MULHERES E
RESISTÊNCIA NO
CONGRESSO NACIONAL
2020
2020
Apresentação
Dando sequência ao balanço de proposições em tramitação no
Congresso Nacional feito pelo CFEMEA no ano passado1, começaremos
o Balanço de 2020 com o tema de destaque da agenda feminista: as
tentativas de mudança na legislação sobre aborto.
Quando fizemos o primeiro Balanço da atual legislatura, falamos
sobre como 2019 foi um ano de aprendizados de como fazer o
monitoramento diante de tantas mudanças institucionais e políticas.
Assistimos a um desmonte do Estado empreendido pelo próprio
Governo Federal, com o apoio da maior parte do Congresso Nacional.
Em 2020, o cenário não foi muito diferente. A Pandemia do Coronavírus
assolou o país. As instituições mudaram a sua forma de funcionamento
e as condições de participação social pioraram.
[1]
No Balanço sobre
O que chamou nossa atenção é que mesmo em tempos de pandemia e
2019, lançado no urgência sanitária, o Governo Federal e as deputadas e deputados não
início de 2020, demos
destaque à composição
deixaram de atuar contra o direito das mulheres decidirem sobre seu
das Bancadas e aos próprio corpo. A diferença de 2020 para outros anos é que a atividade
principais projetos que
foram discutido em cada
parlamentar em torno do tema foi motivada principalmente por ações do
tema: https://www. próprio governo. Os Ministérios da Saúde e da Mulher, da Família e dos
cfemea.org.br/images/
stories/mulheres_
Direitos Humanos foram protagonistas desse tema entre as instituições.
resistencia_balanco_
congresso_2019_ A conexão entre as propostas apresentadas no Congresso Nacional e as
cfemea.pdf
ações do Executivo é evidente, mas não é uma surpresa. Na avaliação
[2] do CFEMEA, não se trata só de uma reação aos fatos, as ações fazem
No Plano Plurianual
2019-2023, por exemplo, parte de um projeto de desmonte das políticas de aborto adotadas
o único programa de pelo Governo Federal que já estava previsto e acordado dentre as suas
responsabilidade do
Ministério da Mulher, da prioridades2. Desde a Constituinte, nunca havíamos tido um governo
Família e dos Direitos tão empenhado em promover retrocessos nesse campo. Até então
Humanos coloca como
objetivo “Ampliar o os ataques partiam principalmente do legislativo e as conquistas de
acesso e o alcance das direitos iam acontecendo a passos lentos.
políticas de direitos, com
foco no fortalecimento
da família, por meio da A novidade é a atuação da Bancada Religiosa. Sempre muito ativa nos temas
melhoria da qualidade relacionados ao aborto, em 2020 ela teve menos visibilidade. A ação esteve
dos serviços de promoção
e proteção da vida, desde mais concentrada em algumas/alguns parlamentares. Provavelmente,
a concepção, da mulher, reflexo dos conflitos na base de apoio ao Presidente, além de uma atuação
da família e dos direitos
humanos para todos”. mais forte também por dentro do próprio governo. A maior parte das ações
partiram da Câmara Federal, o Senado teve pouca movimentação.
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 1
Câmara: proposições apresentadas
no campo dos direitos sexuais e
reprodutivos em 2020
Das 62 proposições apresentadas no campo dos direitos sexuais
e reprodutivos em 2020 na Câmara dos Deputados e Deputadas,
46 tratam especificamente da questão do aborto. Foram 14
Projetos de Lei, 15 Requerimentos de Informação, 14 Projetos
de Decretos Legislativos e 3 Indicações Legislativas. Somados às
proposições dos anos anteriores ainda em tramitação, temos 114
projetos monitorados pelo CFEMEA nesse tema.
Câmara e Senado exercem a sua função legislativa por três
vias principais: projeto de lei ordinária ou complementar;
projeto de decreto legislativo ou de resolução; e proposta de
emenda à Constituição. Além disso, parlamentares podem
fazer Requerimentos de Informação e Indicações Legislativas
direcionados aos Ministros de Estado, para obter informações ou
dar sugestões, respectivamente.
