0% acharam este documento útil (0 voto)
28 visualizações20 páginas

História e Historiografia 2

O documento aborda a formação dos reinos medievais e a ascensão do cristianismo no Ocidente, destacando a influência do legado romano, as migrações bárbaras e a criação de monarquias. A herança romana é apresentada como fundamental na estruturação da Europa medieval, impactando a língua, o direito e a administração. Além disso, a relação entre romanos e bárbaros é discutida, enfatizando a assimilação cultural e a complexidade das identidades étnicas durante as migrações.

Enviado por

Ricardo Medeiros
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
28 visualizações20 páginas

História e Historiografia 2

O documento aborda a formação dos reinos medievais e a ascensão do cristianismo no Ocidente, destacando a influência do legado romano, as migrações bárbaras e a criação de monarquias. A herança romana é apresentada como fundamental na estruturação da Europa medieval, impactando a língua, o direito e a administração. Além disso, a relação entre romanos e bárbaros é discutida, enfatizando a assimilação cultural e a complexidade das identidades étnicas durante as migrações.

Enviado por

Ricardo Medeiros
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 20

HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA

MEDIEVAL OCIDENTAL
AULA 2

Prof. Douglas Mota Xavier de Lima


Profa Mariana Bonat Trevisan
CONVERSA INICIAL

A formação dos reinos medievais e a ascensão do cristianismo no


Ocidente

A Europa medieval nasceu do mundo romano, ou melhor, das


transformações que esse mundo experimentou graças às migrações
bárbaras, à difusão do cristianismo, à descentralização do poder
político e ao fortalecimento da aristocracia rural. (Silva, 2019, p. 15)

Esse trecho serve de roteiro para as discussões que apresentaremos


neste momento da nossa disciplina. Iniciamos com reflexões sobre o legado
romano, tendo em vista que ao longo de toda a Idade Média a herança romana,
com sua forma de governo, legislação, língua e literatura, exerceu forte influência
na Europa Ocidental.
Em seguida, discute-se o tema das migrações bárbaras, pois povos de
múltiplas etnias e culturas, não pertencentes à civilização greco-romana, se
integraram ao mundo romano, dando origem aos reinos ocidentais. Essas
unidades políticas constituem o terceiro item deste texto, focado no estudo das
monarquias do primeiro milênio cristão. Abrem-se, então, dois tópicos
relacionados à difusão do cristianismo no Ocidente: o primeiro, voltado aos
temas institucionais e doutrinários; e o segundo, dedicado às estratégias de
conversão e disseminação do cristianismo.

TEMA 1 – O LEGADO ROMANO

A herança romana é muito mais rica. E a Europa medieval saiu


diretamente do Império Romano. A primeira herança capital é a língua,
veículo da civilização. A Europa medieval fala e escreve em latim, e
quando o latim recuará diante das línguas vulgares após o século X,
as línguas ditas romanas – espanhol, francês, italiano e português –
perpetuarão esse patrimônio linguístico. (Le Goff, 2007, p. 24)

Jacques Le Goff sublinha que a Europa medieval recebeu diferentes


heranças da Antiguidade:

• A indo-europeia, que ofereceu o modelo de sociedade trifuncional


(modelo social marcado por uma camada religiosa/sacerdotal, uma
aristocracia guerreira e uma extensa camada produtora/trabalhadora),
ideologia mobilizada pelos pensadores cristãos para definir o
funcionamento e as hierarquias sociais do medievo.

2
• A grega, que legou à Idade Média o humanismo e a ideia do herói sobre-
humano que, cristianizado, muta-se na figura do mártir e do santo.
• A bíblica, que consistiu na base do saber, da memória e de um vasto
conjunto de referências sobre a política, a economia, o corpo, o porvir etc.
• E a romana, indicada na citação do começo deste tema.

O legado romano compõe, assim, um dos elementos que estruturam o


medievo ocidental, articulando-se às demais heranças e manifestando-se em
várias dimensões: no sistema de estradas, que mesmo com a deterioração de
parte das vias terrestres conseguiu transmitir ao medievo uma complexa rede de
circulação de longa distância; na língua, com o latim sendo empregado tanto na
liturgia como nos assuntos administrativos, além de ser a referência para grande
parte das línguas neolatinas surgidas no medievo; no campo jurídico, posto que
a sociedade romana ofereceu aos séculos seguintes um vasto corpo legal, como
o Codex Theodosium, do século V, e o Corpus Iuris Civilis, do século VI, códigos
de leis que influenciaram, por exemplo, as leis visigodas coevas (como o codex
euricinus e a lex romanavisigothorum) e se tornaram a base da renovação do
direito no Ocidente a partir do século XII; e na estrutura administrativa, com a
divisão em dioceses sendo incorporada pela administração eclesiástica.
Cabe ainda assinalar a influência do legado romano para as referências
políticas e a Igreja. Em termos políticos, observa-se a manutenção de conceitos
da tradição clássica que foram adotados pelo cristianismo e serviram de
sustentação às monarquias, por exemplo, a associação das noções de imperium
e Christianitas, assim como a importância da sacralização da realeza por meio
da herança baixo-imperial (Frighetto, 2008).
Não obstante, foi a Igreja a principal herdeira do Império Romano. Esse
legado se evidencia em termos administrativos, jurídicos, intelectuais,
conceituais e na língua. A aliança entre catolicidade e latinidade é uma das
marcas mais significativas do período, pois o cristianismo soube incorporar e
adaptar diferentes elementos da cultura clássica, tirando proveito das formas de
culto estabelecidas, aproximando a ética cristã do poder político e aceitando os
métodos educativos clássicos como base da doctrina Christiana (Ladero
Quesada, 1989).
Como veremos, essa lenta adaptação do cristianismo ao mundo romano
mediterrânico redefiniu as bases da sociedade clássica, com a Igreja se

3
introduzindo entre o indivíduo, a família e a cidade, isto é, modificando
profundamente a cultura cívica da cidade antiga (Brown, 2009).

