Publicado anteriormente como NOS ACORDES DA NOSSA
CANÇÃO
por ANA CAROLINE
Copyright 2023 © Ana Caroline
Todos os direitos reservados.
Criado no Brasil.
Capa: Ellen Ferreira
Revisão: Mirna Santos
Diagramação Digital: Juju Figueiredo
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas.
Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados. São proibidos o
armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,
através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei n°. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código
Penal.
Sumário
Sinopse
Playlist
Dedicatória
Capítulo 1 – Aly
Capítulo 2 – Aly
Capítulo 3 – Aly
Capítulo 4 – Aly
Capítulo 5 – Aly
Capítulo 6 – Aly
Capítulo 7 – Aly
Capítulo 8 – Aly
Capítulo 9 – Aly
Capítulo 10 – Aly
Capítulo 11 – Aly
Capítulo 12 – Aly
Capítulo 13 – Gabo
Capítulo 14 – Gabo
Capítulo 15 – Gabo
Capítulo 16 – Aly
Capítulo 17 – Aly
Capítulo 18 – Gabo
Capítulo 19 – Aly
Capítulo 20 – Aly
Capítulo 21 – Gabo
Capítulo 22 – Aly
Capítulo 23 – Aly
Capítulo 24 – Aly
Capítulo 25 – Aly
Capítulo 26 – Aly
Capítulo 27 – Gabo
Aly
Capítulo 28 – Aly
Capítulo 29 – Gabo
Capítulo 30 – Aly
Capítulo 31 – Aly
Capítulo 32 – Gabo
Capítulo 33 – Gabo
Capítulo 34 – Aly
Capítulo 35 – David
Capítulo 36 – Vitória
Capítulo 37 – Aly
Epílogo – Aly
Agradecimentos
Outras obas
Sobre a autora
Eles são vizinhos.
Eles estudam na mesma universidade.
Ele é popular e jogador de basquete.
Ela é uma nerd virgem que ama música...
Ele ouve a música perfeita todas os dias, mas é cego demais para
enxergar além da melodia.
Ela é invisível demais, mas sua voz encanta a todos...
Alice e Gabriel são completamente diferentes, mas isso não impede
que o destino os coloque juntos...
Dois opostos, uma paixão avassaladora e um sonho a ser realizado,
afinal, o que existe além da melodia?
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acesso!
Este livro é dedicado a todos os jovens cujo o amor parece
impossível, aqueles com amores platônicos.
O amor as vezes pode vim de uma longa espera, pode nos
deixar marcas irreversíveis, mas sempre, e digo sempre mesmo, em
toda e qualquer ocasião vale apena ser vivido!
Por isso, siga o conselho desta humilde autora e AME,
porém, acima de tudo, SE ame. O amor próprio é o segredo para a
felicidade em todas as áreas da sua vida!
Eu não sei como o mundo funciona, só posso dizer como o
MEU mundo funciona. Tenho uma vida relativamente boa, sou
brasileira e graças a uma bolsa de estudos que ganhei estou a cinco
anos morando em Charlotte.
Passei quatro meses morando em uma república junto com
alguns outros estudantes, três anos para a conclusão do ensino
médio e agora estou cursando pedagogia na principal universidade
da Carolina do Norte.
Os primeiros quatro meses foram de adaptações, fiquei por
um tempo em um alojamento junto com alguns outros estudantes
enquanto minha mãe resolvia as coisas da mudança. Agora moro
com meus irmãos e minha mãe em uma das cidades mais
populosas do estado. Minha mãe já tinha passe livre para cá,
porque ela nasceu na florida, uma verdadeira cidadã americana, ela
e meu pai se conheceram no ensino médio e ao se formarem
decidiram morar no Brasil por um tempo, contudo, esse tempo foi
prolongado ao descobrirem que seriam pais, por algum motivo que
nunca me foi explicado eles resolveram permanecer no Brasil. Meu
objetivo, no entanto, sempre foi morar e estudar aqui e minha mãe
me apoiou quando me inscrevi para a bolsa de estudos que ganhei
com louvor. Sobre o meu genitor, esse sumiu anos antes. Sou uma
boa filha, uma ótima aluna e virgem, bom essa parte poderia
simplesmente ter mudado se as minhas poucas tentativas de fazer
amor não tivessem sido terrivelmente frustradas, mas essa história
eu conto depois.
Me considero segura demais para dizer que sou bonita no
meu ponto de vista, porém, confesso que apesar da minha vida
escolar sempre ter sido excelente, me referindo ao estudo em si,
minha vida social sempre foi um verdadeiro fracasso.
Ando pelos corredores da universidade e me sinto como a
murta que geme do filme do Harry Potter. Vago sem rumo,
melancólica e sem amigos.
Ok, não vou exagerar, mas, tirando a parte do melancólica o
resto é a mais pura verdade.
Nos romances que leio a nerd sempre tem outros amigos
nerds e várias pessoas implicando, até que o mocinho do romance é
forçado a fazer um trabalho escolar com ela e pow! Eles se
apaixonam perdidamente, e a partir daí tudo muda para mocinha
nerd e desajeitada, mas nem isso eu tenho. Não há outros amigos
nerds, não há um mocinho prestes a se apaixonar depois de ser
forçado a fazer um trabalho, nem mesmo existem pessoas
implicando comigo, sou completamente invisível. É triste, mas tem
seu lado bom, e assim que descobri conto qual é.
No entanto, não vou ficar pensando nisso, na verdade nunca
penso, só em dias raros de sofrências, só que hoje é um dia
especial, dia 18 de maio, meu aniversário, hoje completo vinte e três
anos.
Encaro meu reflexo no espelho enquanto me visto.
Vinte e três anos, parabéns, Aly!
Termino de pentear meu cabelo e desço para o café. Minha
família é pequena, somos apenas minha mãe, meus dois irmãos
mais novos e eu, eles já estão sentados a mesa, Sarah tem
dezessete anos e Steven tem oito. Sarah diferente de mim odeia ler,
é uma péssima aluna e totalmente desorganizada, Steven é uma
mistura de nós duas sendo ele um pestinha ambulante. Na escola
eu era invisível e agora na faculdade nada mudou, mas em
compensação, em casa tenho dois que valem por todos os alunos
do ensino médio e os jovens universitários juntos.
— Bom dia, família — cumprimento animada.
— Bom dia, princesa. Como se sente nesse dia tão especial?
— minha mãe me pergunta entusiasmada.
— Como todos os outros, mamãe, porém, mais velha —
brinco.
— Veja pelo lado positivo, pelo menos ninguém vai notar, já
que você é invisível. — Essa é minha adorável irmã, não sei porque
ainda conto as coisas para ela.
— Sarah, não fale assim com sua irmã, ela não é invisível,
apenas gosta de ficar na dela, quietinha e é bom que as pessoas a
respeitam e não a incomodam.
— Ah, claro! É ótimo ser invisível e vagar pelos corredores
como um fantasma buscando um receptor para se conectar com o
mundo dos vivos. — Sarah e seu humor ácido já não me espanta
mais, contudo, minha mãe anda cada vez mais preocupada com
esse comportamento dela.
— Já chega, Sarah Sawyer! Peça desculpas a sua irmã. Hoje
é aniversário dela e eu preciso de um dia de paz e muito amor aqui
dentro. — Olho para minha mãe e vejo o cansaço estampado em
seu rosto.
Desde que meu pai foi embora tem sido dias muito
estressantes, Sarah que sempre foi doce e alegre, ficou amarga,
desobediente e complicada, mamãe vira e mexe está chorando em
seu quarto. Ela descobriu que estava com dois meses de gravidez
logo após ser abandonada, e eu, bom eu o apaguei da minha vida e
da minha mente, o maior sortudo de todos nessa história foi o meu
irmão que nem chegou a conhece-lo.
Tenho em mente que tudo aquilo que plantamos somos
obrigados a colher, sei que em algum momento da vida, ele irá
colher a dor que plantou em nossas vidas. Todas as vezes que vejo
minha mãe chorar escondida, ou olho nos olhos dela e vejo a
infelicidade, desejo que ele sinta o mesmo onde quer que esteja.
Não sou uma pessoa ruim, só que odeio ver as pessoas que
mais amo na vida sofrerem.
— Ei — ouço minha mãe falar e olho para seu lindo rosto que
estampa um falso sorriso. — Vamos parar de moleza e terminar o
café? Vai acabar se atrasando.
— Estou indo, mamãe.
— Querida, hoje é seu aniversário, quero ver nesse rostinho
lindo um belo sorriso, não essa ruguinha de preocupação na testa.
Mais tarde irei preparar algo especial para você, chame alguns
amigos se quiser.
— Ela não vai chamar nenhum amigo, mamãe — Sarah
interrompe grosseiramente. — Porque ela não tem, mas se quiser
pago com a minha mesada uns figurantes para eles saírem nas
fotos — ela se vira para mim com um sorrisinho debochado — Pode
considerar como um presente de aniversário, maninha.
— Já chega, Sarah! — minha mãe a corta. — Vai
imediatamente para o seu quarto e só saia de lá quando eu chamar,
você já tem dezessete anos, minha filha, não deveria agir como uma
criança birrenta, está mais do que na hora de amadurecer, Sarah! —
Victoria Philips Sawyer é a mulher mais linda e guerreira que já
conheci, me orgulho de ser sua filha, mas como disse, o cansaço a
está consumindo, a paciência perdida em momentos como esse a
faz demonstrar o quão pesado está seu fardo e por mais que eu
tente ajudá-la, tudo parece apenas piorar.
— Feliz aniversário, irmã. — diz Steven ao se levantar da
mesa, ele me abraça e me presenteia com seu sorriso largo e
ingênuo.
— Hoje é meu dia de folga e quero meu filhote em casa
comigo, o que acha de faltar a escola hoje, Steven?
— Ebaaaa! — grita e sai saltando em direção ao quarto. Olho
mais uma vez para minha mãe e a vejo sorrindo para mim.
— Eu te amo, mamãe! — digo e sem esperar por sua
resposta, pego minha bolsa e saio.
O dia está lindo hoje. Ao longo do ano, em geral a
temperatura é bem instável. Hoje em particular o tempo está
ensolarado e quente, o que me deixa muito feliz, pois amo o calor e
é uma das poucas coisas das quais sinto falta no Brasil.
Ao sair de casa me deparo com uma cena bem comum na
casa ao lado.
— Qual é o seu problema? Será que não podemos ter uma
manhã de paz nessa casa? Porque tem sempre que está
provocando?
— Eu estou provocando? Porque você não se dá ao respeito
e para de trazer esses merdas para dentro de casa? Eu já falei que
quando a Bia chegar não vai entrar mais nenhum filho da puta aqui
dentro! — Esse é meu vizinho, Gabriel e sua mãe. Eles se mudaram
do Brasil para cá, é um bolsista, assim como eu, astro do basquete,
sonha em entrar para NBA e ao contrário de mim é super popular.
Gabriel e eu estávamos no mesmo avião, no mesmo corredor da
república, estudamos na mesma escola, agora na mesma faculdade
e por uma benção de Deus somos vizinhos, mas mesmo com tantas
coincidências nunca trocamos uma palavra, nem mesmo um "bom
dia". O que é uma pena, porque poderíamos ser bons amigos ou se
dependesse de mim, seriamos muito mais.
Gabriel tem vinte e quatro anos e namora a garota mais
bonita que já conheci, eles estão juntos desde o ensino médio.
Thais tem a mesma idade que Gabo, ruiva, cabelos encaracolados
até a cintura e tem um corpo de causar inveja, ela faz curso de
educação física e já participou de duas competições de body
Building, ou seja, ela é puro musculo, chega a beirar a perfeição.
Diferente de mim que sou quase uma vareta.
A mãe de Gabriel tem sérios problemas com álcool e
constantemente traz homens para dentro de casa, causando assim
a revolta do filho. Ouvi dizer que a irmã de Gabriel está vindo morar
com eles, e o fato de ter tantos homens circulando essa casa parece
ser um problema.
Quando ouço a porta abrir disfarço e me viro para o outro
lado, para que ele não perceba que estava espiando sua vida mais
uma vez. Bom, o quarto dele tem a janela na mesma direção do
meu e pode ser que de vez em quando, ou quase sempre, eu dê
uma espiada nele. Mas não me julguem, ele é lindo demais para
que eu resista, lindo demais para evitar que meu coração bata mais
rápido toda vez que o vejo, ou apenas pense nele.
Meu aniversário está sendo como todos os outros desde que
meu pai foi embora, essa foi mais uma coisa que ele conseguiu
estragar, foi no dia do meu aniversário de quinze anos que ele saiu
para comprar um presente e nunca mais voltou, minha mãe tenta
todos os anos fazer algo diferente, mas não dá muito certo, o clima
nunca mais foi o mesmo, claro que é um dia diferenciado e alegre,
mas não tanto quanto antes.
Hoje é sexta e todas as sextas eu deixo de ser invisível por
algumas horas no pub do Berry, fica a uma hora e meia da minha
casa, mas compensa, não só pelas gorjetas como também porque
sou ouvida, as pessoas me veem de verdade lá, posso até dizer que
gostam de mim.
Passo pelo corredor que leva ao refeitório, porém, paro ao
ver Gabriel e Thais, eles parecem estar no meio de uma discussão,
ele está bem irritado, quase do mesmo jeito que fica com a mãe
todos os dias, fico sem saber o que fazer, se sigo em frente e ignoro
mesmo sabendo que posso atrapalhar, ou se simplesmente dou a
volta. Meu pensamento é interrompido quando de repente milhares
de pessoas começam a encher o corredor, saem de todos os lados
e nenhum deles parecem se importar com a briga de casal que está
acontecendo bem no meio da passagem. Sendo assim decido não
me importar também, sigo o meu caminho para o refeitório, mas não
sem antes olhar nos olhos de Thais, ela não está chorando, no seu
olhar que está focado no meu agora só vejo raiva, ela parece estar a
ponto de matar alguém, Gabo como sempre não me vê. Olho para
frente cortando totalmente nosso contato visual perturbador. Ao
chegar na porta do refeitório dou mais uma olhada, Gabriel não está
mais lá, no entanto, Thais ainda me encara de maneira estranha, e
isso me causa um arrepio. Ela me enxergou, não de uma maneira
boa, mas me enxergou.
— Com Licença. Você pretende entrar ou vai continuar
empatando a porta?
Que beleza, fui enxergada pela segunda vez no mesmo dia e
nenhuma das vezes foi de um jeito bom.
— Me desculpe! — falo sem graça e dou um sorriso amarelo
para Didi, uma menina mal humorada do curso de medicina. —
Acho que a porta meio que emperrou — minto descaradamente e
ela revira os olhos e aponta para frente impaciente.
Me dirijo a fila das refeições e pego uma bandeja, ainda
pensando no porque Thais me olhou daquela forma, e porque eles
estavam brigando no meio do corredor? Gabriel estava tão furioso, a
vinda de sua irmã está mesmo mexendo com ele, bom, é de se
imaginar o porquê.
— Suas pernas emperraram também? — ouço a mesma voz
falar e mais uma vez percebo que me distrai e estou parada igual
uma idiota sem ninguém na minha frente, enquanto atrás de mim
tem uma fila de jovens famintos.
— Me desculpe. — Digo mais uma vez, porém, sem olhar
para ver sua reação. Terceira vez hoje, ponto para mim.
Depois de todos os incidentes fico feliz em saber que a
universidade irá ficar uma semana fechada para uma pequena
reforma e dedetização. Gosto daqui, entretanto, gosto de gastar
meu tempo com a música. O diretor Rony está explicando tudo
nesse momento e olhando para os rostos ao meu redor e todo o
burburinho, vejo que não sou a única a curtir essa folguinha.
A maioria dos estudantes fazem seus cursos e mais alguma
atividade extra, o que torna nossa vida de universitários bem agitada
e ficamos aqui em tempo integral, e isso nos rende uma ajuda de
custos todo mês, entramos na nossa bolha escolar as sete e trinta
da manhã e saímos as dezenove e trinta, o que deixa nossa rotina
um pouco cansativa às vezes. Mas eu gosto!
— Fico feliz em ver o quanto vocês gostam daqui. — diz o
diretor ao ver a animação de todos por ficarem uma semana em
casa. — Espero que curtam bastante a folga e voltem com todo gás.
— Ele se despede e sai da sala.
Depois da notícia ninguém mais se concentra na aula e
somos dispensados mais cedo.
— Já vai sair filha? — ouço minha mãe gritar.
— Estou terminando de me arrumar — respondo do quarto.
Desço as escadas vejo minha mãe fazendo o que sabe de
melhor, cozinhar, ela é perfeita e ama o que faz, já disse a ela que
deveria abrir um restaurante, mas ela não quer. Ponto para o meu
pai, pois antes de sumir estava disposto a ajudá-la a abrir um
restaurante lá no Brasil.
— Que cheiro maravilhoso. O que é? — questiono me
aproximando.
— Estou fazendo a lasanha que o Berry pediu, já mandou
mensagem dizendo que está ansioso.
Embora minha mãe nunca tenha ido ao pub, ela e Berry se
tornaram muito amigos desde que comecei a me apresentar lá, ela
vive mandando comida para ele e ele vive a convidando para sair,
mas ela nunca aceita. Eu sem dúvida gostaria que ela conhecesse
alguém e se permitisse ser feliz ao lado de um homem bacana como
ele.
— Você está acostumando o Berry muito mal — brinco
fazendo-a rir. Amo sua risada. — Está acabando? Vou acabar me
atrasando.
— Estou sim, vá manobrando o carro que em dois minutos
levo pra você.
Quando estaciono ao lado do Pub sorrio ao ver que hoje está
lotado, há vários carros e motos estacionados e daqui posso ouvir a
barulheira. Isso significa que hoje irei faturar o dobro da semana
passada, o que me deixa extremamente feliz. Berry consegue reunir
aqui um público bem diversificado, desde jovens, a pessoas de mais
idade, a maior parte do tempo ele coloca de músicas ao vivo, o que
anima bastante o pessoal, tem áreas vips e na parte de cima alguns
quartos onde já tive que dormir algumas vezes, principalmente
quando chove, então posso dizer que tenho um quarto só meu aqui,
pois ele não deixa ninguém ficar nele além de mim, por isso já tenho
aqui tudo de que eu preciso caso necessário, roupas de dormir,
acessórios de higiene e até uma foto minha e de meus irmãos na
mesinha, também tinha uma da minha mãe, mas Berry a surrupiou.
Ele faz com que eu me sinta em casa, não me falta nada aqui e sou
muito grata por isso, assim como minha mãe.
Entro e vou direto ao encontro dele.
— Minha linda e magnífica mãe fez sua lasanha, Berry —
grito para que me ouça. Berry está de costas arrumando algumas
bebidas na prateleira, ele se vira e pega o pote das minhas mãos.
Suspira ao sentir o aroma e sorri abertamente.
— Obrigado, Aly. Espero que esteja pronta, pois isso aqui
está lotado hoje! E para acabar de me enlouquecer Dara e Endy
discutiram e foram embora.
Dara e Endy são os barmen, um casal de namorados que
Berry faz questão de manter empregados aqui por ser amigo dos
pais deles, porém, eles não têm a menor consideração e são
péssimos funcionários.
— Já te disse o que deveria fazer em relação a eles, né? —
Adjuro e deixo clara minha irritação.
— Não posso, Aly! Sabe disso. Mas, felizmente, eu tenho
você, que hoje além de principal cantora será minha garçonete.
— Eu não sei se você sabe, mas pode ser preso por trabalho
escravo. — Brinco.
— Acha que Nolan irá me prender? — questiona erguendo a
sobrancelha. Tão soberbo.
— Não, ele prefere garantir o trabalho do filho inútil dele. —
retruco.
— Nossa, já vi que hoje você está afiada.
Dou a volta e o encaro de perto, estendo minha mão e seguro
a dele.
— Só não gosto do fato de você ter que se desdobrar para
cuidar de tudo e ainda servir todas as vezes que esses dois brigam.
Não é justo, mesmo eles sendo seus amigos e fazendo vista grossa
para a sua vista grossa. — Berry não pede identidade para os
jovens que estão aqui, são pessoas que tem dinheiro e o ajudam as
vezes, então é como uma troca de favores, ninguém dedura
ninguém e todo mundo fica feliz. Menos eu, que odeio ver ele ter
que dar conta de tudo sozinho, então sempre dou um jeito de
arrumar uma solução. — E se eu conseguir alguns funcionários para
você? Hoje, agora! Quanto está disposto a pagar?
Ele me olha desconfiado e depois abre um sorriso cúmplice,
sacando o que estou prestes a fazer.
— Pago cem dólares para cada um.
— Fechado. Assim que Dodd sair do palco eu assumo e
arrumo seus funcionários.
Sorrio, e me viro para encarar o único local onde posso me
soltar de verdade. É como se quando eu chegasse aqui me
transformasse em uma outra pessoa. Totalmente segura e bem
resolvida. Aqui eu sou popular e tenho até algumas paqueras, eu
grito, pulo e rio e o principal, todo mundo me vê.
Dodd se retira do palco e me aproximo.
— Nossa, Aly. Hoje isso aqui está demais. Olha quantas
pessoas — sua animação é contagiante.
— Estou vendo — sorrio.
Dodd começou a se apresentar aqui um mês depois de mim,
ele é incrível, seu forte é sertanejo, mas ele arrasa cantando todos
os estilos de músicas. Passei a gostar daqui desde que entrei pela
primeira vez, é o lugar mais próximo da minha casa que toca
músicas brasileiras, é considerado o point dos brasileiros.
Subo no palco e ouço algumas pessoas gritarem, Aly. Isso é
muito bom, o frio na barriga a agitação, tudo me dá mais gás.
— Boa noite, pessoas — cumprimento. E agora vem a melhor
parte.
— Boa noite, Aly. — Um verdadeiro coro me responde, me
reconhece, me adoram, eu nem sei definir como é bom.
— Alguém já disse que vocês são maravilhosos? — ouço as
risadas pelo meu elogio e contínuo. — Bom, galera. Como todos
sabem eu sou mãe de família e tenho cinco filhos para alimentar,
então vamos deixar de ser mão de vaca, enfiar as mãos nos bolsos,
bolsas e carteiras e encher minha caixinha que fica bem aqui na
frente. E para aqueles que não tem dinheiro, meu futuro padrasto,
Berry, passa para mim a maquinha de cartão, basta falar que é uma
gorjeta para a cantora mais foda desse pub. — Olho para Berry que
está estufando o peito sorrindo orgulhoso e presunçoso. — Agora
eu tenho uma proposta indecente para fazer. — Sorrio ao ouvir
alguns sons indicando que eles esperam ouvir uma proposta bem
tentadora, mas não é o caso. Em todas as minhas apresentações eu
subo com a mesma fala e sempre me dou bem, minha caixinha
nunca está vazia e pela quantidade de gente percebo que se todos
colaborarem vou ter dinheiro para sustentar até quinze filhos. —
Não é nada disso seus bandos de pervertidos, eu sou uma moça de
família! — brinco. — Minha proposta é a seguinte. Estou precisando
de algumas pessoas para ajudar Berry hoje, como podem ver, o
lugar está em super lotação e estamos sem funcionários para servi-
los, quem se voluntariar e fizer um bom trabalho, irá ganhar cem
dólares no final da noite, e já que estamos falando sobre a
sustentação dos meus cinco filhos e sobre como podem me ajudar,
desses cem dólares eu aceito cinquenta e vamos todos felizes para
casa. E então, o que acham? Quem se candidata?
Ouço o alvoroço, risadas conversas e do nada vejo duas
pessoas no fundo levantarem a mão e mais dois que estão próximos
ao balcão.
— Peço que se aproximem, não consigo ver nem ouvir vocês
daqui — falo animada por ter conseguido rápido a ajuda. Mas minha
animação é tomada por um nervosismo que está me
impossibilitando de ficar em pé, então pego o banco que está atrás
de mim e sento. Os dois rapazes que estavam no fundo se
aproximam e é como se meu corpo tivesse levado uma grande
carga elétrica e minha alma está bem próxima do todo soberano.
Meu Deus, diz que estou tão apaixonada que passei a ter
alucinação.
— Nós iremos ajudar, mas não garanto lhe entregar
cinquenta dólares no final. Terá que cantar muito bem para isso.
Ele está parado na minha frente, sorrindo para mim, olhando
nos meus olhos. Então para garantir que não estou ficando doida,
pergunto:
— Qual o nome de vocês?
— Sou Gabriel e esse aqui — ele apontando para David, que
é seu melhor amigo — É o meu irmão, David.
Merda, merda, mil vezes merda.
Estou ainda parada os encarando enquanto sorriem para
mim, a única coisa que fica gritando na minha cabeça é: Ele me
enxergou.
Saio do meu transe quando Berry sobe no palco e me abraça
sussurrando em meu ouvido.
— Se você continuar os encarando com essa cara, eles vão
desistir, então, por favor diga alguma coisa.
Pigarreio e aceito o desafio que ele me impôs, aqui não sou
Alice a invisível e sim Aly, a cantora fenomenal que todos amam,
respiro fundo e entro na personagem fodona.
— Ok, meninos. Então faremos um desafio. Caso eu seja
muito boa vocês irão ter que me dar setenta dólares, mais da
metade do que irão receber, mas caso as pessoas achem que sou
ruim eu divido meio a meio do que ganhar esta noite. O que acham?
Eles se entre olham e sorriem um para o outro, os outros dois
voluntários que já me conhecem a um tempo estão rindo.
— Fechado, mas porque quem decide são eles e não nós
dois? — David questiona.
— Porque eu tenho cinco filhos para criar e considerando a
nossa aposta, tenho muito mais a perder do que vocês dois. Quem
me garante que vocês não vão trapacear e dizer que não gostaram
só para ficar com minha grana? — provoco.
Nenhum deles está aqui pelo dinheiro, sei disso, cem dólares
para eles não é nada. Estão pela diversão. Tento olhar para o fundo
e ver se enxergo as namoradas deles, mas parecem estar sozinhos,
o que não me surpreende, é aceitável se for considerar a briga de
hoje cedo. Vejo eles se afastarem seguindo Berry em direção ao
balcão e pego meu violão para começar a afinar e dar início ao meu
show. Com tudo pronto e pronta para começar, dou mais uma
olhada para o bar e Gabriel está sorrindo para mim.
ELE ESTÁ SORRINDO PARA MIM!
Fecho os olhos para me acalmar.
Achei a música perfeita, que descreve todos os momentos
em que cantei pensando nele, sabendo que ele estava ouvindo.
Deixo minha mente se esvaziar, começo os primeiros acordes
da canção visualizando o sorriso dele para mim e começo…
— Pra você guardei o amor que nunca soube dar, o amor que
tive e vi sem me deixar, sentir sem conseguir provar, sem entregar, e
repartir.
Consigo encontrar seu olhar mesmo em meio a centenas de
pessoas que me encaram. Ele sorri mais uma vez e isso me dá mais
gás para a parte final que canto diretamente para ele.
— Guardei, sem ter porquê, nem por razão ou coisa outra
qualquer, além de não saber como fazer, pra ter um jeito meu de me
mostrar, achei vendo em você e explicação nenhuma isso requer, se
o coração bater forte e arder, no fogo o gelo vai queimar.
Acabo e recebo muitos gritos e aplausos, olho para minha
caixinha e está tão cheia que colocaram mais uma, procuro por
Gabo e o vejo no balcão esperando que Berry e o outro rapaz que o
está ajudando arrume a bandeja com as bebidas, em seu olhar vejo
algo como, reconhecimento, ele reconheceu a minha voz,
reconheceu a melodia que guardo especialmente para ele.
Me preparo pra outra música e dessa vez vou cantar uma da
minha musa, Ana Carolina, a música perfeita para ele hoje é:
confesso.
— Confesso acordei achando tudo indiferente, verdade
acabei sentindo cada dia igual, quem sabe isso passa sendo eu tão
inconstante, quem sabe o amor tenha chegado ao final, não vou
dizer que tudo é banalidade, ainda há surpresas, mas eu sempre
quero mais.
Agora, olhando para ele, dá para ver a certeza, ele sorri
balançando a cabeça e se vira para servir um grupo de motoqueiros.
Estou na minha última canção, minha caixinha só esteve
cheia assim nas festas de fim de ano, a outra caixa que Berry tinha
colocado já está quase transbordando. Me ponho de pé para
mostrar gratidão pelos aplausos e euforia vinda da minha plateia
favorita.
— Vocês são muito fodas! — grito animada. — Meus cinco
filhos agradecem a compra do mês que irei fazer com toda a grana
que colocaram na minha caixinha e aos rapazes que humildemente
aceitaram nos ajudar esta noite, aguardo meu pagamento no fim do
expediente. Uma salva de palmas aos rapazes pessoal, eles
merecem! Não deixaram ninguém com sede.
Desço do palco e vou recolher as caixas.
— Parabéns, você é realmente incrível. — Fico paralisada
por um minuto, saboreando os efeitos que a voz dele tão perto de
mim causa ao meu corpo.
— Obrigada! — digo, me virando. — Vocês também não
foram nada mal, o pessoal gostou do atendimento. — Ele sorri e
coloca a mão no bolso de trás da calça, tira uma carteira e me
estende algumas notas, o encaro e ergo minha sobrancelha em
sinal de questionamento.
— Você foi ótima, me surpreendeu e merece bem mais que
70 dólares.
— Não precisa, foi apenas uma brincadeira, vocês
trabalharam e merecem o dinheiro. — Ele sorri mais uma vez. Estou
quase pedindo para que ele pare de sorrir assim antes que eu
simplesmente desmaie aqui.
— Trabalhei, mereço, mas o que minha mãe diria de mim se
eu não ajudasse uma menina tão jovem a sustentar cinco filhos? —
brinca, ainda sustentando o sorriso mais branco e mais lindo que já
vi, como se não tivesse terminando de arrancar meu coração do
peito.
— Ok, diga a sua mãe que ela está criando um cavalheiro.
Eu estava me virando para buscar ar e sair de perto dele
quando o ouço dizer:
— É você, não é? A menina que canta para mim todas as
noites. — afirma. Sua certeza de que canto especialmente para ele
me amofina.
Mesmo quase perdendo meu equilíbrio, me viro e cruzo os
braços sobre o peito para que ele não perceba que estou tremendo.
— Meio presunçoso da sua parte, não? — Questiono me
forçando a não sorrir. — Se quer saber se sou sua vizinha, sim, sou
eu.
— Como? — não respondo porque ele parece questionar a si
mesmo. — Quer dizer, eu moro ali há anos, desde que me lembro
ouço a sua voz todas as noites, sempre com a música certa, aquela
que reflete todo o meu dia e meu humor. — Ele está refletindo nas
próprias conclusões e dúvidas e estou admirando seu rosto confuso,
quase tão apaixonada quanto antes. — Eu nunca vi você, na
verdade, eu nunca quis ver você. — A confissão dele me deixa triste
e confusa ao mesmo tempo, ele não parece perceber isso, e contia
sua confissão. — Eu achava que se eu visse a dona da voz, todo o
encanto das músicas sumiria. — Admite.
— E sumiu? — questiono, temerosa.
— Pelo contrário! Estou mais encantado agora e me sentindo
culpado por não ter te conhecido antes.
— Então quando descobrir tudo, você irá se sentir um pouco
pior. — digo, me referindo a todos os outros fatores, todos os
lugares que frequentamos juntos e ele nunca me notou.
— Como assim? — me pergunta, confuso.
Quando estou prestes a responder David chega, nos
interrompendo.
— Nossa, você é realmente incrível, espero que tenha dado
para faturar o bastante para você e seus filhos. — ele coloca em
minha mão o dinheiro que recebeu de Berry e um pouco a mais.
— Sério, não precisa, era só uma brincadeira — digo o
mesmo que falei para Gabriel.
— Claro que precisa! Estou dando de coração, você canta
muito bem e eu não preciso da grana. Espero que Gabo tenha dado
a parte dele também.
— Ele deu sim! — comento sorrindo para eles.
— É isso aí, meu ídolo esse cara. — David aperta a
bochecha do amigo que ainda me questiona com o olhar e diz: —
Vamos cara, está ficando tarde.
Gabriel assente, os dois se despedem de mim e vão até
Berry. Fico observando tudo, ainda não acreditando. Cinco anos, e é
aqui que ele me vê pela primeira vez, é aqui que ele revela que
sabe que todas as músicas que canto a noite são para ele. Ele está
encantado! Encantado por mim! Sorrio e percebo que ele está me
encarando da porta. Me dá um tchau de longe e saí me deixando
aqui com um milhão de borboletas se debatendo em minha barriga.
Eles já estiveram aqui antes, mas todas as vezes eu inventava uma
desculpa e não subia ao palco, apenas ajudava Berry a servir, me
escondendo sempre e sonhando com esse momento, o momento
em que ele passaria a me enxergar!
Uma semana me pareceu uma eternidade, não vejo Gabriel
desde sexta, vi em seu instaram que havia viajado com David
naquela noite depois do pub.
“Não vejo a hora de vê-lo novamente.” Fiquei a semana
inteira imaginando como vai ser daqui para frente, se algo vai
mudar, ou se vou voltar a vagar como um fantasma entre eles.
Desço para o café da manhã e como sempre todos já estão à
mesa.
— Bom dia, família — cumprimento alegre.
— Bom dia, filha. Vejo que acordou bem feliz. Algum motivo
especial?
Quando cheguei sexta feira a primeira coisa que fiz foi correr
para contar o que havia acontecido, minha mãe ficou extremamente
feliz por mim, e Sarah não parou de implicar comigo desde então.
— Só por favor não fica com essa cara de idiota o tempo todo
e vai falar com ele, ou vai continuar invisível até se formar? — Sarah
por mais que tente se esconder por trás de toda a rebeldia está tão
animada para saber o que vai acontecer quanto eu, já falou um
milhão de coisas que devo fazer quando o ver.
A que ponto cheguei, receber conselhos de comportamento
da minha irmã mais nova.
— Dessa vez preciso concordar com sua irmã, filha. — minha
mãe entra na conversa. — Você não pode ficar se escondendo, tem
que tomar uma atitude e puxar assunto com ele.
— Tá legal, mas lembrando que se eu levar um fora dele ou
uma surra da namorada puro musculo, a culpa será de vocês e vou
odiá-las pelo resto da vida. — decreto. Pego o misto quente das
mãos da minha mãe que sorri como se estivesse vendo a filha ir
para o altar e reviro os olhos.
— Posso conviver com essa culpa. — Sarah zomba.
— Pode deixar, Aly. Se esse bobão te deixar mal eu bato
nele! — Steven, meu pequeno homenzinho se levanta a meu favor.
— Você mocinho, não irá bater em ninguém e se continuar
agressivo assim quem vai ficar com o bumbum doendo é você, de
umas boas chineladas que vou dar. — minha mãe o repreende.
Steven ri baixinho e me levanto bagunçando o cabelo dele e
rindo.
— Isso ai, garotão! Tem que defender a honra da sua irmã. —
falo em seu ouvido.
— Não incentive seu irmão, Alice. Ele anda muito agressivo,
já fui chamada na escola duas vezes por ele bater em um
coleguinha.
— Eu só me defendi, mamãe. Ele queria pegar o meu lanche,
Aly, e eu sou um homem, não um rato, não fujo de uma briga. —
explica todo bonitinho parecendo orgulhoso do que fez.
— Isso não é desculpa, Steven.
Saio e deixo os dois se resolvendo ou vou acabar me
atrasando.
Estaciono meu carro e fico olhando para ver se vejo o carro
do Gabriel ou do David, mas nada, nenhum dos dois chegaram
ainda, e como ele ainda não foi pra casa deve vir direto da viagem.
Será que é errado eu ter tantos detalhes sobre ele? Será que sou
tipo o Joe da série You?
Dois períodos de aula se passaram e nada dele, ouvi Thais
falando com Rachel que eles estão a caminho e vão chegar para a
última aula. Rachel é namorada do David, ou pelo menos acha que
é, porque ele mesmo diz para todo mundo que é solteiro.
Aparentemente eles se divertem muito juntos.
— Com licença, eu sou nova aqui, poderia me ajudar a achar
minha sala? — olho incrédula para a menina loira com lindos olhos
castanhos esverdeados e fico em dúvida se realmente está falando
comigo.
— Desculpa, está falando comigo? — pergunto.
— Acho que você é a única pessoa acessível nesse
momento. — responde sem jeito e sei exatamente como ela se
sente.
Tem dois lados bons nisso, eu não sou invisível neste
momento e ela também não vai se sentir assim no seu primeiro dia.
Fico os próximos minutos tentando explicar da melhor forma
como funciona os horários e onde são as salas, então marcamos de
nos encontrar no corredor a cada intervalo, passo meu número para
que possamos ir nos comunicando durante as trocas. Infelizmente a
área de atuação dela é design de interiores, bem diferente da
minha, e ela está no primeiro período, ou seja, não temos nenhuma
matéria em comum.
Assim que entro na sala recebo uma mensagem.
Obrigada por me ajudar, estava me sentindo perdida,
esse lugar tem muita gente preocupada com o próprio
mundinho pelo pouco que vi.
Rio de sua tão rápida e assertiva análise e respondo.
Sei exatamente como se sente, até daqui a pouco.
— Nossa, é sério, não sei como seria meu dia se não tivesse
te encontrado. — Bianca confessa me abraçando. Ela é brasileira e
veio morar com a mãe e o irmão, tem a minha idade e é linda,
parece uma Barbie. Onde passamos tem gente a olhando.
— Eu estudo a anos com muitas pessoas que estão aqui e
você é a primeira aluna a interagir comigo tempo o suficiente para
saber meu nome, então, eu que agradeço pela honra, sem contar
que sua presença é bem vista e notada, onde passamos as pessoas
te olham. — Bianca ri do meu comentário parecendo não acreditar
no que digo.
— Consegui falar com meu irmão, ele disse que o celular
estava descarregado, por isso não me respondia. — explica. O que
quer dizer que meus minutos de visibilidade acabaram.
— Isso é um adeus, espero que se lembre de nossa breve
amizade um dia. — brinco, mas no fundo realmente me lamentando.
Bianca ri do meu drama e balança a cabeça em negação.
— Olha, se depender de mim você nunca mais será invisível,
e também direi ao meu irmão o quão decepcionada estou por ele
não ter enxergado você em cinco anos de convivência escolar.
Nos despedimos mais uma vez e ficamos de nos encontrar
no intervalo do almoço.
Ainda não vi nem Gabriel e nem David, desde sexta percebi
que talvez o problema não seja eles, é como minha irmã sempre diz,
talvez o problema seja eu. Talvez eu me faça invisível de alguma
forma, mas hoje vim decidida a falar com eles, até porque os dois
me pareceram ser ótimas pessoas, me trataram tão bem na sexta, e
foram tão legais com Berry. Entro na sala e vejo a professora mais
linda que temos, em sua aula ninguém fala nada, a beleza dela
toma conta do lugar e parece que todos ficam constrangidos só de
pensar em falar alguma coisa e atrapalhar sua explicação. A aula
dela sempre flui com tanta leveza que quando termina sentimos
falta.
O sinal toca indicando o fim da aula e o início da minha nova
jornada. Saio da sala e vou direto para o refeitório, na fila já
pegando a bandeja avisto Bianca, sentados já com suas bandejas a
direita está Gabriel, David e Connor virados em direção a porta e na
frente deles estão suas namoradas. Respiro fundo e decido ir direto
neles antes mesmo de pegar meu almoço. Quando estou próxima o
suficiente vejo Gabriel olhar para mim, seus olhos encontram os
meus assim como no pub, mas desta vez ele não sorri, nem mesmo
dá um sinal de que me reconheceu. Me aproximo mais e paro atrás
das meninas, fico olhando dele para David até que Connor dá uma
cotovelada em David e os três me encaram, fico nervosa porque
ninguém fala nada, então decido falar.
— Oi meninos. — digo olhando para os dois e sorrindo,
ignoro as três patricinhas me olhando com cara de nojo e falo —
Como foi a viagem de vocês?
Ninguém responde pelo que parece horas, eles estão me
encarando confusos.
— Foi boa... — David quebra o silêncio constrangedor,
finalmente, mas sua resposta sai quase como uma pergunta e agora
ficou mais do que claro que eles não me reconheceram.
— Me desculpem, eu não queria atrapalhar o almoço de
vocês. — me viro pronta para sair correndo, mas minhas pernas
simplesmente não me obedecem, dou apenas alguns passos
travados e paro ouvindo as risadas das meninas, sinto um nó na
garganta e me controlo para não chorar.
— Você viu que estranha? Isso foi bem constrangedor. —
ouço Thais comentar.
— De onde ela saiu e de onde conhece vocês? — Rachel
questiona, também rindo.
— Não faço ideia de quem ela seja, mas fiquei sem graça de
falar. — Gabriel se manifesta. Olho para trás e de tudo que poderia
me ferir dentro dessa situação constrangedora, a pior delas é o
olhar de pena que ele me dirige. Desisto de comer porque perdi o
apetite, mas antes de sair vejo Bianca se sentando com eles.
Que ótimo, pelo visto ela já encontrou uma turma melhor para
se socializar.
Não só perdi a fome, como também perdi a vontade de ficar
aqui dentro, de repente me sinto como se fosse claustrofóbica e
essas paredes estão me sufocando. Corro até meu carro e saio indo
em direção a minha casa, mas meu choro é mais rápido e sou
obrigada a encostar, não enxergo mais nada em minha frente.
Choro durante um tempo, espero me recuperar para voltar a dirigir,
mas essa “recuperação” não vem, então limpo a vista e sigo meu
caminho. Chegando em casa parece que o aperto no peito aumenta,
abro a porta e minha única vontade é correr para me esconder em
meu quarto, mas antes de subir as escadas ouço minha mãe.
— Ei filha, como foi, porque chegou tão cedo? — me viro e
vejo minha irmã ao seu lado.
Ótimo, me poupa repetição.
Elas parecem perceber o meu estado e tentam se aproximar,
então as detenho esticando o braço.
— Lembram sobre nossa conversa mais cedo? — elas
assentem, ambas temerosas. — a partir de hoje considerem-se
odiadas pelo resto da vida. — Cuspo ríspida as palavras e subo
para meu quarto derramando mais lágrimas e sentindo mais dor.
Tranco a porta e me jogo na cama, pensando em quão
estúpida eu fui por pensar que alguma coisa mudaria. Pareci uma
retardada na frente deles, eles me fizeram sentir pior do que quando
ignoravam minha existência. Tiro o celular do bolso e vejo uma
mensagem da Bianca.
Oi, você não apareceu para almoçar comigo. Achei o meu
irmão no refeitório com a namorada e os amigos, queria muito
apresentar eles para você, podemos marcar na saída?
Só pode ser sacanagem, ela é a irmã do Gabriel, foi ela quem
chegou de viagem para morar com eles. Nossa, agora tenho total
certeza que irei voltar a ficar sozinha, ela não encontrou um novo
grupo, ela já pertencia a ele. Como não percebi antes? Como não
liguei os pontos?
Anoiteceu. Acabei adormecendo.
Olho para o celular para verificar a hora e vejo várias
mensagens da Bianca. Mas decido ignorar. Me levanto, olho pela
janela o quarto do Gabriel, a luz está acesa, mas não consigo vê-lo.
Pela primeira vez em anos não sinto vontade de cantar, sei que ele
está esperando a música de hoje, mas não ouvirá!
Me dirijo ao banheiro para tomar um banho e voltar a dormir.
Não faço ideia de como é uma ressaca, mas se for tão ruim
quanto dizem, provavelmente deve se parecer com o que estou
sentido agora. Mesmo depois do banho, passei a maior parte da
noite chorando até finalmente pegar no sono e agora simplesmente
não consigo abrir os olhos, minha cabeça está doendo muito e meu
corpo está pesado.
Me esforço para levantar ainda sem a certeza de que
realmente quero isso, acho que hoje seria um bom dia para faltar, eu
nunca falto, nem mesmo quando estou doente, acho que posso me
dar esse luxo. Tomo banho, coloco uma roupa fresca e desço. Devo
um pedido de desculpas a minha mãe e minha irmã.
— Bom dia. — cumprimento. Sarah, minha mãe e Steven
estão sentados tomando café e me encaram de formas diferentes.
Steven parece estar alheio ao que aconteceu e sorri para mim,
Sarah tem em seu rosto uma expressão que para muitos seria como
neutra, mas vejo as chamas de raiva em seus olhos e minha mãe
me encara dos pés à cabeça e seus lábios não contem o sorriso que
me oferece todas as manhãs, pelo contrário, os lábios dela estão
em uma linha fina e consigo sentir daqui seu descontentamento.
— Não sei o que ele fez com você e sinceramente não quero
saber. Porque estou me segurando para não ir lá bater na porta dele
e mostrar que não tem o direito de maltratar minha filha. Dei o seu
espaço ontem, não deixei Sarah ir te incomodar e me contive em ir
até você, mas não vou permitir que falte hoje! Ele não é isso tudo,
não é tão importante a ponto de fazer você faltar com suas
obrigações, você está se matando de estudar a anos para realizar
seu sonho de se formar e começar a lecionar em uma instituição de
renome, então, repito, ele não vale isso tudo.
Fico encarando minha mãe desabafar com um claro
desapontamento e isso me deixa um pouco irritada. Porque o que
ela espera de mim, é perfeição, e eu não sou perfeita, tenho meus
momentos de fraqueza e esse é um deles, eu mereço um tempo
para mim.
— Você fala como se eu estivesse abrindo mão de um sonho,
quando na verdade eu só quero um dia de paz, um dia para me
recompor, e sobre ele, o problema não foi o que ele fez comigo e
sim o que ele não fez! — ela fica me encarando confusa. — Ele não
me reconheceu, fui falar com eles assim como vocês me
aconselharam e todo mundo riu de mim, fiquei parecendo uma
retardada e ele simplesmente ficou lá me encarando sem falar
nada.
— O que tem de bonito tem de panaca, esse mané. — minha
irmã esbraveja. Fico a encarando porque essa é de longe a reação
que esperava dela. Achei que ia rir de mim, zombar do que
aconteceu, mas na verdade sua reação é quase uma forma de
demonstrar afeição.
— Eu agradeço por se sentirem mal por mim, mas vou ficar
bem, só preciso de um dia no meu quarto, tocando meu violão e
cantando uma música bem sofrida.
— Filha, você nunca faltou, mas confio em você e espero que
saiba o que está fazendo. — minha mãe aceita mesmo contrariada
— Eu sei, mamãe. Não se preocupe.
Tomamos nosso café em silêncio, assim que cada um sai
para suas obrigações eu volto para o meu quarto, quando olho pela
janela vejo Bianca no quarto do Gabriel, ela está sentada na cama
abraçando as pernas e parece estar chorando. Fico procurando por
ele, mas pelo visto está sozinha, corro para procurar meu celular e
vejo mais mensagens de ontem.
Será que aconteceu alguma coisa?
Olá, me desculpe por ter sumido, tive um imprevisto e saí
mais cedo, acabei não mexendo mais no celular. Está tudo
bem?
Fico observando e a vejo se mexer e pegar o aparelho, ela
arfa e começa a digitar.
Não consegui acordar cedo e meu irmão saiu sem mim,
me arrumei para ir pra aula, mas tive um contratempo em casa
que está me impossibilitando de sair.
Sinto um calafrio, tenho certeza que algo grave está
acontecendo.
Você está bem? Precisa de ajuda? Ainda não saí de casa,
posso passar aí para te buscar.
Me ofereço mesmo que pareça estranho para ela, já que
pensa que não sei onde mora. Ando apressada pelo quarto e
começo a me arrumar. Escuto um grito vindo do quarto onde ela
está, corro para a janela e ela está escorada na porta e parece ter
alguém do outro lado querendo entrar. Corro o mais rápido que
posso, desço as escadas com minha bolsa e as chaves do carro,
chego sem fôlego em sua porta e começo a esmurrá-la. Bato, bato,
bato com toda minha força, grito por ela e volto a bater até ouvir
alguém se aproximar.
Um homem completamente embriagado abre a porta e
parece furioso, olho para a rua e não tem ninguém que possa me
ajudar, caso ele tente alguma coisa, o cara é grande e parece
extremamente irritado.
— Oi, meu nome é Alice. — tento manter minha voz firme,
mas sinto um nó na garganta que me faz duvidar da clareza das
minhas palavras, pigarreio para tentar desfazer esse nó e explico. —
Vim buscar a Bia para irmos para a faculdade. — ele me olha
desconfiado e depois olha para trás.
— Ela não está, foi junto com o babaca do irmão dela, mas
se quiser entrar, podemos conversar um pouco e…
— Não, obrigada! — o interrompo, séria — Ela me disse que
está em casa e marcamos de irmos juntas, pode, por favor, conferir
se ela realmente não está? — nojo, nojo, nojo. É tudo que minha
mente grita quando ele estende o braço para encostar em mim, me
afasto e começo a gritar da porta. — Bianca, Biancaaa, vim te
buscar, vamos logo. — Ela finalmente aparece no topo da escada,
está pálida e com os olhos arregalados, e parece não acreditar que
estou ali. — Nossa, amiga. Achei que tinha me feito vir aqui à toa,
seu pai disse que tinha ido com seu irmão.
— Me desculpe — responde descendo as escadas
apressada, sua voz está rouca. — Acabei me atrasando. — ao
passar por ele, Bianca toma todo o cuidado para não o encostar, o
olhar dele sobre ela me dá vontade de vomitar, a puxo de uma vez,
pois parece que estamos em câmera lenta, por mais rápido que
seus passos estejam.
Não dissemos nada, vamos até meu carro e dirijo pegando o
caminho da faculdade, ela encosta a cabeça na janela do carona e
chora. Um choro silencioso e doloroso.
