor. No negativo, será um bloqueio emocional que remonta aos me-
dos infantis, uma imaturidade afetiva, uma tendência a muitos devanei-
os, o espectro de um grande sofrimento amoroso.
Rainha de Copas. Com o rosto voltado para sua copa fechada, ela
leva na mão esquerda (à nossa direita) uma espécie de espada de lâmi-
na sinuosa. Ela parece atenta às próprias emoções, e decidida a defen-
der seus sentimentos: para que ela abra seu coração e doe o que tem pa-
ra doar, é preciso inspirar-lhe confiança. Ela representa o amor famili-
ar, a bondade, uma boa mãe. Em seu aspecto próximo do 5, ela evocará
uma pessoa caridosa, inspirada pela fé, para a qual seu mundo afetivo
cotidiano é o espelho do amor divino. Seus aspectos negativos poderi-
am ser o ciúme, a possessividade, uma afetividade sufocante e limitada,
ou ao contrário uma falta de amor por seus próximos, uma falsa carida-
de, a exploração, o desprezo social.
Rei de Copas. Ele parece ter uma certa idade, e podemos lhe dar
crédito por uma vasta experiência afetiva. O lado esquerdo de seu peito
(à nossa direita), o lado do coração, é de uma largura excepcional. É um
homem (ou uma mulher) de coração, sua copa está aberta e ele distri-
bui generosamente o amor consciente, a alegria de viver, a serenidade
das emoções dominadas. Ele é capaz de uma ação vasta fundada sobre
sua visão amante do mundo: é talvez um grande terapeuta, um conse-
lheiro, um médico, um mecenas, um ser bom e generoso. Se ele se torna
negativo, o Rei de Copas verterá seu ódio sobre sua família e sobre o
mundo, poderá ser um alcoólatra, um perverso narcisista, um hipócrita,
um ser doentiamente ciumento, uma publicidade enganosa.
Cavaleiro de Copas. Sobre seu cavalo azul e delicado, ele segue o
caminho que lhe indica a copa que flutua acima de sua palma direita (à
nossa esquerda). O caminho do amor chega a seu termo: o amor se tor-
nará uma força concreta. É talvez uma ação missionária, uma empreita-
da humanitária, uma pessoa que vem pedir perdão e reparar seus erros,
uma boa ação, um amor sincero. É também um santo que se põe a servi-
ço do mundo, constrói um monastério ou se torna um curandeiro.
Paus
Valete de Paus. De pé, de perfil, suas duas mãos estão postas sobre um
pau grosseiro. Será que ele o levantará? Será que ele o deixará apoiado?
É a hesitação entre fazer e não fazer, entre criar e não criar, entre obe-
decer ou não aos próprios desejos. A energia é indiferenciada e exige
ser canalizada: é talvez uma sexualidade hesitante, um projeto criativo
que deve ser afinado e levado a cabo com perseverança... Os aspectos
negativos desta carta seriam a inabilidade, o bloqueio da energia sexual
ou criativa, uma falta de vitalidade ou ainda a brutalidade.
Rainha de Paus. Um bastão esculpido está colocado sobre seu bai-
xo ventre, ela o segura com a mão direita (à nossa esquerda) e com a
outra parece agitar uma pequena mão artificial de cor amarela. É uma
pessoa sensual, sedutora, que possui pontos comuns com A Imperatriz
(III). Em plena posse de sua sexualidade e de sua criatividade, ela pode
ser apaixonada, caprichosa, instintiva, independente. Ela representa a
satisfação de uma pessoa que começa a viver de sua criatividade. Sua
sexualidade é bem vivida, ela pode simbolizar um (ou uma) artista, um
trabalho energético, mas também, em um sentido mais negativo, um
(ou uma) obcecado (a) sexual, a venalidade, o excesso.
Rei de Paus. Seu bastão é um grande cetro que se apoia em seu cal-
canhar no chão, a outra extremidade tocando seu chapéu. Como todos
os Reis, ele dominou sua energia: vital, criativa e sexual. Ele pode sim-
bolizar um artista reconhecido ou alguém criativo em sua atividade co-
tidiana, um homem de poder, um amante sincero, um guerreiro, um
mestre de artes marciais. Seus aspectos negativos podem ser o despo-
tismo, a arrogância, uma sexualidade potente, mas separada do amor,
ele será então um sedutor, um tirano, um artista cheio de si.
Cavaleiro de Paus. Montado em um cavalo branco, símbolo da su-
blimação do desejo, o Cavaleiro de Paus domina sua montaria a ponto
de fazê-lo mudar de direção. Seu bastão volta a ser natural: a energia
sexual e criativa é vista simplesmente por aquilo que ela é. O bastão
atravessa sua mão, como indicando que não existe dualidade entre ele e
sua energia, mas uma confiança total. Esta carta representa o instinto
canalizado, a criatividade em pleno domínio de si mesma, a coragem
suprema diante da vida e da morte, a paz, as capacidades de cura, ou
ainda um sábio que abandona voluntariamente os prazeres do mundo
para entrar no reino do pensamento.
Ouros
Valete de Ouros. Com suas duas moedas, uma elevada e outra enterra-
da, ele se interroga sobre seu lugar no mundo, seu corpo, seus recursos
financeiros... A moeda enterrada é um obstáculo que o impede de avan-
çar, a moeda elevada é seu desejo. Ele tem entre os dedos da mão es-
querda (à nossa direita), um pequeno círculo amarelo, que poderia ser
uma bolinha de ouro como aquela d’O Mago. Será que ele deve em-
preender uma carreira, e qual seria? Como entrar na vida ativa? Será
que o investimento vale a pena? Será possível recuperar a saúde? Essas
são as questões colocadas pelo Valete de Ouros, considerando o risco
físico e financeiro. Se ele coloca algum problema, pode ser por não sa-
ber seu lugar, por permanecer inativo ou, ao contrário, jogando irrefle-
tidamente com sua segurança, com sua vida.
Rainha de Ouros. Ela tem o rosto voltado para uma moeda grande
que, com mão firme, ela segura na altura dos olhos. Espelho, espelho
meu? Ou meditação profunda? À Rainha de Ouros importam seu di-
nheiro, sua situação, sua saúde, suas aquisições. Ela pode empregar
bastante energia para manter as coisas como estão, mas ela sabe tam-
bém inovar com projetos inesperados. Poderíamos dizer que é uma
pessoa que tem coragem de se olhar de frente. Suscetível à avareza. Po-
de representar um esforço prolongado para garantir uma segurança
material, construir uma casa... Seu risco é não enxergar um palmo além
do próprio nariz, fixar-se em sua segurança material sem pensar em in-
vestir, em dar um passo adiante ou sem considerar outros aspectos do
real.
Rei de Ouros. Vestido confortavelmente e sem pompa, sem coroa
mas chapéu, seu trono instalado ao ar livre, ele assentou seu poder na
matéria e fica em contato com a terra. É talvez um industrial, talvez um
comerciante ou um agricultor rico. Ele conhece duas formas de rique-
za: a moeda que ele segura na mão representa o dinheiro que ele já sabe
ganhar, sem esforços excessivos, com prazer. A moeda que flutua no ar,
e que ele observa, representa sua ação no mundo, o dinheiro virtual, ou
a matéria já espiritualizada. O Rei de Ouros pode tanto ser um milioná-
rio quanto um ser inteiramente desapegado que vive na prosperidade
miraculosa do presente. Suas acepções negativas nos remetem à trapa-
ça, ao dinheiro sujo, à especulação na bolsa. Pode ser também um nego-
ciante de armas ou de produtos tóxicos.
Cavaleiro de Ouros. Com um bastão na mão, cavalgando uma
montaria receptiva azul, esse cavaleiro avança em uma paisagem ilumi-
nada por um astro em forma de moeda. Ele representa a superação da
matéria pela criatividade, um desfecho que abre novos horizontes. É
também alguém bastante rico para criar alguma coisa nova, um novo
objetivo para além das considerações materiais. No sentido estrito, o
Cavaleiro de Ouros pode representar uma viagem ou um deslocamento;
ou ainda uma busca ligada ao corpo, à criatividade, ao lugar no mundo.
AS FIGURAS EM UMA LEITURA
Conforme a estratégia de leitura que decidamos empregar, as Figuras
ou Trunfos poderão representar ora um personagem real, ora uma atitu-
de ou um estado da experiência diante de seu símbolo. Podemos tam-
bém lhes atribuir uma função indicativa do tempo: a dúvida do Valete
nos sinaliza, então, uma longa duração de fim incerto, a contemplação
estática da Rainha, um período definitivamente estável e muito longo, o
desprendimento do Rei, um desenlace ou uma mudança próxima, e o di-
namismo do Cavaleiro, uma mutação rápida.
A Consciência como obra comum
Se aceitarmos que o Tarot não age como uma bola de cristal e que o ta-
rólogo não é um vidente – dom que segundo os esotéricos permite ver
o futuro do consulente –, mas um leitor, veremos que os Arcanos cons-
tituem uma linguagem na qual desenhos e cores assumem o lugar das
letras e palavras. Da mesma maneira que falamos francês, espanhol, in-
glês, japonês etc., podemos falar em Tarot. E da mesma forma que todo
ser humano, se estudá-lo, pode aprender um novo idioma, é possível
aprender a ler e traduzir as mensagens do Tarot sem a necessidade de
ser mágico, vidente ou um ser dotado de poderes parapsicológicos. O
Tarot é uma linguagem ao alcance de todos.
Quando começamos a dar cursos, perguntamo-nos qual seria a ma-
neira mais acessível de ensinar essa língua. Descobrimos que depois de
descrever as cartas uma por uma, com suas múltiplas possibilidades de
interpretação, o que equivalia a conhecer o alfabeto, o mais eficaz para
nossos alunos era aprender a ler a mensagem que resultava da combi-
nação dos Arcanos. A ação de um indivíduo solitário é diferente da de
um casal, da de uma família e, por fim, da de um grupo social. Uma úni-
ca nota não é a música; duas notas criam a harmonia, uma nova dimen-
são auditiva; três formam um acorde; quatro ou mais compõem obras.
A maioria dos livros que ensinam Tarot se contenta em descrever
um a um os Arcanos, sem se dar conta de que eles mudam em função
das cartas com as quais se relacionam... Antes de formar frases, as le-
tras – consoantes e vogais –, devem constituir sílabas que mudam se-
gundo a ordem de composição: “ma” conduz a conceitos diferentes de
“am”, “is” é diferente de “si”, “no” de “on” etc. As sílabas são os pilares
das palavras, as quais formarão frases, depois tratados, poemas, evan-
gelhos ou textos infames...
Pensando assim, chegamos à conclusão de que um estudo do Tarot
que não compreendesse o estudo dos duos-sílabas não poderia condu-
zir a uma leitura correta. Um mundo se abriu diante de nós.
Se a linguagem literária se compõe de vogais e consoantes, com a
obrigação de que cada sílaba contenha sempre uma vogal, reduzindo
assim o número de combinações, na linguagem tarótica todos os Arca-
nos podem servir para formar a sílaba. Supondo que a carta tirada seja
uma consoante, ela não terá apenas a opção do pequeno número de vo-
gais, mas das vinte e uma cartas restantes. Isso resulta em uma língua
imensamente mais vasta, possibilitando um número muito maior de
sentidos.
Uma vez que as cartas são numeradas (como no alfabeto hebraico)
e vão do 0 (O Louco) ao 21 (XXI O Mundo), é interessante analisar a
mudança de sentido conforme a carta de número inferior venha antes
ou depois da outra carta.
Outros duos, para estudar em relação à mandala, são aqueles que
possuem o mesmo valor numérico como 1 e 11, 2 e 12, 3 e 13 etc. Esses
casais possuem uma união profunda entre eles e, às vezes, durante uma
leitura, assim como a sombra segue um volume iluminado, quando es-
colhemos ao acaso uma dessas duas cartas, podemos voluntariamente
completar sua significação tirando a outra carta do mesmo valor nu-
mérico para repetir ou reforçar sua mensagem.
Em seu romance inacabado, Le Mont analogue [O monte análogo],
René Daumal escreveu: “A partir do fato de sermos dois, tudo muda. A
tarefa não fica duas vezes mais fácil. Não, de impossível, ela se torna
possível!”. Podemos aplicar isso ao Tarot, uma vez que sem dúvida ele
nos indica a importância do casal: A Papisa acompanha O Papa, A Im-
peratriz se acopla a O Imperador, A Lua com O Sol e, nas Figuras, as
Rainhas com os Reis. Além desses casais, podemos observar os duos
que se formam por certos detalhes que não os atrelam absolutamente,
uma vez que qualquer Arcano pode se acoplar com qualquer outro,
conforme as projeções do leitor. Se os chapéus em forma de 8 deitado
unem O Mago a A Força, a mesma A Força, acompanhada de uma fera,
pode se unir a O Mundo, no qual também aparece um leão. Pela posição
corporal, podemos associar O Enforcado a O Mundo pela perna cruza-
da. Por sua maneira idêntica de andar, O Louco e o Arcano XIII se
acompanham. Por apresentarem ambos o mesmo número de seres hu-
manos embaixo de um anjo, podemos acoplar O Namorado com O Jul-
gamento: quatro personagens vestidos e um anjo nu no primeiro; três
personagens nus e um anjo vestido no segundo. Por contarem com três
personagens – um dominando os outros dois que estão de alguma ma-
neira imobilizados –, A Roda da Fortuna e O Diabo se unem. Tempe-
rança e A Estrela se parecem, pois ambas possuem ânforas: na primei-
ra, os líquidos ou fluidos se misturam no interior; na segunda, se derra-
mam na paisagem. Se dermos a O Carro a possibilidade de uma ação
guerreira e vitoriosa, podemos bem associá-lo a A Torre, onde uma tor-
re parece explodir. Certamente, do fato de que da torre saem igualmen-
te dois personagens com a cabeça para baixo e os pés para cima, A Tor-
re pode formar um duo com O Enforcado. E O Enforcado, tendo as
mãos escondidas nas costas, pode se unir a O Diabo, em que os dois dia-
bretes também escondem as mãos atrás do corpo.
Quanto aos casais, é importante nos darmos conta de que o Tarot,
que provavelmente já existia no ano mil, afirma a importância da mu-
lher em um mundo patriarcal. Ele mostra claramente que é anormal
que um padre infalível, O Papa, possa ser o guia e representante de
Deus sem ter a seu lado uma mulher do mesmo nível espiritual, A Papi-
sa. Que um Imperador sem uma Imperatriz não pode governar correta-
mente seus domínios. Que a atividade solar não pode ser concebida
sem a receptividade lunar, que o dia e a noite se completam.
Nos três casais seguintes, que com toda evidência representam as
três diferentes facetas dos símbolos pai e mãe, o Tarot apresenta pri-
meiro a mulher, seguida do homem; assim, o leitor, utilizando-o como
espelho, vê à sua esquerda as mães e à sua direita os pais: II A Papisa e
V O Papa; III A Imperatriz e IIII O Imperador; XVIII A Lua e XVIIII O
Sol.
Utilizando os Arcanos à maneira de um teste psicológico, pudemos
observar que o consulente costuma ter três visões sobre seus pais: pri-
meiro, ele os vê no plano material e sexual (A Imperatriz-O Impera-
dor), em seguida no plano espiritual (A Papisa-O Papa), e por fim em
um plano mitológico, mãe cósmica e pai cósmico (A Lua-O Sol).
A Imperatriz e O Imperador (III-IIII) se entreolham. Enquanto a
primeira exerce as leis da natureza, a criatividade e a reprodução, o se-
gundo exerce as leis do mundo social. Ambos se realizam não apenas
na prática do poder material e sexual, mas igualmente na maneira de se
unirem, uma doação total de um para o outro. Não é só a vida material
que os une, ambos possuem uma águia, o que significa que existe tam-
bém uma projeção da união dos dois no plano espiritual. Se inverter-
mos a ordem desses dois Arcanos e colocarmos O Imperador antes d’A
Imperatriz (IIII-III), obteremos um conflito, um divórcio: eles não se
olham mais, estão unidos pelas conveniências materiais ou ligados por
uma família, cada um fechado em seu mundo. O projeto espiritual não
pode se realizar, pois a águia que põe um ovo na carta d’O Imperador
(ver p. 163) se torna o pássaro em formação que A Imperatriz segura
(ver pp. 158-9); vamos do mais para o menos...
O casal A Papisa e O Papa (II-V) é constituído por dois personagens
que por essência operam no mundo espiritual e que, portanto, não têm
necessidade de se olhar; de costas, um para o outro, eles se apoiam mu-
tuamente. Sem nenhum vínculo passional a uni-los, ambos sublimaram
as pulsões sexuais, atingiram um nível de consciência em que o mais
importante é transmitir ao mundo aquilo que acumularam ao longo de
suas meditações e de seus estudos. Colocados na ordem V-II, eles se
entreolham e, absortos pela própria relação, de natureza mental, eles
esquecem o mundo. Eles formam, então, um casal egoísta, deixam de
ser a ponte que une o céu e a terra, frustram a esperança do mundo.
Se A Lua (XVIII) aparece antes d’O Sol (XVIIII), o espírito, em sua
viagem iniciática, avança da noite para o dia, da ignorância para a sabe-
doria, da recepção total à luz da Graça, do eu ao nós, do subconsciente
ao supraconsciente. Se aparece o duo O Sol-A Lua, o processo se inver-
te: vamos do dia para a noite, da alegria para a tristeza, da realização di-
nâmica para a estagnação.
Se na estruturação gráfica da árvore genealógica colocamos a mãe à
nossa direita e o pai à nossa esquerda, isso pode querer dizer que na
nossa infância a mãe foi masculina (dominante) e o pai, feminino (pas-
sivo). Isso provoca uma confusão: crescemos sem saber muito bem se
somos homem ou mulher.
Existe ainda outro casal, se quisermos, que pode ser a tela de proje-
ção dos arquétipos mãe-pai. Se A Justiça (VIII) é acompanhada d’O
Eremita (VIIII), nós nos encontramos diante da mãe perfeita e do pai
sábio. Mas se O Eremita precede A Justiça, ele se transforma em um pai
insensível, ausente ou morto, e ela em uma mãe castradora, neurótica,
perfeccionista, invasiva.
Guiados pelo estudo desses casais, começamos a analisar os Arca-
nos dois a dois, procurando outros significados, não mais entre os ar-
quétipos parentais, mas nas inter-relações humanas, nos diferentes pla-
nos indicados pelos quatro Naipes. Tomando como “ator” principal
uma única carta, nós a fizemos constituir duos com as 21 restantes. Pri-
meiro, em ordem crescente, depois em ordem decrescente. A cada vez,
obtivemos respostas diferentes. Assim, o duo O Mago-A Papisa não era
o mesmo que A Papisa-O Mago. E se, por exemplo, O Louco aportava
energia à A Papisa quando a precedia, ele a enfraquecia, tirando-lhe o
conhecimento, quando se via depois dela...
Esses duos me pareciam corresponder às sílabas com as quais anti-
gamente os métodos nos ensinavam a ler. Como dissemos, a sílaba “ma”
é muito diferente da sílaba “am” etc. Se um Arcano é uma letra, se dois
são uma sílaba, três já formam uma palavra. Mais de três podem consti-
tuir uma frase.
Mãe e Pai, Yin e Yang, negro e branco, vermelho e amarelo, estan-
que e fluido, terra e céu, esquerda e direita, escuridão e luz..., o ser hu-
mano aprendeu a pensar a partir de polos não opostos mas comple-
mentares.
Se durante uma grande parte da vida, para nos encontrarmos, bus-
camos a luz, ao final, ao encontrá-la, entraremos sem medo em nossa
sombra.
Para começar
Como já vimos, o Tarot não pode ser considerado uma sequência de en-
tidades independentes umas das outras. Cada um de seus Arcanos exis-
te em relação com o resto do baralho e, por consequência, cada Arcano
tem uma relação estreita com todos os outros Arcanos. Por outro lado,
o Tarot nos apresenta diversos casais ou pares, isto é, relações eviden-
tes entre Arcanos (Rei e Rainha, Lua e Sol etc.). Ele parece, assim, nos
indicar um caminho de leitura que começa pelo estudo dos pares, ca-
sais e duos: a gramática do Tarot começa por esse diálogo entre duas
cartas.
Se nos basearmos apenas nos Arcanos maiores, não importando
qual deles seja estudado como cônjuge do outro, isso já nos daria 253
pares com o conjunto dos 22 Arcanos maiores. É impossível estudar to-
das as relações em detalhes aqui. Nós nos propusemos então, para ini-
ciar o leitor na ressonância do Tarot em duas cartas, estudar os três ti-
pos de pares que fazem sentido em três organizações particulares, e
ver, a título de exemplo, como se podem ler outras associações entre
dois Arcanos maiores.
Em um primeiro momento, voltaremos aos duos de mesmo valor
numérico que já estudamos na terceira parte, considerando-os como
sombra e luz, como aspectos consciente e inconsciente, aspectos espiri-
tual e encarnado de uma mesma energia.
Nós nos interessaremos em seguida pelos casais formados por cer-
tos Arcanos maiores do Tarot, que representam tanto aspectos do amor
humano quanto o encontro entre arquétipos psíquicos complementa-
res. Além dos sete casais principais, estudaremos os encontros entre to-
dos os personagens claramente sinalizados como seres humanos.
Vimos na primeira parte que uma das estruturas de organização dos
Arcanos maiores consiste em estabelecer 11 pares cuja soma dê 21. Esse
valor sendo, na simbologia do Tarot, o símbolo da mais alta realização
(XXI O Mundo), veremos, estudando cada um desses pares, como
propõem 11 caminhos de realização.
Por fim, serão dados alguns exemplos, em particular com as cartas
que não entram na série dos casais, do estudo dos Arcanos maiores em
duos, depois em trios.
Quando as cartas estão sozinhas, podemos considerá-las protago-
nistas isolados. No teatro, elas fariam um monólogo: é Homero recitan-
do A Ilíada, ou um trovador que canta etc. O encontro de duas cartas dá
um diálogo, e é a partir de três cartas, como a partir de três persona-
gens, que o Tarot se torna dinâmico. Com três cartas, um fenômeno ar-
tístico denso se produz.
Os duos das duas séries decimais
Como vimos no estudo da numerologia do Tarot (ver pp. 48-9), o duo O
Louco-O Mundo engloba dez graus nos quais se desenvolvem duas
séries decimais, as cartas do primeiro ciclo correspondendo às cartas
do segundo ciclo, de I a X e de XI a XX. Poderíamos dizer que cada car-
ta de um ciclo é a sombra da outra: se em uma leitura tiramos A Impe-
ratriz (III), sua sombra será o Arcano XIII e vice-versa. Se tiramos
Temperança (XIIII), sua sombra será O Imperador (IIII) e vice-versa.
Isso significa que, para além de suas diferenças aparentes, os Arcanos
que formam esses duos possuem uma relação de dependência mútua,
cada um alimentando o outro de sua aparente oposição e permitindo
que se desenvolva em toda sua força. Ao longo da leitura, será útil guar-
dar na memória o fato de que esses pares numerológicos têm um víncu-
lo profundo entre eles. Por exemplo, quando uma das cartas do duo já
foi escolhida, podemos consultar a outra, não para contradizê-la, mas
para lhe fazer eco, para inclusive repetir e reforçar seu sentido.
As duas séries decimais, lembremo-nos, comportam cada uma dez
graus, em que cada Arcano simboliza uma etapa em direção à totalida-
de. A primeira série (I a X) representa essencialmente personagens hu-
manos em pleno trabalho para se elevar rumo ao mundo espiritual. Es-
sas figuras correspondem a energias, possibilidades de vida concretas,
manifestas, mais evidentes, ligadas à vida cotidiana. Poderíamos dizer
que é uma série em que a matéria tende a se espiritualizar. Na segunda
série (XI a XX), seres sobrenaturais ou arquétipos tomam o caminho
em direção às profundezas. Poderíamos dizer que nessa série o espírito
tende a se materializar. Esses Arcanos correspondem a forças muito
ativas dentro de nós, mas que às vezes escapam às definições, que vão
além de nossas preocupações cotidianas. Poderíamos dizer que os Ar-
canos do primeiro ciclo pertencem à vida consciente, e aqueles do se-
gundo ciclo, ao inconsciente.
Veremos como, nesses duos, os Arcanos interagem e colaboram,
traçando caminhos paralelos em direção às alturas e às profundezas, e
como cada um representa a sombra e a luz do outro, inextricavelmente,
de tal maneira que suas obras se mesclam e se completam. A energia de
um é necessária ao outro para se manifestar.
I O Mago • XI A Força
Os dois começos
O grau 1 da numerologia do Tarot remete a uma potencialidade, à aber-
tura de um novo mundo (ver pp. 73 ss.). O Mago empreende um traba-
lho espiritual, intelectual, talvez emocional, ligado a um saber e ao de-
sejo de atingir a consciência (ver p. 147). A Força representa a tomada
de contato com as energias instintivas e animais, a criatividade, a libi-
do, a voz do inconsciente. O Mago aporta seu entusiasmo espiritual e
seu desejo de compreender os mistérios do Espírito. A Força, penetran-
do profundamente em si mesma e na matéria, faz emergir as forças se-
xuais, criativas e telúricas. Esses dois aspectos se completam como as
raízes e os galhos de uma árvore: para crescer, ela deve se fundir à terra
e ao mesmo tempo se elevar para o céu. A Força sem O Mago pode cair
na paixão extrema ou na repressão extrema: ela não tem palavras para
se expressar, nem estrutura para se desenvolver. O Mago sem A Força
se enfraquece. Ele corre o risco de se tornar superficial e instável, fada-
do a uma concepção intelectual de si mesmo em que seu pensamento
gira em um círculo vicioso, ignorando a voz das profundezas.
II A Papisa • XII O Enforcado
Gestação e interioridade
O grau 2 da numerologia do Tarot remete a uma acumulação, a um es-
tado de incubação, de meditação, preparando uma ação futura. Com
seu livro, A Papisa evoca um acúmulo de conhecimentos, uma busca da
sabedoria, uma introspecção erudita que pode se exprimir pela lingua-
gem. O Enforcado, ao contrário, se desfaz de todo conhecimento e se
dirige à ignorância em sua acepção mais elevada: o não saber sagrado.
Sua meditação está além das palavras. Sem a energia d’O Enforcado, A
Papisa poderia pecar por orgulho e cair no dogmatismo, aplicando fria-
mente um texto sagrado sem entrar em contato com seu silêncio interi-
or. Sem o rigor d’A Papisa, O Enforcado poderia cair na preguiça, na
inação, no abandono de si mesmo, em uma apatia que se faz passar ilu-
soriamente por uma meditação profunda.
III A Imperatriz • XIII O Arcano sem nome
Explosão criativa ou destrutiva
O grau 3 da numerologia do Tarot remete a uma explosão que não co-
nhece seu objetivo. São dois princípios revolucionários ativos e sem ex-
periência que vêm mudar o estado das coisas. A Imperatriz representa
a explosão da vida, em sua incessante e constante criatividade, produ-
zindo sem cessar e sem se preocupar com o futuro daquilo que é cria-
do. O Arcano XIII representa, por sua vez, a transformação constante,
ao preço da destruição total, se for preciso. Se o Arcano XIII estiver au-
sente, A Imperatriz pode cair em uma produtividade sem limites: su-
perpopulação, invasão, epidemia, excesso. É preciso que em determina-
do momento um princípio destrutivo venha detê-la. Se o Arcano XIII
se encontra sem A Imperatriz, sua ação transformadora levará à esteri-
lidade: nada cresce sobre a terra queimada. Podemos imaginar um ter-
reno coberto de relva pel'A Imperatriz, depois limpo e lavrado pelo Ar-
cano XIII, depois novamente semeado pel'A Imperatriz, encarregan-
do-se em seguida o Arcano XIII da colheita, e assim infinitamente...
Esses dois Arcanos unem criação e destruição como uma semente que
se abre para germinar a planta, como um ovo que se quebra para sair o
pássaro, como uma mulher que sangra e dá vida a um recém-nascido.
Sem morte não existe vida, sem vida não existe morte.
IIII O Imperador • XIIII Temperança
Segurança no Céu e na Terra
O grau 4 é, na numerologia do Tarot, o da estabilização e do equilíbrio.
O Imperador faz aplicar as leis do cosmos na matéria: ele é responsável
pelo bom andamento do mundo, podemos contar com ele, sua solidez
financeira é a toda prova. É um princípio de realidade inquebrantável
que rege o poder material. Sua função é proteger os outros. Temperan-
ça agrega a essa segurança concreta uma segurança espiritual e o co-
nhecimento íntimo de si mesmo, uma grande equanimidade na ação,
assim como o mistério de uma proteção sobrenatural. Se falta Tempe-
rança a O Imperador, este cairá na severidade e na tirania, na exaltação
sem limites do mundo material. Ele se torna obtuso e racional e, per-
dendo a bondade, perde-se a si mesmo. Ele deixa de se preocupar com
o outro em toda sua verdade. Sem o princípio de realidade d’O Impera-
dor, Temperança não passa de uma ilusão, um sonho em um céu qui-
mérico, sem fundamento na encarnação. Um excesso de bondade que
protege tanto o útil quanto o inútil. Podemos, então, perder a noção da
realidade e, com ela, a capacidade de distinguir as diferenças que fun-
dam a inteligência encarnada e o bom senso.
V O Papa • XV O Diabo
A tentação sob todas as formas
O grau 5, na numerologia do Tarot, sinaliza a aparição de um interesse
novo, ainda em estado de projeto ou de tentação. O Papa é um media-
dor que comunica com a fé, um dos mais altos valores do espírito. Ele
representa um chamado e, como o pastor, conduz seu rebanho em dire-
ção às virtudes. Mas seus valores luminosos são a transformação de
pulsões obscuras que encontramos em O Diabo. Se O Papa é a flor de
lótus que simboliza o florescimento da consciência e recebe a luz solar,
O Diabo é o vaso onde essa flor se enraíza para transformar suas ema-
nações nauseantes em perfume. O Diabo orienta nossa atenção para a
profunda natureza inconsciente, além do bem e do mal. Ele nos obriga
a conhecer nossos desejos, pulsões, compulsões – todas as energias que
se desenvolvem fora da moral. Se O Papa não absorve O Diabo, todos os
seus ensinamentos são utópicos, artificiais, fanáticos, desencarnados.
Se O Diabo não aceita O Papa, ele se afunda nos excessos, na destrui-
ção, na superação orgulhosa e insensata dos limites
VI O Namorado • XVI A Torre
Aparição do prazer
O grau 6 representa, na numerologia do Tarot, o primeiro passo no qua-
drado Céu, o primeiro acesso ao amor em ação. Pela primeira vez vive-
mos aquilo que nos apraz. É, portanto, uma dimensão que tende à imo-
bilidade e à repetição do prazer. Em O Namorado, no qual os persona-
gens estão estreitamente unidos, a vida emocional se desenvolve atra-
vés de toda a gama das relações, da amizade à simbiose, sob o risco de
se transformar em uma ilha separada do mundo. Em A Torre, tudo
aquilo que estava fechado surge e se libera: é uma grande explosão que
permite a união com o cosmos. O Namorado, sem essa abertura d’A
Torre, corre o risco de cair no narcisismo e na fusão. A Torre, sem O
Namorado, corre o risco de se tornar uma separação: na abertura que se
produz, aquilo que estava ligado pode se desligar. Ela pode conduzir a
uma euforia de viver que individualiza cada um, isolando-o, fazendo
com que se perca o centro relacional. Esses dois Arcanos trabalham
concertadamente para que a união e a abertura deem o ritmo de nossa
vida emocional.
VII O Carro • XVII A Estrela
Ação no mundo
O 7 é o grau mais ativo da numerologia: tudo aquilo que foi conhecido
até então se põe em movimento no mundo. Se O Carro representa o
avanço, a conquista, A Estrela, por sua vez, se enraíza em um lugar para
fazê-lo prosperar, para cultivá-lo e purificá-lo. Quando O Carro em-
preende a guerra santa, A Estrela constrói o Éden. Se a energia d’A Es-
trela é eliminada, a ação d’O Carro se torna estéril, infrutífera: ele não
conhece o dom, a dádiva. É um avanço contínuo que pode revolucionar
os lugares por onde ele passa, mas não os enriquece, e se reduz final-
mente ao nada, como os grandes impérios conquistados e depois perdi-
dos pelos imperadores mortos na miséria. Sem O Carro, a ação d’A Es-
trela se reduz. Sua doação, limitada a um lugar estreito, se acumulará
como um lago transbordante que inunda as aldeias à sua volta.
VIII A Justiça • XVIII A Lua
Rostos da perfeição
Com o grau 8, como já vimos, a perfeição é atingida: nada a acrescentar,
nada a subtrair (ver pp. 76 ss.). No caso d’A Lua, essa perfeição consiste
em se reduzir cosmicamente, a viver na obscuridade para poder refletir
a luz infinita do Sol (ver p. 251). É uma perfeição puramente receptiva,
mesmo que sua consequência seja agir sobre o movimento das marés.
Aquilo que A Justiça recebe, por sua vez, são as leis universais, com a
missão de encarná-las e de aplicá-las na medida do humanamente pos-
sível: excelência e perfectibilidade, mais do que perfeccionismo. A Jus-
tiça sem A Lua corre o risco de perder de vista sua dimensão cósmica e
receptiva, e de se tornar voluntarista, normativa, intolerante. A Lua,
sem o rigor d’A Justiça e seu fundamento no real, pode se perder nas
trevas de onde se deriva e se tornar sinônimo de melancolia mortal, de
loucura, de angústia. A Lua é sempre cambiante, enquanto A Justiça é
imutável: entre elas, ambas conjugam mutabilidade e implacabilidade.
VIIII O Eremita • XVIIII O Sol
Crise e regeneração
O grau 9 é um movimento de superação do perfeito que supõe a entra-
da em crise para a construção de um mundo novo. O Eremita com sua
lâmpada leva uma luz, uma sabedoria, uma experiência. Ele decidiu se
afastar do mundo e transmite seu tesouro a alguns eleitos que vêm pro-
curá-lo em sua solidão. Ele realiza a sabedoria individual. O Sol, ao
contrário, trabalha com a prodigalidade: ele oferece a todos sua luz e
seu conhecimento. Ele aceita absolutamente todos os seres e supera a
individualidade, criando a coletividade. Sem O Sol, O Eremita cai nas
profundezas da solidão e da avareza espiritual. Ele não transmite mais
seu ensinamento a ninguém. Sua lâmpada fica escondida nas reentrân-
cias densas do ego, ele a leva apenas para ser visto por uma entidade
superior. Sem O Eremita, O Sol se espalha sem discernimento e perde a
capacidade diretiva que aporta à individualidade. Ele só pode produzir
uma massa amorfa de princípios difusos. Em O Eremita, tudo é expe-
riência; em O Sol, tudo é renovação. Cada um necessita do outro.
X A Roda da Fortuna • XX O Julgamento
Tudo que começa termina
O grau 10 da numerologia do Tarot representa, como já vimos, a totali-
dade desenvolvida depois de toda experiência, mas onde existe – em
espera ou em germe – o impulso que engendrará o novo ciclo (ver pp.
75 ss.). A Roda da Fortuna, fim do primeiro ciclo, encerra um caminho
de busca ativa, de reflexão e de estudo. Os personagens se dirigem a seu
destino, desprendidos de toda vontade. Eles estão no círculo das mor-
tes e dos renascimentos, à espera de uma força miraculosa que os liber-
te dessa eterna repetição. O Julgamento conclui a segunda série deci-
mal na qual são abertos todos os centros receptivos e na qual a busca
espirtual é substituída pela fé e pela possibilidade de nos tornarmos um
canal. Os personagens aprenderam a colaborar entre eles, a orar em re-
cepção ativa. Eles podem concretizar a ajuda da outra dimensão, eles se
abrem à mutação de uma nova consciência. Sem O Julgamento, A Roda
da Fortuna se encontra em um estado em que toda fé e toda esperança
são excluídas. Ela se reduz a um bloqueio, a um círculo vicioso sem saí-
da. O ciclo de vida e de morte se apresenta como um enigma que ne-
nhum princípio pode resolver. Quando se ignora A Roda da Fortuna,
em O Julgamento é produzido um estado de fuga do mundo, de nega-
ção da encarnação. É o desejo insensato de chegar ao mundo divino
sem passar pelo mundo humano. Pode ser também um nascimento vi-
vido por pais sem experiência, prisioneiros de suas amarras neuróticas
inconscientes.
Os casais do Tarot
Várias versões da relação homem-mulher
Se observarmos objetivamente o Tarot, veremos que ele representa em
proporção igual homens e mulheres. Além disso, ele nos indica muito
claramente que alguns desses homens e dessas mulheres se unem para
formar casais. Nos Arcanos menores, as Rainhas são acompanhadas pe-
los Reis. Nos Arcanos maiores, A Papisa (Arcano II) se une a O Papa
(V), A Imperatriz (III) a O Imperador (IIII), A Lua (XVIII) a O Sol
(XVIIII). Em O Diabo (XV), vemos um homem e uma mulher presos ao
pé do diabo e, em O Julgamento (XX), um casal, homem e mulher, re-
zando juntos, veem surgir entre eles um ser (talvez uma criança, talvez
uma obra comum). Se quisermos pensar que existem outros casais en-
tre os Arcanos maiores, podemos unir O Mago (I) e A Força (XI) pela
forma de seus chapéus. Sabendo que O Carro (VII) e A Estrela (XVII)
pertencem ao mesmo grau numerológico, podemos acoplar O Carro a A
Estrela. E considerando a soma de suas experiências, A Justiça (VIII) e
O Eremita (VIIII) poderiam também formar um casal. Por fim, o casal
metafísico por excelência: O Louco, que atravessa todos os Arcanos do
Tarot antes de chegar a seu par ideal, O Mundo. Essa concepção corres-
ponde à filosofia chinesa em que Yin e Yang são complementares.
No Tarot, dois elementos são ativos: Espadas e Paus; e dois elemen-
tos são receptivos: Copas e Ouros. Como já lembramos (ver pp. 57, 64),
essa união de elementos se reflete em O Mundo, onde a águia e o leão,
animais carnívoros, estão diante de um anjo e de um herbívoro cor de
carne, símbolos do sacrifício e da dádiva. Para esclarecer isso, a mulher
d’O Mundo, na mão do lado da águia e do leão, segura um elemento
fálico (um bastão) e na outra mão, um frasco receptivo. Hoje em dia,
quando com muita dificuldade as mulheres lutam para obter uma rela-
ção de equilíbrio com os homens, depois de séculos de humilhação e de
escravidão em uma cultura criada e dominada pelo masculino, é como-
vente ver que o Tarot, provavelmente desde o ano mil, proclamava a
necessária complementariedade dos sexos.
Veremos, então, aqui, para cada personagem com figura humana,
qual é o casal que lhe corresponde na ordem do Tarot, e que outros ca-
sais podem se formar com outros personagens. Para os leitores deste li-
vro que formam um casal homossexual, é necessário esclarecer um
ponto deste capítulo: na linguagem simbólica, a masculinidade e a fe-
minilidade são forças metafóricas. Uma mulher pode muito bem se
sentir representada por O Imperador ou por O Sol, enquanto um ho-
mem pode receber A Imperatriz ou A Lua. Na descrição dos casais que
se seguirá, e na medida em que o Tarot é infinito e o espaço de um livro
necessariamente reduzido, não desenvolveremos os casais formados
por dois homens ou por duas mulheres. Caberá ao leitor realizar essa
pesquisa. Ela pode fazer sentido para qualquer pessoa, uma vez que os
casais podem também representar as relações familiares: pai-filho, pai-
filha, mãe-filha, mãe-filho, irmão-irmã etc.
Da mesma maneira, o breve texto que evoca cada um dos encontros
detalhados a seguir não abarcará as nuances da relação entre um ar-
quétipo e o outro. Como todas as interpretações que propusemos neste
livro, trata-se sobretudo de uma abordagem, de um caminho para as in-
finitas ressonâncias que os Arcanos do Tarot podem evocar em nossa
consciência.
Abordaremos os casais na seguinte ordem:
O Louco e O Mundo (XXI).
O Mago (I) e A Força (XI).
Os casais d’O Mago com as outras cartas femininas.
Os casais d’A Força com as outras cartas masculinas.
A Papisa (II) e O Papa (V).
Os casais d’A Papisa com as cartas masculinas restantes.
Os casais d’O Papa com as cartas femininas restantes.
A Imperatriz (III) e O Imperador (IIII).
Os casais d’A Imperatriz com as cartas masculinas restantes.
Os casais d’O Imperador com as cartas femininas restantes.
O Carro (VII) e A Estrela (XVII).
Os casais d’O Carro com as cartas femininas restantes.
Os casais d’A Estrela com as cartas masculinas restantes.
A Justiça (VIII) e O Eremita (VIIII).
Os casais d’A Justiça com as cartas masculinas restantes.
Os casais d’O Eremita com as cartas femininas restantes.
A Lua (XVIII) e O Sol (XVIIII).
A RELAÇÃO DE CASAL
O Louco • O Mundo
Ordem O Louco • XXI. Vimos que esses dois Arcanos representam o
alfa e o ômega dos Arcanos maiores, o primeiro e o último degraus, os
dois pontos entre os quais se desenvolvem todas as possibilidades. Mas
que casal eles formam? Nessa ordem, O Louco antes d’O Mundo, vemos
um homem barbudo, com uma trouxa e um bastão vermelho, indo em
direção a uma mulher nua que dança no meio de um oval de folhas
azuis. O Louco pode ser considerado a energia fundamental, sem defi-
nição, isto é, sem limites. É assim que a Bíblia nos apresenta a energia
criadora divina, atividade sem limites e sem precedentes, surgida de
um nada sem tempo e sem espaço. Mas se O Louco ficasse sozinho, ele
correria o risco de girar indefinidamente em torno do próprio bastão. A
energia criativa não é nada sem a realização material, sua criatura. E
eis que se oferece O Mundo, com seus quatro elementos como quatro
pontos cardeais e, no centro, a mulher-matéria inseminada pela energia
d’O Louco. Quando em uma tiragem essas cartas saem lado a lado e
nesta ordem, elas evocam uma energia que vai diretamente à realiza-
ção, um projeto empreendido que encontra sucesso, uma concretiza-
ção.
Ordem XXI • O Louco. Mas a ordem das cartas é essencial. Na verda-
de, na ordem O Mundo – O Louco, este está se afastando daquele. A si-
tuação é, então, completamente distinta: O Mundo já não é mais a reali-
zação de nada, pois nenhuma carta o precede. É, ao contrário, um fe-
chamento, um começo difícil, até mesmo um parto sofrido. A mulher,
encerrada em seu oval, olha para um passado vazio, ela não tem futuro.
