Contribuição À Arqueologia Guarani Tese - ALRSoares
Contribuição À Arqueologia Guarani Tese - ALRSoares
São Paulo
2004
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 1
São Paulo
2004
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 2
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
Uma tese de doutorado, mesmo sendo um trabalho individual, não pode ser realizada
sem o auxílio, orientação, apoio e confiança de diversas pessoas ou instituições, a quem
gostaria de agradecer:
– em primeiro lugar, ao meu orientador, Professor Livre-Docente José Luiz de Morais,
pela orientação, paciência e tolerância;
– à Universidade de São Paulo, através do Museu de Arqueologia e Etnologia, por ter
me aceitado em seu quadro discente;
– à Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pelo apoio financeiro, concedido
sob forma de bolsa de estudo (PICDT) por meio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa,
com recursos oriundos do convênio UFSM/Coordenadoria de Aperfeiçoamento do Pessoal de
Ensino Superior;
– ao Professor Saul Milder, pelo acesso inicial ao seu laboratório e aos originais da
escavação, através de fotos, croquis, desenhos e diário de campo;
– à Professora Doutora Dirse Kern, do Museu Paraense Emílio Goeldi, pelas análises
químicas do solo, da cerâmica e auxílio em sua interpretação; e pela troca de idéias sobre as
possibilidades de análise;
– ao Pedólogo Doutor Vinícius Benites e Ph.D. Beata Madari, do Embrapa/Solos do
Rio de Janeiro, pelas análises do solo antropogênico por digestão total, pelos inúmeros
esclarecimentos e atenção dispensados;
– ao Doutor Bruno Glaser, do Institute of Soil Science and Soil Geography, University
of Bayreuth, Alemanha, pelas análises do solo antropogênico em sua Universidade e
tolerância com minhas perguntas;
– ao Professor Doutor Ari Zago e Técnico Luiz Finamor, do Centro de Ciências Rurais
(CCR) UFSM, pela análise de elementos disponíveis para plantas e auxílio na interpretação
dos resultados;
– ao Doutor Jorge Eduardo Sarkis, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares
(IPEN) da Universidade de São Paulo (USP), pela orientação sobre as assinaturas químicas da
cerâmica e pelas recepções sempre afetuosas;
– à doutoranda Irene Akemy T. Bona, do IPEN–USP, pela paciência oriental com
minhas dúvidas freqüentes;
– ao Professor Doutor Shigueo Watanabe, do Laboratório de Cristais Iônicos e Filmes
(LACIFID), do Instituto de Física da USP, pela realização das várias datações por
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 4
RESUMO
Abstract
This paper is about the analysis of the material culture of an archeological Guarani site (sites
RS-JC-56 and RS-JC-57, considered a single site for effects of this thesis). Therefore, a
historical abbreviation of the archeology Guarani in the State of Rio Grande do Sul in Brazil
took place. The archeological remainders were studied and approached through the concepts
of testimonies, term used by André Leroi-Gourhan in the excavations of the site of Pincevent,
France, at the 1960's decade. This thesis came from the excavation of the site and the
procedures used for the classification of the areas dug in house area and scratch pad. Starting
from the analysis of the different testimonies, considerations about the use and function of the
studied workmanships took place. Also the chronology of the site and an abbreviation
discussion about the used techniques based in more than twenty-five accomplished datings
were presented. They came, still, some interpretations on the use of the space starting from the
distribution of the testimonies.
SUMÁRIO
Dedicatória 02
Agradecimentos 03
Resumo 05
Abstract 05
Sumário 06
Introdução 08
1 Revisão da Arqueologia Guarani............................................................................... 19
1.1 A arqueologia da tradição Tupiguarani 19
1.2 A arqueologia da subtradição Guarani 24
1.3 Por uma arqueologia Guarani 28
2 O sítio RS-JC-57 (Wilmoth Röpke): breve introdução ............................................ 36
2.1 A localização do sítio na paisagem 37
2.1.1 Metodologia aplicada para localização e escavação do sítio 37
2.1.2 Escavação do sítio 39
2.1.3 Contextualização estratigráfica 44
2.2 O que foi considerado artefato: sedimentos, lítico, cerâmica, ossos, conchas, 48
evidências negativas
2.2.1 Testemunhos brutos 50
2.2.2 Testemunhos modificados 52
2.2.3 Testemunhos manufaturados 53
2.2.4 Testemunhos fugazes 74
2.2.5 Testemunhos discretos 81
2.2.6 testemunhos negativos 82
3 Datações obtidas para o sítio ...................................................................................... 84
3.1 Breve histórico das datações em sítios Guaranis 84
3.2 As datações obtidas pelo LACIFID 91
3.3 Outras datações obtidas 96
3.4 Datações por C 14 97
4. Determinando o uso do espaço: análise dos artefatos e sua distribuição no sítio 100
4.1 Testemunhos brutos - distribuição 101
4.2 Testemunhos modificados- distribuição 102
4.3 Testemunhos manufaturados - distribuição 103
4.3.1 Material lítico: arenito 103
4.3.2 Material lítico: calcedônia 105
4.3.3 A cerâmica 108
4.4 Testemunhos fugazes 117
4.5 Testemunhos discretos 118
4.6 testemunhos negativos 119
Considerações Finais ...................................................................................................... 122
Referências Bibliográficas .............................................................................................. 130
Anexos .............................................................................................................................. 141
Anexo 1: Desenhos 141
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 7
LISTA DE TABELAS
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Bordas de panelas corrugadas considerando diâmetro de boca e número de
fragmentos.
Gráfico 2: Bordas de tigelas considerando diâmetro de boca e número de fragmentos.
Gráfico 3: Bordas de tigelas de beber, considerando diâmetro de boca e número de
fragmentos.
Gráfico 4: Bordas de pratos de comer, considerando diâmetro de boca e número de
fragmentos.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 8
INTRODUÇÃO1
1
Neste trabalho utilizou-se como referência para as normas técnicas as orientações da ABNT 2000, 2002a e
2002b.
2
Há uma discussão sobre o tratamento a ser dado a estas sociedades. Enquanto uma proposta histórico-
culturalista adota o termo tradição Tupiguarani, com ou sem variações (Subtradição Guarani, ver crítica em
SCHIAVETTO, 2003), preferiu-se adotar o termo Arqueologia Guarani. Uma outra proposta (SILVA, 2002) é a
utilização do termo Proto-Guarani para referir-se às sociedades proto-históricas e arqueológicas.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 9
e Brasil Meridional, dadas as semelhanças existentes entre a cultura material deste sítio com
diversos outros, principalmente nos aspectos mais conhecidos que são os testemunhos
manufaturados, especificamente, a cerâmica e o lítico.
Por outro lado, o resgate das especificidades deste sítio é fundamental para que sua
importância não seja subestimada. Em primeiro lugar, o sítio RS-JC-57 encontrava-se em um
dos locais mais bem estudados no Estado do Rio Grande do Sul. Em contrapartida, não há,
com exceção do sítio Candelária, publicado por Schmitz et al. (1990) e o trabalho de Carle
(2002), publicações sobre habitações em sítios Guaranis escavados com inserção plani-
altimétrica. Neste estudo de caso, a metodologia aplicada permitiu definir suas estruturas e
foram resgatados, com certa sistemática, os artefatos utilizados/descartados desta mesma
ocupação. A abordagem sobre os diferentes materiais ressalta a importância das técnicas de
resgate e documentação, uma vez que diversos testemunhos são compostos por vestígios que
não podem ser “armazenados” no laboratório, demonstrando que o registro acurado é
fundamental nos processos destrutivos levados a cabo pela escavação.
Em segundo lugar, a pesquisa foi realizada em um local sem perturbações
contemporâneas, o que leva a acreditar que o sítio pesquisado seja um dos poucos em que o
estado de conservação fosse bastante satisfatório, salvaguardadas as perturbações pós-
deposicionais descritas em Milder (2000).
Em terceiro lugar, o vale do rio Jacuí e, em especial, a área do médio vale deste rio, é a
que apresenta datações mais antigas para o Estado e, quiçá, para a arqueologia Guarani como
um todo. Embora o conjunto de datações publicadas em Brochado (1984) possa ser
questionado, conforme apresentado nos capítulos primeiro e terceiro desta tese, ainda assim
trata-se de uma região com ocupação Guarani bastante recuada. Além disso, esta pesquisa
buscou avançar não só sobre a abordagem de análise, mas também sobre a polêmica suscitada
pela divulgação de datas com mais de três mil anos para a ocupação Guarani no local.
Considerando a análise dos testemunhos arrolados, acredita-se que esta pesquisa
conseguiu contribuir com a arqueologia Guarani, pela proposta de uso do espaço doméstico e
pela distribuição espacial dos testemunhos que compõem uma habitação pré-colonial.
Realizou-se uma abordagem estritamente baseada nos artefatos pelos seguintes fatores:
– limitado número de trabalhos que apresentam escavações em superfícies amplas no
Estado do Rio Grande do Sul;
– tentar ultrapassar a fase descritiva da arqueologia Guarani, propondo interpretações
às estruturas escavadas.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 10
Esta abordagem pode também ser considerada “etnológica”, nos termos propostos por
Leroi-Gourhan e Brézillon (1966, p. 323),3 na qual os testemunhos foram classificados
considerando os materiais do sítio em questão.
Os objetivos desta tese, portanto, são:
1) Realizar uma análise da cultura material, buscando demonstrar as vantagens das
técnicas utilizadas na recuperação dos vestígios materiais;
2) Contribuir para o conhecimento dos artefatos produzidos e/ou utilizados pelos
Guaranis no período anterior ao contato com europeu;
3) Situar cronologicamente a ocupação do sítio RS-JC-57 e discutir a validade das
datas e os métodos utilizados para realizar cronologias culturais;
4) Analisar as relações espaciais da distribuição dos testemunhos no interior do local
considerado habitação.
Esta tese está organizada em quatro capítulos. O primeiro capítulo contextualiza a
arqueologia Guarani no Estado o Rio Grande do Sul desde sua maior expansão, no período do
PRONAPA. As propostas inovadoras apresentadas por Brochado (1984), consolidadas a partir
de sua tese, e algumas de suas idéias que ainda não foram aprofundadas; uma proposta de
ampliar o estudo sobre a especificidade das sociedades arqueológicas Guarani, com maior
discernimento a respeito das diferenças existentes na cultura material, que aponta para as
distintas parcialidades historicamente conhecidas.
O segundo capítulo trata dos sítios RS-JC-56 e RS-JC-57, localizados, prospectados e
escavados por Ribeiro e outros na década de 1980 que, nesta tese, estão sendo considerados
apenas um sítio com duas funcionalidades diferentes; das técnicas utilizadas para localização,
escavação e registro dos testemunhos; dos elementos que foram considerados testemunhos e
das vantagens para esta classificação distinta da classificação segundo a matéria-prima.
O capítulo três apresenta um histórico das datações realizadas e as reações às datas
mais antigas, a aceitação e rejeição das cronologias, a utilização da termoluminescência (TL)
para a cerâmica Guarani e os resultados obtidos em laboratórios diferentes que utilizam o
mesmo método; as cronologias obtidas através do carbono radioativo e as limitações deste
3
“la presentation ethonologique de l’habitation 1 de Pincevent est essentiellement fondée sur la nature et la
position des matériaux. La détermination de la nature dês témoins aboutit à un classement par grandes
catégories’’ (a representação etnológica da habitação 1 de Pincevent é essencialmente fundada sobre a natureza e
a posição dos materiais. A determinação da natureza dos testemunhos leva a uma classificação por grandes
categorias). Todas as traduções foram realizadas de forma livre, para a compreensão do público. As citações
originais foram colocadas no texto ou em nota de rodapé, conforme o caso.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 11
método; a discussão a respeito da validade das datas obtidas e o marco temporal aceito como
válido para o sítio.
O capítulo quatro trata da distribuição espacial dos testemunhos e das análises e as
interpretações possíveis de serem realizadas a partir desses; da análise da dispersão do
material, suas possíveis causas e as interpretações realizadas; das inferências sobre demografia
e forma de distribuição das pessoas através da análise dos testemunhos.
What guides or focuses our studies? We might add that since archaeology is
the science of the archaeological record, one would expect that the problems we
seek to solve are derived from a study of archaeological remains (BINFORD, 2001,
p.669). 4
Acredita-se que a pesquisa arqueológica, tal como descrito na epígrafe acima, estuda
os vestígios arqueológicos tratados, neste trabalho, como testemunhos da cultura material.
Desta forma, o ponto de partida foram os diferentes testemunhos 5 distribuídos no espaço
escavado, suas relações entre si e com outras evidências.
Como afirma Binford (2001, p. 672), a arqueologia não precisa buscar recursos em
teorias de outras ciências ou disciplinas para o fazer arqueológico. Para interpretar os vestígios
e artefatos, da melhor forma possível, deve-se expor os conceitos e definições utilizados.
Desde já, esclarece-se que foi utilizada mais de uma abordagem teórica neste trabalho.
Este é um estudo de caso que procura analisar a distribuição dos testemunhos em uma
visão sincrônica, ou seja, a preocupação foi compreender a forma ou o uso que o espaço teria
no momento imediatamente anterior ao seu abandono. Uma vez que se está tratando sobre a
4 “O que guia ou foca nossos estudos? Nós devemos acrescentar que desde que a arqueologia é a ciência do
registro arqueológico, espera -se que os problemas que procuramos resolver são derivados do estudo dos
remanescentes arqueológicos.”
5
As definições de “testemunho” utilizadas nesta tese estão explicadas no capítulo 2, item 2.2.
6
“Um pote sem proveniência é de valor limitado para interpretação arqueológica. Tem sido reconhecido que
coisas colocadas no contexto é fundamental para compreender o passado. Muito da técnica arqueológica
convencional é sobre estabelecer empiricamente contextos ricos de coisas”.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 12
análise do espaço de uma habitação, buscou-se compreender tão somente o interior desta
estrutura, sem a preocupação das relações entre a sociedade e o meio, bem com não interessou
as formas de exploração/manuseio do ambiente.7
Sendo assim, uma forma de iniciar a apreciação sobre a análise realizada parte das
definições e conceitos utilizados nesta tese. Uma das primeiras definições a serem discutidas
diz respeito ao entendimento sobre sítio arqueológico. Segundo Dias (1995):8
Uma síntese destas definições é estabelecida por Morais (1999, p.11): “sítio
arqueológico é a menor unidade do espaço passível de investigação, dotada de objetos
intencionalmente produzidos ou rearranjados, que testemunham as ações de sociedades do
passado”. Desta forma, um sítio arqueológico Guarani é o local no qual as atividades
desenvolvidas e os testemunhos presentes distribuídos no espaço permitem associar ambos
(atividades e/ou testemunhos) a determinadas propriedades. Neste caso, as propriedades vão
além do “fóssil-guia” ou “artefato típico”,9 e compartilha-se o conceito de Morais (1999, p.
101 et seq.) no qual a caracterização de um assentamento deve partilhar alguns atributos
comuns:
7
Este trabalho está sendo desenvolvido por Sérgio Klamt, em sua tese de doutoramento.
8
Conforme apresentado por Dias, Vítor. Prospecção e Conceito de Sítio, Cyberarqueólogo Português,
<http//www.ci.uc.pt/aia/sitio.html>, junho 1995, último acesso em 12/04/04.
9
Fósseis-guias são os tipos morfológicos que servem de baliza para a classificação dos artefatos. Também são
denominados ‘artefatos típicos’. No caso da arqueologia Guarani, a tradição Tupiguarani era “caracterizada
principalmente por cerâmica policrômica (vermelho e ou preto sobre engobo branco e ou vermelho), corrugada e
escovada” (Terminologia, 1976, p. 146).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 13
10
“A trama das relações unindo diferentes testemunhos que constituem um grupamento significativo. A
pertinência do grupamento é fundada sobre a repetição de situações análogas. (…) sobre a ligação entre os
elementos de um mesmo testemunho (dejetos de debitagem podem conduzir a remontagem dos núcleos). A –
Estrutura evidente: grupo de testemunhos que a estrutura é diretamente perceptível (fogão, concentração de
debitagem)”.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 14
l’espace réservé. (...) Espace d’évacuation: correspond aux surfaces occupées par
les déchets de fabrication et d’évacuation domestique (idem, p. 326).11
Assim, deve-se esclarecer quais os problemas que orientaram esta pesquisa, isto é,
quais perguntas se queria responder. A questão básica era: como, através da cultura material,
11
“Habitação (unidade de): conjunto comportando os elementos domésticos e as estruturas de evacuação ou os
anexos. Espaço doméstico: superfície delimitando a parte construída da habitação. É composta do fogão, do
espaço de atividades e do espaço reservado (…) Espaço de evacuação: corresponde às superfícies ocupadas pelos
dejetos de fabricação e evacuação doméstica”.
12
“Una institución o un sistema social básicos; una clave para la sociedad; y un modelo, quizá el más
importante, del a cultura (...). De este modo, la comunidad establece las pautas en las relaciones y actividades
de aquel grupo humano, e incluso las que se refieren al tiempo y al espacio” (ARRENSBERG e KIMBAL,
1965, apud CHANG, 1976, p. 101).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 15
Desta forma, a pergunta estava direcionada ao uso e função das estruturas escavadas,
posteriormente designadas “área de habitação” e “área de descarte”, bem como a distribuição
dos testemunhos nestes espaços. A interpretação da funcionalidade dos espaços e dos
testemunhos arrolados tentou, sempre que possível, afastar-se da analogia etnográfica, na
compreensão que se poderia fazer uma análise “dura” dos objetos e do local onde se
encontravam. Sabe-se que o abandono dos dados etno-históricos conduziria este trabalho a um
“esforço criativo”. Nas palavras de Shanks e Hodder (1995, p. 11):
Ao mesmo tempo, para interpretar os dados empíricos, a precisão das técnicas seria
uma das chaves para uma bem-sucedida interpretação dos vestígios que, em alguns casos,
jamais poderiam ser reanalisados, como no caso dos testemunhos negativos, por exemplo.
Embora se esteja explicitamente abrindo mão do uso das fontes históricas e etnográficas, é
impossível negar que, por outro lado, a formação de historiador influenciou e determinou, às
vezes, o tipo de interpretação e análise predominante. No entanto, isto não chega a ser
13
“Interpretação arqueológica requer que algumas coisas sejam conectadas com outras em ordem para fazer
sentido de quais restos do passado. Traços circulares na terra de cor contrastante são associadas com estacas de
madeira removidas e, por sua vez, associadas com outros buracos de postes para traçar os membros estruturais da
construção. Interpretar é, desta forma, um ato criativo. Colocar coisas juntas e assim um criar sentido, significado
ou conhecimento.”
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 16
contraditório, pois ao mesmo tempo em que se busca uma descrição acurada da distribuição
espacial, deter-se exclusivamente em uma listagem de atributos do material em nada
acrescentaria à pesquisa arqueológica Guarani, e como esta tem sido levada a cabo.
14
Referência ao trabalho de Araújo (2001-2002), ‘Destruído pelo arado? Arqueologia de superfície e as
armadilhas do senso comum’, Revista de Arqueologia , p. 14-15.
15
“Nós estamos interessados em enfatizar que a pessoa do arqueólogo é essencial para compreender o passado. O
passado não está simples mente sob o chão esperando para ser descoberto. Ele não aparecerá, por certo, mas
requer trabalho. Considerar descoberta. Descoberta é invenção. O arqueólogo cobre ou descobre alguma coisa,
traz à tona. Um inventor pode ter concebido ter realizado uma descoberta.”
16
Hermenêutica aqui é “concebida como manifestações textuais compreendidas ou interpretadas sem a imediata
presença das ou acesso às sociedades da qual os textos originam” (op.cit. p.423).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 17
ser resguardada, ao máximo, pelo registro arqueológico, uma vez que esta sociedade, ainda
que presente até os dias de hoje, certamente não é a mesma do passado (SHANKS e
HODDER, 1995, p.12).
A pretensão deste trabalho é realizar uma pesquisa básica. Nas palavras de Yoffe
(1996, p. 123):
Esta tampouco é uma idéia nova. Brochado, em sua ‘síntese genial’,17 já demonstrava a
complexificação da tradição policrômica amazônica desde sua formação (BROCHADO,
1984). Em trabalho anterior, ainda baseado nos modelos interpretativos do PRONAPA,
Brochado (1975) acenava com a idéia de que a expansão máxima dos Guaranis seria
concomitante ao período de conquista, em escala crescente de complexidade. Em outros
lugares, foi possível observar sociedades de estruturas políticas complexas, como os cacicados
do sudeste dos EUA, que passaram por um processo de “regressão” em sua organização
sociopolítica, ainda no período pré-contato, de forma que os grupos atuais não reproduzem as
formas organizacionais a ponto de permitir o uso da analogia etnográfica (YOFFE, 1996).
Sendo assim, acredita-se que somente com um conjunto de datações válidas e
coerentes, associado a áreas amplas escavadas, poder-se-ia especular sobre a organização
social e política de uma sociedade em suas relações inter-tribais. As informações da cultura
material que respaldem estas idéias ainda estão em sua fase embrionária, de forma que, neste
trabalho, busca-se inferir as relações de um espaço doméstico, uma vez que o material
escavado permite deduzir as atividades ocorridas em uma habitação.
Acredita-se que novas interpretações a respeito do material e do uso do espaço
habitacional podem ser efetuadas. As análises desenvolvidas limitaram-se à distribuição dos
testemunhos e de breves relações que são possíveis de serem observadas entre os distintos
testemunhos. Neste sentido, grande parte da “teoria” desta tese está em construção, à medida
que será elaborada a partir do surgimento de novos dados e nas diferentes abordagens e
interpretações ainda não realizadas, pois, conforme Binford (2001, p. 676):
Parafraseando Paul Bahn (1993, p. 63), “teoria é uma série de hipóteses” e, sendo
assim, algumas perguntas suscitaram respostas que poderiam ser respondidas de forma
diferente. Esta abordagem é uma entre várias possíveis, a partir dos instrumentos que estavam
disponíveis.
17
Funari; Neves e Podgorny (1999, p. 1).
18
“Teoria não é algo que se traz aos dados. Teoria é desenvolvida para explanar padrões relacionais entre dados
que são analiticamente gerados entre diferentes domínios observacionais ou conjunto de dados (...). Isto significa
que arqueólogos deveriam desenvolver seus pro blemas de pesquisa através de estudos analíticos do registro
arqueológico”.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 19
Neste capítulo, realizar-se-á uma breve revisão dos pressupostos que nortearam a
produção científica sobre a arqueologia dos grupos considerados antepassados dos índios
falantes da língua Guarani, da família lingüística Tupi-Guarani, do tronco lingüístico Tupi.
Sendo assim, o desenvolvimento desta arqueologia é apresentado somente a partir do
momento de sua maior expansão, ou seja, durante a instalação do Programa Nacional de
Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), resgatando as apreciações ao modelo realizado por
Brochado (1984) e alunos (DIAS, 1994; NOELLI, 1993; SOARES, 1996, 1997, 1999).
Também se analisou o modelo de Brochado, construído sobre bases lingüísticas e históricas,
mas que atualmente deve ser revisto frente a ampliação dos dados oriundos de novas
escavações e datações calibradas. Propõe-se ainda uma ampliação conceitual na classificação
da Subtradição Guarani proposta por Brochado, no entendimento de que o conceito histórico-
culturalista de “tradição” não pode ser aplicado ao caso Guarani, como será visto adiante.
Além disso, discutiram-se quais os elementos podem nos auxiliar a definir uma
proposta de arqueologia Guarani que contemple os dados existentes e, ainda assim, permita
expandir o leque de elementos materiais que caracterizam as múltiplas expressões desta
sociedade, como as parcialidades.
Não cabe aqui realizar uma apologia ao programa, mas salientar alguns elementos
desconhecidos ou esquecidos pelos pesquisadores, que se acredita poderem ser resgatados
para contribuir ao melhor desenvolvimento da arqueologia no sul do País. Um exemplo da
validade do trabalho desenvolvido durante o programa e abandonado por alguns pesquisadores
posteriormente, que deve ser esclarecido e discutido nesta tese, é o caso da denominação dos
sítios Guaranis a partir da existência das “manchas pretas”, como aparecem nas publicações
(BROCHADO, 1969, 1970, 1971, 1974; MILLER, 1967, 1969).
A configuração dos sítios considerados pertencentes à tradição Tupiguarani no Rio
Grande do Sul praticamente igualava o termo “terra preta” com a ocupação pretérita dos
Guaranis. A consagração do termo pelo PRONAPA atendia aos pressupostos do Programa, de
uniformização de conceitos e definições ao mesmo tempo em que mantinha a atenção voltada
sobre uma parte da cultura material, a cerâmica.