Das 46 propostas apresentadas no tema do aborto em 2020, só na
Câmara Federal, temos dois grandes blocos: de um lado as reações
às medidas apresentadas pelo Governo Federal, mais diretamente
pelo Ministério da Saúde, restringindo o acesso ao aborto legal no
Brasil; de outro, as reações à tragédia da menina do Espírito Santo,
que engravidou depois de ser sistematicamente estuprada pelo tio e
enfrentou dificuldades para ter assegurado seu direito ao aborto.
Ao todo, em 2020 foram apresentadas 19 proposições tratando de medidas
adotadas pelo Governo Federal. Foram diretamente citados o Ministério da
Saúde, a Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e o Itamaraty, por causa
da postura conservadora do Brasil em espaços internacionais. A maior parte
delas projetos de decretos legislativos e requerimentos de informações,
para sustar ou questionar as portarias e decretos.
O alvo do atual Governo são os programas que asseguram a interrupção
da gravidez nos casos atualmente autorizados em lei, especialmente os
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 2
de saúde sexual e reprodutiva e violência sexual, minando a já pouca
capacidade do Estado em assegurar atenção básica e integral para as
vítimas. Lembrando que temos apenas 42 hospitais, em um país de
cerca de 210 milhões de habitantes, que estão atualmente realizando
abortos legais, de acordo com levantamento realizado pela ONG Artigo
19 em parceria com as plataformas de jornalismo AzMina e Gênero e
Número. Em 2019, havia 76 hospitais que ofereciam esses serviços.
Fonte: Elaboração CFEMEA a partir das informações da Câmara e do Senado.
Nuvem de palavras gerada a partir das ementas das proposições
apresentadas em 2020 no Congresso Nacional sobre o tema do aborto.
Palavras como “Saúde”, “susta” (do verbo “sustar”, suspender),
“Portaria”, “efeitos” e “Sistema Único de Saúde” dão a dimensão da
importância das portarias emitidas pelo Governo Federal.
Vários dos projetos que não tiveram muita movimentação mas que
demandam atenção são da Deputada Chris Tonietto (PSL/RJ), a exemplos
dos que tratam da extraterritorialidade incondicionada aos crimes
dolosos contra a vida, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no
Brasil (PL 580/2020); da imprescritibilidade dos crimes dolosos contra
a vida (PL 581/2020, apensado ao PL 7220/2006 (7)); e do que inclui o
nascituro no âmbito da proteção integral de que trata o ECA (PL 1979/2020,
apensado ao PL 478/2007 (17)).
O Desmonte das políticas de saúde sexual e saúde reprodutiva
via decretos e portarias é estratégia do governo Bolsonaro.
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 3
A estratégia do Governo é minar o direito ao aborto nos casos já
previstos em lei via decretos e portarias. Isso tem sido feito em
diferentes áreas, como meio ambiente e educação, e o campo das
políticas para as mulheres não foge à regra. Em 2020, as reações de
parlamentares da Câmara e Senado à medidas desse tipo adotadas pelo
governo, e em especial pelo ministério da Saúde, foi uma constante.
Congresso e Governo agiram em sintonia nos ataques aos direitos
reprodutivos das mulheres na maior parte do tempo. Prova disso é que
em março, por exemplo, a deputada Chris Tonietto (PSL/RJ) apresentou
o PDL 73/2020, com o objetivo de sustar a Portaria nº 1.508, de 1º
de setembro de 2005, do ministério da Saúde, que dispõe sobre o
Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez
nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.
O fechamento de serviços de saúde sexual e reprodutiva sob a
justificativa da pandemia foi a primeira grande movimentação em
relação ao tema. A Organização Mundial de Saúde lançou um alerta,
classificando os serviços de saúde sexuais e reprodutivos como
essenciais durante o período da pandemia. Em junho, foi publicada
a Nota Técnica Nº 16/2020-COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS, que
reforçava ações já previstas na Atenção Integral à Saúde das Mulheres
e recomendava outras ações para a garantia da manutenção do acesso
à saúde sexual e saúde reprodutiva no contexto da pandemia. No
entanto, a Nota gerou fortes reações dentro do próprio governo, o
que levou à sua retirada e à demissão da equipe responsável por sua
elaboração e divulgação.
