COMPOSIÇÃO FLORÍSTICA DA ALIMENTAÇÃO DO TAMBAQUI (Colossoma
macropomum CUVIER, 1881). I. VALOR NUTRICIONAL E ENERGÉTICO1
Jorge Antonio Moreira da SILVA2, Manoel PEREIRA-FILHO3, Maria Inêz de OLIVEIRA-PEREIRA3
(Enviado para a revista Acta Amazônica, aguardando publicação)
RESUMO – O presente estudo é um levantamento da composição florística de áreas de várzea e igapós da
Amazônia, que faz parte da alimentação natural do tambaqui. Este levantamento foi realizado utilizando dados da
literatura, complementados com dados de análises de conteúdos de tratos digestivos da espécie. As coletas dos tratos
digestivos foram realizadas através de capturas e de material adquirido no principal porto de desembarque e
comercialização de tambaqui em Manaus, a feira da Panair. As coletas nesta feira foram realizadas semanalmente, de
quinze indivíduos, durante nove meses. Após evisceração os tratos digestivos eram acondicionados em sacos
plásticos e armazenados em isopor com gêlo para o transporte até o laboratório onde permaneceram em freezer (-20
ºC). Para a identificação dos itens da dieta, o material foi preservado em álcool a 70%. Foram realizadas análises
bromatológicas dos frutos e das sementes segundo metodologias propostas pela A.O.A.C. (1995). A energia bruta
(kJ/g) das amostras foi obtida através de bomba calorimétrica. A composição florística foi identificada através das
análises do conteúdo dos tratos digestivos sendo identificadas 46 espécies, distribuídas em 21 famílias e nove tipos
morfológicos de frutos. Estes dados, mais os obtidos na literatura, mostram que a alimentação do tambaqui engloba
pelo menos 134 espécies de frutos e sementes, distribuídas em 38 famílias e quinze tipos morfológicos de frutos, o
que denota uma alta diversidade de formas e adaptações. O padrão de consumo dos frutos/sementes encontrado foi
muito variável, encontrando-se inteiros ou triturados. Quatorze espécies de sementes e quarenta de frutos tiveram sua
composição centesimal determinada, e os nutrientes encontrados demonstram que estes itens são fontes mais
energéticas do que protéicas.
Palavras-chave: tambaqui, frutos e sementes, valor nutitivo, dispersão de sementes.
FLORISTIC COMPOSITION OF TAMBAQUI (Colossoma macropomum CUVIER, 1881)
FEEDING. I. ENERGY AND NUTRITIONAL VALUE.
ABSTRACT - The present study it is a survey of the floristic composition that is part of tambaqui feeding, from the
inundated floodplains (“várzea”) and forests (“igapós”) of the Amazon. This survey was carried through using
1
literature data, along with data from the analyses of digestive tract contents of the species. Digestive tracts were
collected through captures and from acquired sampled materials from the main landing and commercialization port
for tambaqui in Manaus, the “Panair” fish market. The sampled materials from “Panair” were carried every week,
from fifteen individuals, during nine months. Fish digestive tract were removed on site, conditioned in plastic bags
and stored in a styrofoam with ice for transport to the laboratory, where it remained in freezer (-20ºC) until further
analysis. For the item identification from the diet, the material was preserved in alcohol 70%. Physical-chemical
analyses of the fruits and seeds were carried out according to A.O.A.C. (1995). Crude energy (kJ/g) was realized in a
calorimetric bomb. The floristic composition through the analyses of the fish digestive tracts contents identified 46
species, distributed in 21 families and nine morphologic types of fruits. These data, along with the ones from the
literature, shows that tambaqui feeding encompass at least 134 species of fruits and seeds, distributed in 38
morphologic families and fifteen types of fruits. The consumption pattern was extremely variable, with crushed or
whole fruits and seeds. The nutrient physical-chemical composition was carried through in fourteen species of seeds
and in forty species of fruits, demonstrating that these items are more of an energy source than a protein one.
Key-words: tambaqui, fruits and seeds, nutritive value, dispersal of seeds
________________
1
Parte de Tese (INPA/UA) do primeiro autor.
2
Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, Campus Universitário de Ondina, Salavdor, Bahia. CEP 40170-290. E-mail:
[email protected]
3
CPAQ-INPA, CP 478, Manaus-AM.CEP 69083-000. E-mail: [email protected]
2
INTRODUÇÃO
Estudos sobre a alimentação do tambaqui (Colossoma macropomum) levaram à realização
de muitos trabalhos que elucidaram as prefêrencias dietéticas da espécie. Atualmente, os estudos
têm-se voltado para as análises da composição bromatológica e digestibilidade dos principais
itens alimentares, no sentido de procurar o entendimento de como a espécie realiza o
balanceamento de nutrientes e energia necessários ao seu metabolismo.
