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Boavida - Educação Filosófica (Inteiro)

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Educação filosófica: sete ensaios

Autor(es): Boavida, João


Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra
URL URI:http://hdl.handle.net/10316.2/2612
persistente:
DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-0185-4

Accessed : 23-Oct-2020 14:09:00

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pombalina.uc.pt
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(Página deixada propositadamente em branco)
1

I N V E S T I G A Ç Ã O
2

EDIÇÃO
Imprensa da Universidade de Coimbra
Email: [email protected]
URL: http://www.uc.pt/imprensa_uc
Vendas online: http://livrariadaimprensa.com

CONCEPÇÃO GRÁFICA
António Barros

PRÉ-IMPRESSÃO
António Resende
Imprensa da Universidade de Coimbra

EXECUÇÃO GRÁFICA
Norprint

ISBN
978-989-26-0021-5

ISBN Digital
978-989-26-0185-4

DOI
http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-0185-4

DEPÓSITO LEGAL
307629/10

OBRA PUBLICADA COM O APOIO DE:

© MARÇO 2010, IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA


João Boavida

Educação
Filosófica
Sete Ensaios

• COIMBRA 2010
(Página deixada propositadamente em branco)
5

À memória da colega
Maria da Conceição Taborda Simões,
exemplar a tantos títulos
(Página deixada propositadamente em branco)
7

Índice

P refácio .................................................................................................................................9

Palavras P révias ................................................................................................................. 13

P rocurando os braços perdidos da Vénus de M ilo ................................................... 17


1. Introdução................................................................................................................... 17
2. Definindo a questão.................................................................................................... 18
3. A relação filosofia‑pedagogia...................................................................................... 20
3. 1. Dimensão filosófica da pedagogia e dimensão pedagógica da filosofia............. 21
3. 2. Antes ou depois?................................................................................................. 22
4. O problema e a sua problematização.......................................................................... 25
5. O problema: formulação e reformulação..................................................................... 27
6. O ensino e a filosofia.................................................................................................. 30
7. Análise da componente pedagógica da filosofia à luz de quatro perguntas............... 31
7. 1. O que queremos ensinar na disciplina de Filosofia?.. ......................................... 32
7. 2. O como ensinar a Filosofia.................................................................................. 36
7. 2. 1. A questão de como ensinar ou do genericamente pedagógico.............. 36
7. 2. 2. A questão do como ensinar ou do restritamente pedagógico e
um exemplo ilustrativo............................................................................ 42
7. 3. Para que ensinamos ou queremos que aprendam?.. ........................................... 44
7. 4. A quem queremos ensinar? Ou quem consideramos que merece aprender? ..... 48

C omo chegar à terra prometida ?................................................................................... 53


1. Esboço da questão.. ..................................................................................................... 53
2. Quais são as intenções com que se ensina e aprende?............................................... 54
3. Que formação interessa?.............................................................................................. 56
4. Hipóteses proporcionadas por algumas taxonomias................................................... 57
5. Um simples exercício................................................................................................... 62
6. Inversão do exercício..................................................................................................66
7. A necessidade de opção.............................................................................................. 71

S enhora ou serva ?............................................................................................................. 75


1. Introdução com problema........................................................................................... 75
2. Que relação há entre a filosofia e o seu ensino?........................................................ 76
3. Por que razão uma didáctica específica?..................................................................... 78
4. Onde tem origem o filosófico do ensino da filosofia?................................................ 81
5. Três questões centrais para este problema.................................................................. 82
5. 1. A filosofia tem em si a sua didáctica?................................................................. 84
5. 2. E será a didáctica da filosofia um problema filosófico?.. .................................... 88
8 5. 3. Dupla perspectiva e filosofia da educação......................................................... 96
6. Que filosofia da educação para a didáctica da filosofia?............................................ 97

SERVE O SERVO SEU SENHOR OU O SENHOR SEU SERVO?.. ......................................... 101


1. Formulação de problema.. ......................................................................................... 101
2. O filosofar e as suas condições.. ............................................................................... 105
3. Da dimensão pedagógica da filosofia........................................................................ 110
4. A questão dos objectivos/modelos............................................................................ 116
Conclusão...................................................................................................................... 121

O CAMINHO PARA ÍTACA................................................................................................... 123


1. Proposta para um “acordo didáctico”........................................................................ 123
2. Círculos concêntricos.. ............................................................................................... 124
2. 1. Filosofia versus filosofar.................................................................................... 124
2. 2. Aprender a filosofar.......................................................................................... 126
2. 3. Duas condições................................................................................................. 128
2. 4. A formação filosófica – resultado do método e do conteúdo.......................... 130
3. Avaliação e diferenciação.......................................................................................... 131
3. 1. Da consequente avaliação formativa................................................................. 131
3. 2. Uma avaliação que não iluda a avaliação......................................................... 132
3. 3. A “diferenciação pedagógica”............................................................................ 136
4. Críticas ao “acordo didáctico”.. .................................................................................. 137
4. 1. Um falso dilema................................................................................................ 137

CAMINHO E DESCOBERTA DE CAMINHO........................................................................ 143


1. Os processos cognitivo e filosófico........................................................................... 143
2. Para uma especial organização taxonómica.............................................................. 146
3. Objectivos filosóficos.. ............................................................................................... 148
4. Objectivos operacionais.. ........................................................................................... 152
5. Aprender recuperando estruturas intelectivas........................................................... 156
6. Esquema de uma sequência...................................................................................... 158
7. Um programa diferente.............................................................................................. 161
8. Condições indispensáveis ao processo filosófico...................................................... 165
9. Objectivos gerais........................................................................................................ 169
10. Algumas atitudes básicas......................................................................................... 176
11. Fases de uma reconstrução didáctica...................................................................... 180

PASSOS PARA UM CAMINHO POSSÍVEL.. .......................................................................... 185


1. Introdução................................................................................................................. 185
2. Objectivos gerais para um acesso à prática e à exigência filosóficas....................... 186
3. Como dominar estes objectivos?................................................................................ 189
4. Proposta de uma sequência transdisciplinar............................................................. 192

B ibliografia...................................................................................................................... 199
9

Prefácio

Qual é a essência do “filosófico do ensino da filosofia” e em que se dis-


tingue do “filosófico da filosofia” (p. 63)? A esta questão se dedica João
Boavida nestes sete ensaios, compilados sob o título Educação Filosófica.
Estas reflexões enquadram-se na problemática fundamental da relação
entre a filosofia e a pedagogia e estão relacionadas com a questão do
filosofar na área da educação, que, tanto no que respeita à filosofia como
à pedagogia, não tem sido alvo de suficiente consideração, ou até mes-
mo ignorado, fenómeno não exclusivo da paisagem científica portuguesa.
O investigador alemão da área da Didáctica da Filosofia Ekkehard Martens
(2003, p. 14) declara que “[…] o filosofar dentro da educação tem ampla-
mente, não só na filosofia como também nas Ciências da Educação, uma
existência na sombra”.
João Boavida, que há mais de 30 anos se confronta com o problema da
relação entre a filosofia e a pedagogia, explora, em sete ensaios, diversas
abordagens para esta problemática, que nos convencem não somente devi-
do às suas reflexões filosóficas mas também pela sua dimensão inovadora.
O relacionamento entre a pedagogia e a filosofia e a irreductibilidade
da dimensão pedagógica à filosófica, e vice-versa, conduzem à questão do
“filosófico do ensino da filosofia” e à sua diferença em relação ao “filosófico
da filosofia”.
O “filosófico da filosofia” encontra-se, para Boavida, nos seus conteúdos
e problemas. Todavia, a transmissão de um conteúdo filosófico, por si só,
não significa à partida a sua problematização pelo aluno, a qual é, contudo,
condição indispensável para realizar a actividade filosófica que consegue
efectivamente formar. Nesta interface se desenvolve o “filosófico do ensino
da filosofia”, que necessita, para a sua realização, de uma didáctica espe-
cífica para o seu ensino e aprendizagem. O filosofar, uma dialéctica entre
10
análise e síntese no pensamento dos alunos, somente é possível através de
uma didáctica específica com métodos e objectivos que valorizam as expe-
riências concretas do aluno. Só neste caso, segundo Boavida, as questões
filosóficas surgem como verdadeiros problemas para os jovens, que se tor-
nam, neste processo, pensadores. Por isso, o autor exige, como ponto de
partida para esta didáctica específica, uma “nova filosofia da educação”
(p. 83), em cujo centro se encontra a actividade filosófica no processo da
sua concretização.
Boavida não se contenta com a reivindicação de uma didáctica específi-
ca para o ensino/aprendizagem da filosofia, que faça emergir “o filosófico
do ensino da filosofia“, ele questiona as condições sob as quais se pode
concretizar a formação filosófica dos alunos. A resposta para esta questão
é, para ele, de natureza pedagógica e requer uma pedagogia que, tendo em
vista a situação actual da sociedade, se dedique construtivamente às condi-
ções concretas de activação de um processo de fundamentação racional.
Neste contexto, Boavida sublinha, como condição para a realização dos
objectivos gerais ou finalidades do ensino e da aprendizagem da filosofia,
como o atingir da autonomia tendo como base o uso da razão, que têm
que ser formulados pequenos objectivos específicos, que se relacionem com
as condições concretas de cada aluno: somente deste modo, segundo o
autor (p. 104), pode desenvolver-se uma “participação numa razão comum”,
que possibilite a “comunicação profunda que se faz pelos espíritos”.
A concentração no horizonte concreto de experiências dos alunos, das
suas vivências problemáticas, que se manifestam nos seus itinerários educa-
tivos individuais – como princípio importante de uma didáctica específica
para a filosofia – é a condição para a realização das finalidades do ensino
da filosofia: o desenvolvimento do uso da razão, o pensamento rigoroso e
exigente, em suma, o filosofar.
Finalmente Boavida, no ensaio “Passos para um caminho possível”, ela-
bora um esboço para uma sequência transdisciplinar para o ensino e
aprendizagem da filosofia, que esteja em condições de realizar os objectivos,
e, deste modo, seguir as orientações de uma „didáctica da filosofia a partir
de problemas“ (p. 160).

11
As teses de Boavida sobre o significado do itinerário pedagógico dos
alunos em geral (Boavida, 1981, 1989), e, particularmente, na área da edu-
cação filosófica, como as expostas nestes Ensaios, representam uma
contribuição importante para a investigação sobre o itinerário educativo,
tanto em Portugal, como além-fronteiras. Como, por exemplo, para a in-
vestigação desenvolvida na Alemanha sobre o itinerário educativo
(“Bildungsgangforschung”) que vários autores têm estudado (Meyer/Reinartz,
1998; Hericks/Keuffer/Kräft/Kunze, 2001; Trautmann, 2004; Schenk, 2005;
Meyer/Kunze/Trautmann, 2007), e mais específicamente em relação à área
da investigação sobre a educação filosófica, Schippling, 2005, 2006, 2009.
Além disso, o autor é um de poucos que trata, no contexto da investi-
gação sobre o itinerário educativo, as questões concretas para a realização
de um “filosofar dentro da educação”: um problema, ao qual, até agora, foi,
tanto da parte da Filosofia como da Pedagogia, como constatou Martens
(2003, p. 14), prestada atenção insuficiente. Desta forma, ele segue a tese
de Immanuel Kant (1781, p. 541) de que “não se pode aprender filosofia
nenhuma, mas sim, a filosofar” e procura não só analisá-la em todos os
seus aspectos e implicações, como tenta concretizá-la na área da educação
filosófica, fazendo do problema uma parte substancial da solução.
Os Ensaios não só fornecem uma contribuição importante e inovadora
para a área da Filosofia da Educação, da Didáctica da Filosofia e da inves-
tigação sobre o itinerário educativo, mas também criam pontes entre as
áreas da Filosofia e das Ciências da Educação que, na realidade do dia‑a‑dia
científico, raramente são reconhecidas.

Anne Schippling (Martin-Luther-Universität Halle-Wittenberg)

Halle/Saale, 2 de Fevereiro de 2010


(Página deixada propositadamente em branco)
13

P a l a v r a s PRÉVIAS

Os textos reunidos em Educação filosófica – Sete ensaios apresentam‑se


com a simples vontade de não serem mais do que ensaios. No sentido que
Sílvio Lima dá à palavra, quando, a propósito de Montaigne, diz serem os
Ensaios “a história de um pensamento que se procura”, “expressão literária
de uma atitude mental”. Sobre esta atitude não há muito a dizer, nem me
parece que traga grande novidade. Ou a filosofia implica, em quem a pra-
tica, uma dada atitude mental, ou aquilo que se faz não é filosofia, por
muito que se diga e pense o contrário, já que o filosófico está mais na
referida atitude e no método que se utiliza que no produto obtido. E em-
bora possa parecer que aquilo de que eles tratam, a avaliar pelos filósofos
encartados, é um assunto não preponderante em filosofia, depois de lidos,
tenho a pretensão de que se compreenderá que, afinal, as suas questões
estão longe de ser secundárias, e todas elas se organizam em volta da
grande questão filosófica.
Sobre o primeiro ponto, ou de que também aqui se tratará da história de
um pensamento que se procura, convém dizer alguma coisa. De facto, estes
ensaios têm uma história. São desenvolvimentos e aspectos complementares,
mas onde o essencial se retoma, de um trabalho anterior (Filosofia – do ser
e do ensinar, Coimbra, INIC, 1991). O qual, por sua vez, era o ponto de
chegada de um longo trabalho anterior que começara nos idos de 74/75,
quando do estágio pedagógico no liceu de José Falcão, em Coimbra, e se
continuou pela experiência de professor; tendo passado ainda, posterior-
mente, em 1981, pela investigação e publicação, em Louvain‑la‑Neuve, de
um trabalho, Voies d’accès pour l’enseignement de la philosophie.
Convém dizer que estes ensaios foram já publicados, como artigos, em
várias revistas da especialidade (Revista Portuguesa de Pedagogia, Revista
Filosófica de Coimbra, Inovação, Revista Portuguesa de Educação, Psycho‑
14
logica, Revista Española de Educación e ainda na obra colectiva Da
natureza ao Sagrado, homenagem a Francisco Vieira Jordão, Fundação
Eng.º António de Almeida, Porto, 1999). O penúltimo segue de perto um
capítulo do livro Filosofia – do ser e do ensinar, embora completamente
reformulado como, de resto, aconteceu com todos os restantes, uns mais
que outros.
Escritos ao longo de mais de doze anos, acontece que aqui e ali se repe­
tem certas ideias; pela importância que têm no contexto, o modo de
produção ou a circunstância de origem, e umas vezes como ponto de par-
tida, outras de chagada, e ainda outras como quem experimenta terra firme
ou tenta ganhar embalagem para novas deduções.

A filosofia não é mais que um trabalho da razão que analisa e sintetiza.


Mas que analisa, porque antes teve que sintetizar, (quem analisa, analisa o
que antes de algum modo sintetizou ou já anteriormente estava sintetizado),
e quando sintetiza fá-lo a partir do que antes andou a analisar, encontran-
do assim matéria para novas análises. Ou seja, balanceamo-nos sem cessar
entre ideias que estavam contidas noutra ideia, que ainda não tínhamos
visto, e à procura da ideia que tornará compreensíveis estas em que nos
movemos, e para as quais será preciso encontrar a ideia superadora que
nos redimirá, talvez. Isto é, houve ideias que apareceram depois, análises
que se tornaram imperiosas à volta de um tema que se ia desenvolvendo
à medida que se estudava, e que, embora avançando, está longe de esgo-
tado.

É certo que às vezes os filósofos parecem pouco sensíveis às proble­


máticas educativas, ou às perspectivas que não se compaginem com as suas,
donde terem da educação uma visão que prejudica a compreensão de alguns
dos seus mais importantes aspectos. Partem da perspectiva de quem pensa
a educação de acordo com o lugar que acham que esta ocupa em concep-
ções particulares, ou em quadros disciplinares formais, ou até aleatórios,
ou atri­b uem-lhe ainda um estatuto de acordo com o mais ou o menos que
o tema os preocupa e na perspectiva de quem está de fora.
Mas, ao contrário do julgam, não são eles, os filósofos, que pensam a
15
educação, embora o façam, mas é a educação que os pensa a eles, mesmo
que o não faça. Porque eles são o que a educação fez deles, o que, como
é óbvio, lhes condiciona os conceitos que tiverem ou forem capazes de ter
sobre a educação. Todo o pensamento é filtrado e moldado pela educação
e todo o sentimento condicionado por ela. Sendo assim, não é o filósofo
que diz o que a educação deve ser, mesmo que o diga, mas antes a edu-
cação que indica ao filósofo o que ela mesma – educação – é e deve ser.
Quer queiramos quer não, tudo o que se faz e pensa assenta sobre funda-
mentos educativos, eles sim fundamenta­d ores no verdadeiro sentido da
palavra. O que significa que há uma essência educativa na realidade hu-
mana e social e, portanto, na realidade ontológica, epistemológica e ética;
a qual teremos que entender se quisermos compreender alguma coisa. Dir-
-me-ão que a filosofia não tem feito outra coisa ao longo dos seus vinte e
cinco séculos, e irão buscar alguns dos seus mais nobres patronos para o
demonstrar. Mas, embora verdade, com essa verdade histórica os filósofos
se costumam enganar e, portanto, talvez aí comecem os equívocos de que
tenho andado a tentar dar notícia.

Tenho consciência de que se abordam algumas destas questões pelo


lado mais incómodo. Habituados à ideia de que compete à filosofia pensar
e funda­m entar, é irritante que alguém venha chamar a atenção para o que
está antes do pensamento como sua condição. Por outro lado, os educado-
res e os estudiosos da educação, e de tantos pontos vêm e a tantas famílias
pertencem os que à educação se dedicam (não falo, é óbvio, dos que da
educação se servem sem terem nenhuma espécie de autoridade porque não
têm educação de espécie nenhuma) voltados para os dados, investigando
empiricamente, têm pouca paciência para as minudências filosóficas, leva-
dos pela ideia de que as finali­d ades estão demasiado longe e antes há mil
e um problemas que é preciso resolver.
Insistem assim os filósofos em ver a educação pelo lado da filosofia e
dos seus discursos, ignorando que muito do que a ciência vai descobrindo
interfere na educação e nela adquire especificidade própria. Afirmam‑se as
ciências da educação pelos muitos campos onde o educativo se manifesta
sem chegar à síntese compreensiva, não percebendo que, em educação,
16
nada do que é importante está demasiado longe, e que o abstracto da fi-
nalidade não é menos concreto que o mais concreto de uma meta
específica.
Sei que o tipo de ensino-aprendizagem que tenho vindo a propor, e de
que já muita gente anda a falar, tem os seus perigos. Porque se toda a fi-
losofia pode tombar facilmente no verbalismo e nas ideias-feitas, como
tantas vezes acontece, também o ensino problematizante e dialógico o po-
derá ser, basta que se perca ou não se chegue a alcançar o inevitável do
problema e a exigência de o resolver filosoficamente.
A verdade, porém, é que toda a educação assenta sobre perigos reais e
o mais comum é o de que ela é, por essência, dramática. E, portanto, o
educando fica aquém das suas possibilidades, sempre longe daquilo que
Kant conside­r ava ser a finalidade educativa, ou seja, o desenvolvimento em
cada indivíduo de toda a perfeição de que fosse capaz. Mas já que não
chegamos nunca até onde podemos ir, que ao menos a filosofia nos ajude
a ir mais longe do que os outros pensavam ser possível e, sendo assim, que
o seja pela nossa livre razão navegando na alegria do pensamento. Mas
para isso, nada como um bom educador. E onde um bom educador sem
um bom método? O filósofo faz o método como o método faz o filósofo.
Descartes disse‑o de uma vez por todas. Pensemos, então, sobre estes temas,
pois muito há que pensar. E, já agora, à boa maneira filosófica, isto é, sem
preconceitos e honestamente.

Coimbra, Natal de 2008


17

Procurando os braços perdidos


da Vénus de Milo

1. Introdução

A relação entre filosofia e pedagogia merece mais atenção do que ha-


bitualmente se lhe dá. E isto porque a verdadeira compreensão desta
relação não só terá implicações profundas ao nível do ensino e da apren-
dizagem da filosofia, como também é a este nível que se decide o essencial
da filosofia. Daí que, sem a verdadeira compreensão do que significa esta
relação e do que é importante, é a própria filosofia que acaba por ser pos-
ta em causa.
É uma interdependência profunda, mesmo essencial, cuja análise se está
a revelar indispensável, tanto para professores de filosofia como para filó-
sofos. E também para pedagogos e especialistas em ciências da educação,
mas em menor grau para estes, pelo facto de que é o ensino e a aprendi-
zagem da filosofia que estão em causa e isto é um assunto que interessa
aos professores de filosofia e, em termos mais gerais, aos filósofos e pen-
sadores, como penso tornar claro no decorrer deste livro. É uma relação à
qual não se tem atribuído importância porque em geral se ignora o que ela
implica. E ignora‑se porque se parte de uma posição de sobranceria em
relação às ciências de educação e de uma menorização da pedagogia em
geral, o que, só por si, merecia uma análise no âmbito da psicologia clínica.
E que seria útil se os próprios estivessem na disposição de pôr em causa a
sua atitude, fossem capazes de rever posições, o que raramente acontece e
é pouco provável que venha a acontecer nos tempos mais próximos.
E, no entanto, como é sabido, a relação entre a filosofia e a pedagogia
é antiga, pode ser ilustrada historicamente e seria por certo frutuosa para
ambas as partes se os seus exemplos estivessem a ser tão aplicados ao
18
ensino e respeitados pelos professores como louvados costumam ser. É,
como se sabe, paradigmático da qualidade pedagógica o diálogo socrático,
que tem na demonstração de um caso particular do teorema de Pitágoras,
por um escravo, no Menon, o seu mais famoso exemplo pedagógico. Para
não falar na realidade viva das escolas filo­s óficas gregas, na vivência dos
problemas entre pares, nos debates colectivos, nas disputas, exemplos cla-
ros de situações em que o aluno, aprendendo mais do que sendo ensinado,
fornece um modelo muito caro à pedagogia moderna.
Vários autores têm tratado do assunto. Trindade Santos (1974), Carrilho,
(1982 e 1987), Campomanes (1984), Santiuste e Velasco (1984), Izuzquiza
(1982), Boavida (1981, 1989 e 1991), Tozzi (1989, 1992, 1993), López Quintás
(1991), Ibánez‑Martin (1990), Lopes (1993), Medeiros (2002). Mas, embora
com graduações e níveis diferentes, tratam‑no geralmente pela perspectiva
do filósofo e da filosofia, e não tanto da pedagogia nem da íntima relação
que entre a pedagogia e a filosofia se estabelece. Fica‑se geralmente aquém
da relação, não entrando, portanto, no problema.
O que aqui queremos analisar é a natureza central desta relação, o seu
carácter profundo e insuperável, em suma, a sua real e incontornável in‑
ter‑relação. Esta tem, por sua vez, implicações, paralelas e simultâneas,
tanto ao nível da pedagogia como da filosofia. O que equivale a dizer que
são mútuas as implicações que se devem extrair desta relação, e que o
assunto que queremos abordar – o ensino e a aprendizagem da filosofia
– não pode ser tratado fora do âmbito duma relação destas.

2. Definindo a questão

O problema diz respeito à relação que intrinsecamente se estabelece


entre filosofia e pedagogia, e a consequência na constituição tanto do en-
sino e da aprendizagem da filosofia como da própria filosofia. Trata‑se, de
facto, de uma complementaridade profunda e inseparável que os filósofos
têm tendência a ignorar ou, quando muito, a aceitar, se numa posição de
predominância da filosofia, ou precedência desta sobre a pedagogia, pas-
sando assim ao lado da verdadeira questão e das condições da sua
19
resolução. Santiuste e Velasco (1984, 119), por exemplo, pensam que “a filo-
sofia é a sua própria pedagogia”, e Carrilho (1987, 14‑15), considerando
embora “que o alcance (…) do ensino da filosofia se liga ao seu singular
poder de problematização”, conclui que os “verdadeiros problemas do en-
sino da filosofia não são de ordem pedagógica, mas filosófica”. Por outro
lado, Vicente (1992, 352) considera que “em didáctica da filosofia não pres-
cindimos de nos mantermos aí onde sempre devemos estar: na filosofia”.
Ou seja, não precisaremos de sair da filosofia para a ensinar, e para ter
uma didáctica adequada à sua natureza particular. Ou, de outro modo,
ensinar filosofia é uma questão especificamente filosófica, porque os pro-
blemas do ensino da filosofia são problemas filosóficos.
O que está certo, mas como não se aceita que a relação entre a filosofia
e a pedagogia é interactiva e dinâmica, e que essa interactividade é cons-
titutiva, cavalga‑se o problema mas não se resolve. Penso que não se
chega a ter consciência dele, o que incapacita a resolução dos problemas
que possam colocar‑se na relação entre filosofia e pedagogia.
O que até parece correcto, tendo em consideração que a filosofia talvez
seja a única disciplina que tem em si os fundamentos da sua própria pe-
dagogia. Mas ter‑se‑á analisado tudo o que implica em termos filosóficos?
E pedagógi­cos? Ou de outro modo: será que tudo se reduz a estes aspectos?
É que ter a filosofia os fundamentos da própria pedagogia não nos garan-
te, só por si, uma perspectiva correcta do seu ensino. Este passa pela
dinâmica da própria rela­ç ão; só assim se encontrará o fundamento desta
dualidade, como tentaremos demonstrar.
É de crer que estas questões gerem entre filósofos e professores de filo­
sofia alguma irritação. Pensam que a questão lhes está a ser imposta pelos
pedagogos, numa lógica de conquista de espaço ou de desvalorização de
esta­tuto e, portanto, reagem. Consideram talvez que a questão é secundária
ou dis­p ensável, incomoda‑os a entrada, que consideram abusiva, dos pe-
dagogos no seu domínio. Se a filosofia tem em si a sua própria pedagogia,
que têm os pedagogos que vir aqui fazer?
Acontece, porém, que é a própria exigência filosófica que obriga a colo-
car a questão num plano diferente. E é por exigência racional que
problematizamos esta relação e propomos para ela saídas diferentes. É, com
20
efeito, intromissão imperdoável alguém pretender ensinar à filosofia a me-
lhor forma de ser ensi­n ada, se partirmos do pressuposto, já aqui aceite, de
que a filosofia tem em si mesmo o método para o seu ensino. Seria quase
uma contradição nos termos.
É bom notar, porém, que a filosofia não pode identificar‑se com aquilo
que é ensinado em seu nome, menos ainda com a pessoa que a ensina,
que ninguém consegue conter a filosofia em limites prévios, e ainda que a
filosofia precisa de certas condições para ser filo­s ofia, e que poderemos
designar por condições de natureza pedagógica.
Não nos movem, neste ensaio, porém, preocupações didácticas, nem
sequer de natureza pedagógica mais geral. Por outro lado, as ciências da
educação têm demasiados campos de investigação à espera. Certamente
que a filosofia é um domínio indispensável à teoria e à prática educativas,
mas as questões da didáctica da filosofia são suficientemente restritas para
poderem passar desper­c ebidas às ciências da educação.
É uma questão importante, mas é‑o sobretudo para a filosofia, e é a
preocupação filosófica que nos tem motivado para estas questões. Por outro
lado, não estamos interessados em recuperar um estatuto “filosófico” para
a pedagogia. É bom recordar que a pedagogia moderna se vem constituindo,
em boa medida, contra esse estatuto filosófico, o que causa redobrada
irritação aos filósofos. A aversão de muitos filósofos às “pedagogias” será
directamente proporcional ao desinteresse dos tecnólogos da educação pela
filosofia. Penso que ambos perdem, que esta mútua flagelação é lesiva para
os dois campos, mas não é altura para discutir essa questão.

3. A relação filosofia–pedagogia

A relação profunda entre filosofia e pedagogia está para além dos casos
concretos e das situações históricas em que ela foi frutuosa e apresentada
como exemplo. É certamente a compreensão desta complementaridade
intrínseca ou interdependência que leva Trindade Santos (1974, 30) a falar
em “coincidência profunda da filo­s ofia com a sua pedagogia e da pedago-
gia com a sua filosofia”. Ou seja, a filosofia tem uma pedagogia própria,
21
com a qual coincide e de algum modo se identifica e toda a pedagogia
pressupõe, por um lado, e elabora, por outro, uma filosofia. Isto é, a filo-
sofia está antes e depois da pedagogia. Mas, como veremos, o que
significará o antes e o depois numa relação desta natureza?

3.1. Dimensão filosófica da pedagogia e dimensão pedagógica da filosofia

Numa primeira aproximação, penso que a relação filosofia – pedagogia


se poderá formular de um modo muito simples: a filosofia é vocacional­
mente pedagógica e a pedagogia, na medida em que pressupõe uma
relação eu ‑ outro e é problematizadora ou susceptível de ser problemati-
zada, é filosó­fica. Por outras palavras, há uma base pedagógica na filosofia
do mesmo modo que há uma vocação filosófica na pedagogia.
Assim, a filosofia é pedagógica na medida em que é dialógica e analíti-
ca, em que produz e exige um discurso crítico que é simultaneamente
desconstrutivo, construtivo e fundamentador de novas evidências. A este
nível a sua preo­c upação de compreender, de integrar em contextos, de
relacionar, de construir­‑se à medida que o discurso se constrói é identifi-
cável com a vocação pedagó­g ica, tanto em modelos mais clássicos como
em vertentes modernas.
Por seu turno, a pedagogia é filosófica na medida em que definindo fins
e meios, concebendo um homem e uma sociedade, reconhecendo modelos,
hierarquizando valores, isto é, pressupondo uma cosmovisão, implica uma
preocupação e uma função filosóficas. E, por outro lado, uma vez que
projecta e aperfeiçoa, se organiza segundo padrões e se dinamiza de acor-
do com referências, é teleológica e, por vezes, utópica. Em qualquer dos
casos, portanto, filosófica. Poderemos pois falar, como já se disse, numa
espécie de interdependência constitutiva, ou numa oposição de espelhos
em dupla e simultânea reflexão de feixes luminosos, uma vez que o antes
e o depois, do mesmo modo que o verso e o reverso, não têm sentido em
si mesmos porque cada um se origina no outro e simultaneamente o origi-
na. Só ganham real sentido na inter‑relação.

22

3.2. Antes ou depois?

A este nível teleológico ou de vocação finalística poderemos pensar que


é a filosofia que precede a pedagogia. Com efeito, muitos dos problemas
postos pela pedagogia são filosóficos. É sempre possível ir aos pressupos-
tos de certas posições e perspectivas, e compreender isso é fundamental
em educação. E mesmo que nos coloquemos numa perspectiva psicológica,
sociológica ou técnica, certos problemas postos pela pedagogia são, ou
poderão ser, de natu­r eza filosófica, visto que pressupõem concepções filo-
sóficas e podemos extrair implicações filosóficas. Mas isto não diminui a
sua componente pedagógica, nem pode implicar a desvalorização desta.
Igualmente são filosóficos alguns dos problemas postos pela microfísica,
pela genética, pela política ou pela economia, por exemplo, e ninguém vai
menorizar estes domínios só porque alguns problemas que colocam são,
em última análise, filosóficos; mesmo se os próprios investigadores que os
estudam não têm consciência disso nem os abordam nesta perspectiva.
Os domínios inexplorados trazem novas questões à filosofia, alargam e
renovam o seu campo de acção. O que torna duplo o problema. Por um
lado, há questões pedagógicas que têm dimensão filosófica e que só filo-
soficamente podem ser resolvidas. É o caso das finalidades educativas, dos
valores, dos modelos, etc. Por outro, as ciências da educação vêm abrir
novos campos à filosofia, tal como outras ciências o fizeram e irão conti-
nuar a fazer. E isto devia ser motivo de tanta alegria para os filósofos como
para o oleiro o darem‑lhe roda e barro. Mas não é. E porquê?
O facto de a educação ter que ver com o homem, que é o ponto de
origem e a razão de ser de todas as problemáticas, do mesmo modo que
de todas as investigações e tecnologias, não altera as coisas. Com o apare-
cimento das ciên­c ias humanas, o homem começou a ser campo de
investigação empírica e sobre ele se começaram a acumular conhecimentos
– na área da psicologia, da socio­logia, da etnologia, etc. – que trazem in-
formações preciosas para a educação. Estas informações científicas, base
de profundas transformações ao nível das concepções teóricas, das práticas
e das tecnologias utilizadas, não podem esquecer os problemas filosóficos
23
que todo o acto educativo contém. É evidente que este tem um apoio cien-
tífico que não existia. Mas isto foi o que aconteceu com todos os domínios
e na medida em que se foram constituindo as diversas ciências. A centra-
lidade da educação em relação ao homem e ao que seja a sua essência não
altera as coisas. A rela­ç ão entre o homem e a educação não permite aos
filósofos ignorar os contributos científicos para a compreensão do homem,
quer em termos individuais quer sociais. As ciências médicas e biológicas
têm contribuído para a compreensão do homem e para a intervenção sobre
ele com uma base e uma eficácia impensáveis há alguns séculos. Qual é a
teoria filosófica que o pode contestar?
Se há pois velhos problemas de pedagogia que, talvez erradamente, se
tenta agora resolver sem a filosofia, é também certo que os filósofos não
podem ignorar o peso de toda a investigação educacional, as múltiplas áreas
em que os dados científicos têm apoiado o fenómeno educativo e a própria
especificidade deste. O que não afecta o estatuto filosófico das questões
mas de algum modo coloca a filosofia numa certa dependência em relação
a eles pelo peso da componente empírica e da investigação. O certo é que
são factores que vão tornando cada vez mais rica e complexa a nossa
compreensão do fenómeno educativo. Mas que, por outro lado, o não
dominam completamente, não só pela sua complexidade e riqueza mas
também porque lhes falta uma perspec­tiva unitária, a síntese de uma
cosmovisão que compreenda e oriente. Em resumo, a filosofia, do mesmo
modo que a experiência, a prática, arvorados em critério último de valor
em tantos discursos correntes, não podem pensar‑se origem, meio, fim e
controlo do processo educativo como se as ciências da educação não
existissem.
O mesmo acontece com os novos problemas filosóficos postos pelas
modernas concepções educativas, por exemplo, ou pelas novas tecnologias.
A utilização destas na educação vem levantar problemas filosóficos que
surgem por uma questão prévia de natureza pedagógica. De facto chegaram
à filosofia depois e pela via pedagógica; mesmo que, a partir de um pre-
conceito, se possa dizer que toda a pedagogia tem uma dada filosofia na
base. Talvez, mas é pre­c iso que o problema seja pensado filosoficamente
para se constituir em pro­b lema filosófico. Muitos problemas potencialmen-
24
te filosóficos nunca chegam a sê‑lo porque ninguém os pensou como tal.
Por isso, mesmo que se insista na ideia de que são problemas de natureza
filosófica todos os problemas que à pedagogia digam respeito, porque no
fundo têm natureza filosófica, o certo é que só a pedagogia lhes deu exis-
tência, foi por esta via que acederam ao campo filosófico.
Do mesmo modo que as questões que no futuro se colocarão às ciências,
todos os problemas descobertos e a descobrir só serão filosóficos se alguém
os abordar e tratar filosoficamente. Isto é, poderá a indagação filosófica
demons­trar que são filosóficos (ou têm componentes filosóficos) problemas
que, em princípio, não o eram. O que os tornou filosóficos foi a abordagem
e o trata­m ento filosófico que tiveram. Nada é, à partida, filosófico, mesmo
os mais filo­sóficos problemas; e, inversamente, tudo pode vir a revelar con-
torno filosófico, mesmo as questões mais filosoficamente destituídas. Aqui
radica um dos aspectos mais significativos da componente pedagógica da
filosofia.
Ponhamos a questão ainda de outra maneira. A filosofia concretiza‑se
em problemas reais, ou sentidos como tal e, em rigor, não é autonomizável
do dis­curso filosófico em que se concretiza. Não há nenhum problema que
possa ser compreendido independentemente da forma em que se concre-
tiza, do discurso que utiliza e das operações mentais de que se serve.
Poderíamos dizer que estas operações e os modos como se abordam são,
de algum modo, o problema. É, com efeito, uma dada linguagem, uma
palavra, um discurso particular e, por outro lado, uma comunicação, o que
constitui, em última análise, um problema. Mas não só, isto é particular-
mente importante quando se trata de filosofia. Há uma relação, uma
dialéctica eu‑outro, eu‑nós, como mostrou Wallon (1959), que é indispen-
sável à filosofia, que está na origem do diálogo filosófico, e que tem raízes
na natureza do homem como “ser aí”, como “ser‑no‑mundo”, à maneira
heideggereana. E tem ainda raízes psicológicas que condicionam toda a
nossa capacidade interpretativa e construtiva ou constitutiva, como demons-
traram, por exemplo, Piaget ( 51973, 21975), Bruner (1984), etc.
4. O problema e a sua problematização

Mas há mais, e é este, talvez, o aspecto mais específico da filosofia. Esta


25
é constituída pelo problema e pelo discurso que, a partir dele, se puder
cons­tituir; o problema que o discurso vai constituindo. Por outro lado, o
problema em filosofia não é uma entidade absoluta. O problema está depen-
dente, vital­mente, da nossa sensibilidade, da capacidade de problematização
e racionaliza­ção, de ser capaz de sentir e de pensar, de assumir e de refor-
mular. Poderemos por certo falar de problemas filosóficos reais, como o
problema da predicação, o problema dos universais, ou em problemas epis-
temológicos, éticos, estéticos ou quaisquer outros. Mas, postos assim, não
são problemas, mas formulações abstractas. Serão descrições de problemas
historicamente colocados, reprodu­ções descritivas e, quando muito, interpre­
tativas. E se é certo que a interpreta­ção implica a reformulação e, portanto,
o pensamento, também é verdade que se podem aprender e memorizar in-
terpretações, repetindo ou reproduzindo os problemas na sua dimensão
meramente formal, sem conteúdo nem contornos filosóficos efectivos.
Se, pois, os problemas filosóficos não forem sentidos vitalmente como
tal, jamais serão filosóficos no verdadeiro sentido da palavra. Dewey bem
o compreendeu: um problema ou é, ou não é, e só é quando põe as pes-
soas face a situações que elas têm que resolver e, portanto, situações que
solicitam de maneira efectiva as capacidades necessárias para encontrar
uma solução. Bergson (1963, 1309) considera que o problema filosófico
“não o escolhemos, encontramo‑lo. Barra‑nos o caminho e, a partir daí, ou
ultrapassa­m os o obstáculo ou deixamos de filosofar. Não há subterfúgio
possível”. O que releva de uma dimensão pedagógica irrecusável no centro
mesmo da questão, na natureza problemática ou não problemática dos
temas ou dos módulos curriculares ensinados1. E também na medida em

1 A valorização da questão relativamente ao problema, feita por Gadamer (1977, 454‑458)


não vem senão confirmar toda a dimensão pedagógica do que está em jogo. Diz ele: “O con-
ceito de problema formula‑se evidentemente como uma abstracção, a da cisão do con­teúdo de
uma pergunta com a pergunta que o põe a descoberto pela primeira vez. Refere‑se ao esquema
abstracto a que se deixaram reduzir, e sob o qual se deixaram subsumir, as perguntas reais e
realmente motivadas. Um problema, neste sentido, é algo desligado do nexo das perguntas mo-
tivadas, nexo que lhe daria um sentido unívoco. Por isso é tão insolúvel como uma pergunta de
sentido unívoco, porque não está realmente motivado nem realmente colocado” (ibid., 454-455).
que estes serão sempre o que a sua concretização conseguir que venham
a ser, sendo que, por outro lado, o que eles vierem a ser depende essen-
cialmente de quem os sentir e do modo como os irá desenvolver.
26
Não podemos, portanto, confundir erudição filosófica com actividade
filosófica, nem reduzir à comunicação filosófica e seus específicos proble-
mas toda a questão pedagógica da filosofia. Há componentes motivacionais,
fac­tores operativos, funções racionais, aspectos de sensibilização indispen­
sá­veis à vitalidade e ao sentido do problema na cabeça de cada um; em
resumo, há a possibilidade, ou não, de cada pessoa o tratar filosoficamen-
te, e há a necessi­d ade de se chegar a esse nível. E isto é uma dimensão
pedagógica, quer se queira quer não. E mais radical que a própria filosofia,
porque esta depende dela. Em termos de acesso à filosofia, à especificidade
do seu modo, à compre­e nsão do que isso significa e implica, é à pedago-
gia que compete encontrar o meio para o concretizar. Não quero dizer que
um problema da história da filosofia não seja um problema filosófico, ou
não possa ser. Foi um problema real para quem o formulou, é um proble-
ma para todos os que o voltarem a sentir como tal, isto é, sê‑lo‑á sempre
que recupere a sua problematicidade. Nestes casos, será um problema fi-
losófico, em todos os outros poderá ser muita coisa, mas não será nunca
de facto um problema filosófico.
É pois evidente que uma qualquer questão filosófica, mesmo a mais
clás­sica, poderá sê‑lo de novo, poderá tornar à sua frescura original, sempre
que readquirir a sua problematicidade. Em termos simples poderemos dizer
que basta só que alguém a sinta como problema e a possa depois desenvolver
filo­s oficamente. Mas isto é o mais difícil em termos pedagógicos, é aí que
radica o problema. Ao conseguir reproblematizar, no iniciando da filosofia,
o problema filosófico, o pedagogo repõe as condições originais da filosofia.
É aqui, nesta raiz psico‑afectiva e racional, na pessoa concreta em que
isto acontecer (sensibilização ao problema e exigência racional de o compre­
ender, repensar, reviver) que poderá surgir de novo o carácter filosófico do
problema. É um estado de graça, fugaz, difícil, mas insubstituível pelo que
quer que seja e impossível de transmitir automaticamente a quem quer que
seja. É aqui que se joga o ser ou não ser da própria filosofia e, portanto, do
seu ensino. Inversamente, não haverá, na filosofia, metodologia bem resolvida
se não passar por esta experiência nem pela resolução desta questão.
5. O problema: formulação e reformulação

Pensar‑se num problema é sempre repensá‑lo, reproduzi‑lo de certa


27
maneira, analisá‑lo sob determinadas pers­p ectivas e fazer solicitação a
expe­riências particulares. Assim, um problema será sempre um dado modo
de o compreender, e exprimi‑lo uma determinada maneira de o expressar.
O que significa que não há problema filosófico que não tenha tido uma
dimensão pessoal e humana na sua raiz, uma vez que são os homens que
os criam e os sentem, nem, por outro lado, é possível falar de problemas
reais, se criados e sentidos por outros. A não ser que, por um qualquer
processo “pedagógico”, se torne presente, se vitalize essa dimensão huma-
na, essa vivência, indispensável tanto para os problemas criados como para
os recriados. Isto é, a não ser que se reviva ou reformule, o problema de
outrem não é, de facto, problema.
Se a vida do problema, a sua real ou falsa problemática radicam nessa
dimensão, parece evidente haver aqui uma componente pedagógica. Os
factores psico‑afectivos e individuais são indispensáveis e insubstituíveis,
porque tanto originam o problema como se originam nele. São pois não só
condição da sua existência como da própria problematização, sendo esta
o que os torna reais. E como o problema só existe se o sentirmos como
problema, e de tal maneira que ou o sentimos, filosoficamente, ou não
existe, compete ao professor fazer com que o aluno o faça filosófico, isto
é, lhe dê esse contorno, essa qualidade. Ora isto é pedagógico, quer se
queira, quer não.
Não deve pois ser a filosofia a impor a sua lei, porque se o quiser fazer
a lei deixa de o ser. Nem, assente na sua vocação fundamentadora, adianta
afirmá‑lo, com a feição voluntarista que às vezes se lhe sente. Nem tão
pouco o conseguirá pelas actividades de análise e de síntese mediante as
quais, des­truin­do e reconstruindo, supera tudo sobre o que incide. No caso
presente as coisas são mais subtis. A dimensão problemática das questões
filosóficas – condição de toda a vivência delas como problema – está antes
da própria filosofia, e isto altera o esquema mental corrente. Podemos viver
os problemas sem consciên­cia da natureza filosófica deles, nem conhecimento
dos modos filosóficos de os abordar. Isto tem que se aprender e há um
modo adequado de o fazer. Esta aprendizagem tem uma natureza pedagógica
indesmentível. Para ser realmente filosofia frente aos alunos, para chegar a
essa dimensão ela está, à partida, condicionada por factores pedagógicos.
28
O que quer dizer que, a este nível, a exigência da filosofia é pedagógica,
porque é na pedagogia que está a condição da problematização do filosófico,
isto é, está na pedagogia aquilo que, em última análise, faz a filosofia ser
ou não ser. A “lei da filosofia”, de que se falava atrás, não é mais do que
a exigência de uma certa abordagem pedagógica dos temas filosóficos,
aquilo que a filoso­fia impõe é a aceitação desta condição de base, uma vez
que trata das condições para uma verdadeira aprendiza­g em da filosofia e
daquilo que, na filosofia, é significativo, isto é, o seu modo de ser.
Certamente que, em muitos casos, é o problema filosófico que origina
este processo a que posteriormente reconhecemos uma vertente pedagógi-
ca. A leitura de algum texto, a exposição de um professor, um debate sobre
uma questão são muitas vezes ponto de partida para uma actividade filo-
sófica válida. Mas nem sempre, visto que em muitas situações são os próprios
proble­m as que vêm bater à porta da pessoa e originam a reflexão. Quase
sempre fragmentária, intuitiva, de pouca disciplina racional, mas com as
condições de base para a filosofia. Tanto a motivação para o problema, e
sua interpre­tação e reformulação, no primeiro caso, como a sua conceptua­
lização, análise e enqua­d ramento, no segundo, têm uma incon­tornável
vertente pedagógica. Em ambos os casos a função pedagógica é determi-
nante porque lhe compete disciplinar, enquadrar, relacionar, isto é, dar os
quadros e as referências, proceder aos desenvolvimentos, em suma valori-
zar, qualificando e divulgando.
De qualquer modo, porém, aquilo que vitaliza um problema e o torna
filosófico são factores afectivos e motivacionais de natureza pessoal, são as
vivências que, em certos indivíduos, provocam e desencadeiam o processo
racional de fundamentação a que chamamos filosofia. Ora isto é, em termos
genéricos, pedagógico, porque se aprende e pode desenvolver. E se isto
não for feito, a filosofia ou não florescerá ou limitar‑se‑á à aquisição dos
conteúdos que não garantem o acesso à vivência da problemática filosófi-
ca. Não se trata, como penso ser já claro, de demarcar campos, mas é uma
questão de natureza e função. A pedagogia é não só o que dá as condições
indispensáveis à divulgação do ser filosófico, mas também aquilo que o faz
ser filosófico, na medida em que todo o problema precisa de ser concep-
tualizado, reformulado, enquadrado, relacionado; em suma, a pedagogia é
29
aquela dimensão sem a qual dificilmente o problema chegará a ser.
Por outro lado, este discurso é sempre um discurso particular. O mesmo
problema sentido e problematizado de diferentes maneiras, com diversos
graus de intensidade, perspectivado por variadas experiências, não é, em
rigor, o mesmo problema. Se, como diz Nicol (1972, 177), exclusivamente
no logos “se explicita a relação necessária entre a forma de ser e a forma
de expressar”, aquela é tão fugaz e frágil como esta. Como se sabe, o
conheci­m ento é uma relação do cognoscente ao cognoscível, é uma inten-
cionalidade, no sen­tido brentaneano ou, na perspectiva de Husserl, é
noesis e não propria­mente noema, é uma realidade dinâmica e não estática.
Por isso em filosofia não há problemas passados, nem meios problemas,
nem problemas modernos que sejam mais problemas que os antigos, em-
bora tenham mais condições para o ser. Um problema só o é quando
presente à consciência que o sente como problema; e só o será enquanto
isso se verificar e na pessoa ou pessoas em que isto se der. Do mesmo
modo, se um problema ou é ou não é, também é verdade que o seu esta-
tuto problemático não o é por natureza; sê‑lo‑á sempre que se formula ou
reformula, e pode sê‑lo numa pessoa e não o ser noutra, e sê‑lo hoje, em
alguém, e deixar de o ser por muitos anos.
Mas isso só vem realçar a dimensão humana e pessoal, a importância
dos factores psicológicos e motivacionais, das vias racionais que o forem
concreti­z ando, ou seja, a raiz pedagógica na própria essência do problema
filosófico. Se o professor consegue que os alunos vivenciem os problemas,
os sintam, os sofram até à necessidade de pensar com paixão sobre eles e
estudarem com entusiasmo os autores que os estudaram, os problemas
existem. Se isto não for conseguido, ou seja, se a componente pedagógica
não funcionar, os problemas não existirão. Poderão ser nomeados, catalo-
gados, até explicados, mas não existirão como problemas filosóficos, porque
não existem na sua realidade problemática. Não existindo como problemas
reais e vividos servirão, quando muito, para alimentar prosápias culturais,
mas não terão grande valor educativo.
6. O ensino e a filosofia

Nestes termos, pensar o ensino da filosofia fora desta circunstância


30
real é estar a pensar uma realidade que não existe. E isto porque não tem
con­d ições para existir uma vez que está desvitalizada. Na verdade, a filo-
sofia, desligada do enfrentar sofrido dos problemas (novos) ou do
reformular e repensar, concreto e sentido dos antigos (tornados novos)
deixa de ser filosofia, mesmo que a palavra continue a designar esse pro-
duto, e até a ter lugar nos curricula, tanto das escolas secundárias como
superiores.
Poderemos assim dizer que ou a filosofia que se ensina é intrinsecamen-
te pedagógica, ou não chega a ser filosofia. O que nos leva a retomar a
passagem de Trindade Santos sobre a “coincidência profunda da filosofia
com a sua peda­g ogia, e da pedagogia com a sua filosofia”. A compreensão
desta frase ganha agora novos contornos: se é certo que a filosofia segrega
a sua própria pedago­gia, esta impõe que a filosofia obedeça à sua vocação
pedagógica mais profunda.
E por que é que a filosofia segrega a sua pedagogia? Porque a sua natu­
reza específica tem implícita uma pedagogia; ao fazer‑se está a filosofia a
exemplificar o único modo verdadeiro de a fazer aprender, que é sentir os
problemas e pensar sobre eles. E qual é essa vocação? Que a filosofia seja
verdadeiramente filosófica. Ou de outra maneira: a filosofia só produz a
sua própria pedagogia quando é de facto filosófica; e para ser filosófica ela
tem que ser, antes, peda­g ógica, isto é, tem que criar condições para que
os factores que a condicionam e que, à partida, a deixam ser, ou não, filo-
sófica, possam actuar em termos pedagógicos.
E como? Dando ao ensino‑aprendizagem da filo­s ofia uma natureza fun-
cional, tal como ensinam as pedagogias modernas. E a funcionalidade no
ensino aprendizagem da filosofia só pode ser dada pela transformação que
o problema provoca, isto é, pela acção que desencadeia e a função que
realiza. E como não há problema nenhum que possa desempenhar a sua
verdadeira função sem ser problematizando‑se na pessoa e face à situação
em que ele é, ou pode vir a ser problema, isto é, funcionalmente, a pro-
blemática do ensino da filosofia põe em jogo um conjunto de factores
muito mais vasto que os meramente didácticos. É isto que é incompreen-
sível na perspectiva dos que reduzem os problemas pedagógicos às questões
de didáctica específica, dir­‑se‑ia que por aversão às ciências da educação.
31
A interdisciplinaridade, o trabalho de grupo, a estrutura moderna ou clás-
sica da relação pedagógica, as metodologias activas, para falarmos em
termos genéricos e não referir os processos cognitivos, por exemplo, não
conseguem romper a fortaleza das suas convicções sobre as cantadas vir-
tudes de uma peda­g ogia clássica, formalizada e redutora.
De certo modo podemos dizer que a filosofia, pela sua posição ao mes-
mo tempo original e central, não pode estar isolada, nem, em tais condições,
se poderá entender. Antes do problema está a pessoa que o sente ou o
pode vir a sentir, em volta do problema está a circunstância que o envolve
e condiciona, e depois do problema estão ainda as suas consequências, ou
seja, outros proble­m as, repetindo‑se o ciclo indefinidamente. E isto, por
vasto e diversificado que seja, é, em última análise, pedagógico. A didácti-
ca da filosofia é assim um microcosmos dentro de um macrocosmos que a
condiciona e que está com ele interligado. Não há compreensão sem con-
texto, do mesmo modo que não há problema sem sensibilidade que o
sinta, sem discurso que o manifeste, sem experiên­c ia pessoal que o refor-
mule e vivifique, sem relação que o potencie e diversifique.

