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O Português como Língua de Herança em Florença:

Línguas e identidades em movimento

Ana Luiza Oliveira de Souza, Universidade Federal de Goiás

1. Introdução
Este trabalho circunscreve-se no âmbito das questões relativas à
aquisição e manutenção do Português como Língua de Herança (doravante
POLH), investigando as variáveis inter-relacionais, tais como as crenças e
atitudes perante a língua de herança (LH) que envolvem seu espaço de
socialização e influenciam, por sua vez, práticas linguísticas nas famílias e na
comunidade.
Segundo Fishman (2001) e Valdés (2005) o termo LH inclui, além das línguas
faladas pelas comunidades de imigrantes, as línguas indígenas, autóctonas, a
língua dos nômades, dos refugiados e dos colonos, línguas estas que são
adquiridas e utilizadas em ambiente familiar, diferentes da língua de
comunicação utilizada pela sociedade. Dessa forma, a LH não assume a
mesma acepção de uma língua estrangeira (LE), nem mesmo de uma língua
materna (LM). Um dos critérios cruciais, porém, para a sua definição, segundo
Polinksy & Kagan (2007), é que “a língua de herança é a primeira língua na
ordem de aquisição, mas não completamente adquirida por causa do contato
da criança com o idioma dominante” (p.369), isto é, do seu contato através da
escola e do convívio social. No contexto americano, Valdés (2001), define o
falante de herança (FH) como o sujeito que “é criado numa casa onde a língua
inglesa não é falada, ele pode falar ou simplesmente entender essa LH, sendo
bilingue em inglês e na LH em determinadas situações” (p.38). Nesse sentido,
outros estudiosos (POLINKSY & KAGAN, 2007; CARREIRA e KAGAN, 2011;
FLORES e MELO-PFEIFER, 2014) identificaram diferentes perfis linguísticos
nestes falantes em base às diferenças de proficiências na LH, em vários níveis
de competências (produção e compreensão oral, compreensão e produção da
escrita).

OLIVEIRA DE SOUZA, A.L. O Português como Língua de Herança em Florença: línguas e identidades
em movimento. In SOUZA, A. & ORTIZ ALVAREZ, M. L. (Orgs.) Português como Língua de
Herança – uma disciplina que se estabelece. Campinas: Pontes Editores. 2020. p.181-206.
Sob essa perspectiva, no processo de desenvolvimento da linguagem
dos FH, como consequências das experiências orais e/ou auditivas no seio das
famílias de imigrantes, nem todos os falantes desenvolvem repertórios
linguísticos idênticos (FLORES e MELO-PFEIFER, 2014). Em ambiente familar,
os brasileiros que residem no exterior mantêm práticas linguísticas irregulares e
assistemáticas, “a medida que as crianças crescem, a língua de herança, o
português, desaparece ou perde a sua força identitária e cultural” (Mendes,
2015, p.79), pois seus filhos adquirem e reforçam cada vez mais a língua do
país hospedeiro. Além da proficiência linguística, a heterogeneidade dos perfis
dos FH também é percebida a partir do ponto de vista identitário cultural das
crianças (SOUZA, 2008). Sendo assim, com base em estudos sociolinguísticos
que tratam das políticas e planejamentos linguísticos, e de pesquisas
realizadas com as escolas complementares no Reino Unido, este artigo
procura demonstrar como os fatores sociolinguísticos influenciam não somente
a aprendizagem linguística em LH, mas também seus construtos identitários
com a cultura brasileira. Para discutir as relações entre línguas e culturas em
contato, o presente estudo foca no cenário de uma escola comunitária, o da
Casa do Brasil em Florença, cujos perfis identitários dos aprendizes, falantes
de herança do português brasileiro, transitam entre a língua e cultura italiana e
a brasileira. A pesquisa tem como objetivo explorar questões ligadas aos
construtos linguísticos e de pertença cultural brasileira, que estão se
desenvolvendo nas crianças, ou que foram desenvolvidos no período de aulas
de Português nessa instituição. Dessa forma, um questionário foi respondido
por pais de oito crianças que representam quatro perfis familiares diferentes
(mãe brasileira e pai italiano, pai brasileiro e mãe italiana, somente pais
italianos e e somente pais brasileiros).
O aporte metodológico centra-se no estudo de caso de cunho
qualitativo-explorativo, isto é, os dados são descritos e interpretados
considerando todos os envolvidos, não somente com relação à interpretação
das respostas dos questionários, mas também nos momentos de observações
em sala de aula, sob a perspectiva do educador. Dessa forma, algumas
questões foram relevantes para iniciar esta investigação, entre elas:

OLIVEIRA DE SOUZA, A.L. O Português como Língua de Herança em Florença: línguas e identidades
em movimento. In SOUZA, A. & ORTIZ ALVAREZ, M. L. (Orgs.) Português como Língua de
Herança – uma disciplina que se estabelece. Campinas: Pontes Editores. 2020. p.181-206.
1. Quais seriam as dimensões ligadas ao sentimento de pertença a
uma cultura, apreendidas através das aulas na escola comunitária
de POLH, que podem se transformar relevantes para a imagem de
si?
2. Como estas dimensões mudam e se reestruturam em um contexto
de imigração, ou seja, longe do Brasil?
3. O sentimento de pertença, e de identidade étnico-cultural das
crianças é diferente entre a heterogeneidade dos perfis dos falantes
de POLH?

Os resultados encontrados vão de encontro com aspectos também


sinalizados em outros estudos como os de Souza (2008) e Moroni (2018). Foi
possível perceber que os dados apontam para duas direções significativas no
que concerne ao ensino aprendizagem do POLH: a importância que o núcleo
familiar oferece ao desenvolvimento e à valorização da LH desde os primeiros
anos de vida, neste sentido, o papel da mãe, brasileira ou italiana, é
fundamental para esse desenvolvimento; e o papel da escola de POLH como
elemento estimulador para reforçar este aprendizado e a manutenção da LH, e
o sentimento de identidade cultural.

2. Embasamento teórico

Muitos estudiosos (FISHMAN, 1972, 2001; Valdés 2001; SPOLSKY,


2007; GARCÍA, 2010) que têm se aprofundado no tema das políticas
linguísticas e planejamento compreendem que estas aportam mecanismos de
poder, através dos quais as elites estabelecem e sustentam sua hierarquia.
Tais estudos não se restringem somente às leis e ações governamentais. Além
de questões políticas, envolvem questões de identidades étnicas, de direitos
linguísticos das minorias, e de compreensão do status (BLOMMAERT, CREVE
e WILLAERT, 2006) que incui, no nosso caso, o lugar institucional que pode
ocupar o POLH em contexto de emigração brasileira.

