Revista Mirante, Anápolis (Goiás, Brasil), v. 16, n. 3, p. 49-75, 2023.
ISSN 1981-4089
dossiê especial “QUESTÕES AMBIENTAIS CONTEMPORÂNEAS: AS REALIDADES MOÇAMBIQUE - BRASIL”
GARIMPO ILEGAL E DEGRADAÇÃO DE RIOS: UM PANORAMA
GEOGRÁFICO DO BRASIL E DE MOÇAMBIQUE
ILLEGAL MINING AND DEGRADATION OF RIVERS: A 49
GEOGRAPHIC OVERVIEW OF BRAZIL AND MOZAMBIQUE
FRANCIANE ARAÚJO DE OLIVEIRA
Doutora em Geografia e Pesquisadora do Programa de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico Regional FAPEG/CNPq, Universidade Federal de Jataí, Jataí / GO
[email protected] HAGIRA NAIDE GELO MACHUTE
Doutoranda em Geografia da Universidade Pedagógica de Maputo (Moçambique) e
Pesquisadora do Grupo GeoÁfrica, Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro / RJ
[email protected] Resumo: O objetivo do presente artigo é realizar algumas reflexões acerca dos garimpos ilegais, das
destruições dos rios e as consequentes violências – ecológicas, psicológicas e humanitárias – praticadas
nesses garimpos, tanto no Brasil quanto em Moçambique. No Brasil, vivemos, entre (2019 e 2022), uma
crise humanitária e sanitária que assola, sobretudo, os povos indígenas, especialmente nas Terras
Indígenas Yanomamis. Em Moçambique, os garimpos ilegais são cada vez mais presentes, principalmente
em Montepuez, distrito da província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, e em Manica, outro
distrito da província de Manica no centro de Moçambique. Os elos entre a problemática do garimpo ilegal
no Brasil e em Moçambique são muitos, dentre os quais: a destruição e a contaminação de rios com
mercúrio – que é uma ameaça para a saúde planetária – e as violações de diferentes direitos humanos.
Conceitualmente, as explorações do garimpo ilegal podem ser pensadas a partir da concepção de injustiça
ambiental, conforme aponta Sousa (2019). Ao longo da pesquisa, evidencia-se que o garimpo ilegal
ganhou forças no Brasil com o projeto de espoliação da natureza e da cultura indígena, exacerbado nas
eleições de 2018. Em Moçambique, a pesquisa constata que o garimpo ilegal dos recursos minerais
remete a um paradoxo de desenvolvimento, os aparentes aspectos positivos escondem enormes impactos
negativos ao ambiente.
Palavras-chave: Rios. Garimpos ilegais. Injustiças ambientais.
Abstract: The aim of this article is to reflect on illegal mining, the destruction of rivers and the resulting
violence - ecological, psychological and humanitarian - practiced in these mines, both in Brazil and in
Mozambique. In Brazil, we are experiencing, between 2019 and 2022, a humanitarian and health crisis
that mainly affects the indigenous peoples, especially in the Yanomami Indigenous Lands. In
Mozambique, illegal mining is increasingly present, especially in Montepuez, a district of the Cabo
Delgado province in northern Mozambique, and in Manica, another district of the Manica province in
central Mozambique. There are many links between the problem of illegal mining in Brazil and
Mozambique, among which: the destruction and contamination of rivers with mercury - which is a threat
to the planet's health - and violations of different human rights. Conceptually, the exploitations of illegal
garimpo can be thought from the conception of environmental injustice, as pointed out by Sousa (2019).
Throughout the research, it becomes evident that illegal mining has gained strength in Brazil with the
project of spoliation of nature and indigenous culture, exacerbated in the 2018 elections. In Mozambique,
the research finds that illegal mining of mineral resources refers to a paradox of development, the
apparent positive aspects hide huge negative impacts on the environment.
Keywords: Rivers. Illegal mining. Environmental injustices.
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dossiê especial “QUESTÕES AMBIENTAIS CONTEMPORÂNEAS: AS REALIDADES MOÇAMBIQUE - BRASIL”
Introdução
A chamada para o dossiê especial Questões ambientais contemporâneas – as
realidades Moçambique - Brasil, culminou com as publicizações sobre a crise 50
humanitária e sanitária pela qual os povos indígenas, especialmente em Terras Indígenas
Yanomamis estão enfrentando, onde a raiz do problema é o garimpo ilegal. Desse
modo, optou-se por refletir sobre as explorações dos garimpos ilegais no Brasil e em
Moçambique.
Não menos que 510 crianças em Terras Indígenas Yanomamis morreram de
fome, de malária e demais doenças evitáveis, entre 2019 e 2022 (MACHADO,
BEDINELLI, BRUM, 2023). A crise humanitária e sanitária dos indígenas, em Terras
Yanomamis, ganhou atenção das mídias quando diversas imagens que chegaram às
mãos do atual Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro de 2023,
escancarando que a raiz do problema é o garimpo ilegal.
A partir desse ponto, foi organizada uma força tarefa, com o Sistema Único de
Saúde (SUS), para os primeiros atendimentos na região e envio de alimentos e água
potável. De acordo com Sônia Guajajara, a Ministra dos Povos Indígenas, em entrevista
concedida ao programa Roda Viva, na segunda quinzena de março de 2023, “crianças
continuam morrendo em terra Yanomami, em áreas onde não conseguiram chegar. Há
muito por fazer!”.
Em Moçambique, o foco são os impactos do garimpo ilegal sobre os rios nos
Distritos de Montepuez, na província de Cabo Delgado e Manica, na província de
Manica. E, consequentes violências como a exploração do trabalho com a prática do
garimpo ilegal. Em Moçambique, os impactos dessa prática são incontornáveis, visto
que há muitas perdas para as gerações futuras em termos de saúde, qualidade de vida e
disponibilidade de recursos naturais, com o risco de fomentar as mudanças climáticas e
comprometer a continuidade do processo de desenvolvimento socioeconômico.
Além da contaminação por mercúrio, a degradação de rios e as múltiplas
violências acometidas em garimpos ilegais a nível mundial, a problemática do garimpo
ilegal, pode ser compreendida, conceitualmente, via a concepção de injustiça ambiental.
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A concepção de injustiça ambiental pode ser aplicada quando há degradação da
natureza por exploração de matas, de rios, das biodiversidades (recursos naturais de
modo amplo) e da geração de subprodutos e contaminantes, afetando especialmente o
ambiente, a saúde e a vida de minorias étnicas historicamente excluídas, acentuando as 51
desigualdades sociais e ambientais (SOUSA, 2019).
Portanto, este artigo visa refletir acerca das atividades de garimpos ilegais no
Brasil e em Moçambique, com foco na degradação de rios, violências e injustiça
ambiental. As violências do garimpo ilegal são ecológicas, pscicológicas, humanitárias,
sanitárias, de gênero entre outras.