Mas, ao mesmo tempo, observa-se que os locais de assentamento desses grupos não
possuíam preferência,1 ao contrário do que propunham as fontes históricas (MELIÀ, 1987),
mais das vezes salientando as baixas altitudes, a proximidade dos cursos d’água de grande
porte ou os vales dos rios. Algumas citações recolhidas nas publicações do PRONAPA são
esclarecedoras:
1
Ver Soares (2001/2002, p. 97-114). Os sítios Guaranis se apresentam em distintos ambientes, desde a várzea até
os divisores de água, em florestas, cerrados e até campos, caracterizando um padrão de assentame nto que não é
exclusivo sobre várzeas de rios (ver BROCHADO, 1975, p. 110 passim ).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 21
(Fase Toropi) Na maioria dos sítios ainda foi possível delimitar áreas
alongadas, aproximadamente ovais, também nitidamente distintas pela maior
2
Sítio-cemitério: local onde foram encontradas apenas evidências de enterramentos primários ou secundários
(TERMINOLOGIA, 1976, p.142). Sítio-habitação: local com vestígios de permanência prolongada (Idem,
p.143).
3
“(sobre o alto Uruguai) vimos como as fases foram criadas, tem uma versão que dá uma idéia geral de como se
criaram as fases, usando as percentagens, e como é que se começava uma nova fase: se, por exemplo, uma
amostra não cabia, o pessoal ia num ano fazia uma fase; se no outro ano naquela mesma área ou noutra que a
pessoa fosse ele pegasse uma amostra que não encaixava na mesma fase começava uma nova, isso era um
critério.” (BROCHADO, comunicação pessoal, 20/10/2001).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 22
As passagens são inúmeras e até dispensáveis, mas acredita-se que, no futuro, possa-se
reconstruir algumas plantas de aldeias a partir destes fragmentos, dispersos em todas as
publicações pronapianas; o foco das atividades era outro, limitando assim a extensão das
pesquisas. Isto fica claro a partir da metodologia empregada, na qual algumas sondagens e
poços-testes de um metro quadrado, ou pouco mais, representariam amostras significativas
para a determinação das fases e tradições. A dimensão dos sítios, conforme atesta os relatos,
atingia, às vezes, milhares de metros quadrados, o que não serviu para determinar a
modificação do método:
O legado do PRONAPA deve ser apreciado, pois se, por um lado, ainda mantêm-se
práticas não adequadas de mera classificação e tipologia, por outro, não se resgataram as
informações residuais de suas publicações, que apontam para a existência de aldeias, suas
formas, a distribuição das casas e suas dimensões. Neste sentido, este resgate será realizado,
em parte, por Brochado em sua tese de doutoramento (1984).
Cabe agora mostrar a fragilidade dos pressupostos teóricos do programa no que
concerne à problemática desta pesquisa: a definição do que é, arqueologicamente falando, um
sítio Guarani. Aqui, é necessário dizer que, do ponto de vista de reconhecimento e
classificação genérica, o termo tradição Tupiguarani (ou, mais tarde, Subtradição Guarani
proposto por Brochado) é absolutamente relevante para identificar um conjunto de artefatos
similares, que compartilham as mesmas características morfológicas.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 23
No entanto, deve-se ter o cuidado para não utilizar indiscriminadamente este termo
para uma associação direta e inequívoca entre sociedades arqueológicas (com mais de mil
anos) e seus descendentes históricos e atuais, ou mesmo inferir etnicidade ou parentesco
lingüístico. O conceito de tradição Tupiguarani pelo programa foi assim descrito:
4
Ver nota 3.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 24
Não cabe aqui retomar todas as críticas que já foram mencionadas contra o Programa.
Mesmo tendo influenciado diferentes gerações de arqueólogos, os métodos de campo e a
fragilidade teórica continuaram sendo parâmetro para a prática arqueológica. Além disso, se
por um lado o termo “Tradição Tupiguarani” foi substituído no jargão dos arqueólogos,
percebe-se que pouco se avançou para superar a definição do que caracteriza os sítios
atribuídos aos antepassados dos Guaranis.
5
Correspondência entre Brochado e Meggers, acervo pessoal.
6
Em 1971, Brochado é aceito para doutoramento na Universidad Nacional de La Plata, com data de afastamento
de 1º de setembro de 1972. Parte desta e de outras informações encontra-se na correspondência pessoal do prof.
Brochado.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 26
Cigliano. No entanto, a situação instável daquela República o obriga a cancelar seus estudos.
Em 1977, inicia seu doutoramento em Illinois, sob orientação de Donald Lathrap, e deveria
concluí-lo em 1981. A Amazônia é um território de “litígio” acadêmico desde a década de
1960 e 1970. Assim, o modelo de expansão criado por Brochado vai corroborar as idéias de
Lathrap sobre a precedência temporal das cerâmicas policrômicas na Amazônia central.
Se no início dos anos de 19807 as idéias de Brochado possuíam grande vitalidade pelo
mito da panacéia amazônica; nos anos de 1990 os dados arqueológicos começam a questionar
a difusão proposta, seja pelo acúmulo de datações, ou pelo avanço da pesquisa no Norte do
País (HECKENBERGER, NEVES e PETERSEN, 1998).
Além disso, se o uso de dados lingüísticos, etnográficos e históricos servem para
realiz ar uma ponte entre os Guaranis dos séculos XV e XVI, dificilmente pode-se imputar a
longevidade e permanência da cultura material para períodos mais recuados que o século XIV,
que somam quarenta e cinco sítios de um total de cento e dezessete publicados com datas não-
calibradas (NOELLI, 1999/2000, p. 250-253).
Ademais, outras questões permanecem em aberto tanto no quesito arqueológico como
histórico:
– os modelos existentes apontam os Guaranis como oriundos da bacia amazônica, de
forma que se deve buscar, no registro arqueológico, por que o cultivo do milho sobrepõe-se ou
superou ao da mandioca;
– da mesma forma, embora existam referências históricas aos assadores, deve-se
questionar as causas que levam à ausência de registros arqueológicos aos pratos de assar
farinha8 nos sítios Guaranis meridionais;
– faz-se mister a ampliação das pesquisas no que seria a rota de expansão proposta para
os Guaranis, uma vez que, se esta foi através do rio Paraguai, as datações disponíveis no
estado do Mato Grosso do Sul (MARTINS, KASHIMOTO, TATUMI, 1999) são mais
recentes que no Sul e Sudeste do Brasil;9
– da mesma forma, deve-se ter em conta que, se a origem dos Guaranis é na Amazônia,
alguns elementos característicos (como o tratamento de superfície corrugado) são
7
Brochado conclui seu doutorado em 1981, mas devido a problemas pessoais só voltou em 1984 para os EUA
para defender seu trabalho (comunicação pessoal).
8
Tampouco se encontram elementos que corroborem o processamento da mandioca amarga, como raladores, em
todos os sítios do vale do rio Jacuí. Ademais, há uma inversão cronológica na dimensão dos assadores
conhecidos etnográfica e historicamente falando, pois os assadores maiores são os mais recentes e, os menores,
mais antigos (BROCHADO, não publicado, dezembro de 1975).
Datas de 1200± 150 BP no Mato Grosso do Sul (idem) e 1800± 100 no RS (BROCHADO, 1984) e 2030 ± 200
9
pratic amente inexistentes naquela área,10 o que dificultaria a localização de alguns “fósseis-
guias” para a determinação da expansão;
– ainda seguindo a idéia de expansão pelo rio Paraguai, as pesquisas deverão avançar
fora do País, uma vez que a cerâmica cumancaya11 (AD 810 ± 80) apresenta semelhanças de
forma e tratamento de superfícies (corrugado e pintura) e são contemporâneas às datações
Guaranis;
Desta forma, diversos elementos apontam para uma solução ainda distante, pois se
percebe que, uma vez que a origem do Prototupi ou da família Tupi-Guarani já é considerada
um fato (e não mais uma hipótese), deve-se ter em conta a dinâmica destes grupos para
determinar através de dados empíricos, quais são as plantas cultivadas e qual os equipamentos
usados, indo mais além da informação histórica ou etnográfica.
Os conceitos de “tradição” e/ou “subtradição” não atendem mais às perspectivas de
pesquisa arqueológica sobre os Guaranis, uma vez que não se está tratando simplesmente de
variantes cerâmicos com predomínio de uma decoração sobre outra,12 mas grupos etnográfica
e historicamente conhecidos, que, por sua vez, merecem um tratamento cada vez mais
refinado no que concerne à definição ou identificação arqueológica destes grupos,
principalmente considerando que, a partir dos avanços da História e da Antropologia, pode-se
referir as parcialidades 13 Guaranis, conceito conhecido, porém não adotado pelos arqueólogos,
provavelmente porque as pesquisas não avançaram o suficiente para tecer hipóteses ou fazer
afirmações neste sentido.
Embora nunca tenha sido publicado de forma extensa, Brochado já apontava em
direção a que as fases arqueológicas no Rio Grande do Sul poderiam ser distintas, mas
10
A fase Caparu possui baixo percentual de corrugado (-5%), ocorrendo somente associado com pintado.
Localizado no rio Uatumã, a nordeste de Manaus, AM. Já a fase Urucari da tradição Jamari (baixo rio Jamari, a
leste de Porto Velho, AC) não apresenta tratamento de superfície aparentado com os Guaranis. (MILLER et
al.,1992)
11
“A semelhança da forma das vasilhas é inegável, porém não se pode afirmar se houve influência por parte da
cerâmica Cumancaya sobre a Guarani, se aconteceu o inverso ou ambas foram influenciadas por uma terceira
ainda desconhecid a, pois não há informações sobre a região e as datações mais antigas para ambas são próximas
ao ano 100 da nossa era (BROCHADO, comunicação pessoal, abril-1996). Veja Raymond, DeBoer e Roe (1975)
” (SOARES, 1997, p.25, nota 24).
12 O conceito de Subtradição na Terminologia (1976, p.143) é assim descrito: “uma variedade da tradição
Tupiguarani caracterizada, no seu conjunto cerâmico, pela predominância da decoração ... sobre as
decorações....” (corrugada sobre pintada e escovada, por exemplo).
13 Ver índice de parcialidades históricas e etnográficas em Melià, Saul e Muraro, 1987, p.354. Do ponto de vista
etnográfico, “estas parcialidades presentan diferencias significativas, no solo de nombre y de habitat, sino de
cultura y modo de ser” (Melià, Grünberg e Grünberg, 1976, p. 177). Ver também Soares e Garlet, 1998.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 28
14
“É possível identificar vários grupos étnicos conhecidos historicamente: Tape, Cario, Arachã. A cerâmica
mostra diferenças suficientes para justificar a subdivisão.” (Correspondência entre Brochado e Evans e Meggers,
20 de outubro de 1975 e 12 de dezembro de 1975).
15
Ver, por exemplo, os trabalhos de Rogge (1996; 1997; 1999).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 29
apresentam, mas é importante evidenciar a convivência entre estes grupos que, segundo
Brochado (comunicação pessoal), evidenciam influência mútua, como, por exemplo:
— sítios com cerâmica Guarani e Kaingang, com predomínio da primeira sobre a
segunda;
— sítios com cerâmica Guarani e Kaingang, com predomínio da segunda sobre a
primeira;
— sítios com cerâmica Guarani e Kaingang, com iguais percentuais entre ambas.16
É interessante que, contra o arcabouço propiciado pelo PRONAPA, Brochado assumiu
a possibilidade de não existirem fronteiras culturais bem delimitadas e demarcadas
espacialmente. Assim é que as referências aos artefatos de outros grupos em sítios fora de seu
“habitat” continuaram a ser considerados “intrusivos”, mesmo após dez anos do final do
programa (SCHMITZ; BARBOSA e RIBEIRO, 1978/79/80).
Ao mesmo tempo, é impossível imaginar que um grupo possa manter-se sem
alterações em um espaço de tempo de 1400 anos (do ano 100 a 1500 desta Era), desde o Mato
Grosso até a foz do rio da Prata, em ambientes tão distintos como o campo, o cerrado e a
floresta subtropical, sem adaptações locais e sem distinções socioculturais (BROCHADO,
1975, p. 110 e 1980, p.52).
Ademais, na possibilidade de a sociedade Guarani manter sua organização sócio-
política em períodos recuados, anteriores ao contato (SOARES, 1997, p. 160-202), deve-se ter
em conta a submissão de outros grupos não-Guaranis, de imposição/absorção da cultura
material, bem como influências recíprocas como citadas acima por Brochado. Seria o caso da
cerâmica Guarani em cerritos do Sul do Brasil e República Oriental do Uruguai, em que o
tratamento de superfície é copiado, mas as formas e as dimensões são distintas das vasilhas
usualmente atribuídas aos Guaranis.
Acredita-se que os Guaranis compunham sociedades muito mais complexas que
aparentemente podem ser classificadas, e, como já demonstrado, ocupavam todos os recursos
disponíveis em termos ambientais (ver item 1.1 desta tese). Ao mesmo tempo, são sociedades
dinâmicas, de forma que a criação de um modelo explicativo sobre os Guaranis deve
contemplar esta dinâmica interna,17 que pode ser diferente para cada grupo. Desta forma, o
que se apresenta a seguir é uma tentativa de definição e sugestões que possam ser perseguidas
16
“O registro arqueológico sugere tanto relações amigáveis com possível coexistência entre os diferentes grupos
(fragmentos de cerâmica Itararé em sítios Tupiguarani e vice versa [CHMYZ 1968A; DE MASI & ARTUSI
1985; MENTZ RIBEIRO et al. 1994]” ( ARAÚJO, 2001, p. 33).
17
Ver, por exemplo, o efeito das conquistas em Soares e Noelli, 1997a e 1997b.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 31
para delimitar melhor quais elementos são perceptíveis em uma escavação arqueológica que
poderão indicar as diferenças existentes dentre os próprios Guaranis. Ao mesmo tempo,
provar que a abordagem aqui escolhida encontra respaldo justamente nesta dinâmica social,
cultural, material e relacional, no qual se privilegia o registro arqueológico, na medida em que
se pode perseguir os elementos materiais que se encontram na documentação histórica e
etnográfica, mas não o contrário.
Em terceiro ponto, vê-se a modificação do jargão arqueológico, mas a permanência
dos princípios histórico-culturalistas, através da descrição exaustiva do material arqueológico.
As conclusões seguem reduzidas e colocam as informações históricas de forma que os
artefatos referendam as fontes escritas. Desta forma, a interpretação dos dados arqueológicos
tornou-se limitada e, em algumas publicações, utilizam as fontes históricas para explicar
contextos arqueológicos, uso e função de artefatos (ROGGE, 1996; SCHMITZ, 1991;
SCHMITZ et al., 1990; SCHMITZ, 1999). O objetivo deste trabalho é apresentar uma
proposta de análise dos artefatos associados aos antepassados dos Guaranis, que consigam
respaldo somente na leitura arqueológica, por isso não se deterá nos pontos acima destacados.
E, por último, a análise do solo antropogênico com artefato passível de análise, indo
além da associação “mancha preta”= habitação. No item 2.2.4 desta tese, analisar-se-á, dentro
das possibilidades do momento, os sedimentos como resultado da ação humana, mas é
importante salientar que, uma vez que a escavação em arqueologia é um processo destrutivo, a
coleta e análise de sedimentos podem, sem grandes custos, ampliar o leque de interpretações a
respeito de dieta, permanência, uso do solo e uso socia l do espaço, como será visto no referido
item.
Deve-se começar pelo desligamento de uma proposta amplamente aceita na atualidade,
que é a ligação direta entre Guaranis etnográficos, históricos e arqueológicos. Não se nega que
esta ligação exista, mas, antes disso, apontar-se-á os desdobramentos negativos que esta
proposta trouxe, como colocado anteriormente.
Em primeiro lugar, mesmo que haja uma continuidade entre os Guaranis atuais e os
arqueológicos, é sabida a existência de diversas parcialidades distintas entre os Guaranis
(SOARES e GARLET, 1998). Este fato pode direcionar as atuais pesquisas na busca de
diferenças entre as formas como se manifesta o padrão de assentamento, as dimensões de
aldeia, bem como tratamento de superfície e pinturas cerâmicas, analisados ao mesmo tempo.
Esta proposta se encontra desde os trabalhos iniciais de Brochado (1975 e 1980).
Da mesma forma, não se pode atrelar a tradição tecnológica (técnica de confecção
cerâmica) aos falantes de determinada língua. Embora uma prática recorrente na arqueologia
Guarani pela sua própria história, a identidade cultural não pode ser relacionada diretamente a
um conjunto de artefatos (FUNARI, 1999a; JONES, 1997), ademais, frente aos contatos e
influências mútuas colocadas acima.
Embora seja uma prática ainda recorrente, percebe-se que a cultura material segue
sendo o critério de identificação étnica em arqueologia Guarani. Esta idéia remonta a Gustav
Kossina, como salienta Oliveira (2002, p.32):
Por outro lado, a tentativa de vincular uma cultura arqueológica a um grupo étnico ou
mesmo atribuir uma relação entre fases arqueológicas e “parcialidades”, como propunha
Meggers e Evans (1985, p. 5), ainda é tema de discussão e encontra-se em aberto. A passagem
de Wiiley e Phillips (1958, apud CHANG, 1976, p.52) é esclarecedora:
antropogênico como um artefato; contudo, em outro momento posterior a esta tese, buscar-se-
á ampliar interpretações através da contribuição das disciplinas das humanidades.
Assim, ainda na questão da etnicidade em arqueologia Guarani, retomar-se-ão
algumas idéias existentes na troca de correspondência entre Brochado e outros pesquisadores
que apontam para uma abordagem arqueológica e, ao mesmo tempo, étnica dos Guaranis, mas
que nunca foi levada a cabo por fatores que não valem a pena serem explorados.
Sendo assim, a argumentação é pessoal, mas as sugestões encontram-se nas cartas
depositadas no Museu Arqueológico Diretor Pestana, em Ijuí (RS), e nas suas cópias e de
outras correspondências no acervo pessoal do professor Brochado.
Em 1971, portanto durante a vigência do programa, Brochado já colocava que as fases
arqueologicamente conhecidas poderiam ser associadas a grupos étnicos. No relatório do
segundo semestre de 1971, encaminhado ao CNPq, Brochado coloca que as fases Vacacaí A e
B:
18
Em sua tese de doutoramento, Sérgio Batista da Silva apresenta os motivos das pinturas, compilados em
publicações arqueológicas, aos Mbyá-Guaranis, que reconhecem parte dos motivos. Coincidência ou não, os
motivos atribuídos aos Carijós (Guaranis do litoral catarinense), não são reconhecidos pelos Mbyás (SILVA,
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 34
2001, p.223-238).
19
“Estudo de assinaturas químicas em Cerâmicas Guarani, de origem arqueológica, usando a técnica de ablação
laser – espectrometria de massas de dupla focalização com fonte de plasma induzido (LA -HR-ICP-MS)”,
qualificação de doutoramento de Irene Akemi T.Bona, IPEN, USP, 2003.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 35
20
Para a definição de interdisciplinaridade utilizada nesta tese, utilizou-se Soares (1997, p. 52-58). Para uma
breve apresentação da interdisciplinaridade forte e fraca, ver Machado (1995).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 36
O vale do rio Jacuí tem sido objeto de pesquisa arqueológica há bastante tempo.1
Trabalhos como os de Ribeiro (1991, 1991a) registram ocupação humana no vale desde três
mil anos antes do presente (caçadores/coletores) até o período colonial (BROCHADO, 1970,
1971).2 É importante destacar também a publicação de Schmitz, Rogge e Arnt (2000), que
divulga os dados referentes ao salvamento arqueológico do empreendimento realizado na
década de 1980.
O sítio RS-JC-57 foi escavado por um programa de salvamento arqueológico
promovido pelo consórcio da construção da barragem hidrelétrica no município de Dona
Francisca, Dona Francisca Energética SA (DFESA) e a Companhia Estadual de Energia
Elétrica (CEEE) no período de março de 1999 até novembro de 2000.3
Esta pesquisa in loco foi realizada em virtude de um novo estudo de impacto
ambiental, para a construção da usina hidrelétrica supracitada, tendo como objetivo atender à
legislação vigente. Como grande parte dos sítios já haviam sido trabalhados pelos
pesquisadores anteriormente citados, as novas visitações atenderiam basicamente ao registro
do grau de destruição e à localização exata desses sítios. Sendo assim, o objetivo deste
trabalho era a re-localização dos sítios conforme as novas diretrizes do IPHAN, com o registro
do estado de destruição dos mesmos.
Inicialmente, apresentar-se-ão as atividades desenvolvidas na localização no sítio RS-
JC-57 e a problemática suscitada a partir dos vestígios encontrados. Sendo assim, o
desenvolvimento do texto seguirá a ordem cronológica dos acontecimentos que culminaram
na escavação do sítio.
1
Ver Klamt, 1996.
2
Brochado, José Proenza. Pesquisas Arqueológicas nos vales do Jacuí e Vacacaí, PRONAPA 4, 1971, p. 11- 35.
Schmitz, P. I. e Brochado, J. P. Petroglifos no estilo pisadas no cent ro do Rio Grande do Sul, Pesquisas,
Antropologia nº34, 1982, p. 03-47. Schmitz, P. I; Ribeiro, P. A. M.; e Ferrari, J. Salvamento Arqueológico no
Médio Jacuí, RS - Barragem Dona Francisca, 1981. São Leopoldo, IAP, 18 p. Relatório para a Companhia
Estadual de Energia Elétrica.
3
Foram responsáveis pelo salvamento o Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas – CEPA – UNISC,
coordenado pelo Arqueólogo Sérgio Klamt e o Laboratório de Estudos e Pesquisas Arqueológicas – LEPA –
UFSM, coordenado pelo Arqueólogo Saul Milder.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 37
presente na várzea do rio Jacuí, disperso em uma área de, aproximadamente, seis hectares,
através de coleta aleatória de superfície, 4 material hoje depositado no Centro de Estudos e
Pesquisas Arqueológicas (CEPA) da Universidade Integrada de Santa Cruz (UNISC).
Através da retificação de um talude próximo à várzea de inundação do rio Jacuí e
contíguo à área de dispersão de fragmentos, o pesquisador coletou fragmentos de ossos
humanos, material ósseo, conchífero, fragmentos cerâmicos e material lítico. Dada a
estratigrafia do talude estar disposta em lentes e as camadas estratigráficas estarem reduzidas a
pequenas manchas, o sítio foi considerado destruído e sem potencial de escavação
arqueológica, embora fosse um dos raros que apresentasse material ósseo em condições de
escavação. Tendo em vista a reavaliação dos trabalhos desenvolvidos anteriormente, retornou-
se ao local para novas sondagens e análise de potencial de escavação do sítio.
É importante observar o que escreve Ribeiro (1996, p.18) a respeito do sítio RS-JC-57:
A hipótese inicial deste pesquisador era de que o material era proveniente de um sítio
superficial localizado na várzea acima, ou seja, a erosão teria destruído o sítio, restando
apenas evidências totalmente descontextualizadas. Tendo em vista a reavaliação dos trabalhos
desenvolvidos anteriormente, retornou-se ao local para novas sondagens e análise de potencial
de escavação do sítio. Sendo assim, o sítio foi reavaliado a partir das evidências existentes no
talude do rio, no qual se realizaram novas escavações, nesta área e no núcleo antropogênico
localizado posteriormente.
A metodologia aplicada para a localização deste sítio partiu dos pressupostos adotados
por Pallestrini (1968/69, 1969,1972/73, 1975), adaptados a partir dos trabalhos de Leroi-
Gourhan e Brézzilion (1965, 1972). No caso da localização do sítio, utilizaram-se diversas
4
Consideraram-se as coletas assistemáticas e aleatórias em virtude de os fragmentos não apresentarem nenhum
tipo de referência espacial. O pesquisador coletava os fragmentos em sacos de alinhagens recolhidos através de
transects ao longo das á reas cultivadas.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 38
arqueólogos anteriores, uma vez que parte dos vestígios encontravam-se a uma profundidade
maior que a usualmente aceita para os sítios Guaranis.
A partir disso, foram realizadas as trincheiras que delimitaram a ação da intervenção –
topografia e escavação – no terreno. Como visto acima, a carga sedimentar que cobria o local
do sítio é composta por sedimentos oriundos da Serra Geral e possíveis depósitos provenientes
das enchentes do rio. Tendo isso em conta, percebe-se a estratigrafia que compõe o local de
habitação e área de descarte.
Os pressupostos, aqui, seguem, de maneira geral, àqueles propostos por Pallestrini
(1975, p. 25), seguindo a ordem de limpeza de área a ser escavada, topografia,
quadriculamento e “ataque” em superfície. Com isso, resgata-se o conceito de décapage
proposto por Leroi-Gourhan e Brézillion (VOCABULAIRE, 1972, p.321) “que consiste em
seguir os movimentos de um solo fóssil respeitando minuciosamente a manutenção em seu
lugar, de todos os vestígios”, controle esse obtido através da inserção plani-altimétrica dos
artefatos. No próximo item, descrever-se-á o que foi considerado artefato para fins deste
estudo.