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em movimento. In SOUZA, A. & ORTIZ ALVAREZ, M. L. (Orgs.) Português como Língua de
Herança – uma disciplina que se estabelece. Campinas: Pontes Editores. 2020. p.181-206.
O debate acerca das políticas linguísticas levou muitos teóricos nos
anos 70 a analisar as diferentes relações de poder envolvidas nos
comportamentos e escolhas linguísticas das diferentes comunidades de fala
analisadas. Fishman (1972) em seus estudos iniciais sobre políticas linguísticas
compreendia que estas estavam relacionadas aos diferentes domínios, isto é,
ao tipo de organização social, e da forma como a língua é utilizada e planejada,
ou não. Esses domínios incluem, entre outros: a família, a escola, o trabalho, a
vizinhaça, o espaço religioso, a imprensa, e o governo, somente para citar
alguns. Seguindo esse conceito, Spolsky (2007) defende que dentro dos
domínios descritos por Fischman existem ainda três componentes interligadas
e independentes entre si: as práticas linguísticas, suas crenças e o sistema de
gerenciamento dessas práticas. Cada componente possui aspectos que
poderiam ser controlados internamente e outros que sofreriam as influências de
fatores externos que explicariam, por suas vez, as escolhas linguísticas dos
falantes das comunidades. Seguindo o mesmo autor, as experiências das
famílias nos diferentes domínios (ambientes) desenvolvem nas próprias
crianças crenças sobre a língua e valores relacionados à ela, os quais serão
posteriormente atribuídos às suas próprias práticas cotidianas e crenças
individuais, e que segundo Spolsky:

“O mais forte de todos é a prática linguística, pois em sua


ausência não há nenhum modelo de linguagem disponível para
se aprender. Como ninguém na minha casa jamais falou
iídiche, eu perdi a oportunidade de aprender essa língua cedo.
A criança criada em um ambiente monolíngue é privada das
possibilidades abertas a um bilíngue (...) A proficiência em uma
língua, quer falada ou escrita, estabelece um limite obrigatório
de escolha linguística, e fornece um forte instrumento de
gestão linguística implícita”. (SPOLSKY, 2016, p.36).

Isso significa dizer que as práticas linguísticas nos domínios familiar,


comunitário e escolar podem lhes oferecer valores, habilidades e
comportamentos linguísticos que permanecerão para o resto de suas vidas.
Neste viés, o estudo de Souza (2006) no Reino Unido abordou o tema ao
investigar o comportamento linguístico de um grupo de mães brasileiras, e
revelou que as escolhas linguísticas nas relações diárias entre os filhos e suas
mães estavam relacionadas à consciência de uma identidade étnica das
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em movimento. In SOUZA, A. & ORTIZ ALVAREZ, M. L. (Orgs.) Português como Língua de
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próprias mães. Suas escolhas de falar o inglês ou o português com seus filhos
influenciavam a formação da identidade bicultural deles. Entende-se, portanto,
que o planejamento e as políticas linguísticas começam com “desejos,
aspirações e imaginações de pessoas em suas diferentes posições” (GARCÍA,
2011, p. 470), é um processo complexo que envolve diferentes domínios da
sociedade.
A respeito dos domínios escolar e comunitário, Fishman (2001)
argumenta que os programas de ensino de língua de herança pelas próprias
comunidades têm importância vital para a manutenção das línguas e de suas
etnias. O referido autor (1991, apud Valdés, 2001) assevera que a manutenção
da língua depende também da transmissão entre as gerações, e que a escola
sozinha não pode se ocupar desta missão, a comunidade deve contribuir para
criar um ambiente em que a língua e a identidade étnica comunitária possa
crescer e prosperar para além da sala de aula. De acordo com os estudos de
García (2011) em diferentes comunidades de fala em regiões com minorias
linguísticas, apesar da complexidade das relações entre os domínios, existem
três princípios a serem considerados no que tange à construção de uma
identidade étno-linguística: i. a importância do posicionamento dos esforços
linguísticos e identitários étnicos; ii. tais esforços são sempre dinâmicos, ou
seja, mudam e se reestruturam; iii. existe uma relação de poder, de
padronização, de uso e de atitudes para que se preservem a língua e cultura
de origem. Nesse sentido, seguindo o terceiro princípio, os vários estudos
analisados pela autora também comprovaram a importância da escola como
instituição de apoio à construção dessas identidades linguísticas minoritárias.
Embora o estudo não analisasse somente o fenômeno em contexto de
imigração, como é o nosso caso, compreende-se que o sucesso na
transmissão e no resgate das línguas e culturas minoritárias depende das
políticas educacionais, e estas se caracterizam como um fator predominante
para “o reconhecimento das múltiplas identidades linguísticas dos falantes”
(GARCÍA, 2011, p.473).
No que diz respeito à relação entre língua e identidade, Fishman e
García (2010) e Valdés (2001) reiteram que para que haja sucesso nos

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em movimento. In SOUZA, A. & ORTIZ ALVAREZ, M. L. (Orgs.) Português como Língua de
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programas de educação na língua de herança, é fundamenal o tipo de
envolvimento da comunidade, ou seja, a forma como os sujeitos atuam nos
espaços, renegociando, criando e reconstruindo suas próprias identidades.
Linguagem, etnicidade e identidade são práticas que possuem relações
dialógicas (GARCÍA, 2010), não possuem características estáveis, são
dinâmicas e se fundem entre si, dependem de contextos e situações e
influenciam os processos de mudanças e manutenção das culturas. A língua
não é somente um instrumento de comunicação, ela é construção social, e
partindo desta visão, investir na aprendizagem da língua de herança é também
investir na identidade linguística e étnica, ou seja, na própria identidade social,
ainda que afetada pelas identidades locais e globais (Ibidem).
Ao estudarmos os fenômenos que envolvem os processos de
aquisição, aprendizagem, manutenção e resgate do POLH em contexto
italiano, estamos inferindo em questões identitárias também relacionadas ao
bilinguismo e biculturalismo, para os quais os domínios familiar, escolar e
comunitário são de fundamental importância. A construção da identidade étnica
está relacionada às caracterìsticas de descendência, principalmente quando os
grupos participam de comunidades e culturas em contato, como é o caso de
brasileiros na Itália. A respeito da identidade cultural e étnica do FH, sobre a
sua imagem de si, seus valores e características compartilhadas quanto ao
sentimento de pertença a um mesmo grupo, e considerando o seu bilinguismo,
sigo as reflexões de Harmes e Blanc (2000) para quem:

“a identidade bicultural pode incluir uma diversidade de


características, tais como a descendência, a territorialidade, as
instituições e seus valores, normas e língua, os quais fazem
um grupo cultural se distinguir do outro”. Identidade étnica é um
conceito intimamente relacionado à identidade cultural, mas,
além disso, também se refere à características de
descendência, e é significativo apenas em situações em que
dois ou mais grupos étnicos estão em contato. (HARMES e
BLANC, 2000, pp. 201). (Tradução da autora).