Desse modo, para dar conta das discussões realizadas neste artigo, realizou-se
pesquisas bibliográficas em publicações das Organizações das Nações Unidas (ONU,
2023), do Instituto Sócio Ambiental – ISA (2022) e (2016), de Leonel (1998, 2020), de
Shiva (2003, 2006), Sousa (2019). Sobre os quadros de Moçambique tem-se António
(2011), Bartolomeu (2019), Mapurango (2014) dentre outros.
A seguir, apresenta-se direferentes perspectivas do Sul sobre uma questão global
recorrente.
Por onde começar?
A floresta está viva. Só vai morrer se os brancos
insistirem em destruí-la. Se conseguirem, os rios vão
desaparecer debaixo da terra, o chão vai se desfazer, as
árvores vão murchar e as pedras vão rachar no calor.
(Davi Kopenawa, 2009, p. 8)
É bastante complexo traçar um percurso de reflexões a respeito da atividade do
garimpo ilegal e as consequentes violências associadas a essa prática. Assim, uma
questão que se apresenta é: por onde começar? Poder-se-ia tratar da violência contra as
mulheres e as crianças que são, comumente, as maiores vítimas das guerras, e os povos
indígenas estão enfrentando uma verdadeira guerra, nas Terras Indígenas Yanomamis.
São estupros coletivos, disseminações de doenças, fome, degradação de rios e violações
de diferentes direitos humanos. De acordo com Bendinelli (2022, não paginado):
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Uma adolescente de 17 anos foi atraída a uma das balsas por outro jovem
indígena que atuava como barqueiro para os criminosos. “Ele disse pra ele:
„vamos conseguir uma espingarda para o seu pai [caçar], eu quero pegar um
motor [de barco]!‟”. Ao chegarem lá, deram cachaça à menina. E seu corpo
foi violado por um homem. E depois por outro. E mais outro. “Foi um tanto
assim [de gente]”, diz ela, sinalizando com as mãos uma quantidade que não 52
sabe precisar.
São vários os relatos de mulheres indígenas sobre as violências sexuais,
praticadas pelos garimpeiros. Essas violências são mais temidas do que a malária e a
falta de assistência médica, orquestrada durante o “governo” Bolsonaro, conforme
Bendinelli (2022).
Não é possível externalizar e significar tamanhas violências contra as mulheres e
crianças nas Terras Indígenas Yanomamis. Desse modo, a abordagem seguirá sobre a
destruição dos corpos dos rios pelo garimpo ilegal.
“Há muito tempo estamos sofrendo com nossas águas sujas! Por que os rios
estão sujos? os rios de onde bebemos água estão sujos! Onde pescamos também!”
(HUTUKARA ASSOCIAÇÃO YANOMAMI, 2022, p. 4). Este é um depoimento de
uma liderança Yanomami gravado por Richard Mosse, na região Palimiu, em junho de
2021. É importante acrescentar mais um trecho do depoimento do indígena, liderança
Yanomami, sobre a triste realidade que se encontram os seus rios e as suas vidas.
Sempre aparecem corpos de garimpeiros mortos flutuando no rio! Não
aguento mais ver essas coisas! Quando os peixes comem as carnes dessas
pessoas mortas, acabamos por comer esses peixes gordos de carne humana, e
eu não aceito isso! Portanto quero que vocês, lideranças não indígenas,
venham todos limpar nossa terra! E por que eu quero isso? Este rio aqui, é a
fonte do nosso alimento, onde pescamos. É de onde vêm nossos peixes, se eu
não puder pescar o que irei fazer? Porém cansamos de ver corpos putrefatos
de garimpeiros, de quem são estes corpos? De quem eram os ossos destes
rostos? (HUTUKARA ASSOCIAÇÃO YANOMAMI, 2022, p. 4).
No trecho citado é visível as múltiplas violências que os povos indígenas em
terras Yanomamis vêm sofrendo. São violências ecológicas, físicas e psicológicas1.
1
A violência emocional e psicológica é mais prevalente do que a violência física! Qualquer pessoa pode
ser vítima de violência emocional e psicológica, independentemente da sua idade, género ou profissão.
Crianças, jovens, adultos e idosos, rapazes e raparigas, homens e mulheres podem ser vítimas. A
violência emocional e psicológica corresponde a um conjunto de atos verbais ou não verbais, isolados ou
repetidos, utilizados de forma intencional para causar dano e sofrimento emocional e psicológico na
vítima. Disponivél em:
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Essas violências se caracterizam como injustiças ambientais. Para Sousa (2019,
p. 117), injustiça ambiental diz respeito a:
Qualquer processo em que os eventuais malefícios decorrentes da exploração
e do uso de recursos e da geração de resíduos indesejáveis sejam sócio
espacialmente distribuídos de forma assimétrica, em função das clivagens de
53
classe e outras hierarquias sociais. A isso devemos ainda acrescentar a
desigualdade na exposição aos riscos derivados dos modelos hegemônicos de
organização do espaço (conforme ilustrado pela forte correlação entre
segregação residencial e riscos de desastres decorrentes de desmoronamentos
e deslizamentos) e na capacidade de acesso a recursos ambientais e fruição de
amenidades naturais, em função das clivagens de classe e outras hierarquias
sociais.
A destruição dos corpos dos rios por meio de desmatamento das vegetações
ciliares, dos desvios dos cursos de água, da destruição dos barrancos, do assoreamento
brusco e contaminações por metais pesados, como o mercúrio, são injustiças ambientais
irreparáveis para os povos originários.
Rios são mais que elementos naturais de onde os povos indígenas retiram seus
sustentos e reproduzem seus modos de vida. Para os povos originários, os rios são
“entidades vivas”, familiares, que tem nome e sobrenome dentro da comunidade que
banha (KRENAK, 2022).2 Ademais, o direito aos rios foi pauta na Conferência da ONU
sobre a Água/2023.
O modo de vida dos povos tradicionais, em harmonia com a natureza, impacta
menos os ambientes, promovendo, assim, serviços ecossistêmicos e socioambientais
como: fertilidade do solo, preservação das matas ciliares, potabilidade da água e, assim,
importante contribuição para o ciclo das águas. De acordo com as Organizações das
Nações Unidas:
https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/doc_violaancia_emocional_e_psicolaogica_po
p_geral.pdf. Acesso em: junho de 2023.