TEMA 2 – AS MIGRAÇÕES DOS POVOS BÁRBAROS

Podendo-se encontrar na crise do mundo romano do século III o início


da profunda perturbação de que sairá o Ocidente medieval, é legítimo
considerar as invasões bárbaras do século V com o acontecimento que
precipita as transformações, que lhes dá um aspecto catastrófico e que
lhes modifica profundamente a aparência. (Le Goff, 1983, p. 29)

Os bárbaros não conquistaram o Império, eles se assimilaram


intensamente à sociedade romana, a ponto de, sob a perspectiva
arqueológica, ser muito difícil distingui-los dos romanos, especialmente
a partir do século VI. (Silva, 2019, p. 15)

Os trechos apresentam duas leituras distintas sobre o tema dos povos


bárbaros e, de certo modo, exemplificam a gradativa mudança da perspectiva
historiográfica sobre a questão. Le Goff, ao enfatizar as “invasões”, sobrevaloriza
o aspecto violento e conflituoso da relação entre romanos e bárbaros, remetendo
à imagem de hordas bárbaras que tomaram de assalto o Império e acentuaram
a crise do mundo romano, precipitando a queda de Roma.
Essa visão catastrófica e estereotipada prevaleceu na historiografia até
meados do século passado e, de modo mais atenuado, ainda orienta estudos
que sustentam a proeminência dos povos bárbaros para as transformações
ocorridas no Baixo Império. Não obstante, conforme o trecho de Marcelo Silva,
a historiografia tem reinterpretado o tema e o termo migrações passou a referir-
se à instalação dos bárbaros com uma conotação mais processual e, por vezes,
reduzindo o papel desses povos para as mutações do mundo romano entre os
séculos III e V.
Como indicado no texto anterior, o século III em Roma vivenciou uma
importante crise, por vezes considerada marco para o início da Idade Média, com
implicações na relação do mundo romano com os bárbaros. A crise do século III
foi, sobretudo, uma crise política e econômica. Por um lado, com sucessivas
mudanças de imperadores – apenas em 238, Roma teve seis imperadores
diferentes – acompanhadas da duplicação dos efetivos militares cada vez mais
preponderantes na política romana, o que levou ao cenário da “Anarquia Militar”,
em parte equacionado pela reforma administrativa de Dioclesiano (284 – 305) e
pela reforma no exército empreendida por Constantino (272 – 337).
Por outro lado, tais reformas caracterizaram-se pela ampliação do estado
romano e de sua burocracia, que acarretou o aumento dos custos da máquina
4
estatal e militar, demandando a reforma fiscal e o aumento de impostos (Silva,
Mendes, 2006).
Nesse contexto, uma das principais consequências da crise do século III
foi ter mudado o padrão das relações entre Roma e os bárbaros. Observa-se,
desde então, a presença cada vez mais frequente de bárbaros assentados nas
fronteiras do Império, por meio do sistema de hospitalidade (hospitalitas) e,
principalmente, nos efetivos militares romanos, grupos bárbaros recrutados, em
geral, como federados (foederati).
A modalidade foi usada com os godos, os francos e ampliada a outros
grupos bárbaros que, na categoria de federados, passaram a receber
pagamentos, ocupar postos elevados na estrutura militar e acumular honrarias
romanas, como os títulos de rex (rei) e magister (general). Essa incorporação
não impediu conflitos armados entre bárbaros federados e as autoridades
romanas, no entanto, esses enfrentamentos tiveram mais características de
revoltas do que de invasões estrangeiras. Ademais, outros fatores contribuíram
para a assimilação dos bárbaros, como o casamento e a adoção do latim, sendo
o principal a conversão ao cristianismo, seja em sua vertente ariana, monofisita
ou nicena (Wickham, 2017).
Pelos elementos expostos, podemos concluir os seguintes pontos: a
relação entre bárbaros e romanos não é somente de oposição, pois a infiltração
de grupos bárbaros no mundo romano foi, por vezes, gradual e sancionada pelas
autoridades – consequentemente, cai a noção de uma invasão bárbara
intencional e coordenada; a separação entre romanos e bárbaros tendeu a se
diluir, em especial pelo processo de cristianização e adoção do latim; o reduzido
contingente populacional de bárbaros que penetrou as terras do Império – grupos
minoritários que correspondiam a algumas dezenas de milhares de pessoas –
não necessariamente se acomodou nas províncias imperiais ou não desagregou
as comunidades locais, o que favoreceu a assimilação (Goffart, 2003).
Cabe, por fim, questionar: quem eram os bárbaros? Francos, Alamanos,
Burgúndios, Vândalos, Ostrogodos, Visigodos, Hunos, Saxões, dentre outros.
Provavelmente você já ouviu falar alguns desses nomes para designar os povos
não romanos que invadiram ou migraram ao território imperial. Contudo, desde
meados do século passado, com os novos conhecimentos advindos da
arqueologia e as novas referências epistemológicas e conceituais, o
conhecimento sobre esses povos passou por uma revisão significativa.