7. Análise da componente pedagógica da filosofia à luz de quatro perguntas

Se submetermos a filosofia às quatro perguntas que se colocam no en-


sino‑aprendizagem de qualquer disciplina obteremos algumas ideias
esclarece­d oras para esta questão. Em relação a qualquer matéria curricular
poderão formular‑se sempre quatro questões:

• o que queremos ensinar,


• como queremos fazê‑lo,
• para quê ou com que fim,
• a quem.
A especificidade da filosofia e do seu ensino‑aprendizagem mostra‑se,
face a estas perguntas, de um modo nítido e sem ambiguidades. Com efei-
to, estas quatro questões, que em relação à generalidade das disciplinas
32
não levantam problemas de maior, criam, com a filosofia, problemas difíceis
de resolver, pela multiplicidade de soluções e pelo debate a que darão
origem. Analisemos cada uma delas.

7.1. O que queremos ensinar na disciplina de Filosofia?

O que queremos ensinar aos alunos? Certamente que é a filosofia. E ten-


do esta designação disciplinar mais de vinte e cinco séculos, muito poucas
disciplinas terão tanto peso histórico e cultural como ela. A pergunta pa-
rece, portanto, descabida. E, todavia, sempre se perguntará o que é a
filosofia e para que serve, o que poderemos ensinar dela, etc. Ou seja,
incessantemente perguntamos o que queremos ensinar, apesar de os pro-
gramas, os horários e os manuais não deixarem dúvidas sobre isso.
Poderão dizer‑me que problemas idênticos se colocam com outras dis-
ciplinas, mas não é a mesma coisa. Poderemos perguntar: o que é a
história? O que é a química? O que é importante que seja ensinado das
disciplinas de história e de química? E porquê isto e não aquilo? Nestes
casos não se levantam grandes dúvidas sobre o que seja cada uma destas
disciplinas e esta ou aquela área de estudos.
Com a filosofia o problema é mais complexo. A pergunta sobre o que
ela é vai ao âmago da questão, e o ensinável filosófico e as possibilidades
de o fazer dependem da posição que se tomar. E vai ao cerne da discipli-
na porque ninguém pode estar certo de que, definindo filosofia, não
apareça quem possa contrapor a essa definição outra igualmente válida ou,
pelo menos, justificável. Se isso condiciona a natureza da filosofia, condi-
ciona necessaria­m ente todas as suas áreas disciplinares. Basta comparar as
“naturezas” de uma filosofia metafísica e de uma filosofia positivista para
avaliar o alcance da questão.
Se não há uma exclusividade filosófica ao nível da filosofia propriamen-
te dita, uma univocidade do seu conceito, como pensar que o pode haver
ao nível das disciplinas filosóficas? É certo que há especificidades discipli-
nares na filosofia (a gnoseologia, a ética, a estética, etc.) mas sempre na
base de filosofemas constituídos traduzindo uma perspectiva que exclui ou
33
desvaloriza as outras e, portanto, sobre um dado conceito do que seja a
filosofia, e pressupondo um tipo de ensino e de aprendizagem que põe em
causa a filosofia enquanto processo. A qual está na base das filosofias‑con-
teúdo que dela derivam mas que com ela não se poderão jamais identificar.
Por outro lado, nada há que seja exclusiva e restritamente filosófico, do
mesmo modo que tudo pode ser tema para a filosofia, desde que tratado
filosoficamente. O que levanta um problema sério, uma vez que não é no
programa, seja ele qual for, que está o específico da filosofia, mas no filo-
sófico propriamente dito. E isso não é programável porque não há
programa que o garanta. Como diz Patrício (1998, 259), “os programas são
importantes. Mas de pouca serventia e utilidade serão se não tivermos pro-
fessores bem preparados para os executar”.
Por outro lado ainda, o tornarem‑se domínios de ciência empírica e
experimental muitas áreas tradicionais da filosofia levou muitos a pensar
que os dias da filosofia estavam contados – considere‑se os ainda agora
referidos positivistas, e os neo‑positivistas para não irmos mais longe. Con-
fundiam filosofia com o seu produto e esqueciam que o valioso dela está
no modo de a fazer, nas condições de validade que sempre impõe e na
inevitabilidade com que se nos impõe.
As áreas novas que a filosofia tem ganho e o incessante enfrentar de
pro­b lemas antigos mostra até que ponto a vitalidade filosófica não está no
con­teúdo, mas no processo, isto é, no tipo de actividade que conseguir
desencadear. Por isso, quando se fala de filosofia não nos referimos a uma,
mas a muitas, e sempre, ao escolher um conjunto de matérias para um
programa, se optará por algumas delas em detrimento de outras, ou se
adoptará uma síntese mais ou menos ecléctica de alguns temas e problemas
em prejuízo de muitos outros.
De modo que se nos mantivermos na perspectiva didáctica de ensinar
a filosofia, não se ensinará a filosofia mas sempre uma certa filosofia ou
algumas perspectivas dela. Mesmo que professores e legisladores se ponham
de acordo sobre o que seja a filosofia e, portanto, que matérias devem ser
ensinadas, sem­pre isso resultará de, e implicará, uma opção. E, consequen-
temente, não só a adopção de uma concepção particular de filosofia mas
também de um conjunto de pressupostos e uma série de consequências
34
implícitas e explícitas ao nível da formação dos alunos. E daí as constantes
lutas entre programadores, e destes com os programas.
E assim podemos dizer que há muitas filosofias, se encararmos a filo-
sofia como um conteúdo de disciplinas filosóficas. Mas então o problema
de saber o que ensinar e porquê tem toda a legitimidade, porque as con-
sequências variarão com aquilo que se ensinar, pondo de algum modo
em causa a própria filosofia. Isto é, o problema do que seja a filosofia,
sempre em aberto, gera as suas opções, e estas, ao serem tomadas, irão
condicionar os resultados. Serão os que mais interessarão à formação dos
alunos? O que equivale a perguntar: o que se pretende, em última análise,
com a filosofia? Mas colocar assim o problema, ou seja, pôr o problema
dos objec­tivos, é voltar à natureza da filosofia, porque o que se pretende
dela deverá corresponder à sua natureza. Mas, por outro lado, e inversa-
mente, a natureza da filosofia está dependente daquilo que se pretende
dela. O que a filosofia é ou possa ser não é de todo independente do que
pretendemos com ela, e uma e outra não são independentes do modo como
a cultivamos.
Mesmo que haja acordo sobre a filosofia, ficará por resolver que conceitos
desenvolver, que sistemas e autores estudar, que problemas, etc. E mesmo
que tudo isto venha a ser resolvido, ainda podemos questionar o modo de
ser dos professores. Todos os professores terão, por exemplo, ou uma
formação tendencialmente espiritualista ou materialista. E isto, que tem
pouca influência na maioria das outras disciplinas, tem grande peso na
actividade filosófica e, consequentemente, no conceito de filosofia e nos
seus efeitos. Ao nível da filosofia não são questões menores, porque são
aspectos que, pelos pressupos­tos donde se parte, pelo tipo de actividade
que implicam e as consequências que trazem, vão ao cerne da filosofia.
Só ao nível da função, pois, e enquanto actividade, a filosofia adquire
a sua natureza que é a disponibilidade básica a todas as questões, a voca-
ção inte­lectual para todos os problemas e, em qualquer caso, um modo
específico de os abordar e tentar superar. A este nível a questão dos con-
teúdos a ensinar no programa de filosofia adquire outro contorno e outra
perspectiva porque todo o conteúdo implica uma opção, condiciona uma
estratégia de ensinar e de apren­d er, e limitará a actividade filosófica que
35
daí derivar. O que equivale a dizer que o problema posto pela transmissão
dos conteúdos, sendo de natureza didác­tica, não ultrapassa a concepção de
uma filosofia condicionada a certas posi­ç ões e conceitos que, em boa me-
dida, a contradizem. Assim, toda a questão dos programas se enreda em si
mesma e dá origem a inúmeras disputas em que, em verdade, ninguém tem
razão porque todas as posições estão feridas de morte, já que a sua vida
depende mais da metodologia usada que dos conteúdos.
Todas estas questões, portanto, quer as tomemos em separado quer con­
juntamente, têm uma natureza e implicam uma acção que é uma dimensão
pedagógica essencial, e à qual não podemos fugir. O que significa que
teremos que repensar toda a problemática da filosofia nesta perspectiva.
Ou reconhecer que o ser da filosofia está na dependência de um dever ser
pedagógico intrín­seco à própria filosofia. E isto porque é uma das condições
da sua natureza na medida em que, por sua vez, é uma das condições da
sua activi­d ade específica – a actividade filosófica. E mesmo que não saiba-
mos o que é a natureza da filosofia, sabemos que ela se manifesta por um
agir intelectual, uma acção, um processo racional e interpretativo que se
identifica com o que as modernas correntes pedagógicas dizem ser, e de-
monstram dever ser, tanto o ensino como a aprendizagem.
A expressão “actividade filosófica”, quando assumida em toda a sua ri-
queza potencial, permitirá compreender isto melhor. Actividade no sentido
piagetiano que entende as operações formais, de que a filosofia vive, como
acções, ou operações. Operação que, neste sentido, implica abordagem
inédita do problema, vivência da situação problemática e necessidade de
recurso a operações racionais para o resolver. Sendo assim, podemos dizer
que a filo­s ofia prefigura, como disciplina e actividade racional específicas,
a razão e a natureza de um ser pedagógico que as modernas investigações
psicopedagó­g icas e as teorias educativas não se cansam de estudar e di-
vulgar.
Não reconhecer esta evidência não a torna menos evidente. Jamais em
filosofia a verdade esteve dependente do número dos que a reconhecem.
Isto é, o não aceitarmos a íntima e mútua dependência entre a filosofia e
a pedagogia, nem por isso deixará de fazer funcionar a dimensão pedagó-
gica intrínseca à filosofia, influenciando‑a na sua própria raiz. Teremos
36
então uma filosofia (e uns tantos cultores dela) que não se dão conta dos
factores que a condicionam nem das variantes que pode apresentar. E não
aceitando que as variantes actuam em retorno sobre os conceitos e os mo-
dos, potenciando uns e inibindo outros, a filosofia nega‑se a si mesma como
questionamento da raiz da sua própria função, condições a que constante-
mente se vê (ou deveria ver) obrigada e sem as quais não pode ser o que
diz ser.

7.2. O como ensinar a Filosofia

7.2.1. A questão de como ensinar ou do genericamente pedagógico

A segunda questão, ou de como ensinar a filosofia, a questão da didác­tica,


merece também análise. Para saber como ensinar a filosofia temos que saber
não só o que a filosofia é, mas também o que dela queremos ensinar, e o
que queremos que os alunos aprendam. Na realidade, não poderemos ensi-
ná‑la nem fazer aprendê‑la sem saber o que ela é. E mesmo que o venhamos
a saber, ainda teremos que decidir o que com ela pre­tendemos, partindo do
princípio que uma coisa não tem que ver com a outra. O que não é o caso,
como já se viu. Ora isto complica as coisas ainda mais. A questão do como
põe assim problemas a montante e a jusante.
Em relação a outras disciplinas os problemas que temos que resolver
reduzem‑se aos objectivos que pretendemos alcançar, aos conteúdos necessá­
rios para a obtenção desses objectivos e a questões de natureza didáctica
sobre o melhor modo de as ensinar. O que queremos obter com o ensino
de uma disciplina, as competências e os conhecimentos que achamos es-
senciais para os alunos, terão ao seu serviço certos processos de ensino e
de aprendizagem. Assim, em função dos objectivos mais genéricos ou mais
específicos, e da natureza dos conteúdos a ensinar, se organizarão as se-
quências didácticas e se deverão utilizar as técnicas pedagógicas mais
adequadas. Mas as disciplinas em causa não sofrem alterações significativas
com as opções tomadas nestes domínios, pelo menos ao nível do ensi-
no‑aprendizagem do básico e secun­d ário. Tudo é uma questão de maior
37
ou menor eficácia dos métodos para ensinar e fazer aprender.
Esta constância não está garantida para a filosofia. O que ela é depende
de como for ensinada e aprendida e, acima de tudo, das verdadeiras inten-
ções com que for ministrada. Assim, a resposta à questão acima formulada
depende da maneira como tenhamos respondido à anterior. Aqui, mais do
que em qualquer outro domínio, se pode dizer, como já o dizia Frondizi
(1970, 145), que “o método utilizado condiciona a natureza do objecto co-
nhecido”. A questão do que seja a filosofia influencia não só a resposta à
pergunta sobre o que queremos ensinar, mas também como fazê‑lo. Se não
sabemos ao certo o que é a filosofia, como saber o que deveremos ensinar?
E não sabendo o que ensinar, como ter segurança sobre o modo de o fazer?
A questão pode parecer forçada. Com efeito, filosofia sempre se ensinou,
e sempre vamos sabendo aquilo que ela é. Melhor ainda: em todas as épocas
se soube o que ela era e cada filósofo saberá o que é a filo­s ofia. A partir
daqui poderá sem dúvida ensinar‑se. Por que é que se põe então o problema?
Porque, por um lado, a natureza daquilo que vamos ensinar depende do
modo como o fizermos, como no caso presente; por outro lado, este modo
depende da con­c epção que tenhamos da filosofia. Ou seja, num esquema
circular, cada uma destas questões vale por si e, simultaneamente, está
dependente da outra, ao mesmo tempo que a influencia.
É esta situação particular que gerou o tema da ensinabilidade da filoso-
fia. É a filosofia ensinável? É óbvio que sim. É uma disciplina nos nossos
curricula liceais, com seus programas e compêndios há décadas e décadas;
tem cursos nas universidades, tem história, tem autores, tem sistemas e
problemas, enfim, tudo o que é necessário para ser ensinada e aprendida.
E é evidente que os professores de filosofia ensinam filosofia, absurdo
seria pensar outra coisa. Mas que filosofia? Se é assim tão evidente por que
se terá posto o problema da possibilidade de ensino da filosofia? Qual é a
verdadeira natureza do problema? Se se continua a problematizar a
ensinabilidade da filosofia, havendo uma longa tradição escolar do seu
ensino, é porque a questão não foi ainda convenientemente resolvida.
Carrilho (1982, 137), por exemplo, refere “... o ensinável filosófico [como]
simultaneamente o “porquê”, o “como” e o “quê” do ensino escolar da
filosofia”.
38
Mas, se é assim, se o ensinável filosófico põe estas três questões, mesmo
que simultaneamente, não coloca nem mais nem menos problemas que
qualquer outra disciplina. E então o problema da ensinabilidade da filoso-
fia é idêntico ao da possibilidade de ensino da física ou da geologia, ou
seja, não tem sentido colocar este problema à filosofia, uma vez que nin-
guém põe o problema da possibilidade de ensinar outras disciplinas.
Porquê então tanto debate sobre o problema da sua ensinabilidade? Por­
que o que se ensina, ou tem ensinado, é a filosofia feita, sistemática, é a
filo­s ofia deste ou daquele autor, de um ou outro problema ou sistema fi-
losófico. E isto não é a filosofia mas alguns dos seus produtos. E confundir
a filosofia com isto levanta simultaneamente o problema da sua natureza e
o problema do seu ensino. O primeiro problematiza o segundo e o segun-
do o primeiro. Porque é a filoso­fia em si mesma que problematiza o seu
ensino e não os produtos que se têm divulgado em seu nome. Estes não o
sabem nem podem fazer porque eles, como produtos concretos, são sus-
ceptíveis de ser ensinados e aprendidos e não questionam a filosofia
enquanto tal. A este nível não se vislumbra qualquer problema.
Poder‑se‑á dizer que sempre a filosofia se identifica com um dado pro-
duto filosófico. Não há a filosofia, mas filosofias, ou seja, respostas que
foram formuladas em certas ocasiões para problemas concretos. “Em filo-
sofia, cada pensador constrói a sua obra” (Kant, 1966, A 26, 27). A filosofia
não é senão uma abstracção que, obtida a partir de uma certa experiência
e de um contexto particular, sempre traduzirá esse contexto na formulação
teórica que produzir sobre o que seja a filosofia. Não só sobre os problemas
e o modo de os solucionar, mas sobre a concepção de filosofia; daí as
variadas concepções.
Ensinando a filosofia estamos sempre a confrontar‑nos com este pro­
blema, porque acabamos por ensinar uma dada filosofia. Mas o que seja a
filo­s ofia continua a ser problemático porque a sua natureza, podendo re-
velar‑se de muitas maneiras e em inúmeras circunstâncias, está para lá,
sempre, das con­c retizações que se conseguirem. É então que se coloca o
problema da ensina­b ilidade. É quando se passa da filosofia feita à filosofia
a fazer que se ergue a questão e temos condições para perceber que o
essencial do problema do como ensinar só se coloca na filosofia que ainda
39
está por fazer, e que, portanto, não existe. Mas que, embora não existindo,
é a que tem mais possibilidades pedagógicas, é onde se revela toda a di-
mensão pedagógica da filosofia.
Não é que ensinar a filosofia feita não possa ser um problema pedagó­
gico, mas será sempre um problema pedagógico idêntico ao das outras
disciplinas, isto é, sem especificidade própria. Não tem, portanto, possi­
bilidades de explorar toda a dimensão educativa, toda a potencialidade
forma­tiva da filosofia. Neste sentido, é a pedagogia que vai ao cerne do
problema da ensina­b ilidade e é aqui que o problema adquire toda a sua
acuidade. E é a pedagogia que vai ao centro deste problema porque levanta
a questão incontornável da problematicidade das questões, e da pessoa
onde ela pode, ou não, acontecer. É esta obrigação “pedagógica” de a
filosofia não se iludir com os seus produtos, e a exigência desse elemento
indispensável à sua própria reali­dade, que é o indivíduo, que criam à filosofia
a sua maravi­lhosa fragilidade. A filosofia, em verdade, não é ensinável, mas
sim os seus produtos. E como estes não garantem a reposição filosófica, e
esquecem por vezes o indivíduo concreto (o aluno) em que isto tem que
acontecer, a filosofia tem um problema particular que só a pedagogia poderá
resolver. E, por outro lado, embora a filosofia não seja ensinável, são
ensináveis os seus métodos na medida em que são susceptíveis de ser postos
em prática, exercitados e disciplinados; mas ainda aqui segundo exigências
pedagógicas modernas.
Como resolver então os problemas didácticos que se colocam? O pro­
blema da ensinabilidade da filosofia põe‑se porque ou se ensina a filosofia
feita, ou não se ensina filosofia nenhuma, visto que não se pode ensinar a
filo­s ofia que ainda não existe, como já considerava Kant (1966, A 26, 27):
“Cada pensador constrói”, como se disse, “a sua obra, por assim dizer sobre
as ruínas de uma outra; (…) donde decorre que não se pode aprender a
filosofia, pois ela ainda não existe. Mas mesmo supondo que existisse uma,
ninguém que a aprendesse se podia dizer filósofo, porque o conhecimento
que dela teria permaneceria subjectivamente histórico”. E isto porque a
filosofia feita é, de algum modo, e numa perspectiva pedagógica, o contrá-
rio da própria filosofia, ou é, pelo menos, um subproduto que a pode pôr
em causa, uma vez que o peso da filosofia feita pode ser inibidor da filo-
40
sofia a fazer. É a perspectiva pedagógica que nos permite ver a distância
que vai de uma à outra, ou que fazendo‑a ser aquilo que ela é, ou, como
se disse, da maneira como tem que ser se quiser ser o que é, parece revelar
o verdadeiro problema da ensinabilidade. Daí o beco sem saída em que
aparentemente se está. Aparen­temente, repito.
A pergunta do como ensinar é assim uma questão difícil porque levanta
problemas didácticos, e estes pretendem resolver de modo imediato o que
só mediatamente se pode resolver; ou seja, problemas que só são solúveis
depois de se terem resolvido outros com que em geral não se conta. Por
outro lado, os que pretendem superá‑los de maneira rápida são geralmente
aqueles que são supostos defender o interesse e a autonomia da filosofia,
ou seja, os professores de filosofia. Na pressa de salvaguardar a filosofia
ou de a colocar acima de toda a contaminação, no afã de preservar a sua
especificidade comprometem a sua identidade e autono­mia. Estas jogam‑se,
assim, em si mesmas, por um lado, e fora de si mesmas, por outro. Em si
mesmas, porque nada de tão eficaz haverá para desenvolver a autonomia
e a especificidade da filosofia quanto a própria filosofia, o seu ensino e
divulgação; fora de si mesmas, porque há uma condição “filosófica” para
as garantir que é, em boa medida, pedagógica. Ou de outra maneira: o
próprio da filosofia está de tal modo dentro de si mesma que só algo de
certo modo fora o pode garantir. E porquê? Porque o específico da filosofia
está no processo que os filósofos utilizam, mas não ensinam, porque não
é ensinável, e que os verdadeiros pedagogos acabam por ensinar, na medida
em que o respeitam e exigem para a filosofia, por ser dela condição. Donde
talvez se possa concluir que, mesmo não sendo ela ensinável, é‑o pela razão
deweyana (e não só) de que é a função que faz o órgão.
Nesta perspectiva, torna‑se evidente que ensinar filosofia pelos métodos
clássicos é contrário ao que podemos considerar a natureza da filosofia.
E porquê? Porque o que se ensina e aprende da filosofia será sempre, como
se disse, uma filosofia já feita, um certo programa, o estudo de um conjun-
to de autores, e traduzindo, ambos, uma concepção de filosofia. Não se
preserva nem a essencial abertura e problematicidade da filosofia, nem a
dinâmica que ela implica e sem a qual é um produto enfermiço. Por isso
se considera que, nestas condições, o como ensinar está, à partida, com-
41
prometido, porque condi­c ionado por circunstâncias que, em boa medida,
implicam um ensino da filo­s ofia que a nega, ou que a coloca, pelo menos,
em condições de fragilidade intrínseca. E isto na medida em que é uma
didáctica que se vai satisfazer em reproduzir os temas de certas áreas, as
cosmovisões de alguns pensadores ou as questões predominantes em de-
terminadas épocas ou culturas.
Mesmo que prevaleça uma perspectiva ecléctica rigorosa, nem por isso
o problema se supera. Porque é a própria necessidade de seleccionar, con-
ciliar e sintetizar teorias e autores que, por sua vez, impõe uma abordagem
didáctica que a limita como actividade filosófica. Isto significa que, nesta
óptica, o como ensinar está condicionado pelo modo como antes se colocou
e se solucionou o problema do que ensinar. Perante a necessi­d ade de en-
sinar filosofia, voltamos à pergunta (que, como vimos, é um real problema):
o que ensinar? Isto é, que áreas? Que sistemas ou autores? E é um proble-
ma real porque, impondo um objecto, condicionamos um método. E o
método pode destruir a filosofia porque, por retroacção, reforça o objecto,
neste caso, um certo objecto. E isto pode ser, e nestas condições quase
sempre é, uma corrupção da própria filosofia, na medida em que é dela
uma concepção particular arvorada em única legítima. Mas a inversa também
é verdadeira, porque definindo a priori um método, condicionamos um
objecto. O que de algum modo impede sair do problema para se ver mais
longe. E é assim que o problema se resolve segundo uma abordagem que
impede a sua real solução.
Se a prioridade fosse a filosofia enquanto actividade, na concepção
funcional de Claparède ou do instrumentalismo do tipo de Dewey, se o
importante fosse o filosofar que, como diz Kant (1966, A 26, 27), se apren-
de “pelo exercício e pelo uso que se faz da própria razão”, e não uma ideia
feita sobre ela, uma concepção qualquer ou uma intenção escondida, teria
que mostrar o que ela é, cultivando‑a. A própria função ou actividade filo-
sófica se encarregaria disso pela sua natureza. Mas como mostrar o que ela
é a partir de algumas das suas concretizações, de alguns produtos, se pelo
facto de serem produtos está já ausente a função que os produziu? E de
que modo, se as concretizações serão sempre uma limitação do seu campo
ilimitado e uma particularização do seu método? Como revelar um proces-
42
so se, por este meio, o que se mostra é sempre um conteúdo, e este
esconde o processo porque é dele só o resultado visível?
Nestes termos, podemos até dizer que há duas ordens pedagógicas e
não uma. A primeira, tem que ver com os métodos mais adequados para a
trans­m issão dos conteúdos de uma certa disciplina chamada filosofia, dos
produtos dela que merecem ser ensinados; a segunda, diz respeito ao seu
método, visto que a filosofia não pode nem identificar‑se com, nem reduzir‑se
a conteúdos ou sistemas particulares. Assim, descoberta a estrutura clássica
que a nível das metodologias a primeira perspectiva implica, somos levados
ao essencial do problema, isto é, a encontrar uma abordagem para a filo-
sofia que a não reduza, ou condicione, mas a liberte e a potencie.
A diferença é, obviamente, de natureza pedagógica. Mas as implicações
filosóficas são de tal ordem que poderemos identificar a segunda com o
processo de produção da filosofia, e, portanto, de algum modo, com a
própria filosofia, e a outra, a primeira, com uma ausência de filosofia cheia
de filosofias. No coração do problema de como ensinar está, pois, indissociá­
vel, a pedagogia, embora a níveis insuspeitos a uma primeira análise. É ela
que faz a diferença entre o que é e não é, quase poderíamos dizer, embo-
ra de uma forma redutora, entre a filosofia e a sua ausência.

7.2.2. A questão do como ensinar ou do restritamente pedagógico e um


exemplo ilustrativo

A questão do como ensinar pode colocar‑se também numa perspectiva


mais restritamente pedagógica, dando‑nos novas pistas para o problema da
relação entre a filosofia e a pedagogia, com achegas para o problema da
possibilidade de ensinar a filosofia.
Numa perspectiva de didáctica específica podemos adoptar, à partida,
uma modalidade de ensino para um dado programa. É isto, em princípio,
o que faz qualquer professor, sendo vulgarmente adoptado o chamado
método clás­s ico, baseado na aula magistral. As variantes que o método
pode apresentar, os elementos de enriquecimento, como leitura e comentário
de textos, debates, dissertações, etc., não alteram, nos seus elementos
43
básicos, esta estrutura. Do mesmo modo que não é alterada de modo
significativo a estrutura clássica da relação pedagógica, a posição/função
de professor e dos alunos na referida relação, etc. (cfr. Boavida, 1986,
337‑343).
Imaginemos, porém, um curso de filosofia segundo a perspectiva do
Método dos Projectos, por exemplo. Como é conhecido, deve‑se a Kilptrick,
na linha do pensamento de John Dewey, a concepção de um método que
se constitui em redor de um projecto a realizar pelo aluno. É, como se sabe,
um método activo, que vai buscar o seu fundamento não só ao pragmatismo
de Dewey mas também aos conceitos de funcionalidade e de actividade de
que a Escola Nova em geral fez bandeira. Pretende que o aluno seja levado
a agir, que se obrigue a concretizar um projecto de realização e que,
realizando‑o, aprenda, fique a conhecer o assunto, com as capacidades que
utilizou desenvol­v idas pelo trabalho e em condições de as poder utilizar
mais tarde. Não é tanto a compreensão de um problema teórico o que o
interessa, mas a solução de uma situação problemática qualquer, a
concretização de um plano ou projecto, para o que será necessário
compreender certos problemas, adquirir conheci­m entos e activar funções.
A componente cognitiva, o conteúdo a transmitir ficará, neste termos, na
dependência da função que os problemas tendem a desempenhar no projecto.
Ou seja, há a prevalência de uma estratégia activa imposta pelo problema
concreto, há uma dinamização intelectual que é neces­sário pôr a funcionar
para que o problema se resolva. O que não impede que se tenha que ter,
como referência última, os problemas em si mesmos e os seus conteúdos
nos contextos sistemáticos ou históricos. Se a tarefa for filosófica implica a
recorrência a informação filosófica variada; toda a informação que o problema
exige para a sua superação será solicitada. E terá que o ser segundo
estratégias adequadas ao problema, e não de qualquer modo, o que tem,
de novo, implicações pedagógicas. E como, por outro lado, fomos obrigados
a enfrentar as questões, a sua racionalidade não foi secundarizada, antes
pelo contrário.
Há, por outro lado, vários tipos de projectos, e há um tipo, o problemá­
tico, que, consistindo em encontrar a solução de um problema de tipo
intelec­tual, se parece adaptar bem à filosofia e à especificidade dos seus
44
domínios. Mas o essencial não está no tipo de projecto (construtivo, esté-
tico, problemá­tico ou de aprendizagem), mas na dinâmica de acção
intelectual que o projecto implica.
Ora, no que diz respeito à filosofia, a questão está aqui: o pro­jecto, para
se concretizar, tem que se servir de funções intelectuais, levar a efeito
opera­ções racionais e adquirir conhecimentos de natureza filosófica. O que
irá dar ao ensino‑aprendizagem da filosofia um conjunto de características
que o diferen­c iarão de um curso clássico. A tentativa de pro­p orcionar o
ensino‑aprendiza­g em da filosofia através de um projecto a levar a efeito,
cria uma relação diferente do aluno com os problemas, uma abordagem
pessoal, motivada e dinâmica, que se aproxima mais daquilo que a filoso-
fia deve ser, do que a transmissão dos conteúdos. Mesmo que esta seja
feita com rigor, apoiada em textos de autores e ilustrada por um ou outro
exemplo convincente. Aquilo que daí resultar, a experiência vivida, as fun-
ções desenvolvidas, o sentimento que acompanhou o trabalho, os reflexos
na formação, a memória daquela experiência serão tão distintos em ambos
os casos que só na palavra filosofia poderão coincidir as duas experiências.
Note‑se que o caso apresentado é um simples exemplo, entre outros
possíveis, de como a metodologia pedagógica utilizada condiciona tanto o
processo como o produto.

7.3. Para que ensinamos ou queremos que aprendam?

Mas há ainda uma questão, a do para quê de uma disciplina. É a ques-


tão dos objectivos pedagógicos, que está sempre presente, mesmo quando
as pessoas a não querem ver.
A problemática dos objectivos pode abordar‑se a vários níveis e sob
diversos pontos de vista, e há até quem considere que esta abordagem não
traz nada de novo. Em primeiro lugar – é óbvio – quem ensina fá‑lo sempre
com um dado intuito. Mas isto está muito longe de uma pedagogia por
objectivos. Para já, nem sempre se tem consciência das intenções com que
se ensina, ou só se tem uma consciên­c ia vaga. Além disso, esta vai ter im-
plicações numa prática pedagógica difusa, errática, isto é, sem estratégia
45
clara nem métodos adequa­d os. Acresce que não se tem consciên­c ia dos
erros que vulgarmente se fazem, como confundir programa com conteúdos
e um e outro com objectivos, confundir a acção do professor com os ob-
jectivos que os alunos devem alcançar, identificar produto com processo,
etc. Acontece ainda que, apesar de eventuais boas intenções, um processo
assim está longe de controlar todos estes factores, acabando por não saber,
no que diz respeito ao que se ensina e ao que se deve aprender, digamos,
nem para quê nem na realidade se.
Acima de tudo não tem noção da riqueza potencial que pode propor-
cionar uma definição rigorosa de objectivos, não utiliza as grandes
potencialidades educativas trazidas pelas taxonomias, não tem possibilida-
des de, através da análise taxonómica, explicitar as tarefas educativas de
maneira adequada e com a variedade que o acto educativo impõe. Em suma,
pelo seu carácter rudimentar e superficial, está longe de poder rentabilizar
a educação. De modo que o problema dos objectivos acaba por ser um
problema real, e ignorá‑lo equivale a tentar, nos dias de hoje, ignorar o
automóvel e as suas possibilidades relativamente à caleche, que também
nos leva e transporta daqui para ali.
Com que objectivos se ensina filosofia, ou seja: para quê?
Como seria de prever, a questão desdobra‑se em vários níveis. Em pri-
meiro lugar, o para quê do ensino‑aprendizagem da filosofia poderá
abordar‑se pela questão das grandes (boas) intenções e pela perspectiva
dos objectivos, tanto gerais como específicos. Qualquer destes níveis põe
problemas particulares.
A questão das grandes intenções é abordada nos decretos‑lei e em diplo­
mas que criam cursos, propõem reformas, etc. São, em geral, textos
empolados que acabam por não ter grande correspondência com a prática
pedagógica; embora estabeleçam princípios e definam linhas de orien­tação
ou finalidades educativas que são de facto indispensáveis em qualquer
actividade educativa. O problema que se coloca não é de inutilidade mas
de incompletude, é portanto de outra natureza embora na continuidade
daquelas problemáticas. Trata dos objectivos pro­priamente ditos, quer gerais
quer específicos, e embora a níveis diferentes, têm que ver com o que real­
mente se pode obter com o ensino‑aprendizagem da filo­sofia: os objectivos
46
gerais, que se referem ao nível da formação de base, e os específicos, mais
restritos ao campo da filosofia propriamente dita. Mas é aqui que se colo­
cam os grandes problemas. Porque ao nível da formação geral, isto é, na
definição dos objectivos gerais (que muitas vezes se confundem com as
inten­ç ões) quase todos concordamos com o desenvolvimento da capacida-
de de aná­lise e do espírito de síntese, com o aguçar do espírito crítico, com
a aquisição de certos conceitos fundamentais, com uma informação sobre
os grandes problemas da humanidade e as mais consistentes res­p ostas que
os filósofos lhes deram, etc., etc. Há, pois, muitas coisas, e tanto no domí-
nio dos conhecimentos a ensinar e a aprender como no campo das
competências a desenvolver.
A questão tem, pois, duas vertentes. Uma diz respeito aos conhecimentos
a fazer adquirir e às competências a desenvolver, e a outra aos processos
mais adequados de conseguir alcançar cada um destes objectivos. Com
efeito, o que queremos de facto para os alunos? E como conseguir tudo
isto? E tudo “isto” é alcançável pelo mesmo processo? E sê‑lo‑á conjuntamente?
A área dos objectivos pedagógicos é um daqueles domínios das ciências
da educação que os professores em geral abominam, do qual dizem ‘cobras
e lagartos’, mas que não se resolve nem com a simplicidade que se julga,
nem com a leviandade que habitualmente se utiliza. É a característica posição
de quem não reconhece a importância de um assunto pela simples razão
de que o desconhece 2 e pensa resolver o problema por este processo.
Se é, pois, importante decidir o que ensinar e como, igualmente impor­
tante é saber para quê. E aqui começa outra série de questões. Estamos
todos de acordo sobre o que pretendemos com o ensino da filosofia? Es-
tamos seguros de interpretar correctamente as directrizes do Ministério
quanto às finalidades do sistema educativo e sobre o específico contributo

2 Veja‑se a resposta ao inquérito sobre os objectivos do ensino da filosofia (cf. S antos , T.,
1974, 38‑42) e ter‑se‑á uma noção da pouca importância que se atribuía ao problema. Atitude,
de resto, ainda comum a muitos outros professores de outras disciplinas, e que não se pode
confundir com falta de qualidade profissional.
da filosofia para isso? E uma vez que nos é proposto um elenco de temas,
de problemas e de autores, estamos informados sobre o que poderemos
obter com isso? É preciso, com efeito, saber o que se quer com a matéria
47
que temos para ensinar. Pretende‑se, por exemplo, transmitir uma concep-
ção particular do mundo e do homem ou apurar a sensibilidade para certas
questões e a capacidade de problematizar? Deseja‑se desenvolver o pensa-
mento autónomo e a capacidade de opção consciente, ou essa formulação
não é mais que um propósito abstracto que as situações concretas do acto
educativo desmentem? E tendo em consideração estas e outras razões, não
será preferível formular os objectivos segundo os grandes ideais e valores
da nossa cultura, de que certos pensadores e sistemas filosóficos serão os
modelos perfeitos?
Queremos, por outro lado, tratar de problemas epis­temológicos ou in-
cidir sobre temas de natureza ética ou estética? São questões que não se
pode evitar, ou não se deve, e onde a cada resposta corresponde um dado
objecto e, portanto, conforme a resposta que dermos assim será a filoso­fia
que daí vai resultar. Na medida em que houver predominância de certos
temas sobre outros, de determinados problemas ou métodos, assim resul-
tará uma actividade diferente e, portanto, uma outra “filosofia”. Os mesmos
problemas e autores, tratados com objectivos distintos, serão diferentes. Ou
deverão ser, porque as intenções subjacentes à actividade do professor e
dos alunos condicionam essa actividade e, portanto, o seu produto. É este
um dos grandes contributos da pedagogia por objectivos.
O que resulta da actividade da aula quando se pretende despertar a
tendência problematizadora, tão característica dos adolescentes, será dife-
rente do alcançado com aulas e matérias cuja intenção é transmitir os
principais problemas filosóficos e as melhores soluções. Se um professor
quiser alcançar cada uma destas intenções, tem que planear as coisas de
uma maneira particular e promover tipos diferenciados de actividade, mes-
mo que servindo‑se dos mesmos problemas e utilizando inclusive os
mesmos autores e textos.
Duas das regras básicas da pedagogia por objectivos já referidas, ou seja:
1) que não se deve confundir o objectivo com o conteúdo,
2) que é o aluno que deve alcançar o objectivo e não o professor,
têm, em filosofia, uma dupla ordem de consequências. Com efeito, o mes-
mo tema ou problema filosófico, o mesmo autor, são susceptíveis de
proporcionar um ou outro objectivo conforme variam as vias de acesso
48
utilizadas e os modos de concretização. Mas estes, por sua vez, não deixa-
rão de condicionar, em retorno, as concepções de filosofia. Há, assim,
conceitos distintos na base destas duas intenções. E haverá duas reformu-
lações do conceito de filosofia resultantes do retorno que cada uma destas
práticas proporcionar. As quais, por sua vez, exercerão influência sobre a
actividade filosófica posterior. E esta sobre a concepção, e assim sucessi-
vamente.
Em segundo lugar, tendo que centrar no aluno a manifestação dos resul­
tados a alcançar, tanto enquanto atitudes como enquanto competências,
como manda a pedagogia por objectivos, e não sendo pedagogicamente
aceitável, no nosso tempo, reduzir a prestação dos alunos à memorização
e à reprodução de conhecimentos de compêndio, resta‑nos a alternativa de
levar os alunos a trabalhar com problemas reais e a encontrar, com a sua
actividade, a natureza filosófica que os problemas contêm.
Tendo vivido e experienciado a situação única da actividade filosófica
real, não só será cada vez mais capaz de a exercer e exigir a si próprio
como, exigindo‑a também aos outros, proporcionará um efectivo alarga-
mento do domínio racional e uma valorização da actividade filosófica em
si mesma. É óbvio que a filosofia que resultar de cada uma destas activi-
dades pedagógicas será diferente. É, pois, indispensável determinar o
objectivo com que se ensina a filosofia.

7.4. A quem queremos ensinar? Ou quem consideramos que merece aprender?

Finalmente a pergunta: a quem ensinamos a filosofia? Ou melhor, quem


a vai aprender? Parece evidente que a filosofia será diferente conforme a
pessoa que tiver contacto com ela. Do mesmo modo que será diferente a
filo­s ofia se uma pessoa for a ela submetida, ou se a ela recorrer. Não se
põe sequer a questão da idade que, em certo sentido, é fundamental, mas
noutro não. É evidente, principalmente depois das investigações de Piaget,
que a filosofia, no sentido em que nós a entendemos, é praticamente
impossível antes da adolescência e do acesso ao pensamento hipotético‑de-
dutivo. Com efeito, sem poder pensar em termos de hipótese, e sem o rigor
49
das operações formais, como construir o discurso cartesiano?
Acontece, porém, que Lipman (1988; 1989; 1992) veio contestar a tradi-
ção de condicionar o início do ensino da filosofia à chamada idade
da razão, propondo o começo da sua aprendizagem na infância. Tem mes-
mo posto em prática um método próprio para esse efeito. Não solicita as
operações formais, que as crianças ainda não são capazes de fazer, mas
utiliza processos romanceados e novelas, diálogos que, nestas condições,
servirão como pro­p edêutica ao pensar filosófico, e motivação e sensibili-
zação para os problemas. Não se trata de filosofia, dir‑me‑ão. Pode ser que
não seja. Mas quem detém o segredo do que é a filosofia? Não o será no
sentido clássico de um discurso racional e interpretativo, de uma formali-
zação da realidade, mas sê‑lo‑á como problematização do real, como
valorização e respeito pelos problemas, como esboço de análise e aproxi-
mação às compreensões globais, mesmo que simbólicas. Será a filosofia de
que as crianças são capazes. Em verdade, de quase nada se poderá dizer,
com tanta propriedade, o que se deve dizer da filosofia: a cada um a sua,
tanta quanto necessite e na medida do que for capaz; ou um pouco mais
do que isso. São famosas, aliás, as perguntas das crianças, pela frescura, o
inesperado e a agudez. E pela perturbação que muitas vezes provocam em
espíritos que, cristalizados já por uma realidade tornada habitual, não en-
contram resposta coerente. Isto é, que vá ao encontro da pergunta e seja
dela o seu reflexo e continuação, nem são capazes de achar sentido à rea­
lidade inesperada e quantas vezes maravilhosa que elas pressupõem.
É evidente que a filosofia de que os adolescentes são capazes é muito
diferente. E potencialmente muito mais rica. É famosa a capacidade crítica
dos adolescentes. Todos os autores o assinalam (vide , p. ex., Porot & Seux,
1964; Cruchon, 1967; Hurlock, 1979; Claes, 1985; etc.). Do mesmo modo
que é reconhecido o desenvolvimento da introspecção (Debesse, 2 1941;
D. Rogers, 1972; Gesell, 1978), o sentido da observação, o desenvolvimento
do sentimento moral (Horrocks, 21962; Jersil, 1971; Gesell, 1978). A própria
auto­nomia moral cria condições para se desenvolver na adolescência (Erikson,
1972; Kohlberg, 1981), o gosto algo lúdico pelas análises, o encadeamento
lógico de que são capazes, a argumentação implacável que muitas vezes
50
conse­guem, o vezo teorizante por vezes excessivo. Tudo características que
os investigadores da psicologia da adolescência têm reconhecido. Embora
certos estudos e interpretações mais recentes façam realçar já a acção de
fragmen­tação e de perturbação no discurso lógico e sintáctico nos adolescentes
de hoje, em virtude do mundo demasiado sincopado, descontínuo e instável
do audiovisual dominante, penso que podemos continuar a dizer, como
Patrício (1998, 255‑256) que enquanto “a criança (…) pensa muitas vezes
incon­venientemente (…) o adolescente pensa vitalmente”.
Por outro lado, se, como diz Drévillon (1988, 51), “muitos adolescentes
não atingem o estádio das operações formais” e se “a capacidade de racio-
cinar em termos de operações formais é, na opinião de Keating (1980, 226),
como uma capacidade geral construída”, então o problema das operações
formais, indispensáveis à filosofia, adquire uma dimensão pedagógica in-
contornável. E como o problema do acesso às operações formais não se
coloca somente com os adolescentes, como o mostraram Schircks & Laroche
(1970), por exemplo, a questão do acesso à filosofia não se resolve sem
uma via pedagógica adequada, a qual não pode resultar sem a consideração
funcional da experiência de cada um e as exigências operatórias a que
obriga.
Que condições faltam para a filosofia? E como, com estas condições,
fazer do ensino da filosofia uma memorização de teorias passadas ou uma
reflexão à roda de soluções ultrapassadas, mesmo que com o auxílio da
exegese de textos? O não se ter considerado muitas vezes estes aspectos
fundamentais não será suficiente para explicar a indiferença com que mui-
tos jovens encaram essa bênção dos deuses para espíritos inquietos que é
a filosofia?
E, por outro lado, quem pode negar estarmos perante uma dimensão
pedagógica intrínseca da filosofia, naquela diferença que a faz ser ou não
ser? Na realidade, o que a filosofia consegue ser ou não ser determinará,
em última análise, a existência da filosofia. Sê‑lo‑á, se existir problematização,
análise racional das questões, discurso lógico, indagação real. A perplexidade
face aos problemas, a evocação da experiência pessoal, a necessidade de
encontrar sínteses explicativas, relações e nexos, são condições sine qua
non da filosofia. As escolas filosóficas com os seus mestres e discípulos,
51
seus debates e problemas provam‑no sobejamente.
Na origem da filosofia estão o espanto e o diálogo, toda a gente o sabe,
ou, pelo menos, todos o dizem. E isto tanto em termos históricos como
psicológicos. Por que não partirmos daqui para uma real iniciação à filo-
sofia? Se não conseguirmos dar contexto e contorno filosóficos aos
problemas dos alunos jamais estes aprenderão (apreenderão) filosofia. Se
quisermos impor aos outros os problemas que são nossos, por muito im-
portantes que sejam, dificilmente os sentirão como reais, isto é, como
filosóficos. E dificilmente virão a saber o que é a filosofia e para que serve,
uma vez que depende intrinsecamente da problematização e do discurso
que se conseguir. Ora, o profundo entendimento disto é pedagógico, e mais
pedagógico ainda será a sua prática.
Não estamos a falar, é bom repetir, de cultura filosófica, ou de erudição,
embora estes aspectos sejam importantes e devam ter os seus cultores de
qualidade. Também não estamos a falar de filosofia como factor de repro-
dução social e cultural, repositório dos valores de uma sociedade. Embora
haja um género de filosofia que se presta bem a este tipo de funções, e
exija dela esta acção. E até se compreende que ela possa exercer esta fun-
ção pelo valor doutrinal que contém. É, porém, uma filosofia formalizada,
constituída e, portanto, de algum modo desvitalizada. Preferimos, pois,
falar da filosofia viva, da actividade a que recorremos sempre que a per-
plexidade ou a angústia nos atacam. Só esta filosofia poderá interessar à
juventude porque só esta é a verdadeira. E isto é pedagógico na medida
em que é um modo de fazer e, simultaneamente, um processo de aprendi-
zagem que correspondem àquilo de que a filosofia necessita e se identificam
com ela.
A questão diz respeito ao modo como a filosofia é, e poderá ser, sentida.
Ou até, a maneira como as diferentes socie­d ades e estratos socioculturais
sentem os problemas e os tentam resolver. E, portanto, com o tipo de
problemas que mais os preocupam, as mundividências com que melhor se
identificam, etc.
Um homem adulto, na força da idade, por exemplo, não utilizará a sua
actividade racional do mesmo modo que um adolescente ou um idoso.
Poder‑me‑ão dizer que poucos saberão o que é a filosofia e se sentirão
52
vocacio­nados para a actividade que ela implica. De facto, um homem, con-
frontado diariamente com a resolução de problemas concretos, pode não
saber nada de sistemas filosóficos. Isso, contudo, em nada altera o proble-
ma, se nos referimos a uma filo­s ofia formalizada.
Mas já não será assim se pensarmos na indagação racional a que todo
o humano recorre em certas situações. O homem adulto, na força da idade,
procurando directivas para a acção ou para as relações, formulará prova­
velmente princípios que pressuporão mundividências de cariz filosófico
mais ou menos explícitas. E o velho, para que quererá ele a filosofia?
Se de alguma maneira nele florescer a vocação filosófica, ou a sua neces-
sidade esporádica, será para encontrar ideias básicas que lhe permitam
ordenar a experiên­cia, e lhe possibilitem a visão da vida mediante algumas
sínteses. Apazigua­d oras e reconfortantes, se a vida se tiver cumprido, se-
gundo aquela perspectiva interpretativa exposta por Erikson (1972); ou,
caso contrário, cépticas e sem esperança, se a vida não lhe tiver dado pos-
sibilidade de ir resolvendo as opções cruciais das diversas idades.
As quatro questões acima expostas descobrem‑nos, assim, perspectivas
inesperadas. A uma primeira abordagem, os problemas postos pela filosofia
parecem contidos nas quatro referidas questões, tal como qualquer outra
disciplina. A análise desses mesmos problemas, na sua relação com a filosofia
leva‑nos, porém, a concluir que não é assim. Somos por isso obrigados a
reavaliar o peso específico e relativo de cada questão e as diversas
perspectivas assim abertas.
53

Como chegar à terra prometida?

