Violência Sexual
Contra Crianças
e Adolescentes:
Reflexões e
abordagem
2016
Tribunal de Justiça do Estado de Ministério Público do Estado de
Goiás Goiás
Corregedoria-Geral da Justiça do Centro de Apoio Operacional da
Estado de Goiás Infância e Juventude
Coordenadoria da Infância e
Juventude do Estado de Goiás
Juizado da Infância e Juventude
de Goiânia
Sumário
Apresentação 5
Violência sexual contra crianças e
adolescentes 9
Revitimização 15
A condução de entrevistas de crianças e
de adolescentes em situação de violência
sexual 21
Depoimento Especial 31
A Avaliação Psicológica de crianças e de
adolescentes em situação de violência
sexual 37
Políticas públicas 43
Referências de consulta 46
Links 47
Bibliografia 48
Expediente 51
“Os desenhos utilizados
nesta Cartilha foram feitos
por crianças que estão (ou
estavam) acolhidas, sob medida
protetiva, no Residencial
Professor Niso Prego,
instituição governamental de
Goiânia, em janeiro de 2016”
Apresentação
Dispõe a Constituição Federal, em seu artigo
227, que aos Poderes Públicos cabe o dever de
assegurar os direitos da criança e do adolescente
com prioridade absoluta sobre os demais. Por outro
lado, a Convenção Internacional sobre os Direitos
da Criança, em seu artigo 12, assegura à criança e
ao adolescente o direito de serem ouvidos em todo
processo judicial que possa afetar seu interesse.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
Federal n° 8.069, de 13 de julho de 1990), em
seu artigo 5°, assegura que nenhuma criança ou
adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão, punido na forma da lei
qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais.
Nos dias atuais, ouve-se falar de uma
questão grave enfrentada por muitas crianças e
adolescentes, a violência sexual. O combate a esse
crime é um dos desafios do nosso País. Segundo
dados da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), ocorrem no Brasil, por ano, cerca de 100 mil
casos de abuso e exploração sexual de crianças e
adolescentes. Menos de 20% desses casos chegam
ao conhecimento das pessoas encarregadas de
tomar providências.
O abuso sexual, uma das mais graves formas
de violação das garantias fundamentais da criança
e do adolescente, constitui-se em um fenômeno
de alta complexidade, recorrente e com contornos
7
variáveis, levando-se em conta a época, cultura ou
região, que exige a articulação e a integração em
ações voltadas ao combate e a prevenção.
O tema exige especial atenção de todos os
operadores da Rede de Proteção, que de diversas
formas investigam, propõem punições e trabalham
junto com a sociedade para prevenir essas práticas
e garantir a proteção necessária às vítimas. Nesse
sentido, com fins de esclarecer sobre o assunto,
esta cartilha traz questões acerca do contexto em
que a violência sexual ocorre; da revitimização;
da condução das investigações e entrevistas
com crianças e adolescentes em situação de
violência; da avaliação psicológica nesses casos;
do depoimento especial; e das políticas publicas
voltadas ao acompanhamento e à prevenção.
A presente Cartilha apresenta-se como
resultado de um trabalho conjunto entre o Tribunal
de Justiça e o Ministério Público, tendo como
objetivo contribuir para o despertar do profissional
da Rede de Proteção. Em especial, junto àqueles
que atuam de forma direta com o recebimento da
informação do fato acontecido, seja na investigação
ou no processamento, para estarem mais atentos,
evitando expor crianças e adolescentes a
circunstâncias que podem acobertar os abusadores
ou até mesmo trazer intenso trauma e sofrimento
ao ofendido.
De igual forma, o presente material busca ainda
apresentar orientações sobre o trato técnico mais
adequado na condução do caso, considerando os
variados fatores que influenciam no seu deslinde.
8
Por fim, por meio da Cartilha “ Violência
sexual contra crianças e adolescentes:
reflexões e abordagem”, coloca-se à disposição
dos magistrados do Poder Judiciário, dos
representantes do Ministério Público, da Polícia
Judiciária com atuação na área da infância e
juventude e dos Conselheiros Tutelares, além dos
demais integrantes da Rede de Proteção, mais
um instrumento de informação e orientação na
atuação afeta aos crimes sexuais contra crianças e
adolescentes, pessoas em desenvolvimento, cujos
direitos devem ser respeitados. É oportuno concluir
com o pensamento do renomado e conhecido
educador Jean Piaget “Quando olho uma criança
ela me inspira dois sentimentos, ternura pelo que
é, e respeito pelo que posso ser.”
Coordenadoria da Infância e Juventude do
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
e
Centro Operacional de Apoio da Infância e
Juventude do Ministério Público de Goiás
9
Violência sexual contra
crianças e adolescentes
A Violência Sexual contra crianças e
adolescentes se define pelo uso desses sujeitos
em desenvolvimento em práticas para estimulação
ou satisfação sexual de pessoas mais velhas,
que se encontram, portanto, em um estágio de
desenvolvimento psicossexual mais adiantado, o
que alguns teóricos indicam como uma diferença
de cinco anos ou mais de idade (Conte, 1993
apud Ferreira 2002, p. 16). Esta situação tem como
característica típica uma desigualdade de poder
entre vítima e agressor e, em geral, envolve uso de
ameaça, força física ou sedução.
A Violência Sexual contra crianças e
adolescentes é também considerada uma violação
dos direitos humanos. Contudo, ainda que o
Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8069/90
disponha em seu art. 5° que nenhuma criança ou
adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão, na prática, os desafios para
as garantias legais são diversos e imensos. Segundo
Silva (2009), na atualidade, a violência atinge
crianças e adolescentes de formas cada vez mais
refinadas, o que requer a ampliação das concepções,
definições e modos de intervenção para um
efetivo enfrentamento. Nesse sentido, o relatório
da ChildLine, de 2014, apontou um acréscimo
significativo no número de situações envolvendo
violência sexual online, com um aumento de 168%
em relação aos dados do ano anterior.