5
Partindo do questionamento das fontes romanas que descreveram a
história dos povos bárbaros, com as obras de Tácito (c. 56 – c. 117), Amiano
Marcelino (c. 331 – c. 391) e Procópio de Cesareia (c. 500 – c. 565), a
historiografia tem indicado as limitações dessas narrativas consideradas
etnocêntricas, isto é, que explicaram os bárbaros com base nas categorias da
sociedade romana, pagã ou cristã. Além disso, os estudos têm demonstrado que
a menção aos grupos bárbaros como “povo” ou “tribo” numa acepção moderna
é problemática, visto que são traduções imprecisas dos termos antigos nationes,
gentes, populi e ethnoi (Blockmans; Hoppenbrouwers, 2012).
Essa última questão remete ao problema da atribuição de uma identidade
étnica aos bárbaros. A identificação de determinado grupo como godo,
lombardo, suevo etc., decorre, em geral, das fontes textuais romanas, gregas e
cristãs, etnocêntricas em seus comentários, e dos vestígios materiais, elementos
que dificultam a definição étnica desses grupos, pois não existe objeto
etnicamente inequívoco. Tradicionalmente, os bárbaros foram encarados como
unidades populacionais culturalmente homogêneas, com uma mesma
ancestralidade, costumes, língua e local de origem. Essa perspectiva pode ser
vista no mapa a seguir (Figura 1), representação comumente encontrada em
atlas históricos e livros acadêmicos e didáticos sobre o período do Baixo Império.

Figura 1 – As invasões bárbaras (séculos IV – VI)

Crédito: João Miguel.


6
O mapa pretende mostrar os caminhos percorridos pelos bárbaros no
processo de invasão do Império Romano. Tomando como exemplo o caso dos
Hunos, por meio de uma seta de cor amarela, a imagem apresenta o
deslocamento que atravessou a Ásia e chegou ao Império Romano do Oriente,
ao norte da Itália e à Gália séculos depois. A seta move-se sinuosamente por
várias direções, colocando os Hunos em contato com inúmeras províncias,
populações e regiões do mundo romano, sem que isso interfira na unidade do
povo durante diferentes séculos.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos demais povos representados
pelas setas do mapa e evidencia a noção de unidade/continuidade cultural
inerente a esse tipo de representação. Na contramão dessa perspectiva,
atualmente entende-se o caráter dinâmico dos grupos étnicos, que, por vezes,
se subdividiam em novos grupos e assumiam novas identidades. Assim,
podemos afirmar que as etnias não são fenômenos objetivos e que os limites
étnicos nunca são estáticos, tornando-se ainda mais dinâmicos e flexíveis em
contextos de migração (Pohl, 2003).
Em síntese, com base nos atuais conhecimentos sobre o tema, podemos
concluir que os bárbaros eram grupos multiétnicos no contexto migratório dos
séculos III e IV e que, portanto, não houve uma origem ou unidade étnica estável
ao longo dos séculos. Gradualmente, ocorreu um processo de formulações
identitárias em constante mutação, uma identidade que mobilizava referências
do contato com outras culturas e de pertencimento étnico, expressas em relatos
de origem e núcleos de tradições comuns, como ritos e cosmogonias igualmente
variáveis (Mantel, 2017). De todo modo, essa leitura não deve ser encarada
como definitiva, e sim como um saber cumulativo e provisório constantemente
modificado por novas investigações.

TEMA 3 – OS REINOS MEDIEVAIS

Na região ocidental do Império Romano os novos governantes


bárbaros criaram reinos por toda a parte, e a monarquia passou a ser
a forma predominante de governo na Europa medieval. A questão é se
os bárbaros apenas estabeleceram essa forma de governo que sempre
haviam conhecido, ou se era uma nova construção que, em parte por
influência das ideias romanas, aos poucos adquiriu sua forma
definitiva. A última hipótese é mais plausível. (Blockmans,
Hoppenbrouwers, 2012, p. 51)

Desde as primeiras páginas do texto desta aula, temos indicado a


importância do legado romano para os séculos medievais, herança que se
7
expressa, entre outras dimensões, na questão institucional. Nesse sentido, não
se deve subestimar as bases jurídicas e conceituais romanas, que serviram de
sustentação às novas monarquias, nem os rituais e insígnias que contribuíram
para legitimar o poder régio.
As monarquias medievais não se estabeleceram sobre o vácuo deixado
por Roma. Apesar disso, deve-se ter cautela em sobrevalorizar esse legado,
evitando considerar que as estruturas administrativas romanas foram
reproduzidas pelos reinos medievais, expressando a passividade dos grupos
bárbaros, ou que essa herança foi superior à capacidade gestora dos bárbaros
(Bastos, 2008).
De todo modo, a partir do século V, vemos toda a região do Império
Romano do Ocidente constituir-se em reinos independentes que não
reivindicavam a legitimidade imperial. Esses reinos não eram homogêneos e, em
diálogo com a antropologia política, a historiografia tem usado termos como
chefaturas, protoestados ou protonações, para designar a diversidade política
dos reinos, que variavam em termos de sucessão – por hereditariedade ou
eleição – e organização administrativa.
Sobre esse aspecto, Chris Wickham (2019) é enfático ao abordar a
dificuldade de manutenção da estrutura política romana por alguns reinos,
principalmente em termos do sistema fiscal, que migra para um sistema fundado
na posse de terras, não na arrecadação de impostos. Para o autor, essa
mudança foi crucial para o estabelecimento dos reinos medievais, afetando a
longevidade de alguns reinos, assim como as relações políticas internas, em
especial a posição das aristocracias.
Em termos de distribuição espacial, observa-se uma dispersão maior dos
reinos no século V, divisão que tendeu a ser substituída por unidades políticas
com maior controle territorial a partir do século VI. Entre esses reinos mais
estáveis e duradouros, podem ser citados o reino dos visigodos, que ocupou a
maior parte da Península Ibérica e estendeu o seu poder ao Loire e ao Ródano,
sendo destituídos apenas com a expansão muçulmana do século VIII; e o reino
dos francos, que gradativamente se impôs sobre a Gália e, entre o século VIII e
o IX, restituiu a autoridade imperial no Ocidente com a dinastia dos Carolíngios.
Outras unidades foram mais efêmeras, como o caso dos burgúndios, na
Gália, conquistados pelos francos no século VI, e os reinos dos vândalos, no
norte da África, e dos ostrogodos, na Itália, conquistados pela expansão de

