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Florestan Fernandes, um

militante do ensino
democrático
O sociólogo não só refletiu sobre a escola brasileira,
apontando seu caráter elitista, como atuou pessoalmente
em defesa da educação para todos
POR:
NOVA ESCOLA
01 de Outubro | 2008

Florestan Fernandes

Florestan Fernandes (1920-1995) foi um dos mais influentes sociólogos


brasileiros, mas muitos o chamavam de educador sem saber que isso o
incomodava em sua modéstia. O equívoco tinha razão de ser. Vários escritos de
Florestan tiveram a educação como tema e sua atuação na Câmara dos
Deputados, já no fim da vida, se concentrou na área do ensino. Além disso, a
preocupação com a instrução era um desdobramento natural de sua obra de
sociólogo. "Em nossa época, o cientista precisa tomar consciência da utilidade
social e do destino prático reservado a suas descobertas", escreveu.

Como o italiano Antonio Gramsci (1891-1937), Florestan militava em favor do


socialismo e não separava o trabalho teórico de suas convicções ideológicas.
Ainda que com abordagens diferentes, ambos acreditavam que a educação e a
ciência têm, potencialmente, uma grande capacidade transformadora. Por isso,
deveriam ser instrumentos de elevação cultural e desenvolvimento social das
camadas mais pobres da população. "Um povo educado não aceitaria as
condições de miséria e desemprego como as que temos", disse ele em entrevista a
NOVA ESCOLA em 1991. "A escola de qualidade, para Florestan, não era
redentora da humanidade, mas um instrumento fundamental para a emancipação
dos trabalhadores", diz Ana Heckert, docente da Universidade Federal do
Espírito Santo.

Florestan tomou para si a tarefa de romper com a tradição de pseudoneutralidade


das ciências humanas e reconstruir uma análise do Brasil abertamente
comprometida com a mudança social. Segundo sua análise, uma classe burguesa
controlava os mecanismos sociais no Brasil, como acontecia em quase todos os
países do Ocidente. No entanto - por causa de fatores históricos como a
escravidão tardia, a herança colonial e a dependência em relação ao capital
externo -, a burguesia brasileira era mais resistente às mudanças sociais do que as
classes dominantes dos países desenvolvidos.
Revolução incompleta

Segundo Florestan, a revolução burguesa, cujo exemplo emblemático é a de 1789


na França, não teria se completado no Brasil. Enquanto os revolucionários
franceses do século 18 exigiam ensino público e universal, as elites brasileiras do
século 20 ainda queriam controlar a educação para manter a maioria da
população culturalmente alienada e afastada das decisões políticas. Por isso, uma
das principais lutas de Florestan foi pela manutenção e pela ampliação do ensino
público (leia quadro na página 109). "Ele acreditava que o sucateamento da
escola, com péssimas condições de trabalho e estudo, fazia parte das tentativas de
sufocar a democratização da sociedade por meio da restrição do acesso à cultura
e à pesquisa", diz a pesquisadora Ana Heckert.

O Brasil, dizia o sociólogo, era atrasado também em relação ao que ele chamava
de cultura cívica, ou seja, um compromisso em torno do mínimo interesse
comum. Para Florestan, não havia tal cultura no Brasil por dois motivos: ela
estimularia as massas populares a participar politicamente e ao mesmo tempo
tiraria das classes dominantes a prerrogativa de fazer tudo o que quisessem sem
precisar dar satisfações ao conjunto da população.

Florestan bateu-se também pela democratização do ensino, entendendo a


democracia como liberdade de educar e direito irrestrito de estudar. Em seus dois
mandatos de deputado federal, nos anos 1980 e 1990, o sociólogo esteve
envolvido em todos os debates mais importantes que ocorreram no Congresso no
campo da educação. Participou ativamente da discussão, elaboração e tramitação
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que só seria aprovada
em 1996, um ano depois de sua morte.
Florestan defendia propostas mais radicais do que as que acabaram incluídas na
lei aprovada, cujo mentor foi o antropólogo e senador Darcy Ribeiro (1922-
1997). O sociólogo propunha que a lei incluísse o princípio de escola única, que
abrangesse Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, conjugada
com educação profissional, e possibilitasse uma escolaridade maior aos setores
carentes da população. Florestan também pretendia, como meio de dar autonomia
às escolas, que os diretores fossem eleitos por professores, pais e alunos. Ele
queria ainda incluir na LDB um piso salarial para os professores.

Contra o autoritarismo

Não eram só as condições estruturais do sistema educacional que atraíam a


atenção rigorosa do cientista social. No intervalo democrático entre 1945 e 1964
no Brasil, Florestan notou que a educação havia ganho papel crucial na busca "do
equilíbrio e da paz social", mas isso se devia a conquistas sociais e não a políticas
dos governos, que, segundo ele, continuavam não investindo em educação
pública. Além da destinação de verbas, o passo mais urgente então seria integrar
as escolas para que sua função progressista se multiplicasse e ganhasse solidez.
Ao lado do trabalho propriamente didático, as escolas deveriam formar "um
sistema comunitário de instituições sociais".