O tambaqui é o peixe consumidor de frutos e sementes mais conhecido das florestas de
várzea e igapó da bacia Amazônica. O hábito de explorar frutos e sementes se deve ao fato desses
itens possuirem as partes mais nutritivas das árvores, pela frequência com que ocorrem na várzea
e a habilidade em digerí-los (Goulding, 1996).
Análises de conteúdo estomacal mostraram que os frutos e as sementes constituem os
principais alimentos do tambaqui, aparecendo com alta freqüência durante a época da enchente-
cheia dos rios (Honda, 1974; Gottsberger, 1978; Smith, 1979; Goulding, 1980; Carvalho, 1981;
3
Goulding & Carvalho, 1982; Saint-Paul, 1986; Ziburski, 1990; Maia, 2001). Devido a essa
preferência, alguns autores consideram os indivíduos adultos como exclusivamente frugívoros
(Eckmann, 1987; Saint-Paul, 1991).
A espécie é capaz de triturar os mais variados tipos morfológicos de frutos, sendo que
para cada tipo existe uma estrátégia de aproveitamento. Frutos do tipo morfológico drupa são
triturados para aproveitamento de suas amêndoas; do tipo cápsula é necessária a liberação das
sementes que caem na água para o seu consumo; do tipo baga, a espécie aproveita melhor o
mesocarpo, ingerido juntamente com as sementes que podem atravessar o trato digestivo sem ser
aproveitado, sendo elemento de dispersão a longas distâncias.
A composição bromatológica da alimentação do tambaqui foi estudada por Silva et al.
(2000), através da coleta e análises do conteúdo estomacal. Análises da composição
bromatológica de frutos e sementes consumidos pelo tambaqui têm sido reportadas por Waldhoff
(1991); Roubach & Saint-Paul (1994), Waldhoff et al. (1996); Araujo-Lima (1998); Waldhoff &
Maia (2000); Maia (2001).
O objetivo do presente estudo foi identificar, na composição florística oriunda das
florestas de várzea e igapó, a ocorrência de frutos e sementes e determinar a composição
bromatológica destes itens.
MATERIAL E MÉTODOS
Coleta e tratamento dos tratos digestivos
As coletas dos tratos digestivos foram realizadas na feira da Panair (Manaus-AM) e em
indivíduos capturados através de pescarias com malhadeiras no lago do Rei (Careiro) e no lago
Grande (Manaquiri), AM. Foram coletados 658 tubos digestivos, sendo que 82,8% no mercado
da Panair. Tratos digestivos de 15 exemplares foram coletados semanalmente na feira da Panair,
nas bancas de comercialização de pescado. Os tubos digestivos foram acondicionados em saco
plástico e transportados em caixa de isopor com gêlo até o laboratório, onde permaneceram em
freezer (-20ºC). O material do conteúdo estomacal foi separado em duas partes, uma que foi
4
usada nas análises bromatológicas e a outra que foi usada na identificação da dieta, preservada
em álcool a 70%.
Coleta dos frutos e sementes
Foram realizadas oito excursões à floresta inundada (várzea e igapó) para a coleta dos
frutos e sementes, realizadas nos períodos de enchente-cheia (fevereiro-agosto). A maior parte
das espécies foi coletada nas seguintes localidades, todas no estado do Amazonas: ilha da
Marchantaria (rio Solimões), lago Catalão (rio Solimões), Araçatuba (rio Negro), ilha de
Marapatá (rio Negro) e lago Grande (Manaquiri, rio Solimões). Na ilha do Camarão (rio Negro)
foi coletado o arroz bravo (Oryza glumaepetala) ; no lago Cristalino (rio Negro), o camu-camu
(Myrciaria dubia)e em Terra Nova (rio Solimões), a seringa-comum (Hevea brasiliensis).
Os frutos foram retirados maduros, colhidos manualmente ou utilizando um "podão" para
as árvores mais altas. Para não perder suas propriedades nutricionais, alguns frutos foram
acondicionados em saco plástico e transportados ao laboratório em caixa de isopor com gêlo.
Para a realização das análises bromatológicas, os frutos e as sementes considerados
"duros", com as do jauari (Astrocaryum jauari), foram inicialmente congelados, triturados em
máquina elétrica de moer carne e liofilizados. Após o processo de pré-secagem, as amostras
foram retrituradas, inicialmente em liquidificador e logo após em micromoinho com peneira de
20/30 mesh. Os frutos e sementes considerados "moles" foram triturados diretamente em
liquidificador, liofilizados e retriturados novamente em liquidificador.
