Definição de Idade Média
A Idade Média é o período que começa quando o Império romano se
dissolve e que, fundindo, a cultura latina, tendo o cristianismo como
aglutinante, com a dos povos que pouco a pouco foram fundindo o
Império, dá origem ao que hoje chamamos Europa, com as suas
nações, as línguas que ainda hoje falamos e as instituições que,
apesar de mudanças e revoluções, são ainda as nossas.
Umberto Eco em Bárbaros, Cristãos e Muçulmanos
• Flavio Biondo (1388-1463) e Leonardo Bruni (1370 – 1444) foram
os primeiros humanistas a dividir a história em três eras: antiga,
medieval e moderna. Também é Bruni a defender a ideia de que a
época medieval se inicia em 476.
• A Idade Média começou por ser designada pela expressão media
tempestas (“tempo do meio”), datada de 1469.
• A expressão medium aevum é registada pela primeira vez em
1604, pela mão do escritor e coleccionador suíço Melchior
Goldast.
• Inicia-se em 476 – data da Queda do Império Romano do Ocidente.
• Termina em 1453 – data da Queda do Império Romano do Oriente.
Império Romano no seu apogeu
Migrações Bárbaras
Bárbaro:
• Deriva de um termo grego que significa “estrangeiro”
• O termo latino equivalente designa aqueles que não são romanos,
não falam latim nem partilham a cultura e o modo de organização
política de Roma.
Dissolução do Império Romano: remonta a 376 quando os
Godos cruzam o Danúbio em busca de refúgio dos Hunos.
Entram em conflito com as tropas do Império Romano, o que
conduz à Batalha de Adrianápolis, em 378.
Esta batalha opõe os Romanos, comandados
pelo Imperador Valente, às tribos germânicas
comandadas por Fritigerno.
Os Godos vencem estrondosamente e Valente
morre na Batalha.
Prenúncio da queda do Império Romano do
Ocidente.
Teodósio I (347 – 395)
• Sucessor de Valente.
• É nomeado Imperador por Graciano, após a morte
de Valente na Batalha de Adrianápolis, em 378.
• Acordo com os Godos e, em particular, com
Alarico.
• É o último imperador romano a governar sobre um
Império unificado.
• Após a sua morte, em 395, o Império romano é
dividido pelos seus filhos: Arcádio fica com o
Imperio romano do Oriente; Honório com o
Império Romano do Ocidente.
• Consuma a política religiosa de Constantino.
• A sua governação é marcada pelo Édito de
Tessalónica (380).
• É da sua época um dos mais influentes Padres da
Igreja: Santo Agostinho de Hipona (354 – 430).
Alarico I
Primeiro rei visigótico entre 395 e 410
Ravena:
capital do Império Romano do
Ocidente entre 402 e 476.
Tornou-se capital do Império, em
substituição de Roma, com Honório,
após os Visigodos entrarem na
Península Itálica.
Queda do Império Romano do Oriente: 1453
• Heraclio (reinou entre 610-41) muda a sua língua oficial do latim
para o grego e cria um novo Império Bizantino baptizado em
homenagem a Bizâncio, a sua capital. Bizâncio era o nome grego
para Constantinopla.
• Império Bizantino: nome do Império romano
do Oriente, de cultura grega.
• Capital: Bizâncio, cidade da Grécia antiga,
rebaptizada de Constantinopla pelo Imperador
Constantino.
Império Bizantino cerca de 1263
Osmã ou Otomano I (1258-1326)
Líder dos turcos otomanos
Fundador da dinastia e do Império otomano
(Turcos Otomanos)
Proclama a independência do Império face
aos Turcos Seljúcidas em 1299.
Turcos Seljúcidas:
• Povo nómada turco, vindo da Ásia Central, fundado por Seljuq-Beg.
• São muçulmanos.
• Replicam as tácticas dos Hunos.
• Começam a atacar território bizantino.
• Constroem um Império que ocupa a Anatólia, parte da Ásia Central e,
mais tarde, a Pérsia. Este Império, por sua vez, é fundado por Tughril
Beg (1016-1063), em 1037, que havia sido criado pelo avô, Seljuq-Beg.
• Ao chegarem à Pérsia, adoptam a cultura e línguas persas, tendo
contribuído para o desenvolvimento da arte e literatura persas. Serão os
antecessores dos Turcos ocidentais.
• Participam na 1ª e 2ª cruzadas
Queda de Constantinopla
• Constantinopla é conquistada pelos
Turcos, comandados pelo Sultão Maomé
II, na terça-feira, 29 de Maio de 1453 e
passa a fazer parte do Império
Otomano.
• Constantinopla permanece capital do
Império Otomano até 1922 e é
renomeada Istambul pela República da
Turquia em 1930.
