25691-Texto Do Artigo-67041-1-10-20151128
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Resumo:
Num exercício de reflexão, o texto procura mirar a ditadura no Brasil a partir de uma ótica
que relaciona história, memória e ideologia numa revisita ao tema nesse momento de (des)
memoração dos 50 anos do Golpe Militar. A reflexão passa pelo pressuposto de que o passado
é, ao mesmo tempo, passado e presente.
Palavras-chave: Ditadura militar brasileira; memória; luta de classes.
* Este texto constitui-se parte da produção de pesquisa vinculada à Licença Sabática do autor,
supervisionada pelo professor doutor Marcelo Ridenti (UNICAMP).
** Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP; docente da Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia, Vitória da Conquista-BA, Brasil. End. eletrônico: [email protected]
1
Só para citar países do Cone Sul da América Latina (por ordem cronológica de criação): Argentina:
Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas, criada em dezembro de 1983; Chile:
Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação, criada em 1990; Peru: Comissão da Verdade e
Reconciliação, criada em 2001; e, tardiamente, o Brasil, que criou a Comissão Nacional da Verdade
em maio de 2012, quase trinta anos depois da Argentina.
2
Conferir em : “Com Lei do Acesso à Informação e Comissão da Verdade, Brasil avança na
consolidação da democracia”. Disponível em http://blog.planalto.gov.br/com-lei-do-acesso-a-
informacao-e-comissao-da-verdade-brasil-avanca-na-consolidacao-da-democracia/. Acessado
em 22/03/2013.
3
Conferir em: Dilma anuncia integrantes da Comissão da Verdade. Disponível em: http://
agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-05-10/dilma-anuncia-integrantes-da-comissao-da-verdade.
Acessado em 22/03/2013.
4
Operação policial pautada em ações repressivas, integrada pelas forças da intelligentsia das
ditaduras de Chile, Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia, em funcionamento entre meados
das décadas de 1970 e 1980. Sobre esta questão, ver Mariano (2003).
5
Conferir em: Começa primeiro julgamento de crimes cometidos durante a ditadura. Correio
Braziliense, 14/03/2013. Disponível em http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/
mundo/2013/03/05/interna _mundo,352945/comeca-primeiro-julgamento-de-crimes-cometidos-
durante-a-ditadura.shtml. Acessado em 14/03/2013.
6
Este talvez seja o caso em que as memórias pessoais (que são construídas social e coletivamente)
se misturem como “recordações congeladas de uma época” (Ridenti, 1993: 16) com os aspectos
históricos sem que possam ser separados. Em Ridenti, história e memória perpassam relatos de
aspectos sociais, políticos e culturais profundamente marcados por esta imbricação.
O entulho ditatorial
Para reafirmar o que se alegou até aqui, a violência institucional contra as
manifestações públicas de junho (2013) no Brasil mostra que as políticas de segu-
rança pública pós-ditadura passam pelos fundamentos da Doutrina de Segurança
Nacional (DSN)7, herança nefasta do último processo ditatorial. Exemplo disso é
a Polícia Militar (PM) brasileira, hoje instrumento anacrônico de um modelo idem
de segurança pública daqueles tempos sombrios. Em suas atuais características, a
PM, fruto do Golpe Militar de 1964 e fundada na concepção de inimigo interno,
à época justificava-se como instrumento de combate ao comunismo, antono-
másia usada para a repressão a todo e qualquer opositor ao regime, atendendo
às prerrogativas da ideologia da DSN. Ainda hoje continua atuando como se a
ditadura estivesse vívida. Segundo Calveiro (2013), trata-se de um “passado que
não quer passar” e que, aqui no Brasil, é marcado pela persistência de boa parte
do entulho autoritário da ditadura militar de 1964 que, governo após governo,
vem sido varrido para debaixo do tapete. Mesmo a CNV, trata-se de uma comissão
de “meia-verdade”, pelos poderes a ela outorgados, submetidos à Lei da Anistia
(Lei nº 11.961/2009, regulamentada pelo do Decreto nº 6.893/2009), que tem
por pressuposto as prerrogativas militares da ditadura.
7
Importante abordagem acerca da DSN, ver Comblin (1978).
8
Consultar “Em ano eleitoral, Congresso tem fila de projetos contra manifestante violento”.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/03/1424810-em-ano-eleitoral-
governo-tem-fila-de-projetos-contra-manifestante-violento.shtml. Acessado em 31/03/2014.
9
Examinar “A polícia mata mais hoje do que na ditadura militar: uma entrevista com Maria Helena
Moreira Alves”. Disponível em: https://medium.com/medium-brasil/a3695eac613e. Acessado em
18/04/2014.
10
Ver “PM mata seis vezes mais que Policia Civil em São Paulo”. Disponível em: http://www.bbc.
co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120601_direitos_humanos_policias_onu_lk.shtml. Acessado
em 31/03/2014.
11
Consultar “Polícia do Rio mata 41 civis para cada policial morto”. Disponível em: http://www1.
folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1607200701.htm. Acessado em 31/03/2014.
12
Ver “Conselho da ONU sugere fim da Polícia Militar no Brasil”. Disponível em: http://www.estadao.
com.br/noticias/nacional,conselho-da-onu-sugere-fim-de-policia-militar-no-brasil,880073,0.htm.
Acessado em 31/03/2014.
13
Peru (1962); Equador, Guatemala, Honduras, República Dominicana (1963); Brasil e Bolívia
(1964); Argentina (1966 e 1976); Chile (1973).
14
Agente estadunidense a serviço da DSN no Brasil de 1960-67, Dan Mitrione era especialista em
tortura com choques elétricos sem deixar marcas na vítima. Em Belo Horizonte, dava aulas usando
indigentes, mendigos, moradores de rua, presos, seguindo os manuais da CIA. A farsa durou 13
anos, quando, em 1983, por iniciativa de vereadores à época, o nome da rua foi mudado para José
Carlos Mata-Machado, assassinado sob tortura nos porões da ditadura em Pernambuco.
15
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=ZwyKtFdZrKk&hd=1. Acessado em: 20/04/2014.
O depoimento escrito por completo se encontra disponível no site: http://racismoambiental.net.
br/2013/05/integra-do-depoimento-da-historiadora-dulce-pandolfi-a-comissao-estadual-da-verdade-
do-rio-de-janeiro/. Acessado em: 20/04/2014.
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