Métodos Analíticos
Todas as análises bromatológicas foram realizadas no Laboratório de Nutrição de Peixes
da Coordenação de Pesquisas em Aquicultura do INPA, Manaus-AM, segundo metodologias
propostas pela A.O.A.C. (1995). A energia bruta (kJ/g) das amostras foi obtida através de bomba
calorimétrica modelo Parr 1271.
RESULTADOS
5
Número de exemplares analisados
Nos três locais de amostragens foram coletados 659 tubos digestivos de Colossoma
macropomum. Para alguns dados (peso total, peso do conteúdo estomacal e comprimento padrão)
se incluem mais 26 exemplares, gentilmente cedidos por Villacorta-Correa (INPA/Instituto Max
Planc), totalizando 685 indivíduos analisados. Desse total, 17,2% foram capturados nos lagos,
com comprimento padrão variando entre 10-39cm, e 82,8% foram coletados na feira da Panair
com comprimento padrão variando entre 40-69 cm.
O aparelho digestivo do tambaqui
O tubo digestivo do Colossoma macropomum é composto pelo esôfago (curto), estômago
(grande e distensível), intestino longo (anterior, médio e posterior) e pelo reto. O comprimento da
cavidade celomática representa, em média, 42,3% do comprimento padrão do indivíduo. O
comprimento do estômago atinge, em média, 47,1% do comprimento padrão e 15% do
comprimento do aparelho digestivo (n = 107). As características do estômago (grande e
distensível) permitem ao tambaqui ingerir frutos/sementes inteiros, e em grandes quantidades
quando triturados.
O intestino apresenta-se longo, com coeficiente médio de 2,7±0,52 vezes o comprimento
padrão do indíviduo. Os cecos pilóricos se acham no ínicio do intestino anterior, bem evidentes e
numerosos
Período de maior consumo de frutos e sementes
Dos conteúdos estomacais analisados, foi observardo que em termos percentuais, no mês
de novembro ocorreu a maior porcentagem de indivíduos com estômagos vazios (78,0%),
enquanto que no mês de abril a frequência foi baixa, de apenas 1,6%. Nos meses em que o nível
da água dos rios encontrava-se baixo, nos períodos de vazante, seca e início da enchente (julho-
janeiro), mais de 50% dos estômagos encontravam-se vazios. No período compreendido pela
6
enchente-cheia, a frequência de estômagos contendo frutos e/ou sementes foi consideravelmente
maior, por coincidir com a época de frutificação das árvores que compõem os biótopos de várzea
e igapós da região amazônica, e oferecer a oportunidade dos peixes terem acesso a esse ambiente
de floresta inundada.
Nos meses de maior ocorrência de estômagos vazios, os indivíduos apresentavam grande
quantidade de gordura cavitária (até 10% do peso total do indivíduo foi encontrado), estocada
como reserva energética, uma adaptação da espécie para se manter com "fome no estômago",
mas sem "fome metabólica" nos períodos de escassez de alimentos.
Preferência alimentar
O Colossoma macropomum é tipicamente uma espécie omnívora, aproveitando-se de
nutrientes de alimentos tanto de origem vegetal como animal. A alimentação básica sofre
variações sazonais, aproveitando produtos de origem alóctone (floresta) no período das cheias,
principalmente de frutos e sementes, e de produtos de origem autóctone no período da seca
(zooplâncton), onde o tambaqui obtém um alimento de elevado teor protéico de origem animal,
independentemente do tamanho do indivíduo.
Os representantes do zooplâncton mais frequentemente encontrados no conteúdo
estomacal foram Rotifera, Ostracoda, Cladocera, Copepoda Calanoida e Copepoda Cyclopoida.
As algas ocorreram em pequenas quantidades, sendo as mais frequentes as dos grupos
diatomáceas, clorofitase pirrofitas, observadas geralmente associadas a fragmentos de raízes de
macrófitas aquáticas. Itens alimentares abrangendo outros invertebrados como crustáceos
decápoda (caranguejo), insetos e moluscos (caramujo, Pomacea spp.) ocorreram com baixa
frequência (< 1,0% dos estômagos analisados).
A Tabela 1 apresenta a lista dos frutos e sementes encontrados no conteúdo estomacal do
tambaqui no período de março a julho. Foram identificadas 46 espécies, distribuídas entre 21
famílias e 44 gêneros. Os frutos foram classificados em 9 tipos morfológicos: baga (23,9%),
drupa (23,9%), legume (15,2%), pseudofruto (10,9%), cápsula (8,7%), drupa composta (4,3%),
carnoso/sincarpo (4,3%), carnoso/apocarpo (4,3%) e nóz (4,3%).