• Em 1923, quando é fundada a República
da Turquia, a capital é movida de
Istambul para Ancara.
• Para muitos historiadores, a queda de
Constantinopla marca o final da Idade
Média.
O que a Idade Média não é.
1) A Idade Média não é um século.
2) A Idade Média não é um período exclusivo da civilização
europeia.
3) Os séculos medievais não são a idade das trevas – as Dark Ages
– dos autores anglófonos.
4) A Idade Média não tinha só uma visão sombria da vida.
5) A Idade Média não é uma época de castelos torreados como os
da Disneylândia.
6) A Idade Média não ignora a cultura clássica.
7) A Idade Média não repudiou a ciência da Antiguidade.
O que a Idade Média não é.
8) A Idade Média não foi uma época em que ninguém se atrevia a ir
além dos limites da sua aldeia.
9) A Idade Média não foi apenas uma época de místicos e rigoristas.
10) A Idade Média não é sempre misógina.
11) A Idade Média não foi a única época iluminada por fogueiras.
12) A Idade Média não foi apenas uma época de ortodoxia triunfante.
O que a Idade Média nos deixou
• Moinhos, movidos pela água ou pelo vento.
• Evolução na medicina – em 1316, Mondino de Liuzzi publica um
tratado de anatomia e efectua as primeiras dissecações anatómicas,
dando início à ciência anatómica e à prática cirúrgica.
• Importância da óptica – mestres vidreiros, invenção dos óculos.
O que a Idade Média nos deixou
• A Universidade
• Nascimento da economia mercantil: a banca, a carta de crédito, o
cheque e a letra de câmbio.
• O Hospital.
• A pólvora de tiro
• Turismo inspirado nas peregrinações.
• Contendas entre o Estado e a Igreja (como hoje) e movimentos
fundamentalistas.
O que a Idade Média nos deixou
• Invenções como: a chaminé, o papel, os algarismos árabes
(adoptados no séc. XIII com o Liber Abaci de Leonardo Fibonacci), os
nomes das notas musicais, os botões, as cuecas, as luvas, as camisas,
as gavetas dos móveis, as calças, as cartas de jogar, o xadrez, o relógio
de escapo (antepassado dos relógios mecânicos) e os vitrais.
• As pessoas começam a comer sentadas à mesa e começam a usar
garfo.
Em que sentido foi a Idade Média tão diferente dos nossos
tempos?
• Cultura de manuscrito.
• Cultura mnemónica.
• Sentimento visionário do mundo e da natureza.
• Maravilhoso (mirabilia) - tradução do mundo e da natureza em termos de revelação espiritual.
• Mundo cheio de significados, referências, manifestações de Deus.
• Justificações filosóficas: neoplatonismo (pseudo-Dionísio, o Areopagita e Santo Agostinho).
• Saber enciclopédico.
Eis, pois, como o homem medieval vive num cosmos “falante”, disposto a escutar a Palavra de
Deus até no marulhar de uma folha.
Umberto Eco
Em que sentido foi a Idade Média tão diferente dos nossos
tempos?
• Auctoritates – tradição. O autor medieval finge sempre comentar e explicar
o que já foi dito antes dele (quando por vezes inova radicalmente). Noção
de autor é completamente diferente da actual.
• Sentido de arte e beleza diferente do actual. Não se associa directamente a
arte e o belo.
O belo é uma propriedade da Natureza e, como tal, vem de Deus.
≠
A arte é uma técnica, a capacidade de fazer bem os objectos segundo as
regras.
Um produto de arte só pode ser considerado belo se corresponder à
função a que se destina.
Em que sentido foi a Idade Média tão
diferente dos nossos tempos?
• Distinção entre artes liberais e servis (aquelas em
que se utilizam as mãos e onde se incluíam a pintura
e a escultura)
• Embora a Idade Média tenda a ocultar contradições e
ver o mundo com os olhos de Deus há fenómenos
paradoxais: o dogma e o carnaval; os manuscritos
religiosos e as margens; rituais de devoção e
impiedade e crueldade.
Idade Média
Época multifacetada, com uma enorme variedade de tradições.
https://www.youtube.com/watch?v=Cqzq01i2O3U
Medievalismo e
Neomedievalismo
- tem sido integrado nos Estudos Medievais.
- tem sido estudado sobretudo por medievalistas.
- tem florescido ao longo das últimas décadas.
- tem atraído a atenção de público académico e não académico.
- permite reflectir sobre a contemporaneidade e os problemas que a
afectam (em termos políticos, sociais, filosóficos, estéticos e
ideológicos, entre outros).
- permite compreender de que modo os fenómenos culturais dos
nossos dias se baseiam em ideias e estruturas que têm origem na
Idade Média.