11
A Violência Sexual contra crianças e
adolescentes é considerada, atualmente, um grave
problema de saúde pública, devido à sua alta
incidência e às consequências físicas e psicológicas
que pode acarretar para as vítimas. Apesar dos
números alarmantes, estes ainda não refletem
totalmente a realidade, já que a Organização
Mundial de Saúde estima que apenas um em cada
20 casos chega a ser notificado, ocultando, assim,
as reais situações de violência.
Violência sexual é gênero do qual são
espécies a exploração sexual e o abuso sexual.
No entanto, a exploração se diferencia do abuso,
pois envolve a mercantilização do sexo e o uso
da criança ou do adolescente como objetos
sexuais para obtenção de alguma espécie de
lucro (Childhood, sem data).
Tipos de abuso sexual
De modo geral, o abuso sexual pode ser
classificado, conforme o seu contexto, em:
– Intrafamiliar: Ocorre quando existe laço familiar,
biológico ou não, entre a criança ou o adolescente
e o autor da violência. Nesses casos, consideram-
se também as famílias substitutas (tutela, guarda e
adoção).
– Extrafamiliar: O autor da violência sexual
não possui laços familiares com a criança ou
o adolescente e pode ser pessoa conhecida ou
totalmente desconhecida da vítima.
12
Formas de abuso sexual
Este tipo de violência acontece de diversas
maneiras:
– Com contato físico: Manipulação de partes
corporais íntimas; beijos e toques abusivos; ato sexual
com ou sem penetração.
– Sem contato físico: Exibicionismo: exibição de
órgãos sexuais; voyeurismo: observação de órgãos
sexuais ou de atos íntimos de outros; exposição de
materiais pornográficos; abuso sexual verbal.
Consequências da Violência Sexual:
O abuso sexual pode acarretar uma série de danos
físicos, psicológicos e/ou psicossomáticos, contudo
essa situação não produz os mesmos efeitos em todas
as vítimas e pode afetá-las de maneiras diversas.
A gravidade das consequências a curto, médio ou
longo prazo dependerá de uma série de fatores de
risco e proteção intrínsecos e extrínsecos à vítima.
Os fatores intrínsecos podem incluir a resiliência1,
vulnerabilidade, idade e recursos emocionais da criança
ou do adolescente. Os fatores extrínsecos referem-se aos
recursos sociais, dinâmica familiar, recursos emocionais
dos cuidadores e impacto das revelações do abuso
na família. Assim, apesar de sempre haver prejuízos,
algumas vítimas expressarão o seu sofrimento por meio
de diferentes sintomas evidentes, enquanto outras não. o
farão. Ademais, não existem sinais exclusivos referentes
aos casos de violência sexual.
1
Capacidade de se recuperar de um dano, de resistir e de reagir frente às
adversidades, inclusive com crescimento pessoal (Brandão, Mahfoude e
Nascimento, 2011).
13
A síndrome do segredo
Estudiosos indicam que cerca de 80% dos
casos de violência sexual são praticados por
membros da família ou por pessoa conhecida e
confiável (Azambuja, 2009). O primeiro obstáculo
a ser enfrentado pela vítima é a revelação da
violência, especialmente quando o agressor é
alguém próximo a ela. Neste caso, a mesma pessoa
com a qual estabelece vínculos significativos
de confiança e de cuidado também a agride e
isto tende a despertar vergonha, culpa, medo,
confusão, dentre outros sentimentos negativos
ou conflituosos. Ademais, as ligações familiares
envolvem ainda relações de poder, pois a criança
ou o adolescente se encontra em posição de
dependência e subordinação econômica e afetiva
em relação ao agressor. Mostra-se comum o uso de
recursos como chantagens emocionais e atitudes
sedutoras para manter a situação em segredo.
O importante apoio da família e
da rede de atendimento
No processo doloroso de denúncia da
violência sexual, a vítima, que, em geral, se
encontra fragilizada, precisa do apoio da família.
Como muitas são as situações de violência
sexual intrafamiliar, cada uma deve ser muito
bem avaliada, de modo que, para proteção da
vítima, cogita-se em primeiro lugar, afastar o
suposto agressor, conforme o art. 130 da Lei
Federal n° 8069/1990 – Estatuto da Criança e
do Adolescente, e não a vítima. Ocorre que, na
14
prática, muitas vezes essa determinação acaba
sendo ignorada ou, por motivos diversos, não se
concretiza.
Em situações extremas, estudos cuidadosos
podem indicar que os responsáveis não exercem
sobre a criança e/ou o adolescente a proteção
necessária e os expõem a situações de risco. Nesses
casos, mostra-se relevante a busca por pessoas da
família extensa (avós, tios e primos) que possam
assumir os cuidados com a vítima. Descartada essa
possibilidade, com o devido fundamento, cabe à
autoridade judiciária analisar a necessidade de
acolhimento da criança ou do adolescente como
Medida de Proteção, excepcional e provisória,
conforme determinado pelo ECA (art. 101, incisos VII
a VIII, § § 1° e 2º). Neste último caso, a importância
do apoio à vítima é ainda maior, pois além das
consequências ligadas à situação de violência,
também haverá o afastamento do convívio familiar,
ainda que temporário. A excepcionalidade do
acolhimento institucional deve ser observada,
considerando que o afastamento do ambiente
familiar pode provocar consequências importantes,
por exemplo, a fragilização dos vínculos, com
possíveis efeitos nas relações afetivas significativas;
sofrimento por parte da vítima; dificuldades da
criança ou do adolescente em se adaptar ao novo
contexto e de socializar com pessoas desconhecidas,
dentre outros.
15
Revitimização
A situação de violência sexual sofrida é
classificada por estudiosos como uma vitimização
primária. A revitimização ou vitimização secundária
se refere ao processo de ampliação do sofrimento
vivido pela vítima, em decorrência de procedimentos
conduzidos de modo inadequado, principalmente
por instituições oficiais, como, por exemplo, a Polícia
Militar, o Ministério Público e o Poder Judiciário
durante o atendimento do caso. A despeito da
situação, a vitimização secundária pode se mostrar
mais prejudicial que a própria ocorrência da violência
(Luz e Roseno, s/ data. Cezar, 2007; Bitencourt, 2009).
