EDUCAÇÃO SOCIOEMOCIONAL: reflexões e possibilidades educativas
Priscila Sales Rodrigues Pessoa1
A educação socioemocional, temática cada vez mais discutida atualmente, permite uma
reflexão sobre o papel da escola frente ao desenvolvimento de competências, em seus
estudantes, como, por exemplo, autoconhecimento e autocuidado, empatia e cooperação,
responsabilidade e cidadania, entre outras, que estão destacadas como competências gerais da
Educação Básica, previstas no texto da Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL,
2018).
Torna-se essencial repensar sobre quais ações a escola tem proporcionado para
compreender e estudar sobre a educação socioemocional, além de repensar sobre as práticas
educativas ofertadas no cotidiano escolar.
As primeiras discussões sobre educação socioemocional surgiram em 1994, nos Estados
Unidos, com a organização CASEL (The Collaborative for Academic, Social, and Emotional
Learning). O objetivo principal é de integrar elementos socias e emocionais aos conteúdos
acadêmicos.
Essa organização internacional sem fins lucrativos, que é formada por uma comunidade
de pesquisadores, professores e diversos profissionais da educação, concebe as crianças, os
jovens e adultos como aprendizes autoconscientes, atenciosos, responsáveis, engajados em um
trabalho colaborativo para alcançar seus objetivos e criar um mundo mais incluso e justo, por
meio de um compromisso com a educação social e emocional.
Estudiosos e pesquisadores pertencentes a essa organização definem a aprendizagem
social e emocional como parte integrante da educação e do desenvolvimento humano. Segundo
eles, esse é o processo através do qual todos os indivíduos adquirem e aplicam os
conhecimentos, habilidades e atitudes para desenvolverem identidades saudáveis, gerenciar
emoções e alcançar objetivos pessoais e coletivos, sentir e mostrar empatia pelos outros,
estabelecer e manter relações solidárias e tomar decisões responsáveis e cuidadosas.
1Graduada em Licenciatura plena em Pedagogia pelo Centro Universitário Toledo - UNITOLEDO. Mestra em Educação pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - FCT/UNESP - Presidente Prudente. Doutoranda em Educação pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - FCT/UNESP - Presidente Prudente, e membro do grupo de estudos e
pesquisa FOPREI - Formação de Professores para a Educação infantil.
Pesquisas realizadas evidenciam que a educação que promove a aprendizagem social e
emocional apresenta impactos positivos no desempenho acadêmico, relacionamentos
saudáveis, bem-estar mental, entre outros benefícios ao estudante.
Os membros envolvidos na CASEL (The Collaborative for Academic, Social, and
Emotional Learning) destacam as cinco principais competências sociais e emocionais, a saber:
autoconsciência, autogestão, consciência social, habilidade de relacionamento e tomada de
decisão responsável.
Objetivando o desenvolvimento integral dos educandos, o que implica ir além dos
conteúdos acadêmicos tradicionais, torna-se essencial o aprofundamento nas dimensões
socioemocionais, e, para isso, faz-se necessário repensar como os ambientes educativos estão
sendo planejados e projetados, bem como repensar sobre a relação entre escola, família e
comunidade.
Em 1996, questões concernentes a essa temática estiveram em pauta na UNESCO
(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). No relatório para a
UNESCO, da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, intitulado “Educação:
um tesouro a descobrir”, Jacques Delors apresenta os quatro pilares da educação, sendo eles:
aprender a conhecer/ aprender a fazer/ aprender a viver juntos, aprender a viver com os
outros/aprender a ser.
Versa que aprender a conviver representa um dos maiores desafios da educação, e
reforça, ainda, sobre a necessidade de a escola lutar contra os preconceitos geradores de
conflitos.
De acordo com o relatório, a tarefa é árdua porque, muito naturalmente, os seres
humanos têm tendência a supervalorizar as suas qualidades e as do grupo a que pertencem, e a
alimentar preconceitos desfavoráveis em relação aos outros.
