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Os Prazeres

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OS PRAZERES

Que haja muitas manhãs de verão


em que com prazer, com alegria,
você entre em portos
que estará vendo pela primeira vez;
que possa parar
em postos fenícios de comércio
e comprar artigos finos
de madrepérola e coral, âmbar e
ébano, perfumes sensuais de todo tipo

todos os perfumes sensuais que puder
comprar...
– de C. P. Cavafy, Ithaka
Os Prazeres Físicos
Estas satisfações são imediatas, passageiras e vêm através dos
sentidos. Precisam de pouca ou nenhuma interpretação. Os órgãos dos
sentidos, por causa do rumo tomado pela evolução da espécie humana,
estão ligados diretamente à emoção positiva; tocar, sentir gosto, sentir
cheiro, movimentar o corpo, enxergar e ouvir são ações capazes de
evocar diretamente o prazer. Bebês muito novinhos sorriem quando
alguém toca em seus órgãos genitais. O gosto do leite materno e de
sorvete de baunilha têm o mesmo efeito durante os seis primeiros meses
de vida. Quando você está coberto de sujeira, um bom banho quente de
chuveiro é ótimo, e essa sensação agradável transcende o
conhecimento do fato de estar ficando limpo. O orgasmo não precisa de
agência de publicidade para apregoar suas virtudes. Para alguns,
esvaziar o intestino provoca um misto de alívio e prazer. Visão e audição
também estão ligadas à emoção positiva, de um modo um pouco menos
direto, mas ainda assim imediato; o céu sem nuvens de um dia de
primavera, os acordes finais de “Hey Jude”, dos Beatles, fotografias de
bebês e de filhotes de animais e sentar-se diante da lareira em uma
noite fria são exemplos de prazeres físicos.
Com um pouco mais de sofisticação, sensações complexas podem
levar ao prazer sensual. Para mim, elas incluem uma rosa-chá híbrida
perfeita, os compassos da abertura do “Magnificat” de Bach, um gole do
vinho Riesling Trockenbeerenauslese, a última cena do primeiro ato de
Sunday in the Park with George, o perfume Shalimar, uma rima perfeita e
meu dedo indicador preso na mãozinha fechada de minha filhinha de
dois meses.
Apesar da satisfação que certamente trazem, não é fácil construir a
vida em torno de prazeres físicos, já que são passageiros. Assim que o
estímulo externo cessa, eles desaparecem rapidamente. Além disso, nos
habituamos a eles com facilidade, o que exige doses maiores para
igualar a sensação original. São apenas os primeiros segundos de calor
que vem da lareira, a primeira colherada de sorvete de baunilha, o
primeiro contato com o aroma de Shalimar que “mexem” conosco. O
prazer vai diminuindo, a não ser que aumentem os intervalos entre uma
e outra experiência.

Os Prazeres Maiores
Os prazeres maiores têm muito em comum com os prazeres físicos.
Como estes últimos, têm “sensações naturais” positivas, são
passageiros, desaparecem com facilidade e criam hábito rapidamente.
Mas são consideravelmente mais complexos em relação ao modo como
se instalam. São mais cognitivos, muito mais numerosos e variados que
os prazeres físicos.
Existem várias maneiras de organizar os prazeres maiores, e o
esquema que adotei é apenas um deles. Escolhi uma palavra que define
uma emoção positiva, alegria, e procurei sinônimos para ela. Depois,
peguei cada uma das palavras encontradas, e procurei sinônimos para
elas. Fiz isso repetidas vezes, até esgotar os sinônimos. O procedimento
rendeu, para minha surpresa, menos de cem palavras correspondentes
a emoções positivas, incluindo prazeres físicos e maiores. Então, separei
as palavras correspondentes a prazeres corporais (orgástico e ardor, por
exemplo), e me vi com três classes de prazeres maiores que agrupei
conforme a intensidade.
Os prazeres de alta intensidade incluem enlevo, deleite, êxtase,
emoção, hilaridade, euforia, empolgação, sublimidade, júbilo e excitação.
Os prazeres de intensidade moderada incluem animação, encantamento,
vigor, regozijo, contentamento, alegria, bom humor, entusiasmo, atração
e graça. Os prazeres de baixa intensidade incluem conforto, harmonia,
divertimento, saciedade e relaxamento. Para meu objetivo – discutir
como aumentar essas sensações –, não tem muita importância qual o
método escolhido para separar os prazeres; todos eles têm caminhos
comuns que levam ao aperfeiçoamento.

Aumentando os Prazeres
Para começar, devo dizer que você não precisa de um especialista para
lhe dar conselhos sobre os prazeres da vida. Você sabe do que gosta e
do que não gosta muito melhor que qualquer psicólogo. Mas estudos
científicos sobre a emoção positiva levaram a três conceitos que podem
contribuir para aumentar a felicidade momentânea na sua vida:
habituação, apreciação e atenção. A revelação do poder desses
conceitos psicológicos pode oferecer lições sobre o aumento do
sentimento positivo que vão servir para a vida toda.