O árduo caminho das crianças e dos adolescentes
em situação de violência sexual: A revelação é
só a primeira etapa de um longo processo e é
normalmente feita para alguém que desperta
confiança, como um familiar, professor ou colega.
Depois, a vítima é ouvida por outros familiares,
Professores, Conselheiros Tutelares, Delegados,
Médicos, Psicólogos, Promotores de Justiça e Juízes.
Entre a revelação da violência e a finalização da
situação perante o Poder Judiciário podem decorrer
alguns anos. Manter a declaração repetidamente e
participar como principal testemunha em processo
que pode implicar na condenação de um familiar,
tende a gerar na vítima intenso sofrimento e confusão.
A revelação da situação para alguém de
confiança não exclui a necessidade de formalização
de denúncia, pois há que se buscar proteger a
vítima e responsabilizar o agressor. Portanto, quando
uma criança ou adolescente confia em uma pessoa
17
e revela que sofre abuso sexual, é preciso lhe
apontar a necessidade de que seja formalizada
uma denúncia sobre o fato. É ainda importante
esclarecer para a vítimaque a quebra de sigilo sobre
o assunto não configura uma quebra no vínculo de
confiança, mas sim a busca pela devida proteção.
Para isso, é preciso sensibilidade e clareza, de
modo a se conseguir acolher o sofrimento da
vítima e, ao mesmo tempo, acalmá-la quanto aos
temores relativos à denúncia e à revelação em si.
Quando todo o Sistema de Garantia e Defesa
de Direitos de Crianças e de Adolescentes – Polícia
Civil e Militar, Poder Judiciário, Ministério Público,
Conselho Tutelar e demais políticas que atendem
a crianças e a adolescentes, como as da área de
assistência social, saúde e educação – apresenta
dificuldades em apurar a denúncia e, até mesmo na
intenção de proteger a vítima, acaba por depositar
nesta a expectativa de obter uma comprovação
do crime, a revitimização tende a ocorrer. As
recorrentes declarações da vítima sobre a violência
e a ausência de respostas efetivas e rápidas, que
assegurem o melhor interesse da criança e do
adolescente são revitimizadoras, pois tendem a
causar sofrimento novamente, por vezes, de modo
mais significativo que a própria violência em si.
A denúncia caracteriza-se como um processo
longo e muito difícil. Ao mesmo tempo, a
violência sexual deixa as pessoas fragilizadas,
envergonhadas e sensíveis. Por isso, os diversos
agentes envolvidos na rede precisam buscar
alguns cuidados para minimizar a revitimização
e proteger crianças e adolescentes, sujeitos em
condições peculiares de desenvolvimento.
18
Um desafio a ser enfrentado:
Para minimizar a revitimização e ainda
conseguir relatos mais fidedignos acerca da situação
sofrida, alguns países mantêm a prática de obter a
declaração da criança ou do adolescente logo após
a denúncia. Normalmente, são realizados registros
audiovisuais que servem como prova no processo, o
que evita que a criança seja solicitada a prestar seu
relato outras vezes, inclusive em audiências.
Nessa entrevista, são muito utilizados, no
mundo todo, alguns instrumentos que contam com
base científica e podem ser aplicados por qualquer
profissional devidamente treinado, a exemplo de
assistentes sociais, policiais, psicólogos ou outros
agentes da rede de proteção (Alves Júnior, 2013.
Ribeiro, Alves Júnior e Maciel, 2014).
De modo geral, os protocolos de entrevista
forense buscam coletar o relato da criança de
forma livre e espontânea, evitando perguntas
diretivas ou fechadas e incluindo procedimentos
como: estabelecimento de confiança, avaliação
de desenvolvimento, avaliação da capacidade da
criança em distinguir entre mentira e verdade,
fornecimento de informações sobre a entrevista,
possibilidade de responder “não sei” às questões,
perguntas abertas/neutras e encerramento.
Ainda que capazes de levantar dados
importantes sobre o fato noticiado, cumpre
registrar que os protocolos de entrevista, assim
como outros métodos de coleta de informação,
não são, isoladamente, suficientes para comprovar
a ocorrência do abuso. Isso, entretanto, não afasta a
19
possibilidade de que os elementos levantados por
meio dos protocolos contribuam para a conclusão
do caso, devendo, contudo, serem analisados em
conjunto com outras evidências.
Mesmo que os protocolos não sejam de uso
exclusivo de determinada formação profissional,
sua aplicação requer treinamento especializado e
supervisão, a fim de garantir a efetividade desses
instrumentos.
Dentre os modelos ou protocolos mais usados
estão a Entrevista Cognitiva; a Entrevista Forense e a
Entrevista Forense Estendida da National Children’s
Advocacy Center – NCAC; o Protocolo de Entrevista
Forense - RATAC, da organização não governamental
americana Corner House; e o Protocolo de Entrevista
Investigativa Estruturada do National Institute of Child
Health and Human Development – Protocolo NICHD.
Dentre eles, atualmente, o NICHD é o protocolo mais
pesquisado em diversos países (Alves Júnior, 2013.
Ribeiro, Alves Júnior e Maciel, 2014).
Resolução 169/2014 do
CONANDA:
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente, considerando as normativas nacionais e
internacionais e, especialmente, os Direitos de Crianças
e de Adolescentes, dispôs sobre a proteção destes,
no atendimento realizado por órgãos e entidades do
Sistema de Garantia de Direitos - SGD. O atendimento
é definido, então, como o conjunto de procedimentos
adotados nos momentos em que a criança e o
20
adolescente são ouvidos nos órgãos e entidades do
SGD, envolvendo, entre outros, o Sistema de Justiça, os
órgãos de Segurança Pública e do Poder Executivo e os
Conselhos Tutelares (art. 1º, parágrafo único).
A referida norma indica o atendimento como
uma prática ética e profissional, que deve considerar
fatores como idade, maturidade e interesse da vítima,
além de oportunizar sua livre expressão. Há ainda
definição de que o atendimento ocorra em tempo e
lugar condizentes com a condição de pessoa em fase
especial de desenvolvimento e de modo a garantir
a privacidade necessária. O atendimento não pode,
sob hipótese alguma, agravar o sofrimento psíquico
das crianças e dos adolescentes e deve respeitar o
tempo e o silêncio destes (art.2º, § § 1° e 2°).