8
Justiniano. Houve também reinos menores que se desenvolveram sob relações
de dependência com outros reinos, como o caso dos alamanos, bávaros e
turíngios, que gravitavam em torno da realeza dos francos.
A partir do século VII, são observadas mudanças importantes no cenário
político europeu. Uma das mais significativas foi a afirmação do reino dos
francos. Nele, ocorre também a lenta afirmação patrimonial e militar da família
dos pepênidas, grupos vindos da região da Austrásia e que passaram a exercer
uma espécie de tutela sob os reis da dinastia dos merovíngios. Foram esses
maiores domus (“prefeitos do palácio”) que conduziram a reestruturação da
monarquia franca, em especial com Pepino de Landen, o Velho (c 580 – 640) e
Carlos Martel (c 690 – 741), celebrizado pela vitória contra os muçulmanos na
Batalha de Poitiers, em 732.
A transição dinástica completou-se em meados do século VIII, quando
Pepino, o Breve (714 – 768), depôs o último rei merovíngio, fundando a dinastia
dos carolíngios. Nesse contexto, em 754, foi estabelecida uma aliança entre a
monarquia dos francos e o papado a fim de garantir a defesa da Igreja contra as
investidas lombardas.
Esse acordo foi fundamental para a história do Ocidente medieval, pois,
por meio dele, Pepino foi legitimado por Roma e a realeza franca passou a
receber a unção, à maneira dos reis do Antigo Testamento, elemento que
conferiu sacralidade à monarquia dos francos. Ademais, decorre dessa aliança,
já sob o reinado de Carlos Magno (768 – 814), a expressiva expansão territorial
dos francos e a reunificação de parte considerável do antigo Império Romano do
Ocidente – com a Gália, a Itália, a Renânia e a Germânia sob uma única
autoridade; assim como o restabelecimento da unidade imperial, posto que, em
800, Carlos Magno foi coroado Imperador pelo papa.
Para o papado, a aliança com os francos foi igualmente decisiva por
permitir o rompimento dos laços com o imperador romano em Constantinopla,
permitindo a Roma afirmar-se como um verdadeiro poder no Ocidente, cada vez
mais compreendido como a Cristandade latina, isto é, uma unidade política e
religiosa que reunia os cristãos católicos sob a autoridade do Império e de Roma
(Baschet, 2006).
Por fim, outro elemento que impactou o cenário europeu no século VIII foi
a expansão islâmica. Mesmo fora do escopo da nossa disciplina, convém
destacar que, após a conquista de Meca por Maomé, em 630, os sucessores do

9
profeta empreenderam uma rápida expansão do islã pela Arábia e, no século VII,
o poder dos califas já alcançava o Egito, a Pérsia e o norte da África. Dessa
presença no Magreb, em 711, tropas muçulmanas avançaram sobre a Península
Ibérica e, em menos de uma década, conquistaram o reino dos visigodos.
Esse panorama da Europa entre os séculos VII e IX fecha um amplo
quadro histórico que agrega o processo de estabelecimento dos bárbaros no
mundo romano e a formação dos reinos medievais. No cenário do século VIII em
diante, a antiga região do Império Romano do Ocidente já havia passado por
uma mutação profunda. Até o momento, concentramos a atenção nas mudanças
políticas, expressas na divisão da Europa em diferentes reinos cristãos e,
sobretudo, no restabelecimento do poder imperial com os carolíngios. É chegada
a hora de tratarmos de outro processo crucial para tal mutação: a ascensão do
cristianismo no Ocidente.

TEMA 4 – A ORGANIZAÇÃO DA IGREJA

Na nova cena urbana o bispo cristão e sua Igreja não passam de um


elemento. Agora [século IV] pode-se construir numerosas e magníficas
igrejas graças às doações imperiais e segundo o novo modelo imperial,
a basílica, edifício muito semelhante à “sala de audiência” do imperador
e ao trono do juízo de Deus, o imperador invisível da cidade. [...] Por
impressionante que pareça, [...] o cristianismo é periférico a esse
saeculum, mesmo que agora seja a fé nominal dos poderosos. [...] A
questão que se coloca para tais gerações é saber como a fachada
restaurada da antiga cidade romana corre o risco de desmoronar,
deixando o bispo cristão, munido por sua própria definição “não cívica”
da comunidade, livre para intervir como o único ator representativo da
vida urbana nas margens do Mediterrâneo. (Brown, 2009, p. 249, 255)

Escolhemos iniciar esse item a partir do século IV por diferentes motivos.