O Louco, por sua vez, foge ou se libera de uma situação que não lhe
convém, mas sem saber para onde vai. A mulher fica imóvel, e o ho-
mem foge apressado. Pode ser uma situação em que um membro fica
obcecado com o próprio passado sem dedicar nenhuma energia à situa-
ção presente, enquanto o outro se prepara para encontrar seu destino
em outra parte. É talvez o início de uma relação em que a mulher re-
presenta para o homem algo de grandioso demais, seja porque ele a
idealiza, seja porque ele não se sente disposto a se envolver. Ele terá,
então, a tendência a fugir da relação. A situação pode amadurecer e os
dois protagonistas podem ceder à sua atração recíproca. O Louco, tro-
ca, então de lugar e se coloca diante d’O Mundo.
Quando as duas cartas encontram as outras...
O Louco e O Mundo são cartas à parte na medida em que representam
arquétipos absolutamente impessoais. Sua energia não lhes permite
constituir um casal propriamente dito. Eis aqui o que se pode dizer
quando se emparelham com outras cartas:
O Louco. Ele é ora uma energia que chega, ora uma energia que se
perde. Diante de outra carta, ele não forma um casal complementar,
mas exacerba as características do outro Arcano. Ele não tem definição,
nem características pessoais. É uma energia livre que busca canais pe-
los quais se manifestar. Esses canais individuais vão finalmente levar à
totalidade d’O Mundo. Sendo totalmente ativo, ele é representado por
uma figura masculina. Quando uma carta feminina se encontra em sua
companhia, ele lhe aporta energia ou a retira ao ir embora. Nesse caso,
o consulente deve tirar outra carta masculina e colocá-la em cima d’O
Louco para ver qual é a definição dessa energia. Se, por exemplo, a car-
ta escolhida for O Mago, este será reforçado pelo impulso d’O Louco e
suas características serão extraordinariamente acentuadas.
O Mundo. Da mesma maneira que O Louco, este Arcano não repre-
senta um aspecto em particular, mas sobretudo a totalidade dos Arca-
nos. Não podemos, portanto, falar de uma característica. Sendo essen-
cialmente receptivo, O Mundo é representado por uma mulher. Quan-
do uma carta masculina aparece ao lado d’O Mundo, isso significa sua
realização completa de um ponto de vista positivo, com a condição de
que O Mundo esteja à sua direita, ou uma dificuldade inicial frustrante
se O Mundo sai primeiro (à esquerda). O consulente deve tirar uma
carta feminina para saber a quem remete o Arcano XXI nessa leitura.
A RELAÇÃO DE CASAL
O Mago • A Força
Ordem I • XI. Colocados assim, esses Arcanos formam um casal equi-
librado constituído por duas pessoas dotadas de grande disposição. Ca-
da uma delas, em seu domínio, começa uma atividade: a d’O Mago é
mais intelectual, tem a ver com seu saber e seus múltiplos talentos. A
d’A Força é artística ou orgânica, tem a ver com sua criatividade pro-
funda. Nessa configuração, a soma das duas cartas (I + XI) remete ao
aspecto do conhecimento de si mesmo e do aprofundamento sugerido
pelo Arcano XII, O Enforcado. O Mago trabalha com suas forças espiri-
tuais e A Força com a riqueza de suas pulsões. Eles se acompanham e
se compreendem, e diante da forma similar de seus chapéus, podemos
pensar que possuem uma concepção similar do mundo. Isso nos lembra
o poema tradicional japonês: “O peixe na água, o pássaro no céu...”. Ca-
da um é feliz em seu campo de experiência. Podem ser dois adolescen-
tes, dois debutantes, mas também duas pessoas que estão no início de
alguma coisa em sua existência, de qualquer idade.
Ordem XI • I. Aqui, podemos recear uma crise que conduza à imobili-
dade, outro aspecto d’O Enforcado (XII), pois cada um intervém no do-
mínio do outro. O Mago tenta metaforicamente transformar o leão d’A
Força em águia, A Força tenta transformar a mesa científica d’O Mago
em uma fera poderosa... O peixe no céu sufoca, o pássaro na água se
afoga. Os dois membros do casal devem se dar conta de que não são fei-
tos para se encontrar face a face sob o olhar do outro antes que cada
um tenha experimentado completamente seu próprio campo de ação.
Eles devem se dar o espaço necessário para desenvolver seus saberes
nascentes, e poderão, então, se reencontrar em um espírito de união.
Os outros casais d’O Mago
O Mago e A Papisa
Ordem I • II. Um jovem, preocupado com o próprio sucesso, cheio de
qualidades e possibilidades, completamente centrado em si mesmo, em
uma busca dirigida principalmente pelo espírito, encontra um apoio ao
lado de uma mulher madura que acumulou energias criativas ao longo
de toda uma vida. Incapaz de pôr em prática seu conhecimento, ela faz
d’O Mago não apenas seu amante e/ou seu filho espiritual, mas o utili-
zará para, através dele, se manifestar no mundo. Uma ajudando o outro,
a possibilidade criativa se abre.
Ordem II • I. Encontramos aqui uma mulher fechada em si mesma
que transformou seu ego em ídolo. Ela se comporta como uma inicia-
dora. O Mago, obnubilado por ela, a considera antes como sua mãe do
que como esposa: ele a vê como todo-poderosa. Sua energia criativa se
dissolve na devoção. Essa simbiose pode durar anos sem que O Mago
possa se tornar adulto.
O Mago e A Imperatriz
Ordem I • III. Este casal poderia ser formado por um estudante pobre
com uma princesa. Ela apreciaria e amaria o conhecimento entusias-
mado e poético d’O Mago, mas ele conservaria sua liberdade, sem exi-
gir que A Imperatriz o protegesse. No entanto, o cetro real d’A Impera-
triz se une ao bastão d’O Mago para carregá-lo de força criativa e com
sua potência: ao admirá-lo, ela lhe dá segurança. O Mago permite a A
Imperatriz que se sinta bela, pois ele fica com ela sem nada lhe exigir.
Ordem III • I. Os dois membros do casal estão face a face, e O Mago se
rende ao poder d’A Imperatriz, que é bem mais poderosa que ele. Ela já
está em ação, explodindo criativamente, enquanto ele não passa de um
debutante. Nesta relação, ele será, portanto, submisso e correrá o risco
de ser desprezado por ela, como um ator estreante apaixonado por uma
estrela.
O Mago e A Justiça
Ordem I • VIII. Ao lado d’A Justiça, qualquer que seja a posição, O
Mago é um menino. Ela encarna para ele a mãe perfeita, ele a leva em
seu espírito na forma de oito bolas amarelas-escuras em seu cabelo
amarelo-claro, e seu chapéu em forma de oito parece indicar que ela
representa para ele a mãe cósmica. Quando um homem encontra uma
mulher tão superior como ela, ele terá a tendência de se tornar antes
seu discípulo que seu amante. Nesta ordem, A Justiça delicadamente
interpõe sua espada entre os dois para que a relação não caia na fusão,
ela aplica todo seu amor e sua consciência dizendo a O Mago: “Você é
você, eu sou eu. Nós estamos juntos, mas não somos uma mesma pes-
soa”.
Ordem VIII • I. Nesta configuração, O Mago olha para A Justiça pen-
sando que ela representa sua realização absoluta. Aqui o casal se funde.
O Mago parece dizer: “Sou o feto no seu ventre, é preciso que você me
crie continuamente”. Se A Justiça aceita desempenhar esse papel, e
não deixa de indicar a O Mago, mediante sua balança, o que está bem e
o que está mal, é porque ela mesma se mostra de certa maneira imatu-
ra. Ela corre o risco de depender inteiramente da reverência d’O Mago,
a ponto de desabar se essa adoração um dia lhe faltar.
O Mago e A Estrela
Ordem I • XVII. Existe uma imensa diferença entre essas duas cartas.
O Mago espera que o mundo venha até ele, ele está em uma demanda
de realização, em plena formação. A Estrela, por sua vez, já encontrou
sua verdade, ela está em plena doação ao mundo. O Mago recebe aquilo
que A Estrela lhe dá, mas é uma doação tão generosa que ele deixa que
circule através de si e se torna por sua vez alguém que doa. É como a
fábula da Raposa que se achava poderosa porque, tendo feito amizade
com o Leão, pensava possuir sua força: o Leão andava atrás da Raposa e
toda a floresta a respeitava. Em outras palavras, poderia ser um agente
ou um assessor de imprensa que se casa com uma mulher famosa e a
representa; ele serve para que o talento de sua cliente se manifeste no
mundo.
Ordem XVII • I. Aqui, a situação é absurda: O Mago crê que pode doar
a A Estrela, crê que é dele que vem a força. Ele é prisioneiro de suas ilu-
sões espirituais. Mas A Estrela recebe suas forças generosas do cosmos,
O Mago é apenas um pequeno seguidor. Ela não pode levá-lo em conta.
Tudo o que ela pode fazer, com uma bondade infinita, é deixá-lo parti-
cipar de sua ação, fazendo-o generosamente acreditar que ele é muito
importante. Nesta posição, O Mago viverá sempre angustiado, até que
outro homem apareça, que corresponda melhor à energia d’A Estrela.
Poderá ser até um homem doentiamente ciumento.
O Mago e A Lua
Ordem I • XVIII. O Mago recebe por seu bastão toda a força e todo o
mistério d’A Lua. Ele se torna, então, completo. Ele trabalha tendo co-
mo objetivo a clareza espiritual, e eis que as portas do inconsciente se
abrem para ele. É o mágico ou o poeta que, por seus esforços constan-
tes, se encontra subitamente iluminado pela potência da Mãe cósmica.
É talvez um aluno ou um discípulo que recebe a iniciação de uma guru,
de uma professora.
Ordem XVIII • I. A Lua, nesta configuração, representará sobretudo a
loucura ou a angústia. O Mago, fraco e inexperiente, corre o risco de
submergir sob as forças psíquicas erráticas de uma mulher que pode
conduzi-lo à loucura, à droga, ao alcoolismo ou à dependência autodes-
trutiva. É talvez também uma relação entre uma mulher insaciável e in-
satisfeita, caindo voluntariamente no drama psicológico, com um ho-
mem pouco experiente que se aferra aos aspectos mais concretos da
existência para se afastar dessas exigências que ele não compreende.
O Mago e O Mundo
Ordem I • XXI. Por fim, O Mago encontrou tudo aquilo que buscava
em si mesmo! Este casal representa para ele uma metamorfose. A moe-
da que ele tem na mão encontra seu eco no frasco da mulher d’O Mun-
do, e suas duas varinhas são similares. Mais do que com uma mulher,
ele forma um casal com sua alma realizada. Se na tiragem O Mundo de-
signa uma mulher real, podemos dizer que ela representa a realização
desse homem.
Ordem XXI • I. É um homem que se sente incapaz de obter sua reali-
zação. Pode se tratar ora de um amor impossível, em que ele sente que
a mulher lhe é muito superior, ora de uma relação com uma mulher fe-
chada também nas dificuldades ligadas à sua própria realização. Eles
são, portanto, cada um espelho da dificuldade do outro, e a dimensão
iniciática de seu encontro passa por essa tomada de consciência.
Os outros casais d’A Força
A Força e O Imperador
Ordem IIII • XI. Vemos aqui um casal em que cada um dos membros
se apoia vigorosamente sobre o outro. O Imperador aporta a segurança
e A Força a energia criativa. O poder social e material descobre um
apoio fundado sobre as forças instintivas. Aqui o homem conhece sua
realidade, seus negócios, suas empreitadas, e tem controle sobre elas. A
mulher possui uma infinidade de projetos que pode realizar graças ao
apoio econômico, material ou legal d’O Imperador. Graças ao contato
com A Força, O Imperador se enriquece com novos interesses vitais e
se sente motivado.
Ordem XI • IIII. O encontro aqui é fulminante! Cada um tenta con-
vencer o outro, eles medem seus poderes respectivos e podem chegar a
se opor, mas também se desejam, voltam a ser amigos e recomeçam a
disputa. É um diálogo incessante, que passa por fases de oposição e de
adaptação. Quem cederá? Se ambos conseguem interromper esse con-
flito de poder, podem se encontrar com uma enorme força de realiza-
ção, que só se tornará efetiva se eles empreenderem uma obra comum.
A Força e O Papa
Ordem V • XI. O Papa está acostumado a ter acólitos, pois representa a
mais alta voz espiritual. Mas aqui ele encontra uma mulher essencial-
mente virgem (o XI, grau 1 da numerologia, tudo em potência), que por
sua força de caráter não permite que ele seja abertamente seu mestre, e
através dela fala uma voz à qual O Papa não está habituado: a voz da na-
tureza animal, igualmente divina. O Papa a admira, a respeita e tem ne-
cessidade dela. Sutilmente, ele lhe transmite seu conhecimento e seu
nível de consciência. Ela está em contato com a liberdade da natureza e
compreende coisas às quais O Papa, por sua condição estável, não tem
acesso. Para ela, O Papa é muito útil porque apoia suas buscas no mun-
do obscuro do inconsciente, oferecendo-lhe uma estrutura e uma justi-
ficativa espiritual.
Ordem XI • V. Aqui se produz uma inibição das forças animais. A libi-
do, simbolizada pela fera, é constrangida a tomar o caminho da subli-
mação. O animal se torna um dos discípulos d’O Papa que se eleva a di-
retor espiritual. O mundo do inconsciente é infinitamente mais vasto
que o racional; então, quando O Papa vem depois d’A Força, ele reduz
suas possibilidades, impossibilitado de vê-la em todo seu esplendor. É
talvez um homem que, fiel às suas crenças, as impõe à esposa. Como a
moral religiosa que, durante séculos, fez da mulher uma escrava por
medo de sua energia sexual.
A Força e O Carro
Ordem VII • XI. Esses dois personagens se bastam a si mesmos e pos-
suem uma imensa energia. No entanto, nesta ordem eles se completam.
Suas ações são muito diferentes: na realidade, A Força não tem paisa-
gem. Sua ação é vertical. Ela vai de baixo para cima e de cima para bai-
xo. Poderíamos dizer que se trata de uma ação interna que consiste em
estabelecer uma estreita relação entre as energias espirituais e animais.
A capacidade de sedução da mulher d’A Força é surpreendente. Não é a
força de um guerreiro, mas de uma domadora. Ao contrário, o príncipe
d’O Carro age na dimensão horizontal e em uma paisagem. Seu carro,
que parece atolado em um pântano, segue o movimento do mundo. Ele
não estabelece um diálogo com seus cavalos, mas se deixa levar por
eles. A Força se coloca em pé de igualdade com o leão. Sem A Força, ao
príncipe falta esse domínio interno de seus instintos primordiais. A
Força sem O Carro não tem mundo onde agir. Ela se perde em si mes-
ma. Esse encontro entre os dois produz uma relação muito rica. Ela
aporta o conhecimento interior, ele oferece o mundo da encarnação.
Cada um realiza aquilo para o qual está destinado. Cada um se orienta
na direção que lhe interessa, mas se o apoio de um para o outro é sóli-
do, eles podem se ocupar cada um de sua tarefa. Eles são, então, benéfi-
cos para o mundo.
Ordem XI • VII. Os animais correm aqui o risco de entrar em conflito,
ou pelo menos em uma atividade descontrolada. A animalidade domi-
nará o espírito. Pode haver aqui uma atração sexual muito forte de am-
bas as partes. Mas se A Força é capaz de controlar seu leão, o príncipe
d’O Carro não controla seus cavalos. O encontro instintivo pode ser for-
te, até descontrolado, mas o encontro espiritual corre o risco de não
acontecer. Ela busca a ação espiritual dentro de si mesma enquanto ele
se concentra na ação no mundo. Será difícil para eles entrar em um
acordo. Exceto se A Força aceitar se deixar levar em viagem pel'O Car-
ro e entrar em ação com ele no mundo.
A Força e O Eremita
Ordem VIIII • XI. É um casal complementar de dois extremos. O Ere-
mita ergue sua lâmpada em direção ao máximo da vida espiritual, com
todas as dúvidas que surgem na busca metafísica. A Força aprofunda
sua busca em direção às regiões obscuras do inconsciente com uma
certeza animal. Não está em sua natureza duvidar. Ele, com a experiên-
cia de toda uma vida, e ela, jovem, com todos os caminhos abertos dian-
te de si. Para os dois, é uma relação exaltante.
Ordem XI • VIIII. Cada um interfere no Ser do outro. Ela afirma suas
trevas diante da luz d’O Eremita, e ele, com sua lâmpada, semeia a
dúvida naquilo que deve permanecer obscuro. Ambos se sentem em
crise. Correm o risco de chegar à intolerância, ou pior: A Força pode
começar a queimar e cair em uma crise mental, e O Eremita pode ser
devorado, isto é, perder a fé em si mesmo. A solução do conflito chega
quando O Eremita, em vez de avançar, recua, abrindo o caminho para A
Força com tolerância. Ela, em vez de ceder, algo que lhe é impossível,
encontrará, então, o espaço necessário para fazer aquilo que deve, em
total liberdade.
A Força e O Sol
Ordem XI • XVIIII. Quando ela conhece o pai cósmico, A Força com-
preende que seu trabalho solitário encontrou sua realização. O animal,
kundalini ou libido, unindo-se com a força masculina, torna-se um Sol,
um centro de vida espiritual. A Força abandona então todos os esforços
de realizar um casal de almas gêmeas. O encontro com o princípio mas-
culino a preenche inteiramente. Ela pode admirá-lo, confiar nele, en-
tregar-se a ele. Ele esperava essa mulher: ela aporta a matéria que pro-
duz essa explosão de luz. Ele começa uma nova vida.
Ordem XVIIII • XI. Aqui, A Força duvida d’O Sol, e não aporta sua
energia criadora ao casal. Ela se sente sozinha e observa o amor do pai
cósmico como alguma coisa da qual ela é privada, que se dá a todos os
seres e não para ela. É uma exigência constante. Poderia ser uma mu-
lher cujo pai, quando ela era menina, foi ausente ou não amoroso. Adul-
ta, apesar da necessidade que ela tem de se unir ao pai, ela persisitirá
em todos os encontros amorosos ou espirituais a negar a possibilidade
do encontro, buscando demonstrar ao homem seu egoísmo em uma
queixa sem fim que encobre uma imensa exigência de amor. O Sol, sa-
tisfeito consigo mesmo e com o mundo, oferecendo sua ação vivificado-
ra à multidão, aceitará sua responsabilidade e as queixas que lhe são
formuladas como um peso do qual ele não pode se desfazer. Ele a apoi-
ará, até que ela se cure a si mesma de sua ferida fundamental.
A RELAÇÃO DE CASAL
A Papisa • O Papa
A Papisa é uma mulher de sabedoria, ela tem algo para ensinar. Ela pos-
sui uma consciência. Ela contém um potencial de ação e, seja ela cons-
ciente disso ou não, ela se encontra em um estado de saber. É uma mu-
lher que sabe. Ela é potente, capaz de se sacrificar e de iniciar. Mas,
simbolizado pelo ovo que está ao lado dela, esse conhecimento não é
transmitido, mas é um conhecimento potencial, incubado. Para eclodir,
é preciso uma ação d’O Papa. A Papisa é virgem; haverá sempre algo
que será dedicado ao mais puro dela mesma: sua vida espiritual. Algu-
ma coisa nela jamais será tocada. É isso que faz seu charme, seu poder
e seu perigo.
Seu parceiro ideal é O Papa. Enquanto A Papisa é enclausurada, se-
parada do mundo, O Papa trabalha para os outros, em um espírito de
transmissão. O que ele transmite afinal? O conhecimento que A Papisa
contém em seu livro. O Papa é um mediador, uma ponte entre o mundo
material e o mundo espiritual. Ele comunica.
Ordem II • V. Se colocados nessa ordem e pelos motivos que acabamos
de evocar, A Papisa e O Papa não têm necessidade de se entreolhar. Eles
estão de costas um para o outro. Já superaram a sexualidade, a paixão,
e chegaram a um estado em que devem dar tudo aquilo que acumula-
ram. Ela aporta seu conhecimento e ele o transmite. É uma companhia
de dois seres do mesmo valor. Como já são maduros, não esperam do
parceiro que propicie a própria realização. Coexistem no mesmo nível
espiritual. Eles têm muito para dar aos outros, movidos por um ideal,
qualquer que seja. Nessa posição, de costas um para o outro, eles estão
bem acompanhados, sólidos, em plena ação no mundo.
Ordem V • II. Mas se colocarmos O Papa antes d’A Papisa, o casal se
encontra em uma situação problemática. Nessa configuração, os dois
personagens se olham, esquecem sua missão e exigem atenção e ener-
gia um do outro. Eles acabarão se esgotando mutuamente, pois não fo-
ram feitos para se isolar do mundo. Um Papa e uma Papisa trabalham
em união com a totalidade. Não podem constituir um casal egoísta e fe-
chado, uma vez que eles não se reproduzem. Sua mensagem é pura-
mente espiritual. O mundo lhes deu o poder porque tem necessidade
deles. Nessa posição, face a face, eles poderiam fazer filhos. Mas estes
ficariam atrás da porta espionando um pai e uma mãe que se entrede-
voram. Seriam abandonados, não participariam da vida do casal, pois
nessa união não há lugar para um terceiro. O Papa e A Papisa devem se
lembrar incessantemente de sua tarefa espiritual diante do mundo.
Os outros casais d’A Papisa
A Papisa e O Imperador
Ordem II • IIII. A Papisa, que tem um nível espiritual elevado e que
incuba a aparição da Consciência cósmica na humanidade, tem neces-
sidade da ajuda material d’O Imperador. Ela pode, assim, continuar seu
trabalho, sua pesquisa, pois a todo instante ela se sente apoiada e prote-
gida. O Imperador, por sua vez, vê nela sua mais alta realização. Na ba-
se de seu trono, a águia representa seu desejo de se elevar a um ideal
sublime. Na companhia d’A Papisa, ele encontrou a mulher que realiza
a vocação dessa águia metafórica, permitindo ao ovo eclodir. Na simbo-
logia cristã, o ovo representa o berço onde nasce o Cristo salvador.
Ordem IIII • II. Aqui A Papisa faz de seu espírito uma dádiva a O Im-
perador, mas este se empenha, sobretudo, em estabelecer seu poder so-
bre o mundo. Ele pode utilizar o conhecimento dessa mulher, mas sua
dimensão espiritual se perde e o ovo não eclode, pois toda a energia é
dirigida para a realidade terrestre. A Papisa poderá, então, se sentir fe-
chada, pois sua vocação mais elevada não se realiza.
A Papisa e O Carro
Ordem II • VII. O príncipe d’O Carro encontrou a mulher superior di-
ante da qual ele depõe seu ardor e seus desejos de conquista. Ele se tor-
na cavaleiro e se põe a seu serviço. Neste casal, O Carro é apenas uma
oferenda: uma proposição de ação que obedece ao comando d’A Papisa
se ela tem necessidade dele. Ele agirá sempre em nome dela. Para A Pa-
pisa, este homem representa uma fonte de energia, uma arma à sua dis-
posição, um impulso para agir no mundo e aí disseminar seu conheci-
mento.
Ordem VII • II. Neste casal, O Carro corre o risco de utilizar A Papisa
como desculpa política e religiosa para suas conquistas. Isso pode ser
feito em conivência com ela, se ela for fanática, se ela busca enriquecer
seu templo, para converter o mundo às suas crenças. Pode ser também
uma mãe que o filho leva a uma festa, ou toda mulher autoritária dando
um papel e os recursos a um homem para que ele aja no mundo.
A Papisa e O Eremita
Ordem II • VIIII. O casal que vemos aqui participa antes de uma ami-
zade profunda do que de um amor passional. A sexualidade não tem
importância, tampouco o sentimentalismo. Estamos em uma relação
entre almas. Se A Papisa assume o mundo, O Eremita se afasta dele. Es-
ta relação se funda na impermanência, o conhecimento aqui se comu-
nica e se desenvolve. Ela está coberta pelo véu de sua instituição, e por
consequência não é livre. Ele está encurvado sob o próprio manto, con-
servando sua luz individual. A Papisa sabe que O Eremita é seu futuro,
mas para ela ainda não é o momento de segui-lo. Esta relação é um lon-
go e sereno adeus.
Ordem VIIII • II. O Eremita aqui se arrisca a abdicar de sua solidão e
de sua liberdade: andando de costas, ele se encontra nos domínios d’A
Papisa que o absorve, mantendo-o a seu lado e detendo-o em seu im-
pulso de abandonar o mundo. O casal se estabiliza em uma certa reali-
dade onde A Papisa incita O Eremita a aceitar a lei escrita. Este, ainda
que sua natureza profunda seja a crise, se encontra imerso na perfei-
ção. Ele canta como um pássaro em uma gaiola dourada. Com a presen-
ça constante d’O Eremita, A Papisa atinge seu nível mais elevado, que
lhe permitirá um dia dar ao sábio sua liberdade.
A Papisa e O Sol
Ordem II • XVIIII. Eis o momento em que A Papisa chega a seu mais
alto nível de consciência. Ela é filha do pai cósmico que lhe dá o calor
necessário para incubar e fazer eclodir o Filho perfeito, isto é, de disse-
minar sua doutrina no mundo. Ela conhece aqui o amor incondicional,
como o da Virgem Maria pelo Pai divino. Ela pode, então, perder sua
virgindade a partir do interior de si mesma, graças ao contato com um
ser diante do qual ela se vê tão infinitamente inferior que seu rigor se
dissolve na obediência, na humildade e no amor. O Sol tem necessidade
dela, pois sua palavra sua sabedoria ativa encontram nela um canal que
atinge os seres humanos. Poderia ser uma santa que, obedecendo aos
ensinamentos de seu Deus, consagra a vida a salvar crianças abandona-
das. Esta união é de grande utilidade para o mundo.
Ordem XVIIII • II. Assim colocada, A Papisa esquece o mundo, pois
seu olhar está incessantemente voltado para o objeto de sua adoração.
Ela permanece fechada, em êxtase, esquecendo sua tarefa em relação
aos humanos. Nessa reclusão, ela poderia, no entanto, escrever poemas
ou orações extáticas que seriam por sua vez uma fonte de inspiração e
de consolo para a humanidade.
Os outros casais d’O Papa
O Papa e A Imperatriz
Ordem III • V. A Imperatriz é essencialmente uma criadora, nos pla-
nos intelectual, emocional, sexual ou material. Ela domina o plano es-
pacial ou horizontal. O Papa é um homem que desenvolveu sua espiri-
tualidade e age no plano temporal, formando um vínculo de união com
os planos superiores. A Imperatriz estabelece com ele uma relação de
admiração fervorosa. Ela começa a ver o mundo pelos olhos d’O Papa e
se torna sua aluna, em uma atitude filial. O Papa aceita essa devoção
como um alimento e um princípio de realidade. O entusiasmo adoles-
cente d’A Imperatriz o regenera.
Ordem V • III. Neste casal, é O Papa quem vê o mundo pelos olhos d’A
Imperatriz, inteiramente seduzido por seus atrativos. Ele deixa então
de lado sua missão de ensinar e se dedica com paixão a elevar A Impe-
ratriz do plano espacial, que é o dela, para o plano temporal, do qual ele
é o professor privilegiado. Mas se na posição precedente A Imperatriz
aceitava voluntariamente se tornar sua discípula, ela vai exigir dele
aqui que a trate como uma igual. Isso gera o risco de conflitos, diante
da diferença de experiência de vida dos dois. No entanto, se O Papa se
beneficia dessa experiência para sair de seu papel de eterno professor
que só conhece discípulos menos desenvolvidos que ele, ele pode se be-
neficiar dessa relação para unir, através das competências de ambos, o
plano horizontal com o plano vertical. A aliança entre ambos será, en-
tão, como o centro de uma cruz espaço-temporal.
O Papa e A Justiça
Ordem V • VIII. O Papa sente aqui uma profunda admiração diante da
perfeição feminina. Para ele, esse encontro é imenso, a ponto de A Jus-
tiça poder representar o arquétipo da santa Igreja. Apesar de sua expe-
riência, O Papa, diante d’A Justiça, torna-se filho e servidor. Ele está
disposto a apoiá-la em tudo. No mito, poderíamos comparar esta rela-
ção com a do carpinteiro José com a Virgem Maria: é um respeito pro-
fundo, acompanhado por um amor reverente. A Justiça possui objeti-
vos elevados que tendem ao equilíbrio da humanidade. Ela transmite
uma verdade material e espiritual ao mundo. Ela encontra n'O Papa o
emissário ideal que lhe permite se comunicar. É também talvez uma
mulher em plena posse de seu equilíbrio e de sua maturidade que se
une a um homem responsável que a admira, ou ainda uma empresa que
encontra o chefe ideal.
Ordem VIII • V. O Papa aqui se outorga o papel principal e, em um se-
gundo plano, zela secretamente pela perfeição da mulher que o respal-
da e lhe dá seu equilíbrio. Ela aceita a situação, que tende a valorizar,
aceitando que o homem desenvolva seu ego na ação social e se outor-
gando o papel de senhora do lar. Ela sabe que é indispensável à ação
d’O Papa.
O Papa e A Estrela
Ordem V • XVII. Este casal adquire uma grande riqueza, uma grande
comunicação. O Papa aporta sua experiência e A Estrela sua juventude
eterna. Tudo aquilo que A Estrela recebe do universo, ela oferece a O
Papa. Tudo aquilo que O Papa recebe da divindade, ele oferece a A Es-
trela. O sagrado e a natureza formam uma união magnífica. O espírito
d’O Papa se materializa n'A Estrela e a materialidade cósmica d’A Es-
trela se espiritualiza n'O Papa. O Papa, mediador, permite a comunica-
ção entre o céu e a terra, o mundo espiritual e o mundo material, a
consciência e o corpo. É uma ponte espiritual. Colocado assim de fren-
te para A Estrela, ele conserva sua ligação com o mundo. A Estrela, que
purifica os rios e alimenta a terra, recebe do cosmos para dar à matéria.
Através das águas do rio, O Papa recebe a dádiva d’A Estrela: este dom
lhe chega por sua discípula e sobe até sua mão enluvada de azul-celes-
te. Ele pode, então, transmitir esse dom à consciência humana. Os dois
fazem um bom trabalho. O Papa não se afasta da vida material para ten-
tar atingir uma vida espiritual mais pura: isso não existe. A alma e o
corpo estão estreitamente unidos, o trabalho deve ser feito em ambos
conjuntamente. Não podemos desenvolver o espírito sem aprofundar a
relação com o mundo material. O Papa recebe de baixo para cima quan-
do comunica à divindade as orações de seus discípulos, ele recebe do
céu para o chão quando comunica a iluminação. A Estrela recebe do al-
to e doa para baixo, o que significa que ela aplica seu intelecto, suas
emoções e sua sexualidade para cuidar e fazer frutificar a terra. Mas
vemos, na árvore que cresceu, um pássaro que se prepara para partir
em direção às estrelas. Esse pássaro é o vazio essencial de sua cons-
ciência libertada das ideias parasitas. Somos pó e ao pó voltaremos.
Mas também: somos luz e à luz voltaremos. A Estrela e O Papa, quando
estão juntos, dizem: “Serei pó, mas pó luminoso”. A Estrela nos ensina
que somos pó, mas pó de estrelas, e O Papa nos diz que devemos voltar
a essa luminosidade na vida material. O Papa faz um gesto de união
com as mãos, ambas sacralizadas por uma cruz. Ele está agora unindo
seus dois acólitos. A Estrela, com um de seus vasos, doa água amarela
luminosa que vem de quatro estrelas amarelas. Com a outra, ela derra-
ma água azul-escura que vem de três estrelas azuis-escuras. Ela une
obscuridade e luz, intuição e inteligência. Por fim, O Papa ensina a seus
discípulos que a mulher nua é sagrada, não apenas em sua qualidade de
mãe, mas também por sua beleza, sua inteligência e sua sexualidade
criativa que permite a continuação da vida.
Ordem XVII • V. Embora estejam juntos, A Estrela e O Papa estão de
costas um para o outro. Cada um em seu lugar, ela na natureza, ele no
templo. Cada um age à sua própria maneira, e poderíamos dizer, con-
servando em segredo sua relação. Ela está nua, ele vestido. Ela age sozi-
nha, ele ensina aos alunos. Homem importante no espírito, mulher im-
portante na terra. Eles se acompanham mutuamente, e o prazer que ti-
ram disso é intenso, no segredo da cumplicidade. A relação sexual en-
tre eles não existe (ou ainda não existe). Ele é cerimonioso, e pode en-
trar em conflito com ela, tentando fazer dela sua aluna, enquanto ela
insiste em afirmar sua liberdade.
O Papa e A Lua
Ordem V • XVIII. O Papa se encontra diante de uma mulher que re-
presenta o rosto feminino da divindade, a mãe cósmica. Ainda que ele
mesmo não seja o pai cósmico em si, mas seu representante. Ele se tor-
nará, então, fiel servidor d’A Lua. Se A Lua simboliza a loucura, O Papa
pode se tornar terapeuta e passar a vida inteira a ocupar-se dela. Pode
ser também um professor que, em vez de criar poesia, se consagra a fa-
zer com que seus alunos amem poesia. Em todo caso, ele se deixará ab-
sorver com alegria infinita. A Lua, em seu encontro com O Papa, atinge
a paz: ninguém a obriga a nada. Ela pode finalmente ser ela mesma sem
entraves: em sua noite escura, O Papa jamais ousará acender uma to-
cha.
Ordem XVIII • V. Aqui, O Papa se sabe em comunicação com as forças
intuitivas da mãe cósmica. Ele revela os segredos dela e a mostra à luz
do dia, racionalizando as forças inconscientes d’A Lua. Se A Lua é uma
poeta, ele publicará seus poemas e tentará fazer com que ela ganhe
prêmios literários. Se é uma mulher iluminada, ele transmitirá seus en-
sinamentos sob a forma de uma religião organizada. Isso pode ser an-
gustiante para A Lua, ou oferecer a ela, ao contrário, um caminho para
agir na realidade.
A RELAÇÃO DE CASAL
A Imperatriz • O Imperador
A Imperatriz (III) representa a explosão depois da acumulação (ver pp.
76 ss., p. 94). Ela floresce como a natureza depois do inverno, no mo-
mento da primavera. Ela age sem saber aonde vai, por puro entusiasmo
criativo. Ela está cheia de ideias que podem chegar ao fanatismo ado-
lescente, transbordante de um amor ideal, de desejos sexuais ilimita-
dos, o corpo em plena efervescência. Como seu cetro se apoia em seu
púbis, ela exerce principalmente o poder de seu sexo. Ela tem em seus
braços uma águia macho, símbolo da gestação da consciência. No chão,
entre seus pés, penetrando seu vestido, descobrimos uma serpente
branca, símbolo da libido universal que ela absorve desde o centro da
terra. Seus olhos verdes transmitem o dom da eternidade.
O Imperador (IIII) simboliza tudo que é estável, material: é a po-
tência máxima da matéria. Só podemos contemplá-lo de perfil, pois seu
olhar direto é capaz de nos desintegrar. Ele reina sem esforço, sem
apoiar o cetro em seu corpo. Ele é poderoso porque obedece às leis do
universo. Ele está acompanhado pela águia fêmea que incuba um ovo –
o ovo da sabedoria que a matéria encerra em si. Seu cabelo azul-celeste
indica uma grande receptividade emocional, enquanto o cabelo amare-
lo d’A Imperatriz indica uma grande atividade intelectual.
O Imperador sem A Imperatriz é excessivamente material e passi-
vo. A Imperatriz sem O Imperador é extremamente idealista e ativa.
Ordem III • IIII. Colocados assim, os dois personagens se olham e se
completam. Poderíamos dizer que A Imperatriz leva em sua águia o
animus (espírito ativo) d’O Imperador, e que O Imperador leva em sua
águia a anima (alma receptiva) d’A Imperatriz. Quando estão face a fa-
ce, atividade e receptividade se completam. O espírito (3) habita a ma-
téria (4) e se estabiliza. Juntos eles podem gerar a Consciência.
Ordem IIII • III. Quando O Imperador e A Imperatriz se dão as cos-
tas, O Imperador perde todo ideal, torna-se um materialista puro. O
ovo da águia não eclode, apodrece. Sem objetivo, ele só persegue o po-
der pelo poder. Mas por falta de energia, ele permanece inativo e olha
para um passado estéril. A Imperatriz, por sua vez, dirige seu olhar pa-
ra o vazio do futuro. Ela pode se apoiar nas costas d’O Imperador, mas
não é compreendida. Ela se torna amarga. A estabilidade indiferente
que lhe proporciona O Imperador a conduz à frustração, à falta de inte-
resse pela ação. Sem um olhar amoroso para si, ela se despreza. Essa si-
tuação é a de uma briga de casal, em que os dois protagonistas, consci-
entes do que podem perder, logo voltarão a se olhar de frente.
Os outros casais d’A Imperatriz
A Imperatriz e O Carro
Ordem III • VII. Este encontro permite criar um casal extremamente
energético, transbordante de possibilidades de ação, de criação, de con-
quistas, de dominação. Os dois se entendem em quase tudo, exceto em
um ponto importante: A Imperatriz age a partir de um ponto único, de
um território que é seu. Ela estabelece, portanto, suas leis e sua manei-
ra de viver. Poderia ser uma mulher muito apegada a uma casa, a uma
terra. O príncipe d’O Carro, por sua vez, é um nômade em deslocamen-
to constante que não cessa de conquistar novas terras. Para obter A Im-
peratriz, O Carro deverá se sacrificar e aceitar lançar raízes. Mas ele
não pode colonizar novos territórios, ele terá de se tornar senhor do
território de sua companheira. Isso poderá gerar tanto um conflito de
poder permanente, quanto uma família numerosa...
Ordem VII • III. Os personagens aqui não se olham. Cada um realiza
suas características sem exigir a participação do outro. Ele está cons-
tantemente à procura de novos horizontes; ela cria e afirma seu impé-
rio a partir de um ponto central que é sua base. A comunicação entre
eles é espiritual, de grande intensidade, mas eles correm o risco de não
se verem muito...
A Imperatriz e O Eremita
Ordem III • VIIII. Neste casal, observamos ou uma grande diferença
de idade, ou uma diferença de experiência e de temperamento. Eles são
muito unidos; ela aporta companhia e beleza, entusiasmo vital juvenil,
enquanto ele oferece sabedoria, experiência e um olhar benevolente
para tudo aquilo que ela é. Com O Eremita, A Imperatriz aprende a ser
e ele, com ela, aprende a viver. O Eremita ensina o desapego a sua jo-
vem esposa, e ela revela para ele o prazer sexual. O Eremita é para A
Imperatriz um excelente conselheiro. Quando ela quer agir, ele se reti-
ra discretamente, andando de costas, sem deixar de iluminá-la. A Im-
peratriz se sente acompanhada, inspirada mas livre.
Ordem VIIII • III. Eles estão juntos, mas não sabem por quê. É a dife-
rença que os une. Ele se retira do mundo, ela está entrando. Ela não sa-
be aonde ela vai, ele sabe de onde ele vem. É um casal díspar, que podia
também ter se unido pela droga ou pela bebida, por uma dor ou uma
falta – talvez ela tenha perdido o pai, e ele a filha. Ela talvez tenha uma
ferida psicológica e a necessidade de formar um casal com um homem
que não representa nenhum perigo. Cada um deixa o outro tranquilo e
respeita seu mistério, é isso que os une. Eles não sabem aonde vão, mas
vão juntos, contentes pela mútua companhia.
A Imperatriz e O Sol
Ordem III • XVIIII. A Imperatriz diante do pai cósmico sabe que de-
ve deixar para trás todo seu passado e iniciar uma vida nova. No globo
de seu cetro, como em um astro em miniatura, se reflete a luz do astro
solar. Ela se torna consciente de que sua criatividade não lhe pertence,
e se dá ao amor incondicional com o fervor que a caracteriza, produ-
zindo criações entusiastas. O Sol, diante dessa sacerdotisa inflamada,
emprega toda a sua benevolência para lhe permitir passar do plano ter-
restre ao plano espiritual. Este homem é um mestre, ele está aqui pela
humanidade e ela aceita com alegria não ser única em sua vida.
Ordem XVIIII • III. Nesta situação, A Imperatriz gostaria de guardar
toda a força d’O Sol só para si, como a águia em seu escudo. Ela poderá
conseguir ser a única mulher na vida d’O Sol, mas corre o risco de pas-
sar a existência sendo considerada pelo séquito dele como a mulher do
mestre, uma personagem secundária. Isso pode lhe dar a oportunidade
de encontrar a si mesma, fora dessa dependência, e criar sua obra pró-
pria, estimulada pelo calor dessa presença.
Os outros casais d’O Imperador
O Imperador e A Justiça
Ordem IIII • VIII. O Imperador, que é a perfeição do quadrado Terra,
é seguido pel'A Justiça, perfeição do quadrado Céu. É um 4 seguido por
um duplo 4. Se vemos em O Imperador a força material, ela está igual-
mente presente em A Justiça, mas completada pela força espiritual.
Neste casal, a mulher é mais desenvolvida que o homem e se torna uma
aliada de valor. Humildemente, O Imperador aceita a visão d’A Justiça
e a aplica em suas múltiplas ações. Existe entre os dois uma aliança
perfeita e uma capacidade de superar os obstáculos que o mundo apre-
senta. Este casal é unido mais pelo poder que pelo amor.
Ordem VIII • IIII. Aqui, a ação d’O Imperador degenera: em vez de
dominar o mundo, ele busca dominar sua parceira, sabendo que ela lhe
é superior. O casal pode entrar em uma crise que resulta em sua des-
truição, ou em uma mudança profunda na natureza de cada um dos
parceiros. Em sua tentativa de dominar A Justiça, O Imperador deverá
desenvolver a dimensão espiritual que lhe falta. A Justiça, que pode ter
a tentação de se limitar a um papel maternal, deverá aprender a se co-
municar, como mulher e como ser, com aquilo que escolheu como prin-
cípio de realidade.
O Imperador e A Estrela
Ordem IIII • XVII. O Imperador canaliza sabiamente a imensa ativi-
dade d’A Estrela. Nesse rio incessante, ele criará pontes, portos, usinas,
empregos úteis de energia. A Estrela, que age em um único lugar, en-
contra n’O Imperador um meio de ampliar sua ação em direção ao pla-
neta inteiro. O espírito pode aqui se encarnar. Este casal é unido pelo
amor do outro e pela devoção à obra. Poderíamos dizer que o pássaro
negro d’A Estrela entra em relação com a águia d’O Imperador, talvez
para lhe ensinar a voar. As forças inconscientes encontram um racional
flexível que lhes põe para trabalhar na vida cotidiana.
Ordem XVII • IIII. Aqui, O Imperador pretende dirigir a ação d’A Es-
trela. Ele gostaria de ser a fonte, reinar sobre aquilo que não é possível,
racionalizar as indomáveis pulsões do inconsciente. Ele desejaria que
toda a energia d’A Estrela se voltasse para ele e não para o mundo. No
melhor dos casos, ele a protege e lhe permite continuar sua ação, mas
essa proteção pode ganhar tintas de proxenetismo se O Imperador es-
pera que A Estrela, fundamentalmente livre e sagrada, se sacrifique por
ele.