Em resposta ao fato, deputadas e deputados se mobilizaram em
apoio ou repúdio a atitude do governo. Deputadas e Deputados
conservadores reivindicavam que o ministério da Saúde sustasse a
[3]
Uma indicação (INC
Nota Técnica e, para tanto, apresentaram seis propostas diferentes3.
626/2020), um
requerimento de Já as parlamentares e os parlamentares que entendiam a importância
informação
(RIC 573/2020) e da nota técnica para as mulheres, ao orientar a manutenção do acesso
quatro projetos de aos serviços de saúde sexual e reprodutiva durante a pandemia,
decreto legislativo
(PDL 250/2020, apresentaram um requerimento solicitando o comparecimento do
PDL 251/2020, Ministro da Saúde para esclarecer a demissão da equipe responsável
PDL 259/2020 e
PDL 271/2020). por sua elaboração (REQ 1469/2020). Além deste, outros três
solicitavam informações sobre as políticas de acesso à saúde sexual
[4]
RIC 600/2020 e e saúde reprodutiva das mulheres implementadas pelo Ministério no
RIC 1076/2020 contexto da pandemia de Covid-194 e sobre os paradigmas dos direitos
[5] sexuais e reprodutivos5 .
RIC 1074/2020 e
RIC 1075/2020 Em 27 de agosto, o Ministério da Saúde publicou a Portaria 2282/2020
que “Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 4
Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema
Único de Saúde-SUS”. A Portaria altera as regras existentes, dificultando o
atendimento a vítimas de violência sexual que procuram hospitais para
a realização do aborto previsto em lei. Parlamentares se mobilizaram
para impedir esse novo ataque aos direitos das mulheres e apresentaram
três projetos de decretos legislativo sustando a Portaria6, apoiados e
provocados por manifestações contrárias de organizações feministas e de
mulheres, de profissionais da saúde, advogadas. Essa portaria pode ser lida
como uma reação institucional à projeção do caso da criança do Espírito
Santo que teve seu direito assegurado depois de muitas investidas do
próprio Estado para negá-lo.
Em setembro, após forte reação contrária das organizações feministas
e de mulheres e de parlamentares, o Ministério edita uma nova
portaria que revoga e substitui a Portaria 2.282/2020, a Portaria
2.561/2020. Não por acaso, esta publicação se deu um dia antes da
votação, no Supremo Tribunal Federal, da ADPF 737 que questionava
a constitucionalidade da primeira. A “nova” portaria ameniza alguns
dos pontos criticados, mas mantem a essência da proposta original,
que é constranger profissionais da área da saúde a tomar atitudes
policialescas no trato com as mulheres que buscam o recurso ao aborto
legal no sistema de saúde. O ato mobilizou novamente deputadas e
deputados, que apresentaram novos projetos de Decreto Legislativo
sustando também essa nova medida7.
Mas as investidas do governo contra o direito ao aborto não pararam
por aí. Em novembro, deputadas e deputados que defendem o direito
de escolha das mulheres tiveram que novamente se mobilizar e
apresentar novos projetos de decreto legislativo8. O motivo foi
o Decreto nº 10.531, de 26 de outubro de 2020 que instituiu a
“Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil no período de
2020 a 2031”. Entre outras barbaridades desse projeto de sociedade
[6] conservadora, o decreto coloca como diretriz “promover o direito à
PDL 413/2020, vida desde a concepção até a morte natural, observando os direitos
PDL 381/2020,
PDL 383/2020 e do nascituro, por meio de políticas de paternidade responsável,
PDL 385/2020 planejamento familiar e proteção às gestantes”. Mais uma tentativa
[7] de inserir o “direito à vida desde a concepção” à força na legislação
Os Projetos de Decreto brasileira. Um Requerimento de informação9 foi apresentado por
Legislativo:
PDL 428/2020, parlamentares, solicitando informações à ministra da mulher, da Família
PDL 409/2020 (3) e e dos Direitos Humanos sobre o conteúdo do Decreto.