2
As palavras do yanomami Davi Kopenawa descritas pro Bruce Albert convergem com a descricao feita
por Krenak: “ a floresta, a ecologia somos n s, os humanos. as são tamb m, tanto quanto n s, os
xapiri, os animais, as árvores, os rios, os pei es, o c u, a chuva, o vento e o sol! tudo o que veio à
e ist ncia na floresta, longe dos brancos tudo o que ainda não tem cerca. As palavras da ecologia são
nossas antigas palavras, as que Omama [o demiurgo yanomami] deu a nossos ancestrais. Os xapiri
defendem a floresta desde que ela existe. Sempre estiveram do lado de nossos antepassados, que por isso
nunca a devastaram. Ela continua bem viva, não s brancos, que antigamente ignoravam essas coisas,
estão agora começando a entender. por isso que alguns deles inventaram novas palavras para proteger a
floresta. Agora dizem que são a gente da ecologia porque estão preocupados, porque sua terra está
ficando cada vez mais quente. [ ] Somos habitantes da floresta. ascemos no centro da ecologia e lá
crescemos” (KOPENAWA; ALBERT, 2019, p. 480).
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Os povos indígenas se veem ligados à natureza e como parte do mesmo
sistema que o ambiente em que vivem. Eles adaptaram seus estilos de vida
para se adequar e respeitar seus ambientes. Nas montanhas, os sistemas de
manejo da paisagem dos povos indígenas preservam o solo, reduzem a
erosão, conservam a água e diminuem o risco de desastres. Nas pastagens, as
comunidades pastoris indígenas gerenciam o gado pastando e cultivando de 54
forma sustentável, preservando a biodiversidade das pastagens. Na
Amazônia, a biodiversidade dos ecossistemas melhora quando os indígenas
os habitam (ONU – NEWS, 2019).
Portanto, a habitabilidade do conjunto da sociedade no Brasil e no mundo passa
pela reprodução do modo de vida dos povos indígenas. Para as Nações Unidas (ONU –
NEWS, 2019), os povos tradicionais são parceiros inestimáveis na busca por mitigações
das mudanças climáticas e da diminuição da fome no mundo.
O descaso dos governos com as terras indígenas, no Brasil, é um problema grave
que tem sido denunciado por organizações indígenas e de direitos humanos há décadas.
Apesar da Constituição Federal de 1988 garantir o direito dos povos indígenas às suas
terras tradicionais, muitas dessas áreas são invadidas e desmatadas ilegalmente, sem
qualquer tipo de ação efetiva por parte das autoridades.
Além disso, as políticas governamentais recentes, com o “governo” Bolsonaro,
foram marcadas pela flexibilização das leis ambientais e pela pressão para permitir a
exploração econômica em terras indígenas, o que ameaça ainda mais a integridade
dessas comunidades e de seus territórios. “O governo Bolsonaro, projeto neoliberal
autoritário vitorioso nas eleições presidenciais de 2018, apresenta-se com o propósito
deliberado de comprometer os avanços na política ambiental e indigenista para a
Amazônia” (LEONEL, 2020, não paginado).
Esse descaso estratégico tem consequências graves para os povos indígenas, que
têm seus modos de vida e culturas ameaçados, além de sofrerem com a degradação
ambiental causada pelo desmatamento e pela exploração predatória.
O impacto decorrente da mineração e garimpo provoca prejuízos em todo o
ambiente – flora, fauna e seres humanos. A atividade utiliza desde
gigantescas retroescavadeiras hidráulicas (PCs) at mangueiras (jatos d‟água)
para agredir a floresta e a terra, causando imensa devastação. A utilização de
mercúrio para a purificação do ouro contamina a terra, a água e o ar,
atingindo os animais e os seres humanos (LEONEL, 2020, não paginado).
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É fundamental que Estado brasileiro assuma a responsabilidade de garantir a
proteção às terras indígenas e seus habitantes no Brasil, garantindo o respeito aos
direitos humanos, à diversidade cultural e aos serviços ecossistêmicos para o país e para
o mundo. 55
A contaminação por mercúrio
“O peixe come o mercúrio, a gente como o peixe, a gente morre”. Esse é um dos
gritos do Yanomamis. De acordo com relatório Território e comunidades Yanomami
Brasil-Venezuela (2014),
Os Yanomami formam uma sociedade de caçadores-agricultores do Norte da
Amazônia cujo contato com as sociedades nacionais é, na maior parte do seu
território, relativamente recente. Apresentam uma população estimada de
36.000 pessoas, distribuídas em aproximadamente 665 aldeias, sendo 291 no
extremo noroeste da Amazônia Brasileira e 374 no sul da Venezuela.[...] Seu
território abrange aproximadamente 23 milhões de hectares de floresta
tropical contínua, situada em ambos os lados da fronteira Brasil-Venezuela
na região do interflúvio Orinoco-Amazonas (afluentes da margem direita do
rio Branco e esquerda do rio Negro), e que tem como centro de dispersão
histórica a Serra do Parima.
A localização geográfica da Terra Indígena Yanomami está ilustrada na figura 1.
Figura 1: Mapa de localização da Terra Indígena Yanomami.
Fonte: Hutukara e ISA 2016.
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A vida necessita da fluidez dos rios e do contínuo das matas protegidos pelos
modos de vidas indígenas. Conforme exposto anteriormente, um dos gritos dos
Yanomamis é a contaminação dos peixes por mercúrio. De acordo com Leonel (1998):
O garimpo é a mais grave ameaça à removibilidade do peixe e dos recursos 56
hídricos em geral, disseminado em quase todos os rincões da Amazônia,
como um sarampo. Os grandes eixos do impacto ambiental do garimpo estão
razoavelmente identificados, todos incidentes sobre a pesca artesanal: a) a
poluição física, através do revolvimento dos sedimentos dos rios, no leito, nas
margens e barrancos; b) os usos inadequado de mercúrio, ou “azougue”, com
diferentes modalidades de contaminação, desde o vapor até o mercúrio
orgânico, com efeitos de longo prazo ainda pouco conhecidos, despejado em
diferentes momentos do processo de extração; e c) o ruido das máquinas, a
luz, o óleo, o uso de detergentes, trazendo outras consequências para a pesca
que, como um conjunto também merece uma maior atenção e não devem ser
descartados, apesar de impactos secundários (LEONEL, 1998, p. 121).
A contaminação dos peixes por mercúrio é um do grave problema
socioambiental e está relacionado, principalmente, à atividade de garimpo ilegal de
ouro. O mercúrio é utilizado no processo de extração do ouro, sendo lançado nos rios e
em outros corpos d'água. Os peixes, que são fontes de alimentos fundamentais para os
indígenas e muitas comunidades ribeirinhas, acabam sendo contaminados pelo metal
pesado e, quando consumidos, podem causar sérios problemas de saúde, especialmente
em fetos, cujas mães têm altos níveis de mercúrio no sangue, e em pescadores de
subsistência.