O Imperador e A Lua
Ordem IIII • XVIII. O Imperador, apoiado por uma mulher que re-
presenta a mãe cósmica, faz a experiência de uma mudança essencial:
sua ação se torna intuitiva, poética, talvez um pouco louca, e seu poder,
como no caso do rei Lear, pode se converter em capricho. No caso de
um grande artista, ele será levado a criar sua obra-prima. A Lua, por
sua vez, encontra nele uma raiz que a ancora na realidade, um lar segu-
ro, uma estrutura mental que lhe permite exprimir tudo o que nela há
de infinito e por isso não tem forma. Seria a situação de uma pintora
surrealista e extravagante casada com um fotógrafo que faz fotos para
documentos de identidade. Esse homem permite a A Lua viver dentro
de seus limites amorosos sem trair a si mesma.
Ordem XVIII • IIII. Aqui, o casal entra em uma espécie de loucura. A
intuição reina. O Imperador perde a medida e o contato com o mundo
material. Ele se torna lunático. Ele é capaz de fazer quinze filhos com
sua parceira. A Lua o transformará em seu filho, em meio à multidão de
suas crianças. É ela que reina no lar, e os membros da família serão seus
subordinados. No entanto, se O Imperador decide mostrar seu poder
masculino, pode servir para colocar em ordem essa família: ele se torna
o organizador da vida cotidiana e do culto à mãe...
A RELAÇÃO DE CASAL
O Carro • A Estrela
O VII e o XVII são os dois números mais ativos de sua série. Como vi-
mos, o VII vai da terra para o céu: ele representa a espiritualização da
matéria, enquanto o XVII vai do céu para a terra, e representa a materi-
alização do espírito. Juntos eles produzem a Grande Obra. Além da re-
lação entre eles na numerologia do Tarot, observamos que esses dois
Arcanos representam respectivamente um homem e uma mulher, que
podem se unir como casal por diversos detalhes. O Carro viaja sob um
dossel constelado de estrelas, indicando que sua ação se estende à tota-
lidade do planeta. A Estrela, sob um céu aberto, ajoelhada sobre uma
terra escolhida, fala da extensão do espaço cósmico. O príncipe d’O
Carro possui dois aliados, seus cavalos masculino e feminino, que avan-
çam na intenção de obter alguma coisa. Os dois aliados d’A Estrela são
seus dois vasos, que representam o dom ou a dádiva de alguma coisa.
Ela aparece com uma nudez que indica seu afastamento de qualquer
definição, de qualquer riqueza material. Seu poder é o da humildade.
Ele, coroado, vestido e investido de todos os signos do poder, represen-
ta o valor do orgulho sagrado: ele se reconhece enquanto mensageiro
do cosmos. Os dois personagens levam cada um signo de fecundidade:
a gota verde d’O Carro representa, se quisermos, o germe da imortali-
dade, enquanto o signo em forma de broto ou de boca no ventre d’A Es-
trela nos indica uma capacidade de reprodução fecunda, que vai além
da vida orgânica.
O encontro destes dois Arcanos cria uma ação no mundo de uma
grande intensidade. Eles possuem forças iguais, mas duas atitudes dife-
rentes. O príncipe d’O Carro conquista, mas se deixa levar em direção
ao mundo. Ele não é necessariamente guerreiro, pode ter por missão
semear o espírito no mundo material. A Estrela age, por sua vez, a par-
tir de um lugar preciso. Ela encontrou seu local sagrado e dá ao mundo,
em um fluxo perpétuo, aquilo que recebe do cosmos.
Ordem VII • XVII. O Carro pode levar A Estrela em suas aventuras.
Eles então partem juntos para conquistar o mundo. Com seu nomadis-
mo, ele a faz sair de seu sedentarismo. Ou, sem levá-la consigo, ele pode
transmitir sua obra.
Ordem XVII • VII. Estes dois seres são tão similares que, nesta or-
dem, todos os valores se mantêm. A única diferença para o casal prece-
dente é que a mobilidade d’O Carro está detida pelo estatismo de sua
parceira. Aqui, portanto, a ação comum se produzirá no território d’A
Estrela, onde O Carro representará um aporte. Já não há nenhuma con-
quista, mas uma imensa doação.
Os outros casais d’O Carro
O Carro e A Justiça
Ordem VII • VIII. O Carro conserva todas as suas qualidades de con-
quistador agindo sobre a matéria e sobre o mundo, mas dessa vez ele
encontrou uma parceira que o justifica completamente. A menor de su-
as ações, seja justa ou errônea, recebe a aprovação incondicional d’A
Justiça. Essa mulher absolutamente fiel e cúmplice, maternal, o apoia
sem reservas. Ainda melhor: ela lhe dá uma arma, sua espada, que po-
demos considerar uma justificativa teórica, uma constituição, um dis-
curso, que lhe permite impor seu capricho – seja ele benéfico ou des-
trutivo para o mundo. Ela, vivendo em equilíbrio, não tem mais ne-
nhum campo onde se desenvolver. Sozinha, ela se entedia. Seu encon-
tro com O Carro lhe dá ocasião de se lançar à aventura, à ação, ao mara-
vilhoso desequilíbrio do excesso. Ela se sente viva.
Ordem VIII • VII. Nesta situação, todas as ações d’O Carro são julga-
das e equilibradas pel'A Justiça. Ela submete o príncipe d’O Carro a seu
próprio desejo de perfeição, ela o freia, não pode aceitar sua esponta-
neidade. Ela passa seu tempo a pesar o bem e o mal, a utilidade ou a
inutilidade de suas ações. Ela pode também frear o excesso de sua ação,
um eventual risco de inabilidade ou violência, ponderando-a e corri-
gindo-a. É possível que ela utilize O Carro para impor suas leis no
mundo. Ele, admirando-a e sentindo que encontrou sua mãe ideal, se
entrega a ela em total obediência. Ele pode, no entanto, sentir uma
frustração legítima...
O Carro e A Lua
Ordem VII • XVIII. O Carro (grau 7) é o mais ativo de sua série. Unin-
do-se com A Lua, que é a carta mais receptiva de todos os Arcanos mai-
ores, ele recebe por sua ação outros objetivos além dos obtidos pela
conquista. A intuição, a sensibilidade, a humildade fazem parte de sua
meta. Sob influência d’A Lua, em vez de ficar a serviço de si mesmo, O
Carro se coloca a serviço de uma boa causa. Os cavalos d’O Carro em-
pregam sua energia em ganhar terreno, em avançar; em A Lua, conver-
tidos em cães, descobrem a adoração. O príncipe pode sair de si mesmo
e reconhecer a importância do outro. A Lua, graças a O Carro, pode sair
de sua imobilidade, de sua obscuridade, e entrar no mundo.
Ordem XVIII • VII. Nesta configuração, O Carro perde seu interesse
pelo mundo e deseja conquistar inteiramente essa mulher que repre-
senta o arquétipo da mãe cósmica. Essa ação comporta alguns perigos:
A Lua é tão misteriosa e obscura, tão concentrada e receptiva, que é in-
finita. O príncipe poderia chegar a negar sua essência e se transformar
em um ser meditativo, assim como a se aventurar no caminho da loucu-
ra. Essa relação pode conduzi-lo à santidade ou à droga... Para A Lua,
neste caso, o príncipe é um aporte a mais, um alimento a mais, uma
energia a mais que ela devora com deleite. Ela faria bem se o tirasse
desse fascínio e lhe propusesse objetivos que são estranhos a ela pró-
pria. Se A Lua se transforma em mestra bem intencionada para o
príncipe, a relação pode ser frutífera.
Os outros casais d’A Estrela
A Estrela e O Eremita
Ordem VIIII • XVII. O Eremita, tendo vivido todas as experiências e
atingido a sabedoria, abandonou seus vínculos com a vida material. Ele
recua agora para se refugiar na natureza representada pel'A Estrela.
Essa mulher encarna aqui o vínculo primitivo e direto, puro, com o cos-
mos. A extrema generosidade d’A Estrela permite a O Eremita doar es-
se conhecimento acumulado e comunicá-lo ao mundo. Ela encontra em
O Eremita uma pessoa que agrega a sua ação natural as qualidades do
pensamento racional e metarracional. A Estrela tem acesso à forma
mais sublime do espírito e, em troca, ela dá a O Eremita tudo aquilo que
está em seu poder de doar, tornando-se um tipo de óleo de sua lâmpa-
da.
Ordem XVII • VIIII. O Eremita se torna aqui a fonte da ação, de tal
maneira que a atividade natural d’A Estrela é perturbada pelo extremo
raciocínio do sábio. A crise d’O Eremita provoca uma dúvida na dádiva,
na doação d’A Estrela. Será útil divulgar seu conhecimento, ajudar o
mundo? Ou será preciso se retrair em si mesma? A Estrela poderia per-
der aí sua espontaneidade e sua fé, tornando-se muito reflexiva. Pode-
ria ser o casal de uma mulher que não teve um pai presente com um ar-
quétipo de substituição. Tudo o que está em jogo nesta relação será in-
terromper a dúvida e retomar a ação a partir do coração, tanto para um
como para o outro.
A Estrela e O Sol
Ordem XVII • XVIIII. A Estrela, que recebe o conhecimento dos oito
astros simbolizando a perfeição do cosmos, realiza sua ação em um lu-
gar que ela mesma encontrou e escolheu. Mas ela conserva uma nostal-
gia das alturas, simbolizada pelo pássaro negro que poderia voar para
voltar à sua origem. Essa nostalgia da grandeza do Pai supremo é subi-
tamente dissolvida pelo encontro com O Sol. A oitava estrela amarela e
vermelha adquire no Arcano XVIIII um rosto humano e, enchendo seu
coração de calor, aporta a possibilidade de criar um casal com um ho-
mem do seu nível. O rio vital que corre na parte inferior d’O Sol simbo-
liza seu amor imenso pel’A Estrela. A partir desse encontro, o tranquilo
curso d'água que ela contribui para alimentar pode se transformar em
um rio turbulento que se oferece ao mundo inteiro. É um casal consa-
grado à humanidade, ao amor universal.
Ordem XVIIII • XVII. Aqui, A Estrela, em vez de oferecer suas forças
ao mundo, as restitui aos astros de onde elas provêm. Poderíamos ver aí
o triunfo do pássaro negro: em vez de doar à humanidade, a mulher
nua adora O Sol com uma energia tão grande que ela corre o risco de
afogá-lo. Ao desejá-lo só para si, ela o separa do mundo. O Sol, em seu
papel paterno, se deixa aprisionar por essa filha incestuosa, e só brilha
para ela, privando os outros de seu calor e de sua luz inseminadora. Es-
se casal deve aprender a se abrir ao mundo e dar lugar ao Outro, O Sol
triunfando sobre a própria fraqueza e A Estrela sobre seu ciúme.
A RELAÇÃO DE CASAL
A Justiça • O Eremita
A Justiça, Arcano VIII, é o número da perfeição: equilíbrio na carne,
equilíbrio no espírito. Não podemos lhe acrescentar nada, nem nada
lhe subtrair. Aos outros, como a ela mesma, ela doa aquilo que eles ou
elas merecem. A luz que sobe de sua coroa para o céu indica que ela é
um canal que põe em ação as leis do cosmos. O círculo amarelo-escuro
no meio de sua coroa simboliza o olhar da divindade. O arco vermelho
que cinge a coroa indica que é Deus em ação. A faixa branca na testa re-
presenta a pureza de seus pensamentos. Ela nos olha de frente: ela é
nosso espelho. A corda que usa no pescoço designa o comprometimen-
to total com sua missão. O trono atrás dela faz contraste com o solo sil-
vestre onde repousam seus pés: sinaliza que sua perfeição é tão exteri-
or quanto interior. Na mão direita, ela brande uma espada azul-celeste,
símbolo do Verbo, do texto sagrado da Lei, com a qual ela corta tudo
que é supérfluo, tudo aquilo que é subjetivo, produto do ego individual.
Na mão esquerda, formando com seus dedos um símbolo de união e de
paz, ela segura uma balança que equilibra os contrários tornando-os
complementares. Vestida de vermelho, com nove manchas de arminho
no flanco, ela exibe sua origem real e nos indica que a justiça deve ser a
principal característica do poder humano. Ela une o castigo (a espada)
à recompensa (a balança). Se o vermelho de seu vestido representa a
ação, a frieza de seu manto azul exprime a capacidade de reflexão ante-
rior a qualquer ação. O lado esquerdo de seu manto se finca como uma
raiz na terra: como uma aranha em sua teia, ela espera, fixa, em pleno
presente. Ela é perfeita. Ela não pode mudar. Ela é o eixo imutável da
impermanência, o vazio central da roda.
Por outro lado, O Eremita (VIIII) representa a crise, a passagem, a
progressão de costas. Com sua cabeleira e sua barba azul-celeste (espi-
ritualidade total; ver pp. 109 ss.), com seu capuz e seu manto grosso a
lhe cobrir a carne na obscuridade para que ela se torne espírito, com
sua lâmpada e seu bastão vermelho (sabedoria tornada ação pura), ele
abandona a perfeição. O 9 é o primeiro número ímpar divisível por 3, o
que o torna ativo para o passado e receptivo para o futuro: ele se afasta
do 8 para ir mais longe, sem saber aonde; ele rompe o círculo da perfei-
ção para transformá-la em uma espiral ativa. Ele ergue sua lâmpada,
símbolo de sabedoria, não para iluminar seu caminho, mas para aqueles
que o seguem em sua caminhada de costas. A luz dessa sabedoria não é
feita para ser mostrada: ele se ilumina para ser visto. Escolhido pelo
destino, ele é como O Louco, que terá percorrido todo o caminho da
primeira série decimal, vivido todas as crenças, todos os amores, todos
os desejos, todas as ações... Agora, ele se retira à espera da chegada de
um novo ciclo.
Ordem VIII • VIIII. Quando A Justiça vem antes d’O Eremita, há um
acontecimento benéfico: O Eremita vem trazer para A Justiça um novo
ponto de vista, que, ao liberá-la da perfeição, também a liberta da mor-
te. A permanência d’A Justiça se equilibra pela impermanência d’O
Eremita. Ao lado dele, ela se torna a Mãe suprema, e ele, ao lado dela, o
Pai sábio, benevolente, capaz de conceder seu perdão. Quando A Justi-
ça é acompanhada pel’O Eremita, ela se torna mais humana e busca
compreender mais do que castigar.
Ordem VIIII • VIII. Quando O Eremita é seguido pel'A Justiça, há um
risco de conflito: A Justiça, com sua espada, corta toda compaixão, toda
capacidade de entrar em uma crise positiva. Ela se torna absolutista e
não aceita pensamentos altruístas, de caridade. O Eremita já não pode
andar de costas, pois a espada normativa d’A Justiça o detém em seu
movimento de desapego. Perdendo a esperança no futuro, ele corre o
risco de se fechar na solidão e de se fixar no passado, arriscando adotar
comportamentos autodestrutivos, como o alcoolismo. Ele que, com seu
bastão vermelho conduzido por uma mão azul-celeste, havia controla-
do suas paixões, sofre nesta situação a negatividade d’A Justiça. A Jus-
tiça deve baixar totalmente sua espada, sua agressão verbal e aceitar se
deixar ser superada.
Os outros casais d’A Justiça
A Justiça e O Sol
Ordem VIII • XVIIII. Um juiz, quando distribui o elogio e o castigo,
pode sempre cometer erros e se deixar levar pela obscuridade das pul-
sões inconscientes. É difícil julgar, é uma responsabilidade imensa.
Quando encontra O Sol, A Justiça recebe a segurança absoluta de emi-
tir decretos justos e luminosos. Mas neste casal, O Sol tem um nível de
consciência superior ao d’A Justiça. Ele se tornará necessariamente seu
guia. Ela lhe oferecerá tudo aquilo de que é capaz: sua confiança amo-
rosa e total, entregando a ele sua espada e sua balança. O Sol, graças a
essa servidora fiel e através dela, pode realizar grandes mudanças, no-
vas construções, sanear o passado. Ela é seu princípio de encarnação na
realidade.
Ordem XVIIII • VIII. Aqui, O Sol toma o lugar central e relega A Jus-
tiça ao segundo plano. O perigo é que se siga um conflito em que A Jus-
tiça corre o risco de diminuir sua ação, se desvalorizando para se rebai-
xar à altura de um Eremita que abandona o mundo. Por seu lado, O Sol
tentará transformar A Justiça em A Lua, uma mulher que lhe corres-
ponda, mas infrutiferamente, pois ela se sentirá desprovida de sua rea-
lidade material. O problema deste casal é que nenhum dos dois aceita o
outro tal como é: ele gostaria que ela fosse mais do que ela é, ela gosta-
ria que ele fosse menos. A solução é que ambos se aceitem como são e
façam cessar sua exigência.
Os outros casais d’O Eremita
O Eremita e A Lua
Ordem VIIII • XVIII. No zen, dizem que um grão de areia no céu do
meio-dia pode escurecer todo o céu. No caso deste casal, é o contrário,
uma única lâmpada na escuridão da noite ilumina o mundo inteiro. O
Eremita recua, trazendo seu tesouro de luz, concentração do espírito e
intenso grau de consciência, em direção a um ser que funciona exclusi-
vamente com o inconsciente e a intuição. De uma vez, ele se torna o co-
ração luminoso da noite, e tudo faz sentido. Poderíamos imaginar um
terapeuta que se dedica a formar um casal com uma paciente. É possí-
vel. Ou ainda um sábio que forma um casal com uma famosa astróloga,
um filósofo que se une a uma poeta... Os dois se enriquecem com a rela-
ção.
Ordem XVIII • VIIII. Nesta situação, a noite predomina. A lâmpada
d’O Eremita se torna aqui insuficiente. A loucura supera o terapeuta, a
famosa astróloga transforma o sábio em um amante ciumento, o filóso-
fo delira... ou se isola, não conseguindo mais se entender com sua poe-
ta. Aqui, o risco, para O Eremita e para A Lua, é o abuso de substâncias
tóxicas, álcool ou drogas. A única solução possível é que O Eremita se
ilumine e se torne O Sol, chegando à santidade, ao poder total do amor.
A RELAÇÃO DE CASAL
A Lua • O Sol
Na psicologia junguiana, assim como nos mitos ameríndios ou africa-
nos e na iconografia primitiva europeia, o casal lua-sol encarna o en-
contro fundamental entre o pai cósmico, o sol, dispensador de luz e de
vida, elevado à divindade sob o nome de Ra no Egito, e a mãe arquetípi-
ca, a lua, rainha da noite, do reino da gestação e da intuição, senhora
das águas que governa o movimento das marés. Segundo a ciência mo-
derna, os oceanos são a matriz fundamental da vida sobre a Terra. No
Tarot, a simetria entre essas duas cartas é evidente: no alto, um astro
dotado de rosto, que projeta, sob a forma de gotas multicores, sua in-
fluência sobre a vida terrestre. Em O Sol, são dois meninos gêmeos que
recebem os benefícios do astro paterno, e em A Lua são dois cães ou lo-
bos – símbolos da vida animal, do ego humano – e uma lagosta escondi-
da nas profundezas de um lago ou de um oceano, como um bebê em
gestação nas águas matriciais.
Essas cartas possuem numerosos significados, mas frequentemente
nos remeterão à leitura de um pai ou uma mãe idealizados, ora por te-
rem sido realmente perfeitos, ora por terem sido ausentes da vida do
consulente. É frequente vermos uma mulher cujo pai foi ausente tirar
O Sol como parceiro desejado. O homem que se apaixonar por ela deve-
rá, então, fazer imensos esforços para estar à altura de seus sonhos de
menina, e jamais seus esforços serão completamente suficientes. Da
mesma maneira, um homem que pensa: “Nenhuma mulher cozinha tão
bem quanto a minha mãe”, tem em mente, como parceira desejada, A
Lua mítica e solene, que nunca está cansada, jamais despenteada, nun-
ca de mau humor, sempre sublime e misteriosa.
Em resumo, somente A Lua está à altura d’O Sol, e vice-versa. Exis-
te em cada um de nós um traço dessa feminilidade e dessa masculinida-
de fabulosa, um tesouro de clareza e intuição, de coragem e de doçura,
de espírito empreendedor e de capacidade de escuta. Estas cartas vêm
também nos lembrar de quais são nossos valores, e que é tempo de cul-
tivá-los.
Ordem XVIIII • XVIII. Quando O Sol vem antes d’A Lua, os valores
de atividade e de receptividade se invertem. Isso pode significar que,
no casal, a mulher é mais masculina e o homem mais feminino. Isso in-
duz a uma desordem cósmica, pois o sol não pode refletir a lua, não é
de sua natureza refletir; e a lua, sendo um satélite e não um astro, não
pode brilhar com luz própria. Numerosos sofrimentos psíquicos po-
dem decorrer desse deslocamento fundamental, e tomar consciência é
o primeiro passo da cura.
Pares de soma XXI
Onze caminhos de realização
Vimos na primeira parte que uma das estratégias de organização possí-
veis dos 22 Arcanos maiores consiste em formar pares cuja soma dá 21
(ver pp. 52-3). Esse esquema põe em evidência 11 pares: Louco-XXI, I-
XX, II-XVIIII, III-XVIII, IIII-XVII, V-XVI, VI-XV, VII-XIIII, VIII-
XIII, VIIII-XII, X-XI.
No centro, encontra-se o par formado pel'A Roda da Fortuna (X) e
A Força (XI), que podemos considerar o coração do Tarot. Se observar-
mos os personagens presentes nessas duas cartas, poderíamos dizer
que existem nas duas todos os elementos que formam O Mundo. De fa-
to, a mulher e o leão d’A Força poderiam tomar o lugar da mulher e o
leão d’O Mundo. Quanto aos três personagens d’A Roda da Fortuna, po-
deríamos, se quisermos, atribuir os seguintes papéis: o animal que des-
ce, cor de carne, poderia ser o animal cor de carne d’O Mundo; a esfin-
ge alada poderia ser o anjo d’O Mundo; o animal amarelo, que sobe, po-
deria representar a águia d’O Mundo. Dessa maneira, a união dessas
duas cartas permite recriar o Arcano XXI.
Esse indício nos encoraja a ler, a partir do par X-XI, todos os pares
presentes nesta combinação como o encontro dessas duas energias
constituindo um caminho de realização. Com esses 11 pares, o Tarot
nos propõe onze combinações de energias que, unidas, “formam um
mundo”, um XXI.
O Louco XXI O Mundo
O Louco e O Mundo são complementares mas não possuem a mesma
ação. O Louco é representado andando, avançando do início do Tarot
até o fim. O Mundo é representado fixo, com a mulher apoiada em um
pé só, como para indicar que ela se encontra em seu lugar. Em seu grau
mais alto de interpretação, O Louco é a energia que poderíamos cha-
mar de divina, para os crentes, ou cósmica, para os laicos. O Louco, por
não ter nem limites, nem nome, nem definição, por ser energia pura,
tende a impregnar toda a matéria. Ele é cem por cento ativo. Ele é o
motor central de todo o universo, de toda vida. A ação d’O Mundo, ao
contrário, se não podemos qualificar de receptiva, consiste ao menos
em captar, em aspirar: é uma atividade que se desenvolve a partir de
um determinado lugar. O mundo inteiro, a cada instante, aspira a ener-
gia fundamental que por sua vez, a cada instante, o impregna e o pene-
tra. É um ato de amor constante. Alguns esotéricos de séculos passados
atribuíam a O Louco o número 22. Isso seria para O Louco uma situa-
ção aberrante, que corresponderia a fazê-lo vir depois d’O Mundo: isso
seria como se, fundamentalmente, a matéria recusasse a energia divina
ou cósmica a cada instante e a cada instante a abandonasse. A energia
fundamental d’O Louco procura O Mundo, e O Mundo precisa da ener-
gia d’O Louco para viver.
I O Mago XX O Julgamento
O Mago, sempre em busca de elevação, em busca da magia e das potên-
cias do Alto, encontra em O Julgamento aquilo que ele tem de mais ele-
vado: a evolução máxima da consciência simbolizada pelo anjo. Não se
trata mais de uma busca, mas de uma mutação. A peça na mão d’O Ma-
go – sua existência material, sua busca do tesouro – corresponde à aura
amarela do anjo, ao ovo de ouro que tem atrás da cabeça. Podemos di-
zer que o novato no caminho da consciência busca o chamado do anjo,
a iniciação. Pode ser também um ser jovem que entra na vida com a in-
tenção de fundar uma família. Por sua vez, a Consciência suprema pro-
cura um iniciado que tome o caminho do conhecimento.
II A Papisa XVIIII O Sol
A Papisa, destinada a acumular, a estudar no interior do claustro, rece-
be com o Arcano XVIIII a luz, a liberdade de ação, a possibilidade de
transmitir a palavra sagrada pelo mundo inteiro. Ela já não está mais
sozinha diante de seu livro: o Verbo se fez carne e calor, o ovo poderá
eclodir. Se ela representa um escritor, um ator ou uma atriz, O Sol é seu
sucesso, sua penetração no mundo. Para o deus Sol, A Papisa é a carne
virgem, a Virgem Maria. O amor total em nós precisa de um espaço in-
teiramente virgem para aí semear seu germe. A Papisa representa tam-
bém a prática da oração, o diálogo com o Criador. Na paisagem banha-
da de luz d’O Sol, o claustro d’A Papisa é uma benéfica zona de sombra
e de frescor.
III A Imperatriz XVIII A Lua
A ação sem medida d’A Imperatriz encontra a recepção sem limite d’A
Lua dois aspectos do feminino criativo. Esse encontro é como uma
bomba em que a mecha acesa é A Imperatriz e a pólvora que explode é
A Lua. A capacidade de criação d’A Imperatriz, absorvida pela imensi-
dão d’A Lua, se multiplica em proporções cósmicas. Ela não é mais uma
mulher, ela é a feminilidade. A Lua, com A Imperatriz, conhece a em-
briaguez da ação. Ela, que por muito tempo esperou o sol, encontra n’A
Imperatriz o ventre que acolhe e lhe faz nascer – pois se A Papisa re-
presentava a virgindade, A Imperatriz representa a fecundidade. A Im-
peratriz representa o corpo, a sexualidade, a afetividade, o intelecto em
plena saúde, em que a intuição poética d’A Lua pode se encarnar.
IIII O Imperador XVII A Estrela
O Imperador encontra n’A Estrela a prosperidade, a saúde, a fertilida-
de, a pureza de intenções. Todo seu reino é positivamente afetado: ela
encarna a generosidade desse universo cujas leis são aplicadas por ele.
Ele aprende graças a ela a se ligar diretamente às forças cósmicas. O
amor da criação impregna seu reino todo-poderoso de humildade e ter-
nura. Por sua vez, a ação generosa d’A Estrela só faz sentido se ela en-
contra uma realidade na qual se derramar. O Imperador a protege e lhe
dá seu império. Ela é como um rio cujo curso será aproveitado pela for-
ça concreta d’O Imperador, de quem ela por sua vez fortalece o poder
de ação.
V O Papa XVI A Torre
A Torre dá a O Papa a alegria, a fantasia, a liberação sexual, todo o en-
tusiasmo vital e a indicação suprema que um mestre precisa para ser
mestre: como liberar seus discípulos de seus ensinamentos, como enco-
rajá-los a aprender por eles mesmos. Com A Torre, O Papa lhes diz:
“Serei seu último professor, não que eu seja o melhor, mas eu lhes ensi-
narei a aprender consigo mesmos”. É também uma figura de ilumina-
ção, de retorno ao presente: a teologia ou a mística pregada pel’O Papa
se vive na experiência direta do divino. A inspiração celeste, o desejo
de se aprofundar não deve conduzir a uma fuga do presente. A Torre
encontra n’O Papa alguém que pode habitá-la como um templo, que re-
cupera para a explosão feliz o sentido da hierarquia, do discernimento,
e a própria noção de Deus: sob o olhar d’O Papa, o corpo, a existência,
tudo o que é terreno, feliz, toda embriaguez, tudo isso é santificado co-
mo manifestação do divino. A festa é cheia de sentidos: a festa suprema
é o encontro com a Consciência.
VI O Namorado XV O Diabo
De um lado um anjo de luz se destaca contra um sol. Do outro, um anjo
da escuridão brande uma tocha. O Namorado é uma carta de união, que
evoca o prazer de fazer aquilo que se ama e o apego emocional livre-
mente consentido. O Diabo, por sua vez, representa a força sexual vin-
da das profundezas obscuras do ser: a paixão e as pulsões, a criativida-
de, a ruptura dos limites, a rebelião contra as forças racionais. Os per-
sonagens d’O Namorado estão de pé sobre um terreno cultivado, lavra-
do. É uma superfície que tende a se comunicar com os valores celestes,
a crescer até O Namorado central que ama a tudo e a todos sem distin-
ção: o sol branco. O Diabo é a antítese de tudo isso: os personagens es-
tão na caverna primordial, com os pés sobre o magma obscuro, negan-
do a luz da divindade. O Diabo acende a própria tocha, sua luz pessoal.
Se o Arcano VI é social, o Arcano XV é individual. Se o VI é uma carta
de escolhas livremente consentidas, o XV é uma carta de paixão à qual
só se pode obedecer. Esses dois Arcanos se completam: um oferece a
luz da consciência, outro a escuridão do inconsciente. A riqueza desses
contrários é o caminho que nos leva a realizar a vida passional amoro-
sa: o amor nos obriga a encontrar desejos passionais e a identificar nos-
sas projeções. Inversamente, o mistério do gostar, daquilo de que gosta-
mos irresistivelmente, constitui um caminho de aprendizagem do
amor. A união do anjo das trevas com o anjo da luz nos lembra de que,
nos domínios da paixão e do amor, somos ao mesmo tempo divinos e
diabólicos. Aquilo de que gostamos realmente está ancorado em nosso
inconsciente, na nossa criatividade profunda.
VII O Carro XIIII Temperança
O Carro, conquistador por essência, se esquece de si mesmo. Ele se une
ao movimento do mundo. Temperança volta aos valores espirituais, à
comunicação consigo mesmo. Ambos são complementares: a ação pura
d’O Carro, voltado para um objetivo exterior, poderia se tornar destru-
tiva sem a interioridade e a medida de Temperança. Quando O Carro
combate, Temperança benze, acalma sua agressividade, protege-o dos
excessos de sua energia. Da mesma maneira como os cavalos azuis-ce-
lestes são o motor da ação material d’O Carro, as asas azuis-celestes do
anjo da Temperança são o motor de sua ação espiritual. O movimento
d’O Carro é horizontal, ele se dá no espaço; o da Temperança é vertical,
ele se dá na linha do tempo. O Carro busca a sabedoria na terra, en-
quanto o Anjo aporta sabedoria do mundo celestial. É preciso ver as
duas cartas não uma depois da outra, mas ao mesmo tempo, como um
acorde. A ação da Temperança sem O Carro poderia permanecer em
um circuito fechado, inconsciente, hesitante. O Carro lhe dá um meio
de ação no mundo, materializando sua harmonia. O que está no interior
se passa como o que está no exterior. O mundo é igual ao que sou por
dentro. Este par evoca também o fato de alguém aceitar ser protegido,
guiado.
VIII A Justiça XIII O Arcano sem nome
A perfeição d’A Justiça, que tende à paralisia, encontra no Arcano XIII
a possibilidade da transformação e a tomada de consciência da imper-
manência. Esta união lhe permite não mais reprimir a mudança, mas
acolhê-la. O verdadeiro equilíbrio d’A Justiça consiste em aceitar a
transformação. Sua mensagem poderia ser “dar a cada um o que mere-
ce”, e, com o Arcano XIII, sob risco de ocorrer uma revolução. Da mes-
ma maneira que a ordem se alimenta do caos, o caos precisa da ordem
para adquirir uma forma. A limpeza do Arcano XIII faz sentido se tem
por objetivo ou por fundamento um equilíbrio, uma nova concepção da
perfeição ou da Lei. O termo “tohu bohu”, em hebraico, o ovo da ordem,
significa caos.
VIIII O Eremita XII O Enforcado
Estes dois Arcanos remetem aos dois caminhos do conhecimento, que a
tradição alquímica chamou “caminho seco” e “caminho úmido”. No ca-
minho seco, o buscador estuda, lê e relê, reza, obriga-se a práticas e a
uma disciplina sem falhas até encontrar a sabedoria. No caminho úmi-
do, não buscamos: recebemos, como nesse dito zen: “Portas abertas ao
norte, ao sul, ao leste e a oeste”. O Enforcado não faz esforço, ele se en-
trega, aceita a vacuidade, abandona todas as escolhas, toda vontade. O
Eremita procurou a vida inteira, para chegar, ao final de um imenso
trabalho, à santa ignorância. É aí que ele se une a O Enforcado: o que O
Enforcado encontra por meditação profunda, O Eremita lhe transmite
como resultado de um caminho de buscas cujo substrato está concen-
trado na luz de sua lâmpada. O mutismo essencial d’O Enforcado é a
raiz de palavras exatas d’O Eremita. Poderia ser o mestre que orienta a
meditação de seu discípulo, ambos em relação de necessidade recípro-
ca. Poderia ser um médico e uma doença, um aportando o conhecimen-
to necessário à cura e outro um objeto de estudo e de prática. Em um
contexto mais cotidiano, poderíamos também ver O Enforcado como
uma criança em gestação e O Eremita como o pai cheio de experiência
que vela por seu desenvolvimento. O feto é, então, para o homem ma-
duro, a esperança de se perpetuar no futuro.
Com este par, o Tarot nos ensina que quem quer verdadeiramente
entrar em si mesmo não deve esquecer sua responsabilidade diante da
vida, diante da transmissão e dos ensinamentos. Não se pode cair, como
O Enforcado, em um êxtase sozinho.
X A Roda da Fortuna XI A Força
Podemos dizer que estas duas cartas são o coração do Tarot. Tudo está
acabando ao mesmo tempo em que tudo está começando. Eterno fim,
eterno começo. Se considerarmos este par dessa maneira, temos mais
facilidade para compreender seu significado profundo.
Em A Roda da Fortuna, todas as experiências foram vividas. Entre
ascensão e descenso, ciclos repetidos giram em círculos viciosos. Falta-
lhe um novo impulso que quebre esse ritmo para que o círculo se abra à
dimensão vertical e se converta em espiral. É A Força quem aporta esse
impulso. Ela representa uma energia em potência que encontra com A
Roda da Fortuna o terreno propício para se exercer. Como uma indús-
tria tradicional, para sair de um impasse, cria um novo produto: com A
Força, as energias sexuais criativas estão à nossa disposição e, a todo
momento, podemos delas dispor se as deixarmos circular inteligente e
livremente em nosso ser. Poderia ser também um remédio que permite
curar uma doença até então incurável. É toda solução criativa, autenti-
camente nova, que é ao mesmo tempo gerada por um bloqueio e permi-
te desfazer esse bloqueio. É também o fim de uma situação econômica
e uma nova possibilidade de gerar dinheiro. Em todo fracasso financei-
ro há uma possibilidade de indústria, de nos lançarmos em outra ativi-
dade. As duas cartas estão em profunda interação, pois sem a experiên-
cia imobilizante d’A Roda da Fortuna, poderíamos hesitar em contatar
as forças das profundezas percebidas como perigosas ou assustadoras.
Frequentemente, uma dificuldade ou um bloqueio nos leva a uma for-
ma terapêutica, artística, uma forma que jamais teria nos ocorrido an-
tes. O Arcano X é uma plataforma de lançamento que nos permite en-
trar na experiência nova d’A Força.
A mensagem do Tarot, com este par, é que cada vez que uma coisa
acaba, é preciso pensar que algo de novo começa, que o fim e o início
estão juntos.
Sucessão numérica e translação
Chaves para a leitura de duas cartas
Não nos sendo possível estudar todos os pares formados entre os Arca-
nos maiores, desejamos, para concluir esta parte, evocar ainda alguns
exemplos que permitirão fornecer dois elementos de método, essenci-
ais para a leitura dessas “sílabas” formadas por duas cartas.
Nos três primeiros exemplos, estudaremos três séries de dois Arca-
nos maiores que se seguem na ordem numérica: XII e XIII, XV e XVI,
XX e XI. Veremos que a ordem numérica pode ser levada em conta na
leitura de uma tiragem: se a dupla de cartas escolhidas exprime a pas-
sagem de um nível par receptivo a um nível ímpar ativo, a dinâmica da
interpretação não é a mesma se a dupla vai da ação à recepção.
Além disso, escolhemos estudar a translação de símbolos que se
efetua entre o Arcano XV, O Diabo, e o Arcano XVIIII, O Sol. Esse
exemplo tem por vocação incitar o leitor a procurar, fazendo ressoar
duas cartas entre si, quais são os elementos que se encontram em am-
bas e como esses elementos se transformam de uma para a outra. Esse
trabalho de leitura dinâmica é um elemento-chave para ler uma tira-
gem de Tarot como um todo e não como uma sucessão de elementos
isolados.
Na mesma ordem de ideias, propomos a leitura de três, depois de
quatro cartas com a mesma chave que constitui a translação de símbo-
los: de um lado, a sequência XVII-XVIII-XVIIII com o rio azul que
corre nas três cartas, e de outro, uma “decomposição” d’O Namorado
(VI) em três personagens: O Mago (I), A Papisa (II) e A Imperatriz
(III).
Da recepção à ação, da ação à recepção
XII O Enforcado • XIII O Arcano sem nome
A relação entre estes dois Arcanos é de extrema tensão, como vigas de
concreto que têm no interior uma armação de ferro tensionado. O XII é
uma parada extrema, o XIII é uma extrema explosão transformadora.
Podemos dizer que ambos transformam o mundo: O Enforcado deixa
de escolher, ele paralisa o mundo ao paralisar a si mesmo e mergulha
na busca interior; o Arcano XIII destrói o velho mundo para que o no-
vo ser possa nascer. Essas duas ações de polos opostos têm como efeito
comum destruir a realidade antiga. A ordem numérica das duas cartas
é XII-XIII: essa queda em si mesmo, esse retorno do olhar para o mun-
do, buscando apenas aquilo que é verdadeiro, esse estado de não ação,
como uma semente, prepara a eclosão, o nascimento, a explosão.
XII-XIII. É um momento magnífico de explosão criativa. Tudo aquilo
que estava contido n’O Enforcado explode no Arcano sem nome. A
grande mudança se produz: mutação, revolução, mas não se conhece
ainda o resultado disso tudo. Para esclarecer esse ponto, seria preciso
tirar mais uma ou mais algumas outras cartas.
XIII-XII. Nesta configuração, nós nos encontramos na presença de
uma grande frustração. Toda a energia transformadora do Arcano sem
nome (XIII) se choca com a barreira representada pel’O Enforcado. Es-
ta situação pode conduzir a uma autodestruição ou à cólera.
XV O Diabo • XVI A Torre
Aqui, mais uma vez, passamos de uma carta em que os personagens es-
tão amarrados (XV) e escondidos em um mundo subterrâneo para uma
carta representando uma explosão, uma alegre saída ao ar livre. A or-
dem numérica é XV-XVI: A Torre representa, então, essa primeira as-
censão das energias das profundezas.
XV-XVI. Nós nos encontramos diante de forças subterrâneas que se
manifestam. Tudo aquilo que até então estava escondido é dito, desco-
berto, ou sai à luz. Os segredos maravilhosos ou vergonhosos são reve-
lados. Uma criatividade profunda se exprime sob uma forma artística
ou festiva. É talvez um momento de grande felicidade ou de grande
vergonha, mas em todo caso uma etapa purificadora.
XVI-XV. O espírito desce às profundezas do inconsciente, se amarra à
matéria e alimenta a chama da tocha da criação. Depois da explosão
alegre vem o enraizamento na adoração. Pode ser o anúncio de uma
grande paixão, mas também de um nó difícil de soltar.
XX O Julgamento • XXI O Mundo
XX-XXI. É um sucesso total: aquilo que o anjo oferece se realiza. O de-
sejo irresistível atinge sua satisfação. Pela intermediação do anjo, co-
nhecemos a graça. Pela águia, a iluminação. Pelo leão, a concepção divi-
na. Pelo animal cor de carne, o transe e o prazer cósmico. As quatro es-
peranças supremas do ser humano podem, então, se realizar. Na vida
material, ele se torna um campeão, capaz de enfrentar todos os obstá-
culos e triunfar. Na força vital (o leão), ele se torna um herói, capaz de
vencer a morte. No intelecto (a águia), ele realiza o gênio, capaz de des-
cobrir o que ninguém jamais viu. No centro emocional (o anjo), ele se
torna um santo, não desejando nada para si que não seja para os outros.
XXI-XX. Estamos em uma situação dramática, dolorosa: o Arcano XXI
(o fim) está colocado no começo; ele representa, então, o fechamento, a
ausência de comunicação, o autismo, até mesmo um parto difícil. Esta
negação ao nascimento é tão forte que em O Julgamento, o personagem
que tenta sair da tumba (o atanor alquímico) permanece cativo da den-
sidade da matéria e, apesar do trabalho e das orações, não chega a reali-
zar sua ascensão. O desejo irresistível não encontra sua satisfação. Com
O Mundo assim aprisionado, as quatro esperanças supremas não po-
dem se realizar. A pessoa tem a sensação de ser um perdedor, um co-
varde, um medíocre e um egoísta. Essa situação, evidentemente, não é
irreversível: em uma leitura, isto é, com três cartas no mínimo, a carta
seguinte indicará o caminho para sair dessa situação dolorosa.
Translação de uma série de símbolos de um Arcano para
outro
XV O Diabo • XVIIII O Sol
Poderíamos considerar que O Diabo representa o lado mais profundo,
escondido e obscuro, do Tarot. O Sol, por sua vez, é o símbolo mais lu-
minoso de todos. No Arcano XV, vemos um ser andrógino que segura
na mão esquerda uma tocha que ilumina um casal homem-mulher en-
raizado, amarrado e inativo, provavelmente aprisionado por vontade
própria. A fêmea tem três pontos na altura das costelas, que represen-
tam, se quisermos, sua dimensão espiritual. Em O Sol, podemos dizer
que encontramos esses mesmos dois personagens, agora livres. Mas en-
quanto em O Diabo, com as mãos escondidas nas costas, eles recusa-
vam a doação, aqui nós os vemos em uma relação de ajuda recíproca. O
personagem da direita ajuda o outro a atravessar o rio, símbolo da vida
eterna que passa em perpétua transformação. Esse personagem tem a
mão apoiada na nuca de seu parceiro, ele afirma, assim, sua vontade de
desenvolvimento consciente. O outro estende as mãos em direção aos
três pontos que seu companheiro tem no corpo, isto é, em direção ao
ideal divino. O personagem da esquerda conserva ainda a cauda que vi-
mos nos diabretes do Arcano XV, mas a extremidade das caudas dos di-
abretes se estendia indefinidamente para o exterior da carta, sem limi-
tes, enquanto a cauda do personagem d’O Sol, ao contrário, se dobra
para o interior. Da mesma maneira, os personagens d’O Sol têm em vol-
ta do pescoço a marca vermelha da corda que os prendia em O Diabo: a
animalidade do ego não foi eliminada, mas honrada e domada.