1. Esboço da questão

Passado o período de ouro da pedagogia por objectivos, e criada dis-


tância crítica em relação ao que poderá ter sido uma moda, vamos pensar
um pouco na hipótese da sua aplicação ao ensino‑aprendizagem da filoso-
fia, domínio onde, aparentemente, o seu contributo não foi grande, mas
que poderá dar‑nos pistas de reflexão.
Definir objectivos comportamentais para a filosofia e exigir depois uma
verificação das mudanças nos comportamentos afigura‑se inadequado para
filosofia, como, em geral, para as disciplinas humanísticas.
A distinção entre objectivos de “performance”, na linha de Mager e de
Popham, e objectivos de “expressão”, teorizados mais tarde por Eisner,
passa ao lado desta problemática. Reconhece‑se a intenção de criar, com
estes últi­m os, um tipo de objectivos adequado às humanidades, cuja natu-
reza não se enquadra numa comportamentalidade visível, prevista, como a
que é exigida pelo behaviorismo subjacente a esta concepção pedagó­g ica.
Os objectivos de expressão, criando de preferência situações educativas
onde o comportamento exigido é a exploração de certos temas, e a análi-
se ou desenvolvimento de pro­b lemas, ou seja, solicitando a produção não
programada e o trabalho livre, fugiria às críticas de uma pedagogia por
objectivos, restrita, demasiado progra­m ada e previsível, além de fragmen-
tária de mais para se considerar formativa.
No que diz respeito à filosofia, também estes objectivos de expressão
não parece terem trazido grande novidade. E porquê? Porque a chamada
disserta­ç ão filosófica, apesar de variável quanto ao produto final, já em
certa medida é prevista, ou antevista, uma vez que há modelos a seguir e
estratégias privile­g iadas de exposição e de desenvolvimento de ideias.
54
O produto final é sempre, obviamente, diferente, mas há modos de desen-
volver o pensamento e de o expressar, e há depois modalidades de
apreciação e avaliação que condicionam todo o processo. Veja‑se, a propó-
sito, os trabalhos de Vergez e Huisman (198­7), Forment et al. (1991, 111‑124)
e Folscheid e Wunenburger (1992, 143‑215).
Ou seja, os objectivos de expressão, que dir‑se‑ia feitos a pedido para
a filosofia, já iam sendo seguidos pelos seus professores. Mesmo sem o
saberem, e com base em concepções não coincidentes, visto que a disser-
tação filosófica assenta numa concepção clássica de ensino e apren­dizagem
e a outra, a pedagogia por objectivos, deriva de uma teoria psicológica
revolucionária, o behaviorismo, embora também já tornada clássica.
O problema coloca‑se com os objectivos específicos e com os comporta­
mentais ou terminais, e a questão é saber se é possível defini‑los para a
filo­s ofia. Para sermos mais precisos, a primeira pergunta a fazer é esta:
como devem definir‑se objectivos comportamentais para os alunos de filo-
sofia poderem obter resultados que sejam coerentes com essa disciplina?
E a segunda: isso é possível em filosofia?
Não se pretende neste ensaio uma defesa da pedagogia por objectivos.
Mas na medida em que a filosofia levanta, pela sua natureza, o problema
dos fins do seu ensino e da sua aprendizagem – questões muito abordadas
e sempre mal resolvidas – e visto que esta questão se articula com o pro-
blema do método, o contributo da perspectiva behaviorista do ensino terá
que ser analisado, não se ganhando nada em evitar a questão.

2. Quais são as intenções com que se ensina e aprende?

Se enfrentarmos o problema dos objectivos ou finalidades com que se


aprende e ensina a filosofia, tudo isto ganha novo sentido. Para que queremos
que os alunos aprendam filosofia? De um modo geral, antes dos conteúdos
a aprender definem‑se alguns objectivos ou intenções gerais, tais como o
desen­volvimento do sentido crítico e da capacidade de problematização, a
maturi­d ade intelectual, a sensibilidade a valores culturais, morais, etc. São
as boas intenções educativas, com acrescidas razões se se trata de filosofia.
55
Mas, definidos assim os objectivos para a filosofia, e mesmo que esteja-
mos de acordo, tê‑lo‑emos conseguido na base do implícito que se supõe
consensual, sem o ser. Ou sendo‑o ao nível dos princípios, que se aceitam
sem grande dificuldade, já não o é ao nível das práticas, nem dos pro­cessos,
e muito menos ao nível dos efeitos a obter. E o problema é então este:
como alcançar esses objectivos?
São duas questões. Uma, diz respeito ao modo, correcto ou não, de for­
mular os objectivos, a outra tem que ver com as metodologias mais adequadas
para os alcançar. Como se sabe, para obter certos objectivos é tão importante
defini‑los com rigor como aplicar os métodos adequados. O que geralmente
se enuncia são as boas intenções, e entre estas e os métodos utilizados nem
sempre há a necessária coordenação, e menos ainda coincidência. Ou seja,
as boas intenções não implicam, por si mesmas, os métodos adequados,
e sem estes jamais chegaremos ao pretendido. E assim, embora cheios de
boa vontade, muitos professo­r es não têm consciência da distância a que as
intenções ficam da realidade. E como essas intenções formativas não são
efectivamente objectivos pedagógicos, não há maneira de as concretizar
porque não foram nem podem ser operacionalizadas.
Os professores não chegam, em geral, a colocar o problema assim, vis-
to estarem dominados pelos conteúdos a leccionar e pelas avaliações. Estas,
incidindo sobre os conteúdos, acabam por ter reflexo sobre todo o ensino,
e ser dele também uma imagem. E visto que são a grande preocupação das
famílias, provocam, por este facto, o reforço da estrutura clássica de um
ensino e de uma aprendizagem assentes nos conteúdos. Finalmente, nunca
saberão ao certo a que distância ficaram desses “objectivos”, porque não
foi isso que os professores ensinaram, nem o que os alunos aprenderam,
e nem o que se avaliou. Ou seja, como o que aparecia formulado como
objectivo não era mais que uma boa intenção, e o que se fez não foi mui-
to além do tradicional transmitir de conteúdos, que se pressupõe estarem
ao serviço dos objectivos mas não estão, os efeitos obtidos ficaram longe
dos pretendidos, sem se ter consciência disso.
3. Que formação interessa?

Esta espécie de rotação em volta do que é importante em filosofia, este


56
rodear das questões, não é, porém, uma fatalidade. E, neste aspecto, os
objecti­vos comportamentais, apesar do inadequado desta formulação e da
aparente distância a que se encontram da filosofia, poderão contribuir para
uma aborda­gem que torne o seu ensino mais eficaz e a aprendizagem mais
formativa. Isto é, que seja capaz de proporcionar o desenvolvimento de
compe­tências filosóficas que a iniciação na disciplina deve dar. Só elas
podem pro­p orcionar ao aluno essa mais‑valia que a capacidade filosófica
contém, e que faz os espíritos serem capazes de pensar as situações com
racionalidade e objectividade, de procurarem o porquê das coisas e recons-
tituírem assim a estrutura que uma fundamentação constitui. Em suma, só
assim se poderá obter a coerência entre as situações vividas, o pensamen-
to que as interpreta e avalia e as atitudes que a propósito se tenham de
tomar.
Pensamos, pois, que, embora guardando as nossas reservas, a pedagogia
por objectivos impõe condições que parecem ir ao encontro de alguns dos
fac­tores que interferem, ou deviam interferir, na iniciação filosófica e no
seu ensino e aprendizagem. Se a intenção é servirmo‑nos da filosofia para,
em coe­r ência com a sua natureza e na linha das suas possibilidades,
desenvolver no aluno competências acrescidas em certos domínios, só a
definição de objecti­v os específicos, que correspondam às actividades
filosóficas, pode levar a essa realização. O que implica condições de
operacionalização adequadas, ou seja, objectivos isomorfos aos próprios
comportamentos em que a actividade filosó­fica se concretiza e respeitando
as condições da sua efectiva realização.
Uma questão prévia diz respeito à formação que de facto interessa pro-
porcionar aos alunos. Decidir isso é entrar já na esfera da pedagogia por
objectivos. Mas como não basta optar, sendo necessário formular os objec-
tivos em termos precisos e, sobretudo, operacionalizá‑los, não resta outra
alternativa senão definir comportamentos indispensáveis à actividade filo-
sófica, e criar condições para que os alunos os possam ir manifestando e
desenvolvendo à medida que se iniciarem no saber e na prática filosóficos.
4. Hipóteses proporcionadas por algumas taxonomias

4.1. Para que estes dois domínios aparentemente tão desajustados possam
57
funcionar na filosofia será necessário uma taxonomia própria que, tanto
quanto sei, está por fazer. E a necessidade de uma abordagem taxonómica
adequada à filosofia e aos objectivos que lhe são (ou devem ser) específicos
torna‑se evi­d ente quando procedemos a algumas análises. Com efeito, se
analisarmos, por exemplo, a taxonomia de Bloom (Bloom et al., 1969)
verificamos que ela se baseia numa noção de progressão das aprendizagens,
do simples ao com­p lexo. É, de resto, o ponto de vista clássico, como se
sabe. Como diz De Landsheere (1977, 79) “psicologicamente, memorizar é
menos com­p lexo que avaliar. Pedagogicamente, levar os alunos a decorar
é mais simples do que con­duzi‑los à autonomia da apreciação. O crescimento
da complexidade parece, aliás, acompanhar o aumento da dificuldade do
ensino e da aprendizagem”.
Mas será esta concepção a mais adequada para a filosofia, a que corres-
ponde à sua actividade específica? A este propósito Vandevelde e Vander
Elst (1979) procederam a uma reelaboração e desenvolvimento da taxono-
mia de Bloom, a uma crítica de algumas categorias taxonómicas e à
verificação da impossibilidade de integrar, numa só categoria, o que era
susceptível de ser integrado simultaneamente em várias. Vieram demonstrar
a dificuldade em cumprir um programa de formação seguindo, de modo
faseado e gradual, a ordem taxonómica de Bloom, o que não admira. Mas
também confirmaram, apesar de tudo, a necessidade de uma certa ordem
taxonómica para programar as aquisições e as competências. Finalmente,
reforçaram a ideia da importância de uma acção psicológica, tendo, porém,
sempre como ponto de partida as funções de aquisição e conservação de
conhecimentos.
O que pode verificar‑se é que há uma estrutura predominante nas taxono­
mias mais conhecidas. Com efeito, ensinar e fazer aprender pela taxonomia
de Bloom, por exemplo, obriga a começar pela aquisição de conhecimentos,
pas­sando à compreensão, em seguida à aplicação, depois à análise, à síntese,
e por fim à avaliação. Guilford (1967), embora noutra perspectiva, apresenta
as seguin­tes operações: cognição, memória, produção convergente, produção
divergente e avaliação. E embora não haja nele uma perspectiva assumida­
mente hierárquica, como em Bloom, nem se possa, em rigor, falar em
taxono­mia, pela sua concepção tridimensional da inteligência com base em
58
operações, conteúdos e produtos, está subjacente uma hierarquia onde a
perspectiva tradi­c ional está presente. Na ordem das operações, cognição e
memória, ou seja “o conhecimento disponível, a recordação, o que subsiste
de uma assimilação anterior” (Vandevelde e Vander Elst, 1979, 94) ocupam
os dois primeiros luga­r es, condicionando as operações posteriores, que
pressupõem estas. A aptidão para memorizar conhecimentos novos só tem
sentido relativa­m ente ao conhecimento disponibilizado por assimilações
anteriores. E as pro­d uções, quer a convergente (ou resposta a partir de um
conjunto de dados) quer a divergente (produção de diversas soluções para
um problema único), e ainda a avaliação, pressupõem a operação cognição
como ponto de partida. “É neces­s ário chegar às operações para que a
natureza do processo intelectual seja, por último, abordada. Distinguimos,
então, duas operações conformes à experiên­cia (cognição e memória) duas
operações de rendimento (produção conver­g ente e produção divergente)
e uma operação de identificação baseada no raciocínio (avaliação)”
(Vandevelde e Vander Elst, 1979, 171). Ou seja, encon­tramos um primeiro
nível ou fase de operações em que a experiência permite acumular
conhecimentos, uma segunda fase em que podemos produzir algo novo a
partir dos conhecimentos adquiridos e conservados e, finalmente, uma
avaliação por operações de identificação.

4.2. Poder‑se‑á perguntar: como podia ser de outro modo? Como pro-
duzir pensamentos (convergentes ou divergentes) sem elementos de
cognição e de memória para os tornar possíveis? Como avaliar sem maté-
ria de avaliação? Com efeito, as operações “posteriores” necessitam de
elementos disponíveis, ou seja, “anteriores”, que terão que implicar a co­
gnição e a memória, elemen­tos de base sem os quais nada de posterior é
possível.
Mas necessitar de elementos de cognição e de alguns conteúdos não é
equivalente a começar as actividades pela cognição e a memorização de
con­teúdos específicos e só depois passar às outras operações. Ou seja, a
hierarquia que, apesar de tudo, Guilford pressupõe pode não ser a mais
aconselhável em certas disciplinas, ou pode implicar uma fragmentação que
não corresponde à realidade das funções psico‑afectivas e intelectuais do
59
jovem. E pode até, por outro lado, ser contrária ao que a disciplina em
causa exige. De facto, o modelo de Guilford, apesar do carácter tridimen-
sional e inovador, considera as opera­ç ões cognição e memória como mais
simples que o pensamento convergente e o pensamento divergente, por
exemplo; os conteúdos figurativos mais simples que os semânticos e os
comportamentais; e no que diz respeito aos produtos, as unidades e as
classes mais simples e, portanto, “anteriores”, na ordem da aprendizagem,
às transformações e implicações, por exemplo.
Não quer dizer que não sejam mais simples, mas esta estrutura, se se
tirarem as consequências educativas, leva a uma estratégia didáctica que
reforça o esquema clássico de ensinar e aprender. O que significa que no
ensino­‑aprendizagem da filosofia deveríamos começar pelas operações
cognição e memória (de dados filosófi­cos), evoluir para produções conver-
gentes e diver­gentes de natureza filosófica, e terminar com avaliações. Ora,
é justamente sobre isto que se têm as mais legítimas dúvidas.
Na mesma linha vai a adaptação do modelo de Guiford feito por De Corte
(apud De Landsheere, 1977, 126‑127). As quatro dimensões gerais são:
1) memória ou conteúdo específico de um universo determinado de
objectos;
2) domínio de informação a que pertence a matéria (os “conteúdos” de
Guilford);
3) o produto (ou os “produtos” de Guilford);
4) a operação.

Esta é, por sua vez, desenvolvida em dois tipos: as receptivo‑reproduti-


vas e as reprodutivas. Se desenvolvermos estes dois tipos encontramos, por
ordem, no que diz respeito às receptivo‑reprodutivas: “apercepção de in-
formações”, “reconhecimento de informações” e “reprodução de informações”;
e quanto às operações produtivas: “produção interpretativa de informações”,
“produção convergente de informações”, “produção avaliativa de informa-
ções” e “produ­ç ão divergente de informações”. É evidente a concepção
progressiva, e progressivamente independente em relação aos conhecimen-
tos e à comple­x ificação das operações, que neste modelo se reconhece.
Outro tanto se pode verificar em Gagné (apud Leclerq, 1972, 47‑64), o
60
qual distingue oito tipos de comportamentos, em que os posteriores de-
pendem da aquisição dos anteriores, sendo evidente a hierarquia:
1) aprendizagem de sinais;
2) aprendizagem de relações;
3) aprendizagem de correntes motoras;
4) aprendizagem de cadeias verbais;
5) aprendizagem de uma discriminação múltipla;
6) aprendizagem de um conceito;
7) aprendizagem de um princípio; e
8) resolução de problemas.

D’Hainaut (1980) coloca como primeira categoria taxonómica a reprodu­


ção (imitação, reconhecimento e evocação), depois a conceptualização
(sinté­tica e analítica), em seguida a aplicação de princípios (quer sem evo-
cação de uma regra simples, quer com evocação de uma estrutura), depois
a exploração (do real, do possível, do concreto e do abstracto), a mobili-
zação (convergente e divergente) e finalmente a resolução de problemas.
Em síntese: reprodução, conceptualização, aplicação, exploração, mobiliza-
ção, resolução de problemas.
Há, pois, dois níveis de operações cognitivas. Um primeiro, o das
“operações aprendidas”, isto é, a “reprodução” ou saber passivo e a “concep­
tualização”, ou saber “integrado”, que é um modificador de estrutura cognitiva,
e a “aplicação”, que é um saber activo ou capacidade de execução. E um
segundo, o das operações que exigem uma iniciativa, quer seja a exploração
orientada para o meio, quer seja a mobilização, que corresponde a uma
actividade interior. Isto é, e por esta ordem, operações específicas, não
específicas ou gerais e operações complexas. Ou seja, só nas últimas
categorias taxonómicas entram em função as operações cognitivas que
exigem real iniciativa e resolução de situações problemáticas, em suma,
aquelas operações intelectuais que parecem mais indicadas para a actividade
filosófica.
4.3. Podemos dizer, pois, que, de maneira mais ou menos acentuada,
está pressuposta, nas taxonomias apresentadas, uma concepção de ensi-
no‑aprendizagem assente na aquisição e reprodução de conhecimentos, e
61
na sua trans­m issão ou comunicação.
Mas em filosofia uma das primeiras questões que o professor terá que
colocar está aqui: comunicar o quê? Aquilo que as primeiras categorias
taxonómicas definem ou pressupõem como prioritário são os “conhecimen-
tos”, tanto para Bloom como para Vandevelde e Vander Elst. Guilford dirá
“cognição”, enquanto De Corte designará o mesmo por “matérias” e D’Hainaut
“por repetição de conhecimentos”. Em qualquer dos casos, estamos a tratar
de conteúdos; ou para serem comunicados, ou para serem solicitados para
opera­ç ões mais complexas. Por estas vias taxonómicas teremos que come-
çar sempre pelos conhecimentos.
Mas se isto é aceitável para o “saber” que se pode adquirir, transmitir
ou memorizar, não o é para as competências que, tudo indica, terão que
ser obti­das por outro processo. Por outro lado, que competências se podem
“comu­n icar” por exposição do professor, ou obter por aquisição de conhe-
cimentos pelo aluno? Não haverá aqui uma inadequação entre o que
pretendemos com certas disciplinas e o meio que utilizamos para isso?
Como comunicar, e o quê, para que os efeitos sejam susceptíveis de tradu-
ção em actividades observáveis consentâneas com a natureza da filosofia?
Estas perguntas revelam a incoerência entre o que se ensina ou comunica,
e que pode ser um conjunto de conhecimentos, e as competências que,
neste caso, não poderão andar longe da aquisição, compreensão e repro-
dução de conteúdos, mas distantes do que devemos pretender. E isto
porque aquelas competências não são específicas da filosofia nem da acti-
vidade que a produz. Na melhor das hipóteses podemos pensar em
relacionação e reformulação de conhecimentos, em alguma conceptualiza-
ção, mas isto, por sua vez, não tem necessariamente que ver com os
conhecimentos adquiridos nas aulas de filosofia. São competências que o
aluno já tinha e que se limita a desenvolver, como acontecerá a propósito
da literatura ou da história, por exemplo. Em si não se distinguem das
competências exigidas para outras disciplinas. O que implica que, por este
processo, não se conseguirá uma iniciação adequada à filosofia.
4.4. Pelas mesmas razões, mas vendo a questão por outro lado, os es-
quemas de iniciação à filosofia que estas taxonomias podem proporcionar
implicam uma didáctica clássica. E porquê? Porque assentando na aquisição
62
prévia de conhecimentos, deixam na sombra as tarefas filosóficas propria-
mente ditas, além de condicionarem a iniciação a determinados produtos
concretos de filosofia. O que inviabiliza ou limita uma renovação significa-
tiva do seu ensino e, sobretudo, da sua aprendizagem. De facto, com uma
didáctica clássica, não se sai das condições que obrigam o acesso à filoso-
fia através de certos produtos filosóficos e afastamo‑nos das funções mais
nobres da actividade filosófica. Por isso, a renovação só nos parece possí-
vel pelo domínio de competências exigidas pela filosofia enquanto
actividade, e pela aquisição de conhecimentos na dependência de uma
iniciação deste tipo.
Não se trata de pôr em causa as taxonomias pedagógicas que acima
foram defendidas. Parece‑nos um conceito (e uma metodologia) se não
indispensável, pelo menos com condições para uma estratégia que se pre-
tenda adequada à resolução de um ensino‑aprendiza­g em da filosofia
consentâneo com a disciplina. As taxonomias permitem um desenvolvimen-
to de compe­tências de modo sistemático e segundo uma ordem coerente
com as características da disciplina. Mas o que se pretendeu mostrar foi
que as taxonomias mais usuais estão, de um modo geral, dependentes de
uma perspectiva pedagógica clássica que é contrária à filosofia e limita as
suas possibilidades. Talvez se torne claro o que pretendemos dizer se nos
entregarmos a um pequeno exercício.

5. Um simples exercício

Analisemos a questão através de uma espécie de grelha de observação


feita à base das categorias taxonómicas de Bloom: conhecimento, compre-
ensão, aplicação, análise, síntese e avaliação.
Uma maneira de avaliar se o ensino tradicional da filosofia proporcio­
nava o desenvolvimento de algumas competências específicas da filosofia
conseguir‑se‑á aplicando a taxonomia de Bloom, como se fosse uma grelha
de observação, às aulas de filosofia dos nossos liceus, há anos atrás. É certo
que a taxonomia de Bloom não foi feita a pensar na filosofia. O mesmo
acontecendo em Guilford que, tal como dele disse D’Hainaut (1980, 186),
63
“não permite defi­n ir objectivos operacionais”.
É, pois, um simples exercício feito a partir da mais vulgar de todas as
taxonomias e com o intuito de tornar clara a ideia. Neste sentido, permite
ver, na utilização quase exclusiva que seria feita das primeiras categorias,
a feição clássica do ensino utilizado e a impor­tância concedida aos conteú­
dos. E a quase ausência de utilização das restantes categorias permite
revelar como o ensino dominante durante décadas empobrecia a filosofia
e limitava o seu efeito educativo.

5.1. Embora baseada somente em experiência pessoal e depoimentos


avulsos de professores e de antigos alunos, sem uma base científica, penso
podermos afirmar que o ensino da filosofia explorava principalmente as
com­p etências que em geral as taxonomias colocam nas duas primeiras
categorias: a aquisição e compreensão de conteúdos. É certo que, no caso
da taxonomia de Bloom, as subcategorias da compreensão (“tradução” ou
“transposição”, “interpretação” e “extrapolação”) contêm já, potencialmente,
operações com interesse filosófico. Mas quando é que a necessidade de
compreender põe os alunos a fazer estas operações com carácter sistemático
e regular? E se acaso se explo­r avam estas e outras categorias taxonómicas
de rentabilidade filosófica, não era feito pelo professor? Quando é que, de
facto, os alunos o faziam? Como diziam Vandevelde e Vander Elst (1979, 35),
e é já aceite geralmente, “o professor ‘compreende’, em certa medida, em
voz alta diante dos seus alunos, mais do que exige, da parte destes, um
verdadeiro exercício da mesma natureza”.
É sabido que isso não foi por acaso, nem pode ser tomado à conta de
menor qualidade dos professores. Não é mais que a verificação, no ensino
e na aprendizagem da filosofia, das características predominantes do ensi-
no tradi­c ional. Adquirir e compreender os conteúdos do programa sempre
constituiu a grande preocupação dos alunos, sendo a dos professores co-
municar correcta­m ente esses conteúdos. Poderemos perguntar qual é o
determinante e o determinado, embora pareça óbvio que é o predomínio
dos conteúdos, a necessidade de os fazer aprender em virtude da sua im-
portância, por parte do professor, e de os aprender, por parte dos alunos,
por causa das avaliações a que irão ser sujeitos.
64
Podemos dizer, portanto, que as primeiras categorias da taxonomia de
Bloom – conhecimento e compreensão – correspondem às grandes intenções
e preocupações dos professores, e por certo estas categorias ocupariam
seme­lhantes posições se a taxonomia fosse feita por professores de filoso-
fia, porque de facto eram estas as grandes preocupações dos professores,
até porque também eles estavam condicionados pelos programas e pelas
avaliações.

5.2. Mas se passarmos à 3.ª categoria – a aplicação – o caso muda de


figura, e a ser feita uma taxonomia pelos professores de filosofia, esta seria
provavelmente uma categoria a suprimir. A questão da utilidade ou da
aplica­ç ão prática provoca incomodidade entre os professores de filosofia.
Confronta­d os com a necessidade de justificar a sua utilidade, recorre‑se ao
sentido crítico e à capacidade intelectual, que é preciso desenvolver, à
formação moral e cívica que é indispensável, etc.
Mas como levar tudo isto a efeito? E quanto à utilização posterior de
conhecimentos e noções, que aplicação se tem feito do ensino da filosofia?
Um ou outro exemplo prático, algumas teorias com as quais nos sentimos
identificados, alguns conceitos aplicados a situações concretas, etc. Mas
quase tudo à custa da boa vontade de professores e de alunos para a ques-
tão da aplicação.
E, contudo, poucas disciplinas terão um campo de aplicação potencial
tão rico e profundo quanto o da utilização das competências filosóficas, e
que é suposto a iniciação filosófica desenvolver nos alunos. Não precisamos
de andar à procura de aplicações práticas da filosofia, elas multiplicam‑se
sob os nossos olhos; desde que a filosofia funcione como sequência de
análises em ordem às sínteses, e estas como campo de novas análises, isto
é, se ela for função racionalizadora da experiência e análise e problematização
na tentativa de superar problemas. Precisamos, porém, para compreender
a importância do que está em jogo, de verificar esse facto e utilizar as com­
petências desenvolvidas em função disso. É indispensável, portanto, que o
ensino da filosofia se oriente num sentido diferente, para podermos encarar
com outros olhos a aplicação prática da filosofia e compreendermos toda
a sua extensão.
65

5.3. Passemos à análise. Era ela utilizada nas aulas de filosofia? A ver-
dade é que também esta categoria era subaproveitada. E o mesmo se
poderá dizer da síntese. A análise utilizava‑se para melhorar a compreensão
dos textos, no estudo dos problemas, na compreensão da sua natureza e,
sobretudo, nas soluções filosóficas dadas e como método de captação e
compreensão dos problemas. A síntese era usada para relacionar ideias e
conhecimentos, para caracterizar autores e teorias, para transmitir, de modo
acessível, algumas doutrinas. Mas sempre, em ambos os casos, ao serviço
da aquisição e da compreensão dos conhecimentos.
Ou seja, havia, de facto, duas categorias taxonómicas sobrevalorizadas
– a aquisição de conhecimentos e a sua compreensão – sendo as outras
intenções educativas meros desenvolvimentos ou explorações eventuais dos
conhecimen­tos obtidos, ou para os obter. E, contudo, não há actividades
mais necessárias à filosofia e às tarefas que lhe competem que a análise e
a síntese, nas suas diversas possibilidades, como as taxonomias vieram
demonstrar.

5.4. Quanto à categoria avaliação, é evidente também que as funções


ou actividades de avaliar eram, para a filosofia que tradicionalmente se
ensinava, pouco mais que desnecessárias. Quem avaliava era o professor
(e com sentido diferente para a palavra) e aí sim, podia obrigar os alunos
a uma certa actividade de análise e de síntese através das perguntas de
desenvolvimento, pequenas dissertações, e no caso de a sua preocupação
ser efectivamente essa. Mas, em todo o caso, de maneira esporádica e fora
das condições normais de trabalho da turma. Ora, se queremos desenvolver
o sentido crítico, tornar os alunos mais maduros e autónomos, como con-
segui‑lo sem lhes desenvolver as capacidades de avaliação? E como
desenvolver estas capacidades sem regulares e programadas tarefas de
avaliação?
6. Inversão do exercício

Se invertermos este exercício, a evidência do que queremos demonstrar


66
afigura‑se ainda maior. Apliquemos, então, a taxonomia de Bloom, ainda
como grelha de observação, mas invertendo a ordem das categorias.

6.1. Começando pela avaliação, a primeira questão a colocar é esta:


avaliar o quê? A categoria assim apresentada obriga a pensar em termos de
actividade para o aluno. É este modo de pensar, aliás, que podemos con-
siderar como um dos grandes contributos da pedagogia por objectivos. Se,
por hipó­tese, se confrontasse o professor (e o aluno) com a obrigação de
avaliar, teríamos que perguntar o que avaliar, uma vez que nos faltava o
conteúdo que é, em termos tradicionais, a base em que tudo assenta. Ava-
liar o quê? A questão, à primeira vista, não tem sentido. Em primeiro lugar,
porque surge a propósito de uma taxonomia que tem na ordem correcta
um dos prin­c ípios; e em segundo, porque pensamos, e bem, que é neces-
sário darem‑nos primeiro matéria de estudo para posteriormente se poder
avaliar.
Ora, tratando‑se de filosofia, esta necessidade de matérias a adquirir
previamente é dispensável visto já haver anteriormente muito material para
avaliar, isto é, toda a experiência vivida, toda a realidade que nos cerca,
todo o problema sentido como tal. É este vício de pensamento, resultante
de séculos de um tipo de ensino, que compromete todo o processo. Assim,
a questão ganha sentido se considerarmos que o importante é esse “aspecto
do processo educativo que não somente implica o acto da crítica mas também
o estabe­lecimento dos critérios da crítica” (Brauner e Burns, 1969, 47); ou
seja, torna­‑se necessário analisar e sintetizar, sem a necessidade de conteúdos
específicos prévios, mas definindo critérios e executando segundo regras.
O certo é que se avalia sempre qualquer coisa, facto que, garantindo
um objecto, possibilita uma actividade racional e uma relação pedagógica.
Mas é um facto que deixamos habitualmente para segundo plano certas
actividades porque temos tendência para as ver como elementares, mas que
são, neste caso, condição de todas as outras e, portanto, indispensáveis aos
primeiros passos. Esta simples mudança que estamos a ensaiar permite‑nos
alterar a perspectiva tradicional e perceber que avaliar, sendo uma preocu-
pação filosófica prioritária e uma actividade de base insubstituível, não pode
ser deixada de fora de uma iniciação à filosofia digna desse nome.
67

6.2. Uma conclusão idêntica obteremos se considerarmos as categorias


taxo­n ómicas seguintes: síntese e análise. No que diz respeito a estas cate-
gorias a questão anterior volta a colocar‑se, embora de modo mais
atenuado: analisar e sintetizar o quê? Também aqui podemos responder:
não sei o quê, só sei que é necessário. Sendo assim, tendo em consideração
que são operações indispen­s áveis à actividade filosófica, sem a qual não
há filosofia, não é sensato con­tinuar a pensar de acordo com a perspectiva
clássica, que nos obriga a concentrar esforços na aquisição e compreensão,
e a desvalorizar as outras competências mais especificamente filosóficas.
Persistir nesta perspectiva será a melhor via para não perceber o que está
em causa. Será preciso então ultrapassar uma perspectiva metodológica
transmissiva, de estrutura vertical, e aderir a uma dinâmica de formação
horizontal, se assim se pode dizer.
Partindo do facto de serem indispensáveis as duas operações, conse­
guimos a mudança qualitativa que nos permite, ao mesmo tempo, ultrapassar
o aparente bloqueio. Neste aspecto, a consideração taxonómica, em separado,
das duas operações, como em Bloom, pressupõe, em filosofia, um artifício
que dificulta a sua compreensão e exploração pedagógica.

6.2.1. Diz‑se habitualmente que a análise decompõe, desdobra ou “sepa-


ra os elementos de um conjunto, eventualmente classifica‑os em categorias,
deter­m ina as suas relações” (D’Hainaut, 1980, 123), e a síntese reorganiza,
em novos conjuntos, os elementos ou dados fornecidos pela análise. Na
mesma obra, logo a seguir (124) D’Hainaut fala em seleccionar dados à base
de um critério funcional, ordená‑los segundo uma hierarquia, determinar
os pontos comuns às classes, às relações entre os dados, reuni‑los num
todo coerente.
Ora, “o aspecto analítico do filosofar implica actividades tais como a
identificação e o exame de supostos e de critérios que guiam a conduta”,
dizem Brauner e Burns (1969, 48), “e especialmente a conduta livre ou que
implica escolha, já que são efectivamente as escolhas que realizamos as
que regulam as nossas condutas mais activas”. No que diz respeito à sínte-
se ou “aspecto integrativo” da actividade filosófica, consideram‑no
68
“construtivo no sentido em que reúne ou relaciona critérios, conhecimento
ou acção pre­v ia­m ente dispersos (...) de modo a construir uma totalidade
renovada” (id. ibid.).
Há uma tradição socrático‑carteseana que considera a análise como a
operação original do acto filosófico. Nesta tradição, a análise é a condição
do dilucidar dos problemas, logo, o primeiro passo a dar face às situações
proble­máticas. A síntese, tornada possível pela análise, é posterior ou apre-
sentada como tal. Aliás as regras do método de Descartes são bem claras,
e o texto citado vai na mesma linha.
Certamente que quem sintetiza o faz com elementos que se obtiveram
anteriormente mediante análises. Mas seria bom analisar, por sua vez, a
natureza desta anterioridade, se é cronológica ou lógica, e qual a influência
das partes e dos critérios para as constituir, se é que os há. É bom não
esquecer que cada um dos elementos encontrados pela análise foi previa-
mente obtido mediante uma síntese. Ou seja ainda, cada operação de
análise parte de uma ou várias sínteses, o que nos obriga a considerar a
anterioridade das análises somente válida numa perspectiva parcelar. Num
processo mais largo que é, afinal, o âmbito e o modo da filosofia, este
esquema perde significado.
Em relação a uma teoria (ou ideia, situação ou problema) a análise
funciona como a operação que faz parar um dado processo em que essa
ideia, situação ou teoria era elemento dinâmico. A análise obriga, de algum
modo, a uma suspensão provocada pelo próprio acto de decomposição, a
uma avaliação dos elementos, tanto os antecedentes, como os constitutivos
e os consequentes, e à verificação da sua relação. A análise, de uma maneira
ou de outra, é sus­pensiva ou frenadora de um processo ou sequência sobre
que incida. É o caso, por exemplo, do desaparecimento ou abrandamento
da emoção quando alguém consegue analisar a situação emocional que está
a viver. Ou é o famoso exemplo de Auguste Comte contra a introspecção
considerando‑a impossível, do mesmo modo que é impossível alguém ir na
rua e ver‑se a si mesmo à janela de uma casa da rua onde vai passando.
As competências indispensáveis à análise, como rigor, objectividade, distância
crítica, são simultaneamente competências de primeira linha na iniciação
filosófica. Dominar e racionalizar emoções, analisar situações confusas em
69
que possam estar implicados aspectos pessoais é uma qualidade do espírito
filosófico. Ou assim é considerado, facto que não deixa de ser relevante.

6.2.2. Contrariamente à análise, que é frenadora, a síntese é dinâmica,


uma vez que é um movimento que aglutina, numa unidade, elementos de
outras proveniências. Sempre rápida, por vezes fulgurante, ela representa
o movi­mento inverso. Enquanto a análise se preocupa em estudar ou iden-
tificar ele­m entos (o que exige, de algum modo, a paragem do processo de
obtenção de informação) sobre que essa análise incide, a síntese, sendo
uma dinâmica agregadora, uma convergência, concretiza‑se num movimen-
to unificador de formulação ou reformulação, que, por isso, reinicia uma
dinâmica que a análise parara momentaneamente.
Mas também esta ideia de dois tempos ou situações – um estático e
outro dinâmico – só tem sentido se forem apreciados isoladamente e numa
consideração em abstracto, porque não é isso que acontece na realidade.
Vivendo uma em função da outra, a suspensão que a análise provoca é
ilusória, pois é o movimento inverso de um outro que, tendo‑se esgotado
na operação que o desencadeara, já não existia como movimento. A sus-
pensão provocada pela necessidade de analisar é, com efeito, o acto ou
operação que produz a nova síntese que, deste modo, congrega os elemen-
tos que a análise desdobrara.
Há de facto dois tempos, mas funcionais e não cronológicos. A oposição
de funções entre síntese e análise é vital na medida em que, em cada uma,
a função que lhe é intrínseca é o elemento constitutivo e dinamizador da
outra. A análise, aparentemente, é refractária à dinâmica, é inibidora porque,
para anali­s ar, precisa de suspender o movimento ou a contínua transfor-
mação daquilo que quer analisar, e que precisa de fazer porque, por
qualquer razão, está em transformação. Mas sendo a análise constituída por
pequenas sínteses, torna‑se dinâmica e geradora de sínteses. As quais, ne-
cessitando, mais tarde ou mais cedo e por qualquer razão, de ser analisadas,
provocarão a momentânea sus­p ensão dos processos (de qualquer ordem)
de que fazem parte. Sendo assim, as sínteses só são possíveis porque hou-
ve previamente análises que, desconstituindo ou desdobrando as sínteses
constituídas anteriormente (percepções, estruturas, discursos, ideias, teorias,
70
sentimentos, concepções) possibilitam as condições indispensáveis a novas
dinâmicas de constituição. Esta dinâmica é sempre reorganização ou
reformulação de sentidos, teorias, interpretações, etc. Por outro lado, as
análises só têm razão de ser na medida em que há sempre outras sínteses
a dar origem a novos campos de acção à actividade analítica, a solicitarem‑na
e a revelarem a sua necessidade.
Nesta perspectiva, a análise como decomposição de conjuntos e a síntese
como com­posição ou recomposição de elementos de conjuntos dados ante-
riormente, são operações mentais que têm na sua interdependên­cia a razão
da sua dinâmica, e cujo significado metodológico (e ontológico) está na
existência proporcionada pelos processos em que se integram, que, por sua
vez, só funcionam em conjuntos ou estruturas, sem os quais não têm sentido.
Não podemos, portanto, considerar qualquer delas, anterior ou posterior
à outra, mas simultâneas e complementares, embora antitéticas. Ou melhor,
sendo antitéticas e originando‑se uma da outra, estão em constante proces-
so de superação porque cada uma cria condições para a outra e vice‑versa.
Não são, portanto, verdadeiramente simultâneas mas originam‑se segundo
uma dialéc­tica de intermitências regulares interactivas.
A actividade destas duas operações mentais – articuladas e interdepen­
dentes – pode ser considerada o motor da filosofia, na medida em que
consubstanciam, na sua duplicidade, ambivalência e inter‑relação o contínuo
constituir, desconstituir e reconstituir da actividade racional. Mas, como
motor que são, funcionam em dois tempos, têm velocidades diferentes,
devido às diferentes funções de cada uma delas, sendo, pois, condição de
vitalidade e de dinâmica para o pensamento.

6.3. Sendo assim, a pergunta anterior sobre o que analisar adquiriu


sentido porque, na perspectiva filosófica, tudo se pode e deve analisar, e
a competência que resultar deste exercício será importantíssima para a vida
do intelecto. Aparece, todavia, na taxonomia de Bloom, em 4.º lugar, na
ordem das tarefas a executar. O que, em virtude da proeminência dada aos
conteúdos e a sobrevalorização das primeiras categorias taxonómicas, si­
gnifica um esquecimento efectivo daquelas tarefas educativas.
Por outro lado, Bloom considera as duas categorias (“análise” e “síntese”)
71
em separado, como dois momentos e acções educativas diferentes, e depois
das actividades de adquirir os conhecimentos, os compreender e os aplicar.
Isto é, as categorias análise e síntese estão dependentes delas, o que é
contrário à actividade normal do pensamento que continuamente analisa e
sintetiza (ou sintetiza e analisa) para pensar. Assim, quer a ordem propos-
ta que vai do conhecimento à avaliação, quer a inversa que começaria na
avaliação e terminaria no conhecimento, depois de passar pela síntese, a
análise (ou análise síntese) a aplicação e a compreensão, são adversas a
estas operações de base do pensamento e, portanto, limitativas da activi-
dade intelectual.

7. A necessidade de opção

7.1. Se acrescentarmos que a avaliação é uma operação tão habitual


como a análise e a síntese, e com elas relacionada, podemos perceber o
campo de tra­b alho filosófico que a realidade nos proporciona e que o en-
sino tradicional tem desprezado. As análises e as sínteses implicam quase
sempre componentes avaliativas, e a faculdade de julgar – no sentido mo-
ral, estético, racional, etc. – precisa de ser desenvolvida nos jovens. Como
diz Lopéz Quintás (1991, 147) desde que introduzido nas questões, “sem
necessidade de que o professor avance juízos de valor, o aluno, com a sua
intuição, começa a tomar posições perante as dife­r entes atitudes humanas
básicas”. Ou como considera Lapassade ( 31978, 229) “... para decidir do
bem e do mal é preciso primeiramente ter escolhido deci­d ir”, é preciso ser
introduzido na ética, mediante o desenvolvimento do hábito de avaliar, e
a afinação dos critérios de avaliação pela necessidade e hábito de avaliar.
Mas não se avalia se antes não se analisa, e sendo a síntese uma forma de
avaliação, porque é opção e reorganização, ou dando‑se a avaliação numa
síntese qualitativa, ana­lisar e sinte­tizar implicam quase necessariamente
formas de avaliação.
E já que é assim, ter consciência disso é começar a caminhar no processo
do seu desenvolvi­mento e da sua qualificação. Kierkegaard dizia que o seu
bem ou mal não significava necessariamente a escolha entre o bem e o mal,
72
mas a opção pelo escolher, ou pela qual se escolhe, entre o bem e o mal,
a vontade de o fazer. Sendo assim, as acções pessoais, visto serem operações
de decomposição e recomposição no espírito que analisa, sintetiza e avalia,
são acções que trazem consigo uma exigência de opção ainda antes de
optar que, acima de tudo, é uma consciência de, uma vontade em princípio
desperta e depois orientada, e, portanto, em processo de qualificação.
Nestas condições, não será compreensível uma iniciação à filosofia que
parta das categorias taxonómicas que exigem operações integrativas da
filosofia? Para quê ter preconceitos em definir e operacionalizar objectivos
pedagógicos que sejam postos ao serviço da filosofia e do seu cultivo e se
concretizem em competências filosóficas? Por que razão desconfiar de cer-
tos métodos pedagógicos como contrários à filosofia, se são a condição das
actividades que a alimentam e produzem?
Certamente que isto só será assim se a filosofia quiser formar os alunos.
Formar filosoficamente, isto é, desenvolver o sentido crítico, o rigor de
análise, a capacidade racional para avaliar situações, a honestidade intelec-
tual, etc. É pois necessário optar entre uma filosofia que leva os alunos a
desenvolver e manifestar as competências filosóficas; e uma outra que seja
repositório seleccionado de teorias, consideradas formativas, porque, tendo
estruturado uma cultura e uma maneira de pensar predominantes, concor-
rem para a manutenção e reprodução dessa cultura. É preciso optar entre
uma noção retroactiva e uma noção projectiva de formação, ou entre uma
filosofia‑processo e uma filosofia‑sistema (cf. Boavida, 1991, 69‑157).

7.2. Esta opção obriga ou a um tipo de formação clássica, assente na


proeminência dos conteúdos e na verificação da sua aquisição e assimilação,
pelo valor reconhecido desses conteúdos e a necessidade de a eles recor-
rer como modelos que foram e se pretende continuem a ser; ou a um tipo
de formação que incida sobre competências específicas da filosofia, e no
sentido de as pôr ao serviço da compreensão do mundo e da sua transfor-
mação segundo uma perspectiva valorativa. Neste caso, seremos obrigados
a uma pedagogia por objectivos para estabelecer previamente as compe-
tências específicas a alcançar. As quais não podem ser outras que aquelas
que de facto possibilitam a actividade filosófica, e que a actividade lectiva
73
pode desenvolver ou deixar ao acaso da sorte.
Sendo indispensável, esta opção tem sido ignorada. Poderá dizer‑se que
a aquisição de conceitos filosóficos e a correspondente terminologia, o
acesso ao pensamento dos autores, a compreensão dos problemas são o
mais importante porque é aqui que reside o substrato cultural onde as
gerações devem ser formadas. Não se nega o valor destes aspectos da for-
mação, mas não devemos servir‑nos da filosofia para isto. Ou melhor, ela
pode vir a desempenhar estas funções, mas depois de desenvolvidas as
competências que permitirão a distância crítica e a capacidade de assimilar
e interiorizar racionalmente as mundividências que, na perspectiva de cada
um, o venham a merecer. Isto é, nenhuma formação filosófica específica
deve levar‑se a efeito sem a experiência prévia e o desenvolvimento das
compe­tências indispensáveis ao acto filosófico em si mesmo, porque é ele
mesmo que deverá avaliar a qualidade e a pertinência das mundividências
filosóficas que lhe fornecem.
Certamente que o conhecimento e a compreensão são indispensáveis, e
que não é possível formar filosoficamente sem a correspondente cultura
filosó­fica. Por várias razões: os problemas nunca são exclusivamente abs-
tractos, há sempre circunstâncias indispensáveis à sua compreensão, há
especificidades teóricas indissociáveis dos problemas, a filosofia é, em
grande medida, a sua história, muito temos a ganhar com o conhecimento
dos grandes filósofos, etc.
Mas encontramos também justificação no contrário disto. Na verdade,
foi possível, ao longo da história, classificar e agrupar a maior parte dos
problemas em categorias, ter consciência de quais têm sido os grandes
problemas filosóficos, identificar diferentes disciplinas filosóficas, e tipolo-
gias de proble­m as, e escolas, e teorias, e correntes de pensamento, etc.
Tudo isto é importante e precisa de ser ensinado e aprendido. Mas não
deve vir em primeiro lugar porque nos arriscamos a dar‑lhe um peso ex-
cessivo inibindo aquilo que se afigura realmente importante a quem se
inicia. Ou seja, as competências que requer não são as que dão ao aluno
as atitudes necessárias para um espírito autónomo, livre e exigente; espíri-
to indispensável para que os conhecimentos, entretanto adquiridos, possam
ser formativos. Sem estas com­p etências prévias não sei se qualquer forma-
74
ção futura, feita de interiorização de conceitos e de teorias, não virá
contaminada por um vírus antifilosófico.
A grande pergunta, em última análise, é esta: que tipo de cidadão se
quer formar? Que comportamentos e atitudes consideramos indispensáveis
para esse fim? E em que medida a filosofia pode contribuir para isso? Que
cuidados devemos ter, enquanto formadores, para não nos iludirmos? Pen-
so que não há alternativa a não ser uma forma de acção pedagógica que
deverá definir como desejável a aquisição de comportamentos especifica-
mente filosóficos, servidos por métodos pedagógicos adequados, e
alimentada por uma cultura filosófica de vinte e cinco séculos, em doses
oportunas e adequadas (o que não significa serem reduzidas e simplifica-
das). Aqui, mais do que em qualquer outra área, são determinantes o
método e os processos.
75

Senhora ou serva?