O mercúrio é um produto químico tóxico que pode causar danos cerebrais
irreversíveis e prejudicar a saúde do ecossistema. Não há nível de exposição
seguro conhecido para mercúrio elementar em humanos, e os efeitos podem
ocorrer mesmo em níveis muito baixos (PNUMA, 2023).
Os sintomas e consequências da contaminação por mercúrio no organismo
humano incluem “tremores, insônia, perda de memória, dores de cabeça, fraqueza
muscular - em casos extremos - morte” (P U A, 2022).
De acordo com a ONU,
Todas las personas se encuentran expuestas a cierta cantidad de mercurio. En
numerosas comunidades por todo el mundo, el consumo de pescado, marisco,
mamíferos marinos y otros alimentos es la principal fuente de exposición al
metilmercurio. La exposición al mercurio elemental e inorgánico tiene lugar
principalmente en el ámbito ocupacional (incluida la minería aurífera
artesanal a pequeña escala) o debido al contacto con productos que contienen
mercurio. La situación de ciertos grupos vulnerables - entre ellos,
determinadas poblaciones indígenas y otros grupos poblacional escuya
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exposición dietética u ocupacional al mercurio es elevada - sigue siendo
especialmente preocupante (ONU medio ambiente, 2018).
Desse modo, é fundamental que sejam tomadas medidas para combater o
garimpo ilegal de ouro e proteger os rios, no Brasil e no mundo, da contaminação por 57
mercúrio, garantindo a saúde e o bem-estar das comunidades ribeirinhas e do conjunto
da sociedade.
Reflorestar mentes
São comuns vídeos de garimpeiros, no Youtube3, mostrando o cotidiano das
atividades nos garimpos ilegais, fugindo das “fiscalizações”, ofendendo os povos
indígenas, desviando e destruindo os rios e, muitas vezes, comemorando esses tristes
feitos, como visto sobre a destruição do Rio Mucajaí, em Roraima (RR), Terras
Indígenas Yanomamis e ilustrado na figura 2.
Figura 2. Destruição do Rio Mucajaí (RR), Terras Indígenas Yanomamis pelo garimpo ilegal.
Fonte: Instituto Socioambiental, 2020.
3
Garimpeiro ilegal mostra rotina de fugas em terra indígena no YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=rAJm-L5sHiw&t=30s
Garimpeiros mudam trajeto do Rio Mucajaí (RR) e
comemoramhttps://www.youtube.com/watch?v=GpU-OyjriBo
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Como é possível comemorar o desvio e a destruição de rios? Uma primeira
interpretação - pode ser - a precariedade estrutural desses sujeitos. Essa precariedade
estrutural pode envolver desemprego, pouca educação ambiental e visões limitadas de
progressos que lhes são incutidas pelos “coronéis do ouro”, os financiadores da 58
atividade ilegal.
Por conseguinte, os “coronéis do ouro” que financiam a ida dos garimpeiros para
áreas onde a atividade é ilegal, é assegurada por incentivos políticos de “governantes”
espoliadores e imediatistas. As precariedades estruturais podem, assim, sobrepor a
dimensão da importância da fluidez dos rios para a vida.
Esse é um problema de visões de mundo sob a ótica do modelo capitalista de
produção; são as indústrias com os subprodutos químicos despejados nos corpos d‟água;
as não manutenções das matas ciliares nos campos e nas cidades; as cidades com os
esgotos, por vezes, despejados nos rios sem o devido tratamento e pavimentações
excessivas, impedindo a infiltração da água no solo; o agronegócio com as
contaminações por agrotóxicos e as irrigações indiscriminadas, mesmo diante de rios
agonizando; as barragens cindindo a fluidez dos rios e a mineração em diferentes
escalas, desviando rios, contaminando as águas, destruindo ecossistemas e povos
inteiros.
No que concerne à destruição de rios, cabe às concepções de terrorismo
ecológico e de monoculturas da mente. De acordo com Shiva (2003, p.17, 18):
As monoculturas mentais geram modelos de produção que destroem a
diversidade e legitimam a destruição como progresso, crescimento e
melhoria. Segundo a perspectiva da mentalidade monocultural, a
produtividade e as safras parecem aumentar quando a diversidade é eliminada
e substituída pela uniformidade. Porém, segundo a perspectiva da
diversidade, as monoculturas levam a um declínio das safras e da
produtividade. São sistemas empobrecidos, qualitativa e quantitativamente.
Também são sistemas extremamente instáveis e carecem de sustentabilidade.
As monoculturas disseminam-se não por aumentarem a produção, mas por
aumentarem o controle. A expansão das monoculturas tem mais a ver com
política e poder do que com sistemas de enriquecimento e melhoria da
produção biológica. Isso se aplica tanto à Revolução Verde quanto à
revolução genética ou às novas biotecnologias.
A concepção de monocultura da mente, pode ser alargada para tratar outras
práticas que destroem a biodiversidade e são controladas pelo poder político imediatista
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que espolia os rios, as matas e os povos. Quando o garimpeiro filma a destruição de um
rio, comemora e publica nas redes sociais é um pensamento empobrecido, dominado
pelo poder, que impera. Trata-se também de uma monocultura da mente, que vê o
“progresso na morte dos rios, do ecossistema e do modo de vida de povos originários”. 59
Uma concepção que também pode ser associada a problemática do garimpo
ilegal é a de terrorismo ecológico, para Shiva (2006, p. 14)
A destruição de reservas de água e de bacias florestais e aquíferos é uma
forma de terrorismo. Negar às populações pobres acesso à água, ao privatizar
sua distribuição ou poluir nascentes e rios, também é terrorismo. No contexto
ecológico das guerras por água, os terroristas não são apenas aqueles que se
escondem nas cavernas do Afeganistão. Alguns se escondem nas salas de
reunião de diretoria de grandes corporações e por trás das regras de livre
comércio da OMC, do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (N
AFTA) e do Acordo de Livre Comércio das Américas (FTAA). Eles se
escondem por trás das condicionalidades da privatização do FMI e do Banco
Mundial. Ao recusar-se a assinar o protocolo de Kyoto. O presidente Bush
cometeu um ato de terrorismo ecológico contra inúmeras comunidades que
podem ser varridas da terra pelo aquecimento global. Em Seattle, a OMC foi
apelidada de “ rganização undial do Crime” pelos manifestantes, porque
suas regras estão negando a milhões de pessoas o direito a uma vida
sustentável (grifos nossos).
No caso do garimpo ilegal no Brasil, especialmente em território indígena, os
terroristas são os “governantes” que flexibilizam a legislação ambiental e não
asseguraram aos territórios indígenas proteção contra as invasões de exploradores, além
de taparem os olhos para as mortes de rios e de vidas.