Salienta-se também, como já referido, que esta inserção não considerava os artefatos
de forma isolada, mas a partir do conceito de “estrutura”, como colocado na introdução desta
tese. Ou seja, grupos de cerâmica, lítico ou ossos com proximidade inferior a cinco
centímetros receberam um único número relativo a sua inserção plani-altimétrica. Este
procedimento facilitou tanto a colagem de peças como a remontagem de núcleos líticos,
artefatos em elaboração e vasilhas cerâmicas.
Assim, como será visto adiante, esta metodologia proporcionou não só a localização
dos artefatos, mas também sua relação no espaço e os processos pós-deposicionais que
interferiram após o seu abandono. Ainda no que concerne à metodologia aplicada, foram
coletadas amostras de solo antropogênico e não-antropogênico da área de descarte e do NSA,
o que proporcionou análises quanto a composição e gênese destes solos.
O sítio objeto de estudo deste trabalho, denominado RS-JC- 56 e 57, está localizado
nas glebas 89 e 89ª do cadastramento realizado pelo consórcio de construção da Usina, de
propriedade de Wilmoth Röpke, no município de Ibarama, RS.
As coordenadas geográficas dos pontos extremos e do centro da escavação encontram-
se abaixo (Anexo 1: mapa 1, 2 e 3) :
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 40
Desenho 1 – Perfil do local do sítio, com a barranca do sítio à esquerda. O croqui original está publicado em
Schmitz, Rogge e Arnt (2000, p.207), modificado pelo autor.
5
A equipe da Universidade Integrada de Santa Cruz (UNISC) foi coordenada pelo professor Sérgio Célio Klamt
e a equipe da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) pelos professores Saul Milder e André Soares.
6 “Núcleo de solo antropogên ico é um tipo de assinatura dos povos pré-coloniais, corrente nos sítios de
agricultores. Conhecido por mancha preta, é um corpo sedimentar remanescente de antigos solos de habitação e
seu cinturão envoltório, depósitos de lixo, áreas de cocção de alimentos, etc. Surge como manchas ovaladas de
solo enegrecido pelo elevado teor de materiais biogênicos coletados, processados e descartados pelas
comunidades pré-coloniais, rico em evidências arqueológicas, principalmente fragmentos de cerâmica e
estruturas de combustão. No caso do sistema regional Guarani, são, com freqüência, os remanescentes da ‘tapy
iguassu’, a casa-grande e seu entorno” (MORAIS, J.L. Glossário de termos em uso no projeto Paranapanema,
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 41
A intervenção no talude deu-se pela retificação escalonada de terraços, que expôs uma
estratigrafia complexa, na qual as camadas compunham-se de areia grossa fluvial, intercalada
por lentes de solo antropogênico. Realizaram-se vários cortes que apresentaram uma
homogeneidade estratigráfica, ou seja, exibiram sedimentos fluviais areno-argilosos com
lentes de solo antropogênico ricos em evidências cerâmicas, líticas e biológicas (Anexo 2:
Fotos 1 e 2).
Percebeu-se que as lentes de solo antropogênico eram resultado da deposição de
materiais descartados. Os depósitos (lentes) de solo antropogênico são relativamente
uniformes, com as extremidades delgadas e o centro um pouco mais espesso. Assim, pôs-se à
mostra um terraço inclinado com aproximadamente 45º (quarenta e cinco graus) e oito metros
de altura. O escalonamento (1º degrau) foi feito no fundo do canal do meandro do rio.
Alguns elementos que corroboraram com a hipótese de que o local era uma área de
descarte e não um sítio destruído pela ação das águas do rio: a heterogeneidade da
estratificação e a presença de artefatos somente nos núcleos de solo antropogênicos (NSA),
uma vez que, no entorno desses, os sedimentos são estéreis.
Os cortes (perfis) foram registrados em croquis, representando os estratos depositados
no talude do rio (Anexo 1: Desenho 2 e Anexo 2: Fotos 1, 2, 3 e 4) e mostrando mais de dez
metros de talude desde a planície até o meandro.
Uma vez que esses depósitos haviam sido considerados como o próprio sítio pelo
arqueólogo anteriormente citado, a etapa seguinte foi determinar a origem dos refugos, já que
as sondagens realizadas no salvamento anterior 7 não localizaram sítios na várzea próxima ao
talude citado.
Dada a extensão da várzea (com mais de dez quilômetros de extensão e seiscentos
metros de largura no local do talude), optou-se pela abertura de trincheiras multidirecionais
(Anexo 1: Desenho 3, Anexo 2: Foto 5), com largura de aproximadamente um metro e
profundidade média de um metro e meio de altura cavadas com pá mecânica. Como o tempo
disponível para o salvamento era limitado e a bibliografia existente remetia a diversos sítios
destruídos ao longo do vale, a realização de trincheiras com tal pá viabilizaria a exploração e a
cobertura de uma grande extensão em pouco tempo.
sem data).
7
Realizado por Schmitz, Ribeiro e Ferrari, ver nota 2.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 42
9
Síndrome de “telephone booth”, Flannery (1976, p.3 apud NOELLI, 1993, p.40).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 43
A pesquisa de campo, neste sítio, foi realizada em cinqüenta e cinco dias, em diversas
temporadas, ao longo dos anos de 2000 e 2001. Conforme exemplo citado nas escavações do
Projeto Paranapanema, realizado em São Paulo, adotou-se o seguinte procedimento:
9
Para o conceito de artefatos, biofatos e ecofatos, ver Renfrew e Banh (1993, p. 41 e seguintes).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 44
no local da usina, sendo que o sítio está localizado na várzea conforme Foto aérea (Anexo 1,
Foto 1).
A topografia do local foi realizada em dois momentos: a partir da identificação do
núcleo de solo antropogênico e sua escavação. Uma vez que era fundamental a implantação
geomorfológica do sítio para possíveis interpretações posteriores, realizou-se um mapeamento
topográfico do sítio e do entorno, em curvas de nível de um metro de altura.
Neste sentido, a área do sítio fica sujeita às enchentes do rio que, em seu momento de
maior expansão, envolve a sanga existente à nordeste, transformando assim o local em uma
“ilha” momentaneamente, sendo que o local do sítio não é atingido pelas águas. É interessante
observar que, à jusante do rio, as várzeas são utilizadas para cultivo de arroz, enquanto no
local do sítio a agricultura atual era representada por cultivos de milho e fumo, ou seja, locais
secos nos quais o curso d’água não atingia o cume da elevação onde se encontrava a ocupação
(conforme o relevo do local, figura 1).
Figura 1 – Relevo do local: curvas de nível do sítio RS-JC-57, sítio Wilmoth Röpke. As divisões são de um metro (cem
centímetros). Projeção vista sul em direção ao norte.
O sítio estudado foi um dos raros sítios atribuídos aos Guaranis que apresentava uma
total ausência de perturbações por ação agrícola contemporânea, uma vez que a camada de
ocupação encontrava-se a mais de sessenta centímetros de profundidade. Considerando que os
arados de tração animal e mecânica atingem a subsuperfície em até cinqüenta centímetros
(mais usualmente até trinta centímetros), as perturbações verificadas podem ser atribuídas aos
processos pós-depocisionais, mas não as atividades contemporâneas.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 45
10
A “habitação” foi assim denominada pelas evidências cerâmicas, lít icas, fogueiras e negativos de esteio
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 47
descarte do local de ocupação. Na abertura das trincheiras, dentro da Fácie Lamítica, foi
evidenciado o NSA já citado anteriormente.
Embora o NSA da várzea estivesse fora da ação do arado contemporâneo, diversas
perturbações foram registradas no sítio, a saber:
– as perturbações de origem animal: os formigueiros e os animais fossadores como tatus,
minhocas, vermes, coleópteros, insetos e vários outros;
– as perturbações de origem vegetal, como as raízes de árvores lenhosas, tuberosas e
palmáceas, que alteram diferentemente o registro arqueológico;
– as perturbações de origem pedogênica, que merecem destaque (MILDER, 2002).
A escavação objetivou fazer o maior número de registros possíveis, que priorizassem a
distribuição dos artefatos, dos ecofatos e, ainda, a determinação do processo pós-deposicional
no sítio. Conforme já citado, o método aplicado para a localização do NSA foi o de superfícies
amplas, através da localização do sítio por meio de trincheiras multidirecionais, como foi
realizado. A partir da localização do NSA e da realização das trincheiras multidirecionais,
pôde-se definir as áreas de escavação controlada (Anexo 1: Desenho 4). Para a realização de
uma decapagem com controle planialtimétrico, dividiu-se a área em setores com dimensões
variáveis (Anexo 1: Desenho 5).
Em virtude de diferentes equipes trabalharem em diferentes períodos, a divisão em
setores facilitava a atuação nos diversos momentos, além de configurar uma área ampla de
escavação sincrônica, contínua e controlada. Em contrapartida, as trincheiras realizadas
anteriormente permitiam um olhar diacrônico ao longo de toda a escavação.
A escavação permitiu o resgate de mais de cinco mil artefatos, sendo dois mil
novecentos e vinte e sete plotados individualmente nos setores. Este número ainda não
representa a totalidade dos artefatos, visto que as concentrações de cerâmica ou de material
lítico eram tombadas com o mesmo número de registro, no livro da escavação. Foram
coletados, além do material lítico e cerâmico, ossos e restos vegetais que aguardam análise em
detalhe. Além disso, foram registradas, em desenhos, as estratigrafias das áreas escavadas e do
entorno do sítio.
A ação pós-deposicional foi observada no sítio através das perturbações de origem
animal, como for migueiros; vegetal, como raízes de árvores contemporâneas ao sítio; e geo-
perturbações, como argiloturbação e pedoturbação que influenciaram na disposição original
dos artefatos.
escavados.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 48
Para fins desta tese, utilizou-se o conceito de artefato como qualquer evidência que
indique a alteração humana sobre o ambiente. Esses artefatos estão classificados segundo a
concepção de “testemunhos”, conforme criado por Leroi-Gourhan (1972, p.322) e adaptado
para o Brasil por Pallestrini (1975, p. 99). Embora a aplicação no Paranapanema seja um
pouco diferente do proposto pelos franceses, cabe aqui citar como o termo testemunho possui
uma concepção ampla e de que se trata:
11
Sobre a importância dos espaços vazios para a reconstituição dos usos sociais, ver Leroi-Gourhan e Brézillon
(1966) e Pallestrini (1975).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 49
Neste estudo de caso, utilizar-se-á os seguintes conceitos dos autores acima citados:
– testemunhos brutos: blocos de basalto e arenito friável, sem marcas de utilização,
mas em contexto arqueológico específico;
– testemunhos modificados: blocos de basalto modificados pela ação do calor,
delimitando fogueiras, fogos ou fornos;
– testemunhos manufaturados: materiais cerâmicos e líticos, alterados com objetivo de
confecção de artefatos. Têm-se lascas, raspadores, percutores, machados, além das vasilhas de
diferentes funções;
– testemunhos fugazes: representados, neste caso, por camadas de terra enegrecida pela
atividade do fogo, fragmentos de terra calcinada, fragmentos de carvão e fragmentos de argila
queimada;
12
“O termo testemunho é tido como sinônimo de vestígio, mas é subentendida uma função de preferência a um
estado. Os testemunhos foram classificados sob três graus sucessivos. No primeiro grau subdividiu -se em
testemunhos minerais, vegetais e animais. No segundo grau, os testemunhos foram classificados da seguinte
maneira: entendeu -se por brutos os elementos não modificados pelo homem, como os cascalhos em situação
natural, dos seixos de sílex fluviais sem traços de utilização, um osso existente em uma situação estratigráfica
que permite atribuir um período ao qual o home m não ocupava Pincevent. O terceiro grau de subdivisão diz
respeito a forma, estado ou a estruturação. A definição destes termos intervirá depois, eles respondem, por
exemplo, ao caso de um bloco, queimado pelo fogo, na margem de uma fogueira. Os testemunhos podem ser
considerados através de propriedades particulares, como testemunhos fugazes, testemunhos discretos,
testemunhos aglomerados ou testemunhos negativos. Os testemunhos fugazes são os menores vestígios que
aparecem ao longo da decapagem, de abordagem e de cuja conservação no local implica o bloqueio da
escavação. É o caso, por exemplo, dos pedaços de ocre vermelho, pedaços de carvão, as esquilhas de osso ou de
sílex de menos de 1 cm de diâmetro. Os testemunhos negativos são, por um lado, os vazios, de outro, as
deficiências de certas categorias de vestígios. Os vazios podem corresponder as largas superfícies que separam as
unidades de habitação, eles podem corresponder, também, ao interior das unidades domésticas.”
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 50
Os testemunhos brutos estão representados nesta tese pelos artefatos líticos que não
sofreram ação humana, intencional ou não, mas sua distribuição no espaço indica a ação
voluntária humana em deslocar estes elementos de seu local de origem até o sítio
arqueológico. Os testemunhos brutos, conforme já citado, não apresentam sinais de
modificação proposital ou decorrente de utilização para qualquer fim. Neste sentido, são
considerados os blocos de basalto e arenito que não sofreram intervenção de qualquer espécie,
mas apresenta-se em um espaço delimitado como pertencente ao sítio arqueológico. Isto quer
dizer que, nesta abordagem, pedras que sofreram ação do fogo foram modificadas, mesmo que
esta modificação não fosse intencional. No caso dos testemunhos brutos, sua presença indica
apenas que estes objetos foram levados intencionalmente para o sítio.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 51
Neste ponto, propõe-se distinguir as áreas com função de fogueira, fogos e fogões. A
fogueira é o local onde se realizam fogos de maior extensão, podendo ser utilizada para
cocção ou não, ou como área para lascamento. Igualmente, os fogões estariam relacionados à
função cozinhar, com presença de cerâmica em seu interior e dimensões proporcionais ao
número de recipientes utilizados. Os fogos, pelo contrário, estariam associados à função
aquecer e não apresentariam cerâmica ou lítico em seu interior, e seu número seria
13
Schmitz et al. (1990, p. 16) utilizam o termo ‘pedras de fogão’ para aquelas utilizadas sobre o fogo ou como
condutoras de calor.
14
“Geralmente designados como ‘fogos’, estas estruturas se relacionam normalmente aos objetos tão diferentes
como o fogão propriamente dito (tipologia a definir), os produtos de esvaziamento do fogo, a área (literalmente,
toalha de mesa) de difusão é maior como sentido que a superfície de combustão que deve ser reservada para
designar a zona efetiva queimada de um fogo no chão (fogo natural).”
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 53
proporcional aos ocupantes da habitação. Os fogos têm dimensão reduzida, com pouca
extensão espacial e pouca espessura. Acredita-se que a funcionalidade da área de combustão
pode ser o critério classificatório para os termos fogueira, fogos ou fogão, a partir da extensão,
espessura e presença de artefatos/biofatos nestas estruturas.
A bibliografia arqueológica Guarani referenda a existência de fogueiras rasas (com
camada horizontal até 10 cm de espessura) ou, segundo Chmyz (1983, p.75), com “depressão
côncava” (aparentemente escavada, com profundidade de até 60 cm). Neste sentido, este
ponto difere das fogueiras existentes no restante da habitação.
As outras fogueiras encontradas no espaço de habitação são semelhantes àquelas
encontradas nas casas escavadas no rio Paranapanema paulista, que poderiam ser
caracterizadas como fogueira interna que são “representadas por acúmulos de cinzas, carvão e
terra queimada, com cerâmica ou indústria lítica em seu interior, sem pedras envolventes”
(PALLESTRINI, 1975, p. 102) (Anexo 2: Fotos 7, 11 e 12).
As termóforas têm, ainda, sua distribuição associada às fogueiras, como pedras de
suporte ou talvez utilizada como bigorna nos processos de lascamento bipolar. As peças de
basalto não apresentam sinais de terem sido utilizadas como apoio para lascamento de outras
peças, porém, esta afirmação é limitada uma vez que algumas peças estão decorticadas por
ação do fogo, o que pode ter “apagado” os sinais de utilização.
Da mesma forma, pode-se descrever o glabro, que é um tipo de basalto com nódulos
ou falhas, nos quais se incrustaram outros minerais. São 177 fragmentos de diversos
tamanhos, igualmente associados às fogueiras e aos fogões. Por causa de sua constituição, o
glabro quebra-se de forma irregular, sendo praticamente impossível distinguir a quebra por
ação do fogo daquela realizada por ação humana. Uma vez que não existem testemunhos
manufaturados de glabro, e tampouco se pode observar lascamentos intencionais no mesmo,
este foi incluído nos testemunhos modificados (ver Anexo 4: Gráficos 12 e 13). Assim, o
glabro foi considerado da mesma forma que o basalto, como pedra termófora ou pedra de
suporte, sem alteração proposital humana.
Neste item, devem-se destacar os elementos mais abundantes que apresentam alteração
visível do seu estado natural, que foram utilizados pela sociedade pretérita que ocupou o sítio,
o lítico e a cerâmica.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 54
Uma vez que a análise desenvolvida nesta tese não prima pela classificação funcional
dos artefatos, mas pela análise de seus possíveis usos, continuar-se-á a descrever os
testemunhos manufaturados segundo a matéria-prima, apontando os possíveis usos nos casos
em que estes possam ser definidos ou apontados.
A calcedônia é a matéria-prima mais utilizada no sítio. Uma vez que o seu processo de
lascamento é passível de inferência, descrever-se-á a provável forma como os habitantes deste
sítio utilizaram a calcedônia.
Em primeiro lugar, os blocos de calcedônia estão a disposição na beira do rio, a menos
de 50 m de distância (ver Anexo 2: Desenho 4). Escolhidos os blocos, parece que estes eram
colocados sob ação do fogo ou calor para facilitar ou modificar a estrutura cristalina da
calcedônia. A ação de submeter blocos de calcedônia para posterior quebra e confecções de
artefatos líticos e cerâmicos seriam realizadas em fogueiras. Uma vez que os núcleos de
calcedônia apresentam-se aquecidos e lascados nas mesmas áreas de fogueira, acredita-se que
algumas das peças em basalto poderiam ter sido utilizadas como ponto de apoio para o
lascamento desses núcleos. Assim, percebem-se diversos núcleos (dos quais alguns foram
remontados) que apresentam sinal de ação do fogo. São 28 conjuntos (138 peças) que podem
ser associados a diferentes núcleos (Anexo 3: Fotos 2, 3, 4, e 5, sendo que o núcleo 3
encontra-se no setor 1 e os outros nos setores III a VI).
Além disso, existem 529 lascas, estilhas e detritos causados pelo fogo, sem nenhuma
utilização, mas resultado da ação de aquecimento intencional destes núcleos. O número
elevado destas peças deve-se à forma como a calcedônia se parte após uma longa exposição ao
calor. Observando-se a forma das lascas obtidas a partir das fraturas térmicas e as outras
lascas realizadas por percussão, pode-se inferir que o objetivo seria a realização de peças
sobre lascas e lâminas, embora somente dois artefatos desta natureza tenham sido encontrados
no sítio.
Ainda assim, observa-se que os núcleos, mesmo tendo sido aquecidos e tentativamente
lascados, foram abandonados nos mesmos locais do lascamento, próximo à fogueira (ver
Anexo 4: Gráficos 18, 19, 20 e 21). O procedimento realizado pelos Guaranis parece
assemelhar-se ao descrito por Leroi-Gourhan e Brézillon (1966, p. 327) sobre o artesão
“testar” a matéria -prima: “a maior parte dos cascalhos (rognons) têm os sinais de um ou dois
golpes de percutor que tiveram, verdadeiramente, servido para experimentar a qualidade”.
Desta forma, embora a quantidade de núcleos e lascas de calcedônia sejam significativas, não
representam artefatos em confecção, mas, muito provavelmente, o abandono de peças que não
tiveram sua “qualidade” aprovada.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 55
evidente, que são fragmentos de lâminas (de machado?) de basalto (Anexo 3: Foto 6). No sítio
de Candelária, Schmitz et al. (1990, p. 26) relatam que existe a mesma diferença entre o
grande número de polidores e a escassa quantidade de lâminas ou artefatos polidos dentro das
residências. Ao mesmo tempo, as dimensões dessas peças com sinal de polimento variam em
peso e forma, sendo os mais usuais pequenos ‘seixos’ elipsóides bastante polidos (16 peças).
Ainda há pequenos blocos de arenito com uma ou mais superfícies apresentando polimento
(110 peças), mas que, em virtude das fraturas dos blocos, torna-se difícil afirmar se estes
polimentos são naturais ou conseqüência da ação de polir. O polimento destas peças deu-se
por abrasão, não sendo possível identificar, através de exame com lupa binocular com
aumento de sessenta vezes, se a superfície do arenito foi friccionada contra material mais duro
ou não (ver Anexo 3: Foto 8 e Anexo 4: Gráficos 16 e 17).
É importante questionar se os seixos de arenito que apresentam toda superfície polida
são resultado de ação natural ou antrópica. É certo que se deve classificar o conjunto de seixos
de arenito polido como testemunhos, uma vez que houve a remoção dos seixos do rio para o
local da habitação. Por outro lado, pode-se questionar se estes seixos que apresentam
polimento são reflexos ou não da ação humana de polir. A análise em lupa binocular com
aumento de sessenta vezes (60x) não apresentou diferenças entre os seixos de arenito polidas e
as lâminas de basalto, resguardadas a matéria-prima.
Uma vez que houve a dúvida em relação ao polimento dos seixos de arenito e a forma
que estes apresentavam, buscou-se material para comparação entre os seixos de arenito
polidos por ação natural (em cascalheiras de rio) e aqueles coletados no sítio arqueológico.
Através da coleta de diversos seixos rolados, depositados em cascalheiras de rio, observou-se,
em laboratório, que os seixos de arenito oriundos da escavação apresentam suas faces polidas
e são, em forma, dimensão e desgaste, semelhantes a seixos rolados naturais. A comparação
entre os artefatos e os seixos naturais, através da lupa binocular, não apresentou nenhuma
diferença em qualquer uma das matérias-primas coletadas (calcedônia, basalto, arenito friável
e silicificado). O polimento obtido pela ação das águas e da areia do rio deixou impressos os
mesmos polimentos, não sendo possível observar sinais de uso marcantes nas peças coletadas
durante a escavação (Anexo 3: Fotos 7 e 8).
Não se está afirmando que estas peças não tenham sido utilizadas para polir
superfícies; apenas salienta-se que, em face da proximidade do rio e da ação deste sobre os
seixos naturais, é praticamente impossível determinar qual dos seixos foi utilizado com esta
função. Sendo assim, a determinação da função de ‘polidor’, no sítio em questão, deve ser
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 57
visto com reserva, haja vista a semelhança com testemunhos brutos naturais, sem qualquer
intervenção humana.
Em contrapartida, os dois fragmentos de artefatos polidos, de basalto, em muito se
assemelham a “lâminas de machado” polido, conforme é citado na bibliografia arqueológica
Guarani.15 Neste estudo de caso, as duas peças que apresentam polimento evidente, por
estarem quebradas, não apresentam as extremidades, portanto estão sem evidências de gume
ou encabamento. No entanto, o polimento registrado nestes artefatos evidencia claramente a
ação intencional, mantendo-se a dúvida sobre o uso das referidas peças (Anexo 3: Foto 6).
Outro caso é os blocos de arenito que apresentam uma ou mais superfícies polidas.
Trata-se de 110 peças de dimensões variadas que apresentam alguma das superfícies mais
polida que as demais. Não se pode afirmar que estas peças não sejam seixos maiores
quebrados de rio e, portanto, também não foram antropicamente manipulados para estarem
polidos. Por outro lado, a recíproca é verdadeira, pois a análise do polimento destas peças
pode ter sido causado tanto pela ação do rolamento no rio como em virtude de algum desgaste
por abrasão. O polimento, em observação na lupa binocular, não permite estabelecer
diferenças entre peças naturais oriundas de cascalheiras e aquelas escavadas no sítio (Anexo 3:
Fotos 7 e 8).
Em contrapartida, os afiadores em canaleta (quarenta e uma peças) com uma única
exceção são de arenito (apenas um exemplar foi feito sobre um fragmento de cerâmica)
(Anexo 3: Foto 8). Apresentam de um a cinco sulcos, com extensão variável, mas
profundidade ao redor de meio centímetro. A utilização destes afiadores é reconhecida em
praticamente todos os sítios arqueológicos atribuídos aos antepassados dos Guaranis, sendo
possível acreditar que os artefatos daí produzidos sejam cilíndricos em pedra, osso ou
madeira. A presença relativamente abundante de restos de caça na área de descarte e na área
de habitação pode indicar que o uso dos afiadores deve-se a confecção de artefatos com ponta
(pontas de flecha?) ou outro material perfurante, sem descartar a possibilidade dos adornos
(embora não tenha sido encontrado nenhum adorno tipo “tembetá” no local da escavação ou
na área de descarte).