1. Introdução com problema

É a didáctica da filosofia uma questão de natureza filosófica ou pedagó­


gica? Sendo filosófica, que implicações tem para o ensino e a aprendizagem
da filosofia? E no caso de ser pedagógica, que reflexos filosóficos poderá
ter? Esta questão implica outra: em que condições, e sob que perspectivas,
é que a didáctica da filosofia é filosófica?
O problema, embora teórico, tem as maiores consequências sobre a acção
formativa da disciplina de filosofia, devendo, por isso, merecer a nossa atenção.
Note‑se que a solução é apresentada como óbvia, por Luísa Ribeiro
Ferreira (1990, 56‑61). Seguindo, de resto, uma tendência de filósofos e
pro­fessores de filosofia, que entendem que a didáctica da filosofia só a esta
diz respeito, e sendo o filosófico dessa didáctica inerente à natureza da
filosofia. É assim que Vicente (1992, 352) considera que “em didáctica da
filosofia não prescindimos de nos mantermos aí onde sempre devemos estar:
na filosofia”, e para Simha (1993, 68) “filosofar e ensinar confundem‑se no
mesmo acto, o de pensar por si mesmo”. Na mesma linha, por seu turno,
Pombo (1990, 9) “rejeita” “qualquer redução pedagogista dos problemas do
ensino da filosofia”, e Carrilho (1987, 15) considera que “os verdadeiros
problemas do ensino da filosofia não são de ordem pedagógica mas filosófica”.
Quanto a nós, a questão, apresentada assim, sofre, nos três primeiros
autores, de um défice de problematização, isto é, encontra‑se filosofica-
mente debilitada; e nos restantes não foi sujeita a uma análise tão cuidada
quanto seria de desejar. E mais, posta assim a questão, não temos condições
para enfrentar os problemas particula­r es que se colocam a uma didáctica
que queira, de facto, cumprir a função de rentabilizar e potenciar filosofi-
camente a disciplina.
76
Um outro aspecto a equacionar foi levantado por Tozzi (1989, 18) quan-
do considera, na mesma linha, que “é a filosofia que antes de tudo inter­pela
a didác­tica no seu fundamento”, porque, acrescenta, “não há didáctica [da
filosofia] sem filosofia da educação, pelo menos implícita, por exemplo,
sem dimensão axiológica”. Não há didáctica da filosofia sem filosofia da
educação?, perguntamos nós. Ou, como disse Joannes (1986, 105), embora
adoptando uma posição crítica: “Não se pode ser filósofo sem ser, ao mes-
mo tempo, filósofo da educação”? – eis o 1.º problema.
2.ª questão: como articular isto com dizer‑se filosófica a didáctica da
filosofia?
Segundo estes autores, que seguem uma ideia corrente, sem filosofia da
educação não haverá didáctica da filosofia, porque esta pressupõe aquela,
visto a didáctica da filosofia, e pelo facto de ser filosofia, radicar na dimen-
são axiológica da filosofia. Deste modo, a didáctica depende da filosofia
visto que tendo sempre que assentar nela – em termos axiológicos e etio-
lógicos – e dependendo dela, em termos teleológicos, é na filosofia que
está a sua origem e o seu fim. Logo, tudo quanto é filosófico na didáctica
da filosofia, à filosofia se deve; do mesmo modo que tudo quanto nela é
educativo, quer se trate de meios quer de fins, não só se deve à filosofia
como pressupõe uma filosofia da educação.
Mas, perguntamos nós, quem nos garante que toda a didáctica da filo-
sofia é filosófica? E que toda a filosofia implica, sem mais, uma concepção
educativa? Não teremos que encontrar, antes, uma didáctica específica,
compreender as razões da sua necessidade e, a partir daí, perceber então
toda a dimensão filosófica que o problema encerra?

2. Que relação há entre a filosofia e o seu ensino?

Tentemos analisar as posições anteriores. Querendo evitar o amplexo


demasiado forte da filosofia e da educação, Luísa Ribeiro Ferreira (1990, 56)
considera que “a filosofia ultrapassa grandemente o problema da sua ensi-
nabilidade”. De facto, muita filosofia foi feita sem a preocupação de ser
ensinada, e nem toda a filosofia se consegue ensinar e fazer aprender. Há
77
particularidades do pensamento que podem escapar à comunicação, ou
que, sujeitas a várias interpre­tações, perdem rigor. Acontece ainda que de
muitos pensadores jamais se saberá rigorosamente o que pensaram porque
se multi­p licam as interpretações, acabando por se considerar que o que
eles disseram, não sendo necessariamente o que pensaram, acaba por ser
aquilo que cada um compreende do que eles disseram ou escreveram.
Além disso, se durante muitos anos o ensino da filosofia ignorou o pro-
blema da sua própria ensinabilidade, já que esta disciplina se ensinou e
aprendeu sem se questionar se era ensinável, parece não haver coincidên-
cia necessária entre a filosofia e o seu ensino, e estar a filosofia para além
e acima da sua possibilidade de ser ensinada.
E, sendo assim, não estando garantido o isomorfismo entre a filosofia e
o seu ensino, nem demonstrada a inerência, à filosofia, da sua didáctica
especí­fica, como afirmar a natureza filosófica do ensino da filosofia? De
outro modo: como conciliar a referida afirmação com o facto de todos co-
nhecermos profes­s ores que ensinam uma filosofia tão desprovida de
espírito filosófico que os alunos não chegam a ser tocados pela sua asa?
E como compreender que outros, nesta ou noutras disci­p linas, façam do
acto de ensinar e de aprender uma entusiástica tarefa de análise, de pen-
samento e de debate? Como é impos­s ível ignorar exemplos destes dois
tipos, não estaremos perante um erro de diagnóstico? Ou face a uma defi-
ciente noção das relações entre a filosofia e o seu ensino, justamente por
se considerar que há na filosofia, sempre, uma filosofia de ensino?
Parece haver aqui uma forma de inocência em relação aos problemas que
se colocam com o ensino da filosofia. Diferente, porém, daquela outra ino-
cência que levou a utilizar, na filosofia, uma didáctica idêntica à das outras
disci­plinas, apesar da afirmada especificidade daquele domínio. E pensando
que, pelo facto de se estar a ensinar filosofia, se utiliza logo uma didáctica
específica, como se a filosofia, só por si, nos garantisse a salvação e nos li-
vrasse do perigo que frequentemente a faz perder.
Teremos, pois, que perguntar: se a didáctica da filosofia fosse um espe­
cífico problema filosófico, como entender o ensino da filosofia na base de
uma didáctica idêntica à das noutras disciplinas? E como justificar, agora,
78
os que dizem que só na filosofia os problemas dessa didáctica encontram
resolução? E como compreender um ensino da filosofia que não tem nada
de especifica­m ente filosófico? E mais: como justificar, por um lado, a
inexistência de uma didáctica específica e, por outro, o desejo tardio de só
agora a constituir? Ou essa didáctica pertencia à filosofia, e se manifestaria
sempre, já que os seus objecto e método, sendo filosóficos, a isso obriga-
vam, tornando desnecessária a didáctica específica ou, não apresentando
ela especificidade, é uma intromis­s ão abusiva, uma presunção “pedagogis-
ta” vir falar agora numa didáctica espe­c ificamente filosófica, só porque o
que está em causa é o ensino da filosofia. Assim, a primeira posição é
inútil e a segunda contraproducente.

3. Por que razão uma didáctica específica?

Pensamos que pode dizer‑se que a filosofia tem em si mesma a sua


didác­tica, em virtude do seu poder problematizador. Como diz Carrilho
(1987, 14 e 15), e todos sabem, a filosofia tem “um singular poder de pro-
blematização”. Nesta perspectiva será no poder de problematizar que a
filosofia assenta a qualidade educativa. E detendo a filosofia esta capacida-
de, para quê ir à procura de uma didáctica específica se já a temos? E já a
temos porque a “filosofia é a sua própria pedagogia”, como também já vimos
que dizem Santiuste e Velasco (1984, 119). Sendo assim, haverá por certo
uma “coinci­d ência”, como diz Santos (1974, 30), mas a ideia é dificilmente
conciliável com certos factos.
O primeiro, é este: o ensino habitual da filosofia nada tem de particular
em termos didácticos. Como diz Lopéz Quintás (1991, 126) “a transmissão
do saber filosófico concretiza‑se vulgarmente com métodos extrapolados
de outras disciplinas”, e Pombo (1990, 23) diz o mesmo ao perguntar se
“não será possí­v el reapreciar a relação de derivação tradicionalmente
estabelecida entre a filo­s ofia e o seu ensino”. Porque ao considerar que o
ensino da filosofia tem sido um “momento segundo face ao desenvolvimen-
to monológico da elaboração reflexiva, momento derivado” (id. ibidem)
está a pressupor uma didáctica clássica. O ensino da filosofia é um “mo-
79
mento segundo”, ou “derivado”, em relação a quê? Obviamente em relação
ao processo específico de produção filosófica, que é o momento primeiro.
Primeiro filosofa‑se, depois ensina‑se.
Mas, neste caso – segundo facto a merecer reflexão – por que se tem
necessidade, ou muitos professores sentem necessidade, agora, de uma
didác­tica específica? Os seminários das chamadas Universités d’Eté, em
Aix‑en‑­P rovence, desde os começos da década de 90, aí estão para o pro-
var. E um já razoável número de trabalhos, antes daquela data, são também
um bom indício (cf. Leselbaum, et al., 1980; Boavida, 1981, 1989; Izuzquiza,
1982; Santiuste & Velasco, 1984; Marnoto, 1990; Pombo, 1990; Quintás,
1991).
Trabalhos contra a opinião de outros, é certo. Firmes na ideia de que a
filosofia tem em si a sua didáctica, muitos continuarão a negar a necessi-
dade de uma didáctica específica, e a pensar que aqueles que agora
levantam o problema estão a fragilizar a filosofia (cf., por exemplo, Lescout,
1993, 30‑38; Billard, 1993, 39‑41). O que é um contra‑senso, porque o que
fragiliza a filoso­fia é evitar problematizar sempre que a situação se apre-
senta como problemá­tica, ou até fazer passar por filosofia tudo o que
assenta em ideias feitas, ou definitivas, ou meias evidências, ou presunções
de qualquer espécie. E, pelo contrário, o que dá força à filosofia, a justifi-
ca e torna indispensável é a análise exaustiva de todo o problema que se
apresente como tal e enquanto for problema.
Trata‑se, pois, de uma perspectiva pouco filosófica assente no seguinte
sofisma: a filosofia não tem tido uma didáctica específica porque não pre-
cisa de a ter; e não a necessita porque já a tem por natureza. Mas onde vão
buscar a razão desta afirmação, se partem da negação do problema que
pode tornar credível essa afirmação, depois de a provar? Ou melhor: sendo
evidente que não se tem posto em prática, na maioria dos casos, a referida
didáctica, é legí­timo perguntar se a filosofia a tem por natureza. E será
necessário perguntar se, quando ela se concretiza, isso resulta da própria
filosofia ou de algum outro factor, visto que muitos interferem na relação
pedagógica. Se a didáctica da filosofia dela derivasse, não só se manifesta-
ria em todas as situações, como teriam aparecido resultados concretos
disso. Como estes não aparecem a não ser esporadicamente, somos levados
80
a desconfiar que a filosofia não possui essa didáctica específica, embora
tenha necessidade dela e a contenha poten­c ialmente.
Mas isto levanta outra vez a questão: o que é que, em termos históricos
e filosóficos, tem impedido a didáctica da filosofia de ser filosófica? Historica­
mente, o que tem impedido a especificidade do ensino da filosofia é a
submis­são a uma didáctica geral, mediante a qual se ensina a filosofia como
se se tratasse de outra disciplina qualquer. Como diz Pombo (1990, 23), tem
havido uma “derivação tradicionalmente estabelecida entre a filosofia e o
seu ensino”. Da filosofia produzida se tem derivado para a sua transmissão,
o que implica que por detrás, com todo o seu peso, estejam os conteúdos
qualificados da filosofia feita a imporem‑se à filosofia a ensinar. Com mui-
tas perdas pelo caminho, e levando a filosofia ensinada a ocupar o lugar
da própria filosofia, sempre, em fundo, com a intenção de formar antifilo-
soficamente com a ajuda da filosofia.
E o que, em termos filosóficos, tem impedido a especificidade do ensi-
no da filosofia? Dir‑se‑ia que é a ausência daquilo que define, pela
actividade, o especificamente filosófico; além da preocupação doutrinal e
formativa, mediante conteúdos selec­c ionados, e servida por um método
basicamente didáctico e comunicacional. Ou seja, uma filosofia ex datis, na
expressão de Kant (1988), a qual não permite muito mais que um conhe-
cimento histórico; ou a assimilação de certos problemas, autores e soluções
ao serviço de determi­n adas ideias “formativas”.
Este tipo de ensino da filosofia, duvidosamente filosófico, embora forte­
mente conteudístico, condicionando professores e alunos, tem, além de
mais, impedido que os futuros professores venham a ser o que talvez pu-
dessem. Porque já os professores deles lhes impe­d iram um efectivo acesso
à filosofia, por este processo de uma didáctica que, considerando‑se própria
da disciplina, impede a didáctica específica de se concretizar e tem impe-
dido o acesso à filo­sofia. O que permite compreender este estado de coisas,
apesar da filosofia não só exigir, mas também legitimar, um ensino e uma
aprendizagem específicos.
4. Onde tem origem o filosófico do ensino da filosofia?

Para responder teremos que perguntar: por que razão foi o ensino da
81
filoso­fia satisfatório até agora, apesar de não ser, de facto, filosófico, uma
vez que era constituído quase só pela transmissão de dados e seu conhe-
cimento? Por que é que só recentemente se colocou o problema da
ensinabilidade da filosofia, e só agora vão aparecendo os estudos e debates
sobre a necessidade de uma didáctica específica para esta disciplina? Será
o resultado de uma dinamização das questões pedagógicas no nosso tempo?
Talvez, mas, então, que acção teve a filosofia nesta evolução? Formulemos
de outro modo a pergunta: que fez a filosofia pelo seu ensino, que obri-
gações específicas, isto é, filosóficas, impôs a quem a ensinava e a quem
a aprendia? Aparentemente muito pouco.
Até porque, por outro lado, se a questão é filosófica, por que razão só
se dá por ela agora, depois da evolução pedagógica moderna? Em que
medida, e porquê, estará dependente dessa evolução? Se a didáctica da
filosofia ganhou – ou recuperou – o estatuto filosófico em virtude da evo-
lução pedagógica, e se se reencontra, assim, o específico da filosofia, esta
fica dependente de factores motivacionais, de novos métodos, de uma in-
versão na posição e na função dos intervenientes, etc. Enfim, aspectos
pedagógicos que apontam para uma relação entre a pedagogia e a filosofia,
que não se tem analisado suficientemente. E que pressupõem uma filosofia
da educação, como diz Tozzi, mas num sentido inverso ao apontado por
ele, isto é, invertendo os dados do problema, como tentaremos demonstrar.
A pedagogia moderna, nesta óptica, teria obrigado a manifestar‑se uma
componente filosófica no ensino da filosofia, que este tradicionalmente não
revelava, nem exigia. Revelar o filosófico da filosofia que estamos ensinan-
do, não implica revelar, por inerência, o filosófico do ensino da filosofia, de
toda a filosofia, já que podemos ensinar filosofia sem exigências filosóficas
ao nível dos métodos de ensino. As exigências filosóficas ao nível dos
conteúdos não equivalem a exigências filosóficas ao nível dos métodos de
ensino.
Há, porém, uma exigência nova a que a pedagogia moderna obriga; isto
é, uma dinâmica educativa de certo modo inversa da tradicional, que vai
ao encontro do filo­s ófico que o ensino e a aprendizagem podem propor-
cionar. Só então, e em certas condições, se torna visível a relação entre o
ensino‑aprendi­z agem da filosofia e a filosofia da educação. Tal concepção
82
educativa pressu­p õe uma actividade que se identifica, no essencial, com a
actividade filosófica e suas funções. Há uma filosofia da educação subja-
cente a uma educação assim, que a própria filosofia parece, de facto, exigir.
Mas é esta a perspectiva que Tozzi defende? Não. Como vimos, Tozzi
(1989, 18) diz que é “a filosofia que interpela a didáctica no seu fundamen-
to”, e que “não há didáctica sem filosofia da educação (...) sem dimensão
axioló­g ica”. Ou seja, é a dimensão axiológica da filosofia que garante a
natureza filosófica à didáctica da filosofia. Ora, a dimensão axiológica da
filosofia não implica uma didáctica da filosofia em consonância com a na-
tureza da filosofia, embora obrigue a filosofia a uma “função formadora”.
E como só naquelas condições se pode falar em filosofia da educação
pressuposta por um didáctica da filosofia, a afirmação de Tozzi não é acei-
tável.
Qual é, ou deve ser, a função formadora da filosofia? Podemos respon­
der, como já vimos, de duas maneiras diferentes: ou a partir dos filósofos
e da filosofia feita, ou da actividade filosófica propriamente dita. Ambas
pressu­p õem uma filosofia da educação. Mas são concepções filosóficas
muito dife­r entes, do mesmo modo que são ideias diferentes do que seja a
educação, mas só a segunda garante a coincidência entre a natureza da
filosofia e a especi­ficidade da sua didáctica.

5. Três questões centrais para este problema

Estamos, de facto, face a três questões:


Uma consiste em saber se a filosofia tem, ou não, em si mesma, a sua
didáctica.
Outra, se a didáctica da filosofia é, ou não, um problema filosófico.
Finalmente, qual a relação entre a didáctica da filosofia e a filosofia da
educação?
São problemas cuja relação tanto pode ser estrutural e funcional como,
pelo contrário, acidental, e que procuraremos analisar cada uma por si e
na sua relação.
83
Terá a filosofia, em si mesma, a sua didáctica? Parece que sim, uma vez
que é problematizadora. Nesta medida, obrigaria a uma aprendizagem se-
gundo a natureza ou essência da filosofia. Assim, tudo o que se possa dizer
sobre as características do ensino da filosofia não constitui novidade porque
a natureza da filosofia já a isso obriga.
Já vimos, porém, que ter em si, potencialmente, a sua didáctica, não
implica concretizar, por inerência, uma didáctica específica. E porquê?
Porque a natureza problematizadora da filosofia não obriga a problematizar
o seu ensino. A transmissão de um problema não se identifica com a sua
problemati­zação. Os conteúdos filosóficos não transmitem necessariamente
a potência de problematização da filosofia, a qual pode desvitalizar‑se ao
ser transmitida. O ensino da filosofia pode até ser desproblematizador.
E acontece com frequência assentar nessa tarefa a sua real, embora não
dita, intenção “educa­tiva”. Dizer, pois, como Ferreira (1990, 56), que “em
filosofia, a auto‑problematização é constitutiva da própria disciplina”, é uma
mera pre­sunção. Em muitos casos é até uma maneira de nunca o ser julgando,
em boa consciên­c ia, sê‑lo. E porquê? Porque a problematização precisa de
ser “aberta”, como se de um programa de computador se tratasse, e de
métodos problema­tizadores, como se fossem passwords. Em suma, o ensino
da filosofia não obriga à mesma problematização nem aos mesmos métodos
a que a produção filosófica tem que obedecer.
Aliás, esta feição problematizadora, que se diz ser vocação da filosofia,
aparece no começo de todos os manuais para iniciação dos alunos na disci­
plina. E refere‑se até que essa vocação tem possibilidade de se transformar
em auto‑problematização. Mas é bom não ter ilusões. A este nível, a
problematiza­ç ão de si mesma não é mais que um outro degrau da vocação
da filosofia de tudo problematizar, como Aristóteles considerava no Pro‑
tréptico: “se [algo] é de filosofar, que seja filosofado, se não é de filosofar,
que seja filosofado, em todos os casos é de filosofar” (cf. Barata‑Moura,
1987, 93).
Tudo problematizar, pois, e também, portanto, o próprio ensino da
filosofia. A nível metodológico a lição de Aristóteles não tem passado de
um propósito de boas intenções. E como só problematizando o seu ensino
84
e aprendizagem se poderão adequar os métodos a essa problematização, e
só assim estaremos seguros de levar os alunos a encontrar a filosofia, a sua
natureza, poderemos, por oposição, aprendê‑la (ou julgar que a aprendemos)
sem a problematizar, nem nos servirmos dela para problematizar de facto;
isto é, sem a rentabilizar.
Não digo que muitos professores não tenham conseguido um ensino
apropriado à filosofia, fruto de uma vocação pedagógica, e da reflexão e
pro­cura do mais adequado a este domínio. Mas serão excepções. A posição
predominante aí está: uma didáctica específica para a filosofia, tornada
inútil por duas vias opostas. Ou pela adopção da exposição segundo as
normas tradi­cionais, fiados nas problemáticas filosóficas para cumprir o que
compete ao ensino da filosofia; ou, face ao recente problema da ensinabi-
lidade da filosofia, e da única saída que seria a adopção de uma didáctica
específica, a ideia de que ela a não necessita porque a tem em si mesma.
Enfim, adoptar a atitude de utilizar a didáctica das outras disciplinas, man-
tendo a prosápia de que a filosofia não precisa de outra porque a tem em
si mesma, não é nada filosófica. Isto é, adopta‑se uma atitude pré‑filosófi-
ca que funciona como conclusão pós‑filosófica. Nada melhor que esta
posição para se compreender que, de facto, o ensino da filosofia não tem
sido problema­tizado convenientemente.

5.1. A filosofia tem em si a sua didáctica?

Se nos perguntam, porém, se a filosofia tem em si a sua didáctica, res-


ponderemos que sim, mas por outras razões. É certo que a filosofia é
criadora de problemas, e o método pedagógico de a fazer aprender deverá
ir ao encontro desta vocação, transformando‑a em acrescida capacidade nos
alunos. Se o não fizer, limitar‑se‑á a transmitir problemas que outros sen-
tiram e resolveram, isto é, inibirá a filosofia, desproblematizando-a.
Certamente que podemos ensinar e transmitir problemas filosóficos – é o
que fazemos quando ensinamos história da filosofia, ou um filósofo em
particular, ou quando abordamos problemas como o da Predicação, o dos
Universais, etc. Mas, apresentados assim, correm o risco de deixar de ser
85
problemas. Poderão ser boas reproduções, descrições correctas dos proble-
mas, reformulações até, mas não questões reais, no sentido filosófico do
termo. Porque, como já vimos, os problemas, ou são ou não são. E são‑no
quando confrontam as pessoas com situações que elas sentem necessidade
de resolver, ou que, por apropriação racional e analítica, se vão transfor-
mando em problemas incontornáveis.
Sempre que lhes falte o elemento motivador que o indivíduo consubstan­
cia, e que é indispensável para que o problema funcione como tal, ou falhe
a função de problematização que os leva até ao insuportável, o proble­mático
não resulta. Embora possa ser redundante, diremos que não há problema
sem indivíduo nem sem problematicidade, e que é nos indivíduos que esta
encontra a génese, o alimento e a superação.
Ora, isto toca uma dimensão pedagógica fundamental, na qual radica a
aprendizagem, e que é a sua razão de ser: o eu, enquanto individualidade,
nas suas condicionantes intrínsecas e face à situação envolvente; o eu,
ponto de partida e razão de toda a actividade educativa. Se relacionarmos
estes aspectos com o problemático do problema, a que ainda agora se fez
referência, o que temos? Temos que esta relação não só ganha um signifi-
cado particular na filosofia como é o próprio alfa e ómega do seu ensino
e da sua aprendizagem.
Não é possível fugir a esta questão: a dimensão específica da filosofia
depende da densidade problemática que consiga captar‑se numa dada si-
tuação ou desenvolver‑se a partir dela. E como esta depende do indivíduo
e da sua capa­c idade para intuir o problema, querer enfrentá‑lo, analisá‑lo
e ser capaz de o superar, ela é, no seu todo e em última análise, uma
questão pedagógica. Nesta perspectiva, os problemas não são filosóficos à
partida. Poderão sê‑lo. Ou melhor, se‑lo‑ão se, pela tarefa específica que
formos capazes de gerar, ou por uma particular relação educativa, conse-
guirmos que o venham a ser. Isto é, o que pudermos fazer deles em termos
filosóficos depende de quem os sentir e do modo como os abordar e resol-
ver. Ora isto é pedagógico no sentido pleno do termo, como já vimos.
É por esta razão que não é possível confundir os conteúdos filosóficos
dignos de ser ensinados com:
• a actividade filosófica que a sua aprendizagem poderá determinar;
86
• e a problematização filosófica que se possa produzir a partir de proble­
mas e de situações concretas, não desvalorizando os conteúdos a
adquirir, mas não os identificando com isso.

No primeiro caso, há conteúdos cujo ensino é indispensável, o que de-


verá ser feito com o rigor que exigem. Não se pode dizer, porém, neste
caso, que a filosofia tenha em si a sua didáctica, porque ela não se distin-
gue da utilizada nas outras disciplinas, nem implica uma actividade
filosófica específica.
Se se trata, porém, de produzir actividade filosófica a partir de conteú-
dos a ensinar e a fazer aprender, ou de ensinar utilizando a actividade
filosófica, e a partir dela, a situação apresenta particularidades que teremos
que analisar.
Pode‑se, de facto, na primeira destas duas hipóteses, levar os alunos,
individual­mente ou em grupo, a pensar sobre alguns dos grandes problemas
da filosofia, como acontece num debate bem conseguido a propósito de
problemas célebres ou de importantes posições que sobre eles se tenham
tomado. É o que acontece quando se pede ao aluno que desenvolva um
tema, dentro de certos enquadra­m entos teóricos, e segundo as rubricas do
programa, como se faz na disserta­ç ão. Neste caso, havendo um indivíduo
concreto que é solicitado a produzir um trabalho com certas exigências
racionais, há componentes indispensáveis à actividade filosófica, visto que
os meios utilizados não são diferentes dos que a filosofia usa na sua pro-
dução. E a avaliação, se quiser ser fiel à intenção, deverá incidir não só
sobre o produto final, mas também sobre o modo como foi realizado.
O mesmo acontece, com acrescidas razões, no caso em que a aprendiza­
gem é feita a partir da actividade filosófica. Neste caso, interessa que o
aluno pense de facto, motivadamente, sobre situações problemáticas con-
cretas. E que parta daqui para um enquadramento progressivo – por
referências históricas e sistemáticas – em categorizações e formalizações
filosóficas. Neste caso, mais do que em qualquer outro, a determinante do
processo está no aluno, na sua motivação e nas suas capacidades racionais.
Sem esquecer a função do profes­sor, também determinante, mas com formas
de actuação diferentes das anterio­r es, o que dá a esta modalidade pedagó-
87
gica características particulares.
É evidente, porém, que, se compararmos as três situações educativas
apresentadas, constatamos diferenças significativas, da primeira para as
restan­tes. Não só configura, a primeira, uma situação pedagógica clássica,
e as duas últimas situações pedagógicas mais modernas, de acordo com
categorizações noutro lugar apresentadas (cf. Boavida, 1986; Boavida &
Barreira, 1994), como tudo assenta, nos últimos casos, numa componente
dinâmica e funcional que está ausente na primeira situação.
Poderemos dizer, nestes dois casos, que a filosofia tem em si mesmo a
sua didáctica, porque, pela sua natureza, exige uma abordagem específica.
Com efeito, não é preciso ir procurar fora da filosofia os métodos ou processos
a utilizar para resolver os problemas postos, nem, neste caso, se identificam
com os utilizados nas outras disciplinas. Poderemos até dizer que são estes
os instru­mentos mais adequados, os que reproduzem o modo de ser filosófico
e, simulta­neamente, vivificam a filosofia; ou até que, nestes casos, haverá um
isomorfismo entre a filosofia e os modos de a fazer aprender.
Mas isto, se confirma que a filosofia tem em si a sua didáctica, não ga-
rante que a tem sempre, nem em todas as situações. Talvez possamos dizer
que a didáctica especificamente filosófica aparece na filosofia quando se
verificam certas condições. As quais são estabelecidas e exigidas por uma
razão pedagógica que vale para múltiplas situações educativas e áreas
discipli­n ares. Se fosse a filosofia, só por si, a exigir estas condições, exi-
gi‑las‑ia sempre e tê‑las‑ia exigido desde sempre.
Logo, aquilo que faz com que o ensino‑aprendizagem da filosofia seja
de facto filosófico, não pertence só à filosofia, embora possa radicar nela.
Ou, perten­c endo‑lhe por essência, precisa de catalizadores pedagógicos
que, por si, a filosofia pode não activar, e as situações concretas do seu
ensino raramente usam. O segredo está numa relação profunda entre a
especificidade da filosofia e aquilo que a revela e vivifica. Daí que se pos-
sa falar numa relação entre a filosofia e seu ensino que é interactiva e
mutuamente constitutiva. É, pois, difícil conceber qualquer delas, na pleni-
tude das suas possibilidades, sem uma relação funcional com a outra, pelo
menos em potência.
Nesta perspectiva, ganha novo significado a ideia referida (cf. Santos,
88
1974, 30; Santiuste e Velasco, 1984, 119) de haver uma coincidência natural
entre a filosofia e a sua pedagogia, e, inversamente, entre a pedagogia e a
filo­sofia correspondente. Assim, se é certo que a filosofia tem, em si mesmo,
a sua pedagogia, ficando esta dependente daquela porque radica na sua
especifici­d ade, por sua vez a pedagogia obriga a filosofia que se ensina e
aprende a obedecer à sua vocação pedagógica mais profunda. E que voca-
ção é esta? Já o dissemos: que a filosofia seja, de facto, filosófica, passe o
pleonasmo; o que só se obterá, porém, mediante certas condições prévias
de natureza pedagógica. Dizendo de outro modo: a filosofia só tem em si
a sua pedagogia quando é, efectivamente, filosófica; ou seja, quando cria
condições para que os factores que são susceptíveis de potenciar a sua
natureza filosófica, actuam em termos pedagógicos. E em que consiste isso?
Em assentar o ensino‑aprendizagem da filosofia numa condição essencial:
a activação intelectual dos intervenientes, em função de um problema real
como ponto de partida; tal como, no essencial, e genericamente, precei-
tuam as pedagogias modernas. No ensino‑aprendi­z agem da filosofia
deverão, portanto, ser criadas condições idênticas às da produção filosófi-
ca; as quais permitem ao aprendiz encontrar, e ao professor reencontrar, a
filosofia no seu próprio terreno, ou seja, na natureza do seu proceder.

5.2. Mas será a didáctica da filosofia um problema filosófico?

Outra coisa já diferente é perguntar se a didáctica da filosofia é ou não


um problema filosófico. O facto de a filosofia ser questionadora implicará
um questionamento do ensino‑aprendizagem da filosofia? E implicá‑lo‑á
necessa­r iamente no ensino da filosofia e sempre que se trata do ensino da
filosofia? E, por outro lado, deverá a resposta a estas perguntas fazer‑se de
dentro da filoso­fia, isto é, pela perspectiva filosófica? É que o enfoque da
pergunta fará inflec­tir a resposta, e é aqui que assenta a possibilidade de
lhe responder bem ou mal.
Por certo que a filosofia é vocacionalmente problematizadora. Sempre
assim foi nos casos mais conseguidos. Mas esta vocação não tem obrigatoria­
mente que se ligar com a necessidade de ser comunicada. Ou, de outro
89
modo, a filosofia não precisa de ser ensinada e aprendida para ser filosofia.
Em certo sentido uma coisa até pode inibir e prejudicar a outra.
Espinosa, em carta de 30 de Março de 1673, ao ilustre Dr. Louis Fabritius,
professor da Academia da Heidelberg e conselheiro do Eleitor Palatino,
depois de recusar, com elegância, a cátedra que lhe é oferecida, escreve:
“penso, em primeiro lugar, que deveria renunciar a prosseguir os meus
trabalhos filosó­ficos se quisesse dedicar‑me ao ensino da juventude. Por
outro lado, ignoro em que limites devia ficar contida a minha liberdade
filosófica para que não pare­c esse querer perturbar a religião oficialmente
estabelecida”. Ou seja, apesar de lhe garantirem “a maior latitude de filo-
sofar”, esperançados, porém, que ele “não abuse perturbando a religião
estabelecida”, como consta na carta do con­vite, de 16 de Fevereiro de 1673,
dirigida ao “muito célebre e muito pro­fundo filósofo B. de Espinosa”, o
ensino da filosofia é sentido por este como algo que perturbará a sua es-
peculação e que limitará a sua liberdade de pensamento.
O que coloca a filosofia numa posição de predominância em relação à
necessidade de a comunicar, e, por outro lado, numa “dependência” even-
tualmente perigosa em relação à sua comunicação. Nesta perspectiva,
comunicar poderá ser facilitar, simplificar e, portanto, adulterar. Corre‑se o
perigo de limitar e constranger a filosofia, de ter que a “reduzir” a uma
perspectiva pedagogizante.
Espinosa colocar‑se‑ia, assim, como considera Pombo (1990, 15), “no
ponto de vista da ratio essendi, enquanto que Descartes, por exemplo,
cons­truiu o seu discurso “a partir do ponto de vista das exigências de uma
ratio cognoscendi”. Daí a pergunta da mesma Olga Pombo (ibid., 23): deverá
o ensino da filosofia ser “pensado como momento secundário (...) de uma
inves­tigação particular anterior”, “ou, pelo contrário, poderá o ensino da
filosofia ser pensado como constitutivo e instituinte da própria filosofia?”
Posta nesta alternativa a questão ganha novos horizontes. Porque a
dependência do ensino da filosofia em relação à filosofia feita, e a transmissão
desta como um “acto segundo” ou “derivado”, parecendo salvaguardar a
filo­s ofia das “reduções” pedagógicas, está a desvitalizá‑la filosoficamente e
a tirar­‑lhe capacidade educativa. Muito diferente, portanto, de um ensino-
-aprendiza­gem da filosofia que seja, como se diz, “constitutivo e instituinte”
90
da filosofia. Neste caso, o ensino da filosofia deixará de ser momento
segundo ou derivado, para ser simultâneo e constitutivo, isto é, criador.
Mas como conseguir isto?
A solução não poderá deixar de passar pela distinção feita por Kant, na
Informação acerca da orientação dos cursos no semestre de Inverno de
1765/1766 e na Crítica da Razão Pura, cap. III da “Teoria transcendental
do método”, entre filosofia ex datis e filosofia ex principiis. Aquela, é
constituída pelo conhecimento histórico da filosofia, esta, pela filosofia
propriamente dita. Os conhecimentos da razão opõem‑se aos conhecimentos
históricos. Os pri­meiros são conhecimentos a partir de princípios (ex principiis);
os segundos são conhecimentos a partir de dados (ex datis)”. Ou seja, os
conhecimentos que o pensamento produziu ex principiis passam, uma vez
constituídos, a poder ser aprendidos (e transmitidos) por outrem, por uma
“razão alheia”, e são‑no na medida em que se transformam em dados, em
elementos do conhecimento, historicamente localiza­d os e catalogados.
“Um conhecimento pode pois ser objectivamente filosófico e, todavia,
subjectivamente histórico, como acontece com a maior parte dos alunos e
em todos os que não vêem nunca para além da escola” (Kant, 1985, 561).
O conhecimento que esse alguém tem destes pensa­m entos, não tendo
necessariamente componentes de pensamento original, e limitando‑se muitas
vezes à assimilação e à eventual reprodução, não implica funções racionais
para além daquelas que estas opera­ç ões exigem. Em resumo, não têm
componentes filosóficas e, por isso, os que se limitam à apreensão deste
tipo de conhecimentos e disso não passam “mantêm‑se escolares durante
toda a vida”, como conclui Kant no final da passagem ainda agora citada.
Carrilho (1982, 24), seguindo Kant, di‑lo de modo claro: “... qualquer
conheci­m ento pode ser objectivamente um conhecimento racional, sendo
subjecti­vamente simplesmente histórico”.
Ora, é nesta diferença entre a natureza racional ou histórica, por um
lado, e objectiva ou subjectiva, por outro, que estará a solução; em suma,
o núcleo da questão está, pois, na natureza da operação intelectual que o
sujeito realiza. Sendo assim, podemos perguntar‑nos se a ratio cognoscendi
estará em condi­ç ões de resolver o problema, uma vez que aquele que
aprende pode limitar‑se a assimilar os produtos históricos dessa ratio.
91
A questão não passa por aqui; na verdade é mais vasta, atravessa todo
o campo que vai da filosofia à não‑filosofia, e vice‑versa, fazendo a diferença,
e na medida em que faz a diferença. É na capacidade de, subjectivamente,
um conhecimento ser racional ou ser histórico, que está a diferença entre
a filosofia e aquilo que passa por sê‑lo, mas não é. E o segredo está em
desencadear funções intelectuais equivalentes às que produziram o dito
conhecimento filosófico, porque só elas o podem concretizar através de
uma espécie de reencontro. Tudo o resto, não sendo da mesma natureza
da filosofia, não pode educar nem formar na dimensão que à filosofia
compete, embora possa continuar a formar noutras perspectivas e segundo
outras intenções, também respeitáveis, mas não especificamente filosóficas.
Quando, pois, somos confrontados com a questão de saber se a didáctica
da filosofia é um problema filosófico, a resposta não pode ser imediata,
nem radicar no carácter obviamente filosófico da filosofia. Assim, é evidente,
como diz ainda Ferreira (ibid., 56), que “quando nos interrogamos sobre a
validade ou sobre a pertinência da filosofia estamos a filosofar”. Mas já não
é óbvio o que logo acrescenta, ou seja, que “simultaneamente [estamos] no
âmago da didáctica da filosofia”. A questão da validade ou da pertinência
da filosofia em si mesmo, do carácter filosófico dos problemas que levanta,
não tem nada, em princípio, com o ensino da filosofia, pois que não implica
a especificidade filosófica da didáctica da filosofia. De tal maneira que
podemos ensinar, sem validade filosófica, uma filosofia válida e, inversamente,
fazer aprender, por processos filosofica­m ente válidos, um filosofia menor.
É na filosofia, como dissemos, que assenta a natureza filosófica da sua
didáctica; mas em que dimensão da filosofia? Não nos seus produtos, ou
dados, mas naquilo que os produziu, ou seja, no trabalho racional. O qual,
embora sendo específico da filosofia, não é exclusivo dela, uma vez que
possibilita também outros produtos de conhecimento e de razão.
Logo, a natureza filosófica da didáctica da filosofia não é um dado adqui­
rido, nem pelos filósofos que produzem a filosofia, nem pelos professores
que a ensinam. Não o é para os primeiros, porque produzi‑la não é
necessariamente coincidente com transmiti‑la, como já se viu, até porque
“a filosofia ultrapassa grandemente o problema da ensinabilidade” (Ferreira,
id. ibid.). Também não o é para os segundos, os professores, porque, como
92
vimos em Kant, muitas vezes reduzimos os conhecimentos de filosofia aos
dados históricos, e estes podem ser tratados como as outras matérias, isto
é, filosoficamente desvitalizados. A matéria filosófica tratada historicamete
passa ao lado do especificamente filosófico, a não ser que o trate filosofica­
mente, isto é, reavivando os problemas; o que implica desarquivá‑los,
repensá-los noutros contextos, pô‑los ao serviço de outras situações, fazê‑los
sentir como instrumentos ao serviço dos indivíduos concretos e seus problemas.
O facto de a filosofia se ter dado bastante bem, até agora, com a didáctica
clássica, prova que a grande preocupação tem sido, por parte dos professores,
a de bem comunicar, preocupando‑se os alunos em assimilar e reproduzir
o melhor possível. O quê? Os problemas e respectivas soluções na sua
verdade histórica, isto é, tal como foram pensados e sem uma origem
problemática em quem os ensina e aprende. Apesar das excepções esta tem
sido a regra. Ora, isto não serve a filosofia que se quer educativa, ou
educativa na medida em que é filosófica. E não serve porque não corresponde
à sua especificidade, nem a respeita. Está educativamente deslocada em
relação àquilo que lhe compete, embora tenha servido para formar
doutrinariamente neste ou naquele sentido. Sempre, porém, à custa do
bom-nome da filosofia propriamente dita, e em nome de doutrinas e
ideologias particulares.
A resposta à pergunta sobre se a didáctica da filosofia é ou não um
problema filosófico não deverá, pois, fazer‑se a partir de uma perspectiva
exclusi­vamente filosófica, porque obriga a uma resposta que contorna o
enfoque necessário. E impedirá não só a compreensão do problema, como
a própria constituição de uma didáctica filosófica.
Pôr o problema de saber se a didáctica da filosofia é um problema
filosófico exige sair da perspectiva filosófica, para lhe responder. Para um
filósofo o que é filosófico é a filosofia e não a sua didáctica. Ou o que de
filosófico pertence à didáctica da filosofia vem da filosofia propriamente
dita. Por isso, podemos, como se viu, questionar muitas coisas em relação
à filosofia, e sobre a filosofia, deixando intacto o problema da sua didáctica.
Mas quando se coloca o problema da ensinabilidade da filosofia, o caso
transfigura‑se. Há um momento em que o problema começa a ser filosófi-
co. Não era um problema filosófico antes de ser posto como problema mas,
93
a partir daí, desencadeia toda a sua problemática. E é evidente que a pro-
blemática constitui‑se na raiz da filosofia e tendo como grande problema
a filo­s ofia, embora não em si mas enquanto pode ser ou não ensinada.
O que abre à questão do modo de ensinar. Porque ensinada sempre ela
foi, mas o que é que foi ensinado? E onde é que isto é um problema
filosófico? Não havia aqui nenhum pro­blema filosófico. O problema só passa
a ser filosó­fico quando nos apercebemos que aquele tema, numa perspectiva
filosófica, exige uma filosófica abordagem. Por isso, este problema, no
momento em que começa a ser questio­n ado, passa a ser um problema
filosófico porque vai à raiz da possibilidade do ensino da filosofia, e isso
obriga a uma resposta filosófica, em virtude da pró­pria natureza da filosofia.
Podemos dizer, portanto, que esta questão, pondo em causa a própria
possibilidade do ensino, implica uma mudança qualitativa porque exige
uma perspectiva de algum modo inversa. Desloca a questão para fora da
filosofia, para a esfera de um espírito filosófico que cria condições à própria
filoso­fia mas não se pode identificar com nenhuma das suas concretizações.
E que, portanto, por uma actividade que sem cessar a vitaliza, faz a sepa-
ração entre a filosofia ex principiis e a filosofia ex datis, mantendo a
distância ou diferença qualitativa entre as duas.
Com efeito, produzir filosofia e transmitir filosofia são coisas não só
dife­r entes mas, em parte, inconciliáveis. Porque enquanto se está a pensar
filo­s ofi­c amente, isto é, a produzir, dificilmente nos poderemos preocupar
com o ensi­n ar. Neste aspecto, Espinosa tinha razão. Por outro lado, só po-
deremos ensinar a filosofia feita, porque não se pode ensinar aquilo que
ainda não existe, como dizia Kant. O que implica, não tanto uma perspec-
tiva inversa, como dissemos, mas antes cruzada e simetricamente exclu­sivista.
O que torna o problema da ensinabilidade da filosofia bastante perturbador.
Não é por acaso que muitos continuam a negá‑lo. É impossível resolver
este problema de dentro da perspectiva clássica do ensino da filosofia, que
assenta ou na transmissão dos conteúdos ou em desenvolvimentos a partir
deles.
Os que o fazem, negam o problema porque não conseguem entendê‑lo
a partir da perspectiva clássica em que se colocam, e donde pensam que,
por uma questão de respeito pelos princípios filosóficos e pela própria
94
filosofia, não devem sair. Mas o problema da ensinabilidade veio radicalizar
a questão e colocar, de algum modo, tudo o mais na sombra; ou seja, tudo
o que fora até aí integrado e resolvido pela didác­tica clássica. A qual, po-
rém, tem passado à margem da própria filosofia, porque a preocupação é
ensinar os produtos filosóficos, porque são estes que são, de facto, ensiná-
veis, e sendo necessário dar um objecto à disciplina de filosofia é natural
que isso se faça com base no saber filosófico já constituído. E aqui os pro-
blemas a resolver são os da clareza e rigor dos termos e das ideias, os da
estrutura e ordem da exposição e, obviamente, os da fidelidade ao pensa-
mento que se quer ensinar.
A filosofia como questionamento de tudo e de si própria era, ou melhor,
sempre foi ensinável, “é por constituição e tendencialidade comunicável”,
como diz Barata‑Moura (1987, 95‑96). Ensiná‑la era, de resto, a prova de
que era ensinável, mas também, ensinando‑a daquele modo, a prova de
que não se questionara o seu ensino. Ou não se questionara até que pon-
to o ensino que se fazia correspondia ao que ela exigia ou devia exigir. De
facto, o que se ensi­n ava eram principalmente os seus produtos e não os
seus processos, que, de resto, não são ensináveis daquele modo. Ou o não
são pelos métodos pedagó­g icos clássicos. Fazia‑se referência aos seus pro-
cessos, mas os alunos não eram obrigados a utilizá‑los para saber filosofia.
Quando o próprio ensino da filo­s ofia se começou a questionar, indagando
não já o que devia ensinar‑se da filosofia, mas se a filoso­fia era ensinável,
a formulação dilemática do problema chegou à radicalização de negar à
filosofia a ensinabilidade.
Também aqui a feição radical era sinal de imaturidade porque acabava
por iludir o problema. A integração da questão da possibilidade de ensinar
a filosofia na sua problemática geral não altera esta perspectiva, mas enri-
quece‑a. Tudo é filosofável, como diz Aristóteles e nós já sabemos, e
também, portanto, a ensinabilidade da filosofia. Mas só, obviamente, depois
da ensinabilidade ter surgido como problema. Ou seja, os pressupostos que
o problema da possibilidade do ensino da filosofia levantou não se encon-
tram no campo filosófico que lhe é “anterior”. Pela mesma razão que não
constitui problema filosófico os pressupostos racio­n ais que permitem filo-
sofar, até ao momento em que começamos a filosofar sobre eles. E se
95
filosofamos é não só porque eles o permitem, mas também porque tornam
a filosofia possível, fazem luz sobre a sua origem e o seu pro­cesso, poden-
do até, pela natureza radical da filosofia, voltar‑se sobre si, e até,
eventualmente, concluir pela impossibilidade de filosofar. O que, por outro
lado, não parece possível porque foi a filosofia que levou a esta conclusão,
e toda a conclusão teórica sobre a impossibilidade do filosofar é uma óbvia
contradição nos termos. De qualquer modo, a partir daí, a filosofia já não
é a mesma, nem os próprios pressupostos que, de condição do pensamen-
to, se transformam em seu objecto sem deixarem de continuar a ser
condição.
Pela mesma ordem de razões, o ensino da filosofia, depois da problemá-
tica da ensinabilidade filosófica, terá que ser outra coisa, se não quiser
entrar em contradição com o que diz ensinar e fazer aprender.
A partir daqui já não se trata de saber se a filosofia é legítima – pois é
óbvio que é, prova‑o o seu contínuo renascimento na base da sua inces-
sante insatisfação. Nem se é útil, pois contém em si a mais funda e radical
de todas as utilidades, que é a necessidade de compreender, seja o que for,
em todas as situações e sempre. Nem se é útil o seu ensino, porque é evi-
dentemente útil ensinar e aprender os resultados históricos desse esforço
incessante da compre­e nsão contra o caos e a nebulosidade. Nem se essa
experiência é comunicável, pois é óbvio que é. A partir daqui, o que mais
interessa é saber se essa expe­riência, particular e tão específica do homem,
é susceptível de ser revelada a outros, em si mesma e enquanto experiên-
cia, e se é ensinável o método que per­m ite entrar no seu processo de
produção, e se são ensináveis os seus produtos em função desse método
e na dependência dele, isto é, a partir dele enquanto processo.
Como é indubitável que a filosofia foi ensinável até se pôr o problema
da sua ensinabilidade – pois se ensinou e aprendeu desde sempre – e como
é evidente que é útil, pois sempre se sentiu dela a necessidade, o problema
da possibilidade do seu ensino é outro problema, diferente dos que sempre
se colocaram. Mas que abre à filosofia e à sua natureza específica possibi-
lidades de, finalmente, desempenhar a sua vocação plena e original, a sua
real função educativa, crítica e formadora.
Do ponto de vista da filosofia ex datis aquilo que se ensina é filosofia;
96
mas, de acordo com a perspectiva da filosofia ex principiis, aquela não é
a filosofia, mas sim uma ou outra filosofia, como dizia Kant. E não é cer-
tamente esta uma ou outra que interessa para formar os alunos, se bem
que todas se possam, e talvez devam, ensinar e aprender.