7
O padrão de consumo dos frutos e sementes pelo tambaqui é muito variável, sendo
encontrado para uma mesma espécie de fruto, inteiros e/ou triturados, pedaços de mesocarpos e
sementes inteiras e/ou trituradas, como ocorreu com o jauari. As infrutescências da embaúba
(Cecropia latiloba) pelo tamanho pequeno dos frutos, geralmente foram encontrados intactos ao
longo do tubo digestivo.
TABELA 1.
A Tabela 2 apresenta o inventário realizado no presente estudo, levando em consideração
os dados de literatura e as análises do conteúdo estomacal (Tab.1). Foram computadas 134
espécies, classificadas entre 38 famílias. Quinze tipos morfológicos de frutos foram descritos,
sendo que desse total, 63,4% foram classificados como bagas, drupas e cápsulas.
TABELA 2.
Valor nutricional e energético das sementes
As análises bromatológicas foram realizadas em quatorze espécies de sementes (Tab. 3) e
em quarenta espécies de frutos (Tabela 4), com base na matéria seca (MS). Os valores
apresentados para os nutrientes e energia desses itens mostraram grande variabilidade. O teor de
água entre as espécies variou amplamente, com valores extremos observados entre a piranheira
(11,1%) e acará-açú (85,9%). O teor médio entre as espécies estudadas foi de 48,0±20,2%.
8
Nas sementes os teores de proteína bruta mais baixos foram observados em acapurana
(Campsiandra comosa) e castanharana (Eschweilera sp.), com 5,5%. A munguba se destacou
entre todas as sementes analisadas, apresentando o teor de 29,9%, o mais elevado entre as
espécies, seguido das seringas comum e barriguda, com 16,3% e 16,7%, respectivamente. A
média de proteína bruta das espécies estudadas ficou em 11,2±6,5% (Tab. 3).
As variações dos teores de lipídios nas sementes foram mais pronunciadas do que as
observados com os teores de proteína bruta. Os níveis extremos deste nutriente foram observados
entre arapari (Macrolobium accaciifolium), com 1,3% e seringa barriguda (Hevea spruceana)
com 43,7%. A média do teor de lipídios entre as espécies estudadas ficou em torno de
18,5±16,1% (Tab. 3).
O Extrato Não Nitrogenado também variaram amplamente, apresentando a munguba o
valor mais baixo (15,8%) e a castanharana, com o valor mais alto (79,5%). A média entre as
espécies foi de 49,2±20,2%, indicando que as sementes consumidas pelo tambaqui possuem altas
concentrações deste nutriente e, juntamente com os lipídios, tornam estes itens importantes fontes
de energia para a espécie (Tab. 3).
Algumas sementes apresentam teores elevados de fibra bruta, como em capuxinho do igapó
(32,4%), jauari (24,3%) e arroz bravo (19,1%) e outras com baixos níveis como observada em
castanharana (1,3%) e arapari (1,9%) O teor médio entre as espécies de sementes estudadas foi de
11,4±9,4% (Tab. 3).
TABELA 3
Entre os nutrientes, a menor variação ocorreu com a cinza (Material Mineral). A maioria
das espécies analisadas possui teores muito próximos. Os valore extremos foram encontrados
entre acapurana (1,1%) e arroz bravo (6,9%). A média de cinza entre as espécies foi 3,0±1,5%
(Tab.3).
A grande variabilidade observada nos teores dos nutrientes refletiu-se nos teores de
energia bruta. Valores extremos foram encontrados entre as espécies Oryza glumaepatula, com
9
15,6 kJ/g MS e Hevea brasiliensis, com 27 kJ/g MS. A média de energia bruta entre as espécies
foi de 20,7±4,1 kJ/g MS (Tab. 3).
Valor nutricional e energético dos frutos
Os frutos apresentaram altos teores de água em sua constituilçao. O teor mais baixo foi
encontrado em seringaí com 38,5%, enquanto o teor mais alto foi o de limãoarana (Randia
armata), com 95,6%. A média entre os frutos analisados foi de 76,4±13,6% (Tabela 4). Como o
que ocorreu entre as espécies de sementes, os teores de proteína bruta entre as espécies de frutos
variaram amplamente. O teor protéico mais baixo foi observado no genipapo (Genipa
americana), com 2,7%, enquanto que limãoarana se destacou com o teor mais elevado entre as
espécies, apresentando 16,5%. A média, mais baixa do que a observada nas sementes, em torno
de 7,4±3,3%.