— Ele não é o meu pai. — diz quebrando o silêncio. — É só
mais um bêbado viciado que minha mãe colocou dentro de casa.
— Eu sei, Bianca, eu sei. Fico feliz que tenha conseguido te
ajudar.
— Como você sabia? — ela faz uma pausa e vira o rosto
confuso em minha direção. — Quer dizer, como sabia o que estava
acontecendo e como sabia onde eu morava?
— Eu sou sua vizinha, a janela do meu quarto dá para o
quarto do seu irmão, então vi tudo que estava acontecendo e corri
para te socorrer. — ela fica me analisando e suspira.
— Muito obrigado por ficar espiando o quarto do meu irmão e
ver que eu precisava de ajuda. — diz rindo em meio ao choro.
— De nada. — sorrio — E eu não fico espiando o quarto dele,
foi uma coincidência, estava abrindo minha janela e a vi na cama
chorando.
Ela se ajeita no banco e dá mais um longo suspiro e após uns
minutos criando coragem confessa o que estava tentando dizer.
— Meu irmão não pode saber o que aconteceu lá, Alice. —
estaciono o carro em uma vaga no estacionamento do campus e a
encaro.
— Ele precisa saber! — afirmo. — Eu não sei o que estava
acontecendo lá ao certo, mas era nítido que não era uma simples
briga familiar. — ela se senta de frente para mim, agora chorando
com ainda mais intensidade que antes.
— Não, não era. Quando desci para tomar café e sair, minha
mãe e ele estavam na cozinha, pareciam discutir sobre algo que
meu irmão disse antes de sair, vi quando ele deu um tapa no rosto
da minha mãe e a deitou sobre o balcão, ela pedia para ele parar,
mas cada pedido era um tapa mais forte, ele rasgou a roupa dela e
estava prestes a violentá-la quando chamei sua atenção. — Bianca
faz uma pausa e abaixa a cabeça segurando os cabelos loiros entre
os dedos. — Eu não disse nada. Ele apenas viu que eu estava ali
paralisada os observando. De repente ele sorriu para mim e
perguntou se estava gostando do que estava vendo, perguntou se
eu era tão vagabunda quanto minha mãe. Quando vi que ele a
soltou e começou a vir em minha direção, corri para o quarto do
Gabo e o resto você já sabe.
— Você não pode ficar calada. E se ele tentar pegar você de
novo? Ou pior, se ele conseguir pegar você? — questiono sentindo
medo por ela, tentando mostrar a gravidade da situação.
— Se eu contar isso para o meu irmão ele vai surtar, vai
matar o cara e estragar o resto da vida dele, as chances de ele
conseguir uma vaga na NBA iriam de noventa e oito por cento para
zero. Tem noção do que ele faria com a nossa mãe?
— E se aquele cara conseguir pegar você? — repito. — O
que acha que vai acontecer? Não acha que seu irmão iria arruinar a
vida dele de qualquer forma? Mas com uma diferença, Bia. A sua
vida também estaria arruinada, você carregaria uma marca para o
resto da vida, sabe quantas pessoas vítimas de abusos sexuais
conseguem se reconstruir? — Tento mostrar que ela não está
pensando direito. Estou indignada com tudo isso, enojada só de
pensar nas mãos daquele homem em cima dela.
Bianca não me responde, continuamos sentadas em meu
carro, ela ainda está chorando e percebo que também estou. Não
sei o que fazer para ajudá-la.
— Preciso de um tempo para pensar, só me deixa pensar em
uma forma para contar para Gabo que não me sinto segura lá em
casa e daí vemos o que fazer.
— Olha, você pode ficar lá em casa caso precise, pode
dormir lá e depois vemos o que fazer.
— Sério? Posso mesmo? Seus pais não se importariam?
— Somos só minha mãe e meus dois irmãos mais novos,
tenho certeza que minha mãe não se importaria desde que a gente
conte a verdade para ela, e quem sabe ela nos ajuda a pensar em
alguma coisa?
Ela parece pensar um pouco, mas acaba concordando.
— Eu nem acredito que nos conhecemos ontem e você já me
salvou duas vezes. — diz sorrindo. Meu irmão vai adorar saber que
conheci a menina que canta para ele todos os dias. — Congelo com
seu comentário e tento ignorar o fato de que ela sabe que canto
para ele.
— Bianca. — digo cautelosa. — Seu irmão não pode nos ver
juntas, ele não pode saber que somos amigas e não quero que me
apresente a ele. — Ela fica me encarando com desconfiança.
— Porque não, o que houve? Ontem fiquei com ele até tarde
no quarto para te ouvir cantar. Ele disse que foi a primeira noite que
não cantou desde que ele se mudou.
— É complicado. Te conto hoje à noite na minha casa. Pode
ser?
— Combinado, mas quero saber de tudo. — afirma.
Saber que ele falou sobre mim para ela fez meu coração
idiota aquecer, saber que ele sentiu minha falta, ou pelo menos
sentiu falta da minha música acendeu a chama que tinha apagado
ontem. Ele falou de mim para ela, como não sentir um fio de
esperança com essa informação.
— Combinado. — repito, cautelosa.
Decidimos passar o resto do dia escondidas observando a
equipe de basquete treinar, já havíamos perdido todo o primeiro e
segundo horário de aula, e como nenhuma de nós duas estamos
afim de estudar hoje, ficamos observando o empenho de cada
jogador e conversando sobre nossa vida no Brasil. Todo o drama e a
tristeza de mais cedo saiu do nosso meio, dando espaço para boas
gargalhadas.
— Fala sério, Alice! Meu irmão não é esse babaca que você
está falando, acho que se enganou. — Bianca disse ao irmão que ia
para casa de uma amiga e não voltaria para casa, ele ficou meio
desconfiado, mas como também não viria para casa concordou.
Agora estamos sentadas na minha cama e estou contando tudo que
aconteceu comigo desde que me mudei para Charlotte, o primeiro
momento em que vi o Gabo no terminal de embarque, o alojamento
e sobre todos os jogos de basquete que fui torcer por ele
anonimamente, todas as canções que cantei só para ele.
— Tudo bem, vamos recapitular tudo que você me contou,
você é apaixonada por ele há cinco anos, canta todas as noites, e
só se conheceram real e oficial a uma semana em um pub de um tal
de Berry. Que provavelmente irá se tornar o seu padrasto em breve,
assim que levarmos sua mãe para conhecê-lo pessoalmente. E
mesmo depois de todo o show que fez Gabo ainda não te
reconheceu?
Sorrio mediante a quantidade de informação que ela
implantou e concordo com a cabeça.
— Não, ele não me reconheceu e ainda ficou lá paralisado
vendo os amigos e a namorada dele rirem de mim. — afirmo, ainda
sorrindo, mesmo que não seja algo bom de se lembrar.
— Esse não é o meu irmão. Me desculpe, mas eu me recuso
a acreditar em toda essa história.
— Bianca, está tudo bem. Eu estou bem! — minto, porque na
verdade não está tudo bem e eu estou longe de estar bem.
— Um ova que está! Chorou a noite toda e só parou quando
foi me resgatar. Eu vou dar uma surra no babaca do meu irmão e no
demônio que ele chama de namorada. Ela acha que engana alguém
com aquele cabelo ruivo falsificado, e para que todos aqueles
músculos, meu Deus? — Ela respira fundo, se joga na cama e
confessa. — Não gostei dela e provavelmente se eu for lá te
defender vou tomar a maior surra que já tomei na vida, mas faria
isso por você.
— Você é uma figura, sábia? — olho para o relógio me
acabando de rir e vejo que está quase na hora da minha mãe
chegar. — Minha mãe está quase chegando, quero que fique calma
e conte tudo a ela, assim como me contou. — Vejo quando ela fecha
os olhos e exala o ar profundamente.
— Tem certeza de que ela não sairá correndo para bater lá
em casa? — questiona com medo.
— Sinceramente? — ela assente. — Não sei, o que sei é que
não podemos esconder o que aconteceu hoje. Alguém precisa estar
a par de tudo — concluo.
— Você tem razão. Vamos torcer para que ela entenda e não
fale com Gabo. — Sorrio lembrando o ódio que minha mãe está
dele.
— Acredite, ela não irá falar com ele!
Assim que minha mãe chega peço para que meus irmãos
subam para que pudéssemos conversar com ela, e tirando o fato de
que Sarah achou que eu iria anunciar que sou lésbica só por Bianca
está ao meu lado, nada mais está sendo engraçado. Minha mãe
está uma fera por eu ter me arriscado indo até lá, está furiosa por
Bianca não querer denunciar e nem contar para o irmão e está
furiosa pela irresponsabilidade da mãe deles.
— Mamãe, por favor! — peço exasperada.
— Não tem desculpa! Você está de castigo, Alice. E você
também Bianca, subam agora para o quarto e só desçam quando eu
chamar. — Não achei que minha mãe ficaria tão abalada com tudo
isso. Quando chego ao topo da escada a ouço chorar. Tento pensar
em algo que possa tê-la deixado assim. Só o medo de que eu
tivesse me machucado não é desculpa para que tenha essa reação.
Olho para Bianca e a vejo chorando também, entramos no meu
quarto e caímos juntas sobre a cama.
— Eu queria que minha mãe fosse como a sua. — confessa,
tristonha, me viro para encará-la, a tempo de ver mais uma lágrima
escorrer por seu rosto. — Ela se importa de verdade, demonstra
com atitudes o amor que tem por você.
Fico em silêncio, pois sei o que está sentindo, por muitas
vezes olhei para a família de alguém na rua e senti inveja por terem
um pai que não as abandonou, não era inveja em si, mas um desejo
de viver outra vida de forma diferente da que vivia.
— Você acha que sua mãe já passou por isso? Ela me
pareceu bem apavorada e sentida com tudo, viu como ela ficou
chorando? — Bianca questiona, e realmente faz sentido a sua
dúvida.
— Eu não sei, mas tive essa mesma desconfiança enquanto
subíamos. Quando tudo se acalmar tento conversar com ela.
Já está amanhecendo. Bianca e eu ficamos a noite toda
cantando, ela toca violão muito bem e cantando também não é nada
mal. Não conseguimos dormir depois que tentamos falar com minha
mãe novamente e ela pediu que não tocássemos mais no assunto,
perdemos totalmente o sono, quero saber quem fez isso com ela.
Será que foi meu pai?
— Acho que vou levantar e preparar um café especial para
minha mãe. — informo já saindo da cama.
— Que ótimo. Posso ajudar? — pergunta empolgada.
— Não só pode, como deve. Achou mesmo que eu faria tudo
sozinha? — ela sorri e se levanta também.
Em meia a hora a mesa está posta, e ficamos aguardando
minha mãe descer, deixei claro para Bia que não quero que ela
comente com o irmão sobre mim, por isso não nos encontraremos
no campus, apenas na saída quando tivermos certeza de que
ninguém nos verá. Não sei por quanto tempo iremos conseguir
esconder isso, já que Gabo é meu vizinho, ele pode até não ter me
enxergado durante todo esse tempo, mas sem dúvidas reconheceria
a irmã até se ela colocasse uma peruca.
— Nossa! Caíram da cama, meninas? — ouço minha mãe
brincar do topo da escada. Já está arrumada, porém é nítido que
dormiu tanto quanto Bia e eu, ou seja, nada.
— Bom dia, Mamãe.
— Bom dia, sra. Sowyer — Bia está bem melhor, a sua
energia é contagiante, minha mãe a encara e sorri docemente.
— Bom dia, meninas. Bianca, pode me chamar de Vick.
Como foi a noite de vocês?
— Não tão melhor que a sua pelo visto, mamãe — respondo.
— Quase não dormimos.
Ela dá um sorriso fraco e se senta. Logo meus irmãos se
juntam a nós, mas diferente de todas as manhãs ficamos todos em
silêncio, cada um com o seu prato, em seu próprio mundo e não
consigo arriscar o pensamento de nenhum deles, as expressões em
seus rostos estão tão aleatórias, como se cada um estivesse
criando uma barreira invisível em volta de si e criando um mundo
paralelo, algo completamente diferente da nossa realidade. Assim
como eu faço quando me sinto sobrecarregada da vida real. As
vezes quando sinto falta do meu pai, prefiro imaginar que quando
chegar em casa ele estará me esperando, com um lindo sorriso e o
presente que nunca chegou.
Terminamos o café e enquanto minha mãe lava a louça
depois de muita insistência, todos se ajeitam para sair, vou até ela e
a abraço.
— Amo você, mamãe.
— Te amo muito, querida. — Sorrindo, ela me abraça forte e
diz em meu ouvido — Mais do que consigo demonstrar.
— Quero saber até quando vai levar isso — Bianca reclama
pela milésima vez. Chegamos ao campus e estou estacionando o
carro. Mas ainda não se conformou com o fato de que quero
continuar sendo invisível. — Como vou passar por você pelo
corredor ou te ver no refeitório e não vou falar com você, isso não
tem cabimento.
— É simples, você vai fingir que nunca me viu na vida,
imagina que sou qualquer outra pessoa que não tem a menor
obrigação de dirigir a palavra.
— Impossível! — repete, irritada.
— Bia, se não fizer isso vou ficar muito chateada com você e
te expulsar da minha casa. — Ameaço.
— Nossa, isso foi bem cruel. Tudo bem, vou tentar, mas só
porque não quero ser expulsa.
— Combinado. — Rio do seu jeito, ela é tão especial.
Antes de ir para sala decido pegar uma água, acho que tentar
me esconder agora que Bianca e eu somos amigas está me
deixando nervosa demais, e isso faz com que minha garganta fique
seca, não sei se vou conseguir ir muito longe com tudo e saber que
não tenho o controle chega a ser sufocante.
Chego na sala e não sei se é carma ou alguma piada do
destino, mas estão todos aqui. Gabo, Thais, David, Rachel e
Connor.
Mas pelo amor de Deus eu estudo pedagogia, o que no
mundo reuniria um futuro médico, futuras profissionais da educação
física e um futuro arquiteto, na minha aula, eu sei que não entrei na
sala errada, então, porque, Deus?
E para melhorar as coisas, Rachel está bem no meu lugar.
Porque diabos eles estão aqui na frente e porque estão ocupando o
meu lugar?
Ao procurar um lugar que não seja no fundo da sala vejo que
minha única opção é sentar atrás do Gabo.
Só pode ser uma grande piada do destino.
— Bom dia a todos. — um homem entra nos cumprimentando
e eu corro para a cadeira vazia atras do Gabo. — Meu nome é
Jeremy e sou o novo professor de artes de vocês. A partir de hoje
irei juntar os nossos apreciados atletas, os futuros professores,
médicos e arquitetos em nossas aulas, a sala irá ficar pequena, eu
sei, mas essa é a intenção, tornar vocês mais próximos. Vocês
devem estar se perguntando cadê a professora Delma. Bom, ela
pediu licença devido a um problema particular e assim como fiz
agora vou pedir que todos vocês se apresentem, um a um daí
mesmo, nos lugares de vocês. Vocês não estão no colegial, estão
na faculdade, prestes a se formarem naquilo que tanto desejam, e
as aulas de artes aplicadas em todas as turmas independente do
curso servem para que vocês entendam que a vida é uma
verdadeira arte e nós somos um projeto indefinido.
sem dúvidas é uma grande piada, estou até achando que
estou em um show de stand Up.
— Como estamos em uma aula de artes quero que além de
se apresentarem dizendo seus nomes e idade, digam qual é a sua
arte, o talento que carregam dentro de si.
— Como assim? Que arte? — pergunta alguém do fundo da
sala.
— É simples! Quero que me expliquem aquilo que fazem de
melhor, se dançam, pintam, desenham, cantam, atuam. Qualquer
coisa que possa ser considerado arte e que faz parte da vida de
vocês. — explica.
— Ou seja, temos que falar no que somos bons em fazer.
Certo? — pergunta Baven.
— Exatamente. — concorda. — Vou fazer a primeira
apresentação para que vocês sigam. — Meu nome é Jeremy, tenho
39 anos, sou professor e a minha arte é ensinar. É o que faço de
melhor.
Assisto nervosa um por um se levantar e se apresentar como
foi pedido.
— Meu nome é Gabriel, tenho 24 anos, sou estudante de
arquitetura e minha arte é jogar basquete.
— Meu nome é Victor, tenho 22 anos, sou estudante de
medicina e a minha arte é dançar.
— Meu nome é David, tenho 23 anos, sou estudante de
medicina e minha arte é jogar basquete.
— Meu nome é Bianca, tenho 21 anos, sou estudante de
designe de interiores e minha arte é tocar saxofone. — Olho para
trás e a vejo sentada três meses depois da minha, fico surpresa,
não a tinha visto aqui e não fazia ideia de que ela tocava sax.
— Essa é a minha irmã, e a arte dela é incrível. — Gabo
grita, orgulhoso.
Quase todo o time de Basquete está aqui, então temos
muitos jovens com a mesma arte, temos muitos matemáticos aqui
também, cientistas... Por sorte quase todos os alunos se
apresentaram e não fui vista já que estou praticamente afundada na
cadeira e me escondendo atras dos ombros largos do Gabriel.
Só falta mais uma pessoa, estou quase virando uma poça no
chão de tanto que estou me abaixando atrás dele.
— Meu nome é Thais tenho 24 anos, sou estudante de
educação física e minha arte é beijar. É o que faço de melhor.
Toda a turma começa a rir, enquanto a ruiva exibida joga o
cabelo como se fosse a rainha do baile. O que deve ser verdade, ela
ganharia fácil esse título. Contudo, parece que o professor não
gostou muito da resposta.
— Bom, Thais, a não ser que queria beijar toda a turma para
provar o seu talento daqui a duas semanas, você terá que descobrir
outra arte. Agora sente-se para que eu possa explicar o que
faremos.
Quando ele diz isso, um alívio toma conta do meu corpo,
porque é sinal de que passei despercebida por ele e não vou ter que
me apresentar.
— Esperem, parece que faltou uma pessoa. — Jeremy para
me encarando.
De uma hora para outra esqueço completamente como se respira.
Não sinto minhas pernas, mas me movo até ele que me olha com
curiosidade.
Ao olhar para a turma respiro fundo e tento acalmar os meus
nervos. Minhas mãos estão tremendo e sinto uma vontade de sair
correndo daqui.
— Meu nome é Alice, tenho 23 anos, sou estudante de
pedagogia e — olho para Gabo que está me encarando como toda a
turma. — Minha arte é cantar.
— Você precisava ver a sua cara. — Bia está zombando de
mim desde a hora que saímos da sala. — Estava pálida, com os
olhos arregalados e falou tão baixo que não deu para ouvir quase
nada. E a cara que olhou para o meu irmão quando disse que o seu
talento era cantar. O que estava esperando? Que ele se levantasse
e dissesse: é você amor, que canta para mim todos os dias? Casa
comigo?
— Você quer, por favor, calar a boca? — grito raivosa. — Eu
estava nervosa, não queria que ele dissesse nada, mas mesmo
assim fiquei decepcionada por ele não ter tido nenhuma reação.
Bianca respira fundo e se acomoda no banco do carro, olha
para mim e se prepara para falar alguma coisa, mas acaba
desistindo. Sei que ela quer me ajudar, mas não tem o que se fazer.
— Está preocupada com a próxima aula? — pergunta. Sei
que está se referindo a tarefa que o professor disse que faria.
Conhecendo o desconhecido. — Estou! Muito na verdade —
confesso. — Que tipo de aula é essa, quem é que quer se conhecer
ali? Só queremos nos formar e ser alguém na vida, não precisamos
ficar íntimos de ninguém.
— Bem que você gostaria de ficar íntima do meu irmão —
zomba. Quando me viro para encara-la, Bianca está de olhos
fechados simulando um beijo. Tento ficar séria, mas é impossível,
caio na gargalhada junto com ela. — Vamos torcer para que você
me tire ou que eu tire você. — comenta se recuperando da crise de
risos.
— Vou torcer muito para que isso aconteça, já pensou eu tiro
a Thais, ou a Rachel? — digo fazendo cara de nojo.
— Ou o meu irmão — retruca pensativa, com um sorriso
idiota no rosto.
Estou começando a achar uma péssima ideia essa nossa
amizade.
— O que ele disse? — pergunto, assim que Bia entra em
meu quarto. Depois que chegamos da escola ficamos esperando
Gabo entrar em casa, ela foi até lá se certificar de que ele ficaria em
casa para que ela possa dormir lá essa noite.
— Disse que vai ficar, perguntei se teria problema dormir com
ele no quarto, dei a desculpa de que estava com saudades e ele
nem desconfiou, disse que posso dormir com ele quando quiser.
— Que bom! — digo aliviada. — Mas sabe que não precisa
fazer isso se não quiser né? Pode dormir aqui quando achar
necessário.
— Eu sei e agradeço por isso, mas estou mesmo sentindo
falta do meu irmão. — ela sorri para mim e me abraça. — Eu não sei
nem como te agradecer por tudo isso, espero mesmo que meu
irmão possa te conhecer melhor e ver o quanto você é incrível, Aly.
— sorrio pois esse é o meu desejo a anos.
Bia já está no quarto do Gabo e acaba de me mandar uma
mensagem dizendo que ele está esperando que eu cante alguma
música. Já estava com o violão em mãos quando recebi sua
mensagem.
Ajeito meu violão sabendo exatamente o que tocar.
Meu irmão, faz muito tempo que eu não te canto
Uma canção.
Que eu não te conto uma aventura, um sonho, uma ilusão.
Que eu não me sento calmamente junto com você.
O tempo passa...
Meu irmão, comigo os dias normalmente cumprem sua
função
Entre sinuca, futebol,
Amor e violão.
Termino a canção com lágrimas nos olhos e ao olhar para
porta vejo Sarah me encarando, minha mãe está atrás dela com as
mãos em seus ombros e meu irmão ao lado. Eles não dizem
absolutamente nada, porque não é preciso, também estão
emocionados.
— Boa noite, filha. Amamos você. — minha mãe quebra o
silêncio e se vira para sair.
— Mamãe é tão exagerada, amor é uma palavra muito forte.
Eu gosto um pouco de você — Sarah rebate revirando os olhos e
tentando esconder um sorriso. — Boa noite, Aly.
— Boa noite, família. — Fico parada olhando para a porta
depois que Sarah a fecha. Como eu os amo.
Faz meia hora que acordei. Já tomei meu banho me arrumei
e agora estou olhando Gabo em seu quarto. Ele está sem camisa
procurando alguma coisa que Bia parece ter escondido, os dois riem
e correm pelo quarto. Fico lembrando que não era essa cena que
estava vendo dias atrás, ela feliz, rindo com o irmão e isso me
causa um arrepio.
O que teria acontecido se eu não tivesse ido até lá?
Saio do meu torpor quando ouço meu celular apitar com uma
mensagem.
Bianca - Se continuar nos espiando assim Gabo vai
acabar te vendo, saia dessa janela e se prepare para sair.
Saio depressa da janela, não tinha reparado que os dois já
tinham parado de brincar. Gabo já está vestido e Bia está na janela
olhando para mim, olho para o celular em minhas mãos tremulas e
respondo sua mensagem.
Bom dia para você também. Já estou pronta, vou tomar
café. Te vejo mais tarde!
Desço as escadas e vejo Sarah e Steven emburrados, minha
mãe parece estar na cozinha.
— Bom dia, família. — Cumprimento como sempre, porém
não obtenho resposta. — Posso saber o que houve? — questiono.
— Esse pestinha me acordou jogando água em mim, bati
nele e ainda fiquei de castigo. — Sarah grita, irritada.
— Eu fui lá chamar ela como mamãe mandou, ela não queria
acordar e quando eu disse que jogaria água nela, ela duvidou,
então… — meu irmão é a criatura mais linda dessa vida, ele é tão
fofo mesmo quando faz merda que não tem como ficar chateada
com ele.
— Sarah, como você consegue ficar com raiva dessa coisa
linda. — brinco apertando as bochechas dele.
— Amanhã vou mandá-lo te acordar jogando um copo de
água na sua cara, aí você irá descobrir como ter raiva desse idiota.
— responde, irônica.
— Sarah Sowyer, se você soltar mais uma ofensa para o seu
irmão seu castigo vai de uma para duas semanas. — a seriedade na
voz da minha mãe deixa claro que ela não está para brincadeiras.
Olho para Steven e pergunto:
— E você rapaz, ficou de castigo também?
— Uma semana sem vídeo game e nada de joguinho pelo
celular. — rio da cara de cachorrinho perdido dele e vou até a
cozinha.
— A senhora precisa de ajuda, mamãe?
— Não, filha, pode sentar lá que já levo o café para vocês. —
responde, sorrindo.
O resto da manhã em casa foi tranquilo, mamãe perguntou
sobre Bianca e a tranquilizei dizendo que estava com Gabriel.
Estou estacionando o carro e avisto Thais e Rachel se
aproximarem, elas passam por mim e me arrepio com o olhar que
Thais direciona a mim. Essa é a segunda vez que ela me olha desse
jeito, não faço ideia de qual é o problema dela, mas também não
quero saber.
Ao entrar na sala vejo David, ele está sozinho e isso me dá
um certo alivio, mas não tanto já que mais uma vez ele está próximo
de onde eu sento. Ignoro totalmente o tremor do meu corpo e tomo
o meu lugar.
— Oi, com licença. — paraliso com sua voz ao meu lado.
Ele está falando comigo?
Olho em sua direção e ele sorri docemente. Nunca tinha
reparado o quão bonito ele é.
— Desculpa, sei que esse provavelmente é o lugar que senta
todos os dias, mas você se importaria de trocar, só hoje? — fico o
encarando incrédula e ele parece se envergonhar. — É que estou
esperando meu amigo chegar, e ele pediu que guardasse um lugar
ao meu lado para ele e aqui era o único vago. — abaixo a cabeça
para não mostrar que meus olhos estão cheios de lágrimas. Não sei
o porquê ando tão emotiva essa semana.
Antes que eu possa responder ou me mover ouço Gabo.
— Tu andas meio inútil ultimamente né, cara? Cadê o lugar
que pedi para você separar para mim?
Meu corpo parece receber uma carga elétrica, em um minuto
estou de pé derrubando todo meu material. Os dois se assustam e
ficam me encarando, mas abaixo o olhar e tento catar minhas
coisas.
— Me desculpa, não precisa sair daqui, só estava brincando
com o meu amigo. — Gabo se abaixa para me ajudar a catar tudo e
David vira para o outro lado pegando meus lápis que escorregaram
por debaixo de sua cadeira.
— Está tudo bem, pode se sentar, eu sento aqui atrás. — falo
sem encará-lo. — David me entrega mais uma caneta e o agradeço
jogando tudo na cadeira de trás.
— A Julgar que nem meu namorado e nem o amigo dele
usam absorventes, acho que isso é seu. — Quando olho para cima
vejo Thais com meu pacote de absorvente e toda a sala está nos
encarando. — Vamos minha querida, pega logo, ou você quer que
eu o coloque em você, do jeito que é jeca deve precisar de ajuda
para isso também. A sala inteira começa a rir e eu me encolho na
cadeira, pegando o pacote de sua mão e enfiando na mochila.
— Amor, por favor.
Amor… talvez eles dois se mereçam mesmo. Continuo
encarando minha cadeira enquanto Jeremy entra na sala, sinto que
David está me olhando, mas não me movo.
— Me desculpa por isso, a Thais tem um senso de humor
meio cruel às vezes. — olho para David e ele sorri fraco levantando
os ombros.
— Tudo bem. — respondo, voltando meu olhar para frente.
Eu preferia muito mais voltar a ser invisível.
Sexta feira… A minha semana foi um horror, fui enxergada
várias vezes e em nenhuma delas foi de um jeito bom, tirando a
Bianca, claro. Estamos cada vez mais amigas e sinto que em cada
mancada que o irmão dela dá, ela cria um pequeno rancorzinho por
ele, já orientei para parar com isso, afinal, ele não é obrigado a falar
comigo ou ser meu amigo pelo simples fato dela ser. Já estou
acostumada com isso a um tempo, porém ultimamente com todos
os acontecimentos estou começando a ficar preocupada. Quer dizer,
se for parar para analisar eu estou passando de invisível para
indesejada, me igualando as meninas dos romances clichês, as
nerds que as pessoas implicam, mas observando com realismo,
sabendo que o meu mocinho não irá se apaixonar perdidamente por
mim. Desde ontem quando a adorável namorada dele me
envergonhou com um absorvente, cheguei a uma conclusão.
Parei para analisar com calma tudo, ela me olha com um jeito
de quem sabe de todos os meus piores segredos, mesmo que eu
não esteja escondendo algo ruim de ninguém, me trata com total
desprezo e passou do dia para noite a me odiar. E isso só tem uma
explicação, ela sabe que eu sou apaixonada pelo namorado dela.
Não sei como, mas sabe.
— Aly, a Bia está aqui. — ouço minha irmã gritar do andar de
baixo, sei que Gabo não está em casa, então, não me importo com
o grito.
— Boa noite, está pronta para grande noite? — pergunta Bia
encostando no umbral da porta.
— Você sabe que estou acostumada a cantar no Berry,
certo?
— Sei, então talvez a grande noite seja para mim que irei
assistir. — conclui rindo.
— Exatamente! Já estava pronta para descer, viu se minha
mãe está na cozinha?
— Está sim, e pelo cheiro está fazendo uma sobremesa bem
gostosa.
— Toda sexta ela faz algo diferente para que eu leve para o
Berry, hoje é bolo trufado de chocolate.
— Hoje irei analisar esse tal de Berry e ver se é realmente
gente boa e bonito, se for, arrumaremos um jeito da sua mãe e ele
se conhecerem pessoalmente, é inadmissível os dois serem
solteiros, se falarem pelo telefone a meses, gostarem de você e não
ficarem juntos.
— Se minha mãe sonhar que você quer armar um encontro
pra ela, ela irá te expulsar da nossa casa e se souber que estou
junto serei expulsa também e pararemos debaixo da ponte.
— Se isso acontecer vamos morar com Berry, seu futuro
padrasto. — zomba.
— Vai logo para casa antes que seu irmão chegue, já pensou
na desculpa que vai dar para ele na hora de sair?
— Não preciso de uma desculpa. Eu pedi para que ele me
levasse no pub para que eu conhecesse a famosa cantora. —
paraliso olhando para ela e esperando que ria e diga que está
brincando, mas isso não acontece e minhas mãos começam a
tremer, acho que vou ter um ataque de pânico. Me sento na cama,
respiro fundo.
— Está brincando, né? Você não fez isso.
— Não fiz — respiro aliviada. — Na verdade quem disse que
iria lá hoje foi ele e perguntou se eu queria ir. Ele foi buscar o David
aqui perto e daqui a pouco vem me pegar.
— Porque diabos não me disse isso logo, está aí agindo
como se nada estivesse acontecendo, como se tudo estivesse de
boa, quando na verdade não está?
Bia fica me encarando inexpressiva, se vira para sair, mas
volta antes de chegar as escadas.
— Eu não sei porque está tão furiosa, deveria ter imaginado
que ele voltaria lá, e outra, não te contei porque não estava
querendo te deixar nervosa, já vi que era para ter ficado calada, me
pouparia de ver seu histerismo. — Dessa vez ela se vira e desce a
escada, quando chego a porta a ouço se despedir da minha mãe.
Acho que peguei pesado e acabei a deixando chateada.
Chego ao pub e vejo as letras rosas neon brilhando: Sing. É o
que farei essa noite, cantar até ficar rouca. Desço do carro com meu
violão e agradeço por mais uma vez o lugar está lotado. Passo
pelas portas e vejo Dara e Andy servindo as mesas, pelo visto estão
animados e isso é bom. Melhor do que ver eles brigando e deixando
Berry na mão.
— Boa noite, Berry. Como estão as coisas?
— Boa noite, Aly. Está tudo ótimo, o que tem aí para mim? —
responde sorrindo e olhando para a sacola em minhas mãos.
Quando estava saindo fui até a cozinha e ouvi minha mãe falar com
ele pelo telefone, ele havia dito algo engraçado e ela estava rindo
muito. Fico o encarando tentando analisar a possibilidade de…
— Ei — diz estalando os dedos na frente do meu rosto. —
Você está bem? Viajou e nem me convidou para ir junto.
— Desculpa, Berry, me distrai. Mamãe mandou um bolo
delicioso para nós.
Por mais que seja para ele todo fim de expediente nós
sentamos e ele divide comigo o que minha mãe manda.
— Que ótimo, estava mesmo querendo comer um doce. —
responde animado.
Olho para o palco e vejo um rapaz cantando uma música do
Legião Urbana, vento no litoral, o rapaz parece triste e a canção
ficou perfeita na voz dele.
— Cantor novo? — pergunto apontando para o palco.
— Pois é, Dodd faltou hoje e ele perguntou se podia se
apresentar, já frequenta aqui a um tempo, mas nunca cantou.
Fico encarando-o por mais um tempo até que ele fala:
— A cantora favorita de vocês chegou, vou sair para que ela
comece o verdadeiro show.
Ele se levanta e eu me aproximo.
— Você foi ótimo, amo essa música e sou fã do Legião
Urbana também.
— Obrigado! Mas nem se compara com você se
apresentando. — sorrio e ele se dirige ao balcão. Subo no palco
bem na hora que Bianca, David, Gabo e mais uma menina que não
conheço passam pela porta. Desvio o olhar e ajeito meu banco,
microfone e violão.
— Boa noite, pessoas. — digo sorrindo para todos os rostos
que me observam.
— Boa noite, Aly.
Eu realmente amo isso.
— Não preciso repetir, mas vou assim mesmo, porque sei
que tem gente nova e vocês amam me ver contando a minha
história. — eles riem e eu começo meu drama da noite. — Como a
maioria sabe só tenho vinte e três anos, tenho cinco filhos para criar
e essa semana adotamos uma cadela. — ouço um coro de “oh”.
Olho para Bia e ela fecha a cara me dando o dedo do meio. Sorrio e
continuo. — Bom, com isso agora tenho cinco filhos e uma cachorra,
ou seja, são sete bocas para alimentar e por isso conto com a
colaboração de todos, minha caixinha está aqui na frente e não
fiquem preocupados se ela transbordar, pois meu amigo Berry tem
uma caixa de reserva para colocar aqui e me fazer muito feliz, por
tanto galera, abram as mãos, os bolsos, bolsas e carteiras e vamos
que vamos que a noite é longa e tempo é dinheiro.
Pego meu violão e toco a primeira música inspirada no rapaz
que acabou de descer e inspirada na minha própria situação atual.
Quase sem querer do Legião Urbana.
Tenho andado distraído
Impaciente e indeciso
E ainda estou confuso, só que agora é diferente
Estou tão tranquilo e tão contente.
Quantas chances desperdicei quando o que eu mais queria
Era provar pra todo o mundo
Que eu não precisava provar nada pra ninguém.
Me fiz em mil pedaços pra você juntar
E queria sempre achar explicação pro que eu sentia
Como um anjo caído, fiz questão de esquecer
Que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira.
Mas não sou mais tão criança
Oh, oh
A ponto de saber tudo
Já não me preocupo se eu não sei por que às vezes o que eu
vejo quase ninguém vê
E eu sei que você sabe quase sem querer que eu vejo o
mesmo que você.
Quando acabo de cantar sou brindada com uma salva
palmas e muitos gritos, olho para Bia e ela está sorrindo para mim,
os olhos de Gabo estão intensos e focados em mim, é incrível como
ele me olha como se enxergasse minha alma. Uma pena que na
verdade ele não enxerga absolutamente nada.
— Obrigada, gente. Vocês são maravilhosos. Agora vou
cantar uma música para uma amiga minha, ela chegou de repente
na minha vida e ganhou um espaço imenso no meu coração, espero
que gostem. — sorrio mais uma vez para Bia sem me importa se
alguém irá reparar ou não.
Respiro fundo e início a música do Bruno Mars: Count On Me
(conte comigo).
If you ever find yourself stuck in the middle of the sea,
Se algum dia você se encontrar preso no meio do mar
I'll sail the world to find you
Eu velejarei pelo mundo para te encontrar
If you ever find yourself lost in the dark and you can't see,
Se algum dia você se encontrar perdido no escuro e não
puder enxergar
I'll be the light to guide you
Eu serei a luz a te guiar
Find out what we're made of
Descobrimos do que somos feitos
When we are called to help our friends in need
Quando somos chamados para ajudar nossos amigos em
necessidade
— Aly, Aly, Aly. Uhuuul. — Todos esses gritos me fazem
esquecer toda a semana catastrófica que tive, me fazem apenas
agradecer mentalmente a Deus por ter cruzado meu caminho com o
da Bia e agora sermos amigas.
— Obrigada, vocês são fodas demais.
Canto mais quatro músicas, até realmente me senti exausta e
peço para ser substituída. São duas horas da manhã e Berry decidi
que hoje levará até as cinco, ele já ligou para minha mãe avisando
que irei dormir aqui.
— Mais uma vez você foi incrível — ouço Gabo dizer atrás de
mim, estou recolhendo o dinheiro depositado nas minhas caixas —
Se continuar assim vou acabar falindo meus pais para alimentar
você e seus filhos.
— Talvez deva guardar seu dinheiro para usar com as suas
namoradas. — Alfineto, sem me virar.
— Talvez elas não mereçam tanto quanto você. Afinal,
nenhuma delas fazem serenatas para mim toda noite.
— Já disse o quanto isso soa presunçoso. Se você gostasse
tanto assim das minhas músicas, teria ido lá em casa me visitar, ou
me conhecer melhor. — falo sem pensar, sem conseguir frear
minhas palavras e esconder minha tristeza.
— Na semana passada expliquei que tinha medo de quando
descobrisse quem é a dona da voz eu perdesse o encanto pelas
músicas, talvez eu prefira manter você como a voz anônima.
— Isso é uma grande idiotice, mas tudo bem! Cada um sabe
o que fazer da própria vida. — retruco tentando não parecer tão
grosseira.
— Nossa, você é perfeita, sério! Estou encantada pela sua
voz, espero que meu irmão aqui, tenha lhe dado todo o dinheiro
dele. — Bia chega cortando o clima que se tornou um pouco
pesado.
— Ele me deu o suficiente. Obrigada! — ela ainda está
sorrindo, mas levanta uma sobrancelha questionadora. Vejo David
se aproximar com a menina que chegou com eles.
— Olhai aí se não é a minha nova cantora preferida. — diz
ele simpático. — Arrasou mais uma vez. Essa aqui é minha prima
Meg, ela veio passar uns dias e quis conhecer o lugar de tanto que
falamos de você.
Sorrio para a menina que parece uma boneca, ela me
estende a mão e diz:
— Muito prazer, Aly. Você é realmente incrível.
— Obrigada! — agradeço um pouco envergonhada. — Se
não se importam preciso me hidratar e comer alguma coisa. — me
despeço e vou em direção a Berry que está sorrindo.
— Se continuar como está sua mãe poderá largar o emprego.
Você encheu três caixas hoje. — sorrio para Berry e vou para trás
do balcão pegar água, refrigerante e bolo.
Berry está fechando o pub, estou exausta e nem vi Bia e
Gabo indo embora, não nos falamos mais depois que os deixei perto
do palco. Mas recebi uma mensagem da Bia dizendo que iria dormir
na casa de David com a prima dele e o irmão.
Depois de um bom banho me deito e fico encarando o teto
lembrando da forma que Gabriel me olhou enquanto eu estava
cantando, a forma que me olhou enquanto me dizia que tinha medo
de me conhecer melhor.
Como eu queria que ele me conhecesse.
— Você não pode se esconder dele para sempre sabe disso,
né?
— Eu sei, Bia. — afirmo desanimada. — Mas vou fazer isso
enquanto puder.
— Ele está encantado por você, Aly. Falou de você a noite
toda depois que saímos de lá.
— Você consegue perceber o grande problema, e o que
realmente me magoa nessa história?
— Sinceramente? Não! Eu não faço ideia do porque você
finge ser outra pessoa quando está longe do Sing.
— É isso, Bia. Eu não finjo ser outra pessoa, mas parece que
ninguém aceita quem eu sou fora de lá.
— Me desculpa, amiga. Mas acho que se eu não tivesse te
conhecido antes de ir no pub, não iria te reconhecer também. Lá
você incorpora uma outra personalidade, quando você canta se
transforma em outra pessoa, você até se arruma, se maquia, até
seu cabelo cor de nada, fica diferente lá dentro. Então não tem
como comparar.
— Como assim cabelo cor de nada? — pergunto confusa.
— Amiga, seu cabelo não tem uma cor definida, quer dizer,
você não é loira, não é ruiva e também não é morena e
definitivamente essa cor não é castanho.
Puxo uma mexa do meu cabelo para frente e fico
observando, tentando ver se consigo me defender disso, mas não.
Meu cabelo realmente não tem uma cor definida, embora seja
natural.
— Para de fazer essa careta de ofendida, vamos pensar em
um modo de você passar a ser mais quista entre a sociedade, e aos
poucos se infiltrar em um grupo, porque assim como seu cabelo cor
de nada, você precisa mudar sua vida social e esquecer aqueles
podcasts, tá na hora de você amadurecer e entrar no jogo da vida
para ganhar. Nem que seja uns amassos do meu irmão.
Jogo um travesseiro na cara dela enquanto ri da própria
piada e pergunto:
— Tem certeza que você é minha amiga e quer me ajudar?
Porque eu nunca fui tão depreciada na minha vida.
— Aly, é justamente por ser sua amiga que estou te
mostrando a verdade, sabe porque eu ri quando você me contou
que a Thais te chamou de jeca? — faço um sinal de negação com a
cabeça e ela sorri. — Porque você realmente parece uma quando
vai para escola, eu não entendo isso.
— Quer parar! A minha roupa é normal, eu não preciso me
arrumar toda para ir a faculdade, eu prefiro ir confortável.
— Só não te comparo com a Beth a feia porque você tem
uma beleza natural e por isso não fica pior. Mas se você fosse feia,
amiga, não sei o que seria de você. Tem razão em querer ir
confortável, aliás eu também gosto, até porque passamos a maior
parte do nosso dia lá, mas porque fico completamente diferente de
você com minhas roupas confortáveis?
— Eu não sei, Bia. Talvez vocês tenham mais corpo que eu.
Ou sejam muito mais bonitas e se destacam por isso. — Bia revira
os olhos.
— Não é nada disso, você se esforça para ir bonita ao Sing,
mas vai de qualquer jeito para a faculdade. — ela para me
encarando e então sorri de um jeito que mostra que teve uma ideia.
— Já sei o que podemos fazer para provar que o erro está em como
você se vê e se veste. Amanhã eu irei arrumar você! A única coisa
que não vai dar para mudar ainda é o cabelo cor de nada, mas
podemos pelo menos fazer alguma coisa para que ele pareça mais
apresentável, um penteado, sei lá.
— Bia, existe um motivo para que eu não me encha de
maquiagem e não gaste minhas coisas para ir para faculdade. — ela
fica me encarando e levanta a sobrancelha perfeitamente
desenhada fazendo um sinal para que eu prossiga. — É porque eu
não quero chamar a atenção de ninguém, eu gosto das coisas como
estão, gosto de não ser incomodada e se alguém, seja lá quem for,
quiser gostar de mim será assim, eu não tenho que mudar por
ninguém.
— Sem essa, agora você já foi de nerd invisível para
desprezada pelas duas garotas que andam com meu irmão, então
você precisa mudar de status e virar a garota nerd desejada pelos
garotos. Coloca na sua cabeça que a mudança não é para agradar
aos outro e sim a si mesmo. — rebate firme.
— Até que enfim alguém que pensa igual a mim. — olho para
trás e vejo minha irmã de braços cruzado encostada na soleira da
porta.
Era só o que me faltava.
— Escuta aqui vocês duas, eu NÃO quero ser desejada por
ninguém, só quero me formar na faculdade e em algum momento eu
sei que vou conhecer um cara super legal que goste de mim como
sou, sendo jeca ou não, e serei bem feliz com ele.
— Você sabe que estão todos matriculados na mesma
universidade. Você não vai se livrar de nenhum deles a não ser que
desista da bolsa e vá para outra faculdade.
— Isso não vai acontecer! — afirmo.
— Ótimo, porque você faria com que eu passasse a odiar o
meu irmão caso fizesse isso.
— A minha vida não gira ao redor do seu irmão, o fato de ser
apaixonada por ele não faz com que eu me torne uma marionete
guiada pelos passos dele.
— Ótimo! — repete — Fico feliz que tenha admitido que é
apaixonada por ele, é a primeira vez que fala em voz alta. Tirando é
claro, aqueles podcasts ridículos.
— Esquece isso, eu não uso aquilo a anos já disse. —
Defendo-me sem paciência.
— É melhor que apague o site, porque se ele ouvir, ou outra
pessoa, irá te descobrir em questão de minutos.
— Seu irmão não perceberia nem se tivesse uma foto minha
ao lado da dele estampada dizendo o quanto o amo.
Salto da cadeira e corro até a cama onde minha irmã e Bia
estão. Elas me encaram sem entender nada, passo por elas e pego
meu notebook. Abro a página do meu site com os podcast, que não
vejo a anos e encontro o que temia.
Visitas recentes: Bianca Souza, Thais Andrade, Rachel
Gatina, Beven G.
Ai meu Deus, é por isso que ela passou a me odiar, ela ouviu
todos os meus podcasts.
Me jogo na cama e enterro meu rosto no travesseiro.
Sinto as duas se aproximarem de mim e minha irmã exclama
a mesma coisa que eu.
MERDA. Isso tudo é uma grande merda.
— Não tem para onde fugir, amiga. Você precisa se
apresentar melhor, pois a sua fase de invisibilidade definitivamente
acabou!
— Eu não vou sair de casa assim, gente. Não adianta. —
digo irritada. Fui obrigada a acordar cedo e passar por uma sessão
torturante de beleza com minha irmã e Bia. Elas me colocaram em
uma saia meia coxa e uma blusa com decote quadrado e manga
princesa, Bia fez minha sobrancelha e minha irmã fez prancha no
meu cabelo criando umas ondas bem definidas. Fui maquiada, não,
maquiada é elogio, passaram um reboco bem forte na minha cara,
estou parecendo que vou a um baile de gala.
— Ok. Acho que exagerei na maquiagem, mas fora isso você
está ótima. — Sarah admite segurando o riso enquanto me encara.
— Mamãe, por favor. — Imploro por ajuda.
— Querida, tirando essa maquiagem ridícula — ela me
analisa por um tempo e sorri. — Você está linda! Não está vulgar e o
cabelo assim está lindo.
— Mamãe, era para dizer que estou parecendo uma qualquer
e me mandar vestir algo decente para não manchar o nome da
nossa família. — minha mãe rir do meu exagero e sai. Ela virou as
costas e saiu me deixando com as duas retardadas aqui. Respiro
fundo e vou ao banheiro retirar a maquiagem.
— Agora sim! Pega, passa esse gloss e vamos logo sair
daqui porque estou morrendo de fome e vamos acabar nos
atrasando.
Chegamos no campus e espero Bia descer do carro e entrar,
fico me encarando pelo retrovisor do carro, não irei mentir, estou me
achando linda, mas, ao mesmo tempo, sinto que essa não sou eu,
não me visto assim aqui. Sorrio porque amei como ficou minha
sobrancelha, deixando meu rosto ainda mais delicado, é incrível
como uma sobrancelha bem feita consegue mudar totalmente nosso
rosto. Respiro fundo e saio do carro, ajeito minha saia um palmo
mais curta do que costumo usar, ergo a cabeça e caminho quase
que confiante até a entrada.
Respiro ainda mais aliviada por encontrar ninguém
indesejado e nem o desejado também. Sorrio da minha própria
idiotice e me sento. Sinto alguns olhares sobre mim e sinto meu
corpo esquentar, meu rosto deve estar um verdadeiro pimentão.
— Bom dia, espero que tenham feito o exercício que passei
semana passada! — Cindy é nosso professor de cálculos, ele é
extremamente inteligente e adoro sua forma de ensinar, é leve e
descontraída.
— Oi, tudo bem? — olho para o lado e vejo Bread, um dos
mais novos atletas da nossa escola. Ele sorri para mim e fico
confusa, pois nunca falou comigo, nem mesmo um “oi”.
— Oi, estou bem, obrigada. — digo sem graça e sem querer
render assunto para ele.
— Eu nunca te vi por aqui antes. É nova ou trocou de curso?
— reviro meus olhos e sorrio. Não um sorriso forçado, porque
realmente gostei disso. De ser notada e descaradamente
paquerada.
— Na verdade Brad, eu sento nessa mesma cadeira ao seu
lado a meses. — minha vontade de rir aumenta com a cara confusa
dele e o jeito que se joga de volta em seu próprio assento. Fico o
encarando por mais um tempo e começo a rir. Não uma risada
contida, uma verdadeira gargalhada.
— Com licença. — vejo o professor se aproximar e contenho
o riso. — Posso ouvir a piada que foi contada? — diz se sentando
na mesa do Brad, olhando dele para mim.
— Me desculpa, professor — tento me recompor. — É que
Brad achou que eu era nova aqui e tentou me passar uma cantada
ridícula. — me arrependo assim que as palavras saem de meus
lábios. Droga.
— Espero que sua nova roupagem, senhorita Sowyer, não
inclua sua disciplina em sala de aula e muito menos comprometa
sua excelente carreira acadêmica.
Cindy sai me deixando refletir com suas palavras. Será? Será
que se eu mudar meu exterior, irei mudar também minha essência?
Decido não ir ao refeitório hoje, ao invés disso vim para
arquibancada da pista de atletismo, assim como no dia que salvei
Bia. Fico olhando as pessoas se aquecerem até uma voz chamar
minha atenção.
— Eu não sei de quem você está falando, Thais. Não
conheço essa menina.