5.3. Dupla perspectiva e filosofia da educação

Daqui a necessidade de uma perspectiva simultaneamente filosófica e


pedagógica, que assente na inter‑relação que as une e constitui. Só vemos
que o ensino da filosofia está desvitalizado quando nos colocamos na
perspectiva simultânea da actividade filosófica, que obriga a uma problema­
tização efec­tiva; e da dupla exigência pedagógica de um real ponto de partida
filosófico e de uma centralidade do aluno no processo de ensino‑aprendizagem.
Ou seja, a desvitalização do filosófico torna‑se evidente quando começamos
a ver as coi­s as segundo exigências de natureza pedagógica, facto que é
determinante em filosofia, embora costume ser esquecido.
Poderá dizer‑se, com Ferreira (ibid., 56), que “a didáctica [da filosofia]
é a filosofia enquanto exercício”, ou, como considera Simha (1993, 68) “que
o ensino autenticamente filosófico se confunde com o exercício do pensa-
mento em acto”. Não haverá, por certo, ensino da filosofia que não
pressuponha algum exercício, mas fica assim resolvido o problema? É evi-
dente que não. Está a partir‑se do pres­s uposto de que a filosofia e o seu
ensino são, e têm sido, da mesma natureza, o que não é verdade. Não o
têm sido, e só o serão em certas condições.
Além disso, como a Autora citada reconhece (Ferreira, ibid., 56), a filo­
sofia ultrapassa a questão da ensinabilidade, porque não é possível
“didactizar toda a filosofia”. A filosofia sempre ultrapassará a preocupação
pelo seu ensino. Quem faz filosofia não está a pensar no seu ensino, nem
tem que estar. E, portanto, como é evidente, “a didáctica do ensino‑apren-
dizagem não esgota a globalidade do filosofar” (Ferreira, id. ibid.). Ou seja,
pressupõe‑se uma distinção entre a filosofia e o seu ensino‑aprendizagem,
que transforma este num mero e eventual complemento daquela.
Mas a pergunta que terá que se fazer é esta: quando é que o ensino
97
clás­s ico se identificou com a filosofia enquanto exercício? Aqui é que se
coloca o problema, e não na filosofia que está para lá do problema do seu
ensino. E como é que o ensino da filosofia se pode identificar com a filo-
sofia em exercí­c io? E se acaso se pode identificar com a actividade do
professor, quando é que se pode identificar, de facto, com o exercício do
aluno? Trata‑se, pois, de uma coincidência rara.
É justamente a perspectiva acima apresentada que, pressupondo a preva­
lência da filosofia feita e o acto de a ensinar, sobre a dinâmica do aluno a
aprender, que a tem desvitalizado. Mas, por outro lado, a “filosofia em
exercí­c io” não significa exercício no ensino da filosofia, nem na aprendi-
zagem da filosofia; como se viu em Espinosa. Até a torna impossível, na
perspectiva clássica em que se coloca, pois, de um lado (e antes) está o
filosofar, e do outro (depois) está o ensinar e o aprender, com todas as
limitações e constrangimentos que implica. É esta visão que tem que ser
alterada para se poder ensinar e aprender filosofia filosoficamente.
Se se pergunta, pois, se a filosofia tem em si a sua didáctica, poderemos
responder afirmativamente, mas só se a filosofia a ensinar e a aprender for
realmente filosófica, e não um mero sucedâneo. E isto só se obtém, como
vimos, no âmbito da relação filosofia/pedagogia e na medida em que ambas
se dinamizarem mutuamente. Só por esta via poderemos ambicionar um
ensino da filosofia “constitutivo e instituinte do própria filosofia”, como diz
Pombo na passagem já citada (1990, 23).

6. Que filosofia da educação para a didáctica da filosofia?

E assim entramos na 3.ª questão, ou aquela que Tozzi colocava no prin-


cípio, como um dado, a qual era que a didáctica da filosofia só teria
sentido à luz de uma filosofia da educação.
Acontece, porém, que a didáctica clássica, não contendo, enquanto tal,
componentes filosóficos específicos, não pressupunha uma filosofia da
educa­ç ão em consonância com a filosofia enquanto actividade racional,
embora fosse pressuposta, nos autores e nos sistemas filosó­ficos que eram
ensinados, mas isso é outra questão. A sua influência exercia‑se através dos
98
sistemas filosófi­cos e na medida em que tinham, explícita ou impli­citamente,
dimensão educa­tiva, isto é, enquanto pressupostos ou consequências edu-
cativas das próprias doutrinas. Estas, pela sua vocação educativa e na
medida em que pressupõem uma ideia de homem, implicam e reflectem
uma concepção do que é a educação, ou seja, uma filosofia da educação.
Nesta medida acabava por haver, em todo o sistema, uma filosofia da edu-
cação, uma vez que estava pressuposta uma ideia formativa a partir da
filosofia feita que se ensinava.
A relação entre a didáctica da filosofia e a filosofia da educação, ou a
pressuposição de uma filosofia da educação no ensino da filosofia, exige,
porém, um ensino que reencontre a filosofia, que a torne indispensável,
não só enquanto finalidade ou teleologia, mas como ponto de partida e
como método; e não só enquanto produto constituído, mas também en-
quanto processo a cons­tituir‑se. E educar pressuporá, então, uma concepção
filosófica ao nível da própria metodologia, pelas consequências teóricas e
práticas que a metodologia implicará. Então se poderá falar em filosofia da
educação que seja, do ensino­‑aprendizagem da filosofia, seu pressuposto
e sua consequência. Uma filosofia da educação que conceba o ensino e a
aprendizagem da filosofia como uma estrutura clássica que põe em causa
a filosofia de que diz derivar.
A didáctica clássica da filosofia não deixa de pressupor, é certo, uma
filosofia da educação. Não enquanto didáctica aplicada à filosofia, mas en-
quanto transmissão de teorias e sistemas filosóficos, com fins formativos, e
onde a filosofia, enquanto actividade, está ausente. Pelo contrário, uma
didáctica exi­g ida pela natureza particular da filosofia, implicará uma filo-
sofia da educação no próprio acto de ensinar e de aprender, isto é, na
dimensão educativa que esse acto deve ter, pela especificidade daquilo que
se ensina e é aprendido.
Nestas circunstâncias, ganhando a didáctica da filosofia real dimensão
filosófica, poderemos então falar numa nova filosofia da educação. É outra
concepção educativa que se ergue; e mais, que altera radicalmente todo o
ensino‑aprendizagem da filosofia, e o que com ele podemos obter. Teremos
então uma filosofia da educação que reflicta da educação aquilo que a fi-
losofia exige que seja.
99
Talvez tudo se torne mais claro se começarmos por nos questionar, ao
jeito filosófico, sobre a influência que o ensino‑aprendizagem da filosofia
possa ter em domínios como:
• a concepção de filosofia que daí resulta;
• os processos e produtos filosóficos correspondentes;
• os reflexos na formação dos alunos;
• o uso das competências racionais, tanto no presente como no futuro;
• o tipo de homem e de sociedade que, a longo prazo, se irá obter, etc.

Imaginemos um pouco:
De um lado, uma concepção educativa em que a filosofia funciona como
apreensão e compreensão da filosofia, enquanto produto cultural constituído;
do outro, a filosofia enquanto exercício filosófico, prioritária actividade
crítica e interpretativa. Cada uma destas abordagens didácticas pressupõe
e implica uma diferente concepção do que deve ser a educação. As con­
sequências de cada uma destas concepções, no âmbito dos itens apresentados,
também parece não sofrer dúvidas, e será um interessante domínio a
investigar.
Penso, pois, ser possível uma conclusão que permita compreender a
questão da didáctica específica da filosofia e da sua rela­ção com a filosofia
da educação. Estas áreas são tão diferentes que, dir‑se‑ia, só a palavra
“filosofia” as une. Há, porém, uma relação profunda que se poderá sintetizar
do seguinte modo: o ensinar uma dada filosofia (ou um certo conjunto de
filósofos) segundo o modelo clássico, traduzindo uma preocupação formativa,
pressupõe uma filo­s ofia da educação. Mas a filosofia, só por si, não exige
uma filosofia da educa­ç ão coerente com ela. Só uma didáctica específica
que vá ao encontro da filo­sofia, e constituindo com ela uma relação coerente,
o implicará. Que, repita‑se, a própria filosofia pressupõe, mas não sempre
nem de qualquer modo.
Ambas serão legítimas em termos educativos. Mas não podemos deixar
de perguntar, à boa maneira dos filósofos:
Qual das duas concepções educativas corresponde melhor à natureza
da filosofia?
E qual das duas didácticas mais dela se aproxima?
100
E ainda, qual destas concepções educativas será mais formativa no tem-
po e na sociedade vertiginosos e fragmentários em que vivemos?
101

Serve o servo seu senhor


ou o senhor seu servo?

1. Formulação de problema

1.1. Michel Tozzi (1989, 18), referindo‑se aos fundamentos para uma
didáctica da filosofia, coloca as seguintes questões:
a) Será filosoficamente autorizada e competente a investigação das ciên­
cias da educação no campo específico da didáctica da filosofia?
b) Poder‑se‑á fazer uma investigação em didáctica da filosofia que não
seja, ela mesma, filosófica?
c) E, consequente­mente, poderá haver lugar a uma didáctica da filosofia:
• que não seja prioritariamente filosófica, “uma vez que é a filosofia
que interpela antes de tudo a didáctica”?
• e não seria o ensino da filosofia, se o subordinássemos a uma téc­
nica, uma forma de positivismo, “quer dizer, ainda uma filosofia”?

O mesmo autor pergunta também se haverá alguma didáctica da filoso-


fia que não pressuponha uma filosofia da educação. Esta questão já foi
tratada em ensaio próprio.

1.2. As questões que Tozzi coloca – algumas algo redundantes e formu­


ladas na perspectiva dos opositores – baseiam‑se na ideia comum, e que
ele confirma, de que “étant [la philosophie] au fondement, ne pouvant que
se fonder elle‑même”, não pode receber fundamento do exterior. Daí que
se sinta na obrigação de:
a) pôr em causa qualquer didáctica da filosofia que não derive da pró-
pria filosofia, isto é, que pretenda sair do campo de influência dessa
mesma filosofia;
102
b) encontrar um fundamento para o ensino da filosofia que não entre
em choque com a natureza da filosofia, isto é, que seja filosófico.

Uma vez que a filosofia é a disciplina ou actividade intelectual que


fundamenta as formas do seu saber, todos os conhecimentos, incluindo os
relativos ao ensino e aprendizagem da filosofia, estariam nestas condições.
Daí não acei­tar que alguém fundamente a sua didáctica; ela própria seria
o seu fundamento. E assim a didáctica da filosofia seria “um pleonasmo,
ou pior, um intruso”, porque “a filosofia é intrinsecamente didáctica” (Vicente,
1994, 400).
Estamos de acordo no essencial. Mas a questão a colocar é esta: em que
condições isso é assim?

1.3. É de facto necessário encontrar para o ensino‑aprendizagem da


filosofia um verdadeiro fundamento, isto é, que derive da própria filosofia
e das exigências que impõe. Mas é preciso que nos entendamos sobre o
que isto quer dizer. Não basta dizer que Sócrates o conseguiu, é preciso
arranjar maneira de todos os professores de filosofia o conseguirem. E por
que via? Pedagógica ou filosófica?
Com efeito, não se perceberá o que está em jogo enquanto não se en-
tender a verdadeira relação que existe entre filosofia e pedagogia, ou entre
a filosofia e o seu ensino‑aprendizagem. Nem se compreender uma relação
que ultrapassa a relação vertical de um saber que se detém e se transmite,
ou que alguém possuindo pode transmitir a outrem. E se se persistir na
exigência de uma predominância da filosofia que a própria filosofia não
pode aceitar, e de uma pedagogia como mera aplicação de conhecimentos,
não compreenderemos o problema.
E porquê? Porque entre os dois domínios se estabelece desde logo, e
sempre, uma relação não só dinâmica mas também de duplo sentido e,
portanto, mutuamente constitutiva, como já vimos. E constitutiva de quê?
Por um lado, da própria filosofia enquanto processo que se aprende na
medida em que se cultiva; que se cultiva uma vez que nos fomos habi­tuando
à necessidade de o viver e praticar e que só vive enquanto os dois braços
103
da relação que exige se alimentam mutuamente. E constitutiva, por outro
lado, da própria especificidade pedagógica da filosofia, que só assim, por
este processo e na dinâmica e intrínseca relação que entre si os dois braços
estabelecem, se revela aos potenciais aprendizes.
Ou seja, os que dizem que a filosofia tem em si a sua própria pedagogia
têm razão sem talvez saberem porquê. E não sabem porque assentes na
razão que julgam ter investem contra a pedagogia, como se ela fosse ini-
miga, o que os leva a perder a razão que teriam e a mostrar desconhecer
as razões da razão que dizem ter.
Na medida em que adoptam uma posição anti pedagogia, criam as con-
dições para se afastarem do problema e para não perceberem o que dizem,
nem encontrar o caminho que mais convém. Põem‑se numa posição que
inviabiliza a relação originária que, a este nível, ambas estabelecem. E sem
este entendimento fica bloqueada a possibilidade de uma didáctica que
proporcione a transformação qualitativa que a filosofia implica. E, portanto,
fica inviabili­z ada uma didáctica específica, isto é, com fundamento e dinâ-
mica filosóficos. Porque a questão é esta: o fundamento filosófico que
exigem para a didáctica da filosofia só é obtido por via de uma concepção
pedagógica específica. A qual é exigida pela própria filosofia, mas não só,
porque, numa aparente contradição, corresponde a concepção e processos
genericamente pedagógicos e não especificamente filosóficos, uma vez que
coincide com aquilo que a pedagogia moderna anda dizendo há muito
tempo e os filósofos em geral rejei­tam, sem notarem que estão a enfraque-
cer as próprias bases de apoio.
O fundamento filosófico que exigem é‑o ao nível das razões, e ninguém
lhes contesta esta exigência que impõem, mas essas razões “filosóficas”, de
que garantem não se afastar, dependem de uma prática “pedagógica” que
em geral não seguem. E como umas e outras são dependentes de uma
interacção que ou não compreendem, ou se esforçam por não compreender,
passam ao lado do que é importante.
Estamos, de facto, perante uma relação constitutiva sem a qual não são
compreensíveis as razões filosóficas que advogam, já que mais não seja
porque, por esta via, elas perderam consistência. E assim se mantêm muitos
104
filósofos e professores de filosofia numa posição que torna impossível a
didáctica específica, sem a qual a filosofia se irá manter ausente de si mes-
ma, desfocada do seu dínamo, embora afirme a sua especificidade e o
monopólio disso.

1.4. À partida, porém, têm razão, porque a filosofia deverá ser a única
disciplina que tem em si os fundamentos da sua pedagogia. Mas é preciso
compreender como e porquê. A sua especificidade exige uma didáctica
adequada, e esta exige uma abordagem que tem que passar pela filosofia.
Mas a chave desta passagem está na pedagogia porque só ela cria as con-
dições em que a síntese se obtém. Assim, podemos dizer que esta
especificidade só é vista e compreendida depois de percebida a relação
filosofia‑pedagogia.
Se não se perceber esta relação e o carácter duplamente constitutivo
que a caracteriza, e se não se partir dela para o ensino e a aprendizagem
da filosofia, a especificidade didáctica desta não se revela. E se não se
conseguir essa didáctica específica é a própria filosofia que, ao nível do
ensino e da aprendizagem, deixa de existir. E isto na medida em que não
será diferente das didácticas das outras disciplinas, porque se limita a utilizar,
como diz Quintás (1991, 126), “métodos extrapolados de outras disciplinas”.
Ou seja, será subsi­diária de uma didáctica geral cuja preocupação é ensinar
um corpus de conhecimentos, como já vimos.
Não sairemos, pois, de uma pedagogia transmissiva e expositiva, mesmo
que disfarçada. E voltamos ao mesmo: pela pedagogia tradicional jamais
encontraremos a didáctica específica da filosofia. E sem esta não seremos
capazes de revelar a filosofia a quem se queira iniciar nela e a maioria dos
alunos não a compreenderá.
Certamente que a filosofia continuará a existir em quem a pratica – os
filósofos – mas, por esta via, jamais ela sairá destes círculos restritos, não
ganharemos alunos e continuará o fosso entre uns e outros.
2. O filosofar e as suas condições

2.1. Penso que todos estamos de acordo quando dizemos que a filoso-
105
fia tem uma dimensão pedagógica que lhe é dada pelo seu carácter
dialógico e analítico, pelo seu discurso crítico e racional que, sendo coe-
rente, é factor de identificação e aproximação na razão. Nestas condições
congrega ou confronta espíritos, pela procura, formulação e fundamentação
de novas evidências que, de algum modo, pressupõem um outro, que o
exigem e por ele se continuam. Como dizem Bertrand e Valois (1994, 198)
“o eu reconhece‑se naquilo que conhece [e] naquilo que conhece reconhe-
ce uma variação daquilo que ele é”. Por outro lado, é fundamental ser com
os outros para se ser em si e no mundo. Por outro lado ainda a preocupa-
ção de analisar, relacionar, conceptualizar, sintetizar, deduzir, integrar, ou
seja, a actividade filosófica, adequa‑se às preocupações e aos processos dos
modelos pedagógicos mais aceites.
Também consideramos que a pedagogia em geral tem uma dimensão
filosófica porque lhe compete a definição de fins e meios, porque pressu-
põe um tipo de homem, de sociedade e, portanto, um conjunto de valores
e uma cosmovisão. Na medida em que é teleológica, e mesmo utópica, e
se desen­volve entre o ser e o dever ser pressupondo‑os e confrontando‑os,
ela tem uma dimensão filosófica, como também já assinalámos.
Se me disserem que todas estas “funções” da pedagogia são filosóficas,
direi que o serão se forem respeitadas certas condições. Isto é, não o são
neces­s ariamente, mas poderão vir a sê‑lo.
Se alargarmos o campo de visão talvez compreendamos melhor. Isto é,
se onde está “pedagogia” pusermos “educação”, e entendermos as coisas
numa perspectiva mais alargada exigida pelo conceito de educação,
compreendere­m os que a definição dos fins e a sua articulação com os
meios, que a concep­ção de sociedade e de homem que qualquer educação
pressupõe, ou seja, os valores subjacentes, são socioculturais antes de serem
filosóficos. O que não quer dizer que não sejam filosóficos, mas que
aparecendo a filosofia como fundamentação daquilo que é já sociocultural­
mente estruturante, pela sua raiz cultural encontra, com a sua actividade,
as razões para um ser e um tempo de cada educação, ou seja, encontra os
fundamentos dessas práticas educativas.
Assim se compreende que Octavi Fullat ( 3 1983, 74) diga que “o filósofo
106
não inventa (...) finalidades educativas. Estas estão aqui, em pleno mundo.
A tarefa filosófica a este respeito não é outra que descobrir a fonte da di-
versidade”. Do mesmo modo, Barata Moura (1987, 96) diz que “a filosofia
(...) pensa o real de dentro do próprio real”. É verdade. Mas ao pensar o
real de dentro do próprio real, está a produzir um real que é fruto do pen-
samento, que é fruto do real, que produziu e se produziu no pensamento,
que pensa o real que produz o pensamento. É evidente o círculo.
Na mesma ordem de ideias note‑se como os modelos educativos têm
evo­luído e a relação que essa evolução tem com os regimes políticos, eco-
nómicos e sociais vigentes, ou seja, com a cultura. “Cada época da história,
cada povo, cada grupo social, vem configurado pelos valores que determi-
nam suas insti­tuições, seu comportamento e seus produtos culturais” (Ibañez,
1990, 720), e pensa o próprio real “em relação dialéctica com ele”, acres-
centa Barata Moura (id. ibidem).
Vergílio Ferreira (1992, 36) di‑lo de uma maneira quase emble­m ática:
“Toda a época faz sistema. Ou a isso tende”. Efectivamente o filósofo não
cria educação, o filósofo reflecte sobre ela, fundamenta‑a, teoriza‑a. Pode,
posteriormente, influenciar, ou mesmo conceber, sistemas e práticas
educativas, e ter, neste sentido, uma função criadora, mas sempre dentro
dos enqua­dramentos socioculturais donde partiu, quer para os fundamentar,
quer para os reformular ou superar, como já vimos. Mas há aqui algo novo.
A própria maneira de pensar sobre a educação, o modo como o fizer e
os resultados não são concebíveis sem a relação educativa em que se criou
e onde, inclusive, aprendeu a filosofar e estudou os filósofos que agora o
influenciam. O carácter filosófico da educação é um implícito a explicitar
e a desenvolver e não um factor prévio. Ou só o é às vezes, porque só de
vez em quando cai nessa tentação e sempre depois. E como é a posteriori
que se descobre o a priori, é caso para perguntar se a inversa não é mais
verdadeira, porque quem discute, depois, a natureza incontornável do antes,
reconhecerá no antes muitas das condições que produziram o depois.
Poderão dizer‑me que o implícito é ainda um factor prévio, mas será
necessário recorrer à filosofia para o demonstrar, ou seja, será necessário
filo­s ofar a posteriori para demonstrar que há um implícito que está condi-
107
cionando toda a actividade filosófica, mas que era condição e não filosofia.
Só no caso específico de um sistema educativo derivado de um sistema
filo­s ófico se poderia falar no carácter prévio da filosofia. Mas ainda aqui
se terá que dizer que para o filósofo assim filosofar muito teve a educação
que trabalhar antes, e que para um dado filósofo conceber aquela pedago-
gia, muito teve a educação que produzir no filósofo, em formação, todo o
necessário para a filosofia, e antes da própria filosofia ter consciência de
si mesmo na cabeça que assim está pensando. De modo que a filosofia
quanto mais pensa no implícito que a condiciona mais torna claro a impor-
tância desse implícito e mais incapaz se encontra de superar esta relação.
Numa ordem de fundamentação podemos dizer que a filosofia continua
a ser prévia, já que é o próprio fundamento. Mas o mesmo não acontece
na reali­d ade concreta em que o processo ocorre. Para se chegar a esta
ordem racional há um longo caminho a percorrer, o qual acabará por torná‑lo
evidente se, e só se, houver um correcto processo pedagógico. E, portanto,
temporal. O “ante­r ior” ou atemporal do filosófico está dependente do
“posterior” temporal do pedagógico, sendo certo que o “anterior” do filósofo
é “posterior” ao posterior do pedagogo. Dependente para que se revele,
entenda‑se, mas a revelação ou manifestação aqui é factor constituinte, é
o próprio acesso à existência. Pode­r emos dizer, pois, em síntese, que
enquanto filosoficamente é a posteriori que se descobre o a priori, pedago­
gicamente é a priori que se forma o a posteriori da filosofia fundamentadora.
Deste modo, quando, por exemplo, Vicente (1992, 344) diz “que qual­
quer proposta de uma didáctica da filosofia tem que ser prioritariamente
(...) filosófica, porque à filosofia cabe o direito e a responsabilidade de se
pronun­c iar, em primeira instância, sobre o seu ensino e a sua própria pe-
dagogia”, está numa espécie de pressuposto carteseano que aqui não tem
sentido. E não tem porque as práticas educativas aparecem sempre inter-
penetradas com as teorias. Talvez em nenhuma outra área se consubstancie
tanto a inter‑relação profunda, quase substancial, entre a teoria e a prática.
Por mais elemen­tar e rude que seja a prática educativa sempre haverá,
implícitas ou explícitas, algumas razões a justificá‑la, como também já vimos.
Mesmo quando incoe­r entes ou até absurdas. Nestas condições, a filosofia
108
chega sempre tarde.
O cogito carteseano pressupõe, como é sabido, uma prevalência racio-
nal do pensamento e de quem o produz, o eu, que é fatal e incessantemente
subsidiário do processo educativo, racional e progressivo donde esse eu
emerge, e que é anterior. Ou seja, o eu que pensa, que se conhece, que
fundamenta, é o resultado de um processo duplo de auto‑consciência da
res cogitans e de autonomia relativamente à res extensa, que também é
pensável. Ambas, de resto, bastante limitadas, como a psicologia moderna
veio demonstrar.
Nunca Descartes poderia ter formulado o cogito, condição e afirmação
de uma ordem da razão, antes da ordem educativa no tempo e indepen-
dentemente dela. Foi esta que lhe tornou possível a ordem da razão. Esta
ordem existe na medida em que há um processo educativo que a possibi-
lita, e só assim. A ordem educativa é pois um processo constitutivo do
cogito, simultaneamente temporal e fundamentador. O que não é novo.
Nova talvez seja a consciência crescente de que o processo que leva à
ordem da razão é constitutivo dessa mesma razão e que, portanto, a con-
diciona de modo incontornável. E aí temos, para não irmos mais longe, as
teorias de Piaget e de Bruner a confirmá‑lo exu­b erantemente. Para o pen-
samento poder reconhecer a prioridade e a originali­d ade da filosofia
(inclusive sobre a sua própria didáctica) houve toda uma prio­r idade peda-
gógica e educativa.
De modo que, em síntese, o carácter filosófico da pedagogia – na me-
dida em que nela há implícita uma problemática pedagógica – é uma
conclusão que a filosofia poderá demonstrar; mas a natureza pedagógica
de qualquer filosofia é um implícito tão óbvio que não precisa sequer de
demons­tração. Finalmente, se é verdade que a mesma filosofia, ao ser tra-
tada pedagogicamente de modos diferentes, já não é a mesma, com que
direito pode a filosofia falar sobre a sua própria didáctica a não ser como
condição abstracta que pretende respeitar a “natureza” da filosofia?
2.2. Assim, a base filosófica da didáctica específica da filosofia, que é
uma realidade, vive na restrita dependência da raiz pedagógica que a torna
possível, isto é, que não só a exige como a torna visível. Ou seja, para que
109
a didáctica filosófica possa concretizar‑se como deve ser, isto é, filosofica-
mente, é indispensável respeitar condições pedagógicas muito anteriores.
Aquilo que agora exige a autonomia para a filosofia, e reconhece a priori-
dade desta sobre todos os saberes, não seria o que é nem nada exigiria se,
antes, não tivesse havido um longo processo de razão constituinte. E que,
portanto, nunca chegaria a ser filosófico se antes não fosse pedagógico no
sentido amplo do termo, porque é toda uma acção e uma dinâmica peda-
gógicas que constituem essa razão. É nesta perspectiva que tem que ser
visto o educativo.
O que significa que a relação filosofia/pedagogia é não só incontornável
mas também duplamente constituinte, como se disse. Isto é, com uma
predomi­n ância pedagógica no percurso concreto e individual, e um nível
racional ou filosófico a partir do momento em que, reconhe­c endo‑se, se
constitui retroac­tivamente como fundamentação.
É de considerar, porém, que a primeira, a ordem temporal em que a
educação acontece, sendo constitutiva da segunda, não deve nem pode
ser desvalorizada porque fazê‑lo é tirar base ao fundamento filosófico que
se afirma como prioritário. Ou de outro modo: devemos ter consciência
de que cada uma destas prevalências, particularmente no caso da filoso-
fia, em si mesmo, pouco vale, porque está vitalmente dependente da
relação.
A partir de um sistema filosófico, como vimos, podem‑se ordenar e es-
clarecer práticas educativas. E é verdade que a organização de um sistema
educativo é sempre subsidiária de uma ideologia. Mas, como já anterior-
mente as práticas educativas exerceram a sua influência sobre o sistema,
entender a predominância da filosofia sobre a pedagogia, sem a relação
que estabelecem entre si, e sem a condicionante prévia a que todo o filo-
sofar está sujeito, é compreender só uma parte da realidade, porque é
colocar entre parêntesis a própria base que possibilita e exige a fundamen-
tação.
3. Da dimensão pedagógica da filosofia

3.1. Por outro lado, a dimensão pedagógica da filosofia merece também


110
atenção. E costuma dar‑se‑lhe, mas é vista sob o preconceito de que as
ideias são a origem, o percurso e a razão de ser da sua transmissão, de que
as ideias filosóficas esgotam, em si, todo o ciclo da actividade filosófica,
não sendo a transmissão mais que o modo de as conservar e divulgar. E de
que valem por si como entidades autónomas e inamovíveis, independentes
do modo e da forma de serem abordadas e trabalhadas. E de que a razão
é pedagógica em si mesma, de que a razão, actuando naquele que pensa,
estando sempre presente na pessoa que deduz, é pedagógica necessaria-
mente porque, por um lado, exige um inter­locutor e, por outro, cria‑o.
A própria razão exige a criação das condições para a sua perpetuação e
multiplicação pelos outros. E, portanto, neste processo de transmissão ou
comunicação se esgota o pedagógico que à filosofia diz respeito. Em resu-
mo, que o didáctico é, em última análise, dispensável, porque a filosofia o
garante.
É certo que a razão exige outras razões, mas exige‑o em si mesmo, como
condição do seu desenvolvimento, como mecânica “reflexiva”, dinâmica de
multiplicação sistémica que se alimenta a si mesma e ao mesmo tempo cria
as condições para se desenvolver nos outros. É óbvio que a entrada no
sistema implica condições, algumas das quais ele não prevê, ou as consi-
dera dadas. O domínio da capacidade reflexiva que permite percorrer uma
estrutura racional tem que ser aprendida antes. E o percurso num sistema
racional, para lá das condições de dedução que exige entre os participan-
tes, está dependente de um processo (anterior) de aprendizagem e acesso,
e de um conjunto de factores, concomitantes e convergentes, de natureza
psico‑afectiva e sociocultural que só em situações muito favoráveis conver-
gem de facto.
A filosofia é por constituição comunicável, como vimos, porque os ele-
mentos racionais que produz – as ideias – pressupõem, e utilizam a mesma
razão que as transmite segundo um discurso, racional, ou racionalizador.
Teria, pois, a filosofia as condições da sua didáctica na medida em que é a
mesma capacidade racional que, em verdade, ao produzir as ideias (ou de
certo modo para as produzir) as tem que expressar através de um discurso
racional.
Poderíamos também dizer que estuda, ou tem historicamente estudado
111
através da lógica e da teoria do conhecimento, os modos do pensamento
e os processos racionais. Assim, ela daria a si mesmo a fonte do pensamen-
to, a norma do pensar e as formas adequadas da expressão e transmissão
do pensamento e dos seus produtos. E, sendo assim, os problemas peda-
gógicos limitar‑se‑iam a ser problemas de comunicação.
Acontece, porém, que o estudo do pensamento e das suas regras há
muito que ultrapassou o domínio da pura teoria filosófica, quer nos voltemos
para a cibernética, a inteligência artificial, a linguística, as neurociências,
quer consideremos “contraciências” como o estruturalismo e a psicanálise.
Além disso, e em termos pedagógicos, a clareza das ideias no professor não
significa clareza de ideias nos alunos, comunicação correcta do professor
não implica uma correcta assimilação e, finalmente, talvez não esteja na
comunicação da filosofia, e na assimilação pelos alunos, o mais importante
da filosofia, ou a razão principal pela qual se deve ensinar e aprender. Há
em tudo uma matriz educativa muito para lá da questão comunicacional, e
é nela que se joga o filosófico que a filosofia pode possibilitar, que terá
que fazer se quiser ser filosófica.
Certamente que a questão da comunicação é importante, como de resto
o é em todas as didácticas. Mas ou entendemos a comunicação numa pers-
pectiva muito mais vasta – com a activação dos factores psico‑afectivos e
a dimensão filosófica que as situações possuem – ou deixaremos de fora o
essencial.
O que as ciências da educação têm vindo a demonstrar, com toda a sua
diversidade de contributos, é que aquilo a que poderemos chamar a ques-
tão pedagógica em geral está dependente de tantos factores que o
problema da transmissão ou da comunicação não é senão uma parte; e que
a relação pedagógica, com tudo o que implica, é um factor simultaneamen-
te subtil e avassalador. E é nesta perspectiva que se pode perceber toda a
moderna reno­vação pedagógica. O menos que poderíamos dizer é que o
processo é afinal muito mais complexo e profundo do que se pensava.
3.2. Se, portanto, a dimensão pedagógica poderá ser dispensável com
as outras discipli­n as, não o é de modo algum na filosofia. As outras disci­
plinas, pressupondo embora toda a complexidade do fenómeno educativo,
112
podem, sem grande risco, submeter‑se a um esquema clássico de transmis-
são, sem que isso altere por aí além a sua natureza; enquadrando‑se, pois,
numa atribuição clássica de papéis para o professor e para o aluno, inde-
pendentes da disciplina propriamente dita e sem excessivos efeitos
condicionadores sobre ela. É, aliás, o que acontece com a filosofia se ela
se limitar aos sistemas constituídos e às teorias feitas, que poderão ser
transmitidas e ensinadas como qualquer outra matéria. Mas que desviando
o aluno da filosofia enquanto actividade a condicionam a uma perspectiva
particular e, portanto, a inviabilizam naquilo que mais a caracteriza, como
já procurámos demonstrar.
Tudo indica, por outro lado, que o modo de ensinar e aprender filoso-
fia tem influência sobre a própria filosofia, pelo modo como se trabalha
nela e com ela, além de que transforma aquilo que se ensina e aprende
sob esse nome reve­lando diferentes faces possíveis da filosofia. Tanto da
que se ensina (perspec­tiva do professor), como da que se aprende (pers-
pectiva do aluno); em qualquer dos casos, da que se praticar. “Quando se
faz filosofia com a devida intensi­dade, tudo vibra”, diz Quintás (1991, 131).
Não só a relação pedagógica e as estratégias e a metodologia influenciam,
desde a base, os seus produtos, como tudo isso acaba por ser (ou é‑o des-
de o começo) elemento constitutivo da própria filosofia.
Como noutro ensaio já referimos, os problemas do que ensinar e do
como ensinar estão em interdependência. De facto, quando se trata de fi-
losofia, o que eu ensino e o que os alunos aprendem, ou seja, a filosofia
que é transmitida pelo professor e a que é compreendida pelos alunos, não
são necessariamente a mesma coisa, podendo verificar‑se tanto entre os
dois processos como entre os dois produtos profundas barreiras. Isto não
porá em causa, talvez, o valor das suas produções, mas terá influência so-
bre o conceito de filosofia produzido nos alunos.

3.3. Por isso, a simples e habitual intenção de definir o que há a ensinar,


em filosofia, e o modo como fazê‑lo, é aqui, e apesar da sua aparente
simplici­d ade, muito complexo. Em primeiro lugar, porque é problemático,
como já vimos, o que seja a filosofia. E se sobre o objecto da filosofia se
estabelece controvérsia, como pode pretender‑se que seja simples o modo
de a ensinar? Em segundo lugar, porque definir um objectivo de ensino e
113
de aprendizagem para a filosofia, e estabelecer um método, condiciona
imediatamente a filosofia que daí resultar e, portanto, o tipo de formação
filosófica dos alunos. Final­m ente, a questão não se limita ao que ensinar e
ao modo como fazê‑lo mas estende‑se também a outras perguntas a que é
preciso dar resposta, como: a quem vou ensinar a filosofia? E para quê a
ensino? Estas perguntas interferem com as anteriores e todas, em conjunto,
condicionam radicalmente o problema do ensino‑aprendizagem da filosofia.
Aparentemente as duas primeiras questões (o que ensinar e o como
ensi­n ar) são prioritárias, e estas (a quem vou ensinar e para quê) são se-
cundárias. Só podemos resolver o problema do modo de ensinar um certo
domínio do conhecimento depois de sabermos em que consiste esse domí-
nio. Uma didác­tica específica resulta com toda a naturalidade desta relação
dir‑se‑ia clássica.
Mas, insistimos, a questão em filosofia não é tão simples. Além das razões
aduzidas anteriormente há outras que nos levam a rejeitar esta perspectiva.

3.3.1. Se aceitamos como natural a prioridade das duas primeiras ques­


tões relativamente às outras – que ensinar e como ensinar – caímos numa
didáctica clássica. Definido o que se ensina, cria‑se logo um corpo de co-
nhecimentos a transmitir e adoptam‑se os estatutos e os papéis tradicionais
de quem sabe (o profes­sor) e de quem tem de aprender (o aluno). Ou seja,
privilegia‑se uma relação vertical, um sentido unilinear predominante, e
então todo o problema didáctico terá que ver com a comunicação ou trans-
missão desses conhecimentos, os métodos limitar‑se‑ão a ensinar com rigor
e a fixar e reproduzir com qualidade, a avaliação não poderá evitar estes
problemas e incidirá sobre a sua apreensão, e a preparação irá atrás, con-
dicionada por esta, e tudo o resto virá por acréscimo.

3.3.2. Abordemos a questão de outro modo: por que razão temos ten­
dência a estabelecer naturalmente a prioridade daquelas duas questões – a
do conteúdo (o que ensinar) e a relativa ao método (como ensinar) sobre
as outras duas (a quem ensinar e para quê)? Fazemo‑lo porque, implicita-
mente, parti­m os de uma certa concepção de filosofia. Ora isto se, por um
lado, é natural, por outro, é abusivo. É natural, porque teremos sempre de
114
partir de uma qual­q uer posição sobre a filosofia, e não é concebível uma
ideia sem um determinado corpo de conhecimentos. Dada uma disciplina,
neste caso a filosofia, é natural que desde logo se coloque o problema de
decidir o que vamos ensinar, o que vale mais a pena fazer aprender, e
assim se decide do seu conteúdo.
Mas consideramos que isto é também abusivo, porque toda a gente
questiona a filosofia e a sua natureza. Não há professor que o não faça no
início dos cursos, nem manual que não comece por aí, até porque é a
própria natureza da matéria que o exige. Mas, apesar disso, partimos logo
de uma certa concepção e, consequentemente, de um determinado conteú­
do ou, pelo menos, de um certo número de problemas fundamentais.
O que implica que não possamos abdicar de um papel de professor que,
à partida, se vê obrigado a transmitir conteúdos de uma maneira ou de
outra e que, portanto, não pode assumir em plenitude a problematicidade
que diz que a filosofia deve ter, submetendo os alunos a uma introdução
à filosofia que a põe em causa enquanto actividade. Mesmo que se ensaie
alguma actividade filosófica, ela está, desde logo, submetida de tal modo
a um dado conteúdo que acabará por configurar uma certa perspectiva,
confinando‑a a um modelo e, portanto, limitando‑a de algum modo.
Poderá dizer‑se que não pode deixar de ser assim, que não há activida-
de filosófica no vazio, que toda a forma de fazer filosofia inere um
conteúdo que lhe vai dando a matéria necessária, e que as duas realidades
são interdependentes. Mas permanece a questão das prioridades na acção
e dos factores determinantes. O que é, de facto, prioritário em filosofia?
O que é determinante em todo o processo?
Determinante é o próprio processo, mesmo que sempre se origine num
problema concreto, dando origem a um tema e produzindo imedia­tamente
um conteúdo. E mesmo não sendo o processo nunca abstracto e se inicie
sempre a propósito de um problema, ele, enquanto processo, está acima
do con­teúdo, permanece para lá dele, porque é uma possibilidade cons-
tante, e cada vez maior, de produzir outros conteúdos. Isto torna‑se também
evidente quando verificamos que um dado problema concreto depende
efectivamente do modo de o enfrentar. O que parece paradoxal. O proces-
so não se pode identificar com o conteúdo, mas influencia‑o. O que
115
significa que não podemos desligar o problema filosófico do método de o
abordar, mas também, e na aparência paradoxalmente, que o processo é,
em última análise, o factor determinante na questão filosófica. Em suma,
poderemos dizer que, embora dominado pelos problemas e ocupado com
problemas, o pensamento não se esgota neles nem com eles se confunde.

3.3.3. Sendo assim, se a própria natureza da filosofia é problemática,


como se diz, nós devíamos partir de antes, ou seja, da atitude originária de
que tudo o resto depende, isto é, do comportamento que essa problemati-
cidade implica, da sua experiência concreta. “A meu ver, diz ainda Quintás
(1991, 132) toda a explicação filosófica deve ser genética, experiencial; deve
revelar, em toda a sua vivacidade, em estado nascente, o processo pelo
qual se chegou ao conhecimento”. Esquecer isto é fatal.
E assim, o que ensinar, pela natureza problemática que lhe é inerente,
pela actividade que esteve na origem de tudo o que agora é ensinável e
pela inflexão que essa problematização acarreta nos mesmos conteúdos,
deveria obrigar‑nos a um modo diferente de abordar a filosofia. Ou seja,
devia exigir uma indagação e uma prática em conformidade, que não dei-
xariam de se reflectir em retorno.
Acção em retorno não só sobre a diferente concepção de filosofia com
que os alunos ficariam, mas também sobre as capacidades acrescidas e as
atitudes aprendidas que daí resultariam. Capacidades que, provavelmente,
exigiriam mais actividade racional e filosófica sobre o real problemático,
menos conteúdos desenquadrados e desinseridos dos problemas reais, e
mais conteúdos a propósito da actividade racional que a filosofia desenca-
deasse.
Ou seja, a prioridade à actividade racional leva a uma secundarização
relativa dos conteúdos. Não no sentido de deixarem de ter importância,
mas de resultarem da própria actividade e trazerem, nestas condições, a
vitalidade indispensável à filosofia. Sendo assim, os conteúdos devem exi-
gir um pro­b lema concreto como ponto de partida, uma certa experiência
como alimento e manutenção motivadora e uma determinada compreensão,
nova e mais larga, como ponto de chegada.
Deste modo, enquanto é evidente, numa perspectiva clássica, que o
116
con­teúdo é indispensável à disciplina e que, portanto, é elemento prioritá-
rio, sem o qual nem a disciplina é concebível, o mesmo não acontece na
filosofia que, em virtude da actividade filosófica, é concebível e pode viver
sem conteúdos impostos (ou sugeridos) previamente, embora precise deles
depois.
O como ensinar e aprender deveria, pois, em filosofia, exigir, pela sua
natureza, um debate e uma pesquisa, os quais implicariam uma prática
nova. Ou, inversamente, uma prática nova, em virtude do debate e da pes-
quisa, reflectir‑se‑ia numa nova concepção de filosofia. E esta, por sua vez,
numa nova prática, e assim sucessivamente. O que revela mais uma vez a
dimensão pedagógica de todo o problema, e a profunda relação entre a
filosofia e o seu ensino, de que já se falou. E então vemo‑nos obrigados a
abordar a questão de outra maneira.
Talvez devamos, pois, começar pelo como abordar o ensino‑aprendiza­
gem da filosofia, porque da má ou boa condução desta questão resultará
uma concepção de filosofia, um quê filosófico tanto mais rico e potencial
quanto mais consciência tivermos das suas consequências sobre a própria
filosofia e a formação dos alunos.
Mas perguntar pelas restantes questões que a didáctica costuma colocar
não é menos importante. Ou seja, quando se trata de filosofia as perguntas
do para quê e do a quem são elas próprias determinantes das colocadas
anterior­m ente, como já vimos.

4. A questão dos objectivos/modelos

Vamos à famosa questão dos objectivos, que noutro ensaio se abordou


numa perspectiva um pouco diferente. Com que objectivos se ensina a fi-
losofia? Para quê? Podemos começar pelos grandes objectivos, aqueles que
aparecem consignados nos textos legais e que visam, em geral, grandes
metas.
Coisas com as quais todos estamos, em princípio, de acordo, mas que
levantam o problema da operacionalização. Não basta ter boas intenções e
atribuir ao ensino da filosofia grandes desígnios, é preciso encontrar pro-
117
cessos concretos de alcançar essas metas. E é aqui que reside uma das
grandes dificul­d ades do ensino e da aprendizagem da filosofia, ligada di-
rectamente ao problema dos métodos e este, por sua vez, implicando
questões concretas.
Porque, se passarmos destes grandes objectivos, a que é costume chamar
de fins ou finalidades, para níveis mais restritos, como os objectivos gerais
e particularmente os específicos, aquilo que se pretende de facto com a
filosofia acaba por ser um problema que teremos que enfrentar.
Como se sabe, os objectivos, à medida que se restringem, ganham con-
teúdo e funcionalidade e exigem cada vez mais, da nossa parte, uma opção
concreta. E se, ao concretizá‑los, se perde em largueza de âmbito e de
intenção, ganha‑se em conteúdo e em condições específicas de progressão,
indispen­s áveis, em ambos os casos, à concretização das metas.
Como fazer isto em filosofia? Ou de outro modo, como obter as grandes
metas mediante objectivos mais restritos e com a indispensável coerência
entre uns e outros? Porque as metas a alcançar são, em filosofia, grandes
intenções, e compreende‑se porquê. A própria natureza da filosofia impli-
ca grandes temas no horizonte. Mas estes, formulados em abstracto, não
têm condições para serem alcançados.
Como se sabe, entre objectivos específicos, objectivos gerais e finali­dades
estabelece‑se, ou deve estabelecer‑se, uma sequência coerente entre todos
porque há uma relação de inclusão dos mais restritos nos menos restritos,
pela ordem hierárquica subjacente que em ambos os sentidos se pode per-
correr. Isto é, ter como intenção uma finalidade educativa obriga a
concretizar as diversas fases e níveis em que ela terá que se desdobrar para
que, no final, se possa considerar essa intenção alcançada. Inversamente,
uma dada capacidade específica não tem grande sentido isoladamente, está
relacionada com outras como pré‑requisito, ou consequência, o que signi-
fica que é possível integrar em estruturas mais gerais. Podemos, pois,
subdividir uma grande intenção educa­tiva em competências progressiva-
mente restritas e, inversamente, ir agluti­n ando estas em competências
englobantes mais genéricas. Essa ordem sequen­c ial “obriga” a um trabalho
de aquisições restritas e controladas que são a razão de ser e a condição
de sucesso de uma pedagogia por objectivos.
118
As grandes finalidades do ensino da filosofia têm que se obter, pois,
mediante objectivos mais concretos, restritos e, sobretudo, operacionaliza-
dos, isto é, com as condições que determinam uma actividade e possibilitam
a sua realização.
Entendemos os objectivos gerais orientados principalmente para a forma­
ção de base, o conjunto das competências indispensáveis. “... fala‑se de
objectivo geral, quando a capacidade considerada compreende a mestria de
um conjunto de tarefas necessárias para alcançar uma competência terminal”
(Vandevelde, 1982, 44). E, por isso, ainda segundo o mesmo autor, “um
objectivo geral tem um carácter relativamente extensivo e designa um re-
sultado a atingir a médio prazo”. Segundo Strauven (1994, 36) o objectivo
geral “designa as grandes orientações de uma formação sob a forma de
performances complexas ou que resultam da combinação e da integração
de performances simples, que pode ser penoso isolar ou identificar como
tais”. Estas definições de objectivo geral, pelo seu carácter genérico e a
exigência de um conjunto de tarefas diferen­c iadas para ser alcançado, pa-
rece adaptar‑se bem às intenções educativas que é legítimo definir para a
filosofia. Mas, só por si, não é suficiente. O objectivo geral deixa habitual-
mente os professores sem saberem como concretizá‑lo. Daí a necessidade
de o subdividir explicitando as competências que se considera necessárias.
É por isso que os objectivos específicos não introduzem neste processo
grande alteração, a não ser ao nível de uma especificação dos gerais. Para
De Ketele (1975, 10) o objectivo específico é uma “formulação que, pelo
seu menor grau de generalidade, especifica um objectivo enunciado a um
nível superior”. Estarão, pois, mais adstritos à filosofia, seja no que diz
respeito às funções filosóficas e às operações intelectuais de que necessita,
seja na aquisição de conteúdos doutrinários indispensáveis. São os que
levam a efeito as operações racionais específicas da filosofia.
Mas como conseguir as grandes finalidades que se pretendem com o
ensino da filosofia, sem o domínio dos objectivos gerais, ou seja, sem levar
os alunos a alcançar as “performances complexas” que permitirão obter as
gran­d es orientações de uma formação? E como alcançar estas sem ser com
a ajuda dos objectivos específicos que, segundo Birzea (1986, 19), são ain-
da “enuncia­d os gerais, mas limitados ao conteúdo particular de uma certa
119
disciplina (con­ceitos, princípios, aplicações, etc.)”? E, chegados a este pon-
to, para a concreti­z ação do processo anterior, como não avançar para os
operacionais, que não são mais do que “objectivos específicos definidos
em termos de actividades pedagógicas”, como diz ainda Birzea (1986, 20)?
Com efeito, são eles que “permitem a realização concreta dos objectivos
gerais sob a forma de uma sequência de aquisições escolares (saber, saber‑ser,
saber‑fazer, atitudes, valores, etc.)”.
Todos estaremos de acordo com alguns objectivos fundamentais. Mas
como consegui‑los? E será viável através de um só processo? E a melhor
maneira de o conseguir será com o professor a ensinar os alunos? É evi-
dente que não. É, pois, indispensável organizar toda uma série de
actividades racio­n ais ao serviço da actividade filosófica. Não ao acaso, ob-
viamente, mas segundo um plano taxonómico, ou a partir de uma análise
taxonómica que tenha a filosofia e as exigências específicas como fundo.
Mas a questão não se limita aos processos técnicos a utilizar para levar
os alunos a dominar objectivos especificamente filosóficos, ou seja, a con-
cretizar comportamentos indispensáveis à filosofia. Isto é já uma estratégia
a pôr em prática depois das grandes opções sobre as finalidades do ensino
da filosofia. E igualmente depois de ter optado por uma formação filosófica
que incida sobre o desenvolvimento dos comportamentos especificamente
filosóficos. Antes de tudo isto teremos que perguntar:
a) Estamos de acordo sobre o que se pretende com o ensino da filoso-
fia?
b) Temos uma noção correcta do que podemos obter com os conteúdos
dos programas propostos?
c) Estarão os conteúdos adaptados aos objectivos?
d) Em última análise, para que deve servir o ensino da filosofia?