Os três pontos mudam de lugar: no Arcano XV, é o personagem da
esquerda quem os traz sobre o corpo, e em O Sol, é o personagem da di-
reita. O espírito feminino é o primeiro a dar o passo em direção à ilumi-
nação. Para chegar a seu objetivo, o homem deve despertar sua anima.
Em O Diabo, o rio azul-celeste está parado, estático, morto: o ego finge
fixar o tempo. Mas essa empreitada constitui um congelamento apenas
de si mesmo; ficamos presos, lançamos raízes. O trio d’O Diabo habita
um pedestal limitado. É a busca animal do território. Em O Sol, uma
mureta, como um cercado sem fim, separa o presente do passado e per-
mite construir uma vida nova no amor e na doação. As treze gotas que
sobem em direção ao Sol lembram o Arcano XIII, símbolo da transfor-
mação. Elas representam as aspirações de todos os seres conscientes da
Terra que sobem em direção ao Sol, imagem da nossa consciência eter-
na, fogo central que nos anima. O Sol é formado de amarelo e vermelho:
sangue e luz. Essa vida luminosa permite a construção de um muro,
também de sangue e luz, que não encerra, que elimina a noção de pos-
se. Ele nos protege simplesmente das amarras do passado.
XVII A Estrela • XVIII A Lua • XVIIII O Sol
Poderíamos pensar que a extensão de água que vemos n'A Lua é conti-
da por limites, de tal maneira que a lagosta estaria presa. No entanto,
essa água não está parada se colocarmos A Lua entre A Estrela e O Sol.
Encontramo-nos, então, diante de um rio, que vem de muito longe e
que vai para muito longe. O rio vem do Arcano XVII, onde uma mulher
nua, símbolo da anima, da verdade interior, encontrou seu lugar ativo
acima da superfície vermelha onde ela apoia o joelho. Nesse contato
com o solo, ela o sacraliza. Com seus dois vasos, ela purifica a corrente
que vem do passado (da esquerda no sentido da leitura). Essa purifica-
ção se efetua por meio de duas energias: a energia sexual (azul-escuro)
e a energia espiritual (amarelo), que encontramos nas sete estrelas me-
nores (azuis e amarelas) no céu da carta. Os dois vasos por sua vez têm
o vermelho e o amarelo da estrela central.
A meia-lua laranja que a personagem feminina tem na testa é sinal
de sua receptividade mental às energias cósmicas. Não é ela que deseja,
é o cosmos que a deseja – quem nos deseja. Não é ela que espiritualiza,
é o cosmos que lhe envia a consciência. Ela está na posição de servidora
da grande obra universal. O pássaro negro pousado nos galhos é o sím-
bolo de sua parte humana (o ego) que foi reduzida ao estado volátil, a
um nada ativo e dócil.
O rio purificado chega ao tanque d’A Lua, mas a lagosta não obede-
ce à corrente. Ela não quer avançar: ela quer um ideal – simbolizado
pel'A Lua. O astro noturno tem as mesmas cores da lagosta, indicando
que ela é apenas uma projeção desse animal louco e idealista. Os cães
(ou lobos) uivam, alimentando-se desse desejo ideal, mas sem se ajuda-
rem mutuamente. Cada um está preocupado apenas consigo mesmo.
Para avançar, a lagosta deverá seguir o exemplo do satélite que é a lua:
tornar-se cada vez mais transparente até ser apenas um reflexo, um es-
pelho da luz solar, a luz do amor. Em A Estrela, as estrelas são sóis dis-
tantes. A Lua idealista olha para o sol distante d’A Estrela. Quando o
trabalho de recepção se conclui, o rosto d’A Lua, que é a essência da la-
gosta (azul-celeste) se dissolve no rio d’O Sol. Aí, no Arcano XVIIII, a
dualidade dos dois vasos do Arcano XVII e os dois cães d’A Lua se tor-
nam uma unidade: os dois personagens se ajudam mutuamente sob o
olhar amoroso d’O Sol. Eles caminham pelo rio da vida se separando do
passado pelo muro que veem atrás de si e construindo seu novo paraí-
so. O amor que o Sol lhes envia, germinando em seus corações, sobe até
ele por gotas ascendentes. Tudo aquilo que doamos é a nós mesmos que
doamos. Tudo aquilo que não doamos nos é tirado.
No fundo, o que A Estrela está fazendo é conciliar dois grandes ar-
quétipos universais: A Lua que representa os valores mais sublimes da
mãe, e O Sol que representa os valores mais elevados do pai. Sem o
equilíbrio desses dois arquétipos, nenhuma obra pode ser levada a bom
termo.
Nas tiragens em que esses três Arcanos saem, A Estrela representa-
rá em geral o próprio consulente; se é um homem, este Arcano evocará
sua parte feminina receptiva, artística, mediúnica (anima). Mas é preci-
so prestar atenção: se invertemos a ordem que nos dá o Tarot (A Lua à
esquerda e O Sol à direita), nos deparamos com:
XVII-XVIIII-XVIII. A mãe toma o lugar do pai, ela se torna abusiva,
cruel e normativa. E o pai toma o lugar da mãe, tornando-se fraco, in-
fantil, ausente.
XVIII-XVIIII-XVII. A Estrela não cessa jamais de olhar para O Sol e
para A Lua. Ela fica dependente, apaga o futuro, cai em devaneios in-
fantis.
XVIII-XVII-XVIIII. A Estrela toma o lugar do pai e vive para seduzir
a mãe, de quem se torna a noiva metafórica, relegando seu pai ao se-
gundo plano.
XVIIII-XVII-XVIII. A Estrela, apropriando-se da imensa receptivida-
de d’A Lua (sua mãe), torna-se a mulher de seu pai. É uma relação in-
cestuosa em que a menina fará às vezes o papel de mãe para seus ir-
mãos e irmãs.
I O Mago • II A Papisa • III A Imperatriz e seu espelho: VI O Namo-
rado.
É preciso compreender que o Tarot é uma linguagem óptica e que ele é
também, sob certos aspectos, similar à linguagem musical. Uma nota só
não ressoa da mesma maneira que um acorde de duas ou três notas. Em
música, o acorde, ainda que composto de várias notas, é percebido pelo
ouvido como uma unidade. Para aprender a ler o Tarot, é preciso poder
conceitualizar “acordes” de diversas cartas.
Por exemplo, O Mago ao lado d’A Papisa pode bem evocar uma pes-
soa agindo no mundo que tira sua força de um conhecimento secreto
(A Papisa enclausurada). Uma ação se prepara, está sendo incubada,
como indica o ovo d’A Papisa. Se acrescentarmos A Imperatriz (I-II-
III), é uma explosão súbita que se produz, uma explosão de criativida-
de. E se adicionarmos os valores numéricos dessas três cartas, obtere-
mos: 1 + 2 + 3 = 6. VI é a carta d’O Namorado, o que dá o tom do “acor-
de”. Isso nos permite colocar O Mago entre A Papisa e A Imperatriz, à
maneira dos três personagens (um homem e duas mulheres) que figu-
ram na carta d’O Namorado.
Estudando os Arcanos dessa maneira, percebemos que os pés d’O
Mago apontam para duas direções opostas, como os pés do jovem d’O
Namorado. Poderíamos dizer que ele se posiciona simultaneamente em
dois caminhos divergentes. Em sua mão esquerda, O Mago segura uma
varinha mágica, símbolo de uma criatividade extrema. Na mão direita,
uma moeda ou esfera amarela simboliza a acumulação e a concentra-
ção. Qual caminho ele tomará? O Namorado nos indica que ele realiza-
rá a união de duas tendências. À sua direita, descobrimos uma mulher
coroada de folhas, correspondendo a A Papisa. Ela o segura pelo ombro
e pela bainha de seu traje, como para contê-lo, mas ao mesmo tempo,
servindo-lhe de apoio e lhe concedendo sua experiência. À esquerda do
jovem (à nossa direita), uma mulher coroada de flores representa A Im-
peratriz. Com uma mão, ela indica o coração de seu companheiro, en-
quanto a outra mão, amalgamada à mão dele, aponta o próprio ventre
como se dissesse: “Fecunde-me”. Da mesma maneira, A Imperatriz tem
embaixo do braço uma águia, como uma criança ou uma consciência
em gestação. Do cetro que ela apoia no ventre brota uma folhinha ver-
de, sinal de uma criatividade eternamente renovada.
Os três personagens, nos Arcanos I, II e III, estão separados. Eles
encontram sua união em O Namorado. A moeda, o livro e a águia, três
graus da obra em gestação, sobem ao céu, criam a consciência divina
que não é outra coisa senão o amor – exaltação do milagre de toda exis-
tência. Nesta união amorosa, ouvimos o acorde que une passado, pre-
sente e futuro. Essa harmonia é a da união dos contrários, ou dos con-
ceitos aparentemente separados: conservação, destruição e criação. O
VI nos indica também que o mais alto grau do amor é o amor pela bele-
za, a aceitação da existência do outro.
Tomemos os três Arcanos. Vistos no sentido I-II-III, não há comu-
nicação entre os personagens.
No sentido II-I-III (ver página anterior), encontramos O Mago ten-
tando inutilmente fazer A Papisa e A Imperatriz se comunicarem. Para
que a união funcione, devemos ler III-I-II: assim, todos os personagens
se olham, colocando suas forças a serviço da harmonia comum.
É interessante notar que essa ordem não é a reprodução da posição
dos personagens do Arcano VI, mas sua versão espelhada. É mais uma
indicação que o Tarot nos dá: ele não é a projeção da nossa situação,
mas nosso espelho. Cabe a nós nele nos refletirmos e nele refletirmos
para melhor nos compreender.
Como se tornar um espelho
Durante os meus primeiros anos de estudos do Tarot, buscando o signi-
ficado de seus símbolos, considerei-os ferramentas do conhecimento
de si mesmo. Influenciado por minhas leituras de livros sobre alquimia,
Cabala e outras iniciações, considerei que aquele que aspirava à sabe-
doria devia trabalhar na solidão. A semente, para germinar, precisa da
escuridão das profundezas da terra, da mesma maneira que o feto pre-
cisa da escuridão do ventre materno e que a alma, segundo San Juan de
la Cruz em “A subida do monte Carmelo”, deve, para chegar à união
com Deus, passar pela noite escura da fé, pela nudez e pela purgação:
En la noche dichosa,
en secreto, que nadie me veía,
ni yo miraba otra cosa,
sin otra luz ni guía
sino la que en el corazón ardía.1
Eis por que, aliado ao uso comercial que as pitonisas da moda fazi-
am do Tarot, eu desdenhava o aspecto da leitura. De um ponto de vista
iniciático, mas também científico, eu achava vergonhoso utilizar as car-
tas para prever o futuro. Uma passagem da Bíblia corrobora esse senti-
mento: “Não se achará entre ti [...] nem adivinhador, nem prognostica-
dor, nem agoureiro, nem feiticeiro; nem encantador [...] pois todo aque-
le que faz tal coisa é abominação ao Senhor...” (Bíblia de Jerusalém,
Deuteronômio, 18: 10-11-12).
No entanto, tendo decidido conferir aos Arcanos a qualidade de
mestre único, e me entregando à obediência a eles em tudo, da mesma
maneira como havia aceitado a indicação do Arcano XVI, A Torre, de
esclarecer minha concepção de Deus, tive que levar em conta uma
mensagem clara d’A Papisa... Cada um dos Arcanos maiores nos indica
claramente um ato que pode ser resumido em um verbo. Com O Louco:
escolher; com A Imperatriz: seduzir; com O Imperador: comandar;
com O Papa: ensinar; com O Namorado: trocar; com O Carro: conquis-
tar; com A Justiça: equilibrar; com O Eremita: iluminar; com A Roda da
Fortuna: aceitar; com A Força: dominar; com O Enforcado: sacrificar;
com o Arcano sem nome: eliminar; com Temperança: acalmar; com O
Diabo: tentar; com A Torre: festejar; com A Estrela: dar; com A Lua:
imaginar; com O Sol: criar; com O Julgamento: reviver; com O Mundo:
triunfar... E no caso d’A Papisa: ler.
O livro cor de carne que a religiosa segura nas mãos não mostra le-
tras, mas dezessete linhas onduladas; por um lado, isso nos indica que
não se trata de uma mensagem intelectual, mas emocional e, por outro
lado, isso nos remete ao Arcano XVII, A Estrela, em que uma mulher
nua dá ao mundo aquilo que ela recebe da Consciência cósmica. Isso
confirma que A Papisa não está olhando para seu livro, mas parece ofe-
recê-lo. O polegar de sua mão direita está colocado sobre uma linha,
enquanto o da mão esquerda se coloca sobre duas linhas, unindo-as. O
mesmo se dá com as faixas que cruzam seu peito: na mais próxima de
seu corpo, há uma cruz, e sobre a faixa que se sobrepõe a ela há duas
cruzes. Isso pode indicar que essa personagem passa do estudo solitá-
rio à doação ao outro.
Isso me convenceu de que a finalidade do Tarot se cumpria quando
o empregava para ajudar os outros por meio de uma leitura que consis-
tisse em apresentar ao consulente os Arcanos transformados em espe-
lho de sua alma.
Eu não estava absolutamente disposto a ler futuros hipotéticos. A
ideia de destino transmitida pelo teatro grego antigo me repugnava,
aquela superstição segundo a qual “tudo está escrito” e que ninguém
pode escapar ao próprio destino. Se, desde que nascemos, um deus diri-
ge cada um de nossos passos, de que adianta nos esforçarmos para o
que quer que seja? Seria possível considerar que nossa vida está deter-
minada de antemão, inevitavelmente, e que só nos resta acatar? Para
enfrentar a leitura das cartas, eu devia definir o conceito de futuro... O
consulente tem ou não tem uma finalidade em sua vida, ele age em re-
lação a projetos, ele faz planos. Quando ele se inquieta para conhecer
seu futuro é porque não valoriza suas ações no presente, é porque duvi-
da. Mas o presente é um instante fugaz: o que pesa sobre o desenvolvi-
mento do consulente é o passado, que pode servir de lastro, tendendo a
fazer repetir no futuro as experiências traumatizantes da infância (faço
comigo ou não faço comigo o que os outros me fizeram ou não me fize-
ram, faço com os outros ou não faço com os outros aquilo que me fize-
ram ou não me fizeram, repito o que os outros fizeram consigo mesmos
ou não fizeram consigo mesmos), ou funcionar como uma fonte de
energia que nos leva a progredir, a mudar – no melhor dos casos, a nos
transformar.
Se me obrigassem a aceitar a existência de um futuro que nos pre-
destina, eu visualizaria o presente como um ponto do qual parte um le-
que de caminhos infinitos. Um ato voluntário, um acidente, alguma coi-
sa que ocorre por acaso nos projeta para frente e nos obriga a viver um
dos inumeráveis destinos possíveis. Isso permite afirmar que, mesmo
que “tudo esteja escrito”, o cardápio divino não contém um prato úni-
co, mas todo um campo de escolhas. O livre arbítrio consiste em esco-
lher uma dessas condenações infinitas.
Quando eliminamos a fraude da chamada “leitura do futuro”, o Ta-
rot se torna uma ferramenta psicológica, um instrumento de conheci-
mento de si mesmo. Enfrentando honestamente as características de
nossa personalidade desviante – hábitos, identificações, manias, vícios;
problemas narcísicos, antissociais, esquizoides, paranoides; autoenga-
nos, ideias insensatas, sentimentos depressivos, imaturidade afetiva,
desejos desviados, necessidades impostas pela família, pela sociedade
ou pela cultura – podemos chegar à consciência da nossa essência real,
isto é, aquilo que em nós é inato e não adquirido. Conduzir o consulen-
te a deixar de ser o que os outros querem que ele seja para chegar a ser
o que ele é realmente.
Comecei, com infinitas precauções, a ler o Tarot para os pacientes
que o doutor Jean-Claude Lapraz me enviava para saber se suas doen-
ças eram consequência de problemas psicológicos. Enquanto tarólogo,
eu me propus respeitar quatro fórmulas: “A partir do que sei” (sendo a
realidade infinita, ninguém pode conhecer tudo); “Até certo ponto”
(nada é definitivo nem absolutamente geral, há sempre a possibilidade
de uma exceção); “Sob o risco de me enganar” (nada que um ser huma-
no diga é infalível); “Se você acha que sim” (as coisas são o que são por-
que antes adaptamos nossas diferentes linguagens; todo conceito é re-
sultado de um acordo coletivo).
No início, eu lia as cartas como se se tratasse de um teste psicológi-
co. Antes de analisar os desenhos e suas relações, eu interpretava a ma-
neira como o paciente colocava as cartas, lado a lado ou separadas,
próximas ou distantes; superpostas, horizontais, inclinadas etc. À me-
dida que fui adquirindo experiência, deixei isso de lado e me limitei a
interpretar apenas os desenhos. De todo modo, em nome da maior efi-
cácia, desenvolvia minha observação do consulente, a maneira como
usava a voz, a dinâmica dos gestos, sua atitude corporal, o tipo de pele,
o cheiro de seu hálito, a idade, a profissão, as características sexuais,
seu estado emotivo e, por fim, sua árvore genealógica, se possível até os
bisavós. Ao longo dos anos, captando de um só golpe de vista quase to-
dos esses aspectos, passei a me concentrar exclusivamente sobre a lei-
tura das cartas, advertindo sempre o consulente de que não estava di-
ante de um mágico, mas diante de um tarólogo, e que os Arcanos, no
fundo, eram pequenos cartões impressos e que podiam muito bem for-
necer uma mensagem absurda. A leitura consistia no encontro de três
acasos: aquele que havia levado o consulente até mim, aquele que havia
levado a mim mesmo até o consulente e o momento em que as cartas
eram escolhidas. O consulente tinha perfeitamente o direito de aceitar,
discutir ou esclarecer a leitura.
Partindo do princípio de que o Tarot foi no início lançado ao mundo
como um jogo, eu me dei conta de que a leitura devia ser estruturada
como um jogo. Além dos jogadores e das regras, o lugar onde ocorre o
jogo também é importante. Não se pode jogar basquete em um campo
de futebol, um tabuleiro de xadrez é diferente de um tabuleiro de Ban-
co Imobiliário. Compreendi que a interpretação das cartas dependia do
sentido que se atribuía a elas antes da leitura. Conforme o “campo”, a
estratégia, o Tarot se tornava diferente, a interpretação das cartas mu-
dava: podia, por exemplo, ser positiva ou negativa. Ficou claro para
mim que para obter uma leitura correta, devia, antes de tudo, definir o
papel que os Arcanos desempenhavam, empregando estratégias adap-
tadas às interrogações e ao nível de consciência do consulente. Por ou-
tro lado, o jogo sendo quase sempre um combate que designa um ga-
nhador, era também importante definir os jogadores, isto é, o consulen-
te e o leitor. Nos jogos de competição, o objetivo é eliminar o adversá-
rio, o que equivale a matá-lo de forma metafórica. No jogo tarológico, o
objetivo é curar o adversário, ajudá-lo a viver.
Esse trabalho se revelaria difícil: o ser humano atual pode ser com-
parado a um conteúdo maravilhoso fechado dentro de um continente
enfermo. Ele tem limitações que defende obstinadamente, pois, embora
sejam dolorosas, ele se identifica com elas. Desde a infância, seu espíri-
to foi povoado de ideias insensatas. Um doente que se recusa a admitir
que seu pensamento tem a capacidade de curá-lo se torna um adversá-
rio colérico diante do tarólogo. Ele diz que seu coração está vazio, mas
disfarça que está cheio de rancor. Vive isolado dos outros, rejeita os
sentimentos sublimes, desvaloriza a própria capacidade de amar e de
ser amado, inibe sua capacidade sexual ou a exacerba, ao desprezá-la.
Ele perdeu a fé em sua criatividade, tem vergonha dos próprios desejos.
Reduziu sua infinita capacidade de movimentos corporais a um peque-
no número de gestos cotidianos. Sua rigidez é resultado de preconcei-
tos implantados por uma moral que outrora foi religiosa.
O consulente se sente culpado por seus atos, por seus desejos, por
seus sentimentos, por seus pensamentos. Essa culpabilidade lhe permi-
te afirmar que o que lhe ocorre é um castigo justo e necessário. Ou en-
tão se deprecia incessantemente, acreditando, por falta de valores, não
merecer sair do sofrimento. Ou ele justifica seus erros dando explica-
ções excessivas e às vezes engenhosas, sem jamais fazer o esforço de
mudar. Ou deseja amar, deseja criar, deseja ousar, deseja imaginar, de-
seja coisas sem fim, mergulhado na inatividade do desejar desejar. Ou
ainda, com impotência, ele deseja ardentemente destruir o que lhe in-
comoda, eliminar aqueles que o machucaram, vingar-se, para terminar
destruindo a si mesmo. Ou bem se joga na atividade sexual sem que
ninguém chegue a satisfazê-lo completamente. Ou precisa, como de
uma droga, da notoriedade e sofre por não tê-la ou por dever suportá-
la, o que faz dele um surdo-mudo psicológico que gira dolorosamente
em torno de si mesmo. Ou se comporta como um crítico impiedoso, um
juiz permanente, incapaz de reconhecer o valor dos outros, o que o
obriga se comparar obsessivamente com os demais, rebaixando-os para
poder se assegurar de seu próprio valor. Ou ainda, por medo da trans-
formação, ele recusa integrar novos conhecimentos, adula a própria ig-
norância, nega por princípio: é aquela pessoa do “não” e do “mas”...
Por outro lado, o consulente concebe um espaço habitável fundado
sobre a ideia da propriedade privada. Ele foi habituado a viver em um
espaço reduzido, com muros retos, dentro de cubos. Isso criou nele
uma resistência diante do infinito. Ele não pode aceitar que vive no
cosmos. Ele confunde lar e prisão... Condicionado pelos interesses po-
lítico-econômicos de sua época, ensinam-lhe que a vida é curta. Na Ida-
de Média, considerava-se natural morrer aos trinta anos; no Renasci-
mento, aos quarenta; no século XIX, aos sessenta; hoje em dia, aos oi-
tenta anos. Alguns cientistas dizem que viveremos 120 anos no século
XXII, mas na realidade ninguém sabe a duração da vida humana. Se al-
guém diz que ela é como a de algumas árvores, isto é, de mais de mil
anos, dirão que este alguem está louco. A sociedade funciona banindo a
ideia de eternidade para associar o tempo ao dinheiro. O cidadão é um
consumidor que deve ter uma vida curta para que a indústria funcione.
Mas na realidade será que somos tão efêmeros assim? Por que não ha-
veríamos de ter o direito de viver tanto quanto o universo? Como disse-
ram ao consulente: “Você é apenas uma parte”, é difícil para ele aceitar
que é o todo. Ele aprendeu a lutar para defender sua “individualidade”
buscando poderes egoístas. Vivendo em uma ilha psicológica, ele não se
dá conta de que só existe uma única atmosfera, que a poluição no
México, em Mumbai ou Paris envenena o ar de todo o planeta; que as
guerras distantes, a miséria e a ignorância alheia atacam sua felicidade.
O que acontece no mundo acontece a ele também. Uma crise econômi-
ca lá tem repercussões aqui, em seu bolso. Quanto maior é a separação
dos outros, menor é a consciência. Vítima de ideias abusivas, o consu-
lente nega sua capacidade de realizar milagres (entendemos aqui “rea-
lizar” como o fato de se dar conta de que a realidade não se comporta
segundo um modelo preestabelecido, mas de uma maneira incom-
preensível para uma mentalidade prisioneira de um sistema lógico) e,
desamparado, pensa viver sozinho, sem desconfiar que o universo – “o
inconsciente” – é seu aliado. Aceitando a ideia de que ele não vale nada,
ele não se digna a meditar para encontrar seu deus interior.
O consulente confunde a Consciência (o Ser essencial) com o ato
que consiste em tomar consciência de alguma coisa. A finalidade da
Consciência é vir a ser ela mesma para se oferecer em seguida à divin-
dade. Não se pode tê-la completamente: é uma semente que se desen-
volve por mutações sucessivas. Seu primeiro nível é o animal. O indiví-
duo só vive para satisfazer suas necessidades materiais e sexuais. Ele
não domina seus instintos, ignora o respeito pelos outros. Ele é agressi-
vo por medo de perder. Segue-se o nível infantil: a pessoa, não aceitan-
do a velhice e a morte, vive de maneira superficial; ela se recusa a me-
ditar para se conhecer, coleciona objetos inúteis e distrações, sem ne-
nhum senso de responsabilidade. Mais tarde se revela o nível românti-
co. O indivíduo não domina seus sentimentos, que o invadem. Eterno
adolescente, ele acredita que encontrar um homem ou uma mulher pa-
ra formar um casal é a solução da vida. Influenciado pelo cinema, pela
televisão e pelas revistas de estilo..., ele cria um ideal amoroso que pa-
rece um conto de fadas. Isso faz com que substitua o ser pelo parecer. É
possível que depois de dolorosos fracassos ele desenvolva a Consciên-
cia adulta. Nesse nível, pela primeira vez, o outro existe. A pessoa, com-
preendendo que em vez de exigir deve investir, tornando-se responsá-
vel por si mesma, pode cair no erro egoísta da sede de poder. O que faz
nascerem exploradores, tiranos, industriais sem escrúpulos, escroques
de toda sorte. Egoísmo que tem sua antítese: pessoas que, por se senti-
rem nobres, passam o tempo a ajudar os outros por preguiça de ajuda-
rem a si mesmas. Se isso se torna, na verdade, uma ajuda para as pesso-
as, abre-se o nível da Consciência social. É quando que o indivíduo luta
pela felicidade de todos os seres humanos, mas também pela saúde das
plantas, dos animais, do planeta. Mais tarde se abre àConsciência
cósmica. No universo, nada acontece sem movimento e transformação.
Descartando todo tipo de hábitos e sistemas obstinados que desvalori-
zam a vida, a pessoa responsável, assim como o cosmos, se abandona a
uma mutação constante, sabendo que pertence a um mundo infinito e
eterno. Ela emerge dos limites geracionais e prepara o terreno para o
advento do novo ser. Por fim, nível que muito poucos atingem, chega-se
à Consciência divina. No centro obscuro do inconsciente, há um ponto
brilhante de lucidez total, aliado poderoso que, se bem utilizado, se ma-
nifesta como deus interior ou, se mal utilizado, como demônio interior.
Esse nível é aquele que conhecem os gênios, os profetas e os magos.
Se o tarólogo, sem prepará-lo anteriormente, tenta conduzir o con-
sulente a uma mutação que eleva seu nível de Consciência, ele terá a
impressão de que tentam arrancar seus dentes. Para mudar, é preciso
querer mudar, saber que se pode mudar e por fim aceitar as consequên-
cias da mudança.
No momento de ler as cartas, o tarólogo deve observar seu consu-
lente como faria um médico do corpo e da alma: levar em conta a posi-
ção corporal, a tensão muscular, a estatura, os pés, a qualidade e a cor
da pele, a maneira de respirar, os pontos onde a voz ressoa; perceber
em seguida as preferências sexuais; se perguntar se a pessoa ama ou é
amada, e também que tipo de ideias ela tem. Tudo isso resultará em um
retrato revelador do nível de Consciência do consulente. Esse retrato
deve ser obtido com as maiores precauções: pode ser que a consulta se-
ja feita por curiosidade superficial ou porque a pessoa busca não uma
revelação mas um calmante que lhe permita suportar sem dor a própria
vida. Uma coisa é dar, outra é obrigar a receber. Uma leitura pode facil-
mente se tornar tóxica. É muito tentador para o leitor “vidente” que ti-
ra conclusões subjetivas sobre verdades absolutas fazer predições ca-
tastróficas que, ainda que motivadas por um sincero desejo de ajudar,
podem envenenar o espírito do consulente. Nos jornais da segunda-fei-
ra, 20 de janeiro de 2003, podia-se ler: “Mircea Teodorascu, romeno de
cinquenta e um anos, residente em Bacau (leste da Romênia), acreditou
encontrar no suicídio uma solução inevitável. Alguns dias antes, ele ha-
via consultado uma vidente que lhe predissera uma morte nos próxi-
mos dias: sua ou de seu filho de vinte e três anos. Quando voltou para
casa, Mircea Teodorascu, para ‘salvar’ o filho, apunhalou-se com uma
grande faca de cozinha. Transportado com urgência ao hospital, ele
morreu pouco depois.”
O tarólogo, deixando de lado a pretensão de adivinhar o futuro, de-
ve ser capaz de se dar conta dos motivos que o levam a ler. Para obter
um poder sobre a vida do outro? Para ganhar dinheiro enganando “cli-
entes”? Para ser admirado? Para dividir as próprias angústias? Para se-
duzir sexualmente? Se nossa posição de leitor não for clara, a leitura
também não será clara. O Tarot, sendo um conjunto de símbolos – obs-
curos pelo fato de serem iniciáticos –, torna-se uma linguagem essenci-
almente subjetiva. O tarólogo precisa saber que tipos de conteúdos psi-
cológicos seu inconsciente projeta sobre o leitor. Ninguém pode se ga-
bar de se conhecer inteiramente. Só conhecemos de nós mesmos aquilo
que somos no momento em que fazemos essa introspecção, mas o es-
pírito, como o universo, está sempre em expansão. Uma atenção cons-
tante, um severo estado de alerta, uma sincera aceitação das pulsões,
que nos exige que as dominemos e as dirijamos para interpretações ob-
jetivas, devem guiar nossa leitura. É possível que uma consulente nos
lembre de nossa mãe, ou outro membro da família, ou alguém que na
nossa infância nos forçou a alguma coisa de uma maneira ou de outra.
Se não tivermos consciência disso, trataremos o consulente com o mes-
mo rancor com que nos tratou quem nos fez algum mal. É impossível
dizer: “Não farei mais projeções”, mas é perfeitamente possível dizer:
“Terei consciência das minhas projeções”. Para isso, quando lemos o
Tarot, devemos saber como nos sentimos. Ver se o consulente nos pare-
ce simpático ou antipático, se nos dá medo, se nos atrai sexualmente, se
o admiramos, se o julgamos sem pena. Um dos maiores perigos da lei-
tura é que o leitor julgue moralmente seu consulente. Pois, em francês,
“le juge ment”2 (Arcano XX).
Como ler sem manipular, sem dirigir, sem se fazer de mestre?
Para não cair em tais erros, eu me propus a jamais dar conselhos,
mas estruturar a leitura de maneira que a solução venha do consulente.
Para chegar lá, apoiei-me em meus estudos de análise dos sonhos: o
psicanalista não deve explicar ao paciente o sentido dos símbolos oníri-
cos. Isso equivaleria a fazer o papel de mãe e pai e mergulhar seu clien-
te em uma infância persistente. O paciente deve penetrar por si mesmo
nas mensagens que lhe envia seu inconsciente. O analista pode apre-
sentar diferentes soluções. O consulente deve escolher o caminho que
lhe convém.
Com essa finalidade, o leitor deve observar uma neutralidade per-
feita, esquecendo-se, em intensa doação de si mesmo, dos próprios de-
sejos, sentimentos e opiniões. Se ele chegar aí, transformado em “ho-
mem invisível”, quem está lendo o Tarot? Fazendo uso de uma metáfo-
ra, digo que é um espelho. Na pureza do nosso espírito se reflete o nível
de Consciência do consulente. Na liguagem que é a sua (se for uma cri-
ança, por exemplo, usamos uma linguagem infantil), tomando a apa-
rência do outro, nós obtemos que através da nossa vacuidade, através
de nossos gestos e de nossas palavras, o consulente lê ele mesmo o Ta-
rot. A leitura aportará uma resposta que corresponderá ao mundo do
outro, não ao nosso. Nossas soluções não são as soluções dele. Se a pes-
soa não concorda com nossa leitura, não tentamos persuadi-la: em se
tratando da própria existência, é preciso sempre lhe dar razão. Na rea-
lidade, o inconsciente é nosso aliado. Se ele se recusa a nos revelar um
segredo, é porque ainda não estamos preparados. Jamais se deve forçar
sua revelação. Devemos obtê-la com a maior prudência.
Falamos não apenas das palavras do tarólogo, mas também de seus
gestos. Para empregá-los bem, devemos antes de tudo fixar a posição
do consulente: de frente para nós? Ao nosso lado? À nossa frente, de
costas para nós, para que como uma sombra guiemos sua leitura? Essa
escolha cabe ao tarólogo. Frente a frente, é a fascinação (perigo de to-
mada do poder: o consulente pode se submeter como uma criança). La-
do a lado, é uma troca emocional (perigo de transferência incestuosa: o
consulente pode tentar nos envolver em uma simbiose). De costas, co-
mo uma sombra (perigo de deificação: o consulente pode nos confun-
dir com um mago todo-poderoso). Todas as posições são úteis, mas to-
das contêm riscos. Um gesto equivocado ou muito brusco, insistente ou
desordenado, pode deslocar a compreensão do consulente e minar sua
confiança...
Tive a sorte de assistir em Kyoto, no Japão, a uma cerimônia do chá
celebrada por um mestre. Tanta consciência de cada gesto da prepara-
ção de uma “simples” taça de chá, tamanha humanidade, tamanha be-
leza, tal economia de movimentos me marcaram para sempre. Eu me
propus a conseguir colocar em prática os gestos da leitura do Tarot
com a perfeição e a humildade de uma cerimônia do chá do zen.
Para que ele embaralhe, damos ao consulente o maço de cartas com
um gesto preciso e medido, deixando o maço nem muito perto de nós,
nem muito perto dele. A metade do percurso (a oferta) deve ser feita
pelo tarólogo. A outra metade do gesto deve ser feita pelo consulente
(recepção ativa). Enquanto a pessoa embaralha as cartas, o leitor fica
imóvel, serenamente. A voz que ele emprega não deve ressoar no crâ-
nio, mas no peito, uma voz suave, a voz que usamos para falar com uma
criança, vinda do coração, não do intelecto. É um tom de bondade, mui-
to difícil de obter... Para chegar aí, o tarólogo deve se aproximar de um
estado de santidade... Não falo do aspecto exterior, estereotipado de
um santo de almanaque, mas de um sentimento verdadeiro, poético e
sublime. Diversas religiões dominaram o conceito de santidade, dando-
lhe significados que o limitam. Entre esses limites, existe a negação da
sexualidade, da reprodução, da família, conjugada à exaltação do martí-
rio, à rejeição do mundo real por um além mítico. Fala-se de santos ca-
tólicos, muçulmanos, budistas, judaicos (os justos) etc., mas não se con-
cebe uma santidade cidadã. O cidadão santo pode amar um ser do sexo
oposto, ter filhos, formar uma família, levar uma vida sadia, não perten-
cer a seitas, não adotar doutrinas ditadas por um deus com figura e no-
me, e praticar uma moral que não seja fundada sobre as interdições
mas sobre o conceito de atos úteis para a humanidade. O leitor do Ta-
rot, se não é um santo, deve imitar a santidade. Em algumas culturas
orientais, papagaios, macacos e cães são descritos como animais sagra-
dos que representam o ego individual, pois são capazes de imitar seus
donos.
Como aprender a imitar um santo? A santidade não é inata, nem
tampouco é um dom vindo do exterior, mas é obtida pouco a pouco. Pa-
ra ser forte nas grandes coisas, é preciso sê-lo nas pequenas, no cotidia-
no, dando sem esperar nada em troca, nem agradecimento, nem dinhei-
ro, nem admiração, nem submissão... Sem nos compararmos, sem riva-
lizarmos, aceitando com humildade os valores dos outros. Não colocan-
do nosso ponto de vista como unidade de medida do mundo, aceitando
de bom grado as diferenças. Aprendendo, entre muitas outras coisas, a
concentrar nossa atenção, a controlar durante a leitura nosso pensa-
mento, nosso desejo, nossas emoções; a vencer nossa preguiça, a termi-
nar sempre aquilo que começamos, a não ficarmos nervosos se o consu-
lente recusa a tomada de Consciência, a fazer o melhor possível naqui-
lo que estamos fazendo, a eliminar vícios e manias, a realizar atos de
generosidade sem testemunhas, a purificar o espírito eliminando inte-
resses supérfluos sem cair em uma autocrítica excessiva nem na auto-
indulgência, a agradecer conscientemente cada dádiva, a meditar, a re-
zar para o deus interior, a contemplar, a conversar sozinho sobre temas
profundos, a desenvolver os sentidos, a parar de ficar se definindo a si
mesmo, a saber escutar, a não mentir para os outros e nem para si mes-
mo, a não nos comprazermos com a dor ou com a angústia, a ajudar o
próximo sem torná-lo dependente, a não querermos mais ser imitados,
e empregar o tempo de maneira lúcida, a fazer planos de trabalho e a
realizá-los, a não ocupar muito espaço, a não dilapidar, a não fazer ba-
rulhos inúteis, a não comer alimentos insalubres só pelo próprio pra-
zer, a responder da maneira mais honesta possível cada pergunta, a
vencer o medo da existência e da morte, a não viver apenas no aqui e
no agora mas também no algures, no além e no depois, a não abandonar
jamais as crianças e velar por elas desde a infância, a não ser dono de
nada nem de ninguém, a dividir igualmente, a não nos enfeitarmos com
roupas e objetos por vaidade, a não enganar, a dormir o estritamente
necessário, a não seguir as modas, a não nos prostituir, a respeitar es-
crupulosamente todo contrato assinado e toda promessa feita, a ser
pontual, a não invejar o sucesso alheio, a falar somente o que for preci-
so, a não pensar nos benefícios de uma obra, mas a amar a obra por si
mesma, a jamais ameaçar ou maldizer, a nos colocar no lugar do outro,
a fazer de cada instante um mestre, a desejar e admitir que os filhos nos
superem, a ensinar os consulentes a aprenderem por si mesmos, a ven-
cer o orgulho transformando-o em dignidade, a cólera em criatividade,
a avareza em sabedoria, a inveja em admiração pela beleza, o ódio em
generosidade, a falta de fé em amor universal; a não aplaudir a si mes-
mo e nem se insultar, a não se queixar, a não dar ordens por prazer de
nos vermos sendo obedecidos, a não contrair dívidas, a jamais falar mal
de alguém, a não conservar objetos inúteis e, sobretudo, a jamais agir
por interesse próprio, mas em nome do deus interior.
A leitura de cartas, nessa época, estava nas mãos dos adivinhos e
adivinhas, que utilizavam o Tarot não como linguagem, mas como ins-
trumento de vidência, como um pêndulo ou uma bola de cristal. Não li-
am os Arcanos, mas esperavam que os Arcanos lhes provocassem
“flashes”, que em seguida interpretavam segundo os próprios capri-
chos.
Eu me lembro dos meus encontros em Paris com madame Robin,
uma célebre vidente que obtivera notoriedade graças à publicação de
um Tarot de bolso (apenas os 22 Arcanos maiores) com explicações
muito simples na base de cada retângulo. Explicações que limitavam
evidentemente o poder projetivo das cartas, reduzindo-as a coisas co-
mo: “É isso e apenas isso que este Arcano encerra”. A senhora, intriga-
da com meu filme A Montanha Sagrada, quis me conhecer. Quando en-
trei em seu apartamento, esperando ali encontrar um templo, me vi
dentro de um toucador de uma coquete. A vidente, na casa dos cin-
quenta anos, miúda, roliça, de penhoar cor de rosa, estava sentada em
uma poltrona macia. A seus pés, dois homens de aspecto popular, ajoe-
lhados e com expressão devota, cortavam-lhe as unhas, enquanto ela
aparava as unhas de uma gata. Uma mesa oferecia diversos pratos, de
queijos, saladas, pastas, frutas e bons vinhos. Os clientes, em outra sala,
esperavam pacientemente que a sibila terminasse o jantar. O que ela
fez acompanhada por nós três, devorando gulosamente uma quantida-
de incrível de alimentos. Fofocas de cinema lhe interessaram muito
mais que minhas ideias sobre o Tarot. Ela me concedeu a honra de as-
sistir a suas consultas. Madame Robin só conhecia os nomes e os núme-
ros das cartas. Os detalhes nunca lhe haviam chamado a atenção. Ela
usava o Tarot como um elemento destinado a impressionar seus clien-
tes, embaralhando-o com ar de maga e tirando cartas sem nenhuma es-
tratégia de leitura, deixando vir aos lábios o que lhe passasse na cabeça.
Uma espécie de delírio forçado para encher de previsões desconexas o
tempo da consulta. Antes de começar, ela perguntava ao cliente o local
e a data de nascimento. Em seguida, passava a uma sucessão de previ-
sões disparatadas, a maior parte delas fazendo referência a amores, tra-
balho e saúde, mescladas a sandices astrológicas. A cada vez que previa
um acidente, uma perna quebrada, uma ferida, um furúnculo doloroso,
um problema jurídico, ela piscava um olho para mim, dando a entender
que aquilo iria impressionar o cliente. Esse pequeno sadismo, agregado
a uma série de sucessos futuros – “Um mar de rosas”, “Seus problemas
estão resolvidos”, “Você receberá uma excelente proposta de trabalho”,
“Você vai ganhar um processo na justiça”, “Você se casará com um ho-
mem rico”, “Eu vejo você na casa dos seus sonhos” – tinha por objetivo
criar clientes dependentes que viessem consultá-la regularmente. Essa
maneira monstruosa e comercial de utilizar o Tarot não era apenas cul-
pa de Madame Robin; seu público, supersticioso, exigia dela esse tipo
de coisa... Eles estavam ansiosos para conhecer o futuro, para se senti-
rem importantes por adquirirem um destino a um preço acessível. A si-
bilia simplesmente lhes dava aquilo que, de maneira inconsciente, eles
queriam imaginar.
Eu, por minha vez, aspirava a uma leitura verdadeira do Tarot, que
levasse em conta minhas projeções e as do consulente, fundada sobre a
visão dos detalhes das cartas. Um Arcano era uma nota; dois, um duo;
três, um acorde; mais de três, uma frase musical. Durante dois anos,
passei meus finais de semana lendo Tarot para pessoas doentes, depois,
pouco a pouco, para pacientes de psicanalistas, de osteopatas e diversos
terapeutas interessados pela experiência. Percebi, trabalhando com
elas, que as antigas formas de leitura do Tarot recopiadas nos tratados
“tradicionais” não me serviam. Elas foram constituídas para predizer o
futuro, o que me parecia, conforme já disse, algo infantil e desonesto.