PDL 410/2020
[8]
PDL 459/2020 e Na atual legislatura (2019-2023), temos uma Bancada Feminina
PDL 472/2020
maior e uma Frente Parlamentar Feminista Antirracista atuante
[9] nas tentativas de reverter as ações do executivo, com cerca de 20
RIC 1434/2020
deputadas comprometidas com a luta. É muito pouco, em um universo
de 513 deputados e deputadas. Outra limitação é que os instrumentos
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 5
parlamentares são frágeis e (quando querem) morosos, não nos
permitindo resistir com a agilidade necessária ao desmonte dos
serviços de atendimento, às definições sobre prioridades e aos cortes
de recursos. Parlamentares também usaram a estratégia de recorrer ao
Superior Tribunal Federal em alguns momentos, mas o Supremo não
parece disposto a “comprar a briga”.
Há, no geral, uma inoperância do legislativo na rejeição dessas
propostas e conivência de grande parte dos legisladores com as
inúmeras medidas adotadas pelo Executivo Federal. Instrumentos
como requerimentos de informação são importantes, mas não
alteram o conteúdo das medidas do Governo Federal. Já os Projetos
de Decreto Legislativo são importantes de serem apresentados, mas
não são colocadas em discussão com a urgência necessária. Com isso,
por exemplo, as medidas adotadas pelo Ministério da Saúde, com a
edição das Portarias e Decretos seguem em vigência, constrangendo
profissionais da saúde e as mulheres a exercerem seus deveres e
direitos, como no casos citados.
Os movimentos de mulheres, dadas as condições restritas da
manifestação pública, atuou principalmente articulando notas e
campanhas divulgadas amplamente nas redes sociais, e na incidência
sobre os diferentes poderes e instituições; além de produzir análises
e materiais para denunciar as ações de desmonte do governo
federal. A Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e
pela Legalização do Aborto segue sendo um espaço importante de
articulação nesse sentido. Em setembro, ao lançar o Alerta Feminista,
a Frente dialoga com diversos sujeitos políticos e com a sociedade
de como as “Forças de ultradireita no poder sustentam, por ação ou
omissão, pacto reacionário para destruir os serviços de aborto legal que
atendem no SUS as mulheres e meninas vítimas de violência”.
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 6
[10]
O direito ao aborto questionado para
A exemplo dos
PL 4345/2020,
PL 4319/2020 e
uma menina grávida aos 10 anos
PL 4716/2020.
[11] Outro tema que mobilizou o debate sobre o aborto em 2020, foi
Informamos essas
questões através do Radar a trágica situação da menina de 10 anos do Espírito Santo, que
Feminista no Congresso engravidou de seu tio, que a estuprava há anos e que teve de
Nacional, publicado
semanalmente e enviado lutar para ter assegurado seu direito à interrupção da gravidez. O
às parceiras. Para ver as debate repercutiu no Congresso e uma série de proposições foram
edições anteriores, acesso
nosso site: https://www. apresentadas, em reação à situação vivenciada pela criança, sua família
cfemea.org.br/index. e profissionais de saúde. Neste Balanço da produção legislativa sobre
php/radar-feminista-do-
congresso-nacional. aborto no Brasil em 2020, estamos olhando especificamente para as
proposições no tema do aborto no Congresso Nacional. No entanto, o
[12]
https://www1. recurso do “aumento de pena” nas mais diferentes legislações foi tema
folha.uol.com.br/ de inúmeras propostas que procuravam reagir à violência do estupro
cotidiano/2020/09/
ministra-damares-alves- perpetrada contra mais uma criança10.
agiu-para-impedir-
aborto-de-crianca-de-
10-anos.shtml
Nas edições do Radar em que informamos sobre esses projetos,
chamamos a atenção de que, mais do que “aumentar pena”,
Dois requerimentos
[13]
“encarcerar”, precisamos dar andamento a propostas que desmontem
solicitam informações as relações de violência que permeiam nossa sociedade11. Insistir em
ao ministério da Mulher,
da Família e dos Direitos
uma educação para a igualdade de gênero, racial, sexual, por exemplo,
Humanos a respeito pode ser mais produtivo do que jogar todas as cartas numa sociedade
da atuação do Governo
Federal para impedir a
ainda mais punitiva.