Estas questões não são retóricas. Desejamos formar jovens de pensa­mento


crítico, autónomo e logicamente correcto ou respeitadores dos valores e
das estruturas racionais da nossa cultura? Temos que decidir previamente,
por­q ue em função dessa decisão, ou seja, da opção que tomarmos relati-
vamente a cada um destes objectivos, há diferentes estratégias pedagógicas
e didácticas a adoptar e terá de haver formas de avaliação diferentes.
120
São, pois, opções distintas e, embora se possam relacionar e se possam
até obter resultados nos dois campos, as coisas são demasiado complexas
para se poderem alcançar com o empirismo didáctico dominante. Uma aula
que pre­tende despertar e desenvolver a capacidade problematizadora, por
exemplo, não pode ser idêntica à que pretende transmitir alguns dos gran-
des problemas e suas melhores soluções. Da experiência destes dois tipos
de aulas, resultantes de objectivos distintos e exigindo estratégias e meto-
dologias diferentes, resul­tará não só uma prática nova como uma outra
teoria sobre o que seja a filosofia e sobre a sua utilidade.
Poderá dizer‑se que o erro está na opção, que pretender formar espíri-
tos críticos e autónomos não é inconciliável com a sensibilidade aos
grandes temas filosóficos e o conhecimento das concepções mais conse-
guidas. Poderá até dizer‑se que é este duplo objectivo que devemos
perseguir com convicção. De facto, para uma formação filosófica terão que
concorrer estas duas ordens de prioridade: um espírito filosófico exigente
e uma cultura filosófica sólida.
Mas este objectivo por assim dizer último, e mais importante na medida
em que será obtido por duas ordens de formação, não pode ser o resulta-
do de uma acção indiferenciada. Cada um destes objectivos implica
competências diferentes que, como tal, terão que ser desenvolvidas me-
diante tarefas especí­ficas. Não é indiferente, para os resultados a obter, o
tipo de trabalhos que se realizam nas aulas e as intenções subjacentes a
esses trabalhos. Se não houver intenções expressas de desenvolver cada
uma dessas competências, nem hou­ver métodos apropriados, ficaremos
aquém do desejável e numa situação de indiferenciação que acaba por
tender para as actividades de trans­m issão/aquisição de conteúdos, afinal
muito mais simples.
De facto, facilita a tarefa do professor em termos de ensino e de avalia­
ção e a tarefa do aluno, porque lhe exige a aprendizagem de conteúdos
defini­d os e apresentados de modo directo. Além disso, dá a professores e
alunos, à partida, a sensação de uma actividade concreta a executar e, no
final, o sentimento de uma tarefa cumprida. Como se vê, tudo sub‑razões
que ofuscam a razão principal, ou seja, a natureza da filosofia e as suas
potencialidades educativas.
121

Conclusão

O ensino‑aprendizagem da filosofia está, pois, condicionado pela acti-


vidade filosófica que for capaz de desencadear. Sem esta não há educação
filosófica no sentido pleno e fundamentado do termo. Só na perspec­tiva
desta actividade, e implicados todos os agentes na sua dinâmica, é que
podemos falar em formação filosófica. A transmissão ou comuni­c ação de
conteúdos filosó­ficos não garante, nos alunos, deixem‑nos repeti‑lo, o filo-
sófico desses conteú­dos, do mesmo modo que o filosofar do professor face
aos alunos não é garantia da assimilação, por estes, da dimensão filosófica
do seu trabalho, como também se disse.
Não é, portanto, no (e com) o conteúdo filosoficamente desvitalizado
ou inibido que podemos ir fazer reivindicações de natureza filosófica,
porque provavelmente já daí saiu o carácter filosófico; que teve para serem
construídos os filosofemas que agora se ensinam, se fixam e reproduzem.
O brilho eventual das deduções do professor pouco mais será do que isso
mesmo; não garante nos alunos a operacionalização do especificamente
filosófico que as determina, nem tão‑pouco que capacidade idêntica venha
a surgir nos alunos, uma vez que não é ouvindo o professor a filosofar
que os alunos aprendem a fazê‑lo e ganham gosto nisso, embora possa
ajudar.
A natureza filosófica das coisas está mais na dinâmica racional que as
atravessa, do que nas formalizações que dessa actividade possam resultar.
É possível que estas formalizações, ao serem comunicadas, desencadeiem
em algumas pessoas novas formas de actividade filosófica, mas não necessaria­
mente e nem enquanto formalizações, mas somente enquanto dinâmica
racio­n al. E, contudo, o que em verdade se pode ensinar são as formaliza-
ções, daí a tendência para se cair no ensino delas e ficarmos contentes com
esses trabalho.
É nesta pequena distinção que assenta, por uma lado, o corte epistemo­
lógico profundo que atravessando toda a filosofia sempre separará, em
todas as circunstâncias e lugares, a filosofia da sua negação. Separação
122
tanto mais indis­p ensável e tanto mais profunda, quanto mais desnecessária
e dispensável possa parecer, e por muito invisível que se apresente aos
olhos desprevenidos.
Quer se queira quer não a filosofia fica, pois, na dependência de um
modo de a abordar, de a cultivar, e de uma vivificação intrínseca, sempre
pos­s ível, mas que se poderá obter, ou não. Sem ela faltará essa comunica-
ção profunda que se faz pelos espíritos, essa actividade que resulta da
participação numa razão comum. Que não é dada à partida mas que tem
que se conquistar.
Podemos continuar a encarar da mesma maneira os pressupostos que
Tozzi colocou no início do ensaio? Tem algum sentido a sua presunção
filosófica?
123

O caminho para Ítaca

1. Proposta para um “acordo didáctico”

É necessário conceber para a filosofia uma didáctica em “sede de razão


filosófica”, e que possa ser, principalmente para os alunos do Secundário,
uma real iniciação na filosofia. Ou corremos o risco de nunca chegar a ter
uma didáctica que convenha à filosofia e, portanto, de nunca chegarmos a
propor­cionar aos jovens uma iniciação filosófica no pleno sentido da palavra.
Na verdade, os princípios e regras didácticas a que se tem recorrido para
o ensino da filosofia não têm características filosóficas, e poderíamos dizer
até que são tanto menos de “razão filosófica” quanto mais assim se julgam
e com mais convicção o afirmam.
Segundo Vicente (1994, 410) – a quem pertence a expressão citada –
estaríamos ainda, caso seguíssemos as propostas de Tozzi em Vers une
didactique de la philosophie (1989), numa “didáctica construída a mon­tante
da filosofia”, ou seja, “uma didáctica que ainda só está edificada em sede
de razão técnica e instrumental”.
Em que consiste esta didáctica “a montante da filosofia”? Segundo Tozzi
(1992), e na sequência de colóquios realizados nas chamadas Universités
d’Eté, na Universidade de Paul Valéry, Montpelier III, a didáctica da filosofia
deverá resultar de um “acordo didáctico” assente nas seguintes proposições:
a) O ensino da filosofia no Secundário terá por finalidade e objecto a
aprendizagem do filosofar.
b) O filosofar “pode e deve, para efeitos didácticos, desdobrar‑se em
três operações: conceptualizar, problematizar e argumentar”.
c) Assim, e de acordo com o precedente, deverão ser didactizadas essas
três figuras do filosofar, o que implica a necessidade de “investigar
os méto­d os, os procedimentos, as actividades e os dispositivos que
124
hão‑de propor­cionar o desenvolvimento e a aquisição dessas compe-
tências fundamentais” (Vicente, ibidem, 402).
d) Aconselha ainda, em consonância, uma avaliação predominantemen-
te formativa;
e) e de igual modo pretende promover a diferenciação pedagógica, em
virtude da heterogeneidade sociocultural e cognitiva do actual públi-
co escolar.

2. Círculos concêntricos

É curioso pôr em confronto estas “proposições” e este “acordo didác­tico”,


com os argumentos contra eles apresentados no trabalho a que nos estamos
a referir (Vicente, 1994).
Se analisarmos as duas ordens de argumentos usados chegaremos à
conclusão de que se trata de uma mistura de algumas boas ideias com uns
tantos equívocos que têm enleado a filosofia e o seu ensino numa teia
inibidora e autófaga. Não são, porém, argumentos de natureza idêntica,
nem do mesmo plano. Dir‑se‑ia que pertencem a dois tipos intelectuais, a
duas maneiras de entender a filosofia e que se desenvolvem em círculos
concêntricos; isto é, sem grandes pontos comuns e assentes em lógicas
distintas, como diferentes planetas em suas órbitas à volta da mesma estre-
la – a filosofia.

2.1. Filosofia versus filosofar

A primeira proposição, a de que o objecto do ensino da filosofia deve-


rá ser não a filosofia mas o filosofar, tem origem na célebre distinção feita
por Kant, e já aqui referida, segundo a qual “não se pode aprender filoso-
fia nenhuma, mas sim a filosofar”.
O que isto signifique tem sido objecto de muita polémica mas parece
estar já estabelecido. Não se pode ensinar a filosofia porque, segundo Kant,
ninguém está ainda na posse dela, visto que, enquanto sistema de conheci­
125
mentos filosóficos, a filosofia não está ainda concretizada, é uma “ideia a
realizar”.
É sabido que esta posição kanteana se formou contra Wolff, o qual con-
siderava a filosofia como ciência constituída, à semelhança da matemática
e, portanto, susceptível de ser ensinada pelo mesmo método, isto é, pela
definição e dedução de conceitos.
Ora, em Kant (1985, 660) isto não é assim. “Todo o conhecimento racio-
nal é um conhecimento por conceitos ou por construção de conceitos; o
primeiro, chama‑se filosófico e o segundo, matemático”. Isto é, para Kant,
como também diz Ferreira (1990, 193), “a matemática é um conhecimento
racional a partir da construção de conceitos”, e a filosofia é um “conheci-
mento racional a partir de conceitos”. “Entre todas as ciências racionais
(a priori), diz Kant (1985, 660), só é possível, por conseguinte, aprender a
matemática, mas nunca a filosofia, a não ser historicamente. Porque, en-
quanto a matemática não necessita da experiência para verificar os
conceitos que utiliza, o filósofo não pode abdicar da sua experiência quer
para iniciar quer para a confirmação dos seus conceitos”. E, assim, consi-
dera ainda Ferreira (ibidem, 193), a filosofia “pressupõe uma experiência
individual não transmissível”. Portanto, e é de novo Kant (1985, 660), “quan-
to ao que respeita a razão, apenas se pode, no máximo, aprender a
filosofar”, porque ninguém pode ensinar a sua própria experiência nem
aprender a experiência dos outros.
Ou seja, para fazer filosofia é necessário filosofar, e isto é pessoal, como
pessoal e não transmissível é a experiência de cada um. Aprender e ensinar
filosofia sem saber ou sem ter o hábito de filosofar é, em rigor, uma im-
possibilidade, entendendo por filosofia a actividade pensante, e não a
filosofia enquanto conhecimento histórico da filosofia. Esta, enquanto con-
junto de problemas e soluções tipificadas, pode ser ensinada e apren­d ida,
aquela não.
Pode‑se, portanto, ter do pensar pensado um conhecimento histórico
que não se pode ter do pensar pensando, ou do pensamento propriamente
dito. E por esta razão é legítimo dizer que “se pode aprender a filosofia
sem se ser capaz de filosofar”, como diz Barata‑Moura (1972, 41). Ou seja,
pode‑se aprender a filosofia de um certo autor numa perspectiva histórica,
126
porque é um conheci­m ento de factos, historicamente localizados, sem ser
obrigado a filosofar, coisa que exige actividade intelectual e experiência a
partir de princípios racionais e que, sendo actividade pessoal a partir de
experiência individual, não é transmis­sível. Isto levanta o problema de saber
o valor educativo da filosofia, e como estamos face a duas maneiras de ver
a filosofia, a questão é incontornável.

2.2. Aprender a filosofar

O problema do ensino‑aprendizagem da filosofia tem de ser colocado


nesta perspectiva. É possível ensinar a filosofia, se por isso se entender a
transmissão de conteúdos filosóficos ou o tratamento que, em termos his-
tóricos, foi sendo dado aos problemas, às teorias desenvolvidas por certos
filósofos e aos sistemas filosóficos. Os quais, por uma ou outra razão, e
constituindo patri­m ónio cultural da humanidade, são considerados dignos
de ser ensinados.
Mas nos conteúdos filosóficos, sendo filosofia feita, já não mora a filo-
sofia. Ou só morará aquela que lá conseguirmos meter filosofando sobre
esses conteúdos. O que não é despiciendo em termos educativos e filosó-
ficos mas continua a pôr o problema da oposição entre transmissão (de
conteúdo) e actividade filosófica (quer seja produzir conteúdos novos quer
seja filosofar a propósito de conteúdos dados). Mas aquela, a filosofia, na
medida em que é, sempre, actividade de alguém, não é ensinável; poderá,
quando muito, imitar‑se e, por este processo, aprender‑se.
Ou seja, a filosofia que se pode ensinar já deixou de ser filosofia (é uma
filosofia escolar, de dados históricos, de conceitos definidos e deduções
feitas). Sendo a interpretação filosófica de uma teoria ou o retomar de um
problema, não se pode ensinar na realidade viva do seu processo, a não
ser mediante processos de simulação, como os propostos por Izuzquiza
(1982). Se se transmitir cai na categoria de transmissão de dados. A verda-
deira filosofia, no sentido de actividade de análise face aos problemas e às
situações, não é, em rigor, ensinável. Pelo menos no sentido clássico do
professor que sabe, e ensina, a um aluno que não sabia e, pelo ensino,
127
passa a saber. Não é possível em verdade transmitir uma experiência par-
ticular.
Mas se no sentido restrito da expressão não é possível ensinar a filoso-
far, é, todavia, possível aprender a filosofar. E esta distinção, que pode
parecer sem importância para os que encaram as questões pedagógicas
como questões de pormenor ou de aplicação é, neste caso, determinante.
A pedagogia moderna põe a tónica no aluno e na sua actividade – e isto
quer a partir das perspectivas cognitivista e construtivista, quer do ponto
de vista “oposto” do behaviorismo e do condicionamento operante. Pode-
remos dizer que as teorias psicológicas, de uma maneira ou de outra,
convergem para a valorização das funções de aprender e assentam o pro-
cesso na dinâmica reformuladora produzida pelo aluno.
Neste aspecto, aliás, Kant revela‑se de uma grande modernidade pedagó­
gica, como já noutras ocasiões tivemos oportunidade de notar (Boavida,
1991, 417‑434). Muito antes da Educação Nova se poderá usar a expressão
de Claparède de “revolução copernicana da pedagogia”, adaptada a Kant
(cf. Santos, 1988, 166‑173, e também Ferreira, 1990, 186‑189). Com efeito,
diz Kant (1988, 175), “o método próprio do ensino da filosofia é zetético,
como alguns antigos o denominaram (...) isto é, investigativo, e só numa
razão já mais exercitada em diferentes domínios se tornará dogmático, isto
é, deci­d ido” 1. Deve ser, pois, o aluno introduzido na filosofia pela própria
análise, pela conceptualização e pelo exercício do seu próprio pensamen-
to sobre as coisas e os problemas. E acrescenta Kant: “o autor filosófico
que serve de base para a instrução deve ser considerado, não como um

1 É útil chamar a atenção para a distinção kanteana entre filosofia escolástica e filosofia
prática. A primeira é entendida como sistema dos conhecimentos filosóficos ou dos conheci­
mentos racionais a partir de conceitos, isto é, sistema de conceitos elaborados dedutivamente;
a filosofia prática, “ou ciência dos fins últimos da razão humana” (ibidem, 57) pelo contrário,
tem implicações no campo da ética e a sua intenção é orientar o homem em função dos fins
últimos. Segundo Kant, a filosofia escolástica é ensinável, mas [pressupõe] basicamente inó-
cua; a filosofia como conceito prático é a única que “tem valor intrínseco [porque] só ela dá
a todos os outros conhecimentos valor” (id. ibidem).
modelo de juízo mas simplesmente como uma oportunidade para cada qual
pronunciar um juízo sobre ele, ou mesmo contra ele” (id. ibidem). Pressu-
pondo ainda o texto como ponto de partida, aconselha porém uma
128
distância crítica em relação a ele. E, assim, “o método de reflectir e concluir
por si mesmo é aquilo cuja prática o estudante essencialmente procura, o
que, aliás, é a única coisa que lhe pode ser útil” (id. ibidem).
Está aqui pressuposta uma opção sobre o que é verdadeiramente útil e,
portanto, o que é mais educativo e formativo: levar os alunos a aprender
a pensar e a criar exigências de um pensamento correcto e rigoroso, ou
levá‑los a aprender os grandes problemas teóricos com que o homem se
tem defrontado ao longo dos tempos e as soluções que para eles foram
encontradas? Há aqui uma questão de objectivos que é incontornável. Po-
demos ainda perguntar‑nos se esta questão é necessariamente alternativa,
se não será possível uma síntese entre as duas, mas a isso não compete
agora responder.

2.3. Duas condições

É preciso, pois, desenvolver no aluno as capacidades racionais indispen­


sáveis à actividade filosófica e a inúmeras situações da vida real. E para
isso – explicita Tozzi – o filosofar deverá desdobrar‑se em três operações:
concep­tualizar, problematizar e argumentar, operações que o aprendiz de
filósofo (ou o futuro cidadão que vai precisar de pensar, analisar, argumen-
tar e decidir com inteligência) deverá ser capaz de concretizar em termos
filosóficos.
Daqui a necessidade de didactizar estas funções do filosofar, isto é, de
encontrar uma didáctica que assente em (ou vá ao encontro de) processos
mediante os quais se possam proporcionar aos alunos as capacidades
intelec­tuais de que a filosofia necessita.
Parece estar pressuposta, também aqui, a ideia de que a filosofia en-
quanto actividade racional e processo fundamentador, na linha kanteana
acima exposta, não é ensinável. E, principalmente, de que não é esse en-
sino, e a aprendizagem que proporciona, que interessam aos alunos hoje.
Eles precisam de desenvolver outras capacidades e a filosofia pode‑lhes dar
uma muito melhor formação.
Sendo assim, limitar o ensino à filosofia feita será provavelmente impe-
129
dir o acesso à filosofia enquanto actividade fundamentadora e processo de
compreensão integrador.

A tentativa de levar os alunos a aprender a reflectir tem, pois, uma di-


mensão educativa profunda, mas implica, à partida, duas condições.
A primeira, é aquela para a qual a pedagogia por objectivos chamou a
atenção, e que consiste em não confundir os objectivos que o professor
define para o seu trabalho com os objectivos que pretende que os seus
alunos alcan­c em. É, como se sabe, ainda bastante frequente, mas já na ci-
tada obra de meados do século XVIII Kant (1988, 174) chamou a atenção
para isto, dizendo que deve o aluno tentar avançar “... através da senda
natural e trilhada dos conceitos inferiores que pouco a pouco conduzem
mais longe”. E isto não mediante saltos ou fantasias “palavrosas” mas “con-
forme com aquela capaci­d ade de entendimento que o anterior exercício
deve ter necessariamente produ­zido nele”. Isto é, trata‑se da capacidade de
entendimento do aluno que é necessário desenvolver, é nela que deverá
incidir toda a nossa preocupação, e não deve confundir‑se esta preocupa-
ção e actividade com “aquela que o professor percebe ou crê perceber em
si mesmo e que falsamente supõe existir no seu ouvinte” (id. ibidem).
A segunda condição deriva desta e poderá formular‑se da seguinte ma-
neira: qualquer didáctica específica para a filosofia terá que ter em
conside­r ação esta necessidade vital da filosofia e ir ao encontro das funções
de que necessita. Deste modo, uma didáctica da filosofia que se preocupe
sobretudo com a transmissão dos conhecimentos filosóficos já constituídos
não poderá ser específica da filosofia. Não poderá, pois, ensinar e fazer
aprender a filo­s ofia. Não só porque, como já vimos em Kant, essa filosofia
ainda não existe (nem jamais existirá, como podemos acrescentar), mas
também porque a filo­s ofia feita impede, nesta perspectiva, a filosofia a
fazer. Não quer dizer que as perspectivas sejam alternativas, mas numa linha
de defesa da especificidade filosófica como condição do educativo em fi-
losofia, é indispensável criar condições filosóficas para isso se conseguir.
2.4. A formação filosófica – resultado do método e do conteúdo

Compreende‑se, pois, o esforço de Tozzi. Como se terão de compreen-


130
der outros originados pelas mesmas preocupações (Boavida, 1981, 1991;
Izuzquiza, 1982; Santiuste & Velasco, 1984; Campomanes, 1986; Lipman,
1988; Pombo, 1990, Schippling, 2009; etc.).
Mas, colocada assim, a questão também não se afigura muito bem enca­
minhada porque, pelo menos na aparência, configura uma didáctica “edificada
em sede de razão técnica ou instrumental”, como diz Vicente. Com efeito,
embora seja necessário desenvolver nos alunos as competências que a
filosofia exige, não é seguro que possamos levar os alunos a aplicar essas
competências ao serviço da actividade e da formação filosóficas. A não ser
que se consiga uma articulação funcional entre as competências de que a
filosofia necessita, a motivação dos alunos, os conhecimentos filosóficos
que aquelas e esta podem solicitar e uma coerente avaliação dos produtos
resultantes destes vários factores.
É certo que as competências acrescidas sempre serão úteis aos jovens
que as tiverem desenvolvido, que assim ganharão instrumentos intelectuais
mais eficazes e princípios operativos mais exigentes, com óbvios reflexos
positivos na formação. Mas tratando‑se aqui de filosofia e do seu ensi-
no‑aprendizagem, e sendo necessário aos alunos tanto as competências
intelectuais como os con­teúdos e as problemáticas essenciais, limitar aque-
la formação às competências pode revestir uma limitação grave.
Ou seja, treinar em abstracto os skills necessários à filosofia que, segundo
Tozzi, seriam o conceptualizar, o problematizar e o argumentar, não garante
a compe­tência filosófica desejada, mesmo que só técnica. Do mesmo modo
que garantir a mestria da mão ao candidato a pintor não garante, só por
si, a qualidade e originalidade da sua obra futura. Fazer isto seria, aliás,
repetir alguns dos erros mais característicos da pedagogia clássica, que
pensava ser muito formativo o treino das competências em abstracto. Não
quer dizer que não haja, nestes casos, o desenvolvimento operativo de
competências, mas desinseridas da sua dinâmica de formação e liquidando
os factores motiva­cionais dinamizadores de uma personalidade em formação,
perdem muito do seu interesse. E no caso da filosofia ainda mais.
3. Avaliação e diferenciação

3.1. Da consequente avaliação formativa


131

Há ainda outras duas proposições, como se disse atrás, para completar


as propostas de Tozzi. A primeira aconselha a privilegiar uma avaliação
formativa, a segunda faz a defesa de uma diferenciação pedagógica.
Parece que a avaliação formativa será mais adequada a estas propostas
didácticas que a sumativa. A partir dos trabalhos de Scriven (1967) e de Bloom
et al. (1971) começou a tornar‑se evidente que a avaliação pode desempenhar
um papel muito mais rico e de maiores repercussões na formação dos alunos,
do que aquele que até aí desempenhava. Preocupando‑se este tipo de ava-
liação em recolher informações susceptíveis de melhorar o ensino e a
aprendizagem, responsabilizando o aluno nesta tarefa, transformando os
elementos dos grupos de trabalho em agentes de informação e mútuo escla-
recimento das capacidades e das limitações de cada um, a avaliação torna‑se
um factor de orientação, de apoio e de regularização de todo o processo de
aprendizagem. Nestes termos é um importantíssimo factor formativo.
Por outro lado, pretendendo “determinar a posição do aluno ao longo
de uma unidade de ensino no sentido de identificar dificuldades e de lhes
dar solução” (Ribeiro, 1989, 84) a avaliação formativa parece adequar‑se mais
que a sumativa a um método de formação que incide em processos intelec-
tuais específicos. Sendo importante, como diz De Landsheere (1986, 116),
“informar o aluno e o professor do grau de mestria atingido”, e como inte-
ressa também descobrir onde e em quê um aluno experimenta dificuldades”
(id. ibidem), a avaliação formativa colabora intimamente com o próprio
processo que está em desenvolvimento. E isto porque a avaliação formativa
pretende, acima de tudo, criar no aluno a consciência do que está em cau-
sa na aprendizagem. Como diz Abrecht (1994, 68) é para o aluno “que é
importante o sentido da aprendiza­gem, [do mesmo modo que] é ele o úni-
co a poder dar ou encontrar um sentido para a aprendizagem”. A sua
participação na avaliação é, pois, determinante, porque é ele talvez quem
está em melhores condições para avaliar em que medida as competências
que deverá desenvolver o estão a ser realmente, e no ritmo desejado.
Sendo esta avaliação uma “estrutura de malha fina”, como diz Ribeiro
(1989, 85) e podendo levar‑se a efeito sempre que se quiser e em porções
restritas da matéria, ou em funções específicas, ela parece ter condições
132
para se adaptar bem a este tipo de exercícios de que se compõe o método
de Tozzi. É muito significativo dos projectos de remodelação didáctica esta
nova função atribuída à avaliação.

3.2. Uma avaliação que não iluda a avaliação

Mas colocar o problema somente nos termos do ponto anterior, e falar


da avaliação dos alunos como se só se adequasse à filosofia uma avaliação
forma­tiva, seria uma forma de iludir os problemas. Impõem‑se assim algu-
mas considerações.
A avaliação formativa é uma forma de avaliação com grandes possibili­
dades formativas mas, na situação em que as coisas estão, não poderá ser
senão um complemento da avaliação sumativa. E, por outro lado, como não
se vê que se possa prescindir da avaliação pedagógica, pela importante
função que desempenha no conjunto, embora fora dos propósitos deste
trabalho, convém pensá‑la à luz da problemática do ensino e da aprendi-
zagem da filosofia.
Há uma tripla tendência, por parte dos professores, para: primeiro,
valori­z ar acima de tudo os conteúdos a ensinar, o que é compreensível.
Segundo, dar pouca atenção aos métodos e técnicas pela consideração
destes como meios ou veículos. O que já é menos compreensível porque
a eficácia do ensino e da aprendizagem resultam em grande parte disso.
Terceiro, desvalorizar muito, ou só considerar nas formas da avaliação, os
aspectos mais negativos. O que tem consequências graves e põe em causa
a formação pretendida, uma vez que interfere mais do que se julga no seu
trabalho.
Ora, um dos aspectos que a investigação sobre avaliação e a docimolo-
gia vieram mostrar foi que a avaliação tem que fazer parte integrante do
processo de ensino‑aprendizagem. O que obriga a que seja preparada e
executada com o mesmo cuidado das restantes fases e de forma integrada
e articulada com todo o conjunto. Daí a importância da avaliação contínua
(sumativa e formativa) e a necessidade de definir objectivos concretos e de
os operacionalizar e transformar em comportamentos ou qualificações,
133
mensuráveis ou de algum modo comparáveis com estádios anteriores. Só
assim se poderá verificar se aquilo que o aluno aprendeu ou aprendeu a
fazer ou a ser corresponde ao que se queria que ele aprendesse ou apren-
desse a fazer ou a ser.
Percebe‑se assim que não pode fazer‑se a avaliação sem se ter na maior
conta o tipo de evolução que se pretende nos alunos, e sem que os modos
e as formas de avaliação correspondam e se adequem a estas intenções
formativas. A preocupação a pôr nas tarefas da avaliação deverá, pois, ser
igual às que dizem respeito aos conteúdos a aprender e às competências
a adquirir, para que aquilo que se avalia (ao longo do ano e/ou no final)
seja aquilo que se queria avaliar.
Acontece frequentemente que os professores de filosofia dizem querer
avaliar o que disseram ser sua intenção ensinar e fazer aprender, mas aca-
bam por ensinar e fazer aprender outras coisas e avaliar outras ainda.
O problema acaba por ser resolvido, mas da pior maneira. Os alunos
não costumam levar muito a sério as intenções formuladas pelo professor
no início do ano. Geralmente ficam à espera do modo como decorrem as
aulas, de ver como o professor ocupa o tempo e os ocupa a eles, das ideias
e conhecimentos em que insiste e, sobretudo, dos primeiros testes ou for-
mas de avaliação. É isto que os informa ao certo sobre o que devem fazer,
o que devem estudar, de que maneira e por onde. Ou seja, é o tipo de
teste que lhes irá dar indicações seguras sobre o que interessa para aque-
le professor e em que deverão incidir a sua acção e preocupação.
Isto não seria mau se tivéssemos a certeza do valor daquilo que o profes­
sor valoriza, e de que isso assenta em ideias claras e consistentes sobre o
valor e as possibilidades formativas da disciplina. Mas não só não temos
essa certeza como sobre isso reina grande arbitrariedade.
Neste aspecto, a situação era muito fácil quando havia um manual “acon­
selhado” que, na realidade, indicava objectivamente ao professor o que
devia ensinar e como, e aos alunos o que era preciso saber, e com que
pormenor, e ainda o tipo de respostas que seriam aceites ou valorizadas.
Havia em geral uma cumplicidade entre o que se ensinava, o que se apren-
dia e o que se avaliava, que facilitava a vida a todos, menos à filosofia, que
era verdadei­r amente a única enganada. Com a agravante que esta alienação
134
filosófica em cadeia passava despercebida às famílias, se é que as famílias
estavam interes­sadas em não se alienarem da real formação dos seus filhos,
em virtude das boas notas que, por este processo, quase sempre se obti-
nham.
Para ilustrar o que digo, não resisto a relatar um facto que me foi con-
tado por uma mestranda, professora com muitos anos de prática no ensino
secundário. Na última aula da disciplina de Filosofia da Educação, pediu a
palavra para dizer que pretendia agradecer o facto de ficar a dever‑me o
ter finalmente percebido o que era a filosofia, para que servia, e começar
a sentir a força que tais matérias irradiavam. Em suma, segundo dizia, es-
tava a descobrir aquilo que já devia ter descoberto há muito tempo. Mas
não se ficou por aqui, ela própria tinha já analisado o seu caso de desin-
teresse e aversão pela disci­p lina (idêntico, por certo, a muitos outros) e a
formação que entretanto tinha recebido dava‑lhe já para interpretar o caso
com alguma clareza. Segundo contou, o seu antigo professor de filosofia,
no liceu, tinha um método de ensinar que consistia no seguinte. Mandava
abrir o manual na matéria suma­r iada e pedia a um aluno para ler, em voz
alta, o que o manual continha sobre o assunto. Chegados ao fim da leitura,
perguntava aos alunos se tinham compre­e ndido. Se algum não tivesse,
mandava repetir, pelo mesmo aluno, o que acabara de ler. Chegados nova-
mente ao fim, indagava sobre se todos na turma tinham já compreendido.
E se ainda houvesse algum que permanecesse, apesar de tudo, na incom-
preensão dos assuntos, actuava da maneira já descrita, man­d ando o aluno
ler, e tantas vezes quantas as necessárias, até que não houvesse mais dú-
vidas. Evidentemente que os alunos, ao fim de duas aulas, ou nem tanto,
deixaram de ter dúvidas, ou só as tinham para se divertirem à custa do
aluno encarregado da leitura desse dia.
Extinta a risada geral que a descrição provocou, a narradora prosseguiu
a sua história, pois ainda não estava terminada, dizendo que o mais inte-
ressante era que estes alunos tinham, em geral, boas notas e o professor
era considerado um bom profissional na cidade onde isto acontecia.
Ora, que conclusão moral tirar desta história trágico‑cómica tão trans-
parente sobre um conjunto de equívocos, com que muitos se enganam
e com que muitos outros gostam de ser enganados? Como compreender
135
que um método mau dê bons resultados, ou como aceitar que aquilo que
deforma a todos satisfaça? Ou ainda como é que o sistema pode estar a
trabalhar para o contrário daquilo que se propõe com geral satisfação dos
intervenientes?
Vários factores concorrem para um embuste deste género. Desde logo,
a ignorância, ou má fé, sobre o que é a filosofia e o seu potencial educativo.
Em segundo lugar, o maior dos desprezos sobre toda a renovação pedagógica,
e sobre as enormes possibilidades que os métodos pedagógicos hoje nos
podem dar. Em terceiro lugar, um desprezo cultural só possível por uma
grande incultura, dir-se‑ia pela maior de todas, aquela que resulta dos que
se julgam cultos porque tiveram acesso a uma certa informação cultural,
mas estão irremediavelmente imunes à sua grandeza e vitalidade, à sua
criatividade, assim se transformando nos seus maiores inimigos, pois a
atacam nas suas raízes, desvitalizando‑a, aniquilando‑a ao mesmo tempo
que aparentam servi­‑la. E ainda, quarto, por um grande cinismo, só possível
por esta mesma ignorância e/ou mediocridade, que leva a que vários agentes
interessados na formação organizem formas sistemáticas de deformação,
tão bem disfarçadas que eles são os primeiros enganados, acabando também
por enganar os outros enquanto julgam que os estão a servir.
É certo que todos estes factores, e outros que agora ignoro ou negli­
gencio, terão a sua importância, mas a avaliação não é dos menos
importantes, antes pelo contrário. Porque tudo isto entraria num processo
de inversão e, portanto, de solução, se a avaliação se articulasse de facto
com os objectivos. E estes não fossem meros formalismos sem ligação es-
trutural e funcional com as matérias e os métodos, mas correspondessem
de facto ao que a filosofia é ou deve ser. No caso referido, e apesar de
todos estes erros de palmatória, cheios de boa consciência, as provas de
avaliação iam ao encontro do manual utilizado e do tipo de ensino. Por
certo que não serviam a filosofia, embora reforçassem um tipo de ensino
e de aprendizagem que justamente criticamos. E de tal modo que eram bem
classificados os que assimilavam o manual à custa de tanto o ouvir, e se
limitavam a repetir, ou a dizer por outras palavras aquilo que tinham me-
morizado.
Certamente que não ficavam a gostar de filosofia, nem a compreender
136
a sua necessidade, nem a ganhar qualidade acrescida em termos intelec­
tuais, éticos, culturais e humanos. Mas isso que interessava, se passavam
no exame e com boas notas? Haverá forma mais eficaz de deformar que a
que se faz a partir do inverso do que se deve fazer? E com a boa consciên­
cia de que se está a fazer o que se deve?

3.3. A “diferenciação pedagógica”

Toda a psicologia e pedagogia modernas apontam nesse sentido, seria


exaustivo enumerar dados. Na verdade, na moderna concepção do ensino­
‑aprendizagem estão pressupostos, em primeiro lugar, a aceitação do outro
(o aluno, o que aprende) como alguém que é diferente de todos os outros
e que, como tal, embora se compreenda e se estude em relação a uma
norma, se afasta dela. Em segundo lugar, que a acção educativa não só
deve ter isso em conta como o deve explorar e incentivar porque é um
factor de grande riqueza relacional e, portanto, um modo de potenciar os
efeitos da acção educativa.
A massificação educativa traz um complemento de razões para a “dife­
renciação pedagógica”. Face à heterogeneidade sociocultural dos alunos
torna­‑se necessário promover uma “diferenciação pedagógica”. Ou seja, é
inútil tanto uma pedagogia expositiva como um currículo homogéneo,
pressupondo a igualdade dos alunos e preocupados em formar segundo
uma linha única, como se todos os alunos tivessem, por igual, riqueza vo-
cabular, cultura e motivação.
Sendo, por um lado, este ensino, bastante selectivo e, por outro, haven-
do que postular “o direito à filosofia para todos” e “a educabilidade de
todos”, como diz Tozzi, é necessário recorrer a didácticas novas para tornar
como um efectivo direito essa educabilidade. Talvez fosse preferível dizer
que todos têm necessidade da educação filosófica e, portanto, direito a ela.
Acresce que a filosofia é uma componente importante dessa formação cul-
tural na medida em que é um dos elementos estruturantes fundamentais da
nossa cultura.
Sendo assim, o problema que se coloca é este: ou insistimos na transmis­
137
são de uma cultura filosófica, valorizando os problemas e as formulações
teóricas mais importantes, e os seus autores, ou procuramos criar condições
para o acesso à filosofia mediante o desenvolvimento das competências
indispensá­veis à actividade filosófica, e provocando uma dinamização cul-
tural generalizada. Ou ainda, e é a melhor alternativa, procuramos uma
síntese destas duas intenções. Isso já se faz, dirão. Pois sim, mas é indis-
pensável um outro modo, ou pouco se conseguirá.
A 1.ª hipótese terá como consequência, para lá de uma feição conserva­
dora do ensino, a redução drástica dos que ficam a saber filosofia, e o
aumento dos que a abominam, em virtude da actual maior heterogeneida-
de sociocultural e da menor selectividade dos alunos; quanto à 2.ª hipótese,
teme‑se que ela desmunicie o aluno do Secundário de uma cultura filosó-
fica de base, pela eventualidade da redução dos conteúdos propriamente
filosóficos.
Tudo indica que teremos que ir à procura de uma síntese.

4. Críticas ao “acordo didáctico”

4.1. Um falso dilema

Alguns professores de filosofia formulam, a propósito das propostas de


Tozzi, o seguinte dilema: o ensino da filosofia “ou mantém a sua fidelidade
à filosofia e às práticas tradicionais do seu ensino, por certo mais consen-
tâneas com a natureza da própria filosofia, arriscando‑se a não atingir senão
uma pequena elite culturalmente privilegiada; ou procura adaptar‑se a um
novo público de massa, cultural e linguisticamente deficitário, cedendo na
sua especificidade, rigor e nível de exigência intelectual” (Vicente, 1994,
407). Ou seja, se quiser manter‑se fiel à filosofia perde adeptos em virtude
do abaixamento geral do nível dos alunos, da “democratização” como se
diz, se quiser manter o interesse, vulgariza‑se e, portanto, degradar‑se‑á.
Mas ao identificar “as práticas tradicionais” do ensino da filosofia com
a “fidelidade à filosofia” cai‑se imediatamente num equívoco. Porque as
ditas práti­c as tradicionais não são, de modo algum, as “mais consentâ­n eas
138
com a natu­r eza da filosofia”, a não ser que se queira identificar esta com
o produto filosófico transmitido pelo ensino tradicional, o que é inacei-
tável.
E o que se entende por “natureza” da filosofia? Apesar de toda a polé­
mica que esta pergunta sempre gerará, a natureza da filosofia está mais
perto da função racional, da acção e actividade intelectuais que estão na
origem do pensar filosófico e o produzem, que no produto que dessa
actividade resulta.
A questão da massificação do ensino é de outra natureza. É desejável
que se democratize o ensino, e face ao défice linguístico e cultural crescem
as razões para uma renovação profunda ao nível das didácticas, até porque
o modo clássico de ensinar filosofia tem sido, salvo honrosas excepções, o
mais seguro meio de a camuflar, sob a capa do serviço que presta a uma
certa estrutura sociocultural.
De qualquer modo, o argumento para a renovação didáctica baseado na
alteração quantitativa e qualitativa dos alunos é muito fraco. Partindo do
pressuposto (correcto) da “educabilidade filosófica de todos” e do princípio
(também correcto) do “direito à filosofia para todos”, advoga‑se a nova
didáctica como uma necessidade derivada dessa democratização, o que, no
essencial, é incorrecto. É, pelo menos, uma razão extrínseca ou secundária.
É natural que, nestas condições, uma didáctica da filosofia desta natureza
seja vista como uma desvalorização da filosofia, uma via de acesso “à filo-
sofia para todos” que implicará uma desvalorização, um aligeiramento do
conteúdo filosófico.
Mas a razão de uma nova didáctica para a filosofia radica na própria
filosofia e tem condições para trazer vantagens a todos, quer pertençam às
elites quer ao vulgo. É bom não confundir objectivos com estratégias e
processos de aprendizagem. Ou seja, a qualidade do resultado não será
igual em todos, mas não há por certo paralelismo entre a qualidade filosó-
fica da filosofia aprendida e dominada e o carácter elitista ou popular dos
alunos. O equívoco é, pois, perigoso.
O erro no ensino da filosofia não é de agora, só que a massificação do
ensino veio revelá‑lo mais cruamente. Vivia de um equívoco entre o que a
filosofia deve dar e aquilo que com ela se pretendia. Podemos até colocar
139
a questão de outra maneira. Poderemos considerar que a metodologia usa-
da tradicionalmente no ensino da filosofia era a mais adequada, tendo em
vista o que se pretendia com a filosofia. E que o pretendido não seria de
todo incor­r ecto, se nos limitarmos a considerar o grupo restrito e bastante
seleccionado dos alunos e, sobretudo, o seu nível social e cultural.
Era a filosofia que interessava àquele grupo sociocultural, e ensinada
daquela maneira. A filosofia, nestas condições, devia ser, e era, ao mesmo
tempo, o fundamento ideológico e o complemento cultural de uma ordem.
E essa ordem tinha, ou pretendia ter, a sua base em algumas valorizadas
ideolo­g ias, que pretendiam conservar e divulgar. Era evidente que pôr os
jovens a pensar, com o risco de começarem a pensar em moldes diferentes,
não era o que mais interessava à ordem vigente.
Este esquema é alterado com a massificação do ensino e a mudança
social e cultural, tendo‑se também modificado os objectivos para a educa-
ção dessas massas, como seja, criar cidadãos críticos, participativos,
intervenientes e evoluídos. Estes objectivos não são os mesmos do grupo
restrito que frequentava os liceus na 1.ª metade do séc. XX .
Mas não se venha dizer que a filosofia será por isso desvalorizada. Consi­
derar que as razões para a mudança didáctica estão nos factores socioculturais
e não nos filosóficos é errado. Há muito boas razões – filosóficas, pedagó­
gicas e psicológicas – para uma renovação didáctica da filosofia, de modo
a fazer dela um factor educativo de grande valor sem perder a sua
especificidade, como noutro trabalho tentamos demonstrar (Boavida, 1991).
Os professores necessitam agora de considerar factores pedagógicos e
estar atentos a pormenores que até há pouco não consideravam, por
desconhe­c imento e por desnecessidade, mas não se diga que isso era em
favor da filo­s ofia, porque não era. E se agora vão à procura de uma mu-
dança didáctica que os salve, em verdade talvez finalmente andem à
procura das verdadeiras razões, mesmo sem o saberem. Não só porque a
autêntica razão pela qual o fazem pode não ser filosófica e, inversamente,
porque poderão ser nesta nova didáctica respeitadas condições filosóficas
que nunca antes o tinham sido.
E é aqui que está a questão. A análise da relação filosofia‑pedagogia ou
a relação filosofia e o seu ensino revelam uma interdependência profunda
e um duplo carácter constitutivo, como noutros ensaios deste volume ten-
140
támos demonstrar, o que põe em causa o pressuposto de uma prevalência
da filosofia sobre a pedagogia (ou da filosofia sobre o seu ensino) o qual
está na base da ideia de que ensinar filosofia e ser‑lhe fiel é transmiti‑la
com o maior rigor possível. Ora, o acesso à filosofia e ao pensamento que
a produz, justamente pela natureza pessoal e experiencial que tem, só re-
sulta mediante a consi­d eração prática de um processo pedagógico que é
de facto insubstituível, como já vimos.
Tentar ensinar e fazer aprender filosofia fora desta inter‑relação dinâmi-
ca e vital, é retirar a possibilidade de aceder ao especificamente filosófico,
ao que dá condições de base para a actividade filosófica. E sem a vivência
desta toda a formação filosófica perde o fundamento, embora possa ter
outros. Há razões socioculturais para o ensino da filosofia. E até sociopo-
líticas. Uma cultura com base no marxismo, por exemplo, é desta natureza.
Do mesmo modo que uma formação filosófica à base das teorias neotomis-
tas pressupõe uma formação filosófica nos princípios e nos conceitos
fundamentais deste sistema filosófico. Simplesmente, é isto que devemos
pretender para todos os alunos do ensino secundário que se iniciam na
filosofia? As potencialidades formadoras da filosofia não podem estar de-
pendentes deste esquema, porque seria bloquear o mais importante.
É provável que a maioria dos alunos tenha agora menos capacidade para
acompanhar o ensino da filosofia do que os mais seleccionados alunos de
gera­ç ões anteriores, mas isso não significa que o ensino fosse mais filosó-
fico, indica sim uma heterogeneidade muito maior de “auditores”. Além
disso estão a esquecer‑se os inúmeros alunos que ficavam a detestar filo-
sofia e cuja cultura filosófica ficou resumida a algumas poucas frases, mal
memorizadas e pior aplicadas.
Quando se diz, pois, que a nova didáctica obrigará a filosofia a “ceder
na sua especificidade, rigor e nível de exigência intelectual” está a cair‑se
na presunção de que havia essa especificidade e rigor quando vulgarmen-
te não havia nem uma coisa nem a outra. A especificidade era mais do
discurso do professor do que da iniciação do aluno, e sobretudo histórica,
já que incidia mais no erudito que no filosófico. Por outro lado, continua
a haver magníficos alunos que, libertos de um programa rígido, têm mais
condições para uma cultura e uma actividade filosóficas, hoje, que antes;
141
na condição de uma abordagem diferente onde a actividade filosófica seja
o motor e a função. De resto, havendo antigamente um compêndio “acon-
selhado” (que se tornava praticamente único) e um exame nacional,
solicitava‑se a memorização das matérias e a sua reprodução, mesmo quan-
do diluídas numa dissertação ou “pergunta de desenvolvimento” que
compensava os alunos educados (condi­cionados?) a pensar segundo certos
quadros e referências, a focar certos aspec­tos, a expressar‑se de uma dada
maneira e a tirar determinadas conclusões.
O carácter pedagógico estava, pois, ou esquecido ou subordinado a
formas de um didactismo reprodutor que inibia as verdadeiras componen-
tes educativas da filosofia. A dimensão pedagógica – essencial para a
formação dos alunos – estava, pois, inibida e incapacitada de exercer a sua
real função. A qual era indispensável à filosofia, mas que esta não solicita-
va porque estava ao serviço de outras intenções que não a filosofia e o seu
mais legítimo valor educativo.
Dizer hoje que a didáctica da filosofia “deve ser antes de mais filosófica”
é, no caso de não se perceber o verdadeiro significado disto, voltar ao
mesmo, pensando que se estão a percorrer caminhos novos. Repetindo o
que já se disse: o pressuposto de uma filosofia dominando o seu ensino
em exclusivo constitui o seu grande ponto fraco. Toda a fraqueza da filo-
sofia deriva, neste caso, da sua pressuposição de força. Inversamente, a sua
maior força deriva da “dependência” pedagógica a que está ligada e que,
para muitos, constitui ainda uma fraqueza. Enquanto não se entender isto
não se sai do mesmo sítio, e a filosofia não passará de uma fraca força,
quando poderia ser uma fortíssima força educativa.
(Página deixada propositadamente em branco)
143

Caminho e descoberta de caminho

1. Os processos cognitivo e filosófico

As teorias da aprendizagem podem confirmar a identidade essencial entre


estes dois processos. Como mostrou Blakman (1982), uma vez que o compor­
tamento é condicionado pelas suas consequências, ou resulta de condições
anteriores, estas, o comportamento e as consequências criam uma sequência
particular. Um dado estímulo e a situação geram uma resposta que, em
virtude das suas consequências, condiciona o comportamento posterior, ou
seja, criam um processo em cadeia. Por outro lado, embora importante, é
evidente que o significado que é atribuído à acção do reforço varia e,
portanto, na modificação do comportamento, é indispensável saber como
é que ele está a ser reforçado, ou seja, quais os reforços que, em cada caso,
são significativos para quem aprende.
As teorias cognitivistas, na medida em que valorizam a interpretação do
estímulo, efectuam uma selecção da informação, processam essa informação
e utilizam‑na em função de circunstâncias particulares do estudante. A ver­
dadeira aprendizagem é significativa, isto é, vai ao encontro de conceitos
que o estudante já possui, de modo que o importante é favorecer o
estabelecimento dessa relação e facilitar a organização das sequências de
informações, susceptíveis de repor uma estrutura em virtude da organização
lógica das partes e da inter‑relação de conceitos constitutivos. “A descoberta
implica encontrar a verdadeira estrutura, a plena significação”, considera
Bruner (1963, 27).
Quando o aluno encontra uma estrutura inerente a uma dada matéria faz
coincidir essa estrutura com a sequência da sua aprendizagem. E, por outro
lado, a ideia de sequência implica uma certa ordem, uma capacidade de
144
seleccionar e relacionar os estímulos de acordo com as significações, a ex-
periência pessoal, os reforços recebidos, etc. Sendo assim, uma sequência
pessoal favorece um determinado entendimento dos assuntos, uma certa
compreensão particular e, portanto, uma individualização na aprendizagem.
Uma competência final é, pois, o resultado cumulativo e dinâmico de uma
série de competências anteriores que, num dado instante, em virtude de
uma “recombinação” (Bruner) permite new insights.
Todavia, se os alunos apresentam rendimentos tão diferentes, é não só
porque uns possuem determinadas capacidades e outros não, mas também
porque nem sempre a abordagem de cada fase é feita nas melhores condi-
ções, em termos de pré‑requisitos, de selecção de estímulos, de conteúdos
e de admi­n istração de reforços. Se, em cada caso, fosse possível definir os
pré‑requisitos que possibilitam uma nova aquisição e fornecer os estímulos,
os conteúdos e os reforços adequados, obteríamos a sequência de apren-
dizagem apropriada, porque individual.
Podemos assim con­ceber uma operacionalização sucessiva de objectivos
em cadeia, na aquisição de capacidades seguindo de perto as condições
indivi­duais. O segredo estará em definir os pré‑requisitos de cada indivíduo
e, como a aprendizagem resulta de um conjunto de condições favoráveis e
de uma operação em que elementos novos se sintetizam com os anteriores,
recons­tituindo uma estrutura, a operacionalização acaba por ser necessária
ao próprio processo de aprendizagem. E este executa‑a naturalmente para
possibilitar as aquisições nas aprendizagens espontâneas.
Temos, porém, que conceber a operacionalização num âmbito mais
vasto e em condições de maior variedade. Porque não é necessário que
seja o profes­s or a definir previamente os objectivos, nem que eles sejam
necessariamente conscientes. Por si só, o aluno pode progredir através dos
estádios que as condições e os estímulos vão determinando e, simultanea-
mente, ir cumprindo um itinerário individual. Os objectivos são metas
transitórias dependentes de estádios anteriores, proporcionados por eles e
concretizáveis noutros posterio­res. Sendo esta divisibilidade dependente de
quem tenha alcançado o objectivo anterior, não só os estádios da aprendi-
zagem variam de aluno para aluno, como a passagem de um estádio de
aprendizagem a outro é em boa medida imprevi­s ível. Em cada momento,
145
e em virtude de cada aprendizagem, se vão alterando os pré‑requisitos e,
portanto, os percursos. O que não é novidade porque, como diz Drévillon
(1988, 221), “... os professores formam projectos, finalizam as suas inter-
venções, mas na realidade procedem por ajustamentos sucessivos em função
dos comportamentos dos alunos. E esta adaptação é uma das mais legítimas”.
Por mais que se definam e se operacionalizem os objectivos, ou se analisem
funções, toda a progressão é pessoal e apresenta em cada indivíduo um
desvio em relação ao que se programou, como procurámos demonstrar
noutro trabalho 1.
Se todo o educando é um indivíduo, esta condição básica é, talvez, mais
visível na adolescência, tendo em conta a emergência do eu e a necessida-
de de afirmar a sua individualidade, paralelamente ao desenvolvimento das
caracte­r ísticas físicas e ao aparecimento e desenvolvimento da consciência
moral. Se considerarmos ainda um processo de socialização que, não es-
tando concluído, limita, no adolescente, a uniformização de atitudes por
via da pressão social, afigura‑se‑nos que a adolescência está, com efeito,
numa posição privilegiada para esta perspectiva.
Por outro lado, não podemos esquecer que o processo filosófico se
cons­titui pela integração sintética em estruturas maiores e pela explicitação
analí­tica em estruturas menores. E uma vez que é movido pela necessidade
de compreender situações problemáticas e concretas apresenta‑se estru­
turalmente idêntico ao da operacionalização dos objectivos pedagógicos.
Se analisarmos um pouco, verificamos que os objectivos pedagógicos,
definindo metas, pres­s upõem situações concretas a resolver, que vêm na
continuidade e na depen­d ência funcional de situações já resolvidas. Por
outro lado, ao operacionali­z arem‑se, criam condições para a reformulação
de quadros compreensivos proporcionados pelos elementos adquiridos em

1 Boavida, J. (1998). Educação: objectivo e subjectivo – Para uma teoria do itinerário edu‑
cativo. Porto: Porto Editora.
cada nova fase de apren­dizagem. A qual, por sua vez, cria também condições
para que o processo se repita.
As taxonomias pedagógicas, multiplicando os pontos de passagem entre
146
uma aquisição e outra, permitem desdobrar quase indefinidamente os
objecti­vos, torná‑los mais adaptáveis aos alunos. E como o eu que efectua
estas opera­ç ões não é exterior ao processo, adere a ele funcionalmente, e
como são concebí­veis situações em que certos objectivos pedagógicos cor-
respondam a fases de um processo de fundamentação racional, há razões
para identificar os dois processos. Se, além disso, o eu do adolescente se
vai constituindo inte­lectualmente na medida em que vai concretizando, ou
objectivos pedagógicos alcançados, ou experiências, ou ainda problemas
compreendidos, é possível não só conciliar os dois processos, como fundi‑los
num idêntico tipo de actividade.
A actividade filosófica coincide em boa parte com a actividade intelec­
tual motivada por problemas prementes. Porque, de facto, o que é a
filosofia senão a construção de mundividências racionais sobre o amor e o
sofrimento? Sendo assim, se conseguirmos que a actividade solicitada pela
aula corresponda a uma necessidade individual de compreensão, os objectivos
definidos na depen­d ência desta necessidade terão uma adequação perfeita
entre um nível taxonó­m ico a adquirir (especificidade comportamental,
competência ou função) e o aluno que deverá manifestar as competências
respectivas.