Florestan também se preocupou em criticar a prática em sala de aula, com ênfase


em três pontos: a concepção do professor como mero transmissor do saber, que,
para ele, fragilizava o profissional da educação; a idéia de que o aluno é apenas
receptor do conhecimento, quando o aprendizado deveria ser construído
conjuntamente na escola; e o ensino discriminatório, que trata o aluno pobre
como cidadão de segunda classe. "Para Florestan Fernandes, a educação
transformadora se faz com uma escola capaz de se desfazer, por si mesma, do
autoritarismo, da hierarquização e das práticas de servidão", diz Ana Heckert.
Mestre de uma geração desbravadora

Juscelino Kubitschek (à dir.) comemora


a vitória na eleição presidencial: oásis
democrático.

Florestan Fernandes integrou a primeira geração de sociólogos formados pela


Universidade de São Paulo, da qual também fez parte o crítico literário Antonio
Candido. Foi mestre da terceira geração, que incluía Octavio Ianni e o futuro
presidente Fernando Henrique Cardoso. De um modo ou de outro, tanto
veteranos quanto seus discípulos viveram grande parte de sua existência sob
longas ditaduras - primeiro a de Getulio Vargas (1937-1945), que havia sido
precedida de governos apenas parcialmente democráticos, e depois o regime
militar, iniciado em 1964 e encerrado com eleições indiretas em 1984. Não é de
espantar que o período de liberdade civil anterior a 1964, em especial o governo
Juscelino Kubitschek (1956-1960), tenha sido tão produtivo para todos esses
intelectuais. Algumas das mais importantes reflexões sobre o Brasil datam dessa
época, tanto nas ciências humanas como nas artes (com exemplos como a Bossa
Nova e o Cinema Novo).

Biografia

Florestan Fernandes nasceu em 1920 em São Paulo, filho de uma imigrante


portuguesa analfabeta, que o criou sozinha, trabalhando como empregada
doméstica. Aos 6 anos, Florestan também começou a trabalhar, primeiro como
engraxate, depois em vários outros ofícios. Mais tarde, ele diria que esse foi o
início de sua aprendizagem sociológica, pelo contato que teve com os habitantes
da cidade. Aos 9 anos, a necessidade de ganhar dinheiro o fez abandonar os
estudos, que só recuperaria com um curso supletivo. Aos 18, foi aprovado para o
curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo e, por essa época,
iniciou sua militância em grupos de esquerda. Depois do golpe militar de 1964,
Florestan enviou uma carta à polícia protestando contra o tratamento dado a seus
colegas presos e foi, ele também, para a prisão. Em 1969 foi cassado pelo regime
militar. Sem poder trabalhar, deixou o Brasil e lecionou em universidades do
Canadá e dos Estados Unidos. Depois da redemocratização, filiado ao Partido
dos Trabalhadores, elegeu-se deputado federal em 1986 e 1990. Florestan morreu
em 1995, de câncer. Publicou quase 80 livros durante a vida, nos campos da
sociologia, da antropologia e da educação. A Revolução Burguesa no Brasil e
Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento estão entre os títulos mais
importantes.

A briga política pela escola pública

Lacerda: a serviço dos interesses do ensino privado e religioso.


Muitos intelectuais participaram, nas décadas de 1940 e 1950, da Campanha em
Defesa da Escola Pública, que teve origem nas discussões para a aprovação da
primeira LDB. Nenhum foi mais ativo do que Florestan Fernandes. De início, o
tema principal do debate era a centralização ou descentralização do ensino. A
polêmica seguiu acirrada até que, em seu ponto máximo de tensão, o deputado
Carlos Lacerda apresentou no Congresso um substitutivo para atender aos
interesses das escolas particulares e das instituições religiosas de ensino, que
pretendiam ganhar o direito a embolsar verbas do Estado. Florestan publicou
nessa época vários escritos em que combatia as pretensões da escola privada e
também desenvolvia suas idéias sobre a necessidade de democratizar o ensino. O
substitutivo de Lacerda acabou sendo aprovado. Mas, no longo prazo, quem
ganhou foi Florestan - suas idéias são, hoje, praticamente consenso entre os
dirigentes da educação pública.

Para pensar

Florestan Fernandes acreditava que a educação deveria ser, para os alunos, uma
experiência transformadora que desenvolvesse a criatividade, dando condições de
se libertar da opressão social. Mas, para isso, a escola deveria deixar de
reproduzir os mecanismos de dominação de classe da sociedade. Você já se
analisou sob esse ângulo? Será que, vez ou outra, já não confundiu sua legítima
autoridade de professor com autoritarismo?
Quer saber mais?
Democracia e Educação em Florestan Fernandes, Osmar Fávero, 256 págs., Ed. Autores Associados/EdUff, tel.
(19) 3289-5930, 39 reais
Educação e Sociedade no Brasil, Florestan Fernandes, 614 págs., Ed. Dominus/Edusp, tel. (11) 3091-2911
(edição esgotada)
O Desafio Educacional, Florestan Fernandes, 264 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3611-9616 (edição esgotada)

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