interrupção da gravidez
de uma criança de 10 Apesar da ministra Damares e sua equipe terem tentando impedir
anos após sofrer estupro
(RIC 1226/2020) e
diretamente12 a menina de realizar a interrupção da gravidez, as ações
esclarecimentos sobre parlamentares contra ela foram tímidas, se limitando a Requerimentos de
as ações da ministra e de
sua equipe para impedir
Informação13 Os dois projetos de lei apresentados foram o PL 4550/2020,
que uma criança de dez que dispõe sobre a proteção de crianças e adolescentes vítimas de
anos de idade, estuprada
pelo tio, tivesse direito
violência sexual e o PL 4297/2020, que dispõe sobre a criação de zona
ao aborto legal de proteção no entorno dos estabelecimentos de saúde que prestam o
(RIC 1283/2020).
serviço de aborto legal e serviços que prestam atendimento especializado
a mulheres vítimas de violência sexual.
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 7
Parlamentares contrários aos direitos
das mulheres
O ano de 2020 também reafirmou a postura de alguns parlamentares,
que tem como um dos focos de atuação no parlamento a tentativa de
impedir o aborto em qualquer circunstância, procurando inclusive rever
os casos hoje permitidos.
Onze das 46 proposições que tratam de aborto foram apresentadas
pela deputada Chris Tonietto (PSL/RJ). Três indicações, dois projetos
de decreto legislativo, cinco projetos de lei e um requerimento de
informação. A parlamentar segue tendo como um dos objetivos do seu
mandato a restrição dos direitos sexuais e reprodutivos e a tentativa de
proibir a interrupção da gravidez em qualquer circunstância.
A deputada Chris Tonietto (PSL/RJ) está no seu primeiro mandato
e tem protagonizado proposições e discursos que defendem a
anulação total do direito ao aborto legal. Muito jovem, 29 anos, é de
extrema direita, e quer alterar o código civil para atacar ainda mais
as mulheres. Partidária do “Escola Sem Partido” e contra ao debate
sobre a igualdade de gênero nas escolas, aproximou-se da política
por sua defesa das causas “pró-vida”, “pró-família” e contrária
ao aborto e as pautas LGBTQI+. Sob o argumento de “não dá para
‘desestuprar’ uma mulher”, a deputada encabeçou um projeto de lei,
o PL 2.893/19, contra o aborto inclusive para mulheres que sofreram
estupro. Foram 167 propostas legislativas de sua autoria em 2019
e 73 em 2020, entre essas, propostas que restringem direitos das
mulheres, da população LGBTQI+, que retrocedem no enfrentamento
ao racismo e ao sexismo. Lembrando que Tonietto é próxima da
Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, organização católica
ultraconservadora,responsável pelo processo que tenta tirar o termo
“Católicas” da organização “Católicas pelo Direito de Decidir”.
A INC 443/2020, apresentada em 17 de abril, sugere ao presidente
do Supremo Tribunal Federal, o arquivamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 5581, que trata da “interrupção de gravidez
nas políticas de saúde do País para mulheres grávidas infectadas
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 8
pelo vírus Zica”. Em 30 de abril, o STF julgou prejudicada a ADI 5581,
alegando perda do objeto da ação com a revogação do principal
ponto questionado pela Medida Provisória 894/2019, que institui
pensão vitalícia a crianças com microcefalia decorrente do zika vírus.
A Indicação está aguardando despacho na Mesa da Câmara, mas com a
decisão tomada pelo STF, também perde o sentido.
A INC 626/2020, apresentada em 3 de junho, sugere ao ministro da
Saúde a revogação da Nota Técnica nº 16/2020, que trata do “acesso
à saúde sexual e saúde reprodutiva no contexto da pandemia da
COVID-19”. Segundo o site da Câmara a indicação aguarda resposta,
mas vale lembrar que o ministério da Saúde retirou a Nota Técnica de
circulação e demitiu a equipe responsável por sua elaboração. A INC
505/2020, por sua vez, sugere a criação de um grupo temático, no
âmbito da Defensoria Pública da União, para fins de assistência jurídica
e extrajudicial ao nascituro.
Os dois projetos de decreto legislativo apresentados por ela sustam
medidas do ministério da Saúde: o PDL 250/2020 susta a Nota Técnica
16/2020 que assegurava acesso à saúde sexual e reprodutiva no
contexto da pandemia da Covid-19; e o PDL 73/2020 susta a Portaria
1508/2005, que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e
Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no
âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, publicada no governo Lula.