Predizer que as coisas podem acontecer faz com que elas aconteçam: o
cérebro tem a tendência de realizar automaticamente as predições. Eu
precisava de um sistema que me permitisse ler o presente, um presente
no qual a doença representasse um passado que não se conseguia des-
fazer. Nessa pesquisa, comecei a utilizar o Tarot como um teste psico-
lógico, inspirado no teste de Rorschach, e mais tarde em outras formas,
que trazem para o presente elementos do inconsciente do paciente. Ba-
tizei essa atividade de “tarologia”. O tarólogo lê o presente, que é aquilo
que o consulente realmente não conhece, mesmo que o consulente es-
teja em busca de informações sobre o que ele acredita que vá ser o seu
futuro. Na base de todo problema, de toda doença, há uma falta de
consciência dos rastros do passado e das possibilidades do futuro.
Enquanto tarólogo, comecei a dar cursos, oficinas, e pouco a pouco
a informação se espalhou – meus antigos alunos chegam aos milhares
por todo o mundo –, mesmo que o termo tarologia, depois de uma voga
inesperada, tenha depois servido para designar práticas que não têm
mais relação com essa concepção do Tarot. Eu inaugurei essa infeliz
prática do Tarot por telefone, com a qual tantos charlatães lucram hoje
em dia. Quando eu a praticava, na época das primeiras rádios livres na
França, desejava levar a bom termo uma experiência: seria possível ler
o Tarot sem conhecer nada do consulente além da voz? Minha tese era
que a pessoa inteira estava contida na voz, e que ela podia aportar ao
meu inconsciente conhecimentos sobre o consulente que o Tarot faria
aflorar caudalosamente. Sentei diante do computador, embaralhei as
cartas e pedi que o consulente me dissesse três números de 1 a 22, fa-
zendo uma pergunta. O telefone não parou mais de tocar, foram entre
duas mil e três mil chamadas naquela sessão, devo ter lido até às cinco
horas da manhã; foi uma revolução. Infelizmente, o aspecto comercial
foi tão atraente, inclusive pelo anonimato, que essa prática se espalhou
e se degradou consideravelmente.
Quando eu vi aqueles comerciantes explorando a ingenuidade do
público, mas também tratando seus empregados “tarólogos” como es-
cravos, a maioria estudantes pobres, pessoas sem profissão e sem ne-
nhum preparo terapêutico, tomei consciência de que devia aprofundar
não apenas a simbologia do Tarot, mas também a deontologia da leitu-
ra.
Para a maior autenticidade da leitura, isto é, para que ela seja o me-
nos possível uma projeção dos problemas do leitor, de sua moral pesso-
al ou de suas concepções intelectuais, sempre errôneas quando se trata
de sentimentos e de desejos, o tarólogo deve fazê-la em transe, mas
contrariamente ao que se costuma pensar, o transe não é um estado de
inconsciência ou de irracionalidade. O transe começa com a exacerba-
ção da atenção e visa abolir a realidade espectador/ator. A pessoa em
transe não fica se observando a si mesma, ela se dissolve em si mesma.
É um ator em estado puro. “Ator” deve ser entendido não como o co-
mediante em cena, mas como entidade em ação. Por esse motivo, por
exemplo, o transe não permite o registro na memória das palavras, fei-
tos, atos realizados. Pelo mesmo motivo, o transe pode supor uma per-
da da noção do tempo. Geralmente, utilizamos a posição racional para
afastar as outras forças vivas, as outras energias. Na vida cotidiana, o
racional é tido como uma ilha. No transe, o racional não desaparece,
mas a paisagem aumenta. A ilha vê que há pontes com o inconsciente.
O transe é um estado de superconsciência. No transe, não há atos fa-
lhos nem acidentes. Não se tem a concepção do espaço, pois nos torna-
mos o espaço. Não se tem a concepção do tempo, porque somos o fenô-
meno que ocorre. É um estado de presença extrema em cada gesto, to-
das as ações são perfeitas. Não temos como nos enganar, pois não existe
plano nem intenção. Só existe a ação pura no presente. No transe, o ra-
cional não tem medo de liberar o instinto, primitivo que seja, mas se
une a ele. Ele se une à força criadora inesgotável de sua sexualidade.
Ele vive o corpo não mais como um conceito do passado, mas como a
realidade subjetiva vibrante do presente. O corpo não se mexe mais co-
mandado pelas forças racionais, ele é dirigido por forças que perten-
cem a outras dimensões. Poderíamos dizer que os movimentos são di-
tados pela coletividade, ou pela totalidade da realidade. Um animal nu-
ma jaula tem movimentos comparáveis à posição racional. O movimen-
to em liberdade de um animal na floresta é comparável ao transe. O
animal na jaula deve ser alimentado segundo horários fixos. O racional
deve receber, para agir, palavras. O animal selvagem se alimenta sozi-
nho e não se engana com aquilo que come. O ser em transe não age
mais movido por aquilo que aprendeu, mas por aquilo que ele é... En-
trar em transe lendo Tarot não significa “ver tudo”. O tarólogo se con-
centra e “vê” uma única coisa: aquilo que deve ver e nada mais. Nesse
caso, o transe não é uma omnivisão, mas, muito pelo contrário, uma
concentração aguda da atenção sobre um detalhe que, certamente, está
escondido da consciência cotidiana.
Para começar
Esta parte tem por objetivo nos familiarizar com a leitura do Tarot.
Mais do que expor rapidamente algumas estratégias de leitura, quise-
mos aprofundar esta arte e apresentar numerosos exemplos que ilus-
tram diversas formas de leituras. Em vez de atribuir a cada carta uma
única função, e interpretar as cartas escolhidas como uma série de sen-
tenças, podemos tratar o Tarot como uma linguagem em que dois a
dois, depois três a três, e depois cada vez com mais e mais cartas, elas
se respondem como instrumentos de uma orquestra.
As regras de orientação que apresentamos na primeira parte deste
livro serão preciosas para estruturar a leitura. Por exemplo, será útil
lembrar que o Tarot coloca o receptivo (feminino) à esquerda do leitor
e o ativo (masculino) à direita. Seguindo a ordem de leitura no alfabeto
latino, o espaço à esquerda das cartas representará mais frequentemen-
te o lugar de onde se vem, o passado, e o espaço à direita das cartas, o
lugar aonde se vai.
Apresentaremos primeiro as práticas de leitura com uma ou duas
cartas, que servem sobretudo para nos familiarizar cotidianamente
com os Arcanos, e a aprender a fazê-los ressoar entre eles. Um longo
capítulo será, então, consagrado à leitura de três cartas, consideradas a
“frase” de base da linguagem do Tarot.
Depois apresentaremos algumas estratégias de leitura com mais de
três cartas, que podem ser desenvolvidas até que se possa ler, se assim o
desejarmos, a totalidade dos 22 Arcanos maiores.
Acrescentemos que voluntariamente mesclamos, nos exemplos que
apresentamos, níveis de leitura muito variados. Na verdade, o Tarot po-
de servir para explorar questões muito concretas, assim como para ex-
plorar a profundezas da alma, para desfazer problemas psicológicos...
idealmente, um leitor de Tarot deveria poder se adaptar à questão colo-
cada, à linguagem, à idade do consulente, e lhe responder nos termos
mais apropriados à pergunta. Podemos considerar que nossa função,
como tarólogos, consiste em traduzir uma mensagem vinda do incons-
ciente da pessoa, e lhe fazer compreender de uma maneira que ela pos-
sa usar na vida cotidiana e aplicar às suas preocupações mais vitais. A
leitura deve ser feita no nível em que a pessoa se encontra: o tarólogo
não deve em nenhum momento se colocar como um personagem supe-
rior. Trata-se de se colocar a serviço do consulente para lhe ser útil.
Nosso único poder é de ajudar, se nos pedirem ajuda.
Além disso, não damos nenhum exemplo de leitura com cartas in-
vertidas. É uma escolha consciente: utilizar cartas viradas de ponta-ca-
beça equivaleria a integrar as potencialidades negativas à leitura.
Quando se leem cartas viradas assim, avançamos no negativo e passa-
mos a criar negatividade incessantemente. É fácil ler qualquer atroci-
dade em qualquer carta, mas de que adianta isso? Não foi essa nossa es-
colha.
Por fim, demos muitas pistas para que os aspirantes a tarólogos pos-
sam ler o Tarot para si mesmos. Na verdade, a prática da leitura para si
mesmo é um dos melhores meios de aprofundar o Tarot. É ao mesmo
tempo a coisa mais fácil (basta ter um Tarot) e a coisa mais difícil do
mundo (ser ao mesmo tempo consulente e leitor, enfrentando as pró-
prias resistências). Mas é também uma escola formidável de aprofun-
damento e de humildade que nos permite entrar em contato com nos-
sas defesas.
Na prática da leitura, todo tarólogo descobrirá pouco a pouco que
sua intuição se desenvolve. Uma leitura inteira emergirá às vezes, com
uma pertinência total, de um único detalhe de uma única carta. Então
atingimos a arte do Tarot... Este capítulo pretende ser uma modesta in-
trodução a essa arte.
1 Literalmente: “Na noite ditosa, / em segredo, que ninguém me via, / nem eu
olhava outra coisa, / sem outra luz ou guia / senão aquela que no coração ardia”.
2 Em português: “o juiz mente”. Trocadilho com “jugement”, julgamento.
Primeiros passos
O melhor meio de memorizar o sentido das cartas do Tarot é colocá-las
em ação na nossa vida cotidiana, em relação a questões que nos tocam
verdadeiramente. Antes de ler o Tarot para os outros, é bom passar um
período aplicando-o a nós mesmos. Isso permite que nos familiarize-
mos com ele, mas também que enfrentemos paradoxos, dificuldades,
incompreensões que ampliarão nosso olhar. Podemos também, como
propusemos aqui, nos aliar a uma pessoa que nos sirva como consulen-
te fictícia e faça os exercícios de leitura.
Para ler o Tarot para si mesmo, há um postulado básico: eu não me
conheço no presente; portanto é essencial que eu me pergunte sobre a
minha situação, sobre o meu presente.
MANIPULAR E LER O TAROT
Uma atmosfera aprazível é recomendável. Para proteger as cartas e dis-
tribuí-las com facilidade, podemos utilizar um tecido de cor única que
não interfira com o desenho dos Arcanos (o roxo favorece a concentra-
ção). Embaralha-se o Tarot como um jogo normal, sem virar as cartas,
para conservar sua orientação embaixo/em cima. Depois, reunindo to-
das as cartas em um maço, espalhamos as cartas horizontalmente com a
frente para a mesa. Contrariando uma tradição tenaz, não é indispensá-
vel cortar. Pode-se cortar o maço, desde que se troque a carta que ficou
embaixo no maço (ver pp. 520-1). Isso feito, escolhemos com a mão di-
reita ou esquerda uma ou mais cartas que são dispostas, sempre viradas
para baixo, segundo a estratégia de leitura escolhida. Então as viramos,
fazendo-as girar para a direita, de modo que não fiquem invertidas. Po-
demos virar as cartas uma por uma, interpretando à medida que saem,
ou virar todas de uma vez, lendo-as sinteticamente.
Exercícios com um Arcano
A cor do dia
Para tornar o Tarot presente em sua vida cotidiana, tire uma carta pela
manhã dentre os Arcanos maiores e a interprete de pelo menos três
maneiras diferentes. Por exemplo, no nível concreto, no nível psicológi-
co e no nível espiritual, ou ainda no nível pessoal, no nível relacional e
no nível transpessoal etc. Observe como esses três aspectos ressoam ao
longo do dia. (Ver exemplo abaixo.)
Exemplos de leitura
Tiragem: O Louco
Leitura: Nível concreto: Muita energia. Atenção para não perder de vis-
ta meu objetivo! Talvez uma viagem ou uma expedição em vista. E se
eu fizesse o trajeto a pé? Nível psicológico: Ares de grande liberdade so-
pram nesse dia. Tudo é permitido! Nível espiritual: Todos os caminhos
são o meu caminho. Hoje, nada de definições. Como posso viver em re-
lação ao Impensável?
O aliado
Esta tiragem consiste em evocar uma dificuldade, uma tristeza, ou um
projeto que amamos e tirar uma única carta do Tarot que será o aliado
necessário para nos conduzir à saúde, à alegria, ao sucesso. Depois de
analisar a mensagem da carta, podemos levá-la conosco, desenhá-la,
memorizá-la, colocá-la embaixo do travesseiro para dormir, esfregá-la
sobre o coração, na testa etc., para absorver seu auxílio. (Ver exemplos
abaixo.)
Consulente: Tenho trabalhado demais, estou esgotado. O que eu faço?
Tiragem: VIII A Justiça
Leitura: A Justiça incita a se instalar no presente, a se desfazer do
inútil e se concentrar naquilo que é verdadeiramente útil e necessário.
No plano psicológico, ela pode evocar um desejo de ser mimado. Por
fim, ela incita a se desfazer da exigência de perfeição que está talvez na
origem desse esgotamento.
Consulente: Como conservar a calma em todas as circunstâncias?
Tiragem: II A Papisa
Leitura: A mensagem poderia ser a seguinte: certifique-se de que exis-
ta um lugar para você se retirar e meditar. Isso lhe ajudará a reencon-
trar a calma que existe profundamente dentro de você. A leitura de pa-
lavras de sabedoria pode ajudá-lo bastante. Não se subestime: você é
uma pessoa de alto valor espiritual, aja como tal. Pense nos projetos
que você mais estima (o ovo d’A Papisa) e se concentre neles. Uma par-
te de sua irritação talvez seja só um pedido de ternura.
A leitura de palavras de sabedoria pode ajudá-lo bastante. Não se
subestime: você é uma pessoa de alto valor espiritual, aja como tal. Pen-
se nos projetos que você mais estima (o ovo d’A Papisa) e se concentre
neles. Uma parte de sua irritação talvez seja só um pedido de ternu-
ra.Não se subestime: você é uma pessoa de alto valor espiritual, aja co-
mo tal. Pense nos projetos que você cultiva (o ovo d’A Papisa) e se con-
centre neles. Uma parte da sua dificuldade pode ser apenas um pedido
de ternura.
Auscultar-se
Esta tiragem serve para conhecer melhor a si mesmo, para se fazer um
auto-retrato espiritual ou emocional. Consiste em colocar ao acaso um
Arcano maior sobre uma parte do corpo e perguntar: “O que há em
mim neste nível?” A carta dará a resposta. (Ver exemplo abaixo.)
O que há no meu coração?
Tiragem: XVIII O Sol
Leitura: Um grande amor, a alegria, uma nova construção, meu pai,
meus filhos, férias...
O que há no meu ventre?
– Um homem tira A Justiça (VIII):
Leitura: Minha mãe! Ela me fazia pratinhos deliciosos... Agora, é me-
lhor eu emagrecer um pouco...
– Uma mulher tira O Mundo (XXI)
Leitura: Um desejo de criança! Tenho tudo o que preciso para me rea-
lizar, começo a sentir que a minha criatividade, meu aparelho reprodu-
tor, é uma imensa riqueza. Amo minha feminilidade.
Exercício de humildade com os Arcanos maiores
Um bom tarólogo deve ser capaz de colocar em questão tudo aquilo
que considera a priori como evidente, a começar por sua própria perso-
nalidade, suas crenças, os acontecimentos de sua vida cotidiana. Isso
exige humildade e um certo senso de humor.
Este exercício consiste em tirar uma carta sobre si mesmo, sobre a
situação na qual a pessoa se encontra e que ela já conhece bem. Ao pra-
ticar com os Arcanos maiores, podemos abordar todos os domínios, do
mais terreno ao mais elevado. Interpretaremos o Arcano de maneira
que ele se aplique perfeitamente à situação, mesmo que aparentemente
sejamos confrontados por um paradoxo. (Ver exemplo na página se-
guinte.)
Como vai minha vida emocional?
Tiragem: X A Roda da Fortuna
Reação do consulente: “É verdade, estou terminando mesmo um ciclo
agora.”
Qual é o meu maior desejo no momento?
Tiragem: XVII A Estrela
Reação do consulente: “Sim, é verdade, tenho vontade de encontrar o
meu lugar, sinto que tenho muito para oferecer e eu precisaria me posi-
cionar para poder realizar essa ação.”
Exercício de humildade com os Arcanos menores
O exercício de humildade é igualmente útil para entrar na leitura dos
Arcanos menores.
Embaralhamos o maço de cartas e fazemos uma pergunta que possa
ser respondida na vida material, sexual e criativa, emocional ou inte-
lectual. Trata-se de “jogar o jogo” da humildade, partindo do princípio
útil de que o Tarot sempre tem razão, e que se trata de interpretar posi-
tivamente aquilo que nos é dito.
Essa leitura supõe que todas as cartas nos correspondem a todo ins-
tante em um nível ou em outro do nosso ser: “Nada que é humano me é
estranho”. (Ver exemplos abaixo.)
Consulente: Qual é a minha principal preocupação neste momento?
Tiragem: Sete de Paus
Resposta: Que a minha força criativa entre em ação no mundo, sob a
forma de um projeto novo que eu tenha concebido inteiramente sozi-
nho.
Consulente: O que eu valorizo mais na minha vida?
Tiragem: Rei de Ouros
Resposta: O mundo da prosperidade feliz que construí com meu mari-
do e do qual a nossa empresa é o centro.
Consulente: O que me dá mais medo?
Tiragem: Cinco de Espadas
Resposta: A agressão e a dominação verbais dos falsos mestres, profes-
sores sem coração e políticos mentirosos.
Quais são meus limites?
Uma carta pode também ser indicadora das nossas dificuldades em ca-
da centro: intelectual, emocional, sexual-criativo e material. Para sabê-
las, tiramos uma carta para aplicar em um centro escolhido em particu-
lar, ou ainda aplicando sucessivamente uma mesma carta a todos os
centros. Nos exemplos da leitura seguindo esta estratégia, estudaremos
O Imperador como limite em todos os centros, com outros exemplos
que variam segundo cada centro. (Ver exemplos na página seguinte.)
EXERCÍCIO COM UM ARCANO:
“QUAIS SÃO MEUS LIMITES?”
Exemplos de leitura
Meus limites intelectuais?
Tiragem: IIII O Imperador
Resposta: O racionalismo obtuso me fecha. Recuso tudo que não for
quadrado.
Tiragem: O Louco
Resposta: Não tenho limites. Eu me expando. Preciso adotar uma posi-
ção mais racional, preciso enquadrar meu pensamento.
Tiragem: VIII A Justiça
Resposta: Meu limite é a rigidez. Não imagino um ponto de vista, uma
forma de pensar, capaz de superar aquilo que eu conheço hoje em dia.
Tiragem: III A Imperatriz
Resposta: Eu me entrego aos devaneios, corro o risco de cair no fanatis-
mo. Meu intelecto é romântico demais!
Meus limites emocionais?
Tiragem: IIII O Imperador
Resposta: Uma consulente: Sou masculina demais, ou muito marcada
pelo amor que tenho pelo meu pai, e incapaz de substituí-lo por outro.
Um consulente: Tenho muita autoridade, não muita indulgência. Não co-
nheço o caminho do coração.
Tiragem: XV O Diabo
Eu sou muito possessivo(a).
Tiragem: X A Roda da Fortuna
Resposta: Dificilmente imagino uma nova relação, talvez eu devesse
conseguir encerrar um ciclo, ou aceitar considerá-lo encerrado.
Meus limites sexuais ou criativos?
Tiragem: IIII O Imperador
Resposta: Minha sexualidade ou minha criatividade é rotineira, repetiti-
va. Será que estou me entediando?
Tiragem: VII O Carro
Resposta: Uma consulente: Sofro de "donjuanismo"... Será que sou uma
ninfomaníaca reprimida? Ou será que tenho a ideia louca de que para
criar é preciso ser homem? Um consulente: O desejo da conquista vem
antes do desejo propriamente dito; eu deveria saber distinguir quanti-
dade e qualidade... Um artista: O desejo de reconhecimento vem antes
do prazer criativo.
Tiragem: VIII A Justiça
Resposta: Uma figura materna me impede de chegar à criatividade. Tal-
vez meu desejo sexual se limite ao desejo de ter um filho.
Tiragem: XIIII Temperança
Resposta: Eu me acho um anjo, recusando a força da minha libido.
Meus limites emocionais?
Tiragem: IIII O Imperador
Resposta: E me recuso a investir ou a crescer. Meu corpo ainda está sob
a influência do pai, e minha vida material não conhece a noção de inves-
timento.
Tiragem: II A Papisa
Resposta: Não me mexo o suficiente!
Tiragem: VIIII O Eremita
Resposta: Eu me vejo como um ser fatalmente velho, só e pobre. Não
concebo a abundância.
EXERCÍCIOS COM DOIS ARCANOS:
“VANTAGEM-INCONVENIÊNCIA, FORÇA-FRAQUEZA”
Exemplos de leitura
Consulente: Moro na cidade e gostaria de mudar para um lugar menos
poluído, em pleno campo.
Vantagem: VI O Namorado
Leitura: A vida longe da cidade corresponde a um desejo profundo, a
alguma coisa que você ama. A sua vida emocional (a dois, em família)
poderia ganhar muito com isso. Seus filhos cresceriam em um ambiente
mais feliz, mais aprazível.
Inconveniência: XVIII A Lua
Leitura: É possível que você se ressinta da solidão, inclusive temores no-
turnos, por exemplo, se você decidir morar em um lugar muito isolado.
Consulente: Gostaria de trabalhar meio período.
Vantagem: O Louco
Leitura: Você está livre! Você poderá colocar sua energia a serviço de
uma série de coisas, você ainda nem sabe quais, mas se sente cheio de
ímpeto.
Inconveniência: XII O Enforcado
Leitura: Vendo seus bolsos virados para baixo, podemos nos perguntar
se você possui as bases financeiras para essa redução de tempo de tra-
balho. Cuidado também para não se tornar inativo.
Consulente: Este ano passaremos as festas com a família.
Vantagem: XVI A Torre
Leitura: Uma grande alegria espera por você. A verdadeira festa é com
muita gente.
Inconveniência: V O Papa
Leitura: Cuidado com a comunicação... Uma palavra infeliz pode estra-
gar uma noite inteira... Existe algum personagem masculino na família
cuja autoridade você receie, um pai, um avô?
Exercícios com dois Arcanos
Vantagem-inconveniência, força-fraqueza
Para uma determinada situação, uma decisão tomada, alguma coisa so-
bre a qual você tenha dúvidas, tire duas cartas: uma representa a vanta-
gem, os pontos fortes da sua situação ou da sua decisão, a outra a in-
conveniência, as fraquezas, os eventuais perigos que esperam por você.
(Exemplos na página ao lado.)
O conflito
Esta estratégia de leitura é dinâmica. Ela consiste em colocar uma carta
virada com a frente para a mesa e cruzar por cima uma segunda carta.
A primeira carta representa o desejo, a situação em que nos encontra-
mos; a segunda carta representa o conflito, o obstáculo, aquilo que nos
impede de avançar. A partir daí, fazemos duas leituras. A primeira se
efetua quando a carta do conflito está sobre a outra, portanto, vitoriosa;
nesta configuração, o conflito, o obstáculo parece insolúvel. A segunda
leitura se efetua depois de colocada a carta do conflito, do obstáculo
embaixo da carta que representa a situação, o desejo; esta configuração
indica a superação do conflito, do obstáculo. (Exemplos na página se-
guinte.)
EXERCÍCIOS COM DOIS ARCANOS:
“O CONFLITO”
Exemplos de leitura
Consulente: Uma roteirista com dificuldades para começar a escrever
um projeto que lhe foi confiado.
Situação: XI A Força
Conflito: III A Imperatriz
Leitura 1: Com o XI, você procura começar alguma coisa a partir da pró-
pria força criativa ou instintiva. Mas o III a cruza: você percebe sua criati-
vidade como um obstáculo porque não sabe aonde vai, isso a angustia.
Sendo o 3 menor que o 11, você tem medo de lhe faltar experiência, ou
sente que sua inspiração é superficial, muito juvenil. Aqui, A Imperatriz
fecha a boca do leão do XI: A Força não pode começar aquilo que deve
começar. É uma falta de confiança em si mesma. A adolescente predo-
mina psiquicamente sobre a mulher experiente.
Leitura 2: Se A Imperatriz passa por trás d’A Força, a situação muda: vo-
cê se apoia na energia adolescente e na explosão d’A Imperatriz para
começar corajosamente seu trabalho. A Força retoma o sentido de sua
maturidade: sem dúvida, ela representa um início, mas já tem atrás de si
os dez primeiros Arcanos maiores. A Imperatriz simboliza aqui a criativi-
dade posta decididamente a serviço de um projeto novo.
Consulente: Quero mudar de vida...
Desejo: XIII O Arcano sem nome
Obstáculo: XVIIII O Sol
Leitura 1: Você está em uma grande dinâmica de mudanças. Você dese-
ja revolucionar sua vida, fazer uma grande mudança e recomeçar sobre
novas bases (XIII). Mas, com O Sol, parece que uma construção prece-
dente lhe impede. Você está preso a alguma concepção de casamento,
de família? A algo ligado à infância? Seria uma busca do pai ideal?
Leitura 2: O Sol, como projeto de uma vida nova, modera o ardor des-
trutivo do Arcano XIII e canaliza sua ação para um objetivo cheio de
amor.
A carta favorita e a carta menos amada
Comece escolhendo do maço dos Arcanos maiores a carta que você
mais gosta e a carta que você menos gosta. Observe-as e defina o que
mais lhe atrai ou repele em cada uma. Para cada carta, retire uma carta
que lhe permita aprofundar a sua relação com ela.
Exemplos de leitura
Carta favorita: XVII A Estrela. Eu amo a imagem dessa mulher bonita
em um paraíso com calor, nua, generosa. Posso facilmente me identifi-
car com ela. É o ideal da minha vida... Infelizmente, não me sinto assim
todos os dias.
Carta menos amada: XII O Enforcado. Esta carta evoca um suplício,
apesar da expressão calma do rosto do personagem. É uma carta vazia,
não tem mais ninguém. Não gosto da ideia de ele ficar parado.
Tiragem: A consulente cobre a carta d’A Estrela: VIII A Justiça.
Leitura: É aqui e agora, no presente da sua encarnação, que a sua Es-
trela se manifesta. Você está unida a ela, mesmo quando está em uma
situação social, de trabalho, com a tarefa de pesar, julgar, agir em uma
realidade menos idílica. Você é A Estrela! Não duvide mais disso! Dê a
si mesma aquilo que você merece.
Tiragem: A consulente cobre a carta d’O Enforcado: XVI A Torre
Leitura: Veja esses personagens que também estão de ponta-cabeça.
Eles lhe indicam o futuro daquela paralisia que você tanto questiona. O
Enforcado apenas se prepara para uma saída feliz, para um nascimento.
Seu destino é a abertura, a alegria. Tudo aquilo que está fechado em vo-
cê pode se exprimir. Talvez você devesse trabalhar sobre as circunstân-
cias da sua gestação e do seu nascimento para melhor compreender
aquilo que lhe inquieta na atitude d’O Enforcado. Será que você tem
uma cólera acumulada?
Carta favorita: XIII O Arcano sem nome. É a minha favorita porque
ela causa medo nos outros mas não em mim: não tenho medo da trans-
formação, eu a amo. Sou um cômodo vazio em uma casa sem dono.
Carta menos amada: XXI O Mundo. É uma carta final, já realizada,
que tem tudo. Não há mais nada a fazer em seguida.
Tiragem: O consulente cobre a carta d’O Mundo: XVIII A Lua.
Leitura: Desenvolva a sua receptividade e você descobrirá que mesmo
na perfeição, a vida continua: na contemplação da beleza do mundo.
Exercícios com um, dois e mais Arcanos
Uma vez que nos familiarizamos com os exercícios de interpretação, a
melhor maneira de passar à leitura propriamente dita consiste em enri-
quecer a interpretação de uma carta a partir de outra ou de várias ou-
tras. Entramos, assim, na dinâmica relacional entre Arcanos que consti-
tui a própria essência da leitura.
Explicar uma carta a partir de outra ou de outras cartas
Escolhemos uma carta que desejamos aprofundar o significado. Evi-
dentemente, essa leitura será ao mesmo tempo “objetiva” (estudo dos
elementos da carta escolhida), “subjetiva” e “projetiva” (o que eu vejo
nessa carta?).
Exemplos de leitura
VI O Namorado
Questão: Que união O Namorado exprime?
Tiragem: Uma carta correspondente a cada um dos três personagens
d’O Namorado: O Louco, XIIII Temperança, XV O Diabo.
Resposta: O Namorado exprime a união dos inconciliáveis: a energia
inicial, o anjo e o demônio! É a inversão da moral imposta pela cultura
judaico-cristã. O gostar (amar ou fazer o que se gosta) permite essa re-
volução.
VIII A Justiça
Questão: O que A Justiça corta?
Tiragem: Uma carta correspondente à espada. Aqui: VI O Namorado.
Resposta: Ela corta os conflitos emocionais que lhe fazem perder tem-
po, talvez relações sociais abusivas...
Pergunta: O que A Justiça pesa?
Tiragem: O consulente tira duas cartas correspondentes a cada prato
da balança. Aqui: XI A Força e XX O Julgamento.
Resposta: O equilíbrio entre sua energia sexual instintiva e o chamado
espiritual.
XIIII Temperança
Esta carta simboliza a mescla harmoniosa de entidades distintas.
Pergunta: Como realizar essa união?
Tiragem: O consulente tira uma carta para simbolizar o fluxo entre os
dois vasos, a união: XVIII A Lua.
Resposta: Pela intuição, escutando atentamente a si mesmo. É hora de
deixar de negar a si mesmo, de aceitar as mensagens que vêm do fundo
do nosso inconsciente, a poesia, a receptividade, a imensidão interior.
I O Mago
Pergunta: O que ele tem em sua mesa?
Tiragem: VIIII O Eremita
Resposta: Sob a aparente disparidade de elementos, O Mago possui a
sabedoria: talvez a herança de um pai, de um guia, de um avô.
O processo de questionamento de um Arcano pode continuar:
Pergunta: E o que há embaixo da mesa d’O Mago?
Tiragem: VII O Carro
Resposta: Existe uma imensa capacidade de agir, desde que se entre
em contato com o que há “embaixo da mesa”, que em O Carro corres-
ponde aos dois cavalos: força interior, animalidade, criatividade.
Introdução à translação
Tire duas cartas ao acaso e observe os detalhes que se repetem ou se
transformam de uma para outra: cores, objetos, formas, direção dos
olhares... A interpretação poderá variar conforme a ordem em que as
cartas forem tiradas.
Exemplos de leitura
Tiragem: VII O Carro, VIII A Justiça
Translação: A translação nos indica que O Carro tem dois cavalos e um
cetro, símbolo de poder. A Justiça, por sua vez, tem dois pratos e uma
espada, uma arma. A Justiça impõe sua vontade ao mundo, enquanto O
Carro aceita se deixar levar por aquilo que o mundo quer: seus cavalos
não têm rédeas. A coroa d’O Carro é receptiva, aberta em cima, a d’A
Justiça é projetiva, dá mostras de uma inteligência ativa.
Os dois cavalos d’O Carro, os dois pratos d’A Justiça; a coroa d’O Carro e a coroa d’A
Justiça.
Leitura: Em uma leitura muito concreta, poderíamos dizer que O Car-
ro busca escapar d’A Justiça, talvez também da influência da mãe, ou de
uma ideia de perfeição excessiva.
Tiragem: I O Mago, XVIIII O Sol.
A bolinha amarela d’O Mago se torna o Sol.
O valor do Sol se reduz.
Leitura: Em uma leitura bastante concreta, poderíamos dizer que na
mão d’O Mago poderia haver uma representação do Sol em miniatura.
Sempre nessa ordem, poderíamos dizer que o jovem do Arcano I “pega
o sol com a mão”: ele assume seu próprio sucesso, ou utiliza a influên-
cia do pai, de um homem que o sustenta. Ele pode, então, absorver essa
energia que o reforça.
Leitura: Ordem XVIIII-I: nesta configuração, o círculo amarelo pode
ser visto como uma redução: um sol se torna uma espécie de moeda.
Poderíamos dizer que O Mago manipula essa força de maneira reduto-
ra ou desonesta. Poderia se tratar de um escroque, ou ainda de um “fi-
lhinho de papai” que não sabe o valor do dinheiro e o esbanja...
Tiragem: XI A Força, XVIIII O Sol
Translação: Estas cartas mostram um ser mais espiritual agir sobre
(ou em colaboração com) um outro ser mais animal. Em A Força, a mu-
lher está com as mãos postas na boca do leão, poderíamos dizer que ela
tenta controlá-lo, talvez para que se cale. Em O Sol, um personagem
marcado por três pontos (ver pp. 233, 257 ss.) guia outro personagem
semelhante, mas que possui uma pequena cauda que parece indicar sua
ligação com a animalidade (ver pp. 257 ss.)
O ser espiritual d’A Força age sobre o ser animal que é o leão; o ser espiritual do Sol (à
nossa direita, marcado com três pontos) guia um ser mais animal (à nossa esquerda,
com uma pequena cauda).
Leitura: Poderíamos dizer que a busca que começa em A Força realiza
a construção de uma nova vida em O Sol. Uma pessoa entrou em conta-
to com sua criatividade, seu eu profundo, seu inconsciente, mas ainda
se sente diferente dessa entidade vista como um animal. Em O Sol, as
duas instâncias do ser colaboram como duas entidades gêmeas, a pes-
soa está em pleno acordo consigo mesma, e para levar a cabo as mudan-
ças profundas da nova vida, a parte espiritual da nossa vida se torna um
guia interior no qual confiamos plenamente.
EXERCÍCIOS COM UM(A) PARECEIRO(A): PERGUNTAS À TEMPERANÇA
– Por que você tem duas serpentes entrelaçadas aos seus pés?
Porque eu assumi todas as energias da Terra. Essas duas serpentes são a
energia sexual, o masculino e o feminino que se entrelaçam em mim e
se sublimam nas minhas asas azuis. Eu os protejo tanto na Terra como no
Céu.
– Por que você derrama o conteúdo de um vaso no outro?
Eu faço comunicar as energias, os fluidos. Pela minha ação, não há mais
energias opostas, não existem contrários, mas apenas complementares.
É o segredo do equilíbrio.
– Qual é o significado dos signos geométricos que você tem no peito?
Os quatro pequenos triângulos amarelos no meu peito representam os
quatro centros do ser humano: o intelecto, o centro emocional, o centro
sexual e criativo e o domínio corporal. Esses centros não se comunicam
entre eles, eles são justapostos, cada um com sua lei própria. Mas por
cima, o círculo amarelo onde se inscreve um triângulo entre eles repre-
senta a quintessência, o ser essencial que há em cada um de vocês, e
que se comunica com cada um dos quatro centros, permitindo a harmo-
nia do ser humano.
– Como a sua presença se manifesta na minha vida?
Quando eu chego, um perfume maravilhoso se desprende. Tenho uma
flor vermelha no alto da cabeça, que indica que meus pensamentos são
perfumados. Em mim, as ideias se manifestam não sob a forma de pala-
vras, mas como um perfume.
– Por que os seus olhos são amarelos?
Porque o meu espírito é pura luz. Sou tudo aquilo que vejo.
Exercícios com um(a) parceiro(a)
Perguntas e respostas
Um dos dois participantes escolhe um Arcano a fim de lhe fazer uma
série de perguntas. O segundo participante toma a palavra em nome do
Arcano e responde conforme sua intuição lhe sugerir. Muito útil para
os estudantes do Tarot, este exercício permite ampliar a compreensão
das cartas. (Ver o exemplo na página anterior.)
A conversa tarológica ou Tarot do pôquer
Os dois parceiros tiram cada um cinco cartas ao acaso, que colocam la-
do a lado, no sentido da leitura. O primeiro abre as suas cinco uma por
uma e faz uma pergunta por carta. O segundo lhe responde abrindo as
suas próprias cinco outras cartas uma por uma. Depois, cada um tira
mais cinco cartas do maço e invertem os papeis.
A pergunta pode abordar o sentido da vida em geral, problemas que
dizem respeito à pessoa que pergunta, ou ainda a relação que liga os
dois parceiros, se eles já se conhecem bem.
Esse exercício de leitura é excelente para desenvolver a interpreta-
ção pessoal dos Arcanos do Tarot e o diálogo. (Ver exemplo abaixo.)
Exemplos de leitura
— VIIII O Eremita: Aonde leva a crise que estou vivendo?
— O Louco: À tua liberdade!
— VIII A Justiça: O processo em que estou implicada pode me tra-
zer algum dinheiro?
— XV O Diabo: Sim, muito!
— XI A Força: Estou iniciando uma atividade. Será que terei força
para conseguir?
— X A Roda da Fortuna: Sim, com ajuda de uma pessoa externa (a
manivela da roda).
— I O Mago: O que eu poderia começar aqui e agora mesmo?
— XXI O Mundo: Você pode começar entrando em contato perma-
nente com as quatro dimensões de si mesmo: a sua capacidade de ser,
de amar, de criar e de viver.
— XIII O Arcano sem nome: O que devo transformar na minha vi-
da agora?
— III A Imperatriz: Você deve entrar em contato com a sua criati-
vidade, com o seu entusiasmo, com os seus sonhos de adolescente!
O Tarot do pôquer (variante)
Uma variante do Tarot do pôquer pode ser jogada entre um consulente
e um tarólogo já experiente. O consulente fará a cada uma das cinco
cartas uma pergunta que traga dentro de si, conforme seu conhecimen-
to prévio do Tarot ou conforme aquilo que os desenhos lhe inspirem. O
tarólogo organizará suas próprias cartas começando por aquela que
apresente mais problemas até a que oferece a maior realização, para
guiar a resposta em direção a um processo de evolução. Inicia-se, as-
sim, uma espécie de “tauromaquia positiva” em que o consulente expõe
sua dificuldade e em que o tarólogo lhe propõe respostas que o ajudem.
O trabalho do tarólogo consiste em organizar seu material de respostas
para ajudar o consulente a desenhar uma evolução positiva. (Exemplo
abaixo.)
Exemplos de leitura
Consulente: Ela recentemente perdeu a mãe.
— VIIII O Eremita. A que devo renunciar?
— XIII O Arcano sem nome: A se aferrar a algo que se destrói.
— XII O Enforcado: Que ponto de vista novo devo adotar?
— XV O Diabo: Viver a sua paixão criadora.
— XI A Força: Por quais meios?
— V O Papa: Pelo ensino.
— IIII O Imperador: Por esse meio obterei a paz?
— XVII A Estrela: Por esse meio você chegará à paz se parar de
exigir e passar a se dedicar a doar.
— VIII A Justiça: Que outra mãe posso encontrar?
— XXI O Mundo: O cosmos.
Ler três cartas
A partir de três cartas, podemos considerar que o trabalho de leitura
propriamente dito começa: é a estrutura mais simples, a “frase” de base
que oferece possibilidades quase infinitas. As estratégias de leitura com
três cartas são numerosas. Podemos escolher utilizar estruturas em que
as três cartas representem três elementos preestabelecidos: passado,
presente, futuro, por exemplo. Mas, pouco a pouco, a arte da leitura se
desprende dessas estruturas rígidas, e aprendemos a nos deixar orien-
tar pelos detalhes, que unem ou opõem as cartas: símbolos, direção dos
movimentos ou dos olhares dos personagens, valor numérico dos Arca-
nos escolhidos... A leitura de três cartas é uma arte que o estudante do
Tarot nunca termina de aprofundar.
Para se iniciar na leitura de três cartas, podemos escolher entre três
direções, da mais simples à mais elaborada:
• Escolher de antemão uma estratégia;
• Adaptar a estratégia de leitura à questão colocada;
• Determinar a estratégia de leitura assim que as cartas forem tira-
das, segundo o desenho ou o valor numérico, apoiando-se particular-
mente nos elementos recorrentes de uma carta para outra (símbolos e
cores) e na direção dos olhares dos personagens.
Podemos também levar em conta a maneira como o consulente
dispõe fisicamente as três cartas na mesa. Se a ordem das cartas é neu-
tra, se estão alinhadas horizontalmente com espaço constante entre
elas, isso pode indicar que a pessoa é equilibrada, ordeira, e que sua
pergunta foi colocada serenamente, ou com uma vontade de controlar
os acontecimentos. Se o consulente dispõe as cartas em um desenho as-
cendente, poderíamos aí decifrar uma tendência otimista, ao passo que
se a linha é descendente, seria bom interrogá-lo para compreender o
que motiva seu pessimismo. Se as duas primeiras cartas estão juntas, e
a terceira afastada, ou o contrário, a estratégia de leitura será modifica-
da: deve haver uma união entre os dois elementos e um sentimento de
isolamento em relação ao terceiro elemento.
Se, em vez de na vertical, as cartas estiverem inclinadas para a fren-
te, isso pode indicar um ímpeto nascido de uma decisão mental de ir
em frente. Quando as cartas estão inclinadas para trás, podemos imagi-
nar que o consulente não tem vontade de avançar, ou que avança contra
sua vontade. Todas essas interpretações são dadas, bem entendido, a tí-
tulo de ilustração, e devem sobretudo envolver o tarólogo em um diálo-
go, mais do que serem tomadas como indícios definitivos.
Por fim, a partir da leitura de três cartas, podemos sempre tirar uma
ou mais cartas suplementares para esclarecer a situação, especificar
uma dúvida, ver como um bloqueio pode ser superado ou como as
transformações se estabilizam. Se o Tarot parece evocar uma dificulda-
de, não há motivo para permanecer nela. Podemos nos perguntar qual
será a origem e como ela pode ser resolvida. O tarólogo deve ser um ali-
ado para o consulente, sem excesso de previsões, de julgamentos ou de
diagnósticos. Se consideramos que o Tarot nos passa uma mensagem
vinda do inconsciente, nosso trabalho, como leitores, é traduzir da me-
lhor maneira essa mensagem para permitir que a pessoa avance em
uma direção útil, em direção à solução de conflitos, no caminho da rea-
lização e do progresso, em direção à alegria, à criatividade, à paz, à
prosperidade.
Ler com uma estratégia preestabelecida
A leitura com três cartas é ao mesmo tempo simples e muito rica, prati-
camente inesgotável. No entanto, é possível separar as estratégias de
leitura já estruturadas que, em um primeiro momento, permitem que a
“frase” escolhida pelo consulente faça sentido.
A primeira dificuldade com a qual o tarólogo se confronta reside na
crença de que o Tarot serve para predizer o futuro. Ora, a tarologia, ao
contrário da cartomancia, consiste não em determinar hipotéticos
acontecimentos futuros, mas em responder a uma pergunta, da manei-
ra mais útil possível, apoiando-se em imagens ricas em símbolos. Para
fazê-lo, é preciso que se realize a leitura do Tarot em um quadro: é aí
que a estratégia de leitura vem em nosso auxílio. Ela dá o sentido da in-
terpretação, como o lado do campo (como no futebol ou no xadrez, por
exemplo) dá orientação ao jogo. A estratégia é decidida pelo leitor, seja
de antemão, seja após a visão das cartas. O número de estratégias é po-
tencialmente infinito.