Destacam-se, por fim, o art. 3º e seus respectivos
parágrafos, que recomendam o “uso de meios
técnicos e metodológicos necessários à preservação
da integridade física, psíquica e moral da criança e do
adolescente”. Nesse sentido, o atendimento deverá
ser realizado, sempre que possível, por equipe
interprofissional, respeitando-se a autonomia técnica
no manejo das intervenções. Deve-se proporcionar o
devido acolhimento, atenção e suporte à vítima e às
suas necessidades e peculiaridades.
A partir disso, observa-se que, de modo geral,
a concretização de muitos aspectos definidos pela
Resolução 169/2014 constitui-se um grande desafio.
Tem-se claro que a efetivação da norma pode ser
buscada por meio da articulação de forças e interesses
entre os diversos atores do SGD de Crianças e de
Adolescentes, de modo a evitar a revitimização e
qualificar ética e profissionalmente o atendimento.
21
A condução de entrevista de
crianças e de adolescentes em
situação de violência sexual
O ato de entrevistar uma criança ou
adolescente para obter seu relato sobre a
experiência sexualmente abusiva é complexo.
Como, em geral, não há testemunhas, nem mesmo
evidências físicas da situação, a declaração da
vítima é fundamental para a apuração dos fatos.
Deste modo, mostra-se comum que essas crianças e
adolescentes sejam solicitados a relatar o ocorrido
várias vezes, nos diversos locais percorridos após a
revelação da violência, e para diferentes pessoas, o
que, conforme já apontado, a depender de como é
conduzido, mostra-se prejudicial.
Segundo a proposição da Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança, a
condução de entrevistas deve considerar sempre o
melhor interesse da criança e do adolescente. Além
disso, é preciso que o entrevistador mantenha
uma postura ética e possua alguns conhecimentos
prévios sobre a dinâmica dessa forma de violência.
Informações importantes:
Uma entrevista mal conduzida pode revitimizar a
criança ou o adolescente. Em outros casos, a falta de
acolhimento e apoio, o sentimento de desproteção,
além do intenso sofrimento vivido, durante o
23
processo de apuração da denúncia, podem levar a
vítima a negar, a partir de determinado momento,
a ocorrência da violência sofrida. Este fenômeno é
conhecido na literatura como “retratação”.
Deve-se considerar também a possibilidade
de a criança ou o adolescente não querer falar
sobre o assunto por vergonha, por culpa ou por
pressão familiar. Neste contexto, alguns cuidados
devem ser tomados a fim de proteger a vítima e
respeitar seu sofrimento. Outras questões devem
ser observadas no sentido de garantir que a
declaração, por si só tão mobilizadora para a
vítima, esteja isenta de interferências externas e
possa ser válida do ponto de vista jurídico.
A prática de entrevistar por diversas vezes
a vítima tende a trazer, como consequência, a
incorporação de detalhes alheios ao episódio
vivenciado e pode até mesmo estimular a
criação de falsas memórias, ou seja, a lembrança
de eventos não ocorridos como se tivessem
existido (Neusfeld, Brust e Stein, 2010). Isto
acontece, especialmente, quando são utilizadas
perguntas sugestivas, capazes de indicar ou
acrescentar elementos que podem ser captados
pelo entrevistado. A sugestionabilidade refere-
se à propensão de um indivíduo incorporar
informações distorcidas e externas às suas
recordações pessoais, o que ocorre com frequência
no contexto forense (Welter e Feix, 2010).
Pesquisas indicam que a qualidade da
memória fica comprometida com o passar do
tempo, pois as informações retidas podem
24
ser fortalecidas, transformadas ou perdidas, à
medida que outras informações são incorporadas
na memória. Mostra-se primordial, para que se
obtenham dados mais fidedignos e críveis, que
a realização da entrevista aconteça em tempo
mais próximo possível à ocorrência da violência,
de modo a minimizar a distorção ou perda de
informações importantes (Stein, Pergher e Feix,
2009; Welter e Feix, 2010).
Considera-se que os principais fatores que
influenciam no armazenamento são a quantidade
de tempo transcorrido entre o evento e o relato;
o número de vezes que as memórias do evento
são acessadas e a quantidade e os tipos de
entrevistas às quais o sujeito é submetido. Além
disso, a mudança nas crenças ou expectativas
da testemunha também podem interferir nas
informações armazenadas, como nos casos em
que, após a revelação ou denúncia, a vítima se
sente ameaçada, desprotegida e passa a negar
a realidade do que viveu, alterando totalmente
seus relatos ou retratando-os.
No que se refere à entrevista com
crianças muito pequenas, aponta-se que estas
são bastante sugestionáveis e suscetíveis à
influência de informações alheias ao fato. Ainda
que a elaboração da linguagem e a capacidade de
expressão mostrem-se incipientes nesses casos,
isso não impede que as crianças apresentem
informações relevantes, de acordo com seu
grau de desenvolvimento e faixa etária. Assim,
recomenda-se um maior cuidado ao obter a
declaração dessas vítimas.
25
Como conduzir uma entrevista:
Como já anteriormente citado, as indicações
técnicas para a condução de entrevistas se
fundamentam na busca de um relato livre e
espontâneo acerca do fato. Sendo assim, considera-
se imprescindível propiciar um clima cordial,
estabelecer uma relação de segurança, optar por
perguntas abertas e evitar o uso de questões
fechadas ou diretivas. Nesse sentido, com o objetivo
de planejar e preparar a entrevista, faz-se necessário:
– Coletar previamente informações sobre a criança
ou adolescente, para verificar, por exemplo, se
necessita de alguma atenção especial;
– Preparar o ambiente físico, que deve ser confortável,
sóbrio e sem estímulos que possam distrair o
entrevistado. Recomenda-se que o entrevistador
não fique de frente para a criança ou adolescente, a
fim de evitar uma postura intimidadora;
– Elaborar um roteiro de entrevista, para assegurar
que todas as questões importantes sejam abordadas.