— Se eu sonhar que você está dando trela para aquela
songa monga nós iremos ter uma briga séria, está me entendendo,
Gabriel?
— Achei que essa já era uma briga séria, e por uma garota
que não faço ideia de quem seja. E outra, se ela é apaixonada por
mim deve saber que sou apaixonado por você e não tenho olhos
para nenhuma outra garota.
Sinto meu coração apertar, de repente conheço a sensação
de uma pessoa tendo um ataque de asma, pois não consigo
respirar, me abaixo um pouco mais na arquibancada. Eles estavam
falando de mim, ela está falando de mim.
Ele não sabe quem eu sou, mas ela sabe e me odeia.
Enquanto ele a ama, e não tem olhos para mais ninguém.
— Você não precisa ficar nervosa, Aly. A aula vai ser
tranquila e se você tirar o meu irmão ou as meninas a gente troca
sem ninguém ver, é só se sentar perto de mim.
— Eu não estou nervosa só por isso, Bia.
A semana passou rápido e hoje já é quinta feira, estou no
carro quase tendo uma crise de ansiedade. Terça e quarta foi uma
mistura de satisfação e pavor, passei a maior parte do tempo
preocupada em me esconder do Gabo e companhia. Fui paquerada
e olhada por vários meninos e cheguei à conclusão de que Bia e
Sarah tinham razão e eu não deveria esconder minha beleza, mas
agora, que estou prestes a ficar cara a cara com eles e ainda correr
o risco de ter que ficar 45 minutos falando sobre tudo um do outro,
estou surtando completamente.
— Ei! Não pira, amiga. Vou entrar e sentar lá atrás, a
probabilidade de você tirar qualquer um deles é pequena e se ainda
assim acontecer vamos trocar.
Bia tenta me acalma e concordo. Preciso me concentrar e
fazer o que sei de melhor, passar despercebida.
— Bom dia, meus artistas preferidos. — Jeremy parece bem
animado nos cumprimentando.
Graças a Deus quando entrei na sala só tinha Bia guardado
meu lugar e alguns alunos da minha turma. Gabo e seus amigos
entraram uns 5 minutos depois, Thais percorreu os olhos pela sala e
logo me encontrou. Sei que estava me procurando porque assim
que nossos olhos se cruzaram ela sorriu de um jeito que me deu um
gelo na espinha e agarrou Gabo visivelmente marcando território.
— Bom, a aula de hoje será um misto de conhecimento e
descobertas, o primeiro tempo faremos para rotular os colegas de
turma, o segundo vocês irão passar quarenta e cinco minutos
conhecendo melhor a pessoa que irei sortear e o terceiro vocês me
contarão se o que achavam do colega de vocês no primeiro tempo
era real ou não. Vamos nomear essa aula de: Conhecendo o
desconhecido. Ninguém vai ficar com as pessoas de sua roda de
amizade. Vamos sair da zona de conforto.
Jeremy se vira para o quadro e começa a escrever algumas
coisas.
— Me digam alguns rótulos que costumam dar para seus
colegas de turma. — As pessoas começaram a falar alguns e o
professor anota no quadro.
Nerd, burro, atleta, popular, abelha rainha, indiferente,
solitário, piranha, gostosa, desnecessário, perdido, patricinha, linda.
Ele anotou todos os rótulos e até riu de alguns e
desconsiderou outros.
— Vocês são realmente cruéis com os colegas, não é. — Não
foi uma pergunta, foi uma constatação. — Agora vou seguir a ordem
dos nomes que tenho anotado e vou citar um, quatro pessoas vão
escolher um desses rótulos para dar ao escolhido. Entenderam? —
A sala inteira confirma e todo mundo parece bem animado com isso.
Menos eu.
— Fabrizia. — Começa. — Gostosa, indiferente, perdida,
burra. — algumas pessoas respondem, ultrapassando o limite de
quatro, mas Jeremy não pareceu se importar, apenas ficou
analisando cada um que se dispôs a falar.
— Bread — continua. — Atleta, sem noção, indiferente,
desnecessário.
— Bianca.
— Tomem cuidado com o que vão falar da minha irmã, seus
idiotas. — Gabo esbraveja olhando para todo mundo e rindo.
— Gostosa. — David grita ganhando um belo soco no ombro
dado por Gabo.
— Fica longe da minha irmã, babaca. — alerta.
— Gabriel, se for bater em todos que rotularem a sua irmã
terá que tapar os ouvidos. — brinca o professor fazendo a sala
inteira rir, até eu. — Vamos, o que vocês veem olhando para Bianca.
— instiga o professor. — Abelha rainha, patricinha, linda.
Olho para Bia e ela sorri para mim, sussurro: — Incrível. — E
seu sorriso aumenta.
— David. — Lindo, popular, atleta, Ned, gostoso.
— Rachel. — Um coral de: gostosa, popular, linda, abelha
rainha e patricinha, soou pela sala.
— Gabriel. — Atleta, lindo, popular, gostoso.
— Meu! — Thais alerta olhando para trás. Olhando para mim.
— Não me lembro de ter colocado esse rótulo no quadro,
senhorita Andrade. — Jeremy a repreende.
— Desculpe, professor — ela dá mais um de seus sorrisos
forçados — É que não resisti.
— Ok, vamos ver o que a turma tem a dizer sobre você.
— Linda, gostosa, abelha rainha, minha e popular. — Gabo
rasga elogios para a namorada sem deixar que nenhuma outra
pessoa a rotule.
— Vamos tentar novamente sem que o casal da sala
estrague o restante da brincadeira. Quero que pessoas que não são
ligadas de nenhuma maneira a Thais a rotule. — o professor não
parece irritado, porém, foi bem direto.
— Abelha rainha, desnecessária, atleta, gostosa, cruel,
arrogante.
Conforme os alunos vão a rotulando o sorriso em seu rosto
vai escorregando até se tornar uma careta. Ela dá uma olhada em
volta e quando seus olhos mais uma vez caem sobre mim faço
questão de falar: — Sem noção.
Devolvo o mesmo sorriso que vem me dando esses dias.
Posso ser na minha, mas não tenho sangue de barata, não vou
mais abaixar a cabeça e deixar que me humilhem.
— Ok, ok. Vamos parar por aqui — Jeremy interrompe. —
Como podem ver senhores, a vida de vocês vai além do círculo de
amizade, e os rótulos são mais dolorosos quando não vem de
pessoas ligadas a vocês. Vamos ao último nome na minha lista.
Senhorita Alice Sowyer.
Um silêncio toma a sala. Ninguém sabe de quem o professor
está falando.
— Levante-se, Sowyer, pelo visto seus amigos de turma não
sabem quem é você, mesmo que tenha se apresentado semana
passada.
Minhas pernas estão trêmulas. Não, minhas pernas não, meu
corpo inteiro está tremendo. Faço o que o professor mandou, mas
mantenho meus olhos no chão até que ouço várias pessoas.
— Nerd, indiferente, solitária, desnecessária.
— Piranha.
Olho na direção de onde veio a voz, Thais me olha com ar de
superioridade. Meus olhos se enchem de lágrimas e sei que se não
sentar agora irei cair no choro. Todos estão me encarando. Gabo
está me encarando e não diz nada, mais uma vez.
— Linda. — Olho para David sem acreditar que o elogio veio
dele.
Então diferente dos primeiros rótulos começo a ouvir. —
Gostosa, linda, inteligente.
Olho para o professor e o mesmo me dá autorização para
sentar através de um aceno.
— Cruéis! Esse é o meu rótulo para vocês. — Jeremy respira
fundo parecendo se recuperar desse momento constrangedor. —
Vamos agora fazer um sorteio. Enquanto vocês se elogiavam e
ofendiam separei a turma, foi bem fácil separar os populares dos
não populares. Conforme for chamando as duplas peço que se
levantem e venham até mim. Vamos fazer uma fila.
Droga, droga, droga
Olho para Bia que entende meu desespero, ela percebeu que
o tal sorteio não era como pensamos e as probabilidades de cair
com qualquer um deles são bem maiores fazendo assim.
— Gregory e Haley, Daniel e Maicon, Robert e Fill, Eleonor e
Déb., Bile e Simon, Renan e Gabriella, Bianca e David, Rachel e
Edward, Beven e Halanna, Gabriel e Alice.
Eu não sei quantos princípios de infarto uma pessoa pode ter
até que realmente morra. Mas hoje eu passei da minha cota, essa
semana eu já morri umas oito vezes, igual na música da Pitty. Vejo
todo mundo olhando para mim, esperando que me levante, mas só
consigo olhar para Thais que me olha como se pudesse me matar
só com esse ato. Vou com cuidado até onde Gabo já está parado
me esperando e não ouço mais nada do que o professor diz, só vejo
as outras pessoas se levantando e vindo para perto de nós. Sinto as
lágrimas escorrer dos meus olhos, mas não consigo as deter, me
encolho ao sentir uma mão tocar meu ombro.
— Ei, sou eu. — Bia segura meu rosto e enxuga com
delicadeza as lágrimas que provavelmente borraram minha
maquiagem — Está tudo bem, nós vamos trocar, você vai com o
David.
— E você? — pergunto fraca.
— Vamos fazer uma troca por motivos de força maior. —
Jeremy para ao da Bia respondendo por ela, não me viro para
Gabo, mas sei que me encara sem entender, consigo sentir o peso
do seu olhar. — A senhorita Sowyer vai com David, Bianca
obviamente não pode ir com o irmão, então, Bianca vai com a
senhorita Miley e Gabriel vai com Josh a quem rotulou como nerd.
Respiro aliviada, mas nem tanto, sinto várias pessoas me
encarando ainda e me sinto constrangida por ter tido um ataque
vergonhoso de pânico.
O professor entrega uma câmera de vídeo e uma lista para
cada dupla e explica como irá funcionar.
Basicamente teremos que interagir um com o outro e filmar
cada resposta. Quarenta e cinco minutos, estou tentando adivinhar
quanto tempo vou levar para ter outro ataque ao lado de David.
David e eu escolhemos a pista de atletismo que hoje está
fazia, seguimos lado a lado sem dizer uma palavra, simplesmente
caminhamos na mesma direção e quando paramos estávamos no
meio do campo, nos sentamos de frente um para o outro e agora
estamos nos encarando.
— Pode começar se quiser. — incentivo, já sem graça com
ele me encarando.
— Você é realmente linda, não disse aquilo só para amenizar
o clima na sala, e peço desculpas pela Thais, ela não é uma má
pessoa. Não sei porque te atacou daquele jeito. — sorrio sem graça.
Não sei se me sinto feliz por ele estar sendo legal comigo, ou
se me sinto mal por ele estar tão perto e não me reconhecer.
Com certeza estou feliz por realmente me achar bonita.
— Eu não acho que ela seja uma pessoa boa, mas não
estamos aqui para falar sobre seus amigos, e sim sobre nós. —
David ergue uma sobrancelha e depois faz uma careta. Fico
encarando-o sem entender enquanto se levanta e começa a andar
de um lado para o outro, de repente se vira para mim e pergunta.
— Qual é mesmo a sua arte?
Droga
— Desculpe, não entendi a sua pergunta. — tento disfarçar.
— O professor disse que embora você tenha se apresentado
na semana passada as pessoas pareciam não se lembrar de você,
isso me leva a crer que seja a menina dos podcasts, a garota
invisível, mas, tem mais uma outra coisa. Qual é a sua arte Alice, ou
eu devo te chamar de Aly?
Droga, droga, droga, mil vezes droga.
— Eu realmente não sei do que está falando, David. E acho
que devemos começar a nossa tarefa.
— Ótimo, vamos começar. — ele tira do bolso o cartão com
as coisas que devemos perguntar um para o outro. — A primeira
coisa que tem na lista é a pergunta que acabei de te fazer. Qual é a
sua arte e logo depois você terá que demonstrá-la enquanto eu filmo
você.
Respiro fundo porque sei que não tenho para onde fugir, ele
já sabe quem eu sou. E não sei porque estou tão desesperada, já
que a alguns segundos fiquei chateada por ele não ter me
reconhecido.
— Tudo Bem, você venceu! Eu sou a Aly, a menina que
vocês viram cantando no Sing.
Ele sorri, continua me encarando e depois faz mais uma
careta engraçada.
— Você está muito ferrada, Aly.
— Como assim, porque? — pergunto realmente confusa.
— Por vários motivos. — diz começando a numerar com os
dedos e voltando a andar de um lado para o outro. — Primeiro, por
fingir ser uma mosca morta que sabemos que não é, segundo, por
se declarar descaradamente em vários podcasts na internet. — se
vira em minha direção e questiona, fazendo uma careta, bem
bonitinha. — Quem faz esse tipo de merda? Se declara para uma
pessoa que nem fala, em um site que qualquer pessoa no mundo
pode ouvir, inclusive a namorada do cara.
— Olha, você viu as datas? Aquilo foi a anos, no ensino
médio, eu era imatura e apaixonada, não podem me julgar por isso.
— Quem liga para datas, você fez aquilo! Continuando —
mais uma vez se vira e continua andando de lá para cá me deixando
um pouco tonta. — Terceiro, você canta para ele todas as noites,
cantou no pub e flertou com ele na primeira vez que fomos falar com
você. Quarto, quando ele te reconhecer aqui na escola, você vai
entrar para lista negra oficial das meninas, a começar pela Rachel e
a Thais que são as piores.
— Achei que você tinha dito que ela era uma boa pessoa, e o
que sua namorada tem a ver com isso? — pergunto, irritada com as
afirmações dele.
— Talvez eu tenha mentido para te confortar, ela não é tão
boa assim e a Rachel não é minha namorada.
— David, vamos a minha defesa agora. — digo me
levantando e ficando de frente para ele. — Eu não finjo nada, eu sou
assim, no pub as luzes, o barulho e talvez as roupas que visto para
ir cantar possa ter me diferenciado um pouco, mas eu nunca menti
dizendo ser outra pessoa, não tenho culpa se vocês são tão lerdos a
ponto de não me reconhecerem, em relação às namoradas de
vocês, elas não podem me odiar por gostar de alguém, nunca dei
mole pra ele, e ele nunca olharia para mim, você viu a declaração
que ele fez para ela na sala? Eles se amam. Seria burrice dela
querer entrar em guerra comigo. Eles se amam. — repito, um pouco
mais desanimada a parte sobre eles se amarem, sinto minha
garganta apertar, como se alguém estivesse me estrangulando.
David fica me analisando e faz um estalo com os lábios.
— Ele já te viu, ouviu e gostou. Só foi lerdo assim como você
disse, e não te reconheceu aqui, mas como ele reconheceria se não
ficam nem cinco minutos na presença um do outro? Se nunca
conversaram? Acha que se não tivesse trocado de dupla essa hora
vocês não estariam tendo essa mesma conversa? Talvez um pouco
diferente, mas com o mesmo teor de reconhecimento? Você pode
não ter se esforçado para fingir ser outra pessoa, mas também não
fez questão de mostra quem era. E a Rachel, não é minha
namorada, nós apenas nos curtimos e sobre o Gabo amar a Thais,
nem tudo é tão perfeito quanto parece!
Volto a me sentar na grama e ele me acompanha, ficamos
em silêncio por um tempo, mirando o horizonte. E eu repassando a
última frase dele.
Nem tudo é o que parece.
— Posso te fazer uma pergunta? — David quebra nosso
silêncio.
— Claro, aliás nós precisamos fazer nossa tarefa, ficar
admirando a vista vai acabar nos atrasando.
— Tudo bem, já vamos começar. — ele vira seu corpo em
minha direção e mais uma vez fica me analisando com olhos
curiosos. — Você ficou muito chateada no dia que veio nos
perguntar como tinha sido nossa viagem e nós não te respondemos
e ainda debocharam de você?
Fico o encarando, tem um brilho de preocupação em seus
olhos e isso me faz ver o quão diferente dos outros ele é.
— Fiquei bastante decepcionada. — admito.
— Me desculpe, de verdade.
— Está tudo bem, esquece isso. Vamos começar nossa
tarefa. Quer ser filmado primeiro?
— Por mim tudo bem! — afirma. Me entrega a câmera que
havia deixado no chão e o cartão com as perguntas, sorrio ao ver
que ele havia mentido, à primeira pergunta é o que você gosta de
fazer e não qual é o seu talento, olho em sua direção e ele dá de
ombro sorrindo de lado.
— Vamos lá — digo com a câmera ligada em sua direção. —
Senhor David Hezekiah, o que você gosta de fazer?
— Sou Jogador de basquete e amo jogar. E só para reforçar,
estou muito estressado por estar sem jogos e sem treinos. — sorrio
e ele espelha o mesmo sorriso no rosto, porém, o dele é mais aberto
e espontâneo.
— Ok, próximo, pretende seguir a sua profissão baseado na
arte que nos citou semana passada ou tem outros planos? — David
alargar mais ainda o sorriso.
— Minha arte não tem absolutamente nada a ver com meu
curso. Meu sonho não é ser um jogador da NBA. Meus pais são
médicos, meu pai é o melhor cardiologista que conheço e minha
mãe é obstetra, eu pretendo ser um neurocirurgião e tenho um
longo caminho a percorrer, depois da nossa formatura todos vão
seguir uma carreira e eu ainda estarei como residente em algum
hospital, ou seja, mais estudos, para só então ter meu diploma na
especialização que escolher.
— Incrível, nunca iria imaginar. — confesso boquiaberta. —
É isso minha gente, vocês estão diante do futuro Dr. Hezenkiah. —
ele solta uma gargalhada e me encara esperando a próxima
pergunta da lista. — Como você se vê daqui a alguns anos após
seguir a carreira desejada?
— Como me vejo? — repete analisando a pergunta. — Bem
sucedido, casado, com 3 filhos e ganhando muito dinheiro.
— Você está realmente me surpreendendo — confesso —
Mas não acho que sua namorada vá querer casar e ter 3 filhos e
estragar o corpo perfeito dela. — implico e ele fica sério.
— Já disse que ela não é minha namorada. E minha mulher
será linda com ou sem os filhos, mesmo não tendo o corpo perfeito,
estando ao meu lado e me fazendo feliz, ela já será perfeita. Não
ligo se será loira, morena, ruiva, só quero chegar em casa e ter
alguém para contar como foi meu dia, para perguntar ansioso como
foi o dia dela e depois tirar todo o estresse do dia com um bom
sexo.
— Bom, caso não tenha mulher até lá tenho umas sugestões
para você. — David me olha curioso com a sobrancelha erguida, e
começo a rir antes de dar a ele minhas sugestões. — Pode ir a uma
psicóloga ou terapeuta e contar tudo e sobre a noite de sexo. —
faço uma pausa colocando a mão no queixo como se tentando
imaginar uma boa substituição para a esposa. — Para isso tem as
profissionais do sexo.
— Você é bem engraçadinha — diz forçando uma risada.
— É eu sou, uma pena que não reparou antes e perdia seu
tempo com suas amigas superficiais. — destaco a palavra amigas
fazendo aspas e ele faz mais uma de suas caretas fofinhas.
— Está vendo? É por isso que você não tem amigos. — fala
sério, mas se vê de longe o deboche em sua voz e em seus olhos.
— Meu nome é Arí, e eu não estou nem aí. — dou a resposta
mais infantil que consigo e caímos na gargalhada. Nos recompomos
e olho para o cartão em minhas mãos, por um momento esqueci
que estava filmando e torço para que no final possa ficar com essa
gravação, será uma boa lembrança. — Não tem mais nada, está
dizendo que a última pergunta será feita na sala pelo professor e diz
que temos que finalizar com uma foto.
— Beleza, passa para cá essa câmera e vamos filmar você e
por último tiramos as fotos. — concordo, encerro o vídeo e passo a
câmera para ele.
— Então senhorita Sowyer, sei que gosta de cantar e é
excelente no que faz, mas existe alguma outra coisa que goste de
fazer?
— Eu amo cantar, a música é a extensão de todos os meus
sentimentos, consigo em uma canção expressar qualquer emoção,
boa ou ruim, minha ou o de outra pessoa e sim, há uma outra coisa
que amo fazer. — faço uma pausa me recordando de quando
aprendi a tocar violão. Foi meu avô que me ensinou e quando
consegui tocar minha primeira canção sozinha ele ficou tão
emocionado que fez questão de me ensinar a tocar vários
outros instrumentos antes de partir e me deixar tão apaixonada pela
música quanto ele era.
— Eu amo ensinar, tenho o dom de instruir. — sorrio.
— Pretende seguir sua profissão baseado na arte que nos
citou semana passada ou tem outros planos para o futuro?
— Pretendo ser professora, e dar aula no colégio que nós
fizemos o ensino médio, ou quem sabe aqui mesmo na faculdade,
se bobear nos dois.
— É sério isso? — David parece indignado, me olha como se
de uma hora para outra estivesse vendo crescer em mim uma
segunda cabeça, ou sei lá o quê.
— Que foi? É sério sim, sou ótima ensinado e gosto de fazer
isso.
— Aly, fala sério, por mais que eu concorde que você é muito
inteligente, que seria uma ótima professora, e até bem gostosa, tipo
aquela nossa professora de história, lembra? Isso não faz sentido,
você tem capacidade de ser tantas coisas e sonha em voltar para o
lugar onde foi menos feliz, porque vamos combinar sua trajetória
aqui em relação às pessoas é deprimente.
Fico boquiaberta com a capacidade que ele tem de sair
dizendo o que pensa mesmo sem se importar com o que vou sentir
ao ouvir tantas coisas grosserias, mesmo não sendo sua intenção
me magoar, ele está realmente indignado com minha escolha de
profissão.
— Meu Deus, qual é o seu problema? Eu quero passar para
eles tudo que aprendi, será um avanço e tanto, a nerd rejeitada
como professora de uma nova geração de David, Gabo, Alice,
Rachel e Thais. Vou fazer com eles o que Jeremy está fazendo
conosco nesse momento, nos obrigando a sair da nossa zona de
conforto e dando oportunidade de pessoas como eu, conhecer
melhor pessoas como você. Mostrar para eles que dói quando
somos julgados sem ter a oportunidade de mostrar que somos
melhores do que aparentamos ser.
David parece desanimado, está visivelmente absorvendo
minhas palavras, quase tão duras quanto as dele foram.
— A vida é sua, faça como achar melhor, mas se eu
estivesse no seu lugar, não iria querer voltar aqui para me deparar
com uma nova geração tão cruel ou mais do que a nossa,
planejando mudar as pessoas. — antes que eu possa rebater ele
fala — Próxima. Como você se vê daqui a alguns anos após seguir
a carreira desejada?
— Me vejo sendo a melhor professora que já passou por
essa instituição, me vejo salvando pessoas como eu de pessoas
como a Thais, e salvando pessoas como a Thais delas mesmo.
Mostrando que nosso futuro começa aqui, e tudo que vivemos e
fazemos aqui irá nos definir para o resto de nossas vidas, a
popularidade, a beleza e o namorado perfeito não vão durar para
sempre, quando pessoas como ela bate de frente com o mundo lá
fora — faço um gesto para os muros altos que nos cercam- e
contínuo. — Ela irá se frustrar vendo que a vida tem muito mais a
nos cobrar do que boas notas e uma alta mensalidade.
Ele olha para o cartão, balança a cabeça como se estivesse
afirmando alguma coisa e diz:
— Acabou, agora é só esperar para ver o que ele irá nos
perguntar na sala.
— Temos que bater a foto. — digo ignorando o clima
estranho que ficou.
— Verdade, eu já sei como e onde tirar a minha e você? —
questiona.
— Não faço ideia, mas vamos tirar a sua e depois pensamos
na minha, temos dez minutos para fazer isso.
David diz que quer a foto dele na quadra de basquete,
juntamos nossas coisas e caminhamos em silêncio. Nossa escola é
imensa, a pista de atletismo onde estamos fica na parte de trás, a
grama está sempre muito bem aparada e as arquibancadas sempre
limpas.
Ao passar pelo corredor indo em direção a quadra de
basquete vimos em uma sala vazia Gabo e Josh. Eles estão tão
concentrados que não nos viram, fico admirando o jeito despojado e
brincalhão do Gabo, ele parece estar ensinando Josh a chegar em
uma garota, o menino parece um pimentão de tão vermelho, mas
encara Gabo com um sorriso e parece admirá-lo assim como eu.
Cabelos negros como a noite, olhar marcante, ombros largos e
fortes, rosto bem desenhado, ele não tem lábios grossos, pelo
contrário, os lábios dele são finos e bem delineados, um pouco
rosado eu acho, todo som que sai daqueles lábios mexe comigo de
uma forma inexplicável, e a risada que está dando me dá vontade
de entrar e me juntar a eles só para ouvir mais de perto esse som
rouco e delicioso.
— Você quer ensinar vários adolescentes a serem pessoas
melhores, mas quando vai aprender que se continuar se
escondendo e omitindo o que sente vai sempre ser uma mera
expectadora da vida dele? — sinto o braço do David repousar
calmamente sobre meus ombros me tirando do transe, e sua frase
me deixa desconcertada.
— Chega de me criticar e vamos logo bater nossa foto. —
digo nos guiando para a quadra. Ele mantém o braço envolvendo
meus ombros e sorri balançando a cabeça em negação.
David e eu voltamos para sala e nos sentamos lado a lado no
fundo, o professor havia nos orientado que ao voltar era para
permanecer sentado com a dupla escolhida, pedi a ele que
sentássemos lá atrás para não ficar perto do Gabo quando ele
voltasse. O que não deu certo, já que assim que ele entrou procurou
pelo amigo e se sentou ao nosso lado.
Nossas fotos foram engraçadas, chegando na quadra ele
pegou uma bola e pediu que eu batesse a foto no exato momento
em que ele a arremessasse, fizemos umas quatro tentativas até sair
uma foto decente. A minha foto foi tirada no refeitório, o idiota pegou
um violão emprestado com um grupinho estranho, andamos quase o
colégio inteiro atrás deles porque David sabia que sempre
carregavam um violão, me fez subir na mesa e pediu que as
pessoas que estavam no refeitório ficassem na frente da mesa onde
fiquei em pé, pediu que levantassem as mãos e bateu a foto. Desci
rindo e quando fui conferir, sorri em aprovação, parecia que eu
estava no meio de uma apresentação. Ficou ótima.
— E então meus pupilos? Como foi passar um tempo com
seus não colegas? — Jeremy entra interrompendo meus
pensamentos e a conversa animada que estava rolando entre
David, Gabo e Josh. — Deve ter sido boa já que nem todos voltaram
ainda. conclui rindo. Logo a sala lota novamente e me bate um
verdadeiro pânico quando Thais nos vê sentados juntos, os olhos
dela não estão em mim e sim em Gabo. Seu olhar é mortal. Dou
graças a Deus, que ela não vem para cá, se senta com Vick na
terceira fileira do canto esquerdo.
David sente meu nervosismo e segura minha mão encima da
mesa, olho em seus olhos e ele me dá um sorriso tranquilizador.
— Peço que tragam para mim as câmeras e deixem em
minha mesa.
David se levanta levando a nossa câmera e a de Gabo para a
mesa do Jeremy. Me atrevo a olhar para o lado quando percebo que
estou sendo observada. Ao me ver encarando-o de volta Gabo sorri
para mim. Sinto todos os meus pelinhos se arrepiando e desvio o
olhar sem retribuir o sorriso, fecho os olhos e sei que essa visão
dele sorrindo para mim vai me atormentar para sempre.
Fico encarando a menina ao meu lado, tentando entender o
porquê de ela ter tido aquele ataque de pânico, pelo simples fato de
ter que fazer dupla comigo. Ela parece sentir meu olhar sobre ela e
vira o rosto me encarando timidamente, dou um sorriso tentando
não parecer um idiota a esquadrinhando, mas imediatamente ela
desvia o olhar, abaixando a cabeça, exala profundamente de olhos
fechados e se mantém assim até David retornar para se sentar ao
seu lado novamente, tampando totalmente minha visão e impedindo
que eu a veja.
— Você acha que ele irá mostrar nossos vídeos para a turma
inteira? — a ouço perguntar para David.
— Espero que não, ou você estará muito mais ferrada do que
eu disse que estaria antes da gente começar a filmar. — fico
imediatamente intrigado com o que ela poderia ter dito que a está
deixando tão preocupada, fico curioso para ver o conteúdo desse
vídeo. Será que falou algo sobre o porquê tem tanto medo de mim?
Ou falou sobre minha namorada ter a chamado de piranha?
— Perfeito! Agora que estamos todos aqui e que já me
entregaram as câmeras vamos refazer a brincadeira que fizemos
antes de sair. — o professor cortou minhas teorias dando
continuidade à aula.
— De novo? — alguém pergunta do outro lado.
— Sim, mas agora será diferente, as duplas formadas irão
rotular o parceiro com o qual passou esse tempo e dizer se a visão
que tinham antes sobre ele ainda é a mesma ou se mudou alguma
coisa.
Olho para Josh ao meu lado, ele continua sorrindo desde que
entramos na sala, nosso tempo juntos me fez vê-lo completamente
diferente do que achei que era, o menino tem talento, é mega
inteligente, é bonito e sabe bater um bom papo. Rimos horrores
juntos e quero que todo mundo tenha essa mesma visão dele, para
que nunca mais o rotulem como um nerd sem significância, o cara
tem presença, apenas não se impõe.
— Vamos iniciar pela primeira dupla formada, Gregory e
Haley.
Gregory é o primeiro a falar pedindo desculpas por ter
chamado Haley de desnecessária e burra.
— Ela é uma pessoa incrível e será uma ótima profissional.
— a menina sorri feliz pelo elogio e está
visivelmente emocionada. Conheço os pais dela, Haley passa
por situações difíceis cuidando dos avós dela sem a ajuda dos pais
que são mesquinhos a ponto de não querer o casal de velhinhos em
sua gloriosa casa.
Ela se levanta tímida fazendo elogios ao Gregory e
agradecendo por ele ter mudado de opinião em relação a ela,
demonstrando que ela também havia mudado de opinião em relação
a ele.
— Daniel e Maicon. — Essa dupla é meio exótica, Daniel é
do grupo de matemáticos e Maicon está no grupo de roqueiros,
nada simpático. Assim que são chamados David vira pra mim e
sussurra: — Essa eu quero ver. — nós dois rimos e voltamos a
nossa atenção para a dupla.
Infelizmente a interação dos dois não deu muito certo como o
da primeira dupla e ambos estão se rotulando como desnecessários
e outras coisas nada legais.
— Tudo bem, meninos, já chega, sentem-se, pois já
entendemos que vocês não deram tão certo. — Jeremy decide
intervir e acaba com a discussão.
Não prestei mais atenção nas outras duplas, estava sendo
engraçado, mas me distrai com algo que Josh e acabamos
embarcando em uma conversa paralela sobre os jogos que
retornarão na próxima semana.
— Bianca e Miley.
Paro minha conversa com Josh quando ouço o nome da
minha irmã. Bia é tão doce, frágil e me sinto um merda por deixar
ela conviver com nossa mãe e aquele verme que ela enfiou dentro
da nossa casa, fico aliviado por ela está sempre fora, odiaria sair e
deixá-la sozinha com aqueles viciados de merda. Não sei qual foi o
exato momento em que passei a desprezar minha mãe, a sentir nojo
dela, mas é exatamente o que sinto hoje. Desprezo e nojo, as vezes
pena, mas muito raramente. Ela tem dinheiro, filhos e uma casa
bacana, não valoriza tudo porque vive na merda, meu pai não nos
deixou por qualquer coisa, nos deixou porque não sabia lidar com
uma viciada. Assim como eu também não sei e um pouco do meu
ressentimento sobra para ele também, porque se um homem feito,
um chefe de família não soube lidar com a mulher viciada, como
pode deixar que duas crianças se virem com isso? Porque não nos
levou com ele?
Olho para Bia mais atento ao momento e ela está rasgando
elogios para a menina que tem um pouco mais de meio metro de
altura eu acho, óculos maior que o rosto e cabelos desgrenhados. A
típica nerd da turma. Miley faz o mesmo com Bia, destacando o
coração gigantesco e a inteligência da minha irmã. Sorrio orgulhoso.
— Obrigado, meninas. É muito bom ver que se entenderam e
gostaram de conhecer um pouco mais uma da outra. Vamos a mais
uma dupla. Edward e Rachel.
Olho mais uma vez para o meu amigo e ele me encara com
um sorriso que diz: Agora sim chegou à parte boa.
David e eu nos conhecemos na república ele é do Texas e
veio com o pai para Charlotte depois que sua mãe faleceu. Nossa
amizade foi instantânea, assim que nos vimos na entrada da
república, nos aproximamos e ficamos amigos, conseguimos manter
um bom diálogo apenas com um olhar, conheço o que cada
expressão dele quer dizer e ele sabe das minhas. David fala
português perfeitamente, sua mãe era brasileira e ensinou a língua
natal para o filho.
— Esse cara é bem nojento — Rachel começou —
inteligente, mas nojento e os quarenta e cinco minutos com ele
foram bem torturantes. — Rachel é de Nova York, uma garota
incrivelmente inteligente, mas força um personagem odioso que não
entendo, ela tem prazer em debochar e menosprezar as pessoas.
Vejo quando Edward abaixa a cabeça e diz tímido:
— Você não foi a melhor companhia também, mas apesar de
tudo, e desse jeito desprezível eu consigo ver algo bom em você.
Todos ficaram calados, ela sentiu aquilo, mas para não dar o
braço a torcer diz:
— Tanto faz! — se vira para o professor e pergunta — Posso
voltar para o lado dos meus amigos, não aguento mais isso?
— Não, não pode! Sente-se que darei continuidade. —
Jeremy leva tudo na esportiva, sempre com um sorriso, mas não
agora, ele foi curto e grosso sem dar um sorriso para amenizar a
situação. — Alice e David. — Chama.
Nessa eu não me atrevo nem a piscar, quero ver cada
detalhe do que meu amigo tem a dizer sobre a menina misteriosa
que surtou porque ia fazer a dupla comigo, preciso intercepta-la
antes que saia correndo quando essa aula acabar, quero saber se
inconscientemente fiz alguma coisa para que ela tivesse medo de
mim.
— Em primeiro lugar gostaria de me desculpar — meu amigo
começa e levanta. — Alice é uma menina incrível e estou bem
irritado comigo mesmo por nunca ter percebido isso, por nunca ter
falado com ela, ou me sentado próximo, por anos em que tivemos
oportunidade nunca ter reparado que o sorriso fácil dela pode tornar
qualquer problema pequeno. Ela será sem dúvidas uma professora
fabulosa, embora eu ache que tem potencial para ser muito mais.
Mas não importa qual a carreira que ela irá escolher, eu só espero
estar próximo para poder comemorar com ela.
Puta que pariu! Isso foi uma declaração de amor? Que porra
esse viado está querendo?
Fico o encarando, mas dessa vez ele não me olha, ele está
encarando a menina com um sorriso cúmplice. O mesmo que troca
comigo quando estamos compartilhando um segredo. Mas que
segredo ele pode ter com uma menina com quem passou apenas
alguns minutos?
Ela se levanta com as bochechas vermelhas e fica ao lado
dele, completamente envergonhada o que a deixa bem bonitinha.
Me ajeito na cadeira para ficar atento ao que ela tem a falar.
— Nossa, eu fiquei sem palavras agora. — admite, abaixando
a cabeça e respirando fundo. — Bom, primeiro quero dizer que
vocês estão diante do futuro melhor neurocirurgião do país, senão
do mundo. — ela volta a encará-lo com o mesmo sorriso cúmplice e
ele passa o braço pelos ombros dela, fazendo com que se
aproximem mais. — Ele é como eu imaginava! Inteligente, gentil,
engraçado e também tem um futuro brilhante pela frente.
— Isso foi impressionante! — Jeremy está embasbacado
assim como toda a turma, assim como eu! — Eu não tenho como
expressar o meu orgulho ao ver que duas pessoas de rodinhas
sociais completamente diferentes interagiram tão bem!
Independentemente do que aconteça nas próximas duplas quero
deixar claro que vocês foram minha maior conquista nesta aula.
Olho de Jeremy todo pomposo com os dois alunos prodígio e
para Rachel, ela está com tanto ódio no olhar que se meu amigo
não soltar a menina nesse momento, ela pode vir aqui matar os
dois. David parece perceber a ira da peguete e solta gentilmente a
garota ao seu lado, os dois desfazem o sorriso bobo e se sentam.
— Gabriel e Josh. — ao ouvir meu nome me levanto, se meu
amigo pode se exibir com a dupla dele, posso me exibir com a
minha.
— Como atleta fui condicionado a me relacionar com outros
atletas, e é difícil abrir mão disso. Tenho certeza que Josh pensa o
mesmo, um cara ligado diretamente com o estudo, um nerd
assumido, não se torna amigo de um atleta egocêntrico como ele
gentilmente me nomeou. — todos riem e eu continuo meu discurso.
— As pessoas costumam nos rotular exatamente assim, sem se
esforçar para enxergar além dos rótulos, infelizmente não é de hoje,
um nerd não se senta na roda dos atletas, os atletas riem dos nerds,
e por aí vai. Hoje pude conhecer um cara além do rótulo e posso
afirmar que ele é a pessoa com quem sem dúvidas fora da zona
escolar eu escolheria para ser meu amigo, porque lá fora não existe
nerd ou atleta, existe Josh e Gabriel, dois jovens, dois seres
humanos que embora tenham ambições diferentes são pessoas
comuns.
— E caralho, os capitães do time decidiram discursar bonito
hoje! — olho para Brad que está com um sorrisinho de deboche me
encarando.
— É disso que estou falando! — aponto para Brad e depois
para David e eu — Nós somos do time de basquete, e quem olha
para Bread e o vê fazendo esses tipos de comentários, nos julgam
igual. Porque andamos juntos e como meu pai dizia para mim, quem
anda com porcos, farelo come.
— Muito bem, essa é a frase ideal para essa aula! — Jeremy
concorda — As pessoas sempre vão te julgar, não só pelos seus
atos, mas principalmente pelos atos das pessoas com quem você
anda. Eu mesmo, olhando para vocês dois — ele aponta para David
e para mim. — Nunca iria imaginar que fossem ser os destaques
desta aula. Vamos ouvir o que Josh tem a dizer sobre você.
Josh se levanta sorrindo de orelha e orelha.
— Eu faço das palavras do Gabo as minhas próprias
palavras. E só para deixar claro, ele não tem nada de egocêntrico, é
um cara incrível com uma personalidade forte e com toda certeza é
alguém com quem teria o prazer de compartilhar uma amizade. Será
um arquiteto muito bem sucedido, tenho certeza, cara. — diz
colocando uma mão em meu ombro.
Nos sentamos depois de Jeremy nos elogiar e agradecer.
Chegou a vez de ouvir Thais e Vick.
— Quero antes de mais nada dizer o quanto estou orgulhosa
do meu namorado. — ela se vira para mim com um sorriso bem
forçado e completa — Você é incrível e é por isso que te amo.
Conheci Thais ainda no Brasil, uma ruiva fabulosa que
morava no Rio de Janeiro, ela me encantou e me enfeitiçou.
Estávamos no enterro da mãe dela, uma velha amiga de noitada da
minha mãe, fui forçado a estar ali, mas no fim sai ganhando, afinal,
sai de lá com ela e não nos separamos mais. Com o tempo
consegui me adaptar com o jeito exuberante dela, nasceu em berço
de ouro, mas sempre teve sérios problemas familiares, se mostra
durona e às vezes até atroz, mas é uma menina frágil e doce. Nosso
relacionamento está se complicando, mas sempre fomos muito
parceiros embora ela tenha um ciúme um pouco exagerado. Sinto o
quanto ela gosta de me exibir, não só aqui, mas onde estivermos
juntos, ela anda desfilando com o queixo erguido, querendo mostrar
o quão intocáveis somos.
Fico tão imerso em pensamentos sobre nós que não ouvi
nada do que eles disseram, só sei que não foram coisas boas, pois
Jeremy está vermelho e segurando com muita garra a raiva.
— Sente-se, senhorita Andrade! E se não se acalmar terei
que pedir que se retire da sala.
Ela vira o rosto quase tão vermelho quanto seu cabelo em
minha direção e seu olhar me fulmina.
Que porra que eu fiz para receber esse olhar?
Jeremy nos passa a importância dessa aula, nos mostrado
que quando nos formarmos iremos nos deparar com coisas e
pessoas completamente diferentes do que somos acostumados, e
precisamos estar preparados para isso, para saber lidar com
qualquer personalidade ou situação.
— Você poderia pelo menos ter me defendido, Gabo. —
Vocifera.
Thais e eu estamos no estacionamento, quando Jeremy
encerrou a aula mal pude me virar para falar com David, estava
prestes a apresentar Josh para ele e intrigado para que ele fizesse o
mesmo com a menina ao seu lado, mas antes de abrir a boca fui
puxado pelo braço. Thais empurrou Josh sem nenhuma gentileza e
me arrastou sala a fora. Lógico, se eu tivesse feito força e dito que
não iria ela não conseguiria mover nem meu dedo, mas não fiz isso,
preferi evitar uma cena na frente da turma. Nem o professor tinha
saído da sala ainda.
— Eu nem vi o que aconteceu, Thais. — defendo-me. —
Quando me dei conta que tinha acontecido algo errado o professor
já estava chamando sua atenção e mandou você sentar. O que
queria que eu fizesse?
— Tudo! Menos ficar lá parado com cara de idiota olhando
sua namorada ser humilhada na sala pela segunda vez no mesmo
dia e na mesma aula daquele professor ridículo que se acha muito
sábio.
Fico parado a encarando xingar nosso professor e nossos
colegas de turma. Eu realmente não sei o que fazer e nem quero
fazer nada quanto a isso, humilhar as pessoas é o que ela mais faz.
Acho que talvez provando um pouco do próprio veneno faça com
que ela caia na real.
— Quer saber! — grita — Cansei, não vou ficar aqui me
esgoelando enquanto você me encara com essa cara sem falar
nada. — ela se vira e vai em direção ao carro onde a amiga está
encostada nos observando. Não vou atrás dela, não a faço parar e
se acalmar, a deixo ir, porque estou sem o menor saco de aturar
mais gritos, já deu por hoje!
Já anoiteceu e estou em meu quarto, Bia foi para casa de
uma amiga e disse que voltaria logo. Faz algumas semanas que ela
abdicou totalmente de seu quarto para dormir aqui comigo. Quando
não estou ela também não vem para casa. Ela mal olha para nossa
mãe assim como eu, tento ao máximo ignorar a presença dessa
mulher nessa casa, mas é difícil. Tem dias que minha vontade é
descer e colocá-la para fora junto com o monte de bosta que ela
alojou aqui dentro, os gritos dos dois a noite me dá ânsia de vomito.
Bia teve uma crise de choro na noite passada, estávamos assistindo
um filme quando minha mãe começou a gritar e o desgraçado
gritava mais alto, os gritos foram virando gemidos, os gemidos
xingamentos… Essa porra toda é tão deprimente, eu não quero
minha irmã aqui, não quero que ela passe por isso. Outro dia vi
como ele olhou para Bianca, e juro por Deus que se ele olhar para
ela daquele jeito na minha frente de novo eu mato o desgraçado. Se
ele sonhar em encostar em um fio de cabelo dela, ele é um homem
morto.
— Que cara é essa, Gabo. — olho para Bia, ela me pegou no
meio dos pensamentos psicóticos.
— Desculpa, não vi que já tinha chegado. — assente e se
senta ao meu lado na cama.
— Você está bem? Porque está com essa cara de louco?
— Quero te perguntar uma coisa, e preciso que seja sincera
comigo. — falo sério e ela se empertiga ao meu lado, seus olhos
azuis escurecem. Ela está com medo.
— O que foi? Fala logo. — exige um pouco aflita.
— Alguma vez o Billy fez ou falou alguma coisa para você?
— ela fica pálida me encarando, seus olhos se arregalam e fica sem
voz. — Bianca, aquele cara encostou em você. — questiono mais
firme já me levantando. A cara de assustada dela está me deixando
aflito e aumenta minha raiva.
— Porque está me perguntando isso? — Bianca está mais
branca que o normal, as mãos sobre o colo estão inquietas, porra
ele fez, tenho certeza, ela não estaria assim se não tivesse
acontecido nada.
— Porra, Bianca, responde logo! — grito e a vejo estremecer.
— Eu vou matar esse desgraçado! — me viro para sair, mas ela
grita, salta da cama e segura meu braço, me impedindo de sair.
Seguro em seus braços e me abaixo até os olhos dela se encontrar
com os meus. — Preciso que me diga agora o que aconteceu, ou eu
irei descer e obrigar ele a me contar, será bem pior. — alerto com a
voz baixa e séria, deixando claro que não estou blefando.
— Não foi nada, Gabo. — diz com cautela. — Você não
estava em casa e ouvi nossa mãe gritar, como não estava
acostumada desci, presenciei a briga deles, tentei argumentar e ele
gritou comigo para que eu subisse sem me meter nas merdas deles.
— fico a encarando, sei que está mentido, tem algo mais.
— Se estiver mentindo para mim, se ele fez alguma coisa
com você, se tentou. — não consigo terminar, só de pensar nisso
sinto meu corpo entrar em combustão. Bia leva as mãos pequenas e
trêmulas até meu rosto e eu mergulho na intensidade azul de seus
olhos que brilham com lágrimas não derramadas.
— Eu juro que foi só isso, ele nunca tentou nada comigo. —
fico mais um tempo a encarando, por mais que ela seja firme no que
diz, sinto que não é verdade, mas resolvo deixar para lá e ficar mais
atento. Puxo-a para um abraço e sinto ela relaxar em meus braços e
eu faço o mesmo, relaxando meus músculos e tornando o abraço
mais confortável.
Ela se afasta e volta para a cama, faço o mesmo me juntando
a ela, ficamos em silêncio por um tempo até que resolvo falar algo
que vem me intrigando a um tempinho.
— Quero conhecer a sua amiga.
— Quê? Como assim, que amiga?
— A que você dorme quando não estou aqui, qual o nome
dela?
— Você não conhece. — fala sem responder o que perguntei.
Me viro de lado apoiando meu corpo com o braço, para ficar de
frente a ela. — Qual o nome dela, eu conheço mais gente que você,
Bianca.
— Sarah, e como disse você não a conhece!
Sexta feira. Que Thais não me ouça, mas esse virou meu dia
da semana preferido. O dia que ela vai para a casa dos avós em
Pineville, uma cidade próxima a Charlotte e eu vou para o Sing, que
se tornou meu lugar favorito desde que vi um anjo se apresentar lá.
Nada nela era definido, eu nem sei dizer qual a cor dos olhos
ou cabelo, só sei que a conexão entre a voz dela e o meu cérebro
foi instantânea, ela é linda, sei que posso sanar todas as minhas
dúvidas indo na casa ao lado e tocando a campainha, e confesso
que já cheguei até a porta, com o dedo prestes a tocar depois que
soube que ela era minha vizinha, mas aí veio o pensamento mais
lógico de todos. O que eu faria? Que desculpa daria a ela?
Oi, você é linda, amo ouvir você cantar e quero te conhecer
melhor, porque sei que corro o risco de me apaixonar, mas olha, eu
tenho uma namorada.
Com esse pensamento me retirei de sua porta e voltei para
minha casa. Não seria justo, nem com ela, nem comigo e tão pouco
com a minha namorada.
Me recuso a me aproximar dela, porque sei que tudo vai
mudar, não vou mais conseguir me afastar e isso não pode
acontecer por inúmeros motivos.
— Você poderia ao menos disfarçar. — berra. Confesso que
estou de saco cheio de ouvir Thais gritar o tempo todo. Ela
simplesmente não consegue ter uma conversa igual gente, tem que
ser sempre aos berros e eu odeio grito, cresci ouvindo-os.
— Se você der mais um grito eu juro que vou te colocar
dentro do meu carro e te levar para sua casa, não estou nem um
pouco afim de brigar, ainda mais com você. — ameaço o mais
brando possível. — Já tinha marcado de sair com o David, e fiquei
surpreso com a sua visita, só isso.
— Quer dizer que o fato de você já ter compromisso com o
seu amigo é mais importante que a sua namorada e é por isso que
você está praticamente me expulsando da sua casa?
Respiro fundo para manter a calma que está por um fio.
— Eu só te expulsaria da minha casa com um motivo muito
forte, e ficar berrando merda no meu ouvido é um desses motivos.
Ela fica me encarando de cenho franzido, mas logo suas
feições suavizam.
— Me desculpa, amor. Eu estou tão chateada de não ter
conseguido viajar e decidi vir direto pra cá achando que ficaria feliz
em passar o fim de semana comigo.
— Amor — falo baixo a puxando para meus braços — Estou
feliz! E vou fazer de tudo para que esse seja o melhor final de
semana desse ano para nós dois, mas ando muito estressado, e
confesso que suas crises de ciúmes e gritos desnecessários estão
realmente me irritando, então vou pedir com todo carinho do mundo
que você se controle mais. Eu amo você, não tem porque ficar
insegura. — Sinto Thais relaxar em meus braços e suas mãos
sobem e descem com um carinho gostoso pelas minhas costas.
— Você não tem noção do medo que tenho de perder você,
já perdi tantas coisas na minha vida, e a ideia de perder você me
deixa louca. Eu te amo tanto, Gabo. — nosso abraço se torna mais
forte e abaixo para beijar o topo da cabeça dela.
— Você não vai me perder, mesmo que um dia a gente não
esteja mais junto como um casal eu vou sempre proteger você,
sempre estarei ao seu lado.
— Não me vejo separada de você, acho que nosso
relacionamento será para sempre, vamos casar e construir aquela
família que você sonha em ter.
Suspiro com essa declaração, porque realmente me imagino
tendo uma família grande e feliz, mas faz um tempo que deixei de
idealizar essa família ao lado dela.