2. Para uma especial organização taxonómica

Podendo as actividades filosóficas ser concebidas como objectivos


gerais, são susceptíveis de ser integradas no processo filosófico, sendo,
ao mesmo tempo, funções racionais e atitudes a adquirir. A capacidade
de analisar e operar racionalmente é, simultaneamente, condição para uma
integração das experiências numa estrutura compreensiva, e atitude que,
sendo assim reforçada, se transforma no objectivo mais geral, dentro e
em função do qual todas as situações têm condições para se especificar
filosoficamente.
Mas como são objectivos vazios necessitam de ser concretizados, isto é,
definidos em âmbitos mais restritos e operacionalizados. O que implica a
definição de objectivos específicos e operações de derivação e de especi-
147
ficação. Por derivação entende‑se, como já referimos em ensaio anterior, a
“... delimitação do campo operacional onde será realizado um certo objec-
tivo” (Birzea 1986, 23); por especificação, a “precisão do conteúdo escolar
concreto pelo qual um objectivo geral se realizará” (Birzea, 1986, 34).
Mas, tratando‑se da filosofia, como deveremos entender isto? Por con­
teúdo escolar pode entender‑se o programa, ou algumas matérias; mas, a
delimita­ção de um campo operacional implica já uma operação numa situa­
ção concreta. Ou seja, o conteúdo escolar que possibilitará o objectivo
específico não só é circunscrito, como implicará uma operação; que possi-
bilita a aquisição ou transformação comportamental que o objectivo
específico preceitua. Mas esta operação é, geralmente, a aquisição e a com-
preensão de um conteúdo programático.
Recorde‑se que são estas as duas primeiras categorias da taxonomia de
Bloom et al. (1969), mas, no que diz respeito à filosofia, não estão em
condi­ç ões de proporcionar os objecti­vos gerais definidos, visto não serem
as opera­ções mais necessárias à actividade filosófica. Como vimos anterior-
mente, a renovação de ensino que a filosofia exige implica uma ordem
taxonómica que não corresponde à ordem normalmente seguida pelas ta-
xonomias.
Estas, sendo hierarquizadas, no essencial, da mesma maneira e solicitando
a aquisição prévia de informações, vêm feridas da mesma impossibilidade
de aplicação a um ensino inovador da filosofia. Solicitam principal­m ente a
aquisição e a compreensão, impli­c ando uma utilização secundária das
categorias taxonómicas mais necessárias para a actividade filosófica.
A iniciação filosófica, porém, não exige mais que um problema real e a
organização de um processo racional a partir dele. Se lhe acrescentarmos
as características psicológicas da adolescência, facilmente concluímos que
não é com o conhecimento e a compreensão de dados que se deve come-
çar, mas sim com o problema, porque é este que é motivante, quando o é
de facto. Ora, qual­q uer problema exige análises, que produzem sínteses, e
umas e outras pressu­p õem constantes avaliações, ou seja, operações racio-
nais que nas taxonomias ocupam, em geral, os últimos lugares da hierarquia,
como vimos anteriormente.
É claro que a filosofia necessita de conceitos bem definidos, problemas
148
compreendidos e teorias assimiladas. Mas isto deverá resultar de tarefas
con­c retas que os alunos terão que realizar para a análise das situações e a
resolu­ç ão dos problemas. Isto não implica que os conhecimentos sejam
relegados para as últimas categorias taxonómicas, mas que devem ser so-
licitados pelas tarefas, decorrendo das actividades relativas às categorias
taxonómicas mais elevadas. E isto porque são essas categorias taxonómicas
as que o processo filosófico exige desde o princípio. Na medida em que
correspondem às operações indispensáveis à actividade filosófica, não é
sensato relegá‑las para uma posição secundária, embora seja o que habi-
tualmente se faz.
Por certo que uma iniciação filosófica deste género põe problemas de
difícil solução. Mas uma didáctica clássica para a filosofia não os põe me-
nores, com a agravante de permanecer de boa consciência em relação à
desmotivação dos alunos, atri­b uindo‑a sempre a factores exógenos aos
métodos uti­lizados. Insiste, além disso, na ingenuidade de pensar que o
modo como se ensina e se aprende filosofia é secundário à própria filoso-
fia, ou que pode ser pensado depois, o que em filosofia é fatal, como
também já referimos noutros ensaios.

3. Objectivos filosóficos

Pressupondo uma concepção taxonómica o que se realça e propõe é a


possibili­d ade de um desdo­b ramento em múltiplas fases, implicitamente
adaptáveis à pro­g ressão individual através de um dado problema concreto.
O processo que esta expressão põe em funcionamento é constituído por
várias tarefas a que o próprio processo marca a ordem, e a individua­lidade
do aluno as categorias taxonómicas mais necessárias. É fácil reconhecer
que, embora se solicite a actividade do aluno, não fica por isso reduzida a
acção do pro­fessor. Compete ao professor ir proporcionando ou aproveitando
áreas de investigação e dando pistas para o estudo dos enquadramentos
histórico‑sistemáticos que os problemas exigem. Isto é, o processo determina,
em cada aluno, tarefas concretas segundo uma ordem que dependerá das
necessidades e das experiências de cada um.
149
De modo que a ordem taxonómica mais conveniente para uma inicia­ção
filosófica não poderá ser definida previamente, nem ter um carácter uniforme.
Poderá organizar‑se a taxonomia considerada mais adequada a um grupo
de alunos, mas não poderá ser mais do que um esboço. E isto porque a
ordem e a exploração das categorias, e a variedade de subcategorias que
irão ser concretizadas, não pode deixar de ser indivi­d ual. Ela terá que
corresponder ao processo de abordagem individual de uma dada questão.
Quer a pro­g ressão seja individual, quer seja em grupo, haverá uma indivi­
dualização nas progres­s ões, se quisermos rentabilizar as diferentes
capacidades.
Outra é a questão dos objectivos específicos. Como é sabido, um objec­
tivo geral contém, em potência, uma série de objectivos específicos que se
vão alcançando segundo uma ordem previamente estabelecida, e que é
pressuposto concorrerem para a obtenção daquele. Mas, se os objectivos
gerais adequados à filosofia são, por um lado, condições da própria filosofia
e, por outro, vazios, uma vez que são funcionais, como definir os específicos
a partir dos objectivos gerais? Isto é, como deixarem de ser vazios e meras
condições da actividade filosófica, passando a ter conteúdo, e sem que este
compro­m eta o processo filosófico que é essencialmente análise e síntese?
Se os objectivos gerais são vazios e não podem ser definidos senão como
condições da actividade filosófica, como concretizá‑los mediante objectivos
específicos?
Acontece, porém, que é necessário especificar as intenções filosóficas
que os objectivos gerais preceituam, que é preciso concretizá‑las definindo
e operacionalizando os objectivos específicos. A questão afigura‑se difícil
de resolver por processos extrínsecos, como acontece com a generalidade
das disciplinas. Mas, dada a especificidade da filosofia, será mais fácil se
utilizar­m os um método de definição intrínseca de objectivos a partir do
próprio processo filosófico. Mas o que é isto?
Birzea (1986, 19), como já vimos, define objectivos específicos como
“enunciados gerais, mas limitados ao conteúdo particular de uma certa
disciplina (conceitos, princípios, aplicações, etc.)”. Considera, porém (p. 16),
que os objecti­vos específicos “são específicos de uma determinada discipli-
na ou programa escolar, definindo uma certa etapa de ensino e uma
150
unidade delimitada de conteúdo”. E o problema é este: o que é o especí-
fico em filo­s ofia, tendo em conta os objectivos gerais que já vimos que ela
permite? Não são os conteúdos em si mesmos; estes, só por si, não permi-
tem a obtenção dos objectivos gerais, pensá‑lo é uma ilusão.
Como poderemos desenvolver nos alunos as capacidades de análise e
síntese, de conceptualização e interpretação a não ser aproveitando, ou
propor­c ionando, as situações problemáticas em que essas capacidades se
possam desenvolver? Por outro lado, se o aluno não experienciar nem de-
senvolver essas capacidades, como poderá interiorizar a especificidade
filosófica? E se a não captar, de que vale toda a informação filo­s ófica que
possa reter? Provavel­m ente jamais a reformulará em termos pessoais.
O que é específico da filosofia e matéria de iniciação são os problemas
e a estratégia racional para os resolver. Um problema que se enfrenta é um
domínio potencial que se especifica e em função do qual será depois ne-
cessário ir solicitando variadas categorias taxonómicas.
À questão de saber o que é que pode ser definido a priori como objectivo
específico para a filosofia, a resposta deverá ser: qualquer situação problemá­
tica. Qualquer situação, desde que conceptualizada, está em condições de
definir um “campo operacional” e de desencadear um conjunto de operações
intelectuais especificamente filosóficas que assim serão o conteúdo escolar.
Podemos identificar estas situações a objectivos específicos, não só por-
que podem ser identificadas como “formulações que, pelo seu menor grau
de generalidade, especificam um objectivo anunciado a um nível superior”
(De ketele, 1975, 10), mas principalmente porque permitem compreender
que na restrição do campo potencial que as condições estabelecem, se
torna possível o dinamismo intelectual exigido pela própria concepção do
objectivo geral, e que isso é suficientemente específico para a funcionali-
dade filosófica que se pretende. Há simultaneamente uma restrição do
campo potencial que as condições estabelecem e um dinamismo intelectual
exigido pela concepção do objectivo geral, e posto a funcionar por essas
mesmas condições do objectivo geral.
A actividade filosófica é assim o mais legítimo produto de uma capaci­
dade racional disponível. Esta posição de princípio acaba por condicionar
a actividade e proporcionar uma concretização de objectivos que não tem
151
que recorrer a instâncias extrínse­c as ao processo racional, desencadeado
pelo problema, e ainda porque o processo precisa de conteúdos problemá-
ticos. Desde que bem aproveitada uma situação problemática solicita várias
opera­ç ões e níveis de actividade. A execução de certas tarefas conceptuais
é indis­p ensável para o alcance dos objectivos específicos. Essas tarefas,
sendo reali­zações concretas solicitadas pelos problemas específicos, corres-
pondem aos objectivos operacionais, entendidos como “formulações (…)
em termos de comportamentos observá­veis (...) segundo certas condições”
(De Ketele, 1975, 10). Isto é, o objectivo específico vai‑se resolvendo através
de tarefas concretas necessárias à solução e, deste modo, definindo o seu
perfil e natureza. Considera‑se que os objectivos estão operacionalizados
quando se especificam as operações concretas que permitirão obtê‑los,
possibilitando assim a sua medida (cf. Creutz, 1978, 6).
É óbvio que esta concepção de operacionalização é estreita, porque as
modificações comportamentais não podem identificar‑se com a operacionali­
zação, nem são sempre identificáveis previamente, como pensávamos já em
1981 (234). Com a filosofia é concebível uma meta a alcançar em função
do próprio processo em que surgiu e no qual tem sentido. Sendo assim, o
objec­tivo operacional é toda a actividade que, dentro do processo de
fundamen­tação, e ao seu serviço, contribui para a superação das aporias
que levanta.
Mas um curso de filosofia não é uma sequência de operações racionais.
Há perspectivas históricas, enquadra­m entos disciplinares, terminologias,
teo­r ias, autores, etc. Uma vez, no entanto, que concebemos o ensino da
filo­sofia em termos dinâmicos e a partir do elemento determinante do pro-
cesso que é o problema, e visto que o específico da filosofia é o processo
racionali­z ador que se organize para o superar, deverá decorrer desta mes-
ma especifi­c idade toda a sua dinâmica. Sendo assim, tudo o que o
processo for solicitando para progre­d ir na superação do problema pode
definir‑se como um objectivo operacional, uma vez que é um elemento
integrado e funcional desse mesmo processo. As operações concretas que
tiverem que ser realizadas são, de facto, operações intermediárias que se
caracterizam por estabelecer pequenas (ou grandes) etapas (objectivos) que
vão sendo superadas mediante operações de natureza variada. Do mesmo
152
modo que não é muito recomendável desen­volver capaci­dades em abstrac-
to, também perdeu sentido, em filosofia, estudar problemas e adquirir
informações fora de processos intelectuais ao serviço de situações proble-
máticas concretas. Todo o trabalho é, nestas condições, em função do
processo e, portanto, todas as tarefas concretas se podem conceber como
objectivos operacionais.

4. Objectivos operacionais

Pensamos ser legítimo conceber três tipos de objectivos ou níveis na ini-


ciação filosófica: objectivos gerais, específicos e operacionais 2.
Os objectivos gerais identificam‑se com as condições do próprio filoso-
far e suas atitudes. O maior e mais importante objectivo, o mais geral e de
longo prazo para o iniciando da filosofia, é que o hábito e a necessidade
de pensar filosoficamente, e a utilização de estratégias filosóficas para a
resolução de problemas, se tornem nele indispensáveis e se transformem
em atitude filosófica, em formas de ser e estar.
Os objectivos específicos identificam‑se com os processos racionais que
qualquer situação problemática gera e na dependência desta. O que é es-
pecífico da filosofia é essa atitude e esse tipo de pensamento sem os quais
não é possível abordar filosoficamente os problemas, nem resolvê‑los por
essa via. Para que sejam alcançados em termos gerais é indispensável uti-
lizá‑los nas situações concretas.
Os objectivos operacionais identifi­c am‑se com cada uma das tarefas a
que obriga um processo filosófico, dinamizado pelos problemas; são as
operações concretas a que é necessário recorrer, aquelas de que nos servimos

2 Pomos de parte o problema dos fins ou finalidades no sentido de “afirmação de princí-


pio através da qual uma sociedade (ou um grupo social) identifica e veicula os seus valores”
(Hameline, 1979, 97), porque são extrínsecos ao processo filosófico e impondo‑lhe um con-
dicionalismo explícito que a filosofia não pode aceitar sem se comprometer.
e sem as quais não pensamos filosoficamente nem temos estratégias
filosóficas.
Dentro desta hierarquia de objectivos, podemos conceber três tipos de
153
objectivos operacionais para o ensino da filosofia:
O primeiro é constituído por tarefas racionais específicas e de âmbito
reduzido, isto é, actividades concretas necessá­r ias ao desenvolvimento das
competências que o processo exige e experiências conceptuais com as quais
pretende fornecer ao professor ideias e sugestões práticas de actividade
racional 3. Ou atitudes, comportamentos, exercícios mais ou menos corren-
tes que podem favorecer o espírito e as práticas filosóficas, como as que
propõe McGinn (2007), por exemplo.
O segundo tipo de objectivos operacionais diz respeito à necessidade
de enquadramentos de natureza disciplinar e histórica e que, em termos
gerais, podemos fazer corresponder aos itens dos programas tradicionais.
São os conhe­c imentos relativos às disciplinas filosóficas (definição,
características, conceitos básicos, fases evolutivas, contributos teóricos da
metafísica, ou da gnoseologia, ou da ontologia, ou da ética, etc.). Um
objectivo específico, ou análise racional de um problema acaba por solicitar
informações, dados com­p lementares, enquadramentos conceptuais ou
disciplinares de que for precisando para o seu esclarecimento.
Um terceiro objectivo operacional é aquele que desde há muito se uti-
liza no ensino e na avaliação de filosofia com a designação de temas a
desenvolver. Face a um tema ou texto, pede‑se ao aluno que interprete e
desenvolva, isto é, solicita‑se que, utilizando a experiência, a cultura e a
informação que o tema solicita, o aluno reformule em termos pessoais.
Corresponde mais ou menos aos objectivos que Eisner (1969, 15‑18) chama
de expressão e que não descrevem um comportamento final, mas uma si-

3 Como é o caso de Izusquiza (1982). Por exemplo, a “observação conceptual” ou “tradu-


ção conceptual do processo ordinário de observação e percepção sensível” (137); a “descrição
conceptual” com a qual “se pretende realizar simples des­c rições do observado em termos
conceptuais” (141); a “tema­tização conceptual” ou trabalho em que se pretende “que o aluno
aprenda a tematizar um conjunto disperso e desordenado de expressões, problemas, etc., de
um modo conceptual e rigoroso” (145); a “dedução de consequências a partir de uma hipótese
determinada” (181), etc.
tuação educativa4. As situa­ções procuram solicitar ou provocar as “expressões”,
que acabam por ser indivi­d uais. Por este facto, “o que se deseja com um
objectivo de expressão não é a homogeneidade das respostas dos estudan-
154
tes, mas a diversidade” (Eisner, 1969, 16), o que significa que procuram
valorizar o processo pessoal de superação que todo o indivíduo desencadeia
face a um tema ou situação problemática 5.
Estes três tipos de objectivos não são propriamente definidos para o
ensino da filosofia, mas sim objectivos definíveis no ensino da filosofia. É em
função de uma motivação geradora de um processo que se revelam as
condi­ções lógicas e racionais a que este deve obedecer, tornando‑se, assim,
os objec­tivos gerais legítimos. Por isso se considerou noutro ensaio que
não é correcto determinar a priori o quê e o como do ensino da filosofia.
Assim, embora se lhes reconheça uma estrutura hierárquica, os três tipos
ou níveis de objectivos não impõem uma hierarquia, nem a exigem previa­
mente definida. Não há uma sequência de objectivos no sentido de a
obtenção de uns depender da obtenção de outros, embora essa dependên-
cia se verifique, mas segundo uma funcionalidade intrínseca e não numa
sequência temporal. Em termos teóricos, há uma hierarquia, visto que os
objectivos gerais, pela sua natureza, englobam os específicos e só median-
te tarefas concretas se poderá chegar à operacionalização. Mas não é
possível falar numa ordem prévia para a obtenção de objectivos, porque o
que é determinante é o processo racional indi­v idual e este é, em boa me-
dida, imprevisível, embora obedeça a uma coerência intrínseca.

4 “Um objectivo de expressão descreve uma relação educativa: identifica a situação na qual
as crianças vão trabalhar, o problema com o qual se vão confrontar, a tarefa na qual terão
que se implicar, mas não é especificado que relação, situação, problema ou tarefa eles têm
que aprender” (Eisner, 1969, 15‑16). Procuram criar situações particulares nas quais o aluno é
solicitado a trabalhar, a resolver problemas, a produzir reflexões, etc. Situações que solicitam
conhecimentos ante­r iores à medida da capacidade de cada um, deixando grande liberdade
individual para as associações, reformulações e sínteses que o tema ou situação proporcionam.
5 Não haverá uma diferença significativa entre este tipo de objectivos e os específicos, tal
como foram concebidos atrás. A sua distinção é, porém, nítida em dois domínios: ao nível da
grandeza e quanto ao ponto de partida. O desenvolvimento de um tema é geralmente uma
actividade restrita que parte de uma situação conhecida ou de um conjunto de informações
obtidas anterior­m ente. As categorias taxonómicas exigidas são a análise e a síntese, sendo
a componente de investigação diminuta. Um problema real é, em princípio, mais complexo
e mobiliza um conjunto variado de operações, daqui o identificar o problema real com o
objectivo específico.
As experiências a que se faz apêlo, os exercícios, assim como a informa­
ção obtida ou a obter não têm sentido em si mesmos. Toda a investigação
pres­s upõe um motivo e deverá integrar‑se em quadros mais vastos. Os
155
objectivos são operacionalizáveis em função de um processo intelectual que
os necessita e, portanto, não programáveis previamente, mas funcionalmen-
te necessários ao processo em decurso e, sendo assim, objectiváveis pelo
próprio processo. No caso do primeiro tipo de objectivos, isto é, tarefas
concretas, exercícios a pro­pósito das situações problemáticas, são indispen-
sáveis essas situações mais gerais. Do mesmo modo, o desenvolvimento de
temas só tem sentido dentro de um processo mais genérico, porque as
operações pressupõem um enquadramento, implícito ou explícito, que as
possibilita a as torna de facto compreensíveis.
Todos estes objectivos que o processo vai operacionalizando – tarefas
racionais ou de investigação de que neces­s ita – têm níveis de rigor e de
infor­m ação muito variados. Mas são, por isso, susceptíveis de constante
aperfeiçoa­m ento porque, face às situações e aos enquadramentos particu-
lares, adquirem motivações e dinamismos próprios. É esta sequência de
operações contíguas e interdependentes que se organiza em processo de
análise e de fundamentação.
Se os objectivos gerais são condição da problemática filosófica e os
operacionais são actividades concretas e com conteúdos específicos, deve-
mos per­guntar se há coerência entre eles. E também se têm condições para
ser eficazes, tendo em conta as características da actividade filosófica.
Ora, sendo as condições desta actividade simultaneamente os objectivos
gerais que é possível postular, parece estar garantida aquela coerência.
Nesta óptica, objectivos específicos e operacionais não são mais que con-
cretizações dentro dos parâmetros estabelecidos. Podemos considerar,
portanto, que há identidade entre os dois extremos do processo, ou seja,
as condições da actividade e aquilo que, a longo prazo, importa alcançar.
As condições têm, dir‑se‑ia em potência, todos os objectivos operacio­n ais,
todos e cada um dos que o processo vai necessitar, e estes, por sua vez,
implicarão capacidades acrescidas – hábitos e atitudes intelectuais que re-
verterão em novas e quali­f icadas condições gerais e prévias para o
processo filosófico. Um hábito desen­volve‑se pela repetição das situa­ç ões
mas precisa da atitude sem a qual não chegará a constituir‑se. Por outro
lado, a repetição funciona como um reforço, gerando novas atitudes e ne-
cessidades.
156

5. Aprender recuperando estruturas intelectivas

Sendo qualquer tema susceptível de tratamento filosófico, uma iniciação


à filosofia deverá adaptar‑se aos alunos e aproveitar todas as situações. Pelo
menos quanto ao ponto de partida, porque “as vias particulares de progres-
são, as aquisições e reformulações resultantes da actividade racional
acabarão por integrar‑se em estruturas objectivas e constantes. É o caso da
disciplina parti­c ular a que o problema em análise pertence, a escola filo-
sófica que adoptou aquela solução, etc. Trata‑se, portanto, de um processo
em que se sucedem, para o aluno, as tarefas intelectuais, segundo uma
ordem de compreensão integradora e superadora. Integradora de elementos
dispersos ou sequenciais em sínteses que, por isso mesmo, ao adquirirem
estrutura sistemática, propor­cionam uma superação. O programa acabará por
ter uma estruturação disciplinar resultante das exigências que as tarefas
racionais forem determinando. É uma estruturação não prévia nem extrín-
seca ao processo, mas que resulta:
• das tarefas racionais que forem sendo necessárias e da sua articulação;
• dos enquadramentos e estruturas disciplinares que forem solicitando;
• das referências concretas que o processo irá exigir.

Pretende‑se uma iniciação que parta do experienciado e se desenvolva


segundo um dinamismo idêntico ao pró­prio esforço de compreensão. A in-
tenção é que o aluno desen­volva atitudes e hábitos necessários ao trato
racio­nal com as coisas, adquirindo, simultaneamente, informação filosófica.
De tal forma que se transforme em motivante o que era sem interesse e
compreensível o que parecia confuso e difícil de dominar.
Trata‑se, por outro lado, de um trabalho duplo: assimilação de elementos
informativos e reformulação provocada por esses novos elementos. A pri­
meira ordem é de natureza processual, a segunda de natureza sistemática.
No limite, concebe‑se um qua­d ro curricular coerente, isto é, um conjunto
estruturado de disciplinas filosóficas. A estrutura programática resul­tará do
trabalho de articulação que o eu necessariamente faz e do factor estruturante
157
que cada disciplina filosófica implica (cf. Bruner, 1963, 27). Sawrey & Telford
(21979, 253), partindo da afirmação de uma estrutura em qualquer disciplina
curricular, dizem haver “rela­ções de sentido que se podem usar, com proveito,
para aprender, decorar e recordar”. E fazendo o contraponto entre “a criança
que sabe que a matéria tem uma estrutura e que terá que descobrir uma
norma” e que, portanto, “aborda a aprendizagem com a intenção de achar
os seus próprios meios de pesquisar e descobrir”, e a outra, “que toma o
estudo como uma determinada quantidade de matéria a aprender de memória”,
aqueles autores realçam a importância pedagógica do primeiro tipo de
abordagem, e a necessidade de levar o aluno à procura da estrutura da
disciplina em estudo.
Concebe‑se o processo como progressivo a vários níveis. Desde logo,
no sentido de uma individualização crescente, tanto a curto prazo, isto é,
escolar e didáctico, como a longo prazo, ou seja, “vital, social, longitudinal
ou vocacional”, como diz Planchard ( 81982, 531‑533). Depois, no sentido
do desenvolvi­m ento da capacidade de avaliação. Um processo intelectual
obriga a um domínio gradual das situações e a um reforço das competências
críticas.
Por outro lado, o acréscimo da actividade racional e do juízo crítico vem
reforçar uma autonomia pessoal, e o que parecia, a princípio, atitude
desconexa, poderá proporcionar produtos com algum perfil filosófico.
A necessidade de interpretar e compreender, segundo quadros racionais
cada vez mais vastos e exigentes, é correlativa ao desenvolvimento do
processo. Este, estando em constante reformulação pela assimilação de
dados novos, vai crescendo também em termos de análise e de avaliação.
O problema condiciona as abor­dagens, não só quanto ao ponto de partida,
mas também quanto às sequências de desenvolvimento. Por outro lado, o
problema nem sempre se apresentará com nitidez. Competirá ao professor
facilitar a conceptualização e fornecer as referências para a pesquisa.
Devemos respeitar duas condições:
• que os dados informativos, pesquisados ou fornecidos, respondam às
questões e favoreçam estratégias de abordagem;
• que os elementos obtidos, por investigação ou conceptualização, se
158
integrem, directa ou indirectamente no processo.

Quando se pretende que o aluno reproduza o processo filosófico é só


porque, sendo o único que corresponde à natureza da actividade filosófica,
é o único legítimo. Podemos falar, como Lipman (1988, 196), em “programa
curricular racional” no sentido de que “cada passo abre o caminho para os
passos seguintes e pressupõe, para o seu exercício, os passos que o pre-
cedem”. Anotemos, porém, que as situações de antecedente e consequente
variam com os indivíduos. Por outro lado, as relações entre áreas discipli-
nares também não são uniformes. Os factores particulares, as experiências,
as características psico‑afectivas, exigem pré‑requisitos diferentes e irão
determinar sequências diferentes. Sendo a ordem de assimilação das maté-
rias potencialmente muito variada, compete ao professor facilitar o acesso
individual (ou de um grupo) a um processo de fundamentação.

6. Esquema de uma sequência

A iniciação na filosofia pode assim ser concebida como um processo


racional constituído por uma série de operações desencadeadas por uma
situa­ç ão problemática e tendencialmente orientadas para uma estrutura
sistémica. A multiplicidade das vias processuais torna o método difícil,
principalmente porque sendo pensado na base da pedagogia por objectivos,
tem que se desen­volver segundo um itinerário tendencialmente individual,
isto é, muito imprevisível. Embora não seja possível planear completamen-
te uma sequência, podemos conceber algumas fases:
a) problematização e conceptualização de uma situação;
b) análise das diferentes perspectivas pelas quais a situação pode ser
abordada;
c) caracterização das estruturas disciplinares que os elementos solicitam
e em que poderão integrar‑se;
d) exploração histórica com intenção de enquadrar os problemas, a sua
evolução, as melhores respostas que lhe foram dadas, etc.

159
A partir de um problema desenvolver‑se‑á um processo analítico em que
os elementos obtidos se vão relacionando, pela dinâmica intelectual, em
ordem à constituição em áreas específicas ou em quadros ou sistemas.
A princípio transitórios, mas susceptíveis de decomposição e integração
num processo que, por sua vez, apelará uma unidade sistemática. Estes
elementos constitutivos, dinamizados pelo espí­rito que os articula em ordem
à organização de formas compreensivas – sínteses constitutivas ou análises
de explicitação – tendem a organizar‑se em unidades coerentes.
Mas estas estruturas interpenetram‑se e articulam‑se pela acção do espí­
rito ora analítico ora sintético que, transitando de umas para outras, as
relaciona, ficando em condições de organizar estruturas superiores que englo­
bem aquelas e permitam maior compreensão. Que todos estes quadros são
transitórios ou reformuláveis prova‑o a contínua reelaboração dos conhecimen­
tos que a história das culturas e da ciência demonstra. Ao nível das ideias
correntes os dados e informações não são tão rigorosos, as influências são
mais variáveis, mas sempre os elementos se organizam em estruturas
compreen­s ivas. Os dados donde se parte compreendem‑se em função de
estruturas anteriores, as quais solicitam estruturas posteriores em contínuas
reformula­ç ões. Em virtude da multiplicidade dos factores inter­venientes, a
fluidez entre estrutura e processo é, por vezes, grande, mas a natureza de
cada um deles e a relação dialéctica que estabelecem é idêntica.
Pensamos que uma iniciação à filosofia poderá conceber‑se nestes mol-
des. Tendo como ponto de partida uma interpretação determinada da
reali­d ade, isto é, uma dada organização dos elementos cognitivos, podem
gerar‑se dinâmicas de iniciação filosófica pelos desenvolvimentos dessa
estrutura, desorganizada por essa mesma abordagem, mas pelo próprio
processo em curso sempre em vias de reorganização.
Todas as tarefas que os problemas provocam e que, em termos pedagó­
gicos, devem ser conceptua­lizadas e ordenadas, se podem conceber como
objectivos operacionais. O problema ou perplexidade e o processo organi-
zado para os superar, que são o característico da actividade filosófica, têm
que desdobrar‑se em actividades e operações diversas para que o processo
avance. Este, na medida em que se desenvolve por outros domínios e re-
colhe dados de variadas áreas, vai constituindo as diversas disciplinas
160
filosóficas.
Poderemos, assim, chegar à concepção de um programa tradicional, mas
depois de realizado o processo que o constitui, e não antes, a partir da
orga­n i­z ação prévia das disciplinas, como é habitual. Aqui trata‑se do der-
radeiro está­d io de um processo, da forma que acabam por produzir as
várias estruturas, sucessivamente integradas e reformuladas. No programa
tradicional, a organi­z ação das disciplinas filosóficas, que é prévia e extrín-
seca ao processo, não resulta de uma elaboração de quem está a aprender,
ou seja, foi elaborada por quem a concebeu e não por quem interessava
– o aluno. Nesta abordagem que propomos é fundamental a elaboração
contínua e o programa só se consi­d era acabado na estrutura última que
resulta da derradeira reformulação de dados.
Assim sendo, um programa de filosofia pode ter tantos pontos de par-
tida, e de chegada, quantos os indivíduos ou os grupos que o abordem, o
que não põe em causa a natureza da formulação nem o rigor da constitui-
ção. Há sempre uma situação problemática que dinamiza uma função de
superação e faz apelo a uma estruturação compreensiva. E o processo é a
sequência de operações necessá­r ias para encontrar essa estrutura, a qual
é, por esse facto, reformulada, ao assumir o problema e os elementos
informa­tivos que obteve. Os múltiplos pontos de partida e fases não signi-
ficam ausência de estrutura, mas mobili­d ade e funcionalidade nela.
Algumas condições são indispensáveis para que o processo funcione:
a) motivar para o pensamento, aproveitando todas as ocasiões;
b) controlar o rigor lógico das suas operações;
c) recolher e analisar as informações necessárias para avançar;
d) associar e relacionar os dados obtidos sempre em ordem a visões
unitárias e coerentes.

O problema deve funcionar como um desafio, o que exige ser motivan-


te, isto é, sentido efectivamente como problema. É óbvio que os elementos
ao dispor de cada aluno ou grupo são muito diferentes quanto à situação
vivida, às capacidades de problematização, de análise, de conceptua­lização,
de trabalho, de persistência, etc. Mas não são factores impeditivos de um
processo indivi­dualizado, onde os progressos, desde que aproveitados, sejam
161
factor de desenvolvimento das capacidades e das atitudes que pressupõem.
Inserido o problema inicial num enquadramento disciplinar ou histórico,
a própria necessidade de definição e de delimitação proporcionará a rela-
ção com outros problemas e estruturas cada vez mais vastas e filosóficas.
Sendo a aprendizagem motivada, funcional e pro­porcionada por um proces-
so pessoal, os conhecimentos prévios deverão ser solicitados e convergir
para o processo de fundamentação. Do mesmo modo, todos os conhecimen-
tos orientados e condi­c ionados pelo processo, são indispensáveis para a
pretendida dimensão filosófica. Na medida em que a sequência é funcional
e pessoal, deverá ser rápida e curta. O que não significa ser simples ou
linear. De qualquer ponto se podem estabelecer relações com outros do-
mínios, a estrutura do pensa­m ento multiplica as associações, abrindo
campos de investigação e análise, novas perspectivas, etc. Sobre uma se-
quência básica, teoricamente programável e que o problema original
determina, será necessário procurar os esclarecimentos do problema e que
assim irão contribuindo para a constituição das disciplinas filosóficas em
que são integráveis. Estas deverão resultar dos diversos processos gerados
por diferentes problemas os quais, inter‑relacionando‑se gradualmente,
apontam, no limite, para um sistema.

7. Um programa diferente

Uma tal concepção obriga a inverter o sentido habitual do curso. En-


quanto este parte de uma estrutura constituída por várias disciplinas
filosó­ficas, ou temas segundo uma certa ordem, a abordagem que propomos
procura alcançar uma estruturação final; a unidade estrutural a que o pro-
cesso conduz. Enquanto, no primeiro, o programa é definido previamente
e solicita‑se um esforço de aproximação e assimilação, no segundo, o que
se pretende é a construção de um itinerário pessoal. Enquanto, no primei-
ro, o programa funciona como um roteiro de temas filosóficos que o aluno
deverá seguir, no segundo, o que vai resul­tando é uma construção a partir
do que o espírito assi­mila e reformula. Na medida em que está a realizar o
programa, o aluno não possui ainda a matéria, mas isso deverá ser um factor
162
dinamizador e quali­ficador da aprendizagem. A estrutura em temas acabados
é o limite do processo, a síntese de toda a aprendizagem e não o inverso.
As experiências particulares, as motivações individuais que são o sal da ac-
tividade filosófica, e que o programa tradicional não aproveita, terão que ser
valorizados uma vez que são determinantes do processo fundamentador.
Esta abordagem é inversa da tradicional porque parte do vivenciado e
não se prevê um limite para a actividade filosófica a não ser por uma es-
pécie de esgotamento do processo pensante. Este, embora em progressão,
aponta para uma estrutura, que aparece como possível no limite e através
de caminhos diferentes. Os conhecimentos vão‑se obtendo à medida que
são necessários e vão‑se integrando em função do exercício, e a progressão
verifica‑se na medida em que os englobantes integram e estruturam as
partes. A sistematização última garante a recupe­r ação e a articulação de
todos os elementos, desde que funcional­m ente obtidos ou produzidos.
Devemos enfrentar dois problemas a que vulgarmente se faz referência,
e nos quais se assenta a argumentação que defende a estruturação e uniformi­
zação dos programas. Um diz respeito à extensão, profundidade e níveis
de exigência que devem ser apanágio da filosofia e que, por este processo,
fica­r iam comprometidos. O segundo diz respeito à muito apreciada unifor-
mização da formação: à ideia de que todos os alunos deverão ficar com
uma formação filosófica idêntica.
Segundo uma ideia muito generalizada, estas duas regras de ouro, diga­
mos assim, ficariam comprometidas com a estruturação individual e flu­tuante
que aqui propomos. Mas serão de ouro estas regras? De facto, este tipo de
argumentação só tem razão de ser na perspectiva da assimilação de conteú­
dos como objectivo prioritário, senão único, e isso, como já vimos por mais
de uma vez, põe em causa as intenções formativas da filosofia.
Quanto à profundidade com que um programa é dado, a questão tem
que ver acima de tudo com o nível e rigor de objectivos definidos, com as
formas adequadas e rigorosas da avaliação e com as estratégias do ensino-
-aprendi­z agem. É aqui, repito – no rigor dos objectivos definidos e sua
operacionali­zação, nas metodologias utilizadas e na exigência das avaliações
– que o problema assenta. E onde ele se resolve bem, ou não se resolve,
e não nas intenções ou presunções dos transmissores de matérias. Quanto
163
à necessidade de uma certa uniformidade que o programa prévio exige, é
bom recordar que a didáctica tradicional não garante essa uniformidade e
está longe de ser uma qualidade educativa. O valor do programa e da
didáctica clás­s ica tem que medir‑se pela sua eficácia, isto é, pelos resulta-
dos obti­d os e não pelos desejados ou que se presumem e dão por
adquiridos.
A nossa perspectiva assenta numa dinâmica pessoal. Um problema exi-
ge alguém que o supere. Todos os factores individuais, determinantes para
quem aprende, deverão ser utilizados, tornando‑se integrantes do pro­cesso.
Por exemplo, capacida­des pessoais, características psicológicas, motivações,
cultura, ritmos de apren­d izagem, estratégias individuais na abordagem das
questões, tudo isso será solicitado, o que diversifica os itinerários. Neste
sentido, a aprendizagem não é senão uma série de sínteses que uma gran-
de diversidade de factores vai provocando em cada aluno. Mas, que mais
devemos desejar?
Em todo o caso, deveremos perguntar ainda: não provocará este método
um certo desequilíbrio no domínio das diferentes partes da matéria, já que
os alunos acabarão por desenvolver mais certos aspectos do que outros?
Provavelmente. Afigura‑se‑nos, porém, outro falso problema, não só porque
um curso tradicional não garante um equilíbrio na assimilação das matérias,
mas também porque não se dá importância à dinamização intelectual e à
articulação de conhecimentos que, por este processo, é exigido. Por outro
lado, o poder considerar‑se que as matérias informativas aparecem aqui
como complemen­tares e até acidentais e, portanto, desvalorizadas, por
dependerem das vias e áreas investigadas, resulta também de uma ilusão.
O processo em si é vazio, os elementos é que o dinamizam e preenchem.
E para o caso é tão legítimo pensar que é o processo que determina as
investigações, como estas que determinam aquele. A investigação e análise
feitas por uma dada razão funcionam também no sentido de multiplicar os
campos de investigação e análise e operacionalizar tarefas para a solução
dos problemas.
O que vem colocar noutra perspectiva a questão da extensão dos programas.
Teremos que decidir se é mais importante estabelecer um programa exten-
so, que um aluno médio não dominará, ou se é preferível um programa
164
mínimo que possibilite desenvolvimentos adaptados a cada indivíduo ou a
pequenos gru­p os, e cuja eficácia se garanta por formas de avaliação, rigo-
rosas, e com per­feita consciência da função insubstituível que desempenha
no processo. Não é o debitar contínuo de matéria, pelo professor, que faz
com que o aluno avance mais e melhor, e fique com melhor preparação,
toda a gente já verificou isso.
Utilizando uma aprendizagem funcional, talvez o aluno, mais motivado,
assimile melhor as matérias. É a motivação que dinamiza o aluno e a dinâ-
mica deste é essencial à operacionalidade do método. Além disso, por este
meio, o número e a variedade das competências a desenvolver é maior e
mais exigente. Finalmente, o aluno habitua‑se a operar intelectualmente
sobre domínios que põem em jogo a realidade. À medida que progride
vai‑se apercebendo das próprias passagens de uns domínios para outros e
das reformulações que isso implica, e vai‑se consciencializando de que os
problemas e as áreas temáticas ganham outra luz e funcionalidade. Impres-
cindível ao método, a componente pessoal é, por este meio, valorizada.
O que permite sonhar com atitudes e hábi­tos de trabalho para além das
obrigações escolares e das avaliações, e esperar que muitos jovens comecem
a apreciar o inigualável sabor do pensamento.
O que está em jogo é, pois, a simples diferença entre um aluno que
nunca chega a sentir a necessidade da filosofia e aquele que a fica a cul-
tivar por hábito e necessidade intelectual.
Ao contrário do que possa parecer, a função do professor é fundamen-
tal. É certo que se exige, acima de tudo, o trabalho do aluno. Mas a função
do professor é indispensável porque sem “suscitar a motivação cognitiva dos
alunos reunindo as circunstâncias favoráveis ao desencadear da sua activi-
dade e à obtenção da sua participação” (Postic, 1979, 192) não é possível
uma iniciação filosófica como desejamos. Além disso, compete ao professor
realçar as transferências entre as maneiras empíricas de ver e pensar sobre
coisas e situações e os modos de pensar filosófico.
A acção do professor é determinante nas incoerências lógicas, ajudando
na conceptualização de problemas, na planificação de sequências de investi­
gação e de estudo, nas precisões teóricas e nas caracterizações, nas
165
indicações bibliográficas, na dinamização dos grupos, na moderação e es-
clarecimento em debates, no reforço das sequências racionais correctas, etc.
Poderemos dizer que as funções aqui propostas para o professor de filoso-
fia se aproximam daquilo que Postic (1979, 191) identifica como função de
enquadramento e pela qual “o professor leva os alunos a inscrever a sua
actividade no interior de um quadro de referências que fixa as modalidades
de cumprimento do trabalho escolar”. O professor deverá impedir que o
aluno entre em dispersão, facili­tando‑lhe a constituição de estruturas com-
preensivas. Entre outras actividades, deverá favorecer a inte­g ração dos
problemas nas áreas das respectivas disciplinas, dar esclarecimen­tos, forne-
cer quadros que facilitem a diferenciação disciplinar e estabelecer pontes
entre esses domínios diferentes. A sua função é, sobretudo, de motivação,
sensibilização, enquadramento e verificação.

8. Condições indispensáveis ao processo filosófico

Há no ensino da filosofia, e como noutros ensaios se referiu, uma ques-


tão que não pode ser iludida, e que é a dos objectivos que lhe são legítimos.
Assim, todas as considerações anteriores se podem reduzir a duas:
1) Que posso com legitimidade desejar com o ensino da filosofia?
2) Como deverei proceder para o conseguir?

Na perspectiva de uma pedagogia por objectivos teremos que pensar


em objectivos de natureza cognitiva. Mas também em objectivos de natu-
reza afectiva e expressiva.
Quanto aos objectivos intelectuais ou cognitivos, deveremos pensar em
três tipos diferentes:
• os que têm que ver com capacidades intelectuais e racionais;
• os relativos à especificidade do pensamento filosófico;
• os relativos à cultura especificamente filosófica.
O desenvolvimento de capacidades intelectuais e a vitalização do espí-
rito filosófico coloca, contudo, pro­b lemas de atitudes e hábitos relativos a
técnicas de reflexão e de estudo. Poderemos assim definir três tipos de
166
objectivos intelectuais:
• objectivos relativos às atitudes e comportamentos necessários à acti­
vidade filosófica;
• objectivos relativos aos métodos e técnicas necessários à abordagem
e investigação da problemática filosófica;
• objectivos relativos à aquisição e compreensão dos conhecimentos fi-
losóficos.