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Herança – uma disciplina que se estabelece. Campinas: Pontes Editores. 2020. p.181-206.
Sendo a identidade etnolinguística um mecanismo dinâmico (FISHMAN
e GARCÍA, 2010), modificado por eventos sociais e psicológicos ao longo da
vida, no caso de crianças, filhas de imigrantes, segundo Harmes (1994, apud
HARMES e BLANC, 2000) a atitude positiva dos pais e do ambiente doméstico
em face à cultura de herança fortalece o processo de valorização dessa língua
pelas crianças e de consequência, a sua aprendizagem. Em seu estudo,
realizado com a primeira geração de filhos de imigrantes gregos e árabes no
Canadá, Harmes (1994, apud HARMES e BLANC, 2000) identificou o quanto
são importantes as práticas familiares orientadas à leitura e a escrita da LH, a
valorização e a competência nessa língua são mais elevadas nesse contexto,
do que quando as práticas são orais voltadas para o cotidiano. Segundo
Harmes e Blanc (2000) se a dupla herança cultural da criança não é valorizada,
ela pode associar sua identidade a uma única cultura, recusando-se a se
identificar com a outra. Por outro lado, se existe um ambiente que estimula a
valorização de ambas as culturas, a criança terá a oportunidade de integrar
elementos das duas culturas numa identidade harmoniosa, tentando encontrar
soluções para não negar uma das duas culturas. Portanto, como demonstrado
por Harmes e Blanc (2000), a socialização nas duas línguas, durante os
primeiros anos da vida escolar, desempenha um papel importante no processo
de identificação de si (Ibidem).
Um estudo de Souza (2015) com um grupo de mães brasileiras em
Londres conseguiu identificar como a atitude positiva das mães diante da
língua e cultura brasileira, tem como consequência um planejamento linguístico
familiar em que o POLH é valorizado pelos filhos. Valendo-se da teoria de
Identidade Social de Tajfel (1981, apud SOUZA, 2015), a partir de um olhar
específico sobre a maternidade em contexto de imigração, a autora concluiu
que a autoidentidade pessoal das mães brasileiras influencia o posicionamento
dos filhos. Os relatos das mães sobre a importância da etnia para as suas
identidades sociais impacta sobre as atitudes positivas dos filhos com relação à
cultura brasileira e sua língua. As autoidentidades dependem de “como o modo
de ser brasileiro é afetado pelos costumes ingleses, ou seja, pelas experiências
de vida em Londres, em diferentes situações e momentos da vida” (tradução da

OLIVEIRA DE SOUZA, A.L. O Português como Língua de Herança em Florença: línguas e identidades
em movimento. In SOUZA, A. & ORTIZ ALVAREZ, M. L. (Orgs.) Português como Língua de
Herança – uma disciplina que se estabelece. Campinas: Pontes Editores. 2020. p.181-206.
autora, p.92). O sentimento das mães e suas ligações fortes com o Brasil e sua
cultura, influenciavam o sentimento de pertença dos filhos, suas expressões
positivas diante da língua, as conversas em português com falantes nativos, e
sua autoidentificação como brasileiros. Nesse sentido, no âmbito dos estudos
sobre a aquisição do POLH em contexto italiano, seria importante considerar o
espaço de socialização de crianças e a quatidade de estímulos (FLORES &
CORREIA, 2016), especialmente entre mães e filhos e a escola comunitária, a
fim de interpretar os diferentes estímulos por eles recebidos, e compreender os
fatores que contribuem na construção de suas identidades.

3. Espaço de socialização: as escolas comunitárias como apoio


para a construção identitária
Chamadas de “escolas complementares”, “escolas suplementares” ou
“escolas comunitárias” no Reino Unido (THORPE, 2010, SOUZA 2010), esses
termos são utilizados para identificar instituições organizadas por grupos
étnicos e linguísticos minoritários para apoiar suas comunidades no
aprendizado linguístico e cultural, conforme a afirmação de Thorpe (2010):

Escolas 'Complementares' atualmente constituem um setor


educacional significativo no Reino Unido. (...) As escolas (que
às vezes são denominadas escolas "comunitárias" ou
"suplementares") são operadas a tempo parcial por
organizações voluntárias para atender às necessidades
culturais e linguísticas específicas das diferentes comunidades
étnicas minoritárias que elas representam. (THORPE, 2010.
p.2). (Tradução da autora).

Sem entrar no mérito acerca das diferentes terminologias utilizadas no


contexto anglosaxônico, o que me interessa aqui são os objetivos que
envolvem este tipo de instituição e seu impacto dentro do sitema educacional e
social adjacente. Muitas pesquisas (SOUZA, 2006, 2010, 2015; AZEVEDO,
2018; MORONI 2018) têm explorado também os impactos dessas escolas
sobre os alunos brasileiros e suas famílias, e os desafios daqueles que lideram
e gerenciam tais escolas, outras pesquisas também focam na importância das
escolas comunitárias para as políticas educacionais, de coesão e justiça social

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Herança – uma disciplina que se estabelece. Campinas: Pontes Editores. 2020. p.181-206.
(THORPE, 2010). No meu estudo, adoto o termo escola comunitária de POLH
por concordar com as acepções acima ligadas a este termo, ou seja, o seu
impacto para a coesão social das famílias brasileiras em contexto italiano, e no
apoio aos processos de aquisição, aprendizagem, manutenção e resgate do
POLH, totalmente em consonância com as características da escola estudada.
Embora, dentro do contexto italiano, o termo ainda não seja mencionado, é
importante precisar que, na Itália, existem atividades semelhantes àquelas
realizadas pelas escolas complementares no Reino Unido1, porém as mesmas
estão vinculadas às associações de promoção social. Essas associações, de
cunho étnico-cultural, têm o propósito de divulgar e de preservar a língua e
cultura dos países de origem a que estão vinculadas2.
Creese et al (2006, 2007) realizaram diferentes estudos acerca do
papel institucional que as escolas comunitárias têm na produção da identidade,
privilegiando e encorajando um posicionamento específico quanto à sua
identidade e ao bilinguismo flexível existente nos alunos. Isto porque a escola
comunitária, diferente da escola regular, fornece um espaço para o uso dos
dois idiomas, onde a alternância de códigos torna-se usual e normal, instituindo
práticas pedagógicas que atribuem importância ao bilinguismo desses alunos.
Para os autores, as escolas comunitárias também privilegiam momentos para
explorar as identidades étnicas e linguísticas de seus participantes, pois
fornecem espaços alternativos e autônomos, espaços de diálogos e de
narrativas de suas identidades étnicas. Do ponto de vista organizativo, os
autores definem que

Essas escolas representam tentativas individuais e


comunitárias de se organizarem voluntariamente para
privilegiar outras histórias, idiomas e culturas que não lhes são
facilmente disponíveis no ensino regular. A separação política e
educacional dessas instituições é caracterizada pelo pouco

1
Para uma compreensão mais abrangente em relação às escolas comunitária na Europa e no
Reino Unido, em especial, sobre as escolas comunitárias brasileiras, veja SOUZA & LIRA,
2017.
2
Cito brevemente duas associações que realizam atividades de ensino e aprendizagem da
língua e cultura de herança em Florença: AL WIFAK – Associazone Culturale Italo-Araba per
Firenze e Toscana, e Associazione Italia Russia de Firenze. Veja os sites. Disponível em
http://noprofit.cittametropolitana.fi.it/promsoc/promsoc/scheda.asp?c=585 e http://www.firus.it.
Acesso em AGO. 2018.