No período, as comunidades cristãs se encontravam enraizadas no
Mediterrâneo e na Ásia Menor, penetrando o espaço urbano, rural e diferentes
grupos sociais, inclusive, nos meios imperiais; o cristianismo havia se afastado
da matriz religiosa judaica, assumindo uma identidade própria e perfis regionais
particulares. O pertencimento à comunidade havia se estruturado em torno de
três pilares:

1) a conversão, a instrução batismal ou catecumenato, e o batismo


propriamente dito;
2) uma liturgia em torno da eucaristia, de um calendário cristão próprio e de
formas particulares de devoção e piedade instituídas;

10
3) a ascese (disciplina/autocontrole) moral e sexual, assim como o ideal de
virgindade, que foram adotados como valores dento da comunidade.

O lugar de culto havia migrado das casas dos cristãos para a ecclesia
(“Igreja”), em geral uma basílica elevada sobre antigos lugares de culto pagão,
dividida por naves, com local elevado para o sacerdote e acompanhada de um
martyrium – onde se conservavam as relíquias cristãs – e de um batistério (local
para o bastismo).
Ademais, o século IV marca o término do período das perseguições,
sendo marcantes nesse processo o édito de Tolerância (311), de Galério, que
cessou as perseguições, o édito de Milão (313), de Constantino, que concedeu
aos cristãos liberdade de culto, restituição de bens confiscados e igualdade de
direitos com os pagãos, e o édito de Tessalônica (380), de Teodósio, que
instituiu o cristianismo como religião de Estado e interditou os cultos pagãos
(Baumgartner, 2002; Elber; Markschies, 2012).
Esse amplo panorama é útil para compreendermos como no contexto do
fim do Império Romano do Ocidente a Igreja aparece como uma comunidade
coesa, adaptada ao mundo romano e, como sugerido por Peter Brown (2009),
em plenas condições de deixar a sua posição periférica e assumir o papel de
principal herdeira do Império. Cabe então tratarmos da institucionalização da
Igreja e estruturação da doutrina cristã no período.
Desde os éditos de Milão e Tessalônica, o número de cristãos no Império
Romano cresceu acentuadamente, espalhando-se pela Europa, pela África e
Ásia Menor. Estima-se, por exemplo, que de 10 a 20% da população total do
Império, no início do século IV, cerca de 33 milhões de pessoas, os cristãos
passaram a representar 50% no início do século V.
Esse aumento de adeptos foi acompanhado pelo significativo acúmulo de
riquezas, garantindo a afirmação do poder econômico e fundiário das
comunidades cristãs. Tais bens advinham das crescentes doações do Estado e
de particulares, das isenções fiscais, das oferendas pelo ofício dos mortos, dos
dízimos pagos pelas classes mais baixas e pelos bens apropriados dos
santuários pagãos, afinal, uma vez institucionalizada, a Igreja cristã deixou de
ser uma seita perseguida para assumir a posição de perseguidora.
A riqueza da Igreja foi fundamental para a afirmação das autoridades
cristãs na sociedade medieval, tanto pelo fato desses bens estarem divididos
pelas diferentes instituições cristãs, como mosteiros, bispados, paróquias etc., e
11
não concentrados nas mãos dos patriarcas ou do papa, quanto pela relação das
autoridades eclesiásticas com as massas pauperizadas, marginais e excluídas
do mundo romano, que passam a ser parcialmente atendidas pela caridade
cristã, manifesta, por exemplo, na distribuição de alimentos e no cuidado com os
pobres, doentes, viúvas e órfãos (Blockmans, Hoppenbrouwers, 2012).
Para finalizar o tema da institucionalização do cristianismo, a questão dos
bispos merece uma atenção pormenorizada. Em termos de poder e vínculo com
a comunidade, nota-se que, ao menos desde o século II, eles exerciam
autoridade sobre a comunidade cristã, sendo os responsáveis pela condução
dos ritos.
Nesse período, a comunidade era a única responsável pela eleição dos
bispos, cabendo aos pares a ordenação. Um cenário bastante distinto apresenta-
se no século IV, com a institucionalização eclesiástica, o crescimento da
comunidade cristã e a hierarquização de funções do clero. O poder episcopal
altera-se significativamente, com os bispos sendo costumeiramente impostos
pelas autoridades imperiais ou escolhidos pelos pares, cabendo à comunidade
somente a aclamação. Em geral, a seleção dos bispos ocorreu junto a famílias
da elite romana, o que fortaleceu o movimento de aristocratização da Igreja.
Paralelamente, os bispos de uma mesma região passam a agrupar-se em
torno de um metropolita, bispo de uma capital das províncias romanas que
exerce cada vez mais um papel de destaque sobre as comunidades menores e
convoca sínodos para a discussão de questões teológicas e disciplinares
(origem do arcebispado).
Nesse processo, ao menos desde o Concílio de Niceia (325),
prerrogativas especiais são reconhecidas aos bispos de Roma, Constantinopla
e Alexandria, designados como patriarcas. O bispo de Roma, chamado também
de pontifex, destacava-se pela importância política e cultura da cidade e,
gradativamente, assumiu maior independência dos demais patriarcas e afirmou
sua autoridade moral sobre a Igreja na Europa, as bases da chamada primazia
romana (Baumgartner, 2002).
Pelos elementos expostos, compreende-se que os bispos exerceram um
papel-chave na transição do mundo clássico para a sociedade medieval. Eles
eram responsáveis pela preservação da ortodoxia e das práticas religiosas;
garantiam a aplicação das regras e ordens da Igreja; tinham autoridade para
interpretar as escrituras e a doutrina cristã, por vezes, deixando escritos que