O teor médio de lipídios dos frutos ficou abaixo do observado para as sementes, ficando
em 10,9±7,0% contra 18,5±16,1% das sementes. Os níveis extremos deste nutriente foram
observados entre urchirana (1,6%) e urucurana (31,8%).
TABELA 4
Os carboidratos também variaram amplamente entre as espécies, destacando-se araçá-
miúdo com o valor mais elevado (77,4%) e uchirana com o valor mais baixo(1,6%), sendo que a
média foi de 50,3±12,9%. Como nas sementes, os frutos das florestas inundadas apresentam-se
como importante fonte em potencial de carboidratos para o tambaqui.
Os frutos apresentaram teores mais elevados de fibra bruta do que ao observados nas
sementes, com teores médios de 20,6% para as espécies estudadas. Os valores extremos foram
observados entre cajurana (3,6%) e tanimbuca (55,8%). De um modo geral, os frutos consumidos
pelo tambaqui apresentam-se com elevados teores de fibra em sua constituição.
10
A cinza apresentou-se como o nutriente menos varável entre as espécies analisadas. O
teor médio de 3,3±1,2%, foi similar ao encontrado nas sementes (3,0±1,5%). O valores extremos
foram observados entre Anomospermum sp. e Calyptranthes ruiziana (1,8%), e em taperebá
(7,3%).
De uma maneira geral, os frutos analisados apresentaram menor teor de energia bruta do
que as sementes. A média entre as espécies foi de 18,5±1,9 kJ/g MS. Os valores extremos ficarm
entre camu-camu (16,0 kJ/g MS) e urucurana (23,7kJ/g MS).
DISCUSSÃO
A floresta de várzea e igapó da região amazônica coloca à disposição das espécies ícticas,
grande diversidade de frutos e sementes potencialmente aproveitadas pelo Colossoma
macropomum. Os frutos e as sementes consumidas constituem um “banco de nutrientes e
energia” para a espécie, que é totalmente dependente da floresta para completar o ciclo anual de
alimentação, fato observado por Goulding (1980) no rio Madeira (Amazonia Central).
Estimativas da produção anual de frutos e sementes das florestas inundadas ainda não são
conclusivos. Araujo-Lima & Goulding (1998) estimaram para três espécies de frutos consumidas
pelos peixes, munguba (Pseudobombax munguba), seringa (Hevea spp.) e jauari (Astrocaryum
jauari), uma produção excedente de um milhão de toneladas/ano. O catoré (Crataeva benthamii),
poderia produzir facilmente 10t/ha/ano (Goulding, 1996) e a produção de jauari (Astrocaryum
jauari) foi estimada por Piedade (1985) em 1,65 t/ha/ano. Maia (2001) relata a produção anual
estimada de 23 espécies de frutos da vázea e igapó, com destaque para as produções de Mirciaria
dubia (camu-camu) de 9.500-12.000 kg/ha-1 e Mauritia flexuosa (buriti), com 6.000-20.000 kg/
ha-1.
O tambaqui necessita alimentar-se de itens de composição variada para poder realizar um
balanceamento da sua dieta em termos dos principais nutrientes e energia para satisfazer suas
necessidades metabólicas. Mori-Pinedo (1998), em condições experimentais, estimou as
exigências protéico/calóricas de alevinos de tambaqui em 25% de proteína bruta e 20,9 kJ/g MS
de energia bruta. Segundo Araujo-Lima & Goulding (1998), o nível médio de proteína requerida
por jovens e adultos de tambaqui é estimada em 20%, enquanto são necessários 23kJ/g MS e 19-
11
20kJ/g MS de energia bruta, respectivamente para tambaquis adultos e jovens. Extrapolando estes
dados para a natureza, conclui-se que a alimentação do tambaqui, à base de frutos e sementes,
requer a ingestão de vários itens de composição química variada, uma vez que a média dos teores
de proteína bruta encontrada nas sementes foi de 11,2±6,5% e 20,08±4,1 kJ/g MS (Tab. 3) para a
energia bruta, enquanto que para os frutos estes valores foram, respectivamente, 7,38±3,33% e
18,48±1,87 kJ/g MS (Tab.4), considerados abaixo de suas necessidades nutricionais. Portanto, o
hábito oportunista da espécie baseia-se na tentativa de balanceamento da sua alimentação.
Por outro lado, Silva et. al. (2000) estudando a variação sazonal de nutrientes e energia da
alimentação natural do tambaqui concluíram que durante o período da enchente-cheia, época de
maior disponibilidade de frutos e sementes, o teor protéico do alimento foi baixo (11% a 15%
MS), enquanto que na época de seca, quando a espécie consome zooplâncton, os níveis protéicos
foram elevados (47% a 57% MS) superiores às exigências protéicas da espécie. Os mesmos
autores observarm que os níveis apresentados de energia bruta não tiveram diferenças acentuadas
entre os períodos de maior ou menor disponibilidade de frutos e sementes, variando de 20,3 kJ/g
MS a 24,0 kJ/g MS.