Os cinco projetos de lei apresentados pela deputada Chris
Tonietto também são, todos eles, contra os direitos das mulheres.
O PL 1979/2020 altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, a fim
de incluir o nascituro no âmbito da proteção integral e que trata a Lei,
a proposta foi apensada ao PL 478/2007 (17), que trata do Estatuto do
Nascituro; três outros projetos de lei alteram o Código Penal:
»» o PL 1945/2020, para incluir o aborto realizado em razão de
microcefalia ou qualquer outra anomalia ou malformação do feto
como causa de aumento de pena;
»» o PL 580/2020, para prever a aplicação da extraterritorialidade
incondicionada aos crimes dolosos contra a vida, quando o agente
for brasileiro ou domiciliado no Brasil;
»» e o PL 581/2020, para dispor sobre a imprescritibilidade dos crimes
dolosos contra a vida, que foi apensado ao PL 7220/2006 (7), que
trata do pacote de segurança pública.
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 9
Por fim, o PL 1977/2020, que altera e revoga dispositivos da Lei
12.845/201314 que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral
de pessoas em situação de violência sexual, restringindo o atendimento
a pessoas em situação de violência sexual. A proposta é uma das nove
proposições apensada ao PL 6022/2013 (9), que altera a Lei que dispõe
sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de
violência sexual.
Além dessas 11 propostas apresentadas em 2020, deputada
Chris Tonietto (PSL/RJ) tem mais três projetos que tratam do
aborto, apresentados em 2019:
PL 564/2019, que dispõe sobre a representação e defesa dos interesses
do nascituro e PL 4149/2019(1), que institui a Semana Nacional do
Nascituro, ambos apensados ao PL 478/2007 (17) que trata do Estatuto
do Nascituro; e PL 4150/2019 (1), que altera o Código Civil para incluir
o direito à vida desde a concepção. A parlamentar está em seu primeiro
mandato e a inviabilização de qualquer forma de aborto é um dos eixos
da sua atuação.
O deputado Diego Garcia (Pode/PR), em seu segundo mandato,
é outro parlamentar que também investe contra os direitos das
mulheres.
Em 2020, apresentou três requerimentos e um projeto de lei. Dois
dos requerimentos sugerem a realização de Sessão Solene, uma em
homenagem ao Dia da Criança por Nascer (REQ 133/2020) e outra
[14]
Em relação à Lei
em homenagem à Semana Nacional da Vida e ao Dia do Nascituro
12.845/2013, o (REQ 137/2020); o terceiro (RIC 1207/2020), solicita informações ao
deputado Filipe Barros
(PSL/PR) também
ministério da Saúde sobre gravidez na infância e adolescência e sobre a
apresentou o mortalidade por aborto nesses grupos.
REQ 1706/2020
solicitando regime de
urgência para a discussão O PL 518/2020, por sua vez, institui mais um dia, agora o Dia de
do PL 6055/2013, que Homenagem à Vida Humana desde a Concepção. A proposta foi
revoga este importante
instrumento de proteção apensada ao PL 478/2007 (17), de autoria dos deputados Luiz Bassuma
dos direitos das mulheres (PT/BA) e Miguel Martini (PHS/MG), que dispõe sobre o Estatuto do
em situação de violência.
Nascituro e está aguardando o parecer do relator deputado Emanuel
Pinheiro Neto (PTB-MT), na Comissão dos Direitos da Mulher.
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 10
As lideranças dessas Frentes e Bancadas são figurinhas carimbadas
nos projetos de lei que consideramos mais críticos em relação aos
Direitos Sexuais e Reprodutivos das mulheres, como o Diego Garcia
(PODE/PR). Nascido no interior do Paraná, Diego Garcia é integrante
da Renovação Carismática Católica (RCC).
Duas outras propostas apresentadas em 2020, também foram
apensadas ao PL 478/2007: o PL 537/2020, de autoria da deputada
Paula Belmonte (Cidadania/DF), que altera a Lei nº 13.257, de 8
de março de 2016 (que trata das políticas públicas para a primeira
infância), para estender os direitos e garantias assegurados à criança
na primeira infância ao nascituro, desde sua concepção e durante
todo o período de gestação; e o já citado PL 1979/2020, de autoria da
deputada Chris Tonietto (PSL/RJ), que altera a o Estatuto da Criança
e do Adolescente, a fim de incluir o nascituro no âmbito da proteção
integral de que trata a Lei.