Passando à descoberta do outro, necessariamente, pela descoberta de si mesmo, e por
dar à criança e ao adolescente uma visão ajustada do mundo, a educação, seja ela dada
pela família, pela comunidade ou pela escola, tem por finalidade, ajudá-los a
descobrir-se a si mesmos. Só então poderão, verdadeiramente, pôr-se no lugar dos
outros e compreender as suas reações. Desenvolver esta atitude de empatia, na escola,
é muito útil para os comportamentos sociais ao longo de toda a vida. (DELORS, 1996,
p.98)
Nesse contexto, o documento enfatiza a importância do pilar aprender a ser, para
melhor desenvolver a personalidade do aluno e estar à altura de agir com cada vez maior
capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal. Para isso, torna-se
de fundamental importância não negligenciar, na educação, nenhuma das potencialidades de
cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para
comunicar-se, entre outras. (DELORS, 1996, p. 20)
Corroborando com as ideias apresentadas no relatório para a UNESCO, compreende-se
que as aprendizagens de conviver e a de ser precisam fazer parte das práticas da educação
formal, bem como as demais aprendizagens.
Em análise às proposituras contidas no relatório das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Básica, fica evidente a relevância de trabalhar os aspectos sociais e emocionais,
desde a Educação Infantil ao Ensino Médio.
A Educação Básica é direito universal e alicerce indispensável para a capacidade de
exercer em plenitude o direto à cidadania. É o tempo, o espaço e o contexto em que o
sujeito aprende a constituir e reconstituir a sua identidade, em meio a transformações
corporais, afetivo-emocionais, socioemocionais, cognitivas e socioculturais,
respeitando e valorizando as diferenças. (BRASIL, 2013, p. 17)
O documento recorre às contribuições de Henri Wallon e seus estudiosos, para discutir
sobre o desenvolvimento do ser humano, e compreender, um pouco melhor, sobre a natureza
multidimensional implicada nas relações de ensinar e aprender.
Por meio de análise das publicações de pesquisas concernentes à teoria walloniana,
identifica-se que o desenvolvimento da pessoa como um ser completo não ocorre de maneira
linear e contínua. Sendo assim, os processos cognitivos, afetivos e motores estão interligados e
a pessoa é o todo que integra esses campos funcionais.
Wallon sempre defendeu a ideia de que a escola tem por objetivo oferecer formação
integral aos estudantes, ou seja, formação afetiva, intelectual e social. Suas proposituras teóricas
representam um marco importante no campo educacional, pois, até então, pouco se discutia
sobre a afetividade no processo educativo.
Considerando que a afetividade se trata de um aspecto de suma importância na tarefa
educativa e que as interações estabelecidas entre professor e aluno, bem como entre os alunos,
interferem nas situações de aprendizagem e de desenvolvimento, passa-se a refletir e analisar,
com mais cautela e sensibilidade, sobre a qualidade dessas interações.
Para tanto, torna-se essencial o investimento em atividades que estimulem o diálogo, a
cooperação e o relacionamento, oportunizando o aprendizado de partilhar, resolver desafios e
conflitos, conquistar seu espaço no grupo, ajudar e pedir ajuda para concluir tarefas.
Como já apresentado anteriormente, as interações estabelecidas no cenário educacional
deixam marcas, sendo assim, buscar a afetividade como forma de construção dessas interações
e do conhecimento, entende-se como um caminho profícuo.
Algumas práticas, como diálogo constante, fazer compartilhado, atividades em duplas e
em grupos, assembleias nas quais desenvolvam as habilidades de falar e escutar, o estímulo
pela apreciação e respeito às próprias produções e às produções do outro, jogos e brincadeiras,
e, principalmente, o olhar sensível e a escuta atenta do professor frente às manifestações dos
educandos, são estratégias interessantes para atingir o objetivo central.
O aprofundamento nas relações interpessoais de maneira qualitativa, objetiva o
desenvolvimento emocional do estudante para a elaboração de estratégias necessárias para o
enfrentamento de situações reais que envolvem as diversas emoções, sejam elas a alegria, o
medo, a raiva, a tristeza, entre outros.