Ressalta-se que as perguntas devem ser abertas,
ou seja, aquelas que não limitam a resposta da
vítima, dando-lhe a oportunidade de relatar uma
quantidade maior de informações.
O quadro a seguir apresenta exemplos e
características de perguntas consideradas abertas,
fechadas e sugestivas.
26
Perguntas Abertas Fechadas Sugestivas
– Conte-me tudo que – Ele tirou sua – Sua mãe co-
você lembra sobre ...? roupa? mentou que ele
tirou sua roupa e
– E depois? – Ele tocou seu te deixou nua. Foi
corpo? assim?
– Você recorda mais
alguma coisa sobre...? – Você estava em – Ele fez isso mais
casa? de uma vez, não
– O que houve naquele foi?
dia? – Sua mãe estava
Exemplos
com você?
– Como aconteceu isso?
– Você falou com
– Quem estava lá? sua avó?
Em geral, as perguntas
abertas usam as inda-
gações: quem, o que,
quando, como e onde.
Favorecem a obten- Normalmente com- Tendem a suges-
ção de relato livre e portam respostas tionar os relatos
espontâneo, de dados de “sim” ou “não” e e, assim, promo-
mais fidedignos e de não produzem uma ver a obtenção
maior número de in- elaboração maior ao de dados pouco
formações. Promovem serem respondidas. confiáveis, críveis
ainda a expressão de Limitam as respos- ou fidedignos.
sentimentos relaciona- tas e dificultam a
dos ao fato. obtenção de relatos Muitas vezes,
mais gerais e espon- revelam uma
Características
Devem predominar ao tâneos. busca involuntária
de cada tipo de
longo da entrevista. do entrevistador
pergunta
Devem ser usadas por uma resposta
de forma restrita e específica, ou
cuidadosa, após a apresentam para
obtenção do relato a vítima informa-
inicial e geral. ções que esta não
relatou.
Não devem ser
utilizadas.
27
Momentos principais da entrevista:
1) Acolhimento do entrevistado (rapport ou
preparação). Nesta etapa, é necessário estabelecer
uma relação de confiança e, para tanto, se recomenda
proporcionar um ambiente confortável a fim de
reduzir a tensão e ansiedade. O entrevistador
apresenta-se dizendo seu nome e posteriormente
discute assuntos neutros. Recomenda-se conhecer
e ajustar a linguagem, familiarizar a criança ou o
adolescente com o uso de perguntas abertas, como
por exemplo: “Conte-me sobre sua escola” ou
“Fale-me sobre sua família”. Após essa abordagem
inicial, de preparação, deve-se apresentar breve
explicação acerca do objetivo da entrevista e de
como essa ocorrerá.
2) Obtenção de relato. Implica recordação
do entrevistado acerca do fato e requer,
primordialmente, o uso de questões abertas,
conforme apontado no quadro acima. Convém
explicar ao entrevistado que, caso não saiba
responder algo ou não tenha entendido o que foi
perguntado, deve indicar isso ao entrevistador.
Estas orientações contribuem para a apresentação
de relatos mais fidedignos. O entrevistador deve
assumir uma postura de empatia e serenidade
que inclui uma escuta ativa e integral, bem como
respeitar o silêncio e as pausas do entrevistado,
emitir sinais de encorajamento em relação ao relato,
28
o que evidencia interesse. Recomenda-se, também,
atenção ao comportamento não verbal. Além disso,
é importante manter a expressão amigável e de
suporte, demonstrar paciência, falar devagar, usar
frases curtas, bem como estabelecer contato visual
com a vítima, entretanto, sem intimidá-la. Além do
mais, o entrevistador deve evitar assumir tendências
sugestivas ou indutivas involuntárias como, por
exemplo, sorrir ou assentir com a cabeça apenas
diante de relatos consonantes com suas suspeitas.
3) Fechamento ou finalização da entrevista. O
indicado é que esse momento seja conduzido de
forma que o entrevistado diminua sua possível
mobilização afetiva e saia com sentimentos
positivos e estado emocional tranquilo. Para isso,
sugere-se finalizar a entrevista com um breve
diálogo sobre assuntos neutros e que se agradeça o
empenho e a cooperação do entrevistado. Pode-se
perguntar, também, se a criança ou o adolescente
tem alguma dúvida ou quer acrescentar algo que
não lhe foi questionado.
A seguir destacam-se os dez erros mais
comuns dos entrevistadores forenses, de acordo
com Feix e Pergher (2010). Todas as falhas se
referem ao uso de técnicas inadequadas, assim
como à postura do entrevistador, as quais podem
ser minimizadas ou eliminadas a partir do uso de
técnicas apropriadas de entrevista investigativa.
29
Dez falhas mais comuns dos
entrevistadores forenses:
1. Não explicar o propósito da entrevista;
2. Não explicar as regras básicas da sistemática da entrevista;
3. Não estabelecer rapport (preparação);
4. Não solicitar o relato livre;
5. Basear-se em perguntas fechadas e não fazer perguntas
abertas;
6. Fazer perguntas sugestivas / confirmatórias;
7. Não acompanhar o que a testemunha disser;
8. Não permitir pausas;
9. Interromper a testemunha quando ela estiver falando;
10. Não fazer o fechamento da entrevista.
Depoimento Especial
Como o abuso sexual, em geral, não envolve
testemunhas nem deixa vestígios físicos, o
depoimento da vítima em juízo é de extremo
valor e, em geral, a única prova possível de ser
produzida. Ao mesmo tempo, a promoção desse
relato no contexto forense não é tarefa fácil, devido
a vários aspectos. A capacitação dos agentes que
atuam na coleta de depoimento das crianças e
adolescentes quase sempre se mostra inexistente
ou insuficiente. Também, os espaços físicos das
salas de audiência, além de serem muito formais
e pouco acolhedores, não resguardam a vítima da
presença do suposto agressor e de outras pessoas
que são estranhas ao seu convívio, o que pode
gerar desconforto, constrangimento, intimidação,
vergonha, inibição e medo. Em alguns casos, esse
contexto mobiliza emocionalmente de tal forma o
depoente, que impede ou compromete de modo
significativa seu relato. Todas essas circunstâncias
inviabilizam a responsabilização do agressor, ante
a fragilidade da prova produzida.