Medievalismo - Definição
“A recepção, interpretação ou recriação da Idade Média europeia em culturas pós-
medievais .”
(“the reception, interpretation or recreation of the European Middle Ages in post-
medieval cultures.” in Louise D’Arcens (ed.), The Cambridge Companion to
Medievalism, Cambridge, CUP, 2016.
A era moderna revisitou a Idade Média assim que esta terminou.
Dois tipos de Medievalismo (Louise D’Arcens )
(Distinção não-consensual)
1) “medievalism of the found Middle Ages” – surgiu do contacto e da interpretação
dos documentos e objectos do passado medieval.
2) “medievalism of the made Middle Ages” – inclui textos e práticas pós-medievais
baseadas numa ideia e conceito de ‘medieval’.
“Thus, we are at present witnessing (…) a period of renewed interest in the Middle
Ages with curious oscillation between fantastic neomedievalism and responsible
philological examination”
Eco, p. 63
• Surge no século XIX como resposta à industrialização
• Idade Média como um período idealizado, um “sonho” de uma ordem
social específica, uma correcção dos males do presente
• (Re)descoberta de obras medievais, algumas traduzidas pela primeira
vez
• Recolha de histórias da tradição oral que remontam ao passado da
Idade Média
• Busca de obras literárias que estivessem na fundação das nações
• Nascimento dos Estudos Medievais
• Surgimento de um novo género literário: romance histórico
“[…] popular culture embraced medievalism so much that the historic Middle Ages
became, in many ways, of secondary importance to the majority of Victorians” (1).
Loretta Holloway e Jennifer Palmgren. “Introduction”. Beyond
Arthurian Romances: the reach of Victorian Medievalism. 2005.
“This literary medievalism […] helped in its turn to build up a generally accepted sense of
what the Middle Ages had been like and established the past as an imaginative entity
with a life of its own” (18).
Alice Chandler. A Dream of Order: The Medieval Ideal in Nineteenth-
Century English Literature. 1971.
“What would Ruskin, Morris and the Pre-Raphaelites have said if they
had been told that the rediscovery of the Middle Ages would be the
work of twentieth-century mass media?”
Umberto Eco, “Dreaming of the Middle Ages” in Travels in Hyperreality, San
Diego, New York and London, Harcourt Inc, 1986, p. 67.
“It seems that people like the Middle Ages.”
Eco, p. 61
Estaremos a viver uma nova Idade Média?
Todas as grandes questões do mundo moderno ocidental nasceram na Idade
Média:
• Línguas modernas
• Cidades mercantis
• Economia capitalista (o banco, o cheque)
• Crescimento dos exércitos
• Conceito de estado nacional
• Conceito de heresia
• Conceito de amor
• Livro Jean-Jacques Annaud, 1986
• Compasso 1980
• Óculos
• ….. Cada vez que nos questionamos sobre as
nossas origens recuamos à Idade Média.
Ela é a era da nossa infância.
Sonhamos 10 pequenas Idades Médias:
1) A Idade Média como pretexto.
2) A Idade Média como lugar de revisitação irónica.
3) A Idade Média como uma era bárbara.
4) A Idade Média do Romantismo.
5) A Idade Média da philosophia perennis ou do neo-Tomismo.
6) A Idade Média das identidades nacionais.
7) A idade Média do Decadentismo.
8) A Idade Média da Reconstrução Filológica.
9) A Idade Média da chamada Tradição.
10) A Idade Média da espera do Milénio.
“neomedieval wave” e cultura popular – cinema, séries, música, jogos de
computador, teatro, joalharia, mobiliário, etc….
“[…] neomedievalism is a self-conscious, ahistorical, non-nostalgic imagining or
reuse of the historical Middle Ages that selectively appropriates iconic images, often
from other medievalisms, to construct a presentist space that disrupts traditional
depictions of the medieval” (22).
David Marshall. "Neomedievalism, Identification, and the Haze of Medievalisms".
Defining Neomedievalism(s) II. Karl Fugelso (Ed.). 2011.
Richard Marquand, 1983
John Boorman, 1981
A nossa era pode ser definida como uma nova Idade Média.
“Are there any connections between the Heroic Fantasy of Frank
Frazetta, the new Satanism, Excalibur, the Avalon sagas, and Jacques Le
Goff? If they met abroad some unidentified flying object near
Montaillou, would Darth Vader, Jacques Fournier, and Parsifal speak the
same language? If so, would it be a galactic pidgin or the Latin of the
Gospel according to St. Luke Skywalker?”
Umberto Eco, “Dreaming of the Middle Ages p. 61.
Detalhe de Iluminura de The Smithfield Decretals, sul de França , c. 1300 – c.
1340, Royal MS 10 E IV, f. 30v