Eis aqui cinco estratégias de leitura muito simples, com três cartas,
classificadas pela ordem da mais linear à mais psicológica. Em todos os
exemplos, as cartas são designadas respectivamente por A, B e C. As
respostas dadas na leitura são aqui voluntariamente cotidianas e sim-
ples. Podemos evidentemente elaborar respostas mais profundas, tendo
como referência os textos sobre os Arcanos maiores, mas na falta de
um consulente real, o processo de leitura é apresentado aqui sob a for-
ma mais acessível.
Estratégia 1
Aspectos passado, presente e futuro em uma situação
A, B e C representam respectivamente o passado, o presente e aqui-
lo que se prepara no futuro. (Ver exemplo na página 505.)
Estratégia 2
Início, desenvolvimento, resultado
Neste desenvolvimento cronológico, A é um início que se desenvol-
ve em B e C. (Ver exemplo na página seguinte.)
Estratégia 3
Os motivos da situação presente
O início é em C, e revisamos o que foi preciso fazer para ali se che-
gar. (Ver exemplo na página seguinte.)
Exemplos de leitura
Presente, passado e futuro de uma situação
Consulente: Será que finalmente conseguirei tirar minha carteira de
habilitação?
Tiragem: A: VII O Carro; B: XIII O Arcano sem nome, C: XVIII O Sol
Leitura: No passado, você já tentou fazer esse exame sem sucesso (o
príncipe conduz um veículo em O Carro). Mas hoje em dia você mudou
(XIII, a transformação). Talvez você tenha adquirido a consciência do
perigo necessária aos bons motoristas. No futuro, você vai se preparar
para a prova com sucesso (O Sol), desde que considere o examinador
um aliado e não um inimigo...
A: aspecto passado da situação
B: aspecto presente da situação
C: aspecto futuro da situação
Início, desenvolvimento e resultado
Consulente: Como posso ajudar minha filha nessa situação difícil? (É
uma adolescente tímida, em situação de fracasso escolar.)
Tiragem: A: XVIII A Lua, B: XVI A Torre, C: XVIIII O Sol
Leitura: Você é a mãe dela, o modelo feminino dela, a referência essen-
cial, e a sua filha está precisamente na idade em que toma consciência
de sua feminilidade (A Lua). Ela precisa de alegria, de festa, de ver no-
vas paisagens (A Torre): permita que ela ponha alegria na própria vida.
Por fim, o papel do pai ou o arquétipo paterno é importante (O Sol),
pois é também o olhar dele que permitirá que sua filha cresça. Ou en-
tão, O Sol pode incitar você a sair em férias com a família...
A: início
B: desenvolvimento
C: resultado
Os motivos da situação
Consulente: De onde vem o conflito com meu sócio na empresa?
Tiragem: A: IIII O Imperador, B: VIIII O Eremita, C: O Mago
Leitura: Hoje você se encontra confrontado com uma escolha a ser fei-
ta: alguém lhe deve dinheiro (O Mago tem uma moeda de ouro na
mão), em todo caso a solução do problema não está em suas mãos. Não
tenha dúvida: você dispõe dos recursos para começar a sanar a situa-
ção. O conflito vem do fato de que o seu sócio e você não têm os mes-
mos valores, nem os mesmos recursos: embora você seja um homem
espiritualmente rico, mas menos poderoso financeiramente (O Eremi-
ta), você tem negócios com alguém muito mais materialista (O Impera-
dor) cujos objetivos não privilegiam a colaboração com você (O Impe-
rador vira as costas para O Eremita).
A e B: o que foi preciso fazer ou o que se produziu para que a situação ocorresse.
C: a situação
INFLUÊNCIAS ATIVAS E RECEPTIVAS
Estratégia 4 • O trio familiar
Consulente: Por que tenho tanta dificldade para engravidar?
Leitura: Você é representada pel’A Roda da Fortuna, que sinaliza um blo-
queio no presente ligado a um enigma emocional (a esfinge). A sua fe-
cundidade não está em questão, mas você ainda é prisioneira das con-
tradições dos seus pais. O seu pai (A Papisa) parece muito marcado pela
própria mãe, uma mulher idealizada que talvez tenha transmitido a ele
um ideal religioso ou intelectual. Para satisfazê-lo, você tende a se com-
portar como um espírito puro, negando o próprio corpo e a própria ca-
pacidade de procriar. A sua mãe (O Namorado) parece presa a um con-
flito emocional: será que a sogra interveio excessivamente no casamen-
to (os personagens d’O Namorado representam, então, o casal e a so-
gra, na extrema esquerda)? Que tipo de visão do amor, da maternidade,
do feminino, essa situação transmitiu a você? De que maneira essa visão
pode freá-la em seu desejo de ser mãe?
Estratégia 5 • As forças agentes (caso 1)
Consulente: Como colaborar com minha esposa para levar adiante nos-
so projeto de uma pousada no campo?
Leitura: O projeto é conduzido por um impulso (O Louco). Sua esposa é
capaz de agir com muita força e determinação (O Carro). Você repre-
senta sobretudo as forças do equilíbrio e da moderação, ambas tam-
bém necessárias à boa condução do projeto (Temperança).
(caso 2)
Consulente: O que me impede de escrever poesia?
Leitura: Você ama infinitamente a poesia (O Namorado). É uma vocação
e uma alegria para você. Mas no momento a sua musa está em crise (VII-
II). Talvez você se sinta sozinho, mal-amado, insuficientemente reconhe-
cido. Pode-se dizer que você simplesmente está se preparando para um
novo impulso criativo, pois O Eremita pode significar também uma crise
positiva. Em todo caso, o fato de retardar a ação (Temperança, do lado
ativo) não lhe ajuda. Você talvez devesse escrever ainda que uma linha
por dia, mesmo que não se sinta inspirado... Pois a paciência e a inação
não são suas aliadas.
Estratégia 4
O trio familiar e sua influência sobre o consulente
Assim como os personagens d’O Julgamento (XX), as cartas repre-
sentarão nessa ordem a mãe, a criança e o pai. (Exemplo abaixo.)
Estratégia 5
As forças agentes: recepção-ação
Na mesma ordem de ideias, mas em um plano mais simbólico, po-
demos decidir que as cartas representam a união entre forças recepti-
vas e ativas, doando sua energia para uma obra comum.
(Para as duas cartas seguintes, ver exemplos abaixo.)
Caso 1: A união pode ser harmoniosa: união de A e C por um resul-
tado B que eleve o consulente ou projeto comum.
Caso 2: A união pode também ser desarmoniosa, inclusive perigosa:
as cartas A e C correm o risco de rebaixar o consultante em B.
CINCO ESTRATÉGIAS EM TORNO DE UMA PERGUNTA
Eis como as cinco estratégias que estudamos nas páginas precedentes nos
permitem responder com nuances diferentes à mesma pergunta. Podemos
começar esquematizando muito simplesmente as forças presentes nas car-
tas A, B e C, utilizando uma ou duas palavras-chave por Arcano. Podemos
depois detalhar ou combinar as observações feitas segundo cada estraté-
gia, dialogando com o consulente para alcançar a resposta que o ajude
mais.
Pergunta: A pessoa em quem estou pensando é digna de ser meu profes-
sor?
Tiragem: A: O Louco. B: IIII O Imperador. C: XVIIII O Sol
Palavras-chave: O Louco: energia, ímpeto. O Imperador: potência, estabili-
dade, espírito racional. O Sol: união, realização, pai ideal, nova construção.
Estratégia 1 (passado, presente, futuro): Você dedicou muita energia no
passado a essa busca (A). Hoje em dia, você está em plena posse do seu
espírito racional, e você tem o poder de julgar o que é bom para você (B).
Mas você sente que no futuro será preciso, como o personagem da esquer-
da d’O Sol, aceitar a ajuda de um ser espiritual, que já superou o racional,
para conhecer novas regiões do seu espírito (C).
Estratégia 2 (início, desenvolvimento, resultado): Você faz o gesto de ir
em frente (A), em direção a um homem de poder (B), e você realiza com
ele uma união espiritual (C).
Estratégia 3 (motivos da situação): Você já encontrou e escolheu seu mes-
tre (C). Isso exige de você uma determinação enérgica (A) e a aceitação de
sua potência (B).
Estratégia 4 (o trio familiar): Você é uma pessoa estável (B). Sua mãe talvez
fosse um pouco desorganizada (A) e seu pai, um modelo ideal (C). É ao
mesmo tempo o motivo pelo qual você está em busca de um mestre (que
supra a desorganização materna), e pelo qual você duvida dele (ele não
pode igualar o pai).
Estratégia 5 (as forças agentes):
(caso 1)
Você pode unir em si a ordem d’O Sol (C) e o caos d’O Louco (A) para con-
quistar a potência e o equilíbrio que deseja. O mestre está acima de tudo
em você mesmo, um professor externo pode orientá-lo no caminho de seu
próprio valor.
(caso 2)
Cuidado para não pôr em conflito essas duas forças que acabamos de evo-
car (A, loucura e C, sabedoria). Pois sob pretexto de entrar em conflito com
o mestre, você entraria em conflito com sua parte feminina, que você não
tolera (representada pel’O Louco, influência materna).
As possibilidades de ação do consulente
Estratégia de leitura e trabalho sobre a pergunta
O exemplo precedente nos mostra que a todo momento temos diversas
estratégias possíveis para ler três cartas. Quando não se é mais prisio-
neiro da necessidade de encontrar a resposta certa, a leitura do Tarot se
torna uma conversa terapêutica. Com a concordância do consulente e a
partir de uma estratégia de leitura determinada, podemos trabalhar a
formulação da pergunta.
As exigências dos consulentes exprimem frequentemente uma an-
gústia em relação ao futuro: “Tal coisa terá sucesso?”, “Os meus desejos
se realizarão?”, “Essa pessoa me ama?”. Não podemos responder a tais
perguntas, pois isso equivaleria a prever o futuro. Mas podemos refor-
mular de maneira que permita ao consulente voltar a ser senhor do
próprio destino: “O que posso fazer para que tal coisa tenha sucesso?”,
“Em que direção trabalhar, o que posso modificar para que o meu dese-
jo se realize?”, “Qual é a natureza da relação que me liga a essa pes-
soa?”. Quando as perguntas são postas dessa maneira, elas incluem o
consulente como sujeito ativo da própria vida, e não como joguete de
um destino todo-poderoso.
Eis aqui duas estratégias de leitura para uma mesma tiragem de três
cartas. Essa escolha permitirá determinar quais são as forças presentes
para o benefício da pessoa que faz a pergunta.
QUANDO PERGUNTAR AO TAROT NOS TORNA AUTORES E ATORES DA
PRÓPRIA EXISTÊNCIA
Consulente: A primeira pergunta é: o que vai acontecer no meu traba-
lho?
Tiragem: A: XVIIII O Sol. B: XIII O Arcano sem nome. C: VIII A Justiça
Estratégia 1
Evolução de uma situação
Seguindo esta estratégia, trabalhamos no sentido de reorientar e refor-
mular a pergunta. Ela se torna:
Pergunta: Que tipo de evolução eu vejo se configurar no meu trabalho?
Leitura: No passado (A), você foi feliz e satisfeita com o trabalho, mas o
trabalho correspondia a um domínio masculino, ou talvez à ambição so-
cial inculcada pelo pai. Atualmente (B), você está em busca de uma
transformação, pois no futuro (C) você preferirá (e vai se preparar para
encontrar) uma atividade que corresponda mais profundamente à sua
natureza feminina. Você precisa se doar para aquilo que você merece:
talvez um trabalho mais gratificante ou que faça justiça a um talento até
então inexplorado.
Estratégia 2
Ler como uma frase
Seguindo essa estratégia, a pergunta se torna:
Pergunta: O que estou fazendo, o que posso fazer, no meu trabalho?
Leitura: A (sujeito): O Sol simboliza aqui a consulente, um sujeito em
busca de uma passagem, de uma mutação espiritual que a separe do
passado e lhe permita empreender uma nova construção. B (verbo,
ação): Com o Arcano sem nome, esta nova construção necessita de uma
transformação radical. Mas se trata de transformar o quê? C (comple-
mento): O Arcano VIII nos fornece a resposta: é preciso se desfazer de
uma certa ideia de perfeição. Esse perfeccionismo foi inculcado pela
mãe, ou pela imagem que a árvore genealógica faz do papel da mulher.
A consulente, representada pel’O Sol, integra valores positivos que lhe
permitem empreender uma mutação (Arcano sem nome) para encontrar
sua verdadeira natureza feminina e seu equilíbrio pessoal (A Justiça).
Resumo: A leitura pode ser resumida da seguinte maneira: você está em
um momento de transição importante, em busca do seu ser verdadeiro.
Isso se traduz pela necessidade de transformar sua atitude submissa di-
ante das autoridades e de reencontrar o sentido do seu valor profundo.
Estratégia 1
Evolução de uma situação
Em vez de perguntar sobre “o que vai acontecer”, podemos reorien-
tar a questão, concentrando-nos na noção de evolução. Esta leitura, do
tipo “passado-presente-futuro”, esclarecerá a maneira como o consu-
lente viveu o trabalho até recentemente (carta A), sua atitude na situa-
ção presente (carta B) e a evolução que ela visa em um futuro próximo,
assim como as forças que lhe permitirão realizar essa evolução (carta
C). (Ver exemplo na página seguinte.)
Estratégia 2
Ler como uma frase
Uma outra estratégia possível é a leitura gramatical na qual as car-
tas têm lugar respectivamente de sujeito, verbo e complemento. Esta
estratégia tem por interesse dar ao consulente seu lugar de sujeito ati-
vo. A carta A representa o sujeito da frase; a carta B representa o verbo,
a ação; a carta C representa o complemento. (Ver exemplo na página
seguinte.)
Saber reposicionar as cartas para encontrar a resposta
de maior auxílio
Não há nada de fatídico em uma leitura do Tarot, nada que esteja deci-
dido de antemão. As cartas postas na mesa são retângulos de papel im-
presso, e não uma sentença irrevogável. Um tarólogo evoluído deve se
desfazer da noção de destino e de previsão. Ele ou ela não estão aí para
dar conselhos, mas para mostrar à pessoa suas próprias possibilidades
a fim de que ela encontre sozinha aquilo que pode fazer.
No momento em que o consulente escolhe as cartas que correspon-
dem à sua pergunta, ele estabelece uma fotografia instantânea de seu
inconsciente a partir da qual poderemos trabalhar. Eis por que, depois
de ter lido a “frase”, tal como o consulente a formulou, é possível mu-
dar a ordem das cartas para estabelecer, com os mesmos elementos,
uma atitude de vida que permite dar à pergunta uma resposta mais po-
sitiva, mais eficaz, mais adaptada ao desejo profundo do consulente.
Podemos sempre fazer, para três cartas, seis leituras possíveis: A-B-
C / B-C-A / B-A-C / C-A-B /C-B-A / A-C-B. O posicionamento na or-
dem numérica progressiva indica geralmente um caminho de realiza-
ção, porque a estrutura dos Arcanos maiores segue a ordem numérica
crescente. Mas, como sempre ocorre com o Tarot, isso não é uma lei ab-
soluta. Às vezes, a estrutura das cartas sugere uma outra ordem de rea-
lização.
Retomemos para começar o exemplo da página 508, dessa vez mu-
dando a ordem das cartas:
Consulente: Desejo encontrar um professor no meu campo de interes-
se.
Tiragem: O Louco, XVIIII O Sol, IIII O Imperador
Leitura 1: Nesta ordem, podemos dizer que você busca com muita
energia (O Louco) um ideal que substitua o pai (XVIIII). Mas você cor-
re o risco de se decepcionar, pois será confrontado com um homem real
(IIII).
Reposicionamento: Eis o que evocam as outras configurações:
Leitura 2: Buscando o ideal (XVIIII), você encontrou um homem nor-
mal (IIII) e fugiu correndo (O Louco).
Leitura 3: Você é uma pessoa de grande valor (XVIIII). Para que bus-
car (O Louco) um mestre que lhe seja inferior (IIII)?
Leitura 4: A sua busca do pai dá resultado: você abandona o racional
(IIII) para se lançar em direção aos ensinamentos generosos de um
personagem solar (XVIIII).
Leitura 5: Você encontra o mestre, mas o abandona em seguida: o en-
contro foi o suficiente para você se libertar.
Leitura 6: Tomado de grande energia (O Louco), você encontra um
mestre ao mesmo tempo real e potente (IIII) que lhe permite entrar
em um processo de uma nova construção (XVIIII).
Podemos ler assim as seis configurações possíveis e determinar
qual é a melhor para o consulente. No exemplo precedente, provavel-
mente a última solução (ordem numérica dos Arcanos) é a mais favorá-
vel. Segundo exemplo:
Consulente: Um homem e uma mulher perguntam sobre seu desejo de
ter um filho.
Tiragem: III A Imperatriz, XX O Julgamento, IIII O Imperador
Leitura: A ordem em que as cartas saíram é bastante favorável ao dese-
jo do casal, porque os personagens d’O Julgamento parecem acolher o
novo nascimento. O Arcano XX está cercado à esquerda por uma carta
que representa uma mulher e à direita por uma carta que representa
um homem, que poderíamos associar respectivamente à consulente e
seu companheiro. Por conseguinte, a ordem numérica crescente não é
um valor absoluto.
Estratégia de reposicionamento
Entre as possibilidades, escolheremos as mais positivas e aquelas que revelam um as-
pecto da situação que possa ser útil ao consulente.
Reposicionamento: ordem ACB
Leitura: Nesta ordem, a leitura é igualmente positiva: a relação Impe-
ratriz-Imperador resulta no surgimento de uma nova consciência.
Reposicionamento: ordem CBA
Leitura: Por outro lado, se as cartas se apresentarem nesta ordem, isso
poderá significar que as energias sexuais estão invertidas no casal: a
mulher é masculina e o homem, feminino. Ainda que complementares,
será preciso que eles tenham o cuidado de não apagar as referências
para a criança que vai nascer.No terceiro exemplo a seguir, a estratégia
de leitura adotada será considerar a carta do centro como a mais está-
vel, um estado profundo e imutável do consulente. A primeira carta é
aquela onde tudo nasce e a terceira, onde tudo se desfaz: nascimento,
conservação, dissolução, como na trindade divina indiana. Poderíamos,
então, inverter a ordem das cartas A e C, o que equivale a inverter o
sentido da leitura.
Consulente: (Ator) Serei chamado para trabalhar nesse filme?
Tiragem: A: XI A Força, B: XVIII A Lua, C: XV O Diabo
Leitura: No meio, uma imensa receptividade, uma imensa exigência
(XVIII). O centro de interesse desse jovem ator é a exigência, o desejo
de ser escolhido... Não o julgamos, mas poderíamos nos perguntar se
não seria preciso um pouco mais de ação da parte do consulente. A Lua
quer que lhe doem, ela está em estado permanente de receptividade.
Em matéria de arte, e em uma indústria como o cinema, será que uma
atitude dessas é viável? É preciso agir na realidade. A Força quer agir,
mas ela se transforma em uma Lua exigente. Com o XV, ela ganha uma
amarração. O XV pode representar um contrato. O filme será possível
desde que A Força seja grande o suficiente para superar o obstáculo da
espera.
Estratégia de reposicionamento
Neste caso, a pergunta do consulente é sobre começar alguma coisa. Isso corresponde
à carta A (A Força). Reorganizamos a tiragem para fazer com que ela atinja esse objetivo
e chegue a esse fim (A Força na terceira posição).
Reposicionamento: CBA
Leitura: O primeiro passo (XV) já pode ser tanto um contrato quanto
uma enorme criatividade. Aqui, o artista resolveu o problema. Obteve o
contrato desejado, ou ainda se dispôs a trabalhar em função de seu ta-
lento: produzindo o filme ou o dirigindo ele mesmo. A Lua está, então,
em estado de aceitação, e entra em ação, com A Força.
Os aspectos psicológicos da leitura do Tarot
Para ler o Tarot, é preciso estar consciente de que tudo está em movi-
mento no universo, em mudança perpétua. Por conseguinte, o consu-
lente também. Se vemos a pessoa à nossa frente como dinâmica, esta-
mos proibidos de fazer previsões que a imobilizem. Ao contrário, geral-
mente permitimos que ela oriente seu movimento na direção que lhe
for mais útil.
Os aspectos passado, presente e futuro ocorrem simultaneamente
em nós. A formação que recebemos na infância de nosso grupo familiar
continua a agir nos nossos comportamentos. Esse presente, muito in-
fluenciado pelo nosso passado, contém em germe um futuro. É mudan-
do de olhar sobre nossa situação atual que podemos nos orientar para o
objetivo que queremos mais alcançar.
Essa tomada de consciência vale também para o próprio leitor do
Tarot, que, consciente do poder conferido por sua posição diante de
uma pessoa em busca de ajuda ou de conselhos, deveria considerar o
exercício de sua arte como oportunidade de identificar cada vez mais
precisamente suas projeções e ficar cada vez mais simplesmente a ser-
viço da pessoa.
Ajudar o consulente a resolver as contradições
Frequentemente, os objetivos que levam uma pessoa a consultar um
leitor de Tarot se tornam confusos por desejos contraditórios. Não so-
mos um bloco: queremos uma coisa e seu contrário, um medo dissimu-
la um desejo, projetamos sobre um elemento exterior uma solução que
na realidade se encontra dentro de nós mesmos. Portanto, é útil traba-
lhar sobre a diversidade das forças interiores. Podemos ter na mesma
situação, um seguido do outro, um “sim” e um “mas”, uma aceitação e
uma recusa, um ímpeto e um pavor. Tomar consciência da presença
dessas forças ajuda o consulente a redefinir seu objetivo, a esclarecer
seu caminho. Quando nos chocamos contra o mundo exterior, muitas
vezes se trata de uma expressão de nossos próprios conflitos e contra-
dições interiores. Quando não se sabe o que fazer, não se pode fazer
qualquer coisa que se queira.
Estratégia 1
“Sim, mas... então!”
Esta leitura de três cartas pode ser feita com ou sem uma pergunta
prévia. Simples, ela se aplica aos domínios da vida material, psicológica
ou espiritual.
A: o sim. É a situação do consulente, seu desejo principal, suas van-
tagens.
B: o mas da frase. É o obstáculo, a dificuldade, o inesperado, aquilo
que não se quer, aquilo que não se pode.
C: o então: Esta carta dá as indicações para resolver a situação e en-
contrar um caminho do meio. Podemos tirar uma ou mais cartas para
esclarecer o então. (Ver exemplo na página seguinte.)
Estratégia 2
“Protagonista, mediador, antagonista”
Quando estamos em conflito, ou sentimos um dilema interior, pode-
mos decidir que as três cartas representam o protagonista (A), o media-
dor (B) e o antagonista (C) de uma situação. Esses aspectos simbolizam
personagens se opondo em um determinado projeto ou as forças interi-
ores do consulente. O mediador indica uma atitude de conciliação no
centro do conflito. (Ver exemplo na página seguinte.)
DUAS ESTRATÉGIAS PARA RESOLVER NOSSAS CONTRADIÇÕES
ESTRATÉGIA 1
"Sim, mas... então!"
Consulente: Sem pergunta, ela deseja simplesmente que o Tarot fale
com ela.
Tiragem: A: XIIII Temperança, B: V O Papa, C: II A Papisa.
Leitura:
Carta A: o sim. Você está em uma situação de equilíbrio. Você se sente
muito bem do jeito que está, em segurança. No entanto, podemos notar
que o anjo da Temperança é assexuado e que só se comunica consigo
mesmo. Isso nos indica uma situação de isolamento mais ou menos vo-
luntária. O anjo olha para o passado, ou existe talvez um vínculo, uma
lembrança que afasta você do presente. Além disso, Temperança pode
significar que uma cura está se processando. Talvez você esteja se recu-
perando de uma ferida afetiva do passado. Comentário da consulente:
“É verdade, ainda estou de luto por meu falecido pai.”
Carta B: o mas. Você não deseja permanecer nessa situação. O Papa in-
dica um novo ideal, uma ponte que se aprende a atravessar, um desejo
de união. Além do mais, a carta não olha para o passado, mas para o fu-
turo (a direita). Por fim, ela representa um homem animado por um ideal
espiritual, pela missão de ensinar.
Comentário da consulente: “O meu desejo de fato é encontrar um com-
panheiro para viver junto.”
Carta C: o então. Para formar um casal com O Papa, é preciso se tornar
A Papisa, a companheira que lhe convém. Isso consiste em aceitar o ho-
mem em dimensão espiritual: reconhecê-lo em sua capacidade de guia,
de professor, de mestre... Em uma palavra, permitir que ele supere o pai
perdido. Essa tiragem do Tarot a conduz, para cumprir seu desejo, a
aceitar atravessar uma etapa no processo do seu luto.
ESTRATÉGIA 2
“Protagonista, mediador, antagonista"
Consulente: Em processo de divórcio, o consulente acha a atitude da
ex-mulher com os filhos inaceitável e tóxica. Ele busca uma solução.
Tiragem: A: XIII O Arcano sem nome, B: XIIII Temperança, C: IIII O Impe-
rador
Leitura: Curiosamente, você tirou as cartas "ao contrário": a mãe, perce-
bida como tóxica, deveria normalmente corresponder ao XIII, o Arcano
sem nome, e você a O Imperador (pai estável). Portanto, no lugar do
protagonista, isto é, no seu lugar, você colocou o Arcano XIII, enquanto
a sua ex-mulher, a sua antagonista, está representada pel’O Imperador.
No centro, Temperança incita à comunicação, à moderação, à união dos
contrários. A mensagem que o Tarot lhe dirige é aqui bastante sutil: a
fim de ultrapassar a visão negativa, seja ela justificada ou não, que você
tem dessa pessoa, é preciso que você seja capaz de se colocar no lugar
dela. O comportamento da sua ex-mulher reativa uma cólera antiga:
compreenda que diante de você, a sua antagonista é o seu espelho. Se
um dia você escolheu essa mulher para formar uma família com ela é
certamente porque ela correspondia a um modelo profundamente an-
corado no seu inconsciente. A disputa de poder não leva a lugar ne-
nhum, e já não é mais hora de procurar saber quem está com a razão. A
única solução, indicada pelo Arcano XIIII, Temperança, é adotar uma ati-
tude conciliatória e espiritual que torne possível o retorno ao diálogo.
No entanto, isso só pode ser feito se você tomar consciência da origem
real da sua cólera – dirigida contra um arquétipo materno castrador, ou
uma irmã percebida como inimiga.
Ler a carta que se encontra embaixo do maço
Vimos na primeira parte que podemos considerar o Tarot como um to-
do cujos fragmentos, tomados isoladamente, nos remetem ao caminho
da unidade. Quando o consulente embaralha as cartas, ele cria seu pró-
prio caos, seu universo. Nesse universo, podemos estabelecer como ba-
se que as cartas que se encontram na parte superior do maço remetem
à aspiração espiritual do consulente, e aquelas que se encontram na
parte inferior do maço representam o mais profundo, o mais obscuro
do inconsciente.
A carta que se encontra embaixo do maço representaria, então, ao
mesmo tempo o mais profundo e o mais visível, um pouco como um so-
nho marcante de que nos lembramos ao acordar. Nesses casos, essa car-
ta pode orientar de maneira útil a leitura do Tarot, dando uma indica-
ção da tonalidade da leitura. O tarólogo pode, à sua escolha, ver rapida-
mente quando o consulente embaralha as cartas e conservar esse indí-
cio presente no espírito durante a leitura ou decidir interpretar aberta-
mente essa carta reveladora, que fornecerá de certa maneira um escla-
recimento suplementar à tiragem. (Ver exemplo na página seguinte.)
A CARTA EMBAIXO DO MAÇO OU A COR DO NOSSO INCONSCIENTE
Consulente: Uma jovem de vinte e cinco anos, cujos pais são de nacio-
nalidades diferentes, pergunta: “Qual é o meu país?”.
Carta embaixo do maço: VI O Namorado
Tiragem: XX O Julgamento, VIII A Justiça, VIIII O Eremita
Leitura da carta: Eis como a carta de baixo do maço nos permite colorir
a pergunta da consulente. O Namorado expõe um conflito emocional,
um desejo de união. Um personagem, entre dois outros, se pergunta:
“Onde fica o meu país?”; ele está no centro, no coração da carta. Uma
primeira resposta seria: “O seu país está no seu coração”. Vemos tam-
bém que esse personagem central tem sapatos vermelhos; podemos,
então, comentar: “O seu país é estar bem dentro dos próprios sapatos.
A Terra pertence a você, você é uma cidadã do planeta. Onde você se
sente bem, aí pode considerar que é o seu país.”
Leitura da tiragem: Tendo em mente a pista proposta pel’O Namorado,
podemos ler as três cartas assim: “Você se coloca essa pergunta porque
tem dentro de si um desejo de unir seus pais. Em vez de se se colocar
no centro da família, convém agora encontrar seu próprio centro, como
A Justiça (VIII): na plena perfeição do feminino. Você deixará então de
exigir uma nacionalidade a seus pais, você mesma decidirá, escolhendo
sozinha o lugar de que gosta mais. O caminho d’O Namorado, lembre-
mos, é o prazer, a escolha de fazer aquilo que gostamos.
Escolher uma leitura positiva ou negativa
Além da estratégia de leitura e o trabalho da pergunta, a atitude do lei-
tor é essencial. Em uma leitura do Tarot, assim como na nossa vida, a
todo momento, uma escolha se apresenta a nós: podemos interpretar os
fatos (os Arcanos) em um sentido positivo ou negativo. Vimos que essa
escolha não é predeterminada, porque no Tarot nenhuma carta é es-
sencialmente negativa.
Mas o certo é que seja qual for a direção que escolhamos, ela nos le-
vará a desenvolvimentos infinitos. Em outras palavras, não existe limite
para a fealdade, para a tristeza, para a maledicência, assim como não
existe limite para a beleza, para a alegria, para a confiança.
Não se trata de transformar a leitura do Tarot em uma bênção siste-
mática: uma previsão mirabolante pode ser tão funesta quanto uma
maldição, pois a pessoa poderá ter a tendência a não viver mais, espe-
rando que o milagre anunciado se realize. Mas podemos escolher abor-
dar a leitura, mesmo que ela apresente obstáculos e dificuldades, como
um caminho de crescimento e de aceitação feliz da vida.
O exemplo na página seguinte ilustra como podemos interpretar
uma mesma tiragem em uma direção ou na outra.
Essas leituras, lembremos, podem ser justas. Cabe ao tarólogo deci-
dir a orientação, com toda consciência, e em direção a qual visão de
mundo ele deseja se dirigir.
Um consulente pode desejar, conscientemente ou não, uma leitura
negativa. São frequentes os casos de pessoas deprimidas ou pessimis-
tas. Nesses casos, não adianta nada querermos impor de antemão uma
leitura muito otimista. O tarólogo terá, ao contrário, todo interesse em
apresentar a princípio, por precaução, uma leitura mais negativa. De-
pois, com a concordância do consulente, essa leitura se orientará, passo
a passo, em direção a perspectivas mais frutíferas, que se tornarão
abordáveis por estarem fundadas naquilo que a pessoa considera como
sua realidade. Também pode ser interessante então lhe dar as duas ver-
sões, e lhe esclarecer assim quanto ao olhar que pode escolher ter sobre
sua situação.
Exemplos de leitura
Leitura negativa e leitura positiva
Consulente: Como se aparesenta o meu novo trabalho?
Tiragem: A: X A Roda da Fortuna, B: O Mago, C: XVI A Torre
Leitura negativa: Você não avança (X), pois não está trabalhando para
abrir seu espírito (I). Você se volta para um bloqueio (I está olhando
para X) e, assim, não sente nenhuma alegria de viver. A sua instabilida-
de o destrói, os ciclos se sucedem e se repetem e, por viver como um
eterno estreante, você vê seu ideal fracassar (XVI).
Leitura positiva: A sua mente está prestes a se abrir (XVI). Um ciclo
se encerra (X), você passou por uma mudança profunda e disso tirou
uma lição preciosa. O passado é passado, você tem agora tudo o que é
preciso para agira (sobre a mesa do Mago) e para realizar seus projetos
mais importantes com alegria (XVI). Seu novo trabalho permite que
você se abra e libere energias. Você poderá enfim descobrir o prazer de
brincar e dançar, voltado para os frutos da Terra.
Ler três cartas sem estrutura preestabelecida e sem per-
gunta
Esta última etapa da leitura de três cartas é a verdadeira arte da leitura
do Tarot: as estratégias, úteis para o novato e muitas vezes também pa-
ra o tarólogo tarimbado, possuem seus limites. Elas são rígidas, en-
quanto o espírito humano é de uma plasticidade infinita.
Às vezes, as pessoas interrogam o Tarot sobre um tema: a vida afeti-
va, o trabalho etc. Mas é frequente que, por timidez ou por indecisão,
algumas o consultem sem formular uma pergunta. O tarólogo deve en-
tão ser capaz de fazer surgir a interrogação subjacente para poder res-
ponder com precisão, sem se lançar em longos discursos vagos. Sem
pergunta, não há resposta possível...
Da mesma maneira, chega um momento em que devemos ser capa-
zes de ler três cartas como se compreendêssemos uma frase qualquer
pronunciada por alguém em uma língua que nos é familiar. Às vezes,
para chegar a essa compreensão, temos direito de pedir informações
suplementares. Do mesmo modo, a leitura de uma tiragem de três car-
tas pode, então, se enriquecer de novas cartas e passamos assim, insen-
sivelmente e facilmente, às leituras mais vastas, até que consigamos ler
uma tiragem composta pelos 22 Arcanos maiores, ou mesmo com todos
os setenta e oito Arcanos do Tarot.
Estratégia 1
O Tarot faz a pergunta
Quando uma pessoa pede que leiamos o Tarot, mas não deseja for-
mular uma pergunta – seja por não ter nenhuma, seja porque não quer
formular em voz alta –, para o tarólogo, o perigo é então se lançar em
uma leitura que se desvie das preocupações do consulente. Podemos
nos perder em discursos psicológicos enquanto a pessoa tem na reali-
dade preocupações materiais, em uma leitura espiritual enquanto a
pessoa está preocupada com questões emocionais, ou o contrário, fazer
uma leitura muito terra-a-terra, enquanto a pessoa precisa, na realida-
de, de uma tomada de consciência profunda. Nesses casos, as estraté-
gias de leitura permitem enquadrar a tiragem e responder em uma di-
reção suscetível de satisfazer a pessoa.
AS INTERROGAÇÕES DOS ARCANOS MAIORES
Quando uma pessoa deseja consultar o Tarot sem formular pergunta, ela
pode escolher um Arcano que simbolizará sua pergunta, aquilo que a
preocupa. Eis algumas perguntas que os Arcanos maiores podem colo-
car. Esta lista evidentemente não é exaustiva.
O Louco. Do que estou (ou deveria estar) me libertando? Qual é o meu
caminho? Onde canalizar minha energia?
I O Mago. O que estou começando? O que estou escolhendo? Quais são
as minhas possibilidades em potência?
II A Papisa. O que eu acumulo? O que há em mim de intocado? O que
devo estudar? Que relação eu tenho com a minha mãe?
III A Imperatriz. O que estou criando? O que está florescendo em mim?
Quais experiências estou vivendo?
IIII O Imperador. Como vai o meu trabalho, a minha vida material? O que
estou construindo? Que relação tenho com o meu pai? Que relação te-
nho com a noção de potência?
V O Papa. O que diz a tradição, a lei? O que eu estou comunicando, e
com quem? Estou transmitindo alguma coisa e a quem? Será que tenho
um ideal?
VI O Namorado. Do que eu gosto? Em qual relação me encontro atual-
mente implicado? Como vai minha vida emocional?
VII O Carro. Aonde vou e de onde venho? Qual é meu veículo? (por
exemplo, uma doutrina mística, as matemáticas, o Tarot, o meu corpo...)
Qual é a minha ação no mundo?
VIII A Justiça. O que devo equilibrar ou harmonizar? Do que devo me
desfazer que é inútil para mim? Qual é a minha concepção de perfeição?
Como eu lido com a maternidade?
VIIII O Eremita. O que diz a minha sabedoria? Do que estou me isolan-
do? Estou em crise com o quê? A que devo renunciar? No que acredito?
X A Roda da Fortuna. O que deve mudar, qual ciclo terminou na minha
vida? Quais são as minhas oportunidades? O que pode me ajudar? O
que estou repetindo? que diz a minha sabedoria? Do que estou me iso-
lando? Estou em crise com o quê? A que devo renunciar? No que acredi-
to?
XI A Força. Qual é a minha força, onde ela fica? No que emprego minha
sexualidade? Quais são os meus desejos? O que vou domar? Qual é o
meu projeto criativo?
XII O Enforcado. O que devo sacrificar? O que estou escondendo? O
que devo parar? O que devo escutar (o personagem d’O Enforcado é o
único do Tarot dotado de orelha)? Para onde dirigir minha busca interi-
or?
XIII O Arcano sem nome. O que deve morrer em mim? Do que devo
abrir mão? O que está se transformando dentro de mim? Qual é a minha
cólera?
XIIII Temperança. O que me protege? Que relação devo estabelecer co-
migo mesmo? O que estou curando? O que devo benzer?
XV O Diabo. A quem sou ligado? Qual é a minha tentação? Qual é a mi-
nha capacidade criativa? Quais são os meus valores negativos? Quais
são as minhas pulsões? O que me dá medo em mim mesmo?
XVI A Torre. Com quem e com o que estou rompendo? De que encerra-
mento estou me libertando? Quais são as energias que se desbloqueiam
em mim? Que festa me espera?
XVII A Estrela. Qual é a minha esperança? Qual é o meu lugar? No que
emprego minha energia? O que posso dar, a quem, como?
XVIII A Lua. Qual é a minha capacidade de recepção? Como vai minha
feminilidade, minha intuição? Como vejo a minha mãe? Qual é o meu
ideal impossível? O que está em gestação dentro de mim?
XVIIII O Sol. O que me dá energia, alegria, sucesso? Sou amado(a)?
Construo algo novo? Que imagem tenho do pai?
XX O Julgamento. O que está despertando dentro de mim? Quais são os
meus desejos irresistíveis? O que estamos criando juntos? Qual é a mi-
nha posição diante do fato de formar uma família?
XXI O Mundo. Qual é o resultado daquilo que eu fiz? Para onde isso leva?
O que me fecha? Estou me sentindo completo(a)? Qual é a minha reali-
zação?
O TAROT FAZ A PERGUNTA
Neste exemplo, uma consulente, atriz sem trabalho, escolheu deixar o
Tarot formular as perguntas. Vemos aqui como uma frase de três cartas
pode ser interpretada de maneiras inteiramente diferentes conforme a
pergunta.
Pergunta 1: A consulente tira uma carta: XXI O Mundo. Ela aceita a per-
gunta colocada por este Arcano: qual é o meu caminho para a realiza-
ção? (Ver pp. 518-9.)
Pergunta 2: A consulente tira uma carta que simbolizará sua segunda
pergunta: XI A Força. Ela aceita: Qual é o meu desejo?
Tiragem: VIIII O Eremita, II A Papisa, XX O Julgamento
Leitura 1: XXI O Mundo. É preciso aceitar a crise (VIIII) e aproveitar para
reconsiderar seu passado. A Papisa representa você em uma situação de
espera fértil: você estuda talvez para um papel, ou uma nova técnica do
seu meio artístico. Talvez também esteja escrevendo uma peça ou um
roteiro que você mesma poderá interpretar. Essa atitude aprazível e fe-
cunda a conduz a um novo projeto, um chamado irresistível rumo à reali-
zação (O Julgamento).
Leitura 2: XI A Força. Você é representada pel’A Papisa, mulher de cor
branca que parece esperar que alguém venha aquecê-la. Mas o objeto
do seu desejo, O Eremita, encontra-se em estado de solidão e não se
apresenta momentaneamente como um amante apaixonado. No entan-
to, como ele anda de costas, ele avança em sua direção. Desse encontro
pode nascer um desejo irresistível... ou a emergência de uma nova
consciência (XX). Notamos que a soma d’O Eremita (VIIII) e d’A Papisa dá
11 – XI, a mesma carta da pergunta. Privilegiaremos então a ideia de
que o homem representado pel’O Eremita é o objeto do desejo da mu-
lher representada pel’A Papisa.
Ler o Tarot sem que uma pergunta seja feita é uma empreitada pe-
rigosa, em qualquer caso, em uma estratégia de três cartas: a simplici-
dade da frase abre espaço para muitas interpretações possíveis, e pode-
ríamos tocar em aspectos íntimos capazes de magoar uma pessoa. A
melhor estratégia consiste em aceitar que a pessoa não formule a per-
gunta e lhe dizer: “Se você quiser, nós podemos ver o que o Tarot quer
lhe dizer”. Tomaremos por base então uma carta para definir a pergun-
ta. Podemos a seguir considerar a carta que está embaixo do maço ou
então pedir que a pessoa tire uma carta que simbolizará a pergunta, e
depois mais três para a resposta. Será conveniente entrar antes em um
acordo sobre a orientação da “pergunta feita pelo Tarot”, e depois res-
ponder a partir das outras três cartas tiradas. (Ver exemplo na página
seguinte.)
Estratégia 2
Ler três cartas segundo o valor numérico
Podemos também, no contexto de uma tiragem, somar os números
dos Arcanos para obter um novo elemento de leitura: a soma dá um nú-
mero correspondente a algum Arcano. Nesta técnica, chamada de “so-
ma teosófica”, se a soma das cartas ultrapassa 22, somamos os dois al-
garismos do número obtido para encontrar um novo número, que cor-
responderá ao número de um Arcano maior. Nesta estratégia, O Louco,
que não tem número, é considerado o vigésimo-segundo Arcano e cor-
responderá então ao número 22.
Podemos somar o valor numérico de cada uma das três cartas da
frase:
A + B + C = os aspectos subjacentes à pergunta.
E as cartas duas a duas:
A + C = os aspectos exteriores à pergunta.
A + B = influências maternas ou receptivas; o lado esquerdo.
B + C = as influências paternas ou ativas; o lado direito.
Na estratégia chamada de “soma teosófica”, podemos somar as três cartas entre elas,
mas também as cartas duas a duas.
Exemplos de leitura
Ler três cartas segundo o valor numérico
(Estratégia chamada de “soma teosófica”, explicada à p. 527)
Consulente: Por que meu filho de trinta e cinco anos não pode formar
uma família como ele deseja? (Conversando com a consulente, desco-
brimos que o pai desse filho foi ausente e que ela o criou sozinho.)
Tiragem: A: VI O Namorado, B: V O Papa, C: XVIIII O Sol.
Aspectos subjacentes à pergunta (A + B + C)
III A Imperatriz
(6 + 5 + 19 = 30; 3 + 0 = 3)
O primeiro elemento da resposta poderia ser: o seu filho busca uma
mulher ideal, A Imperatriz, com toda a sua sedução. Mas para seduzi-la
será preciso que ele seja O Imperador, que não apareceu na tiragem. É
O Papa quem está no centro, um homem forte espiritualmente, mas que
corresponde a A Papisa.