Todavia, para Viveiros de Castro (2019):
O sistema do garimpo é semelhante ao do narcotráfico, e, em última análise,
à tática geopolítica do colonialismo em geral: o serviço sujo é feito por
homens miseráveis, violentos e desesperados, mas quem financia e controla o
dispositivo, ficando naturalmente com o lucro, está a salvo e confortável bem
longe do front, protegido por imunidades as mais diversas. No caso do
garimpo nos Yanomami, o dispositivo, como é de notório conhecimento nos
meios especializados, envolvem políticos importantes de Roraima, alguns
deles defensores destacados, no Congresso, de reformas „liberalizantes‟ da
legislação minerária relativa às terras indígenas. Esses próceres não aparecem
na notícia sobre o desmantelo da operação criminosa mais recente. Duvido
que apareçam. Quem sabe, nem sequer e istam. povo inventa muito
(VIVEIROS DE CASTRO, 2019, p. 23).
O autor supracitado levanta uma questão importante sobre o sistema do garimpo
e faz uma comparação com o narcotráfico e o colonialismo, como já dito aqui. Os
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sujeitos envolvidos no garimpo, geralmente são homens miseráveis, por conseguinte
violentos e desesperados, realizam o trabalho “sujo”enquato os financiadores e
controladores do dispositivo estão protegidos e confortáveis, longe do perigo.
Semelhante ao terrorismo ambiental. 60
Sobre o garimpo ilegal nas Terras Indígenas Yanomamis, de acordo com
Viveiros de Castro (2019) políticos importantes de Roraima estão envolvidos nesse
dispositivo e são defensores de reformas que liberalizam a legislação minerária em
terras indígenas. E levanta um ceticismo sobre a possibilidade desses políticos serem
mencionados nas notícias sobre desmontagem de operações criminosas mais recentes.
Para a Organização das Nações Unidas e à Alimentação e Agricultura FAO, os
conhecimentos e as biodiversidades guardadas pelos povos indígenas são
imprescindíveis para a diminuição da fome no mundo.
Nessa perspectiva, o crime de destruição de rios fica ainda mais sério frente ao
alerta da ONU, na Conferência da Água 2023.
Com as mudanças climáticas afetando profundamente nossas economias,
sociedades e meio ambiente, a água é, de fato, o maior desafio para alcançar
os objetivos e metas acordados internacionalmente relacionados ao acesso a
água, incluindo da Agenda 2030 para Desenvolvimento sustentável. A atual
crise de água e saneamento é uma ameaça para todos, pois a má gestão da
água aumenta ou multiplica os riscos em todos os aspectos da vida. A
pandemia de COVID-19 expôs nossas vulnerabilidades compartilhadas e nos
lembrou de nosso destino comum. As populações estão crescendo, a
agricultura e a indústria estão fazendo uso intensivo de água e as mudanças
climáticas estão se intensificando. Sem um ciclo de água funcional e
resiliente para todas as pessoas em todos os lugares, a saúde humana e a
integridade ambiental estarão sempre ameaçadas e um futuro sustentável e
equitativo permanece fora do alcance (ZHENMIN, ONU, 2023, Tradução
nossa).
E mais,
Hoje, um quarto da população global – 2 bilhões de pessoas – usa água de
fontes não seguras. Metade da humanidade – 3,6 bilhões de pessoas – vive
sem saneamento básico adequado. E 1 em cada 3 pessoas – 2,3 bilhões –
carecem de instalações básicas para lavar as mãos em casa. [...] E as secas
podem ser a próxima pandemia! Quase três quartos de todos os desastres
recentes estão relacionados com a água, tendo causado danos econômicos de
quase US$ 700 bilhões nos últimos 20 anos (ZHENMIN, ONU, 2023,
Tradução nossa).
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A fala do Sr. Liu Zhenmin, Secretário Geral na Conferência da Água/2023, e
Secretário Geral da ONU para assuntos Econômicos e Sociais, repercute a importância
holística da água para as relações socioambientais e econômicas. Nesse sentido, o
acesso à água de qualidade às pessoas é fundamental para o estabelecimento dos direitos 61
humanos e pode ser o elemento conciliador de conflitos locais e globais. Conservar a
água, pode alavancar países pelo mundo.
O pesquisador Wagner Costa Ribeiro da Universidade de São Paulo (USP) e a
pesquisadora Ana Lucia Brito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
participaram da Conferência da Água da ONU, entre 22 e 24 de março de 2023, em
Nova York, Sede da ONU e, apresentaram um balaço dos eventos4. De acordo com
Ribeiro (2023), as soluções apontadas para as diferentes problemáticas dos usos da água
são baseadas na natureza. Essa tratativa é fundamental, visto que a água não pode ser
fabricada, ela é um elemento natural e finito.
Já Brito (2023) ressalta, no balanço sobre a Conferência da Água da ONU, 2023,
entre outros pontos, a grande participação de movimentos sociais de jovens e povos
indígenas da América Latina. Fato é que essas vozes, em defesa da água e da justiça
social e ambiental, precisam ser ecoadas, visto que “sem a água” o amanhã fica muito
distante.
Nesse tocante, conforme a Ministra dos Povos Originários no Brasil, Sônia
Guajajara (2023)5, mulher e, sobretudo, mulher indígena, uma ideia “reflorestar
mentes6”. É necessário envolver as pessoas e estabelecer diálogos sobre a importância
da biodiversidade viva, em outras palavras fundamental “reflorestar mentes” que vêem
nos desmatamentos indiscriminados e na destruição de rios, o “progresso”. Os esforços
das instituições devem ser no sentido que preservarem e manterem os rios vivos.
Nesse sentido, a manutenção das terras indígenas, como modo de vida dos povos
originários, é fundamental para a realização de serviços ecossistêmicos, como o ciclo
4
Conferência da água da ONU 2023: Avanços e Desafios
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lGidgoLMPvY Acesso em: março de 2023.
5
Sobre a entrevista da Ministra dos Povos Indígenas Sônia Gajajara, no programa Roda Vida. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=Bl2M6SREEsw Acesso em: março de 2023.
6
“Mulheres originárias: Reflorestando mentes para a cura da Terra”, é o lema da 2ª Marcha das
mulheres indíginas no Brasil, que aconteceu entre 7 e 11 de setembro de 2021, em Brasília – DF
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das águas. “Assim como os nossos rios, que generosamente compartilham sua potência
e confluem. Que a gente possa aprender a não ficar preso a nenhuma barragem”
(KRENAK, 2022, p. 90).