Ao mesmo tempo, arpões, azagaias ou partes das armadilhas de caça deveriam conter
pontas que justificassem o elevado número de afiadores em canaleta. Um exemplo é o
material coletado por Ribeiro (1996) na área de descarte (por ele denominado sítio RS-JC-56),
no qual existem pontas lanceoladas de osso com sinal de alisamento (p.34) e fragmentos de
15
Para lâminas de Machado em sítios Guaranis, ver De Masi e Schmitz (1987).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 58
tembetá polidos (p.30), todas as peças com diâmetro inferior a um centímetro, que poderiam
ter sido alisados nos afiadores. Ao mesmo tempo, no sítio 02 do mapa da área (Anexo 1: Mapa
3) foi encontrado um tembetá de cristal de rocha polido, com um centímetro de diâmetro.
Deve-se observar ainda que os afiadores em canaleta, sem exceção, estão sobre
pequenos blocos, sem córtex natural, e, em alguns casos, utilizados em todos os lados do
poliedro. Considerando que o comprimento máximo das canaletas não ultrapassa seis
centímetros, pode-se acreditar que, ou as peças possuíam este comprimento, ou, ao contrário,
os afiadores eram movimentados na superfície a ser desgastada. Desta maneira, a extensão dos
materiais abrasada pelos afiadores poderia ter diversos decímetros de comprimento. A
ausência de peças em pedra polida com estas dimensões no sítio (comprimento variável, mas
um centímetro de diâmetro) pode sugerir que o trabalho preponderante era sobre madeira,
ossos ou outro material perecível, não descartando o uso sobre rochas (distribuição dos
afiadores em canaleta no Anexo 4: Gráficos 14 e 15).
Já o arenito silicificado apresenta um número bem menor de exemplares, reduzindo-se
a três lascas, três detritos, três lascas corticais e três estilhas de lascamento. As lascas são
unipolares e não apresentam sinal de uso. Podem ser enquadradas como lascas de preparação
de artefatos, embora não tenha sido encontrada nenhuma peça utilizada.
A única lasca de calcedônia com sinais de utilização foi lascada de forma unipolar,
com desgaste distal como um gume. É o mesmo caso da lasca retocada de riolito, que
apresenta lascamento unipolar, retoques ao longo do bordo lateral. Estas são as únicas duas
peças lascadas com sinal de uso no sítio (Anexo 3: Foto 6). O riolito apresenta também uma
lasca de preparação.
O cristal de rocha ou quartzo é composto por um conjunto de 24 peças, sem sinais de
uso, de dimensões reduzidas. O lascamento do quartzo parece ter sido bipolar, mas a dimensão
das peças não permite afirmar. São, na maioria, detritos de lascamento dos quais não foram
localizados os núcleos.
Outro fator interessante deve ser apontado: existem poucos testemunhos líticos
manufaturados “acabados”, excetuando-se as lascas de calcedônia e riolito e os afiadores,
dentro da área de habitação. A partir deste elemento, somado a outros que serão apresentados
ao longo da tese, sugere-se que o espaço escavado refere-se a uma habitação ou casa, com a
função de moradia permanente. Caso o local fosse utilizado como um abrigo com funções
temporárias (acampamento de caça ou “casa de roça”), os artefatos presentes apontariam nesta
direção; no entanto, não há artefatos pesados (como talhadores, picões ou outros, que seriam
utilizados em um local de preparo e/ou cultivo do solo) nem artefatos retocados (como lascas,
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 59
2.2.3.1 Cerâmica
Sendo assim, as Fotografias das bordas de vasilhas seguem este procedimento, estando
colocadas em posição vertical, separadas por tratamento de superfície (ou acabamento) e
função, em que, sobre cada fragmento, está colocado o diâmetro de boca aproximado,
conforme um ábaco de círculos concêntricos, considerando que a boca das vasilhas são
circulares e, mais raramente, ovaladas. As bordas foram fotografadas considerando o plano de
inclinação horizontal, mergulhadas na areia, de maneira que se possa observar o perfil, com o
tratamento de superfície sempre do lado direito, de forma que pudesse ser reconstruída sua
forma. Apresentam-se, abaixo, os motivos que levaram a não realizar tal reconstrução.
Deve-se abrir um parêntese na questão da cerâmica. Acredita-se que a ausência de
fragmentos de tostadores em sítios meridionais escavados de forma sistemática e em áreas
amplas contribui para a discussão do uso da farinha de mandioca amarga entre os Guaranis.
No vale do Jacuí,16 não existe nenhum sítio com fragmentos de borda que pudesse ser
associado à categoria tostador, de forma que, se utilizada e processada, a mandioca amarga
deveria constituir um outro uso que não fosse a farinha. Sendo assim, uma vez que se está
partindo somente do registro arqueológico, a hipótese de confecção de farinha de mandioca, a
partir da existência de tostadores, é remota.17
Se consideradas, ainda, as condições do solo atual do vale do rio Jacuí, o cultivo de
mandioca na região do sítio analisado é impossível, haja vista as baixas temperaturas no
inverno, a baixa fertilidade e as características arenosas do solo que limitariam – a ponto de
ser improdutivo – o cultivo da mandioca.18 No caso da várzea do rio Jacuí, em praticamente
toda a sua extensão, a combinação de solos arenosos e úmidos, baixas temperaturas no
16
Sérgio Klamt analisou o material lítico e cerâmico de 76 sítios arqueológicos Guaranis no vale do rio Jacuí, não
encontrando fragmentos de vasilhas que pudessem ser classificadas como tostador. Comunicação pessoal, julho
de 2003.
17
Outro detalhe importante é que a categoria tostador, conforme proposta por Brochado, é exclusivamente
baseada nos dicionários de Montoya [1619] (1639), que realiza sua obra na região do baixo Paranapanema
paranaen se.
18
Comunicação pessoal de Sérgio Klamt (julho de 2003), a partir dos resultados do Embrapa solos do município
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 61
de cambuchí), bem como as tigelas com os pratos fundos. A determinação do uso, neste
trabalho, será determinada pelo tratamento de superfície e pela forma, quando possíveis;
2. A relação estabelecida por Brochado, Monticelli e Neumann (1990), entre altura e
diâmetro de boca, pode ser somente aplicada com certa segurança para as panelas, sendo que
as tigelas de beber, as talhas e os pratos apresentam desvios padrão bastante alto para serem
considerados como fidedignos. Ao mesmo tempo, em manuscrito não publicado, Jacobus 21
demonstra que o tamanho das vasilhas deve ser determinado pela relação entre altura e
diâmetro máximo, ou considerar a relação direta existente entre diâmetro de boca e diâmetro
máximo. Em uma distribuição gráfica entre estes elementos, as dimensões do diâmetro de
boca e diâmetro máximo possibilitam uma relação diretamente proporcional entre ambas;22
3. As regras práticas de Brochado e Monticelli (1994) partem de um conjunto
depositado no Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da PUC-RS (CEPA-PUC), em
um total de 125 vasilhas de diversos rios do Estado do RS, mas, sobretudo, o vale do rio
Uruguai. Pode-se observar, em diversas instituições dentro do Estado do RS, 23 que existem
nuances entre as coleções, que poderiam indicar estilos regionais, e a reconstituição das
formas necessariamente deveria obedecer a estes regionalismos. Até o momento, verifica-se
que existem variações dentro da mesma classe de vasilhas, o que somente será apurado no
estudo em elaboração. 24
Até o presente momento, foram consideradas as semelhanças entre as formas, mas
nenhum estudo deteve-se para as variações espaciais ou temporais. A reconstrução de formas,
como meio de determinar a funcionalidade, não somente é possível como deve ser
constantemente perseguida. Acredita-se que uma contribuição à pesquisa arqueológica seria a
produção de catálogos regionais com as formas das vasilhas depositadas em cada Estado, nas
quais o número de vasilhas permita a catalogação de diversos exemplares com a mesma
funcionalidade.
21
Monografia de disciplina, incluída no acervo da biblioteca do prof. Brochado.
22
Em trabalho não publicado, evidencia-se a mesma relação apresentada por Jacobus, a partir da coleção de
vasilhas existentes no acervo do CEPA -PUCRS. Trabalho apresentado no III Congresso Internacional de Estudos
Ibero-Americanos, PUCRS, Porto Alegre.
23
Museu Antropológico Diretor Pestana (município de Ijuí), Museu de Ciência e Tecnologia da PUC, Museu
Júlio de Castilhos, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (em Porto Alegre), Museu do Colégio Mauá,
Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas – CEPA/UNISC (Santa Cruz do Sul), Museu Palotino, Museu
Gama D’Eça, UFSM (em Santa Maria).
24
As vasilhas são registradas gráfica e fotograficamente, sendo anotados os diâmetros de boca, diâmetro máximo
e outros, em caso de vasilhas complexas. Da mesma forma, a altura dos diâmetros, tratamento de superfície,
decoração, pintura e local de coleta. Este catálogo está em elaboração, o que permitirá definir regionalismos com
relação às formas, a pintura e “formas exóticas ” que não se enquadram em nenhuma categoria estabelecida.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 63
Considerando estes elementos é que a reconstituição das formas das vasilhas a partir
dos fragmentos não foi realizada nesta tese (embora se pretenda realizar este trabalho em outra
oportunidade), considerando que a classificação morfológica das vasilhas foi colocada nos
cinco tipos conhecidos. Ademais, a reconstituição das vasilhas complexas, com inflexões,
carenas e ombros passam mais pela criatividade do autor que da realidade dos conjuntos de
formas existentes. Somente como exemplo, as coleções inteiras dos vales dos rios Ijuí e
Piratini, no RS, apresentam diversas vasilhas com dupla cintura, reconhecida tanto nos
registros históricos como arqueológicos. Porém, este tipo de vasilha dificilmente é
reconstituído, dada a impossibilidade de visualização dos contornos a partir dos fragmentos de
borda. Ao mesmo tempo, em coleções de vasilhas inteiras, a classificação é dificultada pela
forma, uma vez que não se enquadram em nenhuma classificação existente (Anexo 3: Fotos
10 e 11).
Outro problema grave na reconstrução das vasilhas é o percentual que o fragmento da
borda ocupa no perímetro total da vasilha. Considerando o perímetro total das vasilhas igual a
100%, observa-se que as reconstruções de diâmetro de boca deveriam ser realizadas a partir
de, no mínimo 12,5%, o que corresponderia a 1/8 de perímetro. O que se percebe neste estudo
de caso é que, na maior parte dos casos, os fragmentos não correspondem a 1/8 de perímetro
total, o que implica na medição do diâmetro, que fica comprometida. Da mesma forma, como
apresentado nas fotos citadas (Anexo 3: Fotos 10 e 11), somente um fragmento que
apresentasse o perfil com uma parte da parede (bojo ou fundo) permitiria a reconstrução ideal
das formas de panelas, talhas e tigelas de beber carenadas.
Ao mesmo tempo, a reconstituição segue, no mais das vezes, o capricho do
pesquisador, haja vista que as vasilhas Guaranis possuem contornos tanto conoidais como
arredondados, variando conforme classe, função e dimensão. Esta análise é melhor
apresentada adiante, em relação as tigelas de beber, categoria que possui tanto os contornos
arredondados como cônicos. Nesta proposta, acredita-se que o conjunto de vasilhas obtidas no
sítio em questão aponta para certas regularidades que serão apresentadas a seguir.
Em um sentido amplo, as regras práticas estabelecidas por Brochado e Monticelli
(1994) são válidas e devem ser perseguidas, mas um avanço crítico será estabelecido quando
for dada a mesma importância à forma exótica quanto às comuns. Neste sentido, ao invés de
uma crítica, busca-se realizar uma releitura para ampliar os elementos de análise dos dados
arqueológicos. Um exemplo pode ser observado a partir das vasilhas consideradas panelas
com tratamento de superfície corrugado. Nos sítios do Estado do RS, os percentuais obtidos
durante a execução do PRONAPA estabeleceram a subtradição corrugada em virtude de, pelo
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 64
menos, 50% dos fragmentos pertencerem a esta decoração. Em nenhum momento foi
considerado que, em virtude do uso contínuo sobre o fogo, a mudança de local ou a
durabilidade da cerâmica, aquilo que mais se usa, mais se quebra (LA SALVIA e
BROCHADO, 1989, p.123). Tampouco foram consideradas as dimensões dos fragmentos,
pois as grandes vasilhas quebram em fragmentos maiores que as pequenas, ao mesmo tempo
em que, probabilisticamente, vasilhas de paredes finas quebram em mais fragmentos que as
vasilhas de paredes espessas.
Acredita-se que uma proposta a ser lançada é um estudo métrico das vasilhas inteiras,
através da medição da área da superfície de cada exemplar. Nas análises convencionais, a
borda é reconstituída, oportunizando o diâmetro de boca e a função. Se, em uma coleção de
vasilhas inteiras, medir-se a superfície que cada vasilha (mesma forma, mesma função, mesmo
diâmetro de boca, mesma altura) possui, estabelecer-se-á a área plana da vasilha, em
centímetros ou metros quadrados (cm² ou m²). Separando as bordas e definindo similaridades
entre tratamento de superfície e espessura das paredes, é possível separar os fragmentos em
áreas correspondentes a cada vasilha. Assim, mesmo com a ausência de bordas, pode-se
inferir, aproximadamente, o número de vasilhas. Desta forma, a reconstrução do número de
vasilhas presentes no sítio seria facilitado pela quantificação dos fragmentos totais de cada
sítio.
Ao mesmo tempo, outras possibilidades de pesquisa devem ser perseguidas. Fajardo
(2001, p.44-45) aponta que a análise química dos fragmentos de corrugado apresentam maior
concentração de carbonato de cálcio (CaCO 3) que os fragmentos lisos. A partir disto, esse
autor propõe que é possível comprovar quimicamente que as vasilhas corrugadas iam ao fogo
e que, na evaporação, a água utilizada para cozinhar os elementos fixava o CaCo3 no interior
da vasilha, ao contrário das vasilhas lisas.
Outra sugestão que deve ser perseguida é a comprovação funcional do corrugado
enquanto tratamento de superfície proposital com objetivo definido. Embora tenha sido
atribuído, muitas vezes, a “preguiça” da índia em alisar os roletes corrugados, acredita-se que
a realização deste tratamento de superfície nas vasilhas que são utilizadas como processadoras
de alimento (panelas e tigelas, sobretudo) devem-se à função cozinhar, no qual a forma
(panela ou tigela), por meio da fervura e/ou cozimento, tem sua capacidade ampliada pelo
tratamento de superfície. Com isso, quer-se dizer que o corrugado, através das vilosidades que
compõem as dobras dos roletes, ampliam em várias vezes a absorção e manutenção do calor,
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 65
diferentemente das vasilhas lisas, unguladas ou escovadas. 25 Talvez isto também justifique o
fato de que a maior freqüência de vasilhas corrugadas estejam na classificação panela ou
tigela.
Da mesma forma, as decorações aparecem sobretudo naquelas vasilhas que a função é
consumir ou guardar alimentos. Desta forma, a presença de ungulados, pintados e lisos estão
ligadas, no sítio em questão, às tigelas de beber, pratos e talhas.
Uma última questão deve ser levantada nesta tese a respeito da cerâmica.
Particularmente, o estudo das coleções de vasilhas cerâmicas inteiras até agora conhecidas e
documentadas não permite o uso do atributo liso à cerâmica Guarani. Se este tratamento é
comum a diversos fragmentos, deve-se atentar que, em formas inteiras, o liso está geralmente
associado à pintura, como uma etapa de produção. Embora o número de vasilhas lisas em
coleções seja significativo, o que se percebe é que as formas em que este tratamento aparece
remete, quase sempre, a vasilhas com pintura. A análise das formas inteiras apresenta as
vasilhas pintadas podendo ser acompanhadas dos outros tratamentos de superfície, como o
corrugado, o corrugado-ungulado, o ungulado ou outro. Mas a predominância das vasilhas
lisas possui, no seu interior, no terço ou metade superior, a decoração pintada. Se, por um
lado, a contagem de fragmentos lisos pode ser significante em um sítio, por outro, pode-se
estar referindo à parte inferior das vasilhas carenadas pintadas que, conhecidamente, não
levam pintura.
Sendo assim, acredita-se que o fragmento liso pode referir-se ou à parte da vasilha que
não recebeu pintura ou, por processos físicos, químicos ou procedimentos de laboratório,
perderam a pintura.
Outras questões devem ser levantadas nesta tese. A decoração ungulada, no sítio em
questão e nas coleções estudadas, está associada a vasilhas de pequenas dimensões ou como
traço decorativo. As bordas unguladas faziam parte de vasilhas de dimensões inferiores a vinte
centímetros de boca e, embora existam panelas com decoração ungulada, na maior parte das
vezes esta decoração está associada a tigelas de beber. Nas vasilhas inteiras conhecidas
pertencentes a outras coleções já catalogadas, o ungulado é utilizado como decoração que
envolve a borda, podendo estar associada às outras decorações e ao tratamento de superfície
25
Para fins deste trabalho, não foi considerado o escovado como tratamento de superfície, uma vez que este não
se encontra presente no sítio em estudo. Outros tratamentos que não se enquadram nos cinco acima descritos
foram quantificados como “inclassificáveis ” por não atenderem ao objetivo do trabalho. Neste sentido, somente
quatro fragmentos, que seriam classificados como “aplicados” (segundo LA SALVIA e BROCHADO, 1989)
entraram nesta quantificação.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 66
corrugado. Adiante, ver-se-á como os distintos tratamentos de superfície podem ser associados
às distintas funções.
Estabeleceu-se um critério de análise a partir das formas associadas ao tratamento de
superfície e ao acabamento das mesmas. Sendo assim, neste trabalho não serão apresentadas
percentagens ou tabelas que considerem a totalidade de fragmentos de cada tipo de superfície.
A menor unidade será a vasilha (cf. proposto por GONZÁLEZ, 1996, p. 240), estabelecendo a
priori que cada fragmento de borda com os elementos da tríade diferentes (diâmetro de boca +
função + superfície) representam uma vasilha e não somente um fragmento. Embora possa
parecer perigoso, a separação das bordas revelou com facilidade aqueles que pertenceriam à
mesma vasilha, seja por qualquer dos elementos da tríade semelhantes. Assim, não foi
realizada a contagem da totalidade dos fragmentos de corpo pelos seguintes fatores:
– durabilidade: vasilhas mais usadas são mais substituídas, gerando mais fragmentos;
– dimensões: vasilhas grandes podem gerar mais fragmentos ou menos fragmentos de
maiores dimensões. Por exemplo, pode-se ter ambas possibilidades: uma vasilha grande de
paredes grossas quebrando-se em poucos fragmentos ou de parede média, em muitos
fragmentos; da mesma forma, vasilhas pequenas quase sempre possuem paredes finas e
quebram-se em muitos fragmentos. A contagem, em ambos os casos, são inúteis, enquanto
não for associada à área plana da vasilha com a forma e o diâmetro de boca.
Sendo assim, mostra-se o resultado da análise das bordas, aqui consideradas como
vasilhas (ou suas melhores representantes), das quais, a partir da tríade supracitada,
condicionar-se-á esta análise.
2.2.3.2 Panelas
As panelas são “vasilhas usadas para a preparação de alimentos por fervura sobre o
fogo” (BROCHADO e MONTICELLI, 1994, p.109), têm base conoidal ou arredondada,
paredes infletidas, bojo marcado e borda côncava, vertical ou inclinada para fora. Nesta
categoria existem 146 bordas de panelas, todas corrugadas, em uma associação direta entre
preparação de alimentos e tratamento de superfície (Anexo 3: Fotos 12, 13, 14, 15 e 16).
Deve-se salientar que a categoria “urna funerária” é uma “reciclagem” da vasilha, não
existindo, no conjunto de vasilhas arqueológicas atribuídas aos antepassados dos Guaranis,
nenhuma forma específica que tenha uso exclusivo como local de enterramento. As bordas de
panelas registradas possuem dimensões que variam de 10 a 60 cm de diâmetro de boca.
Considerando a maior e menor medidas registradas (10 e 60), a medida intermediária é 35 cm,
o que pode ser atribuída como média aritmética deste conjunto . Porém, ao comparar-se a
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 67
média aritmética com as medidas de diâmetro de boca, percebe-se que há poucos exemplares
de bordas neste tamanho. Optou-se, assim, por considerar a média a partir da popularidade de
cada diâmetro, ou seja, quais as medidas que aparecem mais na categoria funcional.
Sendo assim, acredita-se que uma classificação pertinente seria dividir o
conjunto segundo a funcionalidade, dividindo as vasilhas nas dimensões pequenas (10
a 15 cm), médias (16 a 28 cm), grandes (30 a 50 cm) e muito grandes (acima de 50 cm,
Gráfico 1). Novamente coloca-se que este critério de divisão é aleatório, mas que
considera, sobretudo, a popularidade dos diâmetros encontrados (ver Anexo 6: Planilha
1). Considerou-se, além da funcionalidade e o diâmetro de boca das vasilhas, a
realidade a partir das coleções inteiras para uma melhor distribuição das dimensões.
número de fragmentos
100 85
80
60
40 23 26
20 3
0
10 a 15 -peq 16 a 28 - méd 30 a 50 - gr 52 a 60 - xgr
diâmetro de boca
35 cm; se fosse considerada média a medida de 25 a 45 cm), os valores medianos não seriam a
maioria das vasilhas.
Ao mesmo tempo, a quantidade de vasilhas médias, considerando que estes fragmentos
referem-se ao local da escavação, permitem inferir que, no momento do abandono, o total de
panelas era composto por um conjunto aproximado de três panelas médias para cada panela
grande ou pequena (1:3:1). Esta proporção reforça a idéia de um grupo de pessoas que
convivem em uma mesma habitação, hipoteticamente falando, talvez uma família extensa
composta por duas ou três famílias nucleares (conforme se apresentará mais tarde, através da
concentração de fogos, vasilhas e outros artefatos). Nesta tese, propõe-se que cada família
nuclear poderia ser composta por quatro a seis pessoas, em virtude do total das vasilhas dentro
de cada categoria funcional.
As tigelas ou caçarolas são vasilhas que “tinham uma forma tronco-cônica, com bordas
diretas, contínuas com a parede, aproximadamente vertical ou inclinada para fora e base
aplanada ou levemente arredondada” (BROCHADO e MONTICELLI, 1994, p.112). A borda
poderia ser também levemente infletida, e sua função seria cozinhar alimentos por fervura
sobre o fogo. A maioria das tigelas possui tratamento de superfície corrugado ou corrugado-
ungulado (Anexo 3: Fotos 17, 18 e 19).
Segundo Brochado e Monticelli (1994) o diâmetro de boca médio das caçarolas variam
de 30 a 48 cm. Neste caso, foram encontradas tigelas menores e maiores (de 8 a 66 cm).
Sendo assim, poder-se-ia também dividir as tigelas em muito pequenas (8-10 cm), pequenas
(12 a 20 cm), médias (22 a 34 cm) e grandes (de 36 a 66 cm). Novamente coloca-se que este
critério de divisão é aleatório, mas que considera, sobretudo, a popularidade dos diâmetros
encontrados. Neste caso, a média numérica seria de 37 cm, porém este diâmetro é pouco
freqüente no conjunto estudado (ver Anexo 6: Planilha 1).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 69
número de fragmentos
30 27
25 18
20
15 10
10 3
5
0
8 a 10 muito 12 a 20 peq 22 a 34 méd 36 a 66 gran
peq
diâmetro de boca
2.2.3.4 Talhas
ou “ombros”, que podem ser repetidos desde a cintura até a boca. O perfil da boca geralmente
é voltado para dentro, cambado, introvertido. Raramente aparecem perfis de borda voltados
para fora, exceto em talhas com forma de panelas, que se diferenciam pela pintura externa.
As talhas geralmente são pintadas externamente, e seus ombros podem conter diversas
pinturas diferentes, de acordo com os pontos de ângulo. Em geral, os ombros são visíveis e
divididos por pontos em ângulo acentuado que “marcam” o limite de cada faixa de pintura. Na
maioria dos casos, uma linha vermelha é pintada sobre o ângulo, sendo que, em outros, a
pintura vermelha pode ocupar toda a faixa (Anexo 3: Foto 20).
Embora não haja nenhum trabalho realizado a respeito, acredita-se que o estudo das
pinturas e respectivas áreas de aplicação possam esclarecer alguns pontos, como:
– locais preferenciais de certos motivos;
– repetição de motivos em posições diferentes (lábio, primeiro, segundo ou terceiro
ombro ou carena);
– exclusividade de motivos considerando espacialidade (motivos que se repetem nas
vasilhas de determinada região ou bacia de rio).