Segundo o artigo 12 da Convenção sobre
os Direitos da Criança, promulgada em 1990,
“...se proporcionará à criança, em particular, a
oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial
ou administrativo que a afete, quer diretamente
quer por intermédio de um representante ou
órgão apropriado, em conformidade com as
regras processuais da legislação nacional”. Nesse
sentido, no Brasil, a partir do ano de 2003, teve
início o projeto “Depoimento Sem Dano”, que
33
introduziu uma prática diferenciada de escuta
das vítimas ou testemunhas, a fim de facilitar o
contato de crianças e adolescentes com o sistema
de justiça. Atualmente, esse procedimento técnico
é denominado Depoimento Especial e ocorre nos
Tribunais de Justiça de todos os Estados do País,
em substituição à audiência tradicional.
O Depoimento Especial acontece em um local
apropriadamente projetado para tal fim, onde
permanecem apenas o técnico entrevistador e
a vítima. Este espaço é ligado por um sistema
audiovisual à sala de audiência, na qual se
encontram o Magistrado, o Promotor de Justiça, o
Advogado, o réu e demais operadores da Justiça.
O depoimento é integralmente gravado em mídia
eletrônica e juntado aos autos, o que viabiliza às
partes e ao Magistrado revê-lo a qualquer tempo.
Essa gravação possibilita o acesso às emoções
presentes nas declarações, as quais nunca são
passíveis de serem transferidas para o papel, além
de minimizar as chances de revitimização, tendo
em vista que a vítima será poupada de prestar
novos depoimentos.
O técnico entrevistador, em geral, um assistente
social, psicólogo ou pedagogo, deve ter treinamento
específico para a coleta de Depoimento Especial.
Nesse sentido, faz-se necessário o aprofundamento do
conhecimento teórico relativo à dinâmica do abuso,
do estágio de desenvolvimento emocional, cognitivo,
social e físico da criança ou do adolescente, bem
como de técnicas de entrevista adequadas para tal
fim, como protocolos preestabelecidos. Além disso, é
importante que o técnico tenha habilidade em ouvir,
disposição para o acolhimento, paciência, empatia,
34
capacidade de deixar o depoente à vontade durante
a audiência e que respeite uma possível negativa da
vítima em prestar declarações. A atuação de técnicos
previamente preparados para essa tarefa possibilita
a redução de danos emocionais, pois evita o uso de
perguntas inapropriadas, impertinentes, agressivas
e desconectadas, não só do objeto do processo, mas
principalmente das condições pessoais do depoente.
A participação de outras áreas do conhecimento
nesse contexto promove a interdisciplinariedade
no âmbito do Poder Judiciário. Neste trabalho
interdisciplinar, cada profissional contribui com
sua expertise, observando-se as especificidades
da atuação e autonomia de cada formação.
D inâmica da sala de Depoimento
Especial
De modo geral, as práticas de Depoimento
Especial envolvem as seguintes etapas:
– Anterior ao Depoimento Especial: estudo prévio
dos autos; reunião com o Magistrado responsável
pelo Processo.
– No dia do Depoimento Especial: acolhimento
inicial; depoimento propriamente dito; acolhimento
final; encaminhamentos.
– Durante o Depoimento Especial: pergunta-se ao
depoente se este concorda com a presença do réu
na sala de audiência. Caso não concorde, solicita-se
que o suposto agressor se ausente do local. Durante
a entrevista, o técnico direciona à criança ou ao
adolescente as perguntas pertinentes e utiliza um
35
ponto eletrônico para a comunicação com o Magistrado,
caso haja necessidade de mais esclarecimentos.
Depoimento Especial no Estado
de Goiás
Em Goiás, desde 2007, há uma sala de
Depoimento Especial vinculada à Divisão
Psicossocial Forense, localizada no Fórum
Desembargador Fenelon Teodoro Reis, responsável
por atender às demandas específicas de violência
contra crianças e adolescentes, advindas das Varas
Criminais da Comarca de Goiânia.
A perspectiva, com a recente instalação de
equipes multidisciplinares, vinculadas à Secretaria
Interprofissional Forense (CGJ), nos termos do
Provimento n°14/2015, é que sejam instaladas,
ao menos, uma sala desta em cada comarca
polo/regional, com a necessária capacitação dos
mencionados profissionais, não só para atender
os casos das Varas Criminais, como também dos
oriundos das Varas de Família e dos próprios
Juizados da Infância e Juventude. Trata-se de um
projeto conjunto do MP-GO e do Poder Judiciário.
36
Avaliação Psicológica de
crianças e de adolescentes em
situação de violência sexual
Avaliação Psicológica em geral:
Processo complexo e científico de coleta e
análise de informações sobre diversos aspectos
que compõem o psiquismo do indivíduo, por meio
de técnicas que buscam resguardar o bem-estar
dos envolvidos. O recurso primordial da Avaliação
Psicológica é a entrevista, que permite ao psicólogo
obter um grande número de informações. O teste
psicológico tem papel complementar e é mais
um, dentre outros instrumentos, que pode ser
utilizados neste contexto, como, por exemplo:
entrevistas lúdicas, visitas domiciliares, visitas
institucionais, observação, análise documental e
dinâmicas.
É atribuição do psicólogo selecionar, dentre
todos os instrumentos psicológicos disponíveis,
aqueles mais adequados ao contexto e perfil
avaliado (Conselho Federal de Psicologia, 2013).
A situação de violência sexual:
O abuso sexual remete à questão íntima e
constrangedora, que tende a causar impacto
negativo e sofrimento psíquico. A avaliação
psicológica destes casos exige do profissional
muita sensibilidade e requer princípios técnicos
39
e éticos, conciliados na busca de indícios
da ocorrência da violência sexual e de suas
consequências psicológicas, bem como na
preservação da integridade emocional da vítima e
de seu bem-estar geral. Neste sentido, respeita-se
o silêncio da vítima, como uma possível evidência
de sofrimento e de dificuldade em falar sobre o
assunto (Conselho Federal de Psicologia, 2010).