— É sério isso, Gabo? Poxa eu já estou arrumada!
— Desculpa, Bia. Mas não achei que a Thais fosse aparecer
do nada e não quero que ela vá ao pub com a gente.
— Hum… E isso tem a ver com a cantora gata que tem lá e
que por acaso é nossa vizinha?
— Quer falar baixo? — brigo, com medo que Thais ouça. —
Tem tudo a ver, sei que ela deve saber que tenho namorada, mas
isso não significa que quero que nos veja juntos.
— Você tá gostando dela, safado?
— Bia, eu vou colocar uma mordaça na sua boca, fala baixo,
porra! — vocifero.
Minha mãe e o verme que ela chama de namorado saíram,
Bianca estava em seu quarto se arrumando quando Thais chegou,
estávamos nos preparando para o Sing.
— Será que o seu amigo vai sem você? Poderia pedir para
ele passar aqui e me levar. — pede fazendo uma cara de cachorro
sem dono, sorrio apertando a bochecha branquela dela e falo.
— Vou ligar e perguntar, mas quero que fique longe das mãos
grandes dele. ouviu?
— Mãos grandes é? — estou com o telefone nas mãos, já
ouvindo os primeiros toques e desligo. — Esquece, você não vai
com ele, vai ficar comigo e a Thais, vamos arrumar um outro lugar
para ir, só nós três.
— Gabo! — Exclama.
— Quero meus amigos longe de você, Bianca. Já
conversamos sobre isso e também já os alertei, ninguém está
querendo de ter o pau cortado e eu não estou querendo cortar o pau
dos meus amigos por sua causa. — ela sorri debochada e quando
abre a boca é para me encher de mais raiva.
— É melhor mesmo, eu já observei o David, e cortar o pau
dele seria um grande desperdício.
Me viro para sair antes que eu perca de vez a paciência, pelo
visto hoje tiraram o dia para me testar.
— Gabo, eu estou brincando, volta aqui! Nem é tão grande
assim.
Ouço sua gargalhada e reviro os olhos.
Depois de muito discutir o que faríamos, Bianca, Thais e eu
viemos ao shopping curtir um cinema, como Bia ficou emburrada por
ter que ficar segurando vela, Thais chamou Rachel, o que foi ainda
pior porque ela encheu o saco do David e ele veio junto, agora
tenho que lidar com a raiva da minha irmã e a cara feia do meu
amigo.
— Valeu mesmo, maninho — dispara. Thais e Rachel foram
ao banheiro e David foi comprar uma pizza para comermos antes do
filme começar.
— Eu não tinha como adivinhar que ela iria chamar a amiga e
ainda por cima trazer o David, achei que ele iria para o pub.
— Não interessa, certeza que se tivesse pedido para ele me
levar no pub não estaríamos aqui, e eu não teria que segurar uma
vela dupla, seu idiota.
— Atrapalho? — pergunta David. — Já fiz o pedido da pizza,
agora é só esperar.
— Não, David. Você não atrapalha em nada, pode sentar —
respondo.
— É David, senta! Estávamos falando de você mesmo. — Ela
sorri para ele e me olha com cara de quem vai aprontar.
— Sério? Espero que esse babaca do seu irmão não esteja
falando mal de mim.
— Na verdade eu estava falando para ele que se tivesse
pedido que você me levasse ao pub e ele tivesse vindo sozinho para
essa porcaria de cinema não estaríamos aqui, você não estaria de
cara feia e eu não estaria de vela. — David olha de mim para ela
meio confuso.
— Com certeza! Eu já estava saindo de casa para buscar
vocês para ir ao Sing. Se tivessem me alertado dessa arapuca eu
não estaria aqui.
— E teria me levado?
— Claro, se quiser podemos fugir agora mesmo! — eles
conversam como se eu não estivesse na mesa. Bianca para me
atormentar e ele por ser um idiota sem noção do perigo. Os
sorrisinhos que estão trocando estão fazendo meu sangue ferver e
agradeço a Deus quando as meninas se sentam.
— Graças a Deus, o que estavam fazendo que demoraram
tanto? — falo entredentes.
— Desculpem pela demora, paramos para olhar uma
joalheria. — Rachel responde alheia a minha raiva.
Voltamos a ser um casal feliz, um casal contra vontade e uma
vela nada satisfeita.
— Sinto muito, Berry. Mas minha mãe não conseguiu fazer
sua tapioca, ela chegou tarde e muito cansada, disse que na
próxima sexta te recompensará. — Ele faz uma carinha de
decepção e logo sorri.
— Pois diga a sua mãe que só aceitarei as desculpas se o
próximo lanche for entregue por ela. — me encara como se
esperasse uma reprimenda, mas não faço, realmente gostaria de
que minha mãe viesse a conhecê-lo e ambos se tornassem mais do
que amigos virtuais. Outro dia peguei minha mãe observando
atentamente e até com um discreto sorrisinho nos lábios a foto dele
no Instagram, tentei uma abordagem, mas logo ela me cortou
dizendo que são apenas amigos e ela não tem cabeça e nem tempo
para mais do que isso.
— Darei seu recado, mas já sabemos a resposta, né?
— Tenho certeza que ela vai dar o braço a torcer qualquer dia
desses e irá vir até aqui. — diz otimista. Espero que sim.
Espero ansiosa para pegar meu lugar no palco, ansiosa para
ver Gabo, Bia e David entrar pelas portas do Sing. Minha semana
tinha sido de turbulências e vergonhas alheias, mas no final valeu a
pena, David é um cara incrível e surpreendente. Hoje durante o
almoço ele passou por mim esbarrando propositalmente no meu
ombro e cochichou. — Desculpe, não resisti! Talvez sua capa de
invisibilidade esteja perdendo o efeito.
Sorrio com a lembrança.
Acho que teria sido mais cômodo e menos doloroso se eu
tivesse me apaixonado por ele e não por Gabo. David desde que
soube quem eu era faz questão de falar comigo de algum jeito,
mesmo eu implorando que não o faça, e implorando para que ele
nunca revele ao Gabo a verdade. Gabo terá que descobrir por si só
quem sou e tomar a decisão de continuar me ignorando ou de
simplesmente se tornar meu amigo, assim como a irmã e o melhor
amigo dele.
Sinto meu celular vibrar e vejo uma mensagem da Bianca.
Bianca - Amiga, Thais apareceu de surpresa aqui em
casa e meu irmão não quer ir ao Sing com ela na nossa cola,
então decidiu me arrastar a uma seção torturante de cinema
com ele, Thais, Rachel e David.
Aly - Nossa amiga, sinto muito espero que sobreviva a
essa noite. Rs, Da um beijo no meu mais novo amigo e diz que
ele me deve 100 dólares da noite de hoje. Já está quase na hora
de eu assumir o palco.
Bianca - Bom saber que vocês dois já estão com toda
essa intimidade! Quer dizer que 45 minutos foi o suficiente para
se tornarem best friends forever?
Aly - Ciumenta! Divirtam-se, mais tarde nos falamos e
você me conta tudo.
Bianca - Ok, boa noite, Aly e arrasa aí!
Estou sem palavras para expressar o quão importante essa
menina tornou para mim, nossa amizade parece crescer a cada
minuto, parece que nos conhecemos a anos e não a semanas.
Olho para o palco e vejo o menino que cantou semana
passada se apresentar de novo, sorrio porque ele é ótimo. Está
cantando uma música do Coldplay. Yellow.
As pessoas estão bem animadas com ele e isso me dá uma
ideia para animar mais a noite, já formei mentalmente toda a minha
playlist de hoje.
Assim que ele deixa o palco me aproximo o parabenizando e
mais uma vez recebo um elogio dizendo que não se compara ao
meu show, mas na verdade não só se compara como também
supera.
— Boa noite, pessoas! — cumprimento.
— Boa Noite, Aly. — me respondem alegremente, aquecendo
meu coração.
— Espero que estejam todos bem e animados! Hoje pretendo
colocar vocês para ir até o chão! Mas antes como todas as noites
vamos falar um pouco sobre mim e minha vida de mãe de família,
ok? A maioria aqui sabe que tenho cinco filhos para criar e
recentemente adotamos um filhotinho, então preparem-se para
encher minhas caixinhas de grana e semana que vem trago para
vocês uma surpresa.
Eles se alegram e me ajeito com o pedestal, microfone e
playback. Hoje não vou tocar violão.
A primeira música é da Dua Lipa - Future Nostalgia.
Quando a batida começa, eles se animam e eu também.
(Future nostalgia) (Nostalgia futura)
You want a timeless song I wanna change the game Like
modern
Você quer uma música atemporal, eu quero mudar o jogo
architecture, John Lautner coming your way, I know you
like this beat
Como arquitetura moderna, John Lautner chegando no seu
caminho
'Cause Jeff's been doin' the damn thing, You wanna turn
it up loud
Eu sei que você gosta dessa batida, porque o Jeff está
fazendo essa parada, você quer deixar isso alto
Future Nostalgia is the name
Nostalgia futura é o nome.
Termino quase sem fôlego, sorrindo da energia contagiante
que emana nesse lugar, meu corpo parece ter recebido uma carga
máxima de adrenalina, não sei de onde vem essa euforia, mas uma
frase ronda em minha mente. “Gabo não quer ir até o Sing com ela
na nossa cola.”
Isso me conforta porque sei que ele quer evitar que eu os
veja juntos, mal sabendo que faço isso de segunda a sexta.
A próxima música promete agitar um pouco mais. Taylor
Swift.
The Man / O cara
I would be complex, I would be cool
Eu seria complexo, eu seria legal
They'd say I played the field
Eles diriam que curti a vida
Before I found someone to commit to
Antes de encontrar alguém para me comprometer
A noite foi assim, regada de pulos e muita animação, cantei
Anita, Iza, J. Quest e Lady Gaga.
Quando desci do palco mais uma vez minhas três caixas
estavam cheias, mas o que me deixou mais alegre e imaginando um
futuro bem longe da minha realidade foi a mensagem da Bia.
Bianca - Amiga, você tinha razão! David é incrível e
salvou minha noite com piadas ridículas. Trate de se entender
logo com meu irmão e vamos formar um novo quarteto jogando
as bruxas para escanteio. rs
Haviam mais mensagens de um número desconhecido,
quando abri tive uma pequena crise de risos.
David - Espero que não se importe, mas acabei de
torturar e roubar o celular da irmã do meu melhor amigo para
poder conseguir seu número.
David – Espero que sua falta de resposta seja por que
está dando uma de Hannah Montana e não por estar com raiva.
David - Sério, preciso de uma resposta ou sairei do
cinema e vou ao pub para saber se está tudo bem eu ter seu
número.
David - Bianca me acalmou e disse que você também não
está respondendo a ela. Minha conclusão disso é: ou você está
dando o melhor show da sua vida e ganhando muito dinheiro
ou está com raiva de nós dois e vou logo dizendo que a culpa é
toda dela.
Meu Deus, ele é muito surtado, mas gostei do desespero dele
e vou prolongar apenas visualizando sem responder. Sorrio para
uma foto que ele mandou.
Está segurando o pescoço da Bianca e puxando o celular
dela. Não faço ideia de quem bateu a foto, mas ficou bem
engraçada e duvido que Gabo ou uma das meninas tenha ajudado
nisso. Olhando para eles a única coisa que me vem à cabeça é:
Eles fariam um lindo casal.
Seleciono a foto e encaminho para Bia com a seguinte frase:
Eu Shippo.
Chego em casa por volta das 2:00 da manhã, antes de sair
do pub Bia me mandou uma mensagem dizendo que dormiria na
minha casa porque Gabo tinha ido para a casa da namorada.
Quando entro no meu quarto ela está esparramada na cama em
meio uma crise de risos com o celular na mão.
— Ei, tá enlouquecendo já? Só uma noite com a namorada
do seu irmão e já está surtando?
— Aly, estava preocupada você, demorou! — salta da cama,
mas não larga o celular.
— Demorei a sair, fiquei ajudando o Berry a fechar tudo, hoje
tinha menos gente, mas conseguiram fazer uma boa bagunça. O
que estava vendo que está até vermelha de rir? — ela se endireita,
olha para o celular parecendo meio sem graça e diz:
— Estou falando com o David, estávamos te esperando, ele
está em urticária porque você não o respondeu. — olho para ela
com a sobrancelha levantada e um sorrisinho de deboche nos
lábios.
— Estavam tão preocupados comigo que você teve uma crise
de risos?
— Nem vem com esse olhar e esse sorrisinho sugestivo, ele
é engraçado e ficamos aqui conversando para não dormir sem antes
falar com você. Vem vamos tirar uma foto para mostrar que estamos
bem!
Ando até ela desconfiada e me sento ao seu lado. Ela vira o
celular em nossa direção, me viro dando um beijo na bochecha dela
e ela sorri. Assim que envia a foto ele responde.
David - Achei que tinha dormido e me deixado falando
sozinho, o acordo foi no máximo um minuto de espera, para
mostrar que não dormiu. Avisa para a Aly que estou magoado,
achei que depois de 45 minutos no paraíso comigo ela não
resistiria a um dia sem falar comigo, mas além de não pegar
meu número ela ainda ignora minhas mensagens.
Dou uma gargalhada e pego meu celular.
Aly - Nossos 45 minutos no paraíso foram perfeitos e só
te ignorei para ver você correndo atrás de mim.
Em um minuto vem a resposta.
David - Como diria nosso querido professor de artes:
Cruel é a palavra que te define! rs. Boa noite Aly, manda um
beijo para Bia, irei dormir, estava só esperando você chegar
para saber se estava tudo bem!
Tenho a impressão de que ficarei com dor no rosto de tanto
sorrir, desde que começamos nossa pequena amizade David tem
sido um amor, e me faz sorrir bastante.
— Agora é a minha vez de fazer uma piadinha com seu
sorrisinho idiota? — zomba.
— Idiota!
Uma semana e meia e minha amizade com David e Bianca
tem sido promissora, eles insistem que eu devo falar com Gabo o
quanto antes, mas não achei um momento oportuno, ele não foi ao
Sing na semana passada também e hoje eles terão o primeiro dia
de treino depois do recesso dos jogos de basquete, fui intimada
junto com a Bianca a estar presente. Bia e eu decidimos não
esconder nossa amizade mais, por isso ela está ao meu lado com
um saco de salgadinhos e bem animada para ver os rapazes
sarados e irresistíveis como ela mesmo definiu. Junto com o
basquete também vão fazer os ensaios das líderes de torcida. Fico
olhando Rachel e Thais comandar um grupo de meninas e lembrei
da minha irmã dizendo que eu poderia ser uma boa líder de torcida
considerando minhas aulas de dança e o fato de ter um bom
equilíbrio.
Seria um jeito de chamar atenção ou um jeito de ser mais
humilhada na frente de toda a universidade?
— Acho que vou me inscrever para ser líder de torcida, Gabo
me disse que estavam precisando de mais meninas e me incentivou
a participar. — os pensamentos de Bia estavam sendo iguais aos
meus.
— Acredita que Sarah me deu a mesma ideia, ela disse que
sou boa dançando e isso me ajudaria a me enturmar e ficar próxima
do seu irmão. — Bia me encara com uma cara de quem estava
prestes a aprontar alguma coisa.
— Então, amiga… — faz uma pausa me olhando — Sua irmã
comentou isso comigo e eu nos inscrevi para os ensaios de
amanhã. — para de falar e volta o olhar para o treino como se não
fosse nada demais.
— Você só pode estar de sacanagem com a minha cara. —
grito. O que não foi uma boa ideia ja que como as arquibancadas
estavam praticamente vazias, os meninos que estavam sentados na
primeira fileira esperando a vez nos encararam e eu tive que me
afundar no banco de tanta vergonha.
— Sua louca, pra quem não gosta de atenção você chama
muito. Eu fiz porque sabia que você não teria coragem.
— Não é questão de não ter coragem, Bia. É questão de
querer, e eu não quero.
— Para de drama, eu já pesquisei e não vai ser a Thais e
nem a Rachel que vai escolher as candidatas. Será o treinador dos
meninos e a orientadora das meninas.
— Isso não diminui em nada a questão de que eu não quero
participar.
— Você não tem voz, me desculpa, amiga. Hoje vamos
terminar sua transformação e amanhã iniciaremos a integração da
Aly no meio das víboras peçonhentas e dos boys magias.
Abaixo a cabeça pedindo a Deus uma intervenção divina e
volto minha atenção para as líderes de torcida fazendo
alongamento.
— Vocês estão me machucando! — grito.
— Para de ser fresca! estamos quase acabando.
— Minha cabeça está ardendo. — choramingo.
— Amiga, você nunca pintou esse cabelo cor de nada e
quando decide fazer isso quer ser loira, desculpa, mas vai arder
mesmo.
Assim que saímos da universidade viemos para minha casa e
Sarah já estava nos esperando com as tintas e toda a parafernália
que elas julgaram necessário para me transformar. Amanhã quando
formos fazer o teste para líderes de torcida já irei completamente
diferente.
Se estou com medo de passar vergonha? Muito, na verdade
estou apavorada.
Se vou desistir disso? Não posso.
Cinco horas e meia, já são quase uma hora da manhã, esse
foi o tempo levado para uma transformação que incluía, cabelo
pintado, cortado e escovado, sobrancelha, depilação e uma limpa no
meu guarda roupa.
— Meu Deus, o que vocês fizeram com a minha filha. — me
viro em um sobressalto e olho para minha mãe na porta,
imediatamente me viro para Bianca e Sarah que me olham
orgulhosas, não me deixaram olhar o espelho, e agora com a cara
de todo mundo estou com medo de estar ridícula.
— Estou tão ridícula assim, mãe. — ela ainda me olha com
uma expressão engraçada. Corro para o banheiro e paro de frente
ao espelho, fico chocada como minha mãe, não por estar ridícula,
mas por não me reconhecer. Passo as mãos no cabelo. A
sobrancelha parece ainda mais modelada do que a última vez,
minhas unhas estão pintadas de cor vinho, meu cabelo está perfeito
e com um brilho exuberante. Eu estou linda!
Saio do banheiro quase chorando e elas estão lá, rindo para
mim.
— Vem, vamos ter nossa primeira opinião masculina. — sou
puxada por Bianca e ela pede que minha mãe bata uma foto nossa.
— Obrigada, tia.
Um minuto depois o celular apita.
David - Não sei quem é, mas juro que se me apresentar a
ela te ajudo com qualquer cara que queira conhecer.
Rimos e decidimos que não vamos contar a ele, só saberá
amanhã na aula.
Amanhã será o início de uma nova vida para mim e estou
ansiosa. Apavorada, mas ansiosa, já combinamos que mesmo que
Gabo não me reconheça irei me apresentar como Aly. Não vou mais
me esconder!
Chego um pouco mais cedo que o normal, passei uma noite
de merda com Thais falando sem parar no meu ouvido, faz um
tempo que ela cisma com uma menina que segundo ela está
tentando acabar com nosso namoro, chegou a me mostrar uns
áudios da menina falando sobre mim, e minha crise de risos a
deixou ainda mais furiosa, e para piorar cai na besteira de dizer que
achei fofo as coisas que a menina falou. Eu sou o tipo de cara que
dou valor às pessoas e fico triste quando paro para analisar que
talvez em algum momento essa menina possa ter se magoado por
minha causa. E essa importância que dou ao assunto é o que me
diferencia bastante da minha namorada. Consigo ver um gesto
maior em atitudes como a dessa garota que aparentemente não
teve medo de expor o que sente por mim. Thais não me deixou ver
o site da menina e nem me disse quem era, só mostrou uns áudios
soltos perguntando se eu estava a par de tudo aquilo, ou se dou
alguma confiança, não vou mentir que a curiosidade é grande, eu
tenho vontade de conhecer a menina, saber o que a fez gostar de
mim assim, já que até onde sei nunca falei com ela.
— Se escondendo da sua namorada, maninho? — ouço a
voz zombeteira da minha irmã e me viro para respondê-la, mas
perco total o ar quando vejo que não está sozinha e sua companhia
é simplesmente linda.
— Bom dia, Bia. — cumprimento sem desviar dos olhos
verdes que me encaram com curiosidade. — Bom dia… — estendo
minha mão para a menina que agora me encara com um olhar de
diversão. Espero que ela diga o nome. Ouço uma risadinha vindo da
minha irmã e desvio minha atenção até ouvir a resposta da menina
que já não tem um olhar brincalhão, pelo contrário, ela parece estar
com raiva.
— Bom dia, Gabo! Meu nome é Alice, mas você pode me
chamar de Aly ou de vizinha. Como preferir.
Não sei descrever como me sinto. Uma enxurrada de
sentimentos me toma enquanto encaro o discreto sorrisinho que ela
me lança, em seus olhos vejo um brilho de insegurança e
divertimento, mas ainda está com raiva, e agora entendo o porquê.
E sei que nos meus olhos ela pode enxergar vergonha, medo e não
sei mais o que meu olhar pode transmitir no momento.
— Eu estou confuso e bem surpreso. — confesso.
Constrangimento me tomando.
— Imaginei que ficaria, afinal, você seria bem pior do que
aparenta se não ficasse. — responde, arisca. Minha irmã assim
como eu, pareceu surpresa com a resposta da amiga. Tão
grosseira.
— Posso saber o que está acontecendo aqui? — não havia
percebido a chegada da Thais, mas agora entendo um pouco da
rispidez dela, minha namorada não estava sendo agradável com ela
a muito tempo.
— Bom dia, Thais. — Bia corta a tensão que se instalou por
alguns segundos. Thais e Aly se encaram sem piscar.
— O que está acontecendo, Gabo? — insiste, ignorando
minha irmã.
— Nada, amor — falo segurando em sua cintura e colando
seu corpo junto ao meu, vejo Aly percorrer os olhos por nós e faz
um gesto em desaprovação. — Estava apenas dando bom dia para
minha irmã.
— Sei, então vamos logo entrar, quero te mostrar uma coisa
antes da aula começar.
Me despeço das duas e sigo abraçado com Thais para
dentro, antes de entrar olho para trás e vejo Aly de braços cruzados
nos encarando.
Qual é o problema dela?
— Desde quando você fala com aquela garota? — Thais me
questiona, assim que nos sentamos.
— Apesar de ser minha vizinha e agora nossa colega de
turma, confesso que nunca tinha falado ou visto ela antes, e
pensando bem no dia que veio perguntar como foi minha viagem e a
do David, ela está bem diferente hoje, mas tenho certeza de que é a
mesma pessoa. — Estou como se eu tivesse perdido a memória e
agora estivesse me recuperando, veio várias imagens na minha
mente, interligando aquilo que não tinha sido capaz de enxergar
antes. Todas as músicas que refletiam exatamente o meu dia, todos
os olhares da menina estranha que ficava sempre escondida em
algum canto, o pub, o surto no meio da aula de artes por saber que
faria dupla comigo, a voz nos podcasts. Era a mesma voz! Doce,
tímida e marcante.
Meu Deus como eu nunca percebi isso, como não a
reconheci?
— Será que dá para prestar atenção em mim, ou está difícil?
— a voz elevada da minha namorada me desperta do meu momento
de reconhecimento.
— Desculpa, eu não estou me sentindo bem, acho que vou
para casa! — me levanto porque sinto como se o ar daquele lugar
não fosse o suficiente. Thais grita meu nome, mas não paro, passo
como foguete pelos corredores até que avisto David rindo com
alguém, quando me aproximo paraliso de novo. Era ela e eles
pareciam... íntimos?
Eles parecem perceber minha presença, os olhos dela se
prende nos meus e o sorriso morre dando lugar a uma carranca.
Ando a passos largos parando em sua frente e igualando nosso
semblante. Ficando igualmente sério.
— Posso saber qual é o seu problema? — faço a pergunta
que ronda minha mente desde o estacionamento. Ela pisca
parecendo confusa com a pergunta.
— Que isso, cara? — questiona, David.
— Meu problema? Você é tão confuso e decepcionante,
Gabo. Juro que mesmo com tudo que me fez por todo esse tempo
eu ainda tinha esperança de você ser diferente da sua namoradinha.
— Que engraçado, pois o sentimento é recíproco, eu
esperava mais de você também. — falo, encarando seu rosto que
foi tomado por uma expressão não decifrável, talvez agora sim seja
uma real decepção. Mas o que acabei de dizer não expressa
realmente o que sinto, ela vai além do que minha imaginação criou,
e superou as expectativas que criei da menina que ouvia cantar todo
dia.
Contudo acho que depois de hoje não irei mais ouvi-la cantar.
Pelo menos não para mim.
— Acho melhor a gente ir, Gabo! — David segura em meu
braço me afastando do corpo estático a minha frente, nem tinha
percebido que estava a encurralando entre a parede e meu corpo.
Subo mais uma vez meus olhos para os seus e sinto um aperto no
peito ao ver uma lágrima rolar de seus olhos para a bochecha que
está levemente ruborizada. Estico minha mão e com delicadeza
cubro o lado direito do rosto mais lindo que já vi tão de perto, com o
polegar seco a lágrima e a vejo fechar os olhos com meu toque.
Que merda eu estou fazendo? Não sei! Mas a necessidade
de abraçá-la e tentar reparar o dano que fiz está gritando dentro de
mim. Mas não posso fazer isso.
— Eu sinto muito por ter te magoado, Aly. Não foi minha
intenção. — minha voz sai rouca, até mesmo um pouco tímida. Ela
permanece com os olhos fechados, ainda sentindo o toque da
minha mão em seu rosto, meu dedo faz uma leve carícia em sua
bochecha e ela suspira.
— Que caralho vocês estão fazendo aqui?
Porra, agora fodeu tudo mesmo. Thais vai terminar de
trucidar a menina.
Fico observando o casal de idiotas entrar e minha raiva
aumenta, não é possível, David disse que se Gabo passasse cinco
minutos comigo me reconheceria, quando o vi me encarando tive
certeza que tinha me reconhecido, pelo menos como Aly, mas nem
isso. Ele era cego ou o que? Antes de entrar olha para trás e me fita
mais uma vez.
Qual é o problema dele, afinal?
— Amiga, dá um desconto para ele, não tinha como te
reconhecer loira e linda assim.
— Eu amo você, Bianca, mas por favor não fique passando
pano quente nas babaquices do seu irmão. — falo e saio na frente,
não quero que ela tenha que escolher o irmão dela ou eu, ela não
tem que se envolver e se chatear com isso.
Tenho certeza que vou ficar de TPM, estou sensível, irritada e
inquieta.
Sinto uma mão forte puxar meu braço assim que passo pela
porta.
— Você levou mesmo a sério a história de parar de se
esconder — após o susto sorrio para David.
— Seu idiota, quase me matou de susto! — falo batendo em
seu braço.
— Fiquei a noite toda olhando a foto que a Bia mandou, não
reconheci você, mas reconheci o quarto e fui conferir olhando as
outras fotos que me mandaram outro dia, sem acreditar se era
mesmo, mas era. Você está linda, e agora sim irreconhecível. —
David quase me mata de susto, mas acabo rindo do jeito
impressionado que me olha.
Ficamos ali conversando e rindo das bobeiras dele até sentir
que estava sendo observada, quando olho para o corredor vejo
Gabo nos encarando, e o momento de descontração passa, fico
seria o encarando de volta. Ele mantém nosso contato visual e se
aproxima a passos largos, para diante de mim me encurralando
entre seu corpo grande e a parede.
— Posso saber qual é o seu problema? — pergunta, irritado.
Fico calada o encarando, confusa com a pergunta.
— Que isso, cara? — questiona, David.
— Meu problema? — irrito-me. — Você é tão confuso e
decepcionante, Gabo. Juro que mesmo com tudo que me fez por
todo esse tempo eu ainda tinha esperança de você ser diferente da
sua namoradinha.
— Que engraçado, pois o sentimento é recíproco, eu
esperava mais de você também. — sinto meu corpo perder os
comandos, nunca uma frase me doeu tanto, minha visão fica
embaçada com as lágrimas que a toma tão rápido.
— Acho melhor a gente ir, Gabo — David segura no braço
dele, e ainda não consigo me mexer, sinto meu rosto esquentar e
meus olhos ardem. Seu olhar volta para o meu e vejo de imediato
seu arrependimento. Então delicadamente leva a mão ao meu rosto
enxugando a lágrima traiçoeira que escapa.
— Eu sinto muito por ter te magoado, Aly. Não foi minha
intenção. — a voz rouca e arrependida, soa por meus ouvidos, sabia
que ele não era assim, não podia ser.
A mão dele em meu rosto faz meu corpo relaxar, seu polegar
faz uma leve carícia em minha bochecha, seu toque é leve e me faz
pensar em tudo que sonhei com ele por todo esse tempo. Ele me viu
pela primeira vez, não como Aly, mas como Alice. Se arrependeu da
forma que falou comigo, de como me atacou, e não posso reclamar
porque eu o ataquei também, fui rude e arisca, tanto com ele quanto
com a Bia, o que não costumo fazer com ninguém fiz com as duas
pessoas que amo. Esse momento está parecendo uma eternidade,
prefiro ficar de olhos fechados porque é exatamente o que quero!
Eternizar esse momento de carinho e reconhecimento. Mas
infelizmente ele vai acabar da pior forma. Sinto meu corpo retesar e
fecho com mais força meus olhos ao ouvir o grito estridente vindo de
trás de Gabo.
— Que caralho vocês estão fazendo aqui?
Antes de retirar sua mão do meu rosto, ele acaricia com as
costas da mão minha pele e sinto um arrepio. Ao abrir os olhos miro
suas costas que está virada para mim ele está tentando tirar Thais
de perto de nós, olho para David e ele está congelado no lugar me
encarando.
— Tira a mão de mim, Gabriel — grita, o empurrando. No
corredor já está se formando um grupo de pessoas para ver o
espetáculo sendo formado.
— Vem vamos sair daqui — sinto as mãos do David no meu
braço e ele me puxa enquanto ouvimos os gritos nada educados da
louca que Gabo chama de amor. David e eu vamos para o local que
parece ter se tornado o meu refúgio. Ao sentar na grama encosto
meu corpo ao dele e permito que o choro preso saia com toda força,
David acaricia minhas costas e me deita em seu peito. Sinto os
braços dele me envolver em um abraço gostoso depois de um
tempo.
— Está mais calma? — pergunta.
— Eu juro que tentei não me apaixonar, tentei fugir desse
sentimento que cresceu sem a menor lógica e nem permissão, mas
eu não consegui. Eu não consigo esquecer ele e agora tudo que
sinto é a mão dele acariciando meu rosto.
— A gente não manda no coração, Aly. — me aperta mais um
pouco e beija o topo da minha cabeça. — Eu nunca precisei
consolar ninguém, mas acho que tá dando certo, né? — sorrio,
porque sim, ele foi ótimo.
— Sim, você se saiu um ótimo consolador.
— Procurei vocês no colégio todo — olhamos para cima e Bia
parecia ter acabado de sair de uma briga.
— O que aconteceu com você, mulher? — David questiona,
antes que eu possa abrir a boca para fazer o mesmo. Nos
levantamos esperando a resposta.
— Briguei com o meu irmão quando soube o que tinha
acontecido.
— Ele fez isso com você? — pergunto.
— Claro que não, foi a louca da namorada dele que resolveu
se meter na minha conversa, dei uns safanões nela e Gabo me
segurou, daí acabou me machucando.
— Bia, você não tem que se meter em confusão por minha
causa! — a repreendo.
— Eu não briguei por sua causa, briguei porque eu estava
conversando com o meu irmão e aquela louca veio para cima de
mim como se fosse uma delinquente.
Sinto meus olhos arderem de novo e me lanço em direção a
ela com um abraço sem jeito.
— Me perdoa ter falado daquela maneira com você. — peço.
— Amiga, para! Eu entendo você, sei que passa uma barra
aqui com eles, e estou aqui para te ajudar a melhorar, por isso não
vou deixar você desistir da nossa inscrição, será no último tempo.
— Espera, vocês vão se inscrever para serem líderes de
torcida? — David questiona, incrédulo.
— Vamos! Respondemos juntas, e trocamos um sorriso
cúmplice.
Bia e eu marcamos de nos encontrar na porta da quadra de
basquete, onde acontecerá as inscrições para líder de torcida. A
vejo se aproximando ao lado do David e sorrio ao olhar os dois, tão
lindos e cúmplices, acho que nem vou precisar me esforçar para
poder juntar esses dois. Desde o dia que os vi conversando, notei
os sorrisinhos dela para as mensagens dele, senti que poderiam dar
certo juntos.
— Nervosa, amiga? — me questiona ao se aproximar.
— Um pouco e você?
— Estou por você, eu já me acostumei com apresentações
de dança.
— De certa forma eu também, fiz bale durante anos, e
participei de inúmeras apresentações.
— Isso é bom, sinal de que vão arrasar, devem ser bem
flexíveis! — David comenta.
— Nossa, esse seu comentário foi nojento, seu tarado — Bia
repreende e dá um tapa nele.
— Está louca, garota? — grita. — Falei isso porque as
meninas dão piruetas, cambalhotas, descem com as pernas
abertas. — ele a encara com a sobrancelha erguida — Seu irmão
sabe que você tem uma mente tão poluída?
— Idiota — sussurra.
— Vocês dois são engraçados juntos — comento e rio da
cara que os dois fazem.
— Vamos parar de papo e entrar logo, tenho uma notícia boa
e uma ruim, qual você quer primeiro? — Bia começa cortando minha
risada, ela parece sem graça com a situação.
— A ruim primeiro, daí a boa vem para consolar — respondo.
— Ok! A ruim é que os capitães do time vão fazer parte do
jure e… — ela para encarando minha cara confusa, porque o que
tem a ver eles serem jurados? — Aly, você sabe quem são os
capitães do time de basquete, né?
Olho para David e ele nos encara com um ar de riso.
— Vocês vão ficar aí rindo da minha cara ou vão me dizer
quem são os capitães dessa droga? — falo irritada e paraliso
quando ouço.
— Somos nós! — fecho os olhos sem me virar, sinto mais
uma vez meus pulmões buscando ar sem sucesso, pois não consigo
respirar. Gabo sai de trás de mim e para ao lado do David. — David
e eu somos os capitães do time de basquete. Porque a curiosidade?
— Nós vamos nos inscrever para o time de líder de torcida,
Gabo. — Bianca se apressa em responder vendo que de mim não
sai nada. Ele vira para ela e depois volta a me encarar arqueando a
sobrancelha em minha direção, como se eu devesse uma
explicação a ele e isso me deixa irritada, pois não devo.
— Porque está me olhando assim? — questiono — Acha que
não sou capaz?
— Acho você capaz de muitas coisas, Aly. Só estou surpreso,
não sabia que você gostava dessas coisas.
— Eis a questão, Gabriel. Você não sabe nada sobre mim!
Até agora de manhã nem ao menos sabia da minha existência nesta
instituição. — ele não diz mais nada, fica me encarando e assente.
— Vamos, David, o pessoal já está nos esperando, só falta a
gente na bancada.
— Vamos! — responde.
Eles passam por nós e antes de entrar Gabo sussurra em
meu ouvido.
— Boa sorte, Aly. — fecho os olhos, sinto seu hálito quente
em minha pele e isso me causa um arrepio.
— Isso foi bem estranho — Bianca comenta. — Estou
gostando de ver você mais firme, mais decidida, mas não pode
paralisar toda vez que ele se aproximar.
— Só me diz qual era a notícia boa, já que essa foi a ruim.
— A Thais que seria uma das juradas foi embora depois da
confusão de mais cedo e a Rachel parece que está doente e
também não estará presente.
— Isso sim é uma boa notícia.
Ao passar pelas portas percebo a quantidade de meninas
que desejam ser líderes de torcida, eu não fazia ideia que isso era
tão importante para elas. Entramos na fila e sinto minhas mãos
suando a cada passo que damos para perto da bancada, vira e
mexe ao olhar para frente vejo Gabo nos encarando.
— Quero ser entrevista pelo meu irmão, ou o David, aquelas
garotas são tão antipáticas quanto a Rachel.
— O que te leva a pensar que seu irmão é simpático? Você
não vai passar só por ser irmã do capitão do time. — falo.
— Você acordou bem venenosa hoje, né? — diz me
empurrando.
— Desculpa, eu estou meio pilhada, sei que você tem talento
de sobra, mas eu não quero ser entrevistada por ele, portanto se ele
e David estiverem juntos você vai para ele e eu para o David, e se
só ele estiver liberado eu vou deixar outra pessoa passar na minha
frente.
— Aly, por favor! Você vai com ou sem ele e presta atenção
que tá chegando nossa vez.
Olho para frente e tem duas meninas em nossa frente com
três bancadas livres, elas seguem para os lados das meninas
deixando livre a do David, sorrio e quando vou andar a mesa do
Gabo também fica livre, olho para Bianca e ela passa na minha
frente indo em direção ao David me deixando assim para a mesa do
irmão. Olho para o lado e não tem mais nenhuma mesa fazia, olho
para trás, mas já estou no meio do caminho, seria ridículo voltar,
volto a olhar para frente e os três idiotas estão me encarando e
rindo.
Me aproximo e antes de ir para ele me viro para minha
suposta amiga.
— Traidora! — ela e David gargalham da minha cara e
quando chego em Gabo ele sorri irritantemente lindo.
— Fugindo de mim, Alice?
Alice… é a primeira vez que ouço meu nome sair de seus
lábios, e parece tão… tão certo.
Ela fica encarando meus lábios e isso me incomoda um
pouco, porque me dá vontade de encarar os dela também, o que vai
me levar a pensar nela cantando e aos sonhos que tive em que a
beijava após uma música perfeitamente cantada por ela.
Pigarreio tentando chamar sua atenção.
— Eu deveria fugir de você?
— Não deveria, mas também não me surpreenderia se
fizesse, já que é o que você faz a anos. — ela morde o lábio inferior
e vejo em seu rosto um leve rubor, sorrio e ela desvia os olhos, sem
abaixar a cabeça, o que mostra que está mesmo mais segura e
decidida. Como a cantora do Sing.
— Você vai me entrevistar ou vai ficar me encarando com
essa cara de… — ela não completa a frase.
— Cara de? — incentivo.
— Você pode começar ou terei que mudar de mesa? —
arqueio minha sobrancelha e inclino a cabeça de leve para analisá-
la melhor. Quando ela vira o corpo para sair falo firme:
— Se sair daqui está fora!
— Que? — questiona.
— Você ouviu! Se sair da minha bancada esta
desclassificada e não vai se tornar uma líder de torcida. — Olho
para o lado e vejo minha irmã semicerrar os olhos para mim.
— Então comece logo essa droga. — ordena.
— Porque quer ser líder de torcida?
— Não é para ficar perto de você se é o que quer saber!
— Não seria uma novidade, muitas meninas se inscrevem
para isso, mas não achei que fosse seu caso.
— Você se sente muito! — acusa. É visível o quão
desconfortável essa situação é para ela.
— Quando você sair daqui e for se trocar, pergunte para as
meninas no vestiário porque elas estão aqui e você vai ouvir a
mesma resposta de quase cinquenta por cento delas.
— Não é o meu caso!
— Sei que não!
— E então?
Aly troca o peso do corpo de uma perna para outra
constantemente. Decido por ela acabar logo com isso, porque se
fosse por mim ficaria aqui o dia todo encarando cada movimento de
seu corpo.
— Tem alguma experiência com dança e acrobacias?
— Sim, fiz diversas aulas de dança e segui uma pequena
carreira no balé. — a encaro mais uma vez imaginando-a com um
colam e um coque no alto da cabeça. Sorrio com esse pensamento
idiota e volto as perguntas montadas pela equipe de líderes.
— Tem alergia a alguma medicação? Ou algum problema
respiratório?
— Não.
— Problemas com viagens? As vezes temos que viajar para
algum campeonato e as líderes de torcida nos acompanham —
explico.
— Não, nenhum problema com as viagens.
— Ok, Aly. Você está aprovada para a próxima fase, vá para
o vestiário e se troque, quando voltar ira nos fazer uma
apresentação. Preparou alguma coisa?
— Preparei! — diz sorrindo. — Obrigada por me aprovar.
— Imagina, você é exatamente o que estou procurando —
digo piscando e ela abaixa os olhos.
— Não sei o que quis dizer, mas não decepcionarei a equipe.
— Tenho certeza que não!
Ela me olha mais uma vez e sai, quando me viro vejo que
toda a fila já tinha acabado, David está me encarando com uma
careta que diz o quão ferrado estou e exalo profundamente. Ainda
bem que Thais foi para casa, ou isso seria um desastre.
Quando as meninas voltam já estão com uma amostra dos
uniformes e pela cara da Aly, ela não está nada confortável, apesar
de estar absurdamente linda.
— Muito bem, meninas. — A treinadora das meninas dará
início as apresentações com dança e no final votaríamos nas que
mais se destacaram.
Algumas músicas eram ridículas e as apresentações piores
ainda. Oque essas meninas tinham na cabeça? Fico animado com a
apresentação da minha irmã, escolheu uma música da Duo Lipa.
Mas minha animação logo dá lugar a raiva e sou obrigado a agredir
o meu amigo.
— Ai! Está louco, cara? Porque me bateu? — questiona.
— Tira os olhos da minha irmã, David. Estou falando sério,
quero você longe dela, entendeu?
— A sua irmã já está bem grandinha, não precisa que você
diga com quem ela pode ser relacionar ou não.
— David — alerto.
— Relaxa, tá legal? Estamos apenas criando uma amizade.
— Acho bom que sejam só amigos mesmo, e daqueles sem
muita intimidade!
Perdemos tanto tempo que não vimos o final da
apresentação da Bianca e nem vimos a da Aly, quando olhamos ela
já estava finalizando. Deu um giro, um mortal e deslizou de pernas
abertas no chão. David me olhou tão chocado quanto eu e ela
colocou um sorrisinho esnobe nos lábios nos encarando. Não sei
nem que música ela dançou.
Que droga.
— Eu não acredito que vocês ficaram conversando e nem
prestaram atenção na nossa apresentação, o pior, ainda tiveram a
cara de pau de votar.
— Pelo menos votaram a nosso favor! — Alice que estava
calada até então resolve abrir a boca, embora tenha tentado soar
engraçada, era visível sua irritação.
— A culpa foi toda do seu irmão, Bia, que decidiu lutar pela
sua honra na hora que você estava se apresentando — David me
acusa rindo.
— Babaca — falo, empurrando seu ombro.
— Já falei para você parar com isso, não sou mais criança.
Vai ameaçar todos os caras que se interessarem por mim? Eu por
um acaso me meto no seu namoro com aquela sebosa? — Vejo Aly
rir e me viro para ela.
— Não gosta da minha namorada também, Aly?
— O que te leva a pensar que qualquer coisa que você faça
com a sua vida me afeta?
— Bom — digo, me aproximando. — Talvez não tudo, mas
tenho certeza que o fato de ter uma namorada e ela não ser a mais
agradável das meninas com você tem te afetado de alguma forma.
— A única coisa que está me afetando no momento, Gabriel.
É a sua presunção e arrogância.
Fico encarando seu andar firme indo em direção ao banheiro
feminino e sinto David me empurrar.
— Você está muito ferrado, e se continuar com esse joguinho
mesmo sabendo que não pode, irá magoar mais ainda aquela
menina, e ela não merece, por tanto meu amigo, controle-se!
Essa frase mexe comigo, sei que posso magoá-la, mais do
que já fiz, fora que ainda preciso me desculpar por tudo, até pelo
que não sei.
Sinto meu corpo flutuar, não faço ideia em como descrever o
dia de hoje, mas me sinto nas nuvens mesmo com toda a tenção
que rolou.
Ainda posso sentir a mão dele em meu rosto, o carinho que fez na
minha bochecha, posso ouvir sua voz em minha mente... Me
desculpa, por te magoar, Boa sorte, Aly. Alice.
Meu nome ficou tão bonito saindo dos lábios dele. De repente
quero ouvir a voz rouca dele dizendo meu nome a noite inteira.
— Posso saber porque essa cara de boba? — minha irmã
pergunta me tirando dos meus doces e lindos devaneios. — Pelo
jeito a inscrição deu certo.
— Deu muito certo, tão certo que fui aprovada e começo os
ensaios amanhã.
— Que bom, Aly. E o babaca aí do lado?
— Nos falamos, foi um primeiro dia bem conturbado, mas foi
bom. — Prefiro não entrar em detalhes e ela também não insiste,
apenas sorri e sai do meu quarto.
Estava quase adormecendo quando me lembro que preciso
falar com Bianca. Ela atende no segundo toque.
— Diz para mim que conseguiu convencer ele de não ir
amanhã — falo antes que possa dizer “alô”.
— Desculpa, amiga. Não rolou, ele disse que vai, não pode
faltar o treino.
— Que droga, e agora?
— Agora você terá que criar coragem como criou hoje e
enfrentar as feras, estou muito orgulhosa de você, de nós duas na
verdade, passamos por puro talento.
Acordo com meu celular tocando sem parar. Botei para
despertar uma hora antes do normal, preciso me preparar física e
mentalmente, não faço ideia de como será meu dia, li todas as
postagens da Thais no grupo das líderes de torcida, ontem mesmo
Bianca e eu fomos adicionadas, e Thais está irada por saber que
agora faço parte da equipe. Levanto, tomo um banho demorado e
me arrumo, uma maquiagem leve, prendo meu cabelo em um rabo
de cavalo bem preso e alinhado, fico admirando meus fios agora
completamente loiros, que combinaram mais comigo do que aquele
cabelo cor de nada, como diz Bianca. Por falar nela, ontem me
contou que teve uma briga com o irmão, pelo que entendi, ele não
aceitou o fato de sermos amigas e ela ter escondido dele.
Olho pela janela e os dois já acordaram, ele está vestindo a
blusa e ela penteando o cabelo. As imagens dele tão próximo, a
mão em meu rosto, a voz rouca, me toma de novo e fico ali
paralisada torcendo para reviver esses exatos minutos, sim, porque
mesmo com tudo que aconteceu antes, sem dúvidas eu toparia
reviver, só para ter esses instantes de nostalgia.
— Bom dia, vizinha! — ouço a voz grave vindo do outro lado
e paraliso.
Merda. Ele me pegou espiando o quarto dele. Mais uma vez
me distrai observando-o.
— Não vai me responder? Prefere ficar espiando o meu
quarto a falar comigo?
— Você é bem presunçoso, né? Eu não estava espiando o
seu quarto, estava olhando a rua pela minha janela que por
coincidência dá para sua janela — explico.
— Claro! Por coincidência, né? — debocha.
— Se não se importa, vou descer para tomar meu café com
minha família, vizinho.
— Tenha um bom dia, Alice. — Fecho meus olhos
suspirando, eu preciso ouvir meu nome sair dos lábios dele mais
vezes.
— Você também, Gabriel.
Fecho as cortinas vendo-o sorrir para mim. Isso não pode
estar acontecendo, ele não pode mexer comigo mais do que já
mexe. Não pode!
Ao descer não encontro ninguém a mesa. Meus irmãos e
minha mãe já saíram, minha mãe foi chamada pela diretora da
escola do Stiven mais uma vez. O danadinho não anda aceitando
levar desaforo para casa.
Termino meu café e quando me levanto para lavar a louça
minha campainha toca, imaginando ser a Bia, grito.
— Entra, está aberta.
— Como você não respondeu meu bom dia, decidi vir até
aqui. — Sinto meu corpo gelar. O que ele está fazendo?
— Gabo, o que faz aqui? — pergunto, sem me virar.
— Vim receber o meu bom dia, Aly. Sei que sua mãe lhe
educou muito bem, então não me deixe pensar que tem um
problema entre nós, e se tiver, podemos resolver, aqui e agora!
— Não, nós não podemos — respondo me virando para ele.
— Eu não tenho problema com você, mas terei com a sua
namorada se ela sonhar que você veio em minha casa falar comigo.
— Ela não vai saber! E mesmo que saiba, eu não estou
cometendo nenhum crime, nós estamos apenas resolvendo
algumas questões pendentes. Somos vizinhos e colegas, você
aparentemente se tornou melhor amiga da minha irmã e do meu
amigo, o que nos liga de alguma forma, então não podemos ter
problemas nos separando. — explica, sucinto. Respiro fundo,
sentindo seu perfume forte.
— Nós não temos questões pendentes — começo, insegura
— Não precisamos ter uma conversa constrangedora, minha
amizade com sua irmã ou com David não nos liga de forma alguma.
Apenas temos alguns amigos em comum.
— Sabe, Aly. No dia que descobrir você no Sing, eu quis vir
aqui! — ele faz uma pausa, seu semblante fica sério — Na verdade
eu cheguei a vir, estava prestes a tocar a campainha quando minha
consciência me alertou de algo.
— O que? — pergunto. Minha voz é só um sussurro o vendo
se aproximar.
— O que eu diria para você? O que faríamos se eu tocasse a
sua campainha? Eu tenho uma namorada, Aly. A amo e da nossa
maneira somos felizes. Eu a trairia se começasse uma amizade com
você, porque desde que te vi no pub, soube que não me contentaria
em ser só seu amigo. Sem dúvidas eu iria além da amizade com
você e é por isso que embora todas as noites eu torça para te ouvir
cantando, eu nunca quis te ver, porque tinha certeza que me
apaixonaria na hora.
Fico sem palavras, abro e fecho minha boca inúmera vezes,
mas nada sai e ele então decide continuar.
— Mas é obvio que não aconteceu, não é mesmo? Não me
apaixonei assim que te vi — sorri, sem graça — Já que te vejo a
mais de cinco anos, já que você passa por mim todo santo dia nos
corredores da faculdade e eu nunca notei você. Me perdoa, Aly.
Gabo para a um passo de mim, levanta a mesma mão que
ontem acariciou meu rosto e repete o gesto.