Inicialmente, lança-se a hipótese de que os desenhos que compõem os motivos
utilizados não aparecem em todos os locais, e aqueles que se repetem não apresentam a
mesma freqüência (ver motivos em SCHMITZ, 1958, 1985 a 1991, SCHMITZ et al., 1990, p.
71-78). Uma pesquisa futura deverá sistematizar estes elementos (forma das vasilhas pintadas,
motivos internos e externos, áreas de decoração) para resgatar possíveis diferenças culturais
ou étnicas entre os Guaranis anteriores ao contato com o europeu (Anexo 3: Fotos 21 e 22).
No caso do sítio em estudo, as bordas de talhas estão em número reduzido, com as
seguintes dimensões: uma borda com 24 cm de diâmetro, uma borda com 38 cm de diâmetro,
uma borda com 48 cm de diâmetro e uma com diâmetro de boca impossível de reconstituição
(ver Anexo 3: Foto 20 e Anexo 4: Gráfico 38).
26
Como exemplo, cita-se o trabalho de Carle (2002, p.145 et seq.), no qual a reconstrução das tigelas de beber
(com pontos de ângulo) assume formas que não existem no universo das vasilhas inteiras.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 72
número de fragmentos
40 36
30
19
20
11
10 5
0
10 a 16 peq 18 a 26 méd 28 a 34 gran 36 a 46 + grand
diâmetro de boca
Considerando que o uso destas tigelas está associado ao consumo de alimentos (uma
vez que é consensual que as vasilhas pintadas não vão ao fogo), supõe-se que, sendo a maioria
das tigelas de beber de tamanho médio, seguido pelas pequenas, a ocupação desta habitação se
deu por um número limitado de pessoas. Ao mesmo tempo, o número de fragmentos que
corresponderiam a tigelas grandes e muito grandes é inferior aos fragmentos de vasilhas
pequenas, o que confirmaria a hipótese de que se está tratando de um grupo com poucas
pessoas, ou não haveria atividade social que justificasse o beber coletivamente.
Por outro lado, as dimensões muito pequenas e muito grandes de cada categoria
funcional colocam em cheque sua verdadeira utilização. Geralmente classificadas como
miniaturas, acredita-se que seja possível realizar uma revisão das classes funcionais de acordo
com os conjuntos existentes em cada sítio, até que se possam redefinir parâmetros de
inferência para estes usos. Assim, acredita-se que uma vasilha de 8 cm de diâmetro muito
dificilmente fora utilizada para consumo de bebidas, a menos que se tenham dados mais
concretos sobre a confecção deste tipo de artefatos por crianças ou com fins específicos, que
as análises atuais não permitem inferir. Da mesma forma, as tigelas com 46 cm de diâmetro
podem (e talvez devam) ser repensadas como local de fermentação e guarda de bebidas, tanto
como as talhas, em face de suas dimensões. Estas questões só poderão ser mais bem
esclarecidas à medida que novas habitações forem escavadas em grandes superfícies, ao
mesmo tempo em que apresentem seus testemunhos suficientemente conservados para a
inferência do uso dos espaços.
2.2.3.6 Pratos
pois, ao contrário, seriam classificados como tigelas. Os pratos apresentam tanto o tratamento
de superfície corrugado e corrugado-ungulado como as decorações lisa e ungulada (Anexo 3:
Fotos 31 e 32). O diâmetro, segundo os autores supracitados seria entre 12 e 34 cm. Neste
estudo de caso, encontraram-se vasilhas desde 12 até 40 cm de boca. Da mesma forma que
tigelas de beber, poder-se-ia classificar os pratos em pequenos (12 a 16 cm), médios (18 a 24
cm) e grandes (26 a 40 cm).
Número de fragmentos
12 11
10
8 7
6 4
4
2
0
12 a 16 peq 18 a 24 méd 26 a 40 gran
Diâmetro de boca
27
Ver nota 22.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 74
– digestão total, realizadas pela Embrapa (Rio de Janeiro) sob responsabilidade do Dr.
Vinicius Benites (DSc Solos e Nutrição de Plantas – Embrapa Solos) e a pesquisadora PhD.
Beáta Madari (Sistemas de Produção – Embrapa Solos); também amostras de solo analisadas
por digestão total foram realizadas pela Dra. Dirse Kern, através do Museu Paraense Emílio
Goeldi;
As amostras analisadas são sedimentos da área de descarte que passaram ou não por
uma retirada de macrovestígios de matéria orgânica, como sementes, ossos, folhas, raízes,
fragmentos de cerâmica e lítico, visíveis a olho nu (amostra 1: sedimentos sem peneiramento
e amostra 2: sedimentos com peneiramento). Também foram analisadas amostras de solo
antropogênico da habitação e do mesmo nível estratigráfico da área que seria fora da
habitação (amostra 3: solo da habitação sem peneiramento e amostra 4: solo adjacente). Essa
abordagem permitiu a análise de solos contemporâneos ao sítio (no mesmo nível
estratigráfico), porém sem alterações visíveis na composição do solo. Essa amostra foi retirada
de um local que não apresentou artefatos durante a escavação do núcleo antropogênico.
Tabela 1– Resumo das análises de solo realizadas pelo Laboratório Central de Análises de Solo
Em uma breve análise dos elementos disponíveis, observa-se que os índices de Cálcio
(Ca), Fósforo (P) e Potássio (K), bem como a percentagem de Matéria Orgânica (%M.O.)
foram consideradas altas em relação aos solos da região do município de Ibarama e vale do rio
Jacuí. Segundo o pesquisador Luiz Finamor, esses índices, especialmente de cálcio, revelam
uma grande quantidade de matéria orgânica decomposta, principalmente por dois fatores:
1) na profundidade de recolhimento das amostras (talude do rio e 80 a 100 cm de
profundidade na área de escavação) é praticamente impossível encontrar-se cálcio disponível,
seja pela baixa lixiviação deste elemento ou pela desagregação natural. Segundo este mesmo
pesquisador, estes elementos são encontrados em, no máximo, 5 a 10 cm de profundidade, em
solos agricultáveis;
2) o índice de potássio é bastante elevado, provavelmente advindos de queima ou
cinzas, que igualmente não são comuns de existirem na referida profundidade. Quando a
análise foi realizada, o índice apresentado (>200) indicou uma quantidade superior a duzentos
miligramas por litro, que não é registrado em virtude das análises de solo serem voltadas para
uso agrícola.
Ainda segundo o pesquisador Luiz Finamor, esses índices estão acima da média para o
vale do rio Jacuí, sendo resultado das seguintes possibilidades, concomitantes ou não:
– decomposição de cinzas, que elevaram os teores de potássio;
– decomposição de matéria orgânica animal, que possibilitou a fixação do cálcio em
um local onde estes elementos não estão presentes em virtude da percolação, lixiviação e
desagregação natural.
Tabela 3– Concentrações de C (carbono), N (nitrogênio) e relação entre C/N (carbono nitrogênio) das
amostras
mas isto só tem a ver com o fato de que o material é de lixo, ou seja, matéria orgânica
acumulada de diferentes origens.
Sendo assim, as análises realizadas, segundo os geólogos Vinícius Benites e Beáta
Madari, apresentam os seguintes elementos:
– a área de descarte é enriquecida em cálcio e os setores de magnésio não acompanham
este enriquecimento, o que sugere que a origem deste elemento não é mineral;
– os maiores teores de carbono e a maior relação C:N indica predominância de cinzas
na matéria orgânica da área de descarte (resultados semelhantes são encontrados nas TPI [terra
preta de índio] da Amazônia: alta relação Ca:Mg e alta relação C:N);
– tanto a área de descarte quanto a área de escavação apresentaram excelente
fertilidade com níveis de nutrientes disponíveis (inclusive fósforo) bastante superiores aos
encontrados em solos agricultáveis do Brasil;
– a existência de zinco nas amostras não é comum. É possível que o zinco tenha sido
acumulado por resíduo de alimentos.
Com base nessas análises, é possível realizar as seguintes considerações: o
enriquecimento dos elementos de cálcio e magnésio é, provavelmente, causado por acúmulo
de resíduos animais e/ou vegetais, onde houve uma concentração seletiva de cálcio (elemento
essencial na biomassa). Pelas análises do solo adjacente, os teores de cálcio e, principalmente,
a relação entre cálcio e magnésio não condizem com os valores encontrados na área de
descarte, praticamente impossibilitando a associação dos valores da área de descarte a
situações naturalmente encontradas nos solos e rochas da região (deve-se salientar que não
existe jazida de calcário próxima a escavação, que poderia ser uma outra fonte de cálcio).
Contudo, pela similaridade com os dados encontrados na terra preta de índio (alta
relação cálcio/magnésio, alta matéria orgânica pirogênica) é muito provável que o local
considerado como área de descarte seja realmente uma área de descarte de resíduos de
alimentos associados a resíduos de fogueiras.
Outro elemento que aponta para a configuração de uma área de descarte é a relação
carbono-nitrogênio. Quando a matéria orgânica passa pela decomposição microbiana
(putrefação), as relações entre carbono/nitrogênio são em torno de 12, que é a relação C:N de
materiais estabilizados biologicamente, correspondendo a relação C:N encontrada na
biomassa microbiana. Logo, matéria orgânica residual com alta relação C:N deve ser mesmo
formada por estruturas altamente recalcitrantes, com alta aromaticidade, tal como a matéria
orgânica pirogênica derivada da transformação de carvões e resíduos de queima, além dos
próprios fragmentos de carvão.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 80
Nos sítios de Terra Preta Antropogênica (TPA), os elevados índices dos elementos
supracit ados estão diretamente associados a ação humana (GLASER, 2002/03), além da
presença de material orgânico com queima incompleta (black carbon) que, no caso da
Amazônia, chega a ser setenta vezes maior que nas áreas adjacentes (GLASER et al., 2001).
Ao mesmo tempo, a ocorrência de carvão nos solos de terra preta amazônicos estão associadas
a locais de combustão, o que aumenta a matéria orgânica destes solos (GLASER et al., 2001).
Estas análises já foram realizadas para outros sítios arqueológicos Tupi-Guaranis,28
como pode ser observado em diversos trabalhos de Pallestrini (1969, 1968/1969, 1972/1973).
Os resultados, com base em análises físicas e químicas do solo, demonstram grandes
diferenças entre os teores de cálcio, magnésio, carbono e nitrogênio dentro e fora dos núcleos
de solo antropogênico. Pallestrini (1969, 1968/1969, 1972/1973) afirma que os elevados
índices destes elementos confirmam a ocupação pretérita, embora restrinja o caráter da
ocupação apenas ao local de habitação. Conforme as análises realizadas em sedimentos da
área de descarte, pode-se afirmar que a alteração na composição química do solo deve-se ao
28
Há discordância se os sítios do Paranapanema paulista podem ser atribuídos a os antepassados dos Tupinambás
ou dos Guaranis. Brochado atribuiu estes sítios aos Guaranis (1984, p. 410), mas mudou de idéia e filiou estes
sítios aos antepassados dos Tupinambás (conforme NOELLI, 1993, p. 103, segundo comunicação pessoal), em
virtude da forma e do tratamento de superfície da cerâmica.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 81
social da distribuição dos artefatos, de forma que a análise dos testemunhos discretos será
centrada nos pequenos blocos de hematita encontrados na escavação.
São dezoito pequenos blocos de hematita espalhados em todos os setores que, muito
provavelmente, foram utilizados como corantes na confecção de vasilhas cerâmicas ou em
outros usos nos quais está envolvida a pintura de cor vermelha. Esses blocos possuem
dimensões diminutas (em torno de 1 cm3), que se decompõem com facilidade no contato
manual.
É importante resgatar aqui o que Noelli (1993, p. 89) descreve a respeito dos negativos
de esteio:
Os testemunhos negativos representados aqui pelos esteios da casa, são
chamados por Chmyz (e pelos que pesquisaram os sítios Guarani) pelo termo
inexato de ‘buracos de estaca’. Pesquisadores da arquitetura de sociedades indígenas
brasileira definiram um glossário da habitação e ‘estaca’ foi considerado como ‘pau
aguçado que se crava no chão ou em qualquer lugar com diversas finalidades’.
Esteio é uma ‘peça de madeira fincada verticalmente na terra para sustentar frechais,
terças e cumeeiras’.
Sendo assim, destaca-se a evidenciação de dois negativos de esteio, uma vez que se
alinham com outro esteio localizado no setor V, ao mesmo tempo em que não estão em
número suficiente para formar uma estrutura menor (como um jirau, ver CARLE, 2002).
A disposição desses negativos bem como a distribuição espacial dos outros
testemunhos ajudará a definir os espaços e seus usos na habitação, conforme será apresentado
no capítulo quatro.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 84
Brochado (1984, p.252), em sua síntese, coloca a questão da seguinte forma: “With few
exceptions, the thickness of the archaeological deposits does not exceed 30 cm to 40 cm, and
generally is only 15 cm to 20 cm”.1
Assim, partindo da experiência empírica e dos modelos de rápida e recente expansão
dos Guaranis,2 padronizou-se a ocupação dos horticultores Guaranis em até 50 cm, embora
houvesse diversas exceções que, no entanto, só confirmaram a prática arqueológica de realizar
sondagens até esta profundidade; padronizando, assim, os trabalhos de campo.
No caso de sítios classificados como pertencentes à Tradição Tupiguarani, há
exemplos de sítios localizados em profundidades maiores que o usual, como demonstra a
Tabela 1, que traz uma relação com todos os pesquisadores participantes do PRONAPA, os
sítios e a avaliação de Meggers para as datas apresentadas.
Paraná - Chymz
470 - ±100 484±100 SI - 6 9 4 Umuarama Tupiguarani P R-FL- 5 Paraíso do Too recent
AD 1480 AD 1466 8 0-1 0 0 c m Norte
1
“Com poucas exceções, a espessura dos depósitos arqueológicos excede 30 ou 40 cm, e geralmente é somente
15 ou 20 cm”.
2
Para uma crítica exaustiva do modelo de Meggers e Evans, ver Noelli (1993, p. 41-75).
3
Ver Milder (2000). Sítios paleoindígenas de mais de 9.500 anos BP encontram-se na superfície, assim como
diversos elementos podem perturbar, inverter ou danificar a estratigrafia e o pressuposto "mais abaixo, mais
antigo".
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 86
Not all the essays have been accepted by the investigators who have
collected and submitted the samples. One suspects that most of the rejections result
from the failure of the data to conform to the rigid preconceptions of the
investigators. The pretext for rejection varies from investigator to investigator, and
in most instances these pretext appear capricious (BROCHADO, 1984, p. 360).4
There is a C14 date of 1985± 60 B.C. (SI-707) for one site of Irapuã Phase
(2), not represented in the chart, that understandably has not been accepted, not
only because it is too early but because there is no continuity between it and the
next earliest dates. The two earliest C14 dates shown in the chart, SI-418 from
Cambará Phase site (12), and SI-1011 from one Tamboara Phase site (17), have
not been accepted by some investigators, the first because of the gap between it and
the next C14 date for the same site, and the second because the pottery it dates
allegedly shows characteristics that would place it later than that of other early
sites in the same area on the Upper Paranapanema. However if the next oldest C14
date, SI-2205 (1), is to be accepted—wich is the case – the dates from Cambará
Phase sites should be accepted also; bein on the Upper Paranapanema, they are
nearer the more probable route of the spread of the Guarani up the Paraná than
the site from wich the Si-2205 date was obtained, wich is part of the Guaratã
Phase of the Upper Jacuí (1) (BROCHADO, 1984, p.361-362).5
4
“Nem todos artigos têm sido aceitos pelos investigadores que têm coletado e submetido amostras. Suspeita-se
que a maior parte da rejeição resulta da falha dos dados para sujeitar-se aos rígidos preconceitos dos
investigadores. O pretexto para rejeição varia de investigador para investigador e, em muitos casos, estes
pretextos parecem caprichos.”
5
“Há uma data C14 de 1985± 60 a.C. (SI-707) para um sítio de Fase de Irapuã (2), não apresentado no quadro,
que compreensivelmente não foi aceito não somente porque é antiga, mas porque não há nenhuma continuidade
entre ela e as próximas datas mais antigas. As duas datas mais antigas C14 mostradas no quadro, SI-418 do sítio
da fase Cambará (12), e SI-1011 da Fase Tamboara (17), não foram aceitas por alguns investigadores, a primeira
por causa do buraco entre ela e a próxima data C14 para o mesmo local, e a segunda porque a cerâmica que data
supostamente mostra características que colocariam isto depois que a de outros locais antigos na mesma área no
Paranapanema Superior. Porém se a próxima data C14 mais antiga, SI-2205 (1), que é o caso – as outras datas da
Fase Cambará também deveriam ser aceitas; Sendo que no Paranapanema Superior elas estão mais próximas a
rota mais provável da expansão do Guarani para cima o Paraná que o local que a data Si-2205 foi obtida, que é
parte da Fase Guaratã do Jacuí Superior (1)”.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 87
Ao mesmo tempo, Brochado (1984, p. 362) não coloca em sua tese uma série de datas
que não possuem seqüência cronológica, seja por que não possuem seguimento com outros
sítios, seja por que a aceitação de datas anteriores a 500 AD seria fator complicante para os
modelos de dispersão existentes:
There is no reason to believe that the C14 dates (A.D. 1-200) of the earliest
known manifestations of the Guarani pottery are not correct (SI-418* and SI-
2205**), especially in the light of the fact that the date of the next oldest site – also
of the Guaratã Phase – is only slightly later (SI- 2203***). The date of the latter
site, as have the others of the Upper Jacuí, come from my own research in
colaboration with P.I. Schmitz (Schmitz, 1980), and have been accepted by
everyone. [*- AD 80, **-150, *** -475, nota do autor]6
There is a continuity of C14 dates from the first century A.D. to the beginning
of the nineteenth century. All these data indicate that the Guarani presence in
Eastern South America has a time depth of the less than 1800 years.7
Ainda nesta linha, Brochado encontrou grande dificuldade de, na época, mostrar a
veracidade das datas em redor do ano zero da Era Cristã, tanto assim que algumas datas
realizadas posteriormente ainda não foram consideradas verídicas, como aponta a bibliografia:
Therefore, the absence of earlier dates along the Paraná, commented upon in
the text, does not exist anymore and I was right in estimating the beginning of the
Guarani colonization of Southern Brazil ca. A.D. 1 or somewhat earlier.
Nevertheless, Chmyz does not accept any of the 5 dates prior to A.D. 800
(BROCHADO, 1984, p.389, endnote to Chapter 12).8
Ainda hoje há resistência por parte de certos arqueólogos em aceitar datas próximas ao
início da Era Cristã; Chmyz (1984, p. 103), por exemplo, considera a data de 60±75 a.C. – SI-
5028 muito antiga. Desta forma, não é estranho que diversos dados nunca tenham sido
colocados em pauta e tampouco publicados. Mais interessante ainda é observar que se as datas
estivessem dentro do modelo, estariam corretas, enquanto aquelas que fugissem daquele,
rapidamente seriam colocadas de lado em nome dos mais diversos fatores, como:
– a coleta imperfeita dos carvões para a datação;
– a contaminação das amostras;
6
“Não há nenhuma razão para acreditar que as datas C14 (D.C. 1-200) das manifestações conhecidas mais antigas
da cerâmica de Guarani não estejam corretas (SI -418 * e SI-2205 * *), especialmente a luz do fato que a data do
próximo local mais antigo – também da Fase de Guaratã – chega só ligeiramente mais cedo (SI - 2203 * * *). A
data do local posterior, como os outros do Jacuí Superior, entre aqueles de minha própria pesquisa em
colaboração com P.I. Schmitz (Schmitz, 1980), foi aceito por todo mundo.”
7
“Há uma continuidade de datas C14 do primeiro século D.C. para o começo do décimo nono século. Todos estes
dados indicam que a presença de Guarani na América do Sul Oriental tem uma profundidade de tempo de, pelo
menos, 1800 anos.”
8
“Então, a ausência de datas mais antigas ao longo do Paraná, comentada acima no texto, não existe mais e eu
tive razão calculando o começo da colonização de Guarani no Brasil Meridional cerca do ano 1 DC ou um pouco
mais cedo. Não obstante, Chmyz não aceita nenhum das 5 datas antes do ano 800 DC.” (Nota de final do
Capítulo 12).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 88
Paraná – Chmyz
DATE *MASCA LAB.Nº PHASE TYPE SITE LOCATION EVALUATION
7170±150 7385±105 SI- 2 1 9 6 Tupiguarani P R- L O-1 Município Too old
5220 BC 5435 BC 120 -140 cm .Londrina
1490±45 1535±45 SI- 1 0 1 1 Tamboara Tupiguarani P R- FL- 2 1 Dr. Camargo Too old
AD 460 AD 415 0 -2 0 c m Corte B
Importante ressaltar que, se por um lado Brochado (1984) aceita a data da fase
Tamboara (460 AD) e sua própria da fase Guaratã (150 AD), é taxativo ao afirmar que aceita
estas datas por tratar -se de um continuum de dados baseados no radiocarbono, descartando,
inicialmente, aquelas que não têm continuidade cronológica no mesmo local ou vizinhanças.
Conforme a Tabela 3, Betty Meggers (s.d.) avalia ambas como muito antigas, provavelmente
em razão de que as aceitar obrigaria a revisão do modelo de dispersão cerâmica das terras
baixas da Amazônia.
Estas questões devem ser levantadas à luz do sítio Wilmoth Ropke, que, segundo os
arqueólogos que o localizaram e identificaram, 9 apresentava uma mancha a 70 cm de
profundidade, na barranca do rio Jacuí. Na escavação realizada, evidenciou-se uma ocupação
definida abaixo de 80 cm, não perturbada por ação de arado mecânico atual.
Consideram-se algumas passagens de interesse quanto as amostragens realizadas no
vale do Rio Jacuí, datadas pelo método de C14:
Observa-se também que este resultado, que não foi questionado, refere-se a uma
barranca de rio, local onde uma série de perturbações – como pedoturbação, argiloturbação,
bioturbação – podem ocorrer, mas não invalidaram a divulgação e aceitação das datas. Além
das perturbações, a exposição à luz solar e intempéries, a contaminação por vegetais, animais
e a distância entre os carvões simplesmente não foram considerados fatores dignos de
discussão.
Na mesma publicação, referindo-se ao sítio RS-MJ-88, os autores colocam: "O carvão
coletado proporcionou uma data de 1.800 ± 100 (S.I.-2205), considerada antiga demais"
(SCHMITZ, ROGGE e ARNT, 2000, p.44). Por outro lado, sítios com datas aproximadas não
foram contestados, como o sítio RS-MJ-101 (1.255 ± 100, S.I.-2201, SCHMITZ, ROGGE e
9
Salvamento Arqueológico no Médio Jacuí, RS, Barragem Dona Francisca, 1981. São Leopoldo, IAP, 18
páginas. Relatório para a Companhia Estadual de Energia Elétrica por Ribeiro, Schmitz e Ferrari, relatório para
CEEE, 1989; Schmitz, Rogge e Arnt, 2000; Ribeiro, 1996.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 90
ARNT, 2000, p.51) ou o sítio RS-MJ-60, com duas datas (1150 ± 70, S.I.-2204 e 1475 ± 80,
S.I.-2203, SCHMITZ, ROGGE e ARNT, 2000, p.30).
Sendo assim, acredita-se que a discussão sobre a antiguidade da ocupação Guarani no
Estado do Rio Grande do Sul trata-se mais de uma questão de paradigma a ser discutido do
que propriamente a validade dos métodos de datação. Isto pode ser observado em relação à
ocupação do vale do rio Jacuí, uma vez que, participantes das pesquisas na área questionam a
metodologia empregada. Brochado (comunicação pessoal em 21-01-2001) informa que as
coletas realizadas nestes trabalhos não seguiam normas técnicas, não havendo, muitas vezes,
controle sobre a retirada de amostras. Pode-se somar a ausência parcial de controle na
amostragem, o descarte sumário das datas antigas relativas aos sítios Guaranis nos estados do
sul do Brasil.