12
passavam a constituir essa mesma doutrina; supervisionavam outros clérigos
adscritos dentro dos domínios da diocese; administravam as propriedades do
bispado; exerciam a justiça eclesiástica; e ordenavam outros clérigos. Ademais,
o poder episcopal se manifestava fora dos domínios da Igreja e, a partir do século
V, os bispos assumem o papel de principais autoridades urbanas, atuando
ativamente nas questões econômicas, jurídicas e militares.
Tal como a estrutura institucional e a hierarquia eclesiástica, a doutrina
cristã estava instituída nos séculos IV e V. Nesse período, a base doutrinária da
Igreja estabelecia-se em diferentes pilares: nos evangelhos e escritos paulinos,
coligidos desde a passagem do século I para o II; no texto bíblico do Antigo e
Novo Testamentos traduzidos para o latim, conhecido como Vulgata de São
Jerônimo; nas orientações e cânones dos sínodos e, a partir do quarto século,
dos Concílios; e nos escritos dos padres apologistas (como Clemente de
Alexandria, Santo Hipólito de Roma e São Justino) e da patrística (Santo
Ambrósio de Milão, São Jerônimo e Santo Agostinho de Hipona).
Não obstante, a amplitude do mundo cristão potencializava divergências
entre as comunidades, as quais, por vezes, acentuavam a diversidade regional
do cristianismo (Taylor, 2000). Nesse cenário, ao passo que determinados
dogmas foram aceitos, eles tornaram-se invioláveis e compuseram a ortodoxia,
isto é, a doutrina cristã oficial. Consequentemente, outras doutrinas, escritos –
como os evangelhos não canônicos – e práticas não acomodadas na instituição
eclesiástica, foram rejeitadas e consideradas heréticas. Destarte, a heresia
distingue-se do paganismo, pois o herege é um cristão que resiste ao dogma
adotando práticas ou doutrinas condenadas pela Igreja.
A história do cristianismo foi marcada por inúmeras heresias e, no primeiro
milênio, os principais temas de cisão foram a natureza de Cristo e a Trindade,
ou seja, a discussão sobre a unidade, igualdade ou subordinação do Filho em
relação ao Pai e, noutra fase de disputas teológicas, do Espírito Santo em
relação ao Pai e ao Filho.
As chamadas heresias cristológicas (Quadro 1) demonstram que
diferentes questões teológicas afligiam os meios intelectuais cristãos,
sustentando divisões e rivalidades entre os cristianismos regionais.

13
Quadro 1 – Heresias cristológicas e ortodoxia cristã (sécs. IV – VII)

Heresia Período Liderança Proposta Condenação


Arianismo Séc. IV Ario, sacerdote de Jesus tem natureza Concílio de
Alexandria divina, mas não tem a Niceia (325)
mesma substância do
Pai, sendo uma criação,
espécie de filho adotivo e
não eterno
Monofisismo/ Séc. V - Padres do Egito e Jesus tem apenas uma Concílios de
Monotelismo VII do Oriente natureza (monophysis), a Constantinopla
natureza divina, ou, entre (553 e 681)
as duas naturezas, a
vontade divina prevalece
(monothelésis)
Nestorianismo Séc. V Nestor, patriarca Jesus tem duas naturezas Concílio de
de Constantinopla (duo physeis) unidas Éfeso (431)
numa conjunção
voluntária. Maria aparece
apenas como mãe do
Cristo-Homem, não como
Mãe de Deus (Theotokos)
Ortodoxia: dogma niceno (325) da Santíssima Trindade – um só Deus, mas Nele há três
entidades divinas distintas que são essencialmente iguais; Cristo tem duas naturezas, humana
e divina; dogma mariano de Éfeso (431) – Maria é reafirmada como Mãe de Deus.

As controvérsias teológicas foram parcialmente equacionadas pelos


concílios e sínodos, consolidando um corpo doutrinário perene para a Igreja.
Todavia, tais disputas sustentaram o surgimento de igrejas cristãs separadas.
No contexto dos séculos V e VI, constituíram-se as igrejas jacobita nestoriana na
Síria, a monofisita copta no Egito e a monofisita da Arménia; no século IX,
novamente uma questão dogmática foi a causa principal da cisão entre cristãos,
com o chamado Cisma de Fócio (867), aprofundando a separação entre as
cristandades latina e grega.
A estruturação institucional e doutrinária da Igreja caracterizam a
ascensão do cristianismo no Ocidente, contudo, ao menos até os séculos VII e
VIII, tais processos não resultaram numa condução romana da Cristandade, isto
é, numa adoção generalizada das formas romanas nas diferentes partes da
Europa cristã.
Prevalecia, então, a diversidade dos cristianismos regionais, com suas
respectivas condições religiosas, políticas e sociais, o que contribuiu para o
florescimento de formas de vida religiosa variáveis – do período são conhecidas,
por exemplo, as liturgias visigótica, gálica, irlandesa e romana –, demonstrando
que a primazia romana não se revertia em controle institucional e litúrgico (Kottje,
2012). Para compreendermos melhor esse enraizamento da Igreja nas
14
diferentes regiões da Cristandade, cabe estudarmos a disseminação do
cristianismo na Europa, nosso último tema.