OLIVEIRA DE SOUZA, A.L. O Português como Língua de Herança em Florença: línguas e identidades
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investimento público, quando existe, o que mantém a liberdade
institucional para definir seus próprios currículos e objetivos
pedagógicos. (CREESE et al, 2007, p.25). (Tradução da
autora).

Além disso, no que concerne o papel da escolas comunitárias, os


autores identificaram três diferentes posições que estas escolas tendem a
desenvolver em seus aprendizes, e que as autoras caracterizaram como
identidades dominantes que predominam nestes alunos, são as seguintes:
identidade de herança/comunidade, identidade multicultural e a de aprendiz. As
primeiras posições estão relacionadas à categoria social étnica, onde os alunos
se identificam com determinados grupos linguísticos. A terceira posicão é a de
identidade de aluno, as preocupações quanto à forma como a escola constrói o
aprendiz, um aluno bem-sucedido em termos linguísticos, de acordo com os
parâmetros da aprendizagem das línguas nas escolas regulares. Segundo as
autoras, os participantes de sua pesquisa demonstravam uma consciência
diante do valor do multilinguismo e multiculturalismo, e suas identidades não
estavam vinculadas a somente uma etnia ou cultura, pelo contrário, estavam
ligadas a uma sofisticada capacidade de se comunicarem em outras línguas e
de se relacionarem com outras culturas em que conviviam. Suas identidades
transitavam entre os três posicionamentos, sendo mais reforçada a identidade
aprendiz que lhes oferecia a oportunidade de alcançar sucesso em exames
nacionais de língua estrangeira. Esta discussão também foi levada para o
contexto das escolas comunitárias brasileiras por Souza (2010) no Reino
Unido, a autora ressaltou o impacto que a escola tem na experiência do
aprendizado das crianças, sendo também o espaço mais importante onde as
crianças podem interagir com outras em sua LH, nesse estudo a identidade de
herança foi ressaltada entre as outras duas posições identitárias.
Considero pertinente utilizar o termo “escola comunitária” (SOUZA,
2010) para a Casa do Brasil em Florença, embora o vínculo com o sistema
educacional italiano não ocorra neste caso, não havendo ligação alguma com a
grade curricular nacional italiana. Por outro lado, a associação possui um
programa de ensino que iniciou em 2017, com planejamento pedagógico
linguístico, além de objetivos e metas bem precisas quanto à educação em

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POLH. Pretende-se, dessa forma, entender como essa escola está
proporcionando o desenvolvimento de identidades culturais brasileiras em seus
alunos em contexto italiano, e como essas crianças se autoidentificam a partir
de suas experiências linguísticas escolares e familiares.

4. O estudo

A Casa do Brasil em Florença (doravante CBF) foi criada em 2014 com


o objetivo de reunir, nesta cidade italiana, famílias brasileiras e seus filhos a fim
de criar um ambiente de socialização em Português. Desde o início das
atividades educativas e culturais ligadas ao ensino e manutenção do POLH, o
número de alunos multiplicou-se. Atualmente a escola conta com 42 crianças
com diferentes perfis sócio-linguísticos. Esses perfis levaram a coordenação da
CBF a implementar mudanças com relação ao agrupamento de crianças e ao
desenvolvimento de um programa de ensino. Conforme descreve Oliveira de
Souza (2017), fundadora da associação e coordenadora do projeto de POLH, o
perfil das famílias participantes são bem variados: filhos de mães e pais
brasileiros, filhos de pais italianos e mães brasileiras e crianças brasileiras
adotadas por pais italianos. Segundo a coordenadora, durante os três anos de
trabalho voluntário com o grupo de famílias, ainda não existia a ideia da criação
de um projeto de ensino formal da língua. Inicialmente,

A linha de ação foi agregar as famílias, ser ponto de encontro,


formar laços de amizades e nos reconhecermos como
brasileiros, ganhando a nossa autoestima como imigrantes.
Uma vez por mês, por três horas a cada encontro, falamos
português com nossos filhos, e as crianças já reconhecem a
Casa do Brasil como um ponto de referência para elas e
aguardam ansiosas a leitura infantil a cada mês. Os nossos
filhos se tornaram amigos, encontram-se durante a semana,
conversam em português. Estamos nos tornando uma grande
família. (OLIVEIRA DE SOUZA, 2017. p.250).

Encontramos nessas palavras os objetivos iniciais do projeto, aquele


de agregar e formar um grupo no qual o principal objetivo era o resgate e

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manutenção de valores culturais transmitidos através da língua, da literatura e
das brincadeiras tradicionais brasileirais.
Além da CBF, na cidade de Florença existe um outro projeto de ensino
de POLH, o Projeto Quintal: espaço lúdico brasileirinho3, projeto educacional
da Associazione Brasile Lingua e Cultura direcionado às faixas etárias de 1 a 6
anos, com encontros de leituras e laboratórios mensais. A escolha em realizar
a presente pesquisa de campo na CBF justifica-se pelo fato de ser uma
iniciativa que oferece aulas de alfabetização em português há mais tempo na
região.
Atualmente essa escola comunitária em Florença acolhe 42 crianças
entre os 18 meses e 12 anos de idade. As classes são divididas em 4 grupos:
bebês (1 a 3 anos); maternal (3 anos e meio a 6 anos), ALFA 1 (de 6 anos e
meio a 8 anos), e ALFA 2 (de 9 a 12 anos). São cinco educadoras que atuam
na instituição: um educador para cada grupo de até dez crianças. Somente no
grupo da educação infantil escolheu-se trabalhar com dois educadores por
exigências pedagógicas de realização das atividades e autonomia das
crianças. O grupo dos bebês é menor. Dele, participam somente sete crianças
e são acompanhadas pelos pais. No ano em que se realizou o estudo, ano
letivo de 2017-2018, as classes ALFA 1 e ALFA 2 realizavam atividades em
conjunto com duas educadoras e 18 crianças. Com o propósito de desenvolver,
além da competência oral, a competência escrita, o programa de ensino prevê
o empréstimo de livros aos alunos, e de acordo com os dias dos encontros, a
cada quinze dias, os alunos levam em empréstimo ao menos um livro para
lerem com seus pais, uma forma de se habituarem com a leitura em português,
ampliar o léxico e as estruturas gramaticais, com o apoio dos pais, atores
importantes neste processo de aquisição, aprendizagem, manutenção e
resgate do POLH.