62
Do Brasil a Moçambique
Recorte espacial dos Distritos de Montepuez e Manica em Moçambique
O distrito de Montepuez está localizado na parte sul da Província de Cabo
Delgado a 210 km da Capital Provincial - Pemba, confinando a Norte com o distrito de
Mueda, a Sul com os distritos de Namuno e Chiúre, a Leste com os distritos de Ancuabe
e Meluco e a Oeste com os distritos de Balama e Mecula, este último da Província do
Niassa. A superfície do distrito é de 17.874 km2 e a sua população, até 2012, está
estimada em 218 mil habitantes. Com uma densidade populacional aproximada de 12,2
hab/km2 (figura 3).
Na zona da faixa do litoral do rio Montepuez existem regassolos, solos
pardacentos amarelados e psamiticos, resultantes de sedimentos não consolidados. No
rio Montepuez predomina vertissolos derivados de rochas sedimentares calcárias.
Montepuez é rico em ocorrências minerais, ali já foram identificados jazigos de
mármore, margas e grafite. Existem igualmente ocorrências de pedras preciosas e
semipreciosas, em regiões ainda sob pesquisa, e atualmente decorre a exploração de
rubi, no posto administrativo de Namanhumbir (figura 4).
Segundo Bartolomeu (2019), os tipos de sobsolos de Namanhumbir, um dos
postos administrativos de Montepuez, são solos arenosos castanhos acinzentados, solos
liticos, solos vermelhos de textura média, solos argilosos vermelhos e solos argilosos
vermelhos óxicos, são estes últimos que possuem o importante minério de ruby.
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Figura 3. Mapa de localização do Distrito de Montepuez
63
Fonte: Cenacarta, 2019.
Figura 4. Garimpeiro sentado no mármore.
Fonte: Google imagens, 2019.
Mapurango (2014), citando o INE (2013)7, aponta que o distrito de Manica
situa-se na parte central, a Oeste da província, com Sede no Município de Manica; seu
7
Estatísticas do Distrito de Manica (2013), INE (2012).
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limite ao Norte dá-se com o distrito de Bárue, a Oeste com o Zimbabwe, a Sul com o
distrito de Sussundenga e a Este com o distrito de Gondola. A superfície é de 4,383 km²
e uma densidade populacional de 58.7hab/km² (figura 5).
Figura 5. Mapa de localização do Distrito de Manica. 64
Fonte: Cenacarta, 2023.
O clima do distrito, segundo a classificação climática de Köppen (Ferro e
Bouman, 1987)8, é do tipo temperado húmido (Cw), dado que a região montanhosa de
Manica registra valores médios anuais na ordem dos 1000 e 1020 mm de chuva. Em
geral, a repartição das chuvas é desigual ao longo do ano, observando claramente a
existência de duas estações do ano bem distintas: a estação chuvosa e a seca (MAE,
2005) 9.
A região de Manica é drenada pelo rio Révuè e os seus afluentes. Estes por sua
vez drenam as suas águas no rio Búzi que é a bacia hidrográfica principal (MAE, 2005).
O clima apresentado é relativamente favorável à prática da agricultura. Esta região é
uma das mais desenvolvidas da província, com um número consideravelmente elevado
8
FERRO, B.P.A. & BAUMAN, D. – Notícia explicative da carta hidrogeológica de Moçambique – escala
de 1:1.000.000. D.N.A. 1987, Maputo
9
MINISTÉRIO DE ADMINSTRAÇÃO ESTATAL (2005). Perfil do Distrito de Manica provincial de
Manica, MAE, 50 Pps
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de empresários e comerciantes (CÁCERES et al., 2007)10. Já em Mapurango (2014),
citando Afonso e Marques (1993, p. 55), a mineração de ouro vem de longa data.
Diversas descobertas de artefatos deste metal, feitas em território do antigo Império
Momomotapa, provam-nos que a exploração daquele metal precioso foi bastante 65
intensa.
Essa exploração, por meios rudimentares, continuou até à segunda metade do
século XIX. As primeiras explorações, com base no conhecimento geológico,
começaram em Manica, por volta de 1892, e depois na província de Tete, em 1922.
Nessa altura, Macequece (atual cidadede Manica) foi uma cidade florescente devido ao
grande comércio de ouro, proveniente do campo mineiro de Manica.
Adicionalmente, em Manica, na época passada, o ouro era visto como símbolo
de poder, sendo também usado em rituais como lobolo11 e em trocas comerciais com os
árabes, somente no século XVI que, com a forte interferência da Administração
Colonial, se verificou uma diminuição desta prática, onde de acordo com GEOIDE
(2010)12, a sua revitalização foi da seguinte forma: Durante a Administração Colonial, a
indústria artesanal de ouro foi banida e fortemente controlada pelo governo atuante.
Depois da independência nacional, a extração informal de recursos minerais
preciosos era proibida, mas, mais tarde, foi tolerada e em certo sentido estimulado pelo
Estado através da compra dos minerais produzidos e da organização dos produtores em
associações. Em 2002, com a revisão da lei da atividade mineira artesanal e de pequena
escala a produção foi sendo formalmente legalizada.
Assim como outros distritos fronteiriços de Manica, estudos realizados pelo
GEOIDE (2010) confirmam que a adesão a esta atividade está associada a vários fatores
que se consubstanciam no seguinte: (i) crise econômica no vizinho Zimbabwe, que
precipitou milhares de cidadãos zimbabueanos para a indústria extrativa de ouro e
10
CÁCERES et al., (2007). Desenvolvimento Económico Local em Moçambique: m-DEL para a
planificação distrital Um método para identificar potencialidades económicas e estratégias
para a sua promoção. Vol.1
11
É um termo na língua nativa que significa “riqueza da noiva” ou “preço da noiva”, que pode ser uma
propriedade em gado ou espécie, que um futuro marido, ou chefe de sua família, compromete-se a dar ao
chefe da família de uma futura esposa em agradecimento de deixar o marido se casar com a filha.
12
GE IDE (2010). Estudo sobre a “ ineração Artesanal, Associativismo e Tecnologias Para
o seu Aproveitamento Sustentável “(ITC). Iniciativa para Terras Comunitária.
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turmalina em Manica e Báruè, respectivamente; (ii) a tolerância do Governo
moçambicano em relação a este setor de atividade; (iii) o desemprego generalizado,
especialmente entre jovens, agravado pela falta de oportunidade de continuação dos
estudos; (iv) o fato de a produção de ouro e turmalina constituir-se como uma 66
importante fonte de rendimento e enriquecimento.
Injustiças ambientais em Montepuez e Manica
O conceito de injustiça ambiental, segundo Sousa (2019), se refere à
desigualdade social e espacial na distribuição do fardo representado pela geração de
contaminantes como subprodutos dos processos industriais. Aqui remete-se para os
impactos negativos provocados por qualquer processo, com enfoque para a extração
mineira.