TEMA 5 – A DISSEMINAÇÃO DO CRISTIANISMO

De todos os grupos religiosos do mundo greco-romano, por que um


obscuro grupo de judeus palestinos se espalhou para se tornar a
religião estabelecida do Império Romano em menos de quatro
séculos? (Finn, 2000, p. 295)

A questão apresentada por Thomas Finn é comumente feita por


estudantes de história, intrigados pela vertiginosa ascensão do cristianismo no
mundo romano nos primeiros séculos da Era Cristã. Para acompanhar as linhas
gerais desse processo, destacaremos três aspectos: a inserção espacial da
Igreja, a missionação e as estratégias de conversão.
Como indicado anteriormente, o processo de estruturação da Igreja
ocorreu, sobretudo, nas cidades e em torno da autoridade episcopal. Podemos,
assim, falar de um cristianismo predominantemente urbano que, gradativamente,
ganhou os campos. Tal reorientação acentuou-se no século IV, por um novo
modelo de vida cristã criado pelos “homens do deserto”, cristãos eremitas e
anacoretas que renunciam ao mundo e passam a viver em lugares ermos, sendo
ainda exemplificada pelos estilitas (monges ascetas cristãos que viviam em
pilares), devotados à pregação e ao jejum. Lentamente, esses grupos ascéticos
passaram a formar pequenas comunidades com ideais comuns, constituindo a
vida monástica por meio dos mosteiros.
Enraizado no Império Romano do Oriente, em especial no Egito e na Síria,
a partir do século VI, o monaquismo assumiu importância considerável no
Ocidente, especialmente pelo número de mosteiros criados, pela força do
modelo monacal de vida cristã e pela atividade cultural, intelectual e econômica
dos mosteiros.
Nesse contexto, uma das regras monásticas mais difundidas pela Europa
passa a ser a regra beneditina, baseada nas orientações de Bento de Núrcia (c.
480 – c. 546), fundador do mosteiro de Monte Cassino, na Itália. A regra
estabelecia que seus monges não podiam ter pertences pessoais, deveriam
viver em castidade e sem sair do mosteiro, seguindo as ordens do abade,
autoridade institucional estabelecida pelo bispo da diocese.
A dispersão das instituições cristãs nas cidades e nos campos não pode
ser dissociada de um intenso movimento de missionação igualmente
15
responsável por disseminar o cristianismo em diferentes regiões. Tal apelo,
inerente à mensagem evangélica, tornou-se mais incisivo com a
institucionalização da Igreja no século IV. Até o século de Constantino, o
cristianismo enraizara-se nas partes orientais do mundo romano e nos litorais do
Mediterrâneo. Desde então, acompanha-se uma ampliação do movimento
missionário, em especial na Europa.
Nesse contexto, godos, burgúndios e vândalos ingressaram no território
imperial já convertidos ao cristianismo em virtude da atuação de pregadores
além do limes. Essa conversão se deu sob a doutrina do arianismo, mas não
impediu que esses grupos se assimilassem ao mundo romano e cristão, assim
como não limitou iniciativas da Igreja de trazer tais grupos para o dogma niceno
(decidido no Concílio de Niceia, em 325) , como aconteceu com os visigodos por
meio da conversão do rei Recaredo, em 587.
Outra via foi seguida pelos francos, que permaneceram pagãos até o final
do século V, distinguindo-se pela opção pelo credo niceno desde a conversão
do rei Clóvis, por volta de 496. Na Irlanda, o cristianismo afirmou-se entre os
séculos V e VI, conversão iniciada com as ações de São Patrício (c.385 – 461)
e consolidada com a atividade dos monastérios.
A penetração do cristianismo junto aos anglo-saxões foi um pouco mais
lenta, com a existência de missões de evangelização no século VI, no período
do papa Gregório Magno (590 – 604), e a conversão tornando-se mais efetiva
no século VIII, época de Beda, o Venerável.
Por fim, nas regiões europeias mais ao norte e ao leste, a disseminação
do cristianismo ocorreu a partir dos séculos VII e VIII, com a conversão da região
da Bavária e da zona renana, estendendo-se aos séculos X e XI, com a adoção
do cristianismo na Polônia, na Hungria, na Escandinávia e na Islândia, e com
missões para a cristianização da Rússia e dos eslavos.
O panorama apresentado é útil para compreendermos a expansão do
cristianismo no Ocidente como algo gradual e inconcluído ao final do primeiro
milênio. Não obstante, essa cristianização deve ser entendida como uma
vinculação institucional, não como a superação de práticas comunitárias
consideradas pagãs – como cultos de fertilidade e rituais locais, que
permaneceram ativos até a Idade Moderna – ou uma incorporação dos dogmas
e dos modelos de vida cristã pelas massas de fiéis.

16
Em geral, o cristianismo atingiu o conjunto da população da Cristandade
mais lentamente do que as elites, cristianização caracterizada por uma
demonstração de fé mais exterior, com os ritos, celebrações e práticas públicas,
do que interiorizada, algo que, segundo a historiografia, teria ocorrido apenas a
partir do século XIII ou no contexto das Reformas do século XVI.
Para essa cristianização institucionalizada da Europa, como sugerimos, a
conversão dos reis bárbaros foi fundamental, posto que o ato régio
frequentemente determinava a conversão de todos os guerreiros dependentes
ao senhor. Destarte, tratava-se geralmente de uma conversão coletiva
atravessada pelos laços de clientela, não de um ato individual de fé. Esse modelo
de conversão régia e das elites repetiu-se com frequência em diferentes partes
da Europa, sendo emblemáticos os relatos da conversão dos francos, narrada
por Gregório de Tours, e dos visigodos, descrita por João de Biclara.
Cabe, para finalizarmos nossa aula, atentar às estratégias de conversão
mobilizadas no processo de disseminação do cristianismo no Ocidente. Muitas
delas foram citadas nas páginas anteriores, como a conversão das realezas
bárbaras e, consequentemente, das elites locais; e o combate às práticas
cultuais pré-cristãs, com a destruição de ídolos, rituais de exorcismo e a
construção de igrejas sobre locais de culto pagãos.
Acrescenta-se ainda a gradativa conformação do sincretismo religioso,
isto é, a fusão de elementos religiosos cristãos e pagãos, exemplificado nas
procissões que substituíram rituais pagãos, pela incorporação de festas agrárias
locais e regionais no calendário cristão, geralmente voltadas à celebração de um
santo e pela ampla mobilização de elementos mágicos, como as relíquias,
amuletos e água benta.