Além do REQ 2328/2020, que requer a convocação do ministro das
Relações Exteriores para prestar esclarecimentos sobre aliança com
os EUA para iniciativa internacional contra o aborto legal, foram
apresentados outros cinco projetos de lei relacionados ao aborto,
no ano passado: PL 1599/2020, que institui a Semana Nacional de
Prevenção e Combate à Microcefalia; PL 2724/2020, que tipifica
a conduta realizada em desconformidade com a norma legal ou
regulamentar do médico obstetra e da pessoa que presta serviço
de doulagem; PL 4603/2020, que institui a proteção especial nos
primeiros 1.000 (mil) dias de vida das crianças nascidas na Rede
Pública de Saúde; PL 5041/2020, que estabelece procedimentos
a serem adotados nos casos de Perda Gestacional e Neonatal; e
o PL 5329/2020, que altera a Lei que dispõe sobre a remoção de
órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e
tratamento, para especificar fetos anencéfalos e determinar assistência
psicológica para os pais ou responsáveis legais.
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 11
Outras propostas do campo dos direitos
sexuais e reprodutivos
Em 2020, além das propostas que tratavam mais diretamente do tema
do aborto, foram apresentadas outras 11 propostas no campo de dos
direitos sexuais e reprodutivos.
Cinco tratam de questões ligadas a maternidades/paternidades:
»» PL 5423/2020 - garante o registro de dupla maternidade ou
paternidade aos casais homoafetivos que tiverem filhos;
»» PL 2681/2020 - estabelece que o marco inicial da licença-maternidade
e do respectivo salário-maternidade seja a alta hospitalar da genitora
e/ou do recém-nascido, o que ocorrer por último;
»» PL 560/2020 - que unifica as prorrogações das licenças-
maternidade e paternidade no âmbito do Programa Empresa
Cidadã, permitindo seu compartilhamento entre os pais;
»» PL 5578/2020 - modifica a pena do crime de abandono material
para tipificar o crime de abandono à gestante;
»» PL 4840/2020 (1) - cria o programa Meninas Grávidas para a
proteção e conscientização de crianças e adolescentes sobre a
gravidez precoce.
Outras três tratam do tema do planejamento familiar:
»» PL 3032/2020 - dispõe sobre política de proteção às mulheres
em situação de vulnerabilidade, disponibilizando na Rede Pública
de Saúde o Contraceptivo Reversível de Longa Duração;
»» PL 5276/2020 e PL 4515/2020 - ampliam as possibilidades e o
acesso a cirurgia de esterilização feminina e masculina.
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 12
Debates repercutem com menos
intensidade no Senado
O Senado também apresentou alguma proposições reagindo às
medidas de desmontes das políticas para as mulheres no campo dos
direitos sexuais e reprodutivos, a exemplo do PDL 386/2020 e PDL
387/2020 para sustar a Portaria 2282/2020; e do PDL 412/2020,
para sustar a Portaria 2561/2020. Além destes, foi apresentado o
PL 5435/2020, de autoria do senador Eduardo Girão (PODE/CE), que
institui o Estatuto da Gestante, incluindo no texto o direito à vida
desde a concepção, em mais uma tentativa de restringir os direitos das
mulheres. Mas isso se deu de uma forma bem menos intensa.
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 13
O que nos espera em 2021
Em 2021, mais desafios estão colocados. Um ano em que a pauta
moral deve ser prioridades, já que é um dos três pilares de sustentação
do governo Bolsonaro, junto com a política econômica neoliberal e
o fortalecimento da justiça sem venda e forças armadas. Em nosso
balanço de 2019, alertamos de como 2020 seria ainda pautado pelas
propostas econômicas, principalmente com a proposta da Reforma
da Previdência. Contudo, a pandemia mudou tudo, inclusive a ordem
dos fatores. Em um ambiente incerto do futuro do governo Bolsonaro,
sua base fiel da bancada fundamentalista cristã certamente buscará
avançar no seu intuito de anular os direitos sexuais e reprodutivos das
mulheres.