4.1 Participantes
Para a realização desta pesquisa, concentro-me em oito crianças que
representam quatro diferentes perfis dos alunos frequentantes da escola

3
Disponível em https://www.facebook.com/QuintalBilingue/?ref=br_rs . Acesso em AGO. 2018.

OLIVEIRA DE SOUZA, A.L. O Português como Língua de Herança em Florença: línguas e identidades
em movimento. In SOUZA, A. & ORTIZ ALVAREZ, M. L. (Orgs.) Português como Língua de
Herança – uma disciplina que se estabelece. Campinas: Pontes Editores. 2020. p.181-206.
comunitária. Essas crianças frequentam as classes ALFA 1 e 2, encontrando-
se entre as faixas etárias de 6 a 10 anos. Elencaremos aqui as oito crianças
cujos perfis estão de acordo com o critério de nacionalidade dos pais. Os
nomes aqui apresentados são fictícios a fim de preservar a identidade das
familías.
Tabela.1
Perfil sociolinguístico das crianças
Pai italiano e mãe Pai brasileiro e mãe Pai e mãe brasileiros Pai e mãe italianos
brasileira italiana
PiMb PbMi BB ITAD

Téo – 8 anos Lia – 7 anos Jessica – 6 anos Mateus – 10 anos

Kátia – 8 anos Vera – 7 anos Bianca – 7 anos Henrique – 10 anos

Tabela construída pela autora.

Utilizarei a sigla BB para crianças que têm os dois pais brasileiros,


PbMi para crianças com pai brasileiro e mãe italiana, PiMb para crianças com
pais italianos e mães brasileiras, e ITAD para as crianças brasileiras com pais
italianos adotivos. Todos os alunos participantes da pesquisa frequentam a
escola italiana. Aqueles de 6 e 7 anos estão na fase de alfabetização e
reconhecimento do sistema da escrita em italiano, isto é, sabem ler, mas a
alfabetização ainda não é completa. Os de 8 a 10 anos, por outro lado, já estão
completamente alfabetizados em italiano.

4.2 Metodologia de pesquisa

Para a obtenção dos dados, foram realizadas observações em sala de


aula, procurando compreender o sentimento de pertença cultural ligado a sua
proficiência linguística durante as atividades na escola. Ao fim do curso, no
mês de junho de 2018, foram entregues questionários (veja apêndice) aos pais,
a fim de coletar dados mais precisos sobre as vivências em português em casa
e com os amigos. O questionário tinha algumas perguntas abertas acerca da
avaliação dos pais quanto às atitudes linguísticas e culturais dos próprios filhos
pensando nas aulas de POLH da escola comunitária. Para interpretar os
dados, como investigadora e educadora desta turma, utilizo-me de observação
em sala de aula, e conversas com os pais ao final das aulas, a fim de

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compreender certas atitudes dos seus filhos, e assim poder analisar melhor o
questionário.

Discussão dos resultados: Identidades que se acolhem


simultaneamente
Discuto abaixo os aspetos das escolhas linguísticas e suas ligações
com o sentimento de pertença e identidade cultural dentro do contexto escolar
comunitário, dedicando um espaço para reflexões acerca das práticas
linguísticas familiares e escolares a partir do questionário respondido pelas
mães (veja o apêndice).
Do ponto de vista sociolinguístico e de escolaridade, todas as famílias
participantes deste estudo conhecem bem as duas línguas, e possuem nível de
escolaridade que vai do Ensino Médio ao Ensino Superior. Os genitores
italianos conhecem bem a língua e a cultura brasileira, apresentando somente
pequenos desvios lexicais e gramaticais em português.
Com relação às atividades da escola, pude observar que os alunos se
comunicavam predominantemente em italiano entre eles, e com os educadores
falavam em português na maioria das vezes. Percebeu-se ainda que durante
os momentos de socialização em grupo, dependendo da atividade estruturada
pelos educadores, como por exemplo, se trabalhavam a escrita de textos, os
educadores faziam as perguntas em português, mas somente respondiam em
português aqueles que sabiam se expressar na LH. Os quatro alunos do perfil
ITAD e do perfil PbMi tinham dificuldades em se comunicar em português no
primeiro trimestre (out.; nov.; dez.) até o mês de janeiro, apresentando avanços
do ponto de vista linguístico e cultural no final do ano letivo (maio). A seguir
apresentaremos as características de cada perfil.

5.1 Perfil 1: PiMb


Téo nasceu na Itália, filho de mãe brasileira e pai italiano, foi ao Brasil
três vezes, a última quando tinha 5 anos. Hoje, com 8 anos, ele fala com
fluência e lê bem em português, e está começando agora a escrever em
português. Ele começou a frequentar a CBF em 2016, quando as atividades

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eram ligadas à ampliação do vocabulário e da fluência oral na LH. Segundo o
relato da mãe, ele gosta de frequentar a escola de português por causa dos
amigos, e tem ampliado o seu vocabulário desde que iniciou a participar das
aulas. Ela fala sempre em português com ele, nem sempre ele lhe responde
em português. A mãe percebe que o sentimento de pertença ao Brasil
aumentou depois das aulas de POLH, e depois de conhecer um pouco mais
sobre as tradições do folclore, ela diz: “Ele ficou interessado em ir à festa junina
do primeiro ano depois que lhe contei que era uma festa especial e muito
sentida no Brasil, ele ficou curioso.” E ainda: “Ele fala comigo em português, e
quando não fala, eu peço para ele falar”. Durante a minha observação, percebi
que Téo conversa com os educadores em português com fluência e gosta de
demonstrar essa habilidade, com seus colegas, porém, tende a conversar em
italiano, somente quando o educador lhe chama a atenção, muda o código
linguístico. Téo se autoidentifica como sendo brasileiro e italiano por saber falar
português e porque sua mãe é brasileira e seu pai é italiano.
Kátia tem oito anos, filha de mãe brasileira e pai italiano, nasceu no
Brasil, já foi ao país 4 vezes. Conversa com os avós por telefone
frequentemente. Já escreve em italiano, e consegue ler em português com
algumas dificuldades. Segundo o relato da mãe, ela gosta de frequentar a
escola pelo prazer de aprender, “sempre conta o que aprendeu, como por
exemplo, quando aprendeu como viviam os índios na época do descobrimento
do Brasil. Ela ficou entusiasmada e me contou tudo que aprendeu”. Kátia
conversa com os educadores em português com bastante fluência, com os
amigos ela alterna entre o português e o italiano. Ao observar as atitudes
linguísticas e identitárias dessa aluna, eu pude perceber um grande interesse
durante as aulas, tanto nas atividades escritas, quanto nas atividades orais, na
ampliação do vocabulário. A mãe também relata que notou que a filha fala com
mais “espontaneidade” depois que passou a frequentar as aulas de português.
Kátia se autoidentifica brasileira e italiana, por ter nascido no Brasil, pelo seu
pai ser italiano, e por viver na Itália.
Com base nessas declarações e observações, é possível perceber que
a escola é o espaço onde o POLH pode ser consolidado, onde as experiências

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linguísticas e identitárias são marcadas e confrontadas com aquelas
apreendidas e adquiridas em casa, a escola torna-se espaço de aquisição,
manutenção e aprendizagem da LH.