— Perdoar pelo que? — questiono em um sussurro. Sou
incapaz de achar minha voz nesse momento. Os olhos dele antes
focados nos meus, desviam para os meus lábios.
— Por ter sido incapaz de me apaixonar por você antes e por
não poder fazer isso agora. Me perdoa por todas as vezes que se
sentiu indesejada. Eu quero que saiba nesse momento que desde
que te vi no Pub, a única coisa que tenho feito é desejar você. Mas
eu não posso, nós não podemos.
— Não faz isso! Por favor, não fala essas coisas para mim, se
não pretende ficar comigo, não me olha assim, se não pretende
fazer isso todos os dias. Não me toque, não se essa for a última vez
que fará.
— Você não entende? Eu tenho alguém, e ela precisa de
mim, eu jurei a uma pessoa que cuidaria dela para sempre.
— Não estou pedindo que a deixe para ficar comigo, estou te
implorando que não me diga coisas que irá me deixar ainda mais
apaixonada por você.
— Me desculpe por isso também, então. Mas ontem à noite
eu passei a madrugada inteira ouvindo todos os seus podcasts
sobre mim, e então me senti meio que obrigado a vir te pedir
desculpas, e dizer que você está enganada sobre tudo que falou em
relação a si mesma. Eu é quem sou cego demais, burro ou lerdo,
como preferir.
— E agora? Como vai ser? Você sabe que eu te amo, eu sei
que mexo com você, mas não podemos ter nada. Eu não posso
tocar você e você também não pode me tocar.
— Nós tentaremos ser amigos. Precisamos ser, o fato de não
poder ficar com você, não os torna inimigos. Eu serei um bom
amigo, juro!
— Não sei se será uma boa ideia — confesso, chorosa.
— Eu também não sei se é, mas me recuso a te tratar como
uma menina invisível, me recuso a não falar com você todos os dias
e compensar a merda que fiz com você todo esse tempo. Não vou
mais fugir da minha vizinha cantora.
— Gabo…
— Não! Por favor, promete que vai tentar, sei que não tenho o
direito de te pedir nada, mas, ainda assim, estou aqui, olhando nos
seus olhos, me desculpando por tudo e suplicando para que me dê
a chance de, pelo menos, ser o seu amigo.
— Tudo bem! — concordo — Aceito ser sua amiga.
A mão que antes estava em meu rosto desce para minha
cintura e ele me puxa para um abraço. Não me faço de rogada
porque é o que quero também, abraçá-lo. Não sei por quanto tempo
ficamos assim, só volto a realidade quando o sinto se mexer e ele
beija minha cabeça, testa, bochecha. Eu estou tremendo como se
estivesse morrendo de frio, mesmo que meu corpo esteja pegando
fogo.
— Acho melhor eu ir! — diz. Está com os lábios quase
encostados nos meus. — Se eu não for agora, vou me arrepender e
me recriminar pelo resto da vida caso siga o que meu corpo deseja
realmente fazer nesse momento.
— E o que é? O que o seu corpo quer, Gabo. — Ele se afasta
alguns centímetros, seu olhar revezando entre meus lábios e meus
olhos. Vejo um brilho de desejo em sua íris verdes. Ele quer o
mesmo que eu.
— Quero beijar você! — confessa. A voz rouca me causa um
arrepio na espinha, fecho meus olhos, não para que, por fim, me
beijo, mas porque sei que mesmo sendo algo que nós dois
obviamente queremos, é algo que não pode acontecer. — E se fizer
isso irei te magoar ainda mais. Na verdade, magoarei a nós dois,
porque embora esse certamente fosse ser o melhor beijo da minha
vida, ele também seria meu maior erro, trairia minha namorada,
usando você e sendo incoerente com quem sou.
Gabo me puxa para mais um abraço e me empurra
delicadamente em seguida. Se recompõe longe de mim e estende a
mão.
— Amigos?
Sorrio quase chorando e respondo.
— Amigos! — Ficamos nos olhando com as mãos dadas por
um tempinho, nossos sorrisos meio contidos.
— Acho que vamos nos atrasar, Desculpa por isso também.
De fato, me atraso, depois que Gabo saiu da minha casa
fiquei quase meia hora repassando nosso quase beijo e todas as
coisas ditas. Eu deveria estar ainda mais apaixonada? Não! Eu não
deveria. Mas estou, e isso é uma grande merda.
Assim que estaciono o carro vejo David e Rachel,
provavelmente Jeremy deu um intervalo, o que é uma boa coisa.
Não queria mesmo entrar no meio de uma aula. Após o intervalo
entro junto com todo mundo, tenho certeza que ele nem notou
minha ausência no primeiro tempo.
Como Rachel não sabe da minha repentina amizade com o
namorado dela, prefiro abaixar a cabeça e passar despercebida.
Mas isso não acontece, porque meu mais novo amigo faz questão
de me expor.
— Bom dia, dona Alice Sowyer. Vai mesmo passa por mim e
não me cumprimentar?
Estranhamente hoje é um dia que as pessoas decidiram que
eu devo ser sociável e simpática. Para quem dias atrás nem era
vista isso é realmente uma grande evolução.
— Desculpa, não queira atrapalhar vocês! — defendo-me.
— Que gentil, pena que não pensou nisso antes de nascer!
— fico boquiaberta com o comentário grosseiro dela e não consigo
revidar.
— E você deveria pensar um pouco mais antes de abrir essa
boquinha linda para falar merda, Rachel. Eu não trato seus amigos
assim e não vou admitir que fale desse jeito com as minhas amigas.
— E desde quando essa garota é sua amiga, David? —
discute.
— Olha, pelo que me lembre, nós combinamos de que nossa
relação não namoro seria sem cobranças, não vou discutir com
você. A Aly é minha amiga e a nova integrante das líderes de torcida
e eu espero não haver problemas entre vocês, ou serei obrigado a
rever nossos dias de curtição.
Rachel exala profundamente e o encara como se pudesse
matá-lo, em seguida se vira para mim com um sorriso ridiculamente
falso e diz.
— Que tipo de problema teríamos? Tenho certeza que essa
nova integrante será… — ela me encara dos pés à cabeça e sorri —
interessante.
— Você precisava ver o barraco, Aly. Meu irmão não se
alterou nenhuma vez e isso parecia deixar ela ainda mais irritada.
Ele deixou claro que se ela fizer alguma coisa para prejudicar você
na equipe ela vai se arrepender. Você tem noção de que meu irmão
ameaçou a namorada dele por sua causa? — Bianca parece uma
criança contando para os pais as artimanhas que o irmão aprontou.
Minha vontade é de rir, mas fico seria. Não faz nem 2 horas que
concordamos em ser amigos e já estou causando desavenças entre
o casal. Porém se parar para pensar venho causando isso a um
tempo. Bem antes da nossa “amizade” se iniciar. — Estou tão
orgulhosa dele, amiga.
— É, eu também! Não por brigar com a namorada dele por
minha causa, mas por estar se posicionando, ele foi tão incrível de
manhã que quase faltei hoje achando que tinha sido um sonho, e
como não queria acordar acabei deitada em meu sofá. Só levantei
quando você me ligou gritando, dizendo que ele te contou o que
houve.
— Por falar nisso, eu ouvi a versão dele, necessito da sua
versão. — Intima.
— Bom, a minha versão é indescritível, talvez não haja
palavras para descrever o que senti.
Caminhamos juntas para a aula de artes, essa se tornou a
minha matéria preferida. Se eu pudesse daria um beijo em Jeremy,
mas não quero ser expulsa por assédio.
— Boa tarde, senhorita Sowyer. Que bom que nos deu a
honra da sua preciosa presença, mesmo que tenha sido no segundo
tempo da minha aula.
— Me desculpa, professor. Eu tive um contratempo.
— Claro, espero que sua mudança exterior não turbe seu
interior.
— Engraçado, você é o segundo professor que me diz isso, o
que me leva a duvidar das minhas escolhas de tinta de cabelo,
talvez se eu tivesse pintado de preto daria um ar mais inteligente.
— retruco. Estou realmente cansada de ser taxada como idiota, até
mesmo pelos professores, o fato de mudar de visual não me deixa
menos nerd, só me deixa mais apresentável.
— As tintas de cabelo também lhe deram uma dose de auto
confiança e ousadia. Mas de maneira alguma te deixa menos
inteligente. O que o seu outro professor provavelmente quis saber,
assim como eu é se a sua mudança de postura e estrutura tem mais
haver com você ou com as outras pessoas. Porque quem muda a
essência buscando agradar uma outra pessoa comete um grave
erro.
— Não se preocupe, fiz por mim!
— Isso é bom, muito bom! Agora sente-se nossa próxima
aula irá me mostrar um pouco mais sobre vocês.
— Obrigada! — respondo. Isso das pessoas duvidarem da
minha capacidade só porque decidi mudar de visual está sendo
ridículo. Meu dia realmente está bem estranho.
— Ele sempre foi legal com você, não deveria ter respondido
dessa forma — Bianca me repreende. — Passou tanto tempo muda
e agora responde as pessoas que não deve.
Balanço a cabeça em negação. Passo por Thais e Gabo,
ambos me olham, claro que de formas diferente, ela está com o
mesmo olhar frio de ameaça que tem me olhado a um tempo e ele
me olha com um meio sorriso e diz:
— Bom dia, Aly.
— Bom dia. — respondo.
Vejo Thais o encarando com semblante carregado de ódio, e
sigo para minha cadeira.
— Eu não sou de colocar lenha na fogueira, mas se ela
pudesse te matar ela certamente mataria, aqui e agora. — Bia
sussurra me fazendo rir.
— Bem-vindos de volta, meus artistas, acho que todo mundo
já chegou, então vamos ao que interessa. Primeiro, quero avisar
que amanhã teremos uma mudança. Como todos sabem, os
professores estão participando de um seminário, semana que vem
serei eu, como amanhã seria minha folga o reitor veio conversar
comigo, nossa aula da semana que vem será transferida para
amanhã e para quem não lembra a aula é para mostrar um pouco
do talento de vocês.
A sala se anima, acho que não sou a única a gostar das
aulas de artes.
— Pensem bem no que farão, pois não será feito em sala de
aula.
— Onde vai ser, professor? — alguém do outro lado da sala
pergunta.
— No auditório. Por isso nossas próximas horas de aula
vamos dividir os alunos que tem a mesma arte. Por exemplo, todos
que colocaram que eram bons em matemática vamos separar e
fazer um campeonato. — explica — Aqueles que são bons nos
esportes, os nomeados “atletas” faremos uma jogada rápida,
colocando as pessoas que se apresentaram como dançarinos para
animar o jogo.
Vejo David olhar para mim e levantar a mão.
O que ele vai fazer?
— E quem canta professor? — pergunta.
— Podemos colocar para cantar a música que os dançarinos
vão dançar, nesse caso terão que entrar em acordo sobre a canção.
Isso não vai dar certo. Pelo menos eu não sou a única que
canto.
— Nossa, essa aula será muito bacana. — Bia se anima.
— Bacana? Eu acho que vai ser uma confusão, isso sim!
— Também acho e é por isso que estou dizendo que será
bacana. — responde, rindo.
Ouço o som de notificação do meu celular, olho para a tela e
vejo que é uma mensagem do David.
David – Acho que vou ficar com ciúmes de ver você
cantando para outra pessoa que não seja eu.
Olho confusa em sua direção e quem está virado para trás
com o celular do David na mão é o Gabo. Sorrio sem graça e ele
volta a olhar para frente. Meu coração bate tão forte que tenho a
impressão de que meu corpo está sacudindo com a pressão das
batidas.
— O que foi isso? O que meu irmão te mandou. — Bianca
questiona.
— Sua curiosa! — respondo, rindo.
— Mostra logo! — ordena.
Viro o celular para que ela leia a mensagem.
— Meu Deus! — exclama, alto.
— Aconteceu alguma coisa, senhoritas? — Jeremy para a
explicação que estava dando e nos encara.
— Não professor, a Bianca não gostou muito da música que
comentei que vou cantar amanhã.
— E que música seria essa? — pergunta, intrigado.
— É surpresa! — digo, sem graça.
— Espero que não seja nada que te coloque em alguma
encrenca com os coordenadores, ou comigo.
— Não será, eu garanto.
Olho para Bia que morde os lábios segurando o riso e jogo
uma borracha nela.
— Au.
— Idiota.
Bianca e eu vamos juntas para o refeitório, fomos informadas
que nosso primeiro ensaio mudou para amanhã depois da aula de
artes e isso me deixa nervosa, a capitã das líderes de torcida é a
doce e meiga namorado do Gabo. Mesmo senda ameaçada por ele
sei que ela irá fazer algo contra mim, eu sinto isso.
— Posso ver a fumaça do seu cérebro sendo queimado de
tento que você pensa. — Bianca brinca.
— Estou preocupada com o que pode acontecer amanhã. —
confesso — A música, o nosso primeiro ensaio.
— Relaxa, os meninos estarão presente nas duas ocasiões.
— Isso sinceramente não me consola, Bia. Eles não vão
poder grudar na gente o tempo inteiro. Eu sinto que vai acontecer
alguma coisa.
— Que coisa? — David pergunta nos assustando.
— Que susto, garoto. De onde você saiu? — Bianca está
com a mão no coração, isso parece diverti-lo já que solta uma
gargalhada chamando atenção na fila.
— Eu estava lá trás na fila quando vi uma oportunidade de
me alimentar mais rápido.
— Ah, claro. E a oportunidade somos nós. — digo, rindo da
cara de pau dele.
— Claro! Para que servem os amigos se não para ajudar o
outro a furar fila?
— Mas que descarado. — Bianca reclama.
— Descarado não, bebê. Esperto seria a colocação certa,
afinal, sabe o que dizem por aí, né? O mundo é dos espertos. —
fala, dando uma piscadinha e pegando uma bandeja.
— Sabe o que mais dizem? — retruca irritada. — Que o mal
do malandro é achar que todo mundo é otário. Então fica esperto,
bonitão. Porque uma hora a sua beleza e descaramento não vai te
livrar de uma fila ou de algo mais sério.
— Fico feliz que você me ache bonitão, mas não deixa o seu
irmão saber disso, ou entraremos em uma fria.
— Ah, me desculpe, eu não sabia que você tinha medo do
meu irmão, então ontem quando me chamou para ir ao cinema de
novo ver aquele filme você não estava falando sério? Porque eu já
até escolhi o dia e a sessão.
Fico observando os dois e um sorriso surge em meus lábios.
Aí tem.
— Você mocinha, pode tirar esse sorrisinho do rosto. Não é
nada disso que você está pensando, somos apenas amigos e não
passará disso. — Bia me puxa para trás e deixa David ir na frente
colocar a comida dele.
— E quem disse que estou pensando em alguma coisa?
Estou apenas admirando a conversa de dois grandes amigos. —
falo, debochando.
Minha noite foi longa, minha conversa com Gabo não sai da
minha cabeça. Ele foi tão sincero e meigo. Só de pensar que ele
gosta de mim, que ficaria comigo me dá vontade de gritar, nosso
quase beijo faz meus lábios formigarem. Quase beijo…
Levanto hoje muito mais leve do que ontem, muito mais
disposta e encorajada. Ainda não sei o que irei cantar, tive uma ideia
assim que o professor falou que seria hoje nossa apresentação,
mas assim que vi a mensagem do Gabo, a ideia que tive foi para o
espaço. Ele falou comigo mais duas vezes ontem, uma no refeitório
e outra no estacionamento, graças a Deus nenhuma delas a
namorada estava perto.
— Bom dia, família. — cumprimento.
— Bom dia, filha. Como você está?
— Bem, hoje irei me apresentar na escola, então torçam para
que dê tudo certo e eu não pague mico.
— Vamos ver se o mané aí do lado te reconhece agora. —
minha doce irmã comenta, ela me encara e sorri, seu sorriso
transmitindo todo amor que se recusa a declara de bom grado.
— Na verdade ele já sabe quem eu sou, ontem nós até
conversamos e ele me pediu desculpas por tudo, propôs até uma
amizade. — minha irmã e minha mãe param o que estão fazendo e
ficam me encarando incrédulas.
— O que perdemos? — minha mãe questiona.
— Eu tomei coragem e me apresentei para ele como Alice,
Aly e vizinha. De primeira ele ficou meio chocado, mas depois
aceitou e ontem de manhã veio até aqui me pedir desculpas.
— E porque só estamos sabendo disso agora? — Sarah
parece bem chateada por não ter contado. — E onde está a regra
de não receber meninos no quarto?
— E quem disse que ele foi para o meu quarto? Eu falei que
ele veio aqui, só isso. — defendo-me.
— Aly, por favor. Você é apaixonada por ele, do nada o cara
vem aqui quando não tem mais ninguém em casa, com certeza ficou
esperando todo mundo sair para entrar. E você vai me dizer que não
rolou nada?
— Não rolou, nós apenas conversamos e foi na cozinha,
ninguém foi para o meu quarto. — me viro para minha mãe — Mãe
a sua filha anda com pensamentos bem impuros para a idade dela,
eu juro que não passamos da cozinha.
— Eu acredito em você, Alice. Suja irmã está apenas
implicando com você como sempre, mas mais tarde quero saber
cada detalhe de tudo isso.
— Ok — confirmo. — Vou pegar meu violão, pode pôr meu
suco na mesa, por favor?
— Coloco.
— Bom dia, amiga.
— Bom dia. Ué, veio sozinha? — pergunto percebendo que
Gabo não está com ela.
— Não, vim com meu irmão, mas parece que o carro do
David deu problema e ele foi buscar ele.
— Ata. Hoje é um grande dia, apresentação, dia de treino…
— Está pronta? — pergunto.
— Estou um pouco nervosa para a apresentação, mas para o
treino estou tranquila, apenas pensando se as nossas amiguinhas
irão falar ou fazer alguma gracinha.
— Acho que com você não, mas comigo… ainda estou com
aquela sensação.
Ficamos conversando sobre a apresentação e nem
percebemos a chegada do David e Gabo.
— Bom dia, meninas — David cumprimenta.
— Bom dia — respondemos juntas. Olho para Gabo.
— Oi, Aly. Como você está?
— Bom dia, Gabo. Estou bem, obrigada.
— Já sabe o que vai cantar — pergunta apontando para o
violão em minhas mãos.
— Ainda não, já pensei em várias possibilidades, mas não
cheguei em nenhuma conclusão. Tem alguma sugestão?
— Posso mesmo escolher uma? — indaga surpreso.
— Claro, poque não?
— Já ouviu a música… — ele para de falar quando seu
celular começa a tocar. Pela cara que fez posso imaginar quem é.
— Oi, onde você está? Passei na sua casa com o David. —
ele faz uma pausa e como percebe que estamos olhando para ele
se vira encostando no carro. — Poderia ter me ligado, iria com você.
— Vamos Bia — chamo não querendo ficar aqui ouvindo o
carinho com que ele a trata, a preocupação em sua voz… — nunca
fui uma pessoa invejosa, não vou começar agora.
Bia e eu nos afastamos deles e seguimos nosso caminho
para dentro, os corredores já cheios me fazem lembrar que até
poucos dias atrás eu andava por eles como uma ninguém, a murta
que geme, como me auto rotulei. Só que agora é diferente, todos
parecem notar a minha presença, algumas pessoas até me
cumprimentam com um aceno de cabeça ou um sorriso.
— Te dou uma mordida do meu chocolate se me contar o que
está pensando — Bianca barganha.
— Estou pensando em como as coisas mudaram. Tudo
mudou, as pessoas, eu!
— Está feliz com essa mudança? Está te fazendo bem?
— Esta sim! — confirmo confiante.
— Então é isso que importa — confirmo com um balançar de
cabeça e um sorriso.
Vamos direto para o auditório que está lotado. Falei com
Jeremy que não quero me apresentar com a turma que ficou de
dançar e ele aceitou uma apresentação solo. Tinha mais duas
pessoas que também fariam. Pouco tempo depois Gabo entra ao
lado da namorada, ela nos encara sorrindo e cochicha algo em seu
ouvido, Gabo olha sério para ela, mas confirma algo e vem em
nossa direção.
Eles só podem estar de sacanagem com a minha cara.
— Bom dia, meninas. — Thais nos cumprimenta e Bianca e
eu nos entre olhamos antes de responder. Ela está sorrindo e isso é
bem estranho. — Vim parabenizar vocês por terem entrado para
equipe, espero que possamos formar uma boa parceria.
Volta a olhar para Bianca, depois olho para David que chegou
e parece meio perdido também.
— Obrigada, Thais! É muito bom saber que temos o seu
apoio. — Bianca responde forçadamente simpática.
— Que isso cunhadinha, o que vocês precisarem podem
contar comigo, meu namorado fez questão de me passar ordens
precisas para cuidar bem de vocês duas, não é, amor? — Agora sim
entendi o jogo dela! Está claro que quer esfregar ele na minha cara
já que foi proibida de fazer qualquer coisa que nos prejudique.
Gabriel não parece notar o joguinho da namorada, ele está meio
perdido, olhando para o nada com a mandíbula contraída,
claramente desconfortável com a situação.
— Obrigada — falo me virando.
— Nós podemos nos sentar aqui? — pergunta.
— Não acho que seja uma boa ideia — Gabo se apressa em
responder.
— Que isso, amor. Vamos ficar perto das meninas, quero me
enturmar com elas.
Ouço Gabo suspirar profundamente e fecho meus olhos
quando ele sede e senta com ela ao meu lado, o que me faz
suspirar pesadamente também.
O tempo se arrasta, não presto atenção em absolutamente
nada, só consigo ouvir os beijos melados, a voz melosa da Thais
falando várias coisas lindas para o namorado, enquanto ele
responde apenas ao básico. Isso para mim está sendo uma
verdadeira tortura. Quero que ela grite comigo, me odeie e tente me
matar. Quero eles longe de mim, sinto minha garganta apertar
quando mais uma vez eles se beijam. Meus olhos ardem e me viro
para os dois, ela está de costas para mim, com o corpo virado para
ele de olhos fechados, o beijando como se não houvesse amanhã,
enquanto ele está duro, correspondendo ao beijo como se fosse um
robô e seus olhos estão abertos, me encarando com pesar.
Me levanto porque isso, com certeza, é pior do que ser
ignorada. Eu preciso sair daqui!
Sinto que tem alguém vindo atrás de mim e embora eu torça
para que seja ele, sei que não é e essa confirmação vem quando
outra mão, diferente da dele me puxa me fazendo parar.
— Ei, não dá esse gostinho para ela. — David, ele tem sido
meu salvador desde que me reconheceu, já me viu em crises de
choro, já me consolou e aconselhou e agora está mais uma vez
tentando me ajudar. Vejo Bianca logo atrás
— Olha, David — diz, roubando nossa atenção — Eu não
estou gostando de você querendo roubar meu posto, você é melhor
amigo do meu irmão, então deixa que dá Aly cuido eu.
Olhamos confusos para ela e toda minha vontade de chorar
se torna uma crise de risos e David me acompanha.
Ela está com ciúmes.
Depois de uma longa conversa, voltamos para o auditório e
Thais está vestida com o uniforme de líder de torcida. Junto com
outras meninas.
— Não vão se apresentar com a gente, meninas?
— Não, eu vou cantar e Bianca fará uma apresentação solo
— respondo firme.
Elas nos encaram com cara de nojo e voltam a conversa
entre si, sigo para o lugar que estava antes. Gabo está no mesmo
lugar, não se vira para mim, mas quando me sento fala:
— Sobre a música…
— Já sei qual música vou cantar, obrigada! — corto
secamente.
Depois de um tempo ele e David vão para o centro, é a vez
deles, as líderes posicionadas, uma banda improvisada, e os
jogadores prontos para uma partida de futebol, meninas contra
meninos. Será algo rápido já que as meninas estão em
desvantagem. Achei legal que o professor abriu essa aula para
pessoas de fora, então foi fácil achar meninas que gostem de
futebol.
Horas, se bobear até anos se passaram até eu ser chamada,
não prestei atenção em nada e nem ninguém, não vi nem o jogo, só
sei que as meninas ganharam porque foi um auê danado. Só penso
na minha apresentação, sei que a música que vou cantar irá me
fazer soltar o choro que esta prezo. Mas será praticamente uma
confissão, e ele vai entender o recado.
Seguro firme meu violão e passo por eles de cabeça erguida,
chego no centro do auditório e é impossível não lembrar do Sing.
Me seguro para não contar a história dos meus cinco filhos e falo.
— Boa tarde! Meu nome é Alice Sowyer e vou cantar uma
música que mexe muito comigo. — Começo timidamente a tocar as
primeiras notas de Stone Cold da Demi Lovato.
Stone cold, stone cold
Pedra fria, pedra fria
You see me standing, but I'm dying on the floor
Você me vê de pé, mas estou morrendo no chão
Stone cold, stone cold
Pedra fria, pedra fria
Maybe if I don't cry, I won't feel anymore
Talvez se eu não chorar, não vou sentir mais nada
Stone cold, baby
Pedra fria, bebê
God knows I tried to feel happy for you
Deus sabe que eu tentei me sentir feliz por você
Know that I a
Sei que eu sou
Even if I can't understand
Mesmo que eu não consiga entender
I can take the pain
Eu aguento a dor
Give me the truth, me and my heart
Me dê a verdade, eu e meu coração
We will get over
Nós vamos conseguir superar
If happy is her, I'm happy for you
Se a felicidade é ela, eu estou feliz por você
Termino a cação como imaginei que seria, em meio as
lágrimas, mas não estava sozinha, parece que consegui emocionar
a maioria das pessoas. O professor me agradece elogiando minha
voz e a minha habilidade no violão.
Ao passar por Thais ela segura meu braço, a encaro
esperando que solte seu veneno.
— Sabe, Alice, eu percebi o seu jogo desde que ouvi seus
áudios ridículos, mas até então relevei porque achei você sonsa
demais para que chamasse a atenção do meu namorado, mas vejo
que de lerda você só tem a cara mesmo. Sabe o que eu percebi
ouvindo você cantar essa música? Fria como pedra… — permaneço
imóvel e ela continua. — Que eu sou o Titanic e você é meu
iceberg, mas diferente do filme, eu não vou afundar, querida, e o
Jack ali — diz, apontando para Gabo que está alheio a nossa
conversa, rindo com David e Josh. — No final das contas ainda será
meu!
— Ela o que? — Bianca grita. Depois da abordagem feita por
Thais decidi sair de vez daquele auditório. Quando Bia deu minha
falta me mandou mensagem e disse a ela que tinha vindo para a
quadra de basquete. Preferi vir para cá já que a pista de atletismo
está ocupada hoje e logo mais é aqui que estarei, frente a frente
com a minha rival.
— Fala baixo, não precisa criar alardes! — brigo — E nem
quero que você comente isso com o seu irmão ou o David. Não sou
mais criança e nem tão boba, sei me defender, deixa ela marca o
território, seu irmão e eu já deixamos claro que seremos amigos.
— Amigos, né? — retruca, debochada. — A tensão sexual
entre vocês é quase palpável, eu não fico confortável perto de
vocês. — Rio, da besteira dita.
— Você é terrível, sabia?
— O que eu sei é que não podemos deixar essa garota
montar em você. E também não vou dar mole para a tal da Rachel,
tinha que ver, ela foi super grosseira comigo por causa do
namoradinho dela. Mas enquanto ele insiste em dizer que não são
namorados, ela faz questão de mostra para os outros que é mentira
e gruda nele igual carrapato. Já percebi que quando estou perto ela
só falta trepar com ele na minha frente. — Fico a analisando
enquanto jorra toda a sua frustração, que mais me parece com uma
crise de ciúmes.
— Sabe o que eu acho? — interrompo. — Que nós duas
teremos um grande desafio. Eles vão fazer parte das nossas vidas
até o fim da nossa faculdade, ou seja, até a nossa a vida adulta.
Vamos ver as formaturas um dos outros e quem sabe ser amigos
pelo resto da vida. Por isso, acho que devemos viver em paz. Seu
irmão tem uma namorada e deixou claro que apesar de ficar mexido
comigo ele não vai deixá-la e o David, bom ele não quer nada sério
com ninguém e isso ele deixa bem claro, apesar de que também
sinto entre vocês uma grande tensão sexual.
— Nunca mais repita isso na sua vida se quiser ter uma! —
ameaça — Ele, amiga, é o sonho de qualquer garota, é atencioso,
inteligente e um ótimo amigo, porém, amigo do meu irmão e ele nos
mataria se qualquer coisa além da amizade rolasse entre a gente.
— Que pensamento retrógrado, e desde quando seu irmão
tem que aprovar seu relacionamento com quem quer que seja? —
questiono.
— Você conhece o Gabo, já viu como ele fica só de ser
insinuado alguma coisa?
— Bianca Mello, me diz agora o que está rolando entre você
e o David ou nossa amizade acaba aqui! — ameaço. Mesmo que já
tenha percebido que eles estão afim um do outro, até esse exato
momento nunca tinha parado para pensar que já poderia ter rolado
alguma coisa.
— Quer parar! Não aconteceu nada — mente. Está nervosa e
é claro que aconteceu, e isso me deixa triste, por achei que
fossemos amigas e ela confiasse em mim para me contar qualquer
coisa.
— Tudo bem, me desculpe! Só achei que fossemos amigas e
que você confiava em mim assim como confio em você! — comento,
deixando claro o meu desapontamento.
— Amiga, por favor. Não é nada disso, é claro que confio em
você, só realmente não aconteceu nada além de que meu coração
idiota está ficando mexido com ele. — Ela abaixa a cabeça e exala
profundamente. — Desde o dia do cinema nós dois passamos a nos
falar todos os dias por mensagem. Nos falamos quase o dia todo e
agora meio que virou uma necessidade, eu não consigo mais ficar
sem falar com ele, acordar e não enviar um bom dia, ir dormir e não
desejar boa noite. Tudo está simplesmente fugindo do meu controle.
— Porque não me disse nada?
— Porque você já tem seus próprios dramas para lidar e eu
não queria te deixar com essa ruguinha de preocupação por uma
coisa boba.
— Isso não é bobeira, isso é você apaixonada pelo.
— Que história é essa, Bianca? Por quem você está
apaixonada? — Bianca e eu demos um salto do banco com a voz
grave do Gabo. O pior é que ele não está sozinho. David nos olha
com a mesma curiosidade e junto deles estão os dois empecilhos
para que minha amiga e eu sejamos felizes com as pessoas que
gostamos. Rachel e Thais, que parecem aguardar a resposta com
tanta curiosidade quanto o questionador da pergunta.
— Não te ensinaram que ouvir conversas escondido é falta
de educação, Gabo? — tento amenizar a situação com uma
brincadeira, mas ele está sério encarando uma defunta, porque
Bianca está tão branca que parece que morreu e esqueceram de
enterrar. Ele desvia os olhos dela para mim e perco a paciência com
seu jeito arrogante. — Não me olhe assim! Eu não sou a sua irmã e
não vou deixar que você a exponha na frente de tantas pessoas, ela
é sua irmã e é minha amiga, então se quer saber por quem ela está
ou não apaixonada faça isso na casa de vocês, porque é em casa
que se lava roupa suja! Não na faculdade na frente de várias
pessoas que para nós duas são estranhas já que nunca se deram
ao trabalho de falar com a gente. — Quando paro de falar estou
sem ar e as pessoas a minha frente sem palavras, Gabo pisca
várias vezes, abre e fecha a boca sem emitir nenhum som. Nem
acredito que disse isso tudo.
Pego a mão da Bia que está gelada e trêmula e a puxo
comigo.
— Se nos derem licença, nós vamos nos trocar! — puxo
minha amiga para o vestiário e nos trocamos sem falar uma palavra,
ela ainda parece em choque. Quando estamos prestes a sair do
banheiro ela começa a gargalhar. A encaro sem entender.
— Eu não acredito que você falou tudo aquilo na cara do meu
irmão — fala, sem folego por causa das risadas. — Você viu a cara
deles? Não, você viu a cara da Thais? Meu Deus, você parecia uma
mãe ursa defendendo a cria. — Sorrio, aliviada por ela ter saído do
transe.
— Amiga, você precisa se impor com o seu irmão! Mas não
vamos mais falar sobre isso, já vimos que aqui não é um local
seguro, mais tarde lá em casa conversamos melhor. Agora vamos
encarar nossa treinadora e mostrar que somos boas o suficiente
para estamos no time.
Quando voltamos para a quadra os meninos já estão
treinando e a equipe de líderes de torcida estão sentadas esperando
a treinadora para uma pequena reunião. Sentamos e logo fomos
abordadas por Thais.
— E então cunhadinha, quem é o sortudo por quem você
está apaixonada?
— Não tem ninguém, quando vocês chegaram estávamos
falando sobre uma série e eu ia dizer que era apaixonada pelo ator
principal, mas meu querido irmão me deixou nervosa com aquele
jeito agressivo.
Thais não pareceu engolir a história, mas não teve mais
tempo de falar nada porque a coordenadora chegou.
— Boa tarde, senhoritas. Como sabem temos cinco novas
integrantes no grupo e gostaria de dar as boas-vindas a elas, hoje
será o primeiro treino delas e tenho certeza que se sairão muito
bem.
Depois da apresentação, vamos para a prática, graças a
Deus Bia e eu fizemos os exercícios juntas e fomos duplas também
no treino. Deu tudo certo e no final ainda recebemos um elogio de
Thais que pareceu realmente satisfeita com nossa performance.
Depois que o treino acabou Bianca e eu fomos tomar um
banho. No estacionamento Gabo nos aborda nada feliz.
— Bianca, vamos comigo no meu carro.
Grosso.
— Oi, para você também, Gabriel — falo. Mas ele não se vira
para mim, continua com os olhos na irmã.
— Gabo, eu não quero ir com você podemos conversar mais
tarde!
— Não, não podemos! Se você não quiser ir para casa
comigo talvez queira lavar nossa roupa suja aqui mesmo. — Ele usa
a frase que disse a ele na hora do flagrante.
— Olha… — começo. Mas Bianca segura meu braço me
impedindo de continuar.
— Tudo bem, amiga.
Ela me dá um beijo na bochecha e sai na frente indo em
direção ao carro do irmão, ele passa por mim sem falar nada e é a
minha vez de segurá-lo.
— Pega leve com ela! — Peço. Seus olhos vão do meu rosto
para a minha mão em seu braço, antes de responder volta a encarar
meu rosto.
— Eu sempre pego! Agora se não se importa. — Ele olha
para minha mão indicando que quer que o solte.
— Me desculpa.
— Não precisa se desculpar, Aly. Eu fico realmente feliz que
minha irmã tenha encontrado uma amiga como você, que me
enfrenta para defendê-la. Mas vocês duas precisam entender que
sou mais do que o irmão dela! Desde muito novo sou irmão, pai e
mãe. A Bianca não pode esconder nada de mim, somos só nós dois
e não quero que ela acabe como minha mãe.
Fico tocada com a forma que ele fala dela. Ele só está
tentando proteger a irmã. Mas isso não muda o fato de que está
agindo errado.
— Entendo a sua preocupação com ela, admiro isso, mas
ainda assim, sufocá-la não é uma boa maneira de protegê-la. Pense
nisso.
Chego em casa e faço tudo correndo, subo, tomo banho, me
arrumo e desço.
— Mãe, tem alguma coisa para o Berry hoje? Mãe…
Vou até a cozinha e nada dela, mas sinto o cheiro de algo no
forno. Vou até a sala, onde ela se meteu?
Estava prestes a abrir a porta quando ouço alguém descer as
escadas.
— Estou aqui, filha — fala, entrando em meu campo de visão.
Fico sem palavras a observando, ela está linda. — O que foi? Estou
feia? Está muito exagerado, não é? Eu falei para sua irmã.
— Não, mãe — a interrompo. — Você está linda. Para onde
vai? — ela suspira, parecendo aliviada e triste ao mesmo tempo.
— Vocês estão com muita pressa?
— Não estou mais — respondo e vou até ela, sei que tem
algo errado. — Me conta o que aconteceu e para onde vai.
— Filha… Você sabe que desde que seu pai foi embora
minha vida se resume a você, seus irmãos e o meu trabalho, certo?
— Sim, o que acho errado e desnecessário, por isso sempre
lhe digo que precisa seguir em frente e ser feliz.
— Acontece que eu não conseguia, eu amei muito o seu pai
e fiquei arrasada e sem ter como contar a vocês que ele não iria
mais voltar, eu conheci a nova família dele meses depois que ele se
foi, na verdade, eu já conhecia a mulher a muitos anos. Um tempo
depois ele me procurou, pedindo perdão e dizendo que queria voltar
para casa, por mim, mas principalmente por vocês. Eu sofri demais
quando disse não. Mas fui fraca e depois de muita insistência aceitei
sair com ele, eu simplesmente me tornei a outra. A amante do
homem que mais amei na vida, o único que amei. — Vejo as
lágrimas rolar pelo seu rosto, mas estou incrédula demais para
consolar minha mãe neste momento. — Filha, isso durou um tempo
e eu não me orgulho, antes de você receber a bolsa aqui eu terminei
tudo com ele, disse que não era a vida que queria para mim, e não
era o exemplo que queria dar para vocês.
— Para onde você está indo? — pergunto, com medo da
resposta.
— Seu avô me ligou hoje. Disse que seu pai está vindo para
cá, ele foi convidado para participar do seminário que está tendo
com os professores e fará uma apresentação no campus também.
— Está me dizendo que está toda arrumada assim para
encontrar aquele homem? — pergunto, desapontada.
— Aquele homem, é seu pai e não! Não é com ele que vou
me encontrar hoje.
— Deveria ter lembrado isso para ele quando nos abandonou
por outra família, ou quando você decidiu virar a amante.
— Eu vou relevar a sua grosseria porque sei o quanto você já
sofreu e sofre por causa dessa história. Só estou te contando para
que você não tenha uma surpresa ao vê-lo na faculdade, ou caso
ele apareça aqui. — Ela exala com sofreguidão — Estou indo ao
Sing e esperava conseguir uma carona com você.
Fico parada, a notícia sobre o homem que me pôs no mundo
perturbando minha mente, como reagirei a ele depois de tantos
anos? E então vem o clarão na mente.
— Você vai ao pub? — questiono, só para confirmar se ouvi
errado.
— Vou, sim! — confirma, com um sorriso contido.
— Mamãe, você descobre que o papai aparecerá aqui e de
repente decide conhecer o Berry? Isso não é justo com ele, ser
usado como válvula de escape.
— Não, filha. Berry e eu nos tornamos muito amigos, eu
converso sobre tudo com ele, contei sobre seu pai, sobre as minhas
inseguranças e medos e ele insistiu para que eu fosse vê-lo hoje.
— Eu realmente gostaria que vocês se dessem bem, mas
não acho que esteja fazendo isso pelos motivos certos. Se não
gosta dele, não sente nada, nem mesmo atração, não deve ir só
para fugir do que pode acontecer com meu pai novamente. Mas
também quero deixar claro que não vou aceitar esse homem dentro
desta casa. — Respiro fundo — Eu não quero vê-lo, mamãe. —
Minha voz falha, embargada pela dor que sinto só de me lembra os
dias que passei na varanda da minha casa esperando que ele
voltasse com o meu presente de aniversário.
— Alice, você precisa ser forte! Já conversei com seus
irmãos — ela faz uma pausa.
— E eles querem ver o pai. Não é? — termino.
— Sim!
— Não o quero aqui, não quero esse homem nas nossas
vidas de novo! Se você aceitar que ele entre na vida de vocês eu
vou embora daqui! Eu juro que largo tudo e fujo. — Me levanto,
vendo o choque em seu rosto. Sei que fui dura, mas preciso que ela
acorde. — Sobre o Berry, ele merece mais!
— Alice Sowyer! — Seu tom é de repreensão.
— Não acho justo, mãe! A senhora pode falar o que for, dar
todas as desculpas do mundo, mas eu não vou mudar minha
opinião. Não vou poder te dar uma carona, me desculpe!
Saio de casa de baixo dos olhos chocados da minha mãe,
sinto meu peito queimar e não consigo mais segurar minhas
lágrimas. Entro no carro e respiro fundo, preciso me acalmar para
começar a dirigir.
Chego ao Sing só por um milagre, levei mais tempo do que o
normal por ter tido que parar algumas vezes para sessar o choro.
Prefiro não me olhar no espelho, devo estar lastimável. Desço do
carro e ao entrar vou direto ao banheiro, preciso me recompor.
— Aly, o que houve? — Berry coloca a cabeça dentro do
banheiro — Sua mãe me ligou preocupada, dizendo que você já
tinha saído a horas.
— Ela te contou sobre a nossa conversa? — questiono,
ignorando sua pergunta.
— Sim, e se me permite dizer, acho que você foi muito dura
com sua mãe!
— Não, Berry. Eu não te dou permissão! Você não tem noção
do quanto eu sofri antes e depois de perceber que ele nos
abandonou! — O choro volta com força, e desta vez eu não tenho
David para me abraçar, nem a Bia para dizer que ia ficar tudo bem.
— Eu achei que ele tinha morrido, que tinha sido sequestrado,
depois de esperar por um mês inteiro passando parte dos meus dias
sentada na varando, entrando apenas para comer, tomar banho e
depois voltava, sonhado com a droga de um presente que nunca
chegou percebi que ele não voltaria. Um dia eu passei em frente a
uma casa com portão de grade branca, era uma casa bonita e
dentro, no quintal, tinha uma menina linda aparentando ter a minha
idade, ela tinha os cabelos cacheados em um tom avermelhado,
mas o que me chamou atenção foi o homem que estava com ela,
eles estavam rindo porque ela não conseguia se equilibrar na
bicicleta. Era ele, meu pai. — Sufoco com o soluço forte que sai da
minha boca. — Sabe o que mais me doí no momento? É que
mesmo depois de tudo, hoje fiquei sabendo que minha mãe ainda
se prestou a ser amante desse homem. Do homem que era para ser
seu marido.
— Não condene sua mãe dessa forma, Alice — defende. Sua
voz é só um sussurro.
— Não quero que você saia com ela, você não merecer ser
usado só porque ela é fraca ou burra demais para resistir a um
homem que desgraçou a nossa vida.
— Chega! — exige irritado. — Não vou admitir que fale assim
da sua mãe, que falte com respeito a ela. Foi eu quem insistiu para
que ela viesse até aqui para conversar, ela precisa de um amigo, de
apoio.
— Ela precisa é ser honesta com você e dizer que nunca vai
querer outra pessoa, mas já deixei claro que se ele pôr os pés
dentro da nossa casa eu saio e você, Berry — faço uma pausa para
buscar o ar que me falta. — Seja inteligente e pule fora, ela é
furada!
Ele não diz mais nada, mas posso ver a raiva em seus olhos,
a mágoa em suas feições. Quando paro em sua frente indicando
que quero sair de lá ele me encara e diz sério.
— Você não vai cantar hoje! Quero que suba para o seu
quarto, sua mãe está vindo.
— Por mim tudo bem não cantar, mas você também não
pode me obrigar a ficar! — o empurro e saio correndo em direção a
porta, antes que a alcance vejo Gabo, Bianca e David entrar, passo
por eles como um furacão e os ouço gritarem meu nome. Do outro
lado minha mãe está descendo do táxi. Ela me vê e também
começa a gritar por mim. Não paro, não posso parar. Corro sem
rumo, sem trégua até meus pés doerem. Sento na calçada, estou
exausta, física e emocionalmente.
Depois de um tempo com a testa recostada sobre meus
joelhos ouço um carro parar no meio-fio, não me dou ao trabalho de
levantar a cabeça, seria bom que fosse um dos maníacos de filmes
de terror pronto para me arrancar a vida e me tirar desse inferno.
Mas não era, infelizmente. A pessoa que senta ao meu lado tem o
perfume conhecido.
— Amiga… — a voz da Bianca soa por meus ouvidos e eu
me lanço nos braços dela retomando o choro. — Calma, Aly. Vamos
sair daqui.
— Não, eu não quero ir para minha casa e nem pra sua,
quero distância de lá. — Me desespero.
— E para a minha? Você aceita ir? — levanto a cabeça e
encontro David e Gabo encostados no carro. Ele sorrir para mim
enquanto Gabo me encara sério, vejo preocupação em seus olhos.
Bianca me ajuda a levantar e entrar com eles no carro. Gabo
na frente com David ao volante e Bianca ao meu lado no banco de
trás segurando minhas mãos, tentando passar o mínimo de
conforto. Depois do que parece uma eternidade David encosta o
carro em frente a uma casa que parece mais uma mansão.
— Você mora aqui? — pergunto.
— Sim, na maior parte do tempo. — ri. — Gostou?
— É linda…
A casa tinha uma aparência de recém-construída, não havia
sequer uma manchinha de chuva, uma cor de verde água com
janelas de vidro temperado, uma grama bem cuidada, três andares
de puro luxo. A porta era de madeira maciça bem desenhada, com 2
metros de altura e não sei precisar a largura, mas era muito larga.
Quando ele abre a porta nos dando passagem fico ainda mais
impressionada, isso aqui é uma casa que saiu direto de uma das
mais caras revistas de arquitetura.
— Minha mãe e meu pai quase não param em casa, então na
maior parte do tempo eu moro aqui sozinho — explica.
— Você deve ter uns cinquenta empregados para limpar isso
tudo.
— Cinquenta é exagero, mas tem bastante, o que não me
deixa me sentir tão solitário.
— O velho drama do pobre jovem menino rico — Gabo
implica nos fazendo rir. Foi a primeira risada da minha triste noite.
— É bom te ver rindo. — Gabo confessa sorrindo para mim.
— Obrigada por virem atrás de mim e me trazerem para cá.
— Não precisa agradecer, coração. Amigos são para essas
coisas e você é nossa mascote agora. — David passa o braço em
volta dos meus ombros — agora vamos, vou mostrar o resto da
minha casa para você, Bianca e Gabo já conhecem tudo por aqui.
Ficamos as próximas horas andando de cômodo em cômodo
rindo das idiotices que nos contava.
Sentamos os quatro à beira de uma enorme piscina e ficamos
em silêncio, admirando a noite, que parece inerte a minha tristeza,
está bastante estrelada e a lua está cheia. Sei que agora é o
momento de contar a eles o que aconteceu.
— Estava completando quinze anos quando meu pai saiu de
casa dizendo que ia comprar meu presente de aniversário, e o que
ganhei foram vários dias sentada na varando de casa esperando ele
voltar, sonhava todas as noites com ele chegando com o presente.
Quando a compreensão de que ele não voltaria me bateu comecei a
chorar achando que ele tinha morrido. Depois de meses passei em
frente a uma casa e no quintal tinha uma menina brincando com um
homem, eu o reconheceria mesmo que estivesse disfarçado. Mas
fiquei ali os observando até que ele se virou de frente para o portão
e tive a certeza, era o meu pai. Cheguei em casa desesperada,
contei para minha mãe, mas só hoje, só agora consigo perceber que
ela não se surpreendeu — levanto a cabeça para eles, tendo agora
a clareza dos fatos. — Ela sabia.
— Eu posso imaginar o quanto foi difícil para você — Bia me
encara emocionada — Eu fui abandonada pela minha mãe e por
meu pai e agora tenho que dividir o meu irmão com uma viciada que
somos obrigados a conviver hoje. Fui criada pela minha vó longe de
quem mais amo na vida — confessa, segurando a mão do irmão.
— Eu sinto muito por vocês — lamento. — Eu tenho tanto
medo de fraquejar, de olhar pra ele e em vez de ódio descobrir que
ainda o amo, confessar que na verdade eu ainda sou a mesma
garotinha sentada na varando esperando meu presente de
aniversário. Minha irmã sofreu tanto, foi para inúmeros psicólogos, e
depois minha mãe descobriu que estava grávida de dois meses do
Steven. Eles são tão parecidos, Steven é uma cópia exata do pai.
Percebo que não vou conseguir dormir e decido voltar para a
beira da piscina. Depois de horas conversando com eles,
conhecendo mais um pouco da história de cada um, resolvemos
subir para dormir. David pegou algumas roupas da prima dele que
vinha as vezes para cá e nos deu para que Bianca e eu ficássemos
mais confortáveis. Na casa há cinco quartos, cada um deveria ficar
em um, mas Bia insistiu em dormi comigo, bom, ela dormiu, eu
apenas revirei na cama chorando.
Passo pelas portas de vidro que dá acesso à piscina, Gabo
sentado só de bermuda, com os pés dentro da água, ele não
percebe minha aproximação.
— Posso me sentar aqui também?
— Desculpa, estava distraído e não te vi chegando, claro que
pode se sentar, vem. — Ele estende a mão para me ajudar.
— Em que estava pensando? — pergunto aceitando a ajuda
e aproveitando o toque de sua mão quente.
— Em você, em nossas vidas. — Ele faz uma pausa e me
encara com olhos complacentes. — Nós éramos apenas crianças,
não deveríamos passar por todas essas merdas. Nossos pais
roubaram nossa infância de forma cruel. Meu pai quase não nos liga
mais, apenas coloca nossa mesada e paga nossas despesas. Sei
que é difícil para ele, sei o quanto amou a minha mãe e ver como
ela se encontra hoje é doloroso, mas caramba, e nós? Bianca e eu
tivemos e temos que lidar com ela querendo ou não. Eu sempre
tentei manter a Bia afastada dela, para que não presenciasse tudo
que vejo, mas agora é impossível, estamos todos na mesma casa.
Vendo nossa mãe se deteriorar a cada dia.
— A vida não facilitou para gente, não é mesmo? — brinco.
— Não! Mas eu estou feliz por ter pessoas como o David
para me ajudar nos meus momentos de fraqueza e estou feliz
porque agora você tem a nós para os seus momentos de fraqueza.
Fico encarando-o com um sorriso, ele acabou de confessar
que está aqui para me ajudar.