HABITUAÇÃO
Tanto os prazeres físicos como os prazeres maiores possuem um
conjunto de propriedades uniformes e peculiares que limitam sua
utilidade enquanto fontes de felicidade duradoura. São prazeres fugazes
por definição, e em geral desaparecem subitamente. Se passo aos meus
alunos uma tarefa divertida, como assistir a um filme, percebemos que
quando acaba, acaba. Cessado o estímulo externo, a emoção positiva
mergulha na onda da experiência contínua, deixando poucos vestígios.
Isso é tão regular, que as exceções provam a regra: um raro filme que
volta à nossa consciência no dia seguinte (O Senhor dos Anéis) ou o
travo de um borgonha que persiste por dois minutos inteiros (ou alguma
coisa que eu tenha experimentado uma meia dúzia de vezes em uma
vida de apreciador de vinhos, um gosto que vem à memória no dia
seguinte).
O mesmo prazer repetido com frequência perde o efeito. O prazer
da segunda colherada de sorvete de baunilha não é nem a metade do
que foi a primeira, e lá pela quarta colherada, só restam as calorias. Uma
vez saciadas as necessidades calóricas, o gosto é pouco melhor que o
de papelão. Este processo, chamado habituação ou adaptação, é um
fato neurológico intocável da vida. Os neurônios são conectados para
responder a novos eventos, e para não atuar se não houver novas
informações. No nível de uma única célula, existe o chamado período
refratário, em que o neurônio simplesmente fica impedido de atuar por
algum tempo (alguns segundos, geralmente). No nível do cérebro como
um todo, damos atenção a novos eventos e ignoramos os que não são
novos. Quanto mais redundante o evento, mais ele se mistura a um
fundo nebuloso.
Os prazeres não apenas desaparecem rapidamente, eles podem
ter consequências negativas. Lembra-se dos “centros de prazer” que se
supôs terem sido encontrados nos cérebros de ratos, quarenta anos
atrás? Os pesquisadores implantaram fios muito finos em áreas
específicas do cérebro (sob o córtex) dos ratos, e então liberavam um
pequeno choque elétrico sempre que o animal pressionava uma barra.
Os ratos passaram a preferir a estimulação elétrica a alimento, sexo e
até à própria vida. O que os pesquisadores descobriram estava mais
ligado à dependência do que ao prazer. Acontece que o estímulo elétrico
provoca um desejo muito forte. O desejo é satisfeito pela estimulação
elétrica seguinte, que, infelizmente, provoca um novo desejo. Esse
desejo desapareceria em poucos minutos, se o rato interrompesse o
processo deixando de pressionar a barra; mas o desejo é tão intenso,
que ele pressiona a barra antes mesmo que ela caia, não pelo prazer,
mas porque fica preso em um círculo vicioso. O desejo não satisfeito é
em si negativo, e o rato vai evitá-lo.
Ter alguém que nos coce as costas acalma a coceira, que no
entanto volta ainda mais forte quando o toque é interrompido. O ato de
coçar desperta uma nova sensação de coceira, e o ciclo continua. Se
você trincar os dentes e esperar, a coceira passa, mas a vontade de
coçar é mais forte. É assim que funciona com um acesso de tosse,
amendoim salgado, cigarro e sorvete de baunilha. Muito mais
seriamente, é assim também com o mecanismo da dependência de
drogas. O álcool produz efeitos posteriores negativos (a ressaca) que
acabam passando, seja naturalmente ou tomando outro drinque. Se
você toma aquele drinque que cura a ressaca, os efeitos desaparecem,
mas pode esperar por outra ressaca e assim por diante.
Isso tem implicações diretas sobre a intensificação dos prazeres da
vida: o padrão segundo o qual você os divide pelo tempo é crucial. A
primeira regra prática está no poema de Cavafy: “Todos os perfumes
sensuais que puder comprar.” Inclua na vida o máximo possível de
eventos que deem prazer, mas procure intercalá-los com períodos de
tempo mais longos do que você faz normalmente. Quando o seu desejo
por um determinado prazer diminuir a zero (ou, abaixo disso, chegar à
aversão), ao tê-lo mais espaçado, é sinal de que provavelmente não era
prazer, mas dependência. Tome uma colherada de sorvete e espere
trinta segundos (vai parecer uma eternidade). Se não desejar a segunda
colherada, jogue tudo pelo ralo – literalmente. Se ainda tiver vontade,
tome a segunda colherada e espere novamente. Vai acabar parando.
Procure encontrar o espaçamento de tempo mais adequado para
manter a habituação dos seus prazeres sob controle. Se você gosta da
música de Bruce Springsteen, experimente ouvir com mais ou menos
frequência. Você vai encontrar um intervalo que mantém a música
sempre nova. A surpresa, como o espaçamento, impede que os prazeres
se transformem em hábito. Procure pegar a si mesmo de surpresa – ou,
melhor ainda, cuide para que as pessoas com quem você convive se
surpreendam frequentemente umas às outras, oferecendo prazeres “de
presente”. Não precisa ser nada do tipo dúzias de rosas encomendadas
ao florista. Que tal uma inesperada xícara de café? Vale a pena reservar
cinco minutos todo dia para criar uma surpresinha agradável para a
esposa/o marido, os filhos ou um colega de trabalho: sua música
preferida ao chegar em casa, uma massagem nas costas enquanto
estiver trabalhando ao computador, um vaso de flores sobre a mesa de
trabalho, um bilhetinho afetuoso. Essas atitudes são reciprocamente
contagiosas.

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