Parlamentares comprometidas e comprometidos com os direitos
humanos das mulheres vão precisar ir além dos projetos de decretos
legislativos para tentar sustar decretos, portarias e medidas provisórias
do Governo. Os ministérios estão dispostos a tirar o direito ao aborto
legal dos serviços de atendimento às mulheres e meninas. Outra tarefa
é contribuirmos para o fortalecimento da Frente Parlamentar Feminista
Antirracista com Participação Popular, lançada em 2019 na Câmara.
Precisamos atuar articuladamente, parlamentares, organizações e
movimentos feministas e encontrar vias de denúncia e mobilização
para frear essa ofensiva.
No Brasil, nunca tivemos um contexto muito favorável à legalização do
aborto. Apesar das intensas mobilizações de mulheres desde o início da
República, nosso sistema político ainda é majoritariamente patriarcal,
branco e retrógrado. E nesse momento, os homens brancos querem
manter esse poder a qualquer custo, com todos os seus privilégios e
perpetuando as desigualdades. A violência doméstica e sexual é um
pilar fundamental na manutenção desse poder, pois ela nos incute o
medo e nos impede de exercer nossa liberdade em qualquer dimensão.
Tirar o direito ao aborto nos casos já previstos em lei é parte do projeto
violador e genocida de Estado do Governo atual e nós vamos resistir.
Nos movimentos, seguiremos nos mobilizando contra esse projeto
genocida de Governo em curso. Somos #ForaBolsonaro&Mourão, contra
toda forma de fundamentalismo e conservadorismo. O movimento
feminista conquistou muitos direitos ao longo da história do nosso país
e não vamos retroceder.
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 14
ANEXO
Quadro resumo das propostas em tramitação na Câmara Federal relacionadas
às ações do Governo Federal na pauta do aborto
Proposições
Ação do
Tema relacionadas na
Governo Federal
Câmara Federal
Portaria 2282, de 28 Estabelece os procedimentos
de agosto de 2020, do para o atendimento às vítimas
Ministério da Saúde, que de violência sexual no Serviço
“Dispõe sobre o Público de Saúde. Revoga PDL 381/2020
Procedimento de a Norma Técnica Prevenção PDL 385/2020
Justificação e Autorização e tratamento de agravos PDL 383/2020
da Interrupção da resultantes da violência PDL 409/2020
Gravidez nos casos sexual contra mulher e (Apensados
previstos em lei, no adolescentes e a Portaria nº a este: PDL
âmbito do Sistema Único 1.508, de 1º de Setembro 410/2020, PDL
de Saúde-SUS”. de 2005, que até então 413/2020 e PDL
determinavam o regramento 428/2020)
Substituída pela Portaria para a realização de abortos
nº 2.561, de 23 de pelo Sistema Único de Saúde
setembro de 2020. em casos de estupro.
A Nota tratava do acesso
à saúde sexual e saúde
reprodutiva no contexto INC 626/2020
da Covid-19, e havia sido PDL 250/2020
Nota Técnica nº 16/2020 elaborada pela equipe da RIC 573/2020
– COSMU/CGCIVI/DAPES/ Coordenação de Saúde das PDL 251/2020
SAPS/MS15 (Revogada). Mulheres da Secretaria de REQ 1469/2020
Atenção Primária à Saúde PDL 271/2020
do Ministério da Saúde. A PDL 259/2020
coordenação da equipe foi
exonerada em seguida.
[15] Decreto nº 10.531,
O Ministério da Saúde O decreto promove uma
de 26 de outubro de
retirou a Nota da internet. verdadeira reforma Estado,
2020, que Institui a RIC 1434/2020
A retirada da nota incluindo mudanças
técnica do ar se soma às Estratégia Federal de PDL 459/2020
relacionadas à criminalização
sucessivas omissões de Desenvolvimento para PDL 472/2020
do aborto, a adoção da escola
informações referentes o Brasil no período de
à saúde pública pelo sem partido, e outros.
2020 a 2031.
governo federal.
Fonte: Elaboração CFEMEA a partir das informações da Câmara e do Senado.
Mulheres e Resistência no Congresso Nacional • 2020 15
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