A Avaliação Psicológica de crianças e de
adolescentes em suposta situação de violência
sexual mostra-se bastante ampla e complexa,
além de requerer vários conhecimentos acerca
deste tema. É imprescindível a análise de possível
sugestionabilidade no relato da vítima e de situações
de alienação parental que podem envolver falsas
acusações.
Recursos usados na Avaliação
Psicológica de casos de violência
sexual contra crianças e
adolescentes:
O psicólogo utiliza como primeiro instrumento,
a análise documental de ocorrências policiais,
declarações prestadas pelos envolvidos, relatórios
escolares sobre a suposta vítima de violência
sexual, relatórios de Conselhos Tutelares, dentre
outros. Estes documentos tendem a registrar as
primeiras informações do caso e, assim, devem ser
disponibilizados ao psicólogo avaliador.
O principal recurso é a entrevista individual
40
com a criança ou o adolescente apontados como
vítimas da violência. Informações relevantes
também podem ser apresentadas por pais ou
responsáveis e, ainda, por outros familiares ou
profissionais que tiveram contato com a suposta
vítima, como professores, conselheiros tutelares,
psicólogos, assistentes sociais e outros.
Nos casos de violência sexual, os testes
psicológicos podem ter resultados que indicam a
presença de sinais e sintomas que são observados
com relativa frequência em vítimas de violência
sexual. Destaca-se que os dados dos testes
apenas mostram-se importantes e úteis quando
confrontados e analisados com todas as demais
informações obtidas na avaliação psicológica, pois
não possibilitam estabelecer uma relação causal
sobre a ocorrência da violência sexual (Werner,
2010; Mallmann, 2014). Mesmo um instrumento
como o “Protocolo de Rorschach”, que é um teste
projetivo bastante abrangente e tido como muito
significativo, não é capaz de indicar a ocorrência,
ou não, da vitimização. Ademais, apesar de alguns
sinais serem comuns em vítimas, uma criança ou
adolescente que sofreu violência sexual pode não
os evidenciar. Em outros casos, os mesmos sinais
podem estar relacionados a conflitos diversos, não
especificamente à vitimização sexual.
Objetivos, limites e
complexidade:
A Avaliação Psicológica em casos de suspeita
de violência sexual, assim como em qualquer outra
41
situação, necessita de uma demanda clara. Ou seja,
um objetivo explícito e previamente definido, que
orientará a ação a ser desenvolvida pelo psicólogo
e o enfoque de suas análises. Desse modo, a
proposição de quesitos para o contexto jurídico
é de extrema importância, pois favorece que o
psicólogo apresente, da melhor forma possível,
os esclarecimentos relevantes ao demandante.
Apesar disto, nem sempre o profissional conseguirá
responder de forma objetiva a todas as questões
propostas, principalmente nos casos mais
complexos.
Laudo ou Relatório Psicológico:
Documento resultante da Avaliação
Psicológica, feito conforme determinações do
Conselho Federal de Psicologia – CFP e a partir
de princípios éticos, técnicos e científicos. Para
a produção do Laudo ou Relatório Psicológico é
preciso grande habilidade de análise e síntese de
informações variadas, muitas vezes desconexas
ou, até mesmo, contraditórias. Esta análise
considera os aspectos individuais em relação aos
condicionantes históricos e sociais, bem como os
apontamentos teóricos pertinentes, de modo a
fundamentar a conclusão2.
O Laudo ou Relatório Psicológico apresenta
os resultados mais relevantes da Avaliação
Psicológica, analisados de forma global, conforme
a demanda e de acordo com as recomendações
éticas de sigilo. Assim, é um documento que
deve ser considerado em sua totalidade, pois o
enfoque em partes isoladas tende a comprometer
42
a compreensão da situação estudada, além de
poder implicar consequências adversas aos
envolvidos.
Resolução 008/2010 do Conselho
Federal de Psicologia (CFP):
Dispõe sobre a atuação do psicólogo como
perito e assistente técnico no Poder Judiciário. Esta
norma indica que a avaliação psicológica pericial
permite a apresentação de aspectos pertinentes,
que subsidiam o trabalho do operador do direito,
dentro dos limites legais da profissão do psicólogo
e sem adentrar nas atribuições exclusivas dos
magistrados.
A Avaliação Psicológica de crianças e de
adolescentes em situação de violência ocorre de
modo acolhedor e considera as condições de cada
vítima. Todo o contexto é organizado com intuito
de minimizar a revitimização. No Laudo Psicológico,
além de se responder à demanda inicial, são
ressaltados outros aspectos importantes, como, por
exemplo, a necessidade de melhor acompanhamento
e de proteção, em função de sofrimentos e riscos
percebidos.
2
Cumpre ressaltar que, conforme a Resolução n ° 007 do CFP, o Laudo ou
Relatório Psicológico apresenta uma parte denominada “conclusão”. Porém,
mesmo nesta, em determinados casos, o estudo não será capaz de atestar a
ocorrência do fato, pois isso dependerá da existência de indícios consistentes
que embasem a afirmação.
43
Políticas públicas
Plano Nacional de Enfrentamento da
Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes:
Aprovado em 2000 pelo CONANDA, o plano
tornou-se referência no desenvolvimento de políticas,
programas e serviços para a questão e promoveu
avanço significativo em sua tratativa. Com o objetivo de
favorecer uma ação mais significativa e atualizada, em
2013, um novo Plano Nacional foi lançado e teve como
principais diretrizes, dentre outras, a universalização
de acesso às políticas públicas de qualidade e a
proteção especial a crianças e adolescentes com
direitos ameaçados ou violados.
Para o alcance dessas diretrizes, diversas ações
foram planejadas, dentre as quais destacam-se a
garantia de atendimento psicossocial para crianças
e adolescentes em situação de violência sexual
e seus familiares; o acompanhamento na saúde
mental; a implementação e o fortalecimento de
serviços que atendam e acompanhem a pessoa que
comete violência sexual infantojuvenil; a oferta de
atendimento especializado; a articulação dos serviços
intersetoriais que atendem casos de violência sexual
contra crianças e adolescentes com os órgãos de
investigação e responsabilização, dentre outras.