Perfil 2. BB
Jéssica e Bianca tem seis e oito anos. São filhas de mãe e pai
brasileiros, nasceram na Itália. À diferença de Bianca, que recebe estímulos
para falar em português dos dois genitores, Jéssica recebe mais estímulos da
mãe. O pai de Jéssica se acostumou a se comunicar em italiano com a filha,
pois ele se sente forçado em falar em português. Segundo a mãe de Jéssica,
desde 2015, quando começaram a participar das atividades da CBF, e também
da escola comunitária em 2017, ela tem ajudado ao pai a tomar consciência de
sua comunicação em português com a filha. Ela revela que ele se esforça em
falar português, mas deve sempre lembrá-lo4.
Mesmo com essas diferenças, o perfil das crianças com pais BB
apresenta-se bastante equilibrado no que se refere às competências
linguísticas e ao pertencimento cultural. Pude perceber, durante a minha
observação que Jéssica e Bianca são muito orgulhosas de sua fluência
linguística e identidade bicultural, no caso de Bianca, poderíamos dizer também
multicultural, ela mesma afirma: “eu sou italiana, brasileira, e portuguesa”.
Bianca se autoidentifica nessas três nacionalidades pela ligação com parentes
e pelas experiências com a língua e cultura desses três países. A sua
explicação é “porque meus pais nasceram no Brasil, eu nasci na Itália, e
porque tenho tios em Portugal que falam o português”5. Jéssica, por sua vez,
se autoidentifica brasileira e italiana, porque seus pais são brasileiros e ela
mesma nasceu na Itália, e por saber falar os dois idiomas. Neste sentido, o
processo de manutenção e aprendizagem do POLH se consolida dentro do
domínio escolar, e o domínio familiar com suas práticas e crenças com relação
à língua são mais frequentes, a escola torna-se então o espaço consolidador

4
Faço referência como pesquisadora/educadora desta turma, dos momentos de observação em sala de
aula, e de conversas com essa mãe durante as aulas, e após a entrega do questionário.
5
Momentos de sala de aula, onde a pesquisadora/educadora pergunta à criança se ela é brasileira.

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dessa aquisição, ou seja, um espaço de aprendizagem e de manutenção do
POLH.
Deixo por último os perfis PbMi e ITAD por ter identificado algumas
semelhanças do ponto de vista linguístico e identitário. Pude perceber que,
durante as minhas observações em sala de aula, os filhos de mães italianas e
pais brasileiros investigados neste estudo estão construindo suas
competências na LH, e a medida que frequentam a escola comunitária e
participam com bastante frequência das atividades culturais da CBF, também
seus construtos identitários em relação às duas línguas e culturas estão sendo
reforçados. Assim também se apresenta o perfil ITAD que está no processo de
aprendizagem e resgate das habilidades linguísticas, e pertenças culturais
brasileiras.

Perfil 3. PbMi
As duas crianças PbMi Lia e Vera, de 7 anos, iniciaram o ano letivo da
escola comunitária com pouco vocabulário na LH, talvez por receberem poucos
estímulos por parte dos pais brasileiros. As duas mães italianas afirmaram
estas falhas que, segundo elas, poderiam ter contribuído para a pouca fluência
em português, na compreensão e produção oral de suas filhas. À diferença de
Vera, que compreendia quase nada no início do ano letivo, Lia entendia um
pouco mais. Quando a mãe de Lia, que sabe falar o português, compreendeu
que ela também era agente do processo de aquisição linguística da filha6, ela
organizou uma agenda em seu cotidiano a fim de falar em português também
em casa, e separou momentos de leitura e escuta de músicas brasileiras. Na
falta do pai, que sempre viaja, ela também declara que ficou mais motivada em
falar português com os brasileiros em ocasiões de encontros e nas pracinhas,
mostrando assim, à filha, que era também importante falar português.
Seguindo este mesmo caminho, também a mãe de Vera (7 anos) se
esforçou para poder aumentar a fluência e o vocabulário de sua filha. Como no

6
Essa informação foi retirada a partir de conversas informais com essa mãe, depois de uma aula. No
mês de fevereiro de 2018, a Casa do Brasil em Florença organizou um seminário sobre Educação
Bilíngue, onde foram expostos algumas alternativas para estimular o convívio e as práticas em
português em contexto de migração.

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caso de Jéssica (BB) o pai de Vera também não conseguia falar em português
com a filha, a língua italiana era muito forte no seu cotidiano, como relata a
mãe, “Ele passa o dia inteiro fora no trabalho, e quando volta, está cansado,
não consegue desligar da língua italiana”. Vera não compreendia quase nada
em português, e no início do ano letivo pedia para que a educadora falasse em
italiano, demonstrando cansaço em seguir a atividades em sala de aula. Com
frequência a educadora tinha que lhe dizer em italiano o que estava sendo
pedido, misturando os dois idiomas ao se comunicar com ela. Já Lia
demonstrava mais compreensão, e menos cansaço na recepção dos
comandos em português durante as atividades, mas a educadora tinha que lhe
explicar a atividade mais de uma vez para que chegasse à compreensão.
Segundo o relato das duas mães, elas sempre gostavam de ir às aulas porque
se divertiam e aprendiam coisas diferentes. As duas alunas começaram em
2017 a se aproximarem da LH, de forma constante, com o início da escola
comunitária da CBF. Tanto Lia quanto Vera, ao fim do ano letivo, em maio de
2018, demonstraram um grande salto, do ponto de vista oral e de compreensão
linguística, fato reconhecido pelas mães, partes entrevistadas nesta pesquisa.
As duas mães reconhecem a importância deste aprendizado para a vida das
filhas, como afirma as mães de Vera e de Lia, respectivamente:

“ - Como mãe dela, acho importante ela preservar a “parte” brasileira, pois a
origem cultural da familia de cada um sempre trás um enriquecimento para a
pessoa, e por isso eu não quero de jeito nenhum que Vera perca essa sua
origem.” (mãe de Vera)

“ - Eu acho fondamental pra familia bilingue equiparar e rispectar essa grande


oportunidade que é poder conviver com essa mistura, crea fundamento na
educação da criança, evolui e é costrutivo.” (mãe de Lia)

Importante precisar que para as duas mães, houve uma ampliação


significativa do vocabulário, também percebido em casa quando as crianças
cantam as músicas que aprenderam na escola, ou tentam se comunicar,
mesmo apresentando alguns desvios. Elas percebem que isso é resultado das
aulas, dos encontros com os amigos e das atividades extras realizadas pela
escola.

