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BRUGIONI, Elena MELO, Alfredo. Ecocrítica

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Campinas-SP, v.42, n.2, pp. 254-259, jul./dez.

2022

ECOCRÍTICA(S).
Literatura e Colapso Ambiental
A ecocrítica se destaca entre os mais relevantes desdobramentos nos
estudos literários contemporâneos, sobretudo no que tange ao campo
da literatura comparada, da reflexão pós-colonial e do debate sobre
literatura-mundial; trata-se, no entanto, de uma perspectiva teórica e
analítica ainda pouco consolidada no Brasil, especialmente no âmbito da
teoria e da crítica literárias. Tendo em conta a proliferação de categorias
que de um modo geral pretendem observar o impacto (geológico) do
humano em suas diversas subjetividades e através de perspectivas críticas
distintas – antropoceno, capitaloceno plantationceno ou chthuluceno
(Moore, 2016; Haraway 2015), entre outras – o ambiente, a ser entendido
em sua inevitável convergência entre pessoas, animais, natureza e sistema-
mundial capitalista, se configura como um tema e um problema também
literários, oferecendo a possibilidades de se (re)definir a literatura –
suas estéticas, formas e gêneros, bem como seus paradigmas críticos e
conceituais – a partir de uma perspectiva eco-ambientalista.
É fato que a relação entre natureza e sociedade marca
profundamente o debate sobre cultura e literatura – a ser entendida como
uma de suas expressões mais paradigmáticas – desde pelo menos os
anos sessenta. A este propósito, como afirma Raymond Williams (2005,
p. 70-71) em seu fundamental ensaio Cultura e materialismo: “a ideia da
natureza contém uma quantidade extraordinária de história humana.
O que muitas vezes se discute na ideia de natureza parece-me a ideia
do ser humano; […] ou em última instância, a ideia do ser humano em

DOI: 10.20396/remate.v42i1.8668607
sociedade, na verdade as ideias de tipos de sociedades”.1 Neste sentido, tal
como salienta Pablo U. Mukherjee (2010, p. 29):

Williams mostra que a ideia de uma “ecologia profunda”, de um reino


natural não contaminado, separado do humano, não é algo nem radical
nem contemporâneo, mas tem suas raízes nos “cientistas físicos e nos
empreendedores” do Iluminismo europeu [pp. 76-77]. Portanto a urgência de
repensar a cultura e as literaturas à luz do ambiente não é novidade dentro dos
estudos das Humanidades.2

A perspectiva ambientalista - e, portanto, o que vem sendo definido


como ecocrítica – não pode ser encarada como uma nova ideia – ou uma
moda acadêmica – no âmbito da reflexão critica contemporânea – e
sobretudo em situações e contextos periféricos e (semi-)periféricos onde a
interação entre ser humano e meio-ambiente é irremediavelmente ligada
à projetos coloniais e imperiais 3. Mas se configura como uma reorientação
ou, melhor, uma lente, no âmbito de reflexões teóricas ou analíticas que
colocam em pauta a relação entre cultura e natureza e, portanto, entre
literatura e sociedade, onde o contexto dos estudos literários no Brasil é
de indubitável pioneirismo. Importa, no entanto, destacar que a interação
entre literatura e (meio-)ambiente para não ser mais uma mera celebração
da falaciosa antítese cultura/natureza ou para não se tornar uma guinada
verde desprovida de implicações políticas, necessita ser pensada a partir
de sua fundamental articulação materialista. A este propósito como nota
ainda Pablo U. Mukherjee (2010, p. 61):

Se aceitarmos a premissa de que o ambiente material é a condição capacitadora


de todo o trabalho humano, incluindo o trabalho cultural, e que, assim como
não podemos pensar o ambiental sem o humano, também não podemos pensar

1 “[...] the idea of nature contains an extraordinary amount of human history. What is
often being argued, it seems to me, in the idea of nature is the idea of man; and this
not only generally, or in ultimate ways, but the idea of man in society, indeed the ideas
of kinds of society’”
2 Citação original: “Williams shows the ‘deep ecological’ idea of a uncontaminated
natural realm separate from the human as being neither radical nor contemporary,
but as having its roots in the ‘physical scientists and improvers’ of the European
Enlightenment (pp. 76-77). Therefore the urgency of rethink culture and literatures in
the light of the environments it is not new within the scholarships in the Humanities”
3 Daí a proeminência dos estudos pós-coloniais naquilo que tem vindo a ser definido
como humanidades ambientalistas, especialmente evidente na articulação entre
geografia e história que pauta a reflexão crítica proposta por exemplo por Edward W.
Said in Cultura e Imperialismo (1993) e por Anne McClintock (1993) no início dos anos
noventa.