A proteína, em qualquer dieta, é utilizada pelos organismos para a sua manutenção,
reparação de tecidos e crescimento. Segundo De La Higuera (1987), a ingestão de dietas com
níveis elevados de proteína proporcionam quantidades de aminoácidos mais do que o necessário
e, como consequência disto, o excedente é utilizado para fins energéticos e não para o
crescimento. Como os frutos e sementes são pobres em proteína, é possível que o "efeito
poupador de proteína" (Hepher, 1988) seja realizado pelo tambaqui utilizando as fontes de
energia dos lipídios e carboidratos, presentes em teores mais elevados na dieta, e utilizem melhor
a proteína contido nestes itens. Pezzato (1990) observou esse efeito poupador de proteína no pacu
(Piaractus mesopotamicus) substituindo fontes convencionais de energia de rações por gordura
animal.
Segundo Cho (1987), numa dieta com um balanço adequado de nutrientes, os peixes podem
compensar baixo conteúdo energético consumindo maior quantidade da mesma. Neste sentido, o
C. macropomum faz o balanceamento entre proteína/energia consumindo em maior quantidade
frutos e/ou sementes que comtêm baixos teores de proteína. Este fato foi observado com o fruto
jauari (Astrocaryum jauari), que foi ingerido em grandes quantidades, com uma frequência
12
superior aos demais. No entanto, análises químico-bromatológicas revelaram que este fruto
contém baixos níveis de proteína bruta (5,1% na MS) e altos teores de carboidratos (45,6% na
MS) e fibra bruta (32,5% na MS). O valor calórico deste fruto (20,3 kJ/g MS) está acima da
média dos demais frutos (18,5kJ/g MS).
O tambaqui pode consumir grandes quantidades de apenas uma única espécie de fruto ou
semente, como ocorreu com o fruto jauari e a semente seringa barriguda, em que foram
observados inúmeros estômagos repletos destes ítens. Estas observações mostram a característica
oportunista da espécie em consumir itens de maior disponibilidade na área em que se encontra.
Silva et.al. (1999) conduziram experimentos de digestibilidade de frutos e sementes
consumidos pelo tambaqui obtendo coeficientes de digestibilidade baixos para a espécie jauari,
que é consumido em grandes quantidades na época de maior disponibilidade. A amêndoa desse
fruto tem baixo teor de proteína (5,9%) e possui níveis relativamente médios de carboidratos
(38,6%), lipídios (25,7%) e altos de fibra bruta (24,3%). A energia bruta (23,2 kJ/g da MS) está
acima da média das outras sementes (20,8 kJ/g MS).
O tambaqui é capaz de triturar os mais variados itens alimentares. Os frutos do tipo
morfológico drupa (todas as espécies da Família Arecaceae, por exemplo) necessitam ser
triturados para aproveitamento de suas amêndoas, como as do jauari, marajá, e outros. Testes de
compressão de materiais revelaram que o tambaqui, para triturar o fruto inteiro do jauari exerce
uma força entre a mandíbula e o maxilar, de mais de 220kg/cm2. Quando não é triturado, este
fruto é ingerido inteiro passando pelo trato gastrointestinal com evidências de aproveitamento
parcial do epi e mesocarpos.
Para os frutos com tipo morfológico cápsula, é necessário que liberem suas sementes e
estas fiquem disponíveis na água para serem ingeridas. Exemplo típico deste modelo ocorre com
as espécies de seringas comum e barriguda, em que as sementes, após liberadas, são trituradas
com a destruição do mesocarpo.
Para os frutos do tipo baga, o tambaqui aproveita melhor o mesocarpo. As sementes, por
serem pequenas, podem ser trituradas ou não, e neste caso o tambaqui age como um dispersor em
potencial para este tipo morfológico de fruto, como o catoré (Crataeva benthamii).
Em relação à dispersão de sementes, é evidente a participação do tambaqui como agente
dispersor, principalmente das bagas e infrutescências (Goltsberg, 1978; Goulding, 1983). Por
13
serem numerosos e pequenos, frutos como o da embaúba (Cecropia spp.) e cachinguba (Ficus
spp.), por exemplo, passam pelo trato gastrointestinal do C. macropomum sem, aparentemente,
dar indícios de aproveitamento dos nutrientes. Foram encontrados vários exemplares de tambaqui
com o estômago e intestino repleto de cachinguba, sendo encontrado em um dos exemplares 65
infrutescências no estômago.