Nota-se, ainda, que mesmo o modelo proposto por Brochado (1984, p. 365) não
negava o recuo das datas, faltando apenas dados concretos que permitissem a inclusão no
modelo: “Given the earliest C14 dates from the tributaires of the Paraná and Uruguay, the
proto-Guarani must have started moving up the Madeira, out of Central Amazonia, by at least
200 B.C., or perhaps even earlier”.10
Por outro lado, se o Carbono radioativo foi a base da cronologia utilizada em
Arqueologia Guarani, hoje se sabe das diversas limitações que esta técnica apresenta fora de
um contexto mais amplo. No caso das datas publicadas por Brochado (1984) e por Noelli
(1999-2000), a maior parte não são calibradas, induzindo a um erro na passagem entre a data
apresentada e o ano calêndrico. A passagem de Araújo (2001, apêndice 1) é longa, mas
esclarecedora sob o ponto de vista que, em muitos casos, as datas são publicadas sem a devida
calibragem, o que pode levar a um erro na interpretação dos resultados:
Toda data obtida pelo método do C14 necessita ser calibrada. A idade obtida
quando se data alguma amostra que contenha carbono não equivale imediatamente
a uma data do nosso calendário. Todos sabemos que o ano ‘zero’ nas datas
radiocarbônicas é 1950, porém, a transformação de uma data radiocarbônica em
uma data calêndrica não é feita pela simples operação aritmética da subtração de
1950 pela idade dada pelo C14. Não existe uma relação direta entre as duas datas, e
isto foi sendo percebido quando se começou a comparar as datas obtidas pelo
método radiocarbono a objetos cujas idades eram bem estabelecidas por outros
métodos. (...)Até 1977, a meia-vida do carbono (Libby half-life) era considerada
como sendo 5730 anos. Posteriormente percebeu-se que o valor mais próximo da
realidade é 5568 anos. Se a idade da amostra foi calculada usando a meia -vida de
5730 anos, esta idade precisa ser corrigida por meio de sua divisão pela expressão
(5730 ÷5568), ou pelo número 1,029. Esta correção deve ser feira antes da entrada
de dados no programa. (...) Os pesquisadores da área perceberam que existiu no
10
“Dada a antiguidade das datas de C14 dos tributários do Paraná e Uruguai, o proto-guarani deve ter começado a
expandir-se pelo Madeira, fora de Amazônia Central, por volta de, pelo menos, 200 a.C., ou talvez até antes".
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 91
Desta forma, diversos cuidados devem ser tomados antes da divulgação das datas
como sendo a cronologia efetiva da ocupação dos Guaranis. Neste sentido, as datas aqui
apresentadas demonstram as dificuldades de estabelecer, com segurança, o período ou
antiguidade deste sítio. Os próximos itens deste capítulo buscam apresentar a dificuldade de se
adotar uma única data ou método como válido para inferir a localização temporal da sociedade
em questão.
Neste estudo de caso, optou-se por métodos que contemplassem o material disponível
(sobretudo sedimentos e cerâmica), dos quais se obteve um conjunto de dezoito datas em
seqüência que convergiam para uma longa e antiga ocupação Guarani no vale do Jacuí.
Conforme visto acima, estas não seriam o primeiro conjunto de datas antigas para os sítios
Guaranis no sul do Brasil. Pesquisadores de campo de outrora já haviam apontado as datas
anteriores a 2000 anos antes do presente como uma realidade empírica dos Guaranis
arqueológicos. Em contrapartida, neste sítio buscou-se respaldar o trabalho pelo maior número
de datações no mesmo sítio, o que reduziria a margem de erro e a falibilidade dos métodos.
Embora ainda exista, no meio acadêmico, o questionamento por certos pesquisadores
sobre a validade da datação por TL,12 observa-se que a datação por radiocarbono permanece
intocável em sua soberania no quesito falibilidade. Dificilmente vêem-se pesquisadores
questionando a contaminação do carvão, os fatores pós-deposicionais e as perturbações
pedogênicas. Observa-se que, ainda hoje, as datas são aceitas indiscriminadamente se se
enquadrarem dentro dos modelos existentes (Brochado ou Lathrap versus Meggers), mas são
sistematicamente refutadas quando ultrapassam os limites considerados “aceitáveis” para os
paradigmas em vigor.
Diversas datas de cerâmica, sedimentos e carvão foram constatadas no sítio em
questão, tanto na área de descarte (lixeira) quanto na de escavação realizada na várzea do rio
(habitação). Os sedimentos coletados para análise são compostos de sedimentos
11
Laboratório de Cristais Iônicos e Filmes Finos e Datação, Instituto de Física, Universidade de São Paulo.
12
Não foram poucos os arqueólogos que, durante o congresso da SAB, em 2003, em São Paulo, questionaram as
datas produzidas tanto pelo LACIFID como pela FATEC, o que reforçou a busca pela produção do maior número
de datas possíveis.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 92
As datas realizadas pelo LACIFID, desta forma, forneciam uma escala de proporção
que, em última análise, orientavam a seqüência de ocupação, abandono e reocupação do local.
A seqüência de sedimentos retirados dos perfis das escavações e as cerâmicas (Anexo 1:
Desenho 6) resultaram em períodos de 710 a 3.500 anos AP (Antes do Presente).
Essas datas retrocedem em alguns milênios às existentes, referentes à ocupação
Guarani no sul do Brasil, e devem ser consideradas com extrema cautela, uma vez que
ultrapassam – e muito – as datas aceitas para a ocupação Guarani. Noelli (2000) apresenta um
quadro com trinta sítios e respectivas datações, em sua maioria C14, com médias entre 300
B.P. e 1000 B.P., ocorrendo máximas de 1800 ± 100 (Brochado, 1984) e 1870 ± 100 (SI-418)
(BROCHADO, 1973, apud NOELLI, 1999/2000, p.252). Por outro lado, como citado acima,
estas datas não foram calibradas, possibilitando uma margem de erro que deve ser averiguada.
Além disso, estas datas estão publicadas de forma isolada, ou seja, não existem
seqüências de datações ou conjuntos de datas a respeito do mesmo sítio. Na maioria dos casos,
uma única amostra é datada e seu resultado é acolhido ou não pelo pesquisador. Este problema
é ampliado à medida que os pesquisadores escolhem os resultados que serão publicados,
rejeitando ou refutando aqueles que não atendem ao modelo de dispersão consagrado.
Como pode ser observado no Desenho 6 (Anexo 1), Milder e Soares (2002) propõem
duas ocupações distintas, ou seja, uma recente, na camada superficial, e outra, mais antiga, em
profundidade. Este dado confere com a descrição realizada por Ribeiro (1996, p.18), que
apresenta desta forma o sítio RS-JC-57:
A profundidade dos sedimentos com sinais de ocupação é rasa, isto é, atinge
de 15 a 20 cm. Apenas um local apresenta maior profundidade, mas pouco resta do
antigo sítio (erodido pelas águas do rio). Como os sítios estão assentados sobre
locais de cultivo, encontram-se praticamente destruídos.
aceitas. Porém, deve-se observar que, conforme a Tabela 4, as datações citadas são obtidas a
partir de fragmentos de cerâmica obtidos na escavação do nível inferior, ou seja, na
profundidade de 60 a 80 cm.
Nesta ocupação, foram coletados e datados os sedimentos estéreis imediatamente
superiores e inferiores ao NSA, conforme mostra a Tabela 4. Os sedimentos naturais coletados
para amostras foram retirados do perfil realizado no talude do rio e na trincheira que
delimitava a área de escavação (Anexo 1: Desenhos 4 e 5).
Além dos sedimentos naturais, foram datados sedimentos antrópicos dos sítios RS-JC-
55 e RS-JC-92, para efeitos de comparação da cronologia de ocupação no vale do rio Jacuí.
No caso do sítio, denominado RS-JC-57 por Ribeiro (1991a, 1996), não havia
comprometimento das datações realizadas sobre sedimentos, pois as alterações antrópicas
recentes não poderiam ter perturbado o local na profundidade das amostras recolhidas.
Tabela 4 – Datas obtidas por TL e OSL no Laboratório de Vidros e Cristais Iônicos, LACIFID,
Instituto de Física, Universidade de São Paulo, USP. Os sítios RS-JC-55 e RS-JC-92 aparecem no
13
O arado mecânico atinge espessura do solo não superior a 40 cm.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 95
Mapa 3 como sítio 25 e sítio 2, respectivamente. Obs: As datas que não apresentam probabilidade de
erro (com desvio para mais ou menos) foram repassadas desta forma pelo LACIFID
O conjunto de datas obtido pela FATEC não resolveu o problema proposto, qual seja,
de determinar se havia contemporaneidade entre a área de descarte e os sítios da várzea.
Por outro lado, estas datas corroboram as datas aceitas para os grupos Guaranis no
vale do rio Jacuí, que estipulam a ocupação deste grupo ao redor do V século da Era Cristã
para a ocupação do vale (conforme discussão acima, breve histórico das datações em sítios
Guaranis).
É importante destacar, porém, que estas datas não são compatíveis com aquelas
realizadas pelo LACIFID, no qual o conjunto de datações realizadas para a cerâmica recua a
ocupação para mais de dois mil anos antes do presente. Descartando-se as datas que, por sua
antiguidade, não estariam dentro do modelo existente, é preciso ater-se ao conjunto de
datações que apresentam convergência. No entanto, as datas realizadas sobre cerâmica pelo
LACIFID ou são mais recentes (Amostra 5 = 710 ± 50 AP e Amostra 2 = 750 ± 60 AP) ou
mais antigas (Amostra 4 = 2200 ± 200; Amostra 1- 1500 ± 100), acrescentando que as
amostras tratadas são de fragmentos cerâmicos do mesmo sítio em discussão.
A comparação entre os resultados obtidos nos dois laboratórios, considerando que o
método aplicado é o mesmo, é um argumento para discutir os resultados alcançados neste
sítio; porém, um dos problemas enfrentados para a comparação de nossos resultados com
aqueles de outros sítios que realizaram datações TL nestes laboratórios é que dificilmente são
realizadas e/ou publicadas mais de uma datação para o mesmo sítio. Sendo assim, a totalidade
das datações obtidas é passível de questionamento frente ao leque de possibilidades de
resultado apresentado. Sendo assim, optou-se pela realização de outra datação, desta vez
utilizando-se o método de Carbono radioativo ou radiocarbono.
Na área de habitação foram registradas pelo menos duas grandes fogueiras, das quais
foram possíveis retirar amostras para datação pelo método de radiocarbono. A contagem de
Carbono radioativo foi realizada no Beta Analytic Radiocarbon Datin Laboratory, EUA
(número de laboratório Beta 181 184). Esta amostra foi datada em 470± 50 antes do presente,
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 98
o que corresponderia, com 95% de probabilidade, a uma ocupação entre os anos de 1400 e
1490 da Era Cristã.
Essa data questiona frontalmente as datações obtidas pelos métodos anteriores. Neste
ponto, cabe o questionamento sobre as datações realizadas a partir do Carbono. Araújo (2001,
p.94) expõe argumentos que permitem refletir sobre a validade destes resultados:
O método do C14 possui uma maior precisão técnica, porém é necessário ter-se
em mente que a vantagem da termoluminescência envolve a ausência da
necessidade de calibração. Calibração é uma questão de acurácia, mas é realizada às
expensas da precisão. Datações de radiocarbono, ao contrário da
termoluminescência, necessitam ser calibradas e, às vezes, as curvas de calibração
são bastante planas, ou uma data intercepta pontos diferentes da curva, resultando
em datas cobrindo um grande período de tempo. Acresce-se a isto um problema
raramente encarado de frente na Arqueologia: o que se está datando por
radiocarbono só pode ser relacionado a um evento arqueológico por meio de um
argumento de ligação. Fragmentos de carvão são sempre associados a artefatos, ou
ao que quer que seja, por uma suposição (geralmente implícita) que leva em conta
proximidade e/ou posição estratigráfica. O que está no mesmo ‘nível arqueológico’
tem a mesma idade. Esta suposição é demonstradamente frágil, conforme exposto
por inúmeros autores.
O que parece necessário ressaltar é que, diante do leque de datas realizadas e da vasta
amplitude temporal que as mesmas indicam, uma série de alternativas e/ou opções devem ser
levadas em conta para explicar este sítio em todo o seu contexto. Não será apresentada, neste
trabalho, uma data definitiva para a ocupação dos Guaranis no sítio RS-JC-57; o que será
apresentado é um período ou faixa temporal em que as evidências de ocupação são maiores e,
desta forma, podem ser associadas ao estabelecimento desta população no vale do rio em
questão.
Na Tabela 6 apresenta-se um resumo dos resultados obtidos a partir das análises
realizadas pelo LACIFID e pela FATEC.
Data Era Cristã Laboratório Data Lab. Local/ peça Objeto datado
3000 a 2000 AC LACIFID 4000-5000 Setor C – 1,20 m de profundidade Cerâmica
2979 AC LACIFID 4979 Amostra I– Setor I X= 0,20 Y= 5,35 Sedimento natural
2949 AC LACIFID 4940 Prof. 60 cm - Perfil da trincheira Sedimento natural
2090 AC LACIFID 4090 Amostra III Setor I X= 2,65 , Y= 4,80 Sedimento natural
1950 ±- 400 AC LACIFID 3950 ±- 400 Amostra VII – setor C Sed. Antropogênico
1870±- 350 AC LACIFID 3870 ±- 350 amostra VII – setor C Sed. Antropogênico
2000 e 1600 AC LACIFID 3600 -4000 Nível I da lixeira Cerâmica
1500 AC LACIFID 3500 Setor III Paralelo ao eixo y = 8,00 Cerâmica
975 AC LACIFID 2.975 RSJC 55 - NSA Sed. Antropogênico
578 AC LACIFID 2578 Amostra II - Setor I X= 0,20 Y= 8,00 Sed. Antropogênico
230 AC LACIFID 2230 RSJC 92- NSA Sed. Antropogênico
300 e 500 AC LACIFID 2300-2500 Amostra 3 - Peça 705 – catálogo 277 Cerâmica
0 DC e 400 AC LACIFID 2200 ±-200 Amostra 4- Peça 1350- catálogo 277 Cerâmica
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 99
Conforme pode ser observado na Tabela 6, as datas do sítio RS-JC-57 convergem para
uma ocupação que pode ser estabelecida entre os séculos III e XIII da Era Cristã. Neste
trabalho, considerando a ocupação do vale como um todo, não se podem adotar datas tão
antigas como a de 2000 AC ou mesmo anteriores. Por outro lado, este intervalo escolhido
além de ser coerente com os outros dados já publicados, poderá ser revisto com maior
precisão de acordo com dados que estão por ser conhecidos.
Ainda se aguardam outras datas que serão processadas, como amostras de carvão,
ossos humanos e, em especial, um grão de milho. Em colaboração com a Doutoranda Patrícia
Goulart Bustamante, do Embrapa- RJ, está sendo analisado o DNA nuclear de um grão de
milho carbonizado encontrado na escavação. Espera-se que esta análise ajude em resultados
mais conclusivos em relação à data da ocupação do sítio.
No entanto, fica registrado um alerta para que uma única datação não seja considerada
definitiva ou irrevogável, sob pena de incorrer-se em erro involuntário. Antes, deve-se ter
cautela com um único método de datação e as conseqüências de cada resultado obtido. Não
cabe a esta tese declinar sobre um ou outro método, mas apontar que, frente aos dados obtidos,
recai sobre o arqueólogo a escolha de uma data que seja corroborada pelo maior número de
elementos que atestem a idade dos artefatos. Ainda, pretende-se que estas datas ampliem a
discussão sobre os modelos e paradigmas aceitos, tendo em vista que a pesquisa se encontra
em andamento.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 100
Neste capítulo pretende-se abordar a análise dos artefatos e sua distribuição no espaço
a fim de determinar o seu uso e as relações sociais e econômicas que ocorreram no local.
Continuar-se-á seguindo os pressupostos de Leroi-Gourhan e Brézillon (1966, 1972), pois se
acredita que é possível inferir os usos do espaço pré-histórico a partir da distribuição e
associação dos artefatos. Como afirmam esses autores (1966, p. 324-325),
Desta forma, a ênfase dada nesta análise é atingir o uso social dos núcleos de solo
antropogênico. Por uso social, compreendem-se as relações sociais familiares e
extrafamiliares2 que se verificam no espaço da habitação, uma vez que não se abordará esta
análise na área de descarte, pois se considera que esta não apresenta ordenação espacial.
Cabe salientar que a área de descarte já foi descrita no capítulo dois. É importante
ressaltar, no entanto, que a disposição das lentes de solo antropogênico, a presença de
artefatos somente nestes NSA e a localização no taludo do rio, bem como a disposição vertical
das lentes no talude confirmam a ocupação longa e reocupação do local por duas sociedades
temporalmente distantes. Além disso, os NSA apontam para uma densidade de cultura
material que remete necessariamente à ocupação, seja na área de descarte, no talude de rio, ou
na habitação.
Sendo assim, neste capítulo abordar-se-á a distribuição dos artefatos, conforme os
distintos testemunhos arrolados no capítulo dois (ver Anexo 4: Gráfico 1); a descrição desses
artefatos já está referida no capítulo supra, de forma que, neste capítulo, tratar-se-á de como o
1
“A posição dos materiais em si comandam a exploração: o fato mais evidente era sua conservação na situação
de abandono pelos Magdaléniens, a interpretação foi essencialmente cartográfica. Cada vez que era possível, as
‘curvas de agrupamento’ foram estabelecidas, reunido entre elas os vestígios de mesma natureza e separados por
menos de vinte centímetros. A vantagem deste procedimento é de fazer ressaltar mais claramente o que pode ter
subsistido da evolução das diferentes atividades no interior da habitação.’’
2
Para uma descrição das diversas relações sociais Guaranis no período histórico e proto-histórico, ver Soares
(1997).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 101
espaço foi usado, delimitado pelos artefatos. Serão discutidos, ainda, alguns elementos
pertinentes ao material lítico e cerâmico (distribuição dos testemunhos líticos, ver Anexo 4:
Gráficos 2 e 4; para a totalidade dos testemunhos cerâmicos, ver, no mesmo Anexo 4:
Gráficos 26 e 28), no que se refere a uma abordagem funcional. A distribuição dos
testemunhos do sítio RS-JC-57 será apresentada por setores, embora se acredite que,
inequivocamente, se trata de um mesmo sítio. Em razão de a escavação ter sido conduzida em
momentos diferentes e por equipes diferentes, os Gráficos sempre serão apresentados em dois
conjuntos, a saber, do setor 1 e dos setores III a VI (as grandes áreas em branco no setores V e
VI devem-se à manutenção de blocos testemunho que não foram escavados pelas equipes)
(ver Anexo 2: Foto 15).
Conforme citado no capítulo dois, os tipos de testemunhos adotados neste trabalho são
os seguintes:
– Testemunhos brutos;
– Testemunhos modificados;
– Testemunhos manufaturados;
– Testemunhos fugazes;
– Testemunhos discretos;
– Testemunhos negativos.
objeto de enchentes que carreariam o material. No entanto, o local do sítio não é atingido
pelas enchentes, como atestam os testemunhos orgânicos, que teriam sido levados em caso de
o sítio ter sido atingido.
Aqui também devem ser incluídos os seixos de basalto que não apresentam sinais de
modificação, conforme exposto no capítulo dois. Reitera-se que não se pode afirmar que esses
seixos não foram utilizados, mas não apresentam sinais visíveis de uso. Assim, mesmo que
essas peças tivessem sido utilizadas (caso contrário não estariam presentes no sítio), não
apresentam sinais de preparação, manufatura ou modificação, razão pela qual foram
classificadas em testemunhos brutos (ver Anexo 4: Gráficos 6 e 7).
Os blocos de arenito sem utilização, conforme citados no capítulo dois, distribuem-se
aleatoriamente nas áreas escavadas, não apontando nenhuma concentração ou local
preferencial de armazenamento destes objetos. Espalhados aleatoriamente, não indicam
espacialidade reconhecível, pois se encontram acompanhando as áreas de terra enegrecidas
pela ação do fogo. Por outro lado, não se limitam a estas, uma vez que no Gráfico de
distribuição estes artefatos estão dispersos por toda as áreas escavadas (Anexo 4: Gráficos 8 e
9).
Desta forma, pode-se afirmar que esses testemunhos brutos foram levados ao sítio pela
ação humana, com objetivos diversos que foram (ou não) levados a cabo, como será visto
adiante.
A distribuição dos blocos de basalto modificados pela ação do calor apresenta uma
uniformidade e um padrão nos setores escavados. Schmitz et al. (1990, p.16) utilizam o termo
“pedras de fogão” para descrever as peças com alteração provocada pelo calor: “estes seixos
possuem cicatrizes de desprendimento de fragmentos devido ao aquecimento”. Essas
termóforas estão associadas à dispersão da mancha escura das fogueiras, fogos e fogões, no
mais das vezes dentro destes. Estes testemunhos demarcam, mas não delimitam fogueiras,
fogos ou fornos. É provável que seu uso estivesse associado às atividades que envolvessem
combustão, preparação dos alimentos e confecção de artefatos líticos manufaturados (ver
Anexo 4: Gráficos 10 e 11).
Os seixos de basalto alterados pelo fogo no sítio RS-JC-57 apresentam as mesmas
cicatrizes descritas por Schmitz et al. (1990, p.16) no sítio de Candelária:
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 103
Da mesma forma, o glabro, uma vez que se encontra alterado pelo fogo e não possui
propriedades de lascamento pode ser associado às áreas de combustão e fogos, ou como
suporte de panelas, conforme sugerido por Schmitz et al.(1990, p.17). O glabro, segundo esses
autores, poderia ser classificado como basaltos vesiculares, ou seja, que apresentam vesículas
ou incrustações de outras rochas, que facilitaria sua quebra ante a ação do fogo. A distribuição
do glabro segue as áreas de combustão, delimitadas às áreas de terra enegrecida pelo fogo (ver
Anexo 4: Gráficos 12 e 13).
Os locais de concentração das termóforas pressupõem a localização das áreas de
combustão. Neste sentido, podem ser observadas duas ou três grandes áreas, uma no setor 1 e
outras duas nos setores III a VI. Em relação à ocupação humana, talvez se trate,
provavelmente, de dois ou três núcleos residenciais, haja vista a concomitância com outros
fatores, como a distribuição dos outros artefatos. Embora o Gráfico da dispersão das
termóforas não possibilite nenhuma afirmação isolada, ao se associar com outros elementos,
como o conjunto com os núcleos (com sinal de queima), a presença de carvões e material
cerâmico, levam a crer que estas áreas são os centros de atividades domésticas neste espaço
habitacional.
A abordagem que será apresentada aqui visa facilitar a compreensão dos artefatos,
portanto, adotar-se-á a divisão dos testemunhos manufaturados por matéria-prima, a fim de se
obter uma visão que contemple os aspectos de uso de cada uma delas. Por exemplo, a
classificação lasca pode ter uso de cortar, raspar, furar, alisar, conforme a utilização que o
artesão empregue. Ao contrário, a determinação de uma função delimitaria o rol de usos da
mesma peça. A distribuição da totalidade das peças líticas pode ser observada no Anexo 4
(Gráficos 2 e 4).
da área que se denominou habitação. Sendo assim, buscar-se-á demonstrar que a disposição
dos artefatos, embora sabidamente não estejam em seu local exato de abandono, pode auxiliar
na interpretação dos mesmos.
A apresentação e discussão a respeito dos possíveis usos dos artefatos encontram-se no
capítulo dois. Aqui, pretende-se demonstrar que as atividades ocorriam em maior intensidade
em redor das fogueiras, haja vista a distribuição dos testemunhos concentrarem-se ao redor
destas. A passagem de Leroi-Gourhan e Brézzillon (1996, p.333) é elucidativa na relação
entre distribuição de testemunhos e determinação de estruturas de habitação:
Le groupement des vestiges de sílex autour dês foyer et le long des limites de
h’habitat semble par conséquent marquer la place d’une struture trilobée, née de
l’imbrication de trois habitations ovales. Chacune de ces habitations aurait
comporté un foyer placé à l’entrée. La manipulation du silex se serait
principalement faite près de chacun des foyers. 3
Desta forma, o que se propõe é que o cruzamento entre a distribuição dos diversos
testemunhos permitem a delimitação dos espaços domésticos, bem como dos núcleos
familiares que compunham esta habitação. Neste sentido, a distribuição de todos os
testemunhos manufaturados aponta para três conjuntos de concentrações que podem ser
determinantes para a delimitação dos espaços domésticos de três fogueiras e,
conseqüentemente, três famílias nucleares ao redor de seus respectivos locais de combustão.
Ao observar a distribuição dos afiadores em canaleta, vê-se que estes não estão na área
de maior concentração de material cerâmico ou junto ao “forno” ou “fogueira com depressão
côncava”. Ao contrário, parece que os afiadores “margeiam” as fogueiras, como se os objetos
ou artefatos em confecção fossem ao fogo para melhor manipulação (ver Anexo 4: Gráficos
14 e 15). Assim como em Pincevent, a distribuição dos artefatos de sílex permitem a
inferência dos locais de uso e a posição dos artesãos (op.cit, p. 329). Acredita-se que a
distribuição dos afiadores e dos blocos de arenito sem utilização permite inferir que as
atividades eram realizadas ao redor do fogo, provavelmente com as pessoas sentadas.