Política Nacional de Assistência Social:
Uma das principais frentes de atendimento para
45
crianças e adolescentes vítimas de violência sexual,
desenvolvidas no Brasil, situa-se dentro do Sistema
Único de Assistência Social - SUAS, cuja Política
Nacional de Assistência Social – PNAS dispõe sobre
a Proteção Social Básica (PSB) e a Proteção Social
Especial (PSE). Esta última atende público cujos
direitos se encontram violados por situações como
abandono, maus-tratos físicos e psíquicos ou abuso
sexual. O principal equipamento social para esse
atendimento é o Centro de Referência Especializado
de Assistência Social – CREAS. No local, profissionais
atuam com o objetivo maior de fortalecer vínculos
e ofertam atendimento conforme os serviços
disciplinados pela PNAS e a Tipificação Nacional de
Serviços Socioassistenciais. Desse modo, os CREAS
possuem papel relevante no atendimento às crianças
e aos adolescentes em situação de violência sexual e
a seus familiares, para suporte, busca por superação
da situação que levou à violação do direito,
fortalecimento das famílias e ajuda na construção
de novas perspectivas de vida. Contudo, importa
atentar que este órgão atua apenas na perspectiva da
proteção social, o que não se confunde com caráter
pericial ou investigativo, nem com os atendimentos
da área da saúde.
Atendimentos na área da saúde:
A Lei 12.845/2013 dispõe sobre o atendimento
obrigatório e integral de pessoas em situação de
violência sexual, disciplinando que os hospitais
devem ofertar às vítimas de violência sexual
atendimento emergencial, integral e multidisciplinar,
o que compreende serviços de atendimento médico,
psicológico e social imediatos, profilaxia de gravidez
46
e de Doenças Sexualmente Transmissíveis, dentre
outros, com possibilidade de encaminhamento, se for
o caso, a serviços de assistência social.
Atendimento pelo Sistema de
Garantia de Direitos (SGD):
Conforme já apontado, o SGD deve pautar seu
atendimento na Resolução 169/2014 do CONANDA,
que dispõe sobre a importância de ofertar serviços
que conciliem uma prática ética e profissional, com
respeito aos direitos das vítimas de violência e
preservação de sua integridade física, psíquica e
moral, evitando a retivimização. De acordo com a
norma, sempre que possível, esse atendimento deve
ser feito por equipe interprofissional.
Demais áreas e trabalho em rede:
O enfrentamento da violência sexual contra
crianças e adolescentes não se restringe a
determinadas áreas ou políticas, pois são vários os
fatores envolvidos, como aspectos sociais, culturais,
econômicos, dentre outros, o que implica ações
intersetoriais. Nesse sentido, há toda uma rede de
serviços, que deve incluir órgãos governamentais
e também os não governamentais. Para melhor
funcionamento dessa rede, se faz imprescindível
uma definição clara acerca da competência de cada
um dos atores envolvidos, além de articulações
para delinear coletivamente os fluxos e possíveis
caminhos para o devido acompanhamento das
crianças e adolescentes em situação de violência.
47
Referências de consulta
Decreto nº 99.710/ 1990- Convenção sobre os Direitos
da Criança
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Declaração Universal dos Direitos das Crianças
Constituição Federal – Art.227
Estatuto da Criança e do Adolescente -Art.3º, 5º, 13,18,
240, 241, 241-A, 241-B, 241-C, 241-D, 241-E
Código Penal - Art. 213, 214, 215, 216-A, 217, 217-A, 218, 234
Lei 12.845/2013- Dispõe sobre o atendimento obrigatório
e integral de pessoas em situação de violência sexual.
Decreto nº 7.958/2013 - Estabelece diretrizes para
o atendimento às vítimas de violência sexual pelos
profissionais de segurança pública e da rede de
atendimento do Sistema Único de Saúde
Conselho Nacional de Justiça (CNJ)- Recomendação nº
33/2010
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (CONANDA)- Resolução nº 169/2014
48
Links
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sdh.gov.br
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www.childhood.org.br
3- SaferNet- http://new.safernet.org.br/
4- Ministério Público Federal- http://www.mpf.
mp.br
5- Carinho de Verdade - http://www.
carinhodeverdade.org.br/home
6- Turma da Mônica em : O Estatuto da Criança
e do Adolescente - http://www.crianca.mppr.
mp.br/arquivos/File/publi/turma_da_monica/
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7- Kiko e a Mão- http://www.aecuba.pt/
Documents/kiko.pdf
8- Ensine a regra Aqui ninguém toca!- http://
www.underwearrule.org/howto_pt.asp
9- Linhas orientadoras para actuação em casos de
indícios de abuso sexual de crianças e jovens -
http://www.casapia.pt/wa_files/livroloaciascj.pdf
10- Perícia Psicológica no Abuso Sexual de
Crianças e Adolescentes http://www.scielo.br/
pdf/ptp/v28n2/11.pdf
Denúncias online:
[email protected]
[email protected]
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Bibliografia
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(Doutorado em Psicologia Clínica e Cultura) – Instituto de Psicologia
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intrafamiliar à luz do melhor interesse da criança. In: Conselho Federal
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Expediente
Realização
Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás
Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Goiás
Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude
Juizado da Infância e da Juventude de Goiânia
Apresentação / Revisão
Maria Socorro de Sousa Afonso Silva
Karina D’Abruzzo
Redação
Daniele Rodrigues Nascimento
Juliana Borges Naves
Lia Mara Marques Silva
Patrícia Lena Fiorin
Waleska Cordeiro Silvério Costa
Equipe de Apoio
Ana Paula Osório Xavier
Cyntia Aparecida de Araújo Bernardes
Maria Nilva Fernandes da Silva Moreira
Coordenação Executiva
Diretoria de Planejamento e Programas da Corregedoria-Geral da
Justiça do Estado de Goiás
Revisão de Texto
Gláucia Alves de Mendonça
Projeto Gráfico / Diagramação
Hariel Carneiro Zoccoli
Impressão
Serviço de Impressão Digital do Tribunal de
Justiça do Estado de Goiás
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