A luz do conceito de injustiça ambiental em Moçambique, Agnes Aineah (2023)
escreveu no seu artigo que a mineração descontrolada no país pode ter efeitos adversos
no meio ambiente e nas populações locais, e é provável que desperte agitação no país
que já vive violência na província de Cabo Delgado. As empresas mineiradoras e suas
atividades não beneficiam as comunidades locais durante o período de extração.
Em Tete, por exemplo, encontramos casos em que a empresa brasileira Vale
extraiu carvão durante mais de uma década, saiu de Moçambique após vários anos de
sucesso e vendeu toda a sua estrutura à empresa indiana Vulcan Minerals que, por sua
vez, comprometeu-se a indenizar as comunidades afetadas, mas isso não aconteceu,
deixando rastros de sofrimento. Em Balama e Montepuez, na província de Cabo
Delgado, ocorreu a transferência de negócios de uma empresa para outra sem controle
do Estado, fazendo o país não reter os ganhos de capital dos negócios.
Aineah (2023) aponta que a população que dependia do uso de recursos naturais
como lenha, plantio e caça, na área que havia sido demarcada para mineração, foi
repentinamente despojada do essencial para a sobrevivência. Além disso, a população
teve que suportar o alto risco de contaminação por águas superficiais e pluviais,
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contaminação das águas subterrâneas, bem como a destruição da biodiversidade devido
às atividades de mineração.
Pesquisas apontam que uma das razões para a degradação do solo, no posto de
Namutchu, é devido à procura de rubi, o que leva a situações muito complicadas no que 67
tange à agricultura, pois nas áreas em que há esta prática, a degradação ambiental é
intensificada, devido aos seguintes fatores: empobrecimento do solo e da vegetação,
pois há muito corte de plantas nativas e destruição do próprio solo, além da constante
contaminação de recursos hídricos e do solo.
Chambe (2019) assinala que após a divulgação dos primeiros resultados de
prospecção da mineiradora, em Namanhumbir, houve cruzamento de pessoas de
origens, costumes e conhecimentos diversos, se agudizam; outras vezes em conflitos,
outras com ponderada alteridade na convivência comum. Este processo impõe
Namanhumbir, a se transformar, de pequena aldeia para um centro de trânsito ou
permanências (curtas ou longas) de vários grupos de pessoas atraídas pela actividade
mineira.
Cruzando discussões das questões sobre mobilidade e deslocamentos forçados à
expropriação de terras, impostas pelas transformações trazidas pela mineração, com as
práticas e experiências de modus de vida local, verifica-se, as múltiplas percepções das
antinomias de desenvolvimento e como elas se apresentam para Namanhumbir e seus
nativos, que vêm nos seus modos de conhecimentos tradicionais, a única forma de luta e
reivindicação à ideia de pertencimento à sua terra.
O garimpo ilegal em Montepuez, concretamente em Namanhumbir, tem sido
noticiado como centro de atos de violência e outros crimes associados (figuras 6 e 7).
Este cenário é apontado na pesquisa de Gandour (2022) que mostra a associação da
atividade mineradora e o garimpo com a violência, apesar do inerente potencial para
gerar riqueza, a exemplo dos diamantes de sangue, que financiam conflitos e guerras na
África Ocidental. Assim, a presença de recursos minerais gera diversos conflitos, devido
ao potencial de lucro com os minérios e o desejo de controlar as jazidas, não raro
culminando em disputas armadas e escalada da violência na região.
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Diversos estudos documentam essas consequências negativas. Um artigo
publicado na American Economic Review (2017)13 mostra que o aumento do preço de
diferentes minérios leva a mais violência e conflitos entre milícias na África,
exatamente onde estão localizadas as minas de cada mineral. A ideia é que, conforme 68
cresce o valor dos minérios, aumenta a disposição de grupos armados a lutar por eles,
apesar dos riscos envolvidos. Os dados revelam um crescimento acentuado na taxa de
homicídios, justamente em municípios expostos à mineração e, particularmente, à
mineração ilegal.
Figura 6. Violências fisicas e psicológicas no posto administrativo de Namanhumbir.
Fonte: Google images, 2019.
Figura 7. Garimpeiros no posto administrativo de Namanhumbir.
Fonte: Google images, 2019.
13
BERMAN et al.: How Minerals FuelConflicts inAfrica, American Economic Review 2017, 107(6):
1564–1610, https://doi.org/10.1257/aer.20150774
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O desenvolvimento do garimpo de ouro tem provocado grandes modificações no
meio ambiente, causadas pela poluição e/ou sua contaminação, isto é, na alteração
indesejável das características físicas, químicas e/ou biológicas do meio ambiente (ar,
água e do solo), e destruição do ecossistema. Com o impacto, a ocorrência de tais 69
fenômenos significa perdas irreparáveis para as gerações futuras em termos de saúde,
qualidade de vida e disponibilidade de recursos naturais, com o risco de fomentar
bruscas mudanças climáticas e comprometer a continuidade do processo de
desenvolvimento socio-econômico.
Ademais, na inevitável dependência das águas dos rios, como afirma ANTÓNIO
(2011), o ouro, associado a outros minerais, é processado usando o mercúrio branco
para separá-lo de outras substâncias minerais. Por sua vez, este processo é feito
mediante a queima do mercúrio que resulta na inalação do seu vapor. Como substância
solúvel, no sangue, a sua contaminação tem consequências desastrosas para o ambiente
e para o homem, provocando fraqueza, insônia, cegueira, surdez, perda da coordenação
dos movimentosvoluntários (ataxia), problemas na articulação das palavras (disartia),
perda da sensibilidade nas extremidades das mãos, dos pés, em torno da boca
(parestesia), danos ao sistema nervoso, câncer e pode levar à morte (MANUEL et al.,
2010)14. A imagem a seguir (figura 8) mostra o ciclo de intoxicação do homem pelo
manuseio de mercúrio sob diferentes formas na natureza.
Figura 8: Garimpo artesanal às margens do rio Revue, no distrito de Manica.
Fonte: Bernardo Jequete/DW
14
MANUEL, et al., (2010). Manual de Educação Ambiental nas Escolas Vocacionais de
Moçambique. Maputo.
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O ouro também é extraído nos sedimentos aluvionares de forma solta, não sendo
necessário o uso do mercúrio para separá-lo de outros minerais associados. O ouro solto
é recolhido nos rios e este processo turva as águas, priva a luz ao ecossistema fluvial e
destrói a vegetação ribeirinha, perturbando a flora e a fauna aquática (DONDEYNE, 70
200715 et al., apud ANTÓNIO, 2011).
Figura 9: A coloração das águas do rio Revue na província de Manica.