NA PRÁTICA

Para esta prática, reflita a respeito das transformações históricas, das


relações de poder e das mudanças culturais ao longo do medievo. Portanto,
pesquise a respeito de locais que eram templos de religiões pagãs e foram
transformados em igrejas cristãs, sobre o significado originário de rituais,
símbolos e comemorações que foram cristianizados e constituem elementos que
integram até hoje de forma diversa a cultura das sociedades ocidentais (tal como
festas do calendário cristão, a exemplo do Natal e da Páscoa, símbolos como a
guirlanda, a árvore de Natal, os ovos de Páscoa etc.).
17
FINALIZANDO

Como pudemos compreender pelo texto desta aula, a formação da


sociedade medieval se deu através de um processo lento, gradual e que mesclou
diferentes povos, culturas, ritos, cultos, formas de administração e poder.
Os aspectos de crise e as mutações sofridas nas dinâmicas econômicas
e de poder no Império Romano foram marcados também pela chegada de novos
povos, vindos de além das fronteiras imperiais, o que resultou em assimilações,
resistências e contestações da dominação romana (exacerbada pela crise).
Tal panorama se somou à difusão, adoção e posterior propagação da
religião cristã e da estrutura eclesiástica no contexto europeu, africano e da Ásia
Menor. No Ocidente europeu, essa difusão ocorreu em meio ao processo de
formação dos reinos romano-bárbaros, que constituíram a base da instituição
monárquica medieval.

18
REFERÊNCIAS

BASCHET, J. A civilização feudal: do ano mil à colonização da América. São


Paulo: Globo, 2006.

BASTOS, M. J. M. Os Reinos Bárbaros: Estados segmentários na Alta Idade


Média Ocidental. Bulletin du centre d’études médiévales, Hors-série n. 2,
2008.

BAUMGARTNER, M. A Igreja no Ocidente: das origens às reformas no século


XVI. Lisboa: Edições 70, 2002.

BLOCKMANS, W.; HOPPENBROUWERS, P. Introdução à Europa medieval,


300-1550. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

BROWN, P. A Antiguidade Tardia. In: VEYNE, P. (Org.). História da Vida


Privada: do Império Romano ao ano mil. São Paulo: Cia das Letras, 2009. v. 1.

ELBER, M.; MARKSCHIES, C. A Igreja na era pré-constantiniana. In:


KAUFMANN, T. et al (Org.). História Ecumênica da Igreja 1: dos primórdios até
a Idade Média. São Paulo: Edições Loyola; São Leopoldo: Editora Sinodal, 2012.

FINN, T. Mission and expansion. In: ESLER, P. (Ed.). The Early Christian
World. London and New York: Routledge, 2000. v. 1-2.

FRIGHETTO, R. Imperium et Orbis: conceitos e definições com base nas fontes


tardo-antigas ocidentais (séculos IV-VII). In: DORÉ, A.; LIMA, L. F. S.; SILVA, L.
G. (Org.). Facetas do Império na História: conceitos e métodos. São Paulo:
Hucitec, 2008.

GOFFART, W. Los bárbaros en la Antigüedad Tardía y su instalación en


Occidente. In: LITTLE, L. K.; ROSENWEIN, B. H. (Ed.). La Edad Media a
debate. Madrid: Akal, 2003.

KOTTJE, R. A Igreja ocidental rumo a uma nova unidade exterior e interior. In:
KAUFMANN, T. et al (Org.). História Ecumênica da Igreja 1: dos primórdios até
a Idade Média. São Paulo: Edições Loyola; São Leopoldo: Editora Sinodal, 2012.

LADERO QUESADA, M. Á. Catolicidade e latinidade (Idade Média – século


XVII). In: DUBY, G. (Dir.). A Civilização latina: dos tempos antigos ao mundo
moderno. Lisboa: Dom Quixote, 1989.

LE GOFF, J. A Civilização do Ocidente medieval. Lisboa: Estampa, 1983.

19
_____. As raízes medievais da Europa. Petrópolis: Vozes, 2007.

MANTEL, M. M. Etnogénesis, relatos de origen, etnicidad e identidad étnica: en


torno a los conceptos y sus definiciones. Anales de Historia Antigua, Medieval
y Moderna, 51, pp 71-86, 2017.

POHL, W. El concepto de etnia en los estudios de la Alta Edad Media. In: LITTLE,
L. K.; ROSENWEIN, B. H. (Ed.). La Edad Media a debate. Madrid: Akal, 2003.

SILVA, G. V.; MENDES, N. M. Dioclesiano e Constantino: a construção do


Dominato. In: SILVA, G. V.; MENDES, N. M. (org.). Repensando o Império
Romano: perspectiva socioeconômica, política e cultural. Rio de Janeiro:
Mauad, 2006.

SILVA, M. C. da. História Medieval. São Paulo: Contexto, 2019.

TAYLOR, D. Christian regional diversity. In: ESLER, P. (Ed). The Early Christian
World. London and New York: Routledge, 2000. v. 1-2.

WICKHAM, C. Europa en la Edad Media: una nueva interpretación. Barcelona:


Planeta, 2017.

_____. O legado de Roma: iluminando a Idade das Trevas, 400-1000. São


Paulo: Editora da Unicamp, 2019.

20

Você também pode gostar