O peso do bolo alimentar no estômago variou de indivíduo para indivíduo, da
disponibilidade no ambiente e do item consumido. Por exemplo, na época de frutificação, foram
frequentemente encontrados quantidades razoáveis de frutos e/ou sementes no conteúdo
estomacal do tambaqui. Duas ou três espécies foram encontrados num mesmo estômago.
Estômagos contendo uma única espécie de fruto ou semente apareceram em quantidades
apreciáveis, sendo os frutos mais comuns o jauari e a cachinguba, e entre as sementes, a seringa
barriguda.
Ziburski (1990), analisando o conteúdo estomacal e intestinal de 48 exemplares de
Colossoma macropomum na Ilha da Marchantaria (AM), observou 2198,7g de fruto catoré ,
612,5g de abiorana, 592,9g de goiaba do igapó, 423,8g de cuia, 273,2g de embaúba (Cecropia
latiloba), 31,9g de araparí, 7,3g de louro do igapó e 1,1g de cajurana.
A distensibilidade do estômago do Colossoma macropomum é considerável. e capaz de
alojar frutos e/ou sementes inteiros, ou triturados. O número de frutos ou sementes em cada
estômago é variável. Em um exemplar com 11,0kg de peso total foram encontrados 16 frutos de
jauari, ocupando um volume no estômago de 240,0ml, e 65 infutescências de caxinguba,
ocupando um volume de 192,0ml. Em peso, 16 frutos de jauari equivalem ao tambaqui
aproveitar, em sua totalidade, 96 sementes de seringa comum, 20 sementes de arapari, 571,4
sementes de capitarí, 19 frutos de bacuri ou um único fruto de catoré.
Porcentagens de até 8,8% foram encontradas no tambaqui para a relação peso do
conteúdo estomacal/peso total do peixe. Nesta proporção, um exemplar com 30 kg, peso máximo
para a espécie, pode conter uma quantidade de frutos e sementes equivalente a 2,64kg de
conteúdo estomacal.
CONCLUSÕES
14
Os resultados desse estudo indicam que as florestas inundáveis da Amazônia colocam à
disposição do Colossoma macropomum, no período de enchente-cheia dos rios, alimentos ricos
em nutrientes e energia com significativa diversidade. O caráter oportunista da espécie fica
evidenciado pelo consumo de frutos com morfologia, cor e textura muito diferentes, e durante
uma época espécífica do ano, quando os itens de origem vegetal não são disponíveis, pelo
consumo de zooplâncton, um alimento rico em proteínas. Desta forma, completa o
balanceamento de suas necessidades nutricionais.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao CNPq, pelo suporte financeiro ao Projeto; ao Dr. Marc G. van
Roosmalen, pela identificação das espécies de frutos e sementes; ao Dr. Pedro Mera, pela
identificação das algas. Ao Dr. Rodrigo Roubach, pela revisão do texto.
Bibliografia Citada
Araujo-Lima, C.; Goulding, M. 1998. Os frutos do tambaqui: ecologia, conservação e cultivo na
Amazônia. Tefé, AM: Sociedade Civil Mamirauá; Brasília: MCT-CNPq. 186p.
A.O.A.C. 1995. Association of Official Analytical Chemists. Official Methods of Analysis. 17ª
ed. 1141p.
Carvalho, M. L. 1981 Alimentação do tambaqui jovem (Colossoma macropomum) e sua relação
com a comunidade zooplanctônica do Lago Grande - Manaquiri, Solimões-AM. Dissertação de
Mestrado, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Fundação Universidade do Amazonas.
Manaus, Amazonas. 91 p.
15
Cho, C. Y. 1987. La energía en la nutrición de los peces. In: Nutrición en Acuicultura II. Ed. J.
Espinosa de los Monteros y U. Labarta, Madrid-España. 197-237.
De La Higuera, M. 1987. Requerimientos de proteína y aminoácidos en peces. In: Nutrición en
Acuicultura II. J. Espinosa de los Monteros y U, Labarta (Ed.), Madrid, p. 53-98.
Eckmann, R. 1987. Growth and body composition of juvenile Colossoma macropomum CUVIER
1818 (Characidae) feedig artificial diets. Aquaculture v. 64, p. 293-303.
Gottsberger, G. 1978. Seed dispersal by fish in the inundated regions of Humaitá, Amazonia.
Biotropica, 10 (3):170-183.
Goulding, M. 1980. The fish and the forest. Explorations in Amazonian Natural History.
University of California Press. 280p.