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o humano sem o ambiental, então chegamos à questão de como o ambiente
permite atividades humanas como escrever um romance ou um poema,
representar uma peça de teatro ou de cinema, compor uma música ou uma
pintura.4

É portanto neste perspectiva que o ambiente – a ser entendo


como condição material onde convergem humano e não-humano
e que proporciona as condições para qualquer tipo de trabalho – se
apresenta como o elemento fundamental para que estéticas, linguagens e
representações se tornem possíveis, se configurando como o pressuposto
– isto é, o significante – matricial a partir do qual é possível ler e entender
a relação entre humano e sociedade - isto é, os modelos de sociedades - e
portanto a inevitável simbiose entre humanos e não-humanos; a partir
deste horizonte surgem categorias de análise de grande pertinência
crítica no campo dos estudos literários como, por exemplo, a de estética
ecomaterialista (MUKHERJEE, 2010), uma noção que se inscrevendo no
campo da crítica materialista éevidentemente tributária das formulações
desenvolvidas por Raymond Williams e Sebastiano Timpanaro:

As posições filosóficas materialistas básicas que podem sustentar elementos


conceituais de uma estética que estou chamando de “ecomaterialismo”
começam a emergir dessa discussão envolvendo [Raymond] Williams e
[Sebastiano] Timpanaro – a unidade essencial de humanos e meio-ambiente, de
história e natureza; uma relação constante, dinâmica e diferenciada entre o ser
humano e o meio-ambiente por meio de todo tipo de trabalho; a centralidade
do ambiente material em relação aos processos cognitivos humanos e a relativa
passividade epistemológica humana diante dele; finalmente, a condição
capacitadora específica que o meio-ambiente oferece a todas as atividades
culturais humanas.5

4 “If we accept the premise that the material environment is the enabling condition
of all human labour, including cultural labour, and that just as we cannot think of the
environmental without the human neither can we think of the human without the
environmental, then we have come to the question of how exactly the environment
enables activities such as writing a novel or a poem, or performing a piece of theatre,
cinema, or composing music or painting.”
5 “The basic materialist philosophical positions that might underpin conceptual
elements of an aesthetics I am calling ‘eco-materialism’ begin to emerge from this
discussion involving [Raymond] Williams and [Sebastiano] Timpanaro – the essential
unity of humans and environment, of history and nature; a constant, dynamic and
differentiated relation between humans and environment through labour of all kinds;
the centrality of material environment in relation to human cognitive processes and
the relative human epistemological passivity before it; finally, the specific enabling
condition that the environment offers to all human cultural activities.”

Remate de Males, Campinas-SP, v.42, n.2, pp. 254-259, jul./dez. 2022 – 256
Se concordamos com Pablo Mukherjee que é impossível compreender
a história e a geografia, a natureza e a cultura, sem reconhecer a sua
interpenetração mútua (2010) e se reconhecermos a necessidade de (re)
definir o meio-ambiente como a rede simbiótica de toda a existência
humana e não-humana (idem) é possível afirmar que as humanidades
ambientalistas em sua perspectiva ecomaterialista se apresentam como
um campo de estudo e um pressuposto conceitual de grande pertinência
e validade para rearticular o significado político da literatura ou, de forma
mais geral, do trabalho cultural. Neste sentido, é importante notar que a
intersecção entre os estudos literários, a teoria pós-colonial e o pensamento
materialista no seio das Humanidades surge como uma abordagem
crítica privilegiada para colocar a literatura e, de forma geral, a cultura
entre as actividades humanas que parecem ser capazes de interrogar e,
possivelmente, propor respostas – isto é, agendas – capazes de enfrentar
as muitas injustiças ambientais que em diversas escalas, frequências e
intensidades, ocorrem no mundo. Neste sentido, como afirma Rob Nixon:

Uma aliança radicalmente criativa entre os estudos ambientais e pós-


coloniais pode ajudar a repelir os esforços administrativos e disciplinares
para encurralar para fins estreitos o que os estudiosos atentos ao poder da
palavra e da história têm a oferecer ao mundo. O que podemos oferecer inclui
a crença no valor de vários públicos enquanto nos esforçamos, entre outras
coisas, para promover coalizões imaginativas que possam ajudar a corrigir a
injustiça ambiental. Crucialmente, argumentei que precisávamos repensar o
que estamos procurando – que tipos de textos, que tipos de questões – quando
nos envolvemos com literaturas ambientais transnacionais.