Já não se pode afirmar o mesmo em relação aos blocos polidos de arenito (aqui será
tratado apenas dos blocos partidos, não dos seixos de arenito). Sua distribuição avança sobre a
área da fogueira e adjacências, sem ordenação espacial visível. Mas, ao mesmo tempo,
observa-se que a sua distribuição dá-se em torno das áreas denominadas de fogueira (ver
Anexo 4: Gráficos 16 e 17).
3
“O agrupamento de vestígios de sílex ao redor dos fogões e ao longo dos limites da habitação parecem,
portanto, marcar o local de uma estrutura tripartida, nascida da imbricação de três habitações ovais. Cada uma
destas habitações comportavam um fogo colocado à entrada. A manipulação do sílex era principalmente feita
perto de cada um dos fogos.”
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 105
O uso desses blocos com sinal de polimento permanece uma incógnita. Conforme foi
exposto no capítulo dois, o aumento em lupa binocular não permitiu inferências a respeito do
uso. No entanto, sua distribuição aponta, novamente, para atividades em torno das fogueiras.
Se por um lado não se pode inferir o uso ao qual foi destinado, por outro, acredita-se que,
juntos com os outros testemunhos, fica reforçada a idéia de que as atividades se concentram
em torno das áreas de combustão, sejam elas fogueiras, fogos ou fogões.
4
Foram identificados vinte e nove conjuntos classificados como núcleos, sendo que dez foram remontados,
colados e sua localização é exata (ver Anexo 4, Gráficos 12, 13, 14 e 15). Outros doze núcleos são compostos por
uma única peça.
5
Foram considerados elementos como matéria-prima, tipo de córtex, coloração, dimensões, entre outros
elementos, para identificar as peças que compõem o mesmo núcleo.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 106
que permite pensar que, caso houvesse ação de arrastamento destes artefatos, os mais leves
seriam os primeiros a serem dispersos.
Estes seixos foram considerados como testemunhos manufaturados uma vez que, além
da alteração promovida pelo fogo, são nítidos os pontos de percussão sobre os blocos
remontados, sinais de que houve tentativas de produção de lascas que, por outras
características físicas, não foram aproveitadas (ver Anexo 3: Fotos 2, 3, 4 e 5).
Além disso, a remontagem dos núcleos proporcionou a verificação das etapas de
preparação dos mesmos, com a escolha dos blocos de calcedônia, o aquecimento em fogueira
e posterior quebra destes. A passagem de Goldmeier e Schmitz (1989, p.389) é elucidativa:
Os nódulos de calcedônia são recolhidos nas corredeiras do rio. O tamanho
destes nódulos é variável, mas no geral está por volta do tamanho de amostra-de-
mão, ou pouco maiores. A característica destes nódulos de calcedônia é que eles
são difíceis de lascar; para chegar à matéria-prima que precisava o homem pré-
histórico fez uso de uma técnica de retalhamento, costumeiramente chamada
técnica bipolar.
No caso do sítio RS-JC-57, foi observado ainda o aquecimento dos núcleos para
facilitar o lascamento, embora não tenha sido utilizada nenhuma lasca das peças remontadas, o
que permite pensar que o processo não ocorreu conforme o planejamento do artesão. Ao
mesmo tempo, é importante salientar que esta atividade está ocorrendo dentro do espaço
habitacional. Desta forma, pode-se levantar algumas hipóteses: a) o material lascado era
confeccionado dentro da casa (por causa dos detritos e lascas não utilizadas estarem na área de
fogueiras), esta idéia se contrapõe à utilização de espaços externos para confecção de artefatos
líticos em áreas de atividade fora da residência; b) o material lítico poderia ser confeccionado
por ambos os sexos, e, neste caso, os refugos poderiam ser resultado de atividade feminina
sem domínio da matéria-prima, haja vista a quantidade de material não utilizado, o que
demonstra inaptidão ao lascamento da calcedônia ou confecção ocasional.
Essas hipóteses devem ser testadas através de uma profunda e sistemática análise do
lítico Guarani, o que é uma atividade bastante obstruída pela pequena quantidade de
publicações que tratam da distribuição espacial do lítico em amplas áreas escavadas. Ademais,
não é objetivo deste trabalho uma profunda análise do lítico, mas apontar para a pequena
quantidade de artefatos utilizados frente à quantidade de testemunhos manufaturados.
Assim, as peças líticas com sinal de uso (lasca de riolito retocada, lasca de calcedônia
com desgaste por uso, dois fragmentos de lâminas polidas de basalto e os afiadores de
canaleta, ver Anexo 3: Fotos 6 e 8) são numericamente insignificantes frente às mais de 2.600
peças líticas escavadas. Desta forma, é necessário observar que durante os anos de coleta
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 107
Enfin, le nucleus 21.106 partage sés produits entre le trois foyers. Ces faits
importants pour établir l’existence d’une zone de circulation commune aux trois
cellules et, du point de vue sociologique, pour supposer l’absence de restrictions
dans l’emploi de la matière première entre les membres de la communauté. 6
6
“Enfim, o núcleo C 21.106 compartilha seus produtos entre os três fogões. Estes fatos são importantes para
estabelecer a existência de uma zona de circulação comum às três células e, do ponto de vista sociológico, para
supor a ausência de restrições no emprego da matéria-prima entre os membros da comunidade.”
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 108
vez que, tanto a quantidade de núcleos como de lascas produzidas é maior na segunda
concentração. Como afirmam Leroi-Gourhan e Brézzilon (1966, p. 341):
L’expression du movement general des nucleus et des produits conduit à préciser
quelques points. On constate que si le trois foyers sont fonctionnellement identique sous
l’angle du débitage du silex, le foyer I n’a connu qu’une faible activité l’essentiel du travail
s’est partagé entre le foyers II et III. 7
Sendo assim, e como será apresentado logo abaixo, acredita-se que esses testemunhos
indicam que a atividade social (ou econômica) acontecia com maior intensidade nos setores III
a VI dessa escavação, seja pelo número de núcleos trabalhados seja pela quantidade de
material produzido.
4.3.3 A cerâmica
7
“A expressão do movimento geral dos núcleos e dos produtos conduzem a precisar alguns pontos. Constata-se
que, se os três fogões são funcionalmente idênticos sob o ângulo de debitagem do silex, o fogão I conheceu
somente uma fraca atividade, e o essencial do trabalho se repartiu entre os fogões II e III.”
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 109
8
As bordas corrugadas-unguladas de panelas têm os seguintes diâmetros de boca: 22, 20, 15 e 11 cm. Uma delas
foi impossível de verificar o diâmetro.
9
Das nove tigelas unguladas, duas possuem 30 cm de diâmetro, uma tigela com 22 cm, uma com 18 cm, uma
com 12 cm, duas com 8 cm e em duas não foi possível ser reconstituído o diâmetro.
10
Aqui se inclui o ungulado, pois, como exposto acima (capítulo dois), o ungulado aparece geralmente em
vasilhas anteriormente alisadas, sendo assim, uma decoração. Ademais, o ungulado é utilizado preferencialmente
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 110
capítulo dois, podem ser assim relacionadas: as tigelas de beber, como o próprio nome sugere,
são utilizadas para servir bebidas, não sendo levadas ao fogo; da mesma forma, as talhas
seriam utilizadas para conservar, guardar ou fermentar líquido. Embora esta afirmação seja
impossível sem o aporte etnográfico ou etno-histórico, é certo que não iam ao fogo, ou, caso
fossem, não eram utilizadas para a preparação de alimentos. Isto é visível nos fragmentos de
vasilhas (principalmente panelas e tigelas) que foram analisadas com restos de alimentos
ainda em sua superfície interna. Em termos numéricos, a relação entre as formas e o
tratamento de superfície ocorre da seguinte maneira:
– No caso das tigelas de beber, todas são pintadas (101 bordas). A distribuição das tigelas
de beber encontra-se no Anexo 4 (Gráficos 39 e 40);
– As tigelas de beber devem ter papel diferenciado em relação à forma; podem ser
observados dois conjuntos facilmente distinguíveis: as tigelas de beber com pintura externa
(carenadas, com fundo plano, geralmente de borda vertical ou extrovertida) e com pintura
interna (de contorno simples, fundo semi-esférico, borda extrovertida e pintura
predominantemente vermelha);
– No caso das talhas, embora em número reduzido (4 bordas), todas são pintadas. Ainda
assim, os grandes fragmentos de corpo de vasilhas que são pintados possuem as carenas ou
ombros habituais, salientando a função de talhas. A distribuição das talhas encontra-se no
Anexo 4 (Gráfico 38).
Considerando-se agora a questão estritamente funcional, a distribuição das vasilhas
conforme a função e a dimensão que possuem permite algumas hipóteses de trabalho que
devem ser levantadas.
Existem três áreas de concentração de vasilhas. Isto pode ser observado nos Gráficos
de distribuição de recipientes separados por funcionalidade (ver Anexo 4: Gráficos 34 a 42).
Em especial, acredita-se que as categorias funcionais possam ser separadas considerando o
conjunto de vasilhas da mesma classe; assim, supõe-se que:
– Vasilhas de dimensões diferentes (mas mesma função) podem pertencer a um mesmo
“conjunto”, ou tralha pertencente a um grupo doméstico, no qual cada recipiente é adequado a
uma função específica;11
– Vasilhas de categorias diferentes, mas espacialmente próximas entre si, podem pertencer
a um mesmo “conjunto”, delimitando fisicamente a área dos usuários (do fogo, fogueira ou
fogão);
– Agrupamentos de vasilhas de função e dimensão diferentes podem definir grupos de
afinidade (ou parentesco), considerando a distribuição dos conjuntos.
Esta proposta é apresentada em virtude de ser possível visualizar, através da dispersão
das bordas, algumas constantes na distribuição dos artefatos, mesmo considerando os efeitos
pós-deposicionais que atuaram no sítio. Estas constantes são as concentrações dos fragmentos
de bordas, seja considerado a função ou o diâmetro de boca das vasilhas, somada à
concentração dos outros testemunhos disponíveis.
Desta forma, associam-se os seguintes fatores:
– A hipotética delimitação de áreas de circulação, considerando a distribuição geral da
totalidade dos artefatos (no Anexo 4, comparar os Gráficos 3 e 5 ao 27 e 29);
– A concentração de vasilhas de função e dimensão diferentes em locais sobrepostos,
conforme Gráficos 34, 35, 37 e 40 no Anexo 4;
– Nas áreas delimitadas nos Gráficos 37 e 40 (Anexo 4) e no setor 1 (Gráficos 34, 36 e 39,
Anexo 4), é possível observar que os agrupamentos concentram fragmentos de bordas com
todas as funções existentes (como panelas, tigelas, pratos etc.), bem como as dimensões
arbitrariamente separadas (cada área possui todas as funções nas dimensões pequeno, médio e
grande – ou muito grande – quando é o caso).
Desta forma, propõe-se que, face aos conjuntos de elementos elencados até aqui, seja
possível propor uma residência composta por três famílias nucleares, com números
aproximados entre quatro e oito moradores em cada núcleo. Esta “proposta de demografia” é
colocada com base nas dimensões das vasilhas (número de vasilhames pequenos, médios e
grandes) e no número de exemplares de cada tipo (número de bordas de tigelas, pratos e
panelas). Reitera-se que esta proposta refere-se ao uso do espaço doméstico, estritamente
dentro da habitação, pois a área escavada fora do NSA não permite a definição de áreas de
atividade fora da moradia.
Isto pode ser confirmado pela distribuição das “manchas escuras”, ou NSA, que estão
sobrepostas às áreas de concentração de material. Ao mesmo tempo, a observação da
quantidade de bordas e dimensões das vasilhas reconstituídas permite sugerir uma hipótese
demográfica, a partir da seguinte proposta de interpretação, cruzando a categoria das vasilhas,
suas dimensões e localização no setor:
Em relação ao setor 1:
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 112
30
30
26
Setor 1
20
15 Setor III e V
11
9 Setor IV e VI
10 7
5 5 5
1
0 0
0
Pn pq Pn Méd Pn Gr Pn XG
A distribuição destes fragmentos de bordas leva a crer que a concentração dos setores
III e V possuem praticamente o dobro de fragmentos de borda de panelas da dos setores IV e
VI, o que poderia sugerir outras duas famílias nucleares, com número de pessoas distintos.
Esta hipótese será reforçada na análise das outras categorias de vasilhas, como será visto a
seguir.
2) As tigelas de comer apresentam distribuição semelhante, como observado nas áreas
assinaladas no Gráfico 37 (Anexo 4). A concentração entre os setores III e V apresenta uma
tigela muito pequena, sete pequenas, onze médias e seis grandes, ao passo que a concentração
entre os setores IV e VI apresenta uma tigela muito pequena, três pequenas, cinco médias e
duas grandes. É interessante observar que, quantitativamente, o número de fragmentos da
concentração dos setores IV e VI é praticamente a metade da concentração dos setores III e V,
ao mesmo tempo em que semelhante ao setor 1 (Gráfico 6).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 114
setor 1
12 setor III e V 11
setor IV e VI
7
6
6 5
4 4
3
2 2
1 1 1
0
Tig + Pq Tig Peq Tig Méd Tig G
Gráfico 6 – Comparação entre as quantidades de bordas de tigelas de comer nas três concentrações.
20 18 setor 1
16
15 setor III e V
10 8 8 setor IV e VI
7
5 3 3 3
2 2
1
0
0
Tig Pq Tig Méd Tig Gr Tig XG
Gráfico 7 – Comparação entre as quantidades de bordas de tigelas de beber nas três concentrações.
Não se sabe o que poderia levar à disparidade das tigelas médias entre o setor 1 e os
outros setores. No entanto, as possibilidades de uso diferenciado de espaço ou mesmo de
grupos distintos (categorias de idade? separação por gênero?) permanecem em aberto até um
estudo mais aprofundado do material.
4) Os pratos apresentam uma distribuição diferenciada (ver Anexo 4: Gráfico 42),
embora tenham uma lógica interna: as bordas da concentração dos setores III e V (à esquerda
no Gráfico) apresenta uma pequena, seis médias e nenhuma grande. Em oposição, a
concentração dos setores IV e VI apresenta duas bordas pequenas, duas médias e três grandes.
Se, por um lado, esta distribuição parece contraditória, na comparação com o setor 1 (onde se
encontram duas bordas grandes e duas pequenas, ver Gráfico 8) parece que, no que concerne
aos pratos, quanto menor a família menor é o número de exemplares de vasilhas médios, o que
pode indicar que ou eram pouco utilizados, ou, funcionalmente, as tigelas de fundo aplanado
pudessem tomar o lugar dos pratos para servir alimentos.
setor 1
6
6 setor III e V
setor IV e VI
4
3
2 2 2 2
2
1
0 0
0
Pr Pq Pr Méd Pr Gr
se, como testemunhos desta ordem, os negativos produzidos pela decomposição dos esteios e
os “vazios” perceptíveis que delimitam, em nosso caso, as áreas domésticas. A respeito dos
“vazios”, Leroi-Gourhan e Brézillon (1966, p.370) apontam como sua demarcação é
importante para a interpretação do uso destes espaços:
Não se pode inferir se os espaços vazios em torno das fogueiras são, como propõem os
autores citados, áreas de dormir ou de descanso. No entanto, a ausência de testemunhos
reforça a idéia de que estes locais servem de passagem entre as fogueiras. Uma vez que alguns
testemunhos (como os núcleos líticos) apresentam sua dispersão ao longo das concentrações
de vasilhas cerâmicas, pode-se inferir que, embora de dimensões reduzidas, trata-se de uma
única habitação, com, provavelmente, três famílias nucleares, cada uma ao redor de uma área
de combustão.
Essa hipótese encontra sustentação na localização dos dois negativos de esteios. No
caso do negativo de esteio escavado no setor 1 (Anexo 2: Foto 14), a alteração no solo possuía
aproximadamente 10 cm de diâmetro e foram escavados 17 cm de profundidade (para
localização do negativo de esteio, ver Anexo 4, Gráfico 26). Considerando que se trata de uma
evidência negativa e do extremo do esteio, pode-se imaginar que tanto a largura quanto o
comprimento enterrado fossem bem maiores. Observando-se o Anexo 4 (Gráfico 26), vê-se
que a localização do esteio permite uma área de circulação em seu redor e próximo ao fogo
(Anexo 4: Gráficos 3 e 5).
Desta forma, a proposta de “área de circulação” sugerida diz respeito à delimitação da
área de dispersão dos testemunhos (totalidade dos artefatos líticos, cerâmicos e concentração
de carvões) que, somada à localização do esteio, permite inferir que as áreas vazias em torno
das fogueiras sejam o espaço doméstico pelo qual a passagem deveria ocorrer ou servir de
dormitório.
O mesmo ocorre nos setores III a VI, onde a localização de um negativo de esteio
ocorreu no limite dos setores IV e VI (Anexo 4: Gráfico 28). A distância entre os negativos de
12
“Os espaços vazios VII-VIII-IX possuem uma série de problemas de interpretação. Estes são as superfícies
sobre os quais o ocre tem falhas ou somente aparecem parcialmente e onde os fragmentos de ossos ou lítico são
raros ou pequenos. É muito provável que estas superfícies fossem normalmente recobertas e que elas
desempenhavam um papel de espaço de descanso”.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 120
13
Se for considerada como área de habitação o local de dispersão dos testemunhos e o núcleo de solo
antropogênico, deve-se contar as áreas dos setores 1, III, IV, V e VI, incluindo as trincheiras que permitiram o
reconhecimento da ocupação (ver Anexo 1, desenhos 3, 4 e 5)
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 121
Sendo assim, acredita-se que a distribuição dos diversos testemunhos permite inferir
não somente a espacialidade de cada um dos elementos que compõem cada categoria de
testemunho, mas, principalmente, sugerir, com alguma segurança, a respeito da demografia,
uso do espaço doméstico, local de confecção e distribuição dos artefatos, além da importância
social dos moradores desta habitação.
Esta contribuição é no sentido de que, com o controle rígido da escavação e do registro
arqueológico (nunca esquecendo que este pr ocesso é destrutivo e irreversível), outras análises
ainda poderão ser realizadas, como, por exemplo, fatores que atuaram na desestruturação do
sítio, causas de abandono, além de uma abordagem etno-histórica, que se pretende realizar em
um futuro próximo.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 122
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluir uma tese é delimitar o ponto final de uma pesquisa que, por diversos fatores,
não apresenta uma conclusão. Muitas lacunas na análise dos artefatos são complementadas,
em parte, por outra tese de doutorado que se encontra em andamento, desenvolvida pelo
Professor Sérgio Célio Klamt, doutorando em Arqueologia pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Análise de recursos disponíveis no ambiente, solos
de cultivo em áreas próximas ao sítio RS-JC-57, descrição dos remanescentes de fauna
escavadas, relação com outros sítios do vale do rio Jacuí, entre outros elementos, são assuntos
tratados por este colega.
Aqui, pretendeu-se apresentar os resultados obtidos com este trabalho e a contribuição
que se pretendeu oferecer à pesquisa de sítios arqueológicos Guaranis a partir deste estudo de
caso. Mesmo que o sítio já tenha sido pesquisado anteriormente e o vale do rio Jacuí seja um
dos mais conhecidos arqueologicamente no Estado do Rio Grande do Sul, alguns resultados
podem ser arrolados, bem como sugerir diversos caminhos abertos para novas pesquisas. As
considerações serão apresentadas por capítulos, para que, logo após, seja realizado um grande
apanhado sobre este estudo.
No primeiro capítulo, a pretensão foi resgatar um pouco da história que envolve a
arqueologia Guarani, principalmente no que concerne aos parâmetros que nortearam a
pesquisa após a implantação do PRONAPA. No primeiro item, a intenção não foi a de realizar
uma apologia ao programa, mas, ao contrário, mostrar a grande quantidade de informações
disponíveis nos volumes publicados, que, desde o princípio, aponta para a diversidade de
configurações de sítios arqueológicos Guaranis no Estado do Rio Grande do Sul. Neste
sentido, é fundamental que se perceba que os Guaranis, embora compartilhem um corpus
mitológico e cultural semelhante, realizam uma relação dialética de transformação e
adaptação1 ao ambiente no qual se inserem.
Disto resulta que não há uma única unidade fitogeográfica exclusiva para o
assentamento Guarani, delimitado estritamente em certos compartimentos geográficos (como
vales ou altitudes máximas de 400 metros s.n.m.), mas inserção em todos locais onde sua
1
“A adaptação, por sua vez, é encarada como algo que vem ‘de dentro’ das culturas. Os grupos humanos ‘se
adaptam’, e nunca ‘são adaptados’. A cultura por sua vez só pode ser explicada por processos únicos a si mesma,
e nunca por princípios e mecanismos atuantes no planeta como um todo” (DUNNELL, 1980, p. 48 apud
ARAÚJO, 2001, p .67).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 123
expansão pode ser notada, até a chegada do europeu. Isto pode ser mais bem observado em
um mapa de distribuição de sítios na tese de Brochado (1984), no qual se constatam sítios no
planalto, sobre sambaquis, ou em altitudes próximas a mil metros, além de regiões de mangue,
de cerrado ou em banhados, muito distantes do que foi considerado ‘horticultores de floresta
tropical’.2
Neste sentido, o resgate da importância do PRONAPA tem dois sentidos: um mea
culpa, uma vez que, como outros colegas, acreditava-se que a instalação do Programa fora um
retrocesso na metodologia de pesquisa em andamento, além de ser um inibidor daqueles que
pensavam diferente;3 e, segundo, porque existem muitos elementos que podem contribuir para
a pesquisa arqueológica. E, como toda a ciência, evolui sobre as edificações deixadas pelos
antecessores.
No segundo item, foi apresentada a ruptura realizada por Brochado no
desmembramento da Tradição Tupiguarani em Subtradição Guarani. Ainda hoje não é
demasiado explicar o avanço que esta separação representou no final dos anos 1970’
(BROCHADO, 1980). Propondo uma abordagem que contemplasse os dados históricos,
lingüísticos e etnográficos, Brochado propõe uma visão integrada para as culturas
arqueológicas. Mais que isso, atribui etnicidade à cerâmica, propondo a ligação entre a cultura
material e a sociedade que a produziu. A terminologia prosseguiu a mesma, uma vez que
Brochado (ou qualquer de seus alunos) não propôs uma abordagem diferente dos conceitos de
Tradição ou Subtradição, no sentido de filiação cultural através da tecnologia e, mais
precisamente, a cerâmica. No entanto, o acréscimo ofertado por Brochado na arqueologia
Guarani ainda está por ser quantificado,4 embora alguns trabalhos apontem sua contribuição
(NOELLI, 1993).
No segundo item questionou-se sobre a origem amazônica dos Guaranis que
merecerão atenção de pesquisas futuras, principalmente para que os modelos possam ser
enriquecidos com dados arqueológicos além dos lingüísticos e históricos. Neste sentido,
acredita-se que os conceitos de Tradição e Fase foram úteis em uma etapa classificatória,
porém não atendem mais aos atuais questionamentos sobre os antepassados dos Guaranis.
No terceiro item, buscou-se demonstrar que uma vertente passível de ser resgatada na
arqueologia Guarani é aquela que busca atribuir etnicidade à cultura material e assentamento
2
“Sua economia e sua cultura se encaixavam perfeitamente no que os antropólogos estão acostumados a
denominar horticultores da floresta tropical, como existem ainda hoje na Amazônia” (SCHMITZ, 1997, p.296).
3
Para acompanhar o histórico das críticas realizadas ao programa, ver Soares (1996,1997, 1999, 2000).
4
NOELLI, Francisco. José Proenza Brochado: vida acadêmica e idéias sobre o passado dos povos Tupi. 2004,
não publicado.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 124
ou, dito de outra forma, demonstrar que o avanço da pesquisa em arqueologia poderá rastrear
conceitos já trabalhados pela Etnografia e pela História, como as parcialidades, ou grupos
étnicos distintos entre si, mas que compartilhariam a língua Guarani. Neste sentido,
demonstraram-se como as pesquisas de Brochado também apontaram nesta direção desde a
década de 1970, mas que, por razões desconhecidas, não foram desenvolvidas.
Em documentos inéditos, como relatórios de pesquisa, correspondência pessoal e
artigos não publicados, foi possível “rastrear” parte da produção e das idéias originais que,
propostas por este eminente pesquisador, ainda estão por serem confirmadas. Um exemplo é a
tentativa de atribuição de parcialidades eticamente definidas (em contraposição ao êmico) a
partir dos conjuntos cerâmicos na época classificados como fases que, conforme proposto,
talvez possa ser retomada a partir de outros critérios diferentes da seriação cerâmica.
Outro ponto apresentado neste item é a proposta de Arqueologia Guarani.