Goulding, M.; Carvalho, M. L. 1982. Life History and Management of the tambaqui (Colossoma
macropomum, Charachidae). An important Amazonian food fish. Revista Brasileira de Zoologia,
1:107-133.
Goulding, M. 1983. The role of fishes in seed dispersal and plant distribution in Amazonian
floodplain ecosystems. In: Dispersal and Distribution. Ed: K. Kubitski Sonderb. Naturwiss.
Verein Hamburg, 7, pp. 271-283.
Goulding, M. 1996. Pescarias Amazônicas, Proteção de Habitats e Fazendas nas Várzeas:
Uma visão Ecológica e Econômica. Workshop: Projeto de Manejo dos Recursos Aquáticos.
Belém, Pará.
Hepher, B. 1988. Nutrition of Pond Fishes. Cambridge University Press, New York, 388p.
16
Honda, E. M. S. 1974. Contribuição ao conhecimento da biologia de peixes do Amazonas.II –
Alimentação do tambaqui. Colossoma bidens. Acta Amazônica, 4:47-53.
Maia, L. M. A. 2001.Frutos da Amazônia – fonte de alimento para peixes. INPA, Co-Edição
Sebrae. Manaus, Amazonas. 142p.
MORI-PINEDO, L. A. 1999.Determinação das exigências protéico-caloricas de alevinos de
tambaqui Colossoma macropomum, CUVIER 1818 (PISCES, SERRASALMIDAE). Tese de
Doutorado, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazôni/Fundação Universidade do Amazonas.
Manaus, Amazonas. 100p.
Pezzato, L. E. 1990. Efeito de níveis de gordura de origem animal e vegetal sobre o desempenho
e deposição de ácidos graxos em. pacu (Piaractus mesopotamicus). Tese de Doutorado, UNESP.
Jaboticabal, São Paulo. 91p.
Piedade, M. T. F. 1985. Ecologia e biologia reprodutiva de Astrocaryum jauari MART.
(PALMAE) como exemplo de população adaptada às áreas inundáveis do Rio Negro Igapós).
Dissertação de Mestrado, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Fundação Universidade
do Amazonas. Manaus, Amazonas. 187 p.
Roubach, R.; Saint-Paul, U. Use fruits and seeds from Amazonian inundated forest in feeding
trials with Colossoma macropomum (Cuvier, 1818) (Pisces, Characidae). Journal Applied
Ichthyology., v. 10, p. 134-140. 1994.
Saint-Paul, U. 1991. The potential for Colossoma culture in Latin America. Infofish
International, v.2, p. 49-53.
17
Saint-Paul, U. 1986. Potential for aquaculture of South American Freshwater fishes: a review.
Aquaculture, 54:205-240.
Silva, J. A. M.; Pereira-Filho, M.; Oliveira-Pereira, M. I. 1999. Digestibility of seeds consumed
by tambaqui (Colossoma macropomum Cuvier, 1818): an experimental approach. In: A. L. Val
and V. M. F. Almeida-Val. (Ed.) Biology Tropical Fishes. INPA, Manaus, AM. p. 137-148.
Silva, J. A. M.; Pereira-Filho, M.; Oliveira-Pereira, M. I. 2000. Seasonal variation of nutrients
and energy in tambaqui’s (Colossoma macropomum CUVIER, 1818) natural food. Rev. Bral.
Biol., 60(4):599-605.
Smith, N. J. H. 1979. A pesca no Rio Amazonas. CNPq/INPA. Manaus, AM. 154 p.
Waldhoff, D. 1991. Morphologie, Nährwert und Bioelementgehalte hydrochor und
zoochorverbreiteter Früchte und Samen aus amazonischen Überschwemmungswäldern bei
Manaus. Kiel: Tese de Mestrado. Universitat Kiel.
Waldhoff, D.; Saint-Paul, U.; Furch, B. 1996. Value of fruits and seeds from the floodplain
forests of Central Amazonia as food resource for fish. Ecotropica, .2:143-156.
Waldhoff, D.; Maia, L. M. A. 2000. Production and chemical composition of fruits from trees in
floodplain forest of Central Amazonia and their importance for fish. In: Junk, W.J., Ohly, J.,
Piedade, M. T. F., Soares, M. G. (Eds.): The Central Amazon floodplain – Actual Use and
Options for a Sustainable Management. Backhuys Publishers, Leiden, The Netherlands, p.393-
415.
18
Zibusrski, A. 1990. Ausbreitungs und Reproduktionsbiologie Einiger Baumarten Der
Amazonischen Überschwemmungswälder. Tese de Doutorado. Fachbereiches Biologie der
Universität Hamburg. Hamburg. 112 p.
19