No processo, podemos aspirar a um sentido mais historicamente responsável


e geograficamente expansivo do que constitui nosso ambiente e a quais obras
literárias confiamos para expressar seus parâmetros. Apesar dos avanços recentes
em direção a esse objetivo, a nossa continua sendo uma tarefa permanente,
ambiciosa e crucial – até porque, no futuro previsível, os departamentos de
literatura provavelmente continuarão sendo atores influentes para que as
humanidades se tornem ainda mais verdes.6

6 “A radically creative alliance between environmental and postcolonial studies can


help push back against administrative and disciplinary efforts to corral for narrow ends
what scholars alive to the power of word and story have to offer the wider world. What
we can offer includes a belief in the value of multiple publics as we strive, among other
things, to foster imaginative coalitions that may help redress environmental injustice.
[…] Crucially, I argued that we needed to rethink what it is we are looking for — what
kinds of texts, what kinds of issues — when we engage transnational environmental
literatures. In the process, we can aspire to a more historically answerable and

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Portanto, o principal objetivo deste dossiê temático ECOCRÍTICA(S).
Literatura e Colapso Ambiental7 é o de mapear, em sentido mais
exploratório de que cartográfico, algumas das reflexões que se situam no
amplo debate das chamadas humanidades ambientais (cf. environmental
humanities), privilegiando, por um lado, reflexões críticas que se
inscrevem no campo dos estudos pós-coloniais e da literatura-mundial
e, por outro, análises e (re-)leituras de obras literárias e teóricas que
registram o colapso ambiental, em diversas modalidades estéticas,
línguas, linguagens e geografias, procurando fazer jus à principal tarefa da
crítica humanista: tornar mais coisas acessíveis ao escrutínio crítico para
derrubar injustiças secretas e vergonhosas, castigos coletivos e planos
manifestamente imperial de dominação (SAID, 2007).

Elena Brugioni e Alfredo Cesar Melo

Unicamp

REFERÊNCIAS

HARAWAY, Donna. “Anthropocene, Capitalocene, Plantationocene,


Chthulucene: Making Kin”. In Environmental Humanities, v.6, n.1, 2015, pp.
159–165. Disponível em: <https://doi.org/10.1215/22011919-3615934>. Acesso
em: 28/02/2023.

MCCLINTOCK, Anne. “TheAngel of Progress: Pitfallsof theTerm ‘Postcolonialism”,


in Williams, P. L. Chrisman (eds).Colonial Discourse and Postcolonial
Theory. Hemel Hampstead: Harvester Wheatsheaf, 1993, pp. 290-304.

MOORE, Jason W. Anthropocene or Capitalocene?: Nature, History, and the


Crisis of Capitalism. Oakland: PM Press, 2016.

geographically expansive sense of what constitutes our environment and which


literary works we entrust to voice its parameters. Despite the recent advances toward
that goal, ours remains an ongoing, ambitious, and crucial task — not least because
for the foreseeable future, literature departments are likely to remain influential players
in the greening of the humanities.”
7 O dossiê se insere nos resultados das pesquisas desenvolvidas no âmbito do
projeto “Comparativismos Combinados e Desiguais. Repensar o campo dos estudos
africanos e pós-coloniais a luz do debate sobre literatura-mundial”, coordenado por
Elena Brugioni e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Sao
Paulo Fapesp (ref. 2020/07836-0).

Remate de Males, Campinas-SP, v.42, n.2, pp. 254-259, jul./dez. 2022 – 258
MUKHERJEE, Pablo Upamanyu. Postcolonial Environments. Nature, Culture
and the Contemporary Indian Novel in English. Palgrave McMillan, 2010.

NIXON, Rob. Slow Violence and the Environmentalism of the Poor. Cambridge,
Massachusetts, and London, England: Harvard University Press, 2011.

SAID, Edward W. Humanismo e Crítica Democrática. Trad.


Rosaura Eichenberg. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.

SAID, Edward W. Culture and Imperialism. New York: Vintage Books, 1993.
TIMPANARO, Sebastiano. On Materialism. Trans. Lawrence Garner.
London: New Left Books, 1975.

WILLIAMS, Raymond. Culture and Materialism. London and New York: Verso,
2005

Remate de Males, Campinas-SP, v.42, n.2, pp. 254-259, jul./dez. 2022 – 259

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