— Obrigada! — digo, timidez me tomando. Ele se aproxima
mais de mim e coloca uma mexa do meu cabelo para trás da minha
orelha. — Para de me olhar assim, devo estar horrível depois da
minha crise de choro.
— Não está! Você é linda, Alice — sussurra. A mão que dias
atrás acariciou meu rosto e vem perturbado meus sonhos está
repetindo o gesto. — Linda demais para minha sanidade, você tem
noção do quanto me segurei a noite toda para não pegar você em
meus braços e dissipar a sua dor.
— Gabo… Eu sonhei tanto com o dia em que você me
enxergaria e em como meu corpo se sentiria com seu toque —
admito, fechando os olhos para eternizar seu toque quente em
minha pele e mente.
Ele se aproxima ainda mais de mim, sem cessar com a
caricia, sua outra mão também vem para meu rosto e desce para
meu pescoço.
— E como você se sente? — questiona, rouco.
— Eu não sei — confesso — Não consigo sentir meu corpo e
na minha cabeça só vem um pensamento — abro os olhos e vejo
sua pupila dilatar, assim como a minha, minha visão embaça com a
fantasia de beijá-lo.
— Me conta — suplica — Que pensamento é esse?
— No quanto quero que você me beije. — Mal termino a frase
e seu corpo grande cobre o meu, sua boca toma a minha em um
beijo desesperado. Sinto a grama gelada em minhas costas, com o
peso dele sobre mim. O beijo diminui a velocidade, vira um leve
carinho. Sua língua faz uma dança gostosa com a minha, a mão que
antes estava em meu pescoço desce para minha cintura dando um
aperto firme, arrancando de mim um gemido.
— Não faça isso! — pede, separando nossos lábios e para
minha tristeza afasta minimamente seu rosto.
— Fazer o que? — choramingo.
— Gemer assim enquanto te beijo — rosna.
Mordo meus lábios para conter o sorriso que tenta escapar.
— Não morde os lábios me olhando dessa maneira também!
Tudo e qualquer coisa que você fizer agora irá me levar ao extremo,
entende isso Alice?
Balanço a cabeça em afirmação e ele sorri. Tão lindo, tão
perfeito. Logo sua boca está na minha novamente, dessa vez o beijo
começa calmo e ganha uma intensidade indescritível, através da
bermuda de táctil sinto ele endurecer cada vez mais, aperto a
cintura dele e afasto um pouco mais minhas pernas para senti-lo
melhor, seu membro duro está quente pressionando meu centro
igualmente quente e molhado. Uma de suas mãos sobe por baixo
do tecido fino da blusa de malha que visto e ele caricia meu ceio,
arrancando de mim um gemido ainda mais alto. Levo timidamente
minha mão até sua bermuda, mas Gabo se afasta e salta para
dentro da piscina me deixando na grama gelada com meu corpo
pegando fogo.
Sento frustrada, olho para a piscina e ele está mergulhando
para o fundo, quando finalmente submerge o encaro com raiva.
— Que droga você está fazendo? — vocifero.
— O certo! Me perdoa, Aly. Eu não deveria ter beijado você,
não agora. Você sabe, eu tenho uma namorada, e não posso
cometer com vocês os mesmos erros que nossos pais cometeram.
— A dor que sinto ao ouvi-lo falar isso é indescritível, por um
momento eu agi igual a minha mãe. Amante do cara que amo. Me
levanto ajeitando minha roupa, confusa e ainda mais magoada.
Antes que eu alcance a porta ele sai da piscina e me segura.
— Eu vou aproveitar que o pai da Thais está na cidade e vou
terminar com ela, isso que você está sentindo nunca mais vou
deixar acontecer. Nós faremos uma história bem diferente da dos
nossos pais, Aly. Eu te prometo.
Saio da casa do meu amigo antes das seis dá amanhã com o
carro dele, meu beijo com a Aly aconteceu no momento errado, me
sinto um merda por ter traído minha namorada e colocado a Alice na
mesma posição que a mãe dela, posição que julgamos errado.
Chego na casa da Thais e mandou uma mensagem para saber se
está acordada, o pai dela chega hoje, então estou seguro de que ele
irá confortá-la e mantê-la fora de confusão, ele precisa cuidar da
filha nos primeiros momentos de raiva, onde não poderei vigiá-la
mais.
Lembro do dia em que a encontrei em coma alcoólico, logo
depois da morte da mãe, ela era tão nova e já estava no meio das
drogas graças as nossas mães. Os pais da Thais eram amigos da
minha mãe a anos, desde o tempo da escola. Ele me disse uma vez
que experimentou com elas algumas drogas ilícitas, mas nunca
curtiu e depois que conheceu uma mulher decidiu que não era o que
queria para sua vida. Ele se apaixonou por uma menina que era
doce e pura, e viveram felizes por um bom tempo. Não me contou o
que houve com a menina e nem como acabou ficando com a mãe
da minha namorada. Só sei que ele fez de tudo pela mulher e a
filha, mas Elaine assim como minha mãe não teve jeito, acabou
tendo uma overdose e morrendo. Foi no enterro que pude conhecer
a filha da melhor amiga da minha mãe, a ruiva mais linda que já
havia visto. Saímos de lá juntos, minha mãe sendo amparada pelo
amigo que havia acabado de ficar viúvo e Thais amparada por mim.
Anos depois o pai da Thais conseguiu para nós dois a bolsa na
melhor escola de Charlotte, foi o jeito que ele encontrou de deixar a
filha longe dos amigos viciados, deixando para mim a
responsabilidade de cuidar dela.
Amor – Estou acordada, vou abrir a porta para você.
Desço do carro e caminho lentamente até a porta. Thais
aparece sorridente, mas seu sorriso morre quando vê que não é
uma visita para matar a saudade. Ontem antes de chegar no pub ela
me mandou mensagem dizendo que não iria para casa dos avós,
onde costuma ir todo fim de semana.
— O que houve, amor? — pergunta, com receio.
— Vamos entrar — falo e ela abre passagem.
— O que aconteceu, Gabo? Porque está com essa cara?
— Eu sei que é cedo, mas não existe melhor hora ou melhor
momento para dizer o que tenho pra falar com você e por isso vou
direto ao ponto.
— Não! — grita, sem me deixar concluir. Não vou aceitar,
nem precisa terminar de falar.
— Thais, para! Não torna tudo mais difícil, por favor! — peço.
— Você sabe o quanto gosto de você, o quanto te amei e amo, mas
agora de uma forma diferente.
— Você não pode fazer isso comigo, Gabriel. Não pode fazer
isso com a gente. Você prometeu para mim e para o meu pai que
cuidaria de mim, que ficaria comigo.
— E eu vou continuar cuidando, mas para isso não preciso
ser seu namorado, nós podemos ser…
— Nem termine essa frase! — grita, me interrompendo de
novo. — Não ouse dizer que quer ser meu amigo, porque nós não
seremos, eu vou odiar você para sempre. Você é um mentiroso.
Seu descontrole me deixa mais nervoso e tento me aproximar
para segurar seus braços e fazer com que me olhe e entenda que
não podemos continuar como estamos, mas ela me empurra e se
afasta.
— Eu fiz uma coisa horrível ontem, Thais e você não merece
isso, nós não merecemos!
— O que você fez? — indaga, chorando.
— Beijei outra garota — confesso, constrangido.
— Outra garota? Que garota?
— Não importa! O que quero que você entenda é que para
mim ela não é qualquer garota e se eu não terminar com você vou
me tornar alguém que definitivamente não quero ser.
— Quem é a garota, Gabriel? — indaga, mais uma vez, sua
voz é baixa e transborda rancor.
— Não é sobre ela que quero falar, e sim sobre nós. Quero
que você me prometa que não vai fazer nenhuma besteira, que vai
superar esse rompimento de maneira madura e que se por um
acaso as coisas fugirem de controle e você sentir que vai fraquejar
de novo, você vai engolir o seu orgulho e vai me ligar. Eu prometo
que venho te ajudar, não vou abandonar você, nós só não iremos
mais manter um relacionamento amoroso.
— Sai da minha casa! — sussurra, seu olhar é de ódio, Thais
está irreconhecível.
— Por favor, Thais.
— Sai agora da droga da minha casa, seu maldito traidor! —
grita, me empurrando. — Eu odeio você. Odeio você, Gabriel.
Saio de lá ouvindo seus gritos e xingamentos, fico do lado de
fora por um bom tempo, ouvindo seu choro desesperado do outro
lado. Isso e tão errado, me sinto a pior pessoa do mundo por estar
fazendo isso com ela. Mas como posso abdicar de ser feliz, como
posso simplesmente abrir mão da minha felicidade? No final
nenhum de nós estaria realmente feliz se eu ficar.
Aly
Perdi o sono definitivamente depois do que aconteceu com
Gabo na piscina, a promessa de terminar com a Thais me fez me
sentir bem e ao mesmo tempo mal. Esse misto de emoções está me
deixando doente. Ele saiu bem cedo, vi quando pegou o caro do
David, já vai dar duas horas da tarde e ouço a voz dele vindo da
parte de baixo, saio do quarto e paro no topo da escada, ele está
contando para David e Bianca sobre o término, eles tentam consolar
ele, dizendo que foi o certo, que estava na hora de acabar já que ele
não sente mais o mesmo por ela. Mas ele parece bem nervoso com
o a reação dela.
— E se ela tiver uma recaída? Foi difícil para ela ficar limpa.
Se acabar se drogando de novo vai destruir tudo que lutou para
conquistar, e o pior, se terminar como a mãe, eu não vou me
perdoar nunca.
— Gabriel ela tem pai, você mesmo disse que ele chega hoje!
A obrigação de cuidar dela é dele e não sua, não importa o que
você prometeu, a sua parte você cumpriu e pode continuar
cumprindo caso ela deixe, mas isso não te torna obrigado a namorar
com ela o resto na vida. — Bianca insiste.
— Sua irmã tem razão, cara. Uma coisa é você gostar dela e
cuidar para que ela não volte a beber e a usar drogas, outra coisa é
você ter que abrir mão do que realmente quer só para poder cumprir
o papel do pai dela.
Decido voltar para o quarto, não quero mais ouvir, me sinto
culpada por isso e se alguma coisa acontecer com ela irei me sentir
péssima também. Não acho que seja o momento para descer, ele
precisa de um tempo para absorver tudo, por isso me tranco no
quarto para fazer o que não fiz durante a noite toda.
Acordo sentido o colchão afundar e imagino que seja Bianca,
mas logo percebo que o corpo é bem maior e o perfume forte
amadeirado me causa um formigamento na barriga. Gabo.
Abro os olhos e o encontro sorrindo para mim.
— Achei que teria que beijar para a bela adormecida
despertar. — brinca. Mas mesmo com o sorriso e a brincadeira
percebo que está tenso.
— Bom, se eu soubesse que seria beijada continuaria
dormindo.
— Espertinha — diz, bagunçando meu cabelo. Ele se ajeita
na cama e fica sério. — Fui ver a Thais hoje cedo, conversei com
ela e terminei tudo.
— Eu sei que pode parecer hipocrisia, mas eu realmente
sinto muito.
— Vindo de você eu acredito, sei que tem um coração bom.
— Quer me contar como foi?
— Difícil, doido, mas necessário. Eu me preocupo muito com
ela, Aly. — Ele se vira para mim, ajeita meu cabelo e encara meus
olhos com sofreguidão. — Eu não sei o que acontecerá entre nós
daqui para frente, mas eu preciso que você entenda que ela
significa muito para mim e que um dia fiz uma promessa de que
jamais a abandonaria, não digo como namorado, mas como pessoa,
ela precisa de mim, tem muitos conflitos que não consegue lidar
sozinha. Você é capaz de compreender isso?
Fico um tempo o analisando, tentando entender melhor o que
exatamente significava suas palavras.
— Eu não sei se consigo compreender por completo tudo que
está me dizendo, mas acho que podemos tentar. — Faço uma
pausa — O que vamos tentar? Uma amizade, nos conhecer melhor
ou um relacionamento?
— Eu pretendo tentar compensar todos os dias que você me
amou em segredo. — declara, aproximando seu rosto do meu.
Quando penso que vai me beijar como ontem, ele se afasta
sorrindo. — Quero criar nossa própria melodia com você.
Tenho certeza que se não tivesse secado meu reservatório
de lágrimas ontem à noite choraria de emoção nesse momento.
— Eu quero isso também — confesso, sorrindo.
Será que é isso? Esse é o fim da minha história de amor,
onde o mocinho se apaixona pela nerd e vivem felizes para sempre?
Nosso sábado foi regado de muitos risos e brincadeiras,
assistimos filmes, brincamos de mímica e por alguns momentos
parecíamos 2 casais de adolescentes curtindo o fim de semana em
casa, pelo menos até Gabo surtar e brigar com David por causa da
Bianca. O ciúme dele é completamente descabido, por pouco não
brigou comigo por defender um possível futuro relacionamento.
— Aly, não quero que a nossa primeira briga seja por causa
da minha irmã e do meu melhor amigo, que inclusive já deixei claro
que se tentar alguma coisa com ela deixará de ser meu amigo.
Então, é melhor você parar de querer empurrar os dois para um
relacionamento, ou no fim das contas vou ficar sem amigo, sem
namorada e com uma irmã mega furiosa.
Não discuti porque amei quando ele se referiu a mim como
namorada, mesmo que não sejamos ainda. Conversamos bastante
antes de descer ontem e estabelecemos um momento de
conhecimento entre nós dois, ele também me pediu para que
sejamos discretos no campus, já que até sexta ele estava
namorando com a Thais, ficaria feio para nós três aparecermos na
segunda com uma troca de casal. Ele quer evitar ao máximo que
Thais nos veja juntos. Toda essa cautela em relação a ela me deixa
com um pequeno incomodo, entendo perfeitamente que eles
estavam juntos a anos, que não passou nem 24 horas de um
termino e ele já engrenou em um novo relacionamento, mas a forma
que ele fala dela, que quer cuidar dela mesmo não estando mais
juntos, o carinho… Eu estou deliberadamente com ciúmes.
Me espreguiço espantando meus pensamentos e sorrio, ele é
melhor do que eu sonhei. Pego meu celular e vejo as milhares de
mensagens da minha mãe e da minha irmã, há milhares de ligações
do Berry também. Sinto meu coração apertar, nunca briguei com a
minha mãe, nunca nem ao menos a respondi, mas tudo que
aconteceu sexta feira, foi como se eu não a conhecesse, quais
outros segredos ela me esconde? Será que o motivo do meu pai ter
abandonado nossa família para ficar com outra foi tão forte ao ponto
de ela aceitar a traição e se deitar com ele novamente? Será que
essa volta dele vai mexer com ela, mesmo depois de tanto tempo?
Amor… O sentimento mais complexo do mundo, onde
milhares de pessoas se perdem de si, abrem mão do orgulho por
esse sentimento. Mas até que ponto pode ser chamado de amor,
aquilo que te faz perder a própria dignidade?
Não me vejo sem o Gabo, eu o amo. Mas até que ponto eu
suportaria algo dele em nome desse amor? Bom, eu suportei
inúmeras humilhações, não diretamente dele, mas por ele. Esperei
por cinco anos até que finalmente me olhasse como eu o olho e tem
sido maravilhoso. Mas até quando? Até que ponto?
— Te dou um beijo por cada pensamento. — Estou tão
imersa em pensamentos que não o vi abrindo a porta. Está lindo,
com uma bermuda jeans e uma blusa de algodão vermelha com
gola V.
— Sai daqui você está lindo e eu toda descabelada —
reclamo, e me cubro com o lençol me escondendo dele.
— Confesso que já te vi em melhor estado, mas não me
importo — solta uma gargalhada gostosa — Levanta, nós vamos a
um lugar.
— Não posso ir a um lugar com você usando as mesmas
roupas de sexta, as únicas roupas da prima do David que me cabem
são as de dormir.
— E ficam lindas, do tamanho exato para me deixar
desconcertado. — brinca.
— Gabo — tento ficar seria, mas acabo rindo da cara de
idiota dele. — Sai logo daqui seu tarado.
— Ok — levanta as mãos em sinal de rendição — não se
preocupe com as roupas, a Bia e eu fomos até a sua casa e
pegamos algumas coisas, estão ali no banheiro, também
tranquilizamos a sua mãe, ela estava bem nervosa.
— Quando? Porque fizeram isso sem falar comigo?
— Agora de manhã, ela ligou para Bianca hoje cedo e como
seus amigos decidimos intervir. Sei que você está chateada, mas a
sua mãe é uma mulher incrível e te ama demais, está muito triste
com tudo que aconteceu e como mãe estava preocupada com seu
sumiço, mesmo sabendo que você estava com a gente.
— E como ela está? — pergunto, de cabeça baixa, sem
forças para encará-lo.
— Está triste, mas garanti a ela que amanhã depois da aula
você estará em casa. — Abro a boca para protestar, mas ele me
interrompe, levanta a mão e diz. — Não, Aly. Você não pode
castigar sua mãe assim, precisa enfrentar isso e expor o que sente
sem atacá-la, se ponha no lugar dela, quem te abandonou foi seu
pai e não ela.
— Mas ela o encontrou depois, tiveram um relacionamento e
agora com ele na cidade…
— É a vida dela, Alice. Você não sabe o que ela sente, nem
ao menos se deu ao trabalho de tentar entender os motivos dela.
Não pode julgá-la assim, ainda mais sendo sua mãe. Sei que somos
jovens, mas pare para pensar se você descobrisse algo sobre mim.
Algo ruim, todo o amor que você sente sumiria? Assim do nada, na
hora? Ou você, passado o momento da raiva me daria uma nova
chance?
— É completamente diferente! — defendo-me. Estou ficando
irritada com o sermão. Mal acordei e já tenho que lidar com isso.
— Será? — indaga. Ele se mantém parado de braços
cruzados me encarando por um tempo, então sorri e se vira para a
porta. — Espero você lá em baixo. — Antes que ele saia eu
resmungo.
— Ela nem gosta de você. — Ele se vira confuso.
— Quem não gosta de mim?
— Minha mãe, e você está aí todo homenzinho defendendo-
a. — acuso.
Ele sorri balançando a cabeça em negação.
— Você não existe, Alice Soywer.
Me levanto constrangida e vou ao banheiro, ainda bem que
escolhi um quarto com suíte, embora duvide que nos outros não
tenham. Tomo um banho quente, daqueles que deixam a pele
avermelhada, escovo meus dentes agradecendo por David ser rico
e precavido, tem tudo que precisamos aqui. Saio enrolada na toalha
e vejo o que eles trouxeram para mim, vestido, short, calça jeans,
meu uniforme de líder de torcida e biquíni, vou até a janela e reparo
que o sol parece bem aquecido, decido então pôr um vestidinho de
alça que eles trouxeram.
Desço as escadas ouvindo a risada gostosa da minha amiga,
encontro ela e Gabo na cozinha, ela está vermelha de rir.
— Estou precisando de algo para rir também! — falo,
encarando Gabo de cara feia.
— Basta você olhar para a cara de bunda do seu namorado,
ele é a comédia do dia. — Bianca aponta para ele.
— Eu já o vi hoje, e acredite, ele não me fez rir nem um
pouco.
Gabo sai da bancada da pia onde estava sentado e caminha
em minha direção.
— Quer que eu te faça rir agora, coração? — sussurra em
meu ouvido, uma mão apertando minha cintura.
— Sai, seu doido. Respeita a sua irmã — falo envergonhada.
— Para onde vamos? — questiono longe das mãos grades dele.
— Vocês são tão lindos juntos — Bianca comenta, rindo —
Vamos ao Carowinds.
— O parque aquático? — questiono, incrédula.
— Sim, porque? Tem medo, Aly? — Gabo zomba.
— Digamos que fico muito mais confortável ficando aqui na
piscina do David. Por falar nele, onde está?
— Foi abastecer o carro e comprar umas coisas — Bianca
responde.
Saímos da casa do David as treze horas, paramos em uma
lanchonete para almoçar e agora estamos na fila de entrada do
parque. Gabo segura minha mão com carinho enquanto conta das
vezes que esteve aqui com David.
— Eu não acredito que nunca veio aqui, Aly — David
comenta.
— Eu não tinha com quem vir, minha mãe não gosta e não
me deixaria vir sozinha com meus irmãos. Fora que sou bem
medrosa, não sei nem se vou nos brinquedos que vocês estão
falando, talvez escolha uma piscina tranquila e fique por lá.
— Sei que o que vou dizer não será nada romântico, mas se
fizer isso terei que te deixar nessa piscina sozinha, porque eu não
consigo vir aqui e não me aventurar nos brinquedos mais irados do
lugar, simplesmente não faz sentido. — Gabo parece indignado.
— Um verdadeiro gentleman — zombo.
— Foi o que você pediu a Deus, amiga. Não pode reclamar
agora. — Bianca adora tirar sarro da minha cara. Gabo me abraça
por trás e diz em meu ouvido.
— Vamos comigo se divertir, não vou te deixar sozinha.
Tem como negar um pedido feito assim?
— Vou tentar, mas se eu ver que vou ficar apavorada, você
vai e te espero lá em baixo. Vocês escolheram o parque que tem
mais adrenalina do que divertimento. Aqui tem uma das maiores
montanha-russa do mundo. São no total 14 montanhas-russas e
isso definitivamente não tem nada de romântico.
— Feito! Caso você não curta nos espere em um canto, mas
vou adorar ver você se arriscando um pouco. — diz, dando um
beijinho na minha bochecha. Ele é muito carinhoso, quem olha para
cara de mal dele, não diz. Pareço estar vivendo um sonho.
Finalmente entramos depois de receber algumas informações
na recepção. Bianca assim como eu nunca tinha vindo aqui, mas
diferente de mim está muito animada para ir em todos os
brinquedos, do mais alto ao mais ameno. Nossa primeira parada é
um bate-bate. Faço par com Bianca enquanto Gabo e David pegam
outro carrinho. A brincadeira foi totalmente desleal, eles não davam
espaço para a gente e Bianca se irritou por não conseguir sair do
lugar.
— Sai David, eu não quero mais brincar com vocês — grita, o
empurrando enquanto ele tenta abraçar ela. Gabo que estava rindo
ao meu lado fica sério e antes que ele estrague nosso passeio com
seu ciúme ridículo o puxo para um beijo.
— Sabe, eu esperei tanto para isso, que agora não consigo
parar de beijar você — confesso. Estou sem folego pelo beijo que se
estendeu por mais tempo que planejei.
— Eu sei exatamente porque me beijou e não tem a ver com
o fato de você ter esperado muito para isso. Mas tudo bem, eu estou
amando beijar você também. — Com a mão em minha nuca ele me
puxa para mais um beijo.
— Ou, vocês dois — David chama — Tem crianças aqui,
comportem-se!
— A sorte de vocês dois é que ela beija muito bem e
conseguiu me distrair por um minuto.
— Eu particularmente acho que foi por mais que um minuto
— brinco.
— Engraçadinha. Vamos parar de papo e ir ao que interessa,
quero ir na Fury 325. — Gabo nos arrasta para a montanha-russa
mais alta e pavorosa do lugar.
— Eu não subo aí nem que me pague — protesto.
— Aly, qual é... — Gabo e David reclamam juntos. Bianca
está com os olhos brilhando, tem medo, mas quer ir mesmo assim.
— Gente não dá pra mim, eu tenho medo, não vai rolar!
— Eu estarei do seu lado, amor. Vou segurar sua mão.
— Isso não me conforta! Tenho medo de altura.
— Se você topar ir comigo nesse eu juro que vou com você
em qualquer outro, até no carrossel se quiser — barganha.
Depois de muita insistência e milhões de promessas topo ir
com eles. Nunca senti tanto medo na minha vida, sinto como se
minha garganta estivesse estourando com meus gritos, meu
coração bate tão rápido que sacode todo meu corpo. E quando o
brinquedo finalmente para, me sinto tão mal que não consigo nem
andar.
— O que você está sentindo, Alice — Gabo questiona,
preocupo.
— Uma pressão na nuca, eu não estou bem. Não quero mais
brincar em nada, me leva pra casa — imploro.
— Acabamos de chegar, amiga. — Bianca choraminga.
— Tudo bem, eu fico na piscina de ondas então, eu só não
quero que vocês me obriguem a ir em nenhum outro brinquedo.
— Ok, vem eu vou com você para a piscina de ondas. —
Gabo segura minha mão.
— Não precisa, é sério. Vai se divertir com eles.
— Não vou te deixar sozinha, Aly. Fico com você e depois
que a Bianca brincar ela fica e eu vou. Pode ser? — pergunta para a
irmã.
— Claro! David e eu vamos em mais alguns brinquedos e eu
volto para ficar com ela.
— O bom é que vou poder ir duas vezes nos brinquedos. —
David comenta rindo.
Gabo e eu vamos em direção as piscinas e Bianca e David
seguem para os brinquedos assassinos.
— Você está bem?
— Estou chateada por estragar a diversão de vocês. —
Confesso, triste.
— Ei, para de bobeira, você não estragou nada, eu quem
deveria ter te perguntado antes se aqui seria um bom lugar.
— É um ótimo lugar, só não alguns brinquedos que coloca
em risco a minha vida.
— Hoje em dia respirar já é um risco, Aly. Você pode estar
aqui comigo e de uma hora para outra sentir uma dor e morrer, eu
posso bater minha cabeça na beira da piscina de ondas e morrer ou
dormir e não acordar mais.
— Você tem uma maneira bem estranha de confortar as
pessoas. — Falo, rindo.
— Desculpa — ri — Eu me acostumei ao lado um pouco mais
sombrio de ver a vida e por isso me divirto o máximo que posso,
aproveito cada minuto de felicidade. — Sorrio para ele, enquanto
entramos na piscina, a água está morna e tem poucas pessoas ao
redor, fico entre a parede e ele, admirando meu namorado.
Será que isso é real?
— Que foi? Poque está me olhando assim?
— Estou me perguntando se isso é real, se nós somos reais.
— Ele sorri, uma mão em minha cintura e a outra no batente da
piscina ao lado da minha cabeça.
— Quer que eu te prove o quanto somos reais? — vejo em
sua íris esverdeada um brilho de diversão.
— Como seria isso? — questiono, espelhando seu sorriso.
— Assim… — ele puxa minha nuca com a mão que antes
estava no batente e me beija, um beijo delicado e apaixonante. —
Quando se afasta passa o polegar sobre meus lábios.
— Muito real.
— Demais — concordo. — Mas preciso demais.
Sorrindo se aproxima e volta a me beijar.
A espera por David e Bianca é feita com muitos beijos risadas
e conversas sobre nossos cursos. Quando eles se aproximam sinto
na hora que tem algo errado, Bianca está mais calada e David
parece contido. Espero que Gabo vá com o amigo e me viro.
— Pode me contar tudo, bora desembucha, o que
aconteceu?
— Ele me beijou, o idiota me beijou.
— Como assim beijou? Assim, do nada?
— Amiga, eu estou tão confusa. Isso não pode acontecer!
— O que exatamente não pode acontecer, Bianca?
— Eu não posso me apaixonar pelo melhor amigo do meu
irmão. Não é certo e o Gabo nunca aceitaria. Você viu ontem como
ele ficou só com a hipótese de a gente ficar? Ele vai matar a gente.
— O Gabo não pode mandar em quem você vai gostar ou
não, Bianca. Ele é seu irmão e não seu dono — falo, seria.
— Ontem vocês quase brigaram por nossa causa, mal
começaram a namorar e já iam ter a primeira briga.
— Eu vou conversar com ele. Vou esperar o momento certo,
ele não pode agir assim, agora me conta, o que está acontecendo
entre vocês?
— Esse foi o nosso segundo beijo para falar a verdade —
confidencia, sem graça.
— O segundo? E porque só estou sabendo do primeiro
agora?
— Porque você já tem seu próprio drama para lidar, não
queria colocar mais coisas em cima de você.
— Você pode me contar tudo e qualquer coisa, nunca mais
me esconda nada. Agora vamos a questão, eu acho o David uma
pessoa incriável e seu irmão também acha se não, não seriam
amigos.
— É, porém não bom o suficiente para namorar a irmã dele
pelo jeito.
— Olha elaaa, deu dois beijinhos e já quer namorar —
zombo.
— Melhor do que você, que nem uma olhadinha ganhava e já
sonhava com o casamento — caçoa, rindo.
— Ridícula.
— Você vai enjoar de mim desse jeito. — reclama, manhosa.
Depois que voltamos do parque tomamos um banho e vim
para o quarto onde ela está dormindo, a intenção era ver um filme,
porém estamos a mais de meia hora nos beijando, paramos apenas
para pegar folego.
— Eu duvido que isso aconteça um dia — afirmo.
Passo o polegar contornando seus lábios e a imagem deles
inchados e vermelhos pelos nossos beijos consegue me deixar
ainda mais duro. — Mas você tem razão, estamos indo rápido
demais.
— Eu não acho que beijar seja ir rápido demais, porém,
preciso pausar nossos beijos para conversar um assunto um tanto
delicado com você — fala, um pouco apreensiva e eu tenho quase
certeza que sei sobre o que se trata. Me sento e a ajudo a se sentar
entre minhas pernas.
— Eu acho que sei sobre o que se trata, mas vou deixar você
falar. — Ela deita a cabeça no meu ombro e me olha de lado, me
beija e levanta sentando de frente para mim. Seus olhos brilham, ela
abre e fecha a boca várias vezes procurando o jeito certo de iniciar
a conversa.
— Gabo, eu gosto muito da sua irmã, nós nos tornamos
muito amigas e assim como você eu quero ver ela feliz e quero que
encontre uma pessoa bacana para namorar.
— Compartilho da mesma opinião — falo, aproveitando que
pausou seu discurso. — Mas esse cara legal não é o David,
esquece!
— E porque não? Gabo, ele é um cara incrível, é seu melhor
amigo e trata sua irmã muito bem. Tenho certeza que ele seria um
ótimo namorado. — Respiro fundo, não quero ser rude.
— Aly, ele é um cara quase que perfeito, mas não é o cara
que quero namorando a minha irmã.
— Mas você não pode decidir isso, Gabriel. Quem tem que
dizer se ele serve ou não para ela, é a própria Bianca.
— Eu não… — paro de falar com o toque do meu celular,
pela música sei que é a Thais e pela expressão da Aly, ela também
sabe.
— Será que você pode deixar para atender depois? Estamos
no meio de um diálogo importante — pede.
— Eu posso atender depois, o que não posso fazer é iniciar
uma discussão com você por causa deles. Está acontecendo
alguma coisa? Ela te contou se aconteceu alguma coisa entre eles?
— pergunto, desconfiado.
— Não, eu só acho… — meu celular volta a tocar, agora a
foto da Rachel aparece na tela. Aly, suspira e novamente aperto o
volume para tirar o som.
— Desculpa, pode falar.
— Eu só acho que você deveria ser mais flexível com eles,
qual o problema deles se relacionarem? Somos amigos, viu como
nós nos divertimos hoje?
— Aly, eu preciso que você respeite a minha… — a droga do
celular volta a tocar com a foto da Thais na tela. A encaro e ela
revira os olhos, se apoia em meus ombros e sai do meu colo para a
cama.
— Atende logo, Gabriel. — Dou um beijo em seus lábios e
levanto para atendendo.
— Oi, amor. — Atendo e congelo com o aparelho na orelha.
Mas que porra…
Olho para Alice e ela está com os olhos arregalados em
minha direção, levanta da cama e vai para o banheiro sem me
encarar. Porra.
— Gabriel, está me ouvindo, Alô? — ouço a voz desesperada
do outro lado da linha, não é a Thais.
— Oi, Rachel. Estou ouvindo.
— Gabo, é a Thais, ela bebeu demais, eu cheguei na casa
dela e a encontrei desmaiada no banheiro. — Fecho os olhos e sinto
meu corpo tensionar. — Faz quanto tempo que ela está desmaiada?
Tem certeza que é só bebida?
— Eu não sei, tem várias garrafas de bebidas, não vi mais
nada, eu cheguei agora, não sei a quanto tempo está assim, eu…
me desculpa te ligar assim, você foi a primeira pessoa que me veio
na cabeça.
— Você fez certo, Rachel, eu chego aí em quinze minutos,
tenta colocar ela debaixo do chuveiro, água fria e faz um café bem
forte. — Quando me viro Aly está de braços cruzados encostada na
porta do banheiro. Parece preocupada, mas sem dúvidas está com
raiva e com razão. Desligo o celular sem ouvir o que Rachel está
falando e ando até ela. — Me perdoa, por favor. Foi a força do
habito, eu…
— Claro, até ontem vocês estavam juntos e era assim que
você a chamava — fala, polida demais para o meu gosto. — O que
houve com ela?
— Rachel a encontrou desmaiada em casa, disse que tem
várias garrafas de bebidas espalhadas pela casa, mas não sabe se
ela usou algo mais.
— Você vai até lá?
— Eu preciso ir, amor, eu… — Ela fecha os olhos com a
expressão que uso.
— Vai logo, conversamos quando você voltar. Me mantém
informada, tá legal?
— Claro — respondo. Me aproximo para lhe dar um beijo,
mas ela se afasta um pouco, deixando apenas um selinho em meus
lábios.
Desço as escadas correndo, na sala David e minha irmã
estão vendo um filme, aparentemente inofensivo, perco um tempo
os observando, isso não vai dar certo. Pego as chaves do carro sem
falar nada e saio, estão tão interditos que nem me veem saindo.
Dirijo o mais rápido que posso me sentindo duplamente culpado.
Nem a Aly e nem a Thais merecem estar nessa situação.
— Gabo, que bom que você chegou. — Rachel me
recepciona.
— Oi, Rachel, vim o mais rápido que pude. Como ela está?
— Consegui dar um banho nela e a coloquei na cama,
acordou algumas vezes, mas meio débil e só ficava repetindo seu
nome.
Entro e vou direto para o quarto dela, o cheiro de bebida é
forte, vi algumas garrafas pela sala e próximo a cama. Tento ver se
acho algum vestígio de picadas de agulha em seus braços, mas o
que vejo é um pó branco no criado-mudo. cocaína, sério Thais.
Me viro para Rachel que está em pé próximo a porta.
— Ela falou alguma coisa?
— Só disse que vocês tinham terminado, mas eu não estava
na cidade, cheguei hoje e vim direto para cá, quando cheguei ela
estava desmaiada.
— Porque ela não me ligou? — penso alto.
— Porque você terminou com ela, Gabo. Acha mesmo que
ela se humilharia te ligando? Porque você fez isso afinal?
— Nós já não estávamos bem a tempos, Rachel.
— Você está com outra pessoa? — pergunta. Seu tom é de
acusação.
— Você ouviu o que falei? Não estávamos bem!
— Não precisa me agredir por causa da sua confusão,
Gabriel. Todo mundo erra, o relacionamento de vocês parecia que
estava indo muito bem, até que sua irmã decidiu vir morar com você
e fazer a filha da Carrie - A estranha virar a Cinderela.
— É exatamente por esse motivo que terminei com ela e é
por esse mesmo motivo que o David não assume um
relacionamento sério com você. Vocês duas gostam de humilhar as
pessoas, o olhar de menosprezo que dão as pessoas que não são
do agrado de vocês. Nós não somos assim Rachel. Eu não gosto
dessas coisas, não somos melhores do que ninguém.
— Engraçado, isso não parecia incomodar você já que estão
juntos a mais de cinco anos — acusa.
— Talvez eu nunca tenha parado para prestar atenção em
como esse comportamento pode ser contagioso e doentio.
— Ou talvez você não passe de um babaca traidor que agora
teve uma crise de consciência. A quanto tempo você está pegando
a vizinha e traindo sua namorada, Gabo? — fecho os olhos tentando
buscar um equilíbrio, não sou bom em lidar com provocações,
provavelmente se ela não fosse uma garota não teria tido chance de
terminar a frase.
— Eu não te devo satisfação, Rachel. Você por coincidência
da vida é amiga da minha ex namorada e líder de torcida da minha
equipe e é só por isso que anda no meu círculo de amizade. — Ela
abriu a boca para me responder, mas Thais se meche na cama
chamando nossa atenção.
— Gabo? — pergunta, confusa.
— Oi — digo, me aproximando e sentando ao seu lado. —
Como se sente?
— O que aconteceu? O que você está fazendo aqui?
— A Rachel me ligou dizendo que você estava passando mal,
ela te encontrou desmaiada.
— Ela não deveria ter te ligado. — Reclama, escondendo o
rosto. — Estou bem!
— Não, ela não deveria! Quem tinha que ter me ligado era
você, dizendo que as coisas estavam indo mal e você não estava
suportando. Eu teria vindo antes que você fizesse toda essa
bagunça.
— Você terminou comigo, Gabriel. Porque eu ligaria para te
pedir qualquer coisa e principalmente, o que te faz pensar que eu
admitiria qualquer tipo de fraqueza para você? — seus olhos
enchem de lágrimas.
— Eu estou aqui de qualquer forma, não estou? O que
adiantou o esforço de me deixar longe para fazer merda?
— Está, mas não por que eu chamei, jamais chamaria
sabendo que você pode já estar tocando sua vida com outra
pessoa.
— Thais, eu sei o quanto está sendo difícil para você, mas
não me importa com quem eu esteja, antes de mais nada nós
somos amigos e se depender de mim vamos continuar sendo, não
importa com quem eu toque minha vida daqui para frente, o que
importa é que você sempre fará parte dela. Não mais como minha
namorada, mas como alguém por quem tenho um imenso carinho e
cuidado.
Thais se mexe tentando me afastar.
— Tudo isso é só porque você fez uma promessa e se sente
na obrigação de permanecer me deixando na linha.
— Seu pai já deveria estar aqui com você? Que tipo de
obrigação eu teria com ele aqui? — questiono. — Você não é uma
obrigação minha, mas é a pessoa com quem passei a maior parte
dos meus dias desde que me mudei para cá, é a pessoa com quem
mais compartilhei coisas. Somos mais do que uma promessa, Thais.
— Será que ela, a pessoa por quem você está me deixando
vai aceitar isso? Essa nossa ligação?
— Ela, seja quem for, terá que aceitar — afirmo, mais para
confortar ela do que realmente acreditando que Aly vá concordar tão
facilmente.
Passei a noite inteira esperando o Gabo voltar, mas ele não
veio, amanheceu e eu ainda estou à beira da piscina, um milhão de
pensamentos me ronda. Será que ele se arrependeu? Será que
voltaram? Será que meu felizes para sempre só duraria 42 horas?
— Posso? — a voz de David me assusta.
— Você me assustou, como sempre — brinco. — Claro que
pode.
— Você precisa dormir, ficou aqui a noite toda. Ele não ligou?
— Não, nem se quer uma mensagem — confesso, mostrando
minha frustração.
— Talvez tenha sido mais sério do que pensamos — conclui,
pensativo.
— Mais um motivo para ele ter entrado em contato, pelo
menos com você que também é amigo dela.
— Aly… não sou amigo dela, minha amizade é com o Gabo,
ela fazia parte da equação por ser namorada dele e também por ser
a capitã das líderes de torcida do nosso time. Muitas coisas tirando
o fato do namoro deles ainda vão nos ligar após o término. Se parar
para pensar você só irá se livrar parcialmente da Thais após a
formatura da faculdade, ou seja, serão anos de convivência que vai
requerer paciência e maturidade de vocês dois.
— Eu tive muita paciência enquanto ele não me via, não sei
se terei paciência de esperar mais uma eternidade para que seja só
meu. Será que vai ser assim sempre? Toda vez que ela ligar ele vai
me largar e sai correndo?
— Posso ser sincero? Conhecendo bem o Gabo, é
exatamente assim que vai ser. Ele nunca vai deixá-la na mão, não
por amor, mas por outros motivos que só cabe a ele te contar. —
Fecho os olhos, tentando advinha quais seriam esses motivos e se
serei capaz de compreendê-los. E mais uma vez tenho os braços do
meu amigo me consolando.
— Eu também sou consequência de uma equação? —
pergunto.
— Não entendi.
— Você disse que só se aproximou da Thais por ela ser
namorada do seu amigo e ser líder de torcida do time de vocês.
Agora eu sou exatamente tudo isso. Líder de torcida e namorada do
seu amigo, consequentemente, faço parte da equação.
— Não seja boba, você se tornou minha amiga antes de se
tornar namorada dele.
Estava me preparando para voltar para casa quando Gabo
chegou, eu não desci e ele não subiu. Tento me concentrar em
guardar minhas coisas, mas só penso no que ele está fazendo e
porque ainda não veio falar comigo.
Entro no banheiro, tomo um banho demorado e quando saio
encontro ele na minha cama, parece ter acabado de sair do banho
também, seus cabelos negros como a noite estão molhados e
algumas gotas escorrem para seu rosto. Nenhum de nós dois
abrimos a boca para falar nada, ando em direção a mochila e
guardo a roupa que acabei de tirar.
— Em uma escala de um a dez, qual o grau da sua raiva de
mim? — Voz rouca, olhos baixos, respiração pesada. Culpa e
arrependimento talvez.
— Não estou com raiva, decepcionada e triste sim, com raiva
não — respondo, sem o encarar.
— Pode me dizer o nível desses dois sentimentos, para que
eu possa me redimir de alguma forma?
— Vou dizer o nível e o porquê e aí vemos se você consegue
algo a partir disto. — sento aos pés da cama, mantendo uma certa
distância, porém encarando-o nos olhos. — Sabe, eu realmente me
orgulho de você ser uma pessoa leal, de se importar com ela a
ponto de me deixar aqui sem saber como me sentira sobre isso, fico
feliz ao ver o quanto se dedica aos seus amigos e irmã, o que me
deixou triste foi a sua falta de consideração comigo ao me deixar
sem notícias, você tem noção de quantas coisas se passaram na
minha cabeça? Que talvez você tivesse se arrependido e voltado
com ela. Que ela tinha convencido você a ficar com ela por mais
uma noite, tantas coisas, Gabo — ele faz menção de falar, mas o
calo levantando minha mão para mostrar que não acabei. — Eu
entendo que não vai ser fácil para você se desligar dela e mesmo
que você fique chateado eu preciso te alerta sobre algo. A Thais é
uma pessoa ardilosa, Gabo, e ela fará de tudo para que não
tenhamos um momento de paz juntos, tenho certeza que armará
coisas como essas para te ter sempre nos braços dela e pelo que vi
hoje ela irá conseguir isso facilmente. — Dessa vez ele não se
segura.
— Você acha que ela se embebedou e se drogou só para
conseguir minha atenção? — pergunta, parecendo incrédulo e a
forma que fez isso me irritou mais, porém, não vou demonstrar isso
a ele.
— Conseguiu não foi? Você passou a noite com ela e não
duvido que tenha sido na mesma cama, como fez durante todos
esses anos, esquecendo que agora você se comprometeu com uma
outra pessoa, talvez eu esteja sendo ridícula, por estar querendo
exigir algo de uma pessoa que mal comecei a sair, mas ponha-se no
meu lugar. Você a chamou de amor na minha frente.
— Eu já expliquei sobre isso, foi sem querer, sobre a minha
falta de aviso, eu fiquei sem bateria, não achei um carregador e
depois quando ficou tarde fiquei com medo de te acordar — ele faz
uma pausa, respira fundo e volta seu olhar para o meu. — Eu não
acredito que você acha que ela estava fingindo. Você não tem
noção do estado que ela estava.
— Não vou discutir com você, estou arrumando minhas
coisas para ir pra casa, ia pedir para que você fosse comigo, não
queria encarar minha mãe sozinha, mas pelo jeito você está muito
cansado, então durma e nos falamos outra hora. — Me levanto da
cama, mas ele salta e segura meu braço.
— Deixa eu dormir por meia hora, faço questão de ir com
você, eu disse a ela que te levaria hoje depois da faculdade e
acabou que nem fomos. Me desculpa por todas as gafes que cometi
com você nesse meio tempo, eu prometo que não vai se repetir e se
não for pedir muito, queria que você deitasse aqui comigo, já que
pelo visto você também não dormiu.
Pondero e penso em como senti medo de o perder sem
saborear direito como é estar com ele, me aproximo e deito ao seu
lado.
Assim que sinto sua respiração pesada e me certifico de que
ele está dormindo me levanto, mesmo ele tendo tomado banho
posso sentir o perfume dela impregnado nele, me deixando enjoada
e insegura.
Um mês depois
Eu tinha toda razão e meu relacionamento se tornou um
relacionamento aberto. Aberto para Thais, pois eu tinha que dividir a
atenção do meu namorado com ela praticamente todas as noites.
Todos os nossos momentos eram atrapalhados por uma ligação,
uma mensagem ou a aparição dela sem aviso.
Me sinto cansada e sobrecarregada.
Estou sentada na arquibancada observando Gabo interagir
com a ex.
Na noite em que ele voltou da casa dela e pediu para dormir
comigo não suportei o cheiro dela nele mesmo depois de um banho,
e o pensamento de que aquele cheiro talvez nunca fosse sair dele
está cada vez mais firme em minha mente. Quando ele acordou e
me levou para casa, outro susto.
Ao colocar a chave na fechadura ouvi minha mãe gargalhar.
Parecia feliz e completa e aquilo me enlouqueceu porque ela só ria
assim na presença de uma pessoa. Meu pai.
Olhei para Gabo atrás de mim não podendo acreditar que ela
tinha colocado aquele homem em nossa casa mesmo com tudo que
aconteceu, mesmo depois da nossa briga. Gabo me incentivou a
abrir a porta e para minha surpresa e alívio o homem que estava na
cozinha não era o meu pai, era Berry.
Eles ficaram sem graça quando me notaram e Berry explicou
que tinha ido lá para me ver e saber como eu estava, mas acabou
ficando para o jantar, ambos visivelmente sem graça. Mas aquilo
aliviou toda a tensão do fim de semana. Me desculpei com minha
mãe pela forma dura que a tratei e me desculpei com Berry por tê-lo
chamado de idiota.
Passamos uma boa parte de tempo conversando e
apresentei Gabo como meu namorado, ouvimos as reprimendas da
minha mãe e até do Berry que disse que se sente responsável por
mim também, já que cuida de mim desde que coloquei os pés pela
primeira vez no pub. Eles achavam que nossa relação estava
começando de forma errada e rápida demais, bom, para Gabo sim,
mas para mim demorou uma eternidade. Porém, parando agora
para pensar, realmente começamos errado.
Olho mais uma vez meu namorado passar uma lista para
Thais e ela sorri em aprovação. Eles estão debatendo sobre o jogo
da semana que vem. Mas uma desculpa para grudar nele, a Capitã
do time de líderes de torcida tinha que ter uma boa interação com o
Capitão do time de basquete.
— Está difícil segurar o ciúme? — Bianca se sentando ao
meu lado.
— Seria estranho dizer que estou quase acostumada a dividi-
lo com ela?
— Seria extremamente insano.
— Estou cansada, Bia — confesso — Essa semana já
brigamos três vezes e sempre pelo mesmo motivo, na verdade em
um mês de relacionamento posso contar no dedo quantas vezes
não brigamos.
— Sinto muito, amiga — lamenta — Eu já tentei conversar
com ele, mas ele não aceita. Acha que estou de conluio com você e
implicando com a Thais por não gostar dela também.
— Ela o manipula tão bem que já não tem mais medo, sabe
que eu posso simplesmente cansar e deixar que ele fique com ela
de vez. — Essa é a primeira vez que confesso em voz alta o que
venho pensando nas últimas semanas.
— Amiga…
— Não, Bia, eu vou conversar com ele depois do jogo da
semana que vem e aí ele vai ter que decidir o que quer para a vida
dele. Porque eu já sei o que eu quero da minha, e pode ter certeza
que não é um meio namorado em tempos intercalados. Nós nem
conseguimos ter nossa primeira vez ainda.
Aproveito o silêncio da minha amiga e me lembro como foi o
dia que quase tivemos nossa primeira vez.
Estávamos curtindo um churrasco na casa do David, o pai
dele estava indo viajar mais uma vez e ele quis conhecer a irmã do
Gabo e a nova namorada. Quase rolou um estresse quando antes
de ir embora o pai do David disse que adoraria ter Bianca como
nora. Passado o embaraço curtimos a tarde na piscina e depois
fomos descansar, o clima estava esquentando entre Gabo e eu
quando o celular dele tocou. Decidimos ignorar.
As minhas mãos estavam em toda parte, passeando em seu
corpo, conhecendo meu namorado mais intimamente. Ele beijava
meu pescoço como se beijasse minha boca, sempre muito
carinhoso, uma de suas mãos estava desabotoando o sutiã quando
o telefone voltou a tocar. Mais uma vez ignoramos.
Os beijos foram descendo até que ele pairou sobre meus
seios, os encarou como se estivesse indeciso por qual do dois
deveria começar, o problema era que enquanto ele decidia minha
ansiedade aumentava, a respiração morna dele batia em minha pele
e me deixava mais nervosa. Quando finalmente decide sinto sua
boca delicadamente saborear como se fosse um doce irresistível,
primeiro lento e carinhoso e logo tudo se tornou mais intenso, a
carícia se tornou fortes chupões e leves mordidas, Gabo intercalava
entre um seio e outro nunca negligenciando nenhum. Depois do que
pareceu uma eternidade ele desceu os beijos, intercalando entre,
beijo, lambida e mordida. Eu estava completamente entregue,
quando chegou na altura do meu ventre decidiu me torturar mais,
indo para os meus pés, fazendo uma breve massagem, panturrilha,
coxa e finalmente, finalmente ele chegou ao centro do meu prazer,
só que o telefone começou a tocar mais uma vez e então várias
batidas na porta do quarto. Gabo me deixou na cama e correu para
a porta, quando a abriu Thais se jogou em seus braços chorando.
David estava atrás dela, e desconforto o definia.