Conforme apresentado por Alexander (2017, p. 71), uma experiência interessante que
ocorre nas escolas da Dinamarca é de um programa nacional obrigatório, aplicado desde o
Ensino Fundamental, chamado Passo a Passo. Nesse programa, são apresentadas aos alunos
fotos de crianças, cada uma apresentando uma emoção diferente: tristeza, raiva, frustração,
felicidade etc. Os alunos debatem essas fotos e expressam em palavras o que as crianças estão
sentindo. Dessa maneira, aprendem a definir seus próprios sentimentos, assim como os dos
outros. Aprendem a sentir empatia, solucionar problemas, manter o autocontrole e ler
expressões faciais. Uma parte essencial desse programa é que os educadores e as crianças não
julgam as emoções que veem. Eles apenas as reconhecem e respeitam.
Quando o professor demonstra dificuldade em compreender e interpretar as emoções de
seus alunos, fica mais suscetível ao que Wallon nomeia de “contágio” e, consequentemente,
passa a fazer parte do “circuito perverso”.
Segundo Almeida (1994, p. 240), estudiosa da teoria walloniana:
[...] é necessário que o professor conheça o fenômeno emocional para conseguir
quebrar o “circuito perverso” em que se vê envolvido. O “circuito perverso” se instala
quando o indivíduo não consegue reagir de forma corticalizada diante de reações
emocionais alheias. O perigo de se estabelecer o “circuito perverso” é o fato de que,
uma vez instaurado, o sujeito torna-se ainda mais vulnerável à ampliação das reações
emotivas. [...]
De acordo com Milan, Garms e Lopes (2011), com o objetivo de suavizar a crise
emocional, torna-se necessário que os professores tenham acesso aos mecanismos que
minimizem a emoção ou os deixem menos suscetíveis a ela, ou seja, é de suma importância que
os educadores desenvolvam estratégias para controlar as emoções, mas, para isso, é necessário
ter conhecimento do que é emoção, como ela se manifesta, para, assim, tentar administrá-la em
si e no outro.
Cacheffo (2017, p. 50), faz uma interessante explanação sobre a emoção no processo
educativo, a saber:
Dessa maneira, os estudos das obras wallonianas permitiram identificar que, no
processo educativo, a emoção desempenha o papel de agente mediador da ação
pedagógica, da observação e da melhor forma de conhecer a criança, de sorte a
identificar as diferenças e as explicações plausíveis. Ademais, propicia reconhecer o
professor como o responsável por promover uma educação do indivíduo integral,
conhecendo o desenvolvimento infantil, suas manifestações afetivas e as atividades
significativas para cada etapa da sua constituição.
Diante disso, percebe-se que a educação socioemocional não é algo que deve ser voltado
somente aos estudantes, mas também aos professores, sendo necessário ter um olhar sensível
para ambos, para que juntos, encontrem caminhos e estabeleçam interações saudáveis,
aproximando-se, cada vez mais, do objetivo principal da educação: o desenvolvimento integral
do sujeito.
REFERÊNCIAS
ALEXANDER, J. J. Crianças dinamarquesas: o que as pessoas mais felizes do mundo
sabem sobre criar filhos confiantes e capazes. Tradução de André Fontenelle. – 1.ª ed. – São
Paulo: Fontanar, 2017.
ALMEIDA, A. R. S. A Emoção e o Professor: Um Estudo à Luz de Henri Wallon.
Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC. São Paulo,
1994.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum
Curricular. Disponível em:
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf .
Acesso em: 22 setembro 2022.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.
CACHEFFO, V. A. F. F. Afetividade na creche: construção colaborativa de saberes e
práticas docentes a partir da teoria walloniana. Tese de doutorado. Universidade Estadual
Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP. Presidente Prudente, 2017.
CASEL. O que é a estrutura CASEL? Disponível em: https://casel.org/fundamentals-of-
sel/what-is-the-casel-framework/. Acesso em 28 setembro 2022.
DELORS. J. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional sobre Educação para o século XXI. Tradução de José Carlos Eufrázio.
UNESCO. São Paulo: Cortez, 1996.
MILAN, S. G.; GARMS, G. Z.; LOPES, C. S. A afetividade na educação infantil: um elo
indispensável à teoria walloniana. In: X Congresso Nacional de Educação: EDUCERE. I
Seminário internacional de representações sociais, subjetividade e educação – SIRSSE.
Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. Anais. Curitiba, nov. 2011.