Poderemos considerar que os objectivos de natureza afectiva derivam,


em boa parte, dos objectivos de natureza intelectual; são paralelos a estes.
A sua definição não põe problemas, desde que não colidam com a nature-
za da disciplina. Estes objectivos serão um comple­m ento dos intelectuais,
uma vez que se pretende obter, com o ensino da filosofia, a aquisição de
um conjunto de atitudes, hábitos e exigências que, simultaneamente, lhe são
indispensáveis e dela decorrem.
Por objectivos expressivos entendemos um conjunto de capacidades ao
nível da expressão escrita e oral relativas à precisão e rigor orais e escritos,
à adequação da expressão à ideia e à capacidade de deduzir e articular
ideias encontrando, para isso, a expressão mais adequada para, por sua
vez, impul­s ionar as deduções e descobrir os conceitos.
Mas também estes objectivos terão que ser obtidos funcionalmente. São
perspectivas só posteriormente separáveis de um processo dinâmico. Mais
do que previamente definidos, serão detectáveis a posteriori pela análise
das consequências de uma certa abordagem da filosofia e da própria abor-
dagem em si mesma. Isto é, estes objectivos poderão ser alcançados se – e
só se – for concretizada uma activa e funcional abordagem filosófica. E que
para isso deverá resultar de uma problemática viva, concreta e assumida
pelos alunos de modo a mobilizar as suas capacidades.
Afigura‑se, portanto, que os objectivos estão, à partida, condicionados
pela actividade filosófica e pelas condições que esta impõe. O que impede
uma definição de objectivos exteriores ao processo filosófico. Ou seja,
a definição de objectivos terá que ser intrínseca ao processo filosófico e a
partir das condições que estabelece. A não ser assim, os objectivos peda-
gógicos para a filosofia serão, de facto, corpos estranhos. Deste modo, os
167
objectivos gerais estão condicionados pela origem e desenvolvimento do
processo filosófico.
Entre as condições da actividade filosófica, que são o primeiro momen-
to, e os objectivos a longo prazo que a actividade filosófica permite
alcançar, que são o último, haverá uma sequência que anima e justifica o
processo. Podere­m os até dizer que os dois momentos são essencialmente
idênticos. A actividade filosófica, ao impor as suas condições na abordagem
das situações concretas, determina a obtenção de alguns objectivos gerais,
isto é, os que irão resultar do respeito por essas condições e pela activida-
de nessas condições feita.
Mas isto não significa que o processo não possa, e não deva, definir os
seus objectivos, integrados na sua dinâ­m ica e tendo como limite a solução
do problema donde se partiu. De facto, os objectivos gerais não poderão
ser alcançados sem os objectivos específicos. Por isso, para que os objec-
tivos gerais sejam dominados através da actividade filosófica, é neces­s ário
que esta se concretize mediante o respeito efectivo pelas condições filosó-
ficas e de razão analítica, concretizada em tarefas necessárias ao processo
intelectual em curso. Necessita, portanto, de uma série de objectivos inter-
médios entre as condições gerais da actividade filosófica e os seus
resultados a longo prazo. Estes objectivos são mais específicos que os an-
teriores e são indispensáveis, pois, sem estes, os objectivos gerais estão
desactivados.
Mas também a este nível a definição de objectivos específicos exteriores
ao processo filosófico seria fatal para este e, a longo prazo, para a filosofia.
Integrados, porém, no processo intelectual que o problema determinou, são
condições indispensáveis à sua concretização. Sem eles, corríamos o perigo
de tanto a iniciação como a aprendizagem filosóficas se limitarem a teori-
zações vagas, superficiais e sem controlo.
E, assim, do mesmo modo que a actividade filosófica exige determinadas
atitudes, a necessidade de abordar problemas concretos que solicitam informa­
ções obriga à necessidade de estabelecer objectivos restritos. É o próprio
pro­c esso que o exige. E porquê? Porque, sendo processo, não pode ser
vazio, exige elementos concretos que o alimentem e, por outro lado, os
princípios e as atitudes a que obriga só serão reais se tiverem lugar e oca-
168
sião para se mani­festar e se se concretizarem.
Imaginemos as seguintes atitudes programadas e cumpridas com regula­
ridade nas actividades solicitadas pela filosofia, mesmo que eventual­m ente
redundantes ou parcialmente sobrepostas:
• dúvida metódica, em relação às formas de conhecimento comum e às
opiniões correntes;
• aceitação das opiniões contrárias;
• exigência crítica e rigor face às atitudes próprias e alheias;
• disponibilidade aos outros, às suas ideias, perspectivas socioculturais e
experiências;
• distanciamento crítico em relação a ideias correntes, factos, aconteci­
mentos e pessoas;
• cooperação com os outros, difundindo informações, aproveitando con­
tributos e realizando interacções;
• objectividade em relação a dados, factos, informações, situações e pes­
soas;
• rigor racional na análise das informações, na dedução das ideias, nas
conclusões que se obtenham;
• sensibilidade aos problemas e às situações problemáticas;
• receptividade às várias perspectivas que os problemas e as situações
colocam;
• apetência cultural resultante da sistemática valorização do cultural e
suas manifestações;
• atenção constante aos aspectos particulares e aos pormenores;
• aceitação e incentivo da imaginação problematizadora;
• solicitação das actividades de análise face aos problemas, aos casos e
às situações;
• promoção e desenvolvimento das actividades de síntese;

Todas elas nos parecem condições indispensáveis à actividade filosófica


e, simultaneamente, qualidades e competências a desenvolver por essa activi­
dade. Mas nenhuma destas desejáveis competências poderá concretizar‑se
sem as situações que lhes dão ocasião e as desenvolvem. Também a este
nível, pre­d ominantemente afectivo, os objectivos decorrem da natureza da
169
disciplina, salvaguardando‑a de intromissões abusivas. Mas também aqui
não são conce­b íveis sem as situações concretas e os problemas para cuja
solução são indispensáveis.
Por isso se diz que a filosofia tem em si as condições da sua própria
defesa e preservação. Mas, também agora, e para que os objectivos não
sejam meras intenções, é indispensável a actividade do aluno dentro da
esfera do especificamente filosófico, seja racional, afectivo ou expressivo.
Deste modo, a iniciação filosófica deverá resultar da conjugação de cer­
tas atitudes indispensáveis à filosofia e à actividade filosófica, com os
métodos utilizados na abordagem das situações problemáticas e os conhe‑
cimentos que o mesmo processo for solicitando e sem os quais permanece
vazio e, em grande medida, estático.

9. Objectivos gerais

Devemos, portanto, definir objectivos filosóficos em função das condi­


ções da actividade filosófica e em ordem à sua concretização. Esta impõe
objectivos gerais que coincidam tanto com as condições da actividade
filosófica como com os fins que ela exige a quem a cultiva. Por outro lado,
a actividade filosófica é a única maneira legítima de concretizar o processo
filosófico que, como se sabe, se define pelo modo de actuar e não pelo
conteúdo.
Sendo assim, o que é que, a nível intelectual, é condição da própria
filo­s ofia e, simultaneamente, desejável para os adoles­c entes e jovens?
O desejável é que o jovem ganhe consciência crítica face ao lugar e à
circunstância e venha a ser capaz de pensar filosoficamente sobre ambos.
Que saiba posicionar‑se face às situa­ções problemáticas, as saiba racionalizar
e integrar em esferas de compreensão mais gerais e abstractas, isto é, em
sínteses racio­n ais coerentes.
Paralelamente, há também, a nível afectivo, objectivos gerais que são ao
mesmo tempo condições da actividade filosófica. Isto é, também nesta es-
fera as condições psico‑afectivas da actividade filosófica terão que ser
170
objectivos a longo prazo. Com efeito, o que devemos desejar, a nível psi-
co‑afectivo, com o ensino e a aprendizagem da filosofia? Que o aluno
adopte e interiorize certas atitudes, se posicione de certa maneira face às
situações e, finalmente, que adquira uma formação filosófica decorrente
destas condições e em consonância com elas. Isto é, que se implique afec-
tivamente, sinta necessidade de pensar e de ver claro, em suma, que crie
exigências e desenvolva sentimentos e hábitos intelectual­mente úteis, e sem
os quais toda a informação filosófica que possa vir a receber será inútil.
Mas tudo isto exige condições concretas, pois não se obtém com meras
intenções e boas vontades. Teremos, portanto, que recorrer a situações em
que o aluno tenha de facto que adoptar atitudes que lhe possibi­litem a
actividade filosófica, porque é a única maneira tanto de garantir a coerên-
cia do processo como de o concretizar. Mas esta concretização implica a
definição de objectivos específicos, ou permanecerá vazio e inerte.
No Quadro I apresentamos, na sua versão mais genérica, os três níveis
de objectivos gerais para a filosofia.
Mas, posto assim o problema, não ultrapassamos o domínio das boas
intenções. Com efeito, os objectivos assim definidos são demasiado gené-
ricos e com reduzida dimensão filosófica, principalmente porque não estão
opera­c ionalizados.
Segundo De Landsheere ( 21977, 249), se queremos operacionalizar os
objectivos pedagógicos, devemos responder a várias perguntas: “1. Quem
produzirá o comportamento desejado? 2. Que comportamento observável
demonstrará que o objectivo está atingido? 3. Qual será o produto deste
com­portamento (performance)? 4. Em que condições deve ter lugar o compor­
tamento? 5. Que critérios servirão para determinar se o produto é satisfatório”?
Embora aparentemente redundante, a explicitação destas perguntas exi-
ge respostas efectivas e diferenciadas. E estas apontam no sentido de uma
activi­d ade filosófica concreta. O aluno revelará um comporta­m ento. Que
comporta­m ento? Não uma simples aquisição de conhecimentos, mas uma
reformulação crítica que manifeste uma nova capacidade, visto que são
Quadro I – Objectivos gerais para o ensino-aprendizagem da filosofia

171
capacidades desta natureza as que a filosofia exige. Toda a questão radica
aqui. É pelo tipo de comportamento exigido e pelo processo de o obter
que passa toda a dimensão filosófica (e pedagógica) do ensino da filosofia.
172
A avaliação incidirá sobre a própria competência manifestada através do
trabalho feito. É este que permite revelar as atitudes indispensáveis à activi­
dade filosófica e ser avaliado enquanto produto dessa actividade. Os
critérios de avaliação não devem – nem podem, com risco de inviabilizarmos
toda a credibilidade da avaliação – afastar‑se das condições da produção
filosófica. Ou seja, tem que haver consonância entre o produto e a forma
de o avaliar. Uma formulação filosófica, um discurso, convence‑nos e atrai‑nos
pelo rigor da análise e a correcção lógica das sequências. Logo, são estas
capacidades que teremos que avaliar. Sendo assim, como obter nos alunos
a transformação comportamental que se pretende? Essa transformação
obter‑se‑á mediante as operações racionais que os problemas filosóficos
provoquem.
Aquilo que se pretende obter – e que deverá ser avaliado – é a opera­ção
feita, que se manifesta através da expressão, verbal ou escrita. A transfor­
mação comportamental é a dimensão filosófica obtida na operação. É aqui
que podemos avaliar o alcance do objectivo pretendido. Objectivo este que,
uma vez alcançado, será o factor motivador para que o processo racional
prossiga e se transforme numa exigência. E será ainda a exigência de com-
preensão racio­n al que, ao impor a coe­r ência como um comportamento,
transformará a filo­s ofia numa actividade.
Assim, operacionalizar objectivos no ensino da filosofia impli­cará desen-
cadear uma actividade filosófica, a propósito de um conjunto de situações
problemáticas. Note‑se que, embora seja a pedagogia por objectivos a “exi-
gir” uma formulação nestes moldes, a maneira como os pedagogos teorizam
a ope­r acionalização dos objectivos diz pouco à filosofia. Ou melhor, pre-
cisará de ser entendido e posto em prática pela perspectiva do filósofo para
obter o resultado desejado. Mas, por outro lado, a perspectiva filosófica, só
por si, não resolve o problema, ou só o resolve aos que já o têm resolvido,
isto é, aos filósofos e não aos professores e aos alunos.
É certo que a nossa preocupação é a filosofia para adolescentes e jovens,
não para filósofos, mas é aqui, no tentar fazer de cada adolescente um ini­
ciando na utilização do pensamento, que está o segredo da sua ensinabilidade
e o seu interesse. Por outro lado, os objectivos formulados no Quadro I,
pelo seu carácter genérico, podem ser definidos no âmbito de outras
disciplinas, pois não são específicos da filosofia, mesmo sendo condições
173
da sua actividade e resultando dela.
Mas, sendo certo que se podem definir no âmbito de outras disciplinas,
adquirem na filosofia um estatuto particular, em virtude da dupla natureza
que detêm nesta disciplina, ou seja, são ao mesmo tempo condição prévia
dela e sua finalidade. Estabelecem as condições da acti­v idade e, simulta-
neamente, a legitimidade da própria disciplina em ordem aos fins. O que
obriga a um determinado tipo de operacionalização. Deste modo, é possí-
vel explicitar os objec­tivos para o ensino da filosofia na medida em que as
operações filosóficas que os exigem, como condição, acabam por implicá‑los,
enquanto atitude, e fixá‑los em forma de hábito.
Assim, por exemplo, como poderão obter‑se a exigência de reflectir e
analisar situações e problemas vividos, a curiosidade intelectual, o gosto
da problematização, a necessidade de compreender racionalmente, a cons-
ciência da importância de conhecimentos e terminologias, de teorias e
sistemas que são, a prazo, objectivos de primeira importância para o ensi-
no da filosofia? Cremos que estas competências só serão adquiridas
mediante o enfrentar de situações problemáticas e na medida em que as
actividades desencadeadas dão condições para as resolver e vão ao mesmo
tempo desenvolvendo competências.
De igual modo, quanto aos objectivos afectivos, como poderão obter‑se
atitudes de disponibilidade, tolerância, autonomia e amor pelo saber? E como
criar exigências pessoais de objectividade, rigor, imparcialidade e honesti-
dade intelectual no tratamento de assuntos e situações? Julgamos só ser
possível através do treino das atitudes que as situações exigem e com vis-
ta ao esclarecimento e solução dos problemas.
Os quadros seguintes procuram dinamizar os objectivos apresentados
no Quadro I. O Quadro II apresenta os objectivos intelectuais. Os objecti-
vos encontram‑se sintetizados na coluna da esquerda e a sua versão
concretizada aparece na coluna da direita. Trata‑se, como se vê, de uma
semi-operaciona­lização. No Quadro III são definidos os objectivos afectivos
e no Quadro IV os expressivos.
174
Quadro II – Objectivos intelectuais
Quadro III – Objectivos afectivos

Quadro IV – Objectivos expressivos


175
Não esquecer, porém, que esta definição de objectivos deve funcionar
como um quadro de referências para a actividade filosófica gerada pelas
situações. Trata‑se, assim, de uma referência que permitirá explorar uma
176
ou outra área considerada prioritária, mas tendo sempre a tarefa filosófica
concreta como base, motivação e intenção.
Teremos que definir estes objectivos em termos mais restritos se quiser-
mos solicitar certas competências concretas. Ora, nós dinamizaremos um
objectivo geral quando o concretizamos numa actividade que o manifesta-
rá como competência. Procedendo, por exemplo, a uma observação
conceptual (ou conceptualização, ou tematização, ou análise), isto é, efec‑
tuando qualquer destas operações, ficarei disponível para a aquisição de
determinados concei­tos, ou seja, adquirirei conteúdos de perfil filosófico,
adoptarei e tornarei habituais certas atitudes e desenvolverei certas compe‑
tências necessárias à filo­s ofia. Cada uma destas operações põe em prática
uma actividade que acabará por implicar a obtenção de objectivos cogniti-
vos, afectivos e expressivos a propósito da filosofia e ao seu serviço.
O quadro V pretende especificar os objectivos dos quadros anteriores
em termos de concretização, por efectuação e por aquisição.
Uma vez concretizados os objectivos enquanto efectuação, não podemos
deixar de articular com eles os problemas dos conteúdos. Os quadros I, II
e III explicitam objectivos em termos de operações que, por enquanto, são
abstractas.
O quadro VI pretende apresentar um esquema de operacionalização de
objectivos. A partir de um conteúdo ou matéria susceptível de ser trabalha-
da filosoficamente, podemos definir áreas de efectuação, aos níveis
intelectual, afectivo e expressivo. A concretização dessas tarefas, nessas
diferentes áreas e a partir de uma matéria filosófica ou conteúdo proble-
mático, levará à operacionalização.

10. Algumas atitudes básicas

Como é óbvio, uma didáctica deste tipo não dispensa o professor. Pelo
contrário, precisa de um professor muito bem formado em termos científicos
Quadro V – Explicitação dos objectivos em termos de efectuação-aquisição
177
178
Quadro VI – Operacionalização de objectivos
e com uma preparação pedagógica que não é possível obter com os moldes
de formação actuais. Se analisarmos, veremos que isto é assim. Desde logo,
porque um professor, para pôr em prática esta didáctica, necessita de uma
179
liberdade de acção só possível com uma sólida formação filosófica e cul-
tural, e uma prática de actuação nestes moldes que não se adquire de hoje
para amanhã.
Aliás, é uma ideia recorrente em filosofia esta liberdade, mas que os
mais afastados do espírito filosófico têm tendência a combater, em nome
do rigor científico das teorias e da má fama que procuram colar em todos
os que investigam e estudam a educação. Basta recordar o que já dizia um
inquérito levado a cabo pela Unesco em 1953, tanto no que diz respeito
ao professor como ao aluno: “pertence ao professor, pela prática de um
necessário tacto, respeitar e mesmo promover a liberdade do aluno, aju-
dando‑o a descobrir a sua verdade”. E quanto ao aluno, é curiosa a
expressão que utilizam, porque se tornou quase um refrão neste e noutros
temas e áreas: “a liberdade do professor não deve ser limitada senão pelo
respeito da do aluno” (Unesco, 1953, 201).
Mas esta liberdade é, em termos pedagógicos, muito exigente, não só
no que diz respeito ao rigor (que não pode ser excessivo sem deixar de
ser actuante nas correcções), mas também às atitudes, que têm que ser fi-
losóficas: isto é, imaginosas e rigorosas, intuitivas e reflexivas, livres e
disciplinadas, aventurosas e prudentes. De facto, a liberdade do professor
exige rigor na concepção e no planeamento das aulas, honestidade intelec-
tual e, obviamente, e como já se disse, uma boa formação cultural e
científica.
Exige também um conjunto de qualidades humanas. É indispensável ser
transparente nos sentimentos e nas atitudes, transmitir confiança para que
não sejam inibidas as jovens forças raciocinantes, normalmente predispos-
tas à inibição. Tudo o que seja duplicidade, hipocrisia, desonestidade
intelectual, se são já atitudes incompatíveis com a actividade de professor,
muito mais o são quando se trata de um professor de filosofia. Também
não pode ser dogmático, nem deixar que os alunos tomem atitudes do­
gmáticas. O dogmatismo é, como se sabe, essencialmente anti‑filosófico
porque impossibilita, desde logo, qual­quer actividade racional. Já em 1953,
Calogero, coordenador de um grupo de especialistas, vinha chamar a aten-
ção para o perigo da “abstracção escolar” e da “confusão empírica”, para
isso recomendando: “... que o ensino filosófico comece, sobretudo no seu
180
primeiro estádio, por um esclarecimento da expe­r iência vivida”, e que cul-
tive “... o comércio directo com as obras filosóficas” (Calogero et al., 1953,
14‑15). Com efeito, a experiência deverá funcionar como elemento deter-
minante da actividade intelectual uma vez que é indis­p ensável a essa
mesma actividade. Se parece haver uma identidade básica entre os proces-
sos de aprendizagem e de pensamento, interessa que o aluno se veja
obrigado a uma série de operações mediante as quais os conhecimentos
novos ganham sentido (assim se tornam conhecimentos) porque entram em
relação e se articulam com os anteriores.
É certo que estes novos dados, se desorganizam as estruturas compreen­
sivas anteriores, são elementos de perturbação. Mas é uma situação criativa
porque põe em movimento uma vocação estrutural que não pára enquanto
não se alcança. Como diziam Sawrey e Telford, 1979, 224), “a aprendizagem
requer a reciprocidade e combinação das estruturas cognitivas internas e
dos dados da informação”. É óbvio, por outro lado, que estes dados, num
processo de iniciação filosófica, requerem “o comércio directo com as obras
filo­s óficas”, como hoje se reconhece, mas não de qualquer modo, como
temos tentado dizer.

11. Fases de uma reconstrução didáctica

Do mesmo modo que, filosofando, qualquer pessoa segue uma ordem


– a que é determinada pelas sequências racionais e pela articulação dos
dados que for capaz de fazer – a iniciação à filosofia tem que obedecer a
uma determi­nada ordem. Esta ordem, originada por um problema e depen-
dente dele, constitui, afinal, o processo de fundamentação racional em que
consiste a actividade filosófica.
Teremos que considerar, assim, dois elementos essenciais:
• o ponto de partida ou problema inicial, motivador por exce­lência;
• o processo de fundamentação ou percurso originado por ele.
O ponto de partida é o determinante inicial, e que pode ter, ou não,
condições para mobilizar a acção posterior.
Podemos considerar, por outro lado, o processo como a ma­téria e a for-
181
ma de toda a iniciação.
No que diz respeito ao ponto de partida, podemos adoptar um qualquer,
porque o importante não está no ponto de partida mas em dois factores
fundamentais e complementares:
• a motivação que o ponto de par­tida for capaz de determinar,
• e a qualidade e adequabilidade das tarefas racionais que o processo
originar.

Qualquer ponto de partida é bom, desde que seja capaz de originar


juízos e raciocínios filosoficamente válidos e sequências racionais coerentes
e logicamente articuladas. Deverá adoptar, porém, como Giles (1983, 6)
propõe, dois critérios:
• o problema inicial deve ser formulado de ma­neira simples, isto é, deve
ser claro, porque só assim terá suficiente contorno para motivar o
aluno;
• a questão deve ser aberta, para se poder analisar e relacionar com
outras, pondo em marcha um processo de fundamentação.

Quando se fala de simplicidade da questão, entende‑se, não a redução


a um simplismo falsamente pedagógico e que a pedagogia responsável
rejeita, mas a uma delineação ou contorno do problema. Por outro lado, o
problema pode não ser à partida muito nítido nem ter suficiente força fi-
losófica para arrancar. A sugestão de que há ali um problema interessante
pode compensar a inércia prévia, e ser um factor motivante suficientemen-
te forte para impulsio­nar os alunos para a análise e a investigação. É vulgar
os jovens não terem uma perfeita noção do problema que os preocupa,
nem conseguirem defini‑lo entre outros com os quais aparece confundido.
É essencial a observação, a análise, a conceptualização porque estas são as
acções que criam condições psico‑afec­tivas e racionais indispensáveis ao
processo.
Embora todas as situações tenham características parti­culares susceptí­veis
de afectar o processo racional, podemos estabelecer linhas gerais para uma
estratégia de abordagem racional:
182
• analisar e conceptualizar as questões em aberto. Isto é, desdobrar,
perspectivar e enumerar os dados disponíveis para estabelecer o con-
torno dos problemas e enriquecer e perspectivar a experiência;
• definido ou estabelecido um contorno ao problema, a estratégia de-
verá desenvolver‑se no sentido de multiplicar as suas relações potenciais,
e recolher as informações necessárias ao esclarecimento e enquadra-
mento do assunto.

Para concretizar estes objectivos deveremos levar os alunos a analisar a


questão pelo maior número possível de pontos de vista e a investigar e
estudar, segundo um plano variável, as questões que essa análise levanta.
Trata‑se, portanto, de um desdobrar da experiência, não só para a poten­
ciar enquanto fonte de informação, como para a reorganizar com o
objectivo de lhe descobrir sentidos possíveis, de a pôr ao serviço de uma
vocação interpre­tadora e compreensiva.

– Determinar duas linhas de acção para o problema ponto de partida:


• analisar o problema e o seu enquadramento, isto é, a situa­ção concre-
ta e a experiência em que se insere;
• investigar as vias abertas, recolhendo dados e infor­mações no sentido
de o ir integrando num contexto cultural e progressivamente filosófi-
co.

Pretende‑se, deste modo, ir obtendo as estruturas disciplinares. As vias


para a superação dos problemas exi­g em a recolha e a ordenação da
informação obtida; ou seja, a sua estruturação. A simples recolha de
informação, desde que em função de uma motivação, de determinadas pistas
e de acordo com certas estratégias de acção fornecidas pelo professor ou
descobertas pelo aluno, vai exigindo e proporcionando a sua estruturação.
A estruturação disciplinar de uma matéria acompanha o processo da sua
aquisição, porque, como já vimos, não há aquisição compreensiva de uma
matéria se não houver simultaneamente um esforço de estruturação e recolha
da informação indispensável.

183
A didáctica da filosofia a par­tir de problemas comportará, em termos
esquemáticos, as seguintes fases:
a) análise da situação problemática ou da experiência;
b) definição, tematização e tipificação do problema;
c) pesquisa e recolha de informação com vista à integração da proble-
mática em análise na problemática filosófica afim;
d) formulação de abordagens ou hipóteses de solução e compa­r ação
com soluções filosóficas já adoptadas;
e) estudo e caracterização das teorias emergentes a este pro­c esso como
um modo típico de teorização.

Trata‑se de um triplo processo de integração do problema em análise:


a) em estruturas lógico‑conceptuais progressivamente seguras;
b) em problemas filosóficos‑tipo que vão adquirindo as suas caracterís-
ticas;
c) em áreas disciplinares cada vez melhor definidas.

Na realidade, qualquer assunto se insere numa problemática dentro da


qual tem, ou vem a ter, sentido. São a situação envolvente e os elementos si­
gnificativos dessa situação que criam o campo ou estrutura que o tornam
significativo e, portanto, motivante. É na medida em que se conceptualiza,
tipifica e define que um problema cria possibilidades de solução. E a so-
lução passa pela integração em enquadramentos compreensivos à base de
reformulações e generalizações de dados. E também pelo estabelecimento
de relações com outros problemas e a definição de outras áreas. Com efei-
to, qualquer problema exige o seu enquadramento, isto é, a relação com
elementos anteriores da mesma natureza, com os quais constitui uma certa
unidade sistémica a que podemos chamar disciplina. Uma série de proble-
mas e situações da mesma natureza e relacionando-se entre si constituem,
e integram-se em estruturas lógico-conceptuais, em áreas problemáticas e
disciplinares.
(Página deixada propositadamente em branco)
185

Passos para um caminho possível

1. Introdução

O ensino e a aprendizagem da filosofia sofrem habitualmente de um


défice de metodologias de aplicação prática. Entre outras, por duas razões.
A primeira, de carácter geral, tem que ver com a formação dos professores:
em geral mais teórica que prática, sem ser teoricamente sólida por reduzi-
da formação psicopedagógica. Isto é, uma teoria que não pensa a prática,
e uma prática que não vai à procura do seu fundamento. Ou que não pen-
sa nem valoriza, tanto como devia, as dimensões do conhecimento
didáctico de que fala Shulman (1986). Principalmente a que diz respeito ao
que ele chama de “conhecimento proposicional”, que resulta da teoria e da
investigação sobre o ensino, máximas e normas da experiência, princípios
éticos; e aquela que se refere ao “conhecimento estratégico”, constituído
pela compreensão de certos princípios da sabedoria prática.
A segunda razão, mais restrita, diz respeito à ideia de que a filosofia tem
em si mesmo a sua didáctica, não se preocupando, portanto, com questões
de didáctica específica porque, em virtude das suas características, tem
estas questões resolvidas à partida, como já vimos.
Ora, como também já tentámos demonstrar por diversas vezes, esta ideia,
embora com fundamento, necessita de certas condições psicopedagógicas
para ser verdadeira. Se assim não for, aquilo que à partida se julgava re-
solvido fica mais difícil, porque é o próprio peso da convicção da ideia que
inibe os modos filosóficos que a tornam possível.
Resulta, pois, que, de facto, a filosofia precisa de resolver as questões
práticas da sua didáctica, como qualquer outra disciplina. Por outro lado,
o facto de as didácticas terem andado, nas últimas décadas, um pouco ar-
186
redadas da formação psicopedagógica inicial dos professores (Alarcão, 1989,
1991, 1993; Andrade et al., 1990), ou, por outro lado, de serem muitas ve-
zes vistas numa perspectiva isolada da formação em geral (Boavida, 1996,
b, c), tem acentuado os problemas.
No que diz respeito à filosofia, o ter em si a sua didáctica reforça, afinal,
a exigência didáctica, porque a confusão entre os dois planos faz-nos correr
o perigo de não respeitar nem um nem outro. O que obriga a um acordo
entre a filosofia e a sua didáctica, a um processo distanciado e interactivo
que não é dado, mas, pelo contrário, precisa de se conquistar. Se, apesar da
filosofia ter em si a sua didáctica, não faltam alunos que ficam a detestar a
filosofia por culpa de uma má iniciação, algo precisa de ser resolvido, apesar
de estar “resolvido” desde sempre e a priori, como muitos pensam.
É, pois, necessário concretizar estratégias didácticas específicas para o
ensino e a aprendizagem da filosofia. O que se segue não é mais do que
uma proposta de concretização, na linha da concepção que temos vindo a
defender há quase trinta anos.

2. Objectivos gerais para um acesso à prática e à exigência filosóficas

Tendo em conta o programa do 10.º e 11.º anos (Introdução à Filosofia


– organização curricular e programas, p. 5 ) e o seu “carácter universal e
obrigatório”, exigindo “ponderação de equilíbrio e de realismo que delimi-
tam, à partida, o âmbito da abordagem científica e pedagógica”, os
objectivos, a este nível, terão que ser relativos às competências gerais.
E com níveis de exigência em que “não pode pretender-se um tratamento
especializado e exaustivo de qualquer dos temas, que exigiria pré-requisi-
tos de informação”, que não exis­tem. Esta iniciação precisa ainda, como se
diz, “que o professor se constitua, ao mesmo tempo, como agente de mo-
tivações e interesses, e intérprete de maiores exigências e competências
cognitivas”.
É de referir que um trabalho assim não deve ser feito por um só pro-
fessor. Os meios necessários para planear as unidades didácticas, os textos
a utilizar, os exercícios filosóficos, os conhecimentos e competências a
187
adquirir, as formas de avaliação para os diversos objectivos, exigem um
trabalho de equipa.
Posto isto, sempre de realçar, poderá a equipa de professores estabele-
cer que o aluno, no final do primeiro ciclo de iniciação filosófica, deverá
ser capaz de, por exemplo:
• efectuar com correcção operações intelectuais correntes, ou seja, ana-
lisar, conceptualizar, julgar, raciocinar;
• verificar sempre a correcção lógica das suas operações;
• ter criado, ou estar em vias criar, o hábito de analisar com objectivi-
dade as situações vividas;
• ser capaz de integrar as interpretações pessoais em quadros explica-
tivos mais gerais;
• ser capaz de recorrer a sistemas filosóficos para o enquadramento e
caracterização de problemas surgidos.

Todos estes objectivos, à excepção do último, limitam-se a referir com-


petências gerais. Mas sendo condições para a filosofia, identificam-se com
atitudes indispensáveis para criar hábitos de racionalidade, tornando-se
assim metas desejáveis, a longo prazo, segundo condições analisadas e
tratadas noutros ensaios.
Será necessário trabalhar estes objectivos segundo uma certa progressão,
uma sequência gradual, já de algum modo hierarquizada, visto haver com-
petências mais complexas que só podem obter-se depois das que são sua
condição. Por outro lado, é difícil de operacionalizar a não ser numa ordem
deste tipo, porque se trata de competências que só se obterão mediante a
concretização de tarefas, programadas e executadas, sob pena de os objec-
tivos definidos não terem qualquer efeito. Estas competências deverão ser
específi­c as e tão objectivas quanto possível, e os alunos deverão ser sujei-
tos a elas seguindo as planificações feitas, embora executadas com a
maleabilidade que os alunos e as situações determinarem.
É de notar que isto não colide com a crítica feita, noutro ensaio, às ta-
xonomias tradicionais e às suas hierarquias contrárias à filosofia, e com a
necessidade de organizar uma taxonomia em boa medida inversa das de,
188
por exemplo, Guilford, 1967; Bloom, 1969; Gagne, 1975, Vandevelde e
Vander Elst, 1979, D’Hainaut, 1980, etc. E não colide porque o que está em
causa são os hábitos de pensar e as competências necessárias à filosofia,
os quais deverão ser hierarquizados de acordo com as dificuldades de exe-
cução, enquanto que nas taxonomias referidas o que se critica é a base de
conhecimentos específicos donde se parte, sem condições intelectuais nem
motivacionais para a actividade filosófica que tem que os acompanhar.
É óbvio também que alguns destes objectivos deviam estar já adquiridos,
como é o caso da prática de pensar correctamente e ser capaz de detectar
operações incorrectas de pensamento. Mas sabe-se que isso não está tão
adquirido como seria de desejar, o que justifica a definição de objectivos
a este nível. É certo que o hábito de pensar está desenvolvido entre os
jovens, mais, porém, noutros contextos e com motivações em geral muito
diferentes das que a filosofia exige. Por outro lado, é importante não es-
quecer que este nível de exigência e de formação deve ser articulado e
enquadrado em objectivos posteriores, mais especificamente filosóficos, sem
o que estes ficarão muito comprometidos.
Este primeiro nível de objectivos é, pois, uma condição para o nível
seguinte. Com efeito, não só muitos alunos do Curso Complementar não
têm ainda o hábito, nem a si impõem, a exigência de pensar correctamen-
te, como a própria actividade filosófica tem características que é preciso
conhecer, e que devem ser dominadas pelos alunos antes de tentarem
abordar problemas específicos e soluções filosóficas. É difícil obter uma
iniciação filosófica, minimamente estruturada e útil, sem experiência de
utilização da metodologia filosófica e sem a prática dessa actividade espe-
cífica. E menos ainda se não dominar nem lhe for habitual o uso correcto
da razão e da análise crítica. Ora, para isto nada como habituarem-se a
analisar, com o rigor possível, variadas situações segundo uma actividade
racional o mais possível próxima da actividade filosófica.
Tornar os alunos capazes do uso correcto da razão que analisa, e sen-
tindo necessidade de o fazer, face às situações problemáticas não se
consegue obrigando-os a pensar sobre o vazio, ou sobre assuntos afastados,
como já foi dito. Mas tudo indica que os tornaremos capazes disso levando‑os
a pensar com objectividade sobre assuntos e situações tão reais quanto
189
possível. Que, assim, pelo pensamento analítico e racionalizador, se vão
transformando em filosóficos, desde que os alunos utilizem as exigências
racionais de que já são capazes, e que, deste modo, irão acrescentando.
A regra prática será pois esta: a cada um o nível filosófico de que for capaz,
em cada momento, como condição para ir alcançando níveis cada vez mais
elaborados e usando os métodos adequadas a tal objectivo.

3. Como dominar estes objectivos?

Como consegui-lo, uma vez que só se alcançam quando criam condições


para que a filosofia seja possível?

3.1. A intenção deverá respeitar as duas referidas condições, em virtude


do seu duplo e oposto estatuto de condição da filosofia e de objectivo dela,
isto é, de princípio e de fim, como vimos. Assim, deverão analisar-se situa­
ções e problemas:
• tornando indispensável operar com correcção racional;
• obrigando a verificar o rigor lógico das operações efectuadas;
• estabelecendo uma distância crítica face a aspectos pessoais e afecti-
vos dos juízos;
• distinguindo dados objectivos de dados subjectivos.

É indispensável, para as duas condições, a acção do professor, impedin-


do vícios de forma e vigiando o desempenho da tarefa pelo(s) aluno(s)
encarregue(s) dela.
Tudo isto são condições de base para o acto de filosofar, mas como se
trata de competências a desenvolver, e que com frequência não estão ain-
da adquiridas nem estabilizadas, é de facto um objectivo da maior
importância. Deverá ser definido e tratado como um objectivo específico
da iniciação na filosofia.
3.2. Por outro lado, é indispensável criar hábitos de pensamento crítico
e de racionalização, e levar os alunos a verificar as suas vantagens, tornan-
do-se para cada um numa exigência constante. Sendo assim indispensável
190
a qualquer iniciação à filosofia o hábito de pensar com rigor, como fazer
nascer nos alunos essa exigência?
É indispensável não confundir finalidades com objectivos, como sucede
ainda no Programa acima citado. Portanto, para “assegurar o desenvolvi-
mento do raciocínio”, “facultar conhecimentos necessários à compreensão
das manifestações estéticas e culturais”, “formar a partir da realidade con-
creta da vida” (p. 6); ou, como diz a Declaration de Paris pour la philosophie,
se queremos “formar espíritos livres e reflexivos, capazes de resistir às di-
versas formas de propaganda, de fanatismo, de exclusão e de intolerância”,
é indispensável gerar actividades que obriguem os alunos a utilizar, e a ir
manifestando, as faculdades que se deseja venham a ser adquiridas. Se isto
se fizer com correcção e com continuidade, eles próprios verificarão:
• que em todas as situações é possível analisar, conceptualizar e avaliar;
• que estas tarefas enriquecem a realidade com que nos confrontamos
e multiplicam as suas perspectivas;
• que, por essa razão, tudo é mais rico e complexo do que parecia;
• que a análise dos problemas faz surgir novas vias de solução;
• e que a perspectiva de solução dilui a tensão provocada pelos pro-
blemas.

Ou seja, aquilo que se vai verificando é já um produto da tarefa que se


executa, sendo, ao mesmo tempo, a tarefa que, por sua vez, é uma condi-
ção indispensável à filosofia. Mas não deve ser nunca o mero resultado da
intenção do professor, nem do seu ensino de matérias filosóficas. É uma
competência filosófica que se vai desenvolvendo na medida em que se
pratica.

3.3. Ao experienciar a actividade filosófica concreta, mediante activida-


des de análise e de interpretação de situações, os alunos:
• verificarão que têm capacidades que só em parte são utilizadas;
• reconhecendo as vantagens em as aplicar em todas as situações.
• Verificarão também que essas capacidades se vão desenvolvendo;
• e se vão adequando às situações problemáticas.

191
Assim, irão integrando as experiências analisadas em quadros compre-
ensivos, de que não suspeitavam.
• Reconhecerão que a actividade crítica se vai fundamentando em aná-
lises feitas;
• e que há progressiva consonância entre as análises que se fazem e o
sistema de valores que lhes está subjacente.
• Terão tendência a procurar e a reconhecer a coerência possível entre
pensamentos, sentimentos e valores pressupostos nas atitudes;
• reconhecendo, portanto, a necessidade de desenvolver a coerência
entre pensamentos e atitudes.

É de prever que se criem hábitos críticos e exigências de honestidade


intelectual, mediante estes exercícios.
Ora, cada uma destas competências corresponde a um nível taxonómico
e pode ser trabalhado com relativa autonomia, mesmo que cada uma tenha
reflexos sobre várias capacidades. E mesmo que isto não seja logo visível,
o modo como a tarefa é solicitada, as perguntas a que tem que responder,
as condições de execução e os processos utilizados, obrigarão a diversificar
competências específicas da filosofia.
Os níveis de menor exigência racional, à medida que treinados, vão
possibilitando os de maior exigência. E o acréscimo nas diferentes capaci-
dades, enquanto proporciona ao aluno o desenvolvimento das com­petências
necessárias à filosofia, exercita-o no característico desta actividade racional.
Uma vez experimentado o processo é muito provável que o aluno comece
a praticá-lo por sua iniciativa tornando-se agente da sua evolução.

3.4. Em quarto lugar, deverá ser objecto de acção pedagógica específica


a integração progressiva dos problemas analisados em temas filosóficos já
historicamente dados. É certo que isto corresponde já a outro nível de
iniciação filosófica, mas, como acima se disse, sem este nível não haverá
uma cultura filosófica mínima, que é também indispensável. Isto obter‑se‑á
recorrendo a textos e a autores escolhidos em função dos problemas.
Verificarão os alunos que a filosofia não é mais que o resultado de tentativas
racionais de superação de problemas vividos e sofridos, e concretiza-se
sempre que essa prática racional se torna necessidade e adquire uma certa
192
especificidade. Será preciso depois, na sequência deste processo, proceder
à inte­g ração progressiva dos problemas analisados em quadros, teorias e
sistemas filosóficos.
Note-se que também aqui é indispensável a acção do professor, embora
em termos de actividades a executar nunca se deva substituir ao trabalho
dos alunos. Sendo assim indispensável:
• levar os alunos a verificar as relações entre os modos empíricos, pre-
dominantes nas análises, e os filosóficos, que os textos revelam;
• que eles explorem as situações em que possam pôr em paralelo pro-
blemas vividos e situações semelhantes àquelas com que alguns
filósofos se terão defrontado. (Competirá aos professores, trabalhando
em equipa, fornecer os materiais históricos ou as pistas necessárias
para os encontrar);
• levá-los a verificar, pela actividade contínua nas aulas, que, embora
haja diferença de natureza entre os níveis empírico e filosófico, esse
trânsito é indispensável para se aceder à esfera de racionalidade filo-
sófica.

4. Proposta de uma sequência transdisciplinar

4.1. Designamo-la por transdisciplinar porque tenta, como diz Carvalho


(1996, 103), “alcançar (...) um método comum que procura satisfazer prio-
ritariamente as exigências específicas de um novo objecto”, entendendo-se
aqui por objecto o da própria filosofia e sua especificidade. E para ir à
procura da “heterogeneidade constitutiva desta ciência em que a multipli-
cidade das suas vertentes se submete à unidade complexa do seu objecto”
(Carvalho, 1996, 103). O mesmo, com propriedade, se poderá dizer da fi-
losofia, tentemos pois, para ela, uma abordagem transdisciplinar.
Assentando embora na sequência multidisciplinar clássica: lógica – gno‑
seologia – ontologia – axiologia, e não esquecendo a natureza particular de
cada uma destas áreas, e a necessidade de introduzir os alunos em cada
uma delas, pretende-se iniciá-los simultaneamente no simples filosofar, que
a muitas áreas da filosofia se pode referir, e por várias simultaneamente se
193
pode desenvolver. Procurando sensibilizá-los também às problemáticas de
cada área de uma maneira interactiva, porque um método assim assenta na
fluidez do pensamento e, portanto, nas múltiplas facetas dos problemas e
na tendência a superá-los integrando-os numa síntese.
Um problema tomado como ponto de partida pode assim funcionar como
iniciação às problemáticas específicas de várias áreas filosóficas, permitin-
do a compreensão de cada uma das especificidades e a entrada em alguns
dos seus problemas essenciais. O que não dispensa um trabalho posterior
(do professor e do aluno) de estruturação e preenchimento com os conhe-
cimentos necessários. Mas, nesta fase, deve aproveitar-se a motivação que
o problema provoca e a dinâmica do pensamento que pode passar de uns
assuntos a outros independen­temente da área a que pertençam.
Poderemos, porém, perguntar: que contributo pode trazer o estudo da
gnoseologia, por exemplo, para uma iniciação filosófica dos alunos? E como,
a partir da gnoseologia, concretizar um processo sequencial e transdisciplinar
de iniciação em diversas áreas da filosofia? E com que conteúdos de natureza
gnoseológica? E ainda, como levar, por exemplo, à compreensão da relação
das questões do conhecimento com as ontológicas, e destas com as éticas?

4.2. Não poderemos resolver este problema se não definirmos alguns


objectivos gerais para alcançar uma sensibilização às perguntas levantadas
pelo conhecimento, que são frequentemente difíceis de perceber por um
espírito pré‑filosófico e até por vezes vistos como fantasias de certos filó-
sofos. É necessário desmontar as ideias comuns, sempre que estejam
muito afastadas do pensamento filosófico. E para isso é indispensável ex-
perienciar concretamente, em diversas áreas, o problema dos limites e das
fragilidades do conhecimento sensível. Assim, deverão ser os alunos levados
a verificar:
• que a maioria dos nossos conhecimentos não ultrapassa o nível da
opinião;
• que a ideia de conhecimento como captação do “real” carece de base;
• que há diferentes níveis de certeza no que diz respeito ao conheci-
mento;
• que há diferentes tipos de conhecimento: empíricos, científicos e fi-
194
losóficos;
• que cada um destes tipos de conhecimento tem características dife-
rentes;
• que há diferença também entre conhecimento sensível e inteligível;
• que a percepção é uma interpretação/construção, etc.

4.3. Mas esta sensibilização à problemática gnoseológica e ao conheci-


mento como charneira para as diferentes áreas da filosofia, obriga-nos a
definir objectivos específicos no sentido de competências filosóficas a ad-
quirir. As questões gnoseológicas são privilegiadas para uma sensibilização
à especifici­d ade filosófica. Confrontados os alunos, na organização dos
conhecimentos, com, por exemplo, a oposição “indefinição versus estrutura”,
ou “sensível versus inteligível”, que objectivos específicos a gnoseologia
lhes poderá pro­p orcionar? Note-se que diferentes teorias se organizaram à
volta da predomi­nância de cada um destes elementos, sendo muitas as vias
de exploração possível. Assim, os alunos deverão ficar capazes de:
• identificar e caracterizar, em termos gerais, as concepções gnoseoló-
gicas referentes a cada uma destas posições antinómicas;
• identificar os diversos problemas gnoseológicos que cada uma destas
concepções provoca e os contextos históricos das suas origens e
desenvol­v imentos;
• identificar e caracterizar as mais importantes soluções encontradas;
• caracterizar, em articulação com as identificações anteriores, os dife-
rentes géneros de problemas que o conhecimento tem colocado;
• realçar as relações da gnoseologia com a lógica e com a ontologia,
enquanto áreas filosóficas específicas e relacionáveis.

A partir da compreensão da problemática gnoseológica estarão em con-


dições de compreender algumas das questões modernas, no que diz
respeito à ciência, à epistemologia e à ontologia actuais. Competirá aos
professores, trabalhando em equipa, estabelecer pontes com esses domínios,
definindo níveis de exigência adequados, embora maleáveis.
4.4. Como criar condições para que, mediante tarefas concretas e progra­
madas, os alunos alcancem de facto as competências definidas para
aquela fase? Tendo em conta que o número de actividades escolares pode
195
ser muito grande e está condicionado por factores que só os professores,
na situação escolar e trabalhando em equipa, serão capazes de estabelecer,
o que agora se propõe são simples sugestões de trabalho.
E assim, a questão a colocar é esta: como trabalhar para que venham a
ser capazes de fazer, e, fazendo, venham os alunos a mostrar que compre­
enderam e assimilaram o que a este nível de iniciação era importante?
Tomemos um caso qualquer extraído da experiência dos alunos. Uma questão
de natureza política, social, ou religiosa. Ou questões já de natureza filosófica
como a manipulação genética, o aborto, a eutanásia, por exemplo. Peçamos
a um aluno a sua opinião, ou lancemos a questão para debate, obrigando
a perspectivá-la ou a analisá-la em diversos planos. Deixemos que as opiniões
se manifestem, sendo previsível a diferença e até a oposição.
O professor deverá levar os alunos a distinguir os aspectos de natureza
psicológica e afectiva das posições individuais, verificar a importância des-
ses aspectos, os inúmeros factores em jogo, e também a reconhecer que há
uma estrutura lógica (conceitos, juízos e raciocínios) que sustenta as argu-
mentações, mas que com aqueles não se confunde. E ainda a verificar que
os raciocínios e os argumentos se apoiam quase sempre em valores, e são
filtrados por uma sensibilidade.
Eis, pois, vários domínios a explorar. Desde logo é preciso pedir a cada
um que tente desmontar os elementos afectivos e psicológicos mais visíveis,
ou que cada um seja capaz de os reconhecer nas suas posições. Por outro
lado, é necessário que os alunos identifiquem as operações utilizadas na
argu­m entação (concepções, analogias, induções, deduções), e tentem
reconhecer os valores pressupostos em cada posição. É por certo difícil de
realizar, mas é o momento adequado para que o professor forneça os
elementos de informação e tome as atitudes de pensamento ou de investigação
bibliográfica que ajudarão a perceber os elementos em causa, e a compreender
os diferentes domínios onde os pretendemos introduzir: a gnoseologia, a
lógica, a ontologia e a axiologia.
4.5. Explicitando um pouco esta intenção geral, pensamos ser também
conveniente tentar uma iniciação em dois níveis de especificidade. Assim,
no primeiro nível, os alunos deverão ficar capazes de:
196
• distinguir entre os níveis empírico, científico e filosófico;
• distinguir entre os elementos de uma relação cognitiva específica e
elementos gerais inerentes a todas as relações cognitivas;
• definir e compreender as noções de objectivo, subjectivo, opinião, facto,
lei, certeza, evidência, aparência, valor, conceito, juízo, raciocínio, etc.;
• saber distinguir, em texto ou em debate oral, as opiniões, das certezas,
o particular, do geral, o verdadeiro, do falso, o possível, do provável,
o sensível, do inteligível, o concreto, do abstracto, o necessário, do
contingente, etc.
• identificar, numa situação analisada, os elementos objectivos dos sub-
jectivos;
• classificar, segundo o seu grau de objectividade e rigor, várias descri-
ções do mesmo acontecimento feitas por diversos alunos, etc.
Para que isto se possa concretizar, terão que ser fornecidos textos aos
alunos, e/ou criar-se-ão situações educativas que possibilitem a execução
destas tarefas, sendo todas elas criticadas e avaliadas em função dos objec-
tivos, das condições concretas de execução e dos resultados obtidos, os
quais deverão ter níveis previamente definidos de proficiência.

4.6. Num segundo nível de objectivos, estes dirão respeito a conteúdos


mais especificamente filosóficos; originariamente gnoseológicos mas abertos
a relações e desenvolvimentos por outras áreas filosóficas. Importante é
que se concretizem mediante investigação e problematização feita pelos
alunos, numa aproximação interdisciplinar, e mesmo tendencialmente trans-
disciplinar, não esquecendo que a acção do professor é determinante na
motivação, no forneci­mento de quadros de interpretação e nas informações
e precisões a fornecer.

Assim, ainda a título de sugestão aos professores, e tendo em conta as


aquisições anteriores em termos de quadros de compreensão gnoseológica
e competências intelectuais e de pesquisa bibliográfica, com níveis de pro-
fundidade determinados pelas capacidades dos alunos ou dos grupos, estes
serão capazes, no final, de, por exemplo:
• Explicar a função das categorias nas teorias de Aristóteles e de Kant,
197
com as principais implicações ao nível da ontologia e da gnoseologia.
• Relacionar o Mundo das Ideias de Platão e sua teoria do conhecimen-
to com as correntes idealistas da filosófica ocidental, características
essenciais, e presença em mundividências e formas de interpretação
corrente.
• Descrever a evolução do conceito ou ideia, de Sócrates a Aristóteles,
passando por Platão, a partir da contextualização do problema na sua
origem e evolução.
• Compreender o conceito, tanto como pedra angular do problema da
verdade, em Sócrates, e suas implicações axiológicas em Sócrates e
Platão, como as repercussões na lógica de Aristóteles como domínio
específico.
• Distinguir entre as “condições a priori da sensibilidade em Kant e as
sensações em Locke, e as diferentes concepções do conhecimento que
implicam.
• Enumerar as principais consequências, para a filosofia moderna, da
“solução” gnoseológica dada por Descartes com o cogito, explorando
a problemática ontológica que daqui resultou para a filosofia moderna.
• Descrever as características do método experimental, introduzindo o
aluno na problemática da dogmatização e da axiomatização da ciência
e na crise da ciência moderna.
• Indicar e caracterizar os problemas que se colocam ao conhecimento
científico contemporâneo, com a expulsão do sujeito e a necessidade
filosófica e cultural da sua recuperação.
• Identificar e caracterizar, em textos escolhidos, posições e soluções para
o problema da origem, da natureza e dos limites do conhecimento.
(Página deixada propositadamente em branco)
199

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Série

Investigação

Imprensa da Universidade de Coimbra

Coimbra University Press

2010

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