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“ – No inicio, achei que ela ficava um pouco envergonhada em falar o
português, talvez com receio de errar na frente das crianças que já tinham um
certo domínio do idioma (isso porque praticavam o português em casa
conversando com os seus pais, o que não é o caso da Vera). No final do ano
escolar, mais ou menos no mês de junho, fiquei surpresa, Vera começou a
conversar espontaneamente sem problema nenhum. Com certeza, errando
algumas palavras de vez em quando, mas sempre procurando acertar, ela
ficou muito feliz quando percebeu que poderia também conversar em
português. Achei também que as conversas com a familia brasileira ficaram
mais interessantes para ela ... em pensar que no inicio ela não gostava
porque precisava sempre da minha contribuição para se entender com a avó
e a tia ....” (mãe de Vera)

Com relação aos aspectos ligados à identidade cultural, nota-se


também que as crianças se autoidentificam brasileiras e italianas porque os
seus pais possuem essas duas nacionalidades. Percebe-se no relato da mãe
de Vera que o pertencimento cultural está também ligado à língua do país, e
que a própria filha também percebe isso. Quando se pergunta se ir à escola
comunitária era uma imposição para a criança, a mãe responde:

Nunca foi uma imposição da familia. Eu, como mãe, tentei explicar para ela
que quanto mais idioma ela aprender, mais possibilidades ela vai ter para
conhecer, encontrar pessoas e viajar para outros lugares sem maiores
problemas. Como na escola dela é muito frequente encontrar crianças com
pai ou mãe de outra nacionalidade (albanese, cinese, brasiliana, indiana,
peruviana…), normalmente ela escuta as conversas dessas crianças com os
pais em italiano e em outro idioma; então isso passou a ser um estímulo para
ela também aprender a língua do seu pai.

Do ponto de vista identitário, as duas crianças se autodefinem como


brasileiras e italianas, e em classe é possivel perceber a forte motivação à
aprendizagem, como demonstra a resposta da mãe de Lia, os estímulos para ir
à escola são os amigos, as atividades lúdicas, e é também o livro paradidático
levado para casa como empréstimo. As crianças da escolas levam para casa
um livro, do qual têm que desenhar e escrever qual a parte da história que mais
gostaram. Nessa dinâmica, o objetivo não é somente a leitura em si, mas uma
interpretação do que leu e o diálogo a partir da leitura com o próprio genitor.
Segundo a maioria das mães, essa era uma boa atividade para a aquisição e
aprendizagem do POLH, pois estimulava não somente a leitura, mas a
oralidade, e as crianças gostavam, pois ao retorno a educadora lhes

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perguntava sobre a história do livro e lhes elogiava os desenhos. Para essas
alunas, o fato de não falarem com proficiência o português não interfere no seu
sentimento de pertença à cultura brasileira, pois a atitude positiva do genitor
não brasileiro quanto à língua e cultura do Brasil lhes oferece motivação para
continuar seu percurso de aquisição e aprendizagem do POLH. A família e a
escola compôem, neste caso, espaços de socialização na LH em que a relação
afetiva com a língua e cultura lhes influenciam na formação de suas
identidades bicultural.

Perfil 4. ITAD
O perfil ITAD, crianças brasileiras adotadas por pais italianos,
apresenta semelhança ao perfil PbMi no que diz respeito à formas como os
estímulos linguísticos acontecem em ambiente familiar. Poucos estímulos, e
quando existe, vem por parte de um falante de uma outra língua materna, e/ou
através da TV, rádio, ou música e leituras de livros. Os pais das crianças desse
perfil compreendem bem e falam a língua de forma bastante fluente, em alguns
casos. Através da observação em sala de aula, pude perceber que as crianças,
que já não praticam o português em casa, gostam de participar das aulas e de
se relacionarem com os colegas dentro do contexto de aprendizagem de
POLH. Nesse contexto, falamos de resgate e aprendizagem da LH, uma vez
que o português era a sua língua materna, e deixou de ser quando chegaram à
Itália. Os dois alunos iniciaram a se reaproximar do português a partir das aulas
na escola comunitária de POLH. Mateus, por exemplo, nasceu no Brasil e
chegou à Itália com 3 anos, não tinha ainda adquirido completamente a sua
língua materna, “aprendeu a falar e construir frases em italiano”, segundo o
relato da mãe, Mateus não pronunciava frases inteiras em português. Jà
Henrique, chegou à Itália com 7 anos, já tinha completado a alfabetização em
português, mesmo assim, durante as aulas é evidente a perda linguística e
gramatical. Os dois aprendizes demonstraram fortes dificuldades na
comunicação em POLH, para Henrique houve a perda ou esquecimento
linguístico (ISURIN, 2005), para Mateus, houve a incompleta aquisição da LM.
Do ponto de vista linguístico, Henrique e Mateus não se comunicam com

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eficiência, compreendem pouco, precisando de estratégias de comunicação
que envolva gestos do professor, imagens ou até mesmo a língua italiana, os
dois precisam recuperar a língua materna, e adquirir mais vocabulário. No
início do ano letivo os dois alunos apresentavam dificuldades também ligadas à
concentração, advindas da falta de um vocabulário elementar em POLH para
poder seguir as atividades. Com o passar do tempo, eles foram adquirindo
pouco a pouco algum léxico, através de jogos e canções em sala de aula, jogos
de adivinhações lexicais ligadas à natureza e aos animais do Brasil, atividades
estas prazerosas que os levaram a continuar com interesse no percurso de
reaquisição da língua materna.
Do ponto de vista identitário, os dois alunos se consideram italianos e
brasileiros, pois reconhecem em seus pais o forte vínculo com a Itália, com sua
língua e cultura, e com o Brasil pois é o páis onde nasceram e passaram uma
pequena parte de suas vidas. Além disso, nota-se o forte apoio desses pais no
intuito de reforçar os laços afetivos com a língua e cultura brasileira,
oferecendo-lhes estímulos para que adquiram uma visão positiva em ser
brasileiros, e compreendam a importância do aprendizado da língua e de sua
prática cotidiana. Percebe-se, assim, que as atitudes positivas da família
influenciam o processo de aprendizagem e resgate do POLH.