— Me desculpa, eu abri a porta e ela já saiu entrando e
correndo para cá.
Frustrante, decepcionante e mais uma noite de brigas.
— Ele disse que não sabe mais o que fazer, também está
sobre carregado, ainda mais com os jogos se aproximando. — Bia
também parece cansada e como sempre eu não posso a deixar
dividida entre seu irmão e eu, por isso evito contar muitas coisas
para ela.
— Deve ser exaustivo mesmo manter duas mulheres e ainda
ter que dar conta de um time inteiro de basquete. — rebato. Estou
mesmo magoada, Gabo levanta a cabeça e me encara, sorri, mas
não o correspondo, apenas o encaro me perguntando se não é a
hora de pular desse barco.
Depois de passarem tudo ele segue em nossa direção com o
sorriso nos lábios.
— Você está me deixando preocupado, porque está tão séria e não
está correspondendo a nenhum dos meus sorrisos?
— Só estou pensativa. — respondo, sem emoção.
— Posso saber sobre o que são esses pensamentos que estão
impedindo a garota mais doce que já conheci na vida de sorrir?
— Não são os meus pensamentos que estão me impedindo de
sorrir, Gabriel, é o fato de perceber que talvez eu tenha feito as
escolhas erradas, mas aqui não é a hora e nem o lugar par
discutirmos sobre isso.
— Eu me sinto um merda por não conseguir ser o suficiente para
você, por não ser capaz de te fazer feliz. — Confessa em um
sussurro.
— Acontece que eu seria feliz se realmente tivesse você, mas eu
não tenho, não por completo.
— Eu te amo, Aly e juro que estou me esforçando.
— E você não vê o quanto isso é errado? Você não deveria se
esforçar, deveria me amar e ponto, mas não, seu amor por mim tem
uma virgula, e essa virgula está matando a gente.
— Gente, aqui não é o lugar para discutir relação, vocês estão
sendo observados. — Olho para Bianca e depois sigo seu olhar e
Gabo faz o mesmo, mais a frente Thais e Rachel estão de braços
cruzados nos encarando, quando ela percebe que a estou
observando também sorri para mim, seu sorriso carregado de
vitória.
— Pelo menos alguém está sorrindo além de você, amor. — alfineto.
Gabo se levanta e estende a mão para que eu a segure, fico
indecisa e ele perde a paciência e me puxa me pondo de pé.
— O que você está fazendo? — questiono.
— Vamos dar uma volta antes do treino começar e mais tarde,
depois do jogo vamos sair, só nós dois. — responde me arrastando
para fora.
Gabo me leva até seu carro no estacionamento, se recosta nele e
me puxa para seus braços, mas o cheiro dela está impregnado nele
de novo e tento me afastar.
— Não quer me abraçar também? — indaga sem afrouxar o aperto.
— Você está com o cheiro dela em você de novo e já disse que me
deixa enjoada.
— Eu sei como podemos resolver isso — declara e eu o encaro. —
Basta você ficar aqui comigo e me agarrar, me beijar e se esfregar
em mim até que o único cheiro que fique seja o seu e o da sua
excitação.
Eu tento me manter séria, mas não consigo e acabo rindo. Gabo
arrasta o polegar sobre meus lábios e sorri.
— É assim que quero te ver, sorrindo, sempre, seu sorriso ilumina
minha alma escurecida, Aly. Você é a luz que brilha na minha
escuridão e só Deus sabe o quanto me doí saber que não estou
fazendo o suficiente para eternizar o sorriso nesses lábios perfeitos.
— Eu te amo — confesso. — Mais do que consigo demonstrar, eu te
amo.
— Meu anjo, eu também te amo, juro que nunca me senti o que
sinto quando estou com você, quando te vejo sorrindo para mim e
cada vez que você diz que me ama sinto meu coração disparar.
— Promete que vamos conseguir passar por tudo isso, que vamos
ser felizes e viver nosso amor? — suplico chorosa em seus braços
fortes.
— Eu prometo, meu anjo, eu prometo.
— Sabe se ele já chegou? — Gabo questiona. Hoje é o dia
que meu pai vai se apresentar no campus, trabalhará aqui durante
um tempo, apesar de ele ter chegado a um mês, graças a Deus
ainda não tive o desprazer de encontrá-lo, mas a partir de hoje não
dar de frente com ele é praticamente impossível. Amanhã ele estará
na nossa aula de artes.
Gregory é diretor de intercambio, boa parte dos alunos
bolsistas veio através dele, o que por muito tempo me incomodou,
muitas vezes o pensamento de estar aqui por que meu pai é diretor
do intercambio me assombrou, mas não! Estou aqui por mérito meu!
— Não, e não quero pensar sobre isso. Prefiro evitar ao
máximo.
— Entendo, eu preciso ir para minha aula, nos vemos no
intervalo?
— Claro! Espero que a sua outra namorada não decida
sentar com a gente hoje, se esfregando em você.
— Achei que já tínhamos conversado sobre isso — responde,
sério.
— Ué, mas o fato de a gente ter conversado não significa que
aceite, Gabo. De hoje não passa, você vai ter que escolher, se ela
sentar eu saio e se você não falar eu falo. E te garanto que não vou
ser nada amigável. Estou cansada das pessoas me tirarem de
idiota.
Gabo exala fundo me olha e sorri.
— Estou cada vez mais impressionado com a sua mudança.
Embora eu fosse adorar ver você rolando no chão com outra garota
por mim, falarei com ela.
— Nossa, não sabia que você era desses machistas
arrogantes. Tenho que rever minhas escolhas para namorado —
reclamo. Antes mesmo de terminar a frase machista ele já estava
rindo.
— Acho bom o casal desgrudar antes que se atrasem para a
aula. — David chega nos tirando da nossa bolha. Tenho sentido ele
tão tristonho ultimamente.
— Oi, bebê. Preciso falar com você, pode ser no intervalo
depois do almoço? — indago, saindo dos braços de Gabo.
— Pode, claro. — diz, sorrindo. Gabo nos olha desconfiado,
mas não diz nada, caminhamos juntos, mas no fim do corredor eles
viram para o lado oposto. Próximo a minha sala vejo Thais
encostada na parede conversando com um homem, fico parada
porque estão perto da porta. Ela faz alguns movimentos com o
braço, é estranho porque eles parecem ser bem próximos, quase…
Íntimos. Perco o ar quando ele estende a mão e faz um carinho no
rosto dela, Thais fecha os olhos e sorri para ele. Eles se afastam e
viram em minha direção. Quase morro ao olhar nos olhos do
homem.
Pai.
Eles paralisam assim como eu, ele solta os ombros dela e dá
um passo vacilante a frente, mas para ao ver minha cara de
incredulidade. Ele está tendo um caso com uma aluna, está tendo
um caso com a Thais.
Saio dali correndo, posso ouvir ele me chamar, mas sua voz
me causa ânsia de vômito. Vou direto para o estacionamento, sei
que ele não me seguiu, vi quando Thais o segurou.
Mando mensagem para Bianca, porque não sei o que fazer,
não posso falar isso para o Gabo.
Em dez minutos Bianca chega no meu carro, está vermelha e
sem folego, entra e conto com detalhes tudo que vi.
— Amiga, eu nem sei o que te dizer — confessa. — Mas de
uma coisa tenho certeza, você precisa contar o que viu para o meu
irmão.
— Acha que ele vai acreditar em mim? — Pergunto, insegura.
— Eu não sei, mas será muito pior se ele descobrir depois e
daí você dizer que já sabia e não contou para ele e outra coisa, bem
mais importante, você deve contar para sua mãe.
— Eu sei, para ela sem dúvidas vou contar, ela precisa saber
o canalha que o ex-marido é, além de adultero é pedófilo, a Thais é
só um ano mais velha do que eu, poderia ser minha irmã.
— Estou chocada de verdade, mas sabe o que é pior, pelo
que você me falou eles nem estavam se escondendo. Quer dizer,
como ele vai ter um caso com uma aluna no campus que vai
trabalhar e nem ao menos tenta disfarçar.
— Eu não sei, Bia. Mas se eu já odiava meu pai, agora eu o
odeio mais e me enojo só de pensar no nome dele.
Não espero o horário da saída, peço para Bianca falar para
Gabo que não estava me sentindo bem e vou para casa, quero
aproveitar que hoje minha mãe está de folga e meus irmãos estão
no colégio para poder falar o que descobri para ela.
— Mãe, Mãe, cadê você? — chamo, assim que entro em
casa.
— Estou aqui em cima, Alice! — grita.
Subo as escadas correndo e entro em seu quarto, ela está
concentrada arrumando o guarda-roupa.
— Porque chegou tão cedo? — pergunta, sem se virar.
— Eu vi meu pai — falo, sem rodeio e ganho sua inteira
atenção.
— Falou com ele? Ele te disse alguma coisa? — questiona,
apreensiva.
— Não, ele não falou nada, estava ocupado demais
assediando uma aluna que tem idade para ser filha dele. — Minha
mãe coloca as mãos no rosto e suspira. Quando me olha não
parece nem um pouco surpresa.
— A senhora não está indignada de saber que seu ex-marido
além de infiel é pedófilo?
— O que você viu exatamente, Alice? — pergunta. Calma
demais para o meu gosto.
— Ele estava no corredor alisando uma menina.
— Alisando como? Onde estavam as mãos dele?
— A senhora só pode estar de brincadeira — quase grito com
ela, e isso não a abala. Ela depois de tudo ainda confia nele, ainda o
defende.
— Me responda o que perguntei.
— Ele estava fazendo um carinho no rosto dela, parecia feliz
e satisfeito e ela mais ainda — acuso.
— Filha, ele não estava assediando essa menina. Você, pelo
menos, tentou conseguir uma explicação com ele?
— Mãe, ele estava alisando-a no corredor da faculdade, que
tipo de explicação você acha que ele teria para isso? Quando você
vai entender que ele não presta? Porque parece que ter
abandonado você com duas filhas e grávida não foi o suficiente para
te convencer — grito. Estou exausta e confusa.
— Você não tem noção do quanto me doí quando me julga
assim. — vejo lágrimas surgirem em seus olhos, e meu coração
aperta.
— Mãe, ele nos faz mal! Desde que soubemos que ele
estaria aqui não temos um dia de paz e agora que chegou, que
descobri isso, as coisas só vão piorar, mas a senhora prefere ficar
ao lado dele, mesmo com tudo isso.
— Quando você der uma oportunidade dele se explicar toda
essa sua raiva vai diminuir um pouco. Eu te garanto, Aly.
— Sabe quando a minha raiva dele vai passar? Nunca! E se
a senhora insistir em ficar ao lado dele, defendendo, colocando
panos quentes, nossa relação ficará insuportável.
Estatuas e cofres e paredes pintados, ninguém sabe o que
aconteceu.
Ela se jogou da janela do quinto andar, nada é fácil de
entender,
Dorme agora, é só um vento lá fora.
Quero colo! Vou fugir de casa, posso dormir aqui com vocês?
Estou com medo, tive um pesadelo, só voltar depois das três.
– Renato Russo
Eu tenho um amor especial com as músicas da legião
urbana, elas me fazem refletir. Coloco o violão na base ao lado da
minha cama e me assusto ao ver o Gabo parado na porta.
— Me desculpa, não queria te assustar, cheguei e você
estava tão concentrada e resolvi não atrapalhar, fiquei só aqui
admirando minha namorada linda, cantando com tanto afinco uma
música que diz muito sobre o que nós dois vivemos.
Sorrio porque ele tem razão, essa música diz muito sobre nós
dois. Nossa história é bem parecida, a diferença é que o pai dele
não foi embora por ter outra família e sim por não saber lidar com
uma esposa viciada. Olhando para ele me sinto obrigada a
agradecer por ter a mãe que tenho.
— Entra, amor — chamo.
— A Bia me falou que você estava se sentindo mal e veio
embora, fiquei preocupado, mas não podia faltar ao treino, tentei
ligar e mandei inúmeras mensagens e fui ignorado. O que houve?
— Entrei correndo e deixei minhas coisas no carro. Me
desculpa. — Chego perto dele e beijo seus lábios.
— Vai me contar o que houve? Você estava ótima quando foi
para sala, até me ameaçou.
— Eu vi meu pai, ele estava com uma aluna e tudo que posso
falar agora é que não era um papo de aluna e professor, eles
estavam bem íntimos.
— Como assim, Aly? Está me dizendo que seu pai está tendo
um caso com uma aluna?
— Sim! Embora minha mãe ache que interpretei o ato de
forma errada.
— Aly, olha para mim — pede — Tem certeza do que você
está falando, isso é muito sério e se você estiver interpretando
errado só por que está com raiva dele pode dar um problema
grande. Quem é a garota?
— Qual o problema de vocês? Você e minha mãe ficam
defendendo-o.
— Aly, não estou defendendo, mas pensa comigo, você acha
que se seu pai estivesse mesmo saindo com uma aluna ele daria
mole de ser pego assim tão facilmente? Fora que ele começou hoje,
como conseguiu uma conquista tão rápido?
— Gabo, meu pai é diretor de intercambio, é muito provável
que ele tenha dado a bolsa para amante dele estudar lá — acuso.
— Nossa, que engraçado — comenta, distante.
— O que tem de engraçado nessa história, Gabriel?
— Nada, amor. Você não me respondeu, quem era a
menina? — respiro fundo, mas decido falar de uma vez, talvez essa
seja a chance de ter meu namorado só para mim.
— Era a Thais.
Gabo fica me encarando por um tempo, depois seu rosto se
contorce em uma careta de incredulidade, ele xinga baixinho.
— Não pode ser… — Antes que eu o indague ele se levanta
da cama e se afastando de mim, vai para porta e quando penso que
ele vai sair, se vira para mim.
— Qual o nome do seu pai, Aly?
— Gregory.
Gabo sai em disparada me deixando confusa e
desacreditada. Depois de uns cinco minutos pensando que ele me
deixou sozinha para tirar a história a limpo com a namoradinha
desço e o encontro na cozinha falando baixo com a minha mãe.
Achei que ele tinha ido embora.
— Não quero me meter, mas vocês precisam conversar com
elas, como eu fico nesta situação? Como vou lidar com as duas? —
indaga parecendo furioso.
— Posso saber sobre o que vocês estão falando? Achei que
tinha ido embora tirar satisfação com a sua outra namorada, Gabriel.
— Alice, não vou discutir com você, sua mãe irá te explicar
melhor, mas agora preciso ir. — Ele vai até a porta e antes de sair
fala. — Eu demorei para perceber e sei que fui burro, mas eu estou
realmente apaixonado por você e preciso que confie em mim.
Olho para minha mãe assim que ele bate à porta. Vejo nos
olhos dela que a explicação que ele disse que viria dela não
acontecerá, então volto para meu quarto.
Chego em tempo recorde na casa da Thais, eu não acredito
que isso está acontecendo.
Assim que toco a campainha ela abre a porta toda sorridente,
quando me vê seu sorriso alarga.
— Gabo? O que aconteceu? — pergunta, surpresa.
— Oi, eu na verdade vim falar com o seu pai, ele está aí? —
vou direto ao ponto.
— Está no escritório, mas sobre o que é o assunto?
— É particular, posso ir até lá? — vejo o desapontamento em
seus olhos, mas logo ela sorri e me deixa passar, ficando na sala.
Chego ao escritório e a porta está entre aberta, Gregory
parece distraído lendo um livro.
— Posso entrar? — pergunto, chamando sua atenção.
— Claro, Gabriel! Estou feliz que finalmente nos
encontramos, desde que cheguei temos nos desencontrado e não te
vi hoje na faculdade. — diz, todo cordial.
— Gregory, eu vou direto ao ponto porque não estou com
muito tempo. — ele ajeita a postura percebendo que não é uma
visita formal.
— Claro, aconteceu alguma coisa? — questiona,
preocupado.
— Não sei se já foi informado, mas sua filha e eu
terminamos. — Ele parece surpreso.
— Não, a Thais não me falou nada, pelo contrário, toda vez
que chego ela diz que você esteve aqui.
— Pois é, eu venho sim, mas para ajudá-la, não está sendo
fácil para ela aceitar o fim do nosso relacionamento, mas a grande
questão não é essa, acontece que eu estou em um novo
relacionamento e acabo de descobri que continuo sendo seu genro.
— Seu rosto revira em confusão, e logo depois a clareza.
— Não pode ser… — diz, perdido em pensamentos.
— Você está querendo dizer que está namorando a Alice?
Mas como você soube que…
— Simples, ela viu você e a Thais juntos no corredor da hoje
e achou que o pai, que até então eu não sabia quem era, estava
tendo um caso com uma aluna.
— Eu imaginei pela cara que fez que tinha sido esse o
pensamento dela. Mas não deu para alcança-la porque a Thais me
segurou pedindo para esperar mais um pouco, disse que não está
preparada para enfrentar isso tudo ainda.
— Como assim? Você está me dizendo que a Thais sabe
dessa história toda, sabe que ela e a Alice são irmãs? — pergunto,
incrédulo.
Como ela pode saber se nunca...
— A Thais sempre soube, Gabriel. Nunca escondi dela e nem
da mãe dela enquanto viva, o quanto amava a Victória e meus
filhos, antes de mandar vocês para cá, mostrei a Alice e disse que
ela estudaria na mesma escola que vocês, incentivei ela a se
aproximar da irmã, tentar ser amigas para quando chegasse esse
momento as coisas serem mais fácies, mas a Thais é uma pessoa
muito difícil de lidar, assim como a mãe dela era! Ela não só se
recusou a ser amiga da irmã como pelo que soube se tornou rival.
Acho que é notória a minha raiva e indignação, já que ele
para de falar e me encara com condolência.
— Ela nunca me contou nada, tentou me deixar longe da Aly
o máximo possível, inferniza o meu namoro com ela, me busca
constantemente pedindo ajuda e eu…
— E você faz exatamente o que eu fiz a vida inteira! Cede as
chantagens emocionais, abdica da sua vida para cuidar dela, e tudo
isso por minha culpa! Porque nada do que você fez até aqui é
responsabilidade sua, Gabriel. Mas quando você conheceu a Thais
eu estava no momento de fragilidade total. Confesso que amei muito
a mãe dela, mas as bebidas, as drogas, os outros caras... Me
afastaram, aquela não era a vida que eu queria para mim, e daí eu
conheci a Victória, mãe da Aly. Ela era a menina mais linda e pura
daquele colégio, vi nela a chance de realmente viver algo bom e
calmo. Um dia Elaine teve uma crise psicótica e eu estava no meu
primeiro encontro oficial com Victoria, um dos nossos amigos me
ligou e eu corri para ajudar, quando cheguei em casa a Victoria
estava lá, me esperando, disse que estava apaixonada por mim,
não só pela forma que eu a tratava, mas também como não tive
medo de deixá-la após nosso primeiro beijo para ajudar uma pessoa
que obviamente não estava sobre sua normalidade. Ali eu vi a
mulher da minha vida.
Depois de um tempo, firmamos nosso namoro e as coisas
estavam indo bem até sua mãe junto com a da Thais terem a ideia
de dizer que Elaine estava grávida de mim. Tudo aconteceu rápido
demais, Victória e eu terminamos, voltei com a mãe da Thais, e
quando ela estava de cinco meses descobri que o filho não era meu.
Victória mesmo depois do término continuou minha amiga, e foi a
primeira pessoa que procurei para contar tudo, eu não estava triste
por ter sido enganado e sim aliviado, mas ela não aceitou voltar
comigo, um dia recebi uma ligação da Elaine dizendo que estava
passando mal, quando cheguei na casa dela a encontrei desmaiada,
tinha sangue, bebida e drogas. Naquele dia ela perdeu a criança. Eu
fiquei arrasado, tentei consolá-la, mas ela estava bem, ao entrar no
quarto do hospital estava rindo com a sua mãe, parecia que não
tinha acontecido, e quando questionei, ela me disse que já que o
filho não era nosso, foi bom que tivesse morrido.
A recuperação dela foi boa. Umas semanas depois eu tive
que vir para Charlotte, pois minha mãe tinha sofrido um AVC,
aproveitei a situação e decidi que não voltaria para o Brasil, passei
dois anos aqui e terminei meu ano letivo. Quando voltei nada tinha
mudado, eu ainda era apaixonado pela Vick e Elaine ainda era
apaixonada por mim, eu fiquei entre a cruz e a espada porque a
mãe da Thais por mais louca que fosse era a minha tempestade, eu
gostava dela de verdade e independente dos meus sentimentos
pela Victória, ela mexia comigo. Talvez eu me sentisse um pouco,
por ter duas mulheres lindas e loucas por mim, porém a Vick era
mais sensata, inteligente e sacou minha divisão, me deixou de novo.
Victoria e eu decidimos que o problema era o lugar e voltamos
juntos para Charlotte, formamos, casamos e voltamos para o Brasil,
ia ser só por um tempo, mas encontramos a Elaine e a sua mãe,
ambas bêbadas na virada do ano em Copacabana, essa foi a
milésima vez que a Elaine destruiu meu relacionamento, ela passou
a me procurar constantemente, de alguma forma descobriu onde eu
trabalhava e ia lá me infernizar. Victória cansou e me colocou para
fora de casa, deixou claro que não éramos mais adolescentes para
ter que viver aquela situação. Sai de casa e parei no primeiro bar
que achei, bebi tanto que no final não conseguia me sustentar em
pé e como obra de diabo, uma ruiva, esbelta e linda me carregou
para fora, Elaine me levou para casa dela e nós acabamos na cama,
quando acordei, já tinha feito a merda, ela estava nua, feliz e
satisfeita e eu tinha terminado de destruir meu casamento. Foi difícil
convencer Victória do meu amor, mas depois de uns meses ela me
deixou voltar, não omiti o que fiz na noite que sai de casa e isso
aliviou o peso da notícia que veio meses depois. Elaine estava
grávida e dessa vez era meu.
Respiro fundo, porque a história era de enlouquecer qualquer
um. Esse homem a minha frente parece mais com um poço de
indecisões do que com um homem de fato.
— A mãe da Alice sempre foi uma mulher forte e
determinada, ela me amava e sabia que meu amor por ela era
verdadeiro, estávamos tentando ter nosso primeiro filho a um tempo,
mas ela tinha problemas para engravidar. Ela ficou muito abalada
com a notícia, mas não me deixou, nós conversamos e decidimos
dar total assistência para Elaine.
Estava eufórico, eu seria pai, não era filho da minha esposa,
mas era meu com uma mulher que já havia amado e o fato de ter
recebido apoio da minha mulher me deixou ainda mais feliz, porém,
Elaine não aceitava o fato de que eu não queria nada com ela, me
chantageou enumeras vezes dizendo que mataria nosso filho se eu
não ficasse com ela, me lembrando de sua primeira gravidez e a
forma que perdeu o bebe, mais uma vez abri mão da mulher que
amava e decidi ficar com ela até que Thais nascesse. Quando
peguei ela nos meus braços foi a emoção mais forte que já senti na
minha vida, eu passei o tempo todo chorando, e devido a algumas
complicações durante o parto Elaine teve que ficar internada. Levei
minha filha para casa da Vick e juntos cuidamos dela até que Elaine
recebesse alta. Victoria cuidou da Thais como se fosse sua própria
filha, e com isso, ela disse que queria que eu voltasse para casa e
tentasse novamente, ela queria um filho nosso, mas isso só
aconteceu um ano depois. Quando a Elaine saiu do hospital quase
me matou por ter levado nossa filha para minha casa com a Vick,
por ter deixado ela cuidar da Thais, Elaine não tinha leite e mesmo
se tivesse não poderia amamentar por causa da quantidade de
drogas que tinha em seu organismo, o médico disse que foi um
milagre a Thais ter nascido perfeita, pois a mãe se drogava
diariamente durante a gestação. Ele deixou claro que após o
crescimento ela não poderia nem mesmo sentir o cheiro de drogas,
ou seria facilmente sugada para esse mundo como a mãe.
Um ano equilibrando minha vida entre ser pai, marido e
cuidador. Porque a Eleine não dava trégua. Quando Vick me deu a
notícia da gravidez foi como receber um milagre, ela estava gravida
de uma menina e eu orei todos os dias que essa menina fosse tão
doce quanto Vick era.
— Ela estava gravida da Alice. — sussurro. Interrompendo
sua história pela primeira vez em meia hora. Greg tem lágrimas nos
olhos, e sinto pena dele, uma merda de vida.
— Isso, da Alice! — confirma. — Eu era o homem mais
amaldiçoado e feliz da fase da terra. Eu vivi um verdadeiro inferno,
dividido entre a minha mulher grávida e a minha ex-namorada com
nossa filha. Cansei de ir na casa dela e achar nossa filha sozinha
trancada chorando, ela só voltava no outro dia, caindo de bêbeda.
Foram anos assim.
Mas quando soube que com dezesseis anos minha filha
estava mais uma vez internada em coma alcoólico e com marcas de
violência sexual eu tomei uma posição.
Vejo Greg lutar para segurar um soluço, as lágrimas e o
sofrimento em sua voz estava me deixando como ele. Em lágrimas.
— Era o aniversário de quinze anos da Alice, eu estava
saindo para comprar um presente para ela, quando cheguei na porta
o telefone tocou e era do hospital. Sai correndo e nunca mais voltei.
Não voltei porque não era justo com elas, não era justo fazer a Vick
sofrer mais com a minha falta de pulso firme. Porque se eu tivesse
simplesmente pegado minha filha, entrado com um pedido de
guarda mostrando a vida da mãe dela eu teria ganhado, estaria com
todos os meus filhos juntos e unidos e ainda estaria com a mulher
que mais amei na vida. Porém, eu não fiz, decidi abandonar quem
eu tinha certeza que seria uma ótima mãe independente das
circunstancias.
Sete meses depois encontrei Vick no mercado, ela estava
com 7 meses de gravidez, era meu primeiro filho homem. Foi
impossível não correr atrás dela, expliquei tudo e dei um jeito de
acompanhar a gravidez de perto, quando ele nasceu eu estava lá,
escondido no hospital, Alice e Sarah estavam tão felizes com a
chegada do irmão, mas o brilho nos seus olhos de ambas não era
mais o mesmo e eu me amaldiçoei mais por isso, porque sabia que
era minha culpa.
Fiquei nessa por um bom tempo, toda vez que encontrava
com a Victória, ela me passava tudo que estava acontecendo com
as crianças, com ela e nós tínhamos nosso momento de amor. Um
dia ela me colocou contra a parede, dizendo que não era certo ela
ter saído de esposa para amante e mandou eu escolher. Como pôde
ver, fiz novamente e pela última vez a escolha errada. Eu tinha
medo do que Elaine poderia fazer não só com ela própria, mas com
nossa filha.
— Eu estou realmente sem saber o que fazer ou falar, mas
ao contrário de você eu não vou abrir mais mão da Alice. Você tem
razão, eu estou com uma responsabilidade que não me pertence, a
obrigação de cuidar da Thais é sua e não minha, e mais uma vez,
ao contrário de você, eu sei o que quero da minha vida, ou melhor,
eu sei quem eu quero na minha vida, e eu quero a Aly. Toda sua
história me fez abrir os olhos, a Thais é tão manipuladora quanto a
mãe, mas novamente eu repito, não sou em nada parecido com
você, não estou dividido, eu estou apaixonado pela Alice e só de
pensar que ela nesse momento está revivendo a história da mãe me
deixa doente. Eu sinto muito por você Greg, mas a partir de hoje a
sua filha não terá em mim nem se quer um amigo, pois foi
exatamente o que tentei ser e ela me usou, isso acaba hoje, cuide
da sua filha, pois foi para isso que você abriu mão de tudo. Vou
conversar com ela pondo um ponto final de uma vez por todas na
nossa situação e depois vou atrás da minha namorada dizer que a
amo e que vamos ficar juntos e seremos muito felizes.
Ao sair do escritório vejo Thaís chorando, sentada no
corredor.
— Você ouviu nossa conversa? — pergunto, mesmo a
resposta sendo óbvia.
— A que meu pai te conta como eu desgracei a vida dele?
Ou a parte em que você me igualou a minha mãe e deixou claro o
quanto sou desprezível, como ela foi.
— Eu não queria que fosse assim, mas seja sincera comigo,
alguma das vezes que me chamou você estava realmente
precisando de ajuda? Você tem noção do quanto usado e traído
estou me sentindo?
— Eu amo você, Gabriel. Não estou sabendo lidar com a dor
e nem com a falta que você me faz, será que é difícil para você
entender? — lamenta.
— Não, pelo contrário, eu entendo perfeitamente — afirmo —
Mas você ouviu tudo e por isso sabe que esse seu joguinho de
menina abandonada não vai mais colar comigo. Eu não vou mais
largar a Aly e sair correndo quando você me ligar. Acabou, Thais.
— Essa infeliz vai sempre estar no meu caminho, não é? —
grita, quando me viro para sair. — Ela ficou no meu caminho quando
nasceu, quando meu pai decidiu que deveria conhecê-la, quando
dava uma de songamonga invisível na escola e está agora no meu
caminho me separando de você! Eu amo você e você dizia me amar
também até essa infeliz decidir te roubar de mim.
— Você percebe o quanto isso soa doentio? Você sabia o
tempo todo que ela era sua irmã, mentiu para mim e ainda se acha
no direito de gritar, de exigir. Eu amei você, curti todos os nossos
momentos, mas não amo mais, não curto mais e te olhando agora,
me sinto como se nunca tivesse te conhecido de verdade.
— Não me conhece? E com quem você fodia toda noite, seu
idiota? — vocifera. Fico a encarando tentando entender como nunca
abri meus olhos antes.
— Com certeza com uma bela atriz! — falo, com desprezo.
— Você é um traidor, quer entrar para a família de qualquer
jeito, fodeu com uma e agora vai para outra irmã, vou falar para
Victória tomar cuidado com a Sarah, vai que daqui algum tempo
você decide que deve provar a última irmã da família Soywer.
— Você é repugnante! — cuspo as palavras com amargo.
— E você, Gabriel? Como se classifica nessa história toda?
O santo? O injustiçado? Eu nunca a aceitei como irmã, graças a
mãe dela hoje eu não posso ter meus pais juntos, nunca pude ter
uma família decente.
— Sua mãe morreu por causa das drogas, Thais. Não foi a
mãe da Aly que matou ela — defendo.
— Nós nunca tivemos paz — grita. — Ele sempre estava
choramingando infeliz pelos cantos, sempre jogando na cara da
minha mãe que não estava com ela por amor e sim por medo.
Gregory está parado na porta do escritório, não diz nada e
não parece disposto a fazer isso de qualquer forma.
— Uma vez ele disse a minha mãe que sentia o fato dela não
ter abortado de novo. — Olho para Gregory e o vejo fechar os olhos
e suspirar pesadamente. Era verdade o que ela estava dizendo.
— Eu estava bêbado e cansado, tinha acabado de perder
para sempre a mulher que amava, encontrei sua mãe e a Elena em
uma boate se esfregando em outro cara enquanto por mais uma
noite você ficou trancada em casa — fala com pesar. — Mas eu
sempre amei você e me arrependi do que disse naquela noite no
momento em que as palavras haviam saído da minha boca. Eu não
fazia ideia de que você havia ouvido isso.
— Eu não ouvi, pai. Mas minha mãe sempre fez questão de
me dizer o quanto você a maltratava por causa de outra mulher, ela
me fazia prometer que nunca aceitaria conhecer a tal Victória e nem
os filhos dela. Ela nunca me disse que eram meus irmãos, só fiquei
sabendo quando você me contou. Ela morreu me fazendo odiar
aquela família e nunca deixou que você colocasse em mim o
mesmo sobrenome, mesmo eu adorando o som do nome Soywer.
— Eu sinto muito, Thais — interrompo — De verdade eu não
sei o que fazer, voc…
— Ficar comigo, amor. — Me interrompe. — É isso que você
tem que fazer.
— Não posso! Por favor, intende isso, olha para o seu pai,
para a vida de vocês. É assim que você quer que nossa vida seja?
Você infeliz por eu estar ao seu lado sem amor, nossa filha ouvindo
nossas brigas e eu infeliz me lamentando por não estar com quem
amo de verdade?
— Essa não seria nossa vida! — contesta.
— Essa seria exatamente a nossa vida — afirmo.
— Eu odeio ainda mais aquela família agora, vendo você se
rendendo a elas. — Admite.
— Você já parou para pensar que se tivesse me contado a
verdade não estaríamos passando por isso? — pergunto. — Eu
jamais me envolveria com a irmã da minha namorada — confesso.
Ela não diz mais nada, fica me encarado, com mais lágrimas
correndo por seu rosto, olho para Greg e ele me dispensa com um
aceno de cabeça.
— Eu sinto muito por tudo isso, Thais e espero de coração
que fique bem!
Já dentro do meu caro fico indeciso para onde devo ir, deixei
Bianca na casa do David para poder resolver tudo, não sei se a Aly
falou com ela. Decido ir para casa do meu amigo.
— E agora? O que você pretende fazer? — David questiona.
Contei toda a história para ele e minha irmã, estão ambos
perplexos.
— Sobre o que?
— Sobre a Aly, nós entendemos que você vai ficar com ela,
mas como vai contar toda essa história a ela?
— Eu não vou contar! — afirmo.
— Como assim não vai, Gabo? — contesta minha irmã.
— Não é da minha conta, gente. Essa história não é minha,
não tenho o direito de quebrar um segredo de família que foi
guardado a tantos anos. O que eu posso fazer é ficar ao lado dela
quando lhe contarem a verdade, me desculpar por saber e não dizer
nada e torcer para que ela me perdoe.
— Ela vai ficar muito mal com tudo isso — Bianca comenta.
— Eu sei, e ela vai precisar muito de vocês. Talvez ela decida
se afastar de mim um pouco, para poder assimilar tudo.
— Eu imaginei o mesmo — David concorda.
— Eu vou dar a ela o espaço necessário para que coloque a
mente em ordem, mas não vou desistir dela nunca!
Hoje completa duas semanas que estou sendo negligência,
depois que Gabo saiu da minha casa correndo quando descobriu
que a Thais estava de caso com o meu pai, ele se afastou tanto de
mim e quando estamos juntos parece se sentir culpado por alguma
coisa, já perguntei diversas vezes o que está acontecendo, para
onde ele havia ido naquele dia e as respostas são sempre as
mesmas. "Precisava de respostas", "Não posso te contar, você
precisa confiar em mim".
Hoje viajamos para a nossa participação nos jogos de
basquete e apesar de termos ganhado ele parece bem infeliz, a
comemoração vazia, até David e Bianca se afastaram de mim.
Estão sendo dias horríveis.
Estamos em uma das casas dos pais do David que fica
próximo à cidade que aconteceu o jogo, ela foi aberta para nossa
comemoração, Gabo está na cozinha com os amigos do time, David
e Bianca sumiram e eu estou no quarto um tanto bêbada bolando
meu plano maluco. A casa está cheia, mas a maioria já estão
embriagados, e isso é perfeito para que tudo dê certo. Termino de
me arrumar e me enrolo em um roupão, passo por todos sem ser
notada, assim como era antes, paro ao avistar Gabo, ele está lindo,
sem camisa, com uma bermuda que parece estar prestes a cair de
tão baixa, expondo cada parte de seus músculos bem definidos, ele
está rindo e interagindo com seus amigos, pena que não lembra de
fazer o mesmo comigo.
Caminho até a casa da piscina que parece maior que a minha
casa e mando uma mensagem para o celular dele.
- Amor, não estou bem, por favor, me ajuda. — A resposta
dele é tão rápida que me faz sorrir, e o desespero é tão latente que
não espera minha resposta e me liga.
— Aly, o que houve, onde você está, amor?
— Gabo — choramingo. Prendo o riso para não estragar tudo
e decido não falar mais nada.
— Porra, Alice, onde você está? O que aconteceu? Você está
chorando?
— Eu estou com tanto medo, amor. Vem aqui, por favor.
— Acabei de chegar no quarto, cadê você?
— Estou na casa da piscina. — desligo o telefone quando
ouço ele bater à porta e correr.
Gabo chega sem folego e vermelho gritando meu nome.
— Quer parar de gritar ou vai chamar a atenção de todo
mundo para nós? — Saio do banheiro e o encontro com as mãos na
cabeça vasculhando a sala com o olhar de desespero. Sinto um
pequeno aperto no coração por tê-lo assustado assim.
— Amor, pelo amor de Deus, quer me matar de susto,
aconteceu alguma coisa? — questiona exasperado.
Ando sedutora até ele e o encaro de perto, coloco minha mão
em seu peito e sinto as fortes batidas de seu coração, sua
respiração ainda está irregular.
— Aconteceu sim, eu estou me sentindo completamente
abandonada pelo meu namorado e por meus amigos, vim até aqui
porque fiquei sabendo que tem uma sauna e eu nunca entrei em
uma. — Gabo me olha com atenção enquanto abro o roupão que
vesti e mostro meu corpo com a lingerie de renda vermelha que
comprei. Ele aprecia meu corpo com atenção e passa a língua nos
lábios.
— Alice... — exclama.
— Gabo, eu fiquei com medo de entrar sozinha, e resolvi
chamar você para entrar comigo, porque, olha para mim, e se eu
entro e vem alguém, um dos meninos do time, por exemplo, ia me
pegar vestida assim, sozinha dentro da sauna.
— Qual é o seu plano fazendo isso? — Sua pergunta é quase
um rosnado.
— Eu quero você, quero sentir seu beijo por todo meu corpo
e quero você finalmente dentro de mim. — admito. Pego suas mãos
e coloco em meus seios, Gabo fecha os olhos, parece estar em uma
luta interna, mas eu estou determinada a vencer. Me coloco nas
pontas dos pés e passo a língua por seus lábios, ele geme e ao
abrir os olhos consigo enxergar todo o desejo e a fome que sempre
via quando estávamos juntos. Gabo me pega no colo e envolvo
minhas pernas em sua cintura, suas mãos apertam minha bunda por
baixo do roupão. Ele me coloca sentada sobre uma mesa e devora
meus lábios com desespero.
Gemo de prazer, de saudade e ele morde meu pescoço, todo
seu desespero mostra que também sente minha falta, o observo
enquanto afasta meu sutiã e morde o bico do meu seio. Dou um
gritinho quando sinto uma pontada de dor e ele para.
— Está tudo bem, amor. — o tranquilizo. Em seus olhos vejo
de imediato o arrependimento, eu o puxo para beija-lo, mas Gabo
me afasta.
— Não está tudo bem, aqui não é a hora, nem o lugar para
fazermos isso. Nós não estamos prontos.
— Fale por você! — vocifero. — A virgem aqui sou eu, e sou
eu quem tem que decidir a hora, o lugar e o momento e eu quero
agora, eu vou perder minha virgindade hoje, Gabo! — Minhas
palavras saem tão humilhantes e desesperas, ele estragou tudo.
Sinto meus olhos arderem e antes que as lagrimas escapem de
meus olhos eu decido fugir.
O empurro e desço da mesa, meu roupão fica para trás junto
com o idiota do meu namorado eu corro seminua para fora da casa.
Gabo me alcança perto da piscina e me puxa cobrindo meu corpo,
eu o empurro.
— Me solta, não encosta em mim, já que para você é tão
difícil me ver nua, talvez alguém nessa maldita casa aprecie me ter,
me tomar, me beijar, me fo...
Gabo tapa minha boca com uma mão e com outra me segura
forte contra seu corpo, eu não consigo enxergar nada, mas ouço as
vozes, sei que tem muitas pessoas ao nosso redor vendo meu
show, vendo meu corpo.
— Amiga... — ouço a voz penalizada da Alice e sacudo a
cabeça chorando forte, Gabo ainda está tapando a minha boca e me
arrasta para dentro da casa de novo. Quando me solta vejo Bia e
David atras dele fechando a porta, eu os encaro, encaro minha
nudez e a única coisa que consigo pensar é que eu daria qualquer
coisa nesse exato momento para me tornar invisível de novo.
— Eu quero que vocês fiquem longe de mim, a minha vida
não era perfeita antes, mas nunca me senti tão humilhada e sozinha
quanto me sinto agora e eu daria qualquer coisa para voltar a ser
invisível e nunca ter me aproximado de nenhum de vocês.
— Você precisa se controlar, Alice. — Gabo finalmente
encontra a voz dele e fala alguma coisa.
— E você precisa aprender a ser homem, seu babaca. Me
deixa sair daqui logo. — exijo. Bianca está chorando agarrada ao
David que evita me olhar.
— Olha para mim, David, talvez você sinta mais tesão em
mim do que o seu amigo e descida me...
— Já chega! Cala a porra dessa boca agora, Alice. — Gabo
perde de vez a paciência e grita vindo em minha direção. Ele me
puxa com força e veste o roupão em mim. — Já fodeu com muita
coisa hoje, não precisa de mais nada. Agora eu vou te colocar
dentro do carro e vamos em silêncio para casa.
— São oito horas de viagem e todos nós bebemos, não acho
que seja uma boa ideia. — Bia reclama.
— Ela ficou praticamente pelada se oferecendo para quem
quisesse, ela não via ficar mais nem um minuto nesse lugar e vocês
não precisam vir, podem ficar, o David cuida de você.
— Se vocês forem nós vamos, e assim podemos revezar a
direção e cada um dorme um pouco. — David afirma.
— Ótimo, tudo bem, então. Vocês podem recolher nossas
coisas? Eu vou levar Alice para o carro e esperamos vocês lá. —
Todos os planos são feitos como se eu não estivesse bem ali,
Gabriel me segura firme e me leva para o carro enquanto Bia e
David vão buscar nossas coisas.
— Pode me soltar, por favor, você está me machucando. —
reclamo ao chegarmos no carro.
— Vou te soltar quando estiver dentro do carro.
— Eu não sou criança, Gabriel e você não é meu pai.
— Não, eu sou só o idiota que tenho que pagar pelos erros
dos outros, mas essa porra vai acabar logo, eu não aguento mais.
— Do que você está falando? — questiono.
— Você vai entender, só espero que quando isso aconteça
você possa me perdoar.
Acordo sentindo meu corpo ser erguido, minha cabeça está
explodindo, assim que minha mente que começa a trabalhar,
reconheço os braços que me ergueram e o cheiro, e começo a me
debater, Gabo perde o equilíbrio por um estante e por pouco não me
deixa cair de bunda no chão.
Lamentável e deprimente.
— Aly, eu estou exausto física e emocionalmente, nós
acabamos de chegar na casa do David, se você ainda me ama eu
só peço que me deixe te levar para o quarto, assim você pode
descansar e eu vou tomar um banho e fazer o mesmo. — A voz dele
quase não se faz audível, seu queixo esta apoiado no topo da minha
cabeça, eu solto meus braços e o abraço pelo pescoço dando meu
consentimento. — Obrigado, meu anjo.
Gabo me deixa no quarto e sai sem falar nada, me encolho
na cama e choro, choro de vergonha, de dor, de medo, eu não sei
como deixei as coisas fugirem tanto do meu controle. Depois de um
tempo vou para o banheiro e tomo um banho demorado, ao sair
encontro Gabo dormindo na minha cama, ele parece mais magro e
suas olheiras estão deixando seu rosto perfeito com um ar de
miséria.
O que você está escondendo de mim que está te consumindo
assim, amor?
Levanto por volta das catorze horas, estão todos dormindo,
me arrumo e decido ir para casa, a madrugada foi lamentável e
vergonhosa, ofendi e desrespeitei meu namorado, minha cunhada e
meu amigo. Ao chegar na garagem ouço uma voz rouca chamar
meu nome.
— Fugindo como uma ladra. — David brinca.
— Achei que estava dormindo também. — comento
envergonhada.
— Eu fiquei preocupado e decidi ficar acordado aguardando
vocês levantarem.
— David, sobre o que aconteceu, eu — ele levanta a mão me
calando. — Por favor, não precisamos falar nisso, está tudo bem, eu
sei que você não é assim e está arrependida. Nós somos amigos, e
embora pareça, você não é perfeita, erra como todos nós, afinal,
quem nunca ficou desesperado para perder a virgindade, não é
mesmo. — zomba.
Eu rio e corro para o abraçar.
— Eu realmente sinto muito, eu amo vocês e não me
arrependo da nossa amizade.
— É bom ver que se entenderam, será que vamos nos
entender e eu vou ganhar um abraço assim também? — Levanto a
cabeça e encaro Gabriel que está recostado na porta.
— Você só vai ganhar qualquer coisa de mim quando decidir
me contar a verdade do porque está me tratando desse jeito, o que
tanto esconde de mim. — Ele assente, olha de mim para David e
volta para dentro de casa.
— Você está sendo muito dura com ele, Aly. — David
defende.
— Quer que eu pegue leve com ele? Então me conta você o
que está acontecendo, o que todos vocês andam escondendo de
mim, ou acha mesmo que não sei que todos sabem menos eu?
— Eu só estou dizendo que você precisa pegar leve, não só
com ele, mas a Bia passou a noite chorando por sua causa e não é
justo com ela.
— Eu realmente sinto muito, mas vocês também não estão
sendo justos comigo.
Entro na casa para procurar por Gabo e o encontro descendo
as escadas junto com a irmã, os olhos dela estão inchados e ela me
dá um sorriso tímido.
— Vamos, vou levar você para casa e Bianca e eu vamos
para a nossa. — Gabo passa por mim abraçado com ela e os sigo.
O Silêncio no carro me incomoda e descido quebra-lo.
— Eu sinto muito por tudo que aconteceu, eu estou muito
envergonhada por tudo que fiz.
— Tudo bem, amiga, está tudo bem. — Bia me responde e
Gabo apenas desvia os olhos da pista e me encara rapidamente
sem dizer nada.
Ele me leva até a porta de casa, espera que eu abra a porta e
se vira para ir embora.
— Me perdoar por envergonhar você na frente do seu time e
dos seus amigos. — Ele se volta para mim e dá um sorriso forçado.
— Eu nunca me envergonharia de você, o que me magoa é
saber que estou te fazendo infeliz, mas como eu disse, isso vai
acabar logo. Tenta descansar, Aly e amanhã nos vemos na
faculdade, eu não vou passar aqui, tenho umas coisas para resolver
cedo.
Minha confiança nele morre a cada dia, subo em silêncio vou
para o meu quarto, minha cabeça ainda está doendo muito.
Não sei dizer em que momento eu dormi, mas estava tão
cansada que passei o resto do dia e da noite em meu quarto
dormindo, levanto da cama e olho pela janela, Gabo não está no
quarto e nem Bianca, será que já foi para o tal compromisso? Vou
para o banheiro e encaro meu reflexo no espelho, também emagreci
uns quilos e estou muito pálida e com olhos fundos, não é só o
Gabo que está com cara de miséria.
Já pronta, desço e encontro minha mãe e irmãos sentados
tomando café.
— Bom dia, cumprimento.
— Bom dia, Aly. Está se sentindo bem? — minha mãe
questiona.
— Na medida do possível sim, e vocês, como estão?
— Nós estamos sentindo sua falta, maninha, desde de que
você se tornou popular não fica mais em casa. — Stiven reclama
tristonho.
Vou até ele e o esmago em um abraço cheio de amor.
— Eu sinto sua falta também, meu amor, e acredite, ser
popular é uma droga.
— Ótimo, então volte a ser invisível e fica mais em casa com
a gente. — ele dá de ombros como se tivesse dado uma solução
óbvia. Olho para minha mãe que nos observa e sorrio, faz um tempo
que não me sento com eles para um café da manhã em família.
— E você Sarah, também sentiu minha falta?
— Nem nos seus melhores sonhos, Aly. — implica, mas sorri.
Ela não mudou nada.
Chego no campus atrasada, estaciono meu carro ao lado do
de Gabo, devido ao horario não tem muitas pessoas circulando, sigo
em direção a minha sala, mas vozes alteradas me chamam atenção
dentro de uma sala vazia, eu reconheço a voz dele imediatamente.
— Eu preciso de tempo, Gabriel. Não posso contar a ela
assim — meu pai grita.
— Acho que já teve tempo suficiente! Ela é sua filha droga,
você deve uma explicação a ela.
Ele não estava brigando com meu pai pela Thais, e sim por
mim. Meu peito se enche de alegria.
Chego mais perto e vejo Thais encostada em uma mesa.
Porque ela estava ali? E parecendo satisfeita com a situação.
— Não é tão simples! A mãe dela não me deixou nem chegar
perto da casa delas e ainda arrumou um cão de guarda que parece
prestes a me atacar a qualquer momento, ele está morando lá?
— E se estiver? — Thais se manifesta — Qual o problema se
o cara estiver morando com ela? Você por um a caso está com
ciúmes?
Quando ele ia responder Gabo me vê atrás da porta e os
alerta da minha presença, os três me encaram, Gabo e meu pai
estão com preocupação em seus rostos, mas Thais está com um
daqueles sorrisinhos maldosos.
— Acho que agora é a hora. — Thais debocha.
Gabo e meu pai parecem não concordar. Abro a porta
esperando uma explicação que não vem, pois Gabo ralha dizendo
que ali não era o lugar para termos a conversa e sai me arrastando
para longe.
Mesmo ameaçando terminar, gritando e até batendo nele não
adianta, ele não me conta o que estava acontecendo e o que
estavam me escondendo.
Só me carrega de volta para casa, abro a porta com Gabo na
minha cola e encontro Berry sentado no sofá ao lado da minha mãe.
— Filha, precisamos conversar! — diz séria.
— O que houve? — indago.
— É sobre o seu pai! Eu não aguento mais esconder isso de
você, e depois da ligação que recebi agora pouco do seu pai decidi
parar de omitir as coisas. Mas antes quero que entenda que o
Gabriel não sabia de nada até umas semanas atrás e não cabia a
ele te contar e sim a nós. Seu pai, ele e eu entramos em conflito por
achar que não era o momento certo, mas Gabo nos mostrou que
nunca haveria um tempo certo porque nada do que aconteceu ou
está acontecendo é certo.