Aspectos exteriores à pergunta (A + C)
VII O Carro (6 + 19 = 25; 2 + 5 = 7)
Aparentemente, o seu filho é ativo no mundo e seguro de si. Ele não
tem nenhum problema.
Influências receptivas ou maternas (A + B)
XI A Força (6 + 5 = 11)
No esquema psicológico desse jovem, a mãe é muito forte. Ele pode ter
medo de encontrá-la em toda mulher, um desejo de fuga em direção ao
arquétipo paterno.
Influências ativas ou paternas (B + C)
VI O Namorado (19 + 5 = 24; 2 + 4 = 6)
Mas quando somamos o lado direito, encontramos O Namorado: não há
referência masculina, o personagem d’O Namorado está cercado por
duas mulheres: ali onde o filho precisaria de uma influência masculina,
já se encontra a mãe.
Síntese: Para conseguir encontrar a mulher que lhe convém e se tornar
para ela o homem que lhe convenha, o seu filho precisa de uma refe-
rência, de um mestre que faça o papel do arquétipo paterno e lhe dê a
informação que lhe falta: a transmissão do masculino.
Consulente: Será que devo mudar de ofício?
Tiragem: A: VIII A Justiça, B: XVI A Torre, C: XI A Força
Aspectos subjacentes à questão (A + B + C)
VIII A Justiça (8 + 16 + 11 = 35; 3 + 5 = 8)
Este Arcano indica que você precisa pesar alguma coisa, encontrar um
equilíbrio.
Aspectos exteriores à pergunta (A + C)
XVIIII O Sol (8 + 11 = 19)
Aparentemente, você aspira a uma nova construção.
Influências receptivas ou maternas (A + B)
VI O Namorado (8 + 16 = 24; 2 + 4 = 6)
No entanto, você gosta do ofício que exerce atualmente; de um ponto
de vista receptivo, você está mais tentada a continuar no mesmo lugar.
Influências ativas ou paternas (B + C)
VIIII O Eremita (16 + 11 = 27; 2 + 7 = 9)
Por outro lado, do ponto de vista ativo, você se sente em crise e deseja
ir embora.
Síntese: Será preferível fazer a mudança com muita precaução, para
equilibrar (A Justiça) o desejo de ficar (O Namorado) e o de partir (O
Eremita). O conflito interno é muito grande para que se possa arriscar
se lançar na aventura: a parte de você que recusa a mudança poderia
freá-la mesmo a contragosto.
Estratégia 3
Seguir os olhares, os gestos, os indícios dados pelas cartas
Decisiva na evolução da relação com o Tarot, essa etapa consiste em
seguir a direção do olhar dos personagens, ou o chamado de um símbo-
lo, e responder à pergunta: o que o personagem está olhando? Ou ainda:
que ajuda a varinha d’O Mago está pedindo? O que o Arcano XIII
transforma? Quem gira a manivela d’A Roda da Fortuna? As cartas res-
soam assim entre elas, criando uma dinâmica que permite ler sem per-
gunta e sem estrutura preestabelecida, como decifrar um rébus ou uma
história em imagens.
Na base, tiramos três cartas; se a carta A da frase abre uma pergunta
para a esquerda, convém, para respondê-la, tirar uma mesma carta des-
se lado. O mesmo se faz se a carta C deixa uma abertura para a direita.
Agregamos assim novas cartas até fechar a frase, e estabilizar as intera-
ções das cartas entre elas. Da mesma maneira, se o significado de uma
das cartas não é claro, podemos tirar uma outra carta por cima para es-
pecificar sua mensagem.
Exemplos de leitura
Consulente: Uma mulher de quarenta anos.
A Justiça opõe sua espada à manivela d’A Roda da Fortuna.
Tiragem: A: X A Roda da Fortuna, B: VIII A Justiça, C: XXI O Mundo.
Leitura: Aqui a frase está fechada, não precisa que tiremos outra carta
à direita ou à esquerda. De fato, A Roda da Fortuna é seguida pel’A Jus-
tiça, que se mostra capaz de pôr em movimento o novo ciclo e se orien-
tar em direção à realização. Chegando ao fim de uma época de sua vida,
a consulente se posiciona no presente e, reconhecendo seus próprios
valores, se orienta em direção a sua própria realização. Apenas a espada
d’A Justiça pode lhe impedir de se realizar: pelo desenho das cartas, ve-
mos que a passagem do ciclo antigo ao ciclo novo se faz por um corte.
Em vez de acionar a manivela, A Justiça simplesmente rompe com o
passado. Poderíamos dizer que ela se julga, ou se separa pela força em
vez de se dispor a ser ajudada. A Justiça aceita o triunfo (a balança se
encontra do lado d’O Mundo), mas não aceita ajudar a si mesma: ela
opõe sua espada à manivela.
Tiragem: Se as cartas estivessem dispostas na ordem numérica pro-
gressiva VIII-X-XXI, isso significaria que a consulente rompeu com o
passado, terminou um ciclo, e que ela aceita toda a ajuda d’O Mundo
para chegar a sua realização. Convém, então, esclarecer aqui a atitude
d’A Justiça. A consulente tira outra carta por cima d’A Justiça: XV O Di-
abo.
Leitura: Duas interpretações convergem. De um lado, O Diabo pode
significar um medo inconsciente, um retorno ao estado da infância. Es-
sa interpretação psicológica nos levaria a arriscar dizer que a consulen-
te tem medo da mãe, o que ela confirma: a educação que ela recebeu foi
marcada por um ideal de perfeição intransigente, que lhe impediu de
triunfar se não fosse absolutamente irretocável – o que é impossível.
Ela tem, portanto, a tendência para uma neurose do fracasso. Mas O Di-
abo é também um símbolo da criatividade. Superando o perfeccionis-
mo, aceitando que a excelência consiste em fazer o seu melhor e em sa-
ber cometer erros, a consulente pode entrar em contato com sua criati-
vidade profunda. É então O Diabo quem fará girar a manivela d’A Roda
da Fortuna e que lhe permitirá triunfar.
O Diabo faz girar a manivela d’A Roda da Fortuna
Consulente: Um homem de cinquenta anos, solteiro.
Tiragem: A: I O Mago, B: XIIII Temperança, C: XI A Força.
Leitura: Seguindo a princípio a direção dos olhares, podemos unir O
Mago e Temperança, que olham para a esquerda; A Força, por sua vez,
olha para a direita. Além disso, Temperança age entre as duas cartas,
mesclando o fluido dos dois vasos. Poderíamos dizer que o vaso da es-
querda representa O Mago e o da direita A Força. Com isso, Temperan-
ça permite estabelecer uma relação nova entre os dois Arcanos. Mas o
olhar do Anjo está voltado para O Mago: isso significa que existe algo
para ser curado – uma determinada imagem de si mesmo, ou algo co-
meçado que já passou, para poder inaugurar alguma coisa nova (A For-
ça). Convém, então, tirar uma carta para saber para onde O Mago está
olhando e uma outra para saber sobre o olhar d’A Força.
Tiragem: A frase se torna: XXI O Mundo, I-XIIII-XI, XX O Julgamen-
to
Leitura: Temperança está curando O Mago de um nascimento ou de
um começo difícil, simbolizados pel’O Mundo na primeira posição.
Uma vez iniciada essa cura, suas forças lhe permitirão começar uma
nova ação (A Força) voltada para o futuro, talvez voltada para a criação
de sua própria família, ou à descoberta de sua vocação profunda. Sim-
bolicamente, O Julgamento indica um renascimento e a emergência de
um desejo irresistível.
Consulente: Um jovem escolhe três cartas, sem fazer nenhuma per-
gunta.
Tiragem: A: XVI A Torre, B: VI O Namorado, C: II A Papisa.
Leitura: A primeira coisa que notamos é que esta frase segue a ordem
numérica decrescente, e que ela contém dois Arcanos do grau 6 (ver p.
76 ss.). Poderíamos dizer que existe um movimento depois de um gran-
de amor (XVI) em direção a um amor que não é tão grande (VI), que
acaba resultando em um isolamento (II).
Consulente: O Tarot parece nos orientar para a vida emocional do
consulente, que não deseja mais abordar esse tema. O tarólogo deve
respeitar esse pudor. Finalmente, o consulente escolhe fazer uma per-
gunta: “Será que devo me mudar da casa onde moro para ir morar em
outra casa que eu tenho?”.
Leitura: A Torre indica de fato um movimento de sair de um lugar, e
poderia nos sugerir uma mudança de casa. Mas com O Namorado, e de-
pois A Papisa, podemos arriscar dizer que o consulente volta ao seio
materno. Simbolicamente, é verdade, porque a casa para a qual ele pen-
sa em se mudar se encontra na cidade de sua infância, perto da casa da
mãe.
Tiragem: Aqui, embora a frase se feche, podemos enriquecer o Tarot
tirando uma carta a mais na extrema esquerda para compreender que
ela é a origem do desejo de mudar de casa e uma outra carta na extre-
ma direita para saber aonde levará essa mudança. A frase então se tor-
na: XVII A Estrela, XVI-VI-II, XII O Enforcado.
Leitura: A mudança poderia ser causada por uma mulher do passado
(A Estrela, que representa uma mulher, simboliza também um lugar e
verte a água dos jarros para a esquerda). O consulente confirma: sua
mudança está ligada ao fim de uma relação afetiva. Em um primeiro
momento, essa mudança leva, como demonstra O Enforcado, a se isolar
em uma certa solidão. Ele espera talvez passivamente um novo impul-
so, uma nova relação que possa lhe dar vontade de sair pelo mundo afo-
ra.
Tiragem: Adicionando uma carta depois d’O Enforcado, podemos ten-
tar ver o que é possível fazer para que o consulente saia de seu isola-
mento: XVIIII O Sol.
Leitura: Ao se apaixonar de novo, o consulente pode reencontrar o de-
sejo de uma nova construção. Esta carta indica que a solidão e a inativi-
dade às quais ele se destina no momento lhe são necessárias. É preciso
que ele aceite a passagem pela crise, o trabalho do luto para curar essa
relação e voltar a si mesmo. Ele reencontrará, assim, a capacidade de
amar e a alegria de viver, simbolizadas pel’O Sol.
A leitura projetiva
Como já vimos, toda leitura do Tarot é projetiva. Não existe outro meio
de interpretar as cartas escolhidas pelo consulente senão as fazendo
entrar em ressonância com nosso próprio inconsciente. O consulente
forma, com as cartas que escolhe, uma “frase” que o tarólogo “traduz” a
partir de sua própria estrutura psíquica, de sua experiência de vida, do
caminho que ele ou ela realizou e do conhecimento que ele ou ela tem
do Tarot.
É por esse motivo que o trabalho sobre a projeção faz parte inte-
grante da formação de um bom tarólogo. Esse trabalho não tem fim: o
objetivo é chegar a uma leitura transpessoal, e depois, idealmente, im-
pessoal. O tarólogo ideal seria então um espelho que conteria a totali-
dade do universo...
Para se exercitar nesse sentido, propomos uma leitura simples que
consiste antes em reconhecer essa dimensão projetiva do que em dis-
farçá-la sob uma pretensa objetividade. Podemos então utilizá-la para
enriquecer a relação consulente-tarólogo, evitando o abuso de poder
que supõe a posição do “vidente” onisciente. Isso exige, da parte do ta-
rólogo, um duplo esforço sobre si mesmo: enfrentar seus próprios limi-
tes para ir mais longe e reconhcer diante do outro que pode se enganar.
Para essa leitura, utilizamos dois baralhos; de cada um extraímos o
maço dos 22 Arcanos maiores. Consulente e tarólogo embaralham cada
um o seu maço, ao mesmo tempo, depois cada um tira três cartas. Leva-
mos também em conta a carta que ficou embaixo do maço, que dá a to-
nalidade geral da tiragem.
O tarólogo examina primeiro sua própria projeção relativa à per-
gunta do consulente. As três cartas que ele escolheu lhe permitem for-
mular sua opinião, ou sua intuição da resposta possível.
Lemos, em seguida, com as três cartas tiradas pelo consulente, a
imagem que ele ou ela faz de sua situação. Essa segunda leitura é intei-
ramente clássica, como qualquer leitura de três cartas.
Por fim, em um terceiro momento, efetuamos a síntese das duas ti-
ragens. É esse encontro entre a projeção do tarólogo e a do consulente
que orienta para a solução da pergunta. (Ver exemplo da página anteri-
or.)
A leitura projetiva exige que o tarólogo desenvolva um verdadeiro
sentido do diálogo. É possível que as duas tiragens suscitem respostas
opostas – pelo menos na aparência.
A LEITURA PROJETIVA: DOIS OLHARES PARA RESOLVER UMA QUESTÃO
Consulente: “Aonde eu vou?”
Tiragem do tarólogo:
Carta embaixo do maço: VI O Namorado
A: VIII A Justiça, B: X A Roda da Fortuna, C: XIII O Arcano sem nome
Tiragem do consulente:
Carta embaixo do maço: V O Papa
A: XVI A Torre, B: XIIII Temperança, C: XI A Força
Leitura: Examinando a carta que ficou embaixo do maço depois de em-
baralhar e que dá a cor da leitura, vemos que o tarólogo percebe o con-
sulente como alguém que está em busca de uma solução emocional,
mas que também já está a caminho daquilo que ele ama (grau 6). O con-
sulente, por sua vez, vê a si mesmo como se ainda estivesse no umbral
dessa realização, ainda no domínio do ideal (grau 5). (Sobre a numerolo-
gia, ver pp. 71 ss.) A projeção do tarólogo, segundo sua tiragem, é a se-
guinte: o consulente, por muito tempo confrontado por uma exigência
de perfeição irradiada pela mãe (VIII), está fechando esse ciclo do pas-
sado (X). Ele se dirige agora para uma revolução, talvez motivada pela
cólera contra a ideologia materna (XIII). A tiragem do consulente evoca
um choque, uma expulsão (XVI) que poderia remontar à época de seu
nascimento vivido como um traumatismo, mas que também pode ser
uma ruptura. No entanto, a cura (XIIII) está no centro, seguida por um
novo início criativo (XI). As duas leituras remetem ao fato de abandonar
uma situação antiga opressora, passando por uma cura transformadora,
para ir em direção àquilo que verdadeiramente se ama. Comentário do
consulente: “Minha pergunta subjacente era na verdade saber como vou
fazer realmente para abandonar minha mãe. Esta leitura me esclareceu
sobre o fato de que esse processo é mesmo central na minha vida, é
doloroso mas necessário.”
Ler quatro cartas ou mais
A leitura dos duos (ou sílabas) prepara a abordagem da gramática bási-
ca do Tarot: a “frase” de três cartas. Uma vez que integramos e domina-
mos os elementos básicos, a leitura se torna fácil para qualquer que seja
o número de cartas. Na verdade, como veremos, as estratégias de leitu-
ra de quatro ou mais cartas são de certa maneira mais simples que as
variações de leituras com três cartas.
Apresentamos aqui algumas estruturas em que a posição de cada
carta representa um aspecto, uma força atuante no interior de um con-
junto. Para além de três cartas, a leitura do Tarot se faz geralmente no
interior de um esquema, de um desenho em que cada nível correspon-
de a um elemento da resposta. Com essas estratégias, podemos traba-
lhar sem pergunta. E, sobretudo, elas são extensíveis: a partir de uma
estratégia com cinco ou sete cartas, podemos colocar em cada posição
três cartas em vez de uma e ler um duo ou uma frase em vez de um úni-
co Arcano. É assim que aos poucos chegamos a ler tiragens cada vez
mais complexas, mas que funcionam a partir de unidades simples.
As estratégias de leitura apresentadas aqui são algumas das nossas
preferidas, mas existem muitas outras; na verdade, podemos inventar
infinitas, como tentaremos mostrar no último exemplo.
Os exemplos de leitura que apresentamos são em geral baseados
nos Arcanos maiores, mas podemos também aplicar indiferentemente
as estratégias, mesclando a totalidade das cartas do Tarot, ou ainda, uti-
lizando apenas os cinquenta e seis Arcanos menores.
O Tarot da dúvida
A partir do momento em que aceitamos que o Tarot não serve para ler
o futuro, podemos utilizá-lo como um instrumento de introspecção.
Quando uma dúvida de ordem material, criativa, emocional ou inte-
lectual nos preocupa e nos impede de agir, o Tarot permite examinar o
problema decompondo-o em partes.
Nesta estratégia de leitura com quatro cartas, eis ao que cada uma
delas corresponde:
A: o consulente
B e C: os aspectos da dúvida do consulente
D: é a solução, o guia que permitirá ao consulente resolver sua dúvi-
da.
Exemplo de leitura
Consulente: Uma mulher muito nova tem uma dúvida metafísica, ela
se pergunta se existe reencarnação.
Tiragem: A: III A Imperatriz, B: XVI A Estrela, C: XVIII A Lua, D: VI-
II A Justiça.
Leitura: A: A consulente, representada pel’A Imperatriz, se manifesta
em pleno entusiasmo juvenil. Ela não sabe aonde vai. Ela se faz pergun-
tas como uma adolescente assombrada por uma visão romântica da
morte, e que gostaria de conhecer de uma vez todas as respostas. B e C:
Sua dúvida se baseia no seguinte processo: A Estrela, que recebe as in-
fluências do “alto” (as estrelas, o cosmos) dá aquilo que recebe para A
Lua (arquétipo materno da gestação e da criação), pela metáfora dos
dois vasos derramando água. Mas com A Lua, a matéria novamente se
eleva (a lagosta sobe em direção ao astro). É um ciclo: aquilo que sobe
torna a descer e recomeça a se elevar novamente. A reencarnação se
baseia sobre uma concepção cíclica da vida. D: A Justiça olha direta-
mente diante dela. Ela representa o presente pleno, pesa aquilo que é
útil e corta o que não é.
O Tarot da dúvida
A. Consulente.
B-C. Aspectos da dúvida.
C. Chave para resolver a dúvida.
Síntese: Uma vez que o tempo comporta os ritmos cíclicos, por que
não pensar que a reencarnação existe, se essa ideia nos faz bem? Quan-
do um discípulo colocou a questão “O que existe depois da morte?”, um
mestre zen lhe respondeu: “Não sei, ainda não morri”. Podemos acon-
selhar a essa jovem que espere para vivê-la primeiro e que tenha confi-
ança na justiça divina (ou cósmica).
O Tarot da liberação
Podemos também chamar essa grade de leitura de cinco elementos de
“o Tarot d’O Louco”, uma vez que esse Arcano simboliza a liberdade e o
impulso essencial. Exemplo:
A: O que me impede de ser eu mesmo?
B: Como posso me libertar?
C: Para empreender que tipo de ação?
D: Para alcançar que tipo de transformação?
E: Qual é o meu objetivo, meu destino a ser realizado?
(Exemplo na página seguinte.)
Exemplo de leitura
Consulente: Uma mulher na faixa dos trinta anos quer mudar de vida.
O Tarot da liberação
A. O entrave, o obstáculo, o bloqueio.
B. O meio para a libertação.
C. A ação a ser empreendida.
D. A transformação.
E. O objetivo, o destino a ser realizado.
Tiragem: A: XIIII Temperança, B: III A Imperatriz, C: XVIIII O Sol,
D: XII O Enforcado, E: XVII A Estrela.
Leitura: A: o que a impede de se realizar talvez seja uma visão angeli-
cal e desencarnada de si mesma, que a conduz a aceitar todos os com-
promissos, a dar mostras de uma indecisão excessiva. B: para libertá-la,
é preciso retornar às suas forças criativas, que você se reconcilie com
seus projetos da adolescência. O que a entusiasma? Para onde vai o seu
desejo? A liberdade começa com essa pergunta. C: você pode agora vi-
sualizar uma nova construção – um casal fundado sobre a estima mú-
tua e a igualdade, um projeto profissional em parceria com um sócio...
D: a sua transformação é que você entre em contato consigo mesma,
com sua verdadeira essência. Que você aprofunde a relação consigo
mesma. E: você pode levar adiante uma ação no mundo. A generosida-
de é um dos valores que a guiará. Se você escolher um lugar como base
da sua ação, poderá irradiar a partir desse lugar. Comentário da consu-
lente: “Eu tenho dificuldades de me encarnar. Tive uma vocação de
atriz que não foi encorajada; está na hora de começar a estudar teatro,
o que me ajudará a estar bem com meu corpo. Recebi uma proposta de
cuidar das relações públicas de uma companhia de circo que se insta-
lou na minha cidade. O Tarot confirma que estou em um bom cami-
nho”.
O Tarot do herói
Esta estrutura com cinco cartas é inspirada pelo grande tema mitológi-
co da busca do herói popularizada pelas obras de Joseph Campbell. A
forma mais simples se compõe de cinco cartas tiradas pelo consulente:
A representa sua situação de partida, B corresponde a seu objetivo ou à
meta de sua busca; entre essas duas cartas colocamos outras duas jun-
tas: C e D representando o obstáculo a ser superado para se atingir o
objetivo; por fim, o consulente tira uma quinta carta: E representa a
chave, o aliado, as forças de que se dispõe para realizar o objetivo. Essa
carta será lida nas duas posições, antes e depois do obstáculo. A leitura
se efetua progressivamente segundo a ordem indicada (A, B, C, D, E).
Exemplos de leitura
Consulente: Ela se encontra em um impasse profissional e sente uma
forte necessidade de mudança.
O Tarot do herói
A: A situação. / B: O objetivo.
C-D: O obstáculo. / E: A chave, o aliado.
Tiragem: A (situação): VIII A Justiça, B (objetivo): XV O Diabo, C-D
(obstáculo): V O Papa, VI O Namorado, E (chave): I O Mago
Leitura: Sua situação inicial representa você assentada em um equilí-
brio (VIII), mas também em uma exigência de perfeição que a paralisa.
Seu objetivo (XV) é exercer um ofício criativo, que a apaixone. Mas a
criatividade é sempre imperfeita! Para criar, é preciso aceitar o erro. O
obstáculo que a separa de seu objetivo é o olhar do pai (V) que cria em
você um conflito emocional e uma dificuldade de escolher seu caminho
(VI). A exigência de perfeição que você sofre lhe foi imposta pelo seu
pai e a impede de se realizar no plano criativo. A chave do problema (I)
é simples: é preciso começar imediatamente a fazer o que você ama,
sem medo de ser uma novata, mas sem abandonar o seu emprego (O
Mago conserva uma espécie de moeda na mão). O Mago indica uma ati-
vidade sobretudo espiritual ou intelectual, como o jornalismo. Se você
tem medo de não saber escrever muito bem, peça ajuda a um revisor
para seus primeiros artigos!
Comentário da consulente: A situação está bem representada. Eu de-
sejo de fato me lançar no jornalismo, mas não acredito que vá conse-
guir ganhar a vida asism. A solução de começar ao mesmo que tempo
mantendo minha atual atividade e de procurar ajuda me deixa mais se-
gura.
Podemos enriquecer o Tarot do herói colocando em cada posição
mais uma carta. Eis aqui um exemplo propositadamente bastante sim-
ples.
Tiragem: A: XVI A Torre, VIIII O Eremita, B: IIII O Imperador, XVII
A Estrela, C-D: V O Papa, II A Papisa, X A Roda da Fortuna, E: VI O
Namorado, XX O Julgamento.
Leitura: Expulso de seu lugar (XVI), o consulente não sabe aonde ir
(VIIII). Seu objetivo: encontrar um novo lugar (XVII) estável (IIII). O
obstáculo: os meios empregados (imobiliárias: V, e leituras de classifi-
cados: II) não dão em nada (X). A chave: falar a respeito com as pessoas
à sua volta (VI), pois a solução (XX) pode estar no boca a boca.
O Tarot d’O Mundo
Esta leitura, que não necessita de pergunta, permite mesclar facilmente
Arcanos maiores e Arcanos menores. A estrutura de base, calcada sobre
o esquema do Arcano XXI, se compõe de cinco cartas: no centro, a car-
ta A representa a essência do consulente. No alto, à direita, no lugar on-
de se encontra a águia, a carta B representa o estado de sua energia in-
telectual. No alto, à esquerda, no lugar onde se encontra o anjo, a carta
C representa o estado de sua energia emocional. Embaixo, à direita, no
lugar onde se encontra o leão, a carta D representa o estado de sua
energia sexual e criativa. Embaixo, à esquerda, no lugar onde se encon-
tra o animal cor de carne, a carta E representa o estado de sua energia
material.
Exemplos de leitura
Consulente: Um homem de cerca de quarenta anos tira cinco cartas
entre os Arcanos maiores.
Tiragem: A (essência): VIIII O Eremita; B (vida intelectual): X A Ro-
da da Fortuna; C (vida emocional): XVI A Torre; D (vida sexual e cri-
ativa): XVIII A Lua; E (vida material): VII O Carro.
Leitura: A (essência): Você se encontra atualmente em um momento
de crise, que as cartas situadas nos quatro cantos irão especificar. De
fato, O Eremita ilumina o lado receptivo (energia emocional e vida ma-
terial), mas vira as costas para o lado ativo (vida intelectual e criativa).
As cartas do lado direito exprimirão o medo que você sente nesses do-
mínios, sem saber ainda aonde você vai. C (vida emocional) e D (vida
material): Pode ser que você tenha vivido uma ruptura, que lhe condu-
ziu a mudar de lugar. (O consulente confirma: recentemente separado
de sua companheira, ele aceitou um emprego em outro país.) B (vida
intelectual) e D (vida criativa-sexual): Parece que no momento você
chegou a um ponto de parada em sua concepção do mundo (X). Esse
questionamento sem dúvida está ligado à provação emocional pela qual
você acabou de passar (a “esfinge” d’A Roda da Fortuna representa fre-
quentemente um enigma emocional). A sua energia sexual e criativa no
momento está absorvida por um questionamento do feminino (XVIII),
sobre a imagem da mãe ideal. (O consulente confirma: ele achava que
havia encontrado em sua companheira a mãe de seus futuros filhos, e
nessa nova situação voltou a questionar sua concepção das coisas.)
Conclusão: A partir de tal tiragem, que corresponde de alguma manei-
ra ao estado das coisas, pode ser interessante recomeçar a leitura, por
exemplo, seguindo a estratégia abaixo, colocando a pergunta: quais são
as energias à minha disposição das quais ainda não me sirvo?
O Tarot do Mundo
A. Essência.
B. Vida intelectual.
C. Vida emocional.
D. Energia sexual e criativa.
E. Vida material.
Trabalhamos com o mesmo consulente, seguindo uma estratégia
um pouco diferente. A totalidade do Tarot é posta no jogo, mas dividida
em diversos maços. O consulente tira um Arcano maior que coloca no
centro: é a energia essencial de que ele dispõe. Depois, ele tira uma car-
ta do maço de Espadas e a coloca no alto à direita. Uma carta de Copas
vai para o alto à esquerda, uma carta de Paus no canto inferior direito, e
uma carta de Ouros no canto inferior esquerdo.
Tiragem: A: I O Mago, B: Rainha de Espadas, C: Rei de Copas, D: Ca-
valeiro de Paus, E: Cinco de Ouros.
Leitura: Essencialmente, você tem a possibilidade de começar um no-
vo período de vida ligado a sua nova atividade (O Mago). Sua capacida-
de de amar está intacta (Rei de Copas), e você pode fazer emergir na
sua vida material um novo ideal (Cinco de Ouros). Mas a ferida emoci-
onal torna você prudente em seu pensamento (Rainha de Espadas), e
talvez influencie momentaneamente em sua visão da mulher... Quanto
à sua energia sexual e criativa, ela está atualmente sublimada (Cavalei-
ro de Paus) para lhe permitir ter acesso a uma nova forma de pensa-
mento, a um renascimento mental.
Em um primeiro momento, para o Tarot d’O Mundo, talvez seja in-
teressante deixar que o consulente escolha a ordem das cartas, uma vez
que já lhe indicamos a que centro corresponde cada posição. Por exem-
plo, se ele escolheu primeiro colocar as cartas do lado direito (intelecto
e centro sexual-criativo), isso pode indicar que sua prioridade é mais a
ação do que a recepção.
O Tarot de dois projetos
Escolhemos três cartas para saber qual será nosso projeto utópico, isto
é, o horizonte mais longínquo que propomos à nossa realização pesso-
al. A questão não é se podemos ou devemos realizar esse projeto, mas
nos tornarmos conscientes do fato de que vivemos nos projetando no
futuro. É, portanto, essencial saber a que tipo de futuro nós nos propo-
mos. Abaixo dessas três cartas, tiramos outras três que representam o
projeto imposto, aquele que nos foi dado por nossa família, a tarefa que
herdamos de nossa árvore genealógica e que, muito frequentemente,
nos limita em nosso desenvolvimento pessoal. Por exemplo: “Você vai
ser médico, meu filho!”, enquanto o consulente sonha ser tenista; ou:
“Você vai acabar solteira”, uma maldição que pode pesar na vida de
uma mulher. Esta leitura pode, então, ocasionar uma tomada de cons-
ciência das perspectivas do futuro que moldam nosso cotidiano.
Exemplo de leitura
Projeto utópico: O Louco, XV O Diabo, XVIIII O Sol.
Projeto imposto: III A Imperatriz, II A Papisa, XI A Força.
Leitura: Seu projeto utópico é a realização total da sua criatividade e
da sua capacidade de ganhar dinheiro (O Louco dá toda sua energia a O
Diabo), que se concretizará em um sucesso total (O Sol). Mas o projeto
que lhe deram é sempre conter sua criatividade e seu entusiasmo (A
Papisa fecha e esfria o desejo d’A Imperatriz), condenando você aos
eternos começos (A Força representa aqui um conflito criativo, ela fe-
cha a boca do animal). Como resolver isso? Reorganizando o projeto
imposto.
Reposicionamento (ver p. 512): XI A Força, II A Papisa, III A Impera-
triz.
Leitura: A Força se torna aqui um projeto criativo que amadurece com
o trabalho de gestação d’A Papisa, e vê finalmente a luz do dia com A
Imperatriz que se exprime, cria, se realiza. É preciso se desfazer de
uma ideia insensata: “Para ser sábio e puro como A Papisa, devo perma-
necer na inatividade”.
O Tarot da escolha
Bastante útil quando um consulente hesita entre dois caminhos, esta
estratégia serve para visualizar a maneira como ele enxerga a situação.
Evidentemente, o papel do tarólogo não é fazer pender a escolha, mas
esclarecer as possibilidades para permitir uma escolha consciente. O
consulente tira uma carta para o centro que o simboliza. Pedimos em
seguida que ele visualize um caminho à esquerda dessa carta e outro à
direita. A cada uma dessas duas cartas, acrescenta-se ainda um duo de
cartas que permitirá especificar as possibilidades oferecidas por cada
um desses caminhos.
O Tarot da escolha
A. O consulente
B-D-E. Primeira possibilidade
C-F-G. Segunda possibilidade
Exemplo de leitura
Consulente: A pessoa quer escolher entre duas propostas de trabalho.
Tiragem: A: XI A Força, B: XX O Julgamento, C: VII O Carro, D: X A
Roda da Fortuna, E: XII O Enforcado, F: XVIIII O Sol, G: XXI O Mun-
do.
Leitura: O olhar d’A Força se dirige para o segundo caminho, portanto,
a sua escolha parece se dirigir para este. As cartas confirmam isso:
Possibilidade 1: O chamado sedutor (XX) se bloqueia (X) para ter-
minar em uma espera (XII) que parece não ter resultado.
Possibilidade 2: Ela evoca uma ação forte no mundo (VII) sob o
signo de uma associação fecunda (XVIIII) que conduz ao sucesso
(XXI).
Ler dez cartas ou mais
Amplificar o Tarot d’O Mundo
É uma leitura de quinze cartas com Arcanos maiores e Arcanos meno-
res. Já estudamos a estrutura do Tarot d’O Mundo (ver p. 543). É possí-
vel torná-la mais complexa colocando uma frase de três cartas em cada
posição. Isso pode ser feito tanto usando apenas os Arcanos maiores,
como utilizando os Arcanos maiores para a carta central e o maço de
cinquenta e seis Arcanos menores embaralhados para as outras quatro
posições.
Teremos, então, a possibilidade de ver aparecerem cartas de um
Naipe em uma energia que não lhes corresponde. Se, por exemplo, a
posição superior da direita, que corresponde ao intelecto, se encontra
preenchida por cartas da série de Ouros, poderíamos deduzir que, no
momento, a principal preocupação do consulente é com dinheiro. In-
versamente, se a posição correspondente ao emocional for preenchida
por cartas de Espadas, poderíamos dizer que o mental esfriou o cora-
ção etc.
Para ler o Tarot segundo esta estratégia, é melhor estarmos já bas-
tante familiarizados com os Arcanos do Tarot. É, sobretudo, indispen-
sável dialogar com o consulente a fim de confirmar ou desmentir aqui-
lo que aparece em sua tiragem. (Ver exemplo abaixo.)
Amplific
ar o Tarot d’O Mundo
ABC: Essência
DEF: Vida intelectual
GHI: Vida emocional
JKL: Energia sexual e criativa
MNO: Vida material
Exemplo de leitura
Consulente: Ele sofre de uma doença grave que considera uma etapa
de crescimento espiritual.
Tiragem: ABC: XIII O Arcano sem nome, XVIII A Lua, XII O Enfor-
cado. DEF: Rainha de Espadas, Cavaleiro de Espadas, Três de Copas.
GHI: Rei de Copas, Seis de Ouros, Valete de Copas. JKL: Nove de Es-
padas, Cinco de Paus, Rei de Paus. MNO: Cinco de Copas, Cavaleiro de
Copas, Sete de Ouros.
ABC (essência): Você está em pleno trabalho de transformação
(XIII). Sua atividade essencial consiste em trabalhar sobre o câncer
(representado pelo caranguejo presente n’A Lua) pela prática da medi-
tação e no aprofundamento das causas da doença (XII). A soma das
cartas (ver pp. 527-28): 13 + 18 + 12 = 43; 4 + 3 = 7, dá VII O Carro. Ele
representa o estado de saúde e de energia subjacente da provação que
você está atravessando. É também a carta da união entre o espírito e a
matéria.
DEF (intelecto): O Cavaleiro de Espadas representa uma mutação
em sua concepção intelectual: você está passando de uma concepção
racional, científica, puramente intelectual do pensamento (Rainha de
Espadas) à descoberta do amor pela obra na energia intelectual (o Três
de Copas dá impulso ao Cavaleiro para efetuar o salto).
GHI (emocional): O Valete de Copas talvez represente uma pessoa
jovem da sua família, um filho ou uma filha, que vem até você timida-
mente. Você (Rei de Copas) está disposto a acolher essa pessoa, que
vem lhe lembrar dos prazeres da vida (Seis de Ouros).
JKL (sexual-criativo): O trabalho mental ao qual você se obriga na
meditação produz a iluminação (Nove de Espadas), que lhe permite
adotar um novo ideal criativo (Cinco de Paus) e realizar por fim aquilo
para o qual você foi feito (Rei de Paus), produzindo uma obra. (O con-
sulente confirma: seu trabalho interior desencadeado pela doença le-
vou-o a reconhecer sua vocação de pintor.)
MNO (material e corporal): Outra vez, o amor está agindo: seu
novo ideal criativo (o Cinco de Paus da energia criativa) produz um no-
vo ideal de vida, fundado sobre o amor por aquilo que você faz (Cinco
de Copas). A força desse impulso transforma a matéria (o Cavaleiro de
Copas se torna o Ás de Ouros) e orienta você em direção à cura, à recu-
peração da energia corporal: a Consciência penetra até no coração das
células (Sete de Ouros).
O Tarot do eu realizado
É uma leitura baseada em uma tiragem de dez cartas.
Cada um de nós possui um potencial máximo. Da mesma maneira
como nos Arcanos maiores a realização é representada pela carta de
valor 21 (o Arcano XXI, O Mundo), podemos nos perguntar qual seria
nosso eu realizado.
Propomos, então, ao consulente que supere suas considerações ha-
bituais, que deixe de lado momentaneamente seus limites.
Quando interrompemos pensamentos do tipo “Eu não valho grande
coisa”, “Eu não sirvo para nada”, “Tudo vai mal”, “O mundo é todo er-
rado”, “Eu não estou nada satisfeito” etc., torna-se então possível per-
guntar: “E se tudo corresse bem, o que seria a minha perfeição? Até que
ponto eu poderia chegar?”.
É a isso que esta leitura se propõe explorar. Essencialmente psico-
lógica, ela tende a estudar a alma e não os acontecimentos.
Eis a estrutura desta tiragem:
O Tarot do eu realizado
A: Nosso protagonista, tal como o concebemos, a pessoa com quem ocorrem as coisas.
B: Nosso antagonista, a parte de nós contra a qual lutamos.
C: O mediador: o que resulta daquilo que se passa entre o protagonista e o antagonis-
ta.
DE: Os "cometas": nosso protagonista nos conduz a encontros positivos para nós, a
pessoas que nos fazem bem.
FG: Os "asteroides": nosso antagonista nos aporta acontecimentos que nos prejudicam.
Nós nos apaixonamos por uma pessoa que nos trata mal, entramos em um negócio du-
vidoso... Como um demônio que nos tenta, vemos aonde isso é capaz de nos levar.
HI: O protagonista e o antagonista devem produzir uma personalidade que é resultado
de ambos, que não é nem exageradamente positiva, nem exageradamente negativa,
que avança como pode em função das necessidades da existência. Muita positividade
conduz à preguiça e à moleza, muita severidade conduz à destruição. É preciso encon-
trar um caminho do meio. É a atitude que fará com que os dois aspectos não sejam
opostos, mas complementares.
J: O segredo, o lugar mais íntimo de nós mesmos.
Exemplo de leitura
Tiragem: A: XI A Força. B: VIII A Justiça. C: XVII A Estrela. D: VI O
Namorado. E: XVIII A Lua. F: XIIII Temperança. G: XXI O Mundo. H:
X A Roda da Fortuna. I: XX O Julgamento. J: II A Papisa.
Leitura: A (protagonista): A consulente, representada pel’A Força, es-
tá começando uma nova atividade criativa, ancorada em suas forças
profundas. Ela confirma: ela está estudando um método de dança-tera-
pia.
B (antagonista): É a imagem materna, com uma exigência de per-
feição. Uma parte do inconsciente adotou o partido da mãe. A consu-
lente confirma: “Eu sou fria, intransigente comigo mesma, sempre me
exijo fazer melhor, eu me levo a duvidar de mim mesma e me desvalo-
rizo”.
C (mediador): Se A Força é uma energia que emerge do centro da
pessoa e A Justiça uma posição impassível, A Estrela escolhe um lugar
a partir do qual agir no mundo. Ela toma d’A Justiça sua sede de verda-
de, e d’A Força sua capacidade de se doar.
D-E (cometas): A Força atrai o amor, as relações sociais calorosas,
e permite ao potencial feminino que se desenvolva.
F-G (asteroides): A Justiça gera o encerramento, uma falta de co-
municação consigo mesmo, um corte entre o alto e o baixo: de um lado,
há uma abertura (VI e XVIII) e do outro um isolamento (XIIII e XXI),
daí o conflito.
H-I (caminho do meio): Quando as duas tendências se unem, se
produz uma abertura da consciência, o fechamento de um velho ciclo
emocional. O ciclo do isolamento termina; podemos nos abrir para al-
guma coisa maior que nos chama: abertura de consciência ou desejo de
criança.
J (segredo): O segredo da consulente reside em sua espiritualida-
de. Ela confirma que seu trabalho de busca espiritual lhe permitiu to-
mar consciência de sua ruptura interior e de que sua vocação é de po-
der um dia guiar os outros.
O Tarot do herói aplicado aos quatro centros
Nossos quatro centros (intelecto, coração, centro sexual-criativo, vida
material) não seguem obrigatoriamente o mesmo caminho: lá para on-
de o coração nos conduz, a razão pode nos frear, e nosso desejo não es-
tá necessariamente de acordo com nossas necessidades materiais. Pode
ser útil aplicar uma estratégia de leitura aos quatro centros e fazer, em
seguida, a síntese que permita à pessoa unificar sua ação. A estrutura
do Tarot do herói, que já estudamos, pode se desenvolver com os vinte
e dois Arcanos maiores seguindo a estrutura ao lado.
Exemplo de leitura
Consulente: Uma mulher de cinquenta anos, iniciada no Tarot, se
questiona sobre o fato de continuar a trabalhar como assistente de seu
marido ou de se lançar em uma atividade que lhe seja apropriada, no
caso, na leitura de Tarot.
Tiragem (ver p. 557).
Leitura: A. Ser essencial: XXI O Mundo: uma mulher completa, em
plena realização.
B. Objetivo essencial: V O Papa: você deseja transmitir, guiar, ensi-
nar. Seu objetivo é ser uma mestra... Mas justamente, a dificuldade de
atingir esse objetivo reside no fato de você visualizar essa função no
masculino embora seja uma mulher. Vejamos como, nos quatro centros,
você pode superar os obstáculos que a afastam desse objetivo.
O Tarot do herói aplicado aos quatro centros
AB: O ser essencial da consulente (A) e seu objetivo essencial (B). Essas duas cartas de-
limitam o jogo como O Louco e O Mundo delimitam os vinte e dois Arcanos maiores
(ver pp. 48-9).
Em seguida, para cada centro (vida intelectual, vida emocional, vida sexual e criativa, vi-
da material), tiraremos as cartas seguintes.
C: A identidade da situação da consulente nos quatro centros.
D: O objetivo do consulente nos quatro centros.
EF: Os obstáculos de cada centro. Consideraremos a carta E, situada mais perto do eu,
como o obstáculo pessoal, interior da consulente; a carta F representará um obstáculo
exterior, ligado às obrigações da vida.
G: A chave para cada centro.
De preferência, posicionaremos as cartas deixando o intelecto no alto, seguido, de cima
para baixo, pelas cartas que figuram o centro emocional, depois as relativas ao centro
sexual-criativo e, por fim, as cartas ligadas ao centro material na base.
No corpo, cada um dos centros corresponde respectivamente à cabeça, ao coração, à
bacia e, por fim, aos pés.
Centro intelectual.
C. Eu, situação: XI A Força: tudo está por fazer. A situação se apre-
senta bem, é um começo.
D. Objetivo: III A Imperatriz: seu desejo é explodir, eclodir, criar.
E. Obstáculo interior: IIII O Imperador: a autoridade paterna pe-
sa sobre a opinião que você tem de si mesma...
F. Obstáculo exterior: XII O Enforcado: ...e a conduz à inativida-
de. Você adquiriu o hábito de não agir, e você não sabe por onde come-
çar.
G. Chave, aliado: XVIIII O Sol: é uma questão de você assumir to-
do o seu valor, mas calmamente, passo a passo, sem mudar tudo de um
dia para o outro. Você poderia trabalhar meio período, ir mudando sua-
vemente com a atividade que lhe convém.
Centro emocional.
C. Eu, situação: O Louco: você possui uma grande energia, mas ela
não está completamente canalizada. A necessidade de liberdade se faz
sentir.