5. Considerações finais
As aulas da escola comunitária juntamente com as práticas familiares
demonstradas neste estudo apresentam-se como componentes fundamentais
para a aquisição, aprendizagem, manutenção e resgate do POLH, e também
contribuem fortemente para a construção de uma consciência bicultural da
criança brasileira em contexto migratório italiano, reiterando estudos realizados
anteriormente em contextos linguísticos diferentes, nos estudos de Souza
(2010), em Londres, e Moroni (2017) em Barcelona.
Percebe-se que, conforme os estudos de Fishman (2001), Spolsky
(2007) e García (2011), o planejamento linguístico é realizado a partir de
esforços conscientes e explícitos, ou seja, controlando as escolhas de uso
linguístico dentro de cada domínio, família e escola. No caso do POLH, tais

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escolhas influenciam as práticas e crenças sobre a língua de herança em
contexto italiano, e influenciam também as crenças e atitudes sobre a cultura
brasileira representada pela sua língua. Na falta de uma política linguística
nacional na Itália que proteja as línguas dos imigrantes, compreende-se que,
para a aquisição, aprendizagem, manutenção e resgate do POLH, existem
diferentes atores que articulam e planejam suas práticas, entre eles, as famílias
e a escola comunitária são de fundamental importância. As influências externas
e internas sob as práticas linguísticas no domínio familiar, e suas crenças
quanto a valorização do POLH, devem ser conscientes para que a
autoidentificação das crianças possa ser construída, tendo em vista a relação
entre as duas culturas em contato.
Nos atemos neste estudo a investigar as contribuições das famílias e
da escola comunitária diante do processo de aquisição, de aprendizagem, de
manutenção e resgate do POLH, levantando algumas questões relativas às
influências desses atores, não somente na proficiência linguística, mas seus
impactos na construção do sentimento de pertença à cultura brasileira, tendo
em mente que uma criança que desenvolve o bilinguismo desde cedo,
conforme Harmes e Blanc (2000) “não desenvolve duas identidades culturais,
mas integra ambas as suas culturas em uma identidade única” (p. 239).
Neste estudo de caso, a construção da identidade se fez a partir de
mecanismos dinâmicos que resultam de fatores sociais e psicológicos, tais
como as relações afetivas dos pais com a língua portuguesa, atitudes positivas
em relação à cultura brasileira, e suas práticas linguísticas em casa. A
identidade predominante dos oito alunos investigados é a de
herança/comunidade, seguindo assim os estudos de Creese et al (2007) e
Souza (2010) e, mesmo aquelas crianças que não adquiriram completamente
elementos culturais e habilidades linguísticas em POLH, o caso dos perfis PbMi
e ITAD, elas se autoidentificaram biculturais, brasileiras e italianas.
Compreendemos, então, que as dimensões ligadas aos sentimentos de
pertença podem ser aprendidas no contexto familiar e reforçadas em contexto
escolar, ou vice-versa. Simultaneamente, esses dois domínios dialogam e
ajudam a construir a imagem de si, em consonância com os outros domínios

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(GARCÍA, 2001). Do ponto de vista linguístico e cultural, de acordo com a
resposta das mães (perfis PbMi e ITAD), a escola preencheu os espaços de
conhecimento que lhes faltavam na língua de herança. Para os outros perfis, a
escola comunitária CBF complementa e reforça (GARCIA, 2011) o sentimento
bicultural. Visto que se trata de crianças, o sentimento de pertença à cultura
brasileira e a valorizaçao da imagem de si são percebidos, mas ainda estão em
construção. No nosso estudo, é predominante o papel das mães, revelando as
dificuldades encontradas pela parte masculina na prática linguística familiar em
POLH, vemos isto na afirmação de uma mãe brasileira, e de uma mãe italiana
ao revelarem que o pai brasileiro tem dificuldades em manter a comunicação
em português no domínio familiar. Neste sentido, as experiências orais em
família, com os genitores falantes brasileiros e com os genitores de origem
italiana, aportam construtos linguísticos e culturais positivos, incentivando os
filhos na aprendizagem em POLH. Enfim, o sentimento de pertença à cultura
brasileira não é diferente quando comparamos os diferentes perfis
sociolinguísticos (proficiência linguística, famílias mistas, famílias só de pais
italianos ou só de pais brasileiros), confirmando o fato de que as competências
linguísticas e identidades étnico-culturais se constroem simultaneamente, mas
a competência linguística não é o fator principal para esse sentimento. O
sentimento bicultural vai depender dos estímulos e esforços que a família e a
escola empregam, atuando um planejamento linguístico em conjunto. Dessa
forma, os FH do POLH são influenciados pela identidade cultural de suas
famílias e da relação afetiva que as mesmas mantêm com a língua e cultura
brasileira. Essa relação afetiva e valorização da língua e cultura brasileiras são
demonstradas quando os pais incentivam seus filhos a participarem das aulas
de POLH da escola comunitária, são estimulos que nascem de um processo de
reconhecimento e valorização da cultura brasileira, não somente na vida de
seus filhos, mas nas suas próprias vidas.

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ANEXO 1 - Questionário perfil sociolinguístico familiar
1. Lugar de nascimento dos pais e filhos, e línguas faladas
País de Nascimento Itália / Brasil/ outro Línguas faladas
Pai
Mãe
Filho *investigado
Irmão * irmã
Irmão *irmã

2. Por que motivos você optou para que seu/sua filho(a) frequentasse a escola de língua e
cultura brasileira? Descreva abaixo.
3. O seu filho (sua filha) vai com prazer às aulas de português da Casa do Brasil em Florença?
Se sim, cite por favor o que ele mais gosta de fazer ou encontrar na escola.
4. A criança quer aprender o Português, ou é uma imposição da família?
5. A criança tem parentes no Brasil, ou algum laço familiar do qual seria importante manter ou
aprender o Português? Se sim, a criança gostaria de se comunicar com esses familiares?

6. Quais línguas estão presentes no dia-a-dia da família, e em que situações? Situação


Língua(s) presente(s). Marque um x
SITUAÇÕES Italiano Português Outra língua
Em conversas em casa
Visitando outros membros da família
Na leitura de livros e outros materiais
escritos
Ao assistir televisão
Ao ouvir música
Em viagens
No clube (se freqüentar)
Na religião (se for o caso)
Em outras situações (quais?)

7. Marque que língua seu filho utiliza em cada situação:


Só Mais Metade português e Mais italiano Só
português português do metade italiano do que Italiano
que italiano português
Em casa
Na escola
Com o pai
Com a mãe
Em viagens
Ao ver televisão

8. Há quanto tempo seu filho/sua filha estuda o português?


a. ( ) Menos de um ano
b. ( ) Cerca de dois anos
c. ( ) Cerca de três anos ou mais

9. Você viu avanços no período em que seu filho (sua filha) frequentou as aulas da escola da
Casa do Brasil? Se sim, cite por favor alguns exemplos do ponto de vista afetivo, com o Brasil
e sua língua.
10. Você percebeu avanços do ponto de vista linguístico, na aquisição de novas palavras ou
frases em seu vocabulário?

11. Hoje, depois de participar às aulas e eventos da Casa do Brasil durante este ano, pergunte
ao seu filho (ou sua filha) qual a sua nacionalidade. *Não influencie a resposta.
( ) italiano (a), ( ) brasileiro (a), ( ) italiano (a) e brasileiro (a)

OLIVEIRA DE SOUZA, A.L. O Português como Língua de Herança em Florença: línguas e identidades
em movimento. In SOUZA, A. & ORTIZ ALVAREZ, M. L. (Orgs.) Português como Língua de
Herança – uma disciplina que se estabelece. Campinas: Pontes Editores. 2020. p.181-206.

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