Considerando as limitações dos conceitos histórico-culturalistas para a definição de qual
conjunto de atributos constitui a cultura material Guarani, foi proposta uma análise que fosse o
somatório de diversas outras análises,5 de forma que seja construído sobre uma definição
ampla o suficiente para congregar os distintos regionalismos (parcialidades) e restrita para que
possibilite, ao mesmo tempo, diferenciar de outros grupos (não-Guaranis, como Tupinambás
e outros). Neste trabalho, não se atribui nenhuma etnicidade ao material escavado por dois
motivos: primeiro, porque esta atribuição teria o peso aumentado de dados históricos e
etnográficos não utilizados nesta tese; segundo, do ponto de vista da cultura material, ainda
não há coleções ou escavações para comparação.
No capítulo dois, apresentaram-se os procedimentos da escavação dos sítios RS-JC-56
e RS-JC-57. Estes dois sítios foram considerados como duas áreas de um mesmo sítio, com
funcionalidades distintas. No caso do sítio RS-JC-56, a forma das lentes de núcleo de solo
antropogênico (NSA), a localização e deposição das mesmas, o perfil do talude do rio e os
testemunhos arrolados indicam que este local foi utilizado como área de descarte do sítio RS-
JC-57, denominado área de habitação. Propuseram-se duas questões que deverão ser
consideradas nas pesquisas sobre sítios Guaranis: o caráter da disposição das evidências e a
profundidade do NSA no vale do rio. Esses dois componentes induziram e ainda levam
pesquisadores a considerar alguns sítios como destruídos ou realizar sondagens de até 50 cm
como “limite” para a ocupação Guarani.
5
Atributos estilísticos e morfológicos da cerâmica, identificação histórica dos grupos, distintos padrões de
assentamento, análises físico-química das cerâmicas e solos antropogênicos.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 125
Inicialmente, no primeiro item, foi realizado um breve histórico das datações nos sítios
Guaranis. Foram apresentadas as datas presentes na tese de doutoramento de Brochado e
algumas referentes à ocupação Tupiguarani (da região Sul) presentes em um dactiloscrito
depositado na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS), muitas delas não-publicadas,
seguidas de um juízo de valor de Betty Meggers. Demonstraram-se, ainda, alguns critérios que
nortearam a divulgação (ou invalidação) das datações e o modo como estas foram utilizadas
para respaldar o modelo de ocupação tardia das terras baixas do leste da América do Sul.
Assim, acredita-se que a discussão sobre a antiguidade da presença Guarani no Brasil
meridional passa, sobretudo, pelos modelos e paradigmas adotados, e menos pelas limitações
dos métodos e técnicas utilizados.
No segundo item do capítulo três, apresentaram-se as datas realizadas pelo método de
termoluminescência (TL) no LACIFID. As datas realizadas em fragmentos de cerâmica e
sedimentos apresentaram um recuo considerável na antiguidade da ocupação Guarani no
Estado do RS. Outras datações realizadas pelo mesmo método, no mesmo laboratório,
demonstraram a confiabilidade nos procedimentos, conforme pode ser observado em datações
sobre urnas do período histórico (SOARES e MILDER, 2003). Por outro lado, o conjunto de
datas realizado neste sítio é, em vários pontos, incoerente entre si.
No terceiro item, apresentaram-se as datações de TL realizadas pelo Laboratório de
Vidros e Datação da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (FATEC) que, ainda que
utilizando o mesmo método, datou fragmentos de cerâmica com antiguidade entre mil e mil e
duzentos anos antes do presente (entre 1000 e 1200 BP). Embora dentro dos paradigmas
aceitos para a arqueologia Guarani do sul do Brasil, estas datações são contraditórias com as
realizadas pelo laboratório anterior. Sendo assim, realizou-se uma datação por radiocarbono,
apresentada no quarto item deste capítulo que, embora com ressalvas sobre a validade dos
resultados obtidos em virtude de se tratar de uma datação indireta, ainda é a mais aceita no
meio acadêmico. No entanto, o resultado obtido, de 470+ 50 antes do presente, remete a uma
ocupação, com 95% de probabilidade, entre os anos de 1400 e 1490 da Era Cristã. Acredita-se
que o conjunto de datas realizadas demonstra claramente duas questões: 1) a problemática de
acreditar-se em um único método como possível de determinar a cronologia de ocupação e 2)
a necessidade de se realizarem mais de uma ou duas datações para que o resultado seja
satisfatório, ao invés de acreditar em um método ou data por apresentar resultados aceitáveis
dentro dos modelos existentes.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 127
difícil, em contato com a vasta literatura, tanto histórica como etnográfica, não se envolver
com a questão indígena de forma passional. Daí um dos motivos que levaram à realização
desta tese desta maneira: buscar apresentar um texto o mais árido possível sem as paixões que
a história e a etnografia tão bem proporcionam.
Ao mesmo tempo, havia um problema pessoal: fazer Arqueologia da forma tradicional,
no sentido de que a análise dos artefatos produzidos, modificados intencionalmente ou não,
iniciasse na escavação e concluísse com a publicação. Dito de outra forma, havia a
necessidade de fazer uma análise empírica sobre os objetos, e daí, sobre o que é possível de
afirmar (ou não) a respeito deles. Neste sentido, de forma alguma se negou a contribuição da
analogia histórica e etnográfica na construção de hipóteses plausíveis para a interpretação
destas sociedades no passado; esse trabalho será realizado na continuidade deste. Todavia,
acredita-se que faltava uma contribuição nos moldes aqui realizados, quer dizer, a busca de
possíveis inferências a partir do registro arqueológico.
Foram acrescentadas também algumas sugestões para possíveis pesquisas como:
poder-se-ia comparar os resultados aqui obtidos com os obtidos em outras escavações em
áreas amplas, bem como ampliar o rol de testemunhos observados e registrados.
Outro ponto importante salientado não diz respeito a conclusão deste trabalho, mas a
sua trajetória. Quando foi iniciada a análise deste sítio, havia uma grande quantidade de
informações históricas, etnográficas, lingüísticas e alguma experiência de vida entre os
Guaranis. Quando se optou por realizar uma análise “dura” dos artefatos e buscar um
distanciamento emocional do objeto de estudo, foi proposta a prática de uma arqueologia
difícil, pois é sabida a quantidade de empecilhos existentes desde a escavação até a análise dos
materiais. Então, a trajetória desta tese mostrou a grande dificuldade de se fazer arqueologia
neste País, e porque são tão poucas as grandes escavações com grandes estadas em campo. Por
outro lado, estas dificuldades só aumentaram o desejo de permanecer em atividade e, se
possível, escavar outros sítios em grandes áreas.
Ao mesmo tempo, devem-se colocar os próximos passos que serão efetuados. As
análises de assinaturas químicas em fragmentos cerâmicos mal começaram a dar resultados, o
que permitirá, em curto espaço de tempo, avaliar a troca e o comércio de recipientes entre
grupos. As análises de solo permitirão, em pouco tempo, afirmar as concentrações em
pequena escala, o que viabilizará a definição melhor dos espaços ocupados (com maior
evidências de restos de caça ou vegetais e, por extensão, casas fixas, acampamentos de caça
ou de roça).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 130
O material do sítio RS-JC-56/57 foi analisado sob uma abordagem. Análises de cadeia
operatória para o lítico, composição de pasta para a cerâmica, bem como muitas outras
poderão ser, ainda, desenvolvidas. Por enquanto, deu-se uma pequena contribuição que
auxiliará a conhecer uma parte da pré-história dos Guaranis e, quiçá, do Estado do Rio Grande
do Sul.
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 131
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Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 134
ANEXO 1
ANEXO
MAPAS 1
E DESENHOS
MAPAS E DESENHOS
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 142
Foto 1: Foto aérea do local das atividades. Escala 1:60000. O ponto no centro do círculo
indica o sítio arqueológico.
2,1 m
4,5 m
Legenda
1,70 m
2m
Desenho 5: Croqui dos setores escavados pelas equipes (acervo LEPA/UFSM, modificado pelo autor).
Desenho 6: Esquema dos sedimentos e as datas obtidas a partir dos métodos de TL e LOE, segundo
LACIFID( In: Milder e Soares, 2002, p.168).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
148
ANEXO 2
FOTOS DA
ESCAVAÇÃO
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
149
Foto 1 : Escavação da área de descarte. Vista lateral do talude do rio (foto Acervo
LEPA/UFSM).
Foto 9: Escavação de uma depressão (forno tipo polinésio?) (foto Acervo LEPA/UFSM).
Foto 10: Idem anterior, de perfil. Existe referência a fogueiras com depressão côncava em
sítios Guaranis (foto André Soares).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
154
Foto 14: Negativo de esteio escavado no setor 1 (foto Acervo LEPA/UFSM, modificado
pelo autor).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
156
Foto 15: vista do final da escavação nos setores III, IV, V e VI. Nas setas, blocos
testemunhos que não foram escavados. Flecha da esquerda, setor VI, da direita, setor V
(Foto Sérgio Klamt).
ANEXO 3
FOTOS DOS
ARTEFATOS
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
158
Foto 3 : Núcleo 4. Conforme encontrado no sítio (em cima), córtex remontado (embaixo, à
esquerda) e ventral (embaixo, à direita). Observar os pontos de percussão na foto embaixo, à
esquerda (fotos: Sérgio Klamt).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
161
Foto 6 : Lascas retocadas.À esquerda, lasca de calcedônia. À direita, lasca de riolito. Abaixo,
fragmentos de peças polidas (fotos: Sérgio Klamt.)
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
164
Foto 8: Artefatos em arenito. No topo, Afiadores em canaleta. No centro, peças com sinal de
polimento.Em baixo, os “polidores” em seixo de arenito encontrados no sítio. À título de
comparação, à esquerda de cada foto são apresentados os seixos naturais, recolhidos em
cascalheiras de rio. À direita, material encontrado na escavação (fotos: Sérgio Klamt).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
166
Foto 11: Vasilhas depositadas no Museu Antropológico Diretor Pestana. Também foram
encontradas vasilhas ‘exóticas’ nos tratamentos de superfície corrugado e ungulado (foto: André
Soares).
Foto 21: Motivo das pinturas externas existentes nas bordas das talhas (foto: Sérgio Klamt).
Foto 22: Motivos de pintura externo das talhas (fotos: Sérgio Klamt).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
173
Foto 23: Motivo das pinturas externas existentes nas tigelas de beber carenadas (fotos:
Sérgio Klamt).
Foto 24 : Motivos de pintura externo das tigelas de beber carenadas. (fotos: Sérgio
Klamt).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
174
Foto 25 : Tigelas de beber. Em cima, à esquerda, tigela carenada com fundo aplanado. À direita,
motivo de pintura. Abaixo, à esquerda, motivo de pintura. À direita, tigela com 8 cm de diâmetro.
Escala em centímetros (fotos: Sérgio Klamt).
Foto 26: Motivos de pintura interno presentes nas tigelas de beber (fotos: Sérgio Klamt).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
175
Foto 28: Bordas de tigelas de beber. Escala em centímetros (foto Sérgio Klamt).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
176
Foto 29: Bordas de tigelas de beber. Escala em centímetros (foto Sérgio Klamt).
Foto 32 : Pratos com diferentes tratamentos de superfície e decoração (Foto Sérgio Klamt).
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
ANEXO 4
GRÁFICO DE
DISTRIBUIÇÃO DOS
ARTEFATOS
178
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
Setor 1
400 0
-8 -4 0
200
0 -4
-800 -400 0
Setor V Setor VI
Gráfico 1: Plano geral da escavação com a totalidade dos testemunhos plotados. As áreas pontilhadas correspondem a locais não
escavados. Ver Anexo 1: desenho 4 e Anexo 2: foto 15.
179
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
180
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
Gráfico 3: Dispersão de todos os testemunhos líticos do setor 1. A linha contínua é semelhante ao gráfico de distribuição
de fragmentos cerâmicos, delimitando a área de circulação.
181
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
0
-8 -7 -6 -5 -4 -3 -2 -1 0
-1
-2
-3
-4
182
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
0
-8 -7 -6 -5 -4 -3 -2 -1 0
-1
-2
-3
-4
Gráfico 5: Dispersão de todos os testemunhos líticos dos setores III a VI. A linha contínua é semelhante ao gráfico de
distribuição de fragmentos cerâmicos, delimitando a área de circulação.
183
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
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Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
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100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
Gráfico 7: Testemunhos brutos. Seixos de basalto sem modificação. Setores III a VI.
185
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
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Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
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0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
187
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400
300
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100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
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Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
Gráfico 11: Testemunhos modificados: dispersão das termóforas de basalto nos setores III a VI.
189
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
190
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
Gráfico 13: Testemunhos modificados: dispersão das termóforas de glabro nos setores III a VI.
191
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
Gráfico 14: Dispersão dos afiadores em canaleta. Na elipse, área de concentração de artefatos.
192
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
Gráfico 15: Dispersão dos afiadores em canaleta, setores III a VI. Nas elipses, áreas de concentração de artefatos.
193
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
Gráfico 16: Dispersão dos blocos de arenito com sinal de polimento do setor 1. Na elipse, área de concentração de artefatos e
provável localização da fogueira.
194
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
Gráfico 17 : Área de dispersão dos blocos com sinal de polimento. Na elipse, área de concentração de artefatos e provável
localização da fogueira.
195
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
Núcleo 29 Núcleo 3
Núcleo 16 Núcleo 17
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
196
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
197
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
198
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
199
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
200
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
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200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
Gráfico 23 : Dispersão dos fragmentos de calcedônia com sinais de queima. Setores III a VI.
201
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
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Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
Gráfico 25 : Dispersão dos fragmentos de calcedônia sem sinais de queima. Setores III a VI.
203
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
Gráfico 26: Dispersão de todos os fragmentos cerâmicos do setor 1. No círculo, negativo de esteio.
204
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
Gráfico 27: Dispersão de todos os fragmentos cerâmicos do setor 1. Na elipse, área de concentração de artefatos. Na linha
contínua, limite da área de circulação.
205
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
0
-8 -7 -6 -5 -4 -3 -2 -1 0
-1
-2
-3
-4
Gráfico 28: Dispersão de todos os fragmentos cerâmicos dos setores III, IV, V e VI. No círculo preto, negativo de esteio.
206
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
0
-8 -6 -4 -2 0
0
-8 -6 -4 -2 0
-2
-2
-4
-4
Gráfico 29: Dispersão de toda a cerâmica nos setores III, IV, V e VI. Na elipse, área de concentração de artefatos. Na linha
contínua, limite da área de circulação.
207
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
Gráfico 30 : Dispersão da cerâmica corrugada e corrugada-ungulada no setor 1. A dispersão aproxima-se da área considerada
de fogueira.
208
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
Gráfico 31: Dispersão das bordas decoradas (lisa, ungulada e pintada) no setor 1. A dispersão não se aproxima da área
considerada de fogueira.
209
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
200
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-200
-400
Gráfico 32 : Dispersão da cerâmica corrugada e corrugada-ungulada nos setores III, IV, V e VI. A dispersão aproxima-se
da área considerada de fogueira.
210
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
200
0
-800 -600 -400 -200 0
-200
-400
Gráfico 33 : Dispersão da cerâmica decorada (lisa, ungulada e pintada) nos setores III, IV, V e VI. A dispersão da
cerâmica afasta-se da área considerada de fogueira.
211
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
Pequenas - 10 a 15 cm Médias - 16 a 28 cm
Grandes - 30 a 50 cm Muito Grandes- Maiores de 50 cm
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
Gráfico 34 : Dispersão dos fragmentos de borda de panelas no Setor 1. Observe-se que todas as dimensões estão presentes,
contribuindo para a hipótese de uma família nuclear.
212
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
Pequenas - 10 a 15 cm Médias - 16 a 28 cm
400
Grandes - 30 a 50 cm Muito Grandes - maior de 50 cm
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
Gráfico 35 : Dispersão dos fragmentos de borda de panelas nos setores III a VI.
213
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
214
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
Gráfico 37: Dispersão dos fragmentos de borda de tigelas de comer nos setores III a VI. Nas áreas assinaladas, encontram-
se todas as dimensões, contribuindo para a idéia de duas concentrações, ou famílias nucleares.
215
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
Gráfico 38 : Dispersão dos fragmentos de borda de talhas nos setores III a VI.
216
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
217
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
Pequenas - 10 a 16 cm Médias - 18 a 26 cm
Grandes - 28 a 34 cm Muito Grandes - maiores de 36 cm
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
Gráfico 40 : Dispersão dos fragmentos de borda de tigelas de beber nos setores III a VI. Considerando que as dimensões
refiram-se a consumo individual e/ou coletivo, dois agrupamentos podem ser visualizados.
218
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
Pequenos - 12 a 16 cm Grandes- 26 a 40
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
Gráfico 41: Dispersão dos fragmentos de borda de pratos no setor 1. Não há pratos médios.
219
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
Gráfico 42 : Dispersão dos fragmentos de borda de pratos nos setores III a VI.
220
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
221
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
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Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -600 -400 -200 0
223
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
224
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
400
300
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
Gráfico 47: Dispersão da cerâmica que encontrava-se fragmentada e cujas peças foram coladas no setor 1.
225
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke
200
100
0
-800 -700 -600 -500 -400 -300 -200 -100 0
-100
-200
-300
-400
Gráfico 48: Dispersão da cerâmica que encontrava-se fragmentada e cujas peças foram coladas nos setores III a VI.
226
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 227
ANEXO 5
TABELAS COM
ANÁLISES DE SOLO
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 228
Tabela 1 - Análise de solo por digestão total, realizada pelo Embrapa Solos – Rio de Janeiro: atributos da fertilidade do solo segundo Embrapa
(1997). Análise realizada pelo Dr. Vinícius Benites e a Ph.D. Beata Madari.
escavação 5,8 4,9 13,8 3,4 0,62 0,06 17,9 0 5,4 23,3 77 0 70
lixeira 7,8 7,2 20,9 3,7 0,33 0,1 25 0 0 25 100 0 80
Ataque sulfúrico g/kg Relações Moleculares
C (orgânico) N Fe2O3 livre Equivalente de
Horizonte C/N
g/kg g/kg SiO2/ Al2O3 Al2O3/ Fe2O3 g/kg CaCO3 g/kg
SiO2 Al2O3 Fe2O3 TiO2 P2O5 MnO SiO2/ R2O3 (Kr)
(Ki)
Tabela 2: Comparação das análises realizadas pelo Embrapa- Solos –RJ, Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e os dados referentes a outros sítios de
Terra Preta publicados.
Legenda:
Ropke Amostra 1 (Embrapa): Lixeira sem peneiramento (significa que o solo enviado para análise não foi peneirado, permanecendo os elementos
macroscópicos orgânicos). Análise realizada por Digestão total pelos pesquisadores Dr. Vinicius Benites e Dra. Ph.D. Beata Madari.
Ropke amostra 2 (Embrapa): Lixeira com peneiramento (significa que o solo enviado para análise foi peneirado, sendo retirados os elementos macroscópicos
orgânicos)
Ropke amostra 3 (Embrapa): Área de escavação sem peneiramento (amostra de solo da área de escavação, sendo enviado uma parcela do núcleo de solo
antropogênico sem a retirada dos vestígios de fauna e flora existentes)
Ropke amostra 4 (Embrapa): Solo adjacente (amostra de solo da área de escavação que não apresentava núcleo antropogênico, sem evidências de ocupação
ou alteração antrópica)
Ropke amostra 5 (MPEG): amostra semelhante a amostra 1. Análise realizada pelo pesquisador Dr. Hilton Túlio Costi, no Museu Paraense Emílio Goeldi.
Ropke amostra 6 (MPEG): amostra semelhante a amostra 3 (escavação). Análise realizada pelo pesquisador Dr. Hilton Túlio Costi, no Museu Paraense
Emílio Goeldi.
Ropke amostra 7 (MPEG): amostra semelhante a amostra 4 (solo adjacente). Análise realizada pelo pesquisador Dr. Hilton Túlio Costi, no Museu Paraense
Emílio Goeldi.
Ropke- Ropke: Ropke - Ropke: Ropke Ropke Ropke TP – Latossol- Sítio Alves Sítio Alves
Análise Amostra 1 amostra 2 Amostra 3 amostra 4 amostra 5 amostra 6 amostra 7 Belterra Belterra (Pallestrini, 1969) (Pallestrini,
(Embrapa) (Embrapa) (Embrapa) (Embrapa) (MPEG) (MPEG) (MPEG) (Pabst, (Pabst, Terra Vermelha 1969) Terra
1991) 1991) Preta
Ph ( KCl) 7,2 X 4,9 X X X X X X 4,3 5
Ph H2O 7,8 X 5,8 X 7,8 5,8 4,8 6,4 3,77 5,2 5,5
MO 4,8 X 3,9 X X X X 1,57 0,7 X X
Ca 14.1 13.6 3.60 1.73 18 12,2 0,1 5,2 0,8 0,45 0,4
Mg 14.1 13.6 3.60 1.73 0,8 1,07 0,1 6,7 0,5 imp. 0,15
K 14.1 13.6 3.60 1.73 0,4 0,7 0,2 0,12 0,16 0,02 0,02
Na 14.1 13.6 3.60 1.73 0.7 0,8 0,2 X X X X
Zn 0.104 X 0.118 X X X X X X X X
P 80/69,5* X 70/23,5* X X X X 14,28 2,19 X X
N 1,9 X 1,7 X X X X 0,348 0,139 0,02 0,07
T (troca 25 X 23,5 X X X X 40 15 2,32 5,82
catiônica)
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 230
ANEXO 6
TABELA COM
QUANTIFICAÇÃO
CERÂMICA
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 233
Tabela 1: Funcionalidade das vasilhas e quantificação segundo os diâmetros de boca das vasilhas
Panelas Tigelas Tigelas de beber Pratos Talhas
Diâmetro Número de Diâmetro Número de Diâmetro Número de Diâmetro Número de Diâmetro Número de
de boca fragmentos de boca fragmentos de boca fragmentos de boca fragmentos de boca fragmentos
10 3 8 2 10 2 12 3 38 2
12 5 10 1 12 4 14 2 * 1
14 14 12 1 14 9 16 2 48 1
15 1 14 4 16 4 18 2 24 1
16 14 16 1 18 10 20 3
17 2 18 4 20 12 22 3
18 17 20 8 22 3 24 3
20 20 22 6 24 5 26 1
22 5 24 5 26 6 32 2
24 12 26 5 28 2 40 1
26 10 28 1 30 5
28 5 30 4 33 1
30 3 32 4 34 3
32 2 34 2 36 1
34 4 36 2 38 2
36 4 38 2 46 2
38 1 40 2
39 1 44 2
40 2 48 1
42 4 66 1
44 1
46 2
50 2
52 1
60 2
Soares,A.L.R. 2004 - Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke 234
ANEXO 7
DATAÇÕES
235
Laboratório de Vidros e Datação
Estou enviando os dados das medidas realizadas pelo nosso laboratório, referentes à datação por
Termoluminescência das amostras de cerâmicas conforme informações abaixo:
Resultados
do LVD (anos)
________________________________________
« Pça. Cel. Fernando Prestes, 30 - CEP 01124-060 « São Paulo, SP, Brasil « Tel: (011) 3322 -2231 « Fax: (011) 3326-7611 «
« email : [email protected] « Site http://www.fatecsp.br/laboratorios/labvidros «
236
Relatório de Ensaio
1. AMOSTRAS
Foram fornecidas pelo cliente quatro amostras co m as designações indicadas na Tabela 1, acondicionadas em sacos
plásticos contendo cerca de 100 g de cada uma. As amostras foram recebidas em 02/2004 e identificadas no
2. MÉTODO UTILIZADO
Análise da paleodose – Equipamento utilizado: TL/OSL Automated Systems, Model 1100-series Daybreak Nuclear
Instruments Inc.
Análise da dose anual – Equipamento utilizado: Canberra Inspector Portable Spectroscopy Workstation (NAI – Tl)
3. RESULTADOS
Os resultados apresentados neste documento têm significação restrita e se aplicam somente ao espécime ensaiado ou
calibrado.
A reprodução deste documento só poderá ser feita integralmente, sem nenhuma alteração.
« Pça. Cel. Fernando Prestes, 30 - Edifício Hipólito - Sala 13H - CEP 01124-060 « São Paulo, SP, Brasil « Tel: (011) 3322-2231 «
« Tel/Fax: (011) 3326 -7611 « e-mail : [email protected] « Site http://www.fateclvd.hpg.com.br/ «
237
LVD (ìGy/ano)
Os resultados apresentados neste documento têm significação restrita e se aplicam somente ao espécime ensaiado ou
calibrado.
A reprodução deste documento só poderá ser feita integralmente, sem nenhuma alteração.
« Pça. Cel. Fernando Prestes, 30 - Edifício Hipólito - Sala 13H - CEP 01124-060 « São Paulo, SP, Brasil « Tel: (011) 3322-2231 «
« Tel/Fax: (011) 3326 -7611 « e-mail : [email protected] « Site http://www.fateclvd.hpg.com.br/ «