D. Objetivo: XIIII Temperança: você deseja trabalhar para curar.
Sua vocação de taróloga encontra sua origem no desejo de ajudar os
outros.
E. Obstáculo interior: XX O Julgamento: em situação de obstácu-
lo, esta carta pode ser interpretada como uma repressão da vocação
que conduz a não realizar aquilo que se deseja. Podemos também nos
perguntar se, quando você nasceu, seus pais desejavam um menino,
mais do que uma menina.
F. Obstáculo exterior: XVI A Torre: enquanto obstáculo, esta carta
evoca um isolamento, o medo de se exprimir.
G. Chave, aliado: II A Papisa: trata-se de tomar consciência do fato
de que você tem algo a dizer, a escrever, a transmitir. A Papisa é a figura
feminina correspondente a O Papa, considerado como mestre por exce-
lência. A chave consiste em desempenhar essa imagem do feminino,
em aceitar a sabedoria feminina.
O Tarot do herói aplicado aos quatro centros. Exemplo de tiragem.
(Leitura às pp. 554-558.)
Centro sexual e criativo.
C. Eu, situação: XV O Diabo: sua energia é imensa! O Diabo está
perfeitamente em sua posição, no domínio sexual/criativo. É ele quem,
sob a forma de um desejo profundo, leva você a tomar consciência do
seu valor.
D. Objetivo: XVII A Estrela: uma ação no mundo que se revela em
dois aspectos, pois ela possui dois vasos. Talvez seja o desejo de conti-
nuar colaborando com seu marido, ao mesmo tempo em que começa
uma atividade individual.
E. Obstáculo interior: X A Roda da Fortuna: você se encontra em
uma situação de parada. Sua criatividade está bloqueada, talvez pelo
medo de não ser mais amada se sair de seu papel tradicional.
F. Obstáculo exterior: VIII A Justiça: a ideia de perfeição a impe-
de de fazer as coisas que você deveria fazer. A criatividade não pode ser
perfeita...
G. Chave, aliado: XVIII A Lua: sonhar! Penetrando profundamente
em sua intuição, você será capaz de superar o bloqueio criativo.
Centro material.
C. Eu, situação: VI O Namorado: a situação em casa é agradável.
Você trabalha com seu marido e se entendem bem. Cada um tem seu
domínio e não invade o do outro.
D. Objetivo: VII O Carro: situar-se em relação ao trabalho de seu
marido e encontrar a sua forma de ação no mundo, como taróloga, por-
que este é o seu desejo.
E. Obstáculo interior: I O Mago: você se sente uma novata, ainda
uma aluna, muito inexperiente para começar a agir. Você talvez tenha
receio de não conseguir ganhar dinheiro (a moedinha de ouro d’O Ma-
go).
F. Obstáculo exterior: XIII O Arcano sem nome: a transformação
lhe parece revolucionária. Você receia pelo equilíbrio de seu casamen-
to. Às vezes, aprendemos desde a infância a ser uma mulher dependen-
te, e simplesmente trocamos a imagem do pai pela do marido. Essa de-
pendência se torna, então, uma “prova de amor”, temos medo de per-
der a pessoa que amamos ao sairmos da dependência material.
G. Chave, aliado: VIIII O Eremita: deixando o ideal de perfeição
do VIII, abandonando o estado de debutante, O Eremita avança sem
medo rumo à transformação. É preciso começar a confiar em você mes-
ma, e talvez ler o Tarot para desconhecidos: O Eremita vai ao desco-
nhecido. Você pode simplesmente se instalar em um lugar público com
suas cartas, e fazendo anotações, e esperar que as pessoas venham lhe
perguntar: “Você lê Tarot?”. O Eremita não tem medo da pobreza. Em
um primeiro momento, você pode trabalhar de maneira beneficente.
O Tarot da escolha aplicado aos quatro centros
Da mesma maneira, podemos aplicar ao Tarot da escolha essa estrutura
de 20 + 2 cartas (ver p. 546). Em todos os centros, temos escolhas a fa-
zer.
Como no Tarot do herói aplicado aos quatro centros, e na imagem
do corpo humano, os conjuntos de cartas correspondentes a cada cen-
tro serão dispostos de cima para baixo nesta ordem: centro intelectual,
centro emocional, centro sexual-criativo, centro material.
Ver abaixo a estrutura da tiragem.
O Tarot da escolha aplicado aos quatro centros.
As duas primeiras cartas delimitam o jogo.
A. Aquilo que sou essencialmente.
B. Aquilo que eu quero essencialmente.
Em cada centro, a escolha será representada por cinco cartas dispostas da seguinte
maneira:
C. Esta carta central representa o estado em que nos encontramos intelectualmente,
emocionalmente, criativamente (sexualmente) e materialmente.
De ambos os lados de C, dois duos de cartas figuram as duas opções que se apresen-
tam em cada centro.
DE: Este duo, posicionado à esquerda, representa a possibilidade mais receptiva.
FG: Este duo, posicionado à direita, representa a possibilidade mais ativa.
Podemos, antes de virar as cartas, atribuir uma pergunta ou uma possibilidade a cada
centro.
A leitura artística
Esta última estratégia permite criar todas as estruturas de tiragem que
quisermos. Ela é particularmente (mas não exclusivamente) adaptada à
leitura do Tarot para crianças. Ela consiste em organizar as cartas para
formar um desenho. Para nos exercitarmos, podemos começar criando
estratégias inspiradas em um Arcano, como fizemos para o Tarot d’O
Mundo. Por exemplo, podemos inventar um Tarot baseado na estrutura
d’A Estrela.
Leitura artística inspirada em A Estrela
A. Coloque uma figura na estrela central que brilha no céu do Arcano XVII.
B. Coloque uma figura no lugar onde a mulher apoia o joelho.
C. Coloque uma figura no rio.
D-E: Coloque uma figura em cada um dos dois vasos
F. Coloque uma figura no pássaro negro sobre o galho.
Exemplo de leitura
A. De onde recebo minha energia? XII O Enforcado: das profun-
dezas do meu ser, ou, simplesmente, tenho necessidade de descansar
para ficar em forma.
B. Qual é a minha base concreta? XVII A Estrela: o lugar onde vi-
vo, a paisagem que amo, ali onde me sinto em casa. Podemos também
dizer que é o meu corpo (a estrela está nua), que devo cuidar da minha
saúde, da minha alimentação...
C. Ao que ou a quem minha ação é consagrada? X A Roda da For-
tuna: ela é consagrada a fechar um ciclo, a terminar um trabalho.
D-E. Quais são os meus meios de ação? O Louco, XVIIII O Sol:
meus meios de ação são uma grande energia, a capacidade de viajar, a
liberdade do espírito (O Louco) e a generosidade, o sentido de colabo-
ração, o amor pelo outro (O Sol).
F. O que começa a cantar, e qual é a consequência da minha ação no
mundo? VIIII O Eremita: uma sabedoria maior, uma maturidade, um
novo olhar sobre as coisas.
Princípios e desenvolvimento de uma leitura artística
Uma vez que dominamos esse tipo de construção, podemos passar à
leitura artística propriamente dita.
O tarólogo pede ao consulente que imagine um objeto, um ser que
possa ser representado por um desenho.
Em seguida, o consulente embaralha as cartas, entrega-as ao taró-
logo, que deve, então, se valer da imaginação para utilizar o núme-
ro de cartas necessárias, que ele disporá com a face virada para a
mesa, para representar esse objeto de maneira satisfatória. Pode-
mos em particular utilizar o princípio dos quatro elementos (inte-
lecto, coração, energia sexual e criativa, matéria), introduzindo no
esquema das estruturas de quatro níveis. O esquema será tratado
segundo as leis de orientação do Tarot: a parte que se encontra à
direita do consulente representa a ação e a parte à sua esquerda, a
recepção.
Pedimos ao consulente que escolha qual parte do desenho o repre-
senta. Ele coloca um objeto sobre as cartas para materializar seu
eu.
O consulente escreve três perguntas em pequenos pedaços de pa-
pel que ele dobra em quatro, e que pedimos que ele coloque no lu-
gar de sua escolha sobre o desenho.
Para interpretar esse Tarot, começaremos vendo onde o consulen-
te está situado no desenho, e em que nível do desenho ele colocou
as perguntas. Depois, leremos as perguntas e viraremos as cartas
ou os grupos de cartas em questão.
Se desejarmos, podemos ler não apenas a carta ou o grupo de car-
tas sobre as quais o consulente colocou as perguntas, mas também
as cartas do entorno, que formam o contexto desta resposta, os as-
pectos complementares.
No exemplo a seguir, a consulente escolheu uma borboleta como
forma da tiragem.
Exemplo de leitura
Consulente: Uma jovem de dezenove anos acabou de terminar o ensi-
no médio e começou seus estudos literários na universidade. Simboli-
camente, a borboleta representa um estado de realização posterior à
longa gestação da crisálida. Isso corresponde à situação dessa jovem,
que mudou de cidade, deixou a família, e que mora sozinha pela pri-
meira vez. Utilizamos aqui os vinte e dois Arcanos maiores para repre-
sentar esquematicamente a borboleta. O triângulo simboliza o lugar
onde a consulente posicionou seu eu. Suas perguntas são indicadas pe-
las três flechas.
O eu da consulente
A: III A Imperatriz: Você colocou seu eu no centro do corpo da bor-
boleta. Isso significa que você está em pleno equilíbrio, em acordo con-
sigo mesma nessa nova vida. Com A Imperatriz, podemos dizer que vo-
cê está gozando de plena saúde e plena criatividade.
Uma vez que a consulente se colocou no centro do corpo da borbo-
leta, podemos ler as cartas que a circundam da seguinte maneira: a car-
ta situada acima dela (C) poderia ser seu eu superior, e a carta abaixo
dela, seu eu inconsciente (B). As quatro cartas que a envolvem serão,
como no Tarot d’O Mundo, suas quatro energias: D: o intelecto; E: a
energia emocional; F: a energia sexual e criativa; G: a energia material.
A: III A Imperatriz, que já interpretamos, é uma carta de criativida-
de, de entusiasmo.
B: XVIII A Lua: Uma grande criatividade ainda por se expressar
talvez tenha guiado a sua escolha dos estudos literários. Seu mundo in-
consciente é rico em sonhos e intuições.
C: O Louco: Sua energia espiritual é grande, mas ainda sem objeti-
vo. Você ainda não sabe qual é seu ideal, sua missão na existência. Com
a maturidade, você descobrirá sua orientação espiritual.
D: Energia intelectual: IIII O Imperador: Seu espírito é bem organi-
zado, sólido. Você possui as bases necessárias para obter sucesso nos
estudos. Mas o aspecto um tanto “quadrado” do seu intelecto sinaliza
que você ainda não entrou em contato com o mundo mais fantasma-
górico d’A Lua. Você ainda se vê como um ser racional.
E: Energia emocional: XI A Força: Você está disposta a começar
uma nova relação amorosa fundada sobre a atração.
F: Energia sexual e criativa: XVII A Estrela: Você é cheia de sedu-
ção e de generosidade, e seu potencial criativo é muito grande. Você
possui os meios para se realizar, desde que, mais uma vez, reconcilie os
aspectos lógicos e poéticos da sua personalidade.
G: Energia material: XVIIII O Sol: Você é absolutamente sustenta-
da nessa nova etapa da sua vida, talvez pelo pai (a consulente confirma
que os pais lhe permitiram alugar um pequeno apartamento na cidade
onde ela estuda e que se preocupam com seu bem-estar).
As perguntas da consulente
H: Pergunta 1: Será que sou capaz de obter sucesso nos estudos? A
pergunta é colocada sobre a antena direita da borboleta (H), isto é, no
cume de sua atividade. É o objetivo mais alto, aquele que envolve a vida
futura.
Resposta: VIII A Justiça: Você possui tudo o que é preciso para ob-
ter sucesso, pois A Justiça representa a perfeição. Mas você tem dúvi-
das. Nós, então, viramos as cartas que representam a cabeça e a antena
esquerda da borboleta para compreender os motivos dessas dúvidas.
A carta H, sobre a antena direita, representa a pergunta relacionada
aos estudos. Na cabeça, a carta I, nós encontramos o motivo das dúvi-
das. Na carta J, aprofundaremos os aspectos do passado dessa dúvida.
I: XVI A Torre: Este Arcano representa uma explosão. Você saiu de
um mundo conhecido para entrar em um mundo desconhecido. Alguns
aspectos já lhe são familiares (eles correspondem, em A Torre, ao per-
sonagem inteiro que sai da torre). Esses aspectos fazem referência ao
seu passado, representado pela antena da esquerda. Ao contrário, os as-
pectos apresentados pela antena da direita estão, como o segundo per-
sonagem d’A Torre, ainda com metade do corpo dentro da torre. Você
não sabe o que lhe espera, daí a sua dúvida.
J: VIIII O Eremita: a época da escola já acabou. Da mesma maneira
que O Eremita caminha de costas iluminando o passado, você sabe o
que abandonou, mas não conhece ainda o mundo para o qual se dirige.
A universidade propõe novos métodos de trabalho, uma nova forma de
vida, você ainda não sabe se conseguirá se adaptar. Mas você não tem
nenhum motivo para se inquietar: como A Justiça testemunha, você es-
tá bem preparada e possui o que é necessário para obter sucesso.
P: Pergunta 2: Será que vou me apaixonar? A pergunta é colocada
na extremidade da asa direita da borboleta: ali onde a força motriz é
mais intensa. O amor lhe dá asas!
Resposta: XX O Julgamento: Não há nenhuma dúvida quanto a is-
so! Você pode perfeitamente encontrar alguém. Nós não lemos o futu-
ro, vemos sobretudo quais são os caminhos que a levam a esse encon-
tro. Vimos que o encontro tem lugar na posição P. Ela é delimitada por
dois caminhos que começam em K e em L, e se unem em M. As cartas
N e O representam as circunstâncias que delimitam esse encontro.
K: X A Roda da Fortuna: Um ciclo terminou, tome o tempo necessá-
rio para encerrar o passado e não se precipite. Você mudou de cidade,
de estabelecimento escolar. Seguido de:
N: I O Mago: Um encontro com um jovem vem iniciar esse novo ci-
clo.
L: XIIII Temperança: Mensagem similar: Temperança toma o tem-
po necessário para equilibrar a situação. Seguido de:
O: XV O Diabo: Depois da angelical Temperança, vem uma ligação
passional!
M: VII O Carro: É a carta central. O príncipe surge bem no meio da
sua vida. Nada de especial a fazer, as coisas se passam naturalmente.
Q: Pergunta 3: Será que tenho talento? A pergunta é colocada so-
bre a carta situada no centro da asa esquerda da borboleta, ela está en-
cerrada no interior da asa.
Resposta: XII O Enforcado: Ele exprime ao mesmo tempo uma si-
tuação onde não agimos e uma gestação. A consulente confirma: ela
adorava escrever poemas, mas não consegue mais se decidir sobre isso.
“A prática leva à perfeição”, diz o ditado! O talento se exprime e se de-
senvolve na ação. Ninguém sabe se tem talento antes de colocá-lo em
prática. Podemos desenvolver essa ideia lendo as cartas ao redor d’O
Enforcado.
Q: XII O Enforcado: O talento ainda em gestação, que não age. A
asa da borboleta está imóvel.
R e S (os primeiros esforços para pôr a asa em movimento): VI O
Namorado e II A Papisa: a pergunta não é “Será que eu tenho talento?”,
mas “Será que eu amo (VI) escrever (II)?” Para saber a resposta, é pre-
ciso trabalhar todos os dias; a soma dessas cartas (6 + 2) é 8: VIII A Jus-
tiça, que executa sem falhas aqui o que tem para fazer.
T e U (resultado dessa ação): V O Papa e XIII O Arcano sem nome:
aceitando exprimir, comunicar aquilo que existe dentro de você (V),
você se transforma, você faz eclodir O Enforcado no grau seguinte, o
XIII. A soma das cartas (5 + 13) é 18: XVIII A Lua, que em sua tiragem
representava seu eu inconsciente: a poesia que havia em você em esta-
do latente se manifesta na realidade.
V (o talento real da consulente, uma vez manifestado): XXI O Mun-
do. É a carta que fecha essa bela tiragem. Não tenha dúvida, você tem o
que dizer e a capacidade e exprimi-lo com muito talento.
Conclusão: o pensamento tarótico
Meus longos anos de contato com o Tarot me aportaram novas manei-
ras de captar o mundo e o outro, deixando que a intuição dançasse com
a razão e se amalgamasse com aquilo que chamei de “pensamento ta-
rótico”1... descrever o pensamento tarótico poderia constituir o objeto
de um outro livro. Aqui, me contentarei em dar alguns exemplos.
Os Arcanos possuem múltiplos significados que vão do particular ao
geral, do evidente ao inabitual. É preciso considerar cada Arcano como
um conjunto de significações. Essas significações adquirem mais ou me-
nos importância conforme o sistema cultural de quem os interpreta.
Na realidade, cada ser humano é um Arcano. Nós podemos viver
bem a vida inteira ao lado de alguém, mas não poderemos dizer que o
conhecemos totalmente. Estamos habituados a seus pensamentos, seus
sentimentos, seus desejos, seus gestos, suas atividades rotineiras, mas
basta um único acontecimento extraordinário – uma doença, uma ca-
tástrofe, um fracasso ou um sucesso – para descobrirmos nessa pessoa
aspectos inabituais que nos surpreenderão feliz ou dolorosamente.
Aquilo que pensamos ser a realidade é apenas uma parte da realidade.
Aquilo que projetamos de uma pessoa é apenas uma parte de sua per-
sonalidade. Os defeitos ou qualidades que vemos nos outros são igual-
mente nossos. Essas condutas inesperadas com as quais o mundo e os
outros nos surpreendem provocam reações que dependem do nosso ní-
vel de consciência. Em um nível de consciência pouco desenvolvido,
qualquer mudança nos apavora, nos deixa desconfiados, nos faz fugir,
nos paralisa, nos torna furiosos ou prestes a atacar. Uma consciência
desenvolvida aceita a mudança contínua e avança, confiante, sem obje-
tivo, desfrutando da existência presente, construindo passo a passo a
ponte que atravessa o abismo.
Para chegar às leituras que curam, as primeiras coisas que precisei
vencer foram as antipatias e simpatias. Cada habitante do nosso mundo
representa um ponto de vista distinto, novo, que não existia antes de
seu nascimento. Algo de original, de único. Quando um ente querido
nos deixa, nós temos a impressão de que o universo inteiro se esvazia...
Quem quer que seja, o consulente merece nosso respeito como uma
obra divina que jamais se repetirá, com a possibilidade de aportar ao
mundo a semente de um bem desconhecido.
Não existe tarólogo impessoal. Todo tarólogo é marcado por uma épo-
ca, por um território, por uma língua, uma família, uma sociedade, uma
cultura.
Da mesma maneira que na literatura o romance deixou de ser nar-
rado por um escritor-testemunha – considerado um deus –, deixando
que as coisas se desenvolvam sem intervenções e sem ser afetado, e
passou a ser contado por um personagem intimamente ligado aos acon-
tecimentos, mais um ator na trama, eu precisei dar o mesmo passo na
leitura do Tarot: de nenhuma maneira suportei a ideia de me colocar na
posição de um vidente que conhece o presente e o futuro do consulen-
te, observando-o desde uma altura mágica, impessoal, emprestando a
voz a entidades de outro mundo... Sendo os Arcanos como telas de pro-
jeção, era necessário que eu me desse conta de que tudo o que via nas
cartas estava impregnado pela minha personalidade. Não podendo me
libertar de mim mesmo, eu me perguntei: “O que eu sou quando leio o
Tarot? Será que meu pensamento é masculino? Será que é latino-ame-
ricano? Europeu? Será adolescente ou maduro? Será que a minha mo-
ral é judaico-cristã? Será que sou crente, ateu, comunista, servidor do
regime estabelecido? Será que percebo as características da minha épo-
ca?”... Para chegar a uma leitura útil, eu me dei conta de que, sem poder
me separar da minha personalidade, eu devia “trabalhá-la”, poli-la até
chegar a sua essência. Eu prometi a mim mesmo não obedecer às mo-
das, não cair na peça de nenhuma tradição ou folclore... Observei com
atenção a minha imagem do mundo e tentei com todas as minhas for-
ças modificar meu espírito masculino, aceitando o feminino, para fun-
dir os dois até atingir o pensamento andrógino... Se nasci no Chile e me
formei no México e na França, dentro de mim deixei de ter uma nacio-
nalidade, conseguindo com toda sinceridade me sentir um cidadão do
cosmos. Isso me levou a me dar conta dos meus limites enquanto ser
humano. Minha consciência não era prisioneira de um corpo mineral,
vegetal ou animal, ela era a essência do universo inteiro. O que me per-
mitiu me colocar no lugar não apenas de outras pessoas, mas igualmen-
te de objetos. O que será que sente o meu gato, esta árvore, o relógio no
meu pulso, o sol, as pedras do calçamento onde piso, meus órgãos, mi-
nhas vísceras etc.? Nesse trabalho de desprendimento e refinamento,
perdi não só a nacionalidade, mas também a idade, o nome, os rótulos
como “escritor”, “cineasta”, “terapeuta”, “místico” e muitos outros. Pa-
rei de me definir: nem gordo, nem magro, nem bom, nem mau, nem ge-
neroso, nem egoísta, nem bom pai, nem mau pai, nem isso, nem aquilo.
Parei igualmente de esperar objetivos ideais: nem campeão, nem herói,
nem santo, nem gênio. Tentei com todas as minhas energias ser aquilo
que eu era. Parei de me prender a uma única língua e desenvolvi um
amor, um respeito por todas as línguas, ao mesmo tempo em que me
dei conta de que, se as palavras não atingiam a poesia, se tornavam en-
godos. Creio que a origem de todas as doenças psicossomáticas é um
conjunto de palavras ordenadas em forma de proibição. Impor uma vi-
são é proibir outras. O universo não possui limites e funciona com um
conjunto de leis diferentes, às vezes contraditórias, em cada dimensão.
Quanto mais eu expandia os meus limites, mais enxergava os limites do
outro. Hoje em dia, quando leio o Tarot e entro em transe, meu eu qua-
se transformado em você, eu me sinto diante do consulente como dian-
te de um céu azul que recebe a passagem de uma nuvem... Na realidade,
não lemos para dizer ao consulente aquilo que ele é, mas para com-
preendê-lo. No dia em que o compreendermos totalmente, nós desapa-
receremos... No fundo, creio que nossa verdadeira consulente é a mor-
te. Tentemos compreendê-la. Quando morremos, isto é, quando nos
tornamos ela, nós nos dissolvemos, por fim, na Verdade.
Nenhum tarólogo pode dizer a verdade. Ele só pode dizer sua inter-
pretação da verdade. Quando se lê o Tarot, não se sabe. Uma vez que ele
lê para compreender, o tarólogo deve continuar a leitura mesmo que não
compreenda o que ele vê. Da mesma maneira que toda interpretação é
fragmentária, a abundância de interpretações faz com que o consulente
se aproxime do conhecimento... Não existe pergunta insignificante. As
perguntas superficiais e as profundas, as inteligentes e as estúpidas pos-
suem a mesma importância: as interpretações de cada Arcano sendo infi-
nitas, o valor da pergunta dependerá não de sua qualidade, mas da quali-
dade da resposta do tarólogo.
Eu me dei conta de que compreender aquilo que eu via era uma ilu-
são. Para compreender verdadeiramente uma coisa, era preciso deci-
frar o que é o universo. Sem abarcar o todo, era impossível saber com
certeza o que era uma de suas partes. O consulente não é um indivíduo
isolado. Para saber quem ele é, o tarólogo, além de sua vida desde o ins-
tante em que foi concebido e viu a luz do dia, deveria conhecer a vida
de seus irmãos, de seus pais, de seus tios, de seus avós e, se possível, a
vida de seus bisavós. Saber a educação que ele recebeu, conhecer os
problemas da sociedade na qual ele viveu, assim como os arquétipos e a
cultura que formaram seu espírito...
Uma vez que é impossível captar a totalidade do outro, é da mesma
maneira impossível julgá-lo. A positividade ou a negatividade de um
acontecimento não são intrínsecas; são apenas interpretações subjetivas.
Em deferência ao consulente, é preferível sempre buscar a interpretação
positiva.
Uma árvore, ao mesmo tempo que eleva seus galhos para o céu,
mergulha suas raízes na terra. A luz é infinita, a escuridão é infinita.
Cavar no sofrimento contido em nosso inconsciente faz com que nos
impregnemos com o sofrimento de toda a humanidade; a dor é infinita.
Uma vez expressos o pranto e a cólera, é mais útil buscar valores es-
condidos como tesouros em nosso ser essencial. A paz é infinita.
Um tarólogo não deve comparar o consulente com outras pessoas que
se parecem fisicamente. Comparar, enquanto maneira de definir, é uma
falta de respeito para com a diferença essencial de cada ser.
O consulente pode não conhecer a si mesmo e, na maior parte do
tempo, ignorar as influências recebidas de sua árvore genealógica. Se
ele fala uma única língua, se ele não viajou para países distantes, se ele
não estudou outras culturas, se ele jamais imobilizou seu corpo para
meditar, se tendo de escolher entre fazer ou não fazer, ele fugiu de toda
experiência nova com medo do fracasso, podemos dizer que seu in-
consciente se apresenta para ele não como aquilo que é, ou seja, um ali-
ado, mas como um mistério inquietante, um inimigo... Jamais ele saberá
a base real daquilo que pensa, sente, deseja ou faz... Isso porque, duran-
te a leitura do Tarot, suas perguntas, por mais superficiais que pare-
çam, ocultarão processos psicológicos profundos... “Será que devo ir ao
salão de beleza, tingir o cabelo e mudar de penteado?”: a pergunta é
muito simples, aparentemente frívola, mas, no entanto, pode receber
uma resposta profunda. Se fosse só isso que dizem as palavras, que ne-
cessidade a pessoa teria de ser aconselhada? Bastaria tomar a decisão
sozinha... Podemos ver nessa tintura e nessa mudança de penteado que
a consulente exprime seu desejo de mudar de vida, de não estar mais
sozinha, ou ao contrário, de terminar seu casamento, ou sob outro as-
pecto, de empreender novas experiências, de buscar ser reconhecida –
que ela exprime sua insatisfação diante de si mesma ou sua descoberta
de novos valores que a obrigam a se separar de uma personalidade anti-
ga... O Tarot nos ensina a respeitar todas as perguntas: cada pergunta é
uma oportunidade de aprofundar a descoberta de nós mesmos para vi-
vermos engastados como um pedra preciosa na joia que é o presente. A
maior parte dos consulentes não se sente como algo que existe e é, mas
como algo que ainda será.
Toda generalização é ilusória. Os acontecimentos nunca são seme-
lhantes... Quando damos o outro como exemplo, sempre aquele que o cita
emite uma concepção pessoal. Para cada indivíduo, o outro é diferente.
Sendo o outro parte de um todo infinito, é impossível isolá-lo em
uma definição; quando o outro é capturado e interpretado por nós, ele
recebe os limites que corresponde ao nosso nível de consciência. Esse
outro é uma mistura daquilo que ele mostra e daquilo que nós acres-
centamos fazendo dele nosso próprio reflexo. As qualidades que enxer-
gamos nele, assim como os defeitos, fazem parte das nossas próprias
qualidades e defeitos... Ao julgá-lo, ao mensurá-lo, ao lhe atribuir rótu-
los – bom, mau, belo, feio, egoísta, generoso, inteligente, estúpido etc. –
estaremos mentindo a nós mesmos. Todo julgamento que exprimirmos
é sempre feito em comparação com a imagem limitada, e portanto arti-
ficial, que temos de nós mesmos.
O real não é bom, nem mau, nem belo, nem feio em si, ele não possui
nenhuma outra qualidade. A unidade divina não pode ter qualidades,
nem ser definida por um tarólogo que não a compreende, pois não a pode
conter. O Todo é formado por todas as partes, mas todas as partes não
formam o Todo.
Em nenhum momento o tarólogo pode se arvorar a ser juiz de seu
consulente ou a aceitar como reais, justas, as visões que ele tem dos
membros de sua família ou dos seres que ele evoca na leitura.
Em um mundo infinito, não se pode afirmar: “Tudo é assim”. A fór-
mula correta é: “Quase tudo é assim”. Se noventa e nove por cento é con-
siderado negativo, não se pode excluir a positividade do um por cento. Es-
se um por cento positivo é mais digno de definir a totalidade que os no-
venta e nove por centro negativos. Essa pequena positividade redime a
grande negatividade.
Eis por que não é útil afirmar que o mundo é violento. Podemos ad-
mitir que existe violência no mundo, muita violência, mas não podemos
defini-lo por esse erro. O mundo é também perfeito como o cosmos. O
ser humano é igualmente assim. Não se pode afirmar que ele é doentio.
Enquanto a vida lhe dá alento, o corpo humano é um organismo com-
plexo, misterioso, dotado de saúde. Estar vivo é estar são, física e men-
talmente. Podemos ter doenças, atitudes psicóticas, mas por mais que
sejam graves, elas não fazem de nós “doentes” ou “loucos”, elas não de-
finem nosso ser, mas nosso estado presente... O espírito humano, infini-
to, não suporta rótulos... O tarólogo, mais do que lhe mostrar seus nu-
merosos defeitos, deve tentar captar as qualidades do consulente que,
mesmo que não sejam numerosas, lhe ajudarão mais a ser o que ele é
verdadeiramente.
Não devemos definir o consulente por suas ações, mas sim definir as
ações que o consulente realizou. Ele não é “tolo”: ele cometeu tolices; ele
não é “ladrão”: ele se apropriou de coisas que pertenciam a outra pessoa.
Se definirmos o consulente por suas ações, nós o separaremos da realida-
de.
O valor de uma leitura depende do nível de consciência do tarólogo. Se
ele é sábio, ele pode obter mensagens preciosas, por mais absurdos que se-
jam os Arcanos escolhidos pelo consulente. A consciência elevada do ta-
rólogo outorga sabedoria ou tolice à leitura, mas os Arcanos em si mes-
mos não são sábios nem tolos: eles não possuem qualidades. Quem possui
qualidades é aquele que as enuncia.
As leituras, apesar de sua importância, são sempre interpretações
pessoais do tarólogo, e por isso mesmo não devemos lhes dar a qualidade
de prova absoluta... Nenhuma leitura pode constituir prova de um fato.
A exatidão e a precisão, em uma realidade constantemente cambian-
te, são dois obstáculos à compreensão.
O desejo de perfeição, de exatidão, de precisão, de repetição daquilo
que é conhecido e estabelecido são manifestações de um espírito rígido
que teme a mudança, a diferença, o erro, a permanente impermanência
do cosmos. Essa atitude obstinadamente racional se opõe ao pensa-
mento tarótico, que se assemelha ao pensamento poético. Já ouvimos o
poeta Edmond Jabès dizer: “Ser é interrogar o labirinto de uma per-
gunta que não tem resposta”.
Depois que interpretamos um Arcano, podemos, mais tarde, modificar
essa interpretação. As interpretações não são parte integrante do Arcano,
o Arcano não pode mudar, mas sim o tarólogo, na medida em que ele é um
ser que se transforma. Não mudar nunca de interpretação é teimosia. To-
da mensagem obtida pela leitura das cartas pode ser contradita por uma
segunda leitura das mesmas cartas. As mensagens não são extraídas das
próprias cartas, mas de interpretações que damos a essas cartas.
Responder “não” a uma afirmação é um erro. Nada pode ser negado
em sua totalidade. Melhor é dizer: “É possível, mas de um outro ponto de
vista podemos também dizer o contrário”.
A doença é essencialmente separação, isto é, ela surge essencialmente
da crença de que estamos separados.
Alguns autores de livros de autoajuda aconselham a não pensarmos
como um corpo que tem um espírito, mas como um espírito que tem
um corpo... Ponto de vista que a princípio adotei com fervor; depois,
pensando que a solução correta de um problema não produz um ga-
nhador e um perdedor, mas dois ganhadores, aceitei – de acordo com a
finalidade da alquimia: espiritualização da matéria e materialização do
espírito – que eu era ao mesmo tempo um espírito que tinha um corpo
e um corpo que tinha um espírito... Mas, se considerarmos a primeira
afirmação, será que eu era realmente um espírito, isto é, uma entidade
individual, diferente do todo...? Sim, eu era um espírito, mas era ao
mesmo tempo um planeta, uma galáxia, um universo e, se eu aceitasse
um princípio criador, um Deus. Isso me obrigou a dizer: sou um corpo
que possui um deus, sou um deus que possui um corpo... Será que eu
podia, então, separar meu corpo dos outros corpos, da Terra, das estre-
las, da matéria universal?
A saúde é a Consciência divina. O caminho que leva até ela é a infor-
mação, desde que se considere informação não tanto as palavras mas as
experiências de um conhecimento que, inscrito no corpo, se apresenta co-
mo uma exigência daquilo que nos falta. E isso que nos falta é a experiên-
cia da união com o deus interior. O sofrimento é a ignorância. A doença é
a ausência de consciência. O consulente, sendo totalmente relacional, pa-
ra chegar à saúde precisa receber a informação essencial. Para que uma
doença possa ser curada, ele deve se colocar em relação a seu deus interi-
or.
Se o mundo é infinito, nenhuma ordem é real. Só pode ser ordenado
aquilo que possui limites precisos. Podemos buscar a utilidade momentâ-
nea de uma ordem, mas não sua veracidade. O mundo é uma representa-
ção subjetiva que pode ser ordenada de infinitas maneiras. Convém bus-
car a ordem que nos cause menos sofrimento.
A chave mágica que permite ao consulente, assim como ao tarólogo
que lhe faz a pergunta, organizar positivamente sua passagem pelo
mundo é: “A vida me alegra?” Essas pessoas, esse trabalho, esta cidade,
esse país, esta casa, esse móvel, tornam minha vida feliz? Se não tor-
nam minha vida feliz, isso quer dizer que não me convêm enquanto
companhia, meio ambiente, território, atividade. Isso me convida a evi-
tar me envolver com eles.
Todo conceito é duplo, composto pela palavra enunciada e uma pala-
vra contrária não pronunciada. Afirmar alguma coisa é também afirmar
a existência de seu contrário. O tarólogo deve buscar a relação de um
conceito com seu contrário. Por exemplo: feio (em relação a alguma coisa
bela); pequeno (em relação a alguma coisa grande); defeito (em relação a
alguma qualidade) etc. Fora da relação, o conceito não tem nenhum senti-
do.
O consulente não chegará a saber quem ele é sem se comparar. A
personalidade adquirida, e não a personalidade essencial, se constitui
com base em comparações. Desde a infância, exigem de nós que pare-
çamos, não que sejamos. Se a criança não corresponde àquilo que os
pais acreditam que ela deva ser, eles a culpabilizam. As revistas de mo-
da exibem mulheres que obedecem a critérios de beleza muitas vezes
afastados da realidade humana. Da mesma maneira, o cinema e a tele-
visão. Quando uma consulente sofre de um complexo de feiúra, é fun-
damental que o tarólogo descubra com o que ela se compara. O olhar
dos pais e dos professores forma o espírito da criança. Se ninguém a
olha tal como ela é – submetendo-a a olhares críticos ou comparando-a
com os irmãos, irmãs ou amigos “melhores” –, a criança cresce tendo a
sensação de não ser ninguém, sem se conceder o direito à realização de
suas potencialidades... As escolas que estabelecem os cânones de inteli-
gência, pensando que só existe uma maneira correta de pensar, provo-
cam desvalorizações dramáticas. O tarólogo deve escavar como um ar-
queólogo na memória do consulente, buscando os “exemplos perfeitos”
com os quais o consulente se compara para libertá-lo da inveja... Aque-
le com quem o consulente se compara, seu desejo de ter e de ser o que
o outro possui e aquilo que o outro é, persegue o consulente como uma
sombra amarga... Alguns pais nocivos, ao mesmo tempo que exigem o
sucesso de seus rejeitados, os proíbem de maneira tácita de realizar
aquilo que eles mesmos não puderam realizar. A neurose do fracasso
faz com que muitos consulentes se desconheçam a si mesmos. O tarólo-
go deve começar sua leitura aceitando que se dirige a alguém que é
aquele que sua família, sua sociedade quiseram que ele fosse, motivo
pelo qual ele crê possuir objetivos que não são seus, com obstáculos ar-
tificiais e miragens à guisa de soluções. O Tarot poderá indicar sua na-
tureza, seus objetivos, seus obstáculos e as soluções verdadeiras lhe fa-
zendo ver a região muda de sua existência.
Aquilo que o consulente não sabe faz parte de sua vida, tanto quanto
aquilo que ele sabe. Aquilo que o consulente não fez é tão importante
quanto aquilo que ele fez. Aquilo que o consulente poderá um dia fazer
faz parte daquilo que ele já está fazendo. Aquilo que o consulente foi e o
que não foi, aquilo que ele é e aquilo que ele não é, aquilo que ele será e
aquilo que ele não será constituem igualmente seu mundo.
Alguns consulentes, por medo de perder aquilo que acreditam ser
sua individualidade, não querem ser curados, mas querem que nos ocu-
pemos deles. Mais do que obter soluções, desejam ser ouvidos, que te-
nhamos pena deles. Diante das revelações da leitura, eles apresentam
defesas... Embora sofram, eles afirmam que está tudo bem com a famí-
lia, que na infância foram amados, que não foram afetados por nenhum
tipo de abuso, que levam uma vida confortável. Não consideram nada
aquilo que podemos lhe revelar como sendo verdade... Em face dessa
atitude, o tarólogo deve ter uma paciência de santo. Uma coisa é doar,
outra coisa é obrigar a receber... Ao aceitarmos as defesas, em vez de
atacá-las de maneira direta, é preciso contornar as negações até desco-
brir uma abertura por onde introduzir uma ínfima tomada de consciên-
cia. Depois, ele deve convidar o consulente a meditar sobre essa revela-
ção durante o tempo que for necessário e, uma vez que ela for bem
compreendida, voltar a escavar em sua memória com a ajuda de uma
nova leitura. “Para avançar um quilômetro é preciso dar um passo”
(Tao Te Ching). No entanto, o terapeuta, por um desejo de poder, não
deve tentar criar “clientela”... isto é, consulentes que depositem ne-
le/nela uma dependência infantil, interpretando um papel de pai-mãe-
prostituto que lhes serve de aspirina emocional. O Tarot não cura, ele
serve para detectar a chamada “doença”. Uma vez obtido isso, cabe a
um psicanalista, um psiquiatra ou um psicomago continuar o trabalho.
Todos os Arcanos pertencem ao Tarot. É por isso que duas cartas ob-
servadas juntas, mesmo que pareçam conter significados absolutamente
diferentes, possuem detalhes em comum. Diante de qualquer conjunto de
cartas, é preciso sempre buscar o maior número de detalhes que lhes se-
jam comuns.
Todos os seres humanos pertencem a uma espécie comum e vivem
no mesmo território, o planeta Terra. Por esse motivo, duas pessoas
reunidas, mesmo que sejam de raças, culturas e situações sociais ou ní-
veis de consciência diferentes, possuem características comuns. O taró-
logo, abandonando qualquer veleidade de se sentir superior, deve cap-
tar essas semelhanças e concentrar a princípio sua leitura nas expe-
riências que o unem ao consulente. Ninguém melhor que um “ex-doen-
te” para curar um “doente”.
O mau tarólogo, que confunde pensar e crer, enuncia interpretações
caprichosas para depois buscar nos Arcanos símbolos que possam confir-
mar essas conclusões. Para ele, a verdade vem a priori, e é seguida a pos-
teriori pela busca da verdade.
Para adotar uma conclusão, é preciso examinar os Arcanos sob o mai-
or número de pontos de vista. Depois, escolher as interpretações que me-
lhor convenham ao nível de consciência do consulente. E, em seguida, ti-
rar as conclusões da comparação das interpretações escolhidas em detri-
mento das outras. Toda conclusão é provisória e só se aplica a um mo-
mento da vida do consulente, pois foi tirada de interpretações que, sendo
feitas do ponto de vista do tarólogo, são limitadas.
Os testemunhos, apesar de sua importância, são sempre interpreta-
ções pessoais de um fato e, justamente por esse motivo, não lhes devemos
conferir estatuto de prova absoluta. Nada do que o tarólogo leu pode
constituir prova de um fato.
Dar conselhos a um consulente – “Você deve fazer isso”, “Você não
deve fazer aquilo” – é um abuso de poder. O tarólogo deve oferecer possi-
bilidades de ação, deixando que o consulente faça sua escolha. O tarólogo
não deve nunca ameaçar – “Se você não fizer assim, eis o que vai lhe
acontecer” –, pois os atos realizados por obrigação, mesmo que pareçam
positivos, agem como maldições.
Se o leitor é antes de mais nada um “eu”, sendo incapaz de se tornar
o espelho que reflete o outro, na realidade ele utiliza o consulente para
curar a si mesmo. Em vez de ver, ele se vê. Em vez de compreender, ele
impõe sua visão do mundo. Em vez de despertar os valores do consu-
lente, ele o mergulha em um fascínio em que o tarólogo é o adulto e o
outro a criança. O tarólogo não é a porta, mas a campainha, ele não é o
caminho, mas o tapete que limpa o barro dos sapatos, ele não é a luz,
mas o botão do interruptor.
O tarólogo não deve fazer promessas líricas ou elogios: “Você é uma
alma nobre, você é uma pessoa boa, vai dar tudo certo, Deus te recom-
pensará etc.”, palavras inúteis que impedem a tomada de consciência.
Para curar, o consulente não deve fugir do sofrimento, mas encarar o
sofrimento, assumi-lo para em seguida dele se libertar. Um sofrimento
conhecido é mais útil que cem louvores.
Quando, aos vinte e quatro anos, em um brutal acidente, meu filho
Teo morreu, uma dor indescritível desintegrou meu espírito. Como um
leproso, assisti sua cremação. Quando eu não achava que encontraria
consolo possível, vi meu filho Brontis se aproximar do corpo e colocar
um Tarot de Marselha na mão dele. Acompanhado do Tarot, ele foi cre-
mado. Recebi uma urna com as cinzas desses dois seres sagrados... Des-
de então, e para sempre, até o fim da minha existência, os Arcanos,
mesclados ao meu filho, ocupariam um trono em minha memória.
Aquilo em que acreditamos verdadeiramente e aquilo que amamos ver-
dadeiramente são uma única e mesma coisa... A imensa dor da perda de
um ser amado destrói a imagem que temos de nós mesmos. Se tivermos
a coragem de nos reconstruir, nós nos tornaremos mais fortes, ao mes-
mo tempo em que compreenderemos melhor a dor dos outros.
1 De maneira filosófico-poética, sem dizer que me referia ao Tarot, já fiz isso em
A escada dos anjos: uma arte de pensar (L’Échelle des anges: un art de penser, Le
Relié, 2001).