Não falo nada, fico a encarando com medo de perder algum
som e não compreender o que está acontecendo.
— Eu amo você, filha, eu tentei convencer ele a te procurar e
contar, assim como fiz anos atrás, mas ele não quis e nem ela.
— A senhora não está fazendo sentido algum, do que está
falando? — Questiono, nervosa.
— Eu vou te contar do começo, acho que assim será mais
fácil — afirma. Me sento ao lado do Berry no sofá. Ele segura minha
mão e sorri para mim, um sorriso contido, daqueles que damos para
tentar consolar alguém.
— Bom, filha. Eu preciso que me ouça sem me interromper
ou eu perderei a coragem — afirmo com a cabeça e ela senta na
mesinha a minha frente, me encarando com seus olhos de tons
indefinidos.
— Seu pai e eu, nos conhecemos no ensino médio. Eu era
como você, isolada, na minha, mas um certo dia ele me notou, eu
estava comprando um doritus e uma Coca-Cola quando ele parou
ao meu lado e disse: — Uma garota que come doritus com Coca-
Cola não deveria ser uma garota e sim um anjo.
Me virei sorrindo, eu já tinha o visto antes, lindo, inteligente e
completamente diferente de mim, era despojado, extrovertido e vivia
cercado de gente. Um americano em terras brasileiras, era assim
que o chamavam.
Meu nome é Gregory, mas pode me chamar de Greg — se
apresentou.
— Victória, mas pode me chamar de Vick. — respondi,
sorrindo.
Depois daquele dia passamos a nos falar frequentemente,
passei meu número de celular para ele e passávamos noite e dia
conversando sobre tudo. Até que os amigos dele souberam da
nossa repentina amizade. Eles eram pessoas horríveis e Greg
chegou a me dizer que não tinha coragem de me apresentar a eles
porque eu era muito pura para me misturar, e até mesmo ele não
merecia ficar ao meu lado.
Um dia eu entendi o que ele quis dizer, estávamos no pátio,
escondidos atrás da cantina, ele estava me confessando que não
aguentava passar um dia sem me beijar quando uma garota
apareceu. Ela era linda, mas parecia perdida no tempo, o cheiro que
emanava dela era forte demais e me fez torcer o rosto, por um
momento o abracei e respirei seu perfume, mas isso não mascarou
o cheiro que vinha dela. Ele ficou tão revoltado e inseguro, pude
sentir os músculos dos braços dele que estavam em minha cintura
se tornarem duros como pedra.
— Greg, eu juro que se você voltar comigo eu deixo tudo pra
lá, bebida, cigarro, farra. Eu só preciso de você comigo. — disse
trôpega nas palavras, ele respirou fundo e me olhou nos olhos,
pedindo desculpas em silêncio. Quando me soltou foi até ela, a
abraçou e beijou o topo da cabeça dela dizendo.
— Você é um caso perdido, pequena. Vou te tirar daqui antes
que alguém te pegue bêbada e drogada pela escola, mas não
vamos ficar juntos, me desculpe.
Naquele momento eu soube que ele era o amor da minha
vida, vi a forma que ele se sentia por eu ter presenciado aquilo, vi a
culpa em seus olhos quando viu a menina daquela forma e
aparentemente o culpando.
Com o tempo eu conheci os pais dele, sua vó e eu selamos
um pacto que durou bastante tempo, fomos felizes a nossa maneira,
nossas idas e vindas eram difíceis e dolorosas, mas eu o amava e
sei que ele me amou tanto quanto. Infelizmente ele não soube
administrar as coisas e acabamos assim.
Passamos por muitos momentos difíceis e eu quero que você
acredite em mim quando digo que nos abandonar foi a coisa mais
difícil que seu pai já fez na vida dele, e se culpa por isso até hoje.
Ele poderia ter feito muitas coisas e ter tomado decisões diferentes,
mas não o fez e não vou culpá-lo mais, ou odiá-lo pelo resto da vida
por isso, e você também não deve. Ele ficou com o lado mais frágil,
a mulher drogada que apareceu naquele dia nos perseguiu por
anos, seu pai também a amou quando estavam juntos, mas devido
a tantas coisas o sentimento se foi, mas o carinho e a preocupação
nunca, ela não cedia, tornou nossas vidas um inferno e eu estava
cansada de lutar por aquilo que deveria ser meu, em uma das
nossas idas e vindas ele teve uma filha com ela, essa filha sofreu
mais do que podemos imaginar sendo subjugada por uma mulher
completamente desequilibrada e seu pai nos deixou para cuidar
delas.
Eu a encaro.
— Ok, eu tenho uma irmã, disso já sabia, eu os vi quando
tinha quinze anos, mas o que isso tem a ver com a volta dele? Aly, a
sua irmã estuda na mesma instituição que você e o Gabo, você se
lembra como era a menina que você viu com seu pai quando era
mais nova?
Paro para pensar, a menina era branca, com os cabelos
cacheados e... Olho para Gabo, ele está me encarando com um
olhar triste.
Não pode ser!
— A Thais? — questiono mesmo já sabendo a resposta.
— Eu sinto muito, Aly. — a voz do Gabo sai como uma
suplica.
— Você sabia? Ficou comigo sabendo que nós duas somos
irmãs?
— Claro que não, eu só soube quando você me contou que
tinha visto seu pai com ela na faculdade, quando você me confirmou
o nome dele eu fui o confrontar. Mas como sua mãe disse, não
cabia a mim te contar, isso é um assunto delicado de família.
— Por isso você se distanciou de mim? Mal me tocava e
estava tão infeliz?
— Foram as piores semanas da minha vida, tentar te manter
longe sabendo que você estava sofrendo.
— Mesmo assim, não me contou, não me deu sequer uma
pista do que estava acontecendo. — acuso.
— Eu não podia, meu amor. — insiste.
— Você me viu sofrer, chorar e me humilhar, sério mesmo
que sua lealdade a eles é maior do que o que sente por mim?
— Eu também sofri, recorri ao seus pais várias vezes até que
tomassem uma posição e te contassem.
— Ela sabe sobre mim? — questiono.
— Sabe, pelo que seu pai me falou, sempre soube, só nunca
nos contou.
— Então o ódio dela não era por eu gostar de você e sim por
sermos irmãs, o fato de nos apaixonarmos só tornou tudo pior.
— Ela tem uma mente tão perturbada quando a da mãe,
Alice. — minha mãe defende.
— É claro que tem, a diferença é que eu não sou você e o
Gabo não é meu pai, eu não vou me sujeitar a isso e também não
quero mais ficar aqui, eu preciso de um tempo, um tempo longe de
todos vocês.
— Está terminando comigo? — Gabo questiona triste.
— Eu estou pedindo um tempo até que eu consiga organizar
a minha mente e acalmar meu coração, você acha que é capaz de
respeitar e aceitar isso?
— Eu espero o tempo que você achar necessario, desde que
você entenda a dimensão do que sinto por você e leve em
consideração o fato de que eu nunca quis te enganar, eu só não
podia falar algo que envolvia tantas pessoas.
— Eu vou ver onde posso ficar, porque aqui vendo vocês
todos os dias não vou conseguir nada.
— Se quiser pode ficar no seu quarto lá no pub, assim eu
posso cuidar de você e sua mãe não fica tão preocupada de você
estar sozinha por aí. — Berry oferece e eu sorrio agradecida, minha
mãe também concorda.
Três semanas depois.
Berry e minha mãe estão namorando, eu ainda estou no meu
quarto no pub, não me sinto pronta para voltar pra casa, minha mãe
contou para meus irmãos toda a história e me disse que eles
aceitaram bem as coisas e tinham saído com Gregory para se
conhecerem melhor... Essa não é uma frase estranha para se referir
a uma figura paterna? Saíram para se conhecerem melhor.
Isso é loucura!
Alguns dias depois da nossa conversa na minha casa eu
decidi terminar com o Gabo, tive a clareza de que eu não tenho a
mesma estrutura que minha mãe e eu jamais suportaria viver essa
vida. Dividir com outra o homem que amo.
Hoje eu entendo o porquê ele me rejeitou na casa do David,
seria um pouco pior perder a virgindade com ele estando envolto de
tantas coisas.
Ele chorou, não foi pouco, chorou muito dizendo que isso não
aconteceria com a gente, jurando que já havia deixado claro para
ela que não iria mais correr para ajudá-la. Mas eu o conheço, sei
que não iria cumprir a finco essa promessa, seu coração é muito
bom para fazer isso e Thais é ardilosa e manipuladora como a mãe
dela era.
Eu o amo tanto, demorei tanto para consegui fazer com que
ele me notasse, mas eu precisava descobrir o limite entre o amor e
a dignidade.
Eu amo você, Gabo. Mas precisava de um tempo para mim.
Estou conversando com Dodd no balcão do pub e vejo
Bianca entrar com os olhos marejados. Peço licença e vou até ela.
— Ei, o que houve? — pergunto. A puxo para um abraço.
Minha amiga também sofreu tanto com toda essa história, tanto ela
quanto David me pediram desculpas por também não terem me
contado nada, mas eu não os culpei nem por um instante, eles eram
completamente inocentes e com certeza não trairiam Gabo que
também não tinha a obrigação de me falar, isso tudo teria sido
evitado se meus pais tivessem sidos sinceros desde o início.
— Minha mãe foi internada, brigou com Billy e ele a espancou
feio. Gabo entrou na briga e os dois quebraram a sala toda, ele foi
para o hospital também. — Sinto meu coração apertar.
— Para qual hospital levaram eles, Bia? Como está o seu
irmão?
— Ele parece que quebrou o braço, nada muito grave, mas
nossa mãe parece que entrou em coma.
— E o Billy?
— Estava muito machucado, mas conseguiu fugir.
Dodd se oferece para nos levar ao hospital, e isso é bom,
porque estou sem condições de dirigir, tremendo e tentando acalmar
minha amiga.
— Chegamos — nos alerta. — Vão na frente enquanto
estaciono o carro — orienta.
Bianca e eu fomos para a recepção e lá encontramos David
conversando com uma enfermeira, quando nos vê ele corre em
nossa direção e abraça Bianca com força.
— Graças a Deus, você sumiu achei que tinha acontecido
alguma coisa com você, seu irmão me ligou da ambulância
contando tudo e me pediu para ir buscar você. Tem noção do
desespero que me bateu quando não te encontrei. — Ele beija a
testa dela e a aperta mais em seus braços. Alivio, carinho e amor
emanam dele.
— Me perdoa, não sabia o que fazer e fui atrás da Aly —
responde, chorosa e corresponde ao aperto do abraço. Decido
deixar os dois e vou em direção a enfermeira que David estava
conversando, digo a ela quem estou procurando e ela me leva até o
quarto.
Gabo não percebe minha presença, está em pé olhando pela
janela, seu braço está engessado.
— Achei que minha cota de emoções estava fechada pelo
resto do ano, mas me enganei, quando Bianca me contou que você
estava machucado, foi quase a mesma dor de saber que fui
enganada a vida toda por meus pais.
Ele não se vira.
— Ela está bem? — A voz dele está rouca e embargada.
Gabo encosta a cabeça na janela e vejo seu corpo sacudir com o
choro. Me aproximo e o abraço por trás, encosto minha cabeça em
suas costas e ouço seu coração bater forte.
— Eu achei que aquele desgraçado do Billy tinha voltado
para pegar ela, quando David me ligou dizendo que não tinha
ninguém em casa, mandei ele ir até a sua para ver, mas sua mãe
disse que tinha acabado de chegar e não viu nada. — Ouço o
soluço e seu corpo sacode mais forte. — Estava aqui planejando mil
formas de matar aquele verme. Tive tanto medo…
— Shiuuu. Está tudo bem! Ela está bem, só foi atrás de mim
assim que vocês saíram na ambulância.
Afrouxo meus braços e ele se vira para mim, seu rosto tão
machucado. Estendo minha mão e faço um carinho nos
machucados. — Fiquei com muito medo também quando ela me
contou que você estava no hospital. — confesso.
— Obrigado por vir, meu anjo! — agradece me abraçando
mais forte. — Significa muito pra mim.
— Eu vou sempre estar aqui, porque eu amo você! —
declaro.
— Você não tem noção do quanto sinto sua falta, anjo. De
como esses dias foram difíceis, passar por você na faculdade sem
poder te abraçar, beijar ou sentir seu toque.
— Eu também senti a sua falta, mas eu precisava desse
tempo para mim, ter a certeza que nosso amor não seria toxico.
Porém, quando Bia chegou chorando dizendo que você estava no
hospital eu só conseguia pensar que não tenho forças para deixar
de te amar, que preciso de você todos os dias da minha vida. —
Olho em seus olhos marejados e sorrio. — Eu te amo, Gabriel. A
aceita voltar a namorar comigo?
— Eu nunca nem deixei de namorar você, sua boba, acha
mesmo que eu, o cara mais popular da faculdade, capitão do time
de basquete iria aceitar levar um é na bunda de uma nerd?
15 dias depois
Você tem certeza que ele não chegou? Bianca, para com
isso, me solta — repreendo.
Gabo havia saído para buscar a mãe dele no hospital. Alice
foi com a mãe e os irmãos no shopping e eu fiquei com a tarefa de
levar Bianca para uma festa que a turma dela estava preparando,
mas ela inventou de passar em casa para pegar uma bolsa. Tenho
certeza de que a festa será uma droga, cheia de patricinhas falando
sobre moda, decoração e designe, mas o que eu não faço por essa
garota.
Me apaixonar por Bianca foi inevitável, ela é doce, direta e
tão forte e madura. Mesmo não tendo uma vida facil ela consegue
tornar tudo mais leve, e por mais que Gabo saiba que eu daria
minha vida por eles, ele insiste em não aprovar nosso
relacionamento e por isso decidimos manter um relacionamento
escondido do meu amigo. Aly e a família dela nos ajuda, mas
Bianca está cada vez menos propensa a esconder nossa relação.
— Quer parar de ser medroso? — briga. — Ele vai demorar e
eu estou mesmo cansada de ficar me escondendo, quando vamos
contar para ele que você está apaixonado por mim e não consegue
mais se manter longe? — zomba.
— Eu né? Quem está me agarrando dentro do carro como se
não houvesse amanhã?
— Estou com saudades, ué. Não sou de namorar escondida
e fica mais difícil ainda quando o meu namorado é o melhor amigo
do meu irmão e não se desgrudam.
— Já falei que é para você mandar a Aly dobrar ele! Ele faz
tudo que ela quiser, ainda mais agora que está morrendo de ciúmes
daquele moleque lá.
— Eu achei que você fosse um cara corajoso, mas está aí se
borrando de medo do meu irmão arrancar suas bolas — Provoca.
A risada dela enche o carro e a puxo para um beijo. Quando
se rende e corresponde pego sua mão e coloco sobre minha calça,
meu pau duro pulsa em sua mão e ela me empurra.
— Melhor você pensar melhor sobre o fato dele arrancar
minhas bolas e ficar com medo também, sentiu o que vai perder se
isso acontecer? — zombo, e morro de rir da cara que ela me olha.
— Que grosso! — me bate, mas não aguenta ficar séria e
começa a rir.
— Você sabe que é, já sentiu algumas vezes e adora. —
provoco a puxando e mordendo seu lábio inferior fazendo-a gemer.
— Fique aqui, vou lá dentro pegar minha bolsa, seu tarado
pervertido.
Fico mexendo no celular e quando saio do carro para reclama
da demora a escrito gritando, corro para dentro da casa e a imagem
que vejo me faz surtar, ela está no chão, com o vestido rasgado e os
lábios sangrando, Billy estava ao lado meio atordoado, pelo que
parece ela o acertou na cabeça com um cinzeiro. Corro até ela e ele
se levanta, tenta me agredir, mas não tem a menor chance, mesmo
com ela em meus braços o acerto em cheio, ele fede a bebida e
parece ter bastante tempo desde o último banho.
Assim que coloco Bianca no carro volto para dentro da casa,
bato tanto no desgraçado que perco a noção do tempo, ouço
barulhos ao redor, vozes e dois homens me tiram de cima dele,
eram policiais.
Bianca e eu somos levados para a delegacia e explicamos
para os policias tudo que havia acontecido.
Fizeram alguns questionamentos a ela, falaram que teria que
fazer alguns exames e passar por uma avaliação, mas tudo que
queríamos era sair daquele lugar. Billy ficou desfigurado, mas o que
queria de verdade era tê-lo matado.
Já em casa a levo para o meu quarto, ajudo a tomar um
banho e deito com ela na cama.
— Me perdoa, eu deveria ter entrado com você. — Peço
baixinho.
— Para, não foi culpa sua. Eu estou feliz que você tenha
chegado a tempo, não posso nem imaginar o que seria de mim se
ele tivesse… — ela não completa a frase, me abraça forte e
esconde o rosto em meu peito.
— Eu então o teria matado — confesso, firme. Sentindo ódio
pelo meu corpo.
— Não fala isso — pede, chorando mais.
— Eu te amo, loira. E não importa o que o seu irmão irá fazer,
se ele nos ama como diz vai quere nos ver felizes e isso só vai
acontecer se estivermos juntos, o Gabo vai ter que aceitar que você
está perdidamente apaixonada e não consegue mais viver sem mim.
— repito as palavras dela e seu sorriso ilumina minha alma.
— Eu te amo, David. Estou perdidamente apaixonada e não
sei mais viver sem você. — afirma. Seguro firme em seu rosto e a
puxo para beija-la, Bianca geme por causa do corte em seus lábios
e me afasto.
— Desculpa, amor.
— Não precisa se desculpa, você pode usar sua boca
gostosa em outras partes do meu corpo e me fazer soltar um
gemido diferente, o que acha? — provoca.
— Quem olha para essa sua carinha angelical não imagina a
devassa insaciável que existe dentro de você, bebê.
— Cadê ela — Gabo pergunta desesperado com Aly ao seu
lado.
— Está dormindo lá no meu quarto.
— Como isso aconteceu, mano? — Gabo chora e me abraça.
— Ela disse que tinha que ir em casa para buscar uma bolsa,
entrou e fiquei esperando no carro, quando vi que estava
demorando fui atrás e ouvi seu grito, entrei ela estava no chão com
ele ao lado, ela o acertou na cabeça, não deu tempo de fazer nada
mais grave, ela só está com as costas dolorida e lábio cortado.
— Obrigado por salvar a minha irmã, David. Eu vou ficar te
devendo a minha vida.
— Eu sei que esse talvez não seja o melhor momento para
isso, mano, mas eu preciso que você saiba de uma coisa. — Gabo
me encara desconfiado e Aly se aproxima cruzando seu braço com
o dele. Ele a encara e depois volta a sua atenção para mim.
— O que está acontecendo, o que vocês estão escondendo
de mim? — indaga.
— Sua irmã e eu estamos apaixonados, Gabriel. Eu a amo e
só de pensar no que poderia ter acontecido com ela hoje caso eu
não estivesse com ela ou não tivesse entrado a tempo me deixa
maluco. Nós precisamos que você entenda que não vamos nos
esconder, você precisa aceitar o nosso relacionamento.
— Relacionamento? Está me dizendo que vocês dois estão
namorando escondido, é isso?
— Amor, por favor, escuta o David, somos todos amigos,
você o tem como irmão. — Aly intervém quando percebe a raiva que
Gabo está tentando conter.
— E você é claro estava a par de tudo, encobertando os dois
e me fazendo de idiota. — ele solta o braço que ela estava
segurando e vem em minha direção. — Eu confiei a você o que
tenho de mais preciso na vida, cara, e em agradecimento tu estava
fodendo com ela bem em baixo do meu nariz. — Esbraveja.
— Já chega, Gabriel — Bianca aparece no topo da escada.
— Eu não admito que você me desrespeite dessa forma, e outra, e
se eu estiver fodendo com ele como você mesmo pontuou sem o
menor pudor, qual é o problema? Você acha que eu sou como a
Aly? Acorda, irmão.
Eu já sei o que é foder desde os meus dezesseis anos que foi
quando perdi minha virgindade. Não sou santa e não quero ser, mas
daí ver você falar de mim como se eu fosse uma qualquer já é
demais.
— Eu não me importo com quem você já dormiu, mas deixei
claro que com ele você não tinha permissão de sair.
— Você não é meu pai, Gabriel. — grita — Eu não sou
criança e se você não parar com essa palhaçada nossa relação vai
ficar insuportável, porque eu não vou abrir mão do David e ele com
certeza não vai abrir mão de mim.
Bianca termina de descer as escadas e para ao meu lado me
abraçando, eu a envolvo em meus braços e beijo o topo de sua
cabeça. Gabriel nos encara com um misto de magoa e traição.
— Se depender de mim você vai embora hoje, eu já liguei
para o nosso pai e contei o que aconteceu está noite, ele sugeriu
que você fosse morar com ele em Nova York, lá você estará segura
e sem dúvidas terá mais oportunidades de estagio dentro do curso
que escolheu, ele inclusive vai te ajudar a montar sua empresa
quando se formar.
— Você prefere me expulsar a me ver com o David, percebe
o quanto isso é doentio e cruel?
— Eu só quero que você fique segura longe de toda a
bagunça que é a vida da nossa mãe, a decisão foi tomada antes de
saber da traição de vocês dois.
— Ela pode ficar aqui comigo, vocês dois podem, não precisa
mandar ela para longe, ela estará segura comigo, Gabriel. —
Intervenho. Meu amigo me olha com amargura.
— Amanhã você vai trancar sua matricula na faculdade e
vamos comprar sua passagem, meu pai vai te buscar no aeroporto,
por hoje, você pode ficar e se despedir dele. — Gabriel nos encara e
depois se vira para Alice que está chorando. — Você pode ficar
aqui, anjo, e se despedir dela também, eu vou para casa cuidar da
minha mãe e amanhã venho buscar vocês duas.
— Essa é a segunda vez que você me expulsa da sua vida, a
primeira eu era muito nova e você também, me deixou com a minha
vó e foi embora com minha mãe, eu sofri muito, porque não
entendia e queria ficar com você, mas agora é diferente, eu entendo
e nunca vou te perdoar. Depois que eu entrar naquele avião você
pode esquecer que teve uma irmã um dia.
— Pode me ameaçar o quanto você quiser, Bianca, mas você
vai morar com nosso pai.
— Você não pode fazer isso com eles, amor. — Alice vai até
ele chorando.
— Aly, ela é minha irmã e minha responsabilidade, eu não só
posso como vou e nós dois não vamos brigar por causa disso, nós
já passamos por muitas coisas.
Meu coração está em pedaços, mas não adianta discutir com
ele, Gabriel é muito cabeça dura e Bia infelizmente não pode se
manter sozinha, ela vai ter que obedecer ao irmão e o pai, como vai
ficar nossa amizade depois disso eu não sei, na verdade eu não
faço ideia de como eu irei ficar sem ela.
Hoje é o último dia de jogo, o fim da temporada de basquete
e tem diversos olheiros, Gabo e Aly estão se preparando e o local
estava ficando cada vez mais cheio.
Berry e eu estamos dando passos largos em nossa relação,
foi difícil aceitar, foi difícil começar, mas estamos felizes, ele está ao
meu lado na arquibancada e interage alegremente com Stiven e
Sarah. Ele se vira para mim sorrindo.
— Sabe quem vai fazer o discurso no final?
— Aly me disse que quem vai fazer o discurso é o Gabo, já
que é o capitão do time.
— Ele é um ótimo rapaz! — afirma.
E eu preciso concordar, embora no começo ele tenha sido um
idiota, cego. Depois se mostrou uma pessoa maravilhosa,
principalmente com a minha filha. Eles ainda têm um conflito e
outro, mas graças a Deus estão felizes juntos.
O principal motivo dos conflitos deles acaba de chegar.
Thais se tornou uma jovem linda, lembro-me dela pequena,
uma pimentinha ruiva. Hoje é chamada por minha filha, sua irmã...
Nossa, que loucura parar para analisar essa bagunça que a vida
fez... Aly a chama de diaba descarada. — Rio. Minha filha é tão
diferente de mim, todas as decisões e falas soam diferentes vivendo
a mesma situação que eu vivi a anos atrás.
Ela ama o Gabriel desde que o viu pela primeira vez, e nunca
teve vergonha de dizer isso, por esse motivo luta pelo
relacionamento deles a todo custo, não deixando evasivas para uma
suposta interferência vinda da ruiva que mesmo ele dizendo que
não, ainda consegue manipulá-lo.
Aly, Gabo, Bia e David entram e se posicionam, eles estão
tão lindos. Bia está triste, mesmo convencendo o irmão a ficar até o
fim da temporada eles não conseguiram fazer com que ele mude de
ideia e em breve ela vai se mudar para morar com o pai.
Berry acena para eles e recebe um discreto aceno dos 4. Aly
me olha com olhos brilhantes e cheios de paixão, a cada dia que se
passa ela está mais perto de viver o seu sonho dela.
— Boa tarde a todos, meu nome é Jeremy, sou o professor
de artes desses pandemônios e tive o imenso orgulho de ser
escolhido pelos mesmos para estar selando essa nova fase que irá
se iniciar. Uns amadureceram de forma inexplicável e outros irão
passar por algo mais para alcançar a maturidade. Decidi assim
como faço em todas as minhas aulas dar a eles uma oportunidade
de se expressar nesse último dia aqui dentro. Por isso, preparei uma
pequena surpresa e espero que todos gostem.
Jeremy se vira para o telão em cima do palco improvisado e o
liga, começa a passar cenas de alunos em uma espécie de
entrevistas. Sempre em duplas, um interrogava o outro sobre o
futuro, mas o vídeo parece editado, colocando partes importantes e
engraçadas de cada um.
Aly aparece com David. Ele explica com um ar sonhador que
quer ter uma família e deseja ser um neuro cirurgião, pois a família
dele é composta por médicos, quer ter filhos e uma esposa para
dividir a vida. A cena passa e eles aparecem no refeitório, Aly ri das
ideias que ele propõe, ele monta uma plateia para ela que segura o
violão em cima da uma mesa. Depois vem Bianca e uma menina
sorridente, Thais e outros alunos, o vídeo acaba com a foto de todos
eles e uma frase: OS RÓTULOS NÃO ME DEFINEM.
Uma salva de palmas, assobios e gritos soa pelo lugar. O
vídeo ficou lindo e eles parecem ter gostado também.
— Esse dia, foi um dos dias mais reveladores que já tive com
esses jovens, ali nós descobrimos que nossa aparência engana
bem mais do que pensamos, eles descobriram que o mundo vai
além de nossa zona de conforto e essas zonas de conforto pode se
tornar o pior lugar do mundo caso não se abram para a imensidão
da vida, caso não deem espaço para o novo e o diferente. Eu tenho
muito orgulho de cada um de vocês e me sinto extremamente
honrado em dizer que fui professor de pessoas tão
extraordinariamente grandiosos como vocês, e digo isso porque
confio que vocês irão sair daqui para vencer cada desafio que a vida
adulta apresentará para cada um.
Fico emocionada, assim como eles, Aly chora abraçada ao
Gabo e a Bianca. Minha menina, cresceu tão rápido…
Os jogadores saem e na quadra ficam as líderes de torcida
dos dois times, elas fazem uma linda apresentação e se retiram
dando espaço para os jogadores, confesso que esse esporte me
deixa nervosa, na verdade qualquer esporte deixa, mas ver esses
meninos saltando em direção a cesta, a disputa pela bola, as brigas
que se desenvolve com cada esbarrão mal dado.
Gabo e David, capitão e Co capitão do time estão dando o
melhor, e o time deles estão na frente por dez pontos, cada salto
que meu genro da parece que ele cria asas, que pode voar e é o
que faz, voa em direção a cesta, porém, no ultimo lança ele sofre
uma falta e fica nas mãos de David à ultima cesta. E é claro que ele
acerta. O lugar é tomado por uma euforia, gritos, aplausos.
Jeremy toma posse do microfone novamente.
— Esses senhoras e senhores são os veteranos se
despedindo com glória da nossa última temporada e agora vou
passar para o Gabriel, ele que é o Capitão titular do time de
basquete levando nosso time a mais de 75 vitórias, 15 empates e 10
derrotas. Vice campeão do Grêmio estudantil perdendo para seu
amigo e também capitão do time de basquete, David Hezekicha.
Dois alunos que quebraram o protocolo, arregaçaram as mangas e
deram duro em cada ponto dessa instituição. É em nome de todos
que digo que vocês são nosso orgulho.
Gabriel se aproxima abraçando Jeremy e pega o microfone.
— Nossa, eu fico até sem jeito com tantos elogios — revela.
— Bom, vamos lá, primeiro. Meu conselho aos novatos é: Não
sigam o padrão determinado pela sociedade! Futuros capitães do
time de basquete, sejam amigos de todos, não só dos jogadores do
time, mas dos professores, dos nerds, dos não sociáveis... E você
que se sente deslocado... Desloque-se, saia do seu mundinho e
mostre que você é capaz de muita coisa, não tenham medo de se
misturar, tenham medo de ser iguais... Tenham medo de ser igual a
mim que por ser muito cego e acomodado quase perdi o amor da
minha vida. Que quase e digo quase por bem pouco deixou de ser
realmente feliz por achar que o comodismo era mais fácil. Mas
galera, acreditem, o mais fácil nem sempre é o certo.
Gabriel explicar os motivos pelos quais cada um deve se
permitir viver fora da caixinha, e nesse momento olho para Berry
que sorri pra mim, me fazendo pensar que eu também quase perdi a
minha segunda oportunidade de ser feliz ao lado de alguém
especial.
— E com isso, antes de entregar o microfone eu queria ler
uma citação que vi no seriado que minha namorada, Alice, ama e
me chamou a atenção o nome da série é One Thee Hill. (Lances da
vida).
Nesse momento há 6.470,818, 671 de pessoas no mundo.
Algumas estão fugindo assustadas. Algumas estão voltando
pra casa. Algumas dizem mentiras pra suportar o dia e outras estão
somente agora enfrentando a verdade.
Alguns são maus indo contra o bem e alguns são bons
lutando contra o mal.
Seis bilhões de pessoas no mundo, seis bilhões de almas… E às
vezes tudo que nós precisamos é apenas uma!
E para mim, meus amigos, essa uma está bem ali — diz
apontado para minha filha que se levanta corre para os braços dele.
Dois meses depois
— Eu acho que meu pai errou, ela é nova demais para
passar por algo assim, tenho certeza que se ele se esforçasse
conseguiria cuidar dela em casa, sem precisar disso tudo — acuso,
frustrada.
— Amor, você fala como se não conhecesse a Thais, ela
quase te matou atropelada alegando que você tinha roubado a vida
dela. Não tinha como manter ela solta por aí, Aly. — Gabo defende
meu pai, um hábito muito irritante que ele adquiriu.
— Sei que o caso dela é grave, mas daí internar ela em uma
clínica... Acho demais, talvez um acompanhamento psicológico
ajudasse. Mas ele como sempre escolheu o caminho mais fácil.
— Você é muito injusta com seu pai, Aly. O fato de você não
conseguir perdoá-lo totalmente faz você enxergar algo errado em
cada passo que ele dá.
— Olha, Gabriel. Essa sua mania de ficar sempre do lado
dele me irrita, eu sou a sua namorada, mas parece que você tem
muito mais consideração por ele do que por mim — reclamo. — Ele
age com você como a Thais agia e você aceita.
— Como assim? — questiona, confuso.
— O meu pai manipula você, quantas vezes você aceitou ir
visitar a Thais?
— Eu achei que já havíamos nós entendido em relação a isso
— comenta, sua voz abaixa dois tons e ele senta em minha cama,
triste.
— Não foi uma conversa e sim uma briga, eu entendo a sua
necessidade de querer ajudá-la, o tempo que ficaram juntos e o fato
dela ser tão dependente de atenção e tal, mas caramba, quando
vocês vão parar para ver o meu lado? — reclamo. — Você já parou
para pensar que nessa história quem mais perdeu foi eu? Meu pai
largou minha mãe e meus irmãos para ficar com ela e a mãe. Minha
mãe estava grávida do Steven quando ele foi embora. Depois que a
Elaine morreu ele preferiu ficar sozinho porque a Thais não aceitava
a ideia de ele amar minha mãe e querer voltar pra casa, anos mais
tarde eu me apaixono por você, sem saber que era namorado da
minha meia irmã, você a escolheu até o dia que me enxergou e
mesmo estando comigo por inúmeros momentos você a escolhe.
— Aly, eu…
— Agora nesse exato momento eu estou aqui me arrumando
para ir com você vê-la, porque algum psiquiatra idiota acha que eu
devo tentar me aproximar dela, ele também não pensou em mim.
Porque se alguém tive ao menos se dado ao trabalho de me
perguntar eu diria o quanto eu não quero ir até lá. E não é porque
não quero ajudá-la. Do fundo do meu coração eu espero que ela
melhore, e que no futuro quem sabe, a gente possa viver como duas
irmãs de verdade, mas agora, nesse momento, a única coisa que
sinto aqui dentro — aponto para o meu coração — é que esse
encontro não vai dar certo.
— Posso falar agora? — questiona. Faço um gesto afirmativo
com a cabeça e me viro para o espelho. — Eu sei que pode parecer
um pouco cedo, mas ela está melhorando, para mim é um grande
avanço. Eu amo você, Alice Sowyer. Isso não vai mudar, porém, eu
preciso que você seja a menina doce e compreensiva que você
sempre foi e entenda a minha necessidade de ajudar uma pessoa
que foi e não vou mentir, é especial para mim. Eu sinto muito por
tudo que aconteceu com os pais de vocês e até culpo minha mãe
também por isso, mas nós não podemos agir como eles, você e eu
somos diferentes e vamos fazer diferente.
Me viro para ele, sentindo no peito a sensação estranha que
me fez perder o sono durante a noite, Gabo parece confiante no que
diz, mas eu não vejo muita diferença entre a história da minha mãe
e a minha, ele assim como meu pai não consegue desvincular-se da
ex, a única que faz um pouco diferente nessa história sou eu. E
talvez me arrependa depois. Todos acreditam que ela mudou,
porém, não estou convencida. Mas não consigo convencer ninguém
que o que estou sentindo não é implicância e nem ciúmes.
— Ei, para de queimar esses neurônios pensando besteira —
brinca e me abraça por trás. — Eu amo você, é contigo que quero
ficar e isso não vai mudar. Agora vamos, nós temos que ir logo
porque hoje é a despedida da Bia. — a tristeza me toma ainda mais.
Pensar que minha amiga vai embora para longe e não vamos mais
nos ver todos os dias.
— Ela já saiu com o David?
— Já, ele veio buscar ela cedo, vai trazer só na hora da festa.
— responde, carrancudo.
— Quando você vai aceitar que eles se amam e você
estragou tudo? Perdeu um amigo por causa de um ciúme ridículo e
sua irmã vai embora com raiva de você.
— Eu os deixei curtirem o dia hoje para se despedirem, não
deixei?
— Você acha que isso é o suficiente para aplacar sua
idiotice? — saio dos braços dele e me viro para ficar de frente. —
Gabo, você bateu no seu melhor amigo, só porque ele se apaixonou
pela sua irmã.
— Nós tínhamos um trato, Aly. Ele não só quebrou como me
fez de idiota.
— Ele salvou a sua irmã de algo horrível, Gabriel. Arriscou a
amizade de vocês para poder ficar com ela, se isso não é uma
prova de amor, não sei mais o que é.
— Eles mentiram — acusa.
— Mentiram porque você é um intolerante, porque todo
mundo tem que entender o seu lado, mas você não entende o lado
de ninguém, é imaturo demais para admitir que errou e pedir
desculpas ao seu melhor amigo e a sua única irmã.
— Muito obrigado por jogar na minha cara que sou infantil e
arrogante, você tem mais alguma ofensa ou podemos ir? — A
expressão em seu rosto mostra que é melhor pararmos por aqui.
— É incrível como você consegue ser tão compreensivo com
uma dependente química, sociopata e não consegue agir com essa
mesma compreensão com quem realmente merece — argumento —
Sou a sua namorada e amo você, é a minha obrigação é mostrar o
quão injusto e infantil você está sendo.
Saio do quarto e o deixo sozinho, ouço seu resmungo, mas
não consigo compreender o que disse.
Pouco tempo depois estamos no carro indo visitar Thais. Meu
pai dirige e nós dois vamos no banco de trás, minha mãe resolveu
vir junto, está na frente conversando com ele sobre o restaurante
que abriu, por mais estranho que pareça minha mãe e Berry se
tornaram amigos do meu pai e os três se dão muito bem.
Gabo ao meu lado está carrancudo e parece divagar em
pensamentos, desde que sua mãe saiu do hospital e o pai dele veio
para a cidade após o ataque que Bianca sofreu, eles decidiram fazer
uma intervenção, e juntos conseguiram internar Elaina em uma
clínica.
— Oi — cumprimento com receio. Chegamos a meia hora,
passamos pelo psiquiatra que está cuidando dela e ele nos passou
os progressos que Thais anda tendo, conversou comigo da
necessidade que ela tem de ver pessoas que gosta e que gostam
dela, por isso pede que Gabo venha pelo menos uma vez por
semana, para que ela não caia em uma depressão, Rachel também
vem visitá-la com frequência assim como meu pai.
A ideia de que eu estivesse aqui hoje veio dele, ela ainda não sabe
que estou aqui, ele quer medir o avanço do tratamento e saber se
ela está pronta para receber autorização para sair de vez em
quando.
— Você? O que está fazendo aqui? — questiona, agressiva.
A ideia era que eu entrasse sozinha para ver a reação dela. Bom,
parece que não foi a esperada pelo doutor.
— Acharam que seria uma boa ideia eu vir te ver e a gente
conversar um pouco — digo, com cautela. Outra recomendação do
Dr. Thais parece um pouco mais velha aqui, seus cabelos ruivos que
estavam sempre incrivelmente alinhados parece um pouco sem
vida, e suas olheiras tomam parte do rosto. Rosto esse que parece
de boneca, ela é incrivelmente linda. Uma pena ser uma pessoa tão
ruim. Dá para ver na forma que está me encarando que ela não
mudou em nada.
— Quem teve essa ideia ridícula?
— Seu psiquiatra. — Ela sorri de forma quase diabólica e isso
me causa um calafrio, ainda estou perto da porta, posso correr
como uma maricas caso meu medo aumente.
— Pensei a mesma coisa — confesso. — Ela para de olhar
para o chão e me encara.
— Se eles soubessem o quanto odeio você jamais a
deixariam entrar aqui. — Sua voz é quase um sussurro. — Odiei
você desde que minha mãe me contou sobre a sua existência, meu
pai falava de você com tanta devoção. O quanto você era
inteligente, o quanto cantava bem, o quanto você era incrível, cada
adjetivo imposto a você era uma pitada de ódio crescente em mim.
Minha mãe me dizia todas as noites que a Victória e você era a
causa da nossa infelicidade, que nós nunca fomos uma família de
verdade porque você e a sua família nunca permitiram isso. Quando
eu conheci o Gabo e comecei a ser feliz de verdade você apareceu,
eu sempre vi a forma que você o olhava, no aeroporto, enquanto ele
se despedia da mãe, você estava lá, o encarando e eu e meu pai
estávamos escondidos esperando você embarcar, ele não queria
que nos visse. Depois na escola e até um quarto de frente para o
dele você conseguiu. Você é igual a sua mãe, Alice. E não vai
descansar enquanto não me ver morta igual a minha. — Estou
estática, minha mão segura a maçaneta da porta com tanta força
que sinto cortar meu dedo. A dor em meu peito volta, eu sabia que
não era uma boa ideia
— A sua mãe morreu porque era uma viciada e se você
morrer da mesma forma que ela, é porque é burra! O Gabo não te
largou por minha causa, ele fez porque quis, olha para você...
Mentirosa, manipuladora e na minha opinião, consegue ser pior do
que a sua mãe morta. — Solto tudo de uma vez e quando me viro
para sair me choco com o corpo do Gabriel parado atrás de mim.
Em um minuto a menina pedante que estava na cama se transforma
em um mar de lágrimas e dor.
— Foi por esse tipo de pessoa que você me trocou, Gabriel?
Ela veio até aqui me jogar na cara que não mereço estar com você
porque não passo de uma viciada de merda. Teve a ousadia de
zombar da morte da minha mãe. Você a conheceu, chorou comigo
quando ela morreu e a sua namorada vem até aqui para
desrespeitar a minha dor. Esfregar na minha cara que não sou
ninguém e não mereço você.
A voz dela ecoa pelos corredores, o choro falso é
extremamente convincente e até eu fico meio abalada. Gabo não diz
nada, mas a forma que me olha diz tudo, ele acredita nela! Meu
peito aperta ainda mais e as lágrimas caiem dos meus olhos sem
permissão, ele continua ali, me encarando como se não me
conhecesse. O empurro e corro pelo corredor em busca da saída,
os gritos dela estão me enlouquecendo, antes de virar para onde
fica a sala olho para trás, Gabo ainda me encara então abaixa a
cabeça e entra no quarto.
— Ah, filha vem aqui. — os gritos parecem ter alcançado a
sala e eles estavam abrindo a porta quando cheguei, minha mãe me
puxa para um abraço e tenta acalmar meu choro. Me viro para o
psiquiatra que me encara com pesar e digo.
— Esquece, pode deixá-la aqui por anos, ela não está nem
perto de melhorar. Puxo minha mãe e a arrasto para a saída sem
encarar meu pai que também parece bem abalado.
— Nós vimos tudo, Alice — revela. — O doutor colocou uma
câmera para filmar o encontro de vocês e avaliar o comportamento
dela.
— Mesmo? Então porque o Gabriel me olhou daquele jeito?
Como se não me conhecesse e ainda ficou lá com ela?
— Ele queria que o encontro desse certo, estava nervoso e
quando a Thais começou a atacar você ele viu o quanto estava
sendo injusto em não te ouvir, decidiu ir até lá para te levar embora,
mas quando ouviu você responder deve ter ficado abalado. Eu sei
que foi difícil lá, mas você pegou um pouco pesado falando da mãe
dela daquela forma.
— Pesado? A senhora está brincando, né? Viu as coisas
horríveis que ela me falou?
— Eu vi, filha. Mas olha a sua posição e olha a dela... Ela é
doente, Alice e... — Minha mãe pausa o que ia falar e encara
alguém atrás de mim. Me viro e encontro Gabo parado nos
encarando, ele está com as mãos no bolso e parece ter chorado.
— Posso falar com você? — pergunta, me prendendo em seu
olhar.
— Vou lá dentro ficar com seu pai, também não está sendo
fácil para ele, quando acabarem aqui vamos embora. — Minha mãe
levanta, dá um abraço em Gabo e segue de volta para dentro. Ele
agora toma o lugar em que ela estava sentada e me observa,
calado.
— Se está esperando de mim um pedido de desculpas,
esquece! Não vai acontecer — declaro.
— Na verdade sou eu quem está buscando as palavras para
me desculpar com você. Desde o início você tem me alertado, foi
contra estar aqui e sempre achou que minhas visitas faziam mais
mal do que bem, alimentando nela uma esperança doentia de que
quando sair daqui vamos ficar juntos.
Eu sinto muito, Aly, de verdade! — pede. — Me perdoa por
ser um péssimo namorado, prometo que vou melhorar e
amadurecer para poder ser no mínimo digno de estar ao lado de
uma pessoa tão incrivelmente linda como você!
Minhas lágrimas voltam a cair e não me envergonho disso, eu
o amo e sei que a partir de hoje tudo será diferente.
6 anos depois
A sensação de sonho realizado me toma assim que piso na
sala de aula onde passei boa parte da minha adolescência. Olho
para cada rosto e consigo enxergar neles meu namorado, minha
cunhada, meu amigo, David e muitos outros que marcaram minha
passagem por aqui.
Cada rosto…
— Bom dia, turma — cumprimento, recebendo de volta
respostas desanimadas. Típico de adolescentes. Sorrio. — Meu
nome é Alice Sowyer e sou a professora de línguas de vocês. Antes
de começar quero que se apresentem para mim e para os demais
colegas, vamos iniciar nosso ano formando um reconhecimento de
território.
Pouco tempo depois todos já haviam se apresento e o clima
de desconforto foi se dissipando.
Saio do colégio e vou direto para o conglomerado onde Gabo
montou a filial de sua empresa, quem diria que ele se tornaria um
engenheiro renomado em tão pouco tempo.
— Posso entrar? — pergunto da porta. Ele está concentrando
lendo alguns documentos.
— Claro, amor. Estava finalizando aqui para ir pra casa.
Como foi o primeiro dia?
— Fiquei com pouco nervosa, mas deu tudo certo, por alguns
momentos eu pude nos ver desenhados nos rostos daqueles
adolescentes e isso me encheu de esperança. Quer dizer, quem
naquela época diária que acabaríamos assim? Nós dois estamos
noivos, sua irmã se tornou a design de interiores mais procurada de
NY e o David um excelente pediatra, ele termina a formação como
cirurgião quando mesmo?
— Daqui a um ano e meio — responde, sorrindo.
— Eu sinto muito orgulho de nós! — falo o abraçando e sento
em seu colo. — A Bianca está animada de estar voltando para cá e
antes que isso gere uma confusão vou te dizer de agora que não
vou aceitar que se meta na vida dela com o David.
— Não começa, Alice — tenta falar, mas o paro.
— Não, Gabo. Já estamos bem grandinhos, a 6 anos atrás
me calei com toda a sua idiotice sobre isso, mas desta vez teremos
um problema sério se você insistir em afasta sua irmã do seu melhor
amigo, que é claramente o cara perfeito para ela.
— Eu não vou mesmo entrar em guerra com você, só vou te
lembrar que minha irmã tem um namorado, quase noivo, então sinto
que não preciso me preocupar com o fato do meu amigo ter tido
uma paixonite por ela.
— Vamos ver até quando eles vão se manter assim depois
que ela chegar. — Afirmo.
— Só, por favor, não fica tentando empurrar os dois um para
o outro. Respeita o namorado dela.
— Amigaaaa! — grito, no aeroporto ao ver Bianca com sua
bagagem
Ela larga tudo e corre.
— Que saudade, cunhada. — Me abraça. — Cadê meu irmão
e o safado do David, achei que viam me buscar.
— Eles ficaram lá em casa preparando nossa janta —
respondo, rindo.
— Bom estarem fazendo um ótimo trabalho, pois estou
faminta. — brinca.
— Vem, vamos logo. Quero saber de tudo, cada detalhe.
— E eu estou faminta e com saudade de vocês.
— Por falar em saudade de nós, já pensou em como será sua
vida aqui? Você o David…
— Não viaja, Aly. Eu estou namorando e ele também, nós
somos só amigos, nos falamos de vez em quando.
— Uhum, vocês eram só amigos quando ele foi em NY ano
passado e isso não impediu você de dormir com ele, sua safada.
— Aly... Nossa, você é tão inconveniente.
— E você é uma mentirosa, sonsa.
A vida é engraçada as vezes. Pode ser barra pesada. Como
quando se apaixona por alguém. Mas eles esquecem de te amar de
volta. Quando a sua melhor amiga e seu namorado te deixam
sozinha. Quando puxa o gatilho ou acende o fogo e não pode voltar
atrás. Como eu disse... No esporte, chamam isso ''de se superar''.
Na vida eu chamo isso de pegar pesado. (...) Sabe a expressão que
"as melhores coisas da vida são de graça"? Bem, essa expressão é
verdadeira.
De vez em quando as pessoas se superam,
Se tornando mais corajosas com elas mesmas
Às vezes, elas te surpreendem.
Às vezes, elas cedem fácil.
A vida é engraçada, às vezes.
Pode nos surpreender
Mas se você estiver perto o suficiente
Você encontrará esperança!
No mundo das crianças...
Numa canção...
Nos olhos de alguém que você ama...
E se você tiver sorte...
Digo, se você for a pessoa mais sortuda desse planeta...
A pessoa que você ama, decidirá te amar de volta."
(Texto final é uma Citação da série One The Hill.)
Fim
Gostaria de agradecer em primeiro lugar a Deus, pois sem
ele jamais teria criatividade para construir essas histórias. Em
segundo lugar a vocês que abdicaram um pouquinho de tempo para
ler este romance, espero que eu tenha conseguido passar a
mensagem certa para cada um e que tenham se apaixonado assim
como eu por Gabo e Aly, por Bianca e David. Esses quatro tomaram
posse do meu coração e das minhas noites de sono. Mas super
valeu a pena, olha onde eles estão agora, arrebatando outros
corações, povoando outras mentes.
Agradeço ao apoio dos meus pais e amigos, mas em especial
agradeço a Juju Figueiredo que além de amiga é minha parceira de
trabalho, confidente, diagramadora, design, orientadora e muito
mais.
Enfim, obrigada a todos por me acompanhar nessa jornada.
❤
Convido vocês a conhecer meus outros trabalhos.
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Um conto muito lindo que relata um romance entre uma CEO
arrogante e seu estagiário portador de TEA (Transtorno do aspecto
do autismo).
ESTRELA, MINHA ESCOLHA PERFEITA.
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Estrela é o primeiro livro de uma coleção, onde 4 Autoras se
reuniram para criar 8 Romances baseados em histórias bíblicas.
Estrela é baseado no livro de Ester.
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vingança. Perdão? Quem sabe...
(Nova versão do livro Um novo Amanhecer, também
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Hanna, proibida para mim
Caso se interesse eu possuo um grupo especial para meus
leitores, basta enviar uma mensagem para uma das minhas redes
sociais e garanta já seu espaço.
Um abraço,
Ana Caroline
Ana Caroline, 32 anos, carioca, ama ler e adora criar mundos
paralelos.
Conheça mais visitando as redes sociais da autora.
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