Fonte: www.voaportugues.com
Estudos, efetuados pelo GEOIDE (2010) citado por Mapurango (2014),
mostram que a prática do garimpo ilegal contribui para erosão das terras, principalmente
nas zonas montanhosas; Além disso, há uma grande degradação das terras para
agricultura, na medida em que a maior parte das minas se localizam nas propriedades
agrárias. Todas essas ações geram grandes fendas e buracos, pelo fato de os
“mineradores” não fazerem o aterro das minas abandonadas.
Resgatando a relação entre minérios e violência, conforme explanamos no
cenário da exploração de rubi em Montepuez – posto administrativo de Namanhumbir,
também ocorre no distrito de Manica disputas de gramas de ouro ou de dinheiro,
aumentando os níveis de violência entre os garimpeiros no centro de Moçambique,
instalando-se um clima de rivalidades nas minas.
Devido a maior demanda de ouro no distrito, dependendo da descoberta do filão,
principalmente na zona rural, esta atividade tem sido a causa de enormes
15
DONDEYNE, S. NDUNGURU, E. e MULABOA, R. (2007). Em Busca de Ouro.Garimpo e
Desenvolvimento Sustentável. Uma difícil conciliação? 1ª Edeção, Chimoio.U. Zurmuhl.
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constrangimentos socio-econômicos, culturais e ambientais e até políticos, pois, a
procura desse minério resulta na devastação de florestas, na poluição das águas dos rios
ou riachos locais, nomeados de Púngue, Révuè, Mussambudzi, Nhamucuarara, Chua e
Chimedza, ou seja, a degradação dos solos que antes eram machambas16, recintos de 71
casa, estradas, lugares cuja tradição são considerados patrimônios sagrados da
humanidade.
Para além da subida de preços no mercado de alimentos no distrito, causada pela
distorção da agricultura familiar, evidenciam-se as mortes acidentais e a contamindação
pelo manuseio direto do mercúrio que colocam a população em risco pela contração de
doenças mentais doenças crônicas.
Considerações Finais
O garimpo ilegal causa a destruição de rios e vidas, representando uma ameaça à
saúde planetária devido à contaminação por mercúrio. No Brasil, estamos enfrentando
uma crise humanitária e sanitária nas Terras Indígenas Yanomamis, cuja origem reside
no garimpo ilegal.
É imprescindível que o Estado brasileiro e o conjunto da sociedade se mobilizem
para demarcar as terras indígenas, e desconstruir a ideia de Marco Temporal, para as
demarcações.
termo “ arco Temporal” refere-se a uma interpretação específica do Direito
indígena no Brasil. Essa interpretação estabelece que os Direitos territoriais dos povos
indígenas só podem ser reconhecidos se puderem comprovar que estavam ocupando
suas terras ancestrais na data da promulgação da Constituição Federal de 1988.
16
Machambas
Machamba, do suaíli mashamba (sing. shamba), identifica genericamente em Moçambique, como em
toda a costa suaíli, um terreno de cultivo. Esta terra adquire nomes próprios consoante o grupo
etnolinguístico e, dentro deste, a situação da terra, fase de cultivo, tipo de cultura e direitos de
propriedade. Disponível em: https://edittip.net/2014/02/02/machamba/ Acesso em junho de 2023.
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Durante a construção dessa reflexão, o atual Presidente do Brasil, Luiz Inácio
Lula da Silva, assinou o decreto de homologação de seis terras indígenas. Uma ação
importante, mas pequena diante de um possiv l “ arco Temporal”, para as
demarcações. 72
Antes da formação do Estado brasileiro, as terras eram ocupadas pelos
indígenas, que foram gradualmente expulsos de muitas de suas terras ancestrais. Se o
chamado „ arco Temporal‟ for aprovado, resultará em injustiças ambientais
irreparáveis não apenas para os indígenas, mas também para toda a sociedade.
As terras já demarcadas precisam ser monitoradas e salvaguardadas pelo Estado
brasileiro. Os rios precisam ser protegidos (o direito dos rios, foi pautado na
Conferência da Água da ONU, em 2023). Políticas públicas de valorização das matas e
dos rios vivos precisam ser construídas.
As múltiplas violências contra as mulheres e crianças indígenas precisam ser
combatidas pelo Estado e pelo conjunto da sociedade. As assistências médicas para os
povos indígenas devem ser asseguradas pelo Estado.
É inconcebível que povos indígenas necessitem de água potável engarrafada
para beber, tendo em suas terras uma rica rede de mananciais. É desumano o fato de
centenas de crianças indígenas morrerem de fome, tendo importantes rios de onde
poderiam retirar sua principal fonte de alimento, os peixes.
É necessário reforçar que a perda de serviços ecológicos, com a destruição do
modo de vida indígena, das matas, atinge toda a sociedade. A vida necessita do ciclo
hidrológico, e os povos originários contribuem para que o ciclo da água se realize. É
dever do Estado brasileiro e do conjunto da sociedade proteger as terras, a cultura e os
povos indígenas, além de coibir os garimpos ilegais de forma ampla.
O percurso feito aqui demonstra que Moçambique é um país rico em recursos
minerais, alguns dos quais têm sido explorados. Suas características e sua evolução
geológica apontam para a existência de um potencial mineral ainda maior, o qual poderá
ser descoberto com o aprofundamento do conhecimento geológico do país.
A mineração remete a um paradoxo de desenvolvimento, os aparentes aspectos
positivos escondem enormes impactos negativos para o ambiente, cabem aos Decisores
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políticos (decisions makers) terem equilíbrio nas suas resoluções com vista a ter mais
oportunidades de desenvolvimento e proporcionarem o bem-estar ao país.
Para alguns garimpeiros, a clareza de que o garimpo ilegal é um crime é obscura.
Enquanto alguns desejariam poder comercializar as pedras preciosas diretamente aos 73
proprietários, outros têm plena consciência da escolha criminosa que fizeram e das
consequemcias que isso acarretaram.
No contexto atual, surge uma questão central no Brasil, em Moçambique e no
mundo: a inquietação política em relação ao valor da água com qualidade e rios vivos,
que se sobrepõe ao valor do ouro.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), ao Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Universidade
Federal de Jataí (UFJ) pelo financiamento e acolhimento da pesquisa intitulada "Rios
urbanos: o avanço das cidades sobre os cursos d‟água em Goiás". Parte das reflexões
apresentadas aqui são desenvolvimentos desta pesquisa. E ao Instituto de bolsas de
Moçambique, pela bolsa de estudos que possibilita essas construções e encontros.
Referências
AINEAH, Agnes. Uncontrolled Mining in Mozambique could fire up violence: Catholic
Peace Entity. Maputo: The Catholic Foundation, Denis Hurley Peace Institute (DHPI),
21 April 2023, 11:30 pm (ACI Africa).
ANTÓNIO, Manuel Cebola. Impacto socioeconômico da mineração artesanal: caso das
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